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ISSN: 2316-3992 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 04, n. 11, p. 57-69, EDIÇÃO ESPECIAL COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL: MUDANÇA DE ESTRATÉGIA NOS PRONUNCIAMENTOS DE DILMA ROUSSEFF (PT) EM 2015 Resumo O artigo discute as estratégias de marketing governamental a partir da análise dos pronunciamentos da presidente Dilma Rousseff (PT) em seu segundo mandato, iniciado em 2015. Com um começo turbulento de go- verno, marcado pela crise política e econômica, a presidente tem sido alvo de protestos e a oposição se articula para tentar o seu impeachment. No primeiro mandato, Dilma contou nos dois anos e meio iniciais de governo com alta popularidade e utilizou os pronunciamentos em Cadeia Nacional de Rádio e TV como uma forma de promover a sua imagem. Mas, no segundo mandato, com a popularidade muito baixa, Dilma tem esbarrado em problemas de marketing e de comunicação. O primeiro pronunciamento em 08 de março de 2015, Dia In- ternacional da Mulher, foi recebido com uma onda de panelaço nas grandes cidades do país. Para evitar novos desgastes, o pronunciamento do Dia do Trabalhador em cadeia de rádio e TV foi cancelado, e o governo postou três vídeos ao longo do dia na internet. Abstract This article discusses the government marketing strategies based on the analysis of the pronouncements of president Dilma Rousseff (PT) in his second term, which began in 2015. With a turbulent beginning of government, marked by political and economic crisis, the president has been target of protests and the opposition is articulated to try his impeachment. In the first term, Dilma had high popularity on the firts two years and half and use the pro- nouncements on National Chain of Radio and TV as a way to promote their image. But in the second term, with a very low popularity, Dilma hás had problems with her marketing and communication. The first pronouncement on 8 March 2015, International Women’s Day was received with a wave of cooking pots protests in the big cities. To prevent further wear, the pronouncement of the Labor Day on National Chain of Radio and TV was canceled and the government posted three vídeos throughout the day on the internet. Alexandre Augusto da Costa¹ Aline Andrade Pereira² Luiz Ademir de Oliveira³ PALAVRAS-CHAVE: Marketing governamental; Dilma Rousseff; Pronunciamentos; Cadeia Nacional de Rádio e TV (CNRT); Segunda Tela. ¹Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM - UFJF) e bolsista CAPES. E-mail: [email protected]. ²Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), atualmente é professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). ³Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, docente do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFJF. E-mail: [email protected]. KEYWORDS: Government Marketing; Dilma Rousseff; Pronouncements; National Chain of Radio and TV (CNRT); Seconds creen;

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ISSN: 2316-3992

Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 04, n. 11, p. 57-69, EDIÇÃO ESPECIAL

COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL: MUDANÇA DE ESTRATÉGIA NOS PRONUNCIAMENTOS DE DILMA

ROUSSEFF (PT) EM 2015

Resumo

O artigo discute as estratégias de marketing governamental a partir da análise dos pronunciamentos da

presidente Dilma Rousseff (PT) em seu segundo mandato, iniciado em 2015. Com um começo turbulento de go-

verno, marcado pela crise política e econômica, a presidente tem sido alvo de protestos e a oposição se articula

para tentar o seu impeachment. No primeiro mandato, Dilma contou nos dois anos e meio iniciais de governo

com alta popularidade e utilizou os pronunciamentos em Cadeia Nacional de Rádio e TV como uma forma de

promover a sua imagem. Mas, no segundo mandato, com a popularidade muito baixa, Dilma tem esbarrado

em problemas de marketing e de comunicação. O primeiro pronunciamento em 08 de março de 2015, Dia In-

ternacional da Mulher, foi recebido com uma onda de panelaço nas grandes cidades do país. Para evitar novos

desgastes, o pronunciamento do Dia do Trabalhador em cadeia de rádio e TV foi cancelado, e o governo postou

três vídeos ao longo do dia na internet.

Abstract

This article discusses the government marketing strategies based on the analysis of the pronouncements of

president Dilma Rousseff (PT) in his second term, which began in 2015. With a turbulent beginning of government,

marked by political and economic crisis, the president has been target of protests and the opposition is articulated

to try his impeachment. In the first term, Dilma had high popularity on the firts two years and half and use the pro-

nouncements on National Chain of Radio and TV as a way to promote their image. But in the second term, with a

very low popularity, Dilma hás had problems with her marketing and communication. The first pronouncement on

8 March 2015, International Women’s Day was received with a wave of cooking pots protests in the big cities. To

prevent further wear, the pronouncement of the Labor Day on National Chain of Radio and TV was canceled and

the government posted three vídeos throughout the day on the internet.

Alexandre Augusto da Costa¹Aline Andrade Pereira²

Luiz Ademir de Oliveira³

PALAVRAS-CHAVE: Marketing governamental; Dilma Rousseff; Pronunciamentos; Cadeia Nacional de Rádio

e TV (CNRT); Segunda Tela.

¹Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM - UFJF) e bolsista CAPES. E-mail: [email protected].

²Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), atualmente é professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

³Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, docente do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFJF. E-mail: [email protected].

