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VALERIA APARECIDA GALIOTI SILVA PRADO
O PERCURSO DE UMA ENTREVISTA NO JORNAL:
Alguns procedimentos lingüístico-discursivos na passagem do oral para o escrito e suas
conseqüências para a interpretação da enunciação
PUC/SP
São Paulo
2006
VALÉRIA APARECIDA GALIOTI SILVA PRADO
O PERCURSO DE UMA ENTREVISTA NO JORNAL:
Alguns procedimentos lingüístico-discursivos na passagem do oral para o escrito e suas
conseqüências para a interpretação da enunciação
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa, sob a orientação da Profª Drª Ana Rosa Ferreira Dias.
PUC/SP
São Paulo
2006
____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________
Para Filipe e Gustavo, a minha tradução da palavra Amor.
À professora Ana Rosa Ferreira Dias, pela orientação, e também pela atenção, pelo carinho, pelo cuidado acrescentados,
Ao professor Dino Preti, pelas correções que contribuíram com este trabalho, e também pelo modelo de profissional a ser seguido,
À professora Zilda Gaspar Oliveira de Aquino, pelas sugestões que enriqueceram não só este trabalho, mas também esta pesquisadora,
À CAPES, pela concessão de Bolsa de Estudos, que propiciou a tranqüilidade necessária à realização deste trabalho,
A Fernando, pelo incentivo, desde o primeiro momento; pelo apoio, nos momentos mais difíceis; pelo orgulho, nos momentos de vitória e pelo companheirismo, sempre, Agradeço.
RESUMO
A passagem da modalidade oral para a escrita, procedimento freqüente na
comunicação humana e, em especial para esta pesquisa, na imprensa escrita, produz alterações
no discurso. O presente trabalho procura reconhecer algumas estratégias lingüístico-
discursivas utilizadas pelos jornalistas na transmissão da notícia, analisando o percurso de
uma entrevista, do seu pronunciamento oral até sua publicação no jornal, para verificar em
que medida tais estratégias podem servir de instrumento de manipulação de idéias, além de
buscar diferenças no trato da notícia nos dois jornais analisados, levando-se em conta o
comprometimento de um deles com a fonte de informação. Para isso, verificam-se algumas
operações na passagem do oral para o escrito, seguindo-se, em parte, o modelo das operações
textuais-discursivas proposto por Marcuschi (2003). Enfoca-se, também, o estudo do discurso
no que concerne ao seu aspecto fundamental, a subjetividade, com as principais noções
decorrentes dela e pertinentes ao trabalho: teoria da enunciação, polifonia e discurso relatado,
seguindo-se os pressupostos teóricos de Benveniste (1989), Bakhtin (1981), Maingueneau
(2004) e Authier-Revuz (2001), os quais permitem a análise do uso das aspas em duas formas
de citação do discurso alheio, o discurso direto e a “ilha textual em discurso indireto”. Inclui-
se, ainda, uma análise da seleção dos verbos de elocução, acompanhando-se estudiosos como
Marcuschi (1991) e Urbano (2003), os quais são unânimes em afirmar que tais verbos podem
agir sobre a interpretação do discurso que eles introduzem. O corpus escrito objeto da
pesquisa é composto por duas entrevistas exclusivas concedidas pelo ex-deputado federal
Roberto Jefferson, em junho de 2005, ao jornal Folha de S.Paulo, além de uma coletânea da
repercussão dessas entrevistas no mesmo jornal e em O Estado de S.Paulo. O corpus oral
corresponde a trechos das duas entrevistas exclusivas (16 minutos e 9 segundos de gravação).
Os resultados obtidos confirmam que a passagem da modalidade oral para a escrita produz
alterações significativas no sentido dos enunciados e que as enunciações são atos únicos, que
não são reproduzidos, mas reconstruídos, dando origens a novas enunciações. Quando se trata
de entrevistas orais que são, posteriormente, publicadas no jornal, as estratégias de que
tratamos acabam por interferir, principalmente, na força ilocutória pretendida pelo
entrevistado, a qual o jornal redireciona para atender aos seus objetivos, configurando-se, por
essa razão, em eficazes recursos de manipulação da notícia. Quanto a diferenças no trato da
notícia pelos jornais analisados, comprovamos que o comprometimento com a fonte de
informação interfere no sentido dos enunciados.
SUMMARY
The passage from oral mode to the written one, a common procedure in human
communication, causes discourse distortion. This has been analysed in this research. This
work aims at recognising some linguistic discursive strategies used by journalists while
conveying the news to the readers by analysing the course of an interview, from the
interviewee’s oral report to the interview publication in the newspaper. The purpose of this
study is to what degree such strategies can be used as an instrument od ideas manipulation,
besides searching for differences in dealing with news in both analysed newspapers, tabing
into account the involvement of one of them with the information. Some operations in the
passage from oral report to the written one were verified, following in part the standard of
textual-discursive operations proposed by Marcuschi (2003). We also emphasize the discourse
study regarding its fundamental aspect, the subjectivity, with its main notions and the ones
pertaining to the work: enunciation theory, polyphony and related discourse, following the
presupposed theoretical writings of Benveniste (1989), Bakhtin (1981), Maingueneau (2004)
and Authier-Revuz (2001), who helped the analysis of the inverted commas usage in two
ways of quoting someone else’s discourse, the direct speech and the “textual island” in an
indirect speech. Finally, an analysis of selection of elocution verbs is included according to
experts such as Marcuschi (1991) and Urbano (2003), who unanimously affirm that such
verbs can affect the discourse interpretation that they insert. The written corpus the subject of
the research is composed of two exclusive interviews granted by the Congressman Roberto
Jefferson, in June 2005, to Folha de S.Paulo newspaper, besides several interviews
repercussion in the same newspaper and in O Estado de S.Paulo newspaper. The oral corpus
comprises passages of two exclusive interviews (16 minute and 9 second recording). The final
results confirm the fact that the passage from oral mode to the written one causes a significant
changes in the interpretation of the text and that the enunciations are single acts which are not
reproduced, but rebuilt, originating new enunciations. When oral interviews are concerned
later on published in the newspaper, the strategies analysed interfere mainly with the
discourse power intended by the interviewee. The discouse power is distorted to meet its aims
and thus it becomes an efficient resource for manipulating news. As to the difference with
which the analysed newspapers handle the news, we have evidenced that involvement with
information sources interferes with the interpretation of the texts.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................1
1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..........................................................................5
1.1. Constituição do corpus.......................................................................................................5
1.2. Contexto histórico..............................................................................................................6
1.3. Tratamento do corpus.......................................................................................................10
2. REFERENCIAL TEÓRICO...............................................................................................16
2.1. O estudo da linguagem: da frase ao discurso....................................................................16
2.2. A língua falada e a língua escrita......................................................................................17
2.2.1. A questão da retextualização..........................................................................................17
2.2.1.1. As substituições...........................................................................................................24
2.2.1.2. As eliminações............................................................................................................26
2.2.1.3. O tratamento dos turnos..............................................................................................30
2.3. O discurso.........................................................................................................................31
2.3.1. A subjetividade a partir de Benveniste: a questão da enunciação e da polifonia. ......32
2.3.2. A subjetividade em Authier-Revuz: o discurso relatado e a questão da autonímia e
da modalização autonímica......................................................................................................35
2.3.2.1. O discurso direto.........................................................................................................39
2.3.2.2. Os verbos de elocução.................................................................................................43
2.3.2.3. O uso das aspas...........................................................................................................47
2.3.3. A subjetividade e o texto jornalístico.............................................................................49
3. ANÁLISE.............................................................................................................................53
3.1.A retextualização...............................................................................................................53
3.1.1. Substituições..................................................................................................................53
3.1.1.1. Novas opções léxicas..................................................................................................53
3.1.1.2. Nomes próprios por nome acompanhado de determinante demonstrativo.................54
3.1.1.3. Nomes próprios por descrições definidas...................................................................54
3.1.1.4. Novas estruturas sintáticas..........................................................................................55
3.1.2. Eliminações..................................................................................................................55
3.1.2.1.(Des)continuidade sintática..........................................................................................55
3.1.2.1.1.Paráfrases.................................................................................................................55
3.1.2.1.2.Repetições.................................................................................................................56
3.1.2.2.(Des)continuidade discursiva.......................................................................................62
3.1.2.2.1.Digressão lógico-experiencial..................................................................................62
3.1.2.2.2.Digressão retórica-didática......................................................................................63
3.1.2.3.Inserções incompreensíveis..........................................................................................64
3.1.2.4.Expressões avaliativas..................................................................................................64
3.1.3. Acréscimos...................................................................................................................65
3.1.4. Tratamento dos turnos....................................................................................................67
3.1.4.1.Mudança do discurso direto para o discurso indireto..................................................68
3.1.4.2.Acréscimo de turno......................................................................................................68
3.1.4.3.Eliminação de turno.....................................................................................................69
3.1.5. A retextualização e suas conseqüências para a interpretação da enunciação...............72
3.2. Os verbos de elocução.......................................................................................................73
3.2.1. Jornal Folha de S.Paulo..................................................................................................73
3.2.1.1. Função.........................................................................................................................75
3.2.1.2. Ação............................................................................................................................76
3.2.2. Jornal O Estado de S.Paulo............................................................................................76
3.2.2.1. Função.........................................................................................................................79
3.2.2.2. Ação............................................................................................................................80
3.2.3. O uso dos verbos de elocução e suas conseqüências para a interpretação da
enunciação................................................................................................................................81
3.3. O uso das aspas.................................................................................................................84
3.3.1. No discurso direto sem verbo de elocução.....................................................................89
3.3.2. No discurso direto com verbo de elocução....................................................................94
3.3.3.Na “ilha textual em discurso indireto”............................................................................98
3.3.3.1.No termo “mensalão”..................................................................................................98
3.3.3.2.Nos outros termos.......................................................................................................100
3.3.4. O uso das aspas e suas conseqüências para a interpretação da enunciação..................108
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................114
ANEXOS................................................................................................................................118
“É, com efeito, na língua e pela língua que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente. O homem sentiu sempre – e os poetas freqüentemente cantaram – o poder criador da linguagem, que instaura uma realidade imaginária, anima as cousas inerentes, faz ver o que ainda não existe, traz ante nós o já desaparecido. Por isso tantas mitologias, ao ter que explicar que na aurora dos tempos pôde nascer alguma cousa do nada, citam como princípio criador do mundo esta essência imaterial e soberana, a Palavra. Não há, certamente, poder mais alto, e todos os poderes do homem, sem exceção – pensemos bem – procedem deste.”
(Benveniste, 1971: 27)
1
INTRODUÇÃO
Uma das formas mais comuns de alteração no sentido dos enunciados e,
conseqüentemente, de manipulação de informações é aquela produzida por operações bastante
comuns na comunicação humana, as quais dizem respeito à passagem da língua oral para a
escrita.
A tendência atual das pesquisas em Lingüística Textual, centrada no estudo de textos
autênticos, não-idealizados, permitiu a abertura de novos campos de estudo - como os que
tratam das relações entre língua oral e escrita e o uso da língua na comunicação de massa e na
mídia (Blühdorn e Andrade, 2005)- cujos pressupostos teóricos possibilitaram a explicitação
das transformações produzidas na passagem do oral para o escrito e o conhecimento da
organização do discurso jornalístico, em que essa passagem é uma das etapas.
O crescente interesse pelo texto jornalístico como objeto de estudo deve-se à grande
influência que a mídia exerce sobre a sociedade, por ter com ela uma relação unidirecional, na
qual a informação é oferecida como um produto. Antes de mais nada, faz-se necessário
distinguir “fato” e “notícia”. A comunicação midiática, como observa Charaudeau (2006),
transforma um acontecimento bruto, já interpretado pelo jornalista-testemunha do mundo, em
notícia, que é o acontecimento construído, visando a um determinado receptor. Segundo o
autor, é esse processo que determina os procedimentos de construção da informação, a qual
explicitará, não o poder de sanção que se quer atribuir à mídia, e que ela efetivamente não
tem, mas o poder que ela realmente tem: o de fazer saber, fazer pensar e fazer sentir (idem:
124). E isso não é pouco. Diante do acontecimento bruto, o jornalista irá se posicionar, para
depois transformá-lo e esse posicionamento já produz as primeiras mudanças no sentido dos
enunciados. É muito comum, por exemplo, a queixa de pessoas entrevistadas que se sentem
lesadas ao lerem no jornal um discurso que não reconhecem como seu. Isso ocorre porque,
como observa Charaudeau (idem), os procedimentos de construção do discurso jornalístico,
como de qualquer outro texto, não estão imunes à subjetividade inerente à linguagem, sendo
ela a fonte de mudanças nos “efeitos de sentido” pretendidos pelos entrevistados. Dizemos
“efeitos de sentido”, porque também o discurso dos entrevistados passa por uma
transformação: do “fato” para a “narração do fato”, em que a presença da subjetividade é
inevitável. Diante do exposto, quando analisamos a publicação de uma entrevista no jornal,
estamos analisando o discurso da imprensa, que escreve tendo em vista um leitor
2
determinado; o discurso da pessoa entrevistada, sob o ponto de vista do jornalista; e, por
último, o discurso da pessoa entrevistada, sob o ponto de vista dela mesma.
Para explicar problemas como esse, procuraremos, em nosso trabalho, conhecer a
organização desse discurso, no que concerne às estratégias lingüístico-discursivas utilizadas
pelos jornalistas na publicação de entrevistas, respondendo às seguintes questões: 1] De que
maneira a imprensa escrita transforma uma entrevista oral em escrita, no que diz respeito à
seleção das informações?; 2] Qual o tratamento dado ao discurso relatado (doravante DR), no
que diz respeito à seleção do discurso direto (DD) e da “ilha textual em discurso indireto
(DI)”, além do uso dos verbos de elocução?; 3] Em que medida podem variar os efeitos de
sentido obtidos por diferentes jornais, em que pese o fato de um deles ter tido acesso a uma
fonte exclusiva?
Nosso corpus tem como ponto de partida duas entrevistas exclusivas do ex-deputado
federal Roberto Jefferson, concedidas com exclusividade ao jornal Folha de S.Paulo, em 6 e
12 de junho de 2005, denunciando, dentre outras coisas, esquemas de pagamento de propina a
vários deputados federais por parte do Partido dos Trabalhadores, em troca de apoio ao
governo. Trechos em áudio das duas entrevistas foram disponibilizados pela Folha em seu
site, o que nos permitiu o acesso também a parte do corpus oral. A repercussão das entrevistas
nos dias que se seguiram às suas publicações permitiu que selecionássemos farto material, não
só do jornal Folha de S.Paulo, mas também do jornal O Estado de S.Paulo, e pudéssemos
enriquecer nossa pesquisa.
A passagem da língua oral para a escrita, fato corrente no texto jornalístico, é a base de
nosso trabalho. Marcuschi (2003-b) denomina retextualização a esse processo e propõe um
modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral para o texto escrito que
pretendemos seguir em parte para verificar as modificações ocorridas em nosso corpus. Para
isso, utilizamos o material gravado e transcrito, comparando-o com o material escrito
publicado pelo jornal Folha de S.Paulo.
No que diz respeito à citação do discurso alheio, é recurso dos mais freqüentes na
comunicação humana e na mídia em geral. Para abordá-lo, traçamos um percurso baseando-
nos nos estudos de teóricos como Benveniste (1989), Bakhtin (1981), Maingueneau (2004) e
Authier-Revuz (2001), dentre outros. O referido percurso inicia com o estudo da
subjetividade, decorrendo dele os conceitos da teoria da enunciação, da polifonia e do DR,
cujo estudo ampliou a visão tradicional que considerava apenas o DD, o DI e o discurso
3
indireto livre como formas de citação do discurso alheio. As observações feitas por Authier-
Revuz (2001) acabam por acrescentar outras formas de citação do DR, além de rejeitar a visão
tradicional do DD como sendo a reprodução fiel do discurso de outro, pois o que um DR
relata não é uma frase ou enunciado, mas todo um ato de enunciação. Desse modo, desfaz-se a
idéia de fidelidade do DD e abre-se a possibilidade de efeitos de sentido criados pelo
enunciador para atingir determinados propósitos.
Ao escolher o DD ou a “ilha textual em DI” e marcá-los com as aspas, o enunciador
chama a atenção para o termo que está aspeando. As aspas não são meros recursos gráficos
que delimitam dois atos de enunciação, mas podem ser revestidas de intenções do enunciador.
Para introduzir um discurso alheio em seu próprio discurso, o enunciador, na maioria
das vezes, utiliza os verbos de elocução. Estudiosos como Marcuschi (1991) e Urbano (2003)
são unânimes em afirmar que tais verbos podem agir sobre a interpretação do discurso que
eles introduzem.
Baseando-nos nas reflexões dos autores citados e de outros que o serão no decorrer do
presente trabalho, e nos resultados da análise de um corpus de textos orais transcritos e textos
escritos de um gênero discursivo específico (texto jornalístico), procuraremos reconhecer
algumas estratégias lingüístico-discursivas utilizadas pelos jornalistas para a transmissão da
notícia e sua conseqüente interferência no sentido pretendido pelo entrevistado.
Para realizar o estudo proposto, estruturamos nosso trabalho da maneira relatada a
seguir. Iniciamos com a apresentação de nosso corpus (Capítulo 1), relatando, em detalhes,
como ele foi constituído e situando-o historicamente para uma melhor compreensão dos fatos;
no Capítulo 1, ainda, explicitamos os procedimentos de transcrição do corpus, de delimitação
das ocorrências para análise, bem como os procedimentos de análise e a simbologia adotada
para ressaltar os aspectos relevantes para os nossos propósitos. Na seqüência, realizamos
nossa revisão teórica (Capítulo 2), dividida em três partes: em primeiro lugar, fazemos um
breve histórico sobre as transformações do objeto de estudo da Lingüística; em seguida,
retomamos noções importantes de língua oral e escrita e nos detemos nas operações da
passagem de uma modalidade a outra, a chamada retextualização, atendo-nos a alguns
procedimentos de seleção de informações, quais sejam as operações de substituição, de
eliminação e de acréscimo, e também o tratamento de turnos. Em terceiro lugar, enfocamos o
estudo do discurso no que concerne ao seu aspecto fundamental: a subjetividade, com as
principais noções decorrentes dela e pertinentes ao nosso trabalho: a teoria da enunciação, a
polifonia e o DR, além de uma reflexão sobre a questão da subjetividade no texto jornalístico.
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Dedicamos o Capítulo 3 à análise, dividida em três partes: a primeira dá conta dos
procedimentos de retextualização, concentrados nas ocorrências de substituições,
eliminações, acréscimos e tratamento dos turnos, comparando-se a transcrição das entrevistas
dos dias 6 e 12 de junho de 2005 e a sua publicação no jornal Folha de S.Paulo; a segunda
parte se ocupa da análise do emprego dos verbos de elocução nos jornais Folha de S.Paulo e
O Estado de S.Paulo, nas publicações do dia 12 de junho de 2005; a terceira e última parte se
encarrega do emprego das aspas nas ocorrências de DD e de “ilha textual em DI” em ambos
os jornais no período de 6 a 12 de junho de 2005. Por último, apresentamos nossas
considerações finais.
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1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
1.1. Constituição do corpus
As duas entrevistas que compõem o corpus do presente trabalho foram concedidas
pelo deputado federal Roberto Jefferson ao jornal Folha de S.Paulo, em 6 e 12 de junho de
2005. O material oral foi coletado da própria fonte, ou seja, o jornal Folha de S.Paulo, que,
em seu site, veiculou trechos das duas entrevistas concedidas à repórter Renata Lo Prete.
Quanto ao material escrito, ele começou a ser coletado a partir do dia 6 de junho de
2005, data da primeira entrevista. A repercussão dessa entrevista, para o que nos interessa no
presente trabalho, deu-se até o dia 12 de junho do mesmo ano, data de publicação da segunda
entrevista, quando os jornais retomaram alguns trechos da entrevista inicial. A partir dessa
data, apenas acompanhamos a repercussão da segunda entrevista, que ocorreu até por volta do
dia 14 de junho. Do dia 15 de junho em diante, a imprensa deu cobertura ao depoimento do
deputado Roberto Jefferson à Comissão de Ética da Câmara Federal, que investigava seu
envolvimento no que ficou conhecido como o “Escândalo dos Correios”. Daí em diante, as
entrevistas concedidas à Folha foram citadas na forma de DI, fenômeno que não estudaremos
no presente trabalho.
O material que foi nosso objeto de análise compreendeu as publicações entre os dias 6
e 12 de junho de 2005. Quanto aos jornais pesquisados, selecionamos textos de jornais de
linhas editoriais distintas: Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, ambos de grande
circulação e dirigidos a leitores das classes A/B. A escolha se explica: buscamos diferenças
significativas no trato da notícia, o que caracterizaria a opção ideológica dos grupos
econômicos que os comandam, além de tornar possível a verificação de diferenças acentuadas
entre ambos, pelo fato de o jornal Folha de S.Paulo estar comprometido com a fonte de
informação e o Estado não.
Os corpora oral e escrito, examinados à luz da Análise da Conversação e da Análise
do Discurso, possibilitaram o estudo do percurso de uma entrevista até sua publicação no
jornal, envolvendo, em primeiro lugar, a verificação de algumas operações na passagem do
oral para o escrito, dentre elas os procedimentos de substituição, eliminação e acréscimo de
informações e o tratamento dos turnos; em segundo lugar, a análise da seleção dos verbos de
elocução e a verificação do uso das aspas em duas formas de citação do discurso alheio
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utilizadas na imprensa escrita, o DD e a “ilha textual em DI”, incluindo-se uma análise
comparativa do tratamento da notícia nos diferentes jornais analisados.
1.2. Contexto histórico
Como o discurso do ex-deputado Roberto Jefferson é a base de nossa análise, cremos
serem necessárias algumas considerações a seu respeito e, principalmente, um breve relato do
contexto histórico no qual se inserem as entrevistas que compõem o nosso corpus, para uma
melhor compreensão dos fatos, uma vez que, como já afirmamos, o “acontecimento bruto” é a
matéria prima da “notícia” (cf. Charaudeau, 2006: 124).
Roberto Jefferson Monteiro Francisco nasceu em Petrópolis (RJ), em 14/6/1953.
Formado em Direito, exerceu a profissão de advogado. Filiado ao Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) desde 1982, exerceu o cargo de deputado federal nas legislaturas de 83/87,
87/91, 91/95, 95/99, 99/03 e 03/05.
As entrevistas concedidas ao jornal Folha de S. Paulo, em 6/6/2005 e 12/6/2005, e os
seus respectivos desdobramentos foram, na verdade, a reação de Jefferson diante de denúncias
de corrupção nos Correios envolvendo seu nome e de seu partido em práticas que, segundo
ele, eram comuns entre governo e outros partidos da base aliada também. Em suas próprias
palavras, na entrevista do dia 12 de junho, “vão botar tudo no colo do PTB. Toda a corrupção
que tem dentro dessa estrutura de relações da cúpula do PT em algumas empresas do governo
no colo do PTB”.
As denúncias partiram da reportagem publicada pela revista Veja, de 14 de maio de
2005, a qual teve acesso a gravações que vêm denunciar uma prática corrente na política
brasileira: o loteamento de cargos nas empresas estatais para os partidos políticos aliados do
governo. Em outras palavras, o governo distribui os cargos dessas empresas entre os partidos
que o apóiam, e esses partidos, por sua vez, cobram dos funcionários indicados uma mesada
para financiar o partido, dinheiro esse que provém de operações administrativas ilegais.
As imagens, veiculadas depois em âmbito nacional, mostravam o então funcionário
dos Correios, Maurício Marinho, recebendo três mil reais a título de entrada e descrevendo
atos ilícitos do PTB em outras instituições (ele menciona a Infraero, a Eletronorte e a
Petrobrás). Além disso, cita nominalmente o deputado Roberto Jefferson como o chefe do
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esquema de corrupção em toda a máquina federal. Segue-se a esse primeiro vídeo um
segundo, em que o mesmo funcionário confirma as informações e acrescenta o nome do genro
de Roberto Jefferson, Marcus Vinicius Vasconcelos Ferreira.
Injuriado com as acusações, Roberto Jefferson vai à tribuna da Câmara para defender-
se. A crise que se seguiu após a divulgação das imagens de corrupção atingiu o governo, que
temia a instalação de uma CPI para a apuração dos fatos, o que ocorreu no dia 9 de junho de
2005. As investigações apuraram o envolvimento do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e do
secretário-geral do partido, Silvio Pereira, que participaram da distribuição de cargos federais
entre os partidos aliados do governo.
Mas novas denúncias viriam a comprometer ainda mais o deputado Roberto Jefferson:
o então presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), Lídio Duarte, que chegou ao
cargo por indicação do ex-presidente do PTB, José Carlos Martinez, pressionado por Roberto
Jefferson para o pagamento de um valor mensal de quatrocentos mil reais, decide entregar o
cargo.
Acuado por todas essas denúncias, o deputado Roberto Jefferson decide revelar todo o
esquema nas entrevistas para a Folha. A partir daí, deflagra a pior crise política do governo
Lula, denunciando um suposto pagamento de mesada pelo governo aos deputados dos
partidos aliados, que, em troca, davam ao governo o apoio necessário na Câmara. Nessas
entrevistas, também, faz um mea culpa, admitindo a prática de crimes como o tráfico de
influências em estatais. Por essa razão e por fazer acusações sem prova, o que caracteriza a
quebra de decoro na Câmara, Roberto Jefferson tem seu mandato cassado pela Comissão de
Ética daquela Casa, no dia 14 de setembro de 2005, por 313 votos contra 156, ficando
inelegível até 2015.
O governo decide reagir e demite, em 8 de junho, todos os diretores das duas estatais
envolvidas nos escândalos, os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).
As acusações de Roberto Jefferson, porém, envolveram as pessoas que compunham o
que ele chamou de “cabeça do PT”: o então ministro José Dirceu, o presidente do PT, José
Genoíno, o secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, e o tesoureiro Delúbio Soares, além do
suposto operador do que ficou conhecido nacionalmente como “mensalão”, o publicitário
Marcos Valério Fernandes de Souza.
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Verdadeiras ou não suas acusações, a verdade é que, depois delas, a cúpula do PT
passou por uma “faxina”, em que caíram, no dia 16 de junho, apenas cinqüenta horas depois
das denúncias de Jefferson, o ministro José Dirceu, acatando a “sugestão” feita pelo deputado
em sua entrevista: “Zé Dirceu, se você não sair daí rápido, você vai fazer réu um homem
inocente, que é o presidente Lula”; após ele, em 4 de julho, Sílvio Pereira; em 5 de julho,
Delúbio Soares; e, por fim, em 9 de julho, pedem afastamento o presidente do PT, José
Genoíno, e Marcelo Sereno, secretário de Comunicação do PT .
Voltando para a Câmara, para continuar o seu mandato de deputado federal, José
Dirceu amarga mais uma derrota: a cassação de seu mandato em 1º de dezembro de 2005.
Sobre os parlamentares denunciados nas entrevistas, dois deles não tardaram a
renunciar ao cargo: Carlos Rodrigues (RJ) e Valdemar Costa Neto (SP), ambos do PL. Além
deles, mais 15 deputados envolvidos nos escândalos foram investigados.
O panorama acima é suficiente para mostrar o impacto que a série de reportagens
que serviu de corpus para o nosso trabalho teve na política brasileira, conduzindo-a a uma
série de reformas políticas e eleitorais. O reconhecimento pela importância das duas
entrevistas deu-se em forma de dois prêmios para a jornalista Renata Lo Prete: o “Prêmio
Esso”, na categoria Jornalismo, e o “Grande Prêmio Folha de Jornalismo”, concedido
anualmente pelo jornal Folha de S.Paulo, pela relevância social de seu conteúdo. Segundo a
Folha, o que se seguiu à publicação das duas entrevistas foi um “efeito dominó”:
A crise desencadeada pelas entrevistas atingiu a cúpula petista e custou os cargos de José
Genoíno, que presidia o PT, do então tesoureiro Delúbio Soares e dos ex-secretários do partido
Silvio Pereira e Marcelo Sereno. O efeito dominó também causou a queda do ministro José
Dirceu (que depois teria o mandato de deputado cassado), a diminuição do poder de Luiz
Gushiken, que perdeu o status de ministro, e desencadeou um processo investigativo que atinge
o publicitário Duda Mendonça, responsável pela vitoriosa campanha de Lula em 2002.
Escancarou ainda práticas ilegais de pagamentos de despesas de campanha adotadas pelo PT e
por aliados.
As reportagens esclareceram as ligações do publicitário Marcos Valério, sócio das agências
SMPB e DNA, com o comando do PT, com o governo e com empresas estatais.
Jefferson, que admitiu ter recebido ele próprio dinheiro de caixa 2 do PT, posteriormente teve o
seu mandato cassado.
9
Quatro parlamentares renunciaram ao mandato para evitar cassação. Outros 11 deputados ainda
enfrentam processos de cassação na Câmara. Dois já foram absolvidos. 1
O papel da imprensa, nesse episódio, foi fundamental, para que as denúncias viessem a
público, para que os responsáveis tomassem atitudes, cobrados pela opinião pública, e, por
fim, para que a sociedade brasileira refletisse sobre suas instituições e desse alguns passos
para a sua maturidade política, tão necessária numa democracia. É o balanço que fez do
episódio o cientista político Bolívar Lamounier, filiado ao PSDB, à Revista Veja:
Você teve em sete meses, de maneira compacta, densa e em tempo integral, um curso a
respeito da corrupção política para 85 milhões de eleitores. Com organograma, com descrição
dos procedimentos, mostrando como o dinheiro sai daqui e entra ali. Isso é fantástico, não tem
paralelo em nenhum país do mundo. Não de forma tão espetacular, tendo até um personagem
teatral, shakespeariano, na figura de Roberto Jefferson. A crise ensinou muita coisa ao eleitor
brasileiro, e esse aspecto positivo supera os negativos.2
O “escândalo do mensalão”, como ficou conhecido, serviu, também, para impulsionar
a investigação de outros escândalos:
O desenrolar das investigações e das CPIs chamaram a atenção para outros escândalos que
envolveram o partido do governo brasileiro em 2005, o Partido dos Trabalhadores (PT), e
eclodiram antes do aparecimento das primeiras grandes denúncias sobre a existência do
mensalão.
Em 2004 estourou o escândalo dos Bingos e em maio de 2005 o escândalo dos Correios. As
investigações das CPIs trouxeram ainda para a pauta das discussões a misteriosa morte do
prefeito Celso Daniel (2002) e as denúncias de corrupção na Prefeitura de Santo André (São
Paulo), administrada por ele.
Por conseguinte, a crise do mensalão envolveu não somente o escândalo provocado pelo
denúncia de compra de votos (o mensalão, propriamente dito), mas todos esses escândalos
1 REVELAÇÃO do ‘mensalão’ ganha Prêmio Folha. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2 mar. 2006. Folha Brasil, p. A8. 2 VEJA. São Paulo, 21 dez. 2005, p. 11-15.
10
juntos, que de alguma forma ou de outra se relacionam. Um dos elementos que ligam esses
outros eventos com o mensalão são as acusações de que em todos eles foram montados
esquemas clandestinos de arrecadação financeira para o PT. O dinheiro oriundo desses
esquemas, pelo menos em parte, poderia ter sido usado para financiar o mensalão.
Com o desenvolvimento da crise surgiram ainda novas denúncias e novos escândalos, como,
por exemplo: o escândalo dos fundos de pensão, do Banco do Brasil, esquema do Plano Safra
Legal, a suposta doação de dólares de Cuba para a campanha de Lula e a quebra do sigilo
bancário do caseiro Francenildo.3
Nós, por nossa vez, ficamos satisfeitos com a escolha do material, que se revelou
extremamente apropriado para a pesquisa que empreendemos, sem contar o fato de que tal
material prestou um grande serviço às instituições brasileiras.
1.3. Tratamento do corpus
O material gravado foi composto de trechos editados da primeira entrevista (nove
minutos e nove segundos) e da segunda entrevista (sete minutos), veiculados pela Folha em
seu site4, perfazendo em total de dezesseis minutos e nove segundos de gravação. O material
oral foi transcrito segundo as normas de transcrição do Projeto NURC/SP (Preti, 2001:11-12).
O Projeto de Estudos da Norma Urbana Culta (NURC), com núcleos em Recife, Rio de
Janeiro, Porto Alegre, Salvador e São Paulo, é um dos pioneiros nos estudos de língua oral no
Brasil. Concebido, na década de 1970, para investigar a norma objetiva do português culto
falado no Brasil, tem fornecido material para estudos coordenados pelo professor Dino Preti,
em São Paulo, na área da Análise da Conversação, e também para um outro projeto de estudos
do texto falado, o Projeto de Gramática do Português Falado (PGPF), coordenado pelo
professor Ataliba Teixeira de Castilho. A elaboração dos corpora do português brasileiro está
possibilitando o desenvolvimento da lingüística textual no Brasil com um perfil próprio, e
essa é mais uma grande contribuição do Projeto NURC (cf. Blühdorn e Andrade, 2005). Dada
a sua importância, o projeto é referência para qualquer pesquisa sobre língua oral, quer seja
utilizando seus corpora, seus estudos ou suas normas de transcrição. 3 www.wikipedia.com.br, acessado em 17 de julho de 2006. 4 www.folhasp.com.br, acessado em 7 e 13 de junho de 2005.
11
As normas são as seguintes:
OCORRÊN-CIAS
SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO
Incompreensão
de palavras e
segmentos
( ) do nível de renda ( )
nível de renda nominal
Hipótese do que
se ouviu
(hipótese) (estou) meio preocupado (com o
gravador)
Truncamento
(havendo
homografia, usa-
se acento
indicativo da
tônica e/ou
timbre)
/
e comé/ e reinicia
Entonação
enfática
Maiúscula Porque as pessoas reTÊM moeda
Prolongamento
de vogal e
consoante (como
s, r)
:: podendo
aumentar
para ::::
ou mais
ao emprestarem...
éh ::: ... dinheiro
Silabação - por motivo tran-sa-ção
Interrogação ? e o Banco... Central...
certo?
Qualquer pausa ... São três motivos... ou três razões...
que fazem com que se retenha
moeda... existe uma... retenção
Comentários
descritivos do
transcritor
((minúscula))
((tossiu))
Comentários que
quebram a
seqüência
temática da
exposição;
desvio temático
- - - -
... a demanda de moeda - - vamos
dar essa notação - - demanda de
moeda por motivo
Superposição, Ligando as A. na casa da sua irmã
12
simultaneidade
de vozes
Linhas
B. sexta feira?
A. fizeram LÁ...
Cozinharam lá?
Indicação de que
a fala foi tomada
ou interrompida
em determinado
ponto. Não no
seu início, por
exemplo.
(...)
(...) nós vimos que existem...
Citações literais
ou leituras de
textos, durante a
gravação
“ “ Pedro Lima... ah escreve na
ocasião... “O cinema falado em
língua estrangeira não precisa de
nenhuma baRREIra entre nós”...
OBSERVAÇÕES:
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.)
2. Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? você está brava?)
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números: por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa)
6. Não se anota o cadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh::::...(alongamento e pausa).
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto
final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa.
(Preti, 2001: 11-12)
A transcrição das entrevistas (ANEXO A) é apresentada com as seguintes indicações:
na primeira coluna do lado esquerdo, destacamos a numeração das linhas (em intervalos de
cinco linhas); em seguida, identificamos os locutores (L1 e L2), os quais são apresentados no
início da transcrição; por último, transcrevemos o referido material oral.
Quanto ao material escrito publicado, ele foi anexado ao presente trabalho em três
partes. Na primeira (ANEXO B), reproduzimos o conteúdo das duas entrevistas publicadas na
Folha, em ordem crescente de datas e páginas em que aparecem e com linhas numeradas; na
segunda (ANEXO C), apresentamos, na íntegra, as respectivas páginas em que foram
13
veiculadas as entrevistas; e, na terceira (ANEXO D), apresentamos os textos analisados que
foram retirados do jornal O Estado de S.Paulo.
Feita a coleta do material, passamos à fase do estabelecimento da amostra da análise.
Nesse ponto, sentimos a necessidade de estabelecer dois tipos de amostra distintos, que
atendessem aos nossos propósitos: o primeiro deles foi selecionar o material escrito
corresponde ao material transcrito, e, nesse caso, tal procedimento deu-se somente em relação
ao jornal Folha de S.Paulo, que foi o veículo detentor do material oral. Feita essa seleção,
pudemos realizar uma análise preliminar que pretendia dar conta da questão da
retextualização, ou seja, como se deu a passagem do oral para o escrito, e que implicações
essa passagem trouxe para o texto quanto a algumas estratégias elencadas no modelo das
operações textuais-discursivas proposto por Marcuschi. Para essa análise, que foi dividida de
acordo com os procedimentos de retextualização avaliados, elaboramos um quadro formado
por colunas, nas quais apresentamos, de um lado, os trechos transcritos (ANEXOS A-1 e A-2)
e, de outro, os respectivos trechos retextualizados (ANEXOS B-1, B-2 ... B-8), ambos
antecedidos da numeração das linhas. Empregamos o recurso do negrito para salientar os
procedimentos analisados em cada item, como, por exemplo, os trechos que foram alterados,
eliminados ou acrescentados.
Desse modo, comparamos a transcrição com a retextualização, concentrando-nos nas
estratégias de eliminação, de substituição, e de acréscimo, além das operações de readaptação
dos turnos e de compreensão, todas elas explicitadas em nosso Referencial Teórico.
No decorrer de nossa pesquisa, achamos por bem analisar alguns procedimentos
constantes do Manual da Redação do jornal Folha de S.Paulo, nosso veículo principal de
análise, para compreender as orientações que são transmitidas aos seus jornalistas no que
concerne à edição de entrevistas, declarações textuais, emprego das aspas, consulta às fontes
etc. Trataremos, neste capítulo, apenas da edição das entrevistas. Quanto aos demais itens,
remeter-nos-emos a eles em nosso Referencial Teórico, quando abordarmos os temas
pertinentes.
Em seu Manual da Redação, a Folha, no capítulo “Padronização e estilo”, assim se
pronuncia a respeito de entrevistas:
A finalidade de caracterizar um texto jornalístico como entrevistado é permitir que o leitor
conheça opiniões, idéias, pensamentos e observações de personagem da notícia ou de pessoa
que tem algo relevante a dizer. Em geral, a Folha adota o estilo indireto ao publicar entrevistas.
14
Pode-se editar entrevista na forma de pergunta e resposta (pingue-pongue) quando o
entrevistado está em evidência especial ou diz coisas de importância particular. (Manual da
Redação, 2006: 40)
No caso de nosso corpus, as entrevistas foram editadas na forma de pergunta e
resposta e seguiram a orientação da Folha para esse tipo de texto: “texto introdutório
contendo a informação de mais impacto, breve perfil do entrevistado e outras informações,
como local, data e duração da entrevista e resumo do tema abordado” (Manual da Redação,
2006: 66).
