arrancando raízes em londrina
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Márcia de Fátima Catarino Pelarim
Arrancando Raízes em Londrina
Londrina Edição do Autor
2014
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__________________________________________________________________________ Pelarim, Márcia de Fátima Catarino Arrancando raízes em Londrina / Márcia de Fátima Catarino Pelarim. Londrina : Edição do Autor, 2014. ISBN: __________________________________________________________________________
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SUMÁRIO 011 Apresentação 013 O Livro Final 013 Dedicatórias 015 Homenagens PARTE I 017 Agradecimentos 025 A Potência da Leitura PARTE II 029 Resumo 031 Motivo do título ARRANCANDO RAÍZES EM LONDRINA 033 Enfrentamento diante da vida 035 Introdução PARTE III Capítulo I 037 Origem do Livro (Instalação e TCC) 037 As fotografias e a atração 038 A Pesquisa “Um Nó de Nós” 039 O Portal 041 A Instalação recuperando memórias resgatando histórias 042 Nas fotografias estão os signos – Festa e Luto 043 Amélia Instinto Materno 044 Cinema 045 Fotografias antigas e contemporâneas de Londrina Capítulo II 075 Bonecas e Brinquedos -‐ resgate de histórias e de valores 075 História da Boneca 075 A Boneca em diversas Culturas 077 A Oficina Memória e Arte na Construção de Bonecas de Pano 077 A Costura 077 Oficina de Bonecas de Pano na Arte Educação 077 Relação da Artista Rosana Paulino com a Oficina 078 Projeto da Oficina Memória e Arte na Construção de Bonecas de Pano 078 Resumo da Oficina Memória e Arte na Construção de Bonecas de Pano 079 Artistas apresentados na Oficina 079 Local da realização das Oficinas 080 Planos de aulas para a Oficina 082 Conclusões finais sobre a Oficina 083 Brincadeiras de Bonecas – resgate de memórias e depoimentos
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Capítulo III 087 Laboratório da Instalação Arrancando Raízes em Londrina 087 Reflexões sobre o Laboratório 088 O resgate temporal através de objetos utilizados no laboratório 091 Vídeo Instalação Este Espaço Londrina (complemento da Instalação) 092 Poema de Willian “ O Pioneiro” Capítulo IV 095 RETALHOS 095 Domingo de sol 095 Falando de princesas 096 Abelhas Jataí 096 Exibida 096 O Velho que sabe tudo 096 Passarinhos 096 Cortina de Chitão 097 O tarado 097 Rato 097 Carta 097 De Algodão e Urubus 098 Menina-‐velha 098 A Vila 098 Dona Elisa 099 Colcha de Retalhos 099 Maquiagem 099 Dona Judith 100 Cinema 100 Conselho 100 Voltar? 100 O cavalo do pai voltou 100 Bem-‐te-‐vi 101 Jogo de Letras 101 Pedra de anel 101 Kirigame 101 Torrador de Café 102 Terra molhada 102 Vestígios Indígenas 103 A cama com número de patente 103 Ambulância 103 Sem grades 103 Amélia e Zeca 104 Presença 105 Café da Tarde 105 Surra no Judas 105 Clube de Dança
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105 A turca 106 Casinha mictório 106 A menina e o pai 106 O homem que amou Londrina 107 Alerta 107 A fuga 108 Cacique 108 Batizado 108 Casamento 109 A flor do mal 109 Flor de Laranjeira 109 Todo final deveria ser feliz 111 Festa Junina 112 Contemplação 112 Casamentos e não, e sim, ou arranjados. 113 Tabu 114 Acima dos tabus 114 O nó que nos une 115 Varais 115 Colar de pérolas 115 Pena 116 Passava a boiada 116 Deselegância 116 UEL 116 Vestibular 117 Foto-‐pintura 117 Maquetes da vida 118 Museu 118 1º de Maio 119 Pioneiro desconhecido 119 A Reserva 120 Quadro de Garças 121 Vitória da Samotrácia 121 Bonecas de Jornal Tia Odila? 121 Exostyles Godoyenses peroba-‐rosa 122 Árvore símbolo peroba-‐rosa 122 Casa de mata-‐junta 123 Exaltação às árvores (Mãe, Antonio Correia de Oliveira) 123 As Velhas Árvores (Olavo Bilac) 123 A Pátria (Olavo Bilac) 124 Patriota 124 A Arte é o espelho da Pátria... (Chopin) 124 Última Flor do Lácio 125 Rosalina 125 Noite Louca 126 Visita ao Tio 126 Outro dos Tios
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127 Costurando Colcha 127 Valsando 127 Memória do Arlanza 128 Memória 128 Trem 128 Pé Vermelho 130 Extraordinário o Caminhão de Tora 131 O Morro dos Ventos Uivantes 131 Juritis 131 Hortências 131 Hercules 132 Questão de Profissão 132 Carta de 1º de Abril 132 Tão só 133 Faina 133 Brigou com a morte 133 Vale do Rubi das Lavadeiras 134 Rainha do Abismo 134 Era importante? 136 Viagem difícil 136 Pau de Arara 138 Cartões 138 Chupeta 138 Igual o Presidente Lula 139 Peças Infantis 139 É tecido, é pano, é carinho 139 Bucheiro 140 Verdureiro 140 Bijuzeiro 140 Carrocinha de prender cachorro 141 Bananal 141 Sopa de bananas 141 Chiquinha 141 Enigma 142 Gatos incríveis 142 Arte, ciência e história 142 Os olhos desta janela-‐ espelho do tempo 142 O ninho 143 Eu 143 Vento Travesso 144 Dona Izolina 145 As cores da alma 145 Gratidão 145 Rei do quintal 145 Bolinho de chuva 146 Quer provar? 146 Padeiro
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146 Perfeitamente 146 Cortina de Chitão e Boneca 147 Apelidos 147 Alvina e a Cobra 147 O último Natal 148 Jacú 148 Linhas cruzadas 149 Usina Três Bocas 149 Chofer 149 Emblema dos Catarinos 150 O trigo 150 Doze irmãos, papai e mamãe 150 Galo Português ou Galo de Barcelos 151 A rosa 151 Malhação no Judas 151 O espantalho e Liete 151 Judas e Zenaide 151 No Natal de Zenaide 152 Colcha de retalhos da Irma 152 O fantasma da Figueira 153 Fantasma da Porteira 153 A Figueira e seus mistérios 153 Choronas 153 Poeira no Museu 154 Beija flor 154 Maionese 154 Sutil 154 Liete e a caveira 155 Cachorro nervoso 155 Pioneiros 155 Raiva 155 Enxoval 155 Saliente demais 156 Presentes de madrinha 156 Mula sem cabeça 157 Dinossauros 157 Trecho de carta 157 Este espaço chamado Londrina 158 Falando de bonecas (Dona Zulmira) 158 Carta ao Zeca 160 Silhueta Capítulo V Artistas com quem relaciono meus trabalhos 161 Louise Bourgeouis, 161 Bispo do Rosário, 161 Sophie Calle
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163 Rachel Withehead 165 A Instalação no Museu “Memória e Arte Arrancando Raízes no Museu Histórico de Londrina” 165 Nota no Jornal (matéria no site de notícias da Universidade Estadual de Londrina). 167 Imagens da “Instalação Memória e Arte Arrancando Raízes no Museu Histórico de Londrina” Capítulo VI 183 História sem Fim 183 Registro de Comentários do Caderno de Registros da Instalação no Museu Histórico de Londrina 185 A caneta do Zeca 185 Inventário dos objetos que formaram a Instalação Memória e Arte Arrancando Raízes no Museu Histórico de Londrina. 187 Capítulo Sem Fim 187 Canção da Saudade 189 Ricos e Raros Presentes 189 Almofada de crochê feita pela Vovó Alvina Degraf 189 Pano de Copa feito pela sogra amiga Dona Izolina Peruzo Pelarim 190 Toalha de Mesa feita pela Amélia Degraf Catarino 191 Referências Bibliográficas 193 Referências de leituras inspiradoras 193 Os porquês dos artistas com os quais me relaciono. 194 Algo sobre o Livro original Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em Artes Visuais. 195 A Voz de Arlindo Catharino 195 Expedição na Mata 195 Acampamento 196 Ao Trabalho 196 Conclusão Final (a autora, Marcia de Fátima Catarino Pelarim).
Londrina, julho de 2014
LIVRO “ARRANCANDO RAÍZES EM LONDRINA”
Apresentação
Em comemoração aos oitenta anos da Cidade de Londrina, este livro foi extraído de partes escolhidas da edição de meu Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina.
Estão nele reunidas memórias de pessoas encantadas pela Cidade de Londrina e juntamente, imagens de trabalhos artísticos e registros referentes a esta cidade, salientando histórias e situações comuns de ontem e de hoje, num contexto que venha apresentar o modo de viver de seus habitantes com seus sentimentos mais puros.
Em sua versão original este livro foi construído em papel Fabriano com letras impressas em pigmento marrom, contendo fotografias alinhavadas a mão em fio dourado e, possuindo um anexo de últimas páginas, confeccionadas em tecido de algodão sobre as quais costurei papéis impressos com pequenas histórias chamadas de retalhos de memórias. Todas as partes recolhidas no livro têm também sua importância pedagógica.
Todo o processo teve início em 2012 com estudos de fotografia, depois passou por um laboratório com pesquisas de objetos de memórias incluindo também uma Oficina de Bonecas, num estudo a brinquedos antigos. Este laboratório transformou-‐se numa Instalação de Memória e Arte que migrou para uma Exposição no Museu Histórico de Londrina, onde permaneceu por duas semanas e retornou em 2013 para a Universidade Estadual de Londrina, culminando no meu livro de Trabalho de Conclusão de Curso para a avaliação junto a Banca Examinadora composta pelos Professores Doutores Marcos Rodrigues Aulicino, Tânia Sugeta e Cláudio Luiz Garcia, os quais gentilmente aceitaram meu convite. O livro, quase totalmente artesanal, lembrava um velho diário de menina, prática a qual podemos dizer, muitas vezes na nossa era digital, substituída pelo “facebook”, embora este não seja nada secreto.
Aquele que não concordar com minhas palavras, lembre-‐se que escrevi conforme meus olhos viram, meus ouvidos ouviram e meu coração sentiu.
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O LIVRO FINAL
“ARRANCANDO RAÍZES EM LONDRINA”
Dedico este livro aos meus queridos netos, Rafael, Miguel, Laura e aos que ainda virão, para que saibam
como pulsava o coração de seus parentes.
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EM HOMENAGEM
Aos meus pais Amélia e Zeca, por terem me protegido como faz um anjo e terem tornado bela a minha existência.
Aos meus avós, tios e tias, por enriquecerem de amor a minha caminhada e demonstrarem que a felicidade é uma conquista.
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Parte I
AGRADECIMENTOS Esta é uma parte fundamental do livro porque ela traz para dentro da história, personalidades exemplares em seu modo corajoso de conduzir a vida, seu compromisso moral e seu respeito ao próximo. Meus pais me ensinaram que a gratidão é uma virtude que promove a justiça e atrai mais bênçãos de Deus. Agradeço: Primeiramente a Deus, meu criador que me surpreende a cada instante, com seu amor providente. Ao meu Anjo da Guarda, não os muitos que encontrei na terra, mas ao Espírito de Luz, criado por Deus especialmente para a proteção de cada ser, e que tem Ele, me provado sua existência em tantas situações relevantes de minha vida, protegendo-‐me, inspirando-‐me, intuindo-‐me a melhor direção nesta já tão longa caminhada. Aos meus pais Amélia Degraf e José Catarino porque seu amor extremoso me fez superar as intempéries da vida e chegar feliz até aqui. Ao meu esposo Irineu Sérgio Pelarim que abdicou de seus melhores momentos para me apoiar e incentivar na realização deste sonho. Aos meus amigos colegas de Curso por me adularem desde o primeiro dia, me ensinando as mídias tecnológicas, me influenciando a pensar de modo contemporâneo, me emprestando livros e com paciência, dividiram seu espaço jovem comigo. Daina Crepaldi Moreira, Daniele da Silva Milani, Guilherme de Martino Casado, José Leite Bueno Neto, Juliana Cordeiro Domaneschi, Kauana Milozo, Loana Cristina Takahashi, Luciana Finco Mendonça, Maria Angelica Cerezine Mayla Oliveira Weber Natália Tardim Teixeira,
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Giovana Paolini Letícia Araújo Chaves Anderson dos Santos Monteiro, Carolina Dellatorre Sobreira Luiz Carlos do Couto Junior Tiago Souza Helen Lopes Joelma Couto Ao Professor Marcos Rodrigues Aulicino que foi me atraindo aos poucos através das histórias da arte, mostrando-‐me a própria história da vida humana. Assim foi se tornando grande amigo, me encorajou a abrir as janelas de meu coração e atirou-‐me para o voo pleno, enquanto ele ficou ali, esperando-‐me pousar de volta, trazendo os retalhos das minhas melhores memórias. Ao Professor Cláudio Luiz Garcia por me oferecer suporte para a viagem de busca de entendimento interior, e oferecer ainda os subsídios de afetos das tintas aguadas, escondidas nos porões da alma e as fez emergirem pelos livros de Lygia A. S. Araújo ou de Pedro Nava e de Josué Montello. A Professora Tânia Sugeta, dedicada, amorosa, me entusiasmou desvendando quão agradável é trabalhar com cerâmica e me compreendeu sendo solidária ao meu momento “mulher transição”. A Professora Carla Juliana Warken por ser a primeira a me receber com o abraço amigo. A professora Maria Carla Guarinelo de Araújo, sempre atenta à minha formação e aos meus sentimentos. A professora Luli, pois é verdade, ao lado de um grande homem há uma grande mulher. A Professora Roberta Puccini por me ensinar que tantas pessoas consideradas deficientes, podem ser apenas, diferentes. E, que no fundo de todo poço, existe uma mola que nos impulsiona para cima. A Professora Maria Irene Pellegrino de O. Souza, pela atenção com que me apresentou futuras veredas em fotografia. Ao Professor Ronaldo por me mostrar que os caminhos da memória, quando bem pesquisados, fazem chegar à descoberta da arte.
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Ao Professor André Luiz Onório Coneglian, tocando tão profundamente meus sentimentos e mostrando a importância que tem um Professor na nossa formação como ser humano. Ao Professor Luiz Carlos Jeolás pela paciência em me orientar com as mídias tecnológicas. Ao professor Kennedy Piau sempre me incentivando a ser mais racional. Ao professor Jardel Dias Cavalcanti, por ser gentil sempre que precisei. Ao professor Juliano Reis Siqueira, me fez descobrir caminhos tão produtivos e de encantamento na educação através de oficinas. A professora Vanessa de Oliveira, com muita seriedade, empenhada em transmitir conhecimentos. Ao professor Renan dos Santos Silva que defende com paixão a ética do professor e já no primeiro ano do curso, mostrou-‐nos essa importância e responsabilidade na formação dos professores. Ao professor Danillo Gimenes Villa, dirigindo suas aulas de modo descontraído, alegre, porém sempre atento a nossa formação. A professora Elke Coelho Pereira Santana, paradigma no modo de ministrar uma aula e pela gentileza ao receber-‐me em cada encontro. A professora Carmem Fabiana Betiol, por conseguir aplicar a aula de modo tão contemporâneo, realista, no sentido de demonstrar o quanto tudo está unido à vida e às suas consequências. A professora Maria Fernanda Magalhães, por me deslumbrar com o universo fantástico da fotografia. Ao professor Ubirajara Senatore, que de maneira simples apresentou a potência e a grande influência das imagens em nossas vidas e em nossas produções artísticas. A professora Cândida Alayde Bittencourt, mais um exemplo de competência e referência no compromisso atencioso dispensado às pessoas. Ao professor Marcos Nalin que abordando as obras de Velazques, me fez pensar meus próprios espelhos da alma. Ao José Marques Neto, ao Manoel Cavalcante de Souza Neto, Ao Deusdito Pereira dos Santos,
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A Sônia Maria Camargo Lourenço, A Sônia Aparecida Pimenta Tardin, A Eunice Bianconi, todos os quais com a maior simpatia e boa vontade fizeram o contato amigo entre os alunos e a Universidade. Enfim, a todos os queridos amigos professores e funcionários do Departamento de Artes que se empenharam com alegria e incentivo, me apresentando uma dimensão bem melhor do Curso, pois como me dizia o Professor Renan dos Santos: -‐ Você pensou que veio aqui para brincar de massinha?
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SERVIDORES E PROFESSORES DO DEPARTAMENTO DE ARTE VISUAL/ CECA CÂNDIDA ALAYDE DE CARVALHO BITTENCOURT CARLA JULIANA GALVÃO ALVES WARKEN CARMEM FABIANA BETIOL CLAUDIO LUIZ GARCIA JARDEL DIAS CAVALCANTI DANILLO GIMENES VILLA ELKE COELHO PEREIRA SANTANA JULIANO REIS SIQUEIRA KENNEDY PIAU FERREIRA LOURIDES APARECIDA FRANCISCONI LUIZ CARLOS SOLLBERGER JEOLÁS MARCOS RODRIGUES AULICINO MARIA CARLA GUARINELLO DE ARAÚJO MOREIRA MARIA FERNANDA VILELA DE MAGALHÃES MARIA IRENE PELLEGRINO DE OLIVEIRA SOUZA MARTA DANTAS DA SILVA RENAN DOS SANTOS SILVA ROBERTA PUCCETTI RONALDO ALEXANDRE DE OLIVEIRA TANIA CRISTINA RUMI SUGETA UBIRAJARA DE CARLO SENATORE VANESSA TAVARES DA SILVA DEUSDITO PEREIRA DOS SANTOS EUNICE BIANCONI JOSÉ MARQUES NETO MANOEL CAVALCANTE DE SOUZA NETO SÔNIA APARECIDA PIMENTA TARDIM SÔNIA MARIA CAMARGO LOURENÇO
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A Profa. Dra. Regina Célia Alegro por abrir as portas do Museu Histórico de Londrina, para a minha ”Instalação Memória e Arte no Museu”, incentivando-‐me, Apoiando-‐me em novos projetos e me recebendo com muita simpatia. Ao Lucas Gabriel da Mata pelo incentivo e entusiasmo me auxiliando na Instalação que aconteceu no Museu Histórico de Londrina. A Gina E. Issberner, que me tratou com gentileza por ocasião da Instalação no Museu Histórico de Londrina. Aos amigos e amigas; Guilherme De Martino Casado, por me ofertar o livro de Fotografias de José Juliani. Luiz Couto que sempre me auxiliou na edição de vídeos. Giovana Paolini, pela boa companhia na volta das aulas, pela amizade leal e a atenção, dispensando seu tempo comigo e com meus trabalhos. Dani Milani, por colocar alegria em nossos eventos e me ensinar mídias contemporâneas. Maria Angélica, se fazendo ouvir pelo respeito que impõe com sua competência e amizade. Natália Tardin, pela delicadeza em passar-‐me seus saberes. Mayla Weber, pelo carinho e atenção de sempre. Carolina Sobreira, que parecia fraquinha, mas carregou até vigas de madeira para ajudar a amiga montar o Laboratório e ainda fazer-‐me virar outra vez colegial como ela, trocando segredinhos pelas esquinas dos corredores da UEL. Letícia pelo constante sorriso de boas vindas. A kauana por me socorrer em meus constrangimentos e me mostrar novos horizontes. A Daina pela parceria nos trabalhos e a companhia carinhosa quando eu ficava triste. A Juliana Domaneschi por ser atenciosa comigo em todo encontro e rir dos desencontros. Ao Neto Bueno, ao Tiago Souza, ao Anderson Monteiro, por serem prestativos para comigo em todos os momentos dispensando-‐me seu carinho e amizade. A Luciana Mendonça e ao Willian Fernandes por se tornarem filhos em meu lar.
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Ao Padre Ozanilton Batista de Abreu, pela oportunidade e consideração para com meus projetos. A Zenaide de OIiveira, A Inara Regina R. Santana, A Irma Bernardo Vieira, A Liete Brunelli Araújo, Pelo entusiasmo em me acompanharem por novos atalhos nas artes, me dedicando sua amizade e confiança. Ao Cesar Grade pela antiga amizade, por me respeitar como tia, desde que ele era um bebê e eu uma moça bonita, e por ele me presentear com tantos materiais artísticos. A Ana Carolina Binotti, pelo amor, pelo carinho e por sempre me presentear com tantos materiais e livros de artes. A Lenita Mamprim Pelarim, pelo exemplo de coragem e fé, suportando os maiores golpes que como mulher e como mãe pode receber, e mesmo assim, seguir sorrindo, distribuindo a sua alegria contagiante. A Andréa Merighe por que iluminou minha vida trazendo-‐me o azul celeste em forma de amor, que é meu neto Miguel. Ao Jorge Luiz Catharino, escultor, pintor, e historiador da família, pelo respaldo em minhas pesquisas e ainda me presenteou com a cadeirinha de peroba rosa, a qual entrou na composição da maquete “Quarto da Menina”. Ao Lourival Figueiredo Lula, amigo de meu marido e anjo da guarda de minha família, pela dedicação e presença nos momentos mais significativos. Ao Hercules Henrique Catarino e a Leonilde Ortiz Catarino pela presença constante e por me apoiarem e levarem em turnês de pesquisas pela Cidade. A Luci Pelarim que com a mesma delicadeza de sua mãe, ajudou-‐me na recuperação das memórias de sua família. A Ana Marisa Catarino por extrair minhas risadas diante do seu modo divertido de encarar a vida e recuperar memórias. Carolina de Melo por fazer-‐se terra fértil em minha vida afortunando-‐me com meus netos Rafael e Laura. Aos meus filhos André, Gisele e Rodrigo, a Carolina de Melo, ao José Henrique Catarino a Bruna, ao Tarcísio Catarino Tadeu, que embora relutantes por eu migrar do ambiente doméstico para o estudantil, me auxiliaram com a tecnologia, com viagens de objetos de Instalações e na coleta de materiais de memória e artes.
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A Tia Odila Peron Catharino porque abriu seu coração para mim e me chama de Filha. A Tia Inez Delai Catharino que me contou seus dramas de mulher e me chama de Sobrinha Querida. A Tia Eurides Catarino pela grande amizade e pela alegria de cada encontro. A Tia Alice Catarino Monteiro que me chamava de “santinha” e me acolhia com beijos em minha infância. A Tia Maria Catarino Peralta que guarda com amor as memórias da família. A Tia Olivia Degraf Catarino por ser minha segunda mãe. Tia Faustina Catarino por ser amorosa e dedicada madrinha. A Tia Irene Degraf Netto, madrinha que encheu minha infância de sonhos. A Tia Nélida Penãs Catharino, minha (não muito mais) “irmã mais velha”, sempre orientando meus passos. A Tia Suely Cândido Catarino exemplo de fortaleza e fé. A Tia Cleide Catarino, delicada, incansável na esperança. A Tia Lurdes Catarino, amiga da mesma idade que me apoia e compreende. A Tia Geni Pelarim por me confiar histórias de sua família e me ofertar uma fotografia importante, como prova de consideração para comigo. Ao Professor Marcos Aulicino, porque gentilmente aceitou ser o coordenador do meu Trabalho de Conclusão de Curso e sabiamente encorajou-‐me a expor meus sentimentos, a enfrentar os desafios com a segurança de quem tem um grande mestre.
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A POTÊNCIA DA LEITURA
É um capítulo importante porque apresenta a leitura como meio transcendental do tempo e como meio edificante do ser, portanto continuam os agradecimentos aos que me deram acesso aos livros.
Agradeço:
Ao Professor Claudio Luiz Garcia,
O professor Cláudio do Curso de Artes Visuais, deixa à disposição dos alunos, uma pequena biblioteca em sua sala. São exemplares variados, incitando-‐nos a seguirmos diversos caminhos. Assim sendo, entre esses, um livro diferente me chamou a atenção, pois ele é de folhas soltas dentro de uma caixa. O livro conta crônicas de Manoel de Barros, cada uma numa folha, e todas juntas sem costura, dentro da caixa. Encontrei outro livro bem interessante, acondicionado em pequena caixa, eram páginas mínimas, de minúsculas gravuras, arte do próprio professor Cláudio. Achei aquilo lindo, uma verdadeira caixinha de joias.
Descobri então, que o livro pode adquirir diferentes e infinitos formatos. Por isso fui convidada por minha atenta amiga Luciana Mendonça, a participar de uma oficina de construção de livros. Lá conheci a artista plástica Adriana Siqueira, a delicadeza em pessoa. Nesse grupo conheci outras pessoas gentis e inspiradas, amantes das artes. Na primeira aula, a Adriana fez uma exposição de tantas outras possibilidades de se construir um livro. Finalmente decidi que meu trabalho de conclusão de curso, poderia ter o formato de um livro artístico de memórias. À minha mãe que me alfabetizou e me ensinou a potência da leitura, Quando eu era criança, não existiam pré-‐escolas e minha mãe achou por bem me ensinar o ABC, e facilitar o início deste meu novo caminho. Ao entrar para o primeiro ano escolar, ganhei uma cartilha, seu nome era “Caminho Suave”. Atualmente esse tipo de cartilhas é muito criticado, mas no meu caso, foi realmente um caminho suave, parecia um jogo, uma matemática de letras, e me entusiasmei pelas descobertas do mundo de símbolos a aprender.
O primeiro livro mesmo, eu recebi de meus pais, e era muito pequena. Devia ser um livro de histórias de princesas, porém guardei na memória as páginas onde vi uma revoada de pássaros em mil cores. Eram pássaros de penachos e caudas longas. Tesourinhas, canários, galos da montanha, todos em deslumbrante carnaval, e o mais soberbo de todos, era o pavão.
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Depois, deram-‐me outros livros. Os de catequese com desenhos delicados, bonitos, ensinando as virtudes, sem legendas, mas com a figura do “capêta”, querendo estragar tudo. Meus padrinhos, Irene Degraf e José Netto me presentearam com a minha primeira bíblia e meus tios Olivia Degraf e Antonio Catarino, nos aniversários me trouxeram Alice no País das Maravilhas e depois as fábulas das mil e Uma Noites. Estes livros vinham com gravuras em preto e branco e eu as coloria a lápis, presenteados por meu pai.
Chegaram depois os livros didáticos, escolhidos com esmero e qualidade, cuja
lista indicada pela escola, meu pai adquiria de maneira impecável. Minha mãe lhe dizia que a maior herança deixada aos filhos é a boa educação.
Ao Zeca meu pai, Mesmo sendo pobre, sendo motorista de caminhão, começando fazer vida, ele
juntamente com minha mãe, escolhiam as melhores escolas para nós. O livro tinha presença regular em nossa rotina do lar. Minha mãe sempre contando romances, tragédias, fábulas, e meu pai, descendente de portugueses, gostava de literatura de Cordel, principalmente as histórias de Pedro Malasarte, para fazer-‐nos darmos risadas.
Aos primos Dilson e Ester,
Livro perfumado era algo que eu nunca tinha visto. Certa vez encontrei um exemplar em minha caixa postal. Tinha a dedicatória de meus primos, Dilson e Ester. Não me encontrando em casa, deixaram lá este livro maravilhoso com perfume de gardênias, poesias e fotos de obras de pintores diversos. Ainda guardo encantada este livro “As Quatro Estações” e me enlevo com seu visual, seu perfume, suas poesias e o gesto carinhoso destes primos.
Aos amigos Luciana Mendonça e William Fernandes, Outra mostra de sincera amizade, recebi destes queridos e dedicados amigos, Luciana e Willian ao me presentearem com o livro “Arte Contemporânea”, ajudando-‐me a complementar os estudos de Artes Visuais.
Ao professor Diamantino, Numa Escola Pública, no período do ginásio, o professor Diamantino, intimamente envolvido pela disciplina que pregava, me ensinou a interpretar poesia, a amar minha própria língua pátria e a descobrir os cheiros, os sons e as cores contidas numa palavra, tudo numa única aula, através da poesia “Última Flor do Lácio”.
À professora Raimunda Brito que me fez descobrir a fascinante leitura de “Cordel” e também abriu a porta da minha memória. Em uma aula de antropologia, com a professora Raimunda, no primeiro ano do Curso de Artes Visuais, comentávamos a importância que certos objetos ou situações banais, adquirem quando assumem um significado. Um objeto, um som, um cheiro, uma palavra, uma determinada situação, podem acionar nossa memória, e por seu afeto, nos fazer sentir de novo, a dor ou a ternura de um momento passado. A professora
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Raimunda se referiu a um costume antigo de levarem maçãs para oferecerem a alguém que estivesse doente. Naquela aula, fui assaltada e afetada por uma lembrança linda; em nossa infância, minha irmã, meu irmão e eu, quando ficávamos com febre ou acamados, víamos nosso pai entrar a toda hora em nosso quarto, perguntando; -‐ Tá melhor? -‐ Já melhorou? Seu rosto ficava branco, os olhos grandes de preocupação e em sua mão rústica, a enorme e vermelha maçã, cheirosa, saborosa. Chorei nesta aula, porque fazia poucos dias que meu querido pai tinha falecido. A todos meus professores que foram porteiros, Digo que professores são porteiros porque a eles compete abrirem as portas da sabedoria aos estudantes. Alguns abrem portas sombrias para um mundo decepcionante, criando bloqueios intransponíveis nas mentes sensíveis das crianças e dos jovens. Outros abrem portas de luz, e mostram um mundo maravilhoso, alegre e rico, convidativo a entrar e sentir o prazer de explorar, que será sempre buscado novamente. Tive a graça em minha vida de encontrar muitos professores apaixonados pela missão de ensinar. Eles, iluminados, satisfeitos, me indicavam estradas por eles já trilhadas e me acompanharam com alegria em minhas descobertas. Foram verdadeiros porteiros e cicerones do saber.
Foram muitos e foram tantos esses bons professores e entre eles, uma linda
freira, me introduziu no universo da biblioteca. Toda semana a freirinha professora me convidava para ir às tardes na biblioteca do colégio de minha infância, o Colégio Santa Maria. Enquanto ela corrigia provas e tarefas, me deixava desvendar aquele espaço de saberes. Quando minha vista cansava, ela me mandava correr pelo pátio e eu pisava na grama fofa, sentindo o vento nos cabelos e no rosto de menina. Numa destas tardes a freirinha me pediu para ajudá-‐la carregar seus cadernos e jogá-‐los num buraco de terra, nos fundos do colégio. Tentei impedir, ela não poderia jogar fora cadernos tão bonitos, pintados com florzinhas e letras desenhadas. A freirinha minha amiga, explicou-‐me que um dia eu a entenderia, pois esse período de sua mocidade religiosa teria que ser apagado , e chorando, pôs fogo em tudo. Menos nas fotos de seu irmão as quais, mostrou-‐me para eu ver como ele era bonito. Ela não podia dar-‐me nenhum de seus cadernos como lembrança, mas sim a sua pequena coleção de moedas antigas, presente de seu irmão. Os cadernos juntamente com sua vida de freira, teriam que ficar para trás. Muitos anos depois fiquei sabendo que a linda freirinha, tinha abandonado a Congregação, voltado para Minas Gerais e estava trabalhando no Abatedouro de Aves de propriedade de seu irmão.
Esta freira professora tornou-‐se um paradigma para mim. Suas aulas eram criativas e inovadoras. Nas aulas de religião, ela organizava as carteiras em círculo. No centro do círculo, uma mesa com a bíblia e uma vela acesa e enfeitada. Cada aluno levantava, lia um capítulo ou versículo e comentávamos contextualizando com fatos contemporâneos. Em Educação Física, mandou-‐nos providenciar um pedaço de cabo de vassoura, pintado de vermelho e de azul, e com este bastão, ensinou-‐nos a praticar ginástica rítmica. Em todas as matérias, a cada nota alta que tirássemos, o nosso nome, preso a um fio, ia subindo até chegar nas mãos de Nossa Senhora das Graças, imagem em lugar de destaque e honra em nossa sala de aulas. Nas festas do Colégio ela me escolhia como oradora. Fundou um Clube Literário, o “Olavo Bilac”, nos ensinou assim a votarmos, e nisto fui escolhida como secretária do clube e tive que aprender a redigir
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atas e discursos. Ainda hoje quando passo em frente ao antigo colégio na Rua Maringá, vejo o pinheiro que plantamos no dia da árvore. Ela marcou encontro conosco no futuro à sombra desta árvore, para podermos nos abraçar e contarmos em quem, nos formamos.
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Parte II
RESUMO Arrancando Raízes em Londrina é um livro de contos, história oral, memórias, forma de registrar afetos e criar mais memórias, em texto poético e com relação a imagens fotográficas coletadas ou produzidas. Muitos objetos comuns tornam-‐se canais da memória e adquirem significados, trazidos pelos sentidos humanos, seja pela visão, olfato, paladar, audição, ou pelo tato. Assim, também muitas situações se tornam recorrentes a outros seres humanos, que através dos sentidos poderão se reportar às suas memórias, parecidas ou totalmente diferentes. Para explorar esses afetos, a intenção poética desse Trabalho de Conclusão de Curso, é o livro, como coletânea de contos, fotografias e imagens, costurados, reunidos, como colcha de retalhos, tudo completado por imagens de uma Instalação, a qual composta por objetos pertencentes à memória daquele tempo ou das vozes das pessoas que se manifestaram, com as projeções de fotos e de vídeos, contendo, imagens antigas e contemporâneas, porém em apresentação aleatória, para que, cada espectador junte as partes que lhe interesse e possa criar a sua própria colcha de retalhos. Desse modo o livro de Trabalho de Conclusão de Curso, transformou-‐se no Livro Arrancando Raízes em Londirna, das pequenas histórias e da imaginação londrinense.
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Motivo do título
ARRANCANDO RAÍZES EM LONDRINA: (título sugerido pelo Prof. Dr. Marcos Rodrigues Aulicino)
Marcia de Fátima Catarino Pelarim. Cursar uma Universidade é repensar os valores. O meu trabalho de conclusão de curso, coincidiu com a venda de minha casa da infância. Provocou um balanço, remexeu, revirou dentro de mim. Repensei, me remoí. Eu estou agressiva, eu estou revoltada, eu estou ferida, como bicho acuado, estou enlouquecida, estou em ebulição. Fez derramar meu sangue, verter seiva, até eu compreender que o tempo é implacável e atropela a quem fica. Vou escrever, vou virar a página e seguir em paz, seguir em frente.
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Enfrentamento diante da vida.
É, preciso ter olhos de voar e olhos de pisar o chão. Através de seus olhos, aprendi a enxergar o mundo; O meu pai, com seus olhos na cor verde-‐mata mostrou-‐me ser preciso sonhar, voando acima das copas, para fazer o sonho acontecer. E minha mãe, com seus olhos cor castanho-‐telúrico, me ensinou a por os pés no chão e não errar o caminho que leva à realização dos sonhos.
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INTRODUÇÃO
Toda pessoa deveria fazer como os indígenas e ir contando a história de sua família de geração em geração, perpetuando lições de amor e superação. Cada família é formada através da relação com outras famílias. Elas crescem se mesclam e ocupam determinados espaços e épocas, criando cidades como a de Londrina. São vidas que se entrelaçam formando uma linda teia de aranha brilhando ao sol, ou parece toalhinha de crochêt, ligando pontos, amarrando destinos, ou então, pode lembrar uma imensa e colorida colcha de retalhos, nos pedaços diferentes de vidas juntadas calculadamente, para compor um futuro melhor.
Neste trabalho proponho uma coletânea de contos, contos que são lembranças de histórias ouvidas na infância, outras ouvidas recentemente, histórias de famílias, da minha família, mas também de vizinhos, e de outras famílias. Oralidades que nascem das reminiscências detonadas por imagens, que nascem da criação inspirada em fotografias, que nascem nas conversas, ouvir e contar histórias. Trazer minhas histórias para a Universidade, entre meus colegas, a maioria de outra geração, entrecruzar histórias, entrecruzar oralidades geracionais. O criar textual que nasce do ouvir, do contar, do olhar. Pesquisar imagens, histórias e por trás dessas imagens, as minhas histórias, as outras histórias, a história do outro, a história que você pode agora contar vendo as minhas imagens, e lendo meus contos. A partir de um processo de pesquisa proposto pelo professor Ronaldo A. de Oliveira, escolhi como objeto de investigação, uma foto antiga que mostrava situação incomum e por isso suscitava tantas questões. Esta fotografia denominada “O Portal”, em especial me afetou porque despertou em minha memória uma época em que participei e agora ainda se agita dentro de mim, pois, pertence a um mesmo espaço, agora assumindo formas inusitadas, surgidas no século vinte e um.
Ao investigar aquela fotografia do meu próprio Tio Antonio Henrique Catharino, posando orgulhoso no caminhão que carregava uma tora gigantesca de peroba-‐rosa, comecei buscar respostas para entender aqueles dias dos primórdios da cidade de Londrina. Fui desvendando histórias de pessoas, de famílias, de costumes, de tradições, de modos diferentes de resolver situações, até mesmo, a criatividade de uma população em seus envolvimentos sociais. As histórias e os fatos eram tão diversos, mas, de algum modo, se ligavam por que diziam de pessoas se envolvendo dentro do mesmo espaço e mesmo tempo. Embora fossem de culturas distintas, essas pessoas se uniram para formarem uma nova sociedade, como acontece com pedaços diferentes de tecidos, mas costurados, unidos uns aos outros, formam lindas colchas de retalhos. Por isso, para o resgate da história, fui correndo atrás do tempo como quem corre atrás de um trem, para colher as vozes daqueles que partem, levando consigo o testemunho vivo do embate do homem com o espaço rústico e que culminou na extinção de uma paisagem que emerge agora através de uma fotografia e da fala das pessoas.
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Parte III CAPÍTULO I
ORIGEM DO LIVRO A INSTALAÇÃO E O TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
A origem deste Livro é um Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina, conforme segue a sua primeira apresentação como TCC. (ver em anexos deste livro).
