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Universidade Estadual de Campinas
Faculdade de Ciências Médicas
KÁTIA FERRAZ SANTANA
O modelo de financiamento e de cuidado na assistência hospitalar
em hospital filantrópico de município de médio porte
The model of funding and medical care in hospital assistance at
philanthropic hospital of medium‐sized municipality
Campinas
2017
Kátia Ferraz Santana
O modelo de financiamento e de cuidado na assistência hospitalar
em hospital filantrópico de município de médio porte
The model of funding and medical care in hospital assistance at
philanthropic hospital of medium‐sized municipality
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção de título de Mestra em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde.
Orientador: Edison Bueno
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA KÁTIA FERRAZ SANTANA, E ORIENTADA PELO PROF.DR. EDISON BUENO
CAMPINAS 2017
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, que me inspiraram.
Aos meus filhos, pelo incentivo e para incentivo.
Não dá para ver nada nesse tempo. O que você tanto procura?
O futuro. Talvez não consigamos vê‐lo no momento...
...ou nem saibamos onde procurar... Mas navegamos inevitavelmente em sua direção.
Não podemos esperar o tempo melhorar pra sair em busca de um novo mundo.
(Fábio Moon e Gabriel Bá)
AGRADECIMENTOS
À Santa Casa de Marília na pessoa do seu provedor Milton Tédde, por me permitir
realizar o mestrado e utilizar o hospital como campo de estudo. Estendo o agradecimento
aos amigos Sérgio Stopato Arruda, Otávio Augusto Spadoto e José Carlos da Silva pela
paciência e auxílio no levantamento e análise dos dados utilizados.
À amiga Maria Aparecida Silva, que me assegurou a hospedagem durante toda essa
jornada, com direito a muita prosa, um pouco de vinho e muita afetividade, além das dicas,
da translation e tudo o mais.
À Yolanda Matsuda, pela generosidade na revisão do texto, suporte e motivação para
um caminhar seguro e confiante.
À Ana Maria Sant’Ana pela paciência na revisão das normas das referências. Um
mundo mágico cheio de certos e errados. Aprendi muito com você.
Aos amigos do mestrado, pelo companheirismo e apoio para a superação das
dificuldades.
A todos os amigos que me ouviram falar do meu cansaço, desânimo, certezas e
incertezas, com isso fortalecendo os vínculos de amizade, e me dando energia para vencer
este e enfrentar novos desafios.
Ao meu orientador Edison Bueno, que não só norteou todo o processo da
dissertação, desde a definição temática até o resultado final, como também compartilhou
dos momentos críticos e difíceis do meu caminhar profissional.
Aos professores do mestrado, que ampliaram minha visão de saúde coletiva com
todo seu conhecimento e experiência.
RESUMO
Muito provavelmente a crítica ao modelo hospitalocêntrico atrasou a discussão do modelo
de atenção hospitalar pelo sistema público. Assim é que, somente no final de 2013, foi
publicada a política nacional de atenção hospitalar, que vem tendo seu prazo de vigência
adiado ano a ano. Os hospitais filantrópicos, importantes parceiros na viabilização da
atenção hospitalar ao Sistema Único de Saúde – SUS, são críticos à política proposta porque
ela não apresenta nenhuma novidade ao modelo de financiamento do setor. O estudo de
caso objeto desta dissertação, de natureza exploratória, foi conduzido na Santa Casa de
Marília, com abordagem quantitativa com base em fontes primárias e secundárias. Pelos
resultados conclui‐se que o financiamento público ao hospital filantrópico é insuficiente,
mesmo quando considerados os incentivos fiscais, subvenções de custeio e incentivos à
produção. Aliás, conclui‐se que as inúmeras portarias voltadas ao financiamento do
segmento filantrópico não estabeleceram uma política de financiamento, mas uma
sobrevida ao setor, ou melhor, sua sobrevivência às custas de endividamento, sucateamento
e redução de leitos. Ainda decorrente do estudo de caso, recomenda‐se que o eixo da
atenção deva definir o eixo do financiamento. Como as equipes de referência
multidisciplinares e horizontais, organizadas conforme a proposta da política de atenção
hospitalar, representam importante parcela do custo fixo do hospital, poder‐se‐ia trabalhar
com um modelo de orçamentação parcial, sendo fixa a parcela correspondente à equipe de
referência preconizada pelo modelo, enquanto a parte variável, representada pelos
materiais hospitalares, medicamentos, exames diagnósticos e outros componentes dos
custos fixos e variáveis, poderia ser remunerada pós‐produção. Nesta proposta, o
componente fixo seria pré‐fixado conforme o nível de complexidade e o porte do hospital.
Quanto aos incentivos, deveriam estar associados exclusivamente à melhoria contínua da
gestão.
Palavras‐chave: Hospitais Filantrópicos; Financiamento da Saúde; Gestão Hospitalar; Saúde
Pública; Gerenciamento Clínico.
ABSTRACT
The discussion about the hospital attention model by the public system was probably
delayed because of the criticism to the hospital‐centric model. Thus, only at the end of 2013
the national hospital attention policy was presented, and its application period has been
postponed each year. The philanthropic hospitals, which are important partners for the
hospital attention viability of the Unified Health System (better known by the acronym SUS),
are critics to such policy since it doesn’t present any novelty to the sector funding model.
