acp - manifestações pacíficas
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AO SR(ª) JUIZ(ÍZA) FEDERAL DA ____ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO
JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
MANIFESTAÇÃO PÚBLICACONVOCADA PELA INTERNET PARA ODIA 22/06/2013 COM EXPECTATIVA DE
PRESENÇA DE PELO MENOS 50.000
PESSOAS EM BELO HORIZONTE-MG
A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, no exercício de sua missão constitucional
(art. 134 da CRFB) e legal (arts. 1.º e 4.º, da LC 80/94), com fulcro nos arts. 4.º e 5.º, II,
da Lei 7.347/1985 e de acordo com o que foi decidido no Procedimento Administrativode Assistência Jurídica (PAJs) nº 2013/004-3182, vem a esse juízo instaurar
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM REQUERIMENTO LIMINAR DE TUTELA DE URGÊNCIA
em face da UNIÃO, representada por sua Procuradoria em Minas Gerais, situada à Rua
Santa Catarina, nº 480, Lourdes, Belo Horizonte-MG, CEP 30.170-080, do ESTADO DE
MINAS GERAIS, que poderá ser citado na sede da Advocacia-Geral do Estado na Rua
Espírito Santo, nº 495, Centro, Belo Horizonte-MG, CEP 30.160-030, da FÉDÉRATION
INTERNATIONALE DE FOOTBALL ASSOCIATION – FIFA, pessoa jurídica de
direito privado (Lei 12.663/2012, art. 2º, I), CNPJ nº 10.454.133/0001-91, que poderá ser
citada em seu Escritório situado no RioCentro, Pavilhão 1, Av. Salvador Allende, 6555,
Barra da Tijuca, Rio de Janeiro-RJ, CEP 22783-127 na pessoa do Sr. Ron DelMont,
Diretor, ou também na pessoa de seu representante no Brasil, Sr. Fúlvio Danilas, CPF
xxx.xxx.xxx-xx, xxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxx xxxxxxxx xxxx xxxxx xxx
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DDEEFFEENNSSOOR R II A A PPÚÚBBLLIICC A A DD A A UUNNII Ã Ã OO BBEELLOO HHOOR R IIZZOONNTTEE –– MMIINN A A SS GGEER R A A IISS
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xxxxx xx xxxxxxx xxx xxxxxxxxxxxxxxxx xxx xxx, e do COMITÊ ORGANIZADOR
BRASILEIRO LTDA – COL, pessoa jurídica de direito privado (Lei 12.663/2012, art.
2º, III), que poderá ser citado na pessoa de seu Presidente, Sr. José Maria Marin, na Av.
Luís Carlos Prestes, nº 130, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro-RJ, CEP 22.775-055,
fazendo-o pelos fatos e fundamentos que passa a expor.
I – DAS PRERROGATIVAS DA DEFENSORIA PÚBLICA
Segundo os arts. 5.º, LXXIV, e 134 da CRFB; 1.º 3.º, 4.º, 43 e 44, da LC 80/94, a
Defensoria Pública da União é dotada de estrutura ímpar 1 para a consecução de seus
objetivos constitucionais, notadamente a defesa judicial e extrajudicial, integral e gratuita,
dos necessitados. Destaca-se, nesta seara, por pertinente, o art. 44, I, da LC 80/94, que
estabelece ser prerrogativa do membro da Defensoria Pública da União a intimação
pessoal mediante entrega dos autos com vista e o cômputo de todos os prazos em dobro.
II – DA SITUAÇÃO PARADIGMÁTICA QUE ENSEJA A PRESENTE ACP
É fato público e notório que, desde o início deste mês, o país está sendo varrido por um
série de manifestações públicas espontâneas de demonstração de indignação com diversos
temas, entre eles, o aumento das tarifas dos transportes públicos, os casos disseminados
de corrupção sem uma resposta efetiva do aparato estatal, as tentativas de mudança da
1 AÇÃO CAUTELAR N. 189 (Rel. Min. Gilmar Mendes) (...)
O esboço constitucional da Defensoria Pública vem de ser desenvolvido em cores fortes pela LC 80, de12.1.94, que, em cumprimento do art. 134 da Constituição, 'organiza a Defensoria Pública da União, doDistrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados'. Do diplomase infere a preocupação de assimilar, quanto possível, o estatuto da Defensoria e o dos seus agentes aos doMinistério Público: assim, a enumeração dos mesmos princípios institucionais de unidade, indivisibilidadee independência funcional (art. 3.o); a nomeação a termo, por dois anos, permitida uma recondução, doDefensor Público Geral da União (art. 6.o) e do Distrito Federal (art. 54); a amplitude das garantias e
prerrogativas outorgadas aos Defensores Públicos, entre as quais, de particular importância, a de 'requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos,documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições'(arts. 43, X; 89, X e 128, X). A Defensoria Pública ganhou, assim, da Constituição e da lei complementar,um equipamento institucional incomparável - em termos de adequação às suas funções típicas -, ao dosagentes de outros organismos públicos - a exemplo da Procuradoria de diversos Estados -, aos quais sevinha entregando individualmente, sem que constituíssem um corpo com identidade própria, a atribuiçãoatípica da prestação de assistência judiciária aos necessitados.
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Constituição que afetam o funcionamento do Ministério Público e do Poder Judiciário, os
gastos públicos excessivos com eventos patrocinados pela FIFA em detrimento de outras
prioridades sociais como saúde e educação, etc.
Também é de amplo conhecimento que algumas pessoas mal intencionadas tem se
aproveitado dos protestos em geral pacíficos para promoverem depredação, vandalismo e
crimes, sendo que as forças de segurança tem (re)agido, por vezes, com força excessiva e
indiscriminada, atingindo até mesmo pessoas que não estão envolvidas com as
manifestações ou promovendo os atos de violência.
As manifestações da população que ocorrem em território brasileiro nos últimos dias
têm a marca do pacifismo. A violência é evento episódico, patrocinada por cidadãos que
se aproveitam da situação multitudinária para encobrir os próprios atos ilícitos. Ainda
assim, os oportunistas recebem pronta reprimenda dos demais caminhantes, cidadãos em
pleno exercício dos direitos fundamentais de livre expressão do pensamento e associação.
O tom das manifestações pode ser aferido até mesmo na grande mídia escrita. A capa do
jornal Estado de Minas de 20 de junho de 2012 (cópia reprográfica anexa) exibe o título,
em letras garrafais: “Protesto, sim. Violência, não”. Abaixo das fotos principais, a
legenda retrata:
A infiltração de vândalos e criminosos nos protestos de BH outras cidades érepudiada pelos próprios participantes. Ontem à tarde, o Centro, manifestantesvaiaram e chegaram a partir para a briga contra encapuzados que soltavam
bombas. E aplaudiram a polícia quando quatro deles foram detidos.
