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CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO THALITA MAYUME SUGISAWA A INSERÇÃO INTERNACIONAL DAS CIDADES E A PARADIPLOMACIA COMO FERRAMENTAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL CURITIBA 2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM ORGANIZAÇÕES E

DESENVOLVIMENTO

THALITA MAYUME SUGISAWA

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DAS CIDADES E A PARADIPLOMACIA COMO FERRAMENTAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

CURITIBA 2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM ORGANIZAÇÕES E

DESENVOLVIMENTO

THALITA MAYUME SUGISAWA

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DAS CIDADES E A PARADIPLOMACIA COMO FERRAMENTAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

Orientador: Prof. Belmiro Valverde Jobim Castor, PhD

CURITIBA 2008

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Organizações e Desenvolvimento do Centro Universitário Franciscano do Paraná - UniFAE, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Organizações e Desenvolvimento.

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TERMO DE APROVAÇÃO

Thalita Mayume Sugisawa

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DAS CIDADES E A PARADIPLOMACIA COMO FERRAMENTAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

Esta dissertação foi julgada e aprovada pelo Curso de Mestrado Acadêmico

Multidisciplinar em Organizações e Desenvolvimento da UniFAE - Centro Universitário

Franciscano do Paraná.

________________________________________________ Prof. Belmiro Valverde Jobim Castor, PhD (Orientador)

________________________________________________ Prof. Dr. Antoninho Caron (Membro)

________________________________________________ Prof. Carlos-Magno Esteves Vasconcellos, PhD (Membro)

________________________________________________ Prof. Dr. José Edmilson de Souza-Lima (Suplente)

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Dedico esta dissertação

À minha mãe, Rose pelo apoio incondicional.

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Gratidão sincera...

À Deus e seus planos que são perfeitos.

Mamãe, Rose pelo exemplo de vida, pelo amor e compreensão... a

melhor amiga que eu poderia ter.

Pai, Nelson pelo seu suporte e por acreditar em mim ainda que

seja difícil entender a minha escolha pela academia.

Fábio Heitor, por todos seus esforços e dedicação.

Paulo Jurec, pela amizade maravilhosa que fez esse período pesar

menos do que poderia.

Matheus Duarte, pela inspiração e motivação todos os dias, seja

ao meu lado, seja a mais de mil quilômetros de distância.

Birgit, por sua doação constante à manutenção da nossa

amizade.

Taciana Kelly, minha eterna companheira de trabalho.

Prof. Edmilson, pelas conversas encorajadoras.

Professores Caron, Lafaiete e Lúcia, pelo apoio nas salas e

corredores.

Prof. Belmiro, pela honra de tê-lo como orientador e pelas aulas

recheadas e experiências e sabedoria contagiantes.

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RESUMO

SUGISAWA, Thalita M. A Inserção Internacional das Cidades e a Paradiplomacia como

Ferramentas para o Desenvolvimento Local. Curitiba, 2008. Dissertação (Mestrado

Acadêmico em Organizações e Desenvolvimento) Programa de Pós-Graduação

Multidisciplinar – UniFAE.

Esta dissertação foi desenvolvida com o objetivo principal de verificar a relação entre desenvolvimento local e relações internacionais. A cidade e suas instituições de gestão são os atores e o cenário global com todas suas peculiaridades, o palco. Dentro da perspectiva de que as cidades através de sua sociedade (governo, empresas e população) são responsáveis por promover o desenvolvimento de sua região, de que possuem uma porção de autonomia e independência para tal assegurada pela Constituição Federal, e que os princípios do desenvolvimento endógeno ou desde baixo são eficientes, as relações internacionais com outras cidades seriam como mais um canal para alcançar este objetivo. Na busca pela promoção do desenvolvimento, a inserção internacional através de intercâmbios com outras cidades amplia as possibilidades de, não somente, investimentos sócio-econômicos, mas também, aperfeiçoamento da gestão local. Neste contexto entram ainda uma análise das correntes clássicas e contemporâneas que visam explicar as relações internacionais, porém possuem limitações em abranger os novos fenômenos como a Paradiplomacia. A realidade mundial converge para a descentralização do poder e a tendência de atuação internacional das cidades, e sendo assim essa pesquisa dedicou-se também em abordar as situações em diversos países incluindo uma análise das capitais brasileiras. Palavras-Chaves: Paradiplomacia, desenvolvimento local, cidades, autonomia, relações internacionais.

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ABSTRACT

SUGISAWA, Thalita M. Cities International Insertion and Paradiplomacy as Tools for

Local Development. Curitiba, 2008. Dissertation (Academic Master‟s in Organizations and

Development) Post Graduation Program – UniFAE.

This dissertation was developed under the main objective of verifying the relation between local development and international relations. The city and its management institutions are the actors and the global scenario, the stage. In a perspective where cities need to promote its regional development, that they own a certain autonomy and independence to do so, assured by a federal constitution, and that the principles of endogenous development are efficient, the international relations among cities would be another channel to achieve this goal. The efforts towards the development promotion can be optimized by international insertion through exchanges, increasing not only social and economical investments but also improving local management. In this context it is also analyzed classical and contemporaneous theories that aim to explain the international relations, however lack in new phenomenon as Paradiplomacy. The world reality converges to power decentralization and taking into consideration the tendency of cities going abroad this dissertation also includes examples and description of how this process is being held in several countries and in the Brazilian capital cities. Palavras-Chaves: Paradiplomacy, local development, cities, autonomy, international

relations.

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Ao serem analisadas as transformações que ocorrem no local é preciso compreender como o mundo está se transformando e como o local incorpora e participa das transformações mundiais, mas também pensar como o global absorve as contribuições do local.

(Antoninho Caron)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 9

Metodologia ......................................................................................................................................10

Estrutura da Pesquisa .......................................................................................................................11

1. DELIMITAÇÃO TEÓRICA .........................................................................................................14

1.1. Os Campos Epistemológicos no Estudo das Relações Internacionais ....................................14

1.2. Teorias das Relações Internacionais .....................................................................................23

1.2.1. Clássicas ...........................................................................................................................24

1.2.1.1. Idealismo Moderno e Liberalismo ...................................................................................25

1.2.1.2. Realismo Moderno e Neorealismo .................................................................................29

1.2.1.3. Neomarxismo sob os prismas das teorias da Dependência e Sistema Mundial Moderno 32

1.2.1.4. Neoliberalismo: Interdependência Complexa e Transnacionalismo .................................34

1.2.2. Contemporâneas ...............................................................................................................36

1.2.2.1. Pós-Modernismo nas Relações Internacionais ...............................................................37

1.2.2.2. Teoria Crítica .................................................................................................................40

1.2.2.3. Construtivismo ...............................................................................................................41

2. DELIMITAÇÃO HISTÓRICA ......................................................................................................43

2.1. A Origem das Cidades ...........................................................................................................43

2.1.1. As Cidades-Estados ..........................................................................................................46

2.2. Surgimento dos Estados Nacionais: Unificação e Centralização ............................................47

3. O ESTADO MODERNO E ATORES DA NOVA ORDEM GLOBAL ............................................52

3.1. Federalismo ..........................................................................................................................53

3.2. Soberania e Globalização ......................................................................................................56

3.3. Os Atores na Ordem Global ...................................................................................................59

4. TRANSNACIONALISMO ...........................................................................................................61

4.1. Neofuncionalismo e Integração Regional ...............................................................................66

5. DESENVOLVIMENTO LOCAL NAS CIDADES ..........................................................................68

5.1. A Dialética Local-Global ........................................................................................................73

5.2. O Papel das Políticas Públicas ..............................................................................................74

6. A INSERÇÃO INTERNACIONAL DAS CIDADES E A PARADIPLOMACIA ................................77

6.1. Sujeitos e Conceitos ..............................................................................................................79

6.2. As Cidades Globais ...............................................................................................................85

6.3. As Redes Internacionais de Cidades .....................................................................................88

6.3.1. Redes Mundiais .................................................................................................................90

6.3.2. Redes Regionais ...............................................................................................................92

6.3.3. Redes Inter-Regionais .......................................................................................................94

6.4. Cidades Irmãs .......................................................................................................................96

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6.5. O Exercício da Paradiplomacia – Exemplos no Mundo ..........................................................98

6.6. As Iniciativas no Brasil .........................................................................................................101

6.6.1. Região Norte ...................................................................................................................104

6.6.2. Região Nordeste ..............................................................................................................104

6.6.3. Região Centro-Oeste .......................................................................................................106

6.6.4. Região Sudeste ...............................................................................................................107

6.6.5. Região Sul .......................................................................................................................108

CONCLUSÃO .................................................................................................................................111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................115

DIAGRAMAS

Diagrama 1 – Desenvolvimento Local e Relações Internacionais ........................................................... 13

Diagrama 2 – Estrutura da rede mundial de cidades UCLG ................................................................... 91

TABELAS

Tabela 1 – Imagens das Relações Internacionais ................................................................................... 24

Tabela 2 – Transnacionalismo e suas modalidades ................................................................................ 62

Tabela 3 – Redes Temáticas da Urb-AL ................................................................................................. 96

SIGLAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas FAMSI - Foundation for the Advancement of Mesomerican Studies, Inc GaWC - Globalization and World Cities Research Network MNC – Multinational corporations (Empresas multinacionais) NAFTA – North American Free Trade Agreement NERI - Núcleo de Estudos em Relações Internacionais OI – Organização Internacional OMC – Organização Mundial do Comércio ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas UCCI – Union of Capital Cities of Ibero-America UCLG – United Cities and Local Governments OTAN – Organização do Tratado Atlântico Norte SMRI – Secretaria Municipal de Relações Internacionais TNC – Transnational corporations (Empresas transnacionais)

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INTRODUÇÃO

A finalidade desta pesquisa é analisar a inserção das unidades

subnacionais, as cidades, no cenário internacional com especial atenção ao

fenômeno da Paradiplomacia. O mundo está constantemente passando por diversas

mudanças, e atualmente testemunhamos transformações e realinhamentos como

conseqüências do aprofundamento da globalização. Isso inclui o surgimento de

novas agendas e novos atores num âmbito que até recentemente era

majoritariamente liderado pelos Estados nacionais. Faz-se necessário reconhecer

que este é um assunto embrionário – tanto na academia quanto na própria prática. A

literatura sobre a inserção internacional das cidades via Paradiplomacia encontra-se

também em estágio inicial e sua consolidação, ainda que este tema esteja com

grande apelo, ainda não está completa. Contudo, esta pesquisa trata de mais uma

tentativa em compreender este novo fenômeno e o quadro em que se insere, além

disso, visa retratar, dentro de fatores teóricos e históricos, perspectivas empíricas e

conceituais, como esse tema tem se desenvolvido. As análises partirão de diversos

espaços, mas sempre trazendo uma espécie de comparativo com a situação ou

posicionamento do Brasil.

A premissa para a atuação internacional está na autonomia concedida às

unidades subnacionais dentro da discussão sobre o federalismo. Em um Estado

federalista a autonomia dos entes é um dos fatores de maior destaque – assim como

sua responsabilidade em promover o desenvolvimento do território em todas as

esferas (econômica, social, ambiental, política). Para que essa autonomia entre as

esferas seja exercida se faz necessário certo nível de descentralização e de

independência na gestão pública, principalmente quando se trata de promover o

desenvolvimento. E nesse sentido, o da busca pelo desenvolvimento, tem-se em

vista que é a sociedade local (população, governo e empresas) quem melhor

entende suas necessidades, bem como quem possui maior conhecimento sobre

suas potencialidades. Sendo assim, é a partir dela que devem surgir alternativas e

sugestões para criação e aplicação de Políticas Públicas que beneficiem o local de

acordo com suas características. É também da sociedade local, num esforço

conjunto, que surgem iniciativas que extrapolam as fronteiras nacionais.

Esta pesquisa propõe analisar a busca deste desenvolvimento por meio da

Paradiplomacia, nome dado ao relacionamento entre duas ou mais unidades

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subnacionais de diferentes países. Serão utilizadas três bases teóricas: Relações

Internacionais, Desenvolvimento Local e Políticas Públicas Locais. A base de

relações internacionais será a mais abrangente, destacando os paradigmas

clássicos e contemporâneos que nortearam e norteiam o relacionamento entre os

países. A descrição das teorias tem como visa compreender em que pontos são

congruentes e em que pontos são limitantes para compreender o fenômeno da

Paradiplomacia. Além disso, a discussão teórica mostra o desenvolvimento do

pensamento analítico em Relações Internacionais como campo de pesquisa

singular. O Desenvolvimento Local norteará a pesquisa como o objetivo a ser

alcançado através da ação interna, endógena das unidades subnacionais ao

lançarem-se no cenário global. Em Políticas Públicas locais buscar-se-á a

compreensão de seus conceitos, características, objetivos e meios de aplicação.

Metodologia

A presente pesquisa é classificada como uma Dissertação. A ABNT -

Associação Brasileira de Normas Técnicas em sua NBR 14724 de 2001 define que

Dissertação é:

Documento que representa o resultado de um trabalho experimental ou exposição de um estudo científico retrospectivo, de tema único e bem delimitado em sua extensão, com o objetivo de reunir, analisar e interpretar informações. Deve evidenciar o conhecimento de literatura existente sobre o assunto e a capacidade de sistematização do pesquisador.

Essa dissertação é uma pesquisa bibliográfica e descritiva que busca

compor uma nova hipótese dentro de duas perspectivas, a de relações

internacionais com o fenômeno da Paradiplomacia e o desenvolvimento local nas

cidades. A investigação utilizou-se majoritariamente de fontes secundárias para a

construção do marco teórico e do resgate histórico. As fontes primárias destinaram-

se principalmente a composição dos últimos capítulos para os quais foi necessário

acessar material oficial das prefeituras e organizações internacionais. Tendo em

vista que as duas variáveis, fator (Paradiplomacia) e efeito (desenvolvimento local)

são analisados dentro do mesmo período histórico, o horizonte da pesquisa é

definido como transversal.

A investigação teórica e empírica será norteada por duas perguntas: As

unidades subnacionais, as cidades, podem ser consideradas atores das relações

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internacionais? A inserção internacional e a Paradiplomacia podem ser ferramentas

ou um canais alternativos para a promoção do desenvolvimento local?

A fundamentação pautada na descrição e análise do cenário global, do

desenvolvimento epistemológico na área de Relações Internacionais e dos aspectos

referentes ao desenvolvimento local endógeno permite eleger as seguintes

hipóteses: a) o desenvolvimento local endógeno é mais efetivo porque identifica as

reais necessidades e potencialidades; b) o ativismo internacional das cidades é uma

tendência no cenário global; c) a inserção internacional das cidades e a

Paradiplomacia contribuem para a promoção do desenvolvimento local.

Nessa dissertação, „local‟ refere-se à sociedade de uma cidade, composta

por governo, empresas e pessoas.

Estrutura da Pesquisa

A Dissertação está dividida em seis capítulos principais acompanhados por

conclusões parciais. Após a descrição das principais teorias de Relações

Internacionais, a delimitação histórica pretende resgatar o processo de formação das

cidades, sua origem, enfatizando a autonomia e a descentralização dessas

unidades, como no caso das Cidades-Estado. Ainda dentro de um contexto histórico,

será descrito o processo de unificação e formação dos Estados nacionais, fenômeno

que estruturou o modelo político centralizador e o chamado Estado Moderno. Em

geral, desde sua concepção o Estado passou e está passando por diversas

adaptações frente às mudanças, progressos e retrocessos do mundo. O

Federalismo, forma de governo que prima pela descentralização, dentro de seus

conceitos pode legitimar a emancipação das cidades no cenário global. O

Neofuncionalismo e a Integração Regional são aspectos contemporâneos que

também desafiam o Estado Moderno a se adaptar de acordo com as suas

necessidades, concedendo parte de sua soberania a uma esfera supranacional ou

aumentando a autonomia de suas unidades subnacionais, nas redes de cidades. O

objetivo dessa seção descritiva será compreender os aspectos políticos estruturais e

conjecturais do Estado Moderno e das relações internacionais.

A partir do quarto capítulo, a abordagem se aproximará do objeto de estudo

com a referência ao Transnacionalismo, fenômeno no qual a Paradiplomacia está

inserida. O Transnacionalismo introduzirá a questão de atores paralelos ao Estado-

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nação transcenderem suas fronteiras na busca por oportunidades no cenário global.

Tanto a iniciativa privada quanto a pública serão descritas, tendo em vista que o foco

será a atuação pública através dos governos locais. Neste ponto haverá um

aprofundamento nos temas de Desenvolvimento Local Endógeno e o papel das

Políticas Públicas e suas ligações com a Paradiplomacia.

Tendo suprido as descrições propostas no campo teórico e histórico, com a

base de fundamentação concluída, inicia-se o debate em torno do fenômeno central

da pesquisa. A Paradiplomacia é descrita a partir da escassa, porém, excelente

bibliografia existente sobre o tema. A divisão em sub-capítulos tem como objetivo

revelar as características, conceituar, identificar os atores, analisar exemplos e

estabelecer, enfim, a ligação final com a questão do desenvolvimento local. O

propósito é também o de identificar as vantagens e as limitações da inserção das

cidades no âmbito internacional e do relacionamento entre elas.

Adentrando ao cenário internacional propriamente dito, duas situações

extremamente relevantes ao objeto central serão apresentadas: o das cidades

globais, que atualmente são os exemplos mais tradicionais de autonomia

subnacional, as redes de cidades, que formam um exemplo nítido da iniciativa

endógena e os convênios irmamento que estabelecem as cidades-irmãs. Para

concluir, serão expostos alguns exemplos de como a Paradiplomacia tem se

desenvolvido ao redor do mundo e no Brasil, destacando a posição do governo

federal e as iniciativas do governo local.

A proposta dessa dissertação é compreender que através da inserção

internacional e da Paradiplomacia uma nova ferramenta na busca pela promoção,

aperfeiçoamento e gestão moderna do desenvolvimento local pode ser concebida.

Ademais, visa mostrar o novo posicionamento das cidades como possíveis atores

das relações internacionais.

O diagrama planifica a idéia central:

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Diagrama 1 – Desenvolvimento Local e Relações Internacionais

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1. DELIMITAÇÃO TEÓRICA

A delimitação teórica nesta pesquisa tem como primeiro objetivo debater

sobre o estudo das Relações Internacionais dando ênfase em sua complexidade.

Após a introdução epistemológica, buscar-se-á passar pelas teorias das Relações

Internacionais partindo do cenário clássico até o contemporâneo. O objetivo é

possibilitar a visualização do desenvolvimento científico nesta área e principalmente

visualizar como as teorias embasam ou não o tema central. A abordagem será feita

com o levantamento das obras de destaque referentes às subseções, citando

autores que contribuíram significativamente para o desenvolvimento das correntes

teóricas.

O fenômeno da Paradiplomacia por ser um fenômeno recente pode não ser

facilmente encaixado dentro de uma corrente teórica, portanto as descrições que se

seguirão visam identificar tanto pontos de congruência como perspectivas

embrionárias referente à inserção internacional das cidades. A partir desta discussão

„evolutiva‟, pretende-se traçar um quadro geral do campo teórico que já está

sedimentado, buscando compreender algumas lacunas referentes à pesquisa sobre

a Paradiplomacia.

1.1. Os Campos Epistemológicos no Estudo das Relações Internacionais

O objetivo desta seção é compreender a complexidade, a multi e

interdisciplinaridade envolvida nas pesquisas em Relações Internacionais,

procurando identificar algumas analogias com os campos epistemológicos em

termos de períodos históricos e conteúdo teórico. A partir de uma descrição breve

das idéias centrais de alguns epistemólogos buscar-se-á traçar um paralelo com o

campo das Relações Internacionais e assim, perceber a complexidade, a multi e a

interdisciplinaridade embutida nas pesquisas nesta área.

Apesar do estudo das Relações Internacionais ter seu marco inicial no

século XVII, mais precisamente com a Paz de Westfália em 1648 quando

reconhece-se a soberania dos Estados Nacionais envolvidos na Guerra dos Oitenta

Anos1, a academia demorou mais três séculos para formalizar e materializar as

1 A Guerra dos 80 anos ou Revolta Holandesa de 1568 a 1648, foi a guerra de secessão na qual o

território englobando aquilo que é hoje os Países Baixos se tornou um país independente frente à

Espanha.

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atividades científicas, sendo contemplada como uma disciplina. As Relações

Internacionais emanciparam-se como campo de estudo individual dentro das

ciências sociais somente em 1919, no Reino Unido, na Universidade de Wales. Um

dos primeiros professores a lecionar sobre Política Internacional foi Alfred Zimmern e

sua principal missão, diante de vasta experiência com assuntos internacionais dentro

do governo britânico, era a de explicar por que as guerras ocorrem e como evitá-las

(Sarfati: 2005, p. 23).

Antes da delimitação de seu campo específico, as discussões sobre as

Relações Internacionais eram feitas por indivíduos de diversas formações, como

filósofos, juristas, pensadores, sociólogos, economistas e políticos. Diante desse

quadro, percebe-se que é um campo com surgimento a partir de uma origem de

debate multidisciplinar e complexo. Multidisciplinar pela gama de visões articuladas

na análise de um fato e complexo pelo nível de interdependência e conexões entre

os fatores que norteiam as relações internacionais.

Ao se analisar uma guerra, por exemplo, pode-se perceber a diferença entre

os diversos prismas: alguns economistas poderão entender que a guerra será

necessária para a conquista de novos espaços para dar continuidade à produção

industrial e expansão das riquezas das nações. Por outro lado, um sociólogo de

base weberiana poderá explicar a guerra pelo conceito de dominação, característica

do ser humano já enraizado em algumas culturas. E, um sociólogo com fortes

influências marxistas possivelmente compreenderia que a guerra é gerada devido ao

monopólio de violência dos Estados e que a contrapartida seria a união da

população na tentativa de retomada deste poder.

Os atores políticos poderão tentar compreender que a manutenção do

balanço do poder implica em guerra e que em muitas vezes, esta pode ser

considerada como justa, principalmente quando uma motivação de defesa está

impressa. Por sua vez, os juristas geralmente colocam-se numa posição de análise

dos motivos, atos, conseqüências procurando enquadrar culpados e inocentes

dentro da guerra, seja de acordo com os direitos humanos, seja de acordo com os

tratados internacionais.

Ainda dentro deste exemplo da guerra, a complexidade também é

perceptível, pois a guerra se analisada somente por uma ótica provavelmente teria

muitas insuficiências, afinal, não é o resultado de uma simples relação de causa e

efeito. Diante dessas características, o campo das Relações Internacionais surgiu e

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se iniciou por meio da adaptação de teorias clássicas, a construir suas próprias

teorias, capazes de posicionarem parâmetros de análise únicos e exclusivos desta

área de pesquisa. A produção do conhecimento vem se desenvolvendo e

solidificando o estudo das Relações Internacionais como uma ciência de múltiplas

abrangências.

O foco principal de estudo desta dissertação está na prática da

Paradiplomacia, seus desdobramentos, histórico, características e limitações

envolvendo questões de Políticas Públicas locais e desenvolvimento endógeno. A

Paradiplomacia é um fenômeno contemporâneo onde as unidades subnacionais

emergem de suas esferas superiores e projetam-se internacionalmente. Para

Keating (2004, p. 58) a Paradiplomacia é “parte de uma ampliação no âmbito dos

assuntos internacionais no qual os Estados não os únicos atores”. Assim como o

guarda-chuva das Relações Internacionais, o aprofundamento sobre Paradiplomacia

trará uma gama de fatores envolvidos, sendo igualmente importante compreender as

características epistemológicas da pesquisa.

A ciência da pesquisa, a epistemologia, tem sua origem ligada a Platão, no

período Antes de Cristo. Seu objetivo principal é explicitar o conceito de ciência

abrangendo questões como crença, verdade, conhecimento, método, hipóteses,

problemas e justificações.

A epistemologia é uma referência importante a ser integrado no estudo de

qualquer objeto nas mais diversas áreas. O entendimento do conhecimento anterior

para a formulação de um novo saber pode ser analisado não somente em conteúdo,

mas também pela perspectiva de sua construção. Essa construção do conhecimento

pode vir de diferentes bases que cabem a epistemologia abranger. Do positivismo às

teorias da complexidade, a compreensão sobre os campos epistemológicos permite

que o pesquisador analise o modo de produção de determinada ciência e a origem

de relevâncias que norteiam uma teoria, uma afirmação ou o até mesmo o resultado

de um experimento. Em outros termos, ao ler um artigo científico, é importante

identificar qual a origem e as ramificações do conhecimento do autor, pois,

conhecendo os fundamentos espistemológicos do autor a possibilidade de

compreender suas afirmações é maior. Identificando estes campos epistemológicos

e seus fundadores, será possível identificar o porquê de determinadas afirmações e

crenças.

Na mesma época do início do debate das Relações Internacionais, século

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XVII destacou-se o trabalho de René Descartes que primava pela linearidade do

método na investigação. Descartes inspirou diversos outros pensadores a questionar

mais sobre o modo de produção do conhecimento e a busca da verdade.

Em sua obra O Discurso do Método (1987), Descartes apresenta seu modo

de condução da produção científica destacando que a verdade é manifesta e

absoluta cabendo as pessoas desvelá-la. Seu relato particular sugere também um

desdobramento do objeto ou a separação em partes, partindo do mais simples ao

complexo como numa progressão e o distanciamento do sujeito com o objeto

analisado. Este paradigma foi revolucionário no momento de sua concepção dado o

grande poder da Igreja sobre o conhecimento e o acesso a ele. Tanto a Filosofia

quanto a Ciência desenvolveram-se baseados nesses princípios - sendo a filosofia

um campo de reflexão interna e a Ciência algo que necessitasse a ausência de

subjetividade.

Apesar dos questionamentos em torno da mecanicidade do método

cartesiano, ele ainda é hegemônico e dominante nos meios acadêmicos,

empresariais e governamentais. Algumas pesquisas em Relações Internacionais

possuem uma grande carga cartesiana quando se limitam em analisar aspectos

isolados sob apenas uma dimensão, como por exemplo, no estudo exclusivo das

conseqüências políticas de um governo ditatorial – desconsiderando outros

desdobramentos como as repercussões econômicas e sociais.

No período em que as Relações Internacionais foram formalizadas como

campo acadêmico, em 1919 a epistemologia contava com a inserção de Karl Popper

e sua nova visão anti-positivista e pró racionalismo crítico. As observações de

Popper vão contra a supremacia das epistemologias e das fontes do conhecimento –

critica o empirismo, o historicismo, o dogmatismo, o relativismo e todas as outras

espistemes que são aplicadas de maneira isolada. No caso do historicismo é

interessante considerar sua crítica para as pesquisas em relações internacionais, já

que a história é uma grande base exploratória. Popper considera que o historicismo

é prejudicial ao progresso do conhecimento já que atribuiu um valor pré-determinado

à história, não passível de alterações pelos indivíduos, sendo tudo guiado por um

simples processo de causa-efeito e o presente como uma definição do passado,

assim como o futuro será uma definição do presente (Popper, 2003).

O ideal para o pensador seria a interpretação da história à luz da

complementação de teorias e empirismo, sendo este conjunto uma forma mais

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consistente e catalisador para o desenvolvimento do conhecimento sobre

determinado fato. Em suas próprias palavras: “toda a observação envolve

interpretação à luz do nosso conhecimento teórico” e “o conhecimento puramente

observacional, não adulterado pela teoria, seria, imaginando que tal era possível,

absolutamente estéril e inútil” (Popper, 2003).

No estudo das Relações Internacionais encontra-se um paralelo para os

apelos de Popper na sedimentação de diversas teorias originadas a partir de fatos

empíricos interpretados por indivíduos de idéias e concepções diferentes. Um

exemplo real e interessante são as diversas análises sobre a entrada dos Estados

Unidos na Segunda Guerra Mundial – enquanto uma corrente entende que foi um

passo estratégico na manutenção do poder e dos mercados consumidores, outro

grupo, os adeptos da Teoria da Conspiração, compreendem que a entrada na guerra

contra o fascismo foi uma escolha a priori planejada e legitimada pela opinião

pública após o ataque japonês à Pearl Harbour que, segundo essa corrente, os

Estados Unidos tinham ciência e o deixaram sobrevir. São visões completamente

diferentes sobre o mesmo fato.

É necessário verificar que essa teoria, assim como praticamente todas as

teorias, renova-se a cada acontecimento como no ataque terrorista às torres gêmeas

que conseqüentemente legitimaram a ofensiva ao Iraque e ao Afeganistão. Ainda

dentro deste exemplo, outras teorias também se renovam como a do Realismo

Clássico que, infere aos Estados um poder supremo e compreende as ações

ofensivas e defensivas como racionais dentro da visão interna de cada Estado. Cada

país age racionalmente em prol de seu interesse, benefício e segurança. Cabe

ressaltar que o Realismo nas relações internacionais é uma teoria adaptada da

ciência política clássica e seus precursores, dos quais se destacam Túcidides,

Hobbes e Maquiavel.

As teorias clássicas das Relações Internacionais tomaram caráter

paradigmático. Thomas Kuhn em seu livro, A Estrutura das Revoluções Científicas

explica que “paradigmas são realizações científicas universalmente reconhecidas

que, durante muito tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma

comunidade de praticantes da ciência”. Nas Relações Internacionais destacam-se os

tradicionais paradigmas do Idealismo (Liberalismo) Moderno, compreendendo que

os “Estados formam uma „comunidade internacional‟, assentada sobre um „contrato

moral‟ baseado na noção de justiça” somente; e o Realismo, que conceitua o Estado

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nacional como o principal e central ator, tendo as questões de poder e segurança

como primordiais. (Magnoli: 2004, p. 27).

Para Kuhn um paradigma deixa de orientar os debates teóricos na medida

com que são revistos e substituídos por outros, ocorrendo assim uma mudança nos

prismas de análises de determinado objeto. Pode-se fazer uma ponte com os

paradigmas ou imagens mais contemporâneas das Relações Internacionais, o

Pluralismo e o Globalismo. Ambos inovam a interpretação do cenário mundial

classicamente analisado pelo ponto de vista do realismo ou idealismo. Com

referência em Sarfati (2005, p.39) o Pluralismo fundamenta-se na diversificação dos

atores nas relações internacionais, considerando os atores não-estatais de maneira

mais elevada, bem como a relevância de sua influência direta, desfocalizando a

unidade estatal. Conseqüentemente, a agenda de temas relativos às relações

internacionais é também desfocalizada da segurança nacional e ampliada para

outros campos, como o do direito internacional, economia, cooperação e política,

com graus de importância similares.

Ainda baseado em Sarfati (2005, p.40), a imagem do Globalismo está

pautada na percepção das relações internacionais através de análises da formação

dos Estados a partir de seu histórico internacional político e econômico

principalmente. Implica ainda que todas as outras áreas, como segurança e política,

estão subordinadas ao desempenho das relações econômicas exteriores e seu grau

de dominação, ou seja, “grande parte do comportamento das unidades do sistema

internacional poderia ser entendida a partir da compreensão do papel do Estado

dentro do sistema econômico internacional”.

