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    ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM TEOLOGIA

    MARAIKE WEGNER

    PEDAGOGIA SOCIAL E VALORES: O RESGATE DO DIREITO EDUCAO

    So Leopoldo

    2008

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    MARAIKE WEGNER

    PEDAGOGIA SOCIAL E VALORES: O RESGATE DO DIREITO EDUCAO

    Dissertao de MestradoPara obteno do grau de Mestre emTeologiaFaculdades ESTPrograma de Ps-Graduao em TeologiaReligio e Educao

    Orientadora: Laude Erandi Brandenburg

    So Leopoldo

    2008

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Ficha elaborada pela Biblioteca da EST

    W412p Wegner, MaraikePedagogia social e valores : o resgate do direito

    educao / Maraike Wegner ; orientadora Laude ErandiBrandenburg. So Leopoldo : EST/PPG, 2008.

    88 f. : il.

    Dissertao (mestrado) Escola Superior de Teologia.Programa de Ps-Graduao. Mestrado em Teologia.So Leopoldo, 2008.

    1. Educao moral. 2. Valores. 3. Educao Aspectossociais. 4. Socializao. 5. Mediao. I. Brandenburg,Laude Erandi. II. Ttulo.

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    RESUMO

    A Pedagogia Social a cincia que busca estudar as formas de incluirsocialmente os desviantes e os desviados de locais legitimados de participaosocial. Para que a incluso acontea, essas crianas e jovens devem participarativamente de processos de aprendizagem e socializao especficos quepossibilitem melhoras na sua aprendizagem e socializao. A mediao pedaggica uma interveno na ao da aprendizagem e da socializao dos indivduos,representando uma maneira de conduzir processos educativos e de signific-losatravs de relaes. Essas crianas e jovens necessitam da mediao de novasvaloraes, para que possam participar coletivamente dos ambientes de ensinolegitimados pela sociedade. Mediaes de valores coletivos acontecem atravs decontedos atitudinais, prticos. A aprendizagem e o desenvolvimento se do atravsda interao com os outros e com o mundo, com a sociedade onde vivem. A soluogrupal de problemas desperta traos evolutivos internos que operam quando acriana interage com outros. A interao com os demais acontece fundamentada emvalores que norteiam nossas condutas. Valores descrevem as qualidades quequalificam atos, pessoas, sentimentos, modos de conduta e/ou os ditames morais. Af constituda pelos valores que tm poder centralizador em nossas vidas; ela relacional e busca a igualdade entre as pessoas. Para atingir o objetivo daigualdade, os valores coletivos sero os locais onde os educadores e aseducadoras sociais colocaro seus coraes. Valores coletivos buscam o bem-

    estar do grupo de insero e estimulam a ateno pelas condies favorveis paraque todos se desenvolvam. Embora todos tenham assegurados direitos mnimospara a incluso social, muitos no desfrutam dessa situao. A Pedagogia Social uma alternativa para a insero social e a justia educativa necessrias.

    Palavras chave: Pedagogia Social, valores, direitos, socializao, mediaopedaggica.

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    ABSTRACT

    Social Pedagogy is a science that studies the ways of including both those whodeviate and those who are deviated from social participation legitimate environments.In order that social inclusion takes place, these children and youths should play an

    active role in specific learning and socializing processes that enable improvements intheir apprenticeship and socialization. Pedagogical intervention is a mediation inlearning activity and a way of conducting and purposing educational processesthrough relationships. Those children and youths require a mediation of new valuesin order that they can collectively take part in teaching environments made legitimateby society. Those interventions intercede in single learning and socializing processesby means of the mediation of practical, attitudinal content. Apprenticeship takes placethrough ones interaction with others and the environment, with the society whereone lives. Group problem solving stimulates internal evolutionary traits that act whena child interacts with others. The interaction among others is based on values thatguide our behavior. Those values describe the valuations that qualify acts, people,feelings, behaviors and/or the moral valuations of our behavior. Faith is composed ofthe values that have centralizing power in our lives; it is relational and seeks equityamong the people. In order that equity is met, common values shall be the locationwhere social educators will lay their hearts. Common values stand for the welfare ofthe insertion group and direct ones attention towards favorable conditions so thateveryone can evolve. While every person is assured basic rights to social inclusion,many are not able to benefit from that. Social Pedagogy is an alternative forachieving social inclusion and the required educational justice.

    Key words: Social Pedagogy, values, human rights, socialization, pedagogical

    intervention.

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    SUMRIO

    INTRODUO ......................................................................................................... 61 A EDUCAO SOCIAL DO INDIVDUO .............................................................. 9

    1.1 Dimenses e intervenes da Pedagogia Social ............................................ 10

    1.2 Histrico da pesquisa e interveno social ..................................................... 141.2.1 Alemanha, o bero da Pedagogia Social ............................................... 171.2.2 Itlia, bero das reflexes sobre sociedade educante ........................... 181.2.3 Espanha: a difuso dos diferentes modos de interveno .................... 191.2.4 Brasil: disseminao da Pedagogia Social ............................................ 20

    1.3 Contexto social e suas influncias .................................................................. 221.4 Desvio social: desviantes e desviados ........................................................... 261.5 Educadores sociais: caractersticas, funes e intervenes ........................ 281.6 A necessria mediao de novas valoraes ................................................ 33

    2 PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E SOCIALIZAO .................................... 342.1 Mediaes pedaggicas ................................................................................. 342.2 Desenvolvimento atravs da aprendizagem, aprendizagem atravs do

    desenvolvimento ............................................................................................. 382.3 A prtica educativa ......................................................................................... 422.4 A resoluo grupal de problemas ................................................................... 482.5 Aprendizagens de novas valoraes .............................................................. 50

    3 PEDAGOGIA SOCIAL E VALORES .................................................................... 563.1 Valores: questes introdutrias ...................................................................... 563.2 Valores individuais e coletivos ........................................................................ 593.3 Valores e f ..................................................................................................... 603.4 As tipologias de mediao dos valores ........................................................... 65

    3.5 A crise dos valores e a transformao cultural ............................................... 703.6 Panorama educativo: injustia educacional .................................................... 723.7 Pedagogia Social e justia .............................................................................. 77

    CONCLUSO .......................................................................................................... 81REFERNCIAS ....................................................................................................... 84

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    INTRODUO

    Estamos vivenciando um modelo de sociedade baseado na instabilidade

    social. A todo instante so criados novos modelos ou surgem mudanas frente aosatuais modelos de ser e estar includo socialmente. Essa constante mudana gera a

    excluso de uma grande parcela da populao que no tem condies de se

    adaptar rapidamente s novas exigncias sociais e educativas. A excluso

    vivenciada por uma grande parcela da populao econmica, mas tambm social

    e educacional.

    A Pedagogia Social a cincia que estuda a educao social dos indivduos,

    ocupando-se principalmente dos ambientes educativos no formais. A nfase nosprocessos de ensino e aprendizagem desses ambientes voltada, principalmente, a

    vivncias que priorizem a socializao dos sujeitos.

    Conhecimentos prticos, atitudinais, so eficientes na insero social e

    aprendizagem dos/das educandos/as. Esses conhecimentos e prticas refletem os

    valores que os sujeitos possuem, priorizando a relao com os demais, pois

    atravs dela que poderemos observar e incentivar a vivncia de valores coletivos.

    A autora teve insero como educadora e coordenadora pedaggica emambientes educativos de contraturno escolar. Esses ambientes eram espaos

    educativos no formais que atendiam crianas e jovens com dificuldades de

    aprendizagem e socializao. Os relatos que sero feitos no decorrer do trabalho

    so fruto da experincia profissional da autora e tm carter ilustrativo.

    A participao em ambientes educativos no formais de ensino possibilitou a

    observao de uma contradio entre os valores vivenciados por crianas e jovens

    em experincias educativas no formais e os vivenciados fora desses ambientes.

    Nessa experincia, percebeu-se a incoerncia da sociedade atual no que diz

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    respeito a vivncias de valores individualistas e pregao da experincia de

    valores coletivos por parte das instituies educativas.

    As exigncias dos e das educandos/as, da sociedade e do mercado detrabalho aos ambientes educativos extrapolam a aprendizagem de contedos, base

    do ensino desde sua concepo. Os ambientes educativos focados na socializao

    e no ensino de valores resultam da alegada falta do mesmo na sociedade atual, da

    individualidade e de uma diretriz de vida que no prima pelo social.

    Nossas condutas so guiadas por valores, sendo que a partir deles que

    aprendemos a viver em sociedade. Atualmente a sociedade na qual estamos

    inseridos, capitalista neoliberal, prioriza a prevalncia dos valores individuais emdetrimento dos coletivos. Essa realidade ilustra uma crise de valores.

    A atual crise prejudica a relao dos sujeitos com a sociedade. Uma vida

    baseada em valores coletivos prefervel para os indivduos e para a coletividade,

    sendo essa a razo pela qual no podem ser dispensados da prtica educativa.

    Para melhorarmos nossa relao com os demais, temos que pensar primeiro em

    valores que melhorem o convvio social, para depois pensarmos na importncia de

    cada indivduo.

    A partir do resgate de valores, indivduos podero recuperar o sentimento de

    pertena sociedade, dilacerado nas vivncias excludentes cada vez mais

    freqentes. Assim ser possibilitada uma nova relao com o conhecimento e com a

    sociedade, onde aprender a ser, a fazer e a conviver sero essenciais.

    Cada momento histrico cria necessidades objetivas de formao do grupo

    humano, bem como os meios formativos da civilizao. No presente momento

    histrico se faz necessria uma interveno educativa baseada nos valores e na

    socializao dos sujeitos, para que possamos combater a preocupante excluso

    vivenciada por uma grande parcela da populao. Pensar alternativas que

    possibilitem uma insero social baseada em valores que primem pelo coletivo

    pensar na potencialidade de aprimorar os processos educativos e melhorar o

    convvio social e o aprendizado de crianas e jovens que participam de atividades

    no formais de ensino.

    Esse trabalho tem como objetivo discutir elementos relacionados Pedagogia

    Social, aos valores humanos e a garantia dos direitos educativos assegurados pela

    constituio brasileira. Objetiva-se com a discusso entre os temas, enfatizar a

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    Pedagogia Social como uma alternativa excluso social vivenciada por muitas

    crianas e adolescentes. O trabalho quer ser uma forma de mediao entre os

    estudos sobre a Pedagogia Social e os valores intrnsecos na garantia de direitos.Observando o contexto no qual a Pedagogia Social praticada no Brasil, no

    possvel ignorar a influncia que os estudos sobre a educao popular exerceram

    sobre a mesma. No entanto, no presente estudo enfatiza-se mais a tica das teorias

    da Pedagogia Social de origem europia.

