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Convergencia. Revista de Ciencias Sociales ISSN: 1405-1435 [email protected] Universidad Autónoma del Estado de México México Silva, Narbal As interseções entre cultura e aprendizagem organizacional Convergencia. Revista de Ciencias Sociales, vol. 8, núm. 26, septiembre, 2001 Universidad Autónoma del Estado de México Toluca, México Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10502603 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Convergencia. Revista de Ciencias Sociales

ISSN: 1405-1435

[email protected]

Universidad Autónoma del Estado de México

México

Silva, Narbal

As interseções entre cultura e aprendizagem organizacional

Convergencia. Revista de Ciencias Sociales, vol. 8, núm. 26, septiembre, 2001

Universidad Autónoma del Estado de México

Toluca, México

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10502603

Como citar este artigo

Número completo

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Sistema de Informação Científica

Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

As Interseções en tre Cultura e Aprendizagem

Organizacional

Narbal Silva

Universidade Fed eral de Santa Catarina, Brasil

Resumo: Este trabalho discute os principais momentos de interseção en tre cultura eaprendizagem organizacional. Trata-se de uma reflexão de base teórica que utiliza renomadosautores nos cam pos da aprendizagem e cultura organizacional para contribuir na explicaçãodas interseções que configuram a relação en tre os dois conceitos.Palavras chave: cultura, aprendizagem, interseção.Ab stract: This work dis cusses the main mo ments of in ter sec tion be tween cul ture and or ga ni -za tional learn ing. It is a theoreticaly based reflexion that uses fa mous au thors in the field of or -ga ni za tional learn ing and cul ture to con trib ute to the ex pla na tion of the in ter sec tions thatcon fig ure a re la tion ship be tween cul ture and or ga ni za tional learn ing.Key words: Cul ture, learn ing, in ter sec tion.

Introdução

O modo de ser típico, expresso em maneiras consideradas corretas de sentir, pensar, perceber e agir, peculiares das pessoas nasorganizações vem sendo definido na literatura especializada

como cultura organizacional (Schein, 1984, 1987). Ou seja, a culturamolda as atitudes e os comportamentos das pessoas ao mesmo tempoem que influencia decisivamente o modo como a organização interagecom o seu ambiente (Stoner e Free man, 1995). Apesar da importânciaexplicativa que as sume aos eventos do dia a dia nas organizações, acultura adquire pouca visibilidade para as pessoas que nela estãoimersas. Além dis so, tende para a estabilidade, admitindo mudanças,porém lentas, que se dão via incorporação programada ou não de novoselementos e experiências (Ferro, 1991). A dificuldade de perceber acultura encontra argumentos na observância de que o seu processo decriação ou descoberta pressupõe uma série de esforços visandoconstruir e consolidar ao longo do tempo, um conjunto de premissasque vai sendo compartilhado e “naturalizado”, resultante de umarealidade histórica socialmente construída. Ess es pressupostos

septiembre-diciembre del 2001, Núm. 26, pp. 55-76 55

básicos, cuja essência retém os valores efetivamente arraigados,podem ser concebidos como aquilo que é tido como verdade absoluta einquestionável na vida de uma organização (Schein, 1984, 1987;Freitas, 1991).

As principais razões encontradas na literatura que justificam orenovado interesse pela cultura nas organizações, a partir da década de80, seriam os seguintes: o avanço tecnológico do Japão (Ouchi, 1981;Hofsted, 1986; Mor gan, 1986); os deslocamentos de poder nasociedade atual (Heller, 1985; Toffler, 1990; Nadler & Heilpern,1994), o acelerado desenvolvimento econômico e tecnológicoexperimentado na sociedade pós-industrial nas últimas três décadasque burocratizou a vida so cial e destruiu seus padrões culturaistradicionais (Alvesson, 1987), o fato do tema fornecer respostaspráticas aos problemas com que se defrontam as gerências nasorganizações (Freitas, 1991; Oliveira, 1995; Fleu ry e Fleu ry, 1995;Chanlat, 1996), e, finalmente, o desequilíbrio do poder mundial,decorrente da crise do petróleo da OPEP em 1973 e da crescenteinternacionalização das grandes corporações (Mor gan, 1986).

Embora a noção contemporânea do conceito de aprendizagemorganizacional tenha tido origem no trabalho de Argyris e Schön(1978), foi na década de 90 que o tema ganhou evidência a partir dobest-seller de Senge (1991). A partir de então as organizaçõesorientadas para a aprendizagem passaram a ser concebidas comoespaços onde os seres humanos ampliam suas possibilidades de geraros resultados para os quais foram mobilizados através de novosmodelos de pensamento que se sustentam na liberação da aspiraçãocoletiva, via aprender a aprender em grupo. Estes novos modelosmentais de sentir, pensar, e agir, à medida que incorporam valores,imagens e crenças a respeito de como as coisas devem ser, supõem oenfrentamento de pressupostos culturais hostis à aprendizagem do tipo“os outros não têm nada a nos ensinar” (Garvin, 1993) ou “somos maisespertos do que os usuários dos nossos serviços” (Nadler & Heilpern,1994).

