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A VINCULAÇÃO DA RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA DE PERELMAN COM O DESENVOLVIMENTO EPISTEMOLÓGICO: UMA POSSIBILIDADE DE

MODIFICAR VALORES, ATITUDES E CRENÇAS NA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO

Autoria: Vicente Eudes Veras da Silva

Resumo: O atual contexto de trabalho, que exige um novo perfil de profissional, mais condizente com a dinâmica assumida pelas organizações, vem impondo transformações ao sistema educacional. Ao mesmo tempo, a teoria cognitiva atual admite, como uma das suas ideias centrais, que a aprendizagem é um processo de construção do conhecimento. Acontece que a atividade científica no que se refere à produção de conhecimento é também um processo construtivo que implica a formulação de teorias explicativas para os diversos fenômenos. No centro desse debate a argumentação vem ocupando espaço privilegiado, pois o conhecimento científico não resulta de uma mera acumulação de fatos imutáveis, visto que a ciência progride através de discussão, conflito e argumentação e não através de concordância geral e imediata, ou seja, o discurso da ciência é eminentemente argumentativo. A atualidade dos estudos retóricos tem uma inconfundível importância nos dias de hoje, onde as explicações definitivas sobre realidade perderam referência. Para muitos, atualmente, vivemos uma situação diferente na qual o conjunto de certezas constitutivas da modernidade, estaria sendo visto com desconfiança. As considerações de toda ordem, proferidas em diversos contextos, dizem respeito na maioria das vezes, não a verdades categóricas e inquestionáveis, mas a proposições relativas ao que é provável ou verossímil, pois a ninguém é dado o poder de falar categoricamente sobre a realidade tal qual ela é. Apesar do valor da argumentação ser amplamente reconhecido, as atividades argumentativas ainda são sub-utilizadas em muitas salas de aula de diversos níveis de ensino. Confrontar-se com esta situação de modo a alterá-la não é simples, tal como não é simples ensinar os alunos a avaliar, reconhecer e produzir argumentos válidos adaptados à sua maturidade. Desta forma, este artigo evidencia que o desenvolvimento das técnicas próprias da argumentação constitui-se um objetivo relevante do ensino/aprendizagem no ensino superior. Perante esta situação, emerge a necessidade dos Cursos de Graduação em Administração inserir os estudantes no uso de uma racionalidade crítica e argumentativa que os capacite a modificar as atitudes, crenças e valores para virem a desempenhar um papel ativo e construtivo no desenvolvimento da própria sociedade. Torna-se assim necessário formar cidadãos, futuros administradores, responsáveis com capacidade crítica, que possam avaliar a informação recebida, que estejam conscientes do impacto dos seus procedimentos e do dos outros, e que sejam capazes de argumentar com fundamento na hora de tomarem decisões. Palavras-chave: desenvolvimento epistemológico; racionalidade argumentativa; atitudes; crenças; valores.

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INTRODUÇÃO Na verdade, ao longo das últimas décadas do século passado próximo, tem-se vindo a afirmar um ponto de vista segundo o qual as práticas científicas institucionalizadas estão apoiadas no processo de argumentação e as novas conjecturas científicas são tornadas públicas apenas depois de serem aceites por cientistas de diferentes instituições (Newton, Driver & Osborne,1999). Freqüentemente, as experiências são repetidas e os artigos científicos são revistos e criticados por pares, fatos que tornam as práticas argumentativas da comunidade científica cruciais na atividade racional de construção e aceitação do conhecimento científico (Newton et al., 1999). Neste sentido, observamos que a argumentação que ocorre entre os cientistas se estende ao domínio público, através dos meios de comunicação social. Assim, os argumentos dos cientistas têm lugar em diferentes ambientes, podendo ocorrer: dentro da mente de um cientista quando, individualmente, se empenha no desenho de uma experiência ou na interpretação de dados; dentro de grupos de pesquisa, onde são ponderadas orientações alternativas; dentro da comunidade mais ampla de cientistas, através de interações competitivas; e no domínio público, quando os cientistas expõem as suas teorias competitivas sobre assuntos controversos, através dos meios de comunicação. Atualmente, considera-se que o discurso da comunidade científica pode situar-se no âmbito da lógica não formal e da retórica (Jiménez-Aleixandre & Erduran, 2007; Duschl & Osborne, 2002; Duschl, 2007). Todavia, para o sociólogo Boaventura Sousa Santos (1989), a determinação das relações entre a retórica e as ciências é um trabalho que está por fazer. Segundo este autor, pode pensar-se que a retórica diz respeito à apresentação pública dos resultados científicos e não aos processos de investigação; mas também se pode pensar que o cientista, ao investigar, antecipa o seu auditório, ou seja, a comunidade científica que tem de convencer e persuadir, e que é em função dela que organiza o seu trabalho. De qualquer modo, há que ter em atenção que afirmar uma dimensão retórica da verdade científica não é o mesmo que afirmar que essa natureza é exclusiva na caracterização das ciências nem que caracteriza por igual todos os processos das diferentes áreas do conhecimento científico (Santos, 1989). Assim, a necessidade de os alunos compreenderem o processo racional que orienta os cientistas na produção do conhecimento científico constitui uma das razões para a importância de uma pedagogia que dê atenção às práticas argumentativas dos alunos. Recentemente, tem-se desenvolvido uma linha de investigação que se debruça sobre as idéias epistemológicas dos estudantes, através da análise da forma como elaboram os seus argumentos (Sandoval & Millwood, 2007). Segundo estes autores, o estudo das idéias que os estudantes possuem acerca do conhecimento científico, as quais constituem o que os psicólogos designam por epistemologia pessoali, tem sido desenvolvido no âmbito da investigação sobre os pontos de vista dos estudantes. Em outras palavras, o envolvimento dos estudantes em práticas de argumentação na sala de aula mostrou também potencialidades ao nível do desenvolvimento de capacidades metacognitivas dos alunos quando estes são envolvidos na avaliação do seu próprio conhecimento, o que requer um elevado grau de reflexão. Alguns estudos evidenciam uma atitude metacognitiva por parte dos estudantes, centrando-se no seu pensamento ou no processo de construção do conhecimento, incluindo referências às suas idéias iniciais e às razões para a mudança conceitual (Mason, 2001), ou aos seus próprios padrões de argumentação (Zohar & Nemet, 2002), ou, ainda, à avaliação das suas explicações científicas e à coerência entre as suas conclusões e os seus dados (Sandoval & Millwood, 2007). Na sala de aula, os estudos sobre a argumentação têm explorado as potencialidades da argumentação em múltiplas perspectivas (Sorsby, 1995; Naylor, Keogh & Downing, 2007; Von Aufschnaiter et al, 2008; Kolsto, 2006; Patronis et al., 1999), tendo sido analisada por