This dissertation is focused in a case study of exploratory nature which was conducted in the
Holy House of Mercy of Marilia, based on primary and secondary sources. The data analysis
allows to conclude that the public funding to the philanthropic hospital is not enough, even
considering the fiscal incentives, operational subsidies and production incentives. In fact, all
the regulations directed to the philanthropic sector funding did not establish a financing
policy but only offered a survival at the expense of indebtedness, scrap and reduction of the
number of beds. Based on the case study, it is recommended that the funding axis should be
defined by the attention axis. As the reference team organized according to the approved
policy represents an important part of the hospital fixed cost, a partial budgeting model
would be more suitable. That is, a fixed part corresponding to the reference team costs and
a variable one, which includes hospital materials, medicines, medical exams, and other
components of variable and fixed costs, with post‐production remuneration. On the other
hand, the incentives should be exclusively associated to the continuous improvement of the
hospital management.
Keywords: Hospitals, Voluntary; Healthcare Financing; Hospital Administration; Public
health; Disease Management
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Composição gasto total com saúde em 2014 30
Figura 2 Gasto público com saúde – participação dos entes federados 36
Figura 3 Composição dos gastos tributários na função saúde em 2013 47
Figura 4 Evolução da participação dos entes federativos e do próprio prestador na composição da receita operacional da Santa Casa de Marília
59
Figura 5 Composição da remuneração da Santa Casa de Marília pelo sistema público
62
Figura 6 Produção SUS e Não SUS medida em pacientes‐dia 64
Figura 7 Produção ambulatorial de acordo com legislação vigente a partir de 2002
65
Figura 8 Comparativo entre remuneração total e receita contábil líquida, sem isenção usufruída
68
Figura 9 Composição das despesas da Santa Casa de Marília 70
Figura 10 Receita e despesa da atividade hospitalar sem as isenções contabilizadas
73
Figura 11 Receita e despesa da atividade hospitalar sem as isenções contabilizadas e receitas eventuais
73
Figura 12 Comportamento do resultado econômico e do indicador pacientes
74
Figura 13 Evolução do total do ativo e do ativo permanente 79
Figura 14 Evolução do passivo total, de curto e longo prazo 80
Figura 15 Composição do passivo da Santa Casa de Marília 81
Quadro 1 Convênio entre a Santa Casa de Marília e a Prefeitura Municipal de Marília: composição dos repasses
56
Quadro 2 Receitas não operacionais esporádicas e relevantes 67
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Faturamento total SUS, agrupado segundo natureza do hospital, no período entre 2009 e 2014
20
Tabela 2 Faturamento das internações hospitalares, agrupado segundo natureza do prestador, no período compreendido entre 2009 e 2014
20
Tabela 3 Faturamento das internações hospitalares decompostas por complexidade, agrupada segundo natureza do prestador, para os anos de 2009 e 2014
21
Tabela 4 Faturamento de procedimentos ambulatoriais, agrupado segundo natureza do prestador, no período compreendido entre 2009 e 2014
21
Tabela 5 Faturamento dos procedimentos ambulatoriais hospitalares decompostos por complexidade, agrupada segundo natureza do prestador, para os anos de 2009 e 2014
22
Tabela 6 Leitos SUS e Não SUS disponíveis no país e disponíveis nos hospitais filantrópicos
22
Tabela 7 Comparativo de gastos públicos e privados em países selecionados 32 Tabela 8 Evolução do repasse do bloco MAC e do faturamento de internações e
produção ambulatorial hospitalar 38
Tabela 9 Evolução das AIHs: frequência, permanência e valor médio da internação
38
Tabela 10 Receita operacional SUS da Santa Casa de Marília, por ente federativo, incluindo‐se incentivos, extrateto e glosas
58
Tabela 11 Subvenções recebidas pela Santa Casa de Marília por ente federativo 61 Tabela 12 Remuneração SUS recebida pela Santa Casa de Marília por ente
federativo, valor faturado e valor da tabela recebida com relação à tabela SUS
63
Tabela 13 Receita bruta, glosas e receita líquida da Santa Casa de Marília pelo sistema privado
66
Tabela 14 Composição da remuneração total da Santa Casa de Marília 66 Tabela 15 Principais componentes das despesas da Santa Casa de Marília 69 Tabela 16 Comparativo da composição de centros de custos por tipo entre a Santa
Casa de Marília e oito hospitais estruturantes 71
Tabela 17 Comparativo dos custos fixos e variáveis entre a Santa Casa de Marília e oito hospitais estruturantes
71
Tabela 18 Comparativo de custo unitário de serviços com e sem materiais e medicamentos
72
Tabela 19 Comparativo entre resultado econômico pacientes internados, pacientes‐dia, tempo de permanência, número de funcionários e funcionário por paciente‐dia
76
Tabela 20 Comparativo entre resultado, remuneração do SUS sobre o faturamento, percentual de remuneração do SUS, percentual de extrateto SUS pelo faturamento SUS e % de glosas não SUS
76
Tabela 21 Evolução do total do ativo, ativo permanente, depreciação, investimento e subvenções para investimentos
79
Tabela 22 Evolução do passivo descoberto 82 Tabela 23 Comparativo entre isenção usufruída e resultado 83
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC – Alta complexidade AIH ‐ Autorização de Internação Hospitalar ANS ‐ Agência Nacional de Saúde ASPS – Ações e Serviços Públicos de Saúde CEALAG – Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão
CEBAS ‐ Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social
CEO ‐ Centro de Especialidades Odontológicas CIB – Comissão Intergestores Bipartite CIR – Comissão Intergestores Regional CMB ‐ Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Brasil CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz PRHF ‐ Programa de Revitalização dos Hospitais Filantrópicos CQH – Compromisso com a Qualidade DATASUS – Departamento de Informática do SUS DRG ‐ Diagnosis Related Groups (Grupos de Diagnósticos Relacionados) DRS – Departamento Regional de Saúde EC – Emenda Constitucional FAEC – Fundo de Ações Estratégicas e Compensações FEHOSP – Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo FIDEPS ‐ Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa Universitária em Saúde FNS – Fundo Nacional de Saúde IAC ‐ Incentivo de Adesão à Contratualização IAP ‐ Instituto de Aposentadoria e Pensão IAPI ‐ Incentivo de Assistência À População Indígena IGH ‐ Incentivo de Qualificação da Gestão Hospitalar INAMPS ‐ Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS ‐ Instituto Nacional de Previdência Social INTREGRASUS ‐ Incentivo de Integração ao Sistema Único de Saúde IPCA – índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo KPIH – Key Performance Indicators for Health MAC – Média e Alta Complexidade MBE – Medicina Baseada em Evidência NHS – National Health System (Sistema Nacional de Saúde do reino Unido) PEC – Proposta de Emenda à Constituição PL – Projeto de Lei PNASS ‐ Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde PNHOSP – Política Nacional de Atenção Hospitalar POA – Plano Operativo Anual PSF – Programa de Saúde da Família (atualmente Estratégia de Saúde da Família) RAS – Rede de Atenção à Saúde SAMPS ‐ Sistema de Assistência Médica da Previdência Social SAMU ‐ Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SUDS ‐ Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde UNACON – Unidade de Alta Complexidade em Oncologia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14 2 OBJETIVOS 15 2.1 Objetivo geral 15 2.2 Objetivos específicos 15 3 REFERENCIAL TEÓRICO 15 3.1 Breve histórico das Misericórdias 15 3.2 As santas casas e o sistema de saúde brasileiro a partir do século XX 17
3.3 Santas casas hoje 18
3.4 A integralidade do cuidado na atenção hospitalar 22
3.5 3.5.1 3.5.2 3.5.2.1 3.5.2.2
Integralidade e modelo de remuneração Financiamento federal O financiamento da atenção hospitalar Financiamento federal Financiamento estadual: os programas do Estado de São Paulo ao segmento filantrópico
29 29 36 36 42
3.6 3.6.1
A imunidade tributária e os hospitais filantrópicos
A obtenção do certificado de entidade beneficente de assistência social
– saúde
45 48
3.7 A Santa Casa de Marília 50
4 METODOLOGIA 53
5 5.1 5.1.1 5.1.2 5.1.3
RESULTADOS Análise da série histórica da remuneração da Santa Casa de Marília A remuneração tripartite pelo sistema público para custeio A remuneração pelo sistema privado A receita contábil
54 54 54 63 66
5.2 A composição das despesas e dos custos 68
5.3 Resultado econômico‐financeiro 72
5.4 5.4.1 5.4.2 5.4.3
Análise dos balanços patrimoniais A evolução do patrimônio da Santa Casa de Marília A evolução das obrigações da Santa Casa de Marília O passivo descoberto
78 78 79 81
5.5 A isenção obtida pela Santa Casa de Marília 82 6 DISCUSSÃO GERAL 83 7 CONCLUSÃO 87 REFERÊNCIAS 89 ANEXOS 97
14
INTRODUÇÃO
Há muito se discute, no âmbito dos hospitais filantrópicos e de governo, um
novo padrão de financiamento hospitalar, não mais baseado em uma tabela de
remuneração por produção, mas numa lógica orçamentária que atenda à demanda
pactuada de acordo com a necessidade locorregional, por meio de uma pactuação
físico‐financeira que, ao mesmo tempo, incorpore mecanismos de avaliação
qualitativa da atenção hospitalar, orientando o hospital em um modelo de atenção
humanizado, reunindo os modelos da clínica ampliada e da gestão da clínica.
A transição para um modelo de remuneração sustentável ainda está em
construção, sendo que, enquanto o segmento filantrópico luta por melhor
remuneração pelo sistema público, alegando desequilíbrio econômico‐financeiro,
gestores públicos afirmam que os incentivos contratuais e tributários, bem como o
emprego de recursos públicos para investimentos, seriam suficientes para a
manutenção das instituições filantrópicas, desde que houvesse boa gestão.
Quanto ao modelo de atenção hospitalar, observa‐se que nos hospitais
filantrópicos prevalece o modelo de atenção centrado no saber médico e na doença,
a despeito da incorporação de estratégias de humanização hospitalar. Além disso, as
instituições filantrópicas contam com corpo clínico aberto, cuja remuneração se faz,
na maioria das vezes, pela produção médica.
Como o modelo de remuneração e a integralidade assistencial estão
diretamente associados, pois estabelecem os vínculos das contratações
institucionais, pretende‐se partir de um estudo de caso baseado na Santa Casa de
Marília para mensurar a real remuneração pública e dependência do sistema privado
para a sustentabilidade econômico‐financeira dos hospitais filantrópicos e estudar
como o modelo de remuneração pode afetar o modelo de atenção.
Com esse estudo, espera‐se contribuir para uma proposta de remuneração
que assegure um modelo sustentável e promova uma nova clínica no ambiente
hospitalar filantrópico.
15
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
Analisar como o modelo de remuneração impacta na sustentabilidade econômico‐
financeira e na integralidade do cuidado na assistência médico‐hospitalar na Santa
Casa de Marília.