Na imagem globalista e também pluralista, observa-se a nova ordem

internacional, com a atuação e interação de diversos atores conjeturando em

múltiplos cenários. Observando a contribuição de Thomas Kuhn ao afirmar que os

paradigmas não co-existem, mas sim se substituem na medida em que a ciência

progride, nas pesquisas em Relações Internacionais nota-se que os paradigmas

contemporâneos pouco diferem dos clássicos. Apesar da ascensão de novas

crenças, grande parte é parecida com a anterior a ponto de poder utilizar elementos

dela, portanto não existe efetivamente uma mudança paradigmática. Portanto, em se

tratando da análise de fenômenos recentes, como a Paradiplomacia, verifica-se que

muitas das teorias postas são insuficientes para abordar a problemática do tema. De

acordo com Ferrero (2006, p. 7) as práticas dos governos locais nas relações

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internacionais não são cópias dos processos tradicionais de política exterior. Na

realidade, os estilos e estratégias de atuação estão marcados por objetivos e

motivações muito mais concretas.

Diante dos breves exemplos citados, constata-se a carga multidisciplinar e

de complexidade embutida no estudo das relações internacionais. O físico Fritjof

Capra tornou-se um referencial em teoria da complexidade e pensamento sistêmico

na ciência, questionando padrões cartesianos e inserindo o debate universal sobre o

meio ambiente e a sociedade. Capra acredita ter mostrado algumas insuficiências

das teorias convencionais em explicar a crise contemporânea em função do

aumento da complexidade de todas as dimensões. Em sua visão, o resultado de um

fato se dá muito mais pelas conexões ocultas entre os atores e a integração das

ações do que pelas intervenções diretas. Propõe, então, uma visão integradora dos

sistemas natureza e sociedade para produzir conhecimento.

Essa integração é diferente do que propunha Descartes ao sugerir que as

pesquisas devem ser setorizadas em partes. A concepção sistêmica visa agrupar os

sistemas para buscar uma análise do todo. A teoria acerca da análise sistêmica das

relações internacionais foi sedimentada por Immanuel Wallerstein e é também

chamada de Teoria do Sistema Mundial Moderno (modern world-system theory).

Assim como Capra é desfavorável a separação dos objetos, Wallerstein (1975)

defende que a unidade de análise apropriada para a compreensão dos fenômenos

contemporâneos não se pauta somente nos Estados, mas que deve ser considerado

um cenário mais amplo abrangendo os sistemas sociais, fronteiras, estruturas,

blocos, regras e concepções internas. A pesquisa sobre Paradiplomacia, foco

principal desta dissertação, desafia o “pensar” em novas teorias que sejam capazes

de incluir as unidades subnacionais na análise das relações internacionais como um

ator de relevância.

Hocking (2004, p. 79) afirma que:

[...] essa visão „estatocêntrica‟ das relações internacionais vê os Estados-

Nação como entidades amplamente distintas, cujos relacionamentos são

mediados por governos nacionais. Desse ponto de vista, as características

internas dos estados, como, por exemplo, alocação territorial de poder,

encerram-se na „caixa preta‟ dos sistemas nacionais e permanecem, na

melhor das hipóteses como fatores secundários das principais

preocupações da política internacional.

Outro ponto em comum com as relações internacionais em sua obra

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Conexões Ocultas (2002) é a abordagem sobre as redes do capitalismo global, que

ressalta a necessidade da consideração dos custos ambientais e sociais na corrida

de expansão econômica e industrial dos países.

Cabe destacar também neste discurso o trabalho do epistemólogo Edgar

Morin. Além de sua identificação com a complexidade, ressalta a importância da

transdisciplinaridade e da criação de novos campos de pesquisa. A

transdisciplinaridade pode ser entendida através da química, demonstrando que o

oxigênio e o hidrogênio por si sós já compreendem suas análises e pesquisas

específicas, porém quando combinados formam a água (H2O) que é outro elemento

diferente de seus componentes isolados (Souza-Lima, 2007).

Se for traçado um paralelo com a formação das Relações Internacionais

como campo acadêmico singular, seria como se fosse a água, tendo seus

componentes principais isolados as disciplinas de: Política, História, Economia,

Direito e Sociologia, não necessariamente nesta ordem. Dada a recente formação

deste campo, menos de 100 anos, o resultado da transdisciplinaridade proposto por

Morin, que seria a criação de um elemento totalmente diferente de seus

componentes, ainda não é efetivo em todas as localidades. Além da concepção

recente, em muitos casos os docentes são oriundos de formações acadêmicas e

visões unilaterais, o que acaba sendo um fator limitante. Morin é categórico ao

afirmar que:

[...] “Sabemos cada vez mais que as disciplinas se fecham e não se comunicam umas com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não se consegue conceber a sua unidade. É por isso que se diz cada vez mais: ‟Façamos interdisciplinaridade‟. Mas a interdisciplinaridade controla tanto as disciplinas como a ONU controla as nações. Cada disciplina pretende primeiro fazer reconhecer sua soberania territorial, e, à custa de algumas magras trocas, as fronteiras confirmam-se em vez de se desmoronar”. (p.135)

Contudo, o campo das relações internacionais identifica-se como um campo

complexo, multi e interdisciplinar, e em busca da transdisciplinaridade. É uma área

com múltiplos níveis de análise que são interdependentes entre si. Por exemplo,

pode-se pesquisar sobre um ícone político, como Adolf Hitler, e, essa seria uma

pesquisa de nível individual; numa investigação sobre a Polônia, o nível seria

nacional; sobre as relações entre dois ou mais países e sobre os órgãos

internacionais, seria de nível internacional; e na pesquisa sobre uniões entre países,

como a União Européia, nível supranacional. Contudo, os níveis de análise

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dificilmente conseguem ser isolados – podem sobrepor-se umas as outras, serem

enfocadas, mas sempre terão um caráter de inter-relação.

Vasconcelos (2002, p. 112) explica que as práticas interdisciplinares

“promovem mudanças estruturais, gerando reciprocidade, enriquecimento mútuo,

com tendência à horizontalização das relações de poder entre os campos

implicados”. Sendo assim, interdisciplinaridade é mais similar ao pensamento

complexo do que aos modelos cartesianos e lineares.

Morin (2000, p. 134) esclarece que a complexidade é um desafio e não uma

solução. Além de reunir o parcial ao global, elementos antagônicos e aplicar lógica a

este processo, a complexidade necessita ainda de uma compreensão ampla para

organizar todo esse conhecimento interligado. Vasconcelos (2002) concorda ao

enfatizar que as tentativas de homogeneização epistemológica foram desastrosas,

pois reduziram a complexidade dos fenômenos e produziram movimentos

expansivos de fortalecimento de um único paradigma.

De acordo com a Universidade de Brasília, pioneira neste curso no Brasil, o

objeto do estudo de Relações Internacionais é “a análise de fenômenos complexos,

cuja influência se estende direta ou indiretamente a todos os países.” A atuação

nesta área compreende a articulação com diversos atores como as organizações

públicas, privadas, governo local, estadual e federal; universidades e empresas de

vários gêneros e tamanhos que em muitas vezes estão conectados entre si.

A teoria da complexidade explica a necessidade de que ao mesmo tempo,

que os elementos de uma pesquisa possam ser separados, eles também possam

ser associados, concebendo “os níveis de emergência da realidade sem reduzir às

unidades elementares e às leis gerais”. É o caminho para uma exploração mais

abrangente (Morin: 2003, p. 138).

Por fim, observa-se que o avanço da epistemologia enquanto ciência que

busca compreender a ciência em si e seus modos de produção é uma ferramenta

imprescindível para o processo de pesquisa em qualquer área. Para as Relações

Internacionais, o entendimento epistemológico possibilita avaliar com mais

profundidade o conhecimento anterior, as observações empíricas, as teorias e os

paradigmas para a construção de um novo saber ou de um saber alternativo.

Para a pesquisa com foco na Paradiplomacia, a teoria da complexidade e a

atenção aos fatores da interdisciplinaridade são essenciais uma vez que é um

fenômeno bastante contemporâneo que necessita ser explorado em suas

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características, vantagens e limitações.

1.2. Teorias das Relações Internacionais

As teorias podem ser descritas como conjuntos de associações, leis e regras

que visam explicar um fato empírico. Todas as ciências possuem suas teorias

básicas que dão suporte ao debate sobre os acontecimentos dos fenômenos. Köche

(2002) referencia o surgimento das leis e teorias pela necessidade de encontrar

explicações para os fenômenos da realidade. A teoria é mais abrangente, com um

caráter mais explicativo, já a lei é mais direcionada a um fenômeno, sendo testável

em experiências de algum fenômeno. Em um processo de investigação, torna-se

essencial basear-se em teorias e leis que suportem tal discurso e sistematizem o

conhecimento dentro de uma constante auto-correção.

No estudo das Relações Internacionais as teorias podem ser divididas em

duas seções: as clássicas ou tradicionais - consideradas positivistas e desenvolvidas

antes do final da Guerra Fria; e as contemporâneas – denominadas teorias pós-

positivistas por serem desenvolvidas no cenário pós Guerra Fria. Conforme discutido

brevemente no capítulo anterior, ambos os grupos teóricos são relevantes para a

discussão do tema central desta pesquisa. Como a bibliografia disponível sobre a

Paradiplomacia não estabelece formalmente nenhuma teoria que reja este

fenômeno ou que subsidie a atuação internacional das cidades, é interessante

analisar as principais correntes teóricas e verificar em quais modelos se enquadram.

Descrever as teorias que tentam explicar o mundo e suas interações nesta pesquisa

tem como objetivo principal situar a progressão analítica, ainda que o tema, muito

provavelmente, não se encaixe perfeitamente em uma só teoria. A fundamentação

teórica trará conceitos centrais das teorias ressaltando os principais autores de cada

paradigma.

Viotti e Kauppi (1999, p. 6) elegeram três imagens como os guarda-chuvas

para todas as teorias das relações internacionais, são elas: Realismo, Pluralismo e

Globalismo. Dentro de cada uma dessas imagens, que possuem características

singulares, é que as correntes que visam explicar as relações internacionais se

desenvolvem. O quadro abaixo expressa as características principais de cada uma:

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Tabela 1 - Imagens das Relações Internacionais

Realista Pluralista Globalista

Unidade (s) de Análise

Estado é o ator principal Estado e atores não estatais são

importantes

Classes, Estados, sociedade, e atores não estatais agem

como parte do sistema capitalista mundial

Visão sobre Atores

Estado é o único ator Estado desagregado em

componentes, sendo que alguns podem operar transnacionalmente

Relações Internacionais vistas a partir da perspectiva

histórica, especialmente sob o contexto do capitalismo

mundial

Dinâmica

Estado é um ator racional buscando maximizar seu

próprio interesse ou objetivos nacionais pela

política externa.

Política internacional e processos transnacionais envolvem conflito, barganha, coação e compromisso

– resultados não são necessariamente positivos.

Foco nos padrões de dominação dentro e entre as

sociedades.

Assuntos Segurança nacional é

prioritário.

Agendas múltiplas com assuntos sócio-econômicos ou de bem-estar, tão ou mais importantes quanto questões de segurança

nacional.

Fatores econômicos são prioritários.

Fonte: Viotti e Kauppi (1999, p. 10) Tradução livre.

1.2.1. Clássicas

As teorias clássicas são também chamadas de paradigmas clássicos das

relações internacionais. São as primeiras teorias formadas, a partir da combinação

de teorias políticas, sociológicas e econômicas, para o entendimento e debate

científico dos fatos no sistema internacional.

Com base no mapa teórico das relações internacionais de Sarfati (2005,

anexo), as teorias clássicas são consideradas positivistas e descendem das teorias

políticas e econômicas. Nesta seção, serão abordadas as seguintes teorias:

a) Idealismo Moderno e Liberalismo: influenciada pelo Idealismo

(Liberalismo) Clássico de Rousseau, Grotius e Kant está dentro da

imagem Pluralista;

b) Realismo Moderno: influenciado pelo Realismo Clássico de Tucídides,

Hobbes e Maquiavel, está dentro da imagem Realista;

c) Neomarxismo sob os prismas das teorias da Dependência e Sistema

Mundial Moderno: influenciado pelo Marxismo de Karl Marx, está

dentro da imagem Globalista.

d) Neoliberalismo: Interdependência Complexa e Transnacionalismo:

influenciado pelo Idealismo Moderno e Liberalismo, e Realismo

Moderno, está dentro da imagem Pluralista;

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Por serem paradigmas construídos a partir de conceitos positivistas, notar-

se-á que existem certas insuficiências no que tange ao fenômeno da

Paradiplomacia. Fronzaglia (2005, p. 24) reforça esta premissa, afirmando que “o

conjunto de escolas tradicionais nos estudos de relações internacionais não seria

suficiente para dar conta da participação das cidades como atores internacionais”.

Contudo, dentro do que se objetiva essa pesquisa, cabe demonstrar a abrangência

de cada uma dessas teorias e principalmente notar o desenvolvimento desta ciência,

buscando identificar os aspectos congruentes com o tema central.

1.2.1.1. Idealismo Moderno e Liberalismo

O Idealismo (Liberalismo) Moderno como teoria das relações internacionais

teve como influência os princípios de pensadores políticos como Rousseau e

Grotius. Tradicionalmente, o idealismo consiste na idéia central de evitar as guerras

através da construção de sociedades ideais e democráticas, as quais deveriam ser

regidas por um sistema normativo de princípios éticos e morais. O idealismo

moderno possui muitos pontos em comum com as idéias liberais, portanto cabe

descrevê-las na mesma seção. Sarfati (2005, p. 101) afirma que apesar do idealismo

ter desaparecido no debate das relações internacionais, “não existe uma barreira

clara e inequívoca entre as duas teorias” e o pacifismo democrático de Immanuel

Kant é um dos pontos principais compartilhados entre as duas teorias. Na obra A

Paz Perpétua de 1795, Kant defendia uma forma relativamente democrática de

governo, dentro de um contexto republicano de atuação política. Ressaltava ainda a

necessidade urgente do desenvolvimento de um novo Direito Internacional, o qual

formaria um conjunto de normas superiores que regeriam os Estados.

Por outro lado, Griffiths (2005, p. 51) aponta que os trabalhos dos

percussores do liberalismo como Norman Angell, Thomas Woodrow Wilson e Alfred

Zimmern foram rotulados como idealista ou utópico pela corrente teórica contrária na

época, o realismo moderno. Sendo assim, em sua concepção o idealismo é somente

um rótulo à corrente liberal dado seus princípios. Contudo, esta seção seguirá o

raciocínio a partir do ponto de vista sedimentado no meio acadêmico de relações

internacionais, distinguindo uma da outra e mostrando os pontos em comum. Cabe

destacar que os princípios liberais ainda são bastante ativos no cenário mundial,

tanto sob o aspecto econômico quanto político, e, portanto nas relações

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internacionais. O liberalismo se encaixa na imagem pluralista, o que é pertinente

fenômeno da Paradiplomacia, tema central desta pesquisa.

O idealismo moderno regia os discursos sobre a ordem internacional até a

eclosão da Segunda Guerra Mundial. Um dos principais líderes deste pensamento

foi o presidente americano Thomas Woodrow Wilson. Seus pensamentos e

sugestões de ações foram sumariamente descritos em quatorze pontos, os quais

são considerados base para o pensamento idealista moderno. Em resumo, os

pontos específicos de ação consistiam na evacuação ou retificação de territórios,

como a evacuação e restabelecimento da Bélgica (ponto 7). Seu pensamento

idealístico pode ser compreendido pelas propostas de acabar com a diplomacia

secreta, trazendo transparência nas relações internacionais; livre navegação nos

oceanos tanto em tempos e paz quanto em tempos de guerra; queda das barreiras

alfandegárias; o desarmamento; criação de uma sociedade de nações destinada a

garantir a segurança da coletividade internacional; a independência política e a

integridade territorial de todos os Estados.

De acordo com Magnoli (2004, p. 27) a escola idealista baseia-se na noção

de uma comunidade de valores universais, rejeitando a política de poder e

exacerbando a idéia de sociedade internacional. Cita ainda que “a fonte [do

idealismo] é a noção do direito natural que, aplicada ao sistema internacional,

implica a definição de justiça como arcabouço das relações entre os Estados”.

Dentro deste contexto teórico de garantir a paz internacional através da

observação de princípios normativos do Direito Internacional, éticos e morais, é que

surge a Liga das Nações em 1919, que após a Segunda Guerra Mundial renasceu

com um novo formato, a ONU – Organização das Nações Unidas. Cabe mencionar

que neste mesmo ano, foi assinado o Tratado de Versalhes, onde os Estados

europeus oficializaram o fim da Primeira Guerra Mundial impondo severas sanções e

reparações aos derrotados, especialmente à Alemanha. Apesar dos esforços de

Thomas W. Wilson, o Senado norte-americano não aprovou a entrada dos Estados

Unidos na Liga das Nações assim como os derrotados da Primeira Guerra Mundial

não participaram. Outros países como o Japão e o próprio Brasil, ingressaram e

retiraram-se posteriormente.

Quando se deu o primeiro conflito antecipador da Segunda Guerra Mundial

em 1931 com a invasão japonesa na Manchúria, a Liga das Nações não obteve

sucesso em detê-los e conter a explosão da guerra. Frente ao fascismo e a

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exacerbação do nacionalismo, a Liga das Nações se desfaleceu assim como a

proeminência do debate idealista, que passou a ser considerado extremamente

utópico.

Por sua vez, o liberalismo em relações internacionais foca a atenção nas

questões da paz, do comércio, do republicanismo e das instituições. Para Silva e

Gonçalves (2005, p. 123) no liberalismo os alicerces das relações entre os Estados

estão na moralidade, no direito internacional e nas organizações internacionais, e de

acordo com Reis (2006), a visão liberal direciona-se para “o papel das idéias e das

normas que regem a sociedade internacional, do direito internacional à OMC.”

Sarfati (2005, p. 107) define que os liberais entendem que o poder está baseado na

disposição dos Estados em utilizar seus recursos ou abrir mão de algo de acordo

com suas preferências e interesses, formando uma concepção voltada à barganha e

a negociação. A essência do liberalismo em relações internacionais resgata os

conceitos básicos da sociologia política, sob o prisma de liberdade individual do

homem, e da economia com a mínima ação ou intervenção do Estado no mercado.

Sua origem está ligada ao iluminismo do século XVII.

Um dos maiores clássicos deste pensamento é Adam Smith (século XVIII)

na defesa do liberalismo econômico e liberalismo internacional. Se posicionamento é

claro quanto ao favoritismo do livre comércio, do laissez-faire (não interferência) e do

Estado mínimo. Apesar de estar ligado primordialmente às questões de ordem

econômica, Neuman e Clark (1999, p. 144) ressaltam que o trabalho de Adam Smith

é um referencial analítico do ponto de vista liberal sobre a relação de poder e

riqueza nas relações internacionais.

Por citações como "Assim, o mercador ou comerciante, movido apenas

pelo seu próprio interesse egoísta (self-interest), é levado por uma mão invisível

a promover algo que nunca fez parte do interesse dele: o bem-estar da

sociedade." Adam Smith foi mais tarde rotulado como utópico ou idealista.

Griffiths (2005) separa alguns dos principais pensadores liberais em relações

internacionais, dentre eles estão: Michael Doyle, Francis Fukuyama e David Held.

Tendo em vista a contemporaneidade dos autores citados, torna-se interessante

traçar um resumo das principais idéias que os ligam a corrente liberal. O primeiro,

Michael Doyle aborda o liberalismo em sua obra separando-o em categorias e

acrescentando análises históricas de grandes impérios, como Roma. Doyle (2004, p.

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3) descreve que o liberalismo pacifista sugerido por Schumpeter associa democracia

e capitalismo ao alcance da paz, uma vez que a construção de uma sociedade

capitalista democrática, preocupada com seus interesses individuais, seria capaz de

evitar guerras. O liberalismo imperialista, baseado em Maquiavel, é caracterizado

pela ambição envolta na satisfação das necessidades da população que poderá

tomar uma forma de dominação de outros povos. Por sua vez, o liberalismo

internacionalista está ligado à vertente de Kant no triângulo: republicanismo

democrático, união dos Estados liberais via federação e promoção da paz. Esta é a

hipótese que Doyle mais se identifica conforme se observa em sua citação

conclusiva no artigo Liberal Internationalism: Peace, War and Democracy (2004, p.

9):

Unlike Machiavelli‟s republics, Kant‟s republics are capable of achieving peace among themselves because they exercise democratic caution and are capable of appreciating the international rights of foreign republics. These international rights of republics derive from the representation of foreign individuals who are our moral equals. Unlike Schumpeter‟s capitalist democracies, Kant‟s republics – including our own – remain in a state of war with nonrepublics.

2

Francis Fukuyama define que o liberalismo democrático ocidental teve seu

apogeu no final século XX sendo a ordem dominante, e pondo fim então aos

históricos debates ideológicos, como com o comunismo ou o fascismo. Seu forte

posicionamento quanto hegemonia do capitalismo liberal enquanto modelo de

governo predominante, legítima e praticamente inquestionável por outras ideologias

políticas repercutiu em diversos campos acadêmicos. Para explicar a supremacia da

corrente liberal, Fukuyama utiliza como base a concepção Hegeliana de evolução e

progresso da sociedade chegando à implementação de uma idéia única e absoluta.

Explicitamente expõe que a democracia liberal é “a melhor das alternativas

disponíveis para organizar as sociedades humanas” (Fukuyama, 1995, p. 29) e

concomitantemente, descarta a possibilidade de êxito de governos que sejam

diferentes.

Em uma posição mais moderada e contrária a de Fukuyama, David Held é

2 Diferente das repúblicas de Maquavel, as repúblicas de Kant eram capazes de alcançar a paz entre

elas porque exerciam a precaução democrática e eram capazes de respeitar os direitos de repúblicas estrangeiras. Esses direitos internacionais das repúblicas derivavam da representação de indivíduos estrangeiros os quais são nossa moral semelhante. Diferente das democracias capitalistas de Schumpeter, as repúblicas de Kant – incluindo a nossa – permanecem em estado de guerra com não-repúblicas.

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29

classificado como um pensador liberal de idéias um tanto quanto diferentes. Griffiths

(2005, p. 75) explica que Held, nos anos de 1980, sugere um diálogo entre as

correntes liberais e marxistas. Sua proposta é uma composição de vantagens de

cada uma. Na década seguinte, Held foca-se na questão da democracia

cosmopolita, indicando que o exercício da democracia liberal deve ser ampliado do

contexto nacional tendo em vista a inserção global e as redes de poder (político,

econômico e social) que atuam neste âmbito.

Com base nas breves descrições acima, verifica-se que apesar de clássicas,

ambas as teorias são bases para o desenvolvimento de outros paradigmas que

visam explicar as relações internacionais de acordo com a progressão dos fatos. O

entendimento tanto o idealismo quanto o liberalismo contribuem para o objetivo

desta pesquisa que centra-se no fenômeno emergente das cidades como atores das

relações internacionais.

1.2.1.2. Realismo Moderno e Neorealismo

A teoria do realismo moderno descende da influência do realismo clássico,

reconhecido nos trabalhos de Tucídides, Maquiavel e Hobbes na área da sociologia

e da ciência política (Sarfati, 2005, p. 364). Foi construído por vários cientistas

sociais também de destaque, como Raymond Aron, Edward H. Carr, Robert Gilpin,

Stephen D. Krasner e Hans Morgenthau, dos quais seguirão algumas das principais

idéias sobre o realismo moderno. Conforme destaca Viotti e Kauppi (1999, p. 11)

cada um desses autores contribuiu significativamente para a construção da teoria

realista em relações internacionais, mas não necessariamente de maneira igual. Os

focos destes principais autores variaram de acordo com as perguntas que se

propunham a responder. Enquanto Gilpin e Krasner analisam as mudanças na

distribuição de poder entre os Estados e como isso reflete no sistema econômico

mundial (comércio), por outro lado Morgenthau foca-se nos determinantes da teoria

realista a partir do balanço do poder no contexto da segurança.

Mesmo com detalhes de concentração e abordagem, encontram-se pontos

congruentes entre os autores citados. Esses pontos formam as bases do realismo

moderno. A primeira grande premissa é a de que os Estados são os principais atores

das relações internacionais. Sendo assim, as unidades básicas de análise são os

Estados e a agenda majoritária é a segurança nacional. Além disso, existe uma

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grande separação entre política interna e externa, sendo que a segunda é onde está

baseado o poder de sobrevivência.

Guzzini (1998, p. 32) explica que o realismo surgiu no debate das relações

internacionais sendo a corrente que iria contra as premissas idealistas (e

consequentemente as liberais) que perduraram como paradigma até o começo da

Segunda Guerra Mundial. Enquanto o idealismo praticamente desconsiderava a

supremacia do poder em si, crendo numa harmonia entre os interesses dos Estados,

o realismo contra-ataca a partir dos conceitos de anarquia, interesse nacional,

balanço do poder e o poder, propriamente dito. A análise dos fatos, ações e

conseqüências através da teoria realista é pragmática e evitar uma guerra é

resultado do gerenciamento de conflitos (os quais não podem ser evitados) através

do balanço do poder aliado a um sistema normativo.

Edward H. Carr define que o poder é o agente central das relações entre os

Estados, portanto sua tese focaliza-se sobre este prisma. Em sua obra mais notável,

Vinte anos de crise: 1919 – 1939, além de separar e definir os tipos de poder sob os

termos high politics, para o poder militar e low politics, para o poder econômico,

ressaltou a importância do poder sobre a opinião pública como instrumento de

persuasão e complementação dos outros poderes. Carr (2001, p. 62) define-se como

um defensor do realismo político e ressalta trechos de Maquiavel onde se opõe a

utopia política, nomeando-o como o primeiro importante cientista político realista. Em

toda sua obra, destaca a importância de entender as ações dos Estados de maneira

racional e lógica, e ainda, rebate as críticas sobre a imoralidade na política. Na

prática, o realismo como Carr defende pode ser visto quando um país entra em

conflito com outro por razões econômicas, pois ainda que pareça imoral existe um

racionalismo político a frente das ações.

Stephen D. Krasner (1982, p. 498) ilustra o paradigma realista através de

duas metáforas: das bolas de bilhar, presente até o final da década de 1960, e das

placas tectônicas, que surgiu nos anos de 1970. No primeiro cenário, que teve como

pano de fundo as pressões entre Estados Unidos e União Soviética, os Estados são

os únicos atores dentro do sistema internacional, como as bolas de bilhar disposta

em uma mesa. O objetivo fundamental de cada Estado é maximizar seu poder e

conseqüentemente diminuir o poder de outros, sendo que, as práticas econômicas

são apenas um meio de aumento de poder, e não um fim em si.

Na metáfora das placas tectônicas, os Estados também são os atores

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principais, porém o poder não é o único alvo, e a economia pode ser considerada

isoladamente com outros propósitos. Através da interação entre os Estados o poder

é distribuído, não igualmente, mas diferentemente da metáfora das bolas de bilhar, a

dinâmica no sistema internacional é reconhecida. Pressões são possíveis de

acontecer com as diferenças que surgem desta interação assim como o seu alívio

através do encontro de pontos congruentes.

O realismo moderno descrito sobre o ponto de vista da manutenção da paz e

da eclosão de guerras é tradicionalmente ligado a Raymond Aron e sua obra Paz e

Guerra entre as Nações (1966). Sua linha se desenvolve na legitimidade das ações

dos Estados em prol de sua segurança e interesses nacionais, ou a chamada

legitimidade da violência – isso também durante o período das tensões entre

Estados Unidos e União Soviética, no período da Guerra Fria. Para Aron, a

diplomacia é estratégica e racional, e limita-se ao Estado. O poder no âmbito

internacional é compreendido como a capacidade de um Estado impor sua vontade

sobre outros, sugerindo a seguinte distinção: a) poder defensivo, quando uma

unidade política consegue manter-se inerte às pressões exteriores; b) poder

ofensivo, capacidade de um Estado impor sua vontade sobre outro; c) recursos e

força militar de uma sociedade, a matéria/armas em si; d) o poder de força, o que vai

além dos instrumentos e armas – distingue-se política de força de política de poder.

Uma de suas afirmações mais diretas reflete a base do paradigma realista:

All international politics involves a constant collision of wills, since it consists of relations among sovereign states which claim to rule themselves independently. So long as these units are not subject to external law or to an arbiter, they are, as such, rivals, for each is affected by actions of the others and inevitably suspects their intentions. (p.47)

3

O realismo moderno se auto-determina como a teoria que visa explicar o

mundo tal como ele é com foco nas questões da violência, falsas pretensões e

intenções dos Estados na interação com outros e na diplomacia estratégica.

O neorealismo surge na década de 1970 como uma corrente alternativa

advinda do realismo moderno, mas com vertentes diferentes. Um dos principais

autores sobre tal teoria é Kenneth Waltz e seu trabalho Theory of international

3 Todas as políticas internacionais envolvem uma colisão constante de interesses, já que consiste em

relações entre Estados soberanos os quais requerem governar-se independentemente. Sendo que essas unidades não estão sujeitas a leis internacionais ou a arbitragens, eles são, então, rivais, pois cada um é afetado pelas ações dos outros e inevitavelmente suspeitam suas intenções. (Tradução Livre).

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politics (1979). Segundo Sarfati (2005, p. 143) enquanto o realismo moderno foca-se

somente no Estado, o neorealismo foca-se na análise do sistema internacional. A

chamada visão sistêmica das relações internacionais é o modo de análise através da

concepção do todo, oposto da visão analítica cartesiana que divide e reduz os

objetos de estudo. Waltz define que para compreender a dinâmica internacional

deve-se partir da estrutura, do sistema internacional como um nível individual de

análise. Apesar de reconhecer que existam atores não-estatais, não os consideram

importantes ou influentes, uma vez que o sistema é composto e gerido pelas

unidades majoritárias, os Estados. Conforme Silva e Gonçalves (2005, p. 208)

explicam, o sistema internacional é anárquico e os Estados em busca da

sobrevivência buscam balancear o poder para garantir sua segurança. A teoria

neorealista foi bastante criticada por limitar a ver o sistema mundial como um quadro

estático e pré-determinado.

Desenvolveram-se novas versões do realismo como o realismo estrutural,

mas que como destaca Viotti e Kauppi (1999, p. 83) as conclusões são praticamente

as mesmas – prescrições para os governantes com base nas mesmas premissas e

no conhecimento de fatos históricos. Para que se destina esta pesquisa, a teoria do

realismo moderno contribui na medida em que direciona a atenção para uma

realidade mais fria do que a apresentada pelos idealistas, porém fica em débito na

questão da diversidade de atores internacionais, agendas de debate e a própria

importância da cooperação. Já o neorealismo ao introduzir a versão sistêmica das

relações internacionais sugere uma alternativa diferente de análise, o que pode ser

compreendido como um avanço no modo de pesquisa na área.

1.2.1.3. Neomarxismo sob os prismas das teorias da Dependência e

Sistema Mundial Moderno

O paradigma neomarxista nas relações internacionais está diretamente

ligado às teorias da Dependência e do Sistema Mundial Moderno. Cabe citar como

grandes nomes dessas duas vertentes: Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto,

sobre dependência e Immanel Wallerstein, com a Teoria do Sistema Mundial

Moderno brevemente citado no primeiro capítulo. Conforme o nome sugere ambas

as vertentes estão sob a influência dos conceitos marxistas, muito embora não

sejam réplicas em conteúdo.

