a poesia dos simples arte popular e nacao no estado novo

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Etnográfica vol. 11 (1) (2007) Miscelânea e dossiê "Usos da ruralidade" ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Vera Marques Alves “A poesia dos simples”: arte popular e nação no Estado Novo ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Aviso O conteúdo deste website está sujeito à legislação francesa sobre a propriedade intelectual e é propriedade exclusiva do editor. Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digital desde que a sua utilização seja estritamente pessoal ou para fins científicos ou pedagógicos, excluindo-se qualquer exploração comercial. A reprodução deverá mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e a referência do documento. Qualquer outra forma de reprodução é interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casos previstos pela legislação em vigor em França. Revues.org é um portal de revistas das ciências sociais e humanas desenvolvido pelo CLÉO, Centro para a edição eletrónica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - França) ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Referência eletrônica Vera Marques Alves, « “A poesia dos simples”: arte popular e nação no Estado Novo », Etnográfica [Online], vol. 11 (1) | 2007, posto online no dia 26 Setembro 2012, consultado no dia 19 Maio 2013. URL : http:// etnografica.revues.org/1951 ; DOI : 10.4000/etnografica.1951 Editor: CRIA http://etnografica.revues.org http://www.revues.org Documento acessível online em: http://etnografica.revues.org/1951 Este documento é o fac-símile da edição em papel. © CRIA

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Estudos Folclore

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  • Etnogrficavol. 11 (1) (2007)Miscelnea e dossi "Usos da ruralidade"

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    Vera Marques Alves

    A poesia dos simples: arte popular enao no Estado Novo................................................................................................................................................................................................................................................................................................

    AvisoO contedo deste website est sujeito legislao francesa sobre a propriedade intelectual e propriedade exclusivado editor.Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digitaldesde que a sua utilizao seja estritamente pessoal ou para fins cientficos ou pedaggicos, excluindo-se qualquerexplorao comercial. A reproduo dever mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e areferncia do documento.Qualquer outra forma de reproduo interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casosprevistos pela legislao em vigor em Frana.

    Revues.org um portal de revistas das cincias sociais e humanas desenvolvido pelo CLO, Centro para a edioeletrnica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - Frana)

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    Referncia eletrnicaVera Marques Alves, A poesia dos simples: arte popular e nao no Estado Novo, Etnogrfica [Online],vol. 11 (1)|2007, posto online no dia 26 Setembro 2012, consultado no dia 19 Maio 2013. URL: http://etnografica.revues.org/1951; DOI: 10.4000/etnografica.1951

    Editor: CRIAhttp://etnografica.revues.orghttp://www.revues.org

    Documento acessvel online em: http://etnografica.revues.org/1951Este documento o fac-smile da edio em papel. CRIA

  • A poesia dos simples: arte popular e nao no Estado Novo

    Vera Marques AlvesNos anos 30 e 40 do sculo XX, o Secretariado da Propaganda Nacional rgo mximo da propaganda do regime de Salazar desenvolveu um largo conjunto de iniciativas folcloristas que marcaram a memria crtica do Estado Novo. Este artigo sonda os limites de uma interpretao que reduz tal poltica a um instru-mento de domesticao do povo, mostrando que nos mecanismos de afirma-o da nao, dentro e fora das fronteiras portuguesas, que podemos encontrar a explicao mais pertinente para a campanha etnogrfica ento empreendida. E em funo de tal proposta que abordaremos ainda os processos de mani-pulao e seleco dos materiais da cultura popular a implicados, mostrando como, atravs dos mesmos, o SPN / SNI veiculou um retrato do pas baseado na imagem do povo portugus enquanto campons-esteta.

    PAlAvrAS-chAvE: Estado Novo, SPN/SNI, Antnio Ferro, arte popular, nao, campons-esteta.

    ArtE PoPulAr E NAo NA PoltIcA FolclorIStA do SPN / SNI

    Entre as ideias que constituem a memria crtica do Estado Novo portugus, est a de um regime criador de perfis idlicos da nao, encenador do mundo campestre das aldeias, inventor de ranchos folclricos e de galos de Barcelos. como se sabe, um dos principais contributos para a construo dessa ima-gem foi dado pelo Secretariado da Propaganda Nacional, o rgo mximo da propaganda do regime, criado em 933 e dirigido durante os primeiros dezas-seis anos por Antnio Ferro, figura proeminente do primeiro modernismo, escritor e jornalista. de facto, desde o incio da sua actividade que o Secre-tariado da Propaganda Nacional, tambm conhecido por SPN e mais tarde

    Este artigo e o texto da comunicao que lhe serviu de base resultam da investigao desenvolvida no mbito da realizao de uma tese de doutoramento que foi objecto de uma bolsa concedida pela Fundao para a cincia e a tecnologia ao abrigo do Programa Praxis XXI.

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    por SNI (Secretariado Nacional da Informao, cultura Popular e turismo), desenvolveu uma poltica folclorista sistemtica e continuada no tempo, com repercusso a nvel interno e fora das fronteiras portuguesas. Ao longo dos anos 930 e 940, organizou vrias exposies de arte popular, promoveu o concurso da aldeia mais portuguesa, editou livros de temtica etnogrfica, lanou espectculos e palestras com dana e msica populares, tentou esta-belecer um estilo decorativo contemporneo inspirado nos motivos rsticos, criou os Bailados verde-Gaio, companhia de dana marcada por um repert-rio de cariz folclrico, fundou o museu de Arte Popular, etc. Este texto tem como propsito identificar alguns aspectos da imagem da cultura popular e do povo portugus que tais iniciativas ajudaram a criar e a veicular, avaliando os processos de apropriao, recriao e seleco dos materiais etnogrficos subjacentes s mesmas.

    mas, antes de mais, interessa tecer algumas consideraes em torno do que estaria em jogo nesta poltica folclorista. muitos dos estudos que abor-dam as prticas etnogrficas do SPN / SNI colocam-nas no plano de uma pol-tica de cultura popular, ou seja, de uma poltica de distraco do povo, cujo objectivo principal seria o de controlo do potencial de descontentamento dos mais desfavorecidos, permitindo assim que a ditadura se legitimasse junto das massas. Para dar um exemplo elucidativo do que foi, e em muitos casos ainda , a vulgarizao deste tipo de aproximao, remeto para um artigo de manuel cadafaz de matos (984: 30), no qual se afirma que uma das prin-cipais preocupaes do SPN teria sido a de fomentar a criao de ranchos folclricos (...) a fim de que o nosso povo se divertisse grande e francesa e se alheasse dessas coisas fastidiosas da poltica que deveriam ser s para os polticos. Num texto mais recente, mrio vieira de carvalho (996: 649), referindo-se tambm promoo dos ranchos folclricos por parte do Secre-tariado, bem como ao concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal de 938, fala da formao de uma ideologia identitria cujo objectivo seria o de criar o autocontentamento conformista, e alimentar a submisso da grande massa da populao ao poder instalado. uma espcie de alternativa, sugere ainda o autor, s campanhas educacionais encetadas pela repblica, mas que, ao contrrio destas, promoveriam o atraso rural, a pobreza e o anal-fabetismo.

    So afirmaes que interpretam as iniciativas folcloristas do Secretariado em funo de um modelo geral de explicao, segundo o qual o poder pol-tico utiliza a cultura popular para adaptar e regular as condutas e modelar as mentalidades daqueles mesmos dos quais ela saiu (Besnard 979: 62). mas, simultaneamente, tais asseres desdenham um conjunto de factos que caracterizam as iniciativas referidas. Em primeiro lugar, deve dizer-se que a poltica do SNI em relao aos ranchos folclricos, sempre to evocada, muito mais caracterizada pela ambiguidade, e at por algum distanciamento, do que

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    pelo puro incentivo.2 mas, mais importante, convm esclarecer que, quando olhamos para o conjunto das prticas etnogrficas em causa e, em especial, quando damos ateno aos seus pblicos , apercebemo-nos (e isto apesar de alguma retrica populista que acompanha estas iniciativas), que o seu objectivo principal no era distrair o povo ou mesmo inculcar os valores do regime entre as camadas populares. o que observamos, com efeito, que as iniciativas do SNI em torno da arte popular no se desenvolveram de forma nenhuma nos limites dos meios rural e proletrio, dirigindo-se amide s classes mdias e camadas mais altas da sociedade portuguesa, e escolhendo, para se mostrar, em vez das reas perifricas, os ambientes urbanos e mesmo cosmopolitas. E, a par dos eventos desenvolvidos intramuros alguns dos quais, como o centro regional da Exposio do mundo Portugus, alcanaram grandes audincias , muitas dessas iniciativas eram oferecidas a pblicos estrangeiros, havendo, tambm a, uma forte presena das elites. uma das marcas da poltica folclorista promo-vida por Antnio Ferro , de facto, a sua orientao para o exterior, havendo uma preocupao constante em levar a arte popular portuguesa a outros pa-ses, o que acontece, logo em 935, com a exposio organizada em Gene-bra junto da Sociedade das Naes, nos pavilhes portugueses da Exposio Internacional de Paris de 937 e da Feira mundial de Nova Iorque de 939 e, finalmente, em madrid, no ano de 943, e em Sevilha e valncia, no ano seguinte.