Os motivos apontados como os mais evidentes para o “boom” detrabalhos acadêmicos abordando aprendizagem organizacional nosanos 90, são as mudanças drásticas no ambiente externo dasorganizações que exigem criar ambientes de trabalho mais favoráveis a promoção do ser humano e a constituição de processos de

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aprendizagem contínuos, como medidas essenciais para que asorganizações possam manter-se vivas. É o que enfatizam Geus (1988)e Stata (1989) quando mencionam que as organizações prósperas donovo milênio terão como característica prin ci pal a constituição desistemas de aprendizagem eficientes que ampliarão suas capacidadesadaptativas, como forma de obter vantagem em um ambiente comdisputas cada vez mais acirradas. Nessa mesma perspectiva Fleu ry &Fleu ry (1995:30) afirmam que em ambientes de grandecompetitividade é vi tal incorporar as organizações processos efetivosde aprendizagem. Porém, “o desafio é que esta dinâmica daaprendizagem precisa estar fundamentada sobre valores básicos, quedêem consistência às práticas organizacionais”. No entanto, quandoestes sistemas de aprendizagem são colados em matrizes culturaisantagônicas, com o passar do tempo perdem a aderência. Ou seja, paraque se perpetuem, necessitam de uma base cul tural aliada. Dessamaneira, ao mesmo tempo em que a cultura pode estimular e contribuirno desenvolvimento de sistemas de aprendizagem, ess es também, apartir dos preceitos que os orientam, dependendo da sua essência,moldam e solidificam progressivamente a cultura.

Por esta razão, os conceitos de cultura e aprendizagem são vistoscomo indissociáveis, uma vez que as pessoas aprendem dentro decontextos culturais decisivos na própria natureza do que é aprendido(Cook & Yanow, 1993). Esta aprendizagem, a medida em que vai seconsolidando, gradativamente gera no vas percepções que, embora nãoocorram de imediato, vão, ao longo do tempo, provocando mudançasnos níveis mais profundos da cultura organizacional (Senge, 1995).

A compreensão desta relação evidencia para as organizaçõesdesejosas de transformações profundas, a importância de reconheceros principais pontos de interseção en tre cultura e aprendizagemorganizacional. Neste sentido, o objetivo prin ci pal do presente artigo émostrar, a partir de uma perspectiva teórica, tais interseções,considerando os seguintes temas: A formação, difusão e consolidaçãoda cultura; as culturas que facilitam e as que inibem a aprendizagem; orealinhamento da cultura com as necessidades de aprendizagem daatualidade; e a expressão dos pressupostos básicos em estruturas deação.

A relevância em realizar um traba ho desta natureza é explicada pela quase inexistência de estudos no Brasil e no ex te rior abordando com

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relativa profundidade os principais cruzamentos en tre cultura eaprendizagem organizacional.

Deste modo, ao considerarmos a importância de ampliarconhecimentos a respeito dessa inter-relação, a pergunta básicacolocada para animar o presente estudo é a seguinte: Quais são osprincipais pontos de interseção en tre cultura e aprendizagemorganizacional?

As in ter faces en tre cultura e a aprendizagem nas organizações

O processo de formação, difusão e consolidação da cultura e daaprendizagem nas organizações

Nas entranhas da concepção de cultura organizacional, aaprendizagem se consubstancia tanto nos momentos da criação dacultura, quanto nas circunstâncias em que a base de valores centrais étransmitida aos neófitos como os modos considerados corretos parasentir, pensar e agir em relação aos problemas de adaptação externa ede integração interna com que se defrontam as organizações. Essa idéia é confirmada por Fleu ry (1995:8) ao mencionar que “...nas origens doconceito de cultura, o processo de aprendizagem acontece tanto nomomento de criação como no de transmissão de valores aos novosmembros”. A referência da autora se pauta na consagrada definiçãoconferida ao tema por Schein que de fine a cultura de uma organizaçãocomo sendo um:

(...) conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu oudesenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa eintegração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem consideradosválidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a ess es problemas (Schein, 1987:9).

Neste sentido, dentro de uma ótica essencialmente dinâmica, oprocesso de aprendizagem se apresenta inicialmente como forçapropulsora de formação da cultura e posteriormente de suaconsolidação, oportunidade em que o mapa cul tural, já delineado, éensinado às futuras gerações. Ou seja, ao mesmo tempo em que acultura gera a aprendizagem, esta por sua vez, se encontra na essênciada formação histórica da cultura de uma organização. Dessa maneira,os modos eleitos de lidar com os problemas encontrados no processo de formação grupal em momentos considerados críticos, são an tes detudo, momentos típicos de aprendizagem, que uma vez tendo surtido

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efeito, com o grupo obtendo êxito em suas pretensões, são ensinados àsfuturas gerações que os vivenciam como um novo momento deaprendizagem. Em síntese, os momentos de aprendizagem sãoinerentes ao processo de formação cul tural nas organizações.

Em conceito mais recente, Schein (1995:87) expressa esta relaçãode modo bem visível, concebendo a cultura de uma organização comosendo o “acúmulo de aprendizagem an te rior baseado no sucesso an te -rior”.

Como podemos observar, o processo de formação cul tural de umaorganização é visto pelo autor a partir de eventos que representamsucessivas aprendizagens, que de alguma forma levaram o grupo aobter êxito na sua jornada.

Desta maneira, a interação estabelecida en tre cultura eaprendizagem não é estática e lin ear; ou seja, a cultura não é umavariável independente pura, que de forma mecânica, determina oprocesso de aprendizagem organizacional.

Ao contrário, o processo de interação en tre cultura e aprendizagemorganizacional é dinâmico, supondo por isso uma via de duas mãos. Aaprendizagem abstraída da resolução gradativa de problemas vai aolongo do tempo firmando modos considerados certos de sentir, pensare agir.

Por sua vez, as no vas formas de aprendizagem, ou mesmo aquelasque já não surtem os efeitos obtidos no pas sa do, remetem aoquestionamento dos padrões culturais até então consolidados.

