aula sobre a analise de alexis de tocqueville para a franca antes e depois da revolucao

9

Click here to load reader

Upload: carlo-romani

Post on 23-Jun-2015

1.023 views

Category:

Education


2 download

DESCRIPTION

Aula Igualdade social e liberdade politica, resenha do artigo "Estado social e politico da Franca antes e depois de 1789" publicado em 1836 por Alexis de Tocqueville

TRANSCRIPT

Page 1: Aula sobre a analise de Alexis de Tocqueville para a Franca antes e depois da Revolucao

A França revolucionária de Tocqueville:O Antigo regime e a Revolução.

Carlo Romanii

Resenha comentada de TOCQUEVILLE, Alexis, O Estado social e político da França antes e depois de 1789, in Igualdade social e liberdade política, São Paulo: Nerman, 1988.

Quando da realização deste ensaio sobre a França em 1836, portanto, logo após seu retorno da América, Tocqueville já havia escrito a primeira parte de A Democracia na América, livro no qual faz uma análise bastante positiva sobre a revolução americana. Sua preocupação intelectual nesse momento, e que continuará de forma ainda mais clara posteriormente, é a de estudar comparativamente os resultados obtidos e conquistados para a nação por essa revolução, com os resultados da revolução ocorrida na França em 1789. A percepção que ele tem sobre o destino da nobreza e a ascensão do capitalismo, como personalidade de origem aristocrática que é, lhe faz questionar a necessidade de ter havido uma revolução violenta e continuada como foi o caso da francesa para o estabelecimento de um novo regime político que viesse a sustentar o poder econômico dessa nova burguesia. Esse é o argumento que perpassa todo o seu trabalho sobre a Revolução francesa. Nas linhas abaixo mostraremos os pontos cruciais de sua obra em que são analisadas as mudanças existentes na França no decorrer do século XVIII procurando provar que essa transformação política já se encontrava em andamento e ocorreria sem a necessidade da violência revolucionária.

Sobre a Administração Pública

Tocqueville mostra que a servidão já não existia em algumas províncias desde o século XIII, por exemplo, a Normandia. Na França, os direitos feudais haviam se tornado mais odiosos ao povo do que em qualquer outro lugar, portanto, o regime feudal era fraco.

A centralização administrativa era uma obra monárquica e uma instituição do Antigo Regime, pelo menos desde 1614 quando os Estados Gerais foram abolidos, portanto não ocorreu com a revolução ou com o Império de Bonaparte, como a tese defendida por alguns. O governo já havia passado do papel de soberano para o papel de tutor durante o século XVIII, realizando um sistema político de tutela administrativa das províncias, reduzindo os poderes nobres locais, e colocando reguladores, burocratas indicados por Paris.

Page 2: Aula sobre a analise de Alexis de Tocqueville para a Franca antes e depois da Revolucao

Desde o século XV, a instituição da Assembléia dos Estados Gerais era uma forma de consulta que reunia o povo todo e as assembléias locais tinham o poder de eleger os representantes municipais. No século XVIII, em contrapartida, não é mais o povo que constitui a assembléia geral. Ela passa a ser representativa e composta somente de notáveis. Os mandatos deixam de ser populares e tornam-se particulares.

Outro ponto abordado por Tocqueville para mostrar que o Antigo Regime já havia realizado a maior parte das mudanças administrativas tidas como revolucionárias é em relação ao judiciário e aos cargos públicos. A administração pública passou a ser ocupada por funcionários estáveis, legitimados por uma espécie de concurso, que garantiam a impessoalidade do sistema administrativo. A figura do preboste, agente régio se fazia presente. O irônico Tocqueville escreve que a “única diferença entre as duas épocas é a de que o governo somente podia dar cobertura aos seus agentes recorrendo a medidas legais e arbitrárias, ao passo que, desde então, pôde deixá-los infringir legalmente as leis.”

Sobre a Liberdade.

Para Tocqueville, a burguesia do Antigo Regime estaria mais preparada do que a revolucionária para demonstrar o espírito de independência em relação ao governo. E aqui fica evidente a comparação com a democracia federalista americana e o espírito burguês desse povo.