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Conforme Sarfati (2005, p. 142) destaca a Teoria da Dependência pode ser

considerada como a visão dos Países em Desenvolvimento sobre as relações

internacionais. Seu surgimento é praticamente um contraponto à hegemonia norte-

americana e está diretamente ligado à CEPAL (Comissão Econômica para a

América Latina – estabelecida pela ONU). O principal objetivo é explicar a questão

do subdesenvolvimento econômico de alguns Estados, classificados como países

periféricos, e sua forte ligação com os Estados mais desenvolvidos

economicamente, classificados como países centrais. Sendo assim, o

desenvolvimento econômico da periferia se deu de maneira dependente e associado

ao capital internacional nos moldes do modelo agro-exportador.

Para Singer (1998, p. 119) a dependência surge a partir de um jogo

complexo de conflitos e acordos. Com referência a dependência dos países latinos

americanos, o autor afirma que é consentida, caracterizada pelo período agro-

exportador da economia, e tolerada, caracterizada pelo período das substituições de

importação em que era necessário importar tecnologia e capital externo. Na

seqüência uma nova forma surge pela expansão de empresas transnacionais e

ampliação das negociações de abertura comercial no âmbito do acordo geral de

tarifas e comércio.

Quando os países deixaram de ter uma postura intervencionista para adotar

uma postura neoliberal que permitisse maior expansão e circulação dos capitais na

década de 1980, foi necessário que as economias periféricas atingissem uma

estabilidade econômica e monetária. Era uma alternativa para atração de capital

internacional com objetivo de promoção do desenvolvimento econômico. Ainda de

acordo com Singer (1998, p. 130) essa nova fase chama-se de dependência

desejada, onde a fonte esta no capital globalizado, “visto como um ingrediente

indispensável num mundo em que impera a liberdade de iniciativa das empresas e

dos indivíduos”.

Por sua vez, a Teoria do Sistema Mundial Moderno, primeiramente proposto

como modo de análise por Immanuel Wallerstein, define que a unidade apropriada a

ser considerada para a compreensão dos fenômenos contemporâneos não se pauta

somente nos Estados, mas sim em um cenário mais amplo abrangendo os sistemas

sociais, fronteiras, estruturas, blocos, regras e concepções internas. Conforme

ressalta Sarfati (2005, p. 141) essa teoria, difere-se da Teoria da Dependência, pois

inclui outro grupo de Estados, os semiperiféricos. Esses países seriam aqueles com

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bom desenvolvimento em alguns setores, como tecnologia, porém péssimo grau em

outras áreas, como a social.

Em sua obra World Inequality: Origins and Perspectives on the World

System, Wallerstein (1975, p. 9) explica que o Estado Nação, com o fenômeno da

centralização do poder, não obteve êxito em ser uma unidade totalmente autônoma

de ações sociais, assim como não tem a possibilidade de se torná-lo. Sendo assim,

a saída para as desigualdades não está dentro das fronteiras do Estado, mas no

sistema mundial como um todo. Sua idéia sobre as relações internacionais é que

seria através delas que se entenderiam os problemas internos, suas causas e

possíveis soluções, já que a economia de um país não é isolada, mas sim uma parte

da economia mundial. Deixando de lado as especificidades e ideologias, a teoria do

Sistema Mundial Moderno pode ser compreendida como um afastamento do foco

individualista dos Estados proporcionando uma ampliação do campo de visão. O

sistema mundo em sua concepção (1974, p. 347) é composto de esferas sociais,

fronteiras, estruturas, grupos-membros, regras de legitimação e coerência.

Ambas as teorias são críticas à dominância do sistema capitalista que rege

todos os países e as relações entre eles também. A contribuição dessas análises

está na inclusão dos países chamados de periféricos ou semi-periféricos no contexto

global. Ademais, o foco na questão do desenvolvimento econômico e social como

fatores que são diretamente ligados a legados históricos de exploração e à

continuidade de padrões de relacionamento com outros países, representa a

mudança do paradigma de que a simples transferência de modelos resolveria a

questão da desigualdade.

Uma vez que o fenômeno da Paradiplomacia advém dos preceitos de

Desenvolvimento Local, é relevante conhecer as teorias que tratam do

desenvolvimento interno a partir de uma perspectiva internacionalista.

1.2.1.4. Neoliberalismo: Interdependência Complexa e Transnacionalismo

O neoliberalismo ou também denominado teoria neoliberal institucionalista

ou neoinstitucionalismo, surge como uma reconstrução do liberalismo a partir de

bases um pouco mais concretas. É necessário observar que alguns autores em

relações internacionais agregam o neoliberalismo ao liberalismo e o denominam

como pluralismo simplesmente. Porém, para esta pesquisa é interessante seguir o

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modelo fragmentado apresentando os detalhes de acordo com o período de

desenvolvimento do paradigma.

Apesar de o neoliberalismo ser regularmente visto como uma teoria

econômica ligada aos fatores de privatização e minimização da ação do governo na

economia, sua vertente em relações internacionais é também bastante relevante.

Sua aderência ao fenômeno da Paradiplomacia se dá nas questões da

interdependência complexa e, principalmente, do transnacionalismo. A perspectiva

neoliberal considera não somente os Estados como atores no cenário global, mas

também outros agentes como as organizações internacionais intergovernamentais,

grandes empresas de atuação global (TNCs – transnational corporations ou MNCs –

multinational corporations), organizações não-governamentais (ONGs), e conforme

cita Sarfati (2005, p. 160) até mesmo as unidades subnacionais, por meio de suas

prefeituras, estão inserindo-se no contexto mundial de maneira independente. Este é

o primeiro paradigma que acrescenta outros atores e os reconhecem com certo grau

de importância. Cabe ressaltar que apesar desta agregação, os Estados nacionais

ainda são considerados os atores mais importantes na visão neoliberal.

Além da introdução da transnacionalidade e da interdependência dos atores

e fatores, as agendas são também desfocadas dos assuntos básicos de segurança,

política e economia, e, acabam por envolver assuntos sobre meio ambiente, direitos

humanos e desenvolvimento social.

Robert Keohane foi um dos mais importantes precursores deste pensamento

no campo internacional. Griffiths (2005, p. 185) descreve que a linha de raciocínio

neoliberal de Keohane centrava-se em entender as circunstâncias de cooperação

entre os Estados e o papel das instituições neste processo. A análise da chamada

interdependência complexa entre os Estados nacionais foi extremamente importante

para a compreensão acerca da composição da sociedade internacional bem como a

ênfase dada à cooperação mútua. De acordo com Keohane, os Estados têm

sobrevivido, pois surgiu uma agenda internacional comum ao interesse de todos e

com mecanismos que possibilitam a atuação internacional conjunta. Com isso,

objetiva-se manter o diálogo e a cooperação entre todas as unidades políticas.

As instituições, segundo Keohane são conjuntos de regras, sejam elas

formais ou informais, interconectadas entre si definindo o comportamento dos

Estados, bem como suas expectativas e ações. Sarfati (2005, p. 157) sugere os

seguintes formatos de instituições: a) Formal intergovernamental ou organizações

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não-governamentais internacionais, a primeira são aquelas formadas por Estados

com um propósito definido, como a ONU ou a OMC. A segunda seria neste mesmo

formato, porém formadas pela iniciativa popular; b) Regimes internacionais, acordos

com regras explícitas e específicas, como o regime monetário internacional (Bretton

Woods); c) Convenções, como regras informais que surgem espontaneamente e se

mantém como um costume ou a partir da idéia de reciprocidade entre os Estados.

Além do foco nas instituições, o neoliberalismo nas relações internacionais

insere o debate em torno da interdependência complexa, refutando os conceitos de

simples causa-efeito e historicismo. Brown (2001, p. 34) explica que o prisma da

interdependência complexa está no reconhecimento dos múltiplos canais de acesso

entre os atores, na redução da força como principal motor das relações

internacionais, e na desconstrução da hierarquia de assuntos da agenda

internacional. A conexão entre fatores e atores pode ser compreendida quanto a

crise de recursos naturais, como o petróleo – a sua falta e conseqüentemente o

aumento do seu preço são fatores que são sentidos mais ou menos pelos países

dependendo de sua vulnerabilidade. A partir desta situação, os atores tendem a se

reposicionar, alguns Estados ou até mesmo iniciativas subnacionais podem começar

a procurar fontes alternativas através de pesquisa (Biodiesel) ou estabelecer novos

acordos comerciais (fornecedores alternativos, contratos renegociáveis).

De acordo com Viotti e Kauppi (1999, p. 203) o pensamento [neo]liberal

destaca vários conceitos que compõem a imagem pluralista, como: a importância do

indivíduo e dos níveis de análise, a desagregação e fragmentação do Estado em

partes, a conexão íntima entre política e economia internacional, o papel da opinião

pública, a relevância do direito internacional e das organizações.

É neste contexto que o debate sobre a crise do Estado Nação se desenvolve

sob hipóteses de perda da soberania por conta da desfragmentação ou

descentralização do poder. A questão do transnacionalismo, que significa

transcender a fronteira Estatal, será descrita com maior profundidade adiante por ser

diretamente ligado ao tema desta pesquisa. Contudo, pode-se compreender que a

nova visão liberal das relações internacionais contribuiu para o avanço de novos

tipos de atores, diferentes análises das situações e reposicionamento de ações.

1.2.2. Contemporâneas

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As teorias contemporâneas são também chamadas de teorias Pós-

Positivistas. São todas as teorias desenvolvidas a partir da década de 1990 e após o

final da Guerra Fria. O final da Guerra Fria em relações internacionais representou

uma grande mudança e sendo assim um importante marco, onde o mundo passou

de bipolar para o multipolar ou unipolar (hegemonia norte-americana), como alguns

autores afirmam.

Baseado no mapa teórico de Sarfati (2005, anexo) as seguintes teorias

serão abordadas nesta seção:

a) Pós-Modernismo nas Relações Internacionais: processo de

desconstrução dos discursos teóricos clássicos;

b) Teoria Crítica: sutilmente influenciada pelo Marxismo, visa reconstruir o

discurso teórico, está inserida na imagem Globalista;

c) Construtivismo: ponte entre as preocupações positivistas e pós-

positivistas;

Outras teorias contemporâneas também são citadas por Sarfati (2005) e por

outros autores também, como o Feminismo e o Realismo Estrutural, porém por

serem específicas ou apenas apresentarem leves mudanças das teorias originais,

não serão apresentadas nesta seção.

A importância das teorias contemporâneas para o tema desta pesquisa está

principalmente no fato de incluírem aspectos antes não abordados. São também

mais abrangentes no que tange as características, influências e atores das relações

internacionais. Como será visto a seguir, tratam de maneira mais reflexiva e menos

simplificada os fatos e a produção do conhecimento neste campo.

1.2.2.1. Pós-Modernismo nas Relações Internacionais

O pós-modernismo representa um movimento de contestação à ciência

classificada como fixa ou verdadeira, contra as correntes positivistas que dominaram

e ainda dominam a construção do conhecimento em diversas áreas. Assim como

abordado no primeiro capítulo, alguns autores como Capra, Morin e Vasconcelos

têm contestado a unilateralidade da ciência enquanto vias para busca de uma

síntese simplificada da realidade.

O pós-modernismo em relações internacionais surge como uma corrente

que visa desconstruir os paradigmas clássicos e positivistas a partir de abordagens

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alternativas ontológicas e epistemológicas. A epistemologia na função de se analisar

o modo de produção do conhecimento e a ontologia trazendo a reflexão a respeito

do sentido abrangente do ser além do físico, num foco universal. A crítica central é

que nenhuma teoria foi capaz de prever o final da Guerra Fria tal como foi,

principalmente pelo fato de a maioria dos positivistas agirem como se o futuro fosse

um simples efeito de uma causa já prevista na história, ou por „lógicas

instrumentalistas‟. Richard Ashley e Robert Walker são autores que se destacam

nesta vertente ao sugerirem uma espécie de desconstrução dos paradigmas

referentes às relações internacionais, uma vez que a previsibilidade teórica não

surtiu efeito na realidade.

Os argumentos de Ashley em sua obra The poverty of neorealism (1986)

mostram claramente como o pós-modernismo influenciou as relações internacionais

enquanto disciplina de estudo e produção do conhecimento. Primeiro o autor nota

que é impossível separar as ideologias de um pensador e sua teoria, ou seja,

nenhuma teoria é isenta de carga pessoal. Segundo ponto importante levantado por

Ashley é sobre a concepção de que algumas coisas em relações internacionais são

agentes fixos e então sempre parte-se desta premissa, como por exemplo, o Estado.

Dentro desta análise Ashley entende que o Estado surgiu posteriormente às

interações políticas e econômicas entre diferentes povos, e a sua constituição é

constante. Em sua visão, conforme Sarfati (2005, p. 242) ressalta, é a de que o

Estado não passa de um ente performático, uma formalização da identidade de uma

sociedade. As fronteiras são definidas e não estiveram sempre postas. Sendo assim,

a perspectiva positivista que parte das reflexões tendo o Estado como um dado fixo

é amplamente criticada pelos pós-modernistas que o classificam como uma unidade

em constante constituição.

Walker concentra-se na parte epistemológica, alegando que as relações

internacionais não seguem a lógica Popperiana de associação de teoria e prática, já

que a prática já carrega a teoria em si (theory-laden). De acordo com Griffiths (2005,

p. 212) o mundo das relações internacionais já é essencialmente conceitual - como

um mundo de significados - no qual as ações são filtradas e realizadas por

processos institucionalizados de interpretação baseado em movimentos do mundo

real.

Junto com esta nova visão, veio também um rótulo que é importante ser

mencionado: o chamado Terceiro Debate. O primeiro foi entre o Idealismo e o

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Realismo, o segundo, chamado de neo-neo foi entre as correntes neorealista e

neoliberalista, por fim o terceiro surge através da proposta de desconstrução das

teorias sedimentadas, incluindo segmentos filosóficos, culturais, de gênero

(feminismo), geográficos e até mesmo lingüísticos.

Para Jarvis (2002, p. 17) o pós-modernismo é considerado pura crítica e a

função da crítica é desafiar o domínio estabelecido juntamente com suas premissas

de universalismo ou transcendência da história. Apesar dos ataques a este

movimento pelo alto grau de reflexão e aprofundamento das questões

epistemológicas, sua importância está na mudança do foco e da simplificação da

realidade proposta pelas teorias positivistas. Os precursores pós-modernistas nas

relações internacionais trouxeram o debate da complexidade e assim chamaram a

atenção para pontos que não eram considerados pela classe acadêmica, que

pareciam sempre buscar a aplicabilidade de suas teorias da maneira mais direta

possível.

Silva e Gonçalves (2005, p. 196) explicam que:

No âmbito das relações internacionais, o pós-modernismo denuncia o poder das definições, das perspectivas ou abordagens teóricas e suas tentativas de identificar sujeitos e objetos de análise, além de definir quais são as questões relevantes e suas hipóteses apropriadas.

São ainda Silva e Gonçalves (2005, p. 197) que resumem em quatro pontos

sobre as características principais do movimento: a) toda e qualquer verdade

universal ou absoluta é inexistente; b) a relação e a manipulação entre

conhecimento e poder formam a base das construções sociais; c) revelar a farsa de

movimentos autodenominados como emancipatórios; e, d) reconhecimento de uma

base ética do pós-modernismo defendendo a pluralidade e das diferenças.

O avanço das unidades subnacionais no campo internacional é um exemplo

de que o cenário global não é imutável, nem mesmo os seus atores são únicos ou

fixos. Além disso, a Paradiplomacia representa uma quebra no padrão das relações

internacionais que desde a formação dos Estados nacionais estiveram dominadas

pela ação desses, sob o grande paradigma da soberania, o qual é profundamente

questionado pelos pós-modernistas. Portanto, esse movimento representa um

importante marco, além de subsidiar fenômenos que quebram a "rotina" fixada pelo

longo domínio positivista no campo.

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1.2.2.2. Teoria Crítica

A teoria Crítica nas relações internacionais sugere a desconstrução dos

paradigmas dominantes e a construção de novos dentro do contexto da pós-

modernidade acadêmica. A principal representante desta corrente é a chamada

Escola de Frankfurt, onde começaram, ainda na década de 1920, a se desenvolver

os primeiros estudos no sentido de questionar os pressupostos de cada posição

bem como sua teorização. Nomes como Walter Benjamin, Hebert Marcuse e Jurgen

Habermas são os mais ligados a tal. Antunes e Ramos (2000) explicam que a escola

de Frankfurt concentra-se em analisar: a dialética da razão iluminista e a crítica da

ciência, a dupla face da cultura e a discussão da Indústria Cultural e a questão do

Estado e suas formas de legitimação. Viotti e Kauppi (1999, p. 19) revelam que o

desenvolvimento da Teoria Crítica foi feita sob a influência de correntes filosóficas,

como a de Rousseau no que diz respeito à liberdade ideológica, a de Kant sobre a

busca de princípios morais universais, a de Marx na observância das opressões

entre as classes e estruturas socioeconômicas e até mesmo a de Freud pela

inserção da psicologia para a compreensão das relações de domínio.

Para as relações internacionais, o ponto central está no entendimento de

que as leis que regem o sistema internacional não são imutáveis como diversos

teóricos buscaram proclamar dentro de uma perspectiva positivista. Assim como os

pós-modernistas, os adeptos da teoria Crítica também realizam o debate

epistemológico, sobre a produção do conhecimento e buscam resgatar e inserir no

debate as partes excluídas, como a visão da realidade a partir de prismas e

dimensões diferentes. Isso diz respeito tanto à necessidade de relevância de

assuntos que vão além da segurança e da economia, como no entendimento da

constante mudança dos sistemas que compõem o cenário global.

A denominada teoria Critica das relações internacionais tem seu surgimento

ligado ao trabalho de Robert Cox na década de 1980. Ao contrário das publicações

que reinavam no meio acadêmico, Cox introduziu conceitos que contrastavam o

historicismo sobre o surgimento do Estado Nação e a emergência da mudança no

entendimento do sistema internacional. Jones (2001, p. 4) comenta que os estudos

em relações internacionais e sua teorização estão sempre em busca da criação de

tipologias e categorias, e a teoria crítica por sua vez, apresenta certas vantagens na

contramão da simplificação da realidade. A idéia de que a soberania produz a

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exclusão traz à tona a proposta de novas formas de organização política a partir do

reconhecimento da mobilidade situacional.

As considerações de Cox (1981, p. 129) a respeito do posicionamento

específico da teoria Crítica no campo em questão, ficam em torno da reflexão sobre

as origens e emergências das instituições que regem o sistema internacional, das

relações de poder, das ordens sociais, e principalmente quais são as forças que

impulsionam o potencial de mudança ou transformam a ordem atual. O debate está

em torno de formas alternativas de desenvolvimento para a criação de novas formas

de interação entre os atores internacionais. À medida que novas características são

estabelecidas nas relações de produção entre as sociedades, novas configurações

surgem, mudando o quadro geral. O Estado Nação, dentro desta perspectiva, é um

mosaico que muda e se adapta de acordo com os movimentos das pequenas peças

que o compõem, neste caso as sociedades.

A contribuição da teórica Crítica para o objeto principal desta pesquisa está

principalmente na reflexão de que o cenário global não é imutável, assim como não

existem regras e ação pré-estabelecidas que não possam ser revisadas. É como um

convite a olhar além do que parece fixamente instituído e indagar possibilidades de

mudança. O ingresso das cidades no âmbito internacional de maneira independente

visando interesses de Desenvolvimento Local é um fenômeno que para se tornar

realidade diversos paradigmas positivistas tiveram que ser contestados, como o da

soberania total do Estado, sua supremacia e controle sobre seus entes.

1.2.2.3. Construtivismo

Assim como a teoria Crítica, o Construtivismo também se origina nas

ciências sociais em geral e inclina-se para o campo das relações internacionais.

Silva e Gonçalves (2005, p. 29) citam Emanuel Adler para a definição do que

representa o Construtivismo: uma postura metafísica, uma teoria social e uma

perspectiva empírica. Está submerso nas vertentes sociológicas e filosóficas, mais

especificamente a hermenêutica. O Construtivismo nas relações internacionais,

também chamado de Construtivismo Social, está dentro da perspectiva pós-

modernista. Essa teoria visa basicamente refletir e interpretar as relações entre

todos os atores entendendo que um constitui o outro. Sarfati (2005, p. 259) afirma

que “o construtivismo busca construir uma ponte entre preocupações positivistas

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(explicar as relações internacionais) e pós-positivistas (entender do que são

constituídas as relações internacionais)”. Por esse motivo recebe a classificação de

via media.

Mais especificamente Viotti e Kauppi (2005, p. 217) esclarecem que o

Construtivismo propõe explicar que os atores agem de acordo com a visão que eles

possuem do mundo, a imagem dos outros atores envolvidos e como se enxergam

neste cenário. através da cooperação regulamentada os atores podem mudar seus

pontos de vista e crenças sobre seus papéis e sua ligação com o resto do sistema

internacional. Para os construtivistas todos os fatores e atores são construídos ou

constituídos socialmente e surgem para dar forma as identidades e interesses dos

atores. Além disso, um importante ponto a se ressaltar é a menção que é dada aos

atores não estatais, como as organizações sendo considerados agentes influentes

na criação e evolução das normas que regulam o âmbito global.

Um dos principais defensores desta corrente é Alexander Wendt e sua obra

Social theory of international politics do ano de 1999. Apesar de dar um formato mais

Estado cêntrico, o Construtivismo wendtiano, assim como a teoria Crítica não parte

do princípio em que o sistema internacional é imutável. Pelo contrário, entende que

cada agente é formado de acordo com os movimentos sociais que ocorrem dentro

dele. Os Estados são os principais atores do sistema mundial e no caso da

construção do Estado, a teoria Construtivista explica que só foi possível a partir das

interações sociais. Essas interações, por suas vezes, concomitantemente formam os

interesses do Estado e então, delineiam sua identidade. Sarfati (2005, p. 261)

resume que “a identidade é a base da construção dos interesses e somente passa a

existir quando ambos começam a se relacionar”. Portanto, a conclusão é a de que

os Estados que possuem identidades afins são mais propensos a cooperarem,

enquanto o contrário geraria certas tensões e conflitos. Nestes casos, de acordo

com Copeland (2006, p.2), não é a anarquia ou o poder que definirá as ações entre

os Estados e como eles se comportam no sistema internacional, mas sim a carga de

cultura que é socializada através das interações.

Fazem críticas ao Neoliberalismo sobre a anarquia (ação mínima do Estado

versus liberdade do mercado capitalista), pois baseados na premissa de que tudo é

resultado de construções sociais, “a anarquia é o que os Estados fazem dela”,

citando a frase de destaque de Wendt. Por outro lado, dividem a crença no Direito

Internacional e nas regras e normas que regem as relações internacionais.

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Diferentemente do Neorealismo, o Construtivismo defende a idéia de que os

interesses dos Estados são mutáveis e, sejam egoístas ou não, são formados pela

sua identidade interna e não por uma determinação exterior. Porém, compartilha da

idéia de que o Estado é o agente principal das relações internacionais.

Apesar das principais obras sobre a linha construtivista focarem-se no

debate em nível de Estado, considerando a existência de outros atores, porém não

os classificando como da mesma importância, ainda assim é possível identificar

pontos de congruência para o tema central desta pesquisa. O princípio de que um

agente se comporta da maneira como ele se vê aliado à sua identidade que é

resultado dos constantes movimentos sociais, é um ponto de partida interessante na

análise da Paradiplomacia. As cidades que se lançam no cenário global em busca

de atrair opções e alternativas que auxiliem na promoção do Desenvolvimento Local

podem ser consideradas exemplos de atores que se constituíram e se projetaram

além das fronteiras nacionais, criando uma nova identidade.

2. DELIMITAÇÃO HISTÓRICA

Nesta seção serão abordados os contextos históricos pertinentes ao

desenvolvimento da pesquisa. A descrição sobre a origem das cidades será pontual

para a visualização das raízes do objeto de estudo, bem como ao se tratar de

Cidades-Estados será possível verificar a autonomia e independência que as

cidades tinham antes da unificação estatal e centralização do poder. Em seguida,

serão descritos brevemente o processo de formação de alguns Estados nacionais. O

objetivo deste capítulo é compreender a trajetória da atuação das cidades no

contexto internacional a partir da história. É também importante constar essa

delimitação descritiva a fim de identificar a cronologia da ordem global – que foi de

descentralizada a unificada, e a atual tendência tem sido de se buscar uma nova

descentralização.

Nas subseções a seguir, serão descritas as situações de descentralização e

centralização por meio da unificação. Cabe inserir essa base histórica para que os

movimentos contemporâneos sejam contextualizados e compreendidos dentro de

uma perspectiva mais abrangente.

2.1. A Origem das Cidades

Tendo em vista que o objetivo esta dissertação é tratar sobre as relações

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internacionais entre cidades, fenômeno denominado Paradiplomacia, é relevante

traçar um breve histórico sobre o surgimento das cidades e os seus primeiros

estágios de desenvolvimento até o início da comunicação entre as diferentes

sociedades. Abordar-se-á também os aspectos das Cidades-Estados que remontam

uma estrutura de autonomia interessante para a análise que se seguirá adiante no

aprofundamento das características e nuances da prática da Paradiplomacia.

A literatura histórica não apresenta um consenso específico e exato sobre o

ano real surgimento das primeiras cidades. As datas variam de quinze a três mil

anos atrás, remontando o período AC. Por outro lado, existe bastante clareza quanto

ao local deste surgimento que é na região da Mesopotâmia onde situa-se o Iraque

atualmente, seguido da Ásia mais precisamente no território da atual China. O

desenvolvimento se deu como extensões do modelo de família e principalmente

baseado nas crenças das religiões dos povos agrupados. Coulanges (2004, p. 220,

217) as primeiras cidades eram bastante singulares e independentes. Possuíam

moeda, pesos, medidas, leis e costumes únicos sempre pautados na religião,

geralmente politeísta. Os governantes eram como os chefes das famílias e não

derivaram da força. A cidade representava a pátria de seus habitantes, os quais

eram exacerbadamente fiéis e devotos a todos os rituais e procedimentos

estabelecidos, sendo assim o interesse público raramente era diferente dos

interesses privados.

Ainda de acordo com Coulanges (2004, p. 220) as cidades por mais

próximas que fossem eram completamente distintas por causa das crenças e

religiões. Nem sequer casamentos eram permitidos entre cidadãos de cidades

diferentes, a não ser que houvesse uma convenção que permitisse tal união. O grau

de soberania era alto e as conquistas mediante guerras entre as cidades não

resultavam em anexação, mas em expulsão (entenda-se também como extermínio)

da população local e a construção de uma nova população com os imigrantes da

cidade vencedora, como foi o caso entre Esparta e Messênia.

As cidades se formaram a partir do objetivo principal de sobrevivência

através do desenvolvimento da agricultura e o abandono das práticas nômades que

evitavam que os homens de fixarem-se em um só local. Foi a chamada Revolução

Agrícola ou Revolução Neolítica, da caça e pesca para o cultivo e estocagem

(Bairoch, 1988, p. 3). Por serem sociedades fechadas, as cidades inicialmente

produziam somente para o seu consumo, mas logo percebeu-se que o excedente

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poderia não somente ser doado ou feito como oferenda, mas também

comercializado. Conforme o relata o FAMSI (Foundation for the Advancement of

Mesomerican Studies, Inc):

Anthropologists tend to think of early cities as egalitarian societies who restricted the accumulation of personal wealth by continually circulating food and materials through reciprocal exchange networks. But while food-sharing and gift-giving may have promoted trust and bound tribal members together, the ability to generate surpluses with plant cultivation would have created status differences. Ambitious individuals could begin capitalizing on a basic primate condition [...]

4

Na América Latina, as primeiras cidades surgiram na atual região México

com as civilizações Maia e Asteca a aproximadamente 3000 AC. Friedmann (1995,

p. 73) relata que o alto grau de desenvolvimento quanto à dinâmica dos processos

necessários para o bem estar da sociedade relacionados à arquitetura, engenharia e

agricultura chamaram a atenção de todos os estrangeiros que por lá passavam.

Essas civilizações eram consideradas grandes impérios. Os Maias habitavam o

México e parte da América Central. Foram responsáveis pelo desenvolvimento da

escrita hieroglífica e um calendário com 360 dias. Na região que atualmente é

Bogotá a civilização de onde surgiram as primeiras cidades era chamada de

Chibchas e lidavam com ourivesaria e as técnicas com aço. Os Astecas também

chamados de Mexicas ou Teochtas, eram considerados bárbaros de guerra,

construíram o santuário Uitzicopochti e em volta formaram a cidade de Tenochtlitan.

A partir dessa perspectiva de desenvolvimento do comércio do excedente

produzido internamente e o fim do isolamento, as cidades foram se desenvolvendo

até o estágio que mais interessa a esta pesquisa nesta seção que é a de Cidade-

Estado. Coulanges (2004, p. 450) explica que as cidades antigas baseadas no

modelo familiar e com crenças próprias foram desaparecendo com o surgimento do

cristianismo: “o direito de propriedade transformou-se na sua essência; deixou de

derivar da religião, para provir do trabalho e as formalidades do velho direito

definitivamente foram postas de parte”.

Com a abertura das sociedades deu-se início as atividades de cooperação

4 Antropólogos tendem pensar que as primeiras cidades como sociedades igualitárias que restringiam

a acumulação de riquezas pessoais através da contínua circulação de alimentos e materiais em uma rede recíproca de trocas. Porém, enquanto a divisão de alimentos e ofertas podem ter promovido confiança e unido os membros tribais, a habilidade de gerar estoques com a agricultura teria criado diferenças de status. Indivíduos ambiciosos poderiam ter começado a capitalizar em condições primárias. Tradução livre.

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entre as cidades no que tange a alimentos, irrigação, transporte e outras

necessidades e conseqüentemente atividades comerciais que mantinham as

cidades em contato com outros produtos e culturas.

2.1.1. As Cidades-Estados

As primeiras cidades-estados surgiram aproximadamente há 3.200 anos AC

com a emergência da cultura mesopotâmica e desapareceram na metade do século

XVII (Bairoch, 1988 p. 25). Uma cidade-estado pode ser definida como um “estado

no qual existe apenas uma cidade ou no qual uma única cidade é tão superior em

termos de população e poder comparado a cidades menores sendo que a

superioridade no estado é indisputável”. (Toynbee, 1970 p. 44).

Uma das características mais destacada é a plena soberania política. Esse

tipo de cidade foi o padrão do mundo Greco-Romano e os clássicos exemplos deste

modelo são Atenas e Esparta na Grécia, e, Roma, Florença e Veneza na Itália. É

interessante destacar neste ponto que a autonomia local já existiu na história

mundial, dados os contextos e especificidades, as cidades-estados são ícones que

merecem serem comentados ao se tratar de gestão e Desenvolvimento Local.

