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Ariadne Quintella

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ANTOLOGIA EM PROSA E VERSO I 1

Ariadne Quintella

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2 I ARIADNE QUINTELLA

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ANTOLOGIA EM PROSA E VERSO I 3

Antologiaem prosa e verso

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ANTOLOGIA EM PROSA E VERSO I 5

Ariadne Quintella

Antologiaem prosa e verso

Edições

Novo Horizonte

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6 I ARIADNE QUINTELLA

Copyright by Ariadne Quintella, 2019

Capa: Pintura do artista plástico José Cláudio (1983)enviada pela autoraProgramação visual: Antonio Carlos

Revisão final: da autora

Pesquisa, organização e coordenação Lourdes Nicácio

Digitação e editoração eletrônica: Lourdes Duarte

Fotos: Arquivo da autora

•Encontram-se reunidos, neste livro, artigos, contos, crônicas, perfis, poemas, outros gêneros – vários já publicados em antologias, jornais e revistas.

Todos os direitos reservados à [email protected] / (81) 98718-5285

Edições Novo HorizonteRua do Cupim, 132 – Graç[email protected] / (81) 999232-6571

Impressão:CEPE

Q7a Quintella, Ariadne Antologia em prosa e verso / Ariadne Quintella. – Recife : Novo Horizonte,

2019. 195p. : il.

ISBN 978-85-69072-20-1

Inclui memória fotográfica. Inclui bibliografia.

1. LITERATURA BRASILEIRA – ANTOLOGIAS – PERNAMBUCO. 2. ESCRITORES PERNAMBUCANOS – DEPOIMENTOS. I. Título.

CDU 869.0(81)-82 CDD B869.8PeR – BPE 19-649

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ANTOLOGIA EM PROSA E VERSO I 7

Para meu pai Pedro Quintella Cavalcanti, Tarek Quintella Farah e

Barreto Guimarães (In Memoriam)

aos netos Samira, Petrus, Tarcísio, Breno, Ariadinha, Danilo

e bisnetos Julie, Pedro, Vinícius,Alice, Amanda, Letícia e Gabriela

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SumárioDepoimentos I – Lourdes Nicácio e Silva ........................................................11 II – Lourdes Sarmento ................................................................14III – Maluma Marques .................................................................15

O BeberibeO rio da minha infância.............................................................19Doces Recordações .................................................................21Caleidoscópio: ..........................................................................24imagens coloridas da infância ..................................................24Um grito pelo Capibaribe ..........................................................30Tempo de esperança ................................................................35Carnaval é para todos ..............................................................37Mudança de Paisagem ............................................................41Mundo de ilusões .....................................................................45A efemeridade da vida ..............................................................47Magia de Natal .........................................................................51Ilusões e desilusões juninas .....................................................55O fim do pecado da gula ..........................................................58

Dissertação sobre o amorAs armadilhas da folia ..............................................................63Enredos dramáticos do Carnaval .............................................66A lagoa de Parnaguá ................................................................71

***Amor ao livro sem fronteira ......................................................75Talento de Monteiro Lobato colocado em primeiro plano .........77Quem foi Lobato .......................................................................79José Tavares de Lima e o perfil do escritor ..............................84Dia do Escritor leva à reflexão..................................................87Voz interior no comando da criação poética.............................89Maria Lúcia cria poesia num estilo todo seu ........................... 92

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Viver também é arte* ............................................................... 95Luciene Freitas dá vazão à criatividade .................................. 97Duas escritoras e a diversidade de seus estilos .....................100Voo livre* ..................................................................................103Memória fotográfica de um repórtercom cinquenta anosde carreira ................................................................................105Revisitação à Casa de Madalena e Gilberto Freyre ................107Patrimônios de Pernambuco cada dia mais fortes ..................110Ano Cultural Myriam Brindeiro..................................................113

Todos eles, os vivosPerfil de Maluma Marques, um nome no Jornalismoregional .....................................................................................117Poesia viva nas escolas está causando rebuliço .....................120I Encontro Nacional das Ajebianas ..........................................122Realização da Flipo – 2017 ......................................................124Realização da Flipo – 2018 ......................................................127Revelações ...............................................................................130Festejos dos 60 anos da UBE – Múltiplas Comemorações ....133

