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Natalie Patrick – De véu e grinalda (Julia 1172) DE VÉU E GRINALDA? DE VÉU E GRINALDA? His, Hers... Ours? Natalie Patrick Natalie Patrick Ela não acreditava no amor... Depois da desilusão amorosa que sofrera, Shelley Harriman prometera a si mesma nunca mais envolver-se seriamente com alguém. Porém o bonito e másculo Wayne Perry, com seus incríveis olhos azuis e seu sorriso sedutor, abalou profundamente a autoconfiança de Shelley. Em pouco tempo, a jovem simples e sem vaidade estava usando roupas sofisticadas e provocantes para atrair a atenção de Wayne. E, pela segunda vez em sua vida, ousou sonhar em usar véu e grinalda... Wayne parecia sentir prazer em perturbar a vida ordenada de Shelley. E quando ambos tiveram de cuidar juntos dos filhos de dois amigos, para prestar-lhes um favor, Wayne decidiu partilhar seu instinto paternal com Shelley. Será que, para seduzir aquela jovem relutante, ele Projeto Revisoras 1

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Natalie Patrick – De véu e grinalda(Julia 1172)

DE VÉU E GRINALDA?DE VÉU E GRINALDA?His, Hers... Ours?

Natalie PatrickNatalie Patrick

Ela não acreditava no amor...Depois da desilusão amorosa que sofrera, Shelley Harriman prometera a si

mesma nunca mais envolver-se seriamente com alguém. Porém o bonito e másculo Wayne Perry, com seus incríveis olhos azuis e seu sorriso sedutor, abalou

profundamente a autoconfiança de Shelley. Em pouco tempo, a jovem simples e sem vaidade estava usando roupas sofisticadas e provocantes para atrair a atenção de

Wayne.

E, pela segunda vez em sua vida, ousou sonhar em usar véu e grinalda...

Wayne parecia sentir prazer em perturbar a vida ordenada de Shelley. E quando ambos tiveram de cuidar juntos dos filhos de dois amigos, para prestar-lhes um favor, Wayne decidiu partilhar seu instinto paternal com Shelley. Será que, para

seduzir aquela jovem relutante, ele se deixaria persuadir a levá-la ao altar?

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Natalie Patrick – De véu e grinalda(Julia 1172)

Digitalização: SimoninhaRevisão: Crysty

Querida leitoraTenho uma tia muito querida, que sempre adorou ler e sempre nos

incentivou a viajar pelo mundo dos sonhos. Mas ela também sempre foi realista, e tem uma máxima que nunca me esqueci: viver é correr riscos. E é verdade. Acho que ela continua pensando assim até hoje... E se pararmos para analisar nosso dia-a-dia, ela está coberta de razão (não é mesmo, tia Niura?).

Janice Florido Editora Executiva

Copyright © 2000 by Luanne Jones

Originalmente publicado em 2000 pela Silhouette Books,divisão da Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.

Esta edição é publicada através de contrato com aHarlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.

Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcasregistradas da Harlequin Enterprises B.V.

Todos os personagens desta obra são fictícios.Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas

terá sido mera coincidência.

Título original: His, Hers... Ours?

Tradução: Maria Albertina JerônimoEditor: Janice Florido

Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobón Paginador: Nair Fernandes da Silva

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.Rua Paes Leme, 524 - 10 andar

CEP: 05424-010 - São Paulo – Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 2001 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

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PRÓLOGO

A noiva parecia estar prestes a ser dominada, sem dúvida.

Wayne Perry parou junto à entrada do quarto de criança, onde as filhas gêmeas de dois anos de idade de Clark e Becky Winstead estavam sendo colocadas para dormir pela mulher que tomava conta delas naquela noite. Embora conhecesse Becky desde a infância, que era a irmã mais nova de seu sócio, só vira Clark em ocasiões sociais. E eram poucas as que aconteciam em Woodbridge, a pequena cidade natal de Wayne, no Estado de Indiana. Era estranho estar na casa do homem no elegante subúrbio de Chicago, considerando que Clark e Becky haviam saído naquela noite. Mas ele não estava ali para ver os Winstead. Fora para falar com ela.

— Mas aquela valente princesa sabia de algo que seu adversário desconhecia... Sabia que tinha tudo o que precisava para cuidar de si mesma.

Oculto pelas sombras do corredor, Wayne aguardou junto à entrada do quarto por mais alguns momentos para apreciar a visão que tinha da jovem mulher e ouvir sua voz. Apesar de sua reputação de austera e inflexível, Shelley Harriman, o braço direito de Clark Winstead, parecia completamente à vontade na grande cadeira de balanço entre dois berços rosa e brancos. Parecia mais jovem do que ele esperara e mais bonita... bem mais bonita.

Em princípio, Wayne resistira ao pedido do sócio para trabalhar em conjunto com a assistente administrativa de Clark. Então, a festa de aniversário de casamento que se oferecera para organizar para os Taylor e os Winstead começara a ganhar enormes proporções. Antes mesmo de ter conseguido reservar o salão de festas VFW de Woodbridge e contratar uma banda, o evento já ameaçara fugir-lhe ao controle, em especial a importante parte de ter que fazer com que tudo fosse uma surpresa para as esposas. Aquele grau de dissimulação, concluíra, exigia um toque feminino.

— Ela se esforçou para erguer a pesada espada.

Não que Wayne desconfiasse das mulheres ou não gostasse delas. Ao contrário; apenas tinha grande respeito por suas habilidades e armas secretas. Tornou a observar a mulher com os vibrantes cabelos castanhos desprendendo-se em sensual desalinho de um severo coque no alto da cabeça.

Enquanto a estudava, não pôde deixar de se perguntar quanto Clark realmente conhecia da mulher que dirigia seus negócios. O homem falara dela como teria feito se estivesse se referindo a um computador ou a uma máquina de fac-símile, oferecendo uma descrição casual de seus pontos fortes e fracos em relação às tarefas que Wayne pudesse lhe pedir para executar. Mas Shelley

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não era uma máquina. Ele entendeu aquilo quase intuitivamente enquanto a observava contando sua animada história e olhando com ternura e preocupação para os bebês aos seus cuidados.

— Ela se perguntou se resolvera enfrentar algo além de sua capacidade, se era digna da tarefa à sua frente. Poderia realizá-la? Ou fracassaria e perderia tudo? — Shelley segurava o grande livro vermelho em seu colo com dedos esguios. A expressão em seu rosto deixava transparecer completa empatia com a luta da princesa fictícia. Fez uma pausa, umedeceu os lábios e, então, respirou fundo e endireitou os ombros.

Aqueles gestos espontâneos disseram coisas a Wayne que horas de uma conversa inicial jamais teriam conseguido. Embora aquela fosse a primeira vez que a via, podia ver direta-mente até seu coração. Ela era a princesa de sua história.

— Mas o que a princesa poderia fazer? Não havia ninguém mais para enfrentar o temível monstro senão ela.

— É o que você pensa — resmungou Wayne. Podia não ser viciado em trabalho como seu sócio na firma de advocacia, Matt Taylor, e duvidava que chegaria a ser tão rico quanto o chefe de Shelley, Clark Winstead, mas havia uma coisa que sabia fazer muito bem. Era um eterno salvador de damas em apuros.

— Assim, a princesa buscou toda a força que tinha dentro de si, apanhou a espada que estivera a seus pés e ergueu-a o máximo que pôde. Com grande determinação, lutou contra o feroz dragão, golpe a golpe, até que... — Mantendo o livro de histórias aberto no colo, ela ergueu-se da cadeira de balanço apenas o bastante para olhar para cada gêmea.

Por um instante fugaz, um anseio por coisas impossíveis cresceu dentro de Wayne antes que o reprimisse e a razão voltasse. Poderia culpar o clima aconchegante do quarto das crianças por aquilo? O brilho suave do abajur numa mesinha? Ou a fragrância de talco e sabonete que ainda pairavam no ar depois que as crianças tinham sido banhadas e colocadas para dormir? Algo dentro de si soube que aqueles detalhes sozinhos não teriam sido o bastante para despertar uma emoção tão sincera num homem como ele. Shelley Harriman tocara seu coração. Afetou-o porque Wayne sabia que era o tipo de mulher com o qual jurara que jamais tornaria a se envolver... uma mulher que precisava dele.

O ligeiro movimento de uma coberta num dos berços fez com que Shelley voltasse a se sentar e retomasse a história.

— Até que, finalmente, o dragão, vendo que não podia amedrontá-la,

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controlá-la ou destruí-la, ergueu suas imensas garras em rendição. E ele e a princesa marcaram uma reunião para se verem outra vez no escritório dela e redigir a papelada adequada para selar a coexistência pacífica de ambos.

Ela fechou o livro, para o qual, aliás, não olhara enquanto estivera sentada ali inventando sua imaginativa história para as duas gêmeas agora adormecidas. Levantando-se, inclinou-se um pouco sobre um dos berços e acariciou uma cabeça de cachos loiros. Então, virou-se para a outra criança, depositou um leve beijo numa face rosada e murmurou:

— E eles viveram felizes para sempre.

— Você se esqueceu daquela parte em que o príncipe em seu cavalo branco aparece em socorro da linda donzela.

Shelley virou-se abruptamente na direção da porta. Seu corpo ficou tenso. Estreitando o olhar, parecia pronta a fazer a Wayne, ou a qualquer intruso, o que a princesa de sua história fizera ao dragão, ou algo até pior.

Uma vez que ele não tinha intenção de ser atingido por espada alguma, nem de assinar papéis selando sua... rendição, fez algo que sabia que acabaria por desarmá-la. Abriu um sorriso.

Ela ficou sem ação.

Wayne soltou um riso e, então, percorreu-a por inteiro com um olhar demorado.

— Agora, quanto ao príncipe num cavalo branco...

— Este é um conto de fadas moderno, no qual a heroína é perfeitamente capaz de se salvar sozinha, muito obrigada. — Ela ergueu a cabeça o bastante para dar a impressão de que o olhava com ar de superioridade, embora, com sua estatura média comparada ao metro e oitenta e cinco dele, foi difícil conseguir o efeito desejado. E a maneira como segurava o livro de encontro ao peito fazia com que parecesse vulnerável e incerta.

— Às vezes, mesmo nos tempos modernos, lindas donzelas ficam em situações que exigem... — Ele se aproximou o bastante para tirar-lhe o livro das mãos, olhá-lo rapidamente, e, então, fitá-la com intensidade... — ...um homem para lhes atender as necessidades.

Ela soltou uma doce e quase imperceptível exclamação de perplexidade diante do comentário de duplo sentido, mas não deixou que aquilo a desconcertasse.

— E o sr. Perry, eu presumo?

— Srta. Harriman. — Wayne deixou o livro de lado e estendeu-lhe a mão.

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Ela hesitou apenas um momento antes de lhe aceitar a mão, seus dedos suaves e esguios traindo um pequeno tremor. Então, deu-lhe um aperto de mão firme, como o de um general assumindo o controle das tropas.

— Obrigada por ter vindo a Chicago para conversar comigo nesta noite.

— Eu é que lhe agradeço por ter concordado em me ajudar neste projeto. — Wayne continuou segurando-lhe a mão com gentileza. — Aprecio o apoio que estará me dando. Obviamente, há algumas coisas que não podem ser feitas numa cidade do tamanho de Woodbridge.

— Assim como há certas coisas que eu não conseguiria fazer em Chicago para uma festa que será realizada em Indiana.

Ambos continuaram se entreolhando em meio à penumbra do quarto. Nenhum dos dois deu sinal de que abriria mão do controle... até que uma das gêmeas se mexeu. A fachada altiva de Shelley desmoronou, dando lugar à expressão suave de preocupação que demonstrara antes. Adiantou-se na ponta dos pés até os berços, a fim de se certificar de que ambas as crianças estavam bem. Uma virou-se, descobrindo-se parcialmente e, então, ficou quieta. Ela observou-a e aguardou. Enfim, cobriu-a e tornou a virar-se para ele com um suspiro.

Wayne fez um gesto na direção do corredor numa sugestão silenciosa de que fossem conversar em outro lugar.

Shelley deixou o quarto primeiro, conduzindo-o pelo corredor que os levou até a parte da frente da casa.

Ele foi o primeiro a falar:

— Matt me deu um apanhado geral, do que gostaria que fosse feito.

— O sr. Winstead passou-me instruções exatas de como imagina a festa.

Os passos dos dois mal se ouviam no carpete do corredor longo e escuro. O ar à volta de ambos parecia carregado, repleto de eletricidade.

Ele achou a ansiedade de Shelley em relação aos simples planos da festa bastante reveladora. Ela queria agradar o patrão, fazer um bom serviço; queria tanto aquilo que deixava seu medo de fracassar motivar suas escolhas e atitudes. Sim, o valente esforço por causa de algo tão pequeno dizia muito.

O velho instinto dele de assumir o controle e proteger mais uma mulher vulnerável tornou a se manifestar. Embora, anos antes, tivesse jurado não fazer mais aquilo e. fosse a última coisa que queria em sua vida, podia ver com clareza que era o que Shelley precisava. Era apenas uma festa, afinal, não o ato de salvá-la de um homem manipulador ou de um estilo de vida

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autodestrutivo. E se, com sua ajuda e orientação, ela chegasse mais perto de ser a princesa capaz de se defender sozinha, melhor. Enquanto entravam na espaçosa sala de estar, preparou-se para lhe dizer aquilo.

— Sr. Perry, acho que, antes de podermos trabalhar juntos para criar uma festa bonita e memorável para seus amigos e meu patrão, há uma coisa que devemos esclarecer.

— Estou de pleno acordo.

— Há centenas de pequenos detalhes que precisam ser enumerados, organizados e providenciados.

— Bem, talvez seja um exagero dizer que há centenas deles. Shelley fechou os olhos e sacudiu a cabeça.

— Essa sua atitude está na raiz do problema que já prevejo que teremos, sr. Perry.

— Fico contente que perceba isso também, srta. Harriman.

— Sim, percebo. É por essa razão que quero que cheguemos a um entendimento antes que as coisas prossigam...

— Não se preocupe, pode ficar tranqüila porque...

— Eu estou no comando. — Ambos disseram as palavras em perfeito uníssono.

Por que desconfiava, pensou Wayne, enquanto encontrava o olhar obstinado de Shelley, que aquela era a única vez em que estariam unidos em algo por um longo tempo ainda por vir?

CAPÍTULO I

Cinco semanas depois...

— Vamos direto ao ponto, Wayne. Já é tempo de levarmos esses planos de casamento adiante.

Perfeito! Shelley parabenizou-se pela maneira fria e indiferente como transmitiu sua bem ensaiada mensagem. Sem histeria. Sem tensão. E sem o menor indício de acusação em seu tom.

Agora, se pudesse fazer exatamente o mesmo quando, de fato, o exasperante Wayne Perry estivesse do outro lado da linha, tudo se resolveria. Segurando o fone silencioso que segurava com força excessiva, colocou-o de

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volta no gancho com ar decidido. Cruzou os braços na altura do estômago, como se, daquela maneira, pudesse dissipar a sensação de tê-lo em nós.

Telefonaria. A qualquer instante, tiraria o fone do gancho e ligaria para a firma de advocacia Taylor e Perry em Woodbridge e diria o que pensava.

Faria aquilo, disse a si mesma, depois que tivesse ordenado seus pensamentos. Reuniria coragem, respiraria fundo e faria aquilo que achava mais difícil no mundo... correria o risco de bancar a completa idiota diante de um homem. Naquele caso, um homem bem-sucedido e inteligente com o tipo de estonteantes olhos azuis que faziam uma garota suspirar sem sequer se dar conta.

Shelley tamborilou com os dedos na mesa. O sr. Winstead, seu chefe, costumava brincar, dizendo que, se procurasse a palavra "eficiente" no dicionário, encontraria uma foto dela. Bem, se o mesmo dicionário tivesse um.antônimo exato para aquilo seria Wayne Perry.

Amistoso e direto, o homem não se importava nem um pouco com o que as pessoas pensassem a seu respeito. Ainda assim, ela seria capaz de apostar que todos que o conheciam pensavam bem dele. Ou quase todos...

Os que o admiravam não deviam saber que o homem era um desastre no que dizia respeito a detalhes. Ela não vira nenhum detalhe resolvido nos e-mails e telefonemas trocados entre ambos e nem nas reuniões infrutíferas que haviam tido durante o mês anterior para tentar coordenar os mais simples dos planos.

Com um suspiro, prendeu uma mecha de cabelos castanhos que se soltara de seu coque. A simples idéia. em torno de casamentos já a deixava ansiosa o bastante, mas organizar um para pessoas que mal conhecia? Como fora se meter na complicada situação de ter que providenciar tudo, desde vestidos até viagens, sem deixar que a noiva soubesse de nada antes do dia da cerimônia?

Noivas, no plural, corrigiu-se. Como se a organização da cerimônia secreta não fosse o bastante, ainda tinha que fazer tudo em dobro para incluir o cunhado de seu chefe. A exemplo do sr. Winstead, o sr. Taylor também queria dar à esposa o casamento na igreja e a grande festa que não haviam tido seis anos antes, quando haviam se casado apenas no cartório.

E, assim, Wayne Perry entrara em cena.

Como sócio e melhor amigo de Matthew Taylor, Wayne parecia ser a pessoa mais indicada para ajudar nos preparativos. Shelley assegurara ao patrão que poderia cuidar de tudo, obviamente. Não precisara lembrá-lo de que nunca o desapontara em nenhuma incumbência, pequena ou grande. E

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teria conseguido convencê-lo se não tivessem decidido realizar o casamento duplo em Indiana. Com tal decisão, a participação daquele arrogante, convencido, que achava que sabia tudo e queria estar no controle de tudo tornara-se uma necessidade.

Shelley olhou em torno de seu escritório silencioso, de cores neutras. Continuava quase igual ao dia em que aceitara aquele emprego, cinco anos antes. A diferença era que agora a mesa brilhava como uma generosa camada de lustra-móveis. Plantas artificiais de seda substituíam as naturais e imprevisíveis que antes haviam ficado junto às janelas, como bombas-relógio de folhas verdes, prontas a amarelarem, murcharem ou morrerem a qualquer momento.

O escritório de Wayne Perry, sem dúvida, devia vibrar com música, conversas e risos. Ela podia imaginar o caos, o amontoado de fotos de família encimando mesas, quinquilharias das mais variadas disputando espaço com livros na estante e talvez até uma gravata de reserva largada no encosto de uma cadeira. Além de, provavelmente, um vaso com uma planta quase seca a um canto, derramando folhas no carpete como confetes num extravagante baile à fantasia. Aquele era o tipo de homem com quem estava lidando.

O tipo de homem, temia ela, que consideraria uma séria mulher de vinte e cinco anos, dedicada à sua carreira, como o alvo perfeito para seus gracejos. Conhecia aquele tipo de homem muito bem. Quase se casara com um. Quase, se não tivesse sido enganada por ele.

Lembranças de velhas mágoas e constrangimentos voltaram à tona. O pai, tentando criar três filhos sozinho depois que a mãe dela morrera, costumara avisá-la a nunca confiar nos homens porque só queriam uma coisa. Em contrapartida àquilo, os irmãos a haviam provocado:

— Não tem que se preocupar. Pode até ser que os homens queiram só uma coisa, mas você não tem o que eles querem.

Antes que pudesse se conter, os pensamentos levaram-na de volta à época em que tentara provar que tanto seus irmãos quanto seu pai haviam estado errados. Finalmente, achara que encontrara um homem interessado não apenas em seu corpo, mas em sua mente também. Quatro anos antes, começara a namorar seu vizinho, Ron Fuller. Não achara que o amava, mas todos haviam-lhe dito que sim. Também não se julgara pronta para se casar com ele, mas Ron insistira. Ela não dera ouvidos ao seu próprio coração. Deixara que a pressão externa feita pelo pai, os irmãos e, principalmente, por Ron guiasse suas decisões.

Suas faces queimaram e o peito ficou apertado só em pensar nas circunstâncias em que vira pela última vez o ex-noivo, no dia em que teriam se

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casado. Ainda se lembrava das desculpas que arranjara para ele por estar atrasado para a cerimônia simples de casamento no pátio dos fundos da casa de sua família. Ainda podia ouvir o farfalhar de seu vestido de noiva quando saíra para procurá-lo na casa ao lado. Era como se ainda sentisse o peso dos vários olhares repletos de pena no momento em que todos os familiares e convidados a viram flagrando Ron com outra mulher.

Aquela mal era uma mulher-feita, na verdade, em termos de idade e maturidade. Mas, sem dúvida, fora mais mulher do que Shelley tinha sido nos aspectos que haviam interessado a Ron.

Ela era mais sábia agora, obviamente. Aquela sabedoria, porém, custara-lhe caro. Tinha que ficar de sobreaviso o tempo todo, resguardando-se para não tornar a ser feita de tola por ninguém do sexo oposto. Perdera sua capacidade de confiar num homem.

Sua amarga experiência com Ron roubara-lhe o pouco de dignidade e auto-estima que haviam lhe restado após uma vida inteira ouvindo que não conseguiria ser nada além de uma pacata dona-de-casa. Algo bom resultara de tudo aquilo, porém. Naquele dia, começara sua jornada rumo à sua total independência. Ninguém... mais precisamente nenhum homem... jamais tomaria suas decisões por ela, nem lhe diria o que fazer. Ela seguira seu próprio caminho, embora às vezes fosse solitário. Empenhara-se arduamente para recuperar o que pudera de seu orgulho e para encontrar satisfação em seu trabalho e realizações. Jamais abriria mão daqueles sentimentos por causa de alguém outra vez.

Daquele modo, se tivesse havido algum outro meio de realizar sua mais recente incumbência sem envolver Wayne Perry, sem dúvida o teria feito. Mas tinha que telefonar-lhe. Tinha que contar com a ajuda dele. Sem aquilo, não seria possível organizar o evento cheio de detalhes e minúcias que seu patrão queria como um presente de aniversário de casamento para sua esposa.

Planejar um casamento... Ficava com o estômago embrulhado só em pensar naquilo. E, como se não bastasse, o exasperante advogado cancelara ou interrompera cada reunião e conversa que haviam tido a respeito. O que não contribuíra em nada para aquietar seus nervos.

Mas, por outro lado, como podia criticar o homem por adiar algo quando ela própria estava agindo da mesma maneira? Lançou um olhar ao aparelho telefônico preto de prontidão na mesa grande e organizada. Talvez se ensaiasse apenas mais uma vez...

De repente, porém, o telefone tocou e, apesar do som baixo e discreto, ela quase saltou da cadeira.

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Tocou mais uma vez.

Shelley piscou algumas vezes, obrigando-se a afastar o estado de confusão atípico em que aquele assunto com Wayne Perry a deixava. Respirando fundo, ergueu o queixo e endireitou os ombros. Aquilo foi o bastante para recompô-la, aguçar-lhe a mente outra vez, fazê-la recobrar sua habitual concentração.

— Corporação Winstead, escritório de Clark Winstead, srta. Harriman falando. Em que posso ajudar?

— Em que pode me ajudar, srta, Harriman? Acho que a questão é o que já está fazendo comigo com essa sua voz sensual e esse tom impessoal, cheio de profissionalismo.

— Olá, sr. Davis. — Baxter Davis, o contador e melhor amigo do patrão dela, adorava aquele pequeno jogo de flertar com Shelley. Tentava fazer com que ela se soltasse um pouco, era o que costumava dizer. Sentia-se tentada a fazer exata-mente aquilo algum dia e ver a reação dele, ver o que faria quando o desmascarasse por estar apenas blefando. Sim, faria aquilo algum dia. No dia em que uma manada de elefantes passasse voando pela janela de seu escritório no último andar de um arranha-céu de Chicago...

— Olá, Shelley. Acho que deve saber por que estou ligando.

— O sr. Winstead deixou todas as informações que você irá precisar para dirigir o escritório enquanto eu estiver trabalhando nos detalhes de última hora para sua festa nesta semana. Tenho tudo em meus arquivos e posso providenciar para que seja enviado para seu escritório imediatamente.

— Oh, eu detestaria ter que incomodá-la.

— Não será incômodo algum. — Fazendo a cadeira girar, Shelley manteve o fone junto ao ouvido e apoiou-o no ombro, deixando as mãos livres para abrir uma das gavetas dos arquivos. — Se não quiser que eu mande a papelada através de um mensageiro, pode pedir a seu assistente que venha até o meu escritório para buscá-la. Estarei com tudo pronto.

— Prefiro eu mesmo ir. Já faz algum tempo que não vejo esse seu rosto bonito. Presumo que não esteja usando os seus cabelos soltos hoje, não é, srta. Harriman?

— Meus cabelos estão... — Shelley ergueu o olhar. Franziu o cenho para seu reflexo no grande espelho de moldura dourada acima da credencia que ficava atrás de' sua mesa. Os cabelos de comprimento médio estavam presos no costumeiro coque no alto da cabeça. Mas algumas mechas castanhas haviam se desprendido dos grampos, roçando a gola de sua impecável blusa de seda branca. E esquecera um lápis metido no cabelo.

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Teria que se lembrar de consertar aquilo antes de telefonar para Wayne Perry. Ele jamais saberia de seu desalinho, mas ela saberia e aquilo poderia transparecer em seu tom de voz ou comportamento.

— Meus cabelos não vêm ao caso, sr. Davis. Os arquivos estarão à disposição quando precisar deles.

— Certo. Continue jogando à sua- maneira. — Baxter desligou antes de lhe dar chance de resposta.

— Foi bom falar com você também — resmungou ela, ainda segurando o fone junto ao ombro.

Continuou verificando a fileira compacta de pastas de arquivos separadas por um código de cores. Por um instante, pensou em recolocar o fone no gancho. Mas, uma vez que a interrupção significaria ter que recomeçar sua busca pelas pastas, tendo que correr os dedos por muitas novamente até encontrar as que queria, mudou de idéia.. Além do mais, enquanto estivesse com o fone fora do gancho, talvez fizesse aquele último ensaio antes de dar o importante telefonema.

Inclinou-se para a frente, levantando-se da cadeira. Esticou a mão ao máximo a fim de obter os centímetros a mais necessários para alcançar as pastas que queria no fundo da gaveta da credencia. Cerrou os dentes e tentou extravasar a frustração, concentrando-se em ensaiar o telefonema.

— Wayne Perry... — Estava quase alcançando as pastas de arquivo desejadas.

Apesar do desconforto nos ombros, esticou-se um pouco mais, ainda inclinando-se para a frente. Ficou na ponta dos pés, arqueando mais a parte de trás do corpo. Aquilo teria que ser o bastante para alcançar as pastas, disse a si mesma.

Soltando um suspiro, usou toda a sua irritação numa das frases decoradas:

— Wayne Perry, vamos direto ao que interessa!

— Tenho que lhe dizer, nada poderia me interessar mais no momento do que a visão adorável que estou tendo daqui!

Shelley conhecia aquela voz e, com certeza, não pertencia a Baxter Davis. Ela gelou. Exatamente da maneira como estava, a cabeça quase metida na gaveta, os braços esticados, a parte de trás do corpo arqueada no ar. Adorável, pois. sim!

— Se soubesse que é daqui que você queria começar as coisas, srta. Harriman, eu teria feito a viagem de Woodbridge até aqui semanas atrás.

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Praticamente sem ação, ela ergueu a cabeça apenas o bastante para espiar pelo espelho.

Wayne Perry sorriu-lhe, o que a deixou boquiaberta. O olhar dele parecia de apreciação. Ela podia praticamente senti-lo percorrendo-lhe as curvas detrás e as pernas compridas, com todo o vagar. Estremeceu.

Wayne, então, encontrou-lhe o olhar através do espelho, seus olhos de um azul intenso como ela nunca se lembrava de ter visto, o que a fez suspirar.

— Olá.

Shelley mal se deu conta de que murmurou algo ininteligível em resposta.

— Sei que corri o risco de não encontrá-la aparecendo assim sem avisar. Mas estava com tempo e pensei: por que não ir até Chicago e ver como estão indo os planos de casamento? Vim numa hora imprópria?

— Não, não, absolutamente. Eu só estava tentando apanhar algumas pastas de arquivo no fundo da gaveta.

Shelley endireitou-se. O fone esquecido, metido entre o queixo e o ombro, caiu na gaveta de arquivo com um ruído desagradável.

— Parece que conseguiu. — Ele meneou a cabeça na direção das pastas que ela segurava junto ao peito.

— Sim. Prometi a uma pessoa que estaria com estes arquivos separados para quando viesse buscá-los e eu sempre faço aquilo que digo.

O sorriso de Wayne disse que entendeu a indireta com relação à sua negligência no planejamento dos casamentos.

Shelley ergueu o queixo. Tinha que aparentar calma e indiferença, lembrou a si mesma. Sentou-se e girou a cadeira na direção da mesa.

— Que coincidência ter aparecido aqui tão inesperadamente, sr. Perry. Eu estava planejando lhe telefonar.

— Planejando? — Ele abriu os botões do paletó azul-marinho. Shelley engoliu em seco. Não pôde deixar de notar os ombros largos do homem e seu peito forte sob a camisa branca.

— Estava planejando me telefonar, srta. Harriman? — A voz de Wayne não continha sarcasmo, nem censura. Seus olhos azuis brilhavam, parecendo convidá-la a partilhar do humor na situação. — Pelo que acabei de perceber em seu tom, pareceu que você já estava me condenando à pena máxima.

— Oh! — Shelley apertou os lábios, as faces corando. — Oh, isso. Eu estava... eu... Foi apenas um pequeno "pré-planejamento" da minha parte para

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que tudo corresse bem, assim que...

— Perdoe-me, mas você disse "pré-planejamento"?

— Sim.

— Mas essa palavra nem sequer existe.

— Bem, que seja um planejamento prévio ou preliminar, então.

— Na verdade, o que estou tentando entender é em que esse tal "pré-planejamento" é diferente do planejamento normal.

— É um estágio diferente do processo. Não se pode ir às cegas diretamente ao planejamento, sr. Perry.

— Oh, não, é claro que não.

Shelley sabia que ele estava sendo zombeteiro, mas, por alguma razão, não se ofendeu. Sentiu-se... contagiada por seu bom humor.

