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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL WIGNA DIONILO ENTRE SABRINA, JÚLIA E BIANCA: ANÁLISE SOBRE FAMÍLIA E TRADIÇÃO NOS ROMANCES SENTIMENTAIS NATAL/RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

WIGNA DIONILO

ENTRE SABRINA, JÚLIA E BIANCA: ANÁLISE SOBRE FAMÍLIA

E TRADIÇÃO NOS ROMANCES SENTIMENTAIS

NATAL/RN

2016

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WIGNA DIONILO

ENTRE SABRINA, JÚLIA E BIANCA: ANÁLISE SOBRE FAMÍLIA

E TRADIÇÃO NOS ROMANCES SENTIMENTAIS

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao corpo docente do Curso

Superior de Bacharelado em Serviço Social

da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, em cumprimento às exigências legais,

como requisito parcial à obtenção do título

de Bacharel em Serviço Social.

Orientada por: Prof. Dr. Henrique

André Ramos Wellen

NATAL/RN

2016

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Dionilo, Wigna.

Entre Sabrina, Júlia e Bianca: análise sobre família e tradição nos

romances sentimentais / Wigna Dionilo. - Natal, RN, 2016.

51f.

Orientador: Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do

Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento

de Serviço Social.

1 Romance - Literatura - Monografia. 2. Gênero - Monografia. 3. Família –

Monografia. 4. Tradição – Monografia. I. Wellen, Henrique André Ramos.

II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA

CDU 82-31-055.2

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Dedico este trabalho às quatro mulheres mais

importantes da minha vida: Lúcia, minha mãe

amada, por ter acreditado em mim; Yasmin, minha

filha dos cachinhos mais lindos, por me fazer

acreditar; Josiana, minha tia e segunda mãe, por ter

cuidado tão bem de mim; Lourdes (in memoriam),

minha avó materna, por ter estado ao meu lado

nesta caminhada.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e da capacidade de alcançar meus objetivos. Obrigada,

Senhor, por não ter desistido de mim.

À minha avó Lourdes (in memoriam), por ser o meu anjo da guarda. Obrigada, vozinha

linda, por ter me guiado e me acalentado mesmo em outro plano espiritual. Te amo para

todo o sempre.

A Lúcia, minha mãe, a mulher cuja fé move montanhas. Meu amor e gratidão por ti não

tem dimensão. Obrigada por ter aumentado a minha fé e fazer eu acreditar que era

capaz.

A Yasmin, meu bem mais precioso, é por você que busco ser uma pessoa melhor a cada

dia. És a razão da minha vida, minha filha linda.

A José e Washington, meu pai e meu irmão, pelo incentivo e ajuda durante minha

jornada. Amo vocês.

A Thiago, meu primo, amigo e amor, obrigada pela paciência e por todo amor, carinho e

cuidado que tens comigo. Deus te escolheu para mim. Amor de primo é para sempre.

A Ana Paula, minha tia dos olhos mais lindos, obrigada pela ajuda e por todo incentivo,

quando pensava em desistir você dizia: cadê tua fé, mulher? Você consegue. Deus está

contigo. Acho que fomos mãe e filha em outra encarnação.

A Josiana, Joelma e Graça pela ajuda durante esses anos e por se orgulharem de mim.

Amo vocês e todas as minhas outras tias. Vocês são minhas mães de coração. Obrigada,

Graça, por ter me apresentado aos romances sentimentais.

A Luana, minha tia mais jovem que mais parece ser minha irmã, obrigada por se

preocupar comigo e me incentivar sempre. Desejo que um dia sejamos colegas de

profissão. Te amo.

A Gleyce, prima e cunhada, obrigada pelo incentivo e mensagens de carinho. Obrigada

pelas mediações que fazes, tenha certeza que serei eternamente grata.

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A Aparecida, Karol e Rívia, minhas irmãs de outras mães que compõem nosso Quarteto

Bacharel. A caminhada foi mais fácil ao lado de vocês. Amo muito vocês.

A Williany e Yasmin que sempre me incentivaram e me ajudaram durante esses anos.

Williany, obrigada por ter cuidado tão bem da minha pequenina. Ela te ama e eu

também.

A Henrique Wellen, meu orientador. Sem palavras para te agradecer. Obrigada por

todas as orientações, por todo suporte, conselhos e por ter feito eu acreditar que era

capaz. Ah, obrigada por ter me ensinado a inserir nota de rodapé.

A todos que contribuíram direta e indiretamente para minha formação profissional.

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―— Aquele que, homem ou mulher, não sente prazer na

leitura de um bom romance deve ser insuportavelmente

estúpido (…).‖

(Jane Austen)

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RESUMO

O romance sentimental se origina no interior da cultura de massa e faz parte do

imaginário feminino. O contato desde cedo com o mundo literário, sobretudo com o

romance sentimental, foi de extrema relevância para a escolha desta linha de pesquisa.

Os romances abordam várias temáticas importantes, e a mais forte delas é a

hierarquização das relações de gênero, onde a mulher é retratada de maneira submissa

ao homem e o mesmo detém toda sabedoria e poder. Será explicitado quanto à origem

da Coleção Biblioteca das Moças bem como da série Sabrina, Júlia e Bianca. Nesse

sentido, a elaboração do referido trabalho teve como objetivo geral analisar como as

relações de gênero são retratadas nos romances sentimentais; e como objetivos

específicos buscou explorar como a família está apresentada no âmbito de tais romances

bem como a cultura e a tradição que neles estão arraigadas. A metodologia utilizada tem

como suporte uma revisão bibliográfica e a pesquisa de cunho qualitativo. Foram

analisadas minuciosamente 3 (três) obras, extraindo a ideia central de cada uma delas.

Como reflexão final, formulou-se uma sinopse do presente trabalho, procurando

enfatizar o que foi conseguido e o que se poderia alcançar.

Palavras-chave: Gênero. Romance. Família. Tradição.

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ABSTRACT

The sentimental novel originates inside global culture and inserts of imaginary

feminine. Starts bonding with the world`s literary was extremely relevant choice of

research line, in particular sentimental novel. The novels addresses many relevant

themes, most important of which is hierarchy human relationships gender, where the

woman is pictured to submit to men, which has total knowledge and power. As will be

detailed, in their origins collection of Biblioteca das Moças as well Sabrina, Júlia e

Bianca. The purpose of this work has analyze how relationships gender are Portrayed in

sentimental novels. Sought to explore how the family introduced inside context of

novels as well culture and tradition that they are rooted. The methodology supported by

a literature review and qualitative research methods. Was analyzed central idea each one

of three literary Works. As reflection, Drew is a synopsis of this work will trying to

emphasise the importance of was managed that could be attain.

Keywords: Relationships Gender. Sentimental Novels. Family. Tradition.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 01: capa do livro ―Uma Noiva em Leilão‖ ........................................................19

Imagem 02: capa do livro ―O Anjo Vingador‖ ................................................................21

Imagem 03: capa do livro ―Lições de Sedução‖...............................................................25

Imagem 04: capa do livro ―Dominados pela Paixão‖ ......................................................27

Imagem 05: capa do livro ―A Cigana e o Cavaleiro‖.......................................................29

Imagem 06: capa do livro ―Como se Casar com um Marquês‖........................................41

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1. ROMANCE SENTIMENTAL 16

1.1 Origem do romance sentimental 16

1.2 Coleção Biblioteca das Moças 18

1.3 Sabrina, Júlia e Bianca: editora Nova Cultural 20

1.4 Descrição dos personagens 22

1.5 Sinopse dos livros analisados 24

2. FAMÍLIA E CASAMENTO NOS ROMANCES SENTIMENTAIS 31

2.1 Família: elementos históricos 31

2.2 A família retratada nos romances de banca 33

2.3 Casamento por amor ou conveniência? 35

2.4 Casamento feliz: a quem cabia essa responsabilidade? 38

3. CULTURA E TRADIÇÃO: A VIRGINDADE COMO SINÔNIMO

DA MORAL 42

3.1 Mulher virgem e recatada: em nome da moral e dos bons costumes 42

3.2 Damas de companhia: servir e proteger a honra 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS 48

REFERÊNCIAS 50

ROMANCES CONSULTADOS 52

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INTRODUÇÃO

Branca de neve, Cinderela, Rapunzel e tantas outras histórias fazem parte do

imaginário das crianças/adolescentes. ―Era uma vez...‖ e ―Casaram e viveram felizes

para sempre‖ são assim os começos e os finais das histórias infantis. As personagens

passam a trama inteira à espera do seu príncipe encantado e quando o encontro acontece

ambos têm o mesmo objetivo: o casamento.

O enredo segue sempre a mesma linha: moça de pele branca, olhos claros,

cabelo liso e ela consegue vencer as batalhas da vida; como uma espécie de

―recompensa‖, ela encontra o grande amor e os dois vivem felizes por toda a eternidade.

Algumas mulheres crescem acreditando nesse ideário romântico e na fase adulta

algumas delas escolhem o romance sentimental como parte integrante de seu mundo

literário, pois ainda sonham com a chegada do príncipe encantado.

Justificando a escolha da temática, afirmo que, como leitora assídua desde os 12

(doze) anos de idade desse tipo de literatura, sempre os li de maneira romântica e nunca

questionadora. Todavia, a partir da aproximação do debate de gênero dentro da

academia, passei a ler de maneira mais crítica, analisando-os e trazendo para minha

realidade. Os romances abordam várias temáticas importantes e que dariam uma boa

análise, entretanto, uma em questão chamou-me a atenção, a saber, a hierarquização das

relações de gênero, na qual a mulher é retratada de maneira submissa ao homem e o

mesmo detém toda sabedoria e poder.

Discutir sobre as relações de gênero na academia é de extrema relevância na

medida em que nos possibilita uma aproximação com a temática, sobretudo quando são

retratadas dentro desse contexto literário. Outro fator importante se dá devido à

profissão do Serviço Social ser majoritariamente feminina, com isso acarreta o

machismo para com as profissionais. Além da profissão ser dita feminina, o público

alvo desta profissão é composto, em sua maioria, por mulheres.

Diante disso, temos o seguinte questionamento: como as relações de gênero são

retratadas no contexto dos romances sentimentais? Nesse sentido, a elaboração do

referido trabalho teve como objetivo geral analisar como as relações de gênero são

retratadas nos romances sentimentais; e como objetivos específicos buscou explorar

como a família está apresentada no âmbito de tais romances bem como a cultura e a

tradição que neles estão arraigadas.

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Levando em consideração que a pesquisa busca indagar e entender o tema de

estudo desvendando os problemas da vida cotidiana, através da relação da teoria com a

prática (MINAYO, 2000), usou-se como método para concretizar este referido trabalho

a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo. A primeira, de acordo com Fonseca

(2002), é realizada através do levantamento de referências teóricas já analisadas e

publicadas, seja por meios escritos ou eletrônicos, como livros, artigos e páginas da

internet. Já a segunda trabalha com o universo de significados, motivos, crenças, valores

e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e

dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis

(MINAYO, 2000).

