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Auto de Proclamação da República (7 Outubro de 1910) Cota CMPV 4343 | Auto de Proclamação

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Auto de Proclamação da República

(7 Outubro de 1910)

Cota CMPV 4343 | Auto de Proclamação

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Dando continuidade à nossa nova rubrica on-line: Páginas de História com Estórias, passamos a apresentar o documento do

mês de Outubro deste espaço cultural.

DOCUMENTO DO MÊS DE OUTUBRO: Auto de Proclamação da República

(7 Outubro de 1910)

Cota CMPV 4343 | Auto de Proclamação

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AUTO DE PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

(Outubro de 1910)

No ano em que se comemora o centenário da Implantação da República em Portugal, faz todo o sentido destacar um

documento de inequívoca importância para o país, e mais concretamente, para a Póvoa de Varzim. Um feito histórico

que arrastou consigo transformações sociais, políticas, económicas e até culturais.

No sentido de enfatizar, mais uma vez, este marco na história do país, o documento escolhido para destaque este mês

de Outubro é Auto de Proclamação da República *, lido na Póvoa de Varzim a 7 de Outubro de 1910, por José António

de Castro Alves na varanda dos Paços do Concelho.

São sobejamente conhecidas e infinitamente relatadas as circunstâncias em que se dá o derrube da monarquia, para

dar lugar ao actual regime político - a República. Embora tendo fracassado, a Revolta de 31 de Janeiro de 1891 foi a

primeira grande ameaça sentida pelo regime monárquico e um prenúncio do que viria a suceder quase duas décadas

mais tarde.

Circunstâncias de descontentamento, agravadas pelo ambiente de pessimismo e de profunda descrença nos

governantes e modos de governar, e o consequente e progressivo desgaste do sistema político português, levam ao

atentado e regicídio de 1908. D. Carlos e seu filho mais velho, o Infante D. Luís, são assassinados em plena Praça do

Comércio, em Lisboa, sendo proclamado Rei de Portugal, que de resto viria a ser o último, o filho mais novo, D. Manuel

II. Os mentores do crime, Manuel Buiça e Alfredo Costa, foram imediatamente mortos no local. A monarquia estava

condenada, a agitação política e social que se vivia era incontornável.

Na madrugada do dia 5 de Outubro de 1910, dá-se o derrube da monarquia, através da força militar, um novo regime é

instaurado e a família real é obrigada a partir para o exílio. A Implantação da República Portuguesa foi, portanto, o

resultado de um golpe de estado organizado pelo Partido Republicano Português que, naquele dia, destituiu a

monarquia constitucional e implantou um regime republicano em Portugal.

“Proclamada por importantes forças do exército, por toda a armada e auxiliada pelo concurso popular, a República tem

hoje o seu primeiro dia de História. A marcha dos acontecimentos, até à hora em que escrevemos, permite alimentar

toda a esperança de um definido triunfo. [...] Não se faz ideia do entusiasmo que corre na cidade. O povo está

verdadeiramente louco de satisfação. Pode dizer-se que toda a população de Lisboa está na rua vitoriando a

república”1.

Na 2ª edição do Jornal O Primeiro de Janeiro, que terá chegado à Póvoa de Varzim, no dia 6, no comboio das 10h e 2m

da manhã, aparece transcrito o seguinte telegrama: “Ontem, às 8 da manhã, foi proclamada a Republica pelo povo,

exercito e armada, na capital, depois de uma luta heróica. A ordem publica está absolutamente assegurada. Governo

provisório: Teófilo Braga, presidente da republica; António José de Almeida, ministro do interior; Afonso Costa, justiça;

Benardino Machado, estrangeiros; Coronel Xavier Barreto, Guerra; Capitão-de-mar-e-guerra Azevedo Gomes, marinha;

Basílio Teles, fazenda; António Luis Gomes, obras publicas; Paulo Falcão, Governador Civil do Porto.”2

Estava confirmada a Implantação da República! Desde logo se ouvem vivas “à república, à revolução, ao heroico povo

de Lisboa e ao governo provisorio.”3. Organiza-se uma manifestação pelas ruas da cidade, onde se agitam

efusivamente bandeiras vermelhas e verdes. Ouve-se em alguns cafés sextetos a tocarem A Portuguesa e a Marselhesa.

Na Póvoa de Varzim as manifestações foram similares. De acordo com os relatos da época confirmados em diversos

jornais: Commercio da Povoa de Varzim, A Propaganda, O Liberal e Estrella Povoense, bem como, no Copiador de

Correspondência Expedida para o Governo Civil da Administração do Concelho * e na Acta da Câmara de 10 de

Outubro de 1910 *, os acontecimentos ocorridos no exterior e interior dos Paços do Concelho da Póvoa de Varzim, por

volta das 4 da tarde do dia 7 de Outubro de 1910, decorreram de forma ordenada e solene. Foi organizado, na sede do

Centro Republicano (rua Tenente Valadim), um cortejo que se dirigiu para a Praça do Almada onde seria proclamada a

República, numa manifestação imponente em frente ao edifício camarário, na qual a Banda Povoense tocou A

1 in Jornal O Mundo | 5 de Outubro de 1910 2 in Jornal O Intransigente | 6 de Outubro de 1910 3 in O Commercio da Póvoa de Varzim | 10 de Outubro de 1910

Portuguesa. No edifício dos Paços do Concelho o presidente, Dr. David Alves, dá posse da administração do concelho

ao Dr. João Pedro da Sousa Campos, em lugar do antigo administrador, Dr. Arnaldo Gomes Pereira Baptista, que havia

apresentado nesse mesmo dia a sua demissão, por telegrama, ao Governador Civil4.

