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Segundo projeções das Nações Unidas, a temperatura média deve crescer em todo o globo durante este século. No Brasil,regiões como a Amazônia podem ver a elevação chegar a 6ºC, o que tornará a sobrevivência muito mais desafiadora
»PALOMAOLIVETO
O inverno de 2002/2003começou estranho noHemisfério Norte. A tra-dicional época do frio se
apresentou 1ºC mais quente doque o habitual em parte dos Esta-dos Unidos e na Europa. Era umapequena amostra do que ocorre-ria oito meses depois. Em agosto,no auge do verão, a Espanha re-gistrou quase 47ºC; a Alemanha,41ºC; e a França, 40ºC. Até o fimda estação, 70 mil pessoas esta-riam mortas. Literalmente, mor-reram de calor.
O ser humano não suportacondições climáticas extremas.Quando, lá fora, os termômetrossobem, internamente, o corpodeflagra um processo metabólicopara manter a temperatura em37ºC. Suor, aumento do fluxosanguíneo periférico e maior pro-dução de urina são alguns dosmecanismos usados para com-bater o excesso de calor.
Entretanto, no então pior ve-rão europeu em 500 anos, prin-cipalmente idosos e pessoascom condições de saúde fragili-zadas perderam essa batalha, ví-timas de insolação, parada car-díaca e agravamento de doençasrespiratórias. Sete anos depois, ocontinente voltou a ferver. Dessavez, temperaturas até 13,3ºC aci-ma do normal cobriram umaárea de 2 milhões de quilôme-tros quadrados — 50 vezes o ta-manho da Suíça. Mais de 30 milpessoas morreram. Nem em paí-ses mais acostumados com o cli-ma tropical, as pessoas estãoimunes. No Brasil, 50 moradoresda Baixada Santista entre 60 e 97
anos foram vítimas de uma sen-sação térmica de 45ºC entre ja-neiro e fevereiro de 2010.
Embora as ondas de calor se-jam eventos isolados, o planetaestá, de fato, mais quente. Regis-tros históricos indicam que, nosúltimos 100 anos, houve um au-mento de temperatura de 0,75°C,sendo que, desde 1990, a taxa deaquecimento acelerou, com0,18ºC a mais a cada década.Acumuladas, essas frações degrau são significativas. Cenáriosmodelados pelo Instituto Fede-ral de Tecnologia de Zurique in-dicam que, até o fim desse sécu-lo, a cada dois anos, a Europa po-derá aguardar verões iguais aosde 2003 e 2010.
CenáriosO rascunho do mais recente re-
latório do Grupo I divulgado peloPainel Intergovernamental deMudanças Climáticas (IPCC) pre-vê, para 2100, um aumento detemperatura global que varia en-tre 0,3ºC e 1,7ºC (cenário mais oti-mista) e 2,6ºC e 4,8°C (pior cená-rio). No primeiro caso, a estimati-va leva em conta a estabilizaçãodas concentrações de gases deefeito estufa na próxima década, oque só será possível com medidasurgentes de redução das emis-sões. Já o futuro mais drástico é es-perado caso o ritmo de liberaçãode CO2 na atmosfera continueacelerado. O meio-termo, consi-derado por alguns especialistascomo o mais realista frente aocontexto atual, estima um au-mento de 1,1ºC a 2,6ºC.
Contudo, para algumas re-giões, os horizontes são mais
dramáticos. Devido a particula-ridades geográficas, climáticas esocioeconômicas, as previsõespara o Brasil são ainda piores.Só a Amazônia poderá registrarum aumento de temperatura deaté 6ºC em 2100; o cerrado, de5,5ºC; a caatinga, 4,5ºC; a MataAtlântica, até 4°C; e o pampa, de3ºC. Tudo isso acompanhado demudanças nos padrões de chu-
va, com períodos prolongados eextremos de tormentas e estia-gens, conforme o Relatório deAvaliação Nacional do PainelBrasileiro de Mudanças Climáti-cas (PBMC).
ImpactosAo redor do globo, os impac-
tos serão sentidos por todas as
criaturas, em cada canto. Dadistribuição geográfica da dro-sófila — a mosca-da-fruta —ao tamanho da população deursos-polares, da extensão degelo do mar do Ártico ao dese-nho do litoral das pequenas il-has do Pacífico, do tamanhodos recifes australianos à ativi-dade vulcânica, nada será co-mo antes. E, em meio a tudo is-so, ainda tem o homem.
Revisado pelo médico brasi-leiro Ulisses Confalonieri, o ca-pítulo sobre impactos das mu-danças climáticas na saúde hu-mana do relatório do IPCC citatrês mecanismos básicos pelosquais ocorre essa relação: im-pactos diretos, como ondas decalor, secas severas e tempesta-des; efeitos mediados por siste-mas naturais, como poluiçãodo ar e doenças transmitidaspor vetores e pela água; e efei-tos amplamente mediados porsistemas humanos, como des-nutrição e estresse mental. Al-guns são mais fáceis de seremvisualizados, enquanto, em ou-tros casos, há uma complexi-dade maior.
“A maioria dos efeitos são in-diretos”, afirma Confalonieri. “Aseca no Nordeste, por exemplo,pode levar a uma perda na pro-dução agrícola de subsistênciae, ao longo de meses, haveráum impacto na segurança ali-mentar, com casos de desnutri-ção”, explica. Ele dá exemplo decomo as precipitações e estia-gens influenciam o ciclo da ma-lária em Roraima. “No início doano, os casos começam baixos,aumentam em maio/junho, emjulho caem substancialmente,
para crescer de novo em no-vembro”, relata.
Segundo o médico e pesqui-sador da Fiocruz, isso ocorreporque, em maio, caem as pri-meiras chuvas, favorecendo aproliferação do mosquito. “Jáem julho, a chuva é muito forte,e isso destrói a população do ve-tor. Em novembro, a chuva es-casseia e formam-se poças. O ci-clo do mosquito recomeça”, des-creve. Quando há secas extre-mas, como a de oito meses pro-vocada pelo fenômeno El Niño,em 1997, os registros de maláriadespencam no estado. Esse é,inclusive, um dos poucos casosem que alterações anormais noclima podem favorecer a saúde.
Christovam Barcellos, coor-denador de saúde da Rede Clima— Rede Brasileira de Pesquisassobre Mudanças Climáticas Glo-bais, lembra que, embora empi-ricamente as pessoas sempre te-nham ligado o clima ao bem-es-tar, apenas recentemente essasrelações estão sendo mais bemcompreendidas. “De forma in-tuitiva, sempre se reconheceuque algumas estações trazemtemporadas de resfriado, de den-gue… Mas, do ponto de vista es-tatístico, como são relações mui-to indiretas, ainda é muito difícilcompreendê-las”, reconhece opesquisador do Laboratório deInformação em Saúde do Insti-tuto de Comunicação e Informa-ção Científica e Tecnológica emSaúde da Fiocruz.
LEIA AMANHÃ:ONDE O BRASILÉMAIS VULNERÁVEL
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Condições desumanasFenômenos comoa seca noNordeste costumam ter impactosobre a saúde, aumentando, por exemplo, casos de desnutrição
Lunae Parracho/Reuters - 17/1/13