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adfa, p. 579, 2011. © Springer-Verlag Berlin Heidelberg 2011 Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico por meio de Modelo Linguístico Fuzzy Karine Faverzani Magnago 1 , Ana Rita Brancalioni 2 , Márcia Keske-Soares 2 1 UFSM CCNE, 2 UFSM CCS, Av. Roraima nº 1000, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil [email protected], [email protected]; [email protected] Abstract. Diante da importância de caracterizar os diferentes sistemas fonoló- gicos desviantes, esse trabalho apresenta um sistema fuzzy capaz de classificar a gravidade desses desvios. Esse modelo é avaliado para uma amostra de dados considerada e validado com julgamentos de um grupo de fonoaudiólogas. A metodologia escolhida mostrou-se adequada, resultando em um sistema de clas- sificação robusto, com possibilidade de aplicabilidade na prática clínica. Keywords: Distúrbio da Fala, Modelagem Matemática, Lógica Fuzzy. 1 Introdução Há várias crianças que apresentam dificuldades relacionadas ao aspecto fonológico da linguagem, sem manifestar comprometimento orgânico. Tais crianças com idade além da esperada para que as dificuldades tenham sido superadas apresentam desvio fono- lógico. Classificar a gravidade do desvio fonológico é importante, pois possibilita ao fono- audiólogo conhecer melhor o sistema fonológico da criança, escolher a forma mais adequada de intervenção, auxiliando no acompanhamento do processo terapêutico e na elaboração do prognóstico. Contudo, apesar da importância em classificar a gravi- dade do desvio fonológico, ainda não surgiu um consenso a respeito dos aspectos que precisam ser avaliados. Considerando a análise qualitativa, destacam-se as propostas de classificar o desvio fonológico através de: aspectos etiológicos [39], de processos fonológicos [22]; pro- cessos ou padrões maturacionais [43]; perspectiva desenvolvimental [21]; relação entre sistema fonológico e vocabulário [23]; tipologia dos processos fonológicos [24]. Ainda, a proposta de Lazzarotto [27] e de Duarte [17] a partir da análise de traços distintivos e de segmentos das classes naturais. E mais recentemente, o trabalho de Lazzarotto-Volcão [28] que propôs um modelo de análise e classificação dos desvios fonológicos, denominado Modelo Padrão de Aquisição de Contrastes. Para análise quantitativa, apresentam-se as propostas de Shriberg e Kwiatkowski [39] através do Percentual de Consoantes Corretas PCC; de Edwards [18] a partir do Índice de Densidade dos Processos Fonológicos (PDI - Process Density Index) e de Keske-Soares [24] com base nos índices de substituição e omissão. Há um modelo de aquisição segmental do Português Brasileiro que foi utilizado em estudos de aquisição típica e nos desvios fonológicos, principalmente por pesquisado-

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adfa, p. 579, 2011.

© Springer-Verlag Berlin Heidelberg 2011

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico por

meio de Modelo Linguístico Fuzzy

Karine Faverzani Magnago1, Ana Rita Brancalioni2, Márcia Keske-Soares2

1UFSM – CCNE, 2UFSM – CCS, Av. Roraima nº 1000, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil

[email protected], [email protected]; [email protected]

Abstract. Diante da importância de caracterizar os diferentes sistemas fonoló-

gicos desviantes, esse trabalho apresenta um sistema fuzzy capaz de classificar

a gravidade desses desvios. Esse modelo é avaliado para uma amostra de dados

considerada e validado com julgamentos de um grupo de fonoaudiólogas. A

metodologia escolhida mostrou-se adequada, resultando em um sistema de clas-

sificação robusto, com possibilidade de aplicabilidade na prática clínica.

Keywords: Distúrbio da Fala, Modelagem Matemática, Lógica Fuzzy.

1 Introdução

Há várias crianças que apresentam dificuldades relacionadas ao aspecto fonológico da

linguagem, sem manifestar comprometimento orgânico. Tais crianças com idade além

da esperada para que as dificuldades tenham sido superadas apresentam desvio fono-

lógico.

Classificar a gravidade do desvio fonológico é importante, pois possibilita ao fono-

audiólogo conhecer melhor o sistema fonológico da criança, escolher a forma mais

adequada de intervenção, auxiliando no acompanhamento do processo terapêutico e

na elaboração do prognóstico. Contudo, apesar da importância em classificar a gravi-

dade do desvio fonológico, ainda não surgiu um consenso a respeito dos aspectos que

precisam ser avaliados.

Considerando a análise qualitativa, destacam-se as propostas de classificar o desvio

fonológico através de: aspectos etiológicos [39], de processos fonológicos [22]; pro-

cessos ou padrões maturacionais [43]; perspectiva desenvolvimental [21]; relação

entre sistema fonológico e vocabulário [23]; tipologia dos processos fonológicos [24].

Ainda, a proposta de Lazzarotto [27] e de Duarte [17] a partir da análise de traços

distintivos e de segmentos das classes naturais. E mais recentemente, o trabalho de

Lazzarotto-Volcão [28] que propôs um modelo de análise e classificação dos desvios

fonológicos, denominado Modelo Padrão de Aquisição de Contrastes.