2.2 Objetivos específicos
2.2.1 Analisar a série histórica de onze anos da remuneração pelo sistema público e
privado na Santa Casa de Marília e a composição das despesas no mesmo período;
2.2.2 Analisar como o mix público/privado impacta na viabilidade econômica da
Santa Casa de Marília;
2.2.3 Avaliar a relação entre modelo de remuneração e modelo de assistência.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Breve histórico das Misericórdias
"A misericórdia é a compaixão que o nosso coração experimenta pela miséria alheia, que nos leva a socorrê‐la, se o pudermos." (Santo Agostinho)
Ao ser criada em Portugal em 15 de agosto de 1498 pela rainha D. Leonor, a
Irmandade de Invocação a Nossa Senhora da Misericórdia pretendia atuar sobre a condição
de promiscuidade e doença decorrente do enorme crescimento urbano provocado pela
expansão marítima portuguesa que intensificou a atividade portuária e comercial em Lisboa
àquela época. Corroboravam para a degradação da qualidade de vida da população os
naufrágios e as batalhas, com o consequente aumento da população desamparada de órfãos
e viúvas e, ainda nesse contexto, causava aflição a precariedade das condições das prisões
no reino português (Santa Casa de Lisboa).
A Irmandade leiga, sob orientação católica, adotou como símbolo Nossa Senhora da
Misericórdia, protetora dos poderes terrenos e espirituais. O manto protetor da misericórdia
16
estendia‐se, para além da nobreza e do clero, aos órfãos, enfermos, presos, pobres, entre
outros excluídos e vulneráveis.
O modelo de assistência era mantido pela generosidade dos membros da Irmandade,
da sociedade e também contava com o apoio da Coroa. O sucesso do modelo da Irmandade
das Misericórdias expandiu‐se além‐mar para todas as colônias portuguesas, chegando ao
Brasil em 1543 com a Santa Casa de Misericórdia de Santos.
Quanto ao modelo de assistência propriamente dito, as santas casas seguiram a
mesma orientação das ordens religiosas que assumiram os primeiros hospitais da era cristã,
voltados mais à salvação espiritual que material dos homens. Enquanto obras de caridade,
os hospitais àquela época não tinham compromisso com a inclusão social, ao contrário:
“...No entanto, eles desempenhavam concomitantemente uma outra função, operando também como uma instituição de separação e exclusão social. Em uma época na qual a miséria e a enfermidade encontravam‐se bastante associadas, o hospital era uma instituição basicamente destinada aos pobres, representava um espaço de refúgio e de recolhimento daqueles que necessitavam de cuidado, e que, na condição de doentes, constituíam uma ameaça às coletividades. (BRAGA NETO et al., 2012, p. 581)
Somente durante o século XVIII na Europa, em decorrência das transformações
sociais e econômicas trazidas pela Revolução Industrial, o hospital começou a atuar como
um instrumento terapêutico, reorganizando‐se a partir do disciplinamento do espaço; os
médicos conquistavam legitimidade social, e uma nova compreensão sobre o processo de
adoecimento se consagrava, reconhecendo‐se a importância do ambiente nesse processo.
“Essas são as circunstâncias em que a medicina se torna hospitalar e o hospital se
medicaliza, circunstâncias essas que fundam o hospital moderno” (BRAGA NETO et al., 2012,
p.583).
Durante o período de transição para o hospital moderno, enquanto na Europa havia
uma tendência da assunção, pelo Estado, da administração dos hospitais, no Brasil Imperial
não se verificou o mesmo movimento.
...Provavelmente por motivos financeiros, o Império optou por deixar a cargo das
irmandades de misericórdia a gestão dos hospitais, como sugere Barreto (2005).
Indo além, parece ter privilegiado o repasse de recursos às misericórdias para
prestação de assistência aos soldados, por ser mais barato. Esse fato,
provavelmente, retardou o processo de medicalização dos hospitais no País, além é
claro das implicações relativas à política estatal de saúde. Ao passo que na maioria
dos países europeus a esfera estatal passou a contar com grande número de
hospitais por assumir o que antes era gerido e mantido pelas Misericórdias, no
Brasil este processo não se deu ou o fez em escala muito reduzida. (COELHO, 2013,
p. 82).
17
3.2 As santas casas e o sistema de saúde brasileiro a partir do século XX
“...os hospitais eram instituições de caridade, às quais os médicos, em grande parte, doavam parte do seu tempo. ...Com o avanço da tecnologia, os hospitais se tornaram o ponto de concentração e trabalho dos médicos...Os hospitais também cresceram rapidamente em tamanho. Passando então a ter mais interesse na operação dos hospitais, os médicos desenvolveram e usaram cada vez mais a sua influência como um grupo de interesse para exercer certo controle sobre os hospitais.” (FOLLAND S.; GOODMAN, A.C.; STANO, M., 2008, p.353)
Nos primeiros anos do século XX, as santas casas ainda respondiam pela rede
hospitalar do país, sendo a rede estatal mais voltada para os militares. Foram se
modernizando com o desenvolvimento dos hospitais a partir das descobertas de Pasteur e
Koch, o uso de métodos assépticos e antissépticos, com consequente redução na
mortalidade hospitalar, a introdução do uso de anestésico, o suporte laboratorial, instalado
dentro dos hospitais (LISBOA, 2002 E COELHO, 2013), enfim, com os avanços da medicina
centrados no ambiente hospitalar.
O hospital, que anteriormente se constituiu como lugar onde os pobres
aguardavam a morte ao abrigo da caridade pública, passou a ser considerado lugar
onde se procura a cura para as doenças. Em seu interior, o trabalho para a salvação
da alma deu lugar a uma prática clínica para o restabelecimento da saúde do corpo.
