urgências ginecológicas em pediatria - sprmn.pt · hemorragia de quisto do ovário e a doença...

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ARP!65 Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXII, nº 86, pág. 65-66, Abr.-Jun., 2010 A patologia ginecológica de urgência é relativamente rara em idade pediátrica e muitas vezes sede de possível confusão clínica com outras situações pélvicas agudas não ginecológicas, mais frequentes neste grupo etário (ex: apendicite aguda). As situações emergentes, que por definição são aquelas que põem em risco a própria vida ou a viabilidade de um órgão, incluem a ruptura de gravidez ectópica na adolescente (fig.1), a torção do ovário (fig.2) e a ruptura de quisto ovário (fig.3) em qualquer idade. O traumatismo do aparelho genital feminino isolado, muitas vezes passível de implicação médico-legal, é raro e o papel da radiologia de urgência é muito limitado ou mesmo nulo, na maior parte destas situações. É mais frequente o traumatismo genital associado a traumatismo de outros órgãos e sistemas, e são estes que habitualmente determinam a gravidade do trauma. Existem muitas outras patologias ginecológicas que se podem manifestar de forma mais ou menos aguda, e com necessidade de intervenção terapêutica mais ou menos urgente. Neste grupo incluem-se as malformações müllerianas obstrutivas (fig.4), herniação do ovário, hemorragia de quisto do ovário e a doença inflamatória pélvica. Lesões expansivas ginecológicas, quísticas ou neoplásicas, podem manifestar-se de forma relativamente urgente quando atingem grandes dimensões e causam efeito compressivo em órgãos vizinhos. Urgências Ginecológicas em Pediatria Luísa Lobo Serviço de Imagiologia Geral, Hospital de Santa Maria – CHLN Directora: Dra. Isabel Távora Fig. 1 – Rotura gravidez ectópica numa jovem de 17 anos: ecografia com hemoperitoneu Fig. 2 – Torção do ovário numa jovem de 14 anos: ecografia mostrando ovário direito aumentado de volume com massa predominantemente quística (peça operatória: torção do ovário contendo teratoma maduro) Fig. 3 – Rotura de quisto hemorrágico do ovário: ecografia com quisto hemorrágico e liquido intra- peritoneal Fig. 4 – Hidrocolpos em anomalia Mülleriana e rim esquerdo pélvico com displasia quística: a – ecografia mostrando hidrocolpos (seta); b – RM sagital ponderada em T2 mostrando hidrocolpos (seta branca) e rim ectópico displásico (seta preta)

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Page 1: Urgências Ginecológicas em Pediatria - sprmn.pt · hemorragia de quisto do ovário e a doença inflamatória pélvica. Lesões expansivas ginecológicas, quísticas ou

ARP!65

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXII, nº 86, pág. 65-66, Abr.-Jun., 2010

A patologia ginecológica de urgência é relativamente raraem idade pediátrica e muitas vezes sede de possívelconfusão clínica com outras situações pélvicas agudas nãoginecológicas, mais frequentes neste grupo etário (ex:apendicite aguda).As situações emergentes, que por definição são aquelasque põem em risco a própria vida ou a viabilidade de umórgão, incluem a ruptura de gravidez ectópica naadolescente (fig.1), a torção do ovário (fig.2) e a rupturade quisto ovário (fig.3) em qualquer idade.O traumatismo do aparelho genital feminino isolado,muitas vezes passível de implicação médico-legal, é raroe o papel da radiologia de urgência é muito limitado oumesmo nulo, na maior parte destas situações. É maisfrequente o traumatismo genital associado a traumatismo

de outros órgãos e sistemas, e são estes que habitualmentedeterminam a gravidade do trauma.Existem muitas outras patologias ginecológicas que sepodem manifestar de forma mais ou menos aguda, e comnecessidade de intervenção terapêutica mais ou menosurgente. Neste grupo incluem-se as malformaçõesmüllerianas obstrutivas (fig.4), herniação do ovário,hemorragia de quisto do ovário e a doença inflamatóriapélvica. Lesões expansivas ginecológicas, quísticas ouneoplásicas, podem manifestar-se de forma relativamenteurgente quando atingem grandes dimensões e causam efeitocompressivo em órgãos vizinhos.

