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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS FACULDADE DE ECONOMIA André Bucaresky A dependência e o balanço de pagamentos no Brasil: um estudo sobre a ação do capital estrangeiro na extração do excedente econômico e na reprodução da dependência Niterói 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

FACULDADE DE ECONOMIA

André Bucaresky

A dependência e o balanço de pagamentos no Brasil: um estudo sobre a ação do capital estrangeiro na extração do excedente econôm ico e na reprodução da

dependência

Niterói 2005

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ANDRÉ BUCARESKY

A dependência e o balanço de pagamentos no Brasil

Um estudo sobre a ação do capital estrangeiro na ex tração do excedente

econômico e na reprodução da dependência

Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Economia.

Orientador: Prof. Theotônio dos Santos

Niterói 2005

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ANDRÉ BUCARESKY

A dependência e o balanço de pagamentos no Brasil: um estudo sobre a ação do capital estrangeiro na extração do excedente econôm ico e na reprodução da

dependência

Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Economia.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________ Prof. Dr.Theotônio dos Santos - Orientador

Universidade Federal Fluminense

_______________________________________________________ Profª. Drª.Carmem Aparecida Feijó Universidade Federal Fluminense

_______________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Carlos Delorme Prado

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Niterói 2005

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A meus pais e à Flávia

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RESUMO

Neste trabalho procura-se fazer uma discussão sobre a dependência, partindo do

referencial conceitual de uma das vertentes da Teoria da Dependência, que ficou

conhecida como a Teoria Marxista da Dependência. Pretende-se aqui contribuir na

verificação da pertinência ou não desse enfoque teórico e metodológico para analisar a

realidade brasileira, no debate com as teorias econômicas tradicionais. Um dos temas

mais discutidos pela Teoria da Dependência é a questão da extração do excedente

econômico gerado nos países atrasados pela ação do capital estrangeiro, o que está

fortemente vinculado a como as estruturas sócio-econômicas internas se articulam com

o capital externo. É nesse aspecto da discussão que está centrada a dissertação.

Busca-se a comprovação empírica, no caso brasileiro, das afirmações da Teoria da

Dependência a respeito do papel que cumpre o capital estrangeiro na extração do

excedente, entendido aqui como valor excedente, como mais-valia, produzido

internamente, e na reprodução da dependência. Mais precisamente, são estudadas

como se deram as relações de dependência e de extração do excedente no caso

brasileiro desde o pós-guerra aos dias de hoje. Para isso, é feita uma análise crítica a

respeito da evolução do Balanço de Pagamentos brasileiro neste período, contrapondo-

a com a visão tradicional sobre o mesmo, expressa na teoria econômica ortodoxa e nas

teorias da modernização.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1947-1954........................ 115

Tabela 2. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1955-1961........................ 120

Tabela 3. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1962-1967........................ 127

Tabela 4. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1968-1973........................ 131

Tabela 5. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1974-1980........................ 137

Tabela 6. Comparação do Balanço de Pagamentos entre os períodos 1962-67, 1968-73 e 1974-80................................................................................................................... 141

Tabela 7. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1981-1989........................ 146

Tabela 8. Dívida externa total do Brasil, por prazo......................................................... 150

Tabela 9. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1990-2000........................ 158

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Remessas líquidas de rendas como percentual das exportações (1947-2002)............................................................................................................................... 108

Gráfico 2. Fluxos de Exportações, Rendas e Capitais nos anos 80............................... 109

Gráfico 3. Transações Correntes nos anos 90............................................................... 159

Gráfico 4. Conta Serviços nos anos 90 (itens selecionados)......................................... 161

LISTA DE QUADROS Quadro 1. Estrutura do Balanço de Pagamentos brasileiro................................................... 86

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SUMÁRIO Apresentação ................................................................................................................ 07 Capítulo 1. A dependência ........................................................................................... 10 1.1. Debate metodológico e conceitual.......................................................................... 10 1.2. A questão da exportação de excedente econômico............................................... 16 Capítulo 2. As transações internacionais e a depend ência ..................................... 23 2.1. As visões clássica e neoclássica do comércio e do investimento internacionais ... 23 2.2. Críticas à visão neoclássica.................................................................................... 34 2.3. As transações internacionais e o balanço de pagamentos..................................... 54 2.4. As transações internacionais e a dependência....................................................... 62 Capítulo 3. O balanço de pagamentos ........................................................................ 69 3.1. Contexto histórico do surgimento e desenvolvimento do balanço de pagamentos 69 3.2. Evolução e concepção do Manual do Balanço de Pagamentos............................. 76 3.3. Mudanças operadas na 5ª Edição do Manual do Balanço de Pagamentos ........... 80 3.4. A organização do balanço de pagamentos brasileiro.............................................. 86 Capítulo 4. A inserção brasileira no sistema mundia l.............................................. 90 4.1. Histórico................................................................................................................... 90 4.2. Fases do desenvolvimento capitalista dependente brasileiro ................................ 96 Capítulo 5. Análise histórico- empírica: a dependência e o balanço de pagamentos brasileiro (1947-2000) ............................................................................. 104 5.1. Visão geral............................................................................................................... 105 5.2. Fase 3 – Industrialização com forte presença do capital estrangeiro...................... 112 5.2.1. 1947 a 1954.......................................................................................................... 112 5.2.2. 1955 a 1961.......................................................................................................... 118 5.2.3. 1962 a 1967.......................................................................................................... 123 5.2.4. 1968 a 1973.......................................................................................................... 129 5.2.5. 1974 a 1980.......................................................................................................... 135 5.3. Fase 4 – A crise do padrão anterior e a reestruturação neoliberal.......................... 144 5.3.1. Anos 80................................................................................................................. 144 5.3.2. Anos 90................................................................................................................. 151 5.4. Considerações finais............................................................................................... 162 Conclusões .................................................................................................................... 168 Referências bibliográficas ........................................................................................... 173

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Apresentação

A partir dos anos 80, o pensamento econômico brasileiro foi pautado

principalmente por discussões sobre questões focadas no curto prazo, a respeito da

inflação, taxas de câmbio, taxa de risco, entre outros temas. Os inúmeros debates em

torno de questões de longo prazo, estratégicas ou estruturais, que predominaram entre

os anos 50 e o início dos anos 80, ficaram relegados para segundo plano ou foram

mesmo considerados ultrapassados. Com a implantação em diversos países do que

ficou conhecido como os planos neoliberais, que trouxeram as políticas de abertura da

economia, desregulamentação dos mercados, privatizações e os chamados “ajustes

estruturais”, discussões de temas como o da dependência passaram a ser tratados por

muitos como obsoletos. Foi com o advento das várias crises desses planos que se

expressaram primeiro no México em meados da década de 90, atingindo

posteriormente vários países como a Rússia, a Turquia, o Brasil, a Argentina, entre

outros, que o debate sobre a dependência começou, lentamente, a ganhar espaço

novamente.

Este trabalho se propõe a fazer uma discussão sobre a dependência, partindo do

referencial conceitual de uma das vertentes da Teoria da Dependência, que ficou

conhecida como a Teoria Marxista da Dependência, cujos principais autores no Brasil

são Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra. A Teoria da

Dependência marcou o pensamento econômico, político e social da América Latina,

principalmente nos anos 60, 70 e início dos 80 e não é possível analisar o pensamento

latino-americano sem considerar as suas contribuições teóricas. Pretende-se aqui

contribuir na verificação da pertinência ou não desse enfoque teórico e metodológico

para analisar a realidade brasileira, no debate com as teorias econômicas tradicionais.

Um dos temas mais discutidos pela Teoria da Dependência é a questão da

extração do excedente econômico gerado nos países atrasados pela ação do capital

estrangeiro, o que está fortemente vinculado a como as estruturas sócio-econômicas

internas se articulam com o capital externo. É nesse aspecto da discussão que será

centrada a dissertação. Procurar-se-á buscar a comprovação empírica, no caso

brasileiro, das afirmações da Teoria da Dependência a respeito do papel que cumpre o

capital estrangeiro na extração do excedente, entendido aqui como valor excedente,

como mais-valia, produzido internamente e na reprodução da dependência.

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O principal instrumento disponível para medir as relações econômicas

internacionais é o Balanço de Pagamentos. De acordo com a conceituação do Manual

elaborado pelo FMI, o Balanço de Pagamentos é um relatório estatístico que resume,

sistematicamente, para um período de tempo específico, as transações econômicas de

um país com o “resto do mundo”. A partir de suas várias contas, é possível aferir os

fluxos de recursos, as entradas de capital, o investimento direto e em carteira, os

empréstimos internacionais, os pagamentos de juros, as remessas de lucros, a relação

do capital estrangeiro com as balanças comercial e de serviços, entre outros. O Balanço

de Pagamentos, ao apresentar as transações internacionais como sendo realizadas

entre os países, ao invés de entre agentes econômicos como empresas, trabalhadores,

governos, etc., tende a ocultar as verdadeiras relações econômicas. Estes limites ficam

cada vez mais evidentes na medida em que aumenta o grau de internacionalização das

grandes empresas, ao ponto que muitas transações que aparecem no Balanço de

Pagamentos como ocorrendo entre países, na verdade são realizadas entre filiais da

mesma empresa. Apesar dessas limitações, as informações coletadas dos registros do

Balanço de Pagamentos, se estudadas através de uma leitura sistêmica, podem nos

ajudar a compreender, em uma série de aspectos e até certo ponto, o grau e as

características da ação do capital estrangeiro na economia doméstica.

Definindo mais precisamente, serão estudadas como se deram as relações de

dependência e de extração do excedente no caso brasileiro desde o pós-guerra aos

dias de hoje. Para isso, será feita uma análise crítica a respeito da evolução do Balanço

de Pagamentos brasileiro neste período, contrapondo-a com a visão tradicional sobre o

mesmo, expressa na teoria econômica ortodoxa e nas teorias da modernização.

Este trabalho está dividido em cinco capítulos, além das conclusões. No primeiro

capítulo, discute-se o próprio objeto da tese, que é a Teoria da Dependência, em seus

aspectos metodológicos e conceituais, tendo uma seção fazendo a discussão

conceitual da questão da extração do excedente econômico.

O segundo capítulo expõe a visão convencional (clássica e neoclássica) a

respeito das transações econômicas internacionais e faz uma abordagem crítica a este

enfoque, apresentando uma visão alternativa. Discute também a forma como essas

transações internacionais aparecem no Balanço de Pagamentos e a relação entre as

transações internacionais e a questão da dependência.

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O terceiro capítulo é sobre o Balanço de Pagamentos, que é o principal

instrumento estatístico utilizado aqui para avaliar as relações econômicas internacionais

e o processo de extração do excedente econômico. Procura-se, além de discutir

teoricamente, historicamente e metodologicamente o Balanço de Pagamentos,

apresentar sua estrutura e últimas atualizações.

O quarto capítulo discute o processo histórico da inserção dependente da

economia brasileira no sistema mundial, propondo a divisão da evolução das relações

de dependência da economia brasileira em relação aos países centrais no século XX

em 4 fases distintas.

O quinto capítulo é o da análise histórico-empírica. À luz das discussões dos

quatro primeiros capítulos, apresenta como a dependência se expressou historicamente

através das contas do Balanço de Pagamentos, utilizando como período histórico de

análise as duas últimas fases propostas no capítulo 4, que vão do pós-guerra aos dias

de hoje. Inclui, no final, uma seção com as considerações finais do presente trabalho. O

último capítulo apresenta as conclusões gerais do trabalho.

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Capítulo 1 – A Dependência

Este capítulo será dedicado ao debate metodológico e conceitual sobre a

dependência, contrapondo-o às teorias neoclássica e da modernização. Ao final será

feita uma discussão a respeito do que se entende aqui por extração de excedente

econômico.

1.1. Debate metodológico e conceitual

Para este trabalho, adota-se um enfoque que leva em consideração o caráter

mundial e histórico do sistema econômico capitalista e que integra o Brasil como parte

desta totalidade, utilizando como referência o debate sobre a dependência. Esta

discussão não é nova, mas continua sendo bastante atual, visto que o modo como

normalmente são abordadas as relações econômicas internacionais parte de teorias

que consideram os países como unidades de medida formalmente separadas e que

tratam as relações entre os países de forma estática e não integrada.

As principais escolas econômicas não partem, em suas teorias, de uma

economia mundial como um sistema, que possui uma totalidade historicamente

construída. Ao contrário, vislumbram uma economia inter-nacional entendida como um

agregado de países. De acordo com Caputo,

“A ciência econômica em suas principais escolas tem como cenário fundamental as economias nacionais. Por isso se fala de economia nacional fechada e depois de economia nacional aberta. Os modelos econômicos referem-se à economia nacional e o resto do mundo. Mesmo em condições de economias pequenas como Equador, Bolívia e Chile. Nos textos de economia internacional como um objeto especializado de estudo no interior da ciência econômica se trata de economias nacionais que se inter-relacionam entre si”. (CAPUTO, 2003, p. 3)

O que é proposto aqui é partir da economia mundial, estudar suas relações

estruturais e hierárquicas, procurar observar os países como parte desta totalidade

historicamente construída. Ao mesmo tempo, propõe-se a entender as relações sócio-

econômicas no interior do país e como essas relações são condicionadas e modificadas

pela influência externa.

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As teorias da modernização costumam enxergar os países atrasados como a

imagem do que foram os países adiantados no passado. Aqueles teriam, então, que

trilhar o mesmo caminho, através dos mesmos estágios de desenvolvimento. A

permanência de um país determinado em sua condição de subdesenvolvido seria

resultado de sua dificuldade ou demora em adotar padrões de eficiência típicos dos

países desenvolvidos. O subdesenvolvimento seria visto como uma ausência de

desenvolvimento.

Como parte deste campo, as teorias do desenvolvimento procuraram identificar

os entraves que impediriam os países atrasados de alcançar a modernidade.

Buscavam, assim, determinar os mecanismos de intervenção que ajudariam estes

países a superar os obstáculos e se aproximar do modelo ideal de sociedade.

Segundo Rostow1, por exemplo, seria possível identificar todas as sociedades,

em suas dimensões econômicas, como estando em uma de 5 categorias: a sociedade

tradicional, a fase de criação das pré-condições para a arrancada (take-off), a fase da

arrancada, a marcha para a maturidade e a era do consumo de massa. Segundo ele, a

"arrancada" de um país necessitaria de determinada combinação de poupança, capital

e produto. As pré-condições econômicas para a arrancada seriam: a formação de uma

infra-estrutura; um forte aumento da produção agrícola, que pudesse sustentar o

crescimento da indústria; um nível de poupança elevado; uma capacidade de

importação suficiente para garantir a obtenção de máquinas, equipamentos e matérias-

primas necessárias para a industrialização, que pode ser conseguida seja através das

exportações, seja da entrada de capitais estrangeiros; e o surgimento de uma

vanguarda que impulsione um processo de modernização.

Há, por outro lado, todo um campo de análise teórica, no qual se inserem

diversas linhas de pensamento, que afirma que o subdesenvolvimento seria fruto do

próprio desenvolvimento da economia mundial e da forma pela qual, historicamente, os

espaços econômicos periféricos foram inseridos nesta economia.

Gunder Frank, por exemplo, criticou os estudos sobre desenvolvimento e

subdesenvolvimento baseados nas teorias da modernização, que não conseguiriam

explicar a estrutura e o desenvolvimento do sistema capitalista como um todo e não

1 Walt Rostow, economista norte-americano que escreveu o livro "Etapas do Desenvolvimento Econômico: um manifesto não comunista".

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esclareceriam a geração simultânea de subdesenvolvimento em algumas de suas

partes e de desenvolvimento econômico em outras:

"E por isso é que se acredita geralmente que o desenvolvimento ocorre numa sucessão de etapas capitalistas e que os atuais países subdesenvolvidos estariam ainda em uma etapa que é algumas vezes descrita como uma etapa original da história e pela qual os países atualmente desenvolvidos teriam passado há muito tempo. Basta, porém, uma pequena familiarização com a história para saber que o subdesenvolvimento não é original nem tradicional, e que nem o passado nem o presente dos países subdesenvolvidos se parecem em qualquer aspecto importante com o passado dos países hoje desenvolvidos. Os países atualmente desenvolvidos nunca foram subdesenvolvidos, embora possam ter sido não-desenvolvidos”. (FRANK, 1976, p. 26).

Um dos primeiros a abordar o tema por este enfoque histórico e integrado, no

início do século XX, foi Trotsky. Ele formulou uma lei dos processos históricos que lhe

permitiu apreender o significado e a dinâmica das transformações por que passava a

economia mundial e em particular a Rússia que ele analisava: a lei do desenvolvimento

desigual e combinado. No livro "História da Revolução Russa", ele escreveu:

“A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processus histórico, evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos. Desta lei universal da desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, por falta de denominação apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, que significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas. Sem esta lei, tomada, bem entendido, em todo o seu conjunto material, é impossível compreender a história da Rússia, como em geral a de todos os países chamados à civilização em segunda, terceira ou décima linha”. (TROTSKY, 1977, p. 25)

E é justamente do ponto de vista de totalidade do sistema que ele está falando.

Trotsky discute a afirmação de Marx, segundo a qual o país mais desenvolvido

industrialmente exibe ao menos desenvolvido, somente a imagem de seu próprio futuro:

"Esta afirmação de Marx, tomando como ponto de partida metodológico, não o mundo econômico como um todo, mas um determinado país capitalista como padrão, tornou-se menos válida na medida em que a evolução do capitalismo abarcou todos os países desatentos a seu prévio destino e ao progresso industrial." (TROTSKY, 1977, p. 1009)

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Wallerstein, seguindo este ponto de vista, afirmou que dentro de um sistema-

mundo, é errado falar em estágios de desenvolvimento (escravista, feudal, capitalista e

socialista) envolvendo países isoladamente. Os estágios devem ser em termos de

sistemas sociais, isto é, de totalidades. Para ele, só faz sentido falar de estágios no

âmbito do próprio sistema-mundo, na totalidade histórica específica que é a economia-

mundo capitalista.

Com relação a isto, Wallerstein escreveu:

"A questão crucial quando comparamos "estágios" é determinar as unidades para as quais os "estágios" são retratos sincrônicos (ou "tipos ideais", se desejar). E o erro fundamental da ciência social a-histórica (incluindo versões a-históricas do marxismo) é reificar partes da totalidade em tais unidades e então comparar essas estruturas reificadas." (WALLERSTEIN, 2000, p. 73).

Como exemplos, o autor cita a teoria da "economia dual" e a teoria de Rostow. A

teoria da “economia dual” analisava dois modos de produção convivendo ao mesmo

tempo (agricultura de subsistência e agricultura de mercado), como se fossem dois

estágios sucessivos. Para Wallerstein são dois modos sincrônicos, que fazem parte de

uma mesma totalidade sistêmica. A teoria de Rostow de cinco estágios, já citada

anteriormente, também demonstra possuir um conteúdo metodológico a-histórico.

A adoção do enfoque sistêmico permitiu a vários autores o desenvolvimento de

aparatos conceituais que abarcassem as relações estruturais como historicamente

construídas. A divisão internacional do trabalho, indicando uma relação entre os países

ou regiões articulados hierarquicamente em torno de um centro, entendido como pólo

dinâmico e dominante, e de uma periferia, vista como pólo dependente, passou a ser

objeto de debates teóricos importantes. A idéia da divisão do mundo em centro e

periferia, ou em países adiantados e países atrasados pôde, com o enfoque de

totalidade histórica, levar ao conceito de dependência.

Este conceito é abordado por várias teorias. Uma das diferenças mais

importantes quanto à sua aplicação é o predomínio ou subordinação que tem dentro do

aparato teórico conceitual. Para a Cepal, por exemplo, a condição de dependência

pode ser superada pela ação da política econômica dos governos.

“Na Cepal, a “condição periférica” era interpretada como determinante de problemas a serem superados por políticas econômicas e sociais

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bem orquestradas, em nível nacional e internacional. Ou seja, não significava fonte de exploração insuperável que implicasse a necessidade de uma ‘ruptura com o capitalismo” (BIELSCHOWSKY, 1999, p. 139).

Por outro lado, para Gunder Frank, a dependência e o desenvolvimento são

categorias estruturais que correspondem ao modo de produção capitalista e se

superam somente com a abolição deste modo de produção. (SOTELO, 2003.)

A dependência tem um sentido diferente do que é usualmente entendido pela

teoria macro-econômica tradicional como a interdependência entre os países. Não

significa simplesmente que os países não são autarquias e dependem do intercâmbio

com outros para suprir suas necessidades. Dependência tem um sentido de hierarquia

ou de subordinação entre os países nas relações internacionais. Segundo Dos Santos,

dependência significa uma situação em que a economia de certos países é

condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outra economia à qual estão

submetidos. De acordo com Marini, a dependência é:

“[...] entendida como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência” (MARINI, 2000b, p. 109).

Estabeleceu-se, assim, uma discussão sobre as relações estruturais entre os

países centrais da economia mundial e os países periféricos, e a respeito dos

mecanismos que reproduziriam a dependência e, com isso, o atraso relativo destes

últimos.

A dependência atinge principalmente os países de passado colonial recente e

aqueles que chegaram atrasados no desenvolvimento industrial. Mesmo países com um

considerável grau de industrialização e com uma economia voltada em sua grande

parte para o mercado interno, como o Brasil, seguem possuindo profundos laços de

subordinação com os países centrais.

Além do esforço teórico dos autores da teoria da dependência, houve o de outros

estudiosos de várias partes do mundo, tais como Wallerstein, Arrighi, Amin e Gunder

Frank que constituíram o que se tornou conhecido como a teoria do sistema-mundo. O

aparato conceitual desenvolvido por esses teóricos apresenta uma divisão do mundo

entre estados ou áreas centrais, semiperiféricas e periféricas e estuda a relação entre

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eles e a forma pela qual parte do excedente produzida pelos dois últimos é transferida

para o primeiro. Há em comum entre estes estudos o ponto de vista de totalidade do

sistema mundo e a necessidade analítica de dividir hierarquicamente os países ou as

regiões em periféricos e centrais.

Uma teoria sobre a dependência deve, portanto, analisar as diferentes

economias nacionais dependentes no contexto de suas relações com a economia

mundial. Dos Santos procurou explicar como o desenvolvimento de alguns países afeta

e modifica o funcionamento de outros países, dentro do desenvolvimento desigual e

combinado do modo de produção capitalista em escala mundial, discutindo o que ele

chamou de a dialética do interno e do externo. Propôs a análise do fenômeno em níveis

distintos:

“A primeira distinção de níveis que se propõe é a relação

dialética que se estabelece entre as leis de movimento de uma estrutura de relações internacionais, cujas determinações se encontram na dinâmica da acumulação capitalista nos países dominantes, e seu entrelaçamento com economias nacionais que têm seu processo de acumulação condicionado pelo modo de inserção nesta economia internacional e, ao mesmo tempo, determinado por suas leis próprias de desenvolvimento interno.

As palavras condicionado e determinado refletem conceitos precisos. Uma dada estrutura sócio-econômica possui suas leis de movimento determinadas por seus elementos constitutivos e as relações que estabelecem entre si. Estes elementos explicam, em última instância, suas leis de movimento. Em termos dialéticos, todo fenômeno move-se a partir de suas contradições internas que determinam e fornecem os marcos de possibilidade de suas ações.

Entretanto, os elementos internos que conformam uma realidade não a esgotam, mas operam em determinadas condições, em um campo de ação que modifica seu funcionamento, permitindo o pleno desenvolvimento de certas partes, bloqueando o desenvolvimento de outras, aumentando ou diminuindo as contradições que as opõem, introduzindo novos elementos sobre os quais reagem elementos internos, exigindo sua adaptação ou chegando mesmo a romper as estruturas vigentes“ (DOS SANTOS, 1991, p. 28).

A partir destas definições metodológicas, procuraremos neste trabalho realizar

uma abordagem que leve em conta as condições concretas em que a economia

brasileira se inseriu no sistema internacional. Necessita-se, portanto, entender os

determinantes internos da economia brasileira e como eles se relacionaram com a

economia mundial. Disso se ocuparão os capítulos 4 e 5. Antes, porém será necessária

a discussão a respeito dos determinantes mais importantes das transações

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internacionais e de como elas são expressas no Balanço de Pagamentos, temas que

serão abordados nos capítulos 2 e 3. E já que o principal aspecto a ser desenvolvido

aqui em termos da discussão sobre a dependência é o de exportação de excedente

econômico através da ação do capital estrangeiro, terminaremos o presente capítulo

com este tema.

1.2. A questão da exportação de excedente econômico

O conceito de excedente é tratado aqui na acepção marxista do termo, isto é,

como valor excedente, como mais-valia. Todo novo valor é gerado no processo de

trabalho e a mais-valia é justamente a parcela do novo valor produzido pelos

trabalhadores que não os remunera, mas que é apropriado pelo capitalista. Este valor

gerado na esfera da produção deve ser realizado na esfera da circulação.

A mais-valia aparece em sua forma mais concreta como lucro. Este último, em

um nível ainda mais concreto de análise, aparece como lucro industrial, lucro comercial,

juros, renda da terra, impostos governamentais, etc. Ou seja, no terreno da circulação

há uma disputa entre os diversos segmentos do capital (capital industrial, capital

comercial, capital bancário...) pela apropriação do excedente.

Segundo Marx, são duas as fontes do lucro: o lucro por transferência e o lucro

por produção de mais valia. O lucro por transferência de riqueza surge na esfera da

circulação e ocorre quando o excedente de um comerciante é compensado por um

déficit correspondente do outro lado da cadeia. No lucro por produção de mais-valia, o

balanço total é positivo porque o lucro do comerciante é somente sua participação

particular em algum excedente global cuja origem descansa, portanto, fora das próprias

atividades do comércio. A desigualdade de intercâmbio está na base do lucro por

transferência de riqueza. O lucro pela produção de mais-valia difere do anterior pois

aquele dependia do intercâmbio desigual. Ele está atado à produção, ao trabalho

assalariado e ao intercâmbio aparentemente igual (SHAIKH, 1991, ps 43 e 44).

O capital, visto por Marx como uma substância social, como valor que busca sua

valorização, muda de forma constantemente nessa busca por valorização (capital

dinheiro adiantado, capital industrial e capital mercadoria e, finalmente capital dinheiro

valorizado), formando um ciclo de reprodução ampliado. O capital encontra sua

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representação autônoma no dinheiro, que é a forma como ele aparece no início do

processo de valorização e é a forma que o capital deve retornar, já valorizado, caso

consiga realizar-se no mercado, para que possa se dar início a outro ciclo.

Para compreender a questão da exportação de excedente econômico (mais-

valia) em direção às economias centrais, faz-se necessário discutir as principais

relações econômicas que se estabelecem entre os países centrais e os países

dependentes na fase imperialista do capitalismo. Nesta fase, o grande capital

monopolista necessita expandir-se além das fronteiras nacionais de seus países de

origem em busca de valorização. Assim, além das relações comerciais, estabelece-se

como dominante o processo de exportação de capitais. A exportação do excedente

econômico das economias dependentes cruzará as relações comerciais, financeiras e

produtivas, via troca desigual e a apropriação direta e indireta da mais-valia gerada

internamente.

Assim, torna-se indispensável lançar luz também sobre as relações de

propriedade, sobre quais são os proprietários de cada fração do capital que participa de

cada fase do ciclo do capital e que procuram apropriar-se da maior parcela possível do

excedente. Observemos então a questão de como se conforma o ciclo do capital na

economia dependente2, para o que buscaremos a elaboração de Marini (1979).

Marini nos remete às três partes do ciclo do capital: a primeira fase de circulação,

na qual o capital comparece na circulação na forma dinheiro para adquirir meios de

produção e contratar força de trabalho; a fase de acumulação e produção, na qual o

capital passa a ter a forma material de meios de produção e força de trabalho para,

mediante um processo de exploração, promover sua própria valorização; e a segunda

fase de circulação, na qual o capital, na forma de mercadorias que contém o valor

inicial, mais a mais-valia gerada, entra no mercado para buscar sua transformação em

dinheiro através da venda, conformando uma magnitude superior à que entrou no início

do processo.

Na primeira fase da circulação, Marini aponta três fontes da origem do capital

dinheiro: 1) capital privado interno, que é a mais-valia gerada no interior da economia,

independente de se ele é de propriedade de jurídica nacional ou estrangeira; 2)

2 Marini, ao referir-se à economia dependente, tem “em vista a forma atual que esta assumiu, depois que em seu seio se conformou um setor de produção para o mercado interno que assumiu progressivamente o papel hegemônico na dinâmica dessa economia”. (MARINI, 1979)

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investimento público, que tem origem no estado, que pode ser fruto de impostos ou da

mais-valia diretamente apropriada através de empresas estatais; 3) capital estrangeiro,

seja sob a forma de investimento direto, como capital industrial, ou sob a forma de

investimento indireto, como capital de empréstimo.

Nesta fase ocorre uma dupla articulação e uma dupla dependência com respeito

ao exterior. A primeira fase de circulação se encontra parcialmente centrada no exterior

tanto no que se refere ao capital dinheiro, como no que respeita ao capital mercadoria.

No primeiro caso porque parte do capital dinheiro adiantado tem origem no exterior e no

segundo porque no ato de compra dos meios de produção, parte destes também tem

origem externa. Isso significa que este capital que entrou para ser investido servirá em

seguida para adquirir meios de produção, em particular equipamentos e maquinaria.

“A aquisição de meios de produção no mercado mundial não é, de por si, uma característica da economia dependente. Nenhum país capitalista, nenhuma economia em geral vive hoje isolada. O que caracteriza a economia dependente é a forma aguda que adquire essa característica e o fato de que ela responde à estrutura mesma de seu processo histórico de acumulação de capital.[...]”

“[...] A indústria manufatureira dos países dependentes se apóia em boa parte no setor de bens de capital dos países capitalistas avançados, via mercado mundial. Em conseqüência, essa indústria manufatureira é dependente, não só materialmente, no que se refere aos equipamentos e máquinas enquanto meios materiais de produção, mas também tecnologicamente, quer dizer, de tal forma que deve importar também o conhecimento para operar esses meios de produção e, eventualmente, fabricá-los. Isto incide, por sua vez, na relação financeira com o exterior, dando lugar aos pagamentos por conceito de royalties ou assistência técnica, que constituem outros tantos fatores de transferência de mais-valia, de descapitalização.” (MARINI, 1979)

A maneira como a primeira fase de circulação se realizou condiciona a fase de

acumulação e produção, pois a tendência é que sejam justamente as empresas

estrangeiras ou as de capital nativo associadas ao capital estrangeiro as que tenham

acesso mais direto à tecnologia implícita nos meios de produção. O capitalista

estrangeiro, ainda que venda ao mesmo preço de mercado que o nacional, terá um

lucro maior, devido às diferenças de custo de produção.

E é justamente quando o capital se transforma novamente de mercadorias, que

passaram pelo processo de trabalho, em dinheiro, que a questão da propriedade dos

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capitais adiantados na primeira fase da circulação volta a aparecer de forma nítida. Aqui

se estabelece a disputa entre as várias frações do capital pela participação no

excedente gerado. O capital estrangeiro que contribuiu com o dinheiro à produção de

mais-valia passa a ter o direito a uma parte dela sob a forma de lucro, no caso do

investimento direto e de juros, no caso dos empréstimos e financiamentos (investimento

indireto). A parte que representa o lucro empresarial pode ser reinvestida

domesticamente ou ser remetida ao proprietário do capital no estrangeiro. O

reinvestimento é classificado como investimento direto estrangeiro. Contabilmente é

como se o lucro tivesse sido exportado e reingressado no país.

Além do lucro e do juro, outras formas de apropriação do excedente aparecem,

através do lucro comercial e dos serviços correntes, tais como os serviços técnicos, das

licenças e patentes, royalties, seguros, etc. São também manifestações da

dependência externa e do controle que as empresas multinacionais e as economias

centrais detém das tecnologias e dos processos de produção e circulação, servindo

muitas vezes como formas de remessas disfarçadas de lucros.

Outro mecanismo de apropriação de excedente pelo capital estrangeiro é o

investimento em carteira, no qual o investidor estrangeiro aplica em títulos de dívida

pública, dívida privada, ou em ações. No caso das aplicações em dívida privada ou em

ações, estas podem corresponder ao caso de adiantamento de capital dinheiro para a

produção de mercadorias. Quando, por outro lado, são usados para adquirir ações ou

títulos no mercado secundário, não representam investimento na produção, mas puras

aplicações financeiras com o intuito de obter ganhos de capital e rendimentos para, em

um momento posterior remetê-los ao exterior. No caso da aplicação na dívida pública, o

capital estrangeiro passa a obter rendimentos cuja origem repousa principalmente na

arrecadação de impostos, que representa partes do valor produzido no interior do país.

O valor excedente apropriado pelo capital de propriedade estrangeira dentro da

economia nacional deve, cedo ou tarde, retornar ao investidor estrangeiro, sob a forma

de moeda forte. Com isso, o ciclo de reprodução do capital ganha mais um elo, quando

se trata de sua ação na economia dependente: não basta ao capital voltar à forma

dinheiro após o processo produtivo, deve voltar à forma dinheiro mundial, que se

expressa em ouro ou nas moedas fortes, em especial o dólar. As formas nas quais são

explicitamente registradas no Balanço de Pagamento estas transferências de

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excedentes são as rendas de investimento estrangeiro. Há também as formas de

transferências de rendas que estão implícitas na conta de serviços correntes e na

Balança Comercial (através dos preços de transferência3). A transformação de moeda

nacional em moeda forte ainda permite ao investidor estrangeiro optar por realizar seus

ingressos e remessas de divisas de acordo com o momento em que a taxa cambial for

mais conveniente, potencializando a apropriação dos excedentes econômicos

produzidos internamente.

Por fim, falta abordar as transferências de valor ocorridas através das relações

comerciais, conhecidas como “troca desigual” ou “intercâmbio desigual”. Este tema foi

fruto de inúmeras polêmicas4, que não serão discutidas aqui. O valor das mercadorias é

determinado diretamente pela quantidade de trabalho socialmente necessário à sua

produção. O intercâmbio desigual ocorre quando as mercadorias são vendidas por

preços que se desviam de seus valores. Quando uma mercadoria é vendida a um preço

acima ou abaixo de seu preço direto (expressão em dinheiro do valor), ocorre uma

transferência de valor. De acordo com Mandel (1982, p 248), a troca desigual deriva,

em última instância, da troca de quantidades desiguais de trabalho.

O intercâmbio desigual pode derivar de várias fontes, que podem ter origem no

funcionamento automático da economia, através de elementos constitutivos da própria

concorrência capitalista, ou em relações desiguais de poder inter-empresas e inter-

estatais, como as que se constituem pela ação dos monopólios e das pressões

diplomáticas, econômicas e militares por parte dos estados mais fortes. Em relação ao

primeiro caso, ligado aos elementos constitutivos da própria concorrência capitalista,

Shaikh (1980b) identificou dois mecanismos, ligados à formação da taxa geral de lucro,

que levam a dois tipos de transferências de valor: as transferências inter-indústrias e as

intra-indústrias.

3 Segundo definição de Carlos Herrero Mallol, citada em Peres (2002), considera-se preço de transferência “como aquele preço que se concreta e se realiza entre sociedades vinculadas de um grupo empresarial multinacional por transações de bens (tangíveis ou intangíveis) ou serviços e que podem ser diferentes daqueles que seriam contratados entre sociedades independentes” (Mallol apud Peres, 2002, p. 2). Segundo Peres (2002), o “Preço de Transferência e a sua fixação tornam-se relevantes porque quando empresas se localizam em diversos Estados, como as empresas multinacionais, por exemplo, há maior possibilidade de distorções artificiais nos preços praticados nas transações, envolvendo mercadorias, serviços ou capitais, conduzindo a um lucro hipertrofiado em um Estado em detrimento de um atrofiado em outro ou em outros” (PERES, 2002, p. 3). 4 Especialmente em torno da obra de Arghiri Emmanuel.

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As transferências inter-indústrias estão ligadas ao processo de equalização das

taxas de lucro na formação dos preços de produção. Como conseqüência deste

processo, as indústrias de alta composição orgânica do capital terão preços de

produção acima dos preços diretos e aqueles com baixa composição orgânica terão

seus preços de produção abaixo dos preços diretos. De acordo com Grossman, citado

por Rosdolsky (1968), na medida em que exista no comércio internacional uma

tendência a nivelar as taxas de lucro,

“as mercadorias do país capitalista altamente desenvolvido – ou seja, de um país com uma composição orgânica do capital, na média, mais elevada – são vendidas a preços de produção sempre mais elevados que os valores, enquanto, ao contrário, as mercadorias dos países onde a composição orgânica do capital é baixa são vendidas, havendo concorrência, a preços de produção que, em geral, devem ser mais baixos que seus valores [...]. Assim, têm lugar no mercado mundial, no interior da esfera da circulação, transferências de mais-valia produzida no país menos desenvolvido para o país mais desenvolvido [...]” (GROSSMAN5 apud ROSDOLSKY, 1968, P. 259).

As transferências intra-indústrias estão baseadas nas diferenças de

produtividade dos produtores localizados dentro da mesma indústria. As mercadorias

produzidas em condições acima da média (que utilizam menos tempo de trabalho em

sua produção), terão valores individuais inferiores ao valor social médio. O oposto

ocorre com as mercadorias produzidas em condições inferiores à média social. Como o

preço de mercado é o que reflete as condições sociais médias, ocorre uma

transferência de valor dentro da mesma indústria dos produtores menos eficientes para

os mais eficientes. Para um conjunto particular de capitais, que pode ser o de um

determinado país, a transferência líquida de mais-valia será a soma dos dois efeitos

(SHAIKH, ano, p. 209).

Outros autores, como Salama & Valier (1976) e Marini (1979b), apontam outra

possibilidade de intercâmbio desigual, baseado na constatação de que enquanto que o

aumento da produção dos produtos agrícolas e matérias primas costuma levar à

diminuição dos preços individuais dessas mercadorias, o mesmo ocorre de forma mais

lenta no caso dos preços dos produtos industriais. Essa transferência de valor tem

5 GROSSMAN, Henryk. Das Akkumulations- und Zusammenbruchsgesetz des kapitalistischen Systems. Fankfurt, 1967.

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efeito, portanto, entre os países que intercambiam distintos tipos de mercadorias, como

bens industrializados e bens primários. Este processo permite que os produtores dos

países industrializados vendam seus produtos por um preço acima de seu valor, ao não

transferirem para os preços uma parte dos ganhos de produtividade nestas economias.

A principal fonte deste tipo de transferência de valor é a existência de monopólios

tecnológicos por parte das grandes empresas dos países centrais. Com isto, ocorre

uma transferência gratuita de parte do valor produzido nos países produtores de bens

primários. Este tipo de transferência não deixou de existir nos países periféricos que se

industrializaram fortemente após a segunda guerra, como o Brasil, visto que esta

industrialização ocorreu em segmentos já padronizados e difundidos, que já não eram

centrais nas cadeias produtivas, além de serem, em geral, controlados desde o exterior,

via instalação de filiais.

Pode-se apontar ainda duas outras fontes de troca desigual que estão ligadas

diretamente ao poder e dimensão que alcançaram as grandes empresas. A primeira

refere-se aos preços de transferência. A empresa multinacional pratica sobre e sub-

preço nas vendas intra-firma como forma de transferir parte do valor produzido através

da comercialização entre filiais da firma. A segunda vincula-se à desigualdade de poder

entre os diferentes atores. Os preços muitas vezes estão regidos a acordos que são

feitos por protagonistas desiguais. Assim, as grandes firmas compradoras de matérias

primas podem fixar um preço inferior ao valor. Estas firmas na maioria das vezes

possuem o monopólio sobre o preço das mercadorias que revenderão em seguida

(SALAMA e VALIER, ano, p. 170).

A questão da troca desigual atinge também as relações entre os segmentos

nacional e estrangeiro internos à economia brasileira. As empresas multinacionais, por

terem acesso às tecnologias mais avançadas, por predominarem nos segmentos de

maior composição orgânica do capital e por sua posição central nas cadeias de

mercadorias, usufruem o conjunto dos mecanismos de transferência de valor descritos

acima, em sua operação dentro da economia brasileira. Isso significa que sua taxa de

lucro é superior à do segmento nacional, permitindo-os apropriarem-se de uma parcela

maior do excedente econômico, o que fatalmente se refletirá nas remessas de rendas

de capital.

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Capítulo 2 – As transações internacionais e a depen dência

O presente capítulo está dividido nos seguintes tópicos: as visões clássica e

neoclássica do comércio e do investimento internacionais; as críticas à visão

neoclássica; a forma como as transações internacionais aparecem no balanço de

pagamentos e a relação entre as transações internacionais e a dependência.

2.1. As visões clássica e neoclássica do comércio e do investimento

internacionais

A teoria econômica dominante nos círculos acadêmicos mais influentes no

contexto mundial e nas instituições internacionais como o FMI é a neoclássica. É o

arcabouço teórico dessa escola que fornece as principais bases para a elaboração de

grande parte dos estudos, publicações e políticas do FMI e do Banco Mundial.

A teoria neoclássica a respeito do comércio internacional é baseada no princípio

das vantagens comparativas (ou relativas). Segundo este princípio, não é necessário

que se tenham vantagens absolutas6 na produção de uma mercadoria específica para

que seja vantajoso para um determinado país produzi-la e comercializá-la. Basta que

tenha vantagens relativas7. O livre comércio internacional seria vantajoso para todos, já

que com a especialização de cada país no produto onde tenha vantagens relativas,

elevar-se-iam em todos os países o montante e a diversidade das mercadorias nas

quais o rendimento pode ser gasto.

A primeira versão da teoria das vantagens relativas foi escrita por David Ricardo.

No capítulo sobre o comércio exterior de seu livro Princípios de Economia Política e

Tributação, Ricardo procurou demonstrar a vantagem da especialização dos diversos

países na produção de determinados tipos de mercadorias de acordo com o critério dos

custos comparativos.

6 “Vantagem Absoluta: Condição em que determinado produto ou serviço podem ser oferecidos com preços de custo inferiores aos dos concorrentes. [...]” (SANDRONI, 2002). 7 Isso significa que o comércio será vantajoso para um país mesmo quando ele produza todas as mercadorias domesticamente a custos mais altos do que o outro país. Em um modelo de dois países e dois produtos, por exemplo, o país em questão exportará a mercadoria relativamente mais barata e importará a outra. Ou seja, independentemente de quão atrasado seja seu nível tecnológico, um país se beneficia do comércio.

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Ricardo baseou-se na teoria do valor trabalho, segundo a qual o valor de uma

mercadoria corresponderia ao tempo de trabalho gasto em sua produção (tanto direta

quanto na produção de seus insumos). Isto é, uma mercadoria seria relativamente mais

barata quando apresenta uma maior produtividade do trabalho em sua produção. Sua

teoria do comércio exterior partiu dos seguintes pressupostos:

1. Livre mobilidade de trabalho e de capital dentro de um país. Isto significaria a

tendência à equalização das taxas de lucro e dos salários. Se um setor alcançar

uma taxa de lucro acima da média, os capitais migrariam para ele e aumentariam a

oferta, trazendo a lucratividade deste de volta à posição média. Os salários seriam

determinados pela soma dos preços das mercadorias necessárias à subsistência

dos trabalhadores, que são equiparados dentro de um país. Conseqüentemente, se

os preços destas mercadorias diminuírem (aumentarem), o valor do salário cairá

(subirá). Caso ocorresse uma redução no valor das mercadorias consumidas pelos

trabalhadores, isto acarretaria em uma redução no valor dos salários, o que levaria a

um aumento dos lucros8.

2. Imobilidade internacional do capital e do trabalho. A respeito disso, Ricardo escreveu:

"Se os lucros do capital empregados em Yorkshire fossem maiores do que os do capital empregado em Londres, este rapidamente se deslocaria de Londres para Yorkshire e assim os lucros se igualariam. Mas, se as terras se tornassem menos produtivas na Inglaterra, devido ao aumento do capital e da população, e, em conseqüência, os salários aumentassem e os lucros diminuíssem, não se seguiria que a população e o capital necessariamente se mudassem da Inglaterra para a Holanda, para a Espanha ou para a Rússia, onde os lucros pudessem ser mais altos”. (RICARDO, 1982, p. 104)

E mais adiante:

"A experiência mostra, no entanto, que a insegurança real ou imaginária do capital, quando não se encontra sob o controle imediato de seu proprietário, aliada à natural relutância de todo homem em abandonar seu país natal e suas relações e a submeter-se, com todos os seus hábitos arraigados, a um governo estrangeiro e a novas leis, refreia a

8 Para Ricardo, o lucro é igual aos rendimentos menos os salários e as rendas. Quando um agricultor é possuidor de capital, seu lucro será o que sobra depois da renda e dos salários. Com as rendas fixas, os lucros ficam maiores quanto menores os salários.

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imigração do capital. Tais sentimentos, que eu lamentaria ver enfraquecidos, induzem muitos capitalistas a contentar-se com uma baixa taxa de lucros em seu país, em vez de irem buscar uma aplicação mais rendosa para sua riqueza em outros lugares." (RICARDO, 1982, p. 105)

Em que pese Ricardo não negar, em tese, a possibilidade de exportação de

capitais e de imigração de mão-de-obra, na prática descarta essa idéia e em

nenhum momento discute sobre quais seriam as conseqüências no caso da

ocorrência dessa hipótese.

Para Ricardo, quem se deslocaria entre os países seriam o ouro e a prata e

as mercadorias. Como veremos abaixo, o mecanismo criado pelo fluxo internacional

do ouro e da prata9 seria o que faria funcionar o princípio das vantagens

comparativas.

3. Trata a moeda apenas como instrumento para facilitar as trocas. A moeda se

distribuiria entre os países de forma a se acomodar ao intercâmbio natural "que teria

lugar se não existissem esses metais e se o comércio entre as nações fosse

puramente baseado no escambo”. (RICARDO, 1982, p. 105)

O aumento da quantidade de dinheiro em determinado país não elevaria a

taxa de lucros nem faria crescer o capital. Se a renda, os salários e o valor nominal

do capital forem 20% maiores, ele obterá a mesma taxa de lucro, embora deva

vender seu produto 20% mais caro. Aqui evidencia-se o caráter neutro que Ricardo

concede ao dinheiro, pois o aumento de sua quantidade não implicaria em aumento

dos investimentos ou do consumo, mas seria diretamente repassado aos preços.

Para Ricardo o dinheiro, simples sinal de valor, serviria apenas como meio de

circulação. De acordo com essa visão, todo o dinheiro que entra em uma economia

nacional tem necessariamente que circular enquanto moeda. A quantidade de ouro

que ingressar em determinado país deverá entrar em circulação, o que terá efeito

direto sobre os preços em geral. Ou seja, segundo Ricardo, "os preços das 9 Segundo a Hipótese do preço-fluxo de metais preciosos, elaborada por David Hume (1711-1776) e adotada por Ricardo, superávits sistemáticos na balança comercial de um país levariam à transferência de metais preciosos para ele, desde os países deficitários. Essa transferência, no entanto, não aumentaria a riqueza do país, mas apenas faria elevarem-se os preços das mercadorias produzidas domesticamente. Com isso, esses produtos encareceriam-se relativamente aos estrangeiros, o que levaria à diminuição das exportações e, conseqüentemente, dos superávits comerciais. Não seria, portanto, possível manter superávits comerciais sistematicamente ao longo dos anos.