Wayne passou a mão casualmente pela gravata, que havia parecido bastante conservadora até o momento em que se aproximou da mesa.

— Já fui acusado de muitas coisas na vida...

— Não tenho dúvida. — Ela inclinou a cabeça para o lado para confirmar que via personagens de desenho animado ocultos na estampa miúda da gravata.

Wayne soltou um riso, um som breve e gentil, mas decididamente másculo.

— Como eu ia dizendo, já fui acusado de muitas coisas na vida, mas nunca de fazer nada às cegas.

O tom íntimo daquela voz a deixou sem saber o que dizer.

Ele se aproximou mais e mais, .quase se debruçando sobre a mesa, até que poucos centímetros os separassem.

Shelley pôde sentir o incrível magnetismo. Encontrou os olhos azuis com os seus, sem poder evitar. Queria desviar o olhar, mas parecia hipnotizada.

— Sabe de uma coisa, srta. Harriman?

— O quê?

Wayne sentou-se na beirada da mesa e inclinou a cabeça de modo que ambos continuassem bem próximos.

— Acho que vai ser bastante interessante trabalharmos juntos. Shelley era da mesma opinião. Mas também podia ver o perigo à espreita por trás daquele... interesse. Eleja a apanhara numa situação de desvantagem. Ela não

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baixaria a guarda outra vez, não lhe permitindo perceber o quanto aquela pro-ximidade a afetava.

— Acho que trabalharmos juntos será apenas isso, sr. Perry. Trabalho. — Ela virou-se para a gaveta aberta de arquivo com ar de total profissionalismo, como de costume.

— Srta. Harriman, talvez devesse... — Wayne apontou para a credencia.

Shelley ergueu o queixo. Deu um empurrão na gaveta para fechá-la.

— Ninguém me diz como fazer meu serviço, sr. Perry. Nunca é preciso. Eu lhe asseguro que sou totalmente competente em tudo o que faço.

Naquele momento, o fio que conectava o fone ao restante dó aparelho esticou-se. A gaveta de arquivo fechou-se. O aparelho de telefone foi puxado abruptamente da mesa e caiu no chão com um estrondo.

Ele teve a gentileza de não rir alto, mas não foi o bastante para Shelley, que o fuzilou com o olhar. Inclinou-se para pegar o telefone.

Wayne inclinou-se ao mesmo tempo. Pegaram o aparelho juntos, as mãos deles se tocando.

A proximidade de ambos num espaço tão pequeno carregou o ar com um novo toque de intimidade.

— Posso cuidar disto sozinha, obrigada. — Ela puxou o telefone com força, o gesto brusco aproximando-o mais de si, mas ele não soltou o aparelho.

— Às vezes, é bom ter alguém que nos dê um pouco .de ajuda, atenção e até... consolo. Todo mundo anseia por isso de tempos em tempos. Até você, srta. Harriman.

Se ela fosse uma mulher mais experiente, teria realmente acreditado que o homem a beijaria ali mesmo. Ou talvez até o tivesse beijado. Era o tipo de homem, soube instintivamente, que. beijava mulheres por impulso. Ou inspirava as mulheres a beijarem-no.

De fato, não era muito experiente, mas conhecia aquele tipo de homem bem o bastante para saber que não queria nada com ele. Libertou o telefone e levantou-se num único movimento.

— Não preciso que homem algum me dê atenção e ajuda, sr. Perry, muito menos consolo. Sou e sempre fui uma profissional bastante forte e capaz — declarou, pousando o aparelho de telefone na mesa com força desnecessária.

— Não duvido disso. — Ele meneou a cabeça e, então, seus lábios curvaram-se de leve. — Isso não significa que...

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— Significa que devemos estabelecer algumas regras básicas. A primeira é que, daqui em diante, você deverá telefonar antes de vir me ver.

— Peço-lhe desculpas quanto a isso, mas como vê...

— Desculpas aceitas. — Daquela maneira, estava melhor. Ela recobrara sua compostura. Agora, poderia seguir em diante com confiança e manter-se no controle da situação. Virou-se para retirar o fone que ainda ficara na gaveta, agindo como se fosse algo rotineiro.

— Este é meu local de trabalho, sr. Perry, e exigirei absoluto profissionalismo e decoro aqui o tempo inteiro.

— Onde está a senhora feudal do escritório? A déspota da corporação, a adorável dominadora? Baxter está aqui e foi um menino muito mau! Mal posso esperar por um castigo seu.

— Profissionalismo e decoro, hein? — Os olhos de Wayne brilharam com visível deleite.

Shelley queria estrangular Baxter, que acabara de entrar em seu escritório com um largo sorriso. Ou talvez pudesse entrar na gaveta aberta de arquivo e trancar-se ali até depois que a data do casamento tivesse passado.

Do casamento duplo. Tinha um trabalho a fazer.

— Sr. Perry, eu...

— Ouça, obviamente eu apareci numa hora imprópria, srta. Harriman. — O elegante advogado consultou seu relógio. — Que tal se eu voltar daqui a meia hora e sairmos para o almoço? Temos muito que fazer e pouco tempo.

Ela estivera prestes a dizer aquilo.

— Vejo você em meia hora, então. — Ele meneou a cabeça para Baxter e encaminhou-se até a porta do escritório.

Shelley umedeceu os lábios, querendo chamá-lo de volta, para ter a última palavra e tornar a deixar claro quem estava no comando. Antes que tivesse chance de dizer algo, Wayne virou-se para fitá-la com um olhar sugestivo.

— Acho que, de fato, vou gostar de trabalhar com você, srta. Harriman.

A porta fechou-se.

Shelley sentiu o pulso acelerado. Cerrou os dentes e, numa demonstração de total profissionalismo, praguejou e fechou a gaveta de arquivo com um pontapé.

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CAPÍTULO II

— Quem é o tal Baxter cretino e o que lhe dá o direito de falar com Shelley daquela maneira.

— Eu não sei. — O rapaz que deixara Wayne sentar-se à sua mesa no café lotado no térreo do prédio deu de ombros.

— Não é da minha conta, é claro. E por isso que eu saí e lhes dei privacidade. — Wayne bateu com a colher de plástico na beirada de sua xícara de cappuccino. — Não, não é absolutamente da minha conta quem ela vê. Ou quem a chama de senhora feudal, déspota, dominadora.

— Acalme-se, homem.

Wayne olhou para o relógio de pulso. A imagem que surgiu em sua mente, porém, foi a de Shelley no cubículo envidraçado que chamava de escritório com aquele pretensioso provocando-a. Como alguém que também o fizera recentemente, mas apenas por pura diversão, ressentia-se de qualquer um que lhe roubasse o prazer.

— Eu deveria subir de volta até lá e atirar aquele inconveniente para fora.

— Poderia criar problemas. Você deve gostar realmente da tal garota.

— Na verdade, mal a conheço.

— Deve ser uma garota e tanto, então.

— De fato é. — Wayne sorveu um gole de sua bebida quente e, em seguida, olhou com ar pensativo para a xícara. — O problema é que ainda não tenho certeza se sei lidar com ela.

— Bem. seja como for, acho que você não deveria ficar tão exaltado por causa dela e de tal Baxter.

Wayne sorriu. A maioria das pessoas que o conhecia acharia difícil imaginá-lo exaltado pelo que quer que fosse. Em sua cidade natal de Woodbridge, em Indiana, seu jeito descontraído e sua habilidade de manter o senso de humor em quase todas as situações faziam com que seu sócio gracejasse, sugerindo que mudassem os dizeres na porta do escritório dele na firma de ambos para "Wayne Perry, advogado e a calma em pessoa'".

Nada, diriam as pessoas que o conheciam, conseguia agitar Wayne. Mas quem acreditasse realmente naquilo a seu respeito estaria errado.

Duas coisas instigavam-no de uma maneira positiva. Elas im-

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pulsionavam seus sonhos e ambições. Uma era a necessidade fundamental de manter sua honra e integridade. Exigia aquelas qualidades de si mesmo e as esperava das poucas pessoas em quem confiava verdadeiramente. Aprendera mais cedo do que a maioria que um envolvimento com qualquer um que não tivesse aquelas qualidades básicas era um tormento. Também aprendera que faria qualquer coisa para proteger e lutar por qualquer pessoa que corresse o risco de perder contato com tais qualidades.

A outra coisa que o impulsionava e motivava era o empolgante apelo do desconhecido, da descoberta e da conquista.

Em Shelley Harriman, via potencial para tudo aquilo e muito mais. Era o tipo de mulher que decididamente seria capaz de afetá-lo.

Era por aquela razão que não deveria baixar a guarda perto dela... em especial porque não conseguia tirá-la da cabeça. Desde a primeira conversa de ambos, sentira uma ligação com ela que o abalara, irritara e intrigara. Finalmente, aquilo o levara a Chicago naquele dia por uma única razão. Fora até ali para deixar Shelley Harriman encantada.

Sim, encantada. Não se contentaria com menos no que dizia respeito àquela mulher. Queria que ficasse tão impressionada com ele quanto ficara com ela.

— E algo que foge à razão, eu admito, ficar tão agitado por uma mulher de personalidade tão conservadora e fechada, de ar tão severo quanto aquele coque que usa.

— A senhora feudal. — O rapaz meneou a cabeça, compreensivo, e coçou a barba.

— E o pior de tudo é que não há nenhum futuro nisso. Mesmo que eu estivesse em busca de um futuro ao lado da mulher, o que não é o caso.

— Entendo.

— Shelley e eu nunca poderíamos planejar em ter mais de uma semana juntos. Sem mencionar que temos que nos concentrar estritamente nos casamentos.

— Você disse casamentos?

— Ainda assim, quando um homem encontra uma mulher que personifica a essência das únicas coisas que alimentam o fogo em seu íntimo tem que fazer algo para provocar uma ligação entre ambos, mesmo uma que não possa durar.

— Não, amigo, eu poderia jurar que você disse casamentos. Isso não me soa como alguém que esteja planejando entrar num relacionamento

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passageiro.

— Sim, não dê atenção a essa parte. Acontece que o patrão dela teve essa idéia e nós dois acabamos nos envolvendo no planejamento... Na verdade, ela chamou isso de "pré-planejamento". Você acredita? — Wayne sacudiu a cabeça. A cada vez que os caminhos de ambos se cruzavam, achava mais alguma coisa interessante em Shelley.

Algo nos olhos verdes dela o cativava. Algo em suas idéias atraía sua atenção. Algo em sua voz, forte e, ao mesmo tempo, vulnerável, despertava-lhe a vontade de querer protegê-la e, sim, encantá-la; ambas as coisas de uma só vez.

E, enquanto aguardava num café desconhecido para fazer aquilo, aquele sujeito arrogante chamado Baxter estava a sós com ela no escritório. Wayne levantou-se da mesa, fazendo menção de deixar o café.

— Ei, aonde vai, amigo? Você disse que não poderia subir de volta durante meia hora.

— Então, vou me antecipar. Deixe-me dar-lhe um conselho, garoto.

— Claro. Sou todo ouvidos.

— Há ocasiões com as mulheres em que você pode realmente usar toda aquela baboseira politicamente correta sobre ser sensível em proveito próprio. Você sabe, fazer tudo certo, baixar sua guarda um pouco. As mulheres se deixam convencer por essas coisas. Pelo tempo que levo para fazer isto. — Wayne estalou os dedos.

O rapaz piscou, meneando a cabeça de leve.

— Mas, depois de tudo dito e feito, as mulheres ainda querem um homem que sabe agir. E, no fundo, esse é o tipo de homem que sou.

— Você tem que ser fiel a si mesmo.

— Exato. — Wayne deixou o café, resmungando entre dentes enquanto avançava pelo grande vestíbulo de mármore do prédio. — Tenho que ser eu mesmo, Shelley tem que ser ela e Baxter tem que dar o fora.

Vá embora! Deixe-me em paz! Era o que Shelley queria dizer. Em vez daquilo, virou a cadeira na direção da tela do computador, fechou um arquivo e disse:

— Isso é tudo o que o sr. Winstead queria que eu passasse às suas mãos, sr. Davis. Tenho certeza de que verá que está tudo em ordem.

— Com você as coisas são sempre dessa maneira, não é, srta. Harriman? — Baxter inclinou-se para a frente, quase se debruçando sobre a

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mesa. — Tudo em ordem? Nunca tem vontade de fazer nenhuma loucura?

Fazer uma loucura?, pensou ela. Como o quê? Empurrar o melhor amigo de seu chefe de sua mesa e, então, correr até a porta e gritar para que alguém fosse salvá-la de seu comportamento inconveniente?

— Se isso for tudo, sr. Davis, há algumas coisas que ainda preciso fazer antes de meu compromisso para o almoço.

— Ah. O almoço. Com aquele sujeito loiro dono de um... — Baxter ergueu a mão acima da cabeça para indicar a altura de Wayne e, depois, estufou o peito e flexionou os braços numa imitação do físico atlético do outro. — ...ego inflado?

— O roto rindo do esfarrapado — resmungou Shelley.

— Ora, vamos, não me diga que não preferiria almoçar com alguém como eu.

— Não, não preferiria. — E ela estava sendo sincera. Céus,

já quase ansiava pelo almoço com o homem que estivera empatando seus detalhados planos durante semanas. — Hum, se me der licença, acho que vou me arrumar um pouco antes...

— Vai soltar os cabelos para ele!

Se ela fosse um homem, teria simplesmente agarrado Baxter pelo colarinho e o atirado dali para fora. Como conseguira fazer uma simples frase daquela soar tão maliciosa? Deu-lhe as costas sem sequer uma palavra.

— Ei, só estou brincando com você.

Shelley demorou-se ao máximo diante do espelho, fingindo estar ajeitando a gola e as mangas da blusa.

— Você não precisa soltar os cabelos para ficar bonita para qualquer homem que seja. Sabe disso, não é? — Baxter parou atrás dela.

Shelley ficou tensa.

— Não, não precisa soltar os cabelos, mas talvez deva tirar o lápis que colocou neles.

— Oh. — Ela se achou uma tola mas, estranhamente, não sentiu mais nada. Quando Wayne Perry ficara tão próximo, contudo, sentira os nervos à flor da pele, o coração disparando, as pernas trêmulas. — Obrigada.

— Deixe-me tirá-lo para você.

— Não, por favor. Eu mesma posso fazer isso.

— Não me custará nada ajudar.

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O lápis enroscou-se no cabelo dela, puxando-lhe os fios.

— Ai!

— Se você não lutasse contra mim, isto seria bem mais fácil.

— Pare. Por favor, eu não quero que você...

— Fique parada e deixe-me...

— Ela lhe disse para parar.

— Wayne? — Shelley virou a cabeça no instante em que ele puxava Baxter com força, afastando-o dela. O lápis soltou-se de seus cabelos, arrancando-lhe alguns fios. — O que acha que está...

Ele não agrediu Baxter de forma alguma, mas nem foi preciso. Sua simples presença já foi o bastante para intimidar o outro homem.

— Seu lápis. — Baxter entregou-o a ela, apanhou as pastas de arquivo que fora buscar e retirou-se rapidamente do escritório.

Shelley cerrou os dentes. Wayne Perry fora mais eficaz em ter se livrado de Baxter com o simples fato de entrar ali do que ela conseguira com uma porção de pedidos firmes mas cuidadosamente polidos e controlados. E por que não estava grata?

Porque Wayne fizera com que se sentisse uma tola, uma mulher patética e indefesa cuja experiência limitada com os homens não lhe permitia lidar nem mesmo com o menor indício de sedução. Ele fizera mais uma vez com que perdesse seu controle. E era uma coisa que não aceitava de homem algum.

— Foi bom eu ter voltado um pouco antes.

— Oh, por favor! Guarde sua postura de macho para uma ocasião em que talvez sirva de algo. Talvez haja um circo na cidade precisando de um domador.

Ele riu.

— Gosto de você, Shelley Harriman. Gosto realmente.

— Bem, obrigada. Lembrarei dessas suas palavras gentis se algum dia tiver que lhe fazer um discurso de agradecimento em algum lugar. — Ela deu4he as costas e, colocando-se diante do espelho, tentou prender de volta as mechas soltas no coque.

— Faça isso. Nesse meio tempo, não me leve a mal. Eu só estava tentando...

— Eu sei, proteger uma donzela em apuros — retrucou ela secamente.

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Não estava conseguindo ajeitar os cabelos como queria, mas não desistiu. — Acho que já devo ter deixado claro, sr. Perry, que não preciso da proteção, nem da ajuda e nem mesmo do consolo de homem algum.

— E uma pena, pois, goste ou não, eu já vim em seu socorro. E quanto a consolo... — Ele correu uma mão pela nuca dela enquanto lhe tirava um grampo do coque com a outra.

Shelley engoliu em seco, o toque e a proximidade deixando-a com o pulso acelerado.

Wayne prendeu-lhe de volta no lugar as finas mechas que haviam se desprendido do coque e sussurrou:

— Bem, acho que ambos teríamos apreciado um pouco disso.

Ela devia se livrar daquele homem. Shelley mantinha um passo rápido enquanto o conduzia até sua mesa habitual no restaurante pequeno e tranqüilo onde almoçava diariamente. O estilo de Wayne e o seu eram conflitantes demais. Cada um tinha que seguir seu caminho.

O que seria fácil. Bastaria que revissem a lista de preparativos para os casamentos e a dividissem. Providências que poderiam ser tomadas em Chicago, como pegar vestidos, verificar preparativos de viagens e coisas assim, ela poderia resolver muito bem sozinha. Coisas que teriam que ser feitas em Woodbridge, como tornar a confirmar as reservas da igreja e do salão de festas, a entrega das flores, caberiam a ele. Não deveriam levar mais do que a hora do almoço para dividirem as incumbências. Depois, ela diria adeus ao sr. Perry e só voltaria a vê-lo um pouco antes do evento.

Indicou a mesa já familiar com um gesto.

Wayne puxou-lhe uma cadeira.

Ela sentou-se na outra.

— Bem, tenho o que considero uma lista bem abrangente de verificação dos preparativos e das providências finais que pode ser dividida...

Ele tirou-lhe o bloco de anotações das mãos e colocou-o na beirada de uma mesa próxima.

— Pensei que tivéssemos vindo até aqui para almoçar. Shelley apanhou o bloco de volta abruptamente.

— Nunca ouviu falar de almoço de trabalho?

— Ora, não, srta. Harriman. Você e seus hábitos da cidade grande são um completo quebra-cabeças para um pobre caipira feito eu. — A cada palavra, ele avançou mais com sua cadeira sob a mesa até que suas pernas

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tocassem as dela.

Shelley sobressaltou-se e recuou na própria cadeira. Os olhos dele brilharam com um ar divertido.

— Não tive intenção de ofendê-lo de maneira alguma, sr. Perry.

— Não fiquei ofendido, srta. Harriman, eu lhe asseguro. Mas sou o tipo de homem que não mistura negócios com prazer.

Wayne virou-se e com um único olhar conseguiu chamar uma garçonete.

Shelley continuou sentada em silenciosa admiração. Embora fosse cliente do lugar havia anos, ainda precisava limpar a garganta e consultar o relógio várias vezes para que a mesma mulher a atendesse.

— Quando eu trabalho, trabalho, mas quando chega o horário de almoço é só nisso que procuro me concentrar. — Ele tornou a colocar o bloco de anotações na mesa ao lado com ar definitivo.

A garçonete aproximou-se, pronta para anotar o pedido.

— E quando resolvo fazer planos de casamento... — Wayne pegou o menu da mesa, estudando-o — ...eu os faço como ninguém.

— Oh, srta. Harriman, você está planejando seu casamento! — Shelley nunca se dera conta de que a garçonete sabia seu nome.

Mas não apenas a mulher no uniforme marrom e bege o sabia como também não sentiu o menor constrangimento em anunciar o assunto pessoal de Shelley à toda a clientela ah reunida para o almoço... além do fato de estar completamente equivocada.

— Oh, isso é maravilhoso, srta. Harriman! Eu nem sequer desconfiava que você tinha um namorado. Agora aqui está você prestes a se casar.

— Na verdade, eu... — A voz de Shelley saiu quase na forma de um murmúrio.

— E este deve ser o seu noivo. Ora, mas você é um homem bonito, se me permite dizer.

— Ei, não deixe que eu a impeça. — Wayne pegou a mão da mulher num gesto galante e leu seu nome no crachá. — Tammy.

Shelley franziu o cenho e lançou-lhe um olhar atravessado que o avisou de que não deveria induzir a garçonete a continuar com seu equívoco.

Wayne apenas piscou-lhe um olho e moveu os lábios silenciosamente em resposta:

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— E que mal há nisso?

— E que mal... — Shelley interrompeu-se de imediato quando seu tom brusco fez com que a garçonete se sobressaltasse e se virasse para fitá-la em aturdimento. Teve vontade de esconder-se debaixo da mesa. Entretanto, como aquilo só serviria para atrair mais olhares de estupefação, desistiu da idéia..

Ocupou-se desembrulhando seus talheres e pousou o guardanapo no colo. Fez, então, o possível para recobrar a compostura:

— Qual é o prato especial de hoje, Tammy?

Um minuto depois, a garçonete havia anotado o pedido de ambos e se afastado. Shelley, então, não deixou passar a oportunidade para fuzilar Wayne com o olhar. Se colocasse aquele homem em seu devido lugar agora, pouparia a ambos de muitos problemas a longo prazo.

— Eu lhe perguntaria se perdeu o juízo, mas, até o momento, você não deu nenhum sinal de que já teve algum.

— Por quê? — Wayne desenrolou o próprio guardanapo. — Porque não deixei a gentil moça constrangida corrigindo seu equívoco?

Certo, ele ganhava pontos por aquilo, pensou ela, mas ainda assim...

— E quanto a mim?

— Achei que você também não deveria constrangê-la.

— Estou me referindo à maneira como você complicou as coisas para mim. Não pensou nem um pouco em mim quando levou a mulher a deduzir aquilo.

— Não se engane. Só porque não cheguei à mesma conclusão que você teria chegado não significa que não pensei direito antes de dizer algo — declarou ele com exasperante ar corriqueiro. — É melhor entender isso agora se espera que trabalhemos juntos com algum êxito.

Ela cruzou os braços e recostou-se na cadeira.

— E é melhor entender que não permitirei que me façam de tola, sr. Perry, e nem que ninguém tome minhas decisões por mim, Meta isso na cabeça, ou não trabalharemos juntos em absoluto.

— Nunca tive a intenção de fazê-la de tola e acho que sabe disso.

Shelley acreditava nele. Sentiu parte da tensão em seus músculos dissipando-se.

— Entretanto, se minhas atitudes desconcertaram você um pouco e se talvez isso tenha me deixado vislumbrar a mulher por trás da fachada de secretária feita de aço que você apresenta... bem, não vou me desculpar. —

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Wayne curvou ligeiramente os lábios. — Sabe, na verdade, acho que gosto de desconcertá-la, srta. Harriman.

Então, ele deveria estar adorando cada minuto daquilo, pensou Shelley, mexendo-se com nervosismo em sua cadeira.

— Isso dá uma cor bonita e saudável às suas faces, destaca o tom de verde de seus olhos e faz com que essa sua incrível voz soe mais sexy.

— Bem, eu não gosto que me desconcertem. Nem você, nem homem algum.

— Entendo. — Wayne apoiou os cotovelos na mesa e fitou-a como se ninguém mais no mundo existisse. Parecia pronto a ouvi-la de verdade e não apenas à espera de poder gracejar do que dissesse. Embora não tivesse dito uma palavra, transmitia tudo aquilo com a intensidade de seu olhar.

De repente, Shelley sentiu-se bastante feminina, mas, pela primeira vez, aquilo lhe pareceu um sinal de poder e não de fraqueza. Umedeceu os lábios.

— Acha que tenho uma voz incrível?

— Sim, acho — respondeu ele com sinceridade. Ela sentiu o pulso disparando.

— Obrigada.

— Por nada.

— Ainda assim, não foi muito gentil de sua parte me embaraçar daquele jeito. — Ao menos, ela tinha alguma parte de seu instinto de sobrevivência intacta. E enquanto lhe restasse, não poderia deixar aquilo passar. — Porque se há uma coisa que eu não gosto é que me deixem embaraçada.

— Então, peço-lhe desculpas. Simplesmente achei que era um assunto sem importância.

— Não para mim — murmurou Shelley. Somente quando o viu franzindo o cenho deu-se conta de que não falara com clareza o bastante para ser ouvida. Desviou o olhar para deixá-lo saber que não iria repetir o que dissera.

Wayne suspirou.

— Não achei que fosse importante corrigir uma estranha quando pensou que estamos planejando nosso próprio casamento, em vez de estarmos cuidando dos preparativos para nossos amigos.

— Nosso... — Casamento. A palavra pareceu se recusar a tomar forma nos lábios de Shelley. Não era uma palavra com a qual tivesse tido uma experiência positiva, nem uma que esperara usar muito. Mas, se Wayne queria

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passar o almoço usando a tal palavra indiscriminadamente, ela concluiu que talvez não fosse a pior coisa que tivesse lhe acontecido. Na verdade, aquilo a fez sentir-se um tanto contagiada, como se quase desejasse que fosse verdade...

— Não é como se isso significasse algo, você sabe — prosseguiu ele. — O fato de deixarmos alguém acreditar que temos algo um com o outro não nos obrigará a ter algum tipo de relacionamento.

— Bem, um de nós tinha que dizer isso — resmungou ela, despertando abruptamente de seus momentâneos devaneios.

— O quê?

— Esqueça. E não é de todo verdade. Se não esclarecermos o que está realmente acontecendo à garçonete, isso significará algo.

— É mesmo? — Ele inclinou-se um pouco mais para a frente, parecendo fascinado em vez de duvidoso.

Esforçando-se para que a intensidade daquele olhar não a afetasse, ela cruzou as mãos sobre a mesa.

— Sim. Significa que, a uma certa altura, eu terei que arranjar alguma explicação para o fato de nunca ter me casado com o homem com o qual a intrometida garçonete me viu fazendo planos de casamento. Ou isso, ou terei que encontrar outro lugar para almoçar todos os dias.

Wayne recostou-se na cadeira com ar de incredulidade.

— Você almoça no mesmo lugar todos os dias?

— Não aos sábados e domingos — respondeu ela, erguendo o queixo na defensiva. — Mas de segunda a sexta-feira, sim, eu almoço no mesmo lugar. Tenho feito isso nos últimos cinco anos, exceto ocasionalmente quando como um lanche na minha mesa ou almoço com o sr. Winstead a negócios.

— E inacreditável.

— Por quê? A comida daqui é boa, o preço é razoável e o restaurante fica perto do meu trabalho.

— Mas e quanto a tentar coisas novas? Quanto a ver novas pessoas? Buscar novas experiências? Nunca anseia por essas coisas? Por alguma variedade?

Shelley teve a nítida impressão de que ele estava falando a respeito de mais do que apenas comida.

— Tenho variedade. Pelos céus, eu não peço o mesmo prato todos os dias.

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— Oh, bem, assim é diferente — sorriu Wayne. — Já que não pede a mesma coisa todos os dias...

— E claro que não. Vejamos, na segunda-feira, eles servem bolo de carne; na terça, peito de peru; na quarta, peixe...

— Tédio grelhado na quinta — acrescentou ele, zombeteiro.

— Sanduíche de monotonia na sexta. — Ela arqueou uma sobrancelha e abriu um pequeno sorriso.

— Sim! E isso! — Wayne bateu com a palma da mão com força na mesa, atraindo o olhar perplexo dos freqüentadores do lugar. — Aí está ela!

Shelley pousou a mão no pescoço.

— Quem?

— Você. Shelley Harriman. Eu sabia que você estava aí em algum lugar. — Wayne riu, triunfante.

Shelley sacudiu a cabeça, admirada. Todo aquele alvoroço só porque fizera uma piada tola e sorrira.

A perturbadora sensação de que estava lidando com algo proibido dominou-a. Não entendia aquele homem imprevisível, nem, o que era pior, o turbilhão de emoções que era capaz de lhe despertar. Ele não reagia ao comportamento discreto, contido e profissional dela da maneira esperada. Ao contrário, tomava-o como uma espécie de desafio, algo com que lidar e superar. Aquilo o fazia parecer, a seu ver, um homem bastante perigoso.

Felizmente, seu cuidado em estabelecer uma relação estritamente de trabalho, imprescindível entre ambos, propiciaria um seguro distanciamento. A preparação e o controle lhe seriam úteis mais uma vez. Esticou a mão para apanhar o bloco de anotações da mesa ao lado, seu ar sério, compenetrado.

— Atenderei seu desejo de não trabalharmos enquanto estivermos almoçando, mas a comida demorará alguns minutos a ser servida. Vamos usar nosso tempo para resolver algumas coisas.

— Como quiser.

— Tomei a liberdade de já dividir algumas tarefas. Dessa maneira, quando tivermos terminado nosso almoço, posso cuidar de minhas responsabilidades aqui enquanto você poderá voltar rapidamente para Woodbridge a fim de...

— Nada disso.

— Como assim?

— Não vou voltar a Woodbridge, srta. Harriman. — Wayne tornou a tirar-

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lhe o bloco de anotações das mãos. Daquela vez, atirou-o sobre o ombro, deixando-o cair no chão atrás de si.

Shelley preparou-se para fazer um sermão sobre como certas pessoas se tornavam difíceis de lidar quando queriam e como complicavam a vida alheia. Sobre indelicadezas também, incluindo atirar coisas no chão.

Antes que algum som se formasse em seus lábios, porém, Wayne abriu um sorriso. Os olhos azuis procuraram os dela, o que a deixou imediatamente sem fôlego.

— Não, não vou voltar. Há cerca de um mês você me pressionou a respeito desses planos de casamento.

— Dizer que o "pressionei" é um certo exagero, não acha?

— Seja lá como for que chame isso, você obviamente se preocupou, achando que me faltava empenho para organizar uma comemoração de primeira linha.

— Tive alguma dúvida, mas não me consumi de preocupação — mentiu ela, dando-se conta de repente de como ele a fazia parecer dura, exigente.

