conferência mundial de direitos humanos – viena, 1993

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    Conferncia Mundial de Direitos Humanos Viena, 1993 Tpico: A inter-relao entre democracia, desenvolvimento e

    Direitos Humanos

    Autores: Camila Ramos Prola de Abreu

    Ana Patrcia Batalhone Fernando dos Santos Modelli

    Paula Macedo Csar

    Introduo

    Justamente a histria dos direitos humanos a histria das lutas humanas. 1

    Os movimentos e lutas em prol da definio e proteo das liberdades e

    direitos essenciais aos seres humanos transformaram a atmosfera do globo ao longo da histria.

    At o incio do sculo XX, cerca de 90% dos pases atualmente existentes no era independente. Estes, entre as dcadas de 1920 e 1940, amparados pelo princpio de autodeterminao dos povos, presente no iderio da Liga das Naes e, mais especificamente, no discurso do ento presidente americano Woodrow Wilson, foram gradativamente obtendo sua condio de Estados soberanos; de maneira que, no final do sculo XX, a maioria dos pases se encontra em situao de liberdade jurdica, determinando sua prpria forma de governo e organizao social.

    Importante marco, tambm, nesta luta pelas liberdades humanas foi a Declarao Universal de Direitos Humanos de 1948, que anunciou o incio de uma nova era em que se assumia a promoo dos direitos humanos como interesse da comunidade internacional. Nesta ocasio, a Assemblia Geral das Naes Unidas, ao produzir a Declarao, fez mais do que recomendaes aos Estados: ela estabeleceu as bases de um novo ramo do Direito Internacional, que se iria expandir incessantemente. Apesar da Declarao no possuir efeito de obrigao jurdica, pela primeira vez na histria foram estabelecidos internacionalmente os direitos humanos, antes previstos apenas em declaraes nacionais de alguns pases e referidos de maneira ainda vaga, sem explicitao de contedo, na Carta das Naes Unidas. Desde ento, foram-se adotando, na ONU, outros instrumentos e mecanismos nessa esfera, de forma tal que nos anos de 1970 e 1980 j se falava de um verdadeiro sistema internacional de direitos humanos. Com o fim da Guerra Fria, a crescente integrao em escala mundial de mercados e comunicaes se intensificou. Parece ser este o palco ideal para se fortalecer o sistema internacional de promoo e proteo aos direitos humanos, buscando-se a padronizao de certas condutas consideradas necessrias para tornar o sistema internacional de direitos humanos mais eficaz, universal e controlador, capaz de intensificar o esprito de 1948, contornando, inclusive, suas fraquezas.

    1 PINHEIRO, Paulo Srgio. Prefcio in LINDGREN ALVES, J. A. Relaes Internacionais e Temas Sociais: a

    dcada das conferncias. Braslia: IBRI, 2001, p. 15.

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    A idia da priorizao da agenda de direitos humanos no incio da dcada aponta para o surgimento de novos interesses da comunidade e inclui-se em um contexto internacional amplo de incluso e exame de novos temas inter-relacionados (como crianas, direitos humanos, mulheres, populao, meio-ambiente, habitao) que parecem ser pautas da agenda internacional que se inicia na dcada de 90. O incio da dcada parece demonstrar, portanto, a necessidade de reforar os regimes existentes para a promoo e proteo de direitos humanos, em termos de conceitos e de mecanismos. A comunidade internacional encontra-se, nesta poca, possuidora de um legado construdo em prol dos direitos humanos dotado, contudo, de fraquezas, de contradies e de carncia de mecanismos de controle de violaes destes direitos. Parece, desta forma, inevitvel para a comunidade o reexame das instituies existentes sobre a matria, bem como a consagrao de certos princpios de direitos humanos. Deve-se reafirmar, para que no restassem polmicas, a universalidade, a indivisibilidade e a inviolabilidade dos direitos humanos como patrimnio inato de todos os homens e mulheres. Ademais, faz-se necessrio consagrar o princpio da inter-relao direta entre desenvolvimento e direitos humanos e postular a democracia como requisito essencial para sua realizao. No intuito de debater este tema to candente, a Assemblia Geral decidiu, em 18 de novembro de 1990, pela resoluo 45/1552, convocar uma nova Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos, a ocorrer em Viena. Percebe-se, portanto, as grandes ambies e os grandes desafios que a Conferncia de Viena pretende contornar. Apesar da importncia designada pela comunidade internacional ao tratamento deste tema ao final da Guerra Fria, distantes parecem ser as possibilidades de consenso absoluto entre os diversos Estados. Tenses crticas existem entre universalidade dos direitos e especificidades cultural, entre monitoramento da proteo de direitos humanos em cada pas e soberania nacional, entre supremacia das leis internacionais e das leis nacionais e entre ratificao das leis internacionais e sua implementao na jurisdio nacional3.

    Histrico da Questo

    Os precedentes histricos e a evoluo da agenda internacional dos Direitos Humanos

    A Declarao Universal dos Direitos Humanos surgiu no contexto do ps-

    guerra, em 1948, a partir da necessidade de se estabelecer princpios bsicos de direitos humanos que fossem respeitados por todas as naes4. Dessa forma, os trinta artigos da Declarao abordavam os fundamentos de liberdade, igualdade, fraternidade e dignidade do ser humano. Ela foi aprovada com 48 votos a favor e 8 abstenes5.

    2 UNITED NATIONS, General Assembly. A/RES/45/155, disponvel em ingls em:

    http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/565/44/IMG/NR056544.pdf?OpenElement 3 PINHEIRO, Paulo Srgio. op. cit., p.18.

    4 http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm

    5 Os Estados que se abstiveram foram frica do Sul, Arbia Saudita, Bielorssia, Iugoslvia, Polnia,

    Tchecoslovquia, Ucrnia e Unio das Repblicas Socialistas Soviticas.

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    A importncia da Declarao Universal dos Direitos Humanos inquestionvel. Ela abrangeu uma ampla variedade de direitos humanos, tais como direito vida, direito integridade, liberdade de expresso e informao e direitos polticos. Entretanto, no havia uma real obrigatoriedade do cumprimento da Declarao, uma vez que a motivao para tal observncia viria da compreenso comum desses direitos e liberdades6. Em outras palavras, cabia aos Estados respeitar o que continha na Declarao, porm o desacato da mesma no implicaria em sanes.

    A Declarao foi tambm motivo de discusso em funo do direito de autodeterminao dos povos, logo da soberania dos pases. De acordo com a Escola Clssica, a soberania, ou seja, a autoridade do Estado una, indivisvel, inalienvel e imprescritvel. Em outras palavras, h apenas uma autoridade soberana sobre o territrio nacional que no pode ser transferida a outrem e no h limitao temporal desta. Alm disso, a Carta das Naes Unidas estabelece como princpio a no-interveno em assuntos internos dos Estados. Como os direitos humanos se realizam na jurisdio interna, muitos pases entendiam que, a partir do momento em que se adotava um acordo internacional relativo conduta dos seres humanos, havia a possibilidade de interferncia da comunidade internacional no pas, pelo fato desses acordos potencialmente criarem normas internas em cada pas.

    Outra questo levantada em relao Declarao Universal dos Direitos Humanos foi que esta no abrangia as diversidades tnicas e culturais de determinados Estados. Assim, a sua aplicabilidade geral era comprometida.

    Devido ao fato de a Declarao de 1948 ser apenas um documento declaratrio, sem fora de obrigao jurdica no Direito Internacional, a comunidade internacional se viu impulsionada a melhor desenvolver o regime de proteo de direitos humanos por meio de tratados de carter obrigatrio para os Estados que os ratificassem. Desta forma, em 1966, aps mais de 20 anos de negociaes, foram aprovados pela Assemblia Geral das Naes Unidas e abertos assinatura e ratificao o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos7 e o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais8. Houve, contudo, crticas em relao diviso dos Pactos, pois a prpria Declarao Universal dos Direitos Humanos dava a entender que havia uma clara interdependncia entre todos os direitos, que no teriam hierarquizao na respectiva observncia. Apesar de divididos, consta, assim, nos dois Pactos9 a importncia dessa idia de inter-relao e indivisibilidade dos direitos fundamentais.

    O Pacto de Direitos Civis e Polticos regulamenta e refora com carter de obrigao, os artigos da Declarao Universal concernentes vida civil dos cidados, 6 Prembulo da Declarao Universal dos Direitos Humanos, 1948

    7 http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/pacto2.htm

    8 http://www.aids.gov.br/legislacao/vol1_3.htm

    9 Reconhecendo que, em conformidade com a Declarao Universal dos Direitos Humanos, o ideal do

    ser humano livre, no gozo das liberdades civis e polticas e liberto do temor e da misria, no pode ser realizado, a menos que se criem as condies que permitam a cada um gozar de seus direitos civis e polticas, assim como de seus direitos econmicos, sociais e culturais, prembulo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos de 1966. Reconhecendo que, em conformidade com a Declarao Universal dos Direitos Humanos, o ideal do ser humano livre, liberto do temor e da misria, no pode ser realizado a menos que se criem condies que permitam a cada um gozar de seus direitos econmicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e polticos, prembulo do Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais e de 1966.