    como j tive ocasio de observar num outro texto (cf. Alves 2003), as ten-tativas de explicar o folclorismo oficial do regime raramente tm em conta as iniciativas levadas a cabo no estrangeiro, as quais, quando muito, so vistas como experimentaes do que feito intramuros, sendo a sua anlise diluda no estudo das formas de inculcao da ideologia ruralista e conservadora do regime e da sua legitimao domstica. E, no entanto, as razes que impeliram o Secretariado a levar tantas vezes a arte popular a outros pases so, a meu ver, aquelas que esto subjacentes a toda a poltica folclorista desenvolvida por este organismo. A saber, o processo de construo da identidade nacional e de afirmao da nao atravs da cultura popular. A arena internacional cons-titui, de facto, um terreno fulcral para a afirmao das nacionalidades. E se, como defende orvar lfgren (989:2), o culto dos sentimentos de pertena nacional no seio de um determinado pas da mxima importncia nos modos

    2 At meados da dcada de 940, os contactos entre o SNI e os ranchos folclricos parecem ser pontuais. Foi preciso chegar a 947 catorze anos sobre a criao do SPN para que este organismo desse incio a uma poltica consistente dirigida a tal rea da revitalizao da cultura popular, promo-vendo concursos e espectculos e apoiando exibies. mesmo nessa altura, todavia, ao contrrio de uma aco larga de incentivos, a postura do Secretariado consistiu sobretudo na seleco e definio de um conjunto reduzido de agrupamentos que utilizava nas suas iniciativas e apoiava em deslocaes ao estrangeiro. Para uma primeira reflexo em torno dos traos ambguos da aproximao do SNI aos grupos folclricos, ver Alves (2003: 98-203).

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    de construo da nao, a comunicao externa ocupa tambm a um lugar decisivo. Entende-se, nesse sentido, que a prova de uma identidade nacional incua se restringida s prprias fronteiras e que uma nao s se consegue afirmar se for aceite enquanto tal pelas restantes comunidades nacionais. a necessidade de tal reconhecimento que explica, por sua vez, a relevncia de eventos como as exposies universais para a afirmao das naes (cf. lfgren 993: 68). Podemos portanto dizer que, quando Antnio Ferro escolhe a arte popular para representar Portugal extramuros, nomeadamente nos certames internacionais, e faz das audincias estrangeiras um dos principais alvos da poltica folclorista desenvolvida pelo SNI, est a destacar a funo identitria de toda a sua campanha etnogrfica. o que, alm do mais, se torna ntido nos diversos discursos e textos que acompanham tais iniciativas, saturados de referncias ptria e nos quais a arte popular era apresentada como uma ema-nao directa da alma da nao. , alis, ao analisarmos os escritos de Ferro, ainda dos anos 20, que tal projecto adquire maior evidncia. Por essa altura, o jornalista e reprter internacional est verdadeiramente obcecado com a falta de projeco externa da imagem de Portugal e precisamente nas exposies internacionais que v a soluo para escapar a tal condio. E o que ainda mais esclarecedor ento que ele defende que deveramos escolher a arte popular para a representar o pas. leiam-se, a ttulo ilustrativo, algumas pas-sagens de um artigo seu publicado em 929:

    As naes renem-se, de quando em quando, em assembleia geral, para demonstrarem umas s outras o seu adiantamento, o seu carcter, a fora do seu povo, o seu progresso. Estas assembleias so as exposies interna-cionais. As ptrias vivas do contas civilizao do que tm feito, do que se preparam para fazer. Pretextos, ocasies nicas para reabilitar uma nao caluniada, um povo que se fixou na memria dos outros como um povo atrasado. Eu no me esqueo de que principiei a admirar profundamente o mxico assustador das revolues e das bombas, cujo nome ainda hoje um rastilho, desde que o vi na exposio do rio de Janeiro, desde que entrei no seu admirvel pavilho azteque, decorado audaciosamente por montenegro (...). E a palavra mxico, no ficheiro da minha memria e da minha sensibi-lidade, passou desde ento, a evocar outra ideia de progresso e de bom gosto, de cultura, de esprito, de raa, de largueza (...). A impresso vai alastrando e no tardar o dia em que se faa justia completa aos mexicanos (...). E essa reabilitao ser uma consequncia directa das exposies internacionais.

    o que se est dando com o mxico, principiou a dar-se connosco em Sevilha (...). todos os que foram exposio Ibero-Americana e que tenho cruzado no meu caminho, nos corredores dos comboios, nas mesas vizinhas dos restaurantes, na atmosfera oficial e mundana dos banquetes do ritz

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    espanhis, franceses, sul-americanos, gente de todas as raas falam do nosso pavilho com um entusiasmo que no engana (...) E Portugal, em Sevilha, pelo menos, deixou de ser o pas das revolues, para ser o pas que levantou, em meia dzia de meses, o lar mais acolhedor da exposio (Dirio de Notcias, 4 de Junho de 929).

    E, algumas linhas adiante, define aquilo que Portugal deve mostrar neste tipo de certames, quase que enunciando o que viria a ser a configurao dos pavilhes erigidos na Exposio Internacional de Paris em 937 e na Feira mundial de Nova Iorque em 939:

    Se no podemos levar mquinas, nem automveis, nem avies, se no podemos teatralizar a nossa exposio com (...) modelos de comboios e paquetes (...) porque no fazer uma parada de indstrias regionais, tapetes, moblias, faianas tudo quanto nos d carcter, todas essas coisas pobres que so a riqueza, afinal, da alma de uma nao? o mundo no nos conhece precisamos antes de mais nada dar-lhe o nosso retrato (id., ibid.).

    dar um retrato de Portugal ao mundo eis uma dimenso crucial do pro-grama que Ferro vai tentar concretizar atravs da poltica folclorista que desen-volve enquanto director do SPN / SNI. Este programa manifestar-se-, entretanto, noutras vertentes que no apenas a presena nas exposies internacionais. Antnio Ferro vai, nomeadamente, colocar a arte popular ao servio da criao daquilo a que chamava uma nova fachada para Portugal (cf., por exemplo, Ferro s.d.: 23), fixando-se num plano que tem a marca modernista do seu trajecto pessoal e que visava transformar a prpria fisionomia do pas. o objectivo era fazer emergir uma nao civilizada e moderna, mas detentora de uma srie de signos distintivos que relevariam de uma identidade nica. Neste mbito, h um trabalho de modernizao e, simultaneamente, de aportuguesamento de Portugal, que se dirige sobretudo s classes mdias, ou seja, e seguindo a definio sugerida por Joel Serro a propsito da sociedade portuguesa nas primeiras dcadas do sculo XX, ao grupo constitudo em grande parte pelos que comem mesa do oramento servidores militares e civis do Estado pelos comerciantes mdios, pelas profisses liberais (mdicos, advogados, escritores, jornalistas, actores, etc.), cujo peso grande e decisivo nas cida-des, sobretudo em lisboa, capital do Estado-providncia (978:42). Aqueles, afinal, com disponibilidade financeira e apetncia cultural para um conjunto de prticas como o consumo de arte ou o turismo que os transformava nos potenciais agentes da renovao esttica que o SNI pretendia implantar. A palavra de ordem era a modificao do gosto que deveria integrar referncias da arte popular, ajudando a criar uma arte decorativa e uma arte plstica de feio contempornea, mas de cunho nacional. Ferro encontrava a uma forma

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    adicional de individualizar a nao portuguesa, dando-lhe maior visibilidade face ao exterior. um exemplo evidente desta poltica foi a criao das Pousadas de Portugal em 942, cuja decorao ficou a cargo do SPN: pequenos esta-belecimentos hoteleiros onde o conforto moderno surgia a par da decorao inspirada nos motivos populares; stios que fariam guerra a uma decorao pas-sadista e sem identidade prpria, composta de naperons, reposteiros pesados, colunas e solitrios, substituindo-a por bonecos de barro e olarias regionais, tecidos simples e mveis de trao modernista desenhados pela equipa de pin-tores-decoradores do Secretariado (cf. Ferro 949). A aposta num estilo rstico e moderno abrangeria tambm espaos como os restaurantes, os cafs e mesmo os interiores domsticos das classes mdias. Nas pginas da Panorama revista criada pelo SPN em 94, que contemplava os tpicos caractersticos do uni-verso magazinesco (livros, viagens, lazer, personalidades, arte e decorao), embora limitando-os ao espao nacional deparamo-nos com vrios exemplos ilustrativos desse projecto de renovao esttica.3 J no discurso de abertura do centro regional, Antnio Ferro acentuava a importncia desta faceta da sua poltica folclorista, dizendo:

    No domnio das coisas do Esprito (...) possumos esta aspirao defi-nida: a renovao do gosto em Portugal: todas as nossas iniciativas, desde uma exposio de quadros a uma exposio de montras, buscam essa finali-dade (...) [E] para essa campanha vamos ns buscar precisamente, as nossas melhores armas. o povo, sempre o povo, o melhor mestre nesta matria (...). Pudssemos ns trazer para a vida corrente, para a decorao dos nos-sos lares, filtrada pela viso dos artistas, as linhas, as formas, as cores da arte popular portuguesa e teramos dado um grande passo na revoluo do gosto em Portugal. quando nos dedicamos portanto, com tanto entusiasmo, (a esta causa) no pela aspirao infantil de brincar com bonecos ou pela aspirao legtima de desenvolver os nossos estudos etnogrficos. , antes, porque a nossa arte rstica a grande fonte do bom gosto nacional. (Novi-dades, 3 de Julho de 940)

    3 Entre os casos de arranjos interiores que mereceram a ateno da Panorama encontra-se a casa da quinta de Fios em Azeito, decorada no princpio dos anos 40 por tom, que ter utilizado os estilos tradicionais do pas e os prprios materiais das regies (...) para o desenho e construo do mobilirio (...) e para os objectos de uso e ornamentao. o mesmo artigo defendia entretanto o recurso aos modelos da arquitectura moderna na construo das casas de veraneio, por oposio aos chals e outros casares inestticos que durante largos anos se foram construindo por essas praias e campos do pas (...)(em uma casa de campo modelar, Panorama, n. 0, 942, 2-3). outro exemplo o da casa do Eng. Pedro de oliveira, em carcavelos, apresentada num artigo intitulado como decorar casas de campo? As fotografias que o integram ilustrariam como se tirou o melhor partido de vrios elementos regionais: a manta alentejana de cores garridas, as sanefas, pendentes e almofadas, a carpete de buinho do Algarve, as madeiras de ulmo e pinho nacionais e as aplicaes em ferro forjado nos mveis. ((Panorama, n. 27, 946)

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    Ao inaugurar a exposio 4 Anos de Poltica do Esprito, Ferro congra-tulava-se com o xito de tal desiderato, afirmando que a obra do SPN chega at a influenciar os que a negam e que, sem perceberem como, j preferem agora a jarra de Estremoz ao triste solitrio, o azulejo de motivos populares que apareceu pela primeira vez no Pavilho de Paris ao azulejo banalmente floreado a fingir antigo, a Pousada diferente ao hotel qualquer (...). (Ferro 948a: 8). Esta importncia dada decorao em geral e ao arranjo dos interiores domsticos em particular, confere ainda um alcance suplementar poltica do gosto desenvolvida pelo Secretariado, promovendo aquilo que alguns autores vem como um processo de construo da identidade nacional atravs da integrao dos seus cones na vida do dia-a-dia (cf. Billing 995; lfgren 993: 89; Samuel 989: lx). com efeito, atravs de um novo estilo que usava os objectos e motivos da arte popular portuguesa para adornar os espaos de sociabilidade de certas elites, e nomeadamente as suas habitaes (estilo que, de acordo com Ferro, ia sendo apropriado de forma quase incons-ciente), a evocao da nao insinuava-se na rotina diria das classes mdias, grupo particularmente predisposto a frequentar as pousadas ou a investir na decorao domstica.4 Em ltima anlise, a poltica folclorista do SNI trans-formava o apego casa numa forma de afeio pelas coisas nacionais e pela nao.

    As grandes manifestaes de arte popular desenvolvidas intramuros, e que englobam as iniciativas mais emblemticas e mais comentadas da interveno folclorista do SNI, como o centro regional da Exposio do mundo Portu-gus de 940, o concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal, organizado em 938, e o museu de Arte Popular, inaugurado em 948, devem tambm elas ser interpretadas como parte deste processo de construo da identidade nacional: associadas a um discurso de forte exaltao da ptria, abrangendo amplas audincias, nomeadamente atravs da larga divulgao veiculada pela imprensa, tais eventos constituram momentos altos de celebrao da nao entre os portugueses.

    Em suma, podemos vislumbrar, na poltica folclorista do SNI, trs planos (profundamente relacionados entre si) de utilizao da arte popular enquanto idioma de afirmao nacional. um plano que se centra em iniciativas orientadas

    4 Se recuarmos viragem do sculo XIX para o sculo XX, percebemos que a decorao da casa um valor socialmente circunscrito. So as classes mdias que lhe do importncia enquanto forma de afirmao e de realizao pessoal (cf. clarke 200: 24; Frykman e lofgren 987: 26). No h estu-dos sobre os contornos histricos, culturais e sociais das formas de consumo ligadas decorao em Portugal. Pensamos, no entanto, que no ser abusivo pensar-se que, nos anos 40, a sensibilidade para a apropriao de novos gostos no arranjo da casa estivesse associada a grupos sociais privilegiados, detentores de um capital econmico e simblico que os predispunha a tais prticas culturais. o facto de a revista Panorama devotar uma to grande importncia s casas de campo, torna ainda mais evidente que esses mesmos grupos mereciam uma clara ateno por parte do SNI.

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    para o estrangeiro, e em particular nas exposies internacionais; uma segunda instncia que se relaciona com a utilizao das referncias populares na cria-o de um estilo artstico contemporneo de cariz nacional e atravs do qual se tenta imprimir uma nova fisionomia ao pas; e, por fim, uma dimenso que se materializa em manifestaes de celebrao da ptria de grande impacte nacional. A imagem da cultura popular construda pelo Secretariado aspecto que vou abordar de seguida releva deste projecto de construo identitria, nas suas vrias facetas. A sua eficcia poltica, v-lo-emos adiante em traos breves, passar muito pela forma como a mesma vai contribuir para a veicula-o de uma ideia de Portugal enquanto pas de camponeses-estetas, indo assim ao encontro quer das necessidades de legitimao de um regime nacionalista, conservador e anti-luta de classes que beneficiava sem dvida de um modelo espiritual do povo e do retrato pacificado e amorvel da nao que tal modelo suscitava quer do desgnio mais amplo de afirmao de um carcter nacional supostamente nico no seio de uma Europa em crescente efervescncia nacio-nalista.

    ASPEctoS dA EStEtIcIzAo dA culturA PoPulArNoS cErtAmES EtNoGrFIcoS do SEcrEtArIAdo

    toda a poltica que o SNI organiza em torno da arte popular portuguesa, parte de um vasto patrimnio de apropriao das tradies demticas que se desenvolve ao longo do sculo XIX com as exaltaes romnticas e nacionalistas do popular. muitos aspectos da representao do povo portugus que encon-tramos nas prticas e nos discursos etnogrficos desenvolvidos pelo Secre-tariado da Propaganda Nacional relevam dessa herana e de um padro de aproximao cultura popular que se foi estabelecendo tambm no sculo XX; um padro no qual predominante a ideia de que nos rurais mais prximos de uma natureza supostamente purificadora, presos a instintos e sentimentos intactos (cf. Bendix 997: 6) que encontramos a verdadeira essncia da ptria. tambm de acordo com esta perspectiva, as multides da cidade, as chamadas classes trabalhadoras, tidas como licenciosas, dadas ao crime e s lutas sociais, no so vistas como fazendo parte do povo.5 Este um discurso que existe pelo menos desde herder, para quem, como lembra Peter Burke, a multido das ruas, que nunca canta ou compe, antes guincha e estropia, no o povo (98: 29). A cultura popular mostrada pelo SNI tambm a cultura do mundo rural e, quando fala do povo, Antnio Ferro fixa-se nos habitantes das vilrias e das aldeias, o oposto do que ele chama o povo retrico, o povo

    5 Ao agir em nome da cultura popular, defende Ernest Gellner, a vida saudvel, pura e vigorosa dos camponeses (993 [983]: 9) que o nacionalismo glorifica, e no o universo popular no seu todo.