Para análise quantitativa, apresentam-se as propostas de Shriberg e Kwiatkowski

[39] através do Percentual de Consoantes Corretas – PCC; de Edwards [18] a partir do

Índice de Densidade dos Processos Fonológicos (PDI - Process Density Index) e de

Keske-Soares [24] com base nos índices de substituição e omissão.

Há um modelo de aquisição segmental do Português Brasileiro que foi utilizado em

estudos de aquisição típica e nos desvios fonológicos, principalmente por pesquisado-

580 Karine Faverzani Magnago, Ana Rita Brancalioni, Márcia Keske-Soares

res do Rio Grande do Sul. Esse modelo foi proposto por Mota [30], denominado Mo-

delo Implicacional de Complexidade de Traços (MICT), baseado na Geometria de

traços de Clements e Hume [14] e na teoria de restrições de Calabrese [9]. Ao propor

o MICT, a autora afirma que ele pode auxiliar na determinação da gravidade do des-

vio fonológico, a partir da análise das rotas percorridas e dos níveis de complexida-

des, apesar dela não ter estudado esse aspecto.

O objetivo desse trabalho é propor uma classificação para a gravidade do desvio

fonológico com base no MICT [30], considerando as adaptações sugeridas por Rangel

[35]. Para esse fim, considerou-se a pesquisa realizada por BRANCALIONI [8], aper-

feiçoando-se o primeiro modelo desenvolvido em seu trabalho. Para a análise do mo-

delo a ser proposto, ele foi avaliado em uma amostra com dados do sistema fonológi-

co de 204 sujeitos e validado com resultados de avaliação de um grupo de fonoaudió-

logas (em parte da amostra – 52 sujeitos).

Para atingir esse objetivo, foi construído um Modelo Linguístico Fuzzy (com infe-

rência de Mamdani) por apresentar a flexibilidade necessária para agregar todas as

informações contidas no MICT. Essa escolha levou em consideração a afirmação de

Ortega [33, 34] de que a teoria dos conjuntos fuzzy tem grande potencial na aplicação

de problemas de biomedicina, devido ao tipo de incerteza envolvido nos procedimen-

tos médicos, biológicos e epidemiológicos. A autora destaca o desenvolvimento de

modelos fuzzy em sistemas especialistas, diagnósticos e epidemiológicos.

O objetivo do Modelo de Diagnóstico Médico Fuzzy é propor um sistema fuzzy

para ajudar o médico a tomar decisões e optar, por exemplo, por exames laboratoriais

mais detalhados [5], permitindo procedimentos e métodos eficazes [4]. Uma aplicação

é o trabalho de Lopes, Jafelice e Barros [29] de Modelagem Fuzzy de Diagnóstico

Médico e Monitoramento do Tratamento da Pneumonia. Ainda destacam-se trabalhos,

com base em sistema fuzzy de diagnóstico para o câncer de mama [38, 32] e câncer

de próstata [11, 12, 13].

Na Fonoaudiologia há trabalhos que envolveram a aplicação da teoria dos conjun-

tos fuzzy para a criação de sistemas de diagnóstico de patologias como: distúrbio

específico de linguagem [20], autismo [4], disartria e dispraxia [19], afasia [3] e pato-

logias de pregas vocais como nódulos, edema, paralisia [2, 1].

Schipor, Pentiuc e Schipor [37] desenvolveram um modelo fuzzy para terapia de

desvio fonológico. Esse modelo, que busca auxiliar na tomada de decisões sobre o

tratamento, foi elaborado considerando 19 variáveis de entrada entre as quais o nível

de dificuldade de fala, a idade, a participação da família, o número de sessão na se-

mana, entre outras. A partir das 19 variáveis de entrada, 150 regras fuzzy foram cria-

das para controlar aspectos de uma terapia personalizada.

Esse artigo está organizado como descrito a seguir. Na seção 2, apresenta-se o

MICT com as alterações consideradas nesse estudo. Na seção 3, encontra-se a mode-

lagem matemática do objeto de estudo, com o detalhamento do sistema fuzzy desen-

volvido. Na seção 4, estão os resultados da classificação proposta para a amostra con-

siderada, bem como a discussão dos mesmos; ainda encontram-se as análises de vali-

dação do modelo. Finalmente, na conclusão (seção 5), encontram-se as considerações

de encerramento do artigo, seguidas pelas referências utilizadas.

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico por meio de Modelo Linguístico

Fuzzy 581

2 Modelo Implicacional de Complexidade de Traços

O Modelo Implicacional de Complexidade de Traços (MICT), proposto por Mota

[30], tem como objetivo representar a aquisição segmental do Português Brasileiro. O

MICT foi construído a partir dos dados de 25 crianças com desvio fonológico na faixa

etária de 4 a 10 anos que não receberam tratamento fonoaudiológico prévio.

