xvi mostra 2º semestre 2012

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Caderno de Pesquisas: Psicologia do Cotidiano V.1, ano.04.n.2 – Ago/Nov. 2012 XVI Mostra de Psicologia do Cotidiano Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano CNPq/Mackenzie P P s s i i c c o o l l o o g g i i a a d d o o C C o o t t i i d d i i a a n n o o

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Caderno de Pesquisas: Psicologia do Cotidiano

V.1, ano.04.n.2 – Ago/Nov. 2012

XVI Mostra de Psicologia do Cotidiano

Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano

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CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE PROF. DR. ROBERTO RODRIGUES RIBEIRO

Diretor

PROFA. DRA. BERENICE CARPIGIANI Coordenadora do Curso de Psicologia

PROFA. DRA. PATRÍCIA FIORINO Coordenadora de Extensão

Organização

Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano CNPq/Mackenzie

Prof. Dr. Alex Moreira Carvalho Prof. Dr. Erich Montanar Franco

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Caderno de Pesquisas: Psicologia do Cotidiano

XVI Mostra de Psicologia do Cotidiano

V.1, ano.04.n.2 – Ago/Nov. 2012. ISSN 1984 6762

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Chanceler Augustus Nicodemus Gomes Lopes

Reitor Benedito Guimarães Aguiar Neto

Secretário Geral Nelson Callegari

INSTITUTO PRESBITERIANO MACKENZIE

ENTIDADE MANTENEDORA

Diretor Presidente Hesio Cezar de Souza Maciel

Diretor de Planejamento e Finanças Francisco Solano Portela Neto

Diretor de Ensino e Desenvolvimento José Paulo Fernandes Júnior

Diretor de Administração e Gestão de Pessoas Wallace Tesch Sabaini

DECANATO ACADÊMICO

Esmeralda Rizzo

DECANATO DE EXTENSÃO

Cleverson Pereira de Almeida

DECANATO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Moisés Ari Zilber

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

Roberto Rodrigues Ribeiro – Diretor

Berenice Carpigiani – Coordenadora do curso de Graduação em Psicologia

Editor Responsável

Dr. Erich Montanar Franco

Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano – CNPq/Mackenzie

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Caderno de Pesquisas: Psicologia do Cotidiano

XVI Mostra de Psicologia do Cotidiano

V.1, ano.04.n.2 – Ago/Nov. 2012. ISSN 1984 6762

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Conselho Editorial

Dr. Alex Moreira Carvalho

Dr. Erich Montanar Franco

Conselho Científico

Dra. Adriana Rodrigues Domingues

Dra. Bruna Suruagy do Amaral

Dr. Marcus Vinícius de Araújo

Dr. Rinaldo Molina

Dr. Robson Jesus Rusche

Endereço para Correspondência

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Centro de Ciências Biológicas e da Saúde

Rua Consolação, 930 – Edifício 50 – Térreo

São Paulo – SP – 01239-902

Telefone: (11) 2114-8142

E-mail: [email protected]

Caderno de Pesquisas: Psicologia do Cotidiano – V.1, ano.04.n.2. Ago/Nov. 2012 ISSN 1984 6762

São Paulo: Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2012

Semestral

ISSN 1984 6762

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SUMÁRIO

ARTE

CORPOS DISCORDANTES pag. 09

“E NÃO FORAM FELIZES PARA SEMPRE”: UMA ANÁLISE DE CONTOS REVISITADOS PELAS FOTOGRAFIAS DE DINA GOLDSTEIN pag. 12

NOVAS VELHAS ESTÓRIAS: UMA ANÁLISE DE DUAS VERSÕES DE CHAPEUZINHO VERMELHO pag. 16

EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE: EFEITOS DO ENSINO TRADICIONAL E DA EDUCOMUNICAÇÃO pag. 22

EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE NA TERCEIRA IDADE pag.27

VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: CULTURA DE PAZ? pag. 32

COMUNICAÇÃO SOCIAL

A SUBJETIVIDADE DA OBJETIVA: OS SENTIDOS DA FOTOGRAFIA pag. 38

CARNAVAL E MÍDIA: CULTURA OU SEDUÇÃO pag. 41 ?

FACEBOOK – UMA REFLEXÃO SOBRE A PSICOLOGIA DA COMUNICAÇÃO pag. 44

COLETIVIDADES

MILITÂNCIA E IDENTIDADE PROFISSIONAL NA LUTA CONTRA O ATO MÉDICO pag. 51

MOVIMENTO NEGRO: ONDE ESTÃO NOSSAS ORIGENS? pag. 53

SINDICATO E EDUCAÇÃO: SUAS DIVERGENCIAS E APROXIMAÇÕES pag. 59

TRABALHO

IMIGRAÇÃO E PRENCONCEITO VELADO NO MERCADO DE TRABALHO pag. 61

IMIGRANTES BOLIVIANOS: TRABALHO, CULTURA E INCLUSÃO PERVERSA pag. 67

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ARTE

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CORPOS DISCORDANTES

Autores: Alex Moreira Carvalho, Anna Paula Jessouroun de Oliveira, Camila Teixeira Galvão, Hiroshi Lucas Corrêa Sakai, Izabela Ventura dos Santos, Jéssica de Vasconcellos Hage, Luciene Regina Sorbo Henneberg e Luís Henrique Raucci Seabra.

Introdução

A relação entre Arte e Psicologia pode ser estudada de várias maneiras. O objeto estético é o mesmo visto por todos, porém o impacto emocional e psicológico que ele causa em cada indivíduo é diferente, e vai depender do estado psicológico do momento do sujeito e também de toda a sua história. Neste caso, analisamos a recepção da obra de arte. Segundo Carvalho (2007), o que cabe nessa discussão é a presença da psicologia no cotidiano quando se trata de avaliar um objeto estético, seja considerando sua recepção, sua criação ou aspectos internos da própria obra. A discussão da Psicologia da Arte surge na segunda metade do século XIX, quando se afirma a chamada subjetividade privatizada, propondo ao indivíduo a autonomia intelectual e moral. Na arte, o artista forma objetos nos quais as palavras ou outros elementos artísticos ultrapassam seus sentidos cotidianos. Para Langer (2003) e Duarte Jr. (1986), a arte é criação ou invenção de formas de conceber o real e nos remete a um terreno lúdico onde podemos fantasiar ou imaginar. Com o uso da linguagem, dos signos, as obras de arte no geral são divulgadas e expostas para provocar o exercício do pensar, da alteração da percepção no cotidiano. Para Carvalho (2007), “sempre historicamente situada, a Arte é uma atividade humana através da qual exprimimos nossos sentimentos e nossas ideias, atribuímos sentido à vida (p. 32)”. Assim, a arte provoca e estimula o pensar e o questionar.

Psicologia da Arte

O estudo da psicologia da arte sempre foi dividido em duas vertentes: o estudo da psicologia do criador e o estudo do receptor. Tal divisão é falha, pois é impossível julgar com perfeição a psicologia do autor, isto implica em analisar o homem segundo processos psicológicos muitas vezes inacessíveis. Também é impreciso o estudo das emoções do receptor, pois estas muitas vezes podem estar ocultas no campo da psique. A principal solução

proposta por Vigotski (1999) pode ser vislumbrada na seguinte citação: “É necessário tomar por base não o autor e o espectador, mas a própria obra de arte” (p. 25). Vigotski (1999) acreditava na psicologia da arte, e que toda obra deveria ser vista como um sistema de estímulos, organizado a fim de suscitar uma resposta estética. Na estrutura de uma narração literária, por exemplo, pode-se analisar dois conceitos básicos: material e forma. Segundo Vigotski (1999), tem-se por material

tudo o que o poeta usou como já pronto relações do dia-a-dia, histórias, casos, o ambiente, os caracteres, tudo o que existia antes da narração e pode existir fora e independentemente dela (p. 177).

Já a forma é a disposição desse material segundo as leis da construção artística. Pode-se chamar de fábula o material que serve de base à obra de arte. Para conseguir desvendar um sentido de uma narração de um poeta, deve-se investigar o porquê dos procedimentos e os fins da fábula.

Para Vigotski (1999), a fábula é o mesmo que são as palavras para o verso. O modo pelo qual o poeta leva a fábula ao leitor e a sua composição é um problema para a arte verbal. Na novela, que possui a elaboração formal da fábula como objeto central, torna-se evidente esse problema de sua composição. Vigotski (1999) evidencia que as disposições das palavras, frases, parágrafos e até dos acontecimentos de uma narração estão submetidas às atitudes do poeta, fazendo um paralelo com os sons de uma música ou de uma palavra em um verso. Carvalho e Marques (2011) tratam da proposta metodológica de psicologia da arte de Vigotski, nomeada de método objetivo analítico, donde se obtém a reação estética como produto.

Os autores traçam um paralelo entre este método e outras possíveis relações mais corriqueiras entre arte a psicologia, como a obra sendo um relato pessoal e histórico do artista. Como exemplo foi citado Os irmãos Karamazov, de Dostoievski, que foi considerado por Freud (1996) um manifesto do desejo inconsciente do autor na morte de seus pais. Outro exemplo dado por Carvalho e Marques é de Souza (2006) que, ao reler Hamlet, de Shakespeare, detectou conteúdo Edípico na obra. Carvalho e Marques (2011) seguem descrevendo que o método Vigotskiano refere-se ao impacto emocional que a obra tem no receptor, despindo-se de qualquer outro motivo para a análise da

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obra. A expressão dialética das emoções (CARVALHO: 2007, p. 67) diz respeito ao impacto que emoções contraditórias provocadas pela obra causam no observador. A arte, nesta perspectiva, é a forma, que é livre e grandiosa, pois não é constituída de limites e pode expandir-se para além de seu intuito original, tornando-se autônoma. Isto é obtido ao investigar a anatomia e a fisiologia da obra, que são suas partes e como elas se relacionam. Vigotski relata que “a arte recolhe da vida o seu material, mas produz acima desse material algo que ainda não está nas propriedades desse material” (1999, pp. 307, 308). Carvalho e Marques resumem com precisão tal conceito: "Em síntese, Vigotski considera que a forma reorganiza os elementos da vida cotidiana, desviando-os de uma percepção automatizada para produzir novos sentidos para a vida". (2011, p. 6)

Objetivos da Experiência de Estágio

Considerando as ideias desenvolvidas por Vigotski na sua psicologia da arte, os objetivos da experiência de estágio são: 1.) Elaborar uma performance à moda da arte contemporânea e filmá-la; 2.) Elaborar uma performance de forma artística mais tradicional, o Ballet; 3.) Apresentar o vídeo gravado e o Ballet ao vivo, com o intuito de provocar uma dialética de emoções nos receptores.

Trata-se de, pela justaposição de formas artísticas heterogêneas, criar uma problematização de emoções antagônicas ou reações estéticas pautadas mais pelo estranhamento do que pela identificação. Com isso, busca-se repensar o conceito de arte no cotidiano.

A Experiência de Estágio: Metodologia e Análise

A experiência configurou-se como construção de uma apresentação artística cuja estrutura (partes e relações entre elas) foi composta de elementos contraditórios. Assim, seguindo a ideia de Vigotski (1998) de que a Arte é uma técnica social dos sentimentos (VIGOTSKI: 1999, p. 308) e o social em nós (VIGOTSKI: 1999, p. 315), organizou-se uma performance que cruzava elementos formais díspares, conforme apresentados logo abaixo, que podem suscitar no receptor uma experiência de estranhamento ou de alteração da percepção. Ao relacionar “cenas” diversas (por exemplo, Ballet clássico e música pop), a maneira de sentir e pensar o mundo contemporâneo – e suas múltiplas facetas intercaladas e por vezes entremeadas –, podem vir à tona. Afinal, na atualidade, todas as formas de arte e vida se cruzam e se mostram em espaços onde a

diferença conta e a uniformidade cansa. Fora esta interpretação, pensou-se também na reação estética como co-criação, isto é, uma síntese pessoal de cada receptor da obra, que se realiza a partir da cada história de vida particular, no cruzamento entre significados socialmente compartilhados e sentidos individualmente, vividos no mundo que todos habitamos. A performance, pois, ficou assim estruturada:

1º- A apresentação se inicia com a menor claridade possível no ambiente. Na tela é projetado apenas o nome do trabalho: "Corpos Discordantes". O nome do projeto fica na tela em torno de 5 segundos;

2º- Entra pela lateral do palco o dueto de cantores, que se aproximam do microfone já devidamente instalado em uma das laterais do palco. Começa o dueto ao vivo. Músicas que serão cantadas: 1.) The Music of the Night; 2.) All I Ask of You, ambas da peça da Broadway O Fantasma da Ópera, de Andrew Lloyd Webber, Charles Hart e Richard Stilgoe, escolhidas em função de seu caráter pop/Broadway. Passam-se 30 segundos com apenas o dueto cantando no palco;

3º- Inicia-se a projeção do vídeo da performance elaborada por Henrique Raucci, em que é apresentada uma caixa feita de compensado de madeira de 1cm de espessura, pintada de preto, com medidas de 1M cúbico. A performance consiste em o artista sair desta caixa serrando a mesma. O vídeo se inicia apenas com a imagem, sem áudio, com o dueto que canta ao vivo no palco do teatro. Decorrem mais 30 segundos. A performance, de caráter experimental, deve contrastar com a música;

4º- Entram pelo outro lado do palco dois dançarinos. A dança ocorre em média durante 8 minutos, quando é finalizada e os dançarinos saem do palco pelo mesmo local por onde entraram;

5º- Continuam o canto do dueto e o vídeo;

6º- O dueto é finalizado no momento em que Henrique Raucci apresenta sua cena final no vídeo, ao abrir a porta da "cela". Os cantores saem do palco pelo mesmo local por onde entraram. Neste momento, entra o áudio do vídeo, e ouve-se o barulho da serra elétrica na madeira. A atenção é voltada para o final da performance, em que Henrique sai da cela;

7º- Em Silêncio, sobe o letreiro com os nomes dos participantes do trabalho.

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Referências Bibliográficas

CARVALHO, A. M. Arte e Psicologia: Uma relação delicada. In: Núcleo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano (Org). Introdução à Psicologia do Cotidiano. São Paulo: Expressão e Arte, 2007.

CARVALHO, A. M. e MARQUES, P. N. Uma Proposta Metodológica para Aproximação Entre Arte e Psicologia: o método objetivo-analítico de Vigotski. In: AVELINO, Y. D., BARREIRO FILHO, R. C. e FLÓRIO, M. (Orgs.) Olhares Cruzados: Cidade, história, arte e mídia. Curitiba: CRV, 2011.

DUARTE, Jr., F. O que é beleza. São Paulo: Brasiliense, 1986.

FREUD, S. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1999.

LANGER, S. Sentimento e Forma. São Paulo: Perspectiva, 2003.

SOUZA, M. R. de. A Psicanálise e o Complexo de Édipo: (novas) observações a partir de Hamlet. In: Psicol. USP, jun. 2006, vol.17, no.2, p.135-155.

VIGOTSKI, L. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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“...E NÃO FORAM FELIZES PARA SEMPRE”: UMA ANÁLISE DE CONTOS

REVISITADOS PELAS FOTOGRAFIAS DE DINA GOLDSTEIN

Autores: Alex Moreira Carvalho, Alfredo César da Veiga, Ana Paula Gonçalves Donate, Arthur Abrantes Paiva, Carolina Domene Franco da Rocha, Danielle Nunes Medeiros Ferreira Ramos, Danielle Savazi da Silva, João Paulo de Moraes Limongi, Juliana Rodrigues dos Santos, Maria Carla Camargo Silveira e Marina Matias Guedes.

Introdução

A arte, para Carvalho (2007), é um processo que se reinventa constantemente. Assim, não há uma definição absoluta sobre ela. Este fenômeno possui três facetas: 1) construção de objetos simbólicos, criados de forma a expressar significados; 2) modo de exprimir ideias e sentimentos; e 3) forma de conhecimento, pois tem valor cognitivo, já que atribui significados ao mundo.

A relação da Psicologia com a arte requer certa discussão, e muitos filósofos e escritores se ocupam de tentar compreender essa ligação. Em geral, a psicologia tenta explicar a arte através da biografia do artista, tentando relacioná-la com a sua produção. Porém, não há apenas essa visão da relação entre arte e psicologia. Vigotski (1999), por exemplo, defende o estudo da chamada reação estética.

Esta reação é emocional e dá-se a partir da forma artística, que desconstrói o conteúdo e coloca o receptor em contato com elementos ambíguos. A reação reúne três unidades: a percepção; a imaginação; e os sentimentos. No plano da fantasia, os estímulos estéticos são retidos e não reprimidos.

A psicologia da Arte

Vigotski (1999) considera a arte como construção simbólica e portadora de autonomia. A arte não pode ser uma representação fidedigna do mundo, mas deve passar por um processo de apreensão sensível de mundo do artista, retratando sua realidade sem transferir de forma automática os sentidos dos fenômenos, mas levando o receptor a experienciar sentimentos ambíguos. A arte também

permite a apreensão, de forma consciente ou inconsciente, do tema por ela trabalhado. Tal apreensão ocorre através do estranhamento da forma e da identificação, fatores que levam à construção da personalidade do receptor, tendo assim influência na vida psíquica e sua constituição. A arte, desta maneira, deixa de ser um dado histórico passivo, e age no sujeito e em sua percepção de mundo. A psicologia da arte pode ser chamada de psicologia da forma, pois é através do estranhamento desta forma que se dá a influencia da arte no psiquismo. Para Vigotski (1999), a forma destrói o conteúdo que lhe serve de base, ou seja, quanto mais a forma se impuser à realidade, mais afastará o apreciador da percepção imediata e automatizada que costumamos fazer das coisas, e só assim levará essa percepção para o plano da fantasia. Assim, experiência o receptor o fenômeno de forma subjetiva, descoisificando o cotidiano, produzindo desta maneira novos sentidos à vida. Se não levarmos em conta a psicologia da forma, nos resta a psicologia do conteúdo, que possui uma interpretação mais geral da realidade, e que se encarrega de fatos sociais históricos.

A análise da reação estética, identificada através do método objetivo analítico, consiste em reconstruir o efeito psicológico da obra de arte. Tal processo permite que a arte seja descoisifique o representável, e influencie psiquicamente quem a aprecia, alterando sua visão de mundo, através da experimentação consciente e inconsciente de sentimentos ambíguos e contraditórios que se apoderam do sujeito.

Delimitando a Experiência

Dina Goldstein é uma fotógrafa canadense que, além de trabalhar com fotografia comercial, frequentemente se engaja em projetos próprios. Um desses projetos foi o Fallen Princesses, idealizado por Goldstein em 2007, quando sua mãe foi diagnosticada com câncer de mama, ao mesmo tempo em que sua filha crescia e começava a se encantar pelas princesas da Disney. Essa contradição levou a fotógrafa à seguinte indagação: “e se as princesas da Disney tivessem que lidar com desafios da vida real?”. Goldstein começa a imaginar, então, essas princesas perfeitas tendo que enfrentar problemas reais que estavam afetando mulheres à sua volta, tais como o adoecimento, a adição e problemas de autoimagem. Surge, então, a ideia de desconstruir a perfeição dos contos da Disney, colocando essas princesas, tão idealizadas e copiadas

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por crianças de pouca idade, em situações da vida real.

Em Fallen Princesses, o “felizes para sempre” é substituído por um final não tão feliz, que reflete problemas da atualidade, enquanto a “mágica” da Disney é substituída por uma boa dose de realidade. Em oposição às personagens perfeitas da Disney e dos contos de fadas, Goldstein fotografa uma Rapunzel que perdeu todo o seu cabelo por conta de um câncer; uma Branca de Neve desamparada por seu Príncipe Encantado; uma Bela Adormecida que nunca acordou de seu sono profundo; uma Cinderela com problemas de alcoolismo; uma Chapeuzinho Vermelho obesa, levando uma cesta repleta de junk food; uma Jasmim que vive o drama da guerra; e uma Bela com problemas de autoimagem, além de outras representações.

Objetivos

1.) Analisar o ensaio fotográfico Fallen Princesses da artista Dina Goldstein do ponto de vista da psicologia da arte;

2.) Avaliar tal ensaio em função da ressignificação que este pode trazer para a leitura de contos considerados na modernidade como infantis; 3.) Avaliar o possível impacto destas releituras na organização da experiência do sujeito contemporâneo.

Metodologia de Experiência de Estágio

A escolha do método objetivo-analítico de Vigotski ocorreu por este apreender a contradição dialética forma/conteúdo. Assim, partiu-se da investigação dos contos tal como estes são representados tradicionalmente, para, através de uma análise da forma instituída pela artista, se obter uma compreensão crítica do objeto de estudo, suas fotografias com as reinvenções cotidianas das princesas.

A partir disto, foi realizada uma análise da narrativa imagética de seis ensaios da série, escolhidos em função de seu apelo cotidiano e seus possíveis impactos nos receptores. Iniciou-se pela observação da fábula, ou seja, a história ou sinopse do conto; do enredo, que é a forma como a história é contada pela artista, podendo causar reação estética; e do discurso ou a interpretação da forma. Segundo Vigotski (1999), ao se estudar a estrutura de uma narração, no caso imagética, é essencial se utilizar de dois conceitos: material ou conteúdo, que é tudo aquilo existente, externa, independente e anterior à narração (por exemplo, o conhecimento da versão

clássica de A Bela e a Fera); e a forma, que se dá pela disposição do conteúdo, seguindo as regras da construção artística que, deste modo, constitui a marca estética da obra e transcende o material. Daí a decisão metodológica de uma análise mais minuciosa da forma fotográfica.

A artista trabalha com modelos vivos, inserindo-os em um cenário criado por técnicos que manipulam desde o material mais rústico até aqueles que os organizam de acordo com a história a ser contada. Os modelos devem se parecer o máximo com personagens das histórias infantis, e nesse sentido, utiliza de photoshop de duas maneiras, tanto para aproximá-los da fantasia quanto para trazê-los a um tipo de realidade crua e, por vezes, cruel.

Análise da Experiência de Estágio

Bela (A Bela e a Fera):

O desenho do rosto revela a presença da Bela e a Fera na mesma figura, numa espécie de contraste, o que nos remete à ideia de dialética das emoções. O lado restaurado pela cirurgia plástica aparece como feio, e aquele que será restaurado surge como belo. Assim, há uma desnaturalização da beleza, na medida em que este conceito é retratado. Trata-se de uma figura feminina caracterizada como princesa, como pode ser notado na sua vestimenta submetida a um padrão de beleza estabelecido socialmente. Outra contradição é a falta de simetria entre as partes da figura, o que pode ser verificado se for adicionada uma linha vertical posicionada à frente do rosto; há um descompasso entre as partes.

Branca de Neve:

A posição do príncipe sentado, assistindo televisão, com uma lata de cerveja na mão e comendo salgadinho o retira de seu lugar idealizado, encantado, e o coloca em um aspecto da realidade que é comum a muitas famílias. Ao mesmo tempo, Branca de Neve cuida dos quatro filhos, do cachorro e da casa, não conseguindo lidar com todas estas atividades efetivamente, o que é contrário à ideia proposta no conto de fadas, em que a mesma conseguia executar todas as tarefas. Chama a atenção o próprio espaço do cenário fotografado, no qual o observador tem a impressão de que é participante ativo desta história, na condição de anão. Assim, o ângulo da imagem convida este observador a participar da história como o sétimo anão.

Chapeuzinho-vermelho:

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Uma ambiguidade possível de se observar é o aspecto natural representado pela floresta em relação ao artificial, representado pela cesta repleta de comida fast-food. O figurino da personagem remete às roupas da marca do fast-food (amarelo, vermelho e azul), mundialmente conhecida. A artista critica diretamente o american way of life, que retrata os excessos de uma sociedade consumista.

Cinderela:

A fotografia faz uso do contraste entre o claro e o escuro, de forma a atrair a atenção do espectador para a figura da Cinderela. Ao mesmo tempo, a luz também se destaca na palavra Blue, que está escrita em neon. Pode-se então inferir que há uma relação entre a figura da Cinderela – que se apresenta de forma cabisbaixa e melancólica – e a palavra referida que, como se sabe, significa tristeza na língua inglesa. Em outras palavras, a luz paradoxalmente realça o estado de melancolia. Há então uma desconstrução do significado tradicional de luminosidade. Tal luminosidade também invade pela janela o espaço do bar onde a princesa se encontra, o que indica um contraste entre vitalidade e tristeza. O local é apresentado como um ambiente eminentemente masculino, sendo que apenas um homem dirige seu olhar para a figura feminina, o que demonstra certa indiferença pela sua presença neste espaço. Cinderela está irremediavelmente só.

Jasmine:

Na fotografia, a personagem está situada no canto esquerdo, deixando à mostra ao fundo helicópteros, tanques de guerra e explosões. Assim, ela foi deslocada do seu papel tradicional de protegida na história de Aladdin para uma situação de guerrilha. Jasmine inclusive carrega uma metralhadora nas mãos, e em torno de seu pescoço, pentes de munição. Estes elementos contrastam com as flores ao seu redor, que lembram jasmins. Os traços do rosto da princesa parecem indicar um misto de tensão, em função da situação em que ela se encontra, mas também de orgulho pela garra que ela nos exibe. Jasmine luta por si e por seu povo, uma vez que todo cenário da foto indica que estamos, tal como no conto original, no Oriente Médio.

Rapunzel:

Rapunzel apresenta uma espécie de luminosidade em torno de sua cabeça, o que ressalta a perda do que era a sua característica mais peculiar: seus longos cabelos. Encontra-se num leito de hospital, e a foto é registrada de forma que o quarto pareça grande e vazio. Ela enfrenta a morte sozinha, se

agarrando apenas ao que tenta lhe curar: o suporte para o medicamento.

Considerações Finais

Dina Goldstein insere seus trabalhos na nova produção cultural nascida no bojo da sociedade ocidental, repleta de incertezas e desafios que não mais acalenta, como se viu na Modernidade, a pretensão de ser modelo ou paradigma de civilização, mas, antes, reflete, de maneira irônica, o mal estar do Contemporâneo.

Através dos seus trabalhos, compreende-se o tempo da artista, sendo possível captar sua visão de mundo e sua obra como fruto da sua vivência histórica e também para entender a relação arte-fantasia-realidade. Goldstein quer romper com uma cultura que produz sonhos vendáveis, heróis pré-fabricados, imagens-produto facilmente descartadas e que são apropriadas pelas crianças como uma “reserva de símbolos” que as ajudarão a cruzar os tempos de incertezas e angústias da Contemporaneidade.