KEYWORDS: Government Marketing; Dilma Rousseff; Pronouncements; National Chain of Radio and TV

(CNRT); Seconds creen;

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COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL: MUDANÇA DE ESTRATÉGIA NOS PRONUNCIAMENTOS DE DILMA ROUSSEFF (PT) EM 2015 58

1. INTRODUÇÃO

Dilma Rousseff (PT) reelegeu-se em 2014 na a eleição mais acirrada da história recente da democracia

brasileira, superando Aécio Neves (PSDB) por 51,64% (54.501.118 votos) versus 48,36 (51.041.155 votos).

Os reflexos de uma vitória tão apertada impactaram nos primeiros meses de governo. Com fortes ataques da

oposição e da grande mídia, o governo se viu acuado. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por unanimidade de

votos, acolheu em 4 de novembro de 2014, o pedido do PSDB para que tivesse acesso aos sistemas de votação

e apuração dos votos das eleições para fazer uma auditoria, se o partido quisesse. Com posse dos dados no dia

19 de janeiro de 2015, o partido começou a auditoria própria, questionando o resultado das eleições. O clima

de impeachment, ainda seguiu com declarações de lideranças da oposição, que questionam a legitimidade do

governo Dilma frente aos escândalos de corrupção apurados pela Operação Lava Jato, pela forte crise política

e econômica. PSDB e partidos da oposição acreditam que a presidente terá dificuldades de completar o seu se-

gundo mandato. Além disso, os tucanos têm acionado consultoria jurídica para verificar a possibilidade de um

processo de impeachment de Dilma. O foco agora é o julgamento das contas do governo Dilma, já que o seu

governo é acusado pelas chamadas “pedaladas fiscais”. Inicialmente apontada por alguns auditores do Tribunal

de Contas da União (TCU) de que o governo teria descumprido a Lei de Responsabilidade Fiscal ao adiar repas-

ses aos bancos públicos, visando enxugar as contas em 2014, as pedaladas fiscais serão julgadas em agosto de

2015 e depois as contas seguem para serem aprovadas ou rejeitadas pelo Congresso Nacional. A presidente tem

forte resistência de uma ala do PMDB, liderada pelo deputado federal Eduardo Cunha, presidente da Câmara e

opositor do governo.

A posição do PSDB continuou inclusive incentivando os militantes a participarem de manifestações que pe-

diam o impeachment da presidente eleita. O cenário negativo, somado às denúncias de corrupção na Petrobras,

levou a uma forte queda da aprovação do governo. Os índices de reprovação do governo feitos pelos institutos

de pesquisa (DataFolha, Ibope) oscilaram de 44% negativo (avaliação ruim ou péssimo) em fevereiro para 65%

em julho, rejeição similar a do ex-presidente Collor próximo ao seu impeachment e a do ex-presidente Fernando

Henrique Cardoso no final do seu segundo mandato.

Sob este clima de tensão, a presidente decidiu realizar um pronunciamento4 em cadeia de rádio e TV no

Dia Internacional da Mulher (08 de março). O discurso que visava a acalmar a crise política desencadeou uma

onda de protestos que ficou conhecida como panelaço.5 Internautas de várias capitais brasileiras como Porto Ale-

gre, Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia, Belém, Recife, Maceió e Fortaleza bateram panelas, filmaram e postaram

em sites de redes sociais como Facebook, Twitter e Youtube. O noticiário ganhou mais combustível, colocando

mais fogo no cenário político.

Os desdobramentos do discurso seguiram nas semanas seguintes. No dia 15 de março, com grande

4Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/02/apos-queda-de-popularidade-dilma-deve-fazer-pronunciamento-na-tv.html>. Acesso em 22 jul.2015.

5Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1600073-em-cidades-com-panelaco-internautas-tambem-defendem-dilma.shtml>. Acesso em 22 jul.2015.

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cobertura da mídia em tomadas ao vivo, houve manifestações em várias capitais do país contra o governo com

apoio também de grupos de ultradireita que pediram intervenção militar6. As implicações negativas levaram a

presidente a mudar de estratégia de comunicação e abrir mão do tradicional discurso7 no Dia do Trabalhador

em Cadeia Nacional de Rádio e Televisão, utilizando exclusivamente os sites de redes sociais como plataforma.

Seguindo esta mesma orientação, o Partido dos Trabalhadores (PT) realizou o programa em cadeia aberta de

rádio e televisão no dia 5 de maio, sem a presença da presidente Dilma Rousseff, que apareceu apenas duas

vezes em poucos segundo quando foram mencionadas obras realizadas pelo governo. O programa, que teve

o ex-presidente Lula como protagonista, defendeu o veto à proposta de terceirização da Câmara, aprovada no

primeiro semestre, e declarou que o partido iria punir membros que fossem condenados pela justiça por corrup-

ção. A estratégia, porém, não evitou novo panelaço8, organizado durante todo o dia nos sites de redes sociais

por blogs antipetistas e fanpages como a do Movimento Brasil Livre.

Os acontecimentos vão ao encontro do pensamento de Thompson (2008) ao afirmar que os agentes

políticos não podem ignorar construção da imagem pela grande mídia. Isto seria, “um ato de suicídio político ou

uma expressão de má fé de quem não foi tão acostumado à arte de auto-apresentação” (THOMPSON, 2008,

p. 124).

