autores soviéticos

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., .. Esta colectânea de artigos dos mais eminentes pSlCO- logos da educação soviéticos - Luria, Leontiev, Vi- gotsky, Kostiuk , Bogoyavlensky, Menchiskaya, Kal- mikova, Natadze , Fleshner, Krutetsky, Mileryan, Zankov, Teplov -, está organizada em torno de dois grandes ternas: as bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento e as investigações experimentais sobre problemas didácticos específicos. Neles são abordados alguns princípios básicos da psicologia pedagógica e da pedagogia soviéticas. Esses princípios dizem respeito aos problemas da comunicação, da relação desenvolvimento-aprendiza- gem e da «divisão do trabalho» na escola, etc. Estes artigos, escritos em problemática directa com as técnicas e teorias americanas do comportamento, constituem uma demonstração de um rigoroso espí- rito científico e também de um profundo empenha- mento humanista, num sentido que contrasta vincada- mente com as tradições pedagógicas forjadoras de heróis para a concorrência comercial. ~r~ ~} C.) C) r l'·' ,-,) ~;~~ I";d "., ~,~1 t~ ~,:1 ,F~ ~.,j ~;J <t~ ,...~ ~'~ C;) C ~~ ,J c. ... ;:1 I-~ ~ "1 .•. -i ISBN 972-33-0104-0 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• mamls=.IW_~I~ N#'Wi·al.fi~,.:3mHE' &t '::R'3 1 F~e§tw··A*;# ~I 17

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Psicologia e Pedagogia 2 v.Pt

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Page 1: Autores soviéticos

.,..Esta colectânea de artigos dos mais eminentes pSlCO-

logos da educação soviéticos - Luria, Leontiev, Vi-gotsky, Kostiuk , Bogoyavlensky, Menchiskaya, Kal-mikova, Natadze , Fleshner, Krutetsky, Mileryan,Zankov, Teplov -, está organizada em torno de doisgrandes ternas: as bases psicológicas da aprendizageme do desenvolvimento e as investigações experimentaissobre problemas didácticos específicos.Neles são abordados alguns princípios básicos dapsicologia pedagógica e da pedagogia soviéticas.Esses princípios dizem respeito aos problemas dacomunicação, da relação desenvolvimento-aprendiza-gem e da «divisão do trabalho» na escola, etc.Estes artigos, escritos em problemática directa comas técnicas e teorias americanas do comportamento,constituem uma demonstração de um rigoroso espí-rito científico e também de um profundo empenha-mento humanista, num sentido que contrasta vincada-mente com as tradições pedagógicas forjadoras deheróis para a concorrência comercial.

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LUlUA, LBONTIBV, VIGOTSKY e Outros

PSICOLOGIAE PEDAGOGIA

D -INVESTlGAçoES EXPER1MENTA18 SOBREPROBLEMAS DIDACTlCOSESPEClFlCOS

2.8 Edição

1991Editorial Estampa

Lisboao.

Page 4: Autores soviéticos

Título do original italiano:Psicologia e PedagogiaCapa de:Soares RochaIlustração da capa:Carlos António de Oliveira e SousaTradução de:Maria Flor Marques Sirnôest» Edição:Editorial Estampa; Lda., Lisboa, 1977Impressão e acabamento:TecnocorDepósito legal N. o ~2319/90'ISBN: 972-33-0104-0Todos os direitos para esta edição estão reservados por Editorial Estampa, Lda.

íNDICE

Z. I. KALMYKOVA - Pressupostos psicológicos paramelhor aprendizagem na resolução de problemasaritméticos ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 9

R. G. NATADZE - A aprendizagem dos conceitoscientíficos na escola ... ... ... ... ... ... ... ... ... 27

~E. A. FLESHNER - Psicologia da aprendizagem e daaplicação de alguns conceitos de física ... ... ... 35Inter-relação entre noções novas e noções adqui-ridas anteriormente .. ..': -... 43

V. A. KRUTETSKY - Algumas características do de-senvolvimento do pensamento nos estudantes compouca capacidade para as matemáticas ... ... ... 59

E. A. MILER YAN - Características psicológicas datransferência de capacidades técnicas nos estudan-tes das escolas superiores ... ... ... .. . .. . . .. ... 85

L. V. ZANKOV - Combinações de meios verbais e vi-suais no ensino .... .. ... ... ... ... ... ... ... ... 99

R. M. TEPLOV - Aspectos psicológicos da educaçãoartística ... ... ... ... ... ... ... ... ... ..; ... ... ... 123

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Page 5: Autores soviéticos

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PRESSUPOSTOS PSICOLóGICOS PARA UMA ME-LHOR APRENDIZAGEM DA RESOLUÇÃO DE

PROBLEMAS ARITMÉTICOS

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z. I. KALMYKOV A (*)

Um dos métodos usados pelos psicólogos sovié-ticos da educação, consiste em avaliar, com basena investigação psicológica, os métodos utilizadospor um professor excepcionalmente bom. Neste ar-tigo ilustra-se o método atrás citado, comparando-seem seguida a eficácia dos métodos deste professorcom os resultados obtidos por outros.

O artigo começa com a análise das diferenças- do ponto de vista psicológico - entre solução deproblemas e operações com algarismos. Tal comotodo o pensamento, tanto somar como resolver pro-blemas implicam processos de análise e síntese, comdiversos graus de dificuldades; a solução dos proble-mas requer um nível consideravelmente superior deactividade analítico-sintético.

Para somar é necessário aprender os números,o mesmo acontece com as quatro operações; masa solução dos problemas exige, para além disso, oconhecimento de uma vasta gama de conceitos con-cretos e abstractos, que reflectem as relações quan-titativas entre objectos.

(*) Colaboradora do Instituto de Psicologia da (Acade-mia de Ciências Pedagógicas da URSS. Artigo retirado dosimp6sio Modalidades para melhorar o trabalho das criançasna escola elementar, Moscovo, 1955, dedicado sobretudo aosprofessores.

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Quando realiza somas, um estudante deve esco-lher apenas um elemento, o símbolo, para estabelecera operação aritmética necessária; a síntese pode rea-lizar-se ao nível de análise elementar. No ~aso deum problema, em contrapartida, o valor procurado,a informação dada no conteúdo do problema e arelação entre eles não podem ser determinados atra-vés da análise separada dos diversos elementos, masapenas através da sua combinação (que constitui umdeterminado conjunto); por outras palavras, pararesolver bem um. problema, têm que existir síntesesa nível de análise complexa. Nas operações com da-dos numéricos existe sempre uma correspondênciabiunívoca entre símbolo e operação aritmética (porexemplo, o/símbolo + corresponde sempre à sorna).No caso dos problemas, uma mesma operação arit-mética pode ser expressa de várias maneiras; existem .conexões «múltiplas» mais complexas.

IncIusivamente num problema simples, os dadospodem estar enlaçados de maneiras diversas, deacordo com a formulação do problema. Num pro-blema composto, a escolha das operações torna-semais difícil; o estudante deve escolher dois númerosentre muitos, e cornbiná-los de determinado modo,deve escolher no contexto os elementos para deter-minar a primeira operação e as seguintes; isto é,deve dividir o problema em vários problemas, definiras suas possíveis combinações, escolher apenas as quepossam servir de base às operações posteriores e darurna resposta. Esta complexa análise preliminar éessencial para uma correcta solução de problemascompostos.

A solução de problemas de natureza conhecidaintroduz diferenças na actividade analítico-sintética.Quando o estudante resolve determinado número deproblemas do mesmo tipo, consegue discernir rela-ções entre os elementos, isolando-as dos pormenoresconcretos do texto. Estas relações, isoladas no pro-cesso de análise, estão repetidamente ligadas a de-terminado sistema de operações aritméticas e esta

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conexão ajuda a encontrar os valores procurados.A base psicológica, neste caso, é a formação de umsistema específico de conexões temporais (reflexoscondicionados) que progressivamente se torna maisestável, colocando o aluno em situação de actuarmais facilmente, de modo mais automático; é o quePavlov chamava um estereótipo dinâmico. Para criarurna capacidade para a resolução dos problemas énecessário formar vários sistemas de conexões tem-porais ou estereótipo. A solução de problemas deestrutura conhecida baseia-se portanto, na reproduçãode conexões precedentes.

A solução dos novos problemas pressupõe, emcontrapartida, "a,' formação de novas conexões, factoque introduz uma análise muito concreta. Partindodos pensamentos formados pela experiência anterior,desenvolvem-se outros novos. No processo de solu-ção de problemas novos, a análise introduz sobretudoa inibição de velhas conexões e a formação de novas.Num problema novo, os dados parecem ao princípiodesconexos, para encontrar a relação entre eles e aresposta exigida, é necessário escolher determinadonúmero de elementos intermédios e analisá-los demaneira precisa. Isto exige urna análise especial dosdados, do resultado procurado e das relações exis-tentes entre eles.

A análise das relações funcionais encaminha-separa a busca de regularidades que esclareçam asconexões existentes entre o dado e o que se procura.A análise dos diversos factos e da relação funcionalexistente entre eles permite descobrir algumas rela-ções entre factos e eleger, para isso, a operaçãonecessária. Só são produtivas as operações e as sín-teses que levam a resposta procurada, ou seja, assínteses realizadas com base numa análise antecipa-dora e diferenciada. Quando há operações extra (oua mais), que não orientam para' a resposta, significaque o estudante está a realizar uma análise isoladados vários elementos do problema.

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Temos que nos recordar de que as palavras sãoestímulos multiformes; a mesma palavra pode estarligada num problema a determinada operação arit-mética, e noutro problema, com uma operação dife-rente. Se o aluno se habitua a usar uma determinadapalavra como critério para a escolha de uma opera-ção aritmética, cometerá erros. Observa-se um casode análise insuficiente nas tentativas de resolver pro-blemas mediante uma análise complexa «incompleta»,isto é, quando se elegem combinações incompletasde elementos e se deixam outros a um lado, factocom o qual se altera o conteúdo do problema. A aná-lise nunca se vai isolando da síntese; mal se extraí-ram alguns elementos mediante o processo analítico,logo se estabelecem relações entre eles. O isolamentode determinados conjuntos pressupõe uma combi-nação de elementos em conjunto, numa certa síntese;a síntese realiza-se rapidamente quando a análise estásuficientemente desenvolvida. A nova realidade ob-tida através da síntese é submetida à análise; cria-seuma nova conexão entre esta e os factos anterior-mente conhecidos. Por conseguinte, as tentativas deisolar artificialmente a análise e a síntese no processode ensino estão condenados ao fracasso. A base psi-cológica necessária para uma correcta formação dosconceitos é uma assimilação tal que permita criarcondições entre as componentes abstractas e con-cretas do pensamento, entre a palavra e a imagem.Por isso o professor tem que recorrer ao materialvisual como base para a formação de conceitos; casocontrário, dar-se-á uma assimilação puramente formaldas noções. Mas a etapa de utilização de materialconcreto não deve prolongar-se demasiado. O pro-fessor deverá apenas consolidar a experiência ime-diata dos alunos antes de os guiar, através da abs-tracção, até à generalização, caso contrário, dar-se-áum atraso na generalização. Menchinskaya demons-trou, por exemplo, que se se permanecer durantedemasiado tempo na etapa de «reconto» dos objectosna classe I, se exerce uma influência negativa sobre

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a formação do conceito de número; as crianças con-tinuarão a contar um objecto de cada vez, em vezde somar ou diminuir.

Uma boa formação dos conceitos também de-pende da diversidade do material usado; quanto maisvariado for o material concreto, tanto mais fácil ecorrecto se tornará o processo de abstracção. Masnão pode haver uma experiência sensorial de todosos objectos, e têm que se adoptar métodos que dêemàs crianças capacidades para ampliarem o conceitoque estão a estudar. Os materiais deveriam ser apre-sentados e usados de modo a que as suas caracte-rísticas não essenciais variassem já que este factoajuda a pôr em relevo as características fundamentaise essenciais: deve haver uma formulação verbal doessencial e do não essencial, e têm que se pôr espe-cialmente em relevo os traços essenciais do conceito.Pode-se chegar a esta diferenciação comparando con-ceitos opostos e relacionados entre si; por exemplo,o conceito de «par» com o de «unidade». Esta com-paração de conceitos opostos, mas relacionados entresi ajuda a compreender melhor as diferenças. Entreconceitos com ligações, têm que se estabelecer rela-ções e devem-se organizar em determinado sistema.

Para facilitar a formação de conceitos matemá-ticos mais abstractos é necessário intensificar os exer-cícios de abstracção e generalização. Um meio parachegar a este fim consiste em exprimir o texto deum problema em termos matemáticos mais genera-lizados (por exemplo, o problema: «Compram-se trêslivros com 30 kopeks. Quanto custava cada livro?»,pode ser formulado como se segue: «O preço totaldos livros era 30 kopeks. A sua quantidade, três.Calcular o preço de cada livro»). Isto cria as hipó-teses para a compreensão de conexões funcionais en-tre os factos dados, bem como para a fonriação deconceitos cada vez mais complexos.

Para ilustrar os meios específicos adequados paraestimular estes processos psicológicos, estudou-se apraxis de eminentes professores. Como os conceitos

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fundamentais, que constituem o fundamento de todoo complexo de conceitos matemáticos, se formamdurante o primeiro ano de escola, parece especial-mente interessante observar a praxis de uma dasmelhores professoras de uma escola elementar deMoscovo, que ensina na classe I: V. D. Petrova, daescola elementar 172, de Moscovo.

Como já fizemos notar, para poder dispor de umageneralização correcta é preciso dispor de uma varie-dade de material concreto, sobre cuja base se possamformar vários conceitos. Petrova satisfaz esta necessi-.dade desde o primeiro dia do ano escolar; antes dascrianças começarem a ler as cartilhas, quando come-çam a formar-se as primeiras conexões entre as palavrasque contêm conceitos matemáticos e as correspon-dentes imagens específicas, a professora apresenta umavariedade de objectos para cada: operação. Para alémdas fichas, dos lápis de cera, dos lápis e livros usadosem muitas escolas, os seus alunos levam maçãs e to-mates, pepinos e batatas, sobrescritos e folhas de papel,enfeites da árvore de Natal e diversas construções decores. As crianças espantam-se; as construções comque brincavam «quando eram pequenos» convertem-seem objectos de estudo. Todos os objectos - batatas,tomates ou diversas figuras geométricas feitas em car-tão -, podem ser contados e convertem-se em objectosde problemas que se têm que resolver. Com tanta va-riedade de material concreto facilita-se a passagema abstracção, aos conceitos de números, de operaçõesmatemáticas, de problema.

O desenho é utilizado como meio para consolidaras noções. Cada aluno tem um álbum de desenho noqual pinta (embora de modo primitivo) o número deobjectos correspondentes ao problema. A professoraregula-as para que a criança não forme uma únicaconexão específica (por exemplo: relacionar a palavra«cinco» s6 com esta quantidade de objectos concretos).Desenvolve o conceito sobre a base de conexões multi-

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pIas que reflectem a composição deste número. Porexemplo, o número <<5»é consolidado no processo deresolução de problemas sobre maçãs. Os meninos dese-nham todas as combinações possíveis que compõem estenúmero (um e quatro, três e dois, etc.): estes desenhosajudam a consolidar as conexões entre palavras eimagem.

Trabalhar com objectos reais enquanto se desen-volvem os conceitos abstractos é uma etapa necessáriada aprendizagem. Mas se dura demasiado, tal como jáse advertiu, pode dar-se uma influência negativa sobrea generalização e não se estimulará a formação deformas superiores de análise ~ síntese, Por isso a pro-fessora conduz as crianças da .imagem concreta visualpara a generalização. Antes de mais, dá-lhes uma consi-derável variedade de objectos, depois substitui-os porrepresentações de duas dimensões que dão apenas oscontornos dos objectos, omitindo um certo número dedetalhes. As crianças ficam encantadas por recortar osdesenhos dos diversos objectos, que depois colam numafolha de papel. Um dia, por exemplo, põem-se sobre amesa cinco desenhos de miúdos. As crianças compõemcom eles um problema após outro; por exemplo 1) naeira há cinco miúdos; dois escondem-se atrás do celeiro;quantos ficam na eira? (diminuem dois miúdos); 2) umagalinha gorda aproxima-se dos miúdos (acrescenta-se odesenho correspondente); quantas aves há na eira? Aquiintroduz-se e explica-se um novo conceito, e assimsucessivamente. Num outro dia ensinam-se os desenhosde vários cogumelos e as crianças compõem de novoproblemas com o número dos diversos tipos de cogu- ,meIos, o número dos comestíveis e dos venenosos, onúmero total (1). Resolvem estes problemas começandoassim a travar conhecimentos com os conceitos ge-néricos e específicos que introduzem. Deste modo,durante a primeira etapa de instrução escolar, a pro-

C) Uma das ocupações favoritas dos moscovitas é apa-nhar cogumelos de diversos tipos nos campos dos arredores.

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fessora leva os alunos à assimilação de conceitos maisabstractos, estabelecendo relações entre conceitos.

Gradualmente vai-se diminuindo o número dosobjectos e dos signos. A professora utiliza-os apenaspara introduzir novos conceitos, quando é necessárioconstituir e consolidar conexões entre estes novos con-ceitos e as correspondentes imagens visuais. Ao guiar ascrianças até à generalização, a professora começa a usarmais imagens. As imagens formam-se baseando-se naactividade com objectos ou representações destes. Umditado visual, especial, serve para o mesmo fim, e seusa com frequência durante o primeiro período deensino da aritmética. Por exemplo, a professora mostravárias construções colocadas em posições diferentes. Osalunos olham-nas, contam-nas, observam que muitassão azuis e muitas vermelhas, que há muitas agrupadas,etc. Depois desta análise, as construções são retiradas eas crianças desenham de memória, procurando repro-duzir com a maior exactidão possível as cores, os grupose as posições das construções. Para o ditado visualseguinte utilizam-se como material estrelas e bandeirasde várias cor.es. O ditado visual deste tipo contribui demodo particular para consolidar as conexões entrepalavra e imagem, enquanto que ao mesmo tempoensina às crianças a reproduzir uma imagem quandoé necessário; assim se tornam as imagens mais con-cretas. .

O ditado visual não se limita a consolidar con-ceitos concretos, mas também os imateriais, abstractos(esquerda, direita, acima e abaixo, ao lado, etc.) ouseja, os conceitos que reflectem as relações espaciaisentre os objectos. Por exemplo, os alunos aprendem oconceito «a mesma quantidade». A professora ensina--lhes cinco desenhos de cogumelos e pede-lhes queponham ao lado a mesma quantidade de desenhos demaçãs, cerejas, pêras; depois faz com que desenhemno quadro o mesmo número de meninos.

Em seguida a professora desenha os cinco «miúdos»no quadro e pede às crianças que desenhem o mesmonúmero de qualquer outro objecto que lhes agrade

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_ bandeiras, estrelas, flores, folhas -, mas o númerotem que ser o mesmo. Baseando-se nestas operaçõesforma-se o conceito de «mesma quantidade» (comomesmo número de qualquer objecto), que é muitodifícil para as crianças do primeiro ano.

Outros problemas: «Há sete maçãs numa árvore,e na outra há menos duas. Quantas maçãs há na se-gunda árvore?» Desenham-se no quadro sete «maçãs» edepois outras sete, e apagam-se duas destas. As criançasvêem que na segunda árvore há o mesmo número demaçãs menos dois. Contam então as restantes. Deixa-seo material visual e a professora pede às crianças quedesenhem um ramo com sete maçãs, e outro com duasmaçãs a menos. As crianças fazem-nos cuidadosamente.Os desenhos demonstram se se assimilou o material,como, e permitem à professora descobrir quem nãoassimilou bem o conceito. Por exemplo, Vera Z. escreveo número «7» no seu caderno e desenha dois ramos, umcom cinco maçãs e outro com duas. Realizou a ope-ração aritmética necessária (7 - 2 == 5), mas não soubemostrar a relação (7 menos 2) no seu desenho. Inna D.desenha cinco maçãs num ramo e três no outro. Mostra

,a relação necessária no desenho (menos 2), mas mudouo número dado (como se pode observar, subtraiu duasvezes dois). A professora analisa estes erros com ascrianças interessadas e pede-lhes que repitam a ope-ração. Neste caso não lhes proporciona ajudas visuais,apenas lhes pede que imaginem os objectos exigidos damaneira mais clara possível (às vezes sugere que fechemos olhos para facilitar a tarefa) e que resolvam o pro-blema baseando-se nessas imagens.

Um trabalho atento sobre a formação dos conceitosnão se reduz aos primeiros estudos; a professora pres-ta-lhe grande atenção durante todo o ano escolar. Temmuito cuidado sempre que introduz um novo conceito,em seguida verifica se as crianças o assimilaram e fazexercícios suplementares quando o considera neces-sário. Por exemplo, dedica uma considerável quantidadede tempo ao conceito de «par», que é difícil para ascrianças do primeiro ano. A princípio apresenta às

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crianças um par de cerejas, depois estas contam onúmero de cerejas de um, dois, três pares; depois dese-nha um par de diversos objectos, as próprias criançasformam pares, e contam o número de pares. Isto faz-sedurante o primeiro trimestre. No segundo trimestre, ascrianças voltam a examinar este conceito e alguns en-contram dificuldades.

Apresenta-se outro problema: algumas crianças fize-ram oito pares de casinhas de papel e três casas maio-res; qual é o número total de casas feitas pelas crianças?Um menino, analisando o problema disse que o númerode casinhas era dado pelo próprio texto do problema,ou seja, oito pares; então a professora pediu a oitopares de meninas que se colocassem diante dos outrose perguntou primeiro se o número total das meninas,e depois se o número total das casas, era conhecido;o aluno compreendeu o seu erro. Outro menino quandolhe pediram que contasse, disse: «Oito mais oito dá16 pares.» A professora recorreu então ao útil expe-diente da distinção por contraste: desenhou no quadrouma fila de oito circunferências e uma fila de oitopares de círculos, comparando assim os conceitos «uni-dade» e «par». Deste modo, conseguiu-se diferenciaro conceito de «um par» do de unidade.

A professora diferencia sistematicamente conceitossemelhantes. Considere-se outro problema: «Tenho trêspiatachki (moedas de cinco kopeks) numa mão, e ou-tras três na outra. Quantas moedas tenho?» Para ascrianças era muito difícil resolver este problema, em-bora tivessem resolvido facilmente pouco antes, outrosproblemas de estrutura matemática semelhante. É ne-cessário fazer notar aqui que, na primeira etapa deassimilação, um conceito tem um carácter genérico,não diferenciado. Só gradualmente, como resultado dacomparação com conceitos parecidos, se dá uma gene-ralização propriamente dita. Neste momento as crian-ças possuíam alguns conceitos: «Um piatachok», «umkopeks., «dinheiro», «moedas». Tinham resolvido comfrequência problemas que continham estes conceitos,mas problemas que podiam resolver-se por meio de

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conceitos indiferenciados. Este problema especial re-quer conceitos realmente generalizados e claramentediferenciados, e por isso é difícil.

A professora pede às crianças que tirem as moedasque tinham recolhido antes, e começa a diferenciar osconceitos. Pergunta às crianças: quantas moedas tenhonuma mão? Quantos kopeks tenho numa moeda?Como se chamam as moedas? Sabemos que tenho trêspiatachok, como posso dizer isto de outra maneira?Quanto dinheiro tenho? Ao deferenciarem os concei-tos, as crianças estabelecem imediatamente relaçõese 'organizam-nas segundo o seu grau de generalidade.Depois formam determinado sistema de conceitos.Aprendem que as moedas têm nomes distintos e quese pode contàr quanto dinheiro há numa moeda. Destemodo formam conexões múltiplas que lhes dão capa-cidade para resolver problemas de maior dificuldade(ecinco kopeks», «um piatachok», «uma moeda»,«dinheiro» ).

A professora começa então a preparar os alunospara ·a assimilação de conceitos matemáticos mais abs-tractos (como «preço», «quantidade», «custo», «distân-cia», «velocidade», «tempo», etc.) 'que são a base indis-pensável para a assimilação das relações funcionaisentre factos conhecidos, e portanto, para a compreen-são das principais relações matemáticas entre estesfactos. A princípio, estes conceitos constituem partedo vocabulário passivo dos alunos: quem os usa é oprofessor, explicando-os quando é necessário. Apresen-ta-se o seguinte problema às crianças: «Ontem haviauma fruteira com oito maçãs, e hoje só restam cinco.Quantas maçãs se colheram da fruteira?» O professorinsiste no facto de que se conhecia a quantidade totalde maçãs (oito) e a quantidade que restou (cinco). Ex-plica do mesmo modo, a propósito de outro problema,quanto pesa um objecto comprado. Introduz aqui oconceito de peso e compara-o com um problema resol-vido anteriormente, relativo ao custo de um objectocomprado. O novo conceito de peso é introduzido nasperguntas (<<Quantopesa o primeiro embrulho?», ou

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Page 11: Autores soviéticos

de outro modo: «Qual é o peso do primeiro ernbru-lho?», «qual é o peso do segundo embrulho?», «qualé o peso dos dois embrulhos?», etc.). Depois de terintroduzido este novo conceito, recorda-o com frequên-cia e estimula as crianças para que o usem.

Nas classes II e lII, a professora começa a intro-duzir estes conceitos no vocabulário activo das crian-ças, ensinando-lhes a traduzir o texto de um problemaera termos mais abstractos. Por exemplo, quando estãoa resolver problemas sobre as relações funcionais entrecusto, preço e quantidade, pede que expressem demodo preciso e correcto os dados e o valor procurado.Na classe IV começa a acostumar as crianças a expres-sar em termos matemáticos pertinentes tanto o con-teúdo como a solução de um problema. Por exemplo,os alunos que explicam erroneamente: «Sabemos ocusto da primeira compra, o número de coisas com-pradas e o custo da segunda compra; devemos averi-guar o número total das coisas compradas. Em primeirolugar, devemos achar o preço de uma coisa. Para oconseguirmos dividimos o custo da primeira comprapelo número de coisas compradas» ... e assim suces-sivamente. A professora guia gradualmente os alunosda imagem visual para a abstracção, para a assimi-lação de categorias matemáticas mais complexas. Aprincípio só os melhores alunos as assimilam, mas otrabalho sistemático do professor sobre estes conceitostorna também os outros alunos capazes de os assimilar.Os professores da escola secundária dizem ,que as crian-ças que foram ensinadas deste modo aprendem osmais complexos conceitos com mais rapidez do que asoutras.

O trabalho de formação dos conceitos necessáriospara a solução de problemas é um meio para aumentara eficácia da actividade analítico-sintética. Mas a assi-milação dos conceitos e das correspondentes leis mate-máticas não implica uma habilidade especial para re-solver problemas mais complexos. Não basta possuirnoções; é necessário ser capaz de as usar no momentopreciso, escolhendo as noções necessárias para a solu-

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ção de determinado problema. Costuma suceder queum aluno não consiga resolver um problema por nãosaber mobilizar as noções que possui. A escolha dasnoções necessárias exige uma especial concentraçãosobre o texto do problema, ou seja analisá-lo.

Como já observámos, a actividade analítico-sinté-tica exigida para a solução de problemas é mais com-plexa do que a exigida pelas operações aritméticas.Para a resolução de problemas elementares é preciso,antes de mais, ser capaz de dividir o problema empartes distintas; analisar em seguida estas partes e en-contrar a resposta procurada; por último, tem que sesaber encontrar, baseando-se na análise precedente, a'relação entre os dados e a resposta procurada. Pararesolver problemas compostos tem que se chegar àdivisão do seu conteúdo num determinado número deproblemas mais pequenos, e à escolha da combinaçãode dados que levará à resposta; isto é, tem que sechegar à síntese, ao nível de qualidade antecipador.

Como é que se podem ensinar estas formas maiscomplexas de análise e síntese? Outros exemplos dotrabalho de Petrova ilustram um método para melhoraras capacidadés analíticas e sintéticas na resolução deproblemas. A divisão prévia do problema em partesdistintas ocorre ao princípio, durante a leitura do textodo problema. Petrova ensina os seus alunos a ler cor-rectamente o texto desde o início do ano escolar.Insiste no facto de que a leitura deve ser cuidadosa,com intervalos lógicos e entoações correctas. «Há aquiuma vírgula - explica - tens que fazer uma pausacom a voz.» Deve-se insistir sobretudo nas palavrasque mostram «relações entre a realidade dada» (cno»,«sobre», «menos», «mais depressa», etc.). «Se não insis-tirem com estas palavras breves, mas importantíssimasa resposta ao problema será errada» - assim explicaa professora aos seus alunos, e estes começam a exigi-Ioa si próprios e a exigi-I os aos outros -, acostumando-segradualmente a uma leitura «expressiva».

Muitos professores procuram assegurar-se de queos alunos conhecem perfeitamente o texto de um pro-

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blema pedindo-lhes que o repitam de memória (sobre-tudo no caso dos problemas que têm de resolver emcasa). A experiência demonstrou que esta repetição àletra não garante que as crianças tenham dividido otexto em conjuntos separados. Pode suceder com fre-

. quência que um aluno repita o texto com bastantecorrecção, mas esqueça no processo de resolução algunsdados, e trabalhe com base em partes incompletas, omi-tindo palavras que exprimem dados. A repetição dememória estimula pouco o pensamento analítico-sin-tético.

A reprodução do texto de um problema, dividindo-oem dados e em pergunta planeada, exige um pensa-mento muito activo e uma análise muito precisa. Pe-trova insiste no facto de que os seus alunos procedemassim desde o início da classe 1... As crianças só come-çam a resolver o problema depois de o terem analisadodetalhadamente. Mas também depois a professorachama a sua atenção para o texto, pedindo-Ihes queindiquem a parte do conteúdo que determinou a esco-lha de uma operação em especial... Assim, as 'criançasaprendem a basear a solução dos problemas na análisedo texto. Além .disso, começam a habituar-se a esco-lher as operações baseando-se na análise do conteúdodo problema.

Os alunos analisam também os resultados inter-médios conseguidos no processo de resolução. Depoisde já terem feito a tarefa. (fixada pelo professor); emvez de utilizarem o resultado obtido, ligam-no aos fac-tos dados pelo texto do problema: ou seja, sintetizam.A professora presta muita atenção à pergunta apresen-tada no problema. Esta é analisada do mesmo modoque são analisados os dados de texto. Além disso, aprofessora insiste sobre o aspecto da operação aritmé-tica necessária, dizem como obter o valor procurado(a resposta à pergunta apresentada no problema) eque toda a operação tem que se encaminhar para estefim.

A professora pede aos alunos que proponham umcerto número de possíveis perguntas a respeito dos

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dados proporcionados pelo problema, para que destemodo descubram a importância que isto tem na esco-lha da operação aritmética. Além disso, treina os seusalunos para que proponham várias perguntas que exi-jam a mesma operação. Por exemplo, com o problema:«Um menino tem 20 livros. Dá metade à sua irmã»,propõe as perguntas: l.": «Quantos livros lhe restarn?»;2.8

: «Quanto é metade dos livros?»; 3.a: «Quantos livrosdeu à sua irrnã?». As crianças conseguem comprovarque para responder a todas estas perguntas é necessá-ria a mesma operação. Como resultado deste trabalhoformam-se conexões múltiplas que servem de base àresolução de problemas mais ,difíceis.

Assim se ensina aos alunos a comprovar as opera-ções através do texto do problema, da pergunta feitae dos dados proporcionados. Ao mesmo tempo apren-dem a analisar os seus próprios erros. As crianças indi-cam a parte do conteúdo a que não prestaram sufi-ciente atenção; e qual a regra de que se esqueceram.Além disso, analisam-se todas as versões possíveis paraa resolução do problema e avalia-se cada versão doponto de vista da conveniência, ou seja, escolhe-se ométodo mais racional.

A parte final deste artigo pode resumir-se.O capítulo seguinte fala da explicação de novos

problemas pelo professor. Os alunos estabelecem co-nexões entre o novo material e as noções precedentesno processo de formação de toda uma cadeia de con-clusões. Quanto mais viva for a sua actividade inte-lectual, tanto mais fácil lhes será descobrir as cone-xões e tanto mais estáveis estas serão. Os professoresmais experimentados organizam a explicação do novomaterial de modo a que os alunos encontrem as rela-·ções necessárias entre os dados e as perguntas pro-postas, como se estivessem sozinhos (embora, natu-ralmente, baseando-se nas perguntas do professor).Depois disto, a maioria dos professores apressa-se aconsolidar o hábito de resolver problemas de um

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tipo particular, e dedica muito pouco tempo a expli-cações detalhadas do processo de resolução dos pro-blemas em geral.