— Quer tenha tido dúvidas, ou se consumido de preocupação, não havia necessidade de nada disso, srta. Harriman. — Wayne recostou-se na cadeira e cruzou os braços, o paletó aberto revelando os músculos bem-definidos sob o tecido da camisa. — Porque, se há uma coisa que eu adoro é uma festa e, quando organizo uma, é uma festa que fica sendo comentada por um longo tempo.

— Não duvido. — Shelley podia imaginar muito bem os tipos de festas que um homem como aquele oferecia.

— E, o mais importante, prometi ao meu amigo que eu faria isto. E o farei bem.

— É tudo o que eu quero. Que façamos tudo o que for possível para tornar esse evento realmente especial para o sr. e a sra. Winstead... e para seus amigos também.

— Então, eu lhe farei uma pequena promessa também, srta. Harriman. Estarei à sua completa disposição, quer tenhamos que trabalhar em Chicago, ou em Woodbridge para que tudo saia' perfeito. O que for preciso. Estarei a seu lado a cada etapa do caminho.

CAPÍTULO III

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Shelley limpou uma mancha na mesa e, então, pousou o bloco de papel ali abruptamente, seu ar decidido.

Wayne nem sequer piscou. Permaneceu sentado em seu lugar, o olhar fixo nela. Tinha aquilo em comum com qualquer outra pessoa no restaurante.

Quem se importava se outras pessoas estavam olhando ou cochichando sobre suas atitudes?, pensou ela. Não seria obrigada, nem persuadida a passar aquela semana na companhia constante de Wayne. Manter suas defesas intactas, parecer calma e controlada enquanto se ocupava com planos de casa-mento com aqueles olhos sempre sobre ela? Não, simplesmente não se sujeitaria mais àquilo. A pressão seria demasiada.

— Quanto antes dividirmos as tarefas na lista que preparei, sr. Perry, mais depressa cada um de nós poderá seguir seu caminho.

— Oh, eu lamento muito. — Wayne aproximou mais a cadeira da dela.

— Lamenta? O quê? — Shelley resistiu à vontade de recuar um pouco na própria cadeira.

— Eu não havia me dado conta. Mas, afinal, não posso imaginar uma pessoa competente como você negligenciando algo tão simples quanto um exame de audição, srta. Harriman.

— E para quê eu precisaria de um exame de audição?

— Parece que me enganei.

— Bem, essa é uma frase que, acredito, você deva dizer com freqüência. Mas deixe-me assegurar-lhe que minha audição é perfeita.

— Então, por que está agindo como se não tivesse escutado eu lhe dizer que estarei a seu lado em cada etapa do caminho até o dia dos casamentos? Na verdade, estarei a seu lado a cada minuto do dia em que estiver acordada.

— A cada minuto em que eu estiver acordada? — Shelley engoliu em seco.

— Sim.

Ela respirou fundo e, então, começou a escrever no bloco. Wayne esticou o pescoço para ver o que escrevera. Leu em voz alta:

— "Lembrete: passar mais tempo dormindo". Soltou um riso.

Shelley conteve-se o máximo que pôde, mas a total falta de antagonismo na expressão dele a fez ceder. Abriu um sorriso... relutante.

— Sabe, sem querer ofendê-la, você é mesmo um osso duro de roer às

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vezes.

— Oh! — Ninguém nunca dissera aquilo a ela frente a frente antes. Para sua surpresa, tal franqueza não lhe pareceu tão ameaçadora quanto teria imaginado. Era improvável que um homem tão direto em relação às coisas quisesse fazê-la de tola. — Um osso duro de roer? E mesmo?

— Sim, exato. — Ele tocou-lhe a mão em cima da mesa e correu os dedos em torno do pulso dela. — Se bem que, tenho que lhe dizer que, olhando daqui, até que sua ossatura parece bem delicada.

Ela baixou o olhar para a mão forte em seu pulso. Ele poderia sentir quanto estava acelerado? Perceberia quanto seu toque a afetava?

Wayne ergueu a mão devagar e tocou-lhe a face, seu olhar intenso.

— Aposto que muitos homens acabam achando seu jeito... intimidante.

— Eu... não sei muito sobre os homens, sr. Perry. — Shelley queria afastar-se dele. Não, no fundo, não queria, mas sabia que tinha que fazê-lo o quanto antes.

— Confie em mim.

Ela esquivou-se abruptamente daquele toque.-.

— Confiar em você? Em que sentido?

— Confie em mim quando lhe digo que sei que muitos homens perdem o interesse perante a idéia de trabalharem com uma mulher forte e capaz, mas tão... inflexível. Não eu, é claro.

— Eu lhe responderia à altura, mas isso poderia lhe dar a impressão de que me importo com o que desperta o seu... interesse ou não.

Os lábios dele se curvaram e os olhos azuis cintilaram com sutil ar de divertimento.

— Agora, se pudermos nos concentrar nestas listas que preparei, será...

— Você é um desafio. Alguém já lhe disse isso?

— Apenas Baxter Davis.

— Não é a mesma coisa. — Wayne sacudiu a cabeça. — Uni homem como aquele não entende um desafio, não quando está relacionado a uma mulher de suas qualidades; não como eu entendo.

Ali estava, pensou ela, a grande encenação através da qual ele tentaria tirar proveito de sua suposta ingenuidade. Seguida, depois de uma resposta seca sua, de um comentário calculado, destinado a desconcertá-la. Passara por aquilo tantas vezes que nem sequer se aborrecia mais.

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— O que o torna um especialista em entender mulheres com as "minhas qualidades", sr. Perry?

— O fato de eu já ter conhecido muitas pessoas que lamentavelmente são desprovidas das coisas que passei a admirar em você.

— Admirar-me? Você? A única coisa que já notei você admirando em mim foi a minha... digamos... retaguarda. — Ela baixou o olhar.

— E você tem uma "retaguarda" muito bonita também. — Ele inclinou a cabeça e lançou um olhar para a parte do corpo dela a que se referiam. — Digna da admiração de qualquer homem.

Shelley mexeu-se na cadeira, encabulada.

— Contudo, não era disso que eu estava falando.

— Sei.

— Eu estava falando das suas qualidades em termos de caráter. Responsabilidade, lealdade, disciplina.

— Essas mal parecem ser as coisas que importam a um homem que usa gravatas com estampas de desenhos animados. Que só se dispõe a trabalhar num projeto importante quando falta menos de uma semana para o evento acontecer. Ou que mente a uma garçonete sobre nosso suposto casamento, deixando que eu esclareça as coisas depois que ele tiver ido embora.

— Em outras palavras, você acha que estou me esquivando de minhas responsabilidades, certo?

— Isso já foi feito antes.

— Não por mim. Não sou do tipo que age dessa maneira.

— Eu gostaria de aceitar sua palavra quanto a isso, mas...

— Não terá que se contentar só com a minha palavra. Vou passar esta semana provando isso a você.

Shelley pareceu não ter nada a dizer em resposta. Se fosse uma gata, poderia ter mostrado as garras. Mas apenas permaneceu sentada ali, os lábios cheios ligeiramente entreabertos, os olhos verdes intensos.

— Posso interpretar seu silêncio como um consentimento ao meu anúncio de ficar por perto a semana toda?

— É claro que não!

— Por que não?

— Por que não o quê?

— Não faça seus jogos comigo. Por que está recusando minha ajuda? —

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Wayne sempre ia diretamente ao centro da questão e aquilo era o que mais queria entender em relação a Shelley Harriman. Por que o tratava com tanta frieza? O que a fazia agir daquela maneira e como ele poderia criar alguma ponte de ligação com a mulher que existia por baixo da fachada de severidade? Duvidava que conseguiria extrair alguma coisa dela sem um pouco de persuasão e muito tato.

— Não recusei sua ajuda. Sei que sua colaboração é necessária para o êxito desses casamentos... necessária em Woodbridge.

— Por que não quer que eu fique aqui para ajudá-la? — Pelo canto do olho, Wayne notou que a garçonete se aproximava e fez uma breve pausa para que suas palavras seguintes coincidissem com a chegada dela. —Você parecia bastante... ávida por isso quando entrei no seu escritório hoje.

Sentindo que suas faces queimavam, Shelley fuzilou-o com o olhar.

— Se não estivéssemos num local público, eu poderia fazer algo de que me arrependeria em seguida.

— É mesmo? Como o quê? — Ele cruzou os braços. — Deixaria essa sua fachada austera desmanchar-se um pouco? Daria uma pequena mostra do fogo e da paixão da verdadeira mulher que se esconde abaixo da superfície? Vá em frente. Faça isso. Eu gostaria de ver. E tenho certeza de que Tammy aqui não se importará se você soltar os cabelos por alguns minutos, não é, Tammy?

A garçonete sorriu-lhe acima dos dois pratos fumegantes em suas mãos.

— Não, nem um pouco. Gostamos de pensar neste como o tipo de lugar onde as pessoas podem ser elas mesmas.

— Viu, Shelley? Por que não se permite ser você mesma? Faça o que esteve ansiosa por fazer desde que ficou ensaiando o que me diria ao telefone... fale-me tudo o que pensa.

— Pois sou muito bem capaz de fazer isso. Apenas não quero. Não pense você que me intimida de algum modo, que vou me meter na toca, assustada, feito um... um...

— Coelho? — Tammy estendeu um dos pratos na direção de Shelley.

Wayne disse a si mesmo para não se esquecer de dar uma gorjeta extra à garçonete por ter escolhido o momento perfeito para se manifestar. Duvidava que Shelley iria ser tão generosa.

— Tome cuidado, sim, srta. Harriman. — Tammy pousou o prato com guisado de coelho e legumes diante de Shelley. — Não deixe cair nenhuma gordura nesses seus planos de casamento.

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— Na verdade, Tammy — disse Wayne — eu só estava gracejando um pouco com você. Estamos planejando a festa de aniversário de casamento de uns amigos, não o nosso casamento. — Ainda enquanto falava com a garçonete, o olhar dele encontrou o de Shelley.

— Ah, que pena. — Tammy piscou-lhe um olho, como se quisesse dizer que não lamentava tanto o fato, e serviu-lhe o prato de bolo de carne e purê de batatas. — Vocês dois formam um par tão bonito. Mais alguma coisa?

— Não, obrigado.

— Bem, se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, basta me chamar.

— Farei isso, mas duvido que a srta. Harriman se atreva. Tammy riu e afastou-se.

Shelley respirou fundo e começou a espetar pedacinhos de legumes em seu prato com o garfo.

— Aposto que é a mim que você gostaria de estar espetando. Ela não disse nada.

— Hum. — Wayne olhou para a grossa fatia de bolo de carne mergulhada em molho de tomate com bacon em seu prato. — Moderada e, ainda assim, não recomendada aos fracos de coração.

— Está se referindo à comida ou à companhia? Ele soltou um suspiro.

— Está certo. Acho que não há mal em verificarmos a sua lista de coisas a fazer enquanto almoçamos. Isso certamente não me roubará o prazer de degustar estas iguarias.

— Excelente. — Shelley apanhou o bloco de anotações sem hesitar, seu nariz perfeito erguido apenas o suficiente para demonstrar a satisfação em ter conseguido as coisas à sua maneira, mas não um ar de superioridade. — Como eu disse antes, se dividirmos estas tarefas e as acompanharmos indi-vidualmente, acho que alcançaremos os melhores resultados num mínimo de tempo.

— Esqueci de acrescentar "tenacidade de mula empacada" à sua coleção de atributos. — Ele atirou seu guardanapo na mesa. — Leia a lista.

— Está certo. Primeiro, temos, que buscar os vestidos das noivas no ateliê. Já mantive contato com os assistentes do estilista contratado e, portanto, essa incumbência caberá a mim. — Shelley anotou seu nome ao lado do item da lista.

— Como um homem que sei apreciar a aparência de uma mulher em suas roupas, talvez eu deva acompanhar isso de perto também e...

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— Não seja tolo.

— Eu não estava sendo tolo. — Ele afastou o prato para o lado com a comida intocada. — Acho que, como alguém que conhece ambas as mulheres homenageadas no evento muito melhor do que você, minha opinião acerca dos vestidos seria de alguma valia.

— Oh, por favor. Alguma vez já escolheu um vestido de noiva? Entende de tecidos, modelos e formas?

— Não, nunca escolhi um vestido de noiva. Não entendo nada de tecidos e modelos, mas garanto-lhe que estou bastante familiarizado com as formas femininas.

— Aposto que sim.

— Acho que entendo o bastante do assunto para ajudar a decidir se o estilista fez um bom trabalho, se os vestidos serão adequados para o tipo de cerimônia escolhido, se terão bom caimento.

— Como se você já tivesse usado um vestido de noiva...

— E você já usou? — perguntou ele com gentileza, sem o menor traço de zombaria ou desdém em seu tom.

Shelley engoliu em seco. Levou a mão ao coque, depois à gola da blusa e, enfim, ocupou-se ajeitando longamente o guardanapo em seu colo.

Wayne inclinou-se para a frente, cotovelos apoiados na mesa, no aguardo de uma resposta.

— Vejamos... — Ela desviou a atenção para seu bloco de anotações. — Telefonemas aos convidados que ainda não confirmaram sua presença na festa, para nos certificarmos que os convites que lhes enviamos ou suas respostas com a confirmação não se extraviaram no correio. Verificar a decoração do salão de festas. Buscar as passagens na agência de viagens. Confirmar com a irmã do sr. Taylor e da sra. Winstead se poderá tomar conta das crianças durante a segunda lua-de-mel dos casais.

— Shelley?

— Eu — disse ela, fazendo uma anotação ao lado de um item e depois de outros. — Eu. Eu. Eu.

— Está fazendo algum tipo novo de aquecimento de voz antes de entrar no refrão da canção que vai cantar durante a cerimônia?

— Não vou cantar na cerimônia.

— Ora, e por que não? — Ele soltou um riso. — Parece que você planeja fazer tudo exceto realizar os casamentos no lugar do pastor.

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Shelley folheou o bloco de anotações ao qual estivera grudada quase o tempo todo como se fosse uma tábua de salvação.

— Acontece que preparei uma lista de coisas para você fazer também. E por isso que eu pretendia ligar para você hoje para marcarmos uma nova reunião, a fim de passar-lhe suas incumbências. — Arrancando a segunda folha do bloco, entregou-a a ele sem mais comentários.

Wayne fitou-a nos olhos por um longo momento e, somente, então, desviou a atenção para a folha de papel que segurava.

— São tarefas bastante corriqueiras — disse, enfim.

— De fato. Mas, levando em conta sua atitude quase indiferente a cada vez que falamos sobre esse evento, achei que eu teria que enumerar toda e qualquer tarefa. Espero que resolva tudo isso em Woodbridge.

Ela queria vê-lo longe e quanto antes. Por que aquilo só aumentava a vontade dele de ficar? Era apenas por causa do desafio? Ou havia mais em questão ali?

— Você não gosta mesmo de perder tempo, eu lhe digo.

— E eu lhe digo que ocupará quase todo o seu tempo só para cuidar dessa lista, sr. Perry. É melhor não negligenciá-la.

— Acha mesmo?

— Tenho certeza.

— Bem, vejamos item por item desta lista que você preparou, então. — Wayne baixou o olhar para a folha de papel que segurava. — Hum. Já fiz isto.

— O quê?

— Reservei a igreja e confirmei. Fiz isso tão logo foi definida a data para a festa. — Wayne apanhou uma elegante caneta do bolso interno do paletó e riscou o primeiro item da lista. — Já aluguei o salão de festas também, o VFW. É o único lugar da cidade grande o bastante para comportar todo mundo.

— Bem, a esta altura, esperei que já tivesse feito isso mesmo, mas...

Ele riscou o item seguinte e continuou lendo a lista.

— Já fiz isto. E isto... E isto aqui também. — Quando só restava o último dos vários itens, ele separou-o dos demais, rasgando do papel uma pequena tira. Amassou o restante da folha com os itens já eliminados e atirou-a num cesto de lixo próximo à porta. — Pronto. Esta última tarefa só poderei fazer na véspera da festa — declarou, guardando a tira de papel no bolso.

— Está brincando. Você já fez tudo isso?

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— Sim, como vê, eu já cumpri as tarefas da minha lista. Agora, talvez você me deixe ajudá-la com as suas.

— Já lhe disse que não preciso de...

— Proteção, ajuda, nem consolo. Eu sei. — Ele percorreu-a com um olhar demorado. — É uma pena que você se sinta assim.

— Por quê?

— Porque vou lhe dar tudo isso, quer você queira ou não.

— Vai? — Shelley umedeceu os lábios, tocou o cabelo, piscou. Wayne recostou-se na cadeira. Afrouxou o nó da gravata, apenas o bastante para completar seu ar de descontração e autoconfiança. Observou-a com um olhar tão intenso que quase podia ver o calor que irradiava penetrando lentamente pela fria reserva dela.

Shelley endireitou os ombros, a espinha rígida nem sequer tocando o encosto da cadeira, o queixo erguido.

— Sr. Perry, parece bastante óbvio que não fomos feitos para trabalhar juntos. O seu estilo e o meu são completamente diferentes.

— Essa é a mesma mulher que fazia de conta que ia me passar um sermão daqueles ao telefone nesta manhã por não estar tendo uma participação tão grande no planejamento desse evento? Quando a ouvi naquele momento, você certamente me soou como uma mulher precisando de...

— As minhas necessidades estão sendo perfeitamente atendidas, obrigada. A única coisa que preciso de você é um pouco de cooperação, nada mais.

Ela se perguntou se resolvera enfrentar algo além de sua capacidade, se era digna da tarefa à sua frente. Poderia realizá-la? Ou fracassaria e perderia tudo?

As palavras da história que Shelley criara na primeira vez em que a vira voltaram à lembrança dele enquanto a observava.

— Na verdade, a única coisa que aceitarei de sua parte agora, sr. Perry, é a garantia de que atenderá meus telefonemas e fará o trabalho que lhe foi designado.

Mas o que a princesa poderia fazer? Não havia ninguém mais para enfrentar o temível monstro senão ela.

— Oh, e esteja preparado para quaisquer detalhes de último minuto que possam surgir e exigir sua atenção mais ao final da semana quando eu chegar

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em Indiana e...

— Quem fez isso a você? — Fitando-a com ar perceptivo, Wayne falou num tom gentil, mas ela o observou como se tivesse acabado de esbofeteá-la.

— Eu... eu não sei do que está falando. — O medo em seus olhos a traía, deixando claro que sabia exatamente do que se tratava.

— Quem a desiludiu tanto a ponto de você achar que precisa manter suas defesas de prontidão o tempo todo? Que tem que fazer um cavalo de batalha por causa de cada assunto, não importando quanto seja pequeno ou insignificante?

— Nada pode ser menosprezado. Cuide das pequenas coisas e as grandes...

— Acabarão com você como aquele dragão da história que você contou às gêmeas.

Ela apertou os lábios.

— Pode acreditar em mim quanto a isso. Já vi acontecendo.

— Por que veio até Chicago hoje, sr. Perry?

— Eu vim porque... — Wayne lembrou-se de sua determinação em deixá-la encantada. De como quisera impressionar aquela mulher, dona de uma inteligência implacável, corpo irresistível e inclinação para olhares mortíferos. E, de repente, aqueles motivos caíram na insignificância, pareceram mesquinhos. Olhou para as próprias mãos sobre a mesa è, enfim, deu de ombros. — Achei que você precisava de mim. Ainda acho.

— Só preciso que faça aquilo a que se propôs. Nem mais, nem menos.

Mas Wayne queria fazer mais por ela. Queria dizer mais.

— Sabe, quem quer que tenha sido ele, eu...

— Quem?

— O sujeito que magoou tanto você. Shelley baixou o olhar.

— Quem quer que tenha sido o sujeito, quero que você saiba que o acho um canalha.

— Sr. Perry, isso não tem nada a ver com nós dois e o trabalho que temos a fazer antes da festa.

— Certo.

— Bem, eu tenho a minha lista. E você tem... — Ela meneou a cabeça, indicando o bolso onde o vira guardando a- tira de papel. — ...o que restou da sua.

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— Sim.

— Acho que, com isso, deixamos tudo perfeitamente encaminhado até que eu vá a Woodbridge. — Shelley meneou a cabeça com ar de eficiência e levantou-se, apanhando o papel com a conta que a garçonete deixara discretamente sob o porta-guardanapos depois de tê-los servido. — Telefonarei para você quando eu tiver chegado à sua cidade. Nesse meio tempo, tenho muito trabalho a fazer.

Wayne não se levantou. Achou que, se o fizesse, seu gesto poderia fazer com que a mulher fugisse feito uma lebre assustada.

— Espero vê-la muito em breve.

— Na quinta-feira. — Ela estendeu a mão como se ansiasse por encerrar o encontro.

Wayne sacudiu a cabeça.

— Vá sonhando.

— O quê?

— Eu disse vá sonhando, pois a verei em seus sonhos. — Wayne pegou-lhe a mão, envolvendo-a com o calor da sua, e fitou-a com um brilho sugestivo nos olhos azuis. — Você ainda se lembra de como sonhar, não é, srta. Harriman?

O rubor que se espalhou pelas faces dela disse que sim. Aquilo o fez perguntar-se que tipos de sonhos Shelley desfrutava quando o sono chegava e se permitia baixar a guarda.

— Vejo você na quinta-feira — disse ela apressadamente. Libertou a mão e, então, virou-se, quase tropeçando numa cadeira vazia junto à mesa ao lado. — Oh, lamento.

Foi o pedido de desculpas mais sincero que Wayne ouviu um ser humano dirigindo a uma peça de mobília. Não pôde conter um sorriso por causa daquilo enquanto a observava rumando até o caixa do restaurante, deixando algumas cédulas no balcão e dirigindo-se à saída.

Ele não conseguira deixá-la encantada com sua pessoa, como pretendera, tinha que admitir a si mesmo. Mas ela certamente o afetara de uma maneira que ainda fugia à sua compreensão. E não iria deixar Chicago para trás, nem Shelley, enquanto não compreendesse aquilo.

CAPÍTULO IV

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Shelley hesitou por apenas um instante do lado de fora do ateliê de noivas de preços exorbitantes que seu chefe escolhera para confeccionar os vestidos para o grande dia. Todas as coisas relacionadas a casamento deixavam-na aborrecida, exasperada, e não sem motivo. Sempre se lembraria da traição do ex-noivo, do fatídico momento em que o apanhara com outra, no exato dia em que teria sido realizado o casamento de ambos.

Ela respirou fundo, procurando se acalmar e disse a si mesma para apreciar o cheiro da chuva recente de junho nas calçadas de Chicago. Tudo ficaria bem. Pegaria os vestidos e prosseguiria com seu trabalho, com a concentração e a eficiência de costume.

Um discreto sino tocou quando entrou no ateliê, no qual nunca estivera antes. Escolhera os modelos dos vestidos numa reunião com o próprio estilista e um assistente em seu escritório, luxo que certamente seu patrão pudera pagar.

A jovem que estava sozinha na recepção decorada como uma elegante sala de estar saiu detrás do sofisticado balcão de vidro e adiantou-se para atendê-la. Percorreu-a de alto a baixo com o tipo de olhar esnobe que já se tornara uma arte em lugares exclusivos como aquele.

Shelley passava os dias em seu trabalho lidando com pessoas que possuíam mais dinheiro do que alguns países pequenos. Esnobismo não a impressionava, nem intimidava. Ainda assim, sabia que não parecia, ao primeiro olhar, com o tipo de mulher que freqüentava um ateliê daqueles.

Lançou um rápido olhar ao seu reflexo no imenso espelho de moldura dourada que adornava uma parede. A blusa simples de seda que usava não saíra da cintura da calça em sinal de desleixo, não havia papel higiênico grudado em seus sapatos, e os cabelos estavam devidamente presos no prático coque.

— Posso ajudá-la? — O tom da mulher era o de quem duvidava muito que pudesse.

— Vim buscar os vestidos de noiva que foram feitos para Rebecca Winstead e Danielle Taylor.

— Os vestidos... de quem?

— Na verdade, ambos devem estar em nome do sr. Clark Winstead... é para onde a conta será enviada.

— Entendo. — A funcionária do ateliê olhou por sobre o ombro na direção da cortina clara e adamascada que devia conduzir às salas de provas.

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Shelley também olhou para a cortina, mas aquilo não lhe deu nenhuma resposta. Respirou fundo discretamente, esperando não deixar transparecer a súbita preocupação.

— Há algum problema com os vestidos?

— Não, eu... Poderia me desculpar por um instante? — A mulher deu um passo atrás enquanto falava, como se não ousasse dar as costas a alguém de ar decidido como ela. — Preciso ir chamar a gerente.

— Está certo. Ficarei à espera. — O que mais tinha a fazer, afinal? Apenas cumprir a sua lista inteira de obrigações sozinha, pensou Shelley. — Mas, por favor, tente se apressar. Qualquer demora longa e desnecessária fará com que eu me atrase para outros compromissos.

— Eu entendo. Talvez, se sua agenda está tão apertada, você devesse...

— Não preciso de nenhuma ajuda, obrigada.

— Eu ia sugerir que você voltasse mais tarde. Tenho a impressão de que talvez isto leve algum tempo para ser resolvido.

— Mas o que ainda há para resolver? — perguntou Shelley, mas a mulher já desaparecera pela luxuosa cortina que dividia a recepção do restante do ateliê. Ótimo! Aquele dia já não tivera um começo dos melhores e continuava não parecendo muito promissor.

Esfregou os olhos cansados, desejando ter conseguido dormir mais na noite anterior. Ou, ao menos, que as poucas horas de sono que tivera houvessem sido mais... repousantes. Seu pulso se acelerou com a lembrança dos sonhos que a haviam atormentado durante a noite e do homem que os provocara.

Wayne não a seguira na saída do restaurante, não lhe telefonara, nem aparecera em seu escritório depois do encontro de ambos no dia anterior. Nem tampouco a contactara em casa. Não que ela tivesse ficado ao lado do telefone esperando sua ligação, ou algo assim. Sempre ficava em casa nas noites de segunda-feira. E, em outras ocasiões, já tirara o fone do gancho algumas vezes só para confirmar se havia linha, se não houvera algum problema externo que a deixara temporariamente sem telefone. Aquilo indicava prudência e sensatez, justificou, mesmo enquanto suas faces coravam.

Fechou os olhos com força, como se o gesto pudesse fazê-la fugir do constrangimento gerado pelas tolas reações a um homem que não tinha o menor significado em sua vida. Um a quem só veria mais uma vez ou duas antes que ele voltasse para um mundo que devia ser bem diferente do seu.

Ela passaria aquele dia fora, resolvendo assuntos relacionados aos

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casamentos e, portanto, mesmo que Wayne Perry não houvesse retornado a Woodbridge, não teria como encontrá-la. Da maneira como especificara, só tornaria a vê-lo na quinta-feira. A não ser que tivesse mais um daqueles sonhos.

— Ora, ora, ora. — Argolas de latão tilintaram de encontro ao varão de metal enquanto a grande cortina adamascada era aberta num gesto teatral. Ali surgia Wayne Perry, um sorriso malicioso no rosto, os intensos olhos azuis fixos nela. — Já era tempo de você ter resolvido aparecer.

— O que está fazendo aqui, Wayne? Quero dizer, senhor...

— Prefiro que me chame de Wayne, obrigado. — Ele estendeu uma mão com ar galante. — Afinal, estaremos trabalhando bem próximos e não há necessidade de sermos, formais.

— Receio que isto seja um tanto inusitado. — Uma outra mulher, esguia e de cabelos grisalhos apareceu, passando ao lado do homem de camiseta preta e justa, calça esportiva caqui e tênis. — Mas o sr. Perry veio buscar os vestidos meia hora atrás. Mostrou-nos suas credenciais como o sócio do sr. Taylor e, assim, nós lhe apresentamos os vestidos. Ele os aprovou e minha assistente vai preparar os pacotes para serem levados.

— Está tudo bem, Helen. — Ele lançou à mulher uma piscadela e um sorriso irresistível que pareceram fazê-la rejuvenescer vários anos. — Eu estava esperando que a senhorita... isto é, que Shelley aparecesse para me ajudar.

— Parece que cheguei um pouco tarde para isso. — Ela cruzou os braços.

— Na verdade, você chegou bem a tempo. — Wayne aproximou-se e tornou a lhe estender a mão.

— Mas a gerente disse que você já me passou a perna com a sua condição de sócio e melhor amigo do sr. Taylor — disse Shelley num tom baixo. Queria recuar alguns passos, talvez correr até a saída, mas aquele olhar hipnótico parecia aprisioná-la no lugar. — Você aprovou os vestidos e já podemos levá-los. Não há mais nada para eu fazer aqui.

— Engano seu. Resta um detalhe importante do qual você parece ter se esquecido.

— Duvido muito — declarou ela, confiante. — Conversei pessoalmente com o estilista e combinamos cada detalhe dos vestidos das noivas, desde os tecidos até os modelos, incluindo os acessórios.

Wayne estava bem próximo agora e pousou a mão nas costas dela.

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— Mas as amáveis damas do ateliê me informaram que você se esqueceu de um dos detalhes mais tradicionais de todo o traje... o véu da noiva.

— Eu não me esqueci disso. Véus são para as vir...

Os olhos de Wayne brilharam com a promessa de se divertir muito quando a ouvisse colocando em palavras a ultrapassada idéia.

Pensando depressa, ela completou a frase de uma maneira diferente:

— ...para o primeiro casamento. É o mais adequado.

— Esse será o primeiro casamento de cada uma na igreja. Ela fuzilou-o com o olhar, consciente, ao mesmo tempo, do

calor daquela mão em suas costas, do desconcertante arrepio que lhe subiu pela espinha. Tentou se esquivar do toque:

— E, embora ninguém me tenha confirmado isso direta-mente, o fato é que cresci numa cidade pequena com ambas as damas que vão se casar. — Wayne foi conduzindo-a devagar pela recepção até um canto mais tranqüilo, inclinando-se e baixando mais a voz, criando um clima de especial intimidade.

— E aposto que no dia em que se casaram no cartório, ambas eram vir... quero dizer, ambas teriam merecido a honra de usar um véu. — Fitando-a nos olhos, curvou os lábios com ar divertido. — Sei que está me entendendo.