Sendo a cultura brasileira de pouca identidade partidária e de forte caráter personalista, a construção da

imagem dos agentes políticos é moldada pelos veículos de comunicação de massa (Domenach, 1955; Gomes,

2004). Ampliando este cenário de possibilidades, estão inseridos os sites de redes sociais que ganham maior

penetração na vida dos brasileiros, estimulando a cultura participativa e maior engajamento (Primo, 2008).

Como a hipermídia tem uma linguagem “iminentemente interativa” (Santaella, 2007), cabem aos produtores de

conteúdo – neste caso os agentes políticos ou especialistas de marketing – traçarem estratégias que despertem

a curiosidade dos internautas para que possam não apenas absorver, mas propagarem a mensagem recebida.

“Quanto mais rico e coerente for o desenho da estrutura, mais opções fiam abertas a cada leitor na criação de

um percurso que reflete sua própria rede cognitiva” (SANTAELLA, 2007, p. 394).

Frente a tal cenário e a tais questionamentos, propomos no presente artigo destacar como se dá a face mídia

e política e como ocorre o fenômeno da Segunda Tela (PROUXL & SHEPATIN, 2012), que consiste no ato de

assistir a TV convencional e a interagir nos sites de redes sociais com o que está sendo transmitido. Na revisão de

literatura, apresentaremos o quadro geral dos pronunciamentos da presidente no primeiro mandato a partir das

conceituações de Oliveira e Chaves (2013). Por meio da análise de conteúdo, pretende-se identificar ao final do

presente artigo quais elementos são evidentes nos discursos da presidente de 2015: 1 (um) via CNRT no dia 8

de março (Dia da Mulher) e outros 3 (três) vídeos curtos de cerca de 1 minuto disponibilizados no site oficial do

Disponível em: <http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/03/manifestantes-no-recife-pedem-intervencao-militar-no-brasil.html>. Acesso em 23 jul.2015.

Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/05/01/ausencia-de-dilma-em-cadeia-nacional-marca-1-de-maio.htm>. Acesso em 22 jul.2015.

Disponível em:<http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/05/cidades-registram-panelaco-durante-programa-do-pt-na-televisao.html>. Acesso em 18 jul.2015.

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partido e nas fanpages da Dilma Rousseff no Dia do Trabalhador (1º de maio).

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. Interface mídia e política e o personalismo dos governantes

O desenvolvimento dos veículos de comunicação de massa broadcasting (rádio e televisão) trouxe con-

sigo mudanças culturais, comportamentais que chamaram a atenção da academia. Estudos da década de 60

e do final do século XX buscaram compreender o poder de persuasão e penetração da propaganda política na

grande mídia. Partiu-se de uma visão marxista e crítica de que a mídia tinha um grande poder de manipulação,

presente na obra dos pensadores da Escola de Frankfurt, até se chegar aos anos 80 há uma perspectiva mais

dialógica que é trabalhada pelos Estudos Culturais, que entendem que o processo não é de mão única, mas há

interferência do receptor no processo de produção das mensagens. Tendências que se fortaleceram com os estu-

dos sobre recepção e com as pesquisas sobre o impacto das tecnologias digitais na vida social e política, tendo

em vista o potencial interativo das mídias web 2.0.

No campo da Ciência Política, Manin (1995), na década de 80, já apontava o declínio dos partidos po-

líticos e a crescente importância da mídia. O autor argumenta que, após a década de 80, houve um distancia-

mento da vida política que desencadeou na democracia de público – o terceiro pressuposto do desenvolvimento

das sociedades atribuído pelo pensador. Os três tipos ideias de representação democrática apresentadas por

Manin são: (1) governo representativo parlamentar – modelo inglês do século XVIII, que consiste na representa-

ção do povo por parlamentares que não tem que dar Satisfação de suas posições no parlamento – relação de

confiança; (2) Democracia de partido – inspirada nos partidos socialistas europeus, pressupõe que parte crucial

da democracia consiste na mediação pelos partidos e não em um caráter pessoal como era com os notáveis do

modelo anterior; (3) Democracia de público – parte da ideia de que os “candidatos se comunicam diretamente

com seus eleitores através do rádio e da televisão, dispensando a mediação de uma rede de relações partidá-

rias” (Manin, 1995, p. 26). Neste raciocínio, defende Manin, a democracia de público é o resultado final das

transformações da sociedade que caminha para um forte personalismo e distanciamento partidário, rumo a uma

representação sem partido.

Contrapondo estes argumentos, Afonso de Albuquerque & Márcia Dias (2002) criticam a ideia de que

a mídia substituiria os partidos. Os autores defendem que os meios de comunicação e os partidos coexistem e

estabelecem relações complementares. Argumentam ainda que a propaganda política pode ajudar a fortalecer

os partidos em vez de enfraquecê-los e que no Brasil o modelo determinista de Manin não é adequado já que

culturalmente, os brasileiros têm a pratica de votar nominalmente e não em partidos. Para defenderem estes

argumentos, Afonso de Albuquerque & Márcia Dias (2002) que, no período entre 1985 e 2001, pós-democra-

tização, a identificação partidária com o Partido dos Trabalhadores (PT) se multiplicou por quatro em 12 anos,

alcançando 21% da preferência nacional em 2001. Crescimento que também ocorreu no PSDB, que aumentou

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três vezes de 1989 e 2001 (oscilando de 1 a 3%). Já o PMDB (segundo em preferência nacional) manteve-se es-

tável no período (12%). Obviamente que, no cenário atual, com altos índices de rejeição às instituições políticas

no Brasil, a identificação caiu, chegando no caso do PT a 12%.