As personagens das histórias infantis são apresentadas num véu sagrado, quase canonizadas pelos inúmeros martírios a que são submetidas. Esse véu, portanto, é retirado pela artista. Desaparecem os dramas oníricos, substituídos pelos dramas reais, numa clara recusa de se estetizar a vida. Afinal, esta não pode ser um ambiente simulacional, como um grande shopping center, repleto de imagens espetaculares e que guardam uma relação de complementariedade com o desejo de consumo e à apropriação de símbolos que propiciam uma “fruição desinteressada e irresistível à mera posse material” (BORDIEU: 2003, p. 103).

Talvez sem ter essa pretensão, a artista atinja bem fundo o coração do capitalismo, que em seus primeiros estágios, fazia clara separação entre o simbólico e o econômico, e que na cultura contemporânea, ou como preferem alguns, pós-moderna, as duas esferas são reunidas: “O econômico penetra profundamente no reino simbólico” (EAGLETON: 1993, p. 269). Para Goldstein, enfim, o real assume seu lugar na vida cotidiana. Não existem príncipes e nem princesas, apenas e tão somente a realidade nua e crua. Nenhum super-herói, a não ser o próprio homem, com a responsabilidade de viver a realidade, boa ou má, mas tão somente sua.

Referências Bibliográficas

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CARVALHO, A. M. Arte e Psicologia: Uma relação delicada. In: Núcleo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano. Introdução à Psicologia do Cotidiano. São Paulo: Expressão & Arte, 2007.

BORDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.

EAGLETON, T. A Ideologia da Estética. Rio de Janeiro: Jorge Jahar, 1993.

VIGOTSKI, L. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Anexo

Fotografia que representa a Rapunzel do Ensaio Fotográfico Fallen Princesses, de Dina Goldstein.

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NOVAS VELHAS ESTÓRIAS: UMA ANÁLISE DE DUAS VERSÕES DE

CHAPEUZINHO VERMELHO

Autores: Alex Moreira Carvalho, Camille Romero Donato, Daniela Azambuja Neves Wever, Fernanda Yasmin Checchia Ingravallo, Gabriela Aparecida Petrocelli, Gabriela Cordaro, Kiany Santoro de Curtis, Mariana Bueno Pinheiro, Marjorie Mayumi Kuda, Michelle de Paula Atti Almeida e Thaís Tung de Araújo.

Eu atravesso as coisas — e no meio da travessia não vejo!

— só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada.

Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa;

mas vai dar na outra banda é num ponto mais embaixo,

bem diverso do que em primeiro se pensou (...).

o real não está na saída nem na chegada:

ele se dispõe para a gente é no meio da travessia...

(João Guimarães Rosa, 1986: 26-52).

Introdução

A arte e a psicologia estão ligadas quando é possível considerar uma obra a partir de três aspectos: seu criador, considerando aspectos como a personalidade e a história de vida do artista; seu receptor, considerando a subjetividade de cada indivíduo que é alcançado pela obra de arte e, por último; as possíveis motivações psicológicas explícitas ou não em cada obra. Segundo Carvalho (2007), um bom exemplo da associação de arte e psicologia é o filme Match Point (2005), de Woody Allen. Ao ser lançado, foi alvo de críticas diversas. Alguns críticos consideraram que o diretor não havia sido fiel à sua história de vida, o que ocorria em outros de seus filmes. Em relação à recepção dos espectadores, alguns se identificaram com os personagens e outros não, de acordo com a história

de vida e subjetividade de cada um. Assim, a citada obra cinematográfica passa pelos três aspectos apresentados. O que nos interessa realmente é que a psicologia se coloca como possibilidade de análise de fenômenos artísticos, o que nos leva a considerar, ainda que de maneira geral, o significado de arte.

Considerações Sobre a Arte

Diversos artistas fizeram reflexões sobre a arte, e estas acabaram se assemelhando para alguns, como Clarice Lispector e Mario Quintana. Este escreveu: “Descobrir continentes é tão fácil como esbarrar com um elefante: Poeta é o que encontra uma moedinha perdida...” (1977). Quintana utiliza a metáfora da moeda perdida para caracterizar a natureza da atividade artística. Ele não utiliza conceitos, usa palavras que levam a entender que, na atividade do poeta, ele deve encontrar algo tão pequeno e, aparentemente, tão sem importância quanto difícil de ser achado. Ou seja, a mensagem que o poeta deve passar aos receptores se assemelha a uma moedinha perdida. Clarice Lispector (1992) também utiliza da metáfora da pesca de palavras e da entrelinha também para caracterizar a natureza da arte, e suas palavras ultrapassam seus sentidos usuais ou cotidianos, e buscam sensibilizar o leitor. Conceitos são criados para humanizar o homem e, ao mesmo tempo, segundo Nietzsche (1999), acabam forjando maneiras de pensar, sentir e agir que, por um lado, permitem a ação cotidiana e, por outro, excluem certas experiências, já que, ao conceituar, não alcançam situações que nos são quase intraduzíveis. Nesse sentido, a arte busca exprimir as diferenças, ou seja, aquilo que não é conceituado e que está relacionado com sentimentos e novas formas de conceber o real, de entender o mundo. É uma experiência relacional que acontece entre sujeito e objeto, através da interação. Para compreender a arte, é necessário estudar e analisar a sua história e suas definições, que sofreram mudanças ao longo dos tempos. Podemos observar três facetas que constituem o fenômeno artístico de acordo com cada período histórico que foi classificado. São eles: 1.) O fenômeno artístico é um fazer, ou seja, é uma construção de objetos simbólicos estruturados de tal forma que se transformam em significados. Característico da Antiguidade quando o aspecto formador e fabril era bastante considerado; 2.) A arte pode ser vista como uma maneira de exprimir sentimentos e ideias, sobretudo de emoções e de concepções de mundo de indivíduos. Essa visão é

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típica do Romantismo do Século XIX, e muito difundida até hoje; 3.) E por último, a arte pode ser considerada uma forma de conhecimento, ou seja, ela produz um valor cognitivo, já que atribui significados ao mundo, e estes podem ser percebidos e elaborados por quem a usufrui, de forma consciente ou mesmo inconsciente. Esse enfoque é característico do Renascimento. Por fim, pode-se afirmar que a arte é uma atividade humana através da qual exprimimos nossos sentimentos e nossas ideias, atribuindo sentidos às nossas vidas.

Uma proposta metodológica para aproximação entre arte e psicologia: o método objetivo-analítico de Vigotski

Segundo Carvalho e Marques (2011), existem alguns modos de relacionar arte e psicologia, como: dar ênfase na história de vida do artista e relacioná-la com sua obra; analisar os elementos psicológicos que compõem a obra e verificar a teoria que está por trás; e estudar a chamada reação estética. Sobre esta última, Liev Vigotski se dedicou e se preocupou com a mesma, e propôs uma metodologia para estudá-la. Vigotski pensou a arte como técnica social dos sentimentos, como dialética das emoções e elaborou, em função disto, o método analítico-objetivo. Segundo Vigotski (1999), a obra de arte é uma construção simbólica que possui autonomia, já que existe por si mesma, não é uma cópia da realidade. O autor da obra pode criar suas próprias regras, modificando e transformando a realidade como quiser. Deve-se perceber a forma para que possamos dar novos sentidos à realidade e ao cotidiano. Deste modo, Vigotski defende que a psicologia da arte só pode ser uma psicologia da forma, já que arte é forma, e, a partir disto, propõe o referido método para a psicologia da arte. Este tem como objetivo a reconstrução do efeito psicológico da obra através da análise de sua anatomia e fisiologia que compõem suas partes. O autor considera a arte como uma técnica social dos sentimentos. Carvalho e Marques (2011) comentam a reação estética proposta por Vigotski, e consideram que esta se dá pelo estranhamento do leitor ao reler e reanalisar as informações que a obra de arte apresenta, provocando contradições no seu pensamento. É importante destacar que a reação estética é produzida por um objeto artístico e não pode se realizar no plano da ação concreta. Porém, os sentimentos que esta desperta são reais dentro da fantasia de cada indivíduo. Carvalho (2007) afirma que nesta recepção da obra há uma dialética de emoções, já que, segundo Vigotski, ocorre uma mistura de estranhamento e identificação. Com relação à criação artística, analisada por ele a partir

da reação estética, o psicólogo afirma que se trata de uma técnica social dos sentimentos e se constitui como uma justaposição de elementos contraditórios que possam levar à sua destruição e a uma síntese criativa por parte do receptor. Essa síntese foi chamada pelo autor de “co-criação”.

Objetivos da Experiência de Estágio

Analisar os textos Fita Verde no Cabelo (Nova Velha Estória), de João Guimarães Rosa (2001) e Chapeuzinho amarelo, de Chico Buarque (1979), a partir do referencial teórico da Psicologia da Arte, elaborado por Vigotski (1999);

Avaliar como esses textos resinificam o conto Chapeuzinho Vermelho, em suas variadas versões clássicas, considerando os novos sentidos por eles produzidos e a constituição por via da leitura de novas subjetividades no mundo contemporâneo.

Metodologia da Experiência de Estágio

Vigotski em seu livro Psicologia da Arte (1999) propõe um novo método para o estudo psicológico da obra de arte que, do ponto de vista do autor, necessita de uma fundamentação metodológica. O psicólogo deve recorrer às provas materiais, isto é, aos elementos que constituem uma obra de arte, assim como suas relações. Com base nelas, recriar a psicologia que lhes corresponde. O sentido geral desse método criado por Vigotski é passar da obra de arte pela análise funcional de suas partes para a recriação da resposta estética. Este método foi denominado pelo autor russo de objetivo-analítico. No caso dos textos que foram analisados, realizaram-se diversas vezes suas leituras, pelas quais novos sentidos surgiam frente às possíveis interpretações das frases, palavras, expressões e suas relações ali contidas. Toda vez que partes dos textos são citadas na análise, estas se apresentam em itálico.

Análise da Experiência

Conto: Fita Verde no Cabelo (Nova Velha Estória), de Guimarães Rosa (Publicado originalmente em 1970).

Nesse conto, Guimarães Rosa faz uma releitura de Chapeuzinho Vermelho, como o próprio título já diz – nova velha estória -, com uma linguagem criativa, que explora a sonoridade e os diversos significados das palavras. No ano de 1962, Rosa resolveu ressuscitar o termo “estória”, já meio esquecido, relativo a contos, crendices, fábulas, ideia de imaginação, fazendo uma reconstrução do conto

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– “nova velha estória”. Assim, faz-se necessário uma análise que percorra o texto de forma a desvelar os múltiplos sentidos que o autor engendra, análise esta que Vigotski (1999) chama de avaliação da anatomia (partes do texto) e da fisiologia (relações entre as partes) da obra de arte. Ao analisarmos o título Fita verde no cabelo, podemos ter a ideia de “fita” como uma banda comprida, estreita, de qualquer tecido, tal como nos indica o dicionário. Mas há outros sentidos etimológicos para esta palavra: lâmina de aço; ato de fitar; ou manha infantil. Posto isto, pode-se afirmar que o título antecipa o final da estória: uma criança fitando a morte pela primeira vez, como se esta fosse uma lâmina de aço que fere a manha infantil. “Fita” provém do latim “Fiat - faça-se; seja feita”, e da citação bíblica “Fiat lux - faça-se a luz”. “Verde” significa vigor; frescor; esperança e calma. É derivado do latim “viridis”, e contém o anagrama “dever”, que pode ser desmembrado e resultar em “de ver”. Assim, há no título uma combinação de criação com vida e vislumbre. “Cabelo”, por sua vez, provém do latim “capillus”. Remete-nos à ideia de células mortas, de algo corporal que já não é vida, mas que faz parte dela e sobrevive a ela. No primeiro parágrafo, o autor nos submete a um tempo indefinido, um lugar qualquer, utilizando pronomes indefinidos, que nos remetem à imaginação – “Havia uma aldeia em algum lugar...”, e essa aldeia era como qualquer outra, nem maior nem menor, com uma condição humana em geral, velhos que velhavam, nascimento e crescimento. Todos com muita sensatez, bom senso, suficientemente – nada de mais, nem de menos -, menos uma meninazinha (zinha: mulher qualquer), sem juízo, bom senso; a que por enquanto. Este por enquanto se relacionará à consciência da morte. Aquela, um dia – sem nome e em tempo indefinido -, saiu de lá com uma fita inventada no cabelo. A menina imagina (daí a invenção da fita) reencontrar a avó bem. Com um cesto – cabaz fundo às vezes com tampa; cabaça (fruta); cabaço (referente à primeira vez com a morte) – vazio, para buscar framboesas - fruto de um arbusto espinhoso -, na qual nos remete ao significado de aventura, das experiências que colhemos ao longo da vida; e um pote – recipiente para líquidos – que continha um doce em calda, foi-se a menina atravessar – passar através de; transpassar; cruzar; transpor; atravessar dificuldades; resistir - o bosque, foi lançada ao mundo. Do lobo, só restara o medo, pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. O passar do tempo e a longitude das coisas não são notados, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são. E assim, Fita verde seguiu, por um caminho de sua própria

escolha, louco e longo, pois escolhas não são feitas apenas pelo mais fácil, encurtoso, e encantava-se com tudo o que via. Demorou, mas chegou à casa da avó. Ao som proveniente da onomatopeia toque toque, a vó respondeu “Quem é?”, Fita verde então descansa a voz, numa expressão de alívio por encontrar a avó viva – “Sou sua linda netinha, com cesto e com pote, com a Fita Verde no cabelo, que a mamãe mandou.”- e a avó responde com dificuldade – Vai, a avó difícil, disse: - "Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus a abençoe". A avó estava doente, com um falar agagado e fraco e rouco, assim, devia ter apanhado um ruim defluxo, e sua netinha deveria aproveitá-la enquanto é tempo, pois a morte está próxima. Fita Verde percebeu que perdera no caminho sua grande fita verde no cabelo, perdera talvez a esperança, e se depara com a tão estranha morte, como se fosse ter juízo pela primeira vez – como se fosse entender, comparar e tirar conclusões baseadas agora no conhecimento do mundo. E a menina gritou “-Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!...”, medo da morte.

Conto: Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque (Publicado originalmente em 1979)

Assim como Guimarães Rosa em seu conto Fita Verde no Cabelo, analisado anteriormente, Chico Buarque recria nessa estória o clássico Chapeuzinho Vermelho, porém de maneira a ser destinada ao público infantil – o próprio formato do livro, com suas ilustrações simples e páginas com textos curtos, dão ao leitor esse indicativo. Para a análise desse conto, novamente se faz necessário o desvelar anatômico e fisiológico da estória como proposto por Vigotski (1999), já que o autor se utiliza das mais diversas figuras de linguagem ao longo de todo o texto, enchendo de simbolismos as transições de uma passagem a outra.

O próprio título do conto – Chapeuzinho Amarelo – já transmite, por si só, mais do que uma diferenciação com o conto clássico que lhe serviu de inspiração, mas, principalmente, uma ideia de oposição a ele: enquanto a primeira se caracteriza por uma bravura excessiva que chega a beirar a irresponsabilidade, a segunda, caracterizada pela cor amarela, faz-nos remeter à expressão “amarelo de medo”, ou seja, a alguém que teme algo. Essa primeira impressão se confirma ao longo da estória, em que o autor descreve uma Chapeuzinho extremamente medrosa, tanto em relação aos perigos da vida real – colocados no texto através de metáforas sobre atividades cotidianas, como pode-se observar no trecho Em festa, não aparecia./Não

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subia escada/nem descia –, quanto em relação à realidade proporcionada pela fantasia – como pode-se observar nos trechos Ouvia conto de fada/e estremecia e Então vivia parada,/deitada, mas sem dormir,/com medo de pesadelo. Nesse último trecho destacado, pode-se observar ainda um medo que Chapeuzinho possui de si mesma, já que os pesadelos, bem como os sonhos, remetem à nossa própria realidade psíquica (FREUD: 2001). Esse medo é descrito como sendo algo tanto característico do corpo de Chapeuzinho por conta das somatizações que gera – Não estava resfriada,/mas tossia. –, quanto algo de cunho imaginativo – E de todos os medos que tinha,/o medo mais que medonho/era o medo do tal do LOBO./Um LOBO que nunca se via, –, sendo esse último ainda, a fonte de seu maior temor, mostrando então o quão poderoso pode ser o psiquismo na determinação das condições de vida do ser humano. Então, em determinado momento da estória, Chapeuzinho se depara com seu maior medo – o lobo – e há de imediato uma inversão de papéis: assim que encontrou o LOBO,/a Chapeuzinho Amarelo/foi perdendo aquele medo; Já não era mais um LO-BO/Era um BO-LO. Chapeuzinho Amarelo perdera seu medo, pois assim que vê o lobo, percebe-se de frente também a uma contradição: a de sua fantasia do lobo com a verdadeira realidade dele – no caso, um ser não tão onipotente, já que tenta convencê-la aos gritos de que deve ser temido, como se observa no trecho Ele então gritou bem forte/aquele seu nome de LOBO/umas vinte e cinco vezes,/que era pro medo ir voltando. E assim, a menina perde todos os seus medos, pois passa a experimentar a realidade, o que até então não fazia em seu estado de completa estagnação, pois aquele cuja função era comê-la, passa a ser fonte de alimento para ela – um bolo –, ou seja, metaforicamente, Chapeuzinho “degusta” (vive a experiência) não somente com o lobo, mas com todo o resto sobre o que fantasiava. Dessa maneira, a estória também deixa claro o quão importante (e poderosas) são as fantasias.

Considerações Finais

Através da arte, uma das formas mais livres de expressão do ser humano, é possível identificar e

compreender, a partir dos mais diversos tipos de obras, tanto os pensamentos quanto os sentimentos das pessoas e grupos socioculturais dos quais estas fazem parte. Nesse sentido, a obra se liberta do autor quando se coloca à disposição do receptor. Os contos que foram aqui analisados (novas versões de um conto clássico) são, portanto, o reflexo da sociedade moderna, em que as crianças têm a necessidade de aprender, cada vez mais cedo, a lidar com a realidade e as dificuldades da vida, bem como o conto clássico em que se inspiraram, que segue o contexto do período em que foi criado e propagado. Portanto, é impossível dissociar Psicologia e arte, uma vez que, como foi visto, a própria subjetividade apresentada nos textos artísticos analisados se configura de forma diferenciada conforme a visão de mundo que se tem do significado do aprendizado de valores que vão nortear a existência humana.

Referências Bibliográficas

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FREUD, S. (1900). A Interpretação de Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 2001.

LISPECTOR, C. A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

QUINTANA, M. Apontamentos de História Sobrenatural. Porto Alegre: Globo, 1977.

VIGOTSKI, L. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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EDUCAÇÃO

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EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE: EFEITOS DO ENSINO TRADICIONAL E DA

EDUCOMUNICAÇÃO

Autores: Bárbara Araújo Perrella; Carollina Fernandes de Araújo; Daniele Costa; Débora Wertheimer Bonder; Milena Klinke; Rosemeire Bastos Paes; Suelyn Natasha Marsicano Lopes; Tatiana Beatriz de Carvalho Sant Anna.

Orientadora: Profa. Dra. Vania C. Sequeira

Para compreender melhor o construto da subjetividade é preciso considerar alguns processos históricos. A psicologia surge como ciência no século XIX e uma das pré-condições socioculturais para o seu aparecimento foi a experiência da subjetividade privatizada. Este sentimento se relaciona ao desejo de liberdade e autonomia responsabilidade perante sua vida. O homem passa a se valorizar muito e, consequentemente, a se ver como o centro do mundo. A subjetividade pode ser entendida como aquilo que diz respeito ao individuo, algo que é subjetivo, interno e se relaciona dialeticamente com o objetivo, aquilo que é externo ao sujeito. (SILVA, 2009)

Contudo, uma vez que o conceito de subjetividade é um conceito relacional - não sendo possível tratar dele sem relacioná-lo com o conceito de sociedade e todas as suas implicações como a socialização, o indivíduo, o coletivo e a cultura - só é possível compreendê-lo se for levado em conta a ideia de que o indivíduo é constituído pela sociedade a que pertence assim como a constitui, em uma relação dialética. Nessa perspectiva, o sujeito forma e é formado pela sua realidade cultural e social. (STELLA, 2007)

O processo de socialização e constituição subjetiva se dá, em primeiro lugar, nas primeiras redes de contato com o outro. É na socialização primária que o indivíduo se apropria de sua realidade e passa a constituir a sua subjetividade, desenvolver a sua personalidade e dar continuidade à dinâmica social da qual faz parte. (STELLA, 2007). Essa ideia dá ênfase a esse momento primário e aos processos educativos que fazem parte dele.

A proposta de educação tradicional existe graças à herança histórica. A educação sofre transformações e o século XVIII ganha muito com as ideias de Rousseau na afirmação sobre a dialética existente

entre o ato educativo, a liberdade e autoridade. A partir da Revolução Francesa, diversas alterações passaram a ocorrer e com todas as mudanças, a escola também sofreu processos de revisão e reorganização. (WREGE, 2012).

Os dois últimos séculos foram marcados pelas necessidades de produção estabelecidas pela sociedade industrial e a escola seguiu esse padrão de funcionamento, assumindo cada vez mais tarefas de reprodução e transmissão. (WREGE, 2012 apud CAMBI, 1999, p.41).

No modelo tradicional parte-se do pressuposto de que inteligência é a habilidade humana de armazenar informações (LEÃO, 1999), assim, o conhecimento adquire um caráter cumulativo e o papel do sujeito no processo de aprendizagem é de passividade. (LEÃO, 1999 apud MIZUKAMI, 1986). Sendo assim, o professor é quem domina os conteúdos que são organizados de maneira lógica e estruturada para serem transmitidos aos alunos. (LEÃO, 1999 apud SAVIANI, 1991) A metodologia expositiva de ensino reforça essa lógica, então o processo de aprendizagem passará a ser considerado de sucesso se o aluno tiver absorvido o conteúdo de modo a ser capaz de reproduzi-lo; (LEÃO, 1999) o aluno, por sua vez, só é considerado bom se obedece e assimila o conteúdo integralmente. Assim, o programa de ensino, segue uma programação estabelecida previamente para todo o ano letivo (COTRIM, 1989). A pedagogia tradicional tem como papel a transmissão de saberes e valores estabelecidos pela cultura dominante. Essa concepção segue o pressuposto da existência de um ser humano idealizado, caracterizado por virtudes intelectuais, físicas e morais.

A proposta tradicional possui hierarquia rígida, não há uma consideração formal da participação de todos, mantendo assim uma posição de subordinação e subordinado. Com isso, tanto a educação que chega às favelas e aos ricos, chega do mesmo modo: pronta na escola, no livro e na lição. Nem pais, nem alunos e nem professores podem palpitar sobre a educação das crianças, educação esta que será reproduzida pelos professores a partir de ideias prontas sobre educação e de conteúdos impostos a ela. Quem define a prática político-pedagógica são os donos do poder político. Assim, a educação é a esfera com um dos menores espaços de trabalho social no que diz respeito à prática comunitária e democrática. (BRANDÃO, 1999)

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Há cerca de um século e meio foram elaboradas algumas propostas que visavam romper com o modelo tradicional de educação. Um desses movimentos foi a chamada “educação democrática”, que consiste em características como a participação de educadores e alunos na gestão da escola, relações sem hierarquia e organização pedagógica que possibilita os estudantes a definir suas trajetórias de aprendizagem, sem um currículo pré-determinado (WREGE, 2012).

Partindo da ideia de que a educação é um processo que visa o desenvolvimento do ser humano nos aspectos morais, intelectuais e que promove sua inserção na sociedade. De acordo com Paulo Freire (1996), a "educação não deve ser uma mera transmissão de conhecimento, mas criar uma possibilidade do educando construir o seu próprio conhecimento baseado no conhecimento que ele trás de seu dia-a-dia familiar”. (p.47). Visando a constituição de sujeitos autônomos e reflexivos o autor rompe com o ideário tradicional de educação e afirma que a conscientização é fundamental para uma educação realmente liberadora. (FREIRE, 1983). Freire (2008) critica o modelo tradicional de educação considerando-a como uma “consciência bancária”, ou seja, modelo baseado na relação vertical entre o professor e o aluno, implicando num papel passivo do segundo frente ao primeiro, suposto detentor do conhecimento.

Um dos aspectos essenciais para que um ser possa assumir um ato de compromisso está na práxis, na atuação e na análise mental sobre sua ação-reflexão, uma consciência libertadora, capaz de exteriorizar suas atitudes, no exercício democrático da reflexão, sobre seu estar no mundo, e de agir sobre o mundo (FREIRE, 2008).

A educação é um ato político e pedagógico, nunca neutro, que conduz este ser de relações à produção e construção do seu conhecimento, assim a educação é um processo constante, do qual o homem é protagonista e não o objeto. O sujeito é um ser ativo no processo de educação e aprendizagem. (FREIRE, 2008)

A educomunicação é uma proposta educativa diferente do modelo tradicional que vai além da educação e se utiliza do uso dos meios de comunicação para produzir conhecimento. Ela é caracterizada pela inter-relação entre comunicação e educação. A educomunicação visa integrar todas as possibilidades de educação e conhecimento com a produção de comunicação. Seu objetivo é a análise crítica da mídia e, principalmente, "a criação de

ecossistemas comunicativos abertos, democráticos e participativos. Pretende-se, assim, uma reapropriação dos espaços educativos pela comunidade escolar, entendida como alunos, professores, pais, funcionários etc., na medida em que ampliam suas formas de expressão por meio de novas formas de linguagem e do uso das tecnologias.” (CAMPOS, DEPPE, LEÃO, NAZARIO, 2005, p.8).

Por meio do acesso à comunicação, a educomunicação pretende levar à independência e autonomia de adolescentes e jovens. Utiliza meios de comunicação - rádio, jornal, revistas, televisão, blogs, entre outros - para a apropriação de possíveis conhecimentos e experiências de interesse de cada sujeito (PERUZZO, 2007). A ideia é fazer com os meios de estejam a serviço dos interesses e necessidades dos educandos, para que todos exerçam o direito à livre expressão e tenham acesso às tecnologias da informação. A partir disso, a prática pedagógica da educomunicação visa construir uma perspectiva crítica em relação à comunicação de massa; processos que tenham como resultado a formação cidadã dos educandos e que promovam um diálogo horizontal nas relações de poder na escola e na comunidade.