Por isso, os alunos que aprendem com lentidãonão conseguem muitas vezes recordar o raciocínioque conduz à solução. E embora consigam resolverproblemas de um tipo particular, não conseguemmodificar o método de resolução em condições novas:isto é, os seus conhecimentos formalizam-se. Umaassimilação consciente dos métodos de resolução dosproblemas não só exige que se assimile o correspon-dente sistema de operações aritméticas, como tam-bém que se assimile a forma de raciocínio mediantea qual os alunos analisam o conteúdo de um pro-blema e escolhem determinadas operações. Apresen-tam-se vários exemplos dos métodos usados por Pe-trova para a análise dos problemas com os própriosalunos, sobretudo os métodos com que os alunoslêem o problema, analisam o seu conteúdo e expri-mem o raeionínio em que se baseia a resolução. Nofim do ano, a maioria das crianças da classe I con-segue realizar sozinha a análise detalhada de umproblema que' acarreta um desenvolvimento relativa-mente elevado da linguagem matemática.

Fizeram-se investigações sobre três classes para-lelas da mesma escola onde trabalhava Petrova; eramclasses normais, dirigidas duas delas por professorescom muita experiência. Tinha-se prestado poucaatenção ao )!nsino dos métodos de ,análise dos pro-blemas e à consolidação do raciocínio 'detalhado queleva à solução. Também se tinham apresentado demodo menos sistemático os exercícios relativos à for-mação dos conceitos. As provas experimentais deresolução de problemas apresentadas às quatro tur-mas demonstraram que os alunos de Petrova tinhamalcançado um grau de habilidade consideravelmentesuperior ao dos alunos das outras classes, ao resol-verem por si próprios os problemas e ao realizaruma completa e complexa análise dos problemasapresentados. Pode concluir-se que se deve prestar

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especial atenção aos métodos de ensino da análisedos problemas e ao raciocínio correcto durante estaanálise. Os sistemas de Petrova ilustram os possíveismétodos de abordagem do problema. É possível queoutros professores usem métodos diferentes, mais efi-cazes; seria preciso descobri-los e analisá-los.

A parte final do artigo refere-se à solução deproblemas mais complexos nas classes superiores daescola secundária, onde se devem utilizar métodos«auxiliares» especiais. Para analisar estes métodosestudou-se o processo de resolução de problemas pelosadultos. Identificaram-se diversos métodos: concre-tização: a um problema apresentado sob forma abs-tracta dá-se um significado concreto, resolvendo-odeste modo com o auxílio de imagens específicas:abstracção: deixam-se de lado os detalhes específicose o sujeito exprime o conteúdo em conceitos maisabstractos, que esclarecem as conexões funcionais eas relações matemáticas; análise gráfica: o sujeitoprocura esquematizar as relações entre os dados deformas convencionais (rectângulos, linhas rectas, CÍr-culos), para deste modo encontrar as relações neces-sárias; modificação: o sujeito modifica o problemaexcluindo alguns dados e depois, baseando-se na ex-plicação lógica do resultado destas alterações, encon-tra o modo de resolver o problema; analogia: o su-jeito resolve um problema análogo mas mais fácil;uso das perguntas analíticas que orientam o pensa-mento do sujeito para a análise dos dados e dassuas conexões fundamentais; estas ajudam a isolar asrelações principais, o núcleo de um problema, e aconcentrar a atenção sobre ele. Fez-se uma expe-riência para demonstrar a possibilidade e a eficáciade ensino do método de apresentar perguntas ana-líticas; teve resultado positivo, demonstrando que taismétodos «auxiliares» podem ser ensinados na escola.

Concluindo procurou-se isolar determinado nú-mero de requisitos úteis para a solução de problemase mostrar alguns métodos para o seu ensino; podemexistir outros métodos que exijam investigações e

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análises específicas. Será necessário estudar comoassimilam os alunos cada método auxiliar, bem comopreparar métodos para o seu ensino. Um grupo deinvestigadores, composto por professores, psicólogose especialistas em métodos de ensino, constituiriatalvez o melhor tipo de unidade de investigação.

"

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APRENDIZAGEM DOS CONCEITOSCIENTíFICOS NA ESCOLA

R. G. NATADZE(*)

,Muitos anos de estudo experimental sobre a evo-

lução do pensamento conceptual na idade escolarconvenceram-nos de facto de que a maior dificuldadepara uma criança reside na descoberta dos aspectosessenciais de um conceito e na compreensão da suaimportância.

Uma criança pode facilmente identificar e abs-trair as propriedades visuais comuns a certo númerode objectos, ou antes, assimilar na prática conceitosconcretos, mas só muito depois poderá assimilar ascaracterísticas essenciais de um conceito como tal.

Nas fases sucessivas da assimilação de um con-ceito, a última é o conhecimento das suas caracterís-ticas essenciais (não simplesmente as comunas) e dasua importância.

As nossas investigações demonstraram que parauma criança é particularmente difícil assimilar carac-terísticas essenciais de um conceito quando as ima-gens visuais correspondentes não coincidem com oconteúdo do conceito, mas estão em contradição comele; em contrapartida é muito mais fácil assimilartraços característicos quando estes se apresentam,desde o início, com imagens visuais correspondentes.

(*) Professor de psicologia na Universidade de Tiflis.Texto publicado in Actas do Congresso de Psicologia, Mos-covo, 1957, pp. 433-437.

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Para observar e estudar o processo de aSSImI-lação das características essenciais de um conceitoem diversos grupos etários, realizamos uma expe-riência com crianças da classe I à VIII (inclusive).

Na experiência utilizaram-se quatro conceitos: «ma-mífero», «peixe», «ave» e «insecto». Estes conceitossão muito conhecidos da crianças, muito antes de «se-r~m estudados» de modo específico na aula de ciên-cias,

Na primeira fase da investigação, determinou-se ograu de conhecimento de cada um dos ditos conceitospor parte das crianças. Posteriormente, durante umaconversa.: demos gradualmente às crianças uma defi-nição simplificada de cada um desses conceitos e «ilus-trámo-los» com desenhos de animais correspondentes(típicos). Os desenhos estavam distribuídos em quatrogrupos.

Na definição de mamífero insistimos sobre as se-guintes características: este animal é vivíparo, ama-menta as crias e (ao contrário dos peixes) respira pormeio de pulmões. Ao definir os peixes insistimos sobreo facto de não parirem as suas crias, de não as ama-mentarem e «respirarem água» através das brânquias.Ao falar das aves fizemos notar apenas a característicadas penas (o corpo coberto de penas), mostrando de-senhos de aves que não voam, como a avestruz. Quantoao que diz respeito aos insectos chamamos a atençãopara uma única característica: são animais de seispatas. ,

As características dadas acrescentamos repetidascomparações entre os conceitos, sobretudo entre ma-.mífero, e peixe, mas também entre mamífero e ave(a propósito dos pássaros não chamamos a atençãopara a sua maneira de respirar). Só passámos à segundaparte da experiência quando as crianças tiveram umconceito concreto e estável das características mencio-nadas, foram capazes de dar elas próprias uma defini-ção baseada nessas características; e além disso foramcapazes de indicar estas características comparando

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os conceitos entre si. Deve fazer-se notar que atingimosrapidamente este ponto, até mesmo com os indivíduosmais jovens, e até mesmo com os de seis anos e dacreche que participaram na experiência.

Na segunda fase apresentou-se uma série de dese-nhos que representavam mamíferos, peixes, aves e in-sectos, e pediu-se que dissessem que tipo de animalestava representado em cada desenho e que colocassemos desenhos no grupo correspondente. O indivíduo tinhaque demonstrar o fundamento de cada resposta.

Fizemos perguntas como: «Porque pensas que istoé um peixe?», «isto pode ser um mamífero?», «porqueé que não pode ser?», etc. A conversa continuou atéque a criança, tratando de cada animal pertencente auma determinada espécie, nos indicou as correspon-dentes características essenciais.

No final da segunda fase da experiência.. apresenta-ram-se desenhos insólitos de espécies não correspon-dentes de animais, desconhecidas para as crianças maispequenas, mas pertencentes aos conceitos anterior-mente enumerados através das características especifi-cadas. Os erros eram corrigidos pelo experimentador.

Durante a terceira fase; ou seja, a fase crítica daexperiência, apresentavam-se aos indivíduos desenhosque representavam animais que pelo seu aspecto ex-terno (fenotipo) pertenciam a um conceito, mas que naessência (de acordo com as características essenciais)pertenciam a outro; por exemplo, um animal perten-cente pelo seu aspecto externo aos peixes e pelas suascaracterísticas essenciais aos mamíferos. Deram-se aosindivíduos desenhos que representavam um delfim,uma baleia, um unicórnio marinho (narval) e outros

~animais cujo aspecto externo é típico dos peixes, masque do ponto de vista das características essenciaisaprendidas por eles na fase anterior da experiênciasão mamíferos, e não peixes.

. Apresentaram-se também desenhos de um morcegoe de uma série de quirópteros; a maioria destes dese-nhos representavam animais alados, alguns em voo; ascrianças receberam também desenhos de mariposas

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voando, nos quais se representavam com toda a cla-reza as seis patas.

A tarefa desta fase «crítica» era contrapor o con-teúdo dos conceitos, conhecido pelo indivíduo atravésda definição, com a forma visual externa do objecto.A finalidade da experiência era esclarecer se a criançaera capaz de identificar as características essenciais doconceito quando observava a sua forma, e estabelecera facilidade com que o fazia.

Durante a experiência, a criança era auxiliada comperguntas-guia e explicações. Ao apresentar à criançao «objecto crítico», o experimentador perguntava-lheantes de mais o que devia saber sobre este animal paraindicar correctamente a que espécie pertencia: mamí-fero, peixe ou outras. Se esta pergunta se revelavainadequada, o próprio experimentador informava acriança das características essenciais do' animal, dando--lhe, por exemplo, o desenho de um delfim e dizendo--lhe que os delfins amamentam as suas crias e respi-ram pelos pulmões, e por isso saltam constantementefora de água, etc. Quando dava o desenho de um mor-cego, o experimentador insistia no facto de as suasasas não terem penas, mas que estão cobertas de pelede que não tem penas no corpo, que pare as suas criase as amamenta, etc. Se esta ajuda se revelava insufi-ciente, o experimentador explicava directamente àcriança de que tipo era o animal em questão e porquê.

Na quarta fase da experiência iniciava-se um coló-quio com o fim de esclarecer como usava a criançaestes quatro conceitos no contexto de operações inte-lectuais não dirigidos para o imediato reconhecimentodos traços essenciais do conceito; ou seja, operaçõestais que não exigiam uma determinação directa doconceito ou o conhecimento das suas característicasessenciais.

Por exemplo, depois de ter falado à criança daforça colossal e do enorme volume da baleia, dizia-se--lhe quais são os mamíferos e os peixes maiores e maisfortes. Ou, por exemplo, falava-se de peixes (e depoisde mamíferos) que têm um bico largo e cortante. Pouco

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antes a criança tinha visto desenhos do narval mari-nho, com um bico (ecomo») largo e cortante que nãopodia deixar de chamar a atenção. Durante estes coló-quios averiguou-se se os nossos indivíduos julgavamefectivamente do ponto de vista das característicasessenciais depois de ter recebido a «lição», ou se se dei-xavam atrair outra vez pelo ponto de vista do «feno-típico». A cada grupo etário corresponde um progressonesta direcção. Apresentamos em seguida. os principaisdados referentes às etapas fundamentais da experiência.

1. Os indivíduos mais jovens, crianças de sete anosque acabam de entrar na escola, assimilam tão bem osconceitos apresentadas durante a primeira fase da expe-riência que, baseando-se no correspondente uso dosquatro conceitos podem, em primeiro lugar, indicar oscorrespondentes traços essenciais (por exemplo: «Esteanimal amamenta as suas crias», «estes animais res-piram ar», «estes animais têm pulmões»); em segundolugar, são capazes de ligar estes conceitos, quase semerros, com os desenhos que representam animais deespécies usuais (típicas). Os escassos erros são facil-mente corrigidos através de perguntas-guia do expe-rimentador. .

No entanto, as crianças de sete anos não podemprovar o fundamento da atribuição 'de um animal par-ticular ao conceito correspondente, ref erindo-se àscaracterísticas essenciais; quando procuram explicaressa atribuição ao responderem às perguntas do expe-rimentador, as crianças desta idade não costumamfazer referência aos traços característicos. É evidenteque faltam ao seu conhecimento do conceito as carac-terísticas essenciais.

A apresentação aos indivíduos de desenhos «crí-ticos» demonstra que todas as crianças de sete anos- sem excepção e sem a menor vacilação - atribuemalguns animais a um ou outro conceito baseando-seexclusivamente no seu aspecto externo, na imagemvisual do animal (por exemplo, o delfim e a baleia aospeixes, o morcego às aves, etc.). As perguntas-guia e

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as explicações com referências directas às definiçõesaprendidas não conseguem alterar o ponto de vista dacriança. Podemos dizer que quando olham para o del-fim (no desenho)' «vêem' com os seus próprios olhos»um peixe, e não lhes interessa de modo algum a ma-neira como na realidade o peixe respira ou se reproduz.O aspecto exterior, ou seja, a imagem visual do animal«eclipsa», de tal modo na consciência da criança ascaracterísticas «não visuais» que a contradição não tempara ela o mais pequeno sentido.

Embora o indivíduo repita correctamente as defi-nições de mamíferos, peixe, etc., anteriormente apren-didas, e embora escute com interesse a explicação sobreo delfim que amamenta as suas crias e respira, estáfirmemente convencido de que tem diante dos olhosa imagem de um peixe. Interrogado sobre que animalamamenta as suas crias e respira ar, a criança responde«o mamífero»; apesar disso, considera o delfim umpeixe, embora o experimentador já lhe tenha dito queo delfim amamenta as suas crias e respira ar. A criançalembra-se também de que todas as aves têm o corpocoberto de penas, mas apesar disso considera que omorcego é uma ave, embora saiba perfeitamente queas suas asas estão cobertas de pele.

Portanto, nesta primeira fase da nossa experiênciaa criança não parte da perspectiva das característicasessenciais, embora estas lhe sejam ensinadas de maneiraespecífica.

2. Num nível ligeiramente superior 'de desenvol-vimento, característico da classe II (oito anos), durantea segunda fase da experiência, quando deve classificaros desenhos dos animais, a criança explica esta clas-sificação referindo-se às características essenciais dede cada categoria.

Nesta fase, os animais «críticos» só são inseridosna categoria exacta, com referência às característicasessenciais, depoisde uma explicação exaustiva do ex-perimentador (as perguntas-guia não são de nenhumaajuda). Mas este resultado é bastante instável, porque

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na etapa seguinte da experiência - ou seja, quandose têm que usar estes conceitos no contexto de umaoperação intelectual- a .criança «desliza» outra vezpara o ponto de vista «fenotípico» (ou seja, aqueleque considera que o elefante é um mamífero, mas nãoa baleia e julga que o narval é um peixe de nariz maislargo e cortante).

3. Na Ill classe (9-10 anos) observa-se uma novaalteração: também neste caso a atribuição de «objectoscríticos» se produz sem sombra de dúvida, baseando-sena forma externa, mas quando se pede à criança quejustifique a sua atribuição (<<Porque é que julgas que odelfim é um peixe?»), a própria criança o faz refe-rindo-se às características essenciais do conceito, ouseja, atribui «arbitrariamente» ao «animal crítico» ca-racterísticas pertencentes ao conceito no qual incluio animal (por exemplo, quando inclui o delfim nospeixes, afirma que o delfim «respira água» por meio debrânquias, põe ovos, etc.).

Portanto, também neste caso a criança se deixainteiramente guiar pelo aspecto externo (imagem visual)ao classificar os «objectivos críticos» e ao atribuí-los aum conceito. Quando se lhe apresenta a possibilidadede justificar a sua atribuição, ou seja de comprovar asua base e de a fazer compreender pelos outros, acriança considera necessário referir-se às característi-cas essenciais, mas trata-se sempre de característicasrelativas ao objecto concreto no seu aspecto externo,ou seja o momento determinante é, uma vez mais, aimagem visual.

Outras informações sobre o desenvolvimento dofenómeno de que nos estamos a ocupar são as seguintes:

1. Uma correcção adequada dos erros cometidospelas crianças, acompanhada por explicações do expe-rimentador, faz com que os indivíduos «prestem aten-ção» aos animais «críticos» e com que antes de osatribuírem a um ou outro conceito se refiram às pro-priedades essenciais do animal. Por exemplo, depois de

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se lhe ter explicado que o delfim é um mamífero, acriança não atribui o narval ou outros mamíferos aesta ou àquela categoria sem perguntar antes como sereproduzem e como respiram; só depois de uma res-posta a esta pergunta os atribui a uma categoria, deacordo com as características essenciais e prescindindodo aspecto externo do .animal.

2. Às vezes apresenta-se uma solução especial parao problema: a criança tem a intuição da contradiçãoe não ignorando, por um' lado, as características es-senciais, e por outro o aspecto externo, procura amaneira de «conciliar» os dois momentos. Conhecendoas características essenciais do delfim ou do narval,considera-os «peixes mamíferos».

3. Depois de uma ajuda sistemática do experimen-tador, a criança toma uma posição tão estável do pontode vista das características essenciais que não «recua»deste ponto de vista durante a fase seguinte da expe-riência. Por exemplo, considera a baleia - e não oelefante - como mamífero com mais força, etc.

É interessante observar que ao nível da classe IV(10-11 anos) se determina uma alteração repentina naassimilação dos conceitos de «mamífero», «peixe»,«ave». Grande parte desta alteração deve-se, como éóbvio à aquisição das noções correspondentes na es-cola, no início do ano. Mas nesta fase há todaviaalgumas crianças que atribuem as espécies de mamí-feros marinhos que lhes são desconhecidas (como onarval) a peixes, de acordo com o seu aspecto externo,e não se interrogam sobre como respiram, como sereproduzem, etc., estes animais.

Alguns indivíduos (poucos, na realidade), ao recor-darem que a baleia é um mamífero, consideravam-naem última instância como um peixe que amamentaas suas crias e tem pulmões e colocavam o desenhoda baleia no grupo dos peixes e não no dos mamíferos.Mas, passada a classe IV, não se observaram casosdestes.

p,

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! PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEME DA APLICAÇÃO DE ALGuNS CONCEITOS

DE FíSICA

E. A. FLESHNER (*)

Esta exposição resume uma série de investigaçõesrealizadas durante um período de dois anos com alu-nos de três escolas moscovitas. Na introdução, o autorobserva a especial importância do problema de me-lhorar o ensino da física. Trabalhou-se muito sobreo problema dos métodos de' ensino; insistiu-se naimportância de introduzir auxílios visuais, de realizar,maior número de experiências no .laboratório, visitasorganizadas, ele. Outros autores insistiram sobre ocontraste entre teoria prática, ou então examinaramas capacidades dos alunos a respeito desta matéria,que desempenha um papel fundamental na assimila-ção do conhecimento. Os estudos relativos à assimi-lação das noções e à definição dos graus de assimi-lação são de grande interesse, e as investigaçõesapresentadas sublinharam a importância' do princípioda contra posição aplicado à assimilação de noções;e sobretudo quando ao que diz respeito às relaçõesentre noções adquiridas de modo estável e as deaquisição recente.

(*) Colaborador do Instituto de Psicologia da Academiade Ciências Pedagógicas da URSS. Texto publicado nas actasdo congresso de Psicologia do conhecimento aplicado ao tra-balho escolar, ed. a cargo de N'

jA. Menchinskaya, Moscovo,

1958, pp. 77-129. l

3S.,

Page 19: Autores soviéticos

Entre as investigações relativas à física, temespecial importância a de S. I. Ivanov C), que esta-beleceu uma série de etapas na formação de con-ceitos físicos; A. S. Schepotiev C) estudou a natu-reza dos erros referentes à aplicação de noçõese sublinhou a grande importância da organizaçãodo trabalho para obter resultados positivos; F. A.Kovtunova C) ocupou-se das matemáticas e dafísica, procurando sobretudo as diferenças indivi-duais; A. S. Sokolov (4) analisou a estrutura do ra-ciocínio nos alunos' das classes VI-VIII na soluçãodos problemas de física; sobretudo, examinou oserros cometidos nas deduções e nas dificuldades paraaplicar as noções. As investigações desenvolvidas nolaboratório de psicologia da aprendizagem do Insti-tuto de Psicologia da Academia de Ciências Peda-do trabalho para obter resultados positivos; F. A.Menchinskaya n numa análise das dificuldades quesurgem no trabalho prático-visual.

Nas investigações de psicologia realizadas noestrangeiro, os problemas são sobretudo tratados emrelação com o pensamento, mas algumas investiga-ções referentes à influência da experiência anteriorsobre a habilidade para resolver problemas suscitaramum interesse material. As primeiras investigaçõesneste campo foram realizadas por N. R. Maier e

C) S. L Ivanov, A formação dos conceitos na aprendi-zagem, in SP, 1945, n." 1-2.

C) A. S. Schepotiev, Condições psicológicas para a for-mação dos conceitos [isicos em estudantes da classe IV, Tese,Pskov, 1949 .:

C) F. A. Kovtunova, Caracteristicas psicológicas da apli-cação do conhecimento, Tese, Orel, 1949.

e) A. S. Sokolov, Processos de pensamento na soluçãode problemas físicos, in Izvestia APN, vol. 54, 1954.

(') N. A. Menchinskaya, Aspectos psicológicos da apli-cação prática de conhecimentos nas crianças, in VP, 1956,n." 1.

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K. Dunker (6), uma importante contribuição é cons-tituída pelos 'trabalhos de N. E. Weaver e E. N. Mad-den C) - que baseando-se em dados experimentais-consideram condições de êxito «a presença de noçõescorrespondentes» e a posse de «operações de investi-gação», definindo estas últimas como um exame com-preensivo da situação, noção muito próxima da. deactividade analítico-sintética, essencial para a reso-lução dos problemas. O problema da utilização dasnoções e as condições para assegurar um resultadopositivo são tratados de outros pontos de vista porL. Skezely, que estudou a influência das condiçõesde aquisição das noções sobre a sua utilização C).Nas conclusões referentes à prática do ensino, Ske-zely insiste sobretudo no facto de a eficácia doconhecimento depender essencialmente da organiza-ção da actividade escolar; os métodos de ensino usa-dos na maioria das escolas deveriam mudar se sequiser conseguir uma educação para o pensamentocrítico e criativo, porque não se progredirá enquantoos professores pedirem aos alunos que aprendam decor e estiverem convencidos de que quem conseguerepetir a matéria a assimilou perfeitamente e podeaplicar, portanto, de modo criativo, as novas noções.

Muitos outros investigadores de outros países ob-tiveram dados análogos, que atestam' que a presençade conhecimentos nem sempre assegura um bomresultado na solução de problemas. Mas aprofundou--se pouco o problema da aplicação das noções a pro-blemas práticos relativos a matérias importantes, en-tre elas a física.

Este programa de investigação propõe-se, emprimeiro lugar, descobrir como as características espe-

./

(6) N. R. Maier, Reasoning Humans, in Journal of Com-parative Psychology, voI. 10, n." 2, 1930; K. Dunker, Psicholo-gie des Productiven Denkens, Berlim, 1935.

C) N. E. Weaver - E. N. Madden, Direction in ProblemSolving, in Journal 0/ Psychology, voI. 27, II parte, 1949.

(I) L. Skezely, Productive Process in Learning andThinking, in Acta Psychologica, voI. 7, n." 24, 1950.

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cíficas das associações de base, aprendidas na escola,se reflectem no processo de aplicação ..Paralelamente,procurou-se esclarecer que relações existem entre no-ções recentemente adquiridas e noções anteriormenteadquiridas. Foi de particular importância a análise daactívidade de pensamento que se produz na aplicaçãode noções de física. Este problema decompõe-se emdois particulares: de que modo muda o processo deaplicação de noções na passagem dos problemas docompêndio (apresentados e resolvidos verbalmente)para os problemas visual-activos (apresentados noplano visual e resolvidos com ajuda de acções ma-nuais); e que influência exerce sobre a execução deuma tarefa.

Os dados da investigação foram obtidos do mate":rial referente à aplicação das noções aprendidas pelosalunos da classe VI (12-13 anos) durante o estudoda primeira parte do curso escolar de física «Medidasimples».

Escolheu-se esta parte porque compreende o es-tudo das três grandezas físicas (densidade, peso evolume), a primeira das quais é um conceito absolu-tamente novo para estes alunos, enquanto que osoutros dois são conhecidos antes de iniciar o estudoda física. Uma investigação preliminar demonstrouque a nova noção de volume se limita a aprofundare ampliar uma noção já adquirida pelos alunos, en-quanto que a noção de peso que tinham podidoextrair da sua experiência anterior não correspondeao novo conceito científico. Por isso foi possível es-tudar como se aplicam noções adquiridas em con-dições diferentes.

Neste período do curriculum escolar utiliza-semuito o material visual e o trabalho de laboratórioocupa um lugar proeminente; além disso, exige-seque os alunos resolvam problemas do compêndio ba-seados nas relações entre grandezas. Por isso foi pos-sível observar a actividade analítico-sintética durantea aplicação das noções aos problemas do livro etambém aos activos e visuais. Também era importante

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que os conceitos estudados representassem um sis-tema de grandezas físicas reciprocamente enlaçadas.Levavam-se os alunos a reconhecer as conexões cau-sais entre as variações, conexões que se .reflectemem relações funcionais. A execução das correspon-dentes provas experimentais permitiu observar asmodalidades de aplicação destas noções a relaçõesfuncionais expressas de forma generalizada. E comoestas requerem operações com categorias físicas abs-tractas, é possível pôr a claro o papel da abstracçãona actividade dos alunos e estudar a influência exer-cida sobre este processo por diversos níveis de abs-tracção.

A finalidade da observação das lições era. des-cobrir-'as condições pedagógicas em que. os alunosassimilavam a parte do curso em questão, para poderdeterminar as dificuldades que se apresentavam. Con-troles experimentais individuais, realizados posterior-mente, orientar-se-ão tpara descobrir as característi-cas específicas da aplicação de noções a diversos tiposde problemas, em determinadas condições de ensino.·Cor.respondendo as finalidades da investigação, atri-buíram-se aos indivíduos tarefas do compêndio e tare-fas; visual-activas expressas em forma concreta e emforma abstracta. A análise do material recolhidopermitiu formular hipóteses sobre a maneira maiseficaz de organizar o trabalho em determinado mo-mento do processo educativo. Para comprovar deter-minadas hipóteses organizaram-se experiências de en-sino. Um posterior controle experimental' permitiupôr em relevo a influência positiva que têm sobrea aprendizagem as alterações no processo de aplica-ção das noções à solução de problemas.

Além disso, realizou-se uma análise psicológicasobre o modo como um excelente professora organi-zou o trabalho escolar em determinada fase do curso.Experiências individuais com alunos da sua classepermitiram esclarecer essas características específicas .nas aplicações das noções que resultam de uma orga-nização mais racional do processo de ensino.

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Para recolher material suplementar utilizou-se ométodo de colóquios com os alunos e de análise dotrabalho realizado por eles sob o controle do profes-sor. Os colóquios individuais prévios permitiram umavalorização da compreensão dos termos «peso» e«volume» pelos alunos, antes destes conceitos se con-verterem em objectos de um ensino específico. Oscolóquios realizados depois do estudo de uma parti-cular secção do curso demonstraram como é que osalunos assimilaram estes conceitos e a sua prontidãoem expor verbalmen te as noções assimiladas. O examedo trabalho controlado pelo professor permitiu ava-liar o nível geral de rapidez para resolver os proble-mas do compêndio.

A investigação desenvolveu-se durante dois anosescolares. Participaram nela quarenta crianças daclasse VI de três escolas de Moscovo (número 368,650 e 324) escolhidos segundo o grau de aprovei-tamento em física (12 bons, 16 médios, 12 insuficien-tes). Realizaram-se 520 tarefas e 60 colóquios, regis-taram-se 60 lições e analisaram-se 267 trabalhos decontrole. A primeira fase da investigação consideroua formação e a aplicação do conceito de densidade,1) nos alunos que estudavam segundo o curso escolarnormal, 2) nos que constituíam a mostra da expe-riência; 3) nos que tinham tido um professor espe-cialista e altamente qualificado. Comprovou-se queo método usual de apresentação e formulação de al-gumas regras impedia a formação deste conceito;as alterações introduzidas nos métodos de exposiçãoe nas formulações, dentro do grupo experimental,eliminaram dificuldades e aumentaram (até 80 q'o) aproporção de resultados positivos. Conseguiu-se umnível ainda mais elevado de êxito (90 %) no caso doprofessor especialista, que usou métodos especiais deexposição.

Recolhemos aqui o relatório sobre a segunda faseda investigação, relativa às relações entre noçõesadquiridas recentemente e noções adquiridas anterior-mente. Na exposição original seguem-se outras duas

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secções (não recolhidas aqui): uma análise compara-tiva do processo de execução de tarefas verbais evisuais-activas, e a análise dos processos de abstrac-ção na aplicação das noções.

Inter-relação entre noções novas e noções adquiridasanteriormente

A relação entre o material recém-assimilado e asnoções que o aluno possuía, já atraiu durante muitotempo a atenção dos teóricos da educação. Hoje esteé um problema que interessa também os psicólogos.Muitas investigações ocuparam-se das diversas formasde relação entre noções velhas e novas (tanto as adqui-ridas na escola, como as adquiridas na vida quoti-diana); em alguns casos as noções precedentes facilitama assimilação das novas, e noutros, dificultam-na (9).

A importância da experiência anterior - especial-mente da quotidiana - na formação de conceitos cien-tíficos é muito importante, sobretudo no que se refere'à aprendizagem de disciplinas como a física, que seocupam de muitos conceitos de uso quotidiano. Quandoos alunos começam a estudar física possuem já todoum sistema de noções formadas durante a sua vida.Entre estas, os conceitos de «volume» e «peso», quese estudam no capítulo do curso de física «medidassimples».

As noções e as «capacidades» ligadas ao conceitode «volume» aprofundam-se e enriquecem com o es-

(9) P. A. Shevarev, Uma análise psicológica experimentaldos erros algébricos, in Izvestia APN, vol, 3, 1946; I. M. So-lovev, Caracteristicas da audição nas crianças mentalmenteatardadas, in Educação das crianças surdo-mudas e mental-mente atardadas, a cargo de L. V. Zankov, Mascava, 1953.

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tudo deste termo durante as aulas de física - amplia-seo sistema de associações ligado a este conceito. Asnovas noções não contradizem as velhas, não encon-tram «resistência» por parte das velhas. Já não sepode dizer o mesmo do conceito de «peso» (10). Umainvestigação prévia realizada com alunos que tinhamterminado a classe V (11-12 anos), demonstrou que oconteúdo deste conceito formado na experiência quo-tidiana não coincide com o conteúdo do conceito físicode «peso».

A essência da noção de peso, em física, é a forçacom que um corpo é atraído pela terra. Daqui se con-clui que existe uma sucessão de momentos importantespara a formação de um conceito correcto de «peso».Podemos enumerar aqueles que devem ser aprendidospelos alunos da classe VI (12-13 anos) que estudam o«peso dos corpos».

Antes de mais deve-se compreender que o peso éuma propriedade de todos os corpos. No colóquio ve-rificámos que os alunos pensavam que o peso era ape-nas uma propriedade daqueles que eles próprios tinhampesado na balança. Surgiu depois o problema de sabe-rem ou não que o peso é uma propriedade de todosos corpos. Perguntou-se-Ihes: «Todos os corpos têm umpeso?» Aos que responderam negativamente pergun-tou-se-lhes como é que, na sua opinião, podia um corpoter falta de peso, e como se podia explicar isso.

O segundo momento essencial na formação de umcorrecto conceito científico de peso é o conhecimentoda conexão entre atracção terrestre e queda livre deum corpo. Perguntámos, pois, aos alunos: «Porquecaem todos os corpos?», e reforçámos a sua resposta

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CO) Com o objectivo de ter uma ideia geral da compreen-são por parte dos alunos dos termos «peso» e «volume»,antes de os estudar em física, realizámos uma pesquisa pre-liminar com os alunos da classe V ao terminar o ano escolar.Esta pesquisa efectuou-se na escola n. o 379 de Moscovo eparticiparam nela trinta e nove indivíduos. Realizaram-seconversas análogas com os alunos da classe VI, depois destesterem estudado o tema «densidade».

com uma segunda pergunta: «Estará este fenómenorelacionado com o peso?»

O terceiro momento de fundamental importânciaé o conceito de força, que se estuda posteriormente:«O que é a Iorça?», «que têm em comum o peso e aforça?»,

Por último, tendo notado nos colóquios prévios umadiscrepância na compreensão das palavras «peso» e«gravidade», fizemos uma pergunta a propósito da gra-vidade e explicamos a relação entre o significado daspalavras «peso» e «gravidade» (11).

Reproduzamos a gravação de um dos colóquios pré-vios, com Zhenia A., aluna -da classe VI na escolan.? 650.