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vezes a argumentação oral, em outros momentos a argumentação escrita, em diferentes idades e níveis de ensino. Apesar do valor da argumentação ser amplamente reconhecido, as atividades argumentativas ainda são sub-utilizadas em muitas salas de aula de diversos níveis de ensino. Confrontar-se com esta situação de modo a alterá-la não é simples, tal como não é simples ensinar os alunos a avaliar, reconhecer e produzir argumentos válidos adaptados à sua maturidade. A complexidade deste processo coloca o professor perante desafios que não existirão se a ênfase for meramente colocada na aprendizagem de técnicas e procedimentos ou se o controle do discurso da aula e o poder decisório sobre o valor desse discurso estiverem inteiramente nas suas mãos. Um dos desafios deste professor é utilizar-se da retórica como um método que trata das modificações dos valores, atitudes e crenças e que permite tratar o problema dos esquemas de significação como uma negociação, uma pragmática, a qual põe o que tem valor no e para os diversos grupos sociais.

A atualidade dos estudos retóricos tem uma inconfundível importância nos dias de hoje, onde as explicações definitivas sobre realidade perderam referência. Para muitos, atualmente, vivemos uma situação diferente na qual o conjunto de certezas constitutivas da modernidade, estaria sendo visto com desconfiança. As considerações de toda ordem, proferidas em diversos contextos, dizem respeito na maioria das vezes, não a verdades categóricas e inquestionáveis, mas a proposições relativas ao que é provável ou verossímil, pois a ninguém é dado o poder de falar categoricamente sobre a realidade tal qual ela é.

Ora, é justamente este o objeto da retórica, pois ela é o estudo dos meios mais eficientes para o convencimento numa situação argumentativa. Perelman empreendeu uma investigação das técnicas argumentativas dando importância para as características, os recursos e os procedimentos mobilizados que favorecem adesão de um auditório às teses apresentadas por um enunciador.

Deste modo, a Nova Retórica alargou os parâmetros da racionalidade, para além dos limites da lógica formal, assegurando um critério válido para consensos temporários através da lógica do julgamento recíproco. A proposta da racionalidade retórica difere do relativismo, pois, mesmo não sendo eternos, os critérios e os acordos estabelecidos são resultados das negociações entre orador e auditório, entendendo-se auditório como “o conjunto daqueles que orador quer influenciar pela sua argumentação.” (PERELMAN, 1996, p.33).

Este Trabalho insere-se neste quadro teórico e tenciona estudar a possibilidade de modificar as atitudes, crenças e valores de professores e alunos acerca do ensino e da aprendizagem no Curso de Graduação em Administração. DESENVOLVIMENTO EPISTEMOLÓGICO O processo de desenvolvimento epistemológico inicia-se com uma visão objetiva e dualista do conhecimento, seguida por uma perspectiva relativista caracterizada pela incerteza e relatividade do conhecimento. Tipicamente este período de extrema subjetividade é seguido pelo reconhecimento do valor relativo de cada perspectiva e pela valoração progressiva do papel das evidências na sustentação da posição individual, sendo que na fase final da progressão do desenvolvimento o conhecimento é ativa e continuamente construído pelo conhecedor num processo em permanência em que conhecimento e verdade se encontram em constante evolução e o processo de conhecer é coordenado com a construção e sustentação de argumentos (Hofer 2000; 2002). Na revisão da literatura podemos situar cinco modelos teóricos que sustentam uma trajetória sequenciada do desenvolvimento epistemológico validados empiricamente: (1) Esquema de Desenvolvimento Intelectual e Ético (Perry, 1999); (2) Modos de Conhecimento das Mulheres (Belenky et al., 1986; Goldberger, 1996), Modelo de Reflexão Epistemológica