Em relação ao camponês sua análise era a de que apesar dos enormes progressos da civilização, a situação econômica do camponês do século XVIII era bastante pior do que aquela do homem francês do campo ainda no século XII. Isso se devia ao fato de que antigamente muitos proprietários ricos, nobres, cuidavam do bem estar dos camponeses, enquanto que a partir do século XVII com o empobrecimento geral da nobreza, os camponeses passaram a lutar contra a lei de sua nova condição de abandono, um camponês sem terra e sem senhor.

A realeza teve papel fundamental no empobrecimento dos nobres ao convidá-los para ocuparam a corte em Versailles durante o reinado de Luis XIV e presenteá-los com cargos burocráticos sem função prática. A separação desses gentis-homens atraídos para a corte de seu povo, causou temor na população local. No século XVIII, uma aldeia tornou-se uma comunidade cujos membros são todos pobres, ignorantes e grosseiros. Os magistrados são incultos, os síndicos (prefeitos) não sabem ler e o coletor (de impostos) não sabe fazer contas. Para completar o quadro regional

Page 3: Aula sobre a analise de Alexis de Tocqueville para a Franca antes e depois da Revolucao

crítico, os burgueses mais enriquecidos também deixaram o campo e foram para as cidades.

O fenômeno do êxodo rural torna-se recorrente. Há um horror ao campo, terra de ignorantes, e até mesmo o camponês que enriquece um pouco envia seus filhos para estudar na cidade. Com isso surge uma parcela de camponeses que continua afastada das classes superiores por questões econômicas e culturais e, ao mesmo tempo, se afasta de seus próprios iguais mais empobrecidos. Uma nova classe campestre, abandonada que ninguém a quer tiranizar, mas ninguém também tenta educá-la e fazê-la servir.

Sobre a Tributação

Para completar o quadro de insatisfação, a única instituição que permanece inalterada é a tributação. O lema do Cardeal Richelieu era “se os povos vivessem no bem estar dificilmente permaneceriam dentro das regras”. Entre os impostos, o principal para a centralização política e administrativa do antigo regime era a Talha. Com essa lei, o rei podia convocar e comprar soldados entre o povo, dispensando a nobreza e os vassalos do serviço militar, enfraquecendo-os também em seu espírito guerreiro. O serviço militar imposto recaiu sobre o povo, o camponês, e o integrou dessa forma à idéia de nação. Será esse mesmo soldado que depois, enquanto Guarda Nacional, revolucionará a França derrubando a Bastilha.

Sobre o Liberalismo Econômico

Durante o reinado de Luís XVI, há o surgimento de um populismo insuflado entre a burguesia mais radicalizada. Colocava-se o problema da representação popular ou da falta dela. (são os próprios agentes do governo, membros privilegiados vindos da burguesia, portanto sem representação, que praticam essa retórica populista).

Para atender aos reclamos populares, o rei tenta retirar privilégios históricos da nobreza, a abolição do imposto da corvéia. Turgot defende o rei argumentando com a justificativa moral em defesa do camponês empobrecido. Para Tocqueville são palavras em vão. Mero jogo de cena para desviar a atenção. Aí reside o perigo em ludibriar a massa ignorante, até o momento em que ela o perceba. Por extensão, para enfraquecer a

i Professor Adjunto de História do Mundo Contemporâneo do Departamento de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.

Page 4: Aula sobre a analise de Alexis de Tocqueville para a Franca antes e depois da Revolucao

burguesia, o rei tenta igualar a tributação entre as diferentes comunas elevando a taxação das mais baixas.

Tocqueville mostra-se um defensor do liberalismo econômico clássico. Está presente sua admiração pela formação econômica anglo-americana, seu casamento com uma esposa inglesa e sua interlocução privilegiada com John Stuart Mill não deixam dúvidas. Liberalismo econômico e democracia política através de uma monarquia parlamentar são as aspirações deste intelectual para a constituição de um tipo de regime administrativo. Em sua análise histórica, houve no inverno do Antigo Regime uma disputa entre o Estado e os ricos proprietários privados na qual parte destes últimos conseguiram obter significativa vantagem, principalmente durante o período da Revolução controlado pelo Diretório, o ultimo período revolucionário de 1795 em diante. Os recursos públicos foram canalizados para os mais ricos. Houve um assalto aos bens públicos que permitiu a emergência de uma nova burguesia econômica financeiramente com poder.

