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RODRIGO FERNANDES MENEGATTI O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS MONOGRAFIA

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RODRIGO FERNANDES MENEGATTI

O PRINCPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO TICO PARA A PRESERVAO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS

MONOGRAFIA

FAPAS

Santa Maria, RS, BRASIL

2011

O PRINCPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO TICO PARA A PRESERVAO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS

por

RODRIGO FERNANDES MENEGATTI

Monografia apresentada ao curso de Graduao da

Faculdade Palotina (RS), como requisito Parcial

para a obteno do grau de LICENCIADO

em Filosofia.

Santa Maria, RS, Brasil

2011

FACULDADE PALOTINA

CURSO DE FILOSOFIA

A COMISSO EXAMINADORA, ABAIXO

ASSINADA, APROVA A MONOGRAFIA

O PRINCPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO TICO PARA A PRESERVAO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS

ELABORADA POR

RODRIGO FERNANDES MENEGATTI

COMO REQUISITO PARCIAL PARA A

OBTENO DO GRAU DE

LICENCIADO EM FILOSOFIA

COMISSO EXAMINADORA:

______________________________________________________________

Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves orientador (FAPAS/UNIFRA)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Valdemar Antnio Munaro (FAPAS/UNIFRA) _______________________________________________________________

Prof. Ms. Jeronimo Jos Brixner (FAPAS)_________________________________________________________________

Prof. Ms. Andr Roberto Cremonezi Suplente (FAPAS)

Santa Maria, RS, 25 de novembro de 2011.

SUMRIO

AGRADECIMENTOSv

RESUMOvi

ABSTRACTvii

1. INTRODUO12. INFLUNCIAS E INOVAES DO PENSAMENTO DE HANS JONAS4 2.1 As influncias da anlise existencial de Heidegger em Jonas62.2 Influncias da crtica tcnica de Heidegger em Jonas10

3. A CRTICA TCNICA E AO ANTROPOCENTRISMO143.1 O novo espao de poder da ao humana153.2. Antigos e novos imperativos ticos193.3 A tcnica moderna como objeto da tica 264. O PRINCPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO TICO PARA A PRESERVAO DA VIDA NO PLANETA32

4.1 A heurstica do temor na tica da responsabilidade344.2 Fim e valor na tica da responsabilidade404.3 Bem, dever e ser na tica da responsabilidade434.4 Esteretipos de responsabilidade: jurdico, poltico e paterno485. CONSIDERAES FINAIS52REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS56AGRADECIMENTOS

Ao final dessa etapa de minha formao acadmica, nasce o sentimento de gratido a tantas pessoas que foram inspirao, motivao, apoio e, principalmente, possibilitaram os meus estudos. Primeiramente, agradeo a minha famlia de sangue, em especial a minha me, Terezinha Maciel Fernandes, pelo seu amor incondicional de me, pela ajuda humana, financeira e pelo seu exemplo de vida. Agradeo a meus irmos Eliani Maria Fernandes, Eduardo Maciel Ferreira e Bruno Maciel Ferreira por todo o companheirismo. Agradeo tambm a minha av Valdomira Maciel Fernandes, alicerce da nossa famlia, pela sua fora. Tambm memria do meu falecido padrasto, Orestes Ferreira da Fonseca, responsvel pelo meu despertar tico-poltico. A eles dedico especialmente esse trabalho.

Agradeo Provncia Nossa Senhora Conquistadora que, atravs do Colgio Mximo Palotino, me possibilitou os estudos acadmicos e todos os recursos necessrios para que eu conclusse o curso de Filosofia. Agradeo a todos os formadores do Colgio Mximo, em especial ao Padre Srgio Coldebella, meu promotor vocacional e formador e ao Padre Mrcio Cauduro pelo apoio humano.

Manifesto meu agradecimento aos meus professores na FAPAS. Ao professor Alceu Cavalheiri, pelas motivaes filosficas e principalmente pelo trabalho em conjunto na elaborao do projeto monogrfico. Ao professor Andr Cremonezi que muito motivou e fomentou os estudos filosficos. Ao professor Valdemar Munaro que, pelo sua postura filosfica, me ajudou a avanar com profundida nos temas filosficos. De forma especial, agradeo ao professor Marcos Alexandre Alves pelo trabalho em conjunto como orientador deste trabalho. Enfim, agradeo a todos os professores com os quais estudei durante este perodo.

Agradeo tambm aos meus colegas e amigos que estiveram comigo nessa caminhada. De forma especial ao Eliton Pagnussatto, meu coirmo e amigo, por toda ajuda e apoio. Aos colegas presentes na sala de aula, no Colgio Mximo e em todo o percurso dos meus estudos acadmicos.

Em suma, muito abrigado a todos!

RESUMO

O PRINCPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO TICO PARA A PRESERVAO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS.Autor: Rodrigo Fernandes Menegatti

Orientador: Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves

O presente texto monogrfico tem o objetivo de analisar o princpio responsabilidade conforme Hans Jonas. Para tal, no foi possvel penetrar com profundidade em seu pensamento sem antes conhecer a sua trajetria de vida, bem como as influncias que sofreu. Sendo Judeu, sua vida foi profundamente marcada pelo nazismo. Como aluno de Heidegger, absorveu as estruturas existncias e a crtica tcnica. A partir disso, foi preciso compreender as suas crticas s premissas da tcnica moderna, principalmente ao antropocentrismo. O ponto central foi a constatao de que as ticas tradicionais j no eram suficientes para conter os efeitos do agir modificado, graas potencializao da ao humana pelos desenvolvimentos cientficos e tecnolgicos modernos. Com isso, um novo objeto acresce responsabilidade humana, isto , o planeta e todas as formas de vida presente e futura. Jonas critica os velhos imperativos ticos e prope novos imperativos civilizao tecnolgica. Na busca por fundamentos, retornou aos pr-modernos para lanar, atravs da ontologia, nova base para a tica. Teorizou nova tica e ajudou a preconizar as contemporneas ecologia e biotica. Assim, fez emergir o princpio responsabilidade como fundamento primeiro da tica da responsabilidade atravs de projees catastrficas com, a Heurstica do temor e com os conceitos de Fim, Valor, Bem, Dever e Ser. Por fim, dois esteretipos da nova tica surgiram: a responsabilidade paterna e a responsabilidade poltica.

FACULDADE PALOTINA

CUSO DE GRADUAO EM FILOSOFIA

Monografia de Graduao em Filosofia

Santa Maria, RS, 25 de novembro de 2011

ABSTRACT

HANS JONAS PRINCIPLE OF RESPONSIBILITY AS ETHICAL BASIC FOR THE PRESERVATION LIFEAuthor: Rodrigo Fernandes Menegatti

Advisor: Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves

This monograph is to analyze the principle responsibility by Hans Jonas. To this end, we were unable to penetrate deeply into his mind before knowing their way of life, as well as the influences that he has suffered. Being Jewish, his life was profoundly marked by the Nazis. As a student of Heidegger, the existential structures and absorbed the criticism of the technique. From this, it was necessary to understand their critical research of modern technology, especially the anthropocentrism. The central point was the realization that the traditional ethics were no longer enough, because the enhancement of human action brought by the modern scientific and technological developments. Thus, a new object added in the order of human responsibility, that is, the planet and all life forms present and future. Jonas criticizes the old ethical imperatives and proposes new requirements for technological civilization. In his searching for foundations, returned to pre-modern to launch, through the ontology, new basis for ethics. Theorized new ethic and helped advocate the contemporary ecology and bioethics. Thus, giving rise to the principles primary responsibility as the first foundation of ethical responsibility through with catastrophic projections, the heuristics of fear and with the concepts of End, Value, Well Being and Duty Finally, two new stereotypes emerged ethics: parental responsibility and political accountability.

FACULDADE PALOTINA - FAPASPHILOSOPHY COURSE

MONOGRAPHY FOR PHILOSOPHY GRADUATION

Santa Maria, RS, November 25th, 2011

1 INTRODUO

Este texto monogrfico tem como objetivo estudar os fundamentos basilares da teoria tica de Hans Jonas. Para Jonas, o princpio responsabilidade constitui a base de sustentao de uma nova tica desenvolvida para a contempornea civilizao tecnolgica.

A proposta jonasiana justifica-se pela sua fundamental importncia para a filosofia contempornea, com especial destaque a tica comprometida com a vida em geral e humana. Alm do mais, as suas contribuies oferecem base terica para fomentar as discusses de problemas da nossa poca. A partir desta base, possvel pensar sobre a ecologia, os avanos da gentica, o uso de agentes sintticos, uso das novas tecnologias, questes bioticas e biomdicas. Estes so alguns assuntos de pano de fundo que suas contribuies legaram filosofia.

Jonas faz parte do grupo de filsofos cuja trajetria pessoal de vida esteve profundamente ligada a sua filosofia, tornando impossvel qualquer tentativa de compreenso isolada do seu pensamento. Sendo judeu e vivendo na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, sofreu na pele a perseguio dos nazistas. Alm disso, sua trajetria intelectual foi profundamente marcada pelos estudos histrico-crticos sobre a gnose do cristianismo antigo, pela filosofia de Heidegger e pelos estudos biolgicos, atravs da filosofia da biologia.

Entretanto, a fase que o lanou no cenrio filosfico mundial, em meados do sculo XX, foi justamente a fase tica. Os seus estudos iniciais partiram da religio. Depois, atravs do contato com a biologia na Amrica do Norte, os seus estudos foram dirigidos para a filosofia da biologia. Por fim, como consequncia das suas vivncias e estudos, partiu para a teorizao da tica da responsabilidade.

A tica da responsabilidade surge por uma necessidade. Jonas empreende uma investigao minuciosa na tradio do pensamento ocidental, com intuito de investigar a trajetria do poder de ao da atividade humana. Descobre que, na modernidade, com o advento das cincias positivas e o desenvolvimento desenfreado da tecnologia, houve uma grande potencializao da ao humana. Na verdade, uniram-se os ideais prometeano, galileano e baconiano com a engenhosidade tcnica. Dessa unio entre o desenvolvimento terico e a capacidade de transformao, o poder de ao humano extrapolou todos os limites naturais.

Na antiguidade, por mais insistentes que poderiam ter sido as intervenes humanas, a natureza mantinha-se inalterada. Mas agora, com a nova capacidade de ao unida aos efeitos cumulativos, pode efetivamente estar em perigo toda vida no planeta. Se, antes, as preocupaes permaneciam dentro da esfera das aes humanas prximas, agora preciso levar em conta o extrahumano e o futuro das geraes futuras. Constata-se que o mau uso desse poder pode levar toda a vida no planeta para a zona de perigo.

Diante desse quadro, Jonas prope uma reviso nas ticas tradicionais. Se a tica responsvel pelas aes humanas e se as aes foram alteradas, ser que a tica no devia acompanhar estas mudanas? As ticas tradicionais demonstram ser insuficientes para corresponder aos apelos contemporneos? Quais seriam os novos imperativos propostos, por Jonas, como antdoto contra o niilismo moderno? Esses imperativos possuem contradies, como os velhos imperativos das religies e principalmente dos imperativos kantianos? Em suas constituies, os novos imperativos possuem carter universal, extrahumano, coletivo e a longo prazo?

