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APONTAMENTOS DAS AULAS DE FILOSOFIA POLITICA Ano lectivo 2009/2010 Apresentação do programa da unidade curricular: O que é a Justiça? Como deve ser uma sociedade justa? Há quem considere que o conceito de justiça é “essencialmente contestado” (W. B. Gallie). Diz este autor que “conceitos essencialmente contestados são conceitos cujo uso apropriado implica inevitavelmente disputas intermináveis por parte daqueles que os usam.” A contestação é inerente ao próprio conceito. Rawls propõe uma definição mínima do conceito de justiça: segundo o conceito de justiça, “as instituições são justas quando não há discriminações arbitrárias na atribuição de direitos e deveres básicos e quando as regras existentes estabelecem o equilíbrio adequado entre as diversas pretensões que concorrem na atribuição dos benefícios da vida em sociedade.” As ideias contidas nesta afirmação são muito formais: 1.A justiça implica que não haja discriminações arbitrárias ; as instituições não podem discriminar os indivíduos arbitrariamente; a justiça é incompatível com o arbítrio. Os indivíduos devem ter os mesmos direitos e deveres. 2.A justiça implica um estabelecimento de um equilíbrio adequado ente as diversas pretensões. Os indivíduos têm as suas reivindicações, procuram ter sempre mais direitos. Quem tem o direito a quê e quem tem o dever de quê. É a isto que a justiça deve responder. Problema: qual o equilíbrio adequado? Que direitos e deveres os indivíduos devem ter e quais os que decorrem das instituições? Conceito de Justiça é diferente das concepções de justiça. O primeiro é uma ideia formal; as concepções têm que especificar em que consiste a justiça. Estas concepções não são convergentes. O conceito de justiça vai projectar-se em diferentes concepções, que nos irão dizer os princípios de uma constituição justa; vão-nos orientar acerca da legitimidade ou não-legitimidade das pretensões sociais. Concepções: 1. Concepção neocontratualista e liberal-igualitária de John Rawls; 2. A visão utilitarista; 3. A concepção libertarista (Nozick); Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro

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APONTAMENTOS DAS AULAS DE FILOSOFIA POLITICAAno lectivo 2009/2010

Apresentação do programa da unidade curricular:

O que é a Justiça? Como deve ser uma sociedade justa?Há quem considere que o conceito de justiça é “essencialmente contestado” (W. B. Gallie).

Diz este autor que “conceitos essencialmente contestados são conceitos cujo uso apropriado implica inevitavelmente disputas intermináveis por parte daqueles que os usam.” A contestação é inerente ao próprio conceito.

Rawls propõe uma definição mínima do conceito de justiça: segundo o conceito de justiça, “as instituições são justas quando não há discriminações arbitrárias na atribuição de direitos e deveres básicos e quando as regras existentes estabelecem o equilíbrio adequado entre as diversas pretensões que concorrem na atribuição dos benefícios da vida em sociedade.”

As ideias contidas nesta afirmação são muito formais:1.A justiça implica que não haja discriminações arbitrárias; as instituições não podem discriminar os indivíduos arbitrariamente; a justiça é incompatível com o arbítrio. Os indivíduos devem ter os mesmos direitos e deveres.2.A justiça implica um estabelecimento de um equilíbrio adequado ente as diversas pretensões. Os indivíduos têm as suas reivindicações, procuram ter sempre mais direitos. Quem tem o direito a quê e quem tem o dever de quê. É a isto que a justiça deve responder. Problema: qual o equilíbrio adequado? Que direitos e deveres os indivíduos devem ter e quais os que decorrem das instituições?

Conceito de Justiça é diferente das concepções de justiça. O primeiro é uma ideia formal; as concepções têm que especificar em que consiste a justiça. Estas concepções não são convergentes. O conceito de justiça vai projectar-se em diferentes concepções, que nos irão dizer os princípios de uma constituição justa; vão-nos orientar acerca da legitimidade ou não-legitimidade das pretensões sociais.

Concepções:1. Concepção neocontratualista e liberal-igualitária de John Rawls;2. A visão utilitarista;3. A concepção libertarista (Nozick);4. Concepção comunitarista (Walzer)

As concepções 1, 3 e 4 são concepções de justiça. A 2 não constitui propriamente uma concepção de justiça; a justiça das instituições não existe. Importa que as instituições sejam úteis, na medida em que criem felicidade/ bem-estar. Na visão utilitarista não há direitos e deveres absolutos. Por exemplo, o nosso direito penal é utilitarista, pois concebemos as penas numa lógica retributiva (Lei de Talião). As penas têm a função de impedir que haja mais crime. Alguns pensadores como J. Stwart Mill, J. Bentham consideram a utilidade mais importante que a justiça.

A primeira concepção considera a distribuição de liberdades iguais, mas a desigualdade económica deve ser balizada pela igualdade de oportunidades e de distribuição de riqueza (Contrato Social). Favorável à existência do Estado Social.

A terceira concepção é mais individualista; cada um de nós é proprietário de si mesmo. Defende o Estado Mínimo. Visão radical da acção do indivíduo e crítica quanto à acção do Estado sobre o indivíduo. Favorável às liberdades básicas.

A quarta concepção é anti-individualista. Aquilo que é justo tem que ser definido por cada sociedade em concreto.

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Esta será a primeira parte do nosso programa.

A segunda parte versará os seguintes aspectos:1.Pobreza no mundo;2.Migrações internacionais. Os imigrantes têm direito a imigrar? Os Estados deverão deixar entrar?3.Multiculturalidade (ex.: Espanha, Bélgica, Grã-Bretanha, EUA). Há várias multiculturidades.

A CONCEPÇÃO NEOCONTRATUALISTA E LIBERAL-IGUALITÁRIA DA JUSTIÇA (JOHN RAWLS) – v. Manual cap.II)

Rawls quer especificar o equilíbrio adequado dos benefícios sociais. O conceito de justiça dele trata do modo correcto da distribuição dos “bens sociais primários” por parte das instituições. Bens sociais materiais ou imateriais.

Lista dos Bens:1 – Liberdades2 – Oportunidades e poderes3 – Rendimento e riqueza4 – bases sociais do respeito próprio: bem social primário mais específico; possibilidade de

cada um viver o seu projecto de vida e ser reconhecido pelos outros.

Bens > bens fundamentais para todos os indivíduosSociais > são sociais porque não são naturais; cuja distribuição depende das instituições

sociais. O acesso às liberdades depende da ordem legal e não da natureza, assim como também das oportunidades, poderes e outros bens.

Primários > não são secundários; são instrumentais para alcançar outros bens. Se os indivíduos não os tivessem não poderiam desenvolver o seu projecto de vida. De uma forma mais directa deve atingir os primeiros bens. O quarto é derivado dos outros.

A justiça tem que nos dizer como se distribuem os bens sociais primários. Há uma espécie de um pressuposto igualitário (igualdade básica > a sociedade não está dividida em senhores e escravos – ideais da revolução francesa de 1789, a independência americana de 1776); estes bens deveriam ser distribuídos igualmente. Antes das revoluções era o período do Antigo Regime onde havia desigualdade básica.

Mas, um destes bens pode ser distribuído de forma desigual, caso esta distribuição desigual redunde em benefício de todos (está a pensar-se na 3ª concepção). A desigualdade económica e social pode ser benéfica para toda a sociedade, pois cria um sistema de incentivos para que determinados indivíduos façam maior esforço para aceder a carreiras que precisam de formação muito longa ou para introduzir inovação empresarial. Este sistema de incentivos não existiria se fossemos todos iguais a nível económico e social: uma igualdade absoluta neutraliza um sistema de incentivos.

PRIMEIRA FORMULAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA

1º Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idênticas para as outras. > Princípio das liberdades.

2º As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que, simultaneamente:

a) se possa razoavelmente esperar que elas sejam em benefício de todos > Princípio de distribuição;

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b) decorram de posições e funções às quais todos têm acesso > Princípio de igualdade de oportunidades.

Rawls considera que o 1º princípio não é muito complicado. Neste princípio, há uma igualdade na distribuição das liberdades; não se vê benefício na distribuição desigual desses bens.

Sistema de liberdades = direitos de primeira geração; direitos civis e políticos. As liberdades têm que ser compatibilizadas: 1º) para cada indivíduo; 2º) ao ser distribuída igualmente a outros indivíduos. Os mesmos indivíduos têm os mesmos direitos civis e políticos. Notemos que o constitucionalismo moderno rege-se por este conjunto de direitos e liberdades.

Que tipo de liberdades necessita um indivíduo numa sociedade organizada? Precisa de liberdades que lhe permitam desenvolver o seu projecto de vida. Todas as liberdades protegem certas possibilidades (esta via é mais dedutiva).

O 2º princípio desdobra-se em dois. Admite-se a desigualdade se estiver associada a funções às quais todos tenham acesso; se ela for em benefício de todos. Na alínea b) diz-se: “Posições e funções às quais todos têm acesso (igualdade de oportunidades). Temos duas interpretações:1.“Carreiras abertas às competências”2.Igualdade de oportunidades em sentido equitativo

1)Não discriminação legal às diferentes posições e funções sociais, que estão abertas em função do esforço/mérito das sociedades (esta ideia nasceu com a revolução francesa e outras revoluções). Concepção formal.2) É necessário que todos os indivíduos tenham acesso, pelo menos, à educação e formação profissional independentemente das origens do seu nascimento. Não há determinismo. Há o pressuposto que a origem tenha alguma influência. Concepção substantiva. Esta é mais exigente e requer mais acção por parte dos estados.