Apesar de Mota [30] defender que o MICT representa a aquisição fonológica nor-

mal (mesmo tendo sido construído a partir de dados de crianças com desvio fonológi-

co), Rangel [35] contestou essa tese baseado em dados de três crianças com aquisição

fonológica normal, verificando que o modelo não representa algumas informações

presentes nesses dados.

Fig. 1. Modelo Implicacional de Complexidade de Traços com alterações propostas por Rangel

[35](representação de um indivíduo com aquisição fonológica normal).

582 Karine Faverzani Magnago, Ana Rita Brancalioni, Márcia Keske-Soares

O MICT com as alterações propostas por Rangel [35] pode ser esquematizado gra-

ficamente pela figura 1.

Como pode ser visto na figura 1, o MICT apresenta-se sob forma arbórea, a qual

contém uma raiz correspondente ao Estado Zero. Esse Estado Zero compreende sons

menos complexos e os primeiros sons produzidos pela criança. A partir do Estado

Zero, a criança progride gradualmente em direção a um aumento de complexidade em

seu sistema; quanto mais distante do ponto inicial os sons estiverem, mais complexos

eles são.

A figura 1 revela uma estrutura complexa de armazenamento e análise de dados a

cerca da aquisição fonológica de uma criança. As arestas representam os caminhos

possíveis para aquisição de um dado som, explicitando as leis que regem a evolução

de seu sistema fonológico. Para fácil referência, elas recebem as designações A1, A2,

... , D2, D3. Um indivíduo, por exemplo, não terá percorrido A2 sem que tenha passa-

do por A1. As arestas contínuas representam uma relação forte entre os sons adquiri-

dos e os que são desenvolvidos na sequência; já as arestas tracejadas simbolizam uma

relação mais fraca.

Os vértices caracterizam os sons adquiridos, seguindo as convenções para esses

sons adotadas no contexto da fonoaudiologia. Cada vértice representa pelo menos um

fonema, conforme indicado, entre parênteses, no final de sua designação. Por exem-

plo, o vértice [+cont](voz)(f, v, s, z) representa quatro fonemas; nesse caso, se pelo

menos um dos fonemas /f/, /v/, /s/ ou /z/ for adquirido, considera-se que o caminho

B2 foi percorrido (mesmo que ainda não se tenha desenvolvido os demais fonemas do

vértice).

Finalmente, o Nível de Complexidade denotado na figura 1 pela variável N indica

o quão complexos são os fonemas adquiridos, variando no domínio {1, 2, ... , 9}. A

partir do Estado Zero, o som mais simples corresponde a N = 1, enquanto o mais

complexo corresponde a N = 9.

Embora o MICT não tenha sido proposto com o objetivo de uma aplicação tera-

pêutica direta, diversos estudos [6, 24, 25, 31, 36, 42] utilizaram o MICT na terapia de

fala de crianças com desvio fonológico, para escolher sons-alvo e/ou prever as gene-

ralizações. Esses estudos mostraram que o MICT tem implicações importantes para a

prática clínica. Além disso, o MICT pode auxiliar na determinação da gravidade do

desvio fonológico, a partir dos níveis de complexidades e rotas percorridas [30].

3 Modelagem Matemática

O objetivo principal da pesquisa em desenvolvimento é propor um modelo matemáti-

co para classificação da gravidade do desvio fonológico baseado no Modelo Implica-

cional de Complexidade de Traços – MICT [30], considerando as adequações sugeri-

das por Rangel [35]. Nesse artigo, em particular, aperfeiçoa-se o primeiro modelo

proposto por Brancalioni [8] em sua dissertação de mestrado.

Para o desenvolvimento da modelagem, as pesquisadoras contavam com dados clí-

nicos de 204 sujeitos com desvio fonológico (obtidos em avaliação fonológica pré-

tratamento), na faixa etária de quatro anos e dois meses a oito anos e dois meses, sen-

do 73 (35,8%) do sexo feminino e 131 (64,2%) do sexo masculino [8].

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico por meio de Modelo Linguístico

Fuzzy 583

3.1 Formulação do Modelo

A análise das informações obtidas do MICT (Figura 1) sugere a construção de três

variáveis: Percurso das Rotas, Nível de Complexidade e Aquisição dos Fonemas, que

são as entradas naturais do modelo a ser proposto. Essas variáveis serão tratadas como

variáveis linguísticas fuzzy, recebendo termos linguísticos que descrevem suas quali-

dades e valores numéricos que especificam suas quantidades, devido à carga de subje-

tividade que está agregada a cada uma delas. A escolha dessas variáveis justifica-se

pelo fato das mesmas contribuírem na classificação da gravidade do desvio [30].

Também a saída desejada – Classificação da Gravidade do Desvio Fonológico –

apresenta-se como uma variável linguística. Por um lado, ela deve apresentar uma

resposta qualitativa (por exemplo, desvio grave), mas, por outro, interessa que nume-

ricamente expresse um significado que possa, por exemplo, indicar o progresso de um

indivíduo em seu tratamento fonológico.