Este Trabalho de Conclusão de Curso com o título Arrancando Raízes constitui-‐se por textos, depoimentos, imagens, fotografias antigas e recentes, e vídeos, numa instalação para resgatar histórias, memórias e inventivas deste lugar chamado Londrina. O processo acontece através da memória e da visão particular de pessoas comuns, cujos nomes não constam nos registros históricos convencionais. Reuni vozes de anônimos, compondo um retrato realista da sociedade londrinense no que compete a força de trabalho formando o alicerce do progresso. Esse resgate vem por via de objetos impregnados de significados temporais que reavivam a minha memória e a de pessoas ligadas por um espaço comum a todas. É uma busca de nossas identidades, onde consequentemente surge a identidade da Cidade, formada nas camadas do tempo. Vidas tão distintas entrelaçadas no mesmo objetivo de realizar seus sonhos num lugar que sempre promete o sucesso. Até os dias atuais, indivíduos culturalmente diversos, continuam chegando e assumindo o lema: “Londrina é Progresso”, mas descobrem o seu sinônimo: “Trabalho”. Dessa maneira, pautadas no trabalho e no sonho, vão construindo a cidade com sua força de trabalho que é a alavanca do progresso. Mas as histórias destes anônimos mostra que o sucesso tem outro lado, o sofrido, aquele que exigiu a renúncia de outros lugares, outros tempos, onde ficaram as suas raízes. É preciso coragem para se adaptar ao espaço estranho, burlar a saudade, um olhar de boa vontade para conhecer o outro e transitar entre passado e presente, sem deixar de vislumbrar o futuro. Assim, em contato com esse material o espectador e visitante será tocado em suas próprias lembranças e se reconhecerá como parte dessa história de amor, de superação, de saudade, de amizade. São sentimentos e situações recorrentes e sujeitas a mudanças constantes. O livro e a Instalação procuram afetar os sentidos e os sentimentos para levantar a seguinte questão: A Arte pode mostrar a força de Chronos na transformação do espaço e das pessoas dentro dele? AS FOTOGRAFIAS E A ATRAÇÃO Compreendi minha atração por fotografias, por esse seu caráter de se tornarem um objeto artístico e de investigação. Nelas fazemos uma leitura da realidade como faz um detetive ao reconstituir a verdade, ou ainda, podermos, inventar, criar situações, compor histórias.
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(Inspirei-‐me no trabalho de Sophie Calle, O Quarto de Hotel, A Caderneta, O Detetive. Ela se utiliza das imagens e se apoia em palavras para reforçar os signos).
Para meu trabalho, faço apropriação de fotografias antigas, mas também capturo
sons e imagens antigas e contemporâneas, em fotografias e vídeos, para salientar que na diversidade cultural encontramos muitos pontos de intersecção onde nos reconhecemos como seres humanos sujeitos a sofrimentos, mas capazes de superação e vitória.
Reúno, portanto, na instalação e no livro, fotografias, várias histórias diversas, como retalhos de vidas e as costuro, e alinhavo sobre retalhos de tecidos, como se faziam as antigas colchas das vovós. A PESQUISA
Um nó de nós “Um nó de nós” foi o nome dado a Pesquisa que gerou o livro Trabalho de
Conclusão do meu curso de Licenciatura em Artes Visuais o qual depois recebeu o título “Arrancando Raízes”. A Pesquisa se iniciou em 2012 e assim foi nomeada, pois representa o encontro de pessoas em situações e sentimentos recorrentes a todo ser humano. Por isso, em algum momento da leitura, o apreciador será tocado em suas próprias memórias e aí, nesse ponto, se estabelecerá o vínculo, o nó que nos une. Este título foi sugestão de meus amigos dedicados, a Luciana Mendonça e o Willian Fernandes, falando-‐me de uma lenda celta, a qual se referia ao encontro de destinos, formando um tecido e isto me fez entender esta atração por retalhos de tecidos diferentes que também são unidos por pontos e nós. A orientação para a possibilidade de resgatar a memória, veio por parte do professor Marcos Aulicino, quando logo no primeiro ano do curso de Artes Visuais, percebeu meu interesse por vivências do passado, e me indicou a leitura do Artigo sobre memórias de José Rufino.
Mas, como reunir histórias tão distintas umas das outras e ainda manter uma integridade compreensiva?
A apresentação das minhas memórias foi baseada em duas leituras indicadas pelo professor Cláudio Garcia, pelas quais compreendi que se podem registrar fatos reais, esquecidos no tempo, apenas restaurando-‐os pela mente, como é o caso da obra de Pedro Nava, “O Círio Perfeito”. Quanto à segunda leitura, o livro de Josué Monteiro, “Noite em Alcântara”, me fez entender ser possível através de alternâncias as quais não obedecem a uma linearidade ao juntar histórias diferentes entre si, mas que finalmente se transformarão numa composição digna de apreciação.
Recortes tão diferentes, ao serem reunidos calculadamente, me remetem a este tema ultimamente muito explorado, que é a colcha de retalhos de nossas avós. Os pedaços de retalhos de tecidos, impregnados do estilo de cada pessoa que os usou, ao serem unidos uns aos outros e estendidos sobre a cama, tinha ali retratado a cara daquela família. Por isso, na costura que se faz de tecidos ou de histórias, encontramos sempre um nó, algo de nós mesmos e de outro, tecendo uma trama social, tão bonita quanto for o seu meticuloso colorido.
Esta pesquisa então se transformou no livro Arrancando Raízes em Londrina, o qual tem forma poética e tem alma poética, pois mostra a herança de um povo amoroso
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e melancólico. A melancolia vem da saudade dos entes queridos, que ficaram para trás, na terra-‐ natal que o tempo engoliu. Especialmente aqui, a terra natal pertence à outra dimensão de um mesmo espaço, do qual a memória se apropria para assistir transitarem em sua frente, a Londrina com os tatus, macacos, quatis, jacus, cobras, onças, a estrada de ferro, casas de “madeira peroba”, vendinhas de secos e molhados; homens e mulheres em trajes respeitosos, com suas crenças e costumes, igualmente respeitosos e solidários entre si.
As diversidades das histórias e das pessoas oriundas de diferentes culturas foram entrelaçando-‐se para criar um novo sistema social, gerado por um tipo de gente ousada, que aprendeu a superar obstáculos incríveis e doar seu sangue e suor na certeza de que poderia fazer acontecer um sonho. Esta sociedade se manteve sem tradição, pois sempre esteve aberta a negociações, receptiva a qualquer pessoa entusiasta, num frenesi de transformação e progresso onde o relógio do tempo não pode parar.
Ao observarmos os remotos acontecimentos, podemos entender o pensamento dessa sociedade, e ver o retrato da história, tirado da arte de viver.
(In, Caminhos do Campo, Martim Heidegger, A Morada do Homem “... o apelo nos faz morar de novo uma Origem distante onde a terra natal nos é restituída.”).
Fiquei pensando; nós sempre retornamos à nossa terra natal quando nos voltamos para as profundezas de nossas lembranças. O PORTAL (fotografia da contra capa do livro)
Caminhão de tora: Antonio Henriques Catharino, 1947. Londrina-‐PR
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Ao me deparar com esta foto me senti mergulhada num ambiente tão familiar, tão conhecido, numa identificação com aquele rosto amigo. Tive o grande privilégio de conviver com personagens dessa história e poder transitar entre dois tempos, cujos costumes e as relações se transformaram tanto.
Olhando o chofer do caminhão de toras, com aquele ar de orgulho vitorioso, de quem reconhecia ter conquistado um grande feito, a menina voltou no tempo, e lembrou-‐se do sorriso de alguém muito amado e esperado por ela, que era a “pequena bailarina” dele. Era assim que ele a chamava toda vez que colocava seus pezinhos entre a mão direita dele, para erguê-‐la até a sua mãozinha, esticada, tocar o forro da sala. O forro era de madeiras pregadas em diagonal e tinha canaletinhas nos encaixes das tábuas e isto formava um desenho listrado. O toque dos dedinhos era breve, mas criava uma sensação ambígua; alegria por conquistar as alturas e medo de cair, invadindo o coração da menininha.
Sempre ao ouvir o tio chegar, ela corria encontrá-‐lo, pisando somente na ponta dos pés, para ele chamá-‐la de bailarina, novamente.
Tantas vezes ela presenciou o sorriso de satisfação naquele rosto de homem que fazia as coisas, acontecerem. Ele estava sempre procurando novidades, buscando sucesso nas empreitadas. Mas, nem por isso deixava de dar atenção às crianças, incentivando-‐as a descobrirem o mundo, provocando-‐lhes desafios. Assim eram todos os outros tios e o pai da menina. A infância tinha muita importância para eles, sabiam que a formação de um indivíduo começa cedo. Eram tantas as brincadeiras, um cuidado carinhoso, gestos de dedicação, sempre almejando lições de vida e valores da família.
Aquela fotografia se tornou um portal para o passado e provocou também várias reflexões.
Será que as pessoas que moram ou circulam por Londrina hoje, pisando sofisticados pavimentos, largas avenidas, entre lojas, bancos, universidades, aeroporto, Lago Igapó, grandes hospitais e altas tecnologias, com todo o burburinho e rapidez de metrópole, podem parar e imaginar que estão pisando o solo onde jaz uma exuberante floresta?
Quanto àquela tora de árvore, como conseguiram pô-‐la sobre o caminhão? Que árvore era aquela, quase do tamanho do caminhão? Onde foi isso? Em que ano? Quem era o motorista? Estas indagações me levaram a transpor a porta do meu passado. Por isso, chamo esta fotografia de “Portal” porque foi através dela que iniciei todas as pesquisas para compor o meu Trabalho de Conclusão de Curso em Artes Visuais na Universidade Estadual de Londrina. Esta fotografia eu já conhecia, porém o que eu via nela era o rosto querido de meu tio, e as lembranças de minha infância feliz. Mas um meu novo olhar, denunciou meu tio como um transformador do espaço, me fez ver nossas ações enquanto agentes atuantes também no tempo e no espaço. Esta fotografia me introduziu no caminho de volta às minhas raízes, me fez refletir sobre as dimensões temporais e a transformação que isso provoca no espaço e nas pessoas que nele habitam. Fez-‐me buscar a compreensão de quem somos nós como seres sociais e quais são os nossos valores como seres humanos.
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Não só a fotografia, mas qualquer objeto impregnado de significado faz entrarmos profundamente para dentro de nós, e nos reconhecermos como indivíduo, carregado de sentimentos. Procurei então, por meio da arte, dividir essas questões com as outras pessoas. A INSTALAÇÃO RECUPERANDO MEMÓRIAS RESGATANDO HISTÓRIAS Idealizei uma Instalação, onde reuni objetos meus e outros emprestados dos amigos, objetos do cotidiano, atual, ou do passado, que remetessem a lembranças e sensações. Foram elementos de comparação que produziram um trânsito entre dois tempos, o de ontem e o de hoje. Os objetos de memória detonaram uma avalanche de histórias, e as pessoas foram juntando lembranças, potencializando um reconhecimento de seu próprio universo, vendo-‐se como indivíduo participante de um contexto que lhe dá valor. Faço ainda uso de objetos de memória para resgatar valores perdidos, é preciso recuperar a identidade pessoal, para gerar um espírito crítico, que nos defenda das manobras do mundo consumista no qual estamos envolvidos. Nas imagens fotográficas estão contidos os significados e as intenções daqueles que as produzem. Nelas viajamos no tempo, através delas, ao observarmos o vestuário, a pose, a ocasião, o sentimento, um monumento, compreendemos a intenção e ao operá-‐las construímos o nosso significado próprio. Reuni então, na instalação e num livro, imagens e histórias diversas, como retalhos de vidas. Os visitantes da Instalação e os leitores deste trabalho farão a composição conforme suas próprias lembranças ou desejo, para imaginarem então, a sua pessoal colcha de retalhos.
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NAS FOTOGRAFIAS ESTÃO OS SIGNOS, CULTURA, SENTIMENTOS, RECUPERAÇÃO, MEMÓRIA, IMAGINAÇÃO.
FESTA E LUTO O casal do meio, em lugar de honra, são os padrinhos de batismo da criança, conforme podemos constatar através do vestido de batizado da menina, no colo da madrinha (Olivia Degraf), ao lado de seu esposo (Antonio H. Catharino) ambos também em trajes de dia festivo. Ao lado da mulher madrinha, está a mãe da criança (Faustina Catharino da Costa), com traje negro, de luto, e se seu esposo não está ao seu lado, é ele o falecido (Argemiro da Costa). Por isso, um de seus irmãos, posando ao lado do padrinho, veio acompanhar a irmã na cerimônia de batismo da filhinha dela, que nasceu seis meses após a morte do pai. Esse pai de família perdeu a vida em acidente com caminhão de toras e deixou a jovem esposa com quatro filhos para criar. O casal de padrinhos tinha ainda apenas seu primeiro filho e o rapaz (Júlio Catharino) que substituiu o pai da batizada, era ainda solteiro. Esta família está posando compenetrada, para registrar a importante data, mas eles não estão, em ares de festa devido à fatalidade, a ausência de um ente querido. Ao fundo como imponente cenário, está a famosa Figueira na Praça da Catedral da Cidade, onde todas as pessoas costumavam posar para serem fotografadas. A alegria desta época, aqui, pode ser percebida apenas na ingenuidade das crianças, cada qual por seus trajes e acessórios, mostra um pouco de suas características pessoais. A Cecília vivia dançando com a ponta da saia. O Flávio, com os bracinhos para trás, de peito aberto para a vida. A Sirlene era ainda quase um bebê, bonequinha de chupeta. O Darlei, menino desconfiado, querendo entender aquele aparelho à sua frente. Suas lindas roupinhas eram confeccionadas com amor e arte, por suas mães e em breve, durante as
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traquinagens, logo estariam integradas a terra, assim como seus pezinhos, as raízes da Figueira e seus destinos. No verso da fotografia, o retrato é da saudade, pois Olivia envia-‐o, como recordação, juntamente com uma carta de notícias, para seu querido pai Guilherme Degraf, que morava tão distante, percurso hoje, vencido em três horas de carro, quando eles levavam um dia todo em viagem de ônibus ou de trem.
AMÉLIA – Instinto materno O instinto maternal faz a menina feliz porque, enquanto segura carinhosamente a boneca, simula a vivência de ser mãe no papel de mulher. No meu sentir esta fotografia é a mais significativa do meu álbum de recordações, pois, é uma espécie de meu autorretrato. Esta menina não sou eu, pois o meu lugar aí é o da boneca. A menina de sorriso rasgado, inteligente, é a avó de meus filhos e a bisavó de meus netos, porque um dia a boneca também virou mãe. O tempo determinado, irreverente como ele só, passa e não para, vira tudo do avesso e como o rastro de um arado vai sulcando a vida da gente. A menina desta fotografia não tinha cabelos crespos, não era a babá das crianças, e nem elas eram suas irmãzinhas. Foi apenas um momento descontraído de vizinhas brincando no quintal. A dona da boneca, a menina Amélia, doze anos, havia ganhado a boneca de presente de sua irmã Irene que fez o vestidinho dela em tafetá, com lacinhos de fitas em cor rosamaravilha, tudo para agradar a irmãzinha órfã desde os cinco aninhos. -‐ QUE IRONIA! Brincando de mamãe sem ter mais a própria mãe... Este vazio em seu coração ela transformou em amor materno extremoso. A herança maior que deseja nos deixar é o exemplo de como ser boa mãe. Como sua filha, ainda
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que eu vivesse infinitas vezes, infinitamente não conseguiria retribuir tanto amor e dedicação. Num dia crítico, quando meu pai partiu, tomei o lugar de minha avó, para dar o abraço de aconchego materno que ela a menina órfã, reclamava nunca ter recebido. Choramos unidas, abraçadas, e intensamente de alguma forma, o encontro de três gerações aconteceu. Cinema Quando a Tia Odila era mocinha e trabalhava num açougue, seu patrão contou-‐lhe que no primeiro cinema de Londrina, ao assistir uma cena de duelo num filme, um dos espectadores, empolgado, descarregou seu revólver na tela. Era comum no início de Londrina, homens andarem armados pela cidade, igualmente aos “farwests” de filmes norte-‐americanos. Era comum tirarem fotografias das pessoas saindo das sessões cinematográficas ou passeando na Avenida Paraná. Edite, Ciro e Edson com os pais Irene Degraf e José Netto Amélia Degraf e José Catarino com as filhas
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Fotografias Antigas e Contemporâneas de Londrina
Manoel Henriques Catharino, em pé, na cabine em seu 1º caminhão e o motorista que lhe vendeu este caminhão e o ensinou choferar. Manoel H. Catharino com seu primeiro neto, caminhões, filhos e ajudantes trabalhando juntos, registrando a chegada de mais uma expedição madeireira.
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A esquerda dois irmãos Antonio e Eurípedes Mattos, acima deles em pé é o Júlio Catharino, sentado na tora, é o Jordão motorista ajudante. Em pé de branco é o João Mattos, depois Manoel Catharino em pé. Em frente a roda é o José Catarino e a criança é o Nelson Catharino.
José Catarino (Zeca) e seu 1º caminhão de transportar gasolina.
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Zeca, na Rua Maringá. Era assim que ele praticava musculação.
Zeca, em frente ao cafezal da Rua Maringá. “Zeca” era o modo carinhoso que os irmãos chamavam ao José Catarino.
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Amélia Degraf e José Catarino -‐ Grávidos.
O Zeca teve orgulho de ser motorista no Exército.
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Inês Delai e Júlio Catharino
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A “menina” e o terrível papai-‐noel
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Irene Degraf no dia de seu casamento e a irmãzinha Amélia, de dama de alianças.
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As bonecas da Amélia e do Zeca
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Familia Pelarim em visita a São Paulo. À direita, Arineu Pelarim, sua esposa Izolina Peruzzo com Irineu ao colo, no dia do batizado de Regina no colo da madrinha Otília, o padrinho Jorge Mattar e sua filha Leila, a cunhada Geny Pelarim e o esposo Antonio Carlos Gama Durante, tendo ao colo seu filho Luiz Carlos. Esta fotografia foi-‐me gentilmente cedida pela Tia Geny porque compreendeu o apreço que tenho pelas famílias e por suas histórias de bravuras.
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01 -‐ Minha Casa Minha Vida. (ou dívida) 02 -‐ Pensionato Japonês. (da Rua Travessa Belém). QUEM LEMBRA? 03 -‐ Brasão de Londrina. (painel de azulejo na Universidade Estadual de Londrina)
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UAU! É A UEL! É O PEROBAL!
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José Catarino brincando de Visconde no túnel do tempo.
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Londrina tinha somente um cemitério, o São Pedro. Na dor suprema, entrega-‐se o ente querido a um Amor maior.
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Foi VISUAL DA UEL.
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Faça um trava-‐ línguas com os “paralelepípedos” da Estação Ferroviária.
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UÉ!?
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Manoel Catharino Filho Júlio Catharino
Irineu Sérgio Pelarim Meus queridos heróis
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Neto, Letícia e Luciana desvendando a “Janela Contemporânea”.
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No Museu... Londrina, Km. 209.916,50. Altitude-‐ mts. 576,20
RAINHA DO ABISMO
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COLCHA DE RETALHOS
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Em Londrina Contemporânea tem Arte de Rua. Grafitar ou Pichar?
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Amélia Degraf, formatura em Corte e Costura de Roupas e Trajes.
Parabéns mamãe!
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“Retrato de Irene Degraf”
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Izolina Peruzzo Pelarim e seus filhos, Luci, Carlos, Lenita, Irineu, Regina e Luiz.
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Dilsinho, irmão menor da Amélia, morreu três meses após o falecimento de sua mãe Alvina Degraf. No dia do velório, ele passava em baixo da mesa onde colocaram o caixão dela e brincava de “cuca”, procurando-‐a.
“-‐ Cuca mamãe...”
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Olivia Degraf e Antonio Henriques Catharino.
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LUISA E HENRIQUE DEGRAF
FAMÍLIA HENRIQUES CATHARINO.
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Fotografia tirada em frente a sua casa da Rua Maringá esquina com Paranavaí, por ocasião das Bodas de Prata do casal, Rosalina e Manoel com seus doze filhos. Em pé, da esquerda para a direita estão; Nelson, José, Arlindo Manoel, Júlio, Antonio e Alice. Sentados da esquerda para a direita estão; Maria com o casal e Faustina, os irmãos menores, Roberto, Carlos e Abílio.
Foto Pintura do jovem José Catarino As pessoas que amamos não morrem, Elas ficam encantadas. (Guimarães Rosa)
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Capítulo II
BONECAS E BRINQUEDOS como resgate de memória e de valores A HISTÓRIA DA BONECA, SUA ORIGEM E SEUS SIGNIFICADOS.
Boneca (do espanhol “muñeca”) é um dos brinquedos mais antigos do mundo.
Reproduz as formas humanas, predominantemente a feminina e a infantil e pode ser considerada como um brinquedo que prepara para maternidade. Podem ser confeccionadas com diferentes materiais, acompanhando a evolução dos mesmos e das novas tecnologias.
As bonecas mais antigas encontradas; Na civilização babilônica arqueólogos encontraram uma boneca com braços
articulados feita em alabastro e também em túmulos de crianças do Antigo Egito, datáveis do período 3000 e 2000 a.C., feitas de madeira.
Na Grécia antiga, fazia parte dos rituais que antecediam ao casamento, a entrega por parte da noiva à Deusa Ártemis das suas bonecas e de outros brinquedos simbolizando o fim da infância. Prática semelhante existia em Roma.
A criação de bonecas com objetivos comerciais estruturou-‐se na Alemanha no século XV, nas localidades de Nuremberg, Augsburgo e Sonnenberg, onde nasceram os Dochenmacher (fabricadores de bonecas). Foi também na Alemanha que se criaram as casas de bonecas. Na mesma época, Paris também começou a se afirmar como centro de fabricação de bonecas. Eles produziam as bonecas com aspecto das mulheres locais cujos materiais empregados eram a terracota, a madeira e o alabastro. No século XVII, apareceram na Holanda, bonecas com os olhos de vidro e perucas feitas de cabelos humanos. O maior esplendor na fabricação de bonecas aconteceu no final do século XIX e início do século XX, mas as bonecas eram produzidas especialmente para os adultos, pois reproduziam as figuras da corte e da sociedade. Estas peças eram geralmente de madeira, com rosto de porcelana e vestidas com trajes da época. Como produto, voltado às classes mais abastadas, fizeram surgir roupinhas feitas por grandes costureiros e pessoas interessadas na fabricação artesanal. Thomas Edison criou a ideia de uma boneca falante, que foi aproveitada pela indústria e os fabricantes criaram bonecas que recitavam orações ou cantavam. Com o advento do cinema e desenvolvimento do desenho animado e a popularização da televisão, no século XX, pessoas e personagens passaram a ter seus equivalentes em forma de bonecas.
BONECA EM DIVERSAS CULTURAS
No Japão as bonecas são chamadas de ninjyoo e também são, um símbolo da história dos costumes daquele país. Em datas específicas elas são tema da ornamentação das residências. No dia 13 de março se comemora o Dia das Meninas, então as bonecas são expostas na sala de visitas em um altar de cinco andares onde as figuras do casal imperial estão no topo do altar. O dia 5 de maio é o Dia dos Meninos, cujos bonecos guerreiros simbolizam força e bravura Os primeiros bonecos japoneses foram os Haniwa,
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estatuetas encontradas em tumbas pré-‐históricas. Inicialmente eram moldadas em palha ou papel. Posteriormente passaram a ser feitas em madeira, cerâmica, mármore e argila. No período Heian (794-‐1185) as bonecas eram usadas para afastarem demônios. No período Nara (710-‐794) as bonecas sofreram a influência chinesa e passaram a ter roupas de seda, usar dourado e tinham o penteado Sokei, que se caracterizava pelo excesso de adereços. No período Kamakura (1192-‐1333), por causa das constantes guerras, as mulheres substituíram os pesados quimonos por trajes mais simples, e isso se refletiu também nas bonecas. No período Edo (1603-‐1868), surgiram as karakuri, bonecas que tocavam instrumentos e dançavam através de um sistema simples de cordas retorcidas, roldanas e fios. As bonecas foram usadas no teatro Noh em 45 d.C., para homenagear os atores e personagens de maior destaque. Assim também no teatro Kabuki, com as bonecas criadas com os mínimos detalhes de vestimenta e maquiagem. Os bonecos Gosho, representam bebês homens, roliços, de pele muito clara, cabeça grande e que carregam um peixe.
As bonecas de Quioto são as mais tradicionais e belas do Japão, verdadeiras peças de enxoval. Também são tradicionais as bonecas de madeira conhecidas como Kokeshi.
Na África do Sul o povo Mfengu, tem como tradição oferecer a cada jovem, uma boneca que esta reserva para o primeiro filho que tiver. Após o nascimento de seu filho, a mãe recebe outra boneca para oferecer a seu segundo filho.
Como ritual de ancestralidade e valores, as bonecas produzidas tradicionalmente na África são utilizadas para representar pessoas falecidas e entes queridos. São também utilizadas para agradecer aos Deuses pela boa saúde, riqueza, as boas colheitas e incentivar a fertilidade. Existe uma boneca para cada ciclo da vida; nascimento, infância, casamento e óbito. No caso de incêndio na moradia, o boneco ou boneca é o primeiro objeto que o morador tente salvar, pois representa a sorte e a vida dessé usada como representação da pessoa ou divindade. Em alguns rituais de magia a boneca era a representação da pessoa ou divindade e adquiria a força dos seus ancestrais e disseminava o mal.
As bonecas abayomis são bonecas de origem afro-‐brasileiras feitas de retalhos amarrados e esse procedimento segundo alguns estudiosos da cultura afro-‐brasileira, teve sua origem nos navios negreiros, as mães provavelmente rasgavam suas vestes para fazerem essas bonecas sem costuras, apenas amarrando retalhos. Porém a origem documentada da boneca abayomi começa com a artesã Lena Martins em 1988, que é militante da causa negra no Rio de Janeiro. Ela fundou uma cooperativa de mulheres a fim de dar ênfase ao resgate da identidade negra. Sua cooperativa tem reconhecimento do Ministério da Cultura, a Fundação Palmares.
A boneca na Itália renascentista era frequentemente listada como parte do dote da noiva.
Na Rússia as bonecas matrioshkas ou babuchkas formam um conjunto de bonecas de tamanhos decrescentes, geralmente feitas em madeira de Tília e muito coloridas, e que são guardadas umas dentro das outras.
Já em Portugal as bonecas de pano ou palha, são um tipo de artesanato representativo da cultura popular.
Na Alemanha, é uma tradição do país, a produção artesanal dos bonecos quebra-‐nozes, os quais são largamente utilizados como enfeites natalinos e é uma importante manifestação cultural.
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No Vietnã existe o tradicional Teatro Aquático de Fantoches, secular apresentação com bonecos, que “atuam” sobre a água e com pequena orquestra cuja existência esteve ameaçada de desaparecimento e foi resgatada na década de 1980. A boneca pela força da cultura de massas (ADORNO,2000) é um objeto que ficou subvertido no seu processo ritualístico, pois foi perdendo para a nossa sociedade todo o seu sentido mítico e lúdico e de criação pessoal que nele se encontrava. Pela cultura ocidental hoje, uma boneca é somente um objeto de brinquedo ou de decoração. A OFICINA “MEMÓRIA E ARTE NA CONSTRUÇÃO DE BONECAS DE PANO” A COSTURA A linha salta do desenho bidimensional Para o tridimensional no desígnio da agulha, Se impondo no pano. É sempre ainda a mão e o corpo no empenho, na peleja. Por que tanta satisfação? (Marcia)
OFICINA DE BONECAS DE PANO NA ARTE EDUCAÇÃO
Para a Arte Educação, o pensar a arte como expressão e leitura de mundo, os trabalhos dos artistas, propõem uma reflexão de quem a pessoa é como sujeito na sociedade, dando voz à suas paixões, anseios, opressões, preconceitos e afetos. O ensino da arte pode contribuir então, na construção de um cidadão crítico, engajado em combater a intolerância às diferenças, que saiba questionar as imagens que lhe são oferecidas pelas mídias e que possa compreender-‐se como igual ao outro, compreender que somos todos, seres humanos. Relação da Artista Rosana Paulino com a Oficina. Em sua arte, influenciada pelos afetos da memória, aparece o embate com as referências que ela tinha de suas bonecas “Susi”, enquanto ela mesma era uma menina negra, e a boneca tinha características de etnia branca. Seu trabalho também traz as referências com o universo da costura e dos tecidos. “A minha infância está presente em meus trabalhos. Perceber-‐se negra e não ter nenhuma boneca com a qual pudesse me identificar. Olhar as heroínas e princesas e ver que entre elas, não havia nenhuma negra.” (voz de Rosana Paulino).
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Projeto da Oficina Memória e Arte na Construção de Bonecas de
Pano
RESUMO
Ao buscar subsídios para o meu Trabalho de Conclusão de Curso que trata de memórias,
constatei o encantamento das mulheres pelo brinquedo tão antigo e artesanal, a
“boneca de pano”. Ao mesmo tempo, deu para perceber-‐se a força desse contato infantil
sobre a formação delas como pessoas. Ao me aprofundar na pesquisa sobre bonecas e
brinquedos, descobri o quanto esse objeto pode ser importante como instrumento de
arte-‐educação e todas as suas implicações, sociais, históricas e artísticas. Recorri então à
oficina de construção de bonecas de panos para explorar todas essas questões e levar a
arte para outros grupos de indivíduos fora da Escola convencional. Portanto, a
“Construção de Bonecas de Pano” é uma oficina que visa o resgate de memórias, a busca
da identidade pessoal das participantes, bem como a recuperação de sua cultura e de sua
autoestima. Ao promover a interação do grupo e a troca de saberes, esta oficina estimula
a criatividade. Como objeto de arte educação, fomenta o conhecimento do universo da
arte, da história e provoca reflexões sobre a vida. A oficina mostra que a arte
contemporânea pode tratar de micro políticas, ou seja, remexe nas situações de inclusão,
gênero, etnia, e outros. A boneca, entre adultos e crianças, é uma espécie de alter-‐ego,
assim adquire características próprias de cada participante e trabalha o respeito às
diferenças e à diversidade humana. Ao reunir na oficina essas diferenças sociais,
promove a interação, a criatividade, o conhecimento e harmoniza o convívio em
sociedade.
OBJETIVO ESPECÍFICO
Desvendar o universo artístico e a arte contemporânea como fator de humanização e
conhecimento.
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OBJETIVO GERAL
Promover a troca de saberes e de conhecimentos, resgatar a memória, e pela alteridade
a descoberta da identidade pessoal. Estimular a autoestima, a criatividade e promover a
interação social.
METODOLOGIA
Construção de bonecas de panos e apresentação de seminários de artistas ligados a
questões de micro políticas, à costura e à memória. Provocar debates e reflexões sobre a
arte. Registrar entrevistas sobre a memória, cultura e arte. Mediar feira e exposição de
bonecas, fotos e vídeos sobre a Oficina.
ARTISTAS APRESENTADOS NA OFICINA
Rosana Paulino
Betty Moisés
Bispo do Rosário
Sophie Calle
Marina Abramovic
LOCAL DE REALIZAÇÃO
Centro Social e Cultural Nossa Senhora da Glória
(Padre Ozanilton Batista de Abreu)
Rua Togo, 60, Parque Ouro Verde
Londrina – PR
Museu Histórico de Londrina
Profa. Dra. Regina Célia Alegro
Exposição de Bonecas de Pano “Memória e Arte no Museu”,
Exposição de Bonecas, Fotos e Vídeos da Oficina.
Rua Benjamim Constant, 900. (Centro)
Londrina – PR
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PLANOS DE AULAS PARA A OFICINA DE BONECAS DE PANO
1º ENCONTRO
OBJETIVO: Apresentação das participantes e das proponentes (Marcia Catarino e Daina
Crepaldi), bem como das intenções e objetivos do grupo e definição dos horários, espaço
e materiais a serem utilizados.
METODOLOGIA: mostrar a história da boneca ao longo do tempo, as suas origens, a
mitologia, seu uso nas diversas culturas, a transformação, consequências e influências no
mundo contemporâneo.
2º ENCONTRO
OBJETIVO: Mostrar como a arte contemporânea se expande do bidimensional para o
tridimensional e a diversidade de temas que pode abordar.
METODOLOGIA: Apresentação de seminário sobre a poética de Bispo do Rosário, que
abrange obras tridimensionais e obras ligadas ao universo da costura.
Prática: desenhar e recortar molde de bonecas.
3º ENCONTRO
OBJETIVO: Promover o respeito às diversidades através da confecção de bonecas com
características de etnias diferentes.
MÉTODO: Apresentação de seminário sobre a poética de Rosana Paulino a qual trabalha
questões de opressão e exploração da mulher, especialmente da mulher negra.
Discussão e registro de depoimentos das participantes.
PRÁTICA: desenhar e cortar moldes de bonecas com características da etnia afro
descendente.
4º ENCONTRO
OBJETIVO: continuar a confecção das bonecas e proporcionar o acesso a pontos de
costura à mão (ponto alinhavo, ponto caseado).
METODOLOGIA: enquanto costurar, ir discutindo assuntos relacionados à costura e
memória.
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5º ENCONTRO
OBJETIVO: discutir a compreensão da vestimenta como divisora dos inúmeros papéis
sociais, e sua representação das hierarquias e símbolos sociais.
METODOLOGIA: apresentação do seminário de Sophie Calle e sua poética que investiga
as identidades que as pessoas adquirem em determinadas situações ou espaços.
PRÁTICA: construção de um boneco com roupa de Frade.
6º ENCONTRO
OBJETIVO: Apresentar a boneca como brinquedo educativo na formação e na
humanização da criança, e sua importância como instrumento para a compreensão da
inclusão social e combate aos preconceitos.
METODOLOGIA: seminário sobre a filosofia de Rudolf Steiner e a Escola Waldorf.
Discutir sobre a importância da criança em manipular as roupas das bonecas, em excitar
sua imaginação, imitando a vida. Debater a questão de gênero e a necessidade dos
meninos terem também bonecos, para brincando, exercitarem o alter ego, bem como as
tantas situações do mundo dos adultos.
PRÁTICA: preencher as bonecas com estopa de algodão e proceder aos acabamentos
como cabelos, roupas e sapatinhos.
7º ENCONTRO
OBJETIVO: Apresentar como a arte pode discutir a opressão e a violência contra as
mulheres.
METODOLOGIA: Apresentar seminário sobre a poética de Betty Moisés e a forma como
ela trabalha a estética da dor.
PRÁTICA: propor a criação de uma poética relacionada a essa questão.
8º ENCONTRO
OBJETIVO: Mostrar a potência da arte na superação da dor e das frustrações humanas.
METODOLOGIA: apresentar a poética de Marina Abramovic que trabalha a memória, os
conflitos femininos, sociais, culturais, infantis, de gênero etc.
PRÁTICA: registrar depoimentos das participantes. Fotografar as participantes e as
bonecas.
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CONCLUSÕES FINAIS SOBRE A OFICINA “MEMÓRIA E ARTE NA
CONSTRUÇÃO DE BONECAS DE PANO”
Não houve grande de número de pessoas inscritas.
As que frequentaram tiveram muita satisfação em contar suas memórias e experiências,
as quais iam surgindo conforme apresentávamos os artistas.
Houve uma demora na confecção das bonecas porque as participantes escolheram fazer
os trabalhos à mão em vez de usar máquinas de costura. Com isso desejavam executar
um objeto artístico, pessoal.
As participantes não tinham experiência anterior com confecção de bonecas e nem com
costura à mão ou bordados.
Elas procuraram a oficina por sentirem solidão, incompreensão e desejo de auto
afirmarem-‐se, socialmente.
Demonstraram apego aos seus trabalhos.
Executaram seus trabalhos com muito esmero.
Houve grande interação entre as ministrantes e participantes onde aconteceram trocas
de saberes e modos diferentes de fazer.
Cada encontro se tornava mais satisfatório que o anterior e começamos a pensar em
aumentar a produção.
Uma das alunas, a Irma Bernardo Vieira, desenvolveu um tipo de escultura no rosto de
suas bonecas, e com pequenos pontos ligando o tecido externo ao enchimento, foi
construindo contornos faciais. Além de criar sua boneca com características
afrodescendentes, também criou uma boneca loira, para provar que não tem preconceito
racial.
As participantes solicitaram uma segunda etapa da oficina.
As participantes demonstraram maior interesse em construir um objeto artístico mesmo,
do que propriamente uma produção com fins lucrativos. Isto foi um fator positivo
conforme o propósito maior da oficina que era levar um entendimento artístico a grupos
de estudos não convencionais.
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O Padre Ozanilton anunciava a Oficina em todos os finais de missas e para nos
incentivar, pediu a construção de um boneco vestido de Padre. O Padre ofereceu o
mesmo Espaço Sócio Cultural para repetirmos a Oficina no próximo ano.
BRINCADEIRAS DE BONECAS Resgate das histórias de mulheres e suas bonecas: impressões e depoimentos. Amélia Degraf (77 anos)
A boneca da Amélia, ela a ganhou aos seus 10 anos de idade. Foi um presente de
sua irmã mais velha, Irene, que também fez para a boneca, um vestidinho de tafetá branco, com fitinhas cor “rosa maravilha”. Era de louça, porém, o corpinho não, este era de tecido, com enchimento de flocos de algodão. “ – O sapatinho dela era lindo! Lindo! Branco!” (fala da Amélia). O nome Florisbela, foi escolhido por sugestão da madrasta da Amélia. Não querendo ofendê-‐la, a enteada aceitou o nome, o qual, ela achava horrível e gostaria de ter posto outro nome na sua linda boneca. A frustração da Amélia não era só com o nome da boneca Florisbela, mas com todas as outras bonecas suas, porque elas tinham os olhos pintados, ficavam sempre “arregalados”. Suas bonecas nunca dormiam. Leonilde Ortiz (53 anos)
A boneca mais desejada, não era sua, mas de sua irmã Ironilde. Como Ironilde,
mesmo com seus dez anos, ainda usava chupeta, sua madrinha Lázara, sugeriu dar-‐lhe uma boneca no lugar da chupeta. Ironilde jogou fora a chupeta, ganhou a boneca, mas foi sua irmãzinha de c incoanos, quem se apaixonou pela boneca. Assim sendo, o dia todo Leonilde, pedia emprestado aquela boneca. “-‐ Linda, de plástico, mas com laço vermelho nos cabelos, e estes, pintados em forma de cachos marrons, e a boca, bem vermelha. Nas costas havia um apito, e quando deitava-‐se a boneca, ela chorava, como miado de gato.” (fala da Leonilde).