Neste momento, Jonas se reporta aos pr-modernos com intuito de retirar da metafsica a fundamentao da nova tica. Nas suas proposies, a tica da responsabilidade adquire carter ontolgico. Contudo, no bastam as boas intenes, os pressupostos do ser como sendo bom, belo, uno, indivisvel, preciso ir alm das boas intenes. Para tal, Jonas prope o primeiro passo fundamental de sua teoria tica, a heurstica do temor.

A heurstica do temor adquire carter pedaggico, pois trabalha com a capacidade humana projetiva. Atravs da real contemplao (da possibilidade) de catstrofes futuras, criam-se sentimentos para com o dever de conservao. O temor o nico capaz de despertar os seres humanos dos ideais utpicos e mover a vontade para aes e medidas de respeito vida futura. Entretanto, a heurstica do temor pode ser considerada a ltima palavra em tica?

Nesse sentido, a tica jonasiana uma tica do futuro que quer responder, de forma especial, s possibilidades de destruio fsica e essencial da vida sobre a terra. Jonas trabalha com os conceitos de Fim, Valor, Bem, Dever e Ser. Desses conceitos, retira o princpio responsabilidade como fundamento ltimo para a preservao da vida.

Por fim, o presente texto monogrfico quer descrever, a nvel introdutrio, os elementos fundamentais do princpio responsabilidade. Para isso, foi preciso percorrer a trajetria de vida de Hans Jonas, bem como as influncias que teve ao logo da sua trajetria acadmica. Posteriormente, a necessidade de tratar da crtica realizada tcnica moderna e tica tradicional. Finalizando, j no campo metafsico, com os componentes bsicos do princpio responsabilidade e seus esteretipos.

2 INFLUNCIAS E INOVAES DO PENSAMENTO DE HANS JONAS

Hans Jonas ganhou notoriedade no cenrio filosfico a partir do lanamento de seu livro O princpio responsabilidade: ensaio de uma tica para a civilizao tecnolgica. Para o autor de um texto sobre a gnose na antiguidade, at ento desconhecido, seu livro, apesar de ser acadmico, tornou-se um fenmeno de vendas. Cumpre destacar que Jonas foi um dos autores mais estudados no perodo ps-guerra na Alemanha, cujo teor filosfico contribuiu muito para a tica contempornea.

Filho de imigrantes Judeus, nasceu em Mnchengladbach, na Alemanha, no dia dez de maio de 1903. Suas razes familiares lhe proporcionaram o contato com a religio judaica com a qual manteve estritas relaes, chegando a aderir ao sionismo. Sua trajetria intelectual iniciou com estudos de filosofia e teologia em Friburgo, Berlim e Heidelberg.

No ano de 1921, decidiu estudar em Freiburg, atrado pela fama de Husserl. L conhece Martin Heidegger e passa a frequentar os seminrios por ele oferecidos e, de imediato, passou admirar a filosofia do jovem professor. Jonas absorve muito da filosofia heideggeriana; apesar disso, em uma declarao ao peridico LUnita, revela sua inquietao, descrevendo-o como um grande pensador, mas pessoalmente um miservel(Zancanaro, 1999, p. 21). Desta forma, Jonas manifestou repdio Heidegger por conta da sua posio poltica. Na mesma poca, conheceu e estabeleceu amizade com Gnther Anders.

Apesar do contato direto com grandes filsofos, Jonas dirigiu seus estudos iniciais a temas voltados religio. No ano de 1921, decidiu ir a Berlim e matriculou-se simultaneamente na Universidade Friedrich-Wilhelms de Berlim e na Escola Superior de Cincias do Judasmo. Leo Strauss, Gershom Scholem, Martin Buber, Franz Rosenzweig foram alguns pensadores com quem conviveu nesta poca e que, conforme ele mesmo atesta, tiveram influncia sobre sua posio relativa ao tema da religio.

No ano de 1923, Jonas retornou a Freiburg e retomou os seminrios de Husserl. Nesta mesma poca, conheceu Max Horkheimer e teve breve contato com Rudolf Carnap. Em 1924, atrado por Heidegger, mudou-se para Marburg. Foi marcante nesta poca a grande amizade e convvio que estabeleceu com Hannah Arendt e com Hans-Georg Gadamer. Jonas permaneceu em Marburg at 1928, quando concluiu seus estudos. Para obteno do doutorado, elaborou tese que teve como orientadores o filsofo Heidegger e o telogo Rudolf Bultmann, sobre o conceito de gnose da antiguidade tardia, publicado em 1934.

Em 1933, com a ascenso do partido nazista ao poder, Jonas se v obrigado a deixar sua ptria pelos boicotes e perseguies que sofreu. Assim, mudou-se para a Inglaterra e, no ano seguinte, para Israel, onde permaneceu de 1935 a 1949. Entre os anos de 1940-1945, engajou-se como soldado da armada judia do exrcito britnico, combatendo, como soldado da artilharia, no Mediterrneo, na Itlia e na ocupao da Alemanha. Com isso, cumpre a sua promessa de somente voltar ao seu pas de origem se fosse como integrante de um exrcito vitorioso. Imediatamente aps a queda de Hitler, retornou sua cidade de origem para ver sua me, mas toma conhecimento de que ela tinha sido mandada para a cmara de gs em Auschwitz.

Retorna a Jerusalm e adere ativamente ao sionismo, tomando parte na Guerra rabe-israelense de 1948. Em 1949, transferiu-se para o Canad, onde foi professor visitante nas universidades de Ottawa e Montreal (1949-1955). Depois, foi para Nova York e assumiu o cargo de professor titular da New School of Social Research (1955-1976) e, por fim, professor visitante na Columbia University, Princeton University, University of Chicago e em Munich (1982-1983).

Apesar de modesta, possui uma rica produo intelectual. As principais obras de Jonas so: O princpio vida: fundamentos para uma biologia filosfica (1966); O princpio responsabilidade: ensaio de uma tica para a civilizao tecnolgica (1979); tica, medicina e tcnica (1994). Alm destas obras, existem centenas de ensaios, conferncias e artigos publicados. Ele recebeu diversas condecoraes, prmios e ttulos honoris causa. Contudo, foi na Alemanha que o seu pensamento ganhou a merecida ateno. Faleceu a cinco de fevereiro de 1993, com 89 anos, em sua casa, em Nova York.

Para finalizar, preciso dizer que trs so os momentos da vida intelectual de Jonas. Na apresentao do livro O princpio responsabilidade h uma aluso a cada um deles. No primeiro, sob a influncia de Heidegger e Bultmann, debruou-se sobre o tema da gnose no cristianismo primitivo. O segundo, foi o grande momento de sua vida intelectual, pois tentou reconduzir novamente a vida a uma posio privilegiada, distante dos extremos do idealismo e do limitado materialismo. Por fim, na terceira grande fase intelectual de Jonas, na busca por fundamentos ticos, trabalhou na formulao do princpio responsabilidade.

Para compreender o pensamento de Jonas e a sua teoria tica importante conhecer as principais influncias que recebeu ao longo da sua formao intelectual. Tendo presente as fases de seu pensamento, no possvel compreender a tica sem antes passar pelos seus estudos histricos da gnose e os estudos acerca dos fenmenos biolgicos e existenciais; porm, no menos importante na gnese do seu pensamento, foi a influncia do pensamento heideggeriano, com destaque nas categorias existncias e a questo da tcnica moderna.2.1 As influncias da anlise existencial de Heidegger em Jonas

Jonas toma contato com o professor Heidegger em meados da dcada de 20, quando passa a frequentar os seminrios por ele oferecidos em Freiburg. A partir da, passa a fazer parte dos privilegiados alunos do Jovem Heidegger. Mesmo tendo escolhido estudar tema relacionado religio, Heidegger passou a influenciar a sua pesquisa. Zancanaro comenta que, a influncia de Heidegger decisiva, e seu projeto impensvel sem seus ensinamentos (1998, p. 22). Ora, quais as principais influncias que Heidegger exerceu sobre Jonas? O que as suas investigaes suscitaram nele?

Durantes os anos em que foi aluno de Heidegger, Jonas participou ativamente das discusses que antecederam a obra Ser e Tempo, de 1927. Alm do mais, a base do pensamento jonasiano foi ancorada nas suas categorias existenciais. Ele percebia no jovem Heidegger um pensador em potencial, com capacidade peculiar de penetrar nos textos antigos e traz-los para a atualidade de forma inovadora e surpreendente. Deste modo, duas coisas so imprescindveis conhecer em Heidegger; a primeira, diz respeito s categorias existncias, isto , sua anlise existencial; a segunda, questo da tcnica moderna.

Na primeira fase de seu pensamento, Heidegger, de modo particular, realizou anlises detalhadas sobre a condio existencial. Com este empreendimento lanou as bases do existencialismo contemporneo ocidental. No cabe aqui fazer explanaes exaustivas sobre o existencialismo, mas apenas mostrar alguns aspectos, em particular desta fase, que foram importantes para Jonas.

Neste sentido, Abbagnano acena, em relao filosofia contempornea da existncia, com trs designaes para o termo existncia: 1) o modo de ser prprio do homem; 2) o relacionamento do homem consigo mesmo e com o outro; 3) relacionamento que resolve em termos de possibilidade (2000, p. 400). Neste momento, importante fixar as reflexes apenas na segunda designao, pois nela o existencialismo um modo de ser em situao, entendendo-se, com isso, o conjunto de relaes analisveis que vinculam o homem s coisas do mundo e aos outros homens. Entretanto, as relaes no so necessrias nos seus modos de manifestar-se, pois as situaes concretas s podem ser analisadas em termos de possibilidades. Neste ponto, Heidegger foi o primeiro a formular uma anlise das caratersticas da existncia.

Ele no est interessado em investigar os conceitos abstratos de existncia contidos na tradio clssica ocidental. Para ele no bastam as essncias racionais, preciso levar em conta a existncia concreta, isto , o ser a (Dasein). Tematiza, originalmente, um modo de ser prprio da existncia humana, em sua singularidade, que transcende as investigaes abstratas. Heidegger acusa a tradio de ter esquecido o ser. Em seus termos, o elemento ontolgico faz essencialmente parte da filosofia da existncia, sem esse elemento no se pode conhecer a condio existencial.

A existncia como possibilidade est intimamente ligada com a alternativa entre o modo de ser autntico e inautntico. Para Heidegger, o modo inautntico aquele que leva os entes existncia cotidiana e annima. Percebe-se, pois, que o que est em jogo a possibilidade da existncia autntica. Ela deve ser escolhida, sendo a mais prpria do ser. Mas o que possibilita a existncia autntica? Para ele, essa possibilidade a morte. Segundo Zilles, para Heidegger, esta possibilidade prpria a morte, pois viver para a morte a possibilidade da impossibilidade da existncia (1995, p. 16). Em termos gerais, viver para a morte compreender a impossibilidade da existncia, pois isto exige uma existncia mais autntica.

Em contrapartida, o existencialismo que havia fornecido os meios para uma anlise histrica, ficou ele prprio envolvido pelos resultados desta anlise. Ele contribua com o seu mtodo e atravs das suas categorias. As categorias tm por objetivo explicar as estruturas bsicas da existncia humana, tornando-se as investigaes de Jonas instrumento de compreenso da gnose. Entretanto, a gnose tambm contribuiu com o existencialismo, possibilitando novas abordagens. Para Jonas, a soluo existencialista da gnose e a leitura gnstica do existencialismo se complementam.