Para se trabalhar precisamente com as entradas apresentadas e produzir a saída de-

sejada, criou-se um Modelo Linguístico Fuzzy baseado em um conjunto de regras

fuzzy, com inferência de Mamdani. As informações para a construção dessas regras

são naturalmente obtidas das leis que regem a evolução dos sistemas fonológicos, às

quais o MICT incorpora em sua representação. A Figura 2 ilustra a estrutura do siste-

ma proposto, que foi desenvolvido no aplicativo Matlab® (toolbox fuzzy).

Fig. 2. Estrutura do sistema baseado em regras fuzzy construído para classificar a gravidade do

desvio fonológico.

3.1.1 Descrição das Variáveis do Sistema Fuzzy

A determinação das fronteiras, para todas as variáveis, seguiu critérios e inferên-

cias a partir do MICT e da própria experiência dos pesquisadores. Para a determina-

ção das fronteiras, muitas vezes não há critérios pré-estabelecidos. Tal fato exige do

pesquisador a criação de hipóteses ou convenções, com base no conhecimento cientí-

fico e na experiência.

Para a variável de entrada Percurso das Rotas, considerou-se o intervalo [0, 16]

como domínio, em que o valor “0” indica que nenhuma rota foi percorrida e o valor

“16” é o número total de rotas percorridas em um sistema fonológico completo. En-

tão, atribuíram-se três termos linguísticos: Curto, Médio e Longo, aos quais corres-

Percurso das Rotas (3)

Níveis de Complexidade (3)

Aquisição dos Fonemas (3)

Classificação (4)

(mamdani)

20 rules

584 Karine Faverzani Magnago, Ana Rita Brancalioni, Márcia Keske-Soares

pondem os subconjuntos fuzzy apresentados na Figura 3. Também a Figura 3 mostra

a distribuição de rotas que caracterizam cada percurso como Curto, Médio e Longo,

bem como as rotas que caracterizam a transição entre essas classes.

Fig. 3. Distribuição das rotas nos subconjuntos da variável Percurso das Rotas.

Para a variável de entrada Nível de Complexidade, cujo domínio [0, 9] é obtido di-

retamente do MICT, atribuíram-se os três termos linguísticos: Baixo, Médio e Alto,

conforme ilustrado na Figura 4. Adotando o critério estabelecido no MICT que o

aumento da complexidade segue uma ordem crescente segundo os níveis, as fronteiras

adotadas procuraram expressar essa característica.

Fig. 4. Distribuição do nível de complexidade de acordo com seus subconjuntos.

Para a variável de entrada Aquisição dos Fonemas, atribuíram-se os três termos

linguísticos: Baixa, Média e Alta, como pode ser visto na Figura 5. O domínio dessa

variável é [0, 19], em que o valor “19” representa o número total de fonemas a serem

adquiridos.

0 2 4 6 8 10 12 14 16

0

0.2

0.4

0.6

0.8

1

Percurso das Rotas

Gra

us d

e P

ert

inê

ncia

CURTO MÉDIO LONGO

D1

B1

A1

D1

B1

A1

A2

B2B3 C1

A2

B2

B3 C1

D1

B1

A1

A2

B2B3 C1

B4 D2

A3 B6 C2

C3 D3B6 C4

B4 D2

A3 B6 C2

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

0

0.2

0.4

0.6

0.8

1

Nível de Complexidade

Gra

us d

e P

ert

inê

ncia

BAIXO MÉDIO ALTO

N1 N2 N3 N4 N6

N5

N9

N7 N8

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico por meio de Modelo Linguístico

Fuzzy 585

Fig. 5. Distribuição dos fonemas de acordo com seus subconjuntos.

A principal contribuição desse artigo é na reformulação da variável de saída do pri-

meiro modelo proposto por BRANCALIONI [8], cujas fronteiras dos subconjuntos

fuzzy usaram valores de referência baseados no estudo de Shriberg e Kwiatkowski

[39].

A primeira modificação está relacionada à interpretação da própria variável que an-

tes fornecia um índice de gravidade cujo valor era reinterpretado segundo a teoria

clássica de conjuntos para fornecer a classificação desejada (veja figura 6. A). Agora

propõe-se uma variável de saída que forneça, além do valor quantitativo, sua corres-

pondente classificação (dada pelo subconjunto fuzzy ao qual o elemento pertence com

maior grau).

A segunda modificação é referente ao significado do próprio valor defuzzificado.

Na proposta original, o uso de funções de pertinência do tipo trapezoidal limitou a

interpretação do valor de saída pois, para um intervalo de valores (1-nível), o grau de

pertinência era “1” (pertinência plena); enquanto para outros intervalos (0-nível), o

grau é “0” (exclusão total). Desejava-se que o valor defuzzificado pudesse indicar,

por exemplo, uma evolução terapêutica; ou seja, se um paciente obtivera o índice 30

na primeira avaliação e, após tratamento, 40 na segunda avaliação, desejava-se que

esse aumento indicasse uma melhora. Para atender essa necessidade substituíram-se

as funções de pertinência trapezoidais por funções do tipo sino cuja expressão analíti-

ca é dada pela equação (1):

.