A educomunicação pode ser praticada em processos de educação formal, como no ambiente escolar e também em processos de educação não formal, ou seja, nas experiências do cotidiano. A ideia da educomunicação não formal é a de que “se aprende não só nas escolas, colégios e nas universidades. Aprende-se também por intermédio dos meios de comunicação, na vivência cotidiana, nos relacionamentos sociais, nas reuniões das equipes, nas práticas comunicativas no âmbito da comunicação comunitária [...], ou seja, por dinâmica de educação informal e não formal.” (PERUZZO, 2007, p.79).

Uma das formas de aplicação da educomunicação não formal é por meio da rádio comunitária. Nessa prática, o sujeito aprende por meio da produção coletiva de um programa de rádio, desde a escolha do tema até a elaboração do roteiro, passando pela decisão das funções de cada um e garantindo o direito de todos nesta construção. Esse processo garante um desenvolvimento integral da pessoa, pois o sujeito se percebe ativo, à medida que escolhe o que deseja aprender. Assim, ao sujeito é dada a possibilidade de desenvolver, produzir e apresentar coletivamente o que sente e pensa sobre um determinado assunto (PERUZZO, 2007).

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Método

Trata-se de um estágio em psicologia social, cujo objetivo foi aprofundar o contato com a temática subjetividade e educação. O contato com campo de Estágio foi feito com seis entrevistas semiestruturadas com jovens de ambos os sexos, de 14 a 17 anos, de escola tradicional sem e com a ação de um projeto de Educomunicação.

Análise

Os dados coletados foram analisados com o objetivo de compreender aspectos referentes à constituição da subjetividade relacionados à educação. Para tanto, buscou-se observar diferentes conteúdos, dentre eles, criatividade, autonomia, solução de conflitos, autoimagem/ identidade, relação com o outro, relação com a escola ou com a ação de um projeto de Educomunicação.

Observou-se, a partir das entrevistas, que os alunos de escola tradicional, que não fazem parte de nenhum projeto que envolva o estímulo à reflexão, apresentam menos autonomia, criatividade, habilidade para solucionar conflitos, relacionar-se com sua autoimagem e com o outro. Esses aspectos podem ser observados na resposta de um jovem de escola tradicional, sem interferência do projeto, a respeito das regras de sua escola e do conhecimento acerca de quem as criou: “Quem define? É, eu não sei não [...] nunca parei pra pensar” Essa frase demonstra sua adaptação e passividade em relação ao meio. A autonomia e a reflexão fazem parte da constituição do sujeito, de acordo com a socialização deles. A partir disso, é possível pensar na importância do meio, no caso a escola, para a construção desses aspectos subjetivos.

Isso se revela também, por exemplo, quando os jovens se deparam com conflitos; eles tendem a buscar ajuda de alguma figura de autoridade, como diretores, professores ou familiares. Como no relato do entrevistado, quando questionado sobre como soluciona conflitos com colegas, ele respondeu “ah, eu vou falar com o diretor, com o supervisor, aí eu resolvo [...] basicamente [...], eles suspendem.... chegam até a expulsar, se for preciso”. Isso reforça a ideia de falta de reflexão acerca da ideologia vigente de que a “autoridade” detém o conhecimento, a sabedoria e, portanto, maior capacidade para solucionar conflitos.

Uma vez que há pouco incentivo à reflexão, o jovem é levado ao engessamento de comportamentos, tornando-se passivo e não agente de sua história. Paulo Freire (2008) destaca que o

homem é o protagonista de sua própria educação, não o objeto dela, o que o torna um reprodutor de um saber inautêntico, coisificado, perdendo assim, a sua singularidade.

Os discursos de alguns alunos da escola tradicional apontam um “saber” encaixotado, sem questionamentos: “[...] não funciona muito descumprir as regras, por que quem descumpre é punido e acho que não vale a pena [...]”; “[...] tem que obedecer às regras que foram impostas [...]”. Deste modo, são constituídos sujeitos acríticos, dependentes do pensamento de supostas figuras de autoridade, seres adaptáveis às exigências do meio escolar. A meta do modelo educacional cede espaço para a reprodução de conteúdo acumulado, ao invés da aprendizagem propriamente dita, que seria e subverte a lógica educacional. Ou, como diria Paulo Freire (2008), a educação passa a ser tratada como um processo de adaptação e não, como deveria ser, de transformação ao aproveitar as possibilidades do ser em ação.

Em relação aos participantes do projeto de educomunicação, é possível considerar que os jovens se diferenciam em alguns aspectos, tais como, a consideração da opinião dos demais, maior grau de exposição de suas ideias e reflexão sobre seu cotidiano na escola. Como consequência estes jovens dispõem de mais autonomia e de mais recursos para se relacionarem com o outro. Estes, no geral, desenvolvem relações de melhor qualidade com os que os rodeiam.

As observações acima descritas acerca da constituição dos sujeitos em seus meios educacionais levam à compreensão de que houve diferenças na postura dos adolescentes das escolas tradicionais em comparação com os participantes do projeto de educomunicação. Freire (2008) entende que quanto mais o homem for rebelde e insubmisso, no sentido da busca pelo conhecimento tanto mais criador será, em todo homem existe um ímpeto criador, “a educação é mais autêntica quanto mais desenvolve este ímpeto ontológico de criar” (FREIRE, 2008, p.32), apesar de em nossa sociedade se dizer que rebelde é um ser inadaptado, o aluno deve ter a oportunidade de ser ele mesmo, casa contrário, estar-se-á negando a educação e domesticando os educandos.

Em algumas entrevistas notou-se maior reflexão, como na entrevista de uma jovem que participa do projeto de educomunicação. Quando questionada sobre como seria a escola ideal ela disse: “Uma escola ideal? Onde as aulas não fossem com as

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cadeiras enfileiradas, fossem em roda, pra todo mundo poder se olhar, onde a gente pudesse organizar um grêmio, porque na minha escola não tem isso, e eu acho que é super importante porque tipo agora, com o problema que a gente ta tendo com a professora de matemática, a gente não tem ninguém pra recorrer [...].”.

O discurso das pessoas que fazem parte do projeto, muitas vezes, revela-se no que Paulo Freire (2008) chamou de práxis, reflexão e ação, teoria e prática. É uma visão de mundo alargada pelo espaço do saber e do conhecimento. Quando questionada sobre o seu futuro, uma das entrevistadas do projeto respondeu: “Eu quero fazer tanta coisa. Eu não sei... acho que eu queria ter uma escola de teatro [...] Que fosse tipo um projeto do governo e que a gente conseguisse colocar isso nas favelas, sabe? Nos lugares onde realmente as pessoas precisem, sabe? Porque um curso de teatro hoje é um absurdo quando você vai pagar [...] como que uma criança de uma região carente que nem sabe o que é um teatro, nunca foi num teatro, vai conseguir pagar um negocio desse? Nunca! Então ela nem vai tentar a chance de ser um ator, nem saber se ela gosta daquilo [...].”.

Assim como Paulo Freire (2008) destaca, que o homem é o protagonista de sua própria educação, não o objeto dela, que o torna um reprodutor de um saber inautêntico foi possível observar na análise de alguns relatos das pessoas que fazem parte do projeto de educomunicação que há maior liberdade para refletir e maior naturalidade para expor opiniões e reivindicar por possibilidades de ações que visem à melhoria do processo ensino-aprendizagem.

Considerações Finais

Assim, é possível afirmar que devido aos métodos reflexivos da educomunicação os jovens que fazem parte do projeto apresentam um melhor posicionamento acerca de si e do outro. Enquanto os jovens que estudam em escolas tradicionais demonstram maior passividade e alienação. As falas dos alunos envolvidos no projeto de educomunicação são críticas, ricas em questionamentos e resolução de conflitos, aparentando não só discurso, mas potencial de ação, e isto leva ao melhor desenvolvimento da autonomia, criatividade, solução de conflitos, autoimagem/ identidade, relação com o outro.

Conclui-se que a interferência de um projeto com ideias diferentes das tradicionais, é um caminho muito interessante para a constituição dos sujeitos.

Referências Bibliográficas

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EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE NA

TERCEIRA IDADE

Bruna da Silva Rocha; Carina Carrara Gasparinetti; Johny Welton Brito da Silva; Leonardo Rinaldo Del Paggio; Luara Cristina Tort; Tamiris Ferraz.

Orientadora: Profa. Dra. Vania C. Sequeira

A Organização Mundial de Saúde - OMS define idosas pessoas com 60 anos ou mais, para países em desenvolvimento e com 65 anos ou mais em países desenvolvidos. Essa definição baseia-se na idade cronológica que corresponde ao declínio das capacidades físicas. Contudo, este critério não é único e determinante, a terceira idade é produto social de um determinado grupo em um determinado tempo e espaço e, tem sido vista não só como fase de doenças e limitações, mas de crescimento pessoal e aprendizado (CAMARANO, MEDEIROS, 1999). Segundo Beauvoir (apud VERAS, 1987) a velhice deve ser compreendida em sua totalidade, pois durante esse período ocorrem diversas mudanças biológicas que acarretam em consequências e alterações psicológicas, ou seja, além da questão física, o idoso modifica sua relação com a subjetividade e com o mundo.

No que se refere ao processo de envelhecimento, ele não se dá da mesma forma em todos os indivíduos, muitas das perdas associadas à velhice na verdade são mitos, e não estão associadas a essa fase da vida propriamente dita, mas são efeitos de doenças já estabelecidas por outros motivos. A respeito do desenvolvimento psicossocial algumas pessoas ao chegarem a terceira idade fazem uma avaliação da própria vida, concluem situações inacabadas e direcionam sua energia e planos a respeito de como passar os seus últimos dias, meses ou anos. (PAPALIA e OLDS, 2000).

Apesar da redução dos índices de pobreza no Brasil nos últimos anos, a desigualdade social ainda é muito grande (SILVA, 2010), ela pode ser percebida no acesso aos serviços de saúde, educação, moradia, trabalho etc. que marcam a diferença entre “ricos” e “pobres”. Por exemplo, idosos brasileiros com menor renda mensal, tendem a ter piores condições de saúde, menor mobilidade física e também menor uso dos serviços de saúde (LIMA-COSTA et. al., 2003). Uma importante conquista na garantia da cidadania na terceira idade foi o Estatuto do Idoso, documento que estabelece por lei os direitos dos idosos, cujo objetivo é promover e facilitar a inclusão social e garantir os direitos desses cidadãos.

De acordo com ele, é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. A educação não se restringe apenas ao processo de alfabetizar, mas está atrelada a contínua capacidade de o indivíduo aprender sempre, portanto revela-se nas diversas fases da vida e na manifestação de diversos conteúdos e habilidade, dentre essas fases encontra-se a terceira idade. De acordo Papalia e Olds (2000, p. 519) Idosos podem aprender novas informações e habilidades, de modo ainda mais significativo se o material e o método levam em conta as mudanças psicológicas, fisiológicas e cognitivas presentes nessa fase. Paulo Freire (2007) discorre como ocorre na prática uma pedagogia que proporcione uma educação democrática e crítica. A educação de idosos, também deve ser crítica e reconhecer as necessidades específicas dessa fase da vida deve propor-se a ser dialógica. O educador-educando também deve ser favorecido em sua emancipação e visão crítica do mundo.

O objetivo do estágio foi compreender o lugar que as atividades educacionais ocupam na vida do idoso.

Método

Trata-se de um estágio em psicologia social, cujo objetivo foi aprofundar o contato com a temática subjetividade e educação, a partir do recorte terceira idade e processo educativo. Foram colaboradores12 idosos e 2 profissionais de três espaços com atendimento ao público de terceira idade na cidade de São Paulo. Utilizou-se um roteiro semiestruturado com itens sobre as atividades desenvolvidas e aprendizagem.

Análise

O envelhecer não é hegemônico, por tanto nem o modo de lidar com a velhice o é. “A velhice é feminina” de acordo DM. (inst. 1). Dos 12 idosos entrevistados, 10 eram do sexo feminino. A viuvez e a maior expectativa de vida entre as mulheres pode ser uma explicação, outra hipótese é que as mulheres quando idosas tendem a se engajar mais em atividades de educação formal e não formal.

As doenças psicossociais e biológicas, assim como os declínios, ainda que variáveis de um indivíduo para outro, tem sua força, mas podem ser consequência de outros fatores. “(...) alguns apresentaram depressão, rede social pequena, duas ou três

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doenças crônicas.” “(...) E quem sente o declínio, sofre, ele não vai gosta disso” (DM. inst.1). “É mais difícil porque vamos ficando mais debilitado com as doenças, principalmente artrose, não tem como você fugir da bendita a osteoporose também, não tem como você escapar.” (D. 60 anos, professora da inst. 2). Faz-se interessante observar que o discurso sobre as doenças e declínios foi mais comum entre a população da instituição 2, com condição socioeconômica mais baixa, confirmando o apontado por Lima-Costa et al. (2003).

As atividades e responsabilidades dos idosos são diversas, além do cuidado com filhos e netos “Ah eu fico em casa cuidando dos netos, (...) Ah gosto, demais, dá trabalho, mas a gente tem que aguentar, né, é neto!” (D. 65 anos, inst. 2), e a manutenção da vida profissional como na costura de M. E. (63 anos, inst. 2) ou no fazer e vender sabão de B. (71 anos, inst 2). A chegada a aposentadoria parece adiada em algumas situações “Bom, agora eu já estou aposentada, trabalhei até o ano passado (...)” (Mi. 74 anos, inst. 3). Os idosos com melhores condições socioeconômicas apresentaram atividades mais voltadas à cultura e cuidados com o corpo, como frequentar academia. “Bom, eu levanto, tomo café, saio com o cachorro, dou uma olhada na internet, respondo meus emails, cuido da casa e a tarde eu venho para o curso. E a noite vou pra casa e leio, leio, leio, leio e leio.” (I. M. 62 anos, inst. 3).

Muitos aproveitam para fazer cursos e até se alfabetizar, já que não tiveram essa possibilidade quando mais jovens por diversos motivos. Por fim, a terceira idade para alguns idosos se mostrou como espaço para ressignificação e possibilidade de realização do que não foi possível antes, configurando os novos grupos de idosos como apontado por Camarano e Medeiros (1999) e com novos desejos de significar as suas vidas, aproveitar seus passatempos ou fazer o que quando jovens foram impossibilitados (PAPALIA e OLDS, 2000). “Como eu trabalhava não tinha oportunidade, então quer dizer, tudo o que eu não pude fazer enquanto trabalhava, estou fazendo agora.” (Mi. 74 anos, inst. 3)

A relação dos idosos com suas famílias é bastante diversificada. Há idosos que moram sozinhos, casados sem filhos (morando com o cônjuge), casados com filhos (morando apenas com o cônjuge), casados com filhos (em que um dos filhos mora com o casal) viúvo e morando com um dos filhos ou todos eles. A boa relação com a família ajuda o idoso a adquirir, principalmente, sua autonomia. Essa característica é amplamente valorizada pelos idosos entrevistados, uma vez que através do auxílio familiar o idoso torna-se capaz de realizar suas atividades e tem o incentivo adicional

necessário para frequentar ambientes novos. Por vezes a relação com a família é difícil, como relatado pelos idosos e pelos profissionais entrevistados. Ao invés de auxiliar os idosos, esses familiares trazem problemas, chegando até a maltratá-los em alguns casos. Observou-se que a violência familiar muitas vezes passa pelo financeiro, segundo DM., instituição 1. A família ao invés de dar suporte psíquico e financeiro ao idoso torna-se dependente de sua renda, desta forma retira os benefícios conquistados através de uma vida de trabalho. Muitos deles retiram a autonomia do idoso, segundo o entrevistado DM., instituição 1, “Muitos moram sozinhos são independentes, às vezes tem problemas e nem querem contar para os filhos com medo tirarem sua liberdade e autonomia, lógico que tem muitos que moram com os filho e muitos que os filhos moram com os pais.”

A instituição 1 tem como objetivo oferecer oficinas e atividades que estimulem a aprendizagem e integração social, considerando os aspectos biopsicossociais do envelhecimento, estimulando a independência e autonomia do idoso, e assim uma maior qualidade de vida. Localizada na Zona Norte de São Paulo, tem esporte, lazer, cultura e educação, como por exemplo, Ioga, Vôlei, oficinas de Informática, alfabetização, pintura, artesanato e sessões de cinema, todas as atividades respeitando as particularidades da terceira idade. Contam com uma biblioteca que possui obras sugeridas pelos próprios idosos, como livros espíritas, autoajuda e publicações especializadas em gerontologia. Além das atividades regulares, promove diversas atividades extras, de acordo com DM., ocorrem eventos de dança, saraus e encontros, que são solicitados pelos próprios idosos, assim, é conferida uma especial atenção ao interesse dos frequentadores, mantém as portas abertas à comunidade, e aos voluntários que realizam as atividades, que também são idosos. Trabalha ainda com promoção e prevenção de saúde, ainda segundo DM, o trabalho é feito em conjunto com outros profissionais, como assistentes sociais, médicos, psicólogos e fisioterapeutas, como por exemplo, durante o mês de Setembro ocorreu o dia mundial do Alzheimer, doença característica da terceira idade, e foram feitas campanhas de conscientização, com médicos ministrando palestras sobre o tema.

Outro local visitado foi uma associação de bairro (instituição 2), localizada na zona leste, que desenvolve atividades de alfabetização, bordado, pintura, crochê, tricô, ginastica, dança além de promover bingos e bailes para os idosos e seus

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familiares. O publico que participa dos cursos são idosos entre 60 e 80 anos, sendo a maioria que nunca frequentou a escola. A associação sobrevive financeiramente por meio de doações dos familiares dos idosos, ou em alguns casos os próprios alunos arcam com as despesas das aulas, como no caso da ginastica, na qual os professores não são voluntários e que segundo D. R., presidente da Associação, é uma das atividades mais procuradas.

A instituição 3 é uma universidade aberta que recebe idosos e possui cursos nas áreas de psicologia, humanidades, saúde, artes, línguas, informática e também realiza atividades como coral e teatro. Além disso, há organização de passeios, excursões e visitas culturais dependendo da disponibilidade. As experiências educacionais voltadas à atualização, capacitação e novas competências, além de promover um espaço para a sociabilidade e crescimento pessoal.

Nas 3 instituições visitadas, o desenvolvimento da sociabilidade é uma das características que se mostra forte. No decorrer do trabalho fica evidente que sociabilidade age de forma restauradora na afetividade e na autoestima. Evita o isolamento e cria um espaço para a integração social, Como exemplificado pelas falas dos colaboradores “Ah filho, a ajuda muito, por que só de estar aqui junto com todas elas, com a professora, muito boa, com as amigas, ajuda muito!” (M. 60 anos, inst. 2); “Com as outras? Ah é muito boa também, gosto de todas elas. Sinto muita falta quanto elas não vem.” (D. 65 anos, inst. 2); “Encontramos depois do café, batemos papo. São todas senhoras já, com família constituída, na mesma situação, então, é muito bom. Os problemas são os mesmos.” (Mi. 74 anos, inst. 3)

A socialização ocorre através da união das pessoas para satisfazer os próprios desejos, incorporando seus impulsos e interesses. Transforma o isolamento individual em modos de ser e estar com o outro e para o outro. Em alguns dos relatos a relação entre os participantes se estende para fora do ambiente de estudo. Em uma das entrevistas é ainda mais visível à importância da relação entre estudante-professor, quando no relato a estudante diz ter se baseado algumas vezes, durante a escolha do curso, no profissional e não no conteúdo.

Os locais estudados mostraram-se ambientes que oferecem condições de inserir o indivíduo em um meio social criando ligações afetivas com este espaço e promoção do bem-estar. A educação voltada para idosos deve propor o idoso como coparticipante (CACHIONE, NERI, 2004), ativo

na sua educação e reconhecedor da sabedoria que já se possui. Próximo a esse modelo, D. M., profissional da inst. 1, na educação não formal de idosos deve “(...) estar sempre aberto sair do mecânico, temos para isso toda uma preparação para estarmos sempre em renovação, vendo o interesse dos idosos para adequar isso.” E em que os “cursos são lecionados pelos voluntários, e as atividades são adaptadas”. Os idosos aqui são colocados como protagonista na escolha do material que estará na biblioteca e alguns destes ainda são voluntários que transmitem o que sabem ao outro e que nesse processo como diz Z. (60 anos, inst.1) voluntária e usuária da inst. 1“Pensa que esta ajudando, mas na verdade estamos aprendendo”.

Estudar na terceira idade também tem suas limitações nas condições que a saúde e os declínios colocam. Mas as carências também aparecem como na dificuldade de produção ou acesso a material sobre a educação gerontológica apontada por D. M.inst.1, relata que “(...) é um desafio e é até meio frustrante estudar educação no envelhecimento, porque não existe material publicado, muito pouco.” Mais grave é a falta de preparo do sistema público em atender essa demanda, sem profissionais com formação adequada e que são acusados pela palavra de M. (60 anos,inst.2) “Ah aqui ... eu acho bem mais fácil para a gente aprender viu, do que na escola sabe, por que já teve até amiga minha que teve aqui estudando e achou que não estava aprendendo e foi para escola normal e lá ela ficou mais atrasada ainda (...)” É também o que é trazido por D. (60 anos, inst. 2) professora voluntária de alfabetização “(...) e elas não tem como, pegar na mão, como elas chegam aqui, “não sei nada”, ai eu conheço umas letrinhas, mas não sei juntar, então você tem que pegar na mão, uma professora que tá na prefeitura que tem 40 alunos, não vai fazer mais isso. (...) Aprendeu, não aprendeu, a gente tá ali ensinando a gente faz o que pode, e na escola não tem isso. Lá, passa na lousa, copiou, copiou, não copiou.”

Entender o significado de aprender nessa fase da vida para um idoso leva a um resgate da história do sujeito e da sua situação atual. A educação para alguns foi direito negado, condição opressora que negou pronúncia do mundo e de si mesmo (FREIRE, 2012) “Por que quando eu era pequena não tive oportunidade de estudar. Meu pai não deixava a gente estudar, só os filhos homens que teve oportunidade e botava a gente para trabalhar na roça.” (H. 53 anos, inst.2); negada também pela vergonha na dificuldade que não foi acolhida “Ah, eu comecei agora nesse mês, aprender lê, porque quando eu era menina eu fiquei 5 anos no 1º ano e não consegui aprender, ai eu fiquei com vergonha porque eu já tinha 12 anos, e , ai eu falei pra minha mãe que eu não queria ir mais, ai eu parei de estudar.” (M. E. 63 anos, inst.2); pelo desamparo “É porque eu nunca

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estudei. (...) ai eu não pude estudar por que meu marido me largou, ai ele morreu junto com a amante não morreu na minha companhia. Ele me deixou o mais velho 11 anos e uma menina de 3 meses e os outros tinham 5anos, 7anos, 9anos. Ai eu fui estudar, deixava eles sozinhos depois eu pensei bem por que eu estudava a noite, ai eu larguei não fui mais.” (B. 71 anos, inst.2). Para esses idosos só agora é possível à transformação histórica, a possibilidade de ser sujeito que fala, que escreve.

A educação para estes a quem foi negada, agora é libertação, é garantia de autonomia, do direito a identidade “Ah pra escrever né, por que quando eu entrei aqui nem meu nome eu sabia escrever direito, aqui hoje eu já escrevo bem melhor, adiantou bastante!” (M. 60 anos, inst.2) do direito de ir e vir “Ah por que eu sofri muito, eu não sabia nada, os ônibus tudo passou, sofria muito, não sabia nada, eu perdia, pegava muito ônibus errado, muito, e agora que surgiu essa oportunidade para mim né, muito bom mesmo, que eu também não tinha tempo, então agora foi a minha chance!” (D. 65 anos, inst.2) do direito ao trabalho “eu costuro, e vai as clientes em casa e as vezes eu quero marca o nome delas , a eu falei assim, eu me senti vergonha né, assim um pouco, de escreve a letra feia, ai eu comecei me interessei em vim.” (M. E. 63 anos) do direito a fé “(...) De ir a missa, ler, pegar o folheto da missa, chegar em casa pegar a bíblia o sonho deles, mais para ler é para isso.” (D. 60 anos, professora voluntária na inst.2).

Para outros a educação não é inicio, é continuidade. É expansão do que se pode ser “Te alarga os horizontes” (M, 74 anos, inst.3) “Eu acho que sempre tem que tá se informando, lendo, procurando... Tá sempre atualizado porque as mudanças são muito dinâmicas, então é isso.” (C. 62 anos, inst.3), é momento que a educação ganha prazer, “Bem, agora é ate mais gostoso, porque não tem pressão.” (C. 62 anos, inst.3) e em que há relações de educando-educadores (FREIRE, 2012) em que se aprende e se ensina e a educação torna-se “Dar e receber” (I. M. 62 anos, inst.3).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contato com idosos de diferentes ambientes e situações socioeconômicas, realizando diferentes atividades voltadas a educação formal e não formal, não poderia (e não conduziu) a uma única visão do que seja o idoso, o envelhecer e o aprender nesse período da vida. Algumas diferenças se fundamentam na desigualdade, no desrespeito a condição de cidadão do idoso que tem direito a educação e vida digna, e do suporte de políticas públicas que garantam isso. A educação mostrou-se como espaço de autonomia e libertação, assim como de realização dos sonhos impedidos e da possibilidade de socialização e criação de vínculos

afetivos (em um momento em que a solidão pode ser tão destrutiva). Reconhece-se que por meio de algumas instituições, passos estão sendo dados no sentido de garantir centros de atenção a essa população, mas ainda muito escassos e desiguais para um país que está envelhecendo como o Brasil.

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VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: CULTURA DE PAZ?

Autores: Amanda Cristhina Raucci das Dôres; Gabriela Arroyo Balbino; Gabriella Ribeiro Nakao; Jaqueline Yukari Hanaoka; Marina Laise dos Santos; Thalita M. Baba Rocha.