Neste sentido, é prematuro imaginar que no Brasil há uma crise de representação que levaria ao fim dos

partidos políticos rumo a uma democracia intermediada pela mídia. Temos uma democracia consolidada, como

argumentam Albuquerque & Dias (2002), em que os eleitos exercem suas funções, autorizados pelos procedi-

mentos eleitorais em que os partidos têm papel crucial na agenda programática. Embora não determinantes, na

escolha do voto, os partidos são essenciais para que a ordem democrática se estabeleça. Depois de seis eleições

polarizadas entre PT e PSDB, talvez os eleitores caminhem, nas próximas eleições, para um realinhamento parti-

dário.

Em um fazer político que se caracteriza por personalização dos candidatos, a construção da imagem,

sobretudo, pela propaganda política é ponto central (GOMES, 2008). Neste sentido, Gomes (2004) já alertava

que a construção simbólica dos candidatos não ocorre de forma literal, mas artificial, ressaltando as qualidades

e escondendo-se os defeitos, utilizando-se de mascaras em uma encenação teatral. Goffman (2008) acredita

que a vida social é construída sob um viés de representação e encenação, semelhante aos atores em um palco

que interpretam papeis. Para mudar de papel social, utilizam máscaras que se adaptam conforme a plateia. A

questão moral fica em segundo plano quando o que importa é passar impressão convincente dos papeis repre-

sentados. Goffman compara a personalidade como um produto industrial que tem a aceitação do público de

acordo com a qualidade e os valores vendidos.

Nesta ideia de rótulo, o sociólogo francês Roger-Gérard Schwartzenberg (1977) defende que a persona-

lização dos agentes políticos visa à construção de personagens que simbolizem a nação, o Estado ou o partido,

fazendo que se sejam visíveis e de fácil identificação com o público.

O homem político vem procurando cada vez mais impor uma imagem de si mesmo que capte e fixe a atenção do público. [...]. Essa imagem é uma reprodução mais ou menos fiel dele mesmo. É o conjunto de traços que ele preferiu apresentar à observação pública. É uma seleção, uma recomposição. [...]. Essa maquete reduzida constitui, portanto, uma representação figurada da realidade. E ao mesmo tempo uma reconstrução da realidade (SCHWARTZENBERG, 1977, p.11).

Seguindo esta linha de raciocínio, Schwartzenberg estabelece categorias para os papéis que o star (homem

político) assume: (1) Herói - homem fora do comum, o ídolo; (2) Ordinário – vem das classes populares, um líder

que emerge da pobreza; (3) Charmoso – galã que se empenha mais em seduzir do que convencer; (4) Pai da pá-

tria – protetor, estabelece uma relação patriarcal com os eleitores; (5) Stars políticas femininas – são geralmente

as divas, mas algumas desempenham papeis mais modestos.

Sobre tal categoria, o autor argumenta que, quando as mulheres entram no universo da política, em que

predomina a maioria de homens, assumem características masculinas para adquirirem respeito, e, em algumas

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situações, abrindo mão da feminilidade.

(...) para conseguir desculpar sua intromissão nesse clube masculino que é ainda hoje a vida pública, as mulheres políticas copiam os papeis masculinos de autoridade, muitas vezes exagerando-os. Faz-se passar por mulher dominadora, mulher forte, mulher de ferro, suce-dânea do homem de pulso, chegando quase a se transformar em travesti político, imitando grosseiramente as atitudes machistas (Ibidem, p.102).

Dilma fez o caminho inverso das argumentações de Schwartzenberg. Quando ministra da Casa Civil no

governo Lula era conhecida por ter pulso forte e ser durona. Porém, quando se tornou candidata em 2010, re-

correu às cirurgias plásticas para suavizar o perfil de traços masculinos que possuía e em seu discurso buscou a

afirmação da identidade feminina. Isso é evidente na forma como se dirige à nação com a frase “meus brasileiros

e minhas brasileiras” e ao fato de gostar de ser chamada de presidenta.

2.2. Cultura da convergência e a Segunda Tela

Com o avanço da comunicação de massa, os agentes políticos tiveram que se preocupar cada vez mais

com a forma em que são apresentados ao público, como argumenta Thompson (2008). Porém, esta visibilidade

coloca em evidência zonas de invisibilidade que não eram atém então percebidas pelos eleitores antes da pro-

pagação da grande mídia. O autor explica que a exposição os leva constantemente a correr riscos, como gafes,

acessos explosivos, efeitos contrários, vazamentos e escândalos políticos.

As possibilidades e contradições na relação mídia e política se tornaram ainda mais evidentes com o

avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). A nova realidade, descrita por Jenkins (2009)

como “cultura da convergência”, possibilitou às pessoas, não somente novas formas de comunicar, mas também

a uma mudança estrutural e cultural nas sociedades. Tudo está sendo mais compartilhado do que nunca. Co-

nhecimento, músicas, filmes, textos por um lado, mas escândalos, boatos por outro. Esta realidade impôs novos

desafios aos agentes políticos que precisam se adequar ao ambiente das redes em que se exerce forte engaja-

mento político, mesmo não sendo necessariamente partidário.

