a física na escola e-mail: alexmed.df@gmail -...

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4 Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009 Entrevista com o Conde Rumford E ste texto segue a mesma linha de outros artigos anteriores do autor - Entrevistas com Tycho Brahe, Kepler, Einstein e Santos Dumont - publicados na revista A Física na Escola. Assim como naqueles, pretende-se que o texto atual seja uma leitura divertida de um assunto muito sério: a vida e a obra de Benjamin Thompson, o conde Rumford. Rumford foi um personagem polêmico, que, no en- tanto, deu uma importante contribuição para lançar as bases da compreensão da equivalência entre calor e energia. Ao abalar as estruturas da teoria do calórico, com o seu célebre experimento de esca- vação de canhões, ele ajudou a estabelecer o calor como uma forma de movimento e a pavimentar a trilha de uma concepção energética que levaria no século XIX à construção da termodinâmica. Apesar dis- so, Rumford não teve a sua contribuição ao edifício conceitual da física devidamente reconhecida na época em que viveu. Na prática, ele desempenhou um papel menor do que aquele que poderia ser esperado, devido à importância do seu trabalho. O valor de sua obra foi resgatado, porém, na metade do século XIX, nos trabalhos de Tyndall. Rumford deu, também, contribuições tecnológicas de vulto, dentre elas a invenção do sistema de aquecimento central e o aperfeiçoamento da panela de pressão e das lareiras; além de ter sido também um grande divulgador da ciência e o fundador da célebre Royal Institution. Apesar de tudo isso, Rumford permanece, ainda hoje, quase como um desconhecido para muitos estudantes de física. Pratica- mente, a única coisa que sobre ele é men- cionada é o seu célebre experimento do canhão, mesmo assim, comumente, de uma forma bastante breve e até mesmo distorcida, atribuindo-lhe coisas que efetivamente, Rumford nunca disse. Para tentar dar conta do relato de sua vida e de sua obra, de um modo leve e pretensamente divertido, montamos uma narrativa em forma de uma conversa in- formal com o conde Rumford. Em um tal cenário imaginário, alguns professores de física entrevistam o nosso personagem construído em um clima de total descon- tração, inquirindo-o sobre pontos impor- tantes de sua vida e de sua obra. Apesar da narrativa que se segue ser, essencialmente, uma ficção, as informa- ções históricas veiculadas sobre a vida e obra do conde Rumford estão apoiadas em fontes de reconhecido valor acadêmico, incluindo aí parte relevante de suas obras originais incorporadas, principalmente, nas magníficas coletâneas organizadas por Sanborn Brown, seu maior biógrafo. Em última instância, porém, o leitor é o juiz para saber se a narrativa que se segue consegue ou não atingir os seus objetivos de conciliar informações histórico-concei- tuais fidedignas com uma abordagem que pretende ser antes de tudo divertida e atraente. A entrevista com o nosso personagem A garoa naquela tarde cinzenta em São Paulo nos deixara presos na sala do apartamento do colega Luis Augusto, o Lula. Em torno de três pizzas que haviam acabado de chegar reuniam-se famintos os colegas professores: Severino, Amélia, Zé Roberto, Cleide, Jonas, João, eu e o Lula, nosso anfitrião. A pizza foi devorada rapidamente, com o Lula e o João mostrando os seus dotes de glutões. A Coca-Cola estava quente e sem gás. Foi quando a Amélia perguntou ao Lula como ia o seu trabalho de doutorado em ensino de física na USP. Lula: ula: ula: ula: ula: Vai bem! Tenho estudado algu- mas coisas de psicanálise e estou pensando em misturar isso com um estudo sobre o conceito de calor nas visões de professores. Ale Ale Ale Ale Alexandr xandr xandr xandr xandre: e: e: e: e: Como você estudou o tra- balho do Joule no mestrado, poderia enca- rar coisas ainda mais básicas, resgatando, Alexandre Medeiros Departamento de Física, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE, Brasil E-mail: [email protected] Neste trabalho são apresentadas a história e a obra do conde Rumford na forma de uma entrevista construida. O objetivo central é mostrar a complexidade da teoria do calórico e o papel deempenhado por Rumford para superá-la. Algumas digressões filosóficas resgatam pontos nevralgicos da ligação entre a história da ciência e a pedagogia da mesma.

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4 Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009Entrevista com o Conde Rumford

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Este texto segue a mesma linha deoutros artigos anteriores do autor -Entrevistas com Tycho Brahe, Kepler,

Einstein e Santos Dumont - publicados narevista A Física na Escola. Assim comonaqueles, pretende-se que o texto atualseja uma leitura divertida de um assuntomuito sério: a vida e a obra de BenjaminThompson, o conde Rumford. Rumfordfoi um personagem polêmico, que, no en-tanto, deu uma importante contribuiçãopara lançar as bases da compreensão daequivalência entre calor e energia. Aoabalar as estruturas da teoria do calórico,com o seu célebre experimento de esca-vação de canhões, ele ajudou a estabelecero calor como uma forma de movimentoe a pavimentar a trilha de uma concepçãoenergética que levaria no século XIX àconstrução da termodinâmica. Apesar dis-so, Rumford não teve a sua contribuiçãoao edifício conceitual da física devidamentereconhecida na época em que viveu. Naprática, ele desempenhou um papel menordo que aquele que poderia ser esperado,devido à importância do seu trabalho. Ovalor de sua obra foi resgatado, porém,na metade do século XIX, nos trabalhosde Tyndall. Rumford deu, também,contribuições tecnológicas de vulto, dentreelas a invenção do sistema de aquecimentocentral e o aperfeiçoamento da panela depressão e das lareiras; além de ter sidotambém um grande divulgador da ciênciae o fundador da célebre Royal Institution.Apesar de tudo isso, Rumford permanece,ainda hoje, quase como um desconhecidopara muitos estudantes de física. Pratica-mente, a única coisa que sobre ele é men-cionada é o seu célebre experimento docanhão, mesmo assim, comumente, deuma forma bastante breve e até mesmodistorcida, atribuindo-lhe coisas queefetivamente, Rumford nunca disse.

Para tentar dar conta do relato de suavida e de sua obra, de um modo leve epretensamente divertido, montamos uma

narrativa em forma de uma conversa in-formal com o conde Rumford. Em um talcenário imaginário, alguns professores defísica entrevistam o nosso personagemconstruído em um clima de total descon-tração, inquirindo-o sobre pontos impor-tantes de sua vida e de sua obra.

Apesar da narrativa que se segue ser,essencialmente, uma ficção, as informa-ções históricas veiculadas sobre a vida eobra do conde Rumford estão apoiadas emfontes de reconhecido valor acadêmico,incluindo aí parte relevante de suas obrasoriginais incorporadas, principalmente,nas magníficas coletâneas organizadaspor Sanborn Brown, seu maior biógrafo.Em última instância, porém, o leitor é ojuiz para saber se a narrativa que se segueconsegue ou não atingir os seus objetivosde conciliar informações histórico-concei-tuais fidedignas com uma abordagem quepretende ser antes de tudo divertida eatraente.

A entrevista com o nossopersonagem

A garoa naquela tarde cinzenta emSão Paulo nos deixara presos na sala doapartamento do colega Luis Augusto, oLula. Em torno de três pizzas que haviamacabado de chegar reuniam-se famintosos colegas professores: Severino, Amélia,Zé Roberto, Cleide, Jonas, João, eu e oLula, nosso anfitrião.

A pizza foi devorada rapidamente,com o Lula e o João mostrando os seusdotes de glutões. A Coca-Cola estavaquente e sem gás. Foi quando a Améliaperguntou ao Lula como ia o seu trabalhode doutorado em ensino de física na USP.

LLLLLula:ula:ula:ula:ula: Vai bem! Tenho estudado algu-mas coisas de psicanálise e estou pensandoem misturar isso com um estudo sobre oconceito de calor nas visões de professores.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Como você estudou o tra-balho do Joule no mestrado, poderia enca-rar coisas ainda mais básicas, resgatando,

Alexandre MedeirosDepartamento de Física, UniversidadeFederal Rural de Pernambuco, Recife,PE, BrasilE-mail: [email protected]

Neste trabalho são apresentadas a história e aobra do conde Rumford na forma de umaentrevista construida. O objetivo central émostrar a complexidade da teoria do calórico eo papel deempenhado por Rumford parasuperá-la. Algumas digressões filosóficasresgatam pontos nevralgicos da ligação entrea história da ciência e a pedagogia da mesma.

5Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009 Entrevista com o Conde Rumford

por exemplo, a importância do trabalho doRumford.

LLLLLula:ula:ula:ula:ula: É possível. Mas eu preciso com-binar essas coisas com a psicanálise.Qualquer coisa aqui tem que ser combi-nada com psicanálise, principalmente seenvolver as idéias do Lacan. Já estou meiopirado lendo essas coisas sobre o GrandeOutro.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Que outro? Você está falan-do de quem?

LLLLLula:ula:ula:ula:ula: Esquece, você não vai acreditar!É muita piração, cara.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Muito bem, já que tem queser assim, por que você não tenta fazer umaregressão e falar com o “outro”, oRumford?

LLLLLula:ula:ula:ula:ula: Não sei, não. Acho que o Lacannão topava com essas coisas de regressão.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Pois, se não topava, deveriatopar. Pega um livro dele e um copo deCoca-Cola e vamos fazer uma tentativa.Já deu certo com o Tycho Brahe e com oKepler e deve dar com o Rumford, quer oLacan queira, quer não queira.

LLLLLula:ula:ula:ula:ula: Não vai dar! Eu acho isso depsicanálise muito estranho, não consigoentender direito. Eu queria era estudarensino de física.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Você não tem que engolir apsicanálise. Basta engolir o refrigerante.Misture psicanálise com Coca-Cola quenteque talvez dê para engolir. Tome aí o livrodo Lacan e o copo de Coca-Cola.

LLLLLula:ula:ula:ula:ula: Argh! Isso é uma droga!Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: O quê? O livro ou a Coca Cola

quente?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Os dois! E esse negócio de

todo mundo ficar esfregando a garrafa deCoca Cola nas mãos está fazendo elaaquecer ainda mais. Isso só me lembra da-quele meu experimento com o aquecimentodo canhão.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: O que, Lula? De que canhãovocê está falando, cara?

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Deu certo! Parece que a mis-tura fez o Rumford aparecer. O Lula sumiue estamos com Rumford à nossa frente.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Então, vamos aproveitar. Eunão conheço direito esse experimento docanhão. Como é que tudo isso começou?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Com o meu interesse porarmas e pólvora, em meio à guerra deindependência dos Estados Unidos.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Espere aí, seu Rumford.Dá para começar do início, mesmo? Ondevocê nasceu, coisas assim?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Seu Rumford é a vovozinha,eu exijo mais respeito! Conde Rumford, fazfavor!

João:João:João:João:João: Puxa, o cara é enfezado mesmo!RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois é! O meu nome, na ver-

dade, é Benjamin Thompson. Só vim atornar-me conde muito depois. Nasci em

1753 em uma fazenda em Woburn, Mas-sachusets, bem pertinho de onde nasceu oBenjamin Franklin, mas uns cinquentaanos antes dele. Eu fui um garoto meioesquisito que achava que poderia construiruma máquina de movimento perpétuo eque tinha também um enorme interessepor eclipses.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Sr. Thompson, o senhor tam-bém se envolveu com a medida da relaçãoentre a carga e a massa do elétron, não foi?Além disso, parece que o senhor tambémtinha um outro apelido, além desse deconde. Se não me engano, o senhor erachamado também de Lord Kelvin, não éisso?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: A senhora está só trocandoas bolas ou é maluca mesmo? Meu nomeera Thompson, veja o “p”: BenjaminThom-p-son, posteriormente condeRumford. A senhora referiu-se a dois outrospersonagens importantes da história dafísica e confundiu-os comigo.