Jonas est interessado em expor as contribuies da gnose e do existencialismo moderno, com intuito de apresentar as consequncias niilistas. Percebe que, ao longo da histria, culminando com o existencialismo, perderam-se algumas caractersticas fundamentais que, por sua vez, favoreceram o niilismo. Como: os valores do ser, que na antiguidade eram definidos, agora deixam de ser considerados; a desconsiderao do valor em si das coisas; a vontade que se torna substituta da contemplao (teoria), a supresso da condio transcendente do ser humano pela relao de poder e domnio. Portanto, para Jonas no fundo da situao metafsica que levou o existencialismo moderno aos seus aspectos niilistas, se encontra uma mudana na imagem de natureza (2004, p. 237). Sem o referencial de natureza, as aes humanas tornam-se vs.

Jonas apresenta o niilismo como ponto de unio das duas posies. A primeira provm da cristandade tardia, com os gnsticos. At ento, a viso de mundo era harmoniosa e o homem fazia parte da totalidade do cosmo. Mas, a partir das contribuies gnsticas, o homem passa a ver o mundo estranho sua realidade. Para o gnstico, o mundo naturalmente alheio realidade humana, hostil e mau. O homem lanado a este mundo que no escolheu e obrigado a conviver com ele. Com isso, quebra-se a antiga viso da lei csmica que era venerada pela razo que dela provinha e orientava a razo humana.

A noo de mundo, impressa pelos gnsticos, tira o carter ordenador do mundo. Apesar disso, ele continua sendo cosmo, isto , ordem, mas uma ordem mais tirnica e desvinculada do humano. O que predomina neste estar no mundo o medo. Ou seja, o medo, para Jonas sinaliza que o eu interior despertou do sono ou da embriaguez do mundo (2004, p. 241). Entretanto, este quadro apresentado pelos gnsticos tem soluo, segundo Jonas. A sada apresentada provm do mundo, pois o mundo deve ser vencido pelo poder.

A segunda constitui um modo mais rebuscado de niilismo, pois ganha foras com o existencialismo moderno. Segundo Jonas, em relao ao existencialismo, houve uma desvalorizao da natureza, manifestada pelo esvaziamento espiritual da cincia natural moderna. O existencialismo no se preocupou com a natureza, pois no conservou nenhuma dignidade. Jonas afirma, nunca uma filosofia preocupou-se to pouco com a natureza quanto o existencialismo (2004, p. 250).

Com esse empreendimento, Jonas mostra que os aspectos da gnose contriburam para compreender o existencialismo e o niilismo moderno. Da mesma forma, com as contribuies das categorias existenciais, pode perceber melhor os movimentos da gnose. O existencialismo contribuiu para esse niilismo, que consiste no dualismo entre homem/natureza e homem/realidade.

No entanto, em Jonas h uma preocupao grande por solucionar este problema do niilismo moderno. Com Heidegger, Jonas pretende superar o dualismo, atravs da compreenso da existncia, que estar no mundo, mas em movimento de transcendncia, pois o fim para o qual o homem corre est no mundo. O mundo tem sentido referencial, na medida em que possibilita o desejo de transcendncia. Todavia, ele tambm representa liberdade que, usada de forma errada, pode colocar em perigo a existncia.

Jonas afirma que a possibilidade das conquistas tecnolgicas, das catstrofes e da no existncia de vida no futuro faz com que o temor pela morte essencial ou vital seja capaz de impor limites ou freios s aes humanas. Por isso, os projetos tem como objetivo antecipar certas possibilidades e a catstrofe uma delas. Zancanaro comenta que, aqui se revela novamente a heurstica do temor, ou seja, sem o pressentimento do futuro, o presente seria uma terra sem cuidados (1998, p.34). Na compreenso de Jonas, o passado o imutvel, o presente so as aes e o futuro o mutvel. O futuro, deste modo, alvo de pr-ocupao, com ameaa de poder engolir o presente. O presente cheio de cuidados um eco do futuro.

Portanto, as possibilidades de catstrofes, para Jonas, no so mais delrios ilusrios. Diante da expresso do poder do homem pela tcnica e pela onipotncia da vontade de potncia do homo faber, no resta alternativa seno antecipar ou projetar o nada como possibilidade de mover o sentimento para a ao. A possibilidade da impossibilidade heideggeriana revelada por Jonas ao falar da escolha pelo no ao no ser. a via negativa de tomada de conscincia daquilo que possvel que se realize. A existncia, para Jonas, ser adiante de si, cuidado, projeto, deciso, antecipao da morte, so modos existenciais do futuro (Zancanaro, 1998, p. 36). 2.2 Influncias da crtica tcnica de Heidegger em Jonas

Para Jonas, Heidegger conseguiu perceber os movimentos que foram acontecendo ao longo de toda a histria da filosofia, pois descreveu de forma original a experincia moderna da ansiedade como consequncia da compreenso distorcida do ser. Isso o levou a ter uma viso pessimista da cincia e da tecnologia, compreendendo nelas uma viso dogmtica, onde se reduz a existncia sua instrumentalidade. Acontece, desse modo, o esquecimento do ser e isso inviabiliza o projeto da existncia humana autntica. Entretanto, Heidegger limita-se to somente a entender a essncia da tcnica, porm no demonstra nenhuma preocupao com a tica.Heidegger foi um dos primeiros filsofos a propor uma reviso do sentido da tcnica moderna. Pretendia discutir a essncia da tcnica para alm das dimenses metafisicas e epistemolgicas. Numa de suas conferncias, intitulada Lngua da tradio e lngua da tcnica, investiga a questo da tcnica de modo particular. Segundo ele a tcnica corretamente concebida penetra e domina todo o domnio da nossa meditao (1995, p. 14).

O caminho que Heidegger percorre, passa pela desmistificao da noo de tcnica, frequentemente concebida. A tcnica, neste sentido, no pode ser empreendida como um meio para obter algo ou como atividade humana. Tampouco Heidegger est interessado pela concepo moderna da tcnica como instrumento de interveno na natureza. At por que a tcnica no a mesma coisa que a essncia da tcnica. Ele est interessado na essncia da tcnica que, no seu entendimento o que propriamente, j a tcnica comumente concebida um meio para um fim realizado pelo homem.

Avanando na compreenso, importante destacar como Heidegger vai conceber a essncia da tcnica. Partiu da compreenso histrica da tcnica para chegar essncia. Partiu de uma anlise dos termos poiesis, techn, episteme e aletheia. A poiesis significa: fazer emergir, conduzi-lo ao aparecer, seria a produo natural que independe do homem. A techn a produo com intervenes humanas, mas de forma simples. A episteme o conhecimento desta produo, natural (poiesis) ou tcnica (techn). Esse conjunto de fatores constitui a verdade - aletheia - que o desvelar do ser.

Com isso, Heidegger chega essncia da tcnica: desvelar, mostrar a verdade. Ele supera a concepo moderna de tcnica como explorao exagerada da natureza por meio de interveno humana. Para ele, a tcnica essencialmente um modo de verdade (desvelamento) dos entes, que so realidades em termos de manifestao. Nesse sentido, qual seria o modo especfico de desvelamento que distingue a tcnica moderna e como o homem nela toma parte?

A moderna tcnica no requer dos entes a produo, mas a requisio da natureza. Ela desafia a realidade dos entes e exige deles para satisfazer a realidade de consumo. Por exemplo, existe diferena entre usar uma roda dgua num rio e construir uma usina para extrair energia. A primeira forma no exige uma mudana radical na manifestao do rio, enquanto a usina exige do rio a sua fora, toma-a de forma autoritria. Eis a diferena: a requisio da moderna tcnica que, por sua vez, no tem nada a ver com a produo no sentido antigo.

Na moderna tcnica, as necessidades so, elas mesmas, um produto. Os entes, para os modernos, nada mais so do que objetos a serem utilizados e manipulados pelos sujeitos. O homem, atravs da essncia da tcnica, tem a possibilidade de optar por duas atitudes: desenvolver apenas aquilo que se revelou, o que caracteriza o mundo, ou buscar, de modo original, o significado das coisas. No caso da modernidade, a opo a primeira: o mundo tornado um fim em si e se torna ameaador. Heidegger esclarece essa questo dizendo:

O que a tcnica moderna tem de essencial no uma fabricao puramente humana. O homem actual ele prprio provocado pela exigncia de provocar a natureza para mobilizao. O prprio homem intimado, submetido exigncia de corresponder a esta exigncia (1995, p. 29).

O que poderia lanar luzes sobre esta situao da tcnica, j que o destino do homem corresponder s exigncias dos apelos da tcnica? Na compreenso de Dubois, perigo diz respeito, portanto, justamente prpria essncia do homem, isto , de ser aquele que responde pelo prprio ser! (2005, p. 139).

Neste mesmo sentido, Heidegger cita e medita sobre os versos de Hlderlin: mas ali onde h perigo, ali tambm cresce o que salva. Com base no perigo que a tcnica encerra, reside a possibilidade de salvao do homem. At porque salvar, em sua compreenso, quer dizer reconduzir essncia. Neste sentido, Stein tem razo ao dizer que a salvao emerge da conscincia de que o homem se defronta na tcnica apenas com um modo de desvelar a verdade (1966, p. 118).

Heidegger caracteriza a poca atual de tcnica planetria, da pura instrumentalidade, do engenho e do desvelamento dos entes. O homem rompe com a sua prpria essncia, que consiste em manter-se aberto ao sagrado, ao ser. Ora, a tcnica um saber que pode fazer emergir a compreenso do ente como totalidade. Cabe ao homem converter o esquecimento do ser em desvelamento, isto , ater-se a escutar os apelos daquilo que .

Para concluir, Heidegger critica a tcnica moderna que desembocou no esquecimento do ser. Contudo, as concluses para o campo tico no estiveram presentes em suas meditaes. Ele apenas foi fiel em descrever a situao do ser-no-mundo. A tarefa de extrair medidas ticas ficou a cargo de seus alunos, particularmente a Jonas, como o princpio responsabilidade. O objetivo do prximo captulo ser analisar a crtica de Jonas tcnica moderna.

3 A CRTICA TCNICA E AO ANTROPOCENTRISMO

O ponto de partida da principal obra de Hans Jonas O princpio responsabilidade a figura do Prometeu desacorrentado. Com essa figura, ele quer caracterizar o perigo que a humanidade adentrou com o poder transformador da tcnica moderna. Principalmente, atravs do forte impulso da cincia moderna e dos incentivos econmicos. O poder do homem pode ter se transformado numa desgraa para ele mesmo. Jonas explicita no prefcio obra que a tese de partida deste livro que a promessa da tecnologia moderna se converteu em ameaa, ou esta se associou quela de forma indissolvel (2006, p. 21).

Nenhum trao do passado se compara a atual submisso da natureza e ao sucesso da tcnica moderna. O homem contemporneo, diferentemente do passado, possui o poder de transformao e de destruio de toda a vida do planeta. A tcnica moderna alterou essencialmente o horizonte e as coordenadas espaotemporais em que se inscreve e onde se desdobra seus efeitos no agir humano. Com isso, quebraram-se alguns paradigmas em relao ao humana e ao modo de conceb-la.

