a gaiola dourada

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conto de anne parrish por marcelle m. wanderley

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A Gaiola Dourada conta a história de um imperador menino que passou a se colocar no lugar de um passarinho castanho que vivia em uma gaiola de seu palácio.

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conto de anne parrishpor marcelle m. wanderley

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A GaiolaDouradaconto de anne parrish

por marcelle m. wanderley

ilustrações:marcelle m. wanderley

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Este conto foi inspirado porA BIRD-CAGE WITH TASSELS OF PURPLE AND PEARLS

(Three Dreams of a Little Chinese Emperor); The Dream Coach

by Anne Parrish, 1888-1957 and Dillwyn Parrish, 1894-1941.New York: The Macmillan company, 1924. Copyright not renewed.

A Newbery Honor Book, 1925.

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Há muito, muito tempo na China, existia um passarinho, castanho como as folhas secas no outono, que adorava visitar os canteiros de crisântemos do palácio, à caça de deliciosos grilos verdes e marrons. Certo dia, depois de se fartar nos canteiros, empoleirou-se em uma árvore no jardim e começou a cantar muito satisfei-to. O imperador menino, que passeava pelo jardim, ao ouvir o canto do passarinho castanho ficou fascinado com a melodiosa canção. E pensou: “Quero ouvir esta canção todos os dias, esta ave tem de ser minha!” Mal a canção cessou, o imperador ordenou a seus ser-vos que o capturassem. Seus olhos brilhavam de ansiedade pelo novo brinquedo. Sua tia Yún, que passeava com o garoto, ten-tou argumentar dizendo: - Ó soberano, tal ave é tão humilde e comum para um nobre. Meu soberano de certo preferiria uma ave mais bonita e col-orida... No entanto, ele não deu atenção a seus conselhos. Bateu o pé fez birra e ordenou aos servos:

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- Quero AQUELE pássaro! Dito isso, os servos correram de um canto a outro dos jardins. Armados com redes de apanhar borboletas, eles olhavam para cima, procurando a ave, e tropeçavam em canteiros e raíz-es, fazendo o imperador rir e bater palmas. No fim da confusão, o passarinho castanho foi capturado e colocado em uma maravilhosa gaiola de ouro, com enfeites de seda vermelha, folhas de jade e pérolas preciosas de todos os tamanhos. Durante algum tempo, a pequena ave foi o brinquedo preferido do imperador, levando-o em sua gaiola para onde quer que fosse. Entretanto, o pássaro marrom nunca mais can-tou. Como poderia? No começo, ele se jogava violentamente contra as grades da gaiola na esperança de fugir de seu cativeiro. Quando isso não funcionou, começou a bicar as finas grades douradas. Per-cebendo que não conseguia fugir, o passarinho desistiu e ficou em seu poleiro dourado, quieto e triste. Pouco tempo depois o Imperador cansou do passarinho que foi levado a um canto escuro em algum lugar do palácio. Pobre avezinha, voar era o que mais lhe fazia feliz. Como

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poderia sentir vontade de cantar em um lugar como aquele? Sentia falta do céu imenso a sua volta, de ver lá de cima os campos de arroz, as montanhas onde nasciam flores cheirosas e frutos saborosos, os rios barrentos que cortavam os vales e de todas as outras coisas que via enquanto voava. Por tudo isso, como poderia sentir vontade de cantar preso em uma gaiola? Numa tarde, em sua gaiola, o passarinho suplicou: - Por favor, soltem- me! Nunca lhes fiz mal! Sou tão in-feliz aqui! Não aguento mais esse cativeiro! Por favor, deixem- me voar! - Que linda canção! Disseram os servos do imperador ao ouvir seus lamentos. As súplicas pareciam uma canção alegre para todos. Mas, como ninguém o atendia, parou de suplicar para que o soltassem. Aquietou-se em seu poleiro triste e silencioso e en-tregou-se ao destino. Em uma noite fria, o imperador teve uma ceia magní-fica. Na mesa do palácio, havia vários pratos deliciosos como carne assada, macarrão com saborosos molhos, legumes fatia-dos com mel e sobremesas fantásticas como doces coloridos, bolos quentinhos, geleias de pêssegos e ameixas. Comeu tanto,

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que, ao terminar a refeição, o imperador estava farto e mal po-dia andar, sendo carregado pelos servos do palácio.Em seu quarto, colocaram suas roupas de dormir, deitando-se em sua cama macia e quentinha. De tão cansado adorme-ceu e sem que percebesse viu-se dentro de uma enorme gaiola dourada. Estava aprisionado! Apavorado, batia fortemente com as mãos nas grades da gaiola dourada. Já era dia, e com o passar da manhã, os raios de sol, que tocavam a gaiola, tornavam-se mais intensos, deixando as barras que o envolviam muito quentes. Ele tentava derrubá-las, mas o calor machucava suas mãos. Estava muito claro e ele não conseguia ver ninguém. Gri-tava dizendo: - Exijo que me soltem! Quero sair daqui! Mas, ninguém o ouvia. Acostumando-se com a clari-dade, prestou mais atenção ao redor da gaiola e viu um bosque com enormes árvores coloridas, raízes e troncos. Aquietou-se, e observou que o bosque se movia. Ainda de olhos cerrados, percebeu que o bosque tinha penas, bicos e asas. Ele pensou: “Aquilo não era um bosque, não havia árvores, mas sim aves enormes, do tamanho de homens. Ele, por sua vez, estava

