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CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA IPA
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – LICENCIATURA
Fernanda Marquezotti
A UTILIZAÇÃO DA ARTE COMO INSTRUMENTO FACILITADOR NO ENSINO
DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL
PORTO ALEGRE
2009
FERNANDA MARQUEZOTTI
A UTILIZAÇÃO DA ARTE COMO INSTRUMENTO FACILITADOR NO ENSINO
DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL
Relatório de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Ciências Biológicas – Licenciatura do Centro Universitário Metodista IPA como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciado em Ciência Biológicas. Orientadora: Gianice Fortes
PORTO ALEGRE
2009
Dedico este trabalho à minha família,
principalmente à minha mãe, um exemplo de educadora.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Ricardo Rosa Marquezotti e Rosana Elisabeth
Marquezotti, à minha família, e ao meu namorado Guilherme Justo por todo
apoio, compreensão e carinho.
Às minhas colegas, amigas e também futuras biólogas que me
incentivaram e sempre foram boas ouvintes.
À professora Gianice Fortes, pela dedicação, competência e sensibilidade
essenciais na construção desse Relatório de Conclusão de Curso.
A todos que direta ou indiretamente colaboraram na construção da minha
vida acadêmica, os meus sinceros agradecimentos.
“Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza,
Mas devemos lutar pela diferença sempre que
a igualdade nos descaracteriza”.
Boaventura de Sousa Santos
RESUMO
A indigência de adaptar o ensino de conteúdos formais para alunos que
apresentam qualquer tipo de necessidade educativa especial é percebida no dia-
a-dia de professores, dentro da sala de aula. Em decorrência de suas limitações,
estes alunos apresentam falta de concentração, dificuldade na motricidade,
problemas na fala, audição ou visão, entre outras dificuldades. A disciplina de
Ciências Biológicas apresenta conteúdos que necessitam de recursos
alternativos para sua melhor compreensão. A arte vem como um instrumento,
facilitando esta compreensão, visto que através das percepções, colaboram no
processo de ensino-aprendizagem de alunos com deficiência mental. O
conhecimento e dedicação dos educadores que trabalham nesta área se fazem
necessários e estabelecem como essenciais a busca de novas metodologias que
viabilizem o ensino a estes alunos especiais.
Palavras-chave: arte, Ciências Biológicas, deficiência mental, ensino, estágio,
necessidades especiais.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................8
1.1 OBJETIVOS.........................................................................................................11
1.1.1 Objetivo geral..................................................................................................11
1.1.2 Objetivos específicos.....................................................................................11
1.2 JUSTIFICATIVA...................................................................................................12
2 DESENVOLVIMENTO............................................................................................13
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................21
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1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho relata a experiência da utilização de materiais de base
artística como auxílio no ensino de Ciências Biológicas para alunos com deficiência
mental. Essa experiência foi adquirida através do desenvolvimento da disciplina de
Estágio Supervisionado III – Educação Inclusiva, do curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas do Centro Universitário Metodista IPA. A atividade foi desenvolvida no
CAZON – Centro Abrigado Zona Norte, uma instituição que atende pessoas acima de
18 anos com deficiência mental e múltiplas deficiências.
De acordo com o Ministério da Educação, o estágio curricular supervisionado é
prática obrigatória aos discentes de licenciatura durante a graduação, especificado na
Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 e na Resolução CNE/CP1, de 18 de fevereiro
de 2002. A Resolução CNE/CP2 de 19 de fevereiro de 2002 define que tal prática deve
ter carga horária de 400 horas, como pré-requisito para a titulação de graduação do
discente.
A necessidade de adaptar o ensino de conteúdos formais para alunos que
apresentam qualquer tipo de dificuldade é percebida no dia-a-dia de professores, dentro
da sala de aula. Falta de concentração, dificuldade na motricidade, problemas na fala,
audição ou visão, são exemplos de “barreiras” enfrentadas por alunos que apresentam
necessidades educativas especiais frente ao ensino regular.