Experimentador - O que é o peso? Diz-me tudoo que sabes sobre o peso.

Indivíduo - O peso é, como poderei dizê-lo? Ê oque pesa um corpo se se põe numa balança. Pomo-lonuma balança e pesamo-lo, quanto pesa ...

Experimentador - Que mais podes dizer?Indivíduo - Que cada corpo tem um peso distinto.

Uns pesam muito, outros muitíssimo, por exemplo essacasa (indica um grande edifício da esquina e sorri) nãopoderia ser pesada ...

Experimentador - Disseste que o peso é o que pesaum corpo, mas depois dizes que essa casa não poderianunca ser pesada. Julga que a casa tem um peso, ounão?

Indivíduo - Como é que tem um peso se não podeser pesada?

Experimentado!' - É pesada mas não se pode pesar?

(11) Isto não esgota, naturalmente, a categoria física de«peso». Não obstante, os alunos da classe VI não conseguemassimilá-Ia completamente, porque ainda não conhecem a leiuniversal de gravidade, não conhecem o conceito força comograu de mudança do movimento, etc. Por isso insistimos so-bretudo nos aspectos do conceito de «peso», naqueles em quea concepção infantil - como se viu nas conversas com osalunos da classe V - diferia da científica.

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Indivíduo - Sabemos que é mais pesada do que ...por exemplo (olha à sua volta, à procura de um objectode comparação, e vê uma máquina limpa-neve). É maispesada do que dez máquinas dessas.

Experimentador - Disseste que todos os corpos têmum peso. Que queres dizer?

Indivíduo - Têm um peso, só que é outra coisa.Experimentador - Explica-me como é que pesam

todos os corpos.Indivíduo - Têm diversos tipos de peso... como

poderei dizê-lo? (revela um esforço). Bem, pesam ...têm gravidade. Todas as coisas têm gravidade.

Experimentador - E o que é a gravidade?Indivíduo - A gravidade é o que sentimos quando

temos um objecto na mão. Está em todos os corpos.Um balão também tem gravidade; mas não muita.Nele o ar não pesa nada, mas a borracha pesa. Cadacoisa tem a sua gravidade.

Experimentador - O que é que diferencia a gra-vidade do peso?

Indivíduo - A gravidade está em todos os corpos.Sabemos que neles há gravidade. Mas o peso é quandosabemos exactamente quanto pesam. Sabemos o pesoquando pesamos os corpos.

Experimentador - Bem, diz-me agora outra coisa:Sabes o que é a força?

Indivíduo - A força é o que é necessário para des-locar por exemplo, aquele armário. A .força necessáriapara isso. b

Experimentador - O peso não tem nada a. ver coma força?

Indivíduo (depois de uma pausa) - Tem. Por exem-plo, para. pesar um corpo temos que o levantar e olevar para a balança. Para fazer isso é preciso força.

Experimentador - Podes apresentar outro exem-plo?

Indivíduo - Não me ocorre outro.Experimentador - Diz-me, pensaste alguma vez na

razão pela qual um corpo cai?

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Indivíduo (muito surpreendido) - Os corpos têmuma gravidade, e portanto não podem estar no ar, se-não caem.

Experimentador - Aonde caem?Indivíduo - Caem até abaixo, ao solo. Tudo cai

sempre até abaixo. Se atirarmos ao ar uma bola, porexemplo, cai no chão e rola. Se há uma cova a bola roladentro da cova.

Este colóquio é bastante característico dos alunosna classe VI que consideramos. A maioria deles dáuma definição de peso deste tipo: «O peso é o que pesaum corpo.» O conceito de peso está ligado à acçãode pesar em 40 % dos indivíduos. (<<Opeso é o que pesaum corpo. Temos que o pesar e obtemos o peso.»)Outros 30 % ligam o conceito de «peso não com aacção de medição, mas com o seu resultado». (<<Pesoéaquilo que pesa um corpo, quantos quilos ou tonela-das.») Finalmente, e isto é muito importante, 80 % dosindivíduos estavam convencidos de que os corpos quenão tinham pesado eram falhos de peso.

Estes dados confirmam a opinião de que antes deestudar o «peso» em física, os alunos só atribuem pesoaos corpos que pesaram; o peso é, para eles, o resul-tado numérico da acção de pesar.

É interessante observar que, depois de ter negadoque os corpos tenham um peso se não for possívelpesá-los, os indivíduos respondem positivamente à per-gunta mais abstracta - todos os corpos têm um peso -,mas preferem utilizar neste caso a palavra «gravidade»(como faz Zhenia A.). As expressões usadas pelos indi-víduos indicam claramente que, para os alunos quenão assimilaram a física peso e gravidade são conceitossinónimos. Também há motivos para pensar que oconteúdo do conceito comum de «gravidade» tem umsignificado mais próximo do conteúdo físico deste con-ceito que o conteúdo do conceito corrente de «peso».

À pergunta se o peso tem algo em comum com aforça, alguns alunos dão uma resposta afirmativa, ex-plicando com os seguintes exemplos: «Quando umcorpo é muito pesado temos que usar muita força para

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o pôr na balança e o pesar» (Boris Y.). «Quanto maispesa um homem, mais força tem» (Valia S.). Em ne-nhuma destas duas expressões (e muito menos noutrasanálogas) encontramos algo que corresponda ao sig-nificado físico, uma compreensão da relação existenteentre estes dois conceitos. A compreensão do «peso»como força falta completamente aos alunos a quemse ensina física com o método actual. Tem que serposta em relevo e consolidada nas lições.

No entanto, o conceito de «força» - igual ao de«peso» - é conhecido pelos alunos muito antes de ocomeçarem a estudar nas aulas de física. Este conceitotem um conteúdo específico formado na vida de todosos dias.

As respostas dos alunos às perguntas orientadaspara esclarecer o conteúdo corrente do termo «força»demonstraram que os seus conceitos de força (antes dea estudarem) estão ligados sobretudo ao esforço mus-cular: «Força é quando esforçamos os músculos», «aforça é necessária quando tem que se fazer qualquercoisa (mover, arrastar, etc.)». Estas foram as defini-ções mais típicas de força que ouvimos. Destas expres-sões conclui-se que as crianças restringem o conteúdodeste conceito, limitando-o apenas ao esforço muscularque se produz nas acções dos homens ou animais sobrequalquer outro corpo.

Deve notar-se que com semelhante conceito de«força» se tornava difícil aos alunos explicar a quedalivre de um corpo atraído pela terra, já que a terra,segundo a sua concepção, não podia ser fonte de força.Explicavam a direcção do corpo na queda livre, nãocomo um movimento até ao centro da terra, mascomo um movimento para baixo. «Qualquer coisa quepese vai até baixo.» «Quando num copo há água eazeite, a água vai até baixo. Quando um corpo estáno ar cai até abaixo e o ar sobe.» Assim raciocinavaum dos indivíduos. Tornava-se evidente, pelas expres-sões usadas pelos alunos, que o corpo que cai livre-mente se dirige para a terra não porque seja atraídopor esta, mas porque a direcção do movimento coin-

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cide com a direcção para baixo. Se não fosse para aterra, que constitui uma barreira, o corpo, na opiniãoda criança, continuaria a cair. Isto é atestado por ex-pressões como: «Os corpos caem até baixo, ao solo, edepois param porque este é o lugar mais baixo.»

O conteúdo científico do conceito «peso» não cor-responde pois, às noções de peso formadas na vidadas crianças. É preciso reorganizar estas noções. Devefazer-se notar que isto não é tido em conta quandose fala de métodos de ensino. Pelo contrário, aconse-lha-se a abordar o estudo do conceito de «peso» comouma realidade retirada da experiência, e que dependeportanto das sensações experimentadas pelas criançasao levantar. e transportar pesos, da observação daqueda livre dos corpos, etc. Esta concepção está ex-pressa com toda a clareza no conselho metodológicode E. N. Goriachkin, que no seu livro Métodos deensino da física na sétima classe, (Moscovo, 1948),recomenda: «Não é necessário dar nenhuma noção depeso no estudo do tema dado, mas podemos utilizaras ideias que as crianças formaram dele na sua própriaprática vital.»

De acordo com esta opinião, os professores das es-colas onde se realizava a investigação não ampliavamo significado físico do termo «peso» para além da ideiaque a criança já possuía. Não se fez nenhuma tentativapara averiguar se as crianças conheciam a diferençaentre o conceito de força que se tinha desenvolvido nasua experiência pessoal, e o significado físico do termo.Além disso, o termo «força» não só se usou repetida-mente nas lições sobre o «peso dos corpos», comotambém foi apresentado como «a força com que umcorpo é atraído para o solo se chama peso do corpo».

Como se comprovou na investigação anterior, osalunos encontravam certas dificuldades em assimilar onovo conteúdo do conceito «peso». Alteravam a defi-nição e cometiam erros no desenvolvimento das tarefas.Embora os problemas cuja incógnita era o «peso» seresolvessem normalmente com menos erros do queaqueles em que se tinha que determinar a densidade

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ou o volume, os alunos (tal como o demonstrou umatarefa na aula) cometiam mais erros nos problemas«sobre o peso».

Oito ou dez semanas depois do estudo do temana classe VI, realizaram-se investigações individuais.O seu objectivo era estudar as características especí-ficas de aplicação de um conceito, formado comoconsequência de uma interacção entre as noções adqui-ridas recentemente e as adquiridas com anterioridade.Cada um dos 20 indivíduos sobre os quais se realizoua investigação tinha que realizar três tarefas, duasdelas semelhantes às apresentadas durante as lições.Tratava-se de problemas escolhidos no compêndio so-bre a determinação do peso de um corpo determinadoo volume e a densidade. A terceira prova levava àdeterminação do peso de uma tampa de vidro de formairregular que não podia ser pesada. Os alunos dispu-nham de alambiques e de tábuas de densidade; podiam,portanto, medir o volume de um determinado corpo,procurar na tábua a densidade do vidro e baseando-senestes dados para determinar o peso do objecto utili-zando as mesmas noções que deviam utilizar para aresolução dos problemas do compêndio.

A experiência demonstrou que num número consi-derável de alunos diminuíra a capacidade para aplicaras noções correspondentes ao peso e à solução dosproblemas. Só 13 alunos (35 0/0), resolveram correcta-mente os dois primeiros problemas, embora na anteriortarefa de aula, os exercícios terem sido correctamenteresolvidos por 17 indivíduos em 20. J Os resultados fo-ram ainda piores para o terceiro problema: 10 alunos(500/0), não conseguiram resolvê-lo correctamente. Es-tes alunos tentaram durante muito tempo, embora semêxito, pesar o corpo, quando tinha a possibilidade dedeterminar o seu peso através da densidade.

Uma vez demonstrado que a diminuição dos resul-tados positivos na solução. dos problemas está ligadaà modificação na noção de peso, foram entrevistadostodos os alunos para descobrir qual era, na sua opinião,o conteúdo deste conceito no momento da experiência.

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A análise do material recolhido permitiu uma divisãodos indivíduos em quatro grupos.

Grupo I (os cinco alunos de melhor aproveita-mento). Para estes, o termo «peso» estava apenasligado ao novo significado físico; expressaram o con-teúdo do conceito de modo absolutamente novo, sema menor alusão ao anterior conteúdo quotidiano (porex.: o peso é força, todos os corpos têm um peso, etc.).Compreenderam também correctamente o fenómenoda queda dos corpos e explicam-no com palavras apro-priadas. A comparação das expressões usadas nas res- :"postas aos colóquios preliminares demonstrou que nes-tes alunos se tinha reorganizado por completo o velhoconteúdo do conceito «peso».

Grupo II (quatro alunos de escasso aproveitamento).A característica destes indivíduos foi que as expressõesque usaram para definir o peso coincidiram quase com-pletamente com as usadas pelo professor ao explicareste conceito. Podem-se comparar as respostas à per-gunta - o que é o peso de um corpo - dadas por umdestes indivíduos em ambos os colóquios (Anatolii G.,aluno da escola n.o 368, insuficiente em física).

Colóquio prévio

«O peso é quando pesamos algo e escolhemos ospesos, para que Se mexa o indicador da balança (mostracom as mãos a posição dos braços da balança). Quandoencontramos os pesos sabemos quanto pesa o objecto.»

Colóquio seguinte

«Colhemos algo e pesamo-lo na balança. Escolhe-mos o peso. de modo a que o equilibre.

«As unidades de peso são as gramas, os quilogra-mas, as toneladas, etc. O peso é quantos gramas, qui-logramas ou toneladas pesa um corpo.»

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A comparação destes dois colóquios indica clara-mente que o conteúdo do conceito «peso» não mudapara Anatolii G., depois da lição, utiliza o termo «ba-lança», nomeando também o valor peso, mas quantoao resto' permanece invariável a incorrecta formulaçãoda definição. .

Este é um exemplo daquilo que se pode comprovarnos indivíduos de determinado grupo, que ficou atra-sado. O peso, antes de ser estudado, é definido comoo resultado de uma medição e, por conseguinte, comouma propriedade pertencente apenas aos corpos quesão pesados. Tal como antes, os alunos do segundogrupo não observavam a mais pequena conexão entreo fenómeno de queda livre dos corpos e a atracçãoterrestre; para eles, os corpos caem em virtude de umapropriedade específica, a gravidade. O conteúdo pré--científico do conceito de peso está completamenteestabilizado.

Grupo Il l (oito alunos de aproveitamento médio).Estes tinham assimilado o conteúdo físico do conceito«peso», mas podia-se observar com frequência que nadefinição de peso dos elementos se misturavam velhasideias «pré-científicas». Característica desta conexão éa .resposta de Kolia A.

«O peso é a força com que um corpo é atraído atéao solo, empurrando o prato da balança. Vemos quepeso é preciso pôr no outro prato e obtemos o pesodo corpo. Quando temos um corpo na mão, sentimosque nos oprime a mão porque é pesado.»

Nos colóquios com outros alunos deste grupo tor-nou-se fácil demonstrar uma fusão das noções velhase das novas. Os elementos velhos e os novos, como nocaso de Kolia, manifestam-se' simultaneamente e inde-pendentemente uns dos outros. Por isso, o conteúdodo conceito «peso» torna-se uma mistura de propo-sições, algumas das quais se contradizem entre si.Assim por exemplo, um dos alunos, depois de ter ditocorrectamente que um corpo cai porque é atraído pelaterra, acrescentou: «Os corpos caem porque todas as

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coisas pesadas caem; se param na terra é porque nãopodem atravessá-la.» CZ)

Por isso as noções adquiridas pelos alunos do ter-ceiro grupo durante as aulas de física revelam impor-tantes mudanças expressas no «choque» dos diferentessistemas de noções, o velho e o novo. Como conse-quência deste «choque», as noções recém-adquiridassão parcialmente substituídas pelas anteriormente ad-quiridas. É característico deste grupo a:' manifestaçãosimultânea dos dois sistemas subjacentes aos dois con-ceitos de «peso»: o vulgar e o científico.

Grupo IV (três alunos, um .bom e dois medianos).Com os alunos deste grupo verificou-se outro tipo demistura dos"dois sistemas de noções: as novas noçõesestavam em 'parte suplantadas pelas velhas, .mas amanifestação era distinta; não se observou o entrela-çamento .de elementos dos dois sistemas encontradosno caso dos alunos do terceiro grupo. Os indivíduosdeste grupo não deturparam o conceito específicoaprendido nas lições, mas ao exprimir o seu conteúdoutilizaram algumas velhas proposições sobre o .peso.Mas há uma diferença essencial entre os dois grupos.Os alunos do quarto grupo, ao enunciarem uma afir-mação incorrecta, param e negam-se a seguir ao res-ponderem. Podemos reproduzir a conversa com umdos indivíduos do grupo (Tamara E., bom aproveita-mento).

Experimentador - O que é o peso de um corpo?Indivíduo - O peso de um corpo é a força com que

a terra o atrai. .. Não sei mais.Experimentador- Diz-me por palavras tuas o que

sabes sobre o peso.Indivíduo - Sei que cada corpo tem um peso defi-

nido. Pode verificar-se ao colocá-lo numa balança.Quando se põe um corpo num prato da balança esteempurra-o até abaixo, põe-se um peso no outro prato ...

Experimentador - Continua, porque paras?

C') I. M. Kudriavtseva recolheu um tipo de afirmaçãoparecida relacionada com os conceitos de Botânica.

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Indivíduo - Creio que me estou a enganar. Apren-demos isto há tanto tempo que me esqueci.

Experimentadnr - Diz-me de que outras coisasrnars te recordas.

Indivíduo - Recordo-me apenas de que quando sefazem problemas tem que se multiplicar a densidadepelo volume, e obtém-se o peso. Recordo-me tambémde que nos demonstraram que todos os corpos, têmuma gravidade e de que essa gravidade os empurrapara baixo ...

Experimentador - Porque é que te calas?Indivíduo - Não, não sei, não queria dizer isso.Em Tamara E. observa-se, ao contrário do que

sucedia com os indivíduos do terceiro grupo, que asvelhas noções e as novas ainda não eram independen-dentes entre si. Ao longo da conversa, a aluna voltoupor duas vezes à noção vulgar do conceito de peso(essas frases estão sublinhadas), depois deteve-se e final-mente negou-se a responder. As outras duas criançasdeste grupo comportaram-se de maneira semelhante.(<<Nãome recordo e não quero dizer disparates», «Es-queci-me do que aprendi. Para quê dizer coisas erra-das?») Como é óbvio, nos alunos do quarto grupoverifica-se um «choque» entre os dois sistemas denoções e em especial entre alguns dos pontos que osdiferenciam. As velhas noções estavam inibidas, vistoque não correspondiàm à realidade, mas as recém--adquiridas tinham-se consolidado com muita dificul-dade e nem sempre os alunos as repetiam.

Assim, os dados dos colóquios demonstram quenuma grande percentagem dos alunos (11 indivíduos,ou seja, 55 0/0) se produzem com a passagem do tempomodificações essenciais na noção de peso adquiridanas aulas. Estas modificações verificam-se em todosos alunos' de aproveitamento médio e num bom, elevam à substituição das noções recém-adquiridas pelasnoções velhas.

Os resultados da nossa investigação confirmam fac-tos estabelecidos por muitas investigações psicológicas,referentes à substituição, ao longo do tempo, de novas

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noções por outras velhas. Isto foi posto em relevo, so-bretudo, nas investigações sobre as mudanças na ima-ginação (13).

O facto de as características da acção recíprocaentre velhas e novas noções, mostradas por vários indi-víduos nas diferentes etapas de aprendizagem, coinci-direm totalmente, prova que estamos perante uma' re-gra geral. A sua base científica, deve-se encontrar naafirmação de que «o velho não desaparece, o novolimita-se a sobrepor-se-lhe?», feita por Pavlov na suateoria do estereótipo dinâmico (14).

Um problema que merece especial atenção é comoos alunos dos diversos grupos aplicam a noção de«peso» à solução de problemas. O número de soluçõescorrectas em cada grupo de alunos que tomou partena tarefa na aula e na experiência - que durou 8-9 se-manas - está ilustrado no quadro da página seguinte.

Como se pode verificar neste quadro, o êxito dosalunos do primeiro grupo na aplicação das ideias recém--adquiridas não diminuiu. Nas conversas, verificámosque as velhas noções estavam absolutamente inibidas eque as recentes .eram facilmente utilizadas na soluçãodos problemas. Nenhuma modificação se tinha pro-duzido nos alunos do segundo grupo que, como se podeobservar, não tinham assimilado nada de novo sobreo peso.

Os resultados dos dois últimos grupos são do maiorinteresse. Em ambos se observa uma diminuição dasrespostas correctas na aplicação das noções. Este factoé, sem dúvida, resultado daquelas alterações que - talcomo observamos na conversa - se produzem com apassagem do tempo nas noções recém-adquiridas. Éinteressante notar que os resultados obtidos nos pro-

C3) T. A. Korman, A reorganização do conhecimentodurante a aprendizagem, in Izvestia APN, vol. 28, 1950;L. V. Zankov (ed. a cargo de), Estudos experimentais sobrea interacção entre linguagem e palavra na aprendizagem,Moscovo, 1959.

C4) 1. P. Pavlov, As mesas redondas das quartas-feiras,

vol. I, Moscovo, 1949, p. 313.·

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Número de soluções correctas na tarefa na aulae nas provas experimentais

N.O de SoluçõesGrupos alunos correctas Soluções correctas

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Dos problemas Uma provado compêndio visual-activa

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blemas visual-activos foram inferiores aos obtidos nasolução de problemas tirados do compêndio. Precisa-mente, os problemas visual-activos não foram resol-vidos por um terço das crianças do grupo IV e pormais de metade dos do Ill (que tinham demonstradotodos uma certa habilidade para aplicar as noçõesrecém-adquiridas na ocasião dos exercícios originais).

Os dados recolhidos demonstram que o êxito naaplicação das noções recém-adquiridas, assimiladas emluta com as velhas, diminuiu não só em função dotempo (como demonstram muitas experiências), mastambém sob a acção de uma situação visual-activa.Quanto mais próxima está essa situação da experiênciaquotidiana, mais probabilidades tem de incorrer nasvelhas e correntes noções, pelo que se esquecem asnovas noções assimiladas nas lições, embora estas novasnoções se usem ao mesmo tempo com resultado posi-tivo para resolver exercícios do compêndio. Os nossosdados mostram que no ensino da física se tem queprestar especial atenção à aplicação em condições

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visual-activas daqueles conceitos físicos cujo significadodeve ser modificado através das lições.

Na organização dos conceitos físicos, qual é o tipode trabalho necessário para assegurar uma assimilaçãoduradoura das noções dadas' e um resultado positivo aoaplicá-Ias à solução dos problemas?

Segundo os dados de experiências anteriores e5), a

maneira mais eficaz de diferenciar as noções velhas,consiste em contrapô-Ias sistematicamente nos exercí-cios da aula. A eficácia deste procedimento deriva dalei psicológica segundo a qual a principal maneira deformar diferenciações é a apresentação repetida decontraposições unidas. .

Com base nos resultados obtidos demonstramos quea influência riegativa das noções velhas no processo deaplicação do conceito físico recém-adquirido de «peso»provém de uma lei geral; pode ser eliminado atravésde uma clara distinção entre os dois significados .dotermo. Na escola n.o 368 empreendeu-se outra expe-riência quando se introduziram algumas alterações noestudo do «peso dos corpos».

Durante estas lições, os alunos que participavamna experiência convenceram-se - graças à apresenta-ção de informação visual- de que a força não éapenas um esforço muscular, que para além deste tipode força existem outras - força da pressão, a forçacriada por uma corrente de água que se move no ar,etc. - Além disso, descreveu-se verbalmente toda umagama de diferentes aspectos da força. Todos estesaspectos da força foram contrapostos ao velho termode força entendida como esforço muscular. Em conclu-são, tudo o que constituía a essência do conceito deforça se diferenciou do conceito geral de força, enten-dido como qualquer acção de qualquer corpo sobreoutro.

~,.C') S. F. Zhuikov, A aprendizagem da ortografia, in SP,

1945, n." 1; A. M. Orlova, Como diferenciam as crianças osprincipais tipos de preposição simples, in Izvestia APN, vaI. 78,1956.

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Através de experiências e de explicações oraispode-se estabelecer que se um objecto se põe em movi-mento devido a um impulso, se deve falar da acçãode uma força sobre ele. Esta perspectiva favoreceu acaracterização física do conceito de força. Os alunosaprenderam que para mover um corpo é necessárioexercer uma força sobre ele, e que sem a aplicaçãode uma força não há nenhuma variação no movimento.

Deste modo conseguiu-se, na lição, o objectivo fun-damental de precisar e em seguida apagar as caracterís-ticas do conceito corrente de força que podiam exerceruma acção negativa na formação do conceito de «peso».

Em seguida, o professor contrapôs a concepção quo-tidiana de peso e gravidade, entendidos como conceitosdiferentes, ao seu significado físico: dois termos distin-tos que indicam a mesma grandeza física. Só depoisdisto foi possível explicar fenómenos como a pressãode um peso sobre um apoio ou o alargamento de umamola. Num primeiro momento, os estudantes conside-raram estes fenómenos como determinados pela forçada gravidade e não pelo peso, de modo que a demons-tração rião conseguiu a sua intenção. Mas depois decontrapor as concepções correntes de «peso» e de«força» por um lado, e o seu significado físico poroutro, os' alunos conseguiram compreender os fenó-menos como manifestações de uma força que actuasobre um sólido atraindo-o para a terra; isto é, ficaramem condições de reconhecer a essência física do fenó-meno observado. A familiaridade com' QS instrumentosde medição do peso, ·unidades e sistema de medida, sóocorreu depois de se poder considerar que já se tinhaconstituído uma concepção do peso fundamentalmentecorrecta. Até esse momento não se introduziam pesosna mesa de trabalho, para não fixar a atenção dascrianças para os instrumentos e para os procedimentosda pesagem (16).

C6) Com o objectivo de aproximar o tema «peso» do

trabalho preparatório e criar deste modo um conceito geralde força, deram-se quatro aulas, tal como no ano anterior,uma delas dedicada à pesagem de corpos no laboratório.

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Um controle dos resultados demonstrou que, nasnovas condições, a maioria dos alunos (nove indivíduosem dez), e até mesmo os menos dotados, conservavamas novas noções de peso depois de um grande intervaloe as aplicavam à resolução de problemas.

A eficácia do método indicado para aumentar onível de assimilação e aplicação das noções físicas foitambém confirmada pela análise do trabalho. de umprofessor especialista, V. E. Zotikov, cujos alunos tra-balhavam com facilidade e correcção com o conceitode «peso». Zotikov, ao ensinar, não só diferenciava osignificado profano e o científico do termo «peso»,como também tratava de utilizar todas as ideias dosalunos (por exemplo, sobre a gravidade) que pudessemservir de ajuda para a formação do conceito científico.

Os resultados da experiência pedagógica e a análisedo trabalho de um especialista professor confirmaramplenamente a possibilidade de melhorar a aplicaçãodesses conceitos físicos que se assimilam em relaçãocom as correspondentes noções comuns. Além disso,esses resultados demonstraram, de modo convincente,a necessidade de um trabalho especial dos professorespara diferenciarem as novas noções das velhas, e puse-ram em relevo a eficácia dos métodos de contraposição.

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ALGUMAS CARACTERíSTICASDO DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTONOS ESTUDANTES COM POUCA CAPACIDADE

PARA AS MATEMÁTICAS

V. A. KRUTETSKY (*)

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As investigações realizadas nos últimos anos peloautor sobre as características psicológicas individuaisreferentes à capacidade para as matemáticas (caracte-rísticas de percepção, do pensamento, da memória, daimaginação) proporcionaram dados para estabelecer oque se entende por «capacidade matemática» (1). Paracompreender a essência e a estrutura da «capacidadematemática» é preciso saber em que é que consistea incapacidade relativa. A incapacidade absoluta paraa matemática, tipo «cegueira para a matemática», nãoexiste. Todo o aluno normal, com um bom ensino,pode aprender melhor ou pior o curso de matemáticas,adquiridas as correspondentes noções e capacidades.Incapacidade relativa para as matemáticas significa quealguns alunos encontram dificuldades no estudo destamatéria; as suas dificuldades dizem respeito" tanto àrapidez na aprendizagem, como ao nível alcançado. A

(*) Colaborador do Instituto de Psicologia da Academiade Ciências da URSS. O texto foi publicado in Voppsy psicho-logii, 1961, n." 5, pp. 77-89.

C) V. A. Krutetsky, Estudo experimental sobre as «capa-cidades» matemáticas, in VP, 1959, n." 1; V. A. Krutetsky,Capacidades matemáticas nas crianças em idade escolar, inPsicologia da Personalidade, editado por E. Ie Ignatiev,Mascava, 1960; V. A. Krutetsky, Análise experimental daestrutura da capacidade matemática, in Actas do Congressosobre as «Capacidades», Leninegrado, 1960.

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investigação referente às capacidades para a matemá-tica tem uma evidente importância prática. Com estainvestigação procuramos responder à seguinte pergunta:de que maneira podem os alunos que não possuem estacapacidade específica ser levados a assimilar as noçõese os hábitos referentes a ela? Quais são as condiçõesnecessárias para o desenvolvimento de um elevado ní-vel de capacidade matemática?

Começaremos por analisar a natureza da incapaci-dade para as matemáticas. O primeiro problema quesurge a este respeito é a relação entre os componentesvisual-imaginativos e componentes lógico-verbais; de-sempenha ou não esta relação um papel central? (noplano fisiológico, trata-se da relação entre os dois sis-temas de sinais). E, em caso afirmativo, em que consisteconcretamente esse papel? Dado que .a matemática éessencialmente uma ciência que se ocupa das proprie-dades abstractas e generalizadas dos objectos e das suasrelações, é natural apresentar-se este problema: pode opredomínio do componente imaginativo-visual do pen-samento sobre o lógico-verbal ser uma das causas deuma incapacidade relativa. para as matemáticas?

O objectivo específico da nossa investigação foiprocurar esclarecer o papel que desempenham os diver-sos tipos de relações entre os componentes visual-ima-ginativos e os lógico-verbais para determinar uma inca-pacidade relativa para as matemáticas.

Determinado número de investigações psicológicaspropuseram-se esclarecer as diversas .relações «tipoló-gicas» dos sistemas de sinais em diferentes actividades.De especial interesse para este propósito da nossa inves-tigação é o trabalho de B. B. Kossov (2), que demonstraque diferentes relações entre os sistemas de sinaisinfluenciam de diferentes maneiras a aprendizagem damatemática.

C) B. B. Kossov, Características da aprendizagem de no-ções algébricas elementares, em alunos com diversos tipos deinter-relação entre o primeiro e o segundo sistema de sinais,in VP, 1956, n." 4.

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Estas investigações permitem afirmar que uma dascomponentes da capacidade para as matemáticas é opredomínio do aspecto lógico-verbal sobre o aspectovisual-imaginativo. O material recolhido em investiga-ções anteriores permite apresentar a hipótese de queo papel mais importante não é desempenhado pelopredomínio da componente lógico-verbal do pensa-mento, mas sim pelo seu nível de desenvolvimento.Pavlov j") e depois A. G. Ivanov-Smolensky C) e outrosinvestigadores apenas falaram de inter-relações de siste-mas de sinais: do predomínio de um ou de outro e doseu relativo equilíbrio. Para alguns objectivos esta clas-sificação é suficiente. Mas encontramo-nos perante anecessidade de uma mais ampla classificação, baseadana actividade característica dos sistemas de sinais nãosó do ponto de vista das suas relações recíprocas, comotambém do do seu nível de desenvolvimento. A esterespeito é de especial importância definir o tipo «mé-dio». Ivanov-Smolensky considerou que pertenciam aoterceiro tipo de relação entre os sistemas de sinaisaquelas pessoas «nas quais ambos os sistemas estãoigualmente desenvolvidos». Mas, o que significa isto?Igualmente bem, ou igualmente mal? Do ponto de vistada nossa investigação, nisso assenta a própria essênciadas características mentais dos alunos. M. N. Bori-sova e), ao distinguir os tipos de pessoas segundo oequilíbrio relativo dos sistemas de sinais, observou que«alguns aprenderam e descreveram bem, outros apren-deram e descreveram mal», Este é, naturalmente, oâmago da questão. É possível atribuir às mesmas pes-soas os índices 5-5 e O-O (índices condicionados, segundo

C) I. P. Pavlov, Obras, voI. nr, Moscovo, 1951.(f) A. G. lvanov-Smolensky, Traços de fisiologia patoló-

gica do sistema nervoso superior, Moscovo, 1949.C) M. N. Borisova, Investigações sobre o fenómeno do

domínio relativo do primeiro e do segundo sistema de sinaisem condições de evocação de memória visual, in Caracterís-ticas do sistema nervoso superior, ed. a cargo de B. M. Teplov,Moscovo, 1956.

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o método de Borisova)? Alguns enfrentarão brilhan-temente as tarefas do «primeiro» e do «segundo» tipode sinais; outros, em contrapartida, mostrar-se-ão abso-lutamente incapazes em ambos os casos. Consideraçõesanálogas surgem também a propósito dos primeirostipos de relação. Quando predomina o segundo sistemade sinais, pode suceder estarem ambos bem desenvol-vidos, embora predomine o segundo; noutros casos, oprimeiro sistema de sinais pode estar inadequadamentedesenvolvido. Não queremos dizer que outros investi-gadores sigam numa classificação inadequada; cada umtem os seus próprios objectivos. Para o nosso objectivo,era importante determinar não só as relações dos com-ponentes visual-imaginativos e lógico-verbais do pensa-mento, como também o grau de desenvolvimento decada um deles.