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(Baxter Magolda, 1992), Modelo do Julgamento Reflexivo (King & Kitchener, 1994), e Modelo do Raciocínio Argumentativo (Kuhn, 1991). Estes modelos têm origens similares e trajetórias paralelas, mas também aspectos distintos significativos. Em termos de origem, todos os modelos se encontram enraizados nos trabalhos de Piaget (1950) sobre o desenvolvimento cognitivo ou a epistemologia genética. Como teorias do desenvolvimento que são, partilham pressupostos teóricos nucleares relativamente à natureza e origem do desenvolvimento bem como aos processos/mecanismos e fatores de mudança. Todos estes cinco modelos assumem uma progressão do desenvolvimento ao longo da juventude e da idade adulta, em especial nos estudantes do ensino superior. Todos estes modelos assumem e tratam o desenvolvimento epistemológico como um construto cognitivo individual ou intraindividual e a maioria dos estudos têm sido conduzidos com indivíduos pertencentes à cultura ocidental. Perry (1999) considera que o desenvolvimento epistemológico é resultante da interação entre características individuais inatas para a autonomia/suporte e constrangimentos/exigências ambientais. Se considerarmos que grande parte dos participantes nos estudos sobre o desenvolvimento epistemológico são estudantes do ensino superior, não será de surpreender que a pressão ambiental/contextual para a mudança surja das situações educacionais formais e informais, características deste nível de ensino. Muito provavelmente o estudante ao confrontar a sua visão absolutista do conhecimento, da verdade, do mundo e das figuras de autoridade com a diversidade de perspectivas teóricas frequentemente contraditórias, incertas e ambíguas (características do ensino superior), ver-se-á numa situação de conflito cognitivo. Aqui as estruturas e modos de conhecimento e do processo de conhecer que possui não são suficientes para dar conta desta nova realidade, constituindo-se esta situação como um desencadeador da mudança. No entanto, existem muito poucas evidências acerca deste processo, ou seja, do modo como as ideias e crenças acerca do conhecimento e do processo de conhecer se tornam parte integrante da cognição e do funcionamento individual (Hofer & Pintrich, 1997; Hofer, 2001). Baxter Magolda (2001), no âmbito do seu estudo longitudinal com estudantes do ensino superior, alerta para o impacto de acontecimento como o casamento, início da actividade profissional ou a parentalidade no desenvolvimento epistemológico dos seus participantes. Muitas outras sugestões têm sido apresentadas no sentido de explicar o processo desenvolvimental na sala de aula do ensino superior: desafiar as ideias existentes nos indivíduos com ideias com um nível de complexidade superior para assim promover o conflito cognitivo e a reestruturação. Neste sentido, as fontes de potencial contradição podem ser os professores, os pares ou os amigos íntimos pelo modo como desafiam e suportam as concepções dos indivíduos. Os cinco modelos anteriormente citados propõem basicamente um mecanismo de desequilíbrio que obriga a mudanças nas estruturas enraizadas. Mas para que tal aconteça é sugerida a necessidade de algumas condições prévias como (1) a insatisfação do indivíduo face às concepções atuais sobre o conhecimento e o processo de conhecer, (2) o contato com alternativas inteligíveis e úteis e (3) a existência de formas de articular estas novas crenças com as iniciais (Pintrich, Marx & Boyle, 1993). Ainda de acordo com a proposta de Pintrich et al (1993) estas condições poderão não ser suficientes, sendo necessário considerar fatores de natureza motivacional e contextual. Ou seja, a mudança epistemológica pode ser potenciada ou constrangida por variáveis pessoais como, por exemplo, a motivação do indivíduo para explorar, e por variáveis de contexto como, por exemplo, características dos ambientes de ensino superior, práticas educativas dos docentes, atividades extra-curriculares. Neste sentido, alguns autores (Weinstock, 2000; Hofer & Pintrich, 1997) sugerem que a investigação futura sobre os mecanismos de mudança epistemológica se direcione para a compreensão do impacto das variáveis pessoais e contextuais.

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Apesar de alguma diversidade, quando considerados em conjunto, as similaridades inerentes aos cinco modelos citados sugerem fortemente que estes descrevem e explicam o mesmo fenômeno – desenvolvimento epistemológico. Investigadores como Baxter Magolda (1992), King e Kitchener (1994) e Kuhn (1991) têm vindo a enriquecer a nossa compreensão acerca deste fenômeno que Perry (1999) inicialmente identificou. A investigação produzida e os modelos teóricos daí decorrentes sugerem que as estruturas de conhecimento e os processos pelos quais a informação sobre o conhecimento e o processo de conhecer é organizada e depois utilizada evoluem de um estágio de certeza simples e absoluta para um sistema complexo e avaliativo. E uma vez que estes investigadores não estudaram o desenvolvimento epistemológico do mesmo modo, a forte correspondência que encontramos entre os modelos pode constituir-se como um excelente indicador da robustez do fenômeno. Reconhecemos que, apesar da especificidade de cada um dos cinco modelos citados que lhe confere a unicidade própria de um modelo, é possível encontrar pontos de ligação e aspectos partilhados. E se numa fase inicial, cada autor procurou legitimar e sustentar a sua proposta conceptual de modo a assegurar a diferenciação das restantes propostas, atualmente os esforços dos teóricos e investigadores dirigem no sentido construir mais consenso neste domínio de modo a torná-lo mais sistemático e integrado enquanto área científica. Uma das evidências deste esforço é, em nosso entender, o número crescente de publicações nos últimos anos dirigidas a este assunto (Hofer, 2001, 2000; Hofer & Pintrich, 1997, 2002;). Acreditamos que, apesar das particularidades de cada modelo, a investigação sobre o desenvolvimento epistemológico dirige-se ao pensamento e às crenças dos indivíduos acerca do conhecimento, incluindo, em geral, crenças sobre: a (1) definição do conhecimento, o (2) modo como o conhecimento é construído, o (3) modo como é avaliado, a (4) fonte do conhecimento e (5) como se conhece (processo de conhecer). Embora, reconheçamos que cada modelo apresenta uma designação distinta do fenômeno o que poderá pressupor diferenças em termos da natureza e função do mesmo, ao usar o termo desenvolvimento epistemológico estamos a assumir que as ideias que os indivíduos têm sobre o conhecimento e o processo de conhecer são parte integrante de um processo desenvolvimental que se apresenta como coerente, lógico e sequenciado. Esta concepção ressoa na posição dos autores dos modelos que assumem as estruturas cognitivas como um todo organizado e integrado e não como dimensões independentes ortogonais e, neste sentido, apesar de termos cinco modelos citados neste Trabalho, faremos ênfase ao Modelo do Raciocínio Argumentativo (Kuhn, 1991). MODELO DO RACIOCÍNIO ARGUMENTATIVO A natureza epistemológica da resolução de problemas mal-estruturados tem sido também investigado por Kuhn (1991), apesar da sua atenção se centrar no modo como os indivíduos resolvem problemas mal-estruturados no dia-a-dia. Para tal desenvolveu um estudo com uma amostra de 200 indivíduos (adolescentes, jovens adultos e adultos) agrupados em termos de gênero e nível educacional. Cada indivíduo foi entrevistado duas vezes acerca de três problemas sociais atuais com o objetivo de explicitar as justificações causais que sustentavam as respostas, assim como as evidências em que se baseavam. Posteriormente os indivíduos eram convidados a formular e sustentar uma contra-posição. A codificação das respostas permitiu a identificação de três categorias de pensamento epistemológico (ou padrões epistemológicos) subjacentes ao raciocínio argumentativo: absolutista, extremamente relativista e avaliativa, que Kuhn considera semelhantes às posições de Perry e de outros modelos desenvolvimentais. Os indivíduos absolutistas consideram o conhecimento certo e absoluto e o processo de conhecer é sustentado em fatos e evidências obtidos a partir de fontes de autoridade

