a variaÇÃo linguÍstica no eixo do ensino de lÍngua portuguesa

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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA CENTRO DE LETRAS E ARTES CURSO DE LETRAS DATA: 08/12/2010 3ª AP DE METODOLOGIA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO EIXO DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA 1 Sabrina Rodrigues de Sousa RESUMO Este artigo tem como objetivo tratar da Variação Linguística no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa, discutindo as diversidades linguísticas, discriminadas pela sociedade, no que se pode chamar de Preconceito Linguístico, um tema atual que valoriza o uso da norma culta, do Português Padrão ensinado nos livros didáticos escolares. As reflexões e pesquisas de autores como Cassirer, Neves, Vilela, Koch e Bagno são levadas em consideração por tratarem da oralidade e escrita não apenas em seu sentido normatizado, mas distinto, em que cada falante possui uma forma própria de expressar-se. Os estudos deste último autor serão mais explicitados por ser um sociolinguísta voltado à questão das variedades lingüísticas, presentes na linguagem dos brasileiros, discussão que deve ser levada para a sala de aula para que o professor de Língua Portuguesa não limite suas metodologias de ensino à Gramática Normativa, buscando ensinar seus alunos a se adequarem aos diversos contextos sociais, que lhes exigirão conhecimento e profissionalismo. Palavras-chave: Variação Linguística, Língua Portuguesa, Gramática Normativa INTRODUÇÃO 1 Estudante do 5º Período do Curso de Letras da UVA

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Page 1: A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO EIXO DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA

CENTRO DE LETRAS E ARTES

CURSO DE LETRAS

DATA: 08/12/2010

3ª AP DE METODOLOGIA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO EIXO DO ENSINO DE LÍNGUA

PORTUGUESA1 Sabrina Rodrigues de Sousa

RESUMO

Este artigo tem como objetivo tratar da Variação Linguística no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa, discutindo as diversidades linguísticas, discriminadas pela sociedade, no que se pode chamar de Preconceito Linguístico, um tema atual que valoriza o uso da norma culta, do Português Padrão ensinado nos livros didáticos escolares. As reflexões e pesquisas de autores como Cassirer, Neves, Vilela, Koch e Bagno são levadas em consideração por tratarem da oralidade e escrita não apenas em seu sentido normatizado, mas distinto, em que cada falante possui uma forma própria de expressar-se. Os estudos deste último autor serão mais explicitados por ser um sociolinguísta voltado à questão das variedades lingüísticas, presentes na linguagem dos brasileiros, discussão que deve ser levada para a sala de aula para que o professor de Língua Portuguesa não limite suas metodologias de ensino à Gramática Normativa, buscando ensinar seus alunos a se adequarem aos diversos contextos sociais, que lhes exigirão conhecimento e profissionalismo.

Palavras-chave: Variação Linguística, Língua Portuguesa, Gramática Normativa

INTRODUÇÃO

Estudar uma língua significa, pode-se assim dizer, fazer reflexões acerca da

mesma, saber e compreender todo o seu processo histórico, suas transformações ao

longo dos anos, como da existência de inúmeras variações decorrentes de outras línguas

e fenômenos linguísticos.

Trata-se de um processo amplo em que vários fatores devem ser considerados,

como a individualidade dos falantes entre as camadas socioculturais ou variações

diastráticas (nível culto, língua padrão e não-padrão, as variedades lingüísticas que cada

um utiliza, idioleto); o contexto social em que estes se encontram, de acordo com o

espaço geográfico ou variações diatópicas (falares locais – dialetos, variantes regionais

e até mesmo intercontinentais); e a forma a qual a linguagem é estabelecida dentro de

1 Estudante do 5º Período do Curso de Letras da UVA

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uma modalidade expressiva ou variações diafásicas (língua falada, língua escrita, língua

literária, linguagens especiais, linguagem dos homens e linguagem das mulheres – estas

duas última podendo ser chamadas de variantes de sexo).