Amor e marInhotim ......................................................................................137Uruguai oferece programa turístico de alto nível......................143Garanhuns e seu acervo cultural..............................................149

Sobre outros livros da autoraBoa tarde: mais que uma saudação – Ângelo Monteiro .............157*** – Zélia Monte ........................................................................157Saudação à escritora e jornalista Ariadne Quintella Antônia Campos .........................................................................159

Palavras bem ditas – Cássio Cavalcante ....................................161

Memória fotográfica ...............................................................163

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ANTOLOGIA EM PROSA E VERSO I 11

ILourdes Nicácio e Silva*

Na produção literária de Ariadne Quintella, reunida neste livro antologia, sente-se um debruçar reflexivo da au-

tora em torno de diferentes tempos, diferentes quadros de vida. São contos, crônicas, poemas, artigos e outros gêneros literários, consolidando, assim, pela mestria, autenticidade e prontidão da palavra, valores de referência na Literatura, Direito e Jornalismo.

Muitos dos poemas aqui publicados valem como sín-teses ou apresentações de blocos temáticos. Ressaltem-se exemplos que destacam o turismo, o memorialismo, os ci-clos junino, natalino e carnavalesco, a valorização da leitura, perfis, patrimônios pernambucanos, além de análises críticas e outras produções com acentuado tom biográfico e social. Todos com elaborações que bem definem o seu prestígio no mundo literário.

E o Beberibe avança majestoso/ para alcançar a ci-dade/ antes que as luzes de néon/ brinquem de fazer cores/ sobre as águas turvas/ do rio que, em silêncio/ cumpre o seu destino.

Os versos acima revelam infinita intimidade de Ariad-ne com as águas do Beberibe, ampliando-se na crônica “O rio da minha infância”:

Sem o curso dos grandes mananciais, o rio de minha infância ainda tem a dimensão dos meus sonhos de menina.

Depoimentos

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12 I ARIADNE QUINTELLA

Ele nascia lá no céu e anunciava sua chegada através de nuvens que, na minha imaginação, tinham a forma de car-neirinhos que escureciam à medida em que aumentavam de volume.

A poesia contida nas páginas iniciais avoluma-se à me-dida que a autora avança em sua produção textual. Trata-se de um mesmo sentimento poético envolvendo a infância e o rio, temas já intensamente trabalhados por vários autores que ganharam notoriedade de cunho universal. Assim com Fernando Pessoa, com Joaquim Nabuco, com Manoel de Barros, e assim com Ariadne Quintella, entre outros, pelos mesmos traços de retrabalho, sobrevivência da palavra.

Ressaltem-se, aqui, palavras indicativas de aproxima-ção entre esses dois últimos autores, com cenas de infinita beleza, ao lado de suas mães e dos seus rios de infância.

Manoel de Barros diz - Minha mãe me deu um rio. Era dia do meu aniversário... Era o mesmo rio que passava atrás de casa; Ariadne relembra com ternura: Ouvia-se da janela de venezianas a sutil canção de suas águas e imaginava seu caminho como se ele fosse o mais caudaloso do mundo... Minha mãe dividia comigo esses momentos de contempla-ção...

“Um grito pelo Capibaribe”, eleva a voz manifesto: ... ensinar o homem a preservar o meio em que habita, não po-luir as águas que, daqui a trinta anos por certo, estarão mais escassas. Em outras palavras, fazer renascer a pujança da biodiversidade do Capibaribe...

Realçando o didático e o social em “Mudança de pai-sagem”, um dos seus mais lúcidos artigos:

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ANTOLOGIA EM PROSA E VERSO I 13

Depois, veio o progresso e, em seu nome, os tratores passaram sobre nossos quintais grandes, verdadeiros sítios, destruindo tantos sonhos. Hoje, sinto pena das crianças que não sabem o que seja uma brincadeira sadia.