A verdadeira dona da boneca regulava o brinquedo e não emprestava facilmente, então, Leonilde chorava, sapateava, fazia birra, até a mãe delas, obrigar Ironilde a ceder a boneca para Leonilde. Marisa Catarino (57 anos)
Lúcia foi o nome escolhido para sua boneca, inteirinha de borracha. Tinha cabelos
castanhos escuro, em nylon e olhos de vidro com longos cílios, mas não fechavam, eram colados, os olhos. A mãe fez roupinhas novas para a boneca e o pai fez pulseirinhas de dadinhos (cubos) bem pequenos e coloridos. Por incrível que pareça, a Marisa ainda conserva sua boneca. Tirou-‐a do baú para me provar. Pude constatar as marcas das “experiências”, feitas com a boneca. Querendo desvendar o porquê dos olhos da boneca não pestanejarem, a Marisa arrancou-‐lhe a cabeça, o que deu trabalho ao pai para
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consertar o brinquedo. Há furos em volta do umbigo da boneca, pois a menina o furava todo dia, imitando a tia Odila, que contava estar levando o seu filhinho para vacinar contra a hidrofobia, pois ele havia sido mordido por um cachorro de comportamento estranho. Na boca da boneca também tem um furo feito com prego, porque ela insistia em enfiar-‐lhe uma chupeta. Os cabelos da boneca estão desgrenhados, já que era moda as mulheres usarem penteados desfiados e a Marisa então, desfiava os cabelos da Lúcia, para ela ficar mais bonita. A boneca foi feita com muito boa qualidade, ainda está perfeita, embora os experimentos de sua dona. Natalí (26 anos)
Minhas bonecas eram industrializadas, elas não eram “top”, mas também não
eram “rebas”. Havia uma desigualdade relevante nas bonecas das meninas: bonecas ricas e bonecas pobres, comparando-‐se pela qualidade e conforme as condições financeiras dos pais. A diferença era notável, pelos bairros de moradias das meninas, as de bairro ricos tinham bonecas melhores. Eu colecionava roupinhas e bonecas “Barbies”, falsificadas, não se considerava a qualidade, mas a quantidade e o que eu queria era brincar e ter mais bonecas que minhas amigas. Giovana Paoline (22 anos)
“– Nas férias, na casa de minha avó em Presidente Prudente, interior, minha avó nos ensinou a brincarmos com bonecas de espigas de milho. – A gente segurava no colo as espigas de milho, imaginando as palhas verdes, como se fossem vestidinhos e os cabelos do milho, eram os cabelos das bonecas. Na época de minha avó, quase não se encontrava bonecas de cabelos, então era grande vantagem brincar com as espigas de milho, pois tinham cabelos parecidos com os naturais, das pessoas. No quintal de minha avó tinha pé de mamão e outras frutas e até o milharal. Minha mãe ensinava a cortar bonecas de papel. Ela recortava um desenho de corpo de boneca, com cabeça, braços, pernas, etc. e depois desenhava as roupinhas e as prendia por pedaços de fitas do papel dobrados para trás deste corpo. Mas, essas brincadeiras só nas férias, porque em São Paulo, não se tem tempo como no interior.
– Me lembro de que em São Paulo, tínhamos a boneca careca. Ela foi de minha mãe, depois de minha irmã e depois foi minha. A boneca era careca de tanto pentearmos seus cabelos. Tem até foto de minha irmã e eu com a boneca. Vou te enviar por email quando eu voltar para São Paulo. A boneca careca tinha olho que pestanejava, e no final, enquanto um abria, o outro ficava fechado. “Já estava gasta, a boneca careca...”. Juliana Domaneschi
– Meu pai me deu uma boneca moreninha, de olhos verdes e disse; -‐ Essa é a sua
boneca certa, é mais parecida com você! – Ah! Dessa boneca eu gostava! – Eu odiava a boneca “Barbie”, industrializada... – Eu gostava também de colecionar aquelas bonequinhas de... e ainda preferia as
bonequinhas que pareciam bebezinhos, gostava de brincar com elas.
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– Mas a minha mãe também apreciava bonecas. Um dia ela comprou uma boneca bebê que engatinhava, pôs no meio da sala e quando eu ia tocá-‐la, ela gritava para não pegar que eu ia quebrá-‐la.
– Um belo dia, quando minha mãe saiu de casa, subi em algum móvel, tirei a caixa da boneca de cima do guarda roupas e aproveitei brincar com ela até que realmente quebrei-‐lhe um braço. Aí sim, foi um grande berreiro, das duas, da filha e da mãe.
Maria Angélica Ceresine
– Tive bonecas de coleção, Moranguinho, Uvinha..., mas eu gostava mesmo era de
brincar de “casinhas” de bonecas. Eram miniaturas de interiores de casas. Angélica disse que as montava sobre a penteadeira ao lado da qual havia uma
cômoda mais alta. Então ela estendia sua cama para cima, para a cômoda, e, em sua doce imaginação, a sua casinha adquiria outro piso, o superior, como nas casas dos ricos. Para Angélica montar a sua casinha, ela tinha um longo trabalho. Durante dias, ia acumulando materiais domésticos descartáveis, como tampinhas de garrafas, vidrinhos, coisas que lhe pareciam ter formato de móveis. Olhava os pequenos objetos e pensava; -‐ Isto parece um sofá, aquele outro lembra uma cama ou uma mesa.
Depois, por horas a fio a Angélica arquitetava e construía a sua casa. Quando a casa ficava completamente pronta, terminava o jogo. Acabava a graça, mas tinha que ficar lá, pronta. Porém, que ninguém tocasse ou desmanchasse sua linda casinha, ali parada, intocada por uns bons dias. Daina Crepaldi
“ – Se eu fizer uma boneca na oficina, ela será sem cabeça, pois todas minhas
bonecas eram assim. Meu irmão arrancava a cabeça delas.” Luci Pelarim
Minha mãe tirava algodão do colchão para encher minhas bonecas que ela
mesma fazia. Naquela época os colchões eram como acolchoados duros, pesados. Meu pai, que tinha fábrica de móveis, trocava negócios com o dono da fábrica de colchões e de acolchoados, perto de casa. O dono era o Sr. Ibérico. O algodão vinha das plantações de Jataizinho e de Uraí e era revestido de um tecido também algodão, ralinho, azul claro com listinhas cor de rosa. Depois o Sr Ibérico começou a vender os colchões Probel, de molas. Maria Luisa G. Catarino
– Eu tive uma boneca que se chamava “Amiguinha”, ela tinha o meu tamanho.
Mas, tive também outra boneca enorme, linda, de porcelana que minha irmã quebrou. – Ah, mais eu chorei tanto, tanto!
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Cora Coralina “... perdi meu pai, muito novinha. Meus brinquedos eram coquinhos de palmeiras,
caquinhos de louça, bonecas de pano.” (Publicação no Jornal do Brasil)
Marcia Eu conheci uma menina de 80 anos que nunca teve uma boneca. Naquela tarde
quando ela me contou isso, seu rosto não demonstrou nenhuma expressão, estava estático como ficou também seu corpo diante daquela constatação em que ela pareceu em segundos, viajar pelo passado. Porém percebi, em seu olhar enuviado, uma imensa e avassaladora tristeza.
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Capítulo III
LABORATÓRIO DA INSTALAÇÃO (Antes da Instalação, ser apresentada no Museu Histórico de Londrina, foi feito um laboratório preparativo com orientação dos Professores Cláudio Luiz Garcia e Marcos Rodrigues Aulicino, no espaço da Galeria de Artes do Departamento de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina. VÍDEO INSTALAÇÃO, “ESTE ESPAÇO LONDRINO”. (53min.) (em DVD, imagens e áudio comparativos da Londrina antiga com a Londrina contemporânea e suas memórias). Este DVD foi parte integrante do laboratório e posteriormente, ele ficou em exposição na Casa de Cultura da Universidade Estadual de Londrina.)
REFLEXÕES SOBRE O LABORATÓRIO ...minhas reflexões sobre a instalação no laboratório de setembro de 2013.
Foi um presente para nós estudantes de arte, o professor Cláudio disponibilizar aquele espaço da galeria para nossas experimentações em arte e educação. Importante principalmente pela autonomia e liberdade, deixando-‐nos agirmos a nosso critério exclusivo. Cada qual exercitou como achou que deveria ser seu Trabalho de Conclusão de Curso, e nisso, trocamos ideias, opiniões, conhecemos os trabalhos uns dos outros e foi satisfatório ver como cada qual sentiu esse universo da arte. Juntos, analisamos a autenticidade de cada um e o que realmente seria interessante dali para ser apresentado à banca julgadora do TCC. O mais legal desses laboratórios foi, a intimidade e a interação entre nós, momento de amizade, de aprendermos a nos conhecermos, de nos gostarmos e nos apreciarmos como colegas de jornada e de vida. Ali, nós não precisamos representar conforme pede a burocracia necessária, nem apresentar referências teóricas ou poéticas, mas, apenas brincar. E foi isto que eu fiz. Brinquei de artista! Mesmo assim achei por bem entregar ao professor Marcos e ao professor Cláudio, um texto de um crítico, citando José Rufino, por este lidar com a memória, porém o meu trabalho busca no dele, referências no período em que ele levanta lembranças de seu avô e de espaços de sua infância no interior, na fazenda, de cartas de família e fala de relações antropológicas, sociais, de um lugar ligado a embarcações e vida rude. Rufino se atira sobre objetos de lembranças e os subverte, os transforma.
No dia 11 de setembro de 2013 foi a minha vez de experimentar o laboratório e articular minha Instalação. Especialmente nesta Instalação, usei objetos afetivos de família, alguns até mesmo emprestados, por isso não podia desestruturá-‐los em seu caráter de registro histórico e até de peça de museu. Assim sendo, manipulei as peças até onde não agredia sua forma original. Transgredi apenas seu lugar comum, colocando-‐as em ambiente avesso ao seu uso, mas inteirando-‐as com elementos que provocassem nas Pessoas, lembranças delas próprias entre dois tempos de um mesmo espaço, em pauta, a cidade de Londrina. Quanto à disposição da instalação, foi construído propositalmente
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em aspecto de exposição e de museu, com o fator diferencial de intuir no espectador sua participação ativa naquele espaço da galeria. Nisso minha satisfação foi plena, pois eu havia planejado uma surpresa aos professores e colegas para ao entrarem na galeria, quase escura, apenas na luz de um lampião aceso com óleo de citronela, sentirem também mais cheiros aromáticos de um ferro à brasa contendo especiarias. Deveriam então tocar nos materiais grosseiros da época da Madeira em Londrina, adoçar a boca com balas e doces de mercadinhos populares e verem através das janelas (costume também antigo, espiar lá fora), como se vestiam e como pensavam a vida, pessoas iguais às famílias dos próprios espectadores. Desse modo todos seriam introduzidos na mesma história. Aconteceu quase assim, mas até melhor porque interferências surgiram antes, os transeuntes, atraídos pela maquete do “Quarto da Menina”, exposto na vitrine, foram entrando e se oferecendo a me ajudarem na montagem de tudo. Davam palpites e depoimentos, mudavam coisas do lugar e etc. Aí então, já havia começado a interação deles, a qual eu pretendia ter filmado como registro das impressões e das atitudes alheias diante do passado. Meu entusiasmo ficou reforçado quando o professor Marcos foi acompanhar a preparação e me disse perceber em meu trabalho uma comunicação imediata com o público, pois já se via um movimento e interesse, quando eu tinha ainda, muito receio da minha proposta ser repudiada por se tratar de antiguidades. Pude constatar então, o magnetismo que as antiguidades causam sobre as pessoas, pois elas ficavam encantadas ao entrarem na galeria, enquanto os objetos as absorviam e as seguravam por alguns segundos, obrigando-‐as a entrarem para, dentro de si mesmas. Tentei fazer com que aqueles objetos não ficassem inertes, abandonados, empoeirados, mas adquirissem movimento através das mãos dos espectadores, e repercutissem barulhos e outras sensações. Proposta bem definida foi a que fiz aos colegas de turma, pedindo-‐lhes que registrassem , fotografassem aquilo que os tocasse, de certo modo, para posteriormente fazermos uma exposição fotográfica, de tal maneira que o laboratório se tornasse um trabalho em conjunto. Essa participação aconteceu naturalmente, pois eles, sempre me apoiaram em tudo e dessa vez também foram chegando antes e conforme os transeuntes, me auxiliaram pendurando coisas, amarrando, colando, distribuindo no espaço, articulando com as ideias. O RESGATE TEMPORAL ATRAVÉS DOS OBJETOS UTILIZADOS NO LABORATÓRIO DA INSTALAÇÃO Usando As Garrafas; como em fábulas ou em filmes de ficção, resgatei aquela magia da garrafa do náufrago que bate à praia em pedido de socorro. Serão vozes perdidas? Gritos de socorro de algo que está morrendo, se acabando, sumindo da história da vida, para dar lugar a resoluções mais práticas e rápidas? Resignifiquei o engradado de bebidas, onde as garrafas passaram a conter reflexões lúcidas e humanas. O vidro me fascina porque tem a translucidez dos olhos, transparecendo a alma, aquilo que está dentro. O caldeirão de ferro continha terra roxa, representando a base dessa sociedade londrinense, sua origem e cultura, lembranças de quem pisa e precisa deste chão de Londrina.
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As bolinhas de gude na terra vermelha, em buraquinhos igualmente ao jogo de burcas dos meninos de calções curtos, com pés descalços sobre a poeira vermelha da rua. O estilingue de forquilha, estudado e escolhido dos galhos das árvores. Triste pensar que os moleques daqueles tempos conheciam o pio de todos os pássaros, somente para melhor caçá-‐los. O menino que matasse um Tisiu, por exemplo, seria o maior campeão, pois este passarinho além de ser pequenino, vive dando pulinhos nos galhos. Era um nível de dificuldade. O portarretrato da “eternamente tua...”, já não cabe mais sobre o móvel do quarto, se transferiu para as mídias tecnológicas e é substituído constantemente pela imagem de um novo amor. Torrador de Café Hoje, na antiga Capital Mundial do Café os torradores de café esquecidos em algum alpendre, se tornaram ninhos de apaixonadas corruíras, as quais subsistem à transformação urbana. Pranchas de Perobas As majestosas perobas resistiram na lembrança, sendo berço da cidade e berço da Universidade. Gaveta da bancada com fotos de hoje e de ontem. A bancada esqueleto deteriorando, último resquício do tempo da madeira onde ela foi o altar de trabalho dos caminhões de toras. A velha máquina de escrever rodando a oração da vovó, uma realidade contemporânea em que todos saem de casa para trabalharem e estudarem e os avós precisam ser recolhidos em casas de repouso. Repouso de quê? Os indígenas ainda têm o Conselho dos Velhos. A maior riqueza de uma família é o mapa do caminho percorrido por seus antepassados, verdadeira enciclopédia do viver. Aquele toco estriado e sujo de terra, se acabando como um velho homem, gasto de tanto servir de calço, cuidando a família. Sobre ele o delicado passarinho, caixinha de música, enfeitando e alegrando os sinais sulcados do passado. (Meus pais diziam que os passarinhos foram criados por Deus para alegrarem o mundo). Este toco em especial, meu pai usou muito tempo como calço nas rodas de seus caminhões. Contas do rosário, miçangas naturais, amarrando cordões de sincretismos, pois eram usadas para fazer rosários católicos e colares nas cerimônias de religiões vindas da África. Cestinha de costuras de fabricação indígena, trama nas cestas indígenas, tramas nas costuras das brancas, tramas nas nossas vidas, tramas de Londrina. Foto Pintura: o retrato de meu pai nessa noite virou obra de arte, pois aquelas fotografias, reveladas em preto e branco, depois coloridas à mão, envoltas por molduras tão elaboradas, representavam a admiração pelos entes queridos, mas também um
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“...tempo de revolução na história das imagens.” (Foucault, Michael). A “Janela Espelho do Tempo” continua escondendo seus olhos curiosos por trás dos vidros e do espelho, com que surpreende, ao introduzir o espectador na história que ele mesmo está espiando. O palhaço de pano, macio e colorido. Quem nunca foi a um circo e deu boas risadas? A boneca de pano, grávida, remete ao aconchego de um lar. Uma caixa de ferro totalmente enferrujada, eu encontrei abandonada na extinta garagem, recolhi nela uns parafusos e arruelas esquecidos pelo chão. Eram poeiras de projetos desintegrados como ficou seu idealizador, por isso a chamei de Pó de Ossos, o pó de uma linda história de superação e amor. Refletindo ainda, acho que este ensaio de praticar arte, parece mais com as intenções da artista contemporânea Rachel Whiterider, porque ela fala de memória, de morte e espaço deixado vazio, mas sua arte não chega a ser triste, pois se utiliza de cores e materiais agradáveis, trazidos do mundo infantil e do ambiente doméstico. Mais do que pretendia, meu objetivo foi plenamente alcançado, aquele stop do corpo das pessoas diante da vitrine e dentro da galeria, foi o mais recompensador, pois desaceleraram dos compromissos e participaram do devaneio meu e delas também. Um casal e uma moça iam passando pelo corredor, retrocederam para ver a maquete e se ofereceram para me ajudar a instalar a Janela do Espelho do Tempo, arrastamos o cubo grande para servir de base à janela, mudamos uma parede para apoio e também eles decidiram, qual seria o melhor ângulo para o bilhete colado no espelho, ficar visível lá fora. Depois ficaram ainda ali comentando as fotografias, as roupas das pessoas, as diferenças da cidade, falaram-‐me de suas famílias também. Foi mais satisfatório dividir a montagem da Instalação com as pessoas do que apresentá-‐la somente depois de pronta. No outro dia, algumas moças, na lanchonete, comentavam que faltou a cortininha na janela do Quarto da Menina. A Luciana sempre racional, ao ver a caminha de bonecas, impressionou-‐se de como os brinquedos antigos eram perfeitas cópias do mundo dos adultos. O professor Marcos fez referência ao Quarto de Van Gogh e às acumulações de Bispo do Rosário. Mesmo depois, ao desmanchar a Instalação e transportar objetos para serem guardados na sala gentilmente oferecida pelo professor Cláudio, os alunos de outras turmas me paravam para observar os objetos. Aproveitamos então, tirar fotos e programar uma exposição.
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A Loana ao ver os tamanquinhos ao lado da caminha, recordou-‐se imediatamente do Trabalho de Lia Chaia, “Tamancos”. A Daina e o Tiago jogaram petecas de penas de araras, já tão raras, e chutaram bolinhas de gude. A Loana colou as fotos nas janelas internas e queria levar embora a chaleira da vó Rosalina. A Giovana amarrou as janelas e o retrato foto pintura. Carolina auxiliou pendurar a colcha de retalhos, enquanto o Neto, em cima de um banco, pendurava os pássaros bem-‐te-‐vis. O professor Cláudio emprestou o moedor de café e o data show, instalado pelo Neto, Kauana e Carolina. Descobri que fazer instalação com essa turma é muito fácil para mim. O Willian Fernandez, sentadinho lá fora, a tudo assistia, e escrevia seu poema, cujo nome Pioneiro, de tal modo, sintetizou toda a Instalação. A Luciana fotografou e filmou os comentários e as críticas da instalação. Tomei emprestado da Loana, uma frase do término de seu laboratório, extraída de “ Caminhos do Campo”, a qual falava assim: “... o apelo nos faz morar de novo uma Origem distante onde a terra natal nos é restituída.” (Martim Heidegger, A Morada do Homem). ...Fiquei pensando; -‐ nós também retornamos à nossa terra natal quando nos voltamos para as profundezas de nossas lembranças. VÍDEO INSTALAÇÃO “ESTE ESPAÇO LONDRINO”
São elas, as Vozes de Londrina, um apanhado de depoimentos que resgatam como os entrevistados viam a Cidade e seu passado, mas que também registra imagens e sons de momentos reais do cotidiano contemporâneo, para fazer uma comparação e provocar a reflexão do que o tempo pode transformar, tanto no espaço quanto na vida das pessoas dentro dele. Mas o Vídeo não obedece a nenhum roteiro pré-‐estabelecido, ele se compõe de apresentações aleatórias, permeadas de falas e imagens do passado e do presente, para induzir o espectador a um torpor que o introduza naquela história e lhe cause a sugestão de suas próprias memórias.
As Instalações, dos artistas americanos Dan Graham e Bruce Nauman, às vezes utilizando circuitos de câmeras de vídeo, de exibição retardada a fim de colocar o espectador em dois espaços diferentes ao mesmo tempo, ou as construções de Nauman
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como seu Corredor de Luz Verde (1970-‐71), todas rodeiam o espectador da mesma forma que arquitetura os rodeia, porém de maneira que desfiguram e, ao mesmo tempo, enfatizam a funcionalidade da arquitetura real. Este é um trabalho de arte que veio à tona assim que foi articulando a elaboração e montagem do vídeo, e sua projeção dentro da Instalação. A pessoa vai se comprimindo entre essas paredes.
“A obra não é meramente algo para se olhar, mas um espaço a ser adentrado, e experimentado de um modo físico e pleno.” (ARCHER, M. 2012, p.106 ) Para a minha Instalação a referência veio de artistas contemporâneos como Rachel Whitehead e Suzan Hiller. Suzan é uma antropóloga norte-‐americana que reside na Grã-‐Brtetanha e utiliza elementos da técnica de seu trabalho de campo em sua arte. Suas instalações reúnem fragmentos da cultura material – cartões postais, cacos de louça, recortes de jornais, papéis de parede –, a artista incorporava estes artefatos amiúde baratos ou triviais, às instalações que revelam as formas as atitudes e crenças da sociedade que produzira tais objetos. “Tratei os materiais, como chaves para o lado inconsciente de nossa produção cultural coletiva.” Suzan Hiller. POEMA DE WILLIAN FERNANDES O QUAL SINTETIZOU O LABORATÓRIO DA INSTALAÇÃO DO DIA 11 DE SETEMBRO DE 2013 PIONEIRO Já de madrugadinha o cheiro do café de minha mãe invadia a casa; Convidava meu pai ao dia e nos acordava, mas permanecíamos silenciosos... Ouvíamos as palavras, os planos do dia, a promessa do almoço, uma visita da tarde, a fazenda encomendada, as roupas a coser,... Ao pai bastava saber, era quieto, calmo, amoroso... À mãe bastava dizer, agitada, enérgica, cuidadosa. Mas o verdadeiro motivo de nossa espera, nosso silêncio, Era porque antes da partida diária, Meu pai vinha ter conosco o seu momento... Fingíamos dormir, tínhamos um acordo, assim ele, homem forjado no aço, nos troncos da vida, na queda das araucárias, no descampado das palavras,... aproximava-‐se de todos... e em todos deitava suave a mão nos cabelos, tocava o lábio em nossas testas, cobria-‐nos... encostava a porta, uma fresta de luz mostrava a sombra do mesmo cuidado com minha mãe... No portão dizia – Até mais tarde!... Meu pai foi quem me ensinou a conversar Com o silêncio
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Enquanto eu apresentava o meu laboratório preparativo da Instalação, meu amigo Willian, sentou-‐se ao longe e num momento breve de grande inspiração, escreveu este poema e o deu-‐me de presente. Amigo genial. (Ver fotografias da Instalação Arrancando Raízes Memória e Arte no Museu Histórico de Londrina, nas páginas 152 a 167).
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Capítulo IV A Pesquisa, o Laboratório, a Instalação, a Exposição no Museu Histórico, os depoimentos das mulheres na Oficina de Bonecas de Pano, causaram recordações e comentários de pessoas diferentes, conversando comigo sobre suas e minhas memórias, as quais afetaram-‐me e fizeram-‐me reunir em livro estas pequenas historinhas que chamei de retalhos de vidas, retalhos de memórias. RETALHOS Domingo de sol Hoje, depois de tanto tempo, Eu tive novamente um Encontro com meu corpo. Fiquei tão sozinha... Preparei um delicioso almoço Especialmente ao meu gosto. Depois, de barriga cheia, Deitei-‐me no meu sofá preferido, O de chenile de algodão, dourado. Fiquei sentindo o calor do sol Entrando pelos vãos da persiana Tingindo a sala com sua luz amarela E pintando de listrado, o meu corpo. Olhei para o vaso com ilustração das Três Graças E fiquei pensando nas flores e na primavera. Ao longe ouvia o barulho De todo tipo de veículo passando na avenida. Bem mais ao perto, ouvia os passarinhos no jardim, Atraídos pela fonte de água fresca. Desfrutei de uma sensação preguiçosa... Foi tão bom. Falando de princesas Eu fui a princesa de um reino de amor e prosperidade. Um dia, mataram meu rei, espoliaram o reino, sequestraram quem eu amava e aqueles que resistiram, ficaram sequelados.
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Abelhas Jataí
– Se acabar o açúcar, não se desespere, minha mãe nos tempos de guerra, adoçava tudo com mel. Exibida
A menina era tão pequena, mas o que tinha de pequena tinha de metida, e por ser tão engraçadinha, tinha tomado conta do pai. Certa vez o pai tentou corrigi-‐la, ela não obedeceu, ele insistiu, ela o enfrentou. Como podia criaturinha tão pequena e tão petulante? O pai resolveu educá-‐la e dar-‐lhe uma cintadinha para intimidá-‐la. Porém, errou o alvo e acertou a ponta do cinto, bem no rosto da menininha exibida. O pai assustado sentiu a dor profunda em seu coração, e ela, a menininha, nesse dia chorou seu primeiro choro de mágoa e decepção. -‐ -‐ Não era possível! Seu herói e protetor haviam agredido ela? Horas depois, a menina acordou com seus próprios soluços de solavancos no peito. Viu as grades de seu bercinho cor-‐de-‐rosa e, debruçado sobre ele, o pai, arrependido, com os olhos verdes, cheios d’água, a chorar de remorso, por ela. A mãe, ao fundo do quarto, ralhando com o pai. O Zeca neste dia, e nesta hora, jurou que nunca mais ergueria a mão para bater num filho seu, e cumpriu. A vida toda foi assim, o pai e a menina se amavam, mas sempre se discordavam, e ainda assim, sempre se ajudavam. O velho que sabe tudo -‐Vô Manoel, o senhor que conhece bem a vida, que sabe tanto, conta tantas histórias, poderia me dizer se o destino existe? O avô deu uma gargalhada e respondeu; -‐ Se o destino existe, não sei, mas tenho certeza que ele leva a culpa de tudo. Passarinhos A menina se encantava com aquelas caixinhas de músicas, saltitantes e enfeitadas de peninhas. Queria pegá-‐las, mas eram tão ariscas, fugidias... Até mesmo os filhotinhos, tão próximos às vezes, sempre fugiam. Então, a menina pedia: -‐ Pega ele pra mim, pai. -‐ Não pode não, se a passarinha mãe sentir o cheiro de mão humana, ela não aceita mais ele no ninho. Um dia o pai cedeu ao capricho da menina e deixou ela acariciar um filhotinho. Mas foi por muito breve momento. Hoje, o pai é o passarinho que a menina não mais pode abraçar. Cortina de chitão
A primeira coisa que a gente via, era a cortina de chitão separando a vendinha da casa. Uma mão grande e esquelética abria lentamente a cortina, e aparecia o Seu
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Caetano. Ele era um homem alto e muito magro, olheiras profundas, e, muito sério perguntava:
– O que vocês querem? Nossa voz mal saía. Será que ele era vivo ou era uma caveira que a Dona Elisa não via? E se ele fosse um fantasma? O que havia depois daquela cortina e daquele corredor escuro?
Diziam que naquela casa, não gostavam de crianças, não suportavam barulho. Nossos olhos ficavam pregados em seus longos dedos enquanto eles deslizavam
pelas notas de dinheiro ou então seus dedos pegavam a tesoura... -‐ Meu Deus, quanto medo! Mas era só para cortar a rendinha que fomos comprar. O tarado
As crianças entraram em casa, esbaforidas! – Mamãe, entrou um homem no milharal! Ele tá lá escondido! A mãe parou de costurar, chamou as vizinhas. A mulherada armada de vassouras, assustadas, indignadas, indagavam-‐se;
– Será que ele é ladrão de crianças? – É tarado? – É malfeitor? Tá esperando anoitecer para nos assaltar? O homem erguia a cabeça e espiava de lá enquanto as mulheres tagarelando, o
espiavam de cá. De repente, o homem saiu de dentro da plantação de milho, ergueu os braços e
com raiva gritou: – Será que não dá mais nem pra “cagá” em paz?
Rato
O Zeca estava prestes a matar um camundongo. Mas este, olhava para ele com os olhinhos tão vivos! Ele se lembrou dos olhinhos da menina, tão pretinhos, com fiozinhos de cílios delicados. Desistiu. Deixou o ratinho fugir e passou a chamar a menina de “rato”. Carta Querido pai, hoje preparando a mudança, encontrei aquele vidro contendo as sementes em formato de estrelinhas, que o senhor me trouxe lá da “Chapada dos Guimarães”. Era para plantarmos numa chácara e ainda levarmos junto nossa casa de mata-‐juntas em peroba. Mas, não houve tempo, -‐ né, pai? – Que dó!...
De algodão e urubus
O céu de Londrina, alguém pinta de novo, todas as manhãs. A cada hora as pinceladas de branco se alteram diferentes sobre o céu anil. Brincando com as crianças, desenham manchas brancas, em formas variadas de figuras de animais, insetos, palácios,
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ou fumaça de trem partindo. A alvura de algodão destas manchas, de quando em quando é pingada por pontinhos pretos de asas de urubus, bailando. Menina-‐velha
É assim que me chama um meu querido Tio. A rapidez do tempo também passou na vida dele como um cruel vendaval. Arrastou tudo de bonito, destruiu e revirou. Ele olha triste e vê, que assim como no meu, o destino dele, parece uma cidade fantasma que o mau tempo assolou.
A Vila Se Monteiro Lobato tivesse conhecido a Vila Judith, não teria precisado buscar inspiração nas fábulas para compor personagens fantásticos. Na “Vila”, era assim que todos a chamavam para economizar palavras, seus moradores e visitantes, eram pessoas incríveis. Dona Elisa Ela era pequena, usava vestidos rodados, avental, chinelinhos de pano alpargatas, lencinho prendendo os cabelos. Dona Elisa era a dona da vendinha de secos e molhados. Com vassoura de guanxuma, vivia a varrer o quintal de sua vendinha de secos e molhados e aviamentos de costura. Era séria, “cara fechada”, nunca vimos-‐lhe um sorriso. Na segunda vez que voltássemos a comprar doces, ela já não nos vendia, dizendo;
-‐ Não tem que comer tanto doce, a mãe de vocês não sabe disso não? Sobre o velho balcão de madeira ficava o baleiro crescendo aos nossos olhos. Ao
lado o armarinho com paçocas, doces de abóbora, de leite e pé-‐de-‐moleque. Do lado direito, no chão a um canto, os sacos de cereais e os baldes de jabuticabas a olharem para a gente com seus olhinhos pretos e brilhantes. Tudo isso no escuro, pois havia pequena janela de vidros empoeirados e da porta dupla somente uma das folhas era aberta. Subíamos a escadinha de madeira suja de terra, pisávamos no assoalho que rangia aos nossos passos. Batíamos palmas, ela demorava e, quando abria a cortina de chita, vislumbrávamos sua “cara muito brava”. Em certos dias, quem surgia pela cortina era Seu Caetano. Eles nunca se olhavam ou se falavam à nossa frente. É por achar que ela não o enxergava que nós pensávamos ser ele uma caveira, alma penada, vagando por ali. O tempo foi passando, chegou o asfalto e na esquina da venda da Dona Elisa, a cerca de balaustra velha e preta, foi substituída por muros brancos, muito altos. A vendinha ficou quase escondida, mas a Dona Elisa continuava trabalhando e continuava varrendo. Aumentou sua labuta porque agora, ela também varria toda a longa calçada da esquina, até na beirada do asfalto, no meio fio. Não sei se foi um carro desgovernado ou muito abeirado do meio fio, ou se Dona Elisa desceu da calçada para varrer também o asfalto. Mas de fato, ela foi atropelada, levada para o Hospital H.U. e alguns dias depois, faleceu.
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Em seu misterioso quintal, só víamos as copas de mangueiras, laranjeiras, jabuticabeiras, goiabeiras, louro, mamoeiros, etc. As frutas e verduras que vendia, eram desse seu imenso quintal. As rendinhas, linhas, sianinhas e algum tecido, vinham de São Paulo. Era de São Paulo ainda que chegavam os mascates e fotógrafos ambulantes em Londrina. Colcha de retalhos
O Zeca apreciava ficar ouvindo a música colchas de retalhos. Recordava da infância, da sua cama e dos onze irmãos. A colcha que sua mãe Rosalina costurava para aquecê-‐los, juntando com carinho, pedaço por pedaço. Maquiagem
Família à moda antiga, por amor uns cuidam dos outros. A menina ficou mocinha e maquiava os olhos com sombras azuis. O tio dela não gostava. -‐ Para quê você se pinta? Parece uma coruja. – É pra ficar bonita, tio. – Você não precisa, já é bonita naturalmente. Você está é “enfeiando” a sua beleza. Dona Judith
Seu Jairo escolheu o nome de “Vila Judith”, para homenagear a esposa quando loteou sua fazenda. Dona Judith era pessoa muito boa e caridosa. O casal doou um terreno muito grande para construírem a Igrejinha Presbiteriana para a Vila. A Igrejinha ficava no mesmo local de hoje, lá no alto da Rua Apucarana. Dona Judith convidava as crianças da redondeza para cantarem na Escolinha Dominical, queria atrair todos para ouvirem a palavra de Deus.
Dona Judith ficou doente, morreu. Seu Jairo se entristeceu tanto com sua ausência e logo depois, também faleceu.
Em outros tempos não se via asfalto nessa rua, somente um grande terreno baldio antes da igrejinha e o majestoso pé de mangas. Após a chuva, os poucos carros que passavam, deixavam por suas rodas, duas linhas paralelas que subiam até a frente da igrejinha e sumiam. As crianças brincando, subiam descalças pelo liso batido, deixado por uma roda, e desciam pelo liso, da marca da outra roda, cuidando para não pisarem ao lado, fora delas, na massa mole de lama.
Os fiéis daquela Igreja, muitos anos depois, pediram para mudar o nome da Rua Apucarana para Professor Samuel Moura, por ter sido ele, seu honrado e antigo professor.
Da Rua Apucarana, a gente tinha a vista da Fazenda Perobal. Nossos olhos desciam pelo vale Rubi, atravessavam seu riozinho, subiam pelo pasto onde as vacas ficavam deitadas descansando à sombra de pequena árvore, e corriam para bem mais longe, no horizonte, obstruído por fileira imensa de eucaliptos e mais alto que eles, a copa frondosa de uma peroba marcando presença.
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Cinema
Quando a Tia Odila era mocinha e trabalhava num açougue, seu patrão contou-‐lhe que no primeiro cinema de Londrina, ao assistir uma cena de duelo num filme, um dos espectadores, empolgado, descarregou seu revólver na tela. Era comum no início de Londrina, homens andarem armados pela cidade, igualmente aos “farwests” de filmes norte-‐americanos. Conselho
Meu amigo Lourival disse que viver de passado não faz bem. Mas, como não, se o passado foi todo o meu bem?
Voltar?
Depois de velha, a menina resolveu voltar a estudar. Alguns tios não aprovaram. – Mulher casada tem que ficar em casa. Se afastaram também do marido dela porque ele deixou ela estudar. Mas todas as tias aplaudiram, adoraram, e algumas até pensaram em também voltar. O cavalo do pai voltou
Fazia quase quatro anos de sua partida, quando a camionete F-‐1000 voltou para as mãos da família. Muito esfolada na lataria, feia, com aparência de cansada. Rodou muito, trabalhou, carregou muito, mas voltou. Sob a direção do Zeca, ela subia e descia banguelas e pinguelas, passando por cima de qualquer obstáculo, como se fosse um cavalo nas rédeas de seu dono. Encurtando caminhos, burlando a urbanização que riscou asfaltos sobre ruas tortuosas, lamacentas, por ele tão bem conhecidas. Ignorando as leis da civilização moderna, as estradas do Zeca era ele mesmo quem abria. Impunha-‐se o direito de quem chegou primeiro como os indígenas que também seguem os seus próprios caminhos. Bem-‐te-‐vi
Quando ouvia um bem-‐te-‐vi, o Zeca de novo lembrava a piada: Um português vindo pela rua encontrou perdida no chão, uma carteira cheia de dinheiro. Olhou para um lado e para outro, saber se ninguém via. Nesse instante, um bem-‐te-‐vi no galho alto começou cantar e repetir, bem-‐te-‐vi, bem-‐te-‐vi. O português com raiva chutou para bem longe a carteira e gritou;
-‐ Nem pra mim, nem pra ti.
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Jogo de letras
O Zeca, contava essa, meio envergonhado; A professora e seus alunos iam receber visitas. Preocupada para os alunos não falarem errado o seu nome, Valgina, mandava-‐os repetirem-‐no muitas vezes, e alertava para não esquecerem-‐se do “L”. Para garantir, perguntou ao “aluninho“ sapeca;
-‐ Joãozinho, como é mesmo o meu nome? Mas não se esqueça do “L”. Joãozinho altivo respondeu; -‐ É bu-‐cle-‐ta!
