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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 598 ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 736 THE STABILIZATION OF PROVISIONAL PROTECTION IN THE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE. Leonam de Moura Silva Galeli 737 Luciana Franco 738 Resumo O presente artigo tem por escopo analisar as alterações trazidas pela lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, vigente desde 2016, no que tange ao procedimento das tutelas antecipadas, sobretudo em relação à inovação trazida com as figuras da tutela de urgência e de evidência, bem como a possibilidade de estabilização dos efeitos da tutela. Por meio da pesquisa na literatura especializada, buscou-se traçar um paralelo entre a dinâmica da antecipação de tutela no antigo e no novo Código de Processo Civil, passando ao final à análise acerca da questão da estabilização da tutela antecipada, inserida no novo diploma processual, e seus desdobramentos no âmbito das relações jurídicas por ela afetadas. Abstract The purpose of this article is to analyze the changes introduced by law 13.105, dated March 16, 2015, in force since 2016, regardingt he procedure of early guardianships, especially in relation to the innovation brought with the figures of the guardianship of urgency and of Evidence, as well as 736 Artigo submetido em 19/02/2017, pareceres de análise em 06/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017. 737 Advogado, graduado pelas Faculdades Integradas de Bauru, endereço eletrônico: [email protected] 738 Advogada, graduada pelas Faculdades Integradas de Bauru, endereço eletrônico: [email protected]

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 598

ANAIS DO

SIMPÓSIO BRASILEIRO

DE PROCESSO

CIVIL

ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL736

THE STABILIZATION OF PROVISIONAL PROTECTION IN THE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE.

Leonam de Moura Silva Galeli737

Luciana Franco738

ResumoO presente artigo tem por escopo analisar as alterações trazidas pela lei nº

13.105, de 16 de março de 2015, vigente desde 2016, no que tange ao procedimento das tutelas antecipadas, sobretudo em relação à inovação trazida com as figuras da tutela de urgência e de evidência, bem como a possibilidade de estabilização dos efeitos da tutela. Por meio da pesquisa na literatura especializada, buscou-se traçar um paralelo entre a dinâmica da antecipação de tutela no antigo e no novo Código de Processo Civil, passando ao final à análise acerca da questão da estabilização da tutela antecipada, inserida no novo diploma processual, e seus desdobramentos no âmbito das relações jurídicas por ela afetadas.

AbstractThe purpose of this article is to analyze the changes introduced by law 13.105,

dated March 16, 2015, in force since 2016, regardingt he procedure

of early guardianships, especially in relation to the innovation brought with the figures of the guardianship of urgency and of Evidence, as well as

736 Artigo submetido em 19/02/2017, pareceres de análise em 06/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017.

737 Advogado, graduado pelas Faculdades Integradas de Bauru, endereço eletrônico: [email protected]

738 Advogada, graduada pelas Faculdades Integradas de Bauru, endereço eletrônico: [email protected]

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the possibility of stabilizing the effects of guardianship. Through the research in the specialized literature, we sought to draw a parallel between the dynamics of guardianshi participation in the old and new Civil Procedure Code, passingattheendtotheanalysisontheissueofstabilizationofearlyprotection, inserted in the new procedural law, and its developments in the sphere of legal relations affected by it.

Palavras-chave: Processo Civil; Tutela antecipada; Estabilização.

Keywords: Civil lawsuit; Early guardianship; Stabilization.

Sumário

I - Conceito de tutela antecipada; II - O instituto da tutela antecipada no Direito brasileiro; III - A Tutela antecipada no Código Processo Civil de 1973; IV - A Tutela Antecipada no Novo Código de Processo Civil; V - A Estabilização da Tutela Antecipada; VI - Conclusão; VII - Referências

I. Conceito de tutela antecipada

Antes de adentrarmos ao cerne da questão, faz-se necessária uma breve conceituação acerca do instituto da tutela antecipada.

Ao Estado é dada a função de resolver litígios entre os cidadãos. A essa função é dado o nome de tutela jurisdicional, aplicada por juízes através da jurisdição. (COSTA, 2000).

