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ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 28 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO CONTEXTO DO NEO- CONSTITUCIONALISMO: A PROBLEMÁTICA DO ATIVISMO JUDICIAL THE CONSTITUTIONAL JURISDICTION IN THE CONTEXT OF THE NEOCONSTITUCIONALISMO: THE PROBLEM OF JUDICIAL ACTIVISM Alexandre Almeida Rocha 1 [email protected] Diego de Paula 2 [email protected] Heloísa de Almeida 3 [email protected] Júlio Merlo 4 [email protected] Laila Wites Bolzan Guimarães Oliveira 5 [email protected] Luiz Felipe Sviech Pontarolo 6 [email protected] Rafaella Martins de Oliveira 7 [email protected] Rodrigo Martins de Oliveira [email protected] 1 Professor Assistente no Departamento de Direito do Estado na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Doutorando em Ciências Sociais Aplicadas na UEPG, Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela UFSC, graduado em direito pela UEPG. 2 Advogado, Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. 3 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. 4 Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. 5 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. 6 Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. 7 Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Pós- Graduada pela Escola da Magistratura do Paraná, Advogada, Professora de Direito Tributário da Universidade Latino Americana de Tecnologia (FAJAR) e de Processo Constitucional da Sociedade Educacional e Cultural Amélia (SECAL).

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ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 28

A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO CONTEXTO DO NEO-CONSTITUCIONALISMO: A PROBLEMÁTICA DO

ATIVISMO JUDICIAL

THE CONSTITUTIONAL JURISDICTION IN THE CONTEXT OF THE NEOCONSTITUCIONALISMO: THE PROBLEM OF

JUDICIAL ACTIVISM

Alexandre Almeida Rocha1

[email protected] de Paula2

[email protected]ísa de Almeida3

[email protected] Júlio Merlo4

[email protected] Laila Wites Bolzan Guimarães Oliveira5

[email protected] Luiz Felipe Sviech Pontarolo6

[email protected] Rafaella Martins de Oliveira7

[email protected] Rodrigo Martins de Oliveira

[email protected]

1 Professor Assistente no Departamento de Direito do Estado na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Doutorando em Ciências Sociais Aplicadas na UEPG, Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela UFSC, graduado em direito pela UEPG.

2 Advogado, Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.3 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. 4 Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. 5 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. 6 Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.7 Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Pós-

Graduada pela Escola da Magistratura do Paraná, Advogada, Professora de Direito Tributário da Universidade Latino Americana de Tecnologia (FAJAR) e de Processo Constitucional da Sociedade Educacional e Cultural Amélia (SECAL).

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Resumo

Em decorrência da evolução da concepção do Constitucionalismo, seguindo os modelos concretizados no segundo pós-guerra, hodiernamente, no Brasil, temos o neoconstitucionalismo como norteador da compreensão do papel da Constituição e da Jurisdição Constitucional dentro do ordenamento jurídico. De suas primordiais características destaca-se o papel desempenhado pelo Poder Judiciário na concretização do acontecer da Constituição, ou seja, da interpretação e consequentemente da aplicação direta dos preceitos constitucionais, realizada pelo Poder Judiciário, visto que agora, à Constituição é reconhecida força normativa e vinculativa. É fato também que após o advento da Constituição de 1988, as demandas judiciais aumentaram, e consequentemente a atuação da Jurisdição Constitucional se expandiu, tendo que atuar no deslinde de questões sociais complexas e também de questões políticas. À atuação do Poder Judiciário em relação às questões políticas, é que o presente trabalho se volta, objetivando analisar, através da analise de doutrinas diversas, a judicialização da política, compreendida como um fenômeno inerente à atual compreensão do Constitucionalismo e a problemática do ativismo judicial, compreendida como um ato de vontade do julgador, fundamentada em uma postura discricionária que não deve ser admitida no ordenamento jurídico pátrio.

Palavras-chave: Positivismo. Constitucionalismo. Neoconstitucionalismo. Jurisdição Constitucional. Ativismo Judicial.

Abstract

As a result of the evolution of the concept of Constitutionalism, following the models implemented in the second postwar period, today, in Brazil, we have the neoconstitucionalismo as the understanding of the role of guiding the Constitution and Constitutional jurisdiction within the legal system. Of their essential characteristics, the role played by the judiciary in implementing the happen of the Constitution, that is, the interpretation and consequently the direct application of constitutional principles, held by the judiciary, since now, the Constitution is recognized normative force and binding. The fact is also that after the advent of the Constitution of 1988, the litigation increased, and consequently the performance of Constitutional Jurisdiction expanded, having to act on complex social issues deslinde and also of political issues. The role of the Judiciary in relation to political matters, is that the present work is back, aiming to analyze, through the analysis of various doctrines, judicialization of politics, understood as a phenomenon inherent to the current understanding of constitutionalism and the problem of judicial activism, understood as an act of will of the judge, based on a discretionary approach that should not be admitted to the Brazilian legal order.

Key-words: Positivism. Constitutionalism. Neoconstitutionalism. Constitutional

jurisdiction. Judicial activism.

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Sumário

Considerações Iniciais. 1 O Positivismo Jurídico. 2 Constitucionalismo e Jurisdição Constitucional. 2.1 Constitucionalismo. 2.1.1 Origem do Constitucionalismo. 2.1.2 Fases do Constitucionalismo no Estado Moderno. 2.1.3 Constitucionalismo Liberal. 2.1.4 Constitucionalismo Social. 2.1.5 Estado Constitucional de Direito (Neoconstitucionalismo). 2.2 A Jurisdição Constitucional como produto lógico do Constitucionalismo. 2.3 Constitucionalismo e Democracia: tensão entre os conceitos? 2.4 A Jurisdição Constitucional no contexto do neoconstitucionalismo. 3 A redemocratização advinda da Constituinte de 88 e a decorrente expansão da Jurisdição constitucional: a realidade brasileira. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

Considerações Iniciais

A partir do final da primeira metade do século XX exsurge a terceira fase do constitucionalismo, fundando em caráter democrático e tutela de direitos constitucionais. Direitos estes que assumem um lugar de destaque dentro do Estado de Direito que, a partir desse momento da história, passa a ser denominado Estado Democrático de Direito. Os direitos fundamentais passaram a ser considerados a base estruturante das constituições, estabelecendo vínculos e limites na atuação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

De fato, o século XX foi marcado por grandes avanços, uma das principais e - como não - mais importante contribuição ao valor da constituição foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica.8 Luís Roberto Barroso afirma:

Superou-se [...] o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como documento essencialmente político, um convite à atuação dos Poderes Públicos. A concretização de suas propostas ficava invariavelmente condicionada à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador. Ao Judiciário não se reconhecia qualquer papel relevante na realização do conteúdo da Constituição.9

Dito de outro modo, “as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado”10. Assim, o Estado assume um papel fundamental nesse momento da história, a saber, “tem-se ele como

8 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista de Direito Administrativo: Rio de Janeiro, nº 240, p. 1-42, abr./jun. 2005, p. 5.

9 Loc. cit.10 Loc. cit.

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efetivador dos direitos fundamentais, como um garantidor desses direitos”11.

Mais do que isso, é importante salientar que

[...], não é somente uma conquista de um legado do passado; é, certamente, o legado mais importante do século XX e ainda será no século XXI. Mas a Constituição, enquanto conquista, programa e garantidora substancial dos direitos individuais e sociais, depende fundamentalmente de mecanismos que assegurem as condições de possibilidade para a implementação do seu texto. A instrumentalização dos direitos constitucionais e a aferição da conformidade ou não das leis ao texto constitucional se estabelecem através do que se convencionou chamar de justiça constitucional, mediante o mecanismo da jurisdição.12

Nunca é demais lembrar que o constitucionalismo exsurgente após o segundo pós-guerra é fundado em valores de democracia e direitos constitucionais, circunstância que possibilitou trazer à discussão a questão do constitucionalismo dirigente.13 Nesse contexto, o Estado Democrático de Direito

[...], é o novo modelo que remete a um tipo de Estado em que se pretende precisamente a transformação em profundidade do modo de produção capitalista e sua substituição progressiva por uma sociedade no qual se possam implantar superiores níveis reais de igualdade e liberdade.14

Dito de outro modo, e explicando melhor, a noção de Estado Democrático de Direito está indissociavelmente ligada à concretização dos direitos

constitucionais. É dessa ligação indissolúvel que exsurge aquilo que se pode denominar de plus normativo do Estado Democrático de Direito. Um dos pilares sustentadores do paradigma constitucionalista é, sem dúvida, a democracia. 15

Lembramos que o conceito de Lei Fundamental aparece estritamente vinculado a duas características que até hoje lhe são inerentes, a saber: a separação de poderes e a garantia dos direitos constitucionais.16 Nessa perspectiva, registre-se que o artigo 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 determinaria que: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos

11 STRECK, Maria Luiza Schäfer. Direito penal e Constituição: a face oculta da proteção dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 36.

12 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 51.

13 STRECK, Maria Luiza Schäfer. op. cit., p. 36.14 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da

construção do Direito. 11. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014, p. 53.

15 Ibidem, p. 54.16 FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: a constituição penal. 2. ed., rev. e

ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 24-25.

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direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”17. Dito de outro modo, e explicando melhor:

[...], a lei fundamental passou a ter as experiências concretas do político. Respondendo aos problemas de positividade, normatização e legitimidade das tarefas estaduais, a lei fundamental aproxima-se de um plano em que realidade se assume como tarefa tendente à transformação do mundo ambiente que limita os cidadãos. Esse novo paradigma corresponde à Constituição Dirigente.18

Paine (apud Lenio Streck) já dizia que “Uma constituição não é um ato de nenhum governo, e, sim, de um povo estabelecendo o seu governo, de modo que um governo sem constituição é poder sem direito; a Constituição precede ao governo e o governo é criatura da Constituição”19. A Lei Fundamental determina “a autoridade que o povo atribuiu a seu governo, e, ao fazê-lo, estabelece-lhe limites. Qualquer exercício de autoridade por parte do governo que vá além desses limites passa a ser um exercício de ‘poder ilegítimo’”20.

A Lei Fundamental consiste, portanto, num sistema de regras, substanciais e formais, que têm como destinatários os mesmos titulares do poder.

As “[...] Constituições não representam somente o complemento do Estado de Direito através da extensão do princípio da legalidade a todos os Poderes, incluindo o Legislativo”21; mais do que isso, “são também um programa político para o futuro, porque impõem a todos os poderes imperativos negativos e positivos como fonte de sua legitimação, porém também, e sobretudo, de deslegitimação”22. As Constituições “constituem utopias de direito positivo”23, isso porque, “ainda que não realizáveis completamente, estabelecem perfeitamente, enquanto direito sobre o direito, as perspectivas de transformação do direito mesmo em relação à igualdade nos direitos fundamentais”24.