Na Grécia, berço das mais famosas cidades-estados, a atuação de

Alexandre Magno no período Antes de Cristo, eliminou a independência das

cidades-estados, porém por outro lado, suas conquistas ao redor do mundo

resultavam e constituições de cidades cosmopolitas administradas por gregos. Era

praticamente como ter diversas cidades gregas fora da Grécia.

No contexto político, Adams et al (2000, pg. 123) cita a democracia de

Atenas como uma das primeiras formas de participação da população local nos

assuntos públicos, diferente de outras regiões, como na China, que seguiam o

modelo aristocrático. De fato não era uma democracia moderna com voto universal,

pois ainda excluíam-se mulheres e escravos, mas já havia o que pode se considerar

como uma participação direta. Os cidadãos a ocuparem os cargos eram escolhidos

aleatoriamente sob a premissa de que saberiam executar bem o trabalho e caso

contrário, severas punições poderiam ser aplicadas. Atenas também foi pioneira em

estabelecer julgamentos com júri popular.

Na clássica obra sobre a história das cidades, Cities on the Move de Arnold

Toynbee, o autor descreve que Roma durante seu império, impôs com sucesso uma

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unidade política e legislativa em todo o perímetro do mar Mediterrâneo. Através das

conquistas, implementaram sob seu domínio o sistema organizado em cidades-

estados, processo que foi concluído no século 3 D.C. Apesar de serem classificadas

como cidades-estados, os membros do império Romano não eram soberanos, mas

eram self-governed ou seja, possuíam um governo próprio uma vez que

demonstravam eficiência e capacidade para tal (1970, p. 50). Os territórios eram

transformados em províncias e cada governante possuía poderes civis e militares.

Concentrava-se principalmente em disseminar a idéia de participação nos assuntos

de interesse público. Adams et al (2000, p. 124) assinala que apesar do senado

aristocrático ser a estrutura dominante, os cidadãos ordinários também tinham sua

assembléia. Com a tendência de centralização este sistema falhou e então somente

algumas cidades conseguiram manter seu status de cidade-estado, como Veneza.

2.2. Surgimento dos Estados Nacionais: Unificação e Centralização

Foi com o desenvolvimento do capitalismo mercantil que o Estado Moderno

surgiu em meados do século XV na Europa Ocidental (França, Inglaterra, Espanha e

Itália). Suas características centrais são a soberania, autoridade máxima das ações

e a distinção entre Estado e sociedade civil, com a ascensão da burguesia no século

XVII.

O surgimento do Estado-Nação está diretamente ligado ao conceito de

centralização do poder e historicamente ao final do feudalismo. Falcon e Rodrigues

(2006, p. 5) especificam que do século XVI ao XVIII correspondem a Idade Moderna

marcando a transição do feudalismo para o capitalismo e a expansão mercantil. Este

processo foi o início do estabelecimento do chamado sistema mundial capitalista

moderno.

O Estado nasce a partir de uma construção. Pode ser considerado como um

ator artificial, centralizador, institucionalizado, e na medida em que detém o

monopólio da força e da burocracia, se fortalece cada vez mais. Para Bobbio (1995,

p. 18) o Estado Nacional se consolida a partir do momento em que seu poder é

incontestável, pois é quem dita o Direito e também quem o positiva. Sendo assim, o

Estado se atribui e assume a obrigação jurídica bem como a função de dar tutela

jurisdicional, passa a harmonizar os conflitos, as tensões e as contradições da

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sociedade, a estabelecer os parâmetros para a ordem, o direito, a justiça, a

segurança, a liberdade e a propriedade.

É a partir da formação dos Estados Nacionais que origina-se uma nova

estrutura de poder transitório com o fortalecimento da aliança entre rei e burguesia.

Para burguesia, este Estado com poder centralizado era de fundamental

importância, pois além de kpossibilitar a padronização monetária, e a criação de leis

e exércitos nacionais, representaria uma importante retaguarda para os

empreendimentos, tanto no estabelecimento do protecionismo alfandegário, como

para conquistar militarmente outros mercados. Para governantes, era também

importante estar ao lado da burguesia, pois esta representava a iniciativa privada

para o comércio, que ampliado, proporcionaria uma maior arrecadação de impostos

e o consequente fortalecimento do poder real.

Existem diversas correntes que explicam a formação dos Estados, como a

filosófica, sociológica, jurídica, mas por questões de delimitação nesta pesquisa a

abordagem será pela perspectiva histórica. Conforme apontado por Souza (2007, p.

3):

Autores modernos têm defendido a Teoria da Formação Histórica do Estado, defendendo a idéia de que são três os modos pelos quais historicamente, se formam os Estados: Modo Originário, Modo Secundário e Modos Derivados. Para Maluf

5, “extinguiram-se os agrupamentos primitivos

oriundos de uma ordem natural primitiva e sobre seus escombros ergueram-se os Estados do modo atual. Na sua maioria, representam estes o renascimento ou a reformação dos velhos agrupamentos existentes, extintos, mas conservando muitas vezes o nome e as tradições, porém, ostentando nova configuração política”. Para estes pensadores, o Modo Originário de surgimento de um Estado, se confunde com sua própria formação social, mas se distingue em aspectos essenciais. Dar-se-ia quando, sobre um território que não pertencia a nenhum Estado, uma população se organizou politicamente, por impulso espontâneo de suas forças sociais e psicológicas. Atenas e Roma seriam exemplos típicos desta formação originaria. Evidentemente, no mundo atual é praticamente impossível este processo de formação. O surgimento pelo Modo Secundário pode ocorrer de duas formas: quando um Estado se divide, o que permite a formação de outros Estados (servem como exemplo os inúmeros Estados surgidos com a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS), ou quando dois ou mais Estados se unem para formar um novo Estado (como Zanzibar e Tangânica, que se uniram em 1964 formando o Estado da Tanzânia). Como Modos Derivados, temos o exemplo dos Estados Americanos que se formaram pela colonização da Espanha, Inglaterra e Portugal, dos quais se independizaram

6.

5 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 10ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias. 1989.

6 Muitos autores, especialmente os internacionalistas, apresentam grande sub-divisão quanto aos

modos de surgimento histórico dos Estados. O modo secundário, que seria pela União ou Divisão, está sub-dividido em União Real, União Pessoal, Federação ou Confederação. A Divisão de Estados

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A partir da base histórica, evidencia-se que os processos de unificação e

formação dos Estados Nacionais aconteceu com a premissa de centralização. Na

Europa, os Estados se consolidaram em tempos diferentes; enquanto a França e a

Inglaterra em meados do século XV possuíam fronteiras definidas e governo próprio,

a Itália e a Alemanha ainda eram fragmentadas, vindo a se tornar uma unidade

política somente na segunda metade do século XIX. Strayer (1970, p. 18) explica

que os Estados europeus conseguiram manter as virtudes dos impérios e das

cidades-estado, pois em termos de tamanho eram estrategicamente bem formados,

o que aumentavam as possibilidades de sobrevivência, e a manutenção da coesão.

Diante das características históricas da Europa com a presença de vários impérios

singulares, a formação do Estado Nacional deu-se através da unificação desses

territórios que já eram independentes em diversos aspectos. Metaforicamente, foi

como transformar diversos pequenos panos de prato em uma toalha de mesa. Os

europeus foram também responsáveis pela colonização de vários territórios em

outros continentes devido à política mercantilista e a busca por matérias-primas. Na

Europa, os modelos políticos predominantes foram a monarquia e o absolutismo.

Apesar disso, o primeiro exemplo histórico de formação de um governo de caráter

popular, proletário, ocorreu no século XIX, na experiência conhecida como Comuna

de Paris. Aos poucos, a Europa foi mudando seu sistema, sendo que alguns países

aderiram ao Presidencialismo e outros ao Parlamentarismo criando uma estrutura

um pouco mais descentralizada.

Os Estados Unidos da América é um exemplo de colonização européia. A

Inglaterra era a metrópole das treze colônias que em 1776 se tornaram

independentes, formando um único país. A estrutura política original das Treze

Colônias era uma confederação, ratificada em 1781. Em 1789, os Estados Unidos

optaram em se tornar uma República Federal. A unificação norte-americana foi

concretizada no que é atualmente, quarenta e oito estados contíguos e outros

Estados mais distantes, como o Alaska e o Havaí, ao longo do século XIX e XX. A

filosofia do “Destino Manifesto” foi a corrente que encorajou a expansão em direção

ao Oeste no país. A entrada de imigrantes assim como o aumento populacional

tanto ao leste quanto a oeste, foram forçando a população nativa indígena a se

se sub-divide em Divisão Nacional ou Sucessoral, enquanto que os modos derivados se sub-dividem em Colonização, Concessão de Direitos de Soberania ou Atos de Governo.

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moverem para territórios em forma de reservas. A unificação dos Estados Unidos da

América foi realizada através de conquista de territórios e anexação. Apesar deste

processo ser em grande parte via iniciativas bélicas, o estabelecimento da ordem

política consistia na premissa de autonomia local. Uma característica de destaque é

que desde sua origem são os governos subnacionais que possuem a maior

influência sobre o cotidiano da população americana sendo que cada ente federado

possui sua própria Constituição. Possuem ainda o poder de aprovar suas próprias

regras e leis, em assuntos determinados como propriedade, crime, saúde e

educação. Este sistema político é a base do federalismo, que será explicado em

uma próxima seção.

Os vinte e três países da América Latina também foram exemplos de

colonização européia. As civilizações antigas existentes nessa área, como Maias e

Astecas, que formaram as primeiras cidades latinas, além da população indígena,

foram exterminadas com a chegada dos colonizadores europeus. Apesar de toda a

organização das sociedades mais avançadas e da alta demografia indígena, os

territórios foram dominados em forma de colônias de abastecimento para a Espanha

e Portugal. Muito embora o surgimento dos Estados Nacionais na América Latina

tenha como precedente a intervenção Européia, foi um processo diferente dos

Estados Unidos da América. Cabe destacar dois aspectos de diferenciação: o

primeiro remete ao tipo de colonização, pois a presença européia na América Latina

possuía um caráter muito mais típico exploratório do que de povoamento, dado as

condições e oportunidades de matéria prima; o segundo está na característica da

formação dos Estados Nacionais, literalmente. A partir do exemplo do Brasil, nota-se

essa diferença, uma vez que o território descoberto era um só com diversas tribos,

porém sem delimitações políticas estabelecidas. Com a atuação portuguesa e

posteriormente com a independência, foram-se dividindo as áreas, criando fronteiras

e limites para as unidades subnacionais. Utilizando da mesma metáfora, o inverso é

verdadeiro para o caso brasileiro – de uma toalha de mesa, fizeram-se vários panos

de prato. É importante mencionar que o processo luso-brasileiro se distinguiu do

processo hispânico, pois enquanto que o Brasil manteve a unidade nacional de todo

o antigo território português, nas colônias hispânicas houve uma fragmentação em

várias repúblicas pequenas.

Segundo Cervo e Bueno (2002, p. 26), o rompimento da independência

apresentou três dimensões como expressão original da política externa brasileira:

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uma político-jurídica, outra militar e uma terceira diplomática; operando-se em duas

fases: a primeira nacionalista e a segunda contra-revolucionária. Dom Pedro I e José

Bonifácio, com o objetivo de firmar a soberania do jovem Estado e rejeitar a

autoridade das cortes portuguesas, tomaram diversas medidas, como a organização

dos ministérios de Estado, a criação do Conselho dos Procuradores-Gerais das

Províncias do Brasil e a exclusão de funcionários portugueses nomeados para

cargos públicos.

Portugal pretendia reconquistar o Brasil, retomar o sistema colonial através

de uma "guerra de reconquista", tendo por estratégia a união com o norte. O Brasil,

por vez, tinha planos defensivos, buscando alianças externas e criando o exército e

a marinha nacional. Durante a guerra, o lado brasileiro pode contar com a

participação espontânea popular, com o recrutamento de escravos e homens livres,

com a incorporação de soldados portugueses e a contratação de oficiais

estrangeiros (ingleses, franceses e norte-americanos). Portugal, apesar de sua

supremacia militar inicial não conseguiu manter-se no conflito, retirando-se em

agosto de 1823. Com a vitória brasileira, os efeitos foram diretos como a

consolidação da soberania, a união das províncias, substituição de governos

coloniais por assembléias brasileiras e o confisco de propriedades portuguesas.

Tornando-se uma república, o Brasil é também federalista e após diversas

mudanças de sistema de governo desde a sua independência, atualmente é uma

democracia presidencialista. As unidades subnaconais possuem autonomia de

acordo com o princípio federativo, mas certamente não em estágio avançado como

na Europa ou nos Estados Unidos da América. Este fator ficará evidenciado quando

adiante forem expostas as realidades sobre a atuação internacional das cidades e a

Paradiplomacia.

Antes de avançar no estudo sobre o Estado Moderno e as relações

internacionais contemporâneas no próximo capítulo, é interessante ressaltar as

definições e conceitos que se positivaram na literatura sobre o Estado Nacional. De

acordo com o Dicionário de Direito Internacional Público, de Daillier e Pellet (1999, p.

406) o Estado Nacional é um fenômeno histórico, sociológico e político. A

composição de um Estado compreende a existência de uma população, território e

governo. A população de um Estado são todos os indivíduos que estão ligados a ele

por um vínculo jurídico, o vínculo da nacionalidade, estejam eles vivendo neste

Estado ou fora dele. A nacionalidade é a base da competência pessoal do Estado.

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Cabe ressaltar que existe uma diferença entre população e Nação, pois um Estado

pode ser composto por mais de uma nação, como no caso de alguns países da

África.

O território nada mais é do que um espaço delimitado por fronteiras

devidamente estabelecidas, onde vive a população e sobre o qual é competente e

soberano o governo de tal Estado. Por sua vez, o governo é tão necessário à

existência de um Estado quanto uma população e um território, pois o Estado

necessita de órgãos que possam lhe representar e exprimir as suas vontades.

Também chamado de aparelho estatal, o governo deve possuir capacidade real para

exercer todas as funções, principalmente as ligadas à manutenção da ordem e da

segurança internas e o cumprimento dos seus compromissos internacionais.

Juridicialmente, o Estado é o único sujeito que possui uma característica

fundamental : a soberania ou a independência. Portanto, ele não é subordinado a

nenhum outro membro da Comunidade Internacional. Ele só se submete ao Direito

Internacional, mas, como é o próprio Estado que cria as normas em Direito

Internacional, na verdade ele só se submete à sua própria vontade.

A formação e a unificação do Estado Nacional em todo o mundo deu-se de

maneiras diferentes, porém a centralização do poder foi presente em todos os casos.

Alguns de maneira mais branda outros de forma exacerbada. De qualquer forma,

cabe destacar que este processo vem sofrendo uma certa desconstrução com o

debate entre soberania e descentralização. Adiante, serão contemplados tópicos

político-teóricos que montam este cenário contemporâneo.

3. O ESTADO MODERNO E ATORES DA NOVA ORDEM GLOBAL

Este capítulo tem como objetivo descrever os adventos contemporâneos

dentro do contexto da pesquisa, delineando questões internas (nacionais) com

repercussões externas (internacionais). Analisar-se-á o papel do Estado Nacional

Moderno frente aos fatores que impulsionam a globalização e principalmente

assuntos pontuais que de alguma forma fazem referência à Paradiplomacia. Serão

descritos os conceitos e modus operandi do Federalismo, as características da

integração regional a partir da visão Neofuncionalista,

Antes de adentrar aos aspectos citados, deve-se ressaltar que o Estado

Moderno em questão deste ponto em diante da pesquisa refere-se ao Estado-Nação

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atual, que segue os preceitos neoliberais: basicamente o aprofundamento do

capitalismo e o Estado mínimo. É também objetivo desta seção, compreender o

debate em torno da globalização e da soberania.

3.1. Federalismo

A noção antiga de federalismo consiste numa união provisória por acordos

com objetivos em comum, pelo tempo necessário. Apesar do dogma existente no

Ocidente, de que a forma centralizada do poder era a melhor administração para

grandes territórios (literatura clássica), assim que os Estados Unidos tornaram-se

independentes em relação à Inglaterra, acreditaram que seria melhor a unificação

dos 13 estados, lutando contra a instalação do absolutismo. Os Estados Unidos

foram os precursores do federalismo. James Madison, John Say e Alexandre

Hamilton, foram grandes nomes que escreviam artigos federalistas nos jornais na

época de 1770.

A federação moderna é a forma de administrar um Estado, tornando-o uma

Nação. A premissa central do federalismo é a da conjugação de vários centros

autônomos de poder político. Os critérios a serem mantidos nesta concepção seriam

o da não-subordinação do governo estadual ao governo nacional, autonomia dos

membros, igualdade e cooperação. É na Constituição Federal que se encontram as

limitações, direitos e deveres do poder nacional e a garantia de autonomia do

governo estadual. Ambos os poderes são iguais, apenas possuem funções

diferentes, e, estarão submetidos a princípios comuns inscritos na Constituição

Federal do país. A intenção do federalismo é a de eliminar a hierarquia entre os

governos (federal, estadual, municipal), através da distribuição constitucional de

competências. Em uma federação politicamente descentralizada, o presidente não

poderá governar sem que haja uma Assembléia ou Parlamento para ditar-lhe as

devidas leis. Dallari (1986, p. 254) explica que o Estado Federal tem se consolidado

desde o seu surgimento e por isso pode ser considerado como um modelo capaz de

corresponder às necessidades e aspirações fundamentais contemporâneas.

Numa federação, dentro de cada estado membro, a população elege seus

deputados que os representarão na Câmara, elaborando projetos, que serão

analisados pelos representantes dos estados que fazem parte do Senado, estes por

sua vez analisarão todos os projetos, verificando a possível existência de violação

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do federalismo. De acordo com Bonavides (2004) a fisionomia jurídica de uma

federação consiste em forma republicana representativa; independência e harmonia

dos poderes; temporariedade das funções eletivas, limitada a duração a das funções

federais correspondentes; autonomia municipal; garantias do poder Judiciário e

prestação de contas da administração.

O Departamento de Estado dos Estados Unidos da América lista as

principais características do federalismo em um artigo chamado Princípios da

Democracia (2004):

a) O federalismo é um sistema de poder e tomada de decisão

compartilhados entre dois ou mais governos livremente eleitos, com

autoridade sobre as mesmas pessoas e a mesma área geográfica.

Garante e protege a capacidade de tomar decisões onde os resultados

são sentidos de forma mais imediata – nas comunidades locais, bem

como nos níveis mais altos do governo.

b) O federalismo promove a responsabilidade do governo para com as

pessoas e incentiva a participação dos cidadãos e a responsabilidade

cívica ao permitir que os governos locais elaborem e administrem leis

locais.

c) Um sistema federal é reforçado por uma constituição escrita, que

concede autoridade e delinea o âmbito das responsabilidades

compartilhadas por cada nível de governo.

d) Embora se concorde, de um modo geral, que os governos locais devem

satisfazer as necessidades locais, algumas questões são deixadas para

o governo nacional. A defesa, os tratados internacionais, os orçamentos

federais e os serviços postais são, muitas vezes, citados como exemplos.

e) As leis locais refletem as preferências segundo as quais as comunidades

locais escolhem viver – polícia e bombeiros, administração escolar,

saúde local e regulamentos sobre a construção são, com freqüência,

decididos e administrados localmente.

f) Relações intergovernamentais significam que vários governos num

Estado Federal (nacional, regional e local) trabalham juntos quando

questões de autoridade estatutária implicam na necessidade de tratar as

questões de forma cooperativa. O governo nacional tem muitas vezes a

autoridade para interceder em disputas entre regiões.

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g) Num país geograficamente grande e economicamente diversificado, as

disparidades de renda e bem-estar social entre as regiões podem ser

tratadas pelo governo nacional através de políticas que redistribuem os

impostos arrecadados.

h) Um sistema federativo é receptivo e abrangente. Os cidadãos são livres

para se candidatarem a posições no governo em todos os níveis – o

governo local e o nacional oferecem a maioria das posições e, talvez, a

melhor oportunidade de fazer diferença em suas comunidades.

i) O federalismo proporciona oportunidades múltiplas para os partidos

políticos servirem seus eleitores. Mesmo que determinado partido não

detenha a maioria no Parlamento ou no Executivo, lhe é permitido

participar nos níveis regional e local.

Ao que tange o objeto de estudo desta pesquisa, a Paradiplomacia, um dos

conceitos centrais relacionado ao federalismo é a autonomia municipal ou local.

Conforme abordado acima, os governos locais apesar de serem responsáveis pelo

desenvolvimento de seu território e comunidade, há uma limitação nesta autonomia,

explicitamente declarado, que é a celebração de tratados internacionais. A partir

deste ponto, chega-se a um dos questionamentos centrais desta pesquisa.

Entendendo que o governo local possui responsabilidades para com o

Desenvolvimento Local e para tal possui autonomia, essa atuação não pode

ultrapassar as barreiras nacionais para a realização desta tarefa? A autonomia é

então limitada às fronteiras nacionais?

Prazeres (2004, p. 287) explica esse questionamento através da distinção

entre uma Confederação e uma Federação. A primeira forma é constituída por

unidades capazes de se relacionar com outros Estados soberanos, enquanto em

uma Federação, apesar de serem dotadas de autonomia, as unidades são

desprovidas da capacidade de relação com outros Estados. Em suas palavras ipsis

literis:

De forma geral, entende-se que o Estado federal é soberano, ao passo que as unidades federadas que o compõem são tão-somente autônomas. Com efeito, em se seguindo a orientação tradicional, segundo a qual a manutenção de relações com outros Estados é uma prerrogativa de soberania, tais subunidades não disporiam de capacidade de, per se, assumir compromissos internacionais.

Contudo, a conjuntura empírica mostra que essa rigidez no conceito da

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composição do Estado federal está passando por algumas adaptações. Ainda de

acordo com Prazeres (2004, p. 289) “muitos Estados com características federais

admitem a atuação externa de suas unidades componentes”. Certamente que

existem questões que são puramente nacionais no contexto das relações

internacionais, como o câmbio e a taxa de juros, porém as vantagens competitivas

são de cada cidade, de cada localidade. Será abordado mais profundamente

adiante, tanto teoricamente como empiricamente, como as cidades através da

inserção internacional podem promover seu desenvolvimento.

3.2. Soberania e Globalização

Conforme abordado na delimitação teórica, os Estados europeus iniciaram

seus processos de unificação ao tempo em que suas burguesias necessitavam de

novos mercados para escoar a produção. A partir da metade do século XVI, as rotas

comerciais portuguesas começaram a ser ameaçadas e os conflitos entre os novos

Estados foram inevitáveis. França, Inglaterra, Espanha e Holanda, unificadas,

iniciaram a disputa pelo poder econômico e, conseqüentemente, os conflitos por

novas rotas comerciais iniciaram-se.

Neste contexto, o princípio da soberania estatal começou a ganhar

importância entre os acadêmicos e a ser discutido pelos monarcas. O primeiro

teórico a discorrer sobre a soberania foi Jean Bodin no ano de 1576 em sua obra Os

seis livros da República, no qual afirmava que a soberania é o poder absoluto e

perpétuo de uma República. Para esse autor a soberania poderia se concentrar nas

mãos do povo ou de um pequeno grupo da sociedade. Contudo, para a manutenção

do poder e consecução dos objetivos estatais, o monarca seria o mais indicado para

concentrar este poder.

Hobbes foi outro teórico que discorreu sobre a soberania, entendendo que o

homem, por sua natureza era mal e só pensava em seu interesse pessoal. Sendo

assim a vida em sociedade seria impossível, sem a existência de um poder que

garantisse o mínimo de ordem entre os indivíduos. Caberia então ao soberano

proporcionar aos súditos a segurança necessária para o convívio social e também

garantir-lhes a igualdade perante as leis. Ambos pensadores foram teóricos do

absolutismo e definiram a soberania como instrumento de concentração do poder no

âmbito da política interna, sem a preocupação em discutir o exercício da soberania

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nas relações internacionais. Foi Hugo Grócio, em sua obra Direito da Guerra e da

Paz, quem desenvolveu a idéia da guerra justa, ou seja, o condicionamento dos atos

de guerra às regras do direito. A formulação desse conceito gerou o primeiro sistema

de direito entre os Estados europeus, no que diz respeito as suas relações externas.

Durante o processo de unificação nacional dos Estados europeus a

soberania ganhou duas faces, uma interna e outra externa. Internamente, significou

a concentração do poder político nas mãos do monarca e a conseqüente submissão

dos indivíduos ao ordenamento jurídico estatal. No plano externo, a soberania

significava a possibilidade de o Estado manter relações econômicas e políticas com

outros Estados, mesmo em casos de guerra, com base no direito.

No princípio a soberania significava o poder supremo, absoluto, perpétuo,

indivisível e alienável. Após as revoluções liberais e do surgimento do Estado de

Direito, a soberania passou a ser um poder da população de um determinado Estado

(nação) a ser exercido por seus representantes. Dupas (2005, p. 135) revela que

com a Revolução Industrial e a ascensão da política liberal o Estado absolutista

começou a ser contestado na medida em que a iniciativa privada dava chances de

mobilidade de classes. Aos poucos o poder deslocou-se das mãos dos monarcas e

passou aos Parlamentos, dando início ao processo que Kant chama de “direito das

gentes”, a idéia de soberania popular que amadureceu durante todo o século XIX.

No século XX, a soberania passa a ser vista como um conjunto de competências

que o Estado possui e que lhe é concedido pela ordem internacional.

Contudo, em função de fatores como o aprofundamento do capitalismo

liberal e a emergência da globalização, a soberania do Estado-Nação volta ao

debate recheado de questionamentos quanto a sua existência e efetividade. A

simples conotação de aldeia global ou sociedade mundial vem embutida com um

sentido de eliminação de fronteiras, de quebra da unidade singular. A globalização e

o crescimento dos fluxos de capital internacional formam um conjunto de fatores e

fatos que levam a descentralização do poder e conseqüentemente o

enfraquecimento da soberania absoluta. Ainda de acordo com Dupas (2005, p. 144)

entende-se que diante do quadro globalizado onde os Estados estão atualmente

inseridos, eles não mais possuem o monopólio da soberania jurídica uma vez que é

inevitável a convivência e tolerância com atores paralelos. Sarfati (2005, p. 318)

define que globalização é um processo no qual as barreiras tradicionais existentes

entre os Estados deixam de existir como resultado do avanço tecnológico que

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possibilita a interação direta entre pessoas, empresas e governos. Esses atores, que

gradativamente vêm influenciando e inserindo-se efetivamente na ordem global,

colocam em questionamento a supremacia nacional de um Estado. Destacam-se as

Organizações Não Governamentais – ONGs, as empresas multinacionais ou

transnacionais – MNC ou TNC , instituições internacionais – OIs e até mesmo os

governos locais ou subnacionais.

Esses atores, considerados secundários dentro dos paradigmas clássicos

das relações internacionais, estão aumentando sua atuação e poder de pressão

junto aos governos centrais. No caso das grandes corporações existe a questão de

crescimento econômico com a atração de investimentos, fluxos de capitais, geração

de emprego e renda; as ONGs atuam como agentes de pressão, em teoria,

representando essencialmente as preocupações da sociedade civil; as OIs como a

ONU, a OMC, o FMI, apesar de serem criadas e formadas a partir da vontade dos

Estados, são órgãos que regulam aspectos específicos acima da vontade individual

do Estado membro; por sua vez o governo subnacional (menos mencionado nas

literaturas como um ator dentro deste quadro) pode aproveitar-se de sua autonomia

federativa e obrigações em promover o desenvolvimento sócio-econômico de seu

território e independentemente buscar instrumentos que satisfaçam essa

necessidade. A Paradiplomacia pode ser um instrumento para o alcance deste

objetivo.

Na visão do pesquisador pioneiro sobre a atuação internacional das

unidades subnacionais, Soldatos (2001, p. 35), o Estado-Nação é uma unidade

política que será extinta no decorrer do século 21 sendo que sua soberania não é

mais absoluta, mas sim recortada e passível da necessidade de delegação. Ianni

(1994, p. 6) afirma que a globalização traz consigo fatores que desafiam a soberania

absoluta do Estado nacional e concomitantemente abala sua hegemonia:

O Estado-Nação, por exemplo, entra em declínio, como realidade e conceito. Não se trata de dizer que deixará de existir, mas que está realmente em declínio, passa por uma fase crítica, busca reformular-se. As forças sociais, econômicas, políticas, culturais, geopolíticas, religiosas e outras, que operam em escala mundial, desafiam o Estado-Nação, com a sua soberania, como o lugar da hegemonia. Sendo assim, os espaços do projeto nacional, seja qual for a sua tonalidade política ou econômica, reduzem-se, anulam-se ou somente podem ser recriados sob outras condições. A globalização cria injunções e estabelece parâmetros, anula e abre horizontes. [...] As grandes e pequenas nações, centrais e periféricas, dominantes e subordinadas, ocidentais e orientais, ao sul e ao norte, todas se deparam com o dilema da reformulação das condições de soberania e

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hegemonia.

Por outro lado, Magnoli (1999, p. 41) defende que apesar das tendências

integradoras e globalizadoras apresentarem novos desafios aos Estados nacionais,

não há enfraquecimento da unidade. Para o autor, o Estado-Nação se reinventa

para posicionar-se dentro do processo de globalização moldando-se as novas

necessidades. Na verdade, o Estado passa por uma série de adaptações - de

assistencialista á regulatório – relacionadas ao meio e às necessidades desde o seu

surgimento. Portanto suas funções não são engessadas. Cabe afirmar que a

globalização trouxe novas necessidades de adaptação, quer isso gere perda da

soberania, quer não. A realidade das últimas décadas são as privatizações de

empresas de domínio e administração governamental e nem sempre compradas por

empresas nacionais; redução e/ou nulificação de tarifas e impostos alfandegários;

políticas econômicas nacionais coordenadas em escala internacional ou atreladas a

algum órgão como o FMI; massificação cultural e acesso a informações e

transmissão de dados realizados em segundos.

Diante dessas duas visões sobre a perda da soberania em face da

globalização, pode ser o caso de que o próprio conceito de soberania precise se

reinventar frente à nova realidade mundial. Alinhado a essa idéia, Fronzaglia (2005,

p. 62) afirma que do mesmo modo que “o Estado-Nação passa por transformações,

assim também ocorre com o conceito e o exercício da soberania”. O entendimento

clássico do termo então é ultrapassado tendo em vista que existe uma necessidade

não apenas mercadológica, mas de sobrevivência que existam novos atores

capazes de inserir-se no cenário global. E isso não deve ser visto como uma causa

para a perda da soberania do Estado nacional, mas sim como um efeito da nova

conjuntura. Cabe a todos os interessados alinhar-se e buscar seu lugar ao sol.

3.3. Os Atores na Ordem Global

A maior parte das correntes teóricas em relações internacionais defende que

os Estados nacionais são os únicos atores legítimos no cenário global. Contudo,

conforme visto no subcapítulo anterior, a nova ordem estabelecida com a

globalização reorganizou e realinhou o cenário internacional. Dupas (2005, p. 27)

considera que os atores desta cena podem ser agrupados em três categorias: a do

capital, que seriam os agentes da economia global como as corporações e os

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acionistas; a da sociedade civil, incluindo indivíduos e ONGs; e, a do Estado,

envolvendo os poderes Executivo, Judiciário, Legislativo, partidos políticos e

organizações internacionais. Dentro de cada grupo existem ramificações que podem

ser chamados de subgrupos e os interesses de todos os envolvidos são múltiplos.