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tão pequeno quanto um passarinho.” Ele reclamou em voz alta: - Deixem-me sair daqui! Vocês não sabem quem eu sou? Sou seu imperador, e vocês me devem obediência! Ordeno-lhes que me libertem! O imperador ouviu então: - Ouçam amigos, ele começou a cantar! Mas, não é uma canção muito bonita e nem é melodiosa! - disse o marreco de colarinho. E continuou: - Siga meu conselho amiga garça, prepare um assado com ele e terá mais proveito. Ouvindo isso, o imperador ficou desesperado e gritou: - Oh, deixem-me sair! Por favor! – suplicava. - Deixem-me sair, por favor! - choramingava o impera-dor cheio de medo. - Está muito estridente! Que canção horrível! - comen-tou a senhora garça ao ouvir o choramingo do pequeno. - Se essa criatura fosse minha, depenaria suas calcinhas de seda e as usaria para forrar meu ninho! - retrucou um ganso cinzento. - Não, por favor! Soltem-me! Quero ir para casa! - chorava o pequeno imperador.

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- Ouçam! A canção não parece tão ruim agora! Mas, ainda não conseguiria ouvi-la por muito tempo! Está muito estridente. - disse um rouxinol. Os enormes pássaros, então, cansaram-se do imperador pequenino. Deixaram-no sozinho na enorme gaiola. O menino gritou por socorro, mas nada aconteceu. En-tão, bateu nas grades até ficar exausto. Finalmente teve fome e sede. Olhou em volta, estava sem forças! Ao seu lado, encon-trou um pão velho e um bebedouro! Comeu e bebeu, sentindo-se enjoado e sentando-se próximo à grade. Quando os pássaros vinham com bicos e garras puxar as tranças e as calças de seda amarela do imperador, provocando-o, ele tomou um susto e acordou. Tivera um pesadelo. E pensou: “Será que o pássaro marrom tinha medo de viver preso na gaiola, comendo pão duro, e sendo provocado pelos seus donos ao lhe puxar sua cauda?” Tudo isso ele sentiu em seu sonho. O menino lembrou-se do pavor que sentiu ao ouvir o imenso pássaro desejar suas calças de seda amarelas para seu confortável ninho. Envergonhado, lembrou-se de ter uma com-prida capa feita de milhares de penas azuis, macias e brilhan-

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tes. E passou pela sua cabecinha: “Quantos passarinhos tiveram suas penas arrancadas para que ele pudesse ter tão maravilhoso manto? Tomara que elas nasçam depressa.” O frio do inverno havia chegado e, na noite seguinte àquele sonho, o imperador foi para cama debaixo de seus mui-tos e coloridos lençóis decidido que bem cedo soltaria o pas-sarinho castanho, preso na gaiola em algum lugar do palácio. Mal fechou os olhos, novamente sonhou que estava naquela gi-gantesca gaiola dourada. Desta vez, uma grande garça passou e com suas garras levantou a porta da gaiola. Ele gritou aliviado: - Oh! A porta está aberta! Nem esperou a enorme garça distanciar e saiu pela portinhola o mais rápido que pode. Pensou que talvez a ave voltasse arrependida de ter aberto a pequena porta. Começou a correr e depois de um tempo que ele não sabia calcular final-mente viu-se livre, chegando a um jardim. Chorava de alegria e seu coraçãozinho transbordava de felicidade. Como era inverno, o soprava um frio congelante. Havia uma grande quantidade de neve nos canteiros e gramados. As frutas haviam desaparecido e o lago estava congelado. Ele nunca saíra na neve com tão pouca roupa e sozinho, sempre saia todo