Nesse diapasão, a antecipação da tutela se revela como um adiantamento dos efeitos de uma decisão que seria proferida em um momento futuro. Sobre a questão terminológica se manifestou Jose Carlos Barbosa Moreira (2001, p 5):

Andou bem o legislador em expressar-se como se expressou. Se por “tutela” se entende a proteção dispensada ao litigante é intuitivo que ela não pode constituir o sujeito, mas apenas o objeto da antecipação. A tutela não antecipa seja o que for. Pode, isso sim, ser antecipada pelo juiz, ou por decisão que este profira. Falar-se-á com propriedade, portanto, “decisão antecipatória”, ou em “providência antecipatória”, no sentido de decisão ou de providência que antecipa a tutela. Quanto a esta última, ou será antecipada ou não será: antecipatória é que jamais se concebe que seja.

Sobre a natureza jurídica do instituto da tutela antecipada diz Sergio Bermudes (1996, p. 28):

Cuida-se de prestação jurisdicional cognitiva, consistente na outorga adiantada da proteção que se busca no processo de conhecimento, a qual, verificados os pressupostos de lei, é anteposta ao momento procedimental

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próprio. Configurados os respectivos requisitos, que se descobrem no caput do artigo, nos seus dois incisos e no seu § 2º, o juiz, por razões de economia, celeridade, efetividade, concede, desde logo, e provisoriamente, a proteção jurídica, que só a sentença transitada em julgado assegura em termos definitivos.

Assim, o que se antecipa não é a sentença em si, mesmo porque não adentra o mérito da questão, mas sim os efeitos que se pretende ao final do provimento jurisdicional. Seu deferimento, no entanto, justamente por não demandar a análise do mérito, está condicionado à demonstração de alguns elementos, quais sejam a plausibilidade do direito invocado ou o risco da demora na concessão da tutela pretendida ao final do processo, que possa torná-la sem utilidade.

II. O instituto da tutela antecipada no Direito Brasileiro

O instituto de antecipação dos efeitos da tutela surgiu da necessidade de efetividade da decisão que seria proferida futuramente no processo. Muitas vezes a demora do andamento processual pode fazer com que a decisão final não tenha mais efeitos práticos quando proferida.

Entretanto, na legislação brasileira nem sempre a tutela antecipada foi aceita em qualquer procedimento. A tutela antecipada só era prevista, excepcionalmente, para a satisfação imediata de alguns direitos, tutelados por procedimentos especiais, como nas ações possessórias, mandado de segurança, ação de alimentos. Mas para a generalidade dos direitos, tutelados pelos ritos comuns, ordinário e sumário, não havia previsão de tutela provisória satisfativa. Essa lacuna legislativa revelava a inadequação e insuficiência do rito comum para a tutela provisória dos direitos.

Diante desta limitação imposta ao poder judicial de conceder medidas antecipatórias satisfativas, a tutela cautelar passou a ser desvirtuada. Passou-se a utilizar na praxe forense, o poder geral de cautela para conceder-se medidas antecipatórias atípicas satisfativas, como cautelares fossem, criando-se, jurisprudencialmente, as chamadas “cautelares satisfativas”, com isso, deformou-se, na sua essência, a tutela cautelar. (DIDIER JR, 2010).

Em 1994, entretanto, esse panorama se modificou, com a ediçãoda lei nº 8.952/94 que introduziu modificações significativas nos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil de 1973, permitindo que medidas antecipatórias fossem expedidas de forma genérica em qualquer procedimento processual, desde que demonstrada a ocorrência de seus pressupostos.

Essa reforma acabou generalizando a autorização legislativa para a concessão da tutela antecipada satisfativa, agora permitida para qualquer direito, e não apenas para aqueles que se tutelavam por alguns procedimentos especiais. Promoveu-se a “ordinarização” da tutela antecipada satisfativa, ou seja, o que antes era privilégio de

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alguns procedimentos especiais tornou-se regra no nosso sistema, não havendo mais espaço, hoje em dia, para falar-se em cautelar satisfativa. (DIDIER JR, 2010).