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    alm de trazer temas que esta no abrangeu, como o direito de minorias e das crianas. importante destacar alguns direitos contidos nesse pacto, como o de autodeterminao dos povos, direito igualdade perante a Lei, direito de expresso e de religio, direito ao trabalho e justa remunerao, direito formao de sindicatos. Teoricamente, sua aplicao seria imediata, devido importncia extrema em garantir a liberdade individual dos seres humanos.

    Aprovado em 1966, este Pacto s entrou em vigor em 1976, quando o nmero de ratificaes necessrias foi atingido. A fiscalizao seria responsabilidade de um rgo vinculado s Naes Unidas, o Comit de Direitos Humanos. Esse organismo supervisor atuaria, primeiramente, por meio do exame de relatrios que os Estados-parte se obrigavam a apresentar. Alm disso, para os Estados que ratificassem seu Protocolo facultativo, o Comit poderia acolher e examinar queixas ou comunicaes individuais de violaes, entretanto s agiria nos casos em que a resoluo interna, por conta do prprio Estado, no fosse possvel.

    O outro Pacto de 1966, o Pacto de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais teve um carter juridicamente vinculante10 Declarao Universal dos Direitos Humanos. Seus artigos referiam-se aos direitos trabalhistas; produo, distribuio e consumo de riquezas; direitos educao; direitos participao da vida cultural; entre outros, todos submetidos autodeterminao dos povos.

    O Pacto sugeria medidas de planejamento11 para efetivar a garantia dos direitos contidos nele, uma vez que sua aplicao seria no longo prazo. Haveria tambm a participao de um rgo das Naes Unidas, o Conselho Econmico e Social para monitorar a aplicao efetiva dos direitos previstos no Pacto.

    Sempre houve alguns problemas em relao ao reconhecimento dos direitos econmicos e sociais por parte do bloco capitalista, em particular dos Estados Unidos. No era claro para eles o papel do Estado em garantir todos os direitos econmicos e sociais, uma vez que isso implicaria em altos custos para o governo. Em outras palavras, os direitos civis e polticos seriam de aplicabilidade imediata porque no dependiam de grandes investimentos. Bastaria que os Estados se comprometessem a respeitar as liberdades humanas. Por outro lado, os direitos econmicos e sociais despendiam recursos estatais para que fossem garantidos.

    Vinte anos aps a Declarao Universal dos Direitos Humanos, foi convocada uma conferncia em Teer, em que se reforou mais uma vez a importncia da Declarao de 4812, juntamente com os Pactos posteriores13 e condenou a poltica do apartheid14, alm de afirmar a necessidade da indivisibilidade dos direitos15.

    10

    Juridicamente vinculante: obrigatrio. 11

    Artigos 2, item 1 e artigos de 16 a 25 do Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais. 12

    Desde que foi aprovada pela Declarao Universal de Direitos Humanos, As Naes Unidas conseguiram progressos substanciais na definio das normas para o gozo e proteo dos direitos humanos e as liberdades fundamentais. Durante este perodo foram aprovados muitos instrumentos internacionais de relevada importncia. Mas ainda fica muito Po fazer na esfera da aplicao destes direitos e liberdades artigo 4 da Proclamao de Teer. 13

    O Pacto Internacional de Direitos Humanos Civis e Polticos, o Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, a Declarao sobre a concesso da independncia aos pases e povos coloniais, a Conveno Internacional sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao Racial, assim como outras convenes e declaraes em matria de direitos humanos, aprovadas sob os ideais das Naes Unidas, os organismos especializados e as organizaes no governamentais regionais,

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    A Conferncia de Teer foi a Primeira Conferncia Mundial de Direitos Humanos e contou com a participao de Estados, organismos internacionais e organizaes no-governamentais (ONGs). A Proclamao de Teer foi fundamental para a evoluo da temtica da proteo dos direitos humanos pela assero de uma nova viso, global e integrada, de todos os diretos humanos16.

    A afirmao relativa indivisibilidade dos direitos, no entanto, foi feita de forma falha, por meio do artigo 13 da Proclamao de Teer:

    13. Como os direitos humanos e as liberdades fundamentais so indivisveis, a realizao dos direitos civis e polticos sem o gozo dos direitos econmicos, sociais e culturais resulta impossvel. A realizao de um progresso duradouro na aplicao dos direitos humanos depende de boas e eficientes polticas internacionais de desenvolvimento econmico e social;17

    Esse artigo foi alvo de interpretaes errneas e que prejudicaram os direitos

    civis e polticos em algumas naes, uma vez que abria precedente para a legitimao de regimes ditatoriais nos Estados. Segundo esse artigo, os direitos civis e polticos s poderiam ser realizados por meio do desenvolvimento nacional, que exigiria, por sua vez, um ordenamento econmico internacional mais justo. Isso sugeria idia da indivisibilidade um carter de condicionalidade para os direitos civis e polticos que servia como luva a regimes no-democrticos de todos os tipos.18 Assim, os pases de regimes arbitrrios em todo o mundo encontraram nessa redao uma justificativa que no hesitavam em utilizar para seu autoritarismo.

    O trmino da Guerra do Vietn, a conquista da independncia de antigas colnias, a queda do muro de Berlim, a Guerra do Golfo e o fim do apartheid foram alguns dos acontecimentos marcantes desde a dcada de 70 at o presente ano. Esses fatos tiveram conseqncias diretas no que diz respeito aos direitos humanos, seja pela conquista desses, seja pela violao dos mesmos.

    Dessa forma, a questo dos direitos humanos foi pauta constante nos fruns da ONU nesse perodo. Concomitantemente a esses eventos que ocorriam no cenrio mundial, a Assemblia Geral das Naes Unidas aprovou vrias resolues19 concernentes aos direitos humanos, o que demonstra uma generalizao da preocupao das Naes Unidas com o tema.

    estabeleceram novas formas e obrigaes que todas as naes devem aceitar artigo 3 da Proclamao de Teer. 14

    O Apartheid era um regime poltico de segregao racial contemporneo Proclamao de Teer, que ocorria na frica do Sul. 15

    Como os direitos humanos e as liberdades fundamentais so indivisveis, a realizao dos direitos civis e polticos sem o gozo dos direitos econmicos, sociais e culturais resulta impossvel. Artigo 3 da Proclamao de Teer. 16

    CANADO TRINDADE, Antnio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 17

    Proclamao de Teer disponvel em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/teera.htm 18

    LINDGREN ALVES, J. A. A Conferncia de Viena sobre Direitos Humanos in: Relaes Internacionais e temas sociais: a dcada das conferncias. Braslia: IBRI, 2001. 19

    Resolues da ONU em ingls no site http://www.un.org/documents/resga.htm

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    Apresentao da Questo: O contexto internacional s vsperas da Conferncia de Viena

    Os Direitos Humanos em perspectiva global

    O fortalecimento dos direitos humanos no incio dos anos 90 se deve

    principalmente ao fim das ditaduras comunistas na Europa, associado idia de que no havia alternativas ao capitalismo e democracia. Tudo isso era respaldado pela transparncia permitida pela tecnologia dos meios de comunicao, que possibilitaram a todos ver o que vinha ocorrendo dentro dos pases, antes fechados pelo controle governamental. Ainda, durante a Guerra Fria o mundo vivia o conflito ideolgico entre as duas maiores potncias: a Unio Sovitica, socialista, e os Estados Unidos da Amrica, capitalista. Esse conflito ideolgico provocava distores e dificuldades acirradas para a aplicao e cobrana internacional dos direitos humanos, que sempre se revestiam de aspectos propagandsticos.

    Com o colapso da Unio Sovitica, abriu-se um grande palco para a discusso dos direitos humanos que encontrou repercusso at mesmo na matria das misses de paz. Com a queda da Unio Sovitica, os valores universais do liberalismo, da democracia tipicamente ocidentais alcanaram maior projeo internacional. A primeira Guerra do Golfo (1990-1992) foi explicada como uma prova da unio dos pases via Naes Unidas para repudiar violaes s normas internacionais existentes no caso, a inviolabilidade das fronteiras do Kuwait, invadido pelo Iraque.

    O otimismo gerado, entretanto, acabou sendo quebrado por diversos fatores: as ex-sociedades socialistas que, por falta de instituies e dificuldades econmicas e polticas, viam a dissoluo do Estado anterior sem nenhum substituto; o crescimento do fundamentalismo religioso, sobretudo muulmano; e as dificuldades sofridas pelos pases africanos que, pouco aps o fim da Guerra Fria, se encontravam com dificuldades econmicas e instabilidade poltica intensificada. Vrios exemplos podem ser observados como o caso da Somlia (onde chefes de cls locais em conflito praticamente destruram o Estado, transformando-o em rea sem governo), Ruanda (onde ocorreu genocdio causado pelo conflito entre etnias) e, na Europa, a Bsnia-Herzegovina (que presenciou o conflito entre faces nacionalistas que se envolveram numa terrvel guerra civil em prol de suas independncias). Os Direitos Humanos foram, assim, includos na agenda internacional pelo prprio perodo de transio conflituoso que demandava maiores preocupaes com tais questes. A Agenda para a Paz20, lanada em 1992 e proposta pelo ento Secretrio Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, constituiu um marco na construo de mecanismos para a busca da paz e foi, ainda, fundamental para a insero da perspectiva de direitos humanos em matrias tipicamente de segurana, como as misses de paz. A Agenda determinava a diplomacia preventiva21; promoo da paz pautada nos mecanismos de soluo pacfica de conflitos previstos no captulo VI22 da carta da ONU; o monitoramento internacional de conflitos; a imposio da paz por meio do uso da fora armada; e a consolidao da paz pela utilizao de misses