Toda sabedoria que foi sendo acumulada ao longo da evolutiva trajetria histrica culminou com a total rendio da natureza pelo importante, no entanto perigoso, poder da tcnica. Neste sentido, para Jonas o novo contingente da prxis coletiva que adentramos com alta tecnologia, ainda constitui, para a teoria tica, uma terra de ningum (2006, p. 210). Todas as diretrizes ticas do passado so supreendentemente superadas. No existem, na tradio, parmetros suficiente para esta realidade completamente desconhecida, que se revela sob o smbolo do perigo.

A previso de perigo, na reflexo de Jonas, adquire valor pedaggico pois, segundo o seu pensamento, as possibilidades de catstrofes futuras j no so mera fico. Por isso, fundamental olhar para o futuro por uma lente pessimista, isto , a possibilidade do futuro catastrfico pode despertar a conscincia e mover a vontade para medidas de conteno. Somente com a anteviso da desfigurao do homem possvel chegar ao conceito de homem a ser preservado (2006, p. 21).

Por conseguinte, percebe-se que os esforos de Jonas representam o ensaio de uma tica para a civilizao tecnolgica. Em uma aluso a Spinoza e Wittgenstein, Jonas apresenta seu ensaio como um Tractatus tecnolgico-ethicus, cujo objetivo apontar a existncia de problemas atuais, outrora inexistentes. Por isso, faz-se necessria a defesa de uma nova teoria tica de medidas, respeito, ponderao e custdia. A partir dessas constataes, surgem algumas perguntas que so fundamentais para a compreenso da proposta jonasiana. Diante do poder da tcnica, o que pode servir como bssola para orientar as aes humanas? Ser que no necessrio que a tica invada o espao da tcnica e exija freios voluntrios em face da real possibilidade de morte essencial e vital do mundo humano e extrahumano? Diante do fato de a tcnica ter adentrado e rompido com os parmetros ticos, possvel pensar uma tica que possa corresponder aos anseios oriundos do poder da tcnica moderna? As ticas tradicionais ainda so vlidas para o novo contexto tecnolgico? Ser que o futuro das geraes vindouras ser comprometido pelo mau uso das tecnologias disponveis no tempo presente?

3.1 O novo espao de poder da ao humana

Olhando para a atual sociedade tcnica, Jonas percebeu a necessidade de reviso do poder de ao humana, por causa do seu potencial catastrfico que pode levar total aniquilao da vida na terra. Dois foram os motivos mais eminentes desta mudana: a cincia e a tcnica que, na modernidade, se juntaram e ganharam foras. Alm disso, receberam grandes incentivos econmicos no atual sistema capitalista. Esta realidade pe em cheque os pressupostos ticos do passado.

Jonas se prope a examinar as realidades que foram modificadas, para tentar encontrar respostas ticas atual situao. Por estar inserido diretamente nestas discusses, Jonas afirma que a natureza modificada do agir humano tambm impe uma modificao na tica (2006, p. 29). Para compreender por que a tica deve ser modificada, preciso, primeiramente, compreender a modificao que houve do agir humano.

Desde as formas mais remotas de interveno, o homem passou a se relacionar com a natureza de forma dominadora e predatria. Segundo Jonas, com o advento da modernidade, houve uma grande mudana no agir humano. Na antiguidade, por mais insistentes que tenham sido as intervenes humanas, no havia grandes alteraes na natureza. Diferentemente, hoje o homem detm o poder de destruio de toda a vida no Planeta, pelas aes coletivas, dentro do contexto tecnolgico.

Preocupado com tal questo, Jonas discute o poder e o fazer humano como premissas histricas da tecnologia. Com o intuito de caracterizar esse poder e fazer humano, Jonas remete-se ao famoso canto do coral de Antgona, de Sfocles. Nele, Jonas percebe que, mesmo na antiguidade, j existia poder humano opressivo que violava a ordem csmica. Alis, para Jonas, a violao da natureza e a civilizao do homem caminharo de mos dadas (2006, p. 32). Nota-se que a interveno humana, entendida como poder de ao, fez parte do processo civilizatrio da humanidade.

Neste contexto, o homem caraterizado como artfice de seu prprio destino, capaz de reinventar as situaes que o circundam e transform-las conforme a necessidade. Jonas demostra a compreenso dessa realidade ao afirmar que o homem o criador de sua vida humana. Amolda as circunstncias conforme sua vontade e necessidade, e nunca se encontra desorientado, a no ser diante da morte (2006, p. 32). Para ele, a morte proporciona a contemplao da realidade mesma, visto que diante dela o homem toma conscincia de sua vulnerabilidade e desmistifica os ideais pretensiosos.

Jonas menciona alguns elementos que no foram explicitados no canto de Sfocles, mas que so importantes para caracterizar o poder e o fazer humano na Antiguidade.

O que ali [no canto de Antgona] no est dito, mas que estava implcito para aquela poca, a conscincia de que, a despeito de toda grandeza ilimitada de sua engenhosidade, o homem, confrontado com os elementos, continua pequeno: justamente isso que torna as suas incurses naqueles elementos to audaciosas e lhe permite tolerar a sua petulncia (2006, p. 32).

Por mais ameaadora e exploradora que possa ter sido a interveno do homem antigo na natureza, ela contornava a situao e prevalecia sobre os ataques porque o poder de ao ainda era superficial e pequeno diante das foras naturais. O homem tinha alcanado sim, naquela poca, a domesticao das necessidades pela astcia. Mas ao refletir sobre isso, assustava-se diante do prprio atrevimento (Jonas, 2006, p. 33). Todavia, os avanos daquela poca nem se comparam aos avanos da atual sociedade tecnolgica.

Com a incluso do homem no processo civilizatrio, aos poucos ele deixa de fazer parte de um todo csmico e passa a viver num contingente antropolgico. De cidado do mundo, tendo o cosmo com ordem e lei natural, passa a viver em cidades, nico espao antropolgico de responsabilidade moral. Na viso de Jonas, o homem se desenvolvia entre o que permanecia e o que mudava; o que permanecia era a ordem natural das coisas e o que mudava eram as suas prprias obras. De todos os empreendimentos humanos, a maior dessas obras era a cidade, qual ele podia emprestar um certo grau de permanncia por meios que inventava e aos quais se dispunha a obedecer (Cf. Jonas, 2006, p. 33).

A cidade, como artefato do homem, era o nico objeto de responsabilidade a ele confiado. Para Jonas, a natureza no era objeto da responsabilidade humana. Esse fato, associado inviolabilidade essencial da natureza, justificavam seu domnio e o uso abusivo para fins humanos. A natureza externa estava fora do contingente de responsabilidade humana.

No entanto, adverte Jonas, na cidade, ou seja, no artefato social onde homens lidam com homens, a inteligncia deve casar-se com a moralidade, pois essa a alma de sua existncia (2006, p. 34). A moralidade tinha suas caratersticas profundamente enraizadas no mundo intrahumano e o saber tinha sua dose de importncia na moral. A tica fundamentava a moral e no tinha nenhum compromisso com a realidade fora deste contingente. Com efeito, Jonas afirma que todas as ticas da tradio levaram em conta tais pressupostos, condicionados ao universo antropolgico.

Jonas percorre a antiguidade, buscando caracteriz-la, pois nela encontra a natureza inviolada pelo ento poder humano. Mas, medida que vai acontecendo o processo civilizatrio dentro do artefato cidade, o poder de fazer gradativamente aumentou, modificando significativamente a natureza de seu agir.

A tcnica moderna foi a principal responsvel pela modificao da ao humana, aliada aos incentivos modernos da cincia com a potencializao do sujeito. A tica era antropolgica, no tinha pretenses e nem necessidades de se preocupar com o extrahumano. Mas ser que a tcnica, aliada cincia, no invadiu o espao humano? Se o poder de ao humana foi modicado ser que a tica tradicional ainda suficiente?

Dessa forma, com Jonas possvel perceber modificaes no poder de ao do homem atravs da tcnica moderna. Diante deste fato, destaca-se a importncia da tica para a atual civilizao tecnolgica, pois as consequncias destas modificaes tornaram-se perigosas. Sendo ela responsvel pelas aes humanas tem, agora, um enorme desafio pela frente. Ciente desta realidade, Jonas se prope a investigar as ticas tradicionais, com o intuito de verificar a veracidade das normativas frente ao agir modificado do ser humano e seu potencial transformador.

3.2 Antigos e novos imperativos ticos

possvel afirmar, com base nos preceitos de Jonas, que a relao do homem com a natureza aos poucos foi sendo modificada. A principal responsvel por esta mudana foi a tcnica moderna, pois ela aumentou o poder de transformao da ao humana. Enquanto isso, a tica, que se ocupava da ao humana, permaneceu imutvel. Tendo esta contradio como pano de fundo, Jonas se prope investigar os parmetros ticos tradicionais para saber se ainda so suficientes para responder aos apelos do agir modificado pela tcnica.

Com o objetivo de caracterizar as ticas tradicionais e fazer uma comparao com o estado atual das coisas, Jonas resume em cinco pontos as caractersticas destas ticas: a) Todo o trato com o mundo extra-humano, isto , todo o domnio da techne (habilidade) era exceo da medicina eticamente neutro (2006, p. 35). Com isso, a atuao sobre objetos no humanos no formava um domnio eticamente significativo. A ao humana no se preocupava com o mundo extrahumano, restringia-se ao espao antropolgico. E, portanto, a tica no se ocupava da tcnica, pois no havia necessidade, j que ela no intervinha nas aes humanas; b) A significao tica dizia respeito ao relacionamento direto de homem com homem, inclusive o de cada homem consigo mesmo; toda tica tradicional antropocntrica (2006, p. 35). De fato, o antropocentrismo uma forte caraterstica da tica tradicional. Qualquer domnio longe do universo humano no interessava, pois a natureza era considerada inviolvel; c) A condio fundamental do ser humano. Jonas descobre que [...] a entidade homem e sua condio fundamental era considerada como constante quanto sua essncia, no sendo ela prpria objeto da techne (arte) reconfiguradora (2006, p. 35). Com isso, percebe-se que a condio humana e todas as suas constituintes no era objeto da tcnica. Sendo que a essncia humana fazia parte das realidades eternas, neste caso, tinha-se a ideia de que a essncia humana era boa e dela advinha a dignidade. O homem no fazia parte dos fins da tcnica, pelo contrrio, a partir da essncia imutvel do homem, era possvel estabelecer o que era bom e fundamentar a tica; d) A simultaneidade da ao humana. Na sua compreenso, o bem e o mal, com o qual o agir tinha de se preocupar, evidenciavam-se na ao, seja na prpria prxis ou em seu imediato, e no requeriam um planejamento (2006, p. 35). Os objetivos e as consequncias das aes humanas no respondiam pelo futuro. A tica tradicional levou a marca da presena como herana. Com efeito, a tica tinha a ver com o aqui e agora, como as ocasies se apresentavam aos homens, com as situaes recorrentes e tpicas da vida privada e pblica; e) Todos os mandamentos e mximas da tica tradicional, fossem quais fossem suas diferenas de contedos, demonstram esse confinamento ao crculo imediato da ao (2006, p. 35). Exemplifica com algumas mximas conhecidas pela tica e pela religio, mas mostra que todas elas possuem em comum o carter imediato, simultneo, antropolgico e recproco em suas fundamentaes. E finaliza a descrio dizendo que toda a moralidade situava-se dentro desta esfera da ao prxima e recproca (2006, p. 36).