Na página 20 do mesmo periódico, os jornalistas Daniel Camargos e Tiago Holanda
relatam que o movimento, difuso, não possui uma tática precogitada para impedir as
agressões. Porém, estão evidentemente motivados a assegurar as características pacíficas
das manifestações. Consta da reportagem a sequência de atos havidos no bairro Savassi:
Foi o que aconteceu na noite de ontem (...), quando vândalos subiram aCristóvão Colombo, em direção à Avenida do Contorno. Eles colocaram fogoem sacos de lixo na calçada e quebraram a vidraça da loja. Rapidamente, amultidão reagiu gritando: sem vandalismo.
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O relato jornalístico prossegue destacando a marca da paz, a exorbitar mesmo o
comportamento quotidiano dos brasileiros. Crimes são evitados pela ação dos
manifestantes, demarcando-se uma atitude social mais eficaz ao combate ao crime do que
a intervenção seletiva, tardia e estigmatizante do direito penal:
Além dos apelos, um grupo correu para frente da loja e fez uma correntehumana de braços dados para impedir os saques. Nesse momento,manifestantes e vândalos entraram em confronto, mas, com a chegada de maisgente contrária às depredações, os criminosos fugiram.
O conjunto de manifestações pacíficas segue gerando resultados. “Onda de protestos faz
preço de ônibus baixar” – estampa a manchete do jornal “O Tempo”, também de 20 de
junho de 2013 (cópia reprográfica anexa). Assiste-se, assim, à retomada da democracia
paidéica, como aposta e esperança de brasileiros das mais variadas idades e profissões,
com destaque aos hipossuficiente, público alvo desta DPU e maior beneficiário da
primeira conquista do movimento: a redução de R$ 0,05 (cinco centavos de real) por
passagem no transporte coletivo urbano.
Os protestos, que começaram na cidade de São Paulo, ganharam dimensões nacionais no
último dia 17/06/2013.
Nesse dia, em Belo Horizonte, a passeada saiu do Centro da Cidade, percorreu a Av.
Antônio Carlos e, na altura do Campus da UFMG, foi interrompida por um bloqueio
policial.
Conforme relatos colhidos pela imprensa e por esta Defensoria (docs. em anexo), as
justificativas apresentadas pela Polícia Militar para impedir o avanço da manifestação
foram de que, a partir daquele ponto, os manifestantes estariam supostamente adentrando
em um “território da FIFA” ou estariam ultrapassando uma “linha da Copa” estabelecida
pela entidade suíça que administra o futebol mundial.
Amparava-se a atuação policial também numa decisão monocrática do TJMG (Cautelar
Inonimada nº 1.000.13.041148-1/000, Rel. Des. Barros Levenhagen, cópia em anexo) que
buscava impedir manifestações de qualquer tipo em todo o território estadual.
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Assim, quando os manifestantes esboçaram a intenção de avançar, as forças policiais
reprimiram o protesto com uso de violência, dispersando muitos manifestantes, inclusive
para dentro do Campus da UFMG.
Segundo os relatos colhidos por esta Defensoria, alguns manifestantes foram
pressionados contra a cerca que separa a Av. Antônio Carlos e a mata do Campus da
UFMG. A divisória veio a se romper e, então, os manifestantes foram impelidos para
dentro da área da autarquia federal.
A partir desse momento, os vigilantes da instituição de ensino colaboraram com as forças
policiais, permitindo o acesso ao Campus e a repressão dos manifestantes dentro daquela
área.
O estudante Frederico foi uma dessas pessoas que teve de entrar na mata da UFMG e,
conforme o relato que nos foi enviado, quando saiu com as mãos levantadas, e gritando
“paz”, foi alvejado na testa com uma bala de borracha (vídeo disponível na internet ; fotos
e documentos em anexo) dentro da área da instituição federal de ensino.
Vários relatos também dão conta de que foram utilizados helicópteros do Exército na
“operação” de acompanhamento da manifestação (docs. em anexo).
No dia 18/06/2013, o Governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia, pediu ao Governo
Federal o reforço da Força Nacional de Segurança e foi prontamente atendido.
O sitio virtual “Superesportes”, sob a responsabilidade da jornalista Luana Cruz, noticiou,
em 17/06/2013, que “Exército ocupa ruas de BH para ajudar na segurança da Copa das
Confederações” (cópia reprográfica anexa). Relatando que o Exército Brasileiro ocupou
as ruas de Belo Horizonte naquele dia, a jornalista sublinha que militares das forças
armadas “fazem monitoramentos de pontos estratégicos em conjunto com a Polícia
Militar”. E a reportagem traz a confissão do Tenente-Coronel do Exército Brasileiro,quanto à exorbitância de sua função constitucional: “Vamos trabalhar em conjunto com a
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PM para garantir a tranquilidade”.
No centro dessa inversão de papéis constitucionais, em que forças principais de combate a
ameaças externas ao Estado Democrático de Direito (Forças Armadas) passam a
coadjuvantes das forças auxiliares de polícia administrativa e ostensiva (Polícia Militar),
está a proteção a um evento esportivo, patrocinado por instituição privada estrangeira.
Essa proteção depende do cerceamento ao direito fundamental de livre manifestação do
pensamento do cidadão brasileiro (art. 5.º, IV, da CRFB), não apenas no interior das
arenas custeadas pelo erário, mas em um suposto raio de até 2 quilômetros (arts. 11, § 1.,
e 28, § 1.º, da Lei 12663/2012).
Claro está que esse raio de imunidade diz respeito apenas a atividades comerciais,
segundo a Lei 12663/2012, mas vem sofrendo interpretações extensivas e expansivas
pelos órgãos de segurança pública, sem qualquer amparo no ordenamento jurídico
brasileiro, a partir do “código de conduta” da instituição privada estrangeira organizadora
da cognominada copa das confederações.2
E por aqui se inicia a fundamentação jurídica da presente Ação Civil Pública, contra a
violação a direitos fundamentais de livre associação, deslocamento e manifestação do
pensamento do povo no Brasil. Afinal, “de acordo com o coronel (...) chefe da
comunicação da 4ª. Região do Exército Brasileiro, há 1600 homens prontos para agir em
Minas Gerais para garantir a segurança do Estado durante o evento. ‘Basta que o
governador (...) solicite. Estamos prontos!’, diz o capitão”.3
2 O caráter centralizador, autoritário e inconstitucional da entidade organizadora do evento esportivo emcurso no Brasil é registrado com frequência nas grandes mídias. Também aos 20 de junho de 2013, osítio eletrônico do jornal “Gazeta do Povo” (cópia reprográfica anexa) informa que a entidade “admite
ter retirado cartazes de protesto” de torcedores, “durante as partidas de quarta-feira no Ceará ePernambuco”. Um dia antes, o sítio eletrônico do jornal “Folha de São Paulo” (cópia reprográfica
anexa) atesta que “FIFA reforça proibição de manifestação política nos estádios das Confederações”. E
o revelho princípio da força normativa e obrigatórias dos contratos ( pacta sunt servanda) não socorresemelhante comportamento nem mesmo dentro das arenas reformadas com dinheiro público, frente àeficácia horizontal (entre particulares) dos direitos fundamentais, menos ainda nos arredores dosestádios, por uma leitura enviesada (hiperbólica) da segurança pública, como se demostrará na
exposição teórico-jurídica desta peça.3 Reportagem do UOL, em Belo Horizonte, de 21/06/2013, com o titulo “Fifa ameaça cancelar Copa das
Confederações”, sob a responsabilidade do jornalista Vinícius Segalla (cópia reprográfica anexa).