    20

    Ver http://www.un.org/Docs/SG/agpeace.html 21

    Diplomacia preventiva: preveno do surgimento de disputas entre Estados, ou no interior de um Estado, visando evitar a deflagrao de conflitos armados ou o alastramento deste uma vez iniciados. 22

    Ver http://www.onu-brasil.org.br/doc3.php

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    armadas e civis das Naes Unidas que fortalecessem o processo de reconciliao (peacekeeping) e reconstruo (peacebuilding) ps-conflito. O nascimento das primeiras operaes de paz das Naes Unidas foi marcado pelo conflito estratgico bipolar da Guerra Fria e pela luta de ideologias, e o pequeno nmero de misses nessa poca ilustra a paralisia do Conselho de Segurana durante a Guerra Fria devido falta de consenso entre seus membros permanentes23. No contexto ps-Guerra Fria, aumentaram exponencialmente os nmeros de misses de paz. Os fatores que mais causaram essa expanso foram: o ressurgimento de tenses principalmente de fundo tnico, religioso ou nacionalista; o maior apoio das grandes potncias s misses; e a crescente universalizao dos valores de democracia e respeito aos direitos humanos no discurso dos Governos e das sociedades civis. Um fato importante a ser ressaltado que esses conflitos, na maioria das vezes, eram intra-estatais24 e estavam ligados falta de condies econmico-sociais e ao vcuo de poder deixado aps a descolonizao e o fim da Guerra Fria. O conflito social interno penalizava os pases pobres em desenvolvimento que acabaram passando por crises profundas de governabilidade. Nesse contexto, em que os novos meios de comunicao, como a internet; e a globalizao dos antigos meios, como a televiso, propiciam plena transparncia e repercusso das conseqncias dos conflitos no mundo, fenmenos antigos acirrados nos anos 90 como violaes macias de direitos humanos, genocdio, limpeza tnica, tortura, fluxos de refugiados e ao de grupos armados diversos passaram a chamar mais ateno na agenda internacional. O Conselho de Segurana passou a aprovar misses cada vez mais complexas que abordavam a promoo da paz (negociao de tratados); a manuteno da paz (monitoramento das foras militares e pra-militares, refugiados e superviso do governo provisrio); e a construo da paz (direitos humanos, organizao de eleies e aes de reconstruo econmica). Com a construo da Agenda para a Paz, outro ponto foi includo na ordem do dia: a imposio da paz.

    A conseqncia mais direta desse novo ponto foi o dilema da soberania estatal no territrio interno e a validade da interveno internacional. Enquanto se discutia, no campo terico, o alargamento de princpios como o do consentimento das partes para o envio de misses, a relativizao do conceito de soberania e as bases do principio de uso de fora, ocorria, na prtica, a utilizao de novos e indefinidos mecanismos de imposio da paz.

    Os maiores insucessos das misses de paz ocorreram principalmente por falta de consenso a respeito dessas modificaes, a comear pela falta de consentimento das partes em conflito e sobre o uso da fora pelas misses de paz. Essa falta de consenso abriu espao para que as foras de paz fossem consideradas parciais e incapazes de chegar a um resultado satisfatrio. Em suma, a preocupao com os direitos humanos tem ganhado posio na matria da construo das misses de paz, mas levado a uma maior dificuldade, tanto na discusso em si quanto no contexto internacional, proporcionando novos problemas.

    A equao norte-sul:

    23

    China, Rssia, Estados Unidos, Frana e Inglaterra. 24

    Dentro do prprio estado.

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    Um dos maiores complicadores do funcionamento da ONU aps o trmino da Guerra Fria a equao norte-sul. As principais distores comearam pelas atenes focalizadas nos direitos civis e polticos, sempre privilegiados pelo Ocidente em detrimento dos direitos econmicos e sociais, antes privilegiados pelos pases socialistas em aliana com os pases de Terceiro Mundo. No comeo da dcada de 90, enquanto desaparece a antiga disputa ideolgica Leste-Oeste, aumenta a visibilidade do conflito norte-sul. Este se agrava no somente por motivos econmicos, mas tambm em aspectos culturais, em funo da crescente valorizao das culturas no-ocidentais em contrapeso viso ocidental reducionista, que localiza nos pases subdesenvolvidos os males do mundo. Os afro-asiticos comeam a supervalorizar suas crenas e religies ancestrais como forma de nacionalismo contra a importao de valores do Ocidente. Outro ponto, no to evidente, o fundamentalismo religioso como fator poltico de peso. Uma das primeiras manifestaes dos paradoxos da dcada de 90 foi o cancelamento do segundo turno das eleies argelinas a fim de impedir a vitria da Frente Islmica de Salvao (FIS Partido religioso que afirmava, inclusive, ser contra novas eleies depois que chegasse ao poder), impedimento que teve apoio do Ocidente. A questo principal se a suposta universalidade da democracia deve ser colocada na frente da opinio demonstrada nas eleies que escolheu um partido religioso fundamentalista, que podia alterar a prpria democracia.

    A exacerbao dos micro-nacionalismos em reas antes pertencentes a ex-Estados socialistas encontra espao no contexto ps-Guerra Fria, em funo da extino do controle frreo antes exercido pelos regimes comunistas sobre as respectivas sociedades. No Terceiro Mundo em geral, o nacionalismo vai ganhando fora em contexto de intenso desemprego, dramatizado pelas polticas neoliberais impostas como sem alternativas pelo FMI e pases desenvolvidos. Esse foi outro ponto de dificuldade nas relaes internacionais ps-Guerra Fria.

    Com a j referida Agenda para a Paz de 199225 e o fortalecimento da noo de imposio de paz, crescente a desconfiana de pases que vem com cautela esses movimentos e conjecturam acerca da possibilidade de desrespeito s soberanias nacionais. Os contrastes ficam mais fortes quando se comea a dirigir ateno exclusivamente para direitos civis e polticos, em detrimento da criao de condies para melhor realizao dos direitos econmicos e sociais26.

    O principal contraste o desenvolvimento da economia de mercado em todo o mundo fenmeno da globalizao capitalista -, que no se reflete em maior cooperao internacional para resolver as carncias dos pases menos favorecidos. Alguns especialistas tm inclusive apontado para um desengajamento do norte em relao ao sul coberto sob um vu na nfase de maior assistncia humanitria, que tem maior impacto imediato sobre a opinio pblica do que verdadeiramente uma

    25

    UNITED NATIONS. An agenda for peace preventive diplomacy, peacemaking and peace-keeping. (Boutros Boutros-Ghali documento A/47/277 S/24111), 1992. Disponvel em ingles em http://www.un.org/Docs/SG/agpeace.html 26

    LINDGREN ALVES, J. A. A Conferncia de Viena sobre Direitos Humanos in: Relaes Internacionais e temas sociais: a dcada das conferncias. Braslia: IBRI, 2001. Pgina:5.

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    promoo de parceria internacional para a promoo do desenvolvimento econmico e social27.

    Isto se reflete na ecloso de conflitos devastadores em termos humanos e materiais ao invs de refletir uma reduo dos nveis de tenso regional. O prprio contexto da poca cria condies difceis para a maior cooperao por causa dos micro-nacionalismos, equao norte-sul, poltica neoliberal universal e, em suma, um tempo de mudanas que dificulta a criao de um espao para uma sistematizao da cooperao entre os pases visando proteo dos direitos humanos. Ainda assim, a convocao da Conferncia de Viena representa, no incio da dcada de 90, a viso do fortalecimento dos direitos humanos como uma ltima utopia que entusiasma a comunidade internacional. O Processo Preparatrio para Viena, 1993 Diferentemente da poca da Conferncia de Teer, quando o processo de internacionalizao dos direitos humanos no tinha evoludo em grande escala e do perodo de abstencionismo com relao ao tema, ou seja, do desinteresse da comunidade internacional pela sua discusso, marcado pelo conflito ideolgico da Guerra Fria, a realidade do incio dos anos 90 parece trazer esperanas para a construo de um consenso universal baseado nos direitos humanos. Isto se deve, em primeiro lugar, ao nvel de evoluo do sistema internacional nesta esfera no imediato ps Guerra Fria, principalmente nas regulamentaes dos arranjos regionais e, em segundo lugar, ao aparecimento de uma determinao intrusiva ou seja, do interesse da comunidade internacional em interceder pela proteo dos direitos humanos , ainda que os mecanismos existentes no sejam, de fato, intervencionistas28. Passadas mais de duas dcadas da adoo da Proclamao de Teer, as Naes Unidas vem-se levadas a proceder a outra avaliao global do tema de direitos humanos, levando em conta, sobretudo, o longo caminho e os avanos na matria ocorridos desde 1968. Novas possibilidades nas relaes internacionais so, portanto, vislumbradas, como o maior envolvimento das Naes Unidas para a para a defesa da democracia, para o incentivo ao desenvolvimento e para a proteo dos direitos humanos29.