A disciplina de Ciências Biológicas apresenta conteúdos que predominantemente
necessitam de recursos diferenciados como forma de facilitar o entendimento dos
alunos. Exemplos destes recursos são as imagens e modelos anatômicos adotados em
algumas escolas. Sabe-se que a maioria das instituições de ensino não utiliza
atividades práticas no processo de aprendizagem devido a diversos fatores, como
carência de recursos, desinteresse e falta de planejamento por parte do corpo docente,
desconhecimento e até mesmo pela ausência de espaço físico adequado.
Professores do ensino regular comumente alegam não possuir tempo hábil para
executar tarefas que modifiquem a rotina dos discentes. De fato, atividades que alteram
o cotidiano dos alunos exigem domínio dos professores perante a turma, porém são
altamente produtivas. Estes desafios proporcionam aos alunos um desenvolvimento
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crítico através da busca e concretização de seus pensamentos e visões além de
exercitar a capacidade criativa de cada um. Existe muito mais entre ensinar e aprender
do que a leitura de livros e a resolução de exercícios. A vivência de experiências
práticas, aliadas aos conteúdos ensinados em sala de aula pode resultar em uma
aprendizagem muito mais consistente e dinâmica.
Segundo o Artigo 58 da Lei 9.394/96 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
educação especial é a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente
na rede regular de ensino, para educandos que apresentam necessidades especiais.
Conforme o Artigo 59, os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos com
necessidades especiais, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
organização específicos, para atender às necessidades de cada um.
O ensino a alunos com deficiência mental ou com qualquer necessidade
educativa especial vem passando despercebidamente, pois estes alunos estão
inseridos em turmas de ensino regular sem que haja uma preparação adequada para
receber os mesmos. Até mesmo o uso da nomenclatura “deficiência mental” ou “retardo
mental” pode criar barreiras no processo natural de inclusão, apesar de ser a forma
utilizada por profissionais habilitados na área.
“[...] para evitar que as pessoas se sintam ofendidas, magoadas ou chocadas pelo uso das expressões retardo ou deficiência mental, os psicólogos preferem utilizar a expressão indivíduo com necessidades especiais para designar uma criança ou adulto que apresente alguma deficiência, física ou mental, capaz de provocar dificuldades que interfiram em sua aprendizagem, socialização, compreensão, comportamento, etc” (VILLAMARÍN, 2001, p. 330).
É comum escolas tratarem estes alunos como os demais, sem dedicar uma
maior atenção ou até mesmo sem diagnosticá-los como alunos com tais necessidades.
Essa falta de preparo dificulta o processo de aprendizagem, visto que o diagnóstico
prévio seguido de estímulo promove um melhor desenvolvimento do aluno.
A arte é um instrumento muito eficaz no processo de aprendizado. Conforme
MATURANA (2001), o ser humano tem dificuldade de diferenciar ilusão da realidade, e
a arte auxilia na visualização e na compreensão do que parece abstrato. O ensino de
Ciências Biológicas necessita de recursos alternativos, pois lida com alguns conteúdos
que parecem incompreensíveis se forem abordados somente de forma teórica. Um
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exemplo é a Citologia, um assunto que faz parte do currículo de Biologia no Ensino
Médio. Falar da célula e de suas organelas pode ser incompreensível a um aluno até
lhe mostrar uma imagem ou construir uma célula em terceira dimensão com ele. O
estímulo visual, neste caso, proporciona a percepção e concretização do que antes era
só teoria.
A arte está disponível a qualquer pessoa. Ela é natural dentro de cada um. Não é
necessário ser um artista para se expressar com a arte. Arte, ciência e educação estão
internamente ligadas e “[...] a arte não deve ser tratada como uma coisa exterior a ser
inserida no esquema geral da educação. Por outro lado, esta também não pode ser
considerada incompleta sem a arte” (READ, 1986, p.21). A Arte se torna complementar
à Ciência quando o foco é a educação, como uma metodologia de ensino.