Orientadora: Profa. Dra. Vania C. Sequeira

A exclusão social pode ser definida como um estado de privação, de abandono e expulsão, inclusive com violência, de uma parte da população. É um fenômeno que sinaliza o destino excludente de grandes grupos da população e atinge cada vez mais a população. A noção de exclusão deixa de ser um fenômeno de ordem individual e passa a ser social, e, sua origem está nos princípios do funcionamento da sociedade moderna. A pobreza não significa necessariamente exclusão, embora possa conduzir a ela. A pobreza contemporânea não é resultante apenas da ausência de renda, mas também de outros fatores como o difícil acesso a serviços públicos e a ausência de poder, autonomia e acesso a direitos. Nesse sentido, o conceito de pobreza se associa ao de exclusão (WANDERLEY, 2003).

A naturalização da exclusão mostra, no caso da sociedade brasileira, a essência dos mecanismos que causam o ciclo de sua reprodução, retratando a aceitação, em nível social, do próprio excluído que a aceita como algo natural, contribuindo assim para a manutenção da exclusão. O estigma que é a qualificação ou desqualificação do individuo na lógica da exclusão, faz com que os direitos sejam transformados em favores, reforçando esse ciclo. As diversas políticas públicas ainda se apresentam como um “favor” dos dominantes (WANDERLEY, 2003).

Como efeito destes processos sociais, surgem práticas de interação marcadas pela violência, entre os diversos grupos da sociedade (ELIAS, 1990, 1993 apud SANTOS, 2001). Segundo Chauí (2007, p.1) a violência é”... todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém; (...) consequentemente, violência é um ato de brutalidade (...) contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror”. A presença da violência em nossa rotina parece ter sido naturalmente incorporada em nosso cotidiano e, é constantemente banalizada, de tal modo que não nos indagamos de maneira crítica a respeito de

suas causas e consequências (ANDRADE; BEZERRA JR., 2009).

Ao correlacionar a exclusão social e a violência, pode-se inferir que esta é determinada socialmente, vinda de uma lógica de exclusão que reflete em sentimentos de insegurança e conflitos. Quanto mais o jovem é desfavorecido, mais ele experimenta uma exclusão de oportunidades econômicas e de prestigio social (SANTOS 2001). Os valores solidários não são prioridade em nossa sociedade, a figura do outro adquire a característica de rival, se tornando alvo da destrutividade alheia (ANDRADE; BEZERRA JR., 2009). Vivemos um tempo de dissociação nos laços afetivos e sociais, de desapego e provisoriedade, uma suposta sensação de liberdade que traz pelo contrário um evidente desamparo social. Há um crescente processo de individualização e o relacionamento entre as pessoas passa a ter laços mais frágeis, onde a possibilidade destes serem desfeitos fica evidente a qualquer desagrado de ambas as partes (PICCHIONI, 2007).

No ano de 1999, a ONU proclama a Declaração e o Programa de Ação sobre uma Cultura da Paz como expressão de uma profunda preocupação com a disseminação da violência em grande parte dos países, tanto ocidentais como orientais, verificando-se a necessidade de eliminação de todas as formas de discriminação como forma de lidar com os conflitos existentes (DUSI; ARAÚJO; NEVES, 2005). A partir desta declaração podemos dizer que a Cultura da paz é definida como: um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados no respeito pleno à vida e na promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, propiciando o fomento da paz entre as pessoas, os grupos e as nações (Declaração sobre uma Cultura de Paz, ONU, 1999, artigos 1 e 2 apud DUSI; ARAÚJO; NEVES, 2005).

A Cultura da Paz é um conceito que pode ser implementado em diversos campos dentro de uma sociedade, como por exemplo, no âmbito educacional. A escola, como instituição, tem a missão de ir além da formação intelectual, ele deve ensinar crianças e adolescentes a lidar com o outro, com o diferente. Se essa tarefa não for bem articulada, haverá choque entre os hábitos dos diferentes indivíduos que fazem uso do ambiente escolar - normalmente entre os próprios alunos - gerando, assim, casos de violência. (DUSI; ARAÚJO; NEVES, 2005). A Cultura da paz propõe que as escolas promovam mudanças inspiradas nos valores de justiça, diversidade, respeito e

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solidariedade, tudo isso baseado no diálogo e na não-violência favorecendo, assim, a construção de estratégias e o sucesso escolar (MILANI, 2003 apud DUSI; ARAÚJO; NEVES, 2005).

Uma forma interessante de pensar em propostas para a diminuição da violência escolar seria a união da Cultura da Paz com a mediação de conflitos, que tem como procedimento uma negociação com a intervenção de um terceiro, baseada nos princípios da espontaneidade das partes, da neutralidade e imparcialidade do terceiro, no caso, o mediador. O objetivo da mediação é encontrar soluções que sejam igualmente satisfatórias para as partes envolvidas. A mediação proporciona aos envolvidos no conflito, um espaço ideal para o desenvolvimento da cooperação e possibilita a reorganização das relações sociais, desenvolvendo a tolerância e o amadurecimento das interações. Tais benefícios ocorrem tanto para os mediadores, como para os mediados, pois todos trabalham em conjunto para a resolução de um problema (MORGADO; OLIVEIRA, 2009).

Apesar dos benefícios resultantes na presença de mediadores, é importante ressaltar que os indivíduos podem desenvolver habilidades para que futuramente não seja necessário fazer uso do terceiro, na mediação. Tais habilidades promovem melhorias na capacidade de argumentação e no gerenciamento dos próprios conflitos com maior aproveitamento (LOOS; ZELLER, 2007). Levando em consideração o âmbito educacional, a mediação de conflitos na escola tem como proposta a resolução do conflito entre os próprios envolvidos, com a presença de um mediador, impedindo o exercício das relações de poder. O que traria uma mudança na forma como as resoluções de conflitos nos espaços educacionais são realizadas, pois essas ainda tem como juízes, o diretor ou a equipe pedagógica, isto dependendo dos sujeitos e da relação hierárquica dos envolvidos. (PACIEVITCH; GIRELLI; EYNG, 2009).

Morgado e Oliveira (2009) citam algumas propostas para formação de um cidadão crítico, dentre elas: (1) a promoção de ambientes construtivos de aprendizagem, que sejam positivos em sala de aula, cujo objetivo é potencializar o respeito e o afeto necessário, para que os jovens e crianças se sintam confiantes em compartilhar ideias e sentimentos; (2) garantir um desenvolvimento pessoal e social dos alunos, incluindo a estimulação e aprendizagem na resolução de problemas, aprender e lidar com suas próprias emoções, saber identificar suas próprias agressividades, tendo em vista que esta utilização

construtiva pode ser empregada não só em conflitos escolares, mas também no contexto familiar e comunitário. E, por fim, saber desenvolver uma perspectiva construtiva do conflito favorecendo assim o desenvolvimento de capacidades e competências interpessoais e sociais.

Em 2002, foi apresentado um projeto de política de intervenção à Secretaria Municipal de Educação de uma grande cidade brasileira. O projeto contém um modelo de política pública visando à redução da violência escolar e à promoção da Cultura da Paz, principalmente, por meio da prevenção e da mediação de conflitos. Em relação aquilo que o projeto visa, os autores propõem como ação a introdução do tema mediação de conflito no currículo escolar. Tal ação cria um espaço para a verbalização da questão e deixa mais claro o que se espera dos comportamentos sociais das crianças e dos jovens. Possibilita ensiná-los que suas diferenças podem se tranformar em antagonismos, que se não resolvidos, evoluem para o conflito e tendem à violência. “Para tanto, faz-se necessária a capacitação/formação de professores e profissionais da escola sobre o tema, abrangendo os assuntos relativos à política de redução de violência e à promoção da Cultura de Paz no contexto escolar” (CHRISPINO; DUSI, 2008).

Método

Trata-se de um estágio em psicologia social, cujo objetivo foi aprofundar o contato com a temática subjetividade e educação, a partir do recorte da violência nas escolas e da cultura da paz. Para realizar a coleta de dados empírica foi utilizado um roteiro semiestruturado para entrevistar professores e coordenadores de escolas públicas e particulares do Estado de São Paulo, além de jovens estudantes (13-15 anos). Houve gravação de imagem e som, de acordo com as autorizações dos sujeitos.

Análise

A violência está relacionada a fatores sociais, econômicos e familiares. Segundo os educadores, a violência não está somente ligada às ações físicas, mas também ao campo do verbal, do menosprezo. Na fala de alguns estudantes observou-se que a violência está muito relacionada ao bullying, à ofensa, como disse uma das entrevistadas "violência é tudo o que afeta a pessoa de um modo que ela não goste". Notou-se que os profissionais culpabilizam as famílias e a mídia pelas ocorrências de violência nas escolas, e, em momento algum dos discursos, a agressividade, apareceu como inerente ao ser humano. Como por exemplo, na fala de uma professora "a violência na escola é consequência de

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uma carência afetiva em casa". Ficou evidente, uma naturalização da violência, por estarmos inseridos em uma sociedade violenta.

Observou-se que a justificativa para os atos violentos está diretamente relacionada a fatores sociais e estruturais (ODALIA, 1985). Com relação à violência estrutural apontada por Chauí (2006) que diz "as classes populares carregam o estigma da suspeita, da culpa e da incriminação permanente", nota-se que este fato está mais relacionado a situações de culpabilização da violência como um fator de diferenças de classes, como relatado por uma professora "eles, muitas vezes, não tem um sapato pra vir pra escola, [...] e aí, o amigo chega, e de uma forma violenta acaba menosprezando o amigo. 'Nossa! Hoje você veio assim!', [...] acaba ofendendo".

A questão da violência foi uma preocupação recorrente nas entrevistas, mas ao serem questionados sobre “Cultura da Paz” e “mediação de conflitos” os educadores não sabiam o que exatamente esses termos queriam dizer. Entretanto, afirmaram existir, de alguma forma, um tipo de intervenção nas escolas que incentive o respeito mútuo e o tratamento adequado aos alunos. Os educadores acreditam possuir certo poder para transformar essa situação e que podem contribuir para um maior aprendizado de como lidar com estes conflitos, e por isso há a esperança de que futuramente será melhor. Quando os jovens estudantes são questionados sobre o que significa Cultura da Paz, também afirmam não saber do que se trata. Diante de situações de conflito acreditam que é necessário uma comunicação entre os pais e alunos envolvidos na tentativa de resolver os problemas, no entanto, isso não ocorre com tanta frequência.

O que aparece nos ambientes escolares e promove muito sofrimento é a intensificação do pensamento individualista, em que há um estranhamento ao invés de um reconhecimento pelo outro, há uma competição para pertencer em determinados grupos. Loos e Zeller (2007) apresentam o ambiente escolar como um espaço potencial de constantes divergências, de pensamentos e valores, dos seus frequentadores. Essa concepção ficou clara dentre os estudantes, em que a maior fonte de sofrimento é a violência verbal intencional causada por um aluno específico ou um grupo que se une com o objetivo de causar desconfortos diversos à figura do outro. Esse desconforto consiste em situações de humilhações públicas, ameaças e no caso mais extremo, a agressão física. Atos estes, muitas vezes

motivados por questões banais, algum traço qualquer, ou mesmo, a aparência ou diferença de classe econômica. Segundo os educadores, esses comportamentos são mais presentes entre os pré-adolescentes até o final da adolescência, e variam de intensidade em cada indivíduo ou grupo. A justificativa é que nesta fase há um egocentrismo unido a necessidade de pertencimento e reconhecimento exacerbados.

Entre as agressões encobertas, há a forte presença do bullying e do cyberbullying apontado por educadores e alunos. Este último é mais difícil de ser mediado por ter início no âmbito privado, mas que quase inevitavelmente adentra o ambiente escolar. Os estudantes relatam um sofrimento pela falta de apoio dos funcionários da escola e da coordenação, e por não existir um cuidado mais singular e atento com eles.

Os educadores sofrem pela falta de respeito e reconhecimento por parte dos alunos e de seus familiares, apresentam sentimentos de impotência, de sobrecarga de tarefas, de ambientes impróprios para o trabalho, do medo de não saber lidar com a violência no espaço escolar, etc. São esses, dentre tantos outros fatores, que desmotivam intensamente o profissional da educação.

Uma das coordenadoras entrevistadas diz que “para os alunos, a escola representa o poder que só oprime”. Isso porque “os alunos são excluídos, têm problemas sociais, dificuldades com a família”. Nota-se, na fala dessa coordenadora, que a função da escola enquanto instituição social - de promover interações entre novas gerações e integrar os indivíduos de diversos grupos – está em risco, à medida que um estilo violento de interação chega ao ambiente escolar (SANTOS, 2001). A culpabilização dos alunos pela violência também esteve presente quando dois gestores apontaram a falta de repertório desses alunos para saber resolver seus problemas de modo não violento. Porém, o que chamou a atenção foi a fala de uma vice-diretora que “em relação às questões disciplinares, os alunos parecem querer a repressão. É como se a linguagem entendida por eles e pelos professores fosse a punição”, enfatizando essa culpabilização e não vendo a mediação de conflitos como uma possibilidade mais pacífica de solução. Loos; Zeller (2007) afirmam que essa relação constituída pela díade “coerção-submissão” é a maneira mais autoritária e menos evoluída de solução de conflitos em que uma das partes tem seus direitos e necessidades restringidos pelo poder do outro, não havendo uma relação empática.

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Ainda afirmam que algumas pessoas apresentam um repertório baixo de alternativas para possíveis soluções de conflitos, acarretando em escolhas do indivíduo que resultam em maior violência (LOOS; ZELLER, 2007). Esse posicionamento fica claro no discurso dos estudantes, em que se percebeu que a escola pune quem agride, diante deste contexto, os alunos se sentem impotentes para ter uma atuação mais autônoma, o que deixaria as relações mais igualitárias, gerando um sentimento de raiva e ódio. A possibilidade de ação, para eles, seria a de revidar como forma de se fazer justiça, fortalecendo a meritocracia. Nas falas dos educadores, a escola busca sanar os conflitos com os recursos que possui, podendo ser inadequados em alguns casos. Em contrapartida, dizem não haver um preparo para lidar com uma violência, chegando a ultrapassar os portões da escola.

PACIEVITCH, GIRELLI e EYNG (2009) evidenciam a violência como um dos impedimentos para o progresso na qualidade de ensino no Brasil. Qualidade esta que se refere a uma garantia de aprendizagem crítica e reflexiva, dando condições para que o indivíduo construa sua autonomia e se torne protagonista da sua própria história.

Conclusão

Foi possível compreender que os indivíduos entendem que os conflitos podem ser solucionados com atitudes violentas. Dessa forma o outro é anulado e se instaura a imposição do eu, culminando em relações autoritárias, prejudicando a convivência coletiva. Verificou-se que a exclusão é uma faceta da violência, na qual a garantia de direitos humanos e a cidadania são violadas, gerando sofrimento. A violência se torna cada vez mais presente na nossa sociedade, inclusive nos espaços educacionais, onde se percebe uma dificuldade em implantar e utilizar recursos para formar cidadãos solidários, autônomos e reflexivos. Entendendo que os impedimentos são mais complexos e profundos, ultrapassando os limites que a escola é capaz de intervir, constatou-se que a questão da violência não é de responsabilidade única de uma instituição social, seja escolar, familiar, religiosa, etc., já que a violência é um problema que contem diversos fatores envolvidos. No entanto, observou-se que o educador culpa o aluno, a sociedade, a família e o aluno por sua vez, culpa a escola, o professor ou o outro aluno, assim, todos se responsabilizam muito pouco, o que gera um maior sofrimento para todos os indivíduos. Diante de tantos impedimentos, a Cultura de Paz aparece com a preocupação em promover a não violência e

o acesso igualitário aos direitos, mas percebeu-se que ainda é pouco conhecida entre profissionais e alunos, e sozinha não pode dar conta da complexidade que envolve a violência, a desigualdade e a exclusão social.

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LOOS, Helga; ZELLER, Thomas J. V. Aprendendo a “brigar melhor”: administração de conflitos sem violência escolar. Interação em Psicologia, Curitiba, v.11, n.2, jul./dez. 2007, p.281-289.

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COMUNICAÇÃO SOCIAL

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A SUBJETIVIDADE DA OBJETIVA: OS SENTIDOS DA FOTOGRAFIA

Autores: Carolina Siqueira, Felipe Monteiro, Leandro Nunes, Lígia Romeo, Mariana Dugaich, Thamires Baptista.

Orientadora: Prof.ª Dra. Bruna Suruagy do Amaral Dantas

A fotografia surgiu à época da Revolução Industrial, o que lhe permitiu ser difundida em vários âmbitos da vida cotidiana. Em substituição aos pintores cujas obras retratavam ocasiões sociais e ilustravam retratos de família, apareceram os fotógrafos profissionais que se dedicavam à reprodução de semblantes. Em decorrência do desenvolvimento da técnica, proliferaram-se as imagens fotográficas, massificando o que antes era individual. Não foi por ironia que a fotografia surgiu neste período tecnológico de tamanha relevância (RODRIGUES, 2007).

A massificação propiciou um aumento significativo na utilização das imagens, o que gerou um fenômeno conhecido como a “civilização da imagem” em que o público fica dependente de imagens para ler notícias com baixo teor de informações, tornando-as mais atrativas. Nesse contexto, o significado do vocábulo “fotografia” ganha relevo: foto é sinônimo de luz e grafia, de escrita. O fotógrafo, pois, escreve com a luz.

A fotografia tem um caráter histórico ao realizar o chamado “arquivo de vida”, constituído por um conjunto infindável de imagens documentadas, organizadas, indexadas e armazenadas de sorte que gerações futuras possam recuperá-las a fim de compreender eventos passados da humanidade e apreender o cotidiano de populações anteriores. Porém, a realidade nunca é transmitida exatamente como ela é. Há a subjetividade do fotógrafo, com suas técnicas, saberes, estilos e equipamentos, que lhe possibilita registrar o mundo conforme seus desejos, interpretações e representações. E mesmo que consiga retratar a verdade absoluta dos acontecimentos, o receptor irá assimilá-la e transformá-la de acordo com sua própria subjetividade, fazendo com que a imagem adquira diferentes significados. O olhar do espectador cria, pois, uma nova realidade (RODRIGUES, 2007).

No presente trabalho, apresentaremos a distinção entre dois tipos de fotografia: a fotografia de arte e a comercial, trabalhando com um fotógrafo de cada

área, com os quais foram realizadas entrevistas semiestruturadas, gravadas em áudio e vídeo.

Fotografia: entretenimento e narração

Segundo Chauí (2006), o entretenimento corresponde à necessidade vital dos seres humanos, tendo como característica fundamental o repouso e o passatempo. Entretenimento é a maneira como a sociedade inventa seus modos de distração, diversão, lazer e repouso. Sob os imperativos da cultura de massa, ocorreu a transformação do trabalho cultural, das obras de arte e do pensamento em entretenimento. Entretanto, a cultura possui traços que a distinguem do entretenimento. Como criação do sentido, as produções culturais, as obras de arte e os sistemas de pensamento capturam a experiência do mundo para interpretá-la, criticá-la, transcendê-la e transformá-la, possibilitando a reflexão e a atribuição de sentido pelo outro. Com o advento da cultura de massa, os meios de comunicação negam esses traços da cultura, oferecendo risco às formas de pensamento e às obras de arte, que deixam de ser expressivas e se tornam repetitivas, perdem o caráter de criação para se tornar artigos da moda e de consumo, passageiros, efêmeros, sem passado e sem futuro. A cultura de massa, portanto, se apropria das obras culturais para consumi-las e devorá-las, pois transforma tudo em entretenimento.

Para compreender o fenômeno da arte como produção cultural, Benjamin (2012a) utiliza o conceito de aura, concebendo-o como a singularidade e autenticidade do ser, sua condição de exemplar único, que se desenvolve no aqui e agora de forma irrepetível, apresentando a qualidade de eternidade e participando de uma tradição que lhe dá sentido. A destruição da aura resulta da difusão dos movimentos de massa, que comprometem a unicidade dos fatos por meio da reprodutibilidade técnica. Benjamin (2012a) ressalta que a arte sempre foi reprodutível; porém, a nova modalidade de reproduzir – a reprodução técnica – deu origem ao objeto artístico em série, como na fotografia, tornando impossível distinguir o original da cópia. Por outro lado, a reprodução em massa permite a democratização da arte e da cultura, possibilitando o acesso da maioria das pessoas.

A partir da segunda Revolução Industrial, no século XIX, as artes foram submetidas às regras do mercado capitalista. Perdida a aura, a arte não se democratizou, massificou-se e transformou-se em distração e diversão para as horas de lazer. Possuir

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uma obra de arte virou status social e prestígio para artistas e consumidores assim como uma forma de controle social por parte dos proprietários privados dos meios de comunicação de massa. A arte passa a receber valor de mercadoria, é produzida em série e passa a ser consumida. Em lugar de difundir e divulgar a cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização da arte e dos conhecimentos.

A banalização da arte esvazia sua condição de narrativa e memória. Conforme Benjamin (2012b), a narrativa se caracteriza como forma artesanal de comunicação e procede da tradição oral. A fonte das histórias narradas se encontra nas experiências que passam de boca em boca. Imprime-se na narrativa a marca do narrador e permite-se ao ouvinte que traga sua marca na história, explicitando a relação entre ouvinte e narrador, dominada pelo interesse em conservar o fato narrado. A arte da narrativa nasceu nas camadas populares da sociedade, que intercambiavam suas experiências. O narrador é um homem que sabe dar conselhos, num sentido diferente do utilizado hoje. Trata-se de um conselho tecido no cotidiano da vida vivida, conhecido como sabedoria. Sendo a narrativa uma tradição oral, a memória é seu fundamento por excelência, a rememoração é o alicerce da tradição, que transmite os acontecimentos de geração a geração.

Em oposição à narrativa, surge a informação à época da criação da imprensa. O narrador, ao relatar uma história, recorria frequentemente ao miraculoso, ao passo que a informação só recebia validade se fosse plausível, coerente e condizente com a realidade. A informação busca uma verificação imediata, restringe-se ao presente, possui um tempo limitado e não abre espaço a diferentes interpretações. Os fatos chegam a nós carregados de explicações; o ouvinte apenas as recebe. A narrativa, por sua vez, evita dar explicações; assim, o episódio narrado atinge uma amplitude que falta à informação, cabendo ao ouvinte interpretá-lo. Se a arte da narrativa é hoje rara, a difusão da informação tem uma participação decisiva nesse declínio. Somos bombardeados por notícias o tempo todo e, no entanto, somos pobres em histórias de vida.

De acordo com Benjamin (2012b), a memória multiplica os saberes, os transmite às gerações através das narrativas e cria laços com o passado. Antigamente, a narrativa era o principal meio das pessoas trocarem informações e experiências interpessoais. Os indivíduos eram chamados de

homens-memória, pois retinham o conhecimento e o passavam adiante, garantindo que a narrativa fosse transmitida ao próximo de sorte que se conservasse ao longo do tempo. Como observou Possamai (2007), durante décadas, a fotografia podia ser considerada uma narrativa, dado que relatava uma história, preservando a tradição e a cultura a partir da memória dos acontecimentos. Dessa forma, a foto congela a imagem do presente e garante sua perpetuação ao longo da história. Trata-se, por conseguinte, da arte de narrar experiências por meio de imagens, que se eternizam na memória.

Todavia, para Benjamin (2012c), em função da reprodutibilidade técnica, a fotografia atual deixou de ser uma narrativa, perdendo sua condição de originalidade e permanência. Tornou-se objetiva, literal, passageira e fugaz. Se a fotografia não agradar, pode ser automaticamente apagada, retirada da memória. “A câmera torna-se cada vez menor, cada vez mais apta a fixar imagens efêmeras e secretas, cujo efeito de choque paralisa o mecanismo associativo do espectador. Aqui deve intervir a legenda, introduzida pela fotografia para favorecer a literalização de todas as relações da vida...” (BENJAMIN, 2012c, p. 115).

Compreendendo os Dados

Nas entrevistas realizadas com os fotógrafos, são marcantes os diferentes sentidos e interesses da fotografia. Segundo o depoimento de Gilberto Haider, a fotografia tem um fim comercial, é transformada em mercadoria: “Eu tenho que gravar o melhor momento da modelo, ela tem que estar andando e a roupa tem que estar perfeita, no meu caso é comercial. Então, o sentido pra mim da fotografia é quando eu faço um produto, chega ao meu cliente e ele me retorna: ‘Nossa, o catálogo ficou maravilhoso e vendeu muito’”. Ou seja, a fotografia só recebe um sentido se consegue vender o produto. Rodrigo Petrella apresenta opinião oposta: “Você quer fazer uma foto que você quer agradar a revista, o público, o negócio. Agora, você quer agradar você mesmo, entendeu? E daí você percebe que essa é uma coisa fundamental: quando você sente que é algo autêntico, de repente você agrada não só a você mesmo como também aos outros”. Em seu trabalho, a foto não possui um caráter comercial e não segue tendências ditadas pelo mercado. A autenticidade é a marca da sua obra.

A fotografia de contemplação, criada por Rodrigo Petrella, é uma espécie de narrativa que fomenta múltiplas interpretações, valoriza a relação da obra

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com o observador e evita explicações pré-fabricadas, não alcançando sua plenitude na figura do fotógrafo. Nesse caso, a obra não tem fim e se completa em cada observador que a interpreta: “É algo assim: eu não tenho nenhuma ilusão de querer entender ou, com o que eu faço, explicar. De alguma forma, eu tento com meu trabalho me situar mais próximo de levantar questões que acho pertinentes, talvez um artista tenha a capacidade de levantar questões. Na verdade, minha obra é aberta. Óbvio que tem um conceito, mas a obra mais interessante é aquela que você trata de um tema que pode ter múltiplas leituras. Então, eu tento fotografar de uma maneira que deixe essas leituras abertas. As pessoas têm a própria experiência delas.” Em contraste, a obra de Gilberto Haider pode ser comparada à informação, visto que tem validade por tempo determinado, veicula uma mensagem específica e é fechada, não permitindo diferentes interpretações. Em seu depoimento, revela: “O cliente já passa o que ele quer. Tem um monte de itens que você vai [seguir] pra produzir aquele catálogo, pra passar a mensagem daquele momento”.

Referências Bibliográficas

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CHAUI, M. Simulacro e Poder: uma análise de mídia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.

POSSAMAI, Z. R. Narrativas fotográficas sobre a cidade. Revista Brasileira de História, v.27, nº 53. São Paulo, 2007.

RODRIGUES, R. C. Análise e tematização da imagem fotográfica. Ciência da Informação, v. 36, nº 03. Brasília, 2007.

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CARNAVAL E MÍDIA: CULTURA OU SEDUÇÃO?