    Neste sentido, no dia 18 de novembro de 1990, pela resoluo 45/15530, a Assemblia Geral das Naes Unidas decidiu convocar uma nova Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos, a realizar-se entre os dias 14 e 25 de junho de 1993.31 Entre os seis objetivos da Conferncia contidos no primeiro pargrafo da resoluo, um se referia avaliao do progresso do tema desde a Declarao de 48, outro dizia

    27

    AMORIM, Celso Lus Nunes. Entre o desequilbrio unipolar e a multipolaridade: o conselho de segurana da Onu no perodo Ps-Guerra. Disponvel em www.iea.usp.br/iea/textos/amorimdesequil%EDbriounipolar.pdf 28

    LINDGREN ALVES, Jos Augusto. Os direitos humanos como tema global, Braslia, FUNAG, So Paulo, Perspectiva, 1994. 29

    CANADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. I, Porto Alegre, Srgio Antnio Fabris Editor, 2003, p. 166. 30

    UNITED NATIONS, General Assembly. A/RES/45/155, disponvel em ingls em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/565/44/IMG/NR056544.pdf?OpenElement 31

    A definio do local de realizao da conferncia foi complicada. Depois de algumas tentativas frustradas, a ONU optou por Viena, levando em conta, alm de convite do Governo austraco, o fato de l j haver toda a infra-estrutura necessria.

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    respeito ao exame da relao entre o desenvolvimento e o desfrute dos direitos humanos e os quatro restantes eram relativos s atividades internacionais de controle de prticas abusivas que ameaassem a proteo dos direitos.

    O pargrafo 2 da resoluo 45/155 estabeleceu o Comit Preparatrio da II Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos, que teve sua primeira sesso em Genebra entre os dias 9 e 13 de setembro de 199132. As intensas divergncias emergidas dos debates intergovernamentais no mbito do processo preparatrio para a formulao da agenda provisria da Conferncia denotavam a diferena de posturas entre Ocidente e Oriente o primeiro, favorvel criao de mecanismos cada vez mais exigentes de proteo de direitos civis e polticos, e o segundo, partidrio de uma posio mais defensiva das respectivas culturas, enfatizando direitos coletivos33.

    Devido falta de consenso, j na segunda sesso do Comit Preparatrio (entre 30 de maro e 10 de abril de 1992) a agenda da Conferncia Mundial no tinha sido ainda definida. Propuseram-se, ento, temas, sendo o Comit levado a auto-convocar-se para nova sesso no-prevista. Confirmaram-se a realizao de trs Reunies Preparatrias Regionais em Tnis (entre os pases africanos), em San Jos de Costa Rica (entre os pases latino-americanos e caribenhos) e em Bangkok (entre os pases asiticos) 34. Durante a segunda sesso do Comit Preparatrio, os grupos regionais formados j propuseram temas de grande relevncia, entre os quais o da formulao da agenda provisria. A Comisso de Direitos Humanos, por sua vez, recomendou a manuteno do tema da inter-relao entre direitos humanos, democracia e desenvolvimento alm da igual importncia e indivisibilidade de todas as categorias de direitos humanos 35.

    Na terceira sesso do Comit Preparatrio (entre 14 e 18 de setembro de 1992), ficou regulamentada a participao das ONGs nas Reunies Regionais e na Conferncia de 1993, revelando, portanto, o papel que a sociedade civil atingia no dilogo internacional. Nessa sesso tambm foram aprovadas o Regulamento Provisrio e a Agenda Temtica Provisria para a Conferncia36. Esta contemplava a anlise do progresso dos direitos humanos desde 48; os obstculos a serem superados; as tendncias e os desafios contemporneos para a realizao plena dos direitos, incluindo os de pessoas de grupos vulnerveis; a considerao da trade desenvolvimento/democracia/direitos humanos; a indivisibilidade destes direitos e as recomendaes para cooperao internacional nesta esfera37.

    Diferentemente do ambiente de divergncias e falta de consenso das sesses do Comit Preparatrio, no mbito regional, as Reunies previstas do Grupo Africano, do Grupo Latino-Americano e Caribenho e do Grupo Asitico38 obtiveram sucesso na 32

    UNITED NATIONS, Report of the Preparatory Committee for the World Conference on Human Rights First Session (doc.A/CONF.157/PC/13), 1991. 33

    LINDGREN ALVES, Jos Augusto. Relaes Internacionais e Temas Sociais: A Dcada das Conferncias. Braslia: IBRI, 2001, p. 90. 34

    UNITED NATIONS, Report of the Preparatory Committee for the World Conference on Human Rights Second Session, (doc.A/CONF.157/PC/37), 1992. 35

    COMISSO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAES UNIDAS, Pargrafo 2 das recomendaes em anexo resoluo 1991/30, 1991. 36

    CANADO TRINDADE, Antonio Augusto, op.cit., pp. 176-177. 37

    UNITED NATIONS, documento A/CONF.157/1, 1993. Disponvel em ingls em http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/CONF.157/1&Submit=Search&Lang=E 38

    Os cinco grupos regionais existentes Ocidental, Centro-Europe (ex-Socialista), Latino-Americano e Caribenho, Africano e Asitico - so criaes informais que operam nas Naes Unidas como um todo,

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    produo de documentos consensuais, o que parecia construir expectativas otimistas para junho de 1993. De fato, a proximidade de preocupaes e interesses dos pases participantes de cada uma das reunies contribuiu em muito para a situao de concrdia. Outro fator decisivo para a riqueza e contribuio dos documentos produzidos nas esferas regionais foi a intensa interlocuo entre as delegaes governamentais e as organizaes no-governamentais presentes, fato que no ocorria da mesma maneira nas sesses do Comit Preparatrio39.

    Na quarta e ltima sesso do Comit Preparatrio, em abril de 1993 (estendida at maio, devido falta de consenso sobre muitos dos pargrafos do documento que deveria ser aprovado em Viena), foi afinal adotado um anteprojeto a ser encaminhado Conferncia que mais parecia uma colcha de retalhos desconexos. O texto continha diversas passagens s vezes, pargrafos inteiros entre colchetes, indicando que no haviam logrado acordo. O consenso desejado para a Conferncia de Viena parecia uma esperana remota40. O texto era dividido em trs partes: (1) a primeira continha os pargrafos preambulares; (2) a segunda incorporava, na forma de uma declarao, conceitos bsicos, como a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, incluindo a trilogia desenvolvimento/democracia/direitos humanos e (3) a terceira parte deveria consistir num programa de ao para a implementao dos conceitos. Esta continha, entre as inovaes propostas, a maior nfase na implementao de mtodos de monitoramento e melhora dos mecanismos existentes de proteo, contendo, tambm, a idia de criao de um posto de Alto Comissariado das Naes Unidas para os Direitos Humanos e outros dispositivos insistindo na inter-relao entre direitos humanos, democracia e desenvolvimento.41

    O Papel das Organizaes No-Governamentais e o Frum Mundial de ONGs Havendo a Conferncia do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente, em 1992, estabelecido um frum de discusses paralelo entre as entidades da sociedade civil durante a Rio-92 42, necessrio que a Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, neste ano de 1993, garanta-lhes papel no insignificante. Tais entidades, com importncia crescentemente reconhecida, tm ampliado seu acesso ao sistema das Naes Unidas. Contando com um frum especfico, formado ao longo do processo preparatrio para Viena, e com a autorizao de participar como observadoras, consentida pelos Governos de Estados participantes, durante as sesses deliberativas da Conferncia, as ONGs somam mais de 1000 entidades, desde as mais congregando os Estados-membros com base em sua localizao geogrfica (menos o Grupo Ocidental, que inclui alm da Europa Ocidental, Estados Unidos, Canad, Austrlia e Nova Zelndia). entre eles que se distribuem as vagas para cada rgo cujos membros so eleitos e tambm entre eles que costuma ser discutido em primeiro lugar cada ante-projeto de resoluo. 39

    LINDGREN ALVES, Jos Augusto, op.cit, pp. 92-93. 40

    Ibid., p. 92. 41

    UNITED NATIONS, Report of the Preparatory Committee for the World Conference on Human Rights Fourth Session, (doc.A/CONF.157/PC/98), 1993. Disponvel em ingls em http://www.unhchr.ch/huridocda/huridoca.nsf/3d1134784d618e28c1256991004b7950/154511161f1cdaec802568fd003a7a6b?OpenDocument 42

    A Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Rio-92 ou ECO-92 contou com o Frum Global do Aterro do Flamengo, que ocorreu em paralelo s negociaes entre as entidades intergovernamentais no Riocentro.

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    conhecidas, como a Anistia Internacional at aquelas com objetivos polticos especficos.

    O incio do Frum deu-se dois dias antes do incio da Conferncia, entre os dias 10 e 12 de junho de 1993, ocorrendo no mesmo local da Conferncia oficial, no Centro Austraco em Viena. Inaugurado pelo Diretor do Centro das Naes Unidas para os Direitos Humanos e Secretrio Geral da Conferncia, o Sr Ibrahima Fall, o Frum teve como lema Todos os Direitos Humanos para Todos. Ainda, durante sua abertura, foi anunciada pelo Sr. I. Fall a tomada de providncias (...) no sentido de uma ampliao do acesso ao sistema das Naes Unidas de todas as ONGs que tiverem participado na preparao e realizao da Conferncia Mundial.43 Para isso foi comunicada a criao de um escritrio que mediaria as relaes entre as ONGs e a ONU, sediado no Centro de Direitos Humanos das Naes Unidas em Genebra.