    No primeiro captulo ser apresentada a cincia que estuda a educao

    social dos indivduos, a Pedagogia Social. Essa cincia busca inserir socialmente os

    desviados e os desviantes dos espaos formais de ensino. No Brasil, essa cinciatem caractersticas peculiares e est iniciando sua trajetria acadmica e

    profissional.

    As teorias educativas de Vygotsky e Zabala formaro os alicerces do

    segundo captulo. Nele ser apresentado como se realizam as aprendizagens nos

    ambientes educativos no formais. A aprendizagem influencia o desenvolvimento, e

    vice-versa, e ambos projetam a incluso social e educativa dos sujeitos atravs da

    interao com o grupo e a sociedade.

    Por fim, no terceiro captulo, a questo dos valores coletivos, ou a falta

    deles, ser abordada como contraponto vivncia injusta de valores individualistas

    que no permitem a participao de todos nos ambientes educativos legitimados

    pela atual sociedade. Os Direitos Humanos e a Constituio Nacional asseguram o

    direito educao, mas esse no vivenciado por uma grande parcela da

    populao.

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    1 A EDUCAO SOCIAL DO INDIVDUO

    A Pedagogia Social a cincia que estuda a educao social do indivduo.

    Essa cincia conceituada em funo dos diversos fatores histricos, culturais,sociais, polticos, econmicos e educacionais do contexto comunitrio de sua

    prtica.

    [...] a Pedagogia Social , pois, um conjunto de saberes, sejam tericos,tcnicos, experienciais [...] descritivos ou normativos [...], mas saberes quetratam de um objeto determinado. Este objeto o que chamamos educaosocial. A educao social pertence, portanto, ordem das prticas,processos, fenmenos [...]; quer dizer, ordem da realidade educativa.1

    A Pedagogia Social no se fundamenta apenas num processo lgico eintelectual, mas tambm num processo de aprendizagem profundamente afetivo e

    social2. Embora todas as aprendizagens sejam sociais, existe uma demanda por

    processos educativos conscientemente sociais3. O adjetivo social, associado

    pedagogia, restringe essa a um tipo especfico de conhecimentos na rea da

    educao social, que est indissociavelmente vinculada excluso4.

    A Pedagogia Social busca uma interveno em que mais de uma rea do

    saber possam estar integradas na fundamentao terica e prtica da aprendizagem

    do educando e da educanda atravs de uma anlise abrangente do todo. Assim, no

    sero apresentadas as partes, mas o todo. Ao legitimar o rompimento do sistema

    1 ROMANS, Merc; PETRUS, Antoni; TRILLA, Jaume. Profisso: educador social. Trad. Ernani

    Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2003. p. 16.2GRACIANI, Maria Stela Santos. Pedagogia Social de rua:uma anlise e sistematizao de uma

    experincia vivida. 4. ed. So Paulo: Cortez, 2001. (Coleo Prospectiva, 4). p. 207.3 ASSMANN, Hugo; MO SUNG, Jung. Competncia e sensibilidade solidria: educar para a

    esperana. Petrpolis: Vozes, 2000. p. 223.4RIBEIRO, Marlene. Excluso e educao social: conceitos em superfcie e fundo. Educao social,Campinas, v. 27, n. 94, p. 155-178, jan./abr. 2006. Disponvel em: .Acesso em: 15 jun. 2006.

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    cartesiano, a Pedagogia Social integra disciplinas com o objetivo de proporcionar

    uma interveno interdisciplinar.

    Por abranger um conjunto de saberes amplo, a conceituao da educaosocial imprecisa, compreendendo muitas reas de atuao. Os estudos

    educacionais de Pedagogia Social iniciaram h cerca de 150 anos. Isso caracteriza

    o educador e a educadora sociais como profissionais recentes, que, por integrarem

    vrias reas do saber na sua prtica, encontram dificuldades na delimitao de seu

    campo de atuao.

    A formulao de uma conceituao precisa o atual desafio dos estudiosos

    dessa cincia. Essa conceituao deve ter presente o dinamismo da realidadesocial, a fim de adaptar-se a ele continuamente. A necessidade do rigor da preciso

    e da caracterizao do dinamismo social configura um desafio para a delimitao do

    conceito de Pedagogia Social.

    Esse desafio tem origem na ampla atuao dos educadores e das

    educadoras sociais. Ao observarmos a origem do campo de estudos da educao

    social, percebemos a insero de seus profissionais em contextos sociais diversos:

    asilos, organizaes no-governamentais, esportes, orfanatos, entre outros.

    1.1 Dimenses e intervenes da Pedagogia Social

    A interveno interdisciplinar integra diferentes dimenses. A essas

    dimenses, porm, podem ser somadas outras dimenses no exemplificadas neste

    trabalho.

    Romans delimita o nmero de dimenses da Pedagogia Social a trs. So

    elas: as dimenses psicolgica, relativa personalidade dos sujeitos; sociolgica,

    relativa ao fato de seus destinatrios serem indivduos em conflito social; e

    pedaggica, que delimita sua interveno a espaos no escolares e no formais de

    educao. Os indivduos, espaos e personalidades dos sujeitos delimitados pela

    Pedagogia Social no so restritos a essa pedagogia5. Desenvolver a sociabilidade

    dos sujeitos, dar ateno especial aos sujeitos em conflito social e utilizar-se dos

    espaos no formais de educao faz parte e delimita a Pedagogia Social, mas no

    exclusividade sua.

    5ROMANS, 2003, p. 18-19.

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    Escarbajal de Haro6esclarece a especificidade de cada dimenso no mbito

    da Pedagogia Social. O autor, diferentemente de Romans, no cita a dimenso

    pedaggica e acrescenta a dimenso filosfica s dimenses da Pedagogia Social.Para Escarbajal de Haro7, a dimenso pedaggica est intrnseca prtica da

    Pedagogia Social, j que essa uma interveno educativa. Segundo o autor, a

    Pedagogia Social formada pelas dimenses da Sociologia da Educao, da

    Psicologia Social e da Filosofia. A Pedagogia Social atua na erradicao de

    problemas sociais, enquanto a Sociologia da Educao os detecta e explica como

    parte dos fenmenos sociais. A Psicologia Social estuda o comportamento social

    dos indivduos, enquanto a educao social atua sobre os indivduos para que seeduquem socialmente e transformem sua existncia. J a Filosofia da Educao

    serve como base, no apenas da educao, mas tambm da educao social

    atravs do estudo geral sobre as caractersticas do mundo no qual estamos

    inseridos.

    Assim sendo, a Sociologia e a Psicologia so dimenses inseparveis da

    Pedagogia Social. Para que a socializao possa ser trabalhada educativamente,

    imprescindvel que se desenvolvam atividades que transformem a existncia de

    seus partcipes de modo a educ-los socialmente a partir da erradicao dos

    problemas sociais que os excluem.

    Relacionando as dimenses citadas acima, descreveu-se a Pedagogia

    Social como o mbito referencial

    formado por todos aqueles processos educativos que compartilham, nomnimo, dois dos trs seguintes atributos: 1. dirigem-se prioritariamente aodesenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos; 2. tm como destinatriosprivilegiados indivduos ou grupos em situao de conflito social; 3. tm

    lugar em contextos ou por meios educativos no-formais8.

    A partir dessa descrio, percebe-se que a Pedagogia Social no tem uma

    interveno definida, esttica. A interveno dos educadores e das educadoras

    sociais ampla e abrange tantos ambientes quantos os que se inserem na

    descrio acima. A descrio adotada possibilita diferentes prticas profissionais;

    6 ESCABARJAL DE HARO, Andrs. El futuro de la pedagogia social em Espaa la luz de lasaportaciones de Alemania e Itlia. In: Anales de pedagogia. Murcia, Espanha, No. 9. 1991. p. 115-

    138.7 ESCABARJAL DE HARO, Andrs. El futuro de la pedagogia social em Espaa la luz de las

    aportaciones de Alemania e Itlia. In: Anales de pedagogia. Murcia, Espanha, No. 9. 1991. p. 129.8ROMANS, 2003, p. 28.

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    engloba sujeitos de realidades e idades variadas, tais como crianas, jovens, adultos

    e pessoas na terceira idade, bem como possibilita a atuao educativa fora dos

    contextos escolares. Hoje a Pedagogia Social atua com temas e grupos distintos,tais como a marginalizao, a excluso, crianas em situao de trabalho infantil,

    alfabetizao de adultos, educao e trabalho, educao no escolar, entre outros9.

    A educao social no convencional em relao ao ensino realizado na

    escola. Essa rea de atuao composta por reas de estudo relacionadas com a

    educao, a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal e social, as competncias

    para o bom relacionamento entre sujeitos e, de modo mais geral, com a sociedade

    em que vivem

    10

    .Na descrio da Pedagogia Social, destacada a ateno prioritria aos

    indivduos em conflito social. Essa proposta est centrada na convico de que

    possvel mudar atitudes e hbitos destrutivos e perturbadores, desde que se criem

    condies adequadas para o trabalho pedaggico, rduo e sutil, a ser realizado

    com crianas e adolescentes em situao de conflito social11.

    Na expresso situao de conflito social, a palavra situao evidencia o

    carter temporrio de tal conjuntura social. Na era da complexidade, a resoluo de

    tal conflito no se resume apenas s intervenes educativas realizadas com a

    participao dessas crianas e adolescentes e s suas mudanas de hbitos. A

    fome, o desemprego de familiares, a desnutrio, a falta de saneamento bsico e

    habitao, a drogadio, doenas mentais, entre tantos outros aspectos, auxiliam

    para a formao de tal situao. Limitando a reflexo ao aspecto educacional de tal

    fato, pessoas em conflito social que acabam por ser excludas dos ambientes

    legitimados de convvio social podem, a partir da aprendizagem de saberes

    necessrios ao convvio social, ser reinseridas nesses ambientes e assim mudar o

    rumo dessa situao, que, como mencionado, temporria.

    Sabemos que no so apenas os professores que educam, mas tambm os

    meios de comunicao, as relaes, a cultura, o esporte, as leis, os polticos, etc. A

    Pedagogia Social deve abranger todos esses mbitos em sua interveno,

    9DOLL, Johannes. Debate: Pedagogia Social e a realidade brasileira. In: SEMINRIO REGIONAL DEPEDAGOGIA SOCIAL E PRTICAS SOCIAIS, 2001, Ibirub. Anais. Ibirub: UNICRUZ, 2001.