João:João:João:João:João: Sim, tudo bem, mas o que aAmélia quer saber é se eles eram seusparentes. Não é isso, Amélia?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Você também é doido, meurapaz? Eu acabei de dizer que o meu nometem um “p”: Thom-p-son, BenjaminThom-p-son.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Sim, mas esses outrosdois, quem são eles?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Eles nasceram muito depoisda minha morte. Vocês estão confundindoAna Tereza com a Natureza. Eu morri em1814, o William Thomson, sem “p”, queviria a ser conhecido como o célebre LordKelvin, nasceu na Escócia, dez anos depoisda minha morte, em 1824. Já o JosephJohn Thomson, também sem “p”, ofamoso J.J. Thomson, que determinou arelação carga/massa nos raios catódicos ecom isso descobriu o elétron, nasceu apenasem 1856. Eles não são, portanto, meusparentes. Mas, afinal, eu estou aqui parafalar deles ou de mim mesmo?

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Calma seu conde, vá emfrente.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: “Seu” conde eu já dissequem é. É a vovozinha!

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Olhe aqui seu conde, eu soude Garanhuns, terra de cabra macho. Se osenhor me arretar eu lhe amasso esse seunarigão e acabo logo com essa entrevista.

Cleide:Cleide:Cleide:Cleide:Cleide: Calma Severino, o conde é umpouco rude, mas já morreu, não adiantavocê se aperrear.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Tudo bem! Desculpe Sr. Se-verino! Posso continuar?

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Vá em frente!RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem! Aos dezenove

anos eu me casei com uma viúva rica,muito mais velha que eu e fomos morarna casa dela na cidade de Rumford.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Você deu o famoso golpe dobaú, não foi?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Mais ou menos! O fato éque tudo teria ido muito bem para o meulado se não fosse o início da guerra revolu-cionária.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Que guerra?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Qual foi a escola que você

estudou, meu filho? A guerra de separaçãoque os Estados Unidos moveram contra aminha amada Inglaterra.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Espere aí! Sua amada Inglater-ra? Você era americano ou inglês?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Eu havia nascido nos Esta-dos Unidos, mas sempre fui fiel ao meuRei. Eu era inglês, de coração. Ainda jovem,servi como espião de Sua Majestade.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Sujou! O bicho além dechato e de dar o golpe do baú, era traíra.Eu acho que eu vou deixar o Severino pe-gar esse cara.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Calma, por favor! Deixe-meprosseguir minha narrativa. O fato é quequando as tropas britânicas foram forçadasa abandonar Boston, eu fui com elas, dei-xando para trás a minha esposa e a minhafilha.

Cleide:Cleide:Cleide:Cleide:Cleide: Com essa agora, até eu fiqueichocada.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: É, professora, esse cara era umporco chauvinista, além de chato,interesseiro e traidor. Vamos sair daqui, emprotesto!

Cleide:Cleide:Cleide:Cleide:Cleide: Não! Vamos ver o que ele vaidizer. Afinal, ele, apesar disso tudo, deuuma contribuição de vulto à história da físi-ca. Vamos ver se aguentamos chegar lá.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem, passei a servir astropas inglesas como tenente coronel.

Conde Rumford em sua época áurea emque trabalhava no arsenal de Munique.Caricatura de James Gillray, aproxima-damente 1800.

6 Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009Entrevista com o Conde Rumford

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Tenente coronel? Você nãoentrou como soldado? E lutou onde?

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Aqui nós diríamos que você erapeixe dos ingleses, que entrou logo por ci-ma. Mas onde foi mesmo que você lutou?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, eu não lutei no senti-do estrito da palavra. Eu fui, na verdade,um excelente funcionário de gabinete, euplanejava coisas, pensava nelas ativamente.Dentre essas coisas que eu planejei estavama construção e o aperfeiçoamento dasarmas de fogo. Eu me tornei, na prática,um excelente engenheiro.

João:João:João:João:João: E isso de mexer com armas defogo deve ter-lhe levado a pensar ativa-mente sobre as teorias vigentes a respeitodo calor.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Exatamente, meu jovem. Fi-nalmente, um de vocês fez uma consta-tação brilhante.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Mas como você se arranjouquando a guerra de independência termi-nou e a Inglaterra perdeu a sua colônia?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Eu fui para a Inglaterra, cla-ro. Passei a viver em um exílio constante.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Como assim? Você não se sen-tia um inglês? Estava do lado que escolheuficar.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: É verdade, mas eu tive al-guns problemas sérios na Inglaterra. Eu fuiacusado de vender segredos de guerra paraa França.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: E vendeu ou não vendeu?Eu acho que você vendeu!

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não sei, já faz muito tem-po que eu morri, eu não me lembro direi-to. Os historiadores da ciência não estão deacordo se eu vendi ou não.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Não me venha com essaconversinha de que está esquecido, de jo-gar a bola para os historiadores da ciência.Eu acho que você vendeu, sim.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pode ser, meu caro senhorSeverino, mas o que importa é que o ReiGeorge III teve muita consideração comigoe achou que seria mais seguro para mimque eu me mudasse para o continente.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Quer dizer: ele botou você pa-ra correr, não foi?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não, ele era meu amigo eapenas recomendou a minha saída.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Você era peixe do Rei. Erapeixe, traidor, deu o golpe do baú e quemais?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, o fato é que eu meestabeleci em Munique, a serviço de KarlTheodor, o Eleitor da Baviera.

João:João:João:João:João: Como o Eleitor? Todos nós so-mos eleitores, eleitor é um cidadão qual-quer. Você quer dizer do Rei da Baviera, não?Aliás, como a Baviera é parte da Alemanha,deve ter sido do Rei da Alemanha.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: A Alemanha ainda não exis-tia, meu caro. Ela só veio a ser criada na

segunda metade do século XIX. O que exis-tia era o Sacro Império Romano-Ger-mânico, onde a Baviera tinha um voto naescolha do Imperador. Daí o nome de Elei-tor para o seu governante. Você tambémnão frequentou a escola meu filho? Lá emCampina Grande ...

João:João:João:João:João: Epa! Não fale mal de CampinaGrande que eu lhe amasso esse narigão quenem o Severino lhe prometeu nesseinstante.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Virgem Maria, aqui só temdoido. Eu vou embora!

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Não vai nada! Você fica econta direitinho toda essa sua história.

Cleide:Cleide:Cleide:Cleide:Cleide: É, senhor conde, tente falar umpouco mais das suas idéias sobre o calor,fale da sua contribuição à história da física.Pode ser que assim a turma aqui esfrie umpouco mais a cabeça. Afinal essa suabiografia também não ajuda muito.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: É! Eu acho que a senhoratem razão. Vou seguir o seu conselho. Mes-mo porque não quero absolutamente meindispor com o senhor Severino nem como senhor João.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: É bom, mesmo! Faz bemà saúde! Vá em frente com essa sua histó-ria, mas vê se começa logo a falar de física,como pediu a professora.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, as minhas contribui-ções à física nasceram todas da minhapreocupação com o calor e com os fenô-menos a ele relacionados. De certo modo,elas são frutos da minha preocupação coma produção de armamentos, como já disseantes. E na Baviera eu atuei exatamentenesta área, como um eficiente engenheiromilitar e administrador. Eu dei, também,uma notável contribuição social ao tiraros mendigos das ruas.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: É verdade, mas conte co-mo você ocupava esses mendigos.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, eu lhes dei um em-prego; coloquei-os para trabalharem nasfundições de canhões e na fabricação deuniformes para o exército.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Puxa, que alma bondosa!Aposto que o salário era bem baixinho.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: É verdade, mas eu tambémfui o introdutor da batata inglesa e da má-quina a vapor no continente europeu. Co-mo prova da sua gratidão o Eleitor daBaviera me agraciou, em 1790, com o títu-lo de Conde. Eu escolhi o nome de Rumfordem homenagem à minha cidade de origem,onde a minha primeira esposa nascera eonde eu ainda tinha propriedades.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Pensando nas suas proprie-dades, não? Estava com dor na consciên-cia...

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: O que importa é que foi tra-balhando na perfuração de canhões naBaviera que eu vim a ter aquela minha in-

tuição sobre a natureza do calor, a minhamais famosa contribuição à ciência.

João:João:João:João:João: Como assim, a sua intuição? Eupensei que você houvesse provado que ocalórico não existia. Não foi exatamenteisso que o experimento de perfuração doscanhões mostrou?

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: É, eu sempre li nos livros didá-ticos de física que você foi o grande adver-sário da teoria do calórico. E tenho ensi-nado que esse seu experimento provou queo calórico não existia.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: A coisa é bem mais com-plexa, meu jovem. Para começar, eu nuncareivindiquei haver destruído a teoria docalórico. Para princípio de conversa, eu ha-via sido, até então, um fiel adepto da teoriado calórico. Havia, inclusive, contribuídopara o seu desenvolvimento.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Essa história está ficandomesmo complicada. Não foi você quemestabeleceu pela primeira vez a conservaçãoda energia? Não foi você, também, queestabeleceu que havia uma equivalênciaentre calor e energia?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Sim e não! De fato, eu gos-taria de ter sido o primeiro a estabeleceruma tal equivalência, mas não fui tão lon-ge assim. Isso é mais o fruto do trabalhoposterior de indivíduos como o Mayer, oJoule e o Helmholtz. Mas isso foi bem apósa minha morte. Vocês deviam conversarcom eles a esse respeito. O que eu fiz foilançar, com bastante vigor, a conjecturaarrojada para a minha época, de que o calordeveria ser uma forma de movimento. Cer-tamente, eu tinha minhas peças de evidên-cia, mas nada que pudesse ser suficiente-mente convincente para os físicos da época.Entretanto, eu forneci várias pistas que pa-vimentaram o caminho para os trabalhosde muitos daqueles que me seguiram. Eucheguei bem próximo de estabelecer o equi-valente mecânico do calor, bem próximomesmo. Eu fui um legítimo precursor dotrabalho do Joule.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Eu confesso que estou meioenrolado nessa sua história. Afinal, vocêera adepto da teoria do calor como umfluido, ou seja, do calórico, ou era adeptodo calor como movimento de partículas?Explique isso direitinho.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Acho que nessa sua formade falar já está implícita uma confusão queos livros didáticos de vocês apenas con-tribuem para perpetuar. Eu não creio quenós devêssemos colocar esse tipo deoposição entre uma teoria de partículaspara o calor e a teoria do calórico.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Mas, por que não? O calóriconão era suposto ser uma substância contí-nua, uma espécie de fluido? E a tempera-tura não era vista como a quantidade decalórico presente nos corpos?

7Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009 Entrevista com o Conde Rumford

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não! Absolutamente, não!Como disse, antes, a coisa é mais comple-xa. Acho que para compreenderem melhora minha contribuição, para perceberemcomo vim a auxiliar no lançamento dasbases do que depois frutificaria como a no-va e poderosa ciência da termodinâmica, énecessário que compreendam um poucomais a própria teoria do calórico e as suasconcorrentes.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Cara, eu sempre soube quevocê havia derrubado a teoria do calórico.Agora você me vem posar também, comotraidor dessa causa?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não é bem assim, meu carosenhor Severino. Deixe-me relembrar umpouco da história das primeiras teorias so-bre o calor para que você possacompreender melhor as minhas idéias so-bre o calórico e a minha interpretação dofamoso experimento de escavação de ca-nhões.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Pois, comece bem doinício.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Obrigado! Bem, de iníciovale salientar que a forma como o calóricocostuma ser mencionado em vários livros-texto de física é a tal modo deturpada quefacilmente o leitor é levado a crer que esteconceito teria sido um grande equívoco, oproduto de uma simples falta de reflexãodos seus proponentes. A idéia de que ocalórico constituía uma teoria potente noseio da qual se desenvolveu a calorimetriae germinou a termodinâmica é algo quenão passa em linha de conta nos relatos detais textos.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Essa eu não entendi! Como atermodinâmica pode haver germinado noseio da teoria do calórico? Isso para mim édemais, pois a termodinâmica, para serdesenvolvida, necessita, antes de tudo, deque o calor seja aceito como uma forma de

energia.RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Em parte, o que você está

dizendo é verdade, mas a coisa é bem maiscomplexa. Claro, eu estou dizendo isso porhaver lido, mesmo depois de morto, o queoutros vieram a escrever. Sadi Carnot, porexemplo, já no século XIX, a quem se de-vem as primeiras claras expressões datermodinâmica, só veio a abandonar ateoria do calórico perto de morrer colérico.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Como perto de morrer coléri-co? Ele ficou com tanta raiva, assim, docalórico?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não, meu caro senhor Jo-nas. O pobre senhor Carnot morreu de cóle-ra mesmo, derretendo em uma baciasanitária.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Puxa, que coisa triste! Passeadiante, por favor.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem, o estudo do se-nhor Carnot sobre o rendimento das má-quinas térmicas foi todo ele conduzidodentro dos cânones da teoria do calórico.Logo, como você pode ver, não faz sentidoque eu houvesse destruído, no final doséculo XVIII, algo que ainda estava bemvivo em pleno século XIX. Foram os traba-lhos do Mayer e do Joule que alteraramradicalmente essa situação. Mas, deixe-mevoltar a falar do meu próprio trabalho.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Mas que você tentou destruira teoria do calórico, tentou! Mesmo tendosido até então um adepto meio traíra damesma.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Certamente, mas eu não ti-nha todas as peças de evidência. A minhateoria do calor era mais complexa, eu che-guei a pensar em vibrações de partículasno íntimo da matéria, mas de início eu eramesmo um calorista, apesar de não muitoconvicto. E quem não era? O que eu fizmesmo foi dar o primeiro grande passonaquela direção. Eu não fui exatamente umrevolucionário. Eu tentei apenas ser umreformista, mas as minhas idéias não plan-taram uma reforma, plantaram mesmo foiuma tremenda revolução.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Você estava falando das teo-rias sobre o calor. Como é mesmo que sur-giu e como se desenvolveu a teoria do caló-rico? Onde é que você entra nessa história?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Olhe, o enorme poder ex-plicativo da teoria do calórico, para a épo-ca, é costumeiramente subestimado. Alémdisso, os livros didáticos de vocês costu-mam passar a idéia de que experimentosisolados, como os meus, os do Davy - quefoi meu auxiliar - ou mesmo os do Jouleteriam sido suficientes para refutaremsozinhos, por completo e de imediato, ateoria do calórico. Na verdade, a visão queuma análise histórica mais cuidadosa pode-nos fornecer é bastante diversa dacaricatura traçada nesses livros-texto que

vocês usam. A teoria do calórico era dotadade um apreciável potencial explicativo, nãofacilmente refutável. Importante, também,parece ser apreciar os pressupostos sobreos quais essa teoria estava estabelecida. Issofeito desfaz-se a aparência de uma coleçãode afirmações sem uma clara procedênciaou fundamento, que é a forma como elaaparece em boa parte dos livros didáticos.Vamos fazer uma breve retrospectiva dapolêmica sobre a natureza do calorexaminando os pressupostos sobre os quaisa teoria do calórico veio a ser construídaem meados do século XVIII e apontando assuas muitas possibilidades explicativas. Sóassim vocês poderão entender a minhacontribuição em uma perspectiva histórica.

João:João:João:João:João: Deixe-me entender uma coisa.Você já tinha essa visão histórica toda?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Claro que não, isso faz par-te da ficção dessa entrevista. Eu só poderiasaber todas essas coisas depois de morto.O que eu estou tentando lhes mostrar éque vocês se encontram em uma perspec-tiva histórica privilegiada. Podem, assim,olhar de cima, com um olhar de águia parao passado, olhar criticamente. É isso queeu estou tentando fazer agora, baseado noque li depois de morto, claro.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: E como a gente vai sabercomo você pensava na sua época?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Acompanhe a minha nar-rativa e você compreenderá.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Tudo bem, mas aponte algu-mas coisas que os nossos livros-texto defísica dizem sobre esse assunto que nãosejam exatamente corretas. Isso pode aju-dar nas minhas aulas. Mas não diga ape-nas como não é. Por favor, dê também asua versão dos fatos.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Tudo bem! Vamos lá! Voudar até os nomes aos bois. Como eu já mor-ri mesmo, eles não podem me pegar, não ésenhor Severino?

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Traíra!RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: O quê?Cleide:Cleide:Cleide:Cleide:Cleide: Nada senhor conde, pode con-

tinuar, foi só uma brincadeira do Zé. O seupapo está melhorando; dê os exemplos queo Jonas pediu.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Olha, é comum que os li-vros-texto de vocês trivializem a comple-xidade da questão envolvendo a naturezado calor. O livro-texto do Bonjorno [1], porexemplo, afirma que: “apesar de tão evi-dente, a natureza do calor só recentementefoi definida pela ciência. Até fins do séculoXVIII, os cientistas acreditavam que o calorera uma espécie de fluido imponderável(sem massa) e invisível que aquecia ouresfriava os corpos. Deram a essasubstância o nome de calórico”.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: E daí?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Ora, este trecho contém gra-

Joseph Black, físico escocês, principalcriador da teoria do calórico e primeiro adiferenciar calor de temperatura.

8 Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009Entrevista com o Conde Rumford

ves imprecisões. Em primeiro lugar, a na-tureza do calor está longe de ser evidente,como sugere esse texto citado. Além disso,para que a concepção de energia viesse aficar bem estabelecida, uma grande disputade idéias foi travada durante os séculosXVIII e XIX entre a teoria do calórico e ateoria dinâmica. Eu que o diga, pois estavabem no meio desta guerra.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: E o que é pior: você jogoudos dois lados dessa batalha.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Exatamente! Mas vejamosmais: o livro do PEF, por exemplo, afirmaque “acreditava-se que existia um fluidoespecial - o calórico - que provocava osfenômenos térmicos. Entretanto, a hipó-tese do calórico não explicava os fatosobservados e foi abandonada”.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: E isso não está certo? A teoriado calórico conseguia explicar os fatosobservados?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Dizer que a teoria do caló-rico não explicava os fatos observadosconstitui-se em uma exagerada e grosseirasimplificação. Se tivesse sido assim tãosimples, o meu trabalho teria tido poucovalor e o do Joule e do Mayer também.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Teria sido como bater em umcego pelas costas.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Mais ou menos isso e certa-mente não foi bem assim. O certo é que ateoria do calórico foi hegemônica durantegrande parte do século XVIII. Mesmo apósperder a hegemonia nos anos 1850, comos trabalhos do Kelvin, do Rankine e doClausius, a referida teoria manteve-se aindacom adeptos até boa parte dos 1860. Aprópria Encyclopedia Britannica daqueleano, em seu verbete heat ainda afirmavaque a teoria dinâmica do calor era vaga einsatisfatória e que a visão fornecida pelateoria do calórico era ainda de aceitaçãogeral. Veja bem, isso já em 1860. Os crite-riosos editores da Britannica não haviamainda considerado com suficiente vigor asminhas interpretações sobre o experimentode perfuração do canhão realizado há maisde meio século e nem mesmo os trabalhosmais recentes do Mayer e do Joule.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Mas, afinal o que a teoria docalórico conseguia explicar? Isso ainda nãoestá claro, para mim.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: A teoria do calórico possuíaum grande poder explicativo de diversosfenômenos, como por exemplo: a dilata-ção dos corpos, a mudança de fase, o aque-cimento por desbastamento, apenas paracitar alguns. Parte deste potencial expli-cativo, que dá uma idéia da não trivialidadede sua refutação, eu posso desenvolver paraque vocês entendam melhor a adversidadeda minha luta. Antes, entretanto, temosque fazer uma regressão no tempo.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Eu acho que o Lula gostaria

de ouvir isso.RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem, três correntes de

pensamento sobre a natureza do calor exis-tiram desde a Antiguidade. Para Empédo-cles, por exemplo, o calor era uma subs-tância, uma espécie de “fogo sutil”. ParaAristóteles, entretanto, o calor era uma dasqualidades primitivas da matéria, cujascombinações definiam os mesmoselementos já postulados por Empédocles.Já para os atomistas, Demócrito e Leuci-po, o calor era visto como uma consequên-cia do movimento de partículas indivisíveis,constituintes da matéria comum. Vejam,portanto, que os atomistas foram ospioneiros na proposição de uma teoriadinâmica para o calor em termos do movi-mento de partículas da matéria comum.

Cleide:Cleide:Cleide:Cleide:Cleide: Dada a influência do pensa-mento aristotélico seria interessante conhe-cer essa concepção em maiores detalhes.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Certamente, professora,explicarei com todo o prazer. Mas, notebem, que na Antiguidade nós tínhamos trêsteorias concorrentes sobre a natureza docalor: a teoria substancialista, do Empé-docles; a teoria dinâmica, dos atomistas ea teoria das qualidades primitivas doAristóteles.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: O senhor já disse isso, mas ea teoria do calórico? Eu li um dia desses emum site da Internet que a teoria do calóricoera da Idade Média. É verdade?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não! Absolutamente, não!A teoria do calórico é bem mais recente, elaé do século XVIII. O que ocorre é que ocalórico é um filho da teoria substancia-lista, esta sim bem antiga. Talvez, por isso,as pessoas confundam. Nós chegaremos lá.Vamos por partes.

Cleide:Cleide:Cleide:Cleide:Cleide: O senhor ia falar da teoria doAristóteles e mudou de assunto.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso! Pois bem, Aristótelesdefinia quatro qualidades sensíveis da ma-téria. Tais qualidades eram agrupadas duasa duas, segundo suas oposições: quente oufrio e seco ou úmido. As substâncias eramformadas de quatro elementos essenciais:água, ar, fogo e terra, os quais apresen-tavam sempre um par das citadas proprie-dades. Assim, por exemplo, o fogo eraquente e seco, enquanto a água era úmidae fria. A concepção Aristotélica sobre anatureza do calor estabeleceu-se comohegemônica na Antiguidade e durante todaa Idade Média. Na época do Renascimentoe da Revolução Científica, no entanto, hou-ve um revigoramento das duas outras cor-rentes interpretativas - a do calor comosubstância e a do calor como uma conse-quência do movimento de partículas damatéria comum (teoria dinâmica do calor)- e estas duas teorias suplantaram a teoriaAristotélica das qualidades primitivas.

Uma vez que a teoria de Aristóteles foientrando em franca decadência, desde aépoca do Renascimento, sobraram asoutras duas. Então, durante o século XVIIe até a metade do século XVIII, essas duascorrentes - a teoria substancialista e a teo-ria dinâmica - coexistiram, não havendo,no entanto, qualquer hegemonia de umasobre a outra.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Esta teria sido uma etapa pré-paradigmática do desenvolvimentohistórico desta área do conhecimento, parausar a linguagem do Thomas Kuhn?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Creio que sim, mas issomudou rapidamente com o surgimento dateoria do calórico, uma filha legítima daantiga teoria substancialista.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Como assim?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Apesar de que importantes

cientistas como Bacon, Locke, Newton,Boyle, Hooke, Huygens, Boerhaave e Mus-schenbroek, dentre outros, interpretassemo calor como sendo uma forma demovimento, esta concepção foi sendopouco a pouco suplantada pela teoria subs-tancialista, que cada vez mais dava contade explicações convincentes que envolviamos fenômenos ligados ao calor. Assim, apartir da metade do século XVIII, a teoriasubstancialista tornar-se-ia dominante,sem que a disputa, entretanto, com a teoriadinâmica houvesse sido decidida. De fato,só bem após a minha morte, a partir dasegunda metade do século XIX e até os diasatuais é que uma versão bem mais moder-na da teoria dinâmica - a termodinâmicaou energética - viria a tornar-se completa-mente dominante. Mas, vocês verão queeu dei os primeiros passos para colocar ahistória nessa direção. Mas essa nossahistória é repleta de idas e vindas.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Do Newton, Boyle, Bacon,Hooke e do Huygens eu já ouvi falar; mase esses outros dois cientistas de nomesesquisitos, quem são?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: O Hermann Boerhaave foi

Representação Aristotélica das qualidadesopostas envolvendo a conceituação docalor.

9Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009 Entrevista com o Conde Rumford

um contemporâneo do Newton. Ele foi pro-fessor de Medicina em Leyden, na Holan-da, tendo publicado, em 1732, um dosprimeiros livros-texto de química quetratava sobre a coisa do calor. Já o Pietervan Musschenbroek foi professor de filo-sofia natural - como era chamada a físicanaquela época - também em Leyden e es-creveu extensamente sobre física, no séculoXVIII. Ele foi um dos pioneiros tanto noensino da física experimental, quantotambém como autor dos primeiros livrosdidáticos de física de que se tem notícia.

João:João:João:João:João: Você falou, momentos atrás, queo desenvolvimento da calorimetria se deudentro dos cânones da teoria do calórico.Foi isso que eu entendi, certo?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Certo! Na verdade o desen-volvimento da teoria do calor tornou-semais efetivo a partir da invenção de ter-mômetros precisos, sensíveis e calibrados,de tal forma que os mesmos podiam serreprodutíveis, tornando-se possível a rea-lização de experimentos com medidasacuradas da variação da temperatura doscorpos. Antes da metade do século XVIII,os termos calor e temperatura eram usa-dos indistintamente, tanto pelos substan-cialistas quanto pelos adeptos da teoriadinâmica do calor.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: E como é que esses dois con-ceitos, o conceito de calor e o conceito detemperatura tornaram-se distintos um dooutro na física?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Excelente pergunta, profes-sor Severino. Foi o Joseph Black (1728-1799), professor de Química e de Medicinaem Glasgow e depois em Edinburgh - umpartidário apaixonado da teoria substan-cialista do calor - o primeiro a diferenciaresses dois conceitos, adotando, inicialmenteuma definição que chamaríamos moder-namente de operacionalista, para só depoisevoluir para uma abordagem maisconceitual.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: O Black não foi aquele que dis-se que “a temperatura é aquilo que os ter-mômetros medem?” Eu já vi isso em umlivro de física.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Esta é a tal definição opera-cionalista da qual falei, mas, ela não retra-ta exatamente o pensamento do Black emsua íntegra. Deixe-me citar as própriaspalavras do Black. O que ele disse foi: “Pelouso do termômetro nós aprendemos que,se tomarmos diferentes tipos de matéria -tal como metal, pedras, sais, madeira, cor-tiça, pena, lã, água e uma variedade deoutros fluidos - embora todos eles estejama temperaturas diferentes - e se colocarmosjuntos numa sala sem lareira e na qual osol não brilhe, o calor será comunicado domais quente desses corpos para o mais frio,durante algumas horas talvez, ou no decor-

rer de um dia. No fim de um tempo, secolocarmos um termômetro neles todos emsucessão, eles darão precisamente a mesmaleitura. O calor se distribui entre eles já quenenhum desses corpos tem uma demandamaior ou atração para o calor do que qual-quer outro... O calor é trazido para umestado de equilíbrio. Nós devemos adotaruma lei mais geral do calor, o princípio deque todo corpo comunicando-se livrementeum com outro e isolado da ação externa,adquire a mesma temperatura, como indi-cada pelo termômetro” (Black, apud [2,p. 403]).

João:João:João:João:João: E aquela história de que corposà mesma temperatura deveriam ter a mes-ma quantidade de calor?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Veja, o Hermann Boerha-ave e o Pieter Musschenbroek, dois gran-des cientistas, como falei antes, que eramadeptos da teoria dinâmica do calor, admi-tiam que corpos de volumes iguais àmesma temperatura possuíam as mesmasquantidades de calor; opinião esta com aqual o Black absolutamente não concor-dava. Como temperatura e calor eram coi-sas indistinguíveis naquela época, a medi-da registrada pelo termômetro era confun-dida com a medida da quantidade de calor.A esse respeito Black afirmou: “Mas essa éuma visão muito apressada do assunto.Isto é confundir quantidade de calor emdiferentes corpos com a intensidade do calor(temperatura), embora seja evidente que es-sas sejam duas coisas diferentes e que deve-riam sempre ser distinguidas uma da outra,quando pensássemos em distribuição docalor...” (apud [3, p. 129]).

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: E o Black deixou isso escritoem algum livro?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Como a senhora deve sa-ber, o Black, na verdade, não chegou a es-crever diretamente os seus textos. Suasnotas de aula foram publicadas em 1803,após a sua morte, por um seu antigo estu-dante, o John Robison [3].

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Mas, afinal, como era que oBlack via a diferença entre calor e tempe-ratura?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Para Black, temperaturasiguais significavam que os corpos pos-suíam as mesmas intensidades ou grausde calor; uma coisa bem diferente da quan-tidade de calor. A idéia de temperatura deBlack - por vezes por ele mesmo identificadacomo aquilo que marcava um termômetro- tinha, no entanto, um substrato teóricoque a identificava com a tensão exercidainternamente nos corpos pelo fluido caló-rico. Este é um ponto muito importante;mas, frequentemente ignorado nos livros-texto de física que costumeiramente atri-buem à teoria do calórico a não distinçãoentre calor e temperatura. Historicamente,

no entanto, tal distinção constituiu-se exa-tamente em uma das maiores contribuiçõesda teoria do calórico.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Puxa vida, eu sempre disse exa-tamente o contrário em sala de aula. Eusempre ensinei que segundo a teoria do ca-lórico a temperatura era o mesmo que aquantidade de calor de um corpo. Quemancada!

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não se culpe por isso, boaparte dos livros-texto de física diz issomesmo. Algum autor desinformado in-ventou um dia essa abobrinha e os outrosdescuidadamente saíram repetindo até hoje(risos).

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: As idéias que você apresen-tou do Black dão a entender que o calor eraconsiderado como algo que se transferiade um corpo com temperatura mais altapara outro corpo de temperatura maisbaixa. Como isso contribuiu para que oBlack construísse a teoria do calórico?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: O Black foi realmente oprincipal construtor da teoria do calórico.Ele tentou dar conta das suas observaçõesdos fenômenos térmicos baseando-se nu-ma visão substancialista do calor que im-plicou no estabelecimento de propriedadesmais sofisticadas para esse fluido.

João:João:João:João:João: Eu estou confundindo a teoriasubstancialista com a teoria do calórico.Elas são a mesma coisa?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, quase isso. Na ver-dade, como eu já falei, a teoria do calóricofoi o fruto da sofisticação da teoria subs-tancialista. Essa teoria mais sofisticada - ado calórico - explicava fenômenos como: oaquecimento e o resfriamento dos corpos,a dilatação térmica, a condução do calor,assim como as mudanças de fase dos cor-pos e outros mais. Os novos conceitos dequantidade de calor, de calor específico e decalor latente - apresentados também porBlack - passaram a integrar, de formadecisiva, a fundamentação dessa novateoria substancialista, a teoria do calórico.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Você falou que a calorimetriafoi uma filha da teoria do calórico, não foiisso?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Foi! Os conceitos de quanti-dade de calor e de capacidade térmica nas-ceram no contexto da teoria do calórico.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Como assim?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Vocês deviam ter entrevis-

tado o Black; mas, eu vou explicar isso pa-ra poder chegar às minhas próprias con-tribuições. Veja: misturando quantidadesiguais de água, que em condições iniciaispossuíam temperaturas diferentes e esta-vam termicamente isoladas, Black concluiuque a temperatura final de equilíbriosituava-se no meio entre as temperaturasiniciais consideradas. Parecia, portanto,convidativo imaginar que neste processo

10 Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009Entrevista com o Conde Rumford

alguma coisa havia passado entre as duasmassas de água, ou seja, que o calor poderiaser encarado como uma quantidade de umcerto fluido que se transferia de um corpopara o outro. A concepção do calor comouma substância colocava-se assim em con-sonância com o conceito filosófico de con-servação da matéria aceito na época. Nosexperimentos com misturas, o calor nãopoderia ser criado nem destruído, a quan-tidade de calor permaneceria constante [2].Entenderam?

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Entendido, mas que lei é essade conservação do calor? Essa eu não co-nheço. Você deve estar querendo dizer“conservação da energia”, não? Que eusaiba, não há nenhuma lei de conservaçãodo calor.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, a idéia geral de con-servação da energia só viria a ser esta-belecida no século XIX, no contexto exatodo desenvolvimento da termodinâmica. Elaenvolveria o relacionamento entre o calor,a energia interna do corpo e o trabalho rea-lizado; mas, essa é uma outra história quevocês deveriam conversar com o Mayer oucom o Joule ou melhor ainda com oHelmholtz. Eles vieram depois de mim esão os principais responsáveis por esse tro-ço. Deixe-me falar das coisas da minhaépoca.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Pois bem, mas como era essacoisa que você falou da conservação docalor?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Esse era exatamente o pon-to nevrálgico da questão. Esta idéia da con-servação do calor era, portanto, vital paraa teoria do calórico e seria um dos prin-cipais flancos de ataque que os seus opo-sitores viriam a desenvolver no final doséculo XVIII e no século XIX. Dentre estesopositores, eu fui um dos pioneiros. Comovocês devem saber, o Black havia observadoque quando diferentes quantidades de águaeram misturadas, a temperatura variavanuma proporção inversa às suas respecti-vas massas. Na linguagem atual, podería-mos expressar uma tal observação calori-métrica escrevendo que: ma Δθa = mb Δθb,ou seja

.

Um problema, entretanto, apresenta-va-se: esta observação não era válida paramisturas de corpos de naturezas diferen-tes, pois a proporção acima referida não severificava. Algo mais complexo, portanto,parecia ocorrer numa tal situação,requerendo, assim, a construção de umnovo conceito que desse conta da mesma.

João:João:João:João:João: É aí que entra a idéia de calorespecífico, não?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Exatamente! Esse talvez te-

nha sido o ponto mais alto das contribui-ções dadas pela teoria do calórico: a cons-trução do conceito de calor específico den-tro do seu contexto substancialista. Emsuas concepções, Boerhaave e Musschen-broek, admitiam que a capacidade de umcorpo absorver calor dependia do seu vo-lume ou de seu peso. Por exemplo, paracorpos de chumbo e ferro que possuíssemo mesmo volume, era requerida a mesmaquantidade de calor para obter uma mesmavariação de temperatura. Black, por suavez, tendo analisado os experimentosdescritos no livro publicado por Boerhaaveem 1732, concluiu que não havia umaproporcionalidade entre a quantidade decalor e a quantidade de matéria em corposde materiais diferentes.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Mas como ele chegou a essaconclusão?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Black argumentou dizendoque, se tal proporção existisse, a quanti-dade de calor para aquecer 1 libra de água,aumentando sua temperatura de 1 °F, deve-ria ser a mesma para aquecer 1 libra demercúrio obtendo a mesma variação detemperatura. As diferenças nas quantidadesde calor observadas em tais aquecimentoseram, para Black, uma contra-evidênciaempírica da existência da proporcionalidadeacima referida [2]. O mesmo argumentoseria utilizado ao considerar corpos dedensidades diferentes. Sabendo-se que adensidade do mercúrio é aproximadamente13 vezes maior que a densidade da água,então a quantidade de calor necessária paraelevar a temperatura em 1 °F de um certovolume de mercúrio deveria ser 13 vezesmaior que a quantidade de calor necessáriapara elevar o mesmo valor da temperaturade um mesmo volume de água. Os resul-tados numéricos obtidos por Black seriambastante diferentes dos aqui apontados, deforma simplificada, nesta nossa argumen-tação [3].