Analisemos agora a alínea a): “desigualdades em benefício de todos”.

1) “Princípio de eficiência” (Princípio de Pareto)

2) “Princípio da Diferença”

1.Existe um ganho de eficiência sempre que seja possível melhorar a situação de alguém sem piorar a situação de ninguém (os economistas denominam o “Óptimo de Pareto”). Segundo este conceito, nenhum ganho de eficiência é possível. Melhorando a vida de alguém há sempre outro que fica prejudicado. Há um benefício para todos sempre que alguém fica melhor. Esse benefício alcança-se através do crescimento económico.Crítica de Rawls: este princípio não atribui nenhum parâmetro distributivo.

1.Princípio criado por Rawls. Deve-se maximizar a posição dos que, à partida, estão pior. As desigualdades gerem o maior benefício para os menos beneficiados à partida (é distributivo).2.

“Em benefício de todos”

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“Funções às quais todos têm acesso”

Princípio de Eficiência Princípio da diferença

Igualdade vista como existência de carreiras abertas às competências de cada um

Sistema de liberdade natural (1) Aristocracia natural (3)

Igualdade vista como igualdade equitativa de oportunidades

Igualdade em sentido liberal (2) Igualdade democrática (4)

1.Sociedade sem discriminação legal e na qual não se põe a funcionar a função distributiva do Estado. Grandes disparidades ao nível da riqueza e do rendimento. Sociedades europeia e americana (passagem do séc. XIX para o séc. XX). Adam Smith é o autor e defensor deste sistema. O tipo de Estado aqui apresentado é um Estado Mínimo, isto é, garante a eficiência dos mercados mas não tem intervenção.

2. Igualdade equitativa de oportunidades. Sociedade de igualdade de oportunidades. Primeiro as oportunidades e depois a distribuição de rendimentos. Não existiria uma distribuição equitativa da riqueza e rendimentos.

3. Não existe na realidade, é puramente teórico. Sociedade na qual existiria uma distribuição; os mais ricos contribuiriam para os mais pobres. Seguiria o princípio “noblesse oblige” (caridade institucionalizada). Não haveria elevador social, não haveria igualdade de oportunidades. As sociedades de hoje aproximar-se-iam desta concepção.

4. Sociedade na qual a igualdade de oportunidade é substantiva; pôr a função distributiva do Estado a fim de melhorar quem está pior. Interpretação mais exigente do 2º princípio da justiça. É a defendida por Rawls. Estado social. No pós II Guerra Mundial, muitos dos Estados aproximaram-se desta concepção. Os países nórdicos estariam muito próximos desta concepção.

Para Rawls, a justiça deve centrar-se em determinados bens (materiais e imateriais) essenciais primários. Tem que especificar a distribuição desses bens. Mas uma distribuição desigual de um desses bens poderá ser benéfica para todos. Princípio da igualdade das oportunidades e o princípio da distribuição e riqueza são os que balizam. O Índice de Gûni mede a desigualdade social. Qual das quatro é a preferível? Rawls prefere a “igualdade democrática”. Os indivíduos têm pontos pontos de partida na vida diferentes: lotaria social/lotaria natural. Segundo a lotaria natural, os indivíduos, ao nascer, são objecto de uma lotaria (ambiente favorecido ou desfavorecido). Segundo a lotaria social, os indivíduos nascem com diferentes talentos e características naturais; ao nascer são premiados.

Estes dois princípios são moralmente arbitrários, pois os indivíduos não são responsáveis por eles; não fizeram nada antes de nascer para os ter. O Estado deve corrigir estes factores porque são moralmente arbitrários. O princípio de igualdade equitativa de oportunidades corrige logo a lotaria social. Mesmo os que nascem desfavorecidos podem ter acesso. Mas nem todos têm apetência natural para as oportunidades > lotaria natural. Assim, adopta-se o princípio da diferença, favorecendo os mais desfavorecidos. O sistema de liberdade natural não corrige nem uma nem outra. A aristocracia natural corrige a lotaria natural e não a lotaria social; a igualdade liberal corrige a social e não a natural; por isso, para Rawls estes princípios são contraditórios. O que é moralmente justificado é a ideia de igualdade democrática.

1º princípio é igual ao outro.

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2º) As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que simultaneamente:

a) redundem nos maiores benefícios possíveis para os menos beneficiados;b) sejam a consequência do exercício do cargo e funções abertos a todos em circunstâncias

de igualdade equitativa de oportunidades.

2ª Formulação da Concepção de Justiça

Regras de prioridade lexical (nenhum dos princípios seja sacrificado em nome dos outros)1. A concepção de justiça totalitária é prioritária à maximização do bem estar social.2. O 1º princípio de justiça é prioritário ao 2º. Não se deve aplicar o 2º contrariando as liberdades consagradas no 1º (ex.: Ditadura da Esquerda).3. A alínea b) do 2º princípio é prioritária à alínea a). A igualdade de oportunidades é algo que vale em si mesma.

Os três princípios em ordem lexical correspondem aos princípios das revoluções do séc. XVIII: Igualdade, Liberdade, Fraternidade.

Os princípios devem ser submetidos a um teste interpretativo: argumento da posição original (para escolha dos dois princípios de justiça em ordem lexical).

Rawls inspira-se nas teorias do Contrato Social (J. Locke, J. J. Rousseau. I. Kant). Segundo eles, a organização social é autorizada pelo conjunto dos indivíduos; a justificação das instituições sociais têm que vir dos indivíduos que compõem a sociedade.

Posição original > situação mais adequada para a escolha dos princípios da justiça. Na posição original estão os indivíduos nossos representantes.

Posição original

Partes (que são nossos representantes) (1)Sob um “véu de ignorância” (véu espesso – as partes não tem conhecimentos das pessoas que representam); garantem a imparcialidade da escolha; as pessoas teriam interesses específicos.

(1) As Partes são inteiramente racionais, capazes de estabelecer objectivos e de encontrar os meios mais adequados para esses fins > racionalidade instrumental. Elas são mutuamente desinteressadas, querem maximizar os seus interesses mas não os interesses dos outros. Ao introduzir-se o “véu de ignorância” é impedido às partes o conhecimento de aspectos específicos das pessoas que representam. As Partes vão fazer uma escolha, mas teremos de dar-lhes uma lista de alternativas.

Processo de escolha:Teoria da escolha racional > qualquer indivíduo colocado numa situação de incerteza faz as

suas escolhas guiado por uma regra: Regra MAXIMIN. Maximiza o mínimo que se pode obter

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(dinheiro, riqueza...). Poderia existir outras regras: MAXMAX, MINMAX; mas quando os indivíduos estão numa situação de incerteza optam pela MAXMIN. As Partes são racionais; o “véu de ignorância” gera uma situação de incerteza.

A regra MAXIMIN é acompanhada de três condições:1. As Partes não têm conhecimento de probabilidades;2. As Partes na Posição Original têm aversão ao risco (as Partes não são jogadoras, não arriscam):3. As Partes querem excluir resultados verdadeiramente inaceitáveis (pertencer a uma sociedade excluída.

Lista de alternativas:a) princípio de justiça em ordem lexicalb) princípio de utilidadec)Perfeccionismo > a sociedade deve organizar-se para aperfeiçoar certas virtudes humanasd)...

As partes terão que nos dizer porque preferem esses princípios de justiça em relação a outras alternativas.

Na posição original garante-se que a escolha é racional e imparcial. A regra MAXIMIN não é opcional, é obrigatória.

Princípio de utilidade > maximizar o bem-estar. Nada em abstracto. Alguns utilitaristas ligavam o bem-estar à felicidade, mas isto é algo subjectivo. Devemos criar utilidades positivas e evitar as negativas.

Os princípios de justiça têm um carácter deontológico, isto é, são os que fixam regras absolutas. O princípio de utilidade tem um carácter teleológico, isto é, preocupado com os fins. O princípio de utilidade tem por fim a maximização do bem-estar. Nos princípios deontológicos, o justo é prioritário ao bem; nos teleológicos, o bem é prioritário ao justo. O princípio de utilidade não estabelece garantias mínimas para as Partes; quando se maximiza o bem-estar agregado, uns ficam a ganhar tudo e outros não. Por isso, as Partes irão escolher os dois princípios de justiça; estes estabelecem os mínimos.

Comparação dos dois princípios e o de utilidade a partir da Regra MAXIMIN:o princípio de utilidade não garante o mínimoComparação do 2º princípio da justiça (distribuição equitativa) e princípio de utilidade (não estabelece mínimos para a distribuição das oportunidades e do rendimento e da riqueza.As Partes consideram mais racional escolher os dois princípios em ordem lexical.Argumentos de Rawls:- Tensões geradas pelo compromisso1) é melhor viver numa sociedade justa do que numa sociedade utilitarista. Quem vive em sociedade vive comprometido com ela. Numa sociedade utilitarista não estão garantidos os direitos de liberdades aos indivíduos e estes podem ser instrumentalizados. Há tensões psicológicas geradas nos indivíduos pela sociedade utilitarista.2) Uma sociedade justa é mais estável do que uma sociedade utilitarista. É mais fácil numa sociedade justa as instituições apoiarem os indivíduos. 3) Numa sociedade justa é mais fácil gerar o respeito próprio do que numa sociedade utilitarista. Os indivíduos geram respeito por si mesmos e também o respeito que lhes é devido pelos outros. O reconhecimento entre todos gera respeito próprio entre eles.