Jonas caracterizou de forma objetiva os traos fundamentais das ticas tradicionais, para mostrar suas insuficincias ante as modificaes oriundas principalmente da tcnica moderna. Cumpre assinalar, no entanto, que, por se tratar de uma tese geral, ele no especfica qual das ticas da tradio direciona a problemtica. Neste sentido, fica difcil compreender a qual das ticas da tradio endereada esta caracterizao em particular - se esta se refere tica da Antiguidade, Medieval ou Moderna - (Cf. Santos, 2009, p. 275). Mesmo no encontrando meno direta a uma tica especfica, h indcios da tica aristotlica e kantiana.

O que desencadeia o interesse de Jonas pela tica tradicional o ato mesmo do agir modificado. Na sua concepo, a tcnica moderna introduziu elementos novos que modificaram as aes humanas. Entretanto, a tica no acompanhou este processo tcnico e ficou presa ao seu esquema antropocntrico, simultneo e recproco. Vale dizer, a tcnica moderna introduziu aes de uma tal ordem indita de grandeza, com tais novos objetos e consequncias que a moldura tica antiga no consegue mais enquadr-la (2006, p. 39). a partir destas novas realidades, bem como das insuficincias ticas, que Jonas busca justificar a necessidade de uma nova tica para os novos tempos.

Jonas no est descartando completamente a tica da tradio e as suas contribuies para o ser humano. Apenas expandindo para um plano que no era contemplado: as antigas prescries ticas do prximo as prescries da justia, da misericrdia, da honradez etc. ainda so vlidas, em sua imediaticidade ntima, para a esfera mais prxima, quotidiana, da interao humana (Jonas, 2006, p. 39).

Neste sentido, Jonas destaca apenas que o nvel de ao no mais aquele prximo, caracterstico do passado, mas agora o carter da ao coletivo, no qual o autor, a ao e os efeitos no so mais os mesmos. Nasce, a partir destes elementos, uma nova dimenso de responsabilidade nunca antes sonhada.

A partir da modernidade, foram criadas novas modalidades de saberes como a ecologia e a biotica justamente para responder aos novos desafios. A natureza, por conta disso, tornou-se vulnervel e dependente de cuidados. Se em Sfocles e na antiguidade, por mais insistentes que poderiam ter sido as interferncias humanas na natureza, nada se alterava, agora, com o poder coletivo do homem, a natureza no consegue mais conter os efeitos das aes humanas. De fato, nada menos do que a biosfera inteira do planeta acresceu-se quilo pelo qual se deve ser responsvel, pois sobre ela se detm poder (Cf. Jonas, 2006, p. 39).

Esse fato justifica as insuficincias das ticas precedentes, pois elas no tinham nenhuma responsabilidade pela natureza. Mas agora, com o poder humano transformador da biosfera, isso muda; se o homem tem o poder, dele deriva necessariamente um dever. Nesta esteira, a natureza como uma responsabilidade humana seguramente um novum sobre o qual uma nova teoria tica deve ser pensada (Jonas, 2006, p. 39). Com isso, ele acena para a necessidade de uma nova teoria tica.

Jonas aponta para alguns conceitos fundamentais para caracterizar a ideia de insuficincia tica na tradio. So eles: irreversibilidade, magnitude e acumulao. Estes conceitos esto interligados e colocam diretamente em perigo as condies necessrias de vida futura, o que torna ainda maior a responsabilidade no presente, pois, para Jonas, inconcebvel colocar em risco a sobrevivncia dos que ainda no nasceram.

Em vista disso, Jonas confia um novo papel ao saber da moral, pois, segundo ele, o saber torna-se um dever prioritrio, mais alm de tudo o que anteriormente lhe era exigido, e o saber deve ter a mesma magnitude da dimenso causal do nosso agir (2006, p. 41). O saber torna-se objeto de um dever, superando o papel que foi conferido pelas ticas precedentes. Por que, mesmo o saber no sendo capaz de acompanhar a magnitude das aes tcnicas no futuro, ele ganha significado tico.

Na perspectiva de Jonas reconhecer a ignorncia torna-se, ento o outro lado da obrigao do saber, e com isso torna-se uma parte da tica que deve instruir o autocontrole, cada vez mais necessrio, sobre o nosso excessivo poder (2006, p. 41), tudo em vista da preservao das condies globais da vida humana, o futuro remoto e a existncia mesma da espcie.

Concluindo, primeiramente, Jonas trabalha com as modificaes do agir humano e com as contribuies da tcnica que, por sua vez, corromperam as bases ticas da tradio. Com isso, surge um dever de preservao frente irreversibilidade, a magnitude e o carter cumulativo das aes humanas. Tal dever movido pela necessidade do saber advindo da real possibilidade de catstrofes futuras.

No se trata meramente de um interesse utilitrio, de cuidar da galinha dos ovos de ouro, de no serrar o galho sobre o qual se est sentado ou ainda de preservar a natureza para fins humanos, mas de considerar a hiptese de um direito prprio, de uma autnoma significao tica e de uma responsabilidade humana ampliada. Enfim, Jonas avana na doutrina do agir at a doutrina do existir, do antropocentrismo ontologia, para da fundamentar uma nova tica.

A tica proposta por Jonas difere da tica teleolgica e deontolgica, pois insiste na tica ontolgica. A tica ontolgica, portanto, leva em conta as lacunas das ticas precedentes, fundamentando-se na prpria existncia. Para melhor explicitar a sua proposta, Jonas toma como contraponto diferencial o imperativo categrico de Kant para, num segundo momento, apresentar os seus novos imperativos ticos para a civilizao tecnolgica.

O poder tecnolgico desenvolvido pela modernidade abriga uma dimenso ameaadora. Jonas no se preocupou apenas com a destruio fsica da natureza e dos seres humanos, mas tambm com o perigo da morte essencial. Na sua concepo, a morte essencial consequncia da desconstruo e construo tecnolgica aleatria do meio ambiente e da humanidade.

Com base nestes preceitos de perigo e destruio, Jonas sente a necessidade da responsabilidade. Porm, no entende a responsabilidade imposta de fora ou dada pela razo, mas uma responsabilidade provinda do dever inerente s coisas mesmas. Dentro desta esfera, toda a biosfera passa a fazer parte desse dever de responsabilidade. Alm disso, a responsabilidade, para Jonas, advm tambm do futuro, principalmente da existncia de uma proposio moral como:

Uma obrigao prtica perante a posteridade de um futuro distante, e como princpio de deciso na ao presente, a assertiva muito distinta dos imperativos da antiga tica da simultaneidade; e ela somente ingressou na cena moral com os nossos poderes e o novo alcance da nossa capacidade de previso (Jonas, 2006, p. 45).

Jonas examinou a possibilidade de estabelecer um novo imperativo para a tica, capaz de superar o imperativo kantiano. Este novo imperativo precisou transpor dupla demanda, a saber, do antropocentrismo e do carter de simultaneidade das ticas tradicionais. Assim formulou sua crtica ao imperativo categrico kantiano que dizia:

Aja de modo que tu tambm possas querer que a tua mxima se torne lei geral. Aqui, o que tu possas invocado aquele da razo e de sua concordncia consigo mesma: a partir da superao da existncia de uma sociedade de atores humanos (seres racionais em ao), a ao deve existir de modo que possas ser concebida, sem contradio, como exerccio geral da comunidade. Chame-se ateno aqui para o fato de que a reflexo bsica da moral no propriamente moral, mas lgica: o poder ou no poder querer expressa autocompatibilidade ou incompatibilidade, e no aprovao moral ou desaprovao (Jonas, 2006, p. 47).

Kant, em seu imperativo categrico, no expressou nenhum compromisso para com o futuro das aes humanas. Jonas, por sua vez, considera que o sacrifcio do futuro em prol do presente logicamente mais refutvel do que o sacrifcio do presente a favor do futuro (2006, p. 47). Alm disso, o imperativo kantiano se restringiu ao carter particular de ao individual enquanto Jonas esteve preocupado com a responsabilidade com o futuro, ou seja, um dever tico coletivo. Nestes termos no aceitvel escolher o no ser de futuras geraes em proveito desta gerao.

Vale dizer que Jonas no acredita que o imperativo categrico kantiano possa responder s exigncias acima citadas. Para tanto prope um novo imperativo categrico. O imperativo jonasiano no mais aquele dos atos consigo mesmo, mas dos efeitos finais. A sua universalizao no meramente lgica, mas de aes coletivas que assume caractersticas universais. Para todos os efeitos uma relao de totalizao. Jonas enfatiza o carter do novo imperativo cujo fundamento metafisico.

Um imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e voltado para o novo tipo de sujeito atuante deveria ser mais ou menos assim: Aja de modo que os efeitos da tua ao sejam compatveis com a permanncia de uma autntica vida humana sobre a Terra; ou, expresso negativamente: Aja de modo a que os efeitos da tua ao no sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma vida; ou simplesmente: No ponhas em perigo as condies necessrias para a conservao indefinida da humanidade sobre a Terra; ou, em um uso novamente positivo: Incluas na tua escolha presente a futura integridade do homem como um dos objetos do eu querer (2006, p. 47-48).

Na concepo de Jonas, seus imperativos categricos so vlidos para a atual sociedade tecnolgica porque no conduzem a nenhuma contradio , e no permitem colocar a vida futura em perigo. O novo imperativo diz que permitido arriscar a prpria vida, mas no a da humanidade (2006, p. 48).

Para concluir, destaca-se a importncia dos novos imperativos categricos formulados por Jonas em vista da sociedade tecnicista. Sendo que, diante da realidade do desenvolvimento da tecnologia e dos novos paradigmas que ela trouxe para a atual civilizao, os imperativos individuais, imediatos, simultneos, recprocos e antropocntricos perderam a validade.Portanto, diante deste quadro sem perspectivas, surgiu uma nova proposta, um novo imperativo que teve a pretenso, se no de resolver, ao menos conter, estes perigos. Ele requer uma responsabilidade de carter coletivo para preservar as condies de vida futura de todo planeta. Uma proposta ousada que contribui para que a tica responda aos novos desafios do poder da tcnica. Diante disso, surge a necessidade de se entender porque a tcnica moderna tornou-se objeto da tica e como Jonas abordou esta questo.

3.3 A tcnica moderna como objeto da ticaNa concepo de Jonas, a tcnica moderna trouxe algumas caratersticas que destoam da tradio. Dentre essas caratersticas, destacam-se todos os desenvolvimentos nas reas da sade, dos transportes, da comunicao e da produo de alimentos. Estes desenvolvimentos proporcionados pela tcnica se tornaram indispensveis. No entanto, trouxeram consigo o mal estar tico no sculo XX. Alm, claro, de todos os problemas que so visveis atualmente como a poluio, o uso predatrio da natureza e o poder de destruio em massa do planeta. Diante desta realidade, Jonas investigou os efeitos do poder adquirido com a tcnica moderna e as suas implicaes ticas.