João:João:João:João:João: Você sabe, exatamente, comoBlack afirmou isso?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso está no livro do Ro-bison, que foi aluno dele, relatando as aulasdo Black. Segundo o Robison, Black afir-mou que “a quantidade de calor que leva 2volumes de água a aquecer por, digamos25 graus, é suficiente para fazer 3 volumesde mercúrio aquecer do mesmo número degraus. O mercúrio, portanto, tem menorcapacidade para o calor (se me for permitidoo uso desta expressão) do que a água; umaquantidade menor de calor é necessária paraelevar sua temperatura pelo mesmonúmero de graus” (apud [3, p. 132]).

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: E daí nasce diretamente oconceito de calor específico.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso! Os experimentoslevaram Black a concluir que corpos de

naturezas diferentes possuíam diferentescapacidades de absorção do calor. Este é ogerme da idéia de calor específico.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: E como a teoria do calóricodava conta dos fenômenos de mudançasde fases? O conceito de calor latente jáexistia?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Certamente a teoria do caló-rico explicava as mudanças de fase. O con-ceito de calor latente também nasceu nocontexto da teoria do calórico. Naquelaépoca, no século XVIII, acreditava-se quepara um corpo mudar do estado sólido parao estado líquido, por exemplo, era reque-rida a adição de uma pequena quantidadede calor. Black argumentou contrariamentea essa posição. Ele afirmou que “a fusãotem sido considerada universalmente comocausada pelo acréscimo de uma quantidademuito pequena de calor a um corpo sólido,uma vez que ele tenha sido aquecido até oponto de fusão; e o retorno do estado líqui-do para o estado sólido como dependendode uma diminuição pequena da quantidadede calor... Acreditava-se que este pequenoacréscimo de calor durante a fusão era ne-cessário para produzir uma elevação comoindicado por um termômetro... A opiniãoque eu formei... é a seguinte. Quando ogelo ou qualquer outra substância sólida éfundida... uma grande quantidade de calorentra no mesmo... sem produzir aparen-temente aquecimento, quando medido por(um termômetro)... Eu afirmo que estegrande acréscimo de calor é a causa princi-pal e mais imediata da liquefação induzida”(apud [2, p. 409]).

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Mas como ela justificava essassuas afirmações?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Black justificou sua afirma-ção com resultados quantitativos baseadosem experimentos com o calorímetro, uminstrumento desenvolvido por ele mesmopara medir a quantidade de calor. “Elepegou um calorímetro (copo de vidro) demassa 32 g, contendo 467 g de água ini-cialmente a 88 °C. Levou rapidamente404 g de gelo seco a 0 °C para o caloríme-tro, observando que o equilíbrio térmicoacontecia para a temperatura de 12 °C. Aquantidade de gelo e água não eram tãodiferentes. Se a mudança de fase não tives-se sido considerada, esperar-se-ia uma tem-peratura próxima de 40 °C. A temperaturaencontrada tinha sido muito abaixo, o quereforçava a hipótese de Black. Uma grandequantidade de calor deveria ter sido trans-ferida para derreter o gelo a 0 °C” [2].

Os novos conceitos introduzidos nacalorimetria, assim como os fenômenos aeles associados encontraram na teoria docalórico ótimas explicações.

Cleide:Cleide:Cleide:Cleide:Cleide: Eu estou começando a encarara teoria do calórico com mais respeito. Eu

11Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009

sempre pensei que ela fosse uma teoria meiomaluca, sem pé nem cabeça. Mas em quebases filosóficas ela estava assentada?Quero dizer, como toda teoria ela deviaconter os seus próprios pressupostosmetafísicos. Quais eram eles?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Muito interessante a suapergunta minha senhora. Os livros-textode física que vocês usam nunca, ou quasenunca, falam sobre os pressupostos dasteorias. Isto me parece um crime. Pois bem,veja lá: a partir de 1760 a teoria do calóricojá estava bem estabelecida existindo,portanto, toda uma formulação para amesma com algumas propriedades básicas.Entre os seus pressupostos estavam, porexemplo:

1. O calórico era uma substância ma-terial, um fluido elástico, substância estaque não poderia ser criada nem destruída;

2. Ele era constituído de partículas quese repeliam entre si, mas que eram atraí-das pelas partículas da matéria ordinária;

3. A magnitude da atração era dife-rente para diferentes materiais;

4. O calórico poderia ser sensível, ondese difundia através do corpo penetrando emsuas partes vazias e, por atração ficariacomo uma capa ao redor das partículas damatéria ordinária;

5. O calórico poderia, alternativa-mente, ser latente, agindo com as partículasatrativas de forma semelhante a dascombinações químicas [2, 4].

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Eu creio que seria interes-sante fazer uma comparação entre a teoriado calórico e a teoria dinâmica, a sua prin-cipal concorrente; porque eu creio que hávárias semelhanças entre elas e não apenasdiferenças. E isso confunde a cabeça doiniciante, o senhor não acha?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Claro que confunde! É porisso que estudar a história da física, a his-tória do surgimento dos conceitos físicos edas relações matemáticas entre os mesmospode ser algo bastante esclarecedor. Nestesentido, é importante assinalar que a teoriadinâmica do calor e a teoria do calóricoapresentavam realmente tanto semelhan-ças quanto diferenças entre si. Em primeirolugar, ambas pressupunham uma naturezacorpuscular da matéria, diferentemente doque habitualmente costuma ser apresen-tado nos livros-texto de vocês, nos quais ocalórico é geralmente representado, de for-ma absurdamente equivocada, como sendoum fluido contínuo. Como eu já assinaleiantes, o calórico tinha uma estruturainterna, do mesmo modo que a matériaordinária, e essa era também uma estru-tura de natureza corpuscular.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Eu estou espantado com essasua afirmação! O calórico tinha tambémuma natureza corpuscular? Mas, então,

qual era a diferença entre a teoria do caló-rico e a teoria dinâmica? Sempre pensei queessa fosse exatamente a diferença entre elas.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: A principal diferença entreelas residia no fato de que enquanto a teo-ria dinâmica tratava apenas com corpús-culos da matéria ordinária, a teoria do ca-lórico pressupunha a existência igualmentede partículas de um fluido sutil. Por outrolado ainda, o calor na teoria dinâmica eravisto como um resultado do movimento,não diretamente acessível aos sentidos, ummovimento das partículas da matériacomum, enquanto que a teoria do calóricopressupunha que tais partículas erammantidas estáticas. O próprio fluidocalórico mantinha as suas partículasigualmente estáticas envolvendo aspartículas da matéria comum, como acasca de uma fruta. Em um tal modelo, astensões estáticas, e não o movimento dequaisquer partículas, é que eram vistas co-mo responsáveis pelas variações de tem-peratura. Assim, ambas as teorias falavamem calor de um corpo, algo bem diferente davisão moderna de calor como um processo.No entanto, enquanto na teoria dinâmicao calor de um corpo estava associado à visviva das partículas da matéria comum -dada pelo produto da massa pelo quadradoda velocidade - na teoria do calórico o calorde um corpo estava relacionado com aquantidade do fluido calórico presente.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Puxa, cara, como essa teo-ria do calórico era interessante e ao mesmotempo complicada. E apesar de tudo issovocê ainda contribuiu para derrubar essateoria? Quer dizer, você começou o ataquemais forte a esta teoria? Por quê? Ela nãoera tão boa?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Porque, apesar de todas es-sas suas potencialidades ela apresentavaalguns sérios problemas que me incomo-davam. E esses problemas foram tomandovulto até que...

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Eu acho que o Severino estásendo muito apressado. Eu gostaria de co-nhecer ainda um pouco mais sobre a teo-ria do calórico. Porque, de início, como eunão achava essa teoria lá grande coisa, eupensei cá comigo: “grande coisa contribuirpara derrubar uma besteira dessas”. Mas,agora, eu estou percebendo que a coisa nãoé bem assim. E neste caso, tentar derrubaruma teoria coerente e bem estabelecida meparece algo realmente grandioso. Princi-palmente quando essa derrubada conduziuà construção da termodinâmica.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso minha cara senhora!Você agora deve estar entendendo porqueeu estou gastando tanto papo com a teoriado calórico. De que adianta contribuir deci-sivamente para derrubar uma teoria se elanão é lá grande coisa? A teoria do calórico

era, realmente, grandiosa. Portanto, deixe-me falar um pouco mais sobre o seu poderexplicativo. Isso prepara bem o terreno parao meu posterior ataque à mesma. Eu nascino seio da teoria do calórico, mas voltei-me decididamente contra ela.

João:João:João:João:João: Essa sua vocação de ser traidordesde pequeno a gente já entendeu; mas, oque eu quero saber é: quais fenômenos ateoria do calórico explicava e como ela osexplicava?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, a teoria do calóricoveio a dar conta das explicações de grandeparte dos fenômenos ligados ao aquecimen-to dos corpos. Por exemplo: O aumento detemperatura estava baseado na hipótese daexistência de diferentes espaços entre aspartículas de diferentes materiais. De acordocom o maior ou menor espaço existenteentre as partículas, o material teria umamaior ou uma menor capacidade específicade reter o calor. Deste modo, uma mesmaquantidade de calor fornecida a dois corposde diferentes materiais e de mesma massaocasionaria diferentes tensões estáticas dofluido calórico que se revelariam macros-copicamente como diferentes temperaturas.A situação assemelhava-se às tensõesexercidas por uma mesma quantidade dear em dois balões de festa de diferentes capa-cidades volumétricas.

João:João:João:João:João: Que interessante! E as dilataçõestérmicas, como elas eram explicadas?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: A dilatação dos sólidos eraexplicada com a argumentação de quequando um corpo recebia uma certa quan-tidade de fluido calórico, a atração entre aspartículas da matéria ordinária predo-minava sobre a repulsão das atmosferasdas partículas de calórico que cercavam taispartículas de matéria comum, até o limiteem que uma quantidade suficiente dessecalórico introduzido dava lugar a umaexpansão que conduzia a um novoequilíbrio das forças internas.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Legal! Muito interessante mes-mo. E quanto às mudanças de fase, o quedizia a teoria do calórico?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: A mudança de fase, a fusão,por exemplo, ocorria quando uma quanti-dade de calórico introduzida no corpo fos-se de tal ordem que a repulsão entre as par-tículas do fluido de calor superava a atra-ção das partículas da matéria ordinária.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Uma explicação, sem dúvi-da, muito interessante. E quanto à condu-ção térmica?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, a condução térmica eraexplicada pela teoria do calórico pressupon-do que o fluido calórico era atraído pelaspartículas da matéria ordinária. Assim,uma pequena quantidade de calórico adi-cionada a um corpo, acarretava no surgi-mento de uma atração maior deste fluido