Jenkis chama de transmidiação esta relação dos meios tradicionais com as novas tecnologias de comunica-

ção. De acordo com este princípio, cada meio deve ser capaz de disseminar informações de maneiras distintas

de forma que sejam complementares em diferentes palaformas, sobretudo na internet. Este fenômeno da conver-

gência digital é definida como “um fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação

entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação”

(JENKINS, 2009, p. 29). O autor explica que a convergência se define pela “tentativa de satisfazer o desejo do

público de participar ativamente na produção e circulação de conteúdo midiático. Primo (2008) explica que a

informação consumida pelo usuários das mídias massivas é realimentada em outras plataformas como blogs,

podcasts e vídeos no YouTube e se interrelacionam em diferentes níveis, denominado “encadeamento midiático”.

Este processo é definido por Mike Proulx & Stacey Shepatin (2012) como Segunda Tela que consiste em

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uma “camada paralela e sincronizada de conteúdo interativo amigável para a experiência televisiva” (Proulx &

Shepatin, 2012, p.84)9 . Por meio de smartphones, notebooks e tablets, as pessoas permanecem conectadas10,

interagindo com o conteúdo que está sendo transmitido na televisão. É o que observamos nos panelaços em

crítica aos pronunciamentos de Dilma na televisão. Enquanto o vídeo era transmitido, pessoas de várias partes do

país bateram panelas, gravaram vídeos e postaram nos sites de redes sociais. Como define bem Henry Jenkins,

ao afirmar que se “o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são

agora barulhentos e públicos” (JENKINS, 2009, p. 47).

3. Marketing Governamental: estudo sobre os pronunciamentos de Dilma em Cadeia Nacional de Rádio

e Televisão (CNRT)

Desde 1963, ainda no governo de João Goulart, autoridades políticas presidentes da República, presi-

dentes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal têm uma importante ferramenta de comunicação:

a Cadeia Nacional de Rádio e Televisão (CNRT), criada por meio do decreto Nº 52.795/63. O texto autoriza

convocação na rede nacional de rádio e televisão, que são concessões públicas, para pronunciamentos que os

membros destes poderes. Em 1979, durante o regime militar João Figueiredo, ampliou este leque aos ministros

de Estado e aos presidentes do Senado, através do decreto Nº 84.181/79.

Este dispositivo foi muito utilizado pela presidente Dilma em seu primeiro mandato. Oliveira e Chaves

(2013) focam o estudo nas estratégias de marketing governamental a partir do estudo feito sobre os pronuncia-

mentos da presidente em seu primeiro mandato. Os pronunciamentos em CNRT foram utilizados em momentos

de tensão como durante as manifestações de 2013 e em outras ocasiões estratégicas para reforçar o gênero

feminino, sendo quatro dirigidos especificamente às mulheres: três deles no Dia Internacional da Mulher, em

2012, 2013 e 2014; e um no Dia das Mães de 2012. “Dilma falou, nas suas próprias palavras, ‘de mulher para

mulher’, lançando mão de sua identificação direta com o sexo feminino e fazendo uso do discurso afetivo para

construir o vínculo necessário com o seu público-alvo (OLIVEIRA e CHAVES, 2013, p. 2). O trabalho baseou-se

na premissa de que a presidente busca nos discursos uma identificação direta com o público feminino, investe na

construção pública de sua imagem e ao mesmo tempo cria vínculos simbólicos entre seu governo e a população.

3.1 Pronunciamento no Dia internacional da Mulher de 2012

Quanto à análise do Pronunciamento, Oliveira e Chaves (2013) argumentam que Dilma utilizou uma

9No original: “Evolving technology and human behavior have given birth to television’s second screen, adding a parallel and synchronized layer of inter active companion content to the TV experience”.

Estudo encomendado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM) que resultou na Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (PBM 2015), divulgada ainda em dezembro de 2014. A pesquisa Secom (2015, p.16) identificou que o uso de aparelhos ce-lulares para acesso à internet se aproxima do uso por computadores, 66% e 71%, respectivamente. Identificou ainda que 92% dos entrevistados estão conectados por meio de sites de redes sociais, sendo Facebook (83%), o Whatsapp (58%) e o Youtube (17%). O estudo levantou também que, embora a televisão seja o meio mais utilizado pelos brasileiros, há uma interação entre o hábito de se assistir à TV e o uso da internet, pois usar o celular, a internet e trocar mensagens instantâneas (7%) pressupõem alguma conexão com a rede mundial de computadores. Entre as ati-vidades mais mencionadas enquanto se assiste à televisão está: comer alguma coisa (49%), conversar com outra pessoa (28%), realizar alguma atividade doméstica (21%), usar o celular (19%) e usar a internet (12%) – 23% disseram que não realizam nenhuma atividade enquanto assistem à televisão e 7% disseram que trocam mensagens instantâneas (Whatshapp/ICQ).