1

1)(

2B

A

Cxx

(1)

Essa função não atribui valor igual a elementos diferentes em uma dada vizinhança

(à esquerda ou à direita de C); de fato, a função (x) conforme a lei dada em (1) apre-

586 Karine Faverzani Magnago, Ana Rita Brancalioni, Márcia Keske-Soares

senta simetria em relação ao valor x = C, de modo que (C – ) e (C + ) são iguais

( > 0). No entanto, a igualdade nesses valores simétricos não prejudica a análise

porque os valores à esquerda e à direita de C também são classificados nos outros

subconjuntos fuzzy, evidenciando a diferença de interpretação. Com o objetivo de se

conservar uma correspondência com a proposta original, manteve-se, a princípio,

tanto os mesmos pontos de intersecção de pares de funções sucessivas, quanto a incli-

nação das funções nesses pontos, por meio da escolha adequada dos valores dos pa-

râmetros A, B e C (conforme é ilustrado na figura 6. B).

Fig. 6. A. Subconjuntos fuzzy da variável de saída Índice da Gravidade do Desvio Fonológico

[8]; B. Subconjuntos fuzzy da variável de saída Classificação da Gravidade do Desvio Fonoló-

gico com as primeiras alterações.

Em uma análise inicial, a classificação dos 204 sujeitos por meio do modelo com

as primeiras alterações resultou em um número muito baixo de classificados com

desvio fonológico Moderado-Grave (apenas 3 casos, correspondente a 1,47% da

amostra), apresentando uma tendência a classificação pessimista de alguns casos

(desvio Grave), análogo ao simulado por Brancalioni [8]. Por isso, optou-se por uma

adequação da modelagem dos subconjuntos fuzzy Grave e Moderado-Grave, de modo

que a função de pertinência Moderado-Grave iguala-se a função de pertinência Mode-

rado-Leve, exceto por uma translação. Com essa modificação, a proposta final da

variável de saída é apresentada na figura 7 sendo a mesma denominada Classificação

da Gravidade do Desvio Fonológico; ela é proposta no domínio [0, 100], contando

com quatro termos linguísticos: Grave, Moderado-Grave, Moderado-Leve e Leve.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

0

0.5

1

Índice de Gravidade do Desvio Fonológico

Gra

u d

e P

erti

nên

cia

Grave

Moderado-Grave Moderado-Leve

Leve

A

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

0

0.5

1

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico

Gra

u d

e P

erti

nên

cia Grave

Moderado-Grave Moderado-LeveLeve

B

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico por meio de Modelo Linguístico

Fuzzy 587

Fig. 7. Subconjuntos fuzzy da variável de saída Classificação da Gravidade do Desvio Fonoló-

gico.

3.1.2 A Base de Regras

Foi utilizada a estrutura: “Se (antecedentes), então (consequente).” para cada uma

das regras da base proposta.

Considerando as variáveis de entrada e seus subconjuntos, há a possibilidade de 27

regras, já que existem três variáveis de entrada e cada uma delas com três subconjun-

tos fuzzy. No entanto, pelo conhecimento científico dos pesquisadores, concluiu-se

que 7 dessas regras não caracterizavam situação possíveis no desenvolvimento do

sistema fonológico; por isso elas foram desconsideradas, resultando em 20 regras. As

regras de inferência criadas foram:

1. Se Percurso das Rotas é “Curto” e Nível de Complexidade é “Baixo” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Baixa”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fono-

lógico é “Grave”.

2. Se Percurso das Rotas é “Curto” e Nível de Complexidade é “Baixo” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Média”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fo-

nológico é “Grave”.

3. Se Percurso das Rotas é “Curto” e Nível de Complexidade é “Médio” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Baixa”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fono-

lógico é “Grave”.

4. Se Percurso das Rotas é “Curto” e Nível de Complexidade é “Médio” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Media”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fo-

nológico é “Moderado-Grave”.

5. Se Percurso das Rotas é “Curto” e Nível de Complexidade é “Alto” e Aquisição

dos Fonemas é “Baixa”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fonológi-

co é “Moderado-Grave”.

6. Se Percurso das Rotas é “Curto” e Nível de Complexidade é “Alto” e Aquisição

dos Fonemas é “Média”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fonoló-

gico é “Moderado-Grave”.

7. Se Percurso das Rotas é “Médio” e Nível de Complexidade é “Baixo” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Baixa”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fono-

lógico é “Moderado-Grave”.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

0

0.2

0.4

0.6

0.8

1

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico

Gra

u d

e P

erti

nên

cia

Grave Moderado-Grave Moderado-Leve Leve

588 Karine Faverzani Magnago, Ana Rita Brancalioni, Márcia Keske-Soares

8. Se Percurso das Rotas é “Médio” e Nível de Complexidade é “Baixo” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Média”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fo-

nológico é “Moderado-Grave”.

9. Se Percurso das Rotas é “Médio” e Nível de Complexidade é “Médio” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Baixa”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fono-

lógico é “Moderado-Grave”.

10. Se Percurso das Rotas é “Médio” e Nível de Complexidade é “Médio” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Média”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fo-

nológico é “Moderado-Leve”.