Na verdade, sentimos uma força encantatória em toda a extensão da obra que se destina, também, a recomposi-ções várias, celebrando a louvável trajetória de uma intensa mulher nordestina que abraça a vida com idealismo, discipli-na, coragem, sensibilidade.

*Professora, escritora e poeta.

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II

Lourdes Sarmento*

No fio do labirinto, Ariadne Quintella vai tecendo textos de memórias vivas, destacando figuras do nosso Folclo-

re nordestino, como por exemplo Lia de Itamaracá. E nesta grande ciranda da vida, a escritora não esquece a preserva-ção do meio ambiente.

Ariadne levanta uma bandeira de lutas pela fauna e flora, do nosso Brasil; tão rico de bênçãos e tão sofrido pela falta de um planejamento exato. De uma luz depois do túnel, na consciência administrativa, em prol de dias melhores para o nosso país, com suas diversidades.

Para tais assuntos, Ariadne é mestra, viajando com a turma da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo, observando cada cidade, com o olhar focado em Pernambu-co. Olhar para seu rio Capibaribe banhando muitas vezes as ruas ribeirinhas.

Com o lirismo que, também, é peculiar a destacada cronista do cotidiano e dos sentimentos, mergulha no univer-so das emoções e das lembranças vividas e fala lindamente sobre pessoas, saudades, desejos, sonhos que transitam no universo feminino. Sem perder a força da jornalista e da es-critora que conquista os seus leitores, ávidos de notícias.Assim é Ariadne Quintella, artesã da palavra e de voos de borboletas em tardes recifenses.

*Jornalista, poeta, escritora.

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ANTOLOGIA EM PROSA E VERSO I 15

III

Maluma Marques*

A vida traz gratas surpresas a quem se dispõe a partici-par dela com afeto. E imagino, também, que pessoas

especiais espalham gratas surpresas na vida daqueles com os quais se encontram, por onde passam ou onde quer que estejam. Ariadne Quintella é uma dessas pessoas que-ridas que desperta bons sentimentos em todos que a conhe-cem.

É uma cronista de mão cheia, que sabe interpretar a vida nas particularidades do cotidiano. Ficou muito conheci-da com sua coluna Boa Tarde! no Diário da Noite. Seu texto tem a capacidade de nos comover. Suas crônicas nos fazem viajar e, continuamente, o assunto vai se espichando num jogo de palavras, de magia verbal, nos fazendo esquecer as mazelas diárias.

O leitor de Ariadne Quintella sabe o quanto seus es-critos estão carregados de subjetividade. Trazem muito da missão humana na Terra. Sim, nessas crônicas a vida é ma-nifesta. O seu fazer literário está sob uma ótica peculiar que torna a leitura mais agradável e vai além do texto. Nele as palavras revelam paisagens maravilhosas e contemplam o leitor com aquilo que está em seu cotidiano, mas que não consegue ver com nitidez.

Lembro que, em entrevista à imprensa, por ocasião do lançamento de seu livro de crônicas Boa Tarde!, Ariadne chegou a revelar que tudo o que a cerca “serve de inspira-ção”. E assim Ariadne destrincha seu texto, sem que perce-

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bamos que damos voltas nas imagens nele contidas e que viajamos no ambiente criado.

Em seu livro mais recente, vários gêneros se incor-poram. São contos, poemas, memórias, críticas. Textos que saíram em antologias, em jornais. Aliás, sua atuação em jor-nais tem sido profícua, visto que escreve como ninguém so-bre turismo e outros assuntos.

A filha única de seu Pedro Quintella Cavalcante e dona Cacilda Marinho é pessoa de fácil convívio: digna, gen-til, extremamente humana, generosa, de coração enorme. Além das qualidades e virtudes é polivalente na sua atuação profissional.

Nossa admiração e carinho por Ariadne é muito gran-de, como a de todos que a conhecem. Nossa convivência vai se alargando e meus votos são de que dure eternamente. Ela é dinâmica, compreensiva, fez um bom trabalho e gran-des amizades. Entre nós nasceu essa amizade, que perdura até hoje. Temos muita coisa em comum, sobretudo a marca de sermos mulheres aguerridas, lutadoras.