A generalização da tutela antecipada satisfativa, e não sua criação, em 1994, é um marco histórico para evolução do direito processual civil brasileiro, principalmente por ter incorporado, ao processo de conhecimento, atividade jurisdicional executiva, dando inicio ao sincretismo processual que, anos depois, acabou por consolidar-se no direito brasileiro. (DIDIER JR, 2010).

III. A Tutela antecipada no Código Processo Civil de 1973

No extinto Código de Processo Civil havia uma rígida divisão entre os diversos tipos de tutela antecipatórias que existiam.

No artigo 796 deste diploma legal estava inserido o procedimento cautelar, que nada mais seria do que um processo que poderia ser instaurado antes ou durante o processo principal, que tinha por objetivo assegurar o direito do autor.

Tal artigo guarda semelhanças com a tutela antecipada prevista noartigo 273 do mesmo diploma processual, visto que a parte tinha que demonstrar a verossimilhança do direito e a necessidade da sua antecipação, ou seja, o perigo da demora.

A diferenciação entre a tutela cautelar e a antecipada residia no provimento pretendido. Na primeira, buscava-se uma forma de assegurar o cumprimento do provimento jurisdicional futuro, como nas cautelares de arresto e sequestro, onde visava-se assegurar que o Requerido não dilapidasse os bens no curso da ação. Já a segunda, visava a antecipação dos próprios efeitos da sentença de mérito, como ocorria nos procedimentos onde se visava a obrigação de fazer relativa a procedimentos médicos, que em razão da urgência, não poderiam aguardar até o fim do trâmite processual.

Em ambos os casos descritos sempre estaremos diante da chamada cognição sumária, que é a decisão exarada pelo juiz sem o aprofundamento do debate processual e a produção e analise completa das provas. Portanto, tal decisão não teria força par formar a coisa julgada material.

Segundo Humberto Theodoro (2008, p 131-132):

A cognição sumária, ao contrário, impõe limitação no debate e na investigação dos fatos da causa pelo juiz e pelas partes: o exame dos fatos e o debate são superficiais, razão pela qual, normalmente, a decisão judicial aqui não formaria a autoridade da coisa julgada material. 15 Este tipo de cognição é utilizado, no direito brasileiro, em sede da chamada tutela de urgência, tradicionalmente prevista no âmbito do processo cautelar (art. 798 do CPC/73) e da tutela antecipada (art. 273 do CPC/73).

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No direito processual brasileiro, no âmbito do CPC/73, tem-se, como visto, o tratamento de duas modalidades de tutela em que se utiliza a técnica da cognição sumária: a tutela antecipada (satisfativa) e a tutela cautelar.

Esta cognição sumária, que nada mais seria, com já dito anteriormente, do que uma decisão dada pelo órgão jurisdicional logo no inicio do processo não coloca um fim definitivo no conflito entre as partes, uma vez que há a necessidade, segundo o Código de Processo Civil em vigor até 2015, da continuidade do processo.

Assim, no novo diploma processual há a possibilidade da estabilização da tutela concedida, ou seja, dentro da subespécie de tutela provisória, criou-se a figura da estabilização da decisão antecipatória, que será analisada mais detalhadamente no decorrer deste trabalho.

IV. A Tutela Antecipada no Novo Código de Processo Civil

O novo Código de Processo Civil trouxe grandes mudanças na ferramenta processual antecipatória. A primeira grande mudança ocorrida foi a extinção do procedimento cautelar como um processo autônomo.

Consolida-se, assim, o modelo procedimental sincrético, com possibilidade de convivência e duas ou mais atividades procedimentais numa mesma estrutura procedimental. Nesse ponto, o novo diploma processual rompe com a tradição do direito brasileiro, extraída do direito italiano, no qual se tem o processo cautelar como processo autônomo, com aproximação ao sistema francês em que não há processo autônomo para a tutela de urgência.

Entretanto, o novo diploma processual não eliminou a cautelaridade, pois não podia eliminar procedimentos que deveriam ser concedidos para salvaguardar direitos diante de uma situação de urgência, o que tem-se denominado modernamente por Tutelas de Urgência.