Nesse contexto, não há como estudar a língua sem estudar suas variações,

considerando a oralidade e a escrita, pois todas estão interligadas e as variáveis (o

conjunto das variantes – e estas consistem nas diversas formas de se dizer a mesma

coisa, sem perder o significado) são inerentes ao aspecto lingüístico, que conforme será

visto, não é homogêneo.

As transformações ocorridas nos estudos da língua e da linguagem, no Brasil

especificamente, provocaram maiores discussões acerca da Língua Portuguesa como

língua materna, principalmente no ambiente escolar, que passou a rever mudanças nas

práticas de ensino e aprendizagem, acrescentando novas idéias ao currículo escolar,

onde muitos professores não abriam mão dos conteúdos tradicionais e acreditavam que

o “novo” representaria uma ameaça para o saber de seus alunos e que interferiria nas

metodologias utilizadas em sala de aula.

Assim, as variações linguísticas tornam-se necessárias para que a escola conheça

o aluno e entenda suas dificuldades para direcioná-lo aos contextos sociais, fazendo

com que suas práticas orais e escritas estabeleçam interação.

ABORDAGENS ACERCA DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Os estudos que envolvem a Variação Linguística não são resumidos, pois se trata

de um assunto que merece destaque e que possui um amplo campo de pesquisas, pois

está fortemente presente na linguagem dos brasileiros.

Não só a Língua Portuguesa, mas qualquer outra língua pode apresentar também

suas variedades lingüísticas. Ela nunca será una, homogênea, no entanto, é uma

atividade que se transforma sem parar, mas lentamente, as mudanças são percebidas aos

poucos. “Todas as formas da fala humana são perfeitamente, no sentido de que

conseguem expressar os sentimentos e os pensamentos humanos de forma clara e

apropriada” (CASSIRER, 2001, p. 212), ou seja, cada indivíduo tem a capacidade de

expressar-se do jeito próprio, de comunicar-se com as pessoas que estão à sua volta, e

estas podem compreender a mensagem pronunciada, mesmo que um ou outro não siga

as normas da Gramática Tradicional ou Normativa, que considera tudo o que não está

de acordo com suas longas e cansativas regras de “erro:”

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A principal (e pior) conseqüência do elitismo e do caráter não-científico da Gramática Tradicional foi o surgimento da noção folclórica de “erro.” Tudo o que não estivesse de acordo com a régua da GT, tudo o que escapasse de seu sapatinho de cristal, era considerado “errado,” “feio,” “estropiado,” “deselegante” etc. O grande problema com essa noção ultrapassada é que, como os estudos lingüísticos modernos têm revelado, simplesmente não existe erro na língua. Existem sim, formas de uso da língua diferentes daquelas que são impostas pela tradição gramatical. No entanto, essas formas diferentes, quando analisadas com critério, revelam-se perfeitamente lógicas e coerentes. (BAGNO, 2001, p. 25-26)

Quantas pessoas, em um discurso, já não ouviram alguém exclamar: “O

importante é que houve comunicação!”? Pode-se perceber que o autor dessa frase pode

não ter se expressado seguindo os padrões da Gramática Normativa, mas a conversa de

ambos os lados pode ter tido sucesso na interação. Linguagens diferentes, mas que

possibilitam um mesmo significado, pois:

Quando se trata de língua, só se pode qualificar de erro aquilo que comprometa a comunicação entre os interlocutores. Se uma pessoa disser os menino tudo veio, ninguém, por mais preconceituoso e tradicionalista que seja, vai poder alegar que “não entendeu” o que aquela pessoa quis dizer. Uma análise linguística rigorosa vai demonstrar com toda clareza e com argumentos mais do que convincentes que a construção os menino tudo veio tem regras gramaticais próprias, segue uma sintaxe que difere daquela (única) que está registrada nas gramáticas normativas [...]. (p. 26)

As gramáticas tradicionais, utilizadas ainda hoje em muitas escolas, retêm

apenas uma parte daquilo que é falado na Língua Portuguesa, descartando as variações

encontradas nos inúmeros canários da população brasileira, onde se vê a pluralidade de

culturas.