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linguagem mais intimista neste discurso do dia 8 de março de 2012 e utilizou o pronunciamento “para falar com

suas irmãs brasileiras, de coração aberto, de mulher para mulher”. A temática que prevaleceu em seu discurso

foi a luta dos direitos das mulheres e sua ascensão no mercado de trabalho. Reforçando sua identificação com

o público feminino, Dilma destacou o feito histórico de ter sido eleita a primeira presidente mulher do Brasil.

Nesta argumentação, a presidente destacou o perfil empreendedor das mulheres e ao final convocou o público

feminino a participar mais ativamente da vida política.

3.2 Pronunciamento no Dia das Mães no dia 13 de maio de 2012

Conforme explicam Oliveira e Chaves (2013), a presidente abriu o discurso afirmando o caráter inédi-

to de sua iniciativa, ao parabenizar as mães brasileiras. “Não por acaso, é também a primeira vez que nosso

país tem uma presidenta, uma mulher que é mãe, filha e avó. Uma mulher, que como a maioria de vocês, já se

emocionou nessa data”. A presidente destacou ainda os avanços no combate à fome e reforçou que a mulher

é grande responsável por esta conquista. Oliveira e Chaves reforçam a estratégia adotada e argumentam que,

“a data do dia das mães entrou como um componente simbólico útil à transmissão e à fixação da mensagem,

criando vínculos afetivos e de identidade entre o espectador e a presidente” (OLIVEIRA E CHAVES, 2013, p.12).

3.3 Pronunciamento no Dia internacional da Mulher de 2013

Em relação ao Pronunciamento pelo Dia internacional da Mulher de 2013, Oliveira e Chaves (2013)

analisam que os cortes do governo federal que incidiam sobre a cesta básica e a conta de luz permearam todo o

discurso. A estratégia adotada identificou que como as mulheres estão mais atentas às atividades de manutenção

do lar, a data escolhida reforçaria “os vínculos entre a presidente e as mulheres, ao mesmo tempo em que con-

tribuiu para a sua identificação com as classes mais pobres, as diretamente beneficiadas pelo corte de tributação

sobre a cesta básica (OLIVEIRA e CHAVES, 2013, p.14). Dilma informou que, desde a última crise mundial, o

Brasil foi o único país emergente que manteve pleno emprego e retirou 20 milhões de brasileiros da pobreza. Ao

final, Dilma alertou os homens sobre a violência contra as mulheres.

3.4 Pronunciamento no Dia internacional da Mulher de 2014

Quanto ao Pronunciamento pelo Dia internacional da Mulher de 2014, os autores afirmam que o dis-

curso que encerrou o primeiro mandato da presidente teve o conteúdo pautado em uma espécie de prestação

de contas dos últimos anos. Mantendo afirmação de gênero, ao iniciar o discurso afirmando que “as mulheres

são a maior força emergente do mundo”. A presidente retomou alguns assuntos levantados em pronunciamentos

anteriores como as políticas sociais que beneficiam as mulheres, sobretudo o Programa “Bolsa Família” e “Prona-

tec”, além de reforçar o empenho de sua gestão no combate à violência contra as mulheres. Dilma disse que deu

continuidade ao projeto do presidente Lula e que, nos últimos 11 anos, das 36 milhões de pessoas que saíram

da extrema pobreza mais da metade são mulheres e que mais da metade dos milhões de empregos nos últimos

três anos foram ocupados pelas mulheres. Os autores enfatizaram que a presidente, ao enfatizar o discurso sobre

políticas e inclusão social, destacou a importância do papel da mulher, como havia feito nos pronunciamentos

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anteriores. Ao final do pronunciamento, a presidente recorreu como nos anteriores a um tom emotivo ao profeti-

zar que “(...) este é o século das oportunidades. Este é o século do Brasil. Este é o século das mulheres. A mulher

é a nova força que move o Brasil”.

Na conclusão do levantamento dos dados, Oliveira e Chaves (2013) observam que os pronunciamentos

foram estruturados seguindo uma fórmula “que prevê uma abertura e um encerramento pautados no discurso

emocional, personalista, mais direto e coloquial, incluindo a utilização de trilhas sonoras para criar a ambienta-

ção necessária” (Ibidem, p.17). Os autores explicam que se a cobertura noticiosa da mídia não pode recorrer de

forma tão explícita ao emotivo e o governo Dilma é alvo de ataques da grande imprensa no país, a propaganda

política em CNRT revela-se como uma ferramenta importante no contraponto à agenda noticiosa da grande

mídia, já que as emissoras, por serem concessões públicas, são obrigadas a abrirem espaço para o pronuncia-

mento do governante.

4. Marketing Governamental em tempos de crise: uma análise dos pronunciamentos de Dilma em 2015

na mídia massiva e na mídia digital

Se no primeiro mandato os pronunciamentos em cadeia de rádio e TV tiveram boa repercussão e foram

um canal de comunicação eficiente entre a presidente e a população, o mesmo não aconteceu no início do seu

segundo mandato. Houve um grande desgaste político do último pronunciamento em cadeia de rádio e TV no

Dia Internacional da Mulher (08 de março de 2015), o primeiro da atual gestão da presidente. Tal repercussão

negativa levou a presidente a mudar de estratégia na tentativa de neutralizar as manifestações conhecidas como

panelaços. O caminho escolhido foi a utilização dos sites de redes sociais como Facebook e Twitter, além do site

oficial do partido. A mudança se deu, não somente para evitar novos protestos, mas também foi uma tentativa da

presidente e da Secretaria de Comunicação (Secom) de se adequarem11 ao perfil do novo eleitor, mais engajado

e permanente conectado na internet, mesmo enquanto assiste à televisão.