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externas. Os indivíduos extremamente relativistas recusam a crença na certeza do conhecimento, assumindo uma subjetividade radical. Os especialistas enquanto figuras de autoridade são desacreditados enquanto que todas as perspectivas são igualmente válidas e a posição individual é tão legítima como a do especialista. Neste contexto de relatividade extrema, os indivíduos tendem a sustentar as suas posições em emoções e ideias em detrimento dos fatos (Kuhn, 1991; 2002). Também no conhecimento avaliativo os indivíduos recusam a existência de conhecimento absoluto, mas a relatividade de perspectivas é balizada pela sustentação do raciocínio em evidências e pela capacidade do uso da argumentação. Assim, estes indivíduos reconhecem que as suas posições podem não estar tão certas como as dos especialistas e admitem que estes últimos poderão ter mais certeza. No entanto, assumem a necessidade sistemática de troca genuína de opiniões e argumentos entre perspectivas distintas ou mesmo entre perspectivas em conflito, podendo assim as teorias ser modificadas e complexificadas. Para a autora, a capacidade de argumentação assume-se como núcleo deste processo de mudança, uma vez que se constitui como meio capaz de influenciar o pensamento dos outros (Kuhn, 2002). Se considerarmos o trabalho de Kuhn, parece-nos que o seu maior contributo não se situa ao nível da construção de um novo modelo do desenvolvimento epistemológico, mas na articulação que faz entre o raciocínio argumentativo e estágios do desenvolvimento epistemológico. A autora identificou três competências de argumentação: (1) gerar evidências, (2) gerar teorias e (3) gerar formas de contra argumentação, e procurou compreender como se relacionavam com as três categorias do desenvolvimento epistemológico (Kuhn, 1991). Os indivíduos que se encontravam na categoria avaliativa tinham mais probabilidade de usar a contra-argumentação e gerar teorias alternativas do que os indivíduos que se encontravam nos estágios anteriores. Nesta categoria os indivíduos têm mais probabilidade de perceber o valor do argumento e a necessidade de comparar e avaliar perspectivas alternativas no sentido de resolver problemas. Apesar de não explicitar os processos subjacentes à mudança epistemológica ou os elementos que constituem cada estágio, a investigação de Kuhn é extremamente relevante na medida em que é a única que usa uma amostra tão alargada em termos etários da adolescência à fase adulta tardia (dos 14 aos 60 anos) e que se focaliza em problemas mal-estruturados do dia-a-dia. Por estes aspectos parece-nos que Kuhn consegue (1) abrir o domínio do desenvolvimento epistemológico a uma perspectiva de ciclo de vida, (2) retira-o do contexto acadêmico e do âmbito da sala de aula e ao fazê-lo (3) separa as questões do conhecimento de questões relacionadas com processos como ensino e aprendizagem, e (4) chama atenção para a importância ou utilidade do pensamento epistemológico para atividades do mundo real como, por exemplo, o exercício da atividade profissional como acontece com a tomada de decisão (Kuhn & Weinstock, 2002). Kuhn defende que é neste tipo de atividade que a compreensão epistemológica pode fazer a diferença. Ainda a propósito do conceito de desenvolvimento epistemológico, Kuhn (2002) corrobora a leitura desenvolvimental salientando que uma das vantagens do modelo do raciocínio argumentativo é a descrição qualitativa do curso desenvolvimental, por contraste com uma caracterização quantitativa sobre a quantidade de atributos presentes. Nesta perspectiva, a objetividade predomina nos estágio inicial do desenvolvimento, ocorrendo depois uma mudança radical com a subjetividade a assumir uma posição dominante para, ao término do processo assistirmos a uma coordenação destas duas dimensões, em que nenhuma se sobrepõe. Apesar de nos fazer sentido esta proposta de Kuhn, parece-nos, no entanto, que o núcleo do desenvolvimento epistemológico, pela complexidade que apresenta nos estágios mais avançados, deve envolver também a capacidade do indivíduo lidar com a ambiguidade e a contradição, pois são estas dimensões que maior potencial parecem reunir para suscitar o