    10ROMANS, 2003, p. 37.11GRACIANI, 2001, p. 201-2.

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    objetivando uma anlise crtica do conjunto dos mbitos que exercem influncia

    sobre a insero social dos jovens e adolescentes.

    A abrangncia dos enfoques das atividades desenvolvidas com oseducandos e as educandas , muitas vezes, fundamentada em informaes da vida

    cotidiana, tanto dos educadores e educadoras como dos educandos e das

    educandas. Basear uma prtica educativa em informaes prticas um dos

    motivos pelos quais a Pedagogia Social no tem recebido a ateno merecida no

    contexto brasileiro. Diferentemente de pesquisadores em outros pases, muitos

    pensadores brasileiros no admitem nem acreditam em prticas educativas

    fundamentadas em conhecimentos prticos.A Pedagogia Social foi marginalizada no campo de estudos da educao. As

    academias, que em sua maioria concentravam um conhecimento excessivamente

    terico, no reconheciam a importncia de conhecimentos prticos.

    Coincidentemente ou no, uma pedagogia que atendia aos marginalizados era

    marginalizada pela pedagogia oficial e acadmica.

    Atualmente esse cenrio sofre alteraes.

    Dentro do cl e da tribo, nossa famlia agora d o troco da ascenso: criam-se novos campos de interveno e de profissionalizao, pesquisa-se epublica-se muito mais, criam-se novos estudos e ttulos de nvel acadmicosuperior. E embora no seja ouro tudo que reluz, j no so mais parentespobres da pedagogia.12

    Embora a citao acima seja feita a partir do contexto espanhol, ela

    tambm vlida para o contexto brasileiro. A Pedagogia Social no contexto brasileiro

    teve pouco espao dentro das academias. Isso se deve trajetria do pas, que no

    passou pela devastao social de duas guerras mundiais, como os pases europeus;

    forte influncia dos movimentos sociais de luta pela transformao da realidade

    excludente, o que difere da Pedagogia Social que objetiva a insero do sujeito,

    independentemente da situao scio-econmico-poltica do local; e, no por ltimo,

    tambm ao fato de seus profissionais, em sua maioria, serem pessoas da

    comunidade, sem formao especfica para a rea.

    Torna-se visvel, neste ponto, um interminvel crculo vicioso de no

    formao dos educadores e das educadoras sociais, que acarreta numa formao

    pouco terica, implicando no desempenho de uma profisso no valorizada

    12ROMANS, 2003, p. 45.

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    economicamente, que impossibilita aos educadores o investimento em sua

    formao. Muitos educadores e educadoras sociais iniciaram sua atuao

    profissional a partir de uma necessidade social, atuando sem formao prtica, poisem primeiro lugar no existiam espaos para formao nessa rea e, em segundo, a

    academia os exclua por no fundamentarem sua prtica em conhecimentos

    tericos, o que perpetuava sua excluso dos ambientes e da formao profissional.

    Essa situao, porm, est mudando. Percebemos na realidade brasileira

    uma maior ateno a esses profissionais. Tanto a partir dos recursos

    disponibilizados pelos governos federais, estaduais e municipais, como pela oferta

    de cursos de capacitao profissional em todos os nveis de formao (cursoscomplementares, superiores, de ps-graduao) est sendo qualificado o

    atendimento a essa populao. Vale ressaltar que a valorizao dessa necessidade

    varia conforme vontades polticas e condies econmicas das regies e dos

    profissionais, bem como do patrocnio de empresas ou outros.

    Em cada contexto histrico e social, o campo de estudos e atuao da

    Pedagogia Social adquiriu e adquire caractersticas prprias. A atuao do educador

    e da educadora sociais na Alemanha diferente de sua atuao na Espanha ou no

    Brasil. Ao possuir caractersticas prprias, cada contexto demanda necessidades

    sociais diferenciadas. Nos paises europeus da Espanha, Itlia e Alemanha, onde os

    estudos da Pedagogia Social tiveram incio e maior legitimao social, as

    caractersticas da Pedagogia Social so diferentes. Por isso, ao detalhar o histrico

    das pesquisas desse campo de estudos, ser possvel compreender sua relevncia

    em diferentes contextos sociais.

    1.2 Histrico da pesquisa e interveno social

    Embora os referenciais tericos da Pedagogia Social no tenham

    concordncia em relao ao princpio exato dessa teoria e origem de seu termo,

    adotamos nesse estudo a teoria de Quintana Cabanas, que afirma que os estudos

    sobre a Pedagogia Social tm seus primeiros registros na Alemanha, datados por

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    volta de 1850. Foi Friedrich Diesterweg o primeiro pedagogo a utilizar o termo,

    abordando temas da poltica educacional13.

    A Pedagogia Social teve incio a partir da ecloso da revoluo industrial nospases europeus. A Revoluo Industrial, que principiou no sculo XVIII e teve o seu

    apogeu durante o sculo XIX, consistiu em um conjunto de mudanas tecnolgicas

    com profundo impacto no processo produtivo em nveis econmico e social14.

    Com a inveno das mquinas, os processos produtivos, que antes eram

    artesanais, agora se tornavam fabris. Iniciou a migrao aos centros urbanos. Essa

    mudana alterou a carga horria trabalhada por homens e mulheres, que passaram

    a trabalhar cerca de 80 horas semanais ou mais. A migrao para os centrosurbanos, em busca de emprego e melhores condies de vida, evidenciou a

    desigualdade entre as classes sociais e auxiliou no aparecimento de desamparados

    e desempregados. Crianas e adolescentes que no tinham condies de estudar

    trabalhavam junto com seus pais ou ficavam abandonados em casa, sem

    possibilidade de interao social. Essas caractersticas evidenciaram a necessidade

    de uma pedagogia que desenvolvesse habilidades de reinsero social nessas

    crianas.

    O reconhecimento do campo de atuao do pedagogo e da pedagoga social,

    do educador e da educadora social atendia s necessidades do estado de bem-

    estar, que buscava corresponder s demandas e necessidades sociais dos

    cidados. O Estado de Bem-Estar Social uma rede estruturada de benefcios aos

    trabalhadores. Atravs da arrecadao de impostos, o governo pode devolver o

    investimento do trabalhador mediante a prestao de servios vrios.

    Embora no Brasil ainda no tenha sido possvel atingir bons nveis sociais de

    bem-estar populacional, observada a grande massa com baixas condies

    financeiras, outros pases conseguiram atingi-los devido organizao e s lutas

    sociais de seus cidados. Nesses pases, os cidados no foram avantajados por

    algum mecanismo auto-distributivo do sistema capitalista15, mas lutaram e

    trabalharam para a conquista de uma situao transformada e mais justa.

    13QUINTANA CABANAS, Jos Maria. Antecedentes histricos de la educacin social. In: PETRUS,Antonio. Pedagogia Social. Barcelona: Ariel Educacin, 1997. p. 72-73.

    14Disponvel em: .15GRACIANI, 2001, p. 20.

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    O Estado de Bem-Estar europeu entrou em crise, pois as necessidades

    financeiras e a presso de grupos neoconservadores desmantelaram os servios

    pblicos. Com burocratizaes menos complexas, esses poderes se tornaram maissensveis aos problemas cotidianos da populao. Foi na Sucia que o Estado de

    Bem-Estar teve maior destaque e solidez.

    A razo pela qual o Brasil no atingiu bons nveis de bem-estar social se

    deve ao fato de esse sistema nunca ter sido efetivamente implantado na esfera

    governamental. Infelizmente o acesso aos servios depende muito do interesse

    poltico dos governos federais, municipais e estaduais.

    Em pases como Alemanha e Espanha, o educador e a educadora sociaistiveram forte atuao na integrao social de crianas e adolescentes vitimados

    pelas guerras mundiais. Tambm foi no ano de 1946, no ps-guerra, que a UNICEF

    (Fundo das Naes Unidas para a Infncia) foi criada. Embora no se restrinja a

    aes educacionais, essa instituio busca apoiar pases na promoo, proteo e

    garantia igual e universal dos direitos das crianas e dos adolescentes. No cenrio

    brasileiro, a maior parte dos estudos aprofunda a insero do educador e da

    educadora sociais na rua, integrando crianas e adolescentes em situao de risco e

    trabalho infantil.

    As lutas sociais, em sua maioria, prosperaram devido ao trabalho voluntrio

    de muitos cidados que doaram seu tempo e seus conhecimentos para a

    transformao da sociedade. Foi atravs desse trabalho que a educao social teve

    incio. A interveno educativa social foi definida como uma interveno solidria, de

    compromisso e militncia com o social. Nas intervenes educativas sociais, o

    voluntariado ainda freqente pela precariedade de recursos financeiros e meios

    materiais necessrios ao custeio e interveno educativa.

    Os recursos financeiros e materiais de projetos sociais so arrecadados

    atravs de doaes espontneas. Parte dos recursos pode ser adquirida atravs de

    convnio com o governo, mas esses convnios so muito dependentes das

    vontades polticas dos poderes pblicos municipais, estaduais e federais.

    Infelizmente a mentalidade pobrista ainda permanece nas intervenes sociais. Na

    verdade, a essas intervenes deveriam ser destinados os melhores e maiores

    recursos financeiros e materiais dos governos.

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    Hoje um dos importantes objetivos que a educao social prope a

    aquisio de competncias sociais necessrias para a adaptao e o xito social. A

    educao social vai, assim, muito alm da influncia do sistema escolar.A Pedagogia Social estudada em diversos pases desde sua concepo.

    Porm, cabe aqui uma abordagem daqueles que influenciaram mais o contexto

    brasileiro, como a Alemanha, a Espanha e a Itlia, alm da descrio histrica dos

    estudos sobre a Pedagogia Social no Brasil.

    1.2.1 Alemanha, o bero da Pedagogia Social

    O pedagogo alemo Friedrich A. Diesterweg foi um dos tericos que

    reagiram contra a pedagogia individualista e propuseram uma nova disciplina de

    cunho mais comunitrio no final do sculo XIX. Esse pedagogo foi quem por primeiro

    utilizou o termo Pedagogia Social16.

    Paul Natorp, tambm pedagogo alemo, foi pioneiro na abordagem cientfica

    dessa disciplina quando, em 1899, lanou a obra Sozialpdagogik17. Natorp,

    conhecido como o pai da Pedagogia Social, afirma que a comunho perfeita entre

    indivduo e sociedade imprescindvel. El individuo es, sobretodo, un ser social que

    solo puede llegar a ser hombre mediante la comunidad, por lo que las acciones

    humanas no tendran valor ni sentido si no eran colectivas, dirigidas por normas y

    valores sociales.18 Natorp destaca que aes centradas no individual no tero

    sentido uma vez que a comunidade que possibilita ao homem tornar-se homem.