Urgências Ginecológicas em Pediatria

Luísa Lobo

Serviço de Imagiologia Geral, Hospital de Santa Maria – CHLNDirectora: Dra. Isabel Távora

Fig. 1 – Rotura gravidezectópica numa jovem de 17anos: ecografia comhemoperitoneu

Fig. 2 – Torção do ovárionuma jovem de 14 anos:ecografia mostrando ováriodireito aumentado devolume com massapredominantemente quística(peça operatória: torção doovário contendo teratomamaduro)

Fig. 3 – Rotura de quistohemorrágico do ovário:ecografia com quistohemorrágico e liquido intra-peritoneal

Fig. 4 – Hidrocolpos em anomalia Mülleriana e rim esquerdo pélvicocom displasia quística: a – ecografia mostrando hidrocolpos (seta); b –RM sagital ponderada em T2 mostrando hidrocolpos (seta branca) erim ectópico displásico (seta preta)

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A hemorragia vaginal pré-pubertária, embora não constituahabitualmente uma verdadeira urgência ginecológica, causamuitas vezes uma grande preocupação nos familiares, oque motiva a ida ao serviço de urgência. Pode sermanifestação de tumor, (ex. rabdomiossarcoma [fig.5]),corpo estranho vaginal ou puberdade precoce.

Fig. 5 – Rabdomissarcoma vesico-vaginal: ecografia pélvica com massasólida polipóide intra-vesical com obliteração do pavimento vesical edo canal vaginal

Na criança e adolescente, tal como na mulher adulta, aecografia é o exame de eleição na avaliação ginecológicade urgência. A utilização do Doppler (fig.6), que deve fazerparte integrante da avaliação ecográfica, permite umainformação adicional muitas vezes essencial (ex: naturezade uma massa, gravidez ectópica, potencial viabilidade deovário torsido).A ecografia ginecológica na criança é realizada por viasupra-púbica, podendo ser complementada por abordagemtrans-perineal com sonda de alta frequência o que permitemelhor detalhe na visualização dos órgãos pélvicos. Aabordagem endovaginal é apenas possível em adolescentessexualmente activas.O sucesso do exame depende de uma técnica meticulosa eda utilização de sondas apropriadas. No estudo ecográficosupra-púbico é fundamental uma adequada replecçãovesical, o que na criança pequena nem sempre é fácil. Esteaspecto é habitualmente obviado realizando a ecografiaapós refeição na criança mais pequena. Raramente hánecessidade de distender a bexiga através de sonda vesical,ou mesmo recorrer a clister de água (ex. exclusão depseudo-massa, condicionada pelo colon). Mesmo com abexiga em fraca replecção, a utilização de sonda linear de

Fig. 6 – Eco-Doppler: ovário esquerdo globoso com folículos à suaperiferia e diminuição do fluxo pelo Doppler colorido comparativementeao ovário direito

alta frequência permite muitas vezes um detalhe anatómicosuficiente. Na abordagem perineal, o preenchimento docanal vaginal com soro fisiológico permite uma óptimajanela acústica.Na urgência, pontualmente outros métodos de imagem,como a TC (ou preferencialmente RM, se disponível) sãonecessários na avaliação ginecológica em pediatria. Sãoexemplos as situações traumáticas graves, o abdómenagudo não traumático de etiologia não esclarecida pelaecografia (e apenas se existir impacto na decisãoterapêutica) ou mesmo massas pélvicas de grandesdimensões e compressivas com necessidade de manobrasinterventivas (ex: colocação de stent ou nefrostomiapercutânea se compromisso urológico).

A apresentação clínica das urgências ginecológicaspediátricas pode ser variável e confusa. Um elevado índicede suspeição é muitas vezes essencial para que situaçõespotencialmente emergentes, como a torsão do ovário ou agravidez ectópica (actividade sexual muitas vezesescondida na adolescência!) não passem despercebidas.Para um diagnóstico atempado das urgências ginecológicasé fundamental compreender os diagnósticos diferenciais,os achados imagiológicos e as limitações dos exames.

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