11. Se Percurso das Rotas é “Médio” e Nível de Complexidade é “Médio” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Alta”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fono-

lógico é “Moderado-Leve”.

12. Se Percurso das Rotas é “Médio” e Nível de Complexidade é “Alto” e Aquisição

dos Fonemas é “Baixa”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fonológi-

co é “Moderado-Grave”.

13. Se Percurso das Rotas é “Médio” e Nível de Complexidade é “Alto” e Aquisição

dos Fonemas é “Média”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fonoló-

gico é “Moderado-Leve”.

14. Se Percurso das Rotas é “Médio” e Nível de Complexidade é “Alto” e Aquisição

dos Fonemas é “Alta”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico

é “Moderado-Leve”.

15. Se Percurso das Rotas é “Longo” e Nível de Complexidade é “Médio” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Baixa”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fono-

lógico é “Moderado-Grave”.

16. Se Percurso das Rotas é “Longo” e Nível de Complexidade é “Médio” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Média”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fo-

nológico é “Moderado-Leve”.

17. Se Percurso das Rotas é “Longo” e Nível de Complexidade é “Médio” e Aquisi-

ção dos Fonemas é “Alta”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fono-

lógico é “Leve”.

18. Se Percurso das Rotas é “Longo” e Nível de Complexidade é “Alto” e Aquisição

dos Fonemas é “Baixa”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fonológi-

co é “Moderado-Leve”.

19. Se Percurso das Rotas é “Longo” e Nível de Complexidade é “Alto” e Aquisição

dos Fonemas é “Média”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fonoló-

gico é “Moderado-Leve”.

20. Se Percurso das Rotas é “Longo” e Nível de Complexidade é “Alto” e Aquisição

dos Fonemas é “Alta”, então a Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico

é “Leve”.

Os princípios que nortearam a determinação dos consequentes das regras foram:

Quanto maior a aquisição de fonemas menor é o comprometimento do sistema

fonológico e mais inteligível é a fala, consequentemente, menor é a gravidade do

desvio. O contrário também é verdadeiro.

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico por meio de Modelo Linguístico

Fuzzy 589

Quanto maior o percurso das rotas mais traços marcados apresentam-se estabeleci-

dos no sistema fonológico e, consequentemente, menor é a gravidade do desvio. O

contrário também é verdadeiro.

Quanto maior o nível de complexidade dos fonemas presentes (adquiridos e/ou

parcialmente adquiridos) maior é a complexidade do sistema fonológico e, conse-

quentemente, menor é a gravidade do desvio. O contrário também é verdadeiro.

As regras foram processadas em paralelo, na qual todas as regras (circunstâncias)

foram consideradas ao mesmo tempo. A inferência utilizada foi o Mínimo de Mam-

dani, cuja saída é construída pela superposição dos consequentes das regras individu-

ais. O método de defuzzificação utilizado foi o do centro de área.

4 Resultados e Validação

O modelo proposto foi capaz de classificar a gravidade do desvio fonológico dos

204 sujeitos considerados, de forma sistemática e rápida. A Figura 8 apresenta os

valores defuzzificados para cada um dos 204 sujeitos; para facilitar a análise, os dados

foram organizados em ordem crescente da classificação da gravidade.

Fig. 8. Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico calculada para os 204 sujeitos.

Observou-se 14 (6,86%) sistemas fonológicos classificados como Desvio Grave;

15 (7,35%) como Desvio Moderado-Grave; 88 (43,14%) como Desvio Moderado-

Leve e 87 (42,65%) como Desvio Leve. Essas classificações evidenciam o predomino

de sistemas fonológicos com desvios mais leves (Leve e Moderado-Leve).

Diversos estudos, que classificaram a gravidade do desvio fonológico através do

Percentual de Consoantes Corretas (PCC) [10, 15, 16, 26, 41, 44, 45, 46, 47, 48, 49] e

do Índice de Densidade dos Processos Fonológicos (PDI) [46, 48, 49] também encon-

tram maiores percentuais para os desvios Leve e Moderado-Leve. O menor percentual

para os desvios Grave e Moderado-Grave, verificado na presente pesquisa, corrobo-

0

20

40

60

80

100

0 50 100 150 200Cla

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ão d

e G

ravid

ade

do

DF

Sistemas Fonológicos

590 Karine Faverzani Magnago, Ana Rita Brancalioni, Márcia Keske-Soares

ram estudo de Shriberg e Kwiatkowski [40] que afirma que esses casos são observa-

dos com menor frequência.

Analisando os resultados, também se pôde observar o valor diferencial da classifi-

cação conforme ilustrado nas tabelas 1, 2, 3 e 4. Para facilitar a apresentação das tabe-

las, as abreviações: PR (Percurso das Rotas), NC (Nível de Complexidade), AF

(Aquisição de Fonemas) e CGDF (Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico)

foram utilizadas. Cada uma dessas tabelas apresenta dados de pacientes cujo desvio

fonológico foi classificado qualitativamente de forma igual; no entanto, em todas elas,

os valores de entrada do paciente da segunda linha demonstram que seu sistema fono-

lógico é ligeiramente melhor que o do paciente da primeira linha; essa característica é

também observada no valor calculado para a classificação – quanto maior o valor

defuzzificado, menos grave é o desvio fonológico.