    Os problemas sociais gerados na Alemanha aps duas guerras mundiais na

    primeira metade do sculo XX acenaram para a necessidade de uma pedagogia

    orientada ao social. Na Alemanha, o ps-guerra foi a poca da instaurao e

    consolidao da Pedagogia Social. Essa pedagogia foi e considerada pertencente

    ao conjunto de atividades educativas realizadas fora da escola, assim como na

    famlia, em asilos, albergues, hospitais. A formao em Pedagogia Social, que na

    16Disponvel em: . Acesso em: 25 jun. 2007.17Disponvel em: . Acesso em: 25 jun. 2007.18 Traduo feita pela pesquisadora: O indivduo , sobretudo, um ser social que somente pode

    chegar a ser homem mediante a comunidade, razo pela qual as aes humanas no teriam valornem sentido se no fossem coletivas, dirigidas por normas e valores sociais. ESCARBAJAL DEHARO, 1991, p. 118.

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    Alemanha uma especializao do curso de formao de professores, destinada

    ao trabalho com a populao em espaos fora da rede educacional alem. O

    pedagogo social, formado na universidade alem, atua em vrios campos setoriais,ocupados no Brasil pelo assistente social19.

    Segundo afirmao de Fichtner e Benites20, a Pedagogia Social na

    Alemanha tem muita relao com os problemas sociais deste pas: imigrantes,

    dependncia de drogas, violncia familiar, entre outros. Os profissionais dessa rea

    trabalham com outros profissionais de formaes variadas, tais como psiclogos,

    socilogos, gerontlogos. O pedagogo social alemo trabalha, assim, com

    processos de aprendizagem peculiares, em que, atravs do ldico, dos esportes,da msica e das artes plsticas, crianas e jovens recebem ateno especial s

    suas dificuldade de aprendizagem.

    1.2.2 Itlia, bero das reflexes sobre sociedade educante

    na Itlia que nasce o conceito de sociedade educante. A perspectiva da

    sociedade educante determina que todos os mbitos sociais possuam carter

    educativo. E, sendo que os mbitos sociais apresentam problemticas

    correspondentes, a educao dos cidados requer intervenes articuladas com o

    entorno social. O educativo nessa perspectiva to importante e complexo que no

    deve ser reduzido ao binmio educador-educando, mas estar vinculado sociedade.

    Essa a teoria da ao educadora da sociedade21. A concepo de cidade

    educadora, que define intervenes da educao informal, tambm difundida pela

    UNESCO22.

    19CORNELY, Seno Antonio. Porque Pedagogia Social. Caderno pedaggico, Frederico Westphalen,v. 5, n. 9/10, p. 101-108, 1995.

    20PEREIRA, Marcos Villela. O ofcio do professor na Alemanha uma entrevista. Bernd Fichtner eMaria Benites. Revista Educao, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 3(57), p. 535-546, set./dez. 2005.Disponvel em: .Acesso em: jan. 2008.

    21 ESCARBAJAL DE HARO, Andrs. El futuro de la pedagoga social en Espaa la luz de las

    aportaciones de Alemania e Itlia. Anales de pedagoga, Murcia/Espanha, n. 9, p. 115-138,especialmente p. 120, 1991.

    22 No Brasil esse tema estudado sob o enfoque da cidade educadora. Os estudos sobre essetema no so explorados nesse trabalho.

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    Escarbajal de Haro23 afirma que na Itlia que a Pedagogia Social foi

    traduzida em cincia de maneira mais frutfera. A interveno social foi justificada

    nesse pas a partir dos anos setenta do sculo passado.A partir dos anos oitenta, tem-se a concepo de que Pedagogia Social o

    estudo da ao educativa da sociedade e dos meios de comunicao. A sociedade e

    os meios de comunicao tm seus princpios educativos extrados para completar

    os sistemas formais de ensino24.

    1.2.3 Espanha: a difuso dos diferentes modos de interveno

    Na Espanha, as intervenes educativas sociais tiverem incio nos anos

    setenta do sculo XX.

    No contexto espanhol, a educao social abrange as reas da educao

    especial (EE), educao de pessoas adultas (EPA) e animao sociocultural (ASC),

    estando as fronteiras entre essas delimitaes abertas25. A educao especial

    abrange o atendimento a pessoas com deficincias fsicas.

    Na Espanha existia a percepo de que os animadores socioculturais

    concorriam com os professores pela melhor qualidade do ensino. Hoje, o

    magistrio e a educao social trabalham em conjunto. A antipatia que a famlia da

    educao social26sentia pela escola no mais funcional. As educaes formais,

    no formais e informais27, o escolar e o social esto cada vez mais entremeados, o

    que tem muito de positivo.

    23 ESCABARJAL DE HARO, Andrs. El futuro de la pedagogia social em Espaa la luz de lasaportaciones de Alemania e Itlia. In: Anales de pedagogia. Murcia, Espanha, No. 9. 1991. p. 120.24 Disponvel em: . Acesso em:

    26 dez. 2007.25QUINTANA CABANAS, 1997, p. 87-88.26 Os autores, nos captulos iniciais do livro, freqentemente utilizam a metfora da famlia para

    referir-se aos mbitos da temtica da Pedagogia Social.27 Segundo Libneo, educao no formal seria a realizada em instituies educativas fora dos

    marcos institucionais, mas com certo grau de sistematizao e estruturao. Como essa umanomenclatura em desuso no Brasil, no presente trabalho ser utilizada a expresso educao noescolar. LIBNEO, Jos Carlos. Pedagogia e Pedagogos, pra qu?6. ed. So Paulo: Cortez,2002. p. 31.

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    1.2.4 Brasil: disseminao da Pedagogia Social

    A Pedagogia Social no Brasil teve sua primeira referncia a partir dosestudos feitos por Henrique Pestalozzi. A abordagem usada por Pestalozzi era da

    Ortopedagogia. Essa linha terica trabalha para adaptar crianas ou adolescentes

    com sintomas de delinqncia juvenil, retardamento e portadores de deficincias ao

    meio social28. Ainda hoje encontramos institutos e escolas que baseiam suas

    intervenes nas idias de Pestalozzi. Atualmente, porm, a linha terica utilizada

    por Pestalozzi para reinserir portadores de necessidades especiais sociedade no

    fundamenta os enfoques da pesquisa sobre Pedagogia Social. A educaoespecial o campo onde conhecimentos sobre tais intervenes foram

    aprofundados.

    Os estudos de Pestalozzi foram difundidos, na regio sul do Brasil, por Tiago

    Wurth em 1946, quando tcnico do SESME (Servio Social de Menores29), ao refletir

    sobre a prtica dos diversos profissionais desse servio, j utilizava o termo para

    especificar uma pedagogia de correo e de aperfeioamento de menores

    infratores30.

    A Pedagogia Social difundiu o leque de intervenes devido s

    necessidades apresentadas pela sociedade brasileira. Os excludos e que

    precisavam de auxlio para uma melhor adaptao ou reinsero social no eram

    mais apenas os portadores de necessidades especiais, mas uma gama maior de

    cidados como os analfabetos, as crianas e adolescentes que trabalhavam para

    suplementar a renda familiar, dependentes qumicos, pessoas que no se

    adaptavam ao ensino escolar, entre outros.

    Pedagogia Social e Educao Popular acabam por ser confundidas nesse

    cenrio de luta por uma melhor sociabilidade dos sujeitos. A Pedagogia Social no

    Brasil tem forte influncia da Educao Popular. A recproca talvez no tenha a

    mesma validade devido baixa divulgao e realizao dos estudos sobre a

    Pedagogia Social no Brasil.

    28WURTH, Thiago. Estudos reunidos de Pedagogia Social. Porto Alegre: Inst. Pestalozzi, 1975. v.

    2, p. 28.29 Menores uma denominao utilizada fazendo referncia ao Cdigo de Menores, substitudopelo Estatuto da Criana e do Adolescente em 1990.

    30WURTH, Thiago. Conferencia de Pedagogia Social. Porto Alegre: Impr. Of., 1947. 130 p.

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    A Educao Popular surge como alternativa poltico-pedaggica para

    confrontar os projetos educacionais estatais que no representavam, ou mesmo

    negavam, os interesses populares. O imaginrio social vincula a Educao Popularquase que somente alfabetizao de adultos. A Educao Popular, porm,

    engloba diferentes lutas dos movimentos sociais, incidindo sobre questes de

    gnero, questes indgenas, a luta pela eqidade, liberdade e justia, movimentos

    sindicais, comunidades eclesiais de base, grupos de economia solidria, entre

    outros31.

    A ecloso dos estudos da Educao Popular no Brasil, a partir de1960, tem

    forte relao com os estudos da Teologia da Libertao e sua opo preferencialpelos pobres. Nessa poca, a luta contra a dependncia financeira e intelectual

    brasileira e latino-americana dos pases europeus era muito forte.

    No incio, as intervenes pedaggicas dos educadores e das educadoras

    sociais brasileiros foram baseadas em instrumentos pedaggicos produzidos para as

    escolas. Processos educativos com objetivos, contextos e sujeitos diferenciados

    utilizavam o mesmo material pedaggico nas suas intervenes. A alfabetizao de

    adultos, por exemplo, era realizada a partir de materiais desenvolvidos para as

    crianas dos primeiros anos do ensino escolar. Esse fato dificultou o xito das

    intervenes educativas sociais. A escola recebeu crticas injustas pela ineficincia

    de seus mtodos, quando na verdade, educadores sociais os estavam utilizando de

    forma errada. Esse fato, entre outros, evidenciou a necessidade da formulao de

    uma metodologia prpria para a alfabetizao por meio da Educao Popular.

    Embora Paulo Freire e estudiosos da Teologia da Libertao tenham iniciado

    a tematizao dos direitos humanos e da opresso social na dcada de sessenta do

    sculo XX, foi na dcada de oitenta que os movimentos sociais se articularam e a

    luta pela democratizao e promulgao dos direitos, esquecidos durante a ditadura,

    teve incio.

    Essa utopia, um sonho que parecia ser realizvel nos movimentos sociais,foi sendo reinterpretada em dimenses cada vez mais modestas,despolitizada em suas conseqncias, e hoje est praticamente esvaecidanas formas atuais de assistncia social.32

    31GRACIANI, 2001, p. 52.32 SOBOTTKA, Emil A. A utopia poltico-emancipatria em transio. Movimentos sociais viramONGs que viram terceiro setor. In: SEMINRIO REGIONAL DE PEDAGOGIA SOCIAL EPRTICAS SOCIAIS, 2001, Ibirub. Anais. Ibirub: Unicruz, 2001. p. 24.