Assim sendo, aprendizagem e cultura são conceitos que seencontram à medida que a aprendizagem in di vid ual ocorre e étransferida, tornando-se um evento coletivo e, portanto compartilhado, podendo assim modificar a cultura, e essa mudança, por sua vez,direcionando novos modos de pensar e aprender. Como mencionaDogson (1993), ao considerarmos a aprendizagem in di vid ual devemos também levar em conta o processo de interação so cial que ocorre nasorganizações.

De modo geral, a invenção, descoberta ou o desenvolvimento devalores fundamentais para nortearem a vida de uma organização seoriginam da aprendizagem decorrente de como lidar com problemasinternos e de adaptação externa que surgem no percurso histórico dogrupo ou organização. Portanto, no cerne do conceito de cultura,

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deparamo-nos com o processo de aprendizagem cul tural, que uma veztenha surtido efeito, é ensinado às futuras gerações como a formacorreta de proceder, e desta maneira, perpetuar o modelo cul tural daorganização.

A cultura de uma organização é segundo Schein (1990),fundamentalmente constituída de um sistema de crenças, valores epressupostos básicos dos fundadores, que, com o passar do tempo, vãosendo aperfeiçoados e disseminados na organização por meio dediversos mecanismos, tais como: o que os líderes atribuemimportância, tentando medir e controlar; como os líderes reagem aeventos críticos, carregados de emoção, e a cri ses organizacionais;modelagem de papéis e instruções intencionais; critérios para aconcessão de recompensas e atribuição de sta tus; critérios utilizadospara recrutamento, seleção, promoção, aposentadoria e exclusão;desenho e estrutura da organização; sistemas e procedimentosorganizacionais; disposição do espaço físico, fachadas e instalações;histórias, lendas, mitos e símbolos; e declarações formais da filosofiaorganizacional e seus cre dos.

Estes mecanismos de difusão “de como as coisas devem ser”operam no cotidiano organizacional como instrumentos pedagógicosde transmissão daquilo que foi acertado pelos fundadores e os seuscolaboradores mais próximos, como sendo os padrões de verdade (oque é tido como certo) e de realidade socialmente construída (como ascoisas de fato são). Aos recém chegados, constituem-se em meios parainformar “como a organização funciona”, enquanto que, aos que lá seencontram a algum tempo, servem de constantes lembretes a respeitode como devem as pessoas proceder, a fim de continuarem a obtersucesso na organização.

Dentro dessa perspectiva, Cook & Yanow (1993) concebem acultura organizacional como um rol de valores, crenças e sentimentosque, aliados aos artefatos que os expressam e os difundem (tais comomitos, símbolos, metáforas e rituais), são criados, herdados,compartilhados e disseminados dentro de um grupo de pessoas que sedis tingue de outros por suas peculiaridades culturais. Esta definição,como também a an te rior apresentada por Schein (1995), encontrasustentação na abordagem interpretativa da ação humana e darealidade so cial (Berger & Luckmann, 1985; Mead, 1934; Tay lor,l979).

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Através do modo como concebem o conceito de culturaorganizacional, Cook & Yanow (1993) inserem uma perspectiva cul -tural à compreensão da aprendizagem nas organizações. Conformeapregoam, a aprendizagem organizacional é melhor compreendidaquando vista como uma expressão da cultura da organização, uma vezque: a) um dos aspectos da capacidade humana para agir é a habilidadepara trabalhar em grupos; b) um grupo de pessoas com uma históriacomum de ação ou prática é significativamente compreendido comouma cultura; c) uma cultura é constituída, pelo menos em parte, pelossignificados intersubjetivos que seus membros expressam em suaprática cotidiana através de objetos, linguagem e atos; d) tais elementos significativos como objetos, idioma e atos são artefatos culturaisatravés dos quais o conhecimento coletivo de uma organização ouknow-how é transmitido, expressado e utilizado; e) as organizaçõessão constantemente envolvidas em atividades de modificação oumanutenção destes significados e suas incorporações. Ou seja, demudança ou preservação de sua identidade cul tural. Em síntese, oseventos culturais processados dentro das organizações constituemformas de aprendizagem. Isto significa que ao concebermos asorganizações como produtoras de cultura, podemos dizer que aaprendizagem se dá através de atividades animadas pelos artefatosculturais da organização. Tal aprendizagem, por sua vez, pode sercompreendida como fonte de aquisição, mudança ou preservação dashabilidades organizacionais.

Assim sendo, as organizações enquanto construções humanas, sedefinem como entidades construtoras de cultura, ou seja, quando osseres humanos se aproximam uns dos outros vão gradativamentecompartilhando um ou mais objetivos. Ao longo do tempo a tendênciaé a de consolidar um rol de valores que passarão a orientar suas ações.Essas ações caracterizam-se como maneiras peculiares adotadas parare solver problemas, lidar com os erros e agir diante de situaçõesconsideradas críticas ou ameaçadoras, en tre outros eventos. Destamaneira, a base cul tural sugere o que, de que modo e por que aorganização aprende determinadas coisas, ao mesmo tempo em quenega a aprendizagem de outras.

Como mencionam Fleu ry & Fleu ry (1995), a necessidade prementede aprender e inovar tem revigorado a idéia de que é importantereconhecer os pressupostos básicos de cultura que explicam as práxis

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organizacionais, tanto a nível interno como na relação da organizaçãocom o ambiente externo.