As cidades possuem representantes em cada uma dessas áreas e é por meio

desses agentes que acabam por participar do cenário global.

Ao tratar do papel que esses atores desempenham, encontra-se um quadro

de realinhamentos e interdependência. É possível visualizar que a sociedade civil

contemporânea passa por um reposicionamento principalmente pela atuação das

ONGs que têm exercido um forte papel social e de pressão frente à formulação de

políticas públicas. A inserção internacional da sociedade civil via essas organizações

são evidências da pluralidade global. Por sua vez, a categoria capital é o caso mais

evidente visto as mudanças que a globalização trouxe para o comércio mundial. Há

pouco tempo as corporações tiveram que mudar sua postura genuinamente

exploratória e vestir uma roupagem socialmente e/ou ecologicamente responsável.

Isso mostra a interdependência entre essas duas categorias. Um esboço simples

mostra a ligação tende ser cada vez menos indireta: uma ONG é patrocinada por

uma grande empresa que precisa de apoio da sociedade civil para continuar suas

atividades e expandir; por sua vez a ONG utiliza-se de sua crescente voz para

exercer pressões no Estado para que haja concessões ou parcerias sejam firmadas.

Conforme Dupas (2005, p. 279) afirma apesar da supremacia do capital ter se

consagrado, sobretudo nos últimos cinqüenta anos, ele tem se tornado cada vez

mais dependente da legitimação social e política.

No caso do Estado, por exemplo, e com referência ao subcapítulo anterior,

temos de fato um processo de reposicionamento. De um lado estão as exigências de

um Estado neoliberal, mínimo; e de outro os anseios da presença de um Estado

forte e regulador que minimize as diferenças sociais e ao mesmo tempo proporcione

condições para o crescimento econômico. Atentando para essa dicotomia, cabe

identificar onde se encaixa a atuação internacional das cidades por meio de órgãos

públicos. Se partirmos do ponto de vista de que a gestão municipal possui certas

responsabilidades quanto à promoção do desenvolvimento de sua sociedade, a

inserção internacional estaria dentro de um pacote de estratégias que induziriam ou

que ampliariam as oportunidades de desenvolvimento em diversas áreas. O

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exercício da Paradiplomacia pode até ser, á grosso modo, associado ao

intervencionismo, porém, se encaixa muito melhor na condição de indutor.

De acordo com Guaragni (2006, p. 54) o papel do Estado indutor engloba

fundamentalmente as tarefas de: nortear as políticas públicas locais, nacionais e

globais; proteger o país dos valores externos impostos à sociedade; ser um escudo

de proteção às empresas oriundas de seu país, e ser uma „ponte de ligação‟ entre

os interesses locais e globais, para haver uma relação harmônica entre ambos. Esse

referencial é o que tange a atuação internacional das cidades, conforme será mais

aprofundado nos capítulos seguintes.

4. TRANSNACIONALISMO

O Transnacionalismo é o fenômeno dentro do qual a Paradiplomacia está

inserida. Portanto, dedicar uma seção ao debate da atividade transnacional é

essencial para a compreensão do quadro geral em que o cerne da pesquisa está

inserido. O objetivo deste capítulo é compreender as diferentes formas e áreas do

Transnacionalismo bem como identificar o enquadramento da Paradiplomacia.

É a partir do Transnacionalismo que se iniciam a identificação de aspectos

pertinentes a relação entre local e global. Sua classificação está tanto como uma

atividade política, teoricamente debatida quanto à soberania do Estado Nação,

quanto como um advento das relações internacionais dentro da visão pluralista. Silva

e Gonçalves (2005, p. 249) explicam que Transnacionalismo significa ultrapassar os

limites da nacionalidade e isso pode ser realizado em diversas áreas (comercial,

cultural, política, científica) e executado por unidades subnacionais, organizações

públicas, privadas e não governamentais e empresas. Portes et al (1999, p. 3)

estabelecem conceitualmente que este fenômeno pode ser delimitado a ações e

atividades que requerem contatos sociais regulares e sustentáveis ao longo do

tempo para além das fronteiras nacionais.

Esses mesmos autores (1999, p. 220) afirmam que a atividade transnacional

envolve indivíduos, suas redes de relacionamento (networks), suas comunidades e

estruturas institucionalizadas como os governos locais. Podem ser classificadas

dentro de três segmentos de acordo com seus propósitos, sendo a econômica ligada

a iniciativas corporativas com a mobilização de contatos no exterior em busca de

fornecedores, capital e mercado consumidor; a política vinculada a partidos e grupos

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políticos, articuladores governamentais ou líderes comunitários que objetivam

principalmente o alcance de poder político e também o intercâmbio internacional. Em

uma terceira classificação estariam as iniciativas sócio-culturais orientadas em

reforçar a identidade nacional no exterior ou promover eventos culturais, como

shows e feiras.

Os autores ainda determinaram uma classificação quanto ao grau de

institucionalização das atividades transnacionais dentro de cada segmento,

conforme a tabela abaixo:

Tabela 2 – Transnacionalismo e suas modalidades

Econômico Político Sócio-Cultural

Nív

el de I

nstitu

cio

naliz

ação

Baix

o

Negócios informais entre países

Comitês cíveis criados por imigrantes

Jogos amadores entre times de diferentes países

Pequenos negócios abertos imigrantes retornados à

origem

Alianças entre comitês de imigrantes e associações

políticas do país natal

Grupos de música folclórica se apresentando em centros

de imigrantes

Migração circular ligadas à trabalho

Levantamento de fundos para candidatos a eleições no país

natal

Líderes religiosos da cidade natal visitam e organizam

seus seguidores no exterior

Alto

Investimentos multinacionais em países

em vias de desenvolvimento

Oficiais consulares e políticos representantes de partidos

nacionais atuando externamente

Exposições internacionais de arte nacional

Desenvolvimento para mercado turístico em locais

estrangeiros

Concessão de dupla nacionalidade pelo país natal

Performance de artistas ícones no exterior

Agências de bancos do país natal em centros de

imigrantes

Imigrantes eleitos para legislaturas no país natal

Eventos culturais periódicos organizados pelas

embaixadas estrangeiras

O Transnacionalismo é um fenômeno que se tornou possível de acontecer a

partir da formação do Estado Nação e tem se intensificado com o advento da

globalização e descentralização do poder. Portes et al (1999, p. 220) explicam que:

Grass-roots transnational activities were not initiated by actions or policies of governments, national or local. Nor were they the brainchild of large corporate managers. Instead, these activities commonly developed in reaction to governmental policies and to the condition of dependent capitalism fostered on weaker countries, as immigrants and their families sought to circumvent the permanent subordination to which these conditions

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condemned them (Portes and Guarnizo 1991; Roberts et al. 1998). State-sponsored transnationalism emerged, for the most part, subsequently as governments realized the importance of their expatriate communities and sought to circumvent or co-opt their initiatives (Smith 1996).”

7

De acordo com Sarfati (2005, p. 319) o processo de globalização desafia os

paradigmas clássicos das relações internacionais, pois contribui majoritariamente

para a necessidade de reorganização de conceitos e diferenciações entre local,

nacional e global e entre assuntos domésticos e internacionais. Compreender o

transnacionalismo como um fator crescente em todas as esferas e realizado por

vários atores é de fato um desafio ao pensamente clássico, principalmente aquele

que expressamente considera somente o Estado-Nação um ator relevante no

cenário global. No caso do local, de uma cidade, a globalização funciona como um

catalisador, fazendo o global influenciar o local, assim como o local se molda dentro

de perspectivas mais amplas, de acordo com a conjuntura global. É importante notar

que os processos globais acontecem na maioria das vezes desvinculados de um

território nacional fixo, enquanto os processos transnacionais estão ancorados em

um local e transcendem de um Estado-Nação – como uma empresa que opera no

mundo todo, mas é centrada num local.

Um exemplo prático de transnacionalismo, relacionado ao objeto desta

pesquisa, são os acordos de cooperação técnica entre cidades (governos

subnacionais) de países diferentes. Este tipo de acordo pode acontecer a partir da

promoção das Políticas Públicas locais e em diversas áreas, desde a cultural até a

industrial. Quando uma cidade possui um modelo de destaque em transportes, por

exemplo, e o promove com amplitude internacional, é possível que chame a atenção

de outras cidades com condições similares. A partir desta identificação, inicia-se um

processo independente do governo local para ser firmado algum acordo para

transferência de conhecimento ou parceria técnica. Outro exemplo mais habitual

dentro do Transnacionalismo é a atuação das grandes corporações chamadas de

7 As raízes das atividades transnacionais não foram iniciadas por ações ou políticas governamentais,

nacionais ou locais. Nem eram iniciativas de gerentes de grandes empresas. Pelo contrário, essas atividades se desenvolveram em reação a políticas governamentais e a condições do capitalismo dependente existente em países mais frágeis, com imigrantes e suas famílias não querendo aceitar a conviver com subordinação permanente a essas condições. (Portes e Guarnizo 1991; Roberts et al. 1998). O transnacionalismo patrocinado pelo Estado emergiu, em grande parte, a medida quem que os governos perceberam a importância das comunidades expatriadas e viram a necessidade de ir contra ou cooperar com suas iniciativas. (Smith, 1996).” Tradução livre.

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multinacionais e recentemente denominadas empresas transnacionais. Essas

empresas são aquelas que se classificam dentro do padrão de estabelecimento

produção e entrega de produtos e/ou serviços em pelo menos dois países. As MNC

ou TNC (Multinational corporations ou Transnational corporations) se tornaram

grandes atores da economia e também de maneira indireta a política global. Lacerda

(2006) em seu artigo Globalização e as empresas transnacionais afirma que o

crescente papel desempenhado pelas empresas transnacionais tem implicado uma

mudança no posicionamento global das principais entidades econômicas na medida

em que essas representam um novo ator, que têm suas próprias estratégias, que

nem sempre vão ao encontro dos demais atores no nível local.

Ao transcender as barreiras nacionais, o ator em questão, seja uma

organização, uma empresa ou um governo subnacional, passa a enfrentar algumas

situações complexas tanto no âmbito externo quanto no interno. Uma das grandes

interrogações em relação ao Transnacionalismo é o que concerne à soberania do

Estado Nação, pois conforme abordado na seção anterior, ao permitir a ação

independente de um ente federado ou de uma organização, é em teoria abrir mão de

parte de sua centralização e controle. Além disso, existe outro ponto levantado por

Viotti e Kauppi (1999, p. 210) que recai sobre o cruzamento de interesses. Os

autores consideram que as organizações ao transcenderem as fronteiras e formarem

parcerias e acordos podem concorrer com os interesses do Estado Nação e

principalmente com os líderes estatais que possuem autoridade formal para tomar

decisões neste nível. A ação transnacional de uma ONG ambiental que protesta em

um país contra a construção de uma estrada pode ir contra interesses econômicos

dessa cidade, estado e país e de outros países vizinhos que poderiam se beneficiar

com uma integração logística terrestre.

Há de se mencionar também o que Keating (1999, p. 1) chama de regimes

transnacionais. Apesar de também serem chamados de regimes internacionais, o

autor considera que o conceito de transnacionalismo encaixa melhor em relação à

prática exercida. Na área militar destaca-se a OTAN que é uma organização político-

militar criada no prelúdio da Guerra Fria com o objetivo de institucionalizar a

oposição ao socialismo. Com a fim da guerra e o eminente desaparecimento da

ameaça comunista a OTAN realinhou-se e atualmente é o eixo da política de

segurança da Europa e da América do Norte. Na área comercial, tratados como o

NAFTA regulam o comércio entre três países (Estados Unidos, México e Canadá)

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que comprometem-se seguir as regras ratificadas. Sem contar o exemplo claro da

União Européia, também chamada de regime supranacional, cabe citar a Convenção

Européia de Direitos Humanos que estabeleceu uma Corte judicial na qual qualquer

cidadão que sinta ter tido seus direitos violados poderá através de seu estado

peticionar uma ação nesta corte.

Remetendo a história antiga, observa-se que o Império Romano apresentou

forte característica de transnacionalidade ao ser governado, no auge de sua

expansão imperial (117 d.C.), por um imperador não nascido em Roma. O imperador

Trajano era de uma família da Espanha que na época era umas das províncias de

Roma. Mesmo considerando-se a conjuntura política e militar, é um exemplo que

ilustra um tipo de transnacionalismo. A própria atuação das nações Européias, ainda

que imperialistas, nas Américas e na África está dentro da perspectiva transnacional.

Voltando a conjuntura atual é possível identificar o transnacionalismo

facilmente dentro das três áreas de atuação. Nesta pesquisa, o foco é na vertente

política, em como os governos subnacionais podem transcender as fronteiras e

barreiras de níveis superiores de administração e inserirem-se no cenário global. A

pesquisadora sobre a inserção das cidades na economia mundial Saskia Sassen

(1998, p. 16) afirma que desde o início da integração financeira com a convenção de

Bretton Woods em 1944, as cidades tem desenvolvido um papel estratégico,

principalmente as chamadas cidades globais, que são sede de referências

financeiras mundiais. Para alcançar este patamar além do crescimento interno os

esforços para a divulgação e promoção dessas cidades não podem ser deixados de

lado.

À parte dos famosos e mais citados centros financeiros como Nova Iorque,

Londres e Tóquio, é interessante analisar o movimento realizado por Barcelona que

ao identificar a crise econômica nacional no final dos anos da década de 1980,

procurou transnacionalizar-se. Através de iniciativas do governo local, a cidade

iniciou sua promoção além das fronteiras nacionais até conquistar o privilégio de

sediar as Olimpíadas de 1992. As ações transnacionais de Barcelona fizeram com

que ela se tornasse “uma cidade com uma imagem internacional que explora seu

próprio modelo de cidade e suas práticas de gestão urbana”, conforme citado por

Salomon e Nunes (2007). O transnacionalismo pode ser visto como um fenômeno

que concede novas oportunidades aos que estão dispostos a mergulhar em novas

águas. No Brasil o número de cidades que se encaixam neste perfil ainda é limitado.

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São Paulo por ser considerada uma cidade global e o centro financeiro do país é

sempre mencionado, porém há de se dar crédito para o trabalho da SMRI – a

Secretaria Municipal de Relações Internacionais que funciona como um catalisador

do transnacionalismo da cidade.

4.1. Neofuncionalismo e Integração Regional

A teoria Neofuncionalista que é a corrente que trata de analisar as

características de desenvolvimento da integração regional (blocos econômicos)

baseado no conceito de spill over (transbordamento), conforme citado por Fronzaglia

(2004, p. 27) é proveniente da teoria Funcionalista. O funcionalismo surgiu no

período entre guerras tendo como autor principal, David Mitrany. Sua proposta partia

da premissa de que devido ao crescimento da complexidade nas relações

internacionais seria necessário estabelecer uma cooperação estruturada em

algumas funções específicas dos Estados. Além da questão de facilitar alguns

processos pela abrangência de resolução, Mitrany afirmava também que a

integração regional seria um instrumento pacificador entre as nações, pois a cada

parcela de soberania cedida ao centro organizador, aumentava-se a intenção de

manter o bem comum.

O Neofuncionalismo tem se desenvolvido juntamente com as experiências

da integração européia. Um sistema de integração pode ser definido como um

processo nos quais os Estados se organizam e unem-se para aumentar o grau de

cooperação e difundir as tensões. Fugindo um pouco da soberania absoluta definida

pelo Tratado de Westfália em 1648, numa integração pressupõe-se a abertura de

parte da soberania individual de cada país para um centro político e econômico. Este

centro, conhecido como esfera supranacional, é formado por representantes de cada

país integrante e rege políticas gerais para todos os cidadãos da comunidade. O

exemplo mais claro deste processo é a União Européia, a qual se encontra num

estágio avançado, o da integração monetária.

A primeira fase da formação de um bloco econômico se dá pela constituição

de uma Zona de Livre Comércio, a qual promove a isenção de tarifas sobre produtos

comercializados entre os países membros, respeitando-se os limites sanitários

inidviduais e de legislações específicas. Assim que a Zona de Livre Comércio

alcança um patamar satisfatório quanto a sua efetividade e funcionamento, passa-se

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para a segunda fase que é chamada de União Aduaneira. Nesta segunda fase os

objetivos são mais amplos, incluindo a criação de regras comuns de comércio com

países exteriores ao bloco. Após a estruturação deste quadro, é possível passar

para o estágio determinado Mercado Comum. A constituição de um Mercado

Comum envolve mais profundidade nas relações entre os Estados membros, pois

inicia-se o processo de desenvolvimento de políticas comuns sobre o comércio com

liberdade de circulação dos três fatores de produção (recursos naturais, capital e

trabalho) e de iniciativa. Num estágio mais avançado, como o da Uniao européia na

atualidade, busca-se a unificação das economias, padronização das moedas e

instituições.

O Neofuncionalismo concentra-se no conceito de spill over, pois explica que

o processo de integração regional ganha abrangência e profundidade à medida que

as motivações iniciais são superadas e novas são criadas para serem alcançadas.

Sarfati (2005, p. 187) considera que:

A lógica do spill over é que cada passo de integração funcional dispara um processo político que gera demandas por novos passos no processo de integração, portanto, os governos nacionais, a cada passo, são forçados a escolher entre ceder sua autonomia em mais uma função ou, em caso de recusa, colocar em risco os esforços de integração setorial consolidados. Assim, quanto mais setores são institucionalizados, cada vez se torna maior a necessidade de novas institucionalizações e, a essa altura, se os governos nacionais falharem em se mover para frente, há também riscos enormes do custo da interrupção desse processo.

Ernest Haas em sua obra The Uniting of Europe (1958) foi um dos pioneiros

desta teoria ao analisar o custo/benefício da inserção de um Estado em um sistema

de integração e ao concluir que esse passo é dado primordialmente pelas elites do

governo assim como pelos setores produtivos. O NERI (Núcleo de Estudos em

Relações Internacionais) resume em três pontos as características do

Neofuncionalismo: a) o ator opta por entrar ou não em um processo de integração

caso o cálculo custos versus benefícios lhe seja favorável; b) o sistema de

integração é alterado quando há a desintegração de uma organização como a União

Européia ou o Mercosul, pois altera o equilíbrio do poder e a correlação de forças; c)

como a expectativa de ganhos econômicos em curto prazo (pragmáticos) não

reforça o compromisso ideológico, um processo de integração que estiver construído

nesses interesses será fraco e suscetível a anulação; d) quanto maior o nível de

estabilidade doméstica e a capacidade dos tomadores de decisão para responder a

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demanda dos seus Estados, melhor estarão capacitados para participar de uma

integração.

Apesar de tratar somente o nível nacional, a importância de se abordar os

conceitos da Integração Regional e do Neofuncionalismo nesta pesquisa são os

pontos motivacionais para tal – a busca de melhores condições para o

desenvolvimento econômico e social. Além disso, conforme Fronzaglia (2005, p. 29)

aborda, o Neofuncionalismo é a corrente teórica que melhor se encaixa para a

análise das redes de cidade, como a Mercocidades. A integração entre cidades é um

fenômeno que está inserido no guarda-chuva da Paradiplomacia uma vez que

transcendem as fronteiras das esferas superiores em busca de vantagens

competitivas e Desenvolvimento Local.

5. DESENVOLVIMENTO LOCAL NAS CIDADES

O capítulo anterior descreveu o que é Transnacionalismo e as motivações

que levam os atores a atravessarem as fronteiras nacionais e inserirem-se no

cenário global. No presente capítulo o objetivo é analisar o conceito de

Desenvolvimento Local dentro de uma perspectiva endógena. Além disso, buscar-

se-á conectar este tema às relações internacionais como forma de iniciar o

aprofundamento no tema principal.

O desenvolvimento local ou regional é um tema que surgiu a partir do

conceito de Endogenous Growth Theory ou crescimento econômico endógeno na

década de 1980. Apesar de a teoria original fazer menção ao crescimento

econômico a partir dos recursos internos inicialmente de países, é pela abrangência

e diversificação de aplicações que surge o tema desenvolvimento local referente a

regiões, estados, cidades e até mesmo pequenas comunidades.

Mas qual a relação entre Desenvolvimento Local ou desenvolvimento

endógeno e as Relações Internacionais e a Paradiplomacia? A hipótese central

desta pesquisa responde esta pergunta. Tendo em vista que as cidades precisam

promover o desenvolvimento de sua região, que possuem uma porção de autonomia

e independência para tal, asseguradas pela Constituição Federal, e que os

princípios do desenvolvimento endógeno ou desde baixo são eficientes, as relações

internacionais com outras cidades seriam como mais um canal para alcançar este

objetivo. Ou seja, na busca pela promoção do desenvolvimento a inserção

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internacional através de intercâmbios com outras cidades amplia as possibilidades

de, não somente, investimentos sócio-econômicos, mas também, aperfeiçoamento

da gestão local.

Conforme abordado na delimitação histórica, com o surgimento do Estado

nacional moderno houve uma tendência em maximizar os planos de

desenvolvimento, que na realidade eram planos de crescimento. Partindo de uma

estrutura vertical e centralizadora as diretrizes para o desenvolvimento econômico,

social, cultural e político são ditadas pelos governos nacionais e estes, muitas vezes,

não consideram as especificidades de cada região, de cada local. No Brasil, até o

final da década de 1980 os municípios tinham pouquíssima autonomia, não eram

formalmente entes da Federação e por isso não havia leis orgânicas que

regulamentassem seu papel. O esquema brasileiro de formação do Estado nacional

foi contrário ao da Europa, por exemplo, onde havia diversas regiões autônomas que

foram reunidas – no Brasil o espaço se dividiu ao longo de seu desenvolvimento.

Porém, mesmo com o histórico diferente, observa-se que a tendência à

centralização do poder é similar. Na constituição do Estado Francês, optou-se pelo

absolutismo político agrupando as regiões sob um comando central.

Frente à história mundial discutir sobre o local não é uma tarefa simples

tanto do ponto de vista conceitual quanto das questões técnicas político-

administrativa. Para compreender os aspectos do desenvolvimento local é

necessário olhá-lo por um prisma diferente dos paradigmas dominantes que se

baseiam no crescimento econômico. De acordo com França et al (2004, p. 1):

O desenvolvimento local é um tema controverso sobre o qual não há consenso entre os especialistas, nem no Brasil em no debate internacional. Há quem diga que as experiências de desenvolvimento local são apenas a expressão espacial de um novo arranjo industrial “pós-fordista”. Para outros, as experiências de desenvolvimento local tem dinâmicas próprias e são mais que o reflexo da reorganização internacional do capital. Para outros, ainda, o local seria um espaço privilegiado para experimentações contra-hegemônicas.

Oliveira (2005, p. 2) aborda em seu trabalho os conceitos estipulados pelos

principais autores sobre o assunto os italianos (BECATTINI; GAROFOLIi) e os

californianos (SCOTT; STORPER). Para os primeiros, “a interação coletiva entre os

agentes locais (comunidade, empresas e instituições locais), com base na

cooperação e na concorrência, é que determina os rumos do crescimento local”. A

manutenção da região organizada para promover o desenvolvimento endógeno é

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dada por uma rede de pequenas e médias empresas especializadas, que possuem

alta capacidade de inovação. Por outro lado, os autores californianos incluem à

noção de distrito industrial as metrópoles, que funcionam como fontes de viabilidade

econômica tanto para o crescimento local quanto para a constituição dos distritos.

Para eles, “a dinâmica do crescimento não é dada pela capacidade de inovação das

pequenas e médias empresas, mas sim, pela inovação que é gerada dentro das

grandes empresas”.

Foram nos períodos das grandes guerras internacionais, quando as crises

econômicas assolaram os países, que as cidades se depararam com a necessidade

de promover seu próprio desenvolvimento. Desenvolvimento este, independente das

ações do estado e do país no qual estavam constituídas. Em face de um cenário

caótico, as alternativas não eram amplas. As cidades passaram a assumir posturas

mais pró-ativas e competitivas que pudessem garantir a sobrevivência de sua

comunidade. De fato, a autonomia das unidades subnacionais não foi somente um

simples repasse de responsabilidade por conta das esferas superiores, mas sim, sua

emancipação se deu por conta de esforços combinados em busca do

desenvolvimento local. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consolidou a

autonomia municipal, formalizando o compromisso da gestão com todas as questões

locais.

Dentro de uma visão simplificada, compreende-se que as cidades são

associações de pessoas em um espaço físico, no qual convivem com interesses

interligados. Para Rezende e Castor (2006, p. 2) as cidades compreendem

ambientes onde as pessoas se protegem, trocam entre si produtos de suas

habilidades próprias, cumprem em conjunto tarefas e trabalhos que não podem ou

não querem realizar sozinhas. Ainda de acordo com os autores, o poder público

surge exatamente para mediar os interesses da sociedade, promovendo o equilíbrio

social e econômico e evitando circunstâncias de injustiça.

Opondo-se ao paradigma de “centro-abaixo” no qual as soluções são

providas pela esfera superior e com a idéia de que as abordagens e ações macros

refletiriam/beneficiariam todos os entes federados, o debate sobre a relevância do

desenvolvimento local está crescendo. Oliveira e Souza-Lima (2006, p. 32) traçam

um paralelo interessante em relação ao paradigma centro-abaixo: da mesma forma

que os europeus colonizadores viram a população local, como meros índios

selvagens, que deviam somente ser catequizados de maneira impositiva, a idéia de

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que o desenvolvimento deve ser planejado e executado por um governo central é

não ouvir o que os “índios” têm a dizer sobre o seu próprio bem estar. Sendo assim

os autores discorrem sobre um paradigma contemporâneo, baseado na perspectiva

de baixo para cima, o chamado “desde baixo”. Este conceito aborda a emergência

da criação de políticas macroeconômicas que levem em consideração as

especificidades locais procurando absorver plenamente os recursos humanos,

ambientais e institucionais. Parte-se também do entendimento de que a sociedade

local é a melhor conhecedora de suas potencialidades assim como de suas

limitações, e sendo assim, é pertinente que seja o protagonista das ações que

modificarão seu cenário.

A definição determinada por Buarque (1999, p. 9) é a de que

desenvolvimento local é um processo endógeno identificado em pequenas unidades

territoriais que buscam promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade

de vida. O processo endógeno é o oposto do modelo em que as diretrizes,

planejamentos e ações são designadas de cima para baixo, ou do centro para a

periferia. Do ponto de vista econômico é um processo interno de ampliação contínua

da capacidade de acumulação de capital, assim como da capacidade de absorção

da região, criando possibilidades de reter o excedente da região e ainda atraí-lo de

outras regiões. Amaral Filho (1996, p. 3) complementa que “esse processo tem

como resultado a ampliação do emprego, do produto e da renda do local ou da

região, em um modelo de desenvolvimento regional definido”.

Por mais evidente que este processo pareça ser para entender o

desenvolvimento endógeno e aceitá-lo é necessário aceitar uma mudança de

paradigma onde o desenvolvimento é gerado a partir dos atores locais e não pelo

poder centralizado. Existem, portanto, divergências quanto a aplicabilidade deste

modelo. Assim como Boisier (1989) se destaca como um dos pioneiros a defender o

desenvolvimento endógeno, chamado pelo autor de desenvolvimento regional, o

contraponto está em Werlin citado por Caiden (1991, p. 253) que é categórico ao

afirmar que:

While the concepts of decentralization, development from below, freedom from bureaucratic constraints, respect for public opinion and local knowledge, participatory modes of operation, and learning by doing are very attractive, they are also inadequate and misleading… the more impoverished the community, the more it needs outside assistance… development from

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below requires development from above… The solution… is not less bureaucracy, but better bureaucracy.”

8

Apesar do domínio do pensamento centralizador existem iniciativas que têm

comprovado a eficácia do desenvolvimento endógeno ou desde baixo. O Instituto

Pólis publicou em 2002 uma coletânea de experiências de desenvolvimento local

ressaltando seus aspectos econômicos. Foram descritas atividades locais que

promoveram o desenvolvimento de uma cidade brasileira a partir de iniciativas

pública e privada. Vale destacar o caso da cidade de Blumenau em Santa Catarina,

região famosa por ser um pólo industrial têxtil viu-se em meio à crise nacional dos

anos 90 e resolveu buscar por soluções que amenizassem o reflexo na população

de aproximadamente 231 mil habitantes. Uma das ações foi criar o BLUSOL –

Banco do Povo de Blumenau – instituição que atua na geração de emprego,

ocupação e renda no município, além de conceder microcréditos e financiamentos

para os segmentos sociais que normalmente não são atendidos.

Na pesquisa de Caron (2003, p. 43-44) é destacada a relevância da pró-

atividade local uma vez que sua sociedade está preocupada tanto com o

desenvolvimento econômico quanto com o aumento da qualidade de vida. Em suas

palavras:

[...] o local está mais preocupado com o desenvolvimento da integralidade do ser humano em toda sua potencialidade e com o aproveitamento dos recursos disponíveis na região, sem destruição ou degradação que deteriore a qualidade de vida. Ao contrário, o desejável é a incorporação de valores que promovam a integração do local no nacional e no internacional. [...] O local é o espaço de transformação sociopolítico-econômico, como espaço para o exercício de novas formas de solidariedade, parceria, cooperação, desenvolvimento de redes sociais como estratégia de enfrentar os problemas globais e de inserção competitiva do local no global.

Atualmente a pesquisa sobre fatores locais implica a abordagem da

interferência de fatores externos como os novos desafios da ordem global. Sendo

assim, cabe discorrer sobre tal dialética.

8 Embora os conceitos de descentralização, desenvolvimento desde baixo, liberdade burocrática,

respeito pela opinião pública e pela sabedoria local, operações de modo participativo e o aprender

fazendo são muito atraentes, eles também são insuficientes e enganosos… quanto mais empobrecida

uma comunidade, mais ela necessita de assistência externa… desenvolvimento desde baixo requer o

desenvolvimento de cima... A solução não é menos burocracia, mas uma burocracia melhor.

Tradução livre.

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5.1. A Dialética Local-Global

As cidades passam por um processo evolutivo constante. Desde a sua

origem até os dias atuais, são incontáveis as mutações físicas, políticas, econômicas

e culturais das cidades. Tradicionalmente, consideradas meras unidades de dois

níveis espaciais maiores, as cidades encontram-se num momento de grande

transposição de responsabilidades pela gestão de seu território, e principalmente

pela promoção do desenvolvimento local. Fischer (1997, p. 16) afirma que as

cidades contemporâneas defrontam-se com os desafios de uma economia

sustentada, aliado ao resgate da identidade local e com a urgência de promoção do

desenvolvimento. A conferência da ONU sobre Assentamentos Humanos, a

HABITAT II que aconteceu em 1996 foi o evento internacional que consagrou o

papel essencial e determinante do município para a gestão pública. Conforme

apontado por Trevas (2004, p. 3) a atuação das cidades foi considerada

imprescindível para “lidar com a crescente dimensão dos problemas urbanos, como

a exclusão social e a degradação do meio ambiente, e para o enfrentamento da

agenda de promoção do desenvolvimento econômico local e regional”.