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    Por no garantir a mudana social, os movimentos de Educao Popular

    optaram por lutar pela garantia dos direitos humanos. Essa luta no mudariaradicalmente a realidade dos muitos sujeitos vivendo em situaes socioeconmicas

    precrias, mas poderia torn-la a melhor possvel.

    A Pedagogia Social no se ocupa tanto com reivindicaes por uma poltica

    que represente os interesses coletivos enfocados veementemente pela Educao

    Popular. A recusa pelo modo de organizao social imposto pelo colonizador33,

    recorrente em vrios escritos de Paulo Freire34, no to perceptvel em escritos

    baseados nos pressupostos da Pedagogia Social.

    Certamente toda educao tem carter poltico-social. Dentro dessa

    caracterstica, a Pedagogia Social no busca apenas a ruptura com o atual modelo

    de sociedade, mas tambm e principalmente, a adaptao/reinsero dos cidados

    ao/no mesmo. uma educao baseada no atual contexto social dos sujeitos.

    1.3 Contexto social e suas influncias

    Antes de descrever metodologias, ferramentas e princpios para a

    abordagem de crianas e adolescentes em situao de conflito social, necessrio

    que se apresente o social que fundamenta essa abordagem, a sociedade na qual

    os sujeitos da educao social esto inseridos, o contexto que gera essa situao

    conflituosa.

    Ambientes educativos fazem parte de uma sociedade que, ao mesmo

    tempo, se reproduz nesses ambientes. Ambos no podem negar a mtua influncia

    que exercem. A delimitao e o entendimento do contexto social dos sujeitos so

    imprescindveis para uma boa interveno educativa tendo em vista a reinsero

    e/ou adaptao dos sujeitos.

    A educao social, definida a partir da sociabilidade dos sujeitos, pressupe

    um determinado entendimento de sociedade. Para Romans, sociedade um grupo

    de pessoas de mentalidade anloga. Pertencer a uma sociedade significa,

    33GRACIANI, 2001, p. 50.34 Como tambm de outros autores brasileiros e latino-americanos. Citamos Carlos Rodrigues

    Brando, Gustavo Gutirrez.

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    fundamentalmente, ter a mentalidade da mesma, ter uma mesma histria, ter

    lembranas similares, ter experimentado sensaes comuns, haver tido

    experincias semelhantes, ter estado em contato com uma mesma ou similarpedagogia e ter as mesmas ou semelhantes possibilidades de futuro35.

    A sociedade na qual estamos inseridos, porm, no possibilita a vivncia de

    experincias similares, pois apresenta grandes desigualdades sociais. No Brasil

    poucos vivenciam o reino da liberdade e muitos o reino da necessidade36. Muitas

    crianas e adolescentes so excludos dos processos sociais que ditam as regras

    sociais vigentes. As baixas condies econmicas se multiplicam e perpetuam a

    excluso de estilos de vida e de trabalho. Precisam de um perfil intelectual epolivalente, perfil que no se encaixa nas suas condies econmicas e culturais,

    para que possam estar inseridas no mercado de trabalho futuro.

    O estilo de vida propagado nos meios de comunicao como ideal faz com

    que as crianas e adolescentes sonhem com um futuro que apenas poucos podero

    vivenciar, possuindo bens materiais que possibilitam conforto e tendo acesso

    educao contnua.

    O atual contexto educacional brasileiro definido pela grande excluso

    escolar37. A educao do sculo XXI, porm, deve dar ateno especial aos

    excludos da escola. Cada vez mais adolescentes e crianas encontram dificuldades

    em se adaptar a essa cultura. Existem at aqueles que rejeitam tal cultura, no

    participando da escola.

    A cultura de origem dessas crianas e adolescentes est em conflito com a

    cultura de verniz, a cultura escolar. Originrios de uma cultura em que os corpos

    so livres, em que a liberdade de ir e vir possibilita a livre circulao pelas ruas das

    cidades, etc., no se adaptam cultura rgida e brilhosa da escola. Rgida, porque

    quer domesticar seus corpos, obrigando-os a ficar sentados por um turno inteiro,

    rgida porque impe horrio e cumprimento de tarefas, porque exige dedicao,

    concentrao. Brilhosa, porque, mesmo sendo a educao fundamental um direito

    35ROMANS, 2003, p. 52.36GRACIANI, 2001, p. 163.37 A excluso escolar caracterizada tambm por crianas que, mesmo matriculadas, no

    freqentam a escola ou apenas a freqentam por exigncia dos pais ou mesmo de rgos deproteo dos direitos da criana e do adolescente. Mesmo freqentando a escola, elas noparticipam do processo de construo de conhecimento: so excludas pelos colegas eprofessores e no possuem nenhum ou pouco interesse nas disciplinas.

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    universal garantido pela Constituio Brasileira, esse direito mascarado, ofuscado

    pelo brilho de uma instituio que na prtica no atinge os objetivos a ela propostos.

    A excluso de muitas crianas mascarada pela estatstica ilusria doporcentual de matrculas. O nmero de matrculas, porm, no corresponde ao

    nmero de crianas em sala de aula. A Pedagogia Social no quer estimular a

    existncia da realidade excludente, mas acolher e melhorar as condies dos

    envolvidos.

    A luta poltica contra a excluso associada aos partidos progressistas,

    caracterizados como de esquerda. A mentalidade educativo-social se nutre muito

    desse pensamento progressista e igualitrio da modernidade

    38

    . A interveno social,porm, de centro-esquerda, pois no visa ruptura com a atual orientao

    mercantilista, sendo o seu objetivo, muito mais, uma significao da educao e

    uma socializao daqueles que se encontram excludos do sistema formal de ensino

    para que, dentro das sociedades mercantilistas, possam se integrar e competir pelas

    oportunidades de emprego.

    Na realidade, o sistema educativo, sem ser o nico, assume, sua maneira,os conflitos sociais, dominado como est por interesses privados demanuteno de privilgios socioeconmicos, e um processo de seleobaseado em mritos escolares, como uma dinmica de discriminaosocial.39

    Mesmo no sendo a educao a nica resposta aos problemas daqueles a

    quem o sistema social se negou a educar de maneira formal/informal e educou de

    maneira divergente, ela , sem dvida, um fator essencial.

    A acelerao da vida faz com que a atual gerao vivencie mudanas

    sociais, antes no experimentadas no perodo de muitas dcadas. Mudanas

    acontecem porque a sociedade, ao descobrir novos valores, obrigada a

    reorganizar-se, desencadeando alteraes na interao e percepo do mundo

    pelos sujeitos.

    As constantes mudanas no permitem uma repetio da sociedade tal qual

    era no passado. A reproduo da sociedade se perpetua somente na delimitao

    dos condicionantes scio-econmico-polticos que favorecem os detentores do

    poder econmico e prorrogam a situao excludente dos socioeconomicamente

    38 QUINTANA CABANAS, Jos Maria. Teoria de la educacin: concepcin antinomica de laeducacin. Madrid: Dikinson, 1995. p. 159.

    39GRACIANI, 2001, p. 104.

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    desfavorecidos. Novas configuraes sociais so validadas diariamente. Para incluir

    e instruir os envolvidos nesses processos, a educao deve estar frente dessas

    mudanas, pensando e articulando espaos para o debate crtico.

    Unida mudana, a educao haver de favorecer a compreenso, ainterpretao, a assimilao de acontecimentos, a utilizao de novascapacidades e, desenvolvendo os aspectos crticos dos processos e dasaes, ter de preparar tarefas de responsabilidade em uma sociedade emvias de desenvolvimento, ajudar na aceitao das mudanas,proporcionando instrumentos intelectuais, cientficos e tcnicos quepermitam s pessoas ser participativas na evoluo das estruturas einstituies.40

    A nova organizao da sociedade produzir novos analfabetismos de

    habilidades bsicas de sobrevivncia num mundo cercado pelas mais diversas

    tecnologias. Sujeitos em conflito social podero se tornar se j no o so

    analfabetos sociais e/ou emocionais. Essa situao de conflito social cria, por um

    lado, comportamentos que levam inadaptao social e escolar, e, por outro,

    impossibilitam obter da educao formal benefcios que outros setores da populao

    recebem, perpetuando a situao conflitiva. Ou seja, aquele que no se adapta

    cultura escolar no conseguir a atualizao contnua necessria para sair da

    situao de excludo social, no sendo permitido o reingresso na cultura que propicia

    essa atualizao contnua, ou seja, sua participao cidad.

    Um exemplo a ser mencionado o Consrcio Social da Juventude, poltica

    do Ministrio do Trabalho e Emprego brasileiro atravs do Programa Nacional de

    Estmulo ao Primeiro Emprego. Essa poltica acontece atravs da integrao do

    setor pblico com o privado (ONGs, escolas, indstrias, entre outras), buscando a

    reinsero de jovens escola e a insero dos mesmos no mercado de trabalho,

    atravs da qualificao profissional41.

    A educao social est voltada para a formao do cidado e pode ser tanto

    uma poltica pblica quanto uma iniciativa de escolas, universidades e organizaes

    no-governamentais42ou mesmo uma iniciativa integrada desses setores. Todas as

    iniciativas de inserir, significar processos de aprendizagem e tornar os sujeitos

    cidados ativos so alternativas que buscam minimizar o desvio social.

    40ROMANS, 2003, p. 161-162.41Essa poltica pblica foi tema de pesquisa do meu trabalho de concluso do curso de graduaoem Pedagogia, apresentado em dezembro de 2004.

    42RIBEIRO, 2006, p. 164

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    1.4 Desvio social: desviantes e desviados

    Muitos sujeitos da educao, em relao ao seu futuro e ao seu presente,

    no so reconhecidos como cidados: no usufruem de seus direitos nem so

    cobrados pelos seus deveres. Para muitos, eles nem sequer existem, sendo vistos

    apenas quando os caminhos que escolheram para sobreviver (prostituio, roubo,

    drogadio) afetam a norma social.

    Por estarem fora da norma, precisam achar meios de sobrevivncia que no

    do trabalho formal. Crianas e adolescentes muitas vezes so obrigados a sustentarsuas famlias, pois os familiares j no conseguem trabalhos remunerados e, ao ver

    crianas mascates, a populao se comove e legitima esse trabalho para que elas

    no passem fome.