Quanto a metodologias educacionais, READ (1986) afirma:
“Ciência implica medida e classificação – o que é chamado ”método científico” e análise. Mas isso é apenas um método, e o bom senso, que inclui a ciência em seu campo de ação, implica também síntese: a apreensão e a compreensão das unidades em seu todo e de suas relações, das obras da imaginação e da atividade criativa – em suma, uma abordagem subjetiva e sensorial da realidade; e a esse aspecto do bom senso pode-se chamar o método da arte, ou “método estético”. Como tal, deve ser encarado como um instrumento indispensável da educação; e, uma vez que o método científico não está ao alcance da capacidade mental da criança, enquanto o método estético é natural nela, devemos voltar-nos para a arte como o único método exeqüível nos primeiros estágios da educação” (READ, 1986 p.20).
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1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo Geral:
Analisar o interesse e o desenvolvimento de alunos com deficiência mental pelo
ensino de Ciências Biológicas a partir de atividades artísticas.
1.1.2 Objetivos Específicos:
- Evidenciar o interesse dos alunos com deficiência mental na utilização de
materiais artísticos como instrumentos de auxílio no ensino de Ciências
Biológicas;
- Observar o envolvimento dos alunos com as atividades propostas;
- Apresentar, a profissionais licenciados em Ciências Biológicas, sugestões de
trabalhos para alunos com deficiência mental ou quaisquer necessidades
educativas especiais.
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1.2 JUSTIFICATIVA
Alunos com necessidades educativas especiais apresentam dificuldades no
aprendizado de conteúdos desenvolvidos de forma regular. Tal fato se dá pela ausência
de fatores como “percepção visual, o processamento da linguagem, as habilidades
motoras finas e a capacidade para focalizar a atenção” (SMITH; STRICK, 2001, p.15).
Dificuldades essas observadas em alunos da turma do Estágio Supervisionado III –
Educação Inclusiva, que apresentavam diferentes graus de deficiência mental. A partir
desta constatação, considerei de suma importância proporcionar a eles uma forma
diferenciada de ensino, utilizando materiais alternativos que ligasse “arte à ciência”.
A adaptação ou adequação do ensino se faz necessária a partir do momento em
que se constatam diferentes ritmos de aprendizagem dentro da sala de aula. Não é
essencialmente a presença de alunos com necessidades especiais que determina a
aplicação de novas metodologias de ensino. Para que o aprendizado se dê de forma
efetiva, é preciso que o docente explore diversas atividades que oportunizem a todos
demonstrar e desenvolver suas habilidades. Vale ao professor observar e considerar o
desenvolvimento e empenho de cada aluno.
Segundo READ (1986) a arte é um modo de educar, não somente como matéria
de ensino, mas como método de aprendizado de toda e qualquer matéria. READ (2001)
afirma também, que a arte é parte do processo orgânico da evolução humana. Ensinar
conteúdos de Ciências Biológicas através de atividades alternativas que possibilitem
uma melhor percepção, reflexão e desenvolvimento da criatividade do aluno foi o
método identificado como mais eficaz.
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2. DESENVOLVIMENTO
O Ministério da Educação afirma que o Estágio Curricular Supervisionado
é prática obrigatória aos discentes de licenciatura durante a graduação. No Centro
Universitário Metodista IPA, os estágios se dividem da seguinte forma: Estágio I –
Ensino Fundamental, Estágio II – Ensino Médio e Estágio III – Educação Inclusiva.
Estas práticas são realizadas a partir do 4º semestre do Curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas.
O Estágio I – Ensino Fundamental foi realizado na Escola Estadual de Ensino
Fundamental Fabiola Pinto Dornelles, localizada no bairro Higienópolis, na cidade de
Porto Alegre, em uma turma de 5ª série, na qual foram trabalhados conteúdos de
Ecologia, como cadeias alimentares e as interações entre os seres vivos. O Estágio II –
Ensino Médio foi desenvolvido na Escola de Ensino Básico Apeles Porto Alegre, situada
no bairro Santana, também em Porto Alegre, em uma turma de 1º ano, na qual foram
desenvolvidas atividades do conteúdo de Citologia. O terceiro e último Estágio –
Educação Inclusiva foi praticado em uma turma da Oficina de Recreação e Lazer do
CAZON – Centro Abrigado Zona Norte, uma instituição localizada no bairro Parque São
Sebastião, também em Porto Alegre, que atende pessoas acima de 18 anos com
deficiência mental e múltiplas deficiências. Nesta turma foram trabalhados conteúdos
básicos de Ciências Biológicas através de atividades artísticas.