O jornal Folha de S.Paulo, porém, ao orientar seus jornalistas para a edição de
entrevistas, abre muitas lacunas para que sejam feitas intervenções:
O trecho com perguntas e respostas deve ser uma transcrição fiel, embora nem sempre
completa, da entrevista. Selecione os melhores trechos. Corrija sempre erros de português;
corrija problemas da linguagem coloquial quando for imprescindível para a perfeita
compreensão do que foi dito. Mas não troque palavras nem modifique o estilo da linguagem do
entrevistado. Se relevantes, eventuais erros ou atos falhos do entrevistado podem ser
destacados com a expressão latina sic entre parênteses. Restrinja o uso desse recurso.
(...)
Recomenda-se preservar a ordem original em que as perguntas foram feitas. (Manual da
Redação, 2006: 66)
A Folha não deixa claro qual o critério para se avaliar, por exemplo, “os melhores
trechos” que devem ser selecionados ou qual seria o critério de relevância para se destacar
erros do entrevistado. Ou seja, os interesses do jornal podem prevalecer na hora dessa escolha
em detrimento dos interesses do entrevistado.
A segunda amostra da análise ampliou o nosso corpus consideravelmente, pois pôde
abranger as duas entrevistas (de 6/6 e 12/6) publicadas no citado jornal, além de sua
repercussão nele mesmo nos dias subseqüentes, e no outro jornal pesquisado. O que
consideramos nesse momento como amostra foi o DR em DD e a “ilha textual em DI”,
sempre que tais relatos apareceram destacados da enunciação do discurso citante por meio das
aspas, vindo ou não acompanhados dos verbos de elocução, cujo emprego mereceu um estudo
15
à parte, para o qual comparamos o emprego dos verbos de elocução na Folha e em O Estado
relativamente à publicação do dia 12/6/2005, utilizando o recurso do negrito para destacá-los.
16
2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. O estudo da linguagem: da frase ao discurso
O estudo da linguagem, como o de qualquer ciência, é pautado por uma história de
transformação e de evolução. Se, no início dos estudos da Lingüística Textual, da segunda
metade da década de 60 até a primeira metade da década de 70, os estudos se debruçavam
sobre a análise transfrástica e as gramáticas de texto, na década de 80, ampliou-se essa
abordagem para os níveis semântico e pragmático. Hoje, reconhece-se a legitimidade dessas
três abordagens de estudo da Lingüística Textual e se busca a sua integração para a aplicação
nos mais diversos campos. O texto idealizado, antes o objeto de pesquisa da Lingüística
Textual, cede lugar, a partir da década de 90, ao texto autêntico, produzido no cotidiano das
pessoas, e do qual vão emergir os conceitos-chave de intertextualidade e de polifonia,
questionando o conceito do texto legítimo até então existente (cf. Blühdorn e Andrade, 2005).
Dessa evolução, decorre um novo modo de conceber a linguagem, o qual passa a
considerar as condições de produção de um texto como fundamentais para a interpretação de
uma comunicação (cf. Charaudeau e Maingueneau, 2004: 169). É o que se vai chamar de
discurso, “um espaço instável de trocas entre disciplinas diversas, cada uma estudando o
discurso sob uma ótica que lhe é própria” (Maingueneau, 2004: 12) e, dentre essas disciplinas,
duas que são a base para a análise que empreendemos: 1) a Análise do Discurso (daqui em
diante AD), que procura associar a organização textual à situação de comunicação, e 2) a
Análise da Conversação (doravante AC), que estuda os “conhecimentos lingüísticos,
paralingüísticos e socioculturais que devem ser partilhados para que a interação seja bem
sucedida” (Marcuschi, 2003-a: 6). Pela sua própria natureza, a AC parte dos dados colhidos
em gravação de interações naturais e é por essa razão que ela dá tanta importância aos
procedimentos de constituição dos corpora: a gravação e a transcrição (cf. Charaudeau e
Maingueneau, 2004:41).
Nosso trabalho, porque parte de textos orais gravados que foram, posteriormente,
publicados no jornal, utilizará, em primeira instância, os procedimentos metodológicos
adotados pela AC. Convém salientar que os procedimentos gravação e transcrição são parte
do trabalho do jornalista que, na maioria das vezes, parte para um terceiro procedimento
17
denominado por Marcuschi (2003-b: 46) de retextualização, que merecerá especial atenção de
nosso estudo. 2.2. A língua falada e a língua escrita
A respeito das diferenças entre língua oral e língua escrita, impõe-se a necessidade de
as distinguirmos, acompanhando Marcuschi (2003-b), como modalidades diferentes de uso da
língua.
A fala é uma prática social inerente ao ser humano e faz parte de sua vida desde os
primórdios da evolução humana. Algumas características suas são:
A) realiza-se no meio sonoro;
B) é normatizada tanto quanto a escrita;
C) apresenta, em sua organização textual e interacional, “marcadores conversacionais,
repetições e paráfrases, parentéticas, sobreposições, anacolutos, hesitações, correções,
freqüência de construções impessoais de fundo atenuador, etc” (Preti, 2004: 125);
D) apresenta, na sintaxe, períodos curtos e, muitas vezes, frases incompletas;
E) é multissistêmica: serve-se das palavras, gestualidade, mímica, prosódia etc;
F) seu planejamento ocorre concomitantemente à sua realização.
A escrita, por sua vez, é uma das formas de “estabelecer, reproduzir e manter relações
de poder” (Marcuschi, 2003-b: 46) e, por isso, possui grande importância em nossa sociedade.
Suas características são:
A) realiza-se no meio gráfico;
B) é normatizada;
C) é multissistêmica: serve-se do alfabeto, fotos, ideogramas etc.
D) seu planejamento ocorre num momento anterior à sua realização, o que permite a
eliminação de todas as marcas de planejamento.
Essas diferenças nas condições de produção fazem com que um discurso, quando
passado de uma modalidade a outra, sofra alterações.
2.2.1. A questão da retextualização
18
No caso de entrevistas orais que são publicadas no jornal, na íntegra ou parcialmente,
o que é bastante comum, faz-se presente a questão crucial da passagem do oral para o escrito
e a conseqüente alteração do discurso.
Esse procedimento mereceu estudo de Marcuschi (2003-b-48), no qual identificou as
operações mais comuns que os usuários realizam na passagem da fala (entrevista oral) para a
escrita (entrevista impressa), uma das possibilidades de retextualização. Além dela, há as
possibilidades de passagem da fala (conferência) para a fala (tradução simultânea), da escrita
(texto escrito) para a fala (exposição oral) e da escrita (texto escrito) para a escrita (resumo
escrito).
O grande problema que envolve a retextualização concerne à compreensão daquilo
que é dito, pois é necessário primeiro entendermos um texto para depois retextualizá-lo. Para
ilustrar esse problema, emprestamos a Marcuschi o exemplo que segue. Apesar de extenso,
acreditamos ser indispensável à reflexão que ora empreendemos:
Trata-se da reação de José Ruy Gandra (Folha de S. Paulo, 30/10/1993), em relação à
reclamação do músico Arnaldo Antunes (Folha de S. Paulo, 23/10/1993) que lamentara as
distorções ocorridas no texto que reproduzia uma entrevista para a revista Playboy (nº 219).
Assim se expressa A. Antunes a certa altura de seu texto reclamatório:
Exemplo (1)
Nunca me reconheci tão pouco em uma entrevista. Nunca abominei tanto um discurso
colocado por terceiros em minha boca. Um pequeno e bom exemplo desse procedimento: o
entrevistador me perguntou se eu já tivera relações homossexuais. A resposta foi um sucinto
“não”. Resposta publicada: “Nunca, nem mesmo em troca-troca quando eu era criança”.
Essa espécie de “adorno” às declarações com fantasias e fetiches do entrevistador se tornou
procedimento usual na edição da matéria publicada de uma forma geral.
Em sua réplica, Ruy Gandra escreve o seguinte:
Exemplo (2)
A primeira passagem da entrevista mencionada por Arnaldo Antunes, logo no início de seu
texto, foi a da homossexualidade. Ele diz: “O entrevistador me perguntou se eu já tivera
relações homossexuais. A resposta foi um sucinto ‘não’. Resposta publicada: ‘Nunca, nem
mesmo em troca-troca quando eu era criança’.” (...) Arnaldo Antunes mente, como comprova
a fita número 4 da entrevista. Pergunta: “Você já teve transa homossexual?”. Resposta: “Não,
nunca.” Pergunta: “Nem quando criança, troca-troca?”. Resposta: “Não, nem criança...”
19
Com o aval da concordância expressa do entrevistado e em nome da concisão, as duas
perguntas foram fundidas em uma só. Não há nisso nenhum mistério nem ato condenável.
(grifo meu)
Reconstruindo os procedimentos, de acordo com as informações de Ruy Gandra, teríamos o
seguinte segmento da entrevista entre R (Ruy) e A (Antunes):
R: Você já teve transa homossexual?
A: Não, nunca
R: Nem quando criança, troca-troca?
A: Não, nem criança
Transformação publicada pelo jornalista:
R: Você já teve transa homossexual?
A: Não, nunca, nem mesmo em troca-troca quando eu era criança
O entrevistado reclamou de palavras postas em sua boca que não eram dele e o entrevistador
justificou a fusão de perguntas e respostas como ato lícito. Trata-se de uma operação cognitiva
em que o entrevistador inferiu como pertinente fazer um enunciado em que duas perguntas e
duas respostas aparecem fundidas. No caso, não se tratava de um acréscimo ou
reinterpretação, mas atribuição de fala. Se fosse um discurso indireto, teria sido menos
acintoso aos olhos do entrevistado. O problema é que, além de haver uma operação de
transformação com acréscimos e fusões, há ainda a atribuição de autoria desse mesmo
segmento. Baste isso para mostrar como a retextualização é perigosa. (Marcuschi, 2003-b: 70-
71)
Como vimos no exemplo acima, existe uma demanda, por parte da imprensa, para a
explicação de fatos como esse, que sempre vêm à tona, trazidos por políticos, estudiosos em
geral ou simplesmente por pessoas que tenham se sentido lesadas por alguma publicação
indevida. Um outro exemplo disso é a declaração do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, a respeito do papel dos meios de comunicação numa democracia de massas,
publicada pela revista Veja (20/3/1996), em que ele observa que, nos meios de comunicação,
corre-se o risco “de simplificar os fatos, de valorizar a parte em detrimento do todo, a frase
em prejuízo do texto, a versão em prejuízo do fato real, a imagem em detrimento da
argumentação e, principalmente, o destaque, em qualquer acontecimento, do aspecto
particular que tem ‘impacto’, em vez de mostrar o processo que levou a ele”. A revista Veja,
em defesa da imprensa, respondeu, na mesma matéria, ao alerta do ex-presidente:
20
Sim, ao valorizar a parte em detrimento do todo, pode-se perder o todo. Mas às vezes a parte
serve de resumo, de símbolo para o todo. Sim, uma frase isolada pode mudar de significado
quando colocada fora de contexto. Mas como fazer uma manchete, um título, uma capa de
revista, se não for com frases curtas, para anunciar o que está no texto? 5
Outro fato envolveu a filósofa Marilena Chauí, que, em carta a seus alunos da USP, a
qual circulou, primeiro, na Internet e, depois, foi publicada na íntegra pelo jornal Folha de S.
Paulo (21/9/2005), “dá satisfações a respeito de seu comportamento diante do escândalo do
‘mensalão’. Segundo Chauí, o ‘silêncio’ que a ela se atribui é uma ‘construção’ dos meios de
comunicação, os quais ela critica, enumerando as razões que a fizeram encerrar sua
‘manifestação pública por meio da imprensa’. Chauí diz que decidiu escrever a carta porque
soube, por colegas, da ‘perplexidade’ de alunos com sua atitude.”
Nessa carta, a filósofa enumera fatos ocorridos entre ela e a imprensa que a levaram a
adotar a postura de não mais se manifestar por esse meio. Alguns trechos da carta são
extremamente relevantes, pois tratam de fatos que pretendemos analisar no presente trabalho,
dentre eles o fato de a imprensa pinçar trechos de falas suas proferidas em um ciclo de debates
do qual participou, reorganizando-os em outro contexto:
Jornais e revistas, com fotos minhas, não deram uma linha sequer sobre a conferência, mas
pinçaram trechos dos debates, sem mencionar as perguntas nem dar por inteiro as respostas e
seu contexto, transformando em discurso meu um discurso que não proferi tal como
apresentado.6
Procuraremos compreender o fenômeno ora exposto, examinando algumas das
estratégias de retextualização adotadas por Marcuschi (2003-b). Para o autor, é inerente à
passagem de uma modalidade a outra a questão da compreensão do que foi dito. A respeito
dela, Maingueneau afirma:
5 A IMPRENSA entre a utopia e o real. Veja, São Paulo, 20 mar. 1996. V. 12, ano 29, ed. 1436. 6 Folha de S.Paulo, São Paulo, 21 set. 2005.
21
Compreender um enunciado não é somente referir-se a uma gramática e a um dicionário, é
mobilizar saberes muito diversos, fazer hipóteses, raciocinar, construindo um contexto que não
é um dado preestabelecido e estável. (2004:20)
Essa questão já se faz presente no primeiro nível da passagem da fala para a escrita
apresentado por Marcuschi (2003-b:51), que é a transcrição, uma transcodificação do sonoro
para o grafemático, em que “o texto oral transcrito perde seu caráter originário e pessoal e
passa por uma neutralização devida à transcodificação”. Para essa operação, adotam-se uma
série de convenções, que variam de um pesquisador para outro.
É importante ressaltar, mais uma vez, que nenhuma transcrição é neutra, pois sofre
uma primeira interpretação na passagem para a modalidade escrita. A esse propósito, uma
notícia publicada na Folha de S.Paulo ilustra muito bem o fato:
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) causou mal-estar na campanha à
Presidência do também tucano Geraldo Alckmin, tachado de privatista por Lula. Em entrevista
à rádio CBN, FHC afirmou: “Não sou contrário à privatização da Petrobrás”.
Horas depois, FHC divulgou nota atribuindo o “mal entendido” a um “cacoete de linguagem” e
a uma “transcrição imprecisa”. Segundo ele, faltou uma vírgula: “Eu não, sou contrário à
privatização da Petrobrás. Ela deve ser outra coisa: uma empresa pública”. 7
Por outro lado, quando se faz apenas uma transcrição, como afirma Marcuschi (idem),
procede-se à passagem da expressão oral, em sua substância e forma, para a expressão escrita.
Quando, além da interferência na expressão, passa-se à interferência na forma e substância do
conteúdo, estamos no âmbito da retextualização, a qual envolve questões éticas, uma vez que
o transcritor pode, por exemplo, colocar em evidência a posição social ou cultural inferior do
falante reproduzindo sua fala repleta de incorreções gramaticais (algumas vezes chamando
mais ainda a atenção para esses erros com um “bem intencionado” sic) ou, pelo contrário,
fazendo as correções necessárias, inclusive interferindo no léxico, para dar mais credibilidade
ao que se diz. (idem:53).
Muitas são as considerações que poderíamos fazer tratando do tema retextualização,
mas nos limitaremos a retirar de seus aspectos teóricos apenas aqueles que nos interessam de
7 Folha de S.Paulo, São Paulo, 18 out. 2006, capa.
22
imediato. Por isso, ao enfocá-la em nosso trabalho, pretendemos responder a algumas
perguntas comuns para quem trabalha com o texto jornalístico: 1] ao publicar uma entrevista,
em que momentos o jornal procedeu a substituições, eliminações ou acréscimos que possam
ter interferido no sentido daquilo que se quis dizer?; 2] Qual é o tratamento dado aos turnos e,
novamente, de que maneira ele interfere no sentido do enunciado? Marcuschi prevê, para os
processos de retextualização, aspectos lingüísticos-textuais-discursivos-cognitivos
distribuídos nos seguintes processos de retextualização:
(A) idealização (eliminação, completude, regularização)
(B) reformulação (acréscimo, substituição, reordenação)
(C) adaptação (tratamento da seqüência dos turnos)
(D) compreensão (inferência, inversão, generalização) (Marcuschi, 2003-b: 69)
Sendo que os processos A, B e C referem-se aos aspectos lingüísticos-textuais-
discursivos e o processo D, a aspectos cognitivos. (idem)
As atividades de “idealização”
dizem respeito sobretudo às operações que envolvem a regularização dos fenômenos de
(des)continuidade sintática na formulação textual, tais como as hesitações, as correções, os
marcadores conversacionais, as repetições e os truncamentos que aparecem na construção das
unidades estruturais. (Marcuschi, 2003-b:61)
A retextualização, em sentido estrito, é feita nas atividades de “reformulação”, que
dizem respeito a operações que vão além da simples regularização lingüística, pois envolvem
procedimentos de substituição, reordenação, ampliação/redução e mudanças de estilo, desde
que não atinjam as informações como tal.” (Marcuschi, 2003-b:62)
23
Ambas as atividades receberam o modelo completo de operações apresentado a seguir:
(Marcuschi, 2003-b: 75)
24
Optamos pela análise dos procedimentos de substituição, eliminação e acréscimo
ocorridos em nosso corpus, dos quais trataremos a seguir, baseados em algumas das
operações do modelo apresentado, sem nos atermos a todas elas nem a alguma em especial.
Fazemos isso autorizados pelo próprio autor, que, ao tratar do tema, sugere que “é possível
fazer uma análise com interesse específico e observar apenas um conjunto de categorias”
(idem: 123). Além disso, analisaremos os procedimentos de “adaptação”, que compreendem
as operações de citação, além da inevitável análise das operações de “compreensão”, que,
como o autor salienta, perpassam todas as operações.
2.2.1.1. As substituições
A substituição é uma das operações de “reformulação” e pode estar estritamente ligada
ao prestígio social das palavras. Preti (2003) compara a linguagem ao vestuário, para mostrar
que ambas podem valorizar ou desvalorizar seu usuário, de acordo com o uso de elementos de
maior ou menor prestígio social:
A valorização dos vocábulos, na escala do prestígio social, está diretamente ligada ao que se
costuma chamar de atitude lingüística do falante, isto é, o que julgamos ideal para o
comportamento lingüístico, ou seja, uma norma lingüística subjetiva, segundo a qual
estabelecemos critérios de aceitabilidade social da linguagem, assim como estabelecemos
critérios de aceitabilidade social do vestuário, nas diversas situações sociais em que o usamos
(Preti, 2003: 54)
Além disso, a modalidade em que se insere a linguagem - oral ou escrita - também
interfere na escolha lexical. Palavras consideradas adequadas numa conversação espontânea
podem causar estranheza num texto escrito, como, por exemplo, nos editoriais ou noticiários
políticos dos jornais, principalmente os “de elite”, nos quais há uma predominância da
variante culta (cf. Preti, 2003: 55).
O jornal Folha de S.Paulo, em seu Manual da Redação, por exemplo, assim se refere
à linguagem que deve ser adotada:
25
O texto de jornal deve ter estilo próximo da linguagem cotidiana, sem deixar de ser fiel à
norma culta, evitando erros gramaticais, gíria, vulgaridade e deselegância.
Escolha a palavra mais simples e a expressão mais direta e clara possível, sem tornar o texto
impreciso. Palavras difíceis e construções rebuscadas dificultam a comunicação e tornam o
texto pedante (Manual da Redação, 2006: 77)
Sobre o emprego de gírias, de acordo com o Manual, deve ser evitado, exceto em
reprodução de declarações (cf. Manual da Redação, 2006: 72).
Ao procedermos à seleção lexical, ainda, estamos, ao mesmo tempo, construindo um
texto, construindo o sentido da palavra no texto e o sentido do texto. É o que afirma Hilgert:
O enunciador, em seu fazer enunciativo, faz escolhas lexicais para produzir os sentidos que
viabilizem os seus propósitos em relação ao enunciatário, na interação em desenvolvimento.
(Hilgert, 2003: 72)
Para Aquino, a escolha lexical feita pelo falante pode ser entendida “não como algo
que ocorre fortuitamente no discurso, mas perfeitamente concatenada aos demais elementos
que o organizam” (Aquino, 2003: 199).
Além da substituição de nomes comuns, pode ocorrer, numa retextualização, a
substituição de nomes próprios, que pode ser dar, entre outras coisas, a) por nome
acompanhado de determinante demonstrativo, em que “o grupo nominal com determinante
designa de maneira direta um referente apresentado como próximo do ato de enunciação,
presente seja no cotexto, seja no contexto não lingüístico.” (Maingueneau, 2004: 187) e b)
por descrições definidas, cuja diferença, aqui, está entre designação direta do referente, no
caso do uso de nomes próprios, e designação indireta, no uso de descrições definidas (idem:
183).
A substituição de vocábulos no processo de retextualização, como afirmam os
estudiosos, deve ser vista com cuidado, já que eles participam da construção do sentido do
texto.
A mudança de estrutura sintática, outra das operações de “reformulação”, implica em
alteração do sentido:
26
(...) pode-se dizer que escolhas sintáticas equivalem a escolhas semânticas. Daí haver, nas
retextualizações que interferem na ordem sintática, uma interpretação subjacente que pode
levar a uma outra força ilocutória (produção de outros atos de fala, outras intenções etc.)
(Marcuschi, 2003-b: 86)
Garcia (1988) ratifica essa posição, afirmando que tanto a escolha da oração principal
quanto a sua posição dentro do período não são tarefas gratuitas, pois seguem normas que
levam em conta a lógica do raciocínio e a expressividade:
Uma dessas normas – a que já nos referimos de passagem – recomenda que se coloque, sempre
que possível, nas extremidades do período, os termos ou orações a que se queira dar maior
relevo (1988: 48).
A questão da relevância, como vimos, é central na mudança na ordem dos termos do
período, porque revela a posição do enunciador em relação ao DR.
2.2.1.2. As eliminações
Um dos procedimentos mais comuns nas retextualizações é a eliminação. Pelo fato de
o planejamento da fala ocorrer ao mesmo tempo em que a sua realização, é grande a
ocorrência de descontinuidades em sua formulação:
A descontinuidade, como o próprio termo já diz, consiste numa interrupção do fluxo
formulativo, atribuída, em princípio, ao fato de o falante não encontrar uma alternativa de
formulação imediata e definitiva, o que caracteriza, segundo ANTOS (1982, p. 160), um
“problema de formulação” (Hilgert, 2001: 108)
27
As operações iniciais do modelo de Marcuschi, aquelas que dizem respeito às
atividades de “idealização”: eliminação, completude e regularização, visam à regularização
dos fenômenos de (des)continuidade sintática, como hesitações, correções, marcadores
conversacionais, repetições e truncamentos (idem: 61).
Além dos procedimentos de regularização lingüística, ocorrem, na retextualização, a
eliminação dos fenômenos que caracterizam a (des)continuidade discursiva, tais como as
digressões e inserções incompreensíveis, visando à regularização discursiva.
Propomos uma análise das eliminações partindo desse critério. No plano da
(des)continuidade sintática, analisaremos a eliminação de três procedimentos: a paráfrase, a
repetição e a correção, os quais, enquanto atividades de formulação textual, visam à
compreensão do ouvinte e têm “o papel específico de reformular passagens do texto com
vistas à formulação adequada e, em decorrência, à garantia da compreensão por parte do
ouvinte.” (Hilgert, 2001: 126). Nesse sentido, estamos no âmbito da interação e, sem
podermos nos alongar demais no assunto que é bastante complexo, queremos assinalar que o
procedimento de reformulação, segundo Barros (1998: 48) “é sempre argumentativo ou
persuasivo-argumentativo”.
Parafrasear é um procedimento de reformulação em que se estabelece uma relação de
equivalência semântica entre dois enunciados. Essa equivalência pode variar desde um grau
mínimo até um grau máximo e o deslocamento de sentido pode variar do sentido geral para o
específico, havendo tendência à expansão lexical e sintática (paráfrase “expansiva”), do
sentido específico para o geral, com tendência à condensação lexical e sintática (paráfrase
“redutora”) e, por fim, com a mesma dimensão sintática e lexical (paráfrase “paralela”) (cf.
Hilgert, 2001: 114). O que veremos, em nosso corpus, são paráfrases auto-iniciadas, aquelas
em que o interlocutor parafraseia o próprio enunciado e o jornal, por questão de economia,
escolhe um dos enunciados e elimina o outro.
A correção, outro procedimento de reformulação textual, tem como objetivo consertar
os “erros” de um discurso:
O “erro” deve ser entendido como uma escolha do falante – lexical, sintática, prosódica, de
organização textual ou conversacional – já posta no discurso e que, por razões diversas, ele
e/ou seu interlocutor consideram inadequada (Barros, 2001: 136).
28
Distinguir entre os procedimentos de parafraseamento e correção nem sempre é tarefa
fácil ou possível. Barros recomenda essa distinção a partir da análise do objetivo da
reformulação:
Pela organização mais global da conversação pode-se, na maior parte das vezes, definir se o
objetivo da reformulação foi marcar a intenção do locutor com uma diferença de sentido, na
correção, ou assinalar essa intenção, por reforço, com a paráfrase (2001: 138)
Para o que nos interessa na análise que ora empreendemos, fazer a distinção entre uma
ou outra não é o mais importante, mas, isso sim, o que a sua eliminação provocou no sentido
do enunciado.
A repetição, por sua vez, pode ser um recurso de produção do enunciado ou um
procedimento discursivo, com o objetivo, por exemplo, de construir relações de afinidade ou
de enfatizar o argumento utilizado (cf. Barros, 1998: 67). A sua eliminação, portanto, deverá
ser vista com bastante cuidado.
No plano da (des)continuidade discursiva, encontramos a digressão, que, segundo
Andrade,
é uma estratégia por meio da qual os interlocutores conduzem o texto, manifestando na
materialidade lingüística o quadro de relevâncias acionado na situação enunciativa. O
deslocamento e conseqüente focalização de um novo ponto no domínio de relevâncias se
instaura a partir da percepção de um dos participantes e se efetiva por meio de marcas formais
que apontam para algo que estava no entorno e que agora é inserido no contexto situacional.
(2000: 100)
A digressão pode ser considerada do ponto de vista de ação ou sob o enfoque
interacional, funcionando, nesse caso, como estratégia que visa a determinados efeitos de
sentido (idem: 100). A digressão pode ser de três naturezas: lógico experiencial, interpessoal e
retórica, de acordo com o seu propósito. No primeiro caso, o propósito é de natureza pessoal,
em que o enunciador direciona o foco de seu discurso para uma experiência vivida por ele. Na
digressão interpessoal, o propósito é de ordem contextual. A digressão retórica contribui para
a produção lingüística e subdivide-se em didática, cuja relevância é de ordem
29
metaconversacional ou metalingüística, e persuasiva, a qual tem a intenção de manipular uma
pergunta (cf. Andrade, 2000).
Eliminar trechos de uma entrevista, quer seja visando à regularização lingüística ou
discursiva, pode acarretar grandes alterações no sentido do enunciado.
O jornal Folha de S.Paulo, em seu Manual da Redação, não é exato quanto a esse
procedimento. A respeito da “declaração textual”, ele assim se pronuncia:
A reprodução das declarações deve ser literal. Só podem ser reproduzidas entre aspas frases
que tenham sido efetivamente ouvidas pelo jornalista, ao vivo ou em gravações. (...) Na
reprodução de declaração textual, seja fiel ao que foi dito, mas, se não for de relevância
jornalística (grifo nosso), elimine repetições de palavras ou expressões da linguagem oral:
hum, é, ah, né, tá, sabe?, entende?, viu? Para facilitar a leitura (grifo nosso), pode-se suprimir
trecho ou alterar a ordem do que foi dito – desde que respeitado o conteúdo. (Manual da
Redação, 2006: 39)
Ao mesmo tempo em que defende a literalidade da declaração, o jornal aceita que se
façam eliminações e alterações seguindo-se os duvidosos critérios de “relevância jornalística”
e de facilitação da leitura, sem esclarecê-los. Desse modo, o jornalista passa a ter a liberdade
de fazer as alterações que quiser, respaldado por esses critérios.
A respeito da concisão, considerada uma das prioridades dos jornais, a Folha ensina:
“Tudo o que puder ser dito em uma linha não deve ser dito em duas” (Manual da Redação,
2006: 59).
Portanto, a análise das eliminações encontradas em nosso corpus retextualizado, em
comparação com nosso corpus transcrito, poderá nos revelar até que ponto esse procedimento
interfere no sentido que o entrevistado quis imprimir às suas declarações.
Outra operação de “reformulação” bastante comum em retextualizações é a
denominada por Marcuschi “estratégia de estruturação argumentativa”, a qual
se dá em especial em textos mais complexos em que o aspecto argumentativo predomina ou em
diálogos para os quais se sugere uma retextualização mais global sem atenção para detalhes
informacionais. (Marcuschi, 2003-b: 86)
30
Cabe observar que os “detalhes informacionais” aos quais se refere Marcuschi podem
muito bem fazer parte da estruturação argumentativa do falante. É muito comum, nos
diálogos, o ato de narrar fatos que têm ligação com o tema tratado, para marcar as afirmações
que vão sendo feitas durante a conversação (cf. Preti, 2004: 21) Tal recurso é muito
freqüente em entrevistas e pode ser visto como estratégia que legitima o enunciado. Ao
realizar uma retextualização mais global, podemos estar interferindo no sentido desse próprio
enunciado.
2.2.1.3. O tratamento dos turnos
Além dessas atividades de “idealização” e de “reformulação”, existem, ainda, as
atividades de “adaptação” e de “compreensão”. Marcuschi propõe, no primeiro caso,
operações especiais para o tratamento dos turnos:
Técnica I: manutenção dos turnos
Transposição dos turnos tal como produzidos, abolindo as sobreposições e seguindo, no geral,
as operações 1, 2, 3 e 5 do modelo, mas com uma seqüenciação por falantes, introduzindo
segmentos encadeadores a título de contextualização, podendo haver fusão de turnos,
sobretudo os repetidos.
Técnica II: transformação dos turnos em citação de fala
Eliminação dos turnos com acentuada manutenção das falas num texto sem a estrutura
dialógica geral, mas com indicação precisa de autoria das falas e com a aplicação das
operações 1-6 do modelo.
Técnica III: transformação dos turnos em citação de conteúdo
Eliminação dos turnos e introdução generalizada das formas do discurso indireto, com citação
de conteúdos através dos verbos dicendi e surgimento de um texto totalmente monologado,
com reordenação dos conteúdos e do léxico, aplicando-se as operações 1-9 do modelo.
(Marcuschi, 2003-b: 89)
A técnica I é o caso típico das entrevistas publicadas na íntegra, em que se prevê a
manutenção dos turnos. Na técnica II, faz-se presente o DD. Na técnica III, temos a presença
do DI. Essa é a técnica na qual ocorre o maior número de reformulações, substituições
31
lexicais e inserções. As técnicas II e III são as mais utilizadas, já que é muito comum, em
entrevistas publicadas em jornais e revistas, termos a eliminação de partes da entrevista, as
quais aparecerão nos resumos iniciais ou nos títulos (idem: 89-91).
O tratamento dos turnos também é contemplado em nossa análise, pois a opção pela
manutenção dos turnos, a transformação dos turnos em citação de fala ou em citação de
conteúdo não é aleatória e tem objetivos essencialmente argumentativos.
As atividades de “compreensão”, por fim, distribuem-se ao longo das operações
anteriores, “já que para poder transformar um texto é necessário compreendê-lo ou pelo
menos ter uma certa compreensão dele” (Marcuschi, 2003-b: 70).
Ao tratarmos das atividades acima, como aponta o próprio Marcuschi, acabamos por
entrar no nível do discurso:
usar uma expressão mais familiar ou mais erudita, uma sintaxe mais elaborada ou menos
elaborada, é uma decisão da alçada do discurso (pragmática, sociolingüística, estilística etc.) e
não da forma lingüística em si. Mas não convém ignorar que mesmo neste caso estamos ainda
no contexto da língua e, por isso, do lingüístico (Marcuschi, 2003-b:68)
2.3. O discurso
A noção de sujeito tem sido, ao longo da história da AD, o grande pilar dos estudos da
língua, a reger avanços na maneira de concebê-la. Tal noção só foi possível a partir do
momento em que se passou a considerar o uso efetivo da língua como o objeto empírico das
teorias lingüísticas (cf. Dijk, 1999: 11). É quando, segundo Brandão, “o sujeito passa a ocupar
uma posição privilegiada, e a linguagem passa a ser considerada o lugar da constituição da
subjetividade” (Brandão, 2004: 54).
A esse respeito, afirma Benveniste:
Muitas noções da lingüística, talvez até da psicologia, aparecerão sob nova luz se as
colocarmos no âmbito do discurso, que é a língua enquanto assumida pelo homem que fala e na
condição de “intersubjectividade”, a única que torna possível a comunicação lingüística.
(Benveniste, 1992: 57)
32
2.3.1. A subjetividade a partir de Benveniste: a questão da enunciação e da polifonia
Benveniste, um dos estudiosos cujo pensamento influenciou mudanças na análise da
linguagem, assinala que se deve fazer uma distinção entre o “emprego das formas”, até então
o objeto de estudo das descrições lingüísticas e refletido nas nomenclaturas morfológicas e
gramaticais, e entre o “emprego da língua”,
um mecanismo total e constante que, de uma maneira ou de outra, afeta a língua inteira. A
dificuldade é apreender este grande fenômeno, tão banal que parece se confundir com a própria
língua, tão necessário que nos passa despercebido” (Benveniste, 1989: 82).
Dessas reflexões, surge o conceito de “enunciação”, que, para o autor, “é este colocar
em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (idem), sendo essa sua
condição específica.
Existem elementos necessários para a realização do processo da enunciação: um
“locutor”, o qual se apropria da língua. No momento em que ele se instala, surge o “outro”,
independentemente de sua presença. O terceiro elemento para a realização da enunciação é a
“referência”, uma vez que a língua exprime uma relação com o mundo:
O ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala em sua fala. Este é um dado
constitutivo da enunciação. A presença do locutor em sua enunciação faz com que cada
instância de discurso constitua um centro de referência interno. Esta situação vai se manifestar
por um jogo de formas específicas cuja função é de colocar o locutor em relação constante e
necessária com sua enunciação. (Benveniste, 1989: 84)
Para Pauliukonis, dessas condições, derivam as seguintes conseqüências teóricas que
são a grande contribuição de Benveniste para os estudos da língua: “a referenciação
33
lingüística só se concretiza no ato enunciativo e a significação tem no sujeito sua principal
fonte geradora de sentido.” (2003:38/39)
Benveniste completa:
A linguagem é, pois, a possibilidade da subjectividade, porque contém sempre as formas
lingüísticas apropriadas à expressão desta, e o discurso provoca a emergência da
subjectividade, pelo facto de consistir em instâncias discretas. A linguagem propõe, de certo
modo, formas “vazias” de que cada locutor se apropria em situação de discurso, e que relaciona
com a sua “pessoa”, definindo-se ao mesmo tempo como eu e definindo um parceiro como tu.
(1992: 53-54)
A partir dessas reflexões, podemos, também, distinguir dois conceitos de fundamental
importância para o estudo do discurso, enunciado e enunciação, que são entendidos numa
perspectiva de oposição, como propõe Maingueneau, para quem “enunciado se opõe a
enunciação da mesma forma que o produto se opõe ao ato de produzir; nesta perspectiva, o
enunciado é a marca verbal do acontecimento que é a enunciação.” (2004: 56)
O enunciado tem estatuto pragmático e existem marcas lingüísticas que sustentam esse
estatuto, dentre elas, as marcas de tempo e pessoa e os pronomes demonstrativos, que
possuem valor dêitico e ancoram os enunciados na situação de enunciação.
Considerar cada enunciação como um ato único, impossível de ser reproduzido, é uma
das características essenciais do discurso, pois o discurso é contextualizado. É por essa razão,
segundo Maingueneau, que
não se pode verdadeiramente atribuir um sentido a um enunciado fora de contexto; o ‘mesmo’
enunciado em dois lugares distintos corresponde a dois discursos distintos. (2004:54)
Tais reflexões acerca da enunciação são de fundamental importância para a análise que
pretendemos fazer, pois reproduzir enunciados é uma das atividades do jornal, o que acarreta
a criação de novas enunciações.
Gavazzi e Rodrigues completam afirmando que
34
devemos atentar para o fato de que um texto informativo esconde, muitas vezes, uma forte
argumentação que se concretiza, sobretudo, pela escolha lexical determinada por uma tese
subjacente. A fala de interlocutores, incorporadas a um novo texto, revela-se como uma forte
prova argumentativa na busca de um objetivo persuasivo. O narrador/jornalista, no nosso caso,
impõe uma visão de mundo ao leitor, sustentando-a através de marcas que um leitor proficiente
não deixará escapar. (2003: 60)
Aos enunciados vincula-se o que se chama de força ilocutória ou pragmática, ou seja,
eles são realizados para agir sobre os outros. Um discurso eleitoral, por exemplo, tem o valor
de “Vote em mim” (cf. Charaudeau e Maingueneau, 2004: 73). Quando uma pessoa é
entrevistada, ao produzir seus enunciados, ela pretende agir sobre o entrevistador e sobre
aqueles que o lerão.
As reflexões acerca da subjetividade da linguagem acabaram por influenciar o
pensamento de Bakthin, cujo pilar da concepção de linguagem é o chamado dialogismo (cf.
Galembeck, 2002:69). Tal concepção diz respeito ao caráter interativo de todo discurso:
Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que
procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o
produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em
relação ao outro. (Bakhtin, 1981: 113)
Quando o enunciador profere um enunciado, dirige-se a uma instância, real ou virtual,
para a qual orienta seu discurso e, de certa forma, acaba por orientá-lo (cf. Maingueneau,
2004:54). É por essa razão que não se pode admitir uma instância passiva, que apenas recebe
o discurso sem agir sobre ele. Admite-se a existência de um co-enunciador, parceiro do
enunciador na construção do discurso e é essa característica a base da moderna teoria
lingüística da concepção de sujeito.
O termo polifonia entrou para a pragmática lingüística para designar, “dentro de uma
visão enunciativa do sentido, as diversas perpectivas, pontos de vista ou posições que se
representam nos enunciados” (Koch, 2003: 64-65).
35
É o que afirma Pauliukonis (2003: 39):
Ao lado de um sujeito histórico, deve-se atentar para um sujeito ideológico, cuja fala é um
recorte das representações sociais de seu tempo, ou um sujeito heterogêneo que insere outras
vozes em seu discurso e delas se utiliza em suas argumentações.
Assim, a polifonia passa a ser vista como recurso interferente no sentido de um
enunciado e estratégia em textos opinativos “quando usada como endosso, ou como ponto de
vista a questionar, nos textos argumentativos” (Angelim, 2003: 15). Do mesmo modo, abre
uma nova perspectiva no plano da enunciação: a de que vários planos se articulam,
constituindo o que Authier-Revuz (2001) vai denominar “heterogeneidade enunciativa”.
2.3.2. A subjetividade em Authier-Revuz: o discurso relatado e a questão da autonímia e da
modalização autonímica
Um discurso nunca está só, ele sempre se constrói a partir de algo que já foi dito,
segundo o dialogismo bakthiniano. É o que Authier-Revuz denomina “heterogeneidade
constitutiva” de todo discurso, “designando com isso a presença permanente, profunda, de
‘outros lugares’, do ‘já dito’ dos outros discursos condicionando todas as nossas palavras e
ressoando nelas.” (2001: 135)
A par dessa presença efetiva do “outro” no discurso, existem as formas que a autora
denomina da “heterogeneidade mostrada”, que se referem à representação, num discurso, de
um outro discurso, como, por exemplo, o DR.