Rawls chama aos seus princípios “Justiça como equidade” = 2 princípios da justiça em ordem lexical. Eles são escolhidos numa posição equitativa; a Posição Original é equitativa. A justiça deve ser aplicada às instituições sociais :

Estrutura Básica da Sociedade

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conjunto das principais instituições sociais no modo como elas funcionam no seu todo de modo a gerar direitos e deveres para os indivíduos

Nas instituições, o 1º elemento da estrutura básica é a Constituição, sobretudo o aspecto que assegura as liberdades e as regras que especificam o processo político.

O segundo elemento são as Leis referentes à Segurança Social, ao Sistema Educativo.A estrutura básica condiciona os direitos e deveres ao longo da vida dos indivíduos. A justiça

serve para ajuizarmos sobre a estrutura básica.

Sequência de 4 etapas na aplicação da justiça às instituições:1. Posição original2. Convenção constitucional (definir os direitos e deveres dos cidadãos e a estrutura e funções do poder político). Não é necessário um véu de ignorância tão espesso como no anterior. Os deputados não têm conhecimento de pessoas concretas, mas da sociedade para a qual se elaboram as leis. Uma constituição que coloque em prática o 1º princípio: conhecer as condições da sociedade para a qual está a fazer a Constituição.

3. Assembleia legislativa (ideal). 2º Princípio > distribuição equitativa de oportunidades e de riqueza. Uma sociedade justa é aquela que garante uma igualdade de oportunidades equitativa e uma distribuição equitativa do rendimento e da riqueza. O véu de ignorância está parcialmente levantado > conhecer a sociedade para a qual legislam.

4. Aplicação do sistema de regras a casos concretos. O véu de ignorância está totalmente levantado. É neutro porque as regras já estão definidas anteriormente. Os tribunais e a administração pública é que aplicam estas regras.

Primado do 1º princípio da justiça em relação ao 2º (primado da constituição). (V. “Uma Teoria da Justiça”, Rawls, p. 221)

A estrutura básica não é apenas o sistema de regras formais, mas como esse sistema funciona na prática. Muitas vezes a sociedade não é justa porque a aplicação das regras falha. Tem que existir um sistema de regras e o funcionamento efectivo dessas regras na sua aplicação, senão caímos no Juridismo, isto é, atribuir maior importância às regras formais do que à sua aplicação a casos concretos.

Mesmo numa sociedade bem ordenada segundo a justiça pode haver injustiças; não impede em absoluto a existência de injustiças. A estrutura básica é o sistema de justiça processual imperfeita > pode haver resultados que não seja aquilo que se pretende.

Na sua obra “Liberalismo Político”, Rawls defende que numa sociedade aproximadamente justa haverá sempre um pluralismo doutrinal, pois há as liberdades básicas. A Constituição protege as liberdades básicas. Para entendermos o constitucionalismo moderno temos que recuar até ao séc. XVI (Reforma) em que existia um pluralismo doutrinal religioso.

“Consenso de sobreposição”(modelo ideal)

Cepticismo Ateísmo humanista

Concepção de justiçapara a estrutura básica

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Iluminismo moderado Doutrina Protestante Catolicismo TradicionalA concepção de justiça concebe sobreviver perante este pluralismo doutrinal? É possível

constituir uma visão consensual a partir do pluralismo. Cada uma das diferentes posições doutrinais pode vir a apoiar a concepção de justiça a partir das razões de cada doutrina mas que não são em si mesmos coincidentes. Para que haja um consenso de sobreposição é necessário que em primeiro lugar haja um consenso constitucional.

Esta concepção é institucionalista; direccionada para as instituições. A teoria da justiça é processual (aplica-se a instituições), por outro lado admite-se o carácter imperfeito da teoria processual. Uma teoria justa poderá ser estável ao longo do tempo dependendo como ela gere o pluralismo que nela existe. É necessário que haja independência quer das teorias quer das instituições das doutrinas abrangentes.

O princípio de utilidade não é egoísta mas altruísta, pensar na maximização do bem-estar social. É um princípio super-rogatório > exige demasiado de nós.

Rawls justifica a concepção de justiça com a posição original.

A visão utilitarista como contraposta à concepção rawlsiana

Contraposição dos princípios de utilidade em relação aos princípios de justiça.Utilitarismo > Escola/ corrente de pensamento no séc. XVIII com grande importância e

influência em aspectos políticos, filosóficos, económicos, jurídicos e sociais. O fundador foi Jeremy Bentham, pensador inglês do séc. XVIII. Bentham estava interessado não apenas nos aspectos teóricos do utilitarismo mas também nos aspectos práticos. Ligado à formação da Universidade de Londres. O pensador mais famoso seguidor de Bentham é John Stuart Mill (séc. XIX), que reflectiu muito sobre o Governo, Economia Política. O primeiro a teorizar sobre a igualdade de direitos ente homens e mulheres. Outros pensadores utilitaristas: Henry Sidgwick (séc. XIX); John Harsanyi (séc. XX); Peter Singer (utilitarista mais famoso actualmente).

Ideia central: o guia fundamental para a acção individual e política é o Princípio de Ultilidade. Formulação deste princípio: “Maximizar o bem-estar”. Princípio muito concreto, não recorre a ideias muito abstractas (como a Justiça, Direitos Humanos, Igualdade...) tem em conta o bem-estar dos indivíduos na sociedade.

Princípio racional, pois não desvia a atenção para outros princípios, centra-se naquilo que convém a indivíduos racionais: o seu bem-estar. O princípio é prático porque podemos aplicá-lo a qualquer acção que empreendemos quer do ponto de vista individual quer social. Uma acção que conduza a uma maximização do bem-estar. Este princípio diz-nos o que devemos fazer. Sendo aparentemente simples, precisamos de o esmiuçar.

O que significa “bem-estar”? É difícil de definir. Os utilitaristas estão de acordo quanto ao princípio, mas não quanto ao modelo de interpretar “bem-estar”. Duas interpretações: Utilitaristas clássicos (Bentham, Mill): bem-estar = felicidade. “A maior felicidade para o maior número” (Bentham). Deve-se maximizar a felicidade, que é a existência de prazer e ausência de dor. Todo o tipo de prazeres e todo o tipo de dores. Bentham e outros fazem uma interpretação hedonista da felicidade. Esta concepção não é muito habitual na História do Pensamento (já antes com Epicuro, gregos, havia uma ideia hedonista). Mill, sendo autor que se enquadra na mesma interpretação de “bem-estar”, faz uma correcção a Bentham, ao distinguir prazeres inferiores/prazeres superiores. Todo o indivíduo que conheça todos os prazeres escolhe os prazeres superiores, que estão ligados ao intelecto, altruísmo, prazeres de índole mais espiritual. Introduz uma espécie de rectificação valorativa da interpretação hedonista de felicidade. É uma concepção mais elitista.

Esta concepção utilitarista é eudaimonista (interpretação da felicidade como bem-estar) hedonista.Os críticos do Utilitarismo costumam confrontar os utilitaristas com exemplos muito

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desfavoráveis, um deles é o da “máquina das experiências”. Imaginar a proposta: há uma máquina que ao ligar os indivíduos a ela permite dar todo o tipo de prazeres e ausência de dores. Aceita ser ligado a esta máquina até ao fim da sua vida? As pessoas não estão apenas interessadas numa felicidade hedonisticamente entendida; podem estar interessadas em fazer algo que implica dor mas que também pode dar algum prazer. As pessoas preferem outra coisa.

Outro exemplo similar é o da “água de consumo público”. Alguém colocava uma substância na água que traria felicidade. Abria-se a torneira, bebia-se um copo de água e tínhamos felicidade. A sociedade aceita isto? Não. Os indivíduos querem estar independentes da água, querem decidir por si mesmos e não estarem dependentes.

Para suplantar estas dificuldades, os utilitaristas contemporâneos têm uma interpretação diferente do bem-estar. Bem-estar é entendido como satisfação das preferências ou desejos individuais (racionalmente1 informados2). Procura-se escapar ao elemento de experiência subjectiva. Felicidade como algo que os indivíduos querem. Definição mais objectiva do que é o bem-estar. Pode-se tentar aferir se vai ao encontro das expectativas/desejos dos indivíduos.

Há quem diga que há preferências bizarras mas que são racionalmente informadas (ex.: sádico).

Exemplo da “Maoria Fanática”. Sociedade na qual há uma maioria fanática que considera que as minorias religiosas devem ser torturadas e perseguidas. Como era uma maioria, o saldo seria positivo.

Exemplo do “Circo Romano”. Em Roma, no Circo, recinto com capacidade para 100.000 espectadores, lançavam-se pessoas às feras. Não é utilidade para quem é comido, mas há utilidade para 100.000. O utilitarismo poderia defender algo que parece indefensável.

Como sair deste tipo de objecções? Introduzir alguma objectividade no tipo de preferências ou desejos. Há preferências que devem ser postas de parte. Fazer uma lista de preferências que sejam objectivas sem carácter social. Excluir desejos que tenham utilidades negativas.

O Utilitarismo implica que o “bem estar” seja resultado dos nossos actos > é um consequencialismo. O que importa é gerar as melhores consequências na sociedade (consequências em termos de bem-estar). Significa que as intenções não importam; o que importam são as consequências que produzimos.