    As crianas e adolescentes de rua no optam pelo desvio, mas so obrigados

    a agir dessa forma para poderem sobreviver. A sociedade excludente, o sistema

    capitalista caracterizado pelo no espao para todos, de certa forma, produz essa

    parcela da populao. A estrutura, o ordenamento e a dinmica social obrigam

    muitas crianas e adolescentes a atuarem fora dos critrios exigidos pela escola.

    Portanto, o desvio social est na sociedade, no somente porque no

    protege muitos cidados em seus direitos, mas tambm porque os gerou. Se existe

    a idia de uma classe dominante, porque as condies e conscincias humanas

    so socialmente determinadas para tal.

    Existem vrias formas de escapismos sociais: biolgico, poltico, moral

    religioso, sociolgico, psicolgico, etc.

    Essencialmente o conceito desvio social significa infrao de normaestabelecida socialmente e considerada legtima por quem a quebre. Comose sabe, em toda sociedade tambm h dissenso, que pode surgir dadiversa percepo de valores e interesses opostos. O certo que em todasociedade existe um divrcio de distintos graus de intensidade de valoresproclamados por ela e professados pelo povo, e os valores reais da vidacotidiana.43

    Termos referentes excluso necessitam de um adjetivo que os qualifiquem

    para no ser abstratos44. Termos como marginalizao, inadaptao, conflito social

    43GRACIANI, 2001, p. 108.44RIBEIRO, 2006, p. 158.

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    e grupo de risco requerem uma explicao e delimitao precisa para no ser

    interpretados como preconceituosos. A delimitao do termo auxilia na compreenso

    do assunto abordado e dos destinatrios da Pedagogia Social.Ao delimitar tais termos, estamos, inconscientemente, valorizando

    determinados aspectos em detrimento de outros, criando esteretipos de sujeitos

    excludos e dos que excluem. Temos dois tipos de sujeitos sociais opostos. De certa

    forma, estamos querendo que o excludo seja inserido, que aquela que no teve

    oportunidades de uma educao escolar possa vivenci-la a partir da Pedagogia

    Social.

    como se, no fundo, no nos parecesse suficiente que o outro pertena espcie humana para poder ter e exercer os mesmos direitos que osdemais: preciso buscar, ressaltar ou inventar supostas virtudes superiorespara justificar a dignidade que lhes corresponde.45

    Nossa sociedade no valoriza as diferenas. Romans, ao contrrio, afirma

    que no deveramos nos preocupar com nossas diferenas, mas sim com o que nos

    comum, com o fato de sermos todos seres humanos. Na ordem dos direitos

    humanos, o respeito diferena consiste em no dar nenhuma importncia s

    diferenas; no dar importncia s diferenas quando elas excluem, quandolegitimam apenas alguns modos de se inserir socialmente.

    Os desafios da insero social para o sculo XXI so, segundo a Comisso

    Europia sobre o programa de ao social46, o fenmeno demogrfico, as novas

    tecnologias, as mudanas no mundo profissional, a crise de modelos de vida e de

    relaes, a deteriorao do meio ambiente e o direito universal educao.

    Tentando frear a proliferao da excluso, a Unesco prope os quatro

    pilares da educao para o sculo XXI: aprender a conhecer; aprender a fazer;aprender a ser e aprender a conviver47. Aprender a conviver para esta pesquisa o

    pilar mais interessante, pois medida que os cidados aprenderem a viver juntos,

    buscaro solues para a excluso da maior parte da populao mundial.

    Os ambientes educativos so indispensveis para a boa convivncia com

    outros, pois so esses os primeiros ambientes de socializao das crianas. Ali, a

    aprendizagem da convivncia acontece naturalmente. As escolas no so apenas

    45ROMANS, 2003, p. 40.46ROMANS, 2003, p. 144.47DELORCS, Jaques (Org.). Educao, um tesouro a descobrir. So Paulo: Cortez; Braslia: MEC,

    UNESCO, 2000.

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    ambientes onde se ensinam contedos, saberes tericos. Para que os sujeitos

    aprendam, necessrio que tambm sejam orientados em outros aspectos da vida.

    O ser humano possui faculdades de conhecimentos alm da razo, queprecisam ser trabalhadas, desenvolvidas, ensinadas a fim de permitir-lhe,no plano da prtica social e no plano da conscincia, uma aproximaocrescente da totalidade do real, como j afirmamos anteriormente.48

    Esses conhecimentos so necessrios insero dos sujeitos na sociedade.

    A orientao para o conhecimento da realidade e para uma insero crtica

    realizada nos ambientes educativos, atravs de orientaes planejadas pelo

    educador social.

    1.5 Educadores sociais: caractersticas, funes e intervenes

    O educador e a educadora sociais so profissionais polivalentes que atuam

    com diferentes realidades sociais. So facilitadores ativos de uma sociedade mais

    justa, mais equilibrada, ou seja, mais social49. Buscam remediar as necessidades

    sociais dos excludos, objetivando educ-los socialmente.

    No Brasil, os educadores e as educadoras sociais de rua vm definindo e

    delineando uma pedagogia alternativa diante dos desafios encontrados no embate

    pedaggico da prxis educativa popular com o contingente marginalizado urbano50.

    Educadores sociais pensam a educao para alm dos contedos

    transmitidos na escola, como um espao educativo qualificado de vida para crianas

    e adolescentes colocados socialmente em situao de risco51. O educador e a

    educadora sociais subvertem esta lgica dos valores vigentes e deliberam

    coletivamente contedos transversais escola, a partir de questes e necessidadesdos educandos, na qualidade de sujeitos sociais.

    A insero do educador e da educadora sociais tambm se d na

    comunidade onde essas crianas e adolescentes vivem. necessrio que a

    comunidade entenda a situao de risco na qual estas crianas se encontram, bem

    48GRACIANI, 2001, p. 81.49ROMANS, 2003, p. 134.50GRACIANI, 2001, p. 27.51RIBEIRO, 2006, p. 162.

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    como seus direitos de no estarem margem dos processos educativos que iro

    legitim-las socialmente como cidads.

    Para que essa educao ocorra, para que crianas e adolescentes possamse tornar cidads ativas, no somente agora, mas tambm no futuro,

    imprescindvel que os profissionais pautem reflexes sobre o contexto social. Sendo

    que a interveno educativa compreende tanto aspectos histrico-culturais quanto

    polticos, ela se baseia, impreterivelmente, na assimilao crtica desses aspectos.

    As mudanas sociais desencadeadas no ltimo sculo precisam ser

    abordadas nos espaos educativos para que os educandos tenham a possibilidade

    de compreender a sociedade na qual esto inseridos, seu passado e futuro.O educador e a educadora sociais obtm as informaes necessrias sua

    prtica a partir da observao sistematizada do contexto social: das informaes

    recebidas pelos participantes do processo sobre suas demandas individuais e

    comunitrias, do relato da observao de outros profissionais e das informaes

    recebidas durante o processo de interveno.

    Os contextos nos quais os educadores e as educadoras sociais exercem sua

    prtica so de meio aberto ou semi-aberto. Buscando a insero dos sujeitos na

    participao das atividades propostas, lugares pblicos como praas, bares, ruas

    so muito utilizados como espaos educativos para que as crianas e os

    adolescentes possam vivenciar uma relao diferenciada com esses contextos. Em

    geral, ditos contextos so visitados em funo de relaes trabalhistas, para uso de

    drogas, para a prostituio, entre outras atividades.

    As funes e as competncias do educador e da educadora sociais foram

    identificadas e especificadas no decorrer da existncia dessa profisso. Como

    uma profisso que recentemente adquiriu legitimidade social, muito ainda deve ser

    pensado para delimitar o desempenho dos referidos profissionais.

    Segundo Merc Romans52, esses profissionais necessitam de 10 funes:

    - detectora e de anlise dos problemas sociais e suas causas;

    - de orientao e de relao institucional;

    - relacionante e dialogante com os educandos;

    52

    ROMANS, Merc; Funes e competncias do educador social. In: ROMANS,Merc PETRUS, Antoni; TRILLA, Jaume. Profisso: educador social. Trad. ErnaniRosa. Porto Alegre: Artmed, 2003. p. 115.

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    - reeducativa;

    - organizativa e participativa da vida cotidiana comunitria;

    - de animao grupal comunitria;- promotora de atividades socioculturais;

    - formativa, informativa e orientadora;

    - docente social;

    - econmica / profissional.

    Essas funes podem ser divididas em trs grandes grupos: funes para se

    desenvolver no meio externo; funes para se desenvolver no meio interno e

    funes de gesto

    53

    .As funes para se desenvolver em meio externo so as que acontecem em

    relao com a comunidade em que os sujeitos esto inseridos. No basta apenas

    educar sujeitos para que eles se insiram na sociedade, se a sociedade que os insere

    no os reconhecer como potenciais de participao.

    As funes internas so as relacionadas com os processos educativos:

    dialogar com educandos, formar, informar e orientar sujeitos para que possam ser

    reinseridos em contextos sociais que os excluem.

    Funes de gesto tambm so exercidas pelos/as educadores/as sociais,

    pois nas instituies em que trabalham muitas vezes no existe disponibilidade

    financeira para pagar outro funcionrio para administrar e gerir a instituio. Esse

    profissional polivalente, alm das competncias prprias de sua profisso,

    requerido a exercer outras atividades.

    Competncia uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos

    para enfrentar um tipo de situaes [sic] 54. Ser competente possuir um conjunto

    de conhecimentos, habilidades e qualidades que possibilitam a realizao de uma

    tarefa com excelncia. As competncias do educador, da educadora social esto

    relacionadas com conhecimentos, capacidades e atitudes.

    Os conhecimentos necessrios ao bom exerccio da profisso so gerais

    (formao universitria) e especficos (formao contnua conforme a rea de

    trabalho). A educao inicial e a formao contnua respondem s necessidades

    53ROMANS, 2003, p. 115-120.54PERRENOUD, Philippe. Dez novas competncias para ensinar. Trad. Patrcia Chittoni Ramos.

    Porto Alegre: Artes Mdicas Sul, 2000. p. 15.

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    sociais dos cidados e, auxiliam na preveno das mesmas55. A participao em

    cursos sobre sua profisso e contexto de atuao profissional, aliada s pesquisas

    individuais sobre temas especficos dos mesmos, auxiliam na atualizaoprofissional do/a educador/a.

    A formao universitria e continua para os profissionais da educao social

    no pode admitir conhecimentos que no sejam fundamentados na prtica e na

    teoria. Uma influencia a outra num eterno jogo de vai e vem, buscando melhor

    entendimento do fenmeno estudado e melhor atuao na transformao social. Os

    conhecimentos precisam de cientificidade, mas no, necessariamente, serem

    cientificistas.A relao entre teoria e prtica de extrema relevncia para a Pedagogia

    Social. Assim como a educao e o social nesse campo de estudos andam sempre

    juntos, tambm a teoria e a prtica andam de mos dadas: a interveno

    scioeducativa uma interveno simultnea de contedos e prticas.

