crimes de racismo: um estudo...
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CRIMES DE RACISMO: UM ESTUDO SÓCIO-JURÍDICO
Caroline Andreska Targanski1
Jaqueline Valeska Targanski
Silvia Mattei
RESUMO: O presente trabalho visa abordar o racismo sob um prisma sociológico, moral e jurídico.
Apresentando conceitos e entendimentos sobre racismo e preconceito, propõem uma análise acerca
dos crimes cometidos nessa orbita. Partindo do pressuposto de que é preciso inverter a interpretação
sobre leis protecionistas em relação ao outro, para abranger o outro como afirmação de suas
singularidades e ultrapassar os limites impostos pela ideologia que apenas condiciona a uma defesa
das minorias.
PALAVRAS-CHAVE: Racismo; Crime; Lei
ABSTRACT: This paper aims to address racism in a sociological, moral and legal perspective.
Introducing concepts and understandings of racism and prejudice, propose a review about the
crimes committed in this orbit. Assuming that we must reverse the interpretation of
protectionist laws in relation to the other to cover the other as affirmation of their singularities
and overcome the limits imposed by the ideology that only affects a defense of minorities.
KEYWORDS: Racism; Crime; Law
INTRODUÇÃO
Na atualidade mister faz-se compreender a singularidade dos seres humanos. Amar o
próximo como a si mesmo, como prega a doutrina cristã. Entender que apesar das diferenças
fisicas há uma igualdade que deve ser respeitada. Interpretar a identidade do outro não como
modo de estabelecer o politicamente correto, mas como forma de aproximação de diferenças
recíprocas.
O racismo é, substancialmente, uma mentalidade segregacionista e tem a capacidade de
transitar por todas as camadas dos agrupamentos humanos. Em qualquer nível, é grave o
suficiente para justificar a intervenção do direito penal e legitimar a sua intervenção.
1 Unioeste. E-mail: [email protected].
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A Constituição Federal trás previsões e determinações de garantias, que visa efetivar a
igualdade de todos perante a lei, sem qualquer discriminação. Notável é a intenção do
legislador, que visa uma sociedade justa e igualitária.
Porém ele aparentemente trás algumas incongruências quanto à imprescritibilidade do
crime de racismo, este posicionamento que gera inquietude em alguns autores, visto que
outros crimes de aparência muito mais violenta prescrevem e este tem a previsão
constitucional de ser imprescritível.
Diante das consequências que este crime pode causar, uma punibilidade rigorosa se
mostra um meio de controle, e de disciplinamento social.
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É urgente abrir os olhos para as particularidades, para as nossas singularidades.
Expressar através de leis protecionistas nossa identidade, nosso respeito ao humano e belo. De
acordo com Bueno (2005, p.25):
É o que talvez mais faça sentido numa época em que as particularidades concretas
de cada ser tendem a se dissolver rapidamente, não só nas generalizações absolutas,
mas também nas identidades coletivas que postulam direitos da mulher, do negro e
do gay.
É preciso inverter a interpretação sobre leis protecionistas em relação ao outro, para
abranger o outro como afirmação de suas singularidades e ultrapassar os limites impostos pela
ideologia que apenas condiciona a uma defesa das minorias.
Interpretar a identidade do outro não como modo de estabelecer o politicamente correto,
mas como forma de aproximação de diferenças recíprocas.
O desafio de entender o outro coaduna com o desafio de entender a si mesmo, de
ultrapassar o senso comum, o pré-estabelecido, a nossa própria ingenuidade, imaturidade e
descrença.
Assim, entender a existência do outro como alteridade, como o que “eu não sou”, e não
como “o que eu quero que ele seja”.