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Ontem, o Min. Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, cassou a liminar do Des. Barros
Levenhagen, considerando que houve expressamente um desrespeito a decisão anterior da
Corte Suprema (docs. em anexo).
Apesar dessa decisão do STF, ainda não há na cidade de Belo Horizonte plenas garantias
quanto ao livre exercício do direito de protestar, especialmente nas imediações e dentro
do Mineirão e dos demais estádios do Brasil que estão recebendo a Copa das
Confederações FIFA.
Conforme nota do jornal Metro (doc. em anexo), “o secretário de Defesa Social, Rômulo
Ferraz, garantiu que a polícia continuará apoiando os protestos pacíficos, mas não vai
tolerar a invasão dos manifestantes no perímetro determinado pela FIFA no entorno do
Mineirão.”
Por outro lado, como reação aos protestos que ocorreram na cidade de Fortaleza-CE, a
FIFA e o COL anunciaram publicamente que “estão proibidas manifestações dentro dos
estádios da Copa das Confederações”, como se tivessem o poder de revogar a
Constituição e as normas internacionais de direitos humanos que vinculam o Brasil.
III. DA UTILIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS PARA GARANTIA DA LEI E
DA ORDEM
O caput do Art. 142 da Constituição da República Federativa do Brasil veicula a
possibilidade de as Forças Armadas, por iniciativa de qualquer dos “poderes
constitucionais”, efetuarem a garantia “da lei e da ordem”:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pelaAeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente daRepública, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
É preciso construir o sentido da norma a partir da compreensão do sistema normativo emque está inserida. Vejamos, portanto, os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais
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que poderão auxiliar na delimitação do âmbito em que se operará essa atividade
hermenêutica.
O Art. 144, no capítulo que trata da segurança pública, cria os órgãos que têm a atribuição
de assegurá-la:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;III - polícia ferroviária federal;IV - polícias civis;V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.(...)§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei,incumbe a execução de atividades de defesa civil.
A leitura do § 5º desse artigo, em conjunto com a do caput do Art. 142, revela que a
atribuição das Forças Armadas para preservação da ordem pública deve ser exercida em
caráter excepcional e subsidiário. Com efeito, em um Estado Democrático de Direito, as
instituições devem ser constituídas para o encaminhamento pacífico da solução de
conflitos, quando eles ocorrerem. O uso da força e da violência estatal é conduta que
somente se justifica para repelir o uso ilícito da força ou da violência, e apenas na medida
necessária para fazer cessar a agressão.
Admitindo-se como excepcional o emprego da força, deve-se concluir que quanto maior
for o potencial de violência de uma instituição, mais restrito deverá ser seu âmbito de
atuação.
As Forças Armadas se valem de armamento pesado, que não pode ser utilizado por outras
instituições encarregadas de garantir a segurança pública (polícias militares, civis e
federais).
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Nesse sentido, o Art. 11 do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-
105), aprovado pelo Decreto nº 3.665/2000, estabelece que armas, munições, acessórios e
outros produtos que recebam, de acordo com seu poder de destruição ou outra
propriedade de risco, grau de restrição “A”, só podem ser utilizados pelas forças armadas.
Também o Art. 12 da Lei 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional) deixa claro que as Forças
Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) são as instituições com maior amplitude para
o uso da força.
Dito isso, há de se ressaltar a existência do Código de Conduta para os Encarregados da
Aplicação da Lei (CCEAL), adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em sua
resolução 34/169 de 17 de dezembro de 1979.
Não é um tratado, mas pertence à categoria dos instrumentos que proporcionam normas
orientadoras aos governos sobre questões relacionadas com direitos humanos.
Em seu artigo 3º, estabelece que “os encarregados da aplicação da lei só podem empregar
a força quando estritamente necessária e na medida exigida para o cumprimento de seu
dever”.
Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (PBUFAF) foram adotados
no Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos
Infratores, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1990.
Também não foram adotados sob a forma de um tratado internacional, mas têm comoobjetivo proporcionar normas orientadoras aos Estados-membros na tarefa de assegurar e
promover o papel adequado dos encarregados da aplicação da lei no que diz respeito ao
uso da força e das armas de fogo. Trata-se de documento que contém diretrizes sobre o
uso da força, veiculando, por exemplo, que:
2. Os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão preparar umasérie tão ampla quanto possível de meios e equipar os responsáveis pela aplicação da
lei com uma variedade de tipos de armas e munições que permitam o usodiferenciado da força e de armas de fogo. Tais providências deverão incluir o
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aperfeiçoamento de armas incapacitantes não-letais, para uso nas situaçõesadequadas, com o propósito de limitar cada vez mais a aplicação de meios capazes
de causar morte ou ferimentos às pessoas.3. O aperfeiçoamento e a distribuição de armas incapacitantes não-letais devem ser avaliados com cuidado, visando minimizar o perigo para as pessoas não envolvidas,devendo o uso de tais armas ser cuidadosamente controlado.(...)8. Não será aceitável invocar circunstâncias excepcionais, tais como instabilidade política interna ou outras situações de emergência pública, como justificativa para oabandono destes princípios básicos.9. Os responsáveis pela aplicação da lei não usarão armas de fogo contra pessoas,exceto em casos de legítima defesa própria ou de outrem contra ameaça iminente demorte ou ferimento grave; para impedir a perpetração de crime particularmente graveque envolva séria ameaça à vida; para efetuar a prisão de alguém que represente tal
risco e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivíduo, e isso apenas noscasos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais objetivos. Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas de fogo só poderáser feito quando estritamente inevitável à proteção da vida.(...)12. Como todos têm o direito de participar de reuniões legítimas e pacíficas, deacordo com os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos eno Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, os governos, entidades e osresponsáveis pela aplicação da lei deverão reconhecer que a força e as armas de fogosó podem ser usadas nos termos dos Princípios 13 e 14.13. Ao dispersar grupos ilegais mas não-violentos, os responsáveis pela aplicação dalei deverão evitar o uso da força, ou quando tal não for possível, deverão restringir
tal força ao mínimo necessário.14. Ao dispersar grupos violentos, os responsáveis pela aplicação da lei só poderãofazer uso de armas de fogo quando não for possível usar outros meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessários. Os responsáveis pelaaplicação da lei não deverão fazer uso de armas de fogo em tais casos, a não ser nascondições previstas no Princípio 9.
A interpretação desses documentos internacionais revela uma orientação de uso moderado
da força pelos órgãos de segurança pública, havendo clara preferência pelo emprego de
armas não letais, cabendo a utilização de armas de fogo somente quando não for possível
valer-se de meios menos perigosos, e ainda assim somente na iminência de morte ou
ferimento grave do agente estatal ou de terceira pessoa.
A letalidade e o poder destrutivo dos armamentos postos à disposição das Forças
Armadas, tomados conjuntamente com o fato de que os militares integrantes dessas
Forças não têm a experiência cotidiana de atuação na segurança pública, fazem com que o
uso desses órgãos para garantia da lei e da ordem se dê somente em hipóteses
absolutamente excepcionais de convulsão interna, e ainda assim somente naquelas
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hipóteses em que a polícia militar estiver impossibilitada de fazer frente à situação.