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desequilíbrio entre as estruturas de conhecer e a natureza do conhecimento, especialmente no nível de grande abstração como é o ensino superior. Acreditamos as técnicas da retórica podem colaborar para que o aluno do Curso de Graduação em Administração adquira esta capacidade de lidar com a ambiguidade e a contradição. A “VIRADA RETÓRICAii” DE PERELMAN

O sentido do termo “nova retórica” no contexto de recuperação da arte retórica de Aristóteles – tal como efetuada contemporaneamente – se deve exatamente à nova compreensão – inaugurada pelos autores da Escola de Bruxelas – a respeito, principalmente, da redefinição do espaço de atuação da argumentação persuasiva (dialética) proposta por Aristóteles. Para Perelman, a “nova retórica” se relaciona com a dialética na medida em que a mesma deixa de ser apenas um espaço de aplicação da dialética a um auditório ou platéia de indivíduos agrupados em praça pública – não capazes de acompanhar um raciocínio mais elaborado – e se torna quase como sinônima desta.

Uma das implicações da virada retórica é que qualquer discurso, incluindo o da ciência, está marcado pela condição retórica: alguém expõe, negocia significados em um contexto próprio, e o auditório permanentemente julga o que lê, ouve e vê. No caso das ciências, o rigor do discurso obedece a regras estabelecidas ao longo de sua constituição. Tais regras, que dispõem o que deve ser seguido por todos, foram instituídas pela verificação de erros, fraudes e falácias cometidas. Aprender uma ciência é, acima de tudo, apreender as regras pelas quais se produz o discurso referente às questões relevantes nela e para ela, as derivadas da negociação de significados próprios de uma ciência. Tais regras envolvem técnicas argumentativas desenvolvidas ao longo de séculos e capituladas como lógica, dialética, e, no todo, como metodologias. (MAZZOTTI, 2007, p.89).

O importante para Perelman (1993) parece ser que se compreenda o sentido situado e histórico do discurso argumentativo, não interessando diferenciá-lo conceitualmente no que diz respeito a suas características quando se quiser definir e apresentá-lo como estrutura lógica argumentativa voltada para a persuasão e o convencimento. O interesse em discriminar os diferentes públicos-alvo (auditório), estaria relacionado à aplicação e à eficácia do discurso e não às suas características de ser um discurso argumentativo em si. Como Perelman afirma em seguida:

Considerando que o seu objeto é o estudo do discurso não-demonstrativo, a análise dos raciocínios que não se limitam a inferências formalmente corretas, a cálculos mais ou menos mecanizados, a teoria da argumentação concebida como uma nova retórica (ou uma nova dialética) cobre todo o campo do discurso que visa convencer ou persuadir, seja qual for o auditório a que se dirige e a matéria a que se refere. (PERELMAN, 1993, p. 24-5).

Perelman (1993) defende a idéia da existência de uma racionalidade argumentativa ou uma “lógica do preferível” voltada para o verossímil e o provável. Uma lógica que seria complementar à lógica da evidência, e que teria o mérito e a característica específica de permitir-se relacionar com os valores morais e com a necessidade da criação de um espaço

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para a noção de razoabilidade de decisões tomadas em situações do dia a dia, as quais, por sua vez, não poderiam ser vistas nem como necessárias nem como evidentes.

Neste sentido, o conceito de auditório é relevante, pois é o lugar onde se concretiza a natureza prática da racionalidade argumentativa em Perelman. É através do conceito de auditório que Perelman situa e torna prático qualquer discurso argumentativo. Qualquer acordo que possa acontecer a partir da suposta verdade de alguma premissa não pode ser alcançado, portanto, sem uma justificativa perante este auditório. Nenhuma premissa pode ser aceita sem que antes não ocorra uma justificação e uma argumentação a respeito de sua razoabilidade e relevância.

A lógica argumentativa pode ser então concebida como uma “lógica do razoável” (como quer Perelman). Uma lógica ou racionalidade que – partindo de premissas (éndoxas) previamente aceitas – busca a adesão do auditório a algum outro propósito desejado, de forma a torná-lo também aceito ou razoável. Ou seja, o discurso argumentativo busca transferir a adesão das premissas (éndoxas) para outras hipóteses ou premissas, com o intuito de torná-las tão razoáveis quanto às premissas admitidas inicialmente. CRENÇAS, ATITUDES E VALORES Quando desenvolvemos uma tarefa ou avaliamos uma situação ocorrem níveis diferentes de pensamento. Por um lado, tentamos entender e integrar a informação nova e, por outro, poderão surgir pensamentos avaliativos rápidos, ou seja, pensamentos automáticos que não são decorrentes de deliberação ou raciocínio. Neste caso, a questão remete-nos para a origem destes pensamentos automáticos, que segundo Beck (1995) estariam relacionados com fenômenos cognitivos mais duradouros – as crenças. Segundo Beck (1995), os indivíduos desenvolveriam, desde a infância, crenças sobre si próprios, sobre os outros e sobre o mundo, ou seja, verdades absolutas que os orientavam e conduziam no seu quotidiano. Assim, as crenças centrais do sujeito seriam conhecimentos fundamentais e profundos, caracterizados pela sua rigidez e ampla generalização. Sob influência das crenças centrais, observar-se-ia o desenvolvimento de uma classe intermediária de crenças – atitudes, regras, suposições. Estas crenças teriam influência na visão do sujeito acerca de uma situação e na forma como o sujeito pensava, sentia e agia (BECK, 1995). Neste sentido, a avaliação de um acontecimento, freqüentemente expressa através dos pensamentos automáticos, influenciava as respostas emocional, comportamental e fisiológica. As crenças centrais e intermédias surgiriam com base na necessidade do sujeito organizar as suas experiências de uma forma coerente e adaptativa (ROSEN, 1988). Assim, as interações com o mundo e com os outros conduziriam a determinadas aprendizagens – crenças – que ficariam armazenadas e às quais se teria acesso sempre que necessário, grande parte das vezes através dos pensamentos automáticos. Podemos considerar que as crenças seriam um dos conteúdos dos esquemas. Estes conteúdos seriam diversificados – representações, crenças particulares, atitudes, abstrações, elementos individuais ou com características mais gerais como são as hipóteses condicionais – sobre o meio e sobre o self. Com base nos conteúdos, podemos dividir os esquemas em três grupos. Um nível simples, composto por esquemas de objetos ou de idéias particulares sobre os atributos físicos ou sociais do meio. Um nível intermédio, que englobaria, sob a forma de regras de avaliação auto e hetero referentes, crenças, atitudes e hipóteses. Um terceiro nível, mais generalizável e com menor contestação por parte do sujeito que o nível anterior, seria constituído por crenças com características de idéias absolutas, que se constituíam como um dos fatores do auto-conceito. Podemos afirmar que as crenças modelariam as atitudes, ou seja, é como se quando falamos de atitude estivéssemos a referir-nos a um conceito que pretende ser mediador entre a forma de agir e a forma de pensar dos indivíduos. Considerava assim, que à forma de agir corresponderia a atitude motora e à forma de pensar corresponderia a atitude mental. Como