Desde a década de 1990 principalmente, as cidades têm se inserido no

contexto da globalização, seja por meio de ações de organizações privadas, seja por

intermédio de Políticas Públicas que viabilizem a projeção internacional. Fischer

(1997, p. 13) retrata que devido aos desafios da economia sustentada e a

necessidade da promoção do desenvolvimento, atores locais começam a interagir

com outros, até mesmo em países distantes. Tendo em vista essa reformulação do

cenário global, as cidades também se re-configuraram – seu papel está sendo

ampliado gradativamente apoiado por Políticas Públicas locais que suportem essa

nova tendência. Em 1994, A Conferência da ONU sobre a População reconheceu

pela primeira vez a importância de tratar questões socioeconômicas, políticas e

culturais com os governos subnacionais.

Na Europa, as cidades iniciaram este processo de independência das

esferas superiores a partir do final da década de 1970. Os governos locais

procuraram isoladamente alternativas para o desenvolvimento econômico enquanto

pairava uma recessão em toda a Europa. Assim, em 1989 surgia o movimento

Eurocidades, uma iniciativa de intercâmbio de conhecimento, práticas de Políticas

Públicas, planejamentos e gestão. Enfim, conforme Borja (1997, p. 47) aponta, “o

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governo local capaz de dar resposta aos atuais desafios urbanos e de constituir um

projeto de cidade e liderá-lo, deve ser um governo que promove”.

O local começou a ser mais enfatizado a partir do momento em que a era da

“aldeia global” já era um fato e suas conseqüências refletiam em todos os âmbitos.

Diante das crises financeiras da década de 1980 foram feitos os primeiros

movimentos em prol da autonomia e independência para resolução dos problemas e

a busca de desenvolvimento para o local. Com o Estado-Nação enfrentando novos

desafios vindos da globalização mundial, a descentralização já não era mais uma

questão opcional – tanto o foi necessário que o governo federal aliviasse suas

responsabilidades ou as delegasse quanto foi necessário que os governos locais se

libertassem da “espera da solução” e ganhando a autonomia para lançar-se em

busca do desenvolvimento do seu território. Moura (1998, p. 1) afirma que os fatores

principais que fizeram com que a valorização dos governos locais fosse

impulsionada foram: a) a crise fiscal do Estado, associada aos processos de

descentralização; b) o processo de reconfiguração dos padrões de produção; e, c) o

aprofundamento da internacionalização dos fluxos de capital. A autora ainda aponta

que a partir do avanço das internacionalizações dos espaços e procedimentos as

cidades deparam-se ainda com a necessidade de se prepararem para a

concorrência além dos limites de seu território. Trata-se da concorrência global, onde

diversos atores estão inseridos além do tradicional Estado-Nação.

Caron (2003, p. 36) resume o ponto principal dessa dialética ao afirmar que

“o capital é global, mas a produção é local”. Na sua visão, as novas alternativas de

desenvolvimento local, como a inserção global surgem através da mobilização e

articulação da sociedade. É a própria base local que vai criar oportunidades de

participação competitiva e incorporações tecnológicas a nível global – e será sua

capacidade de assimilar as dinâmicas deste cenário que manterá uma cidade dentro

desse jogo maior. Esse é o local frente ao global. O inverso também se relaciona já

que o processo de globalização não exclui o local, mas se consolida nele.

5.2. O Papel das Políticas Públicas

Antes de analisar o papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e

concomitantemente na Paradiplomacia cabe uma breve conceituação e descrição do

que são, de quem está envolvido e sua aplicação. Pelo senso comum, as Políticas

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Públicas ações exercidas pelo governo em vigor para sanar ou melhorar alguma

condição ou situação. Para os pesquisadores sobre o assunto Cunha e Cunha

(2002, p. 12) as Políticas Públicas surgem a partir de demandas da sociedade ao

Estado e constituem num compromisso de atuação em uma determinada área ao

prazo de sua administração. Podem, ainda, serem conceituadas como instrumento

de distribuição ou redistribuição de bens e serviços à nação.

De acordo com Pereira (2004, apud Cunha e Cunha) a política pública não é

uma referência exclusiva ao Estado, mas sim ao que é de todos, debaixo de uma

mesma lei e com o apoio de uma comunidade de interesses. Deste modo, embora

as Políticas Públicas sejam reguladas e freqüentemente providas pelo Estado, elas

também envolvem preferências, escolhas e decisões privadas podendo (e devendo)

ser controladas pelos cidadãos. A política pública pode ser entendida como a

conversão de decisões privadas em decisões e ações públicas, que afetam uma

sociedade. Lourenço (2005, p. 41) afirma que os tomadores de decisões

governamentais durante o processo de formulação e implementação de políticas

públicas sofrem influências e pressões de grupos sociais que almejam ver

executadas as ações públicas de seu interesse. Isso quer dizer quando uma

necessidade ou oportunidade é identificada os interessados sugerem ou

simplesmente requerem uma ação no âmbito público. É uma constante troca entre

público, privado e sociedade.

O papel das políticas públicas no estabelecimento das relações

internacionais entre cidades é a de catalisador. A criação de políticas públicas

voltadas à promoção internacional da cidade no turismo, na indústria, nos aspectos

sócio-culturais funciona como agentes de viabilização para que se estabeleçam

contatos com cidades de diferentes países. A partir destes relacionamentos,

oportunidades surgem nos mais diversos campos contribuindo para o

desenvolvimento local da cidade. Ultimamente uma iniciativa bastante comentada é

o Marketing Municipal ou City-Marketing. Oriunda dos Estados Unidos da América,

disseminada na Europa Ocidental nos anos de 1980, e com aplicações em

praticamente todos os continentes, este projeto transfere os princípios de marketing

e publicidade do mundo corporativo para o âmbito da gestão pública. Os autores

Duarte e Czajkowski Jr (2007, p. 277) afirmam que essas novas políticas públicas de

promoção das cidades na esfera local, regional e global estão sendo adotadas em

diversos países. Ainda que alguns autores considerem que esta prática acaba por

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gerar falhas sociais, como a criação de imaginários sociais e a pseudo-idéia de

cidade-modelo, esta pesquisa limita-se em citar o city-marketing como uma

ferramenta que antecede o estabelecimento das relações internacionais de uma

cidade. Oliveira (2005, p. 95) explica como o city-marketing pode ser eficiente:

[...] o city marketing tornou-se um importante instrumento das novas políticas urbanas. Serve de apoio às políticas de atração de investimentos, sendo muito utilizado pelas gestões urbanas e estaduais no Brasil e no mundo. Atualmente, assiste-se a uma onda de propagandas de municípios/Estados em todos os meios de comunicação (internet, rádio, TV, revistas especializadas ou não, etc.), de slogans do tipo “Eu amo minha cidade” e imagens-síntese como “A Capital da Tecnologia”. Porém, esta estratégia de transformar uma determinada cidade numa localidade “vantajosa” a investimentos externos não é um fenômeno novo. Historicamente, vários governos com base em determinadas coalizões produziram espaços “atraentes” ao capital. A novidade está na transformação do espaço (cidade) em mercadoria internacional. Dentro desta lógica, o city marketing é muito importante para apresentar e promover as cidades no mercado externo.

Cavalcanti e Neves (2004, p. 25) complementam conceituando que city-

marketing pode ser visto como uma “reorganização do espaço urbano a fim de

garantir aos seus habitantes boa qualidade de vida e poder concorrer com outras

cidades na atração de investimentos e atividades terciárias através dos meios de

comunicação”. Portanto, uma política pública como essa pode ser vista como o

primeiro passo para a internacionalização de uma cidade e esse processo pode ser

encaixado dentro de uma perspectiva de busca pelo desenvolvimento local.

Expandindo para um quadro mais amplo, Orozco (2004, p. 29) explica que “a

promoção internacional de um governo local está intrinsecamente ligada ao quadro

cognitivo dos atores.” A partir da premissa da psicologia cognitiva e dos regimes

internacionais vigentes, o autor sugere que para ter êxito na tarefa de inserção

internacional, os gestores de uma cidade devem estar atentos para como seus alvos

(instituições ou outras cidades) a vêem. Tanto políticas públicas e declarações

oficiais quanto notas publicitárias são ferramentas que podem influir no processo de

inserção uma vez que interferem na percepção cognitiva do interlocutor e sua

avaliação quanto as vantagens em estabelecer ou não uma parceria internacional.

A cidade brasileira de Belo Horizonte por meio da prefeitura estabeleceu

oficialmente uma política de internacionalização da cidade. A base da justificativa

para tal iniciativa representa exatamente as colocações centrais dessa dissertação.

É interessante destacar a íntegra contida no site oficial:

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A globalização no mundo contemporâneo trouxe mudanças significativas na maneira de se relacionar. As barreiras caíram e as distâncias foram diminuídas. Com isso, as grandes metrópoles vêm crescendo num ritmo jamais visto antes e passaram a ter um relevante papel no desenvolvimento de uma sociedade de dimensão internacional. A partir de 1993, Belo Horizonte teve sensibilidade para perceber a importância do processo de internacionalização e preparou-se para atuar com maior desenvoltura no cenário instituído pela nova ordem internacional. Através das redes de cidades, de acordos de cooperação, da realização de eventos internacionais, da troca de missões empresariais, do intercâmbio de experiências administrativas, de pesquisa e de capacitação profissional e da divulgação do município no exterior, Belo Horizonte está aos poucos projetando-se internacionalmente e criando novas oportunidades para todos.

Sob esta ótica, os capítulos a seguir tratarão diretamente do fenômeno da

Paradiplomacia. Tendo concluído os assuntos preliminares, históricos e teóricos,

pertinentes ao objetivo da pesquisa, o aprofundamento da questão central neste

momento busca estabelecer a conexão com o conteúdo de base apresentado nas

seções anteriores.

6. A INSERÇÃO INTERNACIONAL DAS CIDADES E A PARADIPLOMACIA

Com base nas exposições anteriores, da abordagem teórica e o resgate

histórico aos conceitos, importância e objetivos dos temas relacionados à

Paradiplomacia nesta pesquisa, este capítulo visa apresentar os pontos centrais

sobre tal fenômeno. Buscar-se-á resgatar os pontos-chaves a fim de verificar

congruências, incompatibilidades e relações específicas com a Paradiplomacia tanto

através da descrição bibliográfica quanto por meio de exemplos e casos reais. Como

plano de fundo deste capítulo, as modificações e a conjuntura global.

As relações internacionais desde a concepção das civilizações estão

pautadas em uma base de formação complexa, pois compreendem vários temas,

aspectos e atores que são interdependentes e influentes entre si. De fato, esta

complexidade tomou maiores proporções ao longo do tempo e, no campo teórico,

conforme revisado na fundamentação há um esforço contínuo em suprir a

necessidade de compreensão das conjunturas.

A Paradiplomacia pode ser considerada uma vertente da diplomacia

clássica. De acordo com o dicionário de política, o termo diplomacia significa “a arte

e a prática de conduzir as relações exteriores ou os negócios estrangeiros de um

determinado Estado ou outro sujeito de direito internacional.” A diplomacia é

realizada tanto para fins políticos e econômicos, de guerra e de paz, quanto para

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manutenção de laços de amizade e promoção cultural. Contudo, uma primeira

observação feita na literatura sobre o tema é a distinção entre diplomacia e política

externa – sendo que a primeira está inserida na última. Enquanto a política externa é

definida pela Chefia de Governo de um Estado ou pela alta autoridade política de um

sujeito de direito internacional; a diplomacia pode ser entendida como uma

ferramenta dedicada a planejar e executar a política externa, por meio de

diplomatas.

A pré-origem da chamada diplomacia clássica está ligada ao período em que

a descentralização ainda dominava a Europa com as Cidades-Estado,

principalmente com as unidades da Itália, conforme afirma Biancheri (2005, p. 5).

Contudo, era basicamente funcional com objetivos imediatos visando extrair o

máximo de vantagens possível em cada situação. Foi com o Tratado de Vestefália

marcando oficialmente o surgimento do Estado-Nação que a chamada diplomacia

clássica surgiu e, foi através do Congresso de Viena9 que as principais regras foram

traçadas estabelecendo igualdade de todos os Estados soberanos, independente de

sua forma institucional.

Desde a concepção das primeiras cidades até a formação dos Estados

nacionais o mundo passou por diversas transformações e essas mudanças

aconteceram e acontecem em diversas áreas. Formas de governo evoluíram para

um modelo mais democrático (mesmo que por imposição, ironicamente); o poder

monetário de algumas empresas excedeu o PIB de determinados países; instituições

e organizações internacionais e transnacionais foram montadas; guerras por

recursos naturais, por ideologias e por território surgiram em praticamente todo o

mundo; a agenda internacional de debate entre os países agregou aos temas de

segurança e economia, o meio ambiente e outras questões sociais como assuntos

relacionados ao papel da mulher na sociedade e no mercado de trabalho; novos

atores surgiram no cenário internacional em conseqüência da globalização; uma

cidade, por meio de seus gestores, transcende as fronteiras nacionais e buscam

novas oportunidades e canais que auxiliem o desenvolvimento local.

9 O Congresso de Viena foi uma conferência entre embaixadores das grandes potências européias

que teve lugar na capital austríaca, entre 1 de Outubro de 1814 e 9 de Junho de 1815, cuja intenção era a de redesenhar o mapa político do continente europeu após a derrota da França napoleônica na primavera anterior, bem como restaurar os respectivos tronos às famílias reais derrotadas pelas tropas de Napoleão Bonaparte e firmar uma aliança entre os signatários. Os termos de paz foram estabelecidos com a assinatura do Tratado de Paris (30 de Maio de 1814), no qual se estabeleciam as indenizações a pagar pela França aos países vencedores.

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Bianchieri (2005, p. 43) faz uma relevante consideração pessoal ao discorrer

sobre desintegração e globalização:

A vida internacional tende, assim a se tornar mais complexa, não apenas pela multiplicação dos sujeitos (...) e pela possibilidade de tal processo de fragmentação produzir outros, mas porque de cada um dos sujeitos internacionais provêm, nos limites de expressão que as autoridades centrais lhes permitem, opiniões contrastantes que, muitas vezes, buscam afirmar, a seu turno, uma subjetividade própria nas relações entre Estados ou até mesmo influenciar a vida internacional para perseguir objetivos específicos.

O cenário global contemporâneo é propício e ainda, requer o envolvimento

de outras unidades políticas. Por sentirem que esta não somente é uma opção, mas

uma necessidade para a manutenção do desenvolvimento, as cidades dentro de

suas potencialidades iniciaram sua inserção internacional. A autora Débora Prado

(2006, p. 1) resume que:

À medida que os Estados tornaram-se parte do sistema global, os padrões de interdependência se intensificaram e os problemas passaram a ser discutidos em âmbito global. A reconfiguração das relações internacionais com a emergência de atores regionais - dentre eles os governos locais, se fez necessária, pois as dificuldades geraram novas demandas e o enfrentamento destes problemas bem como a resposta às novas necessidades não mais poderia partir de um único centro de poder.

Dentro deste contexto de mudanças constantes e intensificação da

interdependência complexa, surge nos anos 90 um debate sobre a atuação das

unidades subnacionais no âmbito internacional aliado às inquietações a respeito dos

reflexos da globalização. Enquanto as conseqüências em um quadro macro eram

mais claras, discutidas e até mesmo antecipadas, os efeitos causados no local, na

cidade, não tiveram o mesmo tratamento. Percebendo que a idéia de aldeia global

estava de fato se tornando real, com a economia mundial afetando o local guiado

pelas forças do mercado, as cidades buscaram se inserir nessa tendência dentro

dos limites de independência e autonomia. Aliado às iniciativas de transnacionalismo

e aos estudos sobre o federalismo e a atuação internacional dos seus entes, o

relacionamento formalizado entre cidades se consolidou na academia sob o termo

de Paradiplomacia.

6.1. Sujeitos e Conceitos

Assim como as teorias clássicas apontavam o Estado como o único ator das

Relações Internacionais, a diplomacia tradicionalmente é uma prática que está

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originalmente ligada ao Estado-Nação. No início do debate acerca da diversificação

de atores das Relações Internacionais e conseqüentemente o transnacionalismo,

houve uma corrente, em sua maior parte de juristas, que afirmou ser impossível que

além do Estado, um sujeito do direito internacional por excelência, existissem mais

atores que pudessem exercer competências em âmbito externo iguais a este. O

direito internacional ainda não reconhece os governos subnacionais como sujeitos

do direito internacional público, sendo que esta denominação só é dada a entes

dotados de soberania como os Estados nacionais e as Organizações

Intergovernamentais. Obviamente, este fator dificulta a coordenação política das

cidades que estão, juridicamente, em nível direto de dependência do Estado

nacional. Conforme Gelfeinstein (2004, p. 5) aborda, quando o governo central firma

um tratado com outro país, este compromete também as esferas abaixo de sua

administração, em muitos casos, sem considerar a problemática de cada região, pois

a visão é global.

Mesmo sem aptidão legal, ou seja, não havendo condições de uma unidade

subnacional assinar um tratado internacional, a iniciativa rumo à autonomia tem só

aumentado. Os sujeitos da Paradiplomacia podem ser considerados todos aqueles

que não o Estado-Nação: os entes federados ou como adotado nessa pesquisa as

unidades subnacionais que compreendem todas as esferas abaixo da União. Os

sujeitos operam por meio de seus gestores e de instituições, constituídas por um

grupo de gestores públicos, próprias para o intercâmbio entre essas esferas.

Hocking (1999, p. 17) refere-se a esses sujeitos como NCG – non-central

governments ou „governos não centrais‟.

Revisitando o passado, observa-se que as cidades possuem uma longa e

rica história de relações internacionais em diferentes períodos civilizacionais do

Ocidente. Rodrigues (2005, p. 7) resgata que desde as Cidades-Estado gregas até

as cidades medievais e da Renascença, com destaque para as associações de

cidades visando a facilitar o comércio internacional (como a Liga Hanseática), pode-

se identificar movimentos transterritoriais de cidades, com grande intensidade.

Contudo, o mundo centralizou-se e atualmente passa por duas correntes

que parecem ser opostas: a de integração regional, como a União Européia regida

por um poder supranacional e a corrente descentralizadora que diante da conjuntura

global respalda a entrada de novos atores no cenário internacional. Fronzaglia

(2005, p. 46) destaca que a efetiva participação das cidades como atores do cenário

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global é crescente, principalmente no campo da cooperação internacional. A partir

da década de 1990 há uma ênfase maior nessa atuação e surgem ligas de cidades

como a Eurocidades, na Europa e a Mercocidades, envolvendo os países

integrantes do Mercosul. Cabe ressaltar também que a integração regional tem

funcionado como um motor para a prática da Paradiplomacia, possibilitando

oportunidades de intercâmbios culturais, econômicas e de políticas públicas locais

como pode ser observado no Urb-AL e Urb-AN – programas da Comissão Européia

que visa possibilitar a troca de experiências e estabelecimento de parcerias entre os

poderes locais das cidades da América Latina e da Ásia.

Uma vez definido o sujeito da Paradiplomacia nesta pesquisa, tendo em

vista sua limitação de atuação perante o direito internacional, cabe partir para a

conceituação do termo. Então, enfim, o que é Paradiplomacia?

Apesar de ainda existirem divergências em sua consolidação, Keating (1999,

p.185) afirma que a Paradiplomacia representa uma mudança estrutural na

diplomacia clássica, viabilizando mais oportunidades para cooperação e outras

atividades em conjunto além de estabelecer uma independência perante o Estado

nacional. O conceito de Paradiplomacia indica em teoria as ações internacionais

entre unidades subnacionais. Quando uma cidade ultrapassa as fronteiras das

esferas acima e estabelece um relacionamento com uma cidade em outro país em

busca de promover o desenvolvimento local, seja este econômico, social, cultural ou

político, essa prática recebe o nome de Paradiplomacia. É o relacionamento entre

cidades de diferentes países via transnacionalismo. De acordo com Fronzaglia

(2005, p.49) Paradiplomacia pode ser definida como:

[...] conjunto de atividades desenvolvidas pelas unidades subnacionais – de maneira isolada ou conjunta – conforme seu grau de autonomia e que visam sua inserção internacional podendo ser complementares, paralelas ou conflitantes com a diplomacia conduzida pelo governo central.

Partindo de uma cidade, uma ação internacional complementar é o que o

governo central considera ideal, pois seria como somar esforços. Uma ação paralela,

se analisada no campo prático, não se mantém nesse status por muito tempo – ou

abre oportunidades às esferas acima ou em algum ponto passa a conflitar. Um

exemplo bastante abordado quando se trata de transnacionalismo de cidades e

Paradiplomacia é o caso de Quebec – província canadense que exerce ações

internacionais contrárias a diplomacia federal. Keating (1999, p. 5) cita alguns

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exemplos que podem possibilitar esse tipo de conflito: o governo de Quebec procura

ligar-se à França procurando apoio no desenvolvimento de políticas, caso

eventualmente requeira sua independência do Canadá. No sul dos Estados Unidos,

a sociedade local de algumas cidades normalmente buscam apoio mexicano, assim

como comunidades étnicas na Europa procuram estar sempre conectadas com a

cidade ou o país natal.

Por outro lado, Prazeres (2004, p. 289-290) mostra através do exemplo da

Suíça que é possível evitar ações conflitantes. Em sua Constituição Federal consta

um artigo que cede direitos dos cantões10 concluírem tratados desde que não sejam

opostos aos interesses da federação ou de outros cantões. Sua liberdade de

atuação não é ilimitada e na maioria dos casos as relações internacionais devem ter

o intermédio da federação. Praticamente nos mesmos moldes é a Argentina com

suas províncias, que possuem o direito constitucional de celebrar convênios

internacionais, uma vez que sejam compatíveis com os interesses da nação.

Seguindo com a conceituação do termo, na definição de Cornago Prieto

(2004, p. 251) a Paradiplomacia significa:

[...] o envolvimento de governo subnacional nas relações internacionais, por meio do o estabelecimento de contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios (had hoc), com entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional.

A origem deste fenômeno está diretamente ligada aos reflexos da

globalização e a consciência a respeito do desenvolvimento local endógeno.

Conforme abordado em capítulo anterior, uma vez que o Estado-Nação adquiriu

novos desafios impostos pela globalização, as responsabilidades no que diz respeito

à promoção do desenvolvimento tiveram que ser realinhadas. Keating (1999, p. 2),

considerado um dos percussores na pesquisa deste assunto, revela que as

unidades subnacionais identificam a necessidade de inserção no mercado global ao

mesmo tempo em que precisam administrar os efeitos da desintegração social

provocada por esse mercado. Portanto, a ação independente de unidades

subnacionais em âmbito internacional ainda que gere discussões em torno da

10

Divisão territorial e administrativa adotada em alguns países da Europa. A Suíça possui 26 cantões dos quais 3 são subdivididos em semi-cantões. Historicamente, cada cantão era considerado um Estado soberano com suas próprias fronteiras, exército e moeda até que a estrutura federal fosse estabelecida em 1848.

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soberania do Estado nacional é uma realidade que precisa ser encarada com

desprendimento dos velhos paradigmas. O mesmo autor conclui também que esse

fenômeno está diretamente ligado à ênfase que o Estado-Nação deu à

competitividade nacional, desprendendo a atenção na necessidade do equilíbrio

regional, ficando esta segunda tarefa para os governos subnacionais. Resultado: o

local vai até o global.

Hocking (1999, p. 31) complementa a idéia acima notando que uma das

mudanças mais significativas que o mundo tem testemunhado é a quebra dos

padrões tradicionais na gestão de políticas internacionais. Isso acontece a partir de

pressões internas que levam os NCGs buscar responder diretamente as pressões

que vêm de cima, dos movimentos da economia global e de outros atores como a

OMC – Organização Mundial do Comércio – uma vez que as agendas tratadas e

negociadas englobam os interesses e política subnacionais.

É importante ressaltar que, mesmo consolidado na academia, o termo

Paradiplomacia ainda é contestado. Para o Professor Gilberto M. A. Rodrigues

(2005, p. 2) o termo correto para explicar a atuação internacional dos governos

subnacionais é „Política Externa Federativa‟ pois, delimita que é uma política

exercida por entes federados. Em sua tese o foco foi o Brasil, uma república

federativa, no entanto, conforme Fronzaglia (2005, p. 47) ressalva o termo não

caberia para a ação de cidades situadas em países com uma forma de governo

diferente, como a Espanha ou a China. Além disso, o exercício da política externa é

uma obrigação de Estado enquanto a diplomacia ou a política internacional é uma

opção dotada de planejamento com viabilização de resultados positivos. Outro termo

ainda é citado nas bibliografias sobre o tema que é „Protodiplomacia‟, porém

Fronzaglia (2005, p. 49) explica que somente se aplica quando as políticas de

inserção internacional de uma unidade subnacional são planejadas e executadas

com a finalidade de independência, separação ou secessão. Portanto, no que diz

respeito ao ativismo internacional das cidades e sua inserção no cenário global por

meio do estabelecimento formal de relações com cidades em outros países, o termo

legitimado é Paradiplomacia.

Apesar das dificuldades formais, a Paradiplomacia torna-se um instrumento

de articulação para Desenvolvimento Local. A inversão do modelo tradicional que

impõe ações de cima para baixo é extremamente interessante tendo em vista o

conhecimento das lideranças de cada território. A Paradiplomacia atualmente é uma

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prática destinada àquelas cidades que realmente conhecem suas necessidades e

potencialidades ao ponto de identificar oportunidades que agreguem para o deu

desenvolvimento. Cabe ressaltar que as vantagens advindas do intercâmbio entre

cidades não são somente econômicas, mas também há espaço para agregação de

valores no campo social, cultural, ambiental e urbano-estrutural. As experiências de

uma cidade podem ser exemplos a serem seguidos por outras cidades, dadas as

devidas adaptações ao meio, criando a possibilidade de maiores acertos. Citando

mais uma vez Keating (1999, p. 9) compreende-se que as iniciativas de inserção

internacional possuem tipicamente uma base funcional baseada no desenvolvimento

econômico, promoção, infra-estrutura, meio ambiente ou cultura. As experiências

mais exitosas são aquelas em que as cidades possuem aspectos e recursos

complementares, onde existem interesses em comum em realizar determinado

projeto.

No ano de 2004 uma instituição foi formada com o intuito de ser o pilar

internacional dos governos locais. A United Cities and Local Governments (UCLG)

tem como missão advogar em nível global a favor da atuação do governo local de

maneira democrática e autônoma, promovendo seus valores, objetivos e interesses

através da cooperação entre o local e a comunidade internacional. O primeiro

relatório da organização, intitulado Decentralizalization and Local Democracy in the

World é um dos resultados da iniciativa de montar um Observatório Global, o qual se

propôs a observar regularmente os movimentos da democracia e descentralização

nos governos locais, identificando avanços e retrocessos. O contexto para a criação

tanto da organização quanto do relatório é paralelo ao apresentado nessa pesquisa

– as cidades precisam buscar vias alternativas de desenvolvimento em face aos

reflexos da globalização de maneira autônoma e independente. O prefácio do

relatório traz a seguinte afirmação (2007, p. 9):

In a world where more than half of humanity now lives in cities, local authorities are also the key to the solution of major contemporary challenges of all kinds: democratic, as it is in the local sphere that the sense of citizenship is reinforced and identities are constructed to deal with globalization; environmental, since the preservation of our planet and the fight against global warming depends to a great extent on finding sustainable solutions to transform current models of production and consumption, particularly in the urban areas; economic, given that large amounts of wealth and opportunities, as well as extreme inequities are generated within the cities and in their surroundings; and, social, as it is at the local level that the foundations need to be laid for creating social inclusion, managing cultural

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diversity and ensuring human security.11

Para Rhi-Sausi (2001) o ativismo dos governos subnacionais é uma

tendência global, com destaque para o significativo impacto na cooperação

descentralizada em situações pós-conflitos. Complementando essa afirmação,

Trevas (2004, p. 3) destaca que a iniciativa local no exterior é uma realidade em

ascensão:

As cidades são cada vez mais protagonistas nas relações internacionais, considerando tanto a cooperação entre cidades, quanto os projetos com as agências bilaterais e multilaterais de desenvolvimento, que reconhecem cada vez mais o dinamismo e o espaço de atuação existente na esfera local.

O objetivo da Paradiplomacia é tão somente o desenvolvimento em todas as

áreas com o entendimento de que a ligação direta de governos locais possibilite a

troca direta de experiências e vantagens competitivas.

Apesar do debate em torno do declínio da soberania do Estado nacional, a

Paradiplomacia não deve ser classificada como o contra-peso desta

descompensação, mas sim, como um processo paralelo que visa auxiliar e otimizar

o desenvolvimento local. Conforme citado anteriormente, Ferrero (2006, p. 7) afirma

que as práticas dos governos locais nas relações internacionais não são cópias dos

processos tradicionais de política exterior. Na realidade, os estilos e estratégias de

atuação estão marcados por objetivos e motivações muito mais concretas, ou seja, é

uma política internacional, uma diplomacia planejada.

6.2. As Cidades Globais

É bastante comum que no primeiro momento em que mencionadas juntas as

palavras cidade e internacional, logo se faz uma ligação aos grandes centros

urbanos como Nova Iorque, Tóquio, Londres, Paris, etc. Essa associação é uma

11

Num mundo onde mais de metade da humanidade vive em cidades, as autoridades locais são também a chave para a solução dos grandes desafios contemporâneos de todos os tipos: democrática, pois é na esfera local que o sentimento de cidadania é reforçado e identidades são construídas para lidar com a globalização; ambiental, uma vez que a preservação do nosso planeta e a luta contra o aquecimento global depende, em grande medida, de encontrar soluções sustentáveis para transformar os atuais modelos de produção e consumo, sobretudo nas zonas urbanas; econômico, dado que grandes quantidades de riqueza e oportunidades, bem como as desigualdades extremas são geradas dentro das cidades e nos seus arredores; e sociais, uma vez que é a nível local que as fundações precisam ser estabelecidas para criar a inclusão social, a gestão da diversidade cultural e garantir a segurança dos seres humanos. Tradução Livre.

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característica básica do convencionado termo „Cidade Global‟. O grande destaque

dado a essas cidades é a própria autonomia conquistada por meio de uma

independência econômica que também possibilitou o desenvolvimento da

Paradiplomacia. Portanto é relevante que esta pesquisa aborde o papel desses

atores.

As cidades globais se diferenciam das demais cidades, pois possuem um

razoável grau de influência no mundo. Suas características mais marcantes

englobam a familiaridade internacional, ou seja, é possível referir-se somente a

cidade sem citar o país integrante – o exemplo clássico é que em geral citar somente

„Nova Iorque‟ já basta para compreender a localidade, não sendo necessário

complementar com a informação de que a cidade fica nos Estados Unidos da

América. Além desse fator popular, destacam-se ainda as características quanto à

ativa participação em eventos internacionais, servir como base de grandes

organizações internacionais e empresas multinacionais; alta densidade demográfica;

existência de porto e/ou aeroporto internacional de capacidade elevada; sistema

avançado e eficiente de transportes; bolsa de valores com influência na economia

mundial; entre outros fatores secundários.