Authier-Revuz (2001) considera parcial a descrição tradicional do DR em DD, DI e
discurso indireto livre (DIL) evocada tradicionalmente. Segundo a autora, ampliando o leque
de opções da gramática tradicional, várias são as formas de se relatar um discurso dentro de
outro discurso:
a) modos explícitos de representação, que se compõem de formas marcadas,
unívocas, e de formas marcadas que exigem um trabalho interpretativo; o primeiro
caso compreende o DD, o DI e a modalização em discurso segundo sobre o
36
conteúdo e sobre as palavras. No caso das formas que exigem um trabalho
interpretativo como referência a outro discurso, encontramos o conjunto das aspas,
itálico, entonação e modalização autonímica.
b) formas puramente interpretativas, que compreendem o discurso direto livre, o DIL,
as citações escondidas, alusões, reminiscências.
Nesse ponto, façamos a distinção entre dois conceitos fundamentais para o estudo do
DR: autonímia e modalização autonímica. A autonímia refere-se ao uso do signo para falar
dele mesmo e possui duas propriedades essenciais: a) poder ocupar qualquer função na frase,
independentemente da classe gramatical a que pertença; b) não possuir sinônimos. Nesse
sentido, diz-se que a autonímia faz “menção” a um termo e é dessa característica que deriva o
DD:
No DD, o enunciador relata um outro ato de enunciação e, usando suas próprias palavras na
descrição que faz da situação de enunciação e (quem fala, a quem, quando...?), ou seja, naquilo
que chamamos sintagma introdutor, mas faz menção às palavras da mensagem que relata
(Authier-Revuz, 2001: 139).
Na modalização autonímica não há somente menção, como no caso do DD, mas uso
com menção. Isso ocorre quando, ao mesmo tempo em que empregamos um signo no fio do
discurso, chamamos a atenção para o fato de o estarmos empregando, ou seja, falamos de uma
coisa, por exemplo, “casa” e, ao mesmo tempo, falamos da palavra “casa” (idem, 141).
A modalização autonímica é empregada com diferentes propósitos. Authier-Revuz
(2001: 20-21) assinala quatro campos de “não-coincidência” do dizer:
a) não-coincidência interlocutiva entre dois co-enunciadores;
b) não-coincidência do discurso consigo mesmo, afetado pela presença em si de outros
discursos;
c) não-coincidência entre as palavras e as coisas;
d) não-coincidência das palavras consigo mesmas, afetadas por outros sentidos, por outras
palavras, pelo jogo da polissemia, da homonímia etc.
37
Dentre os quatro campos acima, nosso trabalho insere-se naquele que a autora
denomina “não-coincidência do discurso consigo mesmo”. Segundo a autora, esse campo
marca uma fronteira entre ele e um outro discurso:
Assinalando entre suas palavras a presença estranha de palavras marcadas como pertencendo a
um outro discurso, um discurso esboça em si o traçado – assinalando uma “interdiscursividade
representada” – de uma fronteira interior/exterior. (idem: 23)
Um caso especial de modalização autonímica, aquele que nos interessa, é a “ilha
textual em DI”, que Authier-Revuz define como sendo
um caso de imagem particular de funcionamento do sinal de modalização autonímica: aquela
extremamente freqüente na imprensa, em particular, na qual um DI, relatando um outro ato de
enunciação num modo que é o seu, ou seja, o da reformulação, assinala, localmente, um
elemento como “não traduzido”, como fragmento conservado da mensagem de origem (2001:
142).
É muito comum, na comunicação entre as pessoas, a citação do discurso alheio, quer
seja em uma conversa informal ou discursos proferidos por autoridades, quer seja na
literatura, nas cartas, na imprensa. No último caso, o discurso alheio representa grande parte
do material publicado. Maingueneau (2004:138) denomina “discurso citante” o enunciado
jornalístico, a “voz do jornalista”, e “discurso citado” a “voz do outro”, aquele a quem o texto
jornalístico se refere. Assim, quando se trata da citação do discurso alheio, não se trata de
reprodução desse discurso, mas de uma enunciação sobre outra enunciação (idem:139). No
mesmo sentido, afirma Bakhtin (1981: 144):
O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo
tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação.
38
Ao citar o discurso alheio o jornalista relata todo um ato de enunciação, cujos
elementos envolvidos são:
um ato de enunciação E, definido por um par de interlocutores L, R, uma situação SIT, com
seu Tempo, Lugar e, entre a infinidade de dados referenciais, um acontecimento particular que
é o ato de enunciação e que é objeto da mensagem M de E; e sendo ele mesmo, definido por l,
r, sit... (Authier-Revuz, 2001:146)
Para não pairarem dúvidas quanto à simbologia adotada, reforçamos:
Num dado discurso que contém a mensagem M, entre dois pares de interlocutores L e
R, ocorrido numa determinada situação SIT, com seu tempo T, seu lugar L e outros dados
referenciais, ocorre uma referência a um outro discurso que contém a mensagem m, entre dois
pares de interlocutores l e r, ocorrido numa determinada situação sit, com seu tempo t, seu
lugar l e outros dados referenciais.
O jornalista não relata somente o que o outro disse, mas toda a situação de enunciação
em que essa fala estava inserida: o par de interlocutores, quando, onde, como. Toda essa
descrição, porém, por mais minuciosa que seja, não consegue restituir completamente o ato de
enunciação citado. Para Authier-Revuz,
o que caracteriza todo DR (DD ou DI) é que a situação de enunciação e na qual e através da
qual a mensagem m de e ganha sentido não é um dado de fato, como em um ato de fala
ordinário, mas está presente apenas pela descrição que L faz dela em M (2001:148).
Portanto, o ato de enunciação citado somente pode ser descrito pelo enunciador e não
reproduzido. É a conclusão a que chega Venâncio (2002:33), ao fazer, em sua dissertação de
mestrado, um balanço das diferentes abordagens do discurso citado direto (DCD),
considerando o enunciado citado uma reconstrução do discurso original. Para Venâncio, em
seu trabalho,
39
todos os enunciados citados apresentados sob o esquema de citação do DCD, serão
considerados reconstruções operadas pelo locutor citante, as quais passam a participar da
construção de seu discurso com finalidades específicas (pelo desempenho de diferentes
funções) (2002: 34)
Dentre os modos explícitos de representação do discurso elencados por Authier-Revuz
interessa-nos o estudo de uma das formas marcadas, unívocas, de representação do DR, no
caso o DD, e uma das formas marcadas que exigem um trabalho interpretativo, no caso a “ilha
textual em DI”. Salientamos que, nos dois casos, privilegiamos o uso das aspas, que são,
segundo Authier-Revuz (2001: 19), um dos tipos formais de modalização autonímica. São
elas que indicam a menção ao enunciado (cf. Maingueneau, 2004: 157).
Resta-nos mais uma consideração acerca do DR: o fato de que é muito comum, nas
entrevistas, que o entrevistado relate enunciações passadas suas e de outras pessoas, seus
interlocutores de então. Ao fazer isso, porém, o faz carregado de subjetividade, pois age como
um “filtro” dessas enunciações, “fazendo prevalecer as suas próprias interpretações dos
acontecimentos e dos discursos passados” (Carreira, 2001: 161). Tal procedimento é bastante
freqüente em nosso corpus, principalmente no que se refere ao uso do DD.
2.3.2.1. O discurso direto
A descrição tradicional do DD o define como sendo uma forma de expressão “em que
o personagem é chamado a apresentar as suas próprias palavras” (Cunha, 1972: 623),
reproduzindo-as. Suas características são, no plano formal, a presença dos verbos dicendi
para indicá-lo ou, na falta deles, a recorrência ao contexto e a recursos gráficos como dois
pontos, aspas, travessão e mudança de linha. No plano expressivo, sua característica é a
capacidade de atualizar o episódio, fazendo emergir da situação o personagem, tornando-o vivo
para o ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em que o narrador desempenha a mera função de
indicador das falas” (idem: 624-625).
40
Fazemos, aqui, duas ressalvas da visão tradicional dessa forma de citação do discurso
alheio: a primeira, que considera o DD uma “reprodução” da fala e a outra, que relega ao
enunciador do discurso citado uma função de mero indicador das falas, sem considerar a sua
interferência no sentido da enunciação, por exemplo, quando utiliza os verbos de elocução ou
procede à descrição da situação de enunciação.
Para Othon M. Garcia, tanto o DD quanto o DI servem para expressar o pensamento
do personagem real ou imaginário. No caso do DD, “o narrador reproduz (ou imagina
reproduzir) textualmente as palavras” (1988: 129) das personagens, ao passo que, no DI,
transmite-se a essência do pensamento.
Platão e Fiorin (1990: 184) atentam para o fato de que o narrador, quando opta pelo
DD, “cria um efeito de verdade, dando a impressão de que preservou a integridade do
discurso citado e a autenticidade do que reproduziu”, ou seja, já se faz a ressalva de que o DD
não é literal.
Foi a alteração do campo de estudo da língua, da frase para o discurso, que
possibilitou a inclusão de componentes ao discurso como a presença do outro e o conseqüente
questionamento quanto à literalidade do DD, possibilitando uma nova ótica ao seu estudo.
Uma das pioneiras nesse estudo foi Authier-Revuz, que, a respeito do DD, anota que
ele não pode ser considerado como ‘objetivo’, na medida em que reproduzir a materialidade
exata de um enunciado não significa restituir o ato de enunciação – do qual o enunciado é
(apenas) o ‘núcleo’ – na sua integralidade (2001: 134).
Segundo Maingueneau (2004: 140),
o discurso direto (DD) não se contenta em eximir o enunciador de qualquer responsabilidade,
mas ainda simula restituir as falas citadas e se caracteriza pelo fato de dissociar claramente as
duas situações de enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado.
Quanto à questão da fidelidade do DD, o referido autor (1993: 85) afirma que ele deve
ser visto como a teatralização de uma enunciação, ressaltando o fato de que o DD pode relatar
uma enunciação sonhada ou futura, por exemplo, e, mesmo nos casos em que essa enunciação
41
tenha sido efetivamente proferida, “trata-se apenas de uma encenação visando criar um efeito
de autenticidade” (2004: 141).
Abandonada, portanto, a idéia de literalidade e objetividade do DD, percebemos que
sua escolha, em qualquer situação de comunicação, aponta para alguns objetivos
essencialmente argumentativos, dentre eles:
a) a intenção de criar autenticidade;
b) a intenção de distanciar-se daquilo que foi dito, ou porque o enunciador não quer
assumir para si essa responsabilidade ou por respeito à autoridade de quem disse;
c) e, por último, para mostrar-se objetivo. (cf. Maingueneau, 2004:142)
O mesmo afirma Leite (2005: 85):
O discurso direto é uma estratégia discursiva escolhida pelo sujeito falante por dois motivos
principais: porque é eficaz para imprimir o efeito de sentido de verdade, de realidade, de
objetividade que a situação exige, ou porque o momento interacional em sua plenitude aceita,
ou exige, que o conteúdo venha acompanhado de pormenores, da simulação da enunciação em
que apareceu originalmente o discurso citado.
A questão do uso do DD como estratégia discursiva fica ainda mais clara quando o
enunciador do discurso citado o emprega para referir-se a falas suas ou de outras pessoas, com
o objetivo, dentre outras coisas, de convencer o seu interlocutor daquilo que ele diz (cf. Leite,
2005: 90). Segundo a autora,
o discurso citado é mais freqüente quando o sujeito falante constrói seu texto no modo
narrativo, quando relembra acontecimentos/eventos ou faz projeções de ações que poderiam ter
acontecido daquela maneira como são relatadas, não importando para isso se a fala citada é a
sua própria ou de outrem. (idem: 92)
O que devemos, sempre, ter em mente, é que, mesmo que a citação seja textual, o que
se está reproduzindo é uma enunciação inserida numa nova enunciação. Por mais detalhada
42
que seja a descrição da situação de enunciação relatada, nunca ela será como a própria
enunciação. Para Maingueneau (2004: 141),
por mais que seja fiel, o discurso direto é sempre apenas um fragmento de texto submetido ao
enunciador do discurso citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque pessoal.
Esse enfoque pessoal remete-nos à questão da subjetividade inerente à linguagem.
Para Brandão, “se toda enunciação é um ato de apropriação da língua, impõe-se,
necessariamente, a figura de um sujeito, de alguém que pratica o ato de apropriação.” (2004:
58)
Ao se apropriar da linguagem para relatar um outro ato de enunciação, o enunciador,
necessariamente, faz operações de seleção e de interpretação. Informar a opinião de alguém,
portanto, é sempre apresentar um discurso interpretado (cf. Marcuschi, 1991:78). Essa
interpretação se dá de três maneiras:
A) interpretação explícita, em que há um comentário feito pelo redator da notícia;
B) interpretação implícita, que é feita pela seleção dos verbos que introduzem opiniões ou por
expressões equivalentes, sem um comentário adicional;
C) interpretação pela seleção do que é informado. O fato de se prestar uma e não outra parte
das opiniões de alguém já é uma forma de interpretar o discurso através da omissão. A
simples seleção é, pois, um tipo especial de interpretação pelo interesse. (idem)
Detenhamo-nos um pouco neste ponto. A interpretação explícita, no que diz respeito à
informação de opinião no jornal, não é muito comum, já que aparentar objetividade é uma
busca incessante dos veículos de comunicação, que preferem deixar que os fatos falem, sem
emitir juízo (explícito) de valor, exceto quando se trata de artigo em editorial.
A terceira forma de interpretação de um discurso citado, a interpretação pela seleção
do que é informado, abrange um fato que em nada pode ser desprezado: a escolha é de plena
consciência dos jornalistas (cf. Marcondes Filho, 1989:12).
43
Quanto àquela interpretação que é feita quando da seleção dos verbos de elocução,
muito se tem a refletir.
2.3.2.2. Os verbos de elocução
Consideramos, concordando com Marcuschi (2003-b: 47), que, quando citamos um
discurso alheio, passamos inevitavelmente, em primeira instância, pelo processo de
compreensão do que foi dito. Além disso, ao introduzirmos esse discurso por meio dos verbos
de elocução, continuamos a interferir na interpretação desse mesmo discurso, uma vez que a
seleção lexical pode variar de uma aparente neutralidade até uma explícita avaliação de
conteúdo. Para Marcuschi, “as estratégias jornalísticas para relatar opiniões não são uma mera
questão de estilo, pois as palavras são instrumentos de ação e não apenas de comunicação.”
(1991:92)
É muito comum o uso de verbos para indicar o interlocutor que está com a palavra, os
chamados verbos “de elocução”, que Othon M. Garcia classifica em dicendi ou declarandi e
sentiendi, genitivos do gerúndio dos verbos dicere, declarare e sentire, que significam,
respectivamente: “de dizer”, “de declarar”, “de sentir” (1988:130). Os verbos de elocução
pertencem, segundo o autor, a nove áreas semânticas:
a) de dizer (afirmar, declarar);
b) de perguntar (indagar, interrogar);
c) de responder (retrucar, replicar);
d) de contestar (negar, objetar);
e) de concordar (assentir, anuir);
f) de exclamar (gritar, bradar);
g) de pedir (solicitar, rogar);
h) de exortar (animar, aconselhar);
i) de ordenar (mandar, determinar). (Garcia, 1988: 131)
44
Os verbos citados são, segundo o autor, os mais comuns de sentido geral, mas existem
também, em cada área, aqueles de sentido específico, mais caracterizadores da fala, que ele
classifica como os verbos “de sentir”, como gemer, suspirar, queixar-se, explodir:
Esses e seus similares constituem uma espécie de vicários dos dicendi, com função
predominantemente caracterizadora de atitudes, gestos ou qualquer manifestação de conteúdo
psíquico (Garcia, 1988: 133).
Ainda a respeito dos verbos de elocução, Urbano também os distingue. Para ele, há
aqueles básicos e neutros, como “falar” e “dizer”, que freqüentemente introduzem a fala
citada:
Consideramos que são básicos e neutros, em contraste com eventuais substitutos
modalizadores, como “gritar, murmurar, pedir” e muitos outros, que, ao mesmo tempo em que
informam o ato de falar ou dizer, acrescentam à descrição do ato enunciativo matizes
complementares do comportamento do falante: gritar = dizer gritando; murmurar = dizer
murmurando; cochichar = dizer em voz baixa; pedir = proferir um pedido. (2003: 141)
Como se vê, Urbano, assim como Garcia (1988: 133), assinala diferenças
significativas no emprego dos verbos de elocução. Do mesmo modo Maingueneau:
Geralmente esses introdutores de discurso direto não são neutros, mas trazem consigo um
enfoque subjetivo. Com efeito, o verbo introdutor fornece um certo quadro no interior do qual
será interpretado o discurso citado. Se um verbo como “dizer”, uma preposição como
“segundo” podem parecer neutros, não é esse o caso de “confessar” ou “reconhecer”, por
exemplo, que implicam que a fala relatada constitui um erro. (2004: 144)
Concordando com Maingueneau (2004), Gavazzi e Rodrigues (2003) afirmam que a
seleção dos verbos de elocução,
45
além de meramente comunicar uma informação, estaria reproduzindo a ideologia predominante
no jornal, espelho da classe social a que se destina/a que serve. Manifesta-se, por inferência,
então, a visão de mundo dos sujeitos inscritos no discurso – a palavra passa a uma dimensão
que ultrapassa os limites do dizer. (2003: 52)
O jornal Folha de S.Paulo, a respeito do que ele denomina “verbos declarativos”,
recomenda:
Use apenas para introduzir ou finalizar falas dos personagens da notícia, não para qualificá-las
ou para insinuar opinião a respeito delas. Evite, assim, verbos como admitir, reconhecer,
lembrar, salientar, ressaltar, confessar, garantir, a não ser quando usados em sentido
estrito. Nenhum deles é sinônimo de dizer. Ao empregá-los de modo inadequado, o jornalista
confere caráter positivo ou negativo às declarações que reproduz, mesmo que não tenha a
intenção.
Use de preferência os verbos dizer, declarar, afirmar, os mais neutros, quando o objetivo for
apenas indicar a autoria de uma declaração (Manual da Redação, 2006: 104)
Como se vê, os efeitos de sentido causados pelos verbos de elocução são de pleno
conhecimento dos jornalistas e eles são orientados para terem cautela ao empregá-los.
Marcuschi (1991), em estudo acerca do que ele denomina verbos introdutores de
opiniões, faz duas distinções básicas entre os verbos dicendi: a sua “função” e a sua “ação”.
No primeiro caso, há uma função essencialmente organizadora dos verbos introdutores de
opiniões, que é a de “costurar” os argumentos do autor de um texto pré-existente (1991:89).
Gavazzi e Rodrigues atentam para o fato de que tais verbos marcam “a fronteira entre o
discurso citante e o citado, evidenciando duas enunciações” (2003: 53). Marcuschi sugere sete
classes gerais de funções organizadoras:
I - Verbos indicadores de posições oficiais e afirmações positivas:
“declarar”, “afirmar”, “comunicar”, “anunciar”, “informar”, “confirmar”, “assegurar”
II - Verbos indicadores de força do argumento:
“frisar”, “ressaltar”, “sublinhar”, “acentuar”, “enfatizar”, “destacar”, “garantir”
III - Verbos indicadores de emocionalidade circunstancial:
46
“desabafar”, “gritar”, “vociferar”, “esbravejar”, “apelar”, “ironizar”
IV - Verbos indicadores de provisoriedade do argumento:
“achar”, “julgar”, “acreditar”, “pensar”, “imaginar”
V - Verbos organizadores de um momento argumentativo no conjunto do discurso:
“iniciar”, “prosseguir”, “introduzir”, “concluir”, “inferir”, “acrescentar”, “continuar”,
“finalizar”, “explicar”
VI - Verbos indicadores de retomadas opositivas, organizadores dos aspectos conflituosos:
“comentar”, “reiterar”, “reafirmar”, “negar”, “discordar”, “temer”, “admitir”, “apartear”,
“revidar”, “retrucar”, “responder”, “indagar”, “defender”, “reconhecer”, “reconsiderar”,
“reagir”
VII - Verbos interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido:
“aconselhar”, “criticar”, “advertir”, “enaltecer”, “elogiar”, “prometer”, “condenar”, “censurar”,
“desaprovar”, “incentivar”, “sugerir”, “exortar”, “admoestar”
(Marcuschi, 1991: 89)
Tais verbos constroem um texto a partir de um outro texto relatado, assumindo
funções que nem sempre fazem justiça ao que foi dito originalmente (cf. Marcuschi, 1991: 90)
Nesse ponto, entramos no que ele denomina a “ação” dos verbos, uma vez que,
convenhamos, existe uma grande diferença, para além da variação lexical, entre a utilização
de “disse”, por exemplo, e “confessou”. Seguindo a mesma linha de Garcia (1988) e Urbano
(2003), Marcuschi (1991: 84) defende a hipótese de que esses verbos hierarquizam,
discriminam, classificam os autores do discurso citado.
Seguindo Maingueneau, Gavazzi e Rodrigues propõem que os verbos de elocução
podem ser descritivos e avaliativos. No primeiro caso, devem-se incluir os verbos “que situam
o discurso relatado na cronologia discursiva” (Gavazzi e Rodrigues, 2003: 57), como,
continuar, acrescentar, concluir etc., e aqueles “que indicam o tipo de discurso do
interlocutor ou modo de realização fônica do enunciado” (idem), como perguntar, responder,
descrever, murmurar etc. Quanto aos verbos avaliativos, as autoras postulam que estão “mais
ligados à credibilidade e à legitimidade do redator da matéria em relação ao seu entrevistado –
é ele quem traduz as intenções do seu interlocutor, segundo o seu próprio ponto de vista ou de
um grupo que ele representa” (idem: 58). Analisando os verbos sob essa perspectiva, a da
avaliação, estaríamos, portanto, no âmbito da ação de tais verbos, que revelariam a intenção
do enunciador do discurso citante nas seguintes categorias (cf. Gavazzi e Rodrigues, 2003:
57-59):
47
a) Efeito de imparcialidade: aqui enquadram-se verbos como dizer, falar, declarar,
opinar etc., considerados “neutros” em relação a outros modalizadores, como observa Urbano
(2003: 141).
b) Valorização negativa: verbos como jurar, imaginar, garantir, acreditar, eximir-se,
sonhar, tentar justificar, choramingar, desconversar etc., ao serem empregados, desvalorizam
a fala do entrevistado, não lhe conferindo credibilidade.
c) Valorização positiva: nesse caso, enaltece-se a figura do entrevistado, colocando-o
em posição de superioridade, na qual ele pode aconselhar, explicar, pontificar, analisar,
diagnosticar, ensinar, ponderar, teorizar etc.
d) Polemização: os verbos desta categoria revelam o conflito existente entre pessoas e
grupos, contribuindo para acirrar ainda mais a discussão. São eles: ironizar, devolver (no
sentido de revidar uma ofensa/acusação), atacar, disparar, alfinetar, culpar, gozar, cutucar,
discordar, entre outros.
e) Solidariedade: utilizados quando o entrevistado encontra-se, segundo o jornalista,
em posição de injustiça social, solidarizando-se com sua causa: desabafar, queixar-se,
indignar-se, lamentar, pedir, lembrar.
Desse modo, acreditamos, seguindo os estudiosos citados, que o uso dos verbos de
elocução, ao agirem sobre a organização do discurso relatado, acabam por agir também sobre
a sua interpretação, configurando-se em poderoso instrumento de manipulação de idéias.
2.3.2.3. O uso das aspas
As aspas possuem, no discurso, diferentes funções e, dentre elas, uma função
organizadora: delimitar a fronteira entre o discurso citante e o discurso citado. Nesse sentido,
ela é vista como uma marca tipográfica, assim como os dois pontos, os travessões e o itálico
(cf. Maingueneau, 2004: 143) e pode ser encontrada no DD.
Além disso, também podem atuar como uma marca do discurso do outro, como no
caso da “ilha textual em DI”, “mas uma marca que deve ser interpretada como referência a
um outro discurso” (Authier-Revuz, 2001: 143).
Desse modo, o sentido a ser dado aos elementos entre aspas pode variar
significativamente, uma vez que, como já dissemos, o que um enunciador cria, ao citar um
outro discurso, é uma nova enunciação. Interpretar as aspas passa a ser uma atividade
48
fundamental a ser desenvolvida pelo co-enunciador quando da leitura de um texto, “um sinal a
ser interpretado” (Maingueneau, 2004: 160). Daí decorre uma imprevisibilidade inerente ao
seu uso:
O valor semântico das aspas e o interesse que representam para a AD estão ligados
precisamente a este caráter imprevisível bem como à sua relação com o implícito. Colocar
entre aspas não significa dizer explicitamente que certos termos são mantidos à distância, é
mantê-los à distância e, realizando este ato, simular que é legítimo fazê-lo. Decorre daí a
eficácia deste mecanismo. (Maingueneau, 1993: 90)
O que se põe em jogo nesse uso é o respeito às “leis do discurso”: colocar, por
exemplo, elementos entre aspas para relatar o discurso alheio criando enunciações que não
correspondam à verdade poderia ser visto como um desrespeito a uma das leis do discurso, a
da sinceridade. O que ocorre, porém, é que esses procedimentos nunca se mostram às claras
no discurso, uma vez que o acordo entre enunciador e co-enunciador não é explícito. É o que
observa Maingueneau:
Isso não se faz por intermédio de um contrato explícito, mas por um acordo tácito, inseparável
da atividade verbal. Entra em ação um saber mutuamente conhecido: cada um postula que seu
parceiro aceita as regras e espera que o outro as respeite. Essas regras não são obrigatórias e
inconscientes como as da sintaxe e da morfologia, são convenções tácitas. ( 2004: 31)
Sob esse prisma, o uso das aspas passa a ser visto como mais um recurso utilizado
pelo enunciador na criação do sentido de seu enunciado. Ao empregá-las,
chama a atenção do co-enunciador para o fato de estar empregando exatamente as palavras que
ele está aspeando; salientando-as, delega ao co-enunciador a tarefa de compreender o motivo
pelo qual ele está assim chamando sua atenção e abrindo uma brecha em seu próprio discurso.
(Maingueneau, 2004: 161)
49
2.3.3. A subjetividade e o texto jornalístico
Há uma tendência em se atribuir ao texto jornalístico características como
imparcialidade ou neutralidade, que, como vimos, não podem existir, porque ele, como
qualquer texto, está sujeito a todas as questões inerentes à própria linguagem, sendo a
subjetividade a principal. Do “acontecimento bruto”, como chama Charaudeau (2006) ou
“história real”, como prefere Pedro (1997), à “notícia” (Charaudeau, 2006) ou “apresentação
da história real” (Pedro, 1997), muitas são as variáveis que irão interferir no sentido dos
enunciados. Tais variáveis dizem respeito sobretudo à maneira particular que cada um tem de
ver o mundo e de representá-lo, expressando a sua identidade e percebendo a identidade do
Outro. A textualização desse mundo particular será sempre fruto de escolhas também
pessoais, que revelarão o posicionamento do enunciador e, no caso do texto jornalístico, o
posicionamento que ele pretende que seus leitores tenham diante da notícia (cf. Pedro, 1997:
294). Segundo Brait (1991: 85), o texto jornalístico, “assim como os demais textos, tem um
destino interpretativo, atua segundo estratégias e configura-se como uma cadeia de recursos
expressivos”.
As estratégias lingüístico-discursivas de que tratamos em nosso referencial teórico são
exemplos de como o jornalista dispõe de muitos meios para criar efeitos de sentido que
atendam aos seus objetivos: de escolhas lexicais, posição dos termos na frase, eliminações de
repetições, passando pelo recurso à polifonia como forma de argumentação, com a escolha do
DD e da “ilha textual em DI” dentre as várias formas de citação do DR e o uso das aspas e dos
verbos de elocução. Para Brait (1991: 86), é a partir da organização do plano da expressão que
se constroem os sentidos do texto, os quais revelarão o posicionamento do jornal e aquele que
ele pretende para os seus leitores.
Embora não tenha poder de decisão, e, por essa razão, não possa produzir um discurso
de poder, a imprensa exerce grande influência sobre a sociedade, pois vende um produto, a
notícia, a qual vai construir a opinião pública, cuja definição do ponto de vista das mídias,
para Charaudeau (2006: 123), não é uma tarefa fácil, pois ela depende do entrecruzamento
múltiplo de conhecimentos e crenças de um lado, e opiniões e apreciações de outro:
Os casos de corrupção, os problemas de sociedade (o véu islâmico), as grandes questões
internacionais (as catástrofes, as guerras) são tratados pela imprensa, pelo rádio e pela televisão
50
utilizando-se, em graus variáveis, de hipóteses (não necessariamente conscientes) ora sobre as
possíveis opiniões e argumentos que circulam numa sociedade a respeito desses temas, ora
sobre os imaginários relativos a apreciações e crenças, como, por exemplo, os sentimentos de
generosidade, de justiça e de honestidade (idem).
O poder de influenciar a formação da opinião pública é a questão central no exercício
da mídia. A esse respeito, Fairclough (apud Pedro, 1997: 26) afirma:
O poder envolve controlo, nomeadamente de um grupo sobre outros grupos. Além do recurso à
força para o exercício do controlo da acção, o poder, hoje, utiliza formas muitas vezes bastante
eficazes, através da persuasão, da dissimulação ou da manipulação – os casos da publicidade,
dos media, do discurso político são disso exemplos paradigmáticos, estratégias que encontram
na produção textual a melhor garantia dessa eficácia.
Para Dijk (2005), existe uma distinção crucial entre persuasão e manipulação.
Enquanto a primeira é legítima, pois os interlocutores estão livres para aceitar ou não os
argumentos empregados pelos locutores, a manipulação é ilegítima, pois, nela, o papel dos
interlocutores é passivo e os manipuladores, por sua vez, fazem os interlocutores acreditarem
ou fazerem coisas de seu interesse8:
Esta conseqüência negativa do discurso manipulativo ocorre tipicamente quando os receptores
são incapazes de compreender as intenções reais ou de ver as amplas conseqüências da opinião
ou das ações defendidas pelo manipulador. Este pode ser o caso especialmente quando aos
receptores falta o conhecimento específico que pode ser usado para resistir à manipulação.
(Dijk, 2005) 9
8 “Without the negative associations, manipulation could be a form of (legitimate) persuasion. The crucial difference in this case is that in persuasion the interlocutors are free to believe or act as they please, depending on whether or not they accept the arguments of the persuader, whereas in manipulation recipients are typically assigned a more passive role: they are victims of manipulation.” 9 “This negative consequence of manipulative discourse typically occurs when the recipients are unable to understand the real intentions or to see the full consequences of the beliefs or actions advocated by the manipulator.”
51
Feito pela elite e sobre a elite, normalmente responsável por acontecimentos relevantes
que se tornarão notícia, o jornal cria uma relação de dependência entre jornalistas e
informantes. Kunczik (1997: 259), ao refletir sobre essa relação, salienta:
Como responsáveis por informações de grande relevância (notícias), a elite social tem um
potencial relativamente grande de sanção e em geral é capaz de controlar muito bem o uso que
se dá à informação divulgada.
A Folha, em seu Manual da Redação, orienta que seus jornalistas tenham um “contato
regular com suas fontes de informação” (Manual da Redação, 2006: 19). Está criada a relação
de dependência à qual aludimos, relação essa que existiu em nosso corpus, pois as entrevistas
que o constituem foram dadas com exclusividade à Folha. Observar diferenças no trato da
notícia entre jornais diferentes pode nos mostrar essa relação que, para Kunczik, é intrínseca:
Para garantir um fluxo contínuo de informações, há entre os jornalistas uma tendência
fundamental no sentido de adotar os pontos de vista de suas fontes ao se emitir a informação
que delas se obteve. Por outro lado, os informantes conseguem publicidade, o que significa
poder estabelecer uma relação simbiótica entre os jornalistas e os informantes. (Kunczik, 1997:
260)
Apesar dessa relação “viciada”, a imprensa tenta se defender contra as pressões dessa
elite, buscando, entre outros mecanismos, na “objetividade”, essa defesa, quer seja somente
citando fontes confiáveis, quer seja buscando ouvir sempre os dois lados da notícia para
aparentar neutralidade. (cf. Kunczik, 1997: 261)
A Folha assim se pronuncia a respeito das fontes:
Hierarquizar as fontes de informação é fundamental na atividade jornalística. Cabe ao
profissional, apoiado em critérios de bom senso, determinar o grau de confiabilidade de suas
fontes e o uso a fazer das informações que lhe passam. (Manual da Redação, 2006: 37)
52
Quanto a ouvir o outro lado, é a seguinte a posição da Folha: “Quando uma
informação é ofensiva ou contém acusações a uma pessoa ou entidade, ouça o outro lado e
publique as duas versões com destaque proporcional.” (Manual da Redação: 46-47)
Os próprios meios de comunicação, porém, reconhecem o fato de que a objetividade é
um expediente impossível de ser atingido, como o jornal Folha de S.Paulo, por exemplo, que,
em seu Manual da Redação, assim se pronuncia a respeito da objetividade:
Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o
jornalista toma decisões em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais,
hábitos e emoções.
Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais objetivo possível.
Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e as repercussões, o
jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza, o que não significa apatia nem
desinteresse. Consultar outros jornalistas e pesquisar fatos análogos ocorridos no passado são
procedimentos que ampliam a objetividade possível. (Manual da Redação, 2006: 46)
Todos esses mecanismos, dos quais o jornal procura se valer para ser, ou parecer ser,
objetivo, não são suficientes, pois a imparcialidade que os meios de comunicação tentam
vender é praticamente impossível (cf. Gavazzi e Rodrigues, 2003: 60).
A imprensa é um poderoso instrumento de manipulação de idéias e, como tal, lança
mão de todos os meios disponíveis para atingir seus objetivos, desde a seleção dos fatos que
serão notícia até as escolhas lingüístico-discursivas às quais já nos referimos. Não se pode
falar em imprensa livre ou em objetividade do texto jornalístico:
Atuar no jornalismo é uma opção ideológica, ou seja, definir o que vai sair, como, com que
destaque e com que favorecimento, corresponde a um ato de seleção e de exclusão. Este
processo é realizado segundo diversos critérios, que tornam o jornal um veículo de reprodução
parcial da realidade. Definir a notícia, escolher a angulação, a manchete, a posição na página
ou simplesmente não dá-la é um ato de decisão consciente dos próprios jornalistas. (Marcondes
Filho, 1989: 12)
53
3. ANÁLISE
3.1. A retextualização
3.1.1. Substituições
3.1.1.1.Novas opções léxicas
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (24) no parlamento nacional
b) (41) eu falei “vai morrer o assunto”
c) (63) vamos abortar esse troço do mensalão
2ª entrevista (ANEXO A-2)
d) (71) já há deputada
e) (97) é uma cautela minha pra consolidar
f) (98) até a con/ a convenção do diretório
(ANEXO B-3)
a) (112) no Congresso Nacional
b) (123) Eu pensei: vai acabar
c) (139) Vamos abortar esse negócio
(ANEXO B-8)
d) (24) Já tem deputada
e) (134-135) É cautela para proteger
f) (135) até a reunião do diretório
Nos exemplos acima, notamos que a substituição lexical atende a propósitos bem
variados. Um deles diz respeito à adequação do termo ao leitor do jornal e não,
necessariamente, ao critério de correção gramatical; é o caso de “parlamento”, no exemplo a,
para “Congresso”, e de “convenção”, no exemplo f, para “reunião”, em que as novas
expressões estão mais presentes no dia-a-dia do leitor, pois as usadas pelo enunciador
pertencem ao universo da política, do qual ele faz parte. O mesmo propósito pode se fazer
notar, também, na substituição de alguns termos por expressões não advindas da linguagem
popular, como é o caso de “vai morrer o assunto”, no exemplo b, para “vai acabar”, ou da
gíria, no caso de “troço”, no exemplo c, para “negócio”. Tal substituição é muito comum nos
jornais “de elite”, sendo, inclusive, um dos pontos abordados em seus manuais de redação. Ao
mesmo tempo, porém, há a substituição do verbo “há”, no exemplo d, por um verbo mais
empregado em linguagem informal: “tem”, a qual observamos ser aleatória.. O exemplo
deixado por último para ser analisado é aquele, acreditamos, mais revestido de intenções por
parte do jornalista, pois ele substitui “consolidar”, no exemplo e, que denota “manter algo já
54
conquistado” por “proteger”, que denota “manter algo que está sendo ameaçado”, no caso, a
posição do entrevistado no partido do qual é presidente. A substituição, nesse caso, parece não
atender à orientação do Manual da Redação, pois ambos os verbos pertencem à linguagem
formal.
No caso das novas opções léxicas, portanto, observamos que alterações no plano da
expressão podem interferir no plano da expressão do conteúdo, embora o jornal tenha evitado
fazê-las. 3.1.1.2. Nomes próprios por nome acompanhado de determinante demonstrativo
Transcrição Retextualização
2ª entrevista (ANEXO A-2)
a) (52-55) tudo era tratado com o conhecimento
do Zé Dirceu com o conhecimento
do Genuíno com o conhecimento do
Delúbio e::: do Sílvio Pereira ... isso
na constituição lá atrás ... no início
do governo do Presidente Lula
(ANEXO B-7)
a)(80-81)Tudo era tratado com o
conhecimento dessas pessoas e
do Sílvio Pereira. Isso no início
do governo.
Imediatamente antes do uso da expressão “essas pessoas”, o entrevistado cita
nominalmente as três primeiras pessoas (Zé Dirceu, Genuíno e Delúbio) e não cita Sílvio
Pereira. É por essa razão que o jornal o mantém na retextualização. 3.1.1.3. Nomes próprios por descrições definidas
Transcrição Retextualização
2ª entrevista (ANEXO A-2)
a) (89-90) uma reunião do ministro Walfrido
... do líder Zé Múcio ... do Fleury
do Ibsen (e outros) para pedir
(ANEXO B-8)
a) (130) Uma reunião da cúpula do PTB
55
Provavelmente o jornal acredite que, para seu leitor, será mais útil a informação
“cúpula do PTB” do que os nomes próprios que podem não dar uma idéia clara do referente
do entrevistado nesse enunciado.
3.1.1.4. Novas estruturas sintáticas
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a)(12-13) o doutor Delúbio procura o Zé Múcio e
diz
b)(25-26) eu liguei pro ministro Walfrido isso
princípios de dois mil e quatro era janeiro
ou fevereiro
2ª entrevista (ANEXO A-2)
c) (88) então tem que ter cuidado
(ANEXO B-3)
a) (105) o doutor Delúbio o procura:
b) (114) No princípio de 2004, liguei
para o ministro Walfrido
(ANEXO B-8)
c) (129) Eu tenho que ter cuidado
Verificamos, no exemplo a, a busca pela correção gramatical com o uso do pronome
oblíquo o na função sintática de objeto direto e, no exemplo b, a busca de clareza ao se
colocar o adjunto adverbial “No princípio de 2004” no início da frase. No exemplo c, porém,
ao se passar para a 1ª pessoa o verbo ter, percebemos mudança na força pragmática do
enunciado, pois o entrevistado não se coloca especificamente como a pessoa que deveria ter
cuidado.
