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    MINISTRIODASRELAESEXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Celso Amorim Secretrio-Geral Embaixador Antonio de Aguiar Patriota

    FUNDAOALEXANDREDEGUSMO

    Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblicavinculada ao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedadecivil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica

    brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os

    temas de relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes Exteriores

    Esplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 1

    70170-900 Braslia, DF

    Telefones: (61) 3411-6033/6034

    Fax: (61) 3411-9125

    Site: www.funag.gov.br

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    dos autores1 edio: 2010

    Direitos reservados desta edio:Fundao Alexandre Gusmo

    Capa: Carla M. LuzzattoReviso: Analcia Danilevicz Pereira e Paulo G. Fagundes VisentiniEditorao eletrnica: Fernando Piccinini Schmitt

    A258 A258 frica do Sul: Histria, Estado e Sociedade. / Paulo G. FagundesVisentini [et al.]; organizao de Paulo G. Fagundes Visentini e Ana-lcia Danilevicz Pereira. -- Braslia : FUNAG/CESUL, 2010.

    272p.

    (Coleo Sul-Africana)

    ISBN: 978.85.7631.229-1

    1. Cincia poltica; 2. Histria poltica : frica do Sul. I. Visentini,Paulo G. Fagundes; II. Pereira, Analcia Danilevicz.

    CDU 327.6

    Catalogao na publicao: Mrcia Mattos Langeloh CRB10/1052

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    Quando os trekboerschegaram [ao veld] comseu rebanho e sua carreta com toldo, abandona-

    ram o modo de vida europeu. (...) [A nova] vidalhes dava uma grande tenacidade, uma resistn-cia silenciosa e um respeito muito forte por simesmos. Mas seu isolamento marcou seu carterao deixar vazia sua imaginao e inerte sua in-teligncia. Tinham tambm os defeitos de suasvirtudes. Sua tenacidade podia degenerar emobstinao, seu poder de resistncia em barreira inovao e seu respeito em relao a si mes-

    mos em desconfiana ao estrangeiro e desprezoao inferior.C. W. de Kiewet

    O nosso povo foi privado da parte que lhecabia da riqueza do pas. Corrigir [as] secularesinjustias econmicas ponto central de nossasaspiraes nacionais. Estamos conscientes dacomplexidade das situaes que se apresentaroa um governo popular no perodo de transio eda magnitude dos problemas acarretados pela sa-tisfao das necessidades econmicas das massasoprimidas. Mas uma coisa certa: na nossa terranada ser resolvido eficazmente se os recursosbsicos no forem postos disposio de todo opovo, em vez de continuarem a ser manipuladospor pequenos setores da populao ou por indiv-

    duos, sejam eles brancos ou negros.Estratgia e ttica do Congresso

    Nacional Africano, 1969.

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    AoEmbaixador Jeronimo Moscardo,por seu apoio ao CESUL.

    Agradecemos aoSr. Mauro BelliniVice-Diretor da Empresa Marcopolo, pelo apoioao Seminrio frica do Sul: mitos e realidade e publicao deste livro.

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    Sumrio

    INTRODUO / 11PARTE IHISTRIA

    1. O sul da frica: das origens descolonizao branca (at 1910) / 17Luiz Dario Teixeira RibeiroPaulo Fagundes Visentini

    2. A frica do Sul independente:segregao,Apartheide transio pactuada (1910-1994) / 35Analcia Danilevicz Pereira

    3. A nova frica do Sul: poltica, diplomacia e sociedade (1994-2010) / 65Paulo Fagundes VisentiniAnalcia Danilevicz Pereira

    PARTE IIECONOMIA E INTEGRAO

    4. Economia da frica do Sul: a convivncia entre o modernoe o atraso ou os desafios do rompimento com as estruturas sociaisdeterminadas pela histria / 99Ricardo Dathein

    5. Processos de integrao na frica Austral / 119Paulo Fagundes Visentini

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    PARTE IIIPOLTICA INTERNACIONAL

    6. A frica do Sul como potncia emergente:dilemas especiais e dimenses de segurana / 131

    Francis A. Kornegay

    7. A parceria sul-africana no contexto das relaes Brasil-frica / 161Pio Penna Filho

    8. Defesa e segurana da frica do Sul contempornea / 185Marco CepikLuiza Schneider

    PARTE IVESTADO E SOCIEDADE

    9. A sociedade sul-africana em transformao: alguns mitos e realidades / 209Jo-Ansie van Wyk

    10. frica do Sul: instituies e sociedade / 235

    Kamilla R. RizziAutores / 267

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    Introduo

    A frica do Sul, neste ano de 2010, comemora um sculo deindependncia e atrai a ateno geral pela realizao da primeira CopaMundial de Futebol no continente africano. A pujana econmica e na-tural, bem como as contradies sociais do pas, impactam os observa-

    dores. O contraste entre, de um lado, os bairros de classe media (predo-minantemente branca), os arranha-cus a la Manhattande Joanesburgoe o charme do turismo e, de outro, as favelas ao longo das estradas, osinformal settlementsnegros das periferias urbanas e a misria de certasregies rurais marcante, como no Brasil.

    Na verdade, a histria e a realidade sociopoltica sul-africanacontinuam sendo pouco conhecidas, a primeira devido ao silncio rei-nante e a segunda pelos mitos que envolve. A transio democracia ea figura emblemtica de Nelson Mandela, para a maioria das pessoas,teria produzido uma mudana to radical quanto pacfica. O problemaseria que o governo liderado pelo partido hegemnico, o CongressoNacional Africano (CNA), teria se revelado incompetente para solu-cionar os problemas da nao. Reinserida no mundo e na frica, can-didata a um assento permanente no Conselho de Segurana da ONU easpirante ao status de potncia mdia, a frica do Sul tambm desperta

    esperana e, igualmente, desconfiana por parte de seus vizinhos.A secular histria de segregao, opresso e explorao da maio-

    ria nativa, todavia, est longe de ser encerrada. A frica do Sul possuium carter nico, diferente das demais colnias tradicionais, e o dile-ma classe ou raa, que marcou o movimento de libertao, aqui, se re-vela decisivo. A transio democracia foi pactuada porque, se de umlado o regime racista doApartheidse encontrava enfraquecido ao final

    da Guerra Fria, o movimento de oposio liderado pelo CNA tambm,devido radical transformao da ordem internacional. Por outro lado,se oApartheidjurdico-poltico foi encerrado, o socioeconmico foi,na prtica, renovado e consolidado pelos compromissos, formais e im-plcitos, impostos aos novos dirigentes como condio para ocuparemo poder. Se os brancos puderam, com importantes cumplicidades in-

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    ternacionais, desrespeitar os direitos da maioria, os dirigentes negros,agora, so obrigados a respeitar os privilgios de uma minoria.

    Em 2012 o CNA, o mais antigo movimento de libertao nacio-nal, completar um sculo de existncia, com quase duas dcadas no

    poder, com o desgaste que isso implica, inclusive com a adeso dealguns negros ao statusde elite. A situao social da maioria melho-rou substancialmente, mas as necessidades e expectativas cresceramem proporo talvez maior. O desemprego elevado e a criminalidadeatingiu nveis alarmantes. E desse impasse e mal-estar que a fricado Sul sofre atualmente. O tempo de minimizar os problemas sociaisapenas com polticas pblicas compensatrias e assistencialistas, sema estruturao de um novo modelo socioeconmico, foi ultrapassado.A emergncia de novas contradies polticas est abrindo espao paranovos confrontos ou para um novo pacto de poder.

    Mas o pas tem enormes potencialidades e pode se transformarjuntamente com o continente africano, que est entrando, gradativa-mente, num novo ciclo de desenvolvimento. A infraestrutura e a baseeconmica herdada do regime racista, bem como a posio geopolticae os imensos recursos minerais, propiciam frica do Sul as condies

    necessrias a uma nova arrancada. O n da questo essencialmentepoltico e social.Para o Brasil, a frica do Sul representa uma parceira fundamen-

    tal, tanto para a poltica africana como para a global. Da a necessidadede se conhecer a realidade do pas, superando os mitos superficiaisque ainda imperam. Neste sentido, o Centro de Estudos Brasil-fricado Sul realizou em maio de 2010, na Universidade Federal do RioGrande do Sul, o Seminrio Internacional frica do Sul: mitos e rea-lidade, como parte do Projeto Parcerias Estratgicas do Brasil, EditalRenato Archer do CNPq. O evento contou, igualmente, com o apoioda Empresa Marcopolo, fabricante de nibus que possui atividades nafrica do Sul. Ela colaborou, igualmente, na publicao do livro queaqui apresentado, editado pela Fundao Alexandre de Gusmo doMinistrio das Relaes Exteriores. A todos, somos muito gratos.

    Trata-se de uma obra que apresenta uma viso abrangente da

    frica do Sul, com um segmento sobre a histria, outro sobre a econo-mia e integrao, um terceiro sobre a poltica internacional e o ltimosobre a sociedade, as instituies e a geografia do pas. Os autoresso especialistas brasileiros e sul-africanos, e o livro se destina aosacadmicos e ao grande pblico brasileiro, preenchendo uma grande

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    lacuna editorial. Com a realizao do seminrio e a publicao do livrofrica do Sul: Histria, Estado e Sociedade, quarto volume da SrieSul-Africana, o CESUL, orgulhosamente, marca seu quinto ano deexistncia.

    Porto Alegre, 2010.

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    ParteI

    Histria

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    1. O sul da frica: das origens descolonizao branca (at 1910)

    Luiz Dario Teixeira RibeiroPaulo Fagundes Visentini

    Ao avaliarmos o significado da expanso portuguesa ao atingiro litoral da frica nos sculos XV e XVI, percebemos que o exemploportugus mostrou Europa que o valor da frica, naquele momento,no estava somente ligado ao ouro ou ao comrcio de especiarias, ou,ainda, possibilidade de expanso do cristianismo. O continente tinhaoutras potencialidades era capaz de fornecer escravos para a explo-rao das Amricas. Portugal mostrou ainda, para as potncias maisvigorosas que desenvolviam seu poderio martimo, que do contato coma frica poderiam ser retirados muitos proveitos. Cada vez mais o con-tinente seria vtima de suas riquezas.

    A incorporao da frica tropical a um sistema comercial mun-dial e dinmico, dominado pelos europeus ocidentais, foi conduzi-da pelas tentativas de reconhecimento por parte dos portugueses.

    Posteriormente, a iniciativa portuguesa permitiu que a Europa viessea controlar todo o continente. Na primeira dcada do sculo XVII, aCompanhia Holandesa das ndias Orientais aniquilou o poderio portu-gus no Oceano ndico. Entre os anos de 1637 e 1642 uma outra com-panhia holandesa, a das ndias Ocidentais, apoderou-se das feitoriasmais importantes dos portugueses na costa ocidental da frica.

    Os efeitos da dominao do continente africano no poderiam ser

    reconhecidos naquele momento, pois os motivos que impulsionaram osholandeses a constituir duas importantes companhias comerciais foramresultantes de uma questo interna Europa. A populao do nortedos Pases Baixos estava em rebelio contra seu soberano, o espanhol,Filipe II, que, com a queda da Dinastia de Avis, resultante da derrota

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    em Alccer-Quibir, em 1579, tornara-se tambm rei de Portugal. Nessecontexto, os comerciantes holandeses j eram os principais distribui-dores para o norte da Europa de produtos asiticos, africanos e ameri-canos que afluam dos imprios espanhol e portugus.