    Alm de vrias atividades artsticas, culturais e intelectuais que chamaram a ateno da imprensa, o foro contou ainda com grupos de trabalho divididos por temas44, dos quais saram muitas concluses e recomendaes que foram compiladas em um documento nico que ser transmitido Conferncia oficial. Entre as recomendaes das entidades da sociedade civil, vale destacar: a afirmao da universalidade dos direitos humanos e da importncia da diversidade cultural para enriquecer tal universalidade; a noo de que a democracia, os direitos humanos e a paz so incompatveis com a pobreza, sendo necessrio tornar concreta a indivisibilidade dos direitos humanos; a eliminao da pobreza e o direito ao desenvolvimento; e o estabelecimento de um sistema de peties sobre as violaes de direitos sociais e econmicos. Quanto s recomendaes estruturais e operacionais da ONU vale ressaltar: a necessidade da criao do cargo de Alto Comissrio para os Direitos Humanos e a criao de um tribunal penal internacional para julgar os crimes contra os direitos humanos. Outras recomendaes foram destinadas a pores especficas da sociedade, como as mulheres, as sociedades indgenas, os portadores de deficincia fsica e as minorias tnicas45.

    Podendo ser considerado o primeiro grande momento da Conferncia Mundial de Viena, o Frum Mundial das ONGs contou com a participao de representantes de entidades no governamentais provenientes de vrias partes do mundo, o que demonstra haver um aumento do nmero dessas entidades em todo o mundo, assim como a intensificao de sua participao nos fruns de discusso internacional. A grande diversidade das ONGs envolvidas mostra ser transcultural o anseio pelos direitos humanos. Alm disso, por no estarem sob a mesma presso que os Estados Nacionais, as ONGs adquirem uma postura mais coerente quanto ao cumprimento do princpio da indivisibilidade dos direitos humanos.

    Ainda durante a fase preparatria da Conferncia Mundial, houve reservas quanto participao das ONGs como observadoras nas reunies da Conferncia. Alguns pases do Terceiro Mundo e do antigo bloco socialista se mostraram contrrios abertura da Conferncia s entidades civis, seja devido ao fato de que a procedncia

    43

    CANADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. I, Porto Alegre, Srgio Antnio Fabris Editor, 2003, p. 221. 44

    LINDGREN ALVES, Jos Augusto. Relaes Internacionais e Temas Sociais: A Dcada das Conferncias. Braslia: IBRI, 2001, p. 94. 45

    CANADO TRINDADE, A. A., op.cit., pp. 222-225. LINDGREN ALVES, J. A., op.cit, pp. 94-95.

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    da maioria dessas entidades euro-americana46; ou s constantes avaliaes negativas quanto aos seus governos que esses pases recebiam dessas entidades; ou ainda pelo carter inconsistente de muitas organizaes, que se formam e proliferam facilmente, no possuindo preciso jurdica quanto a sua representatividade e sua legitimidade. A esses motivos pode-se agregar a idia de que tais entidades seriam instrumentos de propaganda ideolgica das naes ocidentais47, sendo estas as financiadoras de tais organizaes.

    Esse impasse no havia sido solucionado at o incio do frum. De um lado estavam os pases ocidentais que defendiam a presena das ONGs em todas as instncias, e do outro estava a maioria dos pases do Terceiro Mundo que era contrria a sua presena nas negociaes. Apesar de propor um dilogo mais aberto entre as entidades civis e as estatais, a Conferncia Mundial de Viena, s suas vsperas, encontra-se frente a um impasse que se no resolvido pode desviar o verdadeiro foco desse evento, a discusso acerca dos direitos humanos.

    Apesar de os resultados do Frum no terem correspondido s expectativas, at ento, das ONGs em sua totalidade, a intensa participao das mesmas confirma uma nova tendncia de insero dessas entidades no que se refere s Naes Unidas e mostra que a dcada de 90 promissora quanto a essa relao.

    A inter-relao entre Democracia, Desenvolvimento e Direitos Humanos

    Com o fim da Guerra Fria, alcanamos um momento altamente significativo da histria contempornea, em que pela primeira vez se veio a formar um cenrio internacional propcio construo de um novo consenso mundial baseado nos direitos humanos, na democracia e no desenvolvimento humano. 48

    O fim da Guerra Fria balanou a comunidade internacional com uma onda transformadora cujos efeitos, pode-se arriscar, ainda reverberaro durante alguns anos. Dentre a complexa gama de transformaes que podemos observar no incio da dcada de 90, talvez o re-arranjo da estrutura do sistema internacional seja a mais evidente. Nesse sentido, diferentemente do padro bipolar predominante na organizao da comunidade internacional desde meados do sculo XX, com os acontecimentos que caracterizaram o fim da Guerra Fria emergiu um padro distinto de organizao multipolar em termos econmicos; mas unipolar em termos blicos,

    46

    Ibid, pp. 95-96. 47

    Tal noo era herana da Guerra Fria, quando ainda existia o conflito poltico-ideolgico entre socialistas e capitalistas. 48

    CANADO TRINDADE, A. A. Memria da Conferncia Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993) in: Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional. Ano XL.VI, Junho/Dezembro 1993, N 87/90, p. 11. 49

    Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948), Art. XXI. Disponvel em portugus em: http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm

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    dada a inquestionvel superioridade dos Estados Unidos. Tendncia inevitvel que se seguiu noo de um sistema internacional plural no mais marcado por rivalidades latentes, mas por distintas realidades inter-conectadas foi a tentativa de padronizao generalizada em termos polticos e econmicos.

    Extintos os referenciais antagnicos do capitalismo e socialismo, o que se v a emergncia de um conjunto de valores e padres aos quais os pases deveriam buscar adaptar-se muitas vezes de maneira imposta, sendo que tal conjunto encontra sua expresso mais clara nos sistemas poltico e econmico predominantes na sociedade internacional.

    Com relao ao sistema poltico, a democracia certamente o regime que abarca as caractersticas mais desejadas de acordo com os padres definidos at o momento com relao proteo das liberdades da pessoa humana. Segundo a Declarao Universal dos Direitos Humanos, A vontade do povo ser a base da autoridade do governo; esta vontade ser expressa em eleies peridicas e legtimas, por sufrgio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. 49 Assim, com o fim da guerra e o desmantelamento da Unio Sovitica, a comunidade internacional est mais vontade para usar o termo democracia sem os melindres necessrios quando da existncia de uma grande potncia autoritria como a URSS.

    Em consonncia com o processo de democratizao do leste europeu, uma onda de redemocratizaes passou tambm por outros continentes, notadamente na Amrica Latina. Assim, a dcada de 90 vem inaugurando o discurso explicitamente democrtico das Naes Unidas, segundo o qual h clara vinculao entre os regimes democrticos e a promoo dos direitos humanos e ambos se apresentam indissociveis na medida em que sob nenhum outro sistema poltico poderia se consolidar o Estado de Direito no exerccio do poder para o povo.

    Com relao ao sistema econmico, seguindo semelhante tendncia de padronizao, o sistema capitalista e todas as suas peculiaridades devero ter, nos prximos anos, oportunidade de avanar rumo a regies antes fechadas as mercados globais e suas tendncias. Pases e regies conectar-se-iam ento num grande mercado global e competitivo, onde teriam oportunidade de se especializar em determinados produtos e tomar parte no sistema de trocas comerciais internacionais do capitalismo globalizado. Ainda, parecem estar abertas as portas para a insero de um conjunto mais amplo de atores nas dinmicas econmicas mundiais, como empresas transnacionais e investidores, que se inserem dentro de uma noo de sistema econmico global, e no mais nacional ou apenas regional.

    No entanto, o potencial excludente do sistema neoliberal uma caracterstica latente que deve ser levada em conta. Os pases e regies do mundo no compartilham um mesmo estgio de desenvolvimento nem tm papis padronizados na diviso internacional do trabalho, sendo que respondem por parcelas e produtos diferentes no balano comercial global e ganham diferentemente com os fluxos de bens e capitais os pases ricos mais, e os pobres menos.

    Nesse sentido, importante, para os fins desta reflexo, analisar os resultados de ambos esses processos de padronizao, e as contradies e riscos em que eles

    49

    Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948), Art. XXI. Disponvel em portugus em: http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm

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    podem incorrer, sempre com ateno para a repercusso especfica na temtica dos direitos humanos.

    Assim, ainda que seja agora muito clara a relao entre regimes democrticos de governo e a facilitao da proteo e promoo dos direitos humanos em larga escala, uma vez que tais regimes funcionam essencialmente com transparncia, participao ativa da populao e com mecanismos de prestao de contas da parte do governo, cabe aqui considerao acerca de uma gama de pases que ainda no se encontram em estgio to avanado democraticamente. Inserem-se nesse conjunto vrios pases que s recentemente obtiveram reconhecimento internacional de suas soberanias, atravs de sofridos e tardios processos de independncia. O continente africano e vrios pases asiticos so exemplo patente dessa realidade, e sofrem atualmente com os reflexos sociais, econmicos e polticos de anos de colonizao, de forma que os processos de independncia e democratizao africanos e asiticos merecem um olhar diferenciado.