3.1.2. Eliminações
3.1.2.1. (Des)continuidade sintática
3.1.2.1.1. Paráfrases
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1) (ANEXO B-3)
56
a) (63-64) sem trair a confiança do governo
sem jogar o/o governo ... no meio
da rua
b) (66-67) Depois ... recuou retirou a/a/a
denúncia do mensalão não é?
2ª entrevista (ANEXO A-2)
c) (83-85) Eu disse isso aos ministros ano
paSSAdo Renata eu falei aos
ministros ano passado nenhum
deles pegou ... como é que isso foi
chantagem? Foi advertência
a)(139)Sem jogar o governo no meio da rua
b) (141) e depois voltou atrás.
(ANEXO B-8)
c) (126-127)Eu falei do “mensalão” aos
ministros no ano passado. Isso
não é chantagem, é
advertência.
A paráfrase que o enunciador faz no exemplo a pode ser classificada como
“expansiva”, pois vai de um sentido mais geral, porque abstrato: “trair a confiança” para um
mais específico, porque concreto: “jogar no meio da rua”. No exemplo c, temos uma paráfrase
“paralela”, em que ocorre apenas a troca de “disse”, para “falei”.
Sendo a paráfrase um procedimento de reformulação que tem como objetivo a
compreensão do co-enunciador, é esperado que, se o jornal precisa eliminar um dos dois
enunciados, que seja o primeiro, pois o segundo, supõe-se, vai mais ao encontro daquilo que o
enunciador quis dizer, e é o que ocorre nos exemplos acima.
O exemplo b revela-nos um caso interessante de paráfrase: o enunciador, em primeiro
lugar, reformula seu enunciado empregando uma paráfrase “expansiva”, indo de “recuou”,
geral, para “retirou a denúncia do ‘mensalão’”, mais específica. O jornal, por sua vez, ao fazer
a retextualização, emprega uma outra paráfrase: “voltou atrás”. O que observamos com essa
troca é a força pragmática conferida ao enunciado, pois “voltar atrás” numa decisão é muito
mais forte do que simplesmente “recuar” ou “retirar a denúncia do mensalão”.
3.1.2.1.2. Repetições
57
O entrevistado, conhecido por sua personalidade forte e por seu comportamento
dramático, utiliza, durante todo o trecho transcrito, inúmeras repetições, não só de expressões,
mas de situações que enfatizam seus esforços para denunciar a existência do “mensalão”. Tais
repetições foram eliminadas ao serem editadas, para tornar o texto mais conciso. Ao se fazer
isso, porém, pode-se estar interferindo no sentido que o enunciador quis conferir ao seu
enunciado.
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (31-35)“em hipótese alguma Roberto em
hipótese alguma eu não terei
coragem de olhar nos olhos do
presidente Lula EM hipótese
alguma” eu falei “então nós não
vamos aceitar o mensalão” ele disse
“não não vamos aceitar o mensalão”
“então está fechada a nossa posição
vamos resistir a isso”
(ANEXO B-3)
a) (117-118)“Em hipótese alguma. Eu não
terei coragem de olhar nos
olhos do presidente Lula. Nós
não vamos aceitar.”
A expressão “em hipótese alguma”, repetida três vezes, com ênfase na terceira
repetição, observada pela elevação da voz em “EM”, ao ser eliminada, tira a força da
indignação do enunciador com a situação.
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (17-21) aí reúnem-se o bispo Rodrigues
Valdemar Costa Neto e o Pedro
Henry que a essa época era líder do
PP para pressionar o Múcio “que
que é isso pô? vocês não vão
receber? Que conversa é essa
(ANEXO B-3)
a) (108-111)Aí reúnem-se os deputados
Bispo Rodrigues (PL-RJ),
Valdemar Costa Neto [SP,
presidente do PL] e Pedro
Henry (PP-MT) para
pressionar o Múcio: “Que
58
Múcio ( ) de melhor do que a
gente?” aí o Múcio voltou a mim
falou “Roberto fui pressionado
pelos três líderes ... pelo
presidente do PL pelo líder do
PL e pelo líder do PP nessa
conversa do mensalão”
b) (21-23) eu falei “Múcio EU NÃO QUERO
receber ... não aceitarei isso na
presidência do PTB porque isso é
coisa ‘’’de qui/ de câmara de
vereador de quinta categoria isso
desmoraliza
O conteúdo do trecho eliminado foi dito
anteriormente, quando o deputado estava
conversando com o então presidente do PTB,
Martinez Correia:
c) (4-5) eu digo “sou contra ... sou contra
porque isso é coisa de câmara de
vereador de quinta categoria
d) (30-31) até as últimas conversas com o
deputado Zé Múcio e ele disse
e) (55-59) falei isso ao Aldo Rebelo que era
líder do governo àquela época ...
disse a ele ... sobre o mensalão
denunciei a existência do
mensalão e a pressão que eu no
PTB recebia de alguns deputados
que sabendo que outros
que é isso? Vocês não vão
receber? Que conversa é
essa? Vão dar uma de
melhores do que a gente? Aí
o Múcio voltou a mim.
b) (111) Eu respondi: “Isso desmoraliza.”
c) (101-102)Eu digo: “Sou contra. Isso é
coisa de Câmara de
Vereadores de quinta
categoria.
d)(116-117) Até as últimas conversas
e)(132-133) Falei isso ao Aldo Rebelo, que
então era líder do governo na
Câmara.
59
deputados de outros partidos
recebiam e o PTB não recebia
esse malfadado ... mensalão
O conteúdo do trecho eliminado foi dito
anteriormente, logo após a conversa com o
ministro Walfrido:
f) (35-36) e passei a viver uma brutal pressão
porque alguns deputados de meu
partido sabiam que os deputados do
PL do PP recebiam esse mensalão
todo mês
g) (66-69) depois ... recuou retirou a/a/a
denúncia do mensalão não é? eu
falei com ele quando ele era
aMIgo do governo e falei (ao
presidente) quando ele era
Ministro das Comunicações ...
mensalão PL PP (e queria) o
PTB não é? ...
O conteúdo do trecho eliminado foi dito
anteriormente:
h) (50-55) aí fui ao ministro Miro Teixeira nas
Comunicações e levei junto comigo
o deputado João Lira e o deputado
Zé Múcio falei
“Ciro/Miro/Miro/Miro Teixeira/Miro
tá havendo o MENSALÃO isso é um
escândalo” o Miro falou “não é
f) (118-119) E eu passei a viver uma brutal
pressão. Porque deputados do
meu partido sabiam que os
deputados do PL e do PP
recebiam.
g) (141) e depois voltou atrás.
h) (130-132) Aí fui ao ministro Miro
Teixeira,nas Comunicações.
Levei comigo os deputados
João Lyra (PTB-AL) e José
Múcio. Falei: “Conte ao
presidente Lula que está
havendo o “mensalão”.
60
possível Roberto” eu falei “diga ao
presidente” - - porque até essa época
o presidente Lula não nos recebia - -
“conte isso ao presidente Lula isso
vai explodir AMIGO isso é um
esCÂNdalo vai explodir”
2ª entrevista (ANEXO A-2)
i) (14-19) o PTB fora éh:: convidado a
participar e o PTB repelira isso
disse isso ao Ciro Gomes disse
isso ao Miro Teixeira e
NINguém contou ao presidente
essa nossa conversa ... há um ano
atrás eu falei isso a eles e toda
crise que nós estamos vivendo de
relação hoje na Câmara dos
Deputados com o Poder
Executivo ... não vota corpo
mole isso que você está vendo é
conseqüência dessa política de
mensalão ... e acho que os
ministros erraram traíram a
confiança do presidente
j) (61-62) e ele que faz a distribuição éh::: de
recursos para líderes e presidentes
do partido da base aliada ... e eu sei
que o deputado
Nessa época o presidente
não nos recebia.
(ANEXO B-7)
i)(46-47) O PTB fora convidado a
participar e repelira. Acho que os
ministros traíram a confiança do
presidente.
(ANEXO B-6)
j) (57-58) É ele quem faz a distribuição de
recursos. Sei que o deputado
A eliminação do trecho em negrito, em a, não interfere na compreensão do enunciado,
uma vez que a situação eliminada havia sido descrita em detalhes imediatamente antes dela.
61
Roberto Jefferson, porém, ao repeti-la, quer endossar aquilo que já disse, como uma prova de
que está falando a verdade e, desse modo, eliminá-la acaba por interferir nessa sua intenção.
No caso do exemplo b é diferente, pois eliminou-se uma resposta que foi dada a
pessoas diferentes: a primeira vez para Martinez Correia, quando pressionado por Delúbio
Soares, e a segunda para José Múcio, quando pressionado por deputados que já recebiam o
“mensalão”. O fato de Roberto Jefferson ter dado a mesma resposta revelaria a firmeza de sua
posição e, novamente, a força ilocutória que ele queria imprimir não só a esse trecho, mas a
toda a entrevista. A repetição a que ele recorre durante toda a entrevista é persuasivo-
argumentativa (cf. Barros, 1998: 66).
A narrativa de Roberto Jefferson segue a ordem cronológica dos acontecimentos e o
fato de haver sido eliminado, no exemplo d, o trecho “com o deputado Zé Múcio” pode ser
explicado por ter sido a última conversa narrada por Jefferson.
A repetição, nos exemplos e e g, tem , novamente, função argumentativa, pois enfatiza
os esforços de Jefferson para denunciar o “mensalão” e sua “bravura” ao resistir a tanta
pressão, inclusive por parte de pessoas de seu partido.
No exemplo i, o trecho eliminado corresponde ao relato feito por Roberto Jefferson
ainda na 1ª entrevista. A conversa com Miro Teixeira está relatada no exemplo h e a conversa
com Ciro Gomes foi a seguinte:
“Lá para junho eu fui ao Ciro Gomes. Falei: “Ciro, vai dar uma zebra neste governo. Tem um
“mensalão”. Hoje eu sei que são R$ 3 mi, R$ 1,5 mi de mensal para o PL e para o PP. Isso vai
explodir”. O Ciro falou; “Roberto, é muito dinheiro, eu não acredito nisso.” (Folha de S.Paulo,
6/6/2005, A5)
Ao repetir duas das tentativas que fez para denunciar o “mensalão”, Roberto Jefferson
confirma o que disse na 1ª entrevista e enfatiza novamente seus esforços. A repetição tem
objetivos argumentativos.
Quanto ao exemplo j, Jefferson já repetira inúmeras vezes para quem era feito o
repasse do “mensalão”. Nesse caso, acreditamos que seja realmente desnecessária a repetição.
Nas duas entrevistas, portanto, elimina-se a repetição de toda a situação já descrita
pelo entrevistado e, além disso, o desabafo dele em relação ao drama que estava vivendo,
pressionado pelos deputados de seu partido e pela base aliada do governo para que aceitasse
62
participar da distribuição do “mensalão”, mostrando todas as tentativas que fez para que as
pessoas comunicassem ao presidente o fato. Tira-se, portanto, toda a força pragmática que o
entrevistado queria conferir ao seu enunciado, ao colocar-se como alguém que não mediu
esforços para denunciar o “mensalão” e, acima de tudo, lutou contra ele.
3.1.2.2. (Des)continuidade discursiva:
3.1.2.2.1. Digressão lógico-experiencial
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (5-9) de quinta categoria Martinez - -
quando eu recebia a mesada
quando menino ... meu pai me dizia
“sábado meia-noite em casa””” se
eu chegasse meia noite e meia eu
não podia ir na domingueira do
Petropolitano para dançar com
ninguém e eu adorava dançar ... - -
vai nos escravizar e vai nos
desmoralizar” ...
b)(9-10) O Martinez então não fez né- - uma
decisão minha e dele --- receber essa
mesada
c) (45-46) O Ciro Gomes maio junho - - que a
coisa continuou não parou - - fui
ao Ciro no ministério e falei
(ANEXO B-3)
a) (102) de quinta categoria. Vai nos
escravizar e vai nos
desmoralizar.
b) (102-103) O Martinez decidiu não
aceitar essa mesada
c) (127) Lá para junho eu fui ao Ciro
Gomes. Falei:
No exemplo a, o entrevistado utiliza a digressão, por meio de uma experiência pessoal
vivida, como forma de argumentação para mostrar as conseqüências de se aceitar o
63
recebimento do “mensalão”. Nesse caso, ao relembrar de fatos acontecidos entre ele e seu pai
quando ainda era criança, pretende mostrar-se como uma pessoa sincera, que possui valores
morais elevados. Além disso, o entrevistado cita, em sua digressão, uma fala de seu pai, uma
pessoa muito próxima e cara a ele, com o nítido propósito de “criar um efeito de verdade”
(Leite, 2005: 112) sobre aquilo que ele está contando e a sua eliminação acaba por interferir
em sua argumentação.
A digressão feita no exemplo b acrescenta uma informação, para Roberto Jefferson,
relevante: o fato de a decisão de não aceitar o recebimento do “mensalão” ter sido sua e de
Martinez. Ao eliminar a digressão, o jornal atribui apenas a Martinez essa decisão. A questão
da relevância, de fato, é central no emprego da digressão (Andrade, 2000: 100) e, ao retirá-la,
existente uma interferência na argumentação de Jefferson. O mesmo acontece no exemplo c,
pois, para Jefferson, é relevante dizer que, mesmo depois de várias tentativas de denunciar o
“mensalão” a alguns ministros, não houve nenhuma providência.
3.1.2.2.2. Digressão retórica didática
Transcrição Retextualização
2ª entrevista (ANEXO A-2)
a) (95-97) então não é não é chantagem ...
chantagem o que que é ó se
você não me der isso eu vou
contar não não se trata disso ... é
uma cautela
(ANEXO B-8)
a) (134) Então, não se trata de chantagem.
É cautela.
A questão da relevância, na digressão acima, está no fato de se utilizar um recurso
metalingüístico – o significado da palavra chantagem – para argumentar em seu favor, ou
seja, provar que aquilo que está fazendo não é chantagem por meio da definição da palavra.
O que podemos concluir, concordando com Andrade (2000: 125), é que o jornal, ao
eliminar as digressões feitas por Roberto Jefferson, interfere na sua argumentação.
64
3.1.2.3. Inserções incompreensíveis
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (40-41) “o Delúbio tá errado eu só contei
isso ... isso não pode acontecer
(ANEXO B-3)
a) (122-123) “O Delúbio está errado. Isso
não pode acontecer.
A frase eliminada acima é, de fato, incompreensível e poderia suscitar dúvidas dos
leitores ou interpretações erradas. Para evitar problemas, ou “facilitar a leitura” (Manual da
Redação, 2006: 39), a Folha resolveu eliminá-la.
3.1.2.4. Expressões avaliativas
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (13) O Roberto é um homem muito difícil
2ª entrevista (ANEXO A-2)
b) (12-13) com alguns MUItos representantes
das bancadas
c) (95) um grupo eNORme que quer sair e
um grupo que quer ficar
(ANEXO B-3)
a) (105) O Roberto é um homem difícil
(ANEXO B-7)
b) (45) Com representantes de suas
bancadas
(ANEXO B-8)
c) (133-134)Um grupo que quer sair, um
grupo que quer ficar.
O jornal Folha de S.Paulo recomenda aos seus jornalistas que não empreguem
adjetivos ou advérbios que expressem juízos de valor, utilizando o seguinte argumento: “A
opinião sustentada em fatos é mais forte do que a apenas ou excessivamente adjetivada”
(Manual da Redação, 2006: 50). O que ocorre, porém, nesse trecho, é que as palavras
65
avaliativas foram empregadas pelo entrevistado e retirá-las altera o sentido que ele quis
imprimir às suas declarações. No exemplo a, a fala foi atribuída por Roberto Jefferson a
Delúbio Soares que, ao procurar José Múcio para propor o “mensalão” ao PTB, justifica que
optou por falar com ele porque Roberto Jefferson não estaria aberto a tal proposta. Nesse
caso, o advérbio “muito”, intensificando o adjetivo “difícil”, reforçaria um atributo positivo
de Jefferson, que, no caso, seria a retidão de caráter.
No exemplo b, Roberto Jefferson realiza um procedimento de reformulação no
momento em que está relatando ao presidente Lula em que consistia o “mensalão” e diz que
ele era distribuído primeiro para “alguns”, depois para “muitos” deputados. Ao proceder à
autocorreção, poderia estar revelando uma certa hesitação que o jornal, para não ter problemas
- seria essa a “relevância jornalística” de que fala seu Manual (2006: 39)? – preferiu eliminar.
Ao nosso ver, porém, não se trata de hesitação, mas de uma correção buscando exatidão, uma
vez que, ao realizá-la, o entrevistado enfatiza sua primeira sílaba – MUItos -, chamando a
atenção para a palavra que irá proferir.
No último caso, o exemplo c, o adjetivo “enorme” cria um contraste entre o grupo que
quer sair, que é maior, e o grupo que quer ficar na base do governo. Assim dito, o que
Jefferson dá a entender é que seu apoio dentro do partido é grande, pois a maioria concorda
com ele em sair da base aliada do governo. Sem o adjetivo, o que se vê é um equilíbrio de
forças, que não é verdadeiro, pelo menos não de acordo com o que Jefferson disse.
Portanto, todas as eliminações das palavras com caráter avaliativo interferiram na
argumentação do entrevistado.
3.1.3. Acréscimos
Empregamos, abaixo, o sinal ( ? ) para indicar, na transcrição, a localização do trecho
que foi acrescentado na retextualização.
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (35-37) e passei a viver uma brutal pressão
porque alguns deputados de meu
(ANEXO B-3)
a) (118-120) E eu passei a viver uma
brutal pressão. Porque
66
partido sabiam que os deputados do
PL do PP recebiam esse mensalão
todo mês ... ( ?) eu fui ao ministro
Zé Dirceu
2ª entrevista (ANEXO A-2)
b) (30-32) o outro cargo que foi nomeado foi
o Fernando Cunha para a BR
Distribuidoras todo/toda estrutura
abaixo do Fernando Cunha foi
nomeada pelo éh:: pelo Silvio
Pereira ( ? ) e um dia perguntei
c) (64-66) inclusive eu já vi um depu/um
ministro ( ? ) que ficou muito
irritado com ele porque ele se
apresentava como operador do Zé
Dirceu
d) (71-72) já há deputada em Goiânia ( ? )
dizendo que foi assediada pelo líder
do PL ( ? ) um milhão de luvas e
trinta mil reais por mês
deputados do meu partido
sabiam que os deputados do
PL e do PP recebiam. As
informações que eu tenho
são que o PMDB estava
fora. Não teve “mensalão”
no PMDB. Fui ao ministro
Zé Dirceu
(ANEXO B-7)
b) (67-69) Outro cargo: Fernando Cunha,
para a BR Distribuidora. Toda
a estrutura abaixo do Fernando
Cunha foi nomeada pelo Silvio
Pereira. Na área de
Petrobrás, de petroquímica,
quem manda é ele. Um dia
perguntei:
(ANEXO B-6)
c) (59-60) Inclusive eu já vi o ministro Zé
Dirceu [chefe da Casa Civil]
muito irritado com ele porque ele
se apresentava como “operador
do Zé Dirceu”.
(ANEXO B-8)
d)(24-26) Já tem deputada em Goiás
[Raquel Silveira, licenciada,
do PSDB] dizendo que foi
assediada pelo líder do PL na
Câmara, Sandro Mabel (GO),
[com a proposta de] R$ 1
milhão de luvas e R$ 30 mil por
67
e) (83) (em hipótese) alguma ... ( ? )a
chantagem tem uma contraprestação
financeira
mês.
e) (125-126)Em hipótese alguma.
Chantagem é para ganhar
dinheiro, ter
contraprestação financeira.
Quanto às inserções nos exemplos a e b, os trechos não se encontravam no áudio a que
tivemos acesso, portanto não podemos afirmar que eles, de fato, não foram pronunciados.
Os trechos acrescentados pelo jornal entre colchetes deixam claro que são inserções
suas para trazer ao leitor informações que ele possa não saber: o cargo do ministro José
Dirceu, no item c, e a quem Jefferson se refere quando fala da deputada assediada com o
“mensalão”, no exemplo d. Ainda nesse exemplo, o trecho entre colchetes preenche uma
ruptura sintática: “com a proposta de”. Esses são procedimentos comuns nos jornais e a
Folha, ao se referir à edição de entrevistas, ensina: “Ao introduzir informações que
complementem resposta do entrevistado, use colchetes para deixar claro que se trata de
inclusão da Redação” (Manual da Folha, 2006: 66)
No exemplo e, temos o acréscimo da paráfrase “chantagem é para ganhar dinheiro” ao
enunciado “a chantagem tem uma contraprestação financeira”, com clara intenção explicativa.
Nesse caso, de acordo com a orientação acima, deveria haver, aqui também, o uso dos
colchetes.
Voltando ao exemplo c, existe um acréscimo, no mínimo, duvidoso, pois Jefferson não
diz que está se referindo ao ministro José Dirceu, pelo contrário, emprega o artigo indefinido
“um” para referir-se ao ministro de quem está falando.
O que concluímos, portanto, sobre os acréscimos, é que existe, salvo a exceção acima,
um cuidado da Folha em não atribuir ao entrevistado um enunciado que ele não tenha
proferido.
3.1.4. Tratamento dos turnos
É muito presente, no discurso que estamos analisando, o emprego do recurso do DR
por parte de Roberto Jefferson, para se referir a falas suas e também de outras pessoas nas
68
situações que ele está rememorando. De fato, o entrevistado constrói seu texto no modo
narrativo e emprega o DD como forte e recorrente estratégia argumentativa com a intenção de
convencimento de que fala Leite (2005: 90), não só de sua interlocutora, no caso a jornalista,
mas também dos leitores do jornal. Portanto, qualquer mudança na forma de citação de seu
discurso interferirá na argumentação elaborada por Jefferson.
3.1.4.1. Mudança do DD para o DI
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (15-16) ele falou “eu não posso tomar
atitude sem a autorização de meu
presidente”
b) (26-27) falei “Walfrido quero falar coisa
grave a você” ...
(ANEXO B-3)
a) (107-108) O Múcio respondeu que não
poderia tomar atitude sem
falar com o presidente do
partido
b) (115) e disse que precisava relatar algo
grave.
Quando o DD é substituído pelo DI, nos exemplos acima, interfere-se na estratégia
discursiva adotada por Roberto Jefferson durante toda a entrevista, que foi a de narrar os fatos
empregando o tempo todo o DD para referir-se a falas suas ou de outras pessoas para dar o
efeito de verdade que ele pretendia, afinal ele, com as revelações da entrevista, passava da
posição de acusado a acusador e precisava mostrar-se merecedor de credibilidade.
3.1.4.2.Acréscimo de turno
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (24-26) no parlamento nacional ... eu liguei
pro ministro Walfrido isso
princípios de dois mil e quatro era
janeiro ou fevereiro
b) ( ? )
(ANEXO B-3)
a) (112-114) no Congresso Nacional.
Folha: O sr. deu ciência
dessas conversas ao governo?
Jefferson: No princípio de
2004, eu liguei para o
ministro Walfrido
b) (134) Folha: “A quem mais no
69
c)(72-78) L2 Aí eu contei ao presidente o que
que era o mensalão o presidente
Lula CHOrou
L1 Isso quando?
L2 Agora em janeiro ... desse ano o
presidente Lula CHOROU falou
“não é possível isso” e chorou
governo o sr. denunciou a
situação?”
c) (145-147) Jefferson: Aí eu expliquei ao
presidente.
Folha: Qual foi a reação
dele?
Jefferson: O presidente Lula
chorou. Falou: “Não é
possível isso”. E chorou.
O que se percebe na introdução de turnos é que ela é feita nos turnos do entrevistador,
no caso o jornal Folha de S.Paulo, e tem a função de destacar alguns pontos para os quais
quer chamar a atenção, no caso, as pessoas ligadas ao governo que foram avisadas pelo
entrevistado, nos exemplos a e b, e a reação do presidente Lula ao saber da existência do
“mensalão”, no exemplo c.
3.1.4.3. Eliminação de turno
Transcrição Retextualização
1ª entrevista (ANEXO A-1)
a) (15-16) Ele falou “eu não posso tomar
atitude sem a autorização de meu
presidente” ... Múcio ... “me
parece que o meu presidente é
contra porque já me falou” ... aí
reúnem-se
b) (19-23) Aí o Múcio voltou a mim falou
“Roberto fui pressionado pelos
três líderes ... pelo presidente do
PL pelo líder do PL e pelo líder
do PP nessa conversa do
mensalão” eu falei “Múcio EU
NÃO QUERO receber ... não
(ANEXO B-3)
a) (107-108) O Múcio respondeu que não
poderia tomar atitude sem
falar com o presidente do
partido
b) (110-111) Aí o Múcio voltou a mim. Eu
respondi: “Isso desmoraliza.”
70
aceitarei isso na presidência do
PTB porque isso é coisa de qui/
de câmara de vereador de quinta
categoria isso desmoraliza
c) (27-30) “que que é Roberto? Tô indo pra
Belo Horizonte ... no jatinho
você vai comigo e vamos
conversando eu tô indo pra
casa” “então eu vou até Belo
Horizonte pra conversar um
assunto grave com você” ... e
sentei no avião e falei “Walfrido
tá havendo essa história de
mensalão”
d) (31-35) “em hipótese alguma Roberto em
hipótese alguma eu não terei
coragem de olhar nos olhos do
presidente Lula EM hipótese
alguma” eu falei “então nós não
vamos aceitar o mensalão” ele
disse “não não vamos aceitar o
mensalão” “então está fechada a
nossa posição vamos resistir a
isso”
e) (49-50) “Roberto é muito dinheiro eu não
acredito nisso” digo “acredite
amigo porque tá acontecendo”
“não acredito”
f) (52-53)“Miro tá havendo o MENSALÃO
isso é um escândalo” o Miro falou
“Não é possível Roberto” eu falei
“diga ao presidente”
c) (115-116) Conversamos num vôo para
Belo Horizonte. “Walfrido,
está havendo essa história de
‘mensalão’.”
d) (117-118) “Em hipótese alguma. Eu
não terei coragem de olhar
nos olhos do presidente
Lula. Nós não vamos
aceitar.”
e) (129-130)“Roberto, é muito dinheiro, eu
não acredito nisso.”
f) (131-132)Falei: “Conte ao presidente
Lula que está havendo o
‘mensalão’”
71
g)(54-55) “conte isso ao presidente Lula isso
vai explodir AMIGO isso é um
esCÂNdalo vai explodir”
g) ( ? )
A eliminação de turnos, como se vê, é bastante significativa e certamente interfere no
“efeito de verdade” (Leite, 2005: 112) que Jefferson queria imprimir ao seu discurso. Ao
empregar o DD, ele utiliza marcadores conversacionais, para dar ares de realidade àquilo que
está contando, como “então” nos exemplos c e d; emprega, também, os vocativos “Roberto” e
“Múcio”, no exemplo b, “Roberto”, no exemplo c, “Miro” e “Roberto” no exemplo f, mais
uma característica muito forte da fala, como se ele estivesse encenando as situações relatadas,
fazendo múltiplos papéis. Outra forma de alcançar o efeito de realidade pretendido é a
reprodução da fala em “que que é”, “tô” e “pra” no exemplo c.
O DD eliminado no exemplo e, por sua vez, era introduzido pelo verbo de elocução
“digo”, no presente do indicativo, o que, para Leite, “constrói um efeito de sentido de
perenidade da situação” (2005: 101), o que viria dar mais credibilidade à argumentação de
Jefferson.
No exemplo c, foram eliminados os turnos dos dois interlocutores: Walfrido, em
primeiro lugar, seguido de Jefferson. Tais turnos descreviam a situação em que se
encontraram e mostram que o encontro não foi ao acaso. Na retextualização, o leitor fica sem
essa informação e Jefferson, sem a força pragmática que quis conferir ao enunciado.
No exemplo a, elimina-se o turno em que o líder do PTB na Câmara, ao ser
pressionado para que seu partido receba o “mensalão”, enfatiza a posição contrária do
presidente do partido, no caso, o entrevistado, o que confere muita força à argumentação,
porque é a “voz” de outra pessoa revelando a posição de Jefferson e não dele próprio.
Os dois turnos eliminados no exemplo d são atribuídos por Roberto Jefferson a ele
mesmo, o primeiro marcado pelo verbo de elocução falei e o segundo reconhecido pela
entonação e pelo emprego do marcador conversacional então, que claramente introduz outra
“voz” no fio de seu discurso. O primeiro turno eliminado atribui a Jefferson a iniciativa de
não aceitação do “mensalão”, acompanhada por Walfrido em seu turno, no qual, primeiro,
concorda com Jefferson dizendo “não”, para, em seguida, firmar a sua posição “não vamos
aceitar o mensalão”; o segundo turno eliminado, iniciado pelo marcador conversacional
72
“então”, encerra o assunto, como alguém que tem autoridade para tanto e, ao ser eliminado,
esvazia-se a força ilocutória de seu ato de linguagem (cf. Maingueneau, 1996: 7).
3.1.5. A retextualização e suas conseqüências para a interpretação da enunciação
Nas quatro operações de retextualização analisadas em nosso corpus, confirmamos
que a mudança da modalidade oral para a escrita acarreta grandes alterações no sentido dos
enunciados. Referimo-nos, principalmente, àquelas que dizem respeito à força ilocutória que
o enunciador quis conferir ao seu enunciado. Estando o entrevistado em uma posição de
desvantagem perante a opinião pública (cf. Cap. 1 – Procedimentos Metodológicos, item 1.2.
Contexto histórico), era esperado que, durante as duas entrevistas, ele procurasse convencer o
leitor do jornal, se não de sua inocência - uma vez que ele admite a prática de atos ilegais
como deputado e por essa razão tem seu mandato cassado -, de que tais atos são comuns no
governo e praticados por muitos outros políticos e, mais do que isso, de que havia deputados
em situação moral muito pior do que a sua, uma vez que nem ele nem seu partido aceitaram o
recebimento do “mensalão”, enquanto muitos outros, segundo ele, aceitaram. É movido por
esses objetivos que o entrevistado emprega repetições, paráfrases, digressões e o DR como
estratégias argumentativas com a clara intenção de colocar a opinião pública a seu favor. A
retextualização do jornal Folha de S.Paulo esvazia essa função ilocutória de seu ato de
linguagem, neutralizando-a naquilo que era de interesse do entrevistado. 10
10 Lembramos que a retextualização analisada neste trabalho refere-se a uma das quatro possibilidades elencadas por Marcuschi (2003-b) – a passagem da fala (entrevista oral) para a escrita (entrevista impressa) – e é por essa razão que não incluímos neste item o jornal O Estado de S.Paulo. Para incluí-lo, precisaríamos desenvolver uma metodologia de análise para verificar a retextualização da escrita (texto escrito) para a escrita (resumo escrito), o que não seria possível para os limites deste trabalho.
73
3.2. Os verbos de elocução
Procuraremos verificar a hipótese, defendida pelos autores em nosso referencial
teórico, de que a utilização dos verbos introdutores de opiniões, ou verbos de elocução, além
de funcionarem como organizadores de duas enunciações, agem sobre o DR, condicionando a
interpretação de tal discurso. Partiremos das sete classes gerais de funções organizadoras
apontadas por Marcuschi (1991) e procuraremos, no âmbito da ação de tais verbos, seguir a
proposta de categorização de Gavazzi e Rodrigues (2003), fazendo uma análise comparativa
entre trechos da retextualização da entrevista do dia 12 de junho de 2005 no jornal Folha de
S.Paulo e no jornal O Estado de S.Paulo. Antes, fazem-se necessárias algumas observações.
O jornal Folha de S.Paulo, detentor da exclusividade da entrevista, opta pela retextualização
na forma pergunta e resposta, dividindo a entrevista em algumas páginas do jornal e fazendo,
em cada um desses trechos, um texto introdutório no qual apresenta alguns trechos da
entrevista utilizando alguns verbos de elocução. O jornal O Estado de S.Paulo, por sua vez,
opta por uma retextualização global e, por essa razão, utiliza mais os verbos de elocução.
Nossa proposta é fazermos uma análise comparativa entre as duas retextualizações, para
verificarmos, ou não, a ocorrência de diferenças na função e na ação dos referidos verbos. Os
marcadores e numerações empregados na análise correspondem aos empregados em nosso
referencial teórico quando tratamos da função e da ação dos verbos de elocução.
3.2.1. Jornal Folha de S.Paulo
(1) “Em nova entrevista exclusiva, presidente do PTB afirma que ‘mesada’ para parlamentares aliados chegava
a Brasília em malas
Dinheiro do ‘mensalão’ vinha de estatais e empresas, diz Jefferson
Em nova entrevista exclusiva à Folha, o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), afirma que o
dinheiro do ‘mensalão’ pago pelo PT a deputados de partidos aliados no Congresso vinha de estatais e de
empresas do setor privado.
‘Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em malas’, diz Jeferson. (...)
O presidente do PTB afirma não ter provas, mas diz que, em depoimento na Câmara na próxima terça, vai
contar tudo o que ‘vivenciou’ nesta relação de dois anos e meio com o governo do PT’. (...)
74
Jefferson, que se diz contrário ao recebimento do ‘mensalão’ entre deputados do seu partido, fechou, porém,
outro acordo com o PT. (...) ‘O primeiro recurso chegou em julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie’,
diz.(...)” ( ANEXO B-5)
Segundo a classificação proposta por Marcuschi, temos, no trecho (1), a ocorrência
dos verbos dizer e afirmar, que são “indicadores de afirmações positivas” (I) e criam o efeito
de “imparcialidade” (a) sugerido por Gavazzi e Rodrigues, o que mostra, de início pelo
menos, que a Folha não pretende se posicionar claramente em relação às declarações de seu
entrevistado. Vejamos se esse posicionamento se confirma nas outras páginas.
(2) “Homem de Delúbio carregava mesada na mala, diz Jefferson
Presidente do PTB diz que ‘mensalão’ era recolhido entre empresas e estatais
Depois de anunciar que só voltaria a falar na sindicância da Câmara e na CPI, o deputado Roberto Jefferson
decidiu romper o silêncio e, na noite de sexta-feira, revelou novos detalhes sobre o ‘mensalão’, que denunciara
em entrevista à Folha publicada na segunda. (...)”(ANEXO B-6)
No trecho (2), o jornal mantém o posicionamento da capa, procurando manter o
mesmo distanciamento da fala de seu entrevistado.
(3) “Jefferson nega ter gravações e diz que negociava cargos no Planalto, numa sala reservada a Silvio Pereira,
na presença de Delúbio e Dirceu (...)
Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do ‘mensalão’ para mostrar à CPI. ‘Tenho a
palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.’
O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a ocupação de cargos no
governo. ‘Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa salinha reservada ao Silvio Pereira. De vez
em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava. O
Genoino também.’” (ANEXO B-7)
O uso, por duas vezes no exemplo (3), do verbo negar, que é, segundo Marcuschi,
“organizador dos aspectos conflituosos” (VI), pode ser explicado da seguinte forma: após a
primeira entrevista, especulou-se que o deputado teria provas das acusações que fizera,
causando polêmica. O verbo negar, aí, retoma tal polêmica. Com efeito, seguindo Gavazzi e
75
Rodrigues, classificaríamos esse verbo na categoria “polemização” (d), na qual os verbos são
utilizados para mostrar o conflito causado pelas declarações dos falantes. Ainda segundo as
autoras, o uso do verbo descrever é “descritivo” e não “avaliativo”, colocando-se o jornal em
posição metalingüística ou, como prefere Marcuschi, organizando um “momento
argumentativo no conjunto do discurso” (V).
(4) “Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em ‘armadilha’ preparada pelo
ministro José Dirceu (...)
Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa ‘armadilha’ do ministro
José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios. (...) (ANEXO B-8)
Por fim, no exemplo (4), mais um verbo – acusar - que podemos classificar no rol dos
“verbos interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido” (VII), agindo como
desencadeador de “polemização” (d) e a opção novamente pelo verbo dizer, criando o efeito
de “imparcialidade” (a).
Resumindo, temos o seguinte quadro da função e da ação dos verbos de elocução
utilizados na Folha:
3.2.1.1. Função
Verbos “indicadores de posições oficiais e afirmações positivas” (I):
Exemplo 1: afirmar (3 vezes)
dizer (5 vezes)
Exemplo 2: dizer (2 vezes)
revelar
Exemplo 3: dizer
Exemplo 4: dizer (2 vezes)
Verbos “organizadores de um momento argumentativo no conjunto do discurso” (V):
Exemplo 3: descrever
Verbos “indicadores de retomadas opositivas, organizadores dos aspectos conflituosos” (VI):
Exemplo 3: negar (2 vezes)
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Verbos “interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido” (VII):
Exemplo 4: acusar
3.2.1.2. Ação
Verbos descritivos:
Exemplo 3: descrever
Verbos avaliativos:
Categoria efeito de “imparcialidade” (a):
Exemplo 1: afirmar (3 vezes) e dizer (5 vezes)
Exemplo 2: dizer (2 vezes) e revelar
Exemplo 3: dizer
Exemplo 4: dizer (2 vezes)
Categoria “polemização” (d):
Exemplo 3: negar (2 vezes)
Exemplo 4: acusar
3.2.2. Jornal O Estado de S.Paulo.
(5) “Mensalão vinha na mala, conta Jefferson. (...)
Presidente do PTB volta à carga e diz que mesada a deputados era paga em dinheiro vivo, proveniente de
empresas estatais e privadas
O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) voltou a acusar o esquema de mesadas a deputados, afirmando que o
chamado mensalão era pago em dinheiro vivo, provinha de estatais e empresas privadas, e trazido em malas,
basicamente por dois ‘operadores’, o líder do PP na Câmara, deputado José Janene (PR), e o publicitário Marcos
Valério, dono das empresas DNA Propaganda e SMP&B, ambas de Belo Horizonte. (...)
Na nova entrevista que concedeu ao jornal Folha de S.Paulo, Jefferson garantiu que as direções do PP e do PL
recebiam diretamente os recursos para pagar o mensalão. (...)
Jefferson acusou seu colega José Janene de forma contundente. De acordo com o presidente do PTB, Janene
seria um dos ‘operadores’ diretos do esquema do mensalão, informando que ele ‘vai na fonte, pega, vem’. E
disse mais: ‘Eu já vi o Zé Dirceu muito irritado com ele porque ele se apresentava como ‘operador’ do Zé
Dirceu’.
77
Segundo Jefferson, as dificuldades que o governo passou a enfrentar este ano no Congresso são ‘uma crise de
abstinência’: ‘O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes
da base: o dinheiro para pagar o exército mercenário, a bancada de aluguel’, afirmou. (...)
O deputado petebista narrou as reações do presidente, insistindo na versão de que Lula chorou quando ouviu a
história do mensalão: ‘Foi como se alguém dissesse (para ele) ‘olha ali a tua mulher com outro homem’, aquela
reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas brotaram’. (...)” (ANEXO D-1)
O trecho (5) inicia com o verbo contar, curiosamente não contemplado pelo estudo de
Marcuschi nem pelo estudo de Gavazzi e Rodrigues. Podemos classificá-lo como pertencente
à área semântica dos verbos “indicadores de afirmações positivas” (I), como afirmar, declarar,
comunicar, porém nos arriscamos a levantar a hipótese de que sua ação difere da levantada
nos exemplos 1 a 4 para esses verbos; contar, aqui, encaixar-se-ia na categoria “valorização
negativa” (b) do entrevistado, remetendo ao sentido “contar uma história”, desacreditando-a.