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Em Leviatã, Hobbes afirma haver uma igualdade entre os homens, iguais em capacidade
de força e de espírito. E quando um, deixa a desejar em relação ao que o outro detém, em
prudência podem igualar-se. Conforme Marçal (2009, p. 349):
os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros e (sim, pelo
contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de intimidar a
todos. Porque cada um pretende que o seu companheiro lhe atribua o mesmo valor
que ele se atribui a si próprio e, na presença de todos os sinais de desprezo ou de
subestimação, naturalmente se esforça, na medida em que tal se atreve (o que, entre
os que não têm um poder comum capaz de manter a todos em respeito, vai
suficientemente longe para levá-los a se destruírem uns aos outros), para arrancar
dos seus contendores a atribuição de maior valor, causando-lhes dano, e de outros
também, pelo exemplo.
Para Hobbes, a lei fundamental da natureza ordena a todos os homens que se
mantenham em paz. Desta lei, deriva uma segunda lei, que, assim assevera Marçal (2009, p.
353-54):
Que um homem concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal
considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em resignar-se ao seu
direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a
mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo.
Importante esclarecer que, sendo a primeira lei da natureza: que busquemos a paz e que
os outros também a busquem, na segunda lei da natureza, obrigam-se a realização de
contratos e que os outros também o façam. Assim, há uma inter relação sob a condição de
reciprocidade. Logo, numa condição de guerra, falta justamente a condição da reciprocidade.
Disso conclui-se, como afirma Marçal (2009, p.354), que:
Numa condição de guerra, as leis da natureza não são suficientes para regular as
relações recíprocas entre os homens. Daí porque Hobbes diga adiante, que elas
sejam cumpridas apenas em foro interno, impondo o desejo de que sejam cumpridas,
mas não obrigam a que sejam postas em prática. É apenas com o Estado, sob a
forma de lei civil, que elas serão postas em prática. Pois o Estado, oferece a garantia
de reciprocidade necessária para que elas obriguem também em foro externo.
Correto pensar que a injustiça, a ingratidão, a arrogância, o orgulho, a iniqüidade, a
acepção de pessoas jamais podem ser tornados legítimos, desse modo a paz preserva a vida e
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a guerra a destrói. Há leis que obrigam apenas esforços, dentre elas as leis que buscam a
igualdade, o equilíbrio entre as pessoas.
No Brasil, um dos grandes desafios das leis contra discriminações raciais é impor-se.
Em um país onde é predominante a miscigenação racial parece ironia dizer que as leis contra
as discriminações raciais querem proteger as minorias.
Para Nair de Andrade (Apud BUENO, 2005, p. 34), os negros expressam-se, neste exemplo:
Noite alta, clara, reunidos no sereno da senzala, quando o rumor do dia ia se
calando, eles afinavam suas canções, seus acalantos entristecidos, cortados de
saudades. Na labuta das horas de serviço, nas ruas, nos ofícios, surgiam os cantos de
moagem. Intensa musicalidade a desses negros.
Entender a cultura do outro como produto de suas particularidades, expressão de suas
vivências, característica de sua inteligência, é principio de um Estado que visa concretizar a
Igualdade Racial na medida e proporção de suas diferenças. Essa aproximação é possível,
quando não, a lei protetiva coativamente passa a estabelecer o correto.
Eliminar sintomas de racismo religioso, discursos de inferioridade, degenerações raciais
ou idealizações de mestiçagem é ponto essencial na Lei de Crimes Raciais.
No Brasil, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de raça
ou de cor.
Do diferente não queremos a diferença, mas a igualdade, para reduzi-lo. Trazê-lo para
nós enquanto produto, enquanto dominado.
Estudos sobre etnicidade demonstram que experimentamos do outro apenas resquício de
sua experiência. De fato, ao observarmos o outro, o diferente armamo-nos de fetiches,
reduzindo a dinâmica e a complexidade do que aconteceu a fragmentos de objetos e relações,
símbolos e ritos fora do lugar.
Assim, as leis contra discriminação racial buscam o respeito à diferença, na medida de
suas desproporções. Equivale a, oportunizar a todos sem distinção de raça e cor, meios de
trabalho e acesso a uma igualdade fictícia.
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Por exemplo, a lei de apoio a população negra: a reserva de vagas para matrícula em
estabelecimentos de ensino superior.