Haveria o desatendimento dos diplomas internacionais mencionados se o Estado
brasileiro, podendo valer-se de uma instituição mais bem preparada e com menor
potencial de exercício da violência (a polícia militar), empregasse órgãos militares
fortemente armados e absolutamente despreparados para a função de manutenção da
ordem pública.
Dito isso, vejamos como a legislação infraconstitucional normatiza a hipótese de emprego
das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem.
Antes, contudo, cabe lembrar que o § 1º do Art. 142 da Constituição brasileira estabelece
que “§ 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na
organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas”.
Promulgou-se, atendendo ao comando constitucional, a Lei Complementar nº 97, de 09
de junho de 1999, que, em seu Art. 15, §2º, estabelece o caráter subsidiário do emprego
das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem:
§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa dequaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadasem ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,relacionados no art. 144 da Constituição Federal.
A lei estabelece ainda em que situação serão considerados esgotados os instrumentos aque se refere o § 2º do Art. 15:
§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 daConstituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmentereconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual comoindisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missãoconstitucional. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)
Note-se que, em razão de tudo aquilo que se disse acima, os pressupostos para emprego
das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem não se limitam à existência de ato
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formal do Chefe do Executivo que declare indisponíveis, inexistentes ou insuficientes os
instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição.
Esse ato é indispensável, é verdade, mas configura somente o consectário lógico de um
procedimento em que se constate, explicitando-se (a fim de possibilitar o controle da
decisão pelas instituições democráticas) os motivos que levaram à conclusão, isto é, que
realmente as forças policiais são insuficientes para fazer frente a determinada situação
excepcional.
Não basta, no entanto, o atendimento do disposto no § 3º para que seja autorizado o
emprego desses órgãos militares na garantia da ordem pública. Serão necessários ainda
dois outros atos formais: uma mensagem do Presidente da República e a transferência do
controle operacional dos órgãos de segurança pública à autoridade encarregada das
operações:
§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste
artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados osórgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de formaepisódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, asações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar oresultado das operações na garantia da lei e da ordem. (Incluído pela LeiComplementar nº 117, de 2004)§ 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e daordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários aodesenvolvimento das ações para a autoridade encarregada dasoperações, a qual deverá constituir um centro de coordenação deoperações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu
controle operacional ou com interesses afins.(Incluído pela LeiComplementar nº 117, de 2004)
Vê-se, com isso, que o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem é
medida excepcional que somente se justifica em casos de grave comoção interna,
devendo ficar demonstrado, no caso concreto, que as forças policiais estaduais estão
indisponíveis, são inexistentes ou insuficientes para fazer frente à situação. Essa
demonstração ensejará então que o Chefe do Executivo declare formalmente a situação.
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Diante dessa declaração, o Presidente da República emitirá mensagem autorizando o
emprego daqueles órgãos militares para o fim pretendido, devendo a autoridade
competente transferir o controle dos órgãos de segurança pública à autoridade
encarregada das operações.
Sem a prática de qualquer dos atos descritos, não se terá verificado o iter procedimental
legalmente estabelecido, sendo inconstitucional o emprego das Forças Armadas para a
garantia da ordem pública.
Nas palavras de Karl Popper 4: “o poder estatal está fadado a se manter sempre como um
mal perigoso, mas necessário (...) A intervenção do Estado deve restringir-se ao que é
realmente necessário para proteger a liberdade”.
O mesmo se diga do poderia bélico e do uso interno das Forças Armadas: são um mal
necessário; quanto mais seu emprego for banalizado, mais se estará à mercê da força
bruta estatal – a pender, como uma espada, por um fio, sobre nossas cabeças.
IV – DA PLENA LIBERDADE DE PROTESTOS PACÍFICOS NO CONTEXTO
DOS DIREITOS HUMANOS
IV.1 INTRODUÇÃO E ARCABOUÇO NORMATIVO
A participação em protestos pacíficos é uma importante forma do exercício dos direitos
de liberdade de reunião e associação, bem como de liberdade de expressão. A liberdade
de opinião e a liberdade de expressão, por sua vez, são condições indispensáveis para ocompleto desenvolvimento da pessoa. Mais que isso, constituem a pedra fundamental de
toda sociedade livre e democrática.5
Os mais alijados setores de nossa sociedade sofrem políticas e ações discriminatórias por
grupos particulares e pelo poder público; seu acesso à informação e ao planejamento e
execução de medidas que afetam sua vida é incipiente e, em geral, canais para que suas
4 POPPER, K. R., Textos Escolhidos, Ed. PUC Rio, 1ª ed., 2010, p. 3265 Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Comentário Geral nº 34 (2011).
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queixas sejam ouvidas são frequentemente inacessíveis ou mesmo inexistentes. Diante de
tais adversidades, a mobilização social e os protestos tornaram-se verdadeiras ferramentas
de petição às autoridades públicas, bem como vias para reclamações coletivas contra
abusos e violações de direitos humanos.6
O intercâmbio de ideias e demandas sociais como forma de expressão pressupõe o
exercício de direitos afins, como a liberdade dos cidadãos se reunirem e se manifestarem,
bem como a garantia do livre fluxo de opiniões e informação.7
O direito de reunião, assim, é uma manifestação coletiva da liberdade de expressão,
assegurado amplamente pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos – em seu
sistema global e em todos os sistemas regionais de proteção – , bem assim pela
Constituição da República:
Declaração Universal dos Direitos do HomemArtigo XX1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e PolíticosArtigo 21O direito de reunião pacifica será reconhecido. O exercício desse direitoestará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façamnecessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurançanacional, da segurança ou da ordem pública, ou para proteger a saúde oua moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
Convenção Americana de Direitos HumanosArtigo 15 - Direito de reuniãoÉ reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercíciodesse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que sefaçam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse dasegurança nacional, da segurança ou ordem públicas, ou para proteger asaúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do HomemDireito de Reunião
6 Comissão Interamericana de Direitos Humanos – Relatório anual da Relatoria Especial para a Liberdade
de Expressão (2002), parágrafo 29.7 Comissão Interamericana de Direitos Humanos – Relatório anual da Relatoria Especial para a Liberdadede Expressão (2002), parágrafo 30.
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Artigo XXI. Toda pessoa tem o direito de se reunir pacificamente comoutras, em manifestação pública, ou em assembléia transitória, em
relação com seus interesses comuns, de qualquer natureza que sejam. Declaração de Princípios Sobre Liberdade de Expressão1. A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, éum direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É,ademais, um requisito indispensável para a própria existência de umasociedade democrática.
Convenção Europeia de Direitos HumanosArtigo 11.ºLiberdade de reunião e de associação1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à
liberdade de associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar efiliar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses.2. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedadedemocrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa daordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. O presente artigonão proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destesdireitos aos membros das forças armadas, da polícia ou daadministração do Estado.