— Está certo. Arranje véus. Você aprovou os vestidos do estilista. Por que não vai um pouco mais longe e escolhe os véus que elas deverão usar também? — Shelley virou-se na direção da porta.

— Não vá tão depressa. — Ele segurou-a pelo braço. — Matt e Clark tiveram grande ajuda na escolha dos vestidos das esposas, mas você não pode esperar que eu decida sozinho corno devem ser os véus. Não é algo da minha alçada, se é que me entende.

— E ontem você deixou bem claro que acha que não é dá minha também.

— Eu? Quando?

— Quando me perguntou se eu já havia usado um vestido de noiva.

— Ah, sim, mas eu só estava tentando descobrir alguma coisa a seu respeito. Tenho culpa se você me deixa tão... curioso?

Shelley esforçou-se para não estremecer com o toque sedutor e sugestivo nas palavras dele, como se tivesse desejado completar a frase de outra maneira. Esperou que sua resposta o deixasse satisfeito e o fizesse esquecer o assunto:

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— Sim, já usei um vestido de noiva. Pronto! Agora você já sabe.

— Não se exalte. Posso ver em seus olhos quanto lhe custou falar sobre seu vestido de noiva. Não é o tipo de assunto pessoal sobre o qual eu ficaria especulando.

— Não? — Ela podia mesmo acreditar em seus ouvidos?

— Vamos escolher os véus. — Wayne meneou a cabeça na direção da cortina aberta.

A mulher a quem chamara de Helen adiantou-se na frente de ambos, dizendo algo sobre já ter selecionado três ou quatro véus que combinavam com cada vestido. Lamentou o fato de o estilista ter se ausentado naquele dia e não poder assessorá-los, mas garantiu-lhes que poderia orientá-los igualmente bem.

Shelley não ouviu os detalhes exatos das explicações da mulher. Tinha a mente e os olhos voltados para Wayne enquanto a conduzia à sala ao lado. Talvez tivesse encontrado um homem em quem podia... Confiar era uma palavra forte demais. Um homem com quem podia compartilhar de algo. Podia compartilhar um pouco de tempo com ele sem ter que se preocupar constantemente se acabaria por magoá-la ou humilhá-la.

Helen, a gerente do ateliê, e Tiffany, sua assistente, saltitavam de lá para cá entre portas e salas encortinadas reunindo os vestidos de noiva e os véus. Nesse meio tempo, Wayne conduziu Shelley por um corredor até o lugar onde os vestidos tinham-lhe sido mostrados antes. Quando ele fez um comen-tário espirituoso, num tom baixo de voz, sobre o pomposo ateliê, ela soltou um riso, mas tentou encobri-lo.

Wayne ficou satisfeito de qualquer modo. Penetrar pela fachada estóica de Shelley, ainda que apenas um pouco, agradava-o mais do que o olhar de adoração de qualquer mulher que já tivesse tido o prazer de conhecer.

— Gosto quando você ri. Queria vê-la fazendo isso com mais freqüência.

— Eu não estava rindo — declarou ela, desviando o olhar. — Eu estava apenas com algo... preso na garganta.

— Sim, eu sei. Um risinho.

— Deixe-me assegurar-lhe, sr. Perry, de que nunca fico soltando risinhos tolos. — Shelley virou-se abruptamente para tornar a fitá-lo, os olhos verdes faiscando, os lábios ainda entreabertos.

Beije-a. Se tivesse sido outra mulher parada a seu lado, ele não teria hesitado em seguir seu poderoso impulso, mas não com Shelley. Sentia-se protetor demais em relação a ela. Respeitava-a e admirava-a demais. Ansiava

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por estreitá-la em seus braços e beijá-la até deixá-la sem fôlego e desmanchar-lhe aquele coque austero. Mas sabia que, se o fizesse, ela reforçaria suas defesas ainda mais, de tal maneira que nunca mais o deixaria chegar perto o suficiente para tentar outra vez.

— Bem, é uma pena que não costume rir.

— E por quê?

Wayne observou-lhe os lábios cheios por um longo momento, ainda se esforçando para reprimir seu desejo de beijá-la. Fitou-a nos olhos, então, respondendo:

— Porque eu acredito que um riso partilhado pode ser uma das maiores intimidades entre um homem e uma mulher.

Ela arqueou as sobrancelhas com ar surpreso, mas logo se recobrou e endireitou os ombros.

— Acho que tive uma experiência completamente diferente com o amor e o riso das que você já teve.

A ponta de tristeza naqueles olhos verdes fez com que Wayne ansiasse por lhe pedir que explicasse aquilo melhor, mas a maneira como a viu apertar os lábios e erguer o queixo disse-lhe que não adiantaria.

— Acompanhe-me. — Ele tocou-lhe o ombro para guiá-la e sentiu-lhe os músculos tensos. — Pedi a elas que deixassem os vestidos pendurados para que você possa ver como ficarão com os véus.

Conduziu-a a uma grande sala de paredes repletas de espelhos. Havia uma plataforma circular no centro. A decoração era um tanto afetada, desde o carpete espesso e claro até a mobília de revestimentos acetinados, incluindo duas cadeiras ao estilo de tronos.

Wayne indicou a Shelley que ocupasse uma das cadeiras, notando que, mesmo em suas roupas simples, ela parecia uma rainha ali. Em vez de sentar-se a seu lado, ele acomodou-se num sofá um pouco atrás da cadeira. Daquela maneira, poderia observar o rosto dela pelo espelho e não perder nenhuma nuança de suas reações a tudo que fosse dito ou feito.

O porquê de lhe importar como Shelley parecesse, ou qual poderia ser sua reação em qualquer situação, fora algo que o mantivera acordado durante metade da noite. Fizera a viagem a Chicago num esforço sincero para oferecer ajuda e para tentar usar um pouco de seu charme com a mulher que achava tão interessante. Não tivera grandes expectativas. Só esperara partilhar de alguns risos e retornar com a certeza de que alguém que via como um ser humano realmente decente pensava o mesmo a seu respeito.

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Mas, em algum ponto entre o momento em que a vira debruçada sobre a gaveta, propiciando um ângulo incrível de seu corpo escultural, e aquele em que a fitara nos olhos, quando ela lhe dissera para voltar a Indiana e deixara o restaurante, uma mudança sutil acontecera. Da vontade de deixá-la encan-tada, passara a sentir a necessidade de ajudá-la a se libertar de seu passado e inseguranças. O porquê de querer se incumbir de tarefa tão monumental fugia à sua compreensão no momento, especialmente por estar sentado num ateliê de noivas com Shelley, sua postura rígida, os olhos verdes cautelosos, mas brilhando em expectativa.

— Nós fizemos uma seleção criteriosa e separamos dois véus por vestido, mas o sr. Perry opinou por uma terceira opção também. — Helen aproximou-se, com tule branco e fitas esvoaçando em cada mão.

Sem ó menor sinal de indecisão em seu olhar ou postura, Shelley deu mais uma mostra de sua inabalável eficiência e apontou para o primeiro véu e, depois, para o outro.

— Escolho esses dois.

— Mas já? — interveio Wayne. — Você nem sequer viu aquele que escolhi.

— Estes são os dois que recomendei em primeiro lugar, sr. Perry. — Helen entregou-os à assistente, que se afastou, e, então, virou-se para Shelley. — Tem excelente gosto, querida.

— Obrigada. — Ela se levantou. — Se puderem separar o que vamos levar, nós já...

— Não tão depressa.

Ambas se viraram para Wayne como se tivessem se esquecido por completo de sua presença... algo a que não estava acostumado.

— Minha filosofia pessoal é que não se pode tomar uma boa decisão até que se tenha experimentado todas as opções. É por isso que não me casei... ainda.

— Continue dizendo a si mesmo que esse é o motivo. — Um sorriso malicioso surgiu nos lábios de Shelley.

— Você não vai me deixar levar a melhor nunca, não é mesmo? — riu ele.

Ela absteve-se de comentário.

— Está certo, mas, ao menos, finja considerar a minha escolha de véus antes de ignorá-la por completo. É tudo o que peço. — Ele pegou-a pela mão e virou-a apenas o bastante para deixá-la de frente para as camadas de tule

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bordadas, que Helen chamara de contas de cristal, encimadas por uma delicada coroa de pedrarias, que explicara tratar-se da famosa grinalda.

Shelley estava boquiaberta, e ele teve certeza de que conseguira encantá-la ao menos um pouco.

— É tão...

Wayne tentou aparentar modéstia.

— Tão...

Ele meteu as mãos nos bolsos das calças e baixou a cabeça, esforçando-se para esconder um grande sorriso de satisfação.

— Tão... — Shelley aproximou-se mais do suporte que ostentava o véu, observou-o por mais um momento e, então, virou-se para fitá-lo. — Tão errado.

— O quê?

— É completamente errado!

— Errado? — Wayne alternou um olhar confuso entre Shelley e a gerente do ateliê antes de tornar a fitá-la.

— Acho que vou deixá-los conversar em particular. — Helen retirou-se tão depressa que pareceu fazê-lo num passe de mágica.

— Não há nada sobre o que conversarmos. Esse tipo de véu simplesmente não serve. — Shelley olhou para o lugar onde a gerente estivera segundos antes e, então, piscou em surpresa.

— Não serve? — Wayne cruzou os braços. — E posso saber por quê?

— É exagerado, rebuscado demais. Parece algo que uma garotinha usaria para brincar de princesa.

— E qual o problema nisso?

— É inadequado. Você não pode ver?

— Não, não posso. O que vejo é...

Por um momento fugaz, o que Wayne viu em sua imaginação foi Shelley, entrando na igreja de sua cidade natal num longo vestido branco e usando aquele véu. Seu estômago se contraiu como o de um homem que tivesse saltado de um avião sem a certeza de que o pára-quedas abriria. Engoliu em seco para afastar a sensação e apontou para o véu cintilante.

— O que vejo é algo que representa fantasia. Não é disso que se tratam esses eventos, afinal?

— Acredito que o casamento seja bem mais do que isso — respondeu ela secamente —, mas...

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— Por que não o experimenta?

— Experimentar... O quê?

— Q véu. Não pode tomar uma decisão apenas vendo-o pendurado aí feito uma velha cortina de banheiro.

— Um minuto atrás o véu representava fantasia e agora parece uma cortina de banheiro?

— Só tentei citar algo com o que você o associaria facilmente. — Ele ergueu o véu com cuidado de seu suporte, segurando-o pela coroa de pedrarias. — Você parece ser o tipo de garota que toma banho a toda hora.

— Você sabe mesmo galantear. Posso plagiá-lo se eu resolver colocar um anúncio pessoal no jornal? "Mulher solteira, que não ri, é um osso duro de roer e toma banho a toda hora".

— Experimente o véu. — Ele ergueu-o, tentando convencê-la. Estava certo a respeito daquilo e sabia. Mais especificamente queria vê-la admitindo que sabia também. — Uma vez que o vir em você, concordará comigo. Não poderia haver véu mais perfeito para uma noiva.

— Eu não acho.

Wayne moveu um pouco o véu para fazer com que o tule esvoaçasse de leve e as contas de cristal e a grinalda cintilassem sob a luz.

— Você sabe que quer experimentá-lo. Toda mulher quer usar um destes ao menos uma vez na vida.

— Eu lhe diria quanto esse seu comentário é machista em muitos aspectos, mas acho que você só entenderia se eu reforçasse minha explicação com desenhos na parede da sua caverna! — Ela virou-se depressa, fazendo menção de se afastar.

Wayne, porém, foi ainda mais rápido e, antecipando-lhe o gesto, conseguiu colocar-lhe o véu na cabeça.

— Pronto. — Afastou as mãos, tomando o cuidado de não danificar o véu e, então, deu um passo atrás, encontrando-lhe o olhar no espelho diante de ambos.

O que viu na expressão no rosto dela naquele instante foi radiante inocência, ternura e vulnerabilidade. Foi algo que o assustou ao extremo, pois teve grande poder de afetá-lo.

— Hum, sabe de uma coisa? Você tinha razão. Isto foi uma má idéia. — Tinha que tirar-lhe aquele véu sem demora. — E óbvio que essa coisa é absolutamente...

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— É perfeito — sussurrou ela, movendo a cabeça de leve, enquanto estudava seu reflexo no espelho.

— Perfeito? Não! De modo algum. É... é todas aquelas coisas que você falou... hã, exagerado, rebuscado demais e infantil e... e algo sobre uma princesa... — Wayne tornou a olhar para o espelho e observou-a longamente. — E perfeito, não é?

— Sim. Mas é claro que não combina com o modelo de nenhum dos dois vestidos de noiva.

— Não. Acho que não combina.

Shelley meneou a cabeça, um ar desapontado em seus olhos que o fez querer matar dragões por ela, conquistar-lhe mundos, fazê-la sorrir-lhe outra vez.

— Mas fica muito bem em você.

— Fica? — O rubor espalhou-se pelas faces dela. Desviou o olhar.

— Sim. — Wayne inclinou a cabeça para murmurar-lhe ao ouvido num tom brando de provocação: — O véu tem uma coroa, não tem?

Vendo-a ficar tensa, uma reação que não quisera absolutamente despertar, apressou-se a dizer:

— Foi apenas uma brincadeira.

— Pode ter sido, mas eu não sou motivo de piada.

Wayne entreabriu os lábios para lhe dizer que se descontraísse, mas antes lembrou-se que ela ouvira aquele tipo de tolice de homens como Baxter Davis com freqüência demais.

— Nunca tive a intenção de me divertir à sua custa, de maneira alguma. Jamais penso em você como motivo de piada.

Ele viu-lhe a intensidade nos olhos verdes, os lábios cheios tremendo e pôde praticamente ouvir as palavras que ela queria dizer:

Como é que pensa em mim, então?

Wayne não tinha a resposta e nem gostaria de sabê-la. Só haviam se conhecido por causa da festa que haviam planejado juntos. Não tinham quase nada em comum. Nunca mais tornariam a se ver depois dos casamentos. Viviam em estados diferentes do país, tinham estilos de vida diferentes e, suspeitava, a opinião de ambos divergia amplamente sobre a natureza dos relacionamentos entre homens e mulheres. Se duvidasse daquilo, bastava observar a esperança brilhando naqueles olhos verdes enquanto ela o fitava com um véu de noiva -na cabeça.

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Para impedi-la de perguntar algo, ou a si mesmo de continuar pensando no assunto, tinha que agir depressa.

— Ah, o véu ainda tem mais um pequeno detalhe.

— Qual?

Ele ergueu as mãos para lhe mostrar e logo a viu tentando NO esquivar. Cerrou os dentes. Diferenças ou não, a incapacidade dela de confiar no mais inofensivo dos gestos de um homem perturbou-o.

— Está tudo bem — disse-lhe com gentileza, enquanto levava as mãos ao alto do véu e baixava uma fina camada de tule que lhe cobriu o rosto. — Eu queria lhe mostrar isto.

— Oh. — Uma exclamação que continha um misto de alegria e admiração quase infantil escapou dos lábios dela.

— Você se parece exatamente com uma princesa prestes a se casar.

— Acha mesmo?

— Não tenho a menor dúvida. — Wayne aproximou-se mais, dando-se conta de repente de como Shelley era delicada, de quanto era mais frágil fisicamente do que ele. Nunca havia notado antes. Ergueu o véu entre ambos devagar.

Shelley arregalou um pouco os olhos, mas não se esquivou, como esperado.

Ele notara, desde os primeiros telefonemas que haviam trocado, a força interior dela, seu elevado intelecto, a inteligência, o lado passional que mantinha escondido por medo de que alguém visse a verdadeira mulher por baixo da imagem trabalhada.

Quando a conhecera, não pudera deixar de notar as curvas de seu corpo, o tom vibrante de seus cabelos, a beleza de seus olhos, seu sorriso adorável, a pele macia. E, agora, enquanto erguia o véu que lhe cobria o lindo rosto, sentiu-se como se estivesse vendo tudo aquilo junto pela primeira vez.

Baixou a cabeça até que os lábios de ambos quase se tocassem.

— Você se dá conta...

— Do quê? — sussurrou ela.

— De que você...

— Sim?

Wayne afagou-lhe a face e o pescoço, deixando-lhe o rosto numa posição perfeita para beijá-la antes de murmurar:

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— Você está com uma vermelhidão pelo pescoço nada típica de uma princesa, como se estivesse sofrendo de nervosismo pré-nupcial, ou algo assim.

Shelley arregalou os olhos e entreabriu os lábios numa exclamação silenciosa.

Wayne cobriu-lhe os lábios com os seus e beijou-a com mais paixão do que qualquer homem beijaria sua noiva diante de um altar. Totalmente entregue ao beijo e ao momento, não pôde prever o que aconteceria em seguida.

CAPÍTULO V

— Você está com uma vermelhidão pelo pescoço nada típica de uma princesa, como se estivesse sofrendo de nervosismo pré-nupcial, ou algo assim.

Se ao menos Wayne não tivesse rido consigo mesmo quando dissera aquilo. Se não houvesse pousado os lábios sorridentes nos dela, Shelley assegurou a si mesma que jamais teria feito aquilo. Mas a combinação de todos aqueles fatores foi-lhe intolerável.

Na fração de segundo em que teve que decidir se iria entregar-se ao calor e à paixão do beijo daquele homem ou recompor-se e mostrar-lhe que não era uma mulher com quem se deveria brincar, ela apenas agiu instintivamente. Ergueu as mãos, apoiando as palmas no peito forte de Wayne. Interrompeu o beijo, afastando seus lábios ao mesmo tempo em que o empurrou.

Se não estivessem numa plataforma, ele teria cambaleado um pouco, recobrado o equilíbrio e, na certa, gracejado de sua tentativa inútil e ingênua de derrubá-lo. Mas, da maneira como aconteceu, Wayne recuou, pisou em falso e caiu da plataforma.

Não era necessário um especialista para saber que o homem estava em excelente forma. Os músculos ondularam sob a camiseta preta e, nem mesmo a calça esporte, de modelagem um tanto larga, conseguiu esconder que suas pernas eram fortes, vigorosas. Não que ela ficasse olhando para ele... não muito. Acontecia apenas que tudo era tão notável em Wayne que uma mulher teria que ser cega para não admirá-lo.

Wayne mostrou agilidade e reflexos condizentes com seu porte atlético.

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Não caiu esparramado no chão, batendo a cabeça e descosturando a roupa na queda, como teria acontecido com ela. Amorteceu a queda com um impulso bem calculado na direção do sofá e acabou quase recostado nele, como se pular até lá tivesse sido o plano inicial.

Shelley soltou uma exclamação assustada e estendeu a mão.

— Tenha cuidado.

— É um pouco tarde, não? — O estado de desalinho dos cabelos loiros e a postura cômoda no sofá fizeram com que ele parecesse ainda mais sexy.

— Tarde?

— Para o seu "tenha cuidado". Esse é o tipo de aviso que uma senhora feudal feito você precisa gritar antes que um sujeito tente beijá-la. — Wayne soltou uma sonora gargalhada que reverberou pela sala do ateliê.

— Eu acho que você é horrível. — Shelley esforçou-se para que sua voz não tremesse. — Senhora feudal? Que tipo de conversa é essa?

— Bastante apropriada se está perguntando ao homem que foi derrubado por uma mulher com um véu na cabeça e fogo no olhar.

— Fogo no... — Ela tirou o véu da cabeça e, com ele, a maioria dos grampos que mantinham seu coque no lugar. Os cabelos de comprimento médio soltaram-se, as mechas castanhas e sedosas brilhando sob a luz. — Saiba que o único fogo que desperta em mim é o da destruição. Eu gostaria mesmo de poder reduzi-lo a cinzas com um único olhar...

— Acho que não há razão para se exaltar tanto.

— Ah, não? Bem, mas não estou interessada no que acha ou não. Tudo o que quero é ir embora daqui e ficar o mais longe possível de você.

— Por quê? O que foi que eu lhe fiz de tão mal?

— Você me induziu a experimentar este véu para poder dizer que não sei me portar como uma noiva típica, para começar.

— Devo corrigi-la e lembrá-la que eu disse "vermelhidão nada típica de uma princesa", não de uma noiva.

— Eu deveria saber que você não achou realmente que este era o véu mais bonito, que só estava tentando encontrar um meio de se divertir a minha custa. — Desapontada, ela soltou um suspiro e virou-se para colocar o véu com cuidado de volta no suporte.

— Já lhe disse que eu seria incapaz disso. Não tive a menor intenção de usar esse véu para zombar de você. De fato, achei que era o mais bonito de todos os que vi aqui.

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— Posso ver em seus olhos que está achando isto muito engraçado. Não tente negar.

— E você, não? Vamos ver o que temos aqui... um sujeito deitado num sofá acetinado cor-de-rosa, defendendo suas atitudes a uma mulher que acabou de empurrá-lo de uma plataforma por causa de um beijo inofensivo. Se isso não é engraçado...

— Não existem beijos inofensivos. — Tão logo disse aquilo, Shelley se arrependeu. Ele com certeza se deliciaria com aquelas palavras que revelavam um pouco de si mesma.

Wayne fitou-a com intensidade por longos momentos. Seu olhar suavizou-se, então, o sorriso dissipando-se devagar de seus lábios.

— Eu deveria ter sabido disso. — Empatia, não piedade, marcava as palavras de Wayne. Soltou um profundo suspiro. — Não existem beijos inofensivos. Não para você.

Shelley deixou os braços caírem ao longo do corpo. Não para você. Como se fosse algum tipo de criatura bizarra para a qual até mesmo as normas mais amplamente aceitas de comportamento fossem rígidas demais. Que pessoa tola, fechada e difícil de lidar ele devia julgá-la. O rubor espalhou-se por suas faces quando pensou em como esse julgamento estava correto, levando em conta suas atitudes desde que Wayne aparecera em Chicago no dia anterior.

O primeiro homem que conhecia em anos que não a tratava como a personificação da eficiência, uma grande piada ou um objeto de pena, e como ela retribuía?

— Lamento muito. Meu comportamento foi imperdoável. Ele abriu um de seus sorrisos irresistíveis.

— Na verdade, achei que foi até bem razoável.

— Achou? — Shelley sentiu o pulso se acelerando novamente.

— Sim, e merecido. É evidente que eu saí da linha. — Wayne sentou-se. — Agi impulsivamente, sem levar em conta que isso não era do seu estilo.

— Deve me achar entediante.

— Acho que você é muitas coisas, mas não entediante. Como já lhe disse antes, admiro-a bastante. É raro conhecer uma mulher do seu caráter.

Por que o elogio a fez sentir-se como se fosse velha, soturna e intocável?

— Imagino que não conheça muitas mulheres como eu.

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— Não me entenda mal. Conheço uma porção de mulheres incríveis. Várias e várias mulheres interessantes, maravilhosas.

Ele não precisara ser tão específico, pensou Shelley com um indesejável aperto no peito. Entendera bem. Wayne conhecia uma porção de mulheres bem diferentes dela... ou melhor, mais interessantes.

— Mas você faz parte de uma nova classe de mulher para mim. Para dizer a verdade, só há um certo alguém com quem você se parece. Tippie.

— Tippie?

— Sim — respondeu ele com um largo sorriso, sem maiores explicações.

— Bem, então parece que não sou a única em toda essa nova classe. — Shelley queria saber que não era alguma espécie de aberração aos olhos de Wayne. Gostava da idéia. de que ele a associasse com alguém por quem obviamente sentia respeito e afeição. — Creio que isso coloque a mim e a Tippie numa classe exclusiva, não é? Ou é mais como se fôssemos desistentes de uma escola de boas maneiras?

Ele riu.

— Se quer saber a verdade, Tippie é mais como uma desistente de uma escola de obediência.

— E eu o faço lembrar dela?

— Tippie é confiável, leal, gosta de mostrar quem é que manda. Ah, e tenta impressionar as pessoas fazendo-se de má, mas, no fundo, é uma doçura.

— Oh!

— Ela é o melhor tipo de amiga que um homem pode ter.

— E está dizendo que é isso que eu também sou... o melhor tipo de amiga que um homem pode ter? — Shelley deveria sentir-se animada com os elogios, mas apenas a deixavam mais melancólica do que nunca. Ergueu o queixo na defensiva. — Quer dizer que sempre beija suas amigas dessa maneira?

— Bem, nem sempre.

— E quanto a Tippie? — Ela sabia que não tinha o direito de perguntar. Contudo, argumentou consigo mesma, ele a comparara à mulher a quem chamara de melhor amiga e, portanto, precisava saber se deveria esperar o mesmo tipo de tratamento.

Wayne soltou um riso divertido.

— Se quer saber, nunca tenho a menor chance com Tippie. Então,

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aquela mulher devia ser fria e reservada. Não era à toa que ele tivesse encontrado semelhança entre ambas, pensou Shelley, desgostosa.

— Para ser mais exato, Tippie sempre me beija primeiro.

— Oh! — Ela piscou em sua surpresa e, então, engoliu em seco, lembrando-se mais uma vez do beijo que haviam partilhado. — Acho, então, que essa é uma coisa que não tenho em comum com sua amiga... você me beijou primeiro.

— Eu sei. — Wayne levantou-se do sofá. — E lamento terrivelmente.

Terrivelmente? Aquela palavra era mesmo necessária para descrever a reação dele quando a beijara?

— Estávamos tão próximos e você me pareceu tão... Acho que me empolguei.

— Bem, uma mulher usando um véu de noiva e com uma vermelhidão no pescoço deve ser uma visão irresistível para alguns homens — retrucou ela secamente.

— Ah, a vermelhidão. Com toda essa movimentação, acabei esquecendo-a. — Wayne subiu de volta à plataforma com agilidade e observou-lhe o pescoço acima da gola da blusa. — Parece ter desaparecido. Você está bem?

— Meu colo e pescoço só ficam vermelhos desse jeito quando estou... — Não havia uma maneira elegante de terminar a frase. Aquelas manchas só apareciam quando ficava nervosa? Quando chegava perto demais de algo relacionado a casamentos? Quando não dormia direito por causa de sonhos tórridos com um homem que mal conhecia? Cada possibilidade de resposta era pior do que a outra. — Essas manchas só aparecem quando fico estressada, mas desaparecem em seguida. Não vai acontecer novamente, tenho certeza.

— Eu garanto que não.

— Garante que não ficarei com essa vermelhidão outra vez?

— Garanto que não será beijada outra vez.

— Oh — murmurou ela com um desapontamento que não pôde evitar.

— Por mim, eu quero dizer. Prometo que não ultrapassarei os limites dessa maneira outra vez.

— Está certo.

— Agora, por que não vamos ver se os véus que você gostou já estão prontos para serem levados? Ainda temos muito o que fazer.

— Apenas para sua informação, eu gostei muito do véu que você

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escolheu. — Shelley lançou um último olhar de admiração por sobre o ombro na direção do véu e sussurrou: — Muito.

Ele se aproximou mais e tocou-lhe o ombro, inclinando-se para lhe falar ao ouvido com gentileza:

— E para sua informação, isso era tudo o que eu queria ouvir quando o mostrei a você. Eu queria finalmente obter a sua aprovação em algo que fiz.

— Minha aprovação?

— Desde o primeiro dia, quando você se deu conta de que teríamos que trabalhar juntos para levar essa festa surpresa adiante, não consigo pensar em nada que fiz que a tenha agradado.

Ela conseguia pensar em uma coisa. Apertou os lábios.

— Mas, fazer com que você experimentasse o véu, levá-la a admitir que era uma boa escolha, foi uma idéia tola. Parece que deixei meu ego controlar minhas atitudes.

— Não que algo assim já tenha acontecido antes, estou certa.

— Sabe, cada vez mais, vejo semelhanças entre você e Tippie. Vocês duas têm imenso prazer em me provocar sempre que surge a oportunidade.

— Hum, acho que vou gostar dessa Tippie. — Ela forçou um sorriso. — Acha que vamos nos dar bem?

— Acredite. — Wayne estendeu a mão para deixá-la passar na sua frente pelas cortinas depois que desceram da plataforma. — O primeiro encontro de vocês será tão tranqüilo quanto um passeio no parque.

O que, afinal, ele estivera pensando para beijar Shelley daquela maneira? E, ainda por cima, enquanto usara um véu de noiva? Perdera o seu tão estimado e perfeito juízo?

Wayne colocou no porta-malas de seu carro algumas coisas que Shelley ainda tivera que comprar para a festa. Fora a última tarefa do dia e ele não conseguia parar de se censurar pelos erros que cometera durante a primeira hora de ambos juntos naquela manhã.

Ela não era o tipo de garota que um homem ia simplesmente abraçando e beijando sem seu consentimento. Nem do tipo a quem ele podia encantar e, depois, largar quando as coisas começassem a ficar mais sérias. Era o tipo de mulher que um homem cortejava. Aquele a quem valia a pena levar tempo para conhecer, pelo qual um homem se apaixonava a despeito de toda a sua intenção de se manter longe de um envolvimento emocional. Shelley era do tipo com quem um homem se casava.

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Wayne fechou o porta-malas com força o bastante para fazer o carro inteiro balançar. Casar-se? Ele? Dificilmente.

Correu um dedo pela pintura reluzente de seu Jaguar. Ergueu a cabeça. No vidro da vitrine da papelaria onde Shelley estava acertando a conta, viu o reflexo de um homem que podia ir em busca de qualquer aventura adequada às suas paixões e prazeres sem ter que se preocupar como aquilo afetava a alguém exceto a si mesmo. Não podia definir uma ocasião em que fizera tais coisas, mas não ousava se enganar... o potencial estava sempre dentro dele. Tinha semelhanças demais com o próprio pai em certos aspectos para fingir o contrário. Não se atrevia a olhar para Shelley e se perguntar como poderiam ser as coisas entre ambos.

Vira em primeira mão a dor e o vazio que consumiam uma mulher que precisava de estabilidade e apoio, mas que estava casada com um homem que ansiava por desafios e mudanças. Sabia quais eram as conseqüências daquilo e quanto sofriam os envolvidos. Não criaria uma situação daquelas e faria tudo ao seu alcance para não causar tal sofrimento a alguém como Shelley... mesmo num relacionamento breve.