    A Unio Ibrica (1580-1640) imps sanes aos holandeses, emuma tentativa de punir os rebeldes, proibindo-os de participarem dire-tamente do comrcio atlntico. Como o comrcio de especiarias aindaera mais atrativo, e o poderio portugus no oriente mais frgil que oespanhol nas Amricas, a Companhia Holandesa das ndias Orientaisiniciou suas atividades antes da Companhia Holandesa das ndiasOcidentais. Nenhuma das duas companhias estava especialmente inte-ressada na frica, embora, em meados do sculo XVII, a Companhiadas ndias Orientais tenha instalado uma base de apoio junto ao Caboda Boa Esperana, o que teria como consequncia o alargamento dacolonizao europia no sul da frica.

    Os holandeses, com melhores barcos e tcnicas mais avanadasdo que os portugueses, navegavam desde o Cabo da Boa Esperana,chegando diretamente s ndias Orientais atravs do Estreito deSunda, entre as ilhas de Java e Sumatra, na Indonsia. Esse estreito

    liga o mar de Java ao Oceano ndico. Apenas duas bases asseguravamo controle dessa rota uma junto ao Estreito de Sunda (Batvia, atualJacarta), que se tornou a sede da Companhia, e outra no meio do tra-jeto entre a Europa e as ndias Orientais, que deveria vigiar o acessoao Oceano ndico. Inicialmente, Santa Helena foi destinada a essefim, mas, em 1652, diante da concorrncia entre ingleses e franceses,os holandeses decidiram instalar uma colnia onde nasceria a Cidadedo Cabo. Pouco mais de um sculo depois, os britnicos superaram opoderio holands.

    A OCUPAO DO TERRITRIOANTES DAS GRANDES NAVEGAES

    Quando o navegador portugus Bartolomeu Dias aportou, em

    fevereiro de 1488, no extremo sul do continente africano, chegou aterras ocupadas por povos primitivos do grupo lingustico Khoisan. OsKhoikhoi(pejorativamente chamados de Hotentotes) eram pastorese os Sans(pejorativamente denominados Bosqumanos) eram caa-dores, enquanto os bantos eram agricultores e pastores seminmades.

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    Os diferentes tipos de atividades possibilitaram o compartilhamentoterritorial e relaes de clientelismo (nem sempre pacficas) entre essesgrupos. A organizao social era fundamentada em cls, sem conhece-rem o Estado.

    O status, a riqueza e o poder entre os Khoikhoieram baseados notamanho dos rebanhos e a influncia era multiplicada pelo emprstimode reses a outros membros do cl ou de cls diferentes. Tambm em-prestavam ces para os Sansem troca de produtos da caa e de laosde clientela. Os Khoikhoi eram refinados criadores de gado cujas reseseram reconhecidas e nomeadas pelos proprietrios por suas caracters-ticas particulares. Esse gado tambm era usado para transportar cargase pessoas e treinado para obedecer, atravs de assobios, ordens dis-tncia. Os assobios agrupavam a manada, determinavam manobras eparada, possibilitando que os rebanhos fossem utilizados como armacontra adversrios.

    Tantoos Khoikhoi como os Sansno entendiam que a terra pu-desse ser uma propriedade privada, mas, sim, um bem de uso. Segundodiversos pesquisadores e testemunhos, quando os Khoikhoi perdiamseus rebanhos, passavam condio de beach rangers (coletores de

    mariscos) do litoral ou de caadores e de coletores. Para recuperar suaposio social procuravam prearo gado de outros pastores, fato que le-vava a confrontos. A situao de penria e desclassificao, no entanto,era superada pelo clientelismo e pelo emprstimo de gado, um fator depaz e de unidade social.

    Alm da lngua, as caractersticas fsicas (estatura, cabelos, tomde pele), a organizao sociopoltica e as atividades econmicas dife-renciavam esse primeiro grupo contatado pelos europeus dos outroshabitantes do territrio da atual frica do Sul. Os outros eram cons-titudos por grupos falantes das lnguas bantas que haviam chegado regio ainda em meados do primeiro milnio. Dominando a tecnologiada produo de ferro e de cobre, agricultores cultivadores de cereais ecriadores de gado, os bantosorganizavam-se socialmente em cls, mas,em termos polticos, haviam progressivamente constitudo Estados.

    Os bantos, ao se expandirem para o sul, no s absorveram ele-

    mentos da lngua e da cultura Khoisan, ligada caa e coleta, comotambm introduziram gradualmente o cultivo de alimentos e a utiliza-o de instrumentos de ferro. Tal fator determinou, por longo tempo, acoexistncia desses dois tipos de economia e a disperso dos Khoikhoi,que haviam recebido os animais domsticos por volta do sculo I a.C.

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    das mos dos bantos. Os bantos distriburam-se atravs do corredororiental (prximo costa) onde os assentamentos no apresentam ves-tgios da pecuria; e do corredor central (no Transvaal) onde existemmostras de atividades pastoris entre eles. Os dois corredores se fundi-

    ram entre os sculos V e VI d.C (OLIVER, 1994).Para Iliffe (1999), os bantos, atravs de grupos autnomos queescolhiam terras adaptadas a sua tecnologia agrcola, foram itinerantesat o sculo XI, quando voltaram s reas primitivas de povoamento,dando origem a comunidades mais sedentrias. Tais comunidades eramdispersas at a emergncia da presso demogrfica e do bloqueio daspossibilidades de expanso. Os valores pastoris eram a base de sua cul-tura. Esses grupos, seguindo os cursos dgua e da costa, haviam chega-do a Durban no sculo II d.C. e ao rio Kei no final do primeiro milnio.

    Os bantosdesenvolveram prximo ao litoral, uma economia mis-ta, enquanto que, nos planaltos ridos, houve a especializao no pas-toreio, na minerao e na fundio de metais. Em ambos os casos aabundncia de terras possibilitava o surgimento de micro-Estados peloprocesso de cissiparidade dos Estados iniciais. Tais Estados eram ru-rais e as cidades eram capitais polticas que desconheciam o comrcio

    (exceto o de longa distncia para produtos raros), mas que conhece-ram a especializao por causa dos sistemas de redistribuio (ddiva),adaptando suas atividades s contingncias ecolgicas (ILIFFE, 1999).

    Os sistemas de redistribuio, a inexistncia de feiras e de mer-cados e os grupos de clientes tornavam prescindvel a escravido e ocomrcio de seres humanos, que no foram conhecidos por estas so-ciedades (COSTA E SILVA, 2002). A fartura de terras proporcionavaa agricultura itinerante, enquanto as relaes poligmicas, automatica-mente, possibilitavam que, em cada gerao, a cissiparidade proporcio-nasse o surgimento de novos Estados. Essas condies tambm eramfundamentais para que o governo assumisse a forma de rbitro e deguardio do culto dos antepassados e no a de autoridade desptica.A consequncia foi a multiplicao de pequenos Estados, com poucovolume populacional cada um deles, masem grande nmero. A cissi-paridade possibilitou tambm que os governantes desses Estados per-

    tencessem a uma mesma famlia.Os bantos dividiam-se em diferentes etnias ligadas ao perodo

    de chegada ao territrio e forma de produo e de vida de cada gru-po, e as lnguas diferenciadas originavam-se de um mesmo tronco.Conforme as atividades econmicas desenvolvidas, os diferentes gru-

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    pos bantos fixavam-se em reas que favoreciam o tipo de atividadepredominante. O principal desses grupos era oNguni, constitudo porvrios outros diferenciados e que esteve na origem dos Xhosase dosZulus. Habitavam inicialmente as plancies dos vales midos da cos-

    ta do ndico, favorveis agricultura de cereais (sorgo) e pecuria.Alm disso, as florestas da regio forneciam a lenha para os fornos defundio de ferro.

    O planalto semirido e o Cabo, com chuvas concentradas no in-verno, no foram espao de ocupao dosNguni. O planalto foi ocu-pado por pastores de origem banto e mais ao norte do Transvaal de-senvolveu-se uma economia especializada na fundio de metais e nocomrcio de longa distncia, sem atividades agrcolas ou pastoris. Essasociedade era interdependente, com produtores agrcolas e de gado queconsumiam sua produo. interessante notar que, ao contrrio do quefoi difundido pelos idelogos afrikanerse por parte da historiografia,as fontes orais e os restos arqueolgicos situam essa ocupao no pri-meiro milnio, enquanto que a lingustica e a gentica apontam dadospara a existncia de contatos e de trocas sociais, culturais, econmicase (inclusive) sexuais entre os bantos e os Khoisans.

    Entretanto, Khoisans e bantos no foram os ocupantes primiti-vos do territrio. A ocupao reporta-se ao incio do processo de de-senvolvimento humano, segundo os registros arqueolgicos. Artefatosdo perodo Acheulense, com idade entre 300.000 e 400.000 anos, soencontrados na superfcie e em cavernas, principalmente na provn-cia do Cabo. Nas cavernas tais artefatos esto associados a fsseis dohomo sapiens. Outra caracterstica dos stios a proximidade da gua(OLIVER,1994). Oliver aponta, ainda, para uma continuidade da ocu-pao territorial ao longo do perodo de formao e de desenvolvi-mento da humanidade atravs da existncia de objetos compostos doperodo Ateriense, com idade entre 30.000 e 125.000 anos na regio.Tais restos so caractersticos do homo sapiens sapiens. A sucessocontnua de restos diferenciados na regio identifica-a como centro dodesenvolvimento original da histria humana.

    A CHEGADA DOS EUROPEUS: DA CONQUISTA OCUPAO

    Em 1497, o portugus Vasco da Gama aportou no Cabo, primei-ro na bacia de Santa Helena e depois na baa de Mossel. Nesses dois

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    lugares, o navegador estabeleceu contato, no to pacfico, com aspopulaes locais. Em Mossel, os portugueses trocaram braceletes decobre por bois com os Khoikhoi,que se aproximavam do litoral comseu gado. Nesse contato, Vasco da Gama vislumbrou alguns nativos

    utilizando seus bois como montaria e como animais de carga. Apsdoze dias de estada, ocorreu um confronto e os portugueses retiraram-se. Antes, porm, erigiram um padro de pedra tomando posse daregio para o rei de Portugal. Os navegantes aplicavam o direito dadopela Bula Papal de dominar e conquistar para a cristandade todas asterras descobertas ou por descobrir atravs dos mares ao oriente dasTordesilhas. A bula estabelecia, a bem da verdade, o monoplio dePortugal e legitimava qualquer tipo de ao. Logo aps a retirada, osKhoikhoiderrubaram o padro.