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
Artigo 11ºToda a pessoa tem direito de se reunir livremente com outras pessoas.Este direito exerce-se sob a única reserva das restrições necessáriasestabelecidas pelas leis e regulamentos, nomeadamente no interesse dasegurança nacional, da segurança de outrem, da saúde, da moral ou dosdireitos e liberdades das pessoas.
Constituição da República Federativa do Brasil Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes noPaís a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locaisabertos ao público, independentemente de autorização, desde que nãofrustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local,sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Especificamente a respeito das normas do sistema interamericano, que integra o
ordenamento jurídico a que nos submetemos, a liberdade de expressão e a liberdade de
reunião são garantidas por diversos instrumentos: a Convenção Americana de Direitos
Humanos, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e Declaração de
Princípios Sobre Liberdade de Expressão.
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A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, conquanto não tenha sido
adotada como tratado, é fonte de direito internacional, na forma de costume relativo a
direitos humanos, constituindo obrigações erga omnes e jus cogens aos estados-membros
da OEA, conforme já reconhecido tanto pela Comissão Interamericana quanto pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos.8
Por sua vez, a Declaração de Princípios, conforme expressa dicção da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, constitui “documento básico para a interpretação do
art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos [...] e também incorpora costumes
internacionais no sistema interamericano para fortalecer a proteção de tal direito”.9
Há íntima interconexão entre os direitos de livre manifestação do pensamento e de
reunião pacífica. Nesse sentido, jurisprudência recente do Comitê de Direitos Humanos
da ONU.10 A corte Europeia de Direitos Humanos, por sua vez, em reiteradas ocasiões
asseverou que o direito de livre manifestação é protegido tanto pela liberdade de
expressão quanto pela liberdade de reunião e associação.11
A liberdade de expressão é tida como norma geral e a liberdade de reunião como norma
especial, 12 uma vez que aquela é um dos objetivos desta.13 Com efeito, conforme já
observou a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, a liberdade de
expressão é implicitamente violada quando a liberdade de reunião ou de associação não é
garantida.14
8 Nesse sentido, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinião Consultiva OC-10/89, Série A, nº 10, parágrafos 35-45; Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Caso James Terry Roach e JayPinkerton vs Estados Unidos, nº 9647, parágrafos 46-49; Caso Rafael Ferrer-Mazorra et al vs EstadosUnidos, nº 9903.
9 Comissão Interamericana de Direitos Humanos – Relatório anual da Relatoria Especial para a Liberdadede Expressão (2000), parágrafo 3.
10 Caso Mecheslav Gryb vs Belarus, parágrafo 9.511 Caso Vogt vs Alemanha, parágrafo 64; Caso Rekvényi vs Hungria, parágrafo 58; Caso Young, Hames e
Webster vs Reino Unido, parágrafo 57; Caso Refah Partisi e outros vs Turquia, parágrafo 44; CasoPartido Comunista da Turquia e outros vs Turquia, parágrafo 42.
12 Corte Européia de Direitos Humanos, caso Ezelin vs França, parágrafos 35 e 37.13
Corte Européia de Direitos Humanos, caso Vogt vs Alemanha, parágrafo 64; Caso Rekvényi vs Hungria, parágrafo 58.14 Caso Dawda K Jawara vs Gambia; Caso Mouvement Burkinabe des Droits de l’Homme et des Peuples vs
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Importa por fim ressaltar que o conteúdo das normas que protegem tais direitos humanos
é similar, o que valida, em nosso ordenamento, conclusões de outros sistemas de proteção
de direitos humanos, bem como uma hermenêutica fulcrada no paradigma do Estado
Constitucional Cooperativo ou no Transconstitucionalismo.
IV.2 - RESTRIÇÕES AO DIREITO DE REUNIÃO PACÍFICA
Assim como todos os demais, o direito fundamental de reunião não é absoluto. A própria
Constituição traz conformações para seu exercício, cuja juridicidade é inquestionável.15
Todavia, em se tratando de direito humano, há uma série de óbices à limitação de seu
exercício, que não pode destituir o próprio direito de seu conteúdo fundamental.
Assim, afastando-se de uma hermenêutica baseada em conceitos vagos – que incluem a
proporcionalidade e razoabilidade – , que tenha o condão de alargar-se a ponto de afastar
suas conclusões do sentido normativo da Constituição, é necessário traçar contornos
claros para a delimitação das possibilidades de restrição dos direitos comunicativos.
O primeiro e inquebrantável obstáculo à limitação da liberdade de expressão, reunião ou
associação é a necessidade de sua expressa e prévia previsão legal.16
O comitê de direitos humanos da ONU observa, ademais, que somente podem ser
impostas restrições expressamente previstas nos arts. 19 e 21 do Pacto Internacional
Sobre Direitos Civis e Políticos.17 A Corte Europeia de Direitos Humanos, por sua vez,estabeleceu que restrições à liberdade de expressão, bem como à liberdade de reunião, são
válidas desde que sejam expressamente previstas em lei, fundamente-se nas próprias
limitações ao exercício de tal direito dispostas na Convenção Europeia de Direitos
Burkina Faso; Caso Ken Saro-Wiwa Jr. Vs Nigeria.15 A respeito, vale observar que o Comitê de Direitos Humanos da ONU entende que é lícita a exigência de
prévia notificação da manifestação pública – Caso Kivenmaa vs Finlândia, parágrafo 9.2.16 Nesse sentido: Relatório sobre manifestações públicas como um exercício da liberdade de expressão e
liberdade de reunião da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana deDireitos Humanos (2005), parágrafo 2.17 Idem, parágrafo 13.
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Humanos e, cumulativamente, sejam necessárias em uma sociedade democrática.
Em relação à condição de que as restrições devam ser “necessárias”, a Corte Européia de
Direitos Humanos observou que, conquanto o adjetivo não seja sinônimo de
“indispensável”, também não ostenta a elasticidade de expressões tais quais
“admissíveis”, “ordinárias”, “úteis”, “razoáveis” ou “desejáveis” e que implica na
existência de uma “pujante necessidade social”.18
Não se pode, entretanto, invocar uma das restrições legais à liberdade de expressão –
como a manutenção da “ordem pública” – como meio de negar o próprio direito ou
destituí-lo de seu verdadeiro sentido.19 A liberdade de reunião e a liberdade de
manifestação não podem ser consideradas sinônimas de desordem pública, restringindo-as
per se.20
Percebe-se que dentro de determinados limites, os Estados podem licitamente regular a
liberdade de expressão e a liberdade de reunião para proteger direitos de outrem. Todavia,
deve-se sempre ter em mente que a liberdade de expressão não é apenas outro direito
qualquer, mas primordial fundação de qualquer regime democrático, cujo
enfraquecimento tem consequências – embora por vezes difusas – nefastas na sociedade.