Tudo o que existe na língua não é por acaso, há sempre explicação para tudo e

por isso, a importância em conhecer as variedades lingüísticas, pois assim, Bagno

(2001, p.35) nos afirma, que “tudo aquilo que é considerado erro no Português não-

padrão têm uma explicação científica, do ponto de vista lingüístico ou outro, lógico,

pragmático, psicológico,” reforçando assim que ninguém fala errado por ser analfabeto,

ignorante ou preguiçoso. As pessoas falam diferente porque as regras gramaticais que

elas estabelecem para si são diferentes.

Nesse contexto, surge o chamado Preconceito Linguístico, tema muito discutido

nos últimos anos, que se baseia na crença de que só existe uma única língua portuguesa,

no caso, a língua descrita nas gramáticas normativas, ensinada em sala de aula e

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catalogada nos dicionários. “Qualquer manifestação linguística que escape desse

triângulo escola- gramática - dicionário é considerada, sob a ótica do preconceito

linguístico, ‘errada, feia,estropiada, rudimentar, deficiente,’ e não é raro a gente ouvir

que ‘isso não é português.’”(BAGNO, 1999, p. 40).

Uma visão totalmente preconceituosa, que considera apenas uma parte do todo,

quer dizer, uma pequena parte que se propõe a utilizar a norma culta, conforme descrita

em grande parte dos livros didáticos (mesmo que seja, linguisticamente, impossível

alguém utilizá-la cem por cento, na fala, principalmente) e a maioria que usa uma

linguagem própria, servindo-se de seu conhecimento internalizado, de mundo.

VARIEDADES LINGUÍSTICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA (NÃO-PADRÃO)

Como já visto, a língua não é uniforme e por essa característica é que muitas

discussões são geradas. “Sem a fala não haveria a comunidade dos homens. No

entanto, não há obstáculo mais sério à essa comunidade que a diversidade da fala”

(CASSIRER, p. 213), apresentando que o problema da comunicação consiste nas

divergências de linguagem.

Desde quando a criança inicia seus estudos escolares, ela é obrigada a estudar uma

língua que não retrata a sua realidade, como se pode comprovar abaixo:

SISTEMA PRONOMINAL PADRÃO SISTEMA PRONOMINAL NÃO-

PADRÃO

Eu AMO Eu AMO

Tu AMAS Tu AMA

Ele/Ela AMA Ele/Ela AMA

Nós AMAMOS Nós AMAMOS/AMA

Vós AMÁIS A gente AMA

Eles/Elas AMAM Vocês AMAM/AMA

Eles/Elas AMAM

O primeiro quadro apresenta o Sistema Pronominal Padrão, com seis formas

diferentes. Esta é a conjugação verbal “correta,” intitulada pela Gramática Normativa e

que o aluno passa toda a vida escolar estudando e decorando. Mas, na verdade, a

conjugação dos falantes brasileiros é a do segundo quadro, o Sistema Pronominal Não-

Padrão, onde há o acréscimo do “a gente,” expressão já consagrada na fala do

português não-padrão, como pronome pessoal e a diferença na conjugação do verbo

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AMAR em “tu ama,” “nós ama” e “vocês ama” (formas mais encontradas entre os

falantes menos escolarizados ou até mesmo analfabetos).

Torna-se necessário ter a consciência de que é possível estudar a língua e

considerar as pessoas que falam, pois tudo o que existe na língua tem a ver com quem

fala e a maneira que o falante se expressa em sua sociedade, na sua comunidade, pois

antes mesmo e ingressar na escola, a criança já tem uma noção de sua língua, podendo

comunicar-se satisfatoriamente, através de sua Gramática Interna (ou Universal, inata)

que, segundo Chomsky (1965) é a capacidade que o homem tem de se comunicar.