    Rota de Vasco da Gama

    No incio do sculo XVI, as relaes degeneraram-se progressi-vamente, o que levou os portugueses a desprezarem a rea. Entre os fa-tores determinantes para tal posicionamento est o enfrentamento dos

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    membros da frota do Vice-Rei da ndia, Dom Francisco de Almeida,com os autctones aps uma razzia portuguesa sobre seu acampa-mento. Enquanto os portugueses se retiravam, foram atacados pelospastores e seus bois amestrados. Ao final da luta, aproximadamente

    cinquenta portugueses, entre eles o Vice-Rei, haviam perdido a vida.Outro aspecto a considerar, foi o fato dos navegadores lusitanos possu-rem uma base na regio da foz do rio Congo e terem ocupado a ilha deMoambique, alm das cidades suailna costa do Oceano ndico. Estasduas bases possibilitavam estadas aps jornadas menores e, tambm,uma menor e mais fresca carga de alimentos e de gua.

    A retirada portuguesa deixou o Cabo disponvel aos aventureirosque procuravam competir com os portugueses e com sua pretensa le-gitimidade de dominao. Ingleses, franceses e holandeses passarama frequentar a regio do Cabo como ponto de descanso e de reabaste-cimento ao longo do sculo XVI. O progressivo enfraquecimento dePortugal tornava a represso cada vez mais ineficiente.

    No incio do sculo XVII, o Cabo j era um ponto estratgicode restaurao e reabastecimento para um nmero cada vez maiorde holandeses e ingleses que navegavam pelo sul do ndico rumo ao

    Extremo Oriente em busca de riquezas. O escambo com os Khoikhoipossibilitou o surgimento, entre os africanos, de especialistas e intr-pretes. Para eles, a situao era vantajosa porque os bens trocados comos europeus possibilitavam a aquisio de gado dos grupos do interior.Isso permitia o aumento da riqueza e do poder dos grupos litorneos,alm do acesso a outras fontes de abastecimento de metais, diferentesda dos bantos, localizados mais ao norte.

    Como resultado dessa situao, surgiu na Inglaterra e na Holandadefensores da instalao de bases (ou feitorias) permanentes. Os ingle-ses fracassaram quando tiveram de encerrar uma feitoria, instalada noincio do sculo XVII, com condenados morte que terminaram porser repatriados. Antes e depois da instalao dessa base, assim comoos holandeses, os ingleses levaram os Khoikhoipara a Europa e para oExtremo Oriente, a fim de formar agentes nativos. O experimento foium fracasso, porque os pretensos agentes utilizaram os conhecimentos

    adquiridos para fortalecer o poder de seus cls perante os outros e pe-rante os europeus. Esses homens no apenas monopolizaram as trocascomo enriqueceram seus grupos. Quando da implantao do domnioholands na regio, as primeiras resistncias armadas contra os coloni-zadores tiveram incio.

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    A INSTALAO DAS BASES HOLANDESAS

    Aps sua guerra pela independncia, os holandeses passa-ram a disputar o controle do trfico martimo com os portugueses. A

    Companhia Holandesa das ndias Orientais, criada em 1602, e que seinstalou na ilha de Java, necessitava de uma estao intermediria decarter permanente para vencer as distncias. A pennsula do Cabo, jmuito frequentada por navegadores de vrias origens, foi a escolhida.Sob o comando de Jan Van Riebeeck, em 1652, foi criada uma feitorianas terras de pastagem dos rebanhos Khoikhoi.

    O objetivo da feitoria era o de produzir e de fornecer alimentosfrescos (legumes e cereais) e gua. Alm disso, servia para o restaurodos navios e para o repouso e recuperao das tripulaes. Como pro-priedade da Companhia Holandesa das ndias Orientais, o estabeleci-mento no possua colonos, mas empregados submetidos autoridadedo representante legal da empresa mercantilista.

    As dificuldades para desenvolver a feitoria logo se fizeram sentir.Por um lado os Khoikhoi controlavam o acesso ao gado, e, por ou-tro, o cultivo de cereais no avanava e os empregados da companhia

    reivindicavam maior liberdade, representao, assim como o direitode se tornarem fazendeiros. Tais problemas eram intensificados pelacarncia de mo-de-obra agrcola, j que os Khoikhoirecusavam-se atrabalhar na agricultura. Escravos trazidos a partir do final da dcadade 1650 tendiam a fugir, o que provocava atritos entre a feitoria e osKhoikhoiacusados de acobertar os fugitivos.

    Alguns funcionrios da Companhia Holandesa das ndiasOrientais receberam, em 1657, o estatuto de burgueses livres, tornan-do-se comerciantes, e outros receberam terras para se dedicar pro-duo de cereais. As reas destinadas as suas instalaes situavam-seem campos de pastagem dos rebanhos dos Khoikhoie o resultado doscultivos devia ser vendido a preos baixos e de forma monopolista Companhia. Tais condies provocaram dois fenmenos: as guerrasdos Khoikhoicontra os holandeses e a transformao dos agricultoresem camponeses pastores (os boers). Estes terminaram adotando a for-

    ma de criao transumante, caracterstica dos autctones e expandindoas reas ocupadas para apascentar seus rebanhos crescentes, bem comobuscar a livre comercializao de seus produtos com navios de outrasprocedncias. A feitoria progressivamente transformava-se em uma ex-pansiva colnia de povoamento.

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    Os colonos holandeses e a Companhia mantiveram duas guer-ras contra os pastores Khoikhoi. A primeira, deflagrada em 1659-1660, terminou com a vitria colonial, pois as foras boerspossuama vantagem das armas de fogo e da rpida locomoo com cavalos. Os

    Khoikhoi, ligados por fidelidades clnicas e de clientela at o rio Kei,foram chefiados na guerra por dois lderes que haviam sido levadospelos navegadores ao exterior e haviam aprendido seus mecanismos.Harry, o primeiro, aprendeu ingls em Bantum e transformou-se emintrprete e intermedirio, refazendo a riqueza e o poder de seu cl. Ooutro lder Khoikhoiera Damian, que aprendera holands, conheceraas intenes, a fora e as limitaes das armas de fogo dos flamengosna Batvia, em Java.

    Os Khoikhoi desencadearam aes de guerrilha e de destruiodas estruturas das fazendas, obrigando os colonos a buscar refgio nacidade do Cabo. No incio de 1660, o chefe Damian foi ferido e osKhoikhoipropuseram a paz. Dessa forma, o governador do Cabo, VanRiebeeck, declarou as reas ocupadas como direito de conquista e es-tabeleceu os limites da colnia no rio Breede. Os criadores boers, pro-gressivamente, avanaram para o leste e comearam a ultrapassar os

    limites. Aos derrotados cabia submeter-se como pastores dependentesou migrar.Os Khoikhoi comearam, ento, um processo migratrio pres-

    sionando as terras de outros cls e os campos de caa dos Sans.Posteriormente, um dos grupos Khoikhoi, denominado cochoqua,constituindo o maior cl, tornou-se o grande intermedirio, interpon-do-se entre os brancos e os outros pastores. Esse grupo monopolizou aintermediao do fornecimento de gado e outros artigos Companhia,bem como dos seus produtos aos africanos da regio. Com esta atitudedespertaram a inveja e a cobia. Ao mesmo tempo, tiveram seus re-banhos roubados e suas pastagens foram progressivamente ocupadas.Sua reao originou a segunda guerra Khoikhoi, que durou de 1673 a1677. A vitria holandesa levou multiplicao da rea da colnia e submisso dos autctones do Cabo.

    No podendo utilizar os nativos como mo-de-obra, Van der Stel,

    que governou a feitoria de 1679 a 1699, iniciou uma poltica de povo-amento distribuindo terras para colonos alemes, huguenotes francesese soldados holandeses. O crescimento demogrfico e a ampliao ter-ritorial possibilitaram a criao com esses novos imigrantes-colonoslivres, da cidade de Stellenbosch, que seria o bero da indstria vin-

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    cola sul-africana. Os novos colonos tambm se dedicaram ao cultivode trigo e de outros cereais, tornando a colnia autosuficiente. Duranteesse perodo, a escassez de mulheres brancas possibilitou, atravs decasamentos (rarssimos), de concubinagens ou de simples relaes se-

    xuais eventuais inter-raciais, o surgimento de uma populao mestiade europeus com mulheres africanas e asiticas. Ao lado dessa popula-o, surgiu tambm uma legislao restritiva das relaes e que estarno germe da futura poltica doApartheid.

    O DESENVOLVIMENTO DA COLONIZAONO SCULO XVIII

    O crescimento populacional, as reivindicaes anti-mercantilistasdos colonos e dos boerse a expanso territorial pelas migraes autno-mas foram a base para a proibio da imigrao branca em 1717. Junto proibio, tanto a Companhia Holandesa das ndias Orientais quantoos colonos, intensificaram a utilizao do trabalho escravo ou servil dosKhoikhoi. Frente aos Sans, a poltica era de extermnio deliberado. Esta

    poltica completava a destruio dessa populao decorrente de epide-mias de tifo e de varola, que as dizimaram no sculo XVIII.A presso sobre a fronteira do territrio repercutiu nas outras re-

    gies que passavam por processos de crescimento e expanso, origi-nando tenses que eclodiram no futuro com as Guerras Cafres contraos pastores Xhosas. Durante o sculo XVIII, com a chegada dos hu-guenotes (calvinistas franceses) refugiados das perseguies religio-sas, a populao colonial cresceu e se tornou mais complexa. Os fran-

    ceses constituam um grupo urbano e mercantil, alm de praticarem aagricultura comercial de cereais e de vinhos, originando a enologia nacolnia do Cabo. Os novos colonos que pertenciam mesma f dosfazendeiros holandeses fundiram-se com estes. Outro fator da unifi-cao foram os interesses comerciais que contrapunham os dois gru-pos s exigncias monopolistas da Companhia Holandesa das ndiasOrientais. A Companhia impunha a obrigao de renda exclusiva e os

    preos de aquisio em prejuzo de agricultores, de pastores e de co-merciantes, com diversos efeitos.Os monoplios acompanhados pelo crescimento da passagem

    de navios estrangeiros que ofereciam mercado para os produtos da re-gio, facilitaram o processo de expanso territorial dos boersatravs

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    do trekking. A expanso boerfoi fruto, tambm, do crescimento demo-grfico. O baixo nvel da produtividade exigia a agregao de terras erebanhos. A possibilidade de vender fora da Companhia estimulava abusca de distncia e o aumento da oferta. Como resultado do processo

    expansivo, intensificaram-se os conflitos com os Khoikhoi, que erampressionados por Comandos a cavalo que utilizavam armas de fogo.Tal ao dizimava e provocava o recuo rumo ao interior dos pastoresafricanos que pressionavam os caadores e os coletores Sanspara asregies desrticas. Ao longo do sculo, os Khoikhoisofreram imensaperda com novas epidemias como tifo e varola, que tambm afeta-ram, mas com menor intensidade, os colonos europeus. Reduzidos emnmero, desapossados e comprimidos territorialmente, os Khoikhoisobreviventes foram incorporados como servos ou domsticos nas pro-priedades boerscomo a principal fora de trabalho.Antes mesmo da intensificao da expanso territorial, a CompanhiaHolandesa das ndias Orientais proibiu a imigrao de brancos em1717, como dito anteriormente. Para substituir a mo-de-obra imigran-te foi estimulada a aquisio de escravos que atenderam as necessida-des produtivas da Companhia e dos colonos ligados ao comrcio e

    agricultura. Os escravos que constituam a maior parte da mo-de-obrae eram alocados para a execuo dos trabalhos mais pesados foramsubmetidos a uma brutal legislao repressiva.