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    discurso, falsamente povo, mascarado de povo (Dirio de Notcias, 5 de Junho de 936), referindo-se assim s massas dos grandes centros urbanos, mais facil-mente permeveis propaganda poltica e s revoltas sociais. o concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal exprime, talvez melhor do que qualquer outra iniciativa do SPN, esta apologia das simples e pequenas comunidades campesinas, alegadamente resguardadas das influncias nocivas da cidade (cf. Brito 982; Flix 2003).

    o culto generalizado do campons que envolvia no apenas a ideologia nacionalista, mas muita da produo intelectual do sculo XIX e princpios do sculo XX conduzia, entretanto, a um outro nvel de depurao, que passava pela obliterao de tudo o que de pretensamente nefasto existiria no mundo rural. como observa Augusto Santos Silva em obra dedicada aos processos de construo moderna da cultura popular, a identificao do popular com o campons (...) bastante selectiva, resultando de uma leitura das condutas populares segundo os critrios de avaliao moral e esttica sedimentados no processo de civilizao. (994: 04). No se trata, pois, apenas da rejeio da cultura das camadas populares urbanas, mas tambm da construo de um retrato idlico da vida nos campos, no qual no cabe a figura do campo-ns enquanto fora de trabalho, ou os conflitos sociais e a violncia inerentes vida agrria; um retrato que transforma os indcios de misria numa ima-gem benvola da pobreza, conotada com a simplicidade e o desprendimento dos bens materiais. trata-se de um quadro geral comum s prticas e aos discursos etnogrficos que se encontram associados aos movimentos nacio-nalistas dos mais diversos contextos e que as iniciativas do SNI reproduzem plenamente.6

    No caso da poltica folclorista do Secretariado, o retrato idlico do campons passa sobretudo por uma forte esteticizao e embelezamento dos materiais da cultura popular. Para alm de apresentar uma imagem dos campos depurada

    6 Entre os inmeros casos que ilustram a idealizao do rural por parte das prticas e dos discursos etnogrficos associados afirmao nacionalista, assinalamos aqui apenas trs contextos exemplifi-cativos: em busca da eterna alma nacional, a etnografia grega de oitocentos veiculava a ideia da vida camponesa como s, simples e serena, por oposio ao poludo mundo moderno (damianakos 985). Na Sucia da viragem do sculo, por sua vez, o culto do campons enquanto representante de tudo o que haveria de genuinamente nacional materializava-se nos clebres dioramas do museu Nrdico, onde os rurais apareciam sempre vestidos nos seus mais belos trajos de domingo, apagando-se todos os sinais de impureza, sujidade e fumo das reconstituies das cenas domsticas da vida popular a patentes (hellspong e Klein 994: 25). tambm nas verses da identidade inglesa das primeiras dcadas do sculo XX, predominava a ideia de que a essncia da nao residia nas pequenas aldeias rurais e nos seus inocentes habitantes, camponeses imunes a ideologias, conflitos e lutas sociais. uma imagem para a qual ter contribudo decisivamente o movimento de revivalismo folclorista dos anos 0 que, atravs do trabalho de recolha de cecil Sharp, reuniu um conjunto de canes populares desprovidas de quaisquer referncias a clivagens entre classes ou a temas polticos mais recentes do que as guerras napolenicas. (cf. Boyes 993: 70-7 e 98).

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    de sinais de misria, sujidade ou fealdade, a cultura popular transformada em objecto de contemplao e comprazimento esttico, aspecto que, s por si, tende a anular qualquer pensamento relativo aos constrangimentos e difi-culdades por que passavam os trabalhadores rurais nos anos 930 e 940.7 As iniciativas etnogrficas do Secretariado participavam, assim, do universo moderno e altamente imagtico de que o SPN foi grande promotor com os seus concursos de montras, de cartazes e de estaes floridas,8 e atravs dos quais Antnio Ferro tentava transformar as cidades e o pas em geral numa grande fachada de bom gosto captvel ao primeiro olhar (ver supra). os coment-rios jornalsticos da altura so, alis, bem elucidativos sobre o forte impacte visual que os certames de arte popular do SNI suscitavam. A Exposio de Arte Popular organizada em 936, por exemplo, era anunciada como uma gigan-tesca tela polcroma e uma sinfonia de cor (Dirio da Manh, 4 de maio de 936), e as reportagens sobre o centro regional da Exposio do mundo Portugus de 940 seguem o mesmo registo, descrevendo os seus pavilhes como palcios de arte e de bom gosto e falando de salas repletas de beleza, ordenadas, em que as maravilhas se sucedem s maravilhas (...). (O Sculo, 3 de Julho de 940). A importncia da equipa de pintores-decoradores do SPN na organizao das iniciativas folcloristas do Secretariado, e as frmu-las modernistas de pendor esteticizante por eles usadas na apresentao dos materiais etnogrficos (cf. e.g. Santos 995: 465), so outro testemunho das fortes preocupaes de Ferro em relao ao arranjo decorativo dos certames de arte popular.

    tambm o concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal foi sobretudo um pretexto para um vasto conjunto de encenaes da cultura popular, que transformaram as povoaes concorrentes em quadros de pura contemplao. Apesar de se deslocarem ao campo, Ferro e o seu squito no se depararam com as localidades no seu quotidiano, mas sim com uma sucesso de elabora-dos frescos da vida alde propositadamente criados para o efeito.9 Por isso o director do SPN afirmaria que o concurso correspondera ao desejo de trans-formar Portugal rstico numa constante exposio viva de arte popular (Ferro 947: s.p.) Esta iniciativa acabou por ser, de facto, mais uma das vrias expo-sies de arte popular criadas pelo SPN / SNI; um centro regional antecipado,

    7 Este um facto analisado por vrios autores a propsito de exposies etnogrficas e festivais de folclore noutros lugares, e em pocas mais recentes. como sublinha Barbara Kirshemblatt-Gimblett (99: 428), um dos traos marcantes de tal tipo de evento , precisamente, a forma como a espec-tacularizao das manifestaes culturais a desenvolvida tende a apagar os traos de conflito e de marginalidade inerentes s comunidades assim representadas. Sobre as precrias condies de vida nos campos portugueses durante as dcadas de 930 e 940, ver rosas (994: 48-59).8 Para um panorama sinttico destas iniciativas, ver henriques (990: 55-56).9 Sobre alguns aspectos do processo de encenao a que, por exemplo, a aldeia de monsanto foi sujeita durante o concurso, ver Brito (982: 523) e Alves (997: 25-52).

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    onde as aldeias surgiam como cenrios de si mesmas, arranjadas para um grupo restrito de visitantes. os seus habitantes foram reduzidos a componentes de uma espcie de life group: apesar de estarem nas suas terras e nas suas casas, foram integrados em cenas cuidadosamente estudadas para se tornarem num objecto de observao e deslumbre. os relatos das visitas que o SPN fez a algu-mas das aldeias concorrentes revelam bem o modo como o jri vindo da capital era confrontado, em apenas algumas horas, com uma exaustiva espectaculari-zao da vida rural, que passava por demonstraes de festas e procisses, de trabalho artesanal e agrcola, exibies de danas e cantares, de jogos e trajos, mostras de produtos da zona e de artefactos a produzidos, visitas a interiores domsticos, etc., etc.0

    o pendor esteticizante, to evidente no arranjo cnico dos certames fol-cloristas realizados pelo SPN / SNI, estava entretanto presente na prpria selec-o dos materiais etnogrficos a exibidos. Podemos observ-lo numa primeira aproximao s fontes de arquivo relativas preparao de algumas das expo-sies ento organizadas, bem como do prprio museu de Arte Popular, as quais nos oferecem diversos exemplos da excluso de artefactos em funo de critrios puramente estticos. um dos casos bem reveladores da omnipresena deste crivo nas iniciativas do Secretariado, diz respeito mostra dedicada a monsanto (a povoao vencedora do concurso das aldeias de 938), realizada no estdio do SPN em 942. como tivemos oportunidade de mostrar noutra ocasio (Alves 997: 247-49), ao escolherem os trajos que deveriam figurar nesta exposio, Francisco lage ( frente dos servios de etnografia do SPN durante mais de 20 anos) e Sales viana (erudito albicastrense que colaborara variadas vezes nos certames folcloristas do Secretariado), eliminaram os fatos mais humildes e de menor efeito decorativo, recusando igualmente a exibio de qualquer elemento que revelasse a pobreza extrema de alguns monsanti-nos. tambm aquando dos preparativos da Exposio do trajo regional de viana do castelo, realizada em 945, e ao ser confrontado com uma primeira

    0 repare-se na descrio da apresentao de Peroguarda, aldeia do Baixo Alentejo, ao jri nacional, oferecida por um jornal local da altura:

    s doze horas chegou a comitiva Aldeia de Peroguarda, sendo recebida entre aclamaes fren-ticas, estralajar de foguetes, ao som de A Portuguesa tocada pela banda de Beringel (...).Seguiu-se a visita Exposio de Artes e Indstrias populares regionais; a parada de carros regio-nais e alfaias agrcolas (...); o almoo regional servido ao ar livre na bela e aprazvel quinta do Ex.mo Senhor Jos manuel Sevinate; apresentao de ranchos de azeitoneiras, ceifeiras e pastores em trajos regionais; cantares alentejanos e modas alentejanas, cantares ao desafio viola; recitativos por um ceguinho e analfabeto; danas regionais de polqueado e marcadinho e exibio de um exmio tocador de concertina; visita ao interior de algumas casas; inspeco de mobilirio regional, forno de freguesia, etc., etc. (...)Pelas seis horas retiraram para vora o Ex.mo Jri e a sua comitiva, sendo na despedida afectuosa-mente aclamados pelo povo e largamente saudados com muita gratido e simpatia. (Notcias de Beja, 8 de outubro de 938, cit. em roque 940: 25-26).