Adentramos no universo da nossa pesquisa, ou seja, dos romances sentimentais,

ressaltamos que existe uma grande quantidade de volumes, que, mesmo expressando

uma semelhança nos enredos apresentados, buscam abordar temas e contextos distintos.

Dentre esses, optamos por restringir a nossa análise à coleção intitulada ―clássicos

históricos‖.

Assim, como recorte analítico e metodológico, selecionamos 3 (três) obras, que,

conforme exposto mais à frente, expressam momentos históricos diferentes sem,

contudo, romper com a expressão estética unitária acerca da questão de gênero. Foram

analisadas, portanto, 3 (três) obras, em que se objetivou apreender e analisar a ideia

central de cada livro. Inobstante, cabe ressaltar que, ainda que esses 3 (três) livros

tenham sido primordiais para a elaboração da análise, outras obras também foram lidas

e, conforme exposto, aparecerão citadas ao longo da nossa monografia.

Diante disso, a estrutura interna deste trabalho encontra-se dividida em 4

(quatro) partes. A primeira, introdutória, refere-se ao objeto de estudo, a justificativa da

autora pela escolha do tema, aos objetivos que pretendem ser atingidos e a metodologia

utilizada.

A segunda parte está dedicada à origem do romance sentimental, em que serão

explicitados os surgimentos da Coleção “Biblioteca das Moças”, bem como da série

―Sabrina, Júlia e Bianca‖ que são editadas pela Nova Cultural. Posteriormente trará uma

descrição das personagens e, por fim, uma sinopse dos livros analisados.

O terceiro momento está destinado a um breve levantamento histórico quanto a

origem da família bem como a maneira que ela aparece dentro dos romances e sua

relação com o casamento, questionando a quem cabia a responsabilidade de fazer o

casamento dar certo e se o mesmo acontece por amor ou conveniência.

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No quarto momento trataremos a temática da tradição como parte integrante da

cultura, na medida em que a questão dos valores e costumes estão arraigados nos

contextos dos livros de banca. Iremos abordar a importância da virgindade feminina

atrelada à moral e aos costumes da sociedade, descobrindo qual é o papel das damas de

companhia no tocante à proteção da honra das donzelas.

Por último e como reflexão final, formulou-se uma sinopse do presente trabalho,

procurando enfatizar o que foi conseguido e o que se poderia alcançar.

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1. ROMANCE SENTIMENTAL

Neste capítulo explicitaremos a origem do romance sentimental e como ele

contribuiu para a formação do público leitor, essencialmente o público feminino. Para

isso, será apresentado a gênese deste romance que tinha como objetivo principal

―domesticar‖ as leitoras para o matrimônio e, com isso, serem boas esposas.

Cabe ressaltar que a literatura é vista como arte e esta faz parte da imanência

histórica, como possibilidade de objetivação histórica. A literatura é um reflexo da

sociedade e ―se apresentam como obras que, a partir do reflexo estético, carregam a

tentativa de expressar a essência histórica e humana nas suas diversas contradições [...]‖

(WELLEN; WELLEN, 2016, p. 12).

Na obra Cultura, arte e literatura, de Marx e Engels, Lukács fez uma

introdução à obra e afirma que ―a criação artística [...] enquanto uma forma de reflexão

do mundo exterior na consciência humana, está inserida na teoria geral do

conhecimento professada pelo materialismo dialético. [...]‖ (LUKÁCS, 2010, p. 23).

Esses dois autores acreditam que o pensamento e o universo estão em constante

mudança, mas não acreditam que as mudanças no campo das ideias seriam

determinantes para a definição da realidade. Pelo contrário, para eles, são as mudanças

ocorridas no nível da realidade material que determinam as mudanças em nossas ideias.

1.1 Origem do romance sentimental

No campo literário existe um tipo de literatura que se origina no interior da

cultura de massa. A partir do século XIX classificaram-na de maneira pejorativa

chamando-a de subliteratura. Essa classificação se fortalece com a origem do chamado

romance de folhetim, que tinha sua produção inserida dentro de uma seção específica no

jornal.

O folhetim surgiu na França e as histórias eram de leitura rápida e publicadas

todos os dias nos jornais em espaços destinados ao entretenimento. Ganhou o espaço de

uma parte do jornal no qual eram publicadas críticas literárias, receitas culinárias e

outras variedades, compondo assim, um ―rodapé‖ do jornal. Para Cavalcante (2005, p.

64), ―o folhetim é desde seu nascimento, o romance publicado no rodapé dos jornais,

por sua vez, vendido a preços baixos e com grande tiragem [...]‖.

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Segundo Meyer (1988), o folhetim tem essa nomenclatura porque deriva da

palavra francesa feuilleton que significa ―folheto‖ e indicava o nome do espaço físico,

localizado no rodapé do jornal, ao qual se destinavam as variadas publicações, como

citado anteriormente. Segundo essa autora, a criação de um espaço no jornal destinado à

publicação de textos, que visava o entretenimento do público leitor, foi uma estratégia

formulada pelo jornalista Émille Girardin para estimular, juntamente com o baixo preço

do periódico, o aumento da sua vendagem.

No Brasil, o romance de folhetim teve início em 1830 no Jornal do

Commércio1. Tanto na França quanto no Brasil, o folhetim alcançou proporções

extraordinárias, passando a compor o cotidiano e o imaginário das leitoras. Essa prática

de leitura aos poucos contribuiu, positivamente, em duas vertentes: alavancou as vendas

dos jornais e colaborou para a formação de um público leitor em uma época que nem

todos são alfabetizados. Para Meyer (1996), se levar em consideração

O nível de analfabetismo no Brasil fica uma pergunta: até que ponto

as classes populares podiam consumir os romances ditos populares

que lhes eram destinados ―naturalmente‖? É verdade que, neste país

formado pelos padrões da oralidade, onde, nos primórdios do

folhetim, dominavam as famílias extensas e casas recheadas de

serviçais e, mais tarde, as habitações populares coletivas, cortiços e

vilas operárias, há de se levar em conta o efeito multiplicador de uma

oitiva coletiva durante os serões (MEYER, 1996, p.382).

A partir de então o público foi se envolvendo cada vez mais com a leitura, pois

as histórias contadas nunca chegavam ao fim na mesma publicação do jornal, isto é, os

leitores tinham que esperar até a próxima publicação para continuar a narrativa, era o

chamado ―continua amanhã‖. A cada final de capítulo tornava-se inevitável a dúvida:

―E agora, o que vai acontecer?‖ Assim, ao aguçar a curiosidade do público leitor,

aumentava o número de assinantes e garantia-se as vendas.

Do folhetim surgiu a literatura de entretenimento que, segundo Paes (1990, p.

25-26), ―faz parte da cultura de massa (...). A fim de satisfazer ao maior número

possível de seus consumidores, as obras dessa cultura se abstêm de usar recursos de

expressão que, por demasiado originais ou pessoais, se afastem do gosto médio‖.

Essa literatura de entretenimento ou literatura de massa, como também é

conhecida, se diferencia da literatura culta, pois de acordo com Sodré (1988), a

literatura de massa se manifesta através de um discurso específico, e os seus estímulos

1 Fundado em 1°de Outubro de 1827, o jornal circula até os dias atuais.

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de produção e consumo partem do ideal econômico da oferta versus a procura, ou seja,

do próprio mercado. Já para a literatura ser considerada culta, ela deve passar, na

maioria das vezes, pelo reconhecimento das academias e o estilo culto implica uma

intervenção pessoal do escritor na língua escrita.

Da literatura de entretenimento surgiram os romances sentimentais, ou como

também são conhecidos: romance água com açúcar, romance de mulherzinha, romance

do coração e romance cor de rosa. Os romances sentimentais são histórias que tratam

de amor e paixões destacando os estados emocionais e os conflitos internos das

personagens muito mais do que as suas ações externas (SAMONÁ, 2013 apud

ANDRADE; SILVA, 2013).

Cabe ressaltar que os romances sentimentais citados e utilizados na construção

deste trabalho se referem aos romances vendidos semanalmente nas bancas de jornais.

1.2 Coleção “Biblioteca das Moças”

No início do século XX as cidades brasileiras estavam se modernizando e as

editoras acompanharam essa modernização. Em decorrência disso, houve um aumento

significativo na demanda por bens culturais e as empresas que atenderam aos pedidos e

exigências dos leitores prosperaram, como é o caso da Companhia Editora Nacional,

que entre os anos de 1935 a 1963, teve centenas de números, muitos deles com até 10

(dez) edições publicadas dentro da mesma coleção.

Em 1920, os irmãos Frédéric Henri Petitjean de la Rosiére e Jeanne Marie

Henriette Petitjean de la Rosiére publicaram centenas de livros, os quais

proporcionavam uma leitura fácil e acessível, tornando-se especialmente populares

nessa época de mudanças estruturais sociais, em que o hábito da leitura começava a

ganhar espaço entre as mulheres jovens da burguesia. Para garantir o anonimato, os

irmãos franceses usavam o pseudônimo de M. Delly.

A Biblioteca das Moças era concebida para jovens burguesas, cujos educadores

valorizavam as leituras edificantes, pois os enredos tinham um teor moralizante e os

ideais iam de encontro com a sociedade tradicional. Com o intuito de formar futuras

esposas e donas de casa, as famílias utilizavam os livros dessa biblioteca pois as

orientações morais estavam presentes na materialidade dos livros, como se pode

perceber na capa do livro abaixo (imagem 01), em que a mulher se encontra retratada

pelos afazeres domésticos, e que o seu título indica uma condição submissa.

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Acreditava-se que as mulheres precisavam ser disciplinadas a papéis restritos ao

espaço doméstico e nos enredos dos livros havia a ―difusão das representações do

comportamento feminino ideal, que limitaram seu horizonte ao ‗recôndito do lar‘ e

reduziram ao máximo suas atividades e aspirações até encaixá-la no papel de ‗rainha do

lar‘, sustentada pelo tripé mãe-esposa-dona de casa‖ (MALUF, M. MOTT, M. L.,

2006).

Os enredos narrados nesses romances nos levam a um passado europeu

localizado entre a segunda metade do século XIX até o início do século XX onde os/as

protagonistas das histórias são, na maioria das vezes, homens e mulheres membros da

aristocracia europeia, que viviam em castelos magníficos, onde se realizavam bailes

deslumbrantes. Quando variava um pouco o enredo, só o homem era aristocrata, a

mulher não, porém depois ascendia socialmente (CUNHA, 1994).

Colocar aristocratas em quase todas as histórias nos leva a crer que é devido ao

clima de fantasia, ou seja, é uma forma de continuação dos contos de fada advindos da

infância. A coleção fez muito sucesso de público e vendas e sua leitura era bastante

Imagem 01: Capa do livro ―Uma Noiva em Leilão‖.