Dos actos (1)

Dois tipos de utilitarismo consequencialista

das regras (2)

1.Aquilo que devemos fazer é aplicar directamente o princípio de utilidade a cada um dos nossos actos. No próprio acto pensa-se se esse acto produz ou não consequências de bem-estar. Actos que contribuam para o bem-estar. O melhor acto é o que tem consequência de maior bem-estar. É rigorosamente anti-deontológico > as regras não têm importância (nem os códigos morais nem os códigos legais). O que interessa é saber se um acto produz maior bem-estar ou não.2.Procura uma maior compatibilização com a deontologia. Não devemos aferir cada acto individual, mas aferir sistemas de regras e perguntar-mo-nos se estes levam ou não a uma maximização de bem-estar.

A maior parte dos utilitaristas são utilitaristas dos actos, menos o que aparece em 4º lugar. É o utilitarismo mais puro dos actos.Exemplo da “Bomba Relógio”. Permite distinguir os dois utilitarismos anteriores. A polícia captura um terrorista que colocou uma bomba relógio. O relógio anda e aproxima-se a explosão. Está

1 Mas há indivíduos que têm preferências irracionais/bizarras.2 Os indivíduos estão informados sobre o assunto pelo qual vão fazer uma escolha. A publicidade serve para distorcer.Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro

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programado e não se pode evacuar a cidade. A polícia pergunta ao terrorista onde está a bomba, podendo-se evacuar algumas pessoas. Como deve ser feito o interrogatório? Deve-se torturar se ele disser que não diz nada? Se pensarmos do ponto de vista do utilitarismo dos actos pode-se fazer utilidade negativa para salvar pessoas; não importa o que está escrito nos códigos, mas pensa-se acto a acto. Se for pelo das regras, penso “a tortura é proibida em qualquer circunstância”. Aqui, a polícia decide-se pelas regras.

Aula de 28 de OutubroO princípio de “maximizar o bem-estar” é, para os utilitaristas, num princípio prático,

simples. A última aula foi dedicada a abordarmos a expressão “bem-estar”. Versão Benthamiana (felicidade como promoção de qualquer prazer) e Miliana (felicidade como promoção de alguns prazeres).

O consequencialismo é uma característica fundamental do utilitarismo. As intenções não importam, importam as consequências em termos de maximização de bem-estar. O utilitarismo mais puro é o dos actos.

O Utilitarismo é uma visão muito voltada para o futuro e tem que gerir/lidar com probabilidades. Tem que pensar com as consequências prováveis da minha acção.

Maximizar > foi inventada esta palavra por Bentham. Gerar o máximo possível de bem-estar. O princípio de utilidade é sempre maximizante, não se deve dizer, deve-se promover/criar o bem-estar, mas sempre numa ideia de maximização. Promover não só o bem-estar, mas o maior bem-estar possível.

O Utilitarismo tem uma lógica agregativa. Não está muito preocupado com o modo como o bem-estar é distribuído, mas sim com a sua maximização geral. Há uma certa insensibilização ao modo como ele é distribuído por cada um dos indivíduos. Podemos fazer uma espécie de aritmética utilitarista, se o saldo é positivo ou negativo. A utilidade total depende do número da população; o que interessa é a utilidade média. O que importa é o PIB per capita. O princípio maximizante do utilitarista é o princípio agregativo.

Os críticos do utilitarismo acham fraco este aspecto do agregativo. Há sempre esta tendência aritmética > somar utilidades positivas e negativas.

Políticas do Utilitarismo:O utilitarismo parece funcionar melhor para o legislador, para quem tem o poder, do que

para cada indivíduo em sociedade, na sua vida privada. O princípio utilitarista funciona como um guia.

Quais as políticas favorecidas pelo princípio do utilitarismo? Tem que se ver caso a caso.O princípio de utilidade influenciou o chamado “Estado de bem-estar”, do Welfare State. As

políticas de saúde, educação, de distribuição de riqueza identificam-se com o princípio de utilidade.A teoria das penas reserva uma lógica de justiça retributiva. A pena seja equivalente àquilo

que a pessoa fez. A utilidade juntou-se à justiça retributiva. Uma pena utilitarista pretende evitar males maiores e repreender quem praticou o acto. A lógica utilitarista teve uma grande influência nas penas > corrigir e recuperar aqueles que praticaram os males para a sociedade.

Grande influxo do utilitarismo nas normas do tratamento dos animais contemporaneamente. Quais são os indivíduos susceptíveis de bem-estar ou mal-estar? Os que são susceptíveis de dor e prazer e os que têm preferências. Peter Singer tem uma obra intitulada “Libertação Animal”.

O princípio de utilidade não é tão definido como os princípios de Justiça de Rawls, não nos dá uma orientação absoluta.

Há uma grande diferença partir do princípio de utilidade ou do princípio de justiça.Justiça Utilitarismo

É necessário encontrar o padrão de debate entre estes dois princípios.O princípio de justiça enunciam algo, que é inegociável; princípios de direitos e deveres que

são inegociáveis.

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Temos que ver se estamos a gerar as consequências maximizadas do bem-estar. Não há regras absolutas, não há obrigações absolutas. Tudo tem que ser aferido pela capacidade de gerar condições úteis.

Os partidários do princípio de justiça centram-se na justiça em si. Os utilitaristas dizem que o que defendem não é muito diferente daquilo que defendem os da justiça. Para os utilitaristas isso não tem um valor absoluto, mas consoante o bem-estar que provoca. Os defensores da justiça dizem que ainda que os resultados do princípio de utilidade possam ser aproximados, os raciocínios que estão por detrás são diferentes. Para os utilitaristas, os que têm o poder não podem estar presos aos princípios da justiça. Os da justiça respondem que isso pode levar a que o decisor político coloque alguns numa situação desfavorável.

Aula de 4 de Novembro

O Utilitarismo tem uma aplicação política porque pode levar à justificação de um Estado Democrático e Social? Em que se distingue a perspectiva de utilidade da de justiça? Com a justificação última quer nos padrões de utilidade quer nos padrões de justiça. Para os partidários da justiça, o utilitarismo pode cair num plano escorregadio. Para os utilitaristas, os princípios da justiça são determinadamente fixos.

Os defensores da justiça nunca estão contentes com os defensores da utilidade e vice-versa, embora ambos possam levar a um Estado Democrático e Social. Perspectiva utilitarista = em última instância, o que conta é a maximização da utilidade.

No capítulo V, Mill explicita o princípio da utilidade. Como é que um utilitarista encara a questão da justiça. Problema de que parte: a ideia e linguagem da justiça são poderosas. Muitas pessoas pensam que a justiça é a mais importante que a utilidade. Para um utilitarista, a linguagem de justiça tem é um obstáculo. Reflexão sobre os diferentes usos do conceito de justiça. Mill está preocupado com a justiça individual; os indivíduos na sua própria conduta. Percorre as diferentes acepções de justiça (pp. 85-88).

Qual é o vínculo mental entre estas diferentes acepções? A justiça está sempre associada a direitos e às obrigações de respeito a esses direitos.

(Pg. 91) > Justiça

Obrigações perfeitas Obrigações imperfeitas(ligadas a direitos)

Obrigação que nunca admitem excepçãotem excepção quando se trata de (ex.: dar esmola a um pobre)respeitar os direitos dos outros(ex.: não matar, não violar...)

Direitos definidos pela lei moral e também obrigações e direitos que decorrem da nossa conduta.

A origem do “sentimento de justiça” não é a justiça em si mesma, mas é a preservação do bem geral em relação àquilo que o pode ameaçar. A razão pela qual actuamos em respeito pela justiça não é a justiça em si mesma, mas a maximização da utilidade. A justiça não tem uma justificação independente, mas corresponde a uma justificação do bem-estar.

(P. 104) A escala que mede a justiça é a própria utilidade. Pode haver circunstâncias nas quais por razões de utilidade devemos passar por cima da justiça. Utiliza-se a linguagem da justiça

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mas o que está por detrás são os cálculos de utilidade.O que nos leva a respeitar a justiça e a cumprir as nossas obrigações perfeitas é o princípio

de maximização do bem-estar. O que justifica a justiça é a utilidade e não a justiça em si mesma.

3. O PENSAMENTO LIBERTARISTA baseado na ideia de “propriedade de si mesmo” (ROBERT NOZICK)

Bibliografia:Rosas, João Cardoso, Introdução à obra de Nozick in Anarquia, Estado e Utopia,

Lisboa, Ed. 70, 2009.ABRANCHES, Alexandra, Robert Nozick in J. C. Espada e João Cardoso Rosas

(org.), Pensamento Político Contemporâneo, Lisboa, Bertrand, 2004.

A concepção libertarista também pode ser considerada uma concepção de justiça. Em Nozick encontramos um anti-utilitarismo igual ou tão superior como a de Rawls; mas esta concepção de justiça é totalmente diferente da de Rawls. A concepção rawlsiana é mais standard, é a que mais identificamos com a Justiça. Mas a de Nozick é diferente da de Rawls quer na sua concepção filosófica quer nas suas consequências políticas.

Nozick parte da sua concepção de justiça libertarista de que cada indivíduo é proprietário de si mesmo, não é propriedade de ninguém.