Com efeito, ele no se contraps tcnica de forma ctica e categrica, apenas esteve preocupado com o seu uso e as suas consequncias para a vida futura. Problematizou a tcnica moderna para dela retirar consequncias ticas. Por ser aluno de Heidegger, Jonas tambm trabalhou dentro da perspectiva crtica da essncia da tcnica moderna, mas distinguiu-se de seu mestre por outro plano de problematizao.

Jonas vivenciou o contexto ps-guerra, onde se fomentaram muitas investigaes acerca da cincia e da tcnica moderna. De modo especial, aquele que por muito foi seu mentor e mestre intelectual, Heidegger. Como foi apresentado anteriormente, Heidegger foi um dos primeiros autores a fazer uma crtica sistemtica tcnica moderna. Alm disso, influenciou diretamente as posies de Jonas. No entanto, o que distinguiu o empreendimento de Heidegger dos demais autores que trataram deste tema, nesta poca, foram os desfechos.

Enquanto Heidegger se preocupou com questes de ordem metafsica do esquecimento do ser ao longo da tradio, seus alunos, especialmente Jonas, conduziram suas reflexes ao campo prtico, formulando uma nova teoria tica, tendo como fundamento o princpio responsabilidade (Cf. Viana, 2010, p. 109).

Hans Jonas, primeiramente com a sua obra O princpio responsabilidade e, depois, com a obra Tcnica, medicina e tica sustenta a tese de que a relao entre tica e tcnica h muito deixou de ser neutra. Neste sentido, quais seriam os motivos, segundo Jonas, que fizeram com que a tcnica moderna se tornasse objeto para a tica?

Se a tcnica moderna tornou-se objeto da tica, mostra que antigamente ela no era objeto. Jonas foi perspicaz ao conduzir a questo, pois, para ele, a tcnica moderna adentrou e modificou as aes humanas. A tica, sendo responsvel por reger as aes humanas, justifica-se para intervir no uso da tcnica. Com isto, Jonas quer mostrar as alteraes que a tcnica moderna impe ao agir humano e, por consequncia, os desafios que a tica necessita enfrentar.

A tese de partida de Jonas que a tcnica moderna constitui, de fato, um caso novo e particular. Dos fundamentos para isso, ele indica cinco. No primeiro argumento, mostra as ambivalncias dos efeitos. A tcnica produz efeitos que ora esto nas mos do prprio homem e depende exclusivamente dele o seu uso para o bem ou para o mal.

Em geral, toda capacidade como tal ou em si boa e se torna m pelo mau uso. Por exemplo, inegavelmente bom ter o poder da palavra, mas mau utiliz-lo para enganar os outros ou para seduzi-los para sua prpria runa. Por isso, totalmente sensato ordenar: use esse poder, aumenta-o, mas no faa mau uso dele. Est pressuposto aqui que a tica pode diferenciar claramente entre ambos, entre o emprego correto e o falso de uma e mesma capacidade (Jonas, 1999, p. 409).

O que justifica a invaso do campo da tcnica pela tica que, somente atravs dela, se poder diferenciar entre o bom e o mau uso da capacidade tcnica. Algumas aes tcnicas podem ser boas em sua intencionalidade, mas os seus efeitos podem potencializar-se e vir a tornar-se maus, em vista dos bons efeitos imediatos. Com isso, Jonas quer mostrar que no apenas no mau uso da tcnica que reside o perigo, seno que, mesmo quando bem empregada para seus autnticos e bons fins, ela tem em si um lado ameaador que, a longo prazo, poderia ser a ltima palavra (Jonas, 1999, p. 409).

O segundo argumento explicitado por Jonas, reside na compulsoriedade da utilizao. Como ilustrao, Jonas exemplifica a questo dizendo que a posse de um poder que a tcnica proporciona, seja por indivduos ou grupos, no justifica a sua utilizao. Mesmo assim, Jonas tem suas reservas quanto ao real perigo que est implcito nas promessas da tcnica, at as mais dispendiosas e objeta da seguinte forma:

Todavia, essa relao to bvia entre poder e fazer, saber e utilizao, posse e exerccio de um poder no vale para o Fundus de capacitao tcnica de uma sociedade que, como a nossa, fundamentou sua inteira configurao da vida em trabalho e cio sobre a atualizao corrente de seu potencial tcnico, considerado na ao conjunta de todas as suas partes (Jonas, 1999, p. 410).

Isso significa dizer que o poder e o fazer j entraram nas correntes sanguneas da atual sociedade. Jonas j percebia certo determinismo na posse e exerccio de poder que a tecnologia concebia. Alm disso, ele se preocupou em apresentar a falta de neutralidade do poder da tcnica que atingiu um estgio que foge do controle humano. A utilizao do poder pode ter acontecido individualmente e de forma isolada do potencial da ao tcnica, mas ele traz em si o compelir utilizao e torna essa utilizao uma permanente necessidade vital, no mais individual, seno coletiva.

No terceiro argumento, com base na extenso global no espao e no tempo, Jonas fala que at agora foi visto o poder da ao humana e suas mudanas essenciais. A ao humana deixou de ser neutra em relao tica, extrapolou as barreiras individuais pela nova prxis tcnica coletiva e, pela potencializao de seus efeitos, extrapolou tambm a esfera imediata das aes. Acresce a estes argumentos o presente fazer tcnico, comparado ao potencial ou aos limites onde h atuao humana, isto , a terra suplantou todas as barreiras e concorre ao perigo.

A tcnica moderna est interiormente instalada para o emprego em larga escala e, nesse processo, torna-se talvez demasiado grande para a extenso do palco sobre o qual ela se passa a terra e para o bem-estar dos prprios atores os homens. Isso, pelo menos, certo: ela e suas obras se propagam sobre o globo terrestre; seus efeitos cumulativos se estendem possivelmente sobre inmeras geraes futuras. Com aquilo que aqui e agora fazemos, e na maioria das vezes com os olhos sobre ns mesmos, influenciamos maciamente a vida de milhes em outros lugares e futuramente, que no tiveram nenhuma voz naquilo que fazemos (Jonas, 1999, p. 411).

Jonas traz tona uma discusso atual, a saber, a discusso em torno da ecologia. O ser humano habita um planeta finito e faz uso como se fosse infinito. Nos ltimos tempos possvel perceber a extenso do planeta. Ele tem os seus limites que ora esto constantemente sendo descobertos pelo homem nos efeitos catastrficos que tem acontecido. Alm disso, Jonas preocupou-se de forma especial com o uso desenfreado e irracional do planeta e com as futuras geraes.

Neste sentido, o homem presente no tem o direito de hipotecar o futuro das geraes subsequentes. Talvez no seja possvel agir de outra maneira, dado ao estado atual. Contrariando as expectativas, Jonas menciona que se esse o caso, ento temos que empregar a mais extrema ateno em faz-lo com honestidade em relao aos descendentes, ou seja, de maneira que as chances de eles se libertarem daquela hipoteca no fique antecipadamente comprometida (Cf. Jonas, 1999, p. 412).

No quarto argumento, Jonas reforou o rompimento que houve nas coordenadas espao/temporais com o antropocentrismo. Ou seja, Jonas mostra que o direito exclusivo do homem humana considerao e observncia tica foi rompido precisamente com a conquista de um poder quase monoplico sobre toda outra vida (1999, p. 412). Levando em conta tal poder, no lhe mais lcito pensar somente em si.

Trata-se de uma dupla via de responsabilidade tica que o homem conclamado a assumir. Por um lado, com o extrahumano empobrecido, empobreceria e comprometeria todo projeto humano; por outro, atravs da conscincia humana da realidade se confere ao extrahumano um valor em si. E conclui a sua argumentao afirmando que, em relao ao planeta, foi necessria ameaa global, fazendo-se visvel, do comeo efetivo da destruio do todo, para nos levar a descobrir (ou redescobrir) nossa solidariedade com ele: um vexatrio pensamento (1999, p. 413).

No quinto e ltimo argumento, destacou a questo metafsica. Nestes termos, o maior desafio imposto tica a pergunta inteiramente conveniente diante das argumentaes, a saber, por que deve haver vida? A partir disso, cabe outra pergunta: quanto lcito arriscar em grandes apostas tecnolgicas e quais so os riscos inadmissveis?

Sem dvida, ao longo da argumentao de Jonas possvel encontrar argumentos convincentes para conter alguns dos potenciais catastrficos. No apenas aqueles nitidamente perigosos, mas tambm aqueles que se potencializam dentro das coordenadas futuras. Antes mesmo do esgotamento das energias naturais no seria conveniente pensar em medidas alternativas?

Jonas aponta alternativas menos perigosas: ns podemos at chegar a reduzir a extenso da voragem e voltar a poder viver com menos, antes que um esgotamento catastrfico ou a poluio do planeta nos constranjam a algo pior que a temperana (1999, p. 415). Contudo, isso ganha impulso ainda maior diante do fato de que no h soluo a no ser a mudana de atitudes, pois os sinais advertem que foi adentrado na zona de perigo. Com isso, Jonas esclarece as prerrogativas de uma tica para a tcnica.

Colocamo-nos j, a cada novo passo (o mesmo que progresso) da grande tcnica, sob a compulso do prximo passo e legamos a mesma compulso posteridade, que finalmente tem que pagar a conta. Porm, mesmo sem essa viso de longo alcance, o elemento tirnico enquanto tal na tcnica atual, que transforma nossas obras em nossos senhores e nos coage a seguir multiplicando-as, j apresenta em si um desafio tico para alm da pergunta sobre o bom ou ruim de cada uma daquelas obras singularmente. Em razo da autonomia humana, da dignidade que exige que ns tenhamos a posse de ns prprios e no nos deixemos possuir por nossas mquinas, temos que trazer sob controle extratecnolgico o galope tecnolgico (Jonas, 1999, p. 417).

No final desta exposio, tem-se a impresso de que em Jonas, no h muitas perspectivas boas para o futuro. Sem dvida, as posies crentes de um futuro melhor passam longe das argumentaes dele. A leitura que Jonas faz da realidade humana, especialmente em relao tcnica moderna, prioritariamente negativa. Assim, a tcnica vista em todas as suas facetas como objeto da tica. A tica deve conter no apenas o uso como de certas tecnologias como a fabricao. Esta nova tica desenvolvida por Jonas encontra seus fundamentos na prpria metafsica e quer retirar do futuro o grau de responsabilidade e imp-lo ao presente. 4 O PRINCPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO TICO PARA A PRESERVAO DA VIDA NO PLANETA

Jonas preocupou-se de forma toda especial com a necessidade de medidas ticas diante das transformaes que a tcnica e o saber cientfico causaram, invadindo e suprimindo as antigas prescries ticas. Se Nietzsche disse que o niilismo e o vazio tico estavam batendo porta, para Jonas este niilismo no somente bateu porta, mas entrou e preciso conviver com ele.