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mercadorias ou o valor do ouro depende da massa de ouro que circula" (MARX,

1982, p. 123).

No exemplo de dois produtos (vinho e trigo) e de dois países (Portugal e

Inglaterra) empregado pelo autor, quando um país tem a vantagem absoluta na

produção dos dois produtos em relação a outro país, seja devido à melhoria em sua

maquinaria, seja por características naturais, ele tende a ser exportador destas

mercadorias. Conseqüentemente haveria um influxo de ouro para este país e um

refluxo do outro. Assim, os preços das mercadorias do país exportador subiriam e os do

país importador cairiam.

Com isso, Ricardo passa a explicar o mecanismo através do qual o princípio das

vantagens comparativas se estabeleceria. Os preços no país com vantagem de custos

se elevam em relação aos do país deficitário devido ao fluxo de ouro em direção ao

primeiro. As mercadorias do país importador começarão a ficar relativamente mais

baratas, até um ponto em que ele possa vender uma das duas mercadorias mais barato

que o país originalmente exportador, que ficaria com a vantagem relativa na outra

mercadoria. Este processo se desenvolve até que haja um novo equilíbrio nos fluxos de

ouro e mercadorias. O país originalmente deficitário passaria a exportar o produto em

que teria vantagem relativa, mesmo que tenha desvantagem absoluta nele e o país

originalmente superavitário passaria a exportar o produto que tenha vantagem relativa e

a importar o que tenha desvantagem relativa, levando a balança comercial ao equilíbrio.

Naturalmente, como o próprio Ricardo assinala, o comércio entre dois países não

se resume a duas mercadorias, mas muitos e diferentes artigos são exportados e

importados. Os preços de todas as mercadorias são afetados pela retirada de dinheiro

de um país e por sua acumulação em outro. Com isso, o efeito produzido no valor do

dinheiro seria menor, já que haveria o estímulo à exportação de muitas outras

mercadorias.

Ricardo faz, então, uma diferenciação que é bastante relevante:

"Se, desses dois países, um tiver predomínio na manufatura de bens de determinada qualidade, e o outro na manufatura de bens de qualidade diferente, os metais preciosos não afluiriam imediatamente para nenhum deles. Se, contudo, o predomínio pesar decididamente de um lado, essa conseqüência será inevitável” (RICARDO, 1982, p. 108).

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O primeiro caso assemelha-se à relação comercial entre dois países industriais

desenvolvidos. O segundo se parece com a relação entre um país desenvolvido e um

país atrasado, onde um dos lados tem claramente o predomínio devido ao

desenvolvimento econômico, à tecnologia superior, maior escala de produção e a

outros fatores. De acordo com a teoria de Ricardo, o próprio processo inaugurado pelo

livre comércio levaria a um ponto em que um equilíbrio nas balanças comerciais seria

alcançado e que cada um deles se especializaria nos produtos em que possuem

vantagens relativas. O desenvolvido se especializaria nos produtos industriais e o

atrasado nos produtos primários.

Shaikh (1980), a partir das críticas feitas por Marx à teoria do dinheiro em Ricardo,

argumentou que o mecanismo compensatório automático que permitiria o

estabelecimento das vantagens comparativas não funciona.

De acordo com o visto acima, a teoria do comércio exterior e o princípio das

vantagens comparativas em Ricardo têm como uma de suas bases a tese de que uma

variação na quantidade do dinheiro em um país implicará no aumento do meio

circulante, o que significará uma alteração no nível dos preços na mesma proporção.

Para Marx não é a quantidade de dinheiro que determina o nível ou a soma dos

preços. Ao contrário, é a soma dos preços das mercadorias circulantes e o fluxo mais

lento ou mais rápido dos processos de circulação que determina a quantidade global de

dinheiro funcionando como meio circulante. Além disso, a soma dos preços das

mercadorias pode aumentar sem que os preços das diversas mercadorias se alterem.

Para isto ocorrer, basta que a massa das mercadorias tenha crescido. Assim, a soma

dos preços cresce, mas o nível dos preços permanece o mesmo.

Marx também contesta a visão de Ricardo do dinheiro funcionando apenas como

meio de circulação. O erro de Ricardo consiste em abstrair todas as outras funções que

o dinheiro desempenha além de sua função de meio de circulação. Para Marx, ao

contrário, o dinheiro, pelas próprias necessidades criadas pela circulação e pela

produção, assim como pela flutuação incessante dos preços, precisa ser acumulado em

vários pontos do mercado na forma de reservas de dinheiro, ou seja, retirado de

circulação. Além disso, a circulação das mercadorias pode e muitas vezes precisa ser

feita sem a contrapartida simultânea do dinheiro, quer dizer, sem que o dinheiro seja

utilizado como o meio através do qual essas mercadorias circulam. A mercadoria muda

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de mãos através de um compromisso de pagamento futuro. O vendedor se torna um

credor e o comprador se torna um devedor. O dinheiro aqui funciona como meio de

pagamento e não como meio de circulação. Como meio de pagamentos, muitas das

transações não necessitam ser liquidadas em dinheiro vivo, mas compensam-se umas

às outras, ficando apenas o resíduo para ser pago em moeda. Com o aprimoramento

do sistema de crédito estas relações se desenvolvem ainda mais.

Quando há uma quantidade de moedas acima do montante necessário à

circulação das mercadorias, elas se tornam redundantes e assumem primeiramente a

forma de reservas de dinheiro acima dos níveis requisitados. Com o desenvolvimento

do sistema bancário, essas reservas passaram a se concentrar nos reservatórios dos

bancos. Assim, o aumento ou a diminuição do dinheiro em um país passa a manifestar-

se nos aumentos e diminuições das reservas bancárias. Uma elevação das reservas

bancárias é geralmente acompanhada por um decréscimo das taxas de juros já que os

bancos procuram converter essas reservas em capital. Inversamente, uma diminuição

das reservas tende a causar uma elevação das taxas de juros. Uma diminuição das

taxas de juros pode levar a um aumento da demanda efetiva.

“Contudo, embora este crescimento na demanda efetiva possa aumentar temporariamente os preços de algumas mercadorias, e conseqüentemente aumentar os lucros em alguns setores, isto deverá levar eventualmente a uma expansão da produção para satisfazer a nova demanda. E como a produção expande, os preços cairão até (tudo o mais igual) eles recuperarem seus níveis originais. Neste caso a soma dos preços de todas as mercadorias terão aumentado, não porque o nível dos preços tenha aumentado, mas porque a massa de mercadorias lançadas na produção tenha em si aumentado. Assim, na medida em que um crescimento puro na oferta de ouro gera um aumento na demanda efetiva (i.e., na medida em que isto não expanda simplesmente as reservas bancárias ou vá para produção de artigos de luxo), isto também gerará uma necessidade aumentada para moedas de ouro em circulação." (SHAIKH, 1980, p. 224)

Assim, quando ocorre um aumento da oferta de ouro, uma parcela deste

atenderá à maior necessidade de ouro, outra aumentará as reservas bancárias e uma

terceira parte irá para a produção de artigos de luxo feitos de ouro.

Segundo Shaikh (1980), apesar de Marx não ter chegado a escrever uma teoria

do comércio exterior, suas críticas feitas às teorias do valor e do dinheiro de Ricardo e

suas formulações a respeito do tema apontaram o caminho para uma crítica à teoria

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das vantagens comparativas. As críticas feitas por Marx à teoria do dinheiro em

Ricardo demonstrariam o não funcionamento do mecanismo compensatório automático

que permitiria o estabelecimento das vantagens comparativas. A entrada de ouro não

significaria que os preços das mercadorias produzidas no país exportador subiriam.

Simetricamente, o refluxo de ouro não necessariamente baratearia as mercadorias do

país importador. Além disso, se for considerada a possibilidade de que haja exportação

de capitais, as divisas podem voltar ao país importador na forma de empréstimos ou

investimentos, dificultando ainda mais a aplicação da lei das vantagens comparativas.

Mais recentemente o mesmo princípio de vantagens relativas foi adotado pela

teoria neoclássica do comércio internacional. A “Lei da Proporção dos Fatores”10 de

Hecksher-Ohlin-Samuelson aceita a existência das vantagens comparativas, mas com

outra formulação. Ricardo defendia um padrão de especialização no comércio

internacional determinado pelos custos relativos, baseados na produtividade do

trabalho. Os autores citados abandonaram a teoria do valor-trabalho, deixando de lado

qualquer efeito, na definição das especializações comerciais, que provenha da

diferença da produtividade do trabalho nos diferentes países. Para eles, os países se

especializariam na exportação dos produtos que tenham o “fator de produção” mais 10 A concepção do capital na economia ortodoxa. “Na economia ortodoxa, o termo “capital” geralmente refere-se aos meios de produção; nela se afirma que o capital, conjuntamente com o trabalho, existe em toda sociedade. Desde este ponto de vista, as formas sociais devem distingui-se pela maneira como os fatores de produção, o capital e o trabalho, sejam postos conjuntamente a trabalhar de acordo com suas respectivas disposições. O capitalismo é definido como um sistema que utiliza o mercado para executar esta tarefa, no contexto da propriedade privada dos meios de produção.

Ao tratar a atividade laboriosa humana como fator de produção, em uma equivalência com as matérias primas e ferramentas, enfim como uma coisa, a economia ortodoxa consegue reduzir o processo de trabalho a uma relação técnica entre os chamados insumos e produtos (isto é, uma função de produção). Deste modo se perdem de vista todas as lutas sobre os termos e as condições de trabalho.

Ademais, mais, uma vez o trabalho é definido como um fator de produção, todo indivíduo (no uso de suas capacidades) é um proprietário de pelo menos um fator. Desde então, alguns podem ser afortunados o suficiente para também possuir grandes quantidades de capital. Mas isto é um mero detalhe na distribuição das “dotações iniciais”, aspecto sobre o qual a economia ortodoxa se mantém cautelosamente neutra. O que importa no lugar disso é que, no capitalismo, a idéia de que cada um é proprietário de um fator de produção seja indício de uma qualidade inerente aos indivíduos. Qualquer referência ao conceito de classe é portanto bloqueada desde o começo.

Depreende-se disto que, devido a que o trabalho é apenas um dos fatores de produção que os indivíduos são livres para utilizar em qualquer forma que escolham, não se pode dizer que este trabalho – sendo uma coisa – seja explorado. A exploração do trabalho fica fora de cena, para ser substituída pela noção da cooperação de capital e trabalho, cada um dos quais contribui seu componente ao produto e recebe em troca sua retribuição proporcional (como nas teorias da distribuição baseadas na produtividade marginal). Com isso fica completa a santificação do capitalismo” (SHAIKH, 1990, ps 41 e 42).

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abundante. Assim, os países que possuam uma grande “dotação de capital”,

exportariam mercadorias que fossem “capital-intensivas” e importariam as que fossem

“intensivas em mão–de-obra”. O inverso ocorreria para os países com abundância de

mão-de-obra e escassez de capital.

A aplicação da teoria de Hecksher-Ohlin-Samuelson depende da validade de

uma série de premissas, entre as quais pode-se citar: os países utilizam a mesma

tecnologia; as preferências dos consumidores são idênticas nos diferentes países; as

firmas possuem retornos constantes de escala, o que significa que a economia funciona

sob concorrência perfeita; os preços dos “fatores de produção” se igualam

internacionalmente; a oferta dos “fatores de produção” é perfeitamente inelástica no

interior de cada país; as economias funcionam a pleno emprego dos “fatores”; os

países têm diferentes “dotações de fatores”.11 Então, com funções de produção,

preferências dos consumidores e preços dos “fatores” iguais e visto que há pleno

emprego dos “fatores” e inelasticidade da oferta dos “fatores” dentro de um país, são as

“dotações dos fatores” os elementos determinantes dos padrões de comércio. A

especialização produtiva de um país seria função do “custo de oportunidade” que ele

incorreria caso não empregasse todas suas possibilidades de produção em um

determinado bem.12

Além disso, para que o princípio das vantagens comparativas funcione, seria

necessário:

a) que não possa haver reversão na intensidade de uso dos “fatores” para

o mesmo produto internacionalmente. “Ela implica que não apenas os

países usem a mesma tecnologia, mas que uma mercadoria que seja

produzida de forma capital-intensiva domesticamente também o seja no

exterior” (GONÇALVES et al., 1998, p. 24);

b) excluir a possibilidade de as exportações de capitais e a mobilidade da

mão-de-obra ocorrerem ao lado das exportações de mercadorias. Um país

com escassez de capital poderia receber investimentos externos de forma

11 Essas premissas irrealistas foram alvos de inúmeras críticas, conforme será visto mais adiante. 12 Se em Ricardo as vantagens absolutas eram transformadas em relativas pelo mecanismo dos fluxos de ouro e pela aplicação da teoria quantitativa do dinheiro, a abordagem neoclássica afasta completamente a possibilidade da existência vantagens absolutas, já que, segundo ela, todos os países têm as mesmas funções de produção para qualquer produto e os preços dos “fatores de produção” se igualam internacionalmente.

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a suprir esta carência e passar a produzir internamente mercadorias

“capital-intensivas” ao invés de importá-las. Inversamente, um país

escasso em mão-de-obra poderia receber um intenso fluxo imigratório dos

países com excesso de população. Ademais, conforme veremos mais

adiante, a movimentação internacional de capitais impede o funcionamento

do mecanismo de ajuste dos termos de troca que equilibrariam as

balanças comerciais.

Em geral, as apresentações modernas da lei dos custos comparativos não fazem

referência aos mecanismos pelos quais a lei deveria ser realizada. A ênfase é quase

inteiramente nos ganhos do comércio que seriam alcançados se o comércio fosse

baseado nos custos comparativos (SHAIKH, 1980, p. 206). Nos casos em que procura-

se demonstrar os mecanismos de realização da lei das vantagens comparativas, estas

explicações costumam ser variantes do mecanismo de Ricardo, necessitando para isso

de variáveis monetárias, como níveis de preços ou taxas de câmbio. Assim, um país

com déficits comerciais veria sua moeda depreciar, fazendo cair seus termos de troca13,

o que melhoraria sua balança comercial até um ponto de equilíbrio. No caso de um país

que adote taxas de câmbio fixas, a perda de divisas faria cair a oferta monetária interna,

baixando o nível relativo de preços internos, através da teoria quantitativa do dinheiro,

levando também ao equilíbrio da balança comercial (SHAIKH, 1999). Neste ponto de

equilíbrio, os países exportariam os produtos em que tivessem vantagens relativas e

importariam os que possuíssem desvantagens relativas.

Como resultado, o modelo Hecksher-Ohlin-Samuelson prega que o comércio

atua como substituto da mobilidade internacional dos “fatores”, já que estes estariam

implícitos nas mercadorias que são comercializadas. O livre comércio promoveria

também a equalização das taxas salariais e de lucros entre os países, além de

promover a convergência das taxas e crescimento. O mundo, assim, tornaria-se mais

igualitário e harmônico através do livre comércio.

Embora a imobilidade internacional dos “fatores” seja uma condição fundamental

para a teoria neoclássica do comércio internacional, tornou-se cada vez mais difícil 13 Termos de troca são os preços relativos de dois conjuntos de bens. Os termos de troca de uma nação são os preços relativos em moeda internacional comum ou, em outras palavras, a quantidade de importações que podem ser compradas com uma unidade de suas exportações (SHAIKH, 1980, 1999, 2000)

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negar a relevância dos fluxos internacionais de capitais, especialmente a partir da

segunda metade do século XX. Mas para os neoclássicos este fato não tem nenhuma

conseqüência sobre o mecanismo automático que viabilizaria o estabelecimento das

vantagens comparativas. Formulam sua visão sobre a movimentação internacional do

capital de forma totalmente desvinculada de sua teoria do comércio internacional. Não

podem tratar as duas de maneira conjunta, pois uma das hipóteses básicas para o

“princípio” das vantagens comparativas é a da não mobilidade internacional do capital.

A visão tradicional da economia neoclássica não faz distinção entre a dinâmica e

as motivações do investimento em carteira e do investimento direto. Seu móvel seria a

diferença nas taxas de juros. Além disso, para os neoclássicos este fluxo internacional

de capitais teria apenas um efeito compensatório e temporário. Não é considerada a

possibilidade de que o processo de exportação de capitais altere a estrutura produtiva e

o perfil de comércio externo dos países, o que entraria em contradição com a tendência

à especialização produtiva estática professada pela teoria das vantagens comparativas.

A exportação de capitais financiaria os déficits em conta corrente até que o país

originalmente deficitário passe a apresentar superávits e pague seus empréstimos.

Segundo Williamson (1989), há duas motivações básicas para que um país tome

emprestado ou empreste: para aumentar a renda com o tempo ou para modificar o

padrão de prazos da absorção14. Em relação ao primeiro caso, a mobilidade

internacional de capitais permitiria aos países com poupanças limitadas atrair

financiamentos para projetos de investimentos produtivos domésticos.

De acordo com o segundo caso de Williamson, o país que empresta poderá

manter seu consumo cada vez maior mesmo que depois sua renda gerada

internamente comece a cair. Em algum momento a absorção alcançará a renda e o país

começará a viver de sua renda de investimento. Um país toma emprestado com o

intuito de aumentar seu consumo presente às custas do consumo futuro ou para

regularizar a absorção diante de variações da renda. (WILLIAMSON, 1989). Ou seja, as

famílias, firmas ou mesmo países podem facilitar o consumo através do empréstimo de

dinheiro do exterior quando as rendas são baixas no país em questão, pagando de

volta quando as rendas estão altas, o que é conhecido como “comércio intertemporal” -

14 Absorção: despesa feita pelos habitantes de um país, em consumo, investimentos e gastos governamentais. (WILLIAMSON, 1977).

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a troca de bens hoje por bens no futuro. A capacidade de pegar emprestado do exterior

poderia assim amortecer os “ciclos de negócios” ao permitir que as famílias e firmas

continuem comprando e investindo quando a produção e a renda domésticas tenham

caído.

A mobilidade internacional de capitais permitiria aos investidores a diversificação

de suas carteiras, o que mitigaria os riscos de investimento e promoveria o “comércio

intertemporal”. Ao emprestar dinheiro para o estrangeiro, “famílias” e “firmas” poderiam

reduzir sua vulnerabilidade a distúrbios econômicos domésticos. Companhias poderiam

proteger-se contra aumentos súbitos de custos em seu país, por exemplo, investindo

em plantas filiais em outros países. A mobilidade de capital assim permitiria aos

investidores alcançarem maiores taxas de retorno ajustadas pelo risco. Em troca,

maiores taxas de retorno encorajariam a poupança e o investimento que geram

crescimento econômico mais rápido. (EICHENGREEN et al. 1999).

Um país ter saldo positivo em conta corrente significa que ele é um exportador

de capitais. Ou seja, uma parte de sua poupança interna financiaria investimentos em

outros países. Simetricamente, um país deficitário nesta conta importaria capitais no

mesmo montante de seu déficit em conta corrente, sendo, assim, financiado por parte

da poupança de outros países.

Um país não poderia apresentar déficits em conta corrente indefinidamente, sob

pena de, a partir de certo momento, não conseguir mais se financiar. O déficit em conta

corrente deveria ser utilizado, então, para o desenvolvimento de atividades produtivas.

Dessa forma, com o passar do tempo, o país passaria obter um saldo positivo em conta

corrente, o que permitiria o pagamento dos compromissos financeiros (principal, juros,

lucros, dividendos, etc.) incorridos na fase deficitária. Com o tempo, este país se

tornaria um exportador de capitais. Segundo Williamson:

“Quando um país toma emprestado, passa a poder financiar um déficit comercial que permite que a absorção supere a produção. Quando deixa de tomar emprestado e tem que honrar sua dívida, seja pelo pagamento de juros, seja amortizando o principal (ou amortizando sua dívida, como se denomina a amortização por etapas), ocorre o contrário: ele tem que restringir a absorção a um nível inferior ao da renda a fim de gerar um superávit comercial. Portanto, tomar emprestado envolve um período inicial em que a absorção é menor do que a renda, seguido de um período posterior em que a renda excede a absorção. Inversamente, emprestar envolve um período inicial no qual a renda é maior do que a

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absorção, seguido de um período posterior no qual o credor pode colher os frutos de sua abstinência anterior, absorvendo mais do que sua renda” (WILLIAMSON, 1989, p. 102).

O capital internacional teria apenas a função de ajudar a aumentar a renda e a mudar o

padrão temporal de consumo de determinado país. Uma vez eliminada a motivação

inicial, o país em questão poderia deixar de necessitar do financiamento externo e até

passar a exportar capitais. O funcionamento do sistema internacional baseado no livre

comércio e na livre movimentação de capitais geraria um maior bem-estar para o

conjunto dos países, elevando a produção e a variedade de produtos em todos os

lugares e impulsionando o desenvolvimento econômico dos países atrasados ao

garantir o financiamento de sua formação de capitais.

2.2. Críticas à visão neoclássica

Em 1953, Leontief testou empiricamente a “lei da proporção dos fatores” para o

caso dos EUA. Neste momento, os EUA já eram o país com maior acumulação de

capital do planeta, o mais industrializado onde localizavam-se as matrizes das maiores

empresas. Surpreendentemente para os defensores da referida “lei”, Leontief constatou

que os EUA eram importadores de mercadorias “intensivas em capital” e exportadores

de mercadorias “intensivas em mão-de-obra”15. Isto ficou conhecido como o “Paradoxo

de Leontief”.

A “lei da proporção dos fatores” entrava também em contradição com outras

constatações, como a de que a existência do “equilíbrio” das balanças comerciais é a

exceção, e não a regra e a de que o comércio internacional no pós-guerra ocorria cada

vez em maior proporção entre países desenvolvidos (com “dotação de fatores”

similares), com diferentes nações exportando e importando produtos semelhantes. De

15 “Essas contas mostram que um valor médio de milhões de dólares de nossas exportações incorpora consideravelmente menos capital e relativamente mais trabalho que seria requerido para repor da produção doméstica um montante equivalente de nossas importações competitivas. A participação da América na divisão internacional do trabalho está baseada em sua especialização em linhas de produção intensivas em trabalho, mais dos que intensivas em capital. Em outras palavras, esse país recorre ao comércio exterior a fim de economizar seu capital e dispor de seu trabalho excedente, mais do que vice-versa. A opinião amplamente defendida que – quando comparado com o resto do mundo – a economia dos Estados Unidos é caracterizada por um excedente relativo de capital e carência relativa de trabalho prova-se ser errada. Como um fato, o oposto é verdadeiro”. (LEONTIEF, 1966, p. 86)

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acordo com a “lei da proporção dos fatores”, se os países tivessem “dotações de

fatores” semelhantes, o comércio entre eles tenderia a declinar. Leontief, ao falar da

possível aproximação das ofertas de capital e trabalho entre os EUA e os outros países

fez uma afirmação que demonstra como a visão proporcionada pela “lei da proporção

dos fatores” não permite enxergar corretamente a dinâmica das transações

internacionais:

“Por outro lado, os fatores, quaisquer que possam ser, que são responsáveis pela peculiarmente alta produtividade relativa do trabalho americano poderiam tornar-se logo operativas em outras economias e assim acelerar a eliminação da disparidade entre a oferta comparativa efetiva de capital e trabalho aqui e nos outros países. Isso significa, é claro, um reduzido incentivo à troca continuada de mercadorias e serviços entre os EUA e o resto do mundo.” (LEONTIEF, 1966, p. 98)

A crescente inadequação da visão teórica neoclássica à realidade da economia

mundial do pós-guerra e ao progressivo crescimento dos investimentos estrangeiros,

que se desenvolveu desde então, levou a questionamentos sobre sua validade. Alguns

destes questionamentos dirigiram-se apenas a alguns pressupostos ou resultados da

teoria neoclássica, buscando torná-la “mais realista”. Outros buscaram realizar críticas

mais profundas, dirigidas aos próprios fundamentos teóricos da visão neoclássica.

No primeiro grupo, estão os teóricos da que foi chamada de a “nova economia

internacional”, por exemplo, que se concentraram na crítica às suposições da teoria

neoclássica, tais como as relativas à competição perfeita, imobilidade dos “fatores” e

retornos constantes de escala. Autores como Krugman e Obstfeld (1999) procuraram

levantar algumas premissas do modelo Hecksher-Ohlin-Samuelson para incorporar

questões como economias de escala16 e “concorrência imperfeita” na análise. A

existência de economias de escala internas à firma implica que as grandes empresas

apresentem vantagens de custos sobre as pequenas, o que leva a que as formas de

mercado predominantes sejam o monopólio e, principalmente, o oligopólio. Estes

fenômenos são denominados pela teoria econômica tradicional como “imperfeições de

mercado” ou de “concorrência imperfeita”.

16 Economias de escala (ou rendimentos crescentes de e scala): situação em que “[...] a produção é mais eficiente quanto maior for a escala em que ela ocorre. Onde há economias de escala, dobrar os insumos de uma indústria irá mais que dobrar a produção da mesma.” (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p. 124)

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Ao introduzir a “concorrência imperfeita” no modelo neoclássico, esses autores

afirmam conseguir explicar o padrão de comércio dominante na economia mundial do

pós-guerra, entre países com “dotações de fatores similares”. Para Krugman e Obstfeld

(1999), o conceito de “concorrência monopolista”17 é essencial para compreensão da

questão. O comércio entre países leva à conformação de um mercado maior do que o

nacional. Devido às economias de escala, nenhum país conseguiria produzir toda a

variedade de produtos manufaturados, devendo especializar-se em alguns. É o

conceito de “concorrência monopolista”, por prever a existência de produtos

diferenciados no interior de cada indústria, que explicaria esse tipo de comércio18. De

acordo com os autores citados, portanto, os países participam do comércio

internacional por duas razões básicas:

“Primeiro, os países comercializam porque são diferentes uns dos outros. Os países, assim como os indivíduos, podem ser beneficiados por suas diferenças, atingindo um arranjo no qual cada um produz as coisas que relativamente faz bem. Segundo, os países comercializam para obter economias de escala na produção. Isto é, se cada país produz apenas uma variedade limitada de bens, ele pode produzir cada um desses bens em uma escala maior e, portanto, mais eficientemente do que se tentasse produzir tudo. Na realidade os padrões de comércio internacional refletem a interação de ambos os motivos” (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p. 13).

Ou seja, o comércio ocorre quando há vantagens comparativas advindas das

diferenças nas “dotações de fatores” entre os países e/ou quando há “concorrência

imperfeita” devido às economias de escala, que levam os países a especializarem-se

em uma variedade menor de produtos destinados a um mercado maior devido ao

comércio exterior. No primeiro caso, o comércio é inter-indústria19 e ocorre

17 “Concorrência monopolista. Situação de mercado caracterizada pela existência de duas ou mais empresas cujos produtos são muito semelhantes sem serem substitutos perfeitos um do outro, de forma tal que cada empresa pode manter certo grau de controle sobre os preços. Na concorrência monopolista – que é um caso de concorrência imperfeita –, existem elementos tanto da concorrência quanto do monopólio. Segundo E.H. Chamberlin, teórico do assunto, “cada vendedor tem o monopólio de seu produto, mas fica sujeito à concorrência de produtos substitutos, mais ou menos imperfeitos”. (SANDRONI, 2002). 18 É curioso que os próprios autores, poucas páginas antes, considerem que poucas indústrias são bem descritas pelo conceito de “concorrência monopolista” e, ao mesmo tempo, seja esse mesmo conceito que explique o comércio baseado nas economias de escala, entre países desenvolvidos. 19 Comércio inter-indústria: troca de manufaturas por produtos primários, como alimentos. Comércio intra-indústria: comércio nos dois sentidos no setor de manufaturas (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999).

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fundamentalmente entre países desenvolvidos e “em desenvolvimento”, que têm

“dotações de fatores” diferentes. No segundo caso, o comércio é intra-indústria e dá-se

predominantemente entre países desenvolvidos e com “dotações de fatores similares”.

A explicação de Krugman e Obstfeld não representa uma ruptura com a teoria

neoclássica do comércio internacional. Os autores procuraram apenas torná-la um

pouco mais “realista”, modificando algumas suposições, mas sem questionar o conceito

de vantagens comparativas. A introdução da mobilidade internacional de capital ou da

imigração não tem qualquer conseqüência para suas conclusões sobre os padrões de

comércio internacionais. Para eles, o investimento internacional é apenas comércio

intertemporal. Os princípios do movimento internacional dos “fatores” não difeririam em

essência daqueles subjacentes ao comércio internacional de bens, ocorrendo pelos

mesmos motivos e produzindo resultados similares.

Outra vertente que produziu uma crítica à teoria ortodoxa do comércio

internacional foi a ligada à Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que

teve como seu principal expoente o economista argentino Raul Prebish. Esta vertente,

no entanto, também não partiu do questionamento mais geral dos critérios desta teoria,

mas ateve-se a discutir sobre a validade de algumas de suas premissas e resultados. O

problema não seria a validade da teoria das vantagens comparativas como

determinante do comércio internacional, mas os efeitos de sua aplicação sobre as

economias periféricas. O elemento que impulsionou esta crítica foi a visível

inadequação das afirmações da teoria das vantagens comparativas em relação à

dinâmica concreta do comércio exterior dos países latino-americanos. Ao contrário do

propugnado pelos neoclássicos, o comércio internacional não estava levando a uma

situação de igualdade dos países subdesenvolvidos em relação aos desenvolvidos. Os

teóricos da CEPAL apontaram que, no comércio entre países exportadores de bens

primários e países industrializados, o que ocorria era uma deterioração dos termos de

intercâmbio dos primeiros em relação aos últimos.

Para construir esta visão, buscaram agregar outros dois elementos teóricos à

discussão sobre o comércio internacional. Um deles foi a discussão sobre as teorias a

respeito do crescimento econômico de longo prazo, a partir das conceituações teóricas

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neoclássica e keynesiana. O desenvolvimento econômico se expressaria no aumento

do bem estar material, que se refletiria na elevação da renda real por habitante e seria

condicionado pelo crescimento da produtividade média do trabalho. Esta última

dependeria do aumento da acumulação e da conseqüente maior “densidade de capital”,

que seriam, por sua vez, impulsionadas pelo progresso técnico. Nas palavras de

Rodríguez:

“Deste modo, consideradas no nível mais alto de abstração, as idéias sobre o desenvolvimento econômico coincidem com as que, em linhas gerais, estão presentes nas teorias neoclássica e keynesiana, que o concebem como um processo de acumulação de capital – estreitamente ligado ao progresso tecnológico – mediante o qual se obtém a elevação gradual da densidade de capital e o aumento da produtividade do trabalho e do nível de renda” (RODRÍGUEZ, 1981, ps. 36 e 37).

Estendida esta leitura para o comércio internacional, a visão neoclássica

estabeleceria que a especialização dos países subdesenvolvidos na produção de bens

primários e dos países desenvolvidos em bens industrializados levaria ao ganho de

ambos os lados, não só porque cada país produziria os produtos em que obtivesse a

melhor vantagem comparativa, mas também que, em termos dinâmicos, todos se

beneficiariam do comércio por intermédio da distribuição eqüitativa dos frutos do

progresso técnico. Os benefícios do progresso técnico seriam obtidos pelos países

subdesenvolvidos através da redução dos preços dos produtos manufaturados. Assim,

a industrialização não se tornaria uma necessidade para o desenvolvimento dos países

periféricos, visto que estes, ao especializarem-se em produtos primários e ao entrarem

em relações comerciais com os países industrializados, obteriam maiores vantagens

comparativas e passariam a desfrutar de sua parte dos ganhos de produtividade

advindos do progresso técnico.

O segundo elemento teórico introduzido nesta análise dos teóricos da CEPAL foi

o da concepção do sistema centro-periferia. Segundo esta concepção, na visão

cepalina, as economias centrais seriam aquelas em que primeiro penetraram as

técnicas de produção capitalistas e as periféricas as que a produção permanece

inicialmente atrasada, do ponto de vista tecnológico e organizativo (RODRÍGUEZ, 1981,

p. 37).

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A introdução e combinação destes dois elementos teóricos, ainda nos marcos da

concepção das vantagens comparativas como o critério objetivo de definição dos

padrões internacionais de comércio, foi a forma como estes autores encontraram para

questionar os resultados defendidos pelos neoclássicos em relação ao comércio

internacional e explicar a dinâmica concreta da deterioração dos termos de intercâmbio.

O que ocorreria, na prática, era que, nas relações comerciais entre países exportadores

de bens primários e de bens industriais, não se verificava a difusão eqüitativa dos

“frutos do progresso técnico”. Ao contrário, o que se observava era um mecanismo em

que os países desenvolvidos retinham os benefícios de seu progresso técnico e

captavam parte dos aumentos de produtividade dos setores exportadores dos países

subdesenvolvidos. De acordo com Rodríguez (1981), nos documentos que, pela

primeira vez, se plasma a concepção do sistema centro-periferia (...)

“[...] indica-se que os incrementos de produtividade derivados da incorporação do progresso técnico não se traduziram em reduções proporcionais dos preços monetários, os quais, ao contrário, elevaram-se em vez de baixar, e que os aumentos foram maiores na produção industrial do centro do que na produção primária periférica” (Rodríguez, 1981, ps.39 e 40).

Foram identificadas como causas deste fenômeno, o fato de que a demanda de

bens primários tenderia a crescer em ritmo inferior ao crescimento da renda nos países

industrializados, que a demanda de bens industrializados nos países periféricos

tenderia a crescer acima do aumento da renda nestes países e, que haveria uma

tendência a geração de um excesso de mão de obra nos países periféricos.

“Este último fator é, segundo a CEPAL, aquele que em última instância explica a deterioração sistemática dos termos de intercâmbio. Em tal sentido, assinala que na produção primária, existe normalmente uma sobra de força de trabalho que gera uma pressão à baixa nos salários e preços dos produtos primários, devido a duas razões: a alta taxa de crescimento populacional existente nos setores de produção primária e um progresso técnico poupador de força de trabalho” (Caputo e Pizarro, 1974, p. 34).

A tendência à deterioração dos termos de intercâmbio (...)

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“[...] se manifesta através das flutuações típicas do capitalismo. Durante as fases de auge, os preços primários aumentam mais do que os preços industriais, porém baixam mais nas fases de declínio. E essa baixa é tão maior que os preços dos produtos de exportação da periferia perdem, durante as fases de contração, mais do que haviam ganho nas fases de auge. Dessas variações conjunturais resulta a tendência à deterioração a longo prazo dos termos de intercâmbio” (Rodríguez, 1981, p. 41).

Para a CEPAL, o comportamento dos preços e a tendência à deterioração são

influenciados pela maior capacidade da força de trabalho dos países centrais para

conseguir aumentos de salário ou evitar sua compressão (maior escassez relativa e

melhor organização) e pelas vantagens que contam os empresários dos países

industriais para proteger o nível dos seus lucros em comparação com os empresários

da periferia (produção atomizada e ocupando as primeiras fases do processo produtivo)

(Rodríguez, 1981, p. 41).

A dinâmica das relações internacionais (centradas no comércio, de acordo com a

CEPAL) implicaria, então, no alargamento das brechas entre centro e periferia, por

intermédio da deterioração dos termos de intercâmbio. Para superar esta situação,

propugnavam a mudança do eixo de desenvolvimento para a industrialização,

transformando o setor externo em complementar à economia interna. Contavam, para

isto, com a ajuda do capital estrangeiro para auxiliar no financiamento das importações

dos bens de produção necessários ao processo de industrialização, cumprindo este,

portanto, apenas um papel temporário.

A crítica dos teóricos da CEPAL foi basicamente empírica e não metodológica e

foi motivada pela impossibilidade da teoria convencional em explicar os movimentos

concretos das balanças comerciais dos países da América Latina. Esta crítica não

questiona o critério das vantagens comparativas como determinante dos padrões de

comércio internacional. Ao tentar desvendar os padrões de comércio da América Latina,

procura apenas emendá-la, questionando alguns pressupostos e resultados e

agregando outros elementos teóricos.

Diferente dos teóricos da “nova economia internacional” e da CEPAL, Caputo e

Pizarro (1974), realizaram uma crítica mais global e sistemática não só aos

pressupostos da teoria ortodoxa sobre o comércio internacional, mas também ao

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método que utiliza em suas teorizações. Apontaram que o método da teoria ortodoxa

faz dela uma teoria formal, a-histórica e apologética. Ela é formal em um duplo sentido:

“Em primeiro lugar, desde o ponto de vista da natureza da abstração com que ela opera, ao dar-se determinados supostos sobre os fenômenos econômicos e depois mediante a dedução extrair logicamente um conjunto de conclusões a respeito dos fenômenos em questão. Em segundo lugar, quanto à operacionalização das construções e modelos da teoria, já que, a este respeito, se introduzem determinados supostos normativos que expressam o sentido que deveria ter o fenômeno que se estuda, antes que compreender o caráter e natureza real do fenômeno” (Caputo e Pizarro, 1974, ps. 25 e 26).

A teoria ortodoxa, então, ao invés de partir da realidade como ela se apresenta,

parte de pressupostos arbitrários e deduz por um processo puramente lógico, as “leis”

de funcionamento da economia. Procura, além disso, afirmar como a economia deveria

funcionar a partir do resultado destas deduções.

“Por outra parte, no que se refere ao caráter normativo dos modelos e construções conceituais da teoria ortodoxa, podemos assinalar que, justamente, o princípio das vantagens comparativas, ao afirmar que um país ‘deve’ produzir aqueles bens nos quais tem maiores vantagens relativas de produção, introduz uma clara normalização quanto ao fenômeno em estudo. O que a teoria ortodoxa faz, então, é acercar um modelo construído abstratamente a uma certa realidade e, em tal sentido, em vez de descobrir as leis que regem o desenvolvimento das relações econômicas internacionais, impõe as relações do modelo, mediante puro raciocínio lógico dedutivo, à realidade que se quer compreender” (Caputo e Pizarro, 1974, p. 26).

A teoria ortodoxa é a-histórica porque suas categorias são consideradas válidas

e utilizáveis independentemente do modo de produção, visto que estas se fazem

extensivas a qualquer forma de produção e organização econômico-social. “Assim, a

teoria ortodoxa do comércio internacional trabalha com modelos e supostos que se

querem fazer válidos em todo tempo e lugar” (Caputo e Pizarro, 1974, p. 27). Assim,

“[...] a idéia de países que se enfrentam em forma independente a outros países no mercado mundial, desconhece a existência do processo de integração mundial do sistema e, portanto, tal fato constitui uma mostra da impossibilidade da teoria ortodoxa, de entender as relações econômicas internacionais como um processo histórico. O caráter a-histórico da teoria ortodoxa não permite recuperar para a análise as distintas experiências históricas dos países em seu enfrentamento no mercado mundial, o qual impede compreender o caráter específico que

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assumem as relações econômicas internacionais nos distintos períodos históricos (por exemplo, as condições de exploração do comércio mundial, que tiveram os países hoje desenvolvidos, não subsistem para os países hoje subdesenvolvidos).

Quer dizer, a teoria ortodoxa do comércio internacional é incapaz de estudar as distintas situações histórico-concretas, no relativo às relações econômicas internacionais, de tal maneira que não pode descobrir as leis que regem o desenvolvimento do comércio internacional” (Caputo e Pizarro, 1974, p. 27).

O caráter apologético da teoria ortodoxa é derivado de que esta concebe as

sociedades como se fossem totalidades homogêneas. Este elemento, somado ao seu

caráter a-histórico, levam à impossibilidade desta teoria de levar à compreensão das

mudanças históricas da sociedade e de suas diferenciações internas. Isto mostra-se

com clareza em seus pressupostos, como no de que os países atuam como unidades

econômicas independentes e em condições de igualdade e de autonomia, ou no de que

os distintos países teriam livre escolha de tecnologias, entre outros.

De acordo com os próprios autores, suas críticas, embora restritas aos

pressupostos e à metodologia da teoria ortodoxa do comércio internacional, devem

levar a um enfrentamento com ela. Sua intenção não foi a de tornar a teoria ortodoxa

“mais realista”, mas a de contribuir para a conformação de uma crítica que a conteste

como um todo, tanto em seus pressupostos como internamente. Para eles, uma

verdadeira crítica deve gerar uma ruptura epistemológica que signifique superar a

crítica marginal no interior da teoria.

Neste sentido, podemos apontar o trabalho de Shaikh, que produziu uma crítica

profunda, dirigida aos próprios fundamentos da escola neoclássica, questionando o

“princípio” das vantagens comparativas desde um ponto de vista marxista, defendendo

que o comércio internacional, assim como o doméstico, é regulado pelo princípio das

vantagens absolutas de custo. A questão seria explicar como o livre comércio tem suas

raízes nas diferenças internacionais duradouras em salários e tecnologia, e como ao

mesmo tempo as reproduz continuamente.

O autor parte de pressupostos realistas, diferenciando-se assim do método da

teoria neoclássica. Supõe que tanto o capital financeiro como o não financeiro fluem de

um país para outro em busca de maiores rendimentos; que os obstáculos à mobilidade

internacional do capital são muito menores do que as que freiam a mobilidade

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internacional do trabalho; que no interior de cada indústria, tanto nacional como

internacional, as novas tecnologias se introduzem sucessivamente, à medida que as

mais antigas se fazem menos competitivas até finalmente desaparecerem.

A dinâmica incessante de mudanças tecnológicas previstas no último suposto

implica na existência de um espectro de técnicas operativas no interior de cada

indústria, de forma que são os capitais que têm a capacidade de reproduzir o produto

com menores custos é que regularão as condições de custo em que se baseiam os

preços de mercado. Isso ocorre porque são essas condições de produção as que

constituem o objetivo dos fluxos de novos investimentos. Como é a rentabilidade destes

novos investimentos que regula os fluxos de capital entre indústrias, a taxa geral de

lucro se formará em conseqüência dos movimentos de capital entre as condições

reguladoras de produção de cada indústria. As taxas de lucro que se igualam por estes

fluxos de capital são as correspondentes aos novos investimentos realizados em ditas

condições reguladoras. Os capitais não reguladores se verão forçados pela competição

a vender ao mesmo preço, e obterão em conseqüência uma gama de taxas de lucro

determinadas por suas respectivas condições individuais de produção.

Shaikh (1999) procura demonstrar que o comércio internacional é regulado pelas

vantagens absolutas de custos. A teoria econômica convencional defende que, dentro

de um país, são as vantagens absolutas de custo que dirigem a competição.

“O que é curioso é que quando a teoria econômica convencional considera o livre comércio entre países, abandona essa análise eminentemente sensível da competição. No comércio internacional, é defendido, não são os custos absolutos, mas os comparativos que regulam o comércio” (SHAIKH, 2000, p. 2).

Esta afirmação da teoria convencional baseia-se na suposta existência de um

mecanismo automático que operaria através de mudanças na taxa de câmbio real, de

forma a equilibrar a balança comercial.

“Isso ocorreria porque a depreciação pressuposta da taxa de câmbio real [de um país que esteja apresentando déficit comercial] reduziria os preços internacionais dos produtos do país e aumentaria os preços dos produtos dos parceiros comerciais, levantando, por meio disso, suas exportações e restringindo suas importações. É suposto que esse processo continuaria enquanto o desequilíbrio comercial permanecesse. Esse mesmo mecanismo erodiria o superávit comercial de um país com

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uma vantagem competitiva inicial até que ele também chegue ao equilíbrio comercial. Assim, no final, todas as nações estão igualmente competitivas.” (SHAIKH, 2000, p. 2).20

No entanto, como o demonstrou Shaikh, não há nenhum mecanismo automático

que iguale exportações e importações e faça valer as vantagens comparativas. O

mesmo princípio geral da vantagem absoluta de custos regula tanto a competição

dentro de um país como a entre países. Shaikh recorda que:

“Em um ambiente competitivo dentro de qualquer país, regiões de altos custos sofrem de uma desvantagem competitiva que torna mais difícil para elas vender para fora da região e mais provável importar produtos das regiões com custos mais baixos, levando-as assim a exibir déficits estruturais na “balança comercial” – pelo menos até que elas consigam reduzir seus custos relativos. Tais déficits teriam, é claro que ser financiados, tanto pelo refluxo de alguns estoques monetários, ou pela atração de outros fundos de fora da região para cobrir suas necessidades líquidas de importação.” (SHAIKH, 1998).

Sua análise procura, então, integrar o comércio e o investimento. A mobilidade

internacional do capital permite um fluxo de capitais reguladores que tende a igualar as

taxas de lucros internacionais. O ponto em que se igualam as taxas de lucro

corresponderá geralmente a desequilíbrios comerciais. Mesmo quando há uma situação

em que o equilíbrio comercial é factível em termos de rentabilidade, isso geralmente

ocorrerá com taxas de lucro distintas entre países. Assim, as taxas de lucro desiguais

provocarão fluxos internacionais de capital, que moverão os termos de troca para um

ponto em que haja desequilíbrio comercial. Desde esse ponto de vista, os

desequilíbrios comerciais serão uma conseqüência perfeitamente normal do livre

comércio, em presença de mobilidade internacional de capital. Portanto não ocorre a tal

mudança nas taxas de câmbio reais que igualem exportações e importações. Ao

contrário, toda a evidência empírica demonstra que os desequilíbrios nas balanças

comerciais são a regra e os equilíbrios, quando ocorrem, são efêmeros.

20 Um primeiro problema é que para que esse resultado ocorra, é necessário que as condições de “elasticidade” sejam propícias, ou seja, que a taxa física das exportações sobre as importações cresça mais que a queda nos preços relativos das exportações sobre as importações. Caso contrário, o efeito seria oposto, piorando a balança comercial do país deficitário e melhorando a do superavitário.

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A simples existência da mobilidade internacional do capital financeiro é suficiente

para obter este resultado, mesmo sem levar em conta a existência dos fluxos de

investimento estrangeiro direto. Um país que tenha superávit comercial receberá um

influxo de fundos, o que por sua vez ampliará a disponibilidade interna de crédito e fará

cair as taxas de juros internas. Simetricamente, um país que apresente déficits

comerciais sofrerá um refluxo de fundos, diminuindo sua disponibilidade de créditos,

elevando suas taxas de juros. O diferencial de taxas de juros entre os países resultante

desse processo fará com que o capital em busca de lucro migre dos países com

superávits comerciais em direção aos com déficit na balança comercial. Assim, o país

superavitário torna-se emprestador líquido no mercado mundial e o país com déficit

converte-se em tomador líquido de empréstimos. Ao invés de eliminar os desequilíbrios

comerciais, esse processo os sancionaria com os fluxos de capitais (SHAIKH, 2004).

Os países com déficits comerciais persistentes seriam forçados a diminuir suas

reservas e a depender de empréstimos estrangeiros para cobrir tais déficits. Como uma

de suas conclusões, Shaikh afirma que o livre comércio em si assegura que os países

avançados dominarão a troca internacional, e que as nações menos desenvolvidas

cairão cronicamente em déficits e cronicamente em dívidas.