Foto pessoal da autora

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incentivada nos colégios religiosos notadamente os de procedência francesa que

marcaram significativamente a educação da burguesia brasileira.

Isso deriva do aspecto educativo da maioria dos romances sentimentais de

banca, na medida em que reproduzem padrões conformistas, paternalistas e machistas,

os romances sentimentais legitimam a subordinação feminina e a hierarquia sexual. As

leitoras dos romances sentimentais não questionam se a ideologia contida nos enredos

repete um padrão patriarcal e se as informações sobre família, casamento, sexo e

tradição são condizentes com a realidade do século atual.

Uma explicação possível para esse fato se dá devido os enredos seguirem uma

lógica, todos com o mesmo padrão. As autoras/editoras não buscam essa reflexão por

parte das leitoras, se a intenção fosse essa, fugiria totalmente do padrão dos textos.

1.3 Sabrina, Júlia e Bianca: editora Nova Cultural

No período de 1935 a 1960, a Companhia Editora Nacional, de São Paulo,

publicou três coleções de livros, a saber: Coleção Azul, Coleção Rosa e Coleção Verde.

O enredo dos romances eram dirigidos ao público feminino e ficaram conhecidos como

sendo livros para moças. Dentre as três coleções, a mais popular foi a Coleção Verde,

também conhecida como Biblioteca das Moças, que contou com 175 títulos, sendo M.

Delly a autora mais popular, como dito, com 29 títulos, seguida por Elinor Glyn, Bertha

Ruck, Concordia Merrel e Guy de Chantepleure (RUSSO, 2012).

Em 1977 surgiram as coleções Sabrina, Júlia e Bianca, editadas pela Nova

Cultural, no Estado de São Paulo. Pela estrutura dos enredos, pareciam dar continuidade

aos romances da Biblioteca das Moças, eles foram e continuam sendo lidos por gerações

de mulheres brasileiras, das mais variadas classes sociais (RUSSO, 2012).

Como se pode observar na imagem abaixo (imagem 02), as capas geralmente são

sensuais, mostram casais apaixonados em clima romântico, e as histórias de amor

revelam as intimidades do relacionamento amoroso, atos de beijo e sexo são descritos e

jamais chamam os órgãos genitais pelo nome biológico: se referem ao órgão feminino

como a ―feminilidade‖ ou ao ―triângulo cheio de pêlos‖; ao órgão masculino dá-se o

nome de ―membro enrijecido‖ e ―ereção‖. A cada romance lido, é possível encontrar

outros adjetivos usados para identificar os órgãos genitais ―afastando-lhe as pernas

esguias e bem torneadas, James acomodou-se entre elas, encaixando o sexo vibrante na

flor latejante e úmida (QUINN, 2011, p. 233)‖.

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Os enredos seguiam uma estrutura bem definida – herói: nobre e rico; heroína:

plebeia e pobre. Essa estrutura definida também se dá pela religião, na qual o

catolicismo é predominante e é sempre tido como a única fonte onde se encontra a

verdade, o perdão, a tranquilidade de espírito e o conforto de alma. Ainda no que

concerne à religião, as heroínas tinham a sexualidade reprimida sob o rigor da Igreja

que abominava o sentir desejos sexuais e, com isso, educava as mulheres para serem

esposas fiéis e mães devotadas, seguindo os preceitos da igreja.

Uma convenção literária comum nas narrativas de Sabrina, Júlia e Bianca, é a

reviravolta nos percursos das personagens, ocasionadas por coincidências ou pela

intervenção do destino. Em A cigana e o cavaleiro (2010), Alicia foge do bando e vai

parar nas ruas de Léon, no norte da Espanha, mas ―apenas os pedintes e as crianças

maltrapilhas a trataram com bondade (KRAMER, p. 158)‖. Depois de muito sofrer,

dormindo nas ruas e comendo migalhas, Alicia acaba sendo resgatada por um homem

do bem, que a leva para casa para e, por ordem do destino, Rafael de Villasandro está

hospedado na mesma casa que agora Alicia se encontra.

Imagem 02: Capa do livro ―O Anjo Vingador‖. Foto

pessoal da autora

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Apesar dos sofrimentos e angústias sofridos pela protagonista, o final é sempre o

esperado: felicidade plena ao lado do amor.

A vida de Athena tinha sido cheia de obstáculos e dificuldades. Mas

cada barreira vencida se configurou em um passo adiante no caminho

que a levara até aquele homem perfeito e à vida feliz que começavam

a desfrutar (MARCOS, 2010, p. 220).

No tocante aos estilos dos enredos presente na Coleção, faz-se necessário

explicitar o modelo que cada uma segue. A saber, Júlia transporta o/a leitor/a ao

passado, com histórias cheias de príncipes, piratas, damas misteriosas e castelos

suntuosos; as tramas de Bianca são cheias de suspense e magia, levando o leitor para

lugares além da imaginação; os romances de Sabrina são mais contemporâneos,

retratam paixão e tramas sedutoras nos dias atuais, neste as mulheres já tiveram certa

ascensão social e algumas são independentes financeiramente outras são mães solteiras,

porém para a vida ser completa elas esperam encontrar um grande amor.

Além dessas três categorias, que fazem parte da nossa análise, temos também os

Clássicos Históricos Especial, que são romances datados até o século XVIII, onde são

histórias medievais cheias de guerreiros, perigos e aventuras empolgantes; já as

histórias contadas a partir do século XIX estão confinadas ao Clássico Histórico que

retratam os romances de época da regência, recheado de condes, princesas, castelos e

toda a nobreza vivendo intensas paixões; por fim, há também os romances que fazem

parte do bestseller, são escritos por autoras consagradas da lista do The New York

Times e narram romances instigantes com tramas envolventes.

1.4 Descrição dos personagens

Destinadas ao entretenimento de moças da burguesia, as narrativas

selecionadas para a Biblioteca das Moças trazem a representação idealizada ao extremo,

física e psicologicamente, de esferas desses grupos. Quase todos os protagonistas

masculinos são ricos, da classe média ou serão abastados; a mobilidade ascendente é

constante.

Os enredos revelam um modelo de mulher considerado ideal a ser seguido. São

retratadas como heroínas, puras e castas. ―A mulher aparece ligada à família e a tudo

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que ela simboliza em termos de valores: mulher/mãe/esposa dedicada e submissa‖

(CUNHA, 1991, p. 140-141).

O modelo feminino que predomina nesses romances é o da mulher doce e

restrita ao lar. Sempre nobres senão em títulos, em valores morais como honra,

inocência, castidade e bondade. A riqueza é algo que está presente em todos os

romances, as mulheres são ricas de nascença ou enriquecidas pelo casamento. E, apesar

dos infortúnios que passam ao longo da trama, sempre estão prontas para a felicidade.

No que diz respeito aos atributos físicos, geralmente são brancas seguindo um

padrão europeu. ―Estava linda como sempre, a pele branca e rosada (MCCALL, 2007,

p. 30)‖. A tonalidade dos cabelos varia entre as louras e as morenas, independente da

cor da pele, quase todas possuem olhos claros. As mulheres desses romances são donas

de um andar gracioso, passos curtos, o rosto rosado pronto para ruborizar a qualquer

insinuação que fizesse referência ao sexo. Os sorrisos eram discretos e sonhadores e as

mãos macias e aveludadas. ―Ambos estavam sem luvas e, por um instante, ele quis

sentir o contato daquela mão delicada contra a sua (QUINN, 2011, p. 17)‖. As roupas

faziam jus à inocência das donzelas. Rendas e sedas faziam parte desse universo.

Diferentemente das mulheres que são descritas a partir do recato e docilidade, os

homens são apresentados através da descrição dos seus aspectos físicos, tais como os

ombros largos, um tórax bem delineado simbolizando força física e poder, e a virilidade.

As mulheres não tomam decisões, isso fica a cargo dos homens, que são possuidores de

grande inteligência e capacidade de decisão. São corajosos, valentes e estão sempre

dispostos a proteger a dama, algumas vezes aparecem arrogantes e autoritários, mas ao

mesmo tempo são justos.

O protagonista sempre é sábio e inteligente. Algumas vezes é retratado como

alguém de coração duro, de pedra, e até mesmo ―sem coração‖, porém ao longo da

trama aprenderá a ser caridoso e gentil através da ajuda da donzela. Às vezes ele até é

gentil, mas por algum motivo se veste em uma armadura e tenta demonstrar ser um

homem rigoroso. Um motivo possível para tal atitude é quando o mocinho participa de

guerras, lutando pelo seu país, depois de ver de perto tantas mortes, ele acaba se

fechando e tenta não demonstrar nenhum sentimento.

Nas representações femininas os valores que os romances simbolizavam eram

condizentes com a formação das filhas da burguesia. Por isso, identificam-se os

cuidados da sociedade e a constância de certos temas e componentes das narrativas. O

Código Civil de 1916 permite que o marido represente a família e administre os bens

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dele e aqueles trazidos pela esposa. À ela não era permitido o trabalho sem

consentimento do companheiro, pois só a ele cabia o âmbito público, a ela apenas o

doméstico.

Nos romances sentimentais, é reproduzido um estereótipo que foi criado para o

gênero que é passado de sociedade à sociedade afirmando que a mulher é um ser ligado

à emoção e à solidariedade e o homem é associado à imparcialidade, ao espírito de

competição e a julgamentos racionais.

1.5 Sinopse dos livros analisados

Para compreendermos como foi feita a análise dos romances sentimentais, faz-se

necessário um breve resumo acerca dos livros estudados que fazem parte da Coleção

Sabrina, Júlia e Bianca da editora Nova Cultural. Vale ressaltar que estes não foram os

únicos romances estudados, todavia, foram os que deram maior aporte para a realização

das análises. Assim sendo, estes e outros livros serão citados ao longo do referido

trabalho.

O livro Lições de Sedução (imagem 03), de Michelle Marcos, foi escrito em

2010 e tem como contexto histórico a Inglaterra, no ano de 1814. O enredo conta a

história de Athena McAllister, uma moça ruiva de 28 anos, cuja família perdera toda a

fortuna; é órfã de pais e mora com seu avô, o barão de Penhaligan, Mason Royce.

A sociedade esperava que ela passasse o resto de sua vida sem casar, devido ter

28 anos e ainda ser solteira. Todavia, isso não era o que a srta. McAllister tinha em

mente: em um dos bailes da temporada social, ela estava entusiasmada. Tais bailes eram

feitos para que as moças da classe média e alta fossem apresentadas à sociedade de

modo que, a partir dessa apresentação formal, ela conseguisse um bom casamento.

Lembrando que as filhas dos nobres jamais poderiam se apresentar sozinhas, deveriam

estar acompanhadas da mãe, tia ou uma dama de companhia.