Entrevista com o Conde Rumford

12 Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009

pelas partículas da matéria comum. Aque-cendo-se, por exemplo, a extremidade deuma barra de metal, a força de atração,naquele ponto, diminuía. O calórico queestava sendo introduzido na barra era atraí-do mais intensamente pelas partículas vizi-nhas, havendo desta maneira uma trans-missão de calor de um ponto para outroem um corpo.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Teoria engenhosa, essa! E pen-sar que eu sempre achei que essa teoria erauma bobagem. Mas e o calor radiante? Oque a teoria do calórico afirmava sobre ele?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Olhe, o calor radiante foi umconceito introduzido justamente pelos calo-ristas para que se pudesse dar conta dasdificuldades de explicar como o calor po-deria propagar-se no vácuo. Na ausênciada matéria comum as partículas do calóricose auto-repeliam, e o fluido do calor eraentão liberado e viajava através do vácuo.Este era um dos pontos mais fortes da teoriado calórico, pois a teoria dinâmica nãoexplicava bem a transmissão do calor porirradiação. As pessoas costumavam dizer,apenas, que a teoria do calórico sofriaataques dos adeptos da teoria dinâmica docalor. A questão é que os caloristas tambémcontra-atacavam seriamente as bases dateoria dinâmica do calor. E a questão datransmissão do calor por irradiação era umdos pontos mais fracos da teoria dinâmica.Percebam, portanto, que derrubar umadessas teorias não era nada simples. Aspessoas costumavam pensar que bastavacolocar um defeito em uma teoria para queela caísse. Mas isso é ingênuo, porque, nonosso caso, mesmo que uma teoria nãoexplicasse um certo fenômeno, ela explicavabem uma série de outros fenômenos. Cadateoria era complexa como uma estrutura.Você mexia aqui, e ela balançava ali, sacou?E ainda tinha a questão dos contra-ataques.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Como assim?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Porque se um adepto de

uma dessas teorias achasse um defeito,uma falha, na teoria concorrente, os adep-tos dessa outra teoria também encon-travam falhas na dele. E ai, companheiro,o clima era de disputa, mesmo. Na verda-de, esse clima de disputas interpretativas éuma parte inerente da história da ciência.A visão açucarada propagada pelos livros-texto é que dificulta a nossa percepção destacaracterística essencial do desenvolvimentohistórico da ciência.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Isso me leva a levantaruma questão de natureza filosófica: o Tho-mas Kuhn afirma que esse clima de dispu-tas se dá apenas porque não há um para-digma bem estabelecido. Para ele, apóshaver a aquisição de um paradigma, oscientistas tornam-se mais conservadores,autênticos reacionários, praticantes da ciên-

cia normal. O que é que o nosso caro condeacha disso?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Olha, eu apesar de morto,já faz tempo, sou um cara pós-Kuhneano(risos).

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Como assim? Você morreuem 1814 e A Estrutura das Revoluções Cientí-ficas, do Thomas Kuhn, é dos anos 1960[5]. Conta essa história direito.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, eu li a obra do Kuhn,depois de morto, claro, e confesso que nãogostei dela. Eu tenho boas razões para issoe disse isso a ele mesmo, recentemente, láno céu.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Explique isso direitinho, eunão gostei do que o senhor acabou de dizer.O Thomas Kuhn é o meu ídolo. Ele criticouveementemente o papel da encucação ideo-lógica exercida pelos livros didáticos. Euadoro aquele livro. Para mim o ThomasKuhn é o sinônimo da própria filosofia daciência moderna.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não apenas a senhora pensaassim; o Kuhn virou moda entre os educa-dores, mas eu não estou de acordo com ospontos de vista do Kuhn. Para mim ele sim-plifica enormemente a história da ciência.Só dessa forma as suas posições podem sermantidas. A minha história é um contra-exemplo do que diz o Thomas Kuhn.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Como assim?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Para início de conversa, não

é verdade que o Kuhn tenha sido esserevolucionário que a senhora e muitos dossenhores talvez acreditem. Ele não criticouo papel ideológico dos livros didáticos, eleapenas constatou um tal papel, o que émuito diferente. E no final do livro ele defen-deu esse papel ideológico para a continua-ção do que ele mesmo chamou de “ciêncianormal”. E ainda permitiu-se fazer consi-derações sobre a Educação do futuro cien-tista, desse deslavado cerebral que ele imagi-nava serem todos os cientistas. Eu até admi-to que muitos cientistas são exatamente oque o Thomas Kuhn disse: meros solucio-nadores de quebra-cabeças. O problema éque para ele esse é “o protótipo do cientista”e para mim não. Eu, por exemplo, criei-me dentro dos cânones da teoria do calóricoe diante do que pareciam evidências empí-ricas muito fortes eu me voltei contra omodelo que sempre havia acreditado, con-tra o calórico. E veja, que eu não estavavoltando-me contra nenhuma galinhamorta. E eu estava cortando na minha pró-pria carne.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Essa sua vocação de trai-dor nós já entendemos, mas será que todosos cientistas têm de ser traíras como osenhor foi?

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Falando sério, senhor conde,o Thomas Kuhn admite que em períodosrevolucionários, como aquele no qual o se-

nhor viveu, coisas assim acontecem. Eleadmite que alguns praticantes da ciênciapodem-se voltar contra a ortodoxia.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso é uma ofensa à histó-ria! Na minha época, a teoria do calóriconão estava balançando, ela estava muitobem assentada.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Mas não era paradigmática,era apenas a concorrente mais forte.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não importa! Eu não parti-cipei de nenhuma “revolução científica”, eunão entrei como uma “Maria vai com asoutras” em nenhum trio elétrico da histó-ria. Eu critiquei aquilo que era o dogmamais bem posto da área - a teoria docalórico - dogma este no qual eu sempreacreditara até então, mas o fiz baseado noque supunha serem ótimas evidências em-píricas. Mas, eu fui muito cauteloso nacrítica. O meu trabalho é um contra-exem-plo daquilo que diz o Kuhn. O problema éque muitos dos senhores educadores fazemfilosofia da ciência de gabinete, sem umestudo acurado da história da ciência. E aíocorre aquilo que dizia o Imre Lakatosparodiando o Kant: a filosofia da ciênciasem a história da ciência fica cega. E é nesseterreno escuro do desconhecimento dosfatos históricos que o Kuhn faz a sua festa,a festa que a senhora Amélia tanto aprecia.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: O senhor dobre essa sualíngua, seu defunto narigudo.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: E a senhora; viúva do Tho-mas Kuhn!

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Meu caro senhor conde, euacho melhor o senhor parar por aí comesses seus ataques ao Thomas Kuhn, poiso fã clube dele ainda é muito grande entreos colegas da nossa área. Se bem que atual-mente a moda é se associar ao fã clube doBruno Latour, um sujeito que se diz pós-modernista. O senhor não disse que é pós-kuhneano; pois cuidado para não serconfundido com o Bruno Latour.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Tudo, menos isso! Esse euainda não tive a oportunidade de encon-trar lá por cima; mas, sei que o Alan Sokaljá deu conta dele.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Como, assim?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: O Alan Sokal é aquele físico

americano que levou ao ridículo as tesesesdrúxulas dos pós-modernistas e que es-creveu um livro interessantíssimo intitu-lado Imposturas Intelectuais com JeanBricmont. O Mario Bunge, um influentefilósofo da ciência, é outro que também temcombatido com bastante vigor as concep-ções desses tais “pós-modernistas”.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Mas, como o senhor deveimaginar, nós estamos pisando em um ter-reno lodoso, ardente de paixões ideológicas.Por isso, todo cuidado é pouco.

João:João:João:João:João: Mas, eu estou interessado. Eutenho umas amigas que são exímias

Entrevista com o Conde Rumford

13Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009

sofistas que apreciam muito este tipo deliteratura pós-modernista. Elas misturamconceitos de mecânica quântica com tudo,até com literatura de cordel (risos).

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, eu soube disso apenasrecentemente. Na verdade, toda essa ondade críticas severas contra o tal do pós-modernismo parece que começou de umaforma um tanto virulenta quando o AlanSokal - um homem de esquerda e com mili-tância em países de terceiro mundo -revoltado com a farsa das publicações ditas“pós-modernistas” enviou um artigo comum título bombástico de Transgressing theBoundaries: Toward a Transformative Herme-neutics of Quantum Gravity (Transgredindoas Fronteiras: Em Direção a uma HermenêuticaTransformativa da Gravitação Quântica)para uma conceituada revista dos pós-modernistas intitulada Social Text. O artigodo Sokal era uma autêntica armadilha ondeele misturava propositalmente coisas semo menor sentido, unindo citações defilósofos ditos pós-modernistas com váriosdisparates envolvendo matemática e físicaavançadas, do mesmo modo comocostumam fazer os ditos filósofos. O artigorecebeu uma excelente acolhida no seio dacomunidade pós-modernista e foi logopublicado. Entretanto, logo em seguida,Sokal denunciou a farsa e o logro em queos tais filósofos haviam caído. A coisa evo-luiu para a escrita do livro com Jean Bric-mont e que em português foi publicadocom o título de Imposturas Intelectuais. Neleos autores expõem a fragilidade e averdadeira farsa dos argumentos dos “pós-modernistas”. Ali estão expostos, porexemplo, o uso estapafúrdio feito porJacques Lacan de conceitos de Topologia, autilização inapropriada da teoria dos con-juntos por Julia Kristeva, da mecânica dosfluidos por Luce Irigaray e da geometrianão-euclidiana por Jean Baudrillard, paramencionar apenas alguns.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Cuidado, senhor conde, euestou lhe avisando! Os sócios do fã clubedos pós-modernistas não vão gostar. E elessão confusos por natureza, mas são mui-to barulhentos. O Sokal que o diga.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: E o que o senhor acha queeu devo fazer, então?

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: A questão é que se o se-nhor continuar a falar essas coisas sobre oThomas Kuhn e mais ainda sobre o Lacane outros ainda mais iluminados, os seusfãs não vão gostar dessa sua entrevista. As-sim, eu acho mais prudente o senhor voltarao seu assunto histórico e explicar melhorpor que é que a transmissão do calor porirradiação não cabia direito no contexto dateoria dinâmica.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Tudo bem! Mas, o leitorinteligente poderá ler o livro do Alan Sokal

e do Jean Bricmont e saberá tirar as suaspróprias conclusões. Voltemos, portanto,à nossa questão da radiação térmica.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Isso, senhor conde. Comomeu personagem, o senhor não pode colo-car-me em mais uma enrascada; já tenhoinimigos demais.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem, retomemos entãoo tema da irradiação do calor. A questão éque para a teoria dinâmica, o calor eraapenas o movimento transmitido pelacontínua vibração das partículas da matériacomum. O Daniel Bernoulli e o RugeroBoscovich foram dois campeões dessa teoriano século XVIII. A coisa toda já continha ogerme daquilo que viria a se desenvolver,no século XIX, como a teoria cinética, comoo fundamento mecânico da termodinâmi-ca, o tratamento estatístico dos fenômenosmicroscópicos. Quem me dera se eu aindaestivesse vivo para trabalhar com a termo-dinâmica; que ciência linda, meu Deus!