Autores: Adalvana Costa, Ana Beatriz Souza, Heminishele Costa, Jéssica Carmassi, Jonathan Bessa, Mariana Pereira, Marina Teixeira, Roberta Godoy, Taianara Macedo.

Orientadora: Prof.ª Dra. Bruna Suruagy do Amaral Dantas.

O carnaval é uma festa de rituais de inversão, que rompe “a rotina para observar, discutir ou criticar o mundo real visto de pernas para o ar” (DAMATTA, 1997, p.137), onde coisas visíveis e prescritas são destacadas e deslocadas. Atualmente, o carnaval é considerado a “festa do povo”, mas nem sempre foi assim. Para compreender este processo de inversão das camadas sociais, é preciso conhecer a origem do carnaval, o Entrudo.

Entrudo, que significa entrada, era uma festa de rituais de fertilidade para comemorar a entrada da primavera. Com a chegada do cristianismo, a festa perdeu sua data e significado originais, passando a ser realizada do sábado gordo à quarta-feira de cinzas, para celebrar a vitória da virtude sobre o vício. Foi o Entrudo que, após longos anos de comemoração em Portugal e, posteriormente, no Brasil, deu lugar ao carnaval. Eram típicos da época festins em que se consumiam iguarias à base de carne de porco e se realizavam troças entre famílias abastadas que jogavam entre si líquidos, farinha, cinzas e lama. No século XIX, no Brasil, um novo grupo social começou a participar da festividade: negros e mulatos livres iam às ruas, fantasiados de mulher, imitando autoridades ou representando pequenos dramas. Os escravos só podiam brincar quando iam buscar água para seus donos ou ao término do trabalho e não podiam jogar água sobre um homem livre, mesmo que fosse negro. (QUEIROZ, 1999).

Em Portugal, com o advento econômico, as famílias mais ricas passaram a copiar os hábitos da França, o centro de irradiação do refinamento e da civilização, que realizava bailes de máscaras e desfiles de carruagem pelas avenidas centrais. Ainda no século XIX, graças a uma série de avanços financeiros, surgia no Brasil o Carnaval Veneziano, mais tarde chamado de Grande Carnaval, ocasião em que as famílias desfilavam luxuosamente fantasiadas em seus automóveis. Às camadas médias e baixas,

restava o papel de espectadores e mão-de-obra. Nasciam, na mesma época, as sociedades carnavalescas, que preparavam os bailes nobres e organizavam desfiles de carros alegóricos, dos quais participavam apenas senhores, atrizes e “mulheres de má vida”. Os homens demonstravam seu poder exibindo a esposa e a amante no cortejo. (QUEIROZ, 1999).

Por volta de 1870, pequenos grupos de negros e mulatos, da periferia carioca, se reuniam durante o carnaval nas vielas ou quintais para cantar e dançar em ritmo afro-brasileiro. Surgia, assim, o Pequeno Carnaval. Os grupos se multiplicaram em virtude da abolição da escravatura, sendo compostos por operários, outros assalariados e desempregados das favelas do Rio de Janeiro. Nesse contexto social, emergem as escolas de samba, que começam a desfilar no centro em 1936, na Praça Onze, zona deteriorada da cidade, local de prostituição. Em São Paulo, os desfiles ocorriam na Avenida Paulista, mas, no fim dos anos 1930, a “promiscuidade” o tornou intolerável para os grupos privilegiados. Assim, na década de 1940, as famílias desciam à serra e não voltavam das férias de verão antes do carnaval. Hoje, a classe alta assiste o desfile nas arquibancadas ou paga sua participação em alguma grande escola (QUEIROZ, 1999).

O presente trabalho analisou o carnaval como espetáculo midiático e como cultura popular. Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com um jornalista da revista Caros Amigos, José Arbex Junior, uma repórter da Rede Globo de Televisão, responsável pela cobertura do carnaval de São Paulo, Luciana Pereira, e um integrante da escola de samba Unidos do Peruche, Júnior.

Samba: a essência do carnaval

Os morros cariocas são o cenário da vida de uma população, cujo passado não é digno de orgulho, dada sua história de escravidão. Com a superação das práticas escravagistas, os negros livraram-se da condição de escravos e passaram a sofrer preconceito, humilhação, exploração, excesso de trabalho, salários pífios e condições precárias de habitação. Um século depois das primeiras desumanidades vivenciadas no morro, a “favela” ainda é conhecida como o lugar do tráfico de entorpecentes, onde vivem negros, “favelados”, “vagabundos”, “malandros” e desempregados, cuja condição de vida é denunciada pelo samba, que parodia sua própria desgraça e valoriza tudo que o dinheiro não pode comprar, começando pela

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liberdade. Conforme Kehl (2011), originalmente, o samba não fazia parte do universo simbólico dos brancos e afortunados. Sua origem remonta às batidas trazidas da África pelos escravos (jongo), misturadas aos ritmos nordestinos (embolada). Além disso, estava associado à vadiagem, malandragem e promiscuidade, reinante entre os frequentadores da Lapa e os trabalhadores que viviam nos morros.

Clementina de Jesus, Wilson Batista, Haroldo Barbosa, Noel Rosa e Chico Buarque retratam em suas composições dois personagens bastante frequentes na tradição do samba: o malandro e o boêmio. Segundo Antônio Cândido (apud Kehl, 2011), a malandragem é uma espécie bem brasileira de crítica à ideologia capitalista do trabalho, uma forma de resistência à exploração. São recorrentes as ideias que refletem a degradação do valor do trabalho em virtude da vergonha do longo período escravagista. A vadiagem e a preguiça assumem um caráter político, de denúncia e oposição às determinações da ordem capitalista. De igual modo, a boemia repudia os bens materiais e desfruta de experiências humanas que o dinheiro não pode comercializar, valorizando sobremaneira a liberdade, a relação e a orgia. Segundo Kehl (2011), em detrimento do mundo dos ricos, percebe-se uma paixão pela vida nos morros e subúrbios, enaltecidos pelo samba, que se tornou um valioso instrumento de valorização da cultura popular.

O Espetáculo da Mídia

De acordo com Chauí (2006), na sociedade do espetáculo, a mídia associou-se ao capital e transformou a cultura em lazer e entretenimento para, desse modo, comercializá-la. O entretenimento converteu a cultura em produto destinado ao consumo, anulando sua história, sua natureza criativa e sua durabilidade. De criação dotada de sentido, tornou-se artigo da moda, repetitivo, reprodutivo, efêmero, sem passado e sem futuro. Com o capital no controle, as obras culturais deixaram de ser originais e autênticas, sendo produzidas em série para uma sociedade ávida por entretenimento. Encarregadas de entreter, a arte e a cultura não produzem mais uma compreensão crítica da realidade, foram banalizadas e nulificadas, transformadas em simulacros, que propiciam um consumo rápido, desprovido de qualquer reflexão, controlado pelos proprietários privados dos meios de comunicação de massa.

A mídia, por conseguinte, utiliza seus recursos para entreter, trazendo à população programas que

proporcionem diversão e lazer, os quais geram uma espécie de esvaziamento do pensamento, uma atividade totalmente passiva. Uma das formas de entretenimento da mídia é a exibição em tempo real de um evento da cultura popular brasileira: o carnaval. O que se vê na televisão são famosas com corpos esculturais. Os carros alegóricos, cuidadosamente produzidos, que representam os trechos do samba enredo, não recebem atenção especial da mídia, mais interessada em converter a cultura em um show de imagens (CAVALCANTI, 2002). Segundo Arbex (2001), o show da mídia constrói uma imagem deformada da realidade e produz uma memória coletiva totalmente manipulada e editada.

De certa forma, as imagens veiculadas pela mídia na pós-modernidade atuam como uma verdade pura, isenta de interpretações, como uma compreensão canônica da realidade, o que encobre sua natureza reducionista e restringe a reflexão. Como argumenta García (2011), toda imagem é carregada de ideologias e significados. Contudo, o ato de olhar não se reduz a mera recepção de imagens e objetos, trata-se de um processo hermenêutico, que envolve a construção de sentidos por parte de quem vê. A imagem é uma representação, uma simulação da realidade, ou melhor, uma realidade interpretada. Essa realidade pode ser gradativamente substituída por um simulacro, que dirige o olhar para captar a imagem no lugar do real. Entretanto, o sujeito pode assumir uma postura ativa, interpretando a imagem conforme sua história de vida e suas experiências intersubjetivas. (GARCÍA, 2011).

O poder das imagens e a passividade do espectador colocam a nossa sociedade distante da experiência de narrar que, segundo Benjamin (2012), se encontra em vias de extinção. Cada vez mais, as narrativas orais estão sendo substituídas por histórias que retratam uma ficção, como as novelas televisionadas. As narrativas costumam fornecer um conselho, cuja substância – tecida na vida vivida – é a sabedoria. A arte de narrar aproxima-se de seu fim porque a sabedoria está em extinção. O narrador retira o que ele conta de sua própria experiência e da vivência dos outros, incorporando as coisas narradas à experiência de seus ouvintes. Conforme Benjamin (2012), a narrativa se opõe fortemente à informação, que almeja uma verificação imediata, busca plausibilidade, fabrica uma explicação e evita múltiplas interpretações, como se a compreensão estivesse na coisa em si. Todos os acontecimentos chegam a nós impregnados de explicação, impedindo-nos de pensar. A narrativa, por sua vez, apenas narra uma história, evitando explicações. O

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episódio narrado recebe seu sentido no ouvinte, que lhe fornece uma interpretação particular, pautada em suas experiências.

Refletindo Sobre os Dados

Segundo Chauí (2006), a sociedade do espetáculo promoveu a privatização do espaço público, restringindo as discussões coletivas e as ações políticas, que outrora aconteciam com intensidade nesse espaço. Agora, a esfera pública esvaziou-se, restando-nos o campo midiático, uma instituição que, para Arbex Júnior, “não forma nem informa, apenas entretém, conduzindo os telespectadores a um estado passivo de recepção da informação”. De acordo com Luciana Pereira, “na televisão, os espaços estão todos preenchidos, não existe espaço em branco”, o que inviabiliza a reflexão. Tudo é impregnado de explicação, impedindo novas interpretações por parte do espectador (BENJAMIM, 2012).

Com o aval do capital, a mídia transforma cultura em entretenimento, expandindo seu poder de comercialização (CHAUI, 2006). O carnaval, criação da cultura popular brasileira, virou mercadoria e passou a ser comercializado pela mídia, incumbida de entreter e paralisar os telespectadores diante da televisão. Para tanto, utiliza-se de recursos como a sedução e a espetacularização. A transmissão ao vivo do carnaval potencializa todo o espetáculo, em que as informações são encenadas de forma dramática e emocional, além da transmissão de imagens erotizadas. Portanto, a cultura do samba e do carnaval perde suas características originárias e fundantes, relacionadas ao caráter crítico de denúncia e resistência, sendo esvaziadas e banalizadas. Essa questão fica evidente no depoimento de Júnior, integrante da escola de samba Unidos do Peruche: “A escola de samba hoje nem critica mais a questão social, a questão política do país. Ela tinha esse papel, que hoje deixou de exercer. [...] Deixou de ser do povo, para ser da mídia e de quem tem dinheiro”.

Segundo Arbex, cotidianamente estamos sendo cada vez mais seduzidos pela mídia: “Quando você está seduzido, você não está refletindo”. Luciana Pereira corrobora: "A gente pensa bem pouco

dentro do que precisávamos pensar, por isso somos tão manipulados." Nossa cultura deixou de ser criação original de um povo e tornou-se um produto fabricado em série, convertido pela mídia em espetáculo para ampliar, ainda mais, a lucratividade do seu negócio. Parece que a narração de nossas experiências, a capacidade de afetar o outro e a possibilidade de eternizar nossa história e cultura estão em vias de extinção. Seria a mídia o protagonista da destruição não somente da opinião pública, mas também da cultura? José Arbex, como narrador, nós fornece o seguinte conselho: “Cabe a nós... nós, como população, é que temos que lutar. Inclusive no sentido de democratizar a mídia, no sentido de impedir a existência de monopólios, [...] pois a comunicação é um direito de todo mundo”.

Referências Bibliográficas

ARBEX J., J. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001.

BENJAMIN, W. O Narrador. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 213-240.

BUCCI, E. & KEHL, M. R. Videologias: ensaios sobre televisão. São Paulo: Boitempo, 2004.

CAVALCANTI, M. L. V. de C. Os sentidos no espetáculo. Revista de Antropologia, v. 45, nº 01. São Paulo, 2002.

CHAUI, M. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.

DAMATTA, R. Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

GARCÍA, R. I. C. Imagen y Control Social: manifiesto por una mirada insurgente. Barcelona: Icaria editorial, 2011.

KHEL, M. R. Preguiça no samba: boemia e malandragem, 2011. Disponível em <http://www.mariaritakehl.psc.br/resultado.php?id=321>. Acessado em 10/10/2012.

QUEIROZ, M. I. P. de. Carnaval Brasileiro: o vivido e o mito. São Paulo: Editora Brasiliense, 1999.

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FACEBOOK – UMA REFLEXÃO SOBRE A PSICOLOGIA DA COMUNICAÇÃO.

Autores: Carolina Di Felippo, Mariela Ruibal, Natália Ferreira. Orientador: Prof. Ms. João Garção História da Comunicação Humana Desde os primórdios da civilização humana, o homem desenvolve diferentes formas e meios de se comunicar, em que a comunicação é um instrumento de integração, instrução, troca mútua e desenvolvimento entre as pessoas. O anseio em propagar ideias, persuadir e informar fez, e continua fazendo o ser humano desenvolver canais e métodos cada vez mais modernos, ágeis e interativos de comunicação. Ou seja, esta nasceu, provavelmente, de uma necessidade que se fez sentir desde os mais primitivos estágios da civilização. (BERGER, 1999). Em que utilizando sistemas simbólicos os seres humanos efetuam através da comunicação troca de informações, ideias e experiências. (MEDEIROS, 2008). Nesse processo existem várias maneiras de se comunicar: duas pessoas tendo uma conversa face-a-face, ou através de gestos com as mãos, mensagens enviadas utilizando à rede global de telecomunicações, a fala, a escrita que permitem interagir com outras pessoas e efetuar algum tipo de troca informacional (MEDEIROS, 2008). Fazendo uma viagem de aproximadamente 30.000 anos atrás, na Era Paleolítica Superior, o homem começou a desenvolver a comunicação através de desenhos chamados pictóricos. Tais desenhos foram encontrados e compreendidos muitos anos após terem sido concluídos no interior de cavernas, utilizadas como moradia na Era Paleolítica. O Homo Sapiens foi assim o estopim do surgimento da comunicação interpessoal. Dessa forma, tendo o período Paleolítico Superior como ponto de partida para a evolução na comunicação, o homem inicia uma insaciável busca, que já dura mais de 30.000 anos, de uma perfeição desmedida na eficiência comunicativa. Assim, dia após dia, anos após anos, séculos após séculos o ser humano busca atingir um patamar imensurável de formas e meios de comunicação. Extinguindo alguns ao longo desse caminho, convergindo outros e criando outros novos. (GIOVANNINNI, 1987). A evolução da comunicação humana pode ser dividida em Eras. A primeira delas chama-se Era dos Símbolos e Sinais, cuja começou a cerca de 90 mil anos atrás. Em que nesta época as mais antigas

espécies hominídeas, antes mesmo dos primeiros fabricantes de ferramentas, não falavam, mas comunicavam-se a partir da utilização de gestos, sons, movimentos corpóreos que constituíam símbolos e sinais padronizados mutuamente entendidos, os quais eram passados às novas gerações para que se pudesse viver socialmente. Entretanto, devido ás dificuldades de codificação, descodificação e memorização, conclui-se que não era possível, nesta Era, a formação de uma cultura relativamente complexa. Era um modo lento e primitivo de comunicação, comparado à fala humana baseada na linguagem, isto porque, os processos interiores de abstração, classificação, síntese, indução do geral a partir do particular, e o raciocínio a partir de premissas para chegar a conclusões, eram sem dúvida, prejudicados e quase invalidados pela limitação comunicativa. (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). A Era da Fala, por sua vez, inicia-se a cerca de 40 mil anos atrás, e acredita-se que com o aparecimento do “Cro-Magnon” que é marcado pela cultural oral, a fala possibilitou o homem a dar um salto no desenvolvimento humano, pois através da fala foi possível transmitir mensagens complexas e contestar aquilo que foi exposto. Foi nesta época que o homem começou a incluir a arte, sendo as pinturas rupestres as primeiras tentativas de armazenar informações, contando suas histórias e fazendo desenhos nas paredes das cavernas. Em suma, a capacidade de utilizar a linguagem não provocou grandes mudanças, mas possibilitou que palavras, números e outros símbolos, além das regras de linguagem e da lógica, habilitaram os seres humanos a fazer face aos seus ambientes social e físico. E dominando os sistemas simbólicos, os indivíduos puderam classificar, abstrair, analisar, sintetizar, especular, lembrar, transmitir, receber e entender mensagens bem mais extensas, complexas e sutis do que era possível com o emprego de formas anteriores de comunicação. Ou seja, a mudança para a fala e a comunicação através da linguagem possibilitou modificações significativas da existência humana na medida em que sociedades em várias partes do mundo realizaram a transição de um estilo de vida de caça e coleta para a criação de grandes civilizações clássicas. (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Segundo DeFleur e Ball-Rokeach, (1993) levou milhões de anos para a espécie humana adquirir a capacidade de usar a linguagem. Levou muitos séculos para que o ato de escrever se tornasse uma realidade, mas este foi um período de tempo relativamente curto. Em que se chegou a Era da

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Escrita, cuja se deu a partir da passagem da representação pictórica para sistemas fonéticos, da representação de ideias complexas com imagens ou desenhos estilizados para a utilização de simples letras dando a entender determinados sons. Isto é, a padronização de imagens foi o primeiro passo na criação da escrita, mas não se iniciou antes da agricultura estar bem instaurada. Os egípcios tornaram-se inovadores na criação de sistemas complicados de hieróglifos, os caracteres simbólicos. A princípio eram gravados na pedra, mas com o tempo foram desenhados e pintados. Os hieróglifos egípcios eram associados a regras para mobilizar complexos significados convencionados. Seu sistema pictográfico era como o chinês contemporâneo, em que cada símbolo representava uma ideia, coisa ou conceito. E para comunicar isso de forma requintada, tanto a pessoa que escrevia quanto a que lia a mensagem tinha de dominar um enorme número de tais modelos. E por este motivo, no início, a alfabetização era restrita a especialistas. (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Outro povo, os sumérios, que viveram logo ao Norte do Golfo Pérsico, criou outra forma de escrita. Começaram usando pequenos desenhos traçados em almofadas de barro mole como representações de ideias. As representações resultantes, em forma de cunha, são hoje denominadas escrita cuneiforme. E por volta de 1700 A.C, os sumérios tiveram a ideia de fazer cada pequeno símbolo estilizado representar um determinado som em vez de uma ideia. Assim, no lugar de milhares de símbolos separados para cada coisa ou ideia, era necessário agora um número bem menor para representar os sons das sílabas que compunham as palavras. Desta forma, o uso de caracteres para representar sílabas foi o primeiro passo na criação da escrita fonética e um grande avanço para a comunicação humana, cuja tornou mais fácil a alfabetização, pois a pessoa tinha apenas que lembrar mais ou menos uma centena de símbolos para as várias sílabas da língua. E depois de muitas variações entre muitos povos, foram os gregos que padronizaram e simplificaram o sistema. Por volta de 500 a.C tinha-se um alfabeto amplamente utilizado que foi passado para Roma, onde foi modificado e melhorado. (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Segundo os autores, a par das ferramentas, do fogo, e da própria língua, a escrita dói uma das mais significativas realizações dos seres humanos, pois sem ela a grande maioria da atual população mundial ainda seria analfabeta, em que grandes movimentos da ciência, das artes,

da administração e da religião foram possibilitados pelo fato de as pessoas saberem ler.

Com exceção de escrever, um dos grandes feitos humanos de todos os tempos foi o surgimento da Era da Impressão, pois anteriormente ao século XV, as pessoas reproduziram livros produzidos à mão cuja introduzia erros. Além disso, o número de livros disponíveis ficou severamente restrito, que só poderiam ser adquiridos por pessoas de consideráveis recursos. Contudo, ao iniciar-se o século XVI, as pessoas com tipos móveis (Gutenberg) estavam produzindo milhares de exemplares de livros impressos em papel, cuja estavam sendo publicados em todas as línguas europeias e, assim, podiam ser lidos por qualquer pessoa alfabetizada em seu idioma. A disponibilidade desses livros incentivou o interesse pela aprendizagem da leitura, a constatação do poder da Igreja Católica e a organização de empresas de comunicação, indústrias livreiras e imprensa, isto porque, ao final do século XIX, estava claro para os pioneiros cientistas sociais que os novos veículos de massa - jornais, livros, revistas – estavam trazendo importantes mudanças para a condição humana, pois representavam uma nova forma de comunicação que influenciava os padrões de interação nas comunidades e sociedades e as perspectivas psicológicas dos indivíduos. (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Assim, mesmo antes do estabelecimento de veículos ainda mais novos foi ficando claro que a Era da Comunicação de Massa corroeria as barreiras de isolamento entre as pessoas do mundo e produziria mudanças significativas na organização e no funcionamento da sociedade. Cuja se iniciou no século XIX, com jornais, para pessoas comuns, como também o aparecimento das médias eletrônicas, ou seja, comunicação de massa é aquela destinada ao grande público, tendo um maior auge com o surgimento do cinema, rádio e televisão, o que pode criar uma indústria cultural. Ou conforme Cooley expressou:

A nova comunicação de massa representou uma revolução em cada fase da vida: no comércio, na política, na educação, até na mera sociabilidade e tagarelice. (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993, P. 40).

Ao longo dos séculos, o homem evoluiu a comunicação em diversas direções. E com o passar dos tempos, os seres humanos vem sendo exigidos cada vez mais das peculiaridades e capacitações, e, neste processo, a comunicação apresenta-se como a

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ferramenta mais importante no processo de expansão das organizações em todo o mundo (MEDEIROS, 2008). No mundo atual, cada campo da comunicação adquire dimensão própria, pois a especialização ou a segmentação, como se faz no jornalismo, facilita a troca de informação através de sistemas disponíveis no mercado. Isto é, no processo de comunicação em que está envolvido algum tipo de aparato técnico existe uma comunicação mediada que intermedia-se os locutores (CHINEM, 2006). A sociedade moderna resulta do aperfeiçoamento progressivo dos processos de comunicação entre os homens e isto remete à reflexão sobre a importância da comunicação da linguagem verbal e não verbal, do processo de comunicar-se e expressar ou disfarçar as emoções nos diálogos (BERGER, 1999). Ou seja, os processos de comunicação englobam as redes colaborativas e os sistemas híbridos, que combinam comunicação de massa, comunicação pessoal e comunicação horizontal (CHINEM, 2006).

Necessidade da Comunicação De acordo com Silva (2004), o ser humano desde que começou a viver em sociedade, fosse para alertar sobre alguma coisa ou expressar sua cultura ou sentimento, começou a sentir a necessidade de comunicar-se, de receber e enviar mensagens. As mensagens que são captadas e trocadas pelo homem exercem influências em seu comportamento e conduta, de forma a dominar seu modo de atuar, pensar e transmitir seus conhecimentos para o mundo. O homem deve se comunicar constantemente para alcançar um crescimento interno e externo, pois a ausência de comunicação empobrece os indivíduos, rompe o processo de aprendizagem de ajuste de ideias, percepções e sentimentos. Perles apud Pereira (1973, p. 108) pontua que o ser humano se comunica como um “sistema” aberto, em constante intercâmbio consigo próprio, e com o mundo ambiental. Sendo assim, pode-se afirmar que o ser humano não é apenas um ser que se comunica, mas um ser que existe em comunicação; é um ser-em-relação. Do mesmo modo, Perles apud Souza (1973, p. 209) sugere que o homem é um ser social, ninguém pode negar que a comunicação é condição fundamental dessa sociabilidade, pois permite uma possível transmissão de experiências e conhecimentos de um sujeito para o outro. Desta forma, de acordo com a frase "A comunicação é um ato intrínseco ao existir do ser

humano", entende-se que o ser humano tem por necessidade comunicar-se, pois o mesmo vive em um sistema social, onde existe a interdependência entre os homens, a fim de atingirem um objetivo em comum, tornando o homem um ser sociável (CIANCIARULLO, 1996). Assim, o psicólogo Mussak afirma que o homem só se realiza como pessoa na relação com os outros, relação essa que tem vários níveis e assume múltiplas formas: Universalidade; Sociabilidade e Intimidade. Ao nível da intimidade, o autor pontua que a pessoa encara-se como um ser dotado de uma consciência de si, baseada na racionalidade e nas emoções que, embora seja individual e interior, só se constrói com base em relações significativas com outros seres humanos. Já ao nível da sociabilidade o sujeito encontra-se como membro de uma sociedade organizada, necessitando passar por um longo processo de sociabilizarão até que possa assumir-se como um membro ativo da sociedade a que pertence. Contudo, não se pode dizer que a sociedade é uma mera soma de indivíduos, uma vez que cada individuo é, em si mesmo, um produto da cultura da sociedade a que pertence. Junto a essa sociabilização do ser humano está a maneira como ele produz conhecimento ao outro, pois é através deste que ele vai provocar modificações em suas formas de pensar e ser na sociedade. Do ponto de vista cientifico e tecnológico, constata-se profundas transformações na produção de conhecimento do homem contemporâneo (PRETTO, 2010). Essas mudanças, segundo Alejandro Piscitelli (2002), provocam profundo deslocamento existencial do ser humano, com consequências diretas na relação sujeito/objeto, pois componentes tecnológicos são elementos que fundam uma nova estruturação cultural.

Sendo assim, para Pretto (2010), todas essas transformações trouxeram para o cenário atual a ideia da chamada sociedade da informação, do conhecimento, no qual um dos elementos marcantes é a velocidade com que as próprias tecnologias, particularmente as de informação e comunicação, cuja implantam-se.