Durante o baile, Athena se encantou com Calvin Bretherton, um jovem loiro,

bonito e, aparentemente, rico. Os boatos voam e, com isso, a duquesa de Twillingham,

que é muito amiga do avô de Athena, resolveu procurá-lo para ajudar sua neta a

conquistar o ―homem de seus sonhos‖.

A duquesa levou um presente para Athena: um manual intitulado de Excelência

Feminina – Guia de Bom Comportamento para Moças Finas. Ela acredita que toda boa

moça que pretende conseguir um marido precisa ler cuidadosamente esse manual. Nota-

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se que há um modelo a ser seguido para poder casar. Como vimos, a mulher tem que

reprimir suas vontades e agora vemos que devem ser preparadas para o matrimônio. A

personalidade da mulher é maquiada e ela tem que se tornar uma pessoa que a sociedade

espera que ela seja.

Athena agradece a boa vontade da duquesa mas acredita que o manual não a

transformará no tipo de mulher que ela gostaria de ser. A mãe de Athena faleceu e ela é

a única neta do barão de Penhaligan e a duquesa usa isso como arma de chantagem,

mostrando que se ela não aceitar sua ajuda para conseguir um marido, a linhagem de seu

avô acaba.

Embora saiba de tudo isso, Athena sonha em se casar por amor, como a maioria

das moças. Já que perdeu os pais quando ainda era uma criança, Athena não teve a mãe

presente em sua vida. Por isso, decidiu aceitar a ajuda da duquesa para conseguir um

bom casamento.

Imagem 03: Capa do livro ―Lições de Sedução‖. Foto

pessoal da autora

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Ao avistar o lorde Stockdale, Athena o observou deslumbrada e lembrou-se de

sua voz e de seu perfume. Por algum motivo, a duquesa falou com o lorde Stockdale e o

mesmo aceitou pedir Athena em casamento. Porém a srta. McAllister e sua amiga

Hester resolveram dar uma volta pelo jardim. Ao ouvir um barulho, ela quis saber o que

era e deu de cara com seu noivo nos braços de outra mulher.

Athena ficou muito abatida por ter pego seu noivo nos braços de outra mulher e

decidiu, portanto, abrir uma escola para moças solteiras para elas aprenderem a ser

ambas as coisas: esposa digna e amante hábil e desejada. Explicou a seu avô que a

escola ensinaria noções de arte, de literatura, de etiqueta. Saber como entreter um

cavalheiro a mesa do jantar. Todavia, haviam outros ensinamentos que não podiam ser

revelados.

Enquanto isso acontecia na Inglaterra, no alto mar o oficial da marinha Marshall

Hawkesworth estava à bordo comandando seu navio. Marshall era solteiro, 1,90, cabelo

claro, olhos azuis, acabara de perder o pai e morava com a mãe e a irmã. O almirante

ordenou que ele voltasse ao porto pois sua tropa estava à serviço há 15 (quinze) meses

seguidos. O almirante desconfiava que ele queria trabalhar muito para abafar a tristeza

pela morte do pai.

Marshall recebeu uma carta de seu futuro cunhado cancelando o noivado e

questionou a sua irmã Justine o porquê de tal atitude. Ele conclui que sua irmã mudou

seu pensamento e suas atitudes devido ter frequentado a escola da tal srta. McAllister e

resolve procurá-la.

Ao entrar na sala da diretora ficou espantado por ela ser jovem, bonita e atraente.

Ao encontrar um papel com a programação da escola, Marshall ficou horrorizado com o

que leu. As aulas diurnas tratavam de assuntos corriqueiros como Música, História e

Artes, porém ele ficou boquiaberto de espanto quando viu o que estava programado para

as aulas da noite: pintando o nu masculino; literatura erótica; como beijar com

sensualidade; dentre outros. A princípio eles dois brigaram bastante, mas depois de

algum tempo, Athena percebeu que aquele homem era perfeito e se rendeu aos encantos

de Marshall Hawkesworth.

O livro Dominados pela Paixão (imagem 04) foi escrito em 2007 pela escritora

Candice Kohl e faz parte do Especial Clássicos Históricos da editora Nova Cultural. Em

síntese, podemos descrevê-lo como uma história ambientada no século XII e, por

decreto real, Raven e seu irmão gêmeo Peter devem se casar com as primas Pamela e

Roxanne, do País de Gales, para garantir a segurança da fronteira.

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Embora Raven não deseje se casar, o senso de dever fala mais alto pois trata de

uma ordem do rei, a qual deve ser acatada, e pelo menos sua noiva Pamela é dócil e

cordata, ao contrário da temperamental e rebelde Roxanne. Inconformada com a ordem

do rei, Roxanne não aceita a imposição do casamento e decide fugir. Raven vai atrás

dela, determinado a trazê-la de volta e obrigá-la a honrar o compromisso com seu irmão.

Longe dali, Roxanne sentia-se livre. Deixar o castelo foi mais fácil do que ela

imaginara e, para sua sorte, ela cavalgava tão bem quanto qualquer cavaleiro treinado.

Olhou para o horizonte e pela fumaça que via no céu, sabia que se tratava de um

vilarejo. Ficou feliz, pois precisava renovar o estoque de alimentos necessários para seu

sustento. Mal sabia ela que Raven estava à sua procura. Há dois dias estava sobre uma

sela e seu corpo estava cheio de bolhas, mas jamais admitiria isso a alguém. Estava

irritado porque a megera havia entrado na vida de sua família, ao invés de estar dolorido

procurando por ela.

Imagem 04: Capa do livro ―Dominados pela Paixão‖.

Foto pessoal da autora

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A hostilidade inicial entre Raven e Roxanne se transforma numa atração e num

desejo poderoso. O problema é que Roxanne está prometida a Peter e Raven deve

desposar Pamela. Com isso ele se vê diante de um triplo dilema, pois além de decidir

entre contrariar o rei e viver o grande amor de sua vida, terá também de enfrentar

Pamela e Peter, e deixar a noiva e o irmão saberem que ele e Roxanne foram feitos um

para o outro.

Quando Raven e Roxanne chegaram a Fortengal, Raven olhou para o gêmeo e

disse que tinha algo a revelar, mas Peter pediu pra falar primeiro pois era algo muito

importante. Raven se adiantou e disse que ele e Roxy haviam se casado, Pamela caiu na

gargalhada e Peter disse que eles também haviam se casado, ambos casamentos sem

testemunha, claro, mas isso pouco importava. Então tudo foi resolvido, os casais haviam

sido trocados e o amor entre ambos era perceptível.

O livro A cigana e o cavaleiro (imagem 05) foi escrito por Kathryn Kramer em

2010. O enredo tem a Espanha como contexto histórico no ano de 1491 e conta a

história de Alicia, uma linda moça de 17 (dezessete) anos, olhos verdes, alta e vivaz.

Alicia é filha do cigano Rudolpho, um senhor que já está se sentindo cansado, porém

não abandona o posto de líder do bando. Seu grupo é nômade e cabe a ele decidir o

melhor local para o acampamento. Neste dia decidiu que acampariam perto da floresta e

do rio e os homens da caravana começaram a posicionar as carroças e os cavalos em

forma de círculo.

Alicia gostava da terra, do ar puro, da liberdade e resolveu correr pela floresta,

mas como sabia dos perigos existentes, não apenas dos animais que viviam na mata,

mas também das pessoas que odiavam os ciganos, sempre tinha uma pequena faca

escondida em seu cinto.

Durante seu trajeto pela floresta, ela ouviu um barulho e não era um som feito

por algum animal e sim por um ser humano. Ela observou e viu três homens e pela

conversa percebeu que dois haviam assaltado o que estava deitado no chão. Ela não

sabia se o homem que iria morrer afogado era um gorgio2 ou não, mas sabia que,

independente disso, ela iria salvá-lo. Alicia passou por dois obstáculos: o primeiro foi

levar o homem semiconsciente para o acampamento e o outro foi suportar os olhares

raivosos dos homens ciganos, pois disseram que a presença do gorgio traria má sorte

para o acampamento. Mas, ela estava decidida a cuidar dele.

2 Não cigano.

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Observando a forma como eles dois se olhavam, Rudolpho perguntou a Alicia se

ela se sentia atraída pelo homem que tirou do rio. E ela confirmou o que ele já sabia.

Rudolpho queria ter coragem de contar a ela toda a verdade, que era um deles, uma

gorgio, e com isso ela estaria livre para viver ao lado de Rafael. Mas, talvez fosse

melhor esperar mais um pouco, ele esperaria que os dois se apaixonassem perdidamente

e com isso permitiria o casamento sem precisar contar a verdade. Alicia tinha tanto

orgulho de ser uma cigana e ele não queria magoá-la.

Rafael tinha de fugir, mas sabia que isso era quase impossível, pois todos

estavam o vigiando. Ele planejou sua fuga e a única solução encontrada foi usar Alicia

como escudo. Todos estavam distraídos em volta da fogueira comendo e dançando e

Rafael viu ali a oportunidade da qual precisava. De repente segurou Alicia com força e

puxou a faca que ela escondia no cinto, começou a gritar ameaças e foi se distanciando

com sua refém. Ele jamais a machucaria, mas precisava fazer aquilo.

Imagem 05: Capa do livro ―A Cigana e o Cavaleiro‖.

Foto pessoal da autora

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Fugiu à cavalo sempre atento pois poderiam estar sendo seguidos. Ao parar para

descansar, juntou folhas e usou como cama embaixo de uma árvore. Rafael estava

tentando se controlar, mas era quase impossível negar o desejo que sentia por Alicia.

Depois que seu pai faleceu, Alicia fugiu para Léon, localizada no norte da

Espanha, pois um cigano de má índole assumiu o lugar de seu pai.

Por ironia do destino, Rafael de Villasandro também estava em León. Alicia e

Rafael estavam hospedados na mesma casa, embora nem desconfiassem. Ele encontrou

o padre Julio e o encheu de perguntas sobre a cigana. No fim das contas, descobriu que

a tal cigana era a cigana dele. Sua Alice. Rafael saiu desesperado à procura dela. Será

que ela o perdoaria algum dia?

Rafael procurou por sua amada durante duas semanas e como não a encontrou,

voltou à igreja para saber se ela tinha aparecido. Foi então que o padre Julio o disse que

a cigana dele havia sido encontrada. E, para sua surpresa, estava hospedada na mesma

casa que ele. Com o passar dos dias, a raiva de Alicia foi diminuindo e Rafael sempre

dizia o quanto a amava.

Depois de lutar e ganhar contra seu oponente em uma luta ordenada pela rainha,

Rafael caiu inconsciente e quando acordou estava nos braços de sua amada, ela o

perdoou e o amor tinha vencido tudo.

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2. FAMÍLIA E CASAMENTO NOS ROMANCES SENTIMENTAIS

No presente capítulo abordaremos a temática da família e do casamento no

âmbito dos romances sentimentais. Desde os tempos da antiguidade até os dias atuais a

família passou por várias mudanças bem como distintos modelos de configuração.