Seguimos este método: pretendeu-se, mediante ainvestigação experimental e a organização do ensinoexperimental ministrado a alunos pouco inclinadospara as matemáticas, distinguir diversos tipos (do pontode vista das relações e do nível de desenvolvímento dosaspectos visual-imaginativos e lógico-verbais do pensa-mento no trabalho matemático); estes resultados foramdepois comparados com os obtidos mediante investi-gações realizadas sobre os mesmos alunos com ummétodo que permitia distinguir inter-relações semelhan-tes noutra actividade (não matemática).

Escolheram-se para pacientes alunos da classe V àVII (11-14 anos) de várias escolas moscovitas, alunosque tinham revelado pouca inclinação para as mate-máticas. Pedimos ao professor que escolhesse alunospouco dotados, ou seja, aqueles que não se destacavamem matemática, mas não por preguiça; e, em especial,aqueles que se destacavam noutras matérias. Escolhe-ram-se dezanove alunos (nove rapazes e dez raparigas).Disse-lhes que se estava a organizar um círculo dematemática destinado àqueles que tinham dificuldadeem assimilar a matéria e queriam fazer exercícios suple-mentares. Organízámos depois no círculo o ensino expe-rimental da matemática, começando pelos capítulos

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mais elementares do curso de álgebra e de geometriaelaborado com os nossos métodos. Apresentaram-se emconjunto 60 tarefas experimentais. Além disso realiza-ram-se experiências individuais com os membros do CÍr-

o culo (o método das experiências é descrito maisadiante).

A primeira fase do estudo experimental demons-trou que nem todos os dezanove estudantes escolhidospodiam ser considerados totalmente incapazes para amatemática. Alguns revelaram-se simplesmente «pre-guiçosos» e «recuperaram o tempo perdido» com bas-tante rapidez. Podiam considerar-se entre os alunos decapacidade média, ou pouco inferiores à média. Con-cluindo encontramos dois grupos de estudantes: umde capacidade' mediana: nove alunos (quatro rapazese cinco raparigas), e outro de dez alunos com poucacapacidade para as matemáticas (cinco rapazes e cincoraparigas).

Nem todos os «pouco capazes» tinham más notasem álgebra, em geometria (ou em ambas as matérias).Seis deles tinham «3» em ambas as matérias e só quatrotinham «2» em álgebra ou em álgebra e geometria. Noque diz respeito às outras disciplinas, só dois alunostinham um «2» em língua russa. Alguns destacavam-senoutras matérias e uma rapariga, que tinha um «2»em álgebra, não tinha um único «3» e tirava <<5»emquase todas as matérias (química, literatura, história,geografia, zoologia) (6). . ~

O método de investigação consistia em analisar oprocesso de solução de quatro séries de problemas mate-máticos construídos de modo especial, destinados aesclarecer algumas das características do pensamento(e também da percepção, da memória e da imaginação)no plano das relações e do nível de desenvolvimentodos componentes visual-imaginativos e lógico-abstractos.

(') Neste sistema de notas, 5 é «muito bom», 4 é «bom»,3 «suficiente», 2 «insuficiente» (na realidade é também a notamais baixa, porque nunca se usa o 1).

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Havia além disso, uma quinta série de proble~asnos quais se utilizava o rrrétod.o de Borisova: as relaçoesentre os componentes visual-imaginativos e componen-tes lógico-verbais do pensamento determinavam-se comreferência a certos outros aspectos da actividade inte-lectual C).

Para escolher as tarefas experimentais baseamo-nosnos seguintes critérios: as tarefas tinham que ser: 1) re-ferentes a diferentes campos da matemática (aritmé-tica, geometria, álgebra); 2) de dificuldade variável, masde qualquer forma não muito grande; 3) novas para osalunos (isto é, problemas que não tinham resolvidoanteriormente). No total havia 47 problemas (sem con-tar as variantes do mesmo problema). As tarefas ti-nham que ser solucionadas através de raciocínio em vozalta. O experimentador concentrava-se sobre o «pensarem voz alta», procurando esclarecer a totalidade doprocedimento da resolução. Em· caso de fracassofaziam-se perguntas suplementares. As noções e ascapacidades dos indivíduos no início da investigaçãoestavam aproximadamente ao mesmo nível (mas muitobaixo).

Através do ensino da matemática no círculo pode-serecolher um material muito importante. Descrevere-mos em seguida a série de tarefas.

I:

Exemplos de tarefas experimentais

A I Série pretendia pôr em relevo' algumas caracte-.rísticas da compreensão de regras elementares para osalunos; capacidade para distinguir material perceptiva-mente semelhante, para realizar operações correspon-dentes a uma regra particular, formular uma regra

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C) M. N. Borisova, Um método para determinar as in-ter-relações entre o primeiro e o segundo sistema de sinaisem condições de evocação de memória visual, in Caracterís-ticas tipológicas do sistema nervoso superior, cito

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correspondente a operações particulares. Apresenta-ram-se oito problemas, entre eles:

1. Dizer o que é um coeficiente e indicar os coefi-cientes nas seguintes expressões algébricas:

3453a; m; b.4; 3b. 2; - n; 4ab (3 +2); -. ab . -.2.

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4. Elevar ao quadrado a expressão a. Duplicar oresultado. Triplicar a expressão 2X2. Elevar ao cuboo resultado. Formular a regra correspondente.

5. Indicar qual das seguintes expressões algébricasé um monómio, qual é um polinómio e porquê:

2 ab; 4x2-1; x (a + b); 3m2 na+ lx4y2-1; a- b.

8. Indicar qual das seguintes expressões algébricasé o quadrado da soma de dois números e explicarporquê.

(a+bY; (a+b). 2; a+b2; a+2b2

; a~+b2; (a+2b)2;(a + b2)2; (a +2b)2; a +2b; (a + b2). 2; (2a+2b) . 2.

A II Série era constituída por sete problemas quepassavam gradualmente do plano concreto abstracto,generalizado; cada um tinha cinco variantes. A pri-meira variante (a) apresentava-se num plano concreto,a última (e) era um exercício idêntico, mas transferidopara um plano abstracto. As variantes (b), (c), (d) pas-savam gradualmente de (a) a (e) com a generalizaçãode um número cada vez maior de elementos da tarefa.Pediu-se aos alunos que resolvessem antes de tudo aalínea (e). Se não o conseguiam pedia-se-lhes que co-meçassem por (a) e que depois voltassem a (e). Se tam-bém não o conseguissem desta vez, tinham que resolver(b), e depois de novo (e), A ordem de apresentaçãodas variantes de cada exercício era, pois: (e), (a); (e),(b); (e), (c); (e), (d); (e). Os exercícios (do 1 ao 7) eram

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apresentados por ordem de dificuldade. Podemos darum exemplo das variantes do exercício n. o 1.

(a) O comprimento de um quarto é de 6 metros, alargura de 3 metros, a altura de 4 metros. Qual é ovolume de quatro quartos destes?

(b) O comprimento, a largura e a altura de umquarto são as precedentes. Qual é o volume de n quar-tos iguais?

(c) O comprimento e a largura de um quarto sãoas precedentes, a sua altura é de a m. Qual é o volumede n quartos iguais?

(d) O comprimento de um quarto é de 6 m, a lar-gura e a altura são de a m. Qual é o volume de nquartos assim?

A Ill Série consistia em 12 exercícios de caráctergeométrico divididos em 6 pares, por ordem de dificul-dade crescente. Dos exercícios unidos aos pares, oprimeiro (N) resolvia-se quase exclusivamente por meiosimaginativo-visuai,s, e com auxílio da representaçãovisual; o segundo exercício do par (S) também se podiaresolver bem através dos meios visuais e dos lógico--verbais (métodos de pensamento). As tarefas (N) fo-ram apresentadas em primeiro lugar, sem que sepudesse recorrer ao uso das figuras (cmentais»); emcaso de fracasso, podiam usar-se as figuras. Quanto aoque diz respeito aos exercícios (S) deixaram-se os indi-víduos em completa liberdade para os resolver, apóso que (tanto no caso de êxito como no de fracasso)o experimentador pedia aos indivíduos que utilizassemo .outro método de solução (etratem de os representarvisualmente, como uma figura, para "ver" a solução»;«podeis resolver este problema raciocinando sem aajuda da figura!»),

Damos alguns exemplos de tarefas desta série.

(N) 3. No espaço há uma linha recta e um ponto.Quantas perpendiculares podem ser traçadas no espaçodo ponto à recta?

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(S) 1. Há duas circunferncias, com raios, respec-tivamente, de 2 em e de 3 em. A distância entre osseus centros é de 10em. Estas circunferências inter-sectam-se?

A IV Série consiste em 20 problemas aritméticose algébricos divididos em quatro grupos, segundo a suadificuldade. Em cada grupo combinam-se cinco proble-mas, de modo que os componentes imaginativo-visuaise lógico-verbais tiveram diferente «peso específico» nasolução.

Em cada grupo, os exercícios (N) (evisuais») (8)eram «óptimos» para o uso de métodos visuais. Podiamresolver-se com bastante facilidade se se expressavamvisualmente as relações entre os elementos do problema;também podiam resolver-se sem esquema ou repre-sentação visual, mas isto era bastante difícil. Os exer-cícios (SI) e (S2) (cintermédios») proporcionavam quasea mesma probabilidade de solução com meios visuaise 16gico-verbais. Os problemas (MI) e (M2) (sde pen-samentos») não exigiam auxílio de representação visuale podiam ser resolvidos simplesmente por meio do pen-samento. Estes problemas podiam, naturalmente, resol-ver-se também com meios visuais, mas isto era difícil,visto que se tomava relativamente difícil traduzi-losem imagens.

A ordem de apresentação dos problemas nesta sérieera a' seguinte: primeiro os exercícios do primeirogrupo, depois os exercícios do segundo grupo, etc. Emcada grupo dava-se aos indivíduos duas tarefas finais(N e M2) e pedia-se-lhes que resolvessem aquela quepreferiam. Depois pedia-se-lhes a resolução dos outrosproblemas do grupo (indo de M2 a N, ou de N a M2).Anotou-se ,o método de resolução que os alunos esco-lhiam, se sentiam a necessidade de se apoiarem emimagens visuais, em que exercício abandonavam o seu

(') Este e outros termos semelhantes têm um significadopuramente auxiliar, funcional. '

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método preferido de resolução. Tal como na Hl Série,o experimentador pediu aos indivíduos que usassemoutro método de resolução: representar visualmente asituação ou as condições do problema, ou, pelo con-trário, procurar resolvê-lo num lógico-verbal.

Damos alguns exemplos dos exercícios desta IV sé-rie (9).

(N) 1. Um passageiro adormece a meio da suaviagem. Quando acorda, para chegar ao seu destinofalta-lhe ainda metade da distância que percorreraquando estava a dormir. Durante que fracção de per-curso dormiu?

(SI) 2. Uma brigada de operários florestais cortaem três dias 184 metros cúbicos de troncos. No primeirodia, a brigada ultrapassa o plano de trabalho em 14m".No segundo dia faltam-lhe 2 m" para cumprir o plano.No terceiro dia ultrapassa o plano em 16m". Qual éo plano diário da brigada?

(Ml) 2. Um recipiente ce mel pesa 500 g. Omesmo recipiente, _cheio de querosene, pesa 350 g. Seo querosene é duas vezes mais leve do que o mel,quanto pesa o recipiente vazio?

Na V Série usou-se o método de Borisova para dis-tinguir as relações entre os componentes visual-imagi-nativos e lógico-verbais, através de provas de memóriavisual. O método compreende duas séries' de experiên-cias. Na primeira série, calcula-se o predomínio daactividade dos componentes imaginativo-visuais (reco-nhecimento das formas visuais), na segunda, o predo-mínio da actividade dos componentes lógico-verbais(descrição da imagem visual percepcionada). O êxito

e) Nenhum destes problemas foi resolvido pelos alunoselaborando um sistema de equação, porque este método desolução só lhes é ensinado no fim do ano na VII classe.

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na execução de cada série é avaliado com uma notaque indica quantos problemas (dos cinco possíveis) sãorealizados pelos alunos. Uma correlação das notas ob-tidas em ambas as séries caracteriza as relações doscomponentes lógico-verbais e imaginativo-visuais nacorrespondente actividade dos sujeitos.

Resultados das séries experimentais I-IV

Os dados proporcionados pelas séries matemáticasexperimentais (as quatro primeiras) e os resultados daobservação contínua durante o processo de ensino ma-temático (no círculo) demonstrou que os que «não seinclinavam para as matemáticas» (incluindo os alunosde capacidade média) eram muito diferentes entre siem termos de desenvolvimento e relações dos compo-nentes lógico-verbais e imaginativo-visuais quando setratava de resolver simples problemas matemáticos.Deste ponto de vista podiam-se distinguir bastantestipos de alunos. Distinguimos seis grupos, e os «nãoinclinados» para as matemáticas foram colocados ape-nas nos primeiros quatro grupos.

O grupo 1(três indivíduos) caracterizava-se por umbaixo nível de desenvolvimento dos componentes ima-ginativo-visuais e dos lógico-verbais. O inadequado de-senvolvimento de ambos os componentes era acompa-nhado pelo predomínio do componente lógico-verbal.

Os representantes deste grupo caracterizavam-se doseguinte modo:

A palavra predominava sobre a imagem. As im-pressões verbais, ainda sem serem particularmenteintensas, tinham mais importância do que as visuais.Ao resolver determinado número de problemas nosquais a palavra entrava em luta com a imagem, osindivíduos deste tipo partiam de uma definição verbal.Por exemplo, sabe-se que se o coeficiente ou o índiceda potência são iguais a um, o um não se escreve nasexpressões algébricas. Às vezes surge, a este respeito,

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nos primeiros tempos de estudo da álgebra, uma con-tradição especial: o aluno «vê» que na expressão b2

(ao contrário de, por exemplo, 2b2) não tem coeficiente;«vê» que na expressão 7 x y 6 z'2, «x» (ao contrário de«y» e de «z») não tem um índice de potência, masele sabe que todas as expressões com letras têm ouum coeficiente ou um índice de potência. Os Indiví-duos deste grupo resolveram estes exercícios correcta-mente. Também não tiveram dificuldades com outrastarefas da I série. Reconheceram correctamente quea expressão a + b é um polinómio, e que a expressão3m3na+lx4yza-l é um monómio (embora o primeiroexemplo tivesse poucas letras e o segundo muitas);estavam claramente orientados para forma verbal, enão para a imagem. Ao resolver os problemas, estesindivíduos preferiam com toda a clareza partir daformulação verbal das leis e não das fórmulas, ou sejada expressão escrita das ditas leis;

As variações de características não essenciais, em-bora simples, não determinaram nenhuma dificuldade.O desenvolvimento inadequado da componente lógico--verbal impediu" uma análise semelhante nos casosdifíceis. Estes indivíduos, caracterizados por um nívelgeralmente baixo de compreensão das proposições ma-temáticas, mostram todos um grau de compreensãomaior na esfera lógico-verbal do que na visual-activa.

Este grupo era caracterizado pela insuficiente dis-criminação de material perceptivelmente semelhante,comparada com um nível superior de descriminaçãodo material lógico-verbal. As demonstrações matemá-ticas visuais costumavam ter um carácter «global», es-cassamente diferenciado. '

Com frequência, estes indivíduos «não viam», sim-plesmente, as diferenças entre as expressões algébricas,embora se se lhes fizesse observar as ditas diferençascompreendessem claramente o seu significado. Distin-guiam com clareza os conceitos «elevar à segundapotência» e «duplicar», «elevar à terceira potência» e«triplícar», mas ao mesmo tempo confundiam o sig-nificado de a2 y a.2, ou de a3 ya.3.

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A capacidade de visualizar representações bidimen-sionais e, em especial, tridimensionais, estava desen-volvida de maneira muito parcial. Isto tornava-se clarocom os problemas da Ill série, mas provou-se tambémdurante o ensino da geometria. Nenhum destes indiví-duos conseguiu resolver «mentalmente» de forma cor-recta os problemas desta série; não conseguiam res?lverproblemas com figuras geométricas porque eram mca-pazes de imaginar visualmente a relação, entre os el(e-mentos do problema e não conseguiam demonstraresta relação na figura. As tentativas para resolver osproblemas do tipo (N) com meios lógico-verbais nãotiveram êxito. Nestes indivíduos, as imagens visuaisinspiravam pouca confiança ao pensamento mateIllá-tico. E isto não porque determinada ajuda tivesse sidonecessária, mas porque «a imaginação é substituídapela lógica» (como estabelecemos anteriormente sobrea capacidade dos estudantes para anmatemática). Masa «lógica» não podia substituir a «imaginação» porquea componente lógico-verbal (ao realizar exercícios ma-temáticos) era bastante débil, apesar de predominarsobre o componente imaginativo-visual. Em casos, comoestes, o pensamento teria que fazer referência à ima-gem, mas, dada a, sua debilidade neste terreno, estesalunos não tentam criar uma «ajuda» deste tipo; deum ponto de vista subjectivo, isto parece-lhe ainda maisdifícil.

Por conseguinte, estes indivíduQs escolhem métodoslógico-verbais para resolver problemas simples e rara-mente recorrem a uma solução baseada em métodosimaginativo-visuais. Inclusive quando é mais fácil re-solver um problema utilizando métodos visuais, .pro-curam resolvê-Io através de raciocínios.

Quando se trata de traduzir a actividade intelectualdo plano visual-concreto para o lógico-verb~l e vice--versa, os alunos deste grupo realizam o primeiro passocom menos dificuldades que o segundo. Isto explica-seporque é difícil passar do plano de compreensão parao da acção, ou seja o da aplicação concreta das noçõesalgébricas. Embora consigam explicar bastante bem

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como se tinha de calcular o cubo da soma dos números,estes alunos confundiam-se quando tentavam apresen-tar um exemplo. Dava-se-lhes um exemplo que resol-viam correctamente, não era muito difícil conseguirque dessem uma explicação verbal do que tinham feito.

Os alunos deste grupo realizavam com frequênciaabstracções de maneira apressada (dado que não tinhamuma base sensorial adequada para o fazer), motivo peloqual as suas abstracções eram instáveis. O mesmo sepode dizer a propósito da generalização. Tinham ten-dência para generalizar (visto que o componente lógico--abstracto predominava sobre o imaginativo-visual),mas não eram muito hábeis neste campo (porque ocomponente lógico-abstracto estava pouco desenvolvido,tal como o imaginativo-visual) e a generalização eraincompleta, confusa. Isto ficou muito em realce nasolução dos problemas da II série. Os problemas fáceisdesta série foram generalizados. O terceiro problemasó foi generalizado depois da solução de todas as va-riantes intermédias, enquanto que os outros problemas,mais difíceis e de tipo mais generalizado, não foramsolucionados.

Embora haja de um modo geral um fraco desen-volvimento dos processos de análise e de síntese a aná-lise está mais desenvolvida. Os alunos demonstraramfraca capacidade para sintetizar as expressões algébri-cas percebidas. Mas às vezes, para compreender o sig-nificado de uma delas é necessário conseguir «vê-Ia»como um conjunto único. Para compreender que aexpressão 27x3 + 27x2 + 8x+ 1 é o cubo de uma soma,ou seja (3x+ 1)3, é necessário conhecê-Ia em todas assuas partes. Um exercício deste tipo tornava-se par-ticularmente difícil para este grupo de alunos.

Alunos .deste tipo não se caracterizavam por umaboa memória matemática. O material lógico verbal eramais facilmente recordado do que o imaginativo-visual,as definições com fórmulas mais facilmente do queas operações específicas, as demonstrações geométricasmais facilmente do que os problemas de construçãogeométrica.

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O grupo 2 (3 indivíduos) caracterizava-se por umbaixo nível de desenvolvimento dos componentes ima-ginativo-visuais e dos lógico-verbais na resolução deproblemas matemáticos simples. Mas apesar do desen-volvimento geralmente inadequado de ambos os com-ponentes, predominava o primeiro (ao contrário do ques~cedia no gr~po anterior). Estes indivíduos caracte-nzavam-se aSSIm:

A imagem predominava sobrea palavra. As impres-sões visuais, embora não suficientemente intensas pre-dominavam sobre as verbais. Os alunos deste grupo,quando resolviam problemas nos quais a palavra entra«em luta» com a imagem, partiam normalmente daimpressão visual. Sabendo (e sabendo perfeitamente)que um coeficiente e um índice de potência igual aum não se escreviam, mas eram subentendidos, estesindivíduos cometiam erros afirmando por exemplo quea expressão a não tinha um coeficiente nem indicavagraus, que a expressão 4b continha um índice de po-tência, e que c2 d3 continham coeficiente. Evidente-mente, tornava-se-Ihes difícil acreditar em algo «nãovisto». Às vezes preferiam escrevercb' ou lc2d3, afir-mando que assim «era mais fácil». Embora reconhe-cessem correctamente o monómio e o polinómio nãoconsideravam que x+ 1 era um polinómio e 2abc2dx++ Im3n, um monómio. As formulações verbais nãotinham especial importância, tornava-se-lhes difícil en-tendê-Ias. Estes indivíduos confundiam-se a pouco epouco e chegavam a exprimir uma combinação de pa-lavras sem significado, deturpavam o sentido das fór-mulas. Às vezes tratavam melhor um problema quandopodiam basear-se numa expressão gráfico-visual da fór-mula.

Eis aqui como resolveu o indivíduo C a expressão1

(Za"+-- a)3=? Procurando formular a regra, deu2

uma versão absolutamente falha de sentido, do tipo:«O cubo de uma soma é o cubo do primeiro númeromais o quadrado do triplo do coeficiente; não, mais o

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triplo do quadrado do segundo número ... » Natural-mente, não é posível nenhuma solução verbal. Julga-mos que o aluno C não sabia a fórmula e sugerimos--lhe que resolvesse o problema com o auxílio da for-mulação do compêndio, que tinha à mão. Depois deum momento de indecisão, C começou a resolvê-lo,mas confundiu-se imediatamente. Pedimos-lhe que re-produzisse graficamente a fórmula no quadro; escreveua fórmula em questão quase sem erros, e, olhando-aum momento, começou a resolver bastante correcta-mente o problema (cantes de mais deve elevar-se aocubo, depois acrescentar três, que se deve multiplicarpelo quadrado do primeiro número e pelo segundo,etc.»), Quando pedíamos a C que olhasse a fórmulaescrita e «construísse» uma fórmula verbal, o problematornou-se mais difícil. Era evidente que, neste casonão estávamos perante um conhecimento insuficienteda fórmula, mas sim o facto de a imagem visual sermais eficaz do que a verbal.

Os indivíduos deste grupo discriminavam materiaisexternos (visuais) parecidos muito melhor do que osindivíduos do primeiro grupo; a sua distinção do mate-rial lógico-verbal era muito incompleto e às vezes nãosabiam que fazer. A variação de características simplese não essenciais dificultava imenso a aplicação da regra.

A diferença entre o primeiro e o segundo grupoera, neste plano, a seguinte. Os indivíduos do primeirogrupo «não viam» com frequência as diferenças naexpressão algébrica, embora pudessem compreendercom bastante precisão «o que» significavam essas dife-renças; os indivíduos do segundo grupo, em contrapar-tida, «viam» as diferenças (se estavam expressas cla-ramente) mas não conseguiam compreender o quesignificavam.

Os indivíduos do segundo grupo confundiram du-rante muito tempo as expressões verbais do conceito«triplicar» e «elevar à terceira potência», «duplicar»e «elevar à segunda potência», mas distinguiram estesconceitos expressos visualmente (a' ya.3; a2 ya.2) einterpretaram correctamente as suas diferenças.

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Os e~tudantes deste grupo mostraram dificuldadesna imaginação visual, mas tiveram mais êxito do queos estudantes do primeiro grupo. Como estes, não re-solveram «mentalmente» nenhum dos problemas daIll série. Mas conseguiram resultados ligeiramente me-lhores graças ao uso das tabelas. Ao encontrar nastabelas as relações entre os elementos da tarefa, repre-sentaram-nas obviamente, melhor que os do primeirogrupo. Os exercícios (N) foram na sua maioria resol-vidos baseando-se em imagens visuais, mas apenas osmuito fáceis. Os indivíduos tinham mais tendência«para ver» rapidamente a solução do que para chegara ela mediante o raciocínio, mas por causa da preca-ridade da sua componente imaginativo-visual «viram»apenas o que se podia ver com bastante facilidade. Porexemplo, o aluno B, ao resolver o problema (S) 1 daIll série, interrogou-se: «As duas circunferências inter-sectam-se? Desenhemo-Ias e logo veremos. Antes demais, medimos dez centímetros de distância entre oscentros. Agora traçamos a «circunferência pequenae a maior. Naturalmente, não se intersectam». (Experi-mentador: «Não podias tê-Io resolvido sem o desenhos?Procura raciociná-lo.» «Bah, é mais difícil. .. »)

Podemos, portanto, afirmar, que o raciocínio mate-mático destes indivíduos precisa de se apoiar constan-temente em imagens visuais. Isto não significa que «asimagens» possam substituir a «lógica». Estes alunos nãofraquejam na esfera das imagens, mas apenas na esferalógico-verbal. Por isso procuram criar ajudas visuaispara o pensamento; este processo é subjectivamentemais fácil e objectivamente mais eficaz.

Os factos observados explicam que os indivíduosdeste grupo escolham de um modo geral um meioimaginativo-visual para a resolução dos problemas erecorram raramente ao raciocínio. Por exemplo, tra-taram de resolver todos os problemas da Ill série como seu método preferido. E aplicaram o mesmo métodoaos problemas da IV série.

A estes indivíduos tornou-se-lhes difícil passar doplano visual-concreto para o plano lógico-abstracto,

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Foi-lhes relativamente mais fácil realizar a operaçãoinversa, baseando-se na imagem, embora ambos os pro-cessos acarretassem dificúldades. Observou-se umacerta dificuldade ao passar das operações concretaspara a compreensão generalizada das regras destasoperações. Um aluno resolveu determinado número deproblemas semelhantes, que o induziram gradualmentea pensar que é possível calcular de uma forma abre-viada o produto (a+b) (a-b). Adoptou este métodono plano das operações concretas (cpara quê multipli-cá-lo todo quando de certeza haverá uma parte abre-viada? Acharei a2 e subtrair-lhe-ei b'»). Mas não foicapaz de formular a regra de forma geral.

O processo de abstracção é, com toda a evidência,difícil para estes indivíduos, embora exista uma basesensorial suficiente para a abstracção. A generalizaçãoé um processo imensamente difícil. Isto ficou demons-trado na solução dos problemas da II série. Habitual-mente, só depois de ter resolvido todas as variantesintermédias é que estes indivíduos conseguem resolverde modo independente o problema geral, e foi neces-sário muito tempo para que conseguissem realmentecompreender que se se demonstra um teorema parti-cular se demonstra simultaneamente para todos oscasos possíveis. As suas perguntas, sempre confusas,demonstraram-no claramente.

Estes indivíduos, com falta de uma boa memóriapara as matemáticas, recordavam e fixavam o materialimaginativo-visual melhor do que o' lógico-verbal. Asua memória para -as definições, fórmulas, esquemasde provas e raciocínio era péssima, era necessário muitotempo para que aprendessem de cor, e esqueciam comrapidez. Dos exercícios da IV série, recordavam-semuito melhor daqueles que resolviam com meios sobre-tudo imaginativo-visuais.

O grupo 3 (3 indivíduos) pelo predomínio de umacomponente imaginativo-visual bem desenvolvida, con-traposta a uma fraca componente lógico-verbal. Emcerto número de casos podia-se falar de uma compen-sação; quando o funcionamento de uma componente da

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actividade intelectual nos exercícios matemáticos erainadequada, o outro era notavelmente activo, e emalguns casos o componente imaginativo-visual realizavaas funções do lógico-verbal. Em certos casos, a com-ponente lógico-verbal estava como que, «neutralizada»pela imaginativo-visual (a qual provoca grandes difi-culdades no estudo das matemáticas), enquanto que,por outro lado, a componente imaginativo-visual acti-vava por vezes a lógico-verbal.

A força das impressões visuais costumava impedira actividade lógico-verbal. Por exemplo, ao resolverproblemas aplicando o teorema do binómio, estes indi-víduos dificilmente podiam partir da formulação verbal,e além disso às vezes confundiam-se; porque é queeram obrigados a aprender de cor formulações verbais«confusas e incompreensíveis» quando podiam darexemplos simples de aplicação da fórmula?

Os alunos deste grupo apreendiam um símbolo ma-temático como uma imagem visual durante um períodoprolongado. Muitos estavam convencidos de que a es-sência da álgebra consiste em operações com letras(e não em números com uma designação literal) e tor-nava-se-lhes difícil pensar numa letra como num nú-mero.

Os indivíduos do terceiro grupo discriminavam demodo suficiente os materiais visuais. Mas a diferen-ciação do material lógico-verbal produzia-se a um nívelbastante baixo. As variações de aspecto não essenciaisconstituíam para eles uma operação difícil, não porquefossem incapazes de compreender' a diferença entre asexpressões am.an; (a'")", mas, porque, como observouKossov, as características externas semelhantes do queestá escrito (letras e relações especiais) dificultam maisas operações para os indivíduos nos quais predominao primeiro sistema de sinais. Os indivíduos que discri-minavam de modo claro e preciso as representaçõesvisuais podiam descobrir as diferenças entre estas ex-pressões, mas depois não podiam dizer que significavaprecisamente uma diferença particular, e se esta impli-cava ou não uma' mudança essencial da operação.

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Estes indivíduos possuem representações visuaisbem desenvolvidas, claras e precisas; são capazes deevocar mentalmente a imagem de um objecto e de fazerdepender desta a solução dos problemas matemáticos.Mas o desenvolvimento insuficiente dos componenteslógico-verbais da actividade intelectual indu-los a rea-lizar qualquer problema com meios gráficos visuais,a «ver» as relações entre elementos diversos.' Já queé impossível traduzir cada exercício para uma «lingua-gem-imagem», estes alunos são incapazes de resolvermuitos problemas (embora com o raciocínio consigamresolver por vezes os mais fáceis). Em contrapartida,quando é possível uma ajuda visual, são bem sucedidosna maioria dos casos. Estes estudantes conseguem resol-ver mentalmente os problemas (N) da III série. É óbvioque isto depende sempre das imagens. Eis, por exemplo,como o aluno B resolveu o problema: ~«que figura seobtém fazendo girar um triângulo rectângulo sobrea hipotenusa»?

«Tomemos o triângulo rectângulo pelo .ânguloagudo e façamo-Io girar... Agora faço-o girar. Obte-nho uma figura parecida com um peão» (na conver-sação comprovou-se que o -aluno tinha em mente doiscones com base comum e os dois vértices opostos).

Os sujeitos deste grupo escolhiam, portanto, nor-malmente o meio visual-imaginativo para resolver osproblemas, recorrendo ao raciocínio apenas quando seviam «obrigados» a fazê-lo, quando não se podiam ba-.sear na Imagem.. A passagem do plano concreto para o lógico-verbalrealizava-se com grande dificuldade. Em contra partida ,a passagem oposta era mais fácil; se compreendiamuma ideia isso devia-se a uma clara representação vi-sual; à falta de tal compreensão voltavam à imagem vi-sual. Observou-se uma enorme dificuldade na passagemdas operações concretas para o plano do conhecimentogeneralizado e das regras. Por exemplo, explica-se apossibilidade de desenvolver um polinómio elevado adeterminada potência, recorrendo ao teorema do binó-mio. Ao resolver muitos exemplos-tipo fáceis «os seus

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olhos abrem-se» a esta possibilidade e começam a ac-tuar em consequência na prática. Mas na realidade,não realizam a possibilidade que se lhes deu, porquenão reconhecem o seu carácter geral.

Tudo isto é consequência do facto de que o processode abstracção apresenta grandes dificuldades para estu-dantes deste tipo. Para chegar à abstracção é semprea partir daquilo que o aluno aprendeu de modo estável,ou seja daquilo que lhe dá certa confiança na suacapacidade. Mas estes alunos não são capazes de ofazer de modo independente, necessitam de uma ajudacontínua. É evidente, portanto, que para os alunosdeste tipo o processo de generalização no plano lógico--verbal torna-se-Ihes imensamente difícil. Mas nocampo das operações concretas, a generalização prá-tica obtém-se sem' dificuldades especiais.

Assim, por exemplo, o sujeito Y chegava facil-mente a distinguir os triângulos em função do ângulomaior (isto é, generalizava na prática a característicados triângulos obtusos e referia-a a todos os triângulosdeste tipo), mas tornava-se-lhes difícil formular. umageneralização verbal (sob a forma de simples defini-ção).

No estudo da geometria, estes indivíduos estavambastante bem orientados para as relações bidimensio-nais e procuravam demonstrar um teorema partindode um grande número de estruturas pertinentes. Eraevidente que procuravam chegar a uma óbvia conclu-são visual; era-lhes difícil construir uma demonstraçãode uma forma geral, e parecia-lhes difícil não só com-preender a essência de uma demonstração geométricacomo o facto de que ao demonstrar qualquer teoremase chega a um resultado geral.