Cada um de nós é proprietário do seu próprio corpo mas também do uso que cada um faz dele. A ideia de auto-propriedade serve como fundamento para os direitos individuais (vida, liberdade de fazer o que se quiser consigo mesmo, à propriedade). Direitos individuais que decorrem naturalmente da auto-propriedade de cada um. São direitos pré-políticos e absolutos. Nozick chama a estes direitos “restrições” porque estes direitos indicam o que os outros não nos podem fazer; estabelecem uma espécie de barreira. Esses direitos são uma protecção absoluta de todos e de cada um dos indivíduos. Agir por respeito da auto-propriedade e dos direitos individuais. Rawls parte da noção de justiça para os direitos; Nozick parte imediatamente dos direitos > carácter anti-utilirarista. Os direitos individuais nunca podem ser violados. Os indivíduos podem até vender-se a si mesmos como escravos. O que é proibido fazer-se é que alguém venha tirar algo nosso sem o nosso consentimento.

Qual a estrutura que melhor protege os direitos individuais? Uma 1ª hipótese: Anarquia > não é necessário o Estado. O Estado por ter o monopólio da

coercibilidade pode atentar contra os direitos individuais. Nozick pensa esta questão, mas não é a anarquia que defende. Defende um Estado com características específicas > Estado Mínimo ou Estado Guarda Nocturno, que tem funções muito restritas e é um estado limitado às funções de protecção quanto ao uso abusivo da força, roubo, fraude e incumprimento dos contratos. Não faz mais nada para além disto; é um estado anti-activista.

Um Estado mais extenso do que o Estado Mínimo não será melhor? Vai pensar o que é o Estado Social e suas consequências e vai argumentar que o Estado Mínimo é preferível ao Estado Social.

Comparação entre Anarquia e Estado MínimoNozick convida-nos a pensar como seria a vida humana com a ausência do Estado

recorrendo à noção de Locke (Contratualista) de “Estado Natureza”. Mas pode haver quem, neste Estado, atente contra os direitos dos outros. No Estado Natureza não há a quem recorrer. Locke: fazer justiça pelas próprias mãos > direito de executar justiça natural. Perseguir os criminosos, obter recuperação deles e puni-los. Em Estado Natureza não há protecção assegurada dos direitos. O Estado Natureza é um Estado inseguro e desconfortável. Um anarquista pensa que a fonte de instabilidade é o Estado Político. Nozick aceitaria a anarquia se protegesse, de facto, os direitos, mas ele vê que não há ninguém a quem recorrer para proteger os direitos individuais. Como é que o

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Estado Natureza evoluiria para superar esta instabilidade?

Aula de 5 de NovembroEsses direitos são tão fortes que são restrições aos outros daquilo que nos podem fazer. Cada

indivíduo é tratado como um “fim em si mesmo” (Kant). Uma das fórmulas do Imperativo Categórico é esta fórmula do “fim em si mesmo”. Nenhum indivíduo deve ser tratado como meio para atingir fins; os indivíduos não devem ser instrumentalizados.Depois de colocar a questão Anarquia-Estado Mínimo, questiona se um Estado mais extenso ou Estado Mínimo. O Estado Natureza é um Estado onde não há Estado como organização política; não é Estado Político. Formado por indivíduos com as suas propriedades; isto é, contra-factual, isto é, temos que fazer uma ideia abstracta. Quando os direitos são isolados não há quem recorrer. Há o Direito Natural a executar a justiça social. Gera insegurança porque não há identidade a quem recorrer, que possa terminar as disputas entre os indivíduos.

Hoje, o Estado Natureza é uma espécie de camada que está aflorida. Significa que o Estado Político não está a funcionar bem.

Num segundo momento, deixaríamos o Estado Natureza e formaríamos Associações de Protecção Mútua. Os indivíduos organizam-se com vista a assegurar a sua protecção (grupos de vizinhos, amigos e haveria grupos para garantir a protecção desses membros dos grupos).

Na terceira fase, as associações de protecção mútuas tornam-se empresas.Há um princípio económico que impulsiona isto: princípio da divisão do trabalho. Os

indivíduos não podem estar continuamente a zelar a protecção mútua, têm que produzir, trabalhar. Então, há indivíduos que se especializam na protecção > empresas. Os indivíduos têm que contratar empresas para terem protecção; estas empresas são privadas, não há Estado, não há polícias. O grande negócio das máfias é a protecção (sul da Itália). Este negócio prospera porque não há Estado Político.

Agência de protecção dominante. A empresarialização ainda não basta para garantir os direitos de protecção dos indivíduos. Não há uma segurança adequada. Há uma lógica económica que leva à concentração do negócio > agência de protecção dominante. Em cada zona há uma agência de protecção. Há um deslizamento natural da fase 3 para a fase 4. capacidade maior de garantir direitos individuais.

Continua a ser uma empresa privada que tem clientes, mas há também os independentes, os que não são clientes. Estes independentes são um foco de instabilidade.

Há um 5º momento, em que a agência de protecção dominante declara o “monopólio da violência autorizada” - expressão utilizada por Max Weber. Anuncia a todos, clientes ou não, que não vai tolerar violência por parte dos independentes aos seus clientes. Condiciona publicamente a acção dos independentes.

Estado ultra-mínimo > já é uma entidade pública que anuncia que vai punir quem usar de violência. Monopólio do Estado de “violência autorizada”. As forças políticas são garante. O Estado tem que ter o monopólio.

A agência de protecção dominante não apenas o monopólio da violência autorizada mas também a protecção de todos num dado território. A agência de protecção dá protecção aos próprios independentes, deixa de haver independentes. A agência tem essa jurisdição num determinado território. Há um mecanismo de estabilizar a sociedade e há uma razão moral: a agência de protecção além de limitar a acção dos independentes tem a obrigação também de lhe dar protecção.

Estamos diante de um Estado Mínimo. É esta agência que tem a responsabilidade última da nossa segurança.

Todo este argumento pára aqui. O Estado Mínimo tem todo o poder necessário para assegurar a protecção de todos. É mínimo porque tem apenas como função proteger os indivíduos e os seus direitos. Não tem nenhuma função distributiva. Para garantir os direitos individuais não precisa de arrecadar recursos para depois os distribuir. Precisa de arrecadar alguns impostos, mas

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poucos. Para funcionar é preciso polícias, forças armadas, tribunais e prisões. Não é necessário escolas, hospitais, segurança social.

Estado Mínimo = assegura os direitos individuais, mas não tem função distributiva.Nozick sabe que a criação de um Estado mais extenso implica a mobilidade dos recursos da

sociedade; tirar a uns para dar a outros. É legítimo o Estado fazer isto? Nozick elabora a Teoria da Titularidade (das posses), que tem três aspectos:1.Justiça na aquisição2.Justiça nas transferências3.A Rectificação

Será legítimo que o Estado interfira nas posses de alguns para fazer essa distribuição? As posses de cada um donde vêm?

1. Aquisição de algo que anteriormente não pertence a ninguém. Existe direito a possuir essa terra que não pertence a ninguém, simplesmente tem que cumprir uma “cláusula lockeana”. Locke já tinha pensado neste problema da aquisição; os indivíduos têm direito a adquirir, mas desde que deixem o mesmo e igualmente bom para os outros. Nozick usa esta cláusula e interpreta-a de forma diferente: a melhor forma de formular a cláusula é permitido apropriar desde que os outros não fiquem pior por causa dessa aquisição. Esta é a mais adaptada aos tempos contemporâneos, pois já não existe terra por possuir, mas há outras coisas (petróleo, patentes, gás natural).

Locke tem uma perspectiva teológica: a natureza é de todos, dada pelo Criador. Nozick diz que a “a natureza não é de ninguém”. É uma forma subtil de dizer. A cláusula lockeana é uma cláusula nozickeana.

Não é uma cláusula muito exigente, mas para Nozick é suficiente para justificar a aquisição.2. A maior parte das nossas aquisições vêm por transferências (doações, heranças...) Para

Nozick, é justo transferir qualquer posse sem o uso da força ou roubo, qualquer transferência é legítima. Eles têm o justo título daquilo que possuem.

3. Ninguém tem direito à posse de algo excepto por aplicações repetidas da justiça na aquisição e da justiça nas transferências. Sendo assim, se houver alguma injustiça na transferência terá essa injustiça que ser rectificada, tem que ser indiminizado.

Aula de 11 de NovembroA Justiça, para Nozick, é definida com base nos direitos. A melhor estrutura básica que

melhor protege os direitos individuais é o Estado Mínimo.Se vivêssemos em Estado Natureza, haveria um deslizamento natural até chegarmos ao

Estado Mínimo. Este Estado é melhor não só por razões morais, mas também por razões práticas de estabilização da sociedade. Função protectora dos direitos, mas sem função distributiva em sentido lato.

Nozick quer mostrar-nos que a mobilização de recursos para a construção do Estado Social não é legítima. É uma interferência ilegítima do Estado (ver Teoria da Titularidade). Se houve alguma injustiça na aquisição ou transferências deve fazer-se rectificações.

Existe uma distribuição das posses feita pelos milhões e milhões de transferências e contratos entre os indivíduos e não pelo Estado.

A Teoria da Titularidade é uma teoria histórica > as posses são legítimas porque dadas na história, mas deixam de o ser sob algum acto ilegítimo no passado. É uma teoria que olha não para aquilo que temos diante dos nossos olhos, mas para o passado e se não houve nenhuma injustiça, então serão legítimas as posses de cada um.

Esta teoria é diferente das teorias de resultado final (ou como diz Nozick “teorias teleológicas”, por exemplo, o utilitarismo (1); Nozick que a “Justiça como equidade” de Rawls é teleológica (2)).

(1) Basta pensar que é consequencialista; preocupado com o resultado que se possa obter.

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Resultado projectado para o futuro > maximização do bem-estar. Não é lícito para uma teoria histórica fazer redistribuições para maximização do bem-estar. Estamos a tirar das posses de alguns para maximizar o bem-estar de todos.