    A carncia de mulheres brancas levou ao desenvolvimento de re-laes sexuais dos colonos pobres com mulheres asiticas e africanas(de condio escrava, servil ou livre) sob a forma de concubinato ou derelao eventual, conforme j explicitado. O resultado foi o surgimentode uma camada scio racial de mestios que crescia ameaando o siste-ma. Para evitar tal situao, as normas que proibiam tal tipo de relaoe que haviam surgido no sculo XVII foram renovadas e intensifica-das ao longo do sculo seguinte. Proibindo casamentos, concubinatose relaes eventuais, procurava-se reduzir o nmero de mestios que jpredominavam na cidade do Cabo.

    O desenvolvimento da burguesia e o crescimento do nmero deboers, bem como o convvio tenso com grupos de outras origens, tive-

    ram como consequncia o desencadeamento de conflitos de interesseque favoreceram a interiorizao territorial dos boers, para fugir dasformas de controle. A sua africanizao cultural e tecnolgica, a forma-o de uma identidade prpria e a fundao das cidades de Swellendam(1745) e de Graaff Reinet (1786) ilustram essa situao.

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    A expanso dos boerscom seus dependentes rumo ao interior foibloqueada no norte pelos caadores Sans. O resultado foi o desvio daexpanso para o leste, ingressando no Zuurveld. A regio era habitadapor agricultoresXhosaque se expandiram para o sudoeste. Esse encon-

    tro aconteceu em 1775, nas margens do Great Fisher River. OsXhosasestavam organizados em sociedades dirigidas por sobas (espcie derei), o que caracterizava a constituio de Estados territoriais prepara-dos para a expanso e conquista territorial.

    O encontro e a disputa pelo territrioXhosae por sua rea de pro-jeo originou uma srie de conflitos que, iniciados em 1778, duraramat 1856, e ficaram conhecidos como as Guerras Cafres. No sculoXIX, tais conflitos envolveram os britnicos juntamente com os boerscontra osXhosas. Alm dos agricultores, os pastores bantos foram en-volvidos no conflito caracterizado por ataques e contra-ataques, pelarazziae contrarazzia, para a posse dos rebanhos e pela disputa em tor-no da posse do gado errante, considerado bem comum e pelos bantos.Nesses conflitos os boers voltaram a utilizar comandos constitudospor cavaleiros dotados de armas de fogo, possuindo, por isso, superio-ridade militar.

    As disputas com a Companhia Holandesa das ndias Orientais, aemergncia de uma burguesia comercial no Cabo, as lutas por terra egado com os africanos, juntamente com o calvinismo dos colonos e asua africanizao, definiram uma identidade que se forjou ao longo dosculo XVIII e se consolidou na luta contra os britnicos ao longo dosculo XIX.

    A identidade afrikaner possua caractersticas religiosas (calvi-nismo, crena na predestinao de um povo eleito), psicolgicas (ini-ciativa, independncia), lingusticas (oafrikaans constitudo por umholands arcaico acrescido de elementos do portugus, do ingls, delnguas asiticas e, principalmente, das lnguas africanas da regio), e,estrutura socioeconmica (patriarcalismo) e tecnolgica (adoo dastecnologias de criao e agricultura africanas mescladas com as de ori-gem holandesa). Tal identidade era fortemente paternalista, preconcei-tuosa e discriminatria.

    O final do sculo XVIII foi intenso em acontecimentos que ti-veram consequncias para a regio meridional, para suas popula-es e para os afrikaners em especial. A Revoluo Francesa e o in-cio do conflito com a Gr-Bretanha na Holanda levou falncia daCompanhia Holandesa das ndias Orientais em 1799, que sofria as

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    consequncias da guerra anglo-neerlandesa. A Revoluo e a desarti-culao da Holanda - uma Repblica ao norte e a incorporao do sul Repblica Francesa - possibilitou, como efeito, a criao de cidades-repblicas livres em Swellendam e em Graaff Reinet. Contudo, a inva-

    so do Cabo pelos ingleses em 1795 (que permaneceram at o inciodo sculo XIX), as levou destruio. A transformao da RepblicaBatava em um reino do Imprio Napolenico, em 1806, trouxe de voltaa ocupao britnica (inicialmente provisria) que se tornou perma-nente aps o Congresso de Viena (1814-1815), como se ver adiante.

    A EVOLUO DA FRICA DO SUL NO SCULO XIX

    Dentre os povos da frica, existe uma excepcionalidade e ori-ginalidade, que so os brancos sul-africanos. Os boers, movendo-separa o interior com suas carroas e seus rebanhos, vo deixando de sereuropeus e passam a se considerar africanos, isto , a considerar africa a sua terra. Segundo Kiemet, essa vida lhes dava uma grandetenacidade, uma resistncia silenciosa e um respeito muito forte por

    si mesmos. Mas seu isolamento marcou seu carter ao deixar vaziasua imaginao e inerte sua inteligncia. Tinham tambm os defeitosde suas virtudes. Sua tenacidade podia degenerar em obstinao, seupoder de resistncia em barreira inovao e seu respeito em relaoa si mesmos em desconfiana ao estrangeiro e desprezo ao inferior.1

    Os colonos holandeses professavam um calvinismo radical econstituam, na Europa, minorias religiosas em meio a catlicos ou ou-tros. Posteriormente, a eles se juntaram no sul da frica os huguenotes,calvinistas franceses perseguidos em sua terra natal. Ao virem para africa, rompiam com as metrpoles e no se consideravam colonosdelas. No Cabo, lutavam contra o domnio da Companhia e contra abarbrie negra. Tornaram-se afrikaners e criaram a lngua afrikaans.Assim, ao longo de um sculo e meio, o entreposto do Cabo foi se tor-nando uma colnia de povoamento, que se expandia na busca de terrapara o gado.

    Cada vez mais preocupada, a Companhia proibiu a imigrao, eos colonos buscavam mo-de-obra, forando os Khoisansa trabalha-

    1C. W. de Kiemet. History of South Africa, social and economic apud LEFORT, Ren.Sudfrica, histria de una crisis.Mxico: Siglo XXI, 1977. [Traduo do autor].

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    rem para eles. Os casamentos mistos eram rigorosamente proibidos,mas a mestiagem era intensa, gerando o grupo dos grikuas (mesti-os, ou coloureds). Assim, a raa vai se tornando um critrio de posi-o social em relao propriedade dos meios de produo (terras e

    rebanhos). Segundo Lefort, a escravido, fruto da pobreza da col-nia, vira sua causa. Em fins do sculo XVIII, a colnia evoluiu semuma ordem, devido ao declnio da Holanda e falncia da CompanhiaHolandesa das ndias Orientais, um quadro que seria alterado pelasrivalidades europias.

    O Cabo da Boa Esperana constituiu uma preocupao estrat-gica para as potncias martimas europias durante quase todo o per-odo em que vigoraram os interesses comerciais na frica Ocidental.Dessa forma, em 1795, diante da propagao da Revoluo Francesa Holanda, a rivalidade martima e imperial anglo-francesa levou osbritnicos a apoderarem-se do Cabo, superando o frgil domnio daCompanhia Holandesa das ndias Orientais na regio. Com o Tratadode Amiens, o Cabo foi entregue novamente aos holandeses em 1803,mas, diante do reascender das hostilidades britnicas e francesas, foinovamente ocupado pelos ingleses para evitar que casse em mos

    inimigas, anexando-o, formalmente, em 1806. Como consequncia,os britnicos envolveram-se em novos interesses, inesperados nocontinente africano, que se chocavam com os anteriores, meramentecomerciais.

    Os ingleses tomaram conta da situao que encontraram e possu-am recursos muito mais eficazes para instalar sua administrao. Osprimeiros administradores foram militares e, quando definido que alificariam conforme prerrogativas estabelecidas em 1814, nos termosdas negociaes em Viena decidiu-se pela defesa dos interesses bri-tnicos no sul da frica que inclua tanto o governo dos boers quantoo controle das fronteiras com os bantos.

    A Inglaterra, livre-cambista, no desejava promover uma coloni-zao com ocupao direta e, sim, formar uma burguesia local, conce-dendo-lhe autonomia quando os vnculos econmicos com a metrpoleestivessem suficientemente slidos. Para evitar guerras dispendiosas,

    os ingleses desejavam estabelecer alianas com os chefes nativos e, aomesmo tempo, que populao local se integrasse na economia colonial.Para tanto, introduziram um imposto em dinheiro sobre cada choa econverteram as chefferiesnegras em administraes econmicas mo-netarizadas.

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    A burguesia comercial do Cabo enriqueceu e desejava uma pro-duo voltada para a exportao, sobretudo com o vinho, a l e o a-car, cultivado, posteriormente, no Natal. Os boers, que viviam de umaagropecuria atrasada, eram prejudicados pelo novo sistema e neces-

    sitavam mais terras e mo-de-obra compulsria para fazer frente aolivre-cambismo, pois sua produo no era competitiva. O governo, te-mendo perder o controle sobre esse grupo, no permitiu que eles desar-ticulassem aschefferiesnegras, pois elas tambm ajudavam a defenderas fronteiras indefinidas da colnia.

    Ao final da dcada de 1820, a poltica inglesa comeou a mudar.As guerras com a Frana, nesse contexto, pertenciam ao passado e anecessidade de domnio militar do sul da frica j no mais era im-prescindvel. Os ingleses tornavam-se cada vez mais crticos ao custoda manuteno dos grandes empreendimentos coloniais, em especial seno trouxessem considerveis vantagens comerciais. Assim, em 1825,decidiu-se pela reduo dos custos da guarnio da fronteira orientaldo Cabo por meio da fixao de 5.000 britnicos, veteranos das guerrasfrancesas, ao longo desta fronteira. Havia a expectativa de que essescolonos britnicos pudessem moderar a comunidade europia da re-

    gio, cada vez mais arcaica e conservadora.Segundo Fage (1995), a propaganda missionria, habilmenteconduzida pelo superintendente local da Associao Missionria deLondres, John Philip, dedicou ateno especial ao fato de, sob domnioingls, existir um sistema de castas, segundo a qual os negros, inclusi-ve os convertidos ao cristianismo, no tinham direitos terra e eram,com efeito, uma classe servil sujeita ao poder arbitrrio dos patresbrancos. Esse problema despertou a ateno em uma Inglaterra que jhavia atuado de forma decidida contra o trfico de escravos e que seencaminhava para a abolio da escravatura em suas colnias.

    Em 1828, os ingleses promulgam uma lei de igualdade racial,e, em 1833, proibiram a escravido. Foi decretado, tambm, que oscustos com a defesa da fronteira do povoamento branco deviam recairsobre os prprios colonos. Aos ingleses caberia apenas a responsabi-lidade militar sobre a base da Cidade do Cabo. Como reao, grande

    parte dos boers iniciou o Grande Trek (1836-1844), uma migrao emcarroas rumo ao planalto do nordeste, muito semelhante a dos pionei-ros do oeste americano. Aproximadamente 14.000 homens e mulheresboerscarregaram seus carros de bois com seus pertences, juntamentecom o gado e seus serviais negros e emigraram da Colnia do Cabo.