— Pronto. — Shelley saiu da papelaria com um sorriso satisfeito nos lábios. — Esse foi o último item da lista das coisas a serem providenciadas na cidade. O restante terá que esperar até irmos a Indiana. — Ela pousou a mão no teto do carro.

— Assim sendo, o que devemos fazer agora?

— Se não há mais nada a fazermos aqui, talvez devêssemos...

— Ir até seu apartamento e ficarmos entre os lençóis até que alguém resolva dar por nossa falta. — Wayne limpou a garganta, tornou a colocar os óculos escuros e abriu a porta do carro. — Talvez eu deva voltar a Indiana.

— Oh!

— Hoje à noite.

— Oh.

— Sei que conversamos sobre jantarmos juntos, para verificarmos detalhes de último minuto, mas parece que tudo já está resolvido, não acha?

— Tenho que admitir que, trabalhando em conjunto, nós terminamos a minha lista inteira num só dia.

Wayne tentou não ficar sorridente demais com a admissão dela. Sabia quanto devia ter lhe custado fazê-la.

— Assim, não há nenhuma razão para eu continuar aqui.

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Shelley inclinou um pouco a cabeça de lado e enrolou uma mecha fina de cabelo no dedo. Sem se dar conta, passou a ponta da língua pelo centro do lábio inferior.

Só em observá-la Wayne podia pensar em dezenas de razões para ficar. Pelo bem de ambos, sabia que aquilo significava que tinha que tomar alguma atitude para colocar um pouco de distância entre ambos.

— Posso deixá-la no prédio onde você mora a caminho da saída da cidade.

— Não, obrigada. Prefiro voltar ao escritório. Ainda trabalho para viver.

Ele sentia-se um cretino por mandá-la de volta ao trabalho com sua decisão apressada.

— Achei que você tivesse reservado algum tempo livre para resolver tudo isso.

— Numa corporação tão grande como a do sr. Winstead, há sempre alguma coisa precisando da minha atenção.

— Eu a levarei de carro até o seu escritório, então.

— Não precisa se incomodar. Fica perto daqui. Posso ir caminhando.

Wayne meneou a cabeça, grato pelos óculos de sol que a impediam de ver o arrependimento em seus olhos.

— Acho que, na próxima vez em que a vir, ambos estaremos nos preparando para subir ao altar.

Shelley piscou algumas vezes. Os dedos cobriram uma mancha avermelhada em seu pescoço.

— O quê?

— Você sabe, estaremos cuidando dos detalhes de último minuto para os casamentos.

— Oh, sim. Claro. Telefonarei para você quando eu tiver chegado a Woodbridge e combinaremos como fazer isso.

— Talvez eu tenha que me ausentar algumas vezes do meu escritório na firma de advocacia na quinta-feira. — Covarde, pensou ele, censurando-se pela tola desculpa. Ainda assim, preferia ser um covarde com a opção de telefonar para ela quando se sentisse pronto do que um homem corajoso esperando o dia todo para que Shelley entrasse em contato. — Diga-me em que hospedaria vai ficar, e eu ligarei para lá durante o dia para ver se você já chegou.

— Não vou ficar numa hospedaria, mas sim no Hotel Grant. Tenho uma

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reserva para quinta e sexta-feira.

— No Hotel Grant... Não pode ficar lá.

— Por que não?

— Porque é onde Clark e Becky estão hospedados.

— Deve estar enganado. A sra. Winstead me disse que ela e o sr. Winstead ficariam no Hotel Woodbridge.

— O hotel não se chama mais assim há meses. Não sei se Becky já sabia disso ou se apenas se esqueceu e usou o nome que o hotel teve durante vinte anos. Mas não pode se hospedar lá e correr o risco de deixá-la perceber que algo mais importante do que uma simples festa de aniversário de casamento está a caminho.

— E quanto às hospedarias que você mencionou?

— São pequenas e não há muita chance de você conseguir um quarto sem ter feito reserva com uma certa antecedência.

Wayne cerrou os dentes. Não apenas as suas boas maneiras e solidariedade mas também seu arraigado senso-protetor exigiam que a salvasse daquele dilema.

Shelley não queria que a salvasse de nada. Já lhe dissera aquilo por vezes o bastante. Mesmo agora, sua postura, seu olhar intenso, seu ar compenetrado eram os de quem vasculhava a mente à procura de uma solução. Ela não aceitaria sua ajuda, nem iria gostar de saber qual parecia ser a única saída possível. Sem mencionar que seria um risco muito grande. Haveria coisas demais em jogo.

Os olhares de ambos se encontraram e, ainda assim, Wayne soube que não tinha outra escolha.

— Parece que sua única opção, então, Shelley, será ficar na minha casa.

CAPÍTULO VI

Shelley forçou a vista sob a luz da rua tranqüila e verificou o endereço no papel mais uma vez. Não podia estar certo. Aproximou-se mais pelo gramado, então, e olhou fixamente para os números de latão polido ao lado da porta maciça de carvalho e, depois, para o nome na caixa do correio. Wayne M. Perry.

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Dando um passo atrás, manteve um braço em torno de sua velha maleta. Quando aceitara o convite de Wayne para ficar em sua casa, e ficara claro que ele teria ignorado um não como resposta, quase saíra às compras e adquirira um novo jogo de malas. A quem estava enganando? Na verdade, quase comprara roupas novas para a viagem, incluindo um belo conjunto de camisola e penhoar. Mas a praticidade vencera. Apesar de antiga, aquela maleta tinha pequenos e úteis compartimentos para cada necessidade de viagem.

E quanto a uma camisola nova? Pensou no pijama grande e confortável de estilo masculino que comprara no lugar. Era melhor precaver-se do que se lamentar depois, pensara no momento em que o colocara na maleta. Mas, agora, olhando para aquela casa acolhedora e charmosa, com ampla varanda e enfeitada por cerca branca em torno do gramado, perguntou-se se não julgara Wayne Perry equivocadamente. Talvez um homem que vivesse daquela maneira achasse roupas de dormir recatadas mais incitantes do que peças de renda e cetim.

Nem sequer em sonhos pudera imaginar que ele morava numa casa tão encantadora. Mas, afinal, pensou enquanto subia os degraus da varanda e esticava a mão para tocar a campainha, em seus sonhos com aquele homem, onde ele morava nunca fora a questão.

O nó em seu estômago, que começara com a lembrança de tais sonhos, intensificou-se quando a campainha soou, anunciando sua chegada. A qualquer instante, depararia com os penetrantes olhos azuis de Wayne outra vez.

Mordendo o lábio inferior, segurou a maleta com força junto ao peito, tomada por súbita incerteza. O que estava fazendo ali? Por que não recusara o convite dele para passar aquelas duas noites em sua casa?

Porque não podia deixar de levar seu trabalho adiante, respondeu seu lado prático. Comprometera-se a organizar aquela festa da melhor maneira possível. Não podia deixar que certos detalhes como um inconveniente pessoal ou ansiedade por causa de uma situação potencialmente embaraçosa ficassem em seu caminho. Era uma profissional competente e se portaria como tal, assim como Wayne também o faria.

Os passos no interior da casa pareceram ecoar nas batidas fortes e aceleradas de seu coração. De repente, viu-se quase sem fôlego, suas boas intenções se desvanecendo. Se desse meia volta agora e descesse correndo os degraus da varanda, poderia se esconder nos arbustos mais próximos e contar com a proteção das sombras da noite antes que a porta fosse aberta. Olhou por sobre o ombro, continuando a segurar a patética mala junto ao peito.

Teve poucos segundos para considerar suas alternativas. Como a

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princesa na história que contara às gêmeas dos Winstead, poderia apelar para suas forças como a mulher que sempre cumpria suas obrigações. Ou, retrucou a voz íntima que costumava provocá-la e julgá-la, poderia ceder às fraquezas da garota que, no passado, recebera ordens e fora usada por homens que supostamente tinham agido para o bem dela.

O momento de se decidir chegara ê tornou a virar-se para a porta no instante em que foi aberta.

— Aí está você!

— Exatamente onde eu deveria estar — declarou Shelley, tentando manter o controle intacto.

— Comecei a ficar preocupado com você. — Wayne saiu para a varanda, onde havia uma luz acesa. — Liguei para seu escritório e me informaram que você já saíra havia horas.

— Tive que ir ao tintureiro buscar o meu vestido para a festa. — Ela decidiu não lhe dizer que havia levado três vestidos ao tintureiro e os deixara prontos para o grande evento porque não tivera certeza de qual ele gostaria mais de vê-la usando.

— Você está com um atraso de duas horas.

— Parei para comer alguma coisa e para esticar as pernas durante a viagem. — Quatro vezes. Mas Wayne não precisava saber daquilo, nem que havia percorrido o quarteirão dele repetidamente, reunindo coragem para levar aquilo adiante.

— Eu estava prestes a pegar meu carro e ir à sua procura. — Ele segurou-lhe o braço com gentileza, mas, ao mesmo tempo, com um ar possessivo que a surpreendeu. Acidentalmente, roçou-lhe a lateral do seio com os dedos. Shelley estremeceu, segurando a maleta com mais firmeza junto a si, mas não se esquivou. Na verdade, perguntou-se se não era aquela mão forte amparando-a a única coisa que a mantinha de pé, uma vez que sentia as pernas e joelhos amolecendo.

— Bem, você está aqui agora. É o que importa.

— Ora, acho que noto uma preocupação autêntica em seu tom de voz.

— Exatamente.

Uma onda de esperança dominou-a. Um ar divertido surgiu nos intensos olhos azuis.

— Se você não tivesse aparecido, eu teria que cuidar de todos os detalhes finais dessa festa sozinho.

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A esperança desvaneceu-se de imediato. Shelley libertou o braço com um gesto um tanto brusco que a fez deixar cair a maleta. Tentou apanhá-la, mas foi tarde demais. A maleta caiu no chão, abriu-se e espalhou seu conteúdo pela soleira da porta e vestíbulo da casa.

— Bem, como pode ver, estou aqui agora. — Ela sacudiu as mãos no ar como se quisesse dar um toque final floreado à inconveniente queda da maleta. — Pode relaxar e respirar aliviado.

— E o que farei. — Wayne agachou-se e olhou para o conteúdo esparramado da maleta. — Afinal, aqui não há nada mesmo para me deixar tenso e ofegante, não é?

Ela apanhou o pijama abruptamente e atirou-o de volta na maleta.

— Se fizer a gentileza de me mostrar onde posso colocar minhas coisas...

— Claro. Siga por ali. É a primeira porta à direita. — Ele apontou para um corredor de iluminação difusa.

— Obrigada. — Shelley recolheu suas coisas rapidamente e começou a se adiantar na direção indicada. — Fico-lhe bastante grata por ter me impedido de estragar tudo com aquela confusão do hotel. Espero que não seja muito incômodo deixar que eu passe duas noites no seu quarto de hóspedes.

— Não é...

— Ótimo.

— Você não me deixou terminar.

Ela parou diante da porta entreaberta, uma sensação indesejável dominando-a.

— Está dizendo que será um incômodo se eu ficar no seu quarto de hóspedes?

— Não, o que eu estava tentando dizer é que esse não é um quarto de hóspedes.

A proximidade de ambos fez com que um súbito calor se espalhasse pelo corpo dela.

— Não é?

— Não. — Wayne acabou de abrir a porta, revelando uma cama de casal em estilo antigo que dominava um quarto acolhedor mas decididamente masculino. — E o meu quarto.

— O seu quarto?

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— Acho que você estará confortável aqui.

— Confortável. — Shelley olhou para a cama... para a cama dele. Não apenas estaria sob o teto daquele homem, mas também dormindo em sua cama. Nunca dormira na cama de um homem antes. Por que a primeira vez tinha que ser na de Wayne? Como obteria algum descanso deitada ali, perguntando-se quantas mulheres haviam partilhado aquela cama com ele, qual seria a sensação de ser uma delas?

Respirou fundo para se acalmar e, quando o fez, sentiu o cheiro de lençóis limpos, lustra-móveis e loção após barba. Ele certamente se empenhara para esperar a visita de uma mulher a quem jurara nem sequer beijar outra vez. Uma pessoa a quem via apenas como uma amiga e a qual, achava, iria se beneficiar muito com sua ajuda.

Tornou a olhar para a cama e notou um grande robe atoalhado estendido sobre a colcha. Segurou a maleta com mais força junto a si.

— Detesto incomodar você, tirando-o de seu próprio quarto desta maneira.

Ele tocou-lhe o ombro com gentileza.

— Oh, você não está me tirando daqui.

Shelley ficou rígida como uma tábua e piscou enquanto olhava para a imensa cama.

— Não?

— Não, a escolha é minha de deixar você ficar aqui. Eu a convidei. Nada mais justo que seja eu a dormir no sofá do cômodo que uso como escritório de casa.

— Oh. — Ela esperou não ter deixado transparecer o quê de desapontamento em sua voz, pois não foi intencional. — Está certo, então. Acho que vou arrumar minhas coisas e me preparar para dormir. Mais uma vez, obrigada por sua hospitalidade.

— Não está pensando em ir se deitar tão cedo, não é? Comprei frango frito, uma salada e algumas frutas a caminho de casa quando saí do escritório. Achei que você quisesse provar um pouco.

— Provar? — Sem poder evitar, Shelley baixou o olhar para os lábios dele e imaginou-os "provando" dos seus e, depois, percorrendo-lhe o pescoço com carícias sensuais, abrasadoras... Engoliu em seco. — Não, acho que não. Não quero... provar nada.

Ele inclinou a cabeça para o lado, as sobrancelhas franzindo-se de leve acima dos intensos olhos azuis. Não fez nenhum gracejo para se divertir à

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custa dela, mas também não a deixou livrar-se tão facilmente.

— Provar é maneira de dizer. Gostaria que jantasse.

— Sim, eu entendi, mas não estou com fome, obrigada.

— Se você tem certeza...

— Sim, tenho. Sei que são apenas nove e meia da noite, mas trabalhei bastante, vim dirigindo até aqui e amanhã haverá muito o que fazer antes da festa. — Ela mal parou para respirar entre as palavras. — Assim, acho que já vou me deitar e verei você pela manhã.

— Se mudar de idéia...

— Não mudarei. — Shelley entrou depressa no quarto. Antes de lhe dar chance de dizer algo, prosseguiu: — Não precisa se preocupar em me acordar. Nunca durmo até depois das sete. Verei você por volta desse horário. Obrigada.

— Bem, eu... — Ele apontou para o quarto.

— Oh, não se preocupe, tenho tudo o que preciso comigo. Não é necessário me mostrar onde fica nada. — Ela recuou um pouco, fechando a porta. No último segundo antes de fazê-lo, enquanto lançava um olhar ao rosto perplexo dele, conseguiu dizer um apressado: — Boa noite.

Boa noite? Shelley virou-se para inspecionar suas acomodações. O quarto de Wayne. A cama dele. Um nó começou a formar-se em seu estômago. Boa noite? Duvidava muito.

Que tipo de tolo se privava de sua cama grande e confortável por causa de uma mulher que nunca mais tornaria a ver depois da noite seguinte? Uma mulher que já o cativara como nenhuma outra, mas uma que jamais poderia deixar que entrasse em seu coração? Uma mulher que jamais, sob nenhuma circunstância aceitável para ambos, concordaria em dividir aquela mesma cama com ele?

Que tipo de homem fazia aquilo? O tipo de homem tentando dormir num sofá desconfortável em seu escritório apertado com a luz da rua adentrando pela janela diretamente até seus olhos.

Socou a pequena almofada redonda em que deitara a cabeça e soltou um suspiro. Ficara mais... ponderado com o passar dos anos. Era a única explicação possível.

Poucos anos antes, nem o desconforto do sofá, nem o comportamento frio de Shelley teriam no afetado de alguma maneira. Teria ido em busca do que queria dela... e obtido aquilo com o entusiasmado consentimento da mulher em questão. Ou teria aceitado a rejeição tranquilamente e dormido no

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sofá satisfeito em pensar que a perda fora dela, não sua.

Naquela noite, porém, tudo o incomodava. Os pensamentos sobre a mulher adormecida em sua cama atormentavam-no de uma maneira tão real quanto a estrutura de metal do sofá torturando seus músculos através do fino revestimento de espuma. Por que ela aparecera tão tarde e se recusara a passar um minuto a mais do que o necessário em sua companhia? Sabia que Shelley também estava ciente da forte atração entre ambos, mas que se empenhava ao máximo para lutar contra o que sentia. E por quê?

Não era necessário ser um especialista em psicologia humana para saber que o comportamento dela, que o tremendo esforço em se controlar, era apenas uma defesa... e não era das mais eficazes. Ele percebera aquilo de imediato. Pensou na história que a ouvira contando às gêmeas. Na maneira como a vira agindo no ateliê de noivas, em seu comentário de que usara um vestido de noiva. Lembrava-se muito bem da expressão no rosto dela quando a confrontara e deixara claro que não tinha nada em comum com o homem que a magoara tanto.

— O que aconteceu com você? — sussurrou ele no escuro do escritório, olhando na direção do quarto onde Shelley dormia. — O que aquele completo idiota fez a você e como posso ajudá-la a restaurar a confiança em si mesma, nos homens e a recuperar a crença de que vale a pena ir em busca do amor outra vez?

Se ela lhe permitisse ajudar, pensou.

Não adiantava tentar dormir. O sofá rangeu quando ele se sentou e pôs os pés no chão, coçando ligeiramente o peito despido. Era melhor levantar-se, arranjar algo para comer e sentar-se diante da tevê para assistir a algum programa que varasse a madrugada.

Esticou-se para apanhar o robe onde sempre o deixava, ao pé da cama. Encontrou apenas um lençol. O robe estava exatamente onde costumava deixá-lo... ao pé de sua cama. Pensara em se adiantar pelo quarto para pegá-lo, mas Shelley fechara a porta tão depressa que ele se considerava com sorte por ter conseguido escapar com todos os dedos da mão intactos.

Na verdade, nem precisara ter se preocupado em ser polido e se cobrir, considerando que ela se trancara naquele quarto. Espreguiçando-se, levantou-se e seguiu pelo corredor usando apenas o short de seu pijama.

A área estava limpa. Shelley espiou por cima da porta aberta da geladeira feito uma agente secreta numa missão. Olhou para a porta da cozinha que se abria para o corredor escuro e, depois, para a mesa poucos passos além de onde estava. Chegar até a mesa sem tropeçar, esbarrar num

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móvel ou derrubar algo era seu objetivo. Seriam necessários calma, paciência e alguns momentos para que seus olhos se acostumassem à escuridão da cozinha depois que tivesse fechado a porta da geladeira.

Com ambas as mãos ocupadas com um copo de leite e um cacho de uvas e levando um pedaço de frango frito entre os dentes, encolheu um pouco os ombros, como se aquilo a deixasse menos visível. Sentiu-se como uma ladra, agindo na calada da noite. Uma ladra bem-preparada e altamente eficiente que seria capaz de fazer um lanche sem incomodar seu anfitrião ou dar-lhe a chance de incomodá-la, mas, assim mesmo, uma ladra.

Pensou em como se sentira inquieta e pouco à vontade na cama de Wayne. Nos sonhos desconcertantes que tivera com ele tocando-a e beijando-a e que a haviam levado a deixar o quarto e a assaltar a geladeira. Encostou o copo com leite gelado no rosto por um segundo. Não foi o bastante para esfriar-lhe a pele afogueada, assim como aquele lanche não iria aplacar sua verdadeira fome. Respirando fundo, fechou os olhos para apagar todas as imagens de Wayne de sua mente e fechou a porta da geladeira com o ombro.

— Sabe o que fazemos com ladrões de galinha aqui no interior?

Shelley sobressaltou-se com o som possante da voz de Wayne atravessando o escuro da cozinha. Em sua agitação, fez com que o leite vertesse do copo. O liquido gelado espirrou em seu rosto e molhou a manga do robe que vestira por cima do pijama antes de se aventurar para fora do quarto. Ela soltou um impropério. Um até que bastante ameno para os padrões gerais, mas ainda ficou aliviada com a maneira como o pedaço de frango em sua boca abafou a palavra.

Wayne soltou um riso.

Shelley estreitou os olhos, esperando ajustá-los mais depressa ao escuro. Mal podia distinguir o vulto dele aproximando-se. Seu coração ficou ainda mais acelerado. Se estivesse enxergando alguma coisa, procuraria um lugar para se esconder. Logo percebeu que teria que se contentar em simplesmente parecer calma e controlada. Esperando chegar até a mesa com seu lanche antes que ele acendesse a luz, deu um passo rápido à frente. Não demorou a pisar em algo mole. Um som estridente de protesto cortou o silêncio. Shelley teve a impressão de que seu coração saiu pela boca quando recuou abruptamente, derramando o restante de leite no robe.

Praguejou com o frango ainda na boca, daquela vez com uma veemência que não ousara usar antes.

Ouviu um súbito clique e viu a luz brilhante inundando a cozinha.

Gelou no lugar. Duvidava que estaria parecendo calma e controlada

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com os cabelos nos olhos, uma coxa de frango na boca e a maior parte do leite em seus pés descalços e no piso cerâmico.

— Sabe, se você ansiava tanto por um banho de leite, bastava ter me dito em vez de vir se esgueirando até aqui no meio da noite.

— Esgueirando? — Ela fuzilou-o com o olhar. Wayne sacudiu a cabeça.

Shelley colocou o copo vazio em cima da geladeira para poder tirar a coxa de frango frito da boca. Virando-se para fitá-lo, fez nova tentativa:

— Esgueirando? Você tem muita coragem em me fazer uma acusação dessas quando aposto que ficou aí parado no escuro durante um bom tempo observando-me assaltar sua geladeira.

— Eu? — Wayne apontou o dedo indicador para o próprio peito... seu peito largo, de músculos bem-definidos e... despido.

— Sim, você. — Ela esforçou-se para erguer o olhar até encontrar-lhe os olhos azuis de ar maroto. — Se você não estivesse me espiando, como iria saber que eu estava com este pedaço de galinha frita na boca? — Ergueu a coxa no ar como um promotor revelando a arma do crime num momento dra-mático de um tribunal.

Ora, mas o homem irradiava um ar irresistível com aquela expressão culpada e em seu sensual desalinho! Ele correu os dedos pelos cabelos e baixou a cabeça ligeiramente.

— Talvez eu devesse deixá-la saber da minha presença de uma maneira melhor.

— Não tenha dúvida quanto a isso. — Ela começou a se adiantar até a mesa novamente, lembrou-se do ruído estridente que ouvira e olhou para o chão à procura do objeto em que pisara. Contornou o brinquedo de vinil de cachorro no formato de osso e ocupou uma cadeira junto à grande mesa redonda da espaçosa cozinha.

— E veja o que você me levou a fazer com o meu robe.

— Na verdade, esse é o meu robe.

— Oh. — Shelley correu as mãos pela frente do robe até que encontrou um trecho ensopado de leite no tecido atoalhado e contraiu o rosto. — Desculpe-me. Acho que não vai servi muito para nenhum de nós no momento, não é?

— É uma pena, eu poderia tê-lo usado. — Wayne cruzou os braços sobre o peito despido e recostou-se num dos balcões — Acho que vai ter que se resignar a me ver como estou Espero que minha aparência não a ofenda.

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— Não. — Num gesto forçado, ela deu de ombros como se o fato de haver um homem quase despido diante de seus olhos fosse algo tão corriqueiro que nem sequer merecia comentário. — Não estou vendo nada que já não tenha visto antes.

Ele arqueou uma sobrancelha e curvou os lábios ligeiramente, mas absteve-se de comentário.

Shelley soube que seu sorriso também foi forçado. Mas, para compensar, olhou-o de alto a baixo com ar desinteressado para provar sua completa indiferença a ele.

Foi quando notou como o short do pijama lhe expunha as pernas fortes, musculosas e, com sua cintura um tanto baixa, deixava à mostra um abdome rijo. A peça de algodão parecia tão frágil naquele corpo atlético, viril, pensou ela, sem sequer se dar conta de que engoliu em seco enquanto o observava.

— E o bastante?

Shelley ergueu o olhar abruptamente. Teve a impressão de que, por mais que ò olhasse, nunca seria o bastante. Por certo, seus olhos jamais se cansariam de uma visão tentadora daquelas. Ele parecia tão civilizado e dócil por fora, mas logo abaixo daquela fachada, parecia haver um ar indomado, predatório. Umedecendo os lábios, esforçou-se para apagar qualquer vestígio de emoção antes de falar:

— Você perguntou se é o bastante?

— Sim, é o bastante para comer? — Ele apontou para a coxa de frango e o cacho de uvas que ela ainda segurava. Adiantou-se, então, pela cozinha e tirou dois pratos pequenos de um dos armários.

— Oh, sim, é, obrigada. — Sem mover a cabeça, Shelley acompanhou-o discretamente com o olhar até ter certeza de que ele estava de costas. Permitiu-se observá-lo a seu bel-prazer, então. — Fico-lhe realmente grata. Isto me deixará satisfeita por um bom tempo.

— Tem certeza? — Ele se virou.

Shelley desviou o olhar de imediato.

— Sim, claro.

— Espero que não se importe se eu lhe fizer companhia, então.

— Sinta-se em casa. — Ela revirou os olhos com sua tentativa patética de soar espirituosa.

— Obrigada.

Em poucos momentos, ele colocara os pratos e talheres na mesa,

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juntamente com a grande embalagem de frango frito da lanchonete, a salada e as frutas frescas que comprara no mercado. Ajudou-a a retirar o robe manchado, levando-o rapidamente até a lavanderia anexa à cozinha e voltou, tornando a preencher-lhe o copo com leite. Enfim, ainda sexy como nunca naquele short de pijama, sentou-se numa cadeira ao lado dela para participar de seu lanche noturno.

Como em quase tudo que ela tentara fazer desde que conhecera aquele homem, ele acabara tirando o controle da situação de suas mãos. E saindo-se bem melhor, por sinal.

Era engraçado, pensou Shelley, enquanto levava um bago de uva aos lábios, mas não se importava com o fato de Wayne assumir um pouco o controle, mesmo que fosse em relação a algo tão insignificante. Presumia que deveria analisar sua reação. Sob as mesmas circunstâncias uma semana antes, teria procurado dentro de si os sinais das fraquezas que tanto temia: esperar demais para si mesma e confiar em outro alguém. Mas não tinha vontade de analisar nada naquela noite.

Talvez o cansaço do longo dia e o fato de já ser tão tarde houvessem minado temporariamente suas defesas. Ou talvez tivesse começado, ainda que apenas ligeiramente, a confiar no homem de sorridentes olhos azuis sentado a seu lado à mesa. Ela lançou-lhe um olhar sorrateiro. Um delicioso tremor subiu-lhe pela espinha e arrepiou sua pele. Umedeceu os lábios e, então, colocou outro bago de uva na boca. Ou talvez apenas gostasse demais do que estava vendo para deixar que seu antigo pânico... e a reserva que usava para escondê-lo... estragassem aquele momento maravilhoso. Passaria depressa demais, afinal, e a deixaria com nada mais do que uma lembrança agradável para acalentá-la por uma longa e solitária vida pela frente.

CAPÍTULO VII

Detesto ter que dizer, mas isto é muito agradável. — Shelley sorriu timidamente, baixando os olhos e, então, tornou a erguê-los para encontrar os dele novamente.

— Por quê?

— Oh, por causa da boa comida, do charme de uma cozinha acolhedora. Da companhia.

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Wayne recostou-se na cadeira, os braços cruzados.

— Não estou perguntando por que acha isto tão agradável, mas por que você detesta ter que dizer.

— Eu... hã... — Erguendo a cabeça, fitou-o diretamente nos olhos. — E uma pergunta corriqueira, ou quer mesmo saber?

— Quero saber. — E ele realmente queria, para talvez conseguir entendê-la melhor. O que ganharia entendendo-a melhor, não sabia explicar. Em dois dias, ela desapareceria de sua vida para sempre. Ainda assim, persistiu: — Por que é tão difícil para você saborear o momento? Por que tem sempre que manter suas barreiras erguidas e manter tudo sob controle? E por causa daquele sujeito? O que a magoou tanto?

— Eu nunca disse...

— Nem foi preciso. Na minha profissão, acaba-se ficando bastante bom no julgamento do caráter das pessoas. Também se aprende que, quanto mais uma pessoa tenta nos convencer de algo sobre si mesmas, mais provável é que a verdade seja completamente diferente.

— É uma opinião um tanto cínica, não?

— Não sou eu que saio por aí tentando fazer o mundo acreditar que não preciso da ajuda nem da preocupação de ninguém, usando uma máscara de antagonismo e rigor como defesa para me certificar de que ninguém chegue perto o bastante para se importar de verdade comigo.

Ela endireitou as costas, sua postura instantaneamente rígida na cadeira, o queixo erguido com ar de desafio.

Ele atingira o alvo em cheio. Podia ver aquilo na expressão desolada no rosto de Shelley. Ficou tocado em ver-lhe os olhos marejados e o tremor nos lábios sensuais. Tão tocado que não ousou recuar agora e deixá-la retrair-se outra vez, escondendo-se atrás daquela pessoa austera que se esforçava tão valentemente para projetar.

— Sou capaz de olhar para as coisas como elas são, de esperar por algo melhor e rir dos pequenos contratempos que acontecem com qualquer um. Você é?

— Então, entre nós dois, quem você acha que é o verdadeiro cínico?

Shelley ergueu a cabeça depressa.

— Se sou cínica, não é sem motivo.

— O tal sujeito.

Se um olhar pudesse matar, estariam conduzindo o funeral dele no dia

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seguinte, não um casamento surpresa em dose dupla. Wayne não se intimidou.

— Quer me contar sobre ele?

— Não.

Fitando-a com seu olhar perscrutador, ele notou-lhe a ansiedade por trás da expressão de frieza. Conhecia bem aquela expressão... o rosto do sofrimento e da negação. Ficara marcada em seu coração desde a infância. Sua mãe usara aquela máscara por tanto tempo que acabara deixando de ser apenas uma máscara e se tornara sua realidade. Anos mais tarde, sua irmã sucumbira ao mesmo problema. Embora tivesse agido como o salvador de ambas a cada vez que fora preciso durante muitos anos, ao final não conseguira impedi-las de fazerem suas escolhas autodestrutivas. Mas Shelley ainda tinha a chance de se libertar se aceitasse sua ajuda.