Pedra de anel
Quando abri, para ver uma última vez, os olhos de meu pai, cujas pálpebras a enfermeira havia cerrado, eles ainda brilhavam verdes como pedra de anel. Vislumbraram a morte, brilhando do mesmo modo como vislumbraram a vida. Um dia, ele, o meu pai, me deu um anel de pedra água-‐marinha, tão miudinho como era meu dedo. Mas aquele azul me lembrava os olhos do Vô Ville. Os olhos das pessoas têm brilho de pedra de anel e transparecem daquilo que lhes vai no coração. Kirigame A colônia japonesa é muito presente em Londrina. Sua cultura é requintada. Uma pessoa que representou muito bem a simpatia desse seu povo foi o “Circuite”. Ele era muito jovem e tinha algum problema neurológico, porque, a todo o momento, tinha uns tremeliques como se estivesse levando choques, e daí seu apelido de curto circuito. Ao encontrarmos o “Circuite”, ele vinha logo estendendo-‐nos sua mão para nos cumprimentar, em seguida, pegava sua tesoura e se punha a recortar. Entregava para as crianças, cirandas de papel em figuras de bonecos, bichinhos e flores. Era sempre um encontro muito agradável e as crianças pensavam; -‐ Porque o “homem do bijú” não é bonzinho como o circuito que não cobra pelos brinquedinhos? “Circuite”, como era chamado, alegrava as ruas de Londrina e mostrou-‐nos como é bom ser recebido com sorrisos num encontro.
Tantos anos depois, na UEL, encontrei o Ângelo, artista plástico especialista em kirigame. Tão gentil como o “Circuite”, foi logo com sua tesoura desenhando o meu rosto no papel e doou-‐me este recorte e ensinou-‐me kirigame, sem nada me cobrar. Torrador de café
O Zeca trazia grãos verdes de café e a Amélia torrava esses grãos num fogareiro improvisado sobre tijolos e lenha. Em posição de genuflexão, ela ficava girando o torrador e dele saía um cheirinho bom de café torrado na “fumacinha” branca, enquanto os grãos ficavam cada vez mais escuros. Vez em quando, ela abria a janelinha da bola do
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torrador para enxergar lá dentro, a cor dos grãos ficando marrom escuro, até chegar no ponto certo, que é soltar o óleo. Aí, ela jogava os grãos na peneira para abanar e esfriá-‐lo senão eles torravam demais. Depois a Amélia levava os grãos torrados para o moedor elétrico Walita, que usava o mesmo motor do liquidificador. Quanto mais fino os grãos moídos, mais forte ficava o café coado. O café coado ia desde café “mijeta” ou “chafé”, os fracos, até café tinta, o mais forte. Os cafés muito fracos também eram chamados de “água de lavar espingarda”. O mais apreciado mesmo era o café forte, tinta preta. E café preto era o não misturado ao leite. Havia abundância de grãos pela cidade, desde armazéns a fundo de carrocerias de caminhões e até pelo chão. A população tinha acesso fácil aos grãos e por isso vendiam esses torradores pequenos para as dona de casa e os moedores eram os de ferro com manivela. Após 1965 surgiram os moedores elétricos caseiros e pouco conhecidos.
O torrador de café em desuso ficou pendurado na varanda do quintal, então uma corruíra o escolheu para seu lar. Fez dentro dele o seu ninho e voltava a ocupá-‐lo todo ano nos meses de fevereiro e março. O Zeca e a Amélia não tocaram mais naquele torrador por respeito ao ninho da corruíra. Há muito tempo naquele quintal não tinha mais nem varanda nem torrador, mas para se despedir de mim, uma pequena corruíra, construiu seu ninho sobre minha janela de quarto e cantava todas as manhãs no “pé de goiabas”, amarelas. Me lembrei da brincadeira de meus pais, dizendo que quando a corruíra faz ninho numa casa, é porque uma das moças dali, vai em breve se casar. Terra molhada
Ser pé-‐vermelho nunca incomodou o Zeca. Ele tinha prazer em se refestelar na poeira e na lama. Amava o cheiro de terra-‐molhada e nas noites de chuva, em sua cama sossegado, sonhava. Gostava de ouvir os pingos da chuva escorrendo pelo telhado, retinindo sobre folhas no chão ou sobre alguma bacia de alumínio, esquecida no quintal. Vestígios indígenas
Quando a mãe zangava com a menina, ela se enrolava na cortina estampada de
hibiscos cor-‐de-‐rosa, depois sentava-‐se no chão, e encoberta, de dentro desse tubo de tecido, a menina ficava repetindo;
-‐ Pode deixar, aqui não fico mais, vou embora pro Sertão do Laranjinha. Todo o mundo queria saber de onde ela tirou esse lugar. A menina só sabia que lá
não lhe faltaria alimento, pois em sua imaginação, via um pomar repleto de laranjeiras amarelinhas brilhando ao sol.
Muitos anos depois, durante uma reunião com indígenas no museu, a menina-‐velha descobriu que existe uma Reserva indígena chamada Laranjinha. Ouviu alguém dizer que morava lá no “Laranjinha”. A menina-‐velha não se conteve e correu a perguntar à linda moça, onde ficava este lugar.
– Fica perto da Cidade de Bandeirantes. Ela respondeu.
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A cama com número de patente
Logo de manhãzinha a mãe abanava as roupas de camas, depois enfiava as suas delicadas mãozinhas por uma fenda caseada no colchão. Aí ela remexia seu recheio de palhas de milho. Deixava os colchões bem fofos e então, os vestia de novo com os lençóis e fronhas brancas com bordados à mão. As molas vinham presas na própria cama de madeira torneada, envernizada, e não sei por que, chamavam-‐na de “cama patente”.
Ambulância
Poucos minutos antes do pai falecer, a menina-‐velha, segurando a mão do pai, falou ao enfermeiro socorrista; -‐ Ai! Não queria que meu pai voltasse para o hospital, ele já ficou três meses lá.
-‐ Eu sei você é uma das duas irmãs que ficavam cuidando dele. Sim, pois este era o nosso combinado;
Regra familiar número 1: Nunca nos separarmos, fidelidade até o fim. Ainda que esse fim fosse passar de mãos dadas à frente da porta do inferno. E ele deu-‐nos o seu exemplo, foi o primeiro a dedicar sua vida inteirinha para nós. Sem grades
Não havia grades, nem cadeados. As portas e janelas de madeira eram fechadas por tramelas que as segurava ou prendia só para evitar a invasão de algum animal xereta, pois não havia ladrões, mesmo por que não tinha o que roubar. Os vizinhos solidários repartiam os bens de consumo e produção de suas hortas, pomares ou cozinhas. Assim os pratos típicos de cada nacionalidade, foram sendo misturados em todas as mesas de Londrina. As pessoas descobriam as diferenças nos modos de ser e de viver. Respeitavam-‐se mutuamente, gentilmente, porque os vizinhos bons e parceiros mereciam consideração.
Amélia e Zeca
Este casal será tomado como ponto de referência porque as histórias que este livro vai contar giraram em torno deles. São histórias e casos de pessoas comuns e anônimas, as quais formaram a força de trabalho na construção da nova sociedade que nascia, e foi com seu sangue e seu suor que pariram Londrina. O casal Amélia e Zeca é o modelo de outros que carregaram as tradições de suas famílias, mas, também foram a contradição que quebrou tabus e abriu novos caminhos na mata e nos corações, dando passagem ao progresso avassalador.
O Zeca era puro tabu e a Amélia era a transgressão. E foram pessoas assim que geraram Londrina, a cidade progresso em constante transformação porque não há tempo para parar. Neste livro estão colhidas, coletadas e recolhidas, as vozes de pessoas que contam fatos e situações de um cotidiano histórico o qual não aparece nos registros oficiais, mas que
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reuniram o pensamento e as crenças de uma sociedade que formou o alicerce de um novo estilo de vida. É um estilo otimista o qual reconhece nesse espaço, a mina de ouro, a possibilidade de enriquecer. Estamos em 2013 e os aventureiros e visionários continuam chegando, continuam sendo bem recebidos, ajudando na constante transformação que o progresso exige.
No título deste capítulo Amélia e Zeca, o nome de Amélia vem na frente porque ela foi a estrela que norteava o Zeca, era para ela que ele sempre olhava para se guiar. Foi por ela que ele se aprimorou em tudo que fazia e planejava. O Zeca escondia seus pecados da Amélia, pois ela era enérgica, não aceitava nada que fosse errado.. Ele foi um menino maroto e também foi assim que ela passou a chamá-‐lo, antes da derradeira despedida, em que ele voltou a ser como um menino, dependente de mínimos cuidados. _ Meu menino grande! Nesses momentos de carência e de atenção especial, estarrecida, ela seguia a rotina de cuidados,, assistindo com pesar a tragédia que se abateu sobre ele.
– Porque um homem ativo e fraterno teria que sofrer tanto? – Por que o amor deles foi terminar assim? Tanta mágoa e tanta dor. Porém,
esses sentimentos ele não externava. Eles eram percebidos por todos, através da tristeza que invadiu o seu olhar verde, se azulando, se esticando comprido para bem longe, para um lugar que só ele via e revia com sua alma.
Eles se conheceram e se apaixonaram ainda mocinhos, ele tinha dezesseis anos e ela tinha doze. A Amélia serviu-‐lhe guaraná, enquanto trocavam olhares no casamento de sua irmã Olivia com o irmão dele, o Antonio. Cinco anos depois voltaram a se encontrar. O cunhado Antonio, o Tonico para os irmãos, foi buscá-‐la em Ponta Grossa para não mais deixá-‐la voltar. A Amélia moraria então com a irmã em Londrina, até se casar.
Amélia sempre viveu à frente daquele tempo, “dona de si”, “queixo duro”, como a madrasta a chamava. Também odiava que a chamassem de “Amélia, mulher de verdade”, pois não se via como a Amélia da canção, a que achava bonito não ter o que comer. A Amélia do Zeca tinha vaidade sim e tinha objetivos, incentivou o Zeca a se superar sempre mais, para atingirem juntos seus sonhos e ideais.
O Zeca roubou a Amélia para se casarem. Naquela época isso acontecia muito com casais que se amavam e cujas famílias não aprovavam o casamento. Era um subterfúgio para escaparem aos casamentos arranjados pelos pais. Portanto, a moça concordava com o rapaz e combinavam a fuga.
Depois do rapto, era melhor que realizassem o casamento, pois senão, a moça e a família ficariam desonradas na sociedade moralista. Presença
Ele, serrava, pregava, soldava, e pintava, todas as artes que eu pedia. Só que no final, elas ficavam do jeito que ele queria ou do jeito que ele sabia. Tantas vezes a gente discutia!
– Tem que ser assim! – Não, tem que ser assado! Agora, a menina, vendo aquelas peças (obras) corroídas, desbotadas,
empoeiradas, fica pensativa:
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– Te agradeço meu pai, pela tua teimosia ou pelo teu modo de sabedoria, porque nelas estão impregnados um pouquinho de tua alma e quando a saudade aperta, posso tocar concretamente os objetos que têm um pedacinho de você. Café da tarde
Todos os cafés que tomavam na casa da Amélia e do Zeca, eram muito especiais. Fosse pelos quitutes e café preparados com amor, fosse pela companhia, sempre alegre, dando importância aos amigos que ficavam, tanto quanto aos que partiam ou voltavam. Esta recepção carinhosa tornava a casa deles o ponto de encontro mais gostoso de toda a nossa história. Todas as tardes, de todos os dias, por volta das dezesseis horas, naquela mesa farta em bolos e biscoitos de receitas alemãs, frios e pães, torresmo e geléias, e o famoso cafezinho puro de Londrina, a Amélia recebe os amigos mais queridos do casal. Que Deus lhes abençoe pela fartura da mesa e do coração. Surra no Judas
Dona Maroca mineira, e suas filhas, montavam um boneco de pano no tamanho de homem adulto, com roupas masculinas, camisa e calças velhas. Era na semana da Páscoa e a turba de vizinhos, excitada, irrompeu pelo quintal, espancando, chutando, cuspindo naquele boneco. A menina olhava a cena, espantada.
– Por que tanta violência? Pensou ela, se tratar de um homem de verdade. Explicaram-‐lhe que era o Judas, o traidor de Jesus, nosso salvador.
– Mas, Jesus não gostava de vingança, ele até dava a outra face para lhe baterem! A molecada, alvoroçada, arrastava o Judas pelos terreiros e rua poeirenta. No final de tudo, ainda meteram-‐lhe fogo. Era um espetáculo que se repetia todo ano. Um circo de horror e facilmente as mulheres e as crianças aderiam àquela atrocidade. Clube de dança
Existem coisas notáveis e inexplicáveis. Algumas ruas ou casas parecem estar fadadas a certos destinos. São fluídos? São forças ocultas que transcendem? São apenas coincidências? Pois hoje, passei pela Rua Rebouças e ao notar ali, o Clube de danças, me recordei, de outros tempos. Na mesma rua, uma senhora muito animada, a Dona Virgulina, ficou conhecida pelos bailes que promovia em sua casa, ali mesmo, na antiga serraria. Também era grande o número de londrinenses amigos a se encontrarem naquela rua para dançar nos bailes de Dona Virgulina.
A turca
A menina espiando pela cerca de balaustra, viu a turca gorda. Um lenço estampado, escondia-‐lhe, os cabelos, e a saia longa, escondia-‐lhe as pernas. Agachada no meio do terreiro, a mulher manipulava uma massa branca circular, pressionando
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sobre a pedra cinza. Alguém disse à menina que aquele era o modo turco de se fazer pão. Costumes estranhos eles tinham, mas as roupas dela eram tão bonitas. Casinha mictório
Patente, era como chamavam o vaso sanitário dos mictórios. Deve ser usado esse nome porque nele vinha escrito o número de registro da indústria. Isso foi depois dos anos 1950, pois antes, os mictórios eram chamados de “casinhas” e construídas nos fundos dos quintais, longe das casas devido ao eventual mau cheiro. Eram casinhas de madeira, suficiente em tamanho para esconder apenas uma pessoa, quando ela executava suas necessidades fisiológicas. Dentro das “casinhas” havia um buraco no chão, recortado em sua madeira, em quadrado de uns trinta por trinta centímetros, onde a pessoa poderia se aliviar, sem passar pelo buraco e cair lá em baixo, na fossa. Em algumas o buraco era recortado sobre um suporte de madeira, como se fosse um banco com buraco e as pessoas podiam sentar. Nesse pequeno espaço poderia ainda ser instalado o chuveiro de latão. No chuveiro de latão colocava-‐se água temperada com mais fria e mais quente, conforme a preferência da pessoa. Havia no latão uma alça para a pessoa fechar ou abrir a ducha. Talvez por isso tenham dado nome de banheiro ao mictório, por funcionarem junto. A menina e o pai
Era uma vez uma menina, tão pequena, mas tão pequena, que cabia no bolso do paletó do pai, e disso ele se espantava e ria. Todos diziam que a menina por ser tão esperta e tão pequena, não se criaria.
Mas a menina crescia, o pai feliz sorria, a menina crescia. A menina crescia, o pai ensinava, a menina aprendia. A menina crescia, o pai encantado sorria, a menina crescia. A menina de algo precisava, o pai socorria, a menina crescia. O pai envelhecia, a menina crescia, o pai orgulhoso sorria. A menina envelhecia, o pai admirado pela rapidez do tempo, sorria. Com o pai e a menina juntos, a vida sorria. O pai adoeceu, a menina sofreu. O pai sofria, a menina envelhecia. O pai sofria, a menina sofria. A menina envelhecia, O pai morria, morria, morria, mor.......................................................................
O homem que amou Londrina
Se houve alguém que mais amou Londrina, esse foi o Zeca. Ele conhecia sua mata, toda a sua madeira, a fauna, a flora, hidrografia e até sua geologia. Participou de duas gerações, a que desmatou e a que construiu. Em uma foi madeireiro, em outra foi construtor. No mesmo lugar em que derrubou figueiras e perobas, plantou prédios.
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Ajudou a demolir o prédio do Palácio do Comércio e ajudou a lhe reconstruir. Conhecia o Lago Igapó de quando ele era ainda um fiozinho de água e depois quando sinuoso Lago, aproveitava sua barragem para lavar seus caminhões. Nestas ocasiões levava os sobrinhos para aproveitarem nadar e brincar em suas águas. O Zeca não abusava não zombava de feitiço nem de superstição e seu temor maior era o desrespeito às leis de Deus. Alerta
A menina esperava ansiosamente, o nascimento dos cachorrinhos da Alerta. O pai, começou a dizer que a Alerta tinha se mudado para o céu. O primo esperto, moleque danado como ele só, passou o dia todo falando pra menina sobre uma cachorrinha atropelada à noite, morta pela roda de um caminhão. O moleque inconsequente queria levar a menina ao outro lado da rua, num campinho de futebol para ela ver onde a cachorrinha estava enterrada. A menina chorava e chamava o primo de mentiroso. À tardinha o moleque não se aguentou mais, entrou pelo portão do terreiro do caminhão, arrastando a Alerta por uma cordinha. A cachorra morta, tinha a boca aberta, os olhos, parados, estatelados. O pelo preto, malhado de branco, estava sujo de terra e sangue seco. A menina começou a berrar pela cena de horror. O primo compôs um teatro realístico, não teve medo de apanhar e provou que não era mentiroso, mas era linguarudo. A fuga Os noivos avisaram que estavam noivos. Sem festa nem alarde. Mas como a noiva não era aprovada por ser descendente de alemães e ainda órfã, a mãe dele avisou que choraria o dia todo e o pai do Zeca disse que iria sumir nesse dia. Os dois então decidiram que quem sumiria seriam eles. O noivo Zeca escreveu uma carta ao sogro e pediu a mão da Amélia em casamento. O sogro era moderno e alegre, consentiu e os esperaria em Ponta Grossa.
O casal escondeu a “malinha de briga” no cafezal e esta, continha apenas uma muda de roupa cada um, para não levantarem suspeitas. A Amélia deixou no seu travesseiro um bilhete de despedida para a irmã e o pedido de perdão pela fuga. Era preciso seguir seu destino, não desejava mais ser peso a ninguém. A irmã Olívia chorou muito, o cunhado que já havia se tornado como irmão mais velho, muito se ofendeu.
– Que ingratidão e que vergonha ela sair assim da casa deles. O tempo passou; o casal de irmão e irmã mais velhos, compreendeu a situação
dos noivos apaixonados, se reencontraram e os quatro nunca mais se separaram. A admirável amizade desses dois casais, somente a morte separou. Os quatro ensinaram a seus filhos, com orgulho se tratarem como primos-‐irmãos.
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Cacique
O Zeca via com respeito os indígenas, observava e admirava a dignidade e o jeito de ser daquele povo. Identificava-‐se com o cacique no que diz respeito a ordem, providencia e proteção daqueles que lhe são caros. Durante as refeições a família aproveitada a presença de todos e debatiam assuntos e opiniões. Ao ser contestado em suas regras domiciliares, o Zeca, só nessas ocasiões, aumentava o seu tom de voz e dizia ofegante;
-‐ Mas eu é que sou o cacique desta família! Todos entendiam que não era controle e sim desespero por cuidado extremoso. Na reunião no museu, para combinar uma exposição indígena, nenhum deles
assumiu compromisso, fazendo questão de ouvirem a opinião do cacique, e esperarem a permissão dele.
Ao cacique a palavra definitiva. Batizado
Voltaram para a “Vila”, e foram morar numa das casas do pai do Zeca. Foi ali mesmo que nasceu a primeira filha do casal, num quarto da casa de fundos da Rua Maringá com a Rua Paranavaí, mas nesse tempo só se conhecia a Rua Maringá. Do outro lado da rua havia um cafezal e imensa árvore de Figueira. Os batizados das crianças aconteciam logo em seguida ao nascimento, pois se os bebês, por ventura, ou melhor, por desventura, contraíssem alguma doença e morressem sem batismo, perderiam suas alminhas, devido ao pecado original.
Assim, a primeira filha da Amélia e do Zeca, foi logo batizada e a pedido dos avós portugueses, recebeu o nome de Fátima, em consagração a Nossa Senhora de Fátima.
No batizado da menina os padrinhos vieram de Ponta Grossa. O padrinho também muito festeiro trouxe bem um barril de vinho. A festa durou três dias. Era tanta carne assada, salada de batatas, macarronada, bolo e etc. Vinho, cerveja, guaraná e refresco de vinho com açúcar para as crianças. Até as mulheres dessa vez perderam a linha e algumas se embriagaram também. A criançada brincava solta. Todos os vizinhos participavam como se fossem irmãos. Era tanta alegria quando estavam reunidos. Em certo momento, do outro lado da Rua Maringá, entre os pés de café, o homem “crente”, com sua bíblia em baixo do braço, assistia curioso àquela festa. Os bêbados o viram, e, foram buscá-‐lo ao colo para ele também participar. Naquele dia, até o “crente” teve que beber. Casamento
Os noivos fugiram à noite, de ônibus para Ponta Grossa. Lá chegando foram
recebidos com grande alegria pelo pai e parentes da Amélia que não quis vestir-‐se de noiva. Não que não merecesse, pois tinha se conservado pura, mesmo nesta noite da viagem. Explicara ao Zeca que queria casar-‐se virgem em honra à sua mãe que morrera quando ela tinha apenas cinco aninhos.
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Era uma questão de dignidade em honra à memória de sua mãe, e o Zeca compreendeu e respeitou este desejo de sua amada. O pai da noiva fez uma festa, e abençoou o casal que se casou apenas no cartório. O Zeca alugou o porão da casa da irmã mais velha da Amélia, a Irene, casada com Zé Netto. Zeca conseguiu emprego em uma oficina de carros, fazendo-‐se passar por mecânico. O patrão percebeu a mentira, mas pelo esforço do rapaz, fingiu acreditar e o admitiu.
Cinco meses depois, a mãe do Zeca, arrependida, foi procurá-‐los e levar a proposta do pai dele, oferecendo vender-‐lhe o caminhão Ford “branquinho”. O Zeca trabalhara de motorista dos caminhões de toras do pai, desde seus catorze anos. E esta era a sua profissão escolhida. Desta vez foi a Amélia quem compreendeu e respeitou o desejo de seu amado, e voltaram. O Zeca continuou trabalhando para o seu pai até pagar-‐lhe todas as prestações do caminhão, mas depois seguiu carreira, solo.
A flor do mal
Quando o Zeca descobriu estar com câncer, ficava sentado beirando a janela da sala. Observava no jardim a linda parasita de folhas em zigue-‐zague e com flores vermelho sangue. A planta crescia vigorosa, soltando mais raízes no tronco de árvore. Ela ficava cada vez mais viçosa enquanto o Zeca sentia as forças minarem e definhava dia a dia. Ele implicou com aquela planta e pediu à Amélia que a arrancasse do jardim. Associou a parasita com a doença que o matava. Depois de sua morte, um galho dela brotou lá fora, na árvore da rua, mas nunca mais deu flores. Flor de laranjeira
A noiva escolheu na revista o seu vestido de noiva. Era em estilo oriental, árabe. O vestido era longo, com cintura, mangas longas, em tecido liganete, um tipo de malha acetinada e pesada, a qual dava um bom caimento à roupa toda. Por cima do vestido vinha uma túnica lisa do mesmo pano, e nas costas ela se alongava e arrastava pelo chão no lugar do véu de noiva. Na cabeça, em vez de grinalda, um turbante que escondia os cabelos, saindo dele uma faixa dupla que descia pelos ombros até os pés. Um verdadeiro disparate ainda que nos anos setenta. A família não se conformava! Chamaram a tia mais velha para intervir. A noiva batia os pés. Não entendia qual era o problema com aquela roupa tão linda. A tia perguntava se ela não era mais virgem, pois não queria as flores de laranjeiras nem o véu símbolo de pureza. – Você vai desonrar as mulheres de nossa família? Não, não! Imagina! Essa data é para a satisfação de todos que se amam e por isso a noiva abdicou do vestido maluco, pois sabia que qualquer vestido de noiva é bonito e que valha a tradição! Todos ficaram contentes, mas a elegante tia ficou com pequena dúvida sobre a sobrinha irreverente.
Todo final deveria ser feliz
Ele foi mais que um marido, foi como pai e provedor. Supriu a orfandade dela, com amor de esposo apaixonado e pai extremoso aos filhos desta união. Ele foi rei e a
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tornou rainha, rainha do lar como ela mesma brincava. O lar deles era o ponto de encontro e o abrigo, onde sempre cabia mais um e todos que eles conheciam. Os sobreviventes daqueles dias alegres sabem que a falta dele deixou um vazio a jamais ser preenchido, a não ser pelas boas lembranças dele. Como um romance, como uma ficção, assim foi a vida da Amélia e do Zeca.
A saúde precária esfriou a paixão dos dois e eles estavam vivendo como irmãos. No rádio e na televisão, todos cantavam a música de sucesso do momento. O Zeca olhou para a Amélia com a antiga paixão e lhe falou:
– Esta é a nossa música. – “Tem que ser você, tem que ser só você, não tem como, nem por que, sem ser
necessário entender”. Pai, eu era tão pequenina, um ano só, e você me feriu na alma, quando
acidentalmente me deu aquela primeira e última cintada, que atingiu meu rosto. O senhor teve sorte, pois contou com uma vida inteira, para corrigir seu erro, aplacar seu remorso. Não tive a mesma sorte, porque também feri tua alma naquela tarde fatídica, e pude contar com apenas um ano para consertar meu erro e não consegui.
– Perdão pai! – O senhor teve pena de mim e me perdoou, mas eu não. Ainda me queima o
remorso pelo sofrimento que lhe causei. Vou para outra vida e outra e todas que existirem, sentindo essa ferida que não sara nunca. Numa amizade tão perfeita, não poderia ter havido tamanha ferida! Quem mais tinha a agradecer foi quem te deu a primeira punhalada de morte.
– Ah, demônio invejoso! – Não suportou nos ver tão felizes e preparou uma armadilha e nos separou do
modo mais doído, envolveu todos que nós amávamos e tirou o senhor de nossas vidas. Você nos dava joias de presente, mas na verdade o senhor é que era o nosso
grande tesouro. Naquela tarde triste, eu só queria te proteger, te alertar da arapuca que o senhor estava caindo. Usei palavras duras, te atemorizei com consequências funestas e gritei cheia de certezas.
Mas não previa que o senhor já havia caído no engodo. Foi demais para sua cabeça, abalei seu chão, te derrubei do pedestal de homem de respeito. Também te fiz faltar com a palavra de rei. Te desestruturei, meu amado pai.
– Perdão! No outro dia, amargamente me dei conta de que quem caíra na armadilha do
demônio fora eu. Ao te ferir tanto, ao iniciar tua decadência física, acabei com o mundo perfeito que o senhor desenhou para sua família.
– Por que eu quis ajudar vocês? – Vocês nunca precisaram, sempre se resolveram sozinhos desde muito jovens. – Como uma filha pode saber mais? Vocês saberiam o que fazer com aquela moça
que os queria separar. Na sua vaidade, ela não podia imaginar quantos destinos isso iria afetar. Deixasse o Zeca e a Amélia viverem sossegados e unidos no crepúsculo de suas vidas. Aqueles olhos verdes, eram só para a Amélia. O Zeca sonhador e romântico ainda acreditava poder viver um resto de juventude. A Amélia sábia e realista reconhecia e aceitava as etapas naturais da vida. A moça gananciosa não pensou que poderia existir, para ela também, em algum lugar lhe esperando, um bem que é maior que status e dinheiro.
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No final de tudo, o Zeca com consciência da ilusão sedutora, se declarou à Amélia:
– Me enganei. Hoje eu sei que tem que ser você, tem que ser só você, sem ser necessário entender.
E assim, ele morria, mas a vida ainda era mais forte dentro dele, e seus olhos jamais perderam o brilho de pedra de anel. Depois que a enfermeira cerrou suas pálpebras no leito de morte, eu os abri, para a derradeira despedida e eles estavam verdes, brilhantes. Olhos estáticos, mas iluminados. Levou para a outra vida o mesmo brilho que teve nesta.
Festa Junina Ele era um homem piedoso com pessoas de qualquer deficiência que as deixava
dependentes de outros e tratava-‐as com muito respeito. Ele como pessoa auto suficiente, o provedor da família, não podia se imaginar nesta mesma situação, mas tinha esperança de contar com os filhos em sua velhice. Porém antes de partir ele passou toda dor e humilhação que um homem pode suportar, ao ser torturado em sua doença.
Naquela tarde, ao voltar de uma seção de hemodiálise, com o lado esquerdo do corpo paralisado pelo A.V.C., algum movimento deu errado, e seus parceiros inseparáveis, o filho e o genro, não conseguiram apoiá-‐lo na cadeira de rodas. Então, seu corpo alto, ainda pesado, com fraqueza na única perna boa, foi aos poucos descendo, como um edifício em implosão, e ele ficou de joelhos naquela rua que foi tão sua. Na rua em que ele imperou, dia a dia desde quando lá só havia sua casa e outras três. Sua camionete descia e subia fazendo interação entre os vizinhos, e hoje ainda, quando algum desses mais antigos, ouve um ronco de F1000, logo pensa;
– Parece o Seu Zeca chegando. – Todos lhe pediam um favor, aqui, outro ali, pois ele não negava nada a ninguém,
conhecia a cidade metro por metro e a maioria de seus habitantes antigos. Em seu bairro, organizava famosas festas juninas, nas quais compareciam os vizinhos em peso, mais seus parentes e também vizinhos dos bairros próximos. Dias antes, os seus netos e a molecada da redondeza, ajudavam-‐no a descarregar lenhas e tábuas da camionete e ele montava a alta fogueira nos últimos terrenos baldios da rua. À noite da festa, sua satisfação era soltar foguetes e distribuir bombinhas entre os moleques sapecas. A adrenalina do povo subia como as chamas da fogueira, estalando e fazendo brilhar as faíscas e fagulhas. A Amélia punha seu fogão na rua para estourar pipocas e preparar o quentão de vinho e de pinga. As outras mulheres traziam mais bolo de fubá, amendoim torrado, canjica e mais docinhos de leite, de abóbora, de coco. A batata doce ficava assando na fogueira para o final da festa. As mocinhas naquele mês se encarregavam de espalhar os convites e distribuir a ajuda para confeccionar bandeirinhas e toalhinhas de papel e guarnecer as cestinhas de doces. Na noite esperada, todos surgiam a caráter, vestidos de caipiras como eram as roupas dos primeiros trabalhadores da cidade. (Eram vestidos de algodão chita de florzinhas e babados, chapéu de palha decorado com fitas de cetim, vermelhas e rosas. Os homens de calças remendadas como os trabalhadores da roça e camisas xadrez. Alguns convidados também traziam bombas e foguetes e no auge da animação o céu ficava pintado como os quadros de Pollok, pois os rojões explodiam em pingos de muitas cores, chamados chuva de lágrimas.
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Contemplação
Implorei aos enfermeiros para não tirarem ele daquela cama encostada na janela, porque enquanto ele via a lua ou os passarinhos, esquecia um pouco sua dor e sua angústia de estar preso àquela cama.
Ao chegar pensei ter ele perdido a razão. Olhou-‐me sorrindo, brilho nos olhos, foi falando que o passarinho nesta tarde, tinha voltado muito bravo, dando bronca em todos, espantando outros. Ele pôs ordem nos ninhos.
– Tem que ver a barulheira dele! Sobre a janela do quarto de enfermaria, haviam ninhos em alguma abertura de
telhado, e ele, meu pai doente, acompanhava o movimento de vai e vem da passarada e dos bandos voltando à tarde para a mata atrás do hospital.
Noutra noite, pensativo e calmo, me perguntou; – Aquela roda brilhante é uma lâmpada ou a lua mesmo? – Pôxa, é a lua mesmo? Que bonita! Como ela está grande! – De dentro do inferno, da janela dele, sua alma romântica conseguia contemplar
na natureza, a presença de Deus. Casamentos, e não, e sim, ou arranjados.
No ginásio minha amiga começou a desmaiar. Chorava muito, a semana toda. Ela era descendente de turcos e estava prometida em casamento a um homem da terra de seu pai. Ela nem mesmo o conhecia e por isso o seu desespero. Após a aula ela me pediu para acompanhá-‐la até sua costureira para provar uma roupa nova. Passamos primeiramente em sua casa. Era um quarto entre uns quarenta quartos do predinho no qual, o térreo, era o armazém de beneficiamento de café de seu pai. Passamos entre os saqueiros, homens fortes, sem camisas, carregando nas costas arqueadas, as sacas de café em grãos. Eles nos olhavam com respeito e curiosidade o que me fez pressentir uma atmosfera de desgraça. Subimos uma escadinha estreita e alta na lateral do prédio para chegar ao velho quarto dela. Tudo muito simples e pobre; uma cama e uma penteadeira, onde se olhando no espelho, Jade encheu o rosto de “pó-‐de-‐arroz” rosado, penteou os cabelos rapidamente e rapidamente saímos. A cada esquina ela olhava preocupada que alguém a visse, e desse modo, eu mais me assustava porque também não havia avisado meus pais que saí da rota da escola. O caminho mostrava-‐se longo, não chegávamos nunca! Reclamei que teria problemas em casa, pois ia me atrasar muito. Mas ela implorava que eu a acompanhasse. Finalmente chegamos e com espanto vi que era a casa de minha tia e ela nem costurava “para fora”, como se dizia. A Jade tinha ido lá porque estava apaixonada pelo meu primo, um rapazinho que tinha o dom de fazer todas as meninas desmaiarem de amor. Ela me enganou sobre ir a uma costureira, mas também se espantou quando viu que o rapaz era meu primo. Ela nem precisava ter tido tanto trabalho e mistério para encontrá-‐lo. A tia ficou contente por minha visita e serviu-‐nos um delicioso lanche. Na volta, meu belo e carismático primo nos acompanhou até a esquina do armazém de café. Vimos a Jade entrar pela portinha lateral e depois acender a luz na janela de seu quarto. A Jade nunca mais voltou às aulas e dizem que seu pai a mandou para São Paulo. Anos passados, logo que me casei, ao entrar em um ônibus
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circular, vi a Jade sentada em um dos bancos, juntamente com outra moça. Elas estavam acompanhadas por quatro crianças e a menor estava no colo da Jade. Seus trajes eram soberbos, elegantes e ricos. Ela estava coberta de joias, os cabelos negros, soltos, a pele muito branca. Estava mulher e muito bem tratada. Desceram no ponto seguinte. A Jade me olhou como se nunca tivesse me visto na vida, desceu puxando os filhos, deu-‐me as costas e sumiu. Ela havia sido totalmente absorvida pela vida que o pai dela lhe escolhera. Mas ela estava muito bem. Tabu
Para merecer usar vestido de noiva e grinalda em seu casamento, a moça tinha
que ser virgem. Algumas moças ao perderem a virgindade, burlavam a tradição e se utilizavam de artimanhas para esconderem seu segredo daquela sociedade sempre atenta e crítica dos costumes. A maioria dos rapazes abandonava a noiva, caso ela se entregasse a ele antes do casamento, pois mesmo que a amasse, ele acreditava que se ela não fora forte para com ele, também não o seria com outro e provavelmente o trairia depois de casada. O casamento era uma “passagem” para a vida adulta, para a liberdade, para a vida própria, e era assim que as ingênuas moças acreditavam. As decepções surgiam logo depois; menos liberdade ainda, muito trabalho, opressão social, e ainda, para muitas, a traição do esposo. Se a esposa demonstrasse satisfação sexual, era tida como leviana e com tendências à vadiagem. Mas esse rigor todo foi antes dos anos cinquenta, depois disso as mulheres já estavam conquistando seus direitos.
A menina havia crescido, e sua juventude pertencia aos anos setenta, mas o pai era ainda muito tradicional. Sua filha era moderna, não queria se casar vestida de noiva. Não queria entrar na igreja fantasiada de noiva, isso era coisa do passado ignorante e nem sua mãe Amélia se casou vestida de noiva. O pai da menina moça fez bico, ficou frustrado, sonhara sempre com uma grande festa, a igreja repleta de amigos e ele conduzindo a menina noiva até o altar da celebração. O noivo também “fechou a cara”, ele nunca nem queria se casar, mas já que se apaixonou, desejava mostrar aos amigos como se regenerou. O noivo abandonou a vida boa e se comprometeu com o futuro sogro, no dia em que pediu a mão da menina em casamento. Era ainda pobre, mas à menina, nada faltaria, e assim foi. O noivo era moderno, e essas regras sociais não existiam mais. Mas, para levar a filha do Zeca, só assim. O noivo reclamava: -‐ Isso era jogo duro! Não era jogo não. Era questão de princípios e de amor! E por questão de amor, a noiva aceitou realizar o sonho do pai e do noivo. Casou-‐se vestida de branco com véu e grinalda de flores de laranjeiras, virgem e bela, ao som da “ave-‐maria”. Chorou caminhando no tapete vermelho, de braços com o pai, depois com o esposo, deixando no altar a mãe emocionada, enquanto o novo casal passava entre os olhares e os sorrisos dos convidados. A menina depois compreendeu as razões do pai e do noivo. Nunca se arrependeu da felicidade de ter vivido momento único, mas compartilhado com tantos parentes e amigos.
Na despedida da casa simples, de madeira , onde a menina foi tão feliz com os pais e irmãos, o esposo levou as malas da jovem esposa para o carro. O pai, ninguém sabe ninguém viu, nem mesmo a menina que queria se despedir. O Zeca se retirou constrangido e emocionado. A noiva e a mãe no portão se despediam. A mãe Amélia,
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tinha a voz embargada , pois também entregava a filha. As duas se abraçaram chorando. – Será mesmo que ela ia ser feliz com a outra família?
Acima dos Tabus
A Amélia quando se irava, fazia o inferno! O Zaraque havia conquistado seu ódio quando fez gestos obscenos para a sobrinha que passava férias na casa dela. Mas, um belo dia, o rapagão topetudo vacilou e invadiu o quintal da Amélia para roubar mangas. Ah! Agora não tinha mais como ele sair dali! A não ser com a cabeça aberta e os miolos para fora. Pelo menos era isso que a Amélia prometia, plantada no caminho, com uma balaustra de cerca na mão. -‐ Passe por mim e eu te mato, vagabundo!
A Dona Maroca enfiou a cabeça pelo buraco do xadrez da janela e gritava preocupada;
– Dona Amélia, não faz isso não, pelo amor de Deus! A mãe dele tá grávida, pode perder o bebê!
– Ah! Mas é isso mesmo que eu quero. Melhor morrer do que nascer no mundo outro moleque atentado como esse!