Para Shaikh, na competição real, os preços, e conseqüentemente, os termos de

troca, são regulados pelos custos reais relativos o tempo todo. A teoria da competição

real implica que o comércio internacional favorecerá aqueles países aptos a produzir a

custos mais baixos (SHAIKH, 2004). Os custos reais dependem de três fatores: os

salários reais, o nível de desenvolvimento tecnológico e a disponibilidade de recursos

naturais. Países desenvolvidos costumam possuir altos níveis tecnológicos e salários

reais maiores. Os países pobres possuem baixo nível tecnológico e salários mais

baixos e, em vários casos, têm acesso a recursos naturais. Se for considerado o

conjunto dos produtos, os países subdesenvolvidos, apesar de seu atraso em geral,

costumam possuir um certo número de produtos em que apresentam vantagens

absolutas, quer porque conseguem produzi-los de forma mais eficiente, quer porque

são peculiares a eles. Entretanto, mesmo a vantagem que os países pobres tiram dos

baixos salários de seus trabalhadores pode erodir-se,

“[...] a menos que suas tecnologias avancem mais rapidamente, e/ou seus salários reais avancem menos rapidamente que nos países ricos. A

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variável crucial nessa dinâmica é o diferencial de progresso técnico: se os países ricos estão avançando a um passo rápido, então os países pobres têm que ampliar a diferença de salário real para manter mesmo as vantagens de custo que têm. Isso seria a própria antítese do desenvolvimento.” (SHAIKH, 2004)

Também a vantagem que alguns países pobres obtém em termos do acesso

privilegiado a recursos naturais pode a ser corroída com o tempo, visto que o progresso

técnico leva à substituição de matérias primas naturais por materiais sintéticos, à

economia de energia e de insumos por unidade produzida e devido ao aumento da

concorrência entre os diversos países produtores.

Trocando em miúdos, as tendências automáticas do livre comércio entre as

nações capitalistas em níveis diferentes de desenvolvimento não eliminam as

desigualdades. Ao contrário, as perpetuam e aprofundam. Caso não haja outros

elementos que contrabalancem estas tendências, a moeda do país deficitário e devedor

irá perder a credibilidade e o valor de suas importações retrocederá ao nível permitido

por sua capacidade exportadora, descontados os pagamentos dos serviços da dívida.

Ainda no terreno comercial, medidas protecionistas e de incentivo às exportações são

elementos encontrados comumente em termos de política de comércio exterior em

resposta aos déficits externos.

Esta dinâmica se torna mais complexa quando passamos a considerar o papel

que cumpre o investimento estrangeiro direto. As próprias necessidades do processo

de valorização e da competição entre os capitais empurram-nos em direção às regiões

em que podem obter as maiores taxas de lucro e melhor localização na disputa por

mercados. Vários aspectos, entre eles o clima, o acesso a recursos naturais, a

localização, podem ser determinantes para a obtenção de menores custos de produção

nos países atrasados, ao ponto que tornem vantajosa a exportação de capitais

produtivos para estas áreas, levando consigo, em geral, as técnicas mais modernas e

eficientes. Mas o atrativo que é a característica social geral das economias

subdesenvolvidas é o baixo custo da força de trabalho, isto é, do efeito combinado das

diferenças na produtividade direta, a extensão e intensidade do dia de trabalho e das

taxas salariais (SHAIKH, 1980b). Combinada com isto está a motivação da conquista ou

defesa de mercados para a realização da produção. Para isto, as firmas muitas vezes

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se vêem levadas a saltar fronteiras para superar barreiras protecionistas ou dificuldades

de outras ordens e instalar filiais dentro de outro território nacional.

Um aspecto central da discussão é o de que o comércio e o investimento não

são feitos pela nação-como-um-todo, mas pelas empresas que estão localizadas em

países com diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico, de salários reais e de

acesso a recursos naturais. As empresas investem buscando maiores rendimentos e

menores custos. Produtores com altos custos perdem para os com baixos custos e

países de alto custo tendem a sofrer déficits comerciais. O mais forte, no livre mercado,

domina o mais fraco. As firmas procuram estratégias e táticas competitivas para a

obtenção de fatias maiores do mercado. Reduções de preços e cortes de custos são

parte fundamental dessas estratégias. Nesta competição, os investimentos estrangeiros

diretos não apenas disputam no mercado interno do país receptor, mas muitas vezes

buscam competir no mercado mundial, incluindo nos países-sede das empresas.

Utilizam para isso as vantagens competitivas de custo adquiridas na economia

receptora.

Sob o ponto de vista da balança comercial, o papel do investimento estrangeiro

direto é contraditório. Ele pode vir a ser uma das formas de contrabalançar os déficits

comerciais, não só através da substituição de importações, mas também pelo

estabelecimento de um setor exportador em condições de competir no mercado

mundial. O investimento estrangeiro direto também é utilizado, no momento de sua

entrada, para compensar o déficit comercial corrente ou para permitir que se incorra em

um. Por outro lado, amplia também as necessidades de importação de insumos,

máquinas e equipamentos. O efeito líquido do na balança comercial deve ser analisado

caso a caso. O que é importante ressaltar neste momento é que o investimento

estrangeiro direto não é fruto de uma decisão do país receptor, mas está sob o controle

da empresa investidora e somente será feito em seu próprio proveito.

A inadequação cada vez maior da explicação neoclássica perante as mudanças

nos padrões das transações econômicas internacionais, em especial no que toca à

emergência dos investimentos externos diretos, levou a que uma série de estudiosos

procurassem novas abordagens, entre os quais podemos destacar os trabalhos de

Vernon e Hymer. Estes, como outros, começaram a procurar integrar em uma mesma

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visão o comércio e o investimento internacionais, partindo do estudo do comportamento

das grandes corporações, em especial as norte-americanas, que adquiriam feições

cada vez mais multinacionais, instalando plantas no estrangeiro. Entre seus maiores

méritos esteve o de apontar as grandes empresas como os principais sujeitos do

processo, ao buscarem as melhores estratégias para conquistar mercados e obter

maior eficiência na produção. Desfocaram com isso o país-como-um-todo enquanto

unidade de análise.

A abordagem de Vernon baseou-se fortemente na busca de vantagens

competitivas pelas empresas, amparadas na inovação tecnológica e na busca por

menores custos. Vernon (1966) ressaltou a inadequação das ferramentas analíticas

disponíveis e a necessidade da formulação de novos conceitos. Em seu texto

“Investimento Internacional e Comércio Internacional no Ciclo do Produto”, de 1966, o

referido autor buscou uma explicação para as características do comércio e do

investimento externo dos EUA naquele período, que começava a revelar-se

contraditório com as bases teóricas mais aceitas, como o demonstrou o paradoxo de

Leontief.

Para Vernon, o comércio internacional poderia ser explicado através da dinâmica

de inovação protagonizada pelas grandes empresas multinacionais. Sua abordagem

realçou “o ritmo do fluxo de inovações, os efeitos das economias de escala e os papéis

da ignorância e da incerteza sobre a determinação dos padrões de comércio”

(VERNON, 1979, p. 90). Ele dividiu o que chamou de ciclo do produto em três fases: o

produto novo, o produto maduro e o produto padronizado.

Segundo o autor, as empresas de qualquer país avançado do mundo não são

perceptivelmente diferentes daquelas em qualquer outro país avançado em termos de

seu acesso ao conhecimento científico e de sua capacidade para compreender

princípios científicos. Contudo, haveria uma distância entre o conhecimento de um

princípio científico e a incorporação do princípio em um produto comercializável.

Na primeira fase o produto seria pouco padronizado, seus insumos, seu

processamento e suas especificações poderiam cobrir um amplo espectro. Os

empresários, nesse estágio, estariam particularmente preocupados com o grau de

liberdade que teriam na mudança de seus insumos e com a necessidade de

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comunicação rápida e efetiva com os consumidores, supridores e mesmo com os

competidores. As diferenças de custo não teriam tanta importância.

“Todas essas considerações argumentam em prol de uma localização em que a comunicação entre o mercado e os executivos diretamente interessados pelo novo produto seja rápida e fácil e na qual possa haver uma variedade de tipos potenciais de insumo que poderiam ser necessários à unidade de produção. Em suma, o produtor que vê um mercado para algum novo produto nos Estados Unidos pode ser levado a escolher uma localização nesse país baseando-se em considerações nacionais de localização que se estendem bem além das considerações simples da análise de custo de fatores e transporte.” (VERNON, 1979, p. 95).

Na segunda fase, o produto estaria maduro, a necessidade por flexibilidade

declinaria, a padronização de um conjunto de produtos abriria a possibilidade de

alcançar economias de escala através da produção em massa e encorajaria

compromissos de longo prazo para alguns processos dados a alguns conjuntos fixos de

instalações. O interesse nos custos de produção começaria a tomar o lugar do interesse

nas características do produto. Alguma demanda para o produto começaria a aparecer

em outros lugares. Uma vez que o mercado se expanda nos países avançados, os

empresários poderão começar a arriscar-se na construção de instalações produtivas

locais. Em vários casos, para evitar a ameaça da perda de um mercado, empresas que

antes exportavam passam a investir na produção local.

No terceiro estágio, de maior padronização de alguns produtos, os países menos

desenvolvidos podem oferecer vantagens competitivas como local de produção. O

baixo custo do trabalho pode ser a atração inicial puxando o investidor para áreas

menos desenvolvidas.

Os primeiros trabalhos de Hymer amparavam-se fundamentalmente no aparato

teórico neoclássico. O objeto de seus estudos foi a natureza e as causas do

investimento estrangeiro. Entretanto, esse objeto já continha em germe o

questionamento dos pressupostos básicos das teorias neoclássicas do comércio e do

investimento internacionais. Sua tese de doutoramento21 apresentou uma distinção

importante que pôs em cheque a visão neoclássica a respeito dos investimentos

internacionais. A teoria neoclássica dos fluxos de portfólio tratava indistintamente os

21 HYMER, Stephen. The International operations of national firms: a study of direct investment. MIT, 1960.

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fluxos de investimento externo como governados pelas diferenças nas taxas de juros

entre os países, ponderadas pelos riscos. Esta teoria não conseguia explicar a

existência dos investimentos cruzados entre os países desenvolvidos e a

preponderância dos investimentos diretos no estrangeiro sobre as aplicações em

carteira. Hymer contestou esta visão diferenciando claramente os investimentos em

carteira dos investimentos diretos, baseado na questão do controle. Outro aspecto

básico de sua teoria era a questão das “imperfeições de mercado” e no poder de

mercado das firmas oligopolistas como motivação para as firmas investirem no exterior.

Seu trabalho concentrou-se então no estudo do investimento direto e,

conseqüentemente, das empresas multinacionais.

Hymer argumentou que essas empresas tomariam suas decisões de

investimento baseadas mais na necessidade de garantir uma posição competitiva no

mercado do que na perspectiva de lucros de curto prazo (HYMER, 1978, p. 14). Para

compensar os inconvenientes de se investir no exterior (riscos de mudanças,

dificuldades de obter informações e coordenar decisões à grandes distâncias, políticas

nacionais discriminatórias em relação a estrangeiros, etc.), seriam necessárias

vantagens especiais, encontradas em setores oligopolizados, que contenham barreiras

à entrada. Quando a empresa possui privilégios, sob a forma de patentes, produtos

específicos, melhores conhecimentos técnicos ou maiores facilidades de financiamento,

encontra-se em condições de compensar as inconveniências.

“Sua possibilidade de superar a desvantagem que implica sua condição de estrangeira será tanto maior [...] quanto mais rigorosas sejam as condições impostas ao ingresso de outras empresas, quanto mais alto o grau de concentração e maior o privilégio.” (HYMER, 1978, p. 20)

Em seus textos, ao longo dos anos 60, considerava o investimento direto no

estrangeiro como essencialmente positivo, pois contribuiria para a integração da

economia mundial, ao tomar emprestado onde é mais barato e investir onde é mais

produtivo, ao difundir a técnica mais avançada, ao repartir de maneira mais eficaz os

produtos e “fatores” no mundo. Como aspecto negativo citava os problemas criados

pelas grandes dimensões e pela posição dominante de certas empresas multinacionais

que, ao gerar situações de oligopólio, podem provocar sérios problemas econômicos e

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políticos, diminuindo a concorrência e concentrando o poder de decisão e a potência

financeira. Nestes casos, defendia medidas restritivas por parte de governos nacionais.

Como elementos constitutivos de sua visão, assumia uma série de pressupostos

incompatíveis com os presentes nas teorias neoclássicas do comércio e do

investimento internacional, tais como a mobilidade internacional dos “fatores”, as

economias de escala e o tratamento da própria empresa multinacional como unidade

fundamental de análise da economia internacional ao invés do país-como-um-todo

(integração internacional dos negócios das empresas).

Em seus escritos posteriores, já no início dos anos 70, se aproximou do

marxismo e passou a ser um contundente crítico da ação das empresas multinacionais,

observando não apenas as empresas e suas motivações, mas também como elas

transformaram os padrões do sistema econômico internacional, aprofundando seu

caráter desigual e hierárquico. Procurou, assim, constituir uma visão mais sistêmica,

focando sua análise nas tendências da empresa multinacional (o microcosmos) e

vinculando-as à evolução da economia internacional (o macrocosmos). Em um tom um

tanto exagerado, afirmou que, para as empresas multinacionais, as fronteiras nacionais

estão traçadas com tinta invisível.

Segundo a nova visão adotada por Hymer, a expansão da empresa internacional

compreende um duplo movimento de descentralização e centralização, diferenciação e

integração. Por um lado, difunde o capital e a tecnologia. Por outro, centraliza o controle

estabelecendo uma rede integrada verticalmente, na qual diferentes áreas se

especializam em diferentes níveis de atividade. Partindo da descrição de Chandler e

Reidlich22 a respeito da organização da grande empresa norte-americana, Hymer

procurou demonstrar que a estrutura hierárquica das empresas multinacionais refletia-

se na hierarquia entre os países. Para Hymer a empresa multinacional seria integrada,

esquematicamente, por 3 níveis, referentes às operações, à coordenação e à

estratégia, classificadas da seguinte maneira: Nível III – atividades operacionais:

amplamente difundidas pelo mundo como resposta às pressões dos indivíduos, dos

mercados e dos insumos. Nível II – atividades de coordenação: devido à necessidade

22 Alfred D. Chandler, foi um dos mais conhecidos estudiosos da história da grande empresa norte-americana. Hymer utilizou aqui o trabalho de Chandler em parceria com Fritz Reidlich, “Recent developments in American Business Administration and Their Conceptualization”, publicado em Business Hystory Review, primavera de 1961.

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de empregados de escritório, de sistemas de comunicação e informação, tende a se

concentrar nas grandes cidades. Portanto, mais concentradas geograficamente que as

de Nível III. Nível I – atividades estratégicas: escritórios centrais, tendem a estar mais

concentradas que as de Nível II, pois devem localizar-se próximos do mercado de

capitais, dos meios de comunicação e do governo. No vértice da pirâmide seriam

essenciais a confiança e a compreensão e para exercer o poder são necessários a

comunicação e o contato pessoal. Quem se encontra fora dessa trama não participaria

efetivamente na configuração e na distribuição do poder e de seu valor (HYMER, 1978,

ps 81 e 82).

“O desenvolvimento da empresa pode então ser concebido como um processo de centralização e aperfeiçoamento do processo de acumulação de capital. O empresário marshalliano era um homem-orquestra. Na moderna empresa multidivisional, há um poderoso escritório central para planejar e organizar conscientemente o crescimento do capital da empresa. É aqui que estão situados os homens-chaves que realmente distribuem os recursos disponíveis da empresa (não tomam como dados os recursos que lhes são alocados, como o fazem os executivos dos níveis inferiores). Seu poder reside, em ultima instância, em seu controle sobre os homens e sobre o dinheiro, e, se não se deve se superestimar sua capacidade para controlar um vasto império, não há porque subestimá-la.” (HYMER, 1978, p. 50)

A aplicação uma teoria da localização a este esquema sugeriria uma

correspondência entre a centralização do controle dentro da empresa e a centralização

do controle na economia internacional. O regime das multinacionais tenderia a produzir

uma divisão hierárquica do trabalho entre regiões geográficas semelhante à divisão

vertical do trabalho dentro da empresa. As atividades do Nível I estariam concentradas

nas principais cidades do mundo, como Nova Iorque, Londres, Paris, Tóquio, Bonn (na

época capital da Alemanha Ocidental). No outro extremo, as atividades de Nível III

estariam disseminadas por todo o mundo, de acordo com a influência da força de

trabalho, dos mercados e das matérias primas.

Neste ponto, dois aspectos merecem destaque a respeito da visão de Hymer em

relação à decisão sobre o investimento direto por parte da empresa: 1) é uma decisão

de longo prazo, baseada fundamentalmente na posição competitiva da empresa; 2) em

que pese a disseminação da estrutura organizativa e produtiva da empresa no nível

internacional (em diferentes graus), suas diferentes partes devem estar sob claro

controle dos escritórios centrais. Destes aspectos derivam-se algumas características

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observadas no comportamento das empresas multinacionais em relação aos fluxos de

recursos de financiamento das operações das subsidiárias. As firmas fornecem às

subsidiárias quase todos os recursos próprios, sejam quais forem as condições nos

países que operam. Mas, em relação ao capital de empréstimo, costumam levantá-lo

em parcelas consideráveis nos mercados locais em que são feitos os investimentos

(HYMER, 1978, p 28).

Para Hymer, a explicação para este comportamento aparentemente ambíguo

deve ser buscada no desejo da matriz de manter o controle sobre a filial, por um lado, e

na aversão ao risco, por outro. Ao ficar com o capital próprio sob controle total da

matriz, esta livra-se das disputas com interesses locais sobre a administração dos

negócios, permitindo-se manter o caráter global de seu planejamento. A aversão ao

risco é o que levaria as empresas a tender a buscar seu capital de empréstimo no

mercado local, ao invés de trazê-lo de outros lugares a custos menores. Muitas vezes,

por exemplo, internar recursos em moeda forte em economias sujeitas a problemas

cambiais pode significar perdas importantes.

Os dois autores descritos acima podem ser considerados como representantes

de toda uma gama de estudiosos das tendências da economia mundial que, a partir da

evidência empírica acumulada no período posterior à segunda guerra mundial, foram

levados a trazer para o centro da análise do papel da grande empresa multinacional e

os investimentos diretos como elementos explicativos fundamentais da realidade23. E

nesta análise aflorou o caráter sistêmico e hierarquizado (ciclo do produto para Vernon

e questão do controle para Hymer) da economia mundial.

Fato ilustrativo é que os dois autores partiram do referencial neoclássico e, ao

confrontarem-no com a realidade, chegaram ao questionamento desta abordagem.

Conforme vimos, para a teoria neoclássica, o elemento chave para a explicação das

transações econômicas internacionais é o comércio, que ocorreria entre países,

baseado no critério das vantagens comparativas e de acordo com a “dotação de

fatores” de cada país. A movimentação de capitais teria uma função temporária e

23 O processo de expansão das empresas multinacionais foi, a princípio, característico das grandes firmas norte-americanas. Entretanto, desde o final da década de 50, mas em especial nas de 60 e 70, as empresas européias e japonesas também começaram a expandir-se para o exterior, a exemplo das norte-americanas.

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compensatória dos desequilíbrios comerciais entre os países ou seria vista apenas

como “comércio inter-temporal”.

Do outro lado, desde o início do século, houve uma série de autores (como

Hilferding, Bukharin, Rosa Luxemburgo, Lênin) que enxergaram o papel central das

exportações de capitais na definição das relações econômicas internacionais. Em sua

discussão a respeito do imperialismo, Lênin (1979) afirmava que o que caracteriza o

capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital. A

possibilidade de exportação de capitais é determinada pelo fato de uma série de países

atrasados terem sido já incorporados na circulação do capitalismo mundial, de terem

sido já construídas as infra-estruturas de transportes necessárias e asseguradas as

condições elementares para o desenvolvimento da indústria. A necessidade da

exportação de capitais obedece ao fato de que em alguns países o capitalismo

“amadureceu excessivamente” e o capital carece de campo para sua colocação

“lucrativa” (LÊNIN, 1979, ps. 621 e 622).

Está na centralidade da exportação de capitais na fase imperialista do

capitalismo o elemento explicativo principal para a compreensão da dinâmica das

transações internacionais. Cada vez mais é o movimento de capitais que explica o

movimento de mercadorias, de rendas e de serviços. Uma prova disto é que uma parte

considerável do comércio internacional ocorre no âmbito das corporações

multinacionais, sendo o comércio entre empresas do mesmo grupo uma parcela

considerável deste montante. Em relação às transações envolvendo os serviços

correntes o quadro é ainda mais claro neste sentido. É nos movimentos internacionais

de capitais que está a chave para a análise das informações contidas nas contas do

Balanço de Pagamentos.

2.3. As transações internacionais e o balanço de pa gamentos

O crescimento da relevância do investimento estrangeiro direto e a conseqüente

transnacionalização das grandes corporações alteraram profundamente os padrões de

comércio internacional, assim como de todas as outras transações econômicas que

atravessam as fronteiras entre os países. O investimento direto implica em vínculos

duradouros entre a empresa que investe e o território político e econômico em que ele é

realizado. Esses vínculos se traduzem em transações de vários tipos que se tornam

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permanentes e que levam a mudanças estruturais no perfil da produção, do comércio

exterior e das necessidades e formas de financiamento externo, tanto das economias

hóspedes, quanto das economias das sedes das matrizes das empresas. O que é

importante ressaltar neste ponto é a identificação do processo como estrutural e

permanente e não como compensatório e temporário.

A transnacionalização das empresas dos países desenvolvidos e a ação delas

sobre a economia mundial e as economias nacionais têm implicações relevantes na

discussão a respeito do Balanço de Pagamentos. O Balanço de Pagamentos nos leva a

enxergar as transações internacionais como ocorrendo entre países e não entre

empresas ou mesmo intra-empresas. A teoria econômica tradicional, ao partir do país

como unidade de análise, incorre em um erro que tem conseqüências em seus

desenvolvimentos e conclusões posteriores. Um país não é um sujeito, não compra ou

vende, empresta ou toma emprestado, nem investe ou recebe investimentos. As

transações econômicas internacionais ocorrem dentro dos territórios políticos dos

países e atravessam suas fronteiras, mas os países não são seus agentes. Quem

transaciona são as empresas, os trabalhadores, os governos, etc. Tais agentes são

denominados no Balanço de Pagamentos de “unidades residentes” e “unidades não

residentes” no país. Entre esses agentes, os que cumprem, de longe, o papel mais

relevante nas transações internacionais são as empresas. Ao contrário do que diz a

teoria neoclássica, o objetivo das empresas ao comercializar, emprestar, tomar

emprestado ou investir não é o da maximização da produção, do consumo ou do bem-

estar da nação ou do mundo-como-um-todo, mas a obtenção do lucro e a acumulação

de seu capital individual.

O país não é irrelevante para as transações econômicas. Ao contrário, a

existência de unidades políticas territoriais nacionais formalmente independentes tem

várias implicações sobre a dinâmica do comércio e do investimento. A presença de

governos, leis e moedas nacionais, de barreiras tarifárias e não tarifárias, além de

diferenças culturais e de organização social e política são elementos que têm profundas

influências sobre os padrões das transações econômicas. Estes são fatos. Também é

um fato que ao lado das empresas e cuidando dos interesses coletivos, muitas vezes

contraditórios e conflitantes, dos proprietários e investidores, está o Estado nacional.

Além do mais, os diferentes estados nacionais não estão em condições de igualdade. O

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fato de que a esmagadora maioria das grandes corporações estar sediada em poucos

países estabelece uma hierarquia de poder entre os estados nacionais. As políticas

internas e externas destes países centrais são diretamente vinculadas às necessidades

e demandas dos detentores destes capitais. São justamente estes fatos que dão a

aparência de que as transações econômicas internacionais ocorrem entre países-como-

um-todo, e não entre atores econômicos e sociais que atuam dentro e através das

fronteiras nacionais.

O conceito do Balanço de Pagamentos parte justamente das teorias tradicionais

que entendem o comércio e o investimento internacionais como sendo feitos entre

países enquanto unidades. O comércio e o investimento externos aparecem nas contas

nacionais e no Balanço de Pagamentos como transações entre o país e o “resto do

mundo”. De acordo com Harris (1979), discutindo a concepção ortodoxa do balanço de

pagamentos:

“Como conta, talvez pareça que o balanço está acima de críticas. É, afinal de contas, uma série de fatos (medições de transações concretas), organizados e apresentados de certa maneira. Fatos, decerto, são objetivos e sagrados. O método de sua organização, no entanto, afeta a maneira como eles são vistos e, por conseguinte, seu status como fatos para os teóricos e o método de organização implícito nas contas passam a ser vulneráveis à crítica”. (HARRIS, 1979, p. 152)

Segundo Harris, a nação, como unidade, é ampla e estreita demais para ser

fundamental à análise.

“É ampla demais no sentido em que se supõe que seus agentes econômicos (firmas, sindicatos, Governo, indivíduos como consumidores, trabalhadores e proprietários de capital) agem em harmonia ou em conflito, isto de tal modo que o choque intestino é secundário ao embate entre a nação como um todo e as demais nações. Na realidade, a atividade econômica da nação assume a forma de conflito entre capitalistas e trabalhadores. Em comparação com essa luta interna, é inteiramente inexpressiva aquela entre a nação como um todo e todas as demais. [...]. O conflito interno, cujo resultado toma a forma de transações lançadas na conta do balanço de pagamentos, afeta, de diferentes maneiras, diferentes partes da economia interna. [...]. O conceito de balanço é amplo demais para refletir esse fato.” (HARRIS, 1979, p. 152)24

24 A este respeito é ilustrativa a seguinte citação de Hymer, discutindo os conflitos nos EUA entre os interesses das empresas que realizam investimentos diretos no exterior e outros segmentos da sociedade norte-americana: “A importância destes conflitos depende da escala dos investimentos no exterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, o rápido crescimento dos investimentos no exterior nos

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O conceito de Balanço de Pagamentos é considerado pelo autor estreito demais,

ao considerar-se que os interesses de capitalistas e trabalhadores se estendem além

das fronteiras nacionais. Para ilustrar, Harris utiliza o exemplo de uma empresa

multinacional que promove transações entre suas subsidiárias, que cruzam fronteiras e

aparecem nas contas do Balanço.

“Mas, do ponto de vista da análise econômica, elas ocorrem no seio de uma única unidade, de um único bloco de capital, de uma única empresa multinacional, e o fato que aparece nas contas do balanço – o fato de uma transação ter ocorrido entre uma suposta unidade econômica, uma nação, e outra – é simplesmente falso”. (HARRIS, 1979, p. 153)

Outro exemplo é o das remessas de dinheiro pelos trabalhadores imigrantes para

seus países de origem. Em estudo recente, o Banco Inter-Americano de

Desenvolvimento (BID) demonstrou que as remessas de imigrantes desde os EUA,

Europa, Canadá e Japão para os países da América Latina e Caribe alcançou a cifra de

mais de US$ 30 bilhões em 2002 (BID, 2003). Essas transações, apesar de

atravessarem as fronteiras nacionais, são efetuadas, em geral, dentro das unidades

familiares.

Caputo e Pizarro (1974), levando essa discussão mais adiante, afirmaram que o

Balanço de Pagamentos, enquanto ferramenta de medição das relações econômicas

internacionais:

"[...] não permite entender processos de penetração de uma economia sobre outra mediante o capital estrangeiro ou a dependência de um país pelo controle de seu comércio exterior de parte das empresas de outro país”. (CAPUTO e PIZARRO, 1974, pp. 70).

últimos 20 anos já revelou muitas brechas entre os interesses dos investidores internacionais e o resto da economia interna em pontos como a tributação, o balanço de pagamentos, extraterritorialidade e ajuda externa. As empresas multinacionais têm pressionado para a diminuição dos impostos sobre rendimentos externos e dos regulamentos das ações antitruste e outras. Desejariam que os Estados Unidos solucionassem os problemas do balanço de pagamentos mediante uma deflação da economia ou pelo controle das importações, e não controlando o investimento no exterior. Ao mesmo tempo, desejam liberdade para produzir onde os custos sejam mais baixos e não haja obstáculos devidos a tarifas e ao comercio. Sobre estes problemas, se chocam com outros contribuintes que defendem a equiparação tributária dos rendimentos externos, com empresas que não podem enfrentar o desafio da concorrência estrangeira através do investimento, mas que devem apoiar-se nas exportações ou no mercado interno, e com certas classes de trabalho ameaçadas pela concorrência estrangeira. Alem disso, os custos de administração do império estão subindo mais rapidamente que todos os benefícios que rende aos Estados Unidos, e estes custos são suportados pela nação como um todo, enquanto que os benefícios são usufruídos por um pequeno grupo” (HYMER, 1978, ps. 86 e 87).

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Isto se deve a que o Balanço de Pagamentos

"[...] só contabiliza os fluxos de capital e de mercadorias, não contabilizando a atividade que desenvolvem as empresas estrangeiras no seio das economias nacionais em relação com o setor nacional de ditas economias”. (CAPUTO e PIZARRO, 1974, pp. 70).

Ou seja, os autores citados criticavam a estrutura do Balanço de Pagamentos

pelo tratamento dos países como unidades econômicas isoladas, não permitindo que se

captem corretamente, em relação à ação do capital estrangeiro, as relações entre e

intra-firmas a) que atravessam as fronteiras políticas dos países ou b) que se

estabelecem dentro das fronteiras nacionais da economia. Com isso, ocultam-se as

relações de dependência entre as economias desigualmente desenvolvidas e as

modificações que essas relações implicam nas estruturas sócio-econômicas internas

dos países dependentes.

Para compreender, então, o significado das relações econômicas internacionais,

medidas através do Balanço de Pagamentos, é necessário observar o estágio de

organização das relações entre e intra-empresas e a forma como elas interagem com

as fronteiras políticas dos países.

No tempo de Ricardo (1772-1823), o capitalismo de livre concorrência

predominava nos países centrais. As relações econômicas internacionais entre os

países independentes ocorriam fundamentalmente através do comércio de

mercadorias, com algum movimento de empréstimos internacionais. Pode-se dizer que

até o final do século XIX, a visão das economias nacionais enquanto totalidades e do

país como unidade de análise ainda serviam como uma aproximação mais ou menos

válida da realidade dos países capitalistas.

No final do século XIX e no início do século XX, como conseqüência do histórico

processo de concentração e centralização do capital, desenvolveram-se as grandes

firmas monopolistas que vieram a dominar os mercados nacionais dos países

desenvolvidos. A exportação de capitais passou a ocupar um lugar tão importante

quanto o da exportação de mercadorias. O investimento externo nos países

subdesenvolvidos, nessa fase, era feito com o intuito de auxiliar no domínio do mercado

interno dos países de origem das empresas monopolistas. Esses investimentos se

dirigiam, fundamentalmente, a atividades de apoio ao setor exportador das economias

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dependentes, que, na divisão internacional do trabalho vigente no período em questão,

servia como fornecedor de matérias primas e de gêneros consumidos pelos

trabalhadores dos países desenvolvidos.

No segundo pós-guerra presenciou-se o aprofundamento desse processo com a

transnacionalização do capital. Os investimentos passaram a se dirigir em sua maior

parte aos países desenvolvidos. Os investimentos que se dirigiram aos países

subdesenvolvidos foram apontados principalmente para o setor manufatureiro e

voltados essencialmente para seu mercado interno. Em muitos casos, as empresas

transnacionais passaram a ter o controle monopolista da industrialização recente

desses países. As grandes empresas passaram a ter uma organização produtiva e

financeira que transcende as fronteiras nacionais.

Nas duas últimas décadas estamos vivendo uma fase que ficou conhecida como

“globalização”, em que as grandes empresas multinacionais adquiriram dimensões

realmente globais e o terreno de sua competição começou a deslocar-se dos mercados

domésticos para o do próprio mercado mundial. O investimento multinacional nos

países subdesenvolvidos passou a ser em proporções crescentes voltado também para

o mercado mundial. As firmas apóiam-se nas vantagens competitivas adquiridas dentro

de cada território nacional para conquistar uma melhor posição para competir no

mercado mundial. Esta fase do capitalismo fortaleceu as posições do liberalismo

econômico, através das chamadas “políticas neoliberais” de privatizações,

desnacionalização, desregulamentação, formação de blocos econômicos, livre

circulação de mercadorias e capitais, precarização das relações trabalhistas e

diminuição do papel do estado no que toca o desenvolvimento econômico e social

nacional.

Os movimentos internacionais de capitais e mercadorias são condicionados pelo

estágio de desenvolvimento do mercado mundial capitalista, pela organização dos

vários mercados nacionais e também pela dimensão e forma de organização das

empresas. As grandes empresas e suas estratégias construídas globalmente passaram

a determinar a dinâmica da grande maioria das transações econômicas internacionais.

As ações política, militar e econômica dos estados nacionais centrais também

passaram a cumprir papéis decisivos, como pontos de apoio da expansão e

consolidação do capital multinacional.

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Algumas destas firmas possuem um valor adicionado anual superior ao PIB da

maior parte dos países25. Sua estrutura planificada mundial está voltada para a

valorização de seu capital na escala global e suas matrizes estão localizadas em sua

quase totalidade nos EUA, Europa e Japão. De acordo com a UNCTAD (2002), das 100

maiores empresas transnacionais não financeiras, classificadas de acordo com seus

ativos no estrangeiro em 2000, 75 têm suas matrizes sediadas em 5 países: EUA,

Reino Unido, França, Japão e Alemanha.

Esses números demonstram o forte vínculo nacional das corporações

transnacionais. O desenvolvimento das empresas transnacionais faz transparecer a

agudização da contradição existente no sistema capitalista entre a internacionalização

de suas unidades produtivas e suas bases nacionais.

“A base produtiva do capitalismo se faz cada vez mais internacional, mas os mercados e Estados nacionais continuam sendo o ponto de partida de suas relações internacionais. De um lado, a concentração, o desenvolvimento tecnológico, o aumento das comunicações, a formação e expansão de uma economia internacional. De outro, as bases privadas e nacionais dessa expansão”.(DOS SANTOS, 1977, p. 29)

Ou, de acordo com Mézáros (2002):

“Para os pensadores que adotam o ponto de vista do capital, foi sempre muito difícil resolver a contradição entre a tendência fundamental de desenvolvimento econômico transnacional expansionista e as restrições a ela impostas pelos Estados nacionais historicamente criados”.(MÉZÁROS, 2002, p. 227)

No mesmo livro, Mézáros faz uma citação de Harry Magdoff que é reproduzida a

seguir:

“É importante ter em mente que praticamente todas as multinacionais são de fato organizações nacionais que funcionam em escala global. Não estamos negando que o capitalismo seja, e sempre foi, desde o início, um sistema mundial, nem que tal sistema tenha se tornado mais integrado por ação das multinacionais. Contudo, assim como é essencial compreender e analisar o capitalismo como um sistema mundial, é igualmente necessário admitir que cada empresa capitalista se relaciona

25 Segundo o estudo “Are transnationals bigger than countries?” (UNCTAD, 2002b), comparando o valor adicionado das empresas com o PIB dos países, 29 das 100 maiores “entidades econômicas” são corporações transnacionais.

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ao sistema mundial por intermédio do Estado-nação e, em última análise, dele depende” (MAGDOFF26 apud MÉZÁROS, 2002, p. 229).

Essa contradição entre a expansão internacional das grandes corporações e

suas bases nacionais apresenta-se também na discussão do Balanço de Pagamentos.

Apesar de, como vimos, o Balanço de Pagamentos apresentar as transações

internacionais de forma a ocultar as verdadeiras relações econômicas, ele não pode ser

superado como instrumento de análise e de política econômica enquanto durar o atual

sistema interestatal. Sua existência enquanto ferramenta analítica e política é

historicamente determinada junto com o sistema internacional que faz parte.

A visão da economia mundial como um sistema não passou desapercebida pelos

teóricos e formuladores de política econômica quando se tratou dos problemas práticos

de seu funcionamento, como se pôde ver nas discussões a respeito das relações entre

o chamado “sistema monetário internacional” e os balanços de pagamentos dos

diversos países. De acordo com Eichengreen:

“O sistema monetário internacional é a cola que mantém ligadas as economias dos diferentes países. Seu papel é dar ordem e estabilidade aos mercados cambiais, promover a eliminação de problemas de balanço de pagamentos e proporcionar acesso a créditos internacionais em caso de abalos desestruturadores.” (EICHENGREEN, 2000.)

Problemas de funcionamento no sistema monetário (e financeiro) internacional

podem levar a interrupções nos fluxos de pagamentos internacionais e causar sérios

danos ao processo de reprodução do capital. Para que as empresas residentes em um

país possam efetuar pagamentos no exterior, é necessário que a autoridade monetária

possua reservas em ativos internacionalmente aceitos. Inclui-se, assim, um elemento

que não está presente no ciclo de reprodução do capital em escala nacional. O risco é

que déficits persistentes no Balanço de Pagamentos de um país levem sua autoridade

monetária a perder reservas internacionais ao ponto em que as “unidades residentes”

fiquem impedidas de fazer seus pagamentos no exterior. Nesses casos, as empresas

ficam impossibilitadas de remeter lucros e dividendos, os devedores não podem quitar o

principal e os juros de suas dívidas externas e não é possível pagar pelas importações.

Também são atingidas as relações intra-firma que atravessam as fronteiras nacionais.

26 MAGDOFF, Harry. Imperialism: From the colonial age to the present. Nova Iorque: Monthly Review Press, 1978.

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Isso afeta profundamente a economia interna do país, podendo atingir intensamente o

resultado das empresas que investem, emprestam e/ou comercializam com unidades

residentes e ter repercussões deletérias sobre o funcionamento da economia mundial, a

exemplo do “efeito tequila” em 1995 ou da crise que aflorou no leste asiático em 1997.

Por isso é que nas discussões a respeito do “sistema monetário internacional” sempre

foi ressaltada a necessidade de equilíbrio nos Balanços de Pagamentos, de forma a

evitar déficits e superávits sistemáticos das unidades nacionais que perturbem o

funcionamento do sistema.

Além disso, de acordo com a visão defendida neste trabalho, as relações entre

os países centrais e periféricos assumem a forma da dependência. Um dos aspectos

centrais da dependência é o processo de transferência do excedente econômico da

periferia para o centro do sistema. O sistema internacional e suas principais instituições

(entre elas o FMI) buscam não deixar que os fluxos de recursos sejam interrompidos e

permitir que essa extração de excedente ocorra sem percalços. Assim, o sistema

internacional cumpre também o papel de auxiliar na reprodução do “status quo”

internacional, das relações hierárquicas entre os países e dos interesses das grandes

corporações industriais e financeiras.

2.4. As transações internacionais e a dependência

É necessário compreender a integração subordinada dos países latino-

americanos à economia mundial tendo como parâmetro os conceitos derivados do

debate sobre o imperialismo e vislumbrar o estudo de suas transações econômicas

internacionais a partir da compreensão da centralidade das exportações de capital. É

preciso identificar de que modo se dá e quais os efeitos da crescente integração

internacional da economia brasileira pelas mãos do capital estrangeiro.

Como vimos, o comércio internacional é regido pelo mesmo princípio das

vantagens absolutas que governam o comércio dentro de uma nação. As tendências do

livre comércio, mesmo abstraindo as questões dos poderes de monopólio e das

pressões extra-econômicas, tendem a levar as economias atrasadas a situações de

déficits comerciais crônicos, a menos que sejam contrabalançadas pelo

aprofundamento da utilização dos elementos que conferem vantagens absolutas de

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custos às empresas instaladas nestes países, como no aumentos da taxa de

exploração da força de trabalho e dos recursos naturais. A brecha aberta pelos

desequilíbrios comerciais e, podemos acrescentar, em serviços27, é coberta pela

mobilidade internacional de capitais em busca de maiores lucros. A suposição da

mobilidade do capital financeiro é suficiente para a obtenção desse resultado. Os

desequilíbrios comerciais seriam contrabalançados pelos fluxos de capitais,

transformando o país deficitário em devedor e o país superavitário em credor.

O ingresso de investimentos estrangeiros aparece aqui como uma solução à

vista, de modo a permitir, por um lado, o equilíbrio corrente das contas externas e, por

outro, a entronização de meios de produção e tecnologias mais modernas, com vistas à

melhoria da “posição competitiva do país”. Esta seria justamente a proposição básica

dos primeiros documentos da CEPAL, que viam a industrialização como forma de

superar o atraso e livrar os países latino-americanos do fardo do decréscimo dos

termos de intercâmbio. Para a CEPAL, esta presença do capital estrangeiro seria

transitória, servindo para financiar uma industrialização autônoma. Esta proposição

demonstrou-se utópica, visto que a expansão do capitalismo desde os países centrais é

dirigida pelos grandes monopólios, que visam controlar e explorar diretamente a mais-

valia dentro dos países periféricos. Demonstrou ser completamente equivocado esperar

uma ajuda desinteressada do capital estrangeiro. As próprias necessidades de

expansão dos diferentes capitais em competição os leva a buscar a penetração e o

domínio de todos os mercados no conjunto do globo. Com o crescimento da

participação do investimento estrangeiro direto os países deficitários não apenas

tornam-se devedores líquidos, como também receptores líquidos de investimento

estrangeiro direto.

Mas o processo não termina com a entrada do capital estrangeiro. Ao contrário

do que pregam as teorias convencionais, o papel desempenhado pelo capital

estrangeiro nas economias dependentes vai muito além de compensar os

desequilíbrios do Balanço de Pagamentos. O capital estrangeiro cria laços estruturais 27 Se observarmos estritamente o comércio de bens, na grande maioria dos anos o Brasil obteve superávit. Se somarmos ao intercâmbio de bens o comércio de serviços, que cumpre um papel crucial no processo de produção e circulação de conjunto, observa-se que houve déficits na grande parte dos anos. Aqui o conceito de serviços não inclui a rubrica de rendas, referindo-se apenas aos serviços correntes, tais como fretes, seguros, royalties, assistência técnica, etc (embora alguns destes serviços correntes sejam, de conteúdo, remessas de rendas). Para ver o conceito de Serviços utilizado nas estatísticas do Balanço de Pagamentos, veja nota 41.

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nas economias hóspedes que, no médio e longo prazos, levam a novos desequilíbrios

no Balanço de Pagamentos. O objetivo de uma firma matriz ao aplicar seu capital no

estrangeiro é receber de volta este capital acrescido de lucro. Ao longo do tempo, a

aplicação de capital em um outro país implica em remessas de rendimentos para a

matriz que, se tudo correr como o planejado, deverão ser maiores do que os recursos

originalmente investidos. O capital privado não investe no exterior com o intuito de

financiar os déficits do Balanço de Pagamentos. Ao contrário, é um fluxo de recursos

que tem dinâmica própria e está em busca de seu melhor posicionamento competitivo e

maiores lucros. Os móveis fundamentais do processo são os interesses de curto e

longo prazo dos detentores dos capitais. Neste sentido, as políticas governamentais de

estimulo a fluxos de investimento direto para enfrentar problemas correntes de Balanço

de Pagamentos, vinculam a economia doméstica aos interesses de longo-prazo das

firmas multinacionais.

A tendência observada em grande parte dos países periféricos é a de que as

saídas de recursos a título de remessa de juros, lucros e dividendos têm uma

participação crescente nos Balanços de Pagamentos levando a uma situação de

déficits estruturais em Transações Correntes28. Com o passar do tempo, a maior parte

das entradas de capitais passa a ser para financiar os déficits gerados pelas rendas de

capital. O investimento estrangeiro, então, inaugura um processo que levará a novos

déficits que induzirão a novas necessidades de ingressos de recursos do exterior.

Deve-se, portanto, descartar a tese de que o capital estrangeiro cumpre apenas uma

função compensatória e temporária.

Este quadro agrava-se devido a outra implicação da crescente penetração do

capital estrangeiro na economia brasileira que é a do aumento da participação dos

serviços correntes nos déficits do Balanço de Pagamentos. O fato de que são

justamente as grandes corporações e os países centrais que detêm o controle das

principais infra-estruturas de transporte e comunicação do globo e que comandam as

principais rotas de comércio internacionais, implica em outro elemento importante no

déficit em Transações Correntes que são os serviços como fretes e seguros. Somam-se

ainda as remessas de divisas sob a forma de pagamentos de "royalties", marcas e

28 Que inclui, além da Balança Comercial, as balanças de Serviços, de Rendas e as Transferências Correntes. Para uma explicação mais detalhada, veja Capítulo 3.

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patentes, serviços técnicos e aluguel de equipamentos. Estas transferências de

recursos são derivadas do controle das tecnologias aplicadas nos principais ramos da

produção por parte das empresas transnacionais e representam, muitas vezes, formas

disfarçadas de remessas de rendimentos.

Além do mais, com o desenvolvimento das empresas transnacionais, o próprio

intercâmbio desigual adquire novas formas. Há estimativas de que cerca de 2/3 do

comércio internacional ocorra entre as empresas transnacionais, sendo metade disto

intra-firma (entre matriz e filiais ou entre filiais de um mesmo grupo). Isto permite a

prática do sobre e do sub-preço, como forma disfarçada de remessa de lucros. O grau

de comando que estas empresas adquirem no contexto internacional também permite

que elas imponham sua política de preços sobre empresas de economias mais fracas.

A planificação mundial das firmas transnacionais permite também o aproveitamento das

diferenças tributárias e os acordos tributários entre os países em seu favor.

Os laços estruturais criados pela ação do capital estrangeiro também implicam

que parte deste passa a financiar-se no interior das economias hóspedes. Ou seja,

parte do lucro apurado por estas empresas e remetido para o exterior é gerada não a

partir de um investimento financiado desde o exterior, mas de recursos absorvidos

internamente e que se transformam em remessas (ou em direitos de remessas) de

rendimentos. Apoiados nesta constatação, Caputo e Pizarro (1974) afirmaram que o

capital estrangeiro não constitui um fator complementar para a poupança nacional. Ao

contrário, ele constitui uma clara forma de extração de excedentes dos países

subdesenvolvidos. Os autores apontam alguns elementos para amparar suas

afirmações: 1) Grande parte do que é considerado como entrada de investimento direto

na América Latina está constituída por re-investimento de lucros, o que quer dizer que

foram obtidos dentro desses próprios países; 2) O investimento direto, apesar de suas

remessas de lucros e amortizações, aumenta o valor de seus ativos mediante sua

própria reprodução na economia hóspede, o que assegura grande quantidade de

remessa de capitais; 3) A atividade do investidor estrangeiro na América Latina se

financia, em grande medida, com sua própria ação nos países desta região.

Contrabalançar esta tendência a transferências líquidas crescentes de valor para o

exterior é tarefa cada vez mais difícil para os Estados nacionais dos países

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subdesenvolvidos e nem sempre é possível. Segundo Caputo e Pizarro (1974), a ação

do capital estrangeiro torna-se um entrave absoluto ao crescimento econômico.

“Assim, então, o eventual efeito positivo que os desenvolvimentistas concedem ao capital estrangeiro como tonificante do crescimento econômico perde absoluta significação ao observar as cifras. Esta situação se vê acentuada já que o efeito provocado pelo capital estrangeiro na estrutura econômica dos países aos quais se dirige, gera uma série de distorções que os anula como fator de possível crescimento econômico”. (CAPUTO e PIZARRO, 1974, p. 96).

A visão destes autores exige um olhar mais apurado. Uma das características

mais marcantes do investimento estrangeiro é o seu fluxo na forma de ondas. Cada

uma destas ondas tem características próprias que se impõem sobre as economias

atrasadas. Estas economias têm sua dinâmica interna e sua inserção externa

condicionadas, em grande medida, pelas necessidades do capital estrangeiro e pela

forma que ele adquire em cada etapa. Na segunda metade dos anos 50 registrou-se

uma forte onda de expansão dos investimentos diretos no estrangeiro,

fundamentalmente por parte das firmas norte-americanas e européias. No início dos

anos 70, verificou-se uma grande vaga de exportação de capitais de empréstimo e, nos

anos 90, novamente ocorreu um período de crescimento vertiginoso dos fluxos

internacionais de capitais, tanto na forma de investimento direto, quanto em carteira.