Vejamos se essa hipótese se confirma.
O verbo dizer, bastante presente nos exemplos 1 a 4, aparece apenas 2 vezes no
exemplo 5. Além dele, os outros verbos que procuram criar um efeito de “imparcialidade” (a)
são afirmar (2 vezes) e informar. A locução verbal voltou a acusar e o verbo acusar,
classificados como “organizadores de aspectos conflituosos” (VI), criam um efeito de
“polemização” (d); os verbos garantir e insistir, por sua vez, “indicadores de força do
argumento” (II), valorizam negativamente a fala do entrevistado, principalmente o verbo
insistir, antecedido do verbo narrar, que nos remete à hipótese levantada no início com o
verbo contar. A utilização de tais verbos - contar e narrar -, até aqui, vai-se nos afigurando
como uma tentativa de desacreditar a fala do entrevistado, comparando-a a uma história, fruto
de sua imaginação.
(6) “Na entrevista, Jefferson contou que, logo após a divulgação da primeira denúncia dos Correios, os ministros
José Dirceu e Aldo Rebelo tentaram convencê-lo a atrair a crise para si – e depois ele seria ajudado a livrar-se do
problema. (...)
O parlamentar fluminense atacou seletivamente o comando do PT, nomeando as pessoas que busca atingir:
“Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira (secretário-geral do partido), Zé Dirceu. É esta a cabeça’, acusou. E deu o
seu diagnóstico: ‘O PT entendia, na sua cabeça, na sua cúpula, que era muito mais barato alugar um deputado
do que discutir com os partidos um projeto de governo’.
Nessa parte da entrevista, ele acusou diretamente o ministro José Dirceu. Disse que vários ministros (mencionou
Ciro Gomes, Paulo Bernardo, Aldo Rebelo e José Dirceu) quiseram ir a sua casa para demovê-lo a resistir à
78
primeira denúncia e retirasse sua assinatura da CPI. Jefferson teria se recusado a recebê-los. ‘No dia seguinte’,
contou, ‘eu estava tomando banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda subir os ministros
Aldo Rebelo e Zé Dirceu. (...)
Com o passar dos dias, percebeu um erro tático e disse ao ministro Walfrido dos Mares Guia: ‘Vão botar tudo no
colo do PTB’. E acrescentou: “Eu vejo nitidamente o dedo desse segmento – Zé Dirceu, Genoino, Delúbio –
para colocar esse cadáver podre no colo do PTB’, reiterou agora.
Na entrevista, Jefferson rebateu a afirmação de Delúbio – de que estaria fazendo chantagem com o PT e o
governo. ‘No ano passado, eu falei do mensalão aos ministros. Isso não é chantagem. Chantagear é para ganhar
dinheiro’, esquivou-se.
E definiu, com frieza calculada o estado das relações do PTB com o governo: ‘Chegamos a um ponto em que
se exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que podem continuar na base do governo. Eu
entendo que acabou a relação’.
Antes, revelou as penosas conversas sobre a repartição de cargos, quase todas, segundo ele, feitas numa sala
ocupada por Sílvio Pereira, secretário-geral do PT, em pleno Palácio do Planalto.
Com a mesma frieza, passou mais um recado para garantir a tensão dos próximos dias: reconheceu que ‘as
coisas têm de ser paulatinas’ e explicou por que tem falado em conta-gotas para contar o que sabe. ‘Se eu falo
paulatinamente, não é por chantagem. É para ir mostrando como as coisas se deram.’, explicou, como se
estivesse compondo um roteiro de novela.
No arremate, o recado final: ele não se sente ameaçado em sua segurança pessoal. ‘Se fizerem alguma coisa
comigo’, advertiu, ‘cai a República’. (ANEXO D-1)
Novamente, no trecho (6), aparece o verbo contar (2 vezes), para o qual continuamos
a defender a hipótese de “valorização negativa” (b) do entrevistado. Verbos que poderiam ser
considerados “neutros”, neste trecho, são os seguintes: dizer (2 vezes), indicador de
“afirmações positivas” (I), e acrescentar e explicar, “organizadores de um momento
argumentativo no conjunto do discurso” (V); quanto aos dois últimos, Gavazzi e Rodrigues
enquadram acrescentar no quadro de “verbos descritivos” e explicar no quadro de “verbos
avaliativos”, na categoria de “valorização positiva” (c) da fala do entrevistado. Estaríamos,
então, errados quanto à nossa hipótese de valorização negativa do entrevistado? Não nos
deixemos enganar pelas aparências, pois, logo em seguida, tal valorização é invertida, pois o
mesmo verbo é repetido, seguido da expressão “como se estivesse compondo um roteiro de
novela”. Confirma-se aqui, portanto, nossa hipótese: a fala do entrevistado é desacreditada
pelo jornal. Atacar, acusar (2 vezes), reiterar e rebater, “organizadores dos aspectos
conflituosos” (VI), agem na categoria de “polemização” (d). Esquivar-se, também com a
mesma função, age, porém, na categoria de “valorização negativa” (c), pois o assunto do qual
o entrevistado trata, naquele momento, é muito delicado: ele está rebatendo uma acusação de
79
chantagem, e o jornal, ao utilizar tal verbo, desacredita sua fala. Logo após os verbos atacar e
acusar, o jornal utiliza a expressão “deu o seu diagnóstico”, equivalente ao verbo
diagnosticar, classificado por Gavazzi e Rodrigues na categoria “valorização positiva” (c),
que é aquela em que a figura do entrevistado é enaltecida, colocando-o em posição de
superioridade. Na verdade, não é esse o caso, mas o mínimo que se espera de uma pessoa que
está fazendo acusações tão sérias é uma explicação para os fatos denunciados. Por essa razão,
acreditamos que a função do termo é a mesma dos “verbos indicadores de força do
argumento” (II) e sua ação é a “polemização” (d). O verbo definir, empregado duas vezes no
texto, organizador “de um momento argumentativo no conjunto do discurso” (V), é
classificado por Gavazzi e Rodrigues como um verbo apenas “descritivo”, porém sua ação
deixa de ser “neutra” no texto quando ele vem acompanhado da expressão modal “com frieza
calculada”, e passa a valorizar negativamente a fala do entrevistado. O verbo revelar,
indicador de “afirmações positivas” (I), mostra que o fato revelado era um segredo que agora
era tirado de sua condição velada e, desse modo, cria “polemização” (d). Advertir,
classificado como um dos “verbos interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido”
(VII), age de maneira a criar “polemização” (d), no momento em que o entrevistado diz não
temer por sua segurança, pois há muitas pessoas do governo envolvidas em suas denúncias.
Assim, o entrevistado “apimenta” ainda mais a discussão e gera expectativa quanto ao seu
depoimento na Comissão de Ética da Câmara.
Abaixo, o quadro das funções e das ações dos verbos no jornal O Estado de S.Paulo:
3.2.2.1. Função
Verbos “indicadores de posições oficiais e afirmações positivas” (I):
Exemplo 5: contar
dizer (2 vezes)
afirmar (2 vezes)
informar
narrar
Exemplo 6: contar (2 vezes)
dizer (2 vezes)
revelar
Verbos “indicadores de força do argumento” (II):
Exemplo 5: garantir
80
insistir
Verbos “organizadores de um momento argumentativo no conjunto do discurso” (V):
Exemplo 6: acrescentar
explicar
definir
Verbos “indicadores de retomadas opositivas, organizadores dos aspectos conflituosos” (VI):
Exemplo 5: acusar (2 vezes)
Exemplo 6: atacar
acusar (2 vezes)
reiterar
rebater
esquivar-se
Verbos “interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido” (VII):
Exemplo 6: advertir
3.2.2.2. Ação
Verbos descritivos:
Exemplo 6: acrescentar
Verbos avaliativos:
Categoria efeito de “imparcialidade” (a):
Exemplo 5: dizer (2 vezes)
afirmar (2 vezes)
informar
Exemplo 6: dizer (2 vezes)
Categoria “valorização negativa” (b):
Exemplo 5: contar
garantir
insistir
narrar
Exemplo 6: contar (2 vezes)
explicar (2 vezes)
esquivar-se
definir
81
Categoria “polemização” (d):
Exemplo 5: acusar (2 vezes)
Exemplo 6: atacar
acusar (2 vezes)
reiterar
rebater
revelar
advertir
dar o diagnóstico
3.2.3. O uso dos verbos de elocução e suas conseqüências para a interpretação da enunciação
Comparando os resultados obtidos para os dois jornais quanto à ação dos verbos
introdutores de opiniões, podemos chegar a algumas conclusões quanto ao seu uso.
JORNAL EXEMPLO VERBO FUNÇÃO AÇÃO
Folha de S.Paulo 1 Afirmar (3x) Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
Folha de S.Paulo 1 Dizer (5x) Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
Folha de S.Paulo 2 Dizer (2x) Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
Folha de S.Paulo 2 Revelar Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
Folha de S.Paulo 3 Dizer
Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
Folha de S.Paulo 4 Dizer (2x) Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
Folha de S.Paulo 3 Descrever
Organizadores de momento
argumentativo Descritivo
Folha de S.Paulo 3 Negar (2x) Organizadores dos aspectos
conflituosos
Avaliativo: polemização
Folha de S.Paulo 4 Acusar
Interpretativos do caráter
ilocutivo do discurso referido
Avaliativo: polemização
O Estado de S.Paulo
5 Contar
Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: valorização negativa
82
O Estado de
S.Paulo 5 Dizer (2x) Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
O Estado de
S.Paulo 5 Afirmar (2x) Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
O Estado de
S.Paulo 5
Informar Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
O Estado de
S.Paulo 5
Narrar Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: valorização negativa
O Estado de
S.Paulo 6 Contar (2x) Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: valorização negativa
O Estado de
S.Paulo 6 Dizer (2x) Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: efeito de
imparcialidade
O Estado de
S.Paulo 6
Revelar Indicadores de posições oficiais
e afirmações positivas
Avaliativo: polemização
O Estado de
S.Paulo 5
Garantir Indicadores de força de
argumento
Avaliativo: valorização negativa
O Estado de
S.Paulo 5
Insistir Indicadores de força de
argumento
Avaliativo: valorização negativa
O Estado de
S.Paulo 6
Acrescentar Organizadores de momento
argumentativo
Descritivo
O Estado de
S.Paulo 6
Explicar (2x) Organizadores de momento
argumentativo
Avaliativo: valorização negativa
O Estado de
S.Paulo 6
Definir Organizadores de momento
argumentativo
Avaliativo: valorização negativa
O Estado de
S.Paulo 5 Acusar (2x) Organizadores dos aspectos
conflituosos
Avaliativo: polemização
O Estado de
S.Paulo 6
Atacar Organizadores dos aspectos
conflituosos
Avaliativo: polemização
O Estado de
S.Paulo 6 Acusar (2x) Organizadores dos aspectos
conflituosos
Avaliativo: polemização
O Estado de
S.Paulo 6
Reiterar Organizadores dos aspectos
conflituosos
Avaliativo: polemização
O Estado de
S.Paulo 6
Rebater Organizadores dos aspectos
conflituosos
Avaliativo: polemização
O Estado de
S.Paulo 6
Esquivar-se Organizadores dos aspectos
conflituosos
Avaliativo: valorização negativa
O Estado de
S.Paulo 6
Advertir Interpretativos do caráter
ilocutivo do discurso referido
Avaliativo: polemização
O Estado de 6 Dar o
Indicadores de força do
argumento
Avaliativo: polemização
83
S.Paulo diagnóstico
Quanto à função de tais verbos, temos, no jornal Folha de S.Paulo, o predomínio dos
“verbos indicadores de posições oficiais e afirmações positivas” (I), que agem criando um
efeito de “imparcialidade” (a), bem apropriado a um jornal que está publicando, com
exclusividade, denúncias que atingem as mais altas esferas de poder do país. O jornal procura
colocar-se numa posição “neutra”, evitando, inclusive, polemizar (d), visto que só
encontramos duas ocorrências de verbos dessa categoria, e, também, valorizar positivamente
(c) a figura do entrevistado, o que poderia ser um sinal de apoio, ou negativamente (b), o que
seria um sinal de descrédito de sua fonte exclusiva.
O jornal O Estado de S.Paulo, por sua vez, faz uma utilização muito diversa da Folha.
Os “verbos indicadores de posições oficiais e afirmações positivas” (I), embora apareçam
também em O Estado, não só criam um efeito de “imparcialidade” (a), mas também agem
polemizando (d) e valorizando negativamente (b) a figura do entrevistado. Os outros verbos,
em sua maioria, têm a função de organizar a argumentação, agindo sempre no sentido de
polemizar (d) ou valorizar negativamente (b) o entrevistado. O Estado, portanto, posiciona-se
claramente contra o entrevistado, revelando suas convicções políticas, ideológicas e, por que
não dizer, econômicas. Afinal o “furo” de reportagem, empregando aqui um jargão
jornalístico, não foi seu, mas de seu concorrente. A Folha, porém, ao se colocar em posição
“neutra”, não revela menos do que O Estado suas convicções políticas ou ideológicas, apenas
mostra seu grau de comprometimento com uma fonte de informação que, dependendo do
tratamento que lhe for dado, pode “secar”.
84
3.3. O uso das aspas
Selecionamos, abaixo, os trechos dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo,
no período de 6 a 12 de junho de 2005, nos quais verificamos o uso das aspas para os casos já
mencionados em nosso referencial teórico. Os textos que serão nosso objeto de análise neste
momento são de duas naturezas: os do jornal Folha de S.Paulo pertencem ao que ele
denomina texto introdutório, que deve sempre vir antes de entrevistas no formato pingue-
pongue, ou seja, aquelas em forma de pergunta e resposta. A orientação do jornal para esse
tipo de entrevista é a seguinte: “Exige texto introdutório contendo a informação de mais
impacto” (Manual da Redação, 2006: 66). Portanto, ao elaborar esse texto, o jornalista faz a
seleção do DD por critérios subjetivos, segundo o que ele julga que possa causar maior
impacto no leitor, o qual possui, em seguida, a íntegra da entrevista com o DD no contexto em
que ele foi enunciado, mas já retextualizado, acrescente-se. O jornal O Estado de S.Paulo
retextualiza a entrevista do deputado Roberto Jefferson a partir da entrevista publicada na
Folha e o faz na forma de um resumo construído em duas vozes: a do jornalista e a do
entrevistado, relatando seu discurso em DI e em DD e também no que Maingueneau
denomina “resumo com citações”, um tipo de DR muito utilizado na imprensa e que pretende
ter o valor de um documento:
Nesse resumo com citações, as unidades entre aspas são empregadas ao mesmo tempo como no
DI, que restitui o sentido, e como no DD, que restitui as palavras empregadas: o leitor apreende
o sentido e, ao mesmo tempo, lê as palavras mesmas utilizadas pelo enunciador citado.
(Maingueneau, 2004: 155)
Quanto à simbologia adotada, reforçamos: num dado discurso que contém a
mensagem M, entre dois pares de interlocutores L e R, ocorrido numa determinada situação
SIT, com seu tempo T, seu lugar L e outros dados referenciais, ocorre uma referência a um
outro discurso que contém a mensagem m, entre dois pares de interlocutores l e r, ocorrido
numa determinada situação sit, com seu tempo t, seu lugar l e outros dados referenciais (cf.
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Authier-Revuz, 2001:146). Denominaremos, ainda, E o discurso citante e e o discurso citado,
o qual estará em negrito.
a) Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, afirma em entrevista exclusiva que o tesoureiro do PT,
Delúbio Soares, pagava um “mensalão” a parlamentares em troca de apoio no Congresso. (...)
(...) A partir daí, afirma, o “mensalão” acabou.
Jefferson diz que a mesada era tática do partido. “É mais barato pagar o exército mercenário do que
dividir poder.”
(...)
Questionado sobre por que mudou de idéia, disse que o governo agiu para isolar o PTB. “Vai ter que
sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos chacais. Estou percebendo
que estão evacuando o quarteirão e o PTB está ficando isolado para ser explodido.” (ANEXO B-1)
b) “(...)
Segundo ele, a cúpula do PTB rejeitou a oferta do “mensalão”, feita ainda em 2003, e, a partir de então,
ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo. “O Zé [Dirceu] deu um soco na mesa: ‘O Delúbio
está errado. Eu falei para não fazer’”.
Jefferson conta que, em janeiro deste ano, falou com Lula. “Presidente, o Delúbio vai botar uma
dinamite na sua cadeira. Ele continua dando ‘mensalão’ aos deputados.” “Que ‘mensalão’?”. Jefferson
explicou. “O presidente Lula chorou.” E depois da conversa com Lula? “Tenho notícia de que a fonte secou.
A insatisfação está brutal [na base aliada] porque a mesada acabou.”
Chamado a explicar a lógica da mesada, Jefferson diz: “É mais barato pagar o exército mercenário
do que dividir poder”. O PT, no entender do deputado, “nos usa [aos partidos aliados] como uma amante e
tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”.
(...) (ANEXO B-2)
c) Presidente do PTB diz que o PT trata seu partido “como se fosse gente de segunda” e que vai enfrentar
a situação de peito aberto
‘Sim, eu preciso da CPI, eu errei’, diz Jefferson Depois de assinar e dias depois retirar seu nome da lista de parlamentares a favor da CPI dos Correios
no Congresso, Roberto Jefferson disse ontem que a instalação da comissão é “fundamental” para a sua imagem
e de seu partido. “Sim. Eu preciso [da CPI]. Eu errei. Eu não deveria ter recuado, não deveria ter
recuado.”
(...) Para ele, o partido do presidente “não tem coração”. E mais: “Ele [o PT] nos usa como uma
amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”.
Sobre o Palácio do Planalto, se declarou abandonado após as recentes denúncias de corrupção
envolvendo seu nome. “O governo se afastou, correu. Não são parceiros, não são solidários.”
(...)
86
E confessou: “[O momento] é difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito aberto”.
(ANEXO B-4)
d) O “mensalão” que teria sido pago a deputados federais, em particular do PP e do PL, na base de cem
vezes o “mensalinho”, o salário mínimo, se tornou o aspecto mais importante das recentes denúncias do
deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB. De fato, o “mensalão” choca pelo que tem de vergonhosamente
insólito, pela sua propalada fonte de financiamento, pela estatura política e pela aventada omissão dos
interlocutores a quem o deputado disse ter levado o assunto.
Entretanto, quando se lê a íntegra da entrevista há outras menções que não causaram tanto espanto da
classe política, mas que por isso mesmo são escandalosas pelo que revelam da trivialidade com que certos
negócios políticos são tratados no Brasil. Vejamos alguns desses trechos.
Sobre seu relacionamento com Lídio Duarte, ex-presidente do IRB (a resseguradora estatal), indicado
para o cargo pelo PTB, o deputado explicou: “... eu pedi a ele que ajudasse através das seguradoras e
corretoras, que ele influísse para que elas fizessem doações ao PTB...” Ou seja, não se vê nenhum problema
em pedir ao então presidente do IRB que usasse sua posição para angariar contribuições desse tipo, um pedido
que, se atendido, o colocaria em posição vulnerável pelo que poderia ser solicitado em troca. (...)
Sobre a reportagem da revista Época desta semana, na qual se aponta um sorveteiro como “laranja” do
deputado em duas rádios, Jefferson declarou que um empresário “...pediu duas concessões de rádio, e eu
ofereci”. E disse: “Você vai colocar lá o Durval (o sorveteiro), ... amigo do peito. Você vai ajudar dando a
ele a participação acionária na contrato social da rádio. É uma maldade, é uma perversidade da revista
tratar o Durval como laranja.” Ou seja, não se vê nenhum problema em intermediar a concessão de um
serviço público, esse da rádio, para um ou outro protegido. (...) (ANEXO D-1)
e) Sobre “boa fé”, quem entrega os Correios a um político com o passado “troglodita” auto-assumido por
Roberto Jefferson não tem boa fé nem é socialista. Tem cegueira (ou talvez coisa pior, dependendo do
andamento das investigações). (ANEXO B-9)
f) Em nova entrevista exclusiva à Folha, o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), afirma
que o dinheiro do “mensalão” pago pelo PT a deputados de partidos aliados no Congresso vinha de estatais e de
empresas do setor privado.
“Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em malas”, diz Jefferson. “Sei que as direções do PP
e do PL recebiam.”
O presidente do PTB afirma não ter provas, mas diz que, em depoimento na Câmara na próxima terça,
vai contar tudo o que “vivenciou” “nesta relação de dois anos e meio com o governo do PT”. A discussão
sobre cargos entre os dois partidos acontecia, segundo ele, no Palácio do Planalto, em uma sala “ao lado do
gabinete” do ministro José Dirceu.
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(...) Teria sido aprovada uma verba de R$ 20 milhões. “O primeiro recurso chegou em julho: R$ 4
milhões, em dinheiro, em espécie”, diz. Segundo ele, as outras parcelas não vieram, “tensionando a relação”
PTB-PT. Na entrevista, Jefferson poupa Luiz Inácio Lula da Silva. “Deixaram o presidente completamente
desinformado. (ANEXO B-5)
g) (...) Dinheiro que, segundo ele, chegava a Brasília “em malas” para ser distribuído em ação comandada
pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, com a ajuda de “operadores” como o publicitário Marcos Valério e o
líder do PP na Câmara, José Janene (PP-PR).
Levado ao centro do noticiário pelos escândalos nos Correios e no IRB e transformado em pivô da pior
crise política enfrentada por Lula a partir da denúncia do “mensalão”, Jefferson nega ter gravações
comprometedoras contra autoridades do governo, contrariando os rumores que tomaram conta de Brasília ao
longo da semana. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.”
Ao repisar o histórico do que teriam sido suas advertências contra o “mensalão”, Jefferson não poupa
ministros, mas procura proteger Lula, a quem nada teria sido relatado até uma conversa com o próprio deputado
no início deste ano. A partir daí, volta a dizer Jefferson, a mesada teria cessado. “O corpo mole [na Câmara] é
porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base.”
Se poupa Lula, Jefferson faz o oposto com o ministro José Dirceu e com os demais integrantes do que
ele chama de “cabeça” do PT: José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno. Narra suas
reuniões com esse time para tratar da distribuição de cargos, em uma sala “reservada ao Silvio Pereira” ao lado
do gabinete de Dirceu no Palácio do Planalto.
Do apartamento funcional que ocupa em Brasília, Roberto Jefferson concedeu por telefone a entrevista
que segue abaixo e nas duas páginas seguintes. O deputado diz não temer por sua segurança. “Se fizerem
alguma coisa comigo, cai a República.” (ANEXO B-6)
h) Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do “mensalão” para mostrar à CPI.
“Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.”
O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a ocupação de
cargos no governo. “Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa salinha reservada ao Silvio
Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé
Dirceu participava. O Genoino também.” (ANEXO B-7)
i) Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em “armadilha” preparada
pelo ministro José Dirceu
“Se fizerem algo comigo, cai a República” Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa “armadilha” do
ministro José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios. A partir daí, “recrudesceu o
noticiário, e eu vi claramente a mão do governo”.
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A mesma mão ele vê na orientação do trabalho investigativo da Polícia Federal. “A PF faz tudo na
correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética.”
O deputado lança um desafio: duvida que Dirceu venha a público negar suas acusações. Rejeita a idéia
de estar praticando chantagem ao não contar sua história toda de uma vez e se diz tranqüilo, apesar de tudo.
“Estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido,
quanto à sociedade brasileira." (ANEXO B-8)
j) 1. O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) voltou a acusar o esquema de mesadas a deputados,
afirmando que o chamado mensalão era pago em dinheiro vivo, provinha de estatais e empresas privadas, e
trazido em malas, basicamente por dois “operadores”, o líder do PP na Câmara, deputado José Janene (PR), e o
publicitário Marcos Valério, dono das empresas DNA Propaganda e SMP&B, ambas de Belo Horizonte.
(...)
Segundo ele, no PTB os parlamentares foram “acalmados” com a promessa de que, nas eleições, o PT
daria ao PTB recursos para serem divididos entre os candidatos trabalhistas. A primeira etapa dessa “parceria”
aconteceu nas eleições municipais de 2004 (...)
(...) De acordo com o presidente do PTB, Janene seria um dos “operadores” diretos do esquema do
mensalão, informando que ele “vai na fonte, pega, vem”. E disse mais: “Eu já vi o Zé Dirceu muito irritado
com ele porque ele se apresentava como ‘operador do Zé Dirceu’”.
Segundo Jefferson, as dificuldades que o governo passou a enfrentar este ano no Congresso são “uma
crise de abstinência”: “O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a
líderes e presidentes da base: o dinheiro para pagar o exército mercenário, a bancada de aluguel”,
afirmou. (...)
O deputado petebista narrou as reações do presidente, insistindo na versão de que Lula chorou quando
ouviu a história do mensalão: “Foi como se alguém dissesse (para ele) ‘olha ali tua mulher com outro
homem’, aquela reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas brotaram”. (...) (ANEXO D-2)
l) 2. (...) A sugestão era que Jefferson “matasse no peito” e “puxasse” a crise para o PTB, limpando a
área do PT e do governo. (...)
O parlamentar fluminense atacou seletivamente o comando do PT, nomeando as pessoas que busca
atingir: “Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira (secretário-geral do partido), Zé Dirceu. É esta a cabeça”,
acusou. E deu o seu diagnóstico: “O PT entendia, na sua cabeça, na sua cúpula, que era muito mais barato
alugar um deputado do que discutir com os partidos um projeto de governo”.
Nessa parte da entrevista, ele acusou diretamente o ministro José Dirceu. Disse que vários ministros
(mencionou Ciro Gomes, Paulo Bernardo, Aldo Rebelo e José Dirceu) quiseram ir a sua casa para demovê-lo a
resistir à primeira denúncia e retirasse sua assinatura da CPI. Jefferson teria se recusado a recebê-los. “No dia
seguinte”, contou, “eu estava tomando banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda
subir os ministros Aldo Rebelo e Zé Dirceu. Quando eu saio do banho, estão os dois sentados na sala”.
89
Segundo Jefferson, Dirceu teria repetido o pedido que antes fora feito por Chinaglia – “matar no peito
e puxar a crise para si”, prometendo nomear um indicado seu para a Eletronorte. Ele, então, concordou em
começar a “matar no peito”, isto é, retirar a assinatura da CPI.
Com o passar dos dias, percebeu um erro tático e disse ao ministro Walfrido dos Mares Guia: “Vão
botar tudo no colo do PTB”. E acrescentou: “Eu vejo nitidamente o dedo desse segmento – Zé Dirceu,
Genoino, Delúbio – para colocar esse cadáver podre no colo do PTB”, reiterou agora.
Na entrevista, Jefferson rebateu a afirmação de Delúbio – de que estaria fazendo chantagem com o PT e
o governo. “No ano passado, eu falei do mensalão aos ministros. Isso não é chantagem, é advertência.
Chantagear é para ganhar dinheiro”, esquivou-se.
E definiu, com frieza calculada o estado das relações do PTB com o governo: “Chegamos a um ponto
em que se exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que podem continuar na base do
governo. Eu entendo que acabou a relação.”
(...)
Com a mesma frieza, passou mais um recado para garantir a tensão dos próximos dias: reconheceu que
“as coisas têm de ser paulatinas” e explicou por que tem falado em conta-gotas para contar o que sabe. “Se eu
falo paulatinamente, não é por chantagem. É para ir mostrando como as coisas se deram”, explicou, como
se estivesse compondo um roteiro de novela.
No arremate, o recado final: ele não se sente ameaçado em sua segurança pessoal. “Se fizerem alguma
coisa comigo”, advertiu, “cai a República”. (ANEXO D-2)
3.3.1. As aspas e o DD sem verbo de elocução
Os verbos de elocução, como já vimos, podem direcionar a interpretação do discurso
relatado. Sua ausência, portanto, poderia pressupor uma isenção maior do enunciador em
relação a esse mesmo discurso. Façamos a verificação.
a) Jefferson diz que a mesada era tática do partido. “É mais barato pagar o exército
mercenário do que dividir poder.”
(...)
Questionado sobre por que mudou de idéia, disse que o governo agiu para isolar o PTB. “Vai
ter que sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos
chacais. Estou percebendo que estão evacuando o quarteirão e o PTB está ficando isolado
para ser explodido.” (ANEXO B-1)
90
No trecho a, verificamos que e, nos dois casos, é empregado para avalizar E, e o DD,
aqui, cumpre bem esse papel. É interessante notar, também, a rede metafórica criada por meio
da seleção do DD, que conduz o co-enunciador a um “campo de guerra”: “exército
mercenário”, “sangrar a cabeça”, “guilhotina”, “carne e sangue aos chacais”, “evacuando o
quarteirão”, “isolado”, “explodido”. Essa rede, aliás, já se inicia em E com o emprego da
palavra “tática”. Quando o interlocutor L fez a seleção do DD: “É mais barato pagar o
exército mercenário do que dividir poder”, ele também tinha à sua disposição, imediatamente
após, a paráfrase: “É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo.”
A intenção, nesse caso, ao fazer a seleção do DD, encaminha-nos para o cenário político
daquele momento, em que o deputado, acuado por diversas acusações, resolve deflagrar uma
verdadeira “guerra” contra seus “algozes”, justifica o espaço aberto na Folha para seu
pronunciamento e revela, poderíamos dizer, um certo sensacionalismo. Configura-se nesse
exemplo, portanto, o que Marcuschi denomina “interpretação pela seleção do que é
informado’, que é “um tipo especial de interpretação pelo interesse” (Marcuschi, 1991: 78).
b) Segundo ele, a cúpula do PTB rejeitou a oferta do “mensalão”, feita ainda em 2003, e, a
partir de então, ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo. “O Zé [Dirceu] deu
um soco na mesa: ‘O Delúbio está errado. Eu falei para não fazer’”. (ANEXO B-2)
No trecho acima, o DD também é usado como recurso argumentativo comprobatório
de E, exemplificando uma das tentativas de denúncia elencadas pelo deputado Roberto
Jefferson. Nesse trecho da entrevista, o deputado cita conversas que teve com seis pessoas e a
escolhida para exemplificar E foi justamente a do então ministro José Dirceu. Levantamos,
aqui, duas hipóteses: a primeira de que existe uma intenção de ressaltar a figura do ex-
ministro como, na melhor das hipóteses, uma pessoa omissa; a segunda diz respeito à atitude
enérgica (dar um soco na mesa) do ex-ministro quando informado por Roberto Jefferson,
seguindo a mesma linha de agressividade da capa.
c) Jefferson conta que, em janeiro deste ano, falou com Lula. “Presidente, o Delúbio vai
botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando ‘mensalão’ aos deputados.” “Que
‘mensalão’?”. Jefferson explicou. “O presidente Lula chorou.” E depois da conversa com
91
Lula? “Tenho notícia de que a fonte secou. A insatisfação está brutal [na base aliada]
porque a mesada acabou.” (ANEXO B-2)
O trecho acima é essencialmente polifônico. Nele, alternam-se dois planos de
enunciação: o plano do interlocutor L, no caso o jornalista, e o plano do interlocutor l, no caso
o deputado Roberto Jefferson, em conversa com o interlocutor r, o presidente Lula. As únicas
marcas tipográficas que delimitam tais planos são as aspas (Maingueneau, 2004: 140). O
interlocutor L, ao empregar tal recurso, assume algumas informações e não assume outras.
Por exemplo: L assume a informação “Jefferson explicou”, embora não tenha provas de que
isso tenha realmente ocorrido, uma vez que, na entrevista, o deputado apenas diz: “Aí eu
expliquei ao presidente”. Logo em seguida, coloca entre aspas a informação: “O presidente
Lula chorou”, não a assumindo. Se a assumisse, poderia ter dito: “Jefferson explicou e o
presidente Lula chorou”, mas assumi-la seria acreditar nela e se posicionar claramente, o que,
como vimos na análise dos verbos de elocução, a Folha evitou fazer. A ausência de introdutor
explícito confere dinamismo ao relato, como se fossem várias cenas de uma peça de teatro, e
transfere ao co-enunciador a tarefa de atribuir o discurso citado às fontes corretas.
d) Depois de assinar e dias depois retirar seu nome da lista de parlamentares a favor da CPI dos
Correios no Congresso, Roberto Jefferson disse ontem que a instalação da comissão é
“fundamental” para a sua imagem e de seu partido. “Sim. Eu preciso [da CPI]. Eu errei. Eu
não deveria ter recuado, não deveria ter recuado.” (ANEXO B-4)
No trecho acima, e vem, novamente, comprovar a tese de E: o DD é utilizado como
prova do DI e recurso argumentativo bastante forte, pois revela uma confissão do locutor l,
assumindo o seu erro; arrependido, elabora frases curtas e utiliza repetições enfáticas.
e) Na entrevista de ontem, o petebista também atacou o PT e o governo Luiz Inácio Lula da
Silva. Para ele, o partido do presidente “não tem coração”. E mais: “Ele [o PT] nos usa como
uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”. (ANEXO B-4)
92
O interlocutor l, na entrevista, ao afirmar que “o partido do presidente não tem
coração”, faz uma analogia à relação entre um homem e sua amante, aludindo à ausência de
amor nesse tipo de relação. A relação entre esses dois enunciados, portanto, é natural: o
segundo seria uma exemplificação do primeiro. Da forma como eles aparecem, entretanto, o
segundo acrescenta-se ao primeiro, conferindo-lhe uma gravidade maior, inclusive porque
nossa sociedade é monogâmica e relações extraconjugais não são aceitas.
f) Sobre o Palácio do Planalto, se declarou abandonado após as recentes denúncias de
corrupção envolvendo seu nome. “O governo se afastou, correu. Não são parceiros, não são
solidários.”(ANEXO B-4)
g) Na entrevista, Jefferson poupa Luiz Inácio Lula da Silva. “Deixaram o presidente
completamente desinformado.” (ANEXO B-5)
h) Levado ao centro do noticiário pelos escândalos nos Correios e no IRB e transformado em
pivô da pior crise política enfrentada por Lula a partir da denúncia do “mensalão”, Jefferson
nega ter gravações comprometedoras contra autoridades do governo, contrariando os rumores
que tomaram conta de Brasília ao longo da semana. “Tenho a palavra e a vivência desta
relação de dois anos e meio com o governo do PT.”(ANEXO B-6)
i) A partir daí, volta a dizer Jefferson, a mesada teria cessado. “O corpo mole [na Câmara] é
porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da
base.”(ANEXO B-6)
j) Do apartamento funcional que ocupa em Brasília, Roberto Jefferson concedeu por telefone a
entrevista que segue abaixo e nas duas páginas seguintes. O deputado diz não temer por sua
segurança. “Se fizerem alguma coisa comigo, cai a República.”(ANEXO B-6)
l)Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do “mensalão” para
mostrar à CPI. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o
governo do PT. (ANEXO B-7)
Nos trechos h a l, vai-se confirmando a tendência, no uso do DD sem introdutor
explícito, da utilização de e para confirmar o que é dito em E. Emprega-se, portanto, o DD
para comprovar as afirmações que vão sendo feitas ao longo do texto, confirmando a
afirmação de Maingueneau (2004) de que o DD seria uma encenação visando criar um efeito
93
de autenticidade. Notemos que, em f e g, temos em E uma interpretação das situações
descritas por meio das expressões “se declarou abandonado” e “poupa”. Em nenhum
momento o interlocutor l disse “estou me declarando abandonado” ou “eu poupo o
presidente”. Essas são interpretações de L para as situações descritas e direcionam a
interpretação dos enunciados, como afirma Marcuschi, para quem a informação de opinião “é
sempre a apresentação de um discurso interpretado” ( Marcuschi, 1991: 78). Confirma-se,
também, a afirmação de Maingueneau (2004: 141), que chama a atenção para o fato de que o
enunciador de E possui muitos meios para dar um enfoque pessoal a e. Acreditamos que os
exemplos f e g revelem um desses meios.
m) O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a
ocupação de cargos no governo. “Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa
salinha reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta,
entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava. O Genoino
também.”(ANEXO B-7)
A opção pelo DD, no trecho anterior, põe em evidência a naturalidade com que as
negociações entre o PTB e o PT aconteciam, em pleno Palácio do Planalto e, principalmente,
a desenvoltura dos membros do PT nessas reuniões, de conhecimento de todos. Ao manter o
DD, L promove exatamente ao que ele se presta: uma teatralização dos fatos. (cf.
Maingueneau, 1993: 85)
n) Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em “armadilha”
preparada pelo ministro José Dirceu
“Se fizerem algo comigo, cai a República”(ANEXO B-8)
O DD, no exemplo (n), é empregado no título e, assim isolado do ato de enunciação
em que ele foi proferido, ganha uma gravidade maior, assumindo a força pragmática de uma
ameaça. Na entrevista, porém, tal enunciado corresponde a uma resposta:
Folha – Nos últimos dias, o sr. passou a temer por sua segurança?
94
Jefferson – Não temo, não. Depois do que eu já disse, se fizerem alguma coisa comigo, cai a
República. (...) (ANEXO B-8, linhas 139-141)
o) A mesma mão ele vê na orientação do trabalho investigativo da Polícia Federal. “A PF faz
tudo na correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética.”
O deputado lança um desafio: duvida que Dirceu venha a público negar suas acusações. Rejeita
a idéia de estar praticando chantagem ao não contar sua história toda de uma vez e se diz
tranqüilo, apesar de tudo. “Estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu
partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira." (ANEXO B-8)
No trecho o, temos, novamente, em e, a confirmação de E, por meio do DD.
p) O deputado petebista narrou as reações do presidente, insistindo na versão de que Lula
chorou quando ouviu a história do mensalão: “Foi como se alguém dissesse (para ele) ‘olha
ali tua mulher com outro homem’, aquela reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas
brotaram”. (...) (ANEXO D-2)
Nesse trecho p, e, mais uma vez, constrói uma analogia com a relação homem/mulher,
para falar da reação de uma pessoa quando descobre que foi traída. O apelo de l à emoção de
quem o leria, ao empregar tal analogia, é muito forte e tem por intenção isentar o presidente
Lula de qualquer responsabilidade. L, porém, parece empregá-la com outro objetivo, pois, em
E, utiliza os termos “narrou” e “insistindo na versão” que, como já analisamos anteriormente,
pretendem desacreditar l e, ao acrescentar e, ilustra sua tese com as palavras dele mesmo.
Cria-se, portanto, um discurso distinto, como propõe Maingueneau (2004:54).
Portanto, o que podemos concluir em relação ao uso do DD sem verbo de elocução é
que existe uma forte tendência a utilizá-lo como recurso argumentativo de L.