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    Boa parte da estratgia deste deslocamento vinculava-se ao conheci-mento de vastas reas na zona alta da estepe e uma extensa rea de terramuito frtil nas costas do Natal, a sul do territrio dos zulus.

    Embora o interesse dos boersestivesse direcionado aos espaos

    vazios que pareciam superar os obstculos da fronteira leste, haviatambm a ideia de expanso e fixao sem lutas dispendiosas e perigo-sas. No entanto, logo perceberam que teriam que lutar para conquistaro espao desejado. Aps alguns problemas iniciais, os boersaperfeio-aram seus mecanismos de defesa carros fortificados, o laager, paraa defesa, e o swift ou assalto de comandos montados, para o ataque com o propsito de derrotar os zulus e forar os demais grupos aretirarem-se para norte do Limpopo.

    Todavia, as dificuldades no se esgotaram. Embora alguns indi-vduos pudessem ser teis como trabalhadores, apesar de serem con-siderados brbaros estranhos e inassimilveis e cuja presena exigiaesforo militar, o problema maior residia no fato de que as autoridadesbritnicas da Colnia do Cabo no consideravam que os trekkers, aodeslocarem-se para fora da Colnia, tivessem deixado de ser sditosdos ingleses. Embora suas aes no afetassem a posio britnica

    no sul da frica, deveriam ser chamados a prestar contas. Contudo,os boers desejavam fugir da autoridade do governo ingls, buscandoconquistar terras e derrotar os chefes bantos, escravizando a popula-o negra. Tambm travaram combates com os zulus e outros grupos,estabelecendo-se no Natal e nos montes Drakensberg (Montanhas doDrago), em 1839.

    Nascia, assim, o nacionalismo afrikaner. Em 1842, eles criaram oEstado Livre de Orange, e, em 1852, a Repblica do Transvaal (depoisRepblica Sul-Africana), no planalto do nordeste da atual frica doSul. Esses Estados eram baseados numa legislao racista. A estratgiabritnica exigia que esta soberania boer fosse aniquilada e, assim,proclamou Natal colnia britnica em 1843. Essa regio atraa um n-mero muito grande de boers, mais do que a estepe seca e montanhosa.Entretanto, diante da inteno de evitar interferncias externas, essaspopulaes deslocaram-se, novamente, em direo ao Drakensberg. A

    criao das repblicas boersacabou por constituir enclaves de colonosbrancos na frica negra, como resultado de dois sculos de evoluoeconmica e social, impulsionados pela convico religiosa e pela ex-perincia militar. Os brancos estavam decididos a recusar aos no-europeus qualquer lugar na sociedade a no ser o de uma classe traba-

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    lhadora subordinada e subserviente, colocando um enorme problemaaos interesses predominantemente britnicos.

    Os ingleses, sempre no seu encalo, conquistaram Orange em1854, seguindo uma evoluo indesejada, que onerava os cofres p-

    blicos. Ocorreu, ento, a descoberta de jazidas em diamantes, em 1867(mesmo ano da construo do Canal de Suez), e de ouro em 1885, emterritrio dominado pelos boers. Os ingleses tentaram isol-los, esta-belecendo os Protetorados da Basutolndia (atual Lesoto), em 1868,Bechuanalndia (atual Botsuana), em 1885, e da Suazilndia, em 1894,atravs dos quais mantinham a autoridade dos soberanos negros e im-pediam a anexao dessas regies e o domnio de suas populaes pe-los boers.

    Em 1877, os britnicos anexaram o Transvaal, mas os colonos serevoltaram em 1880-1881, e os expulsaram. Entre 1883 e 1902, o len-drio Paul Kruger foi presidente do Transvaal e a invaso comandadapelo aventureiro ingls Cecil Rhodes, em 1895-1896, para derrub-lo fracassou. Kruger, que na juventude havia participado do GrandeTrek, criou todas as condies para o fortalecimento do nacionalismoafrikaner. Em 1882, foram estabelecidas, ao lado do Transvaal, as pe-

    quenas repblicas boers de Goshen, Niew Republiek e Stellaland, queos ingleses ocuparam em seguida. A minerao atraa uma impressio-nante vaga de imigrantes, que criaram a cidade de Joanesburgo, for-mando um capital minerador. Insatisfeitos, os ingleses desencadearama guerra anglo-boer (1899-1902), na qual os colonos foram derrotadoscom grande dificuldade, obrigando as tropas imperiais a empregar m-todos cruis, como os campos de concentrao. O nacionalismo boer,assim, se intensificava.

    Numa conjuntura em que a frica estava sendo partilhada e acompetio com outras potncias crescendo, os ingleses no podiamdar-se ao luxo de permitir a permanncia da rivalidade. Em 1910, foiestabelecido o Domnio da frica do Sul, baseado na aliana do ourocom o milho, com autonomia dentro do Imprio Britnico. Ele eraformado pelas provncias do Cabo e Natal (inglesas) e de Orange eTransvaal (boers), e consagrava o princpio de Segregao (depois de

    1948, Separao, ouApartheid). ONative Land Act, de 1913, conce-dia aos negros 7,3% das terras (12,7% em 1936), os quais constituamtrs quartos da populao. O fluxo de escravos de Madagascar para africa Oriental, de fins do sculo XVIII e incio de sculo XIX, forasubstitudo ao longo desse ltimo sculo pela imigrao indiana para

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    as lavouras de cana de Natal e pelo estabelecimento de um fluxo de tra-balhadores africanos, especialmente moambicanos, para as minas doTransvaal. Estabeleciam-se, assim, os fundamentos tnicos da fricado Sul racista.

    REFERNCIAS

    COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lana: a frica antes dos portugueses. Rio deJaneiro: Nova Fronteira, 1992.

    ___. A Manilha e o Libambo: a frica e a escravido de 1500-1700. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 2002.

    FAGE, J. D. Histria da frica. Lisboa: Edies 70, 1995.ILIFFE, John. Os africanos, histria dum continente. Lisboa: Terramar, 1999.

    LEFORT, Ren.Sudfrica, histria de una crisis.Mxico: Siglo XXI, 1977.

    OLIVER, Roland. A experincia Africana. Da Pr-Histria aos dias atuais. Rio deJaneiro: Zahar, 1994.

    OLIVER, Roland; FAGE, J. D. Breve Histria da frica. Lisboa: S da Costa, 1980.

    SAUNDERS, Christopher; SOUTHEY, Nicholas. A Dictionary of South AfricanHistory. Cape Touw/Johannesburg: David Philip, 2001.

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    2. A frica do Sul independente: segregao,Apartheide transio pactuada (1910-1994)

    Analcia Danilevicz Pereira

    The people shall govern.All national groups shall have equal rights.The people shall share in the nations wealth.The land shall be shared by those who work it.All shall be equal before the law.All shall enjoy equal human rights.There shall be work and security for all.

    The doors of learning and culture shall be opened.There shall be houses, security and comfort.There shall be peace and friendship.

    (The Freedom Charter)

    A transio do regime doApartheida um regime democrtico nafrica do Sul no foi dos mais pacficos, mas pode ser considerado como

    um grande momento poltico. O governo democrtico que assumiu o po-der em 1994 teve que lidar com uma situao bastante complexa. Se porum lado herdou a mais desenvolvida das economias africanas, com umamoderna infraestrutura, por outro, herdou tambm grandes problemassocioeconmicos, incluindo um alto nvel de desemprego, ndices alar-mantes de pobreza, alta concentrao de renda, alm de intensa violncia.

    A frica do Sul viveu uma relao peculiar entre poder, terra etrabalho. O poder colonial no pas se deu basicamente de trs maneiras.

    Primeiramente, criou estruturas polticas e econmicas que permitirama superioridade dos colonizadores em relao s populaes nativas.Em segundo lugar, os colonizadores restringiram o acesso desses gru-pos terra, gua e ao gado. Por fim, os diversos grupos nativos e,posteriormente, tambm estrangeiros, foram transformados em fora

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    de trabalho. Esses fatores regeram o colonialismo na frica do Sul dametade do sculo XVII at o fim do sculo XX. Assim, o poder pol-tico, econmico e militar da minoria branca determinou o destino dasociedade sul-africana por quase 350 anos.

    A economia sul-africana foi sustentada pela escravido e servi-do por 250 anos e pela discriminao e explorao por outros 100anos. Os colonizadores holandeses instituram um sistema mercantilentre os sculos XVII e XVIII, e os britnicos o sistema capitalista nosculo XIX. O novo sistema introduzido pelos britnicos destruiu asbases do sistema mercantil e os tradicionais padres dos colonizadoresboers.Com a descoberta de ouro (1866) e de diamantes (1867), o colo-nialismo britnico passou a ser mais agressivo e abrangente.

    A dominao britnica foi sucedida por uma espcie de colo-nialismo interno com o controle poltico dos afrikaners, que criouum sistema de opresso institucionalizada contra a maioria negra e,em menor medida, mestia e asitica, que foi tolerada pelo Ocidentedurante a Guerra Fria. Dezesseis anos aps a transio democrtica nafrica do Sul, o mais importante desafio ainda o aprimoramento dofrgil sistema democrtico sul-africano para que governo e sociedadepossam agir de maneira efetiva contra os resqucios doApartheid.

    DA DOMINAO BRITNICA INSTITUIO DOAPARTHEID

    Na formulao de seus intelectuais e na explorao dos polticos,a histria doApartheidtem incio pouco antes de 1948. No entanto, a

    da segregao antecede essa data em muito, e no so poucos os analis-tas que localizam suas razes no sculo XIX. A ideologia da superiori-dade branca e da discriminao racial era uma exigncia do sistema deexplorao agrria a que se dedicavam os afrikaners, pois praticavamuma agricultura atrasada e pouco lucrativa em comparao com a cul-tura extensiva que a burguesia inglesa desenvolvia nas provncias doCabo e Natal. O pragmatismo mercantil dos britnicos considerava aescravido como um obstculo formao de um mercado consumi-dor, mas no deixava de estabelecer barreiras rgidas para a ascensosocial e econmica dos negros1.

    1Exemplos da postura inglesa o Decreto Caledon, de 1809, que tornou obrigatrioum contrato de trabalho que previa severas punies para o trabalhador que resolvesse

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    Ao iniciar a explorao das minas de ouro e diamantes, os gran-des capitalistas europeus tiveram que recorrer aos operrios brancoscom alguma especializao e preparo intelectual. Essas pessoas, namaioria ex-fazendeiros boersque haviam perdido todo o seu capital

    na guerra de 1899-1902 e tambm europeus atrados pela corrida doouro, faziam exigncias e reivindicaes trabalhistas, pois conheciamo funcionamento do capitalismo industrial britnico. Os ingleses ma-nipularam habilmente essa situao, prometendo vantagens aos traba-lhadores brancos desde que se tornassem cmplices na explorao demo-de-obra negra2.