4.1 Metodologia e Corpus de Análise

Diante das questões levantadas e da estratégia do governo Dilma de mudar de suporte midiático – do pro-

nunciamento em Cadeia Nacional de Rádio e Televisão (CNRT) para pronunciamentos disponibilizados na inter-

net – pretende-se analisar o conteúdo dos discursos e como a imagem da presidente foi trabalhada nas diferentes

mídias. Serão analisados, portanto, os discursos de Dilma Rousseff do início deste primeiro ano do segundo man-

dato que consistem em 1 (um) transmitido via CNRT no dia 8 de março (Dia Internacional da Mulher) e outros três

disponibilizados na rede em vídeos curtos trazendo os temas “Salário Mínimo”, “Terceirização” e “Diálogo” no

dia 1º de maio (Dia do Trabalhador). Será utilizada a Análise de Conteúdo e, na comparação entre os discursos

de uma plataforma e outra, as categorias de análise que se apresentam são: (1) fixação das formas simbólicas;

11Dia 28 de julho de 2015 o governo inaugurou o site “Dialoga Brasil” com páginas no Facebook e conta no Twitter, buscando o diálogo e, ao mesmo tempo, combater boatos na rede. Como descreve a página do Facebook: “O Dialoga Brasil é um espaço de participação digital. Aqui suas ideias viram propostas e você ajuda a melhorar as ações do governo”. Disponível em: <http://dialoga.gov.br/>. Acesso em 28 jul. 2015.

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(2) força da imagem da presidente; (3) imposição (vertical) versus interação (horizontal).

4.2. Pronunciamentos do Segundo Mandato de Dilma Rousseff

4.2.1 Pronunciamento pelo Dia internacional da Mulher de 2015 (CNRT)

Após um início turbulento de governo em que até mesmo a votação foi questionada pela oposição junto

ao Tribunal de Contas da União, somado ao noticiário sobre o escândalo na Petrobras, Dilma realizou o primeiro

pronunciamento em cadeia de rádio e televisão de todo Brasil no dia 8 de março. A presidente explicou que o

país vivia um momento difícil e que o governo precisava adotar medidas mais austeras como cortes em inves-

timentos para balancear as contas. Disse que o país atravessava a pior crise desde 1929 e que o problema é

global e afeta vários países. Aspecto predominante no discurso foi o tom de cuidado, de mãe protetora, presente

nos discursos anteriores.

Ao longo do pronunciamento, Dilma tentou mostrar que estava atenta e no controle da situação, como

fica evidente na afirmativa: “Você tem todo direito de se irritar e de se preocupar. Mas lhe peço paciência e

compreensão porque esta situação é passageira” (DILMA ROUSSEFF em pronunciamento em CNRT, 8 de maio

de 2015). No pronunciamento, a presidente ainda reforçou que nunca na história se investigou e puniu tanto,

mostrando seu caráter republicano de respeito às instituições como o Ministério Público e Polícia Federal. Ao final

do discurso, Dilma reforçou o caráter de mãe protetora e emotiva, como nos discursos anteriores, ao argumentar

o Brasil “é maior que tudo isso” e que é hora de “ter fé e esperança”. No entanto, se a intenção da estratégia de

marketing era acalmar os ânimos no momento difícil que o governo e o país estavam atravessando, surtiu efeito

contrário. Soou como uma provocação e gerou manifestações em várias capitais brasileiras (panelaços). Soman-

do-se a isto, com as novas manifestações pedindo o impeachment da presidente no dia 15 de março com apoio

de partidos da oposição, o governo percebeu que era hora de mudar de estratégia no próximo pronunciamento

(1º de maio). A alternativa foi abrir mão12 do discurso via CNRT e utilizá-lo no ciberespaço.

4.2.2. Os vídeos no ciberespaço como marketing governamental no Dia do Trabalhador

No Dia 1º de Maio, em vez dos tradicionais pronunciamentos em Cadeia Nacional de Rádio e TV, a es-

tratégia foi utilizar a internet como forma de a presidente se comunicar diretamente com a população brasileira,

a partir da disponibilização de três vídeos nos sites de redes sociais. O primeiro vídeo, disponibilizado logo na

parte da manhã do Dia do Trabalhador, trouxe como tema “Salário Mínimo”. O vídeo, com duração de 1,14”,

destacou a política de valorização do salário do trabalhador no primeiro ano do mandato da presidente. Dilma

ressaltou, que no mês de março, encaminhou ao Congresso Medida Provisória que garante a política de valori-

zação do salário mínimo até 2019. “Por lei, vamos assegurar o aumento do poder de compra do trabalhador”

(DILMA ROUSSEFF em pronunciamento em sites de redes sociais, 1º de maio de 2015). A presidente afirmou

que o salário mínimo cresceu 14,8% no seu primeiro mandato e que mais de 45 milhões de trabalhadores e

12Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/05/01/ausencia-de-dilma-em-cadeia-nacional-marca-1-de-maio.htm>. Acesso em 28 jul.2015.