(2) Para Rawls, a sua teoria é deontológica. Mas Nozick diz que Rawls também está a contribuir para uma distribuição equitativa (2º Princípio da Justiça). Também será uma teoria de resultado final.

Para Nozick, os recursos têm proprietários, não estão aí disponíveis para todos. Eu ir mexer com essas posses é ilegítimo desde que essas posses não fossem adquiridas de modo injusto.

Teoria da Titularidade # teorias padronizadas (teorias tradicionais da justiça). Aqueles que dizem que cada um receba segundo um padrão moral. Ex.: “A cada um segundo o seu mérito”; “A cada um segundo a virtude”.

A sua teoria da titularidade é contrária à existência, ao uso de padrões. A distribuição não deve ter a haver com determinados padrões. Não é legítimo que o Estado faça distribuições consoante determinados padrões. As distribuições das posses não têm nada a haver com a virtude ou com o mérito, mas com o que aconteceu no passado. Não significa que as noções de virtude ou mérito não possam ser usadas dentro das instituições da sociedade (ex.: empresas).

Argumento “Wilt Chamberlain” (melhor jogador de basket e marcador). Nozick faz um argumento imaginado a partir desta vedeta. Wilt antes do início da temporada faz um contrato com a equipa com a cláusula: deverá receber 0,25€ por cada espectador que veja o jogo. É aceite esta cláusula e para tornar ainda mais claro este contrato, na própria bilheteira deve haver uma caixa com o nome de Wilt e a pessoa põe 0,25€ para o jogador. Cada espectador voluntariamente escolhe comprar o bilhete e dar 0,25€ para a vedeta. Conclui-se que no final da época houve um milhão de espectadores, então terá que receber 250.000 dólares, que lhes deverá ser entregue. Ele tem direito? Sim. Porque os contratos são muito explícitos. Passado pouco tempo, há o Estado que, através da DGCI, quer receber uma percentagem daquilo que ganhou. Segundo o que o Estado está a fazer, segundo Nozick, é um roubo sobre a forma de trabalhos forçados. O Wilt esteve a trabalhar cerca de metade do seu tempo para o Estado e não para si mesmo. É como se o Estado estivesse obrigado Wilt a trabalhar para si. Para Nozick, os impostos sobre os rendimentos são ilegítimos. Nozick gostaria que o Estado dos EUA fosse ainda mais extensivo. O livro de Nozick é de 1974 e foi Prémio do Livro nos EUA.

Outro exemplo. D1 é uma distribuição estritamente igualitária. Todos têm a mesma quantidade de barras de ouro. Deixe-se passar por algum tempo. Todos combinamos encontrar-mo-nos para fazer um jantar > D2. No momento D2 a distribuição igualitária? Não. Aconteceram uma série de transferências neste tempo. Estas transferências foram legítimas. Houve alguns que pegaram nas barras de ouro e guardaram, outros investiram.

Qualquer Estado mais extenso interfere na própria liberdade dos indivíduos; não protege os interesses individuais mas põe-nos em causa; é um Estado legítimo. A justiça de Nozick consiste num Estado Mínimo a proteger os direitos.

Seria um Estado com funções básicas que não providenciaria nem saúde, nem educação. Um Estado no qual cada indivíduo poderia fazer consigo o que quisesse. É um Estado radicalmente anti-paternalista; os indivíduos podem associar-se como quiserem desde que respeitem o Estado Mínimo.

O Manual diz que há outras formas de libertarismo além do de Nozick que é “Libertarismo Fundamental”. Há também o “Libertarismo instrumental” (Hayek). É um libertarismo ligado à economia. O Estado deve ser mínimo porque a intervenção dele é sempre negativa para o bom funcionamento do Mercado. Quando o Estado interfere nesse mecanismo de preços, está a tornar o mercado pior. Defesa do mercado livre = Estado Mínimo.

Aula de 12 de Novembro

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Hayek ainda defende um “Safety net”. Nozick não defende isto, pois o Estado iria interferir nas posses individuais.

Justiça como equidade

Libertarismo baseado na auto-propriedade

Utilitarismo

Para Rawls, cada indivíduo está protegido através dos direitos que decorrem da justiça. Considera que o utilitarismo não leva suficientemente a sério cada indivíduo na sua individualidade.

Nozick acha que o utilitarismo usa os indivíduos como isntrumentos para a maximização do bem-estar. É no 2º princípio de Rawls que, para Nozick, não é tida em conta a individualidade. O carácter distributivo leva a instrumentalizar alguns. Do ponto de vista de Nozick, os instrumentalizados são os que estão melhor; colocar os mais favorecidos em favor dos menos favorecidos.

Rawls é um utilitarista encapotado. Há um resquício utilitarista que está no facto de que alguns são instrumentalizados para um bem-estar geral.

Nozick é crítico do princípio da igualdade de oportunidades, mas também do princípio da diferença. Nozick admite que os indivíduos não sejam moralmente responsáveis pelas suas características, mas esses talentos são propriedade de quem os tem, embora não os mereçam. Cada indivíduo deverá obter as vantagens económicas que advêm desses talentos. Segundo Nozick, Rawls considera que os bens e os talentos dos indivíduos são bem colectivo.

Rawls diz que os indivíduos desenvolvem os seus talentos porque vivem em cooperação social.

Nozick está de acordo com Rawls quando critica o utilitarismo, mas considera que o próprio Rawls tende em alguns aspectos mais utilitaristas. Rawls está preocupado com os menos favorecidos e Nozick com os mais favorecidos. Nozick > individualismo radical.

No capítulo sétimo, há uma clara argumentação de Nozick contra um Estado mais extenso e contra a ideia de que o Estado deva distirbuir.

4. A CONCEPÇÃO COMUNITARISTA e PLURALISTA de MICHAEL WALZER

Comunitarismo # IndividualismoEstas concepções desenvolveram-se como crítica ao individualismo das outras concepções

(ex.: Nozick, Rawls, Utilitarismo). A ideia de que cada indivíduo é proprietário de si mesmo é inaceitável.

No 1º princípio de Rawls há um grande individualismo. Rawls pretende um equilíbrio entre princípios mais individualistas e princípios comunitaristas. Muitos dos comunitaristas não têm grandes objecções ao 2º Princípio de Rawls.

Para os utilitaristas, o que está em causa é o indivíduo. O utilitarismo parte da ideia de liberdades individuais.

Os comunitaristas defendem a “Tese Social”, isto é, o indivíduo não existe; o que existe é a comunidade. O que chamamos indivíduo é uma função da comunidade. Há argumentos psicológicos e sociológicos alusivos a este comunitarismo. Como é que as crianças desenvolvem o seu “eu”? Em interacção com os outros. O eu forma-se por oposição aos outros. Do ponto de vista

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psicológico, o indivíduo não existiria sem a sociedade. As nossas características individuais têm muito a haver com a sociedade onde nos contextualizamos.

Michael Sandel, em “O liberalismo e os limites da Jusiça”, critica os individualismos, mas sobretudo a sua crítica incide sobre Rawls, talvez por compreender que esta é mais sofisticada e equilibrada. Existe no pensamento dos individualistas uma visão errada da Pessoa, que era um ser descontextualizado, como alguém que escolhe livremente os seus fins e acções; alguém puramente voluntarista faz opções comandadas pela sua própria vontade. Cada Pessoa é definida pelo seu contexto. É o contexto que define a Pessoa. Os fins e ligações de cada pessoa são parte integrante daquilo que ele é, não são algo exterior. Algo interno que veio com o próprio processo de socialização. Nós compreendemo-nos através de processos de auto-consciencialização. Não nos criamos a nós próprios; compreendemos aquilo que já somos. Concepção da Pessoa anti-individualista e comunitarista.

Pensamento de Michael WalzerA Justiça é algo de variável em função da sociedade que queiramos conhecer. É sempre a

criação de uma comunidade específica num dado espaço e num dado tempo. Pensar a Justiça a partir desse contexto. Pensar a justiça em função de cada comunidade política específica.

Corolários desta ideia geral:1. Os bens a distribuir são sempre bens sociais e variam consoante cada sociedade. Não há

concepções de bens universais. As concepções são diferentes.2. Os critérios de distribuição dos bens são sociais. Dependentes do modo como cada

sociedade interpreta esses bens.3. As próprias identidades pessoais advêm do modo como os bens são possuídos e

utilizados.Temos que aceitar que o mundo está dividido: Estados, que são comunidades políticas

separadas por fronteiras. Existem comunidades distintas com diferentes concepções de Justiça; não há uma comunidade global.

Aula de 19 de NovembroComunitarismos opõem-se a todos os individualismos. Este modo de pensar não é próprio

da contemporaneidade, mas já no séc. XIX se econtram ideias comunitaristas (ex.: Marx, Hegel). Não estamos preocupados com as anteriores mas com as correntes contemporâneas. Começa muito com o contributo de Sandel e outros.

Teoria Comunitarista e pluralista de WalzerÉ comunitarista porque o seu ponto de partida é cada comunidade política concreta. Os

Estados são as comunidades políticas (antigamente podiam ser Impérios, Cidades-Estado). Em cada comunidade política há um conjunto de bens e são variáveis de comunidade para comunidade. Não há um bem dominante (bem-estar, bens sociais primários...) Cada comunidade política escolhe os seus bens. É importante o conceito de fronteiras, pois têm uma papel importante. “Os bons muros fazem os bons vizinhos” > “As fronteiras fazem as comunidades políticas”.