    Ser capaz de elaborar projetos educativos, intervir no plano educativo,

    trabalhar em equipe, realizar formao contnua e gerir recursos so potencialidades

    esperadas do educador social, da educadora social. Esses projetos educativos

    sero elaborados para realizao em diferentes grupos: espontneos ou criados

    pelo educador, individuais e/ou comunitrios, atendendo crianas, adolescentes,

    jovens e/ ou adultos.

    As atitudes dos educadores e das educadoras reclamam positividade, boa

    relao com o grupo e otimizao de seu servio. Uma boa relao com o grupo de

    trabalho potencializa a ao da equipe; afinal, a interveno social interdisciplinar.

    Os processos educativos so interativos. Se ficarem restritos ao seu aprendizado, o

    educador e a educadora sociais estaro cometendo um crime sua profisso,

    negando o que ela tem de mais essencial.

    A primeira atuao desse profissional est relacionada com a deteco,

    anlise e conhecimentos sobre as necessidades e os problemas sociais dos seus

    educandos.

    Aps essa ampla identificao, cabe delimitar quais necessidades requerem

    interveno educativa. Essa delimitao feita atravs de uma avaliao

    diagnstica para a seleo dos objetivos aplicveis. A partir dos objetivos, ser

    55ROMANS, 2003, p. 165.

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    escolhida a metodologia de interveno educativa: as problemticas abordadas, as

    estratgias e os recursos a serem utilizados.

    A delimitao das problemticas sociais capazes de serem desenvolvidascom os sujeitos da educao social uma escolha cientifico-poltica. Quando as

    problemticas contempladas nos planos de ensino so delimitadas apenas

    politicamente, elas representam uma opo ideolgica, e por isso, preconceituosa,

    priorizando interesses de algumas pessoas, grupos ou partidos, no satisfazendo a

    coletividade. Quando essa escolha apenas cientfica, ela fica no campo das idias,

    no possuindo validade prtica.

    Toda interveno educativa requer planejamento e tambm a escolha decritrios de avaliao: indicadores, hbitos, mtodos, recursos, etc. Somente depois

    de todas essas etapas que a ao educativa propriamente dita, a prtica, pode ser

    executada.

    No decorrer do processo educativo, mudanas so desencadeadas e podem

    exigir uma mudana do planejamento. Para tanto, uma avaliao contnua deve ser

    realizada, a fim de que a atuao esteja sempre adaptada s novas situaes.

    Atividades com populaes em contextos sociais marginalizados ocorrem

    simultaneamente por diferentes profissionais e/ou instituies. Por isso, convm

    tomar a precauo de conversar com as outras equipes e servios que trabalham

    com a populao-alvo da Pedagogia Social, para que a atuao dos servios seja

    mais bem potencializada.

    A complexidade do trabalho que os educadores e as educadoras sociais

    exercem, reclama aos mesmos uma formao contnua. Sugere-se que a formao

    contnua contemple os seguintes assuntos: habilidades conceituais integradas pelos

    conhecimentos prprios da profisso; formao em habilidades tcnicas; habilidades

    de interao ou de comunicao; habilidades de competncia social; formao em

    atitudes e valores; formao para a reviso da prtica habitual e formao para o

    auto-cuidado do educador56.

    A formao contnua pode ser interna e/ou externa s instituies. As

    formaes internas so aquelas promovidas pela prpria instituio para melhorar o

    servio e motivar os funcionrios, enquanto que a busca por formaes externas

    da responsabilidade dos sujeitos.

    56ROMANS, 2003, p. 168-171.

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    O objetivo da formao a contnua adaptao s novas realidades e aos

    novos contextos educativos. Essas mudanas se efetivam atravs de pequenas e

    constantes adaptaes que aprimoram a prtica desses profissionais, buscandoantever as mudanas sociais por eles ocasionadas e fomentadas.

    1.6 A necessria mediao de novas valoraes

    A Pedagogia Social o trabalho educativo focado na socializao e na

    aprendizagem dos excludos dos sistemas formais de ensino. Esse trabalho se

    fundamenta na teoria scio-histrica que afirma que os sujeitos se desenvolvem aolongo de suas vidas, aprendendo continuamente novas formas de insero social.

    O trabalho educativo do educador e da educadora sociais objetiva incluir

    aqueles que no participam ativamente dos espaos de educao formal. A

    Pedagogia Social no fundamenta sua prtica na erradicao dos problemas sociais

    que excluem, mas busca a insero das e dos excludos nos sistemas formais de

    ensino, aprendizagem e socializao.

    A aprendizagem e a socializao acontecem a partir da mediao.

    Aprendemos culturalmente e diariamente as maneiras como o ser humano se insere

    no ambiente e as formas atravs das quais ele interage com os demais. Essas

    formas ensinadas aos sujeitos desde seu nascimento so internalizadas e assim

    formam a identidade de cada um, as bases valorativas de suas aes. Para que o

    nmero de excludos dos ambientes educativos e sociais legitimados no aumente,

    necessria a produo de novas valoraes, de valoraes que primem pelo

    coletivo.

    Alternativas pertinentes produo de novas valoraes so mediaes

    pedaggicas que auxiliam na aprendizagem e na socializao atravs da interao

    entre Pedagogia Social e valores. Para tanto, precisamos entender o que so

    mediaes pedaggicas e como se do os processos de aprendizagem e

    socializao dos indivduos.

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    2 PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E SOCIALIZAO

    Todas as pessoas participam em sua vida de diferentes processos de

    aprendizagem e socializao. Para crianas e adolescentes atingidos pela ao da

    Pedagogia Social, tais processos de aprendizagem so de importncia decisiva,

    considerando-se a necessidade de sua socializao e participao nos prprios

    processos emancipatrios.

    2.1 Mediaes pedaggicas

    Segundo o dicionrio Michaelis57, mediao uma interveno pacfica em

    conflitos internacionais pela sugesto de uma soluo s partes, um ato de

    intercesso, de interveno, de interferncia.

    A mediao pedaggica uma interveno na ao da aprendizagem,

    representando uma maneira de conduzir processos educativos e de signific-los

    atravs de relaes.

    As mediaes pedaggicas tambm podem ser definidas como sendo o

    tratamento de contedos e das formas de expresso dos diferentes temas, a fim detornar possvel o ato educativo dentro do horizonte de uma educao concebida

    como participao, criatividade, expressividade e relacionalidade58.

    Entre o indivduo e o mundo existem coisas que possibilitam ou facilitam a

    sua relao mtua. Esses elementos so, na viso de Vygotsky, os instrumentos e

    os signos. So eles que conferem perspectiva scio-histrica o funcionamento

    57DICIONRIO Prtico Michaelis. Verso 5.1, jul. 1998. CD-ROM. 58GUITIERREZ, Francisco; PRIETO, Daniel. A mediao pedaggica. Campinas: Papirus, 1994. p.

    62.

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    psicolgico fornecido pela cultura59. As formas de mediao pelas quais uma pessoa

    submetida esto diretamente relacionadas com os seus processos de

    desenvolvimento intelectual. Assim, quanto maior o contato com signos einstrumentos que desencadeiem processos de mediao, melhores sero as

    chances de que o indivduo alcance estgios e desenvolvimento mais avanados.

    Os instrumentos so responsveis pela alterao no objeto, enquanto os

    signos, pelas mudanas psicolgicas. Instrumentos e signos da mediao so

    produzidos na e pela cultura, mas a aquisio dos mesmos feita atravs da

    internalizao.

    Os instrumentos se relacionam com os ambientes externos, caracterizandomudanas nos objetos. Atravs do uso de instrumentos, o ser humano pode

    controlar e dominar a natureza. Exemplos de instrumentos so: o uso da flecha na

    caa de animais, a utilizao de uma serra para o corte de rvores.

    Os signos se relacionam como o prprio ser humano, com uma atividade,

    por assim dizer, interna. Os signos afetam o comportamento humano. Ao serem

    mediadores do desenvolvimento intelectual, so decisivos na aquisio da fala

    interior, por exemplo, que auto-reguladora dos processos de pensamento.

    Para Vygotsky, a relao dos seres humanos com o mundo no se d de

    forma direta, mas mediada.

    A mediao social das atividades da criana permite a construo partilhadade instrumentos e de processos de significao que iro, por sua vez,mediar as operaes abstratas do pensamento. A atividade mediada construda a partir de um processo interpsicolgico. [...] Atravs dosdiferentes processos de mediao social, a criana se apropria doscaracteres, das faculdades, dos modos de comportamento e da cultura,representativos da histria da humanidade. medida em que estesprocessos so internalizados, passando a ocorrer sem interveno deoutras pessoas, a atividade mediada transforma-se em um processointrapsicolgico, dando origem atividade voluntria.60

    O autor defende que o processo biolgico no nico e nem definidor de

    todo processo de desenvolvimento dos indivduos. A maturao biolgica um fator

    secundrio no desenvolvimento das formas complexas do comportamento humano,

    59 HACK, Jos Lino (Org.). Clssicos da pedagogia: Comnio, Rousseau, Montessori, Dewey,

    Freinet, Makarenko, Vygostsky. Pelotas: UFPel, 2000. p. 221.60NOGUEIRA, Ana Lcia Horta. Eu leio, ele l, ns lemos: processo de negociao na construo daleitura. In: SMOLKA, Ana Luisa; GOS, Ceclia (Org.). A linguagem e o outro no espaoescolar:Vygotsky e a construo do conhecimento. 2. ed. Campinas: Papirus, 1993. p. 16.

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    pois essas dependem da interao do indivduo com a cultura61. medida que os

    seres humanos atingem a maturao biolgica, diminuem suas relaes diretas e

    aumenta a quantidade de relaes mediadas com o mundo e com os objetos.Exemplificamos essa teoria com o exemplo de Tiago62, um menino atendido

    por uma instituio de educao no municpio de So Leopoldo. Tiago foi

    encontrado pela equipe dessa instituio em condies miserveis e insalubres de

    sobrevivncia. Totalmente desligado da realidade, Tiago vivia em uma pequena e

    mal conservada casa de alvenaria, em um dos bairros mais pobres do municpio. O

    jovem, na poca adolescente, conseguia apenas ir at a porta de sua casa, no

    desenvolvendo relaes com vizinhos e adolescentes da sua idade. Sua me,catatnica, no saa de casa. Seu pai, diagnosticado com retardo mental, sustentava

    seus filhos atravs da cata de lixo. Tiago era agressivo e no conhecia regras de

    conduta social: comia com as mos, no tomava banho, batia nas pessoas, era

    irrequieto, entre outras caractersticas.