Referindo-se à Ferrajoli, Lenio Streck destaca que:

Se as Constituições são o conjunto de regras do jogo que garantem a correção do jogo, estes pactos têm de garantir a todos os jogadores, começando pelos mais frágeis. Se as Constituições têm como destinatários

17 ONU. Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/ index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em: 07 de out. 2015.

18 STRECK, Maria Luiza Schäfer. op. cit., p. 36.19 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 111.20 Ibidem, p. 58.21 Ibidem, p. 113.22 Loc. cit.23 Loc. cit.24 Loc. cit.

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os poderes constituídos, aqueles não podem ser modificados, derrogados ou debilitados por estes mesmos, senão somente ampliados e reforçados. Finalmente, se as normas constitucionais substanciais não são mais que direitos fundamentais, estes pertencem a todos que somos, precisamente, os titulares destes direitos fundamentais. É nesta titularidade comum que reside o sentido da democracia e da soberania popular.25

Portanto, a terceira fase do constitucionalismo, a que proporcionou a ruptura paradigmática com o modelo anterior e, ao mesmo tempo, estabeleceu as condições fundamentais para a implementação do paradigma de Estado Democrático de Direito, é o legado mais importante do século XX e ainda será no século XXI. Mas a Lei Fundamental, enquanto conquista, diretriz e garantidora material de direitos constitucionais, depende essencialmente de instrumentos que assegurem as condições de possiblidade para a implementação de seus dispositivos.26 Isso nada mais do que reflexo da noção de sua força normativa, que está indissociável da ideia de Constituição Dirigente (dirigierende Verfassung)27.

O dirigismo constitucional “é a proposta de legitimação material da Constituição pelos fins e tarefas previstos no texto constitucional”28. A partir da noção de Lei Fundamental buscou-se estabelecer a força ativa do direito constitucional29, ou seja, “onde esta não é apenas uma garantia existente, mas também um programa para o futuro, por meio do qual Estado e sociedade estão interligados”30. Dito de outro modo, a noção de dirigismo constitucional está interligada com defesa da mudança da realidade através do direito. Cabe, destarte, a Lei Fundamental estabelecer as diretrizes para a mudança social.31

Importante deixar registrado que a ideia de Constituição Dirigente (dirigierende Verfassung) não é uma espécie de normativismo constitucional, mas uma forma de operar transformações emancipatórias.32 Em outras palavras, o que permanece na noção de dirigismo constitucional é a ideia de que o legislador está vinculado aos ditames da materialidade da Lei Fundamental,33 isto é, o legislador não poderá dispor da Constituição de acordo com sua vontade.34

Certamente, há inúmeras concepções distintas de Constituição e de constitucionalismo. Uma concepção comum em todas essas concepções está na ideia 25 Loc. cit.26 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 113.27 Originalmente, a ideia de Constituição Dirigente vem da tese de Peter Lerche, denominada

dirigierende Verfassung.28 STRECK, Maria Luiza Schäfer. op. cit., p. 37.29 Loc. cit.30 Loc. cit.31 Loc. cit.32 De acordo com Maria Luiza Streck, “[...], a Constituição Dirigente é a radicalização de um modelo

de Constituição que se seguiu após a Segunda Guerra Mundial” (Ibidem, p. 37-38).33 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 136.34 STRECK, Maria Luiza Schäfer. op. cit., p. 38.

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da submissão dos poderes públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) à normas superiores como são aquelas que prescrevem direitos e garantias fundamentais.35 Luigi Ferrajoli afirma que

[...] o constitucionalismo equivale, como sistema jurídico, a um conjunto de limites e de vínculos substanciais, além de formais, rigidamente impostos a todas as fontes normativas pelas normas supraordenadas; e, como teoria do direito, a uma concepção de validade das leis que não está mais ancorada apenas na conformidade das suas formas de produção a normas procedimentais sobre a sua elaboração, mas também na coerência dos seus conteúdos com os princípios de justiça constitucionalmente estabelecidos.36

Daí a noção segundo a qual o Executivo, o Judiciário e, principalmente, o Legislativo estão estritamente vinculados à Lei Fundamental é da essência da democracia que se desenvolve a partir de uma Constituição jurisdicionalmente

garantida. A Constituição garante o controle da atividade legislativa através da jurisdição constitucional (Verfassungsgerichtsbarkeit),37 utilizando-se, para tanto, de técnicas como interpretação conforme a Constituição (Verfassungskonforme Auslegung) e inconstitucionalidade/nulidade parcial sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung), por exemplo.

Quando o assunto é Constituição, inexoravelmente, não podemos olvidar de mencionar a célebre obra de Konrad Hesse, Die normative Kraft der Verfassung38, que veio a dar uma nova perspectiva sobre o significado e valor da Constituição, além de estabelecer mecanismos de como preservar a sua força normativa. A Constituição não significa apenas um pedaço de papel (ein Stück Papier). Na Constituição existem pressupostos realizáveis, que, mesmo em caso de conflito entre fatores reais de Poder (fatores históricos, políticos e sociais), possibilitam assegurar a sua força normativa.39

Dito de outro modo, e explicando melhor: a força normativa exsurge a partir do momento em que, na Constituição, contenha diretrizes capazes de orientar para qual lado essa força ativa deve seguir; tal força ativa deve estar presente na consciência dos responsáveis pela ordem constitucional. É importante ainda mencionar que a Lei

35 FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 13.

36 Loc. cit.37 FELDENS, Luciano. op. cit., p. 27-28.38 A força normativa da Constituição (tradução do autor).39 HESSE, Konrad. Die normative Kraft der Verfassung (A força normativa da Constituição).

Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 5.

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Fundamental deve conter, ainda que de forma limitada, “uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado”40.

Nesse contexto, pode-se dizer que a força normativa da Constituição sempre teve “uma direta relação com a atuação da justiça constitucional na defesa da implementação dos direitos fundamentais-sociais previstos na Lei Maior”41. De fato, “O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência”42.

Portanto, numa concepção tradicional da questão dos afazeres do Estado está presente a ideia de que os direitos fundamentais são garantias à disposição dos indivíduos contra as arbitrariedades do Estado. O novo paradigma exsurge para superar essa natureza negativa própria da concepção de direito fundamental do modelo liberal-individualista sem, contudo, eliminá-la, isto é, o Estado aparece como efetivador e garantidor dos direitos fundamentais.43

O objetivo é estabelecer condições para promoção da igualdade, não sendo suficiente a “limitação ou a promoção da atuação estatal, mas referenda a pretensão à transformação do status quo. A lei aparece como instrumento de transformação da sociedade não estando mais atrelada inelutavelmente à sanção ou à promoção”44. Em linhas gerais, o Estado Democrático de Direito é plus normativo em relação aos paradigmas anteriores.45

O paradigma de direito e de Estado que exsurge depois do Segundo Pós-Guerra proporcionou que o direito alcançasse seu grau de autonomia. Ou seja, a Constituição se torna norma de validade e vigência do sistema jurídico de um Estado Democrático de Direito.46

O Estado Democrático de Direito é determinado pelos direitos constitucionais assumindo aspecto de Estado ideal, cuja concretização passou a ser esforço permanente.47 Além do mais, como já haviam sido previstos expressamente na Declaração de direitos da ex-colônia inglesa da Virgínia de 1776, “os direitos fundamentais passaram a ser simultaneamente a base e o fundamento [...], afirmando,

40 HESSE, Konrad. op. cit., p. 11.41 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5.

ed., rev., mod. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 90.42 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado.

3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 93.43 STRECK, Maria Luiza Schäfer. op. cit., p. 36.44 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. op. cit., p. 90-91.45 Ibidem, p. 94.46 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. op. cit., p. 52-53.47 Ibidem, p. 58-59.

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assim, a ideia de um Estado que, no exercício de seu poder, está condicionado aos limites fixados na sua Constituição”48.

Nesse contexto, os direitos fundamentais são a essência de legitimação, ou seja, de validade da Lei Fundamental, do poder estatal e, por conseguinte, da própria ordem constitucional.49 Isso é assim na medida em que “o poder se justifica por e pela realização dos direitos do homem e que a ideia de justiça é hoje indissociável de tais direitos”50.

Cumpre-nos mencionar o pensamento de Ferrajoli, que, citado por Sarlet, argumenta no sentido de que “[...] todos os direitos fundamentais equivalem a vínculos substanciais que condicionam a validade substancial das normas produzidas no âmbito estatal”51, mais ainda, “expressam os fins últimos que norteiam o moderno Estado constitucional de Direito”52. Em outras palavras, os direitos fundamentais são considerados elementos essenciais para a ordem jurídica objetiva, integralizando um sistema valorativo, que atua como fundamento material do ordenamento jurídico vigente.53

No que concerne ao papel dos direitos fundamentais dentro do Estado Democrático de Direito, afirma Sarlet:

Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada parte orgânica ou organizatória da constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.54

Portanto, é com o Estado Democrático de Direito que as garantias de direitos constitucionais passaram a ser fator decisivo contra arbitrariedades provindas de poderes públicos e também de particulares. Além disso, os direitos fundamentais passaram a desempenhar importante papel dentro do sistema jurídico vigente, desempenhando a posição de ordenador do Estado Democrático de Direito.

48 Ibidem, p. 59.49 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed., rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 59.

50 Loc. cit.51 Ibidem, p. 59-60.52 Ibidem, p. 60.53 Loc. cit.54 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 61.

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1 O Positivismo Jurídico

A comunidade jurídica, de fato, não superou a crise que passa o ensino do direito em terras brasileiras. Ainda hoje quem defende a aplicação de um determinado enunciado normativo invocando certa “literalidade”, de pronto é taxado de positivista. Mas defender à aplicação do que está escrito na lei seria um indicativo de positivista?55

Positivismo é uma matriz científica que se consolida no século XIX. Ensina Lenio Luiz Streck que “o ‘positivo’ a que se refere o termo positivismo é entendido aqui como fatos [...]”56. Fatos estes que “correspondem a determinada interpretação da realidade que engloba apenas aquilo que se pode contar, medir ou pesar ou, no limite, algo que se possa definir por meio de um experimento”57.