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    seleco de peas, Francisco lage peremptrio na rejeio dos itens menos vistosos da indumentria daquela regio minhota:

    No ser possvel organizar-se uma Exposio visualmente equilibrada com tudo o que aqui est, do que resultaria em certos aspectos, um grande amontoado de roupas de uso. quero referir-me, principalmente abundncia de camisas brancas. o branco j de si muito difcil de expor valorizando--se, e nesta quantidade pior ainda. h outros pormenores que tambm no interessam demasiado, pois no devemos perder de vista que se trata de uma Exposio e no de uma Seco de museu.

    Apesar de lage distinguir os pressupostos que deveriam presidir montagem de uma exposio daqueles subjacentes organizao de um espao museol-gico, poucos anos depois, j no mbito da aquisio de peas para o museu de Arte Popular instituio que tem subjacente uma relao ambgua com a etno-grafia da poca ,2 podemos constatar alguns casos em que a escolha dos objec-tos depende mais uma vez do seu potencial decorativo. o que est patente nos comentrios de Francisco lage a propsito de um tabuleiro de tomar que havia sido encomendado atravs da cmara municipal daquela localidade, e em rela-o ao qual lage se mostra altamente insatisfeito, queixando-se, justamente, de uma concepo decorativa demasiado montona3 e de uma execuo pouco feliz4 por parte da artes que fora encarregue de o manufacturar, devido escolha de flores de uma nica cor. com esta decorao uniforme de cor azul, argumentava lage, o tabuleiro resulta frio no sendo possvel a sua valorizao na sala a que estava destinado (...).5A orientao esteticizante aqui patente, acaba, entretanto, por impregnar a prpria forma como o SNI define aquilo que a cultura popular portuguesa genuna, o que se percebe, por exemplo, nas dissertaes de Francisco lage acerca do mobilirio regional:

    Pelo hbito de se falar em mobilirio regional portugus tem-se a engana-dora ideia de que ele tem existncia real e pode adquirir-se, o que no sucede de facto. Exceptuando o mobilirio da casa rstica das provncias portuguesas, que

    ofcio n. 87 / 320 de 20 de Fevereiro de 945, Arquivo histrico do SPN / SNI (AhS), pasta 320-n. . Note-se que este arquivo foi consultado quando ainda estava em armazm, guarda da Presidncia do conselho de ministros. 2 A propsito do museu de Arte Popular, e comparando-o com aquele que na mesma altura se designava como museu Etnolgico dr. leite de vasconcelos, Jorge Freitas Branco (995: 69) sugere que a a relao a criar entre o poder poltico e o povo, no ser mediatizada por cientistas, mas por artistas. 3 ofcio n. 728-3. Sec. / ref. 323 de 22 de Abril de 948, AhS, pasta 323-n. .4 ofcio n. 727-3. Sec. / ref. 323 de 28 de Abril de 948, AhS, pasta 323-n. .5 Ibid.

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    desempenha a simples funo utilitria, primrio e sem carcter definido, pobre de imaginao construtiva, muito longe de ter um estilo afirmativo e portanto sem qual-quer categoria representativa, nada existe que permita uma utilizao digna. (meus itlicos)

    E, mais adiante, no mesmo documento:

    ora, o que presentemente no existe, porque foi destrudo em largus-sima escala por influncia da moda (...) e muita ignorncia, j existiu entre ns desde o sc. XvI at ao sc. XIX: mobilirio genuinamente nacional, de estilo regional e caractersticas portuguesas, com alto poder decorativo e representativo em qualquer parte, construdo em tradicionais madeiras de castanho, nogueira e espcies exticas provenientes dos nossos domnios ultramarinos (...).6

    quando Francisco lage defendia a inexistncia actual de mobilirio genui-namente nacional, estava, pois, a referir-se apenas a um tipo de mobilirio quele que, na sua perspectiva, teria valor ornamental. os mveis de traos simples e de pura funo utilitria no tinham lugar no quadro geral da cul-tura popular portuguesa erigida pelo SPN / SNI. como no tinha lugar qualquer objecto artesanal enquanto testemunho de um modo de vida ou de deter-minadas relaes sociais ou prticas e valores culturais. Era um quadro que compreendia quase exclusivamente o alto poder decorativo e representativo da cultura material do meio rural, isto , o seu valor esttico, passvel de a transformar em emblema de uma identidade nacional exclusiva.

    os vrios casos que acabmos de comentar a escolha dos trajos para a exposio dedicada a monsanto da Beira, a recusa em exibir roupa de uso (de cor branca) na mostra do trajo de viana do castelo, a rejeio do tabu-leiro de tomar feito com flores de uma nica tonalidade e a desvalorizao do mobilirio das casas rsticas, pobre de imaginao sugerem um padro de aproximao cultura popular, de acordo com o qual, os artefactos e prticas populares que se mostravam vulgares e humildes, montonos ou frios, despro-vidos portanto de poder decorativo e incapazes de causar impacto visual, no eram tidos como representativos da cultura nacional. uma segunda aproxi-mao manipulao dos materiais etnogrficos subjacente poltica folclo-rista do SNI permite, entretanto, perceber o quadro mais global do processo de seleco registado acima, dando-nos a ver as configuraes da cultura popular portuguesa nas quais o Secretariado se concentrou de forma mais recorrente. trata-se de uma abordagem explorada aqui de forma parcial que passa

    6 ofcio n. 637-3. Sec. / ref. 2.247 de 7 de outubro de 952, AhS, Pasta de ofcios da 3. repar-tio-952.

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    sobretudo pela anlise de fontes secundrias constitudas por catlogos das exposies de sntese da arte popular portuguesa e pelos roteiros que as acom-panharam, e de documentao de arquivo relativa a ris de objectos enviados para certas mostras realizadas no estrangeiro. uma via que nos conduzir, finalmente, aos principais traos da imagem do povo portugus veiculada pela campanha folclorista do SNI.

    um GrANdE E vIStoSo SquIto dE PEquENAS coISAS.AS mINIAturAS E o rEtrAto AmorvEl dA NAo

    A primeira impresso que temos quando analisamos alguns dos catlogos das mostras de arte popular do Secretariado, ou os ris de peas enviadas ao estrangeiro no contexto de certames vrios, a de uma insistncia nas miniatu-ras e redues de toda a espcie, como forma de apresentar os artefactos da vida popular. Foi talvez ao confrontar-me com a documentao relativa Exposio de Arte Popular levada a Sevilha em 944, que tal trao se revelou com maior clareza: para a festa que o SPN ento organizou, enviou-se, entre outros objec-tos de tamanho reduzido, 0 pares de chinelinhas de verniz, bordadas a cores (redues), 27 aafatinhos finos de verga branca, 00 canastrinhas de varina (redues), 50 cestinhos poceiros (redues), 50 cestinhas de vindima (redues), 50 tarros pequenos de cortia, 94 bacorinhos de barro negro, 95 bonecos de barro vidrado, 92 bonecos de madeira pintada, reproduzindo diversos tipos regionais estilizados, 345 bonecos de barro pintado de Barce-los, 800 peas de lia de barro negro gravado, modelos diversos (redues).7

    Estamos perante um conjunto vasto de pequenos objectos para oferecer como souvenirs aos visitantes da exposio e a convidados vrios, e no pro-priamente para expor mas, quando examinamos as fontes respeitantes a outros certames de cariz etnogrfico, notamos a presena desta mesma tendncia. As informaes mais completas so fornecidas pela documentao relativa Exposio de Arte Popular de 936, que reuniu cerca de oitocentas peas: de acordo com o seu catlogo, podemos verificar que se exibiram a vrios tipos de redues: modelos reduzidos de embarcaes, de arados e outras alfaias agr-colas, e de carros rurais, redues de construes vrias, como moinhos, casas rsticas e chamins algarvias, e tambm miniaturas de peas de cestaria e de olaria, de mobilirio e de instrumentos de trabalho.8 Simultaneamente, des-tacavam-se nesta mostra uma srie de elementos da arte popular portuguesa que eram miniaturas em si mesmos, como os bonecos de barro de Estremoz, na sua maior parte figurinhas de prespio; os mascatos de Gaia (bonecos das

    7 cf. objectos e artigos destinados a festas da Exposio de Arte Popular Portuguesa em Sevilha (relao), AhS, Pasta SNI / . repartio / . Seco / n. / Assunto 34 / ano 944 / 34030. 8 cf. Catlogo da Exposio de Arte Popular Portuguesa, lisboa, Edies SPN, 936.