Tendo recebido um telegrama por parte do Governador Civil Provisório, Dr. Paulo Falcão, com a confirmação da

proclamação da Republica, o Presidente proclama em voz alta a Republica Portuguesa e faz votos para que o novo

regime traga paz, tranquilidade e prosperidade ao país e prosperidade para a nossa praia. Ouvem-se aplausos, vivas à

República e à pátria livre. É elaborado o auto de proclamação, lido e assinado pelos presentes.

O documento escolhido para destaque este mês é precisamente esse Auto de Proclamação da República, datado de 7

de Outubro de 1910 e que diz o seguinte: “Auto de Proclamação - Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo

de mil novecentos e dez, aos sete dias do mês de outubro, no edificio dos Paços do concelho da Povoa de Varzim,

estando presentes o presidente da camara do mesmo concelho, senhor Doutor David José Alves, compareceu o

cidadão senhor Doutor João Pedro de Souza Campos, actual administrador do referido concelho, o qual apresentou um

documento official comprovativo da implantação da Republica Portugueza, documento este de cuja veracidade o

mesmo presidente da camara não duvidou e reconheceu a sua authenticidade, e em face do seu theor e usando da sua

competencia de presidente da camara, em alta voz proclamou neste concelho a Republica Portugueza, na presença das

pessoas que este assignaram. E assim deu por terminado o presente auto, que vae ser assignado pelo dito presidente

da camara, administrador e mais pessoas presentes, depois de lido perante todos. E eu Jose Antonio de Castro Alves,

secretario da Camara Municipal o subscrevo e assigno”5

Terá sido, então, este o documento que foi lido da varanda dos Paços do Concelho da Póvoa de Varzim, pelo secretário

da Câmara, Dr. José António de Castro Alves, e ouvido pelo Povo de “chapéu na mão”6, dois dias após a Proclamação

da República em Portugal, como comprova o Telegrama* de 7 Outubro de 1910, no qual se lê: “Telegramma - Republica

4 Copiador de Correspondência Expedida para o Governo Civil [1ª Repartição] | 7 de Outubro de 1910 | ACPV 0665, fl. 16 5 Auto de Proclamação | 7 Outubro de 1910 | CMPV 4343 6 in O Liberal | 23 de Outubro de 1910

hontem 5 horas tarde, perante numeroso concurso povo, proclamada edificio Paços Concelho, sendo assignado auto

proclamação lavrado e lido varandas edificio. Banda musica, tocando Portugueza e precedida extraordinária multidão

percorreu ruas villa, indo ao Castello onde commandante guarda fiscal procedeu hasteamento bandeira Republicana,

que tremula tambem Camara. Associações locaes embandeiradas. Reina completo socego. O Administrador, Baptista”7

De seguida foi içada a bandeira na torre do edifício, por Francisco Graça. Ouvem-se mais aplausos e bravos do povo e

sobe ao ar uma girândola de foguetes. A Banda Povoense volta a tocar A Portuguesa. Discursa para a multidão,

também na varanda, Avelino Faria, proferindo que “finalmente surgiu na terra portugueza uma era de paz,

prosperidade e justiça.”8

Foi, entretanto, elaborado um telegrama dirigido ao Governador Civil relatando os factos ocorridos9. Segue, depois um

cortejo para a Fortaleza da Póvoa onde é içada a bandeira republicana, durante o qual se ouviram saudações e vivas ao

exército, à armada e ao Comandante da Guarda-Fiscal Tenente de Pádua que acabava de chegar. A população continua

em cortejo até ao Centro Republicano, onde discursa Joaquim Graça e António dos Santos Graça.

Nos dias que se seguem, todas as associações, Câmara, Fortaleza, Bombeiros, Igreja Matriz, Fábrica do Gás, vice-

consulado, Misericórdia e diversas casas particulares permanecem de bandeiras içadas. As coroas reais que existem

em diferentes edifícios públicos são cobertas com pano verde e vermelho. As demonstrações de regozijo prolongam-se

por mais três dias.

Este histórico e memorável acontecimento viria a ficar registado em vários documentos da época, um pouco por todo o

país, e o documento escolhido para este mês de Outubro é revelador desse facto. Cumpriu-nos apenas divulgá-lo, a

história desta aventura já era do conhecimento de todos os poveiros.

7 in Copiador de Correspondência Expedida para o Governo Civil | 7 Outubro de 1910 | ACPV 0665, fl. 16 8 in O Commercio da Póvoa de Varzim | 10 de Outubro de 1910 9 in Copiador de Correspondência Expedida para o Governo Civil [1ª Repartição] | 7 de Outubro de 1910 | ACPV 0665; fl. 16

O pensamento e a ciência são republicanos, porque o génio criador vive de liberdade e só a República pode ser verdadeiramente

livre [...]. O trabalho e a indústria são republicanos, porque a actividade criadora quer segurança e estabilidade e só a República [...]

é estável e segura [...]. A República é, no Estado, liberdade [...]; na indústria, produção; no trabalho, segurança; na nação, força e

independência. Para todos, riqueza; para todos, igualdade; para todos, luz."10

* documentos que integram o espólio do Arquivo Municipal.

10 QUENTAL, Antero de | in República | 11 de Maio de 1870