    A democracia, em alguns aspectos, pode ento estar mais consolidada em pases que j h mais tempo passam por processos autnomos de construo de seus sistemas polticos. Assim, aspectos essenciais da democracia, como, por exemplo, a gama de direitos que concedida aos cidados, so consideravelmente distintos entre pases que passam por processos tambm muito distintos. Enquanto h pases que primam pela promoo no s dos direitos positivos50 de cada cidado, mas tambm de direitos fundamentais que estariam ancorados na natureza humana; h tambm aqueles que crem que no h meios pelos quais poderia um determinado indivduo colocar seus direitos ou interesses acima dos Estados.51

    O processo de padronizao e insero econmica, por sua vez, nos remete a uma discusso recente em termos de direitos humanos o direito ao desenvolvimento. Uma vez que as dinmicas econmicas tradicionalmente geram excluso em algum grau, e no parece que ser diferente com o modelo que emerge atualmente, a demanda por desenvolvimento tem suas razes em preocupaes das mais essenciais, como a dignidade da pessoa humana. A percepo de que homens e mulheres necessitam ter certas condies de vida mnimas, capazes de lhes assegurar um padro de vida condizente com a dignidade humana que se quer preservar est explcita j na Declarao Universal dos Direitos Humanos 52, sendo que tais condies propiciariam a oportunidade do desenvolvimento para todos.

    O direito ao desenvolvimento surge ento como demanda no sentido de que o Estado, ou, em maior grau, a comunidade internacional, deve se responsabilizar por prover s pessoas as condies necessrias para que vivam e se desenvolvam com dignidade. Ele relaciona-se, ainda, com a percepo de que o objetivo de alcanar padres polticos democrticos (Estado de Direito, participao, liberdades civis) fica necessariamente prejudicado pela carncia de meios e de uma srie de outros fatores relacionados a aspectos econmicos e sociais.

    50

    Direitos positivos so aqueles conferidos pelo Estado por lei, ou seja, bem definidos normativamente e relativos a uma sociedade especfica em uma poca especfica, diferente de outros direitos que estariam naturalmente ligados ao ser humano em geral, compondo o chamado direito natural. Ver: KELSEN, Hans, Teoria pura do direito. Martins Fontes, So Paulo, 1996. 51

    CANADO TRINDADE, A. A. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2003, Vol. I, pp. 277-279. 52

    Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948), op. cit., Art. XXV.

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    Assim, percebe-se que os antagonismos caractersticos da Guerra Fria deixaram sua marca tambm no campo dos direitos humanos. Durante anos, a evoluo dos entendimentos internacionais com relao temtica dos direitos humanos esteve sujeita s rivalidades entre os blocos americano e sovitico e seletividade de seus interesses. Superada a fase da Guerra Fria, a comunidade internacional encontra-se s voltas com um conjunto de direitos amplo e claramente fundamental em sua totalidade para que se alcancem os padres desejados de dignidade, igualdade e liberdade de tantos homens e mulheres.

    Ainda que o direito ao desenvolvimento constitua nominalmente uma preocupao das Naes Unidas desde o imediato ps-II Guerra Mundial e da Declarao Universal, foi s recentemente, no ano de 1986, que a Assemblia Geral das Naes Unidas 53, promulgou a Declarao sobre o Direito ao Desenvolvimento. A Declarao retoma o direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados, expresso no artigo 28 da Declarao Universal, e define o desenvolvimento como um processo econmico, social, cultural e poltico abrangente, que visa o constante incremento do bem-estar de toda a populao e de todos os indivduos com base em sua participao ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuio justa dos benefcios da resultantes. 54

    Ainda, a Declarao reconhece a pessoa humana como o sujeito central do processo de desenvolvimento, de forma que o direito ao desenvolvimento seria, ento, um direito humano inalienvel e que a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento uma prerrogativa tanto das naes quanto dos indivduos que compem as naes. 55 A Declarao lanou as bases para o reconhecimento universal do direito ao desenvolvimento da pessoa humana, sendo que para que o mesmo se realize fundamental que a comunidade internacional combata tambm a desigualdade estrutural entre os pases e regies. A Declarao prev, nesse sentido, que os Estados so responsveis por criar, atravs da cooperao, as condies necessrias ao desenvolvimento humano nos planos nacional e internacional.

    consolidao de tal percepo pode-se somar o fortalecimento das democracias pelo mundo, o que resulta ento na trade democracia, desenvolvimento e direitos humanos. Segundo Lindgren Alves, a trade democracia-desevolvimento-direitos humanos passou a constituir (...), desde as primeiras sesses do Comit Preparatrio [para a Conferncia de Viena], uma espcie de atualizao do lema Libert, galit, Fraternit da Revoluo Francesa, postulada por todas as regies, independentemente das prioridades diferentes atribudas por cada delegao a cada termo. 56

    53

    Os Estados Unidos da Amrica representaram o nico voto contrrio Declarao. Para mais informaes acerca do direito ao desenvolvimento, ver: SENGUPTA, Arjun. O direito ao desenvolvimento como um direito humano: a verdadeira liberdade individual no pode existir sem segurana econmica e independncia. Social Democracia Brasileira, maro de 2002. Disponvel em: http://www.itv.org.br/site/publicacoes/igualdade/direito_desenvolvimento.pdf 54

    Declarao sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), prembulo. Disponvel em ingls em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/496/36/IMG/NR049636.pdf?OpenElement 55

    Idem. 56

    LINDGREN ALVES, J. A. A Conferncia de Viena sobre Direitos Humanos in: Relaes Internacionais e temas sociais: a dcada das conferncias. Braslia: IBRI, 2001, p. 119.

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    Assim, podemos encarar com relativo otimismo o reconhecimento de que todos os direitos humanos e liberdades fundamentais so indivisveis e inter-relacionados, e de que a promoo e proteo de uma categoria de direitos no deve nunca abrir espao para que os Estados se omitam da promoo e proteo de outra categoria, j previsto quando da convocao da Conferncia em 1990 57. Chances existem de que as discusses em torno dos temas democracia e desenvolvimento no necessariamente provocaro nos pases os temores tradicionalmente associados a cada um desses termos, podendo ento os pases em desenvolvimento idealizarem sistemas mais participativos nos quais as garantias aos direitos e liberdades individuais no significaro portas abertas para a ingerncia internacional e interferncias em sua soberania. Podero ainda os pases desenvolvidos ponderar acerca da legitimidade do direito ao desenvolvimento, sem necessariamente imaginarem que esto aderindo a arranjos de cooperao irracionais, mas somente se comprometendo com uma causa essencialmente humanitria que visa, em essncia, promoo do bem-estar coletivo.

    Concluses e Solues Propostas

    Ao longo do processo preparatrio para a Conferncia Mundial de Direitos Humanos pde-se observar a emergncia de conflitos e retrocessos, sendo que predominou um clima de pessimismo quanto aos avanos que poderiam ser esperados para a Conferncia. Questes como a universalidade de direitos fundamentalmente ligados natureza humana, at mesmo aqueles j acordados na Declarao Universal dos Direitos Humanos, foram levantadas e debatidas.58

    H quase quatro anos atrs, caiu o muro que simbolizava diversas divises, todas elas fundamentadas na profunda oposio ideolgica que caracterizou o perodo da Guerra Fria. Nasce agora uma nova era, com a possibilidade de construo de uma ordem realmente multipolar. Em tal processo haveria espao para tantos pases e diferenas quanto a diversidade da comunidade internacional nos permite imaginar. Nessa nova realidade, h espao tambm para a superao de antagonismos no campo dos direitos humanos, principalmente com relao ao reconhecimento efetivo da indivisibilidade dos direitos humanos e da impossibilidade de se conferir maior importncia a uma gama especfica de direitos, tal qual recorrente durante todo o perodo da Guerra Fria.

    Paralelamente emergncia de novas possibilidades nesse sentido, no entanto, observa-se o surgimento de desafios que se impem onda de mudanas atual, eles mesmos frutos de tal onda e em grande parte relacionados s dificuldades da sistematizao da cooperao entre os pases. Problemas novos como a ecloso dos micro-nacionalismos; as dificuldades com relao equao norte-sul; e aos reflexos do neoliberalismo principalmente em pases subdesenvolvidos, se colocam frente comunidade internacional e demandam medidas conjuntas.

    A inter-relao entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos insere-se tambm nessa nova realidade. Mais do que uma nova edio dos direitos civis e polticos de um lado e dos direitos econmicos, sociais e culturais de outro, essa trade significa o reconhecimento da indispensabilidade de ambos democracia e

    57

    A/RES/45/155. 58

    LINDGREN ALVES, J. A. A Conferncia de Viena sobre Direitos Humanos in: Relaes Internacionais e temas sociais: a dcada das conferncias. Braslia: IBRI, 2001.

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    desenvolvimento para a efetivao plena dos direitos humanos mundialmente. Assim, no estaria a consolidao de sistemas democrticos dissociada do desenvolvimento da pessoa humana e dos pases nem vice-versa. O que se coloca para a comunidade internacional no uma escolha, ento, entre democracia e desenvolvimento, mas uma escolha no sentido de perseguir a realizao de ambos, concomitantemente promoo e proteo dos direitos humanos.