3.3.2. As aspas e o DD com verbo de elocução
Temos razões para afirmar que existem dois usos diferentes do DD: o primeiro, sem os
verbos de elocução, em que o DD é empregado como prova irrefutável da tese lançada por L
95
em E, como já confirmamos no item 3.3.1., e o segundo, com os verbos de elocução, em que
o DD vai acrescentando informações inéditas, e os verbos, por sua vez, vão condicionando ou
não sua interpretação. Façamos a verificação:
a)Chamado a explicar a lógica da mesada, Jefferson diz: “É mais barato pagar o exército
mercenário do que dividir poder”. (ANEXO B-2)
No item a, o DD é empregado para criar um distanciamento de l: como foi l quem
denunciou a existência do “mensalão”, é natural que ele mesmo explique o porquê desse
procedimento.
b) ‘Sim, eu preciso da CPI, eu errei’, diz Jefferson (ANEXO B-4)
c) E confessou: “[O momento] é difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito
aberto”. (ANEXO B-4)
Os itens b e c trazem a admissão de culpa de l e a revelação de sua fragilidade,
confirmada no uso do verbo “confessou”, introduzindo o DD e, portanto, já condicionando a
sua interpretação. Nesse caso, o DD cria a autenticidade necessária para relatos tão subjetivos.
d) Sobre seu relacionamento com Lídio Duarte, ex-presidente do IRB (a resseguradora estatal),
indicado para o cargo pelo PTB, o deputado explicou: “... eu pedi a ele que ajudasse através
das seguradoras e corretoras, que ele influísse para que elas fizessem doações ao PTB...”
Ou seja, não se vê nenhum problema em pedir ao então presidente do IRB que usasse sua
posição para angariar contribuições desse tipo, um pedido que, se atendido, o colocaria em
posição vulnerável pelo que poderia ser solicitado em troca. (...)(ANEXO D-1)
e) E disse: “Você vai colocar lá o Durval (o sorveteiro), ... amigo do peito. Você vai ajudar
dando a ele a participação acionária na contrato social da rádio. É uma maldade, é uma
perversidade da revista tratar o Durval como laranja.” Ou seja, não se vê nenhum
problema em intermediar a concessão de um serviço público, esse da rádio, para um ou outro
protegido. (...) (ANEXO D-1)
96
O emprego do DD nos itens d e e, marcando a fronteira entre E e e, provoca um
distanciamento proposital de L, que utiliza e como ponto de partida para as críticas que
pretende fazer, criando dois discursos distintos: o que originalmente era argumento favorável
ao entrevistado torna-se argumento contrário.
f) “Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em malas”, diz Jefferson. “Sei que as
direções do PP e do PL recebiam.” (ANEXO B-5)
g)(...) Teria sido aprovada uma verba de R$ 20 milhões. “O primeiro recurso chegou em
julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie”, diz (ANEXO B-5)
As informações acrescentadas por e a E são revelações importantes que, por seu forte
conteúdo, não são assumidas por L, deixando que o DD promova esse distanciamento.
h)E disse mais: “Eu já vi o Zé Dirceu muito irritado com ele porque ele se apresentava
como ‘operador do Zé Dirceu’”.(ANEXO D-2)
O que podemos assinalar, no exemplo h, é que, em E, o emprego da expressão “E
disse mais” dá ênfase a e, como se dissesse “foi mais além, não parou por aí”. O mesmo
ocorre no trecho i, com o verbo “acusou”, posposto ao DD, para não deixar dúvidas a respeito
da intenção de l, e com a expressão “E deu o seu diagnóstico”, introduzindo o DD,
condicionando a sua interpretação, ou seja, o DD é a sua opinião a respeito da lógica do
“mensalão”.
i) O parlamentar fluminense atacou seletivamente o comando do PT, nomeando as pessoas que
busca atingir: “Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira (secretário-geral do partido), Zé
Dirceu. É esta a cabeça”, acusou. E deu o seu diagnóstico: “O PT entendia, na sua cabeça,
na sua cúpula, que era muito mais barato alugar um deputado do que discutir com os
partidos um projeto de governo”.
Nessa parte da entrevista, ele acusou diretamente o ministro José Dirceu. Disse que vários
ministros (mencionou Ciro Gomes, Paulo Bernardo, Aldo Rebelo e José Dirceu) quiseram ir a
sua casa para demovê-lo a resistir à primeira denúncia e retirasse sua assinatura da CPI.
97
Jefferson teria se recusado a recebê-los. “No dia seguinte”, contou, “eu estava tomando
banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda subir os ministros Aldo
Rebelo e Zé Dirceu. Quando eu saio do banho, estão os dois sentados na sala”.(ANEXO
D-2)
No relato pertencente a e, acima, l, ao narrar uma sucessão de fatos em ordem
cronológica (“No dia seguinte”), pretende dar veracidade ao seu discurso e, como afirma Preti
(2004: 21), “ pode ser analisado como um recurso de que o falante dispõe para referir-se a
eventos ocorridos e que têm ligação com o tema sobre o qual está falando”. L, porém, ao
empregá-lo em E com o verbo “contou”, além de não se responsabilizar por e, direciona o
leitor a interpretá-lo como uma história, como já vimos na análise dos verbos de elocução.
Atentemos para o emprego do futuro do pretérito no verbo “teria”, indicando um fato
hipotético.
j) Com o passar dos dias, percebeu um erro tático e disse ao ministro Walfrido dos Mares Guia:
“Vão botar tudo no colo do PTB”. E acrescentou: “Eu vejo nitidamente o dedo desse
segmento – Zé Dirceu, Genoino, Delúbio – para colocar esse cadáver podre no colo do
PTB”, reiterou agora.
Na entrevista, Jefferson rebateu a afirmação de Delúbio – de que estaria fazendo chantagem
com o PT e o governo. “No ano passado, eu falei do mensalão aos ministros. Isso não é
chantagem, é advertência. Chantagear é para ganhar dinheiro”, esquivou-se.
E definiu, com frieza calculada o estado das relações do PTB com o governo: “Chegamos a
um ponto em que se exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que
podem continuar na base do governo. Eu entendo que acabou a relação.”(ANEXO D-2)
l) “Se eu falo paulatinamente, não é por chantagem. É para ir mostrando como as coisas
se deram”, explicou, como se estivesse compondo um roteiro de novela.
No arremate, o recado final: ele não se sente ameaçado em sua segurança pessoal. “Se fizerem
alguma coisa comigo”, advertiu, “cai a República”.(ANEXO D-2)
Segundo Jefferson, as dificuldades que o governo passou a enfrentar este ano no Congresso são
“uma crise de abstinência”: “O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio
sempre transferiu a líderes e presidentes da base: o dinheiro para pagar o exército
mercenário, a bancada de aluguel”, afirmou. (...) (ANEXO D-2)
98
Os trechos j e l são diretamente condicionados pelo emprego dos verbos de elocução.
L emprega o DD nos trechos em que l é mais contundente, não só nos exemplos acima, como
na maioria dos exemplos analisados.
3.3.3. As aspas e a “ilha textual em DI”
Os casos de “ilha textual em DI” são aqueles em que fragmentos de e são
acrescentados ao fio do discurso de E, como que conservados da sua mensagem de origem,
como elementos “intraduzíveis”. Verifiquemos, nos exemplos abaixo, por que razão o
enunciador L preferiu conservar tais fragmentos.
3.3.3.1. As aspas no termo “mensalão”
Um dos termos mais empregados pela mídia em 2005/2006, a palavra “mensalão” não
consta de nenhum dicionário da língua portuguesa, pois é um neologismo. A seu respeito,
pesquisamos na Internet e reunimos as seguintes informações:
1. Escândalo do Mensalão ou esquema de compra de votos de parlamentares é o nome dado a
maior crise política sofrida pelo governo brasileiro do então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) em 2005/2006. O neologismo mensalão, popularizado pelo então deputado federal
Roberto Jefferson em entrevista que deu ressonância nacional ao escândalo, é uma variante da
palavra “mensalidade” usada para se referir a uma suposta “mesada” paga a deputados para
votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo. Segundo o deputado, o termo já
era comum nos bastidores da política entre os parlamentares para designar essa prática ilegal.
A palavra “mensalão” foi então adotada pela mídia para se referir ao caso. A primeira vez que
a palavra foi grafada em um veículo de comunicação de grande reputação nacional ocorreu no
jornal Folha de S.Paulo, na matéria do dia 6 de junho de 2005.
2. Mensalão: apareceu pela primeira vez nas declarações do deputado Roberto Jefferson para
designar o suposto pagamento mensal feito para deputados. Com a descoberta de que alguns
deputados recebiam recursos com uma certa regularidade, porém nem sempre mensal (semanal,
quinzenal, diária etc), o significado da palavra foi expandido e passou a designar pagamentos
com uma certa regularidade para comprar deputados. Num sentido mais amplo pode significar
99
todo pagamento feito a deputado com fins de suborno. A CPMI dos Correios definiu
“mensalão” em seu relatório de 21 de dezembro de 2005 como: “Fundo de recursos utilizados,
especialmente, para atendimento a interesses político-partidários”. Algumas pessoas usam a
palavra como sinônimo de “propina” ou “suborno”. 11
Pelas informações obtidas, o primeiro uso público do termo “mensalão” foi feito pelo
deputado Roberto Jefferson na entrevista à Folha do dia 6/6/2005. A primeira menção ao
termo foi feita na capa:
a) Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, afirma em entrevista exclusiva que o
tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagava um “mensalão” a parlamentares em troca de apoio
no Congresso. (...)
(...) A partir daí, afirma, o “mensalão” acabou. (ANEXO B-1)
O termo “mensalão” aparece como pertencendo a e, e, portanto, de responsabilidade
de l. De fato, por ser um termo novo, desconhecido, L prefere atribuir a responsabilidade de
seu emprego a l, antecedendo-o do artigo indefinido “um”, que reforça o desconhecimento do
termo. A partir daí, o jornal Folha de S.Paulo continua a empregar o termo, porém antecedido
do artigo definido “o” e sempre utilizando as aspas da modalização autonímica, remetendo ao
primeiro emprego do termo, feito por Roberto Jefferson na entrevista exclusiva:
b) “(...)
Segundo ele, a cúpula do PTB rejeitou a oferta do “mensalão”, feita ainda em 2003, e, a partir
de então, ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo. (ANEXO B-2)
c) Em nova entrevista exclusiva à Folha, o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson
(RJ), afirma que o dinheiro do “mensalão” pago pelo PT a deputados de partidos aliados no
Congresso vinha de estatais e de empresas do setor privado. (ANEXO B-5)
d) Levado ao centro do noticiário pelos escândalos nos Correios e no IRB e transformado em
pivô da pior crise política enfrentada por Lula a partir da denúncia do “mensalão”, Jefferson
nega ter gravações comprometedoras contra autoridades do governo, contrariando os rumores
que tomaram conta de Brasília ao longo da semana.(ANEXO B-6)
11 www.wikipédia.com.br, acessado em 17/7/2006.
100
e) Ao repisar o histórico do que teriam sido suas advertências contra o “mensalão”, Jefferson
não poupa ministros, mas procura proteger Lula, a quem nada teria sido relatado até uma
conversa com o próprio deputado no início deste ano.(ANEXO B-6)
f) Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do “mensalão” para
mostrar à CPI. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo
do PT.” (ANEXO B-7)
Após o emprego do termo na Folha, a palavra passa ao domínio público e é adotada
pela mídia para se referir ao caso, possuindo, inclusive, variantes de sentido, designando
qualquer pagamento feito a deputado com o objetivo de suborno ou ainda dando origem ao
termo “mensalinho”, no caso que envolveu o ex-presidente da Câmara dos Deputados,
Severino Cavalcanti.
3.3.3.2. As aspas nos outros termos
g) O PT, no entender do deputado, “nos usa [aos partidos aliados] como uma amante e tem
vergonha de aparecer conosco à luz do dia”. (ANEXO B-2)
h) Presidente do PTB diz que o PT trata seu partido “como se fosse gente de segunda” e que
vai enfrentar a situação de peito aberto (ANEXO B-4)
i)(...) Para ele, o partido do presidente “não tem coração”. (ANEXO B-4)
j) A sugestão era que Jefferson “matasse no peito” e “puxasse” a crise para o PTB, limpando
a área do PT e do governo. (...)(ANEXO D-2)
l) Segundo Jefferson, Dirceu teria repetido o pedido que antes fora feito por Chinaglia –
“matar no peito e puxar a crise para si”, prometendo nomear um indicado seu para a
Eletronorte. Ele, então, concordou em começar a “matar no peito”, isto é, retirar a assinatura
da CPI.(ANEXO D-2)
Nos casos g a l, os fragmentos conservados poderiam ser classificados como
intraduzíveis por conterem expressões populares ou com forte carga emotiva. É o que
101
Authier-Revuz denominaria a “não-coincidência do discurso consigo mesmo” (2001: 23),
uma vez que a linguagem jornalística busca objetividade. Por outro lado, a Folha, em seu
Manual de Redação (2006: 66), orienta os jornalistas, no caso de publicação de entrevistas, a
não trocar palavras nem modificar o estilo da linguagem da pessoa entrevistada, a qual, no
nosso caso, sabe manejar muito bem a linguagem e tem um estilo teatral de se comunicar,
com gestos largos e modulações na voz. Ao ser descrito pela jornalista Catia Seabra (Folha de
S. Paulo, 6/6/2005, A4), por exemplo, lhe é atribuído o adjetivo “performático”.
É interessante notar, no item j, que E se aproveita da rede metafórica criada por e,
acrescentando a expressão “limpando a área”, que também se refere ao jargão futebolístico.
m)Depois de assinar e dias depois retirar seu nome da lista de parlamentares a favor da CPI dos
Correios no Congresso, Roberto Jefferson disse ontem que a instalação da comissão é
“fundamental” para a sua imagem e de seu partido. (ANEXO B-4)
Poderíamos levantar a hipótese de que existe uma certa ironia ao se salientar apenas o
termo “fundamental”, pois seu uso chama a atenção para o seguinte fato: Roberto Jefferson
mudou de idéia ao assinar a citada lista, retirar seu nome dela e, novamente, decidir-se por
assiná-la. Assinalar localmente tal termo não pode ser visto como um mero acaso.
n) Sobre a reportagem da revista Época desta semana, na qual se aponta um sorveteiro como
“laranja” do deputado em duas rádios, Jefferson declarou que um empresário “...pediu duas
concessões de rádio, e eu ofereci”. (ANEXO D-1)
A modalização autonímica acima mostra muito bem como se pode construir um texto
com fragmentos de discurso citado, empregando-o para, em seguida, criticá-lo. É o que o
interlocutor L faz em boa parte de E, na qual se propõe a analisar trechos da primeira
entrevista de Roberto Jefferson (6/6/2005), os quais, segundo L, são escandalosas revelações
de como é feita a política no Brasil e aos quais não se deu tanta atenção. Ou seja, L, na
introdução de seu texto, já diz a que veio: esmiuçar trechos da entrevista que merecem maior
atenção, pois são reveladores de graves procedimentos. Para fazer isso, emprega e, que, nesse
contexto, adquire valor completamente diverso do original. No original, era recurso
102
argumentativo favorável a Roberto Jefferson, que não via gravidade em procedimentos
correntes na política nacional e os empregava para explicar suas atitudes; recortado, porém,
do original, e empregado no texto de E, transforma-se em recurso argumentativo desfavorável
não só a Roberto Jefferson, mas a toda a classe política brasileira: são suas palavras usadas
contra ele. Aqui podemos perceber claramente o valor das aspas, que chamam a atenção para
e e comprovamos que “o ‘mesmo’ enunciado em dois lugares distintos corresponde a dois
discursos distintos.” (Maingueneau, 2004:54)
o) Sobre “boa fé”, quem entrega os Correios a um político com o passado “troglodita” auto-
assumido por Roberto Jefferson não tem boa fé nem é socialista. Tem cegueira (ou talvez coisa
pior, dependendo do andamento das investigações). (ANEXO B-9)
A principal acepção do termo “troglodita”, em qualquer dicionário, é “que vive em
cavernas”. Empregado como caracterizador do substantivo “passado”, poderia ser interpretado
como “passado em que se era pouco evoluído”, decorrendo, disso, tudo o que se pode atribuir
a um “homem das cavernas”: pouco conhecimento, pouco ou nenhum diálogo, uso da força
para resolver os problemas (a “lei do mais forte”) etc. O que notamos, porém, em primeiro
lugar, é que a atribuição do termo “troglodita” a Roberto Jefferson é duvidosa. Há duas
possibilidades: a primeira seria uma referência ao seguinte trecho:
Eu não temo o enfrentamento público. Nunca temi. Talvez por isso eu tenha construído essa
fama de truculento, de homem violento. Não sou um homem agressivo, não tenho na minha
vida registro de uma lesão corporal contra uma pessoa, não fiz nenhum mal a uma pessoa. Só
cara de bravo, pinta de bravo, jeito de bravo. (ANEXO B-4, linha 97)
Nesse caso, observamos duas discordâncias: a primeira é que Roberto Jefferson, na
entrevista, não utiliza o termo “troglodita”, mas “truculento”, cuja acepção, nos dicionários, é
“feroz, cruel, brutal”, referindo-se exclusivamente à questão da violência que lhe é atribuída.
De fato, Roberto Jefferson, em seguida, confirma essa acepção, empregando a paráfrase “de
homem violento”. “Troglodita”, se estiver sendo usado em substituição a “truculento”,
assumiria outro valor, referindo-se não só à questão da violência, mas também à ignorância,
pouca evolução de Roberto Jefferson.
103
A segunda discordância, cremos mais grave ainda, é o fato de que Roberto Jefferson,
em sua enunciação, não assumiu ser uma pessoa truculenta, pelo contrário, disse que tem a
fama de ser assim e negou esse fato, argumentando que só tem a aparência de um homem
truculento, mas que nunca agrediu ninguém. Portanto, a atribuição a ele desse termo revela-
nos a intenção do jornalista de denegrir a imagem de Roberto Jefferson por ele mesmo, como
se dissesse, “ele mesmo disse, ele assumiu isso”. Nesse trecho, houve uma clara tentativa de
persuadir o leitor empregando as aspas para referir-se à fala de l como forte recurso
argumentativo, como afirmam Gavazzi e Rodrigues, para quem tal procedimento “revela-se
como uma forte prova argumentativa na busca de um objetivo persuasivo” (Gavazzi e
Rodrigues, 2003: 60).
A outra possibilidade à qual nos remetemos seria uma referência a um texto que faz
uma retrospectiva da vida pública de Roberto Jefferson:
Jefferson conquistou notoriedade como advogado de pobres no popular “O Povo na TV”, na
década de 80. Armado e com 170 quilos, Jefferson admite: “Era um troglodita”. Hoje, mesmo
com a redução do estômago e aulas de canto, reage quando pedem calma: “Mudei. Mas não
virei Mary Poppins”. (ANEXO B-2, linha 75)
Nesse caso, as ilhas textuais não se encontram em nenhum trecho da entrevista que foi
publicada no dia 6/6/2005 e podem estar fazendo referência a outro ato de enunciação de
Roberto Jefferson. O problema, aqui, seria o fato de não haver menção da situação em que tal
enunciado tenha sido proferido (sit), bem como dos elementos pertinentes a ela: t, l e outros
dados referenciais. O recorte do enunciado, que é apenas parte do ato de enunciação, cria
outras encenações que não correspondem à realidade.
p) O presidente do PTB afirma não ter provas, mas diz que, em depoimento na Câmara na
próxima terça, vai contar tudo o que “vivenciou” “nesta relação de dois anos e meio com o
governo do PT”. A discussão sobre cargos entre os dois partidos acontecia, segundo ele, no
Palácio do Planalto, em uma sala “ao lado do gabinete” do ministro José Dirceu. (ANEXO B-
5)
No trecho p, podemos observar usos diferentes para as três ocorrências de
“modalização autonímica”. A “não-coincidência das palavras consigo mesmas” parece ter
104
intenções distintas. No caso do termo “vivenciou”, o que podemos afirmar é que ele foi
empregado em primeira pessoa por l no seguinte trecho:
Vou colocar claramente ao Brasil tudo o que vivenciei, tudo o que conversei, tudo de que
tratei. Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.
(ANEXO B-7, linha 31)
Embora l tenha empregado o verbo “vivenciei” e o substantivo “vivência”, parece-nos
que seu emprego em 3ª pessoa quer chamar a atenção para o fato de l estar, na entrevista,
relatando fatos de sua vida, de sua experiência pessoal. Nesse trecho, o uso com menção a que
se refere Authier-Revuz nos casos de “modalização autonímica” fica bastante evidente,
quando “a enunciação desse signo, em vez de se realizar ‘simplesmente’, no esquecimento
que acompanha as evidências inquestionáveis, desdobra-se como um comentário de si
mesma.” (Authier-Revuz, 2001: 14)
No caso da expressão “ao lado do gabinete”, vemos a clara intenção de L em salientar
que as conversas entre Roberto Jefferson e membros do governo aconteciam com o
conhecimento do ex-ministro José Dirceu. Analisemos o trecho da entrevista (Folha de
S.Paulo, 12/6/2005, página A5), de onde foi extraída a expressão:
Genoino, Marcelo Sereno, Delúbio Soares, Zé Dirceu, que sempre soube de tudo. Várias vezes
eu conversei com o Genoino e com o Delúbio no gabinete do ministro Zé Dirceu. Tudo era
tratado com o conhecimento dessas pessoas e do Sílvio Pereira. Isso no início do governo. Há
uma sala contígua à do gabinete do ministro Zé Dirceu no Palácio do Planalto, e de vez em
quando nós fazíamos essas conversas.
Noventa por cento das conversas eram feitas no palácio, numa salinha que era reservada ao
Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava
e saía. O Zé Dirceu participava da conversa, e o Genoino também. (ANEXO B-7, linha 78)
Em primeiro lugar, temos uma alteração no termo empregado originalmente por l, que
usa a expressão “contígua à do gabinete”, substituída, em e, por “ao lado do gabinete”,
expressão mais informal e com maior força pragmática, salientando o fato de que é impossível
alguém, no caso o ex-ministro José Dirceu, não saber de algo que se passava tão próximo
105
dele, ou, popularmente, “nas suas barbas”. Em segundo lugar, por que colocar apenas essa
expressão entre aspas e não colocar, por exemplo, “no Palácio do Planalto”, que também faz
parte do enunciado original? Talvez porque, ao salientar o termo “Palácio do Planalto”,
poderia se estar chamando a atenção para o fato de que as conversas aconteciam muito
próximas do presidente Lula; por outro lado, temos um forte indício, já levantado por nós na
análise do exemplo 3.3.1-b, de que o jornal tinha a intenção de “derrubar” o ex-ministro José
Dirceu.
q) Segundo ele, as outras parcelas não vieram, “tensionando a relação” PTB-PT.(ANEXO B-
5)
No trecho q, a ilha textual chama a atenção para o fato de que a tensão entre os dois
partidos, culminando com a denúncia do “mensalão”, ocorreu porque o dinheiro prometido
pelo PT não veio.
r) Se poupa Lula, Jefferson faz o oposto com o ministro José Dirceu e com os demais
integrantes do que ele chama de “cabeça” do PT: José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira
e Marcelo Sereno. Narra suas reuniões com esse time para tratar da distribuição de cargos, em
uma sala “reservada ao Silvio Pereira” ao lado do gabinete de Dirceu no Palácio do
Planalto.(ANEXO B-6)
O termo “cabeça” revela um caso de “não-coincidência interlocutiva” em que se
explicita o termo empregado como não pertencente a L, mas a l; tal caso é uma das
modalidades das não-coincidências do dizer estudadas por Authier-Revuz (2001: 22) e que
não serão enfocadas aqui.
O termo “reservada ao Sílvio Pereira” aparece destacado, acreditamos, pela mesma
razão do exemplo p: chamar a atenção para o lugar onde aconteciam as reuniões e também
para o fato de que um membro do PT possuía uma sala no Palácio do Planalto para tratar de
assuntos relativos ao partido.
s) Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em
“armadilha” preparada pelo ministro José Dirceu (ANEXO B-8)
106
t)Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa
“armadilha” do ministro José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios.
A partir daí, “recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo”. (ANEXO B-
8)
O interlocutor L, ao colocar entre aspas o termo “armadilha”, nos exemplos s e t,
delega a responsabilidade de seu uso ao interlocutor l, já que afirmar que o ex-ministro José
Dirceu teria tido tal atitude seria muito comprometedor. O outro trecho: “recrudesceu o
noticiário, e eu vi claramente a mão do governo” poderia ser visto como a conseqüência
imediata à suposta “armadilha” preparada pelo então ministro José Dirceu. Colocando os dois
fragmentos em forma de “ilha textual”, L se isenta da responsabilidade de seu emprego, como
que dizendo: “foi l quem disse, eu só estou reproduzindo suas palavras”.
u) O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) voltou a acusar o esquema de mesadas a deputados,
afirmando que o chamado mensalão era pago em dinheiro vivo, provinha de estatais e
empresas privadas, e trazido em malas, basicamente por dois “operadores”, o líder do PP na
Câmara, deputado José Janene (PR), e o publicitário Marcos Valério, dono das empresas DNA
Propaganda e SMP&B, ambas de Belo Horizonte.
(...)
Segundo ele, no PTB os parlamentares foram “acalmados” com a promessa de que, nas
eleições, o PT daria ao PTB recursos para serem divididos entre os candidatos trabalhistas. A
primeira etapa dessa “parceria” aconteceu nas eleições municipais de 2004 (...)
(...) De acordo com o presidente do PTB, Janene seria um dos “operadores” diretos do
esquema do mensalão, informando que ele “vai na fonte, pega, vem”. (ANEXO D-2)
O termo “operadores”, empregado em u duas vezes, encontra-se destacado da
reformulação que é feita em DI por L da fala de l. Parece-nos que o termo, assim aspeado,
chama a atenção para o fato de que ele não está aqui muito adequado, uma vez que nos
remete a atividades lícitas como, por exemplo, “operador da bolsa de valores”. As aspas
poderiam ser interpretadas como um pedido de licença para o emprego do termo, como um
“se é que se pode chamar assim”, ao mesmo tempo em que, ao fazer isso, chama a atenção
para aqueles que cumpririam esse papel.
O termo “acalmados”, por sua vez, de fato foi empregado pelo ex-deputado, no
seguinte trecho:
107
“Eu e o líder Zé Múcio acalmamos nossa base dizendo o seguinte: o PTB não vai ter
“mensalão”, que desmoraliza e escraviza o deputado, e nas eleições a gente compõe com o PT
uma troca de apoio e pede o financiamento para candidaturas que nós entendemos que
devemos ganhar.” (ANEXO B-6, linha 84)
Ressaltado, porém, pelas aspas, em E, parece-nos ter a intenção de chamar a atenção
para o fato de que os parlamentares do PTB estavam nervosos por não estarem recebendo o
“mensalão”, enquanto outros parlamentares recebiam. De fato, em seguida, confirma-se nossa
hipótese, pois L chama de “parceria”, também entre aspas, essa relação não menos
“promíscua” entre PTB e PT. Parceiros são aqueles que lutam juntos pelos mesmos ideais, o
que, em hipótese alguma, não é o caso, uma vez que o PTB, em troca do dinheiro, apoiaria os
projetos do governo, independentemente de acreditar neles.
Por último, o emprego de “vai na fonte, pega, vem”, parece ser mantido porque ilustra
de forma bastante clara a função de um “operador” do “mensalão”: uma pessoa que se presta
ao papel de transportar dinheiro secretamente em malas. De fato, relatar o conteúdo de tal
trecho em DI seria perder toda a força pragmática do enunciado.
Em relação ao emprego das aspas, vai-se confirmando a hipótese levantada quando da
análise do uso dos verbos de elocução pelo Estado: L posiciona-se claramente,
desmoralizando l.
v) (...) Dinheiro que, segundo ele, chegava a Brasília “em malas” para ser distribuído em ação
comandada pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, com a ajuda de “operadores” como o
publicitário Marcos Valério e o líder do PP na Câmara, José Janene (PP-PR). (ANEXO B-6)
Destacamos, em primeiro lugar, o uso do termo “operadores”, também ressaltado pelas
aspas na Folha, acreditamos que pela mesma razão de O Estado. No caso do destaque dado à
expressão “em malas”, poderíamos explicá-lo como sendo uma resposta à pergunta que a
sociedade fez após a publicação da primeira entrevista que denunciou a existência do
“mensalão”: como ele era pago? Ao mesmo tempo em que revela a resposta, chama a atenção
para um fato tão inusitado.
108
x) Segundo Jefferson, as dificuldades que o governo passou a enfrentar este ano no Congresso
são “uma crise de abstinência”(ANEXO D-2)
A expressão “crise de abstinência” é metafórica, uma vez que nos remete às reações
orgânicas e psicológicas que dependentes químicos têm quando privados do uso de drogas às
quais seu corpo estava habituado. Roberto Jefferson revela saber manejar muito bem a língua
ao usar a expressão para referir-se à reação dos deputados quando deixaram de receber o
“mensalão”. O jornal, por sua vez, aproveita toda a força pragmática da expressão, que
compara o “mensalão” a uma droga, ressaltando-a entre aspas.
3.3.4. O uso das aspas e suas conseqüências para a interpretação da enunciação
Façamos a distinção entre as duas formas de DR analisadas: o DD e a “ilha textual em
DI”.
No primeiro caso, encontramos exemplos que confirmam que a seleção de um
determinado trecho em DD em detrimento de outro já revela uma interpretação pelo interesse
daquilo que deve ser informado. Muitos são os casos, também, que confirmam o uso do DD
com o objetivo de criar distanciamento do dito ou para criar um “efeito de autenticidade”
(Maingueneau, 2004). Notamos, ainda, diferenças no uso do DD com ou sem verbo de
elocução. Sem o verbo, existiu uma tendência em empregá-lo como comprovação do DI
imediatamente anterior e, com o verbo de elocução, a interpretação do DD foi condicionada
por ele. Nos dois casos, entretanto, o emprego do DD mostrou-se essencialmente
argumentativo e a ausência do verbo de elocução não tornou a interpretação do DR mais
“neutra”, como poderíamos supor.
Nos casos de “ilha textual em DI”, várias foram as razões para que o enunciador do
discurso citante conservasse alguns elementos não-traduzidos no DI, como o emprego de
neologismo, expressões populares ou com forte carga emotiva, mas prevaleceram as razões de
caráter argumentativo: ênfase, ironia, persuasão. A grande contribuição, porém, que esta
análise vem dar, é a confirmação, por meio de vários exemplos, dos postulados teóricos
acerca da teoria da enunciação, principalmente no que diz respeito à afirmação de que os atos
109
de enunciação são únicos, impossíveis de serem reproduzidos, e citá-los numa outra
enunciação implica na criação de novas enunciações. Foram muitos os exemplos da análise
em que se criaram, por meio desse expediente, discursos distintos: o que era argumento
favorável, por exemplo, transformou-se em argumento contrário.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve por objetivo analisar o percurso de uma entrevista, desde o
momento em que ela é concedida, portanto na modalidade oral, até a sua publicação no jornal,
já em sua modalidade escrita, para verificar possíveis mudanças em seu conteúdo, analisando,
para isso, algumas estratégias lingüístico-discursivas, e levando em consideração o fato de
que tal análise acaba por abranger três discursos distintos: o discurso da imprensa para o seu
leitor, o discurso da pessoa entrevistada na perspectiva do jornalista e o discurso da pessoa
entrevistada na perspectiva dela mesma. São esses três discursos que, em vários momentos
vão se opor, de acordo com os interesses do jornal.
Para a realização do trabalho, propusemo-nos a verificar, em primeiro lugar, as
modificações concernentes à passagem do oral para o escrito, a chamada retextualização,
baseados no fato de que essa passagem produz mudanças significativas no sentido que o
enunciador quis conferir ao seu enunciado. Para isso, enfocamos as operações de substituição,
de eliminação, de acréscimo e de tratamento dos turnos. Baseando-nos, principalmente, nos
estudos de Marcuschi (2003) e comparando nossos corpora oral e escrito, pudemos verificar
que, em alguns momentos, tais mudanças realmente existiram.
Nas operações de substituição, a que menos mudanças provocou no sentido do texto,
encontramos o caso do exemplo e da 2ª entrevista, cuja substituição alterou o conteúdo do
enunciado.
As operações de eliminação, por sua vez, possibilitaram-nos o agrupamento das
ocorrências em dois planos: o da (des)continuidade sintática e o da (des)continuidade
discursiva, verificando, no primeiro caso, a eliminação de paráfrases e de repetições, dois
procedimentos de reformulação textual, cujo uso, segundo Barros (1998), tem função
persuasiva ou persuasivo-argumentativa, como comprovamos em nosso corpus, no qual, ao se
eliminar principalmente as repetições, eliminou-se também toda a força pragmática que o
enunciador quis conferir ao seu enunciado. No plano da (des)continuidade discursiva,
percebemos uma sistemática eliminação de digressões, cujo emprego pode ser norteado pelos
critérios de relevância (Andrade, 2000) ou de “efeito de verdade” (Leite, 2005). Desse modo,
tais eliminações interferiram na argumentação do enunciador, assim como as eliminações de
palavras com caráter avaliativo, como adjetivos.
Quanto aos acréscimos, notamos o cuidado do jornal em não atribuir ao entrevistado
palavras que ele não tenha proferido, mesmo porque é uma das formas mais evidentes de
111
alteração. Mesmo assim, o exemplo c da 2ª entrevista deixa margem a dúvidas. Por fim, em
relação ao tratamento dos turnos, cabe aqui a observação de que a opção do jornal em publicar
a entrevista no formato pergunta e resposta acabou por reduzir significativamente a
interferência nos turnos, exceto no que concerne a uma estratégia discursiva bastante utilizada
pelo entrevistado, que foi a de empregar o DD para referir-se a falas suas ou de outras pessoas
ao relembrar os fatos que estava narrando. Nesse caso, houve interferência do jornal,
principalmente na eliminação de turnos que reproduziam falas suas e de outras pessoas,
comprometendo-se, novamente, o “efeito de verdade” (Leite, 2005) que o entrevistado quis
conferir ao seu enunciado.
Desse modo, avaliamos, respondendo à primeira pergunta elaborada em nossa
introdução (De que maneira a imprensa escrita transforma uma entrevista oral em escrita, no
que diz respeito à seleção das informações?), que o jornal, ao fazer a passagem do oral para o
escrito, interferiu de maneira decisiva na força ilocutória dos atos de linguagem do
entrevistado, o qual, em posição de acusado, empregou os recursos lingüístico-discursivos
analisados como estratégias argumentativas para colocar a opinião pública a seu favor e o
tratamento dado pelo jornal ao seu discurso acabou por esvaziá-lo desse seu objetivo, fazendo
prevalecer o discurso da imprensa e comprovando que a retextualização pode ser um eficaz
instrumento de manipulação da notícia, porque opera por meio de recursos que os leitores, e
também os entrevistados, não dominam, e que atuam muito mais no nível discursivo do que
no lingüístico.
Para responder à segunda pergunta (Qual o tratamento dado ao DR, no que diz respeito
à seleção do DD e da “ilha textual em DI”, além do uso dos verbos de elocução?), fizemos,
inicialmente, a análise do uso dos verbos de elocução a partir de sua função e de sua ação no
corpus, seguindo as classes gerais de funções organizadoras apontadas por Marcuschi (1991)
e, no âmbito da ação de tais verbos, acompanhando a proposta de categorização de Gavazzi e
Rodrigues (2003). Partimos do princípio de que os verbos de elocução, além de organizar o
texto, marcando claramente a fronteira entre o discurso citante e o discurso citado, também
agem sobre ele, interferindo na interpretação desse mesmo discurso, uma vez que a seleção
lexical pode variar de uma aparente neutralidade até uma explícita avaliação de conteúdo. Por
isso, propusemos uma análise comparativa entre os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de
S.Paulo, para verificar diferenças significativas na ação dos verbos de elocução, uma vez que,
como já dissemos, a Folha estava comprometida com a fonte da informação e o Estado, não.
Desse modo, poderíamos, também, responder à terceira questão (Em que medida podem
variar os efeitos de sentido obtidos por diferentes jornais, em que pese o fato de um deles ter
112
tido acesso a uma fonte exclusiva?) formulada em nossa introdução. Nesse quesito, portanto,
a análise mostrou-se bastante satisfatória, uma vez que, como prevíamos, assinalamos
diferenças quanto à ação dos verbos de elocução. Na Folha, preferiu-se o uso de verbos como
“afirmar” e “dizer”, que agiram criando um “efeito de imparcialidade”, apropriado para o
jornal detentor da fonte exclusiva, evitando polemizar ou valorizar positiva ou negativamente
a figura do entrevistado. Já, em O Estado, houve o predomínio de verbos como “acusar” e
“insistir”, que agiram, respectivamente, polemizando ou valorizando negativamente a figura
do entrevistado. Portanto, quanto ao uso dos verbos de elocução, confirmamos que ele pode
orientar a interpretação do DD, configurando-se em um eficaz recurso de manipulação de
idéias.
O tratamento dado ao DR quando da escolha do DD ou da “ilha textual em DI” foi
estudado na terceira parte de nossa análise (item 3.3.) com o título “O uso das aspas”, que são,
segundo Maingueneau (2004), “um sinal a ser interpretado”, pois inserem uma enunciação
(discurso citado) em outra enunciação (discurso citante), criando, para o DR, quer em DD ou
em “ilha textual em DI”, uma nova enunciação. Para a análise do DD, empreendemos uma
divisão que levou em consideração a presença ou não de verbo introdutor explícito, pois, se,
como confirmamos com o estudo dos verbos de elocução, sua presença interfere na
interpretação do DR, sua ausência poderia pressupor uma interferência menor nessa
interpretação. O que observamos nos casos de ausência de verbo de elocução foi uma
tendência no uso do DD como recurso argumentativo, aparecendo sempre depois do DR em
DI, com a intenção de criar um “efeito de autenticidade” (Maingueneau, 2004) ou, ainda, uma
teatralização dos fatos (Maingueneau, 1993). Confirmamos, ainda, um dos postulados de
Maingueneau (2004), para quem, ao se relatar um discurso em outro, cria-se um discurso
distinto. Desse modo, mesmo sem os verbos de elocução interferindo na interpretação do DD,
encontramos o próprio DD conduzindo a interpretação do texto como um todo.
Nos casos de DD com verbo de elocução, confirmamos a forte presença de tais verbos,
condicionando a interpretação do DD, que é empregado com os objetivos definidos em nosso
Capítulo 2: para criar a autenticidade necessária ao discurso do entrevistado, como no
exemplo j, e para promover um distanciamento do enunciador do discurso citante, como no
exemplo e.
Os casos de “ilha textual em DI” revelaram-se, como os dois anteriores casos de uso
das aspas, revestidos de intenções do enunciador do discurso citante, confirmando a
necessidade de interpretação das aspas “como referência a um outro discurso” (Authier-
Revuz, 2001: 143). Assim, conservaram-se fragmentos do discurso citado que continham
113
expressões populares, por exemplo, que Authier-Revuz denominaria a “não-coincidência do
discurso consigo mesmo” (2001: 23); por outro lado, recorrentes foram os empregos do
recurso da “ilha textual em DI” com claros objetivos persuasivos, como no exemplo o.