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agasalhado, bem quentinho, acompanhado de sua comitiva de servos e pessoas da corte que sempre estavam por perto para fazer tudo o que lhes pedia. Nunca se imaginou tão pequeno e desamparado, sem ter o que comer ou beber, sem até mesmo uma fogueira pra se aquecer naquele mundo tão frio. Sem saber para onde ir, cada vez com mais frio, viu que, de cima de um galho de pinheiro, um monte de neve se des-prendeu e quase caiu sobre ele. Começou a sentir-se fraco e com muita fome. Pediu socorro, mas sua voz era tão fraca e baixinha que ninguém o ouviria. Confuso e perdido começou a chorar, sentando-se ao lado de uma árvore, tentando se pro-teger. Era quase noite quando percebeu bem de longe duas luzes brilhando na neve branca. E pensou: “Poderia ser tia Yún e nosso mordomo a me procurar!” Quis se aproximar da lumi-nosidade, mas estava tão fraco que mal conseguia se mexer de frio. As lanternas se aproximavam mais e mais. Entretanto, no lugar de ser alguém que lhe prestaria so-corro, foi tomado de pavor ao ver que se aproximavam dois enormes olhos de gato e não eram duas lanternas. Tentou fugir do animal, mas com um único salto o gato estava a sua frente,

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dando-lhe tapinhas com suas patas fofinhas. O pequeno imperador ficou ainda mais apavorado com aquelas presas do imenso bichano. De repente, o gato deu-lhe um tapão que o lançou bem longe o fazendo ver estrelas. O garoto viu as finas e afiadas unhas que se escondem nas patas dos gatinhos. As afiadas garras surgiram e começaram a descer sobre ele. Sentindo-se sacolejado como um boneco de pano, tomou um susto e despertou. Assustado, pulou de seus colchões, en-contrando-se com sua tia toda descabelada e ainda de pijamas que gritava: - Acorde! Acorde, pequeno soberano! É um pesadelo, acorde! Então, um pouco menos agitado e com os olhinhos ar-regalados de susto, disse ele para a tia: - Você não é um gato! Ofendida, a tia lhe respondeu: - Certamente que não, pequeno soberano! Ao olhar pela janela de seu quarto o menino viu que o inverno de fato começara e tudo estava branco e frio. As amoreiras, os pessegueiros e as ameixeiras estavam carregados

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da neve. O frio era tão intenso que essas árvores se curvavam sobre os caminhos e pontes do jardim. Da sua janela, tudo lhe parecia muito bonito! Era um tapete branquinho e brilhante! Mas, não havia ninguém que quisesse ficar do lado de fora do palácio por causa da baixa temperatura. O imperador pensou então que se soltasse o passarinho naquela manhã ele não sobreviveria ao frio. Correu no palá-cio para localizar a gaiola, pensando em explicar para a ave porque não a soltaria naquela manhã. Encontrou a gaiola em um quarto esquecido. O pássaro estava quieto e triste. O garoto falou: - Agora está muito frio para que você possa ficar lá fora, mas quando o verão chegar, eu o deixarei livre!O pássaro, como resposta, se mexeu, olhando agradecido para o imperador. Durante todo o inverno e a primavera, o menino visitava o passarinho, trazia-lhe frutas frescas e folha verdes, às vezes, até grilos e conversava gentilmente com ele sobre coisas que aconteciam no palácio. O passarinho parecia contente com as visitas do imperador e já até piava baixinho como quem agra-decia.

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Na primeira noite de verão, quando a lua já estava bem alta no céu e uma brisa morna soprava, o pequeno imperador teve outro sonho, mas não foi assustador como os outros. Foi um sonho calmo e colorido em que a porta da gaiola estava aberta novamente. Em liberdade, ele já não sentia mais frio, mas sim um calor ameno e gostoso. As peônias estavam florescendo, cada pétala era quase duas vezes maior que ele. As borboletas azuis saiam em revoada sobe o sol. Encontrou na grama do jardim uma enorme amora madura e suculenta, tão doce quanto às do palácio. As aranhas faziam suas teias brilhantes entre os galhos, os jardins onde ele tinha passado frio agora eram uma explosão de vida por todos os lados! Nos canteiros de crisântemos os grilos saltitavam por todos os lados, nos lagos de lótus, as carpas dançavam sob a água e as flores na superfície d’água eram de todas as cores e seu cheiro era delicioso. Libélulas furta-cores voavam rápidas sobre lago e de vez em quando tocavam a água. O imperador deitou-se em uma pétala e deixou- se levar pela corrente que balançava de mansinho o barquinho. Acordou com o chamado de sua tia:

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- Acorde querido soberano, já é dia! Vamos acorde! - É verão! O primeiro dia de verão! - e deu um salto da cama. O jovem imperador nem tomou seu desjejum e saiu cor-rendo pelo palácio, causando um alvoroço por onde passava. - É verão! - repetia pelos corredores até chegar ao quar-to onde ficava o passarinho que assim que o viu começou a pular de um lado para outro do poleiro. - Sim, agora vou soltá-lo! Disse-lhe enquanto levava a gaiola para varanda. A essa altura toda a corte do palácio foi dar adeus ao passarinho que tanto tinha mudado o impera-dor, agora mais gentil e paciente. A gaiola abriu e o passarinho castanho voou com toda vontade para os céus de que tanto sentia falta. Do chão, o imperador menino admirava muito feliz o pássaro voar. Voou o mais alto que podia até parecer só um pontinho no céu.

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