O presente Relatório de Conclusão de Curso pertence à linha formadora
denominada Metodologias de Ensino e aborda aspectos observados no Estágio
Supervisionado III - Educação Inclusiva, realizado no CAZON, uma instituição
localizada na zona norte do município de Porto Alegre, que visa proporcionar a todos
participantes uma vida ativa na sociedade, priorizando seu desenvolvimento e bem
estar. As atividades foram desenvolvidas do dia 18 ao dia 26 de Maio de 2009, em uma
turma de 7 (sete) alunos com deficiências múltiplas, da Oficina de Recreação e Lazer.
A turma apresentava uma faixa etária que variava entre 23 e 49 anos, mas,
devido ao atraso cognitivo, a idade mental se mostrava bem mais reduzida. Todos os
alunos foram diagnosticados como deficientes mentais, porém com diferentes graus de
retardo (leve, moderado e severo). O teste que diagnostica o nível mental nunca será
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definitivo, ele apenas comprova um determinado desempenho no qual é inferida a
capacidade da pessoa, sem jamais poder se afirmar (ou acreditar) que a mesma é
incapaz de progredir (VILLAMARÍN, 2001). Além deste diagnóstico, alguns alunos
apresentavam também: esquizofrenia, déficit de atenção, hiperatividade, depressão,
perturbações comportamentais e históricos de epilepsia.
Em geral todos se relacionavam bem. As relações aluno - aluno e aluno -
professor eram bastante próximas. O professor regente mostrou-se bastante afetuoso
com os mesmos, o que resultava em um ambiente harmonioso. A necessidade do toque
ficou evidente em diversos momentos, principalmente dos alunos para com os
professores e funcionários da instituição. Segundo COSTA (2009), o toque ou a
aproximação física é importante para que o sujeito sinta-se vivo.
O cotidiano da turma foi observado em algumas tardes antes da execução das
atividades propostas e nesse período ficou claro que não havia uma rotina pré-
determinada. Os alunos tinham as tardes livres para quaisquer atividades. Alguns
jogavam botão, outros desenhavam ou apenas ficavam conversando com o professor.
O que parecia ser resultado do perfil do professor, que tinha como formação a
Psicologia.
Todos os alunos foram bastante receptivos desde o início, mostrando-se abertos
às novas atividades. O principal objetivo ao desenvolver tais atividades com os alunos
do CAZON foi explorar de forma divertida e eficaz, conteúdos básicos da Biologia com o
auxílio de materiais alternativos. Essa escolha aconteceu devido às observações
realizadas na turma que necessitava constantemente de materiais visuais e
diversificados para, de uma certa forma, interagir com o que estava sendo proposto.
Foram utilizados: folhas de tamanho A4, giz-de-cera, caneta hidrocor, argila, massa-de-
modelar, folhas secas, cotonetes, anilina, hipoclorito e, como recurso didático, uma
apresentação em PowerPoint. Estes materiais auxiliaram na abordagem de conteúdos
como Seres Vivos em geral, Botânica, Zoologia, Ecologia e Saúde.
Para que o trabalho pudesse ser realizado, as atividades foram criadas e
distribuídas de forma a cativar o interesse do aluno dia-a-dia. Na primeira aula, foi
estimulado o contato com as plantas. Além de questioná-los sobre o que sabiam a
respeito dos vegetais, ficaram à disposição dos alunos folhas secas diversas, para que
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em um primeiro momento eles às tocassem e percebessem suas diferenças. Após essa
familiarização com o material foram propostas duas atividades. A primeira, chamada de
“Impressão Natural”, consistia em imprimir a imagem do vegetal em uma folha branca,
colocando-o sob a folha e passando o giz-de-cera sobre a mesma. A segunda atividade
foi a criação de imagens estruturadas livres a partir das folhas secas previamente
coladas em folhas de tamanho ofício. Em ambas atividades os alunos se mostraram
surpresos com os resultados, principalmente com a primeira. Desta, todos participaram
de forma entusiasmada e curiosa, correspondendo ao esperado. Já quanto ao desenho
estruturado, apenas três dos seis alunos presentes se interessaram em participar.
