da privação dos sentidos a legítima defesa da

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DA PRIVAÇÃO DOS SENTIDOS A LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO E A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES. Profª Drª Andrea Borelli 1 A GÊNESE DA NOÇÃO DE CRIMINOSO PASSIONAL E A REPERCUSSÃO NO BRASIL O contato dos europeus com os outros grupos humanos, e a expansão dos métodos de exploração capitalista, levaram ao crescimento de teorias científicas, que classificavam e hierarquizavam as várias culturas existentes. 2 Vários grupos de cientistas, principalmente médicos e juristas, voltaram-se ao estudo das tendências criminosas e dos criminosos. Tratava-se de um processo de medicalização do crime e, por esse motivo, os estudos iniciais sobre esse assunto aconteceram no campo da medicina. Os médicos estudavam a ligação entre o desenvolvimento intelectual e o tamanho da caixa craniana, tentando estabelecer o grau de inteligência dos vários grupos étnicos humanos. Neste clima de 1 Doutora em Ciências Sociais e Mestre em História pela PUC/SP. 2 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

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  • DA PRIVAO DOS SENTIDOS A LEGTIMA DEFESA DA

    HONRA: CONSIDERAES SOBRE O DIREITO E A

    VIOLNCIA CONTRA AS MULHERES.

    Prof Dr Andrea Borelli1

    A GNESE DA NOO DE CRIMINOSO PASSIONAL E A

    REPERCUSSO NO BRASIL

    O contato dos europeus com os outros grupos humanos, e a

    expanso dos mtodos de explorao capitalista, levaram ao

    crescimento de teorias cientficas, que classificavam e hierarquizavam

    as vrias culturas existentes.2

    Vrios grupos de cientistas, principalmente mdicos e juristas,

    voltaram-se ao estudo das tendncias criminosas e dos criminosos.

    Tratava-se de um processo de medicalizao do crime e, por esse

    motivo, os estudos iniciais sobre esse assunto aconteceram no campo

    da medicina.

    Os mdicos estudavam a ligao entre o desenvolvimento

    intelectual e o tamanho da caixa craniana, tentando estabelecer o grau

    de inteligncia dos vrios grupos tnicos humanos. Neste clima de

    1 Doutora em Cincias Sociais e Mestre em Histria pela PUC/SP.2 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Imprios. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

  • medies, estatsticas e outros elementos, merece destaque o trabalho

    do mdico italiano Czare Lombroso.3

    Lombroso realizou seus estudos de medicina em Pdua. Em 1874,

    recebeu a ctedra de medicina legal, em Turim. Em 1876, foi

    publica4da

    sua obra principal, O Homem Delinqente, na qual defendeu a tese da

    existncia de criminosos natos. O pice de sua carreira aconteceu em

    1885, quando exerceu o cargo de presidente do Primeiro Congresso

    Internacional de Antropologia Criminal.

    Nestes anos, Lombroso lutou para dar consistncia sua teoria

    do criminoso nato, descrevendo uma srie de elementos considerados

    essenciais para reconhec-lo, antes que suas tendncias criminosas se

    manifestassem.

    Em 1895, Lombroso passou a analisar as mulheres, publicando o

    livro A Mulher Criminosa e a Prostituta, em colaborao com o mdico

    Ferrero. Nas pginas desse livro, ele traava a inferioridade que

    considerava inerente mulher normal, reforando, dessa forma, o

    universo de representaes sobre a feminilidade corrente no perodo.

    A mulher criminosa carecia de instinto materno, de lealdade e era

    dotada de uma crueldade requintada e diablica. As teses de Lombroso

    3 DARMON, Pierre. Mdicos e Assassinos na Belle Epoque. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.4

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  • nunca foram uma unanimidade entre os mdicos ou entre os juristas.

    Na Itlia, as idias de Lombroso encontraram apoio entre juristas como

    Luigi Garofalo5 e Enrico Ferri.

    Ferri era professor de direito penal e, em suas obras, tentou

    realizar a sntese entre o positivismo e a escola sociolgica. Sua tese

    principal era a substituio da noo de responsabilidade moral pela

    noo de responsabilidade social e de defesa social.

    Em seu livro Princpio de Direito Criminal, Enrico Ferri teceu a

    seguinte considerao:

    O homem sempre responsvel de todos os

    seus atos, somente porque vive em sociedade.

    Vivendo em sociedade, o homem recebe dela as

    vantagens da proteo e do auxlio para o

    desenvolvimento da personalidade fsica,

    intelectual e moral. E, portanto, deve tambm

    suportar-lhe as restries e respectivas sanes, e

    que asseguram o mnimo de disciplina social, sem o

    que no possvel nenhum consrcio civilizado.6

    Foucault, em Vigiar e Punir7, considera que a teoria do contrato

    social subsidia uma nova forma de punir os infratores dos mecanismos

    5 Luigi Garofolo foi um importante jurista da escola italiana. Seus primeiros ensaios datam de 1876, e sua principal obra de grande influncia no universo jurdico do perodo, La criminologia, foi publicada em Turim, no ano de 1885.6 FERRI, Enrico. Princpio de Direito Criminal, S.N.T.7 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: histria da violncia nas prises. Petrpolis: Vozes, 1994.

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  • legais, estabelecendo novos princpios na arte de punir e

    homogeneizando seu exerccio.

    Partindo desta premissa, o autor apresenta a impossibilidade da

    justia continuar a basear sua ao nos suplcios fsicos impostos ao

    infrator. A punio deveria abandonar a esfera da vingana e de sua

    identificao como uma ofensa figura do monarca absoluto.

    As prticas sociais, lcitas e ilcitas, precisavam ser codificadas

    para o surgimento de uma nova poltica sobre a ilegalidade. Assim,

    criou-se a noo de que a nova legislao penal representava um

    consenso sobre o direito de punir, e uma nova forma de gerir o

    comportamento inadequado.

    Com base na noo de contrato social, esta nova poltica

    pressupunha que o indivduo aceitava, tacitamente, a punio que lhe

    era aplicada. Isto era respaldado pela idia de que todos haviam

    aderido, racionalmente, ao contrato social,8 o que pressupunha que

    aceitariam a punio que viesse da ruptura de algum dos elementos por

    ele gerido.

    8 Desde o sculo XVII, a caracterstica central do homem era a razo, tida como elemento que diferenciava o homem de todos os outros seres e marcava sua relao com os elementos que o cercavam. Ver: ODALIA, Nilo. A liberdade como meta coletiva. PINSKY, Jaime e PINSKY, Claudia. Histria da Cidadania. So Paulo: Contexto: 2003.

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  • A ruptura do contrato colocava o infrator contra toda a

    sociedade, com a qual tinha firmado o acordo de convivncia mtua e,

    portanto, sua infrao tinha que ser punida.

    Segundo Foucault, o direito de punir era de toda a sociedade que

    firmara o contrato, e a medida da punio deveria ser determinada

    levando em conta a sensibilidade humana dos homens que

    compunham o contrato. Seguindo esta noo, a humanidade que a

    regra penal devia respeitar no era a do infrator, mas a da sociedade

    obediente aos preceitos legais.

    Para o clculo da medida exata da punio cabvel ao infrator, era

    necessrio, segundo Foucault, avaliar os efeitos do castigo e o poder que

    se pretende exercer sobre o grupo social. Portanto, o que se pune a

    desordem que o comportamento ilcito causou ao grupo social, e a

    punio adequada devia carregar o sentido do exemplo.

    Neste novo contexto, funo da punio era evitar a repetio do

    comportamento ilcito por outros indivduos, reduzindo o interesse pelo

    crime, infundindo o temor da pena. Neste sentido, a arte de punir

    repousa na institucionalizao de um conjunto de aes que procuram

    submeter fora desorganizadora do comportamento ilcito, e

    apresentar a pena como conseqncia natural da ao inadequada.

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  • Portanto, para Foucault, a pena um conjunto de sinais, de

    mecanismos de reduo de interesse pelo crime e de durao da ao

    recriminatria, voltada no somente ao infrator, mas a todos os

    possveis infratores. A representao do preo a ser pago pelo crime

    funcionaria como inibidor das aes ilcitas.

    O suporte do exemplo, agora a lio, o

    discurso, o sinal decifrvel, a encenao e a

    exposio da moralidade pblica.9

    Neste sentido, no que tange ao gnero, os grupos sociais

    hierarquizam as relaes entre homens e mulheres, e tornam os

    homens detentores do poder nelas implcito.10 importante observar

    que, o poder masculino no absoluto e que, por meio das relaes

    micropolticas, as mulheres se apropriam de fatias do poder masculino

    e podem exerc-lo sobre crianas ou idosos, por exemplo.