Table 1. Exemplo de dois pacientes cujo desvio fonológico foi classificado como Grave.

Paciente PR NC AF CGDF

P1 5 7 5,5 34,8609 – Desvio Grave

P2 6 7 7,5 41,9644 – Desvio Grave

Table 2. Exemplo de dois pacientes cujo desvio fonológico foi classificado como Moderado-

Grave.

Paciente PR NC AF CGDF

P3 5 5 11 44,5909 – Desvio Moderado-Grave

P4 5 6 12 49,0996 – Desvio Moderado-Grave

Table 3. Exemplo de dois pacientes cujo desvio fonológico foi classificado como Moderado-

Leve.

Paciente PR NC AF CGDF

P5 9 6 14 74,5930 – Desvio Moderado-Leve

P6 12 9 14 74,6933 – Desvio Moderado-Leve

Table 4. Exemplo de dois pacientes cujo desvio fonológico foi classificado como Leve.

Paciente PR NC AF CGDF

P7 14 8 17,5 91,0892 – Desvio Leve

P8 16 9 18,5 91,6137 – Desvio Leve

Ainda, observando as classificações de gravidade dos desvios fonológicos dos oito

pacientes apresentados nas tabelas 1, 2, 3 e 4, nota-se que à medida que o valor defuz-

zificado cresce, a gravidade do desvio é atenuada.

4.1 Validação da Proposta

Para a validação da proposta, confrontou-se a classificação fornecida pelo modelo e a

classificação realizada por um grupo de fonoaudiólogas. No entanto, julgar a gravida-

de dos 204 sistemas fonológicos que compõe o total de informações desse trabalho

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico por meio de Modelo Linguístico

Fuzzy 591

seria uma tarefa exaustiva. Para tornar viável a análise proposta, sem perder a confia-

bilidade, extraiu-se uma amostra estratificada de 52 sujeitos para avaliação, de modo

a assegurar uma maior diversidade nos casos [8].

O grupo de julgadoras foi composto por três fonoaudiólogas, mestres em Distúr-

bios da Comunicação Humana, com experiência em fala com desvio em laboratório

de pesquisa desde a formação na graduação, como bolsistas de iniciação científica,

identificadas doravante como fonoaudiólogas F1, F2 e F3.

Para o grupo foi solicitado classificar os sistemas fonológicos com base nos três

princípios que nortearam a construção das regras.

Antes de comparação entre o julgamento de cada fonoaudióloga e os resultados

calculados pelo sistema fuzzy, valem algumas observações. Como cada fonoaudiólo-

ga fez seu julgamento individualmente, as classificações não precisavam ser necessa-

riamente as mesmas. De fato, as três julgadoras concordaram na classificação de me-

tade dos casos avaliados (26 sujeitos). Ainda, duas fonoaudiólogas do grupo – não

necessariamente as mesmas – concordaram na classificação de 48,08% dos casos

avaliados (25 sujeitos). E as três julgadoras discordaram entre si na classificação de

gravidade do desvio fonológico de 1,92% dos casos avaliados (um sujeito). As dife-

rentes avaliações em metade da amostra destacam o quanto pode ser difícil essa clas-

sificação, mesmo para um grupo de profissionais com experiência e instrução com-

provadas. A tabela 5 apresenta o resultado da classificação proposta nos três cenários

aqui discutidos.

Table 5. Quadro comparativo entre o julgamento do grupo de fonoaudiólogas e a classificação

fornecida pelo modelo.

Cenário Classificação do Modelo

Cenário 1: As três fonoaudiólogas

apresentam o mesmo julgamento (26

sujeitos).

O modelo forneceu o mesmo julgamento para 25

sujeitos (96,15% dos casos do cenário) e julgamen-

to diferente para um sujeito (3,85% dos casos do

cenário); nesse caso discordante, as fonoaudiólogas

julgaram o desvio como Moderado-Grave, enquan-

to o modelo classificou como Moderado-Leve.

Cenário 2: Duas fonoaudiólogas

(não necessariamente as mesmas) apre-

sentaram o mesmo julgamento (25

sujeitos).

O modelo forneceu o mesmo julgamento que as

duas fonoaudiólogas que concordaram para 21

sujeitos (84% dos casos do cenário) e o mesmo

julgamento que a fonoaudióloga discordante para

quatro sujeitos (16% dos casos do cenário).

Cenário 3: As três fonoaudiólogas

discordam sobre o julgamento (um

sujeito): F1 julgou o desvio como Mo-

derado-Leve, F2 como Grave e F3

como Moderado-Grave.

O modelo forneceu o mesmo julgamento que a

fonoaudióloga F3: Moderado-Grave (classificação

intermediária).