O rapagão valentão, o qual metia medo em todos e xingava palavrões, ali, tremia e suplicava para sair com vida. Foi uma luta até a Amélia se acalmar e conter o seu desejo de matar. Aos poucos, foi ficando com pena da mãe dele, fez-‐se de distraída e deixou o moleque pular a cerca e se escafeder. Naquela rua ele nunca mais nem passou.
– Será que o nome Zaraque vem de azar? O nó que nos une
Naquela aula a fotografia tinha estabelecido um nó de nós três: o Zeca, a professora Fernanda e eu.
– Quem é ele? Parece que eu conheço... Esta fotografia me é tão familiar?!... – Esta foto meu pai tirou há alguns anos atrás, lá no museu de Londrina, no túnel do tempo.
A professora Fernanda então sorriu e relembrou, que quem criara o túnel do tempo era ela.
Contei-‐lhe então da brincadeira dele e sua performance com esta fotografia estilizada: “No domingo quando chegamos para visitá-‐los, na sala havia um porta retrato
com a fotografia de um senhor em trajes antigos, boina e bengala. Parecia um visconde em sua imponência. Aí o Zeca falava a todos; Vejam que surpresa eu tive ao visitar o museu, encontrei a foto de um antepassado igualzinho a mim. Todos olhavam pensando como podia, se nunca souberam desse parente desconhecido. Então alguém, depois de bem se atentar, perguntou ao Zeca; -‐ Mas o seu parente Visconde, perdeu o dedo mindinho, na serraria também?”
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Varais As mulheres de Londrina sempre sofreram com o pó vermelho desta terra
ferruginosa. Lavavam esfregando no tanque, as roupas da família, e esticavam-‐nas ao sol, nos longos varais de arames esticados. Às vezes, o peso das roupas molhadas, balançando ao vento, fazia arrebentar o varal. As mulheres então xingavam até não poderem mais. Desse modo a menina aprendeu quantos palavrões podem existir. (poesia-‐ Que encanto existe num varal. Balançando ao vento, misturando as cores, e as roupas vão se abraçando como fazem em família, os donos delas. Incluir desenho de varal em aquarela). Colar de pérolas
O Zeca deu um colar de pérolas para a Amélia. A menina notou que os cordões, o de pérolas e o de dentes, eram iguais e perfeitos até na cor. Aí então, a menina já não sabia o que era mais bonito; o colar ou o sorriso da mãe. Pena
Em uma das noites na sala de gravuras, o Manu perguntou ao professor Cláudio, onde estava a caneta de “bico de pena”.
– É de “pena” mesmo não é? – Sim, ela estava aqui. – Essas canetas eram usadas só por gente importante, os grandes! Comenta o
Manu, e continua, – E a melhor marca era... Só sei que eu já não ouvia mais a conversa deles, pois olhando para aponta da
caneta, me veio o desejo de pedir para escrever um pouquinho só com ela. Queria reproduzir a mesma sensação de tantos anos atrás. Era ainda menina, chegando em casa com minha irmãzinha, ouvi minha mãe falando de uma surpresa do nosso pai. Sobre a mesa estavam duas canetinhas vindas do Japão. A minha era amarela. As canetas de “bico de pena”, daquelas dos “grandes” , dos homens, importantes, o meu pai mesmo teve. Porém, esta era minha, podia experimentá-‐la, enchê-‐la de tinta como meu pai estava fazendo, nos explicando seu uso. Depois ele mesmo com suas mãos enormes, ainda com resquícios de graxa de caminhão, também escreveu umas palavras. Desenhou letras trabalhadas, enquanto nos falava de sua avó materna. Mulher “letrada”, isto queria dizer estudada. E ia imitando a letra de sua avó, igual aquela do cigarro Continental, enquanto o verde de seus olhos se esparramava sobre nossas mãozinhas, na esperança de um dia sermos também “letradas”. As meninas irmãzinhas, “experienciavam” as canetinhas “bico de pena”, e iam pensando onde estava a pena de galinhas? Hoje, pena tenho eu, de tanta saudade de meu pai.
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Passava a boiada
Quando ouço alguém cantar; ali passava boi, passava boiada, recordo de minha infância na Vila Judith. O Zeca comprou um terreno de 1000m² na Rua Apucarana, entre o pasto de uma fazenda loteada e o cafezal na Rua Maringá. Dizia ele que o melhor rendimento para o dinheiro é comprar terreno. Um homem precisa de um pedaço de terra para construir o mundo todo seu.
– Terra só valoriza, não enferruja, não perece. Pensava no futuro de sua família e pensava em fugir do aluguel. Construiu então,
naquele pedacinho de céu, sua primeira casa. Com seu próprio caminhãozinho foi em Umuarama buscar mais madeira peroba, escolheu o lado do lote onde já havia o poço, e ajudou o carpinteiro construí-‐la. Tudo era feito com sacrifício, mas para durar para sempre. Demorou um pouco mais a fazer a cerca de balaustras, enquanto isso, as crianças corriam livres pelo quintal gramado e florido. A Amélia plantou uma semente de Pinheiro de sua terra natal, ele plantou um pé de Cedro e uma Paineira. Vez em quando, ouvia-‐se um som estranho de berrante, a mãe gritava para os filhos entrarem rápido em casa. O pai ensinava para não fazerem nada que assustasse o rebanho, pois um estouro de boiada destrói tudo, é perigoso.
Da janela eles ficavam observando a boiada passar e descer a Viela, atualmente chamada Travessa Araxá. Os filhos deste casal nunca tinham visto um boi de perto, quanto mais uma boiada. O boiadeiro seguia tocando alto o seu berrante, talvez para nos impressionar. O barulho das patas pisando o chão vinha embolado com a poeira, e crescia conforme descia pela Rua Paranavaí. A poeira levantava vermelha, e de dentro dela só apareciam às paletas e os olhos arregalados dos bois desvairados. Rapidamente a poeira assentava, nisso deixava um silêncio ensurdecedor, como num filme de câmera lenta, nos movimentávamos maravilhados de terror. Deselegância
Fui deselegante com minhas cunhadas e servi o maior pedaço de doces para o meu pai. É, minha gratidão a ele, era maior que minha educação. Ele nem percebeu isso porque estava acostumado com a fartura em nosso lar. Creio que as cunhadas me entenderam, elas conheciam a generosidade dele e como eu, percebiam o dia da despedida se aproximando. UEL
UAU! É a UEL! Que privilégio é esse espaço. Quanta beleza em sua natureza e nas pessoas que por ali passam. Vestibular
Os grupos de jovens se cruzavam à minha frente, num burburinho frenético, indo e vindo. Era uma massa de calças jeans e celulares nas mãos. Através da massa, eu via
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um cenário com bosque de árvores centenárias e pássaros canoros em seus galhos. Um pouco adiante, a casa do imigrante e bem atrás de mim, a cópia da primeira igrejinha de Londrina. Havia uma luz clara intensificando os tons de verde e de azul. Num arbusto magro, o macaco dava o show. As meninas se encantavam, jogavam guloseimas para ele, que não deixava nada passar despercebido de seus olhinhos vivos e redondos. Tinha uma confusão de sons, e entre estes, o único por mim, claramente identificado, era a voz de meu pai, contando sobre esses macacos serelepes, ao se comprazerem atacando os quintais. Eles transformavam os varais das lavadeiras, em um grande circo, brincando com as roupas em seus malabarismos. As “donas de casa” não podiam com eles e se fechavam em casa com as crianças. Pelas frestas de portas e janelas de madeira pesada, elas espiavam os macaquinhos arteiros bagunçando, mordendo coisas, cheirando, comendo, rasgando, esparramando tudo até cansarem. Então partiam satisfeitos, deixando o recado de que aquele território era deles e só deles.
Imaginei-‐me invisível e por isso não tive vergonha de deixar as lágrimas escorrerem de meus olhos, em pleno calçadão da UEL. Porém, eu não estava tão transparente assim, pois um rapaz muito bonito se aproximou. Ele tinha cabelos crespos castanho-‐escuro, pele bem branca e trajava calças jeans e camisa clara. Este moço fazia parte daquele cenário, onde pouco antes, estava sentado a um banco e lendo distraído. Preocupado perguntou-‐me: -‐ A senhora não está bem? Posso ajudá-‐la? Respondi não ser necessário, eu chorava de emoção, de saudades de meu pai e de uma vida linda que se acabara a apenas três dias atrás. O bom rapaz me deu atenção, ficou conversando e só aceitou se afastar, depois de me acompanhar até a sala onde eu faria a prova de aptidão.
Diante de situação tão drástica, de tão pouco tempo de falecimento de um ente querido, eu não deveria estar ali, fazendo vestibular. Mas, que diferença faria chorar em casa? As lágrimas não precisavam me impedir de continuar. Talvez no inconsciente, estar ali no Perobal, fosse uma homenagem a ele, a eles, que a duras penas conquistaram esse espaço e aqui se estabeleceram. Não devo, abandonar, virar a página e simplesmente seguir. Sinto que preciso terminar algo antes. Será que é o registro da história deles? Foto-‐pintura
O último objeto a ser retirado de nossa velha casa, foi o retrato do Zeca. Pintado e emoldurado à moda dos anos quarenta, encomendado de um fotógrafo de São Paulo, pela Rosalina para homenagear seu lindo filho. Falei para a Amélia que o capitão é o último a abandonar o navio. Ela riu e comentou que a pintura por cima da fotografia, não fazia juz à beleza do capitão e que a moldura, agora tão brega, fazia sucesso na sociedade e era objeto de arte. A avó Rosalina, mandou fazer destes retratos para todos os filhos e assim todas as outras mães faziam. Eram também usados como lembrança de casais em matrimônios e colocados nas paredes das salas. O que me atrai nessas fotos pinturas é a sua possibilidade de unir as mídias artísticas, juntar a nova tecnologia das fotografias com o antigo procedimento de pintura à mão.
Interessa-‐me o fato de que esses quadros refletem toda a história de uma época e forma um marco de inovação tecnológica mesclando-‐se no artesanal. A pintura resistindo, a fotografia incide na arte, juntas e emboladas invadiram a vida e humanizaram a tecnologia.
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Ao olhar para as fotos-‐pinturas antigas, sinto um estranhamento na deformação das imagens reais das pessoas e, principalmente acho as molduras de estética desagradável. Talvez por que as relaciono com cemitério onde as pessoas colocam esses tipos de quadros com molduras enfeitadas para seus entes queridos. Maquetes da vida
No jardim da casa de minha infância, sob um pé de flores chamadas popularmente “maravilha”, e também sob os pés de roseiras, eu e minhas amiguinhas, costumávamos montar casinhas de bonecas, como se fossem maquetes de interiores de casas reais. Do lixo doméstico, eu “reciclava” vidros de perfumes de minha mãe, tampinhas, embalagens de remédios, peças de porcelanas quebradas, pedaços de telhas de barro, e outros. Tudo isso se transformava em móveis das casinhas. Os vidros tinham formatos bonitos e mesmo quando quebrados, suas partes davam uma estética especial aos pequenos móveis, como mesas de centro, sofás e até berçinhos para bebês, dos cacos de telhas de barro. Lembro-‐me como eram bonitinhos os bebês que ocupavam estes berçinhos, eles eram feitos com pedacinhos de gravetos, envoltos em retalhinhos de tecidos, imitando uma manta ou cueiro. A embalagem do “Sal de Frutas Eno”, daquela época, era em vidro azul, como anil, lindo! Assim também azul, era o vidro de “Leite de Magnésia Philip”.
Bem, mas, do interior da casinha, passava também a construir o quintal ou jardim. Aí, a piscina ou lagoa, era feita com uma lata de goiabada e cheia de água tingida com pedrinhas de anil (alvejante azul de roupas), restos também, retirados no tanque de lavar roupas, da mamãe. Se, em vez de piscina, a lata se transformasse numa lagoa azul, colocavam na água, algumas folhinhas de quebra-‐pedra, por terem formato de peixinhos. As amiguinhas iam chegando, e construindo também, e assim cada menina aprendia com as outras, novas idéias de criar casinhas, cópias dos seus lares da vida real ou de como desejavam que fossem. Iam conversando, repetindo as vozes dos pais e dos irmãos, ora eram as festas, ora eram os conflitos, a invadirem aquela escala menor de mundo. Museu
O índio falou que antes de participarem em uma exposição no museu, é preciso explicar à aldeia o que é um museu. A maioria das pessoas da aldeia e também das urbanas acha que o que tudo que é velho, é museu e deve ir para o lixo. Para que museu? “velho” é também antigo, e não necessariamente corroído e descartável, e, certamente, cabe no museu para rever a história.
1º de maio
Nada mais justo que no dia do trabalhador, começar o dia contando das pessoas que foram a força braçal de Londrina. Lá no museu, notei a pouca referência aos indígenas e aos madeireiros. Dos indígenas há alguns poucos cestos que não dão conta
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de como era a vida deles neste território que era seu. Dos madeireiros há até fotos dos caminhões de toras, mas nenhum nome. Pareceu-‐me que o início mesmo, o mais real e sofrido, não existiu, foi lenda. Porém, acredito que isso éfruto de nossa própria negligencia, em não manifestar aquilo que conhece desse espaço tão nosso, nós londrinenses comuns ou não. O “pioneiro branco”, mas então de que cor são indígenas, para chamar os europeus de brancos?
Bem, continuando, o pioneiro branco, não tinha noção dos direitos dos indígenas e do desastre ecológico do desmatamento. Acreditava que as reservas eram apenas para conservar a cultura indígena e derrubar uma árvore gigante como a peroba e a figueira, era uma glória, uma vitória daquele embate onde o homem parecia tão fraco e inofensivo, diante da colossal floresta.
A cada árvore derrubada os madeireiros erguiam os braços e gritavam o urro de vitória, pois especialmente eles, sabiam da peleja dura, de horas na serra manual, sendo picados por insetos, suando pelo calor do esforço e da região tropical, com fome, longe de casa, dormindo em tarimbas, no meio da mata, entre animais ferozes. Cada árvore ao cair, fazia tremer todo o chão e ia derrubando muitas outras como faz um guerreiro em seu tombo de morte.. Se fosse próximo da cidade, logo o fotógrafo Juliani chegava com sua lambretinha, para registrar o feito destemido e o avanço do progresso.
“Foi em 1937, no sítio de José do Prado, onde Antonio da Silva Matos (22 anos) e seu irmão José (30 anos), tinham ouvido a sirene da serraria Siam, às 11 horas, “avisando o almoço”, quando começaram a cortar a peroba. Durante sete horas, com breves intervalos, os dois irmãos atacaram o tronco, de diâmetro superior a dois metros (mediu-‐se depois, precisamente 2,10x2, 30). Quando tombou de sua altura de 33 metros, causou estrondo antes nunca ouvido por aqueles desbravadores. Coincidiu que, naquele momento, a sirene da serraria Siam soava novamente o toque das 18 horas.” (JORNAL DE LONDRINA,Widson Schuartz, 17 de abril de 2000.) Antonio da Silva Mattos era irmão de Rosalina de Jesus, casada com Manoel Catarino, e mãe do Zeca. Pioneiro desconhecido
Na folha de Londrina, foi apresentado um poema dedicado aos pioneiros da cidade, era de autoria de Domingos Pelegrine e o jornal escolheu uma foto dos Catarinos em seu caminhão de toras, mas , abaixo da fotografia, dizia-‐se: -‐pioneiros desconhecidos. A Amélia telefonou para o Domingos, apresentou-‐lhe o nome daquela família e contou ao poeta , que ela era amiga de sua mãe e que,em seus encontros nos cafés das tardes londrinenses, se compraziam em relatar histórias e acontecimentos passados. Era um nó de nós, as pessoas comuns, as quais não têm mais tempo para relacionarem-‐se e, dedicarem-‐se mutuamente, como faziam os pioneiros. A reserva
Os índios Kaiangangues foram retirados para a Reserva Indígena de Tamarana. Quando os viajantes da região Norte do Paraná iam para a Capital do Estado, passavam no meio da Reserva, ao subirem a Serra pela BR 369. Na beira da estrada, por um grande
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perímetro, encontravam-‐se os ranchos dos indígenas. Eram como os quiosques urbanos e onde eles vendiam seus produtos ali expostos e pendurados. Havia cestos de todos os tamanhos, de palha trançada e colorida com pigmentos naturais, flechas e arcos ornamentados com palhas igualmente trançadas e ainda com penas de pássaros silvestres. As pontas das flechas eram confeccionadas em madeira e tinham formatos variados, conforme o tipo de caça a que se destinavam. Vendiam também pilões para socar cereais, cumbucas e gamelas esculpidos nas madeiras retiradas na mata nativa. Por toda esta extensão viam-‐se caldeirões de alumínio, queimados de preto, pelo picumã dos fogareiros a lenha, improvisados na beira da estrada, cozinhando milho-‐verde, servidos na própria palha do milho. Dava água na boca o cheirinho do milho fervendo e da fumaça branca da lenha, em bolas se expandindo pelo ar. O contraste do amarelo-‐ouro das espigas, envolto naquele verde fluorescente da palha, eram as cores vivas do Brasil. Eles comercializavam também as rainhas do abismo, batatas na maioria grandes, das quais saíam duas ou três folhas de uma penugem prata, brilhando ao sol e se acendiam piscando as pequenas flores de uma laranja aceso. Como diz o nome, esta planta era rainha e se pendia pelos abismos daquela serra, porém, foi proibida a sua extração, pois estava entrando em extinção. (família das gloxínias).
No final dos anos 1960 os indígenas passaram a frequentar mais o centro urbano de Londrina para venderem seus produtos, e estes indígenas de então, não aceitavam de modo algum, qualquer favor do homem branco. Se alguém insistisse em lhes dar alguma roupa ou agrado que fosse, teria que aceitar da parte deles, um arco e flecha ou uma rainha do abismo.
Atualmente, alguns indígenas podem ser vistos nos sinaleiros da cidade, pedindo moedas nas janelas dos veículos, igualmente aos mendigos urbanos. Vê-‐se ainda, criancinhas indígenas brincando no asfalto, beirando os carros, embora sob a supervisão das mães que gostam de estar sentadas nas calçadas ou nas gramas das praças públicas. Devido a isso, instituiu-‐se um recanto para esses visitantes do centro urbano. Quanta ironia! Os donos da terra vermelha, são agora, como intrusos, ou visitantes, de seu próprio território, relegados ao pouco caso dos ditos “civilizados”. (Centro Cultural Kaiangang-‐WÂRE, Inaugurado em 1999. Projeto destinado a oferecer melhores condições de vida aos indígenas, dentro do espaço urbano nas suas vindas à Cidade para comercializar seus produtos). Quadro de garças
No bar, um dos clientes estava vendendo uma tela pintada de garças, ou melhor, dizendo, um quadro de garças brancas. O Zeca se encantou e quis de todo jeito comprá-‐lo para dá-‐lo à Amélia e às crianças e enfeitar sua amada casa. Depois de muita negociação, os dois clientes do bar, chegaram à uma negociação final. O Zeca adquiriu o “quadro” em suaves parcelas. Chegou em casa feliz, mas bem atrasado nas horas. Por isso, a Amélia estava brava, e ficou mais ainda quando viu aquele quadro tão “jacu” pendurado na parede de mata-‐juntas da sala. Brigou com o Zeca, pois eles estavam em dificuldades financeiras e ele ainda foi gastar dinheiro com uma bobagem daquelas. Ele se explicou dizendo que nem sentiriam pagar aquelas suaves parcelas. Ela se indignava toda vez que olhava para a pintura que os mascates vendiam pelas ruas da cidade. O
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Zeca olhava e se enlevava imaginando o casal de garças em seu movimento lento, escorregando nas águas do Lago Igapó. A filha olhava e ficava pensando que aquele fundo verde era verde bandeira, mas havia beleza na massa branca do corpo das aves, se avolumando para fora da superfície da tela e os rabos delas eram de penas naturais de patos ou galinhas, para dar mais realidade à cena. E então ficava pensando no processo que o artesão seguiu para compô-‐la. E foi este realismo que encantou o Zeca. Vitória da Samotrácia
Já não estou correndo atrás de um trem, mas de aviões que cortam o rubro-‐anil horizonte Londrinense. Da minha janela, também vejo neste crepúsculo, a minha vida partindo como os aviões, velozmente, deixando apenas minúsculos pontos pretos, que já não posso e nem almejo alcançar. Bonecas de jornal Tia Odila?
– As minhas bonecas eram de jornal. – Papel machê, tia Odila? – Não, não. Eram de jornal mesmo, enrolado, coberto com alguma massa e
pintado. O cabelo, o rostinho, o corpo todo, era bem pintado, tudo era pintado. A carinha era linda! Eu sei que eram feitas de jornal porque uma vez, o bracinho descolou em baixo e então eu vi as letrinhas do jornal enrolado.
– E a roupinha, tia Odila, era de papel tipo crepon, como algumas que conheci? – Não, não! O vestidinho era de tecido, era de chitinha, cheia de florzinhas. Tão
bonitinho o vestido, e a boneca também. EXOSTYLES GODOYENSES – PEROBA ROSA
A exostyles godoyensis recebeu esse nome científico em latim para homenagear a Mata dos Godoy, local onde ela foi encontrada pela primeira vez. É uma árvore bastante rara e que tem características únicas que a diferenciam de suas “primas” as exostyles que nascem na floresta amazônica e na mata atlântica. Por isso o próprio aparecimento da exostyles godoyensis em Londrina – numa mata técnicamente chamada de “floresta estacionária semidecidual” (floresta em que parte da vegetação perde folhas no inverno). A exostyles godoyensis não ocorre em nenhum outro lugar do país, nem nos países vizinhos como Paraguai ou Argentina. Ela é incomum e só pode ser encontrada na mata nativa da região de Londrina.
Foi na Mata dos Godoy, em 1989, que os então pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina, Lúcia Helena Soares Silva e Vidal Mansano, se depararam com uma árvore não catalogada pela ciência. Foram quinze anos de espera para obter o reconhecimento da descoberta. A demora foi devido ao rigor dos procedimentos para reconhecimento da espécie, pois é preciso descrever detalhadamente a morfologia e o habitat da árvore e submeter os resultados das pesquisas a uma publicação científica de
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grande circulação. No caso, a descoberta da árvore londrinense foi publicada no Botanical Journal of the Linnean Society, de Londres.
ÁRVORE SÍMBOLO – PEROBA-‐ROSA
Árvore alta, de rara beleza e boa madeira, as perobas rosa despontavam nas
copas das florestas norte-‐paranaenses no começo do século XX. Em Londrina a peroba era abundante, tanto que ninguém acreditava que o progresso pudesse um dia acabar com elas. Mas hoje a peroba-‐rosa (aspidosperma polyneuron) é uma árvore rara e corre o risco de desaparecer completamente. Mesmo as dezenas de árvores adultas que podiam ser encontradas no início da década de 1970 na antiga Fazenda Santana, conhecida como “Perobal”, onde está a Universidade Estadual de Londrina, na maioria morreram. Isto porque, com a erradicação da mata nativa, a peroba perdeu seu elemento de fixação, pois ela possui raízes pouco profundas e depende de outras espécies de árvores nativas para “se apoiar” e conseguir proteção e sustentação adequada. É por isso que perobas isoladas acabam ressecadas e sujeitas a desaparecerem durante as ventanias mais fortes.
A peroba apresenta crescimento demorado e, fora de seu ambiente da mata, é difícil a peroba desenvolver-‐se completamente a ponto de atingir a média de seus vinte a trinta metros de altura.
A região norte é um dos poucos lugares onde a peroba rosa pode ser encontrada em Londrina. A região possui sessenta e dois mil metros quadrados de área de preservação florestal situada no Conjunto Luiz de Sá. Trata-‐se da Mata Ângelo Cretá, cujo nome homenageia esse cacique Kaingang falecido em 1980. A Mata Ângelo Cretá é um pedaço da mata original do começo de Londrina.
De 1930 a 1960, a peroba-‐rosa foi exterminada juntamente com 90% da mata virgem existente na região de Londrina. Essa devastação aconteceu por causa da cafeicultura e pela ação de cerca de trezentas serrarias que forneceram madeira para a estrada de ferro e para a edificação de barracões e casas dos primeiros moradores da cidade. Fonte de pesquisa; Caderno Especial – FOLHA NORTE DE LONDRINA – 8/12 a 14/12/2007 Casas de mata-‐ junta O que eu mais gostava nas casas de madeira Era a facilidade em pregar os pregos Para pendurar coisas nas paredes.
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EXALTAÇÃO ÀS ÁRVORES “ MÃE” (Antonio Correia de Oliveira, Líricas p.154, Pôrto-‐ 1946) Olha, meu filho, quando, à aragem fria De algum torvo crepúsculo, encontrares Uma árvore velhinha, em modo e em ares De abandono e outonal melancolia, Não passes junto dela, nesse dia E nessa hora de bênçãos, sem parares; Não vás, sem longamente a contemplares: Vida cansada, trêmula e sombria! Já foi nova e floriu entre esplendores: Talvez, em derredor, dos seus amores Inda haja filhos que lhe queiram bem... Ama-‐a, respeita-‐a, ampara-‐a na velhice; Sorri-‐lhe com bondade e com meiguice: -‐ Lembre-‐te, ao vê-‐la, a tua própria Mãe! (Antonio Correia de Oliveira) Líricas, p. 154, Pôrto, 1946.
AS VELHAS ÁRVORES (Olavo Bilac) Olha estas velhas árvores, -‐ mais belas, Do que as árvores moças, mais amigas, Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas ... O homem, a fera e o inseto à sombra delas Vivem livres de fome e fadigas; E em seus galhos abrigam-‐se as cantigas E alegria das aves tagarelas... Não choremos jamais a mocidade! Envelheçamos rindo! Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem, Na glória da alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, dando sombra e consolo aos que padecem! A PÁTRIA (Olavo Bilac) Ama com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! Não verás nenhum país como este! Olha que céu! Que mar! Que rios! Que floresta! A natureza, aqui, perpetuamente em festa, É um seio de mãe a transbordar carinhos.
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Vê que vida há no chão! Vê que vida há nos ninhos, Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos! Vê que luz, que calor, que multidão de insetos! Vê que grande extensão de matas, onde impera, Fecunda e luminosa, a eterna primavera! Boa terra! Jamais negou a quem trabalha O pão que mata a fome, o teto que agasalha... Quem com seu suor a fecunda e umedece, Vê pago a seu esforço, e é feliz, e enriquece! Criança! Não verás país nenhum como este: Imita na grandeza a terra em que nasceste! Patriota Ser patriota não é necessariamente ser política, É apenas reconhecer no habitat, que ele foi meu berço, A seiva que me sustentou e me formou. É amar o conhecimento que me foi dado Neste espaço que me desvendou a vida. (Marcia). “A Arte é o espelho da Pátria. O País que não preserva os seus valores culturais jamais verá a imagem de sua própria alma”. (CHOPIN, 1810-‐1849). ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO (Olavo Bilac)
Última flor do Lácio, inculta e bela, És a um tempo, esplendor e sepultura: ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela. Amo-‐te assim, desconhecida e obscura, Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-‐te ó rude e doloroso idioma, Em que da voz materna ouvi: "meu filho!" E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
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ROSALINA
Aquela senhora alta, cabelos longos, enrolados em coque no alto da cabeça, era
uma mulher mais forte do que gorda. A Dona Rosalina de Jesus Mattos, contava que quando o Zeca tinha uns dois
aninhos, ele andava pelo quintal falando; -‐ ofu, ofu! E procurando pelos ninhos das galinhas, por que adorava comer ovos cozidos. Ele cresceu forte e lindo, parecido com o Sansão e Tarzan dos filmes de Hollywood. Eram os cuidados da mãe, dando boa alimentação aos doze filhos. Ela dizia que desses seus doze filhos, o Zeca era o único que não lhe dava demonstração de carinho. Sempre frio e distante, só ficava observando tudo. Mas o que a Dona Rosalina não sabia é que de todos os seus filhos, ele foi o que mais respeitou seus ensinamentos e os pregou pela vida toda. Cada palavra dita por ela ficou guardada em seu coração como um guia, uma carta de orientação. Ele admirava sua mãe pelo caráter, pelo modo como defendia a família, pelo seu jeito valente de defender os filhos dos perigos e de tudo que considerasse injusto ou imoral. Mãe enérgica, ela batia nos filhos para educá-‐los, mesmo depois de moços, caso algum desrespeitasse suas regras de mãe. O Zeca sabia que ela era extremosa em sua dedicação, protegia-‐os com fúria, se dilacerava para salvá-‐los. Talvez devido a essa certeza de que a tudo ela daria um jeito, acharia uma solução para ajudá-‐los, que naquela noite, em seu leito de hospital, onde a torturante doença o consumia, o Zeca, aos seus setenta e sete anos de idade, pediu:
-‐ Eu estou precisando da mamãe! A filha, sua acompanhante no Hospital, indagou espantada; -‐ Quem? A mamãe “ Melha”? Pois era assim que ele chamava a sua esposa
Amélia. -‐ Não! A mamãe Rosalina! Sua filha então, na penumbra do quarto, vendo lágrimas grossas e mansas,
escorrerem de seus verdes olhos, fez uma súplica a Deus, em forma de oração. Pediu que o amor materno da Rosalina, ainda que da eternidade, pudesse trazer algum alívio a seu amado filho Zeca. Noite louca
Seus cabelos quando estavam um pouco mais compridos, se reviravam em lindos caracóis azulados. Macios caracóis que a menina só acariciava enquanto era criança. Depois, por respeito o pai manteve um afastamento e a menina lhe beijava a face então, apenas em dias especiais, comemorativos ou derradeiros no leito de morte.
Tchau pai, já volto, não demoro. E encostava o rosto na mão dele, como se fosse um beijo, mas sem a contaminação de saliva, para preservar-‐lhe, pois ele estava com baixa imunidade. Mas, pode lhe tocar a testa com os lábios, num beijo de Adeus, antes de lhe fecharem o caixão, cama na qual ninguém amado, nunca deveria se deitar.
Noite muito louca aquela! O seu filho, as duas filhas, o genro e os netos homens, lá naquele bairro distante,
sala precária, paredes com pinturas sujas, gastas. A mesa era uma banca de cimento frio, onde deveria ser colocado o caixão. Agonia inacreditável a eles. Seu rei estava morto.
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Seu corpo querido sendo esperado por eles. Inacreditável este dia ter chegado! Continuaram unidos como sempre à volta dele, num convívio que parecia ser
eterno. Mas eterno mesmo é o lugar para onde ele foi. Os filhos, estarrecidos, chocados, viram na escuridão daquela noite, o carro Furgãozinho branco, trazendo seu corpo inerte. Deu a volta na Avenida,
lentamente e estacionou à porta da sala fúnebre. O condutor do veículo abriu a porta do Furgão num baque bruto que martelou os corações da pequena família.
-‐ Ah! Mas como o caixão era pesado! Pesado demais porque continha todo o tesouro de uma vida encerrado num
corpo de homem grande, quase um gigante, como disse seu irmão Júlio: -‐ O tombo de um gigante repercute. Mas os homens da família aquentaram altivamente, cerimoniosamente, como
deveria ser mesmo, carregado aquele homem que lhes dedicou o melhor de si, deixando o exemplo de dignidade humana e missão de pai honrado.
Ele aquentou nossas falhas e as supriu com seu amor. Como não aquentar agora seus despojos, seus restos. Aquele corpo afetado pelos reveses que nós mesmos lhe causamos. Ele gastou com a família toda a sua força e capacidade de cacique e guerreiro. Assim ele se via; o chefe e mantenedor do bem da família. Visita ao tio.
A menina foi ao Hospital visitar o tio. Lá chegando encontrou um gigante deitado no leito. Surpreso ao vê-‐la, mas feliz, no silêncio de solidão, só sorriu. O paciente ao lado, fez gracinhas com essa sua sobrinha. O tio quebrou o silêncio,
mandou o homem calar a boca e exigiu respeito. A velha sobrinha, em pensamentos reclamou; -‐ Por que é tão oneroso manter a saúde de nossos velhos? -‐ Nossos heróis mereciam ser mais bem tratados. Depois, o tio pediu à sobrinha que desejava ir embora para casa. Comentou o sofrimento, explicando que seu corpo hoje, sente as consequências
da vida tão sofrida que levou. “-‐ Nós fomos muito sofridos...” ,assim ele falou.
Outro dos tios
Numa tranquila tarde, a menina velha ouviu seu querido tio, muito triste dizer-‐se incompreendido.
“-‐ Eu fui muito sofrido. Trabalhei tanto nessa Cidade, enfrentei tanta dificuldade... Naqueles tempos, conforme eu andava, eu ia crescendo em altura. Era a massa
de barro, em dias chuvosos, colando em meus calçados, formando saltos altos nos sapatos, cada vez mais grossos e mais pesados. Em sol ou chuva, não podia parar. A responsabilidade me chamava, exigente.”
Seu corpo sofria enquanto ele sonhava. “-‐ Agora não enxergam meu valor, o meu caminho de lutas vencidas.” É que, ninguém sabe meu lindo tio.
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Costurando colcha
A Rosalina escolhia os retalhos dos panos mais bonitos, pedaço em pedaço, juntava-‐os, costurando, costurando, costurando, e nisso, não se dava conta que sua família também estava se tornando igual uma colcha de retalhos. Valsando É inebriante deitar-‐se no chão e contemplar os urubus no alto céu-‐azul, plainando em voltas fazendo coreografia de valsas.
Jornal – uma crônica Matéria publicada no jornal santista A Tribuna em 8 de setembro de 1996:
MEMÓRIA DO ARLANZA Saudades do navio inglês Arlanza, o qual trouxe muitos imigrantes para o Brasil, e entre eles o jovem português, de dezessete anos, Manoel Henriques Catharino. Durante anos, Santos foi porto de escala do transatlântico Da Reportagem: O pesquisador Laire José Giraud afirma que ficou emocionado ao descobrir, relendo uma edição de 1954 de A Tribuna, uma crônica sobre o Arlanza, que tantas vezes visitou Santos. Segundo ele, o autor da crônica é desconhecido, mas ele o imagina um homem com 70 anos, na época, profundo conhecedor do transatlântico inglês e que teria trabalhado em uma casa exportadora de café (termo usado no comércio cafeeiro até os anos 60). O escrito foi encontrado dentro de um livro antigo, adquirido num sebo. A matéria era ilustrada por uma foto do Arlanza, tirada antes da Primeira Guerra Mundial. A crônica -‐ O clichê reproduz fotografia tirada do Arlanza saindo do Porto de Santos em viagem anterior à Primeira Guerra Mundial, dois anos antes de cuja deflagração em 1914, havia, sido construído em Belfast e posto na linha da Mala Real Inglesa para a América do Sul, inicia o autor. Naquele conflito, o Arlanza foi convertido em unidade armada do 10º Esquadrão de Cruzadores, tendo entrado em ação em abril de 1915. Patrulhou os mares do Norte, desde então a outubro, chegando até a Rússia, de onde ao sair, a 20 do mesmo mês, de Arkangel, conduziu um número grupo de oficiais, e portador de uma carta autógrafa do Czar, expondo ao governo inglês as necessidades do Exército e da frota russos. Tesouro -‐ Nessa ocasião também levava um carregamento de platina avaliado em 500 mil libras esterlinas e, tendo dois dias depois batido em uma mina, assim mesmo pôde continuar a viagem, embora rebocado. Voltando às regiões glaciais, ficou preso entre gelos de novembro de 1915 a junho de 1916, o que o obrigou a uma temporada nos estaleiros, de onde saiu em novembro para
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continuar no patrulhamento, que fez até agosto de 1917, quando passou para o serviço de comboios e fez também viagens a Santos. Foi desmobilizado em dezembro de 1918, no porto de Liverpool, mas somente em julho de 1920 voltou à sua linha regular da América do Sul, tendo percorrido em ação de guerra 145.816 milhas. Santos -‐ Do nosso porto nunca mais se afastou, e a sua última viagem de volta à Inglaterra deu-‐se em agosto de 1938, para ser destruído. Nos seus 26 anos de serviço, o Arlanza navegou 2 milhões de milhas, e recebeu uma placa de bronze, na qual constavam o salvamento de um navio mercante italiano, o Casmona; o transporte do príncipe de Gales, do Rio para Grã-‐Bretanha, e o transporte do rei Afonso XIII, quando este monarca tinha visitado a Inglaterra, em julho de 1930, e regressava à Espanha. Se não é tudo isso que nos dá saudade do Arlanza, é a sua regularidade pelos muitos anos de escalas em Santos, como um forte elo decorrente de boas relações entre dois povos. Lembramo-‐nos de que o comandante do Arlanza era o capitão Artur Coks. Por onde anda ele agora? Sobreviveu à guerra ou não? -‐ finaliza o auto. MEMÓRIA Gisele é o nome da boneca da menina. Hoje Gisele é uma boneca viva, Linda como deve ser mesmo uma boneca. Um dia ela se tornará menina mãe E vai entender o que é ser filha. Depois vai se tornar avó E vai entender o que é ser menina velha, E só então vai compreender A importância da memória. TREM Vou correr atrás do tempo como quem corre atrás de um trem Para tentar coletar vozes daqueles que partem levando consigo, o testemunho vívido de uma época em que o embate do homem com a árvore, culminou na extinção de uma paisagem florestal, dando lugar, ao nascimento de uma pujante cidade. PÉ-‐VERMELHO
Conta-‐se que lá pelas bandas do Rio Tibagi, entre os rios Paraná e Paranapanema, nasceu um povo conhecido como “pé vermelho”.
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Esta civilização foi assim chamada porque desde a tenra idade, seus filhos tinham os pezinhos tingidos desta cor, pela terra vermelha de basalto de vulcão.
A terra era muito fértil e sobre ela se estendia uma estupenda floresta, composta por gigantescas árvores, em cujo seio habitavam e subsistiam, animais hostis, mas belos na sua integridade, até então tocada apenas pelos indígenas, primeiros pés-‐vermelhos daquela região.