    Dentro desta lgica, a violncia inerente organizao social de

    gnero, visto que permissvel aos homens fazer uso dela, a fim de

    garantir sua posio privilegiada na sociedade, demonstrando, assim,

    que a violncia um elemento estrutural.

    9 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurdicas. Rio de Janeiro: Editora Nau, 2002, p.91.10 SAFFIOTI, Heleieth. Violncia contra a mulher e violncia domstica. BRUSCHINI, Cristina e UNBEHAUM, Sandra. Gnero, democracia e sociedade brasileira. So Paulo: FCC/Ed.34, 2002.

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  • Na esfera do direito, a ao humana era justificada de diferentes

    maneiras. Na escola clssica, a noo de livre-arbtrio e

    responsabilidade moral, exigia a conscincia do criminoso no momento

    do ato. No caso dos crimes de honra, por exemplo, esta noo podia ser

    subvertida pela idia de que o criminoso estava privado de razo, pois a

    traio por exemplo era considerada um motivo suficientemente forte

    para provocar a privao dos sentidos e da inteligncia.

    Ao determinar que a responsabilidade do criminoso era social,

    Ferri e os juristas da escola positiva11 reforavam uma noo da lei

    como determinada pela sociedade e suas regras. O espao para garantir

    a iseno, no caso dos crimes passionais, era a categorizao dos

    criminosos e a individualizao das penas.

    Estas noes apontavam qualidades diferentes para os

    criminosos, e serviam como base legal para um julgamento, no qual o

    ato criminoso era obscurecido pelo motivo, ou seja, as qualidades

    desejadas para a mulher ideal podiam ser reforadas pela supresso da

    adltera. Pode parecer uma lgica ambgua ou despropositada, mas, ao

    julgar o crime desta forma, o judicirio cumpria sua funo: a defesa da

    sociedade contra um comportamento desafiante.

    11 ALVARES, Marcos Cesar. Bacharis, Criminologistas e Juristas: saber jurdico e Nova Escola Penal no Brasil (1889-1930), 2001. 194p. Tese (doutorado em Cincias Sociais), USP, So Paulo.

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  • Ferri12 ampliou o trabalho de Lombroso e classificou os

    criminosos em cinco categorias bsicas: o criminoso louco era aquele

    que estava entre a sanidade e a doena, sendo seu estado quase

    patolgico; o criminoso nato que, para ele, era algum com atrofia do

    senso moral; o delinqente habitual era, antes de qualquer coisa, um

    produto do meio em que vivia, ou seja, indivduos que cometiam crimes

    influenciados por ms companhias; este diferia do ocasional que,

    segundo Ferri, pela falta de firmeza de carter, podia cometer um crime

    se envolvido em uma situao propcia; e o criminoso passional, que era

    assim descrito pelo autor:

    O Delinqente passional acrescenta Ferri

    aquele, antes de tudo, movido por uma paixo

    social. Para construir essa figura de delinqente

    concorre a sua personalidade, de precedentes

    ilibados, com os sintomas fsicos entre outros

    da idade jovem, do motivo proporcionado, da

    execuo em estado de comoo, ao ar livre, sem

    cmplices, com espontnea apresentao

    autoridade e com remorso sincero do mal feito,

    que, freqentemente. Se exprime com o imediato

    suicido ou tentativa sria de suicdio Esta

    classificao dos criminosos advinha de uma nova

    postura perante a questo da gnese da ao

    criminosa que, segundo Ferri, estava na paixo. A

    12 DARMON, Pierre. Mdicos e Assassinos na Belle Epoque. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.

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  • paixo era o mvel da ao criminosa. Contudo,

    por ser uma fora incontrolvel, no atingia

    somente os indivduos perversos, os bons

    cidados podiam ser atingidos pelas exploses da

    paixo.13

    Assim, para separar os justos dos perversos era necessrio

    analisar a qualidade da paixo que tinha levado a pessoa ao crime.

    Dessa forma, era possvel garantir que seus motivos funcionassem

    como atenuante da pena ou dirimente completa da responsabilidade.

    Ento, as paixes14 foram divididas em dois grupos distintos: as

    paixes sociais, que servem como dirimente, e as anti-sociais, que

    mostram o carter inadequado do criminoso e do crime.

    No caso dos passionais, devia-se, j no primeiro momento,

    determinar a qualidade da paixo que o impulsionava.15 O motivo que o

    levou ao tinha de ser relevante para a manuteno da ordem moral

    da sociedade. Se agiu em defesa de princpios, como famlia e honra, a

    paixo que o impulsionava classificava-se como social e, portanto, era

    possvel a atenuao da pena, diminuindo o tempo de recluso ou

    levando absolvio do criminoso.

    13 FERRI, Enrico. O delito Passional na civilizao contempornea. So Paulo: Saraiva, 1934, p.3.14 Paixo era entendida pelos juristas como fora irresistvel. 15 HARRIS, Ruth. Assassinato e Loucura: Medicina, leis e sociedades no fim de Sicle. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

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  • A indignao provocada por um crime, que

    tem como motivo o interesse pecunirio, ou a

    srdida inveja, no se repete diante de um crime

    que tem por motivo um amor infeliz, a traio de

    um falso amigo, a ofensa ao pudor de uma filha.

    No se pretende com isso que s o motivo baste

    para classificar o criminoso e, conseqentemente,

    orientar a individualizao. O que se sustenta a

    suprema importncia do motivo na caracterizao

    do crime e na revelao da ndole do criminoso.16

    Determinar a causa do crime era essencial para a percepo de

    que aquele criminoso tinha cometido um delito induzido por um

    motivo relevante, estando, entre tais motivos, a honra masculina.17 Os

    juristas que utilizavam essa definio na defesa de passionais, insistiam

    que a honra era uma paixo social, e que mantinha a coeso da vida em

    sociedade.

    Tratava-se da manuteno de uma estrutura hierrquica, que

    estabelecia uma ponte entre a honra do homem e os atos femininos,

    como se nota das declaraes de um promotor pblico, em caso

    analisado:

    16 LYRA, Roberto. O suicdio Frustro e a responsabilidade dos criminosos Passionais. Rio de Janeiro: SCP, 1935, p.197.17 BORELLI, Andrea. Matei por amor: representaes do masculino e do feminino nos crimes passionais. So Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.

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  • Si fosse exacto e estivesse provado que a

    victima enganava o marido, seria eu o primeiro a

    pedir a absolvio do accusado.18

    Portanto, pode-se inferir que os homens que tivessem cometido

    crimes contra mulheres, que tinham rompido os padres estabelecidos,

    poderiam usufruir a impunidade garantida pela noo de paixo social.

    necessrio observar que, os juristas atentavam para a questo

    de que ao garantir a impunidade aos passionais, podia-se incorrer em

    absolvies escandalosas19, que deixassem de considerar o carter

    objetivo do ato criminoso, e somente observassem os elementos

    subjetivos do crime.

    Esta postura era considerada uma das conseqncias da

    expanso do romantismo do sculo XIX que, segundo os juristas,

    ofereceu aos crimes de amor uma aura de tragdia que comovia a todos.

    O romantismo propunha a excitao sentimental, a valorizao

    exaltada do indivduo e imagens idealizadas das mulheres como figuras

    de rosto marmreo e fogo interior.20 Esta era a fora principal para que

    18 CARNEIRO, Justino. A Legitima Defesa da Honra nos Crimes de Adultrio. Revista de Jurisprudncia Brasileira. 1929, S.N.T, p. 13-18. 19 BESSE, Susan K. Crimes Passionais: a campanha contra os assassinos de mulheres no Brasil; 1910-1940. Revista Brasileira de Histria: A Mulher e o Espao Pblico. So Paulo: Marco Zero - Anpuh, v.9, n. 18, 1989. p.191 97.20 DEL PRIORI, Mary. Corpo a Corpo com a Mulher: pequena histria das transformaes do corpo feminino no Brasil. So Paulo: Editora do Senac, 2002.

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  • grandes juristas, como Ferri, achassem ser possvel escusar aqueles que

    diziam ter agido por amor.

    Outro elemento a ser considerado era a personalidade do autor.21

    Seu carter e comportamento deviam ser avaliados, pois somente

    aqueles que cumpriam os quesitos de passado e educao sem mculas

    podiam ser considerados passionais. Qualquer mancha podia

    descaracterizar esta construo e exclu-lo da possibilidade de

    absolvio.