Uma das mais importantes conseqüências é que pela primeira vez em toda a
história do hospital, seus serviços deixam de ser procurados apenas pelos pobres.
Para ele acorriam também os ricos a procurar tratamentos para os seus males.
Passou a ser o centro mais importante de pesquisa, ensino, aprendizagem e
dispensação de cuidados médicos. (COELHO, 2013, p.52)
Com o início do movimento de urbanização, industrialização e imigração, o modelo
de assistência social até então predominante na área da saúde passou a conviver com o
modelo de seguro social, financiado por empregados e empregadores.
Esse modelo se iniciou com a promulgação da lei Eloy Chaves em 1923, criando as
Caixas de Aposentadorias e Pensões, que tinham entre suas atribuições a assistência médica
aos empregados urbanos e seus familiares.
Em 1937, as Caixas foram substituídas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões –
IAPs, que absorveram as Caixas de acordo com as categorias profissionais e se vincularam ao
Ministério do Trabalho. Nesse modelo de financiamento da saúde, as santas casas também
exerceram importante papel, ao iniciarem a prática de celebração de contratos e convênios
com os institutos;
“Esta assistência se deu através da criação de ambulatórios próprios pelas
empresas para prestação de cuidados médicos e pela contratação dos hospitais, à
época, constituídos em sua quase totalidade por Misericórdias, para a assistência
hospitalar.” (Coelho, 2013, p.86).
18
Nessa nova conjuntura, de modernização e financiamento, o médico passou a ser o
protagonista do cuidado, e o hospital, o provedor dos meios para a produção desse cuidado.
Enquanto profissionais autônomos, os médicos estabeleceram uma relação sui generis com
as santas casas: atendiam o indigente sem receber pelo atendimento e ganhavam o direito
de utilizar o hospital para seus atendimentos remunerados. Os cuidados de enfermagem, na
maioria das vezes, encontravam‐se a cargo das Irmãs de Caridade, enquanto a administração
financeira continuava a cargo da diretoria voluntária da Irmandade. O financiamento desse
modelo continuava a contar com a caridade, mas recebia importante impulso pela
contraprestação dos atendimentos realizados aos institutos e aos pacientes particulares.
Esse modelo de financiamento iria ganhar mais um componente a partir da década
de 50, quando começaram a surgir os planos de saúde no país. As santas casas, distribuídas e
interiorizadas em todo o país, não só viabilizaram o crescimento da medicina privada, como
passaram a contar com mais essa importante fonte de remuneração.
As santas casas acompanharam e participaram, enquanto prestadoras de serviços, de
todas as mudanças, seja na área de saúde, seja na área previdenciária: o advento do
Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, que fundiu todos os institutos e caixas de
pensão, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, a
migração desse modelo para o Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde – SUDS –
até o advento do Sistema Único de Saúde – SUS.
3.3 Santas casas hoje
“Nem o antes nem o depois, mas o durante incessantemente renovado”. (GIANNETTI, E., 2005, p.139)
Somente a partir da constituição de 1988 o Brasil passou a contar com um sistema
público universal – o SUS. A constituição estabeleceu, em seu artigo 6º, a saúde como direito
social e, em seu artigo 199, que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada” (BRASIL,
1988). Mas o artigo 199 não só autoriza a participação da iniciativa privada à assistência à
saúde, como permite sua participação complementar no sistema público, priorizando as
instituições sem fins lucrativos conforme seu parágrafo 1º:
Art. 199 § 1º ‐ As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. (BRASIL, 1988).
19
Tal iniciativa constitucional, de permissão de participação complementar do sistema
privado no Sistema Único de Saúde ‐ SUS, viabilizou a formação da rede hospitalar do
sistema público, considerando a elevada participação do setor privado, responsável por 85%
dos leitos àquela ocasião.
A partir do banco de dados DATASUS, a Confederação das Santas Casas de
Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas – CMB – levantou que os hospitais
filantrópicos foram responsáveis em 2014 por 42% das internações realizadas através do
Sistema Único de Saúde ‐SUS, com uma rede constituída por 1.753 hospitais e 170.869
leitos. (CMB, 2017)
Para caracterizar a participação do segmento filantrópico no sistema público no
momento atual, a autora realizou levantamentos relativos aos repasses fundo a fundo e ao
faturamento hospitalar, a partir de dados disponíveis no Departamento de Informática do
SUS –DATASUS/Tabwin. Para tanto, agrupou os hospitais em quatro categorias:
a) Hospitais privados: tratados no tabwin como contratados, privados com fins
lucrativos e optantes do Simples;
b) Hospitais públicos: independentemente da esfera de gestão;
c) Hospitais sem fins lucrativos: englobando os hospitais sem fins lucrativos
propriamente ditos, filantrópicos com CNAS válido, contratados isentos, filantrópicos
isentos e filantrópicos totais, conforme denominações no tabwin; e
d) Outros: englobando os que não se classificaram em nenhuma denominação anterior.
A Tabela 1 apresenta o crescimento do faturamento hospitalar no período
compreendido entre 2009 e 2014, sendo que a participação dos hospitais sem fins lucrativos
foi crescente até 2013 e representou 35% do faturamento hospitalar SUS em 2014.
Quando se analisa somente o comparativo do faturamento das internações hospitalares
no mesmo período, conforme Tabela 2, observa‐se a importante participação do segmento
sem fins lucrativos atingindo, em 2014, a participação de 48,2% no total do faturamento das
internações hospitalares. Neste ano, os filantrópicos responderam por 42% das internações
hospitalares pelo SUS.