A humanidade se desenvolvia, aumentava e explodia, exigindo mais espaço e mais riqueza. Logo descobriram a generosidade da terra roxa, onde viviam os primeiros pés vermelhos. Depois dos posseiros, grileiros, latifundiários, chegaram os desbravadores, imigrantes e migrantes, chamados pioneiros daquela que seria a Capital do Café, a Grande Londrina, cidade de braços abertos ao povo não só do Brasil.
A notícia e a propaganda que circulava na Europa e até no Oriente, chegou aos ouvidos de pessoas bem mais próximas, e estas eram os trabalhadores paulistas e mineiros. Estes migrantes viram na promessa da Cia de Terras Norte do Paraná, a oportunidade de possuir um pedacinho de terra própria. Especialmente esta, a terra roxa, os atraía, porque sendo fértil, fazia crescerem plantas e hortaliças gigantes, como era tudo o mais que ali acontecia até mesmo a coragem dos desbravadores, enfrentando disputas acirradas, feras, clima hostil, insetos, doenças, poeira ferruginosa, vendavais, chuvas frequentes e lama.
Porém, a labuta naquela terra, era amenizada pela esperança de realizar um sonho e também pelo constante convívio com pássaros canoros, pequenos e delicados animaizinhos, carícias de uma rajada de brisa fresca, de quando em quando, a chuva mansa e repousante. O céu quase sempre se tingia de azul anil enquanto nele passeavam lentamente as macias nuvens de algodão, salpicadas por urubus em sua dança maviosa.
Era uma visão de Reino Encantado, o cenário perfeito com luminosidade cinematográfica, o palco de uma história de bravura e entusiasmo. Este foi o cenário que Manoel Catarino encontrou e onde montou seu rancho e fincou o destino de sua família.
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Extraordinário o Caminhão de Tora
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) Caminhão de tora: Antonio Henriques Catharino, 1947 Londrina -‐ PR
O extraordinário nesta fotografia é o espanto que ela causa por apresentar o tronco ou a tora de uma árvore que consegue ser maior que o caminhão que a carrega. O caminhão também é extraordinário e representa a força e o peso de máquinas tão brutas como aquele próprio tempo exigia. Suas cabines eram cortadas para darem mais lugar às toras, e tanto o chassis, como o motor, precisavam ser muito robustos para competirem em forças com as toras no equilíbrio. Esta fotografia traduz toda uma época em que somente a força de um sonho poderia fazer acontecer. Era o sonho de melhorar de vida, a esperança de se libertar do jugo da submissão e possuir seu próprio negócio, seu pedacinho de terra, e foi isto que fixou tantas famílias neste chão chamado Londrina. A terra era mesmo fértil, a propaganda era boa, confirmava o lugar de progresso e o fenômeno continua acontecendo. Londrina “de braços abertos” em pleno terceiro milênio recebe pessoas do mundo inteiro.
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“O MORRO DOS VENTOS UIVANTES”
Não é num morro, mas no Terceiro Planalto Central, norte do Estado do Paraná,
onde sempre antecedendo a uma grande tempestade, ouvem-‐se uns uivos. São uns uivos parecidos aos de animal ferido. Talvez seja o vento fugindo das cenas do passado, cenas de morte e extermínio, de disputas pela terra.
O vermelho deste chão não é somente geológico, pois ele foi também tingido de sangue. Foi derramado o sangue de pessoas que aqui viviam bem antes dos primeiros migrantes paulistas e antes dos ingleses capitalistas.
O vento horrorizado passa, e na sua correria, vai derrubando tudo em seu caminho. Atrás dele vem a tromba d’água, querendo lavar, lavar, lavar tanta injustiça e sofrimento. Foi a ganância que irrigou com sangue esta terra. JURITIS Final de tarde em tempo nublado, com céu branco e poucas nuvens em azul-‐claro. O casal de pombas-‐ juritis, coçando-‐se ora viram-‐se para mim, ora viram-‐se para lá. Apreciam a paisagem cinza como elas e cinza como o velho telhado. Grafite nas asas, grafite nas telhas, de verde somente as folhas da primavera com seus brotos siena dourado. Muito ao longe, às vezes, aparecem pequenos pontos pretos; outras aves cruzando o espaço. Melancolia no frio e na cor, então, as duas se aproximam, se protegem. Companheiras, parceiras no desígnio de sobreviver. No desenho que se vê, em primeiro plano, a primavera em broto é vida. No segundo plano, o cinza subjetiva a intuição da tarefa, procriar. Depois, apenas as duas, sobre o balanço do quintal, se beijam. HORTÊNCIAS Ele se foi, deixando para mim o jardim de hortênsias, mas a inquilina insensível, Arrancou nosso jardim e fez ali, a garagem do carro dela. Agora, não posso mais enfeitar o túmulo dele com o azul e o lilás das flores. HERCULES O Zeca projetou um futuro de glórias para seu filho homem, Mas, Deus projetou a força de Hercules neste seu filho, Para que ele pudesse sustentar em seus braços, o peso do corpo, do querido pai que se despedia da vida. Glória de ambos em poder dar e receber amor paternal, amor filial.
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QUESTÃO DE PROFISSÃO O pai sonhava um filho para continuar sua empresa, mas o filho, sonhava a mesma paixão do pai e preferiu continuar apenas motorista de caminhão. Assim, o filho fiel levantava-‐se muito cedo para juntamente com ele, começarem a faina de formiguinhas, todo dia abrindo crateras na terra vermelha, onde plantassem os prédios de Londrina. CARTA DE 1º DE ABRIL Londrina, 1º de abril de 2013 Meu querido pai Zeca Tivemos que vender a nossa casa da Rua Apucarana. Hoje, preparando a mudança, achei aquele vidro de sementes que o senhor trouxe para plantarmos na Chácara que íamos comprar. Mas, não houve tempo, né pai? – Que dó!... Um beijo em suas mãos, estas mesmas, machucadas de tanto arar o destino, para agora, nós, colhermos o seu amor. Com carinho da filha que te ama Marcia Endereços: Para Ilmo Sr José Catarino Rua da Saudade, nº 2009 Bairro Jardim do Amor Eternidade – Céu CEP 00000-‐000 Remetente: Marcia de Fátima Catarino Pelarim Rua Fulgêncio Ferreira Neves, nº 525 Bairro Jardim Coliseu Londrina – Pr. CEP 86076-‐010 TÃO SÓ Ela está tão só Apenas seus olhos vivos Brilham no deserto que ficou. Ele levou consigo o encantamento Que ela não viu mais. Ela sabe, alvoroçada, Que perdeu o abraço abrigo E a ilusão de sonhar.
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FAINA Somente em momentos de muita chuva o Zeca parava a sua faina. Aí sossegava o coração, havia percebido já que o sinônimo de Londrina era trabalho. Mas a chuva Deus mandava para por cada coisa em seu lugar. Fazer meditar a natureza. E isso, ele também respeitava. “-‐ Deus manda, Deus sabe o que faz.” BRIGOU COM A MORTE Ouvi a Amélia, com tanta raiva, brigar com a morte:
-‐ Você é feia morte, eu te odeio! -‐ Você é má, é horripilante. -‐ Você me tirou minha mãe quando eu era ainda menina, tirou meu pai, meus
irmãos, e agora me tirou o Zeca. Você não tem educação, entra sem pedir licença, sem avisar, invade a vida das pessoas. Você tem prazer em separar aqueles que se amam. Sempre lhe pedi para me levar primeiro, mas não, você não me quis, só para contrariar, me fazer sofrer.
-‐ Morte você é cruel, eu te odeio! Depois se acalmou. Pediu perdão a Deus por tanta insensatez, pois havia ficado
louca de dor. VALE RUBI DAS LAVADEIRAS
O Vale Rubi ficava dentro do pasto de uma Fazenda cercada por arames farpados.
Ali estava a mina de água, nascente do Rio Rubi, um riacho límpido onde as mulheres lavavam roupas. Hoje, bem perto de sua minguada nascente, está um campinho de futebol, mas naquela época havia em suas margens, Santa Bárbaras (cinamomos), tão antigas que as crianças corriam pisando seus troncos largos, para se atirarem na lagoa. Mais para o lado da atual Rua Astorga, em baixo do Pontilhão, ainda há uma mina de água.
Ela formava uma lagoa maior, por isso foi escolhida pelas lavadeiras de roupas. Estas donas de casa se reuniam ali para baterem roupas em meios troncos serrados de árvores, cuja extremidade ficava submersa na água, e a outra ponta, o batedor, era apoiado e preso num outro pedaço de tronco na beirada do córrego. Depois de lavadas as roupas eram estendidas nos galhos de arbustos ou na cerca de arame farpado, para secarem. Pela hora do almoço algumas crianças traziam as marmitas para as mulheres. As casas ficavam na Rua Maringá, onde outras mulheres preparavam o almoço para mandar para as que estavam no Vale lavando roupas.
A matrona Rosalina, servia para suas filhas e noras e vizinhas, “um golinho de pinga”, para tirarem a friagem da água fresca nos pés. Havia esse cuidado com as mulheres para não perderem a saúde. Era um tabu, achavam que a mulher ao tomar friagem nos pés, ficaria barriguda ou poderia afetar-‐lhe os pulmões. Enquanto as lavadeiras amigas cantavam e contavam histórias, as crianças faziam algazarra nadando
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entre lambaris, ou se pendurando nos cipós. Cuidado com as urtigas venenosas e espinhudas e também evitar se embrenhar na mata para não pisar em cocô de gente.
Ali não havia banheiro ecológico. Ou era ecológico? As meninas admiravam os pássaros variados e colhiam orquídeas e bromélias para enfeitarem as casas simples com chão de assoalho em madeira, lixado e encerado, todas as sextas-‐feiras de todas as semanas, pois era este o dia da faxina doméstica. Quando chovia, costumava-‐se espalhar pó de serra no chão para amenizar as pelotas de barro coladas na sola dos sapatos. Eram os moleques quem buscavam o pó de serra nas serrarias das redondezas (Serraria Batistella e Policastro) e com as carriolas feitas por eles mesmos. Com as carriolas os meninos também iam vender sabão caseiro. Todos tinham suas funções naquela sociedade iniciante, todos colaboravam entre si. Os jovens tinham orgulho de ser aprendiz de alguma profissão. O orgulho das moças era aprender corte e costura e as demais prendas domésticas que eram: cozinhar, bordar, lavar, passar... Ao lado de todo portão ficava um “raspa pés”, era como uma faca de ferro esticada na horizontal e sobre dois toquinhos nas extremidades, isto servia para raspar a sola dos sapatos e tirar o excesso de barro nele colado. Faziam-‐se também, capachos de tampinhas de garrafas, para limpar a terra dos calçados. Todo dia tinha o cheiro bom de fumaça de lenha queimada misturando-‐se com o aroma de alho e cebola fritos na banha. Feijão, arroz, torresmo, na panela de ferro. Ovos quentes para as crianças crescerem fortes.
Garapa de cana, limonada ou groselha, mas guaraná “Caçulinha” ficava reservado para as festas e suas tampinhas furadas com pregos, para virarem tipo de mamadeira na boca das crianças, sugando o guaraná. Passar roupa era demorado e sofrido. Enchia-‐se com brasa acesa, a barriga do ferro de passar roupa, ia assoprando as brasas para não apagarem e pressionava-‐o sobre as roupas de algodão ou linho, geralmente brancas, como as camisas e os lençóis. Era um trabalho caprichoso e bonito de ver depois, tudo lisinho, dobradinho com amor. Algumas vezes a cinza escapava do ferro e sujava a roupa. RAINHA DO ABISMO
Planta que algum indígena ainda vende nos sinaleiros. Família gesneriaceae, classe magnoliopsida Sinningia Douglasii. Existem 2.000
espécies e 140 gêneros. Ocorre em regiões tropicais e subtropicais (Mata Atlântica e Floresta Ombrófila
Densa ou Floresta Ombrófila Mista. Floração nos meses de agosto, setembro e outubro. Referências: Farzza, Rafaela Campostrini. Catálogo de Plantas e Fungos do Brasil.
ERA IMPORTANTE?
Sempre soube, desde criança que isto aconteceria, e quando meu pai adoeceu,
pela primeira vez aos setenta e sete anos, minha certeza era quase total. Realmente Deus torna a morte misteriosa. Tinha a esperança de que meu pai resistiria ainda alguns dias, talvez meses. Então, de qualquer modo foi-‐me uma surpresa quando a enfermeira anunciou que ele tinha apenas meia hora de vida.
– Você tem certeza do que está dizendo? Dentro de meia hora cabe a retrospectiva de uma vida de setenta e oito anos? Como é possível aceitar, que ele teria
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que descer nesse ponto da nossa viajem? Mas aceitamos, resignados por temor a Deus, que é a sabedoria suprema.
A partir daí, da surpresa inesperada de ouvir esta “meia hora”, nada mais aconteceu como prevíamos, até o velório dele, não foi no mesmo local dos velórios dos outros parentes nossos. Naquela noite a ACESF e todas as capelas mortuárias da cidade, estavam ocupadas devido a um grande acidente ocorrido na BR369. Dessa forma o velório dele aconteceu lá nos “Cinco Conjuntos”, na sala de velórios do Cemitério da Saudade.
Alguns amigos e conhecidos não acharam o local e outros nem ficaram sabendo. Por isso ainda apareceram lá em casa, por muitos meses, pessoas procurando por ele, para visitas ou negócios, e se espantavam e lamentavam sua morte. Ele morreu exatamente à meia noite, horário muito especial para ele, e todo ano, na passagem do Ano Novo, ele descarregava sua “mause”, dando salvas de tiros para festejar o ano novo que se iniciava. Depois, estourava “champanhas” para nós, não falava nada, apenas provia tudo e ficava em seu canto nos observando, e rindo da bagunça. Mesmo com seu jeito “quietão”, promovia todas as nossas festas. Em nossas dificuldades, a camionete dele parava em frente de nossas casas, ele estendia sua mão e nos socorria no que fosse preciso.
Sempre dizia: “Vou dar um jeito”. O Zeca tinha muitos amigos e era muito querido mesmo. No cortejo dele, havia tantos carros acompanhando-‐o até o cemitério São Pedro, que ao passar pelo centro da cidade, os estranhos perguntavam se tinha falecido alguém importante.
– Tinha sim, tinha morrido alguém que transformou nossas vidas em alegria e esperança sempre. Nos fez acreditar que tudo vai dar certo. Ensinou-‐nos a vermos beleza e Deus, em cada simples detalhe. Provou-‐nos que com perseverança e trabalho, podemos realizar nossos mais caros ideais. Valorizou a amizade e o respeito pelo sentimento das pessoas. Os sobrinhos não esquecem o tio brincalhão, contador de histórias, de piadas e dispensador de atenção especial às crianças.
Lembro-‐me com tanta saudade daquela figura de homem grande, bronzeado pelo trabalho sob o sol de Londrina, forte no físico, forte na alma, mas com tanta ternura nos olhos. Ela era um bruto romântico, tinha o coração de sonhador. Ainda naquela idade, e mesmo com o AVC que o aprisionou, ele tinha planos. Foi meu herói, meu amigo. Eu fui rica de pai, e serei sempre rica, porque dentro de mim ele viverá eternamente.
A existência dele foi indicar o caminho que sobrepuja todo o sofrimento, para fazer valer, somente o amor. Em sua doença, nem por um minuto, se revoltou ou reclamou. Aceitou em silêncio, com coragem e esperança. Meu pai foi um homem valente até o fim, e isso eu disse a ele, não sei se ele me ouviu, mas sei que seu coração ainda batia, quando beijando suas mãos, lhe agradeci pelo amor, pela dedicação, pelo trabalho, pelos conselhos, pelos exemplos e pelo maravilhoso pai que ele foi. Valeu pai! A sua vida valeu muito! Assim lhe falei. E completei:
-‐Até logo, até quando Deus quiser, pai.
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VIAGEM DIFÍCIL
As duas irmãs e os dois irmãos eram muito unidos, mas o Antonio era aventureiro,
sempre se mudando para outras cidades. Desta vez, o ”Tonico” e a “Liva”, eram assim chamados carinhosamente pelos seus irmãos, os queridos Antonio e Olivia, estavam morando em Umuarama. A saudade apertou, o Zeca pôs a Amélia e as meninas no caminhão, o filho homem dele ainda não tinha nascido, e seguiram a longa viagem, quase um dia e uma noite. Depois de Maringá, era tudo mata fechada e acabava o asfalto. Foi num ponto bem além que o caminhão quebrou.
A estrada de terra, uma verdadeira picada no meio da mata, estava de tardezinha e não havia outro jeito senão o Zeca, a pé, com a peça nas costas, procurar ajuda na parada mais próxima. A estrada estava deserta, sem movimento, portanto não havia esperança de carona ou auxílio. O Zeca sumiu na estrada de chão batido e no escuro da tarde. Caminhou o mais rápido possível, pois deixara toda a sua riqueza naquela cabine de caminhão. A Amélia abraçou as meninas, ficou contando histórias para distraí-‐las, mas foi tenso. Dos dois lados da estrada batida, estava a mata fechada, repleta de árvores frondosas de onde pendiam um emaranhado de cipós e centenas de pés de palmitos. Ouvia-‐se o pio de todo tipo de pássaros e os gritos de macacos e outros sons de bichos inimagináveis. Foi uma noite de terror, porque, ouvia-‐se também os rugidos das onças.
A Amélia rezou até ver de madrugadinha o Zeca apontando na comprida estrada à sua frente. Que alegria! Ele conseguiu um jipe para trazê-‐lo. Consertou o caminhão e eles chegaram felizes na casa onde os irmãos e os três sobrinhos os esperavam para o Natal. PAU-‐DE-‐ARARA
Num determinado Natal, o Zeca organizou um grupo maior para a viagem, pois
sua mãe, também estava morando em Umuarama. (Umuarama em indígena quer dizer reunião de amigos). Seu caminhão era de carroceria e ele o transformou num pau-‐de-‐arara. Não era aquele mesmo “pau-‐de-‐arara”, instrumento de tortura usado pela ditadura militar. Nesse contexto, o pau-‐de-‐arara, era um caminhão com a carroceria coberta por uma lona de encerado, onde os trabalhadores rurais iam segurando nos paus da armação, enquanto eram transportados para as lavouras ou abertura de estradas e construção de pontes. Mas, no caso da família festeira, a intenção era outra. Por isso, o Zeca cobriu a carroceria com lona encerada e a Amélia forrou todo o chão com acolchoados, mais cobertas e travesseiros, para a comodidade dos passageiros.
O final da carroceria ficou reservado para as bagagens, os alimentos, os presentes de Natal e o fogareiro para as cunhadas mais novinhas, fazerem o mingau de seus bebês. Havia uma parada bem além da cidade de Maringá e da “Ponte Funda” perigosa, estreita e funda, porque nem se via a água lá em baixo. Assim chamavam a ponte porque era velha, de madeira esburacada, mal dava para encaixar os pneus das conduções. Ali o Zeca passou bem devagar, calculando para não errar. Os sobrinhos moços desceram para amenizar o peso. Depois da travessia da ponte, chegaram à parada da vendinha do
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Lambari. Esta venda ficou assim conhecida porque os viajantes, ali compravam pacotes, desses amarelos, grandes e cheios de lambaris fritos.
Uma delícia cujo gosto a memória ainda traz à boca. As crianças brincavam na lagoa rasa do lugar, vendo as pedras e os peixinhos no fundo, de tão límpida aquela água. As mulheres acendiam o fogareiro para preparar mais mamadeiras. Todos comiam o frango empanado, os sanduíches e outros alimentos que traziam. Os homens, irmãos, compravam guaraná e guloseimas na vendinha, conversavam com o dono do estabelecimento e aproveitavam para tomar uma pinga. Depois do bom descanso de todos, partiam satisfeitos para continuarem a jornada entre a mata. Em Umuarama, a avó Rosalina e o avô Manoel já tinham encapado com papel craft, todos os muitos bancos e mesas do quintal. A despensa estava abarrotada e lá dentro a criançada sabia das inúmeras latas cheias de rosquinhas-‐de-‐pinga. A avó nunca regulava alimento algum.
A fartura era uma beleza! Depois de uns três dias já era Natal e o Papai-‐Noel chegava, na casa da Olívia e do Antonio, porque era lá que o suposto Papai-‐Noel estava hospedado e também lá, ficavam as roupas dele, para as crianças não verem. O Zeca se vestia de Papai-‐Noel e seus irmãos solteiros, tentavam sabotar a brincadeira tradicional, então aquele Papai-‐Noel maluco, prendia-‐os no canto da sala, mandava-‐os rezarem o Pai-‐Nosso de trás pra frente e se errassem apanhavam de bengala, improvisada por um cabo de vassoura. Os pequenos se perguntavam por que o Papai-‐Noel ficava bravo e os tios peraltas, ainda riam tanto. Havia um suspense, aquele quarto ficava fechado, a tia Alice segurava a porta para os irmãos não entrarem e nele tinha uma janela baixa.
Depois de espera demorada, a Olivia olhando pela porta da sala, anunciava a chegada do “velhinho”. Ele entrava de vagar, com dificuldade, se apoiando na bengala, era recebido na sala em penumbra. As mulheres dispensavam todo cuidado a ele, ensinando como devia se tratar um velhinho cansado que veio de muito longe. As crianças emudecidas tratavam-‐no com desvelo e ofereciam-‐lhe doces. Ele pedia com voz muito baixa e fraca, para porem os doces num pacotinho para ele comer depois. Dava medo, aquela máscara mal feita, com bigodes e barbas brancas e os olhos por trás de dois buracos. O vermelho da roupa era esplêndido como a emoção do momento.
A Amélia e a Olívia iam ajudando o Papai-‐Noel a ler os nomes da cada criança, escritos nos pacotes de presentes. Depois ele se despedia alegando cansaço. Alguém o ajudava a sair para o jardim e as crianças se preocupavam em abrirem os presentes. Os irmãos mais jovens do Papai-‐Noel até lhe davam uns tapas no gorro e o chamavam de velhinho safado porque não lhes trouxe presentes. Os pequenos pensavam no atrevimento dos tios, enquanto a jovem tia Alice, dava vassouradas nos seus irmãos para proteger o Papai-‐Noel. Era tudo teatro para as crianças, mas todos se divertiam muito. As mulheres costuravam a fantasia do “bom velhinho” e esta roupa ficava escondida em uma caixa, em cima do guarda roupas esperando até o próximo Natal.
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CARTÕES
Aquele exotismo trazido pelos cartões natalinos, com árvores secas, ou pinheiros,
neve e azevinhos, choupana e Jesus na manjedoura, aumentava a expectativa da noite mágica. A gente entrava num mundo de fantasia onde tudo de bom poderia acontecer. O Papai-‐Noel vinha do Reino Encantado que era assim: Sua casa, uma fábrica de brinquedos, e os duendes moravam lá, construindo brinquedos o ano todo. Por conta da Mamãe-‐Noel, ficavam os quitutes, os bolos e os doces, servidos antes do Papai-‐Noel sair entregando os presentes, pois lá também era Natal. CHUPETA
A Gisele sempre foi determinada e corajosa. Já estava com quatro anos e não
queria largar a chupeta, e o pior é que só queria então a chupeta velha, a verde. Foram-‐lhe dadas as chupetas mais bonitas e cheias de invenções infantis, mas ela preferia a verde, velha, simples e apodrecendo. Vai entender! Então a sua mãe lhe contou que o Papai-‐Noel precisava de mais chupetas para a grande árvore natalina no jardim do reino encantado. Uma linda borboleta entrava à noite na casa das crianças e recolhia as chupetas que elas desejassem doar. Porém, não tinha mais volta, porque ninguém iria estragar a linda árvore, tirando-‐lhe algum enfeite. Quando as chupetas chegavam, a Mamãe-‐Noel as decorava com laços de cetim, colava-‐lhes, lantejoulas e pó de gliter, e elas ficavam lá, penduradas na árvore, reluzindo, piscando e acendendo todo o jardim com seu brilho. Que a Gisele pensasse bem, e se decidisse doar a chupeta, era só colocá-‐la na mesinha da sala e ir dormir. Olhou firme para a mãe, pensou com os olhos grandes, rapidamente colocou a chupeta sobre a mesa e foi para o seu quarto. Na manhã seguinte, ao levantar-‐se correu para a sala, certificou-‐se de que a linda borboleta havia passado por lá, pois a chupeta não estava mais. Olhou para a mãe com os olhinhos pestanudos, angustiados, marejados. Aí, deu um sorriso decidido, orgulhoso. Nunca mais falou na chupeta verde e nem em outra qualquer, mas a mãe guardou a tal chupeta verde, no caso de arrependimento. IGUAL O PRESIDENTE LULA
Nos tempos de menino, o Zeca foi trabalhar de aprendiz na serraria, acidentou-‐se
na serra e perdeu o dedo mindinho da mão esquerda. Ao casar-‐se, ele não intimidou-‐se por isso, regras são regras e esta ele tinha satisfação em cumprir. Portanto, ele passou a usar a aliança normalmente, no dedo vizinho do mindinho, e isto chamou mais a atenção para o defeito na mão. Nas festas de Natal da família, era sempre ele o Papai-‐Noel. Num destes natais, quando o Papai-‐Noel chamou pelo nome da menina, ressabiada ela se aproximou mais do “velhinho” arcado e enquanto respondia a ele, se tinha sido uma boa menina durante o ano, se tirou notas boas na escola, se foi obediente à mãe, se não brigou com a irmãzinha, a menina viu pelo buraco da máscara que ele tinha os olhos verdes como os de seu pai. Ao receber o pacote de presente das mãos do Papai-‐Noel, a
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menina notou também que lhe faltava um dedo na luva branca e da mão esquerda. Nessa noite a menina compreendeu a extensão do amor dos pais.
PEÇAS INFANTIS
Na série de peças executadas na aula de escultura com a professora Tãnia,
busquei fazer um trabalho reflexivo sobre os afetos e relacionamentos sociais. São objetos expositivos para encantar o observador. Lembram personagens de histórias infantis, dando exemplos de moral, de virtudes e com toda a alegria fantasiosa. É para tocar a criança que ainda vive dentro de nós, fazendo-‐nos percorrermos de novo, a mesma sensação de felicidade ingênua diante do mundo. São eles bichinhos com roupinhas pintadas imitando pano, tecidos, para lembrar os brinquedinhos e maquetes onde as crianças interagem com a vida. Os bichinhos que convivem conosco no dia a dia, na casa ou no quintal, nos proporcionam alegria só de ver o seu modo de sobreviver. Podemos comparar algumas características deles nos humanos e dos humanos neles. Ao dividirem o mesmo espaço doméstico, em camarada convivência e parceria, são exemplos de amizade e fidelidade. As crianças em sua simplicidade fazem comparação das famílias humanas com as dos animais. Todos têm suas casinhas, comidinhas, papai, mamãe, ovinhos, brinquedinhos, roupinhas, e etc. É TECIDO, É PANO, É CARINHO.
A peça de tecido alpaca sobre o balcão da loja, e a fita métrica, como o balcão, era
de madeira. O tecido tão liso, tão engomado, um cheiro de novo, de tinta ou de goma talvez. As mãozinhas delicadas de minha mãe, deslizando sobre ele. Com “olho arguto”, ela examinava se era de algodão puro mesmo. Jogo de olhar, de apalpar a linha reta, deslizando sob a mão, na textura de fios finos entrelaçados. Depois, na camisolinha, eu sentia o conforto, a maciez. A cor suave, com florzinhas espalhadas, como se estivessem ao vento, voando. Voando como o meu pensamento, na memória de um tempo puro, onde tudo à nossa volta conseguia nos tocar, provocar. Era o corpo e o meio, completamente integrados, naturais, manufaturados. E o som inquietante da máquina de costuras... Mamãe em casa. BUCHEIRO
Outra carrocinha curiosa que havia, era a do bucheiro. Ele vendia de portão em
portão os miúdos do boi, ou seja, o fígado, o coração, os miolos, o bucho. Tinha dia certo para o bucheiro passar, por isso o cardápio doméstico seguia, uma certa rotina organizada. Sempre naquele tal dia da semana, a gente comeria fígado frito ou dobradinha de bucho. Até do miolo do boi fazia-‐se um bolinho, temperado com cheiro verde, empanado e frito. Muito delicioso aquele bolinho que a menina nunca mais comeu depois que descobriu que ele era feito de cérebro de boi.
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VERDUREIRO
A maioria dos quintais tinha horta e pequeno pomar, mas para reforço, passava
toda semana, o verdureiro com uma charretinha carregada de caixotes de frutas e de verduras. Mexerica, poncan, laranja, tangerina, banana, uva, manga, abobrinha, tomate, alface, abóbora para doce, batata, couve flor, acelga, mostarda, rabanete, beterraba, berinjela, ovos de galinha, e outras coisas boas mais. O verdureiro usava chapéu para protegê-‐lo do sol sempre escaldante. Lá em casa tinha tudo isso, mas às vezes estavam ainda brotando, nascendo. Os vizinhos também tinham costume de fazerem gentilezas e oferecerem aos demais, tudo de gostoso que produzissem em seus quintais ou pratos típicos de suas cozinhas. Por isso, ninguém passava vontade de nada. Apenas uma vizinha, muito introspectiva, vendia bacias de mangas coquinho para as crianças. Havia mangas por todo lado, mas talvez por que aquelas eram reguladas, é que as crianças desejavam mais. Mas também, o pé dessa mangas ficava no alto do terreno, e as suas frutas, amarelinhas ao sol, ficavam oferecendo-‐se. BIJUZEIRO
O Bijuzeiro também passava na rua vendendo bijus, carregando nas costas um tamborete de lata com uma roda da sorte na tampa. Ele tinha um apito para assanhar as crianças e avisar que estava passando. Quando as crianças compravam um biju, tinham o direito de girar a roda da fortuna e se ela parasse no prego do número escolhido, elas ganhavam mais um biju. Esta roda da sorte tinha raios divididos por cores e por números. Tudo se ligava naquele universo infantil: As mesmas cores da lona do circo, os gira-‐giras, nas rodas do circo, na roda da sorte, na roda do pirulito, do bambolê, do pião, da bola, da pipa.
CARROCINHA DE PRENDER CACHORROS
Puxada por cavalos, esta carrocinha era uma grande gaiola. Os carroceiros, dois
ou três, eram laçadores de cachorros. Todo cachorro que estivesse na rua quando eles passavam, era laçado e levado para lá do Lago Igapó. Dizia-‐se que os matavam para fazer sabão deles. A menina ouviu os latidos dos cães e os berros dos laçadores. A carrocinha já estava cheia de cachorros, de toda raça ou de “vira latas”. O “portãozão” do quintal estava aberto para facilitar a entrada do caminhão do pai ,que estava para chegar.Então, de medo que seus cachorrinhos saíssem do quintal, a menina se atirou ao chão, abraçou seu cachorrinho branco, o “Perigo”, que já estava beirando o portãozão. A menina o apertou em seus bracinhos e gritava desesperadamente que de seu cachorrinho ninguém iria fazer sabão. O cachorro envolto no vestidinho dela, e com os olhos arregalados, queria escapar da carrocinha e dela. O escândalo foi tamanho que até as vizinhas acorreram e desta vez a carrocinha deixou passar, sem levar o animalzinho. O “Perigo” e o “Bobi” eram cachorros fujões, rueiros, e o Zeca, bom pai das meninas,
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sempre tinha que buscá-‐los lá na cadeia de cachorros vadios, pois as duas irmãzinhas tinham horror de que eles virassem sabão. BANANAL
A menina comparava o quintal de sua casa com a Ilha do Bananal, de tanto tipo de
bananas que havia ali. Banana Nanica, Banana Prata, Banana Ouro, e delas o Zeca cortava os cachos quase maduros, envolvia-‐os em folhas secas e esperava amarelarem. Nos troncos cortados nasciam novas mudas.
– Pai, banana não tem semente?
SOPA DE BANANA
É coisa de louco, sopa de banana ou é coisa de Amélia? O que sei é que é uma
delícia! A Amélia cortava as bananas ao meio, colocava-‐as para cozinhar em água com açúcar e canela. O cheiro delirante tomava conta da casa, e a gente tomava aquela sopa quente, no inverno, como sobremesa. Ela fazia assim a sopa de maçãs também. Isto é um costume trazido por ela de Ponta Grossa, sua cidade natal, muito fria. CHIQUINHA
O Zeca criava galinhas Caipiras e galinhas Rodia (as vermelhas), fez um poleiro
para elas e para o galo, atrás da garagem. Na parede da garagem, ele pendurou muitos balaios com palhas de bananeiras para as galinhas fazerem seus ninhos. Seu sobrinho Ciro, tinha uma galinha baixotinha, vermelha, e de pé manco. Por motivos de mudança de cidade, o menino confiou a sua mascote ao tio e às primas. Aquela galinha manca era a sensação do quintal, mas não conseguia subir no poleiro, então dormia num cantinho, nas palhas do chão. Essa foi sua sorte, pois numa noite de luar, alguém de “olho gordo”, entrou sorrateiramente no terreiro e enfiou todas as galinhas, inclusive o galo e os franguinhos, num saco, para não gritarem. Desse modo, roubaram o galinheiro inteiro, menos a Chiquinha, por não estar no poleiro. Muito aborrecido, o Zeca começou nova criação, mas desta vez fez uma escadinha tipo espinha de peixe e que ia do chão até o galho mais alto do pé de ameixas. Esta árvore de ameixas amarelas se tornou o novo poleiro, mais perto da casa e da Chiquinha, que puseram para dormir mais perto das crianças também. Quando chegavam visitas para o jantar, serviam frango cozido na panela de ferro. Costumava-‐se fazer canja de galinha para as mulheres parturientes, para elas se recuperarem mais rápido. Mas nem pensem em fazer isto com a Chiquinha, pois ela é a boneca viva das crianças. ENIGMA
Os gatos possuem uma mansidão planejada, uma preguiça determinada, com
indiferença ao que ocorre ao seu redor, como se já soubessem, mesmo sem ver. Mas ao
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me fitar, o seu olhar enigmático, atrai o meu olhar, porque captando minha imagem, leva-‐a para dentro de si e não a devolve jamais.
GATOS INCRÍVEIS O Chiquinho parecia macaco. A Mimi mandava em mim. A Nevinha o Búque
matou. O Loló, criamos com mamadeira de conta gotas. O Totó tinha o rabo em zique-‐zague. A Oncinha, um menino roubou. O Faísca e o Fumaça foram envenenados. O Romeu Tuma foi roubado no ponto de ônibus. A Vaquinha, consegui pintar. A Jalile era do Zezé. ARTE, CIÊNCIA E HISTÓRIA. A ARTE, A CIÊNCIA E A HISTÓRIA, FORMAM UM CÍRCULO VICIOSO DESENHANDO A VIDA. ESTE CÍRCULO TRANSCENDE O QUE VOCE QUISER E O QUE NÃO QUISER, PORQUE ELE NÃO OBEDECE, APENAS E SIMPLESMENTE ACONTECE. BILHETE PREGADO NA “JANELA ESPELHO DO TEMPO” OS OLHOS DESTA JANELA, JÁ VIRAM TANTAS PESSOAS PASSAREM, CADA QUAL DESFILANDO A SUA PRÓPRIA CULTURA E SEUS SONHOS, FORMANDO O MOVIMENTO ININTERRUPTO DO SER NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DA VIDA. ELAS NUNCA PERCEBERAM QUE ESTAVAM AQUI RETRATADAS, ASSIM COMO VOCÊ AGORA, FAZENDO PARTE DESTA HISTÓRIA. O NINHO – como instrumento pedagógico
Trabalho da disciplina de Escultura, com a Professora Tânia Sugeta
No início da construção da cidade de Londrina, as pessoas ainda recolhiam ovos de ninhos feitos pelas aves com palha de vegetação local. As galinhas arranjavam o ninho de modo fofo, térmico e escondido para protegerem e chocarem durante vinte dias, os treze ou os quinze ovos.
Após este período, os pintinhos quebravam as cascas dos ovos para se juntarem à mãe galinha que os envolvia com as asas, ao menor sinal de perigo. Eles só se apartavam da mamãe galinha quando já estavam aptos a conseguirem, sozinhos o seu alimento. No
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dia a dia a galinha ciscava e cacarejava, chamando-‐os para comerem os grãos ou vermes da terra. Mas a galinha também educava bicando-‐os, se não seguissem as regras naturais de sua simples existência. Tanto os animais como as pessoas, viviam em harmonia com a natureza num bonito respeito ao ritmo biológico. Eram verdadeiros rituais de interação pela sobrevivência. Porém o homem com muita ciência e técnica, confinou as aves em viveiros, improvisando ninhos em série, para agilizarem a coleta dos ovos. Construíram granjas e chocadeiras e até as raças dos animais sofreram transformações. Tudo para atender às necessidades humanas e principalmente a demanda do mercado. Atualmente muitas crianças só conhecem ovos acomodados em caixinhas de papelão e nunca viram pessoalmente um ninho. Portanto, o trabalho de instalação em pauta, tem o objetivo de incluir a arte como instrumento pedagógico e estimulador para resgatar os sentidos que foram atropelados pela velocidade da tecnologia, dentro de um sistema mecanizado, capitalista que domina e ignora uma força imprescindível ao ser humano, o seu lado sensível, não permitindo que ele contemple o mundo e reflita sobre sua existência. Uma existência de família moderna, onde todos, até a mamãe, precisam trabalhar fora de casa, ausentando-‐se dos filhos. Podemos então perguntar: -‐ Cadê a mamãe?
(Nesta instalação o material utilizado é natural e copiou fielmente o ninho de galinhas, e somente o galo foi pintado em tinta acrílica, e está assustado, pois não compreende o que está acontecendo e procura desesperado, pela companheira que abandonou o ninho).