“O art. 3º da Constituição de 1988 declara como objetivos fundamentais da
República, ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais’, bem como ‘promover o bem de todos’, sem preconceitos de qualquer
espécie.
Mas o preconceito que tisna os brasileiros de origem africana não é neles marcado
apenas fisicamente, como se fazia outrora com ferro em brasa. Ele aparece
registrado como degradação social permanente em todos os levantamentos
estatísticos. (apud FIORILLO, 2005, p.317).
Por óbice, que a partir das leis contra o racismo, bem como as leis de acesso a cursos
superiores sejam dados grandes passos em busca de uma reversão das conseqüências atreladas
aos crimes contra a “raça negra” já cometida neste país.
2.1 RACISMO
O conceito de Raça é relativamente recente e antes de ter adquirido uma conotação
biológica equivalia a designar “um grupo ou categoria de pessoas conectadas por uma
origem comum”. (FIORILLO, 2005, p.310)
As discussões poligenistas datadas do século XIX empregaram a palavra raça para
designar as “espécies de seres humanos distintos tanto fisicamente quanto em termos de
capacidade mental.” (FIORILLO, 2005, p.310).
Com efeito, a UNESCO junto a sociólogos, biólogos e geneticistas sociais,
concluíram a respeito que:
“As diferenças fenotípicas entre indivíduos e grupos humanos, assim como
diferenças intelectuais, morais e culturais, não podem ser atribuídas, diretamente, as
diferenças biológicas, mas devem ser creditadas a construções socioculturais e a
condicionantes ambientais” (FIORILLO, 2005, p.310).
A discussão das questões étnicas em território brasileiro é uma questão antiga,
complexa e, sobretudo, polêmica. (CAVALLEIRO, p. 9, 2000). De acordo com Nucci.
(2010, p. 305):
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Racismo é o pensamento voltado à existência de divisão dentre seres humanos,
constituindo alguns seres superiores, por qualquer pretensa virtude ou qualidade,
aleatoriamente eleita, a outros, cultivando-se um objetivo segregacionista,
apartando-se a sociedade em camadas e estratos, merecedores de vivência distinta.
Assim, racista pode ser entendido como sendo tanto o indivíduo de determinado
grupo que se opõe a qualquer sujeito integrante da minoria existente em uma comunidade,
bem como o integrante da minoria, quando se confronta com alguém apontado como
sendo da maioria. Se o racismo como foi demonstrado é, substancialmente, uma
mentalidade segregacionista, ele tem a capacidade de transitar por todas as faces dos
agrupamentos humano. (NUCCI, 2010).
De acordo com Mateucci (apud FIORILLO, 2005, p. 310), racismo é “referência
do comportamento do indivíduo à raça a que pertence e, principalmente, o uso político de
alguns resultados aparentemente científicos, para levar a crença da superioridade de uma
raça sobre as demais”
Caracterizado o preconceito racial, entende-se que o racismo constitui uma ‘forma
de segregação de indivíduos de determinado meio social’. (FIORILLO, 2005, p.311).
Na ótica da lei 7.716/89, cor é o colorido da pelo do corpo humano, esse é o
motivo de mencionar cores como “preto”, “branco”, “amarelo” “vermelho”. Uma lástima,
pois, esse modo turvo de encarar as pessoas denota automaticamente um preconceito.
Justamente por isso, em alguns países não se faz mais referências às pessoas “pretas” ou
“brancas”, usando em substituição termos como “afrodescendente” ou “caucasiano”.
(NUCCI, 2010).
A utilização dessas cores para distinguir pessoas se torna incongruente, pois, não
existe nenhum ser humano exatamente branco como uma folha de papel, preto como
carvão nem mesmo vermelho ou amarelo. Poder-se-ia expressar essas características
utilizando outros termos, como por exemplo, tom de pele marrom, com várias nuanças.