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    Figura1Bilhete postal representando um aspecto da Sala de Arte Popular do Pavilhode Portugal na Exposio Internacional de Paris de 937.

    cascatas do S. Joo) ou o figurado de Barcelos, com os conhecidos msicos de banda e as figuras de animais. de Barcelos expunham-se mais de sessenta peas de barro pintado e de Estremoz outras tantas dezenas.9 A grande atrac-o do evento foram, entretanto, os 48 pequenos manequins de sessenta centmetros de altura rigorosamente vestidos com diferentes trajos regionais (cf. A Voz, 6 de Junho de 936). Estes manequins faro, alis, parte de todas as exposies de sntese de arte popular organizadas pelo SNI.

    Para explicar tal insistncia nas miniaturas e nos modelos reduzidos, podera-mos talvez ater-nos a razes de ordem prtica: a representao de barcos ou de carros rurais numa escala real, por exemplo, seria impossvel num espao como o estdio do SPN; por outro lado, os pequenos objectos eram de fcil envio para mostras realizadas extramuros. Imaginamos, contudo, que outras solu-es, como o recurso fotografia ou a espaos de exposio de maior dimen-so, teriam sido possveis. E, com efeito, se seguirmos as propostas de alguns autores, percebemos que esta forte presena das miniaturas nas mostras de artepopular do Secretariado encerra significados culturais precisos. Em La Pense Sauvage (962: 33-35), claude lvi-Strauss d-nos uma primeira pista sobre

    9 cf. ibid,. pp. 39-40.

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    este problema, ao associar as redues (como os jardins japoneses ou os barcos em miniatura) ao prazer esttico: todo o modelo reduzido tem uma vocao esttica (id. ibid.: 34), diz o antroplogo, sugerindo que tal se deve ao compra-zimento que adviria do facto de esses objectos permitirem (ou darem a iluso de permitir) ter uma percepo imediata do todo. tomando em considerao este ponto de vista, podemos dizer que a escolha de miniaturas como forma de representar determinados objectos da vida rural portuguesa pode ler-se, desde logo, em funo de um vector mais vasto de aproximao aos materiais etno-grficos de que j falmos e que tem a ver com uma concepo esteticizante da cultura popular. A miniatura ser talvez a forma perfeita de despertar a emo-o do visitante, constituindo o ndice mximo da esteticizao a que o SNI sujeitou os objectos populares. os testemunhos desse deslumbre provocado pelos certames folcloristas do Secretariado, encontramo-los nas reportagens da poca: um jornalista que visitou a mostra de 936, por exemplo, dizia-se enlevado, beato de encantamento e maravilhado (...) com a beleza das peas expostas (Dirio de Notcias, 5 de Junho de 936). Este texto glosava, afinal, as palavras do catlogo dessa mesma exposio, na introduo do qual lus chaves escrevia:

    observem-se a inquietude e a vibrao do artista nas linhas, nos volumes, nas cres, na vida magnfica das figuras, ou no jogo irisado e to rico da tecelagem policroma (...)

    Entremos de chofre na exposio.temos a comoo das crianas quando vem repentinamente no cu do

    arraial a chuva de mil cores em que se desfazem as girndolas festivas. cor que vibra, vida que estraleja, esfuziante. Sempre a mesma coisa em tudo, e sempre tudo diferente.

    assim porque a arte popular tem essncia decorativa (...).20

    A perspectiva de lvi-Strauss ligando as miniaturas ao comprazimento esttico leva-nos, assim, a relacionar aquilo que apareceu como dado isolado com os restantes elementos que ocupam um lugar proeminente nas exposies de arte popular do SNI e que so escolhidos em funo do seu impacto decora-tivo. Falando, por exemplo, das tecelagens que revestem as paredes das salas da exposio, lus chaves e cardoso marta (os autores do catlogo) descrevem um oceano largo onde se escalonam ou fundem todas as nuanas do arco-ris e aparecem a par de uma grande simpleza de tcnica, uma originalidade de debuxo e uma riqueza de cres incomparveis2. E a propsito dos carros, em particular os da provncia alentejana, exultam:

    20 Ibid., p. 3. 2 Ibid., p. 66.

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    Sulcam a planura alentejana, como nas caravanas da estepe russa, os carros tpicos da regio (...). A temos o carro (...), o da palha, o da lenha e pouco mais. o que neles porm h para admirar, a opulncia dos jaezes, cobrindo o lombo e as ancas dos animais, enfeitadas com desenhos geom-tricos talhados tesoura. dos teares alentejanos saem as cabeadas, cilhas, cabrestos e atafais para arreio do gado de tiro, carga e cavalaria, de tradio mourisca com paralelo em Espanha e que so uma maravilhosa sinfonia de cres, onde sobressai em maior a matiz das ls encarnadas e amarelas.

    v-los passar em ovante cavalgada, a caminho das feiras e romarias do distrito de Portalegre, vora e Beja, mistura com os arreios mais sbrios de pele de cabra e raposa e os ceires de esparto, uma lisonja para a pupila do viajante, um acicate cupidez do etngrafo e do turista, e um deslumbra-mento para o pintor de costumes regionalistas.22

    um estudo de catherine ndiaye em torno do fenmeno da coquetterie (989 [987]), fornece, entretanto, outros dados de relevo que permitem aprofun-dar a nossa reflexo em torno do recurso s redues nas exposies de arte popular do SNI: a autora comea por comparar o gosto pela miniatura aos usos do pormenor, fixando-se nas rendas as quais vm precisamente saciar esse desejo de encontrar a profuso do mais pequeno (ibid.: 98) , e em certas jias verdadeiros monumentos em miniatura (ibid.: 05) , como exemplos con-cretos desse enlace. como sugere ndiaye, a atraco irresistvel pelos peque-nos mundos e o fascnio pelos pormenores constituem parte de uma mesma inclinao: numa miniatura s h pormenores. (ibid.: 06).

    ora, esta ideia alertou-nos para um outro conjunto de peas que foi alvo de um particular enfoque nas mostras do Secretariado e que se destacava pela abundante carga ornamental, pela profuso de motivos e pela delicadeza de formas. o catlogo da Exposio de 936 a este respeito, e mais uma vez, bastante elucidativo: nele figuravam os bordados (de Guimares, de Niza, de viana do castelo) e as rendas (de Peniche, de vila-do-conde) estas apresen-tadas como uma forma de escultura que transforma superfcies em relevos e planos em salincias.23 Surgiam, tambm em lugar proeminente, as filigra-nas objectos da ourivesaria popular profusamente trabalhados que chaves e cardoso marta descrevem como rendas de fio de prata e rendas de fio de ouro.24 mas a seco dedicada s chamadas artes menores (da madeira, da cortia, do osso, do chifre e do papel), integrando mais de duzentas peas, que expe os artefactos de maior exuberncia decorativa. A estavam engloba-dos os objectos da chamada arte pastoril, como as peas de cortia bordadas

    22 Ibid., p. 29.23 Ibid., p. 63.24 Ibid., p. 58.

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    e gravadas, as cornas e polvorinhos de chifre bordados, que se salientavam, segundo o mesmo catlogo, pela opulncia artstica, e os artefactos de madeira decorada, por vezes profusamente entalhada ou lavrada, entre as quais se dis-tinguiam as colheres ornamentadas de desenhos abertos e incisos, com motivos em grande abundncia. Em algumas destas peas, o culto do detalhe e a explo-rao da miniatura apareciam sobrepostos num trabalho de profunda min-cia: o caso de uma colher de madeira, de cabo ornamentado com desenhos abertos incisos, e terminado por duas sineiras e uma figura humana dentro de um nicho, que lhe d forma de torre ou fachada de templo,25 ou ainda de uma surpreendente corna para azeitonas com desvairados desenhos incisos onde se vem figuras humanas, cruzes de cristo, animais, signo-saimo, estrelas, rvo-res, navios, moedas, navalhas, violas, etc., as datas 886, 89 e 896, vrias iniciais e palavras.26 outro conjunto de objectos que se salientava era constitu-do pelas cangas e jugos esculpidos, de formoso lavor,27 bem como os papis recortados e arrendados para ornamentao de doces e castiais. Noutra seco havia ainda as peas de cermica, policromas e com decoraes diversas. os manequins com trajos regionais exibidos nos certames do SPN so um exemplo flagrante dessa associao entre o pequeno e a explorao do detalhe. Ao des-crev-los, as notcias da poca sublinham, justamente, a perfeio e mincia da indumentria(A Voz, 6 de Junho de 936), evocando-os como pequenas obras primas no gnero (Dirio da Manh, 5 de Junho de 936). toda esta orienta-o enfatizada pelo prprio Ferro que, numa cerimnia realizada em 939, evocava a embaixada das nossas bonecas regionais enviada a Genebra quatro anos antes, lembrando como a mesma fora acompanhada por um grande e vistosos squito de pequenas coisas jugos floridos, rocas vistosas, pequenas obras-primas da olaria rstica, mantas, tapetes, ex-votos (...) (947: s.p.).