EU Que me perdoe minha querida professora Irmã Gisele, por eu estar transgredindo
as regras gramaticais e de ética, pois neste trabalho, sinto um prazer enorme em usar a primeira pessoa do pronome pessoal do caso reto, logo no início das frases e dos textos. Eu penso que talvez seja porque estou numa viagem introspectiva, recuperando minha identidade egoísta, ou porque seja uma conversa íntima entre amigos ou iguais, onde não se faz cerimônias e as palavras vão fluindo, como quem assovia distraído. Ou talvez por serem memórias dançando despreocupadas, pois só querem se entregar ao devaneio. VENTO TRAVESSO (para as crianças) (ilustrar)
Eu conheço um vento que se chama travesso. “Quem deu” a ele esse nome, foram as crianças. As crianças gostam dele porque é divertido. Esse menino irreverente quando passa, Vai derrubando os papéis de sobre a mesa, Dança com as roupas nos varais, Levanta a saia das meninas, Embaraça os cabelos das pessoas como se fosse um saci.
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Mas esse vento também brinca de soltar pipas, As quais, ele levanta bem alto, desenhando como lápis de cor, Caminhos coloridos sobre o céu de anil. As nuvens brancas também são suas amigas, ele as contorna, conforme seus pedidos, Para comporem lindas figuras e Cada qual adquire a forma desejada. Umas, querem ser borboletas, Outras são tigres, patos, flores, Um palhaço, um coelho, um anjo, Um carro, um telefone, uma casa... Quando o vento travesso resolve abraçar as nuvens, Ele vai apertando-‐as todas juntas, até espremer a água contida nelas, Aí, o cinza escuro saturado, se derrama em chuva sobre as plantas. Depois elas subirão novamente e, levadas por ele, Transformam-‐se em leves flocos de algodão. Aqui no chão, as flores vibram, soltam pólen Que também viaja pelo vento, pra beijarem outras flores. Muitas vezes são as sementes que tomam carona com o vento E ele as leva para lugares longínquos, Onde elas farão novas moradas. As aves são outras companheiras do vento travesso e Com ele atravessam o mundo numa grande aventura, Escrevendo rotas e direções lá em cima Igualmente aos aviões. DONA IZOLINA O trinco da porta, redondo e de porcelana branca, girou. A porta dupla, só de um lado se abriu. Um rosto de mulher bonita apareceu. Mas seu rosto tinha as marcas De um tempo em que Londrina Exigiu-‐lhe muita força e determinação. Olhou-‐me firmemente e depois, Sorriu-‐me alegremente um sorriso hospitaleiro. Convidou-‐me a entrar e gentilmente, -‐ Não me chame de sogra que este é um nome muito feio. -‐ Desculpe! Mas hoje, te chamo sim.
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O nome pode até ser feio, Mas a nossa amizade foi tão bonita! AS CORES DA ALMA As imagens são linhas, são riscos que vão se desenhando em nossa mente Vão se tingindo de infinitas combinações Usando todos os matizes da memória. Podem ser revistas e revisitadas Pelo trânsito das dimensões temporais e Conforme os afetos ou anseios do coração, Vão mostrando as cores da saudade. GRATIDÃO Minha mãe e sua amiga Dona Maria Pelegrine Ensinaram-‐me que a gratidão É uma virtude que Atrai mais bênçãos E a justiça divina. REI DO QUINTAL Como rei dos últimos quintais, Aquele bem-‐te-‐vi, soberano, No alto do velho telhado, de costas para mim, Fitava o plano de fundo de céu nublado, onde, escondido, Ficou meu passado. BOLINHO DE CHUVA Nos dias de muita chuva em Londrina, as ruas sem pavimentação, ficavam
intransitáveis. Os pés das pessoas colavam no chão, na massa mole de barro marrom. Os carros atolavam e nesses dias o padeiro não conseguia entregar o pão nas casas. Por esse motivo entre outros, a Amélia e a Olivia, faziam os tais “bolinhos de chuva” para as crianças.
Enquanto elas fritavam essa massa aos pingos, os priminhos ficavam em volta do fogão apreciando os bolinhos, os quais tomavam formas variadas, parecidas com bichinhos criados pela imaginação deles e eles já iam até escolhendo qual deles, cada um iria comer.
-‐ Eu quero o tatu! -‐ O patinho é meu porque vi formar primeiro!
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-‐ Eu prefiro o gatinho que está virando agora! Assim aquelas tardes se tornavam também deliciosas brincadeiras e eles juntos,
até esqueciam a chuva lá fora.
QUER PROVAR?
Em uma vasilha, coloca-‐se duas xícaras de chá de farinha de trigo, no centro, coloca-‐se um ovo inteiro, uma pitada de sal, uma colher de sopa de fermento em pó e água suficiente para bater com colher, uma massa mole (de pingar). Esquenta-‐se bem, bastante óleo numa frigideira e vai-‐se pingando colheradas dessa massa. Os bolinhos disformes, vão crescendo e adquirindo aspectos variados que a imaginação aproveita para desenhar muitas figuras. Quando eles estiverem dourados dos dois lados, retira-‐se e joga-‐se sobre eles mais sal ou açúcar. (Variação); Acrescentar na massa ainda crua, rodelas ou pedaços de bananas e depois de fritos, os bolinhos, pulveriza-‐os com açúcar e canela.
PADEIRO
O progresso também matou o padeiro. Todas as manhãs, bem cedinho, ouvia-‐se a buzina de sua carrocinha e o tropel de seu cavalo marrom. A carroça era de latão e madeira, quadrada, tinha uma portinhola em cima que ele abria e tirava os pães quentinhos. Enrolava-‐os em papel e dava às donas de casa. Senão, deixava-‐os numa sacolinha de pano, pendurada na cerca da casa. Tanto tempo depois, o padeiro e sua carrocinha foram atropelados lá na Avenida Tiradentes.
O padeiro, morreu, o cavalo dele, também, mas as carrocinhas de padeiros já tinham morrido em Londrina.
PERFEITAMENTE Nós éramos perfeitamente felizes e tínhamos plena consciência disso. Eu mesma,
dizia de peito aberto: -‐ Eu sou a mulher mais feliz do mundo! Até que a morte bateu em nossa porta, não teve piedade. Começou levar nossos
amores. Entre eles o Zeca, o esteio de nossa alegria, de nossa paz. Depois eu via a sua companheira com pensamento voando, enquanto assistia emocionada, a um vídeo de Ney Matogrosso, cantando no computador: “... Eu sei meu amor, que nem chegas-‐te a partir, pois tudo ao meu redor me diz que estás sempre comigo...”
CORTINA DE CHITÃO E BONECA Se na minha infância, a Dona Eliza ocupava o lugar de bruxinha, hoje a vejo como
uma bonequinha de pano saindo de um mundo fantasioso, através da cortina de “chitão”.
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APELIDOS
Os caminhões de toras eram tratados como se fossem cavalos de raça e recebiam até apelidos carinhosos como; Chebinha, para o caminhão Chevrolet.
ALVINA E A COBRA Com a idade e a sabedoria adquirida pelo tempo, a Amélia compreendeu como
sua madrasta Dona Maria, tentou ser uma mãe para ela, pelo menos no modo de conduzir a educação de uma menina. Mas, naqueles dias da infância, nem ela, nem seus irmãos conseguiam admitir outra mulher no lugar de sua mãe e muito menos queriam repartir o amor paterno. Eles estavam muito machucados pelos reveses da vida. A Amélia tinha quatro anos, seu irmãozinho cinco, e as outras duas irmãs, tinham catorze e quinze anos. O irmãozinho mais novo, com dois aninhos, havia falecido, apenas três meses após a morte da mãe deles, Alvina Degraf. A morte foi causada pela picada de uma cobra Urutú-‐cruzeiro, aquela com uma cruz na cabeça venenosa e guizo na cauda. Havia muito destas cobras peçonhentas, no sítio deles, lá em Ponta Grossa. A Alvina estava capinando em baixo de uma laranjeira e confundiu a picada da cobra com espinhos de galhos secos. Porém era o maldito réptil que assolou a vida daquela família, levando para sempre a jovem mãe Alvina, com apenas vinte e seis anos de idade, deixando órfãos seus cinco filhinhos.
O ÚLTIMO NATAL
O “Seu Augusto Peron”, um dos primeiros alfaiates de Londrina, chegou aqui em 1940. Ele foi um jovem irrequieto e determinado, por isso constantemente entrava em crise com seu pai. O pai dele tinha um trole muito elegante lá em Santa Rita do Passa Quatro, em Minas Gerais, com o qual carregava figuras importantes do cenário histórico brasileiro. Por isso esse homem era rigorosíssimo em seu trabalho. “Seu Augusto” e a mãe dele tinham a incumbência de manter os cavalos em perfeito estado e aparência. À noite o jovenzinho Augusto, segundo filho dos dez, ainda ajudava a mãe a cuidar os irmãozinhos para não chorarem e perturbarem o sagrado sono do pai, devido ao trabalho de tanta responsabilidade. Porém, o menino Augusto sofria, não suportava mais ver a bondosa mãe, tão submissa e oprimida. Então, numa dessas crises com o pai, Augusto ainda tão jovem, abandonou o lar, e embora o amor pela família, nunca mais voltou.
Foi para São Paulo e trabalhou de aprendiz de alfaiate. Um dia o jovem e bom conhecedor daquela profissão, veio para Londrina. Mais alguns longos anos, e o Sr. Augusto Peron, recebeu uma carta de seu irmão, dizendo que a querida mãe estava gravemente enferma. A mãe mantinha junto ao peito, uma medalhinha de um lado tendo a figura de uma Santa e do outro, a fotografia do filho tão esperado, Augustinho. Apertava a medalhinha na mão o tempo todo, em oração. O “Seu Augusto” relutou muito, não queria rever o passado. O irmão mais novo insistia e então ele partiu em viagem de retorno à terra natal. Ao descer do ônibus, teve a visão de uma imagem
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congelada. Era de manhãzinha, a cidade dormia. A mesma vendinha e as ruas que pisou em criança, ele sentiu de novo o mesmo chão sob os pés. Desceu a “ruinha” como menino, coração aos pulos e estava diante da porta de sua antiga casa. Era cedo, não quis acordar a família, então saiu pela cidade em recordações mil. Depois voltou, exitou, peito sôfrego, bateu à porta. Ouviu o som de chinelinhos se aproximando. Uma velhinha, de 81 anos, agora já cega pela diabetes, abriu a porta e perguntou:
-‐ Quem é? -‐ Sou eu, o Augustinho, mamãe! Alegria infinita naquela hora! A mãe abraçada ao filho levou-‐o até a cozinha onde a um canto, perto do fogão
de lenhas, o pai agora, tão velhinho e alquebrado, nem em sombra parecia o homem enérgico do passado.
Ao ver o filho, Girólimo Peron, com voz embargada, só conseguiu dizer: -‐ Agora já posso morrer. Estava próximo o final do ano e eles tiveram o melhor Natal que pode haver,
porque o filho pródigo a casa retornou. Mas que pena! Para a mãe, aquele foi o último Natal.
JACU Gente, Jacú era um termo bastante usado em Londrina para se referir a pessoas
tímidas vindas do interior do Estado. Certa vez, o tio Cata, assim a menina chamava seu tio Antonio Catharino, foi buscar seu irmão Zeca para experimentar um Jipe que ele havia comprado, e levaram a menina junto. Durante o trajeto, o tio freava o Jipe e a menina precisava se apoiar na alça do painel da condução. Então o tio ia repetindo:
-‐ O nome dessa alça é “segura jacu”. E provocava solavancos no Jipe para forçar a menina a se apoiar naquele, “segura
jacu”. A menina, constrangida, evitava, mas não conseguia. E os dois, tio e pai, riam brincando com ela.
Tenho saudades e orgulho de ser jacu, de ter convivido com essas pessoas maravilhosas, atenciosas às crianças, dispensando-‐lhes tempo e lições. Em todas as suas aventuras a menina também estava.
LINHAS CRUZADAS A Amélia cortava os bolos de tabuleiro em quadrados perfeitos. Quando ela pedia
ao Zeca para cortá-‐los, ele fazia várias linhas retas paralelas e voltava cortando sobre estas linhas, outras linhas também retas paralelas, mas diagonais. Assim os pedaços de bolo adquiriam formato de losangos. E ele ia explicando aqueles nomes, dizendo que os pedaços nos cantos, tinham forma de triângulos. Comecei a perceber a geometria nas formas do mundo. O Zeca gostava de cortar tudo em diagonal, fossem os bolos, as linguiças, os pães, os chouriços. Ele falava também do trapézio no circo, como ele pode suportar um elefante equilibrando seu peso. Eram tantas outras figuras geométricas exploradas no universo circense: arcos, círculos, bolas, triângulos, cilindros, cones, quadrados, retângulos, e as cores primárias. Essas cores e figuras extrapolavam do
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mundo do circo para o das crianças, e podíamos encontrá-‐las nos pirulitos, piões, bambolês, roda do biju, balões, roda gigante, carrossel do parque, enfeites de Natal...
USINA TRÊS BOCAS Foi Manoel Catharino o motorista quem trouxe em seu caminhão as máquinas
para a Usina Três Bocas de Londrina. Os moleques da Cidade não perdiam nenhuma novidade. Com seus olhinhos curiosos, pés descalços e rapidez, acompanhavam o dia a dia dos adultos. E nesse dia então, a molecada de todos os cantos da cidade, saiu em disparada. Os pés batendo a terra, em correria anunciavam uns aos outros;
-‐ A Usina chegou! Em pouco tempo uma procissão e um alvoroço se formou. Rodearam o caminhão,
curiosos, examinando tudo, ouvindo os planos. Mas na hora da pose póstuma, os meninos não entraram. Não importava. Para eles o que valia, era a emoção de estarem ali.
CHOFERAR
Manoel Catharino não sabia dirigir, por isso foi o dono de seu primeiro caminhão
quem o ensinou a choferar. Depois ele adquiriu mais caminhões e ensinou os seus filhos homens a trabalharem de motoristas, mas naquela época só dirigiam os caminhões de toras. Os jovens de apenas catorze ou quinze já eram motoristas embrenhando os caminhões pelas estradas nas matas. E aprendiam ainda a consertarem os caminhões, eram também mecânicos na oficina do pai.
EMBLEMA DA FESTA DOS CATHARINOS; inspirado na fivela da cinta do José Catarino , o qual tinha tanto orgulho do nome de sua família, que mandou fazer esta fivela em ouro enfeitada com dois rubis, sua pedra preciosa
preferida. Ele era solteiro ainda quando mandou cunhar a fivela e a usou com honra até a data de seu falecimento.
EMBLEMA DA FESTA DOS CATHARINOS; inspirado na fivela da cinta do José Catarino, o qual tinha tanto orgulho do nome de sua família, que mandou fazer esta fivela em ouro enfeitada com dois rubis, sua pedra preciosa preferida. Ele era solteiro ainda quando mandou cunhar a fivela e a usou com honra até a data de seu falecimento.
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O TRIGO
Conta a tradição alemã, segundo a Amélia e a Olivia Degraf Catarino, que todo enxoval de moça “casadoira”, deve conter uma peça de roupa da casa (seja de mesa, cama, ou de banho), bordada com um ramo de trigo para garantir a fartura no lar. Por isso, todo ano o Zeca ia nos arredores de londrina e colhia em algum campo, feixes de trigo e trazia para nossas casas. O trigo na decoração tem o intuito de continuar atraindo a fartura em nossas mesas abençoadas. DOZE IRMÃOS, PAPAI E MAMÃE (Família Catharino)
Como era bonito ver os doze; homens e mulheres, já formados, alguns até avós, se referindo aos pais de modo tão singelo e respeitoso, dizendo:
-‐ O Papai... -‐ A Mamãe... Diante da figura materna ou paterna eles agiam como crianças obedientes aos
preceitos da família. Conforme os princípios dos pais, eles punham à frente de suas decisões, a vontade de Deus e se submetiam às agruras da vida com a confiança de que havia alguém maior que tudo, um criador que zelava por eles. A esperança de dias melhores era a meta que aprenderam buscar, e todos a alcançaram.
Na fortaleza da união cresceram e formaram novos núcleos familiares e juntaram aos seus, os princípios valorosos de seus cônjuges, os quais trouxeram, novos saberes e igualmente aos pães feitos pela Vó Rosalina, o fermento do amor fez a família crescer bonita de se ver! Esses cunhados e cunhadas acrescentaram muita felicidade com o laço de amor fraterno. Juntos enfrentaram momentos difíceis, amainados pelas mãos unidas aos irmãos e cunhados que acabaram se tornando a mais bela irmandade, por este amor que sempre falou mais alto entre eles. No alvorecer desta cidade, a família também nascia para a história e crescia trabalhando na construção de Londrina. Os Catarinos eram conhecidos em toda a região e eram comentados pela energia com que se dedicavam a tudo, colocando corpo e alma em seus empreendimentos e em suas relações sociais. Ninguém ficava fora de suas vidas. Todos eram recebidos em suas casas modestas e convidados a sentarem-‐se à mesa farta, enfeitada com sincera alegria.
A alegria sempre foi uma constante na família, embora guarde sufocada no coração, uma profunda saudade daqueles que já partiram. Partiram mas deixaram uma sabedoria, que é o comportamento feliz, comemorando com encontros festivos, todos os eventos que fazem valer a vida. A vida é maravilhosa pela oportunidade de juntar pessoas e fazerem-‐nas se amarem.
“GALO PORTUGUES” ou “GALO DE BARCELOS” O casal Rosalina e Manuel mantinham toda a tradição portuguesa em seus costumes e devoções. Um desses costumes era o uso do “azeite português galo”, sempre presente em sua mesa farta de alimentos e de fraternidade. O “Galo de Barcelos” é símbolo de Portugal, a pátria primeira de meus avós e eles assim recordavam os momentos passados com seus parentes que ficaram na terra natal.
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A ROSA A rosa como flor que reinou nos jardins da Vó Rosalina e que também é origem do seu nome. Os galhos secos, espinhosos, da roseira remetem à história da família, a qual, dos sofrimentos enfrentados na mata agreste do pioneirismo londrinense, fez surgir uma saga de pessoas valentes, perseverantes e cheias de encantamento, devido ao modo fraterno e amoroso de viver.
MALHAÇÃO NO JUDAS A Irma Bernardo falou que sua mãe batia nos filhos para corrigi-‐los, mas que
naquela época era normal ser assim. Ela não gostava do Sábado de Aleluia por que o relacionava com a malhação de Judas e as surras que levava de sua mãe. Pra ela era o seu dia de apanhar também, porque até o dia da Sexta Feira da Paixão, ela e os irmãos aproveitavam aprontar todas as peraltices, pois como era quaresma sua mãe respeitava e na Sexta Feira da Paixão então, ninguém trabalhava, nem varria a casa e muito menos batia nos filhos. Mas no Sábado de Aleluia, ela andava na linha e como quem pisa em ovos. Se fizesse alguma travessura, apanhava por tudo que não apanhou na quaresma. Apanhava igual ao Judas. Ela tem pena do Judas.
O ESPANTALHO E LIETE BRUNELLI O espantalho de roça era um tipo de Judas na aparência, porque faziam também
com roupas velhas de homem, enchiam com palha de milho, só que punham nele um chapéu velho. Mas ele servia para espantar os pássaros da roça na época da colheita de milho e arroz. Todo mundo tinha espantalho na roça.
JUDAS E ZENAIDE DE OLIVEIRA
Não gostava de malhação do Judas não. Achava agressivo. Em sua casa não tinha
gritos, nem nada disso. “... -‐ Aí eu via que pegavam aquele boneco, espancavam e ainda ateavam fogo! -‐ Primeiro as pessoas brincavam com aquilo, depois eles gritavam e malhavam
e ainda tacavam fogo?” -‐ Mas eu chorava, chorava, chorava! -‐ Não queria, não queria, não queria não”.
NO NATAL DE ZENAIDE DE OLIVEIRA Na época do Natal nós fazíamos presépio. A gente era feliz. O Menino Jesus era
uma espiguinha de milho novinha. Disso lembro-‐me muito bem. Da melancia novinha, a
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gente fazia a vaquinha. A gente sempre montava presépio. Eu sou apaixonada por presépio, mas vem desse tempo. A gente brincava. As crianças de hoje não brincam, não aproveitam nada que a gente aproveitou. Também tínhamos respeito pela avó, por tudo que ela falava. A minha bisavó era índia e meu bisavô devia ser espanhol ou português branquinho, com olhos claros.
Minha bisavó trançava chapeuzinho de palhas para minhas bonecas de pano e a roupinha tinha sempre algum remendo, para imitar as roupas das pessoas da roça. Quero fazer uma boneca com roupa remendada para lembrar minha infância.
COLCHA DE RETALHOS DA IRMA BERNARDO Ao ouvir a canção da colcha de retalhos, Irma se remete a uma imagem dos seus
seis anos de idade. Ela se recorda voltando para casa no sítio, revê todo o caminho. Talvez sua mãe estivesse cantando a canção durante o percurso na vereda. Ela explica: “ -‐Todo mundo tinha dessas colchas, talvez minha tia também. Hoje, chama-‐se colcha de patwork para ficar chique”.
O FANTASMA DA FIGUEIRA Descendo rumo ao centro da Cidade, entre o Mercado São Francisco da Rua
Maringá e a Associação Odontológica, havia uma frondosa Figueira. Nas noites de lua cheia, os rapazes que voltavam do cinema bem tarde da noite, subiam para a Vila Judith com as orelhas em pé, olhos vivos e pernas prontas pra correr. É porque alguns deles já haviam visto o Fantasma da Figueira. Ele ficava lá, vestido com sua capa de boiadeiro, encostado na árvore e quando alguém se aproximava muito, ele sumia. Dizem que ele até chegou a pedir fogo para algum moço desavisado, que se borrou todo e nunca mais passou por aquele carreador. A Rua João XXIII já existia ali, mas era estreita, chão de terra batida e do Campo do Japonês até o Jóquei Clube, as árvores cobriam-‐na com as sombras das suas copas exuberantes. Por isso as pessoas fizeram o carreador passando em baixo da Figueira e dando diretamente no Mercado de hoje, naquela época, um terreno grande de milharal.
Esta história seria apenas mais uma de fantasmas, não fosse uma incrível coincidência. Anos depois, a Vila Judith estava totalmente urbanizada, já tinha até o restaurante O Casarão. Na Rua João XXIII construíram o prédio moderno da Associação Odontológica com sua praça e do outro lado da Rua, ficava a muralha alta do Campo de Beisebol do Japonês. Foi aí que um rapaz ao sair atrasado de uma festa na Casa da sua namorada, e descendo pela calçada do Campo do Japonês, percebeu estar sendo seguido. Olhou melhor para trás e viu um homem estranho, com capa de boiadeiro. Andou mais rápido, o homem também! Ele correu o homem também correu! Quando estava ao pé de alcançá-‐lo, o tal homem, deu um salto fenomenal para cima e desapareceu atrás do muro. O rapaz quase morreu de medo. Impressionado, no outro dia contou o acontecido. Uma das mulheres antigas do lugar lhe disse;
-‐ Meu filho, você viu foi o “Fantasma da Figueira”. Não sei se a Figueira ainda existe, e nem quero mexer com estas coisas. Deus me
livre!
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Mas somente o fantasma poderia dizer por que ainda está por lá e porque usa aquela capa de boiadeiro.
FANTASMA DA PORTEIRA Outro fantasma da Rua Maringá costumava aparecer pendurado na árvore da
porteira de uma fazenda, por volta de onde atualmente fica a Pizzaria Martignone. Falavam que o homem havia se enforcado bem ali naquela árvore da porteira. Quando alguém tinha que passar ali á noite, sentia os pelos arrepiarem dos pés à cabeça. Passei por lá algumas vezes em criança, voltando com meus pais da casa da Tia Liva (Olivia). Na subida da Rua Goiás, os faróis do caminhão do meu pai, clareavam totalmente a porteira e a árvore, como se elas se acendessem sozinhas. O resto era mata e breu. Bem na frente dela, da porteira, o caminhão virava já entrando na Rua Maringá. Era uma visão de segundos. -‐ Direita, volver! Aí tudo sumia na escuridão da noite. Os faróis conseguiam então, clarear apenas o chão, marcado por rodas de carros na reta e longa estradinha, hoje chamada Avenida Maringá.
A FIGUEIRA E SEUS MISTÉRIOS A avó Rosalina, a mãe Amélia e a menina, ritualmente se dirigiam da esquina para
a Figueira. Por três sextas feiras seguidas, a avó com uma faca pontuda e afiada, cortava uma rodinha da casca da Figueira, a mãe abaixava a calcinha da menina e colava com a própria nódoa viscosa, aquela rodinha de casca, sobre a hérnia inguinal da criança. A avó dizia umas palavras, a mãe repetia, colocavam a rodinha de volta no tronco para colar e iam embora. Depois que as rodinhas de casca se integraram novamente no caule, a hérnia inguinal simplesmente sumiu. -‐Vá explicar.
CHORONAS Foi, divertido e emocionante na aula do professor Cláudio, a Loana e eu
cantarmos juntas, “Aquela Colcha de Retalhos”. Duas choronas após as aulas, lendo os rascunhos de meu trabalho. O nosso amor pela família é igual. Na última aula, emoção de novo, me presenteou com duas mimosas bonequinhas. Duas obras de arte dela para eu guardar no meu coração.
POEIRA NO MUSEU Já estava beirando as dezoito horas, e ainda não tínhamos terminado a
Instalação. Os funcionários começaram a entrar em desespero e vieram me auxiliar. Uma das mulheres, com voz desacreditada, indagou-‐me incisivamente: -‐ Mas esta porta vai ficar assim????!!!! -‐ Cheia de pó ????!!!!!!!!!!
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Desejando brincar com ela, eu ia responder que se aquilo era peça de museu, assim deveria ficar. Pela falta de intimidade, acorri com um pano de limpeza e tirei só o excesso de pó, pois incrivelmente, há que se deixar, resquícios de construção e de terra vermelha, conforme meu propósito.
BEIJA-‐FLOR A menina era muito feliz. Ela pensava que o mundo todo era dela e a todos os
seus desejos os pais e os tios atendiam. Bonecas de borracha, de louça, bambolês, tamanquinhos barulhentos, doce banana (literalmente escrito nele), bolacha champanhe, sacos de balas, chocolates em baldinhos decorados, bombons sonho de valsa no papel rosamaravilha, bolas de todos tamanhos e cores, carrinhos de vime para carregar bonecas, bolinhas de gude leitosas, e até melancias e abacaxis, mesmo fora da época, eles davam um jeito e traziam pra menina. Mas havia um desejo antigo. Ela queria um passarinho. Estava colhendo framboesas e viu sob o arbusto, algo verde, cintilando ao sol. Era um beija-‐flor morto por pedrada na cabeça. Apesar dele estar sujo de sangue e de terra a menina examinou-‐o, pena, por pena, tão pequenininhas, brilhando, o biquinho fino como agulhas de bordar. Apalpou seu corpinho mínimo, só pele e osso, e o volume ficava por conta das belas peninhas. A menina viu a fragilidade daquela ave delicada, vivendo só pra beijar e enfeitar. Aí ela sentiu ódio. Ódio do menino do estilingue.
MAIONESE
Sem maionese não é domingo. Todo domingo a Tia Liva me pedia para fazer maionese pra ela. Todo domingo ainda faço maionese, só pra ficar pensando nela.
SUTIL
Queria ter a sutileza dos japoneses. Eu queria fazer um hai kai, de Beija-‐flor, de João de Barro, de corruíra, de pardal.
LIETE E A CAVEIRA “-‐ A gente fazia coisa monstruosa para assombrar as pessoas. Fazia furos na
abóbora ou no mamão, tirava as sementes deles, e com faca, cavava no lugar do olho, do nariz e da boca de caveira. Depois punha uma vela acesa dentro e ficava escondido no milharal, esperando o “fulano”, passar por ali na volta do Terço”.
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CACHORRO NERVOSO
Vocês se lembram daquele cachorro que quando ficava bravo, “peidava”? Latia, corria e “peidava” de raiva. “Peidava”, corria e latia. Desculpe! Mas se eu não falasse, “peidava”, não teria graça.
PIONEIROS Pioneiros, sempre ouvi de cada um de vocês a mesma frase que saía de suas
entranhas e marejava seus olhos me dizendo; “Nós fomos muito sofridos...” Não falemos mais de sofrimento, falemos agora de glória. A glória de ter crescido
pisando a terra roxa, assistindo as nuvens brancas passearem pelo céu azul, como as moças faziam na Avenida Paraná, de ter sentado nas cadeiras “chic” do Cine Ouro Verde e ouvir músicas orquestradas enquanto aguardava o filme. A glória de ter feito parte de uma sociedade a qual girou em torno da retirada da Madeira Rica e do Ciclo do Ouro Verde do Café. De sentir o cheiro de terra molhada, de tomar café preto toda manhã, de estar reunido com a família em volta do fogão de lenha, de ter se apaixonado, casado e semeado aqui mesmo, a sua descendência. Mas falemos principalmente da glória de ter ajudado dar à luz a esta amada Cidade.
RAIVA
Quando eu cresci, o meu pai com raiva dizia; Pronto! Agora ela “despregou”. Despregou a falar “Bosta”, Despregou a rir.
ENXOVAL
Minha mãe fez um belo enxoval para mim. Bordou algumas peças com ramos de trigo, E ainda colocou junto, uma boneca “dorminhoca”, Conforme a tradição europeia. Ela queria me fazer feliz. E a senhora conseguiu, viu mãe? Deus te abençoe minha querida mãe Amélia.
SALIENTE DEMAIS Os homens trabalhavam longe de casa, portanto as mulheres sempre estavam
unidas para se apoiarem em qualquer situação difícil. No outro lado da rua, lá no cafezal, um homem estranho começou a fazer “cenas obscenas” para as mulheres que cortavam
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lenha no quintal. Uma delas, a mais resolvida e mais indignada, em ver tamanha pouca vergonha, furiosa, disse ao homem: -‐ Não cabe na calça? – Deixa, que eu corto. Pegou um facão e partiu pra cima dele. No meio do cafezal a poeira levantou. Nunca se viu tanta velocidade como nas perninhas daquele safado, desavergonhado.
PRESENTES DE MADRINHA
A senhora lembra madrinha, quando fazia pão e separava pequenas porções da
massa para fazer pombinhas com olhinhos de feijão preto? Quando a porta do forno se abria era uma surpresa ver como a pombinha tinha crescido e aí apesar do cheiro bom dava dó comer aquele lindo pãozinho com o qual a gente só queria brincar. Outra surpresa foi quando a senhora fez suspense e, ficou meses antes de meu aniversário, falando em me dar um presente especial. Ele seria branco, redondo, bonito, com alça e, cheiroso. – Nossa! Que desgosto! Ao abrir o pacote encontrei um pequeno penico, branco, de mãe ágata, ou esmaltado, tanto faz. De acordo com a educação recebida de minha mãe, agradeci, sorri forçado, quase chorando, mas disse; -‐ Muito obrigada. Foi uma brincadeira da madrinha. O presente mesmo veio em seguida. Um par de tamanquinhos, brancos, de plástico e com cheirinho de doce. É,“quase iguais” Lembra madrinha, do cartãozinho de flores secas que me enviou? A senhora mesma desidratou o singelo raminho, prendeu com um lacinho e escreveu Feliz Aniversário! Lembra madrinha, do anel todo em ouro que a senhora e o padrinho Netto me ofertaram? Ele dava volta em meu dedinho e se fechava numa fivelinha. Guardo até hoje, com carinho a joia tão bonita. Lembra madrinha, aquela caminha “patente”, que a senhora me deu? Hoje ela, a caminha, cópia exata da cama em que eu dormia, está no Museu, testemunhando o amor e a dedicação que a senhora me deu. “MULA SEM CABEÇA”
Uma mulher que namora Padre, quando morre, vira “mula sem cabeça”. Dizem que nas noites de lua cheia, podia acontecer de verem uma mula branca, correndo entre os cafezais. Mas o que assustava, era a mula não ter cabeça. Corria só com o corpo. A irmã da menina, conheceu uma “mula sem cabeça”, mas era moça ainda, e seduziu o padre atrás da igreja. Vai virar mula quando morrer.
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DINOSSAUROS
Para ir à escola a menina calçava seu sapato “passo double” que odiava por que era preto e de amarrar, e seu primo dizia que aquilo era sapato de moleque. Vestia o guarda pó branco e subia a rua Guaporé juntamente com duas coleguinhas maiores, mocinhas. Ao se aproximarem da linha do trem, a qual cortava em curva, a Rua Guaporé, já se ouvia uma campainha infernal, como que batendo latas ou ferros ou sei lá o que. A cancela de madeira abaixava. Estacávamos! À nossa frente a máquina imensa, como um dinossauro enlouquecido passava arrastando infindáveis vagões. Parecia que o vento dela ia arrastar a minúscula menina, e se ela ficasse olhando reto, dava vertigem e sensação que aquilo tudo estava tombando sobre ela. O chão tremia. Paralisada, coração batendo disparado, enfeitiçada, a menina, ficava o mais perto possível daquele medo.
TRECHO DE CARTA
Irene Degraf Netto, 90 anos, escreveu à sua irmã assim:
... Ando muito magoada com a vida, espero em Deus que isso vai passar, e se Deus permitir quero viver ainda mais um pouco. Quero lembrar-‐me dos bons momentos que vivi junto com meu companheiro e sei que logo vamos nos reencontrarmos, lá onde espero ele esteja dormindo em paz. Estou fazendo tudo pra viver e ter ainda mais uns anos junto com meus filhos, pois amo todos e sei que sou amada por eles. Mas tenho saudades de meu companheiro. Você minha irmã, lembra-‐se daquela música que é um bolero que diz; “Sempre no meu coração...”, pois é assim que me lembro do meu amor que Deus levou: “Sempre no meu coração, o teu nome guardarei, e na minha solidão, nas minhas preces rezarei e se nunca mais voltares, guardarei teu nome então, sempre no meu coração.”
ESTE ESPAÇO CHAMADO LONDRINA Localização; Terceiro Planalto Paranaense, na região Sul do Brasil. Latitude 23 graus, 18 minutos, 37 segundos Sul Longitude 51 graus, 9 minutos , 46 segundos W-‐GR Área total do Município 1.724,70 Km² Altitude 585 metros do nível do mar Clima Úmido Mesotérmico com verões quentes, gedas pouco frequentes. Chuvas nos meses de verão, cujas principais médias anuais são superiores a 22
graus centígrados e inferiores a 18 graus centígrados. Cobertura Florestal está inserida na Região Fitogeográfica da Floresta Estacional
Semidecidual, Floresta Semicaducifólia. Bacia Hidrográfica do Rio Tibaji. O Solo faz parte do Terceiro Planalto Paranaense e sua geologia é caracterizada
pela Formação da Serra Geral, pertencente ao Grupo São Bento. Os principais tipos de solos da sua região são: Terra Roxa Estruturada, Litólicos,
Latossolo Vermelho Escuro, e Podzólico Vermelho-‐amarelo. População em 2009 – mais de meio milhão de habitantes.
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Criação do Município ocorreu em 03 de dezembro de 1934, assinado pelo Interventor Manoel Ribas, com Instalação a 10 de Dezembro, quando se comemora o aniversário da Cidade.
FALANDO DE BONECAS
Dona Zulmira Batista de Aguiar (89 anos) Toda vez que se fala de bonecas, Dona Zulmira logo se recorda que no seu tempo
de infância não havia a facilidade de hoje para obter brinquedos. Por isso, ela tinha muito apreço e carinho por sua boneca de sabugo. Porém em certo dia, seu cachorrinho também quis brincar, mas destruiu aquela querida boneca. Dona Zulmira nunca se esqueceu daquele sentimento e de sua boneca de Sabugo.
CARTA AO ZECA
Zeca, eternamente lembrarei.
Teus olhos verdes brilhando como pedra de anel. Teus cabelos pretos azulados, ondulados, no caixão, penteados de um modo tão nobre quanto o senhor merecia. Teu porte de super-‐homem, desde minha infância, foi mesmo meu herói. Tua pele bronzeada pelo sol de Londrina. Teu dedo faltando na luva de papai-‐noel foi o que te denunciou papai... Tua mão enorme e grosseira, pesando sobre minha testa, para medir a minha febre. As maçãs vermelhas que nos ofertava quando estávamos na cama convalescentes. Teu sapato preto social, que tanto me pediu para levar ao hospital, na determinação de sair logo de lá. As camisas de mangas curtas, as calças de linho. A fivela de ouro da tua “cinta”, escrito Catarino, entre dois rubis. Tua atração pelos relógios. As joias, orgulhosamente a nós ofertadas em datas importantes de nossas vidas e pagas em “suaves” prestações.
As flores que trazia-‐nos, as mudas e as sementes. Teu assobio nos chamando no portão, era teu jeito discreto de “bater à porta”. O canto dos pássaros, todos identificados e imitados pelo senhor. As histórias das criaturas de Deus, dando bons exemplos ao ser humano, assim como o passarinho João de Barro, pai diligente, construindo a morada da família, era o que o senhor também fazia meu pai. Aquela pata que enfeitou com plumas um ninho na cesta de vime e cujo ninho o senhor comparou ao carinho da mamãe Amélia em nosso lar. “...-‐ as rolinhas juritis ao ficarem viúvas, se unem em solidariedade”, isto o senhor me contou ainda no seu último mês. O beija-‐flor que cruzava a toda hora a janela do hospital. E a corruíra, todo ano voltava ao ninho do torrador de café da mamãe.
Nossa casa em madeira de peroba, na saudosa Rua Apucarana. O porão de bonecas com cortininha de borracha, decorada com tampinhas de garrafas. Os capachos
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feitos com tampinhas de garrafa também. As luzinhas coloridas na cabine de seu caminhão lembravam-‐me as enfeitadas árvores de Natal.
O cheiro de graxa e de terra molhada. O teu apego e envolvimento com a terra vermelha que embalou teus sonhos e agora velará teu sono. Teu louvou a natureza. Teu temor a Deus. Teus conselhos de pai. Teu respeito à dignidade das pessoas. Tua amizade leal.
Tua dedicação ao trabalho, teu rosto pingando suor, enquanto serrava ou martelava algo para nós. Os bancos de madeira, as mesas de pranchas, a bancada com gaveta de aço e as churrasqueiras de tanques de caminhão. Fazia tudo como se fosse para durar para sempre, como esta saudade de meu coração. Tuas ferramentas, as prateleiras, as perobas. A Fazenda Perobal avistada da nossa janela.