No dia seguinte, o tema da aula foi “Seres Vivos”. Neste dia, o assunto foi
abordado de forma informal, na qual os alunos tiveram espaço para discutir o que
acreditavam ser um Ser Vivo. Após a discussão, ficou à disposição de todos
massinhas-de-modelar para a criação de formas relacionadas ao tema. Na criação de
alguns alunos foi possível visualizar formas mais definidas que expressavam seu
pensamento. Outros não demonstraram interesse na atividade, pois afirmavam não
saber fazer. Após estímulos através de dicas e interações com os alunos, pode-se
observar um relativo progresso no desenvolvimento e interesse pela atividade.
No terceiro dia, o principal objetivo foi caracterizar as diferenças entre vegetal e
animal. Para isso, foi necessária uma rápida abordagem do assunto retomando as
aulas anteriores para em seguida realizar a atividade do dia, chamada “Desenho
Mágico”. Esta, consistia em uma folha A4 previamente pintada com anilina azul na qual
os alunos criavam formas utilizando cotonetes embebidos em hipoclorito. A reação do
hipoclorito frente à anilina é de descoloração, resultando em um lindo desenho de
contraste. Todos ficaram surpresos e estimulados com o trabalho, que tinha como
objetivo a criação de formas vegetais ou animais. Nesta aula foi observada uma
significativa melhora no envolvimento e interesse por parte dos alunos, talvez pela
possível criação de uma rotina de atividades.
No quarto dia, o tema foi “Conhecendo os Animais”. Nesta aula, como nas
anteriores, foi realizada uma ligeira explanação sobre o assunto. Para isso,
aproveitamos o interesse dos alunos por revistas, para observar nas mesmas o que,
para eles, seria um “animal”. Após essa abordagem, os alunos criaram esculturas de
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seus animais preferidos em argila. Este material proporcionou diferentes sensações e
percepções aos alunos, o que foi bastante interessante e estimulante, resultando em
diferentes representações.
No quinto e último dia, foi trabalhado o tema “Higiene e Saúde”. Este assunto foi
abordado frente à necessidade observada durante o período de estágio. Observou-se
que parte dos alunos apresentava certo descuido com a higiene pessoal, e por este
motivo fez-se necessária uma aula exclusiva sobre o tema. A atividade consistiu
primeiramente em uma explanação do que eles entendiam por “higiene”. Em seguida foi
realizada uma breve apresentação em PowerPoint na qual se evidenciava a
importância da higiene pessoal e de uma boa alimentação, seguido de dicas para uma
vida saudável. Por fim, foi montado pelos alunos um cartaz com frases hipotéticas
diferenciando o que é certo e o que é errado quanto a hábitos de higiene para observar
o envolvimento, a ação crítica e aprendizagem dos participantes. Este trabalho foi
fixado na parede da sala de aula a pedido dos alunos. A interação entre eles
comprovou o real interesse e questionamentos dos mesmos em relação ao assunto, o
que rendeu boas discussões.
Todas as atividades trabalhadas com esta turma foram criadas especialmente
para a mesma, como forma de adaptar conteúdos e conceitos primários da Biologia
para alunos que apresentam limitações decorrentes de suas condições mentais.
Durante o período de realização deste trabalho, observou-se que o interesse e o
envolvimento da turma com as atividades propostas foi progressivo. Mesmo em um
curto espaço de tempo, ficou claro que alunos com deficiência mental apresentam
resultados significativos quando estimulados adequadamente.
Concordando com VILLAMARÍN (2001), apesar da dificuldade de aprendizagem,
a maioria dos alunos que apresentam deficiência mental possui grandes possibilidades
de melhora. A habilidade na utilização do cérebro, independente da finalidade para qual
seja empregada, necessita somente de treinamento.