Do Telegrafo ao Facebook A evolução dos meios de comunicação ocorreu nos últimos 150 anos, cuja seu maior avanço se deu a partir do ultimo século. A telegrafia foi o primeiro meio de comunicação verdadeiramente moderno, depois rapidamente surgiu a telefonia, o rádio, a televisão, a transmissão por cabo e satélite e, mais

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tardar, a internet, mais precisamente na década passada (RABOY, SOLERVINCENS, 2006). As redes sociais na Internet experimentaram um grande e rápido crescimento nos últimos anos e chegaram a milhões de usuários no Brasil e no mundo. Tais redes permitem agregar grupos de pessoas, com relacionamentos ou interesses comuns, permitindo aos membros desse grupo comunicar-se e trocar informações na forma de mensagens curtas, fotos, vídeos, dentre outros (BERGAMASCHI, ALBINO, TRIPOLINI, BARIZON, SLOBODTICOV, 2011).

O twitter, por exemplo, é uma ferramenta de micro mensagens, onde os usuários são convidados a responder à pergunta “O que você está fazendo?” em até 140 caracteres. Nele é possível construir uma página, escolher quais autores “seguir” e ser “seguido” por outros. (RECUERO, ZAGO 2009). Já o Orkut é um sistema que proporciona tanto a interação mútua, observada nos posts das comunidades, em que cada usuário pode escrever o que deseja e receber recados como forma de retorno e contribuição dessa interação mediada pela rede social. Esta, por sua vez, pode ser do tipo interação reativa, que se dá quando alguém solicita que outra pessoa seja seu amigo e o contato ocorre por meio de mensagens particulares (PRIMO,1998 e 2003). Entretanto, o Facebook, é considerado atualmente como a rede social mais atual do mundo. Ele foi criado nos Estados Unidos em 2004 por Mark Zuckeberg, em que hoje em dia já é a rede social com o maior número de usuários, contabilizando em mais de 400 milhões de integrantes (VIEIRA, BARROS, SEGUNDO, FELIZOLA, 2010). E segundo Silva (2011), é uma empresa privada cuja tem seu funcionamento através de perfis e comunidade, em que muitas vezes é percebida, dentre os sites de Redes Sociais, como o mais privado. Isso acontece por que apenas os usuários que fazem parte da mesma rede podem acessar os perfis uns dos outros. Ou seja, é necessários estar na rede para acessar a rede. O sucesso universal do Facebook, inclusive no Brasil, pode ser explicado pela quantidade de recursos oferecidos; de jogos sociais que permitem a interação entre usuários, até acesso a notícias de vários locais do mundo disponíveis no mural (ou feed de notícias). Os usuários comuns podem compartilhar as informações que lhe chegam, ou seja, podem divulgar uma notícia em meio a sua rede de contatos, além de ainda poder comentar e

discutir o assunto com usuários de qualquer lugar do mundo que possuam um perfil no site (VIEIRA, BARROS, SEGUNDO, FELIZOLA, 2010). Conforme dados disponíveis do Site da empresa, o objetivo do Facebook é ajudar, com mais eficiência, as pessoas a se comunicarem com amigos, familiares, colegas de trabalho. No Brasil, seu uso está sendo extremamente difundido. Segundo pesquisa realizada em setembro de 2011, a Rede Social atingiu a marca de 30.9 milhões de usuários brasileiros. (SILVA, 2011).

Facebook e Subjetividade Palavras e vocábulos, aparentemente, deslocados de seus lugares habituais podem ser, e muitas vezes são, reveladores de múltiplos sentidos. De tal forma que os homens não passam por indiferentes pelo “ambiente” virtual, cuja trata-se de um espaço constitutivo de vida, meio em que é possível circular, trafegar informação, encontrar caminhos, seguir atalhos, navegadores, rotas ou links, abrir janelas e cruzar portais, repleto de possibilidades, cujos limites são definidos pelo interesse do caminhante (RENDEIRO, 2011). Assim sendo, nessa espécie singular de patrimônio virtual, sugestivo de “reevocação”, ativo porque atribui “caráter sagrado” às imagens, às narrativas e aos objetos que representam e identificam uma nova forma de sujeito, reconhece-se uma sociedade em rede, indiscutivelmente preocupada em relacionar o passado ao presente (RENDEIRO, 2001). Etimologicamente, a palavra patrimônio, do latim patrimonium, sugere a ideia de herança, espécie de propriedade “herdada do pai ou de outro ancestral” (GONÇALVES, 2002, p. 78). A partir desse pressuposto, pode-se atribuir aos sites ou sítios, espaços de construção de informação por excelência, uma ideia de patrimônio, naturalmente simbólico, não exatamente um legado, mas um bem; passível de análise também como um edifício de memórias, visto como parte de um discurso cultural erguido no paradoxo do efêmero, vivo e edificado à sombra da tecla deletar. Refere-se aos álbuns de fotografia (com as imagens das celebrações e trajetórias individuais e familiares, reunidas e classificadas nesse universo); também às narrativas singulares das redes sociais e ao conjunto de suas comunidades. Local onde se propagam eventos e memórias. Um espaço onde se faz possível “ter” e “ser”, seguindo as teclas e a tela do computador (RENDEIRO, 2011).

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Contudo, para a análise dos sites de relacionamento orkut e facebook, parte-se da premissa de que sua constituição como fenômeno deve-se, antes de tudo, ao fato de o valor de um sistema de comunicação aparecer atrelado à intensidade da participação concreta de seus usuários, lembrando que o número de pessoas que fazem uso desse tipo de ferramenta virtual só faz crescer vertiginosamente. Tal como afirma Casalegno:

A efervescência social e a vitalidade das paixões humanas não se deixam aprisionar em teorias e causas lineares (CASALEGNO, 2006, p. 20).

Daí a necessidade de identificar esses fenômenos levando em conta o jogo sutil “entre comunicação e memória, entre saber e informação, entre redes e sociedade” (CASALEGNO, 2006). Inicialmente vale refletir sobre esses sites no universo de significados que compõem uma rede e sobre o fenômeno redes sociais, nos sentidos que elas carregam em si. E por este motivo, dentro do deste universo o discurso do “eu” está muito presente como uma forma de narrar sobre si mesmo, sustentada por imagens e por ritmos, denotando uma nova forma de lidar com o tempo e o espaço. Essa preocupação com o eu está relacionada com as novas formas de tratamento da imagem, novas formas de narrar sobre si, sugestivas de um indivíduo que trata a si mesmo como produto ou mercadoria, sujeito aos recursos do Photoshop, retocando e editando as imagens que “publica” de sua vida (RENDEIRO, 2011). No percurso dessa análise, as imagens no mundo contemporâneo estariam, assim, no campo das sensações, isto é, essa necessidade de chamar a atenção constantemente para si atravessaria todas as instâncias sociais, uma espécie de súplica perceptiva, “receba-me, perceba-me, reconheça-me, para que possa simplesmente ‘ser’”. (TÜRCKE, 2010, p. 39). Isto é, a necessidade de anestesia humana, frente às angústias da modernidade, leva à dependência das imagens, estímulos e sensações por excelência. Nessa nova era midiática, ainda procuramos a imagem de nossos ancestrais; nosso passado, tantas vezes resinificados nos álbuns de família, cuja têm função de vitrine, em que as pessoas precisam ser vistas para poder realmente existir. (FLUSSER, 2010). Ou seja, o álbum é parte das redes, uma forma de apreender e editar as sensibilidades contemporâneas, a serviço da construção de novas representações de si próprios, novas formas de culto à imagem (SILVA, 2008).

Todavia, segundo a autora atualmente não existe a clássica divisão entre público e privado, racionalidade e subjetividade, o coletivo e particular. Para ela, nesse cenário, as autobiografias em rede, o discurso autobiográfico, a “febre biográfica” e o hábito de compartilhar “segredos” estariam servindo para revelar e redefinir novas identidades, uma criativa produção de novas subjetividades, capaz de dar conta de minorias e de refletir sobre novos lugares políticos, de “senhas que ultrapassam interesses locais para se integrar às redes transnacionais de comunicação” (SOUZA, 2010, p. 53). Nessa interpretação, todo o interesse pela vida privada acaba por fazer dela “um meio de afirmação do sujeito pelo olhar do outro” (SOUZA, 2010, p. 53). E esse hábito coletivo de confessar e essa produção ilimitada de memórias estariam relacionados a um narcisismo de grupo, diferente do simples narcisismo, uma vez que confere e acentua uma noção de pertencimento a um grupo, uma tribo, uma comunidade, acentuando também outras formas de criar comunidades. Por fim, pode-se afirmar que a subjetividade do sujeito no mundo contemporâneo está diretamente relacionada à visibilidade, promessa maior das redes sociais. Assim, “estar invisível equivale a estar morto” (BAUMAN, 2008, p. 21).

Facebook e Educação Atualmente, as tecnologias digitais vêm demonstrando que é possível o desenvolvimento de um novo paradigma educacional, trazendo mudanças nos modos de comunicação e de interação. Essas mudanças serão positivas, desde que aconteça uma re-contextualização das habilidades comunicativas, pois, segundo Avala (2003), o ciberespaço oferece oportunidades para as pessoas desenvolverem novas competências fundamentais, como o senso crítico; o pensamento hipotético e dedutivo; as faculdades de observação e de pesquisa; o julgamento; a capacidade de memorizar e classificar; a leitura e a análise de textos e de imagens; a imaginação; a representação em redes e os procedimentos e estratégias de comunicação.

As novas tecnologias, como a Internet e as redes sociais forçam a adaptação ao meio e ao ambiente social. Isto porque, as redes sociais são aplicações que suportam um espaço comum de interesses, necessidades e metas semelhantes, criando um ambiente de aprendizagem efetivo, participativo e interativo e o facebook é, provavelmente, o

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principal meio de encontro e comunicação entre os estudantes universitários (PETTENATI, 2006). Já que, na sociedade moderna vive-se o auge das redes sociais, impulsionado pelo caráter social e pela ideia de partilha, aliado a um ambiente informal, atrativo e catalisador, contribuindo para que cada vez mais jovens adiram a este tipo de software social e, particularmente, à rede social Facebook. (GONÇALVES & PATRÍCIO, 2011) Segundo o site da revista Veja, o Facebook colocou à disposição de escolas e universidades um novo tipo de perfil destinado especialmente a instituições de ensino. Batizado de Groups for Schools, o novo recurso da rede social permite que estudantes e membros de uma determinada comunidade acadêmica troquem arquivos, criem eventos e compartilhem mensagens. Tudo em um ambiente fechado, que só permite a participação de pessoas autorizadas. Apesar de milhares de grupos de instituições de ensino já existirem no Facebook, agora eles estarão organizados, com um endereço próprio e com ferramentas para melhorar a comunicação entre seus membros. Deste modo, a Educação, influenciada pela globalização, avança no desenvolvimento dos indivíduos e para que haja uma transformação no processo de aprendizagem. Contudo, é também necessário definir estratégias pedagógicas inovadoras que incluam utilização de software social como ferramentas de trabalho, de modo a flexibilizar os contextos de aprendizagem, individuais e cooperativos. Quem irá fazer será o professor, que se torna um elo de conhecimento dessas tecnologias inovadoras. (GONÇALVES & PATRÍCIO, 2011).

Assim sendo, os recursos tecnológicos usados na Educação devem caminhar buscando um objetivo único: a otimização do processo de ensino e aprendizagem. Em que, o uso das tecnologias digitais possibilita a transformação dos velhos paradigmas de educação, propiciando atividades pedagógicas inovadoras. O computador, por sua vez, tem que ser visto como uma ferramenta de ensino e facilitador da aprendizagem, buscando fascinar o aluno para as novas descobertas. (DANESI; FALKEMBACH; PRIETO & TREVISAN, 2005). Objetivo

Este estudo tem como objetivo entender o facebook; sua relação com as pessoas, a forma de comunicação mostrando sua influência e importância através da análise do discurso. Método

A metodologia utilizada nesse trabalho foi a de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa, uma modalidade que dá ênfase as questões subjetivas da realidade, preocupando-se com os problemas peculiares do contexto das relações sociais, onde os dados numéricos não conseguem alcançar a profundidade do fenômeno a ser pesquisado. Assim como, esta abordagem é a mais cabível ao estudo em questão, pois buscamos compreender o significado da comunicação, a necessidade que o ser humano tem de se comunicar sob o ponto de vista dos usuários da rede social facebook.

Procedimento O procedimento adotado foi de investigar o próprio Facebook e como se processa as relações entre os sujeitos, a população alvo foram alguns dos graduandos do curso de psicologia do quinto período da Universidade Mackenzie, com idade média de 18 à 25 anos e alguns familiares das pesquisadoras com idade entre 35 à 45 anos. O grupo de discussão temático foi dividido em dois subgrupos, mantendo a mesma temática em questão para os dois, essa divisão teve por finalidade verificar se há diferença na forma como jovens e adultos utilizam o facebook, qual a necessidade que cada um desses grupos têm de ter uma conta nessa rede social.

Discussão dos Resultados Depois da análise dos resultados foi possível observar pelas respostas obtidas que todos os sujeitos pesquisados, independente da idade, sexo, cultura, e outros aspectos psicossociais, buscam no facebook uma forma de se relacionar, o que indica a necessidade do homem de se comunicar, de receber e enviar mensagens tais quais outras necessidades primárias. Isto porque o homem é um ser social, sendo a comunicação sua condição fundamental dessa sociabilidade, cuja como visto na literatura permite a transmissão de experiências e conhecimentos e a interdependência entre os sujeitos. Desta forma, a partir desta nova ferramenta tecnológica de relacionamento pode-se perceber que os sujeitos, como forma de mediar e fortalecer esta rede de comunicação, verificam frequentemente suas notificações mais recentes e de seus amigos. Contudo, o adulto jovem, diferentemente do adulto da meia – idade, utiliza o facebook também para acompanhar páginas de seu interesse e realizar publicações de trechos musicais, opiniões e fatos cotidianos, devido a sua necessidade de passar por

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um longo processo de sociabilização, pois ao nível da sociabilidade o adulto jovem encontra-se como membro de uma sociedade organizada, necessitando passar por este processo até que possa assumir-se como um membro ativo e reconhecido da sociedade/grupo a que pertence. No entanto, pelo baixo grau de confiança depositado no facebook, o adulto jovem não utiliza essa ferramenta de comunicação para expor suas particularidades e fatos pessoais, em que detestam os indivíduos que chamam atenção para si mesmo expondo intimidades ou publicando fatos fúteis. E embora, a ausência ou não utilização do facebook nesta faixa etária não manifesta nenhum tipo de sentimento, as suas vivências de alegria, tristeza e revolta são de categoria subjetiva para cada sujeito, posto que alegria possa ser deletar pessoas inconvenientes, reencontrar amigos, ler piadas ou visualizar publicações de amigos no mural. Tristeza, por sua vez, pode ser em visualizar amigas brigando, futilidade ou notícias de parentes doentes. Já a vivencia de revolta varia desde publicações machistas, propagandas eleitorais, desabafos até futilidades. Por outro lado, o adulto da meia – idade utiliza o facebook para a publicação de desabafos e divulgação do próprio negócio para os amigos e usuários devido a sua maior maturidade e consolidação no trabalho, o qual atualmente foi depositado maior importância, gerando uma relevância e significado em si próprio. Assim, como uma ferramenta mediadora o facebook possibilita para o adulto da meia – idade publicar links para Web sites empresariais ou para o seu próprio público alvo, facilitando a comunicação com a marca o que ajuda a ter mais informações sobre a mesma, isto porque, de certa forma, esta empresa está mais próxima dos seus consumidores. E assim sendo, os sujeitos dessa faixa etária depositam um maior grau de confiança comparado ao adulto jovem, em que a ausência ou não utilização do facebook para o adulto da meia –idade gera sentimentos de necessidade de atualização. Apesar disso, estes sujeitos na faixa dos 40 aos 50 anos de idade não expõem, assim como o adulto jovem, suas particularidades, fatos pessoais e discussão de problemas particulares, em que detestam os indivíduos que realizam muitas postagens por dia sobre a vida cotidiana. E nem por isso, o adulto da meia – idade deixa de vivenciar momentos de alegria, tristeza e revolta, pelo contrário, vivenciam muitas vezes de maneira similar, como é o caso do sentimento de tristeza

relacionado às notícias de morte de amigos e desabafos tristes característicos desta fase do desenvolvimento humano em que os sujeitos entram em contato com um maior número de perdas simbólicas e lutos. Já as vivencias de alegria e revolta, assim como para os adultos jovens, são de categoria subjetiva, posto que alegria possa ser reencontrar amigos para alguns, o apoio das pessoas em momentos difíceis de perdas e lutos, mensagens de aniversário ou o nascimento de familiares para outros. Revolta por sua vez, pode ser em provocações associadas ao futebol, falsidade ou de pessoas que postam muitas vezes ao dia. Conclusão Percebe-se que o facebook é o grande veículo de comunicação da modernidade, sendo utilizado por toda a sociedade desde venda de produtos até como plataforma política, servindo para todos os fins e objetivos. O mundo se comunica pelo facebook, ele é usado por todo meio educacional e institucional. A classe empresarial, por exemplo, o utiliza para publicitar os seus produtos, a classe política para divulgar as suas mensagens políticas, a criação quase instantânea de movimentos de massas populares que induzem à revoluções. Por sua vez, a classe educacional, que usufrui essa rede social para trazer mudanças nos modos de comunicação e de interação entre os estudantes, tem o objetivo de otimizar o processo de aprendizagem e como o facebook é o principal meio de encontro, é uma forma de atrair os estudantes. A psicologia como ciência que estuda o comportamento humano deve ficar atenta a esses meios de comunicação, pois as redes sociais dão vazão às ideias e deixam as mentes mais livres para criar e como pôde ser observado, no facebook os usuários manifestam suas emoções, sua subjetividade, criam formas de divulgação de seu trabalho. O facebook é uma plataforma de comunicação, facilita o reencontro de pessoas que se deixaram de ver pelas vicissitudes da vida, muitos utilizadores fazem desta ferramenta um precioso complemento para complementarem a sua necessidade de informação e saberes. Referencias Bibliográficas ALAVA, S. Uma abordagem pedagógica e midiática do ciberespaço. Revista Pátio, RS, n.26, p.8-11. 2003.

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COLETIVIDADES

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MILITÂNCIA E IDENTIDADE PROFISSIONAL NA LUTA CONTRA O ATO

MÉDICO.

Autores: Alyson Gomes Ribeiro de Barros, Ana Paula Hermoso Lopes, Barbara Belleza Simão, Camila Silva Junqueira, Denise Santana e Silva, Felipe Gochomoto da Silva, Lais de Abreu Guizellini, Marianna Rafaella Rosa da Silva, Patrícia Passarini, Paula Fernandes Biral

Orientador: Prof. Dr. Erich M. Franco

Introdução

Historicamente, verifica-se a grande importância dos movimentos sociais para as transformações da sociedade civil. Alguns exemplos importantes são o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento Negro (MN), a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) ou o movimento pelas Diretas Já. Segundo Ribeiro (2011, p. 01), o movimento social geralmente é conceituado como uma:

ação coletiva de um grupo organizado que objetiva alcançar mudanças sociais por meio do embate político, conforme seus valores e ideologias dentro de uma determinada sociedade e de um contexto específicos, permeados por tensões sociais.

A organização de um movimento social precisa ser bem estrutura e desenvolvida para que seja possível a mobilização de recursos e o engajamento de membros. Esses militam e atuam sistematicamente para alcançar seus objetivos políticos de forma permanente (RIBEIRO, 2011).

Entendemos que os movimentos sociais podem ser entendidos como a expressão da pluralidade humana, esta que se revela por meio do discurso e da ação (ARENDT, 2005). A participação da população é o que torna possível o “segundo nascimento”, segundo Arendt (2009), o tornar-se humano por meio da inovação, do inesperado.

Gohn (2011) acrescenta que os movimentos sociais são expressões de negação de uma situação opressiva já existente, ou ações libertárias, em direção à construção de algo novo.

Dentre os diversos movimentos sociais, destacam-se aqueles presentes no campo da saúde, estes protagonizaram importantes transformações no

cenário nacional, tais como a formulação e implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a Reforma Psiquiátrica. Segundo Ribeiro (1989). Os movimentos sociais em saúde assumem três valores em seu discurso: o conceito global de saúde, a universalidade do serviço de saúde e a participação da comunidade nas reivindicações e soluções de problemas.

O presente trabalho tem por objetivo apresentar reflexões sobre os significados e os sentidos da participação nos movimentos em saúde. Trata-se de um relato de experiência de estágio básico em Psicologia Social. Durante a atividade foram realizadas entrevistas com profissionais ligados aos movimentos em saúde a respeito das disputas relacionadas ao Ato Médico.

O Ato Médico consiste em um Projeto de Lei (nº 7.703 de 2006) que visa assegurar exclusividade médica para ações diagnósticas e de prescrição terapêutica, entre outras atividades consideradas privativas dessa profissão. Tramita no poder legislativo e vem levantando muitas polêmicas entre as profissões da saúde no Brasil. Segundo o CRM-PR, o Projeto de Lei se faz necessário na medida em que procedimentos médicos têm sido realizados por profissionais não-médicos.

O debate em torno do Ato Médico traz à tona reflexões a respeito do conceito de saúde. Verifica-se que a definição de saúde sempre foi um tema muito discutido entre os pensadores da área. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde pode ser definida como “o perfeito bem estar físico, mental e social, e não apenas ausência de enfermidades”, o que constitui um avanço, mas, sem dúvida, ainda está distante de ser uma definição satisfatória.

Muitos outros acreditam que esta caracterização ainda não pode ser definida como totalmente correta. Um exemplo dessas críticas é a questão levantada por Segre e Ferraz, (1997), quando em seu artigo “O conceito de saúde”, questionam sobre a busca da perfeição inatingível, e a não consideração de características da personalidade de cada indivíduo. Acreditam ainda que a saúde deve ser levada em consideração a partir da realidade vivida por cada pessoa, pensando também no social e cultural das mesmas. Finalizam então o artigo, levantando uma nova definição: saúde seria um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria realidade. Basta retomarmos os princípios

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do SUS, estes afirmam a dimensão política e social da saúde. Reflexões sobre a experiência de estágio Nosso contato com o tema e suas variações ocorreu a partir de entrevistas com o representantes do Conselhos Regionais de Medicina e Psicologia. Também entrevistamos uma assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia e uma psicóloga. Após o primeiro contato via e-mail, foram marcadas as entrevistas com base em um roteiro pré-definido que abrangeu desde o conhecimento que os profissionais tinham a respeito do ato médico, quais implicações este projeto de Lei trará para as diversas áreas de saúde envolvidas, para a população em geral e sobre qual conceito de saúde eles se apoiam em seus posicionamentos. As entrevistas foram filmadas e editadas para a elaboração de um vídeo, o qual foi apresentado na XVI Mostra de Psicologia do Cotidiano da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Embora os movimentos sociais ligados à saúde sejam temas de grande relevância, verifica-se pouca análise desses movimentos no Brasil devido à heterogeneidade e diversidade de tais movimentos (RIBEIRO, 1989). O presente trabalho se deparou com tal diversidade apresentada nas entrevistas concedidas pelos diferentes profissionais da saúde (médico, psicólogas e farmacêutica). As entrevistas sugerem que os posicionamentos frente ao ato médico estão estreitamente relacionados aos interesses de classe profissional. Nem todas as categorias parecem estar militando pela saúde, mas sim pelo direito ao exercício profissional das práticas que compõem a identidade profissional dos mesmos.

Segundo duas de nossas entrevistadas, a primeira versão do projeto de lei logo despertou a preocupação de profissionais da saúde não-médicos e incitou grande mobilização de vários conselhos para discutir a questão. Depois disso, por pressão desses movimentos, foram feitas várias modificações no texto original. Atualmente, segundo a assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia, a classe farmacêutica reconhece que seu espaço foi conquistado e não é desrespeitado pela atual versão do projeto de lei. Em outra direção, as psicólogas entrevistadas afirmaram que mobilização vai além dos limites para a atuação em cada profissão, e lembram as conquistas no campo da saúde, que culminaram com formulação e regulamentação do SUS. Segundo representante do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo: “O

SUS não vive com o Ato Médico. O SUS é um avanço. Esse avanço pode ser perdido se prevalecer um modelo de saúde centrado na doença e no diagnóstico.”

O contato com os entrevistados fez refletir sobre o fato de que os esforços para a aprovação do ato médico revelam-se não como movimento social, ou seja, “como um coletivo organizado que questiona e atua politicamente para a conquista de mudanças sociais” (RIBEIRO, 2011), mas como uma ação de representantes de classe em defesa de interesses de classe. Vimos, por exemplo, no relato do representante do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, que não há entre os médicos qualquer espaço para diálogo e discussão a respeito do tema em debate, pois o Projeto de Lei é Federal e, por isso, o tema não diz respeito à esfera Regional, revelando sua perspectiva burocrática dos órgãos de classe.

De acordo com o esse relato, a ação política das entidades médicas de classe não é representativa e não busca a transformação. O que nos faz pensar em seu caráter conservador da profissão médica e das relações de poder no âmbito das práticas em saúde. Isto é, reage contra transformações como a crescente presença e valorização de outras categorias profissionais no campo da saúde.

Diferentemente, movimentos como a Rede Humaniza SUS militam refletindo sobre a saúde no país, valorizando a interdisciplinaridade e a participação popular em busca da pluralidade de saberes.

Considerações Finais

Pode-se verificar os diversos interesses de classes que permeiam os embates relacionados ao Ato Médico. Foram levantados questionamentos a respeito das diferentes formas de se compreender a saúde e as implicações que tais visões nas formas de lidar com a saúde.

Os relatos sugerem que a identidade profissional também parece ser algo que se busca conservar.

Fica clara a importância da defesa do SUS e do distanciamento do Ato Médico em relação aos avanços que esse modelo representa.

A dificuldade de contato com outros integrantes dos movimentos sociais na saúde restringiu o alcance da experiência de estágio. Contudo, a

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atividade permitiu refletir sobre o distanciamento dos profissionais de saúde em relação às políticas públicas e aos espaços de participação política. Nesse sentido, podemos levantar a hipótese de que a saúde ainda é percebida como algo da esfera privada e não pública, com bem privado.