    Outrossim, quando a boa ndole do

    criminoso, o seu honesto passado, a qualidade

    moral e social dos motivos e a forma apenas

    violenta da execuo do seu crime, seguida de

    arrependimento, ou de remorso, mostrarem que o

    mesmo crime passional ou emotivo foi triste e

    doloroso episdio na vida normal do criminoso,

    no h razo para lhe ser aplicada qualquer pena,

    ainda mesmo no desonrosa. Toda a represso

    seria intil, e, como tal, inqua.22

    E, tambm, pode-se perceber estes aspectos em:

    21 BORELLI, Andrea. Paixo e Criminalidade. Direito USF. Bragana Paulista, n 2 , volume 16, jul/dez1999, p.29 - 38.22 MORAES, Evaristo. Criminalidade Passional. O homicdio e o homicdio - suicdio por amor em face da Psychologia Criminal da Penalstica. So Paulo: Saraiva, [19--], p.66-69.

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  • O amor no a nica paixo que qualifica o

    delito passional, tanto na linguagem jurdica, como

    na linguagem comum, mas as paixes ligadas

    etilogia do crime so: o amor, a honra, a f religiosa

    ou a poltica. Essas, normalmente exercem uma

    funo til na sociedade e s aberram em

    determinadas condies mesolgicas e

    antropolgicas.[...] o jurista e o legislador no

    podem nem devem esquecer nunca que, quando a

    ao humana vai de encontro ordem material

    constituda e humanidade, os seus autores no se

    confundem na bolsa dantesca dos criminosos

    comuns e vulgares, que no nos merecem respeito

    ou piedade.23

    Para reforar esse elemento, o da diferena entre os passionais e

    os outros criminosos, era necessrio coloc-los em uma outra categoria,

    o que permitia que cada caso recebesse um tratamento jurdico mais

    adequado situao de rus primrios que tinham agido por um

    motivo nobre. A maneira de realizar esta operao era criar a noo

    de que o crime era um intervalo infeliz e irracional na vida de um bom

    homem, cumpridor de seus deveres de cidado e de marido. Era,

    portanto, injusto que fosse julgado pelos mesmos parmetros dos

    prisioneiros comuns.

    23 FERRI, Enrico. O delito Passional na civilizao contempornea. So Paulo: Saraiva, 1934, p.63.

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  • A escola positiva apontava a necessidade de aplicar a cada

    indivduo uma pena adequada, levando em conta sua periculosidade

    para a sociedade. De fato, tratava-se de uma pena que promovesse a

    defesa social diante de um agressor potencial.

    Deve-se observar que, o prprio Ferri, ao definir o que era

    criminoso passional, apontava que ele era um indivduo de baixa

    periculosidade e que sua ao era fruto de uma conjuno de fatores

    que dificilmente aconteceria outra vez. Desta forma, a sociedade no

    precisava tem-lo, e o direito, que era responsvel pela defesa social,

    no precisava puni-lo com rigores excessivos.

    Ao aplicar estes princpios ao caso dos assassinos de mulheres, o

    judicirio esvaziava a violncia do ato que tinha suprimido uma vida.

    Assim, o foco da questo era levado para a vida pregressa e a

    periculosidade do assassino, garantindo uma pena amena ou

    inexistente. Provavelmente, a questo era ainda mais aceitvel nos

    casos que envolvessem a ruptura dos padres socialmente aceitos.

    Tal colocao conflua para a noo pregada por Evaristo de

    Moraes24:

    24 Evaristo de Moraes nasceu em 20 de outubro de 1871, no Rio de Janeiro, e morreu na mesma cidade, em 30 de junho de 1939. Sua estria no tribunal do jri deu-se 1894, apesar de s ter obtido o ttulo de bacharel em direito em 1916, quando j era bastante conhecido nos meios jurdico e jornalstico. Trabalhou em inmeros casos envolvendo crimes de paixo, alm de exercer um papel central na modernizao da legislao social do pas e ter exercido o cargo de consultor jurdico do Ministrio do Trabalho.

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  • E de fato, o crime que se pune, mas

    considerando cada indivduo que se escolhe a

    medida conveniente [...] preciso atender aos

    caracteres particulares do delinqente, aos seus

    antecedentes, a sua situao na famlia, a educao

    recebida, o meio que viveu.25

    Seguindo este raciocnio, Evaristo Moraes dizia ser necessrio

    levar em conta as circunstncias e os motivos de um crime para julg-

    lo, pois era incorreto aplicar a mesma pena quele que defendia um

    valor social relevante e um criminoso habitual, que agia levado por

    seus instintos perversos.26

    Esta noo era defendida por inmeros juristas, que julgavam

    serem impossveis generalizaes muito amplas em matria de direito

    penal. Alm disso, consideravam que somente se pode responder a

    determinadas questes aps a anlise de casos e posturas concretas.

    Tratava-se da noo de que era necessrio julgar os indivduos por toda

    a sua vida, e no somente pelo momento do crime.

    E ningum dir a srio que, na pior hiptese,

    admitindo a punibilidade dos apaixonados e

    emotivos, sejam aplicveis a eles as mesmas penas

    com que so, em geral, reprimidos os criminosos de

    outras categorias, desprezados, assim, os motivos

    25 FERRI, Enrico. Princpio de Direito Criminal, S.N.T, p.66.26 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurdicas. Rio de Janeiro: Editora Nau, 2002.

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  • que os levaram a agir. [...] Partindo do princpio

    segundo o qual a pena deve ser a expresso exata

    das reaes coletivas, provocadas no seio da

    sociedade pelo delito, sempre que essas reaes

    no sejam manifestas, sempre que a ambincia

    social aceite o crime como um ato no-reprovvel, a

    pena tornar-se- desnecessria, pois no ter

    havido perturbao da ordem jurdica.27

    O passional no precisava sofrer nenhuma punio, pois, alm do

    motivo justo que o impulsionava, ele no reincidia. O crime era

    considerado, segundo Esmeraldino Bandeira, um deslize transitrio da

    conscincia honesta.

    Novamente, estes juristas tinham a percepo de que estas

    noes podiam gerar a absolvio de criminosos, que no se

    enquadravam no tipo passional. Entretanto, continuam julgando isto

    um mal menor e perfeitamente tolervel:

    No ho de negar a excessiva tolerncia de

    certos julgamentos, cobrindo de perdo aos

    desvarios de pseudo-passionaes. Mas as

    absolvies do jury, quando filhas da piedade,

    embora mal comprehendidas, so menos nocivas

    que o extremado rigor das condenaes nascidas da

    insensibilidade das sentenas mathematicas, que

    27 MORAES, Evaristo. Criminalidade Passional. O homicdio e o homicdio - suicdio por amor em face da Psychologia Criminal da Penalstica. So Paulo: Saraiva, [19--], p.66-69.

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    16

  • resolvem os problemas da psychologia humana

    como se fossem questes de geometria.28

    Depois de perpetrar o crime, o passional era tomado de remorso

    e, comumente, tentava/praticava o suicdio.29 O ato do suicdio era o

    mais melindroso na construo do passional, pois, para os juristas, era

    indispensvel como forma de demonstrar o arrependimento do

    envolvido.

    Entretanto, na maioria dos casos, no se detectavam as tentativas

    de suicdio dos homens que iam a julgamento, e este ponto era

    explorado pelos promotores para descaracterizar o ru como passional.

    Eles procuravam indicar que aquele homem no agiu como tal, pois o

    assassino por paixo no suportaria a idia de viver sem sua mulher.

    Por conseguinte, j que a tinha matado, seu desejo devia ser unir-se a

    ela na morte.

    Si quem mata, a pretexto de amor, no

    sobreviva a sua vtima, podemos afirmar que o

    criminoso passional nunca est no banco dos rus,

    porque vai direto para o cemitrio. Quando, no

    Jri, deparamos um assassino apoteosado,

    deveramos por ordem de Ferri, adverti-lo de que

    esqueceu de completar a obra. Ele continua a gozar

    28 GOMES, Euzbio. Paixo e Delito. Revista de Direito. 1930, p.61-81.29 HARRIS, Ruth. Assassinato e Loucura: Medicina, leis e sociedades no fim de Sicle. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

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    17

  • a existncia longe da mulher sem a qual no podia

    viver. [...] Quando se mata, no h amor no sentido

    social, a que s interessam os beros e nunca os

    tmulos. Esse outro amor, cliente da assistncia e

    no da Maternidade, devemos sempre

    desclassificar ante os prprios privilgios

    romnticos.30

    Descaracterizar o ru como passional era a forma encontrada

    pelos promotores para garantir a condenao dos assassinos em

    questo, impedindo, assim, a vitria da tese da passionalidade.