A actividade analítico-sintética exprime-se melhornestes alunos no plano imaginativo-visual do que nológico-verbal. A capacidade de sintetizar, a percepçãosintética de um objecto, «apreendido» como um todo,exprime-se melhor do que a capacidade de analisar,embora na esfera das impressões visual-imaginativastambém esteja desenvolvida a capacidade analítica.

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Os alunos deste grupo «viam» com muito mais faci-lidade do que os outros grupos nas expressões algébri-cas «o cubo de uma soma», «a diferença de quadrados»ou «uma soma de cubos».

Os indivíduos deste grupo recordavam e retinhamo material imaginativo-visual muito melhor do que ológico-verbal.

O grupo 4 (4 indivíduos) caracterizava-se por umequilíbrio relativo entre os componentes imaginativo--visuais e os lógico-verbais da actividade intelectual,ambos pouco desenvolvidos.

Na maioria dos casos não era possível dizer nadade concreto sobre o predomínio da palavra ou da ima-gem. Ia-se estabelecendo uma relação de interdepen-dência em cada caso, de acordo com as condições e oconteúdo de específicas operações matemáticas, e estavadefinida pelas características das próprias operações enão pelas características pessoais dos ~alunos. Assim,por exemplo, nadistinção entre monómio e polinómio,recorriam à imagem (tornava-se-lhe difícil compreen-der que a expressão x +a é um polinómio y b [x . a] ,um monómio); a imagem tinha tanta força como a pala-vra e provocava os erros típicos do grupo 2. Mas aodistinguir o monómio 2x2y do polinómio 3x2 + 4y nãose produzia a mesma atitude contraditória; estes indi-víduos orientavam-se pela definição e não cometiamerros.

Para os indivíduos deste grupo era difícil discrimi-nar tanto o material imaginativo-visual como o conceitode «cubo de uma soma) do de «soma de cubos», comoa expressão (a + b)" de a3 + b'.

A precisão da discriminação não dependia da natu-reza do material (lógico-verbal ou imaginativo-visual)mas da semelhança dos objectos que tinham que dis-criminar. Enquanto confundiam os conceitos «cubo deuma soma» e «soma de cubos», distinguiam os concei-tos «cubo de uma soma» e «diferença de quadrados»;isto é, embora confundam a expressão (a + b)" coma3+ b", distinguiam (a + b)" e (a- b)",

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Estes alunos mostraram-se pouco hábeis na repre-sentação visual. Não conseguiram resolver nenhumdos problemas da série Hl «mentalmente». Servindo-sede figuras (de forma rudimentar) resolveram os proble-mas mais simples (N) desta série, com diversos grausde êxito (ou melhor, de fracasso); estes alunos conse-guiram resolver problemas tanto baseando-se em ima-gens visuais corno prescindindo delas. Naturalmente,quando o experimentador apresentava um gráfico, aimagem contribuía de modo notável para a compreen-são da tarefa, mas se ao realizar uma tarefa experimen-tal tinham que construir por si próprios um esquemavisual, tornava-se-lhes sempre difícil. A escolha dos mé-todos de solução dependiam fundamentalmente danatureza do exercício.

Para estes alunos era tão difícil a passagem do planoimaginativo-visual para o lógico-verbal como a passa-gem oposta. Tudo dependia mais da natureza ao exer-cício do que do aluno em questão.

Estes indivíduos também se encontravam perantegraves dificuldades na abstracção de urna tarefa con-creta: separação dos aspectos não essenciais e genera-lizados dos essenciais. Às vezes a generalização era con-fusa, infundada, falha de uma adequada base senso-rial, enquanto que outras vezes se detinha de todo;davam-se todas as condições necessárias para a gene-ralização, mas estes indivíduos não conseguiam pres-cindir dos aspectos não essenciais. Mas até mesmo nocaso de tarefas mais fáceis só era possível uma gene-ralização muito gradual. Para generalizar as tarefasmais difíceis eram necessárias muitas intervenções doexperimentador.

Não é possível dizer nada em concreto sobre o pre-domínio relativo da síntese ou da análise na actividadede pensamento dos alunos do grupo 4. O dito predomí-nio estava em funções 'das características da tarefa.A única coisa que se pôde averiguar com certa segu-rança foi o fraco desenvolvimento da actividade ana-lítico-sintética.

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Os alunos deste tipo não se distinguiam por umaboa memória matemática. Com os meios de que dis-púnhamos era difícil poder estabelecer uma diferençaessencial entre memória lógico-verbal e memória ima-ginativo-visual. . r

Distinguimos quatro tipos de alunos com fracacapacidade para as matemáticas, referindo-se à inter-dependência e aos níveis de desenvolvimento dos com-ponentes visual-imaginativos e lógico-verbais tal e comoaparecem no processo de assimilação das matemáticas.Os outros dois grupos identificados são constituídos poralunos de capacidade média, e por isso não entram nostermos da nossa investigação. Límítar-nos-emos a ilus-trar resumidamente as suas características. .Grupo 5, caracterizado pelo predomínio de uma

componente lógico-verbal bem desenvolvida sobre umacomponente visual-imaginativa pouco desenvolvida.Grupo 6, caracterizado por um desenvolvimento

relativamente bom e harmónico das componentes ló-gico-verbais e visual-imaginativas; a primeira desem-penha um papel de guia e organização.

Resultados das experiências da série V (método deBorisova)

Para nos orientarmos na análise do nível de desen-volvimento das componentes visual-imaginativas e ló-gico-verbais servimo-nos dos exercícios desta série (5possíveis exercícios). Além disso, os alunos foram divi-didos em seis grupos, tanto em função da correlaçãoentre os exercícios realizados nas duas séries (Krutetskye Borisova), como do número de exercícios realizadosem cada série. Há que observar que os resultados obti-dos com o método de Borisova foram análogos aosdados da nossa investigação. Os grupos de alunos quedistinguimos baseando-nos no método de Borisova cor-respondiam aos grupos que tínhamos distinguido nanossa investigação. De 17 alunos, só dois foram in-cluídos em grupos distintos: o aluno B. F., colocado

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por nós no grupo 2, por causa dos resultados das expe-riências da série V foi incluído no grupo 6; o alunov. S., que tínhamos incluído no grupo 4, ficou nogrupo 5, depois dos resultados das experiências da sé-rie V. Com dois alunos não se realizaram as experiên-cias da série V.

É oportuno observar que a utilização dos dois mé-todos (o nosso e o de Borisova) não pretendia distinguiras relações tipológicas entre componentes. visual-imagi-nativas e lógico-verbais em geral, mas sim identificaras suas relações num tipo específico da actividade inte-lectual. Comparando os dados recolhidos com diversosmétodos (o nosso e o de Borisova) é possível estabelecerde modo aproximado as relações tipológicas das com-ponentes citadas; do mesmo modo, pode-se definir oseu nível de desenvolvimento. Com um raciocínio lógicoé possível chegar a oito grupos, baseando-nos nos parâ-metros indicados. Além dos seis tipos anteriormenteassinalados, há um sétimo, caracterizado pelo predomí-nio na actividade intelectual das componentes .lógico--verbais, bem desenvolvidas, em relação às componentesimaginativo-visuais, também bem desenvolvidas; final-mente, há um oitavo grupo, que sef caracteriza pelopredomínio de componentes imaginativo-visuais bemdesenvolvidas sobre componentes lógico-verbais bemdesenvolvidas. Na prática, encontramo-nos perante bonsalunos, em matemática que com toda a probabilidade(através de uma investigação que não efectuámos) te-riam podido ser incluídos nestes últimos grupos.

Conclusões

A análise do nosso material permite concluir quea fraca compreensão das matemáticas não se deve auma desfavorável relação entre as componentes imagi-nativo-visuais e lógico-verbais da actividade intelectual.Entre os nossos indivíduos que demonstravam fraca ca-pacidade para as matemáticas encontravam-se alunosrepresentativos dos três tipos de relações entre estes

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componentes do pensamento. Evidentemente, o factordecisivo tem que se procurar noutro sítio.

Vimos o que têm em comum, deste ponto de vista,todos os alunos com fraca capacidade. Demonstrou-seque todos se caracterizam por um insuficiente desen-volvimento lógico-verbal da actividade intelectual. Em-bora seja certo que um elevado nível de desenvolvi-mento da dita componente não determina infalivel-mente a «capacidade» matemática, no entanto repre-senta uma condição necessária, e que um baixo nívelde desenvolvimento da componente lógico-verbal dopensamento determina dificuldades para a compreen-são das matemáticas.

Isto não significa que a relação entre as duas com-ponentes não tenha a menor importância. A «incapa-cidade» para a matemática significa «debilidade» nacomponente lógico-verbal do pensamento, e os traçoscaracterísticos desta «incapacidade» estão determina-dos pelas relações recíprocas existentes entre a com-ponente lógico-verbal e a imaginativo-visual da activi-dade intelectual. A dita relação exprime-se em parte nasdificuldades específicas que se apresentam no estudodas matemáticas e nos erros específicos cometidos pelosalunos. Daqui se conclui que deverão achar-se diversasorientações metodológicas para ensinar aos alunos quemostram fracas capacidades para a matemática.

Naturalmente, um baixo nível de desenvolvimentodo pensamento lógico determina fracas capacidades,não só para a matemática, mas também para muitasoutras actividades. Evidentemente, existem alguns fac-tores que determinam a «incapacidade» para as mate-máticas; estão-se a fazer investigações para procuraresclarecer o problema.

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CARACTERÍSTICAS PSICOLóGICASDA TRANSFERÊNCIA DE CAPACIDADES

TÉCNICAS NOS ESTUDANTESDE ESCOLAS SUPERIORES

E. A. MILERY AN (*)

Os parágrafos iniciais deste ensaio afirmam que oensino poli técnico tem que assegurar não só a forma-ção de múltiplas capacidades técnicas mas tambémdesenvolver a capacidade de transferir, com resultadopositivo estas capacidades para novas condições. Aevolução da economia socialista exige um alto graude desenvolvimento de actividades técnicas, que cons-tituem a base para a aprendizagem de muitas activi-dades. A transferência das capacidades é especial-mente importante no que diz respeito à mecanizaçãoe automatização dos processos industriais. O traba-lhador não só deve aprender uma vasta gama denoções de mecânica, electrónica, hidráulica e tecno-logia industrial, mas também deve ser capaz de apli-car estas noções em condições industriais diferentes.Cabe, pois, às escolas dotar os alunos de capacidadestécnicas que possam ser transferidas com resultadopositivo. O estudo psicológico da formação e da trans-ferência de capacidades técnicas é de primordial im-portância para uma correcta organização do ensinoprático na escola e para o necessário desenvolvimentodos laços entre a escola e a vida.

(*) Trabalha no Instituto de Psicologia do Ministério de.Educação da República Ucraniana. Texto publicado em VP,1960, n." 1, pp. 51-59.

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Há três anos que estudamos a formação de capa-cidades técnicas em alunos de cursos superiores e de-monstrámos que estas capacidades se podem dividir emconstrutivas, técnico-organizativas e operativas (1).Também se pode comprovar que uma das condiçõesfundamentais para o êxito do ensino técnico assentavaem desenvolver estas capacidades para que sejam ver-sáteis, de elevada qualidade, e permitam um trabalhoa velocidade constante.

O passo seguinte foi uma investigação experimen-tal orientada para a descoberta das características psi-cológicas da transferência de uma «capacidade», e con-cretamente da «capacidade» de trabalhar com o torno,para o trabalho com: outras máquinas metalúrgicas(máquinas perfuradoras e fresadoras). Começamos ba-seando-nos na hipótese de que a transferência de capa-cidades técnicas se produz com mais êxito quando osestudantes determinam por si próprios os princípiosgerais do trabalho nas máquinas e depois põem emprática estas noções para realizar tarefas construtivas,operativas e técnico-organizativas.

Vinte e sete alunos da classe IX (15-16 anos) par-ticiparam nesta experiência, divididos em dois gruposde cultura equivalente: o grupo de controle (10 alunos)e o grupo experimental (17). Nenhum deles tinha nuncatentado trabalhar com máquinas metalúrgicas. O objec-tivo fundamental era, em primeiro lugar, habílitá-losa trabalhar com o torno, e depois, quando tivessematingido um determinado nível de formação, fazê-Iasrealizar algumas operações com as máquinas perfura-doras e fresadoras.

O grupo de controle foi instruído no trabalho dotorno com o método geralmente usado nas nossas esco-las. Falou-se-lhes da estrutura da máquina e do seufuncionamento, depois do que se serviram destas no-ções para realizar sete tarefas de crescente complexi-dade. Depois de terem atingido um nível de instrução

C) VP, 1958, n." 2.

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tal que podiam realizar por si próprios a tarefa maiscomplexa, ou seja a sétima, pediu-se-lhes que prepa-rassem sozinhos a oitava tarefa. Esta acarretava a fre-sagem de superfícies planas e a abertura de furos hori-zontais; para realizar correctamente a tarefa tinhamque se servir de brocas e de fresadoras.

A formação de capacidades técnicas nos estudantesdo grupo experimental foi antecipadamente preparadaem funções da hipótese de trabalho. Primeiro criaram--se condições favoráveis para a formação de noções defísica, carpintaria e trabalhos com metais, necessáriapara determinar princípios técnicos gerais e o uso deutensílios como a plaina, a forja, o cinzel, o machado,a verruma, a.serra, a lima, a serra eléctrica, etc. O ex-perimentador dirigia as operações e os alunos, com asua ajuda, determinavam as propriedades gerais de todosos instrumentos enumerados e formulavam os princí-pios gerais necessários para o seu uso. Mais adianterealizou-se a tarefa de pôr em prática estes princípios,projectando uma máquina para a produção de compo-nentes de forma cilíndrica, ou seja, um torno (o expe-rimentador tinha mostrado os modelos dos ditos com-ponentes).

O grupo experimental era formado na sua totalidadepor estudantes da IX classe; ainda não se lhes tinhaensinado a estrutura do torno; os estudantes procura-ram projectar a máquina de maneira autonoma, reali-zando desenhos, modelos, planos de trabalho. O expe-rimentador, no momento oportuno, conversava com osalunos, criticava o traçado dos projectos e encaminhavagradualmente os estudantes para a correcta execuçãoda tarefa. Por fim os estudantes desenharam um es-quema cinético do torno, no qual aparecia: o motoreléctrico, a correia de transmissão, o perna, o mandril,a fresa, o suporte, e as restantes caraeterísticas essen-ciais desta máquina.

Depois de terem levado a cabo estas tarefas, os estu-dantes aproximaram-se um a um do torno e pediu-se--lhes que indicassem as partes que figuravam tambémnos seus desenhos. Depois explicou-se-lhes a sua estru-

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tura e familiarizaram-se com este aparelho. As noçõesseguintes foram explicadas por um método idênticoaos alunos do grupo experimental e aos alunos do grupode controle.

Os resultados obtidos com esta investigação servirampara estabelecer algumas características psicológicas dopensamento técnico nesta idade e para esclarecer aformação do processo de transferência das «capacida-des» adquiridas com uma máquina metalúrgica paraoutra. Quando os alunos do grupo experimental reali-zaram tarefas seguindo certos princípios técnicos geraise operações com vários instrumentos, comprovou-se quea maioria deles só conseguia formular estes princípiosatravés de auxílios visuais e durante a operação práticacom os instrumentos cujas propriedades procuravamgeneralizar. Na primeira fase, alguns princípios técnicosgerais, os auxílios visuais e as operações práticas nãosó ajudaram os alunos a analisar e a comparar as pro-priedades dos instrumentos, como também a procurara maneira de pôr em prática as noções recebidas.

Durante o trabalho com o torno encontraram-se ou-tras características do pensamento técnico nos alunosdo grupo experimental. A análise das observações mos-tra as diversas características gerais e as tendências nocurso do raciocínio.

Sete alunos propuseram utilizar limas semi-redondaspara afiar uma superfície cilíndrica. Raciocinaram doseguinte modo: «Usamos limas planas para afiar super-fícies planas. Se ·fabricarmos uma lima circular, pode-remos tratar a superfície de um cílindro.» De um pontode vista lógico, este raciocínio é correcto, mas de umponto de vista técnico uma lima semicircular é ummeio absolutamente inadequado. Cinco indivíduos destegrupo propuseram fazer uma abertura numa chapa demetal com o mesmo diâmetro do cilindro que se deviaafiar. Pensaram: «As peças serão cilindrícas porque seas tornearmos com um instrumento cilíndrico de bor-dos afiados, estes eliminarão o excesso de metal econstruiremos peças cilíndricas.» Três indivíduos pro-puseram construir uma máquina semelhante ao apa-

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relho que serve para afiar lápis. Segundo eles, estamáquina devia ter um funil cilíndrico, e no meio teriaque se inserir uma folha cortante. «Se o cilindro giraem torno da peça - diziam - a sua folha afiava eobtemos uma superfície cilíndrica.» Outros indivíduosdo grupo experimental propuseram usar, para obteruma superfície cilíndrica, uma plaina modificada comuma folha semicircular.

Uma característica típica do grupo experimentalera, pois, a tentativa de usar, de forma invariável,princípios familiares derivados de anteriores experiên-cias com instrumentos como a plaina, a lima, o apara--lápis, etc. Propunham-se apenas alterar a forma daparte cortante destes instrumentos, adaptando-os assimàs condições da nova tarefa.

A análise do processo do pensamento durante aexecução desta tarefa mostrou que na maioria dos casosos estudantes passavam da observação quotidiana, in-corporada na sua experiência prática, directamente paraa prática, sem utilizar as noções recém-aprendidas sobreos princípios gerais de trabalho com os diversos instru-mentos. Para eles estas noções eram «teoria», não ser-viam para nada na prática; ao realizar a tarefa técnicanenhum dos alunos conseguiu, por si só, sem ajuda doexperimentador, ultrapassar os limites da experiênciaprática.

Para conseguir que os alunos compreendessem aimportância prática dos princípios gerais do trabalhocom os diversos instrumentos que se lhes tinham mos-trado, o experimentador alterou o método de ensino;a experiência prática generalizava-se agora numa for-mulação de princípios gerais que posteriormente foramaplicados pelos alunos, sem ajuda do experimentador,às suas tarefas técnicas. Insistiu-se em especial, no usonão estereotipado das noções teóricas na prática. Gra-dualmente e com a ajuda do experimentador, os estu-dantes empreenderam a execução da tarefa técnica fun-damental de desenho de uma máquina para tratar peçasde forma cilíndrica. No fim, quinze dos dezassete estu-dantes realizaram bem a sua tarefa.

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Os estudantes do grupo experimental fizeram-nonotavelmente melhor do que os do grupo de controleao realizar a transferência da capacidade de trabalhocom o torno para as outras máquinas. Só sete dos dezindivíduos do grupo de controle conseguiram transferiresta capacidade para a máquina perfuradora, enquantoque no grupo experimental isto foi conseguido por de-zasseis dos dezassete alunos. Apareceram diferençasainda mais significativas quando, durante a elaboraçãodas peças para a tarefa n.o 8, se apresentou a possibi-lidade de transferir para a máquina fresadora a capa-cidade adquirida com o tomo. No grupo experimentalconseguiram-no quinze alunos em desassete, e no decontrole apenas dois em dez.

A análise .das causas destas diferenças demonstrouque a formação das capacidades construtivas, tecnoló-gicas e operativas nos indivíduos do grupo experimen-tal exerce uma decisiva influência na. solução positivaobtida na transferência das capacidades. Este caráctercriativo e político estimulou os alunos para uma análiseindependente e para uma utilização prática e generali-zada das noções na execução de diversas tarefas téc-mcas.

Quanto mais profundas eram a compreensão e oconhecimento dos princípios técnicos gerais, tanto me-lhor resultou a transferência das capacidades.

Pode-se observar que a transformação e a transfe-rência das capacidades técnicas depende em grandeparte da habilidade com que o aluno utiliza este conhe-cimento como um conjunto unitário no trabalho inde-pendente. A maioria dos alunos do grupo de controlenão conseguiu transferir com resultado positivo as«capacidades» de uma máquina metalúrgica para aoutra porque não ti.nha assimilado a~ ~apacid~des c.ons-trutivas e o conhecimento dos pnncipios gerais. É mte-ressante observar que no grupo experimental não con-seguiram transferir as capacidades aqueles indivíduosque ao princípio do ensino se tinham enganado naexecução da tarefa técnica fundamental.

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Estas influências positivas da capacidade construtivasobre o processo de transferência explica-se, na nossaopinião, pelo facto de o trabalho construtivo se produ-zir sempre baseando-se em ideias generalizadas sobre aspropriedades dos objectivos e dos fenómenos. Tudo istonão só contribui para o desenvolvimento do pensamentotécnico, da imaginação espacial, da expressão criativa,como também proporciona capacidades técnicas elás-ticas e multiformes, facilmente transferíveis para novascondições de actividades técnicas. Portanto a assimila-ção da capacidade construtiva facilita de maneira notá-vel a transferência das capacidades técnicas organizati-vas e também das operativas. - .. !

As capacidades operativas são mais inertes do queas construtivas.' Isto deve-se ao facto de o seu funcio-namento estar sempre ligado à uma determinada parteda máquina; realizam-se repetidamente nas mesmascondições, automatizam-se rapidamente e transforma-senum «hábito» sensomotor estereotipado. Por isso édifícil que as ditas capacidades se transformem e setransfiram para novas condições. No entanto, umacompreensão da teoria e da capacidade construtiva e oconhecimento dos princípios fundamentais do trabalhocom as máquinas conferem a estes indivíduos capaci-dades para transferir com mais êxito as suas «capaci-dades» operativas para situações diversas.

Tanto antes como depois de terminar a experiênciaprocuramos identificar, através de conversas, a activi-dade dos indivíduos perante o trabalho na indústria.Pareceu que, conforme o êxito na execução das tarefasque exigiam transferência de capacidade, assim se mo-dificava gradualmente a atitude perante o trabalho .

Depois da experiência, que durou uns dois meses,o interesse pelos processos industriais manifestou-se emsete indivíduos do grupo experimental (antes da expe-riência, apenas se manifestara em dois), enquanto queno grupo de controle apenas se manifestou um alunomais (eram três e converteram-se em quatro). Prova-velmente, o facto de a maioria dos indivíduos do grupoexperimental se interessar pelos trabalhos industriais

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dependia do facto de no trabalho com as máquinasmetalúrgicas e também durante a aprendizagem refe-rentes à tecnologia das partes componentes estes indi-víduos verem a possibilidade de «inventar algo de novo»,«de construir uma parte necessária», de melhorar otorno, «de o fazerem trabalhar como queriam», etc.Por isso, enquanto realizavam com êxito tarefas quepretendiam a formação e a transferência das «capa-cidades» técnicas, surgiu gradualmente nalguns estu-dantes da IX classe um interesse independente ligadoà superação das dificuldades técnicas.

Tudo isto permite supor que uma das condiçõesmais importantes para a formação de «capacidades»técnicas versáteis, transferíveis para novas condiçõesde actividade técnica, é dar um carácter activo ao en-sino técnico.

Os métodos actualmente utilizados para a formaçãodas «capacidades» técnicas não têm em conta esta con-dição fundamental, de modo que não se educam osestudantes através de um contrato criativo com tarefaspráticas. A aprendizagem técnica nas escolas consistefrequentemente, como já dissemos atrás, em limitar-sea reproduzir passivamente métodos de trabalho, depoisde ter aprendido um certo número de capacidades ope-rativas. Esta aprendizagem não tem o menor efeito«politécnico», não actua sobre os interesses técnicos,nem sobre a versatilidade das «capacidades». Por issoé necessário melhorar os métodos e ,os programas deensino técnico nos onze anos da escola de modo que,mediante a utilizaçãoactiva e variada dos conhecimen-tos teóricos com fins práticos, se formem capacidadesconstrutivas, técnico-organizativas e operativas.

Os dados recolhidos durante esta investigação indi-cam que existem etapas específicas na execução de ta-refas que requerem a transferência de «capacidades».Durante uma primeira fase, os estudantes que assimi-laram a capacidade de trabalhar com o torno procuramusá-lo sem nenhuma variação no trabalho com máqui-nas perfuradoras e fresadoras, e isto provoca muitasexecuções erradas. Depois de se ter convencido da im-

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possibilidade prática da execução desta tarefa, passa-seà etapa seguinte: da aplicação das acções à importânciada análise das condições da nova tarefa, ao esclareci-mento das principais diferenças entre o trabalho como torno e com as outras máquinas. Reconstroem-se edescrevem as acções que permanecem idênticas e asque variam em ambas as tarefas. Daí deriva, em pri-meiro lugar, a análise das diversas características e,sobre esta' base, uma reorganização activa das noçõese das «capacidades». Podemos citar uma parte muitosignificativa de uma conversa:

Experimentador ao aluno V. I. - Tens que prepa-rar um desenho desta peça do número 8. Lê o esquemae explica como o vês (o aluno desenha a peça em pro-jecção e explica correctamente a sua estrutura).Experimentador -- Diz agora como deve ser tra-

tada a peça.Aluno - Primeiro inserimos o desbastado e amo-

lamo-Ia para obter três planos cilíndricos. Depois corta-mos metade do cilindro e fazemos na sua superfícielateral um furo de 5,2 mm de diâmetro. Depois tenhoque cortar a parte chata, polir e recortar o fragmentodesbastado com a fresa.Experimentador - Todas estas operações podem

realizar-se com o torno?Aluno (reflecte, e depois responde vacilante) - A

primeira e as últimas operações podem realizar-se como tomo, mas não sei como cortar parte da superfícielateral- e fazer o furo. (Mais adiante, chegou por si sóà solução). Farei tudo o que puder com o tomo, edepois será mais fácil ver o que há para fazer. (Começaa trabalhar a peça, mas depois de ter realizado as super-fícies cilíndricas detém-se, olha para o desenho e per-gunta ao experimentador:) Como posso fazer o furo?(O experimentador sugere-lhe que reflita e resolva elesozinho o problema. O estudante tira a peça da prensae procura metê-Ia numa posição tal que possa realizaro furo por meio da broca do mandril posterior. Depoisde umas tentativas, começa a convencer-se dos erros

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que está a cometer e chega à conclusão:) Não se podefazer nada com o torno.Experimentador - Olha para essas máquinas e

pensa se se podem usar para" trabalhar a peça.O estudante aproxima-se da máquina fresadora,

olha-a longamente e depois exclama, indicando o planode avanço: «Há aqui um suporte parecido com o dotorno, só que em vez de um mandril tem uma prensana qual se pode meter a peça, depois pode-se limar asuperfície lateral como mostra o desenho, e pode-serealizar o furo com uma broca manual.»

Nesta etapa da transferência de uma capacidade, oestudante procura encontrar na máquina fresadora aspartes que já tinha encontrado no torno, e tenta servir--se delas para a execução da tarefa. Ao examinar aestrutura da fresadora distingue antes de mais o planode avanço porque é parecido com o suporte do torno,já conhecido. Nota as diferenças de estrutura das duasmáquinas: no plano de avanço não há um suporte defresa, mas uma prensa. Ao dar-se conta disto surgemassociações com outros instrumentos mais familiares,ou seja a lima e a broca. Escolhe-se o tipo de aproxi-mação: usar a prensa, a lima e a broca para realizar atarefa. r

Esta etapa da transferência de «capacidades» carac-teriza-se pela tendência para usar a experiência práticade forma imutável. Isto permite efectuar uma transfe-rência correcta nos casos em que capacidades já exis-tentes podem aplicar-se a estas ou àquelas novas tare-fas. Depois disso, inicia-se geralmente a etapa seguintena transferência de uma capacidade: o problema fun-damental é agora a análise e a generalização das dife-renças de estrutura entre máquinas conhecidas e má-quinas desconhecidas. Neste ponto, o conhecimento dotrabalho construtivo com o torno e dos princípios geraisespecíficos do trabalho com as máquinas metalúrgicas- adquiridos pelos estudantes ao começar a experiên-cia - começam a exercer uma importante influência.

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Assim, T. pede ao experimentador que ponha emfuncionamento a máquina fresadora. Depois mete umachapa de alumínio na prensa e girando lentamente amanivela do «plano de alimentação» aproxima-a dafresa. Mas a fresa não toca no material. T. não desa-nima e procura meter a chapa mais acima, na prensa;também não consegue o efeito desejado. Então chega auma conclusão: tem que ser possível levantar este su-porte. Depois de algumas tentativas, encontra o meca-nismo para levantar o plano, e levanta-o tanto quantonecessário girando a manivela. Depois mete a chapade alumínio na fresa e, vendo que esta produz limalhae deixa uma superfície, conclui: «A roda dentada, aogirar, funciona em vez da fresa no torno, só que aligirava a peça enquanto que aqui gira a fresa.» Uma vezparada a máquina, examina a fresa e acrescenta: «Sim,aqui os dentes têm todo o bordo afiado. Com esta má-quina podem-se fazer incisões como na serra eléctricae tratar superfícies distintas, como com uma lima. Notorno isto não se pode fazer. No torno é o perno quegira e a fresa está quieta.» "

A síntese dos resultados de toda a actividade ana-lítica determina uma concepção geral do esquema dasoperações práticas, e portanto, uma transferência de«capacidades»; o nível destas generalizações, a sua ple-nitude e adequação, determinam eP.1grande parte oêxito da experiência. Prepara-se assim o caminho paraa passagem à etapa de actuação prática da transferên-cia da capacidade técnica: neste momento verifica-se,na prática, a correcção das operações intelectuais e dométodo. Um critério objectivo para a dita verificaçãoé dado pelos produtos da actividade técnica, pela suacorrespondência à tarefa distribuída. Tudo isto ajudaos estudantes a desenvolver o autocontrole e a capa-cidade de avaliar tanto os êxitos como os erros na acti-vidade técnica. O êxito na transferência das «capaci-dades» é um dos índices mais autênticos da etapa degeneralização, da profundidade e eficácia do conheci-mento. Nos casos em que a avaliação prática evidenciaclaramente que a tarefa técnica não foi realizada, os

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estudantes costumam dedicar-se de novo à análise da;condições da tarefa. De todas as formas, a etapa deque acabamos de.falar no processo de transferência, eas correspondentes operações intelectuais, produzem-sede forma representativa e abreviada.

A análise e a generalização dos dados experimentaisrecolhidos demonstraram plenamente a hipótese de quepartíramos e permitiram estabelecer uma série de ca-racterísticas psicológicas sobre a transferência de algu-mas «capacidades» técnicas em estudantes de determi-nada idade. Cremos que o estudo das ditas caracterís-ticas pode dar lugar a uma melhoria dos programas dosmétodos de ensino técnico.

Conclusões

1) Transferem-se com mais êxito aquelas capaci-dades técnicas que se baseiam no conhecimento dosprincípios técnicos gerais e dos princípios do trabalhocom máquinas metalúrgicas. A formação de tais «capa-cidades» é possível quando o ensino estimula os estu-dantes a aplicar sistematicamente as noções referentesa estes princípios, à execução de tarefas construtivas,técnico-organizativas e operativas.

2) A transferência das «capacidades» técnicas rea-liza-se nos estudantes de maneiras muito diferentes;com frequência transfere com bastante facilidade asca pacidades construtivas, mas tem sérias dificuldadespara' transferir capacidades operativas. Em qualquercaso, a posição de capacidades construtivas facilita atransferência, tanto das capacidades técnico-organizati-vas como das operativas.

3) A transferência inicia-se geralmente com tenta-tivas de explicação directa das noções e das «capaci-dades» existentes para a nova tarefa. Quando o estu-dante se convence- por seus próprios meios da impos-sibilidade de realizar esta tarefa, começa a analisar maisdetalhadamente, a comparar, a contrapor as condições

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da nova tarefa com as da actividade na qual se tinhaformado a capacidade submetida agora a transferência.Neste ponto observa-se sempre um processo de identifi-cação e distinção de características iguais e diferentesentre a velha tarefa técnica e a nova. Disto resulta, emprimeiro lugar, uma análise das diferenças, e, sobre estabase, uma activa reorganização dos conhecimentos edas capacidades; isto determina uma exacta identifi-cação das características da tarefa para a qual se devemtransferir as capacidades. Baseando-se na síntese dos re-sultados de toda esta capacidade intelectual, costumaformar-se uma imagem generalizada das operações par-ticulares que podem conduzir ao êxito na transferênciade capacidades. Esta generalização é necessária paraque o estudante possa tomar em consideração métodosconcretos adequados à transformação e à realização dasua experiência prática em novas condições de acti-vidade técnica; o êxito na transferência de capacidadesé determinado em grande medida pelo nível e pelograu de generalização.

Mais adiante produz-se, de facto, a transferência.Durante esta etapa final, a correcção das operaçõesintelectuais realizadas com anterioridade é comprovadana prática. Nos casos em que não conseguem um resul-tado positivo, os estudantes tornam a analisar as con-dições da tarefa, e começa de novo o procedimentodescrito. Mas agora já podem ser eliminadas algumasetapas.