Referencias Bibliográficas ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. BRASIL, Ministério da Saúde. ABC do SUS – Doutrinas e princípios. Brasília: 1990. CRM-PR. Disponível em http://www.crmpr.org.br/crm2/ato_medico/ato_medico.php GOHN, M. G. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, vol. 16, n. 47, maio-ago. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v16n47/v16n47a05.pdf>. Acesso em: 30 set. 2012. PICOLOTTO, E. L. Movimentos Sociais: abordagens clássicas e contemporâneas. Revista Eletrônica de Ciências Sociais, vol. 1, n. 2, nov. 2007, pp. 156-177. Disponível em: <http://www.editoraufjf.com.br/revista/index.php/csonline/article/viewFile/358/332>. Acesso em: 30 set. 2012. RIBEIRO, L. Os movimentos sociais e sua relação com a questão da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 03, pp. 264 – 275, jul-set, 1989. RIBEIRO, O. Movimentos Sociais: breve definição. 2011. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/sociologia/movimentos-sociais-breve-definicao.htm>. Acesso em: 30 set. 2012. SEGRE, M.; FERRAZ, F. C. O conceito de saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, vol. 31, n. 05, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-89101997000600016&script=sci_arttext>. Acesso em: 30 set. 2012.

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MOVIMENTO NEGRO: ONDE ESTÃO NOSSAS ORIGENS?

Autores: Bruna Jesus dos Santos, Bruno Afonso Nascimento dos Reis, Cynthia Gindro, Leticia Naomi Hanaki, Maria da Piedade Ramos Ascensão Costa, Michelle Messiano Santiago, Quézia Siqueira Pereira, Wenderson Freitas de Oliveira

Orientador: Prof. Dr. Erich M. Franco

Introdução

O presente trabalho consiste em um relato de experiência relativa a um estágio básico em Psicologia Social. Durantes as atividades, buscamos conhecer o Movimento Negro, sua história, suas ramificações e os sentidos do pertencimento para seus membros.

Movimentos sociais trazem consigo a abrangência da vida cotidiana, realidade vivida, em constante transformação. Diante de contradições e enfrentamentos, a humanidade modifica a sua vida prática. Dialeticamente, essas coletividades trazem consigo a vivência subjetiva, a realidade objetiva e o caráter histórico de um determinado conjunto (HELLER, 2008). Bosi (2003) afirma que o movimento social cria espaços para um novo enraizamento, o que implica memórias.

Contudo, apesar da importância desses grupos, eles são constantemente apresentados de maneira estereotipada e criminalizadora pela grande imprensa. Isso parece ser resultado de forte reação à participação popular e ocupação do espaço público pelo público. Entretanto, uma vez participando do movimento é possível desconstruir estigmas e ideologias, rememorando e construindo novas relações.

Breve Histórico do Movimento Negro

Os movimentos sociais envolvendo grupos negros atravessam toda a história do Brasil. Entretanto, até a abolição da escravatura, em 1888, estes movimentos eram quase sempre clandestinos e tinham como objetivo a libertação dos negros escravizados. A Quilombagem foi sua principal forma e teve seu início por volta de 1549, perdurando até 1888. Moura (1989) afirma que a Quilombagem se carecterizou como um movimento de oposição permanentemente organizado e dirigido pelos escravos durante todo período da escravidão

no Brasil, favorecendo a deterioração do sistema escravocrata. Com a aboilição da escravatura e a proclamação da república, os grupos negros se incorporaram a diversos movimentos populares, como as revoltas de Canudos e da Chibata em 1910. De acordo com Moura (1989), a Revolta da Chibata foi praticamente o último ato de rebelião negra organizada e armada ocorrido no Brasil. Posteriormente, coletivos negros organizados passaram a buscar formas alternativas de resistência e busca pela cidadania, especialmente por meio de atividades de lazer, culturais ou esportivas.

No século XX, o movimento negro teve suas maiores mobilizações em grandes centros como as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro (MOURA 1989). O primeiro grande marco desse processo foi o surgimento da Imprensa Negra Paulista, esta organização perdurou até 1963.

A partir dos anos 1960, a ditadura militar inibiu todas as manifestações de cunho racial. Segundo Hanchard (2000), os militares transformaram o mito da "democracia racial" em peça-chave da sua propaganda oficial e rotularam os militantes como não patrióticos, racistas e imitadores dos ativistas estadunidenses, que lutavam pelos direitos civis. Para Sant’ana (1998), os anos pós-Constituição de 1988 registraram avanços nas lutas institucionais contra o racismo e trouxeram essa temática à tona novamente.

Dentro dessa perspectiva, o movimento negro tem por objetivo resgatar a cultura afro-brasileira e, simultaneamente, contrapor a rígida desigualdade e a segregação racial que ainda atinge o povo negro. Para Bosi (2003), os povos colonizados sofrem com a imposição da cultura dos grupos dominantes. Contudo, não perdem totalmente suas referências, seus valores, crenças e, conhecimentos estão mantidos na memória.

No que tange o racismo e preconceitos, o movimento negro busca vencer uma batalha contra o discurso ideológico de que não há discriminação e racismo em nosso país. De acordo com Dallari (apud Lerner, 2007), o preconceito acarreta a perda do respeito pela pessoa humana, restringe a liberdade, introduz desigualdade, estabelece e alimenta a discriminação e promove injustiça.

Fica evidente a trajetória do movimento social em questão, caracterizado pelo dinamismo, pela elaboração e reelaboração, em cada conjuntura histórica, de diversas estratégias de luta a favor da

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integração do negro e da mudança de paradigma referente ao racismo na sociedade brasileira.

Experiência de Estágio

Foram entrevistados quatro militantes do movimento, sendo dois ligados à afirmação cultural e os outros dois às questões de políticas afirmativas e inclusão social.

Aqueles que militam pela via da afirmação cultural fazem parte do grupo União das Raças, majoritariamente composto por jovens. Eles têm como objetivo a promoção e afirmação da musica negra, o intercambio e o convívio social de pessoas que se identificam com a cultura negra. Seus encontros são realizados em espaços públicos como parques, praças, escolas, estações de metrô e também em ambientes privados.

Os entrevistados vinculados às políticas afirmativas e à inclusão social são membros da AFROBRAS e fundadores do Centro de Estudos das Relações Inter-raciais (CERI). A maioria desses militantes tem formação superior e definiram a educação como estratégia para a inclusão nas diversas áreas da sociedade. Para tanto, buscam recursos financeiros para o financiamento de estudos. Esses entrevistados também militaram em apoio à criação da Fundação Cultural Palmares, instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura, que tem como finalidade promover e preservar a cultura afro-brasileira.

As entrevistas foram conduzidas de forma aberta, permitindo aos colaboradores a livre expressão sobre as temáticas abordadas. De acordo com Bosi (2003), a entrevista não diretiva deve transcorrer como um depoimento onde entrevistado, através do uso das memórias semânticas e episódicas, manifesta o seu significado do pertencimento.

As entrevistas permitiram o contato com elementos que caracterizam seus ideais, os sentimentos de pertencimento, seu modo de organização e suas reivindicações, que são variadas dependendo da ramificação do Movimento Negro. Para os militantes da União das Raças, pertencer ao movimento representa participar de um espaço onde eles exercitam a afirmação de suas identidades e diversidades. Nas palavras de um dos entrevistados:

Significa participar de um espaço onde podemos ser o que realmente somos [...]

Meu pai é Branco e minha mãe é negra, o pai do meu parceiro também é branco e a mãe é negra, no nosso movimente não existe este negócio de branco, preto, asiático, todo mundo tá junto [...] A reunião da União das Raças é um espaço para todos independe da raça, credo ou opção sexual (Representante da União das Raças).

Para os membros da AFROBRAS e fundadores CERI, fazer parte do grupo significa ter um espaço organizado para promoção e inserção dos negros no ensino e, consequentemente, em uma melhor posição no mercado de trabalho. Eles vêm o movimento como um espaço de discussão, entre os próprios negros, sobre seu papel na sociedade.

O nosso ponto sempre foi este por trás de uma pessoa que estudou existe uma história. Como temos nossos filhos que estudaram e são advogados hoje [...] nos buscamos um espaço na sociedade, através desta consciência algumas famílias negras foram trabalhando nos filhos para estudarem e terem um espaço na sociedade e nisto surgiu a AFROBRAS também (Representante da AFROBRAS).

Para todos os entrevistados, a formação da identidade está ligada ao reconhecimento de suas origens étnicas; de acordo com suas vivências, eles tiveram uma socialização que preservou seus valores culturais. Observamos que o olhar sobre si legitima a identificação com negro e que o discurso manifesta o teor de conquistas históricas. De acordo com os relatos, pudemos pensar que essas conquistas transformaram o olhar sobre si desses grupos. Para eles, “ser negro hoje”

[...] é ser o foco das coisas, os acontecimentos, o mundo cai na cabeça do negro [...] Minha família teve uma condição financeira um pouco mais privilegiada e eu cresci no meio de pessoas brancas e ser negro é muito complicado, você não ver seus heróis, seus galãs, isto tem mudado, mas continua complicado [...] hoje em dia ser negro é buscar o espaço na sociedade é dar o nosso melhor, é defender nossa raça e ser melhor em tudo. Aprendemos isto desde crianças e passamos para nossos filhos (Representante da Afrobras).

Ser negro hoje é um privilegio! Porque hoje nos somos mais bem vistos pela sociedade,

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a gente não sofre o mesmo preconceito que sofria antes [...] (Representante da União das Raças).

Ao relatarem sobre a vivência nos movimentos, os entrevistados deixaram explícito o sentimento de pertencimento e a identidade com a cultura africana e seus desdobramentos. Relatos com o uso do pronome Nosso (nosso grupo, nosso povo, nossa raça etc.) eram presentes em quase todas as falas:

as coisas que eram nossas, do negro hoje tornamos coadjuvantes, como mesmo nos terreiros de macumba (...) Nossa história é marcada por desigualdade

A experiência de estágio nos fez retomar os conceitos de desenraizamento e enraizamento. Um dos entrevistados ligado a religiões de ascendências africanas afirmou:

Participar da religião significa ter um reencontro com as minhas origens africanas. A identificação veio desde pequena, meus ancestrais sempre cultuaram o lado da umbanda, este lado espiritual. Eu cresci dentro disto, e com orgulho me tornei uma grande sacerdotisa [...] (Representante da Afrobras).

Considerações Finais

Sem a pretensão de esgotar o tema em questão, durante a atividade de estágio apreendemos que o movimento está diretamente ligado às lutas, não só contra o racismo, mas também contra a xenofobia e intolerâncias correlatas. Entendemos que o movimento negro é resultado de uma série de manifestações decorrentes de um processo histórico. Entretanto, não é possível dizer com exatidão onde ele nasce ou especificar algum lugar determinado. Compreendemos que movimento negro é um conjunto de manifestações de resistência e que os coletivos organizados que o compõe são de grande importância para o encontro com raízes e para afirmação da identidade.

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MOURA, C. História do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1989.

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SINDICATO E EDUCAÇÃO: SUAS DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES

Debora Gonçalves Dias, Filipe Astorfi da Costa, Jacqueline Sampaio Santos, Renan Chamorro. Orientador: Prof. Dr. Erich Franco

Introdução O presente texto consiste em um relato de experiência de estágio básico em Psicologia Social. Nosso interesse voltou-se para a vida política, entendida nos termos de Hanna Arendt (1997). Inicialmente, buscamos compreender os sentidos do movimento sindical para os professores que participação do mesmo. Contudo, o acesso a membros dos sindicatos foi limitado, portanto também entrevistamos professores de psicologia com experiência sindical, que estudam o trabalho e a educação, além do secretário de comunicação da APEOESP. Em termos gerais, buscou-se articular reflexões sobre a educação, sociedade e participação sindical. A escolarização no Brasil foi elitista durante séculos, somente com as pressões populares e as demandas de expansão industrial e do capital que os investimentos públicos no ensino fundamental começam a crescer. Atualmente, segundo dados da UNESCO (2009), os índices de repetência e abandono da escola em nosso país estão entre os mais elevados da América latina. O crescimento do sistema escolar foi sem dúvida muito positivo, porém é chegado o momento de garantir a qualidade do ensino em seus vários aspectos, tanto nos processos de gestão quanto nas atuações dos profissionais e na própria aprendizagem. Críticas à Educação Bancária Retomamos a crítica de Paulo Freire (2010) à educação bancária e opressiva na qual o individuo tem que se adaptar à realidade da instituição, ao invés de a instituição se adaptar ao educando. Desta forma, ao analisarmos as relações educador-educandos, podemos constatar que o professor desempenha o papel de narrador, pois apenas narra conteúdos e o educando não participa ou está separado de seu objeto de estudo, petrifica-se e mantém-se quase morto. Sua realidade e suas vivências estão completamente separadas das estratégias de ensino. Sua existência e suas palavras tornam-se vazias diante de sua realidade. Assim, os educandos apenas

memorizam, reprimindo sua capacidade de criar novas formas e novos caminhos para construção de sua identidade e de sua consciência, marcando os limites do seu “para si”, levando-os à obediência de normas e regras (FREIRE, 2010, p25). A educação é concebida em dois polos, educador e educando. Sendo o segundo sempre negativo, isto é, menos. Portanto, o educando sabe menos, pode menos e participa menos. O educador é mais, sabe mais e disciplina o educando prescrevendo posturas frente ao mundo e ao conhecimento (FREIRE, 2010). Paulo Freire (2010) propõe a educação como uma “pratica de liberdade”, cujos objetivos são a problematização e a consciência crítica. A educação torna-se um processo de humanização e redescobrimentos históricos. O educando torna-se testemunha de sua existência e de sua identidade, é capaz de pensar, criticar, solucionar e biografar-se. Apesar dessa proposta de educação e ensino, continuamos a utilizar o modelo bancário e para mudar o mesmo podemos considerar os sindicatos como um possível instrumento de ação e reflexão acerca do próprio trabalho dos professores e da forma de ensino. Breves anotações sobre o sindicalismo e o trabalho na modernidade Segundo Antunes (1991), os sindicatos surgiram no momento em que os operários trabalhavam sob condições salariais cada vez menores e com carga horária cada vez maior, criando a necessidade de reivindicar melhores condições de trabalho e de lutar contra o capitalismo, que ganhava força com a intensa expansão das máquinas dentro das indústrias. O sindicalismo no Brasil teve origem no processo de mudança do trabalho escravo para o assalariado, na ocasião foram criadas as primeiras organizações operárias. É através dos movimentos sindicais que a classe operária incorpora-se a sociedade, devido as suas reivindicações por segurança econômica, prestígio social e poder político. Seguindo os escritos de Arendt (1997), esses coletivos têm como principal característica a dimensão política, isto é, a ação coletiva no espaço público. A palavra ‘’agir’’ advinda do termo grego ‘’archien’’, significa iniciar. O início sugere o começo de algo novo. O novo sempre acontece à revelia da esmagadora força das leis estatísticas e de

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sua probabilidade. Portanto, a capacidade do homem de iniciar algo remete à sua imprevisibilidade. O imprevisto na relação humana só é possível porque cada homem é diferente dos demais e, segundo ela, é por meio da ação na vida coletiva que se dá a efetivação desta singularidade. Contudo, a ação não pode vir desacompanhada do discurso, pois embora o ato possa ser percebido independente de palavras, este só se torna relevante através do discurso. Afinal, é devido à fala do agente que é possível identificá-lo, identificar o ato que se fez e que se faz e o que se pretende fazer, revelações que só se desenvolvem dentro de um espaço público. Considerando a imprevisibilidade da natureza humana, devido a sua capacidade de agir, a ação exercida por um indivíduo sobre outros homens significa atuar sobre seres que também são capazes de agir, isto faz com que as consequências da ação sejam ilimitadas, e dentro destas várias possibilidades também se incluem resultados catastróficos. Por este motivo, como indica Arendt (1997, p232):

Pensadores e homens de ação sempre foram tentados a procurar um substituto para a ação, com o objetivo de evitar a acidentalidade e irresponsabilidade moral inerente à pluralidade dos agentes. Busca-se uma proteção contra as calamidades da ação numa atividade em que o homem, isolado dos demais, seja o senhor dos seus atos do começo ao fim. (ARENDT, 1997, p230)

A pluralidade, por sua vez, é condição necessária do espaço de aparência que caracteriza a esfera pública. Portanto eliminar a pluralidade significa eliminar a própria esfera pública. Na modernidade, o trabalho passa dominar a vida cotidiana, espaço central de convivência humana marcada pelo isolamento, isto é, nessas relações não é possível criar uma esfera pública autônoma, porém ele ainda vincula-se minimamente ao espaço de aparência da esfera pública, pois se conecta a tangibilidade das coisas que produz. O trabalho transforma-se em labor, onde não há convívio com o outro, a convivência existente não consiste na verdadeira pluralidade e não existe uma combinação proposital de diferentes habilidades e vocações (ARENDT, 1997). Segundo Arendt, (1997) a natureza coletiva do labor, exige a perda efetiva de toda consciência de individualidade e identidade. Esta uniformidade

predominante tem intima relação com a experiência somática de labutar em conjunto, na qual o ritmo biológico une de tal forma o grupo de operários que cada um passa a sentir-se como simples membro do grupo e não mais como indivíduo. Como sugere Arendt (1997), a surpreendente ausência de fortes rebeliões por parte de escravos ao longo da história parece confirmar a incapacidade do sujeito empenhado no labor de diferenciar-se e, por conseguinte, de exercer o discurso e a ação. Por outro lado, os movimentos operários em oposição a isso, conseguiram ser muito produtivos na historia da política moderna. A partir dessa construção histórica, podemos pensar o discurso dos sujeitos através da memória falada, o que Bossi (2004) identifica como sendo um vinculo com a história passada, com coisas que permanecem mesmo que inconscientemente. Cada relato remete a situações em que o depoente se envolveu em interação com outras pessoas, reflete as crenças que adquiriu em seu grupo, se fortalece temporalmente aos eventos que fizeram notícia e marcam a época. Objetivos Com base nos autores citados, buscou-se uma aproximação das ações do movimento sindical. Além disso, investigou-se um pouco de sua história, de sua importância para seus membros e quais as concepções sobre a educação entre sindicalistas e professores que estudam temáticas relacionadas. A Experiência de Estágio Entramos em contato com professores do ensino público e privado que estão vinculados aos respectivos sindicatos e também com secretário de comunicação da APEOESP. Durante as entrevistas, pudemos nos apropriar de diferentes visões e opiniões sobre o sindicalismo e seu papel na sociedade brasileira. Notam-se algumas divergências e aproximações entre os próprios entrevistados e a bibliografia pesquisada. As divergências quanto ao entendimento dos objetivos do momento sindical estão assentadas em duas oposições. De um lado, é reconhecida sua luta por mudanças sociais e contra o modo de produção capitalista (ANTUNES, 1991). De outro lado, compreende-se que esse tipo de luta nunca foi almejado pelos movimentos operários, na verdade o que se reivindica é segurança econômica, prestígio social e poder político (ARENDT, 2005). Esta

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afirmação aparece no depoimento prestado de um dos professores entrevistados, ele afirma que, toda relação de capital e trabalho é conflituosa e que o movimento sindical é pautado sim por interesses políticos, uma vez que estes agem por interesses próprios.

O sindicato está no centro pra discutir e atenuar pelo menos a relação capital e trabalho, que é uma relação intensa, uma relação de atrito (....) que na atual forma não tem solução. Capital e trabalho brigam sempre. (...) tanto os empregados se associam para se fortalecer e também os empregadores se associam para fortalecerem-se (...) é uma disputa Politica. (Entrevistado 1)

De acordo com o depoimento acima, a função dos sindicatos seria a de atenuar os conflitos entre o capital e o trabalho. Para o segundo entrevistado, as reivindicações vão para além das condições de trabalho e abarcam outros elementos que podem transformar a sociedade.

O sindicato reivindica, além das lutas salarias,

plano de carreira e condições de trabalho, você incorpora lutas mais gerais, como por exemplo, o aumento de investimentos gerais na educação, luta pelo plano estadual, federal e plano municipal e educação, a luta por equipamentos na escola para que você tenha uma melhor qualidade de ensino, bibliotecas, laboratórios. Em outras palavras você faz uma luta que vai além das questões imediatas de salario, uma luta por uma educação pública de qualidade. (Entrevistado 2).

Em seu depoimento, o terceiro professor entrevistado, que participou ativamente do movimento sindical, considerou que o movimento sindical não se diverge do movimento social, afinal o movimento sindical é um tipo de movimento social, o problema é que não existe um diálogo entre os vários movimentos sociais e ao abordar a história do sindicato, comentou sobre a origem do termo pelego:

No Brasil, você tem uma história de organização sindical que vem desde a época do Getúlio Vagas, que eram chamados de sindicatos amarelos, atrelados ao Getúlio Vagas (...) Dai vem impressão os de esquerda e os pelegos, porque pelego é aquele equipamento que fica entre o cavalo e a cela, que amortece o impacto, o que é um sindicato Pelego [sic]? É um sindicato não combativo (Entrevistado 3).

Esse entrevistado também ofereceu um relato de experiência pessoal que auxilia na compreensão das razões pelas quais os destinos históricos dos movimentos sindicais e sociais seguiram caminhos distintos.

Se eles descobrissem que nós tínhamos qualquer tipo de envolvimento sindical nós seriamos demitidos, qualquer tipo de organização dos trabalhadores na época que não fosse ligada aos sindicatos que nós chamávamos de pelegos [sic] (...) eles demitiam, então o sindicato na época tinha uma lista negra (...) nós éramos perseguidos, então você trabalhava um tempo e depois que se organizava algum movimento seu nome vinha à tona, você ficava marcado, isso fez com que muitos de nós deixássemos de ser metalúrgicos, porque chegava uma hora que as empresas não te contratavam mais. (Entrevistado 3).

Considerações Finais As entrevistas e o estudo da história do movimento sindical nos permitiram compreender a importância da criação dos sindicatos para mediação das relações de trabalho. Estas instituições foram dialeticamente produzidas pelas degradantes condições de trabalho. Contudo, há controvérsias teóricas e práticas acerca de seu papel – por um lado critica-se seu papel adaptativo e, por outro, afirma-se seu caráter propositivo para a transformação da sociedade. Referencias Bibliográficas FREIRE, P., Pedagogia do Oprimido. Editora Saraiva. Ed. 2012. BOSI, E. O tempo vivo da memória, 2003. ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

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TRABALHO

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IMIGRAÇÃO E PRENCONCEITO VELADO NO MERCADO DE TRABALHO

Cassio Lima Maeji, Jéssica Bolognese, Luana de Freitas Garcia, Milena Pinho da Silva, Vinicius Santiago dos Santos Bomfim.

Orientação: Prof. Ms. José Estevam Salgueiro

Introdução Desenvolvido na disciplina de Supervisão de Estágio Básico em Psicologia Social I, este trabalho objetivou uma experiência para além da teoria, possibilitando a descoberta de outras formas de enxergar a vida cotidiana e seus sentidos. Especificamente, compreender mais de perto o fenômeno do preconceito, tendo como foco a atitude preconceituosa contra o trabalhador imigrante, por se tratar de um grupo historicamente discriminado, com seus sujeitos tendo as mais variadas origens, culturas, particularidades, a partir de referenciais teóricos quanto ao preconceito, imigração e trabalho, e suas relações. O preconceito existe, em parte, por uma função econômica, derivada da tendência do ser humano em eliminar esforços, o que ocorre por meio de agrupamentos dos diversos assuntos do cotidiano, sejam condizentes ou não com a realidade. Essa tendência, por sua vez, dispensa o ser social de pensar e refletir sobre tudo e cada objeto que experiência (ALLPORT, 1977). Logo, o preconceituoso age por indução, pois toma poucas experiências como verdades absolutas, generalizando-as a um grupo de pessoas, que em suas particularidades, não correspondem a tais classificações exageradas. A esse respeito, o autor diferencia aquilo que seria uma “concepção errônea” do que de fato é tido como preconceito, salientando que a distinção está na resistência à experiência, isto é, o preconceito sobrevive a qualquer contestação, é indiscutível pela razão e discutível pela emoção. Nessa perspectiva, Heller (2004) expõe o preconceito como produto da vida cotidiana, que o torna passível de “ultrageneralização”, rigidez e fixação da “unidade imediata de pensamento e ação”, sendo constituído na esfera social. O pensamento e o comportamento cotidiano são ultrageneralizadores na medida em que conteúdos já prontos são adotados pelo sujeito, impostos pelo meio ou nascem de experiências individuais generalizadas, de um jeito ou de outro, carecem de

problematização e são inevitáveis. Uma “ultrageneralização”, ou um “juízo provisório”, caracteriza-se como preconceito quando, apesar de falsa e sujeita a experiência e a problematização não se transforma, é inabalada pela razão. Trata-se de um esforço para não se romper com o status quo, desse modo, não havendo a necessidade de abandonar o cômodo conformismo. Para Heller (2004, p.57),

O homem predisposto ao preconceito rotula o que tem diante de si e o enquadra numa estereotipia de grupo. Ao fazer isso, habitualmente passa por cima das propriedades do indivíduo que não coincidem com as do grupo. […] Há duas coisas que o homem predisposto nunca é capaz de fazer: corrigir o juízo provisório que formulou sobre um grupo baseando-se em uma experiência posterior, e investigar acerca da profundidade da integração dos indivíduos em seus respectivos grupos.