Estas ondas de investimento estrangeiro podem levar a fases de crescimento

econômico, às vezes acentuado, nos países atrasados receptores, intercalados por

outras de retração ou estagnação. Mas o efeito que provocam em um prazo mais longo

tem sido o do aumento da dependência, da desigualdade e do entrave ao crescimento

econômico.

O ingresso de capital estrangeiro depende de uma série de fatores que se

sobrepõem, que podem ser cíclicos, históricos ou estruturais. Há períodos de ampliação

dos investimentos internacionais e outros de retração, que refletem as condições

estabelecidas pelos ciclos econômicos nos países centrais e na economia mundial. Um

elemento, que está ligado a isto, é que o investidor estrangeiro estará disposto a

ingressar seus recursos em determinado país apenas sob a condição de acreditar que

poderá transformá-los em moeda forte (moeda mundial) e remetê-los ao exterior

quando desejar. A questão é que justamente nos períodos em que há escassez de

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capitais é que os países dependentes têm as maiores dificuldades para resolver seus

problemas com o Balanço de Pagamentos.

Quando há maior oferta internacional de capitais, os países dependentes

conseguem sustentar seus déficits em Transações Correntes com mais facilidades, o

que os permite tanto importar mais bens de consumo e matérias primas e

equipamentos, condição básica para o investimento produtivo e para a sustentação do

crescimento econômico, como também fazer frente aos compromissos de pagamentos

de empréstimos e às remessas de lucros. Nestes períodos é que costuma-se ampliar

mais fortemente a penetração do capital estrangeiro, aumentando a internacionalização

da economia e, em conseqüência, os laços de dependência. E são justamente nos

períodos de crescimento que costumam ocorrer os maiores déficits comerciais e de

serviços.

Nos períodos de escassez de capitais na economia mundial é que se abrem as

possibilidades de crises nos balanços de pagamentos. A menor entrada de capital

estrangeiro leva, em geral, à adoção de políticas que visam não apenas conter

quaisquer déficits, mas obter a realização de grandes superávits comerciais. Isto leva a

efeitos e medidas recessivas e/ou protecionistas no sentido de conter as importações e

de promover as exportações. São também os períodos em que há a busca pela

chamada “ajuda” externa, principalmente através de empréstimos via instituições

multilaterais (como o FMI, o Banco Mundial ou o BID) ou governamentais. Assim,

quando há problemas de Balanço de Pagamentos que podem comprometer os fluxos

de recursos dos quais necessita o capital estrangeiro tanto para o seu funcionamento

quanto para suas remessas de recursos, faz-se o uso de empréstimos que, em última

instância, são sustentados financeiramente pela contribuição de impostos da população

dos países desenvolvidos, principalmente os trabalhadores. Ou seja, quando os

recursos obtidos nos países dependentes não são suficientes para o cumprimento dos

compromissos internacionais com o grande capital multinacional, são os trabalhadores

de seus próprios países que devem arcar com o ônus. No conjunto do processo,

privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos. Esta “ajuda” não costuma ser

desinteressada. Junto com ela vêm as cláusulas condicionantes, que visam garantir,

por um lado, que haverá recursos para o restabelecimento das condições “normais” do

Balanço de Pagamentos, fundamentalmente através de políticas recessivas e, por

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outro, a ampliação das vantagens com que conta o capital estrangeiro no seio da

economia doméstica.

Resumindo, ao contrário do pregado pelas teorias neoclássicas do comércio e do

investimento internacionais, as tendências naturais do livre comércio e da livre

movimentação de capitais não levam a uma maior igualdade e a um desenvolvimento

convergente da economia mundial, paralelamente ao equilíbrio das contas externas dos

diferentes países. Ao contrário, a integração da economia mundial pelas mãos do

capital internacional aumenta a desigualdade entre os países, aprofunda a dependência

e agudiza as crises crônicas dos Balanços de Pagamentos das economias atrasadas.

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Capítulo 3 – O balanço de pagamentos

O objeto deste capítulo é o próprio Balanço de Pagamentos. Serão discutidos os

seguintes aspectos: o contexto histórico do surgimento e desenvolvimento do Manual

do Balanço de Pagamentos do FMI; sua evolução histórica; as atualizações de sua

última edição; a estrutura e a organização do Balanço de Pagamentos brasileiro.

3.1. Contexto Histórico do surgimento e desenvolvim ento do balanço de

pagamentos

De acordo com o ponto de vista aqui apresentado, o instrumento conhecido

como Balanço de Pagamentos só pode ser compreendido e analisado como parte de

um sistema econômico internacional historicamente determinado. Necessita-se,

portanto, estudar o contexto histórico do surgimento e do desenvolvimento do Balanço

de Pagamentos.

No final do século XIX e no início do XX o “sistema monetário internacional” era

estruturado predominantemente em torno do padrão-ouro29. Não havia instituições

multilaterais estabelecidas que definissem regras claras de seu funcionamento e que

zelassem pela sua estabilidade.

“Sob este sistema de gestão monetária, os grandes financistas privados estabeleciam entendimentos informais com vários governos e privilegiavam a manutenção da estabilidade cambial, mesmo que isto implicasse na adoção de políticas contracionistas por governos locais.” (CASTRO & FARIAS, 2003)

Segundo Eichengreen (2000), o predomínio do padrão-ouro durante certo

período deveu, no plano político, sua estabilidade à prioridade que as autoridades

monetárias nacionais davam à defesa da estabilidade da taxa de câmbio e da

conversibilidade em ouro. Na medida em que passou a haver uma contestação política

às autoridades monetárias, com o desenvolvimento das lutas sociais e o surgimento

29 Padrão-Ouro: “Sistema monetário no qual o valor de uma moeda nacional é legalmente definido como uma quantidade fixa de ouro, em termos internacionais, e em nível interno o meio circulante toma a forma de moedas de ouro ou notas (papel-moeda) conversíveis a qualquer momento em ouro, de acordo com taxas de conversão fixadas legalmente. [...].” (SANDRONI, 2002).

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dos partidos políticos operários, outras prioridades passaram a concorrer, em termos de

política monetária, com a estabilidade da taxa cambial.

As ocorrências das duas grandes guerras e da grande depressão marcaram o

fim desse sistema. No final da segunda grande guerra, em 1944, realizou-se a

Conferência Internacional de Bretton Woods, nos EUA, no esforço em se criar um

sistema monetário e financeiro internacional que concedesse estabilidade aos

pagamentos internacionais e às relações entre as diversas moedas nacionais. O

Acordo aprovado nesta Conferência, que reuniu representantes dos governos de 44

países, estabeleceu as bases do novo sistema monetário e financeiro internacional,

instituiu regras comerciais e planos para a reconstrução dos países que tiveram suas

economias destruídas durante a segunda grande guerra.

Foi nessa ocasião que foram criados o FMI e o Banco Mundial. O Banco Mundial

teve como função principal fornecer fundos para ajudar a reconstrução dos países

membros atingidos pela guerra, a que seria, depois, adicionada a função de “promover

o desenvolvimento”. O FMI, por sua vez, deveria zelar pelo sistema monetário

internacional e pela preservação de sua estabilidade, dotando-o de regras comuns,

procurando evitar flutuações nas cotações das moedas e depreciações competitivas e

lidando com os problemas dos Balanços de Pagamentos.

Pela primeira vez na história surgiu um sistema de instituições multilaterais,

baseadas em regras internacionalmente acordadas, para regular o sistema monetário e

financeiro internacional. Esta situação ajudou a criar uma atmosfera propícia ao

crescimento acelerado do comércio internacional e à constituição de novos acordos e

instrumentos que tinham o intuito de facilitar o comércio e diminuir tarifas comerciais,

como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que surgiu em 1947.

Esse novo sistema de instituições político-financeiras foi o resultado da

afirmação da supremacia econômica adquirida pelos EUA após o período de guerras

terminado em 1945. O padrão monetário passava a ser o dólar-ouro. Os EUA definiram

o valor do dólar em termos de ouro (1 onça de ouro = US$ 35) e se comprometiam a

trocar ouro por dólar a esta taxa. Os outros países passaram a definir suas moedas em

termos de dólares. Foram estabelecidas as paridades entre as moedas com pequeno

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espaço para variações. Assim, os EUA passaram a ser fornecedores da moeda de

reserva internacional e de liquidez ao sistema monetário internacional.

“[...] ao contrário da experiência do entre-guerras, os Estados Unidos desta vez assumiriam a responsabilidade de formulação e implementação de uma nova ordem internacional, perdoando dívidas de guerra e evitando outras medidas que pudessem desestabilizar a economia mundial.” (PINHO NETO, 1996, p. 6)

Além disso, o FMI buscava criar mecanismos para corrigir os desequilíbrios nos

balanços de pagamentos dos países membros, de forma a manter a estabilidade do

sistema internacional de pagamentos. Se um país vivenciasse desequilíbrios em seu

Balanço de Pagamentos, o FMI seria acionado e o socorreria através de empréstimo,

caso as dificuldades fossem consideradas temporárias. Se as dificuldades fossem

consideradas como um desequilíbrio fundamental30 poderia ser autorizada uma

desvalorização cambial.

Foi nesse contexto que o FMI começou a elaborar e a desenvolver seu Manual

do Balanço de Pagamentos. Com ele, as estatísticas de Balanço de Pagamentos

poderiam ser padronizadas internacionalmente, o que facilitaria a atuação do Fundo.

Segundo o prefácio da 4ª edição do Manual do Balanço de Pagamentos do FMI:

“Como o balanço de pagamentos de uma economia espelha os negócios do resto do mundo com aquela economia, a comunidade internacional está diretamente interessada nas declarações de seus membros individuais. A interpretação de tais declarações desse ponto de vista é obviamente facilitada quando todas as estatísticas dos países estão baseadas nos mesmos conceitos e são compiladas de um modo uniforme” (FMI, 1977, p. 1).

O que deve ser ressaltado nesse ponto é que o Manual do Balanço de

Pagamentos foi criado como parte de um sistema mundial e de uma política

internacional, hierarquizada pelos interesses da potência que passou a ser hegemônica

tanto no terreno econômico, como político e militar: os EUA. O regime de paridades

cambiais passou a ter como referência a moeda emitida pelo governo dos EUA, 30 O significado do termo “desequilíbrio fundamental” nunca chegou a ser claramente definido. Segundo Sandroni (2002), um desequilíbrio fundamental consiste num desequilíbrio de um balanço de pagamentos (déficit ou superávit) que tenha natureza persistente ou permanente.

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articulado por uma instituição que tem como objetivo a manutenção do funcionamento

estável do sistema.

Na prática, porém, o papel das instituições de Bretton Woods foi insuficiente para

garantir o funcionamento desejado do sistema financeiro e monetário internacional. No

princípio, foram necessárias várias iniciativas dos EUA no sentido de suprir os demais

países do sistema da liquidez necessária. A Europa e o Japão dependiam fortemente

das importações vindas dos EUA. Foram principalmente os recursos do Plano Marshall,

os gastos militares dos EUA no estrangeiro e os investimentos diretos que forneceram a

esses países os recursos necessários para fazer frente às importações e à

reconstrução. Além disso, tornou-se necessária a imposição de controles de capital31 e

a inconversibilidade da moeda para evitar a ameaça em que se constituíam os fluxos de

capital desestabilizadores. As economias européias mais importantes ainda demoraram

vários anos para estabilizar suas moedas, tendo ocorrido uma série de desvalorizações

que não estavam previstas no plano inicial. Esta fase, que durou até meados dos anos

50, ficou conhecida como o período de “escassez de dólares”.

Em meados dos anos 50, o rápido crescimento dos mercados de bens na

Europa, a mão de obra mais barata e a constatação de que seus concorrentes

europeus cresciam a uma taxa mais rápida que elas próprias, levou às empresas norte-

americanas a ampliar consideravelmente os investimentos diretos neste continente

(HYMER, 1978, p. 101). Na medida em que se completava o processo de reconstrução

européia, e como reação aos investimentos diretos norte-americanos na Europa,

passou a haver um movimento crescente de investimentos diretos de empresas

européias no exterior. Este movimento de expansão produtiva internacional das

grandes empresas norte-americanas e européias e, posteriormente, japonesas,

englobou a América Latina na segunda metade dos anos 50. O grau de

internacionalização das grandes empresas e o crescimento acelerado do comércio

internacional passaram a implicar dificuldades cada vez maiores em limitar a mobilidade

internacional de capitais. 31 Controles de capital – Regulamentos que limitam a capacidade das empresas ou famílias de converter a moeda doméstica em moeda estrangeira. Os controles sobre as transações na conta de capital impedem que residentes no país convertam a moeda doméstica em moeda estrangeira com a finalidade de realizar investimentos no exterior. Os controles sobre as transações em conta corrente limitam a possibilidade de os residentes converterem moeda doméstica em moeda estrangeira com o objetivo de importar mercadorias (EICHENGREEN, 2000, p. 257).

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Os déficits no balanço de pagamentos norte-americanos permitiram o aumento

da liquidez internacional e a recuperação das contas externas dos países europeus, ao

ponto que as principais moedas européias, incluindo a Libra Esterlina, voltaram à

conversibilidade em 31 de dezembro de 1958. Se até ali a grande preocupação em

termos do funcionamento do sistema monetário internacional era a respeito da

escassez de dólares na economia mundial, a partir do final dos anos 50 e início dos

anos 60, surgiu a preocupação de signo oposto: passou-se a vislumbrar a possibilidade

de que uma abundância de dólares e a queda das reservas de ouro dos EUA poderiam

colocar em risco a credibilidade da moeda que servia de base ao sistema monetário

internacional. Robert Triffin identificou a tendência no sistema montado em Bretton

Woods de “reagir ao excesso de demanda por reservas com o crescimento de saldos

em dólar no exterior”32, o que tornava o sistema dinamicamente instável

(EICHENGREEN, 2000, p. 159). Esta possibilidade foi transformando-se em realidade

na medida em que os gastos relativos à Guerra do Vietnã e os investimentos externos

norte-americanos levaram a consideráveis déficits no balanço de pagamentos norte-

americano.

Para complicar mais a situação, com a volta da conversibilidade em conta

corrente pelos países europeus a partir de 1959, os controles de capitais, que

cumpriram um papel essencial na sustentação das paridades cambiais, puderam ser

mais facilmente burladas, através dos preços de transferência e de outras formas de

canalizar transações de capital através das contas correntes (EICHENGREEN, 2000, p.

133). A acumulação de dólares nos bancos europeus levou a formação e consolidação

do que ficou conhecido como o mercado do eurodólar. O excesso de liquidez deste

mercado, somado à diminuição no ritmo de crescimento no final dos anos 60, levou à

redução das taxas de juros internacionais. Este processo foi responsável pela busca

destes capitais por remunerações maiores nos países subdesenvolvidos em vias de

industrialização, como foi o caso do Brasil, a partir de 1968.

32 As reservas internacionais eram formadas tanto de ouro quanto de dólares. O crescimento do volume das transações econômicas internacionais criava a necessidade do aumento da oferta internacional de dólares. Só que este aumento da oferta de dólares implicava em dificuldades cada vez maiores de manter a paridade desta moeda com o ouro, pondo em risco o sistema das paridades cambiais ajusáveis. Isto ficou conhecido como o “Dilema de Triffin”.

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Neste contexto que foram criados os Direitos Especiais de Saque (DES), que se

constituiriam como meios para atender às necessidades de criação de liquidez

internacional. Era uma tentativa de aliviar as pressões sobre o dólar sem que se

promovesse uma profunda reforma em todo o sistema monetário internacional. Os DES

seriam ativos de reserva que seriam alocados aos membros do FMI na proporção de

sua contribuição inicial ao Fundo. Essas alocações seriam usadas pelos membros para

estabelecer equilíbrios nos pagamentos internacionais, servindo assim como moeda de

reserva adicional ao lado do ouro e das moedas chave.

Esta medida não foi suficiente e as contradições do sistema acabaram levando à

sua ruptura no início dos anos 70, com o fim da paridade entre o dólar e o ouro e entre

as demais moedas e o dólar. O sistema monetário internacional passou a funcionar

baseado fundamentalmente em taxas de câmbio flutuantes33. O crescimento das

empresas multinacionais, do comércio internacional e da mobilidade internacional do

capital minaram o sistema de Bretton Woods, que necessitava de controles de capital

para funcionar. No sistema que emergiu deste então há liberalização crescente dos

fluxos de capitais, que passam a ter um poder quase absoluto sobre as políticas

econômicas nacionais de vários países, especialmente das mais fracas e

internacionalizadas.

A desvalorização do dólar do início dos anos 70 implicou em perdas aos

detentores de dólares e aos exportadores de bens primários cotados em dólar. Este era

o caso dos países exportadores de petróleo, organizados através da OPEP. Como

resposta, a OPEP operou a quadruplicação dos preços do petróleo no final de 1973,

levando à ocorrência de grandes déficits comerciais nos países importadores de

petróleo e, simetricamente, a grandes superávits nos países exportadores deste

produto. Dois dos efeitos deste desequilíbrio foram a recessão em vários países

industrializados e a constituição de um grande acúmulo de liquidez nos bancos

europeus como fruto do ingresso dos “petrodólares”. Esta situação levou à queda nas

taxas de juros internacionais e ao crescimento vertiginoso do endividamento externo de

vários países subdesenvolvidos, entre eles o Brasil. Em 1979 ocorreu um novo choque

33 “Taxa de câmbio flutuante – Uma taxa de câmbio que a autoridade monetária permite variar. Uma “flutuação limpa” ocorre na ausência de intervenções do governo; é denominada “flutuação suja” quando as autoridades intervém para limitar as flutuações da moeda.” (EICHENGREEN, 2000).

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do petróleo e em 1981 o governo dos EUA decidiu pelo aumento das taxas de juros do

Tesouro norte-americano, o que impôs a recessão e a virtual “quebra” das economias

endividadas.

Como vimos, o sistema monetário e financeiro internacional sofreu muitas

modificações desde que foi constituído em 1944. As principais instituições que surgiram

naquele momento, no entanto, seguem existindo, apesar de não cumprirem exatamente

o papel que lhes foi designado quando de sua criação. O FMI não teve importância

central na resolução das crises que ocorreram nos países centrais durante o pós-

guerra. Não foi chamado muitas vezes a emprestar dinheiro a estes países e também

não se meteu em suas políticas internas. Em relação aos países subdesenvolvidos, por

outro lado, esta instituição realizou uma série de empréstimos desde os anos 50,

chegando, a partir da crise do endividamento externo dos países devedores, nos anos

80, a ser determinante na definição das políticas econômicas domésticas. Ao FMI não

cabia mais a manutenção da estabilidade das taxas de câmbio, mas sim a pressão para

que os países devedores aplicassem políticas domésticas que garantissem o

pagamento dos compromissos financeiros internacionais.

Fazendo uma comparação histórica, o acordo que criou o FMI, estabeleceu que

os controles de capitais seriam formas legítimas de defesa das economias domésticas

dos países avançados contra a influência deletéria dos fluxos internacionais de capital.

A estabilidade das taxas de câmbio no pós-guerra europeu não foi garantida com

políticas de ajuste recessivo, mas com ajuda externa norte-americana e com controles

de capitais. Isto possibilitou o isolamento das economias nacionais dos fluxos

internacionais de capitais e a aplicação de políticas econômicas que visavam o pleno

emprego e o estado de bem estar social. Nestes casos, o FMI cumpriu um papel

secundário, tendo realizado poucos empréstimos e pouco ou nada se envolvido nas

questões domésticas.

Para a América Latina, por outro lado, as intervenções do Fundo têm sido

constantes e, historicamente, no sentido de estimular e até impor a abertura externa, a

liberalização da conta capital e financeira e a aplicação de políticas econômicas de

ajuste recessivo, como forma de equilibrar os balanços de pagamentos e sancionar

assim os fluxos e refluxos internacionais de capital.

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Este tipo de atuação ficou ainda mais explícito na segunda metade dos anos 90,

quando uma série de crises financeiras internacionais causou sérios impactos nas

economias periféricas, muitas das quais buscaram o financiamento do FMI para

combater a fuga de capitais. O “remédio” imposto pelo Fundo a estes países foi a

aplicação de mais planos de ajuste e mais liberalização comercial e financeira. O FMI

passou a ser o agente financiador da fuga de capitais dos países periféricos.

3.2. Evolução e concepção do Manual do Balanço de P agamentos

O governo brasileiro foi um dos 44 signatários originais do acordo que criou o

FMI. No convênio constitutivo do FMI, no artigo que trata das obrigações gerais dos

países membros, há uma lista de informações que estes devem submeter ao Fundo.

Entre estas informações estão: as reservas de ouro e divisas, a produção, exportações

e importações de ouro, as exportações e importações totais de mercadorias, a situação

dos investimentos internacionais e o Balanço de Pagamentos. A estrutura do Balanço

de Pagamentos brasileiro34 passou a basear-se no Manual do Balanço de Pagamentos,

elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e que está, atualmente, em sua 5ª

edição. As cinco edições do Manual foram publicadas em 1948, 1950, 1961, 1977 e

1993. O Manual do Balanço de Pagamentos (...)

“[...] constitui a base para os informes regulares dos dados do balanço de pagamentos para o Fundo Monetário Internacional. Os informes submetidos de acordo com este Manual abastecem o Fundo com dados para seus propósitos operacionais” (FMI, 1950, p (i)).

A estrutura da 5ª Edição do Balanço de Pagamentos foi construída de forma

compatível com a edição de 1993 do “System of National Accounts” (SNA) , que foi

elaborada conjuntamente pela Comissão de Comunidades Européias (Eurostat), FMI,

OCDE, ONU e Banco Mundial. De acordo com o Manual, o Balanço de Pagamentos é

um relatório estatístico que resume sistematicamente, para um período de tempo

específico, as transações da economia de um país com o “resto do mundo”. Ou seja,

apesar do nome Balanço de Pagamentos, ele não se caracteriza pelo registro dos

pagamentos e sim das transações. Muitas transações não envolvem pagamentos

34 O Balanço de Pagamentos começou a ser publicado no Brasil em 1947 e era elaborado pela SUMOC. Esta viria a ser extinta em 1965, com a criação do Banco Central do Brasil, que passou a ser o responsável pela elaboração do Balanço de Pagamentos.

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diretos em moeda, ou sequer correspondem a pagamentos, como o caso das

transferências correntes.

As transações, em sua maior parte entre residentes e não-residentes35,

consistem naquelas envolvendo bens, serviços e rendas; direitos financeiros e

obrigações em relação ao “resto do mundo”; e itens (tais como doações) classificados

como transferências.

As estatísticas do Balanço de Pagamentos (da mesma forma que o SNA),

partem, portanto, da economia nacional para, só então, observar suas relações com o

“resto do mundo”. Compatibiliza-se, assim, com o critério estabelecido pela teoria

macroeconômica tradicional, que começa explicando a “economia nacional fechada”

para só depois tratar da “economia nacional aberta” e suas “relações econômicas

internacionais”. As contas formam um agregado que configura a conformação de uma

totalidade em suas transações efetuadas com o resto do mundo chamada contas

externas do país, ou Balanço de Pagamentos deste país. O aparato conceitual do

Balanço de Pagamentos também está baseado nos critérios e conceitos da teoria

neoclássica. São utilizados os conceitos neoclássicos de capital e de trabalho como

coisas, como “fatores de produção”. As remessas de lucros, de juros e de salários e

dividendos foram denominadas desde o início como “serviços fatores”.

Corresponderiam, de acordo com a visão neoclássica, à remuneração dos “fatores de

produção” (capital e trabalho) por sua “contribuição” ao processo produtivo36.

Os conceitos de residente e não-residente são fundamentais para a

compreensão do sistema do balanço de pagamentos. Não se baseiam em critérios de

nacionalidade. O conceito de residência é baseado em outros dois conceitos, o de

centro de interesse econômico e o de território econômico . O território econômico

de um país é a área geograficamente relevante na qual o conceito de residência é

aplicado. Consiste do território geográfico administrado por um governo, dentro do qual

pessoas, bens e capitais circulam livremente. Um centro de interesse econômico

consiste em um local, domicílio, lugar de produção ou outro recinto em que ou do qual

35 Nem todas as transações registradas no Balanço de Pagamentos ocorrem entre residentes e não residentes. Esse é o caso da compra de ouro por parte do Banco Central, que é monetizado e passa a ser considerado um ativo financeiro como parte das reservas. A reavaliação de reservas também é registrada no Balanço de Pagamentos sem envolver transações entre residentes e não residentes. 36 Sobre esta discussão ver nota 10.

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uma unidade institucional 37 ocupa-se ou pretende continuar ocupando-se de

atividades econômicas ou transações em uma escala significativa. Uma unidade

institucional é uma unidade residente quando tem um centro de interesse

econômico no território econômico de um país. O conceito de residência transforma

a subsidiária estrangeira atuando dentro das fronteiras nacionais do país como sendo

parte desta totalidade e não de uma outra que seria o grupo internacional que a

controla e comanda suas atividades e para a qual, no final das contas, remete seus

lucros, juros e participações societárias.

Uma empresa residente, por exemplo, pode ser controlada por não-residentes.

Uma produção empreendida fora do território econômico de uma empresa pelo pessoal,

planta e equipamento desta empresa é tratada como parte da produção do país

hóspede e a empresa é tratada como unidade residente (filial ou subsidiária) deste país

se a empresa cumpre as condições estabelecidas no conceito de residência de

empresas38.

O Balanço de Pagamentos, assim como o SNA, adota o sistema de partidas

dobradas. Toda transação é representada por duas entradas com valores iguais:

crédito , com sinal positivo e débito , com sinal negativo. Em princípio, a soma de todos

os créditos é igual à soma de todos os débitos. Na prática as contas freqüentemente

não se equilibram. Uma entrada separada (erros e omissões), de igual montante, com o

sinal trocado, é então feita para equilibrar o Balanço de Pagamentos.

Desde sua primeira edição, uma série de mudanças foi sendo operada nas

diferentes versões do Manual, na medida em que ocorriam as transformações no

contexto internacional. Procurou-se adaptar o Manual aos novos e mais complexos

tipos de transações que foram se desenvolvendo. Desde o final da guerra, ocorreu um

grande crescimento do comércio internacional, uma crescente mobilidade internacional

dos capitais e o processo de multinacionalização das grandes firmas monopolistas,

processos estes que levaram a uma série de inovações financeiras e na forma como as

transações internacionais são efetuadas, em especial após o fim do sistema de 37 Os setores de uma economia são compostos de dois principais tipos de unidades institucionais: (i) famílias e indivíduos que sustentam uma família e (ii) entidades legais e sociais, tais como corporações e quase-corporações (por exemplo, filiais de investidores estrangeiros diretos), instituições sem fins lucrativos e o governo daquela economia. (FMI, 1993). 38 É dito que uma empresa tem um centro de interesse econômico e que é uma unidade residente de um país (território econômico) quando a empresa está comprometida em um montante significativo de produção de bens e/ou serviços lá ou quando a empresa possui terra ou construções localizadas lá.

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paridades cambiais, definido em Bretton Woods. Cada vez mais o conceito de país

como unidade fundamental de análise vem sendo superado na prática pela

interpenetração das economias nacionais pelas mãos dos capitais internacionalizados.

Na medida em que foram ocorrendo estas transformações, maiores começaram a ser

as contradições entre o instrumento (Balanço de Pagamentos) e as características

concretas dos fluxos internacionais. Estas contradições foram levando a adaptações

cada vez mais significativas no Manual.

As três primeiras versões do Manual não trouxeram maiores mudanças. Uma

modificação importante, que já apontava o crescimento da significância que os

investimentos diretos iriam adquirir, foi feita na segunda edição. Na segunda edição,

foram incluídos os lucros não distribuídos de subsidiárias na tabela principal do Balanço

de Pagamentos (o que não ocorria na primeira edição), tanto em movimentos de

capitais como em renda de investimentos. Nas palavras da segunda edição, “tais

ganhos são freqüentemente uma importante fonte de novo investimento e sua exclusão

deve diminuir seriamente a influência do investimento direto na situação econômica

internacional de muitos países” (FMI, 1950, p. 2). Nesta edição ainda foi reorganizada a

tabela cobrindo as movimentações de capital para melhor adaptá-la às necessidades

do conceito de financiamento oficial compensatório39. A conta capital era dividida

principalmente entre setor privado e setor oficial. Esta divisão independia do status

(privado ou oficial) do estrangeiro envolvido, embora em alguns casos seu status

determinasse o sub-item apropriado. Em cada um dos dois setores, as mudanças nos

investimentos de curto prazo e longo prazo40 são distinguidas.

Na terceira edição procedeu-se uma nova reorganização da conta de capital,

para poder adotar uma classificação mais detalhada das mudanças por setor, dos

ativos e passivos estrangeiros. Subdividiu o antigo item relativo a instituições oficiais e

bancárias em governo central, instituições monetárias centrais e outras instituições

monetárias. Governos locais, antes considerados como parte do setor privado,

passaram a contar como um setor em separado. Diminuiu a ênfase na distinção formal

entre capital de curto prazo e capital de longo prazo, cuja influência varia de acordo

39 O financiamento oficial compensatório é designado para revelar o financiamento que as autoridades monetárias são forçadas a tomar para equilibrar as transações internacionais. 40 Investimento de Curto Prazo, é considerado aquele que tem maturidade de até 12 meses. O Investimento de Longo Prazo tem maturidade maior que 12 meses ou não tem maturidade (como ações, por exemplo).

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com os setores. Entre a segunda e a terceira edição do Manual, surgiram os Sistemas

de Contas Nacionais das Nações Unidas e da OCDE. Algumas adaptações no Manual

foram feitas para torná-lo compatível com estes sistemas. Assim, promoveu-se uma

nova ordenação das categorias de bens e serviços e de pagamentos de transferência.

A quarta edição foi elaborada após um período de grande crescimento da

mobilidade internacional de capitais, a consolidação do euro-mercado de divisas, a

criação dos Direitos Especiais de Saque e, após várias crises e adaptações, o fim da

paridade dólar-ouro e, conseqüentemente, do sistema de Bretton Woods. A conta

capital foi novamente reorganizada, mas desta vez as mudanças foram mais

importantes. Nas versões anteriores, a divisão principal era feita entre setores e a única

tentativa de classificação do capital pela sua função foi a abertura de uma linha na

conta Capital Privado de Longo Prazo para os investimentos diretos. Na quarta edição

do Manual, duas categorias funcionais adicionais – reservas e capital de carteira –

foram distinguidas, com uma conseqüente diminuição da ênfase na abordagem setorial.

A divisão principal do Balanço de Pagamentos passou a ser entre Investimento Direto,

Investimento em Carteira e Outros Capitais. Os setores (oficial, privado, etc.) e os

prazos (longo prazo e curto prazo) passaram a ser sub-itens desta divisão principal.

As classificações da Conta Corrente mudaram pouco, mas em todas as edições

anteriores, mudanças crescentes foram efetuadas na conta de capital. Isto foi uma

expressão das mudanças históricas efetuadas desde o imediato pós-guerra. No início

deste período, havia pouca mobilidade internacional de capitais privados. Grande parte

das movimentações internacionais de capital eram constituídas por ajudas

governamentais norte-americanas à reconstrução dos países destruídos pela guerra. O

que se viu nas décadas seguintes foi a expansão produtiva internacional das grandes

empresas norte-americanas, européias e japonesas e uma crescente mobilidade

internacional do capital. Com isso, tornou-se importante ir adaptando a conta de

capitais.

3.3. Mudanças operadas na 5ª Edição do Manual do Ba lanço de

Pagamentos

A partir de 1995, o Banco Central do Brasil passou a organizar o Balanço de

Pagamentos brasileiro de acordo com a orientação da 5ª Edição do Manual de Balanço

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de Pagamentos do FMI, de 1993. Segundo o Manual, esta edição adotou a mesma

base teórica das anteriores, trazendo inovações que visam capturar o maior grau de

internacionalização e de interdependência entre as economias nacionais. Nas palavras

do Manual:

"Desde que a quarta edição do Manual foi publicada em 1977, mudanças importantes ocorreram na forma em que as transações internacionais são conduzidas. Estas mudanças são, em particular, um resultado da liberalização dos mercados financeiros, inovações na criação e combinação de instrumentos financeiros, e novas abordagens para a reestruturação da dívida externa. Além disso, tem ocorrido um crescimento sem precedentes no volume de comércio internacional em serviços”. (FMI, 1993, p. xi)

As mudanças citadas acima trouxeram a necessidade para instituições nacionais

e internacionais de alterações de tratamento e de classificação das transações

internacionais dentro da estrutura das contas do Balanço de Pagamentos. Esta

necessidade surge do interesse de vários países, instituições e corporações em

promover acordos internacionais que construam direitos sobre fluxos de bens, rendas e

serviços41 ainda não medidos com as estatísticas antes em voga.

Entre as inovações introduzidas na 5ª edição do Manual está a incorporação da

área de estatísticas da Posição Internacional de Investimento . A Posição

Internacional de Investimento cumpre um papel complementar ao do Balanço de

Pagamentos. Enquanto o Balanço de Pagamentos mede os fluxos das transações

externas, a Posição Internacional de Investimento traz a medida dos estoques de

ativos financeiros e das obrigações externas do País. A Posição , no fim de um período

específico, reflete as transações financeiras, as mudanças de avaliação e os outros

ajustamentos que ocorreram e afetaram o nível dos ativos e das obrigações. Os níveis

de estoque dos ativos e obrigações financeiras externas são utilizados na determinação

das receitas e despesas da Conta Renda de Investimentos do Balanço de Pagamentos.

Um estoque maior de investimentos externos em um país implica em maiores déficits

41 O System of National Accounts, 1993, define o termo serviços como segue: “Serviços não são entidades separadas sobre as quais direitos de propriedade podem ser estabelecidos. Não podem ser tratados separadamente de sua produção. Serviços são produtos heterogêneos produzidos por encomenda e tipicamente consistem de mudanças na condição das unidades de consumo efetuadas pelas atividades dos produtores para a demanda dos consumidores. Até o tempo em que sua produção estiver completada elas devem ter sido supridas para os consumidores”.

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na Conta Renda de Investimentos , através das remessas de lucros, dividendos e

juros sobre esses investimentos. Inversamente, um estoque maior de investimentos no

exterior de residentes de um país implica em maiores receitas nesta conta. A

combinação das classificações do Balanço de Pagamentos com as da Posição

Internacional de Investimento permite a conciliação dos fluxos com os estoques e a

análise mais significativa dos rendimentos e taxas de retorno sobre os investimentos

externos.

Ademais, a quinta edição do Manual traz outras mudanças importantes. Primeiro,

a Conta Corrente do Balanço de Pagamentos é redefinida para excluir as

Transferências de Capital, incluindo-as em uma expandida e renomeada Conta Capital

e Financeira (na 4ª edição esta chamava-se Conta Capital).

A segunda mudança importante é que, dentro da Conta Corrente, são feitas

claras distinções entre Bens, Serviços, Rendas e Transferências Correntes. Esta

mudança atende ao crescente interesse analítico e político que vem sendo

demonstrado a respeito dos dados de comércio internacional em serviços, em especial

no que se refere às negociações sobre serviços em acordos, tais como o Acordo Geral

sobre Comércio em Serviços (ou General Agreement on Trade in Services (GATS) em

inglês). Neste sentido, é introduzida uma maior desagregação na classificação das

transações de serviços internacionais. Nas versões anteriores, os serviços e as rendas

estavam agrupados na mesma conta denominada Serviços. Eram classificados dentro

dela como serviços fatores (rendas) e serviços não fatores (serviços).

Outro resultado do esforço para se criar uma classificação mais detalhada sobre

o comércio em serviços foi a criação do Manual de Estatísticas de Comércio

Internacional em Serviços. Sua elaboração se deu em conjunto pelo FMI, a

Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial, a Organização das

Nações Unidas (ONU), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE) e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

Desenvolvimento (UNCTAD). Esse Manual foi construído sobre o arcabouço da 5ª

edição do Manual de Balanço de Pagamentos do FMI e recomenda uma classificação

de transações por tipo de serviço que forneça maior detalhamento,e através da

Classificação Estendida de Serviços do Balanço de Pagamentos, cuja sigla em inglês é

EBOPS (Extended Balance of Payments Services Classification).

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Em relação à Conta Financeira, esta foi reestruturada de forma a evidenciar as

transações ativas e passivas, as classes dos instrumentos financeiros de mercado e os

prazos das transações. Os empréstimos intercompanhia passaram a ser contabilizados

como investimentos diretos e todos os instrumentos de portfolio, inclusive bônus, notes

e commercial papers foram reclassificados para a conta de investimentos em carteira.

Foi introduzido ainda um grupo específico para registro das operações com derivativos

financeiros, que antes eram alocados na conta serviços e nos capitais de curto prazo

(Banco Central do Brasil, 2001b).

Segundo o Manual do Balanço de Pagamentos do FMI, as mudanças operadas

em sua 5ª edição, tornam-na um instrumento analítico mais completo para a aferição

das relações econômicas “entre os países”. Isto se verificaria especialmente no que se

refere à identificação em separado dos componentes Serviços e Rendas na Conta

Corrente.

"Este tratamento fortalece o vínculo entre a conta renda e a conta financeira do balanço de pagamentos e entre os fluxos do balanço de pagamentos e os estoques de ativos e obrigações incluindo a posição internacional de investimento” (FMI, 1993, p. 3. Negrito no original).

Assim, na atual versão do Manual, a Conta Financeira está subdividida em

Investimentos Diretos, Investimentos em Carteira e Outros Investimentos

(empréstimos), e a Conta Rendas está correspondentemente subdividida em Rendas

de Investimentos Diretos, Rendas de Investimentos em Carteira e Rendas de Outros

Investimentos (juros). O que podemos verificar na prática é que, apesar de a atual

configuração do Balanço de Pagamentos explicitar melhor o vínculo entre a Conta

Financeira e a Conta Rendas, ainda deixa pouco explícitas as relações que se

estabelecem entre a Conta Financeira e vários itens da Conta Serviços, em especial os

que derivam da ação dos investimentos diretos (royalties e licenças, aluguel de

equipamentos, serviços empresariais, profissionais e técnicos etc). Isto sem levar em

consideração que vários destes itens são utilizados como vias de remessas de rendas

disfarçadas. Há outras relações que também não estão explícitas nas contas do

Balanço de Pagamentos, mas que aparecem já em um nível superficial de análise,

como o de alguns itens da Conta Serviços com a Balança Comercial, tais como fretes,

seguros, serviços relativos ao comércio etc.

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Por outro lado, há vínculos bem menos explícitos, que são aqueles entre as

Conta Financeira, a Conta Rendas e a Balança Comercial. O crescimento do

investimento estrangeiro direto implica em um peso crescente do comércio intra-firma.

Uma das implicações é a adoção das práticas dos preços de transferência

(subfaturamento ou superfaturamento das importações e exportações). Há ainda a

prática comum da administração tributária, na qual a empresa planeja a alocação dos

recursos, investimentos e modalidades de financiamento em função das possibilidades

de menores gastos tributários, aproveitando as diferenças nas legislações dos

diferentes países e os tratados internacionais. Também faz parte deste planejamento

tributário a escolha das filiais nacionais em que vale a pena registrar os lucros ou

prejuízos. Mesmo dentro da Conta Financeira, as diferentes modalidades de

financiamento das empresas são, até certo ponto, intercambiáveis entre si, ainda mais

quando se tratar da relação matriz-subsidiária. Esta escolha tem implicações sobre a

composição dos fluxos das contas Rendas e Serviços. A opção por efetuar aporte de

capital (investimento direto), reter lucros, levantar recursos através da emissão de

títulos no mercado de capitais ou realizar empréstimo bancário, implica que a forma e a

conta pelas quais se realizará a remessa de rendimentos correspondente diferirá

(lucros, juros de investimento em carteira, juros de empréstimo, pagamentos de

serviços de marcas e patentes, etc).

A inclusão dos empréstimos intercompanhia dentro da Conta Investimentos

Diretos constitui uma melhoria que nos permite enxergar com mais nitidez as relações

financeiras entre matriz e subsidiárias. As operações de crédito externo envolvendo

subsidiárias (...)

“[...] não são, a não ser por seu formato legal, facilmente distinguíveis das inversões de capital de risco. A semelhança com uma aplicação sob a forma de equity capital é evidente no caso de empréstimos entre matriz e subsidiária. Em ambos os casos, trata-se de uma mera transferência de fundos no interior da empresa multinacional, vale dizer, de mera realocação de recursos entre suas partes constituintes” (MALAN & GUIMARÃES, 1982, p. 10. Sublinhado no original).

Por outro lado, outras formas de financiamento entre partes relacionadas ainda

não podem ser visualizadas com tanta nitidez, mesmo na nova versão do Balanço de

Pagamentos. Segundo Malan e Guimarães:

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“[...] mesmo o endividamento de uma subsidiária estrangeira em face do sistema financeiro internacional pode, na verdade, ser colocado em contraponto a uma inversão da matriz na subsidiária sob a forma de equity capital, uma vez que, de certo modo, substitui um possível endividamento da matriz junto ao sistema financeiro internacional e uma subseqüente transferência de fundos da matriz para sua subsidiária no exterior“ (MALAN & GUIMARÃES, 1982, p. 10. Sublinhado no original).

A origem destes problemas está justamente na utilização do arcabouço

neoclássico e na visão de que as relações econômicas fundamentais nas transações

internacionais são estabelecidas “entre países”. Não pode, assim, captar corretamente,

as relações intra-firma que atravessam as fronteiras, nem a ação das empresas

estrangeiras no seio das economias nacionais.

Torna-se necessário, então, através da compreensão das relações que se

estabelecem entre as diversas contas (financeira, comercial, de rendas e de serviços),

buscar formar um quadro mais completo de como se expressa a dependência

econômica do Brasil no Balanço de Pagamentos, o que é dificultado pela forma como

são coletadas e expostas as informações. Entretanto, se estudadas através de uma

leitura sistêmica e integrada, as informações contidas no Balanço de Pagamentos

podem nos ajudar a compreender, em uma série de aspectos e até certo ponto, o grau

e as características da ação do capital estrangeiro sobre a economia brasileira.

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3.4. A Organização do Balanço de Pagamentos Brasile iro

Quadro 1. Estrutura do Balanço de Pagamentos brasil eiro

1 - Transações correntes

1.1 - Balança comercial

1.2 - Serviços

1.2.1 - Transportes

1.2.2 - Viagens internacionais

1.2.3 - Seguros

1.2.4 - Serviços governamentais

1.2.5 - Serviços financeiros

1.2.6 - Computação e informação

1.2.7 - Royalties e licenças

1.2.8 - Aluguel de equipamentos

1.2.9 - Serviços de comunicações

1.2.10 - Serviços de construção

1.2.11 - Serviços relativos ao comércio

1.2.12 - Serviços empresariais,

profissionais e técnicos

1.2.13 - Serviços pessoais, culturais e

recreação

1.2.14 - Serviços diversos

1.3 - Rendas

1.3.1 - Salário e ordenado

1.3.2 – Renda de Investimentos

1.3.2.1 – Renda de Investimento Direto

1.3.2.2 – Renda de Investimento em

Carteira

1.3.2.3 – Renda de Outros

Investimentos

1.4 - Transferências unilaterais correntes

2 - Conta de capital

3 - Conta financeira

3.1 - Investimento direto

3.1.1 – No exterior

3.1.1.1 – Participação no capital

3.1.1.2 – Empréstimos intercompanhias

3.1.2 – No Brasil

3.1.2.1 – Participação no capital

3.1.2.2 – Empréstimos intercompanhias

3.2 - Investimento em carteira

3.2.1 - Investimento brasileiro em carteira

3.2.1.1 – Ações de companhias estrangeiras

3.2.1.2 – Títulos de renda fixa

3.2.2 - Investimento estrangeiro em carteira

3.2.2.1 – Ações de companhias brasileiras

3.2.2.2 – Títulos de renda fixa

3.3 - Derivativos

3.4 - Outros investimentos

3.4.1 - Outros investimentos brasileiros

3.4.1.1 – Empréstimos e financiamentos

3.4.1.2 – Moeda e depósito

3.4.1.3 – Outros ativos

3.4.2 - Outros investimentos estrangeiros

3.4.2.1 – Crédito comercial – fornecedores

3.4.2.2 – Empréstimos e financiamentos

3.4.2.3 – Moeda e depósito

3.4.2.4 – Outros passivos

4 - Erros e omissões

5 - Haveres da autoridade monetária

Fonte: Banco Central do Brasil

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O Balanço de Pagamentos brasileiro42 divide-se principalmente em duas grandes

contas: a Conta Corrente (ou Transações Correntes) e a Conta Capital e Financeira .

Há ainda outras duas contas, denominadas Erros e Omissões e Haveres da

Autoridade Monetária.

A Conta Corrente subdivide-se em Balança Comercial , Rendas , Serviços e

Transferências Correntes . A Balança Comercial registra as exportações (FOB) e as

importações (FOB).

Em Rendas registram-se as entradas e saídas de lucros, juros e salários e

ordenados. Os lucros e os juros correspondem às rendas obtidas com investimentos

diretos, em carteira ou de outros investimentos, como empréstimos. Em salários e

ordenados registram-se as receitas decorrentes do recebimento de salários por serviços

prestados a não residentes e as despesas relativas ao pagamento de salários a não-

residentes por serviços prestados no país. Inclui honorários de membros de conselhos

consultivos.

Em Serviços contabilizam-se os recebimentos e pagamentos de transportes

(fretes), viagens (cobre bens e serviços adquiridos por viajantes não-residentes no país

hospede e de residentes no exterior), serviços de comunicação (correios, serviços de

telecomunicações...), serviços de construção, seguros, serviços financeiros

(intermediação financeira, etc.), serviços de computação e informações, royalties e

licenças, corretagens e relativos ao comércio, aluguel de equipamentos, comerciais

variados, profissionais e técnicos, pessoais, culturais e recreacionais e serviços

governamentais.

As Transferências Correntes são transações em que não há contrapartida por

parte do beneficiário. Incluem-se as contribuições a entidades de classe, a entidades

associativas e a organismos internacionais, bilhetes e prêmios de loterias oficiais,

impostos, taxas, indenizações não amparadas por seguros, aposentadorias, pensões e

reparações de guerra. Inclui, também, as transferências efetuadas por migrantes

(remessas de trabalhadores), doações, heranças, vales e reembolsos postais e prêmios

auferidos em competições. Estão excluídas desta conta as transferências que envolvam

(i) mudança de propriedade de ativos fixos; (ii) transferência de fundos vinculados ou

42 São utilizadas neste trecho as definições presentes na página na Internet do Banco Central do Brasil e na 5ª Edição do Manual de Balanço de Pagamentos do FMI.

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condicionados pela aquisição ou alienação de ativos fixos e (iii) perdão de obrigações

por credores. Estas estão reunidas na Conta Capital e Financeira do balanço de

pagamentos.