20
Tabela 1 ‐ Faturamento total SUS, agrupado segundo natureza do hospital, no período entre 2009 e 2014
Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: DATASUS, Tabwin: maio de 2015. Organizada pela autora.
.
Tabela 2 ‐ Faturamento das internações hospitalares, agrupado segundo natureza do prestador, no período compreendido entre 2009 e 2014
Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: DATASUS, Tabwin: maio de 2015. Organizada pela autora.
Quando se decompõe o faturamento da internação hospitalar pelos blocos de
faturamento: média complexidade, alta complexidade e ações estratégicas, conforme Tabela
3, os segmentos públicos e sem fins lucrativos, entre 2009 e 2014, cresceram em todos os
blocos de faturamento, e o setor sem fins lucrativos, em 2014, respondeu por 62,5% do
faturamento da alta complexidade e 58,3% das ações financiadas pelo Fundo de Ações
Estratégicas – FAEC, reforçando sua importância para o sistema público, no âmbito da
internação hospitalar, especialmente nesses dois blocos de atenção e financiamento.
Já na produção ambulatorial, conforme Tabela 4, os filantrópicos ampliaram sua
participação percentual entre 2009 e 2013, de 24,1% para 29,6%, mas reduziram essa
participação para 27,7% em 2014. Entretanto, quando decomposto pelos blocos de
faturamento, conforme Tabela 5, a participação do segmento sem fins lucrativos ganha
expressão especialmente para os procedimentos de alta complexidade, onde representa
cerca de 54% do faturamento ambulatorial. O maior crescimento do faturamento hospitalar
ambulatorial aconteceu nas chamadas ações estratégicas, onde se destaca a participação do
setor privado, com cerca de 62% de todo o faturamento ambulatorial em 2014, indicando o
interesse do setor privado pelos procedimentos ambulatoriais de maior remuneração.
Ano Privado Público Sem Fins Luc. Outros Total % Sem Fins Luc.
2009 4.001.748.787,37 12.321.289.520,33 7.643.661.642,33 4.116.809,81 23.970.816.759,84 31,9
2010 3.963.592.281,03 12.526.829.921,33 8.133.939.192,55 2.983.852,35 24.627.345.247,26 33,0
2011 4.244.493.146,44 12.350.439.497,40 8.466.341.845,37 484.132.032,18 25.545.406.521,38 33,1
2012 4.353.230.040,97 12.245.373.395,89 8.801.674.794,45 981.829.864,06 26.382.108.095,37 33,4
2013 4.093.905.437,70 12.788.080.305,76 9.661.985.099,50 1.416.858,59 26.545.387.701,55 36,4
2014 4.696.605.927,42 14.414.151.113,67 10.366.301.806,72 1.191.190,64 29.478.250.038,44 35,2
Ano Privado Público Sem Fins Luc. Outros Total % Sem Fins Luc.
2009 1.168.975.648,90 4.299.928.379,17 4.653.025.759,29 2.988.841,90 10.124.918.629,27 46,0
2010 1.180.908.581,23 4.657.551.345,82 4.900.168.696,47 2.125.744,95 10.740.754.368,47 45,6
2011 1.137.823.583,49 4.656.919.848,90 5.001.307.232,01 483.218.261,52 11.279.268.925,92 44,3
2012 1.080.012.498,82 4.604.474.884,08 4.935.616.470,02 980.885.426,00 11.600.989.278,92 42,5
2013 1.066.686.935,13 5.542.433.224,31 6.040.423.742,74 842.056,33 12.650.385.958,52 47,7
2014 998.398.507,93 5.869.790.294,30 6.392.554.715,82 401.094,60 13.261.144.612,65 48,2
21
Tabela 3 ‐ Faturamento das internações hospitalares decompostas por complexidade, agrupada segundo natureza do prestador, para os anos de 2009 e 2014 Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: DATASUS, Tabwin, maio de 2015. Organizada pela autora.
Tabela 4 ‐ Faturamento de procedimentos ambulatoriais, agrupado segundo natureza do prestador, no período compreendido entre 2009 e 2014 Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: DATASUS, Tabwin, maio de 2015. Organizada pela autora.
Quanto aos leitos hospitalares, conforme Tabela 6, dentre os leitos disponibilizados
pela rede hospitalar no Brasil, conforme o sistema DATASUS – Tabnet, 71% estavam
disponibilizados ao Sistema Único de Saúde – SUS, sendo que os hospitais filantrópicos
disponibilizavam ao SUS 72% dos seus leitos, sendo o restante dos leitos disponibilizado ao
atendimento particular e à saúde suplementar. Dos leitos complementares, ou seja, leitos de
UTI, cuidados intermediários e isolamento, é importante observar que 68% deles eram
destinados ao sistema público, e o segmento filantrópico disponibilizava 71% dos seus leitos
complementares ao SUS, em dezembro de 2015.
Média complexidade Privado Sem Fins Luc. Público Outros Total % Sem Fins Luc.
2009 975.359.263,75 3.254.334.889,02 3.533.705.459,51 2.962.156,06 7.766.361.768,35 41,90
2014 664.102.299,45 3.698.930.132,44 4.515.865.013,57 401.094,60 8.879.298.540,06 41,66
Alta complexidade Privado Filantrópico Público Outros Total % Sem Fins Luc.