    tudo girava, enfim, em torno de artefactos que se caracterizavam pela explorao do pormenor, pela excessiva decorao e pela miniaturizao. Esta ligao inextricvel do pormenor e da minatura ter, entretanto, uma leitura que vai mais longe do que aquela que lvi-Strauss sugeria. Seguindo ainda o texto de ndiaye, percebemos que o culto do acessrio proporciona um apego amoroso: o que agrada, o que proporciona a adeso apaixonada, afirma ndiaye, o pormenor, o acessrio (989 [987]: 08). Explorar imagens marcadas pela mincia e pelo minsculo equivale pois a suscitar reaces em que o prazer esttico est associado a um intenso envolvimento emocional. E de facto o discurso que acompanha as iniciativas do SNI diversas vezes atravessado por expresses como amor, ternura ou carinho.28 o enfoque no

    25 Ibid., pp. -2.26 Ibid., p. 3. 27 Ibid., p. 28.28 A propsito do certame de 936, escrevia-se: (...) toda a gente que ontem percorreu a Exposio de Arte Popular Portuguesa, desde o sr. Presidente do conselho ao mais modesto dos [continua]

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    pequeno e no miniaturizado como objecto de afecto tambm intensificado por imagens patentes no discurso de Antnio Ferro e dos seus colaboradores, que infantilizam o universo da cultura popular e dos certames que a represen-tam: o centro regional da Exposio do mundo Portugus, por exemplo, era aclamado pelo director do SPN como o conto de fadas do nosso gnio popu-lar,29 enquanto lus chaves, como vimos acima, no texto de apresentao do catlogo da Exposio de 936 antecipa a reaco do visitante, comparando-a comoo das crianas quando vem os fogos de artifcio. J em 948, o museu de Arte Popular apresentava a sala do minho primeiro espao com que o visitante se deparava e aquele que se destacava pela grande quantidade de objectos de forte impacto decorativo como a caixa de brinquedos de Portugal. o fascnio perante as pequenas peas de arte popular portuguesa, que transforma os que com ela se deparam em crianas embevecidas perante brinquedos e contos de fadas, j tinha sido alis percebido por Ferro quando, alguns anos antes da criao do SPN, trabalhara como reprter internacional: numa das suas reportagens sobre a Exposio de Barcelona de 929 usando j as metforas que mais tarde utilizar para falar das exposies organizadas por si prprio descrevia com particular vivacidade a presena dos reis de Espanha na seco portuguesa, relatando aquele que teria sido o episdio mais tocante da sua visita (Dirio de Notcias, 20 de maio de 929):

    Num ngulo da vitrine (...) repousam, como numa praia sossegada, algumas filigranas portuguesas, caixinhas, um corao que uma renda, uma caravela minscula... A rainha de Espanha (...), no contm o seu entu-siasmo infantil, sincero diante da caravela de filigrana onde os seus olhos claros so marinheiros... deixa de ser uma rainha, uma linda princesa de cabelos cados...

    oh! le petit barquito...E por um pouco que no bate palmas chama a filha, a duquesa de

    dureal, a duquesa de Santona, leva-as junto da vitrine e exclama extasiada (...):

    a mamuse tellement...E voltando-se para os portugueses (...): Je suis profondement toche...E vai chamar (...) todo o squito, para contemplar e admirar a pequena

    maravilha, doirada e linda, gro de milho do Imprio, duma aventura de

    visitantes nelas se extasiou e enterneceu e nela deixou ficar uma parcela do seu corao. (Dirio de Notcias, 5 de Junho de 936). 29 Em consonncia com a imagem enunciada por Ferro, a sala de entrada dos pavilhes que consti-tuam este centro regional era constituda por um grande carrossel giratrio povoado por pequenos bonecos de madeira mecanizados que simulavam o trabalho de diferentes ofcios, evocando as figuras populares da diferentes regies do pas.

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    conto de fadas... oferecem-lha, por fim. E logo a rainha, aceitando o pre-sente humilde, como se aceitasse uma boneca desajeitada, cobiada atrs da vitrine:

    Je vous remercie infinitement...

    As razes desta aproximao arte popular devemos encontr-las, contudo, nos finais do sculo XIX e ao longo das primeiras dcadas de novecentos. como demonstram alguns dos textos que Joo leal tem vindo a dedicar histria da antropologia portuguesa, a arte popular foi alvo de especial ateno por parte da etnografia dos anos 90 e 920 (cf. leal 2000; 2006), de tal modo que, no decurso da I repblica, etnografia e arte popular se tornam domnios quase sinnimos entre si (id., 2006: 34-35). Ainda segundo leal, neste contexto que vemos um etngrafo como verglio correia desenvolver todo um discurso marcado pela exaltao das virtualidades estticas dos produtos populares e pela sua apropriao nacionalista, no qual, alm do mais, j se pode surpreender claramente a submisso da arte popular a um tratamento miniatural (ibid.: 37-38).

    o projecto de afirmao da nao que domina a poltica folclorista do SNI vai assim beneficiar de um trabalho j realizado (cf. leal 2000: 47). Ao expor a multitude de objectos encantadores que a etnografia vinha identificando desde h dcadas, os certames do Secretariado apresentados como revelaes da alma nacional estendiam os sentimentos de ternura suscitados por esses mesmos objectos ao prprio pas, transformando a arte popular em instru-mento de uma adeso amorosa nao. Em causa estava no apenas a cele-brao da ptria junto dos portugueses, mas tambm, e como a reportagem de Antnio Ferro ilustra, a criao de uma forte atraco pelo pas por parte dos estrangeiros. Por outro lado, as miniaturas e os artefactos rurais com forte carga decorativa facilmente transformados em souvenirs e em objectos de adorno e decorao formavam um veculo ideal de amor pela ptria no espao privado da casa e no dia-a-dia dos grupos sociais que se dedicavam decorao do lar, frequentavam as pousadas e outros espaos pblicos que a poltica do gosto do SNI contemplou. ou seja, atravs de tais objectos, o pas constitua--se, tambm, em objecto de afeio quotidiana. Alis, os eventos folcloristas do SNI remetem muitas vezes para retratos miniaturais e amorveis da prpria nao, como acontece a propsito do recinto das aldeias portuguesas do centro regional que, nas palavras de Ferro, seria um Portugal pequenino onde ape-tece colher indiferentemente rosas e casas (Novidades, 3 de Julho de 940). tambm monsanto da Beira, transformada num emblema do pas a partir do concurso das aldeias, revestida dessa pequenez, proporcionada alis pela sua morfologia de povoao concentrada num monte. Na brochura que o SNI lhe dedica um pequeno livro decorativo de grafia extremamente cuidada ela designada como a pequenina, mas altaneira terra beiroa. (Ferro 947: s.p.).

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    A coNStruo do cAmPoNS-EStEtA

    Entretanto, todas estas pequenas e ornamentadas coisas que eram mostra-das nas exposies de arte popular do SNI, descontextualizadas e separadas em absoluto das relaes sociais em que eram produzidas, nada falam do trabalha-dor rural, metamorfoseado em artista. Antnio Ferro ilustra bem esta tendn-cia quando, no discurso de inaugurao do museu de Arte Popular, designava a arte popular como a poesia dos simples (948b: 25). Nas notcias que o SPN fez publicar aquando da Exposio de Arte Popular de 936, a mesma ideia sublinhada, em aluses aos artistas ignorados (Dirio da Manh, 5 de maio de 936), ao engenho e (...) imaginao do nosso povo (Dirio da Manh, 24 de maio de 936) ou ao gnio criador e artstico dum Portugal desconhecido (ibid.). os textos etnogrficos que acompanham as iniciativas folcloristas do Secretariado, por sua vez, esto tambm eles repletos de referncias quali-dade artstica do homem rstico: lus chaves, apresentando o acervo exibido na mostra de 936, constantemente nos remete para a imensa criatividade do povo: falando da nunca exausta fantasia dos oleiros;30 chamando a ateno para os tecidos e tapearias que mos rsticas, guiadas por um fino instinto decorador, conseguiram arrancar a uns novelos de l ou a fibras speras de linho;3 evocando o barrista que dispersa talento e espalha obra;32 e expli-cando como o artista popular procura dar o mximo brilho atractivo s mni-mas obras de sua criao.33 quanto ao pastor, deixem-lhes mo um pedao de buxo, cortia ou chifre, e do manancial profundo brotar para cada pedao uma jia34. Aquando do concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal vemos os relatrios provinciais repetirem essa mesma imagem, perdendo-se em idealizaes da vida rural. Assim, no relatrio sobre Peroguarda (roque 940: 27-29), escrevia-se:

    Nas artes populares muito de interesse se encontra em Peroguarda, como de resto em quasi todas as nossas Aldeias, onde o trabalhador artista consagra todos os momentos de repouso ou de falta de trabalho a alindar o seu lar, enfeitando-o com artsticos quadros, de sua imaginao, preferindo, para motivos, aqueles objectos ou utenslios que mais de perto conhece nas suas lides quotidianas, como que para ter a iluso da continuidade do seu traba-lho. Assim, o trabalhador de Peroguarda, nas horas em que lhe seria dado alimentar o cio, emprega-se cortando engenhosamente uma raz de oliveira ou de azinheira, para, da a algum tempo, nos mostrar o arado, uma relha, uma p, uma sachola, uma forquilha, uma machada, uma foice, etc., etc., mil

    30 cf. Catlogo da Exposio de Arte Popular Portuguesa, lisboa, Edies SPN, 936, p. 48.3 Ibid., p. 66. 32 Ibid., p. 39.33 Ibid., p. 39.34 Ibid., p. 4.