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Mas, qual era mesmo oproblema da explicação da teoria dinâmicapara a transmissão do calor por irradia-ção?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: O problema é que a teoriadinâmica funcionava muito bem paraexplicar o calor no interior dos corpos, oumesmo na transmissão por condução,mesmo no ar. Bastava pensar como em ummodelo de uma bolinha batendo na outra,balançando todas para lá e para cá. E lá iao movimento sendo transmitido. Isso erao calor para os adeptos da teoria dinâmica.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Mas, é exatamente dessa ma-neira que eu ensino na Escola. Nos livrostambém é assim que o calor é explicado. Eaté agora eu sempre pensei que o senhorhouvesse contribuído exatamente para fa-zer com que essa visão viesse a ser a ven-cedora. Não foi, mais ou menos isso que osenhor concluiu ao interpretar o seuexperimento do canhão?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso é complicado, mesmo.Foi sim; mas, eu estava em alerta para asdificuldades da visão dinâmica. Daí eu ha-ver sido muito contido nas minhas afir-mações, justamente eu que nunca haviasido um cara contido. Não era uma meraquestão de estilo. Aí está o meu problemacom a interpretação do Kuhn. Daqui a pou-co a gente conversa melhor sobre o meuexperimento do canhão. Deixe-me conti-nuar a falar da questão da transmissão docalor por irradiação.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Isso! Vá em frente!RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois, bem! Como eu estava

dizendo, no interior da matéria, mesmo emum meio tão pouco denso como o ar, erafácil compreender a transmissão do calorcom esse modelo de partículas da matériacomum que vibravam e batiam umas nasoutras e lá ia essa vibração sendo transmi-

tida espaço afora. Eu adorava esta teoriadas vibrações.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Ótimo, e não é assim,mesmo?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Calma! Há perigo na es-trada! Como é que você explicaria, porexemplo, a transmissão do calor atravésdo vácuo? Como é que o calor poderia virdo Sol até a Terra? Se você imaginar que háum vácuo, então não tem mais as tais bo-linhas, as tais partículas da matériaordinária, batendo umas nas outras eservindo de mecanismo de transmissão des-se movimento que denominamos de calor.Está vendo como eu precisava ser cau-teloso? Eu comecei a sentir, ao fazer oexperimento do canhão, como discutiremosmais adiante, que a teoria do calóricoapresentava um furo incontornável, mas,por outro lado, a teoria dinâmica tambémme parecia furada. Daí a minha cautela.Eu nunca fui bobo de botar a minha carapara levar tapa. Por mais evidências con-trárias à teoria do calórico que existissem,isso não significava que a teoria dinâmicaestivesse ainda suficientemente bem posta.Então, enquanto eu não tinha nenhumaforma de explicar essa coisa toda, tudo queeu poderia fazer era me contentar em acharnovas peças de evidência contrárias ao caló-rico. Mas a angústia e a insegurança eramenormes. Era matar algo sem ter o quecolocar no lugar. Entendeu porque eu nun-ca poderia considerar-me um revolucioná-rio? Revolucionários precisam ter uma uto-pia na qual acreditarem, uma causa queeles acreditem ser justa e pela qual lutem.Algo positivo, não apenas algo negativo.Faltava-me esta coisa positiva, que eu nãoimaginava o que poderia vir a ser. Eviden-temente eu nada sabia sobre as ondas ele-tromagnéticas e a sua propagação. Issoapareceu muito depois da minha morte.Tudo o que eu pude perceber na minha épo-ca foi que, de algum modo, o calor deveriaser algo como o movimento, mas não nosentido estrito da velha teoria dinâmica. Edessa sinuca eu nunca saí. Morri sem sairdela. Ah!, se eu houvesse vivido no finaldo século XIX para conhecer o eletromag-netismo.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Puxa! Eu nunca havia pen-sado nessas coisas todas. Eu agora estou éatrapalhado para dar as minhas aulinhasde física. Essa coisa de história da físicaembanana a cabeça da gente. Ela obriga agente a pensar e a duvidar de muitas coisasque a gente diz como se fossem triviais.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Exatamente! E coisas estasque estão longe de serem triviais! E não épor outra razão, senão para fugir deste con-flito epistemológico e até psicológico, queas pessoas fogem da história como o diabofoge da cruz. A análise histórica desmonta

Entrevista com o Conde Rumford

14 Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009

nossas mais íntimas convicções, abala asnossas próprias estruturas. É por isso queas caricaturas apresentadas pelos livros-texto nos parecem tão convidativas.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Senhor conde, diga-me umacoisa: o senhor pensava mesmo assim,fazia todas essas reflexões filosóficas eeducacionais?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Minha cara senhora, quemestá aqui a lhe conceder uma entrevista nãoé apenas o conde Rumford, morto eenterrado em 1814, como disse a senhora,momentos atrás. Quem está diante da se-nhora é um personagem construído pelaimaginação do autor desta entrevista. Umpersonagem que tenta retratar o que o con-de pensava à época em que viveu, mas quese permite incursões sobre tempos poste-riores à sua morte. Eu, aqui, como este serconstruído, como me apresento, sou ummisto da minha consciência, da consciênciade Benjamin Thompson, com “p”, com aconsciência do autor e a consciência dosleitores deste texto. Eu sou um Projeto,também com P, mas um P maiúsculo. Aminha preocupação aqui é pedagógica efilosófica. A minha intenção é despertar ossenhores a pensarem sobre aquilo que ensi-nam e que julgam, por vezes, conheceremtão bem. Eu não estou aqui apenas parafalar de detalhes da minha biografia.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Então o senhor está aquicomo o nosso conhecido “Chacrinha”. Estáaqui para confundir! É isso?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Deixo esta questão para asua própria análise e para análise do leitorinteligente. O que é melhor: viver a angús-tia da dúvida ou a certeza da ilusão? Reflitae não procure logo a folha de respostas,pois a vida não é um mero livro didático.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Gostei!João:João:João:João:João: Pois, eu, agora, fiquei pirado,

mesmo. Como é que se explica, então atransmissão por irradiação?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Para responder isso eu vouter, novamente, que falar de coisas que sóvim saber depois de morto. Tudo bem? Nãoatrapalha quando eu voltar a falar comoeu era, mesmo?

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Atrapalha, um pouco. Issoestá parecendo um filme francês da Nou-velle Vague onde as cenas viajavam cons-tantemente entre o passado e o presente semcortes visíveis e Hollywoodianos.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Mas é isso aí mesmo. Vocêsprecisam transportar-se para o final doséculo XIX, bem depois da minha morte,para perceber o que eu quero dizer.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: E o que é que você querdizer, senhor conde? Explique logo.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Que baixinho nervoso! Esseé pior do que eu. A questão é que esse pro-blema só encontrou um princípio de solu-ção a partir do momento em que o calor

passou a ser visto como uma radiação ele-tromagnética. Só uma visão eletromagnéticada questão pode esclarecer esse problema. Atermodinâmica, que já não era apenas umaciência do calor, mas que incorporavatambém uma visão mecânica de mundo,em termos estatísticos referentes ao movi-mento das partículas, passou a englobar,também, aspectos eletromagnéticos.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Ainda estou sobrando.RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Veja, com Maxwell, as on-

das eletromagnéticas ganharam uma reali-dade matemática, ainda que presas a velhosmodelos da mecânica dos fluidos. ComHertz, elas ganharam uma realidade física,mas com a relatividade, do Einstein, asondas eletromagnéticas atingiram a suamaioridade. Elas se tornaram realidadesindependentes, propagações de pertur-bações dos campos eletromagnéticos. E aí,a transmissão do calor por irradiação pas-sou a ter um abrigo mais natural. Com-preenderam? Acho que vocês deveriamconversar sobre isso com o Einstein, ele eraapaixonado pela termodinâmica, sabiam?

João:João:João:João:João: Que tal trazer o conde para aépoca dele de novo e pedir para ele baixar asua bolinha e falar novamente sobre a teo-ria do calórico? Se não fizermos isso, logo,o revisor da revista vai mandar cortar umbocado de coisas dessa entrevista.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Senhor conde, eu sou en-genheiro civil e estou acostumado a ver ospedreiros martelando e dobrando vigas deferro na construção. Sempre que isso acon-tece o ferro fica aquecido. A teoria do caló-rico também explicava esse fato?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Sim, claro que sim! O aque-cimento por processos de deformaçõesmecânicas também poderia ser explicadopela teoria do calórico. Um metal sendogolpeado fortemente era aquecido porqueo calórico ao ser comprimido diminuía asdistâncias entre as suas atmosferas au-mentando consequentemente a repulsão eliberando desta forma parte do calórico queestivesse ainda aprisionado ocasionando,assim, um aquecimento do metal [4].

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: E o aquecimento por atrito?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso! Agora você está che-

gando bem perto dos problemas que eu vima enfrentar lá na fundição de canhões.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Pois fale algo sobre como ateoria do calórico explicava o aquecimentopor atrito. E explique, também, como eraa explicação dos caloristas para o aqueci-mento por desbastamento do material.Desse modo, você chegará no âmago doproblema a ser explicado.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso, companheiro, vocêagora tocou o meu coração! Eu estou afu-nilando essas explicações em direção aomeu problema da perfuração de canhões.Veja lá: o aquecimento por atrito era expli-

cado de forma análoga ao aquecimento pelomartelamento, supondo-se a necessidadedo exercício de uma certa pressão para queos corpos fossem atritados. Desta forma,um simples deslizamento, ou seja, umdeslocamento das superfícies - com umapressão reduzida - não deveria gerar calor.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: E o aquecimento por desbas-tamento?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Este era exatamente o x daquestão. Foi ai que a porca torceu o rabo,como veremos mais adiante (Risos). Oaquecimento por desbastamento era expli-cado pela teoria do calórico, afirmando-seque o calórico era solto das atmosferas àsquais estava preso. Ao ser liberado, estecalórico ia aquecendo o meio ambiente. Foijustamente aí que eu entrei em cena aoescavar os canhões na Baviera.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: E então, o que foi que acon-teceu?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Aconteceu que eu coloqueio cilindro de metal girando no torno paraque a broca fosse perfurando o mesmo len-tamente. A questão é que à proporção queo orifício ia sendo cavado, a temperaturasubia dramaticamente e por isso mesmo apeça de metal era colocada permanentemen-te dentro de um grande vaso com água. Odesbastamento era feito de forma submersae mesmo assim a água ainda fervia.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: E daí?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Daí que nós achávamos até

então que aquele calor todo que apareciaestava sendo liberado pelo fato de que ometal estava sendo cortado em pequenasaparas e isso estava contribuindo para libe-rar o calórico que estava preso no metal.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Esta me parece, de fato, umaboa explicação.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Todos nós também pensá-vamos assim, mas então aconteceu umproblema.

João:João:João:João:João: Que problema?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Com o passar do tempo a

broca foi se desgastando, ficando cega, demodo que raspava o metal sem conseguirmais cortá-lo.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Mas, qual era o problema,homem de Deus?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: O problema, senhor Severi-no, era que nestas condições, sem conseguirmais cortar o metal, o calórico não deveriamais estar sendo liberado, pois as aparas nãoestavam mais sendo produzidas, e destemodo, a água na qual a peça de metal estavaimersa deveria resfriar um pouco.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: E resfriou?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Muito pelo contrário! Não

apenas a água continuou a aquecer comoaté ferveu. Estava claro que a broca cegaconseguia misteriosamente liberar aindamais calor do que quando conseguia cor-tar o metal e isso era um paradoxo. Se a

Entrevista com o Conde Rumford

15Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009

broca cega não conseguia cortar aparas dometal, como é que o calor continuava a serliberado? E pior ainda, liberado emquantidade ainda maior do que antes.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: É! Isso parece realmente es-quisito. E eu que já estava achando a teoriado calórico uma beleza.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Mas, aí é que está! Mesmonão dando uma explicação para aquelenovo fenômeno observado, ela ainda con-tinuava a explicar satisfatoriamente umaporção de outros fenômenos como discu-timos anteriormente. E ninguém iria aban-donar uma teoria simplesmente porque elanão funcionava aqui ou ali, sem ter antesalgo melhor para substituí-la. Pensardiferente é ingenuidade. E naquela época,não havia nada que pudesse concorrer àaltura com a teoria do calórico em seupotencial explicativo.