É importante ressaltar que apenas protestos pacíficos são protegidos pelo Direito
Internacional dos Direitos Humanos, bem como pelo ordenamento doméstico. Para
nortear esta interpretação, uma reunião deve ser tida como tal se seus organizadores e
participantes apresentam intenções pacíficas e não utilizam, apoiam ou incitam violência.Tais características devem ser presumidas, devendo ser comprovado efetivamente
eventual ânimo beligerante da manifestação. Ainda nesse contexto, a própria
manifestação ou seus organizadores não devem ser considerados automaticamente
responsáveis por eventuais comportamentos ilícitos cometidos. Pelo contrário, a polícia
tem o dever de remover indivíduos violentos ou que pratiquem crimes da multidão, de
18 Caso The Sunday Times vs Reino Unido, parágrafo 59.19
Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (1994) – A compatibilidade de Leisde Desacato com a Convenção Americana de Direitos Humanos.20 Corte Constitucional da Colômbia, julgamento nº T-456/92
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forma a permitir que os manifestantes exercitem seus direitos básicos de reunião e de se
expressarem pacificamente.21
Na restrição dos direitos de reunião pacífica, de manifestação, de expressão e de
associação, os meios menos intrusivos de se alcançar os objetivos legítimos pretendidos
pelas autoridades devem sempre ser utilizados. A liberdade de organizar e participar de
protestos é considerada a regra, e as limitações, exceções. Com efeito, a proteção dos
direitos e liberdades de outrem não deve ser utilizada como vago pretexto para limitar o
exercício de protestos pacíficos. Restrições que consubstanciam proibições gerais
relativas a tempo ou local não estão de acordo com direitos humanos no contexto de
protestos pacíficos, exceto como último recurso, quando adotadas para proteger o próprio
direito à vida.22
Várias as Cortes Regionais já enfrentaram a questão da possibilidade de restrição de
protestos pacíficos na hipótese de se formarem em áreas ou rodovias públicas que são
utilizadas intensamente. O argumento frequentemente levantado de que o fechamento de
vias públicas para protestos causaria grandes inconvenientes para não-manifestantes foi
rechaçado pela Corte Européia de Direitos Humanos. Observou-se que “qualquer
protesto em local público inevitavelmente causa um certo nível de tribulação à vida
cotidiana, inclusive do trânsito, mas é importante que as autoridades públicas tenham
certo grau de tolerância em relação a reuniões pacíficas se não se quer privar a
liberdade de reunião garantida pelo art. 11 da Convenção de toda sua substância”.23 A
Corte Europeia de Justiça chegou a similar conclusão em caso que um protesto resultou
na completa obstrução de uma das principais rodovias através dos Alpes por quase 30horas.24 Idêntico entendimento também já foi esposado pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos.25
21 Relatório Anual do Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos (2013) – Medidas Efetivas eMelhores práticas para assegurar a promoção e proteção dos direitos humanos no contexto de protestos
pacíficos Sobre o Direito de Protesto Pacífico, parágrafo 10.22 Idem, parágrafo 12.23 Caso Sergey Kuznetsov vs Russia, parágrafo 44.24
Caso Eugen Schmidberger vs República da Áustria.25 Relatório sobre Segurança Pública e Direitos Humanos da Comissão Interamericana de DireitosHumanos (2009), parágrafo 193.
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No direito doméstico, válido norte interpretativo também foi delineado pelo Tribunal
Constitucional Espanhol. Se a autoridade pública decide proibir a manifestação, deverá:
a) assegurar a publicidade efetiva de sua decisão; b) fundamentá-la, expondo as razões
que levaram à conclusão de que a manifestação acarretaria riscos à paz pública e,
cumulativamente, porque a adoção de medidas alternativas para evitar riscos e permitir o
exercício do direito fundamental seria impossível no caso concreto.26
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou em importantes casos
envolvendo o direito de reunião. O primeiro caso teve por objeto Decreto emanado pelo
Distrito Federal, que restringia manifestações públicas em determinados locais, inclusive
na Praça dos Três Poderes. Assim se decidiu:
Decreto 20.098/1999 do Distrito Federal. Liberdade de reunião e demanifestação pública. Limitações. Ofensa ao art. 5º, XVI, da CF. Aliberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma dasmais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento dasmodernas democracias políticas. A restrição ao direito de reuniãoestabelecida pelo Decreto distrital 20.098/1999, a toda evidência,mostra-se inadequada, desnecessária e desproporcional quandoconfrontada com a vontade da Constituição (Wille zur Verfassung)." (ADI 1.969, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 28-6-2007,
Plenário, DJ de 31-8-2007.)
Digna de nota também foi a decisão proferida na Reclamação 15.887/MG pelo Ministro
Lux Fux, em 19/06/2013, que entendeu “legítimas as manifestações populares realizadas
sem vandalismo, preservado o poder de polícia estatal na repressão de eventuais abusos ”
e cassou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que determinara “que oreclamante se abstivesse de realizar manifestações em vias e logradouros públicos em
qualquer parte do território estadual” (Ação Cautelar nº 1.0000.13.041148-1/000, ajuizada
pelo Estado de Minas Gerais).
Em sede doutrinária, vale finalmente transcrever os apontamentos sobre a questão
delineados por Celso de Mello:27
26 Julgamento nº 36/198227 O direito Constitucional de Reunião, Celso de Mello; RJTJSP, São Paulo, Lex Editora, 1978, página 23.
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a) o direito de reunião constitui faculdade constitucionalmenteassegurada a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País; b)
os agentes públicos não podem, sob pena de responsabilidade criminal,intervir, restringir, cercear ou dissolver reunião pacífica, sem armas,convocada para fim lícito; c) o Estado tem o dever de assegurar aosindivíduos o exercício do direito de reunião, protegendo-os inclusive,contra aqueles que são contrários à assembleia; d) o exercício dodireito de reunião independe e prescinde de licença da autoridade
policial; e) a interferência do Estado nas reuniões legitimamenteconvocadas é excepcional, restringindo-se, em casos particularíssimos,à prévia comunicação do ato à autoridade ou à prévia comunicaçãodesignação, por ela, do local da assembleia; [...]h) o direito de reunião,
permitindo o protesto, a crítica e a manifestação de idéias e pensamento, constitui instrumento de liberdade dentro do Estado
Moderno.
Vê-se assim que a dispersão de protestos é medida extrema, e as forças policiais não
devem utilizar a força durante manifestações públicas de caráter pacífico. Decisões de
autoridades administrativas, proibindo ou restringindo protestos pacíficos, devem ser
abertas a reapreciação por instâncias independentes, especialmente pelo Judiciário.28
Em matéria de restrição aos direitos de liberdade comunicativa, não se pode olvidar que a
participação da sociedade via manifestações públicas é importante para a consolidação da
democracia. Em geral, como exercício da liberdade de expressão e liberdade de reunião éde crucial interesse público, resta aos Estados pequeníssimas margens para justificar
restrições a tais direitos.29
IV.3 - LIMITAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS EM VIAS PÚBLICAS, NO
ENTORNO E DENTRO DE LOCAIS DE COMPETIÇÃO
Atualmente, são fatos notórios, ressaltados pelos documentos que instruem a inicial, as
limitações ocorridas em todo o território nacional, inclusive no Estado de Minas Gerais,ao livre exercício do direito de reunião pacífica e manifestação do pensamento. O Poder
Público claramente tem limitado territorialmente os protestos, notadamente em vias de
grande circulação e nos entornos de locais de competição da Copa das Confederações.