Embora a aprendizagem seja intrínseca ao processo de formação edesenvolvimento da cultura de uma organização, o tipo que ocorre demodo geral nas organizações se encontra muito mais voltado para apreservação do “sta tus quo”, quando muito aperfeiçoando o que jáexiste. É o que afirma Schein (1995) ao mencionar que a base cul turalcondizente com o aprendizagem do tipo transformador se encontraausente em grande parte das organizações, pelo menos aquela quefavorece o aprendizagem de longo prazo. Isto porque, de acordo comSchein (1993a), nossos pressupostos negativos sobre a naturezahumana foram consolidados há muito tempo, pelo menos na culturadas organizações ocidentais sendo portanto árduo modificá-los de umahora para outra. Em decorrência dis so, prossegue o autor, fomosemocionalmente condicionados a nos orientar a partir de pressupostosbásicos de cultura e rituais comportamentais considerados obsoletos às exigências da atualidade, mesmo que o custo de continuarorientando-se por eles seja cada vez mais alto.

Por isto, em que pesem os discursos dirigidos à necessidade deconstruir e consolidar organizações calcadas no princípio de “aprendera aprender”, Senge (1991) alerta para o fato de que a maior parte dasnossas organizações ainda é burocrática, altamente verticalizada eorientada muito mais para o controle do que para o aprendizagem. Aspessoas em organizações desse tipo são recompensadas pelaobediência “cega” aos padrões previamente estabelecidos, e não pelacapacidade de refletir, julgar, interpretar, experimentar e agir. Osdenominados valores burocráticos piramidais instituem que osrelacionamentos humanos essenciais são os que priorizam os objetivosorganizacionais, ressaltam a racionalidade nas interações e supõemque a motivação se dá via direção, autoridade e controle claramentedefinidos de recompensa e punição. Aliado a isto, as relaçõesestabelecidas nestas organizações se caracterizam pela altaespecialização, a divisão rígida do trabalho e a separação en tre umaelite pensante e o “resto” que meramente executa.

Essas característ icas delineiam e definem uma visãopreponderantemente mecanicista de enxergar o mundo organizacional. Dentro desta construção so cial da realidade (Berger & Luckmann,

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1985), homens e máquinas se vinculam como sendo peças de umamesma engrenagem.

As culturas que facilitam e as que impõem barreiras à aprendizagem

Embora, conforme já comentado, a aprendizagem seja inseparável doprocesso de formação e de desenvolvimento da cultura organizacional, existem culturas que estimulam e culturas que inibem a aprendizagem.De acordo com Schein (1994), as principais características de umacultura que inibem a aprendizagem são as que seguem:

a) Distinção en tre questões “hard” e “soft”: As questõesrelacionadas às tarefas têm precedência sobre aquelas que sereferem aos relacionamentos. As coisas mais importantes são odinheiro, resultados financeiros, recompensas, produção,competição, estrutura, en tre outros aspectos do gênero. O discursodos dirigentes está direcionado para a valorização das pessoas e dosrelacionamentos, mas a ênfase de fato é no trabalho que pode serquantificado. As pessoas são vis tas como qualquer outro recursoque pode ser usado e manipulado, como o cap i tal e a matéria prima.b) Concentração nos sistemas, não nas pessoas: Os líderes egerentes são engenheiros e tecnocratas que estão preocupados emcriar e manter sistemas livres de falhas e erros humanos. Afinalidade prin ci pal é a de moldar os seres humanos a partir dossistemas estabelecidos, e não o contrário.c) As pessoas da organização são vis tas como reativas: As pessoasmudam como reação a forças externas vis tas como ameaçadoras;por isso, se concentram-se na resolução de problemas, e não nacriação de algo novo. d) A organização é enxuta e má: A perspectiva da organização paraa resolução e adequação dos seus problemas é de curto prazo. Opensamento dos líderes e gerentes é de que os funcionários são maus por natureza e a empresa deve ser enxuta. A folga é inaceitável. e) Compartimentalização da resolução de problemas: Os papéis e astarefas são divididos. As pessoas acreditam que a melhor maneirade re solver problemas é desmembrá-los em seus componentes,analisando cada um deles separadamente para depois reinserí-los no contexto to tal.

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f) Restrição do fluxo de informações: A suposição dominante é a deque os gerentes possuem o direito inalienável a informações eprivilégios. As informações de todo e qualquer tipo não sãodivulgadas às pessoas que não tenham necessidade de sa ber. Aposição e o acesso às informações conferem sta tus e poder.g) Crença na competição individualizada: A competiçãoindividualizada é vista como a coisa certa para poder e sta tus. Aênfase cul tural é no individualismo. O trabalho em equipe éconsiderado uma necessidade prática, porém é algo intrinsecamente indesejável.h) Crença na supremacia dos líderes: Tanto os líderes quanto osseguidores supõem que os líderes devem assumir o controle dassituações, serem decisivos, firmes e dominantes. Os líderes nãodevem reconhecer que são vulneráveis.Estas características em seu conjunto produzem organizações que

geram a aprendizagem do tipo conservador. Ou seja, favorecem adifusão de experiências, informações e conhecimentos de um modoextremamente seletivo (“é repassado o que e somente a queminteressa”) como forma de manter as “rédeas do jogo”. Nestascircunstâncias, buscar a inovação implica num risco que pode custar aprópria sobrevivência no interjogo organizacional. Portanto, éperigoso “colocar a cara de fora”. A suposição mais difundida nessecaso é a de que “cada macaco deve ficar no seu galho” ou “em bocafechada não entra mosca”.

De modo contrário, as organizações formadas com base em umacultura genuína de aprendizagem, realizam experimentos, trocamexperiências e se encontram em constante busca de conhecimentos que agreguem novos valores. É justamente neste tipo de organização queocorre a inovação, ou seja, a ruptura com o que está historicamenteestabelecido.