Assim sendo, fica quase impossível tecer uma única concepção acerca do que é

família. Analisar família remete a uma discussão histórica. Deste modo, iremos fazer

um breve levantamento histórico quanto a origem da família e posteriormente iremos

abordar como a família aparece dentro dos romances de banca bem como sua relação

com o casamento.

2.1 Família: elementos históricos

Embora não seja possível circunscrever completamente a compreensão da

família em um conceito, é possível apresentar um conjunto de processos e condições

que a produz.

Para os romanos, famulus significa escravo doméstico e a família é um

organismo social onde há um conjunto de escravos pertencentes ao mesmo homem e

esse tinha poder sobre eles, seus filhos, a mulher e o direito da vida e morte sobre todos

eles (ENGELS, 2010, p. 78).

Morgan afirma que a família ―é o elemento ativo; nunca permanece

estacionária‖ (Morgan apud Engels, 2010, p. 47), isto é, a concepção de família

depende do contexto histórico-social na qual está inserida, sendo construída de acordo

com as normas culturais de cada sociedade.

Engels, baseado nos estudos de Morgan, concluiu que houve quatro tipos de

família. A primeira forma é a consanguínea. Nesta fase os grupos conjugais são

classificados por gerações, onde os avôs e avós são maridos e mulheres entre si, bem

como os netos e bisnetos e irmãos e irmãs. Havia uma relação carnal mútua entre todos

os membros da família, exceto os pais e filhos.

Da evolução da família consanguínea, surgiu a punaluana. Nela ocorre a

exclusão dos irmãos e este processo foi ocorrendo pouco a pouco. Presume-se que essa

exclusão começou com os irmãos uterinos, isto é, irmãos por parte de mãe e,

posteriormente, a proibição dos irmãos colaterais, ou seja, primos em seus diversos

graus, das relações sexuais recíprocas. Nesse estágio de desenvolvimento é possível

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reconhecer apenas a linhagem feminina, ou seja, não é possível saber quem é o pai,

somente a mãe.

Devido às várias proibições de casamento, as uniões por grupos tornaram-se

cada vez mais impossíveis. Na família sindiásmica já se formavam uniões por pares

com duração mais ou menos longa. Nesta fase o homem passa a viver com uma mulher

principal, porém o mesmo tem como direito a poligamia; já no que tange às mulheres,

exigia-se fidelidade total e, em caso de adultério, a mesma era rigidamente castigada. O

vínculo conjugal poderia ser dissolvido facilmente por ambos os cônjuges, todavia os

filhos ficavam sob a responsabilidade da mãe. Uma característica marcante dessa

família diz respeito ao matriarcalismo, uma vez que a mulher mandava na casa,

representando a grande força dentro dos clãs (ENGELS, 2010).

A supremacia masculina afetou o direito de herança de modo que os

descendentes passaram a herdar do genitor e não mais da genitora (ENGELS, 2010).

Nesse estágio de evolução familiar ―o homem apoderou-se também da direção da casa;

a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem,

em simples instrumento de procriação‖ (ENGELS, 2010, p. 77).

Essa forma marca a passagem da família sindásmica à família monogâmica

patriarcal, na qual é baseada na autoridade e predomínio do homem que tinha como

principio fundamental a procriação de filhos cuja paternidade não podia ser contestada.

Diferente do matrimônio sindiásmico, aqui o vínculo conjugal só pode ser rompido pelo

homem, não mais pela mulher. Foram abolidos a filiação feminina e o direito

hereditário materno. Para Engels, a origem da monogamia está atrelada à escravidão e

às riquezas, implicando a máxima repressão dos homens sobre as mulheres de acordo

com seu desenvolvimento.

Quando a sociedade era matriarcal, os filhos tinham conhecimento de quem era

sua mãe, mas desconhecia a paternidade. Porém, a partir do momento que o homem

passou a comandar a casa bem como os filhos e os bens, a paternidade passou a ser algo

inquestionável e os filhos passaram a herdar as posses do pai com o intuito de reter na

família o domínio dos bens e das riquezas. A origem da monogamia não é tecida pelo

amor, mas sim, por condições econômicas que preservam os bens no seio da família

cujo objetivo era manter e aumentar a riqueza familiar. Conclui-se, portanto, que os

casamentos eram de conveniência, acordos (ENGELS, 2010).

No cotidiano dos pais e filhos/as, a autoridade maior é destinada ao homem,

firmando, portanto, a dominação masculina. As mulheres são vistas como seres

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inferiores e frágeis, já os homens são vistos como aqueles que possuem força física e,

portanto, podem e/ou devem exercer atividades fora de casa (LÔBO; LÔBO, 2015).

―Isto é só o aperitivo. Você levará aquela surra quando seu pai chegar e eu lhe contar o

que você fez‖ (SAFFIOTI, 2004, p. 65). As personagens femininas acabam

contribuindo para a reprodução e manutenção do sistema patriarcal nas relações

familiares como mostra o trecho a seguir: ―Pamela é perfeita. Generosa, doce e

submissa, ela é a esposa ideal de qualquer nobre‖ (KOHL, 2007, p. 135).

2.2 A família retratada nos romances sentimentais

No que concerne à nossa análise específica sobre a família representada nos

romances sentimentais, observamos que essa opressão do sexo feminino pelo masculino

está presente no enredo dos livros estudados. Como veremos no trecho a seguir: ―você é

uma mulher. Não entende nada desses assuntos. O seu lugar é cozinhando diante de

uma fogueira ou aquecendo a cama do seu homem‖ (KRAMER, 2010 p. 36-37). Ou

seja, para quem tem um pensamento machista, as únicas obrigações de uma mulher são

destinadas ao lar, seja cozinhando e cuidando da casa, ou servindo de objeto sexual para

seu companheiro.

Em Lições de sedução (2010), o cunhado de Marshall rompe o noivado com sua

irmã e ele questionou Justine o porquê de tal atitude. Ela afirmou que aprendeu com a

srta. McAllister ―que para ser uma verdadeira dama é preciso muito mais do que só

saber receber e ser boa dona de casa. Uma dama de verdade tem vontades, opiniões,

ideias próprias e iniciativas‖ (MARCOS, 2010, p. 47). E deixou bem claro para seu

noivo que ela não era nenhuma bonequinha inútil.

Marshall fica contrariado e afirma que ―Herbert Stanton é um dos homens mais

conservadores de toda a Inglaterra. Ele não quer que uma mulher o trate como igual.

Quer uma esposa obediente submissa que gere seus filhos, só isso‖ (MARCOS, 2010, p.

48). Esse romance data do ano de 1814, todavia nos dias atuais ainda ocorre esse

rebaixamento e submissão da mulher, ela nunca pode estar acima ou ao lado do homem,

mas sempre abaixo.

Como visto, o contexto dos livros analisados mostra exatamente a diferença

entre o homem e a mulher na sociedade patriarcal, pois reforça os conceitos de

dominação em que o homem pertence ao convívio social e à mulher coube a

responsabilidade de cuidar da educação dos/as filhos/as bem como dos afazeres

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domésticos. Assim, de acordo com Gouveia e Camurça (2004), as relações de gênero

produzem uma distribuição desigual de poder, autoridade e prestígio entre as pessoas,

de acordo com o seu sexo.

Palmeiro (2004) define o patriarcado como um sistema social de dominação que

consagra a dominação dos indivíduos do sexo masculino sobre o sexo feminino.

Todavia, vale ressaltar que a categoria patriarcal não implica dizer que o poder está

apenas nas mãos do pai, e sim dos homens em geral. Nesta organização social as

relações sãs regidas por alguns princípios, no quais os jovens são subordinados

hierarquicamente aos mais velhos e as mulheres são subordinadas hierarquicamente aos

homens. O patriarcado atribuiu maior valor às atividades masculinas em detrimento das

atividades femininas e estabeleceu papéis sexuais e sociais nos quais o masculino tem

mais vantagens e privilégios (MILLET, 1970; SCOTT, 1995).

Essas relações de gênero são construídas a partir das diferenças sexuais de cada

indivíduo, porém essas relações não se dão da mesma forma em todas as sociedades,

visto que essa relação ―depende dos costumes, da experiência cotidiana das pessoas,

variando de acordo com as leis, as religiões, a maneira de organizar a vida familiar e a

vida política de cada sociedade ao longo da história‖ (GOUVEIA; CAMURÇA, 1997).

Para realizar essa discussão acerca das relações de gênero, faz-se necessário

compreender o significado real do que é gênero. Scott (1995) define ―gênero‖ como

uma categoria de análise sociológica e histórica que permite compreender as relações

sociais que estabelecem saberes para a diferença sexual, ou seja, saberes que dão

significados às diferenças corporais e que implicam numa organização social a partir

delas.

As desigualdades nas relações de gênero começam desde cedo, ainda na

infância, e a primeira instância que perpetua essa desigualdade é a família ―Na família

as relações desiguais são muito claras, os mais velhos têm sempre mais poder do que os

mais jovens, os homens mais poder do que as mulheres‖ (GOUVEIA; CAMURÇA,

1997).

Vasconcelos (2005) afirma que

A representação do feminino esteve, no decorrer da história, quase

sempre associada a imagens dicotômicas. Frágil ou forte, vítima ou

culpada, santa ou pecadora, a mulher aparece na história

prioritariamente através do olhar masculino, sendo as figuras de Eva e

Maria os principais referenciais simbólicos dessa oposição, na

sociedade ocidental (VASCONCELOS, 2005, p. 02).

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A mulher acumula vários papéis perante a sociedade. Sejam eles: mãe, dona de

casa e esposa, e todos eles requerem da mulher um desempenho aceitável socialmente.

Todavia, essa imposição gera muitos conflitos, na medida em que ela é obrigada a

seguir o padrão da sociedade vigente e, muitas vezes, não consegue. Nos romances de

folhetim, a aceitação desses papéis impostos as mulheres aparecem como algo bom e

prazeroso, cuja finalidade do enredo é o casamento e o final feliz, como se o

envolvimento romântico fosse a solução de todos os problemas.

2.3 Casamento por amor ou conveniência?

Na sociedade patriarcal o amor está associado às noções de maternidade e

de machismo e as interações amorosas entre um homem e uma mulher estão atreladas às

relações de poder entre as famílias. A igreja defendia que as uniões matrimoniais

fossem negociadas e, algumas vezes, sem haver a concordância dos noivos.

De acordo com a moral burguesa, o correto e mais esperado seria a mulher

assumir o posto de mãe, encarregando-se da proteção e da educação dos filhos. Ao

homem reforça-se a representação ideológica daquele que garante a sobrevivência da

família, além de ser o único detentor do direito de tomar posição na esfera pública e do

direito de exercer sua sexualidade fora do espaço familiar.

No que concerne ao casamento, ele é uma das instituições mais fortes da

organização social, é uma construção histórica e cultural que tem por escopo duas

funções essenciais: controlar a sexualidade feminina e garantir os direitos de

propriedade.