    Com a aprovao da Constituio da Unio Sul-Africana (fede-rao das provncias do Cabo, Natal, Orange e Transvaal), a populaonegra foi privada do direito ao voto e propriedade da terra. A partirde 1910, quando o pas tornou-se independente da Coroa Britnica,juntamente com a Austrlia e com o Canad, vrias leis segregacionis-tas foram implementadas. Entre elas, o Native Labour Act, de 1913,estendeu aos trabalhadores urbanos o sistema de submisso vigentenas fazendas, dividindo a frica do Sul em duas partes 7% do terri-trio nacional foram deixados aos negros, que representavam 75% da

    populao e 93% das melhores terras foram entregues aos brancos quecorrespondiam a 10% da populao.Nas reservas negras predominava a agricultura de subsistncia e

    nas demais reas a explorao capitalista intensiva da terra. Nessa lgi-ca, o segundo setor passou a viver custa do primeiro, que era visto co-mo uma reserva permanente de mo-de-obra. Em 1923 oNative UrbanActlimitou drasticamente a possibilidade dos negros de se instalaremem cidades consideradas redutos dos brancos. Trabalhadores negrospassaram a ser considerados assalariados e seus movimentos ficaram

    mudar de emprego e oMaster and Servant Act, de 1843, no qual, junto com decretosposteriores, qualificava como crime a resciso do contrato de trabalho. Por volta de1850, os ingleses comearam a contratar negros de Moambique, Lesoto e Botsuana,assim como indianos e chineses (esses trabalhadores no podiam levar suas famlias,

    recebiam apenas uma parte do salrio e eram obrigados a voltar a suas regies se per-dessem o emprego). A discriminao racial e os contratos de trabalho nas provnciasdominadas pela Inglaterra tinham como objetivo forar a reduo do salrio dos traba-lhadores brancos mediante a utilizao de mo-de-obra negra, quase gratuita.2A Colour Bar(Barreira de Cor)icas urbanos de maioria brstaurada no setor mineiroe tamb se torassem cque recorrer aos opero indian, de 1898, foi plenamente instauradano setor mineiro e tambm nos ncleos urbanos de maioria britnica.

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    sujeitos ao controle total atravs de medidas policiais e proibio decasamentos, entre outros impedimentos. E ainda, oNative Affairs Actcoroou o complexo estabelecimento de uma legislao segregacionista,regulando o sistema de explorao do trabalho negro.

    At a Primeira Guerra Mundial, os interesses econmicos dosbrancos eram baseados na complementao da minerao com a agri-cultura intensiva. Com a recesso do mundo capitalista no ps-guerrahouve uma significativa queda nas taxas de lucratividade das minas,obrigando as grandes companhias a contratarem trabalhadores ne-gros. Esse fato acabou por provocar o embate entre os trabalhadoresassalariados. A greve de Rand, em 1922, foi duramente reprimidapelo governo. A maioria dos grevistas era formada por brancos po-bres, descendentes dos boersque haviam perdido suas terras e encon-trava dificuldades de acesso nascente estrutura industrial do pastornando-se, assim, alvo fcil da propaganda nacionalista de extre-ma-direita.

    Esses nacionalistas, vencedores nas eleies de 1924, juntamentecom seus aliados do Partido Trabalhista, representante da burguesianacional urbana, promoveram o rompimento com a poltica liberal im-

    plementada pelos defensores dos grandes monoplios mineiros e im-puseram medidas protecionistas. O objetivo era o de tentar neutralizara evaso dos lucros das companhias mineiras sediadas no exterior eutilizar os recursos da agricultura branca para iniciar um processo deindustrializao interna, capaz de satisfazer aos interesses dos traba-lhadores de origem europia.

    O surgimento de um capitalismo de Estado promovido pelosnacionalistas permitiu ao pas um rpido crescimento. Foram criadassiderurgias, estradas de ferro e centrais eltricas, em um momento,classificado por muitos, como milagre econmico. Entretanto, aofinal da dcada de 1920 uma nova crise foi anunciada com a que-da do preo do ouro no mercado internacional, colocando em riscotambm a aliana entre nacionalistas e trabalhistas. A direita nacio-nalista, para sobreviver no poder, abandonou a aliana com o PartidoTrabalhista e apoiou-se no, outrora rechaado, capital estrangeiro.

    Nessa direo, os afrikaners continuavam controlando o poder emantinham o sistema de segregao racial. A reconciliao com aelite pr-britnica, embora permitisse a ampliao dos lucros es-trangeiros, garantiu a organizao interna em relao ao sistemasegregacionista. Todavia, o novo surto industrial, que resultou no

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    aumento do nmero de negros empregados no setor, reabriu o debateentre nacionalistas3e pr-britnicos.

    De qualquer forma, foi a partir de 1948 que, efetivamente, oApartheid foi institudo e a fuso estabelecida em 1934 pelo Partido

    Unido reunindo o Partido Nacional e o Partido Sul-Africano (que con-ta com o apoio da populao de origem inglesa e de uma parcela menossignificativa dos afrikaners) chegou a seu fim. Com os nacionalistasnovamente no poder de forma independente, a Unio Sul-Africanaentrou em uma fase muito mais complexa, quando foram produzidasmudanas polticas, econmicas e sociais que forjaram um pas, de certaforma, na contramo da Histria. O que caracterizou o novo perodofoi a dissociao entre poder poltico e poder econmico; a populaode origem inglesa manteve o poder econmico, enquanto os afrika-ners passaram a deter o poder poltico. Assim, a institucionalizao doApartheidtornou-se um dos pilares do novo surto de desenvolvimento.

    A percepo do novo governo em relao poltica externa do pas,diante da sua posio geoestratgica e da extenso da Guerra Fria paracenrios secundrios, foi a de identificar-se como um pas europeu esta-belecido na frica. preciso levar em conta que a elite branca mantinha

    vnculos tradicionais com a Europa Ocidental e posteriormente com osEstados Unidos. Geograficamente, o pas encontra-se na confluncia derotas martimas e possui, em seu subsolo, riquezas minerais importantespara o desenvolvimento econmico moderno que o Ocidente necessita eque faz da Unio um bastio do chamado mundo livre.

    A Unio Sul-Africana explorou essa circunstncia com prop-sitos de ordem poltica, econmica e de segurana. No contexto do-mstico, os nacionalistas tinham como objetivo a conquista total dopoder, com a consolidao da independncia do pas e a substituioda anglofilia predominante por uma cultura que promovesse os valoresafrikaners. No plano econmico, esforaram-se em promover e intro-duzir o capital afrikaner nocorao da economia o setor de mine-rao ainda reduto do capital de origem inglesa e dos investidoresexternos. O Estado passou a ter expressiva participao na economia,

    3Ao discurso nacionalista afrikanersomaram-se elementos fascistas manifestos, porexemplo, na sociedade secretaAfrikaner Bond(IrmandadeAfrikaner). A recesso nops-Segunda Guerra Mundial repetiu o fenmeno, quando os brancos pobres, amea-ados pelo desemprego elevaram seu racismo com o sloganGevaar Kaffer, Koelie,Komunismus (Cuidado com os negros, com os indianos e com o comunismo).

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    permitindo a expanso da indstria de substituio de importaes nossetores siderrgico, qumico, de minerais processados, energtico e,mais tarde, de armamentos.

    DISCRIMINAO E EXPLORAO:A INSTITUIO DO REGIME DOAPARTHEID

    O Partido Nacional venceu as eleies de 1948 com o sloganApartheid. O governo de Pretria foi conduzido, ento, pelos pri-meiros-ministros Daniel Franois Malan (1948-1954) e, posteriormen-te, por Johannes Gerhardus Strijdom (1954-1958). Nesse momento,

    ainda no estava bem claro o que a separao poderia significar, masj poderia ser reconhecida a ideia da separao de grupos especficosde pessoas. O critrio pelo qual essas pessoas seriam demarcadas noera racial, pelo menos no sentido formal da palavra. Existia, evidente-mente, um tom pejorativo de intenso contedo racista dentro do ima-ginrio do Afrikanerdom4, que foi preservado em toda a sua pureza.Entretanto, o Estado se encarregou de organizar a sociedade sul-afri-

    cana em categorias nacionais atravs da Lei de Registro da Populaode 1950 (em 1949 j fora instituda a Lei de Casamentos Mistos), con-gelando essas categorias com a Lei da Imoralidade, tambm de 1950,que apenas tratava da imoralidade das relaes sexuais heterossexuaisatravs da linha de cor.

    Com a Lei de Registro da Populao, as famlias poderiam serdividas e parentes transferidos ao serem classificadas em categoriasdistintas. Foram abertos inmeros processos com vistas reclassifica-

    o. O sofrimento do povo sul-africano foi subserviente ordem que oPartido Nacional pretendia impor sobre a terra e ao objetivo de contro-lar a grande maioria dos africanos dentro dos centros urbanos. Em par-te, como forma de minimizar a oposio ao projeto que se estabelecia,em parte, como reao s tendncias internacionais dos primeiros anosda Guerra Fria, o governo tambm agiu contra o Partido ComunistaSul-Africano (SACP)5 e contra uma srie de outras organizaes ao

    aprovar a Lei de Represso ao Comunismo em 1950.

    4Comunidade afrikaner.5Sigla em ingls de South African Communist Party

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    Nos documentos programticos do Partido Nacional havia, pelomenos, duas vises contraditrias em relao ao Apartheid. Na pri-meira corrente, estavam os visionrios que defendiam uma dissociaototal entre brancos e negros para frear e reverter o processo pelo qual a

    frica do Sul tornara-se um pas economicamente integrado. Trabalhomigrante para as minas poderia ser permitido, mas para o resto acre-ditava-se que, em longo prazo, o poder branco no poderia sobreviverao peso esmagador dos nmeros africanos. Acreditava-se, assim, queo eventual aumento da mecanizao e a maior utilizao de mo-de-obra branca permitiriam o desenvolvimento do trabalho sem mo-de-obra negra. Sob outro ponto de vista, situavam-se, por exemplo, osfazendeiros do Transvaal, que haviam apoiado o Partido Nacional afim de garantirem-se de trabalho negro, pois no renunciariam a es-sa recompensa, bem como os industriais, particularmente aqueles quetinham surgido recentemente com a ajuda do capital afrikaner, quetambm no estavam dispostos a arriscar seus negcios por algumafutura utopia branca. O que eles queriam do governo era a garantiada disponibilidade de fora de trabalho negra, a qual deveria ser disci-plinada e barata.

    A conciliao frente a essa divergncia de interesses coube aHendrik Frensch Verwoerd, quando ascendeu ao cargo de Primeiro-Ministro (1958-1966). Articulador da teoria do desenvolvimen-to separado, agregou ao Apartheid novas caractersticas. Em 1948,Verwoerd foi derrotado nas eleies parlamentares, mas foi nomeadopara o Senado, e em 1950, foi feito Ministro dos Assuntos Nativos.No Departamento de Assuntos Nativos, Verwoerd tentou resolver osproblemas inerentes s exigncias doApartheidatravs da Poltica dePreferncia do Trabalho Urbano. A ideia era a de no permitir acessoao trabalho nas cidades a nenhum negro at que todos os brancos queali estavam fossem absorvidos pelo mercado de trabalho.