O positivismo jurídico, enquanto modelo teórico do direito, está longe de ser algo uniforme. Isso porque, afirma Streck, “[...] por positivismo jurídico é possível considerar posições teóricas que são, entre si, profundamente heterogêneas”. Esse atrito gerado pela dilatação do âmbito semântico em torno do positivismo jurídico levou à produção de obras que objetivavam organizar o campo denotativo do fenômeno.58

Norberto Bobbio faz uma separação analítica entre positivismo ideológico, positivismo teórico e positivismo metodológico.

O positivismo ideológico defende a tese que o direito positivo possui força obrigatória, deve ser observado por todos e aplicado pelo simples fato de ser direito, não importa o seu conteúdo.59

Importante mencionar que o positivismo ideológico não é de natureza conceitual, mas de aspecto moral. Ou seja: “Seria uma postura efetivamente valorativa que defende que, em suas decisões, os juízes devem considerar um único princípio moral: observar tudo aquilo que o direito vigente determina”.60

Ainda com Norberto Bobbio, podemos identificar o positivismo jurídico enquanto teoria (teórico). Neste caso, “o direito é confundido com a lei, enquanto fonte formal emanada de um poder legislativo”.61 Em outras palavras, Lei e direito são a mesma coisa.62

55 STRECK, Lênio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014, p. 18.

56 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. op. cit., p. 32-33.57 Ibidem, p. 33.58 STRECK, Lênio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito. op. cit., p. 19.59 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. op. cit., p. 38.60 Loc. cit.61 Ibidem, p. 39.62 Loc. cit.

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 38

Já o positivismo metodológico ou conceitual defenderá que “o direito não deve ser caracterizado de acordo com propriedades valorativas, mas, sim, conforme propriedades descritivas. Nesse caso, as proposições utilizadas pelos juristas para descrever o direito não implicam juízos valorativos. Ao contrário, elas estão fundadas em critérios de verificação observáveis empiricamente”.63

Para Escudero, o positivismo jurídico pode ser dividido em dois grandes grupos, a saber: o positivismo jurídico com qualificativos e o positivismo jurídico sem qualificativos64. Essa classificação apresentada por Rafael Escudero tem como objetivo possibilitar a análise dos modelos de positivismo jurídico post-hartianos, visto que apresenta a indicação dos pressupostos conceituais defendidos por eles.65

Segundo Escudero (apud Écio Oto Duarte), o paradigma de positivismo jurídico sem qualificativos constitui-se em “um positivismo jurídico no qual se mantenham as teses que, segundo a aceitada reconstrução de Hart, o definem, e que são: a separação conceitual entre direito e a moral, enquanto instância valorativa, dos mecanismos de identificação do direito; que rechaça o critério material de validez normativa e que aceita, sem nenhum problema, uma margem de discricionariedade judicial em sentido forte”.66

Herbert Hart construiu três teses para explicar e justificar o paradigma de positivismo jurídico sem qualificativos, a saber: a primeira, corresponde a tese da Separação Conceitual do Direito e da Moral. Demonstra que, ainda que existam conexões entre o direito e a moral, tais nexos são contingentes, não necessárias lógica nem conceitualmente;67 a segunda tese do paradigma positivista corresponde à tese das fontes sociais. Aqui, Hart dirá que para que “o direito exista deve haver alguma forma de prática social que inclua aos juízes e aos cidadãos originários, e esta prática social determina o que em qualquer sistema jurídico dado são as fontes últimas do direito”68; a terceira tese do modelo positivista denomina-se Discricionariedade Judicial.

Defende, ainda que, em qualquer sistema jurídico haverá sempre determinados casos que não estão regulados em lei, nestes casos o direito é parcialmente indeterminado. Destarte, em tais casos concretos não regulados, o juiz, “simultaneamente, cria novo direito e aplica o direito estabelecido, que, ao tempo, confere e limita seus poderes de criar direito”69.

63 Loc. cit.64 Essa é a classificação proposta por Rafael Escudero.65 DUARTE, Écio Oto Ramos. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico: as faces da teoria

do direito em tempos de interpretação moral da constituição. 2. ed. São Paulo: Landy Editora, 2010, p. 29.

66 Ibidem, p. 31.67 Ibidem, p. 33.68 Loc. cit.69 Loc. cit.

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O paradigma do positivismo jurídico sem qualificativos limita-se a aspectos descritivos do fenômeno jurídico. “Isso torna inviável qualquer perspectiva de justificação do fenômeno jurídico sob o prisma de uma teoria positivista com caráter normativo (a força normativa dos princípios) como pode ocorrer, por exemplo, na tarefa de justificar as obrigações que impõe o direito”.70

2 Constitucionalismo e Jurisdição Constitucional

É inegável a necessidade de reflexão e compreensão acerca da evolução da história e do próprio homem e os mais diversos desdobramentos que destes eventos decorrem. Algo só o é hoje depois de ter sido ou transformado de algo que já foi anteriormente. As transformações dos contextos políticos, econômicos, sociais e filosóficos ocorridas em todo o decorrer da historia do mundo, deram fruto a novas perspectivas de compreensão do direito.

Exemplo disso, pertinente ao tema abordado neste trabalho, são as transformações estruturais do Estado e o surgimento do que se convencionou chamar de constitucionalismo e instituição de uma jurisdição constitucional, voltada a proteger e dar efetividade às normas constitucionais de determinado ordenamento jurídico.

2.1 ConstitucionalismoO estudo do constitucionalismo se constitui em tarefa árdua e complexa, tendo

em vista as diversas formas de compreensão do tema dentro da teoria constitucional. Entretanto, se faz necessária, na medida em que a jurisdição constitucional é decorrência direta da sua instituição, já que a existência de uma Constituição (tida como produto escrito em razão da adoção de um sistema constitucionalista), por si só não é suficiente para assegurar a sua proteção e efetividade, a jurisdição constitucional se faz necessária, para que a Constituição não se torne um rol de meras garantias sem nenhuma proteção e efetividade.

Em relação às diversas acepções em que pode ser compreendido o constitucionalismo, Tavares as subdivide em quatro possibilidades: a primeira que se mostra como possível para a compreensão do termo é a idéia de que se trata de um movimento ideológico de caráter político e social, que objetiva limitar o poder arbitrário dos governantes. A segunda perspectiva demonstrada é a compreensão do constitucionalismo como a imposição de que um ordenamento jurídico elabore sua carta constitucional escrita. Como terceira acepção, o doutrinador apresenta a idéia do constitucionalismo como um indicador dos propósitos funcionais de uma Carta Constituinte e sua posição nas diversas sociedades e ordenamentos jurídicos. Como ultima possibilidade de compreensão, defende a idéia de que o constitucionalismo pode ser “reduzido à evolução histórico-constitucional de um determinado Estado”. 71

70 DUARTE, Écio Oto Ramos. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico. op. cit,, p. 33.71 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 1.

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Parece-nos que a melhor acepção a ser utilizada para a compreensão do que é o constitucionalismo, reside na afirmação de ser um movimento ideológico, pois as outras perspectivas parecem ser conseqüência lógica dessa primeira. Ora, com a adoção da ideologia constitucionalista, visando à limitação das arbitrariedades do poder dos governantes e a afirmação de direitos fundamentais do cidadão, seria uma conseqüência lógica que se passe a impor a criação de cartas constitucionais escritas para que isso seja assegurado.

Da mesma forma, após a criação destas cartas constitucionais, impõe-se a necessidade de determinação de sua função e posição num determinado ordenamento jurídico regido por elas, pergunta que irá sempre acompanhar qualquer discussão constitucional, é o que é a Constituição e que papel a mesma deve desempenhar no Estado Constitucional de Direito. Questão que vai levar a estruturação de diversas teorias da constituição, reflexão e discussão que deve ser permanente e contínua, já que o Estado o Direito encontra-se me contínua transformação.

Fundamentando-se a afirmação de que se trata de um movimento ideológico, idealizado com o objetivo de combater o poder arbitrário, ilimitado e desmedido do governante (luta contra o absolutismo dos monarcas), Dallari elucida quais foram os três objetivos ideológicos que deram ensejo à criação do Constitucionalismo: a necessidade de se reconhecer a supremacia do indivíduo, a necessidade de se estabelecerem limites para atuação do poder governamental e por ultimo, “[...] a crença quase que religiosa nas virtudes da razão, apoiando a busca na racionalização do poder”.72

A relação direta do conceito de Constitucionalismo com a idéia de uma Constituição escrita parece também nortear a concepção dos doutrinadores. Streck afirma que o Constitucionalismo “[...] finca raízes no mundo contemporâneo a partir da noção de Constituição como estatuidora de limitações explícitas ao governo nacional a aos Estados individualmente”,73 e ainda “[...] pode ser visto, em seu nascedouro, como uma aspiração de uma Constituição escrita, como modo de estabelecer um mecanismo de dominação legal-racional”.74

No mesmo sentido, Canotilho nos traz e idéia de se tratar de um movimento ideológico voltado à limitação do poder e garantia de direitos fundamentais, quando afirma que “[...] Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos e dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade”.75

72 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 32. ed. São Paulo: Saraiva. 2013, p. 198.

73 TRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 109.74 Ibidem, p. 110.75 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra:

Almeida.1999, p. 47.

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 41

Com isso, partindo dessas concepções sobre o conceito de constitucionalismo, parece que a conclusão a que se deve chegar é que efetivamente se trata de um movimento ideológico, produto de revoluções contra o poder arbitrário dos governantes, objetivando a sua limitação, pois antes da idéia originada no seio do constitucionalismo, mostrava-se como imoderado, irresponsável, ilimitado e que atendia somente aos interesses do governante, deixando a população desamparada frente a essas arbitrariedades, e também o reconhecimento de direitos e garantias fundamentais do individuo.

2.1.1 Da origem do Constitucionalismo

Delineado os aspectos conceituais do constitucionalismo, é possível adentrar a discussão da origem do constitucionalismo, que é o que nos interessa, tendo em vista que o seu evoluir histórico, após a sua idealização, acompanhará a evolução das formas que o Estado Moderno se dará.

A determinação do momento exato do surgimento das primeiras concepções ideológicas que dariam origem ao constitucionalismo é imprecisa, tendo em vista que alguns doutrinadores entendem que a origem se dá na Inglaterra, com a criação da Magna Carta durante o Governo do Rei João Sem Terra em 1215, quando este assinou a Magna Carta, prometendo obediência a ela e aceitando as limitações aos seus poderes lá previstas,76 enquanto outros defendem a idéia de que só surge nas revoluções americanas e francesas ocorridas no Século XVIII, o que por conseqüência gera a afirmação de que o primórdio do constitucionalismo moderno está diretamente ligado à criação das primeiras constituições escritas nos Estados Unidos da América, em 1787 e na França, em 1791.