A tutela de urgência tem, no âmbito do processo, fundamental importância: é uma das mais importantes técnicas por meio da qual se impede que o tempo necessário à duração do processo cause dano à parte que tem razão. Não se pode, hoje, pensar em processo efetivo normativamente sem que exista a possibilidade de buscar medidas de urgência para combater o efeito nocivo do tempo, aliado a situações de perigo de perecimento do direito material, durante todo o curso do processo.

Na prática, mesmo que haja ainda diferenças entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, o novo CPC praticamente unificou ambas em um grupo denominado Tutela Provisória (Livro V Titulo I), mantendo, entretanto, diferenças procedimentais.

Importante frisar que o anteprojeto do Código de Processo Civil do Senado trazia a diferenciação entre as espécies de tutela em seu artigo 269, mais precisamente

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em seus parágrafos 1° e 2°. Segundo Cássio Scarpinella Bueno, cuja conclusão nos parece correta, as tutelas antecipadas têm por objeto assegurar e antecipar à parte autora o próprio direito material, enquanto as tutelas cautelares conferem à parte a possibilidade de obter, mediante provimento de urgência, ferramentas para assegurá-lo. (BUENO, 2015)

Como já dito anteriormente, as tutelas cautelares não necessitam mais de um processo autônomo, podendo o autor ingressar com a petição inicial requerente apenas que o juiz determine o ato assecuratório cautelar, podendo, após a concessão juntar os documentos necessários para fundamentar o pedido principal. No caso da tutela antecipada esse prazo será de 15 dias, no caso da tutela cautelar o prazo será de 30 dias.

Dessa forma, o que no diploma de 1973 era encontrado de forma esparsa e em artigos diferentes, com o novo códex, foram reunidas. Para o bloco “tutela de urgência”, tanto na modalidade cautelar como na modalidade antecipatória, aplicam-se as seguintes regras do novo Código de Processo Civil: i) a tutela provisória pode a qualquer tempo ser modificada ou revogada (art. 296); ii) a tutela provisória se efetiva com observância das normas do cumprimento provisório da sentença (art. 297, par. único), e o juiz pode determinar todas as medidas necessários para efetivação da medida de urgência deferida (art. 297, caput); iii) na decisão que deferir, negar, modificar ou revogar a tutela de urgência o juiz deve motivar o convencimento de modo claro e preciso (art. 298); iv) a tutela pode ser deferida sem ouvir a parte contrária, liminarmente, ou mediante audiência de justificação prévia (art. 300, §2º); v) para deferimento da medida de urgência o juiz pode exigir caução real ou fidejussória para garantir ressarcimento da outra parte acaso revogada a medida (art. 300, §1º); vi) a medida não pode ser concedida se for irreversível (art. 300, §3º), sendo possível o deferimento da tutela antecipada (satisfativa) de urgência em hipóteses de irreversibilidade recíproca; 34 vii) a tutela provisória é passível de impugnação recursal por meio do recurso de agravo de instrumento, conforme art. 1015, I, do novo CPC.

Há ainda a tutela de evidência, uma nova figura sistematizada neste Código, cujo objetivo não é afastar o perigo ou garantir que a pretensão do requerente da medida assecuratória seja garantida.

Segundo Bruno Bodart (2015), a Tutela de Evidência consiste na técnica de distribuição, entre autor e réu, dos ônus decorrentes do tempo do processo, que, baseada no alto grau de verossimilhança e credibilidade da prova documental apresentada, concede ao autor em sede de cognição sumária a tutela jurisdicional quando há demonstração prima facie da existência de seu direito, para que a morosidade judiciária não favoreça a parte a quem não assiste razão em detrimento daquele que a tem, transformando o processo numa arma letal contra o detentor de direito evidente.

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Uma observação, contudo, deve ser feita: a Tutela de Evidência não se confunde com o julgamento antecipado do mérito, porque decorre de atividade de cognição sumária do Juiz, não sendo apta, destarte, a fazer coisa julgada material, a qual somente pode nascer de decisão judicial proferida após cognição exauriente, conforme ensinamento de Humberto Theodoro Junior:

Não é, porém, no sentido de uma tutela rápida e exauriente que se concebeu a tutela que o novo Código de Processo Civil denomina tutela de evidência, que de forma alguma pode ser confundida com um julgamento antecipado da lide, capaz de resolvê-la definitivamente (THEODORO JR, 2016, p. 379).