Confirmam-se, portanto, também para o texto jornalístico, os postulados dos
estudiosos contemplados em nosso trabalho, para os quais a subjetividade é inerente à
linguagem. Nesse sentido, nosso trabalho vem demonstrar, mais uma vez, que a enunciação é
um ato único, impossível de ser reproduzido. Relatar algo que foi dito por alguém, quer na
modalidade oral, quer na modalidade escrita, está longe de ser um processo simples e
inofensivo. A seleção do léxico, a eliminação de informações aparentemente repetitivas, a
escolha da forma de se relatar um discurso – DD, DI, “ilha textual em DI” etc. – são
operações muito comuns em nosso dia-a-dia, mas que trazem consigo, em todas as suas
instâncias, uma carga muito forte de subjetividade – inerente à linguagem, lembremos. É o
que Maingueneau chama de “uma enunciação sobre outra enunciação” (cf. Maingueneau,
2004:139).
Sobre diferenças no trato da notícia nos diferentes jornais analisados, concluímos que
o comprometimento com a fonte de informação obriga o jornalista a buscar efeitos de
“imparcialidade” ao escolher as estratégias lingüístico-discursivas que usará, quer seja na
escolha dos verbos de elocução ou dos trechos em DD, mas tais estratégias são apenas uma
encenação, pois, como vimos, a Folha foi muito eficaz na neutralização dos efeitos
pretendidos pelo entrevistado ao fazer a retextualização.
Como era esperado em nosso trabalho, as operações realizadas pelo jornal para
transformar um “acontecimento bruto” em “notícia” revelam que a poder da mídia reside
exatamente aí: na escolha do acontecimento, na interpretação do jornalista, nas diversas
opções lingüístico-discursivas que ele tem à sua disposição e que, se não poderiam ser
classificadas de ilegítimas, porque de fato não o são, podem servir de instrumento de
manipulação da notícia desde que escolhidas de forma consciente e com propósitos bem
definidos, de um lado, e sem o devido conhecimento do leitor, de outro.
Nosso trabalho possibilita que o leitor, mesmo sendo um receptor passivo, condição
inerente ao meio de comunicação unilateral que é o jornal (Charaudeau, 2006), conscientize-
se dos procedimentos analisados, para que o jornal possa se transformar de instrumento de
manipulação para instrumento de persuasão, cuja diferença, como já ressaltamos, reside numa
questão central para o ser humano: o conhecimento e, por meio dele, a possibilidade de fazer
suas próprias escolhas.
114
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118
ANEXOS
119
ANEXO A: TRANSCRIÇÕES...............................................................................................120
A-1: 1ª entrevista.....................................................................................................................120
A-2: 2ª entrevista.....................................................................................................................123
ANEXO B: TRECHOS DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL FOLHA DE
S.PAULO.................................................................................................................................129
B-1: 6/6/2005 – capa...............................................................................................................129
B-2: 6/6/2005 – página A4......................................................................................................130
B-3: 6/6/2005 – página A5......................................................................................................131
B-4: 6/6/2005 – página A6......................................................................................................136
B-5: 12/6/2005 – capa.............................................................................................................138
B-6: 12/6/2005 – página A4....................................................................................................140
B-7: 12/6/2005 – página A5....................................................................................................143
B-8: 12/6/2005 – página A6....................................................................................................146
B-9: 10/6/2005 – página A2....................................................................................................149
ANEXO C: ÍNTEGRA DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL FOLHA DE
S.PAULO.................................................................................................................................150
C-1: 6/6/2005 – capa...............................................................................................................150
C-2: 6/6/2005 – página A4......................................................................................................151
C-3: 6/6/2005 – página A5......................................................................................................152
C-4: 6/6/2005 – página A6......................................................................................................153
C-5: 12/6/2005 – capa.............................................................................................................154
C-6: 12/6/2005 – página A4....................................................................................................155
C-7: 12/6/2005 – página A5....................................................................................................156
C-8: 12/6/2005 – página A6....................................................................................................157
ANEXO D: TRECHOS DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL O ESTADO DE
S.PAULO.................................................................................................................................158
D-1: 9/6/2005 – página A2 .....................................................................................................158
D-2: 12/6/2005 - página A4 ...................................................................................................159
120
ANEXO A – TRANSCRIÇÕES ANEXO A-1: 1ª entrevista (Jornal Folha de S.Paulo, 6/6/2005 (seg.)
Entrevistadora: Renata Lo Prete (L 1)
Entrevistado: Roberto Jefferson (L 2)
L 2 (...) ( ) do Martinez Correia seTEMbro de 2003 (agosto) ele me procurou ... ele
falou “Roberto é que o Delúbio me procurou ... ele está fazendo um esquema ... de
meSAda ... o mensalão ... para os partidos da base o PP o PL e quer que o PTB receba
... trinta mil reais para cada deputado ... que que você me diz disso?” eu digo “sou
contra ... sou contra porque isso é coisa de câmara de vereador de quinta categoria 5
Martinez - - quando eu recebia a mesada quando menino ... meu pai me dizia ‘sábado
meia-noite em casa’ se eu chegasse meia-noite e meia eu não podia ir na domingueira
do Petropolitano para dançar com ninguém e eu adorava dançar ... - - vai nos
escravizar e vai nos desmoralizar” ... o Martinez então não fez né - - uma decisão
minha e dele - - receber essa mesada que segundo ele aquela época o doutor Delúbio já 10
passava ao PP e ao PL ... morto o Martinez o PTB elege como líder o deputado José
Múcio ... final de dezembro princípio de janeiro o doutor Delúbio procura o Zé Múcio
e diz “o Roberto é um homem muito difícil eu quero ver falar com você ... tem aqui o
PP o PL têm uma participação que a gente faz de uma mesada e eu queria ver se vocês
aceitam isso” ele falou “eu não posso tomar atitude sem a autorização de meu 15
presidente” ... Múcio ... “me parece que o meu presidente é contra porque já me falou”
... aí reúnem-se o bispo Rodrigues Valdemar Costa Neto e o Pedro Henry que a essa
época era líder do PP para pressionar o Múcio “que que é isso pô? vocês não vão
receber? que conversa é essa Múcio ( ) de melhor do que a gente?” aí o Múcio
voltou a mim falou “Roberto fui pressionado pelos três líderes ... pelo pelo presidente 20
do PL pelo líder do PL e pelo líder do PP nessa conversa do mensalão” ... eu falei
“Múcio EU NÃO QUERO receber ... não aceitarei isso na presidência do PTB porque
isso é coisa de qui/de câmara de vereador de quinta categoria isso desmoraliza ... eu
tenho vinte e dois anos de mandato e nunca vi acontecer isso no parlamento nacional”
... eu liguei pro ministro Walfrido isso princípios de dois mil e quatro era janeiro ou 25
fevereiro - - não posso te situar bem - - ele estava no Rio falei “Walfrido quero falar
coisa grave a você” ... “que que é Roberto? tô indo pra Belo Horizonte ... no jatinho
você vai comigo e vamos conversando eu tô indo pra casa” “então eu vou até Belo
121
Horizonte pra conversar um assunto grave com você” ... e sentei no avião e falei
“Walfrido tá havendo essa história de mensalão” aí contei desde o Martinez até as 30
últimas conversas com o deputado Zé Múcio e ele disse “em hipótese alguma Roberto
em hipótese alguma (eu não terei) coragem de olhar nos olhos do presidente Lula EM
hipótese alguma” eu falei “então nós não vamos aceitar o mensalão” ele disse “não
não vamos aceitar o mensalão” “então está fechada a nossa posição vamos resistir a
isso” e passei a viver uma brutal pressão porque alguns deputados de meu partido 35
sabiam que os deputados do PL do PP recebiam esse mensalão todo mês ... eu fui ao
ministro Zé Dirceu e contei isso “Zé” logo no início de 2004 “tá havendo essa história
de mensalão e os/alguns deputados do PTB tão me cobrando isso e eu NÃO VOU
PEGAR MENSALÃO NÃO TEM JEITO de eu fazer isso no PTB” o Zé Dirceu deu
um soco na mesa e disse “o Delúbio tá errado eu só contei isso ... isso não pode 40
acontecer eu falei pra não fazer” eu falei vai morrer o assunto ... mas continuou e ...
éh:: eu me lembro numa ocasião que o Pedro Henry tentou cooptar dois deputados do
PTB oferecendo a eles mensalão que recebia de repasse do doutor Delúbio (e eu pedi)
ao deputado Iris Simões que dissesse a eles que se fizer eu vou pra tribuna e denuncio
isso ... morreu o assunto não levaram os dois deputados do PTB ( ) o Ciro Gomes 45
maio junho - - que a coisa continuou não parou - - fui ao ao Ciro no ministério e falei
“Ciro vai dar uma ZEbra nesse governo tem o mensalão hoje eu sei que são três
milhões um milhão e meio de repasse para o PL e para o PP isso vai explodir” e eles
queriam cooptar o PTB Ciro falou “Roberto é muito dinheiro eu não acredito nisso”
digo “acreDIte amigo porque tá acontecendo” “não acredito” aí fui ao ministro Miro 50
Teixeira nas Comunicações e levei junto comigo o deputado João Lira e o deputado Zé
Múcio falei “Ciro/Miro/Miro/Miro Teixeira/Miro tá havendo o MENSALÃO isso é
um escândalo” o Miro falou “não é possível Roberto” eu falei “diga ao presidente” - -
porque até essa época o presidente Lula não nos recebia - - “conte isso ao presidente
Lula isso vai explodir AMIGO isso é um esCÂNdalo vai explodir” ... falei isso ao ao 55
Aldo Rebelo que era líder do governo àquela época ... disse a ele ... sobre o mensalão
denunciei a existência do mensalão e a pressão que eu no PTB recebia de alguns
deputados que sabendo que outros deputados de outros partidos recebiam e o PTB não
recebia esse malfadado ... mensalão ... disse isso ao ministro Palocci “Palocci tem isso
e é uma BOMba” ... fui informando a todos do governo a respeito desse mensalão ... 60
me recordo inclusive quando o deputado Miro Teixeira deixou a liderança do governo
ele me chamou falou “Roberto eu vou denunciar o mensalão você me dá estofo?” falei
122
“eu não posso fazer isso vamos abortar esse troço do mensalão sem trair a confiança
do governo sem jogar o o governo ... no meio da rua ... vamos nós dois f/falar com o
presidente Lula que tá dando isso” e recordo até que o Miro deu uma entrevista ao 65
Jornal do Brasil denunciando o mensalão depois ... recuou retirou a/a/a denúncia do
mensalão não é? eu falei com ele quando ele era aMIgo do governo e falei (ao
presidente) quando ele era Ministro das Comunicações ... mensalão PL PP (e queria) o
PTB não é ... agora no princípio do ano quando em duas conversas com o presidente
Lula em presença do Walfrido Mares Guia do líder Chinaglia do ministro Aldo Rebelo 70
do ministro Zé Dirceu eu disse ao presidente Lula “presidente o Delúbio vai botar uma
dinamite na sua cadeira ... ele continua dando mensalão” ele falou “que mensalão?” aí
eu contei ao presidente o que que era o mensalão o presidente Lula CHOrou
L 1 Isso quando? 75
L 2 Agora em janeiro ... desse ano o presidente Lula CHOROU falou “não é possível
isso” e chorou eu falei “é possível sim presidente” estavam presentes o Chinaglia ... o
Gilberto ... Carvalho ... Gilberto Carvalho ... o ministro Walfrido ... o líder Chinaglia
... eu repeti isso ao presidente Lula ... porque toda a pressão que eu recebi nesse 80
mandato como presidente do PTB por dinheiro foi em função desse mensalão que
contaminou a base parlamentar ... tudo o que você tá vendo aí nessa queda de braço é
que o mensalão tem que passar pra cinqüenta é que o mensalão tem que passar pra
setenta tudo isso que você tá vendo aí ... essa paralisia está presa a essa MALdição que
chama mensalão 85
L 1 Isso não existia no governo Fernando Henrique?
L 2 NUNca aconteceu ... eu tenho VINte e três anos de mandato ... caminhando pro
vigésimo quarto ( ) de mandato nunca eu vi ou ouvi dizer que houvesse repasse de 90
mensalidade para deputados federais aqui na Câmara dos Deputados em Brasília por
parte de membros de partido de governo (...)
123
ANEXO A-2: 2ª entrevista (Jornal Folha de S.Paulo, 12/6/2005 (dom.) Entrevistadora: Renata Lo Prete (L 1)
Entrevistado: Roberto Jefferson (L 2)
FAIXA 1
L 2 Primeiro achei que os ministros foram ... COVARDES com o Presidente da República
... todos eles ... porque o Palocci (que) sabia do mensalão porque eu falei pra ele ... o
ministro Walfrido errou de não ter dito ... ao presidente sobre o mensalão porque eu
falei a ele ... o CIRO Gomes sabia ... o Zé Dirceu eu conversei com ele VÁrias vezes
sobre o mensalão e nunca falou isso ao presidente quer dizer deiXAram o presidente 5
completamente desinformado de uma das coisas que ... viciou a relação do governo e
do PT em especialmente desse comando do PT com a base aliada no Congresso
Nacional ... logo na primeira conversa minha esse ano com o presidente lá no gabinete
dele do Palácio do Planalto - - estávamos eu e o ministro Walfrido - - ... quando eu
disse a ele do mensalão ... ele tomou um susto ... aí eu expliquei a ele com que que 10
consistia o mensalão era um repasse de recursos do Delúbio para líderes e presidentes
de partidos da base aliada para dividir em dinheiro por mês com alguns MUItos
representantes das bancadas em especial PT/PP/PP Partido Progressista e PL Partido
Liberal o PTB fora éh:: convidado a participar e o PTB repelira isso disse isso ao Ciro
Gomes disse isso ao Miro Teixeira e NINguém contou ao presidente essa nossa 15
conversa ... há um ano atrás eu falei isso a eles e toda crise que nós estamos vivendo
de relação hoje na Câmara dos Deputados com o Poder Executivo ... não vota corpo
mole tudo isso que você está vendo é conseqüência dessa política de mensalão ... e
acho que os ministros erraram traíram a confiança do presidente.
20
FAIXA 2
L 2 (o PT) como partido não participa disso com os dirigentes ... a bancada não tem nada
a ver não há essa conversa que a bancada do PT receba mensalão você entende? a
banCAda está fora disso a reação da bancada é de indignação de surpresa COM os 25
seus dirigentes ... quando lá atrás o Martinez era presidente e nós começamos a
constituir a relação ... depois de nomeado oooo ... oooo Walfrido que é Ministro do
124
Turismo o segundo cargo que foi nomeado foi o Delegado Regional do Trabalho do
Rio de Janeiro ... toda a estrutura embaixo de fiscalização foi nomeada a partir do
Silvio Pereira ... o outro cargo que foi nomeado foi o Fernando Cunha para a BR 30
Distribuidoras todo/toda estrutura abaixo do Fernando Cunha foi nomeada pelo éh::
pelo Silvio Pereira e um dia perguntei falei “mas como é que é isso? vocês dão a
cabeça e tomam o corpo? ...
L 1 o que ele disse pro senhor? 35
L 2 ele disse que esse era o jeito deles e o jeito do PT de repartir poder ... foi assim o
primeiro indicado do Denit que foi indicado pela bancada de São Paulo - - acho que é
Pimentel o nome esse que aparece nos jornais tá em Belém do Pará - - ... toda estrutura
embaixo foi montada pelo Silvio Pereira e pelo Delúbio ... o gerente é o tal de Lauro 40
chama Lauro e é:::: e foi candidato a prefeito pelo PT é homem do PT ele mandava
mais do que o diretor-geral do Denit toda a estrutura de poder que era transferida ao
PTB embaixo o PT e eu não quero dizer bancada do PT na Câmara no Senado a
direção do PT nomeava pessoas que controlavam toda a estrutura de poder ...
nomeados do PT 45
L 1 quando o senhor fala direção do PT presidente o senhor está falando explicitamente
de quais pessoas?
L 2 José Genoino ... Marcelo Sereno ... Delúbio Soares ... Zé Dirceu sabia de tudo sempre 50
soube de tudo várias vezes eu conversei com ... Zé Genoino e com Delúbio no
Gabinete éh:: do Ministro Zé Dirceu TUdo era tratado com o conhecimento do Zé
Dirceu com o conhecimento do Genoino com o conhecimento do Delúbio e::: do
Silvio Pereira ... isso na constituição lá atrás ... no início do governo do presidente
Lula 55
FAIXA 3
L 2 o dinheiro chega a Brasília pelo que eu sei em Malas tem um GRANde operador que
trabalha junto ao Doutor Delúbio chamado MARcos Valério que é um publicitário de 60
Belo Horizonte e ele que faz a distribuição éh::: de recursos para líderes e presidentes
125
do partido da base aliada ... e eu sei que o deputado Janene é um dos operadores disso
também ele vai na fonte ele pega ele vem ele ele é tido como UM dos operadores
desse esquema do mensalão ... éh: éh:: conhecido inclusive eu já vi um depu/um
ministro que ficou muito irritado com ele porque ele se apresentava como operador do 65
Zé Dirceu ... mas ele é um dos homens que controem também o caixa pra repartir
entre os deputados do PP e do PL
FAIXA 4
70
L 2 já há deputada em Goiânia dizendo que foi assediada pelo líder do PL um milhão de
luvas e trinta mil reais por mês
L 1 o senhor tá falando do su/do Sandro Mabel é isso?
75
L 2 isso ... isso ninguém segura era de conhecimento público eu li que o próprio
presidente do Supremo o Ministro Jobim já ouvira dizer do mensalão ... era uma coisa
que a/que Brasília sabia só que ninguém queria dizer o meu papel foi só destampar a
panela e tornar isso público ao Brasil
80
FAIXA 5
L 2 (em hipótese) alguma ... a chantagem tem uma contraprestação financeira ... eu disse
isso aos ministros ano paSSAdo Renata eu falei aos ministros ano passado nenhum
deles pegou ... como é que isso foi chantagem? foi advertência ... é que eu acho que 85
nós chegamos a um ponto éh::: que exauriu a relação ... ainda há companheiros do
meu partido que pensam que podem continuar no governo na base do governo ... eu
entendo que acabou a relação então tem que ter cuidado porque nessa segunda-feira à
noite aqui em casa houve uma reunião do ministro Walfrido ... do líder Zé Múcio ... do
Fleury do Ibsen (e outros) para pedir que eu renunciAsse ... as coisas têm que ser 90
paulaTInas eu tenho que consolidar minha posição dentro do partido porque se EU
renunciasse nessa segunda-feira eu seria jogado de de ovelha aos leões na arena ... eu
pedi prazo a eles até o diretório para a gente conversar no diretório então eu tenho uma
questão política também inTERna uma disputa inTERna éh::: de de poder dentro do
PTB ... um grupo eNORme que quer sair e um grupo que quer ficar então não é não é 95
126
chantagem ... chantagem o que que é ó se você não me der isso eu vou contar não não
se trata disso ... é uma cautela MInha pra consolidar paulatinamente a minha posição
dentro do partido até a con/a convenção do diretório que já tá convoCA::da ... vai ser
na próxima terça-feira dia dezessete e eu posso ficar ou não presidente do partido ...
não é isso? ... nessa colocação pública que eu devo fazer eu acompanho o noticiário 100
eletrônico eu VEjo que a Polícia Federal está aGINdo politicamente porque ... de
forma legal ela NÃO poderia usar um juiz de primeiro grau para investigar um
deputado federal age na carreira porque sabe que no Supremo as coisas são mais
criteriosas ela faz na carreira para tentar me inibir de falar antes do do::: pra eu chegar
de cabeça baixa na terça-feira dia quatorze na Comissão de Ética que é quando falarei 105
além da Folha de S.Paulo novamente na Comissão de Ética e para todo o Brasil.
129
ANEXO B: TRECHOS DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL FOLHA DE
S.PAULO.
ANEXO B-1: 6/6/2005, capa São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 2005 DIRETOR DE REDAÇÃO: OTAVIO FRIAS FILHO ✎ ✎ ✎ UMJORNAL A SERVIÇODOBRASIL ✎ ALAMEDABARÃODE LIMEIRA, 425 ✎ ANO85 ✎ Nº 27.823 ✎ R$ 2,50 + 5 SÃO PAULO ✎ E D 10 I ÇÃ
O ✎ Concluída às 23h 15 EXCLUSIVO
Pt dava mesada de R$30mil a parlamentares, diz Jefferson 20 Presidente do PTB afirma que avisou ministros, mas que esquema de compra de apoio só parou após conversa com Lula
RENATA LO PRETE ........................................................................................ 25 EDITORA DO PAINEL Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, afirma em entrevista exclusiva que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagava um “mensalão” a parlamentares em troca de apoio no Congresso. Eram, diz, R$ 30 mil mensais entregues a representantes do PP e do PL pelo 30 menos até janeiro. O deputado, da base aliada do governo, afirma que contou sobre a mesada a ministros, como José Dirceu (Casa Civil) e Antônio Palocci (Fazenda), no ano passado, mas que a prática teria continuado. Diz que procurou, então, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início do ano. Segundo Jefferson, Lula chorou ao ser informado. A partir daí, afirma, o “mensalão” acabou. Jefferson diz que a mesada era tática do partido. “É mais barato pagar o 35 exército mercenário do que dividir poder.” O deputado é acusado de envolvimento em suposto esquema de corrupção nos Correios e no IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), estatais que têm indicados de seu partido em seus quadros principais. As acusações levaram a pedido de CPI que o governo quer enterrar. O deputado, que já atacou a abertura da comissão, agora afirma ser a favor. Questionado sobre por que mudou de idéia, disse que o governo 40 agiu para isolar o PTB. “Vai ter que sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos chacais. Estou percebendo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está ficando isolado para ser explodido.”
130
ANEXO B-2: 6/6/2005, A4 A 4 segunda-feira, 6 de junho de 2005 AB B R A S I L E X C L U S I V O Acusado no caso dos Correios, deputado do PTB reage e ataca governo Lula e base 5 aliada
Jefferson denuncia mesada paga pelo tesoureiro do PT 10 RENATA LO PRETE ........................................................ EDITORA DO PAINEL Roberto Jefferson cumpriu a promessa de que falaria. E falou muito. Em entrevista exclusiva 15 à Folha, o presidente do PTB disse que na base das dificuldades que o governo enfrenta no Congresso estão problemas com o chamado “mensalão”, uma mesada de R$ 30 mil que seria distribuída a congressistas aliados pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares. A prática durou até o começo do ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo Jefferson, tomou conhecimento do caso, pelo próprio petebista. Outros ministros, como José Dirceu (Casa 20 Civil) e Antonio Palocci (Fazenda) haviam sido alertados antes do esquema—que beneficiaria pelo menos o PP e o PL. Jefferson está há três semanas no centro do noticiário pelas denúncias que atingem os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil, estatais que têm indicados do PTB em seus quadros. A crise decorrente das denúncias levou a um pedido de CPI que o governo pretendia enterrar nesta semana —agora, Jefferson diz que defende e quer 25 a investigação. Segundo ele, a cúpula do PTB rejeitou a oferta do “mensalão”, feita ainda em 2003, e, a partir de então, ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo. “O Zé [Dirceu] deu um soco na mesa: ‘O Delúbio está errado. Eu falei para não fazer’”. Jefferson conta que, em janeiro deste ano, falou com Lula. “Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando ‘mensalão’ aos deputados.” “Que ‘mensalão’?”. 30 Jefferson explicou. “O presidente chorou.” E depois da conversa com Lula? “Tenho notícia de que a fonte secou. A insatisfação está brutal [na base aliada] porque a mesada acabou.” Chamado a explicar a lógica da mesada, Jefferson diz: “É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir poder”. O PT, no entender do deputado, “nos usa [aos partidos aliados] como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”. A entrevista 35 publicada nas duas páginas que se seguem foi concedida por Jefferson em seu apartamento funcional em Brasília, na tarde de ontem. O deputado falou sempre de forma ponderada e em nenhum momento deixou de aparentar segurança e tranquilidade. 40 O D E P U T A D O
Petebista liderou tropa de choque de Collor
131
45 Ele foi investigado pela CPI do Orçamento CATIA SEABRA .................................................................................... DA REPORTAGEM LOCAL 50 Militante da tropa de choque do presidente Fernando Collor, o performático Roberto Jefferson, 51, sobreviveu a momentos turbulentos da política nacional. Além do processo de impeachment de Collor, resistiu à outra CPI, a do Orçamento. Em 1993, seu nome foi citado entre os envolvidos no esquema de propina na Comissão de Orçamento. Em 1994, durante 55 depoimento, Jefferson chorou por duas vezes, lamentando o fato de sua família ter sido exposta. No relatório, foi incluído na lista de 14 parlamentares sobre os quais seria necessária maior investigação. Seu capítulo ocupou uma página do relatório do hoje desafeto Roberto Magalhães (PE).Nele, a conclusão era que, com crédito total de US$ 470mil em cinco anos, seu patrimônio e movimentação bancária seriam compatíveis com o rendimento. A 60 Subcomissão de Patrimônio teria constatado, porém, a existência de bens não declarados à Receita. Já no governo Fernando HenRique Cardoso —para o qual fez indicações, como a do titular da Delegacia do Trabalho do Rio— Jefferson teve papel fundamental para o rompimento do PSDB com o PFL: no prazo fatal, o emtão líder do PTB formalizou um bloco com a bancada tucana, permitindo que o deputado Aécio Neves (MG) concorresse à 65 presidência da Câmara, vaga prometida ao pefelista Inocêncio Oliveira(PE). No ano seguinte, apoiou Ciro Gomes à Presidência da República. Até então, compara petistas ao demônio. Um deles foi o hoje líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante(SP). Após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que, apesar das diferenças, PTB e PT se uniriam “com afeto”. A partir daí, fixou uma estratégia: aceitar cargos pouco expressivos, como o 70 Ministério dos Esportes, para crescer dentro do governo e poder exigir mais. Com o crescimento da bancada, Roberto Jefferson começou a exigir mais e a se queixar publicamente do não-atendimento das reivindicações. Como presidente do PTB, ano passado, determinou a aliança com o PT nas capitais para as eleições de 2004, contrariando a filha, aliada a Cesar Maia (PFL) no Rio. Em troca, o PT ajudaria financeiramente o PTB. Jefferson 75 conquistou notoriedade como advogado de pobres no popular “O Povo na TV”, na década de 80.Armado e com170 quilos, Jefferson admite: “Era um troglodita”. Hoje, mesmo com a redução do estômago e as aulas de canto, reage quando pedem calma: “Mudei. Mas não virei Mary Poppins”. 80
131
ANEXO B-3: 6/6/2005, A5 “ “ “ AB B R A S I L segunda-feira, 6 de junho de 2005 A 5 E X C L U S I V O Jefferson afirma que foi ‘informando a todos do governo’ sobre a mesada a 5 deputados paga por Delúbio e que Lula chorou ao saber do caso
Contei a Lula do ‘mensalão’, diz deputado 10 DO PAINEL ............................................................................................................. Em sua entrevista à Folha, Roberto Jefferson afirma que levou a questão do “mensalão” a vários ministros do governo Lula e ao próprio presidente. Ele acredita que a prática só foi 15 interrompida após Lula ser informado por ele, o que teria acontecido em duas conversas no princípio deste ano. (RENATA LO PRETE) ✎ Folha - Na tribuna da Câmara, o sr. disse ter sido procurado por pessoas que 20 lhe pediam para resolver pendências nos Correios, que teria se recusado a traficar influência e que interesses contrariados estariam na origem da denúncia da revista “Veja”. Por que o sr. não denunciou essas pessoas? Roberto Jefferson - Não se faz isso. Se você for denunciar todo lobista que se aproxima de você, vai viver denunciando lobista. 25 Folha - O consultor Arlindo Molina, uma das pessoas que o procuraram para tratar dos Correios, afirma que, ao contrário do que o sr. disse no pronunciamento, o conhece há anos. Essa versão procede? Jefferson - A entrevista dele está completamente equivocada, até nas datas. Eu o conheci em março de 2005. Não é verdade que nos conhecíamos antes disso. 30 Folha - O sr. fala em guerra comercial. Mas não está em curso nos Correios, também, uma guerra por espaço entre os partidos? Jefferson - Não. Mas eu entendo o Fernando Bezerra [senador pelo PTB e líder do governo no Congresso] porque, na primeira matéria da “Veja”, está dito que ele indicou o Ezequiel Ferreira para a diretoria de Tecnologia dos Correios. Mas o Ezequiel nunca assumiu. Por que 35 não mostraram quem está no cargo, se 60% daquela fita [a que registra a cobrança de propina] se refere às operações da diretoria de Tecnologia? Esconderam o atual, indicado pelo Silvio Pereira [secretário-geral do PT]. O Policarpo [Júnior, repórter de “Veja”] protegeu o PT. Folha - Na contramão do que declarou à PF, o ex-presidente do IRB Lídio Duarte diz em gravação [divulgada pela “Veja”] que, enquanto esteve no cargo, 40 foi pressionado a destinar mesada de R$ 400 mil ao PTB. O que o sr. tem a dizer? Jefferson - É algo que ele terá de esclarecer à PF. Eu tenho dele uma carta em que ele nega ter dado a entrevista. Em carta à “Veja”, disse que não disse. Na PF, sob juramento, disse que
132
não disse. Quem tem de decidir é a Justiça. Conheci o doutor Lídio no princípio de 2003, na 45 casa do José CarLos Martinez [presidente do PTB morto em outubro daquele ano em acidente aéreo]. Sabendo que o PTB indicaria o presidente do IRB, ele veio para se apresentar. Tive excelente impressão. Depois da morte do Martinez ele se distanciou completamente do PTB. Por volta de agosto de 2004, eu o chamei ao meu escritório no Rio e disse: quero que você me ajude, procurando essas empresas que trabalham com o IRB, para fazerem doações ao partido 50 nesta eleição, porque estamos em situação muito difícil. Ele ficou de tentar. Em setembro, ele voltou a mim e disse: deputado, não consegui que as doações sejam “por dentro”, com recibo; querem dar por fora, e isso eu não quero fazer. Eu falei: então não faça. Na conversa, o Lídio avisou que estava perto de se aposentar. Eu então avisei que iniciaria um processo para substituí-lo. Levei aos ministros José Dirceu [Casa Civil] e Antonio Palocci [Fazenda] o nome 55 do doutor Murilo Barbosa Lima, diretor técnico do IRB. O nome ficou meses em aberto. A imprensa começou a dizer que havia dossiê contra ele. E o doutor Lídio, que dissera que iria se aposentar, se agarra com o doutor Luiz Eduardo de Lucena, que é o diretor comercial indicado pelo José Janene [líder do PP na Câmara], para ficar na presidência. Aí se instala uma queda-de-braço entre o PTB e o PP. O Palocci conversa comigo e diz o seguinte: 60 Roberto, vamos fazer uma saída por cima. Nós temos o diretor administrativo, um homem de altíssimo gabarito, o Appolonio Neto, sobrinho do Delfim Netto, fez um dos melhores trabalhos de modernização do IRB. A gente passa o Appolonio como sendo do PTB, e ele sendo sobrinho do Delfim, que é do PP, e a gente resolve a situação. Eu falei: não sou problema, está dada a solução. O doutor Appolonio foi uma indicação salomônica do ministro 65 Palocci. Folha - O sr. considera correta, legítima, essa forma de partilha dos cargos do governo? Jefferson - Você entrega aos administradores dos partidos que compõem o governo a administração do governo. O PT tem participação muito maior que a dos outros partidos da 70 base.Tem20% da base e 80% dos cargos. Mesmo o IRB: o PTB tem a presidência, mas todos os cargos abaixo são do PT. A Eletronorte: o presidente, doutor Roberto Salmeron, é um dos melhores quadros do PTB. Mas, de novo, toda estrutura abaixo é do PT. O diretor mais importante, o de Engenharia, é o irmão do ministro Palocci. O doutor Salmeron é uma espécie de rainha da Inglaterra. A ministra [Dilma Rousseff, das Minas e Energia] despacha com o 75 irmão do Palocci. Tudo isso foi construído lá atrás, com o Silvio Pereira, o negociador do governo. Folha - Qual é a sua relação com Henrique Brandão, da corretora de seguros Assurê? Jefferson - Pessoal. Meu amigo fraterno há 30 anos. Era um homem pobre. Por seu mérito, 80 transformou-se no maior corretor privado do Brasil. O Henrique é grande há muito tempo. Está em Furnashá12, 15anos. Folha - De volta à gravação, o sr. rejeita a afirmação de que Henrique Brandão pedia contribuições em seu nome no IRB? Jefferson - Nunca foi feito tal pedido. Volto a dizer: a única coisa que houve foi um pedido, 85 feito por mim ao Lídio, de ajuda para o PTB na eleição. E eu compreendi as razões de ele não poder ajudar. Eu quero contar um episódio. Na véspera de eu fazer meu discurso no plenário da Câmara, hávia uma apreensão muito grande dos partidos da base, em especial o PL e o PP, e do próprio governo. Dez minutos antes de eu sair paRa falar chega aqui, esbaforido, Pedro Corrêa (PE), presidente do PP: “Bob, cuidado com o que você vai falar. O governo 90 interceptou uma fita de você exigindo do Lídio dinheiro para o PTB”. Eu dei um sorriso e disse: “Pedrinho, se era essa a sua preocupação, pode ficar tranqüilo, essa conversa nunca existiu. Não sou assim, nem o doutor Lídio é assim”. Aí ele rebateu: “Mas pode ter sido seu genro [Marcus Vinícius Ferreira]”. Eu falei: “Meu genro é um homem de bem. E eu vejo,
133
Pedrinho, que você não tem convicção de fita nenhuma. Fica calmo que eu não vou contar 95 nada do que eu sei a respeito de ‘mensalão’”. Folha - E o que o sr. sabe? Jefferson – Um pouco antes de o Martinez morrer, ele me procurou e disse: “Roberto, o Delúbio [Soares, tesoureiro do PT] está fazendo um esquema de mesada, um ‘mensalão’, para os parlamentares da base. O PP, o PL, e quer que o PTB também receba. R$ 30 mil para cada 100 deputado. O que você me diz disso?”. Eu digo: “Sou contra. Isso é coisa de Câmara de Vereadores de quinta categoria. Vai nos escravizar e vai nos desmoralizar”. O Martinez decidiu não aceitar essa mesada que, segundo ele, o doutor Delúbio já passava ao PP e ao PL. Morto o Martinez, o PTB elege como líder na Câmara o deputado José Múcio (PE). Final de dezembro, início de janeiro, o doutor Delúbio o procura: “O Roberto é um homem difícil. Eu 105 quero falar com você. O PP e o PL têm uma participação, uma mesada, eu queria ver se vocês aceitam isso”. O Múcio respondeu que não poderia tomar atitude sem falar com o presidente do partido. Aí reúnem-se os deputados Bispo Rodrigues (PL-RJ), Valdemar Costa Neto [SP, presidente do PL] e Pedro Henry (PP-MT) para pressionar o Múcio: “Que que é isso? Vocês não vão receber? Que conversa é essa? Vão dar uma de melhores que a gente?”. Aí o Múcio 110 voltou a mim. Eu respondi: “Isso desmoraliza. Tenho 22 anos de mandato e nunca vi isso acontecer no Congresso Nacional”. Folha - O sr. deu ciência dessas conversas ao governo? Jefferson - No princípio de 2004, liguei para o ministro Walfrido [Mares Guia, Turismo, PTB] e disse que precisava relatar algo grave. Conversamos num vôo para Belo Horizonte. 115 “Walfrido, está havendo essa história de ‘mensalão’.” Contei desde o Martinez até as últimas conversas. “Em hipótese alguma. Eu não terei coragem de olhar nos olhos do presidente Lula. Nós não vamos aceitar.” E eu passei a viver uma brutal pressão. Porque deputados do meu partido sabiam que os deputados do PL e do PP recebiam. As informações que eu tenho são que o PMDB estava fora. Não teve “mensalão” no PMDB. Fui ao ministro Zé Dirceu, ainda 120 no início de 2004, e contei: “Está havendo essa história de mensalão. Alguns deputados do PTB estão me cobrando. E eu não vou pegar. Não tem jeito”. O Zé deu um soco na mesa: “O Delúbio está errado. Isso não pode acontecer. Eu falei para não fazer”. Eu pensei: vai acabar. Mas continuou. Me lembro de uma ocasião em que o Pedro Henry tentou cooptar dois deputados do PTB oferecendo a eles “mensalão”, que ele recebia de repasse do doutor 125 Delúbio. E eu pedi ao deputado Iris Simões (PTB-PR) que dissesse a ele: se fizer, eu vou para a tribuna e denuncio. Morreu o assunto. Lá para junho eu fui ao Ciro Gomes. Falei: “Ciro, vai dar uma zebra neste governo. Tem um ‘mensalão’. Hoje eu sei que são R$ 3mi, R$ 1,5 mi de mensal para o PL e para o PP. Isso vai explodir”. O Ciro falou: “Roberto, é muito dinheiro, eu não acredito nisso”. Aí fui ao ministro Miro Teixeira, nas Comunicações. Levei comigo os 130 deputados João Lyra (PTB-AL) e José Múcio. Falei: “Conte ao presidente Lula que está havendo o ‘mensalão’”. Nessa época o presidente não nos recebia. Falei isso ao Aldo Rebelo, que então era líder do governo na Câmara. Folha - A quem mais no governo o sr. denunciou a situação? Jefferson - Disse ao ministro Palocci: “Tem isso e é uma bomba”. Fui informando a todos 135 do governo a respeito do “mensalão”. Me recordo inclusive de que, quando o Miro Teixeira, depois de ser ministro, deixou a liderança do governo na Câmara, ele me chamou e falou: “Roberto, eu vou denunciar o ‘mensalão’. Você me dá estofo?”. Eu falei: “Não posso fazer isso. Vamos abortar esse negócio sem jogar o governo no meio da rua. Vamos falar com o presidente Lula que está havendo isso”. Me recordo até que o Miro deu uma entrevista ao 140 “Jornal do Brasil” denunciando o “mensalão” e depois voltou atrás. No princípio deste ano, em duas conversas com o presidente Lula, na presença do ministro Walfrido, do líder Arlindo Chinaglia, do ministro Aldo Rebelo, do ministro José Dirceu, eu disse ao presidente: “Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando ‘mensalão’
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aos deputados”. “Que ‘mensalão’?, perguntou o presidente. Aí eu expliquei ao presidente. 145 Folha - Qual foi a reação dele? Jefferson - O presidente Lula chorou. Falou: “Não é possível isso”. E chorou. Eu falei: É possível sim, presidente. Estava presente ainda o Gilberto Carvalho [chefe-de-gabinete do presidente]. Toda a pressão que recebi neste governo, como presidente do PTB, por dinheiro, foi em função desse “mensalão”, que contaminou a base parlamentar. Tudo o que você está 150 vendo aí nessa queda-de-braço é que o “mensalão” tem que passar para R$ 50mil,R$ 60 mil. Essa paralisia resulta da maldição que é o “mensalão”. Folha - Isso não existia também no governo passado? Jefferson - Nunca aconteceu. Eu tenho23 anos de mandato. Nunca antes ouvi dizer que houvesse repasse mensal para deputados federais por parte de membros do partido do 155 governo. Folha - O que, em sua opinião, leVou a essa situação? Jefferson –É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir o poder. É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo. É por isso. Quem é pago não pensa. 160 Folha - O que fez o presidente Lula diante de seu relato? Jefferson - Depois disso [da conversa] parou. Tenho certeza de que parou, por isso está essa insatisfação aí [na base parlamentar]. Ele meteu o pé no breque. Eu vi ele muito indignado. Pressão, pressão, pressão, pressão. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, todo mundo tem, todo mundo tem. Acho que foi o maior erro que o Delúbio cometeu. E o presidente agora, 165 desde janeiro, quando soube, eu garanto a você [que o “mensalão” foi suspenso]. A insatisfação está brutal porque a mesada acabou. Serenamente eu já tenho o caminho traçado: não me preocupa mais o mandato, não vou brigar por ele. Só não vou sair disso como um canalha, porque não sou. Colaborou EDUARDO SCOLESE, da Sucursal de Brasília 170