Athena acredita que o manual de bom comportamento para moças não a

transformará na mulher que ela almeja ser, pois quer ser independente, estudar e

trabalhar, mas a duquesa a rebate e afirma que ―o único tipo de mulher que você precisa

ser é de mulher casada‖ (MARCOS, 2010, p. 13).

Essa passagem do livro vai de encontro com o pensamento de Soibet (2008) que

acredita que o casamento é a única via legítima de união entre um homem e uma

mulher, constituindo-se para a mulher o ideal mais elevado de realização. Isto é, o

casamento é o objetivo final da vida das pessoas, essencialmente das mulheres, é algo

que deve ser alcançado.

No contexto dos livros estudados, poderia haver casamento por amor, mas

geralmente os casamentos eram arranjados, o amor viria com o tempo. Ou então,

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quando existia amor na relação, o mesmo só era sentido pela mulher. Athena sonha em

casar por amor, como a maioria das moças. Porém, a duquesa acredita que ―é um ideal

romântico, mas como todos os ideais, é também ilusório‖ (MARCOS, 2010, p. 13). A

mãe de Athena faleceu e ela é a única neta do barão de Penhaligan e a duquesa usa isso

como arma de chantagem, mostrando que se ela não aceitar sua ajuda para conseguir um

marido, a linhagem de seu avô acaba.

[...] são poucos os atributos que tem para cativar um homem. Já

passou da idade ideal de se casar, é rebelde, desengonçada e, além de

tudo, ruiva. Não possui nenhum título de nobreza, apesar de ser filha

de um visconde. [...] A situação financeira do seu avô é precária. Ele

não poderá lhe garantir um dote. Encaremos os fatos, sta. McAllister.

Não possui absolutamente nada que possa atrair um marido

(MARCOS, 2010, p. 13).

Durante muito tempo o casamento foi usado na Europa como modo de formar e

manter alianças políticas. Membros da nobreza sujeitavam-se a casamentos com o único

interesse de assegurar a estabilidade econômica de determinada região.

O enredo do livro Dominados pela Paixão (2007) retrata bem essa realidade cuja

ordem maior era do rei Henry II. Ele chamou Lucien de Eynsham para tratar de um

assunto bastante delicado. O rei quer que os gêmeos Peter e Raven, irmãos de Lucien,

casem-se com duas moças, que são primas ―pensei muito no assunto, Lucien, e acho que

é hora de seus irmãos se casarem. Desejo que eles desposem duas jovens donzelas

postas sob minha proteção‖ (KOHL, 2007, p. 06). Nessa época era comum o monarca

assumir a guarda de jovens sem pais.

Existe amor no casamento de Lucien, porém o rei acredita que ―um casamento

não exige o envolvimento do coração, nem mesmo uma simples atração física‖ (KOHL,

2007, p. 07). Henry explicou que as mães das primas eram princesas de Gales e Lucien

compreendeu qual era a intenção do rei com esses casamentos de conveniência: ―as tais

donzelas eram herdeiras de fortalezas poderosas cujo domínio o rei considerava crucial,

uma vez que era sua intenção trazer Gales para o seu domínio‖ (KOHL, 2007 p. 08).

Henry deixou claro que sua decisão era irrevogável e pediu que Lucien

protegesse as donzelas e as entregasse a seus irmãos. Assim o fez, cavalgou com as duas

damas até a propriedade de seu irmão Raven e pediu que chamasse seu outro irmão,

Peter. Ele não precisou apresentá-las, pois elas se adiantaram.

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Lady Roxanne foi direta: ―vão se casar conosco por ordem do rei. [...] o nome do

meu prometido é Peter‖ (KOHL, 2007, p. 17-18). Raven então perguntou quem seria

sua esposa e lady Pamela surgiu do fundo da sala, se apresentou e falou com grande

timidez: ―o rei Henry explicou-me que as terras que herdei requerem um [...] senhor de

grande força, inabalável determinação e mãos de ferro para garantir a paz‖ (KOHL,

2007, p. 19).

Neste pequeno trecho é possível notar que a mulher era considerada incapaz de

administrar suas próprias terras e precisava de um homem/marido para o feitio. Desde o

período colonial a exigência de submissão, recato e docilidade foi imposta às mulheres,

criando um estereótipo que restringia o sexo feminino ao âmbito do lar, onde sua tarefa

seria a de cuidar da casa, dos filhos e do marido sendo sempre submissa a ele

(FOLLADOR, 2009).

Foi a partir do desenvolvimento das atividades agrícolas bem como da criação

de gado que surgiram novas riquezas e, com isso, o homem começou a ser visto como o

chefe da casa, ganhando poder social e, em consequência, tirando o prestígio da mulher.

Com o advento da propriedade privada foi possível que os homens se apropriassem do

excedente da produção e, ao mesmo tempo, estabelecessem a divisão social do trabalho.

Com essa divisão do trabalho, o papel da mulher na sociedade foi reduzido à reprodução

da vida e à execução do trabalho doméstico.

Enquanto a mulher estiver confinada ao lar, ela não se equipará ao homem, pois

―a emancipação da mulher só se torna possível quando ela pode participar em grande

escala, em escala social, da produção, e quando o trabalho doméstico lhe toma apenas

um tempo insignificante‖ (ENGELS, 2010, p. 204). As terras que antes eram cultivadas

por todos, aos poucos foi ocorrendo ―a transição à propriedade privada completa‖

(ENGELS, 2010, p. 206) e, à medida que a riqueza ia aumentando, começava a ser vista

―como uma das finalidades precípuas da vida‖ (ENGELS, 2010, p. 206).

Enquanto a mulher estiver presa ao lar, ela só terá tempo de cuidar da casa, do

marido e dos/as filhos/as. No que concerne à maternidade, ter herdeiros era sinal de

virilidade e o homem reforçava sua masculinidade quando isso acontecia. Entretanto,

quando a esposa não gerava filhos/as, em hipótese alguma se pensava que isso se devia

a alguma complicação masculina, nem se davam ao trabalho de aprofundar tal assunto,

imediatamente culpavam a mulher pela esterilidade.

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Não haviam tido um filho. Então Godfrey se tornou ressentido e por

vezes cruel, pois o consenso geral dizia que quando um casal não

tinha herdeiros, era sempre culpa da mulher, outra maldição para o

sexo frágil, desde os tempos de Eva (MCCALL, 2007, p.45).

A mulher, por sua vez, se culpava por não conseguir engravidar e achava que

Deus a punira ―se ao menos tivesse ido para o leito mais disposta a ser ardente, talvez

sua predisposição tivesse feito com que recebesse a semente do esposo e gerasse uma

criança. Deus a punira por ser fria com Godfrey‖ (MCCALL, 2007, p. 46).

Como vimos, no que diz respeito a maternidade a culpa pela não concepção de

filhos/as era única e exclusivamente da mulher. Nunca paravam pra pensar a gênese dos

problemas, já indicavam a mulher como culpada. No casamento por conveniência, a

questão é parecida, os pais ou tutores não viam a mulher como alguém de voz ativa,

capaz de dar opinião sobre coisas concernentes a própria vida. Muitas mulheres

casaram-se por obrigação e com o tempo sentiram afinidades para com seus maridos,

porém, isso não é algo que acontece com todas, e ninguém quer saber se o homem é 30

anos mais velho que a esposa, querem apenas firmar laços econômicos, na maioria das

vezes.

Em Lições de Sedução (2010), Marshall encontrou o esposo ideal para sua irmã,

segundo a visão dele. Porém, Justine não aceitava a decisão do irmão em fazer com que

ele a casasse à força. Athena então tentou esclarecer para Marshall a tristeza que era

para as moças ter um casamento de conveniência ―muitas destas moças terão de se

submeter a um casamento arranjado e se unir a um homem totalmente desconhecido.

Para elas, a relação sexual será bem semelhante a um estupro‖ (MARCOS, 2010, p. 62).

Na medida em que terão que ter relação sexual com um desconhecido, mesmo que este

seja seu companheiro.

2.4 Casamento feliz: a quem cabia essa responsabilidade?

O homem possuía uma família legítima, entretanto lhe era concedido o direito à

infidelidade, sendo este resguardado pelo Código Napoleônico3. Entretanto, a

monogamia era considerada ―só para a mulher, e não para o homem‖ (ENGELS, 2010,

p. 84), cuja finalidade era que o homem tivesse filhos legítimos que posteriormente se

tornariam herdeiros da sua fortuna. A família monogâmica se constitui, portanto, por

3 [Código de leis burguesas elaborado em 1804 por Napoleão. Pune a infidelidade feminina e legaliza a

poligamia masculina.]

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um homem e uma ou várias mulheres em uma relação de opressão, em que há

escravização de um sexo pelo outro.

Essa realidade está presente nos enredos dos romances citados, na medida em

que o personagem masculino pode ter uma relação extraconjugal e o feminino não pode.

Além disso, lhe é ensinado que, caso a traição ocorra, a mulher deve aceitar e calar, pois

cabe a ela a responsabilidade de fazer com que o casamento dê certo. Isto é, mesmo que

a mulher seja uma boa mãe, uma esposa leal e uma dona de casa dedicada, se o cônjuge

cometer adultério, a culpa recai sobre a mulher e ela deve ―fechar os olhos‖. Segundo

Zampieri (2004), o adultério era tratado como crime apenas quando cometido pela

esposa.

No livro Dominados pela Paixão (2007), Raven jamais pensou na hipótese de se

casar, pois ele ―precisa de novas aventuras todas as noites‖ (KOHL, 2007, p. 32).

Porém, agora ele está noivo e sua mãe já prepara Pamela para o que ela vai enfrentar

adiante ―esse meu filho precisa de uma mulher que o conduza pelos caminhos da

gentileza. [...] Sendo assim, recai sobre seus ombros, minha querida, a responsabilidade

de fazer esse casamento dar certo‖ (KOHL, 2007, p. 60).

Ela viu seu noivo enlaçado na cintura de uma das criadas e

Estava muito aborrecida com o comportamento do noivo, mesmo

sabendo que não tinha esse direito. Os nobres eram assim; sempre

procuravam se divertir com outras mulheres, além daquela que tinham

em casa (KOHL, 2007, p. 62).

Ela acreditava que a responsabilidade de contentá-lo cabia a ela, porém só após

o casamento. Ou seja, mesmo ele sendo seu noivo, ela não podia reclamar por ele se

divertir com outras mulheres. Um relacionamento amoroso diz respeito a duas pessoas,

mas no contexto de tais livros a responsabilidade de fazer o casamento dar certo só cabe

à mulher.