O conceito de cidade global surgiu no final dos anos de 1970 com referência

as metrópoles dos países líderes da economia mundial juntamente com o debate em

torno da globalização. De acordo com o estudo de Carvalho (2000, p. 71) o processo

que estabeleceu esse conceito engloba as transformações na economia mundial e a

conseqüente crise da centralidade econômica. Essa crise se deu basicamente pela

globalização que através do desenvolvimento de tecnologias de comunicação e

informação, passaram a dispor de maior flexibilidade para mudarem suas sedes de

acordo com o custo-benefício o que gerou uma centralização nessas cidades.

Segundo a definição de Saskia Sassen (2001, p. 3-4) o papel de uma cidade global

não é simples e acompanha a demanda do mundo globalizado. Elas têm de

funcionar como centros de comando para a organização da economia mundial; lócus

de mercado para os provedores de serviço corporativo financeiro e especializado; e

centros para a produção de inovações.

Uma cidade global deve ainda ter dupla função de gestão econômica e

política. A econômica é a disponibilidade de recursos e competências necessárias

para a gestão de operações globais relativas a empresas e mercados, quer sejam

nacionais ou internacionais. Porém, a autora salienta que esta funcionalidade não é

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fácil de ser adquirida, nem mesmo de mantê-la, pois a gestão econômica tem de ser

produzida e reinventada, assumindo várias formas de liderança e diplomacia

econômica internacional para assegurar a sua existência. Por sua vez, a gestão

política envolve a criação e facilitação de culturas/identidades de administração e

profissionais – principalmente num sentido especializado - que são, em parte,

desnacionalizadas, que facilitam o surgimento de elites profissionais e empresariais

nacionais e estrangeiras. As cidades globais podem ser consideradas como

importantes vetores da globalização, além de serem sedes de poder. É por meio

delas que a economia global é administrada, coordenada e planejada.

Ainda de acordo com a autora, que é uma sumidade neste assunto, a

compreensão dos assuntos relacionados à globalização e a formação do mercado

financeiro global não é adquirida através de sua análise desvinculada. Pelo

contrário, as cidades globais são territórios, campos de estudo que permitem a

análise desses fatores de acordo com que eles se materializam em cada local.

Carvalho (2000, p. 72) resume que uma cidade global seria, portanto, a cidade que

se configurasse como o ponto de ligação entre a economia nacional e o mercado

mundial. Sendo assim se faz necessário que o território possua um determinado

(leia-se: elevado) número das principais empresas transnacionais e que as

atividades econômicas se concentrem no setor de serviços especializados e de alta

tecnologia.

A Globalization and World Cities Study Group & Network (GaWC) organizou

uma lista classificando em três níveis (Alfa, Beta e Gama) as atuais cidades globais

bem como as em potencial de se tornarem. Essa classificação foi feita com base no

poder de provisão de serviços avançados de produção, tais como finanças, firmas de

advocacia, publicidade, e densidade demográfica. Destaque para as já mencionadas

Nova Iorque, Londres, Tóquio e Londres no primeiro escalão do grupo Alfa; as

cidades de Sidnei, Toronto e São Paulo no grupo Beta; e Caracas, Boston e Osaka

no terceiro grupo. Dentre as cidades em potencial para se tornarem globais estão

Rio de Janeiro, Atenas e Luxemburgo.

Ao se tratar da Paradiplomacia, é evidente a importância que as cidades

globais ocuparam no desenvolvimento deste fenômeno. Primeiro porque foram as

primeiras cidades a adquirirem, por meio de elementos econômicos, maior

independência das políticas centrais, e conseqüentemente, autonomia. Segundo

porque representam, são ícones e exemplos da possibilidade de internacionalização,

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atração de investimentos e diversificação cultural. As relações internacionais das

cidades globais já são formalizadas tanto através de secretarias específicas quanto

por meio de instituições que tem como objetivo o intercâmbio com outras cidades e o

estabelecimento de parcerias. No caso das redes de cidades, tópico próximo, as

cidades globais desempenharam um significativo papel na concepção e manutenção

dessas formas de aglutinação dos atores subnacionais.

6.3. As Redes Internacionais de Cidades

O conceito de redes, apesar de estar em alta em diversas áreas, não é uma

propriedade dos tempos recentes, pelo contrário, é uma forma de organização

antiga. A estrutura das ligas das cidades-estado gregas, que trabalhavam em torno

de um objetivo comum se assemelha o que atualmente é chamado de redes. O

trabalho em redes visa o alcance de um objetivo através da cooperação de diversos

atores envolvidos direta e indiretamente. De acordo com Gambini (2007, p. 7) redes

são estruturas abertas e dinâmicas com capacidades ilimitadas de expansão em sua

maior parte organizadas em um esquema horizontal, sem hierarquia. A

aplicabilidade do sistema de redes está atualmente em praticamente todos os

campos e esse resgate está ligado ao processo de globalização com a expansão da

tecnologia da informação e a necessidade de descentralização iniciada na década

de 1990.

A atuação em redes está no setor privado, onde se encontram as redes

organizacionais compostas por diversas empresas com o objetivo de facilitar o

acesso a produtos e serviços e até mesmo os processos internos; está também no

terceiro setor com a estruturação cooperativa e de troca de informações entre as

Organizações Não-Gorvernamentais que possuem objetivos em comum. É

interessante mencionar também as redes de pesquisa que se desenvolvem nas

universidades em todo o mundo e foram fortemente impulsionadas com a

consolidação da internet. No caso das cidades, as redes eram, em princípio, dentro

das fronteiras nacionais que visavam compartilhar idéias e soluções para problemas

similares.

Tendo de um lado uma clara tendência de descentralização aliada à

globalização, a atuação das cidades em redes se expandiu para a esfera

internacional. Fronzaglia (2005, p. 124) revela que existem dois tipos de redes

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internacionais, as mundiais que funcionam como canais para a discussão aberta

sobre os mais diversos assuntos referentes à gestão local, ao mesmo tempo em que

divulgam idéias e casos para análise. Nestes moldes funciona a já citada United

Cities and Local Governments (UCLG). O outro tipo é a rede regional que reúne as

cidades de uma determinada região, normalmente reunidas por conta um tratado

multilateral assinado pelos Estados ou um bloco regional. No caso dos blocos

regionais, as redes de cidades têm como objetivo diminuir as convergências que

possam existir entre os interesses locais e nacionais dentro do processo de

integração. Cabe adicionar, ainda, mais um tipo de redes que é a inter-regional,

quando uma rede é específica para cidades de regiões diferentes.

De um ponto de vista macro, as redes de cidades surgem a partir de uma

identificação em comum de objetivos e problemas. Trevas (2004, p. 5) afirma que as

atividades em redes englobam principalmente debates sobre modelos alternativos

de desenvolvimento local frente aos reflexos da mobilidade global, como meio

ambiente, segurança pública e desenvolvimento econômico e cultural. É muito claro

que o esquema de redes internacionais de cidades é um caminho para a inserção

internacional. A observação de Trevas (2004, p. 4) mostra que o trabalho em redes é

principalmente um trabalho de cooperação com um significado importante dentro de

um cenário tão individualista quanto o que foi construído desde a consolidação

capitalista.

[...] é necessário repactuar formas de inserção no mundo globalizado de forma mais solidária, responsável e menos subalterna. Neste aspecto, as redes internacionais de cidades cumprem um papel importante para uma repactuação mundial dos governos locais, que reoriente os rumos da humanidade para uma globalização mais solidária e inclusiva.

Referindo-se a realidade das redes de cidades, Meneghetti Neto (2002, p. 1)

afirma que a utilização desse instrumento como uma ferramenta de aperfeiçoamento

da gestão local e da inserção internacional é mais utilizada pelas cidades situadas

na Europa e nos Estados Unidos. Quanto a América Latina, o autor considera que

as iniciativas ainda são tímidas devido à falta de visão multidimensional dos

problemas urbanos por parte dos administradores públicos. Contudo, como será

tratado nas subseções, as iniciativas estão progredindo e as redes de cidades estão

ampliando tanto seus objetivos quanto sua atuação junto às esferas superiores.

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6.3.1. Redes Mundiais

Redes de cidades mundiais são aquelas que objetivam ter participantes de

todos os continentes que reunidas levantem debates sobre problemas comuns e

diversas soluções. Devido às limitações da comunicação e transportes as iniciativas

que se levantaram antes da década de 1990 não tiveram tanto destaque no cenário

mundial. Contudo, os primeiros avanços no sentido de redes de cidades foram

realizados por elas: em 1913 foi fundada a International Union of Local Authorities

(IULA) visando estabelecer e monitorar a autonomia dos governos locais,

principalmente das novas cidades européias. Apesar de ter fechado duas vezes

durante as guerras mundiais, avançou em seus propósitos criando abraços

específicos para a América Latina, Ásia e América do Norte. Em 1952 surgiu a World

Federation of United Cities na França cujo objetivo principal era promover a amizade

e o intercâmbio cultural entre as cidades européias. Mais tarde, viu-se a necessidade

de expansão e então foram criadas unidades específicas para cada região. Em

1984, em uma reunião convocada pelo Conselho de Ile de France, os

representantes das cidades de Nova Iorque, Tóquio, Londres, Barcelona, Los

Angeles, Buenos Aires, Cairo, Colombo, d‟Abijan, Addis-Abeba e Turim, criaram a

World Association of Major Metropolises. A proposta dessa organização era

promover a troca de experiências referente à gestão e planejamento das grandes

cidades. Dentre as redes mundiais, essas foram as mais importantes, pois

constituem um primeiro passo rumo à autonomia e ao trabalho cooperativo em

redes. Em 2004, as três organizações fundiram-se dando origem a UCLG.

Por sua vez, a UCLG é atualmente a maior rede mundial. Conforme citado

em seção anterior, sua missão principal é advogar em nível global a favor da

atuação do governo local de maneira democrática e autônoma (self-government),

promovendo seus valores, objetivos e interesses através da cooperação entre o local

e a comunidade internacional. O trabalho estratégico da UCLG ficou centrado em

quatro diretrizes de ação que são prioridades de 2007 a 2010. De acordo com o

relatório Strategic Priorities as metas macro são: a) desenvolver o reconhecimento

da UCLG como o órgão principal de gestão local e regional dentro na comunidade

internacional; b) promover relações mais amplas ente atores e membros de todos os

tamanhos e culturas; c) advogar para que a visão dos governos locais seja incluída

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na agenda internacional; d) aumentar a capacidade operacional da organização

através do desenvolvimento de secretarias.

Sua estrutura de funcionamento procura abranger todas as esferas de

maneira secularizada, porém em rede.

Diagrama 2 – Estrutura da rede mundial de cidades UCLG

Fonte: http://www.cities-localgovernments.org

A UCLG é uma rede com estratégias em praticamente todos os campos que

sejam passíveis de preocupação urbana. Contudo, existem redes que se

especializam em atuar somente em uma área, como no caso da Sustainable Cities

Network. Essa rede foi criada em 1995 e visa potenciar a troca de idéias e

experiências no domínio da sustentabilidade urbana. Sua principal atuação foi o

estudo ambiental que gerou o relatório intitulado Towards Sustainable Cities

Programme. Procurando manter-se com uma atuação forte global e local, a

Sustainable Cities Network desenvolveu uma parceria com a revista Local

Environment e com o International Council for Local Environmental Initiatives (ICLEI)

de modo a que seu funcionamento se tornasse permanente. Além disso, anualmente

uma conferência sobre sustentabilidade urbana é organizada com a participação das

cidades aderentes ao programa de sustentabilidade.

Municípios Cidades Metrópoles

Regional

Mundial

África

Ásia-

Pacífico

Euro-

Ásia

Europa

Oriente Médio e

Ásia Oriental

América

Latina

América do Norte

Seção Metro-

politana

United Cities and Local Governments

Local

Sociedade

Associações Nacionais de Governos Locais Nacional

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6.3.2. Redes Regionais

Conforme exposto anteriormente, as redes de cidades regionais são

organizações que se formam a partir de um movimento ou da consolidação de um

processo de integração, como a União Européia e o Mercosul.

Eurocities ou Eurocidades foi formada em 1986 pelos prefeitos das cidades

de Barcelona, Birmingham, Frankfurt, Lyon, Milão e Roterdã os quais acreditavam

que reuniões periódicas para discutir problemas em comum, dividir conhecimento e

idéias poderiam beneficiar a gestão local. Ao identificar que passavam por desafios

similares, compreenderam que aprenderiam a lidar melhor com determinadas

situações uma vez que compreendessem experiências alheias. O objetivo principal

era o de constituir uma plataforma de comunicação com as instituições dos níveis

superiores e ser reconhecida como parceira essencial para a Comunidade Européia

e os Estados Membros, alocando os interesses das cidades dentro do processo de

formação de políticas públicas. Em 1992 foi aberto o primeiro escritório em Bruxelas

e em 1998 o relatório Eurocities for an Urban Policy foi publicado posicionando a

rede Eurocidades como um importante órgão de representação local em nível

nacional. No ano de 2004, com o processo de integração mais aprofundado, a

Eurocidades mudou sua estrutura introduzindo a possibilidade tornar autoridades

locais, empresas e outras organizações membros permanentes da rede auxiliando

as atividades dos membros principais. Conforme consta na página oficial da

Eurocidades, esse é o único órgão que representa efetivamente os interesses das

cidades na Comissão Européia bem como em outras instituições de nível

supranancional. A rede funciona também como uma fonte de expertise sobre

políticas urbanas além de contribuir com o desenvolvimento e a implementação de

políticas européias e programas em diversas áreas.

É ainda interessante destacar que a ação estratégica da Eurocidades

concentra-se em cinco dimensões. Na dimensão social, o foco está nos mecanismos

de inclusão que inclui o combate a pobreza, garantia de educação para todos e

promoção de oportunidades iguais para todos. Na dimensão econômica, o primeiro

destaque é dado ao desenvolvimento sustentável, seguido de geração de emprego,

acesso por todos a serviços de qualidade e aperfeiçoamento da segurança urbana.

A dimensão ambiental traz claramente a ação cooperativa, pressuposto de todas as

redes de cidades, priorizando criar integração no planejamento ambiental e urbano,

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além do aperfeiçoamento da qualidade do meio-ambiente e criar padrões de

consumo mais responsáveis. A dimensão cultural se preocupa em estabelecer o

reconhecimento generalizado de que a cultura local é um aspecto vital para a

criação de políticas públicas. Por fim, a dimensão de gestão (governance) ressalta

as características de democracia, descentralização e internacionalização, bastante

abordadas nessa dissertação, visando promover o envolvimento das cidades nos

níveis superiores de criação de políticas públicas e a cooperação internacional.

No âmbito do Mercosul foi criada a rede Mercocidades. O projeto dessa

composição se iniciou no ano de 1995 após a recomendação da União das Cidades

Ibero-Americanas, uma rede inter-regional, e com o seminário „Mercosul:

Oportunidades e Desafios para as Cidades‟. No mesmo ano foi assinado o

Compromisso de Porto Alegre através do qual as cidades manifestaram a sua

vontade de acrescentar seu protagonismo no processo de integração regional. Em

novembro de 1995 os prefeitos de onze cidades fundam formalmente a rede

Mercocidades sob a premissa de que seria imprescindível ter a participação das

cidades na consolidação do Mercosul provendo uma visão mais autêntica partindo

das sociedades locais. As cidades fundadoras foram: Rosário, La Plata e Córdoba,

da Argentina; Assunção do Paraguai, Florianópolis, Porto Alegre, Curitiba, Rio de

Janeiro, Salvador e Brasília do Brasil, e Montevidéu do Uruguai.

O número de objetivos é bastante significativo e procura abranger todos os

aspectos do processo de integração. Como a maioria das redes a finalidade inicial é

que dentro da estrutura de redes sejam criados mecanismos que facilitem o

intercâmbio de experiências e informações, bem como ao acesso dos cidadãos aos

centros municipais de investigação, desenvolvimento tecnológico e cultural. Cabe

destacar ainda outras metas estabelecidas no Estatuto, como: estabelecer e

impulsionar convênios e serviços recíprocos entre as diversas prefeituras e as redes

que virem a se formar; potencializar os recursos humanos e as experiências

administrativas para gestões locais; coordenar a planificação e promoção de ações

vinculadas ao crescimento e progresso urbano das cidades; coordenar projetos e

desenvolver programas integrados; desenvolver e potencializar atividades comuns e

integradas vinculadas à cultura, recreação, esporte e turismo; efetuar o inventário do

patrimônio cultural e histórico das cidades do Mercosul através de unidades técnicas

de representação integrada, propondo medidas comuns que garantem sua

preservação e difusão; desenvolver e planejar o turismo regional; realizar estudos e

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colaborar na elaboração de planos e estratégias na área urbana e ambiental, com o

objetivo de harmonizar e coordenar as ações nesta área; impulsionar a adoção de

políticas que adéqüem os projetos locais ao novo espaço regional; impulsionar a

criação de unidades técnicas intermunicipais, com representação integrada, para a

planificação e o desenvolvimento de projetos comuns e regionais; difundir uma

cultura democrática e democratizadora a nível regional e nacional, estabelecendo

uma relação mais estreita de cooperação para, através das prefeituras, definir

políticas sociais adequadas; e estudar e impulsionar, através das diversas

prefeituras, a implantação de políticas coordenadas que tornem os serviços públicos

acessíveis às parcelas mais pobres das cidades, integrando-as ao desenvolvimento

social e cidadão.

A rede Mercocidades traçou seus objetivos de maneira pontual e, sobretudo

preocupa-se em investir esforços no campo social e ambiental, movendo o foco

puramente econômico. Meneghetti Neto (2002, p. 6) explica que a rede dispõe de 12

unidades temáticas em que são designadas algumas cidades para desenvolverem

trabalhos nas áreas de ciência, tecnologia e capacitação, meio ambiente,

desenvolvimento social, cultura, gestão municipal e autonomia, planificação

estratégica, turismo, cooperação internacional, universidade, desenvolvimento

econômico local, educação e desenvolvimento urbano. Cada unidade temática tem

uma cidade coordenadora e diversas cidades colaboradoras sendo que o trabalho

deve ser conjunto para formular e propor políticas comuns para serem apresentadas

no âmbito das Mercocidades.

Existem outras redes na esfera regional como a Arab Towns Organiation

(ATO) e a East and Southeast Asia Regional Network for Better Local Governments

que praticamente seguem os mesmos passos, também funcionam como uma

ferramenta tanto para a inserção internacional das cidades quanto para a promoção

do desenvolvimento local, dentro de uma visão de integração regional.

6.3.3. Redes Inter-Regionais

As redes de cidades inter-regionar são aquelas que envolvem cidades

situadas em países de diferentes continentes ou regiões. Esse tipo de rede é

extremamente importante, pois o intercâmbio se enriquece uma vez que as

realidades das cidades membros podem não ser tão similares. Além disso, o número

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de membros é menor do que em uma rede mundial facilitando assim a proximidade

entre todas as cidades bem como possibilita a produção de mais atividades

específicas.

A Urb-AL é um exemplo de rede inter-regional entre a Europa e a América

Latina. Na verdade, a rede faz parte do programa de cooperação externa

descentralizada da Comissão Européia que atualmente conta com redes

estabelecidas em vários continentes como a Ásia, Caribe, Oriente Médio e a parte

oriental da Europa. Por uma questão “geográfica”, será descrito apenas a Urb-AL.

Seguindo o padrão das redes de cidades, a Urb-AL tem como objetivo

central a aproximação de cidades, entidades e coletividades locais da América

Latina e União Européia, através da troca de experiências de políticas urbanas.

Criada em 1995 com a visão de ser o canal para o acesso a múltiplos contatos

internacionais, constituindo o primeiro passo para o estabelecimento de relações

duradouras entre sociedades locais européias e latino-americanas. Os objetivos

específicos, de acordo com o site oficial, são: reforçar as capacidades de ação das

coletividades locais no desenvolvimento social, econômico e cultural das zonas

urbanas, incluindo a implementação de equipamentos coletivos; desenvolver as

capacidades estruturais das autoridades locais, em particular, através da formação

de recursos humanos; promover parcerias entre coletividades locais e

representantes da sociedade civil; desenvolver a capacidade de ação das pequenas

e médias cidades (PMC) visando à internacionalização de suas relações; promover

as „boas práticas‟ européias e latino-americanas de desenvolvimento local,

respeitando suas especificidades locais.

A princípio os participantes se agrupavam livremente, segundo suas

afinidades, ao redor de um ou vários temas relacionados com a cidade. Contudo,

com o intuito de incrementar a efetividade da rede, foram criadas sub-redes

temáticas que são responsáveis pelo aprofundamento em determinado tema.

Atualmente são 13 sub-redes sendo que cada uma é coordenada por uma

prefeitura, conforme o quadro abaixo:

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Tabela 3 – Redes Temáticas da Urb-AL

Rede Tema Coordenador

1 Droga e Cidade Municipio de Santiago

2 Conservação dos Contextos Históricos Urbanos Provincia di Vicenza

3 A Democracia na Cidade Ville de Issy-Les-Moulineaux

4 A Cidade como Promotora do Desenvolvimento Econômico Ayuntamiento de Madrid

5 Políticas Sociais Urbanas Intendencia Municipal de Montevideo

6 Meio-Ambiente Urbano Ayuntamiento de Málaga

7 Gestão e Controle da Urbanização Intendencia Municipal de Rosário

8 Controle da Mobilidade Urbana Landeshauptstadt Stuttgart

9 Financiamento Local e Orçamento Participativo Prefeitura Municipal de Porto Alegre

10 Luta Contra a Pobreza Urbana Prefeitura Municipal de São Paulo

11 Promoção das Mulheres nas Instâncias de Decisão Locais Diputación Provincial de Barcelona

12 Cidade e a Sociedade da Informação Freie Hansestadt Bremen

13 Segurança do Cidadão na Cidade Municipalidad de Valparaiso

Em um esquema horizontal de estrutura, as cidades membros desenvolvem

projetos de interesse comum e debatem o conteúdo destes trabalhos nos seminários

promovidos pelas redes. Além disso, a Comissão Européia co-patrocina estudos e

pesquisas para a formação de relatórios que servirão de base para o

desenvolvimento das ações estratégicas.

Outra rede dentro dos moldes inter-regional é a Union of Capital Cities of

Ibero-America (UCCI) fundada em 1982 na cidade de Madri. Apesar de possuir

características de uma rede de cidades, a UCCI se define como uma organização

internacional de caráter municipal, não governamental e sem fins lucrativos. Seu

objetivo principal é fomentar os vínculos e favorecer as relações e intercâmbios em

diferentes âmbitos entre grandes cidades ibero-americanas. Impulsionar o

municipalismo enfatizando as características de cada cidade e contribuir para a sua

inserção no processo de formação de políticas públicas são também metas da UCCI.

6.4. Cidades Irmãs

Atualmente tem se tornado cada vez mais comum que uma cidade

estabeleça laços de irmandade com uma cidade em outro país. Principalmente após

a Segunda Guerra Mundial as cidades que abrigaram imigrantes refugiados e as

cidades natais protagonizaram as primeiras iniciativas nesse sentido, através do

Transnacionalismo. Zelinski (1991, p. 1) revela que desde 1950 mais de onze mil

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pares de cidades em 159 países firmaram acordos de irmamento. Levando em

consideração a data do levantamento, cabe considerar que esse número atualmente

tenha quase dobrado. Cremer et al (2001, p. 2) ressaltam que inicialmente o

objetivo era simplesmente desenvolver laços culturais e de amizade tendo em vista

as colônias de imigrantes ou então eram firmadas baseadas nas similaridades

econômicas de produção. Contudo os autores destacam que recentemente um

reconhecimento maior foi dado aos benefícios econômicos e políticos dessas

conexões. Ainda, o fenômeno de cidades-irmãs ilustra claramente a interface do

global com o local.

Como o programa da cidade brasileira de Joinville, a grande parte dos

programas de cidades-irmãs traz os seguintes objetivos: a) criar oportunidades de

intercâmbio cultural através da vivência com outros povos; b) estimular o

desenvolvimento e fortalecimento de oportunidades econômicas e comerciais; c)

possibilitar o diálogo e a troca de informações relacionadas a assuntos da

administração pública, da saúde, da educação, do meio ambiente, da cultura e

outros; desenvolver condições visando possibilitar encontros criativos de estudos e

trabalhos. Normalmente esses programas são criados através de decretos

municipais.

A Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de

Relações Internacionais qualifica que a irmamento entre cidades é um instrumento

diplomático que propicia a troca de conhecimentos sobre políticas públicas e

projetos em diversas áreas, tais como programas de saúde e prevenção à Aids,

programas de combate à discriminação racial e políticas culturais. Em sua página

oficial, afirmam que os convênios de cidades-irmãs representam base formal para a

realização de eventuais acordos e programas de intercâmbio e desenvolvimento

econômico, políticas públicas e atendimento à população. A Prefeitura Municipal de

Porto Alegre divide esse mesmo conceito, ressaltando que o foco está nas bases de

cooperação buscando a integração entre a cidade e demais municípios nacionais e

estrangeiros. Ademais, consideram que os convênios reafirmam a necessidade de

fraternidade e relacionamente pacífico.

De acordo com Zelinski (1991, p. 1) o processo de irmamento não é um

processo de escolha aleatória. Desde conexões históricas até mesmo similaridades

ideológicas são fatores levados em consideração:

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The choice of country and specific community within it is not a random process; historical connections, shared economic, cultural, recreational, and ideological concerns, similar or identical place names, and, to a certain extent, the friction of distance, all play meaningful roles. […] Although twinning for the most part reinforces and humanizes the political and economic interests of the participating nation-states, a significant minority of these relationships promote ideological and humanitarian programs that may be at odds with official policy.

12

Em bases práticas, no Brasil o processo de estabelecimento de convênios

de cidades-irmãs deve ser iniciado por um vereador via projeto de lei com uma carta

de exposição de motivos, para que seja debatida na câmara. Sendo este projeto

aprovado, então, torna-se este lei e o legislativo transfere ao executivo o poder de

firmar o irmanamento entre as cidades.

A ressalva que alguns autores fazem sobre a Paradiplomacia, conforme

exposto anteriormente, de que a atuação das unidades subnacionais possa ser

contrária aos interesses das esferas superiores dificilmente se aplica aos casos de

convênios de cidades-irmãs. Pelo contrário, a celebração da irmandade funciona

como um mais um canal positivo no exercício da diplomacia em nível nacional.

Principalmente porque os convênios priorizam as relações de amizade bem como o

intercâmbio cultural. A similaridade entre as partes beneficiam o diálogo e a troca de

experiências na gestão municipal nas mais diferentes áreas.

6.5. O Exercício da Paradiplomacia – Exemplos no Mundo

O exercício de atividades em âmbito internacional pelas cidades é uma

realidade presente no mundo contemporâneo. Possibilitar que esse relacionamento

aconteça não depende somente das iniciativas locais, mas a abertura dada pela

esfera nacional é essencial. Os Estados nacionais têm percebido cada vez mais a

necessidade de delegar as responsabilidades de promoção do desenvolvimento nas

diversas áreas. Como visto anteriormente, isso acontece tanto por causa dos novos

desafios que a globalização trouxe para a esfera nacional quanto pela noção de que

12

A escolha do país e da comunidade específica, não é um processo aleatório; ligações históricas, similaridades econômicas, culturais, recreativas e preocupações ideológicas, nomes de lugares ou da cidade semelhantes ou idênticas, e, em certa medida, a distância, todos desempenhando papéis significativos. […] Embora a irmandade reforce e humanize, em maior parte, a política e os interesses econômicos dos Estados-Nação participantes, uma minoria significativa destas relações ideológicas e humanitária promove programas que possam estar em contradição com a política oficial.

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é o local o principal interessado e maior conhecedor de suas necessidades e

potencialidades.

O pesquisador Gilberto A. Rodrigues (2004, p. 15) reuniu em sua tese

exemplos de como alguns países federalistas administram a questão da

Paradiplomacia assim como Keating (1999, p. 11) discorre outros casos. Reunindo

as duas referências complementadas com outras secundárias, pretende-se exibir um

quadro geral da iniciativa subnacional em alguns países.

Começando com os Estados Unidos, considerados os fundadores do

federalismo, as unidades subnacionais que mais se inserem internacionalmente são

os estados que possuem pelo menos um escritório de representação em outro país.

As cidades também contam com sua autonomia, utilizando as universidades que

sediam para promoverem-se e firmarem acordos de cooperação. Os convênios de

irmandade entre cidades são bastante incentivados e agências exclusivas tratam de

assuntos internacionais. Um exemplo interessante é a Sister Cities International,

uma organização sem fins lucrativos dedicada a promover convênios de irmandade

entre cidades dos Estados Unidos e de outros países. A atuação dessa organização

por si só mostra que o ativismo internacional norte-americano em nível municipal é

bastante efetivo.

Na Bélgica as unidades subnacionais bem (estados e cidades) possuem

competência internacional praticamente total, ficando restritos apenas de firmarem

acordos com estados e cidades integrantes de países que a Bélgica não possui

relações diplomáticas. Na Alemanha, dentro dos limites constitucionais, os Länder

(Estados) podem assinar tratados e as cidades são bastante ativas nos convênios

de irmandade tanto pela colônia alemã em outros países quanto pela via da

cooperação técnica e acadêmica. O Canadá é um exemplo bastante comentado na

bibliografia sobre Paradiplomacia por causa da polêmica do estado de Quebec e

suas práticas às vezes conflitantes com o governo central, conforme visto em seção

anterior. O Canadá em termos de autonomia subnacional é semelhante aos Estados

Unidos, porém operam em sistema parlamentar. Além de possuírem grande

ascendência na política externa, as unidades subnacionais são tradicionalmente

consultadas diante de toda mudança operada pelo governo federal. Rodrigues

(2004, p. 11) revela que para o Protocolo de Kyoto poder ser ratificado foi necessário

a realização de uma conferência interna para serem acordadas cotas entre as

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Províncias, devido à produção de gás e petróleo ser assimétrica e o impacto do

Protocolo de Kyoto se dar nos estados mais a oeste do Canadá.

A Espanha, apesar de não ser federalista, possui um alto grau de

descentralização principalmente dos estados, também chamados pela própria

Constituição de regiões autônomas. A cidade de Barcelona é um caso consagrado

na literatura sobre ativismo internacional e desenvolvimento local devido a sua ação

efetiva e independente contra a crise européia da década de 1990. O ativismo

subnacional da Inglaterra também é bastante referenciado, principalmente no âmbito

da União Européia, sendo considerado por Keating (1999, p. 12) com maior grau de

atuação no continente. Diferentemente desses casos, é a França. O processo de

descentralização ainda é muito lento e ainda baseiam-se na tradicional premissa de

que somente o Estado-Nação como um todo pode ser representado

internacionalmente. As iniciativas das cidades francesas são observadas de perto

pelo governo central a quem cabe autorizar ou não as ações independentes.