Aquela perspectiva atraíra-o inexplicavelmente para ela desde o início. Era o que o fazia recusar-se a desistir de encantá-la, não importando quanto Shelley oferecesse resistência. Seus olhos pousaram nos lábios dela, ainda úmidos por causa do pedaço de maçã que acabara de comer. Lutou contra o desejo de tomar aqueles lábios com os seus e beijá-los até deixá-la sem fôlego. Cobriu-lhe a mão com a sua sobre a mesa da cozinha.

— Eu compreendo que você não queira, mas vai me contar sobre ele?

Shelley umedeceu os lábios.

Wayne respirou fundo, obrigando-se a se concentrar nas necessidades emocionais dela e não nos seus anseios físicos.

Shelley ainda hesitou por alguns momentos e, enfim, soltou um longo suspiro.

— O nome dele era Ron Fuller, e nós estávamos prestes a nos casar.

— Prestes a casar?

— Sim. As pessoas diziam que eu devia me casar com Ron. Nós namoramos, ficamos noivos e ele me pediu em casamento. Segundo todos, eu deveria aceitar e me sentir grata pelo fato de alguém ter pedido minha mão.

— Essa não me parece a base sólida para um casamento duradouro.

— Ao que parece, nem sequer era a base para um noivado duradouro, mas nós nos aproximamos.

Wayne não queria saber, mas precisava.

— Muito?

— Sim, tudo estava pronto, desde os preparativos para a festa até o vestido de noiva.

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— Ah, vocês se aproximaram de um casamento, não um do outro?

— Nós dois? Próximos? Eu achei que houvesse... bem... algo entre nós... amizade, interesses mútuos. E meu pai e irmãos me disseram que o melhor para mim seria me casar.

Wayne sacudiu a cabeça em incredulidade.

— Assim, segui em frente, cuidando dos preparativos, comprando as flores para enfeitar a igreja e tinha, inclusive, duas passagens para a lua-de-mel num lugar que eu odiava, mas que Ron havia escolhido. A única coisa que ficou faltando no final para a cerimônia foi o noivo... porque no momento em que deveria estar se casando estava "ocupado" com a garota que havia co-nhecido na sua festa de despedida de solteiro na noite anterior. — O sorriso dela não ocultou a dor nos olhos verdes.

O maxilar de Wayne enrijeceu-se.

— Que canalha.

— Não se pode culpá-lo totalmente...

— É claro que sim. — Ele bateu com a mão na mesa. — Se não pode culpar o patife por sua atitude sórdida, a quem culpará?

Shelley não precisou dizer. A maneira como desviou o olhar e deixou os ombros caírem, o tremor em sua mão enquanto mexia numa mecha de cabelo feito uma garota assustada, disseram tudo.

— Oh, não. Não vou ficar sentado aqui e observar você colocando esse fardo sobre os próprios ombros. Não é justo e nem é a verdade.

— Você não teria como saber disso.

— Sei mais do que você pensa. — Wayne levantou-se de modo que a luz acima da mesa não iluminou mais seu rosto. Estava tenso com o esforço que fizera até então para não guiar a conversa para as decepções de sua própria vida. Mas, enfim, foi preciso. — Minha mãe sempre se julgou responsável pela incapacidade de meu pai de se manter fiel. Eu ouvi dos lábios dela cada desculpa plausível e imaginável para o comportamento dele e algumas completamente absurdas também.

— Fala sério? — Foi apenas um sussurro, mas repleto de empatia e solidariedade.

— Sim. E a pior desculpa que pode arranjar para um mau-caráter daqueles é pensar que você o levou a agir como agiu.

— Talvez a pior desculpa seja aquela que eu poderia ter arranjado para mim mesma. Por que culpar Ron pelo que aconteceu? Tive que aceitar a

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possibilidade de que minhas próprias limitações o fizeram procurar em outro lugar as coisas que não pude lhe dar.

— Não posso imaginar que exista algo que você não possa dar a um homem... desde sua mente brilhante até toda a pureza e bondade de seu coração.

— Meus irmãos sempre disseram que eu não tinha nada que algum homem pudesse querer.

— Irmãos podem ser uns idiotas às vezes. Não se dão conta de como suas irmãs são sensíveis e podem levar a sério tudo o que dizem, de como seus gracejos podem causar mágoa em vez de serem ignorados, como os ignoraria um outro irmão. — Wayne franziu o cenho e perguntou-se como suas próprias provocações e palavras descuidadas teriam afetado sua irmã. — Sei que nem sempre dei apoio à minha irmã mais nova e admito que fui duro com ela por causa de algumas péssimas escolhas que fez.

— O problema não foi apenas por causa dos meus irmãos. — Os cabelos soltos dela brilharam sob a luz da cozinha quando sacudiu a cabeça. — Minha mãe morreu quando eu era bem pequena. Meu pai me protegia demais.

Não havia surpresa naquilo.

— Tenho certeza de que ele amava muito você.

— Sim, amava. É por isso que tenho que acreditar que não estava apenas brincando quando me dizia que os homens só queriam uma coisa das garotas.

Wayne sorriu.

— Parece que seu pai usava algumas táticas antiquadas para assustá-la, esperando que isso a poupasse de algum sofrimento. Aposto qualquer coisa que ele nunca teve a intenção de que você levasse algo assim tão a sério.

— Papai sentia-se um pouco desorientado, tendo que criar uma garotinha sozinho.

— Foi o que pensei.

— Mas o fato é que Ron não conseguiu de mim "o que os homens querem". Assim, foi procurar isso com outra. Como posso culpá-lo?

— Ron é um tipo à toa.

— Mas...

— Além de mau-caráter, Ron era um tolo, um ignorante.

— Você nem sequer o conhece.

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Wayne não queria dizer aquilo, mas não podia deixar que Shelley continuasse se sentindo de tal maneira a respeito de si mesma. Num tom manso, mas com inquestionável convicção, declarou enfim:

— Ele perdeu você. E tudo o que preciso saber para descrevê-lo desse modo.

— Então, você não acha que a minha completa falta de sensualidade e experiência o fez ir em busca de outra mulher?

Ele pegou-lhe o pulso com gentileza e ergueu-lhe a mão, segurando-a na sua.

— Oh, se você fizesse idéia de quanto é sexy. Muito, muito sexy. Shelley fez um gesto de cabeça, indicando o pijama que usava.

— Não há nada aqui para deixar você tenso e ofegante.

— Se está se referindo ao pijama, não há nada mesmo. Mas quanto à mulher que está dentro desse pijama... — Wayne a fez levantar da cadeira, mantendo-a bem próxima a si.

Tocou-lhe o pescoço com a ponta dos dedos e deslizou a mão pela pele acetinada até segurar-lhe a nuca com gentileza sob os sedosos cabelos castanhos.

Sentiu-lhe as pequenas mãos pousando em seu peito despido, os dedos macios afundando nos pêlos que o cobriam.

Inclinou a cabeça e, quando falou, sua voz soou quase num sussurro:

— Algum dia, aparecerá um homem que amará você e lhe será fiel por toda a vida. Sabe disso, não é?

— E no que eu gostaria de poder acreditar.

— Acredite, acontecerá.

O fato de Shelley não ter recuado mostrou a Wayne que ela sabia que queria beijá-la e não se opunha. Sentiu algum alívio em saber que haviam chegado ao menos àquele entendimento.

E, algum dia, o príncipe de Shelley apareceria, mas não seria ele. Deixara aquilo claro e ela aceitara o fato.

— Acontecerá, mas esse homem só poderá fazer isso se você estiver aberta a tal possibilidade.

— Eu estou. Isto é, eu quero tentar estar.

Algum aviso devia ter soado na mente dele, dizendo-lhe que até um beijo seria muito a tirar de alguém tão vulnerável, mas, se foi o caso, Wayne o

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ignorou. Ansiava por beijá-la desde aquele dia em que fora vê-la no escritório. Desde então, seu desejo só aumentara. Sem hesitar mais, estreitou-a no calor de seus braços e cobriu-lhe os lábios com os seus.

A maneira como ela retribuiu ao beijo foi tudo o que ele quisera e mais do que pudera ter esperado: com ansiedade em princípio, mas, então, com uma paixão tão intensa que chegou ao ponto de quase entrega total. Se a tivesse erguido em seus braços e a levado para sua cama, Shelley não o teria impedido. Seus lábios sôfregos, mãos carinhosas e impacientes e a maneira como moldava o corpo macio e feminino ao dele eram prova daquilo.

Por mais que ansiasse por fazê-lo, porém, seu senso de dever e honra não lhe permitia. Era como um instinto básico e arraigado que não podia e nem queria extirpar. Relutante, encerrou o beijo tórrido e colocou um pouco de distância entre ambos.

— Isto está ficando um tanto intenso demais. — Com a ponta do dedo, contornou-lhe de leve os lábios ainda úmidos por causa do beijo que haviam trocado. — Talvez devamos apenas dizer boa-noite um ao outro agora. Temos um grande dia pela frente amanhã.

— Hoje já é o grande dia que estivemos planejando. Não vai demorar muito a amanhecer.

— Ora, se não acabamos de passar a noite juntos.

— Eu seria capaz de rir se não estivesse tão... — Shelley deixou que a voz lhe morresse nos lábios. Limpou a garganta e, depois, deu um dos bocejos mais graciosos e forçados que ele já vira. — É melhor eu ir tentar dormir um pouco antes que as coisas comecem realmente a acontecer.

— Concordo — disse ele, observando-a deixar a cozinha rumo a seu quarto. Sozinho, então, e olhando para a cadeira vazia que ela ocupara, murmurou: — As coisas já foram tão longe quanto ousamos deixá-las ir.

"Shelley,

Achei melhor deixar você descansar para a festa de hoje à noite e, assim, saí para cuidar de alguns detalhes de última hora. Voltarei logo após o meio-dia. Depois que tivermos almoçado, poderemos pegar as roupas de casamento e rumar para a igreja! Por favor, sinta-se em casa até eu voltar."

Shelley deixou o bilhete de Wayne de lado e olhou em torno da cozinha. Não havia nem sequer uma migalha como evidência do lanche da noite anterior. Era possível que tivesse imaginado tudo? Tocou os lábios de leve e uma imediata corrente de excitação percorreu-a. Não poderia ter imaginado um beijo intenso daqueles, não era?

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Puxou da mesa a mesma cadeira que ocupara na noite anterior. O ruído do brinquedo de vinil confirmou-lhe que tudo fora bem real. Olhou ao redor, então, à procura de algum sinal do bicho de estimação ao qual o brinquedo devia pertencer, mas não conseguiu se concentrar por muito tempo na busca. Tinha que lidar com tantas coisas naquela manhã; tantos sentimentos que haviam sido despertados na noite anterior... sem mencionar as obrigações daquele dia.

Tornou a ler o bilhete de Wayne: "Depois que tivermos almoçado, poderemos pegar as roupas de casamento e rumar para a igreja!" Vestir roupas de casamento e rumar para a igreja com Wayne. Se fechasse os olhos e calasse a voz interior que a avisava a não esperar demais em relação a qualquer homem, podia quase imaginar...

— Sra. Wayne Perry — murmurou, os olhos fechados. — Sra. Shelley Perry. Wayne e Shelley Perry.

Apertou os lábios, os lábios que ele beijara tão ardorosamente na noite anterior. Conteve a respiração. Algum dia um homem a amaria por tudo o que tinha a lhe oferecer como pessoa. Wayne lhe fizera tal promessa. Como gostaria de ter acordado cedo o bastante naquela manhã para fitá-lo e ver refletido em seus olhos azuis o que achava que vira na noite anterior. Wayne era aquele homem. Simplesmente sabia daquilo e, naquela noite, depois que a festa tivesse terminado, voltariam ali para a casa dele, apenas os dois e...

A melódica campainha tocou inesperadamente, sobressaltando-a. Shelley abriu os olhos de repente e saltou da cadeira. Por um momento, achou melhor não atender. Afinal, não conhecia ninguém naquela cidade, exceto o sr. Winstead e a esposa, Becky, e deveria estar se escondendo dela.

Mas a campainha continuou tocando incessantemente. A persistência do visitante não lhe deu escolha senão ir atender. Fechando melhor o seu robe sobre o pijama, adiantou-se depressa até a porta da frente, chegando a tempo de ouvir uma comoção na varanda.

— Não quero ir à casa do tio Wayne. Quero ir para a minha casa — disse uma menina praticamente aos prantos do outro lado da porta fechada.

— Não podemos ir para a nossa casa, sua boba — declarou um menino, sua voz se elevando acima da balbúrdia feita por crianças ainda menores.

Shelley hesitou, desejando que Wayne estivesse em casa para lidar com o que quer que significasse aquela confusão na varanda.

— Por que não podemos ir para a nossa casa? — choramingou a menina.

— Porque, minha querida... — A voz gentil de uma mulher deu um toque

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de suavidade àquele caos. — ...se fossemos para a sua casa, estragaríamos a...

Shelley conhecia aquela voz. Abriu a porta abruptamente.

— Marilyn?

— Surpresa! — Marilyn Taylor Smith marchou até o interior da casa, conduzindo as crianças. — Olá, Shelley. Detesto fazer isto com você, mas houve uma mudança de planos.

— Uma... uma mudança de planos? — Shelley sentiu um nó no estômago. Aquelas não eram palavras que costumavam ser de seu agrado.

— Wayne está em casa? — Marilyn adiantou-se até a sala de estar, levando as gêmeas dos Winstead pela mão.

Quando as meninas a viram, estenderam os bracinhos em sua direção.

— Tia "Shéi"! Tia "Shéi"! — exclamaram.

As crianças maiores que Shelley não conhecia, mas sabia que deviam ser a filha e o filho de Matt e Dani Taylor, não pareciam tão contentes.

— Wayne deve voltar logo. — Shelley olhou para a cunhada de seu chefe e para as crianças das quais deveria cuidar enquanto cada casal partisse para a respectiva segunda lua-de-mel de uma semana. — Mas não comentou que você traria as crianças até aqui. Estava à sua espera?

— Com toda a sinceridade, eu não faria isto se não me visse obrigada. — Marilyn entregou-lhe Chelsea e, depois, Celeste.

Em certo aturdimento, Shelley acomodou cada gêmea de dois anos junto aos quadris, enquanto tentava entender o que a outra dizia.

— Não faria o quê?

— Estou falando das crianças. Eu sei que disse que cuidaria delas durante a semana. Realmente não me importei. Nem sequer me importei quando Matt e Clark me pediram para deixá-las em minha casa nesta última semana também, tendo arranjado um pretexto qualquer para Dani e Becky. Os dois acharam que, quanto mais se aproximasse a data dos casamentos, mais chance haveria de uma criança deixar escapar algo e estragar a surpresa, sabe?

— Eu não faria isso — anunciou o menino mais velho, lançando um olhar de acusação à irmã.

— Marilyn, não estou entendendo onde quer chegar.

— É só por esta noite. Você poderá ir à casa de Matt e Dani depois da festa e cuidar delas só por esta noite? A mãe de Dani irá para lá amanhã de manhã para ficar com as crianças, então.

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— Esta noite? — Shelley tinha planos para aquela noite e não incluíam crianças e nem um outro lugar para ficar a não ser a casa de Wayne.

— Eu lamento estar lhe pedindo isto tão em cima da hora, mas minha filha mais nova ficou com febre no meio da noite e não está se sentindo bem. — Marilyn inclinou-se para beijar as gêmeas na fronte. — Não há outro meio de resolver isto. Aliás, nem vou poder ir à festa.

— Está brincando?

— Wayne! — A voz de Shelley soou um tanto trêmula. — Não ouvi você chegando em seu carro.

— Eu adoraria ficar para conversamos, Wayne, mas tenho que voltar para casa depressa. Shelley poderá colocá-lo a par de tudo, não é?

— Na verdade, não tenho certeza de que sei o que...

— Ótimo. — Marilyn deu um tapinha carinhoso na cabeça do menino, acenou para a irmã dele, que se sentara no sofá com uma expressão fechada no rosto, e adiantou-se depressa até a porta da frente. Junto à soleira, parou de repente e virou-se para dizer: — Oh, só há mais um pequeno detalhe que preciso que resolva para mim, Shelley. Não é nada complicado, mas, bem, é algo que precisa ser feito.

— Bem, se algo precisa ser feito, a pessoa mais indicada para isso é Shelley. — Se Wayne não tivesse soado genuinamente orgulhoso dela e se fizesse ao menos idéia. da missão de que já fora incumbida, Shelley teria ficado bastante aborrecida com o comentário.

Mas, daquela maneira, apenas sorriu, embora tivesse certeza de que era um dos sorrisos mais desanimados que já dera a alguém. Sua primeira e única noite com Wayne já estava arruinada. O que de pior ainda poderia acontecer?

— Claro, o que quer que você precise mais, Marilyn, tenho certeza de que posso fazer.

CAPÍTULO VIII

Inteligente, leal, inocente, desejável... e, agora, Wayne também podia acrescentar dona de imensa boa vontade à lista das coisas que achava tão atraentes em Shelley. Esticou o pescoço o bastante para vê-la também no altar, participando da cerimônia entre os parentes e padrinhos dos noivos, na

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fileira oposta à sua

Viu-a erguendo o queixo da maneira como sempre fazia quando queria parecer austera e sob controle. Porém, o gesto perdia parte de sua eficácia quando feito por uma mulher num vestido de dama de honra tão feminino e delicado, o tom de verde realçando-lhe os belos olhos. Ele sorriu-lhe, embora sabendo que ela jamais arriscaria perder a impecável compostura num momento solene daqueles para retribuir-lhe o sorriso. Não se importou. Tendo-a observado assumir o lugar de Marilyn como uma das damas de honra sem sequer um resmungo de protesto, Wayne dera-se conta de que ainda tinha muito o que aprender sobre Shelley Harriman.

— Você aceita esta mulher como sua legítima esposa...

Trechos das palavras do pastor aos casais que renovavam seus votos mal foram assimilados pelos pensamentos de Wayne.

— ...para amar e respeitar...

Não parava de pensar em Shelley e nas poucas vezes em que tivera a oportunidade de beijá-la. Perguntou-se se chegaria a conhecê-la realmente ou a deixar de achá-la fascinante, ainda que levasse uma vida inteira.

— ...até que a morte os separe?

As palavras fizeram-no endireitar os ombros e olhar para a frente. Prometer cuidar de alguém para sempre poderia ser bom para Matt e Dani e para Becky e Clark. E até para Shelley. Não tinha dúvida de que uma mulher como ela não apenas precisava daquele tipo de comprometimento, mas o merecia. E merecia o tipo de homem capaz de fazer tais votos e cumpri-los, de jamais desapontá-la. Ele sentiu um grande peso no peito. Não era aquele homem.

— Aceito — disse cada noivo à mulher amada.

Wayne lançou um olhar a Shelley e viu que o observava. Ela empalideceu um pouco, mas não desviou o olhar. Ele baixou os olhos e, então, tornou a fitá-la. Nenhum dos dois sorriu daquela vez.

Numa questão de minutos, a cerimônia em que haviam empregado tanto tempo e empenho para organizar e manter em segredo terminou. Wayne deveria sentir-se aliviado. Mas era um sentimento que não conseguia definir que oprimia seu coração e fazia suas têmporas latejarem. Não tinha certeza, mas achava que devia estar tendo os primeiros sinais de quanto iria sentir falta de Shelley.

— Cada um pode beijar a sua noiva.

Shelley baixou o olhar para o delicado buquê de dama de honra em

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suas mãos. Pareceu pessoal demais ficar olhando a poucos passos de distância enquanto seu chefe dava um beijo apaixonado na esposa. Além do mais, não podia olhar para os casais sem ver Wayne. E não podia vê-lo sem pensar no beijo ardente que haviam partilhado na noite anterior, ela de pijama e ele quase sem nada...

Tornariam a se beijar daquela maneira... ou a partilhar algo ainda mais íntimo? Ela baixou a cabeça. Os cabelos, que deixara soltos e ondulados, roçaram-lhe as faces com seu gesto. Deixara-os soltos em complemento ao vestido de dama de honra, dissera a si mesma, mas logo vira que não adiantava tentar se enganar. Admitia que os deixara daquela maneira porque era como Wayne gostava de vê-los.

Ele lhe falara repetidamente quanto admirava suas boas qualidades. Não era o tipo de conversa mais romântico do mundo, mas talvez fossem as palavras mais românticas que algum homem chegaria a lhe dizer. Sim, o inegável interesse de Wayne havia aumentado em muito a confiança em si mesma, mas não a tinha feito perder a cabeça. Ainda mantinha as suas barreiras no lugar.

Cabelos soltes ou esperanças alimentadas, o fato era que tinha que se manter firmemente plantada na realidade.

Os casais de noivos desceram do altar e começaram a seguir lentamente pelo corredor central, rumo à saída da igreja e, agora, Wayne estendia-lhe o braço. Rapidamente, Shelley aceitou-o e levantou os olhos para fitá-lo. Quaisquer barreiras que achava que ainda mantinha erguidas desmoronaram por completo naquele instante.

Caminhar pela igreja de braço dado com Wayne. A não ser que tivesse usado aquele lindo véu de noiva do ateliê e feito os votos, em vez de apenas tê-los testemunhado, Shelley não podia pensar numa maneira melhor de coroar aquele dia de ambos. Sim, pensara numa maneira ainda melhor, mas, agora, suas responsabilidades para com as crianças haviam tornado aquilo impossível.

— Consegue acreditar que isto já está quase chegando ao fim? — disse-lhe Wayne ao ouvido, enquanto seguiam lentamente pelo corredor entre os demais atrás dos casais de noivos.

— Chegando ao fim? — O quê? Os casamentos? O tempo que ambos tinham para ficar juntos?

— Sim, tudo aquilo que passamos tanto tempo planejando e organizando. Mais algumas horas na festa e... — Ele estalou os dedos — ...fim.

— Mas as lembranças durarão. — Um comentário insinuante, para dizer

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o mínimo. Um que ela esperava que conduzisse a uma conversa sobre as coisas especiais que haviam surgido entre ambos nos dias anteriores.

— Sem dúvida. Nunca vou me esquecer de como você ficou nesse vestido.

Shelley baixou o olhar discretamente para o vestido, sabendo que de fato lhe caíra bem. Era um modelo em duas .peças, a de baixo um vestido comprido e justo de cetim verde, sem alças e com duas fendas laterais desde a altura dos joelhos até em baixo. A parte de cima era uma túnica de musselina verde, de mangas compridas e com discretos bordados, que dava um toque de extrema sofisticação ao traje. Ela achara o vestido de cetim um tanto sensual demais e sentira-se pouco à vontade quando o colocara e se olhara no espelho, mas, no momento e»m que vestira a túnica longa e transparente por cima, toda a sua insegurança se dissipará. As outras damas de honra usavam vestidos semelhantes de outras cores, mas Marilyn se superara na escolha do seu. Era, de fato, deslumbrante. E, ao que parecia, Wayne o estava apreciando também... e em seu corpo, pensou ela, esforçando-se para conter um sorriso de satisfação.

— Foi uma pena Marilyn não ter tido chance de usá-lo — disse, sua voz soando calma e casual, como se o comentário dele não a tivesse afetado tanto.

— Seja como for, o vestido até parece ter sido feito sob medida para você. Ficou perfeito. — Pararam ao final do corredor, enquanto os casais de noivos saíam pela grande porta dupla e iam se posicionando para receber os cumprimentos dos convidados. — Você mostrou boa vontade em ter aceitado ser dama de honra no lugar dela, levando em conta que foi algo tão inesperado e tudo mais.

— Confesso que me senti um tanto deslocada e sem jeito quando a cerimônia começou.

— Ninguém teria adivinhado. Você parecia inabalável — disse Wayne num tom bem humorado.

Shelley não conseguiu resistir ao sorriso charmoso dele e retribuiu-o. Seu lado prático dizia-lhe que não deveria continuar se deixando levar daquela maneira, mas era impossível não ficar contagiada pelo sorriso dele.

— Venha, vamos cumprimentar os noivos e, depois, poderemos ir para o salão de festas, onde farei questão de apresentá-la a todos.

Agora, ela estava caminhando nas nuvens.

— Você me apresentará aos seus amigos?

— Claro.

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— Mal posso esperar para conhecê-los. Especialmente Tippie

— Tippie? — Ele franziu o cenho.

— Bem, você me disse que nós duas éramos tão parecida e que ela era sua melhor amiga. Apenas fiquei curiosa para..

— Achei que você soubesse. — Wayne puxou-a um pouco de lado, enquanto aguardavam a vez de cumprimentarem o noivos atrás de um grupo de convidados.

— Que eu soubesse o quê?

Ele não pôde conter o riso, mas conseguiu inclinar-se par sussurrar-lhe ao ouvido quando anunciou:

— Ela não veio à cerimônia, nem estará na festa. Tippie é minha cachorra de estimação!

— Srta. Harriman? — Alguém pousou a mão com gentileza nas costas de Shelley.

Ela ergueu a cabeça apenas o bastante para ver um trecho de um vestido branco e, depois, de outro.

— O que houve, Shelley? — A saia rodada de Becky Winstead farfalhou quando se agachou ao lado da única cadeira no luxuoso toalete feminino do salão de festas.

— Por que você está chorando? — Dani Taylor inclinou-se para observar-lhe o rosto.

— Não estou... — Shelley ergueu a cabeça. Confrontada com a evidência de suas lágrimas no grande espelho retangular acima da fileira de pias de mármore, não pôde negá-las. E notou que sua aparência não estava das melhores também.

Os cabelos, em vez de cascatearem sensualmente em ondas como imaginara, começavam a parecer escorridos. A maquiagem, que aplicara com meticuloso cuidado, estava borrada por causa das lágrimas. E o vestido... o vestido tão belo e elegante... nem sequer era seu!

Fora com muito custo que conseguira conter as lágrimas enquanto ela e Wayne haviam cumprimentado os noivos e, depois, seguido para o salão. Mas, conforme a festa progredira, não pudera mais se conter. Sob o pretexto de retocar a maquiagem, refugiara-se no toalete e... ali estava. Shelley Harriman, o próprio exemplo da calma sob pressão, a eficiência em pessoa, aquela que nunca deixava que ninguém a fizesse de tola, fora reduzida a uma figura patética, consumindo-se em autopiedade. E por quê? Por causa de um homem?

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Um homem a quem sonhara se entregar completamente num ato de confiança e esperança, lembrou a si mesma. Engolindo em seco, ergueu a cabeça com relutância. Um homem que a comparara com uma cachorra!

— O que a deixou assim tão triste? — Dani entregou-lhe um lenço de papel que pegou de uma caixa num aparador.

Shelley amassou o lenço na mão sem sequer tê-lo usado.

— Uma cachorra!

— Uma o quê? — perguntou Becky.

Shelley sacudiu a cabeça com ar inconformado.

— Wayne Perry me disse que eu o fazia lembrar de sua cachorra.

— Tippie? — As duas mulheres de vestido de noiva entreolharam-se, a expressão em seus rostos confusa por um instante.

— Sim.

— Não me diga que ele fez uma coisa dessas! — Dani cruzou os braços.

— Comparou você a uma cachorra? — Becky estreitou os olhos, o véu de tule esvoaçando de leve enquanto sacudia a cabeça para demonstrar sua indignação. — Aquele insensível! Estou com vontade de voltar ao salão e lhe dizer umas boas verdades!

— Eu também — acrescentou Dani, virando-se para Shelley. — Nenhuma mulher quer que um homem como Wayne fique fazendo esse tipo de comparação tola. Especialmente num casamento, quando ela quer que ele ocupe a mente com... outras coisas.

— E óbvio que Wayne não me associa com essas "outras coisas". Embora tenha parecido fazê-lo ontem à noite.

— Ontem à noite? — Becky arqueou as sobrancelhas.

— Na cozinha dele. — Shelley cruzou os braços com ar zangado.

— Na cozinha dele? — Dani, que estivera vasculhando sua pequena bolsa à procura de um batom, pareceu paralisada no lugar.

— Céus, Shelley, eu não fazia idéia de que você e Wayne estavam... — Becky limpou a garganta. — E, por nossa causa, vai ter que cuidar das crianças nesta noite quando provavelmente preferiria passar seu tempo...

— Entretendo-se na cozinha? — acrescentou Dani com um sorriso.

— Fazendo o quê? — Shelley arregalou os olhos. Não era preciso muita experiência no assunto para saber o que as duas pensavam que ela e Wayne tinham feito... e, ainda por cima, na cozinha dele! — Oh, céus! Não, não! Foi

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apenas um beijo, nada mais.

As duas mulheres de branco trocaram um olhar duvidoso.

— Acontece apenas que, ontem à noite, ele me deu um beijo maravilhoso, repleto de paixão. Então, saiu, antes que eu tivesse acordado pela manhã e, com os preparativos finais para a festa e o fato de cuidar das crianças...

— Caso não tenhamos lhe dito, ficamos imensamente gratas por todas essas coisas. — Becky apertou-lhe o ombro com gentileza num gesto de agradecimento.

Dani, que finalmente conseguira retocar o batom, concordou:

— Ficamos mesmo. Muito. Eu gostaria que minha mãe pudesse estar disponível nesta noite para cuidar das crianças. Você é um amor por ter feito tanto por nós e agora ficar cuidando de quatro crianças também. Com sorte, elas estarão esgotadas e não demorarão a dormir. Estavam gastando bastante energia na pista de dança agora há pouco.

— Não me importo em ter que cuidar delas. Por que deveria? Ao que parece, em algum ponto entre o beijo de ontem e o evento desta noite, eu passei do tipo de mulher que inspira paixão ao tipo que serve como uma leal amiga.

— Não diga isso — declarou Dani num tom de encorajamento. — Deve haver algo que você possa fazer para que Wayne a veja sob esse primeiro aspecto outra vez.