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aposentados são beneficiados por esta política de governo.

O segundo vídeo tentou amenizar a chamada “Lei da Terceirização”, aprovada às pressas, em sessão

polêmica no último dia 22 de abril pela Câmara dos Deputados. O projeto segue no Senado. Dilma manteve

a posição assumida em reunião com as centrais sindicais no último dia 30 de março, de que a atividade ter-

ceirizada deve ser regulamentada no país, mas que é preciso respeitar a diferenciação entre as atividades fins e

meio das empresas. Ao final, assegurou em tom pessoal que “[o] meu governo tem o compromisso de manter os

direitos e as garantias dos trabalhadores”.

O terceiro vídeo divulgado teve como tema o “diálogo”. Dilma, mais uma vez, enfatizou seu caráter re-

publicano em respeito às manifestações e aproveitou para criticar indiretamente o governador do Paraná, Beto

Richa (PSDB), que, durante o mês de março, montou um forte esquema de segurança que reprimiu com violência

as manifestações da classe de professores do estado e que deixou dezenas de feridos. “Temos de nos acostumar

a fazer isso sem violência e sem repressão. Para isso nada melhor que o diálogo franco e transparente entre o

governo e a sociedade” (DILMA ROUSSEFF em pronunciamento em sites de redes sociais, 1º de maio de 2015).

A presidente salientou que os brasileiros precisam entender que o país atravessa um momento difícil, de baixo

crescimento, e que é preciso um esforço conjunto para superar a situação. Ao final, Dilma retomou que é preciso

respeito às manifestações e que os governantes não devem usar da violência e sim do diálogo, para compreen-

der as demandas da sociedade.

Quanto às categorias propostas, consideramos que nesta observação empírica: (1) fixação das formas

simbólicas: o pronunciamento em cadeia de rádio e televisão tem uma fixação muito maior, pois na internet o

discurso fragmentado favorece à própria prática da cultura da convergência, que é a de realizar múltiplas tarefas

ao mesmo tempo, como navegar em sites, ouvir músicas e assistir vídeos (JENKINS, 2009), levando o público à

dispersão; (2) Força da imagem da presidente: na televisão há uma imagem muito mais forte e personalista

do que nos vídeos divulgados na internet – o caráter impessoal da presidente nos discursos da web também

reforça isto, já que não utilizou jargões como “meus queridos brasileiros e brasileiras”; (3) imposição (vertical)

versus interação (horizontal): a comunicação pela televisão é vertical e não há interação – salvo quando isso

é provocado para participação em outras plataformas como hashtags13 e mensagens de celular – por outro lado,

isso pode gerar um sentimento de forçar o espectador a assistir ao pronunciamento. Já, na internet, as pessoas

podem interagir e selecionar se querem ou não assistir. Isso talvez explique em parte, a mudança de estratégia

para não passar a ideia de uma presidente autoritária, que impõe o seu discurso, dando ao eleitor a opção de

não querer assistir ao pronunciamento.

5. Considerações finais

13Palavras-chave acompanhadas do símbolo sustenido # que são utilizadas como hiperlinks nos sites de redes sociais para tratar de determi-nado tema. Ao clicar em uma hashtag todos os assuntos relativos àquela expressão estarão disponíveis em uma ordem cronológica na linha do tempo do Facebook, Twitter ou Instagram.

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A propaganda política é uma ferramenta indispensável a qualquer governante que queira visibilidade de

suas ações e programas de mandato. Com pouca abertura no noticiário (notícias positivas), o CNRT é um espaço

de disputa de pauta, como uma contrainformação. Porém, por si somente, este dispositivo não contempla uma

efetiva comunicação. Em uma realidade em que as pessoas estão cada vez mais conectadas e que as mentali-

dades, valores e processos culturais estão vinculados aos monitores e telas (MORAES, 2010), é imprescindível

investir em canais alternativos como os sites de redes sociais. Porém, como os desdobramentos mostraram, a es-

tratégia precisa ser traçada de maneira complementar, respeitando-se o perfil de cada audiência e a linguagem

específica do suporte, não somente transplantando um conteúdo de uma plataforma a outra.

No caso específico em estudo – que trata da estratégia de marketing governamental da presidente Dilma

Rousseff (PT) em meio a uma série crise política e econômica –percebe-se que houve equívocos por parte dos

profissionais de comunicação. Num primeiro momento, obviamente, que não era esperada uma ofensiva de

ataques no momento do pronunciamento feito em 08 de março em cadeia nacional de rádio e televisão. Isso

revela como a política é a esfera da imprevisibilidade e que não há como controlar a visibilidade. No entanto,

com a mudança de suporte midiático do pronunciamento para os sites de redes sociais no Dia do Trabalhador,

a presidente passou uma ideia de medo, de fragilidade, de uma visibilidade ameaçada frente a um alto índice

de rejeição. Não houve protestos, já que os vídeos acabaram se dispersando no ciberespaço. Por outro lado,

o marketing não conseguiu emplacar uma boa imagem da presidente, que, se não foi vaiada e não foi alvo de

panelaço, mostrou-se acuada diante dos seus opositores.

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shtml>. Acesso em 19 jul.2015.