A tutela de evidência, expressamente prevista no art. 311 do novo CPC, já era defendida solidamente por grande parte da doutrina processualista brasileira. Luiz Fux (1996, p 305-306), ao propor sua adoção, muito antes da promulgação do códex processualista, justificou da seguinte forma:

“A expressão (direito evidente) vincula-se àquelas pretensões deduzidas em juízo nas quais o direito da parte revela-se evidente, tal como o direito líquido e certo que autoriza a concessão do mandamus ou o direito documentado do exequente. São situações em que se opera mais do que o fumus boni juris, mas a probabilidade de certeza do direito alegado, aliada à injustificada demora que o processo ordinário carreará até a satisfação do interesse do demandante, com grave desprestígio para o Poder Judiciário, posto que injusta a espera determinada.”

Assim, as hipóteses taxativas que evidenciam a tutela de evidencia visam adiantar os efeitos de uma decisão futura quando o direito do requerente é evidente, sejam por decisões jurisprudências repetitivas, seja pela má-fé do réu quando apresentar sua defesa ou quando, ainda, a petição inicial vir acompanhada de documentos que evidenciam o direito do autor.

V. A Estabilização da Tutela Antecipada

O Novo Código de Processo Civil trouxe uma grande inovação em relação às tutelas antecipadas que foi a possibilidade de estabilização da tutela, prevista no artigo 303.

No antigo sistema processual apenas as tutelas denominadas de cautelares poderiam ser objeto de apreciação do Poder Judiciário antes do processo principal. Entretanto, como já visto anteriormente, o novo sistema processual ampliou as possibilidades de apreciação sumária de algum pedido antes da propositura do processo principal.

Com base nessa inovação, o artigo 304 no código processual permite que tutela concedida com base no artigo 303 pode ter seus efeitos estabilizados, na medida em que a parte contrária não se manifestar ou oferecer acordo no prazo legal.

Acerca desta novidade, discorre Gustavo Paim (2012, p. 156):

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O diferencial seria o reconhecimento de uma jurisdição sumária autônoma apta a ser definitiva, desde que preenchidos determinados requisitos. A autonomia procedimental da ação sumária permitiria que a decisão antecipada não ficasse sempre na dependência de uma sentença final, sendo permitido ao juiz decidir com base em juízo de verossimilhança, pondo fim ao litígio.

Dessa forma, como ilustra o doutrinador acima citado, a possibilidade de estabilização faz com que o litigio seja resolvido, mesmo que através de cognição sumária, ou seja, sem a profundidade da cognição exauriente.

O artigo 303 prevê que, após a analise do juízo acerca da antecipação da tutela, o autor deverá emendar a petição inicial com novos documentos e aduzir o pedido da ação principal.

Ocorre que muitas vezes o autor e o réu estão satisfeitos com os efeitos conseguidos através da medida antecipatória e permanecem silentes. O processo então será extinto sem resolução de mérito. Caso a tutela tenha sido deferida, mesmo com a extinção do processo, ela manterá seus efeitos.

Assim, a estabilização nada mais é do que a manutenção dos efeitos da tutela antecipada, mesmo com a extinção do processo principal sem resolução de mérito. Dentro dos dois anos subsequentes qualquer uma das partes poderá ingressar em juízo para que a tutela seja revogada ou modificada.

A literalidade do artigo 304 nos faz crer, em um primeiro momento, que apenas e tão somente que a decisão estabilizada somente poderá ser elidida pelo réu através de recurso. No entanto, parte da doutrina já vem se manifestando a essa respeito, no sentido de que qualquer manifestação do requerido, seja ofertando contestação, seja se manifestando acerca da realização de audiência de conciliação, tem o condão para afastar a estabilização da tutela (MIDITIERO, 2015).