    A TESE DA PASSIONALIDADE E O CDIGO PENAL DE 1890

    O primeiro Cdigo Penal republicano foi editado em 11 de

    outubro de 1890.31 Apesar de ser considerado mal sistematizado, entre

    30 LYRA, Roberto. O suicdio Frustro e a responsabilidade dos criminosos Passionais. Rio de Janeiro: SCP, 1935, p.197.31 Seu principal redator foi o doutor Batista Pereira, cujo trabalho foi alvo de muitas crticas, pois, alm da orientao clssica, aceitava postulados da escola positiva. O Cdigo anterior foi sancionado em 16 de dezembro de 1830. Trata-se de um cdigo liberal, inspirado na doutrina utilitria de Betham e nos Cdigos franceses de 1810 e Napolitano de 1819. Fixava-se na nova lei um esboo de individualizao das penas, previa-se a existncia de atenuantes e agravantes, estabelecia um julgamento especial para os menores de 14 anos, a pena de morte s foi aceita depois de acalorados debates e visava coibir os crimes de escravos. Apesar das qualidades, o cdigo permitia a diferena no tratamento a ser dispensado a pessoas que procuravam o sistema judicial.

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  • outros problemas, o cdigo republicano foi um avano para a poca,

    pois aboliu a pena de morte para os homens livres e instalou o regime

    penitencirio de carter correcional.32

    As dificuldades de redao levaram ao surgimento de vrias leis

    que pretendiam "remendar" os erros apresentados. Diante do grande

    volume de leis que surgiram, foi necessrio sistematiz-las, e tal tarefa

    coube ao desembargador Vicente Piragibe. Desse esforo surgiu, em 14

    de dezembro de 1932, a Consolidao das Leis Penais, que vigorou at

    1940.

    Diante desta situao legal, a atitude inicial dos dois promotores,

    citados anteriormente, foi a de tratar do enquadramento legal do crime,

    ou seja, quais artigos do Cdigo Penal podiam ser usados pela defesa

    para atenuar a pena dos rus. Como indicado por Roberto Lyra:

    Saibamos, pois, do autor do Cdigo Penal si o

    inciso 4 do artigo 27 estabelece dirimncia para o

    crime passional. Explicando a mens legis desse

    texto de lei, o Conselheiro Batista Pereira diz que a

    s se tem em vista a loucura e as molstias ou

    estados congneres, mas no abrange as exploses

    criminosas da paixo.33

    32 CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nao no Rio de Janeiro. Campinas: Editora da UNICAMP, 2000. 33 GARCIA, Alberto. No Plenrio do Crime, S.N.T., 1912, p.80

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  • O artigo 27, pargrafo 4, do cdigo penal,

    alude a estado de completa, isto , total, inteira,

    geral perturbao, tanto dos sentidos como da

    inteligncia, no ato de cometer o crime. Os

    senhores jurados observaram a atitude do ru neste

    julgamento, cuja solenidade exalta a emotividade.

    Durante o interrogatrio, o ru se revelou um

    homem-mquina, ou, melhor, sem a prpria

    trepidao das mquinas... Depois, aquela

    desenvoltura, aquela arrogncia, aquela preciso

    com que se empenhou na justificao ardilosa de

    seu crime.34

    O presente inciso tratava de completa privao dos sentidos e da

    inteligncia, sendo uma das brechas mais usadas para a aplicao da

    tese da passionalidade. A anlise do dispositivo permite perceber a

    orientao clssica do Cdigo Penal de 1890.

    A escola clssica marcada pela noo de livre-arbtrio, ou seja, a

    existncia de uma vontade inteligente e livre. Dessa noo, uma outra

    foi derivada: a idia de que s possvel punir os atos que derivam de

    uma ao consciente e desejada.35

    Com base nesta premissa, era possvel compreender a incluso do

    pargrafo aqui indicado no Cdigo Penal. O legislador Batista Pereira

    pretendia garantir a plena realizao da noo de livre-arbtrio. Esta 34 GARCIA, Alberto. No Plenrio do Crime, S.N.T., 1912, p.8035 NORONHA, Magalhes. Direito penal: volume 1. So Paulo, editora saraiva, 1992.

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  • questo foi percebida por vrios dos seus crticos, como Nelson

    Hungria:

    fora, porm, convir que ella se affeioa,

    rigorosamente, aos cnones da Escola Clssica, a

    que se arrimou o legislador de 1890. As

    responsabilidades penais, baseadas na concepo

    absoluta da responsabilidade moral, incompatvel

    com a idia de uma semi-imputabilidade ou uma

    imputabilidade sem a concomitncia entre a aco

    malfica e a conscincia sceleris. A Escola Clssica,

    na pureza do seu postulado metaphysico, no pde

    attribuir capacidade seno quelle que age

    mentalmente integro....Do ponto de vista do

    postulado clssico da liberdade moral, aquelle que

    age sob o impulso explosivo da paixo ou da

    emoo deve ser declarado inimputvel, e,

    portanto, irresponsvel, por isso mesmo que lhe

    faltam a integridade do raciocnio e a autonomia da

    vontade, a libertas judiccii e a libertas consilli.36

    O texto do artigo era inspirado no cdigo penal da Baviera e,

    como indicado por Hungria, considerava livre de culpa quele que agiu

    inconscientemente, quer dizer, quele que sustenta que seu ato nasceu

    de um momento de completa perturbao de sentidos e da inteligncia.

    Esta assertiva revelava uma postura filosfica, que se aproximava das

    36 HUNGRIA, Nelson. O homicdio passional e o homicdio compassivo em face do anteprojeto do novo Cdigo Penal Brasileiro. IN Revista de Direito, 1930 V. 97, S.N.T., P. 919.

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  • noes do individualismo, consagrando a idia de liberdade irrestrita

    dos seres humanos e suas posturas individuais.

    Portanto, o homem irracional, isto , aquele que agia de forma

    irracional, era bastante incomum e indesejado. Na verdade, os atos

    inconscientes retiravam do ser humano seu livre arbtrio e sua

    capacidade de julgar, no importando as razes que geraram esta

    privao.

    Para Francisco Carrara37, as paixes que atingiam os seres

    humanos eram de dois tipos: as cegas e as racionantes. As cegas

    atacavam a razo e deviam ser escusadas, enquanto as racionantes,

    apesar de atingiriam a inteligncia, no retiravam do homem o livre

    arbtrio e, por isso, no deviam ser consideradas.38 Portanto, tratava-se,

    de uma questo de intensidade da paixo e da privao que ela gerou.

    Durante os anos que seguiram a publicao do Cdigo de 1890,

    Batista Pereira recebeu inmeras crticas pela redao, excessivamente

    ampla, que havia dado ao artigo 27. Em vrios momentos, ele defendeu

    37 Francisco Carrara chamado de mestre de Piza e tornou-se o maior vulto da Escola Clssica. Carrara defende a concepo do delito como ente jurdico, constitudo por duas foras: a fsica, representada pelo movimento que leva o crime e a moral, entendida como vontade livre e consciente do delinqente. Define o crime como sendo a infrao da lei do Estado, que resulta de um ato externo do homem, moralmente imputvel e politicamente danoso.38 MORAES, Evarsito. Criminalidade Passional: o homicdio e o homicdio - suicdio por amor em face da Psychologia Criminal da Penalstica. So Paulo, Saraiva, [19--], p12, BORELLI, Andrea. Matei por amor: representaes do masculino e do feminino nos crimes passionais. So Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, DARMON, Pierre. Mdicos e Assassinos na Belle Epoque. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.

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    RafaelaHighlight

  • que a privao completa dos sentidos e da inteligncia tornava o ru

    irresponsvel juridicamente. Em maio de 1899, na Revista de

    Jurisprudncia, afirmou:

    A disposio do artigo 27, inciso quarto

    compreende, generalizando, os loucos de todo

    gnero, expresso jurdica geralmente admitida

    para abranger todas as espcies mrbidas

    conhecidas na patologia geral das doenas mentais.

    Compreende ainda este pargrafo os que

    cometeram crime em estado de completa privao

    de sentidos, isto o sonmbulo, os epilpticos,

    hipnotizados, enfim, todos aqueles que, embora

    no sendo loucos, praticarem o crime em tal estado

    de enfermidade ou privao da mente, que lhes

    tolha a conscincia ou a liberdade dos prprios

    atos, tornando-se, por conseguinte,

    verdadeiramente irresponsveis.39

    importante salientar sua insistncia em declarar que era

    necessria a completa perturbao dos sentidos e da inteligncia, quer

    dizer, o ru devia estar totalmente inconsciente dos seus atos, pois as

    perturbaes de menor grau receberiam imputao penal. Por isso, o

    ru devia provar seu estado de completa alienao da realidade, quando

    do acontecimento do crime.