2009 156.406.846,48 1.165.394.810,96 592.990.727,23 680,20 1.914.793.064,87 60,86
2014 254.491.829,25 2.053.396.943,77 976.415.190,87 0,00 3.284.303.963,89 62,52
FAEC Privado Filantrópico Público Outros Total % Sem Fins Luc.
2009 37.209.538,67 233.296.059,31 173.232.192,43 26.005,64 443.763.796,05 52,57
2014 79.804.379,23 640.227.639,61 377.510.089,86 0,00 1.097.542.108,70 58,33
Ano Privado Público Sem Fins Luc. Outros Total % Sem Fins Luc.
2009 2.832.773.138,47 7.668.263.761,04 3.343.733.263,16 1.127.967,91 13.845.898.130,58 24,1
2010 2.782.683.699,80 7.626.661.224,86 3.476.387.846,73 858.107,40 13.886.590.878,79 25,0
2011 3.106.669.562,95 7.349.132.265,39 3.809.421.996,47 913.770,66 14.266.137.595,47 26,7
2012 3.273.217.542,15 7.309.756.925,87 4.197.199.910,37 944.438,06 14.781.118.816,46 28,4
2013 3.027.218.502,57 6.747.656.563,02 4.119.551.875,19 574.802,26 13.895.001.743,04 29,6
2014 3.698.207.419,49 8.021.596.397,85 4.496.511.512,42 790.096,04 16.217.105.425,79 27,7
22
Tabela 5 ‐ Faturamento dos procedimentos ambulatoriais hospitalares decompostos por complexidade, agrupada segundo natureza do prestador, para os anos de 2009 e 2014
Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: DATASUS, maio de 2015. Organizada pela autora.
Tabela 6 ‐ Leitos SUS e Não SUS disponíveis no país e disponíveis nos hospitais filantrópicos
*Leitos complementares: UTI, cuidados intermediários e isolamento Fonte: DATASUS, Tabnet, dados referentes a dezembro de 2015. Organizada pela autora.
3.4 A integralidade do cuidado na atenção hospitalar
“[...] é possível qualificarmos a integralidade como um dispositivo político, de crítica de saberes e poderes instituídos, por práticas cotidianas que habilitam os sujeitos nos espaços públicos a engendrar novos arranjos sociais e institucionais em saúde.” (PINHEIRO, R. e GUIZARDI, F.L., 2004, p.21).
Média complexidade Privado Sem fins Luc. Público Outros Total % Sem Fins Luc.
2009 1.115.814.606,42 1.554.543.479,31 4.527.538.520,95 1.127.647,91 7.199.024.254,59 21,6
2014 1.240.569.946,66 1.785.598.232,71 5.495.714.986,32 711.646,04 8.522.594.811,73 21,0
Alta complexidade Privado Filantrópico Público Outros Total % Sem Fins Luc.
2009 292.333.460,06 969.916.896,64 519.308.498,88 0 1.781.558.855,58 54,4
2014 449.618.105,15 1.697.149.573,10 988.131.375,77 0 3.134.899.054,02 54,1
FAEC Privado Filantrópico Público Outros Total % Sem Fins Luc.
2009 1.385.036.856,29 721.658.842,35 333.167.496,14 0,00 2.439.863.194,78 29,6
2014 1.961.299.085,50 875.639.233,46 337.223.105,82 0,00 3.174.161.424,78 27,6
Leitos de Internação SUS Não SUS Total % SUS
Total 319.283 133.205 452.488 71
Filantrópicos 99.265 38.655 137.920 72
Leitos Complementares* SUS Não SUS Total % SUS
Total 27.749 26.887 54.636 51
Filantrópicos 9.066 5.502 14.568 62
Total (Internação e Complementar) SUS Não SUS Total % SUS
Total 347.032 160.092 507.124 68
Total Filantrópico 108.331 44.157 152.488 71
23
A integralidade da atenção hospitalar, segundo Cecílio e Merhy (2003), pode
ser problematizada a partir de dois ângulos, sendo o primeiro deles aquele que tem como
referência o próprio ambiente hospitalar e o segundo, a integralidade como inserção do
hospital na rede de atenção à saúde.
No escopo do presente trabalho, pretende‐se abordar a integralidade da atenção
hospitalar que, de acordo com os autores citados, se trata de um somatório de “Tecnologia e
humanização combinadas, no desafio de adotar o lugar do paciente e suas necessidades
singulares como ponto de partida para qualquer intervenção hospitalar” (CECÍLIO e MERHY,
2003; p.197) ou “[...] a proposta de abordagem integral do ser humano, superando a
fragmentação do olhar e intervenções sobre os sujeitos, que devem ser vistos em suas
inseparáveis dimensões biopsicossociais” (BRASIL, 2008, p.63).
A integralidade na atenção hospitalar é um grande desafio, uma vez que o hospital
tem sido o ambiente para os modelos de atenção cientificista, como o da medicina baseada
em evidência – MBE, em que “[...] a experiência clínica é integrada com a capacidade de
analisar criticamente e aplicar de forma racional a informação científica de forma a melhorar
a qualidade da assistência médica” (LOPES, 2000, p.285), metodologia essa que, ainda que
não substitua a expertise profissional, está focada na doença e não no sujeito.
A incorporação dos protocolos clínicos na prática hospitalar trouxe avanços
significativos à segurança do paciente e ao uso racional de insumos e tecnologias.
Entretanto, o uso dessa ferramenta não deveria transformar a medicina em uma prática
mecanicista, focada na efetividade do recurso ou em padrões de qualidade. Se faz
necessário que sua aplicação baseie‐se na evidência clínica sem reduzir o olhar da atenção,
baseie‐se em consensos e diferencie autonomia de individualismo.