Por último, Tocqueville mostra como que as práticas políticas do governo real nos anos que antecederam a revolução foram de certa forma um exercício de educação revolucionária para o próprio povo.

A Reforma política proposta para atender o problema da representação com a convocação dos Estados Gerais sendo feita de maneira brusca e sem preparo, a posição moral politicamente conservadora da burguesia mais enriquecida, a Gironda, seguiu-se de uma atitude revolucionária que se mostrou prejudicial a ela mesma.

A questão das terras e de sua propriedade remete a um problema de origem. As terras são concedidas pelo Estado. Somente varia qual é o tipo de Estado doador dessa concessão. No Leviatã hobbesiano devem permanecer sob um único soberano, em Rousseau devem ser de uso público dos cidadãos, entendidos aqui os cidadãos como o próprio estado (vontade geral), e ainda diferentemente em Marx, para quem as terras seriam coletivamente usadas pela população sob regulação do estado (entenda-se burocracia do partido). A concessão de terras pelo Estado é uma idéia mãe do socialismo moderno, concepção política derivada do antigo despotismo real. Tocqueville como liberal clássico que é posiciona-se contrariamente. Ele faz a crítica da desapropriação feita pelo estado para a concessão de terras aos particulares. Para ele, as terras são de quem as ocupa e produz. E somente quem as ocupa pode concedê-las aos empreendedores. É defensor do regime de propriedade produtiva, tipicamente burguês. A desregulamentação desse estado de coisas, costume histórico do Antigo Regime levou a um acirramento do conflito entre as classes. Entre o

Page 5: Aula sobre a analise de Alexis de Tocqueville para a Franca antes e depois da Revolucao

Terceiro Estado e a nobreza e, principalmente, dentro do próprio Terceiro Estado, entre a ala mais burguesa da Gironda e os despossuídos de toda espécie que apoiaram o jacobinismo mais radical.A atualidade de Tocqueville

A questão mais instigante em toda a obra de Tocqueville é o problema que ele coloca entre a LIBERDADE POLÍTICA e a IGUALDADE SOCIAL Para o nobre francês, a liberdade é um atributo da nobreza, ou do grupo dirigente que deve estar livre da prerrogativa de trabalhar produtivamente para poder se dedicar integralmente aos negócios do estado, ou seja, é um atributo dos espíritos mais elevados, comprometidos com a causa pública. Nesse sentido, a igualdade social é uma quimera. Pois, o aumento da igualdade econômica deveria implicar em maior desejo de exercer liberdade política entre os cidadãos. Contudo, o que se assiste é o contrário disto. Para se manter essa igualdade econômica através do trabalho, o estado de coisas criado, o establishment, faz com que o trabalho, já completamente alienado de sua função social, o trabalho burguês, incluindo nele também o de seu dependente, o trabalho proletário, torne-se o fator constitutivo de toda a vida humana. Quem permanece livre então para exercer a função da política na democracia? Uma classe política de não notáveis. Quem serão os representantes profissionais do povo? Em última instância, se a população aliena a sua capacidade de fazer política a outras pessoas, então qual sentido há em ter a igualdade social, já que ela por si só não traz a liberdade. Essas são as indagações mais fortes e pertinentes de Tocqueville, questionamentos que anteciparam a crise atual da democracia representativa democrática nos países do Ocidente. Numa época em que um sistema de dominação política e econômica global encontra-se em curso, mascarado aparentemente por um período de expansão da liberdade individual sustentado por uma maior igualdade econômica, qual a possibilidade de defesa política da multidão entorpecida ante esse fenômeno do voto delegado em massa? A alienação da vontade de poder perseguir e construir politicamente a própria existência é o caminho mais curto para o estabelecimento de um estado totalitário planetário, não nos moldes do 1984 orwelliano, mas nos moldes de uma Matrix virtual. Um estado totalitário incapaz de ser reconhecido pelos próprios súditos que vivem dentro dele. Esses pretensos cidadãos livres, que é o que pensam terem se tornado na atualidade as populações mais ricas do planeta.

Bibliografia:TOCQUEVILLE, A. O Antigo Regime e a Revolução. Brasília: Editora UNB, 1982._____________ A Democracia na América. 2 volumes. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Page 6: Aula sobre a analise de Alexis de Tocqueville para a Franca antes e depois da Revolucao