É pluralista porque em todas as comunidades políticas existe uma pluralidade de esferas da justiça > pluralismo esférico. Esferas da justiça > são os diferentes bens que são valorizados juntamente com os critérios próprios da sua distirbuição.

Ex.: a esfera do dinheiro > existem critérios próprios para a distribuição do dinheiro consoante o mercado económico.

Alguns exemplos de esferas:

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qualidadeesfera de Poder dinheiroda cidadania membro Político

Previdência(Provsião

social) etc..

Mas há residentes legais, ilegais ou temporários.Todas as sociedades são pluralistas porque têm várias esferas que são independentes umas

das outras. Todas as sociedades têm esferas (pluralismo esférico).Vamos percorrer algumas esferas da justiça mais importantes:

Qualidade de membro > cada comunidade política define os critérios da qualidade de membro. É logo a primeira definição, ver quem pertence e quem não pertence. Acutalmente, são dois os critérios jurídicos para aceder a esta qualidade: o sangue (jus sanguinis) e o território (jus solis). Cada comunidade política combina cada um destes de forma diferente. Há comunidades que dão maior peso ao sangue e outras ao território. Por exemplo, os EUA dá importância ao território. Na Alemanha era mais importante o princípio do sangue.Walzer faz analogia com um Clube. Um Clube para ter novos membros define os seus critérios.O que não é muito correcto é que uma comunidade deixe entrar muita gente e depois não haja plena integração.Este é o primeiro bem que uma comunidade política pode distribuir e é uma qualidade muito procurada.Previdência (provisão social) > cada sociedade deve prover para todos os seus membros > provisão comunitária. Aquilo de que todos os membros necessitam. Em cada comunidade aquilo de que necessitam pode ser diferente (ex.: Saúde; Ginásio, que a polis tinha que criar e manter para a sua população). Educação > há sociedades que valorizam mais outras menos; educação formal (escola). Em Portugal, acesso a todos a nível de educação básica; no superior já não é: há o critério numerus clausulus (mérito) e o critério económico. Dinheiro > na nossa sociedade, o dinheiro distribui-se no mercado, mediante compra e venda de mercadorias. O que o dinheiro pode ou não comprar? O dinheiro é moeda de troca. Cada sociedade decide o que o dinheiro pode comprar e o que não pode comprar, a que Walzer chama “trocas bloqueadas”. A “troca bloqueada” é o ser humano (vender humanos, a vida humana).

Poder político Justiça Penal Casamento Indulgências (não eram consideradas no passado)

No passado, havia mesmo quem comprasse o Serviço Militar; hoje já não é permitido. Em cada sociedade há certas coisas que o dinheiro não deve comprar, o que não quer dizer que efectivamente essas coisas não sejam compradas. Parentesco e amor > na nossa sociedade há uma escolha individual do amor e da formação da família, mas noutras sociedades há entendimentos diferentes sobre isto. Graça divina > cada comunidade tem uma concepção ou várias sobre a distribuição da graça divina (ex.: Reforma Protestante) Poder Político > esfera particularmente importante porque condiciona as outras esferas. Como distribuímos o poder político em Portugal? Voto > controlo democrático. Outros critérios poderiam

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existir: o critério do mais forte (critério maquiavélico); critério da hereditariedade); no Irão actual quem tem mais graça divina tem também poder político.

O que é fundamental é que cada sociedade respeite o seu próprio critério. Como deve ser a Justiça? A Justiça consiste na manutenção das esferas plurais que a compõem e no respeito pelos critérios próprios de distribuição. Há uma frase muito walzeriana: “entendimento partilhado”.

O problema central da injustiça: em algumas sociedades há esferas que tendem a ser predominantes e a sair deste pluralismo esférico. A plutocracia é um regime no qual o dinheiro serve para comprar o poder político (proximidade entre as esferas do poder político e do dinheiro). Cleptocracia > Estado organizado apenas para o roubo.

Temos que fazer uma distinção conceptual entre monopólio (1) e predomínio (2).(1) Monopólio > ter um determinado bem em cada esfera e alguém tem mais poder nessa

esfera e não há mal nenhum disso se vier a resultar da própria distribuição dentro da esfera. Se alguém tem mais cuidados de saúde porque tem mais necessidade não há nada de errado porque tem mais necessidade. Na acepção de Walzer, o monopólio é aceitável.

(2) Predomínio refere-se ao uso de um bem para obtenção de outros bens para ter vantagens numa outra esfera. Ex.: se o dinheiro puder comprar graus académicos. Usa-se algo que se obteve numa esfera com determinados critérios para obter algo noutras esferas que têm os seus próprios critérios. O Predomínio está errado no ponto de vista de Walzer.

Igualdade simples # Igualdade complexaNozick chama a atenção de que muitas teorias de justiça usam a ideia de igualdade simples,

que consiste numa distribuição mais igualitária de determinados bens. A igualdade simples é uma forma de quebrar o monopólio numa determinada esfera. Para Walzer, a igualdade simples é irrelevante porque se não há nada contra o monopólio, não há razões para aplicar a igualdade simples.

A igualdade complexa consiste em quebrar um predomínio de um bem social. Não há nenhuma esfera que se sobreponha às outras esferas; não há tentativa de redução de monopólios, mas redução de todas as formas de predomínio. Num regime de igualdade complexa, temos um conjunto de esferas distintas, mas em que nenhuma esfera pode ter supremacia sobre as outras porque não há supremacia de bens sobre os outros. Onde há igualdade complexa há Justiça. Chama-lhe “igualdade complexa” porque muitas vezes há grandes desigualdades, porque há predomínio. As grandes desigualdades nas sociedades advêm do predomínio; aqueles que o possuem têm acesso a tudo e os que não o possuem não têm acesso a nada. Walzer é um judeu americano e diz que na sua sociedade há o predomínio do dinheiro (plutocracia).

O aspecto geral da teoria é dizer que se mantenha a igualdade complexa e evite-se o predomínio. O regime de igualdade complexa tem componentes específicos consoante a comunidade política.

Aula de 26 de Novembro

“Tese Social” > Comunidade Política. É neste quadro que se pensa no pluralismo esférico. É neste quadro esférico que pensamos os bens sociais, que estão ligados às distribuições (têm critérios distributivos), determinam as identidades individuais.

Exemplificação das esferas: qualidade de membros, etc…A esfera dos cargos e empregos. O critério ideal na nossa sociedade é o do mérito, mas nem

sempre isso acontece.A esfera do poder político é importante porque é a partir dele que se pode manter a

diferenciação entre as esferas.O monopólio em si mesmo não é mau se não for contra outros bens. Se aquilo que se tem a

mais numas esferas for objecto para ter mais benefícios de outras esferas torna-se problemático >

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predomínio.O problema central da Justiça não é o monopólio mas o predomínio. O que causa as grandes

desigualdades é o predomínio. A “igualdade simples” quebra o monopólio, a “igualdade complexa” quebra o predomínio e, para Walzer, importa quebrar o predomínio. A Justiça é a igualdade complexa = evitamento do predomínio; manutenção da separação das esferas. Uma sociedade é mais justa quanto melhor mantiver a separação esférica. A definição de Justiça depende de como cada sociedade entende a sua estrutura esférica, que varia de sociedade para sociedade. Um certo relativismo cultural.

Aula de 2 de Dezembro

Os produtos da multiculturalidade

Multiculturalidade e multiculturalismo não são a mesma coisa.Multiculturalidade:

1.Existência de diferentes nações dentro de um mesmo Estado (Estado multi-nacional). As nações são povos com uma certa base territorial e têm uma identidade própria (linguística, religiosa). O Estado Português não é multinacional. Exemplos: Espanha; Bélgica; Grã-Bretanha; Canadá (por causa do Quebec); nos EUA e no Brasil há nações índias. Muitos estados são multiculturais por serem multinacionais. A multinacionalidade é um factor da multiculturalidade. Portugal será um Estado multicultural? Temos culturas.2.Gerada pelas migrações. Mesmo os Estados que não são multinacionais têm grupos diferenciados gerados pela migração > polietnicidade.

A partir dos anos 70 (e também nos anos 90) houve uma forte vaga de imigração para Portugal. As minorias podem ser mais ou menos visíveis (língua ou religião distintas). Os grupos acabam por se fundir nessa sociedade.Também há migração forçada (escravos…); não têm uma base territorial. Todos os Estados actualmente no mundo são multiculturais. Que tipo de adaptação é necessária por parte do Estado para acomodar a existência da multiculturalidade? Os defensores do multiculturalismo defendem que o Estado deve ter políticas próprias quer ao nível da legislação ordinária quer ao nível constitucional para acomodar a multiculturalidade. O Canadá foi o primeiro Estado que fez uma mudança constitucional para se considerar um Estado multicultural: constitucionalizou a sua multiculturalidade. Isto acaba por influenciar outros Estados quer na Europa quer na América.

Iremos estudar o pensamento de dois filósofos canadianos sobre o multiculturalismo:Charles Taylor, que tem uma visão comunitarista sobre o multiculturalismo. Tem uma obra em português intitulada “Multiculturalismo”.Will Kymlicka, visão liberal igualitária sobre o multiculturalismo. A sua obra é “Multicultural Citizenship”.

Bibliografia:Manual de Filosofia Política, cap. IX, pp. 219-237.Internet: “Multiculturalismo” in Dicionário de Filosofia Moral e Política.