    Assim, deve-se buscar solues que evitem o enfraquecimento da democracia frente a problemas econmicos e sociais, como a paralisia e recesso, inflao, desemprego e pobreza extrema; da mesma forma buscando-se solues para se evitar o enfraquecimento do desenvolvimento e uma piora na qualidade de vida como conseqncia de problemas polticos. Considerando-se que todos os pases so vulnerveis a ambos os tipos de problemas, a cooperao internacional o melhor caminho para balancear desigualdade e vulnerabilidade. O desenho de estratgias conjuntas em foros de dilogo multilateral uma boa soluo operacional, que vai alm do plano retrico e envolve decises prticas:

    *Para+ o fortalecimento da inter-relao entre a democracia, o desenvolvimento e os direitos humanos em todo o mundo (...) no se pode professar o universalismo dos direitos humanos no plano conceitual ou normativo e continuar aplicando a seletividade no plano operacional. (...) S assim se lograr acelerar o processo, j em curso, da construo de uma cultura universal de observncia dos direitos. 59

    Como se v, para alm do esprito de cooperao ao longo das discusses, espera-se que a Conferncia de Viena constitua um marco no sentido da reafirmao do direito ao desenvolvimento e da democracia como indispensveis para a plena realizao dos direitos humanos. Ainda, espera-se que tal atitude venha acompanhada da criao de estratgias concretas para o plano operacional, levando-se em considerao tambm preocupaes com a sustentabilidade das estratgias no longo prazo.

    O incentivo ratificao sem reservas de tratados de direitos humanos j criados, como a Declarao Universal dos Direitos Humanos e os dois Pactos Internacionais constituem um passo fundamental no plano normativo, no sentido de legitimar o sistema internacional de proteo dos direitos humanos. Tambm de fundamental importncia no plano normativo o reconhecimento da indivisibilidade dos direitos humanos e da trade democracia, desenvolvimento e direitos humanos. Finalmente, a busca de estratgias de cooperao que promovam melhora da inter-relao entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos na comunidade internacional como um todo e reduzam a vulnerabilidade de determinados pases ou regies com relao a um ou mais elementos da trade se faz essencial no plano operacional.

    Posicionamento de Blocos

    59

    CANADO TRINDADE, A. A. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2003, Vol. II, p. 254.

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    frica

    Foi na primeira Reunio Regional Preparatria, sediada em Tnis, que 42 pases60 africanos e vrias ONGs se reuniram para avaliar o panorama regional africano quanto aos direitos humanos, assim como sugerir temas e resolues a serem discutidos na Conferncia Mundial. Neste encontro foi adotada a Declarao de Tnis, bem como 14 resolues acerca dos direitos humanos e seus temas correlatos.

    Ainda durante a segunda sesso do Comit Preparatrio, o Grupo Regional Africano considerou vrios temas61 a serem considerados na Conferncia Mundial, no entanto foi a resoluo AFRM/1062 que estabeleceu medidas mais especficas quanto trade democracia, desenvolvimento e direitos humanos. No discordando da vinculao entre o sistema democrtico e os direitos humanos, os pases africanos, assim como os em desenvolvimento de um modo geral, destacam a importncia em acrescentar a esses dois elementos o quesito desenvolvimento. Cientes das dificuldades em se implementar governos democrticos naquela regio, os Estados do continente africano atribuem, em parte, essa falha prioridade de se resolver problemas de ordem econmica e social. A urgncia em se conseguir ajuda financeira e humanitria , nesse aspecto, um problema recorrente e intensificador da omisso de polticas mais especficas para se estabelecer a democracia em alguns pases.

    A frica do Sul, , nesse contexto, um foco de discusses quanto existncia de resqucios do apartheid. O bloco africano, nesse sentido, incentiva a erradicao desse regime por meio de mecanismos pacficos em vista ao estabelecimento de uma sociedade democrtica. Os conflitos armados na Somlia tambm foram citados durante a reunio. Nesse Estado, a existncia de uma situao no democrtica tem favorecido a violao dos direitos humanos, o que vai contra os princpios no s do grupo africano, mas contra ao que a Conferncia Mundial se prope a implementar.

    Quanto indivisibilidade dos direitos humanos, a resoluo AFRM/14 apresenta idias bastante contraditrias, ao defender a universalidade dos direitos humanos independentemente dos sistemas polticos, econmicos e culturais de cada pas63; e a necessidade de se considerar as realidades histricas, culturais e tradicionais de cada povo ao promover e defender os direitos humanos. A prpria Declarao de Tnis vai ao encontro da concepo de que a universalidade dos direitos humanos no deve contrapor s especificidades de cada pas. 64 Dois pases manifestaram uma

    60

    Algeria, Benin, Botswana, Burkina Faso, Burundi, Cameroon, Chad, Cte d'Ivoire, Egypt, Equatorial Guinea, Ethiopia, Gabon, Gambia, Ghana, Guinea, Guinea-Bissau, Kenya, Lesotho, Liberia, Libyan Arab Jamahiriya, Madagascar, Malawi, Mali, Mauritania, Mauritius, Morocco, Mozambique, Namibia, Niger, Nigeria, Rwanda, Sao Tome and Principe, Senegal, Sierra Leone, Sudan, Swaziland, Togo, Tunisia, Uganda, United Republic of Tanzania, Zambia, Zimbabwe. http://www.unhchr.ch/html/menu5/wctunis.htm 61

    A melhoria da administrao judiciria em vista a um maior fortalecimento da observncia dos direitos humanos; um maior relacionamento entre o direito internacional dos direitos humanos, o direito internacional humanitrio e o direito internacional dos refugiados; tentativa de superar obstculos como as novas formas de racismo e discriminao (e xenofobia e extremismo religioso); defesa dos direitos humanos de populaes que vivem em reas de subordinadas a ocupao estrangeira. CANADO TRINDADE, Antonio Augusto. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional. Ano XLVI, N 87/90, p.15. 62

    http://www.unhchr.ch/html/menu5/wctunis.htm 63

    Idia de acordo com os anseios da Conferncia Mundial. 64

    CANADO TRINDADE, Antonio Augusto. Op. Cit., p. 18.

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    posio mais precisa quanto a esse tema. A Etipia considera que os direitos humanos devem ser universais e indivisveis, assim como no-seletivos.65 J a Lbia considera que as particularidades histricas, culturais e religiosas de cada nao no devem ser postas de lado na aplicao dos direitos humanos. Outro aspecto levantado por esse pas diz respeito ao monoplio dos direitos humanos. Estes seriam, segundo esse pas, fruto a contribuio de todo o mundo, os direitos humanos no so nem orientais, nem ocidentais.66 Amrica Latina e Caribe

    Em Janeiro de 1993, ocorreu em San Jos, na Costa Rica, uma Reunio Regional preparatria para a Conferncia de Viena67, onde foi elaborada a Declarao de San Jos sobre Direitos Humanos68. Participou dessa reunio o Grupo Latino-Americano e do Caribe (GRULAC), que discutiu os temas que deveriam ser abordados na Conferncia Mundial dos Direitos Humanos que estava por vir.

    Com o fim da Guerra Fria, os pases da Amrica Latina e Caribe passam por mudanas em suas sociedades. Os regimes pluralistas democrticos comeam a ser consolidados nesses Estados, o que representa um avano no mbito poltico. Contudo, a situao econmica e social dessas naes torna-se pior69. Ou seja, h um progresso nos direitos civis e polticos e um retrocesso nos direitos econmicos e sociais. Isso contradiz Convenes anteriores, como a Conferncia de Teer70, que afirmavam a importncia da indivisibilidade dos direitos humanos, bem como sua universalidade e inter-relao.

    Com base nos problemas pelos quais o GRULAC como um todo passava, era fundamental que a Declarao de San Jos reafirmasse a necessidade da interdependncia e indivisibilidade dos direitos civis, polticos, econmicos, sociais e culturais.

    A Reunio Preparatria decidiu que a questo da relao entre direitos humanos, democracia e desenvolvimento seria o marco orientador dos debates. A trade, no entanto, foi abordada de maneira especfica em San Jos, destacando, particularmente, cada um dos pontos e suas respectivas importncias. Segundo a Declarao Regional, a democracia garante, de uma forma mais eficaz, o gozo dos Direitos Humanos. O desenvolvimento, por sua vez, um direito humano inalienvel, como estabelecido anteriormente na resoluo 41/128, de 1986, da ONU. sia

    Com relao temtica dos Direitos Humanos, percebem-se algumas tendncias principais no posicionamento dos pases asiticos s vsperas de Viena. So elas o reconhecimento da riqueza e diversidade de culturas e tradies, a importncia

    65

    CANADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Ed. Sergio Antonio Fabris, vol. 1, 2a ed, 2003, p. 289. 66

    CANADO TRINDADE, Antonio Augusto. Op. Cit., p. 284. 67

    Ver ftp.unb.br/pub/UNB/ipr/rel/rbpi/1993/130.pdf 68

    Ver http://www.unhchr.ch/html/menu5/wccosta.htm#I 69

    TRINDADE, Antnio Augusto Canado. O Processo Preparatrio da Conferncia Mundial de Direitos Humanos: Viena, 1993. p. 17. 70

    Ver http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/teera.htm, artigo 13.

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    da indivisibilidade de todos os direitos humanos e a necessidade de trat-los de modo integrado e equilibrado.