(NUCCI, 2010). Correa (p. 276, 2009) que do ponto de vista científico, defende-se que
não existe distinção considerável entre as raças.
A inoperância da utilização da “cor” como classificação de seres humanos pode ser
facilmente demonstrada, sendo indevido e ineficiente, em particular para representar
elemento de tipo penal incriminador. (NUCCI, 2010).
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Discriminar, em regra, denota o estabelecimento de diferença entre seres e coisas,
visando prejudicar a parte inferiorizada. Discrimina-se, aquele ser humano que é
considerado indesejado em certo ambiente, por alguma razão. (NUCCI, 2010).
Quanto aos seres humanos, “a discriminação provoca consequências nefastas, por
vezes extremamente dolorosas, implicando inclusive como a História já demonstrou, em
perda de milhares de vidas”. (NUCCI, p. 297, 2010).
Qualquer forma discriminatória, em relação ao ser humano, deveria ser coibida
com veemência, pelo ordenamento jurídico, em todos os níveis, pois pode gerar lesões
tanto físicas quanto morais, provocando um sentimento incalculável de revolta e injustiça.
(NUCCI, p. 297, 2010).
A discriminação do ser humano, em qualquer nível, é grave o suficiente para
justificar a intervenção do direito penal e legitimar a sua intervenção. (NUCCI, 2010).
De acordo Nucci (2010, p. 297):
O título da lei n° 7.716/89, perdeu o ensejo de realizar um autêntico avanço no
âmbito dos direitos e garantias fundamentais, afinal, em seu artigo 1°, inciso III, a
Constituição Federal assegura a dignidade da pessoa humana, bem como estabelece
como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, em seu artigo 3°,
inciso IV, dentre outros, promover o bem de todos sem preconceitos de origem ,
raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação.
Ao intitular esta lei como “a que define os crimes resultantes de discriminação por
raça ou cor” deixa-se de incluir as outras inúmeras maneiras de externar e fazer valer a
discriminação. Mais valeria intitula-la como sendo a que “define os crimes resultantes de
discriminação das mais variadas espécies”, pois seria uma maneira mais ampla, menos
restrita. (NUCCI, 2010).
2.2 CRIMES DE RACISMO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Como forma de caracterizar os objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil é que o legislador constituinte deixou explicito a criminalização dos crimes raciais,
esculpindo-os como pratica criminal inafiançável e imprescritível.
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Dessa forma determina os objetivos da Constituição, especificando os preceitos
fundamentais do Estado Brasileiro a fim de concretizar a democracia econômica, social,
cultural, efetivando por sua vez a dignidade da Pessoa Humana. Cumpre ressaltar, que:
“Ao se permitir a pratica de atos de segregação social por conta do preconceito
racial, estar-se á impossibilitando, no âmbito individual, a igualdade entre os
homens, e, no coletivo, a concretização da sadia qualidade de vida, porquanto o
segregado terá, parcial ou totalmente, inviabilizado a preservação e o cultivo de suas
origens e culturas, não podendo ainda usufruir as mesmas condições sociais,
econômicas ou culturais dos agentes segregadores” (FIORILLO, 2005, p. 313).
Categoricamente a Constituição Federal elencou taxativamente, nos seguintes termos:
O artigo 4°, inciso II e IV, da Constituição Federal, estabelece que a República Federativa do
Brasil rege-se nas suas relações internacionais, dentre outros, pelos princípios da prevalência
dos direitos humanos e do repúdio ao terrorismo e ao racismo.
Em seguimento, o artigo 5°, “caput” preceitua que todos são iguais perante a lei, sem
qualquer distinção de qualquer natureza. No inciso I, ratifica a igualdade em direito e
obrigações entre homens e mulheres. No inciso III, demonstra um repudio a qualquer
tratamento desumano e degradante. No inciso VI, garante ser inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício de cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, os locais de cultos e liturgias. No inciso VIII, afirma que ninguém será privado
de direito por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política. No inciso X
afirma serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. No
inciso XIII, determina o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer. Firma-se, no inciso XXXV, que a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito. No inciso XLI,
preceitua que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais. No inciso XLII, determina que a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei.