    Tiago lembra a popular histria das meninas-lobo. Amala e Kamala foram

    encontradas na ndia no ano de 1920 vivendo entre lobos. Ambas as crianas, com

    idades de dois e oito anos, adquiriram hbitos dos lobos, tais como: uivar (com pico

    de atividades durante a noite) e se alimentar de carne crua e/ou podre. Amala, de

    dois anos, sobreviveu apenas um ano aps ser encontrada. Kamala foi atendida

    num orfanato e sobreviveu por nove anos. Nesse perodo, seu processo de

    socializao foi lento, morrendo com um pequeno vocabulrio de 50 palavras e sem

    conseguir demonstrar suas emoes63.

    Tiago iniciou a freqentar a instituio em tempo reduzido, inicialmente para

    que pudesse ter local para tomar banho e se alimentar. Lentamente aprendeu

    algumas regras de socializao, mas esse um trabalho demorado. Aps alguns

    anos na instituio, Tiago foi encaminhado para iniciar estudo em escola especial da

    rede estadual de ensino. Tiago, porm, no conseguiu se adaptar pela falta de

    conhecimento das regras de conduta e pela situao familiar que dificultava o

    cumprimento dos horrios, tambm impossibilitando que ele tomasse remdios para

    auxlio nas doenas que apresentava. Embora sua insero no ensino estadual

    61HACK, 2000, p. 224.62O nome utilizado fictcio, preservando a identidade do jovem. O exemplo usado uma ilustrao

    e no um estudo de caso.63 Disponvel em: .

    Acesso em: jan. 2008.

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    tenha sido frustrada, Tiago, medida que interagia com seus educadores e colegas,

    aprendia algumas das normas que regiam a relao dos que freqentavam a

    instituio que passara a integrar. Seu tempo de aprendizagem, porm, era maislento que dos demais, e ele tinha complicadores sociais que dificultavam sua

    insero.

    Traando um comparativo entre as histrias de Tiago e Kamala, ambos

    foram aprendendo as regras que regem a insero social medida que interagiam

    com o mundo. Em geral, salvo em caso de doenas mentais ou outros distrbios,

    com o passar do tempo o indivduo atinge estgios mais desenvolvidos de

    maturao biolgica e aumenta sua interao com o mundo, com o adulto. Tiago eKamala so exemplos de crianas com distrbios, que conseguiram romper a

    barreira da anomia e tiveram possibilitada sua interao com a sociedade.

    Esses exemplos ilustram que, para que o ser humano se torne humano,

    necessrio que conviva com seus semelhantes, a fim de aprender as regras que

    regem sua cultura.

    Devido a essas caractersticas especificamente humanas torna-se impossvel

    considerar o desenvolvimento de sujeito como um processo previsvel,universal, linear ou gradual. O desenvolvimento est intimamente relacionadoao contexto scio-cultural em que a pessoa se insere e se processa de formadinmica (e dialtica) atravs de rupturas e desequilbrios provocadores decontnuas reorganizaes por parte do indivduo.64

    Estando o desenvolvimento intimamente relacionado ao contexto cultural,

    sem insero do ser humano nesse contexto ele no se humanizaria. A

    conseqncia de cada interao interfere nas diferentes formas em que o

    desenvolvimento ocorre em cada sujeito.Vygotsky chama a ateno de que no incio da vida da criana os fatores

    biolgicos so mais importantes e latentes que os sociais, mas esse perodo dura

    pouco tempo. Atravs da interao com o adulto, a criana atribui valores e

    internaliza condutas. Quando beb, o humano indefeso e despreparado para

    interagir com o meio. Desde cedo o auxlio, a presena do outro se fazem

    necessrios, pois sem estes o beb no comeria nem se abrigaria ou teria ateno,

    etc.

    64 REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histrico-cultural da educao. Petrpolis:Vozes, 1995. p. 58.

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    No incio de sua vida, a criana aprende atravs do que o adulto ensina e

    mostra a ela. A vontade de aprender despertada pela interao (direta ou indireta)

    com o mundo, com aspectos que pode vivenciar, observar, ouvir e/ou sentir.Aprendemos tambm os valores que nossos pais e as pessoas com quem

    interagimos possuem. Caso sejam solidrios, possivelmente internalizaremos

    posturas do mesmo tipo. Lembramos que a aprendizagem de determinados tipos de

    valores no irreversvel, e que o processo de aprendizagem e sendo assim, a

    interao ocorre com todos ao longo de toda a vida.

    2.2 Desenvolvimento atravs da aprendizagem, aprendizagem atravs dodesenvolvimento

    O desenvolvimento biolgico dos seres humanos determinante para nossa

    relao com o mundo. Para Vygotsky, no h dvida de que o desenvolvimento

    natural seja imprescindvel para a interao dos sujeitos com o mundo e para o seu

    desenvolvimento psicolgico. Porm, medida que os indivduos se desenvolvem,

    passam a aprender atravs de signos e instrumentos que possuem o papel

    mediador entre a aprendizagem e eles prprios.

    Diferentemente dos animais, que agem apenas por instinto e de acordo com

    suas capacidades biolgicas, o ser humano age visando suprir sua vasta gama de

    necessidades. O desenvolvimento do psiquismo animal est determinado pelas leis

    da evoluo biolgica, enquanto que o do ser humano est submetido s leis do

    desenvolvimento scio-histrico.65

    O desenvolvimento scio-histrico a tese que Vygotsky apresentou para

    esclarecer como se d o desenvolvimento infantil. Segundo o autor, o

    desenvolvimento acontece na interao scio-histrica dos indivduos.

    Os animais no conseguem raciocinar, ou seja, so limitados em suas

    capacidades de reflexo, planejamento e estabelecimento de relaes, capacidades

    inerentes ao ser humano. Os indivduos so capazes de aprender atravs da

    experincia evolutiva de nossos antepassados, o que no acontece no caso dos

    animais. Nascemos com uma carga biolgica que no supre as necessidades

    desenvolvidas pela interao social. Ns humanos precisamos aprender com a

    65HACK, 2000, p. 223.

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    sociedade, mediados pelos signos e instrumentos, as formas acumuladas pelas

    geraes de se inserirem nos diferentes ambientes.

    As caractersticas tipicamente humanas no so somente propriedadesbiolgicas, mas tambm sociais. As funes psicolgicas humanas constituem-se na

    cultura, portanto, no so imutveis e universais, mas esto estreitamente ligadas

    aos modos de organizao social e histrica. Assim, os indivduos se formam

    medida que formam a sociedade, ambos se modificando num processo dialtico

    interminvel.

    O eu se constitui em contato com o outro. aprendendo a conhecer o

    outro que me conheo. A partir do momento que consigo me enxergar como outro,passo a me conhecer. Como afirmou Vygotsky: [...] temos conscincia de ns

    mesmos, porque a temos dos demais66. Para que possamos nos conhecer, temos

    que nos considerar outros. No podemos ser se no conhecermos os outros e ns

    mesmos.

    O processo de internalizao o processo no qual atividades externas e

    sociais so reconstrudas individualmente. Segundo Vygotsky, a internalizao a

    reconstruo interna de uma operao externa67. Assim sendo, os conhecimentos

    passam de um plano interpessoal para um intrapessoal, primeiro social para depois

    tornar-se individual. Tal processo no deve ser considerado como um processo

    perfeito e completo, terminado e de mo nica, de fora para dentro.68 Em vrias

    situaes de nossas vidas poderemos voltar a nveis de internalizao anteriores e

    reconstru-los.

    A interiorizao em Vygotsky segue a linha cultural de desenvolvimento que

    afirma que ela no mera cpia ou reproduo interna de algo externo, mas a

    reorganizao de uma operao psicolgica posta em jogo no meio social.

    Segundo o autor, os estgios de conhecimento, de aquisio de processos

    psicolgicos superiores no se modificam em sua estrutura, mas reorganizam o

    funcionamento psicolgico global. Processos psicolgicos elementares no

    desaparecem para que processos psicolgicos superiores possam aparecer; eles

    66VYGOTSKY, Lev. S. Pensamento e linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 157.67 SANTOS, Bettina Steren dos. Vygotsky e a teoria histrico-cultural. In: ROSA, Jorge La (Org.).Psicologia e Educao:o significado do aprender. 4. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. p. 134.

    68SANTOS, 2001, p. 135.

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    se transformam em virtude dos instrumentos de mediao interiorizados e da nova

    legalidade psicolgica que essa interiorizao inaugura69.

    Processos psicolgicos elementares so regulados pelos fatores biolgicos.J os processos psicolgicos superiores so resultado das interaes que o

    indivduo teve ao longo de sua vida. Processos psicolgicos superiores se

    diferenciam dos elementares atravs da sua construo a partir do contexto social,

    por serem processos intencionais, voluntrios e mediatizados. Agregamos cada vez

    mais funes superiores medida que temos mais contato com o contexto

    sociocultural no qual estamos inseridos. Alm da fala e da escrita, existem muitos

    outros signos que nos auxiliam na internalizao dos processos sociais, das formasde condutas, etc., tais como imagens e conceitos.

    A linguagem exemplifica esse fenmeno. primeiramente e principalmente

    atravs da fala que todas as atividades que antes eram realizadas exteriormente,

    por um outro, passam a ser realizadas interiormente, e assim so internalizadas,

    organizadas como processos mentais. Assim como os demais processos, a

    linguagem falada utilizada no meio social primeiramente para a comunicao com

    os outros, a fim de ser posteriormente internalizada e servir como funo

    intrapessoal de busca por solues.

    A aquisio da linguagem, tanto falada quanto escrita, foi amplamente

    estudada por Vygostky. A linguagem permite que os seres humanos tenham contato

    com objetos do mundo exterior, permitindo a abstrao e a comunicao entre as

    pessoas. Essas funes atribudas linguagem possibilitam o desenvolvimento

    psquico do ser humano e a sua aprendizagem.

    Quando pensamento e linguagem se associam, a criana interage e dialoga

    com os outros usando a linguagem como um instrumento do pensamento, da

    formao de formas mais complexas de se relacionar com o mundo e da

    comunicao.70

    Segundo Vygotsky, a fala possui diversos estgios de desenvolvimento. Ela

    evolui de uma fala exterior (discurso socializado) para uma fala egocntrica

    (discurso interior: fala de algum para si prprio, tentando planejar e solucionar

    problemas), culminando numa fala inte