A confirmação prática de conclusões teóricas con-tribui para a transferência das capacidades; os estudan-tes começam a adquirir gradualmente uma capacidadesumamente versátil para realizar tarefas técnicas dis-tintas, de determinado tipo.

No processo de transferência de capacidades téc-nicas as atitudes dos estudantes perante o trabalhotransformam-se; vêem-se cada vez mais atraídos pelosaspectos activos ligados à superação das dificuldadesna actividade técnica. Isto, por sua vez, contribui paraa. formação e para a transferência das capacidades téc-mcas.

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COMBINAÇÕES DE MEIOS VERBAIS E VISUAISNO ENSINO

L. v. ZANKOV (*)

O professor, no seu trabalho, harmoniza palavras(narrativas, explicações, perguntas, respostas, etc.) commeios visuais (objectos e fenómenos naturais, modelos,figuras, etc.). Esta é uma característica-chave do ensino,e a eficácia de um ensino depende em grande parte dacorrecta fusão destes dois elementos. Estritamente li-gado a este problema está o da interacção entrepalavrae imagem na actividade mental das crianças, em espe-cial na assimilação das noções escolares.

Este tema foi debatido com frequência em psico-logia e foi objecto de muitos estudos. As investigaçõesde L. S. Vygotsky (1), A. R. Luria (2) e outros, puseramem relevo o papel da linguagem no desenvolvimento dapercepção nas crianças. B. G. Ananiev examinou afundo o papel e a organização do processo de obser-vação.cdo qual um dos aspectos mais importantes é adivisão da tarefa em partes distintas por meio de uma

(*) Colaborador do Instituto de Teoria e História da Edu-cação, Academia de Ciências Pedagógicas da URSS. Publi-cado em VP, 1957, n." 6, pp. 400-457. Aqui resumimos ligei-ramente o artigo. ,e) L. S. Vygotsky, Pensamento e linguagem, em Escritosescolhidos de Psicologia, Moscovo, 1956. .e) A. R. Luria, o papel da Iinguagém na formação deconexões temporais no homem, in VP, 1955, n." 1 (traduzidoem Psicologia na União Soviética, pp. 112-129).

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série de perguntas e). A. N. Leontiev C) realizou umaanálise de uso do material visual no ensino, do pontode vista da compreensão dos diversos aspectos de umamensagem visual (por exemplo, uma mensagem visualpode servir para criar uma imagem específica ou pode--se usar para esclarecer os elementos essenciais dosfenómenos estudados).

A relação entre a palavra e a imagem na assimila-ção das noções foi largamente estudada nas investiga-ções dirigidas por N. A. Menchinskaya (5). Estasinvestigações puseram particularmente em relevo ascondições em que as variações das características nãoessenciais de um objecto visual permitem aos alunoscompreender as proposições abstractas e generalizadasformuladas com palavras. Descobriram-se também 0'-1-tras relações e conexões importantes.

As inter-relações entre componentes sensoriais ecomponentes lógicos no processo cognitivo constituemo elo condutor das investigações realizadas sob a direc-ção de Ananiev. Este problema foi estudado em relaçãoàs imagens quantitativas, às capacidades aritméticas,ao"ensino do desenho; além disso, analisaram-se as di-ficuldades na aprendizagem da leitura e da escrita, etambém o desenvolvimento da percepção nas crian-ças (6).

C) B. G. Ananiev, A educação da observação nos alunos,Leninegrado, 1940. 'e) A. N. Leontiev, Sensação, percepção e atenção emalunos de escolas elementares, in Traços de psicologia infan-til, Moscovo, 1950; A. N. Leontiev, Aspectos psicológicos doaprendiz consciente, in Izvestia APN, voI. 7, 1947.

C) N. A. Menchinskaya, Inter-relações entre palavra eimagem durante a aprendizagem escolar, in Actas do Con-gresso de Psicologia, Moscovo, 1954; )./. I. Zykova, Traços depsicologia da aprendizagem de conceitos geométricos elemen-tares, Moscovo, 1955; E. N. Kabanova-Meller, Aprendizageme aplicação de conceitos espaciais em geografia, in IzvestiaAPN, voI. 61, 1954.e) A. M. Leushina, Desenvolvimento de imagens quan-titativas e «capacidades» numéricas em crianças da classe I, inIzvestia APN, voI. 70, 1955; O. I. Galkina, Ensino do desenho

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As relações entre as diversas propriedades dosobjectos e a assimilação do significado das palavrascorrespondentes foram objecto de investigações com-paradas entre crianças normais e atrasadas mentais.Estudou-se também comparativamente a relação entreexposição verbal e percepção dos objectos na formaçãode imagens; realizaram-se investigações sobre a discri-minação de objectos parecidos e sobre as característicasdo processo de comparação C).

OS aspectos pedagógicos do uso da palavra e dosmeios visuais no ensino· foram tratados na didáctica.Assim, B. P. Esipov cénsidera como fontes de percep-ção para as crianças: 1) as palavras do ensino (expli-cação, exposição); 2) a observação directa dos objectose dos fenómenos estudados; 3) os meios visuais queilustram os fenómenos estudados; 4) os compêndios eoutro material escrito. M. A. Danilov distingue duasformas de conhecimento e assimilação de noções pelascrianças: a percepção directa do objecto estudado e oconhecimento indirecto, e neste, sobretudo,· as expli-cações do professor. M. N. Skatkin examina a maneira

e desenvolvimento do desenho figurativo na classe I, in Izves-lia APN; voI. 70, 1955; B. G. Ananiev, Análise das dificul-dades da criança na aprendizagem da leitura e da escrita,in Izvestia APN, voI. 70, 1955; A. A. Liublinskaya, O papelda linguagem no desenvolvimento da percepção na visão, inPsicologia infantil e geral, Moscovo, 1954.

C) Zh. Y. Shif, A escolha de tons semelhantes de corese a verbalização das cores, in Psicologia da criança surdo--muda e atrasada mental, Moscovo, 1940; N. M. Nudelman,Algumas características da capacidade imaginativa de crian-ças em escolas especiais, in Características das actividadescognitivas de crianças em escolas especiais, Moscovo, 1953;I. M. Solovev, Alterações da representação imaginada emfunção das semelhanças e diferenças entre objectos, in Uche-nie Zapiski APN, voI., 1, 1949; V. G. Petrova, Diferenciaçãode objectos semelhantes em função da combinação de estí-mulos verbais e estímulos visuais, Moscovo, 1956; B. I. Pinski,Dependência das acções da inter-relação entre estímulos ver-bais e estímulos visuais, idem.

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Page 52: Autores soviéticos

...

como o professor guia o processo de observação dascrianças (8).

Realizou-se, sob a nossa direcção, em 1952, umainvestigação sobre a interacção de meios verbais e vi-suais no ensino (9). As investigações que exporemossumariamente neste artigo referem-se ao estudo espe-cífico da combinação das palavras do professor com osmeios visuais. Para melhorar a prática do ensino erapreciso descobrir a combinação mais eficaz entre comu-nicação visual e comunicação verbal. Portanto, era ne-cessário considerar os resultados obtidos, ou seja, estu-dar a qualidade da assimilação de noções; e, paraexplicar a eficácia dos melhores métodos, tinha que seenfrentar o próprio problema da assimilação das noções.

De entre todos os temas que são objecto de ensinoescolhemos para a investigação a exposição de novasnoções pelo professor. Entre os. meios visuais, esco-lheram-se objectos e fenómenos naturais e represen-tações de objectos naturais (modelos, figuras, etc.).Assim, o objecto da nossa investigação foi não só osdiversos métodos de associar a exposição verbal às·mensagens visuais mais próximas, na medida do pos-sível, à natureza do novo material exposto, como tam-bém o desenvolvimento da actividade mental dos alunosrelacionado com os vários modos de associação dosmeios de comunicação verbais e visuais. Procuramosestudar estas combinações a propósito de outros fenó-menos, em especial a sua dependência dos objectivos dalição.

(') B. P. Esipov, Activação do pensamento dos alunosdurante a aprendizagem, in Lzvestia APN, vol, 20, 1949;M. A. Danilov, Percepção e cognição activa de material novo,in lzvestia APN, vol, 20, 1949; M. N. Skatkin, Métodos cien-tificamente fundados para o ensino das ciências naturais, inIzvestia APN, vol., 1946.

(8) L. V. Zankov, Estudos experimentais sobre a interac-ção de estímulos verbais e estímulos visuais na aprendizagem,Moscovo, 1954; L. V. Zankov, lnteracção de estímulos verbaise estímulos visuais na aprendizagem, in SP, 1955, n." 8.

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À luz de tudo isto, o estudo das lições era umponto metodológico fundamental. Os investigadoresparticiparam nas lições sem interferir nelas. A análisepôs em relevo diversos modos possíveis de combinaçãoda comunicação verbal com a visual, e permitiu avaliara sua respectiva eficácia.

A simples observação - embora essencial para esta-belecer os aspectos típicos do ensino - não podia pro-porcionar material para a avaliação da eficácia decada método. A este propósito usou-se uma experiênciade ensino, sob a forma de lições especiais realizadasem condições escolares normais, e de tarefas experi-mentais realizadas por um número restrito de alunos.

A qualidade do conhecimento adquirido foi ava-liada através de conversas individuais que se realiza-ram depois de cada lição experimental. As conversasdesenvolvidas antes das lições serviram para definiro nível de conhecimento com que alunos de classesparalelas participavam nestas lições. A comparaçãodos resultados dos colóquios ocorridos antes e depoisdas lições proporcionou uma avaliação bastante precisadaquilo que tinham aprendido os alunos durante umadeterminada lição. Além disso, os alunos faziam umtrabalho de controle, realizando diversas tarefas commaterial preparado. Para avaliar a estabilidade dasnoções assimiladas, as conversas individuais realiza-vam-se bastante tempo depois do fim da lição.

Como as diferenças qualitativas na assimilação dasnoções podiam dever-se a uma diferente constituiçãodas classes paralelas, excluímos esta possibilidade comum estudo entrecruzado. Uma vez distinguidas quatroformas de combinação dos meios verbais e visuais - noquais as formas I e II eram comparáveis - ministramosa cada classe «experimental» lições de acordo comambas as formas; fizemos o mesmo com as formas IIe IV.

Métodos de investigação como a observação dosalunos durante as lições, colóquios individuais, etc.,constituem outros tantos elementos de descrição e deanálise psicológica. Mas são claramente inadequados

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quando se tem que explicar a eficácia de determinadosmétodos de combinação dos meios verbais e visuais.Para isso servimo-nos de métodos de investigação detipo psicológico-experimental e de análise fisiológica.

Estes métodos foram utilizados para identificarfenômenos típicos que se desenvolvem durante o ensino,fenómenos que têm que ser estudados depois como mo-delos experimentais. Para construir os modelos esco-lheu-se a variante mais simples de determinado fenó-meno, que no entanto conservasse a natureza especí-fica do fenómeno. A actividade mental dos alunos foiestudada com os métodos experimentais utilizados em~icologia e em fisiologia da actividade nervosa supe-nor.

Uma vez avaliados comparativamente os diversosmodelos de combinação da comunicação visual e daverbal, os resultados foram aplicados ao ensino. Estesmétodos, depois de se provar na prática, oportunamentecorrigidos e melhorados, estavam preparados para umuso generalizado e foram introduzidos no uso geral.

Como se vê pelo que atrás se disse, uma caracte-rística desta investigação é a conexão orgânica entre oestudo dos métodos usados pelo professor e a assimilaçãodas noções pelos alunos. Outra característica é a com-binação .entre o estudo dos aspectos típicos da apren-dizagem na aula e o estudo experimental das leis queregem formas específicas destes fenómenos. Este artigorefere-se apenas a algumas partes da investigação.

Eficácia de diversas formas de combinação de meiosde comunicação verbais com os visuais

Com base no material recolhido e nos dados dapsicologia e da didáctica, distinguimos os elementosbásicos que reflitam de forma generalizada as ano-malias e diferenças das diversas combinações de meiosverbais e visuais. Estes elementos são as formas decombinação dos meios verbais e visuais. Distinguiram-se

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quatro formas fundamentais, a propósito da apresen-tação de material novo nas lições.

Aspectos característicos da forma I são: as palavrasdo professor orientam a observação dos alunos para osaspectos externos de um objecto, mas os alunos dedu-zem as propriedades e as relações com base na suaobservação pessoal do objecto.

A base para distinguir esta forma de combinaçãoé a função específica das palavras do professor e' dosmeios visuais utilizados no processo de aprendizagem.Nesta forma de combinação, as palavras do professorque designam o objecto, não proporcionam informa-ções ao aluno, mas induzem-nos simplesmente a obser-var o objecto: as palavras guiam o processo de obser-vação até ao estudo do aspecto externo do objecto.A função específica dos meios visuais nesta combina-ção é determinada pelo facto de os alunos adquiriremconhecimentos sobre os aspectos externos do objectoobservando-o, e não graças à exposição verbal doprofessor.

Podemos citar um exemplo tirado de uma liçãode botânica da Classe V, a propósito da estruturacelular da folha. Fazem-se perguntas aos alunos querequerem uma descrição de um determinado objecto.Por exemplo: «Olhem a capa externa da folha: comoestão distribuídas as células?», «Olhem as células dapolpa, estão estreitamente ligadas umas às outras, comoas células da capa externa?», e assim sucessivamente.A lição, naturalmente, não se refere apenas às dife-renças entre os tecidos da folha, mas também a outrostemas aos quais não aludimos visto que correspondiama relações que ultrapassavam os limites da percepçãodirecta.

Esta forma de combinação de meios visuais e ver-bais contrasta com a forma Ill, cujas característicassão as seguintes: os alunos recebem informação sobreo aspecto externo do objecto, suas relações e proprie-dades directamente perceptíveis, através da exposiçãoverbal do professor; os meios visuais servem apenaspara consolidar ou concretizar esta exposição verbal.

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Como exemplo da forma Ill damos um fragmentode uma lição sobre o mesmo tema. O professor explicaas noções necessárias: «A capa superior da folha éconstituída por células estreitamente unidas entre si.As células que constituem a polpa dispõem-se em mui-tas filas e estão distanciadas, entre elas ficam os espa-ços intercelulares.» Esta explicação era acompanhadapela observação das características correspondentes doobjecto.

Neste caso, aquilo que proporciona noções sobre oaspecto externo do objecto são meios verbais. A funçãodos meios visuais é consolidar e concretizar esta expo-sição; os estudantes não deduzem más informaçõessobre o aspecto externo do objecto graças à percepção,porque já o conhecem através da exposição verbal doprofessor (10).

Durante a investigação esclareceram-se algumasrelações entre a eficácia da formas I e IH. Neste artigoapenas podemos dar os resultados referentes a deter-minadas lições, mas averiguou-se que se trata de resul-tados típicos.

Eis exemplos tirados da lição de botânica em quese estudou a estrutura microscópica da folha. Uma

CO) As outras formas de combinação, que não examiná-mos aqui, usam-se no estudo das conexões e das relações entrefenómenos. Na forma II, as palavras do professor guiam osalunos, baseando-se nas observações realizadas e nas noçõesque estes já possuem, até ao conhecimento e à formulaçãodas conexões entre fenómenos não directamente perceptíveis;isto é, as palavras do professor não guiam a observação massim a interpretação de determinada observação e a reproduçãoselectiva do conhecimento precedente, enquanto que os meiosvisuais servem para consolidar e concretizar a exposição ver-bal. Na forma IV, esta combinação utiliza-se de maneiradiferente. Enquanto os alunos observam um objecto, o pro-fessor descreve as conexões que estes não podem perceberdirectamente, tirando conclusões, unificando e generalizandoos diferentes dados; isto é, as palavras do professor descobremas conexões e as subordinações existentes entre os fenómenos,e a percepção do objecto pelos alunos tem a função de servirde ponto de partida para esta exposição verbal.

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importante característica destas lições é constituídapelo facto de os estudantes .se familiarizarem com aspropriedades directamente perceptíveis de um objecto-fon:nas. I e Ill de combinação com os meios verbaise VIsuaIS.

O quadro I compara a frequência do uso das for-mas I e Illnestas lições, do qual se deduz a quantidadeabsoluta dos casos de aplicação de cada uma destasformas de combinação.

QUADRO IFormas de combinação, dos meios de comunicação visuais

e verbais nas, lições de botânica sobre a estrutura, microscópica da folha

Formas de combinaçãoClasses

1 111

vm 10 8yh O 15

-

Como se pode observar, na classe Vm a forma Ié usada de modo predominante, e na V" é usada apenasa forma llI. O quadro H dá o número total das res-

QUADRO II.;~..•:j

N úrnero de respostas nas conversas individuais realizadasdepois de uma lição de botânica sobre a estrutura

microscópica da 'folha

NúmeroRespostas Casos

Classes das em Queperguntas não houve

Correctas Erradas resposta

ym 55 42 2 11Vh 55 23 6 26

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postas proporcionadas pelos alunos nas conversas indi-viduais. Recolhemos além disso o número de casosque não deram nenhuma resposta, embora nas liçõesse tivesse mostrado o material correspondente. Toma-ram parte nas conversas cinco alunos de cada classe(dois bons, dois médios e um fraco).

A relação entre respostas correctas e números decasos sem resposta reflecte o nível de conhecimento.A relação entre as respostas correctas e as erradasreflecte a exactidão das noções. Estes dados indicama existência de grandes diferenças entre os alunos deambas as classes no que diz respeito ao nível de conhe-cimentos; o número de respostas correctas dadas porcrianças da vm é quase o quádruplo dos casos em quenão houve resposta; as respostas correctas dos alunosda Vh são menos numerosas do que os casos) em quenão há respostas. Podem-se distinguir claramente asdiferenças correspondentes à exactidão das noções. NaVm as respostas erradas são menos de 5% das correc-tas, enquanto que na Vh essa proporção é quase de250/0.

Estes dados são confirmados pela .análise do tra-balho de controle realizado por todos os estudantesde ambas as classes. Obtiveram-se resultados análogosatravés de perguntas sobre a posição das folhas sobreo talo, sobre a estrutura interna do talo, etc.

A maior eficácia da fórmula I de combinação paraque os estudantes se familiarizem com o aspecto ex-terno dos objectos também se comprovou no ensinoda geografia, da história e das noções científicas rudi-mentares nas classes elementares (11).

A eficácia das diversas formas de combinação dosmeios visuais e verbais muda de acordo com as dife-rentes partes do programa. Podemos ilustrar esta afir-mação servindo-nos do material relativo à forma I,comparando os resultados das lições sobre a estrutura

(11) Encontramos diferenças análogas entre as formas IIe IV de combinação dos meios verbais e visuais.

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externa da folha com os resultados, atrás descritos, daslições sobre a estrutura celular da folha.

QUADRO 111

Formas de combinação dos meios de comunicação visuaise verbais nas lições de botânica sobre a estrutura

externa da folha

Formas de combinaçãoClasses

I III

VIU 11 12Vh O 16

Comparando o quadro lU com o I, observa-se quea frequência do uso das formas I e lU é quase a mesma.Mas as diferenças na assimilação de noções entre osalunos da vm e da Vh são muito menores depois dalição sobre a estrutura externa da folha do que erama quando da lição sobre a sua estrutura celular;' podever-se isto comparando os quadros II e IV (embora esteúltimo inclua também um grupo de respostas «insufi-cientes»,

QUADRO IV

Número de respostas obtidas nas conversas individuais depoisde um lição de botânica sobre a estrutura externa da folha

RespostasNúmero

Classes de Semperguntas

Correctas Insufí- respostacientes Erradas

V"" 55 36 5 1 13Vh 55 26 6 3 20

109

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-j;'

A mais pequena variação na eficácia da forma Ie da 111 nesta lição deve-se ao facto de o estudo daestrutura externa de uma folha requerer uma obser-vação menos precisa e diferenciada do que o estudoda sua estrutura microscópica. Encontrou-se uma varia-ção análoga da eficácia das formas de combinação nocaso de outro material, quando os objectos observadosapresentavam semelhanças mais ou menos marcadas.Esta variação aumenta de modo considerável quandose devem usar palavras para mostrar também que aforma I de combinação é mais eficaz para uma exactaassimilação das noções.

Dados experimentais sobre as variações de eficáciadas diversas formas de combínacão

Como já fizemos notar, é essencial analisar fisioló-gica e psicologicamente a assimilação das noções, paraexplicar a diferente eficácia das diversas formas decombinação dos meios de comunicação visuais e ver-bais. Com este objectivo procurou-se descobrir as carac-terísticas da actividade mental dos alunos para conse-guir compreender os mecanismos fisiológicos nos quaisse baseia a assimilação das noções, conforme a formade combinação usada. Tomemos, a este propósito, comoponto de partida, os dados experimentais da orientaçãopavloviana que esclareceram· as leis que regem a acti-vidade nervosa superior.

É de notar que a investigação sobre a interacçãodos dois sistemas de sinais não esclareceu até agoraatravés de que formas específicas determinam as leisgerais o processo de assimilação das noções escolares.A este respeito I. I. Sberovka realizou uma investiga-ção. Os métodos usados baseiam-se nos motor-verbaisde A. G. Ivanov-Smolensky (12) cujo ponto central con-

C2) A. G. Ivanov-Smolensky, Principias fundamentais doestudo da actividade nervosa superior, in Cinquenta anos deestudo sobre a teoria pavloviana dos reflexos, Moscovo, 1952.

110

siste em aceitar a importância especial dos sinais ver-bais na actividade nervosa superior do homem; masestes métodos só podem proporcionar um ponto departida. Era necessário delinear um tipo de experiênciaque constituísse um modelo adequado de fenómenospedagógicos e, coisa ainda mais importante, que pudessedar uma resposta aos problemas específicos estudados.Utilizaram-se estímulos directos, sobretudo visuais, comum número maior ou menor de propriedades (porexemplo, estruturás geométricas e figurás planas deformas e cores diferentes, mais ou menos semelhantesentre si).Além disso, a experiência variou em função dasinstruções verbais dadas aos índívíduos- Usaram-se asinstruções verbais, largamente usadas nos laboratóriosde L. A. Orbeli, V. P. Protopova, A. R. Luria,A. N. Kabanov. O método motor-verbal foi usadopara obter dados que pudessem ser relacionados comos obtidos pelas experiências com as instruções verbais.Estas instruções eram, ou indicações gerais (<<Quandovires uma figura circular, aperta»), ou reforços divi-didos em dois graus (<<Quandoa figura não for circular,não apertes», «quando a figura não for completamentecircular, não. apertes»).

As experiências variaram também noutros sentidos.Nalgumas, as instruções verbais não eram acompa-nhadas pela presença de um «modelo» daqueles objec-tos perante os quais as crianças tinham que reagirapertando o interruptor da lâmpada eléctrica. Noutras,o experimentado r, quando dava as instruções verbais,indicava um objecto pertencente à categoria dos objec-tos que depois se mostravam. Por exemplo, ao mesmotempo que se dava a ordem: «Quando vires uma figuracircular, aperta», mostrava-se também uma circun-ferência de 34 em de diâmetro.

Na escolha dos estímulos dírectos tivemos presenteos diferentes efeitos que têm no desenvolvimento doconhecimento dos alunos o uso da forma I ou da Hlde combinação. Quando se usava sobretudo a forma I,as imagens que os alunos formavam sobre o aspecto

111 i..l'1

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externo dos objectos diferenciavam perfeitamente umobjecto de outro. Quando se usava predominantementea forma 111, era difícil qualquer tipo de distinção entreos objectos de acordo com o seu aspecto externo.

A este propósito, durante a experiência dava-seuma especial importância à diferenciação dos objectossemelhantes. Mostrava-se uma circunferência e umaelipse: num caso, esta era muito diferente da circun-ferência (por exemplo: 50X25 mm), e no outro eramuito semelhante à circunferência (por exemplo: 50XX 45 mm). Assim se graduava o nível de semelhança dosobjectos apresentados. Os índices de base, utilizadospara avaliar o carácter da actividade reflexo-condicio-

, nada produzida, eram: o período de latência da reacçãomotora, o conteúdo da resposta verbal, a relação entrea reacção motora e a resposta verbal. Os indivíduoseram alunos das classes I, II e III.

Consideremos os resultados. Para fazer uma expo-sição clara servir-nos-emos do material obtido nas expe-riências realizadas com um grupo particular. Com omesmo objectivo, obtiveram-se resultados de outra sériede experiências; pensávamos, sobretudo, na formaçãode reflexos condicionados' em relação aos estímulos(verbais, auditivos) e na generalização das conexõescondicionadas form:adas.

Quando as instruções verbais preliminares se apre-sentaram sob a forma de indicações gerais, predominoua generalização primária das conexões condicionadas;os indivíduos nem sequer conseguiam distinguir umaelipse muito pronunciada (por exemplo: 50X25 mm)de uma circunferência. O período de latência perantea apresentação da elipse não era diferente do períododa resposta quando se apresentava a circunferência.

Quando as instruções verbais se precisaram mais,os indivíduos começaram a reconhecer que a elipse eramuito diferente da circunferência. No entanto, quandotinha uma grande semelhança (por exemplo: uma elipsede 40 X 36 mm) as crianças apresentavam uma reacçãomotora (ver extracto da gravação de 20 de Dezembrode 1955).

112

Gravação de 26 de Dezembro de 1955. Katia,7 anos.

Instruções:

«Quando vires um círculo, aperta.»«Quando a figura não for um círculo, não apertes»

Reacção condicionadaEstímulos (período de latência

em segundos)

Circunferência de 40 mm de diâmetro 0,98Circunferência de 40 mm de diâmetro 0,79Elipse de 40 X 36 mm ..................... 0,36Elipse de 50 X 25 mm ..................... -Circunferência de 40 mm de diâmetro 0,56Circunferência de 40 mm de diâmetro 0,54Elipse de 40 X 36 mm ..................... 0,38

Como se sabe, a base para a distinção de objectosmuito parecidos é o subtil mosaico funcional de exci-tação ou inibição no córtex. Podemos considerar, pois,que no caso citado este mosaico nem sequer se for-mava, em consequência de instruções mais precisas.Comprovou-se que não bastava proceder segundo estecritério para obter a distinção. Na experiência citada,nem sequer uma posterior precisão das instruções(<<Quandoa figura não for completamente circular,não apertar»), bastou para a distinção da elipse de50X45 mm e da circunferência. Apresentou-se entãoa elipse em posição vertical, e conseguiu-se a distinção.Depois a criança já não reagiu ao estímulo, fosse qualfosse a sua posição espacial (ver extracto da gravaçãode 26-12-1955). Em seguida apresentaram-se 12 elipsesde diferentes proporções entre os semieixos, perfeita-mente diferentes da circunferência, ou seja com uma

113

.If'••••

~i;

Page 58: Autores soviéticos

,>,'; suficiente generalização das conexões inibidoras for-

madas.

Gravação de 26 de Dezembro de 1955 (continuação).Katia, 7 anos.

Instruções suplementares: «Quando a figura não forsuficientemente circular, não apertes.»

Reacção condi-Estímulos cionada (período Observações

de latênciaem segundos)

Circunferência de 40 mm dediâmetro .................. _.... 0,52

Elipse de 50 X 45 mm ...... 0,72Elipse de 50 X 33 mm ...... -Circunferência de 50 mm de

diâmetro _..................... _ 0,90Elipse de 50 X 45 mm ...... 0,46Elipse de 50 X 45 mm ...... - VerticalCircunferência de 50 mm de

diâmetro ....................... 0,76Elipse de 50 X 45 mm ...... -

As alterações na posição do objecto ou a apresen-tação do mesmo objecto de cor diferente constituemum elemento de novidade que suscita intensas reacçõesde orientação e indagação. O índice segundo o qualavaliamos a intensidade da reacção de orientação erao período de latência da reacção motora da criança;um rápido aumento do período de latência significaa continuação de um processo inibidor característicoda reacção de orientação. Assim, quando noutras expe-riências se apresentava uma elipse de cor diferente,o período de latência aumentava para 1,20 segundos,enquanto que o período de latência médio nas seisreacções anteriores fora de 0,46 segundos (ver extractoda gravação de 16 de Março de 1956).

114

Gravação de 16 de Março de 1956. Vitia, 9 anos.

Instruções:

«Quando vires uma figura circular, aperta.»«Quando a figura não for circular, não apertes.»

Estímulos

Elipse verde de 40 X 36 mm ...Circunferência verde de 34 mi-

límetros de diâmetro __Elipse verde de 40 X 20 mm .Circunferência verde de 34 mi-

límetros de diâmetro .Elipse verde de 40 X 36 mm .Circunferência verde de 50 'mi-

límetros de diâmetro .Elipse verde de 40 X 36 mm .Elipse branca de 40 X 36 mm .Circunferência branca de 34 mio

límetros de diâmetro : .Elipse branca de 28 X 25 mm .

0,31

0,64

0,46

Reacçãocondicionada

(períodode latência

em segundos)

Período médiode latência

em segunaos

0,400,56

0,5Q0,371,20

0,88

O resultado de uma intensa reacção de orientaçãopermitiu ao indivíduo efectuar uma posterior diferen-ciação entre uma elipse branca quase circular e umacircunferência.

A presença e a intensidade do reflexo de orientaçãoe de análise desempenha um papel essencial na gene-ralização especializada das conexões positivas e inibi-doras.

A explicação da variação de eficácia entre a I formae a 111 de combinação dos meios visuais e verbais podeser limitada a um breve exame dos pontos funda-mentais.

115

Page 59: Autores soviéticos

·o ponto principal é a correspondência entre deter-mmada forma de combinação e tarefa didáctica.Quando esta última consiste no estudo do aspectoexterno do objecto, o professor preocupa-se em asse-gurar que as crianças percebam de modo adequado apropriedade e as relações dos objectos observados. Naforma I de combinação, o professor dirige o processode observação do objecto. Quando se usa a forma Hl,os alunos não deduzem nada de novo da observaçãodo objecto visual quanto ao conteúdo da exposiçãoverbal do professor. A caracterização da I e da Híforma de combinação, quanto ao trabalho escolar, per-mitiu dar algumas explicações relativas às variaçõesda sua eficácia.

No entanto, não podia haver nenhuma explicaçãodo tipo procurado sem ter em conta os dados expe-rimentais que ilustram as características e o mecanismoda actividade mental dos alunos.

A exposição verbal do professor juntamente coma apresentação do objecto visual, poderia considerar-sena realidade uma observação directa. Mas, se assimfosse, porque é que os dados referentes à observaçãodirecta indicam resultados muito menos satisfatóriosdo que sucede quando as perguntas encaminham sim-plesmente a observação para o objecto sem explicaras suas propriedades?

Os dados recolhidos durante as experiências e a suainterpretação evidenciam a superioridade da forma Ida combinação e a ineficácia da forma Ill. Os resul-tados da experiência confirmaram a hipótese préviasobre a diferente eficácia das formas I e Ill.O uso daforma I provoca intensas reacções de orientação e deindagação. A constante mobilização do reflexo de orien-tação gera uma condição activa do córtex que, comose sabe, desempenha um papel essencial na actividadereflexo-condicionada.

É oportuno introduzir aqui os dados relativos àdupla acção daqueles estímulos que adquirem o signi-ficado de estímulos condicionados. Estes estímulos

'I.

116

como demonstrou P. S. Kupalov (13), por um lado fazemsurgir uma reacção condicionada, e por outro deter-minam o tónus de córtex. Kupalov, insistiu no papeldesempenhado pela reacção de orientação na forma-ção, especialização e generalização das conexões con-dicionadas; esta concepção foi defendida numa sériede exposições apresentadas no congresso sobre o reflexode orientação, realizado em 1957 e4

).

A mobilização da reacção de orientação e buscaleva à excitação de algumas estruturas funcionais dinâ-micas do córtex. Torna-se assim evidente a vantagemadquirida pelo primeiro' sistema de sinais quando deveefectuar análises muito subtis; forma-se um mosaicofuncional que serve de base para a diferenciação epara o agrupamento de objectos semelhantes. Criam-sedeste modo os requisitos preliminares necessários paraa generalização selectiva especializada, das conexõescondicionadas; esta generalização desenvolve-se du-rante o trabalho conjunto dos dois sistemas de sinais,a um nível funcional superior no que diz respeito àgeneralização primária.

Os dados recolhidos permitem-nos concluir que estasrelações neurodinâmicas têm uma enorme importânciapara explicar a diferente eficácia das formas I e Ill decombinação. Nos nossos dados, estas diferenças mani-festaram-se com especial clareza porque os indivíduoseram alunos da escola elementar, e portanto, as carac-terísticas da actividade nervosa superior nas crianças(debilidade do segundo sistema de sinais, etc.) observa-ram-se com toda a clareza. Portanto, quando se usaa forma I com as crianças, as características destaforma de combinação - que criam as características

(13) P. S. Kupalov,Alguns problemas referentes à activi-dade nervosa superior, in Actas do XX Congresso Interna-cional de Psicologia, Moscovo, 1956.