    Como forma de controlar essa situao, uma consistente buro-cracia foi criada, encarregada de distribuir os negros africanos entre asdiversas empresas nas cidades. Alm disso, o movimento dos negrosdentro do pas foi restringido e controlado. A intitulada Lei de Passes e

    Documentos, de 1952, exigiu que todos os africanos negros transpor-tassem um livro de referncia, no qual o histrico de seus empregose de residncia fosse anotado. Juntamente Emenda sobre as Leis dosNativos, do mesmo ano, admitiu-se que havia africanos negros defi-nitivamente urbanizados e, assim, lhes foram concedidos direitos de

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    residncia permanente nas cidades. Para qualificar essa condio, cabedestacar a notria Seo 10 dessa Lei, a qual definia que o indivduotinha que ter nascido na cidade ou ter trabalhado continuamente para omesmo empregador por dez anos, ou para empregadores diferentes por

    quinze anos para garantir o direito6

    .Havia outras duas unidades principais associadas a essa polticadurante a dcada de 1950. A primeira foi sobre o espao urbano. Em al-gumas cidades houve enclaves onde os negros conseguiram adquirir eassegurar a propriedade fundiria. Eram espaos nos subrbios, longedo controle dos funcionrios do Estado. O mais notvel desses espaosfoi Sophiatown, sete quilmetros a noroeste do centro da cidade deJohanesburgo. A regio se tornou um dos principais alvos do governo,em parte, porque o Partido Comunista era fortemente representado ali,e, em geral, porque o local constituiu-se como o ncleo da vida culturaldos negros de Johanesburgo7. Os ataques do governo, que levaram desarticulao da rea no decorrer de 1956 e a expulso dos morado-res dos novos ncleos urbanos que passaram a compor Soweto, foram

    6As mulheres tambm poderiam adquirir os mesmos direitos casando com um homemque os tivesse conquistado. At o final dos anos 1950, as mulheres no foram obrigadasa tirar os livros de referncia. Contrariamente s suas intenes, essas leis permitiram,gradativamente, o aumento contnuo de africanos negros residindo de forma perma-nente nas cidades.7Entre, obviamente, outras facetas da vida sociocultural sul-africana, a msica cons-tituiu-se como reao ao novo panorama de suas cidades. Duas vertentes principaispodem ser discernidas. Uma delas, conhecida como isicathamiya, cantada a cappellapor coros masculinos, dos quais o mais famoso, tanto no pas como internacionalmen-

    te, foi Ladysmith Black Mambazo. Trata-se de um estilo Zulu, que articulava em suascanes a situao do pas e da cidade, muito influenciado em sua formao pelas can-es dos casamentos Zulu como pelos grupos menestris dos Estados Unidos que visi-taram a frica do Sul no final do sculo passado. O outro estilo principal o jazzquese desenvolveu, sobretudo, no Witwatersrand, tambm fortemente influenciado pelosdiscos norte-americanos. Sua evoluo foi precoce; surgiu do desenvolvimento de gru-pos da elite vaudevillee do estilo marabi, tocado no piano nos shebeens das favelas e,muitas vezes, acompanhado por dana sexualmente explcita de mulheresfamo. Na d-cada de 1940 e 1950, especialmente em Sophiatown, os negros se reuniram para desen-

    volver o jazz maduro conhecido como mubaqanga. A partir desse meio, uma srie deartistas de renome surgiu, principalmente, o saxofonista Kippy Moeketsi, o vocalistaMiriam Makeba, o trompetista Hugh Masekela e o pianista Dollar Brand (AbdullahIbrahim), sendo que os trs ltimos partiram para o exlio na dcada de 1960. Por umbreve momento, ojazzfoi associado aos escritores negros daDrum Magazine, incluin-do Henry Nkhumalo, Matshikiza Todd, Lewis Nkosi e Eskia Mphahlele, em um curtoespao de florescimento da criatividade literria e musical.

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    apresentados como uma poltica de remoo de favelas, embora, defato, constitussem mais um movimento contra os opositores polticos.

    A segunda unidade tem a ver com a educao. A evoluo aqui foiambivalente. Antes de 1948, a educao negra havia ficado quase que

    exclusivamente nas mos das misses. Com a introduo doApartheid,as escolas destinadas aos negros foram completamente desorganiza-das e, em qualquer caso, s cobriam uma pequena parte dos alunos empotencial. Cerca de 30% das crianas com idades entre sete e dezes-seis anos frequentou a escola em 1949, por exemplo. A iniciativa deVerwoerd em promover o que ficou conhecido como Educao Bantoteve um efeito duplo. Por um lado, trouxe a educao africana sob ofirme controle do Estado. O sistema escolar foi conscientemente usa-do para difundir a mensagem do Apartheid. O ethos que permeava apoltica educacional, pelo menos fora das reservas, era de que o ensinoafricano deveria ser limitado s habilidades para a manuteno do fun-cionamento da economia branca, e sua nfase se dava nas competnciasbsicas aprendidas nos primeiros quatro anos na escola. Por outro lado,o nmero de pessoas que foram includas no sistema educacional au-mentou de maneira substancial com a introduo da Educao Banto.

    Gastos em educao per capita

    Fonte: UNDERSTANDING Apartheid. Learners Book. Cape Town: OxfordUniversity Press/Apartheid Museum, 2006.

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    Em 1959, ao propor a Lei de Promoo do Autogoverno Banto,Verwoerd leva oApartheid s ltimas consequncias lgicas. O objeti-vo era o de transformar as antigas reservas negras, organizadas por tri-bos e de acordo com as tradies de chefia, em Autoridades Territoriais,

    os chamados bantustes8

    . Trata-se do estabelecimento de autogoverno(autonomia administrativa), sob a gide de Pretria, portanto, sem pos-sibilidade de autonomia poltica. Ao argumentar em torno do projetode lei no Parlamento, o primeiro-ministro defendeu a constituio deuma comunidade de naes (uma branca e oito bantos), s quais se jun-tariam os protetorados britnicos, cuja independncia tambm passou adefender. Em boa medida, Verwoerd conseguiu eliminar um elementode discrdia com os britnicos, que resistiram a todas as tentativas deanexao doBSL-States(Botsuana, Lesoto e Suazilndia).

    Com o objetivo de esvaziar as presses por um governo de maio-ria na Unio Sul-Africana, os bantustes foram uma espcie de evo-luo do Apartheid. Condenado pela ONU em 1971, o sistema foiacusado de dividir os africanos, confrontando uma tribo com outra,enfraquecer a frente africana na sua luta pelos justos e inalienveis di-reitos e consolidar e perpetuar o domnio por parte da minoria branca

    (PEREIRA, 1986, p. 36). Quatro bantustes tornaram-se independen-tes e os demais optaram apenas por autonomia. Esses Estados inde-pendentes organizaram-se politicamente de acordo com uma consti-tuio concebida pelo governo sul-africano e que, posteriormente, foiaprovada pela Repblica nascente. Na verdade, esses pseudo-Estadosde base tribal foram criados pelo regime para manter os negros fora dosbairros e terras brancas, mas sistematicamente perto delas para servi-rem de mo-de-obra barata.

    O conceito em torno dos bantustes corresponde aos primeirosanos doApartheid, mas s nos anos 1970 a independncia foi conce-dida pelo governo sul-africano e a organizao das regies redimensio-nada. O bantusto Bophuthatswana abrigava o grupo tnico Tswana.Com uma rea de 40.000 km, estava distribudo em sete enclaves se-parados nas antigas provncias do Transvaal, Cabo e Estado Livre deOrange. Em 1971, o governo concedeu autodeterminao, e em 5 de

    dezembro de 1977 a independncia, ficando seus habitantes privados

    8 O termo bantusto nunca foi oficial e era geralmente cunhado pelos inimigos doregime para ridiculariz-lo.Bantu o nome de um grande grupo de povos africanos esto uma terminao de origem persa que designa territrio determinado de um povo.

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    da nacionalidade sul-africana. Em Transkei, reunia-se o grupo tnicoXhosa. Localizado a nordeste da provncia do Cabo, com um pequenoenclave no KwaZulu-Natal, esse bantusto tornou-se independente em26 de outubro de 1976. Essa era a regio de origem de Nelson Mandela,

    mas tornou-se famosa pelo seu lder, Kaiser Matanzima. Outro ban-tusto que reuniu a etnia Xhosa foi o de Ciskei. Independente em 4de dezembro de 1981 possua uma rea de 7.700 km em duas reasseparadas uma na parte oriental da antiga provncia do Cabo e umapequena poro de costa no Oceano ndico. Em 1961, esse territriopassou a ser uma regio administrativa separada e, em 1972, o governosul-africano concedeu-lhe autodeterminao. Em 13 de setembro de1979, Venda tornou-se independente. Localizado a nordeste da antigaprovncia do Transvaal, atual provncia de Limpopo, esse bantustoque abrigava o grupo tnico Venda recebeu autodeterminao em 1973e posterior independncia.

    Os bantustes Gazankulu, KaNgwane, KwaNdebele, KwaZulu,Lebowa e QwaQwa nunca se tornaram independentes. Gazankulu,de etnia Tsonga, localizava-se a nordeste da antiga provncia doTransvaal. Em 1971, o governo sul-africano concedeu-lhe autodeter-

    minao. KaNgwane, tambm localizado a nordeste da antiga provn-cia do Transvaal, atual provncia de Mpumalanga, reunia o grupo t-nico Swazi. Em 1981, o governo atribuiu-lhe autodeterminao com oobjetivo de formar uma zona-tampo contra a infiltrao de guerrilhei-ros do Congresso Nacional Africano (CNA). Ainda em 1981, foi criadoKwaNdebele, de etnia Ndebele, na atual provncia de Mpumalanga.Criado na antiga provncia do Natal, atual KwaZulu-Natal, o Kwazulutem suas razes na reserva para nativos Zulus estabelecida pelos brit-nicos na colnia do Natal, ainda no sculo XIX.

    Mais tarde, o governo do Partido Nacional organizou territriosseparados para brancos, negros e mestios. Em 1959, foram nomeadasautoridades tribais e regionais para o Kwazulu e, em 1972, o bantustorecebeu autonomia, com a autoridade territorial transformada em umaassemblia legislativa, sendo Mangosuthu Buthelezi, antigo chefetribal, nomeado ministro-chefe. Esse territrio era relativamente ex-

    tenso (ocupando cerca da metade da ento provncia de Natal), masformado por um grande nmero de entidades separadas, incluindo umana costa, junto fronteira com Moambique. Os Zulus so em cercade 7 milhes, a maioria vivendo no Kwazulu-Natal. Por fim, Lebowa,localizado a nordeste a antiga provncia do Transvaal, atualmente nas

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    provncias Mpumalanga e Limpopo e QwaQwa, localizado na provn-cia do Estado Livre, junto a Lesotho, reuniam os grupos tnicos Sothodo Norte ou Pedi e Sotho do Sul, respectivamente.

    Bantustes

    Fonte: OMER-COOPER, J. D. History of Southern Africa. Oxford: James Currey/New Hampshire: Hernemann/ Cape Town: David Philip, 1994.