A Conta Capital e Financeira apresenta uma subdivisão principal entre Conta

Capital e Conta Financeira . A Conta Capital registra as transferências de capital e

aquisição/alienação de bens financeiros não produzidos, que são relacionados com a

cessão de marcas e patentes. A Conta Financeira , por sua vez, subdivide-se em

Investimentos Diretos , Investimentos em Carteira , Derivativos e Outros

Investimentos .

O Investimento Direto é aquele que reflete o interesse duradouro de uma

entidade residente em uma economia (investidor direto) em uma entidade residente em

outra economia (empresa de investimento direto), assim como um significativo grau de

influência na direção da empresa43. O conceito de Investimento Direto cobre todas as

transações entre os investidores diretos e as empresas de investimento direto,

envolvendo a transação inicial entre os dois e todas as transações subseqüentes entre

eles e entre empresas afiliadas. As transações de investimento direto no estrangeiro

são classificadas como participação no capital, lucros reinvestidos e outros capitais

(empréstimos intercompanhia).

O item Investimento em Carteira registra as transações em ações e títulos de

dívidas. Divide-se em Investimento Brasileiro em Carteira e Investimento

Estrangeiro em Carteira . O Investimento Brasileiro em Carteira refere-se às

aplicações em títulos estrangeiros nas modalidades de ações de companhias

estrangeiras (renda variável), negociados no país (BDR) ou no exterior e títulos de

renda fixa (curto e longo prazos). O Investimento Estrangeiro em Carteira refere-se

às aplicações estrangeiras em títulos brasileiros, na forma de ações (renda variável) ou

títulos de renda fixa (curto e longo prazos), negociados no país ou no exterior.

43 Em termos quantitativos, o Manual de Balanço de Pagamentos define como investimento direto a aquisição de 10% ou mais de ações ordinárias ou do total de votos. No caso brasileiro existem normativos diferenciados para os investimentos em carteira e diretos, que atendem de forma eficiente ao conceito de participação efetiva na empresa, apesar de não mencionar o limite de 10%. (Notas explicativas do Banco Central do Brasil).

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O item Derivativos registra os fluxos financeiros relativos à liquidação de

haveres e obrigações decorrentes de operações de swap, opções e futuros e os fluxos

relativos aos prêmios de opções. Não inclui os fluxos de depósitos de margens de

garantia vinculados às operações em bolsas de futuros, alocados em outros

investimentos de curto prazo.

Em Outros Investimentos estão os créditos comerciais de curto e longo prazos,

empréstimos e financiamentos, incluindo os créditos e empréstimos do FMI, moeda e

depósito e outros ativos e passivos de curto e longo prazos.

O total líquido do Balanço de Pagamentos deveria ser, teoricamente, zero.

Entretanto, na prática ocorrem falhas nas informações das fontes utilizadas. A conta

Erros e Omissões registra o lançamento de partidas equilibradoras para o

balanceamento das contas do Balanço de Pagamentos, visando compensar toda sobre-

estimação ou subestimação dos componentes registrados. A magnitude da partida

equilibradora não é necessariamente um indício da exatidão geral do balanço, uma vez

que falhas de compilação podem ser compensadas dentro do mesmo período.

Os Haveres da Autoridade Monetária são os ativos que estão disponíveis e

são controlados pelas autoridades monetárias para o financiamento direto de

desequilíbrios de pagamentos, para regulação indireta da magnitude destes

desequilíbrios através da intervenção nos mercados de câmbio para afetar a taxa de

câmbio da moeda, e/ou para outros propósitos. Um sinal negativo indica aumento nos

haveres. Nesta conta estão o ouro monetário, os direitos especiais de saque, os ativos

em moeda estrangeira (moeda, depósitos, seguros) e outros direitos.

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Capítulo 4 – A inserção brasileira no sistema mundi al

4.1 - Histórico

O Brasil faz parte do que é conhecido como a periferia do sistema econômico

mundial. Desde o século XVI o Brasil foi inserido na economia mundial, através da

colonização européia, como um elo subordinado da cadeia mercantil. Os períodos do

pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro, da borracha e do café foram fases diferentes de

um processo histórico em que funcionaram diversas formas de extração do excedente,

seja através do saque, da troca desigual, da tributação e/ou do mecanismo das dívidas,

sob o domínio do capital europeu, primeiramente do mercantil e posteriormente do

industrial e do financeiro.

A passagem da situação colonial para a situação de dependência está ligada

umbilicalmente à ascensão da grande indústria na Europa, em meados do século XIX.

A partir deste período, com a consolidação de uma nova divisão internacional do

trabalho, dinamizada pelas necessidades da produção e dos mercados internos dos

países centrais, é que a América Latina passa a cumprir o papel de exportadora de

matérias-primas e alimentos para abastecer a indústria européia.

A abertura unilateral da economia inglesa para a importação de bens primários

de todo o mundo estava de acordo com o “interesse desse país em se transformar em

uma grande fábrica” (FURTADO 1970, p. 55). A política de livre câmbio levou a

Inglaterra a reduzir suas atividades agrícolas e a ver seus capitais favorecerem-se

inteiramente da queda de preços das matérias-primas e de gêneros alimentícios

ocasionada pela chegada da produção de outros lugares e pela redução dos custos de

transporte.

O papel desempenhado pelas economias dependentes latino-americanas dentro

da divisão internacional do trabalho surgida com a industrialização européia foi de

grande importância. As economias centrais necessitavam de uma grande oferta de

alimentos e de matérias-primas baratas para que pudessem aprofundar sua

industrialização. Esta função de exportadora de alimentos e matérias-primas para a

indústria foi complementada por outra: a de importadora de bens de consumo

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industriais, transformando as economias internas dos países periféricos em mercados

consumidores dos produtos europeus.

Esta divisão internacional do trabalho levava à transferência de excedentes aos

países centrais, principalmente através dos mecanismos da troca desigual e do

endividamento externo. Aqui a troca desigual é a do tipo que tem efeito entre os países

que intercambiam distintos tipos de mercadorias, como bens industrializados e bens

primários. Este processo permite que os produtores dos países industrializados vendam

seus produtos por um preço acima de seu valor, ao não transferirem para os preços

uma parte dos ganhos de produtividade nestas economias. Opera também a troca

desigual que ocorre entre segmentos com distintas composições orgânicas de capital,

através da formação dos preços de produção. Com isso, os ramos com menor

composição orgânica de capital (produtores de bens primários) transferem parte do

valor produzido para àqueles com maior composição orgânica (produtores de bens

industriais). Estes mecanismos levam a transferências gratuitas de parte do valor

produzido nos países produtores de bens primários.

Em relação ao mecanismo das dívidas, como bem o demonstra Marini, até

meados do século XIX,

“[...] as exportações latino-americanas estão estagnadas e a balança comercial latino-americana é deficitária; os empréstimos externos se destinam a sustentar a capacidade de importação. Ao aumentar as exportações e, sobretudo, a partir do momento em que o comércio exterior começa a produzir saldos positivos, o papel da dívida externa passa a ser o de transferir para a metrópole parte do excedente obtido na América Latina. O caso do Brasil é revelador: a partir da década de 1860, quando os saldos da balança comercial se tornam cada vez mais importantes, o serviço da dívida externa aumenta: de 50% sobre esse saldo nos anos 60, para 99% na década seguinte. Entre 1902-1913, enquanto o valor das exportações aumenta em 79,6%, a dívida externa brasileira o faz em 144,6% e representa, em 1913, 60% do gasto público total” (MARINI, 2000b, p. 108).

Caio Prado Júnior acrescenta, ainda, entre os compromissos ascendentes que o

Brasil precisava fazer frente com a utilização dos saldos da balança comercial, o

pagamento de dividendos e lucros comerciais das empresas estrangeiras operando no

Brasil e as remessas de dinheiro feitas pelos imigrantes a seus países de origem.

(PRADO JÚNIOR, 1969, p. 209).

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O papel de comando exercido pelos capitais dos países centrais permite,

também, utilizar outros mecanismos de extração de excedente, não vinculados

diretamente ao funcionamento do mercado, como a pressão diplomática e militar e a

interferência nas políticas internas dos países periféricos. Estes mecanismos extra-

econômicos só podem ser levados a cabo porque existe uma base econômica por trás

que os torna possíveis.

“Não é porque se cometeram abusos contra nações não industriais que estas se tornaram economicamente fracas, é porque eram fracas que se abusou delas” (MARINI, 2000b, p. 118).

Esta fase das economias latino-americanas foi chamada pela CEPAL de

“desenvolvimento voltado para fora”. Nesta modalidade, os ciclos econômicos dos

países centrais têm influência direta na dinâmica da economia dos países periféricos.

Nos períodos de prosperidade consumo produtivo de matérias-primas cresce mais do

que proporcionalmente em relação ao capital investido. O consumo individual dos

trabalhadores também aumenta nestas fases. A elevação das exportações de bens

primários gera as divisas necessárias para as importações de bens de consumo

industriais e para o pagamento dos compromissos relativos à dívida externa.

Por outro lado, nas fases recessivas, há uma queda abrupta do consumo

produtivo de matérias-primas por parte dos mercados internos dos países centrais. Com

isto, ocorre uma diminuição tanto nas exportações para os países industrializados

quanto nos preços dos produtos primários exportados, levando à falta de divisas

internacionais com as quais se realizam as importações e os pagamentos da dívida

externa, conseqüentemente, a uma crise nos países primário-exportadores. Nestes

períodos é que se davam as maiores expansões da dívida externa.

A economia brasileira, até a década de 30, tinha uma configuração

fundamentalmente agrária-exportadora. Um produto, o café, representava, no final da

década de 20, 71% das exportações. Havia uma economia interna pequena e as

mercadorias consumidas eram, em grande parte, importadas. O investimento

estrangeiro se concentrava basicamente em serviços urbanos e no comércio exterior.

O papel que a economia brasileira cumpria na divisão mundial do trabalho era o

de fornecedor de bens primários (café, borracha, cacau, algodão...) e comprador de

bens industrializados. A nação hegemônica, naquele período, o Reino Unido, tinha uma

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economia relativamente aberta, com uma grande pauta de importações e de

exportações.

As conjunturas estabelecidas entre as 2 grandes guerras, passando pela grande

depressão de 1929, enfraqueceram por um certo tempo os laços de dependência,

permitindo que algumas economias nacionais apresentassem algum grau de

desenvolvimento industrial autônomo. As condições internacionais estabelecidas na

época criaram obstáculos ao modelo de "desenvolvimento voltado para fora" e

deslocaram o eixo do processo de acumulação para a industrialização.

As guerras na Europa e no Pacífico dificultaram as importações e reduziram o

comércio internacional. A crise de 1929 fez cair abruptamente as exportações

brasileiras e, ao não permitir que o déficit externo fosse coberto com novos

empréstimos internacionais, levou a uma profunda crise externa e impulsionou o

processo de substituição de importações44 que posteriormente foi teorizado e se

constituiu no modelo de industrialização conscientemente adotado no Brasil.

Disseminava-se, então, entre setores da classe capitalista brasileira, a idéia da

possibilidade de um projeto de desenvolvimento capitalista com alto grau de autonomia.

Após a 2ª Grande Guerra, a economia mundial saiu do longo período de crise

que se iniciara na segunda década do século XX, agora sob a hegemonia dos EUA,

que emergiram como a grande potência industrial do planeta. À recuperação econômica

do imediato pós-guerra seguiu-se uma onda de exportação de capitais comandada

pelas grandes corporações multinacionais.

Estas características nos remetem ao conceito de imperialismo. A fase

imperialista do capitalismo surgiu da substituição da livre concorrência pelos

monopólios capitalistas. Tem como um dos traços característicos principais a existência

do capital financeiro (fusão do capital bancário com o capital industrial) (LÊNIN, 1979, p

641). Os grandes conglomerados financeiros, surgidos do próprio processo de

44 A substituição de importações é um processo impulsionado por restrições externas, que tem como efeito a dinamização, crescimento e diversificação da atividade produtiva industrial. Seu significado não é o da simples substituição de produtos anteriormente importados. De acordo com Tavares, “[...] o processo de substituição não visa diminuir o quantum de importação global; essa diminuição, quando ocorre, é imposta pelas restrições do setor externo e não desejada. Dessas restrições (absolutas ou relativas) decorre a necessidade de produzir internamente alguns bens que antes se importavam. Por outro lado, no lugar desses bens substituídos aparecem outros e à medida que o processo avança isso acarreta um aumento da demanda derivada por importações (de produtos intermediários e bens de capital) que pode resultar de uma maior dependência do exterior, em comparação com as primeiras fases do processo de substituição”. (TAVARES, 1973, p. 39)

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concentração e centralização do capital nos países centrais, passam a influenciar suas

economias nacionais como um todo, estendendo esta influência internacionalmente.

Nesta fase, ocorre a formação de grandes excedentes de capitais nos países industriais

mais adiantados que precisam ser exportados. Assim, a exportação de capitais,

diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância

particularmente grande (LÊNIN, 1979, p 642).

Na Europa e nos EUA, o capital financeiro se tornou predominante no final do

século XIX e início do século XX, como fruto de um processo histórico de crescente

articulação entre o capital bancário e o capital industrial e de concentração e

centralização de capital no interior destas economias. Na América Latina, ao contrário,

o capital financeiro e o monopólio foram introduzidos através da exportação de capitais

desde os países centrais. Assim, o comando sobre este capital não está principalmente

dentro das fronteiras dos países em questão, mas emana dos centros capitalistas

desenvolvidos. As empresas multinacionais se tornaram a principal forma de

penetração do capital financeiro e monopolista nos países periféricos. Os monopólios

passaram a ditar os padrões produtivos, tecnológicos e de consumo nas sociedades em

que se inseriu.

As empresas multinacionais têm suas planificações elaboradas no nível mundial,

sua cadeia produtiva atravessa as fronteiras entre os países, mas suas sedes estão

localizadas nos países centrais, para onde são remetidos seus lucros e em cujas

moedas fortes eles têm que ser expressos. Ao investir em um país dependente, o faz

segundo seu plano de negócios geral, com o intuito de se aproveitar das vantagens de

custo de determinado país, por um lado, e/ou de obter lucros no mercado interno deste,

por outro. Os ganhos que obtém nestes processos devem, em algum momento, retornar

à matriz para serem reinvestidos ou distribuídos aos acionistas.

No pós guerra, principalmente a partir dos anos 50, houve uma mudança no

padrão de industrialização latino-americano, condicionado pela etapa de fortes

exportações de capital tanto da Europa quanto dos EUA, sob a nova ordem financeira

internacional estabelecida em Bretton-Woods. A aceleração do ritmo do progresso

técnico, com a renovação do parque produtivo do período de reconstrução européia e

japonesa, fez com que se necessitasse passar a exportar as máquinas e equipamentos

industriais que ainda não estavam completamente amortizados, mas que já haviam se

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tornado obsoletos em seus países de origem. Além disso, tendo em vista que era

preciso obter escala para a indústria de bens de capital nos países desenvolvidos,

procurou-se estimular a industrialização periférica.

Por outro lado, o processo de industrialização por substituição de importações na

América Latina recebia impulso das restrições externas (absolutas ou relativas), que

levavam à necessidade de novas substituições de produtos que antes eram

importados45. Para isto tornava-se necessária a obtenção de recursos para importar

máquinas, equipamentos e bens intermediários que viabilizassem o aprofundamento da

industrialização. O caminho adotado para lidar com esta limitação foi justamente o

apelo ao capital estrangeiro, seja através do investimento direto, seja através de

empréstimos internacionais.

Estabeleceram-se, neste período, as bases para uma dependência de novo tipo,

baseada nas corporações multinacionais, que passaram a investir em indústrias

voltadas para os mercados internos dos países subdesenvolvidos.

"A industrialização latino-americana corresponde assim a uma nova divisão internacional do trabalho, em cujo âmbito se transferem aos países dependentes etapas inferiores da produção industrial [...] reservando-se para os centros imperialistas as etapas mais avançadas [...] e o monopólio da tecnologia correspondente" (MARINI, 2000b, p. 145).

Ou seja, o processo de industrialização da América Latina não superou o

intercâmbio desigual. Se, antes, a divisão internacional do trabalho reservava para os

países ou regiões periféricas as atividades primárias e aos centrais as atividades

industriais, a industrialização periférica se fez nas atividades que já não eram as mais

importantes na divisão internacional do trabalho. Ademais, a industrialização com forte

presença do capital estrangeiro também entronizou a troca desigual. As atividades

centrais e com maior composição orgânica da cadeia de mercadorias passaram a ser

controladas pelas empresas multinacionais. E nos ramos em que encontraram

concorrentes nacionais, as empresas estrangeiras são as com maiores níveis de

produtividade, beneficiando-se da transferência de valor intra-industrial46.

45 Ver nota de rodapé 44. 46 As diferentes modalidades de troca desigual estão descritas na última parte do capítulo 1.

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Com o aumento da importância dos investimentos estrangeiros diretos, o capital

estrangeiro passou a ter também um grande peso na exploração direta da mais-valia

dos trabalhadores latino-americanos, tendo comando sobre processos produtivos

internos. Isto significou que o capital estrangeiro passou a ser cada vez mais

beneficiário de cotas de lucro auferidos diretamente por suas empresas instaladas

dentro das fronteiras nacionais, o que, naturalmente implicou em remessas crescentes

de rendimentos, não só sob a forma de lucro, mas também na forma de royalties,

assistência técnica, preços de transferência, juros de empréstimos inter-companhia, etc.

Esta importância adquirida pelos investimentos estrangeiros diretos se refletiu no

conseqüente no aumento da influência das empresas multinacionais nas decisões

econômicas internas, no aprofundamento da dependência tecnológica, etc. A dívida

externa, por sua vez, ganhou nova feição a partir das características e da dimensão

adquiridas pelo investimento estrangeiro direto, com as empresas multinacionais

participando direta e indiretamente em parcela cada vez maior dos empréstimos e

financiamentos externos, o que é fortalecido pelo fato de possuírem acesso privilegiado

às fontes de crédito internacionais.

A possibilidade de um desenvolvimento capitalista autônomo esbarrou, então,

nas limitações criadas em uma fase histórica do capitalismo hegemonizada pelas

grandes corporações multinacionais e sob a égide dos Estados nacionais mais fortes,

principalmente os EUA, que têm em suas mãos as principais alavancas do poder, tanto

no terreno econômico, como no tecnológico, político e militar. Conformou-se uma

industrialização periférica, articulada de forma subordinada com o movimento

expansionista das empresas multinacionais e com a dinâmica econômica e política dos

países centrais.

4.2 – Fases do desenvolvimento capitalista dependen te brasileiro

Pode-se dividir o desenvolvimento capitalista dependente brasileiro ao longo do

século XX em quatro fases distintas, correspondentes, em linhas gerais, às mudanças

importantes na organização da economia mundial: 1) o período da economia

exportadora, que durou até 1930, fase denominada de “desenvolvimento voltado para

fora” pela CEPAL; 2) o início do processo de industrialização, que correspondeu ao

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período de desorganização do capitalismo internacional fruto das duas grandes guerras

e da crise de 1929; 3) A industrialização com forte presença do investimento direto

estrangeiro, correspondente à fase de retomada da economia mundial já sob

hegemonia dos EUA, principalmente a partir dos anos 50, até 1980, quando ocorre a

crise da dívida e; 4) a fase atual, iniciada a princípio dos anos 80, sob as condições

estabelecidas pelo que se convencionou chamar de “globalização”, caracterizada pela

crise do modelo de desenvolvimento anterior e pela implementação das políticas

neoliberais de abertura comercial, liberalização das movimentações de capitais,

privatizações, desnacionalização e desregulamentação econômica.

Os movimentos de ciclos econômicos que ocorrem durante estas fases adquirem

características diferentes que surgem a partir das relações distintas que os elementos

internos estabelecem entre si e com os elementos externos. Entre essas 4 fases, as

relações de dependência se transformaram. Em 1930 a dinâmica interna da economia

era diretamente influenciada pelos ciclos econômicos dos países centrais através,

fundamentalmente, da balança comercial. Posteriormente, a produção doméstica

passou a ser em grande parte para atender o mercado interno e as relações comerciais

com o exterior passaram a ter um caráter complementar. Ao mesmo tempo, o capital

estrangeiro foi passando a ter uma influência muito maior desde dentro da economia. A

influência dos ciclos econômicos externos passou a ser exercida de forma mais

complexa, atuando principalmente como um fator interno da economia brasileira e não

simplesmente como estímulo externo (MARINI, 1977). Ou seja, as distintas

características estruturais dos diversos períodos históricos expressam-se, no Balanço

de Pagamentos, também nas diferentes formas em que se relacionam os ciclos

econômicos externos e internos.

Na primeira fase (até 1930), a influência externa na economia nacional ocorria

fundamentalmente através do comércio exterior e a presença do capital estrangeiro se

expressava principalmente através do mecanismo da dívida externa e,

secundariamente pelo investimento direto ligado à infra-estrutura e serviços urbanos e

ao setor exportador. As exportações de produtos agrícolas, em especial o café, eram as

principais fontes de divisas para o financiamento das importações, para o

reinvestimento e para o pagamento dos compromissos da dívida externa. Quando havia

fortes quedas nas exportações, que levavam à ocorrência de déficits comerciais, isto

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atingia a economia interna com a diminuição das importações, a queda da arrecadação

do Tesouro, cuja principal fonte de receita era o imposto de importação, e a dificuldade

de pagamento dos compromissos com a dívida externa. Para fazer frente a essas

dificuldades, tornaram-se necessários mais empréstimos externos e seus conseqüentes

programas recessivos de ajuste, acordados com os credores internacionais. Entre os

empréstimos realizados nesta fase, destacam-se os dois funding-loans47, em 1898 e

1914, (...)

“[...] que nos colocaram em posição humilhante perante nossos credores, especialmente junto à Casa Rotschild, com quem o Governo negociou moratórias. Os banqueiros procuraram assegurar seus empréstimos, no princípio, com a garantia das rendas alfandegárias, depois, quando se tornaram atraentes, exigiam o penhor, também, do imposto de consumo e do selo (primeiro empréstimo em dólares em 1921) e até mesmo do imposto de renda, instituído em 1924, como ocorreu com os empréstimos contratados em 1927.” (FURTADO, Milton Braga, 1983, p. 149)

A segunda fase, a partir de 1930 está inserida num período de transição mais

amplo, caracterizado pela crise da hegemonia britânica na economia mundial e a

ascensão da hegemonia dos EUA. Este período de transição envolveu as duas grandes

guerras e a crise de 1929. Foi justamente depois do fim da primeira grande guerra, em

1921, que foi realizado o primeiro empréstimo em dólares para o Brasil. Esta mudança

de hegemonia não se deu só no nível do mercado, mas também no nível do

investimento externo, que registrou a substituição dos antigos investimentos em

carteira, preferidos pela Inglaterra, em proveito dos investimentos diretos, propiciados

pelos EUA (MARINI, 1977).

O ano de 1930 foi um marco da virada para o que foi chamado pelos cepalinos

de “desenvolvimento voltado para dentro” da economia brasileira, com o início do

processo de industrialização por substituição de importações e a mudança do eixo da

economia da agricultura de exportação para a indústria voltada para o mercado interno.

Esta mudança não ocorreu de forma consciente e planejada. Ao contrário, ela foi fruto

tanto da crise estrutural do sistema econômico vigente até então e da crise que viveu a

47 “Funding loan ou empréstimo consolidado é a conversão de obrigações de curto prazo em obrigações de prazo mais longo, em condições especiais de pagamento”. (FURTADO, Milton Braga, 1983, p. 149)

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economia mundial com o advento da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em

1929, como das respostas que o governo deu à esta situação concreta.

A combinação da queda brusca das receitas de exportações com a diminuição

do fluxo de capitais estrangeiros fez com que diminuísse drasticamente a capacidade

de importação, de pagamento dos compromissos com a dívida externa e de remessa de

lucros e dividendos ao exterior. Estes fatores, combinados com a política

governamental de controle de câmbio visando racionar os gastos com importação,

evitar a fuga de capitais e impedir a especulação cambial (FURTADO, Milton Braga,

1983) e de sustentação da renda do setor cafeeiro, através da compra e destruição dos

excedentes de produção, implicaram, na prática, em uma forte proteção à produção

industrial interna e no impulsionamento do processo de industrialização baseado na

substituição de importações.

Este processo não ocorreu de forma suave, mas através de crises e respostas a

estas crises. Houve uma retração da economia entre 1929 e 1932, sendo que em 1931,

pior ano da recessão, ocorreu a suspensão dos pagamentos da dívida externa e a

adoção do controle de câmbio, como reflexo da escassez de divisas. No período entre

1934 e 1937 houve uma forte recuperação, com a economia crescendo 6,5% ao ano,

mesmo levando em conta as dificuldades cambiais. Em 1937 e 1938, com o advento de

recessão nos EUA, a diminuição da entrada de capitais estrangeiros levou a uma nova

suspensão do pagamento da dívida externa, até 1940. A taxa de crescimento do PIB

caiu a 3,5% ao ano em 1937-39, atingiu 0,4% ao ano em 1939-42, e só recuperou-se

no período de 1942-45 (ABREU, 1992). Nos últimos anos da guerra, o Brasil acumulou

reservas cambiais devido ao crescimento das exportações, à escassez de importações

e à volta da entrada de capitais privados dos EUA.

A evolução da situação a partir deste período levou a que, progressivamente,

fosse se constituindo uma dinâmica de ciclos industriais próprios na economia

brasileira, ou seja, ciclos determinados em grande parte pelos elementos constituídos

internamente e com relações cada vez mais complexas com as variações cíclicas

externas. Este processo irá se aprofundar na fase seguinte, na qual a industrialização

por substituição de importações atingirá os setores de bens de consumo durável, bens

intermediários e bens de capital.

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Devem ainda ser ressaltados dois elementos mais a respeito da fase que vai de

1930 a 1945. Um deles é a mudança do papel do Estado, que passou a ser cada vez

mais ativo na economia. O outro elemento é o fato de que no crescimento econômico

doméstico e no processo de industrialização por substituição de importações nesta

fase, o capital estrangeiro não teve participação decisiva.

A terceira fase, iniciada no pós-guerra, teve como característica a consolidação

da hegemonia internacional pelos EUA. No Brasil, a presença das empresas norte-

americanas e a influência política dos EUA já vinham crescendo, em detrimento da

Inglaterra, desde as primeiras décadas do século XX. Nesta fase, a industrialização foi

impulsionada de forma decisiva pelos investimentos estrangeiros diretos. Estes

passaram a figurar, ao lado dos empréstimos externos, como a forma mais importante

de penetração do capital estrangeiro no Brasil. Este processo que já vinha de uma

dinâmica de crescimento, ganhou seu principal impulso a partir de meados da década

de 50.

A reestruturação da economia brasileira a partir dos anos 50 baseou-se

fortemente na intervenção estatal, principalmente por intermédio de empresas estatais,

em setores chaves da economia tais como bancário, siderurgia, mineração, produção,

refino e distribuição de petróleo, telecomunicações, transportes, geração e distribuição

de eletricidade. O Estado também cumpriu papel importante na construção de infra-

estrutura para as empresas, e no financiamento de muitos projetos.

O outro sustentáculo fundamental desta fase da industrialização brasileira foi a

empresa transnacional, que se implantou nos setores mais dinâmicos da indústria de

transformação, tais como as indústrias de bens de consumo duráveis, química,

mecânica, metalurgia, entre outras, a partir das condições criadas pela intervenção

estatal, e no marco de uma conjuntura de ampliação dos investimentos externos

produtivos em nível internacional nos anos 50.

A empresa de capital nacional completava este quadro como sócia menor e

complementar à empresa transnacional ou ao Estado. Conformou-se então um projeto

de desenvolvimento industrial dependente, baseado no tripé, empresa estatal,

multinacional e de capital nacional.

O processo de industrialização brasileiro foi dinâmico e levou o país a obter altos

índices de crescimento econômico durante 50 anos, com pequenos períodos de baixa.

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Entre 1930 e 1980, a economia brasileira foi a que mais cresceu no planeta. No pós-

guerra, os períodos de crescimento mais acelerado também foram aqueles de maior

integração do país ao movimento internacional de capitais. Neste período, o setor

externo perdeu importância enquanto determinante do nível da renda nacional. Por

outro lado,

“[...] o setor externo tornou-se mais importante para a geração de divisas estrangeiras que eram necessárias para a importação de bens de capital e tecnologias associadas com um estágio mais avançado de industrialização”. (GONÇALVES, 1996)

A dinâmica do Balanço de Pagamentos nesta terceira fase também obedeceu a

um padrão cíclico, seguindo a dinâmica da economia brasileira, combinada com as

flutuações na economia mundial. Houve dois períodos principais de forte expansão da

economia (1955-62 e 1968-73), intercalados por um período recessivo (1962-67). A

partir de 1974, apesar de a economia seguir crescendo, nota-se claramente uma

redução de ritmo.

Dos Santos (1994) identificou três importantes etapas de entrada de capitais no

Brasil nesta fase, intercalados por períodos de crises. Na primeira etapa, entre 1945 e

1950, o capital estrangeiro que foi em sua quase totalidade norte-americano e instalou-

se, principalmente nos setores de montagem e finalização de produtos.

A segunda etapa ocorreu na segunda metade da década de 50, durante a

aplicação do Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitshek. Cerca de 44% dos

investimentos previstos para execução do Plano estavam destinados à importação de

bens e serviços, o que tornou-o dependente de investimentos estrangeiros (FURTADO,

Milton Braga, 1983).

“Assim, passou o país a absorver maiores investimentos do exterior, tanto sob a forma de capital de risco – com a entrada de máquinas e equipamentos sem cobertura cambial, bem como tecnologia – como de empréstimos, a maior parte destes concedidos pelo Export-Import Bank dos Estados Unidos e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)”. (FURTADO, Milton Braga, 1983, p. 169)

Houve um grande crescimento dos investimentos diretos nesse período, tendo

sido introduzidos novos ramos de produção sob domínio quase completo do capital

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estrangeiro, como nos setores das indústrias automobilística, química, mecânica e

metalurgia pesada e leve.

No terceiro, ocorrido entre 1967 e 1973, o capital estrangeiro (...)

“[...] dirigiu-se fundamentalmente ao capital de giro das empresas, porque o grosso das novas inversões utilizou uma enorme capacidade instalada, subutilizada no período da crise. Ao mesmo tempo, a criação de um clima de otimismo capitalista e a organização de um mercado de capitais aberto ao capital estrangeiro altamente especulativo permitiu uma forte “entrada” de capitais sob a forma de compras de papéis ou ações que se apresentavam como gigantescos projetos de inversão” (DOS SANTOS, 1994, p. 78).

Nesta fase, podemos ainda identificar uma quarta etapa de forte crescimento da

entrada de capitais estrangeiros, que vai de 1974 a 1980, correspondendo ao 2º Plano

Nacional de Desenvolvimento. Caracterizou-se pela grande entrada de capitais através

dos empréstimos internacionais, que ampliou consideravelmente a dívida externa.

Esses empréstimos ocorreram em um momento de forte abundância de liquidez

internacional fruto do processo de reciclagem dos “petrodólares” e foram feitos à taxas

flutuantes. Este período terminou com a forte subida dos juros internacionais,

patrocinada pelo Federal Reserve dos EUA, o que levou á ocorrência da chamada

“crise da dívida”, que se prolongou pelos anos 80 até o início dos anos 90.

Com isso, inicia a que é considerada neste trabalho a quarta fase, caracterizada

pelo baixo crescimento econômico e por grandes mudanças nas relações entre o

capital estrangeiro e a economia brasileira. O enorme passivo externo acumulado no

processo de internacionalização da economia havia deixado o país vulnerável. A subida

nas taxas de juros internacionais no início dos anos 80 e o posterior fechamento dos

mercados de capitais em relação ao Brasil após a moratória mexicana de 1982,

bloquearam a antiga via de financiamento do crescimento e da industrialização. O

sentido dos fluxos financeiros se inverteu e a economia doméstica teve que produzir

enormes superávits comerciais na tentativa de equilibrar o balanço de pagamentos. A

década de 80 se tornou conhecida como a década perdida, com os menores índices de

crescimento do século XX até então, chegando a ter decréscimo econômico em 1981,

1983 e 1988.

Os fluxos de capitais voltaram nos anos 90, mas já sob novas perspectivas.

Nesta década ocorreu uma profunda reestruturação da economia, a partir da aplicação

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dos planos de ajuste neoliberais, de abertura comercial e liberalização de

movimentação de capitais, privatizações, desnacionalização e desregulamentação

econômica. Na última década do século XX, houve um crescimento no ingresso de

capitais estrangeiros de todos os tipos. A economia brasileira foi capturada por novos

movimentos expansivos do capitalismo internacional. Na primeira metade da década

houve um grande aumento dos investimentos em carteira, movimento que deu um salto

com a conversão de parte da dívida externa pública em títulos, no marco do Plano

Brady. Na segunda metade da década, observou-se uma diminuição dos ingressos de

investimentos em carteira (como resultado de uma série de crises financeiras

internacionais e da vulnerabilidade econômica interna), e um aumento considerável dos

investimentos estrangeiros diretos, em níveis muito acima de qualquer época histórica

anterior. Entretanto, desta vez, estes investimentos diretos vieram predominantemente

para adquirir empresas já existentes, criando pouca nova capacidade produtiva. Ao final

da década, após um processo de fuga de capitais, o governo voltou a solicitar

empréstimos do FMI, elevando mais ainda a dívida externa.

Com isso, o componente multinacional passou a ter uma clara preponderância

na economia brasileira. Este movimento significou o aprofundamento da dependência e

da atuação de todos os mecanismos antes descritos de extração de excedente

econômico. Hoje o capital internacional tem papel predominante em praticamente todos

os principais ramos industriais e de serviços e participação minoritária importante em

vários outros.

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Capítulo 5 – Análise histórico-empírica: a dependên cia e o balanço de

pagamentos brasileiro (1947-2000)

De acordo com o visto no Capítulo 1, a dependência significa uma situação em

que as economias de certos países são condicionadas pelo desenvolvimento e

expansão de outras economias às quais estão submetidas. Nessa situação, as relações

de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a

reprodução ampliada da dependência. (MARINI, 2000b).

Segundo o discutido no capítulo 2, a livre movimentação de mercadorias e

capitais não leva à maior equidade, crescimento e convergência internacionais,

conforme pregam as teorias neoclássicas. Pelo contrário, a integração da economia

mundial sob o comando do capital tem levado a um aprofundamento do

desenvolvimento desigual e obstaculizado o crescimento de longo prazo das economias

dependentes.

Conforme o capítulo 3, o Balanço de Pagamentos, enquanto um instrumento de

medida das relações econômicas internacionais, só pode ser compreendido como parte

de um sistema internacional historicamente determinado. Os registros no Balanço de

Pagamentos, portanto, devem ser analisados levando-se em conta os processos de

transformação histórica do sistema econômico-político internacional e da inserção da

economia brasileira neste sistema.

A crescente penetração do capital estrangeiro tem uma série de implicações nas

contas do Balanço de Pagamentos. É necessário, portanto, construir uma visão

integrada do Balanço de Pagamentos. Nos capítulos 2 e 3, sobre as Transações

Internacionais e o Balanço de Pagamentos, procurou-se demonstrar que a visão

tradicional sobre os mesmos, que leva em conta o país como unidade de análise e com

base na teoria neoclássica, não permite uma visualização correta a respeito de ambos.

Com o Balanço de Pagamentos, enxergamos estas relações através de uma lente

distorcida, como se as transações internacionais fossem efetuadas entre países-como-

um-todo. É necessário, portanto, buscar compreender o significado das relações que se

escondem por trás da classificação de contas do Balanço de Pagamentos.

O propósito deste capítulo é demonstrar, empiricamente, como a ação do capital

estrangeiro se expressou nas contas externas brasileiras e qual foi seu papel no

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processo de extração do excedente econômico e de reprodução da dependência, tal

qual definidos no capítulo 1. Utiliza-se, para isto, o Balanço de Pagamentos como

principal base de dados estatísticos. Procura-se dar às contas do Balanço de

Pagamentos um tratamento integrado e verificar as mudanças nos padrões

estabelecidos entre as distintas fases do desenvolvimento dependente brasileiro. O

período de tempo analisado é o que decorre desde 1947, ano em que o Balanço de

Pagamentos brasileiro começou a ser publicado, até o final do século XX.

Na seção seguinte do capítulo é apresentada uma visão mais geral dos padrões

e das modificações observados no Balanço de Pagamentos no conjunto do período de

tempo analisado. Nas seções subseqüentes faz-se a discussão dos diferentes sub-

períodos, conforme divisão proposta no capítulo 4 e no final da Seção 5.1. A última

seção é dedicada às considerações finais.

5.1. Visão Geral

Uma apreciação superficial da evolução do Balanço de Pagamentos brasileiro já

permite descartar a visão de que o capital estrangeiro cumpre um papel apenas

temporário e compensatório. A Conta Financeira, que registra os investimentos de

estrangeiros realizados no país e os investimentos de brasileiros realizados no exterior,

apresentou, historicamente, uma dinâmica de tendência crescentemente superavitária

(apresentou superávit em 52 anos e em apenas 4 (48, 50, 65 e 88) foi deficitária). Como

veremos, isso resulta do fato de que o Brasil é estruturalmente um país importador de

capitais. Isto não se parece em nada com a visão neoclássica do ciclo da dívida,

segundo a qual o Brasil tomaria emprestado para cobrir seus déficits no presente e,

com o aumento de sua produção, deixaria de ser devedor para se tornar credor

internacional.

Simetricamente, pode-se afirmar já de uma primeira observação das estatísticas

históricas do Balanço de Pagamentos, que os déficits em Transações Correntes são

persistentes e apresentam uma dinâmica historicamente crescente. A conta Transações

Correntes foi deficitária em praticamente todos os anos (em 49 anos foi negativa e em

apenas 6 foi positiva (50, 64, 65, 84, 88 e 89)).

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Ao observarmos o Balanço de Pagamentos brasileiro, desde que começou a ser

publicado, podemos verificar os seguintes padrões históricos: a) déficits em Transações

Correntes praticamente em todos os anos; b) Superávits na Conta Capital e Financeira

também em praticamente todos os anos; c) Dentro das Transações Correntes, a

Balança Comercial apresentou superávits na maior parte do tempo; d) as contas de

Serviços e de Rendas tiveram déficits em todos os anos; e) há uma tendência histórica

de crescimento das remessas de rendas como proporção das exportações.

Este padrão histórico sugere uma relação mais profunda entre as contas do

Balanço de Pagamentos. O volume de capital estrangeiro, atuando dentro das

fronteiras nacionais é diretamente proporcional aos déficits em rendas. Neste período,

cada vez mais as características dos capitais que ingressaram responderam às

necessidades das grandes empresas, com destaque para as empresas multinacionais

instaladas dentro das fronteiras nacionais. Isto vale não só para o Investimento Direto,

mas também para o capital de empréstimo, que esteve sob o comando crescente das

necessidades de valorização e controle das grandes empresas. A dívida externa,

portanto, ganhou nova feição a partir das características e da dimensão adquiridas pelo

Investimento Estrangeiro Direto, com as empresas multinacionais participando direta e

indiretamente em parcela crescente dos empréstimos e financiamentos externos, o que

é fortalecido pelo fato de possuírem acesso privilegiado às fontes de crédito

internacionais.

O investimento estrangeiro direto guarda uma relação mais ambígua com a

balança comercial. Por um lado substitui importações e contribui com o aumento das

exportações. Por outro aumenta as necessidades de importação de matérias primas e

bens intermediários. Ademais, as empresas estrangeiras costumam ter um coeficiente

de conteúdo importado maior que as empresas nacionais. Quando entra o investimento

estrangeiro, ele gera uma série de gastos de importação, como compras vinculadas,

necessidades de importações produtivas, etc. Outra implicação do investimento direto

sobre a balança comercial é o aumento da prática dos preços de transferência. Junto

com isto, as divisas acumuladas e a melhora na situação econômica, propiciadas pelo

ingresso líquido de capital estrangeiro, por vezes levam a um aumento dos gastos com

importações de bens de consumo. Não é raro que políticas no sentido de atrair

investimentos diretos (compromissos de longo-prazo) são utilizadas como forma de

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107

compensar desequilíbrios de curto-prazo no Balanço de Pagamentos, muitas vezes

sancionando-os.

Os números da Balança Comercial devem ser analisados com mais atenção.

Apesar de os registros apontarem para a predominância dos superávits nesta conta, é

necessário observar as seguintes características: 1) os superávits deveram-se em

vários momentos às políticas protecionistas e/ou recessivas; 2) na segunda metade da

década de 50, os déficits comerciais foram ocultados pela contabilização da importação

de máquinas e equipamentos como investimento; 3) os superávits dependeram

também, em diversos momentos, da dinâmica dos preços internacionais dos bens

primários, que sempre predominaram na pauta de exportações brasileira. 4) Se a

Balança Comercial for considerada em conjunto com a balança de Transportes

(diretamente vinculada às atividades do comércio exterior), encontramos déficits na

maioria dos anos. Ou seja, o registro de superávits na conta comercial não se deve a

uma forte posição competitiva da produção doméstica no mercado mundial. Ao

contrário, indica a fragilidade competitiva da produção doméstica, a dependência da

exportação de bens primários, semi-elaborados e de consumo e que a dinâmica

estabelecida pelas políticas comerciais costuma responder às necessidades de divisas

internacionais para fazer frente aos compromissos com o capital estrangeiro.

A Conta Serviços é também estruturalmente deficitária e apresenta vínculos

profundos com a Conta Financeira, por um lado, e com a Balança Comercial, por outro.

O peso crescente dos investimentos diretos implica que uma série de itens da Conta

Serviços passam a registrar déficits com tendências crescentes, tais como royalties e

licenças, serviços empresariais, profissionais e técnicos, aluguel de equipamentos, etc.

Outros itens de serviços têm relações maiores com a Balança Comercial, como fretes,

seguros e serviços relativos ao comércio. Estas contas também apresentaram déficits

em todo o período analisado, o que reflete a posição de subordinação do país no

mercado mundial e o controle desde os países centrais, das infra-estruturas de

transporte, de serviços comerciais e das principais companhias seguradoras.

O aspecto geral do Balanço de Pagamentos brasileiro no período é o de déficits

crônicos em serviços correntes e em rendas (chamado também, de acordo com a

tradição ortodoxa, de “serviços de fatores”), resultando na necessidade de superávits

comerciais permanentes e/ou mais entradas de capital estrangeiro para contrabalançar

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108

perdas. Os saldos comerciais do Balanço de Pagamentos brasileiro são canalizados

justamente para o cumprimento das remessas de rendas e serviços para o capital

estrangeiro. Em outras palavras: parte da produção de bens que deveria ser consumida

produtivamente ou individualmente, ou trocada, através do mercado internacional, por

importações, é desviada para compensar as remessas de rendas e os déficits em

serviços, frutos da ação do capital estrangeiro. Isto significa que uma parcela crescente

de valor, ou seja, de horas trabalhadas, deixa de corresponder a um maior consumo

(individual ou produtivo) dentro do país e deve ser transferido ao exterior.

O Gráfico 1 mostra, ao longo do período estudado, as remessas líquidas de

rendas como percentual das receitas de exportação. Nota-se que parte-se de um

patamar de 8 a 10% nos anos 40 e 50, para mais de 30% no final dos anos 90. Entre

estes dois períodos ocorreu a chamada crise da dívida, responsável por um pico de

quase 70%.

Gráfico 1. Remessas líquidas de rendas como percent ual das exportações (1947-2002)

R e m e s s a líq u id a d e re n d as /E xp o rtaç õ e s

0 %

1 0 %

2 0 %

3 0 %

4 0 %

5 0 %

6 0 %

7 0 %

8 0 %

1 9 4 7 1 9 5 1 1 9 5 5 1 9 5 9 1 9 6 3 1 9 6 7 1 9 7 1 1 9 7 5 1 9 7 9 1 9 8 3 1 9 8 7 1 9 9 1 1 9 9 5 1 9 9 9A n o

Fonte: Banco Central do Brasil

A queda registrada na participação das remessas líquidas de rendas como

percentual das receitas de exportação durante os anos 80, conforme podemos observar

no gráfico 2, tem como causa o grande aumento das exportações, ao invés de uma

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109

queda nas saídas líquidas de rendas. Estas últimas quase dobraram entre 1980 e 1982

e permaneceram flutuando em torno deste patamar elevado ao longo do resto da

década. Por outro lado, as entradas líquidas de capital estrangeiro tiveram uma

diminuição considerável. Ou seja, a queda registrada no Gráfico 1 representa, antes de

tudo, um enorme esforço exportador que, combinado com uma política de contenção

das importações, buscava compensar a queda nas entradas de capitais estrangeiros e

a manutenção das remessas de renda em um patamar elevado. O crescimento das

exportações também foi impulsionado pela maturação dos investimentos realizados na

segunda metade da década de 70, no âmbito do II PND, combinada com o considerável

crescimento do déficit comercial norte-americano a partir de 1984. As divisas obtidas

por meio dos chamados mega-superávits comerciais dos anos 80 foram utilizadas para

o pagamento dos compromissos da dívida externa, configurando uma enorme

transferência de valores, na forma de excedentes comerciais.

Gráfico 2. Fluxos de Exportações, Rendas e Capitais nos anos 80

Exportações, Remessa líquida de Rendas e Capitais

-5000

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

40000

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990

Anos

US

$ m

ilhõe

s

Exportação de bens Rendas (x(-1)) CONTA CAPITAL E FINANCEIRA

Fonte: Banco Central do Brasil

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110

Os déficits na conta de Serviços, por sua vez, apresentaram ao longo do tempo

um comportamento bastante flutuante e pró-cíclico. Nas fases de crescimento

econômico este déficit tem representado entre 15 e 20% das receitas de exportação,

chegando a registrar 24% em 1960. Nos períodos recessivos este percentual cai para a

faixa entre 6 e 17%, tendo-se registrado quedas mais acentuadas quando ocorreram

grandes superávits comerciais, como em 1964/65 e em 1984/85. Se somarmos os

déficits em Rendas e em Serviços, observaremos que representam uma parcela que

varia entre 40 e 60% das exportações.

Isto significa que, como fruto da ação do capital estrangeiro, torna-se necessária

a produção de um considerável excedente econômico (mais-valia) que deve ser

transferido ao exterior, na forma de remessa de divisas aceitas internacionalmente. Esta

transferência de excedentes na forma de divisas internacionais somente pode ser

viabilizada de três formas: pela formação de superávits comerciais, pelo ingresso de

capital estrangeiro ou pela utilização das reservas de divisas internacionais. A queima

das reservas de divisas, quando existem, não pode ser utilizada indefinidamente. As

duas variáveis principais do ajuste, que viabilizam as transferências de excedentes e,

assim, a reprodução dos vínculos de dependência, são os novos ingressos de capital

estrangeiro e os saldos da balança comercial. O ingresso de capital estrangeiro, por

seu lado, leva a novas necessidades de remessas de excedentes, reforçando, no longo

prazo, o problema, a ponto de que uma parcela crescente dos ingressos de divisas

internacionais passa a ser utilizada para cobrir os déficits em Rendas. Não é por acaso

que entre as condicionantes dos ajustes propostos pelo FMI aos países devedores,

para garantir o pagamento de seus compromissos financeiros internacionais, estejam

políticas recessivas com vistas à obtenção de superávits comerciais.

Conseqüentemente, no longo prazo, a obtenção de excedentes da balança comercial

constitui-se como uma variável chave do ajuste.