592 Karine Faverzani Magnago, Ana Rita Brancalioni, Márcia Keske-Soares

Analisando a tabela 5, verifica-se que, para 46 sujeitos (88,46% da amostra da va-

lidação), o modelo classifica o desvio fonológico em consonância com o julgamento

de pelo menos duas das fonoaudiólogas; para 5 sujeitos (9,62%), a classificação do

modelo é a mesma de apenas uma das fonoaudiólogas e para um sujeito (1,92%), o

modelo classifica o desvio diferentemente das três julgadoras (Cenário 1).

A tabela 6 apresenta o número de classificações geradas pelo modelo proposto

(CGDF) discordantes dos correspondentes julgamentos das fonoaudiólogas, seguido

pelo correspondente percentual em relação ao tamanho da amostra de validação (52

sujeitos). Cabe ressaltar que, na grande maioria, os casos de discordância não são os

mesmos para todas as fonoaudiólogas; de fato, como destacado no paragrafo anterior,

em somente uma situação a classificação dada pelo modelo discorda simultaneamente

das três fonoaudiólogas (Cenário 1).

Table 6. Quantidade de classificações fornecidas pelo modelo proposto (CGDF) diferentes do

julgamento da fonoaudióloga indicada e respectivo percentual da amostra de validação (52

sujeitos).

Fonoaudiólogas CGDF diferente do julgamento Percentual da amostra de validação

F1 3 sujeitos 5,77%

F2 14 sujeitos 26,92%

F3 14 sujeitos 26,92%

Embora o número de classificações discordantes dos julgamentos das fonoaudiólo-

gas F2 e F3 seja o mesmo (conforme tabela 6), a gravidade desses casos é, na maioria

dos casos, diferente. A maioria das diferenças entre a classificação gerada pelo mode-

lo e o julgamento da fonoaudióloga F2 estão presentes em casos que o modelo julgou

como desvio Moderado-Grave e F2 como Grave, ou em casos que o modelo julgou

como desvio Moderado-Leve e F2 jugou como Moderado-Grave, mostrando que nes-

ses casos a fonoaudióloga F2 foi mais pessimista que o modelo (12 sujeitos dentre os

14 de julgamentos discordantes). Já para a fonoaudióloga F3, constatou-se que ela foi

mais otimista que o modelo proposto na classificação de 12 sujeitos (dentre os 14

julgamentos discordantes); nesses casos, o modelo classificou como desvio Modera-

do-Leve e F3 como Leve.

Finalizado a análise da tabela 6, destaca-se que na imensa maioria dos casos de

julgamentos discordantes, a exceção de um julgamento, a diferença de classificação

dada pelo modelo foi uma classe mais grave, ou menos grave, que o julgamento de

cada fonoaudióloga.

5 Conclusão

O sistema fuzzy proposto a partir do Modelo Implicacional de Complexidade de Tra-

ços (MICT) é capaz de fornecer uma classificação de gravidade do desvio fonológico

consistente que apresenta as características desejadas – interpretação qualitativa e

quatitativa da saída e valor de saída diferencial.

No caso da amostra disponível para nossa pesquisa, foi possível classificar os 204

sistemas fonológicos segundo a gravidade em desvios Grave, Moderado-Grave, Mo-

Classificação de Gravidade do Desvio Fonológico por meio de Modelo Linguístico

Fuzzy 593

derado-Leve e Leve, podendo, também, serem diferenciados segundo o valor defuzzi-

ficado.

O emprego da teoria dos conjuntos fuzzy mostrou-se adequado para a modelagem

desejada por ser capaz de incorporar as diversas informações imersas no MICT: desde

as variáveis naturalmente extraídas do mesmo (Percurso das Rotas, Nível de Comple-

xidade e Aquisição dos Fonemas), até as inferências e relações implícitas entre essas

variáveis. De fato, o mapeamento do sistema fonológico no MICT possibilita com

maior clareza a visualização dos fonemas que compõem um sistema fonológico, bem

como, a complexidade dos mesmos, facilitando a classificação da gravidade do desvio

fonológico e permitindo um maior conhecimento do sistema avaliado.

Ainda, o mapeamento do sistema fonológico no MICT, realizado para obter os va-

lores das variáveis de entrada, pode auxiliar na tomada de decisões quanto ao trata-

mento, uma vez que o MICT exerce implicações importantes na prática clínica, para

selecionar alvos e prever generalizações. Também possibilitará ao fonoaudiólogo

acrescentar, aos dados clínicos da avaliação e posteriores reavaliações, as Classifica-

ções de Gravidade do Desvio Fonológico obtidos pela proposta, as quais podem ex-

pressar o avanço terapêutico.

Quanto ao julgamento da gravidade realizado pelo grupo de fonoaudiólogas, ob-

servou-se maior concordância para as classificações extremas (Leve e Grave) e menor

concordância para as classificações intermediárias (Moderado-Leve e Moderado-

Grave), demonstrando haver maior facilidade para classificar os desvios Leve e Grave

e maior dificuldade em classificar desvios Moderado-Leve e Moderado-Grave. A

classificação fornecida pelo sistema fuzzy também apresentou esse mesmo compor-

tamento: maior concordância para as classificações extremas e menor concordância

para as classificações intermediárias.

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