Para ela vai o meu aplauso e o meu fraterno abraço, num reconhecimento dos seus méritos e virtudes. A sensibi-lidade que tem para com o semelhante, invisível e intocável, traduz essa vida que se conta e alimenta a alma que busca no exercício do bem a vitória de se superar e de continuar aguerrida sempre para ser feliz.

*Escritora e jornalista.

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ANTOLOGIA EM PROSA E VERSO I 17

O Beberibe Nas suas várzeas alcoviteiras germinaram sonhos brotaram ilusões e nelas morreu a esperança

Mas a semente se abriu e nasceram frutos com sabor de manga, caju, goiaba, maracujás entrançados em jiraus

Imbés no charco caqueiras de avencas choronas meninos brincando de esconde-escondeenquanto a seiva da bananeira escorre pelos dedos Depois, empinando toscos papagaios de papel e fazendo pontaria com bodoque eles perseguem o sabiá

Silêncio quebrado no fim da tarde pela sinfonia das cigarras bendizendo o verão.

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No inverno, as botijas de tanajuras rompem ao pé da parede para a alegria do mocambo.A cheia passoudeixando sobre a lama caranguejos fujões perseguidos pela fome.

E o Beberibe avança majestoso para alcançar a cidade antes que as luzes de néon brinquem de fazer cores sobre as águas turvas do rio que, em silêncio, cumpre o seu destino.

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ANTOLOGIA EM PROSA E VERSO I 19

O rio da minha infância

Sem o curso dos grandes mananciais, o rio de minha in-fância ainda tem a dimensão dos meus sonhos de me-

nina. Ele nascia lá no céu e anunciava sua chegada através de nuvens que, na minha imaginação, tinham a forma de carneirinhos que escureciam à medida em que aumentavam de volume. As águas então começavam a despencar, a princípio sob a forma de gotejamento até transformar-se em grossos fios que não paravam de cair. E assim nascia meu rio que descia os contrafortes da cadeia de montanhas, a única do Recife para as bandas de Casa Amarela e se espraiava pelo Largo D. Luiz, então um paraíso da criançada, e depois par-tia-se em dois deslizando pelos cantos das calçadas protegi-das por grandes blocos de pedras. Ouvia-se da janela de venezianas a sutil canção de suas águas e imaginava seu caminho como se ele fosse o mais caudaloso do mundo e que, depois de muitas vol-tas, avistava o mar e apressava a caminhada para fundir-se num abraço forte com aquelas águas verdes e encapeladas. Imaginava que, pelos cantos das calçadas de outras casas, havia outras crianças acompanhando alegremente sua traje-tória ou brincando de chapear pelo espaço molhado. O es-petáculo se repetia a cada inverno e às vezes se prolongava por dois ou três dias. O que poderia fazer diante daquele cenário tão co-mum em bairro humilde onde o tratamento saneador ainda

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não havia sido implantado? De minha parte, achava aquilo tudo uma beleza, era uma espécie de manifestação da for-ça da natureza, em toda a sua pujança. Minha mãe dividia comigo esses momentos de contemplação, sempre muito vi-gilante, para que nenhum respingo tocasse minha pele. Ex-cesso de cuidado com a saúde. Juntas, confeccionávamos barquinhos de papel que ela atirava sobre as águas e que, por alguns instantes, navegavam tranquilos. Depois cresci, disse adeus ao meu bairro e fui em busca de outras formas de vida mais prazerosas, imaginava. Enfrentei dificuldades e provações. Foi um tempo difícil com labirintos e encruzilhadas. Aparentemente a vida passou de-pressa, talvez com a rapidez do meteoro, como já tive opor-tunidade de comentar em outras ocasiões. Mas a lembrança de meu rio permaneceu, como tudo o que foi bom na minha infância, dentro de um verdadeiro lar. E às vezes, a saudade aperta meu peito tentando asfixiar-me. Fujo então no coman-do de meu barquinho de papel que, teimoso, até hoje navega sem leme. Mas o caminho de Deus é perfeito.