Neste sentido é a concepção de Cristina Queiroz, que ao tratar sobre a construção da ordem constitucional e sua teorização autônoma, entende que a idéia de Estado Constitucional é gerada quando a “Teoria do Estado” compreende uma “Teoria da Constituição”, a partir da “constitucionalização da ordem política” decorrente das revoluções ocorridas nos séculos XVII e XVIII.77

A relação entre a criação de uma Constituição escrita (proveniente dos ideais advindos do Constitucionalismo) e os objetivos das revoluções ocorridas no decorrer do século XVIII, no sentido de efetivar uma limitação ao poder arbitrário, é esclarecida por Dallari, ao afirmar que a opção (criação de Constituições escritas) se dá pelo fato de que as constituições garantiriam de maneira mais efetiva as condições políticas estabelecidas pelas revoluções, dificultando o retrocesso, já que a limitação ao poder, decorrente desta constituição, era contrária a vontade dos monarcas que iriam se

76 DALLARI, Dalmo de Abreu. op. cit., p. 198.77 QUEIROZ, Cristina. Direito Constitucional: As Instituições do Estado Democrático e

Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009, p. 13.

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 42

submeter a ela.78

2.1.2 Fases do Constitucionalismo no Estado Moderno

Após o surgimento do Estado Moderno caracterizado principalmente pela centralização do poder, advieram diversas transformações principalmente no modo como o governo soberano atuaria frente às necessidades de seu povo. Em decorrência da forma como esse Estado se estabeleceria, seguindo o movimento econômico estabelecido em determinado período, ou seja, as circunstancias especificas de cada Estado, o Constitucionalismo traria para si as mesmas características, porém sempre seguindo os seus objetivos básicos, nunca se afastando da sua essência inicial.79

Há na doutrina a caracterização de três momentos do constitucionalismo e do Estado moderno, agora compreendidos no mesmo sentido, pois “a premissa capital do Estado Moderno é a conversão do Estado absoluto em Estado constitucional”.80

Estas três modalidades em que se apresentou o Estado moderno, e logo, o constitucionalismo, podem ser compreendidas como: num primeiro momento o Estado Liberal (Constitucionalismo Liberal) que evolui para o Estado Social (Constitucionalismo Social) e por fim transforma-se no Estado Democrático (Constitucionalismo Democrático ou neoconstitucionalismo).

Importante, antes de adentrar a cada uma das manifestações do Estado Moderno e do Constitucionalismo, é ressaltar que as transformações sofridas pelos Estados, não se delimitam em épocas determinadas, iniciando-se uma forma e rompendo-se definitivamente com outra, o que ocorre são “[...] metamorfoses, que é aperfeiçoamento e enriquecimento e acréscimo, ilustrados pela expansão crescente dos direitos fundamentais bem como pela criação de novos direitos”.81

2.1.3 Constitucionalismo Liberal

Afirma-se que a primeira forma de Constitucionalismo a ser adotada, foi o Constitucionalismo liberal, por conseqüência do regime econômico adotado no período em que se estabeleceram as primeiras ideologias constitucionalistas, e por conseqüência, as primeiras Constituições escritas, aqui a referência é ao Constitucionalismo de matriz individualista, representado, principalmente pelo

78 DALLARI, Dalmo de Abreu. op. cit., p. 199.79 Loc. cit.80 BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2010, p.

43.81 BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 43.

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 43

Constitucionalismo Francês82.

Com efeito, surgindo num momento em que a doutrina econômica predominante era o liberalismo, incorporou-se o constitucionalismo ao acervo de idéias que iriam configurar o liberalismo político. Este, por sua vez, expandiu-se como ponto de convergência das lutas a favor dos direitos e da liberdade do individuo.83

Também influencia essa primeira concepção do Constitucionalismo, a idéia de que deveria ser dada oportunidade ao homem, enquanto individuo, na acepção mais restrita da palavra, de descobrir-se a si mesmo e reger seus próprios valores e sua vida privada da melhor maneira que lhe conviesse, não devendo o Estado, nesse momento, intervir no âmbito privado da vida humana. Devido a isso o “[...] Estado se mostrou liberal, encolhido, diminuído e se enquadrando à exata proporção em que sua ausência se revelava imprescindível”.84

O termo Liberalismo, segundo Soares, abarca tanto o liberalismo político, eivado pela teoria da separação dos poderes, quanto o liberalismo econômico, fundado na idéia de livre mercado e sua autoregulação, definindo-se como um “movimento econômico-politico, tendo como base social a classe burguesa, ao propugnar, na esfera econômica, o principio do abstencionismo estatal, e, na esfera política, sufrágio, câmaras representativas, respeito à oposição e separação de poderes”.85

Numa acepção mais objetiva do que efetivamente se tratou o constitucionalismo liberal, Grados faz menção às próprias suplicas populares que nortearam a criação do constitucionalismo enquanto movimento ideológico que objetivava o fim do poder arbitrário dos governantes: a Liberdade.

El primer constitucionalismo se dio con el amanecer de las primeras constituciones a fines del siglo XVIII (Constitución de EEUU y constitución de Francia, en 1787 y 1791, respectivamente) y que tuvieron como estandarte a las revoluciones americana y francesa, que aunque distintas en naturaleza se asemejan en propósitos. El verbo rector de estos movimientos que tatuaron la historia de la humanidad fue ¡Libertad! Por ello, la doctrina lo ha denominado constitucionalismo liberal, debido a esa búsqueda indetenible por lograr la abstención y limitar a un Estado Absoluto, vertical y castrante de los derechos del individuo.86

82 Para uma análise mais detalhada dos modelos de constitucionalismo, consultar, dentre outros, MATTEUCCI, Nicola. Organización del Poder y Libertad: historia del constitucionalismo moderno. Madrid: Trotta, 1998; FIORAVANTI, Maurizio. Los derechos fundamentales. Apuntes de historia de las constituciones. Madrid: Trotta, 2000.

83 DALLARI, Dalmo de Abreu., p. 199.84 ALBERTO, Thiago Gagliano Pinto. Poder Judiciário e argumentação no atual Estado

Democrático de Direito. 2012, 302 fls. Dissertação (mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica no Estado do Paraná, Paraná, 2012, p. 33.

85 SOARES, Mario Lucio Quintão. Teoria do Estado: novos paradigmas em face da globalização. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2008, p. 80.

86 GRADOS, Guido Aguila. Hacia un (Neo) Neoconstitucionalismo? In: Constitucionalismo em mutação: Reflexões sobre as influências do neoconstitucionalismo e da globalização jurídica. Blumenau: Nova Letra. 2013, p. 23.

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 44

A análise dessa afirmação trazida por Grados transparece o objetivo primordial do movimento Constitucionalista: limitar o poder do Estado Absoluto, fazendo assim, com que aquele que detivesse o poder soberano se submetesse a predeterminações para a sua atuação enquanto governante. Predeterminações estas que estariam previstas em uma Constituição escrita.

O fato de haver uma Constituição escrita limitando o poder do governante, segundo o mesmo autor, é mais uma característica dessa primeira fase do Constitucionalismo. Também é a positivação dos direitos fundamentais, provenientes em um primeiro momento, da criação da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, que neste momento, se mostrou de suma importância para a institucionalização do Constitucionalismo como ideologia influente na concepção de um novo modo de pensar o Estado, a teoria da separação dos poderes e sua aplicação e por ultimo a Soberania do Estado.87

Ainda referente à importância da elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão neste determinado período, reconhecendo direitos individuais e fundamentais do homem, o que se mostrou como um dos principais pilares de formulação dos ideais constitucionalistas, Azambuja afirma que isso se deve aos “[...] tremendos acontecimentos que ele pronunciava, da sua redação solene e lapidar e do fato de ser realmente a mais completa declaração dos direitos individuais até então formulada”.88

Streck, também com a intenção de determinar os objetivos e características principais do Constitucionalismo Liberal, define-o como “[...] a institucionalização do triunfo da burguesia ascendente sobre as classes privilegiadas do Antigo Regime, em que se produz uma clara distinção entre o político e econômico”,89 originando um Estado abstencionista, que deixa “[...] livres as forças econômicas, adotando uma posição de (mero) policial da sociedade civil que se considera a mais beneficiada para o desenvolvimento do capitalismo em sua fase de acumulação inicial”.90

Esta concepção de Estado e também do Constitucionalismo, referente às suas características liberais perdurou por mais ou menos dois séculos – até início do século XX – quando uma nova forma de se pensar o atuar do Estado e o reconhecimento de outros direitos fundamentais do cidadão a modificaram.

2.1.4 Constitucionalismo Social

Passada a primeira fase do constitucionalismo, com suas características próprias e marcantes - determinadas pelo modelo econômico que se adotou naquele 87 Ibidem, p. 24.88 AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 44. ed. São Paulo: Globo. 2005, p. 157.89 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. op. cit., p. 53.90 Loc. cit.

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 45

período intercorrente -, o Constitucionalismo conforma-se ao Estado Moderno – na sua versão social -, e realiza os seus fins frente às carências do povo submetido ao seu poder soberano que neste momento se mostra limitado por uma Constituição escrita. O projeto da modernidade não logrou êxito, o ideário da Revolução Francesa – liberdade - igualdade – fraternidade-, não se realizou, senão, ao contrário, foi gerador de desigualdades sociais.

Este período ficará caracterizado pela maneira como o Estado irá intervir na propriedade privada, na economia e na tentativa de efetivar, através de ações positivas, os direitos fundamentais já reconhecidos e que agora se alargam (reconhecimento de novos direitos de primeira geração ou dimensão) e principalmente, neste período, os recém-reconhecidos direitos sociais (econômicos e culturais) do homem (direitos de segunda geração ou dimensão).

Nesta nova forma de pensar o atuar do estado, frente as necessidades e agora, também, ao reconhecimento de direitos sociais, a evolução se dá no sentido de que manter o bem estar social, através de condutas comissivas do Estado (diferentemente do abstencionismo do Estado – constitucionalismo – Liberal) se torna como um dos principais objetivos do Estado. O Estado se torna intervencionista e afasta as suas características abstencionistas provenientes da primeira forma do Constitucionalismo.