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Mas e esse problema dosuperaquecimento provocado pela brocacega, como o senhor resolveu?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Eu fiz a conjectura bastantearrojada para a época de que o calor nãodeveria ser uma substância, mas que eleparecia ser uma forma de movimento.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: O senhor quer dizer, uma for-ma de energia, não?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Eu não falei assim, mesmoporque a ideia de energia enquanto um con-ceito geral ainda nem existia. Ela só surgiriacom vigor na segunda metade do séculoXIX, bem depois da minha morte, com ostrabalhos do Helmholtz.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Mas, então, o que foi mesmoque o senhor disse?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Eu já expliquei. Eu consi-derei a possibilidade de que o calor fosseapenas uma forma de movimento. Isso,certamente, contribuiu para abalar as es-truturas da teoria do calórico, mas eu nãodiria jamais que eu refutei a mesma.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Muito bem, do que o se-nhor falou pode-se perceber a grande va-riedade de situações com as quais a teoriado calórico conseguia lidar de forma bas-tante satisfatória para a época. Mesmodiante dos seus ataques, com o seu célebreexperimento do torneamento de canhões,a teoria do calórico persistiu ainda domi-nante por longo tempo.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso! Ainda que tenham sidolevantados vários obstáculos explicativosao calórico, é preciso observar que a teoriadinâmica ainda não se constituía naquelaépoca em um adversário à mesma altura.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Por favor, fale-me um poucosobre a transmissão de calor por convec-ção. O professor Alexandre me falou quefoi o senhor quem descobriu este fenô-meno. É verdade?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso, mesmo! Foi duranteuma daquelas minhas distribuições de so-

pa, em 1797. Eu havia percebido há anosque alguns pratos especiais mantinham atemperatura por muito mais tempo do queoutros e que as tortas de maçã perma-neciam surpreendentemente quentes porum longo período de tempo. Sempre quequeimei a boca com elas ou que vi outraspessoas terem o mesmo infortúnio, tenteiem vão descobrir os motivos responsáveispor aquele fenômeno.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Onde é que entra a tal sopa,que o senhor falou?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, doze anos se passaramdesde a minha primeira observação daquelemisterioso fenômeno. Foi quando eu tive umencontro semelhante com a tal sopa; umasopa grossa de arroz que me trouxeram bemquente, mas que eu deixara resfriando poruma hora. A primeira colherada que eutomei, retirada de cima do prato fundo, esta-va fria e desagradável. A segunda colherada,mais do meio, entretanto, queimou-me aboca. Eu fiquei perplexo!

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Por quê?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Porque naquela época to-

dos pensavam que a água era um bom con-dutor de calor. Por que, então, aquele pratocheio de água não resfriara mais depressa?

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Sim, por quê?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, eu estava me pergun-

tando exatamente isso, quando tive a sortede examinar um enorme termômetro a ál-cool que eu havia construído para outrosexperimentos e que havia sido bastanteaquecido. Eu o havia colocado no parapeitoda janela para resfriar. Quando fui buscá-lo observei que o álcool contido no interiordo grande bulbo estava em rápido movi-mento, correndo celeremente em duas dire-ções opostas, para cima e para baixo, aomesmo tempo.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Como isso é possível? Umacoisa não pode correr simultaneamentepara cima e para baixo. O senhor deve terendoidado e não percebeu.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Mas, minha senhora, o ál-cool é um líquido e não um corpo rígido.Partes dele estavam subindo enquantooutras partes estavam descendo. Qual é oproblema?

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: É, Amélia, o conde temrazão. Você devia ter ficado calada.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Não enche, Zé!RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem, examinando mais

atentamente aquele fenômeno, eu percebique a corrente ascendente ocupava o eixocentral do tubo do termômetro e a des-cendente corria pelos lados do tubo. Eu en-tão chamei aquele processo de convecção.

Cleide:Cleide:Cleide:Cleide:Cleide: Por que o senhor escolheu estapalavra?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Muito interessante a sua per-gunta, madame. Vejo que a senhora seinteressa pela origem das palavras, pela eti-

mologia. Eu também sempre fui muitointeressado em questões etimológicas. Poisbem, eu escolhi a palavra “convecção” por-que ela vem do latim, de convectionem quesignifica o ato de carregar. Eu queria dizercom isso que o movimento de partes da ma-téria carregava consigo o calor. Entenderam?

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: O senhor pode dar umexemplo desse processo?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Vocês podem perceber esseprocesso nas panelas. Quando a água éaquecida em uma panela, por exemplo, aparte da água que está no fundo sobe parao topo e é substituída por um fluxo de águafria, que é outra vez aquecida, de modo quehá uma circulação contínua de água levandocalor para todas as partes da panela.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Quer dizer que esta sua desco-berta da convecção foi bastante empírica,não?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso! As descobertas empí-ricas também existem, não são apenas mi-tos como querem alguns filósofos moder-ninhos.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Vá devagar com esse seuandor meu caro conde que o santo é debarro. É verdade que essa sua descobertafoi empírica, mas a sua interpretação, a suaintuição em relação à convecção do calorpela água é que foi algo genial. Para mim,aí é que está o ponto mais importante desua descoberta, a alteração que o senhorfez no conceito de condução do calor emrelação à água. E este ponto está mais parao lado da intuição do que para o da indução,não é mesmo?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Tem razão! Eu explico a si-tuação à qual o senhor se referiu. A con-vecção é um processo muito mais eficientecomo transporte de calor do que a condu-ção. Naquela época, como já disse antes,achava-se que a água era um ótimo con-dutor de calor. E por que se pensava assim?

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Está olhando para mim? O se-nhor está perguntando a mim? Mas, nãofoi o senhor quem descobriu?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Minha cara senhora, euestou lhe perguntando apenas como umaforma de fazê-la pensar. Eu estou sendosocrático, entendeu?

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Desculpe, eu não havia per-cebido. Vá em frente, eu não sei mesmo aresposta.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem, pensava-se que aágua era um bom condutor porque nin-guém havia percebido ainda o papel daconvecção no transporte eficiente do calor.Na verdade, ninguém reconhecera queaquele tal processo ao menos existia, sa-cou agora?

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Saquei! Prossiga.RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem!Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Homem de Deus! Pare de

tanto dizer “pois bem” e desembuche logo

Entrevista com o Conde Rumford

16 Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009

isso.RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem!João:João:João:João:João: Não tem jeito, deixem o conde

dizer o tal do “pois bem” senão não acaba-mos mais essa entrevista.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Pois bem, eu saquei que aconvecção existia. E adivinhei que a águana verdade é um mal condutor de calor eque...

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Pára, pára, pára! O senhor fezo quê?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso mesmo que a senhoraouviu: eu adivinhei! Eu intuí, se preferirassim. Eu vi aquela situação sob um ân-gulo totalmente novo e iluminado pelacriação do novo conceito de convecção queeu havia criado para dar conta daquilo quehavia sido observado.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Opa! Isso já não está meparecendo mais tão indutivista assim.

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Pois é, a criação científicatem mais mistérios e sutilezas do que aindução pode comportar.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Isso mesmo! E então a coisatoda clareou na minha mente. Com oconceito de convecção em mente, eu entendique a água na verdade é má condutora decalor e que o problema com as tortas demaçã e com as sopas de arroz haviaocorrido porque o movimento da águatinha sido de algum modo obstruído.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Genial!RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Obrigado, senhora, mas não

precisa exagerar.João:João:João:João:João: A ideia é realmente sensacional;

mas, como o senhor poderia testar esta suaintuição? Como saber se a luz que o se-nhor estava vendo no fim do túnel não erao trem que estava chegando e não a saídado túnel? (Risos)

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Bem, o senhor tem todarazão. A intuição faz o cientista ver mais lon-ge; mas ele, certamente, tanto pode estarvendo a saída do túnel quanto o trem (risos).E é aí que entra o papel do experimento.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Como, assim?RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Eu testei aquela minha

hipótese. Eu criei propositadamente umasituação artificial e controlada com aintenção deliberada de testar o que eu haviaintuído. Eu impedi deliberadamente aconvecção em duas panelas de água quente,dissolvendo amido em uma delas eintroduzindo um edredom na outra.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: O senhor colocou o seu edre-dom para cozinhar? O senhor ficou louco?

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Não, minha cara senhora;mas, eu estou começando a ficar louco comessas suas perguntas meio malucas.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: O quê? Seu narigudoatrevido?

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Calma, Amélia! Deixe o condeexplicar esse negócio da sopa de edredom(risos).

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Eu não fiz nenhuma sopade edredom, eu apenas usei o edredom co-mo uma forma alternativa de obstruir aconvecção. Era isso que eu queria testar,entenderam?

Severino:Severino:Severino:Severino:Severino: Eu já havia entendido an-tes.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: Certamente, meu caro se-nhor Severino, o senhor é muito perspi-caz. Como eu estava dizendo, descobri en-tão que a água nessas duas panelas esfriavamuito mais devagar do que a água em umaterceira panela na qual eu não haviacolocado nada, nem edredom e nem amido.Claramente, o que fazia a diferença era aexistência ou não de algo que atrapalhassea convecção. Foi só então que tive maisconvicção do que já estava suspeitando; deque nos alimentos como tortas de maçãscozidas e nas sopas grossas como a de ar-roz, as correntes de convecção eram retar-dadas ou até mesmo bloqueadas pelapresença de fibras e de substâncias dissol-vidas que eram liberadas durante o cozi-mento. A camada superficial podia esfriar,mas o material quente no interior do ali-mento, não conseguia ser transportadopara a superfície por convecção.

João:João:João:João:João: E que mais? Chega de falar desopa quente.

Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: É verdade que o senhor secasou com a ex-mulher do Lavoisier depoisque decapitaram o coitado?

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: Eu vi um retrato pintado delae a dita cuja me pareceu uma loura belíssi-ma e dizem também que ela era muito rica.

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Lá vem outro golpe dobaú.

RRRRRumforumforumforumforumford:d:d:d:d: É verdade, ela era rica e bo-nita, mas o casamento durou muito pouco.Eu não suportava aquela megera.

Jonas:Jonas:Jonas:Jonas:Jonas: O quê? Rica e bonita e o senhorainda a chamava de megera? Eu acho bomo senhor tomar um pouco de Coca-Colapara se acalmar.

LLLLLula:ula:ula:ula:ula: Mas, essa Coca-Cola está horrí-vel e quente como uma sopa. E por falarnisso, eu preciso voltar a ler as minhas coi-sas sobre o Lacan, sobre O Grande Outro...

João:João:João:João:João: Essa eu não entendi senhor con-de, o senhor também conhecia o Lacan?

LLLLLula:ula:ula:ula:ula: Que senhor conde, João? Vocêpirou? Eu estou falando que esta Coca-Colaquente está uma droga e que não voutomar mais nenhum gole. E preciso ler esselivro do Lacan, vocês ainda não enten-deram?

Zé RZé RZé RZé RZé Roberto:oberto:oberto:oberto:oberto: Puxa, gente, parece que oefeito da Coca-Cola quente passou e o con-de desapareceu. Vamos ter de nos confor-mar é com a presença do Lula novamente.

LLLLLula:ula:ula:ula:ula: Do que vocês estão falando?Amélia:Amélia:Amélia:Amélia:Amélia: Deixa para lá, você não vai

acreditar! O conde Rumford esteve aqui e

Entrevista com o Conde Rumford

Referências

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Alan Sokal e Jean Bricmont, Imposturas Inte-lectuais (Record, Rio de Janeiro, 1999).

nos deu uma baita de uma entrevista.LLLLLula:ula:ula:ula:ula: E como é que eu perdi essa

oportunidade? E agora, como é que eu vousaber o que ele pensava?

AleAleAleAleAlexandrxandrxandrxandrxandre:e:e:e:e: Fique tranqüilo, meu caro.Eu anotei tudo o que aconteceu e estousubmetendo a nossa entrevista àpublicação. Basta esperar pelo próximonúmero da nossa A Física na Escola paraver se a entrevista vai ser publicada. Se pu-blicarem, nós poderemos tentar entrevistaro Carnot ou o Mayer para saber o resto dahistória que o conde não contou; ou quemsabe o Joule ou o Kelvin, ou até mesmo oClausius, o Helmholtz ou o Boltzmann. Ocerto é que há muita gente interessante comquem se conversar na história da física.