Como mostram McGill & Slocum Júnior (1995) a organizaçãoorientada para o aprendizagem se caracteriza por possuir um conjuntode pressupostos básicos de cultura que favorecem a aprendizagem.Ess es pressupostos são fundamentalmente orientados pelas seguintestemáticas: a) abertura a experimentos; b) encorajamento para aceitarriscos, (responsavelmente); c) disposição de aceitar fracassos eaprender com eles. Porém, este tipo de cultura não pode ser decifrada apartir de slo gans e discursos que expressam na maior parte das vezes

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uma gama de valores que permanecem no nível da idealização. Aocontrário, em uma organização pautada por uma cultura deaprendizagem, todos (gerência, empregados, clientes, fornecedores),percebem indistintamente que há oportunidades para a aprendizagem e crescimento pessoal e profissional.

Em consonância com ess es pressupostos, Schein (1994) argumentaque as culturas organizacionais que verdadeiramente incentivam aaprendizagem operam com base nas seguintes orientações:

a) Equilíbrio en tre os interesses de todos os envolvidos: Os líderesequilibram os interesses de todos os envolvidos (clientes,funcionários, fornecedores, a comunidade e os acionistas). Nenhum grupo em par tic u lar deve dominar o pensamento da gerência. b) Concentração nas pessoas, não nos processos: Os líderespossuem a crença de que os funcionários podem aprender. Por isso,valorizam a aprendizagem e a mudança. Os processos devem sermoldados às pessoas, não o contrário.c) Crença de que é possível mudar o ambiente: As pessoasacreditam em suas capacidades de mudar o seu ambiente e seremdonas do seu próprio destino.d) Tempo para a aprendizagem: Um certo tempo de folga épermitido e desejado para a aprendizagem. Ser enxuto e mau não éuma boa receita para a aprendizagem.e) Abordagem holística na solução de problemas: As pessoas crêemque os problemas internos e externos a organização são oriundos deuma interconexão de acontecimentos econômicos, políticos esocioculturais. O compromisso das pessoas é o de pensar e aprendersistemicamente, compreender como as coisas funcionam e quais asconseqüências de suas ações ao longo do tempo.f) Estímulo à comunicação aberta: Os gerentes e os funcionários secomprometem com a comunicação aberta e to tal. A organizaçãoprovidencia os meios para que as pessoas compartilhem umvocabulário que permita uma comunicação livre de ruídos. Ocompromisso assumido en tre os participantes da organização é com a verdade.g) Crença no trabalho em equipe: As pessoas acreditam que aconfiança, o trabalho em equipe e a cooperação são imprescindíveisao sucesso.

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h) Crença na vulnerabilidade das lideranças: Os líderes reconhecemos seus pontos frágeis e dúvidas. Atuam como professores quedefendem as mudanças.A consideração destas premissas em seu conjunto, expressas via

elaboração de políticas, programas, e sobretudo manifestadas naspráticas organizacionais através dos dirigentes e demais participantesdas organizações, contribui para a construção e consolidação deorganizações que de fato se orientem pela aprendizagemorganizacional.

Porém, para que se transformem de fato em locais condizentes coma aprendizagem permanente, as organizações necessitam passar porum processo de “desaprendizagem cul tural”; de outra forma, urge querompam com os pressupostos culturais e rituais comportamentaisconsiderados obsoletos, e que por isso, se encontram esgotados diantedas atuais exigências impostas às organizações.

No entanto, o caminho a ser trilhado para alcançar tal objetivo nemsempre é um jardim repleto de rosas. Isto porque o ser humano encontra dificuldades emocionais de se livrar de velhos modos consolidados eporque não dizer até “sagrados” de fazer as coisas. Conforme salientaSchein (1993b), realizar tarefas baseadas em modos historicamentetestados e recompensados contribui na elaboração de uma existênciaestável e previsível. Esta previsibilidade, à medida que vai dandoforma e sentido ao cotidiano, rechaça cada vez mais os esforçosdespendidos para testar novos modos de fazer as coisas,principalmente se ess es esforços em buscar o novo foram ao longo dotempo permeados por erros e retaliações.

Neste sentido, as ações acertadas no pas sa do tendem a se repetir,conferindo assim, força a um determinado padrão cul tural. Assim, acultura compreendida como a acumulação da aprendizagem, refleteaquilo que deu certo no pas sa do, estabilizando, deste modo, umconjunto de pressupostos culturais que orientam e explicamdeterminadas práticas organizacionais. Estes, por se tornarem estáveise não questionados, são difíceis de desaprender, mesmo quando ficamdisfuncionais. Neste caso, a sobrevivência das organizações é colocada em risco, uma vez que os pressupostos culturais se desalinharam dasnecessidades e expectativas da realidade so cial externa.

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O realinhamento da cultura com as necessidades de aprendizagem daatualidade

Para realinhar a cultura com a capacidade de aprendizagem nasorganizações, Senge (1999) sugere uma “mudança cul tural profunda”,que consiste num processo de mudança organizacional onde sãoconciliadas modificações internas dos valores, aspirações ecomportamentos das pessoas com alterações externas nos processos,estratégias, práticas e sistemas. Ainda de acordo com este autor, namudança profunda ocorre a aprendizagem, uma vez que não ésimplesmente edificado algo de novo, mas, sobretudo, a capacidade derealização da aprendizagem permanente.