Não bastasse, a própria Lei 12.663/2012 – Lei Geral da Copa, traz limitação legislativa e
28 Relatório Anual do Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos (2013) – Medidas Efetivas eMelhores práticas para assegurar a promoção e proteção dos direitos humanos no contexto de protestos
pacíficos Sobre o Direito de Protesto Pacífico, parágrafo 66.29
Relatório sobre manifestações públicas como um exercício da liberdade de expressão e liberdade dereunião da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de DireitosHumanos (2005), parágrafo 91.
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abstrata à liberdade de expressão em locais de competição:
Art. 28 São condições para o acesso e permanência de qualquer pessoanos Locais Oficiais de Competição, entre outras:§ 1o É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício demanifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidadeda pessoa humana.
Tal restrição viola as normas de proteção internacional aos direitos humanos e também a
Constituição da República, padecendo de vício de inconvencionalidade e
inconstitucionalidade. Sob a lógica das considerações já expendidas, a limitação só é
válida se, prevista em lei, amoldar-se às exceções previstas nos próprios tratados, e se for
necessária à democracia.
As exceções previstas à liberdade de pensamento e de expressão encontram-se no art. 13
da Convenção Americana de Direitos Humanos:
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e deexpressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber edifundir informações e idéias de qualquer natureza, semconsiderações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou emforma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.2. O exercício do direito previsto no inciso precedente nãopode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidadesulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e quese façam necessárias para assegurar:a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou dasaúde ou da moral públicas.3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios
indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particularesde papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou deequipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem
por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e acirculação de idéias e opiniões.4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia,com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteçãomoral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto noinciso 2.5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bemcomo toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que
constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou àviolência.
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Além da limitação não encontrar respaldo na Convenção Americana de Direitos
Humanos, como se percebe pela simples leitura da norma acima transcrita, não se pode
conceber que o exercício legítimo e pacífico da liberdade de expressão dentro de locais de
competição represente mácula democrática que justifique sua mitigação, a priori, pela
legislação.
Percebe-se, ademais, que simplesmente não existe discrímen que justifique a restrição da
liberdade de expressão somente à proteção da dignidade da pessoa humana em locais de
competição durante a Copa das Confederações e da Copa do Mundo , mas não traria tallimitação, nos mesmos locais, no curso de outros eventos esportivos.
Casos excepcionais de ilícitos sempre poderão ser posteriormente averiguados, não
subsistindo, no entanto, a norma que encampa nada mais que censura prévia e odiosa.
Do mesmo modo, nada há que justifique a limitação de acesso por forças policiais, muitas
vezes de forma violenta, às vias e espaços públicos – mesmo aqueles nos entornos de
estádios – para fins de protesto.
Sobre tanto, é imperioso ressaltar que a propalada “área de restrição” no entorno de locais
de competição nada mais é que perímetro de limitação de atividades comerciais,
conforme previsto no art. 11 da Lei Geral da Copa:
Art. 11. A União colaborará com os Estados, o Distrito Federal e osMunicípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridadescompetentes para assegurar à FIFA e às pessoas por ela indicadas a
autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir,vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nosLocais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias deacesso.§ 1o Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos LocaisOficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pelaautoridade competente, considerados os requerimentos da FIFA ou deterceiros por ela indicados, atendidos os requisitos desta Lei e observadoo perímetro máximo de 2 km (dois quilômetros) ao redor dos referidosLocais Oficiais de Competição.§ 2o A delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos LocaisOficiais de Competição não prejudicará as atividades dosestabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem
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qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto noart. 170 da Constituição Federal.
Qualquer interpretação que amplie a restrição, de forma a atingir direitos fundamentais –
como de locomoção e reunião – é, além de literalmente aberrante, completamente
injurídica. Confrontado o interesse particular de associação suíça de direito privado contra
qualquer direito fundamental do cidadão brasileiro ou estrangeiro residente no Brasil,
mormente liberdades ínsitas e indispensáveis ao regime democrático, sempre há de ser
preservada a proteção dos direitos humanos.
Evidenciam-se, portanto, inconstitucionalidade parcial do art. 28, § 1º, da Lei
12.663/2012, bem como ilegalidade em qualquer restrição policial ao exercício dos
direitos fundamentais de locomoção, liberdade de expressão, reunião pacífica e
associação em qualquer local público, nada importando que se efetivem no entorno ou
mesmo dentro de locais de competição.
IV.4 - CONCLUSÕES
A liberdade de expressão é um dos objetivos da liberdade de reunião. Assim, o direito a
protestar é protegido tanto pela liberdade de expressão quanto pela liberdade de opinião.
A liberdade de expressão, por sua vez, constitui o primário e básico elemento da ordem
pública de uma sociedade democrática. Assim, os Estados devem reconhecer o papel
positivo de protestos pacíficos como meios de fortalecimento da democracia e dos
direitos humanos.
Os direitos comunicativos não são absolutos. Todavia, dada sua relevância político-
jurídica e seu caráter fundamental, resta pequeníssima margem para sua restrição pelo
Estado, seja tal restrição legislativa, seja por autoridades administrativas, ou mesmo pelas
forças de segurança pública.
No caso dos protestos atuais, dada sua relevância, vocação pacífica e apoio popular, não
se sustenta a restrição de acesso a locais públicos, tais como avenidas ou entornos deestádios. Tais restrições, em sua maioria, não são previamente justificadas. Eventuais
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indivíduos que praticam ações criminosas devem, naturalmente, sofrer as sanções
previstas em lei, o que não implica na dissolução de reuniões pacíficas em decorrência de
atos isolados.
Outro aspecto importante é a forma que o Estado enfrenta o fenômeno, de especial
relevância para seus desdobramentos. Estudo envolvendo 76 países concluiu que há
vários fatores que se interconectam e moldam a forma de resposta do Estado a protestos e
suas consequências. Todavia, percebe-se que o efetivo reconhecimento pelo Estado do
direito de reunião pacífica é um elemento crucial. Quando o direito à livre reunião e
manifestação é suprimido, há um risco maior que os protestos recrudesçam e se tornarem
violentos. O respeito do Estado ao direito de reunião pacífica, por outro lado, oferece a
oportunidade de abrandar tensões e evitar consequências graves.30
Portanto, a tarefa da polícia nesse contexto é a de proteger direitos e facilitar os protestos
– e não desencorajá-los ou frustrá-los. Somente assim reduzem-se as tensões,
resguardam-se os direitos fundamentais e é prevenida uma perigosa exasperação da
situação.
Também nesse contexto, é importante ressaltar que deve ser assegurado pelos Estados
que todos aqueles que estejam monitorando e reportando violações e abusos o façam sem
intimidação, obstáculos legais ou violência física.31
O Estado deve desenvolver mecanismos efetivos para o completo exercício da liberdade
de expressão. Liberdade esta que não requer meramente que seja adotada uma postura passiva, na simples não-imposição de censura. Exige-se mais: devem ser mantidos
abertos os espaços públicos e garantido o acesso a todos que queiram se manifestar.