    Diante de um intenso movimento de descolonizao, o governosul-africano encontrou na particularidade de um colonialismo inter-no a soluo para a consolidao de um longo processo de formaoe desenvolvimento do sistema capitalista local. Por outro lado, na so-

    luo neocolonial clssica o Estado colonizador se retira do territrioat ento colonizado e a administrao do novo Estado passa, no caso,a ser assumida por uma nova e dominante elite local, mantendo, porm,o antigo Estado e classe colonizadora suas anteriores e estratgicasposies econmicas (PEREIRA, 1986, p. 32).

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    No caso sul-africano, sabe-se, a classe ou nao colonizadora nopode retirar-se a um Estado de origem e essa especificidade no impediuque fosse encontrada uma sada igualmente particular e original parao neocolonialismo9. O fracionamento da populao negra produziu um

    formidvel contingente de mo-de-obra disponvel e barata, com que aindstria e a agricultura das reas brancas se abasteciam livremente. Eainda, com o desenvolvimento desses bantustes e Estados independen-tes, surgiu uma classe negra dirigente que, embora dependente, assumiuas responsabilidades administrativas e parte das atividades econmicas,particularmente comerciais. Essa nova classe, integrada por africanos,chamada a cooperar nesse esforo de racionalizao das formas tradicio-nais de dominao econmica, social e racial, beneficiou-se da propostaneocolonial e aderiu, com sua enorme carga de contradies, aos prop-sitos de minar o processo e as lutas de libertao nacional. Essa pequenaelite, beneficiada margem doApartheid, tentou cumprir seu papel dereduzir os anseios em torno da libertao nacional e restringi-los a rei-vindicaes locais baseadas em um fracionado nacionalismo tribal.

    A LUTA ANTI-APARTHEID

    A estruturao do sistema do Apartheid foi acompanhada pelaluta anti-racista. Em 1912, foi fundado o Congresso Nacional Africano(CNA), primeira organizao poltica dos negros sul-africanos. Seuscriadores, egressos das escolas mantidas por missionrios europeus,muitos deles com estudos e ttulos obtidos em universidades norte-americanas e europias estabeleceram um programa inicialmenteconciliador. Os primeiros lderes do CNA acreditavam que poderiamdiscutir com os afrikanerso contedo injusto das leis de segregaoracial e pensavam tambm convencer os liberais britnicos a admitir aco-participao dos negros nas questes polticas. Logo a perspectivainicialmente perseguida pelos lderes do CNA seria posta prova dian-te da greve de 40 mil mineiros negros em 192010. A postura inicial do

    9Sobre o tema ver os trabalhos de BROWN, Michel Barrat. A Economia Poltica doImperialismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1978 e UKRUMAH, Kwame. Neocolonialismo:ltimo estgio do Imperialismo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1967.10Em torno de 1920 foi fundado o Sindicato de Comrcio e Indstria (ICU), que reuniaos trabalhadores negros e, em 1921, foi fundado o Partido Comunista Sul-Africano, emsua maioria, integrado por brancos.

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    CNA pode ser ilustrada atravs do relato de Jacob Zuma11ao analisar apoltica de criao dos bantustes. Conforme Zuma,

    A poltica de bantustizao comeou com o partido Nacionalista, que est nopoder da frica do Sul desde 1948. A criao de bantustes uma resposta

    grande vaga de libertao no continente africano e s mobilizaes de nossopovo na frica do Sul. Em vez de romper com o Apartheid, foram criados osbantustes, que tm origem em nosso contexto histrico. Durante a conquista,as populaes africanas lutaram como tribos, como grupos separados. Essa se-parao tribal foi favorvel ao conquistador. O Congresso Nacional Africanofoi fundado com propsitos de congregar a nao africana, e, desde ento, suasaes tm sido sempre no sentido de criar uma conscincia nacional, de verda-deira comunidade entre vrias nacionalidades em nosso pas. Nessa linha, em1946, deu-se o pacto entre o CNA e o Congresso Indiano da frica do Sul, outro

    grupo racial oprimido. J a campanha do desafio, em 1952, fora conduzida poruma ampla unidade entre vrios grupos e organizaes de massa, sendo cria-do, nessa oportunidade, o Conselho de Planejamento Comum para coordenara campanha. Esse conselho deu lugar, posteriormente, ao Comit ConsultivoNacional, constitudo por representantes do CNA, do Congresso Indiano Sul-Africano, do Congresso dos Democratas (integrado estes por pessoas brancase criado por iniciativa do CNA). Em face desses vitoriosos esforos e aes deunidade nacional, o governo racista concebeu mecanismos contrrios de divisoe segregao: entre eles, a poltica de criao dos bantustes, que estabelece e

    estimula uma nova dimenso do tribalismo no pas. Nessa poca, os bantustesserviram, igualmente, para confundir ante nosso povo e frente opinio mun-dial o gigantesco processo de descolonizao no continente africano.

    Na dcada de 1940, o CNA adotou uma estratgia de resistnciano violenta em relao s leis segregacionistas12e, em 1955, conseguiuampliar a frente anti-racista atravs da chamada Carta da Liberdade13,

    11Em 1980, Francisco Jos Pereira entrevistou em Maputo, Moambique, Jacob Zuma,ento representante do CNA nesse pas. A entrevista completa foi publicada na obraApartheid: o horror branco na frica do Sul, So Paulo: Brasiliense, 1986.12O CNA, revigorado com a fundao da Liga da Juventude em 1940, tinha problemassuficientes em torno dos quais se mobilizar. Muito do seu trabalho era auxiliado por in-divduos, tanto negros quanto brancos, membros do Partido Comunista Sul-Africano,organizao clandestina, revigorada em 1953 para incluir seus membros mais ativos,depois do desmantelamento decorrente da Lei de Supresso ao Comunismo. Embora

    o CNA estivesse aberto apenas para os africanos, os seus simpatizantes no-africa-nos, muitos dos quais eram comunistas, poderiam tornar-se membros do CongressoSul-Africano Indiano, do Congresso dos Povos de Cor e do (branco) Congresso Sul-Africano dos Democratas, que em conjunto constituram o que ficou conhecido comoo Congresso da Aliana.13 A Carta da Liberdade foi adotada no Congresso do Povo, em Kliptown, a 26 dejunho de 1955. A desafiadora campanha, supostamente nacional, organizada a partir

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    subscrita tambm pelos movimentos de indianos, de mulatos, de li-berais e de socialistas. A Carta apresentava uma denncia radical doApartheide discutia sua abolio, bem como defendia a redistribuioda riqueza. Durante a Segunda Guerra Mundial, foram intensas as ati-

    vidades de mobilizao social, quando se verificou mais de 300 grevesenvolvendo 58 mil trabalhadores negros e 60 mil brancos, representan-do uma alterao do sistema poltico imposto pelos afrikaners.

    Essas greves provocaram o surgimento, dentro do CNA, de umsetor mais radical liderado por Nelson Mandela e Oliver Tambo, que as-sumiram, lentamente, posies de comando dentro da organizao. Em1958, setores do CNA que discordavam da poltica multiracial do mo-vimento criaram o Congresso Pan-Africanista (PAC)14, que, em 1960,convocou uma manifestao na cidade de Sharpeville para protestarcontra a lei que limitava o movimento dos trabalhadores negros em re-as reservadas aos trabalhadores brancos. A represso foi intensa e emseguida PAC, CNA e Partido Comunista foram postos na ilegalidade.

    A luta anti-racista, que originalmente propunha-se conciliadora,sofreu uma mudana radical aps esses episdios. O CNA formou umbrao armado, o Umkhonto we Sizwe ouMK(Lana da Nao) e o

    PAC organizou o Poqo (Somente Ns), quando, em 1963, NelsonMandela foi preso e condenado priso perptua, enquanto OliverTambo foi compelido a assumir o comando do movimento no exlio.A represso governamental e a falta de apoio dos pases vizinhos do-minados por regimes aliados dos afrikaners impediram a ampliaoda guerrilha e o recrutamento das grandes massas. A vitalidade do sis-tema do Apartheidse deveu, em boa medida, ao interesse do capitalinternacional em investir na regio, atrado pelo grande mercado demo-de-obra barata. As inverses estrangeiras, especialmente as norte-americanas quintuplicaram seu valor entre 1957 e 1958.

    A poltica protecionista dos afrikanerscriou a infraestrutura ne-cessria para o estabelecimento de grandes indstrias que culminoucom o desenvolvimento de um plo industrial capaz de abastecer to-da a frica Austral. Acompanhando esse processo, deve-se destacaro gradativo aumento de trabalhadores rurais negros que chegavam s

    cidades. A misria dos bantustes e a ausncia de servios e assistncia

    do Transvaal, com Nelson Mandela como voluntrio chefe, na verdade teve impactorelativo nas diversas partes do pas.14Sigla em ingls de Pan-Africanist Congress.

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    de todo o tipo provocaram o xodo massivo que afetaria significati-vamente o interesse de outros grupos sociais, como os mulatos, quepretendiam integrarem-se economia branca. Em 1976, outro episdiode contestao resultou no massacre de 600 manifestantes negros em

    Soweto15

    , no subrbio de Johannesburg. Os acontecimentos de Sowetocolocaram o problema da condio dos negros diante dos olhos da mi-noria branca a crise havia chegado s suas cidades.

    ECONOMIA E SOCIEDADE:OAPARTHEID E O DESENVOLVIMENTO AFRIKANER

    A frica do Sul, enquanto um pas perifrico foi submetido,historicamente, insero na economia mundial como exportador deprodutos primrios. Com o final da Segunda Guerra Mundial, o pasdesenvolveu um processo de industrializao por substituio de im-portaes, que deu lugar criao de setores industriais voltados parao mercado interno e dependentes de altas barreiras tarifrias. Os suces-sivos governos do Partido Nacional, entre 1948 e 1994, perseguiram o

    objetivo de assegurar aos empresrios e agricultores afrikaners (suasbases eleitorais) a incluso na dinmica econmica do pas. Esse privi-lgio, necessariamente, teria que se sustentar atravs da mo-de-obrabarata e no especializada da maioria negra.

    A poltica econmica adotada durante esse perodo, a industriali-zao por substituio de importaes (sustentada pelo excedente da ex-plorao do ouro), fez da frica do Sul um dos dez pases mais ricos domundo, segundo o Fundo Monetrio Internacional (FMI). Foram criadas

    tarifas protecionistas na tentativa de desenvolver um setor industrial locale, quando as sanes internacionais comearam a causar problemas, ogoverno sul-africano buscou alcanar a autosuficincia no maior nmerode reas possvel. Com resultado desse esforo, a indstria tornou-se osetor mais importante da economia sul-africana nos anos 1960, e sua con-tribuio para o PIB era maior que o da minerao e da agricultura juntas.

    Todavia, o setor industrial orientava-se em direo ao segmento

    do mercado interno de maior renda, e para a produo de bens es-tratgicos, tais como armas e combustveis. Embora o objetivo doprograma dos nacionalistas fosse o de atingir os nveis mximos de

    15South West Township

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    autosuficincia, o setor industrial continuava altamente dependenteda importao de bens de capital financiados pela moeda estrangeiraobtida com a exportao de produtos primrios. Dessa forma, mesmodiante do isolamento poltico, a economia sul-africana nunca esteve

    completamente desligada do resto do mundo. A participao no comr-cio internacional era a origem de pelo menos 50% do PIB durante todoes