    39 Revista de Jurisprudncia. 1919. p.264-271.

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  • Ao receber a incumbncia de reunir as leis que complementavam

    o Cdigo Penal de 1890, o desembargador Vicente Piragibe optou,

    tambm inspirado na escola clssica, pela manuteno do artigo 27,

    inciso quarto. Assim, reafirmou a noo de que a privao dos sentidos

    e da inteligncia extinguia a punibilidade do agente, uma vez que no

    agia como o senhor dos seus atos.40

    A utilizao deste artigo nos chamados "crimes de paixo"41 foi

    uma constante. Os advogados aproveitavam a idia da violenta emoo

    e completa perturbao dos sentidos, para descreverem o estado mental

    do criminoso passional nos momentos que antecediam e sucediam o

    crime. A ao, segundo os advogados de defesa, era fruto deste estado e,

    portanto, o ru tinha sua defesa garantida neste artigo.

    40 Vicente Piragibe, membro dos mais ilustrados da Cmara criminal, j escreveu, certa vez, decidindo: quem age dominado por estado agudo de emoo psquica, pratica um delito emocional, e est acobertado pelo inciso quarto do artigo 27 do cdigo penal. SEVERIANO, Jorge. O projeto Alcntara Machado de os crimes passionais IN Correio da manh. Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1938.41 BORELLI, Andrea. Matei por amor: representaes do masculino e do feminino nos crimes passionais. So Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, CORRA, Mariza. Os crimes de Paixo. So Paulo, Brasiliense 1982. CORRA, Mariza. Morte em Famlia. Rio de Janeiro, Graal, 1983, BESSE, Susan K. Crimes Passionais: a campanha contra os assassinos de mulheres no Brasil; 1910-1940. In: Revista Brasileira de Histria: A Mulher e o Espao Pblico. So Paulo: Marco Zero - Anpuh, v.9, n. 18, 1989. p.191 - 97. HARRIS, Ruth. Assassinato e Loucura: Medicina, leis e sociedades no fim de Sicle. Rio de Janeiro: Rocco, 1993, ENGEL, Magali. Cultura popular, crimes passionais e relaes de gnero: Rio de Janeiro, 1890-1930 IN Gnero: NUTEG. Niteri: EdUFF, v 1, n 2, 2001. RIBEIRO, Sergio. Crimes Passionais e outros temas. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

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    RafaelaHighlight

  • Vrios advogados apontavam que esta prtica liberou inmeros

    assassinos, por um erro de interpretao doutrinria e pela redao

    excessivamente ampla dada ao dispositivo:

    O 4. do art. 27 da Consolidao das Leis

    Penais foi, durante muitos anos, a tbua de

    salvao dos criminosos mais abominveis. No

    faltavam as sentenas libertadoras para os

    pseudos-passionais, os quais eram julgados com

    uma simpatia incompreensvel e com uma

    benevolncia escandalosa. E proporo que a

    benevolncia dos tribunais populares crescia,

    maior era o desejo para enquadrar os delinqentes

    comuns entre as circunstncias que favoreciam os

    uxoricidas passionais. Os criminosos, por mais

    frios e insensveis que fossem, em face dos jurados,

    se transfiguravam, tornando-se de uma

    sensibilidade fsica e moral extrema; os crimes de

    emboscada, de cuidadosa premeditao, praticados

    com armas prprias e adequadas ao momento,

    eram tidos como execues explosivas, geradas

    pelas paixes amorosas. E, assim a sociedade ficava

    merc de uma infeliz redao de um dispositivo

    penal, pois a responsabilidade foi abolida para os

    casos de emoes e paixes, segundo o cdigo de

    1890. Os casos emocionais e passionais eram

    simulados com grande cincia e arte pelos

    vulgarssimos criminosos, porque eles sabiam que

    dessa simulao dependia a sua liberdade; mas,

    25

    25

  • esses imaginosos uxoricidas por amor, uma vez em

    liberdade, novamente praticavam aes criminosas,

    revelando circunstncia de crueldade.42

    No sem tempo que elle vir cancellar o

    famigerado paragrapho 4 do art. 27 do Cdigo

    Penal vigente, - essa chave falsa com que se vem

    abrindo, todos os dias, a porta da priso a rus de

    estpidos crimes de sangue. Ningum ignora que a

    formula da dirimente reconhecida nesse

    paragrapho, tanto mais infeliz quanto mutilou o

    modelo bvaro, com a excluso da clusula que

    subordinava a "perturbao dos sentidos ou da

    intelligencia" condio de "no ser imputvel ao

    agente", tem sido umas das razes mximas da

    lamentvel ineficincia do nosso Cdigo Penal

    atual, porque se tornou uma prvia garantia de

    impunidade aos mais brutos e ferozes matadores.43

    A discusso existente na jurisprudncia do perodo, girava em

    torno da possibilidade do assassino passional ser enquadrado nas

    benesses desse artigo. Tendo isso em vista, os promotores pblicos

    trabalhavam no sentido de "destruir" a idia de privao dos sentidos e

    de mostrar os assassinos como indivduos "frios", "brutos e ferozes

    assassinos".42 BARRETO, Plnio. Os Crimes Passionais e o Novo Cdigo Penal. Revista Forense, 1941, Vol. 85, P. 811-812. 43 HUNGRIA, Nelson. O homicdio passional e o homicdio compassivo em face do anteprojeto do novo Cdigo Penal Brasileiro. IN Revista de Direito, 1930 V. 97, S.N.T., P. 919.

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  • Esta ao tinha um duplo sentido. Em um primeiro momento,

    afastava o ru do tipo passional idealizado por Ferri44, pois, ao

    descrever este tipo de criminoso, ele afirmava como sua caracterstica

    bsica a violncia impensada como reao a um ato iminente. Contudo,

    se o assassino premeditou o crime, teve tempo suficiente para

    recuperar-se de sua perturbao, isto reduzia sua ao a um crime por

    motivo ftil.

    A compra da arma, por exemplo, indicaria premeditao e seria

    incoerente com a noo de privao completa dos sentidos e da

    inteligncia. Contudo, este aspecto no era consenso entre os

    advogados.

    Em artigo para a Revista Forense, de 1926, o advogado Lustosa

    combateu esta noo, afirmando que a premeditao, a privao de

    sentidos e a inteligncia no so excludentes. Provavelmente, este

    elemento era aceitvel pela caracterstica do crime, que envolvia uma

    alarmante ruptura com o padro de comportamento vigente e,

    doutrinariamente, tinha a presena de uma paixo tida como social.

    Supponhamos que se trata de um crime

    passional. perfeitamente passvel que o agente,

    inteiramente fascinado pela paixo, completamente

    perturbado em seus sentidos e em sua inteligncia,

    44 DARMON, Pierre. Mdicos e Assassinos na Belle Epoque. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.

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    RafaelaHighlight

  • planeje o crime friamente, de acordo com o seu

    estado mental patolgico... Nestas condies, pode

    procurar a noite, pode colocar-se em sua

    superioridade agressiva, pode premeditar, etc.,

    sempre dominado cegamente pela paixo que o

    transforma em autmato levado por uma idia

    fixa.45

    O ato do suicdio46 era outro elemento crucial, pois, para os

    juristas, era indispensvel como forma de demonstrar o

    arrependimento do ru e a sua situao mental.

    As crticas doutrinrias continuaram multiplicando-se ao longo

    dos anos, com grandes discusses acerca da situao dos passionais

    diante do projeto de Virglio de S Pereira47 e do projeto Alcntara

    Machado48, que, submetidos ao trabalho de uma comisso revisora,

    originou o cdigo penal de 1940.49

    45 LUSTOSA. A perturbao de sentidos. Revista Forense, 1926. P.256-7. 46 HARRIS, Ruth. Assassinato e Loucura: Medicina, leis e sociedades no fim de Sicle. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

    47 Antes da aprovao da Consolidao das Leis Penais, o Desembargador Virglio de S Pereira, professor de direito privado, foi incumbido pelo presidente Arthur Bernardes, de elaborar um novo projeto para a reforma do Cdigo Penal, que veio a pblico em 1927. Alvo de inmeras crticas, o Projeto S Pereira no se converteu em lei, apesar de ter sido alvo de discusses at 1937.48 Jos de Alcntara Machado de Oliveira nasceu em Piracicaba, em 1875, e morreu em So Paulo, em 1941. Cursou a Faculdade de direito de So Paulo, da qual viria a ser professor. Teve uma importante carreira poltica e literria, alm de exercer a advocacia por diversos anos. Em 1938, foi convidado para elaborar o anteprojeto do Cdigo Criminal. 49 A Comisso era formada de Nelson Hungria, Vieira Braga, Marcelio de Queiroz e Roberto Lyra. Vrios destes juristas participaram do Conselho Brasileiro de Higiene Social. Um dos objetivos do grupo era combater a utilizao indevida da tese da passionalidade. Ver: BESSE, Susan K. Crimes Passionais: a campanha contra os

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  • Este grupo de revisores era formado por grandes crticos da

    noo de privao dos sentidos e da inteligncia. Portanto, no causa

    espanto que esta tenha sido excluda do novo cdigo.