Segundo Jonas, os movimentos cientficos modernos aliados ao poder que a tcnica alcanou, corroeram os fundamentos sobre os quais se poderia estabelecer qualquer tipo de norma tica. To grave a situao que foi destruda a prpria ideia de norma como tal. A tica no consegue dar conta das realidades existentes que conclamam por normatizaes. Primeiramente, aconteceu a neutralizao da natureza sobre o aspecto valorativo e, depois, foi a vez do prprio homem tornar-se objeto da tcnica.

Na concepo de Jonas, treme-se na nudez de um niilismo no qual o maior dos poderes se une ao maior dos vazios; a maior das capacidades, ao menor dos saberes sobre para que utilizar tal capacidade (2006, p. 65). Diante desta realidade, nasce uma pergunta que se torna fundamental: possvel ter uma tica que possa controlar os poderes extremos que se possui e que impe seguir conquistando e exercendo dominao?

Jonas procurou, ao longo da formulao do princpio responsabilidade, dar respostas a esta pergunta de forma concisa. Inicia sua formulao com a heurstica do temor. Segundo Jonas diante de ameaas iminentes, cujos efeitos ainda podem nos atingir, frequentemente o medo constitui o melhor substituto para a verdadeira virtude e a sabedoria (2006, p. 65). No pensamento de Jonas, a heurstica do temor se constitui como o movente da vontade para o dever, ela substitui facilmente as antigas prescries de sabedoria em Plato e, tambm, a noo de respeito de Kant.

Para Jonas, a vida deve ser recolocada novamente num lugar de honra que foi usurpado pelos ideais utpicos de progresso, impulsionados pela modernidade. A tica torna-se indispensvel dentro deste projeto, por que da religio pode-se dizer que ela existe ou no existe como fato que influencia a ao humana, mas no caso da tica preciso dizer que ela tem de existir (Jonas, 2006, p. 65). A tica deve existir porque as pessoas agem. Desta forma, necessrio que ela exista para ordenar estas aes e regular seu poder.

Neste sentido, quanto maiores so os poderes de ao, mais necessrio torna-se a tica para regul-las. Da mesma forma, a tica almejada deve levar em conta a magnitude do poder atual, bem como adaptar-se ao tipo de ao que se quer regular. Jonas tem presente que as novas exigncias da tcnica moderna requerem novas medidas.

Foi dito no matars porque o homem tem o poder de matar, e frequentemente a ocasio e a inclinao para isso em suma, porque de fato se mata. somente sob a presso de hbitos de ao concretos, e de maneira geral do fato que os homens agem sem que para tal precisem ser mandados, que a tica entra em cena como regulao desse agir, indicando-nos como estrela-guia aquilo que o bem ou o permitido. Uma tal presso provm das novas faculdades de ao tecnolgicas do homem, cuja utilizao est dada pelo simples fato da sua existncia (Jonas, 2006, p. 66)

Jonas procura por novidades ticas que possam guiar as aes, mas acima de tudo, que possam ser sustentadas e confirmadas teoricamente no seu valor. At agora, o agir humano tornou-se coletivo, cumulativo e tecnolgico, tanto no que se referir a objetos quanto magnitude, com isso deixou de ser neutro.

Neste sentido, nosso autor vai at os pr-modernos para encontrar princpios metafsicos com o intuito de fundamentar a sua nova teoria tica da responsabilidade. Com este empreendimento ousado, ele pretende elencar e elucidar algumas categorias fundamentais para a edificao tica contempornea. preciso levar em conta os dois objetivos centrais que moveram suas investigaes, a saber, os avanos da tcnica moderna e a ascenso do niilismo moderno. Assim, trabalhou as seguintes categorias: Heurstica do temor, Fim, Valor, Bem, Dever e Ser, com intuito de fundamentar o princpio responsabilidade.

3.1 A heurstica do temor na tica da responsabilidade

Ao iniciar a discusso sobre a heurstica do temor, Jonas inaugura uma nova categoria filosfica que pode resgatar a decada categoria do sagrado. Diante do cenrio tico atual, a sua investigao sobre o temor serve de baluarte para uma nova teoria tica correspondente. Antes de seguir a investigao acerca do temor, importante caracterizar esse estado tico atual. Santos auxilia nesta tarefa ao chamar a ateno para algumas caractersticas dos tempos atuais. Na sua concepo, parece que na atualidade a tica aparenta ter perdido os seus princpios fundamentais. Dos fundamentos para isso, aponta duas tendncias intimamente ligadas aos desenvolvimentos tecnolgicos: o imediatismo do viver para o aqui e o agora, por um lado, e o estado hipntico provocado pela magia da tcnica por outro, no s inibem, mas tambm dispensam o homem contemporneo de preocupar-se com o futuro distante (2009, p. 285).

Atualmente, fala-se muito das mudanas sociais e econmicas que desencadearam na tica uma grande crise. Porm, Jonas faz um movimento contrrio s tendncias ticas contemporneas. Ele busca princpios que sejam capazes de apresentar o potencial nefasto da tecnologia presentes nas obras do homem tecnolgico. O mvel da reflexo de todo o empreendimento tico jonasiano a continuidade indefinida da vida no futuro. Este o ponto crucial de toda a sua investigao. Nos itens anteriores foi demonstrado que os desdobramentos tecnolgicos podem ameaar o futuro. Dessa forma, Jonas descobre atravs da filosofia, justificativas para formular uma tica que seja capaz de assegurar a vida digna.

Ele identificou a dupla tendncia que pode guiar as aes humanas. A primeira diz respeito cincia e a tecnologia contempornea que ameaam a sobrevivncia da humanidade e de todas as formas de vida que coabitam na terra. A segunda igualmente representa grave perigo ao ameaar a prpria dignidade e autonomia da pessoa humana, atravs da manipulao dos indivduos futuros. Jonas queria contribuir para um saber mais adequado s novas interrogaes.

Nesse intuito, de incio, realizou uma apologia do temor. Para Jonas, o temor de suma importncia para a construo de uma nova tica que no se perca num romantismo cego. Na elaborao da heurstica do temor, ele explicita a relao entre saber, poder e o sentimento e, depois, aponta para a necessidade de reconhecer o perigo da tcnica moderna. Ou seja, o temor como mtodo moveria o sentimento para o saber, do saber ao dever de responsabilidade e, posteriormente, como movente para encontrar cada vez mais princpios ticos consistentes.

De certa forma, Jonas privilegiou a heurstica do temor na parte inicial da sua teoria. No entanto, ele mesmo adverte que o temor no deve ser tomado como a ltima palavra em tica. preciso avanar at as concepes metafisicas para retirar os princpios fundamentais de sustentao da nova tica. Neste sentido, afirma que na busca de uma tica da responsabilidade, a longo prazo, cuja presena ainda no se detecta no plano real, nos auxilia, antes de tudo, a previso de uma deformao do homem, que nos revela aquilo que queremos preservar no conceito de homem (Jonas, 2006, p. 70). De fato, diante da real possibilidade de destruio da humanidade, quase impossvel no mover o sentimento para a preservao. Diante da desfigurao da condio humana que se toma conscincia da autntica condio. Neste particular, Jonas acentua que o saber se origina no da contemplao, mas daquilo contra o que se deve proteger.

De fato, esta uma das poucas posies que defendem como mtodo a via negativa. A sua tica da responsabilidade pode ser considerada, em parte, como uma tica do temor. Todavia, preciso entender bem a sua posio para no tirar concluses precipitadas. Jonas acentua a predominncia do mal para dele acentuar o bem. Percebe que o ser humano toma conscincia com mais facilidade daquilo que no deseja, mas que j possui. Para Jonas, o reconhecimento do malum infinitamente mais fcil de que o do bonum; mais imediato, mais urgente, bem menos exposto diferena de opinio (2006, p.71). Assim, somente diante da doena que as pessoas se do conta da sade, somente quando h uma privao da liberdade que se toma conscincia de seu valor, ainda mais, somente diante da morte as pessoas realmente tomam conscincia da vida e da finitude.

Por conseguinte, para Jonas, o mal se impe pela simples presena, enquanto o bem pode ficar discretamente ali e continuar desconhecido, destitudo de reflexo (2006, p.71). Aquilo que no se deseja mais fcil de saber do que daquilo que se deseja. Desta forma, tratando-se de filosofia moral, Jonas priorizou a consulta ao temor, antes mesmo de consultar o desejo. Muito embora tenha conscincia de que a heurstica do medo no seja a ltima palavra na procura do bem, ela uma palavra muito til (2006, p. 71).

possvel perceber, no pensamento de Jonas, um movimento dialtico entre o bem e o mal, sade e doena, riqueza e pobreza. Neste movimento dialtico constante que se d o conhecimento. O conhecimento em questo diz respeito tecnologia, ou seja, atravs do movimento dialtico entre os potenciais catastrficos da tecnologia e o futuro que se quer preservar. Surge, da, o conhecimento heurstico. Com o conhecimento, o homem forado a frear a compulso e a onipotncia dos ideais de progresso da tcnica moderna. Portanto, o mal imaginado e experimentado atravs do temor deveria servir de contraponto ao agir concreto aqui e agora.Na defesa da heurstica do temor como mtodo analtico, Jonas destaca alguns deveres. O primeiro dever da tica do futuro jonasiana de antecipao. Em sua concepo, o mal imaginado nas futuras catstrofes antecipadas, deve ser experimentado no presente. O procedimento para tal acontecimento produzir intencionalmente experincias catastrficas atravs das projees futuras.

A segunda obrigao pontuada por Jonas consiste na obrigao da mobilizao de sentimentos. No basta apenas imaginar o mal hipoteticamente, preciso fazer uma experincia, somente assim ele passa a ter significado. A experincia, portanto, possibilita a antecipao daquilo que poder ser pior. Jonas, contudo, preocupa-se em distinguir a sua posio daquela sustentada por Hobbes.

Em Jonas no se encontra a defesa do medo patolgico da morte violenta, como em Hobbes. Aqui, o medo tem caracterstica espiritual que nasce de uma atitude deliberada da pessoa. Assim conclui: a adoo dessa atitude, ou seja, a disposio para se deixar afetar pela salvao ou pela desgraa (ainda que s imaginada) das geraes vindouras o segundo dever introdutrio tica almejada (Jonas, 2006, p.72). Portanto, o temor adquire carter pedaggico dentro da teoria de Jonas enquanto mtodo analtico, constitui-se parte essencial da responsabilidade e, enquanto capacidade projetiva, objeto de responsabilidade.

A doutrina de princpios buscada por Jonas no consegue uma exatido como a cincia. O saber possvel, dentro de seu pensamento, suficiente para a doutrina dos princpios, pois trabalha com o mal experimentado. A infelicidade causada pelo sentimento de no haver futuro ou das caticas condies futuras implicam na necessidade de princpios. Para Jonas, a reflexo sobre o possvel fornece acesso a novas verdades que no precisaro ser colocadas como provas, apenas como ilustrao. Assim, escreve: Trata-se de uma casustica imaginativa que serve investigao e descoberta de princpios ainda desconhecidos (e no, como a casustica habitualmente serve, no direito e na moral, ao exame de princpios j conhecidos) (2006, p.74). Com isso, revela a parte fraca das projees que, apesar de coerentes em relao ao futuro, no so suficientes para serem implantadas no plano poltico.