Em Lições de Sedução (2010), ao passear pelo jardim com sua amiga Hester,

Athena se deparou com seu noivo nos braços de uma mulher. Ela paralisou

―desmoronava ali, por inteiro, o grandioso sonho de felicidade que ela havia acabado de

construir‖ (MARCOS, 2010, p. 27). Sua amiga tenta dar conselhos e, pelas falas

seguintes, podemos perceber que ela vê a traição como algo natural ―o que aconteceu

não altera os planos de Calvin. Ele vai se casar com você. Sei que está alterada, querida,

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mas pense bem. Calvin Bretherton é conde. Trata-se de um ótimo partido para qualquer

mulher‖ (MARCOS, 2010, p. 28).

Athena não aceita o conselho de Hester mas ela não desiste

Minha mãe diz que a única felicidade de uma jovem está em casar e

ser mãe. Se o marido a trata bem e não lhe deixa faltar nada, ele já está

cumprindo o seu papel. Não espere que um homem seja fiel. A

natureza dos homens não é essa. É por isso que eles tem amantes

(MARCOS, 2010, p. 28-29).

Essa naturalização da infidelidade masculina não é culpa de Hester, da mãe dela

ou de uma terceira pessoa, esse pensamento está imbricado na sociedade do livro em

questão e na sociedade atual e faz com que as pessoas acreditem nele. Porém, na medida

em que essa naturalização busca garantir a liberdade sexual masculina, reprime a

feminina. Athena se questionou, então: ―será que ter um marido pela metade era mesmo

melhor do que não ter marido algum? A maioria das mulheres fazia concessões para ter

o sustento e a proteção que o matrimônio lhes dava‖ (MARCOS, 2010, p. 29). Ela

decidiu, portanto, que não valia a pena, pois ―os homens não querem só uma esposa

bem educada. Eles querem mesmo é sexo‖ (MARCOS, 2010, p. 29) e preferem a

companhia das amantes à esposa.

Hester procura Marshal para tirar dúvidas sobre seu casamento e ele a questiona

sobre uma possível traição. Ela afirma que mesmo se desconfiasse de algo, jamais

confrontaria o marido, pois

Não seria adequado. O livro da condessa Cavendish é muito claro.

Aconselha que se evitem discussões. Diz que se o lar for um lugar

tranquilo e agradável, o marido não terá a tentação de procurar

conforto fora dele. Também recomenda que, caso a esposa desconfie

do adultério do esposo, ela nunca deve recrimina-lo. Ao contrário,

deve resignar-se e manter um comportamento discreto para que, com

seu bom exemplo, o marido volte ao caminho correto (MARCOS,

2010, p. 91).

Esse trecho nos mostra o quanto machista e opressora é a realidade da sociedade

apresentada no livro citado e essa ideia vai de encontro com a sociedade atual, mesmo

que a mulher seja uma boa esposa e boa dona de casa, ela é a culpada por seu marido

cometer a infidelidade. E o pior de tudo é que a mulher acaba por acreditar nisso e se

sente culpada pela traição com pensamentos do tipo ―onde foi que eu errei?‖.

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O livro da condessa Cavendish é uma espécie de manual para moças que estão

pretendendo casar. Essa realidade não fica muito distorcida do cotidiano da nossa

sociedade, na medida em que a Coleção Biblioteca para Moças existia com esse mesmo

intuito: ―capacitar‖ donzelas para o casamento. Para ilustrar a nossa análise, podemos

observar a seguinte capa, de outro livro dessa coleção (imagem 06):

Imagem 06: Capa do livro ―Como se Casar com um

Marquês‖. Foto pessoal da autora

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3. CULTURA E TRADIÇÃO: A VIRGINDADE COMO SINÔNIMO DA

MORAL.

Neste capítulo abordaremos a temática da tradição como parte integrante da

cultura, visto que a questão dos valores e costumes estão arraigados nos contextos dos

livros de banca e a virgindade é vista como sinônimo da moralidade.

Cultura deriva da palavra latina cultura que, a princípio, significava o cultivo ou

o cuidado de alguma coisa, geralmente grãos ou animais. Porém, esse conceito sofreu

alterações e, a partir do século XIX, passou a ter uma ligação com a elucidação dos

costumes, práticas e crenças das sociedades (THOMPSON, 2011).

Segundo a antropologia, a cultura é entendida como uma tradição que é

transmitida de geração em geração e isso torna uma sociedade diferente de outra. Tylor

define cultura como ―todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral,

leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquiridos pelo homem como

membro de uma sociedade‖ (TYLOR apud LARAIA, 2001). Ele acredita que a cultura

é adquirida e não depende da hereditariedade biológica.

Esses costumes, crenças e valores são adquiridos pelos indivíduos enquanto

membros de uma determinada sociedade e serve para diferenciar ela de outras

sociedades existentes em outros lugares e/ou épocas distintas. Dentro desses valores

está a tradição, que é entendida como um conjunto de sistemas simbólicos que são

passados de geração a geração e que tem um caráter repetitivo.

Diante disso, faz-se necessário abordar neste capítulo a temática da tradição

como parte integrante da cultura, na medida em que a questão dos valores e costumes

estão arraigados nos contextos dos livros de banca.

3.1 Mulher virgem e recatada: em nome da moral e dos bons costumes.

Tradição é uma palavra com origem no termo latim traditio, que significa

―entregar‖ ou ―passar adiante‖. Falar em tradição remete a um termo que engloba

rituais, costumes, comportamentos, memórias, rumores, crenças e lendas que são

transmitidas para pessoas de uma comunidade e os elementos transmitidos passam a

fazer parte da cultura.

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No que diz respeito à tradição retratada nos romances de banca, o livro A cigana

e o cavaleiro (2010) explicita como eram as leis do bando cigano no que concerne ao

casamento. A personagem Alicia acredita que é uma cigana e, portanto, deve se casar

com um cigano do bando. Seu pai, Rudolpho, acredita que só um príncipe seria bom

para ela. Entretanto, Alicia se nega a isso: ―nada de príncipe, papai. Vou me casar com

um cigano como eu, certo?‖ (KRAMER , 2010, p. 09). Rudolpho não fala nada, mas

deixa transparecer que tem algo a contar. Ele não teria coragem de dizer-lhe que não era

um deles. Não queria machucar o coração de Alicia contando que ela era uma gorgio.

Ela tinha orgulho de ser um deles e era feliz por isso. Porém as leis do bando eram

bastante rígidas e ela jamais poderia casar-se com um deles.

Para quem não convive com essa realidade cigana pode achar bastante estranha

essa lei e deve pensar: se eu conhecer e me apaixonar por alguém que não pertence ao

mesmo bando que eu, não poderei casar? A resposta é não. Ou melhor, isso pode até

acontecer, mas tem quem ter um motivo bastante plausível.

Certo dia Alicia resolveu correr pela floresta e, durante seu trajeto, ela ouviu um

barulho e não era um som feito por algum animal e sim por um ser humano. Ela

observou e viu dois homens jogar um terceiro no rio e fugir. Ela mergulhou no rio e,

com muito esforço, puxou-o até a superfície. ―Fosse ele gorgio ou cigano, isso não

importava. Aquele homem tinha de viver‖ (KRAMER , 2010, p. 15).

Enquanto cuidava dele ela o observava e ―ficava estranhamente excitada, seu

sangue se agitava em um calor lânguido e um desejo que a deixava envergonhada. Uma

moça direita não deveria ter pensamentos como aqueles‖ (KRAMER , 2010, p. 18).

Neste trecho percebemos que há ―situações em que as mulheres têm desejo, vontade de

ter relações e não dizem para o seu companheiro por medo, vergonha ou culpa‖

(GOUVEIA & CAMURÇA, 1997).

Na sociedade refletida nesses romances, a mulher é levada a crer que deve

reprimir seus desejos e suas vontades e essa atitude reforça a submissão da mesma.

Entretanto, quando a personagem tem pensamentos ou atitudes que julga não ser

condizente com a sociedade, busca a religião para se retratar ―Havia agido como uma

pecadora e, pior, pecara com o noivo da prima, irmão de seu prometido! Precisava

encontrar o sacerdote do castelo. Era indispensável que se confessasse‖ (KOHL, 2007,

p. 255).

Segundo a tradição, a mulher deve casar apenas uma vez e deve ser fiel ao seu

companheiro. Ainda conforme essa tradição, todas as mulheres ciganas dever ir virgens

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para o casamento (NUNES; LOPES apud MOURÃO, 2011), mas essa exigência não é

feita aos homens.

No que concerne a questão da virgindade, a mesma está intrinsecamente ligada à

cultura e seu conceito foi construído pela sociedade baseado em sócio culturais e, desta

forma, pode variar entre as culturas, sendo muito valorizado em alguns meios sociais ou

religiosos, especialmente no que diz respeito à preservação da virgindade antes do

casamento. A virgindade feminina era símbolo da honestidade social das mulheres

solteiras, visto que estes valores morais procuravam reforçar a dignidade da família no

equilíbrio da ordem social (MATOS, 2013).

A virgindade feminina é vista como algo a ser valorizado e está vinculada a um

―modelo de virtude, símbolo de pureza e prosperidade do matrimônio‖ (FURLANI,

2003 p. 143). Virtude essa que esteve durante séculos vinculada ao modelo de pura,

casta e fiel ao marido, quando casada. Para que a mulher fosse considerada virtuosa

tinha que ter essas qualidades, ou seja, a mulher que seguisse as regras impostas pela

sociedade era considerada virtuosa e, portanto, honrada.

No livro A cigana e o cavaleiro (2007) Alicia e Rafael acabaram se beijando,

mas quando as carícias aumentaram Alicia ficou constrangida e assustada, então

afastou-se.

Então ela era inocente, pensou, desapontado. Já havia ouvido falar de

como os ciganos guardavam as suas virgens. Ele teria de tirar da

cabeça todos os pensamentos lascivos. Ali estava ele, nu como Adão,

com uma mulher tão bela quanto a própria Eva. Como poderia não

pensar em fazer amor com ela? (KRAMER , 2010, p. 26).

Sua consciência negava esse desejo, todavia ela agiu com o coração. Se entregou

a ele, pois achava que o sentimento era recíproco ―tudo daria certo. Ele nunca a

magoaria, e talvez Rudolpho permitisse que se casassem‖ (KRAMER , 2010, p. 44). Ao

acordar, Alicia se viu sozinha. ―Ele a havia desonrado. Ela se tornara uma vergonha

para o seu povo. A virtude era o tesouro de uma mulher, e ela tinha sido empobrecida

pelo êxtase do beijo de um homem‖ (KRAMER , 2010, p. 49-50).

Ela entregou sua virtude a Rafael e ele a abandonou. Alicia imaginou o que

aconteceria quando seu pai arranjasse um casamento e ela tivesse que provar sua honra

para todo o bando, pois fazia parte da tradição cigana realizar um ritual de prova da

virgindade feminina no dia do casamento.

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Muito mais do que a ―honra‖ da noiva, este ritual da confirmação da

virgindade, representa em termos sociais o prestígio das famílias

envolvidas – a família da noiva e, principalmente, a família do noivo

(MOURÃO, 2011, p. 68).