Assim:

Todo falante de uma língua tem a capacidade de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enunciados, e esta competência é, também, especificamente linguística – em sentido amplo. Qualquer falante é capaz de parafrasear um texto, de resumi-lo, de perceber se está completo ou incompleto, de atribuir-lhe um título ou, ainda, de produzir um texto a partir de um título dado. (VILELA e KOCH, 2001, p. 14)

A escola deve servir como canal de conhecimento para os alunos, mas precisa,

antes de tudo, conhecê-los, entender a realidade de cada um para poder passar

conteúdos que os mesmos respondam positivamente, levando-os a refletir sobre o

código linguístico, jamais discriminando a linguagem que cada qual traz de sua

localidade, porque a norma culta, para muitos, é vista como outro idioma, como por

exemplo, que Bagno apresenta:

[...] quando, na escola, se depararem com os encontros consonantais com L, é preciso que o professor tenha consciência de que se trata de um aspecto fonético “estrangeiro” para eles, do mesmo tipo dos que encontramos, por exemplo, nos cursos de inglês, quando nos esforçamos para pronunciar bem o TH de throw ou I de live. É preciso separar bem os dois aspectos do fenômeno. (1999, p. 42)

Tal deficiência e assim como várias outras podem ser dadas por conta de

fenômenos fonéticos e fonológicos e por influência de outras línguas, como o latim e o

espanhol, por exemplo. Uma característica da fala do português não-padrão é que não

existe encontro consonantal, aspecto que pode ser compreendido em algumas das

variações linguísticas explicadas abaixo, e que estão fortemente presentes na linguagem

dos brasileiros.

Rotacismo: A transformação do L dos encontros consonantais em R.

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Exemplo: “ingrês” (inglês); “broco” (bloco); “chicrete” (chiclete); “pranta” (planta).

Palavras que, ao serem pronunciadas, geram risos por serem consideradas “feias,”

“pobres” e, claro, “erradas” pelos defensores da norma culta. Os falantes que usam essas

variações estão apenas “acompanhando a natural inclinação rotacizante da língua”

(BAGNO, 2001, p. 46). O que era L em latim (ecclesia, sclavu), se transformou em R

no português (igreja, escravo).

Yeísmo: A transformação de LH em I.

Exemplos: “trabaiá” (trabalhar); “atrapaiá” (atrapalhar); “paiaço” (palhaço)

O Português Não-Padrão, nesse fenômeno lingüístico, recebe influência do espanhol

que, na região de Castela (de onde se derivou o “Castelhano”), os falantes, ao invés de

pronunciarem o LL (que na Língua Portuguesa corresponde no LH), falam I, onde,

conforme o espanhol padrão, a forma “correta” seria LHÊ (assim como no Português

Padrão).

Em espanhol, palavras como “estrella,” “ella” e “caballo” seriam pronunciadas

“estrelha,” “elha” e “cabalho,” e não “estreia,” “eia” e “cabaio.”

Essas variações sofrem maior estigma por se referirem à pessoas humildes,

geralmente as que moram e trabalham no campo, crianças que, muitas vezes, não podem

estudar para ajudar a família.

Palatalização: Quando as consoantes T e D, seguidas da vogal I se pronunciam

em [ts] e [ds].

Exemplo: “titia” [tsitsia] e “dia” [dsia].

O motivo de riso está quando o [y] vêm antes do [t], como em [oytsu] – “oito.”

Assimilação: Consiste na força que faz com que dois sons diferentes, mas com

algo em comum, tornem-se iguais.

Exemplo: “escreveno” (escrevendo); “aprendeno” (aprendendo).

Nestes exemplos, nota-se que a consoante –d desapareceu. Isso ocorre devido as

consoantes /n/ e /d/ serem dentais produzidas na mesma zona de articulação, ou seja, no

mesmo lugar dentro da boca.

Este mesmo fenômeno pode gerar outro: a monotongação, ocorrida quando dois

sons se transformam em um, como nas palavras “poco” (pouco) e “ropa” (roupa).

Ditongação: Quando um som se transforma em dois.

Exemplo: “treis” (três); “séri” (série).