Na América Latina, a principal referência é feita à Argentina. Com a reforma

constitucional realizada em 1994, as províncias e o distrito federal (Buenos Aires)

ganharam autonomia de firmar convênios internacionais. Conforme Rodrigues (2004,

p. 12) ressalta foi à primeira experiência latino-americana de um constitucionalismo

que prevê a Paradiplomacia exercida pelas províncias. Contudo, alguns limites de

controle foram adicionados e antes da celebração do tratado faz-se necessário

comunicar o governo central, que poderá ou não pedir por meio jurídico um debate

em torno do conteúdo do tratado para efeitos de harmonização entre as esferas.

Um exemplo prático reportado por Prieto (1999, p. 259) e pouco comentado

na literatura é o relacionamento estabelecido entre a Ilha de Sakalina, território da

Rússia e a cidade de Hokkaido no Japão. Após a queda da União Soviética a ilha

sofreu um grande déficit econômico devido ao corte de subsídios, e assim o governo

local partiu para uma intensa exploração dos recursos marítimos resultando na

descoberta de campos de petróleo e gás. O acordo subnacional gira em torno da

promoção de cooperação técnica e pesquisa, beneficiando ambas as localidades.

A cidade chinesa de Beijing é um caso extremamente interessante de

ativismo internacional. Sede das Olimpíadas de 2008, o governo municipal não

mede esforços para promover internacionalmente a cidade bem como inserir-se no

cenário global. A cidade conta atualmente com quarenta convênios de cidades-irmãs

que começaram a ser firmados no final dos anos 1970, muito antes da oficial

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abertura comercial da China com sua entrada para a OMC. Seguindo o caminho de

Beijing, diversas cidades chinesas estão engajadas na prática da Paradiplomacia.

No artigo sobre a comunidade empresarial chinesa em Portugal, Bongardt e Neves

(2005, p. 67) concluem que os governos municipais chineses são um dos mais

ativos internacionalmente no que tange a promoção de interesses econômicos

específicos de suas regiões. Os autores relatam que em Portugal alguns

empresários chineses, envolvidos no processo de inserção internacional da cidade e

conseqüentemente subagentes da Paradiplomacia, foram nomeados „embaixadores

econômicos informais‟. Nesse sentido, é visível o engajamento e a contribuição que

as cidades dão no processo de integração e consolidação da posição da China na

economia global.

Evidências e exemplos da Paradiplomacia estão espalhados pelo mundo.

Ainda que a tendência seja clara, os passos dados em direção a autonomia

municipal para atuação internacional estão somente começando a se solidificar. E, o

mais importante, começando a receber o devido valor e importância.

6.6. As Iniciativas no Brasil

O ativismo internacional das cidades brasileiras e a prática da

Paradiplomacia ainda são incipientes. Neste capítulo pretende-se abordar a situação

atual brasileira quanto à questão cidades x autonomia x cenário internacional,

observando casos mais avançados, como da cidade de São Paulo e outras

iniciativas relevantes. Conforme abordado anteriormente, o Brasil como uma

república federativa nasceu de um sistema imperial com base em exploratórias

relações de metrópole e colônia. Diferente da maioria dos países europeus e dos

Estados Unidos da América que no ato de sua constituição os estados já existiam,

no Brasil o processo ocorreu de uma unidade singular para uma descentralizada.

Muitos percalços, progressos e retrocessos ocorreram até que a democracia e a

descentralização se materializassem – em 1937, por exemplo, por conta da

decretação do Estado Novo, as bandeiras estaduais foram queimadas publicamente,

em referência a centralização do poder naquele momento. Portanto, os passos ainda

tímidos em relação a uma nova forma de diplomacia que remete à autonomia

individual são compreensíveis.

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A Constituição Federal de 1988 em seu Art. 21 decreta que compete a União

manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações

internacionais e no Art. 84 que somente o Presidente da República possui

legitimidade na representação externa do país. Contudo, diante da realidade e dos

fatos que levam a tendência de descentralização, o Brasil está concedendo mais

abertura às cidades. Isso significa que o governo central aceita que as unidades

subnacionais estabeleçam contatos e relacionamentos com outros atores

internacionais, porém dentro do esquema de não poder entrar em conflito com as

esferas superiores e nem tampouco agir fora de suas competências estabelecidas

constitucionalmente. A pesquisadora Carmen Nunes (2005, p. 40), que se

aprofundou na análise da Paradiplomacia exercida pelo estado do Rio Grande do

Sul, acredita que “a União tem tentado estabelecer formas de coordenação com os

entes federados, procurando evitar o surgimento do fenômeno das „múltiplas vozes‟

na política externa do país”.

A descentralização brasileira ainda segue a passos tímidos e isso se deve,

em grande parte, ao legado histórico com Portugal. Ao analisar as características

peculiares do Brasil, Castor (2004, p. 56) afirma que existe uma grande incoerência

entre a estrutura federalista teoricamente descentralizada e a centralização de

poderes na administração federal. Cabe destacar a seguinte passagem que explica

a tendência de centralização:

A incoerência entre o federalismo ostensivo de nossa configuração político-institucional e a centralização do poder político e administrativo em mãos do governo federal têm explicações convincentes. No passado, a centralização teria contribuído para que o país mantivesse sua unidade territorial, lingüística, cultural e política, em oposição ao que ocorreu na América Espanhola, fragmentada em repúblicas fracas e lutas internas fratricidas. E modernamente, na medida em que, concentrando o poder efetivo em mãos da União, os estrategistas do desenvolvimento brasileiro dotaram o Estado de poderes e recursos suficientes para levar à frente um projeto de construção nacional, contrapondo-se aos interesses particularísticos dessa ou daquela região do país. Ao mesmo tempo, a manutenção das liturgias políticas típicas de uma federação deu aos estados e municípios uma falsa sensação de importância que neutralizou os ônus políticos da centralização do poder real.

Em 2005 surgiu uma esperança de que o Brasil reconhecesse

constitucionalmente da Paradiplomacia. Por meio da Proposta de Emenda

Constitucional (PEC 475/2005) o deputado André Costa sugeriu que fosse

concedida a permissão a estados, distrito federal e municípios para celebrar acordos

ou convênios com entres subnacionais estrangeiros, mediante a autorização prévia

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da União. Porém, em janeiro deste ano o processo foi arquivado após o parecer de

„inadmissibilidade‟ em abril de 2006. Em sua recusa o relator afirma os seguintes

pontos:

a) Nada há no texto constitucional que impeça estados, Distrito Federal e

municípios de celebrar atos internacionais (com pessoas físicas ou

jurídicas, públicas ou privadas, contratos, acordos ou convênios, etc...).

b) A liberdade de celebrar atos é decorrente da autonomia declarada no

artigo 18 da Constituição da República e explicitada em outros artigos,

como o 30. Sua liberdade é ampla e submissível a apenas dois limites:

em casos onde o legislador constituinte deliberou restringi-la (vide artigo

52, inciso V); e, o próprio conjunto de competências atribuídas aos entes

estatais pela Constituição da República. Assim, parcela componente da

autonomia estatal não pode ser diminuída ou extinta, sob pena de

avançar sobre a própria natureza jurídica dos entes estatais.

c) Portanto, a esses entes estatais é possível celebrar atos internacionais,

sim, mas, naturalmente, dentro da esfera da respectiva competência.

d) Para a prática de tais atos, os entes estatais não precisam de

“autorização” da União, como sugerido na proposta. Autorizar, neste

caso, é exercer poder sobre a vontade de outrem, e a Constituição da

República não abriga muitos casos do exercício desse poder (um deles é

a autorização do Senado para operações externas financeiras). Assim, a

sugestão de “autorização” viola a autonomia reconhecida aos entes

estatais.

Apesar de algumas resistências e limitações existentes nas esferas

superiores e dentro da própria administração interna, as cidades têm a liberdade de

investir na abertura de um órgão específico de relações internacionais - esse órgão

pode ser uma Secretaria, uma Unidade Especial ou uma Coordenadoria. Se

considerarmos que a formalização e ainda a institucionalização dos planos, projetos

e ações internacionais de uma cidade é um termômetro que mede seu grau de

ativismo internacional, então é possível verificar em que nível se encontra as capitais

dos estados brasileiros. Dentro dessa perspectiva, a seguir, a exposição da situação

de cada região será abordada com base nos dados disponíveis na página oficial de

cada prefeitura. É sabido e cabe mencionar que muitas prefeituras administram

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assuntos internacionais por meio da Secretaria de Indústria e Comércio ou do órgão

que é mais próximo do assunto tratado, contudo, por razões de limitação

metodológica, nesta pesquisa a direção será buscar a existência de órgãos

municipais específicos de relações internacionais. Essa delimitação não visa

descartar a relevância ou os méritos de outros órgãos, mas parte de uma

perspectiva de especialização do tratamento das questões internacionais e

integração com outras secretarias.

6.6.1. Região Norte

As capitais pesquisadas foram Rio Branco, Porto Velho, Manaus, Boa Vista,

Macapá, Belém e Palmas. A prefeitura de nenhuma dessas cidades possui uma

unidade específica para a gestão das relações internacionais. Contudo, as ações

internacionais não são nulas na região. Em Porto Velho, uma das funções da

Coordenadoria Municipal da Juventude é a de buscar parcerias junto a órgãos

internacionais públicos e privados que auxiliem a implantação de políticas públicas

para a juventude. Outro caso é da cidade de Belém que neste ano recebeu prefeitos

de cidades francesas com as quais firmaram um convênio de cooperação sob a

gestão da Coordenadoria de Turismo e pelo próprio gabinete da prefeitura.

O ativismo internacional das cidades na região norte ainda não se tornou

uma tendência ainda que o potencial e a necessidade estejam presentes. Os

programas e as secretarias mais novas dessas prefeituras incluem gestões

estratégicas para o desenvolvimento local em todas as esferas. O estabelecimento

de uma unidade de relações internacionais abriria mais uma possibilidade de

aperfeiçoamento deste desenvolvimento.

6.6.2. Região Nordeste

A região nordeste se sai um pouco melhor quanto à institucionalização

municipal das relações internacionais. Das nove capitais pesquisadas, seis não

possuem unidades específicas para assuntos internacionais (Teresina, Fortaleza,

Natal, João Pessoa, Maceió e Aracaju), duas possuem unidades subsidiárias (São

Luís e Recife) e uma, Salvador, possui a Secretaria de Relações Internacionais sob

a sigla SECRI.

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A cidade de Teresina, apesar de não possuir uma unidade específica,

articulou-se por meio do próprio gabinete da prefeitura e co-organizou o I Seminário

Internacional de Agricultura com a participação de diversas organizações, dentre

elas a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), a

Universitá Degli Studi di Padova e uma comissão de representantes da região

italiana de Veneto. A presença de representantes internacionais demonstra que a

potencialidade da cidade bem como possibilita identificar necessidades similares no

exterior. Por sua vez, a prefeitura municipal de João Pessoa possui um plano de

enviar representantes para atenderem feiras algumas cidades européias – outra

evidência de que uma unidade específica teria seu espaço de atuação,

possibilitando a ampliação das oportunidades. A cidade de Fortaleza não apresenta

em seu corpo municipal uma unidade específica, mas cabe ressaltar que o estado

do Ceará é bastante ativo.

Em São Luís, a unidade responsável para atuar junto a organismos

internacionais é a Secretaria de Articulação Institucional. A unidade assessora o

processo de articulação política e institucional do município procurando promover a

cooperação técnica e o intercâmbio com órgãos e entidades públicas e privadas,

contudo não há provisão sobre ações que envolvam outras cidades. Já a cidade de

Recife conta com um aparato mais aperfeiçoado com uma Coordenadoria de

Relações Internacionais subordinada a Secretaria de Gestão Estratégica e

Comunicação Social. A função central é a de coordenar processos de relações

internacionais, na busca de intercâmbios, convênios de irmandade, investimentos e

participação nas redes internacionais de cidades que ampliem o desenvolvimento

turístico, cultural, social e econômico da cidade. Ainda que uma unidade

subordinada, a coordenadoria de Recife possui diversas atribuições, sendo que as

principais abrangem os pontos chaves da Paradiplomacia. São eles: a) definir o

potencial de relações bilaterais e cidades prioritárias; b) inserir o município nas redes

mundiais e regionais e cidades de autoridades locais; c) estabelecer relações com

as representações diplomáticas e comerciais de outros países presentes em Recife,

ONGs internacionais, instituições multilaterais e outras entidades internacionais

relevantes para a cidade e desenhar as ações necessárias para executar esse

plano; d) elaborar as propostas de processo jurídico complementar (leis municipais,

decretos, portarias, etc.) para ajustar o papel e as atribuições da Coordenadoria de

Relações Internacionais no âmbito municipal bem como sua relação com as demais

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Secretarias e empresas do Município; e) seguir passo a passo o processo de

operacionalização de uma cooperação internacional: identificar e analisar o potencial

das cidades que queiram realizar Acordos de Cooperação ou Irmandade com a

Cidade do Recife; f) encaminhar as solicitações de Cooperação com a Cidade do

Recife para a Secretaria e aguardar aprovação da mesma; g) formalizar e

operacionalizar o processo de irmandade, Acordos de cooperação e convênios entre

a Cidade do Recife e outras Cidades Internacionais. Suas cidades irmãs são Cidade

do Porto em Portugal, Nantes na França e Guangzhou na China.

Em um estágio mais avançado, dentre os mais avançado do Brasil, está a

cidade de Salvador. Por meio de sua Secretaria de Relações Internacionais – a

SECRI a missão é a de mobilizar parceiros internacionais para viabilizar projetos da

administração municipal em prol do desenvolvimento da cidade de Salvador. A

estrutura da unidade demonstra a seriedade com que são tratados os assuntos

internacionais e as iniciativas de Paradiplomacia. Além do Secretário, a secretaria se

divide em departamentos: Chefe de Gabinete, Coordenação de Atração de

Investimentos Internacionais, Coordenação de Cooperação Bilateral, Coordenação

de Cooperação Multilateral, Coordenação de Cooperação Descentralizada e

Relações Públicas.

É interessante observar como essa secretaria é dividida em departamentos

que abrangem as tendências globais de atuação das cidades. Esse investimento

gerou diversos acordos de cooperação e um fluxo de intercâmbio constante com

cidades de outros países. Atualmente, Salvador conta com dez cidades-irmãs e mais

de cinqüenta cidades parceiras com as quais são mantidas estreito relacionamento.

A região nordeste tende a concentrar seus esforços na área social e do

turismo e mais uma vez verifica-se a oportunidade de ampliar a visibilidade e buscar

o desenvolvimento local através das relações internacionais. Assim como o exemplo

de Salvador, as outras capitais possuem grande potencial para a inserção

internacional tendo em vista tanto suas necessidades quanto o que podem ofertar

em troca.

6.6.3. Região Centro-Oeste

Assim como a região norte, as capitais do centro-oeste do Brasil não

possuem um órgão específico para gerir os assuntos internacionais em nível

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municipal. As secretarias dispostas não possuem a atribuição específica de relações

internacionais. Além do distrito federal, as capitais Cuiabá, Goiânia e Campo Grande

apesar do significativo potencial cultural, ambiental, econômico e político estão

praticamente fora do sistema internacional, pelo menos por vias formais do

município.

6.6.4. Região Sudeste

Na região sudeste as capitais que se destacam na institucionalização das

relações internacionais são Belo Horizonte e São Paulo. A prefeitura de Belo

Horizonte além de possuir a Secretaria Adjunta de Relações Internacionais montou

em 1998 o „Grupo de Internacionalização de Belo Horizonte‟ com o objetivo de

montar uma agenda de cooperação internacional. O grupo conta com a participação

de universidades, associações, consulados, agências de turismo, fundações e

outros órgãos governamentais. A Paradiplomacia exercida por Belo Horizonte desde

o final dos anos 1990 rendeu vários acordos, dentre eles cabe destacar:

a) Ottawa, Canadá: acordo para compartilhar experiências de planejamento

urbano, administração pública e desenvolvimento econômico.

b) Bolonha, Itália: acordo com objetivos de promoção do turismo,

cooperativismo e o desenvolvimento econômico.

c) Florença, Itália: cooperação econômica e cultural e busca conjunta de

novas oportunidades.

d) Cottbus, Alemanha: parceria voltada para a ação comum em defesa do

meio ambiente e do esporte.

e) Lisboa, Portugal: intercâmbio de experiências no domínio da preservação

e valorização ambiental e da qualidade de vida dos habitantes de ambas

as cidades.

Além desses acordos, Belo Horizonte, por meio da atuação dessas unidades

específicas de assuntos internacionais, tem conseguido manter um significativo

número e diversificação de convênios de irmamento. Atualmente, são mais de vinte

e cinco cidades-irmãs de diferentes continentes, dentre elas: Havana em Cuba,

Belém na Palestina, São Paulo de Loanda na Angola, Zahle no Líbano, Masaya na

Nicarágua, Tegucigalpa em Honduras, Homs na Síria, Trípoli na Líbia, Cuenca no

Equador, Milão na Itália, Daegu na Coréia do Sul, Nanjing na China, Boston nos

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Estados Unidos e Toronto no Canadá. A participação efetiva nas principais redes

internacionais de cidades também é resultado da decisão pela forte atuação

internacional por meio das unidades municipais.

A cidade de São Paulo também é um exemplo de destaque no quesito

Paradiplomacia no Brasil. Contando, atualmente com doze convênios irmamento na

com cidades na Europa, dez na Ásia, duas na África e quatorze nas Américas, São

Paulo investe no ativismo internacional. A Secretaria Municipal de Relações

Internacionais criada no ano de 2001 tem como objetivos principais: a) assessorar o

Prefeito em contatos internacionais com governos e entidades públicas ou privadas;

b) estabelecer e manter relações e parcerias com organismos multilaterais,

organizações não governamentais internacionais, fundações, representantes

diplomáticos, empresas internacionais, cidades-irmãs de São Paulo, e outras

entidades afins; e, c) fornecer suporte técnico aos órgãos da Administração Direta e

Indireta de São Paulo em contatos internacionais, bem como no desenvolvimento e

elaboração de convênios e projetos de cooperação internacional.

O estudo de Fronzaglia (2005, p. 181) sobre a atuação de São Paulo traz

uma entrevista realizada em 2003 com o Coordenador da SMRI na qual ele explica

porque a institucionalizar as relações internacionais. De acordo com ele, uma

Secretaria abrange trabalhos de coordenação, implementação, execução e

articulação, e participa efetivamente da formulação de políticas públicas ao mesmo

tempo em que busca parcerias internacionais, enquanto uma Coordenadoria ou

Assessoria possuem um papel mais limitado. Ressaltou também a importância da

atuação conjunta com outras Secretarias e como isso ampliou as oportunidades para

a cidade.

Por outro lado, as capitais Rio de Janeiro e Vitória não possuem unidades

específicas. O Rio de Janeiro articula-se internacionalmente por meio de outras

secretarias como a do Turismo e do Esporte. Muito embora a cidade tenha grande

visibilidade turística e cultural, o ativismo internacional certamente contribuiria para a

maximização dos potenciais da cidade, trazendo relações mais promissoras.

6.6.5. Região Sul

A região sul conta com um ator de peso na Paradiplomacia. Dentre as três

capitais: Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, a capital gaúcha é a que mais se

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destaca pelo ativismo e experiência. Porto Alegre administra as relações

internacionais através de um órgão chamado CAPTARE, que é a sigla para o

Gabinete de Captação de Recursos e Investimentos. Na verdade, dentro do

CAPTARE existe uma unidade técnica de Relações Internacionais que é

responsável por dar suporte às ações internacionais do Gabinete do Prefeito, assim

como, de outros órgãos da Prefeitura. O objetivo principal é servir de ponte entre os

interesses das diversas secretarias da administração municipal na busca de

cooperação técnica ou divulgação do trabalho realizado para fora do país.

Seguindo o ativismo do governo estadual por meio da SEAI – Secretaria

Especial para Assuntos Internacionais, Porto Alegre tornou-se uma referência em

termos de descentralização democrática municipal e conseqüentemente da

Paradiplomacia. Neste ano organizou junto com a prefeitura de Roma e sediou a

Conferência Mundial para o Desenvolvimento das Cidades com foco nos tópicos de

inovação democrática e transformação social para cidades inclusivas do século 21.

O evento contou com representantes locais de mais de trinta países que discutiram

inúmeros aspectos do desenvolvimento das cidades e apresentaram experiências no

âmbito da democracia e da inclusão social. A Conferência teve repercussão global e

reforçou a posição de Porto Alegre “no mapa das grandes discussões e

mobilizações internacionais em torno dos rumos da globalização”, conforme aponta

a página oficial do evento.

Porto Alegre participa ainda de diversas redes de cidades internacionais,

coordena a temática 9 da Urb-AL que se aprofunda sobre Financiamento Local e

Orçamento Participativo e atualmente possui mais de dez cidades irmãs.

A outra capital pesquisada foi Curitiba, uma cidade que conseguiu grande

visibilidade internacional através do marketing de programas, políticas públicas e

infra-estrutura. Além disso, recebeu diversos prêmios internacionais nas áreas de

planejamento urbano, qualidade de vida e meio ambiente. Contudo, o ativismo

internacional está nos primeiros passos com a abertura da Secretaria Extraordinária

de Relações Internacionais e Cerimonial no ano de 2005. A unidade foi constituída

às vésperas da Conferência da ONU para o Meio Ambiente, sediada pela capital

paranaense, e talvez por isso carregue ao lado dos assuntos internacionais questão

cerimonial. Em seu objetivo consta a “construção de uma política de relações

internacionais para Curitiba, atuando com as demais Secretarias, detectando

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oportunidades de desenvolvimento e cooperação, em benefício da população

curitibana e da solidariedade entre os povos”.

De acordo com dados da prefeitura, a cidade recebe duas missões

estrangeiras por semana, mas isso e todas as outras características com potencial

são administradas com maior receptividade do que com pró-atividade. O city-

marketing resultou em um posicionamento de prestígio, porém a manutenção e o

aperfeiçoamento desse status necessita a institucionalização das relações

internacionais. Atualmente, a Curitiba conta com aproximadamente 14 convênios de

irmamento.

Por sua vez, Florianópolis possui uma Assessoria Especial para Assuntos

Internacionais, porém suas atividades não são divulgadas assim como seu objetivo.

Nota-se, porém que no estado catarinense o ativismo internacional fica mais por

conta de outras cidades, como Joinville.

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CONCLUSÃO

O desenvolvimento dessa dissertação partiu de três hipóteses, a primeira

era de que o desenvolvimento local endógeno é mais efetivo porque identifica as

reais necessidades e potencialidades; a segunda era de que o ativismo internacional

das cidades é uma tendência no canário global; e a terceira de que a inserção

internacional e a Paradiplomacia contribuem para a promoção do desenvolvimento

local. Essas hipóteses foram implícita e explicitamente discutidas ao longo da

pesquisa procurando convergi-las com aspectos que em uma primeira vista

pareciam antagônicos, como a descentralização e a integração.

Como pano de fundo para as discussões das hipóteses argumentações

teóricas e empíricas foram apresentadas. Foi discorrido sobre o campo de estudo

das relações internacionais enfatizando sua característica de multi e interdisciplinar e

da co-relação entre as disciplinas verificou-se que o objetivo é a busca da

transdisciplinaridade, que significa a criação de um campo único de análise. Foi

possível constatar também que a complexidade no campo das relações

internacionais é alta devido à interação das disciplinas e variedades de atores.

Assim a análise de um fenômeno de maneira unidimensional é inviável, sendo

necessário considerar as influências diretas e indiretas que estão envolvidas em

uma relação complexa. A pesquisa se desenvolveu dentro dessa premissa da

complexidade, considerando a existência de múltiplos atores e levando em

consideração aspectos sociais, econômicos, ambientais, políticos e culturais.

Ainda como parte da fundamentação observou-se que tanto as teorias

clássicas quanto as contemporâneas não prevêem a atuação do local no global. Por

outro lado, foi possível constatar que a teoria que mais se aproxima do fenômeno da

inserção internacional das cidades e da Paradiplomacia é defendida por Keohane.

Em sua explicação acerca da „interdependência complexa‟ o ponto principal recai

sobre a cooperação mútua. Dentro dessa teoria os Estados têm sobrevivido somente

por conta do surgimento de uma agenda internacional comum ao interesse de todos

e com mecanismos que possibilitam a atuação internacional conjunta. Sendo assim,

é possível manter o diálogo e a cooperação entre todas as unidades políticas.

Todavia, reconhece-se que a cada teoria, do idealismo clássico ao pós-modernismo,

dentro de sua perspectiva analítica das relações internacionais, traz uma

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contribuição diferente para construir o entendimento sobre a atuação internacional

das cidades.

O breve resgate histórico objetivou descrever o desenvolvimento das

cidades e dos Estados nacionais, servindo como um referencial para as questões de

autonomia e descentralização. Ao discorrer sobre as Cidades-Estados foi possível

visualizar um quadro descentralizado que, resguardado as devidas diferenças de

atuação, remete aos objetivos de autonomia e potencialidade tanto das cidades

globais quanto das que iniciam a inserção internacional. Por outro lado, também

resgatou-se um período de alta concentração do poder, dentro da explicação sobre

a unificação e surgimento dos Estados Nacionais. O estudo de alguns casos de

formação dos Estados Nacionais possibilitou compreender na seqüência da

pesquisa porque alguns governos centrais são mais permissivos e avançados

quanto à inserção internacional das cidades enquanto outros ainda possuem

limitações quanto à prática da Paradiplomacia. A própria descrição do processo

brasileiro embasou a discussão adiante sobre sua postura ainda um tanto quanto

indefinida sobre a atuação internacional das cidades.

Como o Estado-Nação está atualmente organizado e a polêmica em torno

da soberania versus a globalização foram abordadas na seqüência, posicionando a

pesquisa dentro dos fatos atuais. A análise descritiva do sistema federal de governo

possibilitou a compreensão dos pontos ligados a descentralização e autonomia dos

entes federados enquanto debate em torno do conceito da soberania clássica

possibilitou compreender que esse novo movimento que une o local ao global não

deve ser visto como uma ameaça, mas uma tendência rumo à sobrevivência. A

pesquisa nessa seção também se direcionou a averiguar o quadro de reorganização

das responsabilidades e posicionamento dos Estados. Identificou-se que essa

reorganização aconteceu como conseqüência dos novos desafios apresentados pelo

advento da globalização, pelos processos de integração e pela liberalização

comercial. Com novos desafios a serem enfrentados pelo governo central ao mesmo

tempo em que ocorre uma vasta diversificação nos temas principais da agenda

mundial, o Estado nacional precisou afrouxar seu controle interno e permitir que as

unidades subnacionais desfrutem de sua autonomia. Sendo assim, a atuação

internacional das cidades em busca da promoção do desenvolvimento praticamente

se valida e novas formas de atuação são criadas. As cidades por meio

principalmente das instituições gestoras passam a compreender as vantagens de

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investir nesse sentido e finalmente de que o local não é a antítese do global, pois as

influências são mútuas. O papel do governo foi reconhecido neste fenômeno como o

de indutor, sugerindo uma perspectiva mais mediana dentro dos extremos do

neoliberalismo e do assistencialismo intervencionista do Welfare State.

O aprofundamento na questão do Transnacionalismo mostrou que existem

formas distintas de transposição das fronteiras nacionais assim como motivações.

Os movimentos das cidades para além das fronteiras nacionais ficam inseridos

nessa corrente, assim como a prática da Paradiplomacia. Verificou-se que o

Transnacionalismo conecta governos locais de diferentes países para que a partir

desse primeiro contato desenvolvam uma atividade específica. Essas atividades

podem ter diversos objetivos, podendo ser culturais, econômicos, políticas, sociais

ou como regularmente vem acontecendo com objetivos de intercâmbio para troca de

experiências quanto ao meio ambiente e infra-estrutura. As cidades globais foram

um dos exemplos relacionados a esse fenômeno e também aos primeiros passos do

reconhecimento das cidades em âmbito mundial.

Diante do objetivo de compreender se a inserção internacional das cidades

poderia ser considerada uma ferramenta para a promoção do desenvolvimento local,

uma seção inteira foi considerada para o entendimento do conceito de

desenvolvimento local. Com base no levantamento bibliográfico compreendeu-se

que a sociedade (governo, empresas e pessoas) que compõe um território e está

envolvida com as atividades que mantém esse espaço „funcionando‟ é quem melor

sabe de suas potencialidades e necessidades. Constatou-se ainda que apesar da

necessidade do envolvimento de todos os setores da sociedade no que tange a

internacionalização, a iniciativa principal no caso da Paradiplomacia parte da gestão

municipal. A prefeitura por meio de políticas públicas que busquem visibilidade,

apoio e convênios de cooperação com cidades de outros países induz a inserção

internacional. O city-marketing foi identificado como uma aposta que tem atraído

diversas oportunidades de intercâmbio internacional.

Por sua vez, a descrição dos conceitos, sujeitos, peculiaridades, vantagens

e limitações da Paradiplomacia teve como objetivo reunir o que as principais

referências sobre o assunto ao ponto que fosse possível identificar a relação com o

desenvolvimento local. A terceira hipótese é diretamente tratada nessa seção

procurando estabelecer a partir da base conceitual a Paradiplomacia como

ferramenta para o desenvolvimento local das cidades. As evidências principais

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sugeridas para tal foram os objetivos das redes internacionais de cidades e os

convênios de irmamento que funcionam como canais para a inserção internacional

com vistas à promoção do desenvolvimento local. Procurou-se verificar como

funcionam as redes de cidades em suas diferentes abrangências assim como suas

atividades. Essa seção propiciou compreender que esses mecanismos funcionam

como facilitadores para a internacionalização das cidades, bem como a prática da

Paradiplomacia.

Para concluir a pesquisa alguns exemplos foram permeados dentro de uma

discussão sobre autonomia municipal e posicionamento dos governos nacionais. As

situações apresentadas procuraram mostrar tanto casos em que a atuação

internacional das cidades se manteve paralela ou cooperativa aos desígnios das

esferas superiores quanto os que se opõem. A descrição mais detalhada sobre as

capitais brasileiras teve como objetivo compreender a pró-atividade das prefeituras

quanto à inserção internacional e a Paradiplomacia. Partindo da investigação da

existência de secretarias e órgãos específicos para a gestão da atividade

internacional foi possível constatar que essa prática ainda é incipiente no Brasil,

assim como o reconhecimento dessa atuação de maneira formal e oficial ainda não

aconteceu.

O desenvolvimento dessa dissertação teve diversas motivações que

partiram da identificação com o estudo das relações internacionais até a curiosidade

em torno do chamado desenvolvimento „desde baixo‟. Dentro dessa combinação de

local e global, a pesquisa se aprofundou em apresentar o quadro de uma realidade

muito embrionária, porém cada vez mais presente em diversos continentes. Foi

também desenvolvida com o intuito de contribuir para a literatura científica sobre o

ativismo internacional das cidades e a Paradiplomacia, analisando esses fenômenos

dentro de uma perspectiva local, porém posicionando-os globalmente.

Ao final deste trabalho, deve-se ressaltar que ainda há um longo caminho a

ser percorrido até que evidências empíricas surjam e consolidem essas práticas que

claramente estão virando uma tendência tanto para a realidade local quanto para a

global.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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