Charles TaylorPara explicar a importância do multiculturalismo, Taylor recorre ao conceito de

“Reconhecimento”. Todos os grupos sociais necessitam de ser reconhecidos na sua identidade própria. Reconhecimento/Identidade. A Identidade passa pelo modo como os outros vêem o grupo. Pela dialéctica entre o reconhecimento e a identidade forma-se um grupo próprio. Cada

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grupo forma a sua identidade a partir do reconhecimento. Para que haja identidade é necessário que haja reconhecimento, o qual pode ser positivo ou negativo. Ex. de negativo na sociedade portuguesa: os ciganos. Os próprios ciganos interiorizam uma identidade negativa que vem desse reconhecimento negativo.

O reconhecimento positivo é fundamental para qualquer minoria. Não é uma questão de cortesia, mas é “uma necessidade vital”.

Taylor faz uma espécie de história do reconhecimento das sociedades contemporâneas a partir da ruptura do “Ancien Regime” (antes da Revolução Francesa). Os indivíduos tinham honras, privilégios, o que levava a profundas diferenças entre os indivíduos. Com as revoluções francesa e americana (constitucionalismo moderno) aparece uma primeira forma de reconhecimento > reconhecimento da igual dignidade e as políticas da igual dignidade. Atribui-se o mesmo valor a todos os indivíduos independentemente do seu nascimento. Igualdade perante a Lei. Constrói-se a cidadania, que tem como base moral a ideia de igualdade. Todos são cidadãos. Este reconhecimento é feito por teoria mas demora tempo a concretizar-se. Grande parte da história contemporânea é feita de lutas sociais pela busca da dignidade. Os grupos sociais e étnicos lutam também por isto. Por exemplo, as lutas na África do Sul; nos EUA, nos anos 60, havia ainda discriminação.

Estas lutas conduzem a políticas de construção de uma cidadania universal (igual dignidade dentro do mesmo Estado).

Há um segundo aspecto do Reconhecimento > Reconhecimento da Diferença, que conduz a políticas da diferença (surge nos anos 60/70) do séc. passado). Não basta a igualdade da dignidade e da cidadania, os grupos querem ser reconhecidos na sua especificidade. A reivindicação da diferença vai para além do serem reconhecidos na igual dignidade.

Algumas políticas mais comuns são as da Língua (instituições que ensinam a própria Língua). Garantem a diferença de um determinado grupo. Estas políticas da Língua são muito importantes para as minorias nacionais. Isto leva a mudanças legais, por exemplo, no Quebec, as crianças são obrigadas a irem para a escola em francês.

Não existe nenhuma contradição entre o reconhecimento da igual dignidade (1ª fase) e o reconhecimento da diferença (2ª fase). A política da diferença consiste em dizer que a igual dignidade deve ser mantida, mas não basta; os indivíduos querem ser reconhecidos como pertencentes a um grupo com identidade própria. Reconhecido na sua igualdade e na sua diferença. A 2ª fase acentua a desigualdade cultural; a 1ª como que é cega nesse sentido.

Queremos políticas pelas quais o Estado assegure e mantenha a nossa especificidade permanentemente.

Aula de 3 de Dezembro

Teoria de Will KimlickaHá um ponto de partida individualista, em que o indivíduo deve ter à partida as mesmas

liberdades (tal como em Rawls) – acesso ao sistema de liberdades (democrático). Mas estas liberdades básicas não devem ser vistas como fim em si mesmo, mas como meios (ex.: liberdade de deslocação – liberdade dá-nos possibilidade de sairmos do país; liberdade de expressão para dizermos algo). As nossas opções de vida não são operadas no vazio, mas operadas dentro da comunidade na qual nos integramos.

Cultura societal > contexto de escolha no qual exercemos as nossas liberdades. É um “Bem social primário”.

Esta dimensão comunitarista torna-se mais forte quando Kimlicka diz que todos temos ligação à nossa cultura societal (ligação afectiva, laços, etc). Todos os indivíduos necessitam da cultura societal para exercer as suas liberdades, a partir das quais fazemos as nossas escolhas de vida. Para aqueles que vivem numa cultura societal maioritária, as opções feitas no seu quadro são perfeitamente aceitáveis. Opções equivalentes à cultura (contexto cultural). No mesmo Estado, por

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vezes, várias culturas societais, mas estas não estão todas no mesmo plano (algumas maioritárias e outras minoritárias). Quando minoritárias são desvalorizadas, estão em desvantagem; próprio Estado veicula as maioritárias (ex.: o Português na escola), este não é actualmente neutro.

Resultado: indivíduos/membros das culturas minoritárias não têm um contexto que protege e valoriza as suas escolhas.

As políticas multiculturalistas visam proteger a cultura societal (o contexto de escolha) quer das culturas maioritárias quer das minoritárias. O Estado deve modificar o seu próprio sistema legal para conferir aos membros das culturas minoritárias o mesmo contexto de escolha:

“Direitos multiculturais”:1.direitos de autogoverno;2.direitos poliétnicos;3.direitos especiais de representação política.

1.Aplicam-se a minorias nacionais (base territorial) e nesse sentido é que podem ter direitos de se governarem a si mesmos; formas de autogoverno: formas de regionalização, autodeterminação, mas a mais comum é a do Federalismo – cada estado tem o seu próprio governo.2.Aplicam-se a grupos não nacionais/étnicos (sem base territorial); são direitos que protegem factos específicos dessa comunidade (vestuário, língua, hábitos).3.Consistem em garantir a presença de representantes das minorias em órgãos de política (comités, parlamento); aplica-se à multinacionalidade ou polietnicidade.

Aula de 9 de DezembroComo vimos, Kymlicka parte da ideia de que cada indivíduo tem liberdades básicas (1º

princípio da justiça de Rawls). Essas liberdades são exercidas num determinado contexto; as liberdades não especificam aquilo que os indivíduos fazem ou não > contexto societal ou comunidade cultural. As liberdades são instrumentais.

Os indivíduos têm uma ligação especial à sua cultura ou alguns até a mais do que uma cultura; esta relação não é infinita. Os indivíduos que pertencem às culturas minoritárias estão numa posição menos boa porque o seu contexto de escolhas está em perigo perante a cultura maioritária.

Os direitos multiculturais servem para proteger o contexto societal.Kymlicka faz uma espécie de tipologia de direitos que podem ser outorgados para proteger

as minorias.A poligamia deveria ser legalizada? Não está legalizada porque a Mulher não está numa

posição de igualdade em relação ao Homem.Distinção conceptual: protecções externas/restrições internas. A reivindicação de direitos dentro de certos grupos minoritários podem contribuir para a

opressão dos indivíduos dentro desse grupo cultural. Um direito multicultural serve para proteger a identidade de uma comunidade em relação a outras culturas (ex.: proteger a Língua). Os direitos multiculturais são protecções externas que não devem interferir com direitos fundamentais.

Quando os direitos multiculturais levam a conflitos com os direitos fundamentais estamos perante restrições internas. O ponto de partida de Kymlicka é proteger as liberdades individuais; protege-se melhor a comunidade para abrigar melhor as liberdades individuais e não o contrário.

Porque sofre o multiculturalismo tanta resistência? Os Estados nos quais vivemos partem da espécie de um pressuposto de homogeneidade cultural (Kymlicka). Os Estados preferem fechar os olhos à multiculturalidade. Os Estados constroem-se numa visão homogénea cultural (ideia de protecção do Estado). Para Kymlicka, isto acontece porque há influência da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) – 30 artigos. Os dois últimos são relativos à ordem internacional. Os outros são todos direitos. Não aparecem direitos multiculturais. Porquê? Contexto do pós-guerra. A II Guerra Mundial está muito marcada pelo genocídio com bases raciais. Pensou-se que a melhor forma de evitar isto seria considerar que todos os seres humanos têm os mesmos direitos e a mesma

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dignidade. É um raciocínio que enfatiza a igualdade de direitos mas não a diferenciação cultural.Segundo Kymlicka, os direitos multiculturais são complementares ao Estado de direito e aos

Direitos Humanos. Permitem que os diferentes Estados comecem a ver a diversidade cultural através de políticas multiculturalistas e direitos multiculturais.

Taylor e Kymlicka caminham para políticas multiculturalistas. Kymlicka é mais claro no favorecer destas políticas.

Resumo:

Multiculturalidade(Facto)

Multiculturalismo?

Comunitarista Liberal-igualitária

Taylor (sim) Kymlicka (sim) Walzer (depende) Rawls (nã)

Numa posição liberal-igualitária pode-se ser favorável a políticas multiculturais mas também pode-se não ser. As partes (Rawls) não sabem a que cultura pertencem; o Estado e a Lei devem permanecer cegos à diferenciação cultural. O comunitarismo pode valorizar a homogeneidade cultural ou a diferenciação cultural.

Walzer – cada Estado é que tem de definir o que deve ser considerado Bem e como dever ser distribuído. Umas comunidades podem entender proteger a homogeneidade outras a diferenciação. Depende do contexto cultural.

Nozick – Estado mínimo. O libertarismo é anti-paternalista. Deve-se sempre insentar.

Informações para o teste (16/12):Estrutura: uma lista de temas de entre os quais escolhemos 3 para desenvolver entre 1 e 2

páginas.Critérios de correcção:

apresentação e legibilidade (2 valores) adequação e rigor dos conteúdos (3 valores por ensaio) estruturação ou ordenação do texto (2 valores por ensaio) espírito crítico (1 valor por ensaio)

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