Delimitando o aporte temporal e as características do Estado neste período, compreendido como o Estado do bem-estar social, Streck leciona:

A Construção de um Estado como Welfare State está ligada a um processo histórico que conta já muitos anos. Pode-se dizer que ele acompanha o desenvolvimento do projeto liberal transformado em Estado do Bem-estar Social no transcurso das primeiras décadas do século XX. A história dessa passagem, de todos conhecida, vincula-se em especial à luta dos movimentos operários pela conquista de uma regulação para a convencionalmente chamada questão social. São os direitos relativos às relações de produção e seus reflexos, como a previdência e assistência sociais, o transporte, a salubridade pública, a moradia etc., que vão impulsionar a passagem do chamado Estado Mínimo – onde lhe cabia tão só assegurar o não impedimento do livre desenvolvimento das relações sociais no âmbito do mercado – para o Estado intervencionista - que passa a assumir tarefas até então próprias à iniciativa privada.91

Também neste sentido, Grados, nos apresenta o Constitucionalismo Social:

La segunda estación del constitucionalismo [...] se da a inicios del Siglo XX con la Revolución Mexicana y el fin de la Primera Gran Guerra. Las constituciones paradigmáticas serían la de Querétaro (1917) y la de Weimar (1919). La Constitución mexicana fue un producto revolucionario y por ello inaugura el Estado Social de Derecho bajo premisas como la limitación de la propiedad privada, la exaltación de derechos laborales y un intervencionismo estatal en la economía. Por su parte, la Constitución Alemana que se firma

91 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 83.

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 46

sobre la Europa aún humeante se erige como la primera carta política del mundo que hace alusión a disposiciones relacionadas con los derechos sociales asistenciales y de salud. Aunque en sincronismo temporal, una norma constitucional fue ajena a la otra, pero con coincidencias que anunciaban una nueva era constitucional.92

Corroborando as afirmações apresentadas em relação às características do Constitucionalismo Social e do Estado Social, novamente é a lição de Streck, no sentido de que esta forma de Estado se caracteriza primordialmente como a institucionalização do modelo capitalista em sua forma mais madura, onde o Estado deixa de lado seu caráter abstencionista, que visava, inicialmente, proteger os interesses da burguesia, passando a intervir diretamente na economia, bem como se tornando um ente decisivo na produção e distribuição de bens93.

Este Estado Social, e consequentemente, o Constitucionalismo Social, perdura até o final da Segunda Guerra mundial, momento em que se mostrou necessário refletir sobre uma nova forma de pensar o Direito, as garantias individuais do homem e seus direitos sociais.

2.1.5 Estado Constitucional de Direito (Neoconstitucionalismo).

É inegável que ocorreram diversas transformações no mundo após a eclosão das duas grandes guerras mundiais. Condutas devastadoras de Chefes de Estado que, ao defenderem suas políticas ideológicas, fundamentados num Estado Legalista – onde suas ações eram tidas como legitimas - acabaram por exterminar milhares de vidas. Estas condutas e as conseqüências sociais, econômicas e políticas surgidas a partir delas geraram a necessidade de se refletir e de se repensar uma nova forma de se compreender e de se dar o Direito.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, surge no cenário mundial um novo paradigma de compreensão do Direito. Esta nova formar revolucionária de pensar e compreender o Direito está intimamente ligada com o Constitucionalismo, pois é sobre ele que, em contraposição às infaustas ações cometidas pelo Estado, se inclinaram todos os pensamentos no sentido de dar maior proteção e segurança para ao individuo, através da reafirmação dos direitos fundamentais do homem, da elevação do principio da dignidade da pessoa humana como pilar fundamental de todo um ordenamento jurídico, do reconhecimento da força normativa das Constituições - que substancialmente passaram a se mostrar como dirigentes e compromissórias, onde todas as garantias estariam previstas -, da expansão da jurisdição constitucional e do desenvolvimento de novas formas de interpretação da Constituição.94

92 GRADOS, Guido Aguila. op. cit., p. 24.93 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. op. cit., p. 53.94 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do modelo. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2013, p. 284.

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 47

Este período, onde se revoluciona por completo a idéia do Constitucionalismo, pode ser denominado de pós-positivismo, neoconstitucionalismo95 e ainda “revolução copernicana do constitucionalismo – e do Direito”,96 como prefere Streck.

Assim, o Estado rompe com a influência das idéias advindas do positivismo, quando se caracterizava como um Estado extremamente legalista, onde a legislação infraconstitucional dava todo o suporte para seu ordenamento jurídico, e passa a se mostrar como um Estado Constitucional, pensado no seio das concepções neoconstitucionalistas, onde agora é a Constituição, dotada de força normativa, com seu caráter dirigente e compromissório, acobertada pelo principio da supremacia, que dá fundamento e por conseqüência do seu próprio significado etimológico, constitui todo o ordenamento jurídico.

É neste viés ideológico – do Neoconstitucionalismo - que se passará a depositar todas as esperanças de ver reconhecida a dignidade do homem, e com isso, que as ações do Estado se voltem a dar efetividade aos direitos fundamentais da pessoa humana. O termo neoconstitucionalismo pode ser utilizado tanto para definir a compreensão inovadora do clássico constitucionalismo, que sofreu transformações substanciais no segundo pós-guerra, como para delimitar as idéias de vários autores sobre o assunto, que na maioria das vezes mostram-se incompatíveis entre si.97

Alguns doutrinadores quando tratam do Constitucionalismo democrático ou neoconstitucionalismo preferem aterem-se as principais características inovadoras do movimento. Assim, Bernal Pulido, na obra “El neoconstitucionalismo a debate” estabelece um contraponto entre o posicionamento de Prieto Sanchis e Garcia Amado. Segundo o autor colombiano, para Prieto Sanchis “[...] o neoconstitucionalismo se caracteriza pela defesa simultânea das seguintes teses relacionadas à Constituição e sua interpretação”98.

1 – La Constitución es material. Está provista de un “denso contenido sustantivo”, conformado por normas que establecen al poder no solo “cómo ha de organizarse y adoptar sus decisiones, sino también qué es lo que puede e incluso, a veces, qué es lo que debe decidir”.

2 – La Constitución es garantizada. Su protección se encomienda a los jueces.

3 – La Constitución es omnipresente. Los derechos fundamentales tienen una fuerza expansiva que irradia todo el sistema jurídico. Como consecuencia de ello, la Constitución regula plenamente la legislación: “En la Constitución de los derechos no hay espacios exentos para el legislador porque todos los espacios aparecen regulados”.

4 - La Constitución establece una regulación principialista. En este tipo de regulación “se recogen derechos (y deberes correlativos) sin especificar sus

95 CORRÊA, Murilo Duarte Costa. Teoria do Direito e Democracia: (não-) caminhos. Revista Jurídica da Faculdade União, Ponta Grossa, v.8, n. 1, p. 117.

96 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 112.97 PULIDO, Carlos Bernal. El neoconstitucionalismo a debate. Argentina: [...] 2006, p. 29.98 Ibidem, p. 11.

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posibles colisiones, ni las condiciones de precedencia de unos sobre otros; o donde se fija objetivos o conductas también sin establecer el umbral mínimo de cumplimiento constitucionalmente obligado”. Por ello, “se produce [...] una pluralidad de mundos constitucionalmente posibles”. La Constitución es abierta y “habla con muchas voces”, pero legislador y juez escuchan la misma voz.

5 – La Constitución se aplica mediante la ponderación. La ponderación es una forma de argumentación mediante la cual se construye una jerarquía móvil entre los principios que entran en colisión, es decir, se establece cuál de los principios debe preceder de acuerdo con las circunstancias del caso concreto.

6 – Esta concepción de la Constitución implica negar la posibilidad de estructurar un “modelo geográfico” de relaciones entre la Constitución y la legislación, en el cual la frontera entre los derechos fundamentales y la ley aparezca claramente delimitada y existían unos límites infranqueables por el legislador y otras materias en donde este poder se puede mover con libertad. Por ello mismo, o un caso es legal o es constitucional.

7 – Esta concepción de la Constitución implica, más bien, la existencia de un modelo argumentativo de relaciones entre la Constitución y la legislación. “No hay problema jurídico que no pueda ser constitucionalizado y eso significa que debe descartarse la existencia de un mundo político separado o inmune a la influencia constitucional”. El modelo argumentativo no distingue el mundo de la legislación del mundo constitucional, así como tampoco elimina la libertad legislativa de configuración [...].99

Após esta exposição, o autor apresenta também as concepções de García Amado, que de maneira geral se dão como a desconstrução das ideais de Prieto Sanchis, fundamentada numa perspectiva mais positivista da Constituição100. Ao tratar sobre esta nova forma de se compreender o Constitucionalismo,

Streck delimita suas principais características e elenca as consequências de sua implantação num ordenamento jurídico:

99 PULIDO, Carlos Bernal. op. cit., p. 12-13.100 Dessa forma, García Amado nega as idéias de uma Constituição Onipresente; uma Constituição

principialista; a idéia de que sua aplicação se dá através da ponderação; a idéia de que não há distinção entre o âmbito da Constituição e o âmbito da Legislação e por ultimo, a idéia da existência de um modelo argumentativo de relação entre a Constituição e a Legislação. A fundamentação para estas contraposições reside no fato de que Garcia Amado defende a opinião de que nas concepções de Prieto Sanchis, no Neoconstitucionalismo se confunde o que a Constituição determina com aquilo que seus interpretes afirmam que ela determina, enquanto que do seu ponto de vista, “a Constituição só diz o que dizem suas palavras, e não aquilo que os intérpretes derivam do texto constitucional”. Com base nessa concepção, Garcia Amado compreende as disposições constitucionais subdividindo-as em três formas: 1) Coisas que a Constituição expressamente prevê, nas formas de mandamentos, permissões ou proibições; 2) Coisas a que a Constituição não faz nenhuma previsão ou determinação; e 3) Coisas que a priori não se sabe se são previstas ou não, pois, por conseqüência, dependem de como ira ser interpretado seus enunciados. Diante dessa idéia, Garcia Amado rechaça as idéias: 1) de uma Constituição Onipresente, pois na Constituição não estarão previstas todas as coisas; 2) da negação de uma separação entre o âmbito constitucional e o âmbito da legislação, e 3) da existência de um modelo argumentativo de relação entre Constituição e Legislação. (Ibidem, p. 13-14)