(14) Actas do congresso sobre o reflexo de orientação(E. 1. Boiko, A. O. Dolina, E. N. Sokolov, etc.), Moscovo,1957.

117

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Page 60: Autores soviéticos

,

mais favoráveis para um trabalho coordenado dos doissistemas - adquirem especial relevo.

Podemos ocupar-nos agora de uma variação parti-cular da combinação de meios verbais e visuais, isto é,das experiências onde as instruções verbais eram acom-panhadas pela apresentação de um «modelo» do objectoperante o qual o sujeito deve reagir. Nestas experiên-cias dá-se a instrução: «Quando vires uma figura cir-cular, aperta», ao mesmo tempo que se mostra umacircunferência verde de 34 mm de diâmetro.

Gravação de 12 de Novembro de 1955, Linda,7 anos.

Instruções: «Quando vires uma figura circular aper-ta», com apresentação simultânea de uma circunfe-rência de 34 mm de diâmetro.

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i,:1

.Estímulos Reacçâocondicionada

Circunferência de 34 mm de diâmetro 0,81~ » 34mm » ~ 0,78~ » 34mm ~ » 0,67» » 50mm » ~ -~ » 34mm » » 0,76» » 50mm » » -» » 40 mm » » -» » 28mm » » 0,98» » 40 mm » » 0,75» » 50mm » » -

Tal como estes dados o demonstram, só se dãoreacções nos objectos semelhantes ao mostrado ou muitoparecidos com ele. Neste caso, portanto, o caráctergeral das instruções verbais não tem o menor efeito.Pareceria que as instruções verbais dadas de formageral («Quando vires uma figura circular, aperta»),

118

teriam que fazer reagir a criança perante qualquercircunferência. Na realidade, em contrapartida, a apre-sentação de um modelo visual ao mesmo tempo que aordem, leva a fixar a reacção a 'esse determinado estí-mulo. (Observou-se um fenómeno análogo na formaçãode conexões inibidoras condicionadas pela elipse.)

Estes factos podem interpretar-se do seguinte modo.Em .contraste com as conexões condicionadas especia-lizadas, formadas depois da inibição interna, esta formade especialização é primitiva: surge a um nível fun-cional muito inferior. O mecanismo desta especializa-ção é uma forma de inibição distinta, uma inibiçãoexterna e incondicionada. É, COUlO se diz, uma inibição«inferior» do sistema nervoso, uma inibição de tipoindutivo. Quando as instruções verbais são acompa-nhadas pela visão de um «modelo», forma-se um fortecentro de excitação num ponto específico do córtex,e este centro determina a inibição negativa nos pontosvizinhos do córtex.

Conclusões

As experiências realizadas demonstram, no planometodológico e sobre a base da investigação experi-mental específica, o infundado da observação de que apalavra é «omnipotente». Isto tem a sua importância.Na educação costuma-se afirmar que a palavra devesubstituir os outros métodos de ensino. Mas afirmaçõesdeste género são, em grande, parte, falhas de sentido.O importante no processo de ensino, nos métodos deensino e na organização de uma turma, é o papel efec-tivo da palavra e das maneiras de a ~~~r; e isto não seesclareceu completamente. . , v

Há muitos exemplos de um uso adequado, inteli-gente e preciso das palavras na prática do ensino, eisto é aquilo que se devia realmente analisar cientifi-camente. Mas nas escolas ainda não se ultrapassou porcompleto o verbalismo, e as palavras são usadas comfrequência de uma maneira inadequada e primitiva.

119

Page 61: Autores soviéticos

A análise por nós realizada sobre as lições e o estudoda assimilação das noções pela criança, no que dizrespeito aos problemas estudados, demonstram atémesmo uma pequeníssima variação na assimilação dasnoções, nos resultados do ensino. A este propósitoainda são mais instrutivos os dados obtidos da apli-cação dos métodos psicológicos de investigação, acom-panhados pela utilização da análise fisiológica.

Com as experiências anteriormente descritas chega-mos a uma posição que à primeira vista pode parecerparadoxal: a palavra, que por sua natureza é fortede generalização, não produz directamente a generali-zação desejada das propriedades dos objectos e dasacções directamente apreendidas pelos alunos. Paraassegurar esta generalização é preciso adoptar medidasespeciais para estimular o córtex, e portanto fazerentrar em jogo, a subtileza da análise inerente ao pri-meiro sistema de sinais.

A investigação demonstra, além disso, que o simplesuso de meios visuais durante as lições não assegura aeliminação do verbalismo e a consecução de um elevadonível de assimilação das noções. É necessário utilizaras formas de combinação dos meios verbais com osvisuais, que provam ser mais eficazes em relação a umadeterminada tarefa escolar e a sua utilização em condi-ções específicas.

Além disso, a utilização de métodos ineficazes decombinação de meios visuais com meios verbais, podecriar obstáculos tanto à eliminação do verbalismo, comoao melhoramento qualitativo da assimilação das noções.Em primeiro lugar, porque não temos a ilusão de queestá muito bem aquilo que precisamente cria obstá-culos à melhoria do ensino. Em segundo lugar, a partirdo momento em que os alunos formam uma capacidadeespecífica perante os meios visuais, estes últimos ser-vem, não como meio de estudo, mas antes como auxí-lios para reproduzir o conhecimento verbal.

Por outro lado, a utilização pouco inteligente dosmeios visuais pode levar a uma brusca diminuição dopapel generalizador da palavra. Assim o demonstra a

120

experiência na qual as instruções verbais e visuais fo-ram acompanhadas pela representação de um «mo-delo»; as ditas experiências demonstram que nestescasos se dá uma especialização primitiva das conexõescondicionadas.

No que respeita à prática geral do ensino, averi-guamos que a forma Hl de combinação dos meios ver-bais com os visuais se utiliza com mais frequência doque a forma I. Nas classes elementares e nas seguintes,muitos professores quase não usam a forma I. É neces-sário, portanto, aumentar notavelmente o peso especí-fico da forma I no estudo dos aspectos externos dosobjectos. Além disso, dever-se-ia chegar a um equilíbrioracional na utilização das formas I e lU. Não é precisoalargarmo-nos sobre o facto de que em geral aforma Ill é mais económica no que diz respeito aotempo. Isto apenas significa que é inútil utilizar aforma I nos casos em que tem a mesma eficácia quea forma IH.

A organização do ensino, segundo as linhas suge-ridas,. permitiria eliminar um importante obstáculo paraa melhoria dos métodos de ensino, obstáculo profunda-mente enraizado no interior do processo educativo.

121

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ASPECTOS PSICOLÓGICOS DE EDUCAÇÃOARTíSTICA

R. M. TEPLOV (*)

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Seria um -erro supor que o único fundamento psi-cológico da actividade artística seria o «sentido esté-tico». «A arte - escreveu Chernyshevsky - não é oproduto de uma aspiração abstracta de beleza (a ideiada beleza), mas sim o produto de uma combinação detodos os esforços e de todas as capacidades do ho-rnem.» (1) Turgenev, exprimiu uma ideia análoga aoexpor a sua concepção de arte, em contraste com ade Chernyshevsky: «A arte é uma ocupação tão terrí-vel que todos os homens, 'com todas as suas cagacida-des, só com duras provações pode igualá-lõ.» ( )

A arte tem um efeito profundo e de grande alcancenos diversos aspectos da psicologia humana, não sósobre a imaginação e os sentidos, como também sobreo pensamento e a vontade. Daí a sua enorme impor-tância para o desenvolvimento da consciência, e daautoconsciência, na educação moral e na formação daconcepção da vida. A educação artística é um dos maispoderosos meios para desenvolver uma personalidadeplena e harmoniosa.

(*) Colaborador do Instituto de Psicologia da Academiade Ciências Pedagógicas da URSS. Texto publicado em SP,1946, n." 6.

C) N. G. Chernyshevsky, Obras, 1905-1906, voI. 2.C) Fet, Memórias, voI. 1, p. 63.

123

Page 63: Autores soviéticos

Diz-se com frequência que os estudos artísticospressupõem a presença de capacidades correspondentesna esfera das sensações e na da percepção (ouvidomusical, sentido do ritmo, etc.); discriminação na reac-ção emotiva, expressiva, etc. Do ponto de vista peda-gógico, isto não é o suficiente. Se a actividade artística«pressupusesse» apenas a presença destas capacidades,se fosse apenas o cenário para as suas manifestações,a sua importância educativa não seria tão grande.

Todas as capacidades se formam e desenvolvemapenas durante a actividade, e antes de mais na activi-dade que requer necessariamente essa capacidade eque não pode ser empreendida sem ela. As capacidadesnecessárias para a capacidade artística formam-se, pois,e desenvolvem-se no processo de actividade artística.Mas como tais capacidades, se desenvolvem com baseem requisitos prévios na criança, se crianças diferentesse vêem submetidas ao mesmo tipo de educação mani-festarão capacidades artísticas muito diferentes. Aeducação artística tem uma influência imediata sobreos aspectos da psicologia que estão particularmenteinfluenciados .pelas formas e pela natureza emotiva daarte. Por isso os estudos artísticos constituem essen-cialmente uma escola para a percepção, a imagem eos sentimentos.

Na percepção estática, a forma sensorial das coisas- a mesma «vista» ou o mesmo «ouvido» - adquireum significado de especial relevo no que diz respeitoaos outros aspectos da percepção. O, importante napercepção ordinária, quotidiana, não é tanto a «visão»ou o «som» das coisas, quanto ao seu significado. En-contro um homem na rua; na maioria dos casos todoo conteúdo do acto de percepção consiste no factode o ver «assim e assado», como resultado de umaolhadela superficial. Se a visão do «homem» atrai aminha atenção, em geral isso sucede apenas na medidaem que algo «me recorda» algo: «É horrível! Estádoente?» Ao ouvir alguém que fala, não é verdadeque com frequência «sentimos» algo diferente do sig-nificado das palavras e da expressão? E até mesmo no

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que se refere à entoação, «sentimos» frequentementemais o seu significado do que a própria entoação: «Pa-rece of'endido.»

Ver e sentir com os olhos e ouvidos de um artista- um pintor, um actor - é algo completamente dife-rente. O artista Mikailov de Ana Karenina de Tolstoi«recordava sempre todos os rostos que vira», mas «nãorecordava o nome de um homem nem o sítio onde otinha visto e onde lhe tinha falado». Isto contradiz ofacto de que geralmente os nomes fazem recordar ascaras. Para Mikailov o rosto era «o sinal da identidade»de um homem, apreendia e recordava tudo o que tinhaque ver com o seu aspecto externo e com a sua ex-pressão interna.

As artes ..figurativas exigem uma clara percepçãodo «aspecto» real das coisas, um ir mais além dessevéu do hábito que oculta o olhar quotidiano, o «as-pecto» real das coisas. Daqui resulta, em parte, umadiminuição da constância de formas, grandezas e cores,características da percepção habitual. Quando acriança retrata o que vê, aprende inevitavelmente a veras coisas de maneira diferente, de um modo mais pre-ciso e exacto.

Isto é igualmente válido para a percepção auditiva.Aceita-se geralmente que a música exige um tipo deouvido especial. Isto pode aplicar-se também à poesia,que requer uma percepção desenvolvida e distinta dossons da linguagem. Do ponto de vista psicológico, oconceito de «ouvido poético» é tão legítimo e neces-sário como o de «ouvido musical». O actor, ou oartista ao ler deve desenvolver sem dúvida um tipoespecial de «ouvido»; se tem que reproduzir entoações,deve-se ter a capacidade de chamar a atenção de modopreciso para os seus matizes.

A escrita acarreta o desenvolvimento de váriosaspectos da percepção (e idealmente, de todos) (3). Os

C) À pergunta: «Que género de percepção serve de basepara a formação de imagens (visuais, auditivas, etc.)? MáximoGorki respondeu: «Toda a percepção, não tem a menor dú-vida» (Como escrevemos, Leninegrado, 1930, 27).

125

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II

«olhos» do escritor são diferentes dos do pintor (adescrição com palavras implica uma visão diferente darequerida para retratar), do mesmo modo que o seu«ouvido» é diferente do do músico ou do do actor.Mas não é possível escrever criativamente sem umdesenvolvimento discriminativo da «vista» e do «ou-vido» (igual ao de outros aspectos ..da .sensação). Paradar ideia do contínuo «cultivo da percepção», que éum elemento essencial dÜ'tr.abalho criativo de' um es-critor" reproduzimos parte de uma carta de Turgeneva um Jovem:

«Hoje à noite, antes de ir para a cama, passeio pelopátio. Ontem detive-me e comecei a escutar. Eis osvários sons que ouvi. O som do sangue nos ouvidose da respiração; o sussurrante e incessante murmúriodas folhas; o zumbir das cigarras - havia quatro nasárvores. - O peixe fez um leve rumor na superfícieda água, como o som de um beijo. De vez em quandocaía uma gota, com um som ligeiro e argentino. Parte--se um ramo - quem o quebrou? Ouve-se um somafastado - o que é? Passos no caminho? Ou o mur-múrio de uma voz humana? E de repente o elegante 'soprano de um mosquito soa precisamente no ou-.vido.» (4) . - I

Todas as formas de actividade artísticas exigemtanto a educação dos sentidos como o desenvolvimentode capacidades de percepção muito complexas, porexemplo o poder de observação. A educação artísticadeve, portanto, acompanhar sempre a . educação daP~L<;'Çl?5(.ã.g.Esta é uma das razões da suaIínportânéiapara' a educação geral; educando a capacidade ~Y~P?e, de. «ouvir», a arte criá 'os requisitos indispeÍisãveisparã um -âmplo e profundo conhecimento do mundo., A imaginação é a criação de novas formas, através

. (Io material proporcionado pela percepção anterior.\ Esta desempenha um papel vital em todo o tipo de

obra criativa. Não só é essencial para a actividade

e) Cartas de Turgenev a Pauline Viardot e aos seus ami-gos franceses, Moscovo, 1960.

126

do inventor e do experimentador, mas também nosterrenos científicos mais abstractos. «É absurdo negara função da fantasia na ciência mais rigorosa», escreveuLénine nos Cadernos Filosóficos; e também: «Sem afantasia, até mesmo aos matemáticos teria sido impos-sível inventar o cálculo diferencial e integral.»

Mas em nenhum terreno tem tanta importância aI -imaginação como no da arte, no processo da criação{artística. As formas de imaginação só têm um lugar'na ciência quando o pensamento criativo do cientistaé introduzido no material. Na arte, a criação de for-mas é a tarefa directa do criador: o artista - escritor;pintor, compositor, actor - incorpora em formas, assuas próprias, intenções ideológicas. A imaginaçãoocupa, portanto, um posto fundamental no processode criação artística e isto significa que toda a acti-vidade criativa durante a educação pode servir eficaz-mente como meio para o desenvolvimento da imagi-nação.

A educação da imaginação serve portanto para ou-tros aspectos da actividade artística,' além dos criativosno sentido estrito do termo (criatividade como «com-posição»). De especial importância em sentido psico-lógico é a imaginação «reprodutora», ou seja a orga-nização das imagens de acordo com determinadasinstruções (esquema, esboço, etc.). Admaginação destetipo caracteriza, por exemplo, a execução musical-construção de formas musicais baseadas em notas es-critas. ,

A imaginação reprodutora revela-se, de modo par-ticularmente evidente, na leitura de um fragmento lite-rário, que é construção das imagens baseadas na des-crição verbal. Naturalmente, não sucede sempre assimcom toda a leitura. A leitura que tem como únicoobjectivo conhecer «o que se diz aqui» e o que «suce-derá depois» não exige imaginação criativa. Mas aleitura que «vê e sente» com o pensamento tudo- oque há no problema, que' transfere para o leitor asituação descrita, para o fazer «viver» nela, necessitade imaginação activa.

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A descriminação que Gorki faz das suas primeirasimpressões literárias evidencia a imensa força que aimaginação reprodutora pode gerar.

«Lembro-me de ter lido Um coração simples, deFlaubert uma tarde, sentado no telhado de um alpen-dre, onde me tinha escondido para fugir à gente cheiade alegria. Estava completamente oprimido pela histó-ria, mudo e cego - o retrato de uma velha camponesavulgar, uma cozinheira, que não realizava nenhumgesto heróico, não cometia nenhum crime, afastou-medaquele ruidoso dia festivo de Primavera. - Comopuderam agitar-me dessa maneira umas palavras tãosimples, tão familiares, usadas por um homem numahistória vital "tão falha de interesse" como a de umacozinheira? Era um problema incompreensível e - nãoexagero - muitas vezes, mecanicamente e como umselvagem, ergui as páginas em contra-luz, como setivesse podido ler a solução nas entrelinhas.»

«Senti-me absolutamente anulado quando li as pá-ginas da novela de Balzac, Pele de Chagrém, onde sedescreve um banquete dado por um banqueiro duranteo qual vinte pessoas falam ao mesmo tempo, fazendoum ruído caótico: conseguia ouvir todas aquelas vozes.E além disso, não só ouvia, como vi os olhos, os sor-risos, os gestos dos que falavam, embora Balzac nãodescreva os rostos nem os gestos dos convidados dobanqueiro.» (5)

Nem todos conseguem ler uma obra literária destemodo. Mas precisamente este trabalho de assimilação_ que requer um estudo. para o qual se deveriam edu-car as crianças - e a sua realização leva a aprofundare a ampliar a imaginação.

A arte não.. é<apenas imaginação, mas tambémconhecimento 'emotivo.do mundo; é isto que determinaa formação da percepção artística. Se a observaçãocientífica é às vezes chamada «percepção do pensa-mento», a percepção estética pode ser definida como

C) M. Gorki, Como aprendi a escrever, Mascava, 1953~vol, 24, p. 486.

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«percepção dos sentidos», percepção emotiva. Com-preender a arte significa sobretudo senti-Ia e experi-mentá-Ia emotivamente, e portanto reflectir sobre osseus principais momentos. A percepção da arte devepartir dos sentimentos e deve-se avançar através deles,e sem "'ICliàHBeatG não é possível a percepção. Mas,naturalmente, a percepção estética acarreta muito maisdo que sentimento. É uma percepção que partindo do«sentimento», se desenvolve em forma de «pensa-mento»; «pensamento» profundo e penetrante.

Este aspecto da psicologia da percepção artísticafoi posto em relevo por Belinsky: «A poesia instala-seprimeiro no coração, e depois transfere-se para o cére-bro.» (6) «Na poesia é necessário, sobretudo, sentir paracompreender o pensamento.» (1) «O entusiasmo é oprimeiro momento necessário no estudo da poesia.» (8)Compreender a arte «com o cérebro, sem a participaçãodo coração - segundo a concepção de Belinsky - émuito mais difícil do que compreendê-lo com ospés» (9).

Neste sentido pode-se dizer que a percepção artís-tica deve estar sempre orientada emotivamente. A faltáda dita «orientação» para a obra de arte implica a faltade uma específica atitude estética perante ela. Umadas tarefas mais difíceis da educação artística é a deconservar a orientação emotiva, através de uma pro-gressiva diferenciação da atitude perante a arte, o seuconteúdo e as suas técnicas. O exemplo de grandesartistas demonstra que este problema pode resolver-se.Eis, por exemplo, como S. V. Obrastsov descreve aStanislavsky:

«Stanislavsky é um maravilhoso ouvinte, sincero edirecto. Tenho espectadores que talvez saibam dar-seconta e julgar, mas são incapazes de ver. É difícil repre-sentar diante deles. Não há nada disto em Konstantirr

(8) V. Belinsky, Obras, vol, VI.n Ibid., vol, lI.(') I bid., vol, XI.(') Id., Cartas, vol, lI.

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I

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~,

Sergeevich. Solta gargalhadas e goza em voz alta, osseus olhos iluminam-se; não há nada nele que indiqueum admirador profissional. .. A capacidade de conser-var a percepção directa da vida e da arte, não de modoestritamente profissional, mas de modo vivo, é o quelevou Stanisla vsky ao êxito, um êxito, na verdade,nunca igualado na história do teatro mundial.» (10)

Não basta afirmar que é possível resolver o pro-blema da subsistência da orientação emotiva; poder--se-ia dizer antes que se não se resolve este problemase torna impossível o próprio desenvolvimento estético.Embora a percepção das obras de arte deva ser «di-recta» e emotiva a capacidade para essa percepção,sobretudo no que diz respeito às grandes obras de arte,não está «directamente» determinada; exige umagrande quantidade de trabalho prévio, uma especial«preparação», uma cultura desenvolvida, tanto emsentido geral, como em sentido especificamente esté-tico.

Assim, Belinsky, que tão tenazmente insistiu sobrea necessidade de uma orientação directa e emotiva pe-rante as obras de arte, insistiu com idêntica firmeza.sobre o facto de que isto pressupõe um vasto trabalhopreparatório: «Sem preparação, sem paixão, sem tra-balho e tenacidade no desenvolvimento e afinação dossentidos, nada se aproxima da arte.» (11)

«O estudo deve ser semelhante ao exigido pelaciência, porque para uma real compreensão da arte,para um verdadeiro disfrute deste, é necessário umestudo adequado, um estudo cada vez mais intensode disciplinas que estão inteiramente à margem daesfera da arte.» (12)

Grande parte do que foi dito pode aplicar-se tam-bém à música; a música é considerada com frequênciacomo a «linguagem dos sentidos». Um desenho ou um

CO) s. Obrastsov, Actor com fantoches, Moscovo, 1938,p. 102.

(11) V. Belinsky, Obras, vol. IX.C') lbidem.

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quadro são antes de mais o retrato de algumas coisas,realizado com ajuda de linhas e cor, mas nem sempretem um significado estético, um efeito emotivo (porexemplo, uma ilustração de um livro de texto). Omesmo se pode dizer da literatura e da descrição verbalno sentido mais amplo do termo. A música, em con-trapartida, não tem nenhum significado se não é umareacção emotiva perante ela. As crianças não a enten-dem como objecto estético, a não ser que se dirija demodo directo e específico aos seus sentidos; caso con-trário, não tem o menor significado para as crianças.Quando se perguntou a Chernyshevsky: «Qual é a ne-cessidade que leva o homem a cantar?» Respondeucom muita 'razão: «Parece que esta necessidade é bas-tante diferenfe da aspiração à beleza.» O canto é «pro-duto dos sentimentos» e é «essencialmente expressãode felicidade ou de dor» (13).

Por isso a arte é um dos meios mais eficazes deeducação dos sentidos. Desenvolve a sensibilidade emo-tiva, a compaixão, a receptividade; alarga a experiên-cia emotiva do homem, não só reflectindo sentimentosíntimos que lhe são conhecidos, como também reve-lando sentimentos novos que antes lhe eram desconhe-cidos. Nikolai Ostrovsky escreveu sobre este tema demodo simples e convincente:

«Sabeis porque amo tanto a música? Vi muito san-gue e muito sofrimento na minha vida. Cresci em tem-pos duros. Não perdoávamos aos nossos inimigos nemnos preocupávamos connosco. Agora sou um escritore cabe-me escrever sobre a vida. As cenas da guerracivil e o ódio aos inimigos estão frescos na minha me-mória. Mas na vida ignorava o amor. Foi Tchaikovskyquem me fez pensar e suscitou na minha alma senti-mentos Íntimos, cuja existência nunca tinha suspeí-tado.» (14)

C3

) N. G. Chernyshevsky, Artigos sobre a estética, Mos-covo, 1938, pp. 91-92. ; .•Çl~) S. Kats, E~contros com Nikolai Ostrovsky, em MúsicaSovletlca, 1~3, n. 3.

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- A arte, e a música em especial, não suscita neces-sariamente sentimentos íntimos e «ternos»; tambémpode evocar sentimentos heróicos e viris, sentimentosde todas as classes, cuja existência o homem «nuncahavia suspeitado». Mas não basta dizer que a arte pro-cura uma rica experiência emotiva; proporciona umaexperiência emotiva de tipo específico; não só deter-mina uma experiência sentimental, mas também acapacidade de entender os sentimentos e de os assimi-larmos através dessa compreensão. «Quanto melhorcontrolarmos os nossos afectos - escreveu Spinoza .-,melhor os conseguiremos assimilar, compreendendo--os» (15).

Toda a actividade artística, tanto a criativa no sen-tido estrito como a executiva, leva normalmente aodesenvolvimento de notáveis capacidades, a combina-ção de sensibilidade emotiva e autocontrole. A ditacombinação é necessária para a criação artística, cria-ção que não poderia produzir-se sem uma profundaimplicação emotiva e que seria, além disso, impossívelsem a plena participação de todas as capacidades, esem essa «serenidade» para que Pushkin foi um dostraços da distinção entre a verdadeira inspiração e osimples «disírute» (16). Uma genuína percepção artísticanão só alarga e aprofunda a vida emotiva, como tam-bém favorece a capacidade de se assenhorear dos seuspróprios sentimentos e de os controlar.

A percepção da arte é um processo activo, queincorpora momentos motores (ritmo), expe~iência emo-tiva, actividade imaginativa e «operações de pensa-mento»: Estas últimas têm especial importância nascrianças pequenas. A maior ou menor inteligibilidadeda literatura infantil depende antes de mais da suacapacidade para determinar nas crianças um processode identificação: pôr-se no lugar do herói da história

C') Spinoza, E tica.C8) A. S. Pushkin, Notas rápidas ao artigo de Kuchel-becker «Direcções na nossa poesia».

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/

e actuar com ele (17). Ao examinar o êxito das velhasfábulas clássicas para crianças, ou seja a razão pelaqual as crianças conseguem ouvir «o capuchinho ver-melho» desde o princípio ao fim de vinte vezes,S. 1. Marshak observou: «Isto sucede porque cada fraseda história, a sucessão e a lógica dos motivos, estãode uma forma de tal modo evidente no sítio justo quecada criança se pode pôr no lugar da heroína da fábula,se pode identificar com o «Capuchinho Vermelho» (18).

Para as crianças em idade pré-escolar ouvir umahistória é um «jogo de pensamento». Por isso gostamde ouvir repetir as mesmas histórias uma quantidadede vezes, e agrada-lhes que nos tradicionais contos in-fantis se faça um grande uso da repetição. A formada actividade interna muda de acordo com a idade dacriança e o seu nível de desenvolvimento; mas de umaforma ou de outra continua a ser o «espírito vivo» dapercepção artística.

«É possível compreender perfeitamente a realidadecom o pensamento - escreveu Belinsky - e estar aomesmo tempo à margem dela.» C9

) A importância edu-cativa fundamental da obra de arte é dada pelo factode representar um modo de ter acesso à «vida interior»,à possibilidade de experimentar um aspecto da vida,de gerar uma perspectiva geral. É importante que du-rante a dita experiência se criem atitudes e juízos mo-rais, que assumem assim uma força incomparavelmentemaior do que os juízos que são apenas comunicados ecompreendidos.

Podemos citar um exemplo, que representa um casosimples de nascimento de novos valores depois de ter

C7) Este aspecto foi estudado a fundo nalgumas inte-

ressantes investigações da secção pedagógica do Instituto Pe-dagógico de Karkov. O. V. Zarporozhets e S. O. Chimenko,in Contribuições do Instituto Pedagógico lde Karkov, voI. VI,1941; D. M. Arovskaya, A compreensão de uma história

para crianças, em função da sua composição, Tese.C') S. Ia. Marshak, Contribuições sobre a literatura in-

fantil. Primeiro Congresso de escritores soviéticos, 1934.C9

) V. Belinsky, Cartas, vol; I.

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-i

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«experimentado» a leitura de uma história eO). Leu-se(ou melhor, contou-se) a criança de dois e três anosa seguinte história:

«Era uma vez um menino. Chamava-se Kolia. Koliatinha uma boneca, Natacha. Kolia construiu umacasa com azulejos, uma casa preciosa, e a boneca Na-tacha vivia lá. Chegou um cão a correr e tirou a casaà boneca. A boneca ficou sem casa e começou a chorar:«Já não tenho casa, onde vou viver.»

Das 28 crianças que ouviram esta história, só qua-tro, em conversa com o experimentador, exprimiramum juízo sobre as personagens que nela figuravam;por exemplo, disseram que o cão era «mau» porque«tirou a casa». Crianças mais atrasadas, embora com-preendessem bem a história, não exprimiram nenhumjuízo. Alguns afirmaram: «O cão é simpático»; ummenino ao explicar porquê, disse: «Vi um cão na rua:um cachorrinho branco.» Slavina explica estes resul-tados da seguinte maneira:

«As expressões "tirou a casa", "não tinha casa" sãoperfeitamente conhecidas das crianças na prática quo-tidiana. Estas sabem que é possível derrubar um edifícioque elas mesmas construíram com o jogo das constru-ções. Mas não se imagina concretamente que "tirar acasa" significa que a deixaram "sem casa" e que por-tanto "não tem uma casa". Não percebe que "não tercasa" significa ficar sem tecto, não ter um abrigo paraa neve, não ter um sítio para comer, não ter um refú-gio que proteja do calor e do frio, etc. Por isso, aopensarem no "derrubamento da casa" não sentem estefacto como uma "catástrofe" para a boneca e a histórianão faz com que surjam nelas as atitudes correspon-dentes.»

De qualquer modo, deve pensar-se que esta reac-- o depende da idade das crianças, que uma criança

pelas crianças de umade Moscovo.

C~ L. S. Slavina, Compreensãohistór)' contada, Tese, Universidade

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de três anos não é capaz de «fazer sua» a história echegar, baseada nela, a novos juízos morais. Umainvestigação realizada com uma versão diferente damesma história produziu resultados completamentediferentes. Nesta nova versão introduziam-se algumasfrases novas (em itálico):

«Era uma vez um menino. Chamava-se Kolia. Omenino tinha uma boneca, Natacha. Kolia construiuuma casa com azulejos e Natacha vivia nela. A bonecaestava contente por viver naquela casa. Na casa haviauma cama onde a boneca dormia: uma mesinha naqual comia e brincava. Chegou um cão a correr etirou a casaà .boneca. Então a boneca não sabia ondeviver: não sabia onde pôr a sua cama, onde dormir;já não tinha uma mesa onde comer: começou a chorare não tinha onde se refugiar. Sem a sua casa a boneca

h 11'começou a c orar.» ' .Das 28 crianças que ouviram esta versão, 22 jul-

garam as personagens da história. Até mesmo o me-nino que depois da primeira versão chamara «bom»ao cão por ter encontrado um cachorrinho na rua,afirmou agora que o cão era «mau» e à pergunta:«Porque é que o cão é rnau?» Respondeu: «Porquetirou a casa.» Na segunda versão não se fez uma crí-tica às' personagens e muito menos ao cão, e portantoo juízo de valor das crianças não podia ter origem nahistória. Teve este resultado porque neste caso ascrianças sentiram «a catástrofe» da boneca que tinhaficado sem casa como algo próprio. Naturalmente, épossível falar neste caso de percepção aritmética nosignificado real do termo. Mas a propósito do assuntoque estamos a tratar aqui, vale a pena tomar em con-sideração este exemplo: demonstra que uma história«tornada própria» pode criar novas atitudes e juízosde valor e como isto depende das características dahistória.

Um caso muito parecido do ponto de vista psicoló-gico embora se refira a um grupo de crianças maiores-é aquele que Chekov descreve no seu relatório Em casa,

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que é costume citar-se a propósito da educação artís-tica das crianças. A história conta que Seriozha, um

.menino de sete anos, fumava. Nenhum tipo de per-suasão ou de ensinamento moral, como por exemplo«o tio Inácio morreu de enfraquecimento; se nãotivesse fumado talvez ainda hoje vivesse», conseguiuprovocar uma atitude negativa a respeito do tabaco,embora se insistisse sobre o facto de que «fumar éprejudicial». Chegou «por si só» a essa conclusão depoisde ter ouvido a história, muito ingénua, do velho czare do seu filho o príncipe primogénito, que fumava:«O príncipe, por causa do tabaco, adoeceu e morreuaos vinte anos. O velho, entrevado e doente, ficousem nenhum arrimo. Não houve ninguém que gover-nasse o Estado e protegesse o palácio. Vieram os ini-migos, mataram o velho e destruíram o palácio. Jánão há ginjeiras no jardim, nem estorninhos, nem cam-pânulas ... Foi assim, meu filho.» .

O pai de Seriozha, que lhe contou a história, nãoesperava de maneira nenhuma que esta «produzisseuma impressão tão intensa». Os seus olhos estavamvelados de dor, de espanto; durante uns momentosolhou pensativo um canto obscuro, estremeceu e disseem voz fraca: «Não voltarei a fumar.»