    Deve-se notar que, as discusses giravam sempre sobre questes

    doutrinrias. O que provocava a reao destes advogados era a adeso a

    uma ou outra escola criminal, ou a uma outra forma de encarar o crime.

    Para eles, no havia especificidade relevante nos crimes passionais, no

    que tange s relaes homem-mulher. Existia, no mximo, uma questo

    doutrinria mal resolvida.

    As questes relativas violncia contra a mulher ficavam

    obscurecidas em vrios momentos da argumentao, ou eram utilizadas

    como elementos de apoio doutrina que se pretendia defender. Por

    esse motivo, os homens e as mulheres que surgiam pelos olhos destes

    advogados eram seres ideais em relaes ideais. O crime demonstrava o

    momento de ruptura dessa idealidade, que era utilizada para dar vida

    doutrina abraada.

    O ato criminoso era apropriado pelo discurso jurdico50, e re-

    elaborado com nfase em alguns elementos e descaso por outros. Isto

    assassinos de mulheres no Brasil; 1910-1940. In: Revista Brasileira de Histria: A Mulher e o Espao Pblico. So Paulo: Marco Zero - Anpuh, v.9, n. 18, 1989. p.191 - 97.50 BOURDIER, Pierre. O poder simblico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, cap. XIII, NEDER, Gizlene. Discurso Jurdico e Ordem Burguesa no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antnio Fabris, 1995.

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    29

  • acontecia como parte dos mecanismos de defesa/acusao e das

    possveis interpretaes doutrinrias para o mesmo ato.

    Portanto, sendo o direito um discurso gendrado, no causa

    estranhamento que diversas correntes doutrinrias apontassem

    solues diferentes para a questo da violncia contra mulher, mas com

    encaminhamentos direcionados ao mesmo fim: a liberao do homem

    violento e a coero do comportamento feminino considerado

    inadequado.

    Por este motivo, possvel afirmar que as hierarquias

    constitudas pela perspectiva de gnero eram fundamentais para

    garantir a inteligibilidade velada inteno de que, mesmo por vias

    diferentes, a dominao masculina fosse salvaguardada.51

    51 SAFFIOTI, Heleieth. Rearticulando gnero e classe social IN COSTA, Albertina de Oliveira e BRUSCHINI, Cristina.(org). Uma Questo de Gnero. Rio de Janeiro, Rosa dos Ventos\Fundao Carlos Chagas, 1992, SAFFIOTI, Heleieth. No caminho de um novo paradigma. So Paulo Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 1998, mimeo., SAFFIOTI, Heleieth. O estatuto terico da violncia de gnero.IN SANTOS, Jos Tavares dos Vivente. Violncia em tempo de Globalizao. So Paulo, Hucitec,1999. SAFFIOTI, Heleieth. Violncia domstica ou a lgica do galinheiro. IN KUPTAS, Mrcia. Violncia em debate. So Paulo: Moderna, 1997. SAFFIOTI, Heleieth. Gnero e Patriarcado. indito, janeiro de 2001.SAFFIOTI, Heleieth. No fio da navalha: violncia contra crianas e adolescentes no Brasil. IN MADEIRA, Felcia Reicher. Quem mandou nascer mulher? Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997. LERNER, Gerda. Why History Matters: life and thought. New York, Oxford University Press. 1997. SAFFIOTI, Heleieth. Violncia domstica ou a lgica do galinheiro. So Paulo Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 1999, mimeo, SAFFIOTI, Heleieth. ALMEIDA Suely de. Violncia de gnero poder e impotncia. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter Ltda, 1995, SAFFIOTI, Heleieth. J se mete a colher em briga de marido e mulher. So Paulo Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 1999, mimeo.

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    RafaelaHighlight

  • As discusses em torno deste assunto trouxeram baila as

    questes relativas interpretao dada pelas escolas penais questo

    da paixo. De forma geral, a paixo era tida como fora propulsora da

    ao criminosa.

    A escola clssica e seu maior representante, Francisco Carrara,

    classificavam as paixes em cegas e racionantes, de acordo com seu

    grau de intensidade e efeito sobre o livre arbtrio do homem comum.

    A paixo cega atingia tamanho domnio sobre o indivduo, que

    este perdia completamente o controle sobre seus atos e, portanto, no

    poderia responder perante a lei pelo crime que cometesse. Por outro

    lado, as paixes racionantes atingiam o raciocnio e a inteligncia, mas,

    por seu efeito menos intenso, no causavam a irresponsabilidade penal.

    O surgimento da escola positiva trouxe uma nova concepo de

    direito e de paixo. Enrico Ferri, maior vulto desta escola, substituiu a

    noo de livre-arbtrio e responsabilidade moral da escola clssica, pela

    idia de responsabilidade social. Para a doutrina analisada neste

    trabalho, existia uma diferena entre emoo e paixo.

    A paixo era um estado emocional de larga durao e

    desenvolvimento, que provocava mudanas efetivas no estado psquico

    do indivduo, no podendo ser confundida com a emoo. Por emoo,

    31

    31

  • os juristas entendiam um estado agudo e crtico que atingia o indivduo

    exposto a um srio choque afetivo.

    A emoo podia ser causada por elementos externos ou internos,

    que, apesar de sua curta durao, provocavam uma intensa reao do

    envolvido. Este estado provocava a perda da conscincia e a

    concentrao das foras mentais para a resoluo do problema

    apresentado.

    A paixo, por outro lado, era um desejo duradouro e violento que

    dominava a mente do indivduo, sendo sua principal caracterstica a

    presena de uma idia fixa, que movia a pessoa realizao de seu

    desejo.

    Ferri considerava essencial perceber que a funo bsica do

    direito era preservar a vida em comunidade e, diante desta premissa

    fundamental, ele classificava as paixes de acordo com a qualidade dos

    motivos envolvidos em sua gnese.

    A paixo social era marcada por motivo justo e moral,

    considerado fundamental para a manuteno da vida em sociedade. J

    as paixes anti-sociais tinham um efeito destrutivo sobre a sociedade, e

    no deveriam ser protegidas pela complacncia judicial.

    ... E insistiu Ferri em uma distino, j

    porm feita, entre paixes sociais e paixes anti-

    32

    32

  • sociais. Ponderou que no deve ligar importncia

    ao grau do impulsos apaixonados, a quantidade,

    sendo muito mais importante a qualidade do

    mesmo impulso.52

    Diante desta noo, fazia-se necessrio observar o mvel do ato

    antes de julg-lo e, ao faz-lo, era indispensvel que a pena, para ser

    justa, levasse em conta a qualidade da paixo e as caractersticas

    individuais do delinqente.53 Bonano, discpulo de Ferri, assim explicava

    o tema:

    Se o critrio da lei punitiva deve ser a justa e

    reta moderao da liberdade individual, e da

    temibilidade do ru, para o fim primordial da

    defesa da sociedade, no h razo alguma para

    punir homens que sempre foram honestos e bons, e

    que somente foram levados ao delito pela ofensa

    dos seus afetos mais caros, que perigo poderiam

    ainda constituir para sociedade?54

    52 MORAES, Evaristo. Criminalidade Passional. O homicdio e o homicdio - suicdio por amor em face da Psychologia Criminal da Penalstica. So Paulo: Saraiva, [19--], p.22.53 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurdicas. Rio de Janeiro: Editora Nau, 2002.54 MORAES, Evaristo. Criminalidade Passional. O homicdio e o homicdio - suicdio por amor em face da Psychologia Criminal da Penalstica. So Paulo: Saraiva, [19--].

    33

    33

  • A questo da paixo tambm foi discutida com afinco pelos

    criminalistas brasileiros. Vrias posturas foram identificadas por

    Evaristo de Morais, no livro A criminalidade passional.55

    Esta discusso ganhava contornos importantes, pois, durante

    estes anos, a comunidade jurdica discutia a possibilidade de um novo

    Cdigo Penal.

    O professor Lima Drummond, filiado escola neoclssica, admitia

    o domnio das paixes exacerbadas sobre o homem mdio, mas no

    aceitava a noo de impor debilidade aos criminosos passionais.

    Considerava que, o homem, por seu livre arbtrio, deveria resistir s

    paixes, mas concedia fora dirimente s que tivessem origem virtuosa.