Allport entende o preconceito como um “pensar mal de outras pessoas sem motivo suficiente”. É assim, “um juízo prévio e sem fundamento”. O “pensar mal” tem aqui uma representação ampla, podendo ser compreendido tanto como sentimentos que se desdobram em medo e aversão como em comportamentos hostis, indo do falar mal até o extremo da violência. Nesse aspecto, o autor menciona cinco graus de intensidade da atitude preconceituosa: o discurso hostil em relação ao alvo de preconceito, a “evitação” do contato, a “discriminação”, os atos de violência física e por fim, o “extermínio” (1977, p. 21). O preconceito é, então, definido como “uma atitude hostil ou evitativa em direção a uma pessoa que pertence a um grupo, simplesmente porque pertence a este grupo, supondo-se, portanto que possua as qualidades desagradáveis atribuídas ao grupo” (idem, p. 21). Sartre (1995) compartilha dessa visão ao apresentar o antissemitismo, e consequentemente, o preconceito, como uma paixão, similar a uma visão de mundo, à qual a razão e experiência estão submetidas. “Só um forte preconceito [une forte prévention sentimentale] pode produzir uma certeza fulgurante. Só ele pode subjugar o raciocínio, só ele pode permanecer impermeável à experiência e durar toda uma vida.” (p.13). Como prevenção às consequências negativas do preconceito, ao longo da história da humanidade criaram-se legislações e direitos que defendiam todo e qualquer cidadão desta atitude hostil, em especial,

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após a Segunda Guerra Mundial, o que fez com que as pessoas passassem a manifestar seu preconceito de maneiras diferentes, seja negando-o, ou expressando-o sutilmente, quase como se não existisse (LIMA; VALA, 2004), entretanto a verdade é que continua presente, afinal, como nos mostra Allport (1977), o preconceito triunfa sobre argumentos racionais, visto que é alimentado pela emoção. Nesse sentido, Simai e Baeninger (2012) investigaram como a negação do preconceito contra imigrantes bolivianos na cidade de São Paulo se mostra. Para tanto, analisaram os discursos de brasileiros e imigrantes, partindo do pressuposto de que a negação compõe o discurso de ambas as partes, sendo como uma “forma retórica”, porém com justificativas distintas. No discurso dos brasileiros, perceberam ora uma valorização da cultura dos bolivianos, considerada como “exótica” em relação à cultura do Brasil, país tido tanto para brasileiros como para bolivianos como receptor e acolhedor de diferenças, ora uma reprodução de representações negativas em relação ao estrangeiro. Sobre a exaltação da própria nacionalidade, ressaltam que essa “auto representação positiva é fundamental para a negação do lado ruim do ‘nós’ e do lado bom do ‘outro’; mostra a tendência de depreciar o outro e elogiar e glorificar a própria história, experiência e passado” (p. 200). Outro ponto levantado é a racionalização do preconceito, que é explicado a partir da xenofobia sofrida pelo brasileiro quando se encontra na condição de imigrante, isto é, os depoentes entendem que o brasileiro talvez discrimine como devolutiva pela discriminação sofrida. Já no discurso dos imigrantes, notaram a prevalência de auto depreciação e ressentimento em relação ao próprio grupo de bolivianos, como se incorporassem o preconceito, enquanto demonstravam grande satisfação pelo tratamento recebido no país de destino – o Brasil. Os autores também analisaram falas em que há uma negação dos motivos pelos quais deixam seu país de origem, ou seja, escondem sua real situação por acreditarem que a imagem de migrante econômico pode prejudicá-los no estabelecimento de relações com os hospedeiros. Além desses aspectos, observaram que a negação do preconceito desdobra-se na utilização durante o discurso na terceira pessoa: conhecem pessoas que foram discriminadas, no entanto, nunca passaram por tal experiência. Compreende-se, portanto, que o preconceito é dirigido a alvos diversos e distintos entre si, e por

vezes é reinterpretado e reatualizado, como no caso dos japoneses, que eram estigmatizados por sua fisionomia, costumes, entre outros aspectos e recentemente são vistos como estudiosos, trabalhadores, etc. Dentre as várias vítimas do preconceito, um dos grupos que mais frequentemente são e foram afetados ao longo da história da humanidade, com variações dependentes dos contextos sociais e culturais vigentes, podem ser caracterizados quando o ser humano se desloca, ou seja, migra, pois de um lado os migrantes deixam seu lugar de origem, passando por um primeiro “desenraizamento”, e por outro lado, submetem-se a aceitação ou rejeição do lugar e do povo receptor (WEIL apud BOSI, 2003). Sendo assim, faz-se necessário explicar como se dá o processo de incorporação dos imigrantes na sociedade que os recebe. Os imigrantes, de acordo com Demartini (2010), levam ao país de destino suas histórias de vida, marcas do ambiente em que viveram e aprenderam o que sabem – levam suas diferenças. O grau de aceitação do imigrante num determinado país será maior ou menor conforme as características vinculadas àquele que chegou sejam mais ou menos desejadas/admiradas pelos receptores. Desse modo, irá pesar as condições que levaram ao deslocamento: a situação econômica, a nacionalidade, as particularidades físicas e culturais dessas pessoas, como ocorre com os imigrantes latino-americanos em São Paulo, especialmente os bolivianos, que têm pouca aceitação nos dias atuais. “A discriminação e o preconceito com os imigrantes ilegais pobres é frequente, especialmente porque disputam o mesmo mercado de trabalho e os escassos recursos oferecidos pelo governo à população nacional” (p.57). Por parte dos imigrantes, pode ocorrer uma naturalização do preconceito e da discriminação, que não são percebidos como tais. Logo, muitos dos imigrantes latino-americanos,

Saem de seus países de origem em busca de uma vida melhor em solo brasileiro, em busca de um sonho, em busca de uma sobrevivência. Fogem da fome, fogem da miséria, fogem da desesperança. O que os espera no Brasil, contudo, não é um sonho duradouro ou uma realidade colorida, e sim uma situação de absoluta exploração (ROSSI, 2005).

O mercado de trabalho é, provavelmente, a maior dificuldade do imigrante após o deslocamento, uma vez que “o desemprego é um desenraizamento de segundo grau” (WEIL apud BOSI, 2003, p.178). É por meio do trabalho que o homem constitui-se

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como “ser social” e distancia-se do que é natural. De acordo com Jacques (1996, p.24), a centralidade do trabalho no existir do sujeito pode ser compreendida por sua indispensável associação com a identidade, ao passo que,

Os exercícios das atividades se substantivam e se presentificam, constituindo-se em qualificações ao ser trabalhador e em predicativos definitórios do eu (“engraxo sapatos, sou engraxate”). O ingresso no mundo concreto do trabalho confere valor social, reproduzindo o imaginário coletivo de valorização moral ao ser trabalhador. Permite a aquisição de qualificações como seriedade, obediência, disciplinamento, etc., esperadas pelo espaço de trabalho oportunizado a determinadas camadas sociais que são agregadas à identidade de trabalhador e incorporadas ao eu.

Como se sabe, no geral, os imigrantes latino-americanos veem ao Brasil em busca de emprego, todavia grande parte entra no país ilegalmente, logo, é frequente que se sujeitem a condições desumanas de trabalho, e por não terem o amparo das leis trabalhistas, tenham receio de denunciar a exploração sofrida (ILLES; TIMÓTEO; FIORUCCI, 2008; ROSSI, 2005). A mão de obra imigrante, especialmente boliviana, concentra-se no ramo da costura, em que os donos das oficinas de confecção, antes explorados, como é o caso dos coreanos, passam a explorar, impondo rotinas exaustivas de até 18 horas de trabalho diário, em ambiente fechado, sem ventilação e escuro, ao passo que o barulho das máquinas é camuflado por músicas bolivianas. O som alto das máquinas e da música impossibilita conversas entre os empregados e auxilia no anonimato dessas oficinas, frequentemente ilegais. Alimentação, água, comida e luz são descontadas do salário, já baixo, dos funcionários, que muitas vezes têm a oficina como moradia (ROSSI, 2005). A exploração do trabalhador imigrante pode ser alimentada pela dificuldade que este tem de adentrar em outros campos de trabalho, dificuldade alimentada pelo preconceito no contexto laboral. Por conseguinte, os empregadores, na medida em que recusam contratar um candidato por características que ele possui e que não seriam impeditivas para que exerça a função do cargo requerido, contribuem negativamente para vida desse sujeito. Dessa forma, um imigrante que não consegue outras alternativas de emprego, pois determinadas empresas colocam, por exemplo, a nacionalidade como critério de admissão nos processos seletivos, é impingido a retornar à atividade exploradora, o que pode causar sérios

danos à sua saúde em âmbito biopsicossocial. Relato da experiência Na busca de uma melhor compreensão de como o preconceito em relação ao trabalhador imigrante é visto, vivido e entendido realizaram-se cinco entrevistas no Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), na cidade de São Paulo. Das cinco pessoas entrevistadas, duas trabalhavam no CAMI ― um imigrante boliviano e a responsável jurídica do centro ―, e três eram imigrantes peruanos que se encontravam na instituição no momento da visita. As conversas foram filmadas para posterior observação e utilização na confecção de um vídeo para a XVI Mostra de Psicologia do Cotidiano. Na espera pela conversa com nossos colaboradores, formulamos imagens e expectativas a partir das leituras prévias e do referencial teórico que tínhamos estudado até o momento da experiência. Nesse caminho, Bosi (2003, p. 61) nos fala que “somos, em geral, prisioneiros de nossas representações, mas somos também desafiados a transpor esse limite acompanhando o ritmo da pesquisa”, o que de fato se fez presente em nossa percepção da vivência, pois surgiram a partir das narrativas escutadas − questões que antes da experiência não havíamos considerado −, o que pediu o acréscimo de novos referenciais teóricos para uma melhor análise e compreensão das informações obtidas. Experienciamos a narrativa de visões distintas acerca do preconceito em relação ao trabalhador imigrante, cada narrador nos ofereceu posicionamentos diferentes conforme o lugar de onde falava, assim, notamos contradições nos discursos daquele que falava do lugar de estrangeiro, variando conforme nacionalidade, atual situação laboral, entre outras circunstâncias, e daquele que falava de fora dessa condição, mas que acompanha e trabalha com ela. No primeiro caso, temos os depoimentos de três peruanos e de um boliviano, e no segundo caso, a fala da responsável jurídica pela instituição de apoio ao imigrante que tivemos a oportunidade de conhecer, e que facilitou o contato com os demais entrevistados. Quando chegarmos ao Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), observamos uma grande quantidade de material publicitário de conscientização contra a exploração do trabalhador imigrante, o que indica que se trata de um problema social concreto e vigente, visto que o combate nasce de uma demanda.

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A primeira pessoa que entrevistamos, a responsável jurídica pela instituição, relatou que os imigrantes procuram o CAMI para resolver questões como:

[...] guarda de filhos, problema com a Eletropaulo, defesa do consumidor, problema com o aluguel... Mas, o principal são os problemas trabalhistas. […] como grande parte trabalha na informalidade, eles não são registrados... então, fica difícil eles irem atrás de seus direitos trabalhistas.

Sobre o preconceito contra o trabalhador estrangeiro, menciona que o preconceito é dirigido, principalmente, àqueles que chegam de países com maiores dificuldades econômicas, citando, como exemplo, a queixa do sindicato das costureiras, que temiam perder seus empregos para os imigrantes. Nesse caso, entendemos ser esta uma explicação racional do preconceito, o que nos é assegurado pela entrevistada, que na aproximação com questões trabalhistas e migratórias observou uma realidade em que há espaço para todos trabalharem e que esse medo é, portanto, infundado, assim, como nos lembra Allport (1977), o preconceito é “um juízo prévio e sem fundamento”. Nosso segundo narrador, de nacionalidade peruana, graduado em contabilidade, empresário do ramo têxtil, nos conta que está no Brasil há poucos dias, mas captou “muito otimismo, muita alegria” e que aqui parece “bom para viver”. Quando tocamos no tema preconceito, ele diz não ser vítima, porém recorda de uma visita que havia feito anteriormente ao país com alguns amigos e explica que os brasileiros não prestavam atenção quando ele falava, supondo que isso ocorria porque eles não o entendiam devido à diferença de idioma. Além disso, notou que alguns de seus amigos eram tratados bem, enquanto outros não. Ao mencionar que não sofre preconceito, e observar que outras pessoas sofrem, pode estar negando o preconceito. Vale ressaltar, também, uma possível naturalização do comportamento hostil, pois aparentemente é “normal" que os brasileiros não olhem, não reparem, ignorem uma pessoa porque ela fala outra língua. Em seguida, conversamos com um casal de peruanos, ela, 30 anos, e ele, 29 anos, ambos costureiros. Ele informa que veio ao país “para conhecer... e para trabalhar!”, acrescentando que o Brasil é “muito bonito” e “muito amável”. Ela, porém, nos fala que são “imigrantes por trabalho” e crê que não lhes resta outra atividade para desempenhar além da costura. Ressalta ainda, que

não sente “gosto” por estar em uma cultura diferente e que pretende retornar ao Peru. Quando o marido coloca o “conhecer” à frente do “trabalhar”, supomos que evita vincular-se a imagem de imigrante econômico, talvez temendo rejeição, já a esposa deixa claro o motivo pelo qual deixou seu país: essencialmente pelo trabalho. Quando averiguamos percepções do preconceito, a mulher comenta que seu filho na escola é chamado de “Bolívia”, embora seja peruano, fato que nos remete a uma controvérsia, pois ao mesmo tempo em que percebemos o preconceito por parte dos brasileiros que rotulam imigrantes de diversas nacionalidades como ‘bolivianos’, não respeitando a identidade de diferentes povos, também existe, porventura, um preconceito da mulher, por achar que seu filho está sendo discriminado por ser confundido com bolivianos. Assim, nossa dúvida: se ele fosse categorizado em outra nacionalidade, ‘americano’ por exemplo, a sensação de preconceito seria amenizada ou mesmo existiria? Convém pensarmos que todo ser humano é passível de ter preconceito, logo, pessoas alvo de preconceito podem vir a ser também preconceituosas. O ultimo entrevistado, 30 anos, boliviano, nos informou que veio para o Brasil em busca de melhores oportunidades econômicas, e que pretende continuar vivendo neste país, pois, em sua concepção, no Brasil há uma maior abertura para imigrantes quando comparado a outros países em que morou, como na Argentina. Relata não ser vítima de nenhum tipo de preconceito − pelo contrário, considera os brasileiros amáveis, carinhosos e acolhedores, demonstrando uma valorização dessa nacionalidade. Cogita-se que a não percepção do preconceito por parte do entrevistado tenha como justificativa a intensidade mais branda do preconceito no atual país em que vive, visto que, informa que em outros lugares essa atitude por parte do país receptor foi mais explícita. Todavia, notamos uma contradição em seu discurso quando nos fala que ao chegar aqui trabalhou primeiramente na costura, que procurou outros empregos, no entanto não obteve sucesso, apesar de ter qualificação. Questionamos, então, quais as dificuldades apresentadas pelos empregadores para não admiti-lo e ele nos disse, genericamente, que se tratava da “experiência laboral”. Acrescentou ainda estar feliz com o atual emprego no CAMI, que a propósito, tem em seu quadro de funcionários oito imigrantes, o que nos trouxe indagações de como este dado poderia ser um reflexo da dificuldade que o estrangeiro,

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especialmente o latino-americano, tem de se inserir em profissões que não se resumam ao exercício de atividades têxteis. Considerações Finais Com base nas entrevistas, pudemos perceber que existe um paradigma sobre a atuação do imigrante ilegal no mercado de trabalho brasileiro. O mesmo consiste em integrar os estrangeiros na indústria têxtil como único setor disponível no mercado, porém este fato causa uma alienação nos indivíduos: na medida em que conseguem emprego sentem-se mais confortáveis e integrados, no entanto, este é um fato ilusório. A conquista do trabalho em uns pais diferente reflete certa segurança socioeconômica, pois todos os entrevistados reconhecem esta conquista como uma possível melhora em seu futuro, quando na verdade não reconhecem ou negam a exclusão provinda da diferença de origem e de cultura. Outro fator, importante para análise neste trabalho foi o quesito preconceito. Em quase todos os casos analisados os entrevistados demonstraram sofrer um “preconceito sutil”, no qual não percebem a existência do mesmo, uma vez que é manifestado de forma velada (LIMA; VALA, 2004). Por meio do discurso dos sujeitos, pudemos observar diversos indícios de preconceito, como generalização, exclusão do mercado de trabalho, exclusão social, e dependência institucional. Sobre a não percepção do preconceito, presumimos que possa ser decorrente de sua naturalização, uma vez que se tornou tão recorrente, tão comum, já não é sentido como um produto humano. Por outro lado, tem o grau de intensidade com o qual a xenofobia é manifestada, pois alguns dos entrevistados tinham experiência em outros países, em que o pré-juízo era explícito. Por fim, a própria situação da entrevista podia inibi-los de falar sobre o preconceito, afinal éramos brasileiros procurando saber se eles eram vítimas de preconceito por parte de brasileiros, o que talvez explique os numerosos elogios ao Brasil e à sua hospitalidade. A partir da trabalho de campo e do referencial teórico, com que entramos em contato, obtivemos um entendimento mais amplo de como ocorre o preconceito em relação ao trabalhador imigrante, considerando as especificidades do contexto da imigração, do preconceituoso e do alvo de preconceito.

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IMIGRANTES BOLIVIANOS: TRABALHO, CULTURA E INCLUSÃO

PERVERSA

Autores: Larissa de Castro, Manuella Santos, Mariana Lape, Natalia Dja, Rosa Scheel Orientadora: Prof.ª Ms. Andréia De Conto Garbin Introdução O presente trabalho tem por objetivo conhecer as condições de trabalho e de vida dos imigrantes bolivianos, suas diferentes atividades de trabalho com ênfase na indústria têxtil e comércio ambulante. O aumento significativo da presença dos imigrantes em São Paulo colocou em debate a questão imigratória no final do século XIX e início do século XX. Os bolivianos representam “a maior comunidade de imigrantes recentes na cidade de São Paulo e o padrão de sua incorporação na sociedade brasileira apresenta características que os aproximam dos outros imigrantes latino-americanos, como: a predominância da condição de clandestinidade, a forte estigmatização por parte da população brasileira e a inserção nas bordas do mercado de trabalho.” (TAMBELLINI, MASCARO, SILVA, 2009 p. 123) Segundo Baeninger (2012), após 16 anos de guerras na Bolívia, a instabilidade econômica e política permaneceram. O país ainda se encontra entre os países mais pobres da América Latina, porém, dá seus passos para o desenvolvimento. A entrada dos imigrantes na cidade de São Paulo se inicia na década de 1950, principalmente com estudantes. Entre os anos de 1970 e 1980, tais movimentos ganham força com a globalização e indústrias, além da ditadura a qual alguns países enfrentavam. A autora também reforça a ideia de que estes formam o maior grupo de imigrantes vivendo em São Paulo, instalando-se, principalmente, a partir década de 90, predominantemente, em bairros centrais como Brás, Bom Retiro e Pari, nos quais se concentram o comércio e indústrias de confecções. Os Bolivianos imigrantes em São Paulo, provenientes principalmente das cidades de La Paz e Cochabamba, são iludidos por agenciadores que lhes prometem um bom emprego em troca de algumas centenas de dólares para o trajeto até São Paulo, chegando aqui, tem pouco tempo livre, pois são submetidos a longas jornadas de trabalho nas oficinas de costura, mesmo local onde dormem e fazem suas refeições (SILVA, 2006). A busca de experiências melhores no Brasil, pelos bolivianos,

provoca uma percepção ilusória que é intensamente vivida no cotidiano. Constata-se exploração e maus tratos por parte dos patrões que não são denunciados, pelo medo dos trabalhadores serem deportados. Segundo Silva (2006) a sujeição dos imigrantes a essas condições não se dá sem a colaboração e cumplicidade dos mesmos em relação aos empregadores, pois em seu imaginário as relações de exploração desenvolvidas, por exemplo, nas oficinas de costura é um momento transitório. Neste sentido, constata-se a busca de uma situação melhor, a qual resultaria numa mudança de papeis, ou seja, o trabalhador passaria da condição de costureiro para a de oficinista. Isto pode se relacionar a ânsia de acumular riquezas e a possível manutenção das relações de dominação e lógica capitalista. A ambição pelo dinheiro e, consequentemente, a conquista de melhores condições de vida, leva esses bolivianos à ‘doença do desenraizamento’(BOSI, 1996). Apesar de pertencentes à população paulistana, são estranhos aos habitantes locais, uma vez que são inseridos de forma perversa. Ou seja, apesar da inclusão dos bolivianos nas atividades produtivas, esta ocorre baseada na ilegalidade e na exploração da mão-de-obra. Esta condição gera um círculo vicioso, no qual todos os envolvidos atuam na sua manutenção. Neste sentido, “a sociedade exclui para incluir e esta transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão” (SAWAIA, 1999, p.8). A busca de suas raízes culturais e de convívio com os pares lazer leva a criação de espaços de convivência boliviana, principalmente em alguns bairros do centro, uma vez que falta acolhimento da cidade (GONÇALVES FILHO, 1998). Ao longo do tempo, organizações sociais foram criadas por conta do preconceito e da imagem negativa a respeito dos bolivianos, transmitidos pela mídia e atribuídos por moradores próximos aos imigrantes. A Associação de Residentes Bolivianos (ADRB) e a Associação Gastronômica Cultural e Folclórica Boliviana Padre Bento, entre outras, atuam com a finalidade de agregar os bolivianos e divulgar sua cultura. Por conta da situação de vida e condição de trabalho precários, vivenciado por muitos bolivianos e outros imigrantes, também foram criados a Pastoral dos Migrantes (SPM) e o Centro de Apoio ao Migrante (CAMI). Este último atua

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diretamente no atendimento às vítimas da exploração laboral e no enfretamento ao tráfico de imigrantes – especialmente sul-americanos nativos da Bolívia, Paraguai e Peru que trabalharam em condições análogas à escravidão nas oficinas de costuras de São Paulo (NÓBREGA, 2009). De forma geral, o trabalho do Centro se concentra na regularização migratória, assessoria jurídica especializada, assistência psicossocial, articulação com organismos governamentais e não governamentais. A procura por parte dos imigrantes pelo Centro se dá, principalmente, por esta regularização da situação migratória, para denunciar o trabalho degradante e escravo, a violência contra a mulher, a exploração de menores e a violência institucional. Na imigração, sujeitos são socializados em uma determinada cultura e depois se deparam com a cultura de outro país. Este processo envolve experiências únicas no fenômeno imigratório que podem ser entendida pelo conceito de aculturação, tanto no nível grupal como no individual. António & Monteiro (2010) consideram a aculturação como as mudanças que ocorrem como resultado do contato entre dois ou mais grupos, com consequências para ambos. A combinação entre o desejo da minoria imigrante em manter sua cultura e o desejo de estabelecer contato e relacionamento com os membros da sociedade receptora resultam em quatro orientações: integração (manutenção da cultura de origem e contato com receptores), separação (manutenção da cultura e recusa de contato), assimilação (rejeição da cultura e valorização do contato) e marginalização (rejeição da cultura e do contato). Desta forma, é possível dizer que na dinâmica de imigração boliviana há um processo de aculturação, devido ao contato direto e contínuo de grupos de indivíduos de diferentes culturas, no qual ocorrem mudanças na configuração cultural de um ou ambos os grupos, que requer várias formas de adaptação. Aproximações com o Campo

Para a elaboração do presente trabalho, foi definido o interesse nos estudos sobre a ocupação dos imigrantes bolivianos, conhecidos por trabalharem em oficinas de costura e comércio e por conta da repercussão recente na mídia. Foram pesquisados artigos científicos sobre a imigração dos bolivianos ao estado de São Paulo, suas condições de trabalho e cultura, com o objetivo de conhecer mais a respeito do fenômeno. Foram feitas buscas on-line nas bases de dados MedLine-PubMed, PePSIC, SciELO e Periódicos CAPES.

Após a pesquisa bibliográfica e leitura prévia, contatamos o CAMI para realização de uma visita e entrevistas. Entrevistamos um ex-trabalhador de oficinas de costura e uma representante da referida instituição. Também entrevistamos imigrantes bolivianos na Praça da Kantuta, que se apresenta como local de encontro. Foram realizadas entrevistas com cinco trabalhadores, sendo quatro do sexo masculino e uma do sexo feminino. Quanto à ocupação dos entrevistados, um era ex-trabalhador das oficinas de costura, dois músicos e uma comerciante. Por meio dos dados coletados com as entrevistas e o referencial teórico estudado, foi realizada a análise dos relatos com a categorização dos temas encontrados. Experiência de Estágio A partir das experiências e entrevistas realizadas no CAMI e na Praça da Kantuta, pudemos perceber a cautela necessária para nos aproximarmos desses sujeitos. Ao abordarmos os trabalhadores imigrantes percebemos certa reserva no contato, pois os primeiros sujeitos se recusaram a participar das entrevistas quando abordados na praça. As visitas possibilitaram que compreendêssemos a importância do trabalho de instituições como o CAMI, combatendo formas de trabalho escravo e o tráfico de pessoas, promovendo a criação de políticas públicas que assegurem direitos, auxiliando na documentação, etc. Nos relatos analisados, cinco imigrantes entrevistados são provenientes de Cochabamba, na Bolívia; destes três mencionaram o trabalho em oficinas de costura como a primeira ocupação ao se fixarem no Brasil. A média de idade é de 25 anos, o que corrobora com o que Silva (2006) verificou em seu estudo; sendo que os mesmos trabalham ou trabalharam em oficinas de costura. “Mais jovens trabalhavam na oficina de costura” (Juan, 28 anos). Referente ao processo de inclusão constata-se uma inclusão perversa dos bolivianos na cidade de São Paulo. Vê-se um ciclo que se repete, ou seja, bolivianos que já trabalharam de forma precária reproduzem essa realidade, ilustrada na fala de um dos entrevistados: “Quero abrir minha própria empresa aqui, e uma na Bolívia, oficinas de costura” (Andreas, 28 anos).

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O que denota certa manutenção da condição de domínio sobre os trabalhadores por parte dos empregadores e muitos dos imigrantes que conseguem se desvincular das oficinas de costura querem construir a sua própria. Sobre os sentimentos referenciados, os entrevistados relataram o medo atrelado à ilegalidade e a falta de documentos, bem como a possível dificuldade de comunicação em decorrência do idioma. “Senti medo quanto o idioma. Falar português. Porque é importante, falar o idioma do país” (Juan, 28 anos). Considerações Finais Esta vivência nos aproximou do fenômeno da imigração. Consideramos que a questão deve ser trabalhada tanto no país de origem como também no país de destino. Em ambos os lugares, diversos cidadãos devem ter as mesmas oportunidades de trabalho com equidade salarial, acesso a educação, políticas públicas que possibilitem a qualidade de vida. Nesse sentido acreditamos que se faz necessária a implementação de políticas públicas para os imigrantes. Independentemente de seus status migratórios devem ser observadas as demandas particulares de cada cidadão imigrante e o fenômeno da inclusão perversa tendo como base a proteção dos direitos humanos dos imigrantes. Referências Bibliográficas

ANTÓNIO, J. H. C.; MONTEIRO, M B. Efeito das meta-percepções acerca das orientações de aculturação preferidas pela maioria branca no desempenho escolar de adolescentes de origens Africanas. Actas do VII Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia Universidade do Minho. Portugal, 4 a 6 de Fev de 2010. Disponível em: < http://www.actassnip2010.com/conteudos/actas/PsiSoc_9.pdf>. Acesso: 25 Set. 2012.

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