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ANEXO B-4: 6/6/2005, A6 segunda-feira, 6 de junho de 2005 B R A S I L AB E X C L U S I V O Presidente do PTB diz que o PT trata seu partido “como se fosse gente de segunda” 5 e que vai enfrentar situação de peito aberto
‘Sim, eu preciso da CPI, eu errei’, diz Jefferson A L I G A Ç Ã O J E F E R S O N - D E L Ú B I O 10 DO PAINEL ............................................................................................................. Depois de assinar e dias depois retirar seu nome da lista de parlamentares a favor da CPI dos Correios no Congresso, Roberto Jefferson disse ontem que a instalação da comissão é 15 “fundamental” para a sua imagem e de seu partido. “Sim. Eu preciso [da CPI]. Eu errei. Eu não deveria ter recuado, não deveria ter recuado.” Na entrevista de ontem, o petebista também atacou o PT e o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, o partido do presidente “não tem coração”. E mais: “Ele [o PT] nos usa como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”. 20 Sobre o Palácio do Planalto, se declarou abandonado após as recentes denúncias de corrupção envolvendo seu nome. “O governo se afastou, correu. Não são parceiros, não são solidários.” Na entrevista com a Folha, Jefferson relatou sua relação com os personagens citados nas últimas denúncias. Se disse distante de Maurício Marinho (ex-servidor dos Correios que aparece em fita negociando propina) e sugeriu que o ex-presidente do IRB(Instituto de 25 Resseguros do Brasil) Lídio Duarte estava bêbado quando tratou de propina em entrevista. E confessou: “[O momento] é difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito aberto”. (RENATA LO PRETE) ✎ Folha - Como presidente do PTB, há alguma coisa que hoje o sr. faria diferente 30 em relação ao PT e ao governo Lula? Roberto Jefferson - O PT não tem coração. Folha -Mas, à luz de sua mágoa... Jefferson - Eu não tenho mágoa, não. Folha - Se o senhor voltasse atrás, o senhor conduziria o partido de alguma 35 outra maneira? Jefferson - Não faria, não faria, não faria, não faria o acordo com o governo. Não faria. Eu sempre disse aos meus companheiros, e eles são testemunhas desde o início, o PT não tem coração, só tem cabeça. Ele nos usa como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia. Nós somos para o PT gente de segunda, eu sempre me senti assim. A relação 40 sempre foi a pior possível. O [José Carlos] Martinez [então presidente do PTB] morreu [em 2003] dizendo que ele queria carinho do presidente Lula, que jámais o recebeu. Essa política mudou recentemente. O presidente passou a fazer política há algum tempo atrás e a nos receber. A nossa relação com o PT não é boa, não é boa. Você não pode confiar —o que está fechado não está fechado. Tudo o que é dito não é cumprido. Toda a palavra que é empenhada 45
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não é honrada. O PT esgarçou, esgarçou, esgarçou a minha autoridade como presidente do PTB, porque prometeu e não cumpriu. O pior foi na eleição, o que o Genoino [presidente do PT] fez comigo. Ele e o seu Delúbio [Soares, secretário de Finanças do PT]. Prometeram e não cumpriram, e eu avalizei diante dos companheiros o que eles fariam, lá na sede do PT. Então esgarça a autoridade, esgarça o limite, a relação. Quando atende, já não vale mais, 50 porque você já sofreu tanto, já passou tanta privação, já ficou um negócio tão ruim. Folha - A impressão é que a relação entre PT, governo e PTB caminhava para um entendimento mais orgânico. Jefferson - Essa fita da revista [“Veja”] sobre a empresa de Correios. O governo se afastou, correu. Porque entendeu que a relação ao nosso lado... o próprio discurso do Genoino 55 desqualificava a relação. Eu entendi claramente o discurso do deputado Genoino de que seria preciso requalificar a base—o PTB é uma base desqualificada. Foi isso que afetou. Não segurou ninguém. Não são parceiros, não são solidários. Folha - E a relação do sr. com os ciTados nos casos dos Correios e do IRB [Instituto Brasileiro de Resseguros]? 60 Jefferson - Não tratei de nenhum assunto com o doutor [Maurício] Marinho [ex-funcionário dos Correios que aparece em fita negociando propina]. Com a CPI, com a quebra de sigilos telefônico e fiscal, vai ficar claro que ele não tem nenhuma relação comigo. Tenho relação com o doutor Antonio Osório [ex-diretor de Administração dos Correios]. É meu velho amigo, amigo querido, deputado federal comigo em 1982. Vinha sempre terminar as noites 65 aqui no PTB, batendo papo comigo. Um homem sério, um homem honrado, correto. Podem investigar a vida dele que não vão encontrar nada, porque não tem. Pobrezinho. Vive do salário do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], onde ele é funcionário há 35 anos. Folha –O senhor quer a CPI? 70 Jefferson - Sim. Eu preciso. Eu errei. Eu não deveria ter recuado, não deveria ter recuado. Porque vão circunscrever a desonra ao PTB. E o PTB só pode recuperar sua auto-estima e sua honra falando de público ao povo, para ser julgado. Quero olhar nos olhos do povo, porque eu não tenho dúvida de que a CPI será transmitida por todo mundo, pelas redes de TV e de rádio. Então, eu vou falar olhando dentro dos olhos das pessoas que estão em casa. Para a 75 honra do PTB, para a nossa imagem e a do PTB, é fundamental que haja CPI. Folha - Por que o sr. mudou de opinião sobre a CPI? Jefferson - Eu vi que o governo agiu para isolar o PTB. Vai ter que sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos chacais. A “Veja” falou que sou o homem-bomba. E o que você faz com a bomba? Ou desativa ou faz explodir. Estou 80 percebendo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está ficando isolado para ser explodido. Folha - E o Lídio Duarte? Jefferson –A minha relação com o doutor Lídio [Duarte, ex-presidente do IRB] foi a mais elevada e a mais correta. Se você me disser: ‘Roberto, você ficou com alguma chateação com 85 o doutor Lídio?’ Eu respondo: fiquei. Achei que, por ódio, por eu tê-lo afastado da presidência do partido. Conheço o doutor Lídio por ter conversado com ele umas três ou quatro vezes pessoalmente. Achei que na entrevista à “Veja” ele estava um pouquinho alterado, bebida. Tanto que ele procurou se redimir nas cartas e no depoimento à PF. Eu tenho dele a melhor impressão, um homem honrado, honrou o PTB à frente do IRB, não é? Ajudou, 90 dentro da lei, ao PTB quando nós pedimos ajuda a ele. Quando eu pedi a ele que ajudasse através das segurados e corretoras, que ele influísse para que elas fizessem doações ao PTB, ele não conseguiu, porque ninguém queria dar por dentro [de maneira legal], temendo isso que está aí, isso de que o Henrique Brandão é hoje vítima. Doou R$ 70 mil para a campanha de Cristiane, filha de Roberto Jefferson, esse bandido. É a leitura que fazem. Ninguém quer 95
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correr riscos. Isso é ruim. Nós vamos ter de discutir esse processo. Aqui, doação é sinônimo de crime, quando não é. Eu não temo o enfrentamento público. Nunca temi. Talvez por isso eu tenha construído essa fama de truculento, de homem violento. Não sou um homem agressivo, não tenho na minha vida registro de uma lesão corporal contra uma pessoa, não fiz nenhum mal a uma pessoa. Só cara de bravo, pinta de bravo, jeito de bravo. 100 Folha - Como têm sido seus últiMos dias? Jefferson - Antes eu temia no olhar das pessoas a rejeição da obesidade mórbida que eu ostentava [pesava 175 kg antes de operação de redução do estômago. Hoje está com 96 kg]. Era uma coisa meio patológica, que graças a Deus eu superei. Agora vou enfrentar mais essa. Já passei já por duas CPIs, a do Collor e a do Orçamento. Quando o senador [Eduardo] 105 Suplicy me denunciou, ou o PT me denunciou, disse que eu houvera recebido US$ 1milhão, a minha vida virou um inferno. Já fui investigado, minha ex-mulher foi investigada, meus filhos, meu pai. É um sofrimento. E eu estou vendo que esse processo está voltando. Eu não posso mais sair na rua. Eu estou cativo das denúncias que são feitas contra mim. Hoje eu sou prisioneiro, aqui do apartamento funcional. Se eu sair na rua, você verá: “Olha lá o ladrão dos 110 Correios, o ladrão do IRB”. Nem ao dentista eu estou conseguindo ir mais. É difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito aberto. Folha - Nesta semana a revista “Época” traz reportagem na qual um sorveteiro é acusado de atuar como laranja do sr. em duas rádios. Jefferson - O [empresário de Três Rios] Edson [Elias Bastos] Jorge, que já possuía uma 115 rádio, a Rádio Três Rios, pediu duas concessões de rádio, e eu ofereci. E disse: “Você vai colocar lá o Durval [da Silva Monteiro, dono de uma sorveteria em Cabo Frio e ex-funcionário do petebista], que é meu irmão preto, esse guerreiro, meu amigo do peito. Você vai ajudar dando a ele a participação acionária no contrato social da rádio. Então você vai dar na rádio AM que vai sair em Paraíba do Sul e nessa FM de Três Rios, a participação do 120 Durval”. É uma maldade, é uma perversidade da revista tratar o Durval como laranja. Colaborou EDUARDO SCOLESE, da Sucursal de Brasília
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ANEXO B-5: 12/6/2005, capa ab São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005 DIRETOR DE REDAÇÃO: OTAVIO FRIAS FILHO ✎ ✎ ✎ UMJORNAL A SERVIÇODOBRASIL ✎ ALAMEDABARÃODE LIMEIRA, 425 ✎ ANO85 ✎ Nº 27.829 ✎ R$ 3,50 5 + SÃO PAULO ✎ E 10 D I Ç Ã O 15 ✎ Em nova entrevista exclusiva, presidente do PTB afirma que ‘mesada’ para parlamentares aliados chegava a Brasília em malas 20
Dinheiro do ‘mensalão’ vinha de Estatais e empresas, diz Jefferson RENATA LO PRETE ........................................................................................ 25 EDITORA DO PAINEL Em nova entrevista exclusiva à Folha, o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), afirma que o dinheiro do ‘‘mensalão’’ pago pelo PT a deputados de partidos aliados no Congresso vinha de estatais e de empresas do setor privado. ‘‘Esse dinheiro chega a Brasília, 30 pelo que sei, em malas’’, diz Jefferson. ‘‘Sei que as direções do PP e do PL recebiam.’’ O presidente do PTB afirma não ter provas, mas diz que, em depoimento na Câmara na próxima terça, vai contar tudo o que “vivenciou” “nesta relação de dois anos e meio como governo do PT”. A discussão sobre cargos entre os dois partidos acontecia, segundo ele, no Palácio do Planalto, em uma sala “ao lado do gabinete” do ministro José Dirceu. Jefferson, que se diz 35 contrário ao recebimento do ‘‘mensalão’’ entre deputados do seu partido, fechou, porém, outro acordo como PT. Em troca de apoio ao governo, os petistas financiariam campanhas municipais do PTB em 2004. Teria sido aprovada uma verba de R$ 20milhões.“O primeiro recurso chegou em julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie”, diz. Segundo ele, as outras parcelas não vieram, “tensionando a relação” PTB-PT. Na entrevista, Jefferson poupa Luiz 40 Inácio Lula da Silva. ‘‘Deixaram o presidente completamente desinformado.’’ À noite, o ministro José Dirceu (Casa Civil) disse que Jefferson “quer se transformar em vítima, mas é réu”. O presidente nacional do PT, José Genoino, afirmou que as acusações são “infundadas, agressivas e cheias de ódio”. Brasil 45
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ANEXO B-6: 12/6/2005, A4 A 4 domingo, 12 de junho de 2005 AB B R A S I L E S C Â N D A L O D O “ M E N S A L Ã O ”
Homem de Delúbio carregava 5
mesada na mala, diz Jefferson ✎ Deputado cita o publicitário Marcos Valério como o operador do petista ✎ Presidente do PTB diz que ‘mensalão’ era recolhido entre empresas e estatais 10 RENATA LO PRETE ........................................................ EDITORA DO PAINEL 15 Depois de anunciar que só voltaria a falar na sindicânCia da Câmara e na CPI, o deputado Roberto Jefferson decidiu romper o silêncio e, na noite de sexta-feira, revelou novos detalhes sobre o “mensalão”, que denunciara em entrevista à Folha publicada na segunda. De acordo com o presidente do PTB, os recursos para alimentar esse esquema, que consistiria no pagamento de mesadas de R$ 30mil, pelo PT, a deputados de outros partidos da base aliada, 20 vinham de estatais e de empresas privadas. Dinheiro que, segundo ele, chegava a Brasília “em malas” para ser distribuído em ação comandada pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, com a ajuda de “operadores” como o publicitário Marcos Valério e o líder do PP na Câmara, José Janene (PP-PR). Levado ao centro do noticiário pelos escândalos nos Correios e no IRB e transformado em pivô da pior crise política enfrentada por Lula a partir da denúncia do 25 “mensalão”, Jefferson nega ter gravações comprometedoras contra autoridades do governo, contrariando os rumores que tomaram conta de Brasília ao longo da semana. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.” Ao repisar o histórico do que teriam sido suas advertências contra o “mensalão”, Jefferson não poupa ministros, mas procura proteger Lula, a quem nada teria sido relatado até uma conversa com o próprio 30 deputado no início deste ano. A partir daí, volta a dizer Jefferson, a mesada teria cessado. “O corpo mole [na Câmara] é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base.” Se poupa Lula, Jefferson faz o oposto com o ministro José Dirceu e com os demais integrantes do que ele chama de “cabeça” do PT: José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno. Narra suas reuniões com esse time para 35 tratar da distribuição de cargos, em uma sala “reservada ao Silvio Pereira” ao lado do gabinete de Dirceu no Palácio do Planalto. Do apartamento funcional que ocupa em Brasília, Roberto Jefferson concedeu por telefone a entrevista que segue abaixo e nas duas páginas seguintes. O deputado diz não temer por sua segurança. “Se fizerem alguma coisa comigo, cai a República.” 40 publicitário de Belo Horizonte. É ele quem faz a distribuição de recursos Noventa por cento das conversas [sobre 45 cargos] eram feitas no
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palácio, Folha - De onde vem o dinheiro para pagar o “mensalão” que, segundo o seu relato, era pago pelo PT a deputados de partidos aliados do governo no 50 Congresso? Roberto Jefferson – Vem de operações com empresas do governo e com empresas privadas. Folha - Que operações? Jefferson - Transferência de dinheiro à vista. Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, 55 em malas. Tem um grande operador que trabalha junto do Delúbio, chamado Marcos Valério, que é um publicitário de Belo Horizonte. É ele quem faz a distribuição de recursos. Sei que o deputado José Janene (PP-PR) é um dos operadores. Ele vai na fonte, pega, vem, é tido como um dos operadores do “mensalão”. Inclusive eu já vi o ministro Zé Dirceu [chefe da Casa Civil]muito irritado com ele porque ele se apresentava como “operador do Zé Dirceu”. Ele 60 também é um dos homens que constroem o caixa para repartição entre deputados do PP e do PL. Folha - Qual era exatamente o papel de Marcos Valério? Jefferson - Ele é operador do Delúbio, desde o início do governo. O Janene faz a mesma operação. É de conhecimento notório. 65 Folha - O sr. poderia citar nomes de deputados que recebiam essa remuneração mensal? Jefferson - Isso eu vou deixar para a imprensa investigar. Mas eu sei que as direções do PP e do PL recebiam. Não é segredo. Eles insinuaram isso para o Zé Múcio [deputado por Pernambuco e líder do PTB na Câmara], que não quis entrar. Eu quero inclusive dizer aqui 70 que, quando o Múcio veio conversar comigo a primeira vez, quando o Delúbio Soares [tesoureiro do PT] o procurou, o Múcio veio a mim e disse: “Roberto, estou com você, sou contra receber “mensalão”. Mas nós já asbíamos naquela época, meados de 2003, que havia esse repasse de recursos ao PL e ao PP. Se você perguntar: “Tem prova? Fotografou? Gravou?”. Não. Mas era conversa cotidiana na Câmara a repartição de mesada entre os 75 deputados da base aliada, em especial o PL e o PP. Nunca ouvi falar do PMDB, e tenho certeza de que os deputados e os senadores do PT jamais receberam isso. Folha - O presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), já anunciou a decisão de processá-lo. Jefferson - É um direito dele. Na colocação que fiz, eu o atingi duramente. Ele tem o direito 80 democrático de me processar. Folha - Houve problema de diNheiro entre PT e partidos da base na campanha municipal? Jefferson - Eu e o líder Zé Múcio acalmamos nossa base dizendo o seguinte: o PTB não vai ter “mensalão”, que desmoraliza e escraviza o deputado, e nas eleições a gente compõe com o 85 PT uma troca de apoio e pede o financiamento para candidaturas que nós entendemos que devemos ganhar. Foi pedida ao PTB, pelo José Genoino [presidente do PT] e pelo Delúbio, uma planilha por Estados de campanhas a prefeito que o PT financiaria para nós. Apresentamos uma planilha de R$ 20 milhões. Esse recurso foi aprovado pelos dois e pelo Marcelo Sereno [secretário de Comunicação do PT]. No princípio de julho de 2004, eu reuni o 90 partido e comuniquei. O repasse do dinheiro se daria em cinco etapas. O primeiro recurso chegou na primeira quinzena de julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie. Em duas parcelas: uma de R$ 2,2 milhões e, três dias depois, uma de R$ 1,8 milhão. Quem trouxe o recurso à sede do PTB foi o Marcos Valério, em malas de viagem. Eu e o Emerson Palmieri [tesoureiro informal do PTB] dividimos esses recursos entre candidatos. E assumimos o 95 compromisso, que era o do Genoino comigo, que outras parcelas viriam. Elas não vieram, e os
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candidatos do PTB que haviam assumido compromissos de campanha entraram em crise brutal. Essas coisas foram esticando a corda, tensionando a relação do PTB com o PT. 100
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ANEXO B-7: 12/6/2005, A5 AB B R A S I L domingo, 12 de junho de 2005 A 5 E S C Â N D A L O D O “ M E N S A L Ã O ” Jefferson nega ter gravações e diz que negociava cargos no Planalto, numa sala 5 reservada a Silvio Pereira, na presença de Delúbio e Dirceu
‘Não tenho fitas, vou relatar fatos que vivi’ 10 DA EDITORA DO PAINEL ............................................................................................................. Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do “mensalão” para mostrar à CPI. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo 15 do PT.” O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a ocupação de cargos no governo. “Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa salinha reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava. O Genoino também. (RLP) ✎ 20 Folha - A semana foi marcada por rumores de que o sr. teria fitas comprometedoras. Isso é verdade? Roberto Jefferson - A única fita que tenho é a da entrevista que a Folha gravou e que a Comissão de Ética da Câmara está pedindo. Não tenho nenhuma fita. Não faço isso. Eu vou [no depoimento desta terça] relatar fatos que vivi neste ano e meses em que presido o PTB. 25 Das reuniões que tive com Genoino, Delúbio, Silvio Pereira [secretário-geral do PT], com o Zé Dirceu. Das conversas que tivemos tanto para construir a aliança do PTB com o governo quanto a aliança eleitoral do PT com o PTB. Folha - No depoimento desta terça, e depois na CPI, o sr. tem a apresentar unicamente o seu relato? 30 Jefferson - Vou colocar claramente ao Brasil tudo o que vivenciei, tudo o que conversei, tudo de que tratei. Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT. Folha - Que avaliação o sr. faz das reações dos membros do governo citados em sua entrevista anterior? 35 Jefferson - Os ministros foram covardes como presidente. O ministro Palocci [Fazenda] sabia do “mensalão” porque eu falei para ele. O ministro Walfrido [Turismo] errou por não ter dito ao presidente sobre o “mensalão”, porque eu falei com ele. O ministro Ciro [Integração] sabia. O Zé Dirceu, conversei com ele várias vezes sobre o “mensalão”. Deixaram o presidente completamente desinformado de algo que viciou a relação do governo, e do 40 comando do PT em especial, com a base aliada no Congresso. Quando de minha conversa com o presidente este ano, lá no gabinete dele no Palácio do Planalto, estávamos eu e o ministro Walfrido, quando eu disse a ele do “mensalão”. Ele tomou um susto. Expliquei a ele no que consistia: um reparte de recursos do Delúbio para líderes e presidentes de partido da base aliada dividirem um dinheiro por mês com representantes de suas bancadas, em especial 45
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o PP e o PL. O PTB fora convidado a participar e repelira. Acho que os ministros traíram a confiança do presidente. Como pode ministros minimizarem, dizendo que não havia importância em minhas palavras, e ter essa explosão no Brasil quando a Folha as coloca para a opinião pública? Só eles não tinham dimensão da explosão que isso iria provocar? O presidente [quando ouviu 50 o relato], foi como se alguém dissesse “olha ali a tua mulher com outro homem”. Aquela reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas brotaram.Ele me pediu que explicasse como funcionava o “mensalão”. Eu disse. Depois ele se levantou, me deu um abraço e eu saí. E o que eu sei, até pela vivência da Casa —essas coisas não se escondem — é que houve uma atitude forte, porque o “mensalão” secou. E nós estamos assistindo a uma crise de abstinência. 55 O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base: o dinheiro para pagar o exército mercenário, as bancadas de aluguel. Folha - Que avaliação o sr. faz da entrevista do tesoureiro do PT? Jefferson - Achei que ele foi fraco. Não teve como enfrentar a imprensa. O Genoino parecia um cão de guarda. Se alguém tentava uma segunda pergunta, o Genoino cortava. A meu ver, 60 Delúbio não convenceu. Não esclareceu sua relação com os partidos que compõem a base do governo. Folha - Como se estabeleceu a reLação do PTB com a cúpula petista? Jefferson - Quando, lá atrás, o José Carlos Martinez era presidente do PTB, e nós começamos a constituir a relação, depois de nomeado o Walfrido Mares Guia ministro do 65 Turismo, o segundo cargo foi o do delegado regional do Trabalho no Rio, Henrique Pinho. Toda a estrutura abaixo dele foi nomeada pelo Silvio Pereira. Outro cargo: Fernando Cunha, para a BR Distribuidora. Toda a estrutura abaixo do Fernando Cunha foi nomeada pelo Silvio Pereira. Na área de Petrobras, de petroquímica, quem manda é ele. Um dia perguntei: “Mas como é isso? Vocês dão a cabeça e tomam o corpo?”. E ele disse que esse era o jeito do PT de 70 repartir poder. Foi assim no Departamento Nacional de Infra Estrutura e Transportes. A primeira indicação para o Dnit, feita pela bancada de São Paulo, acho que é Pimentel o nome [Sérgio Pimentel], esse que hoje aparece nos jornais. Toda a estrutura abaixo foi montada pelo Silvio e pelo Delúbio. O gerente, um tal de Lauro [Lauro Corrêa], é homem do PT. Ele mandava mais que o diretor-geral do Dnit. O PT nomeava as pessoas que controlavam a 75 estrutura de poder por baixo dos nomeados do PTB. Folha - A quem o sr. se refere quando fala na direção do PT? Jefferson -Genoino, Marcelo Sereno, Delúbio Soares, Zé Dirceu, que sempre soube de tudo. Várias vezes eu conversei com o Genoino e com o Delúbio no gabinete do ministro Zé Dirceu. Tudo era tratado como conhecimento dessas pessoas e do Silvio Pereira. Isso no 80 início do governo. Há uma sala contígua à do gabinete do ministro Zé Dirceu no Palácio do Planalto, e de vez em quando nós fazíamos essas conversas. Noventa por cento das conversas eram feitas no palácio, numa salinha que era reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava da conversa, e o Genoino também. 85 Folha - Após a primeira reportagem da “Veja” sobre os Correios, duas nomeações iminentes de petebistas foram abortadas: uma na empresa e outra em Furnas, certo? Jefferson - O doutor Ezequiel Ferreira, indicado pelo senador do PTB Fernando Bezerra [líder do governo no Congresso],nunca chegou a ser diretor dos Correios. Iria para a 90 Tecnologia, ocupada pelo doutor Eduardo Medeiros, indicado pelo Silvio Pereira. Era uma negociação que cortava um pedaço de poder do PT na carne. Furnas foi o próprio presidente Lula que ofereceu ao PTB. Na diretoria de Engenharia, a mais poderosa do setor elétrico do país, está o doutor Dimas Toledo. Há 12 anos. É muito ligado ao governador Aécio Neves (PSDB-MG). O presidente queria tirá-lo porque houve um programa em Minas, num repasse 95
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de recursos federais de mais de R$ 1 bilhão, o “Luz para Todos”. E quando houve a exploração política desse programa, o Aécio só botou na placa “governo de Minas Gerais”. E o presidente se sentiu traído. Com a ajuda do então presidente da Eletronorte, meu companheiro Roberto Salmeron, eu cheguei ao nome de Francisco Pirandel, um técnico de altíssimo nível, que já trabalhou com o senador Delcídio [Amaral, líder do PT no Senado]. 100 Levei o currículo ao presidente Lula, que mandou que eu despachasse de uma vez com o ministro José Dirceu e levasse uma cópia para a ministra Dilma Rousseff[Minas e Energia]. Ela disse: “É um dos melhores nomes”. Aí começaram as pressões para que o Dimas não saísse. Do presidente Itamar Franco, lá Em Roma, no enterro do papa. De grandes empreiteiras. Até o Zé Dirceu disse: “A pressão está muito forte para não trocar”. Eu disse: 105 “O PTB não é problema. Nós não queremos gerar uma crise”. Quando nós voltamos, Walfrido e eu, para conversar com o presidente, nós nos dispusemos a abrir mão. Ele falou: “Não. Eu faço questão”. Ficou marcada a assembléia, se não me engano para 16 de maio. Dia 14 de maio saíram as primeiras denúncias da “Veja”. Na assembléia, a ministra mandou suspender a troca. Três dias depois, vem conversar comigo em casa o Arlindo Chinaglia [petista, líder do 110 governo na Câmara]. Logo depois do meu discurso na Câmara, falando em nome pessoal, para pedir que eu matasse no peito, que o PTB puxasse a crise para si e esclarecesse rapidamente, e que depois as coisas caminhariam normalmente, que aconteceria a nomeação em Furnas. E eu disse: “Mas por que você fala isso?”. Ele respondeu: “Porque foi o governo que sustou”. Quando saiu a matéria da “Veja”, o Janene e o Severino Cavalcanti [presidente 115 da Câmara, PP- PE] foram para cima do Zé Dirceu para impedir que houvesse essa troca. Eles adotaram o Dimas como indicação do PP. Pressão direta do Janene e do Severino para que eles não assinassem a CPI.
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ANEXO B-8: 12/6/2005, A6 A 6 domingo, 12 de junho de 2005 B R A S I L AB E S C Â N D A L O D O “ M E N S A L Ã O ” Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em 5 ‘armadilha’ preparada pelo ministro José Dirceu
‘Se fizerem algo comigo, cai a República’
DA EDITORA DO PAINEL 10 ............................................................................................................. Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa “armadilha” do ministro José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios. A partir daí, “recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo”. A mesma mão ele vê na orientaÇão do trabalho investigativo da Polícia Federal. “A PF faz tudo na correria 15 para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética.” O deputado lança um desafio: duvida que Dirceu venha a público negar suas acusações. Rejeita a idéia de estar praticando chantagem ao não contar sua história toda de uma vez e se diz tranqüilo, apesar de tudo. “Estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira.” (RLP) 20 ✿ Folha - Qual é o caminho a percorrer para comprovar a prática do “mensalão” no Congresso? Roberto Jefferson - Já tem deputada em Goiás [Raquel Silveira, licenciada, do PSDB] dizendo que foi assediada pelo líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), [com a proposta 25 de] R$ 1 milhão de luvas eR$30 mil por mês. Isso ninguém segura. Era de conhecimento público. Eu li que o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, já ouvira falar do “mensalão”. Era uma coisa que Brasília sabia. Só que ninguém queria dizer. O meu papel foi só o de destampar a panela e tornar isso público. Folha - O deputado Miro Teixeira (PT-RJ) confirmou ter sido procurado pelo sr., 30 mas disse que o sr. se recusou a tornar pública a denúncia da prática do “mensalão”. Jefferson - É um equívoco dele. Eu falei com ele quando ele era ministro. Mais de um ano atrás. Na frente dos deputados João Lyra (PTB-AL) e José Múcio. Ele deixou o Ministério das Comunicações. Veio ser líder do governo na Câmara. Aí me chama: “Roberto, vamos colocar 35 para fora esse ‘mensalão’”. Eu digo: “Vamos, mas depois de dizer ao presidente Lula, porque eu tenho certeza de que ele não sabe disso”. Porque havia, até janeiro deste ano, um cordão sanitário em torno do presidente Lula. Nós não conseguíamos conversar com ele. Nós só chegávamos até o Zé Dirceu, ou até o Aldo Rebelo. A primeira vez que eu pude conversar com o presidente Lula no gabinete dele despachando foi em janeiro deste ano. E quando eu 40 disse a ele, olhando nos olhos dele, do “mensalão”, o choque dele... Eu tenho seis mandatos. Eu sou deputado federal desde o presidente Figueiredo. Eu nunca tinha ouvido falar de financiamento de bancada aliada na base pelo partido do governo. E contei isso ao presidente Lula. E vi a reação dele de perplexidade. E então as coisas pararam. Mas o que eu estranho é que a Abin, depois que eu disse isso ao presidente Lula, parte para mandar arapongas contra o 45 PTB. Alguém, dentro do governo, não gostou que nós passamos essa informação ao presidente Lula. Folha - Como o sr. vê a reação do ministro Dirceu à sua entrevista?
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Jefferson - Eu vejo que ele está esperando para ver como vou me colocar para ele poder se manifestar. Eu posso apostar que ele vai falar depois desta entrevista que eu dei. Eu duvido, 50 du-vi-do, que ele negue o que eu estou dizendo. Folha - O sr. concorda com o discurso do Planalto segundo o qual o “mensalão”, se existiu, é problema do PT e não do governo? Jefferson - Eu acho que está certo, mas tem gente do governo metida. O ministro Aldo Rebelo, quando ainda líder do governo na Câmara, foi informado por mim do “mensalão”. Ele 55 já sabia. É um homem digno. Tentou resolver. Conversou conosco que isso iria dar um escândalo nacional. Quando ele fala “o governo”, está se referindo ao presidente Lula. Esse não sabia, nitidamente. E não é o PT. Não são os deputados ou os senadores do PT. Isso eu quero deixar claro aqui. É essa cabeça do PT: Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira, Zé Dirceu. É essa cabeça que, para não distribuir poder—porque o PT tem 20% do Congresso, mas na 60 Esplanada tem 80% do PT—, para que isso não desse uma crise... Esse negócio de exército mercenário, “mensalão”, começou agora, com o Genoino, o Delúbio e o Zé Dirceu. E ele se torna efetivo —eu me recordo bem da conversas do [José Carlos] Martinez comigo — em agosto de 2003. Porque havia uma grande insatisfação, não se repartia poder, não se nomeava ninguém para cargo nenhum, e eles começaram a compensar a ausência da transferência de 65 poder. O PT entendia, na sua cabeça, a sua cúpula, que era muito mais barato alugar um deputado do que discutir com os partidos um projeto de governo. Folha - Como o sr. compara a reação do governo à primeira reportagem de “Veja” sobre os Correios e a exibida após suas declarações? Jefferson - Num primeiro momento, o Zé Dirceu ficou muito hostil comigo depois do meu 70 discurso na Câmara, quando eu assinei a CPI. Na véspera, houve reunião da Executiva do PTB para que todos os companheiros assinassem a CPI e nós devolvêssemos os cargos ao governo. À noite, os ministros tentaram vir à minha casa: Ciro Gomes, Paulo Bernardo [Planejamento], Zé Dirceu, Aldo Rebelo. Para me demover de assinar a CPI. Eu disse: “Não vou recebê-los. Porque isso tudo foi tramado pelo governo”. Vamos para a CPI, a maneira 75 mais clara de limpar a honra do PTB. No dia seguinte, eu estava tomando banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda subir os ministros Aldo Rebelo e Zé Dirceu. Quando eu saio do banho estão os dois sentados na sala da minha casa. Eu coloquei ao Zé Dirceu tudo o que eu já disse a você na entrevista passada. Nesse ínterim, sobe um boletim da Polícia Federal, trazido pelo advogado 80 do PTB, dizendo que o Mauricio Marinho [funcionário dos Correios flagrado em gravação recebendo propina e citando Jefferson] descredenciara a fita. Eu falei: “Se é assim, eu não te- nho nenhum problema em retirar a assinatura da CPI. Mas Zé Dirceu, vocês, que esticaram a corda até romper, me expliquem como foi essa coisa de Furnas”. Aí ele repetiu a conversa do Chinaglia. Que recebeu pressão do Severino e do Janene, com ameaça de assinar a CPI, e que 85 adiante eles reconduziriam o Pirandel. Eu falei: “Mas me importa a restauração da minha honra. A ‘Veja’ está fazendo um verdadeiro linchamento”. Ele respondeu: “Roberto, na ‘Veja’ não tenho nenhuma ação, porque a ‘Veja’ é tucana”. Eu falei: “Mas ‘O Globo’ e a Globo estão repetindo o linchamento”. Ele falou: “No ‘Globo’ eu falo por cima. Dá para segurar”. Retirar a assinatura foi o meu maior erro. Depois que fiz isso, recrudesceu o 90 noticiário contra o PTB. Eu entendi que foi uma armadilha do Zé Dirceu para mim. Recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo. Folha - Viu onde e como? Jefferson – Nas matérias que saíram na revista “Época” e no “Globo” no fim de semana seguinte. Violentamente contra mim e contra o PTB. Eu falei: “Eu errei, eu me enfraqueci ao 95 retirar a assinatura da CPI, e o Zé Dirceu armou essa arapuca para mim”. Foi quando disse ao Walfrido: “Vão botar tudo no colo do PTB. Toda a corrupção que tem dentro dessa estrutura de relações da cúpula do PT em algumas empresas do governo no colo do PTB”. Eu li agora
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que a PF “identificou um esquema de corrupção nos Correios, no IRB e na Eletronorte”. Vão colocar no nosso colo. Vão enterrar a CPI e, enterrando a CPI, é inquérito, e o delegado da PF 100 está agindo politicamente. Ele só vem para cima do PTB. Aliás, numa violenta ilegalidade, porque, para investigar deputado federal, tem que ser Supremo, não pode ser juiz de primeiro grau. Todas as diligências —apreensão de documentos, prisões de pessoas, apreensões de computadores —têm sido autorizadas por juiz de primeiro grau contra o deputado federal Roberto Jefferson, quando o foro competente devia ser o Supremo Tribunal Federal. E hoje 105 [sexta-feira] no “Globo”, num noticiário promovido pelo governo, sai que eu mandei gravar o Marinho. Que a PF e o governo “desconfiam” que o deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, foi à Abin e pediu que um órgão de Estado filmasse o Marinho. Olha a conversa! Eu vejo nitidamente o dedo desse segmento—Zé Dirceu, Genoino, Delúbio— para colocar esse cadáver podre no colo do PTB. 110 Folha - E quanto a seu amigo Henrique Brandão, dono da corretora de seguros Assurê, contra quem a PF diz ter obtido indícios? Jefferson - É meu amigo há 30 anos, um homem honrado. E eu quero dizer uma coisa: foi o único que ajudou o PTB, da maneira possível, nas eleições municipais. Eles querem pegar o Henrique Brandão para me atingir pessoalmente e ao meu partido como um todo. Ele não é 115 suspeito de nenhuma irregularidade. Por que a invasão da casa dele, do escritório dele, apreensão de computador? Eu vejo claramente que está hávendo um inquérito político, e nesta semana a coisa voltou a recrudescer porque eu marquei o meu depoimento, aberto à imprensa, na Comissão de Ética, na próxima terça-feira, às 14h30. Está havendo uma correria política da PF no Ministério da Justiça para tentar enfraquecer o que eu devo dizer ao Brasil. A PF faz 120 tudo na correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética. Folha - Na entrevista que concedeu quarta-feira, Delúbio Soares o acusou de praticar chantagem. O sr. não acha que, ao não contar sua história toda de uma vez, o sr. respalda essa interpretação? Jefferson – Em hipótese alguma. Chantagem é para ganhar dinheiro, ter contraprestação 125 financeira. Eu falei do “mensalão” aos ministros no ano passado. Isso não é chantagem, é advertência. É que eu acho que chegamos a um ponto em que exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que podem continuar na base do governo. Eu entendo que acabou a relação. Eu tenho de ter cuidado, porque na segunda-feira passada houve aqui em casa uma reunião da cúpula do PTB para pedir que eu renunciasse. Mas as coisas têm de 130 ser paulatinas. Tenho de consolidar minha posição dentro do partido. Se eu tivesse renunciado, eu seria jogado aos leões na arena. Eu pedi prazo a eles, até a reunião do Diretório Nacional [no próximo dia 17]. Eu tenho também uma disputa política interna. Um grupo que quer sair, um grupo que quer ficar. Então, não se trata de chantagem. É cautela para proteger minha posição no partido até a reunião do diretório. Se eu falo paulatinamente não é 135 por chantagem. É para ir mostrando como as coisas se deram. Eu sento, fico aqui pensando, tomo notas das coisas que aconteceram, tentando rememorar com clareza os fatos para não ferir a verdade e não entrar em contradição. Com toda a serenidade. Folha - Nos últimos dias, o sr. passou a temer por sua segurança? Jefferson - Não temo, não. Depois do que eu já disse, se fizerem alguma coisa comigo, cai a 140 República. Creio em Deus. Rezo. E estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira. Tenho certeza de que as coisas serão diferentes a partir de agora.
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ANEXO B-9: 10/6/2005 – A2
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ANEXO C: ÍNTEGRA DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO ANEXO C–1: 6/6/2005 - capa
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ANEXO C-2: 6/6/2005 – A4
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ANEXO C -3: 6/6/2005 – A5
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ANEXO C-4: 6/6/2005 – A6
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ANEXO C-5: 12/6/2005 – capa
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ANEXO C-6: 12/6/2005 – A4
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ANEXO C-7: 12/6/2005 – A5
157
ANEXO C-8: 12/6/2005 – A6
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ANEXO D: TRECHOS DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO ANEXO D-1: 9/6/2005 – A2