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 49

[...] a nova concepção de constitucionalismo une precisamente a idéia de Constituição como norma fundamental de garantia com a noção de Constituição enquanto norma diretiva fundamental. O caráter inovador assumido pelo constitucionalismo contemporâneo tem influído poderosamente em determinados aspectos implícitos na constitucionalização do direito, podendo ser destacados, com Alonso Garcia Figueroa, três aspectos: um material, um estrutural e funcional e um político. O aspecto material da constitucionalização do ordenamento consiste na conhecida recepção no sistema jurídico de certas exigências da moral crítica na forma de direitos fundamentais. Em outras palavras, o direito adquiriu uma forte carga axiológica, assumindo fundamental importância a materialidade da Constituição. O aspecto material da constitucionalização tem apontado para o reforço entre os juristas de um conceito não positivista de direito, no qual o sistema jurídico está vinculado à moral de forma conceitual, o que, aliás, pode ser um dos elementos que distingue o constitucionalismo atual (neoconstitucionalismo) de suas versões precedentes. O Constitucionalismo tradicional era sobretudo uma ideologia, uma teoria meramente normativa, enquanto o constitucionalismo atual tem se transformado em uma teoria do direito oposta ao positivismo jurídico enquanto método. Já o aspecto estrutural da constitucionalização do ordenamento tem relação com a estrutura das normas constitucionais. O aspecto funcional se expressa através do tipo de argumentação que estas fomentam. Assumem relevância, nesse contexto, os princípios constitucionais, incidindo sobre o ordenamento e sobre a aplicação do ordenamento. Há um efeito de irradiação provocado pelos princípios, questão que pode ser observada nos tribunais constitucionais europeus e no desenvolvimento da teoria da argumentação jurídica, na medida em que toda interpretação se submete aos princípios. Assim, aduz Figueroa, se o aspecto material da constitucionalização do ordenamento tem vinculado o direito à moral, o aspecto funcional tem aproximado o raciocínio jurídico do raciocínio moral [...] 101

A delimitação de Streck, quanto às características essenciais dessa nova fase do constitucionalismo, se mostra necessária na medida em que reafirma uma nova quebra de paradigma na compreensão e aplicação do Direito, pois quando defende que a constitucionalização do ordenamento se dá com o reconhecimento da grande carga axiológica que uma Constituição possui, confronta diretamente toda a base estrutural-fundante dos modelos positivistas que vigoraram até o segundo pós-guerra.

Esta perspectiva inovadora traz a tona uma nova identidade do Direito, que deixa de ser compreendido meramente como um conjunto de regras postas pelo Estado quando passa a ser reconhecida como necessária a observância e incidência de certos princípios, dotados de grande carga axiológica, quando da elaboração, interpretação e aplicação dessas regras.

Neste sentido, delimitando a concepção de Direito nas vertentes positivistas e pós-positivistas, Alexy relaciona três elementos para direcionar o conceito de Direito: “o da legalidade conforme o ordenamento, o da eficácia social e o da correção material”102. À importância dada pelo intérprete a cada um dos elementos norteadores

101 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 114.102 ALEXY, Robert. Conceito e Validade do Direito. Tradução de Gercélia Batista de Oliveira

Mendes. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 15.

ESTUDOS CONSTITUCIONAIS 50

do conceito de Direito delimitará, conforme o autor, qual é a sua vertente predominante, se positivista ou jusnaturalista. Caso o intérprete atribua máxima importância ao elemento da correção material e deixe de lado os elementos da legalidade conforme o ordenamento e da eficácia social, revelará um conceito estritamente jusracional ou jusnatural103.

Parece-nos que nessa nova concepção do constitucionalismo, a diferenciação principal em relação aos modelos anteriores é justamente essa, a de uma maior preocupação com o elemento da correção material, não sendo mais somente importante a legalidade e a eficácia social de uma norma, e sim, a observação de seu caráter axiológico e se esta se amolda aos princípios norteadores do ordenamento jurídico, presentes expressamente ou implicitamente na Constituição, e, porque não dizer, aos tratados internacionais.

A questão dos princípios, dentro da teoria constitucional, se mostra como um dos pontos mais importantes e inovadores dessa nova fase do constitucionalismo. Em decorrência do reconhecimento da força normativa e vinculante da Constituição, os princípios que expressamente ou implicitamente nela permeiam, também recebem o reconhecimento normativo e vinculativo, ocorrendo um verdadeiro “movimento de constitucionalização dos princípios jurídicos”,104 afastando-se assim, as premissas positivistas que nortearam o discurso jurídico até meados do século XX, onde os princípios eram reconhecidos como fonte normativa subsidiaria105.

Neste sentido, Dworkin que lança as “bases de um modelo axiológico do Direito, em que os valores constitucionalizados são dotados de força normativa e passam a exigir também uma alteração prática e metodológica” 106, define os princípios como sendo “um padrão de deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política, ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade” 107.

Inegavelmente, é em decorrência desta nova visão do Constitucionalismo, que agora se reconhece a normatividade aos princípios no processo de interpretação/aplicação da Constituição e, ante o reconhecimento de sua força normativa, que ensejará a expansão da jurisdição constitucional e fenômenos daí decorrentes, tema deste trabalho108.

103 ALEXY, Robert. Conceito e Validade do Direito. op. cit., p. 15.104 CRISTÓVAM, José Sergio da Silva. Sobre o neoconstitucionalismo e a teoria dos princípios

constitucionais in: Constitucionalismo em mutação: reflexões sobre as influências do neoconstitucionalismo e da globalização jurídica. Blumenau: Nova Letra. 2013, p. 12.

105 Idem, loc. cit.106 CORRÊA, Murilo Duarte Costa. op. cit., p. 119.107 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo:

Martins Fontes. 2010, p. 36.108 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo. op. cit., p. 288.

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2.2 Jurisdição Constitucional como produto lógico do constitu-cionalismo.

Vencida a fase de conceituação e demonstração da evolução histórica do Constitucionalismo, que se coaduna com a própria noção e evolução do Estado (moderno), resta agora reafirmar a idéia de que a Jurisdição Constitucional (tema que será melhor aprofundado no capitulo subsequente) é produto lógico e direto da adoção da ideologia Constitucionalista num determinado ordenamento jurídico, objetivando assim, proteger e dar efetividade às garantias e limitações previstas em uma Constituição escrita, que agora, devido as novas perspectivas do atual constitucionalismo, tem sua supremacia, rigidez, força normativa e vinculativa reconhecidas.

E é neste sentido que Streck, afirmando a relação existente entre Constituição e Jurisdição Constitucional, afirma que “[...] Constituição é o fundamento de validade (superior) do ordenamento e consubstanciadora da própria atividade político-estatal, e jurisdição constitucional passa a ser a condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito”.109 Dito isto, enfim, como segundo momento, explana-se sobre a jurisdição Constitucional no contexto do neoconstitucionalismo, quanto a sua finalidade precípua, características, e seus principais problemas dentro da atual teoria constitucional.

2.3 Constitucionalismo e Democracia: tensão entre conceitos?

Outro tópico importante, ainda na seara da teoria constitucional, de larga discussão e que precisa ser enfrentado, ainda que sem a pretensão de seu esgotamento, é o dilema da aparente tensão pratica e conceitual existente entre o Constitucionalismo e a Democracia.

O Constitucionalismo, como já exposto anteriormente, é compreendido como sendo a manifestação ideológica proveniente das revoluções americana e francesa, ocorridas no século XVIII, que objetivava a concretização dos ideais do liberalismo político: a limitação do poder dos governantes frente às garantias dos direitos fundamentais do cidadão.

Vencida a exposição da evolução histórica desse conceito, ainda nos parece ser atual tal definição, não obstante a quebra paradigmática ocorrida no pós-guerra que transformou drasticamente a forma de compreensão e aplicação da Constituição e seu texto dotado de força normativa e permeado por princípios que nos reconduzem ao reconhecimento da reaproximação entre Direito e Moral.

109 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica., p. 37.

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O significado etimológico de democracia nos traz a sua conceituação geral, seu cerne. 110 O termo vem do grego “Demokratia”, que tem sua base composta por outras duas palavras gregas: “Demos” e “kratos”, a primeira significando “povo” e a segunda “domínio” “poder”, o que por conseqüência nos da o seu significado: “poder do povo”111 ou “governo do povo”.

Palombella ao tratar sobre o tema referente à tensão entre os dois conceitos, afirma que isso decorre do fato de que se por um lado as sociedades se organizam conforme um consenso popular (restando claro estar se tratando da democracia), por outro lado a vontade individual dos cidadãos sofre limitações constitucionais intangíveis e dificilmente modificáveis (fazendo referencia às premissas do Constitucionalismo)112.

A grande maioria das teorias referentes a esse tema, quando trazidas a pratica através do plano político e institucional, tende a defender a sobreposição de um conceito ao outro, elegendo um conceito a outro, e com isso, conforme defende Palombella, quanto mais nítida é esta distinção e defesa de um conceito dentro de determinada teoria, mais resultados práticos se efetivam. Em conseqüência disso, podemos verificar o “estancamento de um constitucionalismo incompleto, desviado por excessivas pretensões democráticas” ou de outra banda, “uma democracia débil e minimizada” frente às imposições constitucionais113.

Ainda conforme Palombella, a defesa do Constitucionalismo, (consubstanciada na defesa da limitação do poder frente aos direitos fundamentais) pode se dar de maneira conservadora ou progressista. A primeira, através do reconhecimento de mudanças que são esperadas pela vontade popular, e a segunda, que ao contrario da primeira, reconhece nas garantias constitucionais uma barreira contra o arbítrio das maiorias, manipuláveis e parciais em seus interesses, propósitos e expectativas114.

Já na defesa da democracia, compreendida como a defesa do valor decisivo da vontade popular, mesmo ocorrendo variações do seu sentido, resta sempre o seu sentido substancial: a conciliação da vontade de cada um com a da maioria, a vontade geral e a vontade de todos115.

O autor italiano, após apontar estas conseqüências da adoção entre um conceito e outro, quando do reconhecimento de uma tensão conceitual aparente, prefere adotar uma concepção que não renuncia nem o constitucionalismo e nem a

110 Tratar sobre a democracia não é o objetivo principal do presente trabalho, tendo em vista que este tema é demasiadamente amplo e controverso, necessitando que fosse trabalhado como enfoque principal para que assim fosse alcançado seu melhor esclarecimento e sua real delimitação teórica.

111 AZAMBUJA, Darcy. op. cit., p. 216.112 PALOMBELLA, Gianluigi. Constitución y Soberanía: El sentido de la democracia

constitucional. Granada. 2000, p. 5.113 PALOMBELLA, Gianluigi. op. cit., p. 5.114 Ibidem, p. 6.115 Loc. cit.

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democracia, nos apresentando uma democracia constitucional, onde os dois conceitos aparecem como complementares e garantidores um do outro.