    Esmeraldino Bandeira acreditava ser necessrio, alm da

    existncia da paixo social, um passado correto e honesto. Mesmo

    assim, as paixes no absolveriam o ato criminoso, somente atenuariam

    a pena do ru.

    Evaristo de Morais discordava de Bandeira exatamente neste

    ponto, pois considerava que indivduos honestos e motivados por paixo

    social no representam perigo para a sociedade e, por este motivo, no

    deviam ser encarcerados.

    55 MORAES, Evaristo. Criminalidade Passional. O homicdio e o homicdio - suicdio por amor em face da Psychologia Criminal da Penalstica. So Paulo: Saraiva, [19--].

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  • Para Afrnio Peixoto, Roberto Lyra e outros, a tese da

    passionalidade deveria ser completamente repelida, uma vez que servia

    de proteo a vrios crimes brbaros.56

    Conhecer essa discusso nos meios jurdicos de fundamental

    importncia, j que o Cdigo Penal de 1940 consagrou a vitria da

    corrente que defendia a no excluso da imputabilidade penal pela

    paixo. Contudo, em vrias passagens, a paixo funcionava como

    atenuante para a diminuio da pena.

    O projeto do desembargador Virglio de S Pereira apresentava a

    questo do criminoso passional, em seu artigo 188:

    Artigo 188 Aquele que sob o domnio de

    violenta emoo, que as circunstncias tornem

    excusvel, matar algum, ser punido com priso

    por 3 a 6 anos, podendo o juiz convert-la em

    deteno ao mesmo tempo, se o artigo 70 for

    aplicvel.57

    Segundo Hungria, o artigo apresentava o mrito de considerar a

    paixo uma atenuante do crime. Para que isto acontecesse, era

    necessrio que o crime tivesse um "motivo justo", indicando filiao

    com a escola positiva.

    56 BESSE, Susan K. Crimes Passionais: a campanha contra os assassinos de mulheres no Brasil; 1910-1940. Revista Brasileira de Histria: A Mulher e o Espao Pblico. So Paulo: Marco Zero - Anpuh, v.9, n. 18, 1989. p.191 97.57 S, Virgilio. Projeto para o Cdigo Penal Brasileiro. [S.l:s.n.], [19--].

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  • O comentarista considerava essencial destacar que o motivo

    devia ser considerado sob o prisma tico e poltico, e no somente sob o

    prisma psicolgico, ou seja, a causa do crime devia ser vista como

    aceitvel pela sociedade como um todo. Este aspecto reforava a noo

    de que o direito deveria defender a moral e a organizao social tida

    como desejvel pelo homem mdio.

    Jorge Severino considerava o determinado no projeto Virglio de

    S um erro doutrinrio, por permitir que os jurados decidissem sobre a

    reduo da pena. Contudo, considerava o dispositivo mais adequado

    que o encontrado no projeto do desembargador Alcntara Machado.

    O projeto de Alcntara Machado, base do Cdigo Penal de 1940,

    considerava que a paixo no poderia ser apresentada nem como

    atenuante de pena, tampouco como excludente da culpa.

    A postura do desembargador indicava uma posio doutrinria

    contrria a qualquer tipo de considerao sobre a capacidade da paixo,

    que atingia as faculdades de julgamento do homem ou sua vontade.

    Desta forma, o crime era considerado um ato completamente racional

    e, portanto, passvel de punio.

    Para Jorge Severino, esta postura indicava a fuga da discusso da

    questo da paixo e dos crimes que dela brotavam. Para o advogado,

    era necessrio que a lei garantisse meios para a discusso dos crimes de

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  • forma individualizada, pois, segundo ele, no direito penal, o mais justo

    era o julgamento da situao concreta do indivduo.

    A comisso revisora do projeto Alcntara Machado modificou o

    teor do texto no que diz respeito aos crimes de paixo, aproximando-se

    muito mais do disposto no projeto Virglio de S.

    No texto definitivo do Cdigo Penal de 1940, a paixo foi

    considerada uma atenuante da pena, ou seja, dependendo da anlise do

    juiz, o criminoso poderia obter a reduo da pena. O juiz deveria

    considerar a qualidade da paixo que levou ao crime, para assim

    reduzir a pena. Sua deciso deveria refletir a posio da sociedade

    quanto ao crime cometido.

    Este elemento, segundo os juristas, reduziria os crimes dos

    chamados pseudopassionais, pois a impunidade que o Cdigo Penal

    anterior garantia tinha sido excluda. Dessa forma, diante da ameaa da

    priso, o crime seria evitado.58

    Os juristas do perodo, diante desta nova situao, passaram a

    considerar a defesa da honra e da famlia como paixes sociais. Nesse

    sentido, o homem que declarasse matar por este motivo deveria ser

    eximido de culpa.

    58 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: histria da violncia nas prises. Petrpolis: Vozes, 1994.

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  • Esta matriz doutrinria evidenciava a maleabilidade do discurso

    jurdico diante das questes de gnero. A definio de paixo social, que

    era uma figura jurdica aceita teoricamente, adapta-se ao material

    do homem violento. O significado da "paixo social" como defesa da

    honra e da famlia, remetia estruturao da sociedade por meio de

    vrias redes de relaes, a uma pluralidade de questes candentes,

    dentre as quais sobressaa o gnero, por sua exacerbada relevncia, na

    poca.59

    Pode-se afirmar que, o discurso jurdico apoiava-se na

    constituio gendrada das noes de honra e famlia, dentro do

    universo de relaes sociais. Portanto, ao determinar a defesa destes

    elementos como motivo justo para a ao violenta, garantia-se a defesa

    de uma noo que pressupunha a subordinao feminina ao controle

    masculino, em relaes marcadas por hierarquias.

    Deve-se observar que, tal mecanismo foi considerado eficiente no

    controle da insubordinao feminina, pois, durante a vigncia do

    Cdigo, foi largamente utilizado para liberar os homens que atentavam

    contra suas companheiras, alegando serem criminosos passionais.

    Todavia, apesar das alteraes do Cdigo Penal de 1940, os advogados

    encontraram outros caminhos, a noo de legtima defesa da honra.

    59 SAFFIOTI, Heleieth. O estatuto terico da violncia de gnero. SANTOS, Jos Vivente Tavares dos. Violncia em tempo de Globalizao. So Paulo, Hucitec, 1999.

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  • O NASCIMENTO DA NOO DE LEGTIMA DEFESA DA HONRA

    A noo de legtima defesa uma das causas excludentes da

    antijuricidade. Os manuais de direito penal entendem a antijuricidade

    como a contradio entre a conduta do indivduo e o ordenamento

    jurdico. Por conseguinte, matar algum um fato tpico e antijurdico,

    ou seja, um crime passvel de punio pela lei.

    Entretanto, na lei penal existem causas que excluem a

    antijuricidade, eliminando sua ilicitude. Matar algum voluntariamente

    crime passvel de punio, mas, se o autor agiu para defender a

    prpria vida, por exemplo, no haver crime a ser punido.60

    Os juristas consideravam em estado de legtima defesa quem,

    usando moderadamente de meios necessrios, repelia injusta agresso

    a direito seu ou de outros. Vrias teorias foram utilizadas para explicar

    os fundamentos da legtima defesa.

    As teorias subjetivas fundavam-se na perturbao do nimo e nos

    motivos da pessoa agredida. J as teorias objetivas consideram que a

    legtima defesa fundamenta-se na existncia do direito primrio do

    homem de defender-se da ao agressiva. Atualmente, a jurisprudncia

    brasileira considera mais aceitveis as teorias objetivas.60 MIRABETE, Jlio. Manual de Direito Penal. So Paulo, Atlas, 1989.

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  • O mecanismo da legtima defesa encontrava-se contemplado no

    Cdigo Penal de 1890, na Consolidao das Leis Penais de 1932 e no

    Cdigo Penal de 1940, permitindo ao advogado sustentar, em suas

    argumentaes, a idia de defesa de direito atingido pela ao de

    terceiro.

    Segundo Evandro Lins e Silva, ao matar Angela Diniz, Doca agiu

    em defesa de um direito seu. Atingido pelo comportamento da moa,

    ele defendeu sua honra.

    A expanso da noo de direito, que acompanha os anos

    posteriores ao sculo XVIII, tornava necessria a interveno do

    aparelho judicial em todos os momentos em que algum direito fosse

    atingido pela ao de um terceiro. Desta premissa nasceu a idia de que

    qualquer agresso deve ser reportada Justia, e tratada de acordo com

    o determinado pelos cdigos e leis.