— E, para começar, que tal enxugar essas lágrimas, retocar a maquiagem e voltar a ser a linda dama de honra que estava naquele altar? — sugeriu Becky prontamente.

— Linda? — Shelley riu, tomando o elogio como um comentário espirituoso. Bem, se ao menos conseguisse manter o bom humor, pensou, talvez se recobrasse mais depressa.

— Exatamente. — Becky pegou-lhe a mão para que se levantasse e colocou-a diante do espelho. — E você também é a mulher mais capaz, confiante e determinada que conheço. Não consigo imaginar que deixaria que qualquer coisa ficasse entre você e o que quer realizar.

— Talvez eu apenas não tenha certeza do que quero realizar. — Shelley deixou que seus ombros caíssem. — Ou até do que sou capaz de realizar.

— Você? — Becky riu. — Você é capaz de realizar qualquer coisa a que se disponha. Clark sempre diz isso a seu respeito, você sabe.

— Mas ele se refere aos negócios. De negócios, eu entendo até demais.

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Mas isto se trata de... — O quê? Amor? Paixão? Sexo? Shelley sacudiu a cabeça. — ...de algo com o qual sou totalmente despreparada para lidar.

— Mas qual é a necessidade de preparo? Tudo o que você precisa é o que toda a mulher tem. Inteligência, personalidade... — Dani estendeu-lhe uma pequena bolsa de maquiagem, como se ali estivesse a chave para os problemas dela. — ...e algumas armas secretas femininas.

— Oh, não acho que eu poderia... Vocês acham?

— Sim — persistiu Dani. — Você organizou um casamento surpresa para nós duas, enquanto estava atraindo a atenção do solteiro mais cobiçado de nossa cidadezinha. Você pode fazer isto.

— Eu apenas sei que se alguém me comparou àquela cachorra...

— Tippie?

— Ela é adorável, mas dirige a casa de Wayne com uma pata de ferro — riu Becky. — Foi por isso que ele a deixou com um vizinho mesmo depois de sua viagem. Quis poder acabar de cuidar dos preparativos para o casamento sem que ela transformasse nenhum dos presentes num brinquedo de morder... ou dos hóspedes.

— Então, ela é voluntariosa? — Shelley endireitou os ombros.

— Sim.

— E determinada?

— Extremamente. — confirmou Becky com um largo sorriso.

— E adorável?

— Sim. E Wayne é louco por ela.

Shelley mordeu o lábio inferior. Lançou mais um olhar a seu reflexo no espelho. Aquele era um momento decisivo. Se . esperava fazer com que Wayne a visse como uma mulher sexy, desejável, só tinha aquela festa, aquela noite.

— Garotas, acho que vou pôr mãos à obra — declarou com sua costumeira determinação.

— E assim que se fala — encorajou-a Dani.

— Vou mostrar a Wayne Perry que não sou parecida com uma cachorra, não importando quanto a dele seja determinada e adorável. E que posso ser eficiente como uma máquina, mas que há um lado meu bastante... humano também.

— Oh, parece-me um ótimo plano! Mas como...

— Não importa como. Apenas empreste-me essa sua bolsa de

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maquiagem.

CAPÍTULO IX

Por que não poderá ficar na nossa casa esta noite, tio Wayne? — A pequena Maggie Taylor, de cinco anos de idade, puxou-lhe a mão quando ele estava recostado numa parede do salão. Com a música alta e as luzes difusas na pista de dança, a garotinha de vestido rosa parecia docemente deslocada ali. Quando sentiu vontade de dar um grande bocejo, soltou a mão dele.

— Parece que você adormecerá ainda no carro a caminho de casa nesta noite, querida. Mesmo que eu fosse para lá, você nem sequer saberia da minha presença.

— Saberia, sim. — A menina esfregou os olhos e tornou a bocejar.

— E não estou cansada. Por que não vai para a nossa casa?

— Sim, também acho que você deve ir. — Kyle Taylor, o menino que Wayne ajudara Dani e Matt a adotar, recostou-se na parede a seu lado. Ainda na tenra idade de sete anos, a sua postura casual espelhava perfeitamente a de Wayne. — Se você não for à nossa casa esta noite, vou ser o único menino lá. Um garoto e quatro garotas. Credo!

Wayne riu.

— Algum dia, você vai gostar de estar em menor número num caso desses.

— Eu não. — Kyle cruzou os braços, as faces vermelhas.

— Vou ser como você e nunca me casarei. Vou ter um cachorro, uma caminhonete e não haverá nenhuma garota para me dizer o que fazer.

— Vai mudar de idéia quanto a isso também,

— Você não mudou. — O menino estudou-o com a candura que só uma criança possuía, sem o menor sinal de maldade ou desdém. — Você não precisa de nenhuma garota lhe dando ordens e fazendo com que se sinta mal se não fizer o que ela diz.

— Não é desse modo que tem que ser, Kyle. Um casamento envolve muito mais do que se abrir mão da liberdade pessoal e estar sempre se preocupando se vai magoar a pessoa a quem ama. — Aquelas palavras haviam saído de seus lábios?, perguntou-se Wayne. Sim, e falara a sério. Gostaria de acreditar que aquela comemoração e aqueles casais haviam motivado a sutil

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mas verdadeira mudança em seu modo de pensar sobre como os casamentos podiam ser, mas sabia que as razões eram outras.

— Talvez você fique surpreso. Com tempo o bastante para refletir e, aparecendo a mulher certa, até solteirões convictos como você e eu são capazes de ver o lado positivo do casamento... mesmo se ainda duvidarmos de que é o ideal para nós.

— Não sei quanto a isso. — Kyle baixou o olhar para a ponta do sapato. — Na verdade, eu estava pensando sobre a srta. Harriman.

— A srta. Harriman? — Wayne inclinou a cabeça e arqueou uma sobrancelha enquanto observava o garoto. — Estava pensando em se casar com a srta. Harriman?

— Não, é claro que não. Eu estava pensando se ela me dará ordens quando ficar tomando conta de nós esta noite, em como não vou gostar e em como gostaria que houvesse outro garoto na casa para estar do meu lado.

Wayne agachou-se para colocar-se na mesma altura do menino.

— Kyle, a srta. Harriman fez ou disse algo que o aborrecesse ou ferisse seus sentimentos enquanto tomou conta de vocês hoje?

— Não.

— Eu gosto dela — interveio Maggie alegremente. — A srta. Harriman deixou a gente brincar de casamento e eu fui a noiva! Kyle só está zangado com ela porque a srta. Harriman o fez revezar. Primeiro brincamos de casamento e, depois, do que ele quis.

— Como eu disse, ela é mandona.

Wayne soltou um suspiro de alívio. Não podia imaginar Shelley fazendo algo para que o garoto não gostasse dela. Vira como era boa e atenciosa com crianças no dia em que a conhecera, contando a história para as gêmeas e, naquela tarde, enquanto tomara conta de ambas e dos filhos de Matt e Dani. Parecera-lhe completamente maternal. Era uma garota bondosa, paciente, ca-rinhosa, que um dia seria uma mãe maravilhosa e...

Antes de poder terminar o pensamento, um lampejo de cetim verde e pernas bem-torneadas chamaram-lhe a atenção da posição em que estava. Num instante, a imagem maternal de Shelley tornara-se bem mais íntima e sedutora. Levantou-se devagar, seu olhar fixo na mulher que caminhava em sua direção.

Se a personificação da sensualidade pudesse meter-se num par de sapatos altos e caminhar até a pista de dança do salão VFW de Woodbridge, Indiana, aquela seria sua aparência. Não havia nada de excessivo ou óbvio

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nela, mas um misto de encanto, inocência e sedução irresistíveis. Aquele era o ideal dele do que era sexy, e Shelley transformara-se naquilo como num passe de mágica.

Shelley movia-se com confiança, segura de si e com um propósito, como se não visse nada ou ninguém exceto ele. A poucos passos, parou e inclinou a cabeça de leve para o lado. Os cabelos castanhos e sedosos que escovara vigorosamente cascatearam-lhe até os ombros expostos. A maquiagem continuava de bom gosto como a anterior, mas parecia mais vibrante, realçando-lhe os olhos verdes, as maçãs salientes do rosto e os lábios cheios. Em vez de neutra e conservadora como a de antes, agora dava-lhe um ar de sofisticação e certa ousadia.

Shelley cruzou os braços abaixo dos seios e aguardou.

Wayne soltou um assobio baixo.

— O que aconteceu com o vestido bonito que estava usando antes, srta. Harriman? — perguntou Maggie.

O que acontecera era óbvio para Wayne e sentia-se ao mesmo tempo lisonjeado e frustrado com aquilo. Ela simplesmente tirara a túnica transparente que fazia parte do traje e ficara com o vestido de cetim por baixo. Continuava com o mesmo requinte, mas, num piscar de olhos, transformara-se de uma mulher discreta e elegante numa absolutamente sedutora. Na verdade, aquela mulher estonteante estivera ali o tempo todo; só precisara ser revelada. Como a mulher que existia dentro dela.

E fizera aquilo, ele sabia, para provocá-lo e como um meio de vingança. Por tê-la evitado naquele dia. E, com certeza, por tê-la comparado à sua cachorra. E o método que escolhera para fazê-lo sofrer não apenas era delicioso mas perigoso também.

Era evidente que queria que ele a desejasse de uma maneira que compensasse todo o seu distanciamento deliberado daquele dia. Sua vontade estava sendo cumprida. Desejava-a intensamente. Mas, aliás, sempre a desejara e, depois do beijo na noite anterior, sabia que Shelley o desejava também. Porém, o simples fato de sentirem uma forte atração um pelo outro não tornava as coisas certas ou viáveis. O inegável desejo só as complicava.

Gostaria que Shelley compreendesse aquilo. Ele achara que ela tivesse compreendido quando lhe falara sobre encontrar o homem certo durante a conversa na cozinha. Acreditara que, com a maneira como a evitara durante o dia, tivesse consolidado aquele entendimento entre ambos.

Percorreu-a de alto a baixo agora, observando-lhe o colo acetinado, a curva dos seios, realçada pelo vestido tomara-que-caia, apreciando a maneira

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como o cetim lhe moldava o corpo perfeito, como as fendas laterais permitiam lampejos de pernas esculturais ao menor movimento. Obviamente, estivera enganado.

— Bem, você não tem nada a dizer? — perguntou Shelley com um olhar sedutor que só fez com que o desejo que o percorria se alastrasse ainda mais.

Ela brincava com fogo ali, mas o problema era que, certamente, não estava preparada para lidar com as conseqüências. Mas como ele. apagaria aquele fogo sem magoá-la ou embaraçá-la? Não podia fazê-lo.

Aquela mulher tinha capacidade para fazer qualquer coisa e muito bem, caso se dispusesse e obtivesse uma certa prática. Wayne não tinha a menor dúvida. Ela decidira seduzi-lo, mas, naquela área, simplesmente faltava-lhe experiência para cumprir a tarefa sem sua cooperação. Para o bem de Shelley, ele simplesmente não podia cooperar.

Não podia dar-lhe o tipo de relacionamento que merecia, mas não queria magoá-la e, portanto, sacrificaria seu próprio desejo e faria tudo ao seu alcance para ajudá-la a manter a dignidade. Se com tal atitude a levasse a desprezá-lo e esquecê-lo, teria que aprender a conviver com aquilo.

— E então? — persistiu ela.

— Não sei quanto a você, Kyle, mas a srta. Harriman pode ficar mandando em mim quanto quiser, especialmente se o fizer com uma aparência dessas.

— Mandar em você? — Até a voz dela havia adquirido um novo ar de sedução. — Sr. Perry, o que é que está sugerindo?

— Kyle e eu estávamos tendo uma conversa sobre o fato de ser o único garoto na casa esta noite. Ele não gosta da idéia de receber ordens de uma... — Sem poder evitar, Wayne tornou a percorrê-la com um olhar de pura apreciação masculina — ... garota.

— Oh.

— Kyle acha que eu deveria ir até sua casa também e ajudar você a cuidar de todos, para equilibrar mais as coisas. — Ele aproximou-se mais, notando-lhe, mesmo sob a luz difusa, o tom róseo surgindo-lhe na pele delicada do colo. — Estou começando a achar que talvez essa não seja uma má idéia.

Shelley engoliu em seco, mas não recuou do desafio.

— Se eu puder ficar dando ordens a você, talvez não seja mesmo má idéia..

— Você não pode dar ordens ao tio Wayne — declarou Kyle num tom de

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absoluta incredulidade. — Ela pode, tio Wayne?

— Não se preocupe — disse Shelley, tocando a ponta do nariz do menino num gesto carinhoso. — Tenho a impressão de que seu tio seria o primeiro a dizer a você a seguinte frase a meu respeito: "Cão que ladra não morde".

— Eu sabia que você levaria aquela comparação com Tippie a sério demais.

— E como eu deveria reagir?

— Eu fiz essa comparação como um elogio.

— Eu a tomei como um... — Shelley apertou os lábios, não querendo lhe dizer como realmente se sentira.

— Você ficou ofendida e a tomou como um desafio. Um desafio que, devo acrescentar, conseguiu enfrentar com êxito total.

— Então, você gostou de me ver neste vestido? — sussurrou ela.

— O vestido não importa — murmurou Wayne, tocando-lhe o queixo delicado. — Você poderia estar parada aqui naquele pijama folgado de ontem à noite, e eu sentiria o mesmo que sinto quando a vejo nesse vestido... ou se a tivesse visto usando absolutamente nada.

Viu-a entreabrindo os lábios, como se tivesse ficado um tanto ofegante, e soube como a afetara com o comentário sugestivo. Na verdade, a imagem que as palavras evocaram em sua própria mente deixou-o sem fôlego também. Tinha que reprimir seu desejo e persistir até que ela mesma lhe dissesse para parar e o afastasse.

— Então, você vai me deixar passar a noite a seu lado, ajudando-a a tomar conta das crianças?

Wayne tocou-lhe o ombro, correndo os dedos pela pele macia para afastar-lhe os cabelos do pescoço. Shelley fechou os olhos por um instante, enquanto respirava fundo numa reação que falava de deleite físico e expectativa.

Ele conteve sua própria reação, esforçando-se para manter o controle. Tinha que lembrar que o que estava fazendo era para o próprio bem de Shelley.

— Você poderá até me ajudar, mas não passará a noite toda lá, como sabe. — sussurrou ela, seu comentário feito no tom de uma mulher que precisasse ser convencida daquilo.

— Ah, então você vai me fazer implorar? — As coisas não transcorriam

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da maneira como ele planejara, mas já não se importava mais.

— Implore quanto quiser, mas não adiantará de nada. Não importando como eu me sinta em relação ao assunto, quanto eu queira... — Shelley interrompeu-se e umedeceu os lábios, seu olhar cauteloso.

Se estivessem num outro lugar onde pudessem ter tido um mínimo de privacidade, ele a teria beijado arrebata dor aumente até que nenhum dos dois se lembrasse mais de seus planos bem traçados.

— Não posso permitir que passe a noite comigo e as crianças. Sabe disso, especialmente havendo alguma chance de nos deixarmos levar pelo momento. Na verdade, talvez seja melhor que você nem sequer vá à casa dos Taylor depois da festa, apenas para mantermos as coisas...

Wayne meneou a cabeça. Shelley o recusara; tinha sua dignidade. Ele mantinha seu senso de nobreza intacto. E, naquela noite, cada um iria para a sua cama sozinho, exatamente como ele planejara. Ambos haviam vencido. Era uma pena que a vitória tivesse um gosto tão amargo.

— Está certo. Então, não podemos passar a noite um nos braços do outro. Mas não há motivo para não fazermos isso durante alguns minutos agora.

— Agora? — Shelley arregalou os olhos. — Você quer dizer... quer dizer... — Fez um gesto de cabeça na direção do estacionamento.

— Quero dizer... — Wayne puxou-a para seus braços e começou a conduzi-la pela pista de dança — ...enquanto estivermos dançando.

A sensação de ter aqueles braços fortes em torno de si era tão maravilhosa... Com os corpos de ambos colados, movendo-se ao ritmo lento e sensual da música, Shelley fechou os olhos para saborear cada nuança do momento. Guardaria na lembrança a maneira como o coração de Wayne batia de encontro ao seu, a fragrância de sua colônia amadeirada, o calor de sua mão nas costas dela.

— Posso interromper? — A voz de Baxter Davis foi como um golpe brusco da realidade, encerrando-lhe o sonho fugaz.

Shelley abriu os olhos e deparou com o contador sorrindo-lhe largamente por sobre o ombro de Wayne.

— Shelley? — Ele colocou a decisão em suas mãos, mas segurou-a com um pouco mais de firmeza, seu maxilar rijo enquanto a fitava e ignorava a presença do indesejável intruso. — E você quem decide.

— Eu... — Ela detestaria ter que ser rude... com qualquer um dos dois. Não queria deixar os braços de Wayne... nunca mais. E aquele poderia ser

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exatamente o motivo para colocar uma distância segura entre ambos agora. Ficando na ponta dos pés, sussurrou-lhe ao ouvido: — Baxter é o melhor amigo do meu chefe e meu superior no trabalho. Não posso constrangê-lo.

— Eu entendo. — Wayne meneou a cabeça, deu um passo atrás e colocou a mão dela na de Baxter, mas antes de se afastar, disse algo num tom baixo e quase ameaçador ao outro homem.

Shelley franziu o cenho com ar confuso. Wayne beijou-lhe a outra mão delicada e, depois, fitou-a como se fosse a única pessoa no salão.

— Obrigado pela dança. Vou até lá fora em busca de um pouco de ar fresco agora.

Shelley observou-o afastar-se enquanto Baxter a puxava para si e a conduzia ao ritmo da música sem muita habilidade.

— Finalmente, deixou os cabelos soltos, srta. Harriman. Só tenho a agradecer à minha sorte que tenha sido num local onde posso tirar proveito.

— A única coisa de que está tirando proveito, sr. Davis, é do meu medo de fazer uma cena. — Ela manteve o máximo de distância que lhe foi possível entre os corpos de ambos enquanto dançavam.

— Se você não queria fazer uma cena ou correr o risco de que alguém fizesse uma por sua causa, por que apareceu aqui vestida dessa maneira?

Shelley conteve a respiração, o que, percebeu tarde demais, projetou seus seios para cima, expondo-lhe um pouco mais as curvas generosas acima do decote.

— Eu estou... Foi um pedido de atenção assim tão óbvio? Este vestido e tudo mais?

— Um pedido de atenção? Srta. Harriman, com essa aparência você parece subir no telhado e gritar: "Olhem para mim! Não sou a assistente sisuda que todos pensam."

— Acha mesmo? — Shelley nem precisou de confirmação. Bastou baixar o olhar para si mesma para saber. Era verdade. Suas faces queimaram. O vestido era maravilhoso, mas ela estava sensual demais. O que começara como uma idéia. genial e empolgante entre um grupo de mulheres bem-intencionadas no toalete feminino do salão agora parecia-lhe como algo tolo e imaturo.

Era surpreendente que Wayne não tivesse lhe apontado que tola parecia, ou pior, atirado o paletó em cima de seus ombros, cobrindo-a para seu próprio bem, e, depois, levado-a do salão para poupá-la de sua tentativa ridícula de parecer sexy. Shelley Harriman, bancando a mulher fatal... A quem

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tentara enganar? Duvidava que Marilyn teria tido coragem de usar o vestido sem a túnica de musselina por cima. A túnica servira como uma peça fundamental, para, através de sua transparência, apenas insinuar a sensualidade do vestido. E, em vez de ter mantido o bom senso do instante em que se olhara no espelho quando se vestira para a festa, tivera que seguir seu tolo impulso!

Mas Wayne não a censurara. Deixara-a continuar com a própria decisão e lhe dera seu apoio, conduzindo-a pela pista de dança. De repente, aquele gesto enterneceu-a.

— Estou mais para atirada do que para atraente, não é?

— Você está como sempre a imaginei em minhas fantasias, minha cara.

Shelley não soube dizer se o homem falava sério, ou se estava se divertindo à sua custa, mas não se importou. A opinião e as atitudes de apenas um homem ocupavam sua mente e seu coração no momento.

— Estou ridícula. Wayne foi cavalheiro demais para dizer isso.

— Cavalheiro? Ele? — Baxter sacudiu a cabeça e torceu os lábios enquanto continuava conduzindo-a pela pista desajeitadamente. — Não o acharia um cavalheiro se tivesse ouvido o que Perry me disse antes de sair do salão.

— E o que foi que lhe disse?

— Que eu poderia ter esta dança, mas que não ficasse tendo idéia.s, porque você iria para casa com ele.

— O quê?

— Perry disse que você iria para casa com ele. Francamente, srta. Harriman, acho que poderia arranjar alguém melhor.

— Eu não disse que ia... Wayne não tinha o direito de dizer isso.

— Se me permite falar, o homem não me parece do tipo que se preocupa muito com direitos quando vê algo que quer. Lembra-se de como agiu naquele dia em seu escritório?

Shelley lembrava-se. Sim, lembrava-se de todas as vezes em que ele aparecera e começara a fazer as coisas à sua própria maneira, tomando as decisões por ela. Desde aquela primeira noite até o dia no restaurante, passando pela escolha de véus e o "convite" para ficar hospedada em sua casa, Wayne lhe impusera escolhas, respeitando apenas na teoria a sua habilidade de resolver tudo sozinha, mas não na prática, que era o que contava.

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As luzes pareceram diminuir e rodopiar em torno de Shelley, mas seus pés não se moveram. Cerrou os dentes. Respirou fundo e soltou o ar devagar. Ergueu, então, o queixo e tornou a encarnar a pessoa reservada que combinava mais com ela do que uma sedutora envolta em cetim.

— Há duas coisas que não tolero num homem, Baxter.

— Apenas duas?

Ela ignorou o gracejo.

— Uma é que ele pense que pode me dizer o que fazer com a minha vida. A segunda é que me faça de tola. É nesta noite que estou me dando conta de que Wayne Perry tem feito ambas as coisas comigo desde que começamos a trabalhar na organização deste evento juntos.

— E o que você vai fazer a respeito?

— Fazer? Nada. O que posso fazer? — Ela olhou em torno do salão e avistou o lugar em que Wayne estivera com Kyle e Maggie. As duas crianças estavam sentadas em cadeiras, parecendo cansadas e entediadas. — Não posso mudar o que aconteceu entre Wayne e eu. Posso apenas cumprir minhas obrigações aqui nesta noite e, então, voltar para Chicago amanhã e prosseguir com minha vida.

— E quanto a Perry? Não vai lhe dar um sermão daqueles como sempre faz comigo quando passo dos limites?

— O que quero dar a Wayne... — O beijo de ambos, a dança, a esperança que ela tivera de dividirem aquela grande cama... tudo aquilo passou num turbilhão em sua mente. — O que quero lhe dar é irrelevante. O que não vou lhe dar é a satisfação de um dramático adeus.

O que, afinal, ele estivera pensando? Num minuto quisera usar a ameaça de uma verdadeira intimidade para fazer com que Shelley recuasse por conta própria. Alguns minutos de dança com a mulher no salão, interrompidos pela chegada daquele Davis cretino, e estivera pronto para desfazer a sua boa ação daquela noite.

Wayne meteu as mãos nos bolsos, olhou para a imensidão de estrelas cintilando no céu e praguejou entre dentes. Se tivesse um pingo de bom senso, rumaria para casa naquele instante e esqueceria que já conhecera...

— Shelley?

Uma túnica esvoaçante e a maneira como finas mechas de cabelo se desprendiam de um coque improvisado traíram a identidade do vulto que saía sorrateiramente do salão com uma manta rosa de bebê atirada por sobre o ombro até as costas.

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— Shelley, é você? — O cascalho do estacionamento protestou sob os pés dele enquanto caminhava depressa na direção da mulher que se afastava. — Por que prendeu os cabelos? Aonde está indo?

— Fale baixo. — Shelley virou-se apenas o bastante para deixá-lo ver a menina de dois anos adormecida em seus braços.

— Desculpe. — Wayne parou onde estava.

Em vez de seguir até seu Carro, para onde Marilyn transferira as cadeirinhas de criança naquele dia, Shelley hesitou.

Aninhava a criança junto a si sem o menor esforço e ainda segurava uma sacola de bebê ao mesmo tempo.

Exibia tanta naturalidade fazendo aquilo. Parecia tão perfeita que ele sentiu um aperto no coração só em observá-la e saber que não faria parte da vida dela quando um dia fosse mãe realmente.

— Vou levar as crianças para casa. Estão esgotadas.

— Quer que eu a ajude a...

— Não.

— Ouça, você não está zangada por causa de... tudo, não é?

— Não.

Podia encontrar algum consolo daquilo, supôs ele.

— Não por causa de tudo.

Wayne não pôde se conter. Abriu um sorriso. Shelley não teria acrescentado algo tão importante uma semana antes. Não queria mais agir como a mulher inflexível de antes. Podia parabenizar a si mesmo pela pequena façanha. Ajudara-a de algum modo, embora soubesse que não podia salvá-la por completo.

— E, na verdade, não estou tão zangada. Eu diria que estou mais é... recobrando o meu bom senso.

— Se ajudar, quero lhe dizer que lamento muito que as coisas não tenham podido ser diferentes.

— Tenho que levar as crianças à casa dos Taylor agora.

— Eu teria prazer em...

— Não. — Ela falou alto o bastante para despertar a criança ligeiramente. Com palavras gentis a fez dormir outra vez.

Fazia aquilo tão bem, pensou ele. Fazia tudo muito bem. Aquele aperto em seu peito intensificou-se.

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— Diga-me, não seria tão mau, seria, se me deixasse ajudá-la a cuidar das crianças? É apenas por uma noite, afinal.

Atrás dele, ouviram-se as vozes das outras crianças enquanto davam beijos de despedida nos pais. Dani, Matt, Becky e Clark prometeram ligar e deram instruções de último minuto. Wayne não tirou os olhos de Shelley.

Ele deu um passo à frente, a mão estendida.

— Shelley, eu...

— Não, Wayne. Falei sério. — Ela começou a se afastar e, então, virou-se de repente, seu rosto triste mas sereno. — A última coisa na face da terra que quero ou preciso é de alguma ajuda sua.

CAPÍTULO X

Nem sequer começara o noticiário das onze horas e Shelley já colocara as crianças para dormir... duas vezes... e lera-lhes histórias... duas vezes também. Olhara pela janela da frente meia dúzia de vezes para ver se um ou outro barulho era o de algum carro parando diante da casa dos Taylor. Finalmente, tirara o pijama da maleta que levara em seu carro, vestira-o e acomodara-se no sofá para passar a noite. O que mais iria fazer? Tinha certeza de que não conseguiria conciliar o sono.

Deixou o controle remoto da tevê na mesa de centro e colocou os pés debaixo de si no sofá grande e confortável. Fotografias observavam-na das paredes da sala de estar, registros de lembranças dos momentos mais doces da vida. Brinquedos transbordavam do baú de cores alegres a um canto. Dois pares de calçados, um feminino e o outro masculino, haviam sido deixados perto da lareira vazia.

Era estranho estar num lar desconhecido, cuidando dos filhos de outras pessoas e, ainda assim, era algo que a agradava. Ali, onde não tinha passado, nenhuma coleção de decepções e tampouco nenhuma lembrança de uma certa conversa interessante e um beijo tórrido, podia dar vazão a seus sonhos. Fechou os olhos e tentou imaginar aqueles como seu lar e sua família, mas não conseguiu. Com um peso no coração, suspirou. Como poderia ter tais coisas sem encontrar primeiro o amor e um relacionamento baseado em paixão, objetivos em comum e respeito mútuo? Todas aquelas coisas que esperara encontrar e cultivar com...

Abraçando os joelhos, mordeu o lábio inferior, seus olhos na porta. A

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festa provavelmente ainda estaria animada, com toda aquela bebida e comida refinada, risos, música e dança. Sabia que Wayne não teria tido a menor dificuldade em encontrar companhia para desfrutar tudo aquilo e muito mais naquela noite.

Olhou para o relógio de parede. A festa ainda duraria uma hora pelo menos, talvez duas. Os casais homenageados deviam ter saído logo depois dela, partindo para a segunda lua-de-mel, mas o luxuoso salão estaria à disposição de todos até bem depois da meia-noite. A mãe de Dani Taylor prometera ficar lá até que o último convidado deixasse a festa. Aquele fora um dos motivos pelos quais não pudera tomar conta das crianças no lugar de Marilyn. Também teria que acompanhar pessoalmente a limpeza da igreja logo pela manhã porque haveria outro casamento no final do dia seguinte.

Aquela era a temporada dos casamentos, haviam dito a Shelley quando cuidara dos preparativos para a festa surpresa. A temporada dos casamentos.

Ela tinha que admitir que, de certa forma, fora empolgante fazer planos de casamento, embora nenhum dos dois tivesse sido o seu. E era inevitável pensar na sensação mágica mas agridoce de quando experimentara o véu de noiva perfeito com Wayne a seu lado.

O que dera de errado entre ambos? Por que nada acontecera? Se não haviam tido um relacionamento do tipo duradouro, por que, ao menos, não tinham partilhado de algo especial?

Com grande freqüência, durante o tempo em que haviam trabalhado juntos, ela esperara estar finalmente preparada para confiar em alguém outra vez, para voltar a encontrar a verdadeira alegria na vida e abraçar a chance de ter um amor. Agora, perguntava-se se chegara assim tão perto de se sentir preparada, afinal. Abraçando ainda mais os joelhos, baixou a cabeça e apertou os olhos até que as lágrimas começassem a fluir. O que havia de tão terrivelmente errado com ela que falhara consigo mesma e com Wayne naquele aspecto?

Se ao menos ele tivesse conversado mais com ela. Se tivesse parado de tentar bancar o príncipe encantado, indo em seu socorro até mesmos nos apuros mais simples. Se tivesse sido capaz de partilhar seus sentimentos e ajudá-la a entender por que parecia querê-la num momento e, então, rejeitá-la no momento seguinte. Se ao menos estivesse ali agora...

O telefone tocou de repente, e o coração de Shelley disparou. Poderia ser? Segurando o alto da blusa do pijama junto a si, levantou-se do sofá e desligou a televisão.

O telefone tornou a tocar.