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tal, pressupõe-se que as atitudes teriam ligação com os comportamentos, contudo, estas seriam somente inferidas e não diretamente observáveis. Para Eagly & Chaiken (1993), o conceito de atitude remetia para uma tendência psicológica (estado interno ao sujeito) que seria expressa através da avaliação (todas as classes de resposta avaliativa: cognitiva, afetiva, comportamental) de uma entidade particular com algum grau a favor ou a desfavor. Esta tendência psicológica podia ser considerada como um tipo de pré-conceito que predispunha o indivíduo para respostas avaliativas que seriam positivas ou negativas. Nesta perspectiva se considerássemos a definição de atitude como uma tendência avaliativa, poderíamos presumir que a atitude seria um estado avaliativo que interviria entre certas classes de estímulos e certas classes de respostas. Neste caso, estes tipos de respostas avaliativas expressariam reações, nomeadamente, de aprovação/desaprovação, aproximação/afastamento, atração/aversão, entre outras similares. O caráter avaliativo de uma atitude remetia-nos para a presença de “algo” que estaria a ser objeto de avaliação, o objeto de atitude. Assim, o conceito de atitude distinguia-se de outros que também refletiam tendências ou disposições, porque uma atitude era inferida somente quando o estímulo denotava um objeto de atitude. A atitude pode também ser considerada como a categorização de uma entidade a partir de uma dimensão avaliativa, ou seja, um processo cognitivo de categorização (Zana & Rempel, 1984; 1988). Todavia, a perspectiva de Eagly e Chaiken (1993) considerava uma atitude como o resultado desse processo de categorização, isto é, o resultado da avaliação feita a uma entidade com algum grau a favor ou desfavor, que permitiria ao sujeito dar-lhe um significado avaliativo. Assim, atitude seria um estado interno com uma curta duração no tempo, que presumivelmente alimentava e dirigia o comportamento. Este estado interno poderia incluir uma representação mental da tendência que resultaria da resposta avaliativa duma entidade. Por sua vez, esta representação mental seria armazenada na memória e poderia ser subseqüentemente ativada. Este fato reforça a idéia de a atitude ser um dos conteúdos dos esquemas e, nesta linha de raciocínio, Fazio (1989) definiu atitude como uma associação na memória, entre um objeto de atitude e uma avaliação. Esta posição remetia para um conceito de atitude em função dos processos latentes. Se destacássemos a componente cognitiva das atitudes, estaríamos perante uma perspectiva que dedicava toda a sua atenção à análise da congruência interna das atitudes, ou seja, ocupava-se da relação destas com as crenças e os valores individuais ou grupais. Em outras palavras, atitude face a um objeto consiste no conjunto de observações relativas a esse objeto. Esta perspectiva combinada com uma teoria abrangente acerca da formação e da seleção das observações daria o significado funcional ao conceito de atitude que outras definições não possuem. Lima (1996) considerava que as crenças nos forneciam o suporte ou agrupamentos para defender a posição atitudinal, isto é, dar-nos-iam conta da informação que o indivíduo teria disponível acerca do objeto e, face à qual, se poderia sempre associar uma probabilidade de veracidade. Deste modo, as atitudes seriam suportadas pelas crenças e estas constituiriam a sua componente cognitiva e racional. A perspectiva de Eagly e Chaiken (1993) considerava que as respostas avaliativas do tipo: a) cognitivo, incluíam as opiniões que o sujeito teria acerca do objeto de atitude; b) afetivo, consistiam nos sentimentos ou emoções que o sujeito experienciava face ao objeto e, por último, c) comportamental, que remetia para as ações do sujeito em relação ao objeto. Gooch (1995) defende que uma forma de analisar os valores, as crenças e as atitudes é mediante o uso da noção de “paradigma social“. De acordo com Kuhn (1975), os paradigmas são a forma como os indivíduos e os grupos sociais vêem o mundo, isto é, um sistema de