    A reunio preparatria da sia para a Conferncia de Viena em Bangkok mostrou vrias tendncias. Uma delas, no prembulo71, foi a ratificao dos instrumentos internacionais de direitos humanos, o que mostra o quo importante era para os pases asiticos a riqueza cultural e a defesa das individualidades frente ao cenrio internacional. Outros pontos contemplados pela reunio foram a no-seletividade dos direitos humanos e a importncia da inter-relao entre o desenvolvimento, democracia e o aproveitamento de todos os direitos humanos. Uma maneira interessante de interpret-los que os pases asiticos se encontravam em situaes econmicas semelhantes e saindo de um colonialismo recente que marca suas preocupaes com interveno estrangeira. Os pases asiticos tambm apelaram para a democratizao do sistema das Naes Unidas a fim de facilitar a cooperao principalmente referente a questes econmicas e de desenvolvimento. Para resumir os principais pontos abordados na reunio preparatria para a Conferncia de Viena podem ser citados: a proteo de grupos vulnerveis, o problema da pobreza, direito de um meioambiente sadio, monitoramento dos direitos humanos, mudana no sistema da ONU, importncia das instituies nacionais e desenvolvimento. O pargrafo oito72 da declarao da reunio preparatria de Bangkok consegue resumir um panorama geral sobre o ponto de vista do bloco sobre os direitos humanos. Os pases asiticos reconheceram que os direitos humanos so universais, mas tm de ser considerados num processo de rpida mudana e sempre tendo em mente as particularidades nacionais e regionais englobando diferentes histrias, culturas e religies. Uma ressalva deve ser estabelecida no sentido de que os pases asiticos no formam um bloco nico e coeso. A delegao da China tinha como foco a importncia nacional e a necessidade de ratificao dos instrumentos internacionais evocando que respeitar e proteger os direitos humanos so assegurar plena realizao dos direitos de subsistncia e desenvolvimento. A delegao iraniana tinha uma viso religiosa muito forte acreditando que os pases islmicos tinham j grande formao de direitos humanos pela religiosidade. A delegao iraniana tambm achava negativos os direitos humanos definidos como predominncia poltica de certo perodo da histria por um grupo de pases.

    A delegao do Vietn j tinha opinies diferentes segundo as quais os direitos humanos seriam dotados de universalidade natural e constituiriam uma sntese de um longo processo histrico em constante evoluo. A delegao de Vanuatu tinha como opinio que as especificidades regionais e nacionais s deviam contribuir com o fortalecimento da universalidade dos direitos e criticava a tentativa da formao de um bloco nico e coeso dos pases asiticos Europa

    Como anfitri da Conferncia, a Europa deve envolver-se de forma significativa nos debates a ocorrer em Viena. O bloco europeu parece disposto a engajar-se, em

    71

    Ver http://www.unhchr.ch/html/menu5/wcbangk.htm 72

    Ver http://www.unhchr.ch/html/menu5/wcbangk.htm#I

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    meio aos debates da Conferncia de Viena, em prol da confirmao dos direitos humanos como direitos inalienveis e imprescritveis ancorados da natureza humana e que preexistem, na sua essncia, aos Estados e Governos e, no somente, como direitos positivos concedidos pelos Estados aos seus cidados. Desta forma, na viso dos pases europeus, no h limites ao respeito dos direitos humanos, de forma que no deve ser permitido, em nome de certos interesses alegados por pases (como desenvolvimento econmico ou questes de segurana, por exemplo), ultrapassar as fronteiras dos direitos humanos devido a sua anterioridade e primazia em relao a quaisquer fins ou meios do Estado. Este carter originrio dos direitos humanos leva os pases deste bloco, tambm, a defenderem o princpio de sua indivisibilidade, englobando direitos civis, polticos, econmicos e sociais em um todo inseparvel.73

    Alm disto, as delegaes europias tendem a defender a no existncia de diferenas quanto dignidade dos cidados, independentemente de raa, cultura, etnicidade e religio. A universalidade dos direitos humanos, portanto, para este bloco compatvel com quaisquer diversidades que possam existir entre as diferentes naes, no sendo permitido argumentar-se esta diversidade para limitar os direitos individuais. Apiam-se as delegaes europias, destarte, na Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948 e nos Pactos e acordos que lhe seguiram em relao ao tema.

    Objeto de grande ateno para os pases do bloco europeu o debate acerca da relao ente direitos humanos, democracia e desenvolvimento. Para estes pases, a importncia da promoo da democracia inquestionvel para que se possa garantir a pertinncia dos direitos humanos em todos os lugares do globo. No se deve, como exposto anteriormente, permitir o argumento de interesses particulares do Estado como limitadores da capacidade do governo em garantir e respeitar as liberdades humanas primrias. De certa forma, soa intrigante para a maioria das delegaes europias as esperadas argumentaes terceiro-mundistas da importncia incondicional do desenvolvimento econmico como pilar de promoo de direitos humanos. Deve-se dotar os pases de ferramentas democrticas, em primeiro lugar, para que se garanta o respeito de todas as culturas aos direitos humanos.

    Entretanto, h particularismos dentro do prprio bloco europeu representados pelo ex-pases socialistas que, possuidores de amplos problemas econmicos e sociais, encontram no argumento do desenvolvimento econmico respaldo para os seus interesses de Estado. Organizaes No-Governamentais

    Exercendo uma dupla funo, de informar o pblico quanto futura Conferncia e de revelar os anseios e carncias quanto aos Direitos Humanos, assegurando que estes fossem verificados durante a Conferncia, as recomendaes das organizaes no-governamentais mais categricas so quanto indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos. Em relao trade democracia, desenvolvimento e direitos humanos essas entidades defendem o direito ao desenvolvimento; a necessidade de se estabelecer um aparelho de peties quanto

    73

    CANADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. I, Porto Alegre, Srgio Antnio Fabris Editor, 200, p. 279-280.

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    aos direitos econmico e sociais que sejam violados, bem como que os programas de ajuste estrutural deliberados pelas organizaes financeiras sejam compatibilizados com o respeito dos direitos humanos.74 A Anistia Internacional, nesse contexto, mostrou-se bastante participativa ao longo de todo o processo preparatrio, tendo proposto a criao do cargo de Alto Comissrio para os Direitos Humanos, em vista de aprimorar os mecanismos de proteo das ONU.

    Questes que uma Resoluo deve responder

    A primeira questo essencial que os pases presentes na Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos de Viena devem contemplar refere-se ao status da universalidade, indivisibilidade e inviolabilidade dos direitos humanos em contraposio aos particularismos nacionais, regionais, histricos, culturais e religiosos, levando-se em conta o papel de todos os Estados no respeito de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.

    Questo tambm importante para resoluo a relativa ao fortalecimento de relaes pacficas e amistosas entre os diferentes pases para melhorar as condies de paz, de cooperao e de preservao dos direitos humanos em conformidade com os propsitos e princpios da Carta das Naes Unidas.

    Apesar das possibilidades e esperanas com relao ao encrudecimento do regime de direitos humanos que surgem com o fim da Guerra Fria, a ecloso simultnea de micro-nacionalismos e as crescentes divergncias referentes equao norte-sul colocam, frente s delegaes presentes na Conferncia, a difcil tarefa de solucionar as contradies em busca de entendimento e cooperao internacional.

    A insuficincia do Pacto de Direitos Civis e Polticos e do Pacto de Direitos Sociais e Econmicos para a promoo destes direitos em sua plenitude chama ateno para a necessidade de solucionar esta ineficcia buscando englobar todos estes direitos em um todo representado por desenvolvimento, democracia e direitos humanos.

    Deve-se, portanto, solucionar a questo da interdependncia ou no dos conceitos de democracia, desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais.

    Desta questo anterior surge o dilema que deve ser contemplado pelas delegaes acerca dos meios mais eficazes para que haja concomitantemente a superao de problemas econmicos (pobreza extrema, inflao, recesso, dificuldade de acesso a mercados) e a promoo da democracia valorizando seus pilares (liberdades, participao, dignidade de direitos).

    Outra questo pertinente concerne aos mecanismos de apoio e sustentao da comunidade internacional para o desenvolvimento e consolidao democrtica dos pases menos desenvolvidos que optarem pelo regime democrtico, como princpio da Carta das Naes Unidas.

    Deve-se solucionar, ademais, a incluso ou no do direito ao desenvolvimento como um direito inalienvel e parte integral dos direitos humanos

    74

    LINDGREN ALVES, Jos Augusto. Relaes Internacionais e Temas Sociais: A Dcada das Conferncias. Braslia: IBRI, 2001, p. 94.

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    fundamentais; alm de solucionar a polmica relativa permisso ou no do direito ao desenvolvimento como justificativa de certos Estados para limitar o respeito os direitos humanos internacionalmente conhecidos.

    A preocupao com a promoo de relaes econmicas mais eqitativas internacionalmente e o acesso geral dos pases aos benefcios do progresso cientfico uma questo pertinente a qual as delegaes devem ater-se.

    Devido ao momentum em que os pases em desenvolvimento se encontram neste incio da dcada de 1990, deve-se ter em mente os desafios que a dvida externa de certos pases impe ao seu desenvolvimento. Assim, esta outra questo para superao que deve estar presente na mente dos participantes da Conferncia.

    A coordenao entre Estados e organizaes internacionais e organizaes no-governamentais para garantia do exerccio dos direitos humanos, no intuito de eliminar as causas das violaes de direitos humanos, deve ser contemplada pela Conferncia.

    A ameaa que atos terroristas representam aos direitos humanos, s liberdades fundamentais e democracia deve ser considerada na Conferncia, de forma a clamar os Estados a cooperar para preveno e combate a estas prticas inibidoras da promoo dos direitos humanos e da democracia.

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