“No que diz respeito aos fatores que concorrem para o aparecimento das dificuldades de aprendizagem, ou mesmo das patologias mentais, a ciência tem um longo caminho a percorrer e, muitas vezes, os mais experientes especialistas ficam perplexos diante de resultados que contradizem frontalmente suas belas teorias, ainda que nem sempre tenham a coragem de confessá-lo” (VILLAMARÍN, 2001, p. 325).
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“A educação do ‘sujeito’, seja ele portador ou não de deficiência, deve superar o
processo baseado em treinamento ou exercitação” (FARENZENA, 1999, p. 34).
O “diferente” estimula o ser humano através da busca, do desafio. Inserir uma
nova metodologia de ensino em sala de aula oportuniza diferentes reações a partir das
mais diversas perspectivas dos alunos frente às novas experiências, e essas “novas
experiências podem evocar novos padrões de pensamento” (PAPALIA & OLDS, 2000,
p. 396).
Para READ (1986), há um certo modo de vida que é considerado bom. A
atividade criativa é essencial, pois a educação nada mais é que uma iniciação a esse
modo de vida, tornando assim evidente que a educação é mais bem-sucedida através
da prática artística que de qualquer outra forma. A arte está associada à qualidade de
vida, visto que ela permite aos alunos total liberdade para criar, se envolver e descobrir
diferentes olhares frente a um desafio. A descoberta promove a superação de limites
presentes na vida de alunos com deficiência mental. Não há educação se não ocorre
descoberta e crescimento.
“Sem interesse, a criança não começa a aprender; sem concentração, não é
capaz de aprender; e sem imaginação, é incapaz de utilizar criativamente o que
aprendeu” (READ, 1986, p. 62).
Segundo Hubbard (1911 apud, SILVA & SAMMARCO, 2004), a arte não é
simplesmente uma coisa, é um caminho. Um caminho que envolve as emoções, os
sentidos, as percepções que, se trabalhadas, aliadas ao conhecimento e à cultura, são
capazes de superar as barreiras do preconceito.
“A arte, por si mesma, é um agir / sentir que permeia qualquer condição social, etária ou econômica. Ao contrário da fala popular, não necessita de pré-requisitos, de habilidades motoras ou de conhecimentos técnicos, pois ela se expressa por si só, desde um rabisco a um pensamento colorido.” (SILVA & SAMMARCO, 2004, p.61)
O docente tem a responsabilidade de ensinar seus alunos. Freire (1997, p. 52)
sabiamente afirma: “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Em suma, ser
professor é ter a capacidade e o interesse em desenvolver metodologias alternativas
quando o método tradicional não é o mais adequado ao perfil da turma, seja qual for o
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motivo desta necessidade. O objetivo principal do educador é oportunizar o
entendimento do educando.
“Cada vez torna-se mais importante discutir e criar métodos que trabalhem com
diferentes públicos, a partir de atividades que relacionem temas educativos de maneira
lúdica [...] de uma maneira simples e prazerosa” (SILVA & SAMMARCO, 2004, p.57).
De acordo com Piaget (apud KRASILCHIK, 2004), existem quatro estágios de
desenvolvimento do ser humano: sensório-motor (até os dois anos de idade),
caracterizado pela não verbalização e pelo ato-reflexo; pré-operacional (de três até sete
anos), no qual a criança desenvolve a linguagem e o egocentrismo; concreto-
operacional (de sete a doze anos), período classificado pelas relações espaço-
temporais; e operatório-formal (acima dos 14 anos) onde há o desenvolvimento e
análise de situações hipotéticas e concretas.
Os alunos da Oficina de Recreação e Lazer do CAZON, em que foi realizada a
prática de docência relatada neste relatório, apresentavam idade mental que se
encaixavam entre os estágios concreto-operacional e operatório-formal. Nestes
estágios os alunos ordenam, classificam e estabelecem relações entre espaço e tempo,
além de realizar raciocínio lógico com objetos concretos, portanto, a manipulação é
muito importante, agindo diretamente no ensino de Ciências (PIAGET apud
KRASILCHIK, 2004).