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crenças e valores que guiam o comportamento, e que também servem para dar legitimidade e justificar os cursos de ação. Neste sentido é importante salientar que na ciência existem descobertas e justificações teóricas que reforçam o paradigma dominante. No entanto, segundo a perspectiva de Feyerabend (1977) existem elementos sociais, culturais e ideológicos que colocam ênfase nesses sistemas de crenças e valores que os paradigmas constroem desde o âmbito científico. Mas quando todo este sistema é criticado desde as esferas dos grupos não reconhecidos pelo campo científico, pode acontecer duas coisas: a primeira é que o paradigma dominante seja reforçado, tendo a seu favor argumentos que são sustentados desde a ideologia dominante, e a segunda que seja questionado com os mesmos argumentos ideológicos dominantes provocando assim uma reestruturação paradigmática e, no pior dos casos, como diria Kuhn (1975) uma revolução científica. Assim, desde o panorama da filosofia da ciência da construção de um sistema de crenças, valores e atitudes, denominado paradigma, é na realidade um esquema explicativo e uma versão do grupo que determina o que se pressupõe como “verdade“ (Feyerabend, 1977). Por outro lado, a mudança paradigmática tem sido um conceito formulado para descrever mudanças nas visões do mundo que sustentam os comportamentos, isto é, envolve a reorganização fundamental das crenças básicas dos indivíduos ou grupos. A idéia de paradigma e mudança paradigmática tem sido aplicada à modificação das percepções sociais acerca da técnicaiii, ou melhor, da afirmação modal da efetividade dos atos técnicos. Para Mazzotti (2007), há, pelo menos, duas atitudes céticas em relação a critica da afirmação modal da efetividade dos atos técnicos: a) a que sustenta a impossibilidade de modificar intencionalmente os valores, as atitudes e as crenças dos outros, porque não podemos apreender o que são em si e por si; b) a que sustenta que as pessoas são tomadas por forças que não podem ser totalmente apreendidas, o que impede que algumas ações intencionais produzam as alterações pretendidas. A primeira posição sustenta a inatingível essência do homem supõe algo subjacente, uma natureza humana em si e por si que move o homem.

A efetividade de uma ação educativa, por exemplo, explica-se pela coincidência (a incidência conjunta) do orador com o auditório, em um processo de identificação mútua. Nesse caso, os ouvintes não modificam suas crenças, valores e atitudes pela ação do orador, apenas reforçam uma idéia com a qual já concordavam e que o orador expressou de um modo mais completo (MAZZOTTI, 2007, p.78).

A segunda posição considera o inconsciente inacessível ou quase inacessível.

Nessa perspectiva, o analista, como o orador que reflete (no sentido especular) o que o paciente apresenta para ele pode ajudar o paciente a tomar consciência das forças ocultas que o movem. Mas o analista não modifica, de fato, essas forças; apenas ajuda o paciente a entender o que está acontecendo com ele. A tarefa do paciente pode ser facilitada pela experiência e acuidade do analista, mas ele não modifica as atitudes, crenças e valores do paciente (MAZZOTTI, 2007, p.78).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Perelman (1993), ao lançar um novo olhar sobre a argumentação e a retórica, considera que a teoria da argumentação abrange não só todo o campo do discurso que visa convencer (argumentação dialética), mas também o discurso que visa persuadir. Deste modo, o autor concebe a teoria da argumentação como uma Nova Retórica e identifica esta Nova

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Retórica com o discurso persuasivo que visa ganhar a adesão, tanto intelectual como emotiva, de um auditório. Em outras palavras, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2006) afirmam que a gradação entre os termos convencer e persuadir é imprecisa e que, na prática, assim deve permanecer, discordando quer daqueles que, preocupados em induzir uma ação, consideram que persuadir é mais do que convencer, quer daqueles que, preocupados com o caráter racional da adesão, consideram que convencer é mais do que persuadir e pensam que quem pode ser persuadido é o autômato, o corpo, a imaginação, o sentimento, em suma, tudo aquilo que não constitui a razão. Estes autores entendem que está em causa a idéia que se tem da encarnação da razão e pretendem combater as posições filosóficas irredutíveis que conduzem a dualismos, tais como: razão versus imaginação, objetividade universalmente admitida versus subjetividade incomunicável. Em vez de considerar que a persuasão se dirige à imaginação, ao sentimento, ao autômato, e que o discurso convincente faz apelo à razão, em vez de opor uma à outra, como o subjetivo ao objetivo, Perelman (1993) pretende caracterizá-las de uma forma mais técnica e mais exata, em função das características do auditório que é visado. Para este autor, o discurso convincente é aquele que visa obter a adesão dos membros do auditório universal, ou seja, cujas premissas e conclusões são universalizáveis. “Só estamos em presença de um fato, do ponto de vista argumentativo, se pudermos postular em relação a ele um acordo universal, não controvertido” (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 2006, p. 77). Todavia, dado que cada cultura possui sua própria concepção de auditório universal, “o estudo destas variações seria muito instrutivo, porque nos daria a conhecer o que os homens consideraram, no decurso da história, como real, verdadeiro e objetivamente válido” (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 2006, p. 40). Perelman (1993) considera necessário partir de premissas que beneficiem de uma adesão suficiente, pois a transferência da adesão das premissas para a conclusão só se realiza pelo estabelecimento de uma solidariedade entre as premissas e a tese que se pretende fazer admitir. Deve distinguir-se a verdade de uma tese e a adesão à mesma. Mesmo que uma tese seja verdadeira, se for controversa, será um erro considerá-la como já admitida, pelo que a falta de preocupação com a adesão do interlocutor às premissas será um erro. Segundo Grácio (1993), a grande originalidade de Perelman consiste em, inspirado na retórica, trazer a adesão do auditório para primeiro plano. Neste processo de adesão do auditório, o ensino/aprendizagem no Curso de Graduação em Administração deve encorajar os jovens na apropriação crítica de temas relacionados com controvérsias sócio-científicas e na procura de decisões, através da combinação do uso de conceitos científicos, do recurso a vivências pessoais e do uso de práticas argumentativas. Tem sido constatado que, à medida que os alunos vão sendo envolvidos nestas práticas, vão atingindo níveis de argumentação mais elevados (Von Aufschnaiter et al., 2008). Em outras palavras, a prática da argumentação pode ajudar os estudantes a atingir uma compreensão de assuntos que, de outro modo, dificilmente poderiam alcançar e pode ter um papel crucial na preparação dos cidadãos para participarem democraticamente numa sociedade científica e tecnologicamente avançada. Newton et al. (1999) chamaram a atenção para o fato de uma percentagem mínima de tempo de aula ser dedicada a promover a discussão entre os alunos, talvez porque, como sugerem Von Aufchnaiter et al (2008), os professores se mostram constrangidos na promoção de discussões entre alunos. Neste sentido, a investigação tem vindo a mostrar que os estudantes têm dificuldade em usar argumentos para defender uma explicação, tornando-se necessário que aprendam mais sobre a maneira como os cientistas avançam as suas conclusões e como selecionam e avaliam as evidências necessárias para justificar uma idéia. Na verdade, no que toca à evidência empírica, os alunos demonstram dificuldades em interpretar as que lhes são fornecidas, ou seja, concentram-se, apenas, em alguns dados e