As variações descritas acima compreendem apenas uma parte que, cotidianamente,

podemos perceber na fala das pessoas que utilizam o Português Não-Padrão, inclusive,

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das crianças que, ao chegarem na sala de aula, de início, verão a norma culta da Língua

Portuguesa como uma língua estrangeira, pois as variantes linguísticas já fazem parte da

vida de cada uma. No entanto, o professor tem a tarefa principal, que é apresentar-lhes o

Português Padrão não como uma língua que deve ser imitada e seguida a todo custo,

mas mostrar-lhes que tal estudo e conhecimento da língua oficial são necessários para

que as mesmas aprimorem a aprendizagem, adequando suas linguagens (e não apenas

uma linguagem) nos diferentes contextos e ocasiões em que elas estarão inseridas e que

requererão delas, futuramente, em concursos, entrevistas de trabalho, dentre várias

outras situações, que Neves (2003, p. 128) também manifesta:

A escola tem a obrigação, sim, de manter o cuidado com a adequação social do produto linguístico de seus alunos, isto é, ela tem de garantir que seus alunos entendam que têm de adequar registros, ela tem de garantir que eles tenham condições de mover-se nos diferentes padrões de tensão ou de frouxidão, em conformidade com as situações de produção.

A escola tem a importante missão de preparar seu aluno para as circunstâncias da

vida, pois é a fonte de conhecimento para que o estudante compreenda o caminho

profissional que deve seguir, além de seu papel humanizador, onde a Literatura, por

exemplo, serve de grande suporte e aprender uma língua significa refletir sobre a

mesma, fazendo observações, estudar e discutir a respeito.

Outro projeto interessante de trabalhar com os alunos é o Letramento, que consiste

em facilitar os meios para que o indivíduo seja inserido na cultura letrada. O estudante

pode servir-se de suas variações, mas é papel da escola permitir que ele tenha acesso à

leitura e à escrita, ou seja, fazer com que ele leia e escreva mais, não se limitando às

regras da Gramática para que o mesmo obtenha boas notas nas avaliações de Língua

Portuguesa, até porque, dessa forma, o professor pode construir uma barreira na

aprendizagem, no sentido de não considerar a criatividade, domínio de conhecimento e

pontos de vista de seus alunos nas propostas de produção escrita.

O grande problema da Língua Portuguesa é que possui uma normatização bastante

rígida e, ao mesmo tempo ultrapassada, pois tanto na fala como na escrita dos

brasileiros, dificilmente se encontrará um português puro, pois a língua não tem caráter

de estática e imutável. Muito do que se fala hoje é resultado de variações lingüísticas

passadas, que foram consagradas pela massa falante. Nesse caso, por que não considerar

o fato de que muito do que se fala no Português Não-Padrão pode vir a ser Padrão

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futuramente? Mais uma razão para estudar as variações e não prender-se à norma culta,

pois a heterogeneidade lingüística, mesmo que muitos gramáticos não aceitem, é o

estado natural da língua.

Outro questionário que muita gente se faz é “Por que o Português é uma língua tão

difícil?” Na verdade, não se trata de que a Língua Portuguesa seja realmente difícil, até

porque uma língua não pode ser incompreendida por seus falantes nativos. As próprias

crianças conseguem se comunicar, entendendo a linguagem dos outros. O problema está

nas pessoas pensarem que a forma natural a qual elas utilizam sua linguagem é errada e

incoerente, não de acordo com as estruturas gramaticais impostas pelos professores e até

mesmo pela mídia, em programas televisivos, por exemplo, onde a conversa gira em

torno da Gramática Tradicional, enquanto que as variações, mais uma vez, são tomadas

como “erros” lingüísticos.

Abordando ainda a questão do “erro:”

Quando um tradicionalista usa a expressão “erro comum,” ele está deixando claro que não se trata de erro coisa nenhuma! Se fosse erro não seria comum: se milhões de pessoas usam a forma Y onde a gramática normativa cobra uma forma X, é porque elas estão seguindo uma regra que pertence à outra gramática! É importante ter isso sempre em mente para nos livrarmos do preconceito muito antigo e arraigado de que a língua falada (e principalmente a língua falada pelas pessoas sem instrução) é anárquica, incoerente, desconexa, ilógica, etc. Mentira pura! A língua falada é perfeitamente organizada, sistemática e regular. (BAGNO, 2001, p.27)

A questão do “erro comum” não seria, na verdade, “acerto comum”? Este ponto,

Bagno explica em sua obra A Língua de Eulália, mostrando que a linguagem do

Português Não-Padrão não é irreal e ilógica, mas apenas que os falantes fazem uso de

outra gramática, já que as regras da Gramática Tradicional são complicadas para eles,

tanto para a escrita como na fala.