Já que ocorre essa ―prova‖ da virgindade feminina, por que então o mesmo não

acontece com a virgindade masculina? Devemos pensar que esse fator decorre da

tradição da sociedade em questão, mas até que ponto essa tradição pode oprimir a

mulher em todos os níveis de sua vida? Mais uma vez podemos ver como as relações de

gênero são desiguais, de modo que a mulher sempre é tratada de modo inferior ao

homem.

Na tradição cigana a mulher é educada de modo a honrar três princípios básicos:

a preservação da sua virgindade até ao casamento, a consumação do matrimônio com

um membro da etnia cigana e a perpetuação da espécie, isto é, a necessidade de

procriação. Essa tradição secular impõe a mulher uma ―pureza‖ na qual ela deve se

manter virgem até o casamento. Essa ―pureza‖, na verdade, é a submissão feminina

disfarçada. Já a posição do homem é totalmente diferente, pois desde cedo é educado

com a pretensão de um dia ser o chefe de família, garantindo o sustento da mesma, fator

que lhe confere uma posição de autoridade e poder de decisão em relação aos membros

de sua família: esposa e filhos. (SILVA, 2013.)

Como vimos, o sexo antes do casamento é algo inaceitável na tradição cigana. O

mesmo acontece nas sociedades patriarcais que tem a Igreja católica como um de seus

pilares. Em Quase perdidos (2011) Harriet descobriu que a filha não era mais virgem

―você se desgraçou‖ (GOODGER, 2011, p. 37); ―Você recebeu uma excelente

educação, seu pai e eu fizemos sacrifício para que nada lhe faltasse. Como pôde se

arruinar desse jeito, minha filha? (idem, p. 37)‖. As atitudes e/ou comportamento

masculino não eram questionados e a mulher era responsabilizada como a causadora de

sua própria condição. Mesmo ela sendo seduzida pelo homem, seria culpada por ceder

aos encantos.

Em Dominados pela paixão (2007), lorde Peter sofreu um acidente e Pamela

ajudou com o material para o curativo ―evitando olhar para as pernas nuas do lorde e,

mais precisamente, para aquela região misteriosa sob o final da túnica abaixo do ventre.

Uma donzela modesta não devia se deixar conspurcar pela curiosidade‖ (KOHL, 2007,

p. 65).

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3.2 Damas de companhia: servir e proteger a honra.

Durante muito tempo a mulher era obrigada a ser apresentada a sociedade

durante os bailes sociais para conseguir um bom matrimônio. Entre 15 e 18 anos, as

moças eram apresentadas nos bailes e nessa idade já eram consideradas preparadas para

casar. A donzela que passasse dos 25 anos e continuasse solteira era considerada uma

infeliz e foi o que quase aconteceu com Athena, que já havia completado 28 anos e

continuava solteira.

A sociedade esperava que ela passasse o resto de sua vida em celibato, devido

ter tal idade ainda não ser casada. Todavia, isso não era o que a srta. McAllister tinha

em mente. Em um dos bailes da temporada social, ela estava entusiasmada: ―Athena

alimentou a esperança de que naquela festa estivesse sua última oportunidade de

encontrar um bom partido, ou simplesmente um marido‖ (MARCOS, 2010, p. 06).

O baile era só para jovens de família abastada e marcava a época em que os pais

torciam para que o investimento que fizeram ao longo dos anos com as filhas trouxesse

um bom retorno, ou seja, um casamento excelente (SILVEIRA, 2001).

Tais bailes eram feitos para que as moças da classe média e alta fossem

apresentadas à sociedade de modo que, a partir dessa apresentação formal, elas

conseguissem um bom casamento. Lembrando que as filhas dos nobres jamais poderiam

se apresentar sozinhas, deveriam estar acompanhadas da mãe, tia ou uma dama de

companhia, para que a virtude das jovens estivesse protegida.

Durante o baile, Athena se encantou com Calvin Bretherton, um jovem loiro,

bonito e, aparentemente, rico. Ela ―não se achava bonita o suficiente para arranjar um

namorado‖ (MARCOS, 2010, p. 08), porém estava decidida a tomar iniciativa e falar

com ele. Mas sua amiga Hester a alertou: ―seria uma tremenda falta de tato abordar um

homem assim, como se estivesse se oferecendo‖ (MARCOS, 2010, p. 08). Isso nos

mostra como a mulher era e é vista pela sociedade, como um ser sem atitude e, mesmo

que a tenha, deve se reprimir, pois ―a boa educação mandava que jovens solteiras

permanecessem no lugar reservado para elas, ao lado das viúvas e das outras mulheres

sem par, até que algum cavalheiro se dispusesse a ir procurá-las‖ (MARCOS, 2010, p.

09).

As mulheres membros da realeza possuíam acompanhantes prontas para ajudá-

las em suas diversas necessidades. Estas seriam suas damas de companhia que eram

designadas para servir, acompanhar e aconselhar uma mulher da realeza. Apesar de

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servirem sua senhora, elas não eram servas. Portanto, não limpavam, cozinhavam ou

assumiam trabalhos do funcionamento de um lar. Alguns requisitos para ser dama de

companhia consistiam em ser recatada, virtuosa, bem instruída, inteligente, discreta e de

boa índole4.

Os livros analisados são clássicos históricos e as damas de companhia são

retratadas com o objetivo de auxiliar em suas necessidades diárias bem como

acompanhar as jovens donzelas resguardando sua honra e reputação. Uma moça de

família jamais poderia passear, viajar e se apresentar nos bailes sociais sem a presença

de sua dama.

Em Dominados pela paixão (2007), Roxanne questionou Lucien sobre a

reputação das duas, pois estavam sem damas de companhia ―não pode pretender deixar-

nos com esses homens que ainda não são nossos maridos. Especialmente porque, como

vejo, não há outras damas na residência‖ (KOHL, 2007, p.21). E continuou ―é uma

questão de princípios. Somos damas sem pais ou maridos, por enquanto, mas não somos

pobres coitadas para sermos despejadas na soleira desses cavalheiros como se não

tivéssemos nenhum valor‖ (KOHL, 2007, p. 23).

Lucinda de Fortengall foi chamada com urgência e chegou ao castelo

acompanhada de seu marido, padrasto dos três irmãos, e Lucien os apresentou as duas

damas. Lucinda tratou de levá-las aos seus aposentos ―Venham comigo, meninas.

Prometo que sua virtude estará segura aqui em Stonelee‖ (KOHL, 2007, p. 28). Mesmo

não sendo dama de companhia, Lucinda é do sexo feminino e isso implica dizer que a

honra das donzelas estariam protegidas.

Lady Elverston disse que Patience ―precisa de uma dama de companhia. Não

pode ficar nesta casa com um homem solteiro (DONNER, 2010, p. 133)‖. Todavia, a

honra da mulher não se limita apenas à virgindade, mas, também, ao seu modo de ser, o

que inclui aparência, linguagem, resistência às solicitações galantes dos homens.

4 Disponível em: https://tudorbrasil.com/2015/05/13/damas-de-companhia-os-segredos-das-mulheres-que-

mudaram-a-historia/ <Acesso em 04 de Novembro de 2016>.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar das mulheres terem conquistado alguns direitos sociais, sobretudo um

certo espaço no âmbito público, esse não deixa de estar associado ao homem. Essa

assertiva vai de encontro com a realidade presente no cotidiano dos romances

sentimentais, na medida em que há uma separação das esferas de atuação de homens e

mulheres cujas identidades machistas estão fixadas nas relações de gênero.

Nos romances sentimentais, sejam eles Clássicos Históricos ou romances mais

modernos, como é o caso de Sabrina, a submissão feminina é a tônica desses enredos.

Na maioria dos romances a mulher pode ser a rainha mais poderosa ou a socialite de

maior prestígio social, mas a realização da vida plena dela depende do encontro de um

parceiro masculino, que restringe sua participação no mundo público e a exige no

mundo privado.

Na sociedade contemporânea, o ser feminino é incitado a acumular papéis.

Existe a cobrança de um comportamento padrão aceitável socialmente em que todas

devem desempenhar os papéis como características próprias do ser feminino e não

regras culturalmente criadas. Mas, a verdade é essa: essas diferenças sexuais bem como

os papéis designados para o homem e para a mulher foram sendo construídos pela

sociedade ao longo dos séculos e perpassados através da cultura.

Os romances sentimentais reforçam as diferenças do masculino e do feminino e

os enredos contornam os conflitos existentes como se o envolvimento romântico

pudesse por fim a eles. Essa possibilidade de atenuação dos conflitos e a aceitação dos

papéis que a sociedade impõe como sendo benéficos e prazerosos, pode estar também

no cerne da atração feminina pelos romances sentimentais.

Nos enredos é perceptível o quanto a ideologia patriarcal se constitui através do

discurso normativo. Nessas obras, a mulher desempenha o papel que é esperado no

padrão da cultura tradicional, ou seja, são educadas, prendadas e recatadas. São

retratadas também como mulheres belas e elegantes, porém vivem reclusas no ambiente

doméstico e jamais interferem na vida pública.

As leitoras dos romances sentimentais aceitam os papéis que esses designam

para as mulheres, talvez porque utilizam elementos contidos na leitura de tais romances

como caminho de fuga para um lugar imaginário, onde todos os problemas são

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resolvidos e as mulheres vivem a plenitude do amor verdadeiro, resultando no final

feliz, por esse motivo não se questionam sobre a posição submissa das heroínas, pois o

que elas almejaram desde o início se concretizou: o tão sonhado casamento e a

felicidade.

Estudar romances pode significar compreender uma época, seus/as leitores/as,

costumes, culturas e hábitos. A heroína pode ser o que a leitora espera de si mesma, ou

o que a sociedade deseja para a mulher. Consciente ou inconscientemente, o/a autor/a

coloca em sua obra seu ideal de mundo, que dificilmente será diferente dos valores

cultuados no momento histórico e cultural em que vive.

Durante muito tempo os romances sentimentais foram usados como

moralizadores, ditando regras a serem seguidas pelas donzelas da aristocracia com o

objetivo delas se tornarem boas moças, recatadas e do lar. Acredito, entretanto, que os

romances atuais naturalizam o machismo e as leitoras não fazem uma reflexão acerca

desse machismo e opressão das mulheres, mas essa naturalização não se dá ao fato de

que os autores são machistas e opressores, e sim porque eles seguem um padrão dos

livros.

Antes de qualquer livro ser publicado, ele passa por diversas análises para saber

se está de acordo com o que a editora exige. No caso dos romances sentimentais, o

objetivo da editora não é fazer com que as leitoras sejam críticas e questionem o modelo

patriarcal e machista dos livros, e sim que ela ―esqueça‖ por um momento sua realidade

e a sociedade ditadora de regras que ela vive, cheia de homens ―todo-poderosos‖ e se

imagine no lugar da mocinha, que será amada e protegida pelo seu grande amor.

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