No capítulo 4 dividiu-se a história econômica do Brasil no século XX em 4 fases:

1) a economia exportadora, que durou até 1930, fase denominada de “desenvolvimento

voltado para fora” pela CEPAL; 2) o início do processo de industrialização, que

correspondeu ao período de desorganização do capitalismo internacional fruto das duas

grandes guerras e da crise de 1929; 3) A industrialização com forte presença do

investimento direto estrangeiro, correspondente à fase de retomada da economia

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mundial já sob hegemonia dos EUA, principalmente a partir dos anos 50, até 1980,

quando ocorre a crise da dívida e; 4) a fase atual, sob as condições estabelecidas pela

fase conhecida como “globalização”, caracterizada pelas políticas neoliberais.

Dentro de cada uma delas, a dinâmica do Balanço de Pagamentos refletiu

características distintas, frutos de diferenças tanto estruturais da economia brasileira

entre as fases, quanto nas relações que seus elementos constitutivos mantiveram com

a economia mundial.

As seções seguintes deste capítulo são organizadas de acordo com esta

periodização, mas encampando apenas as fases 3 e 4, que vão do início do período do

pós-guerra até o final do século XX, cobrindo o período de publicação do Balanço de

Pagamentos. Além disso, cada fase está subdividida em períodos, que refletem dois

aspectos: as variações dos ciclos econômicos domésticos e as mudanças na dinâmica

das relações do capital estrangeiro com a economia brasileira.

Assim, a fase 3 está subdividida nos seguintes períodos: a) 1947 (ano em que

começou a ser publicado o Balanço de Pagamentos brasileiro) até 1954, período do

imediato pós-guerra, caracterizado pela pouca mobilidade internacional de capitais

autônomos e no qual as escolhas geopolíticas do governo dos EUA levaram à exclusão

do Brasil dos fluxos de capitais oficiais; b) 1955 a 1961, que foram anos de intenso

crescimento econômico, com vultuosos investimentos liderados pelo Estado e pelo

Investimento Direto Estrangeiro, tendo o capital privado nativo passado a cumprir um

papel coadjuvante; 1962 a 1967, período de declínio cíclico e de pouco ingresso relativo

de capital estrangeiro, mas que guarda sua importância por ter presenciado mudanças

institucionais que propiciaram as condições para uma nova onda de internacionalização

da economia nacional, desta vez com nítida preponderância dos capitais de

empréstimo; 1968 a 1973, que foram os anos de maior crescimento econômico que se

tem registro no Brasil, com uma elevação substancial da dívida externa, principalmente

privada; e 1974 a 1980, período de desaceleração cíclica mundial e doméstica, tendo

sido esta última em grande parte evitada pela ação da política econômica

governamental, através de amplos investimentos estatais e de um crescimento

exponencial da dívida externa.

A fase 4 está subdividida em dois períodos: a década de 80 e a década de 90.

Na década de 80 ocorreu uma considerável elevação nas taxas de juros internacionais,

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levando a uma aceleração do crescimento da dívida externa, e a inversão do sentido

dos fluxos internacionais de capitais. As taxas de crescimento ficaram muito abaixo da

média histórica, chegando a registrar decréscimo econômico em 1981 e em 1983. A

década de 90 também foi de baixo crescimento, mas presenciou profundas mudanças

estruturais, especialmente no que concerne às relações entre a economia doméstica e

o capital estrangeiro. Nestes anos foi implantado todo um projeto de abertura e

desregulamentação da economia, que incluiu as privatizações e a desnacionalização de

parcela significativa das grandes empresas. Houve uma mudança considerável no perfil

do passivo externo líquido do país, com a diminuição relativa do peso dos outros

investimentos e o aumento relativo e absoluto da participação dos investimentos diretos

(fundamentalmente via privatizações e desnacionalizações) e em carteira.

5.2. Fase 3 – Industrialização com forte presença d o capital estrangeiro

5.2.1. 1947 a 1954

Durante o período de guerra, a balança comercial brasileira registrou grandes

superávits comerciais. A forte demanda de matérias-primas e gêneros alimentícios dos

países em conflito resultou em um aumento no valor das exportações. A quase

completa interrupção dos fornecimentos pelos países europeus, que não foram

devidamente supridos pelos EUA, somada à redução do tráfego marítimo devido à

guerra submarina no atlântico, levou à queda das importações.

Esta situação estimulou um aprofundamento do processo de industrialização por

substituição de importações e induziu a que as contas externas apresentassem

considerável melhora, levando a um acúmulo de reservas e permitindo a estabilização

cambial durante todo o período do conflito. Entretanto, apesar dessa estabilidade

cambial, a economia brasileira viveu a intensificação do processo inflacionário.

Com o fim do conflito, desfez-se a tranqüilidade aparente com relação às contas

externas. Nos primeiros anos de computação do Balanço de Pagamentos, os superávits

comerciais já não eram suficientes para cobrir os déficits gerados pelos compromissos

financeiros externos e pelos pagamentos dos serviços. O desabastecimento gerado

pela guerra gerou também uma forte demanda reprimida de máquinas e equipamentos

e de bens de consumo. O congelamento do câmbio durante a guerra combinado com

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inflação interna conduziram à uma supervalorização cambial. Para agravar este quadro,

a maior parte do superávit comercial brasileiro era com países cujas moedas estavam

inconversíveis, como Inglaterra e França. Por outro lado, havia um déficit comercial com

a área do dólar, moeda em que o Brasil tinha seus maiores compromissos externos.

Segundo Vianna (1987), há uma série de outras causas para o fraco desempenho das

exportações brasileiras, como a perda de competitividade decorrente da progressiva

reorganização da economia mundial após a guerra, a decisão de evitar o acúmulo de

inconversíveis com superávits comerciais nessa área e a opção por reduzir pressões

inflacionárias através do aumento da oferta para consumo doméstico (VIANNA, 1987, p.

22). Estes elementos levaram à uma redução significativa dos saldos da balança

comercial.

Os projetos econômicos de desenvolvimento dos governos de Dutra (1946 a

1951) e de Vargas (1951 a 1954) tinham como uma de suas premissas mais

importantes a atração de capital estrangeiro, seja sob a forma de investimentos

privados autônomos, seja sob a de recursos oficiais. Entretanto, por diversos motivos,

esta presença do capital estrangeiro não ocorreu conforme o desejado por aqueles

governos.

Nos primeiros anos do pós-guerra não ocorreram grandes fluxos de investimento

estrangeiro autônomo (era um período de escassez de liquidez internacional). Por outro

lado, as tentativas de obtenção de empréstimos internacionais esbarraram em aspectos

políticos que os limitaram. Assim, apesar da expectativa do governo brasileiro de obter

ajuda financeira dos EUA, os “recursos internacionais disponíveis migraram para a

reconstrução da Europa (Plano Marshall) e do Oriente (o Plano Colombo)” (BNDES,

2002)48.

Como conseqüência, o Balanço de Pagamentos brasileiro viveu crises

recorrentes nesse período. A principal solução buscada, então, para contornar estes

problemas, foi a adoção de políticas protecionistas. Em 1947 os problemas do Balanço

48 Neste período houve uma série de tentativas do governo brasileiro de atrair capitais estrangeiros e ajuda norte-americana. Como exemplos podemos citar a Missão Abbink, que procurou formas de incentivar o fluxo de capitais privados ao Brasil, e os projetos no âmbito da Comissão Mista Brasil Estados Unidos (CMBEU), que contariam com a ajuda financeira do Eximbank norte-americano. Entretanto, se a América Latina já não era uma prioridade por parte do governo Truman, com a eleição do presidente Eisenhower, o Brasil ficou categoricamente de fora das linhas de financiamento do Eximbank.

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de Pagamentos levaram à constituição de atrasados comerciais. Como resposta à crise

cambial que se constituiu, o governo adotou, através da Lei nº 262 de 23/02/1948, um

controle rigoroso das importações, com o estabelecimento do sistema de licença prévia

para as mesmas. Isso contribuiu para aliviar a pressão sobre o câmbio, levando a uma

pequena e insuficiente recuperação da balança comercial em 1948 e 1949. Com esse

sistema, mantinha-se a taxa de câmbio fixa e sobre-valorizada e, ao mesmo tempo,

controlava-se a balança comercial pela via do controle direto das importações, através

das licenças. Isso, na prática, significava uma proteção à industrialização substitutiva

contra a concorrência externa e, ao mesmo tempo, permitia a importação de máquinas

e equipamentos à taxas de câmbio favoráveis à indústria.

A situação da balança comercial só obteve uma melhora significativa com a

valorização do café, acompanhando a alta geral dos gêneros alimentícios e das

matérias-primas em função da política de re-armamento dos EUA e da perspectiva da

ocorrência de uma nova guerra. Com isso, em 1950 ocorre um grande saldo comercial,

melhorando a situação do Balanço de Pagamentos.

Em 1951 a situação da balança comercial e, em conseqüência, do Balanço de

Pagamentos, volta a piorar, chegando a apresentar um déficit vultoso em 1952,

passando a economia brasileira a acumular novamente atrasados comerciais. Esta

piora da balança comercial está vinculada ao afrouxamento no regime de concessão de

licenças para importar no início do governo Vargas, nos primeiros meses de 1951. A

balança comercial registrou um pequeno superávit, com crescimento das exportações,

graças à performance do café, e um aumento ainda mais significativo das importações.

Para fazer frente a essa situação, o governo foi progressivamente apertando a

concessão das licenças de importação. Em 1952 as importações mantiveram-se no

mesmo nível do ano anterior (com a queda na quantidade e o aumento dos preços das

importações), mas as exportações registraram queda substancial devido a alguns

fatores conjunturais (segundo Vianna (1987), a perda de competitividade devido à

sobrevalorização cambial e às pressões inflacionárias; a queda das vendas de algodão

por causa da crise internacional da indústria têxtil; e a expectativa de desvalorização

cambial foram os principais motivos que levaram à queda nas exportações em 1952).

Novamente os fortes desequilíbrios do Balanço de Pagamentos levaram o governo a

adotar medidas protecionistas, de restrições às importações. A balança comercial

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recuperou-se em 1953. Neste ano, o principal sustentáculo do desempenho da balança

comercial foi a exportação de produtos agrícolas, fundamentalmente o café, graças à

situação favorável dos termos de troca nestes anos. Em 1954, devido ao fim da Guerra

da Coréia, ocorre uma diminuição do saldo comercial, pois “as matérias-primas

armazenadas pelo temor da generalização do conflito começam a ser desestocadas,

acarretando a brusca queda de seu preço, o que vai levar à deterioração de nossas

relações de troca” (SINGER, 1976, p. 44).

Tabela 1. Balanço de Pagamentos (contas selecionada s) – 1947-1954 (Em US$ milhões)

Ano 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 TRANSAÇÕES CORRENTES -204 -115 -135 93 -494 -725 -12 -236 Balança comercial (FOB) 96 207 139 414 44 -302 395 147 Serviços -221 -210 -170 -209 -379 -300 -227 -243 Rendas -55 -105 -101 -110 -157 -121 -166 -135 CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 349 -52 72 -111 266 708 41 236 Investimento Direto 55 67 44 39 63 94 60 51 Reinvestimento 19 42 39 36 67 85 38 40 Outros Investimentos (líquido) 294 -119 28 -150 203 614 -19 185 TC + CCeF 145 -167 -63 -18 -228 -17 29 0 ERROS E OMISSÕES -9 100 96 -12 147 -10 -69 11 RESULTADO DO BALANÇO 136 -67 33 -30 -81 -27 -40 11 Fonte: Banco Central do Brasil

Podemos afirmar então que no período considerado (1947-1954), ocorreu um

forte crescimento do PIB com pouca entrada de capital estrangeiro. Os ingressos de

investimentos diretos estiveram em patamares muito baixos até 1954. Só na segunda

metade da década, com a publicação da Instrução nº 113 da SUMOC, o

estabelecimento do Plano de Metas e no marco de uma conjuntura internacional

favorável é que os investimentos estrangeiros obtiveram um crescimento vigoroso. Na

maioria dos anos do período que vai de 1947 a 1954, a saída líquida de recursos na

conta corrente foi superior à entrada líquida de capitais. O crescimento econômico e a

industrialização por substituição de importações implicaram em necessidades de

importações de máquinas e equipamentos que oneraram a Balança Comercial. O

aumento das importações não representaria um grande problema caso não houvesse

os fortes déficits em Serviços e Rendas. Esta situação implicou em um acúmulo de

atrasados comerciais e na realização de empréstimos internacionais, em especial de

instituições como o Eximbank, o FMI e o Bird.

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Com isso o Balanço de Pagamentos brasileiro apresentou déficits persistentes

até 1953. A Conta Capital e Financeira registrou pequenos superávits (com déficits em

1948 e 1950) que não chegaram a compensar (exceto em 1947 e 1953) os déficits em

Transações Correntes. Em termos líquidos, grande parte do superávit da Conta Capital

e Financeira ocorreu sob a rubrica de Outros Investimentos, totalizando US$ 1.036

milhões no período entre 1947 e 1954. Deste valor, US$ 452 milhões, ou 44%, foram

relativos a atrasados comerciais e outros passivos de curto prazo que, na prática,

representaram financiamentos compulsórios. Esses atrasados, por sua vez, foram

reflexos das crises recorrentes do Balanço de Pagamentos brasileiro. A Conta

Investimento Externo Direto somou US$ 473 milhões no período, mas, se descontarmos

os re-investimentos (recursos acumulados internamente), a cifra cai para US$ 107

milhões.

Ou seja, o intenso crescimento da economia brasileira registrado na maior parte

do período foi financiado, basicamente, com recursos gerados internamente, visto que

ocorreu pouca entrada líquida de capital estrangeiro. Houve, contudo, crescimento da

participação do capital estrangeiro na economia doméstica, fruto principalmente do

reinvestimento e do endividamento causado pelos empréstimos internacionais com

prazos curtos e taxas altas e pelos atrasados comerciais.

A conta de Serviços era a que mais contribuía para o déficit em Transações

Correntes, especialmente no item Transportes. Na ausência de uma frota de marinha

mercante nacional de longo curso, o crescimento das importações implicou no aumento

dos gastos com transportes, o que se somou à certa elevação no custo dos fretes como

proporção das importações (VIANNA, 1987, p. 63). A segunda conta mais negativa era

a de Rendas, com destaque para as remessas de lucros e dividendos, seguidos de

pagamentos juros de empréstimos internacionais.

Para fazer frente às dificuldades recorrentes nas contas externas e, na ausência

do capital estrangeiro, os governos foram levados a adotar medidas protecionistas

como o sistema de contingenciamento a importações, baseado na concessão de

licenças prévias para importar, estabelecido em fevereiro de 1948, durante a

administração Dutra, posteriormente substituído (1953) pelo sistema de taxas múltiplas

de câmbio (Instrução 70 da Sumoc), no governo Vargas.

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Os problemas com as contas externas se tornavam ainda mais graves devido à

forte dependência da Balança Comercial das exportações de café e de outros produtos

primários, como cacau e algodão. As exportações de produtos manufaturados

compunham menos de 5% do total.

A queda dos preços e do volume das exportações do café a partir do segundo

semestre de 1954 colocou novamente a economia brasileira diante de uma crise

cambial. Para fazer frente à essa situação e criar as condições para a execução de seu

programa de ajuste ortodoxo, o ministro da fazenda do governo Café Filho (1954-1955),

Eugênio Gudim, foi buscar empréstimos junto às instituições oficiais internacionais e

dos EUA. Seus esforços, no entanto, resultaram em apenas US$ 80 milhões em

créditos novos e a renovação de outros US$ 80 milhões, ambos junto ao Federal

Reserve de Washington, representando muito menos do que os US$ 300 milhões

esperados por Gudim para evitar uma séria crise cambial (PINHO NETO, 1992, p. 152).

A insuficiência deste resultado foi fruto da política externa do governo dos EUA

de não priorizar a ajuda financeira oficial à América Latina, relegando a questão do

financiamento dos déficits do Balanço de Pagamentos destes países aos movimentos

autônomos do capital privado. A única alternativa que restou foi a busca por

empréstimos junto aos bancos privados, conseguindo levantar US$ 200 milhões através

de um consórcio de 19 bancos americanos liderados pelo Chase Manhattan e pelo

Citybank, a serem pagos em 5 anos à taxa de 2,5% ao ano (PINHO NETO, 1992, p.

153).

Portanto, em 1954, foram os empréstimos internacionais (conta Outros

Investimentos), na maior parte de bancos privados, que garantiram o equilíbrio do

Balanço de Pagamentos. Entretanto, estes empréstimos só resolviam os problemas

cambiais no curto prazo. A resposta adotada pelo governo, de acordo com a concepção

da equipe econômica e com as recomendações do governo dos EUA e das instituições

multilaterais, foi a de medidas no sentido de diminuir os empecilhos à livre circulação do

capital estrangeiro, como forma de atraí-lo. Com relação à balança comercial e ao

câmbio, entraram em vigor a Lei 2.145 e a Instrução 70 da SUMOC, que criaram o

sistema de taxas múltiplas de câmbio e eliminaram os controles quantitativos diretos

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sobre as importações, passando a funcionar o sistema de leilões de divisas49. Mas a

principal medida nesse sentido foi o estabelecimento da Instrução 113 da SUMOC, que

permitia o ingresso, por parte das empresas estrangeiras de máquinas e equipamentos

sem cobertura cambial.

5.2.2. 1955 a 1961

No período entre 1955 e 1961, o PIB brasileiro registrou taxas de crescimento

ainda maiores que as da fase anterior (1947-54), amparadas no aprofundamento do

processo de industrialização por substituição de importações. De acordo com Skidmore

(1969), entre 1955 e 1961, a produção industrial cresceu 80% (em preços constantes),

com destaque para as indústrias de aço (100%), mecânicas (125%), elétricas e de

comunicações (380%) e de equipamentos de transportes (600%). Este crescimento foi

impulsionado principalmente pelo investimento estatal e pela entrada de capital

estrangeiro, tanto pela via do investimento direto como pela de empréstimos.

As características desse crescimento econômico foram distintas do que ocorreu

até então, visto que:

“[...] pela primeira vez a expansão econômica doméstica, iniciada por volta de 1956, não pode ser considerada independentemente do capital estrangeiro como um fator de decisiva importância neste processo. O investimento direto estrangeiro nas plantas industriais já existentes ou mesmo inteiramente novas era, por outro lado, de um tamanho sem precedentes, e a abertura de novas filiais multinacionais passa a ocorrer em um ritmo sem paralelos anteriores. Em conseqüência, o meado da década de 50 pode ser considerado como um marco tanto para o processo de industrialização como para o registro da presença da corporação internacional no Brasil.” (POSSAS, 1983, p. 19)

A entrada de capital estrangeiro, que esteve bastante reduzida no período

anterior, ganhou impulso como parte de uma conjuntura internacional de crescimento

dos fluxos internacionais de capitais, surgida após o período de reconstrução européia

e japonesa. Tanto os capitais americanos, que estavam mais disponíveis nessa nova

situação, como os europeus, estavam buscando novas oportunidades para seus

investimentos produtivos. Contribuiu para isto a necessidade de renovação dos parques

49 Neste sistema classificavam-se as importações em cinco categorias, de acordo com o critério de essencialidade e de possibilidades de produção interna. A cada uma destas categorias correspondia uma taxa de câmbio específica que era fixada por meio de leilões.

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119

industriais desses países, que estavam em grande parte obsoletos, o que implicou no

interesse das firmas desses países de exportar capitais na forma de máquinas e

equipamentos, muitas vezes usados.

Do ponto de vista interno, a implementação do Plano de Metas significou um

esforço consciente de industrialização, necessitando, para sua execução, de uma

considerável canalização de recursos, provenientes, em grande parte, de fontes

externas. Com o declínio das exportações a partir de 1955 (muito influenciada pela

contínua diminuição do preço do café e do conjunto das exportações), a pressão

exercida pelos compromissos externos assumidos no período anterior e a crescente

rigidez da pauta de importações, a saída encontrada pelo governo para o financiamento

das necessidades de recursos em moeda estrangeira foi a da atração de capital

estrangeiro. Neste sentido, o governo adotou uma política propícia ao ingresso de

capital estrangeiro, tanto sob a forma de investimentos diretos quanto de capitais de

empréstimo.

Os capitais estrangeiros, que buscavam oportunidades de inversão, encontraram

condições propícias ao saltar as barreiras protecionistas e garantir sua participação

competitiva no mercado interno, instalando-se dentro do território econômico brasileiro.

Trouxeram técnicas, processos e produtos já amadurecidos e padronizados dentro de

seus mercados de origem, alem de parte das máquinas e equipamentos usados e

obsoletos50.

As empresas estrangeiras contaram, para isso, com inúmeros incentivos

governamentais. Entre os incentivos legais utilizados, destacam-se a Instrução nº 113

da SUMOC, adotada durante o governo Café Filho, a Lei de Tarifas de 1957 e a

retomada da Lei de Similares.

50 A respeito destas características do investimento direto estrangeiro, ver abordagens de Vernon e Hymer no capítulo 2.

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120

Tabela 2. Balanço de Pagamentos (contas selecionada s) – 1955-1961 (Em US$ milhões)

Ano 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 TRANSAÇÕES CORRENTES -35 -23 -300 -265 -345 -518 -263 Balança comercial (FOB) 319 407 106 66 72 -24 111 Serviços -230 -278 -265 -219 -256 -304 -206 Rendas -114 -141 -128 -108 -151 -194 -183 CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 34 190 309 425 345 493 390 Investimento Direto 79 139 178 128 158 138 147 Reinvestimento 36 50 35 18 34 39 39 Outros Investimentos (líquido) -45 51 131 297 187 355 243 TC + CCeF -1 167 9 160 0 -25 127 ERROS E OMISSÕES 13 16 -170 -190 -25 11 51 RESULTADO DO BALANÇO 12 183 -161 -30 -25 -14 178 Fonte: Banco Central do Brasil

A balança comercial apresentou um saldo positivo declinante no período a partir

de 1956. O preço do café sofreu uma queda contínua entre março de 1954 (91 cents/lb)

e 1960 (41 cents/lb) (PINHO NETO, 2004, p.19). Ademais, além de o processo de

industrialização por substituição de importações ter tornado a pauta de importações

mais rígida, a aplicação do Plano de Metas levou a um crescimento das compras

externas. Assim, o superávit comercial decrescente conseguia compensar uma parcela

cada vez menor dos déficits das contas de Serviços e de Rendas. Este superávit

comercial pode ser considerado ainda menor, se levarmos em conta que muitos

ingressos de máquinas e equipamentos não foram contabilizados como importações,

mas como investimento direto, nos marcos da Instrução 113 da SUMOC. Se fossem

considerados como importações, a Balança Comercial teria registrado déficit em 1957,

1958, 1959 e 1960.

A conta Serviços seguiu sendo a mais deficitária dentro das Transações

Correntes. O item Transportes, embora continuasse sendo o que mais contou para

esses déficits, o fez com peso absoluto e relativo cada vez menor após 1954. Os itens

que começaram a ganhar maior participação, principalmente a partir de 1956 foram, em

ordem de importância, os Serviços Empresariais, Profissionais e Técnicos, as Viagens

Internacionais, os Serviços Governamentais e os Royalties e Licenças. Essas

mudanças de pesos relativos e absolutos foram o reflexo da atuação crescente do

capital estrangeiro dentro das fronteiras nacionais, particularmente via Investimento

Direto Estrangeiro.

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121

O déficit em Rendas adquiriu importância crescente, tanto em termos absolutos

quanto relativos, ao ponto que, no início da década de 60, passa a estar no mesmo

patamar que os Serviços, ultrapassando-o nos anos seguintes como a principal conta

negativa das Transações Correntes. A remessa de Lucros e Dividendos tem uma

dinâmica oscilatória, com uma pequena tendência decrescente, principalmente devido

ao aumento proporcional dos lucros re-investidos dentro do país, expressando este fato

as oportunidades de investimento no âmbito do Plano de Metas. As remessas de juros,

por outro lado, apresentaram uma dinâmica claramente crescente, o que reflete não só

as necessidades de pagamento dos compromissos assumidos no período anterior, mas

também o aumento progressivo dos empréstimos internacionais com a execução do

Plano de Metas.

Assim, as Transações Correntes passam de uma situação próxima ao equilíbrio,

com pequenos déficits em 1955 e 1956 (-US$ 35 e –US$ 23 milhões, respectivamente),

a um saldo negativo de US$ 300 milhões em 1957, chagando a um resultado de -US$

518 milhões, em 1960. Além disso, o volume de recursos estrangeiros necessários para

equilibrar o Balanço de Pagamentos deveria compensar não apenas o déficit em

Transações Correntes, mas também o crescimento explosivo das amortizações, que

estavam em US$ 140 milhões em 1955, chagando a totalizar US$ 518 milhões em

1960.

O item responsável pelos maiores ingressos na Conta Financeira foi o de

Financiamento de Compradores, que corresponde aos créditos bancários obtidos no

exterior por importadores para o financiamento de mercadorias. Este item representou,

entre 1956 e 1960, cerca de 37% do total de empréstimos e financiamentos que

ingressaram no país. Os outros itens mais significativos em termos de ingresso de

empréstimos e financiamentos foram, em ordem de grandeza, os Empréstimos Diretos,

os créditos das Agências Governamentais e dos Organismos Internacionais destinados

a financiar as importações brasileiras e as Operações de Regularização da Autoridade

Monetária, para o financiamento do Balanço de Pagamentos. Esta composição dos

empréstimos indica uma forte influência das grandes empresas que estavam se

instalando no Brasil e que buscavam financiamento para suas importações.

O ingresso de Investimento Direto Estrangeiro apresentou também um

importante crescimento no período. Se descontarmos os re-investimentos, veremos que

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ingressaram US$ 717 milhões em Investimentos Diretos Estrangeiros entre 1955 e

1961, contra US$ 101 milhões nos sete anos anteriores, representando um crescimento

de mais de 700%. Os re-investimentos, por sua vez, totalizaram US$ 251 milhões no

período de 1955 a 1961, representando 53% do total da Renda de Investimento Direto

registrada pelo Balanço de Pagamentos, contra um percentual de 41% de re-

investimento entre 1947 e 1954. Ou seja, em torno de 25% do que é contabilizado

como ingresso de Investimento Direto Estrangeiro constituiu-se de recursos

acumulados internamente à economia nacional. Para este crescimento do ingresso de

Investimento Direto Estrangeiro, foi de fundamental importância a utilização da

Instrução 113. Esta Instrução permitia às firmas estrangeiras importar máquinas e

equipamentos isentos de cobertura cambial, que contariam como Investimento Direto,

através da participação no capital da empresa que receberia o aporte. Cerca de 2/3

(US$ 480 milhões) de todo o Investimento Direto Estrangeiro entre 1955 e 1961

ingressou no país na forma de mercadoria, nos marcos da Instrução 113. A utilização

da Instrução 113 mascarou um déficit comercial considerável, caso a entrada dessas

mercadorias fosse considerada importação e não investimento. Favoreceu o capital

estrangeiro em detrimento do nativo, visto que as empresas de propriedade de

brasileiros não contavam com a mesma facilidade para importar equipamentos visto

que teriam que adquirir dólares a preços mais altos através dos leilões de câmbio, a

não ser que se associassem a estrangeiros, desnacionalizando parte ou toda a

propriedade de sua empresa. Apesar de que muitas das máquinas e equipamentos que

ingressaram através da Instrução 113 eram obsoletas, estas puderam ser

contabilizadas como se novas fossem.

A isso devemos agregar o fato de que os investidores estrangeiros beneficiaram-

se também de vários outros mecanismos adotados no âmbito do Plano de Metas,

permitindo-os contabilizar para si quantias de recursos mais elevados do que de fato

ingressaram. O financiamento inflacionário executado pelo governo, por exemplo,

permitia que as grandes empresas, via aumento de preços, absorvessem uma parte da

renda nacional. Havia também a concessão de créditos a juros reais negativos e com

períodos longos de carências e prazos. Com os benefícios legais, tributários, cambiais e

os financiamentos subsidiados que captaram internamente, essas empresas

apropriaram-se de uma parcela ainda maior do excedente gerado internamente à

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123

economia brasileira. Os grandes investimentos estatais em infra-estrutura e indústrias

de base também se constituíram em estimulo e subsídio à instalação de empresas

estrangeiras.

A intensificação do processo de industrialização, no nível em que se deu, só foi

possível porque se vinculou a um movimento ascendente de mobilidade do capital no

nível internacional, elemento que esteve ausente no período anterior. Ocorreu uma

industrialização diversificada, alcançando quase toda a cadeia produtiva. Entretanto, os

principais ramos da indústria de transformação passaram a estar sob o controle direto

das firmas multinacionais, transferindo, assim, os centros de decisão ligados aos

setores produtivos mais dinâmicos da economia brasileira para fora do território político

do país. Com isso, a industrialização por substituição de importações realizou-se dentro

do marco do processo de integração capitalista mundial, sob o domínio do capital

monopólico (DOS SANTOS, 1978, p. 24). Garantiu-se às firmas multinacionais a

exploração do mercado interno, relativamente fechado às importações de seus

produtos devido à escassez de divisas (SERRA, 1982, p. 76). Uma das conseqüências

foi a intensa concentração produtiva que adveio da instalação das filiais dessas

empresas, inserindo no contexto brasileiro as formas produtivas desenvolvidas nas

economias avançadas e aprofundando a dependência tecnológica e financeira.

Isto passou a se refletir em mudanças no perfil do Balanço de Pagamentos, com

a volta de um endividamento crescente, a importância adquirida pelo Investimento

Direto Estrangeiro e, conseqüentemente, o aumento exponencial dos déficits em

Rendas. O perfil do déficit em Serviços também mudou, passando a ganhar ênfase os

gastos com serviços ligados à ação do capital estrangeiro desde dentro da economia

nacional, como nos Serviços Empresariais, Profissionais e Técnicos ou no caso dos

Royalties e Licenças.

5.2.3. 1962 a 1967

O início da década de 60 foi marcado no Brasil pela passagem da fase de

crescimento acelerado da segunda metade da década de 50 para outra de crise

econômica e recessão, que durou até 1967. O crescimento do PIB, que havia variado

na faixa entre 8,6% e 10,8% nos anos anteriores, apresentou uma forte queda,

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124

registrando taxas de 6,6% em 1962, 0,6% em 1963, 3,4% em 1964, 2,4% em 1965,

6,7% em 1966 e 4,2% em 1967.

“A desaceleração do crescimento decorreu em grande parte dos fatores de natureza cíclica, relacionados com a conclusão do volumoso “pacote” de investimentos públicos e privados iniciados em 1956/57. As políticas de estabilização do início de 1963 e de 1965-1967 (primeiro trimestre) contribuíram para aprofundar essa desaceleração. Sua adoção foi motivada pelo recrudescimento da inflação que, por sua vez, resultou da mesma desaceleração e de problemas derivados do setor externo.” (SERRA, 1982, p. 80)

Neste período, além dos diferentes planos econômicos de corte recessivo, após

o golpe militar de 1964 foram realizadas importantes mudanças políticas e

institucionais. Entre os planos econômicos, merecem maior destaque o Plano Trienal,

de dezembro de 1962, ainda sob o governo Goulart e o Plano de Ação Econômica do

Governo (PAEG), que caracterizou a política econômica da primeira fase do regime

militar. O Plano Trienal se propunha a combinar a manutenção das taxas de

crescimento econômico com uma política anti-inflacionária. Teve vida curta e não

alcançou nenhum dos dois objetivos. Contribuiu para esse resultado o forte

estrangulamento externo e a negativa do FMI em liberar os recursos necessários para

lidar com essa situação.

O período que foi de 1962 a 1964 foi marcado por crises políticas e confrontação

de distintos projetos de desenvolvimento. Um dos pontos de maior divergência foi a

aprovação, pelo Congresso Nacional, em setembro de 1962, da Lei 4.131, que visava

regulamentar o movimento de capitais estrangeiros no Brasil, sendo também uma

reação ao estrangulamento externo, ao restringir a evasão de divisas,

fundamentalmente através de seus artigos mais polêmicos (nos 31, 32 e 33), que

criavam claras restrições às remessas de lucros51. (GENNARI, 1999, p. 28). Devido a

51 Art. 31 - As remessas anuais de lucros para o exterior não poderão exceder de 10% sobre o valor dos investimentos registrados. Art. 32 - As remessas que ultrapassam o limite estabelecido no artigo anterior serão consideradas retorno do capital e deduzidas do registro correspondente para efeito das futuras remessas de lucros para o exterior. Parágrafo único - A parcela anual de retorno do capital estrangeiro não poderá exceder de 20% do capital registrado. Art. 33 - Os lucros excedentes do limite estabelecido no artigo no 31 desta lei serão registrados à parte, como capital suplementar, e não darão direito a remessas de lucros futuros.

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125

estes artigos, ela também ficou conhecida como a “Lei da Remessa de Lucros”. Além

disso, ela tornava necessário o registro de todo o capital estrangeiro que entrasse ou

saísse do Brasil, assim como do que fosse re-investido. Assim, só poderia ser remetido

o lucro registrado, tendo ele entrado ou sendo relativo a rendimento do capital que

entrou (ou seja, excluindo-se o capital reinvestido). Apesar de ter sido aprovada em

1962, a Lei 4.131 só foi regulamentada pelo Governo Federal (João Goulart) no início

de 1964.

Uma das primeiras medidas do regime militar, estabelecido com o golpe militar

de 31 de março de 1964, foi a alteração da Lei 4.131 (apenas 6 meses após ser

regulamentada), especialmente a revogação dos artigos 31, 32 e 33. Manteve, por

outro lado, a necessidade do registro do capital estrangeiro como requisito da

repatriação. Além disso, o primeiro governo militar implementou uma série de reformas

institucionais das quais podemos destacar: a Lei Bancária, que pretendeu redistribuir

funções entre instituições públicas e privadas para o suprimento e controle da moeda e

do crédito na economia e resultou na criação do Banco Central e do Conselho

Monetário Nacional; a lei que estruturou o mercado de capitais e a reforma do sistema

tributário, instituindo-se do conceito de imposto sobre o valor adicionado, com a criação

do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre a Circulação de

Mercadorias (ICM) (TAVARES e ASSIS, 1985, ps. 16 a 22).

Segundo Tavares e Assis (1985), estas reformas “constituíram o vetor central

para solucionar a questão de financiamento da economia, tanto do setor público quanto

do privado, e da preparação da retomada do crescimento” (TAVARES e ASSIS, 1985,

p. 15). As políticas e reformas no âmbito do PAEG tinham entre seus principais alvos o

combate à inflação e a superação das restrições do Balanço de Pagamentos. Neste

sentido, houve um forte estímulo ao ingresso de capital estrangeiro, especialmente o de

empréstimo, e buscou-se políticas de incentivos às exportações. Para Roberto Campos,

Ministro do Planejamento na época, a opção era “por um sistema extrovertido, com

ênfase no comércio exterior e aceitação de investimentos externos” (FGV, Verbete

Biográfico). No campo do combate à inflação, as políticas envolviam o corte das

despesas estatais, a emissão de títulos públicos com correção monetária, a reforma

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tributária, a contenção do crédito e a institucionalização do arrocho salarial, através de

uma fórmula regressiva de reajuste sempre abaixo da inflação.

Ainda de acordo com Tavares e Assis (1985), ocorreu simultaneamente um

processo de ampliação da exclusão econômica e política da maioria da população

brasileira, combinado com um movimento firme e acelerado de extroversão financeira

da economia, mediante o crescimento da internacionalização de seu setor moderno

atado ao crédito bancário internacional. Buscava-se adaptar o sistema financeiro

interno no sentido de uma grande integração da economia brasileira com o sistema

financeiro internacional privado. Foi assim que, para fazer frente tanto ao

estrangulamento externo quanto ao interno (que se expressava no alto custo do crédito

para as empresas), o governo optou pela facilitação da obtenção de empréstimos em

moeda no exterior (LOBATO, 1977, p. 140). Foi nesse sentido que as autoridades

monetárias publicaram a Instrução 289 da SUMOC, em janeiro de 1965, e a Resolução

63 do Banco Central, em agosto de 1967. A Instrução 289 tornava operacional a Lei

4.131 no sentido de possibilitar a contratação de empréstimos em moeda diretamente

entre as empresas do exterior e do país, com predominância das transações entre

empresas do mesmo grupo (RESENDE, 1992, p. 224. Teixeira, 1994, p. 97). A

Resolução 63 abriu para os bancos de investimento ou de desenvolvimento privados e

aos bancos comerciais a possibilidade de tomar empréstimos em moeda estrangeira e

repassa-los às empresas residentes no país, tanto para financiar capital de giro quanto

para investimentos. De conjunto, deu-se um tratamento ao capital estrangeiro que

garantiu maior incentivo ao endividamento do que ao ingresso de investimento direto.

Reforçando este quadro estava o fato de o capital de risco ainda estar sujeito a um teto

de remessas de lucro de 12% sobre a aplicação registrada, enquanto que os

pagamentos de juros e amortizações não tinham limite máximo.

Foi em 1962 que começou a se observar o declínio na taxa de expansão do

investimento global (SERRA, 1982), sinalizando a entrada no período recessivo. Isso

passou a se expressar no Balanço de Pagamentos através da diminuição da entrada

autônoma de capitais estrangeiros. Houve, portanto uma redução no superávit da Conta

Financeira, com queda tanto dos investimentos diretos quanto dos empréstimos e

financiamentos. Neste ano, a conta de Transações Correntes registrou déficit de US$

453 milhões, muito superior ao do ano anterior, tendo apresentado saldo negativo

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127

inclusive na Balança Comercial, com queda nas exportações e pequeno crescimento

das importações. O déficit do Balanço de Pagamentos acabou sendo coberto

principalmente pelo acúmulo de atrasados comerciais.

Tabela 3. Balanço de Pagamentos (contas selecionada s) – 1962-1967 (Em US$ milhões) Ano 1962 1963 1964 1965 1966 1967 TRANSAÇÕES CORRENTES -453 -171 81 284 -31 -276 Balança comercial (FOB) -90 112 343 655 438 213 Serviços -203 -182 -129 -191 -271 -278 Rendas -199 -144 -188 -255 -277 -288 CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 472 210 134 -35 47 49 Investimento Direto 132 87 86 154 159 115 Reinvestimento 63 57 58 84 85 39 Outros Investimentos (líquido) 340 123 48 -189 -112 -66 TC + CCeF 19 39 215 249 16 -227 ERROS E OMISSÕES -137 -76 -217 -31 -25 -35 RESULTADO DO BALANÇO -118 -37 -2 218 -9 -262 Fonte: Banco Central do Brasil

Os efeitos do processo recessivo só começaram a se refletir claramente na conta

de Transações Correntes a partir de 1963. O saldo desta conta passou de fortemente

negativo neste ano para tornar-se positivo em 1964 e 1965. Para isso, combinaram-se

a queda nas importações (de US$ 1.304, em 1952, para US$ 941, em 1965), o

crescimento das exportações (de US$ 1.214, em 1962, para US$ 1.595, em 1965) e a

queda do déficit em Serviços. O saldo da Balança Comercial beneficiou-se tanto da

recessão como da atualização do câmbio e de uma série de incentivos à exportação. A

queda da atividade econômica e do comércio exterior levou à diminuição dos gastos em

Serviços. Ou seja, o processo recessivo que levou a uma diminuição na entrada

autônoma de capitais induziu também uma melhora nas balanças comercial e de

serviços, permitindo que o Balanço de Pagamentos voltasse a uma situação próxima ao

equilíbrio.

O déficit na conta de Rendas de Investimentos apresentou queda em 1963, para

depois seguir em trajetória de crescimento acelerado. Essa dinâmica deveu-se

fundamentalmente ao crescimento dos pagamentos de juros de empréstimos e

financiamentos. As rendas de investimento direto, por outro lado, apresentaram déficits

menores, sendo que o saldo de lucros e dividendos chegou a ser zero nos anos de

1963 e 1964. A partir de 1965, as remessas de lucros e dividendos voltaram a

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apresentar uma dinâmica de crescimento rápido, porém muito aquém das saídas sob a

forma de juros.

Os anos de 1963 e 1964 foram os que registraram a menor entrada líquida de

capitais estrangeiros. Nesses dois anos, a soma dos juros e das amortizações foi maior

do que a entrada de empréstimos e financiamentos, e o ingresso de capital de risco foi

o menor desde 1955. A partir de 1965 ambas as contas começaram a se recuperar,

sendo que a de empréstimos e financiamentos o fez em um ritmo muito mais acelerado.

O primeiro elemento que levou ao crescimento dos empréstimos e financiamentos foi o

apoio político do governo dos EUA e das agências internacionais à política econômica

implementada pelo novo regime. Em janeiro de 1965 o FMI concedeu crédito de US$

125 milhões, o Banco Mundial emprestou US$ 79 milhões para a construção de usinas

elétricas, fora os empréstimos do governo norte-americano (SANTOS, 2000, p. 113).

Segundo Resende (1992), o montante de empréstimos concedidos pela AID, agência

de “ajuda” externa norte-americana, levaram o Brasil a ser, entre 1964 e 1967, o 4º

maior receptor mundial de ajuda líquida.

Mas foi só a partir de 1966 que os empréstimos diretos em moeda, facilitados

pelas mudanças institucionais e políticas, começaram a apresentar um crescimento

sensível.

“Este influxo de capitais constituía-se na sua maioria de empréstimos e financiamentos contratados no exterior; 44,2% de tais empréstimos, em 1966, foram contratados por empresas de propriedade estrangeira, e 46,4% por empresas públicas. A participação das empresas nacionais privadas foi de apenas 6,5% dos empréstimos. Deve-se notar ainda que, no mesmo ano, 69,1% dos empréstimos foram concedidos por corporações não-financeiras privadas no exterior. Tratava-se, portanto, de empréstimos contratados pelas filiais brasileiras de empresas multinacionais junto às matrizes. Isto é confirmado pelo fato de que 32% dos empréstimos e financiamentos contratados em 1966 foram feitos através da Instrução 289 [...].” (RESENDE, 1992, ps. 223 e 224)

Com a publicação da Resolução 63, em 1967, os ingressos de empréstimos e

financiamentos tiveram um crescimento ainda maior. Entretanto, mesmo com a política

favorável ao capital estrangeiro, não houve entradas significativas de investimentos

enquanto a economia não superou a fase recessiva. Foram justamente as empresas

nacionais, principalmente as de menor porte, as que mais sofreram com a política

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monetária restritiva do PAEG. As grandes empresas, em especial as multinacionais, por

terem acesso ao crédito barato do exterior, tiveram muito menos problemas. Isso

resultou em um processo de fragilização financeira de muitas empresas, o que levou a

um movimento de concentração econômica e de desnacionalização. As firmas

multinacionais, se não estavam dispostas a realizar novas entradas de investimentos

diretos dentro de um quadro recessivo, se dispuseram a comprar o controle das

empresas privadas em dificuldades. A política de incentivos às exportações de

manufaturados também favoreceram as grandes empresas, especialmente as filiais das

multinacionais. “De uma maneira geral, a hegemonia da grande empresa – nacional

(quase sempre estatal) e estrangeira – foi consideravelmente reforçada” (SINGER,

1976, p. 85)

Apesar de não ter logrado atrair um grande influxo de capitais, as mudanças

institucionais e políticas promovidas através do PAEG prepararam o terreno para o

grande surto de crescimento que começou em 1968, conhecido como o “milagre

econômico”, e anteciparam as características extrovertidas e concentradoras de seu

financiamento.

5.2.4. 1968 a 1973

“Com a enorme capacidade ociosa no período recessivo, a indústria, em 1968, estava pronta a reagir positivamente ao primeiro estímulo. Este veio tanto pelo lado da oferta, pela maior disponibilidade de linhas de financiamento externo e interno para aumento da produção, quanto pelo lado da demanda, não obstante o efeito deprimente sobre o mercado interno da política de arrocho salarial. O sistema de intermediação financeira recém-montado começava a render seus primeiros frutos, dentre os quais a rápida expansão do financiamento ao consumo de bens duráveis” (TAVARES e ASSIS, 1985, p. 27)

O período entre 1968 e 1973 foi talvez o de maiores taxas de crescimento da

história do capitalismo brasileiro, com uma média de 11,2% ao ano e tendo alcançado o

pico histórico de 14% em 1973. Este crescimento econômico foi impulsionado pela

política fiscal e monetária expansiva adotada pelo governo a partir de meados de 1967,

amparando-se não só num momento de recuperação cíclica da atividade econômica,

mas também em uma série de condições que se combinaram na época. Do ponto de

vista interno, destacaram-se a existência de uma grande capacidade ociosa na

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indústria, como resultado do ciclo de investimentos ocorrido na segunda metade dos

anos 50 e da fase recessiva que ocorreu a partir de 1962, e as reformas institucionais

efetuadas nos primeiros anos do regime militar e que aumentaram as fontes de crédito

na economia.

Entretanto, as características e as dimensões deste crescimento só podem ser

explicadas à luz das condições criadas pela conjuntura internacional do período e pela

forma como se integrou a economia interna com os fluxos internacionais de

mercadorias, serviços e capitais. Era um período de abundância de liquidez no mercado

de eurodólares (dólares dos EUA aplicados nos bancos europeus, frutos dos grandes

déficits do Balanço de Pagamentos dos EUA) e de amplo dinamismo do comércio

internacional. A grande liquidez no mercado de eurodólares foi o resultado da redução

do ritmo de crescimento econômico dos países centrais e que levou ao deslocamento

de uma enorme massa de capitais de aplicações produtivas para o sistema financeiro

internacional, uma vez que uma parcela cada vez mais significativa dos lucros não

podia ser reinvestido na produção, sob pena de reduzir ainda mais as taxas de lucros

(GONÇALVES e POMAR, 2002, p. 12).

Em relação aos fluxos de capitais, como resultado das reformas institucionais e

da legislação relativa ao capital estrangeiro do período anterior, criaram-se mecanismos

através dos quais as necessidades de financiamento interno das grandes empresas

implicavam em captação de empréstimos externos, seja diretamente (Lei 4.131) ou

através de repasses dos bancos (Resolução 63). Os bancos internacionais, que

contavam com excesso de liquidez, buscavam oportunidades de aplicação destes

recursos. As taxas de juros baixas beneficiavam os tomadores de crédito. A economia

brasileira estava saindo de um período recessivo, entrando em um novo ciclo de

crescimento e possuía legislação permissiva à tomada de crédito externo por parte dos

bancos e das empresas. Com isso, integrou-se diretamente a dinâmica cíclica da

economia interna aos fluxos internacionais de capitais.

“Como resultado dessas transformações, os setores público e privado passaram a satisfazer parte de suas necessidades de crédito em cruzeiros através de operações que envolviam o simultâneo ingresso de divisas internacionais. Desde então, os movimentos de expansão ou retração na demanda por créditos em cruzeiros trouxeram, implícitos em si, movimentos de ampliação ou retração na demanda por crédito em moeda estrangeira” (CRUZ, 1983, p. 84)

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131

Também em relação ao comércio externo, ampliou-se a integração da economia

brasileira ao mercado mundial, com crescimento do coeficiente de importações com

relação ao PIB. As exportações também registraram crescimento considerável, além de

uma grande diversificação, com elevação da participação de produtos manufaturados52.