Observando o comportamento lingüístico da sociedade, o que se nota é que quase

irreal mesmo é o uso da norma padrão, onde não é utilizada nas rodas de amigos, entre

familiares e vizinhos, mas apenas em situações de formalidade e mesmo assim não é

utilizada em sua totalidade. As crianças estudam na escola, mas quando retornam à sua

comunidade não conseguem transpor para a mesma as conjugações verbais, a próclise, a

ênclise e muito menos a mesóclise. Buscam formas mais simples e fáceis para se

comunicar o mais rápido possível, como é o caso dos meios tecnológicos (rádio,

televisão, computador) e redes sociais da internet (MSN, orkut, facebook, twitter, etc.).

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A norma culta é, em sua maioria, a preocupação dos falantes para se fazer o modelo de

redação ideal para o vestibular e responder às questões do mesmo, como também de

outros tipos de concursos, em ambientes mais formais, que exigirão muito mais dos

estudantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Variações Linguísticas, conforme os exemplos apresentados, dizem respeito a

uma característica cultural e social dos falantes brasileiros, já que o Brasil é uma fonte

de pluralidade linguística, onde a Língua Portuguesa não se limita apenas a uma região

geográfica e dentro desta mesma é possível encontrar diferentes linguagens, dialetos e

idioletos, mostrando a individualidade de seus habitantes.

Muitos gramáticos não aceitam o fato das pessoas utilizarem o Português Não-

Padrão por este estar em desacordo com a Gramática Normativa e tratam do assunto

com indiferença, como também muitas pessoas que, por não conhecerem essas

manifestações linguísticas, distintas das ensinadas na escola acreditam que são erros e

distorções da Língua Portuguesa, mas mesmo que não admitam ou, simplesmente não

tenham conhecimento do assunto, essa outra gramática possui regras próprias, que os

indivíduos conseguem compreender, pois não foge à comunicação.

Dessa forma, as Variações Linguísticas devem ser explanadas pelo professor de

Língua Portuguesa em sala de aula para que seus alunos, que fazem uso do Português

Não-Padrão, tenham conhecimento e não pensem que a forma a qual falam é incorreta e

sem lógica. Algumas escolas têm adotado livros que apresentem o tema, mas são

resumidos, com poucas explicações. Os alunos não estudam a fundo as variedades e o

motivo o qual existem, enquanto que o professor deveria explicar todo o processo

linguístico e acrescentar para a aprendizagem dos alunos, tendo como objetivo principal

ensiná-los a adequar a linguagem nos mais diversos meios social.

A norma culta, sem dúvida, é necessária para que os estudantes respondam às

expectativas do mercado de trabalho e que possam utilizar o código linguístico em

situações que requeiram formalidade, mas é preciso que os falantes que fazem uso de

variações não se sintam e nem sejam estigmatizados pela sociedade por conta do

Preconceito Linguístico e não desprezar a linguagem não-padrão é uma tentativa de

reduzir tal preconceito, que se instaurou na mente das pessoas.

Page 10: A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO EIXO DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Aprender a lidar com as diferenças linguísticas é saber educar. Não se pode

abandonar a norma culta, pois é uma exigência profissional, mas o professor precisa

balancear os conteúdos e preparar seu aluno para enfrentar os desafios futuros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 11ª ed. – São Paulo:

Contexto, 2001

______________. Português ou brasileiro?: um convite à pesquisa. 3ª ed. – São

Paulo: Parábola, 2001

______________. O preconceito linguístico – o que é, como se faz. São Paulo:

Loyola, 1999

CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução à uma filosofia da cultura

humana. São Paulo: Martins Fontes, 2001

NEVES, Maria Helena de. Que gramática estudar na escola? São Paulo: Contexto,

2003

VILELA, Mário e KOCH, Ingedore G. V. Gramática da Língua Portuguesa –

Gramática da palavra – Gramática da frase – Gramática do texto/discurso.

Coimbra: Livraria Almedina, 2001