Com o intuito de desenvolver uma cultura que seja diferente dacultura dominante da organização, que favoreça a aprendizagem e ainovação, Schein (1993) propõe a administração simultânea dos trêsprocessos seguintes:

• Desconfirmação: Os membros da organização necessitam começara perceber que seus modos de fazer as coisas já não funcionam tãobem. Para isso, os administradores devem apresentar da dostransparentes e convincentes para todos os membros daorganização. Apenas dizer a organização está com problemas emrazão do declínio dos lucros, o mercado se encontra cada vez maisdividido, os clientes estão insatisfeitos, os custos estão al tos ou queos bons funcionários estão deixando a organização não é suficiente.Os empregados e administradores de todos os níveis precisam estarconvencidos da fidedignidade dos da dos. Isto requer comunicaçãointensa e educação econômica, as quais têm sido freqüentementeescassas nas organizações. Os funcionários geralmente nãoentendem ou não acreditam quando os administradores dizem“estamos com problemas”.

• Criação de culpa ou ansiedade: Mesmo que as pessoas acreditem natransparência e veracidade dos da dos apresentados, podem nãoestar motivadas para mudar, uma vez que não vinculam asinformações recebidas com algo que esteja no centro de suaspreocupações. Os da dos podem ser percebidos como nãorelacionados aos espaços que ocupam e transitam na organização (O que isto tem a ver comigo?). Para despertar a disposição de mudar eaprender novos modos de agir e fazer as coisas, as pessoas precisam

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se convencer de que se não aprenderem algo novo, o alcance dosseus ideais será frustrado, ou ainda, poderão colocar seus empregosou segurança em risco, o que provavelmente lhes inculcaráansiedade e culpa.

Conforme as observações de Schein (1993a), os funcionários nãolevam as informações dos administradores a sério até que se sintamenvergonhados ou pessoalmente ameaçados. É isto que o autordenomina de “Ansiedade 2”: o medo, vergonha ou culpa, associadoscom a não aprendizagem de algo novo.

• Criação de segurança psicológica: Para que as mudanças de fatoocorram, as pessoas precisam se sentir psicologicamente seguras.Isto é, necessitam perceber a proposição de um caminho claro para a aprendizagem, que não lhes proporcionará retaliações por “colocara cabeça de fora”. Também precisam da segurança de que os novosmodos de agir propostos ou descobertos não colocarão em riscoseus conceitos de identidade e integridade. Ou seja, carecem sa berque os novos hábitos são viáveis e necessários, e que é possível esalutar aprenderem algo novo, sem se sentirem exageradamenteansiosas.

Alguns aspectos fundamentais que proporcionam um ambiente desegurança psicológica são os seguintes: 1) oportunidades paratreinamento e prática, 2) apoio e encorajamento para superar o medo e a vergonha relacionados ao cometimento de erros, 3) treinamento erecompensas pelos esforços despendidos na direção certa, 4) normasque prevejam o cometimento de erros, e 5) normas que estimulem aexperimentação e a inovação. Schein (1993a) chama a atenção para ofato de que tais normas são difíceis de construir no dia-a-dia detrabalho, em razão da ansiedade associada com a possibilidade decometer erros. Por isto, recomenda que as pessoas movam-setemporariamente para fora da pressão diária da vida organizacional,integrando-se em “estruturas paralelas”, conduzidas e apoiadas através de pessoas empáticas, onde são desenvolvidas normas que favoreçam a aprendizagem.

Além de considerar ess es aspectos como importantes para prover asorganizações da capacidade de aprendizagem, em outro trabalho,Schein (1993b), reporta-se à construção de um importante elo en tre acultura e a aprendizagem organizacional através do que se denomina“tecnologia do diálogo”. De acordo com o que é preconizado pelo

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autor, o diálogo é essencial como instrumento para entender culturas esubculturas, condição esta, fun da men tal para gerar a aprendizagem. Odiálogo, deste modo, torna-se um elemento cen tral de qualquertransformação organizacional. Isto porque, segundo o autor, o diálogoé fun da men tal, uma vez que as pessoas nas organizações atuam dentrode regras culturais que obstruem a comunicação verdadeira. Istoremete ao que Argyris (1992) intitula de produção de “rotinasdefensivas”. Por exemplo, a tendência de ser cortês, nem sempredizendo o que de fato pensamos, torna-se dessa forma uma regra cul -tural. A premissa subjacente é a de que se não podemos dizer algoagradável é melhor não dizer nada.

Desta forma, segundo Schein (1993b) a ênfase no diálogo torna-seimportante porque através dele é possível focalizar os processos depensamento e como nossas percepções e cognições são pré-formadaspor nossas experiências passadas. A suposição do autor é a de que senos tornamos mais conscientes de como nosso processo de pensamento trabalha, pensaremos mais coletivamente e nos comunicaremosmelhor. Ainda, para o autor, um importante objetivo do diálogo épermitir ao grupo o alcance de um nível mais alto de consciência ecriatividade, através da elaboração grad ual de um conjuntocompartilhado de significados, além da constituição de um processocomum de pensamento. Neste sentido, a reflexão e a prática dialógicano contexto organizacional podem favorecer um processo decomunicação mais espontâneo, que por sua vez, gera a compreensãocompartilhada, culminando na transformação do conjunto de valores ecrenças orientadoras das ações e práticas cotidianas nas organizações.