Acerca do tema também se manifestou Fredie Didier(2016, p 621):

Embora o art. 304 do CPC fale apenas em não interposição do recurso, a inércia que se exige para a estabilização da tutela antecipada vai além disso: é necessário que o réu não se tenha valide de recurso nem de nenhum outro meio de impugnação da decisão (...)

Condicionar a estabilização de uma decisão e os consequentes efeitos da mesma a interposição de algum recurso, que no caso seria agravo de instrumento, seria um erro jurídico grotesco.

Importante destacar que esta decisão estabilizada não tem o condão de criar a coisa julgada, uma vez que o órgão jurisidicional não analisou o cerne da demanda, qual seja, o mérito da questão, mas tão somente fez uma analise perfunctória acerca da questão, exarando uma decisão antecipada. Como já dito anteriormente, esta decisão foi gerada através de uma cognição sumária da demanda.

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Portanto, como a decisão não faz coisa julgada, ela não se torna imutável, indiscutível e vinculante para os demais juízos. Isso é um procedimento lógico uma vez que não poderia a decisão estabilizada por conta de um procedimento de cognição sumária ser revestida dos mesmo poderes que outras decisões que foram exaradas após um procedimento de cognição exauriente.

Por conta dessa falta de coisa julgada é que não cabe ação rescisória da decisão exarada em sede de tutela antecipada, conforme enunciado n° 27 da EFAM: “Não é cabível ação rescisória contra decisão estabilizada na forma do art. 304 do CPC/2015”.

Outro ponto de grande relevo acerca do tema em análise é a possibilidade que o magistrado tem de antecipar parcialmente a tutela pleiteada pelo autor. Nessa hipótese, a doutrina diverge acerca da possibilidade de estabilização da tutela antecipada parcialmente.

Daniel Assumpção entende não ser possível a estabilização da tutela antecipada parcialmente, uma vez que, segundo o autor, isso geraria uma confusão procedimental com a estabilização de parte da tutela antecipada e a outra parte não concedida sendo decidida através da cognição exauriente.(NEVES, 2016)

Por seu turno, o processualista Fredie Didier (2016, p. 621) tem um posicionamento diferente. Em sua visão a decisão parcialmente antecipada “(...) tem aptidão para a estabilização justamente na parte em que atendeu ao pedido provisório do autor. Neste caso, sobrevindo a inércia do réu, estabilizam-se os efeitos apenas desse capítulo decisório, prosseguindo-se a discussão quanto ao restante”

Outro ponto que tem levantado muita discussão doutrinária é em relação ao prazo que as partes têm para proporem o procedimento de cognição completa e exauriente para modificar ou revogar a decisão antecipada. O artigo304, em seu parágrafo 5° prevê que esse prazo será de dois anos contados da ciência da decisão.

Parte significativa da doutrina tem defendido que esse parágrafo é inconstitucional, uma vez que ele limita o direito de ação do autor.

Acerca disso discorre Daniel Assumpção (2016, p 456):

(...)Sem os indevidos limites consagrados no § 2º do art. 304 do Novo CPC, é plenamente possível vislumbrar o interesse do autor em ingressar com processo após a estabilização para obter a tutela definitiva que ainda não conseguiu. Mas nesse caso, não buscará rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, mas sim confirmá-la por meio de uma decisão definitiva fundada em cognição exauriente e juízo de certeza. (...) Como entendo inconstitucional impedir ao autor a propositura da ação versada no § 2º do art. 304 do Novo CPC, entendo ser necessária a interpretação ampliativa do rol previsto em tal dispositivo, que deve, portanto, ser considerado meramente exemplificativo.

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Por fim, importante salientar que o juízo que concedeu a antecipação da tutela que se tornar estabilizada será prevento para decidir acerca do processo principal que poderá ser proposto pelo prazo de dois anos.

VI. Conclusão

Depreende-se do presente artigo científico que o novo Código de Processo Civil inovou acerca de vários temas, principalmente, em relação a antecipação de tutela.