Palombella fundamenta esta idéia defendendo que o constitucionalismo, quando garante e dá efetividade aos direitos fundamentais quando estes são postos em perigo pelo processo majoritário (democracia como vontade da maioria), não ocorre efetivamente uma limitação à democracia, mas sim uma garantia dela mesma116, pois não se pode ignorar que “o constitucionalismo, a esse respeito, trabalha como motor interno da democracia, protegendo suas características essenciais e garantindo a “gramática” da linguagem da vontade popular”117.

Dessa concepção de Pallombela, não obstante as tantas outras posições em relação à tensão entre Constitucionalismo e Democracia, parece-nos sair a melhor idéia, no sentido de que as idéias fundamentais do Constitucionalismo e da Democracia, se coadunam para garantias recíprocas, sem o Constitucionalismo não há um limite propriamente dito ao exercício da democracia, compreendida como a vontade majoritária, mas sim uma garantia dela mesma.

2.4 A Jurisdição Constitucional no contexto do Neocons-titucionalismo.

A jurisdição Constitucional, conforme já afirmado, decorre diretamente da implantação dos ideais constitucionalistas em determinado ordenamento jurídico, pois quando o Constitucionalismo prevê a limitação do poder e o reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais (individuais e coletivos), necessita que essas previsões se tornem efetivas no mundo do ser. Em um mundo ideal, e por consequência, utópico, a efetividade dessas garantias dar-se-ia unicamente pela via da força normativa e vinculativa que foi reconhecida às Constituições118, com o advento do neoconstitucionalismo, entretanto, como o mundo do “ser” não corresponde diretamente ao “dever ser”, e essa concepção ideal, que por sua própria essência utópica nem sempre é possível de ser verificada na práxis, esta garantia fica condicionada a uma atividade positiva de reconhecimento realizada pela Jurisdição constitucional, visando à concretização dos direitos fundamentais.116 PALOMBELLA, Gianluigi. op. cit., p. 10.117 Ibidem, p. 11.118 Celso Antônio Bandeira de Mello, quando trata sobre a força jurídica vinculante das constituições,

afirma veementemente que “a Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgãos do Poder e cidadãos.” e ainda complementa: “Uma vez que a nota típica do Direito é a imposição de condutas, compreende-se que o regramento constitucional é, acima de tudo, um conjunto de dispositivos que estabelecem comportamentos obrigatórios para o Estado e para os indivíduos. Assim, quando dispõe sobre a realização da Justiça Social – mesmo nas regras chamadas programáticas – está, na verdade, imperativamente, constituindo o Estado Brasileiro no indeclinável dever jurídico de realiza-la.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais. São Paulo: Malheiros Editores. 2010, p. 12).

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Com isso, tem-se que a Jurisdição Constitucional tem como finalidade precípua garantir a efetividade e proteção das normas constitucionais, através da atividade interpretativa que realiza do texto constitucional, tanto quando atua no controle de constitucionalidade (difuso e concentrado) das leis infraconstitucionais como quando realiza o julgamento dos casos concretos submetidos originariamente ou através das vias recursais.

Sampaio, ao tratar sobre a noção de jurisdição constitucional, afirma que esta possui critérios formais e materiais, e a conciliação destes nos trás um possível conceito: uma garantia constitucional, exercida precipuamente por um órgão jurisdicional superior, que fizesse ou não parte do sistema judiciário comum, e por “processos jurisdicionais”, visando sempre a adequação dos atos do executivo e legislativo às previsões e limites constitucionais, especialmente aqueles destinados à “proteção e realização dos direitos fundamentais”.119

A Jurisdição Constitucional é uma forma de manifestação da Jurisdição.120 A Jurisdição é compreendida como uma manifestação da soberania do Estado121, exercida quando da eclosão de um conflito entre aqueles que estão submetidos a sua soberania. Unindo os elementos que compõe a sua clássica definição, Chiovenda afirma que a jurisdição se trata da:

Função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva122.

No mesmo sentido é a compreensão de Carneiro, quando afirma que como resposta ao direito subjetivo de Ação do cidadão, se dá “a atividade estatal da Jurisdição, através da qual o Estado cumpre o dever de, mediante um devido processo legal, administrar justiça aos que a solicitaram”123.

Entretanto, os clássicos conceitos sobre jurisdição apresentados no viés da teoria geral do processo, nem sempre nos dão a real dimensão do que se trata a jurisdição constitucional, tendo em vista que a atividade exercida por esta, mesmo se configurando como um exercício da soberania estatal, nem sempre se exterioriza para a resolução de uma pretensão resistida entre duas partes opostas.

119 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey. 2002, p. 23.

120 SANTOS, Paulo Junior Trindade dos. O Ativismo Judicial e a criação do Direito pela via da interpretação: as possíveis contribuições da filosofia no Direito. 2013, 278 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2013, p. 87.

121 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. 2. ed. Campinas: Bookseller. 2009, p. 512.

122 Loc. cit.123 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição - Noções fundamentais. Revista de Processo, São

Paulo, v. 19, p. 9-21, jul. 1980, p. 9.

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É nesse sentido que então, ocorre a mitigação da idéia de um contencioso de partes e se pensa em um “contencioso não jurisdicional” ou uma “jurisdição não contenciosa”, pois a idéia de contenciosidade e “sujeitos ou partes processuais, detentores de interesses concretos e, em regra, patrimoniais” é substituída pela idéia de um “conflito de posições ou de interesses de proteção da ordem jurídico-constitucional”124.

Sendo assim, a Jurisdição Constitucional se configura como a atuação do Poder Judiciário no âmbito da aplicabilidade das premissas constitucionais voltadas a dar garantia a sua própria supremacia, bem como à realização dos direitos fundamentais previstos na Constituição, quando da resolução dos “conflitos de natureza constitucional”.125

Essa atuação do Poder Judiciário se dá de formas diversas, mas principalmente, através da aplicação direta da Constituição – possibilidade decorrente do reconhecimento da força normativa da Constituição – quando da decisão em casos concretos e, como atuação por excelência, através do controle de constitucionalidade das leis, pela sua forma difusa ou concentrada (no caso brasileiro, de forma mista, utilizando-se de ambas as formas de controle).

A atividade de controle de constitucionalidade das normas pelo Poder Judiciário, fundamentada no principio da supremacia da constituição revela-se como substancial quando tratamos dos fins primordiais da Jurisdição Constitucional.

A necessidade do Poder Judiciário em efetivar esse controle dos atos advindos dos Poderes Executivo e Legislativo, consubstanciando, assim, a afirmação de que a jurisdição constitucional se revela como “condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito”126, se compreende a partir do próprio fundamento do ideal Constitucionalista dentro do Estado Democrático de Direito, atuando quando a Democracia, através do poder legislativo, minimiza de alguma forma as garantias fundamentais previstas constitucionalmente ou quando as leis criadas por este poder não observam o conteúdo formal e material presente na Constituição.

Lima, quando trata sobre a justificação da Jurisdição constitucional da perspectiva dos liberais, afirma que a jurisdição se fundamenta na idéia de que a democracia constitucional tem o papel de “garantir os direitos fundamentais dos cidadãos”, dando à Constituição e a todas as previsões nela contidas neste sentido, uma exorbitante importância, pois nestas previsões deve estar contida a garantia de um “âmbito de liberdade imune” aos possíveis “procedimentos majoritários que possam

124 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey. 2002, p. 23.

125 Loc. cit.126 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 37.

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ameaçar a neutralidade liberal que assegura o espaço do desacordo razoável”127.

Conforme nos apresenta Pereira, também há a concepção de uma atividade política da jurisdição constitucional, no sentido de que tendo ela a finalidade precípua de assegurar a “máxima efetividade dos direitos fundamentais”, consequentemente estaria fadada a realizar escolhas morais, e em razão desses inevitáveis pronunciamentos sobre questões morais, ocorre que a jurisdição pode vir a efetivar o que se tem denominado de atividade política,128 e é esta possibilidade que dá azo ao problema enfrentado neste trabalho: o Ativismo Judicial.

3 A redemocratização advinda da Constituinte de 88 e a decorrente expansão da Jurisdição Constitucional: a realidade brasileira

O Brasil enfrentou diversas transformações em seu contexto histórico-constitucional acerca da atividade política e consequentemente jurídica desde sua primeira Constituição em 1824. A cada nova Constituição, um novo contexto jurídico se instalava, não obstante a velha compreensão paradigmática acerca do papel da Constituição dentro do ordenamento jurídico anterior ao advento da Constituinte de 1988.

Não é o objetivo do presente trabalho dissertar sobre a evolução histórico-constitucional brasileira, entretanto se faz necessária uma breve analise da situação constitucional que precede a redemocratização proveniente do processo constituinte de 1986-1988.

Diante do golpe militar de 1964, que culminou no regime ditatorial que durou por longos e obscuros vinte e cinco anos, os direitos fundamentais e a concepção do constitucionalismo viram-se desestabilizados e mitigados. Conforme afirma Streck, o suporte fático do golpe encontra respaldo já em eventos provenientes da promulgação da Constituição de 1946, quando ocorre:

a) - a agitação em torno da tese da maioria absoluta, em 1951, como indispensável à eleição presidencial de Vargas – não foi possível submeter o caso ao Supremo Tribunal Federal porque militares getulistas fizeram pressão sobre os civis;

b) - o manifesto dos coronéis (janeiro de 1954), forçando a exoneração de João Goulart como Ministro do Trabalho, provocando também a queda do Ministro da Guerra, Ciro Espírito Santo;

127 LIMA, Bruno Souza de. Entre Constituição e democracia: uma análise do controle de constitucionalidade brasileiro. In: CLÈVE, Clémerson Merlin (Coord.). Constituição, democracia e justiça: aportes para um constitucionalismo igualitário. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 278.

128 PEREIRA, Ana Lucia Pretto. A atividade política da jurisdição constitucional brasileira: algumas dimensões. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin (Coord.). Constituição, democracia e justiça: aportes para um constitucionalismo igualitário. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 18.