Protestos pacíficos são aspecto fundamental de uma democracia pujante. Os Estados
devem reconhecer o papel positivo que desempenham para fortalecer os direitos humanos
30 Relatório Anual do Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos (2013) – Medidas Efetivas e
Melhores práticas para assegurar a promoção e proteção dos direitos humanos no contexto de protestos pacíficos Sobre o Direito de Protesto Pacífico, parágrafo 21.31 Idem, parágrafo 16
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e a democracia. Devem assegurar os direitos de liberdade de reunião pacífica, liberdade
de associação e liberdade de opinião e expressão, que são componentes essenciais da
democracia, e indispensáveis para o pleno exercício dos direitos humanos.32
A Primavera Árabe não deixa dúvidas quanto à força transformadora de movimentos
sociais espontâneos e autenticamente democráticos, que, com o auxílio de novas formas
de comunicação, se propagam de maneira vibrante por todo o mundo, a desafiar
concepções tradicionais e expor visceralmente graves vícios dos Estados contemporâneos
– sejam eles a tirania ou a própria crise da representatividade democrática. Assim,
conquanto os protestos púbicos possam ensejar inconveniências e prejuízos, eles precisam
ser tolerados em nome da liberdade de expressão, e, em última análise, da própria
democracia.
V – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA LEGAL-
CONSTITUCIONAL
Consoante o artigo 273 do Código de Processo Civil, é possível a antecipação dos efeitos
da tutela legal, desde que haja a prova inequívoca do direito, a verossimilhança das
alegações e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. O Art. 84, § 3º,
CDC, lido em conjunto com o Art. 21 da Lei 7.347/85, estabelece possibilidade idêntica
para as ações civis públicas. O § 7.º do art. 273 institui a fungibilidade das tutelas de
urgência, na qualidade de cautelares ou antecipatórias dos efeitos da tutela legal.
De qualquer modo, a tutela de urgência precisa ser deferida nesta Ação Civil Pública. Averossimilhança das alegações e a existência de prova inequívoca do direito ficaram
amplamente demonstradas nos itens anteriores desta peça judicial, bem como nos
documentos a ela acostados.
A par das considerações feitas e levando-se em conta os argumentos expendidos na
presente inicial, a não concessão da antecipação dos efeitos da tutela, mormente se se
32 Idem, parágrafo 77.
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aguardar até que a presente demanda seja sentenciada, acarretará danos irremediáveis a
toda a coletividade, que está se manifestando em favor de direitos e interesses difusos e
fundamentais, como não se vê neste país há pelo menos vinte anos.
Diante disso, a fim de que não haja nenhum prejuízo, necessário se faz o deferimento da
antecipação de tutela, consistente na determinação judicial para que os protestos pacíficos
possam avançar até as proximidades do Mineirão e dos demais estádios que estão
abrigando a chamada “Copa das Confederações”, bem como para que se permita a livre
manifestação pacífica dentro da área que foi “concedida” à FIFA para promover o seu
evento, sem restrições inconstitucionais e ilegais, ressalvado evidentemente o uso das
forças de segurança, e não das Forças Armadas, na contenção de qualquer ilícito ou abuso
de direito.
VI – DOS PEDIDOS
Do exposto, pede-se a procedência do pedido, para:
a) Determinar à União e ao Estado de Minas Gerais que se abstenham de impedir,
em especial mediante o uso de força, que quaisquer cidadãos reúnam-se
pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, inclusive ruas,
avenidas, praças e cercanias de Locais Oficiais de Competição (art. 2º, XIV, da
Lei 12.663/2012), independentemente de autorização, desde que não frustrem
outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, durante a Copa das
Confederações, respeitado o direito fundamental de passagem de pessoas (como
torcedores, trabalhadores e outros) que desejem ingressar licitamente no estádio; b) Determinar à União que se abstenha de fazer uso das Forças Armadas para fim de
segurança pública no contexto de protestos, passeatas ou reuniões públicas
durante a Copa das Confederações;
c) Determinar à União, ao Estado de Minas Gerais, ao COL e à FIFA que se
abstenham de impedir qualquer manifestação lícita do pensamento, individual ou
coletiva, inclusive em Locais Oficiais de Competição ou em seu entorno,
mesmo mediante cartazes, faixas ou outro meio que não ameace aincolumidade física dos presentes ou encerre conteúdo ilícito (e.g., xenófobo,
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discriminatório, racista) durante a Copa das Confederações, declarando-se,
incidentalmente, a inconstitucionalidade parcial com redução de texto do art. 28, §
1º, da Lei 12.663/201233 – Lei Geral da Copa.
Requer-se, ademais:
a) Antecipação de tutela em relação aos três pedidos formulados acima;
b) Fixação de multa solidária, no importe de R$ 1.000.000,00 por evento, na hipótese
de descumprimento, a ser revertida em favor de organizações não-governamentais
de promoção e defesa de direitos fundamentais, especialmente de liberdade de
reunião e manifestação do pensamento, a serem oportunamente definidas;c) Extensão dos efeitos desta decisão a todo o território nacional, declarando-se,
incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/1985;
d) Fundamentação expressa tendo como parâmetro o art. 5º, IV, IX, X, XV, XVI,
XVII e XXXV, 142 e 144, da CRFB, para fins de prequestionamento.
e) A citação dos réus, por meio de seus representantes legais, para que, querendo,
ofereçam resposta aos termos da presente inicial, no prazo legal.
f)
A gratuidade no trâmite procedimental, conforme os arts. 5.º, II, e 18 da Lei7347/85.
g) A observância das prerrogativas institucionais da Defensoria Pública da União, a
bem de seus Assistidos (arts. 5.º, LXXIV, e 134 da CRFB), consoante os arts. 3.º,
4.º e 44 da LC 80/94.
h) A produção de provas documental, testemunhal e pericial, a ser reiterada no
momento procedimental pertinente.
i) A condenação dos réus ao pagamento das custas e honorários, que deverão ser
depositados em conta do Fundo de Aperfeiçoamento Profissional da Defensoria
Pública da União (art. 4º, XXI, LC 80/94).
Informa-se que a Defensoria Pública da União está dispensada de autenticar as cópias
reprográficas de quaisquer documentos que apresente em juízo, nos termos do artigo 24
da Lei 10.522/02.
33
Art. 28 São condições para o acesso e permanência de qualquer pessoa nos Locais Oficiais deCompetição, entre outras: [...] § 1o É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício demanifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana.
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Na oportunidade, atestam os signatários a autenticidade dos documentos que
acompanham esta exordial, como estabelece o art. 365, IV, do CPC.
Dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00.
Nesses termos, aguarda-se deferimento.
Belo Horizonte, 21 de junho de 2013.
Estêvão Ferreira CoutoDEFENSOR PÚBLICO FEDERAL
ODHTC
Thomas de Oliveira GonçalvesDEFENSOR PÚBLICO FEDERAL
6.º OFÍCIO CÍVEL
Márcio Melo Franco JúniorDEFENSOR PÚBLICO FEDERAL OFÍCIO EXTRAORDINÁRIO
Vinícius Diniz Monteiro de BarrosDEFENSOR PÚBLICO FEDERAL 7.º OFÍCIO CÍVEL