Esta transformação, prossegue Schein (1992), pode conduzir àedificação do seguinte conjunto de pressupostos básicos de culturaorganizacional que motivaria a produção de uma cultura deaprendizagem:• A relação da organização com o ambiente deve ser dominante,

permitindo uma orientação para a aprendizagem contínua. Aorganização deve partir do princípio que o seu ambiente externo éadministrável;

• A resolução dos problemas de adaptação interna e externa e aaprendizagem requerem que o ser humano tenha uma posturapró-ativa e orientada para o fu turo;

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• A verdade e a sabedoria organizacional devem ser compreendidascomo geradoras de efeitos de natureza mais prática. Deste modo, averdade, o sa ber e a realidade não são privilégios de poucos queimpõem o seu conhecimento e desejos “goela abaixo”;

• A organização deve acreditar que o ser humano é, em essência, bome deseja envolver-se sempre em processos de autodesenvolvimento;

• A natureza dos relacionamentos humanos em uma organização écomplexa. Por isto, a questão referente ao que é melhor, a ação in di -vid ual ou coletiva na resolução de problemas, ou, a posturaautoritária ou participativa no processo de tomada de decisão,dependem fundamentalmente da natureza do problema (simples oucomplexo) e das circunstâncias que envolvem uma decisão;

• A orientação da organização deve ser para o fu turo; • A comunicação deve ser intensa (dentro e en tre os diferentes níveis)

e confiável;• A diversidade cul tural deve ser reconhecida e as subculturas devem

ser conectadas en tre si e à cultura maior. As diferentes visões sãorecursos importantes para a geração do pensamento criativo einovação;

• As circunstâncias pelas quais passam as organizações é quedeterminam se as suas ações devem se orientar para as tarefas oupara as relações interpessoais;

• A organização e os desafios com que se deparam devem serconcebidos de um modo sistêmico por todas as pessoas que delafazem parte, independente da posição hierárquica que ocupam.Os pressupostos básicos de cultura organizacional sugeridos por

Schein (1992) para alavancar a aprendizagem organizacional inspirama construção de organizações rápidas, flexíveis e voltadas à elaboraçãode cenários futuros, cujo intuito é o de identificar ameaças, comotambém oportunidades no ambiente externo. Também seriamorganizações onde as pessoas teriam oportunidades de seautodesenvolverem e, sobretudo, participarem da vida organizacional,percebendo-a de um modo sistêmico.

Finalmente, a diversidade cul tural seria respeitada e vista como umelemento cru cial na geração da criatividade e da inovaçãoorganizacional. No entanto, todas essas características seriamcircunstanciais, uma vez que aspectos como ação in di vid ual ou

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coletiva, ou ainda, decisões centradas ou participativas dependeriamda urgência, da natureza das tarefas e dos problemas envolvidos.

A expressão dos pressupostos básicos de cultura em estruturas de ação

Os pressupostos básicos de cultura organizacional necessitam deestruturas de ação que os transformem numa realidade de fatoexperimentada pelas pessoas no dia a dia das organizações. Destamaneira, o modelo cul tural sugerido por Schein (1984, 1987) encontraexpressão nas estruturas de ação para a aprendizagem organizacionalpropostas por Garvin (1993).

Essas estruturas de ação orientadas para a aprendizagem são as queseguem: a) a resolução sistemática de problemas (diagnóstico apoiadoem métodos científicos e decisões calcadas em da dos), b)experimentação (procura e teste sistemático de novos conhecimentos),c) experiências passadas (gravar e tornar disponível a todos e avaliar osfracassos e sucessos), d) circulação de conhecimento (as no vas idéiasdevem cir cu lar e ser compartilhadas), e) experiências realizadas poroutros (observar e agregar as experiências dos outros).

Por sua vez, as estruturas de ação encontram a essência do seufuncionamento em pressupostos que decisivamente irão orientar asações que delas emanarão. Por exemplo, em relação à estrutura de açãoque se reporta à aprendizagem com as experiências e as melhorespráticas dos outros, Garvin (1993:16-17), diz que “Empresas queabordam o cliente supondo que ‘devemos estar certos, eles têm de estarerrados`, ou visitam outras organizações certas de que ‘eles não podemnos ensinar nada`, raramente aprendem alguma coisa”.

Embora o autor se reporte aos pressupostos que são hostis àaprendizagem (suposições referentes à relação da organização com oseu ambiente), ele demonstra com o exemplo, que toda e qualquerestrutura de ação voltada à aprendizagem organizacional se encontradentro dos limites demarcados pela cultura.

As inter-relações sugeridas en tre os pressupostos de culturaorganizacional de Schein (1984, 1987) e as estruturas de ação para aaprendizagem de Garvin (1993) são descritas a seguir:

a) Relação da organização com o ambiente Ö Aprendizagem com as experiências e melhores práticas dos outros: Nesta inter-relaçãoprocuramos sa ber se a organização possui estruturas de ação quevisam monitorar o seu ambiente externo e dessa forma adquirir

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informações, que uma vez transformadas em conhecimentospossam agregar novos valores à organização. Portanto, sãopreocupações consideradas imprescindíveis ao entendimento daaproximação sugerida en tre ess es dois componentes: As interaçõesestabelecidas com o ambiente externo levam a organização arelações de dominação, submissão ou har mo nia? A partir dospressupostos e das estruturas de ação utilizadas o ambiente externoé visto como administrável?b) Natureza da verdade e da realidade Ö Experimentação com no vas abordagens, Resolução sistemática de problemas, e Transferênciade conhecimento: Através dessa inter-relação pretendemos sa bercomo a organização lida com a produção, aplicação e transferênciade novos conhecimentos (criatividade e inovação). Tambémbuscamos sa ber como os problemas são resolvidos. Aexperimentação, a resolução de problemas e a transferência deconhecimento são restritas a poucas pessoas ou essas estruturas sãoestimuladas em todos os espaços da organização? As pessoas sãoincentivadas à descoberta ou simplesmente à revelação? Aperspectiva predominante na organização em relação a essasestruturas de ação é de curto, médio ou longo prazo? Quais são ospressupostos básicos de cultura organizacional predominantes queperpassam essas estruturas?c) Natureza humana Ö Aprendizagem com as experiênciaspassadas, Experimentação com no vas abordagens, e Resoluçãosistemática de problemas: O pressuposto básico de culturadominante é que o ser humano é bom, mau ou neutro? As pessoassão vis tas como confiáveis, ou não? As informações são abertas eacessíveis para todos ou não? O ser humano é estimulado a sedesenvolver, aprender com as experiências passadas e com os errose experimentar no vas abordagens?d) Natureza da atividade humana Ö Experimentação com no vasabordagens, Resolução sistemática de problemas, e Transferênciade conhecimento: Nesta inter-relação procuramos sa ber como aorganização pensa a maneira como as pessoas devem ser: ativas,buscando a experimentação, solucionando problemas e tomando ainiciativa para adquirir e disseminar conhecimento? Ou devem serpassivas, esquivando-se do autodesenvolvimento e acreditando que os eventos já se encontram pré-determinados. As pessoas possuem