No valor total das exportações, esta participação passou de 16,8% em 1966 e 20,7%

em 1967, para 31,3% em 1973 (lago, 1992, p. 275). Contribuíram para este crescimento

das exportações, além da política governamental de incentivos (tais como créditos-

prêmio de IPI e de ICM, subsídios à produção de manufaturas exportáveis,

investimentos em infra-estrutura de apoio às exportações, etc.), a grande intensificação

do comércio mundial, especialmente através das multinacionais e de suas subsidiárias,

o deslocamento de uma parcela da produção agrícola que antes atendia ao mercado

interno para as exportações e uma considerável melhora dos termos de troca.

Tabela 4. Balanço de Pagamentos (contas selecionada s) – 1968-1973 (Em US$ milhões) Ano 1968 1969 1970 1971 1972 1973 TRANSAÇÕES CORRENTES -582 -364 -839 -1630 -1688 -2085 Balança comercial (FOB) 26 318 232 -344 -241 7 Serviços -333 -377 -473 -572 -743 -1027 Rendas -297 -337 -619 -729 -709 -1093 CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 680 936 1281 2173 3793 4111 Investimento Direto 135 207 378 448 441 1148 Reinvestimento 74 83 276 321 201 397 Investimento em Carteira (líquido) 53 30 40 139 261 Outros Investimentos (líquido) 545 676 873 1685 3213 2702 TC + CCeF 98 572 442 543 2105 2025 ERROS E OMISSÕES -1 -41 92 -7 433 355 RESULTADO DO BALANÇO 97 531 534 537 2538 2380 Fonte: Banco Central do Brasil

As importações e as exportações cresceram continuamente e em escala

exponencial ao longo de todo o período em foco. A dinâmica do saldo da Balança

Comercial pode ser dividida em três fases: entre 1968 e 1970 o saldo foi positivo, como

reflexo de que o crescimento econômico baseou-se fundamentalmente na ocupação da

capacidade ociosa, resultando em pequeno aumento dos estoques de capital fixo; em

1971 e 1972, com a plena utilização da capacidade produtiva, ocorreu uma onda de

52 As exportações brasileiras cresceram, em média, 27% a.a. entre 1967 e 1973.

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132

investimentos e de importação de máquinas e equipamentos, levando ao saldo negativo

na balança comercial; em 1973 o saldo comercial esteve próximo ao equilíbrio. No

período como um todo, o saldo da Balança Comercial ficou próximo ao equilíbrio.

Os Serviços apresentaram uma dinâmica crescentemente deficitária. O item

Transportes, que vinha apresentando déficits bem menores que sua média histórica,

voltou a ser a conta de maior destaque negativo, expressando o grande crescimento do

comércio externo brasileiro. A conta de Viagens Internacionais (com destaque para o

Turismo) foi a segunda mais deficitária, provavelmente como manifestação do

crescimento do poder aquisitivo da classe média urbana. Tiveram importância também

os saldos negativos nos itens Serviços Governamentais e Serviços Empresariais,

Profissionais e Técnicos (este último devido às saídas de recursos através do sub-item

Instalação/Manutenção de escritórios, administrativos e aluguel de imóveis). No

somatório das balanças Comercial e de Serviços, foram registrados déficits crescentes,

totalizando –US$ 3,52 bilhões no período considerado.

Este déficit, todavia, foi muito mais do que coberto pelos superávits da Conta

Financeira, descontados os déficits em Rendas de Capital. Ambos os Investimentos

Diretos e os Outros Investimentos (Empréstimos e Financiamentos) apresentaram

dinâmica de forte crescimento. Contudo a conta Outros Investimentos cresceu a taxas

muito mais expressivas. Esta última conta, que havia apresentado déficit em 1967,

obteve grande superávit em 1968 e, a partir daí cresceu de forma exponencial. Neste

período não houve tomada de empréstimos e financiamentos pela Autoridade

Monetária, fato que contrasta claramente com o ocorrido no período anterior, em que

esta foi a principal via de entrada de capitais. Entre os empréstimos e financiamentos,

há uma queda relativa (apesar do crescimento absoluto) da participação dos itens

Organismos, Agências e Compradores. O item que ganha destaque cada vez maior é o

de Empréstimos Diretos, que passam de 17% do total de ingressos de Empréstimos e

Financiamentos de Longo Prazo para mais de 50% de participação em 1969, 1970 e

1971, e chegando a mais de 70% a partir de 1972. Este destaque deve-se aos

empréstimos realizados nos marcos da nova arquitetura institucional e legal descrita

acima, através da Lei 4.131 e da resolução 63. Com relação às amortizações, o item

Empréstimos Diretos já tinha uma participação considerável, apenas atrás do item

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Compradores. Isto se deve aos empréstimos e financiamentos realizados durante a

execução do Plano de Metas e que ainda estavam sendo amortizados.

Os ingressos de Investimento Direto (exclusive re-investimentos) só começaram

a apresentar uma clara dinâmica de crescimento a partir de 1969 e com ritmo cada vez

maior, refletindo a crescente ocupação da capacidade ociosa. Os re-investimentos só

começam a reagir fortemente a partir de 1970. Estes investimentos (e re-investimentos)

dirigiam-se fundamentalmente ao setor industrial. Os principais países de origem dos

investimentos eram os EUA (37,5% do total), Alemanha Federal (11,4%), Canadá

(7,9%), Suíça (7,8%), Reino Unido (7,1%), Japão (7,0%) e França (4,5%) (LAGO, 1992,

p. 282). O forte crescimento dos investimentos e re-investimentos levou ao

aprofundamento do processo de internacionalização da economia brasileira, através da

criação e ampliação das filiais das empresas multinacionais e também de processos de

desnacionalização via fusões e aquisições.

A partir de 1969 começaram a ser registrados, no Balanço de Pagamentos, os

Investimentos em Carteira, através do item “Ações de companhias brasileiras”. Este

item teve participação relativamente pequena no total dos ingressos líquidos de

capitais, alcançando seu pico do período de US$ 194 milhões em 1973. Em 1972, após

quatro décadas de ausência do país no mercado internacional de capitais, o governo

brasileiro volta a emitir Bônus de longo prazo no exterior, ainda em pequenos

montantes. Volta a emitir em 1973, mas após as dificuldades financeiras internacionais,

as emissões públicas praticamente paralisam (GOMES, 1993, p. 93).

Este forte aumento dos ingressos de capitais estrangeiros resultou em uma

dinâmica também de crescimento acelerado das remessas de Rendas de Capitais, com

o pagamento de Juros de empréstimos e financiamentos representando cerca de 70%

do total das remessas de rendimentos. Na média do período, o ritmo de crescimento

das remessas de Lucros e Dividendos e de Juros é aproximadamente igual, apesar de

um crescimento muito mais acentuado dos ingressos de Empréstimos e

Financiamentos, o que é uma expressão de que as taxas de juros estavam em

patamares muito baixos.

O superávit na Conta Financeira, deduzidas as remessas de Rendas, muito

superior ao necessário para cobrir os déficits comerciais e de serviços, resultou em um

crescimento da dívida externa maior do que o hiato de recursos no período e,

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134

conseqüentemente, em um acúmulo de reservas. Este resultado, na verdade, exprime o

fato de que a economia brasileira reagiu de forma passiva às necessidades de

expansão do capital estrangeiro, ou, nas palavras de Cruz (1983), a economia brasileira

foi “capturada” num movimento geral do capital financeiro internacional em busca de

oportunidades de valorização (CRUZ, 1983, p. 65). As Reservas Internacionais do

Brasil que estavam em US$ 199 milhões em 1967, alcançaram US$ 6,4 bilhões em

1973 e a Dívida Externa Bruta passou de US$ 3,38 bilhões para US$ 12,6 bilhões no

mesmo período.

“A conclusão a que se chega, portanto, é que a tese de que a aceleração do endividamento externo brasileiro ocorrida durante o ciclo expansivo foi determinada pela necessidade de “poupanças externas” ou por estrangulamento do setor externo não encontra qualquer base de sustentação. Sendo assim, a contrapartida do significativo impulso sofrido pela dívida externa deve ser buscada na esfera das relações financeiras da economia brasileira com o “resto do mundo” e não na necessidade de superar “constrangimentos” do setor externo”. [...] “O que houve, isto sim, foi a convergência de uma situação de grande liquidez internacional com a de um ciclo expansivo interno onde a demanda por crédito em moeda doméstica exercida pelo setor privado crescia a taxas elevadas e onde as características institucionais do sistema financeiro interno faziam com que parcela crescente dessa demanda fosse atendida, independentemente do estado das contas externas, por operações que envolviam a entrada de recursos externos” (CRUZ, 1983, ps. 63 e 65).

Esse acúmulo de reservas internacionais, pelo crescimento das exportações e

pela facilidade em se contrair dívidas, foi responsável pelo que foi chamado de “ilusão

de divisas”, conduzindo a uma “enganosa euforia sobre as perspectivas de crescimento

da economia brasileira durante a década dos 70 – obscurecendo a secular restrição

imposta pelo balanço de pagamentos” (MALAN, 1983, ps. 72 e 73).

Tanto no caso dos fluxos de capitais, quanto no de mercadorias e serviços, os

principais agentes dessa crescente integração da economia brasileira no mercado

mundial foram as grandes empresas, principalmente as multinacionais. Em relação ao

crescimento do comércio externo brasileiro, o aumento da participação dos produtos

manufaturados na pauta de exportações brasileira era influenciado diretamente pelo

desempenho das empresas multinacionais, que estão localizadas justamente nos elos

mais dinâmicos da cadeia industrial. Além do mais, estas empresas possuem o controle

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135

dos canais de comércio internacionais, em especial no que diz respeito ao comércio

intra-grupo. Nas importações o quadro não é diferente. As principais importadoras de

máquinas e equipamentos e de bens intermediários são justamente estas firmas, que

possuem uma maior propensão a importar vis-à-vis as empresas de capital nacional.

Segundo Lago (1992), a contribuição das empresas multinacionais como um todo para

o saldo da Balança Comercial no início dos anos 70 parece ter sido negativa.

Em relação aos movimentos de capitais, de acordo com Cruz (1983), as

operações diretas pela Lei 4.131 privilegiam, por sua própria natureza, as grandes

empresas, em especial as de capital estrangeiro. As firmas de capital privado nacional

só tiveram alguma expressão enquanto tomadoras de recursos externos via Lei 4.131

nos anos de auge do ciclo expansivo. Outro elemento importante é que, para fugir das

restrições legais às remessas de lucros e dividendos a partir de certa quantidade,

previstas na legislação sobre o capital estrangeiro, pode-se afirmar que uma parcela

significativa dos empréstimos realizados foi, na verdade, uma forma disfarçada de

investimento direto.

5.2.5. 1974 a 1980

A economia mundial, que já vinha apresentando uma série de sinais de

desaceleração desde o final dos anos 60, após o choque do petróleo, no final de 1973,

entrou em um período claramente recessivo. Internamente, a queda da demanda

corrente de bens de consumo combinada com a expansão da capacidade produtiva

fruto dos investimentos produtivos realizados nos últimos anos, implicou em uma

tendência à sobre-acumulação e na abertura de um “hiato dinâmico entre a capacidade

produtiva e a demanda efetiva da indústria” (TEIXEIRA, 1994, p. 100).

A taxa média de crescimento do PIB, que havia alcançado o recorde de 11,2%

no período anterior (1968-73), reduziu-se para 7% entre 1974 e 1979. Este percentual

está no mesmo patamar da taxa histórica de crescimento do PIB, descaracterizando,

apesar da queda de ritmo, o período em questão como recessivo. O que evitou uma

forte recessão foi justamente a escolha de política econômica do governo Geisel, que

apostou em um plano de desenvolvimento (o II Plano Nacional de Desenvolvimento – II

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136

PND) voltado para a substituição de importações, vinculada às indústrias de bens de

capital e de bens intermediários.

Esta escolha só pôde ser feita em função da possibilidade de endividamento

externo. Esta possibilidade adveio do processo de reciclagem dos petrodólares (dólares

acumulados pelos países exportadores de petróleo devido aos seus superávits

comerciais) via mercado bancário europeu. O excesso de liquidez em poder dos bancos

internacionais, combinado com a recessão na economia mundial tornaria a economia

brasileira uma opção atrativa de aplicação, uma vez que o governo apostou na

manutenção do crescimento econômico. A dívida externa líquida, que era de US$ 6,2

bilhões (igual ao valor das exportações naquele ano) no final de 1973, subiu para US$

40,2 bilhões, em fins de 1979 (2,6 vezes o valor das exportações em 1979) (MALAN,

1983, p. 72). A natureza deste financiamento externo era, no entanto, altamente

instável e temerária.

“Embora contratadas a prazos de oito a dez anos, tratava-se na realidade de linhas de crédito renovadas continuamente com a repactuação da taxa de juros a cada seis meses, tomando-se por base a taxa de crédito interbancário em vigor no euromercado no momento da repactuação ou a taxa prime dos bancos norte-americanos” (TAVARES e ASSIS, 1985, p. 45).

Uma característica do endividamento externo tomado neste período é que a

composição dos tomadores internos dele deixou de ser majoritariamente privada,

passando as empresas estatais a responder por cerca de ¾ da dívida externa em 1980.

Isso ocorreu como conseqüência da queda de atividade do setor privado, que não

demandou tanto crédito externo como o governo previa. O nível de atividade foi

sustentado fundamentalmente pelos grandes projetos de investimento patrocinados

pelo Estado, através, principalmente de suas empresas. Além disso, o governo, para

manter elevadas as entradas de recursos em moeda estrangeira, praticamente forçou

as empresas estatais a tomarem empréstimos no exterior, ao manter os preços e tarifas

cobrados por elas corrigidos abaixo da inflação e ao dificultar-lhes o acesso ao crédito

interno, para não falar da pressão direta sobre seus dirigentes.

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137

Tabela 5. Balanço de Pagamentos (contas selecionada s) – 1974-1980 (Em US$ milhões)

Ano 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 TRANSAÇÕES CORRENTES -7504 -6999 -6426 -4826 -6983 -10708 -12739 Balança comercial (FOB) -4690 -3540 -2255 97 -1024 -2839 -2823 Serviços -1541 -1451 -1589 -1500 -1770 -2320 -3039 Rendas -1274 -2010 -2583 -3423 -4261 -5560 -7020 CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 6531 6374 8499 6151 11884 7624 9610 Investimento Direto 1154 1095 1219 1685 2056 2210 1544 Reinvestimento 382 299 411 877 975 721 411 Investimento em Carteira (líquido) 140 96 419 720 929 640 351 Outros Investimentos (líquido) 5237 5183 6861 3746 8899 4735 7648 TC + CCeF -973 -625 2073 1325 4901 -3085 -3129 ERROS E OMISSÕES -68 -439 615 -611 -639 -130 -343 RESULTADO DO BALANÇO -1041 -1064 2688 714 4262 -3215 -3472 Fonte: Banco Central do Brasil

A interação entre a situação da economia doméstica e a das contas externas

passou por três fases distintas neste período. A primeira ocorreu entre 1974 e 1976.

Sob o impacto do choque do petróleo e com o advento da recessão internacional

combinada com a manutenção de um patamar de forte crescimento econômico

doméstico, houve uma importante deterioração da situação do Balanço de Pagamentos.

As importações dobraram de valor entre 1973 e 1974, enquanto que as exportações

cresceram 28%. A Balança Comercial passou de uma situação próxima ao equilíbrio

para um déficit de US$ 4,7 bilhões e seguiu registrando resultados negativos, embora

declinantes, em 1975 e 1976. Serviços foi outra conta que registrou forte elevação em

seus déficits, com crescimento de 50%, especialmente através do item Transportes,

como reflexo da alta nos preços do petróleo, mas também em Viagens Internacionais.

A situação de crise levou a uma ascensão das taxas básicas de juros e dos

spreads internacionais, causando um impacto direto sobre o custo da dívida externa.

Este elemento, combinado com o aumento dos empréstimos externos, elevou o déficit

na conta Rendas. Entre 1975 e 1976, o saldo negativo na conta Renda de

Investimentos (descontados os re-investimentos) cresceu de US$ 900 milhões para

US$ 1,73 bilhões, ou seja, um crescimento de 92%. O item responsável por este

crescimento na remessa líquida de rendimentos foi o de Rendas de Outros

Investimentos (Pagamentos de Juros), visto que houve uma pequena queda no déficit

de Rendas de Investimentos Diretos (remessas de Lucros e Dividendos).

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138

Os Investimentos Estrangeiros Diretos mantiveram-se no mesmo nível de 1973,

mas os Investimentos em Carteira apresentaram queda, após um pico em 1973. Os

Investimentos em Ações caíram de US$ 194 milhões em 1973, para US$ 119 e US$

100 milhões em 1974 e 1975, voltando a elevar-se em 1976, para US$ 161 milhões. As

emissões de Bônus de Longo Prazo no exterior também apresentaram retração em

função da crise no mercado financeiro internacional, só voltando a apresentar melhora

a partir de 1976.

Esta combinação de mudanças acabou elevando a necessidade de compensar

os desequilíbrios do Balanço de Pagamentos através dos empréstimos internacionais e

da redução do déficit na balança comercial. Se no período anterior houve um ingresso

de divisas na Conta Capital e Financeira muito acima do necessário para compensar o

“hiato de divisas”, redundando em acúmulo de reservas, em 1974 e 1975 o crescimento

da entrada de capitais (com os Outros Investimentos passando de US$ 2.702 para US$

5.237 bilhões) não foi suficiente sequer para compensar os déficits nas contas de

mercadorias, serviços e rendas. O crescimento da dívida externa se deu sem acúmulo

de reservas.

Na segunda fase, no biênio 1977-1978, houve uma considerável melhora na

situação da Balança Comercial, com o déficit em Serviços sustentando-se mais ou

menos no mesmo patamar, o que diminuiu significativamente as necessidades de

ingresso de divisas sob o ponto de vista do financiamento dos déficits no Balanço de

Pagamentos. Em relação ao crédito externo, estes foram os anos de grande

crescimento da liquidez internacional ligado à reciclagem dos petrodólares, induzindo a

uma diminuição dos spreads bancários internacionais e a um alongamento dos prazos

dos empréstimos.

Esta disponibilidade de crédito internacional combinou-se com uma política

econômica que estimulou o endividamento externo, sendo as empresas estatais as

grandes tomadoras de recursos. Novamente, os empréstimos diretos foram a via

largamente mais utilizada para a captação destas divisas, mas também foram

importantes os empréstimos e financiamentos de Compradores, Organismos e

Agências. Além destes, o lançamento de Bônus de Longo Prazo no exterior também

ganhou ímpeto com a nova conjuntura de grande liquidez internacional. Os anos de

1976, 1977 e 1978 registraram captações crescentes nesta conta. As emissões de

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Bônus no exterior foram, até 1974, feitas exclusivamente pelo governo. A partir de 1976

as estatais começaram a lançar Bônus no exterior, tornando-se claramente majoritárias

nestas emissões nos anos seguintes.

Estas tomadas de recursos financeiros no exterior foram muito acima da

necessidade de financiamento dos déficits comerciais e em serviços. Mesmo com uma

parcela já considerável desses recursos tendo sido requerida para financiar o

pagamento de juros de empréstimos anteriores, ocorreu um crescimento considerável

das reservas internacionais.

A terceira fase compreende os anos de 1979 e 1980. Em 1979 ocorreu o

segundo choque do petróleo e uma nova desaceleração do crescimento econômico nos

países desenvolvidos. Isto implicou em um forte aumento dos déficits nas balanças

comercial e de serviços. Mas o que mais causou impacto no Balanço de Pagamento

nestes anos foi o crescimento vertiginoso das taxas de juros internacionais, que

atingiram diretamente os custos da dívida externa brasileira, cujos contratos em sua

maioria previam taxas de juros flutuantes. O déficit na conta Renda de Outros

Investimentos passou de US$ 2,7 bilhões, em 1978, para US$ 4,2 bilhões, em 1979, e

US$ 6,3 bilhões em 1980. O déficit com a remessa de lucros e dividendos, por outro

lado, apresentou queda em 1980, como reflexo da nova inflexão para baixo da

economia. Em 1979, passaram a ser registradas as remessas de lucros e dividendos de

Investimentos em Carteira, que até 1978 eram consideradas rendas de investimento

direto. Estas remessas ainda eram pouco significativas, mas em escala crescente.

Nessa situação, grande parte das entradas líquidas de capitais de empréstimo

serviram apenas para pagar os serviços das dívidas passadas e o resíduo era

claramente insuficiente para fazer frente ao “hiato de recursos” representado pelos

déficits comerciais e em serviços. Houve, ao contrário dos anos anteriores, uma

importante perda de reservas internacionais. Com o advento da nova crise, o volume de

captações líquidas através da emissão de Bônus de Longo Prazo no exterior caiu

rapidamente, passando de um máximo de US$ 930 milhões em 1978 para US$ 351

milhões em 1980. Nos dez anos seguintes o saldo líquido nesta conta passaria a ser

deficitário, só voltando a ser positivo em 1991.

O II PND foi o segundo esforço consciente para impulsionar o processo de

industrialização por substituição de importações. Diferentemente do Plano de Metas,

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140

atingiu fundamentalmente os segmentos de bens de capital e de bens intermediários,

seus investimentos tiveram clara predominância estatal e foram financiados em grande

medida pelo crédito bancário externo, na ausência de grandes projetos de instalação de

novos setores baseados no investimento estrangeiro direto. Entre 1974 e 1980, 80%

dos ingressos líquidos de recursos pela Conta Capital e Financeira ocorreram na conta

Outros Investimentos. A taxa média anual desses ingressos líquidos apresentou um

crescimento de 274% em relação ao período anterior (1968-1973). O volume absoluto

de Outros Investimentos que entraram no período teve um crescimento ainda maior,

visto que para manter o crescimento dos empréstimos e financiamentos líquidos era

necessário um ritmo de aumento ainda maior dos ingressos brutos, como forma de

compensar as amortizações ascendentes, que passaram de US$ 1,93 bilhões em 1974

para US$ 6,80 bilhões em 1980.

Os Investimentos Externos Diretos, apesar de terem registrado um crescimento

considerável em relação ao período anterior, representaram apenas 13% do total de

ingressos líquidos no período e os Investimentos em Carteira cerca de 6%. A dinâmica

de forte crescimento apresentada pelos Investimentos Externos Diretos, por sua vez,

deveu-se à manutenção de taxas significativas de crescimento econômico impulsionada

pela política governamental.

Como resultado deste volume de ingresso de capitais estrangeiros, os déficits

em Rendas passam a crescer em ritmo acelerado, passando de US$ 1,27 bilhões em

1974 para US$ 7,02 bilhões em 1980. O principal item responsável por este aumento foi

o de Rendas de Outros Investimentos, acompanhando, em primeiro lugar, o próprio

crescimento do montante total da Dívida Externa e, em 1979 e 1980, a elevação

significativa das taxas de juros internacionais. Os déficits em Rendas de Investimentos

Diretos registram uma pequena queda em 1975, refletindo a queda de ritmo da

economia doméstica. Após isto, crescem continuamente até 1978, passando a

apresentar uma trajetória de queda a partir de 1979, como resultado da nova inflexão

para baixo da economia acompanhando o segundo choque do petróleo e o crescimento

das taxas de juros.

O grau de endividamento da economia brasileira e de comprometimento de

divisas para fazer frente aos seus custos só pôde ser claramente sentido com as

mudanças na situação econômica internacional a partir de 1979, com o segundo

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choque do petróleo e a política econômica dos EUA que impulsionou a elevação das

taxas de juros internacionais. Selava-se, assim, a sorte dos países endividados

subdesenvolvidos. O ciclo de crescimento com endividamento, iniciado no final dos

anos 60, chagava assim a seu fim e iniciava-se outra fase, muito mais adversa, que

discutiremos na próxima seção deste capítulo. Observemos antes o quadro abaixo, que

estabelece uma comparação entre os três últimos períodos estudados:

Tabela 6. Comparação do Balanço de Pagamentos entre os períodos 1962-67, 1968-73 e 1974-80 (Em US$ milhões)

1962-1967 1968-1973 1974-1980 Período Total do Período

Média Anual

Total do Período

Média Anual

Total do Período

Média Anual

TRANSAÇÕES CORRENTES -565 -94 -7.188 -1.198 -56.186 -8.027

Balança comercial (FOB) 1672 279 -2 0 -17.075 -2.439

Exportação de bens 9041 150

7 20.026 3.338 86.905 12.415

Importação de bens -

7370

-122

8 -20.027 -3.338 -103.980 -14.854

Serviços -1254 -209 -3.525 -587 -13.210 -1.887

Rendas -1351 -225 -3.782 -630 -26.129 -3.733

CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 877 146 12.974 2.162 56.674 8.096

Investimento Direto (líquido)1 347 58 1.404 234 6.887 984

Reinvestimento 386 64 1.353 225 4.076 582

Investimento em Carteira (líquido)1 - - 523 87 3.294 471

Ações de companhias brasileiras - - 396 66 364 52

Bônus LP - - 131 22 2.951 422

Outros Investimentos (líquido) 144 24 9.694 1.616 42.310 6.044

Empréstimos e financiamentos LP e CP (líquido) 1089 182 9.216 1.536 42.771 6.110

Autoridade monetária (líquido) 585 98 -12 -2 0 0

Demais setores LP e CP (líquido) 504 84 9.228 1.538 42.771 6.110

Moeda e depósito (líquido) 0 0 1.380 230 3.741 534

Outros passivos CP (líquido) -444 -74 449 75 573 82

TC + CCeF 312 52 5.786 964 487 70

ERROS E OMISSÕES -522 -87 831 138 -1.614 -231

RESULTADO DO BALANÇO -210 -35 6.617 1.103 -1.127 -161 Fonte: Banco Central do Brasil 1. Investimento Direto (líquido) descontado o Re-investimento.

O período 1962-1967 presenciou uma fase cíclica recessiva com políticas

governamentais anti-inflacionárias de corte contracionista. Isso se combinou com uma

série de reformas institucionais favoráveis ao ingresso de capital estrangeiro,

principalmente o de empréstimo. O pequeno crescimento econômico implicou em

sensível melhora nas balanças de mercadorias e de serviços e, por outro lado, em uma

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142

considerável queda no ingresso de capitais estrangeiros autônomos, apesar dos

prognósticos dos formuladores de política econômica da época. Pode-se notar que a

maior parte dos empréstimos e financiamentos ocorreram no item Autoridade

Monetária, refletindo o predomínio dos Organismos e Agências internacionais como

fontes destes recursos e seu apoio político ao governo instalado em 1964.

O contraste é claro com o período seguinte. As taxas recordes de crescimento

econômico zeraram o saldo da Balança Comercial do período e quase triplicaram os

déficits em Serviços. Houve um salto espetacular nos saldos da Conta Capital e

Financeira. A média anual das entradas líquidas de Investimentos Estrangeiros Diretos

passaram de US$ 58 milhões no período 1962-1967 para US$ 234 milhões entre 1968

e 1973. Os Outros Investimentos, que tinham uma média anual de ingressos líquidos de

US$ 24 milhões entre 1962 e 1967, registraram a média anual de US$ 1,6 bilhões no

período subseqüente. Nos dois últimos períodos do quadro acima (1968-1973 e 1974-

1980), a totalidade dos ingressos de capital foi autônoma, com o item Autoridade

Monetária não registrando nenhum empréstimo ou financiamento. Estes foram

justamente os anos de grande disponibilidade de liquidez privada nos mercados

financeiros internacionais. As mudanças institucionais do período anterior combinadas

com uma fase ascendente do ciclo econômico e com uma política governamental

expansiva e estimuladora do ingresso de capital estrangeiro, levaram a um intenso

crescimento do endividamento privado, liderado pelas empresas multinacionais aqui

instaladas.

O último período (1974-1980) conviveu com uma situação de recessão na

economia mundial, uma tendência de baixa no ciclo econômico domestico, uma forte

deterioração dos termos de troca e uma política governamental que apostou no

crescimento com endividamento. A Balança Comercial tornou-se deficitária e o déficit

anual médio em Serviços mais que triplicou em relação ao período 1968-1973. A

elevação das taxas de juros no final do período acrescentou mais um elemento à

deterioração das contas externas. A soma dos déficits em Rendas e em Serviços, que

entre 1962 e 1967 representara 29% do valor total das exportações brasileiras, passou

a representar 37% deste valor no período entre 1968 e 1973 e 45% entre 1974 e 1980.

Por outro lado, há uma enorme elevação do ingresso de capital estrangeiro. A média de

ingresso líquido de Investimentos Estrangeiros Diretos subiu 320% e a dos Outro

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143

Investimentos ascendeu em 274%. Os Investimentos em Carteira, principalmente a

emissão de Bônus de Longo Prazo no exterior alcançaram a cifra média de US$ 471

milhões no período.

Como resultado do modelo histórico de industrialização efetuado no Brasil e

aprofundado durante o período militar, a economia brasileira tinha, nos anos 70, um dos

mais elevados graus de internacionalização da produção no mundo (GONÇALVES,

1999, p 66). Ainda segundo o mesmo autor, as empresas de capital estrangeiro na

indústria brasileira tinham seus investimentos significativamente concentrados em

determinadas indústrias, mais intensivas em tecnologia, como material elétrico e de

transporte, produtos farmacêuticos e química. O capital estrangeiro, além disso tinha

uma participação significativa na produção de bens de consumo duráveis e bens de

capital, mas uma presença menos expressiva nos segmentos produtores de bens

intermediários e, menor ainda, nos produtores de bens de consumo não-duráveis

(GONÇALVES, 1999, ps. 63 e 64).

A subida das taxas de juros internacionais encontrou uma economia com alto

grau de endividamento externo e marcou o fim da fase de grande crescimento

econômico apoiado o ingresso de capital estrangeiro. Um elemento significativo deste

período foi a crescente interação da economia doméstica com os movimentos de

expansão e retração dos capitais internacionais. As fases de crescimento foram

nitidamente condicionadas e articuladas aos ciclos de expansão dos capitais. Foi assim

na segunda metade dos anos 50, com o processo de expansão internacional das

multinacionais e também no final dos anos 60 e início dos 70, com o excesso de

liquidez nos mercados bancários internacionais. As altas taxas de crescimento

econômico vieram acompanhadas do aumento vertiginoso do passivo externo. As fases

de crise e recessão foram determinadas em grande medida pelas variáveis cíclicas

internas à economia brasileira (com peso cada vez maior para o componente

multinacional), mas os movimentos expansivos do capital internacional condicionaram

diretamente as características e a direção deste crescimento.

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144

5.3. Fase 4 – A crise do padrão anterior e a reest ruturação neoliberal

5.3.1. Anos 80

Foi bastante nítida a diferença da dinâmica da economia brasileira a partir do

início dos nos 80, se comparada com o que se passou nas décadas precedentes. As

décadas de 80 e 90 registraram taxas de crescimento muito abaixo da média histórica

anterior. Esta mudança importante de trajetória é reflexo da crise e esgotamento do

padrão de acumulação e de financiamento da economia brasileira que caracterizou a

industrialização por substituição de importações baseada na combinação do gasto

público com o ingresso de capital estrangeiro. No período iniciado após a 2ª Grande

Guerra, as fases de maior crescimento foram amparadas e fizeram parte dos

movimentos expansivos do capital internacional. Numa primeira fase esta expansão

assumiu a forma principal de IED e em um segundo momento a de capitais de

empréstimo. A profundidade da penetração do capital estrangeiro na estrutura da

economia brasileira, expressa no considerável grau de internacionalização produtiva, na

significativa dívida externa e na dependência comercial (esta tanto pelas necessidades

de importação de insumos, bens intermediários e de capital, como pela localização que

as empresas transnacionais adquiriram em relação à determinação das importações e

exportações e pela necessidade de obtenção de saldos comerciais permanentes para

fazer frente aos déficits em Serviços e Rendas), acumulados neste período, foi o

ingrediente básico que levou à crise que se estabeleceu quando a situação

internacional mudou.

A internacionalização produtiva e financeira da economia mundial desenvolvida

nas décadas anteriores, combinada com as relações geopolíticas definidas no período

do pós-guerra levou a que os EUA, nos anos 70, se vissem ameaçados em sua

hegemonia produtiva e comercial. Como resposta a esse processo, o governo dos EUA

procurou reafirmar “sua hegemonia por meio de seu poderio financeiro, fundado no uso

do dólar como moeda de reserva pelo sistema internacional” (CARNEIRO, 2002, p.

117), reação que levou a uma queda na atividade econômica nos principais países

industrializados. Esta resposta dos EUA gerou três efeitos que atingiram duramente os

países endividados da América Latina. A recessão nos países industrializados induziu a

uma deterioração dos termos de troca; a atração dos capitais em direção aos EUA junto

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145

com as dificuldades financeiras dos países da América Latina, levou a um forte

racionamento do crédito externo; em decorrência do grau de endividamento dos países

da América Latina e da subida das taxas de juros, nos anos 80 ocorreu uma grande

transferência de recursos destes países para o exterior.

O elevado estoque da dívida externa brasileira acumulado principalmente nos

anos 70 já vinha-se fazendo sentir nas contas externas, no final dessa década, através

dos pagamentos de juros. Entre 1978 e 1981, as taxas de juros reais pagas pela dívida

externa brasileira (sem contar os spreads), subiram de 9,1% para 18,8% ao ano

(SANDRONI, 1989, p. 49), levando o déficit em Transações Correntes a alcançar

dimensões criticas. O segundo choque do petróleo, ocorrido em 1979 e 1980, contribuiu

para agravar o quadro, visto que levou a um aumento repentino do valor das

importações (nos anos seguintes houve nova diminuição nos preços deste produto).

A saída adotada pelo governo brasileiro num primeiro momento foi a liquidação

massiva de divisas, com o propósito de manter o prestígio internacional do país e

assegurar assim a manutenção dos fluxos externos de capital (MARINI, 1992). Em um

segundo momento, especialmente após a moratória mexicana de 1982 e o fortíssimo

racionamento de crédito no mercado internacional de capitais para os países latino-

americanos, o governo brasileiro adota a política da obtenção de grandes superávits

comerciais, via promoção das exportações e redução das importações, com o intuito de

garantir as divisas necessárias para o pagamento dos compromissos com a dívida

externa. Como conseqüência desse processo, os anos 80 ficaram conhecidos no Brasil

como “a década perdida”, devido à sangria de divisas e à estagnação econômica.

Carneiro (2002), propõe dividir este período em duas etapas distintas no que se refere à

restrição do financiamento externo:

“na primeira, entre 1979 e 1982, ainda ocorre uma absorção de recursos reais do exterior, financiada por queima de reservas, pois houve apenas um racionamento de novos financiamentos pelo mercado. Depois da ruptura do mercado internacional de crédito em 1982, abre-se, após 1983, um período de crescente transferência de recursos ao exterior. Inicialmente, em 1983 e 1984, essas transferências realizam-se no âmbito de um racionamento ainda maior de novos créditos, desta feita supervisionado pelo FMI. Depois de 1985, o racionamento converte-se em supressão absoluta de novos financiamentos, implicando pagamentos crescentes ao exterior”. (CARNEIRO, 2002, p. 121).

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146

Tabela 7. Balanço de Pagamentos (contas selecionada s) – 1981-1989 (Em US$ milhões)

Fonte: Banco Central do Brasil

Entre 1981 e 1984 o país passou por uma forte recessão, chegando-se a

registrar crescimento econômico negativo em 1981 (-3,1%) e 1983 (-2,8%). Esta

recessão fez parte da queda do nível de atividade econômica ocorrida

internacionalmente como resultado da subida das taxas de juros internacionais e foi

potencializada pela política governamental adotada no Brasil, voltada para suprir as

necessidades de divisas para fazer frente ao pagamento dos juros. A política

governamental foi claramente determinada pela necessidade de reverter o saldo da

Balança Comercial, através de medidas contracionistas e de incentivos às exportações,

como forma de compensar o crescimento dos déficits em Rendas e o racionamento do

crédito externo.

A remessa de rendas (descontados os reinvestimentos) passa de US$ 6,6

bilhões, em 1980, para US$ 9,5 bilhões em 1981 e US$ 12,0 bilhões em 1982. Houve

crescimento da remessa de rendimentos em todos os itens dessa conta. As remessas

líquidas de Rendas de Investimentos em Carteira passaram de US$ 75 milhões em

1980 para US$ 341 milhões e as de Lucros e Dividendos de US$ 235 milhões para US$

474 milhões no mesmo período. Ainda referindo-nos às remessas de Rendas de

Investimento Direto, a partir de 1982 os Juros de Empréstimos Inter-Companhia

passaram a ser registrados em rubrica própria contabilizados dentro dessa conta.

Nesse ano as remessas líquidas nessa rubrica totalizaram US$ 454 milhões.

Entretanto, foram as remessas de Juros que deram a contribuição mais significativa

Ano 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 TRANSAÇÕES CORRENTES -11706 -16273 -6773 95 -248 -5323 -1438 4180 1032 Balança comercial (FOB) 1202 780 6470 13090 12486 8304 11173 19184 16119 Serviços -2819 -3491 -2310 -1658 -1594 -2557 -2258 -2896 -2667 Rendas -10275 -13548 -11044 -11498 -11283 -11150 -10418 -12200 -12667 CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 12746 12101 7419 6529 197 1432 3259 -2098 629 Investimento Direto 2315 2740 1138 1459 1337 174 1031 2630 607 Reinvestimento 741 1556 695 472 543 449 617 714 531 Investimento em Carteira (líquido) -3 -2 -288 -272 -231 -475 -428 -498 -421 Outros Investimentos (líquido) 10373 9339 6555 5295 -944 1706 2662 -4233 446 TC + CCeF 1040 -4172 646 6624 -52 -3892 1821 2081 1661 ERROS E OMISSÕES -415 -369 -670 403 -405 56 -806 -833 -775 RESULTADO DO BALANÇO 625 -4542 -24 7027 -457 -3836 1015 1249 886

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para o crescimento do déficit em Rendas, registrando um resultado líquido negativo de

US$ 6,3, 9,2 e 10,7 bilhões respectivamente em 1980, 1981 e 1982.

O ano de 1980 foi o último a registrar déficit na Balança Comercial antes de mais

de 10 anos de superávit. A recessão e a desvalorização cambial incentivaram as

exportações e desestimularam as importações. Com isso, as importações caíram e,

apesar do baixo nível de atividade nas economias centrais e da piora dos termos de

troca, as exportações ainda foram capazes de subir em 1981. O déficit em Serviços

apresentou redução, também fruto da queda do nível de atividade econômica e do

comércio exterior. Como resultado, o déficit em Transações Correntes apresentou uma

pequena queda em 1981.

Em 1981 ainda consegue-se ampliar a entrada autônoma de capitais,

principalmente de empréstimo, mas também de ingressos de investimentos diretos,

permitindo-se contrabalançar as amortizações e ainda garantir as divisas necessárias

para cobrir o déficit em Transações Correntes. Em 1982 houve um novo aumento dos

pagamentos de juros e uma redução do superávit comercial (efeito principalmente da

recessão nas economias centrais) que não puderam ser compensados pela entrada de

capitais, visto que ocorre uma diminuição dos ingressos de empréstimos e de

investimento direto. Como conseqüência, em 1982 ocorre um déficit no Balanço de

Pagamentos que foi suprido pela perda de reservas internacionais.

Com o advento da moratória mexicana em setembro de 1982, os credores

internacionais fecharam quase completamente as possibilidades de novos

empréstimos. Com isso, iniciou-se uma trajetória de queda das entradas de

investimento direto e os investimentos em carteira, que já vinham apresentando saldos

próximos a zero desde 1981, passaram a registrar saídas líquidas significativas. A

situação das contas externas tornou-se crítica, pois não havia mais como financiar os

déficits em Transações Correntes e as amortizações da dívida. A alternativa utilizada

pelo governo foi buscar o auxílio do FMI em sua negociação com os credores

internacionais, o que resultou em um acordo em que o déficit do Balanço de

Pagamentos seria coberto da seguinte maneira: US$ 4,2 bilhões foram retirados das

próprias reservas, sendo US$ 3 bilhões em divisas e os restantes 1,2 bilhão em ouro

monetário; US$ 300 milhões foram obtidos diretamente junto ao FMI, e US$ 4,1 bilhões

resultaram de operações compensatórias com os próprios bancos credores

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(SANDRONI, 1989, p. 56). O acordo também envolveu determinadas condições ao

governo brasileiro, como o arrocho salarial e a maxidesvalorização do cruzeiro com o

intuito da obtenção de grandes saldos na Balança Comercial.

“No limite, a posição dos banqueiros era eliminar qualquer financiamento adicional ao país. Em outras palavras, o déficit em transações correntes deveria tender a zero. Ou seja, o superávit comercial deveria ser suficiente para cobrir o déficit de serviços – de fatores e não fatores –, originando um processo de transferência de recursos reais ao exterior“ (CARNEIRO, 2002, ps. 126 e 127).

A desvalorização do câmbio, a profunda recessão, o arrocho salarial, a queda

nos preços internacionais do petróleo fizeram-se sentir no saldo da Balança Comercial

de 1983. Além disso, a entrada em operação de uma série de projetos de investimento

realizados durante o II PND induziu a um processo de substituição de importações em

certos segmentos de bens intermediários e de capital que levou à uma diminuição

estrutural do coeficiente de importações da economia brasileira. As importações

sofreram uma considerável queda em 1983 (de US$ 19,3 bilhões em 1982 para US$

15,4 bilhões em 1983) e as exportações apresentaram uma pequena melhora. Este

processo aprofundou-se no ano seguinte, auxiliado pela recuperação da economia dos

países centrais (EUA, Japão e Alemanha). Como resultado, ocorreram grandes saldos

comerciais nesses anos, alcançando-se as cifras de US$ 6,47 bilhões e de US$ 13,9

bilhões em 1983 e 1984. Na conta de Serviços também registrou-se uma melhora, com

a diminuição do déficit de US$ 3,5 bilhões, em 1982, para US$ 2,3 e US$ 1,7 bilhões

em 1983 e 1984, respectivamente. Transações Correntes teve seu déficit reduzido de

US$ 16,2 bilhões, em 1982, para US$ 6,7 bilhões em 1983, alcançando um pequeno

superávit de US$ 95 milhões em 1984.

Esses resultados, combinados com o financiamento de parte dos Juros devidos,

conseguidos através dos acordos supervisionados pelo FMI, permitiram que se

conseguisse fechar o Balanço de Pagamentos com algum acúmulo de reservas. A

queda no déficit em Transações Correntes nesses dois anos foi suficiente para

compensar a diminuição no saldo da Conta Capital e Financeira (descontados os

reinvestimentos), tendo essa última passado de US$ 10,5 bilhões em 1982 para US$

6,7 bilhões e US$ 6,0 bilhões em 1983 e 1984. Entre 1982 e 1984, o volume líquido de

ingresso de IED decaiu de US$ 1,6 bilhão para US$ 1,0 bilhão, o fluxo líquido de

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Investimentos em Carteira passou de uma situação próxima a zero para um déficit de

US$ 272 milhões (fundamentalmente na conta de Bônus de Longo Prazo negociados

no exterior), correspondentes aos pagamentos de amortizações dos empréstimos

levantados na fase anterior. A Conta Outros Investimentos Estrangeiros diminuiu seu

saldo de US$ 9,8 bilhões para US$ 5,3 bilhões.

“Desta forma, os megassuperávits de 1983 e 1984 foram obtidos através de uma retração do consumo (via arrocho salarial) e dos investimentos (via recessão) que marcaram fortemente nossa economia no início dos anos 80 e mostrando claramente o que significa pagar o serviço da dívida externa. O superávit comercial recorde de 1984, cobrindo o déficit da conta de serviços, amenizou nossas necessidades de empréstimos e financiamentos para equilibrar o balanço de pagamentos naquele ano. Estes se situaram em torno dos 8 bilhões de dólares, isto é, o correspondente à cobertura das amortizações. Portanto, a partir de 1984, a magnitude da dívida externa tendeu a se estabilizar, pois os novos empréstimos e financiamentos correspondiam mais ou menos à magnitude das amortizações: se por um lado a dívida crescia devido aos primeiros, por outro diminuía na mesma proporção, pois os mesmos eram utilizados para efetuar as amortizações. Mas a condição deste precário “equilíbrio” residia na obtenção de megassuperávits na balança comercial que neutralizassem os déficits na conta de serviços“ (SANDRONI, 1989, ps. 60 e 61).

Os megassuperávits comerciais serão a regra para todo o resto da década de

80. Especificamente em 1986, o superávit, embora grande, apresentou importante

queda como resultado do crescimento da absorção doméstica ocorrido no período de

aplicação do Plano Cruzado. Por outro lado, a partir de 1985 houve uma diminuição nos

ingressos de capital estrangeiro, manifestando-se principalmente na queda do ingresso

de novos empréstimos diretos, de US$ 6,4 bilhões em 1984 para praticamente zero

entre 1985 e 1987. Em 1985, se descontados os reinvestimentos, a Conta Capital e

Financeira foi negativa e só não foi em patamares bem maiores devido ao

refinanciamento de quase toda a amortização prevista para os empréstimos diretos

autônomos, o que também ocorreu nos anos seguintes.

A segunda metade dos anos 80 presenciou a aplicação de diversos planos

econômicos (Cruzado, Cruzado II, Bresser, Política do “Feijão com Arroz” e Verão) que,

entre seus ingredientes houve várias medidas que buscavam lidar com a difícil situação

das contas externas. O elemento comum foi o de que, na ausência de significativos

ingressos novos de investimento estrangeiro e com a necessidade de remunerar o

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estoque de capital estrangeiro já existente internamente, a economia brasileira era

movida a obter enormes superávits comerciais. O fechamento quase completo da porta

para novos empréstimos partir de 1985 levou à diminuição do crescimento e posterior

estabilização do patamar da dívida externa total, chegando a haver uma certa redução

em 1988, só voltando essa a apresentar importantes taxas de crescimento na década

seguinte. Assim, em 1989, a Dívida Externa total do Brasil estava 80% maior do que em

1980, mas apenas 10 % acima do patamar de 1985.

Tabela 8. Dívida externa total do Brasil, por prazo (milhões de dólares)

Ano Dívida total Médio e longo prazo Curto Prazo 1980 64.245 53.848 10.397 1981 73.963 61.411 12.552 1982 85.304 70.198 15.106 1983 93.556 81.319 12.237 1984 102.040 91.091 10.949 1985 105.171 95.857 9.314 1986 111.203 101.759 9.444 1987 121.188 107.514 13.674 1988 113.511 102.555 10.956 1989 115.506 99.285 16.221

Fonte: Conjuntura Econômica, fev. 2000 & Banco Central do Brasil (Elaboração de Gonçalves e POMAR, 2002).