Tendo em vista tantas previsões e determinações de garantias, que visa efetivar a
igualdade de todos perante a lei, sem qualquer discriminação, vislumbrasse a necessidade de
maior amplitude da lei e maior ousadia para a punição de atos flagrantemente
discriminatórios. (NUCCI, 2010).
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Na maioria dos casos a lei optou pela tipificação de condutas expressas de segregação,
deixando a desejar quanto às ações e omissões implícitas, manifestadamente discriminatórias.
Deixando de abordar também as injúrias por qualquer motivo de desigualdade, que distanciam
pessoas, além das piadas que se multiplicam em relação às minorias que também levam ao
isolamento, seja no âmbito de trabalho, lazer, ou qualquer outro.
Como questiona Nucci (2010), Quando o Brasil realmente enfrentará o problema da
discriminação de seres humanos como afirma ser o objetivo maior do Estado Democrático de
Direito, cuja finalidade é a consolidação de uma sociedade justa e igualitária?
A Lei 7.716/89 deve ser atualizada, visando dar maior alcance ao disposto no artigo
140, paragrafo 3°, do Código Penal.
2.3 IMPRESCRITIBILIDADE
O artigo 5°, inciso XLII, da Constituição Federal, determina que a prática do racismo
constitua crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei.
Muito embora Nucci (p.298, 2010), defenda a gravidade do delito de racismo e sua punição
de forma ampla, não concorda com o preceito retro mencionado, levanta o seguinte
questionamento “ Por que ser imprescritível? Por acaso , assim sendo, o racismo será
extirpado do Brasil?”. Ele ainda afirma que é “pura demagogia”, e acrescenta:
Fosse na ótica do legislador, verdadeiramente sério esse crime e não teria pena
atingindo o máximo de cinco anos de reclusão. A maior parte das condenações não
terá nem mesmo como impor a pena privativa de liberdade em regime fechado, o
que somente evidencia a sua pouca importância aos olhos da lei. (p. 298, 2010).
Ora, o crime de extorsão mediante sequestro seguida de morte, tem pena de reclusão
de 24 a 30 anos, começando obrigatoriamente no regime fechado, prescreve em vinte anos.
Então, se torna incongruente punir alguém, autor de crime previsto na lei n° 7.716/89, que
tem previsão de pena de um a cinco anos de reclusão, depois de decorrido 30 anos da data do
crime. Nesta ótica Sérgio Salomão Shecaira preleciona:
a imprescritibilidade é um verdadeiro insulto à moderna concepção de justiça e
incompatível com o princípio de respeito a dignidade dos seres humanos insculpido
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na Constituição Federal . Ademais fere o princípio da proporcionalidade e da
humanização das penas. (Racismo, p. 413).
Porém, subjugar o outro como inferior, partindo do pressuposto de distinções raciais,
podem ter consequências mais desastrosas para toda a sociedade. Quando uma ideologia que
incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável se dissemina na
sociedade, sem controle, ou punição, gera a barbárie. No estado de direito democrático devem
ser essencialmente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos
humanos. Não devendo ser apagados da memória as condutas que afrontam esses princípios
fundamentais, até porque, os erros do passado podem servir de exemplo para os
contemporâneos.
Com a lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989 e suas alterações nas leis nº 8.081/90,
8.882/90 e 9.459/1997, passou-se a tratar e estender a criminalização a ‘todas as condutas
discriminatórias decorrentes de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional, abrangendo, assim, bens jurídicos que até então eram desconsiderados para efeito de
tutela penal’(FIORELLO, 2005, p. 314).
Assim redigiu-se nos seguintes termos o artigo 20 da Lei nº 9.459/97:
“Art.20: Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional.
Pena:-reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
¶ 1º: Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,
ornamentos, distintivos, propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para
fins de divulgação do nazismo.