    As vrias pesquisas realizadas nesta rea apontam que, seguindo

    a lgica de que todos merecem ateno do corpo jurdico, as denncias

    de violncia entre homens e mulheres que mantenham relaes de

    conjugalidade so aceitas, processadas e julgadas de acordo com a

    legislao vigente.

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  • Contudo, o Judicirio legitimava a violncia ao avaliar cada caso,

    tendo por parmetro a adequao dos envolvidos aos padres de

    gnero.61

    Desta maneira, o ato de apropriar-se do fato e torn-lo intelegvel

    ao universo jurdico, permite que seu sentido seja alterado. Dessa

    forma, a agresso ou supresso do direito de que a mulher era

    portadora, substitudo por uma anlise das motivaes da ao e pela

    naturalizao da ao violenta, carregando o sentido de que existe um

    elemento mais importante a proteger que os direitos individuais: a

    dominao masculina.

    Si o marido tem incontestvel direito

    fidelidade da esposa, si um pae, um irmo, tem

    direito a ser respeitado em sua honra, que sem

    duvida pode ficar comprometida com o torpe

    proceder da mulher que perdeu o pudor para

    entregar-se aos braos de um seductor, no se pode

    negar que o crime que o offendido pratica

    surprehendendo os adlteros constitue um acto de

    legitima defesa desse direito. Em casos

    semelhantes no reconhece a conscincia publica

    outro meio de defesa da honra atacada e neste

    61 CORRA, Mariza. Morte em Famlia. Rio de Janeiro, Graal, 1983, DORA, Denise Dourado. Feminino, Masculino: igualdade e diferena na justia. Porto Alegre: Sulina, 1997, IZUMINO, Wnia. Justia e violncia contra mulher. So Paulo: Annablume, 1998.

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  • sentido tem-se pronunciado invariavelmente a

    jurisprudncia dos nossos tribunaes.62

    A honra masculina, como se v, era facilmente atingida e

    destruda pela ao inadequada da mulher. Elas haviam "quebrado" a

    honra depositada em suas mos, pelo nascimento e pelo casamento.

    Dessa maneira, pode-se inferir que, a honra masculina era

    considerada externa ao homem e repousava nas mulheres que

    formavam seu circulo familiar.63

    Neste sentido, qualquer ato feminino devia ser cuidadosamente

    vigiado. Afinal, seu comportamento era decisivo para a manuteno da

    honra e da aceitao social masculina, apresentando uma imagem

    hierrquica da relao homem-mulher.

    No passava desapercebido aos juristas que a noo de legtima

    defesa seria utilizada em casos de assassnios de mulheres apresentadas

    como infiis.

    Infelizmente, todo o bem que poderia advir

    dessa intolerncia para com o crime passional, o

    projecto annullaria com o alarmante preceito do

    62 CARNEIRO, Justino. A Legitima Defesa da Honra nos Crimes de Adultrio. Revista de Jurisprudncia Brasileira. 1929, S.N.T, p. 13-18. 63 BORELLI, Andrea. Matei por amor: representaes do masculino e do feminino nos crimes passionais. So Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.

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  • paragrapho 3 do seu art. 45, que amplia a legitima

    defesa proteo da honra. Ceci tuera cela. No

    preciso ter um apurado esprito de previso para

    poder affirmar que essa extenso do direito de

    defesa privada importaria, inevitavelmente, na

    systematica exculpao dos criminosos passionaes,

    em cujo favor sempre se invocam pretextos de

    honra. No temos duvida que num paiz, como o

    nosso, em que se no distingue entre os ldimos

    homens de honra e os contrabandistas do brio; em

    que os melindres de honra commummente se

    confundem com os estos da arrogncia; em que se

    identifica como defesa da honra a violenta reaco

    do macho preterido, que mal disfara o egosmo

    feroz do anthropopithecus erectus; em que a

    multido transforma em heroes aquelles que

    MELUSSI justamente chama os detraqus da

    honra, e santifica a mulher que, com falsas razes

    de honra, como a um javardo, o esposo infiel; num

    paiz, em summa qual o nosso, em que a noo da

    honra tem a extensibilidade do caucho, semelhante

    critrio valeria pela consagrao official do direito

    de matar. Incomparavelmente mais peninciosa que

    a formula do paragrapho 4 do art. 27 do Cdigo

    em vigor seria essa latitude que o projecto

    empresta legitima defesa, revivendo o conceito

    obsoleto e arbitrrio de que periculum famae

    aequiparatur periculo vitae.64

    64 HUNGRIA, Nelson. O homicdio passional e o homicdio compassivo em face do anteprojeto do novo Cdigo Penal Brasileiro. IN Revista de Direito, 1930 V. 97, S.N.T., P. 919.

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  • Esta questo j estava colocada aos juristas no cdigo anterior,

    pela utilizao da tese do criminoso passional65, invocando o artigo 27,

    inciso quarto, que exclua a culpa por intensidade da paixo envolvida

    no caso.

    Em 192566, foi criado o Conselho Brasileiro de Hygiene Social,

    rgo formado por proeminentes juristas, como o prprio Roberto

    Lyra, Nelson Hungria e Afrnio Peixoto. Seu objetivo era eliminar a

    interpretao errnea da tese da passionalidade.

    Para estes reformadores, devia ser combatida a idia de que a

    honra masculina dependia do comportamento feminino. Somente

    quando a mulher fosse encarada como um ser com honra prpria67, a

    onda de crimes passionais terminaria:

    A mulher no mais costela ou apndice.

    Tem honra prpria, como o homem. A desonra da

    65 CORRA, Mariza. Os crimes de Paixo. So Paulo, Brasiliense 1982. CORRA, Mariza. Morte em Famlia. Rio de Janeiro, Graal, 1983, BESSE, Susan K. Crimes Passionais: a campanha contra os assassinos de mulheres no Brasil; 1910-1940. In: Revista Brasileira de Histria: A Mulher e o Espao Pblico. So Paulo: Marco Zero - Anpuh, v.9, n. 18, 1989, p.191 97, HARRIS, Ruth. Assassinato e Loucura: Medicina, leis e sociedades no fim de Sicle. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. BORELLI, Andrea. Paixo e Criminalidade IN. Direito USF. Bragana Paulista, n 2 , volume 16, jul/dez1999, p.29 - 38.66 BESSE, Susan K. Crimes Passionais: a campanha contra os assassinos de mulheres no Brasil; 1910-1940. In: Revista Brasileira de Histria: A Mulher e o Espao Pblico. So Paulo: Marco Zero - Anpuh, v.9, n. 18, 1989. p.191 97, CAUFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nao no Rio de Janeiro. Campinas: Editora da UNICAMP, 2000.67 A noo de honra, como moralidade que atingia todo o grupo familiar, era um atributo feminino e a noo de honra, como valor individual, era um atributo masculino. Ver: a discusso sobre o vocbulo Honra no universo jurdico, citada anteriormente.

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  • mulher no faz a do homem. Responsabilize-se,

    pois, a mulher por seus atos. No nego o

    preconceito em contrrio, mas a Justia penal deve

    combate-lo, quando leva ao crime. No deve

    consagra-lo, confirma-lo, desenvolve-lo. Do

    contrrio, no seria retificadora ou evolutiva, mas

    retardatria ou regressiva. O Direito penal o meio

    coercitivo de higiene social, de elevao da

    conscincia pbica, de compostura dentro das

    realidades da vida e do mecanismo dos interesses.68

    No obstante as discusses sobre estes assuntos, o Cdigo Penal

    de 1940 consagrou a noo de legtima defesa a todos os bens jurdicos,

    incluso a honra. Deve-se observar que, a reforma excluiu o dispositivo

    do artigo 27, impedindo sua utilizao nos casos de violncia contra a

    mulher, e fechando a porta para os crimes passionais em que a culpa

    era excluda pela intensidade da paixo. Contudo, manteve um

    mecanismo que permitia a liberao do marido que matasse a esposa,

    invocando para isso questes de defesa dos direitos de honra.

    significativo que a legislao mantivesse esta brecha para a

    ao violenta do homem, pois a sociedade dos anos 1940 ainda era

    pautada por uma moral discriminatria, que impunha um rigoroso

    controle sobre o exerccio da sexualidade feminina. Desta forma, era

    68 FERRI, Enrico. O delito Passional na civilizao contempornea. So Paulo: Saraiva, 1934.

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  • necessrio garantir uma punio rigorosa mulher adltera,

    preferencialmente com a eliminao e a complacncia com o marido

    que havia "corrigido" um comportamento inaceitvel socialmente,

    servindo de exemplo a outras mulheres e homens.

    Assim, chega-se a uma questo central: o fato do direito

    normatizar e ser normatizado pelas posies sociais, no que tange

    mulher e sua situao na sociedade.

    BIBLIOGRAFIA

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