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c) - a deposição de Vargas, entre 22 e 24 de agosto de 1954, pelos generais, brigadeiros e almirantes, após a tentativa de assassinato de Carlos Lacerda e o homicídio do Major Rubens Vaz (reação dos oficiais da Aeronáutica, “República do Galeão” etc.) – a opinião pública apoiou esse levante emocionada com as ameaças da “República Sindicalista”, de Jango, o escândalo da Ultima Hora e o atentado contra Lacerda;

d) - o golpe de estado do General Lott, Ministro da Guerra, em 10 de novembro de 1955, depondo o Presidente interino Antonio Carlos Luz, que se transferira para o cruzador Tamandaré, alvejado pelas fortalezas da barra do Rio;

e) - o golpe de Lott contra Café Filho, o Presidente que o nomeou, seqüestrando-o e impedindo-o de reassumir suas funções, quando se recuperou de um incômodo circulatório que o fizera transmitir o cargo para Carlos Luz e recolher-se a uma casa de saúde – foi decretado, então, o único estado de sitio depois da Constituição de 1946;

f) - os levantes de Aragarças e Jacareacanga contra o Presidente Kubitschek, prontamente sufocados em 1956 e 1957;

g) as tentativas de golpe dos Ministros militares (Deny, Rademacker e Moss), de 25 a 30 de agosto de 1961, para evitar a posse do Vice-Presidente João Goulart, quando da renúncia de Janio Quadros a 25 de agosto de 1961 – resolveu-se o problema com a edição da EC 4, estabelecendo o parlamentarismo;

h)o levante dos sargentos de Brasília, em setembro de 1963; h) - o comício na Central do Brasil, promovido por Jango, em 13 de março de

1964; j) - o levante dos marinheiros na Semana Santa, em março de 1964.129

Todos esses eventos reunidos culminaram, em 31 de março de 1964, o inicio do período mais obscuro para o direito na história do Brasil, quando as forças militares depuseram e extinguiram o governo Constitucional vigente.130 Com o objetivo de criar uma estrutura institucional e jurídica aparentemente legal, gerando assim, consequentemente, uma também aparente legalidade dos atos do regime ditatorial militar, a constituição de 1946 foi por diversas vezes modificada através dos famosos atos institucionais, que ao efetivar essas modificações de interesse dos militares, acabou por aniquilar todo o conteúdo democrático da mesma.131

Dentro dessas modificações temos: a implementação de eleições indiretas para Presidente e vice-presidente da República; diminuição do quórum para emendas constitucionais; suspensão das garantias constitucionais de vitaliciedade e estabilidade; possibilidade dos comandantes suspenderem direitos políticos, sem qualquer apreciação judicial destes atos; exclusão da apreciação judicial de quase todos os atos do Governo Militar; extinção de partidos políticos já existentes, sendo criadas novas exigências muito mais rígidas para a criação de novos partidos132.

Desse modo, as garantias e os preceitos constitucionais contidos na Constituição de 1946, foram extintos, o que de forma direta prejudicou toda a concepção de direito nesse período, conforme afirma Streck: 129 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 516.130 Loc. cit.131 Ibidem, p. 517.132 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 517-518.

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Essa interferência direta do Poder Executivo, nos temas que, em tese, deveriam estar relacionados à atuação exclusiva do Poder Judiciário, demonstra o nível de instrumentalização que o direito alcançou durante a ditadura militar. Mecanismos constitucionais instituídos no contexto europeu e estadunidense, para exercerem a necessária limitação do poder político, foram completamente distorcidos pelo estamento burocrático-militar. Na verdade, em regimes autoritários, como no Estado burocrático-militar formado em 1964, o direito perde sua autonomia e passa a ser colonizado por decisões políticas arbitrárias que refletem apenas as vontades ou opções ideológicas de quem detém o poder133.

Sendo assim, nesse período, toda a movimentação ideológica que permeava as concepções quanto ao inerente acontecer do neoconstitucionalismo no segundo pós-guerra, ainda não haviam sido recepcionadas pelo Direito brasileiro. Entretanto, durante todo o regime militar, houve contestações pacificas e armadas, a primeira por parte da oposição do Movimento Democrático Brasileiro, a segunda por parte de grupos guerrilheiros que lutavam contra toda a opressão advinda do regime ditatorial.134

Mas, é a partir dos movimentos sociais civis, reivindicando uma Assembléia Nacional Constituinte, como o “diretas já” que também reivindicava eleições diretas para Presidente da Republica, que esse cenário começa a se transformar. Uma emenda constitucional prevendo a realização de eleições diretas para Presidente da República foi apresentada ao Congresso Nacional, e ao final rejeitada, entretanto, firmou-se como fato importantíssimo para o prosseguimento do movimento do “diretas já”, pois “a partir dela, surge a idéia de derrotar o regime militar a partir das próprias regras do jogo por ela impostas: as eleições indiretas”.135

Desse modo, em 27 de novembro de 1985 é aprovada a Emenda Constitucional que determinava o estabelecimento da Assembléia Nacional Constituinte e desse processo constituinte resultou a Constituição Federal de 1988, que baseada nos textos constitucionais provenientes do segundo pós-guerra, “filia-se ao constitucionalismo dirigente, compromissário e social”.136, contendo todos os “direitos fundamentais, os direitos sociais, as ações constitucionais” que foram reivindicados por toda a sociedade137 que já não suportava as arbitrariedades do regime militar ditatorial, ocorrendo assim uma verdadeira “redemocratização da democracia”.

E é assim que finalmente os ideais do Constitucionalismo democrático do segundo pós-guerra são recepcionados em solo brasileiro, principalmente no que concerne ao reconhecimento da força normativa da Constituição, ocorrendo assim uma reconstitucionalização de todo o ordenamento, conforme afirma Barroso:

133 Ibidem, p. 520.134 Ibidem, p. 522.135 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. op. cit., p. 522.136 Ibidem, p. 524.137 Loc. cit.

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O debate acerca da força normativa da Constituição só chegou ao Brasil de maneira consistente, ao longo da década de 80, tendo enfrentado as resistências previsíveis. Além das complexidades inerentes à concretização de qualquer ordem jurídica, padecia o país de patologias crônicas, ligadas ao autoritarismo e à insinceridade constitucional. Não é surpresa, portanto, que as Constituições tivessem sido, até então, repositórios de promessas vagas e de exortações ao legislador infraconstitucional, sem aplicabilidade direta e imediata. Coube a Constituição de 1988, bem como à doutrina e à jurisprudência que se produziram a partir de sua promulgação, o mérito elevado de romper com a posição mais retrógrada.138

Agora a República Federativa do Brasil possui uma Constituição que prevê diversos direitos fundamentais e sociais, diversos mecanismos e legitimados para uso desses mecanismos, voltados à proteção das premissas constitucionais. Decorrente disso é que a partir da Constituição de 1988, a jurisdição constitucional teve sua atividade consideravelmente expandida, justamente pelas inovações democráticas contidas no texto constitucional e pela própria quebra paradigmática advinda dos ideais constitucionalistas, o que gerou em toda a sociedade uma conscientização dos direitos que os cidadãos possuíam, aumentando assim, de maneira expressiva, as demandas judiciais nesse sentido139.

Outros fatores que também contribuíram para tanto, conforme afirma Barroso, foi a “ampliação do direito de propositura no controle concentrado” e a “criação de novos mecanismos de controle concentrado, como a ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental”.140 Decorrente de todos esses fatores é que se instalam em solo brasileiro, as questões atinentes ao fenômeno da judicialização da política e o ativismo judicial.

Considerações finaisDiante de toda a construção do presente trabalho, verificamos inicialmente

que a Jurisdição constitucional é um produto lógico do constitucionalismo, pois, quando um Estado Moderno adota o sistema constitucional para a configuração de seu ordenamento jurídico, necessita de uma atividade positiva que de proteção e efetividade para todas as premissas constitucionais como as limitações aos poderes, a estruturação dos mesmos e principalmente, os diretos fundamentais, e essa atividade é exercida pela Jurisdição Constitucional.

Verificou-se também, afim de compreender o atual contexto do Constitucionalismo, toda a evolução história do mesmo, desde sua origem, nas revoluções francesa e americana até os dias atuais, quando se concebe o neconstitucionalismo, onde agora é a Constituição, dotada de força normativa, com seu caráter dirigente e compromissório,

138 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo, p. 285.139 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo, p. 410.140 Ibidem, p. 286.

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acobertada pelo principio da supremacia, que dá fundamento e por conseqüência do seu próprio significado etimológico, constitui todo o ordenamento jurídico.

Essa analise se mostrou necessária na medida em que a atuação da jurisdição constitucional, após o segundo pós-guerra, ou seja, no contexto do neoconstitucinalismo, sofreu grandes transformações que implicam diretamente no problema trazido pelo presente trabalho: O Ativismo Judicial.

Conforme afirmado, decorrente dessa nova forma de atuação do Poder Judiciário, se concebem duas expressões diversas: o fenômeno da Judicialização da política e a problemática do Ativismo Judicial. O primeiro compreendido no decorrer da exposição como um fenômeno jurídico contingencial e inexorável, que desloca o polo de tensão do Executivo e Legislativo para o Judiciário, que agora, decorrente deste fenômeno, atua como um verdadeiro definidor dos destinos da política, principalmente no que concerne às políticas públicas. Já o ativismo judicial, principal problema apresentado pelo presente trabalho, se apresenta como a expressão de um ato de vontade do julgador, quando da decisão dos casos concretos, consubstanciada na discricionariedade judicial. Essa discricionariedade, conforme exposto, não pode ser admitida da perspectiva de uma teoria da decisão judicial, tendo em vista que ela é prejudicial à própria noção de Estado democrático de Direito.

Quando um juiz decide a parti de suas concepções morais, políticas, econômicas e religiosas, ou seja, quando decide a partir de aportes ideológicos próprios, a segurança jurídica e a Constituição são postas em xeque, e isso não deve ser admitido num sistema Constitucional como o nosso, onde as decisões devem estar adequadas com as limitações constitucionais.

Como resposta a essa problemática que atinge a atuação de nosso Poder Judiciário, apresentamos a Teoria Critica Hermenêutica do Direito (CHD), de Strek, que, ao teorizar a possibilidade de uma nova teoria das fontes, uma nova teoria da norma e principalmente uma nova teoria da interpretação, busca auferir uma efetiva teoria da decisão judicial, pela qual se possa garantir a efetividade de decisões constitucionalmente adequadas.

Quanto à necessidade de elaboração de uma nova teoria das fontes, Streck defende a idéia de que a Constituição precisa ser compreendida como tal, pois, no contexto do neoconstitucionalismo, ela é compreendida com uma força normativa e vinculativa, e agora, diferentemente dos tempos do paradigma positivista, é ela quem da o fundamento a todo o ordenamento jurídico e nãos mais as leis ordinárias.

Quanto á necessidade de uma nova teoria da norma, esta de mostra necessária na medida em que agora, os princípios são reconhecidos como uma espécie normativa, assim como as regras. Se os julgadores partissem sempre desse pressuposto, os princípios atuariam como verdadeiros limites à discricionariedade,

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tendo em vista que todas as decisões devem estar constitucionalmente adequadas, e essa adequação passa pela verificação dos princípios previstos implicitamente e expressamente na Constituição.

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