A estratégia adotada em geral pelos investidores estrangeiros, por sua vez, foi a

de buscar reduzir seus níveis de investimento na economia brasileira, repatriando parte

do capital investido e remetendo ao máximo os rendimentos. Em relação aos

investimentos diretos, esta afirmação pode ser facilmente constatada nos números do

Balanço de Pagamentos. Na década de 80, as remessas de Lucros e Dividendos e de

Juros de Empréstimos Inter-companhia foram maiores do que os novos ingressos de

investimento direto; o saldo dos empréstimos inter-companhia foi negativo; e a partir de

1983, a maior parte das entradas que foram contabilizadas como ingresso de IED (já

descontados os reinvestimentos) correspondeu à conversão de obrigações externas em

capital de risco, ou seja, não representaram novos recursos. Para Gonçalves (1999), as

Empresas de Capital Estrangeiro (ECE) adotaram reações estratégicas no sentido do

recuo de sua inserção na economia brasileira, ao mesmo tempo que garantiam uma

remuneração às suas matrizes condizentes com os padrões exigidos:

“Desde o início dos anos 80, quando se iniciou um longo período marcado pela estagnação econômica (“década perdida”), as ECE no

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Brasil tiveram reações estratégicas em áreas distintas que lhes permitiram conciliar o paradoxo aparente entre a geração de lucros e recuo dos investimentos no país (GONÇALVES, 1997). As mudanças nas estratégias comercial, industrial, financeira e de investimento das ECE foram centradas, de modo geral, na expansão das exportações, racionalização de custos, demissões de trabalhadores, exercício do poder de mercado, incremento dos lucros financeiros e dos fluxos de saída de IED. No que se refere aos fluxos líquidos de IED, os dados mostram claramente que as subsidiárias de ECE no Brasil conseguiram, no contexto de crise econômica, gerar lucros para pagar a “taxa” crescente de inserção internacional da economia brasileira cobrada pelas matrizes. Outrossim, as ECE parecem ter adotado uma estratégia de recuo gradual com relação ao mercado brasileiro” (GONÇALVES, 1999, ps. 66 e 67).

Dentro da conta de Investimentos em Carteira, a rubrica “Ações de companhias

brasileiras” permaneceu em patamares muito baixos e, na maioria dos anos, ficou

próxima de zero. Os Bônus de Longo Prazo tiveram ingresso zero a partir de 1983 até

1990, quando registraram um pequeno ingresso. Por outro lado, foi significativo o

movimento de amortizações, deixando claro o absoluto recuo dos investidores em

títulos.

Como visto mais acima, houve uma grande diminuição da entrada de capitais de

empréstimo nessa década, chegando a haver saldo negativo na conta Outros

Investimentos em 1985 e 1988. Com a diminuição do saldo da Balança Comercial em

1986 e início de 1987, chegou-se a decretar moratória da dívida externa com credores

privados por um certo período. Foi necessário também o refinanciamento de grande

parte das amortizações.

5.3.2. Anos 90

O início dos anos 90 foi marcado pelo retorno dos países latino-americanos aos

mercados internacionais de capitais. A recessão econômica nos Estados Unidos e na

Europa colaborou para a redução das taxas de juros internacionais em 1991. Esta

situação ajudou a criar as condições para que se superasse a fase de escassez de

créditos externos que imperou desde a moratória mexicana de 1982. Havia, por um

lado, um excesso de liquidez internacional e, por outro, países periféricos com taxas de

juros atraentes, se comparadas com a dos países desenvolvidos, e governos com

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152

políticas econômicas simpáticas ao capital estrangeiro, delineadas no famoso

Consenso de Washington.

O retorno aos mercados internacionais de capitais deu um novo fôlego aos

balanços de pagamentos destes países e propiciou as condições para que lidassem

com as restrições causadas pelos déficits em Transações Correntes através de seu

financiamento pela entrada de capital estrangeiro. Assim, novamente os governos

optaram por promover transformações institucionais e estruturais que propiciassem a

maior rentabilidade aos detentores destes capitais, como forma de atrair o maior

montante possível. A aplicação do receituário neoliberal de privatizações,

desnacionalização, abertura comercial, desregulamentação econômica e maior

liberdade à mobilidade dos capitais foi a política econômica padrão adotada nesses

países.

De fato, na década de 90, a economia brasileira passou por grandes

transformações em sua inserção internacional, na estrutura de propriedade e na

estrutura produtiva. A nova situação internacional de excesso de liquidez, somada à

crise do padrão de acumulação e financiamento anterior da economia brasileira induziu

essas transformações. Entretanto, se comparado aos outros períodos de intenso

ingresso de capitais estrangeiros após a Segunda Grande Guerra, a década de 90 foi

um período de crescimento medíocre. A taxa média de crescimento econômico foi de

apenas 1,71%, inferior aos 2,13% da chamada “década perdida”. Mesmo no ano de

maior crescimento (5,85% em 1994) ficou aquém da média histórica do período entre

1930 e 1980.

O ingresso de capitais estrangeiros nos anos 90 pode ser dividido em duas

fases, sob o ponto de vista de sua forma: 1) até 1996 houve o predomínio dos

Investimentos em Carteira. Após a crise econômica que eclodiu no México no final de

1994, houve uma importante queda nos ingressos deste tipo de investimentos que, com

a ocorrência das crises no Leste-Asiático, na Rússia e no Brasil, e a posterior adoção

do câmbio flutuante, diminuíram ainda mais; 2) Desde 1997, a preponderância passou

para os fluxos de Investimentos Diretos, cujo crescimento se acentuou a partir de 1995.

A entrada líquida de investimentos diretos seguiu em ritmo crescente, alcançando o

pico de US$ 30,5 bilhões (líquidos) em 2000. No mesmo período, e como resultado da

crise cambial com fuga de capitais (principalmente investimentos em carteira) ocorrida

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153

no segundo semestre de 1998, o governo voltou a buscar empréstimos de

regularização junto aos organismos internacionais e a outros países, liderados pelo

FMI.

O governo Collor inicia-se em janeiro de 1990 com um plano econômico (Plano

Collor) que objetivava combater a hiperinflação e liberalizar o comércio externo

brasileiro. Suas medidas, em especial o bloqueio das cadernetas de poupança, contas

correntes e os outros investimentos superiores a Cr$ 50.000, levaram ao

aprofundamento da recessão econômica, que durou até o primeiro semestre de 1992.

Promoveu também a abertura comercial53, com o intuito de aumentar a concorrência

interna com os produtos importados. A rápida recuperação do processo inflacionário,

combinada com a retração da economia, sinalizou a crise deste plano. A especulação

com o câmbio resultante das medidas do plano, somada aos efeitos da abertura na

balança comercial (diminuição do saldo da balança comercial) levou à proximidade de

uma crise cambial, o que foi combatido com minidesvalorizações. “A especulação

cambial e as dificuldades para fechar um acordo com os credores externos representam

o fim do Plano Collor I” (CAPPA, 2002, p. 80).

Em janeiro de 1991, o governo lança o Plano Collor II, também com uma receita

recessiva. Novamente, o rápido retorno da inflação, a performance insuficiente da

balança comercial e a perda de reservas cambiais, levam este segundo plano à crise. O

governo, então, busca acelerar as negociações sobre a dívida externa com o intuito de

atrair o capital estrangeiro.

“Assim, aprofundou a adoção de algumas medidas neoliberais anunciadas em 1990. Entre as principais, foram selecionadas as seguintes: 1. privatização das empresas estatais com realização dos leilões da Usiminas, Celma, Mafersa, Cosinor, Indag e Aços Finos Piratini, entre outubro e novembro de 1991; 2. avanço da abertura comercial por meio do cronograma de redução das tarifas aduaneiras; 3. elevação das taxas de juros internas para atrair o fluxo de crédito externo voluntário”

“Ao lado do acordo da dívida externa com o FMI, em janeiro de 1992, os instrumentos de política econômica neoliberais acima descritos atraíram capitais externos e elevaram o estoque de reservas cambiais, constituindo um cenário favorável ao fim da recessão econômica, em meados de 1993, como também sinalizaram as condições básicas para

53 Um dos primeiros passos de política econômica no governo Collor foi a redução das barreiras comerciais. Foi a partir de 1988 que começou este processo, mas a partir do governo Collor (1990-1992) que a liberalização comercial ganhou seu maior impulso, sendo continuada pelos governos seguintes.

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implementar a política econômica de combate à inflação nos anos 90. O final da recessão esteve relacionado ao desempenho da agropecuária (crescimento de 5,4%, em 1992), à recuperação das exportações e, principalmente, ao retorno do fluxo de capital externo voluntário, atraído pela maior rentabilidade das taxas de juros internas comparando-se àquelas do mercado financeiro internacional” (CAPPA, 2002, p. 81).

Itamar Franco, que assumiu após a renúncia do presidente Collor, no final de

1992, manteve a política de abertura comercial e liberalização financeira, atraindo a

entrada de capitais, o que fez que aumentassem as reservas de divisas internacionais.

A combinação da conjuntura de abundância de liquidez internacional com a política de

liberalização comercial e financeira, criou as condições para a implementação do Plano

Real, sob o comando do então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que

viria a ser eleito presidente nas eleições de 1994. Como garantia ao capital estrangeiro,

o governo Itamar concluiu as negociações com o FMI, iniciadas durante o governo

Collor, com vistas a assinar a adesão ao Plano Brady54. Apesar adesão ao Plano Brady

ter significado uma redução, embora não muito relevante, no principal de parte da

dívida, seu efeito concreto foi o aumento dos pagamentos de juros ao exterior. Antes,

pagava-se apenas 30% dos juros devidos. Com a dívida em sua nova forma, convertida

em bônus, não seria mais possível a capitalização dos juros.

O resultado imediato da implementação do Plano Real foi a queda da inflação e

um certo crescimento da economia. A diminuição da inflação baseou-se,

principalmente, na sobre-valorização cambial e na abertura comercial. Expôs, assim, a

produção doméstica, com desvantagem, à concorrência de mercadorias importadas. O

resultado foi o crescimento das importações em um ritmo bastante superior ao das

exportações, levando ao decréscimo acentuado do saldo da balança comercial ainda

em 1994, para chagar ao déficit nesta conta de 1995 em diante. A balança de serviços

também recebeu impacto negativo, especialmente nos itens Transporte (como reflexo

do aumento das importações) e Viagens Internacionais (resultante do aumento do

poder de compra da moeda nacional fruto da sobre-valorização cambial).

54 Plano Brady: Chamado assim em referência ao Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Nicholas Brady, que o anunciou em março de 1989. Tem como elemento essencial a novação da dívida objeto da reestruturação, mediante a troca por bônus de emissão do governo do país devedor, que contemplam abatimento do encargo da dívida, seja sob a forma de redução de seu principal, seja por alívio na carga de juros. No caso brasileiro, o acordo firmado em abril de 1994 referia-se apenas à parte da dívida do setor público com bancos comerciais estrangeiros. O desconto efetivo associado ao acordo foi de 7,6% do valor da dívida afetada pelo acordo.

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155

A conta de Transações Correntes passou então, de pequenos déficits no início

da década e, inclusive, um superávit em 1992, para grandes resultados negativos. Esta

situação só pôde ser sustentada pela grande entrada de capital estrangeiro, no primeiro

momento na forma principal de investimentos em carteira, atraídos pelos diferenciais de

taxas de juros com os países desenvolvidos. É interessante notar que esta foi a

primeira vez que a forma predominante de ingresso de capital estrangeiro foi a de

investimentos em carteira, com preponderância para os títulos de renda fixa negociados

no exterior e, secundariamente, pela compra de ações de companhias brasileiras. A

participação dos investimentos em carteira atinge seu ápice em 1994, quando ocorreu a

troca de parte da antiga dívida externa pública por bônus de longo prazo, no âmbito do

Plano Brady. Começou a se estabelecer um forte vínculo entre a dívida externa e a

dívida interna (pública). Isto porque o governo passou a utilizar a elevação das taxas de

juros internas, por um lado, como forma de atrair investimentos estrangeiros e, por

outro, porque, para manter a inflação baixa, precisava enxugar o aumento da liquidez

interna advinda da entrada de divisas convertidas em reais e contrair o consumo

interno. Muitas das captações privadas externas, em geral via emissão de títulos,

passaram a ser feitas com o intuito de aplicar na dívida interna e ganhar com o

diferencial das taxas de juros. Este processo foi responsável pelo crescimento

acelerado da dívida interna em títulos públicos, que passou de R$ 59 bilhões, em 1994,

para 555,9 bilhões, em 2000, acumulando um crescimento de 1.036% neste período.

Os anos de 1997, com a “crise asiática” e de 1998, com a “crise russa”, foram os de

maior crescimento da dívida externa em títulos públicos (respectivamente 92% e 52%),

pois o governo, para combater a fuga de capitais, promoveu elevações abruptas nas

taxas de juros internas.

Este crescimento da dívida interna (pública) explica o decréscimo da dívida

externa pública, de US$ 90,6 bilhões, em 1993, para US$ 76,2 bilhões, em 1997. O que

ocorreu foi uma substituição de dívida externa pública por dívida interna. Como o

dinheiro internalizado e convertido em reais era em grande parte aplicado a taxas de

juros superiores ao das aplicações das reservas cambiais acumuladas neste processo,

o crescimento da dívida interna líquida foi muito superior ao decréscimo da dívida

pública externa líquida. As tomadas privadas de recursos internacionais para aplicar na

dívida interna elevaram a dívida externa privada. Ou seja, o vínculo criado entre a

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156

dívida interna e a dívida externa era também um vínculo entre dívida pública e dívida

privada. Isto representou, na prática, uma outra forma de estatização da dívida. Com a

crise cambial e fuga de capitais de 1998, o governo procedeu à reversão do processo

de substituição da dívida. Ocorreu, então, a diminuição momentânea da dívida interna55

pela fuga de capitais, e a volta do crescimento da dívida pública externa, através dos

empréstimos internacionais liderados pelo FMI.

A partir de 1995 a entrada de investimentos diretos teve significativo impulso56,

tornando-se, de 1997 em diante, a principal forma de ingresso de capital estrangeiro no

Brasil. As Fusões e Aquisições formaram parcela expressiva destes investimentos,

tendo sido o processo de privatizações um dos seus componentes principais. As ondas

de privatizações, iniciadas durante o governo Collor, ganharam ímpeto durante a gestão

de FHC, quando o capital estrangeiro passou a participar com força das compras das

empresas desestatizadas. Somou-se a isso o profundo processo de desnacionalização,

com a compra de parcela significativa das empresas privadas pelos investidores

estrangeiros. O crescimento deste tipo de ingresso foi em tal proporção que, segundo o

Censo de Capitais Estrangeiros, realizado pelo Banco Central do Brasil, o fluxo de IED

entre 1995 e 2000 foi superior a todo o estoque existente até 1995. Em outras palavras,

entre 1995 e 2000 ingressaram mais recursos como investimento direto do que em toda

a história pregressa. Isto significou uma profunda transformação na estrutura de

propriedade da economia brasileira, com complexas repercussões na cadeia produtiva

e nas formas de articulação da economia doméstica com a economia mundial e seus

centros econômicos. O antigo tripé (Estado, capital multinacional e capital privado

nacional) em que se baseou a industrialização brasileira desde a década de 50 foi

praticamente desfeito, com a ampliação da participação do capital estrangeiro e sua

inserção com peso em setores em que não estava presente, em detrimento da

participação estatal e do capital privado nacional.

A mudança de estrutura de propriedade vivida pela economia brasileira como

fruto da maior participação do capital estrangeiro teve efeitos negativos sobre a balança 55 Houve uma diminuição da dívida líquida do setor público em agosto de 1998, mas já em janeiro de 1999 ela voltou para sua trajetória de crescimento. 56 O processo de recuperação do ingresso de investimento direto iniciou-se já no início da década de 90, expresso tanto pela maior entrada de recursos em moeda como participação no capital, quanto pela reversão do sinal do saldo dos empréstimos inter-companhia, que de negativo ao longo dos anos 80, passou a positivo em quase toda a década de 90 (com exceção do ano de 1999). Mas foi a partir da segunda metade da década que houve um vertiginoso crescimento do IED

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157

comercial. Segundo Laplane e Sarti (1999), em relação à evolução da formação bruta

de capital fixo, houve um crescimento mais que proporcional das máquinas e

equipamentos importados em relação aos demais itens.

“No período 1994/997, enquanto a FBCF acumulou uma taxa de expansão de 18,4%, o item máquinas e equipamentos importados apresentou taxa quase seis vezes maior (107,6%), e o item máquinas e equipamentos nacionais apresentou evolução negativa (-18,8%). Essas diferentes trajetórias permitem compreender o medíocre desempenho do setor doméstico de bens de capital, cuja produção reduziu-se em 10% (contra um crescimento acumulado de 7,4% da indústria) no último triênio. Explicam, também, o menor poder de encadeamento da atual safra de investimento, dado que parcela significativa da demanda por bens de capital tem sido transferida para o exterior.” (LAPLANE e SARTI, 1999, p. 9. Os itálicos são dos autores).

Além dessa questão, a parcela de IDEs que foi dirigida para as Fusões e

Aquisições, colabora pouco para a geração de mais divisas ao longo do tempo através

do aumento das exportações e da substituição de importações, além de ampliar o

coeficiente importado de sua produção. Para agravar a situação, a maior parte destas

aquisições se deu no setor de serviços, como telecomunicações, distribuição de energia

elétrica, sistema financeiro, etc., que não geram divisas de exportações, mas que

importaram máquinas e equipamentos em seus processos de modernização.

Em relação ao crescimento da participação o capital estrangeiro na estrutura de

propriedade, combinado com as mudanças legais e institucionais promovidas pelo

governo57, observa-se, a partir de 1994, um forte movimento ascendente dos déficits

em Serviços, em especial os relacionados aos investimentos diretos, com destaque

para as remessas de Royalties e Licenças e Computação e Informação (a participação

destes dois itens no déficit da balança de serviços passou de 6,5% em 1994 para

20,9% em 1998). Com relação aos serviços influenciados diretamente pelo comércio e

57 Como parte da política de abertura ao capital estrangeiro, foi aprovado pelo Congresso Nacional em 31/12/1994 e entrou em vigor em 01/01/1995, o TRIPS (sigla em inglês para “Aspectos de Direito de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio). Em 15/05/1997, passou a vigorar a Lei de Patentes, que trata da proteção à propriedade industrial. Com esta lei, a empresa que decidir produzir comercialmente um produto patenteado, deverá conseguir uma licença do proprietário da patente e pagar royalties a ele. Isso permite às empresas proprietárias absorver uma parte do valor produzido pelas empresas licenciadas e, nos casos de empresas filiais do mesmo grupo, serve, muitas vezes como mecanismo de remessa disfarçada de lucros.

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158

indiretamente pelos investimentos, o déficit em Transportes também cresceu,

mantendo-se como o item de saldo mais negativo da Balança de Serviços.

Os déficits em Rendas apresentaram uma certa redução no início da década, se

comparados aos patamares alcançados nos anos 80. Porém, a partir de 1993, os

déficits nessa conta voltaram a apresentar crescimento acelerado, vindo a bater novos

recordes. Em 1995 e 1996, os patamares de remessas de rendas já haviam alcançado

os dos anos 80 e, a partir de 1997, os ultrapassaram com larga margem. A novidade

ficou por conta da composição destes déficits, visto que ocorreu uma queda relativa da

participação das Rendas de Outros Investimentos. Houve uma redução absoluta dos

déficits nesta conta entre 1990 e 1994, quando voltaram a apresentar crescimento.

Houve, por outro lado um crescimento da parcela referente às Rendas de Investimento

em Carteira e das Rendas de Investimento Direto. Esta mudança de composição

ocorreu principalmente como resultado mudança na composição do capital estrangeiro

aplicado no Brasil. Em relação aos investimentos em carteira, o crescimento das

remessas de rendas está ligado ao processo de crescente securitização das dívidas,

tendo tido um grande salto após 1994, quando da implementação do Plano Brady e ao

crescimento das emissões de títulos de renda fixa no exterior, fortalecido pelo vinculo

estabelecido entre dívida interna e dívida externa. O aumento das remessas de rendas

de investimento direto está ligado ao processo de privatizações e desnacionalização

dos anos 90.

Tabela 9. Balanço de Pagamentos (contas selecionada s) – 1990-2000 (Em US$ milhões) Ano 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TRANSAÇÕES CORRENTES -3784 -1407 6109 -676 -1811 -18384 -23502 -30452 -33416 -25335 -24225

Balança comercial (FOB) 10752 10580 15239 13299 10466 -3466 -5599 -6753 -6575 -1199 -698

Serviços -3596 -3800 -3184 -5246 -5657 -7483 -8681 -10646 -10111 -6977 -7162

Rendas -11773 -9743 -8152 -10331 -9035 -11058 -11668 -14876 -18189 -18848 -17886 CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 4592 163 9947 10495 8692 29095 33968 25800 29702 17319 19326

Investimento Direto 364 87 1924 799 1460 3309 11261 17877 26002 26888 30498

Reinvestimento 273 365 175 100 83 384 531 151 124 0 0 Investimento em Carteira (líquido) 472 3808 14465 12325 50642 9217 21619 12616 18125 3802 6955

Outros Investimentos (líquido) 3753 -3735 -6482 -2717 -43557 16200 673 -4833 -14285 -13620 -18202

TC + CCeF 809 -1244 16056 9819 6881 10712 10466 -4652 -3714 -8016 -4899

ERROS E OMISSÕES -328 875 -1386 -1111 334 2207 -1800 -3255 -4256 194 2637

RESULTADO DO BALANÇO 481 -369 14670 8709 7215 12919 8666 -7907 -7970 -7822 -2262

Fonte: Banco Central do Brasil

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Ou seja, observando-se o Balanço de Pagamentos brasileiro, notamos que

houve um acentuado crescimento dos déficits na conta de Transações Correntes entre

1995 e 1998, seguido por uma certa diminuição a partir de 1999, com a desvalorização

cambial. Neste déficit, o item mais negativo é o de Rendas. Em 1995, o déficit na conta

de rendas era de 11 bilhões de dólares, chegando a 19 bilhões de dólares em 2001. O

segundo item mais negativo foi o de serviços. Esta conta que já contribuía

negativamente em US$ 7,5 bilhões em 1995, chegou a ficar negativa em mais de US$

10 bilhões em 1997 e 1998, voltando ao patamar de US$ 7,7 bilhões em 2001. O déficit

na balança comercial ocupou apenas o terceiro lugar entre os itens que causam

impactos negativos na conta de transações correntes, com um saldo negativo de US$

3,5 bilhões em 1995, chegando a US$ 6,7 bilhões em 1997 e tornando-se levemente

positiva em 2001.

Gráfico 3. Transações Correntes nos anos 90 (em US$ milhões)

Fonte: Banco Central do Brasil

-40000

-30000

-20000

-10000

0

10000

20000

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

TRANSAÇÕES CORRENTES Balança comercial (FOB) Serviços Rendas

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É interessante notar que no debate público sobre política econômica na segunda

metade dos anos 90, dava-se grande ênfase no significado dos déficits comerciais, mas

praticamente não se falava nos consideráveis déficits em serviços, muito maiores do

que os primeiros. Dos itens de Serviços, os déficits em Transportes seguiram sendo os

mais significativos, tendo apresentado crescimento significativo ao longo de toda a

década. Entre os anos de 1995 a 1998 (período de auge do Plano Real), os déficits em

Viagens Internacionais alcançaram e ultrapassaram os de Transportes. O aumento dos

déficits em Transportes esteve diretamente relacionado ao crescimento do intercâmbio

comercial, em especial das importações. A sobrevalorização cambial pode ser encarada

como o principal elemento que levou aos déficits recordes em Viagens Internacionais.

Além destes itens, é importante destacar o comportamento de outros itens de

Serviços que também apresentaram comportamento crescentemente negativo, como é

o caso dos Royalties e Licenças, Computação e Informação, Aluguel de Equipamentos

e Serviços Pessoais, Culturais e de Recreação. A característica destes itens é que

estão vinculados fundamentalmente aos investimentos estrangeiros, em especial aos

IEDs. Com o significativo aumento da presença do capital estrangeiro e também fruto

das mudanças legais e institucionais aplicadas no âmbito dos planos neoliberais, estes

itens oneraram crescentemente a conta de Serviços, conforme pode-se observar no

gráfico abaixo:

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Gráfico 4. Conta Serviços nos anos 90 (itens seleci onados) (em US$ milhões)

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Pessoais, culturais e recreação Aluguel de equipamentos

Royalties e licenças Computação e informação

Fonte: Banco Central do Brasil

O déficit em Transações Correntes foi compensado pela entrada de capital

estrangeiro. O item que mais contribuiu para o saldo positivo na conta financeira, na

segunda metade da década, foi o dos Investimentos Estrangeiros Diretos, que

contabilizou a entrada líquida de US$ 3,3 bilhões em 1995, chegando a US$ 30 bilhões

em 2000, caindo para US$ 24 bilhões em 2001. Os investimentos em carteira seguiram

sendo fonte importante de entrada de divisas até 1998.

No segundo semestre de 1998, como reflexo da crise na Rússia, efetuou-se um

intenso processo de fuga de capitais. As reservas internacionais foram reduzidas de

US$ 74,7 bilhões em abril para US$ 44,6 bilhões no final do ano. O governo buscou

então levantar empréstimos de emergência junto aos organismos internacionais. O

programa de “ajuda financeira” internacional, no valor de US$ 41 bilhões, foi elaborado

com a participação do FMI, Banco Mundial, BID e Banco do Japão e BIS, sendo este

último responsável, também, pela coordenação de diversos países participantes do

programa (Banco Central do Brasil, 1999). Este acordo foi condicionado a uma série de

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políticas, especialmente nos terrenos fiscal e monetário. Ainda assim, não conseguiu

garantir a estabilidade da moeda que, em janeiro de 1999, passou a flutuar livremente,

tendo sofrido forte desvalorização. A partir de então, ocorreu a redução progressiva dos

déficits na Balança Comercial que, na década seguinte, voltaram a gerar mega-

superávits. Na ausência de ingressos suficientes de capital estrangeiro, os saldos

comerciais voltaram a cumprir um papel central na garantia dos recursos em moeda

estrangeira para o pagamento dos compromissos financeiros internacionais.

Enfim, o que ocorreu na década de 90 foi um processo de mudanças estruturais,

que desmontou consideravelmente o esquema montado desde os anos 50 e

aprofundou os vínculos de dependência com a ampliação do grau de

internacionalização da economia. Estas mudanças estavam inseridas e adaptadas a um

contexto internacional de maior mobilidade de capitais, de crescente securitização das

dívidas e de uma grande onda de fusões e aquisições que começou nos países

desenvolvidos e se estendeu à periferia. O modelo baseado na abertura comercial e

financeira, na desregulamentação, nas privatizações, na desnacionalização e, a partir

de 1994, na paridade cambial aumentou profundamente tanto o endividamento externo

(público e privado) como o interno e gerou um importante déficit nas balanças

comercial, de serviços e de rendas. Este déficit em conta corrente necessitava ser

compensado por um superávit cada vez maior na conta de capitais. Após a fuga de

capitais e o fim da âncora cambial, a obtenção de novos mega-superávits na balança

comercial passou a ser o elemento a compensar a queda do ingresso de capital

estrangeiro na geração de divisas externas para o pagamento dos compromissos

internacionais em moeda estrangeira.

5.4 – Considerações finais.

Nas últimas décadas do século XX, a economia brasileira tornou-se uma das

mais internacionalizadas do mundo. Em 2000, a dívida externa líquida alcançava 28,4%

do PIB e 3,1 vezes o valor das exportações anuais (fonte: Banco Central do Brasil). A

maior parte das grandes empresas passaram a estar sob o controle direto das

empresas multinacionais58. A avaliação da trajetória da inserção externa demonstra

58 De acordo com as informações contidas na Revista Exame de julho de 2001, das 100 maiores empresas no Brasil, classificadas por vendas, 54 têm controle estrangeiro ou compartilhado entre grupos

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uma crescente dependência do capital estrangeiro e a comprovação da ação deste

último na extração do excedente econômico, por meio de diversos mecanismos.

A partir do descrito no capítulo 5, pode-se identificar três períodos de intenso

fluxo de capitais privados em direção à economia brasileira que correspondem a três

ondas de internacionalização. Nestes períodos, a política econômica foi evidentemente

adaptativa às necessidades do capital estrangeiro. Cada uma destas ondas foi

precedida por mudanças institucionais que se ajustaram às suas características.

O primeiro período foi a segunda metade dos anos 50, quando da expansão

produtiva internacional das empresas multinacionais norte-americanas e européias.

Este período foi precedido pelo fim do sistema de controle quantitativo das importações

e a adoção do sistema de taxas múltiplas de câmbio e pelo estabelecimento da

Instrução 113 da SUMOC, que permitiu o ingresso de máquinas e equipamentos sem

cobertura cambial, contabilizados como investimento direto. Nesta fase, vários dos

principais ramos da indústria de transformação passaram a estar sob o controle das

firmas estrangeiras.

No final dos anos 60 e início da década de 70, o acúmulo de liquidez no

euromercado e a busca de aplicações mais rentáveis para estes recursos, levaram os

bancos internacionais a realizarem empréstimos a taxas de juros reduzidas às

empresas atuantes nos países periféricos, entre eles o Brasil. A economia brasileira

havia sido previamente adaptada para receber passivamente estes recursos, através da

reforma no sistema financeiro e da entrada em vigor da Instrução 289 da SUMOC

(1965) e da Resolução 63 (1967) do Banco Central, que permitiram, respectivamente, a

contratação de empréstimos em moeda diretamente entre as empresas do exterior e do

país e a tomada de empréstimos em moeda estrangeira pelos os bancos de

investimento ou de desenvolvimento privados e bancos comerciais e seu repasse às

empresas residentes no país, tanto para financiar capital de giro quanto para

investimentos. Esta legislação levou à vinculação direta entre as necessidades de

financiamento privadas, internas à economia brasileira, e os movimentos expansivos do

capital financeiro internacional. Este período foi de crescimento acelerado da dívida

externa. Na segunda metade dos anos 70, a diminuição do investimento privado interno

estrangeiros e brasileiros. Entre as empresas privadas esta participação é ainda maior (das 100 maiores, 60 são de controle estrangeiro ou compartilhado). E das empresas de controle societário brasileiro (privado ou estatal), uma parcela tem participação estrangeira no capital.

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reduziu as necessidades de financiamentos externos e, conseqüentemente, o ingresso

de capital estrangeiro. Para fazer frente às necessidades de divisas para cumprir com

os compromissos financeiros internacionais e viabilizar o II PND, o governo atraiu

recursos através dos empréstimos externos das empresas estatais e dos grandes

projetos, levando ao movimento de estatização da dívida externa. Contou, para isto

com a abundância de dólares, fruto da reciclagem, via euromercado, das divisas

acumuladas pelos países exportadores de petróleo.

No início dos anos 90, após uma década excluída do mercado internacional de

capitais, a economia brasileira passou a ser novamente alvo de atenção dos

investidores internacionais. A abundância de capital especulativo também encontrou

uma estrutura institucional que se adaptava às suas necessidades de valorização. Além

disso, o movimento de fusões e aquisições foi impulsionado por uma legislação cada

vez mais benéfica ao investidor estrangeiro59 e pelo processo de privatizações.

O sentido destas mudanças institucionais foi o da adaptação às transformações

na economia mundial em direção à maior liberalização comercial e de capitais. No início

do período do pós-guerra, no contexto do acordo de Bretton Woods, o governo tentou

garantir uma paridade cambial com liberalização comercial. Logo teve que recuar e, a

regra que prevaleceu durante muito tempo foi a de estabelecer controle sobre as

importações, primeiro de forma quantitativa, em seguida através de taxas múltiplas de

câmbio, e depois via tarifas. Na década de 90 as mudanças foram no sentido da

diminuição inclusive das tarifas de importação. A política referente ao capital estrangeiro

sempre foi liberal, ao contrário do ocorrido nos países desenvolvidos que estavam em

reconstrução após a guerra. As necessidades de divisas foram atacadas em duas

frentes: na comercial predominaram as políticas protecionistas visando a

industrialização, fortemente vinculada ao capital estrangeiro; na financeira e de capitais,

o processo histórico caminhou no sentido da abertura, liberdade e estímulo cada vez

maiores ao capital estrangeiro.

59 As maiores mudanças legais neste sentido ocorreram sob o governo Fernando Henrique Cardoso. Em 1995 consegue aprovar uma série de emendas constitucionais, a chamada “Reforma Constitucional”, que objetivavam atrair investimentos estrangeiros. Foi modificado o conceito de empresa nacional (passou-se a considerar empresa brasileira não a de capital nacional, mas a constituída sob as leis brasileiras e com sede e administração no país), a navegação de cabotagem passou a ser estendida às embarcações estrangeiras e foram quebrados os monopólios estatais dos recursos minerais, do petróleo, das telecomunicações e da exploração do potencial de energia hidráulica. Outra mudança legal importante neste sentido foi a legislação sobre patentes (ver nota 57).

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Nas duas últimas décadas do século XX ocorreram mudanças de qualidade.

Maior mobilidade de capitais diminuiu poder defensivo das economias nacionais. A

imposição das políticas neoliberais de abertura, privatizações e desregulamentação,

assim como o novo arcabouço institucional, ainda mais favorável ao capital estrangeiro,

fez com que a reação às dificuldades no Balanço de Pagamentos não fossem mais

combatidas com medidas protecionistas, mas com a velha receita ortodoxa de ajustes

recessivos, muito comum no período do padrão ouro.

Os períodos de abundância de fluxos de capitais privados foram intercalados por

crises e retrações, como entre 1962 e 1967, na década de 80 e nas crises cambiais do

final dos anos 90. Nestes períodos entraram em ação os fluxos de capitais oficiais,

como os empréstimos do FMI, Banco Mundial, BID, outros governos, etc. Junto com os

empréstimos, vieram também as cláusulas condicionantes. Um traço comum em cada

um destes períodos de refluxo foi a estatização da dívida externa. Nos anos 60 isto se

deu via empréstimos do FMI e do governo dos EUA; na segunda metade dos anos 70,

no âmbito do II PND, a estatização da dívida ocorreu através dos empréstimos para as

estatais e para os grandes projetos governamentais; nos anos 80, ocorreu via

empréstimos do FMI e assunção da dívida privada em dólares pelo governo e; no final

dos anos 90, através dos empréstimos internacionais liderados pelo FMI. Ainda em

relação aos anos 90, foi utilizada a dívida pública pelos governos, através do aumento

das taxas de juros internas, como forma de atrair capital estrangeiro e de atacar as

pressões inflacionárias. Isto vinculou a dívida interna pública á dívida externa privada. O

corolário disto foi a priorização absoluta pelo governo dos pagamentos dos

compromissos da dívida interna, em detrimento dos gastos sociais e dos investimentos

estatais, por um lado, e uma série de políticas visando dar o máximo de garantias de

que os investidores não terão dificuldades em remeter seus recursos para fora quando

for conveniente.

A própria lógica do processo leva à reprodução da dependência do capital

estrangeiro. As necessidades de crescimento e desenvolvimento chocam-se com a

chamada “restrição externa”. A dinâmica cíclica do capitalismo mundial e dos

capitalismos centrais promove períodos de expansão internacional, seguidos por outros

de retração. São nos períodos de expansão internacional do capital que a economia

nacional costuma encontrar o oxigênio necessário para o crescimento. Assim, os

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diferentes governos buscaram adaptar a economia às necessidades de expansão

destes capitais, transformando estes períodos nos de maior internacionalização da

economia brasileira. Os laços de dependência se vêem assim reforçados, tornando

mais agudo o problema da extração de excedentes e de limitação ao crescimento no

longo prazo.

São nos períodos de refluxo de capitais que se abrem as possibilidades de crises

nos balanços de pagamentos e de ruptura dos elos mais frágeis do sistema, que são os

países periféricos. A atuação das instituições criadas nos acordos de Bretton Woods,

como o FMI e o Banco Mundial, nestes casos, tem sido no sentido de não permitir que

ocorram estas rupturas, pois isto significaria a cessação de pagamentos dos

compromissos financeiros com o estrangeiro ou a adoção de medidas de controles de

capitais. Os empréstimos internacionais concedidos ou liderados por estas duas

instituições cumprem a função de permitir que as relações de dependência não sejam

rompidas e que não ocorram maiores prejuízos do lado dos investidores internacionais.

O custo proposto é o das políticas ortodoxas de ajuste recessivo e das mudanças que

ampliem ao máximo as liberdades de movimentação dos capitais privados.

Como resultado, vemos a tendência histórica de aprofundamento da

dependência e do crescimento do peso da remessa de excedentes econômicos às

economias centrais. O Balanço de Pagamentos, neste contexto, reforça seu papel

como instrumento estatístico e analítico a serviço das políticas de preservação das

relações de dependência e na garantia de que a extração do excedente econômico

ocorra com o menor risco possível de descontinuidade.

A concepção do país-como-um-todo, utilizada na confecção do Balanço de

Pagamentos, não é desprovida de sentido. Este tratamento não tem o significado de

maior autonomia da economia doméstica, no âmbito de um planejamento econômico

nacional com vistas ao desenvolvimento econômico-social. Ao contrário, conforma-se

como uma forma de legitimar a privatização dos lucros nos períodos de auge e a

socialização dos prejuízos quando há crise ou descenso, sem que se rompa com os

mecanismos da dependência. No auge, os capitais autônomos ingressam em busca de

oportunidades de investimentos e de lucros. Na crise, os capitais oficiais vêm em

socorro dos capitais autônomos e com o intuito de dirigir os recursos internos da

economia doméstica de acordo com a prioridade de garantir os interesses dos

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investidores estrangeiros. O conjunto da economia e do Estado é posto a serviço da

garantia da manutenção dos fluxos internacionais.

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Conclusão

Cabe agora fazer um apanhado das principais conclusões tiradas ao longo deste

trabalho. De acordo com o escrito na apresentação, propôs-se aqui realizar um debate

a respeito da dependência, desde um referencial marxista e partindo das questões

levantadas, principalmente entre as décadas de 60 e 80, pela vertente conhecida como

a Teoria Marxista da Dependência. O foco esteve colocado sobre um dos aspectos

desta discussão, que é o da ação do capital estrangeiro na extração de excedente

econômico (mais-valia) produzido internamente à economia brasileira e na reprodução

da dependência.

O tema foi abordado nos terrenos metodológico, teórico, histórico e empírico nos

cinco capítulos precedentes. Em todos eles procurou-se reconstruir o debate que se

estabeleceu historicamente contra os postulados da teoria neoclássica, especialmente

no que concerne ao significado e determinantes das transações econômicas

internacionais. Na parte empírica foi utilizado o Balanço de Pagamentos como principal

instrumento disponível para medir as transações internacionais. Tornou-se necessário,

também, fazer uma discussão metodológica a respeito deste instrumento, visto que sua

concepção e forma de organização estão baseadas justamente nos conceitos da teoria

neoclássica.

Durante o período que corresponde à segunda metade do século XX, as teorias

ortodoxas do comércio e do investimento internacionais foram alvos de críticas de

vários autores que demonstraram a fragilidade deste enfoque, de suas premissas

irreais, de seu método estático, formal, a-histórico e apologético e de sua incapacidade

prática para explicar a realidade. A teoria das vantagens comparativas (tanto na versão

ricardiana como na neoclássica), que está no cerne da compreensão ortodoxa das

transações internacionais, já foi contundentemente contestada teórica e empiricamente.

Ao contrário das afirmações baseadas nesta visão, a crescente liberdade de

movimentação internacional de mercadorias e capitais não tem levado à convergência e

à equidade, mas ao aprofundamento da desigualdade de desenvolvimento e à criação

de obstáculos ao crescimento de longo prazo das economias dependentes. Contudo,

apesar das críticas categóricas sofridas pela economia neoclássica, ela ainda é o corpo

teórico mais difundido e aceito nas instituições acadêmicas ao redor do mundo, além de

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ser a base conceitual para os materiais escritos e para a justificativa das políticas

propugnadas pelas principais instituições econômicas multilaterais, como o FMI e o

Banco Mundial. A ofensiva neoliberal do final do século XX reforçou a tal ponto esta

hegemonia ideológica que se chegou à pretensão de afirmá-la como pensamento único.

Em contraposição ao critério ortodoxo de se partir da economia nacional para se

chegar à economia internacional, entendida como um agregado de países, torna-se

necessário uma abordagem oposta, que veja a economia mundial como uma totalidade

orgânica, hierarquizada e historicamente construída. Só assim pode-se analisar

corretamente suas partes constitutivas e suas inter-relações. Observa-se assim que o

país-como-um-todo não deve ser a unidade de análise fundamental para a

compreensão do funcionamento do sistema. As contradições internas à nação e as que

atravessam suas fronteiras são muito mais relevantes do que as estabelecidas entre

países como totalidades. Na fase imperialista do capitalismo, em que a exportação de

capitais torna-se o elemento central na determinação das relações econômicas

internacionais, este critério torna-se ainda mais importante, pois o que se vê é uma

crescente interpenetração das economias nacionais através da ação dos capitais

multinacionais.

A dinâmica dos espaços econômicos nacionais é cada vez mais condicionada

por estas movimentações internacionais de capitais. As movimentações internacionais

de capitais, mercadorias e serviços são reflexos de decisões, acordos e conflitos sociais

entre empresas, trabalhadores, governos, etc. Entre estes agentes, o que cumpre o

papel mais relevante na determinação das transações internacionais é a grande

empresa multinacional. O país não é um agente concreto, não tem interesses próprios,

não toma decisões. Os países são palcos em que estas relações ocorrem, suas

existências têm uma série de conseqüências na dinâmica econômica das transações

internacionais, mas eles não são os agentes dinamizadores. E mesmo enquanto palco

das atividades econômicas, o espaço econômico nacional está subordinado a uma

totalidade superior, que é a economia mundial.

Há muito que os marxistas enxergaram as relações internacionais da economia

mundial como hierarquizadas, utilizando para isto várias diferentes classificações

(países imperialistas, coloniais e semi-coloniais; dominantes e dominados;

desenvolvidos e subdesenvolvidos; centrais e periféricos etc.). A Teoria Marxista da

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Dependência se filia nesta tradição, e tem por objeto de estudo a formação econômico-

social latino-americana a partir de sua integração subordinada à economia capitalista

mundial (Sotelo, 2005. Pág. 188). Conforme citação já feita de Marini, a dependência é

entendida como uma relação de subordinação entre nações formalmente

independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são

modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência. Um

dos aspectos desta integração subordinada é a transferência de valores e de mais-valia

das economias dependentes em direção às economias centrais ou imperialistas, como

fruto da ação do capital estrangeiro.

Para medir esta extração de excedentes econômicos, o principal instrumento

estatístico disponível é o Balanço de Pagamentos. A dificuldade de lidar com este

instrumento parte de sua concepção, baseada nos critérios e conceitos da teoria

ortodoxa. Sua forma de organização leva a que as transações econômicas entre

agentes econômico-sociais concretos, como empresas, investidores, trabalhadores,

governos, apareçam como ocorrendo entre países. Obscurece o verdadeiro sentido das

relações sociais e econômicas e dificulta a observação de como se dá a ação do capital

estrangeiro através e no interior das fronteiras nacionais. Todavia, uma análise

sistêmica e histórica pode, a partir da leitura das contas do Balanço de Pagamentos,

permitir compreender até certo ponto como estas relações se estabelecem.

Para a teoria neoclássica, o elemento chave para a explicação das transações

econômicas internacionais é o comércio, que ocorreria entre países, baseado no critério

das vantagens comparativas e de acordo com a “dotação de fatores” de cada país. A

movimentação de capitais teria uma função temporária e compensatória dos

desequilíbrios comerciais entre os países ou seria vista apenas como “comércio inter-

temporal”. A concepção defendida aqui é a da centralidade da exportação de capitais

na fase imperialista do capitalismo, o que torna o investimento estrangeiro o principal

elemento determinante das relações econômicas internacionais. Cada vez mais é o

movimento de capitais que explica o movimento de mercadorias, de rendas e de

serviços. É nos movimentos internacionais de capitais que está a chave para a análise

das informações contidas nas contas do Balanço de Pagamentos.

O investimento estrangeiro condiciona as transações internacionais do Brasil por

duas vias fundamentais que estão relacionadas entre si. A primeira é devido ao seu

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peso e centralidade na determinação dos padrões do comércio internacional de

mercadorias e de serviços, por um lado, e de suas remessas (explícitas ou ocultas) de

rendas, por outro. Por esta via, no período analisado, a ação do capital estrangeiro

implicou déficits permanentes em rendas e serviços e enfraqueceu a posição comercial

pela via do intercâmbio desigual. A segunda via se dá através das necessidades de

divisas internacionais, de forma a não permitir interrupção dos fluxos de pagamentos

internacionais, ao condicionar as políticas econômicas dos governos no sentido da

obtenção de superávits comerciais e da busca da atração do capital estrangeiro. A

relação entre as duas vias é intima, visto que a evasão de excedentes que implica a

primeira, leva à maior necessidade de trilhar a segunda. O efeito da primeira via sobre a

segunda torna-se mais agudo na medida em que o passivo externo líquido cresce e

leva a maiores remessas de rendas, em que o peso crescente das remessas por conta

dos serviços aumenta e em que se aprofundam os mecanismos de troca desigual,

levando à maior necessidade de divisas. Ou seja, a transferência historicamente

crescente de valores leva a necessidades recorrentes de recursos para equilibrar as

contas externas, o que coloca a possibilidade de crise cada vez que este equilíbrio é

rompido. Por outro lado, a aplicação da segunda via (atração de mais capitais externos

e a obtenção dos superávits comerciais), implica a obtenção e viabilização da

reprodução ampliada da primeira via. As duas vias se alimentam mutuamente.

Durante o século XX, a economia brasileira passou por três transições

estruturais, fortemente condicionadas pelas transformações por que passou a economia

mundial e seus países centrais. Durante aproximadamente duas décadas, a sociedade

brasileira passou por um processo de industrialização relativamente autônomo, que

deslocou o eixo de desenvolvimento econômico da economia exportadora para o

mercado interno. Esta industrialização relativamente autônoma foi possibilitada pela

crise que viveu o capitalismo mundial com o advento das duas guerras mundiais e da

crise de 1929. A impossibilidade de seguir reproduzindo a velha economia exportadora,

combinada com outros elementos, levou à virada em direção ao mercado interno. A

recuperação da economia mundial após a segunda guerra mundial e a afirmação da

hegemonia dos EUA no sistema internacional condicionaram a transição seguinte da

economia brasileira, que aprofundou sua industrialização em base a um forte

crescimento da participação do capital estrangeiro, que se instalou em setores chaves

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da indústria de transformação. Os investimentos estrangeiros diretos que ingressaram

se dirigiram fundamentalmente para a produção voltada para o mercado interno. A

terceira transição ocorreu com o advento da crise do modelo de industrialização vigente

até então e com a ofensiva neoliberal, quando foram promovidas reformas estruturais

de abertura comercial e financeira, privatizações, desnacionalizações,

desregulamentação etc.

O estudo de como se deu, concretamente, a atuação do capital estrangeiro na

economia brasileira da segunda metade do século XX, fase em que se afirmou a

hegemonia norte-americana no sistema mundial de estados, demonstra que sua

integração na economia mundial ocorreu às custas da ampliação da exportação de

excedente econômico e da dependência. O crescimento do peso do capital estrangeiro

dentro da economia brasileira levou ao desenvolvimento paralelo de mecanismos mais

complexos de transferência de valores e de mais-valia, que tiveram expressão no

conjunto das contas do Balanço de Pagamentos. Como resultado, a economia brasileira

chegou à virada do milênio como uma das mais internacionalizadas do mundo, tendo

parte considerável de suas grandes empresas controladas pelo capital estrangeiro,

possuindo uma considerável dívida externa. De forma cada vez mais aguda, a dinâmica

do conjunto da economia nacional vem sendo condicionada pelas necessidades de

valorização do capital estrangeiro.

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