O processo de ensino de Ciências e Biologia, em particular, deve ser adaptado à
maneira como o raciocínio se desenvolve, enfatizando-se o aprendizado ativo por meio
do envolvimento dos estudantes em atividades de descoberta. O professor não é
transmissor de informações, mas um orientador de experiências, em que os alunos
buscam conhecimento pela ação e não apenas pela linguagem escrita ou falada. Estas,
embora expressem pensamentos, não substituem a experiência ativa e pessoal
(KRASILCHIK, 2004). “O que é imediatamente experimentado não precisa ser ensinado
nem repetido para ser memorizado” (ALVES, 1988, p. 46).
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As práticas de estágio curricular realizadas durante o curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas foram consideradas de grande importância para a vida acadêmica.
A vivência em sala de aula proporciona uma conscientização do dia-a-dia do
profissional licenciado, evidenciando aspectos positivos e negativos. A oportunidade de
praticar o exercício da docência em três diferentes etapas do ensino promove um olhar
crítico que possivelmente refletirá na vida profissional. A importância do constante
estudo também ficou evidente. A reciclagem do profissional de Ciências Biológicas é
essencial, pois os estudos nesta área estão sempre em evolução, o que exige total
atenção e atualização dos educadores.
O trabalho realizado com a turma da Oficina de Recreação e Lazer do CAZON
comprovou que se há estímulo e oportunidade, os alunos com deficiência mental
conseguem progredir no processo de aprendizagem. Através da construção de novas
metodologias, que no caso deste trabalho foi a inclusão da arte no processo de ensino
de Ciências Biológicas, há um maior envolvimento dos participantes na busca do
conhecimento. A presença do “novo” envolve a curiosidade, o que resulta em novos
pensamentos e olhares.
Visando ajudar profissionais da área no procedimento de ensino-aprendizagem
de alunos com deficiência mental, foram desenvolvidas atividades lúdicas com o auxílio
de materiais alternativos, ligando arte à ciência. Os materiais utilizados exigiam do
aluno determinada dedicação, pois envolviam ações táteis e visuais, o que promovia
uma maior interação com o que estava sendo ensinado. Respeitando o ritmo de
aprendizagem de cada aluno, foi feita uma avaliação do que foi produzido e do avanço
dos participantes, resultando na comprovação da relevância do processo.
A arte é questionadora e estimulante. Ela valoriza a diversidade, respeitando a
interpretação de cada um. No parâmetro artístico, não há nada “errado”, simplesmente
há o “diferente”. Esta relação se aplica também às pessoas com necessidades
especiais, que comumente são alvos de olhares críticos e depreciativos. A “diferença”
observada tanto na arte quanto no ser humano é um conceito que resulta do olhar de
cada um de nós. É preciso saber valorizar as diferenças, respeitando e conhecendo-as.
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A relação professor - aluno é peça chave no processo de ensino-aprendizagem.
Um bom relacionamento é essencial, principalmente com alunos com necessidades
especiais, que por muitas vezes sofrem com o descaso e o preconceito. A relação com
este aluno requer um maior envolvimento emocional, visto que para o mesmo, o toque
e a atenção são extremamente importantes. Para que haja tal envolvimento, é
necessário um educador qualificado e essencialmente motivado. O conhecimento das
limitações dos alunos, decorrente de suas necessidades especiais, é fundamental. Para
isso, o ideal é que os profissionais que trabalham com alunos especiais, sejam
devidamente capacitados, resultando em educadores habilitados para a atividade. Na
maioria das vezes, esse processo de capacitação não é possível. Porém, profissionais
verdadeiramente dedicados apresentam uma atitude pró-ativa, buscando por conta
própria o conhecimento necessário.
Acreditando na capacidade de evolução de pessoas com deficiência mental ou
quaisquer necessidades especiais, o profissional se mobilizará na busca de novas
metodologias para que tal fato se concretize.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SMITH, Corine; STRICK, Lisa. Dificuldades de aprendizagem de A a Z. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. VILLAMARÍN, Alberto J.G. A Educação Racional. Porto Alegre: AGE, 2001.