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“folga” para experimentar, re solver problemas e adquirir oudisseminar conhecimentos? Uma questão também importanterefere-se ao significado que os seres humanos atribuem ao trabalhoque realizam. As atividades desenvolvidas são providas de sentido,ou o comprometimento é meramente econômico?e) Natureza dos relacionamentos humanos Ö Experimentação comno vas abordagens, Resolução sistemática de problemas,Aprendizagem com as experiências e melhores práticas dos outros,e Transferência de conhecimento: Em relação à interseção en tre ospressupostos que orientam os relacionamentos humanos e asestruturas de ação acima sugeridas, as questões centrais são asseguintes: Como devem se relacionar as pessoas quando se deparam com a necessidade de re solver problemas? Qual é o relacionamentocondizente com a experimentação de no vas abordagens e com abusca de no vas formas de aprendizagem no ambiente externo daorganização? Deve ser cooperativo ou competitivo? O processo detomada de decisão deve ser participativo ou uni lat eral? Ou tudo issodepende das circunstâncias que envolvem a natureza das tarefas e acomplexidade dos problemas?Em que pese a inter-relação en tre cultura e aprendizagem

organizacional ser amplamente reconhecida na literatura, caberessaltar que as aproximações aqui apresentadas não pretendem sugerir relações lineares e causais en tre os pressupostos e as estruturas de ação. Ou seja, servem apenas como ponto de partida para a descrição einterpretação das possíveis interseções existentes.

Considerações Finais

Em síntese, para compreender o processo de aprendizagem nasorganizações é relevante capturar o processo através do qual os gruposaprendem e como os esquemas de significados individuais sãointerpretados e integrados ao estruturar uma orientação compartilhadatraduzida pela missão, estratégia e práticas organizacionais (Crossan,1995).

Como ressaltam Pedler et al. (1989), as organizações dirigidas àaprendizagem incorporam as seguintes características: a) um climaonde as pessoas são estimuladas a aprender e desenvolver todo o seupotencial; b) estruturam as suas ações em torno de uma cultura deaprendizagem que envolve os consumidores, fornecedores,

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concorrentes, e outros grupos de interesses; c) o ser humano é colocadono centro de toda e qualquer política da organização; e d) atransformação da organização é permanente.

Assim sendo, podemos entender que as práticas organizacionaisdevem ser concebidas e estruturadas a partir de pressupostos culturaisque lhes possam dar suporte. Quando isso não acontece, as estruturasde ação sucumbem.

Com base no que até aqui foi exposto, podemos considerar quecultura e aprendizagem organizacional compõem aspectosindissociáveis do processo permanente de reavaliação do modo comoas pessoas se inserem e constroem suas realidades psicossociais. Ouseja, representam faces distintas, porém de íntima vinculação, onde oprocesso de formação da cultura implica na geração da aprendizagem evice-versa.

Desta forma, os principais pontos de corte en tre cultura eaprendizagem organizacional encontram-se alojados nos momentos da criação, transmissão e perpetuação da cultura organizacional. Quandoda criação, dada as necessidades de integração interna e adaptaçãoexterna, as pessoas e os grupos vão fazendo descobertas, obtendoinformações e adotando práticas que, ao longo do tempo, vãoconferindo estabilidade à vida da organização. Assim, vão seconsolidando como modos considerados corretos de sentir, pensar eagir.

À medida que o mapa cul tural ganha contornos nítidos e no vaspessoas ingressam na organização, ocorre o segundo corte en tre cultura e aprendizagem organizacional. É o que Berger & Luckman, (1985)denominam de processo de socialização secundária. Neste eventoacontece a aprendizagem dos neófitos de uma realidade so cialconstruída historicamente an tes da sua chegada.

Uma vez cristalizados nos participantes da organização o que écerto e o que é errado, melhor e pior ou bom e ruim, ess es passam adifundir e confirmar, uns com os outros, tais preceitos através de suaspróprias posturas no cotidiano organizacional. Este seria o terceirogrande corte en tre cultura e aprendizagem organizacional. Ummomento de ensino e reforço de aprendizagem através da difusão econfirmação da cultura da organização.

Finalmente, as premissas culturais são propagadas e eternizadas naconsciência dos participantes da organização através dos artefatos

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visíveis e audíveis, das políticas e programas, estrutura, missão,estratégias, além das declarações escritas ou orais que embutem dentrosi princípios valorativos. Isso tudo ganha força e consistência à medidaque co in cide com todo e qualquer tipo de ação em todas as instâncias da organização.

[email protected]ón: 05 de enero del 2001Aceptación:19 de julio del 2001

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