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ignoram outros e nem sempre selecionam os que constituem evidências das explicações pretendidas. Sendo assim, torna-se necessário que se passe a valorizar mais a prática da argumentação a fim de proporcionar evidências capazes de apoiar as conclusões que se pretende defender e que os alunos discutam sobre como usar os dados obtidos para obterem evidências e também avaliem as evidências que usam para apoiar as conclusões que elaboram. Embora não seja de esperar que a discussão, por si só, possa contribuir para a construção de novo conhecimento, no sentido de que este possa emergir diretamente da discussão (Von Aufchnaiter et al., 2008), as discussões entre os estudantes quando estes avaliam as evidências podem constituir uma oportunidade para se iniciaram na compreensão dos critérios que a comunidade científica usa para decidir o que é um bom argumento no ensino da matemática e assim, modificar, valores, atitudes e crenças. Para a concretização de uma mudança de perspectiva, a prática da argumentação permite que os alunos sejam encorajados a tomar decisões, a refletir e negociar as suas interpretações e, por conseguinte, podem contribuir, não só para a construção pessoal e social do conhecimento, mas também para assim, modificar, valores, atitudes e crenças. Mas esta negociação de interpretações só é possível se os alunos forem capazes de defender os seus pontos de vista, fundamentando-os devidamente e, para isso, eles precisam de oportunidades de interação com os pares e o professor, através, nomeadamente de discussões, justificações e, uso de analogias e metáforas. Estas formas através das quais os alunos podem interagir fazem parte do processo de argumentação e devem ser utilizados em situação de sala de aula, a fim de que os alunos desenvolvam a sua habilidade para compreender, construir e avaliar argumentos.

Na sala de aula do Curso de Graduação em Administração, basta um instante de reflexão para constatar que, o orador do discurso epidítico está muito próximo do educador visto que o ensino descreve as tentativas, pelo professor, de organizar um processo interativo e reflexivo, implicando os alunos numa sequência de atividades, e de estabelecer e manter assim uma cultura de aula, mais do que transmitir conhecimentos e normas previamente codificadas apoiada simplesmente na afirmação modal da efetividade dos atos técnicos.

Esta organização do ensino num processo interativo e reflexivo está permeada pelas práticas argumentativas visto que estas são fundamentais para o estabelecimento destes princípios no contexto educacional. Acreditamos que o conhecimento dos procedimentos argumentativos e retóricos precisa ser ensinado no Curso de Graduação em Administração de maneira que os estudantes possam dominar os instrumentos mínimos necessários para o debate e, através da negociação dos significados tornarem-se participantes ativos e conscientes do processo e assim, possam modificar valores, atitudes e crenças em relação ao contexto organizacional.

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                                                                                                                                                                                          esforços no sentido de sistematizar e organizar a informação produzida no domínio do desenvolvimento epistemológico no sentido de criar um corpo conceitual e empírico robusto, unificado e coerente que se possa assumir como um domínio científico relevante. Os seus esforços culminaram com a publicação em 2002de Personal Epistemology: The psychology of beliefs about knowledge and knowing. ii Tomei emprestado o título de um artigo de Tarso Mazzotti (2007) para intitular este item. iii A utilização de termos etimologicamente relacionados com o vocábulo “técnica” ocorre já na Antiguidade Grega, período durante o qual o vocábulo technê é usado no sentido de “saber como”, relacionado com o atingir de um objetivo ou com o produzir de um resultado. Peters escreve que “O uso contemporâneo [de Platão] de technê era descrever qualquer habilidade no fazer e, mais especificamente, uma espécie de competência profissional oposta à capacidade instintiva (physis) e ao mero acaso (tyche)”. Refere ainda que “Em parte alguma ele [Platão] se preocupa em dar uma definição exata desta palavra, cuja acepção comum lhe servia perfeitamente”. As noções de habilidade, competência e “saber como” estão, de fato, presentes em grande parte das definições de técnica produzidas desde Platão, não obstante a sua diversidade. Incorporando elementos de várias delas, sugerimos uma abordagem da técnica como um conjunto de conhecimentos e procedimentos usados para atingir um objetivo, ainda que cientes de que a definição que propomos possa servir, igualmente, outros vocábulos.