Inicialmente a tutela antecipada era permitida apenas em procedimentos especiais, como o mandado de segurança e as ações possessórias.No entanto, com o passar do tempo e a evolução dos procedimentos judiciais, viu-se a necessidade de ampliar o rol de procedimentos que abarcassem a probabilidade de concessão dos efeitos pretendidos apenas na sentença ou medidas que assegurassem o cumprimento do processo.

Em determinadas situações não é possível esperar o fim do processo para colocar em prática o direito, pois corre-se o risco de o processo de nada valer ao final. Foi com esse pensamento que em 1994 modificou-se o artigo 273 do CPC/73, incluindo na legislação processualista a antecipação de tutela genérica, ou seja, aplicável em qualquer procedimento.

Os requisitos para a concessão dessa tutela seriam a verossimilhança das alegações e o perigo da demora, ou seja, o requerente necessitava provar que havia grande chances de existir o direito pleiteado, bem como, que a demora processual pudesse tornar a própria ação inócua.

Pois bem, com o advento do CPC/2015, todos os tipos de tutela antecipada foram unificados, mantendo, entretanto, diferenças procedimentais entre a tutela satisfativa e cautelar.

Uma das mudanças procedimentais trazidas pelo atual códex processual, em relação as medidas cautelares, foi deixar de exigir um procedimento autônomo para discutir o mérito, ou seja, o autor pode ingressar com o procedimento cautelar e dentro do mesmo processo aditar a inicial para discutir o mérito da questão.

Nesse ponto, surge talvez uma das maiores novidades trazidas nesse novo código processual, que é a possibilidade de estabilização da medida antecipatória concedida.A estabilização ocorrerá quando a tutela for concedida e tanto o réu como o autor não se manifestarem a respeito no prazo legal. Ocorrendo isso o procedimento principal será extinto sem resolução de mérito, porém a medida concedida continuará surtindo seus efeitos. É possibilidade de resolução do litigio através da chamada cognição sumária, sem utilizar-se de um procedimento exauriente.

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O prazo para qualquer uma das partes ingressarem judicialmente para modificar ou cancelar a medida antecipatória é de dois anos. Muitos juristas defendem que esse prazo estipulado no artigo 304 seria inconstitucional, uma vez que ele limitaria o direito de ação do autor.

Desta forma, a ideia do legislador foi aplicar a estabilização o mesmo sentido da coisa julgada, ou seja, conferir a ela uma executividade e uma prazo para que possa ser discutida judicialmente, pois, caso não existisse esse prazo, corria-se o risco de a medida cautelar ser discutida anos depois que foi concedida.

Repisa-se que a estabilização não possui efeito de coisa julgada, uma vez que ao exarar tal decisão o juízo não adentrou ao mérito, mas sim, analisou a questão de forma perfunctória.

No entanto, a limitação do prazo para discussão acerca da estabilização da tutela, confere contornos de coisa julgada à decisão, visto que não poderá mais ser discutida após decorrido o prazo para autor e réu.

Trata-se de figura ainda recente no direito processual brasileiro, o que ainda causa dúvidas ainda nos operadores do direito.Entretanto, se aplicada de forma correta e de acordo com o espirito do legislador, essa ferramenta pode ser importante na solução mais rápida dos litígios e na consequente economia processual.

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VII. Referências

BERMUDES, Sérgio. A reforma do código de processo civil. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996.

BUENO. Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva. 2015

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência – Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

COSTA, Fábio Silva. Tutela Antecipada.1ª ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.

Didier Jr, Fredie. Curso de direito processual civil. 5º Ed. Salvador: Jus Podivm, 2010.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11. Ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

FREIRE, Alexandre; BARROS, Lucas Buril de Macedo; PEIXOTO, Ravi. Coletânea Novo CPC: Doutrina Selecionada. Salvador: Juspodivm, 2015.

FUX, Luiz.Tutela de Segurança e Tutela da Evidência (fundamentos da tutela antecipada), ed. Saraiva, São Paulo, 1996.

MITIDIERO, Daniel. Autonomização e estabilização da antecipação da tutela no novo Código de processo civil.Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Curitiba: Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 9. Região, v. 4, n. 39, abr. 2015. 502 p. Edição especial.

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