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    e um objectos, miniaturas dos intrumentos que, dia-a-dia, durante anos e anos lhe calejam as mos e que ele parece adorar, colocando-os bem vista, em quadros a que poderamos chamar museus-miniaturas da alfaia agrcola rural... (itlicos do autor).

    E Eurico Sales viana (939: 08), autor da parte do relatrio do jri pro-vincial da Beira Baixa dedicada indstria, habitao e trajo, fala do povo--esteta que ao longo de geraes foi desenhando o traado das ruas e das praas das aldeias daquela provncia, criando coisa linda, linda de espantar os leigos, linda, capaz de avassalar o mais pintado dos entendidos nos com-plicados problemas do urbanismo. o retrato amorvel do povo portugus e da nao suscitado pelo tipo de artefactos exibidos nos certames do SNI pois reforado pela imagem do campons-esteta, produtor de peas de arte encantadoras, ele prprio transformado em figura de adorno e em objecto de contemplao e desejo atravs dos j referidos manequins regionais, ou mesmo de estilizados pequenos bonecos de madeira criados por toms de melo (tom) que tambm figuravam nas exposies do Secretariado e nas casas decoradas ao novo gosto do SNI. So os prprios textos que acompanham as iniciativas folcloristas em causa que reproduzem tal representao; leia-se a propsito as impresses que Adolfo Simes mller deixou numa reportagem que se referia a certa coreografia exibida na aldeia alentejana de Peroguarda durante as provas do concurso de 938 (cit. em roque 940: 27):

    h qualquer coisa de movimento de brinquedo articulado no desenho deste modo de balhar. Ao v-lo no pude deixar de pensar em certa caixa de msica sobre cuja tampa se movesse, por misteriosos prodgios da tcnica, meia dzia de pares de bonecos simpticos e vistosos, eles de cala justa de boca de sino e chapu de aba larga, elas de saia rodada presa com seguranas a fazer calas, leno com rebuo passado sobre o queixo, no fosse o vento crest-las, avental enfeitado com bordados ingenuamente coloridos e botas de cano alto com atacadores verdes ou vermelhos ou azuis. o prprio som do harmnio e da gaita de beios aumentava a iluso mais nos fazendo ape-tecer trazer para casa aquele maravilhoso entretenimento (meus itlicos).

    No h, contudo, melhor arauto desta viso do que Antnio Ferro que, ainda em 933, no livro de entrevistas a Salazar (982 [933]: 79-80), comen-tava assim a paisagem que acompanhava o percurso do carro que servira de abrigo s suas conversas com o ditador:

    Estamos em plena estrada saloia. Passam, de quando em quando, figuri-nhas ingnuas e toscas, que parecem recortadas dos prespios de machado de castro: lavadeiras, leiteirinhas, mulheres da praa ajojadas com cestos de

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    frutas e de criao, saloias de caneas, de odivelas, da malveira, que voltam de fazer as suas compras na cidade e que regressam aos lugares, cavalgando os seus machos pacientes, conduzindo as suas alimrias teimosas que pare-cem brinquedos.

    mais tarde, no prlogo obra Vida e Arte o Povo Portugus, editada pelo SPN no contexto da comemoraes centenrias, Ferro rene num grande quadro lrico todas estas imagens miniaturais de Portugal e do seu povo (940: s.p.):

    vertical, perfilada, a nossa Ptria, no extremo ocidental da Europa, em face do atlntico, alto pinheiro nas dunas, a grande rvore de Natal do velho mundo carregada de brinquedos divinos: castelos altaneiros, onde des-cem anjos; capelinhas minsculas, que so doces do su; moinhos brancos, frvolos que so as rocas da terra-menina; alminhas e cruzeiros, oraes da paisagem; montanhas suaves povoadas de pastores bblicos; vales que so grandes cestos de flores e de frutas; rios que so as fitas dividindo os vrios cantos do poema vergiliano; jardins onde a nossa alma colhe flores; praias onde o mar no ruge mas canta; plancies onde o sonho galopa, onde o siln-cio mora; vinhas inocentes que esto longe de saber que embriagam, que so mes do vinho; espigueiros onde se guarda o milho, altares do po; rvores, outras rvores penduradas nos ramos frondosos da rvore de Natal, car-valhos, castanheiros, zambujeiros, oliveiras, eucaliptos, ulmeiros... dentro deste pespio, desta paisagem, casa de deus, um grande poeta que se chama Povo Portugus, trabalha, sofre, ama e canta.

    o SPN / SNI constitua-se no grande divulgador de um retrato poetizado do povo portugus, desenvolvendo uma aco e um discurso com evidentes implicaes polticas. desde logo, a figura do campons-esteta, infantilizado e retratado como figura de prespio, fornecia ao regime de Salazar uma viso ternurenta e pacificada da nao (um pas de contos de fadas), e um modelo ideal de povo avesso a lutas sociais, desinteressado dos assuntos polticos, mas tambm dos aspectos materiais da existncia. Perante tais representaes, qualquer aluso aos conflitos econmicos e sociais que ento marcavam Por-tugal era tranformada numa aberrao, retirando-se razo de ser a crticas e apelos mudana poltica. que sentido faria pr em causa o regime, quando o pas era um enorme brinquedo ou prespio, as aldeias lugares idlicos, o tra-balhador rural um poeta e os produtos do seu trabalho obras de arte encanta-doras e delicadas? quem visitasse as exposies promovidas por Antnio Ferro ou o museu de Arte Popular no pensaria certamente nas condies de vida da imensa massa da populao que habitava o espao rural portugus, muito menos nas circunstncias polticas em que o pas vivia; contemplava e admirava a imensa aptido artstica do povo e acarinhava a sua nao. As classes mdias,

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    em particular, que nos anos 20 haviam contestado a repblica, associando os governos republicanos ao bolchevismo, vivendo o medo das revolues e das bombas (cf. ramos 994: 605-06), eram agora apaziguadas com adocicadas imagens do pas e das suas gentes.

    mas o esteretipo do campons-esteta permitia, ao mesmo tempo, a reve-lao de uma identidade nacional exclusiva face ao exterior, baseada na ideia de uma nao lrica, onde at o povo mais rude seria artista. As iniciativas do SNI iam, assim, ao encontro de um dos grandes estertipos que circulavam sobre Portugal o do pas de poetas e, simultaneamente, da imagem dos portugueses como gente com a emoo e a ternura flor da pele (cf. Silva 997). So ainda os comentrios mostra de 936 que explicitam esse desg-nio, sublinhando a forma como a arte popular portuguesa de caractersticas nitidamente demarcadas, revelaria o fundo lrico que fez deste povo, o mais ocidental da Europa, o grande poeta (...).35 A poltica folclorista do SPN, que primeira vista parece ser apenas uma forma de corresponder ao ruralismo e conservadorismo do regime e a um certo tradicionalismo passadista que carac-terizava a ideologia salazarista, constitua, afinal, a resposta a uma realidade poltica mais vasta, numa altura em que na Europa se sentia a grande fragi-lidade das fronteiras nacionais. Falando de um pas de camponeses-estetas a transbordar de criatividade, vivendo intensamente as suas tradies no pre-sente, a arte popular permitia apresentar uma nao que mantinha, vibrante e pleno de vida, o seu alegado carcter nico, afirmando-o na actualidade e no apenas enquanto entidade pretrita.

    35 Em A Propsito da Exposio de Arte Popular do Secretariado da Propaganda Nacional, Cartaz, Junho / Julho de 936, p. 7.

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    the poetry of the simple: popular art and nation in the Estado Novo

    Vera Marques Alvesdoutoranda em Antropologia no ISctE

    [email protected]

    In the 930 and 940 the Secretariado da Propaganda Nacional the propaganda head office of Salazars dictatorship promoted several folkloristic events, which became a core element of the Estado Novo current memory. this paper shows how the Secretariados ethnographic campaign relates mostly with the politics of national identity building developed inside the Portuguese borders and in the international arena. In this context, I examine the selective approach to the folk culture materials evolved in those pratics. I also try to illuminate the ways by witch such materials were used to create a represen-tation of the Portuguese folk as a people of artist-peasants, and of Portugal as a pacific and lovable country.

    KEYWordS: Estado Novo, SPN/SNI, Antnio Ferro, folk art, nation, artist-peasant.