O barulho da camioneta trazendo o pão das dezesseis horas ou chegando para me dar um carona. Quantas viagens sua camioneta carregou lotada de nossos sonhos!
Os teus esconderijos nos batentes das portas. Teu aparelho de giletes e a espuma na tua barba, sabonete phebo e loção de barbear. Teus banhos perfumados se espalhando pela casa.
Nossas discussões, nossas risadas, nossa teimosia, nossa parceria, nossa grande amizade!
Meus namorados que o senhor tocou de casa, mas meu marido que tratou como filho.
O poço de água da Vila Judith, a plantação de mandioca e gergelim. Os barracões e as garagens. Pé de cedro, pessegueiro amarelo. O dia em que plantou a paineira e o dia em que a derrubou, puxando com o teu caminhão. A “mini casa” construída somente para o senhor e a mamãe, mas que acabou abrigando a todos nós.
As festas juninas, os rojões, as bombas, pareciam a Guerra do Golfo. Foguetes e fogueiras de andares, preparadas semanas antes, juntamente com a criançada.
A salva de tiros à meia noite, na passagem de Ano Novo, era sua coroação da festa, tradição de muitos anos, e o senhor partiu meu querido pai, exatamente numa meia noite.
Nossos Natais! Domingos! Aniversários, a primeira fatia de bolo era sempre sua e o tamanho lhe correspondia. Tantos churrascos, cafés, viagens, passeios.
A fartura em nosso lar. Teu grande amor por minha mãe (Amélia) “Melha” como a chamava. O teu medo de “se morrer” como dizia. A tua saudade do sítio, dos irmãos e do pai. Numa noite de muita aflição, me disse estar precisando da mamãe, a Rosalina, conforme suas próprias palavras. Fogão de lenha, forno de pão, quintal, torresmo, porco assado, panelas de ferro, moedores de café, redes de descanso. Os balanços no pé de abacates. Teus cachorros; o Perigo, o Bobi, o Duque e a Polinha que partiu contigo, te acompanhando para a nova vida.
Os chocolates e as balas nos bolsos das tuas camisas, sempre tirados com um gesto de mágica e atraindo as crianças ao teu colo.
E aquela foto de Visconde de Londrina? A falta do dedo de tua mão, novamente te denunciou papai. Foi mais uma brincadeira sua. Mas, a bengala, a boina. Meu Deus! Tornaram-‐se reais!
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Tua coleção de moeda, tua palavra de rei, tua sabedoria, teu caráter de homem de bem, tua responsabilidade, teus amigos leais.
As parlendas, trava-‐línguas, piadas, tantas brincadeiras, tanta alegria. Que pessoa mais linda o senhor foi!
A história do começo desta cidade, a derrubada da mata, os macacos, os quatis, o Vale Rubi, os caminhões, as máquinas, o céu azul, as nuvens formando desenhos de algodão, a chuva, depois o incrível arco-‐íris, as árvores, todos os prédios, as ruas onde passo, tudo está impregnado do senhor, meu pai. Tudo está misturado ao senhor, não tem como separar. Portanto, a meu ver, ao meu sentir, esta cidade sempre se chamará “Londrina Catarino”.
Perdão meu pai, por algo que te fiz e muito obrigada por tudo que me deu! Com amor de seus filhos Marcia, Marisa e Hercules, da sua esposa Amélia e em
nome de toda a família e amigos, aos quais, com exemplo, o senhor ensinou a amar e valorizar a vida.
SILHUETA Cena mais linda meu pai, ver a sombra negra de tua grande silhueta recortada
contra o rubro céu de crepúsculo londrinense, colhendo a braçada de trigos para mim...
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Capítulo V ARTISTAS COM QUEM RELACIONO MEUS TRABALHOS LOUISE BOURGEOUIS Presença forte das suas memórias afetivas na produção poética. “Todos os temas têm fonte em minha infância, que nunca perdeu sua magia, jamais perdeu seu mistério e drama.” Louise Bougeouis (1911-‐2010) A artista acredita que arte é um privilégio de estar em contato com seu inconsciente. É uma relação entre emoções e ideias. Procura produzir um novo sentido, não para surpreender, mas como processo de dar forma a emoções e aflições, uma espécie de catarse. No meu trabalho quero surpreender e dividir, afetar o outro, através de sensações, criar situações, também um modo de catarse. Em vez de dar forma concreta a emoções, me aproprio de objetos que farão este papel. BISPO DO ROSÁRIO Utilização de elementos do entorno, do industrial, apropriações. A vida como uma lenda, era uma vez... Tudo é simbólico. Garrafas de naufrágio, algo morrendo, querendo resistir. As memórias, voltando às raízes. A poética nasce de um enfrentamento, de uma afirmação de vida. Apropriação de fragmentos de materiais, descartes do século XXI, que valoriza apenas o novo. Multiplicidade de coisas, amor ao artesanal. Acumulação. As obras de Bispo do Rosário têm números e anotações. Há uma ordem. Vitrines; questões e problemas que a obra mostra. O lúdico, miniaturas, resgate de brinquedos, bonecas. SOPHIE CALLE
Sophie Calle faz da sua vida, incluindo seus momentos mais íntimos, o seu
trabalho, através de performances, livros, filmes, vídeos, entre outros. Sua poética trabalha com fotografias e textos referentes aos conflitos femininos e alteridade. Algumas de suas obras;
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Os que Dormem (Les dormeurs),1979 "Eu queria que a minha cama estivesse ocupada 24 horas por dia, como essas fábricas que nunca param. Pedi às pessoas que se sucedessem em turnos de oito horas durante oito dias. Eu fotografei todas as horas. Eu assisti aos meus convidados dormirem”. O Hotel ( L’Hotel),1981 Três semanas trabalhando como camareira em um hotel em Veneza, Calle espiona os hóspedes. Como um detetive particular, ela fotografa os quartos de hotel momentaneamente desocupados. O espectador é um cúmplice de Calle. Sophie Calle publicou as fotos juntamente com suas observações num livro intitulado Écrit sur l'image. L'Hotel. Trecho de texto do hotel, quarto 30: “Quarta-‐feira 4 de março de 1981. 11:20. Eu fui para o quarto 30. Apenas uma cama foi usada, a da direita. Há uma pequena bolsa no stand de bagagens. A camisola de seda bem passada encontra-‐se na cadeira que tem sido puxada para perto da cama: ela claramente nunca foi usada. Todo o resto ainda está no saco de viagem. Tudo o que vejo lá são roupas de homem: calça cinza, uma camisa cinza listrada, um par de meias, um kit higiênico (navalha, creme de barbear, pente, loção pós-‐barba), uma fotografia com orelhas de um grupo de jovens que cercam uma velha mulher, um passaporte em nome de ML, sexo masculino, nacionalidade italiana, nascido em 1946, em Roma, o seu local de residência, olhos azuis. O banheiro está vazio, assim é o armário, mas na gaveta da mesa de cabeceira encontrei: uma caixa de charutos Panter, uma caneta tinteiro, correio aéreo parado, uma caixa de couro com o ML iniciais. Em um pedaço de papel tem o endereço de um Sr. e Sra. B. em Florença, uma carteira com cinco fotografias idênticas de uma mulher loira e uma fotografia de casamento que mostra o homem no passaporte em um smoking e a mulher loira em um vestido de casamento. Há também um projeto de lei antigo do C. Hotel, datado de e de março de 1979, em nome de Sr. e Sra. L para o mesmo quarto, número 30. Exatamente dois anos atrás, M.L. passou a noite no Hotel C. com sua esposa. Ele voltou sozinho. Com a camisola bordada em sua mala. Sua reserva foi para ontem à noite apenas. Ele está saindo hoje. Eu vou fazer o quarto mais tarde. Cuide-‐se (Prenez Soin de Vous), 2007 Este trabalho foi apresentado na Bienal de Veneza em 2007. Teve iniciou quando Sophie teve um relacionamento amoroso rompido através de uma comunicação por email, que terminava com a frase, "prenez soin de vous" (cuide-‐se). Sem saber como responder a essa mensagem e a essa situação, ela resolveu seguir o conselho de uma amiga de fazer um trabalho de arte e utilizou para isso a própria mensagem. Gravou em vídeo mais de cem pessoas lendo o e-‐mail e fazendo comentários. Ela enviou o texto do email para uma advogada forense, uma linguista, uma taróloga, uma juíza especialista nos direitos femininos, entre outras, e pediu a todos que o texto fosse analisado segundo o filtro de cada especialidade. E esse material compõe a Instalação.
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Sophie Calle: Título da Instalação -‐ Uma maneira de cuidar de mim. “Recebi uma carta de rompimento e não soube como respondê-‐la. Era como se ela não me fosse destinada. Ela terminava com as seguintes palavras: ‘Cuide de você’. Levei essa recomendação ao pé da letra. Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão, para interpretar a carta do ponto de vista profissional e analiza-‐la, comenta-‐la, dança-‐la, canta-‐la, esgota-‐la, entendê-‐la em meu lugar. Responder por mim. Era uma maneira de ganhar tempo, antes de romper.” “Pela última e pela primeira vez” (Pour la dernière et pour la première fois), 2011 ‘La dernière image’ (A última imagem) – 2010, Istambul. Em visita a Istambul, Sophie Calle conheceu várias pessoas que tinham perdido a visão de forma repentina e pediu-‐lhes para descreverem o que tinham visto pela última vez. O trabalho que foi sub-‐intitulado ‘la ville des aveugles’ (a cidade dos cegos), mostra a memória, da última imagem, do mundo visível desses homens e ‘Voir la mer’ (Ver o Mar) – 2011, Istambul. Na cidade costeira há, entre os seus habitantes, pessoas que nunca viram o mar. Sophie Calle convidou essas pessoas, muitas delas provenientes do interior da Turquia, a observarem o mar, pela primeira vez, através do olhar da câmara de Caroline Champetier. RACHEL WHITEHEAD
A questão fundamental na obra de Whitehead é o espaço vazio. Ela não pretende preencher, mas resignificar este espaço. Ela encontra valor nos resquícios de uma vida e subverte este espaço, para provocar uma reflexão. Ela trás o íntimo para fora, para o público.
Nos objetos domésticos, no banal do cotidiano que sempre nos passa despercebido, ela dá significado e eleva esse objeto a obra de arte. Rachel explora os vestígios humanos deixados no espaço e nos objetos domésticos.
Rachel interfere nas formas convencionais dos objetos e acessórios das casas. Ela transgride suas formas e também os coloca em espaços estranhos a eles, são objetos domésticos colocados em lugares inusitados. Costuma dar ênfase à linha e às formas de suas peças, quase sempre monocromáticas. Suas peças lembram cubos de gelo, vidros, doces glaçados, pedaços de sabão lavanda, rosa, hortelã, lilás.
O vazio está repleto daquilo que transcende, daquilo que já foi vida, que já teve história. Trabalhar restaurando tampas de caixões no cemitério de Highgate a fez pensar
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nessas questões, no sentimento do vazio que fica quando o tempo já passou. Nas transformações que afetam o espaço, ela procura por resquícios de uma ausência.
Ela diz que estes espaços carregam resíduos de anos e anos de uso. É um exame permanente do contato físico com o espaço. Ela dá significado a objetos banais do nosso cotidiano, colocando-‐os em cheque quando trás para fora, para público, aquilo que é íntimo, que é de sentimento interior. Ela transgride na forma e na ocupação espacial desses objetos, provocando um estranhamento ao mesmo tempo familiar e que remete a memória, tornando sua compreensão quase imediata, porque o espectador se identifica.
Ghost, 1990
Nesta obra Whitehead mostra um espaço arquitetônico como sendo um espaço
vazio, despojado, com manchas nas paredes, enfatizando os resquícios do lugar que denotam ter sido habitado antes. É um recorte do espaço de uma sala da Road Archway em Londres.
Casa – Prêmio Turner Prize
A Casa é uma cópia de concreto de uma casa vitoriana cuja original, se localizava
em Grove Road, 193 no leste de Londres. A casa original havia sido demolida juntamente com todas as outras casas da rua para dar lugar a uma praça, de Londres. Whitehead, transgride nas formas convencionais da casa e mostra o lado de dentro. Uma modelagem do espaço interno. Esta casa foi a última de um conjunto no estilo Vitoriano, demolida juntamente com outras. Rachel fez a modelagem do espaço interno destas casas da Zona Leste de Londres.
A casa provoca lembranças de outras residências há muito esquecidas. Esse edifício também faz alusão a um movimento solitário que remete ao
problema dos sem tetos de Londres e ainda provoca lembranças de outras residências esquecidas.
Ether, 1990 – Laranja, 1993 São peças vazadas do espaço envolvente ao redor. As formas e banheiras
vitorianas também remetem a sarcófagos de pedra gregos, e, Laranja, 1993, inverte essa sensação de aspereza de sentimento de morte, devido ao seu material de composição que lembra gelatina laranja petrificada.
Em sua obra Rachel concretiza a presença da ausência naquele espaço.
Storytime – 2008 Impressão sobre papel a partir de um espaço montado com móveis e brinquedos
infantis. Rachel busca inspiração também em brinquedos de seus filhos e em cenas domésticas.
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A INSTALAÇÃO NO MUSEU HISTÓRICO DE LONDRINA ARRANCANDO RAÍZES, MEMÓRIA E ARTE NO MUSEU HISTÓRICO DE
LONDRINA. Em comemoração ao Dia das Crianças do ano 2013, a Profa. Dra. Regina Célia Alegro, diretora do Museu Histórico de Londrina, cedeu um espaço para a minha “Instalação Arrancando Raízes, Memória e Arte no Museu”. A Instalação foi muito bem recebida pelo público, especialmente pelas crianças, e por isso a exposição pôde se estender por mais alguns dias. O que as pessoas mais apreciaram foi, a possibilidade de interagirem com os objetos componentes da Instalação, muitos dos quais foram emprestados de algumas famílias para resgatar a memória deste espaço chamado Londrina. Transferi para o Museu Histórico, parte da Instalação que foi apresentada no Laboratório, na Galeria do Departamento de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina e acrescentei bonecas de pano, tangrans, cinco-‐marias, “jogo” de amarelinhas, e outros que remetessem às brincadeiras mais antigas Nota no jornal
O Museu Histórico de Londrina abre nesta sexta-‐feira (11/10), uma Mostra de fotografias, objetos e brinquedos antigos, que tem o objetivo de resgatar a memória. Idealizada pela estudante do 4º ano do curso de Artes Visuais da UEL, Márcia de Fátima Catarino Pelarim, a exposição pretende mostrar como as mães antigamente aproveitavam restos de tecidos para confeccionar brinquedos e objetos de enfeite para as casas. Além de visitar a exposição as pessoas poderão tocar os objetos,interagir com eles e sentir sua textura. “É uma forma de fazer com
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que as pessoas comparem os objetos antigos com os atuais e sua tecnologia”.
As fotos que estarão expostas são do acervo de uma família que segundo ela são pioneiros em Londrina. Márcia de Fátima explica que as fotos vão fazer com que as pessoas reflitam sobre como era a nossa Londrina antigamente comparando com os dias de hoje.
Os objetos são cedidos por amigos para exposição e as bonecas de pano foram confeccionadas em trabalhos de disciplinas de Arte-‐Educação e agora “são usadas como instrumento de resgate da história, do conhecimento e da poesia dos nossos antepassados”.
Essa Mostra é também uma homenagem à Semana da Criança. Permanecerá aberta até o dia 18 de outubro, durante o horário de funcionamento do Museu: de terça a sexta-‐feira das 9 às 11h30 e das 14h30 às 17h30. Sábados e domingos das 9 às 11h30 e das 13 às 17 horas. O Museu ficará fechado somente na segunda-‐feira, dia 14, para manutenção.
O Museu Histórico fica na Rua Benjamin Constant, 900 – Centro (antiga Estação Ferroviária). Mais informações pelos telefones (43) 3323-‐0082 e 3324-‐4641. A matéria acima foi retirada do site de notícias da Universidade Estadual de Londrina.
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IMAGENS DA INSTALAÇÃO ARRANCANDO RAÍZES, MEMÓRIA E ARTE NO MUSEU.
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Cartaz de apresentação no Museu Histórico
A camionete do Zeca também carregou objetos para a Instalação no Museu Histórico
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Chaleira de ferro que pertenceu a Vó Rosalina e o Torrador da Café da Vó Amélia.
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Giovana Paolini e Marcia na “Janela Espelho do Tempo”.
Irineu Pelarim. “Nino” é o menino, que fazia travessuras nos pátios da Estação Ferroviária de Londrina. (fotografia por Netto Bueno e Giovana Paoline).
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HERCULES. Como é bom ter um querido irmão a nos apoiar sempre.
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Capítulo VI HISTÓRIA SEM FIM Deixei no espaço ocupado pela Instalação Memória e Arte no Museu Histórico de Londrina, um caderno para contatos onde as pessoas pudessem comentar a sua experiência ali, colocar seus endereços, tomar o meu endereço também, para me enviarem suas próprias histórias e fotografias participando assim ativamente da Instalação e da História de Londrina. Por isso este livro Trabalho de Conclusão de Curso, Arrancando Raízes, terá uma extensão que se chama Capítulo Sem Fim, pois continuará registrando histórias, dando vozes às pessoas que se propuserem, se interessarem a completar a História. Registro de alguns comentários dos visitantes do Museu Histórico de Londrina, em ocasião da Instalação Memória e Arte no Museu.
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A caneta do Zeca Caneta confeccionada a partir de um galho de árvore.
O Zeca nem sabia, mas ele também fazia “artes”. INVENTÁRIO DOS OBJETOS QUE FORMARAM A INSTALAÇÃO MEMÓRIA E ARTE NO MUSEU HISTÓRICO DE LONDRINA “JANELAS DO TEMPO” – O94 X 098 cm (madeira e vidro) “JANELA ESPELHO DO TEMPO” -‐ 0.98 X 0,74cm. (madeira,espelho e vidro) “VITRINE COM BONECAS DE PANO E BONECAS DE ÉPOCA” -‐ 1,50 X 2,00 cm PORTA RETRATO DIGITAL (MOX), DA JANELA DO “QUARTO DA MENINA” – 0,21 X 0,27 cm O “QUARTO DA MENINA” – MAQUETE EM MADEIRA – 0,80 X 0,34 e altura 0,72 cm ENGRADADO DE GARRAFAS – “NÁUFRÁGIOS” – 0,50cm X 0,70 cm (madeira e vidro) SUPORTE, “CAVALETES DE CONSTRUÇÃO” – 0,89 comp. X 1,00 alt. X 0,40 larg. SUPORTE PARA FOTOS DA SÉRIE “E COMEÇOU O EMBATE...” -‐ VIGAS DE 3,00 cm X 0,32 cm larg. X 0,04 cm espessura (madeira) PAINEL “COLCHA DA VÓ ROSALINA” – 1,60 X 1,90 cm (tecido algodão) “GAIOLA” – 0,25 X 0,30 cm – ( madeira, argila) SUPORTE DA GAIOLA, “ARTE DO ZECA” – (banco de ferro) – assento 0,42 cm X 0,22 cm, base 0,42 cm X 0,42 cm, altura 0,75 cm. “CHALEIRA DE FERRO DA VÓ ROSALINA” – 0,55 cm. diâmetro X 0,30 cm alt. “CALDEIRÃO DE TERRA VERMELHA COM BOLINHAS DE GUDE”
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“TORRADOR DE CAFÉ COM CORRUÍRA DE PANO” “ENGRADADO COCA COLA” – 0,50cm X 0,70 cm (madeira) “PETECA COM PENAS DE ARARAS” “CESTA INDÍGENA COM BONECAS DE PANO” – 0,51 cm diâmetro X 0,22 alt. (palha e pano) “CESTINHAS INDÍGENAS COM APETRECHOS DE COSTURA” (vários tamanhos) “VIDRO POTE COM BOTÕES” SÉRIE “SEMENTES” – 24 garrafas com sementes várias. (vidro) TRÊS POTES DE VIDRO – 0,48 cm diâmetro X 0,25 cm alt., contendo: “POEMA DO PIONEIRO” de Willian Fernandes, “SEMENTE DE SABEDORIA”, giz e “SEMENTE DE MARCIA”, fotografia. “CORTINA DE TSURUS” – 5,00 cm X 6,00 cm – (papel), fazendo intersecção com a Exposição da sala anterior “HIROSHIMA E NAGASAKI”. “VITRINE BONECA JAPONESA” – 0,29 cm X 0,29 cm X 0,54 alt. “TAN GRAN”-‐ 0,50 cm X 0,50 cm (madeira revestida de tecido algodão estampado) CINCO JOGOS DE “CINCO MARIAS” – travesseirinhos de 0,02 cm X 0,02 cm. “CARTEIRA ESCOLAR ANTIGA” – 0,55 cm X 0,40 cm com 1,00 cm alt. ( ferro e madeira), usada como suporte para a “CARTILHA CAMINHO SUAVE” Vários “PORTARRETRATOS” – 0,20 cm X 0,30 cm PORTARRETRATO “ETERNAMENTE TUA...” 0,10 cm X 0,15 cm SÉRIE DE FOTOGRAFIAS – “A PEROBA ROSA EM LONDRINA” – “FOTOGRAFIAS CONTEMPORÂNEAS” -‐ 0,30 cm X 0,20 cm. “CADERNO DE RECORDAÇÃO E DE COMUNICAÇÃO” – 0,20 cm X 0,28 cm -‐ mensagens e endereços. PISO “VISTA AÉREA DE LONDRINA” – 50 m2 (emborrachado). “JOGO DE AMARELINHAS”-‐ formado com fita crepe sobre o mapa vista aérea. CESTO DE VIME – com vários “LIVRINHOS INFANTIS” “LIVRO DE PANO” – retalhos de tecido algodão, tamanho A4, com histórias escritas em recortes de papel e alinhavadas sobre eles. Quinze páginas pregadas com botão grande. “CAPACHO ESTRELA DO ZECA” – tábua de madeira com tampinhas de garrafas pregadas sobre ele. 0,30 cm X 0,50 cm. “FERRO A BRASA” – (ferro, carvão e especiarias). BANCADA “ALTAR DE CAMINHÕES DE TORAS” – 3,00 cm comp. X 1,00 cm de larg. X 1,50 cm alt.(vigas de madeira). RETRATO DE PAREDE “FOTOPINTURA” – 0,38 cm X 0,53 cm CAIXINHA DE MADEIRA “CORRESPONDÊNCIAS DE SAUDADES” – 0,10 cm X 0,15 cm “MÁQUINA DE DACTILOGRAFIA, REMINGTON IPANEMA” – com a oração da vovó abandonada. “PORTA AO PASSADO” – duas folhas de portas em madeira e vidros, 0,50 cm X 2,10 cm cada uma com fotografias antigas coladas.
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CAPÍTULO SEM FIM Assim como no caderno que estava na Instalação, para dar voz às pessoas que desejarem se manifestar sobre a Cidade de Londrina ou sobre sua história individual, ou desejarem enviar cópias de fotografias, depoimentos, críticas, deixo aqui o endereço para a comunicação: [email protected] Rua Fulgêncio Ferreira Neves, 525 Jardim Coliseu Londrina – PR 86.076-‐010 Deixo também a você a CANÇÃO DA SAUDADE (de Bastos Tigre) SAUDADE PALAVRA DOCE QUE TRADUZ TANTO AMARGOR SAUDADE É COMO SE FOSSE ESPINHO CHEIRANDO A FLOR UM DESEJO DE ESTAR PERTO DE QUEM ESTÁ LONGE DE NÓS! UM AI! QUE NÃO SEI AO CERTO SE É SUSPIRO OU UMA VOZ. UM SORRISO DE TRISTEZA UM SOLUÇO DE ALEGRIA O SUPLÍCIO DA INCERTEZA QUE UMA ESPERANÇA ALIVIA NESSAS TRÊS SÍLABAS HÁ DE CABER TODA UMA CANÇÃO BENDITA A DOR DA SAUDADE QUE FAZ BEM AO CORAÇÃO. UM LONGO OLHAR QUE SE LANÇA NUMA CARTA OU NUMA FLOR; SAUDADE – IRMÃ DA ESPERANÇA SAUDADE -‐ FILHA DO AMOR UMA PALAVRA TÃO BREVA MAS TÃO LONGA DE SENTIR E HÁ TANTA GENTE QUE A ESCREVE SEM A SABER TRADUZIR. GOSTO AMARGO DE INFELIZES
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FOI COMO A CHAMOU GARRET; CORAÇÃO, CALADO DIZES NUM SUSPIRO O QUE ELA É A PALAVRA É TÃO PEQUENA MAS DIZ TANTO DE UMA VEZ! POR ELA VALEU A PENA INVENTAR-‐SE O PORTUGUÊS.
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Ricos e raros presentes
Almofada de crochê feita pela vovó Alvina Degraf.
Pano de copa feito pela sogra amiga Dona Izolina Peruzzo Pelarim.
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É um dos tantos presentes mais caros que já recebi.
Toalha de mesa feita pela Amélia Degraf Catarino A Amélia costurou e bordou um lindo enxoval para a Marcia. Ela queria que sua filha fosse feliz. E conseguiu. Viu mãe?
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: Uma história concisa. 2012 BÉLEM, Elisa. Crise Da Representação: Ações De Sophie Calle. Disponível em: http://www.portalabrace.org/vireuniao/territorios/19.%20Elisa%20Belem.pdf. Acesso em: 29 de outubro. CALLE, Sophie. Histórias Reais. Rio de Janeiro: Agir, 2009. Tradução : Hortencia Santos Lencastre. CARDOSO, Lúcia de Fátima Padilha; PORTO FILHO, Gentil ; CAMPELLO, Silvio Barreto. O Conceito De Imagem Na Obra De Sophie Calle. Disponívelem: http://www.anpap.org.br/anais/2010/pdf/chtca/lucia_de_fatima_padilha_cardoso.pdf. Acesso em: 29 de outubro de 2012. ENTLER, Ronaldo. Entre A Memória E O Esquecimento: O Realismo Na Obra De Sophie Calle. . Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/22/05.html. Acesso em: 29 de outubro de 2012. HUPE, Ana Luize. O Uso Da Fotografia Em Práticas Artísticas De Sophie Calle. Disponível em: http://www.ppgartes.uerj.br/spa/spa3/anais/ana_hupe_279_288.pdf. Acesso em: 29 de outubro de 2012. ITAÚCULTURAL. Sophie Calle. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm? cd_pagina=2728&_Todos=1&_busca=sophie+calle&x=0&y=0. Acesso em: 27 de outubro de 2012. GALERIEPERROTIN.SophieCalle.Disponívelem: http://www.perrotin.com/artisteSophie_Calle-‐1.html. Acesso em: 27 de outubro de 2012. MUTUALART.COM.SophieCalle.Disponívelem: http://www.mutualart.com/Artist/SophieCalle/394BEE08D17A394F?utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_term=sophie%20calle&utm_campaign=Artist%20(4)&KEYWORD_K=sophie%20calle&TRACKING_ID_K=153151ef-‐e284-‐f029-‐3200-‐0000744046a8&CHANNEL_K=google&CAMPAIGN_K=Artist%20(4)&AdGROUP_K=Sophie%20Calle&gclid=CMTc4pyRubMCFQMFnQodnGcAPw. Acesso em : 29 de outubro de 2012.
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SESC. Cuide De Você Dá Adeus Ao SESC Pompeia. Disponível em: http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/subindex.cfm?Paramend=1&IDCategoria=6143 . Acesso em : 29 de outubro de 2012. SILVA, Valdete Nunes. Sophie Calle E A Arte Fotográfica: A Inventividade Dos Jogos. . Disponívelem: http://www.abralic.org.br/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/064/VALDETE_SILVA.pdf. Acesso em: 29 de outubro. TATE Galery: http://www.tate.org.uk/art/artists/rachel-‐whiteread-‐2319 The Guardian: http://www.guardian.co.uk/culture/whiteread BAUDRILLARD, Jean. Sophie Calle. In: A Arte Da Desaparição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/N-‐Imagem, 1997. Tradução : Anamaria Skinner. p. 47-‐63. MoMa Org: http://www.moma.org/collection/artist.php?artist_id=6910 UOL. 28ª Bienal Internacional De São Paulo – Artistas: Sophie Calle. Disponível em: http: //entretenimento.uol.com.br/arte/bienal/2008/artistas/sophie-‐calle/. Acesso em: 27 de outubro de 2012.
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REFERÊNCIAS DAS LEITURAS INSPIRADORAS Pedro Nava, O Círio Perfeito. Editora Nova Fronteira.1983. Josué Monteiro, Noite em Alcântara. Reinert, B. L. Bornschein, M.R. e Belmonte Lopes, Conhecendo Aves Silvestres Brasileiras, Cornélio Procópio, Grupo Ecológico Vida Verde, 2004. Lygia A. Schrank Araújo, Moinho do Tempo, 2003 e Estação Poesia, 2009. Cláudia Flora, Priscila. Vestir-‐se: tecer identidades. TCC da Universidade Estadual de Londrina. 2012. Jocelyn Moorhouse, Colcha de Retalhos, “How to make na american quilt”-‐Filme baseado no livro de Whitney Otto, Carolina Panchoni, O Desejo Entre a Permanência e o Vôo, TCC da Universidade Estadual de Londrina, 2012. Cora Coralina, Meu livro de cordel, Global Editora. 1987 Mirian Paglia Costa, Notícias do Lugar Comum. Editora34,1997. Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, Memorando. Cia das Letras. 1993. Cora Coralina, Poemas dos becos de Goiás e Estórias Mais, Globo Editora, 1979. Adélia Prado, Poesia Reunida, Arx, 1991. Michael Archer, Arte Contemporânea, Martins Fontes, 2012. Arlindo Catharino, Memórias de um Filho de Londrina, Alphagraphics. Maria Juliani de Arruda, Um Homem, Sua Máquina e a História de Londrina, Midiograf Gráfica e Editora, 2002. Christopher Clouder e Janni Nicol, Brincadeiras Criativas para Seu Filho, Octopus Publishing Group . Ltd., 2008 e Publifolha, 2009. Fryderyk Franciszek Chopin,(1º-‐03-‐1810 a 17-‐10-‐1849), músico polonês. Levou para os Salões, a música do povo. Edicoesanteriores.jornalagora.com.br/site/índex.php?=27 Os porquês dos ARTISTAS COM QUEM ME RELACIONO Sophie Calle – Faz de sua vida, o seu trabalho, numa poética de fotografias e textos referentes aos conflitos femininos e alteridade. Rachel Whitehead – A questão fundamental é resignificar o espaço vazio. Provoca reflexão nos resquícios de uma vida. Dá significado ao banal do cotidiano. Provoca reflexões sobre a morte. Remete à memória. Rosana Paulino – Pelos afetos da memória, o embate com as referências que tinha de suas bonecas. Sua poética trabalha com o universo da costura. Louise Bougeouis – Presença do universo de sua infância como reconstrução da memória afetiva Bispo do Rosário – As memórias da infância, as acumulações, o uso de objetos do cotidiano e do entorno, apropriação, reade made, a morte, a afirmação da vida. Lia Chaia – tamancos sobre Tókio e as direções, e resgate de tangrans. Cora Coralina – Transformou suas memórias em poesias porque amou a vida e as pessoas que conheceu. Olavo Bilac – como patriota e amante da terra natal e da língua portuguesa.
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Guimarães Rosa e a poesia. Bastos Tigre – uma única poesia traduzindo todo o sentimento “saudade”. Antonio Correia de Oliveira – as árvores a as mães em seu desígnio vital. ALGO SOBRE O LIVRO ORIGINAL TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
ARRANCANDO RAÍZES: Invenção de narrativas que colhe imagens em retalhos de camadas do tempo
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em Artes Visuais.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Rodrigues Aulicino BANCA EXAMINADORA
Prof. Orientador Dr. Marcos Rodrigues Aulicino Universidade Estadual de Londrina Prof. Dr. Cláudio Garcia Universidade Estadual de Londrina Profa. Dra. Tânia Cristina Rumi Sugeta Universidade Estadual de Londrina
Dedico este Trabalho de Conclusão de Curso a minha amiga e amada mãe Amélia, por me alfabetizar e me mostrar a potência da leitura em nossas vidas.
Londrina, 11 de novembro de 2013
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A VOZ DE ARLINDO CATHARINO
(retirada do livro de sua autoria “MEMÓRIAS DE UM FILHO DE LONDRINA”) EXPEDIÇÃO NA MATA 1951 – Meu pai Manoel Henriques Catharino, foi incumbido pelo dono da Serraria para a qual nós prestávamos serviço na época, de retirar madeira adquirida de uma fazenda lá pelas bandas do Rio Paraná, próximo ao porto São José. Para tal, foram contratados diversos homens; madeireiros, serradores, machadeiros e cozinheiro. O trabalho era no meio da mata virgem. Estradas? Não existia. Só de Londrina à Maringá gastava-‐se cinco ou seis horas, se não chovesse, é claro. De Maringá pra frente? Uma odisseia! Só mesmo aventureiros se atreviam. Uma trilha pelo meio da mata fechada, era difícil aparecer uma clareira onde se visse o sol. Ponte de rios? Nem pensar! Passava-‐se nos lugares mais rasos dos rios, se houvesse enchente, então acampava-‐se por ali mesmo até que as águas baixassem; Três caminhões dois Fords F6 ano 50, e um F7, cujo motorista era o Américo, moço ainda, trinta e poucos anos. Julgava-‐se o melhor dos motoristas, e não é que o danado era bom mesmo? Olha que para cambiar um caminhão daqueles, naqueles areões, tinha que ser bom, senão ficava atolado no meio da areia, e daí, só rebocado. Caminhões lotados com mantimentos pra vários meses na mata, mais ou menos trinta homens entre madeireiros, motoristas e ajudantes. Seguia caravana mata adentro, distância mais ou menos duzentos e trinta quilômetros, que hoje são percorridos em menos de três horas, gastava-‐se o dia inteiro aproveitando a madrugada. Meu pai no comando dessa expedição, sua palavra era ordem que todos respeitavam e acatavam, meu irmão Zeca dirigindo o F6 branco, o Júlio já meio mecânico, guiava o outro F6, eu como era o mais novo, fui rebaixado para ajudante, mas estava feliz assim mesmo, só por estar em cima de um caminhão... ... última etapa, mata virgem, apenas alguma pequena derrubada de mato, ou um pequeno sítio sendo formado, muitos bichos cruzando a trilha em disparada, macacos pulando nas árvores, aves e pássaros os mais diversos e até uma cobra jiboias enrolada em um galho bem à beira do caminho. Enfim chegamos à fazenda que, aliás, era um carreador na mata virgem. O caminhão mal passava por entre as árvores, quatro quilômetros até a beira do rio, onde armamos acampamento. ACAMPAMENTO ... Na beira do rio, uma lona muito grande, armada mais ou menos como um circo, com as laterais o mais próximo possível do chão, mas que não podia impedir a entrada de bichos, os quais não se aproximavam porque sempre mantínhamos fogo aceso, além do barulho que fazíamos na barraca; uns contando mentiras, outros discutindo no jogo de truco, até que o cansaço nos impunha o silencio. A cozinha ficava fora da barraca, uma tarimba armada com varas apoiadas como uma esteira sobre quatro forquilhas a uma boa altura do chão, onde se colocavam os apetrechos de cozinha e também os alimentos. Um buraco cavado no chão medindo meio metro de largura por um de comprimento e uns trinta centímetros de fundo, alguma travessas de ferro para apoiar as panelas. E esse era o fogão. Feijão, arroz, linguiça, carne seca, de vez
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em quando uma caça, como o macuco e o jacu ou peixe pescado ali mesmo, a uns vinte metros no rio que fazia fundos com a fazenda. Esse era o cardápio diário acompanhado com uma boa cachaça e muita algazarra. Após o jantar, recolher todo tipo de alimentos, pois o que ficasse fora do alojamento, a onça buscava. Cada um fazia a sua própria cama; uma tarimba mais ou menos igual a da cozinha, também a uma boa altura do chão para evitar algum bicho. AO TRABALHO Ao trabalho pessoal!!! Gritam alguns encarregados da turma; machados, foices, traçadores, corotes de água, homens em cima dos caminhões; -‐ Vamo que é tarde! Uma grande derrubada havia sido feita na mata e depois ateado fogo, queimando toda galharia fina, assim ficava mais fácil extrair-‐se a madeira grossa, só que em poucos minutos, ficávamos todos pretos pelo pó da queimada, com o suor do rosto mais pó preto grudava e os mosquitos? Pequeninos e valentes borrachudos, iam sugando o sangue da gente até triplicarem o seu tamanho. Tapa aqui, tapa ali, um por um, a gente ia matando, enquanto o suor corria pelo rosto e continuava escorrendo pelo corpo todo. Em pouco tempo ficávamos com a camisa encharcada. Alguns até tiravam a camisa, mas logo não suportavam o ataque dos bichinhos. O trabalho era estafante! Durante o dia tinha-‐se que transportar para a beira da estrada o maior número possível de toras, então se repetia várias vezes a operação carrega, descarrega. Algumas toras de perobas chegavam a pesar até cinco toneladas, era mesmo um trabalho para homens fortes e corajosos. Na hora do almoço cada qual pegava a sua marmita já fria, sentava-‐se a uma sombra e com muita avidez, devorava rapidamente toda a comida, incluindo os mosquitos que atacavam em nuvens. Ao entardecer, à volta para o acampamento, todos para o riacho, um banho reconfortante naquela água fresquinha, sem cerimônia, todos pelados, alguns ficavam meio acanhados de mostrar os “documentos”, mas tudo ali era muito natural e havia respeito. Conclusão Final “FOI COM SEU SUOR E COM TRABALHO MUITO ÁRDUO QUE O PIONEIRO FECUNDOU A PECULIAR SOCIEDADE LONDRINENSE, FORJANDO PESSOAS COM OS OLHOS NO FUTURO, A TAL PONTO QUE NEGLIGENCIAM O PASSADO HERÓICO DESCONSIDERANDO A LUTA DOS DESBRAVADORES QUE ABRIRAM AS CLAREIRAS DO PROGRESSO.” (Marcia de Fátima Catarino Pelarim).