Pena: Reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
¶ 2º:Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios
de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
Dessa forma, abrangeu significativamente diversas formas de discriminação para
ampliar o âmbito de aplicação da Lei nº 7.716/89 e abranger diversos modos de tipificações
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para criminalizar as diversas formas de discriminação, seja de sexo ou estado civil, opção
sexual, de condição física, social ou de origem.
Assim coerente se mostra a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre crimes de
racismo contra o povo semita, uma decisão em vislumbrasse um entendimento mais amplo do
que seja o racismo. Pomposamente trás à luz a importância de sua criminalização, bem como
a relevância de sua imprescritibilidade:
ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL.
CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE
EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA.
1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias
preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89,
artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às
cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII).
2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são
uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a
exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa.
3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do
genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja
pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer
outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana.
Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos
iguais.
4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo
de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo
que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.
5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e
os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e
infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio:
inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do
Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado
democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção
atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana,
baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência
no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação
estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento
infraconstitucional e constitucional do País. (...)
7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela
gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que
fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade
nacional à sua prática. (...)
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16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave
para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos
e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem.
Ordem denegada.
(STF - HC: 82424 RS , Relator: MOREIRA ALVES, Data de Julgamento:
17/09/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 19-03-2004 PP-00017 EMENT
VOL-02144-03 PP-00524)
Desta feita, cabe mencionar o crime de escravidão, cometido contra o povo africano e
afrodescendentes no Brasil, caracterizado como crime coletivo contra a raça negra
especificamente, nesses termos tratada:
“Milhões de jovens foram capturados durante séculos na África, e conduzidos com a
corda no pescoço, até os portos de embarque, onde eram batizados e recebiam, com
ferro em brasa, a marca de seus respectivos proprietários. Essa carga humana era
acumulada no porão de tumbeiros, com menos de 1 (um) metro de altura.Aqui
desembarcados os infelizes eram conduzidos a um mercado público para serem
arrematados em leilão.” (Apud FIORILLO, in Comparato, Fábio Konder.folha de
São Paulo, 2008).
Como conseqüência da escravidão, restou o trauma irreversível da desculturação, pois
os escravos eram afastados de sua língua, de seus costumes e de suas tradições.
Mesmo com essa mancha de sangue na História brasileira, que nossas leis efetivem-se
na moral dos indivíduos em busca da reversão das conseqüências atreladas a Escravidão.
CONCLUSÃO
O racismo sorrateiramente se espalha pelos diversos ramos sociais, não se limitando
ao tom de pele, se arrasta para subjugar etnias, religiões, disseminando o seu veneno.
Essa mentalidade segregacionista, que subjuga o outro como inferior, partindo do
pressuposto de distinções raciais, podem ter consequências desastrosas para toda a sociedade.
Quando uma ideologia que incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza
inominável se dissemina na sociedade, sem controle, ou punição, gera a barbárie. No estado
de direito democrático devem ser essencialmente respeitados os princípios que garantem a
prevalência dos direitos humanos. Não devendo ser apagados da memória as condutas que
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afrontam esses princípios fundamentais, até porque, os erros do passado podem servir de
exemplo para os contemporâneos.
Assim, as leis contra discriminação racial buscam o respeito à diferença, na medida de
suas desproporções. Equivale a, oportunizar a todos sem distinção de raça e cor, meios de
trabalho e acesso a uma igualdade fictícia. Sendo a previsão Constitucional de
imprescritibilidade desse tipo de crime, bem a como legislação infraconstitucional, que
disciplina o assunto, de relevância social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BUENO, Maria Lucia. CASTRO, Ana Lúcia. Corpo território da Cultura. 2º edição, ed. Annablume.
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MARÇAL, Jairo. Antologia de textos filosóficos. Secretaria de Estado da Educação do Paraná. SEED, Curitiba,
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NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais Comentadas. 5 ed., ver. Atual. E ampl. – São
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SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 1ed, 2. Tir. São Paulo: RT, 1999.