É interessante observar que nos dois casos citadosa versão eficaz (segunda versão da história da bonecae do cão e a história do príncipe que fumava) não édiferente da ineficaz (primeira versão da história nar-rada como experiência e as informações sobre o tioInácio) do ponto de vista da história, do tema, da«acção» no sentido mais lato do termo. A varianteeficaz são os elementos descritivos acrescentados (ca-racterísticas e situações concretas) e as expressões (asque têm uma- carga emotiva). Isto parece contradizera concepção, tantas vezes posta em relevo, segundoa qual as histórias para crianças deveriam dar umarepresentação directa da acção sem nenhum refina-mento, caracterização, etc.

Qualquer obra de arte pode ter valor educativo con-quanto se obrigue a criança a adoptar uma determi-

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nada atitude, a começar a «viver» na situação repre-sentada e a fixar-se portanto na modalidade, nas ca-racterísticas c atitudes humanas, na perspectiva dessaatitude. A primeira impressão intensa exercida pelaarte sobre aqueles que depois foram grandes artistasfoi descrita com frequência como identificação emo-tiva com um herói e suas acções, onde a experiênciamoral e estética se fundiram num conjunto. Citaremos,por exemplo, a discriminação feita por M. N. Ermo-lova da sua primeira experiência teatral (e estética):

«Lembro-me de que quando tinha apenas três anosestava no teatro sentado ao colo do meu pai e obser-vava com avidez o que acontecia no palco; havia umbelo moço com uma capa coçada que trepava por umagrade de ferro; representavam O Fidalgo Espanhol, deV. I. Samarin. Naturalmente não me recordo do enredonem da interpretação do actor, mas recordo-me de querecebi uma indelével impressão de como era belo enobre, de que protegeu e salvou alguém, e de que afinalacabaram todas as desditas que o tinham perseguidodurante toda a vida até àquele dia, recordei os exces-sos com muita nitidez.» (21)

Neste caso recorda-se uma nítida imagem visual(cum belo moço com uma capa coçada que trepavapor uma grade de ferro» e ainda se evoca com maiornitidez uma atmosfera estético-moral. O conteúdodesta impressão, que determinou o seu «carácter inde-lével», tem em si mesmo um valor moral) «como eranobre, protegeu e salvou alguém» e uma nítida sim-patia pelo herói (eacabaram todas as desditas que otinham perseguido»). Mas esta atmosfera é experimen-tada esteticamente - «como era belo» -, belo porqueprotegeu e salvou alguém, porque escapou a todasas desgraças, talvez porque trepava pela grade commuita destreza. A experiência e o juízo estético e espe-cificamente moral na percepção da arte desenvolvem--se com base na actividade interna, «vivendo com o

(31) T. L. Schepkina-Kupernik, Sobre Ermolova, Moscovo,1940, p. 27.

137

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~~:1.

."

herói», sem o qual não haveria uma percepção artísticacompleta.

A educação artística, além de promover a percep-ção artística, deve incluir também' formas produtivasda actividade artística, ou seja aquilo que se costumadefinir como arte infantil.

Raramente se dá na prática educativa tradicionaluma harmoniosa combinação destes dois aspectos;normalmente costuma dar-se uma direcção unilateraldiferente de acordo com as várias artes. Nas artes figu-rativas, ensinava-se as crianças a pintar e a modelar(ou seja, que se desenvolvam assim as suas capacidadescriativas), mas deu-se pouca atenção à percepção. Naliteratura deu-se uma experiência da percepção, boaou má, sem a mais pequena preocupação pelo desen-volvimento da criatividade. Na música limitamo-nos àexecução (incluindo o canto) e fez-se muito poucopara ministrar um tipo de ensino que desenvolvessea percepção musical; e de um modo geral o trabalhocriativo, ou seja, a composição, teve pouca importân-cia e2

).Afirmou-se com frequência que em música e na

literatura a actividade criativa é um terreno reservadoa indivíduos especialmente dotados, e não se incluempor isso na educação da maioria das crianças. Os dadospsicológicos demonstraram que isto é inexacto. De-monstrou-se que orientar as crianças (e não só aquelasespecialmente dotadas) para o trabalho criativo, emvez de o fazer para seu puro «valor», favorece o de-senvolvimento artístico geral e corresponde plenamenteàs capacidades e às possibilidades da criança, que lheé, pode-se dizer, quase natural. A actividade produtivapoderia ser mais natural e fácil para as crianças doque o é o «valor» em campos particulares. A investi-

C2) O trabalho. de alguns professores, que procuravamconstruir um sistema de educação. musical com base na «cria-tividade» é apenas uma brilhante excepção, que contrasta demaneira notável com a educação. musical tradicional baseadanas «regras».

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gação empreendida em Karkov, da qual já falamosanteriormente, assim O demonstra. Por exemplo:

«As crianças de idade pré-escolar deram uma pe-quena representação à qual assistiram outras criançasda mesma idade. Evidentemente, para a criança emidade pré-escolar era mais fácil ser actor do que espec-tador. Como executor, estava perfeitamente orientadopara a representação dos acontecimentos, mas como es-pectador aborrecia-se e compreendia muito pouco doque estava a acontecer no palco. No final da represen-tação, todos os espectadores costumavam juntar-se nopalco para tomar parte no espectáculo.» e3)

Naturalmente que, do ponto de vista psicológico,isto não é actividade artística, mas sim jogo, e no jogoa posição do espectador torna-se muito difícil, por faltade compreensão. Vale a pena examinar todos estes fac-tos porque pertencem, se não à história, pelo. menosà «pré-históriasdo desenvolvimento artístico da criança.

Diários sobre o desenvolvimento das crianças indi-cam que entre os 3-4 e os 6-7 anos muitas desenvolvemcapacidades para a música, para a literatura, para reci-tar, de tipo criativo (pondo de lado os casos de grandetalento) e, de maneira autónoma, sem nenhum estímuloeducativo e4). Às vezes esta actividade artística inde-pendente tem muita importância na vida da criançade idade pré-escolar e possui um carácter de improvi-sação, com um grau de síntese variável. tratava-se daexecução e composição de um texto, de uma música,às vezes com elementos de declamação. e dança. Parauma criança, o centro de gravidade cdnsiste na com-

eJ) D. M. Arnovskaya, Tese, Instituto Pedagógico. de

Karkov,('4) A. D. Pavlova, Diário de uma mãe, Ed. a cargo. de

M. Rybnikov, Moscovo, 1924;, Z. I. Stanchinskaya, Diáriode uma mãe, a cargo. de Kornilov, Moscovo, 1924; in Braz-burg-Chaikovskaya, Diário do desenvolvimento da minha IrmãSali, e Boldyreva, Diário do desenvolvimento de Misha Bar-bashev (MSS, col. de diários, Instituto. de Psicologia, Mos-covo),

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posição do texto, enquanto que a melodia é apenassecundária; para outra, o centro de gravidade é a com-posição da melodia, enquanto que as palavras podemquase não ter sentido; mas ambos entendem a suaactividade da mesma maneira; «canto a minha can-ção».

Podemos dar outro exemplo: muitas crianças deidade escolar - e não apenas as mais pequenas-podem sentir-se emotivamente transportadas ao «con-tar uma história», o qual, de um ponto de vista psi-cológico, representa sem dúvida uma criação literáriado tipo do improviso. Deve fazer-se notar, em primeirolugar, que o facto de se emocionar ao «contar umahistória» não é apenas característica de quem possuidotes literários especiais, e em segundo lugar que namaioria dos casos este processo surge dc um modoabsolutamente independente, isto é, corresponde a ne-cessidades reais e imediatas da criança. Estes são evi-dentemente, os requisitos prévios do desenvolvimentoda composição criativa na maioria das crianças.

A actividade artística produtiva da criança (a arteda criança) desenvolve-se no jogo, que é a principalactividade durante a idade pré-escolar; os pressupostospara esta actividade criativa criam-se precisamente nojogo. Mas a diferença essencial entre ambas as activi-dades é que a actividade criativa origina um produto,um resultado, enquanto que «os motivos da actividadedo jogo se encontram não no resultado das acções,mas sim no próprio processo» e5). A criação artísticapode, naturalmente, produzir uma profunda sensaçãode felicidade, de satisfação, de contentamento. É óbvioque o escritor sente a necessidade de escrever, o cantorde cantar, o actor de representar. Mas em todas estasactividades criativas o objecto é o resultado, o produto.O jovem não trabalha por amor à criação em si mesma,mas por aquilo que cria.

C') A. N. Leontiev, As bases psicol6gicas do jogo pré--escolar, in SP, 1944, n." 8-9.

140

Um índice de desenvolvimento é, pois, a passagemda actividade dirigida para o processo, à actividade.dirigida para o resultado - uma passagem observadapor A. N. Leontiev no caso da «representação dra-mática desenvolvida no jogo» -, que se verifica nofinal da idade pré-escolar (6-7 anos), diferente da nor-mal «representação de personagens», típica da idadepré-escolar. No último caso «a finalidade da criançanão é representar uina determinada personalidade, masexecutar as suas acções» (a criança procura compor-tar-se como um condutor, como um médico, como umpiloto), enquanto que na representação dramática «ointeresse da criança se centra não só na representaçãoda personagem cujo papel interpreta, mas também notipo de interpretação. Neste sentido, a representaçãodramática é uma das formas de transição para a acti-vidade produtiva, ou mais exactamente para a activi-dade estética» e6).

Só há «acção dirigida para o produto» na medidaem que a actividade artística se torna puramente sub-jectiva, actividade «para si mesmo», e surge o interessepelo seu efeito nos outros. Quando uma criança comouvido musical de idade pré-escolar canta «para si»,não pensa que o seu canto também existe para os ou-tros; esta ainda não é uma actividade artística criativa,embora possa ser incondicionalmente «musical», ouseja, uma expressão absolutamente sincera de sentimen-tos em tons musicais. Só numa fase mais avançada dedesenvolvimento surge a necessidade de compartilhar«a própria canção» com os outros, e até mesmo deinfluenciar os outros através dela. Isto leva, natural-mente, a preocupar-se com a canção, com a sua pro-dução e «qualidade». O material dos diários, do qualjá falámos, dá-nos uma certa ideia sobre esta passagemdo canto (e da «composição» de canções) como neces-sidade autónoma, ao canto dirigido para a percepçãoalheia.

e8) lbid.

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Uma das características fundamentais, e o principalproblema da educação artística, é que a actividadecriativa da criança não pode ser motivada apenas comoactividade escolar. Quando tem que se resolver proble-mas de matemáticas não é indispensável que a criançasinta o trabalho como necessário em si mesmo, quelhe dê, portanto, um significado diferente da sua fina-lidade escolar. Mas no caso da arte torna-se insuficienteuma motivação puramente escolar. É impossível com-por, recitar ou pintar, limitando-se a empenhar-se aactividade exigida; parte do esforço artístico da criançatem que se encaminhar para criar um produto quetenha um efeito e que, simultaneamente, interesse aalguém, e isto implica uma certa consciência do seupotencial valor social. Se faltar este progresso do tra-balho da criança, dar-se-á apenas o desenvolvimentode algumas capacidades formais e7

).

Na educação artística há naturalmente, lugar parao trabalho puramente escolar. Este pode tambémocupar um lugar maior do que o especificamente «cria-tivo», mas não pode ser a única forma de trabalho,sobretudo nas etapas iniciais, quando se assentam asbases das capacidades artísticas.

A condição mais importante para a criatividade dacriança é a sinceridade; sem sinceridade, todos os ou-tros valores perdem significado. Este significado assentana natural satisfação da criatividade, derivada das ne-cessidades internas que surgem na criança de maneiraindependente, sem nenhum estímulo intencionalmenteeducativo. Mas não basta ter em conta apenas este

C7) É interessante observar que o «contar uma história»da criança, de que falamos anteriormente, que desempenhaum importante papel no desenvolvimento da capacidade cria-tiva, se desdobra geralmente como narrativa dirigida aos com-panheiros - e não aos adultos -, isto é aos ouvintes inte-teressados, que são atraídos por ela e a quem é «necessária».O adulto converte-se em ouvinte real apenas quando se podesentir sinceramente atraído por estas histórias pelo seu efeitoartístico objectivo, e não se limita a ser um ouvinte crítico.

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aspecto no que respeita a educação organizada. Muitascrianças não dão provas de o ter, embora demonstremuma notável capacidade quando se organiza a sua par-ticipação no trabalho artístico. Isto apresenta um pro-blema educativo mais importante: procurar um estí-mulo que gere na criança um desejo real e genuínode criar.

Tolstoi insistiu muito sobre isto e contribuiu paraeste problema com soluções de excepcional importânciano artigo Quem ensinará a escrever? São as criançascamponesas que nos ensinam a escrever ou nós a elas?Este título paradoxal não nos deve desanimar. O artigorevela uma intuição psicológica e educativa tal, queconstitui um dos escritos mais importantes da literaturada educação 'artística. Ao pretender demonstrar que«nós não deveríamos ensinar a escrever aos filhos doscamponeses», Tolstoi demonstra da maneira mais con-vincente que a criança pode ser educada pela criativi-dade literária.

Tolstoi descreve o trabalho na sua escola de Yas-naia Poliana. Durante muito tempo, refere-se Tolstoi,não conseguiu levar os alunos a escrever. «Não com-preendiam o ponto principal: porque tinham que escre-ver, o que tinha de bom o escrever.» «Tendo em contaas suas inclinações, propus-lhes temas especiais: artís-ticos, patéticos, ridículos, épicos, mas sem o menorresultado. Eis como descobri incidentalmente o actualmétodo.» O «método actual» de Tolstoi era o seguinte.Ele próprio começava, diante das crianças, a escreversobre o tema proposto. «E agora quem consegue es-crever melhor? Sou tão bom como vocês.» O facto deele um escritor, um adulto, escrever também, sus-citou naturalmente grande interesse. Terminada a com-posição, Tolstoi leu-a em voz alta: «Não gostaram,nenhum me elogiou.» «As crianças começaram a suge-rir, a corrigir, a introduzir frases, a discutir. Estavamtodos muito interessados. Para eles era novo e fasci-nante assistir ao processo de composição, participarnele. Pela primeira vez sentiram a fascinação da ex-pressão, dos impulsos artísticos.»

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Um menino, Fedka, participou com toda a suaalma no trabalho: «Os seus olhos brilhavam, como sechorasse; as mãozinhas frágeis e negras estavam con-vulsivamente apertadas; estava furioso comigo e grita-va-me constantemente: - Escreveu? Escreveu? - foitudo o que me disse.» (Nesta fase Tolstoi escrevia otrabalho comum, as crianças limitavam-se a ditar.)«Trabalhámos das sete às onze da noite; não sentiamfome nem cansaço e aborreciam-se comigo se deixavade escrever.» Fedka «estava agitado e demorou muitoa adormecer». «Sentiu que a partir desse dia se tinhaaberto diante dele um novo mundo de prazer e sofri-mentos: o mundo da arte.»

Um efeito tão profundo é em parte explicado porcircunstâncias que faltam numa prática educativa nor-mal: aquelas crianças trabalhavam com Tolstoi. Maso ponto essencial é o princípio educativo aplicado. Esteprincípio aplicava-se de forma mais elementar no en-sino da pintura, quando não era Tolstoi quem ensinava.Neste caso o professor fazia um desenho no quadro e«enquanto ganhava forma, as crianças copiavam-no».«Era muito importante que as crianças vissem comoo desenho tomava forma diante dos seus olhos. Nestecaso, os alunos viam o esboço do pintor como um es-queleto sobre o qual depois se iria formando o corpo.»Por isso, o primeiro momento em que a tentativa deTolstoi para introduzir as crianças na criação artísticaconsistia em mostrar-lhes não o simples produto, massim o processo criativo no seu desenvolvimento - oprocesso de composição" de desenho, etc. -' , para quepudessem ver com os seus próprios olhos «como éfeito». Na escola de Iasnia Poliana este foi o resultadodo método de ensino do desenho. Mas o método deTolstoi para introduzir as crianças na composição, uti-lizado com resultados tão notáveis, tem um significadofundamental. O aspecto-chave é constituído pelo tra-balho comum entre professor e alunos.

Tolstoi afirma que o que dificulta a composiçãoé a «mecânica da tarefa» que acarreta: «Antes de maisde uma grande quantidade de pensamentos e imagens,

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. -1 /1 I

escolher um só; em segundo lugar, escolher as palavraspara exprimir; terceiro, recordá-Ias e procurar colocá--Ias; quarto, recordar o que já se escreveu para nãose repetir, não esquecer nada, e ser capaz de coordenaraquilo que vem em primeiro lugar com o que vema seguir; quinto e último, pensar e escrever simulta-neamente, sem que uma coisa impeça a outra.»

Tolstoi pôs em prática este programa com rarotacto pedagógico e"mestria. Primeiro «assumiu para si»quase toda a mecânica, deixando às crianças apenas umdos cinco momentos (o segundo), ou seja, «revestirde palavras as imagens e os pensamentos». Maisadiante permitiu-lhes que fossem eles a desenvolveros outros momentos da «mecânica da composição»:«Deixei-os escolher, e depois aperfeiçoar o escrito, epor último eles próprios começaram a compor.» Esta«divisão do trabalho» especial contribuiu em grandemedida para o êxito de Tolstoi. Quando anteriormenteas crianças tinham procurado trabalhar de forma inde-pendente - inclusive depois do êxito preliminar obtidocom o trabalho em cooperação -, o trabalho tornou-sedemasiado difícil para as suas possibilidades; o resul-tado não foi satisfatório e por isso não mostraraminclinação pelo trabalho.

O aspecto educativo do método de Tolstoi não con-siste apenas no facto de ter habituado as crianças auma atmosfera criativa e lhes ter revelado como actuana composição o processo criativo, mas também nofacto de graças à cooperação ao iniciar o trabalho lhesdeu a oportunidade de conseguirem um produto no-tável que satisfazia plenamente a inclinação artísticadas crianças. Ao reduzir a distância entre o gosto ar-tístico das crianças e as suas possibilidades, o métodode Tolstoi transformava o trabalho das crianças emtrabalho criativorsérío e prolongado. Este não é, natu-.ralmente, a única maneira de estimular a capacidadecriativa das crianças. Não pode haver uma solução«única» para este problema, já que, antes de mais,existem diferenças entre as crianças. A propósito destasúltimas, há que insistir no facto de que .,nunca é tão

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importante a orientação individual como na educaçãoartística. Todas as crianças segundo o seu talento, en-frentam de maneira diferente a mesma esfera artística.Neste caso, o que conta não é apenas o «nível» e o«grau» de talento (isto é, em que grau uma criançapode ser dotada para uma forma particular de arte),mas também o lugar que esses cotes ocupam no seucarácter, e no seu tipo.

Há uma clara demonstração disto no artigo de Tols-toi. Nem todas as crianças foram atraídas da mesmamaneira para a composição. O método foi muito eficazno caso dos rapazes, Semka e Fedka, que chegaram àcomposição através de processos diferentes do pontode vista psicológico. Semka, a quem Tolstoi aplica aclassificação de «positivo», chegou à composição cria-tiva através da observação e da imaginação, ou seja,através da «imaginação objectiva». «Parecia que Semkavia e escrevia o que se passava diante dos seus olhos:sandálias geladas e rígidas, com a sujidade que pingavacomo se se liquefizessem», etc. «Para Semka é neces-sária uma imagem predominantemente objectiva: san-dálias, um casaco pesado, um velho ou uma velha,frequentemente sem nenhuma conexão entre si.» Noseu escrito, «os pormenores eram muito correctos, comose se tivessem apresentado um atrás do outro». «Aúnica censura que se lhes podia fazer era que estespormenores se descreviam apenas no presente, sem es-tar completamente ligados ao sentido geral da narra-ção.»

Fedka partiu dos sentimentos. Já falámos de algunsaspectos da sua confusão emotiva durante o processocriativo. Isto não se manifestou apenas no comporta-mento externo, mas também no processo criativo:«Fedka via apenas os detalhes que geravam nele umsentimento parecido com aquele que se experimentaao olhar para uma pessoa conhecida.» Foi-lhe neces-sário «evocar sentimentos de piedade, que o inspira-vam». Assim explica Tolstoi a notável «plenitude desentimentos» que diferenciava Fedka de Semka.

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Podem-se ver aqui em embrião dois tipos de criati-vidade claramente opostos, geralmente chamados ~b-jectivo e subjectivo. Esta terminologia pode ser aceiteem sentido psicológico se se considerar como caracte-rização do processo criativo. Mas não pode ser alargadapara caracterizar o produto da arte: um homem comuma forma de criatividade subjectiva (do tipo deFedka), pode criar obras do mais elevado nível ~eobjectividade. É mais justo dizer que no processo cna-tivo o primeiro tipo parte sobretudo da imaginação,e o segundo, dos sentimentos.

Estas duas orientações têm uma grande importânciatipo lógica e observam-se nitidamente no primeiro con-tacto com 'a .arte. A este respeito pode citar-se outroexemplo - à aproximação da música durante a infân-cia de dois grandes compositores russos. Tchaikovsky eRimsky-Korsakov. - Ambos cresceram em casas ondese amava a música de modo «diletante» e onde estatinha um papel modesto. Nenhum deles teve muitasoportunidades de escutar boa música, e ambos apren-deram a tocar piano como amadores. As condiçõesexternas do seu desenvol~ime~to w~~ical, fora~, .por-tanto, fundamentalmente iguais. Por ISSO e muito ínte-ressante observar como chegaram à música por cami-nhos diferentes, como a música fez vibrar neles «cordas»diferentes, como satisfez necessidades diferentes.

Para Tchaikovsky, a música foi antes de mais umafonte de enorme força emotiva e um meio de exprimiros seus próprios sentimentos. As suas primeiras impres-sões musicais estavam ligadas a um pequeno órgão me-cânico que tinha em sua casa. Mais adiante, durantea sua vida, Tchaikovsky falou com frequência dos«transportes» que o assaltavam na sua primeira infânciaao ouvir o organista que tocava fragmentos escolhidosdo Don Juan de Mozart. Aos cinco anos, influericiadopor estas impressões, começou a tocar piano. A suaperceptora Fanny Durbah, referiu que o pequeno Petiaficava «sempre nervoso e triste depois de ter improvi-sado muito tempo ao piano». Um dia teve convidadose todo o serão foi dedicado à música. Quando Fanny

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o levou à nursery, Petia não conseguiu dormir; exci-tado, com os olhos brilhantes, começou a gritar.Quando lhe perguntaram porque gritava: «Oh, essamú~ica, a música!... Levem-me para longe dela, estáaqui, dentro de mim, aqui. ..», dizia o miúdo soluçandoe apontando a cabeça «não me deixa em paz». A cria-tividade musical de Tchaikovsky começou sob a formade improviso ao piano: a composição escrita chegoumuito depois. O improviso, o tocar piano, foi o meiomais directo de expressão dos seus sentimentos; aosdez anos escreveu a Fanny uma carta em que lhe diziaque tocava piano «quando estava triste» eS).

Para Niki Rimsky-Korsakov, o aspecto emotivo damúsica teve pouca importância, Chegou à música nãoatravés dos sentimentos, mas sim através da imagina-ção e de uma notável capacidade de assimilação domaterial musical (enorme entoação e notável memóriamusical). A sua imaginação, particularmente intensa eprodutiva, manifestou-se sobretudo no jogo, que che-gava até à dramatização (há que observar que brincavasozinho, porque cresceu sem amigos), e na actividadeconstrutiva (brincava na loja de um velho relojoeiro,desmontando e voltando a montar relógios, construindobarcos e assim sucessivamente). «Tinha muita capaci-dade inventiva no jogo», afirma Rimsky-Korsakov nassuas memórias quando recorda a sua infância. A com-posição musical proporcionou-lhe oportunidade de de-senvolver a imaginação. «Quando tocava, às vezes ten-tava, por imitação, compor música e .soltar notas,precisamente do mesmo.modo como montava e des-montava relógios.»

Esta ocupação fascinava menos o compositor doque brincar aos viajantes ou outras formas de jogo.111asa causa das suas relevantes capacidades musicaisdeu notáveis resultados e serviu de desafogo à suanecessidade de compor, inventar, construir, combinar,

C1) M. L. Tchaikovsky, Vida de P. I. Tchaikovsky, vol. I,Moscovo, 1903, pp. 42-44, 56 e segs.

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etc. As capacidades musicais do jovem Niki foramrealmente notáveis. Ele mesmo recorda: «Ainda nãotinha dois anos e já conseguia reconhecer todas asmelodias que a minha mãe me tocava.» Aos quatroanos «conseguia cantarolar correctamente aquilo que omeu pai tocava, e cantava muitas vezes com ele, maisadiante, eu próprio comecei a treinar ao piano frag-mentos que ouvira o meu pai tocar com o harmónio».Com o piano demonstrou a sua excelente entoação.Imediatamente a seguir «cheguei por mim mesmo aconseguir escrever o que tinha tocado ao piano», erapidamente comecei a reproduzir mentalmente notasescritas sem tocar piano. Aos dez ou onze anos jáescrevia composição bastante complexas. Em tudo istonão se descobre uma grande atitude emotiva perantea música, nem muitos sinais do seu efeito emotivo.«Não me recordo que a música me proporcionasse umgrande prazer naquela época.» «Não amava a músicade modo especial ou, embora me agradasse, raramenteme proporcionava um grande prazer.» e9

)

Como já se disse, estas diferenças tipológicas nosdotes artísticos e na abordagem da arte surgem deforma muito clara no primeiro período de desenvol-vimento; mais adiante atenuam-se, ao mesmo tempoque o desenvolvimento artístico se torna cada vez maisharmonioso. Estas diferenças qualitativas na aborda-gem da arte por crianças diferentes não s6 indicama necessidade de uma orientação individual na educa-ção, como também o perigo que encerra o uso de umúnico critério para julgar as inclinações, inclusive aartística. As diversas formas de actividade artística cor-respondem a diferentes aspectos da personalidade. Sódando-nos conta das formas de arte mais adequadaspara cada criança é possível assegurar um completoe bem sucedido desenvolvimento artístico infantil, en-contrando nesta esfera um meio de abordagem da arte

C') N. A. Rimsky-Korsakov, Memórias da minha vidade músico, Moscovo, 1926, lU ed., p. 26-30.

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que corresponda às capacidades 'individuais. Como dissejustamente Tolstoi: «Penso que existe em cada per-sonalidade humana uma necessidade de prazer artísticoe de entrega à arte e que esta necessidade é justa edeve ser satisfeíta.» Todas as crianças, e não apenasaquelas que possuem talentos artísticos especiais, têmdireito a uma educação artística completa.

O conteúdo psicológico da actividade artística nãonão pode ser reduzido à experiência estética no sentidogeral do termo, à experiência da «beleza ou do belo»,esse conteúdo perde o seu carácter específico e podever-se despojado de todo o significado. A este respeitotem que se pôr em relevo dois pontos essenciais doponto de vista psicológico.

O primeiro é que a percepção da «beleza» inclui ne-cessariamente um momento de valorização. Nisto con-siste uma das diferenças fundamentais entre o belo e oque simplesmente «agrada» ou «proporciona prazer». Aeducação do gosto artístico - e este é um aspecto im-portante de toda a educação artística - desenvolve acapacidade de experimentar prazer perante trabalhosartísticos de grande qualidade:' ou seja, é educação deuma atitude avaliadora perante as obras de arte, e for-mação de um sistema específico de juízo estético. Estemomento de avaliação é uma componente essencial daactividade criativa, aprovação da percepção artística.A afirmação de Tolstoi de que «num escritor devemactuar simultaneamente o pensador, o artista e ocrítico» eO), aplica-se também à formação artística dacriança, se se quer que esta seja realmente artística eprodutiva e não apenas um jogo. Desde o momento emque a criança deixa de «ser activa por si mesma», porexemplo no jogo, e a sua percepção se dirige para oproduto dos outros, entra inevitavelmente em cena aavaliação estética.

Sem o desenvolvimento da valorização estética, odesenvolvimento das outras capacidades artísticas perde

CO) Como escrevemos, Leninegrado, 1930, p. 143.

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significado. A criação artística torna-se impossível. sefalta a imaginação. Como' afirmou o' grande artistaGoethe: «Nada mais terrível do que a imaginação falhade gosto artístico». Tolstoi pensava nisto quando disseque «a qualidade mais importante de toda a arte é osentido das proporções» e1

). A propósito de Fedka,agradou sobretudo a Tolstoi o seu «sentido da propor-ção», que «estava extraordinariamente desenvolvido.Estremecia perante qualquer pormenor supérfluo suge-rido por qualquer outra criança». «Este sentido da pro-porção, que só o verdadeiro artista adquire com umagrande vontade e aplicação, tinha uma força primitivana sua alma infantil». Qual era .o princípio deste «sen-tido da proporção»? Evidentemente era um princípioemotivo, um trànsporte por sentimentos que deviam serexprimidos na história que estava a escrever. «Fedkaprecisa de evocar aqueles sentimentos de piedade emque ele próprio se inspirava.» Estes sentimentos quedeviam na expressão de Tolstoi, tudo o que se tornavasupérfluo para a sua completa expressão.

Podemos observar aqui um facto de enorme impor-tância. No' seu processo criativo, eram sobretudo sen-timentos de ordem moral (a piedade pelo velho men-digo representado na história) que comoviam a criança,e este sentido moral de natureza psicológica era o fun-damento com base no qual se desenvolvia aquilo quetanto fascinava Tolstoi: uma estranha sagacidade, umavalorização estética, um sentido infalível da proporçãoartística no que respeita ao material dado. Isto demons-tra claramente que o sentido artístico não nasce e nãose desenvolve de uma forma autónoma na vida mentaldo homem, nem independentemente do desenvolvimentode outros aspectos da personalidade, como o aspectomoral e o intelectual.

O segundo ponto essencial é que a valorização artís-tica na percepção da arte é um procy~~o activo e mais

Cl) Tolstoi repetiu, amiúde, esta ideia, em formas di-versas.

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ainda, uma «capacidade» para aprender. Natural-mente, está ligado em grande medida com a criativi-dade artística (até mesmo com a execução). A partirdo momento em que esta se converte numa actividade«dirigida para o produto», também aquele se converteem «trabalho» - o mais engenhoso, diligente e difícildos trabalhos.

No entanto, a percepção artística e a criatividadesó são actividades estéticas se produzem um prazerestético ou - como diz Chernyshevsky - aquele «re-lâmpago de prazer», «esse sentimento especial que pro-vém do prazer desinteressado e do rapto chamadodisfrute estético» e2). Este não serve para resolver umproblema aritmético ou um teorema de geometria.É aceitável que um trabalho deste género suscite prazerintelectual, mas não se trata de uma condição sem aqual seja impossível resolver o problema ou demonstraro teorema. No caso da arte, o problema é diferente. Seo tema a estudar é um poema de Pushkin, este deve serfonte de prazer estético: se assim não for, o tema carecede significado e o seu estudo está cada vez mais despro-vido de sentido. Nisto consiste uma das majores difi-culdades do educador.

A arte está ao serviço da vida, e a actividade artís-tica da criança tem que estar desde o princípio o maisestreitamente possível ligada à vida. Naturalmente, oamor pela arte devê' ser estimulado, e isto é tanto maisimportante quanto mais dotada estiver a criança paradeterminado aspecto da arte. Mas às vezes com osgrandes talentos corre-se um risco, o de que «o amorà arte» possa ensombrar a vida, com as suas múltiplasrelações e interesses. Esta atitude é prejudicial para aeducação artística e poderia levar mesmo a uma catás-trofe pessoal, do tipo da de Salieri de Pushkin. Masisto não significa que se devam pôr limites ao amorpela arte. O problema não é esse;' o problema assentana relação que se estabelece entre arte e vida nas pri-

Cl) N. G. Chernyshevsky, Escritos de estética.

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meiríssimas etapas da educação artística. A «arte muitoamada» não deve converter-se num muro que separedo mundo, mas num caminho para o mundo, numajanela através da qual a vida possa ser vista do melhormodo, num meio de reflexão e expressão das própriasi~pressões sobre a vida numa linguagem para comu-rucar com as pessoas.

Stanislavsky, que dedicou toda a sua vida, inteira-mente e sem reservas, à arte, e a quem não pode acusar--se definitivamente de insuficiente amor pela arte, disseaos seus alunos: «Se quereis separá-los da vida, fecha--los numa caixa; se procurais erguer uma barreira entrevós e o resto do mundo com a desculpa de os consagrartotalmente ao palco, que tipo de vida podereis represen-tar no palco?» e3

) Isto implica, no plano educativo,que a educação artística não se deve separar da edu-cação geral. O objectivo tem que ser actuar de modoque, todos aqueles que estão interessados pela educa-ção, se consideram acima de tudo professores com finseducativos gerais, em segundo lugar que todos os pro-fessores considerem a educação artística como umaparte essencial e integral do seu trabalho.

C') K. E. Antarova, Conversando com K. S. Stanislavskv110 teatro Bolchoi, 1918-1922, Moscovo, 1939, p. 142.

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