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Do andar de cima, ela ouviu a tosse de uma criança.

Hesitou.

O silêncio voltou a pairar na casa.

O telefone tornou a tocar, daquela vez parecendo mais insistente do que antes.

Shelley atendeu-o sem hesitar, os olhos fechados e uma promessa silenciosa nos lábios de que, se fosse quem esperava ser, conduziria as coisas com classe e dignidade.

— Aqui é da residência dos Taylor.

— Shelley? Sou eu, Marilyn. Não acordei você, não é?

— Não. — Apenas de um devaneio inútil, pensou ela. — Não, eu ainda estou acordada.

— Que bom. Espero que tenha se divertido na festa. Nem sei como lhe agradecer por ter assumido meu lugar como dama de honra, além de estar cuidando das crianças. Sei que foi uma inconveniência ter lhe pedido algo assim tão em cima da hora, mas era inevitável. Ao menos, você deve ter gostado de usar aquele vestido, não? Achei-o maravilhoso quando o comprei.

— Sim, de fato é maravilhoso. Mas, já que estamos falando nisto, deixe-me perguntar-lhe uma coisa. — Shelley hesitou por um momento, não querendo fazer papel de tola, mas não conseguiu conter a curiosidade. — Você o teria usado sem a túnica?

— Claro que sim. Com este calor, pretendia tirá-la tão logo tivesse chegado ao salão, apesar do ar condicionado.

Shelley sentiu uma onda de alívio. Talvez não tivesse sido tão ousada quanto imaginara, afinal. O vestido ficara simplesmente mais vistoso do que as roupas conservadoras que estava acostumada a usar. Não se expusera ao ridículo, como temera. Seu único erro, ao que parecia, fora querer parecer desejável aos olhos de Wayne...

— Então, Marilyn, você não achou o vestido de cetim um tanto... sensual demais quando o escolheu? — quis ter certeza.

— Você o achou? Oh, mas também num corpo escultural como o seu deve ter ficado mesmo. Magra como estou atual-mente, depois de um regime que acho que levei a sério demais, eu, com certeza, não teria atraído tantos olhares quanto os que devem ter pousado em você — disse-lhe Marilyn, sem tom bem-humorado e nem um pouco depreciativo em relação a si mesma. — Oh, mas, tendo que levar as crianças para casa cedo, você nem deve ter aproveitado muito a festa.

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— Eu me diverti o bastante — disse Shelley, evasiva, sem querer trair na voz seu desapontamento com a maneira como as coisas tinham sido com Wayne.

— Ótimo. Agora, preciso lhe pedir só mais uma coisa... Eu até liguei para o salão VFW primeiro, mas disseram-me que você já havia levado as crianças para casa e que Dani, Matt, Becky e Clark tinham saído também.

— Tiveram que ir até Indianápolis para pegarem os respectivos vôos para a segunda lua-de-mel. O avião dos Winstead já deve ter decolado a esta altura e, quanto aos Taylor, já devem pelo menos ter subido a bordo do seu. Assim, se precisar entrar em contato com eles, terá que esperar algum tempo antes de podermos...

— Oh, espero que não seja necessário. Eu detestaria ter que telefonar para eles enquanto não tivermos absoluta certeza de que...

— Certeza do quê? — perguntou Shelley subitamente preocupada.

— Bem, só comecei a suspeitar dessa possibilidade nesta noite e achei melhor avisar você. É melhor prevenir do que remediar, é o que sempre digo. Em especial quando o assunto envolve crianças.

Shelley torceu o fio do telefone em sua ansiedade e nervosismo. Mal podia usar a mente clara, aguçada, que a orientava infalivelmente nos assuntos de negócios, para tentar decifrar o que a cunhada de seu chefe estava querendo lhe dizer.

Ouviu outra tosse no andar de cima, acompanhada de um ruído proveniente do quarto onde deixara as gêmeas dormindo.

— Marilyn, se não se importa, eu preciso...

— As crianças podem ter sido expostas ao vírus da catapora. Shelley olhou fixamente para a parede, achando que poderia ter gritado de frustração ou entrado em pânico. Mas não agiu com desespero. Não era de seu feitio. Respirando fundo, obrigou-se a enfrentar a situação e tentar resolver o problema com calma e eficiência.

— Detalhes, Marilyn, preciso de detalhes.

— Bem, eu sei que Kyle e Maggie já tiveram catapora. Meu filho mais velho passou-a aos dois três anos atrás, antes de a minha caçula ter nascido. Assim, você não tem que se preocupar com a possibilidade de os dois terem contraído a doença agora, se é mesmo isso que minha filha tem.

— Você ainda não tem certeza.

— Não, até agora não apareceram manchas. Pode ser que ela esteja com uma gripe forte, ou algo assim. Diga-me, você está aí sozinha com as

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crianças? Porque, se estiver, talvez seja melhor arranjar alguém para ajudá-la logo. Apenas por precaução.

— Sou totalmente capaz de cuidar...

— Você já teve catapora?

— Hum, acho que... Não, não posso dizer com certeza. Eu me lembro de ter tido manchas pelo corpo quando criança, mas pode ter sido sarampo, ou uma alergia.

— Se você ainda não a teve, não se exponha. A catapora pode ser bastante séria em adultos.

— Talvez não seja catapora.

— E de que maneira seria mais fácil para uma pessoa cuidar sozinha de quatro crianças com uma gripe forte? Você precisa chamar alguém para ajudá-la.

— Alguém para me ajudar? — Shelley não conhecia ninguém na cidade exceto Wayne.

Muitas vezes em sua vida, ouvira o aviso: "Cuidado com o que você deseja, pois poderá conseguir". E parecia verdadeiro. Minutos antes, desejara que Wayne estivesse a seu lado. Agora, bastaria dar um telefonema para ter aquele desejo atendido.

Desde que haviam começado a trabalhar juntos, ele tentara mostrar que sabia o que era melhor, e ela, por sua vez, lutara para manter sua independência. Combatera-o a cada vez que Wayne tentara assumir o controle da situação, até as palavras finais que lhe dissera naquela noite. A última coisa na face da terra que quero ou preciso é de alguma ajuda sua.

Quando ela desligou o telefone, olhou na direção das escadarias que conduziam aos quartos, onde as crianças dormiam. Ficou atenta, preparando-se para agir caso ouvisse outra tosse ou algum sinal de que deveria subir até lá. Houve apenas o silêncio. E quanto aquela quietude poderia durar? Se uma gêmea acordasse, incomodada por uma febre, ou algo pior, a outra não demoraria a apresentar os mesmos sintomas. E ainda havia Kyle e Maggie. Provavelmente, ambos prefeririam ter por perto o rosto familiar do homem a quem chamavam de tio, se acordassem com alguma indisposição.

Shelley olhou para o telefone e, enfim, soltou um longo suspiro. Não tinha escolha. Tinha que dar o telefonema e pedir a ajuda de Wayne, porque, apesar de sua declaração arrogante, precisava de um príncipe num cavalo branco e precisava dele agora.

Wayne tocou a campainha e, como não obtivesse uma resposta

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imediata, bateu à porta.

De algum ponto em volta de seus tornozelos, Tippie latiu.

Enfim, Shelley pedira a sua ajuda. Tinham sido necessários seis semanas, quatro crianças, dois possíveis casos de catapora e um momento de desespero, mas ela finalmente o fizera. Com seu pedido, provara o que ele dissera ao rapaz no café de Chicago: Depois de tudo dito e feito, as mulheres ainda querem um homem que sabe agir.

A despeito de seus protestos, quando -se vira em apuros, Shelley quisera que ele assumisse o comando. A doce e incerta princesa dentro dela precisava que lhe fizesse aquilo, agora mais do que nunca.

— Shelley? — Tornou a bater à porta. — Sou eu. Abra. Estou aqui para...

A porta, então, foi aberta, revelando Shelley num jeans, com a blusa do pijama e descalça.

— Quer fazer menos barulho? Não sabe que horas são?

— Desculpe, eu...

Tippie soltou um breve latido e marchou até o interior da casa como se fosse a dona do lugar. Parou, então, sobre o piso cerâmico do vestíbulo, sentando-se nas patas traseiras e pareceu olhar para Shelley com ar inquiridor.

— Essa é Tippie, eu presumo. Wayne meteu as mãos nos bolsos.

— Eu deixei a festa logo depois dos casais de noivos.

— Oh! — O que pareceu um brilho de alívio passou pelos olhos verdes dela antes de voltarem a demonstrar frieza.

Wayne gostaria de ter o direito de desfrutar aquela reação, mas abrira mão do privilégio pelo próprio bem de Shelley. E, agora, com a necessidade obrigando-os a dividir o mesmo teto por mais uma noite, tinha que manter, mais do que nunca, sua resolução de colocar distância entre ambos.

— Sim. Acho que fui acometido por uma espécie de melancolia depois da festa. Tanto planejamento e esforço e, então, tudo terminou num piscar de olhos.

Ela meneou a cabeça.

— Assim, fui para casa, mas o lugar me pareceu... eu não sei... vazio de algum modo.

— Você quer dizer sem a minha agradável presença? — O tom de brincadeira na voz dela não conseguiu ocultar o verdadeiro quê de interrogação nas palavras.

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Wayne pisou na soleira da porta.

— Assim, fui até os meus vizinhos, que estavam tomando conta de Tippie, e a levei para casa.

— Oh. — Shelley baixou o olhar para a graciosa cachorra dá raça temer. — Então, as coisas funcionam de ambas as maneiras.

— O quê?

Shelley abriu um sorriso, mas havia tristeza em seu olhar.

— Eu faço você lembrar de Tippie e, portanto, achou que ela poderia tomar meu lugar facilmente e lhe fazer companhia.

Nem em sonho, pensou Wayne, mas não disse nada. Um silêncio tenso pairou entre ambos. Observando-a, com a luz suave do vestíbulo iluminando-lhe os cabelos em sensual desalinho, destacando-lhe uma expressão de vulnerabilidade no rosto, parecia-se exatamente com a mulher frágil que a julgara em princípio. Sabia que fizera a coisa certa quando tentara fazê-la fortalecer a confiança em si mesma como mulher. Ajudara-a naquele sentido, mas sabia que Shelley ainda não estava confiante o bastante para que ele se arriscasse a ter mais do que uma amizade com ela.

— Vai me convidar a entrar, ou quer que eu arranje uma escada e olhe as crianças pelas janelas dos quartos?

— Oh, sim, claro. — Shelley colocou-se de lado e fez um gesto amplo com a mão. — Entre.

Tão logo seu dono entrou, fechando a porta atrás de si, Tippie começou a trotar entre o vestíbulo, o corredor e a sala de estar. Obviamente aflita por não saber o que dizer, Shelley observou a cachorra por alguns momentos, e, então, perguntou:

— Por que ela está fazendo isso?

— Eu não sei. Talvez esteja planejando onde irá molhar o carpete.

— Muito engraçado. Wayne riu.

— Ouça, na certa, Tippie estava esperando você me deixar entrar para poder andar pela casa. Apenas sentiu-se mais segura sabendo que eu estaria aqui, caso precisasse de mim.

— Sutileza não é mesmo o seu forte, certo? — Ela colocou as mãos na cintura. — Não pense que não me dou conta desse paralelo que continua traçando entre nós duas. Também posso fazer o seu jogo. Eu diria que Tippie está tomando as rédeas da situação nas próprias mãos.

— Não seriam patas?

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— Ela está numa situação nova, mas isso não significa que está desistindo do controle. Na verdade, é nas novas situações que sabe que tem que assumir o controle ainda mais e não contar com ninguém.

— Pode ser. Mas ela poderia se sentir um pouco mais feliz se relaxasse e acreditasse que sempre me certificarei de que estará segura e bem-cuidada.

— Talvez ela mesma queira se certificar dessas coisas.

— Como a princesa da história que você contou às gêmeas?

— Exatamente. Aquela princesa foi capaz de enfrentar o dragão sozinha porque era forte e esperta o bastante para fazê-lo. E dessa maneira que... Tippie é.

— Não sei se eu chamaria o ato de enfrentar um dragão sozinha de esperteza. — Wayne abriu-lhe um sorriso de conciliação. — Especialmente da parte de uma cachorra que nunca chegou de fato a morder ninguém.

Os olhos de Shelley faiscaram.

— Esperteza, nesse caso, seria saber quando aceitar ajuda — acrescentou ele.

— Aceitar ajuda? Ou deixar que outra pessoa assuma o controle e tome todas as decisões? Houve uma época em que já deixei que outras pessoas decidissem minha vida por mim e, eu lhe digo, não há menor esperteza nisso.

Daquela vez, Wayne não teve nada a dizer.

— Acho que tomar as próprias decisões, cuidar de si mesma e enfrentar os próprios dragões são demonstrações de esperteza. A verdade é que... você nem sempre estará por perto para fazer essas coisas, não é?

— Não estamos mais falando sobre Tippie, não é?

— Diga-me você.

Pararam ao pé da escadaria, permanecendo num silêncio pesado. Ele não tinha o direito de se sentir tão possessivo em relação àquela mulher, de querer ser responsável por ela. Mas sentia todas aquelas coisas e muito mais, tanto que não se atrevia a dizer nada, temendo deixar transparecer suas emo-ções. Ajudara-a a chegar até aquele ponto, ao ponto de enfrentá-lo e rejeitá-lo. Não correria o risco de desfazer aquilo.

Sua resolução fortaleceu-se, e enrijeceu o maxilar.

— Não — disse.

— Não o quê?

— Não, não estamos mais falando sobre Tippie e, não, eu não estarei

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sempre por perto para salvar você.

— Ótimo.

— O quê?

— Porque eu não quero, nem preciso que me salve. Sou perfeitamente capaz de cuidar de mim mesma. Se cometo alguns erros, são só meus, não um convite a você para tentar me salvar de mim mesma.

Ele entreabriu os lábios para dizer algo, mas um som abafado no andar de cima chamou-lhe a atenção.

— Shelley... — Ouviu o ruído de novo, mas pareceu mais alto daquela vez.

— Entendeu bem?

— Eu acho que...

— Está me ouvindo?

— Não.

Ela fuzilou-o com o olhar, mas Wayne não teve tempo para lidar com aquilo no momento. Começou a subir dois degraus da escada por vez, dizendo:

— Uma das gêmeas está chorando. Vou cuidar disso.

— Oh, não, não vai. As gêmeas são minha responsabilidade. — Ela subiu a escada rapidamente atrás dele. — Esse dragão é meu para enfrentar.

— Não desta vez, princesa. — Wayne colocou-se diante da porta do quarto de onde podia ouvir sons quase imperceptíveis agora. A criança devia estar se aquietando.

— Tenho cuidado ocasionalmente dessas duas meninas desde que tinham apenas poucas semanas de vida. Não pode querer me afastar delas agora.

— Eu posso, caso você não tenha tido catapora. Foi por esse motivo que me pediu para vir até aqui, certo? Porque não tinha certeza se já teve catapora algum dia, não é?

Shelley ergueu a mão como se tivesse pretendido afastá-lo para o lado, mas conteve-se.

Ele virou-se, encostando o ouvido na porta e ficou atento. Tudo estava silencioso, mas, quando falou, continuou sussurrando:

— Por que abusar da sorte? Deixe-me resolver isto. Cuide de Kyle e Maggie.

Ela ergueu o queixo.

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— Vamos analisar a lista de prós e contras.

— Oh, não, você não vai começar com essas suas listas outra vez.

— Numero um... — Shelley ergueu a mão e tocou o dedo indicador— ...se as gêmeas estiverem com catapora, eu já fui exposta ao vírus porque cuidei delas durante quase o dia inteiro. A menos que sua habilidade de salvar todos de cada tolice que façam inclua voltar no tempo, nem mesmo você poderá mudar isso.

Ele relaxou um pouco o braço com que bloqueava a porta.

— Dois, se as garotas estiverem mesmo doentes, são pequenas demais para compreenderem por que ser sentem tão mal e vão precisar de muita atenção de alguém que conheçam e em quem confiem.

Wayne baixou a mão que mantivera junto ao batente da porta.

— Chelsea e Celeste precisarão de ajuda e, no momento, eu sou a pessoa mais indicada para isso. Com certeza, você pode entender.

Ele soltou um suspiro e cruzou os braços, mas ainda não se afastou da porta.

— Ora, vamos. Não pode estar tão determinado a me controlar que...

— Ajudar.

— O quê?

— Jamais quis controlar você. — Wayne fitou-a nos olhos até que soube que ela se permitira assimilar suas palavras. Se acreditava nele ou não era uma outra questão. — Tudo o que sempre quis foi ajudar você.

— Você queria me salvar. Há uma diferença. Ele sacudiu a cabeça, sem saber se compreendia.

— Ouça... — Shelley tocou-lhe o peito.

Wayne fechou os olhos. Aquele toque era tão bom, como algo pelo qual tivesse ansiado sua vida inteira.

— Por mais que eu quisesse continuar parada aqui para conversar sobre isto com você, há duas crianças nesse quarto que podem estar precisando de mim. Se quer mesmo me ajudar e não me controlar, vai me deixar passar para ver como ambas estão.

— Mas eu poderia facilmente fazer isso por você.

— E eu quero fazer isso por mim mesma. Não é uma grande façanha, você sabe. E mesmo que não seja a escolha mais inteligente, cabe a mim fazê-la. A maneira como pode me ajudar é não ficando no meu caminho.

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Wayne cerrou os dentes, soltou um longo suspiro e fitou-a. Finalmente, abriu a porta devagar e deixou-a entrar no quarto primeiro.

CAPÍTULO XI

— Celeste está um pouco quente, mas acho que é porque estava enrolada no cobertor. Voltou a dormir agora e Chelsea nem sequer se mexeu. — Shelley desceu as escadas em direção a Wayne, sentado no primeiro degrau. — Fui ver Kyle e Maggie e estão dormindo profundamente.

— Meus parabéns. Parece que conseguiu cuidar bem de todos os seus anjinhos.

— Não deveriam ser... todos os meus dragões? — gracejou ela. Parou no degrau acima de onde ele estava sentado e empurrou-lhe a coxa de leve com a ponta do pé. Como Wayne não se movesse, soltou um suspiro e sentou-se onde estava. — Está certo, já cuidei de quatro das crianças. Acho que é hora de ver o que há de errado com a última.

— Eu? Estou sendo infantil? Eu?

— Ah, as coisas ficam tão mais fáceis quando uma pessoa resolve admitir seu erro de maneira tão direta. — Ela deu-lhe um tapinha nas costas.

— Ouça, ter ido ver como estavam aquelas crianças sem saber se isso representava um risco pessoal a você foi...

— Exatamente o tipo de coisa que você teria feito.

— Mas você ainda não deveria ter agido dessa maneira. Não entendo a sua resistência. Tudo o que eu queria fazer era...

— Eu já sei, ajudar-me.

— Aumentar a sua confiança. — Wayne mantinha-se de costas para ela no degrau abaixo.

— O quê?

— Para provar-lhe que há homens por perto como eu com quem se pode contar, em quem depositar sua confiança, porque eu sabia que você precisava confiar num homem outra vez.

— O que está dizendo? Que tudo o que se passou entre nós foi apenas um meio de você me manipular?

— Não. — Ele olhou por sobre o ombro. — Bem... talvez. Mas quando

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você diz isso dessa maneira, soa bastante condenável. Não agi desse modo para magoá-la. Eu só o fiz...

— Deixe-me adivinhar. Você só o fez para o meu próprio bem?

— Para ajudar você. — Wayne disse aquilo com tamanha sinceridade e veemência que ela quase o perdoou imediatamente. Mas não podia perdoá-lo até que soubesse...

— Foi por essa razão que me beijou?

— Não. — Wayne fitou-a, um indisfarçável anseio brilhando em seus olhos azuis e, então, desviou-os. — Os beijos foram verdadeiros. Foram um impulso ao qual eu provavelmente deveria ter resistido, para...

— Pare. — Shelley não teria suportado ouvi-lo dizer que deveria ter resistido para o seu próprio bem.

— Foi maravilhoso. Eu queria continuar beijando você sem parar e, depois, erguê-la em meus braços e... — Ele limpou a garganta antes de concluir: — Mas um beijo é a única coisa que poderá haver entre nós.

— Por quê?

— Porque resolvi me aposentar como salvador de donzelas em apuros. — Wayne levantou-se do degrau e fitou-a, a expressão sombria, mas os olhos deixando transparecer sua dor. — Passei tempo demais, desperdicei demais da minha vida, tentando salvar minha mãe e, depois, minha irmã de suas próprias escolhas, para compensar todo o dano que meu pai causou a ambas. Eu pretendia ser o tipo de homem que nunca as desapontaria. Mas, ao final, acabei desapontando-as assim mesmo.

— Não posso crer nisso.

— Eu devo tê-las desapontado. Por que outro motivo elas teriam continuado cometendo os mesmos erros, minha irmã tendo se lançado num relacionamento destrutivo após o outro? E minha mãe ficando com meu pai e sofrendo todo o tipo de mágoa e humilhação?

— Essas foram escolhas delas. O que você poderia ter feito?

— Não sei. Se ao menos eu tivesse feito... alguma coisa. Eu deveria ter... feito algo mais.

— Você me disse que, como advogado, aprendeu a saber julgar a natureza humana. Com certeza, sabe que, não importando quanto tenha feito ou tentado fazer, sem a cooperação delas, nada mudaria realmente.

— Sim, meu lado racional pode aceitar isso, mas... — Wayne bateu com a mão na altura do coração. — Quando penso na minha mãe e irmã e o que

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poderiam ter feito com suas vidas, não consigo parar de achar que poderia ter feito algo mais.

— Isso é o que você temeu que aconteceria comigo se eu não começasse a acreditar que ainda existem homens bons a serem encontrados? Se eu não esquecesse o passado e superasse os meus padrões atuais de comportamento?

— Sim! — Ele segurou-lhe a mão com força na sua, os olhos fechados numa demonstração de absoluto alívio. — Sim! E exatamente isso. Era o que eu queria lhe dar no curto tempo que sabia que teríamos juntos.

— Era o que queria me dar? — Shelley levantou-se do degrau, a voz elevando-se. — Quem, afinal, concedeu-lhe esse tipo de poder?

— O quê?

— O poder de pensar que sabia o que era melhor para mim e, então, o de acreditar que tinha a habilidade de me dar uma vida melhor? Não a vontade de construir uma vida melhor comigo, ou a de lutarmos para conquistarmos uma juntos. Mas queria dá-la a mim como... como um troféu numa bandeja? — Ela ergueu o queixo e cruzou os braços. — Você tem muita coragem... e uma idéia. totalmente equivocada do que é ajudar uma pessoa.

— E você, não?

— O quê?

— Você me acusa de tentar manipulá-la e, céus, para o seu próprio bem, mas não fez o mesmo comigo? E por que outro motivo se não o fato de precisar que as coisas sempre sejam à sua maneira?

— Eu estava tentando me proteger da sua obstinação em fazer com que tudo sempre seja à sua maneira.

— Oh, sim, desde as listas até a tentativa de me seduzir na festa com aquele vestido.

— Que você deve ter achado ousado demais para mim.

— Se quer saber, o vestido até que era comportado o bastante. Eram as suas curvas dentro do vestido, Shelley, que lhe davam vida, que faziam toda a diferença e chamavam a atenção. A sensualidade vem de você, quer acredite, ou não — declarou ele, num misto de raiva e frustração.

— Oh... — Ela sentiu um delicioso e inevitável rubor espalhando-se por suas faces.

— Mas isso não vem ao caso agora — prosseguiu Wayne, absorto demais em deixar claro o seu ponto de vista para ter notado quanto suas

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palavras a haviam agradado. — O que estamos falando é do fato de você também querer as coisas à sua maneira. Céus, você não tem feito outra coisa esta semana inteira senão tentar ficar por cima de mim.

Ela sentiu um arrepio subindo-lhe pela espinha e levou a mão ao peito.

— Isto é, querer levar a melhor sobre mim. — Wayne correu os dedos pelos cabelos e baixou a cabeça. — Talvez nos tornássemos um pouco melhor de conviver se tentássemos o que eu disse há pouco.

Shelley conseguiu conter um tremor traiçoeiro pelo corpo e esforçou-se para sacudir a cabeça com ar de frieza.

— E pensar que eu quase fiz isso. Ele fitou-a com um ar inquiridor.

— Era o que eu planejava para nós nesta noite, antes que a responsabilidade para com as crianças fosse deixada em minhas mãos — confessou ela. — Eu pretendia voltar com você para a sua casa depois da festa e mostrar-lhe que sou capaz de confiar num homem novamente.

— Em mim.

— Talvez agora possa entender por que fiquei tão perplexa em saber nesta noite que você não deposita sua confiança em mim, que nunca acreditou que eu pudesse cuidar de mim mesma e tomar as decisões certas para a minha vida sem a sua inestimável orientação e interferência.

— Acha que não deposito minha confiança em você? — retrucou ele, a mágoa pelo fato de ela sugerir tal coisa transparecendo em sua voz. Segurou-lhe o queixo com gentileza, erguendo-lhe o rosto para que o fitasse nos olhos. — Ouça, você é a mulher mais inteligente, capaz, leal e... céus, é a mulher mais sexy e desejável que conheço. — Inclinou-se para a frente, até que seus rostos estivessem bem próximos. — É em mim que não confio. Não confio em mim para estar à altura, para ser o tipo de homem que você precisa, para ser digno de cuidar de você, de estar a seu lado e amá-la.

— Amor? — sussurrou ela, a palavra reverberando por seu ser. — Você está dizendo que...

Um choro de criança impediu-a de terminar a pergunta. Não soube se sentiu pesar ou alívio por causa da interrupção, se conseguiria lidar com a resposta, qualquer que fosse. Porque, mesmo se Wayne a amasse, não conseguiriam construir uma vida juntos enquanto não encontrassem um meio de parar de ver as coisas à sua maneira ou à dele.

Um outro choro uniu-se ao primeiro.

Ambos subiram a escada rapidamente.

— Você pega aquela e eu pego esta. — Wayne apontou para o berço de

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Natalie Patrick – De véu e grinalda(Julia 1172)

Chelsea, enquanto parava junto ao de Celeste.

— Céus, ela estão tão quente.

— Esta aqui também. Acho melhor nós...

— Tirarmos esses pijamas quentes que elas estão vestindo e fazer-lhes compressas frias na pele — declarou Shelley, já se adiantando até a porta.

— ...chamarmos um médico — declarou ele sem sair do lugar.

— Ouça, eu conheço essas crianças e sei o que é melhor para as duas.

— E eu sei que há um pediatra que mora nesta rua que não se incomodaria em vir até aqui para nos orientar. — Segurando Celeste em seus braços, ele adiantou-se até a porta. — Vou telefonar-lhe do quarto principal.

— Não estamos lidando com uma situação como a de escolher um véu de noiva. Não pode simplesmente ignorar minha opinião quanto a isto. E não acho que estamos nem sequer perto do ponto em que haja necessidade de se chamar um médico.

Wayne parou no corredor.

— Você tem razão. A decisão deve ser sua. Diga-me como posso ajudá-la melhor, princesa.

Ambas as crianças haviam se aquietado, e Celeste até deitara a cabeça no ombro de Wayne e começara a chupar o dedo. Ele encostou o rosto na cabeça loira da menina. Se era um gesto de carinho ou apenas destinado a verificar a temperatura da criança, Shelley não soube, nem se importou em saber. Quando o observou, sentiu seu coração se enternecendo e, pela primeira vez, seus olhos se abriram para a verdadeira bondade naquele homem. O tempo todo, ele só quisera ajudar e o fizera porque... porque a amava.

E ela também o amava. Ficou apavorada em pensar aquilo, mas era a verdade. Amava Wayne Perry.

— Você pode ajudar dando aquele telefonema. — Ela se aproximou com a outra gêmea no colo, alcançando-o no corredor. — Nós as deitaremos na cama para eu poder tirar-lhes estes pijamas enquanto você fala com o médico.

— Quer dizer, trabalharemos em equipe? Faremos as coisas um pouco à sua maneira e um pouco à minha?

— E uma idéia. maluca, eu sei — Shelley abriu-lhe um sorriso ? maroto enquanto se aproximavam do quarto principal. — Mas pode dar certo.

Wayne retribuiu o sorriso.

— Sim, pode dar certo, afinal.

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Natalie Patrick – De véu e grinalda(Julia 1172)

— Eu agora os declaro marido e mulher. Pode beijar sua noiva.

Wayne meneou a cabeça para o pastor em agradecimento e, então, virou-se para fitar sua noiva. Seus dedos pareceram-lhe desajeitados em princípio, enquanto tentava erguer a camada do véu bordado com contas de cristal que cobria o lindo rosto de Shelley. O tule enroscou-se na grinalda de pedrarias no alto da cabeça dela. Ele franziu o cenho e tentou soltá-lo quando a mão de Shelley encontrou a sua.

— Deixe-me ajudá-lo com isso. — Num gesto harmonioso, ambos ergueram o véu juntos. Shelley, então, ficou na ponta dos pés.

Wayne tomou-lhe o rosto entre as mãos.

Ela sorriu.

Ele baixou a cabeça, preparando-se para cobrir-lhe os lábios com os seus. Antes de beijá-la, sorriu e murmurou algo que ela dissera na primeira vez em que a vira:

— E os dois viveram felizes para sempre.

— Pode apostar o seu cavalo branco que viveram, sim — respondeu Shelley num sussurro e correspondeu ao beijo apaixonado de Wayne com todo o amor de seu coração.

NATALIE PATRICK acredita no amor e sua experiência própria reforça-lhe a crença. Conheceu o marido em janeiro e casou-se com ele em abril do mesmo ano... teriam se unido antes, mas os amigos conseguiram convencê-los a terem' um casamento de verdade. Dez anos e dois filhos depois, Natalie sabe que encontrou seu verdadeiro herói romântico.

Em meio ao pequeno caos em seu espaço de trabalho, ela jura que em sua lápide provavelmente estará escrito: "Ela deixou este mundo um lugar mais alegre, mas não necessariamente mais limpo". Natalie, com certeza, espera que seus livros alegrem os dias de suas leitoras.

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