Jonas sentiu a necessidade de justificar as projees que priorizam o mau prognstico. Isso porque a tecnologia no respeita mais o processo natural das coisas, em face de pequenas compensaes. Preocupou-se em fundamentar e acentuar os maus prognsticos para preservar as futuras condies de vida digna. Neste sentido, especifica a sua posio relatando a sua percepo sobre os empreendimentos da tecnologia moderna.

O grande empreendimento da tecnologia moderna, que no nem paciente nem lento, comprime como um todo e em muitos de seus projetos singulares os muitos passos minsculos do desenvolvimento natural em poucos passos colossais, [...] O fato de tomar o seu desenvolvimento em suas prprias mos, isto , de substituir o acaso cego, que opera lentamente, por um planejamento consciente e de rpida eficcia, fiando-se na razo, longe de oferecer ao homem uma perspectiva mais segura de uma evoluo bem-sucedida, produz uma incerteza e um perigo totalmente novos (2006, p. 77).

Jonas demostrou a sua descrena nas promessas tecnolgicas, pois na sua concepo, no se est levando em conta o processo que a natureza leva para digerir as intervenes humanas. De um lado, o tempo que a natureza leva para corrigir os erros que acontecem no alterou; por outro lado, as intervenes cresceram exorbitantemente. O que no se pode ignorar a substituio da longa durao da evoluo natural pelo prazo relativamente curto da ao humana planejada.

Jonas no admite o tudo ou nada quando o que est em jogo so as condies e a vida futura da humanidade. Assim, assevera que o mandamento da ponderao em vista do estilo revolucionrio que assume a mecnica evolutiva do este ou aquele sob o signo de uma tecnologia, com suas apostas de tudo-ou-nada, a ela imanentes e alheia evoluo (2006, p. 77).

A heurstica do temor jonasiana , portanto, um instrumento fundamental e se mostra completamente adequado aos anseios dessa nova tica que tem a misso de alertar sobre as ameaas provenientes dos efeitos propiciados pela ideologia do progresso tecnolgico. Foi mostrado que isso no est longe, o progresso tecnolgico possui finalidades em si mesmo que podem extinguir a vida no planeta. O temor tem a funo de chamar a ateno para a qualidade das aes e das apostas. E nos custos e benefcios, sempre dar preferncia aos custos altos que podem ser pagos por toda a humanidade, em face, muitas vezes, de pequenos ganhos individuais.

A tecnologia definitivamente adquiriu um poder globalizante, destrutivo, efetivo, que ultrapassa as decises meramente individuais. Em vista disso, Jonas chama a ateno para o uso poltico dos potenciais tecnolgicos. O que no pode acontecer a esfera poltica tomar decises que coloquem em perigo o destino da humanidade e de toda existncia extrahumana. Neste ponto, Jonas pessimista, porque no acredita que decises polticas se preocupam com as consequncias futuras, apenas esto preocupados com a esfera prxima, pois ela que notabiliza suas aes.

Para Jonas, o que duvidoso e pode trazer riscos para a vida digna presente e futura no deve ser realizado. A preferncia e o critrio de deciso devem ser os maus prognsticos. A ordem de seu pensamento a seguinte: do perigo experimentado atravs da heurstica do temor, na dialtica entre o mal a ser evitado e o bem almejado, surge um mandamento que nasce de um dever de conservao da vida. O mandamento a responsabilidade com o ser que deve ter preferncia ante o no ser (nada). Numa palavra, Jonas prope, pois, a elaborao de uma teoria valorativa centrada na objetividade de valores do ser, que tenha condies de aceitabilidade na modernidade e, a partir da qual se possa deduzir um comportamento de preservao e responsabilidade.

A heurstica do temor possui um carter de cautela, moderao e prudncia no agir. apenas a parte inicial da tica da responsabilidade. Sozinho o temor no suficiente para assegurar o fundamento da tica esperada. Da a importncia de demonstrar a existncia de princpios fundamentais que asseguram os maus prognsticos em face do que se quer preservar. Portanto, apostas lanadas no jogo, em que pese toda a sua provenincia fsica, encontra-se um estado de coisas metafisico, um absoluto que, como bem fiducirio, o valor mais alto e vulnervel, nos impe o mais alto dever de conserv-lo (Jonas, 2006, p. 80). Desse modo, o perigo o critrio de deciso das aes humanas. Cabe, agora, apresentar outros princpios que Jonas apresentou para sustentar a sua nova tica.

3.2 Fim e valor na tica da responsabilidade Dentro da investigao empreendida por Jonas fundamental, por um lado, explicitar os fins e, por outro, os valores. O fim aquilo graas ao qual uma coisa existe e cuja produo ou conservao exigiu que algum processo ou que alguma ao fosse empreendida (Jonas, 2006, p. 107). Nesta perspectiva, os fins respondem a pergunta para qu? - definindo as coisas e metas. Mas preciso esclarecer tambm, no caso de serem tomados em si mesmos, ou seja, a finalidade de cada objeto. A primeira questo tratada por Jonas refere-se ao conceito e o fim em si mesmo. A segunda tem como objetivo trabalhar o conceito de um valor em si mesmo.

Os fins que se encontram na prpria coisa no so passveis de juzos valorativos, pois derivam das coisas e no do juzo de valor que projetado sobre eles. Os fins que se encontram na natureza dos objetos independem dos juzos valorativos dos agentes. Segundo Jonas, as coisas existem e pelo fato da existncia, possuem fins em si, por natureza. A partir destes fins, possvel afirmar um valor em si das coisas. Para melhor explicar a categoria de fim, Jonas faz uso de algumas figuras e a primeira delas o martelo, que tem por fim:

poder-se-martelar-com-ele: foi criado com esse fim e para ele; esse fim faz parte do seu Ser, produzido para tal, de um modo totalmente diferente do fim momentneo que tem a pedra h pouco recolhida e arremessada ou o galho que se quebra para alcanar algo. O fim, podemos dizer, faz parte do conceito de martelo, e esse conceito precedeu sua existncia, como acontece com todos os artefatos; foi a causa de seu devir (2006, p. 109).A finalidade do martelo no encerra o juzo de valor, sendo uma determinao real da necessidade projetada para o mesmo. Os artefatos no esto desprovidos de finalidades prprias. No caso do martelo, o fabricante que atribui um valor de uso. Zancanaro comenta que, neste particular o conceito fundamento do objeto e no o objeto fundamento do conceito (1998, p. 97). Assim, possvel compreender as preocupaes de Jonas neste horizonte, onde a sociedade se encontra emersa pela tcnica, por meio dos inventos tecnolgicos, pois atualmente tudo criado com finalidades.

Outro exemplo utilizado por Jonas a figura do tribunal para explicitar o duplo sentido da expresso ter um fim. O tribunal tambm um artefato, nomeadamente uma instituio humana, e nele o conceito, evidentemente, tambm precede a coisa: foi instalado para fazer justia (Jonas, 2006, p. 111). Entretanto, aqui, o conceito no apenas precedeu a coisa, mas tambm teve que penetr-la para que ela pudesse ser aquilo, correspondente ao seu fim. Ou seja, todas as instituies sociais criadas no existem distintas dos seus fins. Neste sentido, completa Zancanaro, no podemos explicar o Parlamento, a instituio financeira, o sistema judicial; enfim, todas as instituies humanas, sem indicar seu fim (1998, p. 98).

Diferentemente do martelo, impossvel compreender o tribunal sem antes compreender o seu conceito, ou seja, os componentes que sustentam ou justifiquem a ideia de tribunal. preciso compreender o conceito de tribunal para ver com clareza os fins embutidos nele. Isso porque o tribunal no um objeto concreto, pois foi intencionalmente criado, da a necessidade de conhecer o conceito abstrato para compreender os fatos e derivar seus fins.

Com estes dois exemplos, Jonas explicita que os fins no podem ser desvinculados dos homens. Em ambos os casos o fim o homem. Se as criaes humanas no podem ser pensadas desvinculadas de fins humanos, preciso pensar bem a questo das criaes tecnolgicas. As tecnologias, portanto, possuem fins que podem ser manipulados a bel prazer pelos homens. Deste modo, para Zancanaro, os fins so percebidos como uma questo tica ligada ao sentido que o usurio lhe d, seja no plano individual, seja no social (1998, p. 99). Com isso, percebe-se a importncia da tica, pois ela pode orientar estes fins.

Destas constataes, Jonas parte para a distino entre os meios naturais e artificiais que se referem atribuio de fins. Para tal, fez uso do andar humano, pois, diferentemente do martelo, o andar tem fim subjetivo. Anda-se para chegar a um determinado lugar, mas o impulso de andar objetivo. O fim, para o homem, o resultado da soma de aes individuais, particulares, que conduzem etapa seguinte. Portanto, a questo central que Jonas quer desenvolver diz respeito um fim ltimo. Ou seja, se existe finalidade no mundo objetivo, fsico, ou somente no mundo subjetivo, psquico? (Jonas, 2006, p. 123). Quando se trata de artefatos, por serem desenhos humanos, neles se incorpora finalidade. Por si s os artefatos no possuem finalidades, so os homens quem estabelecem um fim.

Para Jonas, tudo tem um prprio fim. O ser humano, os animais, as espcies de animais, todos, independentemente de sua funo, tem como finalidade a participao no ciclo natural da vida. Assim, todos os fins da produo tcnica devem ser levados a uma discusso tica. Diferentemente dos animais, que agem por um esquema de estimulao instintiva, o ser humano busca suas realizaes atravs das somas das aes, como tambm constri a liberdade pela soma de atos livres.

Nesta perspectiva, Jonas no pretende explicar a natureza por meio de fins hipotticos, mas interpret-la para buscar nela a presena de fins. Dessa forma, compreende a natureza em vista dos fins, para arrancar o argumento que sustenta a responsabilidade. Na natureza encontram-se valores e fins. Neste sentido, quais seriam os fins na natureza que poderiam sustentar a responsabilidade? A resposta a essa questo crucial, a prpria existncia, isto , a prpria vida.

Jonas aponta para um erro que se tem cometido nos ltimos tempos, principalmente a partir da modernidade: a negao da natureza, em razo do domnio exercido sobre ela. Com isso, ele crtica as cincias naturais, que, atravs dos seus processos quantitativos tem a pretenso de dizer tudo sobre o homem. Para fundamentar a nova tica, Jonas recorre a uma fundamentao ontolgica afirmando que a cincia natural no diz tudo sobre a natureza e, alm disso, incapaz de dar conta do fenmeno da conscincia, ou mesmo o caso mais elementar do sentir.

Existe a ponta de um iceberg de que o mundo d testemunho. Jonas pretende compreender o fenmeno da subjetividade e perceber nele a existncia de fins como testemunho universal. Ele quer justamente explicar esta ponta de iceberg e, com isso, reintroduzir a metafsica na tica e recolocar o homem no seu lugar de destaque.

Como foi dito anteriormente, o fim, pois, em questo, a prpria vida. Ela constitui-se o fim de todo o vivente e o fim prprio de todo corpo. Preservar a vida contribuir para que esse fim se realize. Com o poder que os seres humanos tm sobre a natureza, deve-se proclamar o imperativo tico do ser sobre o no ser. O fim da natureza est na exigncia do cumprimento do seu f