Além disso, quanto mais complexo e especializado o hospital, maior a fragmentação
da atenção e dos saberes profissionais na lógica taylorista, menor o vínculo estabelecido
com o usuário e entre membros da própria equipe, comprometendo a promoção da
autonomia e do autocuidado, causando aos usuários sentimento de insegurança,
desinformação e desamparo, entre outros apontados por Merhy (1988) quando discute a
perda da dimensão cuidadora na produção de saúde. Ou, de acordo com a política de
atenção hospitalar definida pelo HumanizaSUS:
Na dimensão propriamente Assistencial pode‐se enfatizar o modo de organização tecnológica do trabalho desenvolvido no âmbito hospitalar à saúde, o que põe em
24
questão o modelo clínico e seus desdobramentos na moderna medicina tecnológica, espaço de fragmentação do objeto de trabalho (doença e doentes) e divisão técnica do trabalho médico em especialidades e subespecialidades. O desafio é resgatar a integralidade do cuidado ao indivíduo, promovendo a rearticulação do trabalho parcelado, ao tempo em que se promove a humanização do cuidado, em verdade uma requalificação das relações entre equipe de saúde e usuários do sistema, com base em valores como respeito às singularidades e defesa dos direitos dos usuários. (BRASIL, 2011a, p.12).
O modelo de integralidade na assistência no ambiente hospitalar pressupõe
mudanças no processo de trabalho fragmentado em múltiplos saberes subordinados ao
médico e centrado na doença. Além de compreender um modelo de saberes integrados,
deve considerar a integralidade do sujeito, valorizando suas expectativas e promovendo sua
autonomia. Finalmente, e não menos importante, a integralidade na atenção hospitalar
precisa promover a reinserção do indivíduo à rede de atenção, sem subjugá‐lo ou seduzi‐lo
ad aeternum ao modelo hospitalar.
No Sistema Único de Saúde o modelo de atenção hospitalar começou a ser pautado
em 2001, quando o Ministério da Saúde lançou o Programa Nacional de Humanização da
Assistência Hospitalar – Pnhah (BRASIL, 2001), com a proposta de promover ações
integradas para mudar o padrão de assistência nos hospitais públicos, aprimorando as
relações entre os profissionais de saúde e entre estes e os usuários, e assim melhorar a
qualidade e a eficácia dos serviços.
O Manual do PNHAH aponta e reconhece o reducionismo do modelo biomédico ao
propor uma cultura de humanização, considerando que
O desenvolvimento científico e tecnológico tem trazido uma série de
benefícios, sem dúvida. Mas tem como efeito adverso o incremento à
desumanização. O preço que pagamos pela suposta objetividade da ciência
é a eliminação da condição humana da palavra, que não pode ser reduzida,
no caso do atendimento hospitalar, à mera descrição técnica dos sintomas
e da evolução de uma doença, por exemplo. Quando preenchemos uma
ficha de histórico clínico, não estamos escutando a palavra do paciente. As
informações são indispensáveis, sem dúvida. Mas o lado humano ficou
excluído. O ato técnico, por definição, elimina a dignidade ética da palavra,
pois esta é necessariamente pessoal, subjetiva e precisa ser reconhecida na
palavra do outro. (NEGRI, sd, p.3)
25
Campos e Amaral (2007), ao discutirem os referenciais teórico‐operacionais para a
reforma do hospital, propõem uma reformulação ampliada do modelo biomédico para
recompor a relação singular profissional/usuário. Para os autores, duas ampliações se fazem
necessárias: a do objeto de trabalho da clínica para uma clínica do sujeito e a do objetivo do
trabalho clínico para além da produção de saúde, para a ampliação do grau de autonomia
dos usuários.
A ampliação do grau de autonomia pode ser avaliada pelo aumento da capacidade dos usuários compreenderem e atuarem sobre si mesmo e sobre o mundo da vida. O grau de autonomia se mede pela capacidade de autocuidado, de compreensão sobre o processo saúde/enfermidade, pela capacidade de usar o poder e de estabelecer compromisso e contrato com outros. (CAMPOS e AMARAL, 2007, p. 852)
Os recursos possíveis para essa nova prática clínica, ainda segundo Campos e Amaral
(2007), são os projetos terapêuticos singulares, as visitas interdisciplinares a pacientes
internados e a cogestão, onde a construção de protocolos e diretrizes é discutida pelas
equipes e pessoas por eles afetadas.
Para a implementação da clínica ampliada e compartilhada, os autores defendem
uma reorganização do poder no hospital, com maior presença do usuário, seja pela sua
participação em conselhos, seja com a visita aberta e acesso à ouvidoria. Já quanto à
organização do trabalho, defendem as equipes de referência, colegiados de gestão e apoio
matricial.
Em seu Documento de base para gestores e trabalhadores do SUS, o HumanizaSUS
(BRASIL, 2008) trata a clínica ampliada como uma das diretrizes impostas pelos princípios do
SUS. A ampliação da clínica é tratada como uma estratégia de enfrentamento a uma clínica
hegemônica que tem na doença seu objeto e na cura o seu objetivo, enquanto a clínica
ampliada propõe:
[...] 1) tomar a saúde como seu objeto de investimento, considerando a vulnerabilidade, o risco do sujeito em seu contexto; 2) ter como objetivo produzir saúde e ampliar o grau de autonomia dos sujeitos; 3) realizar a avaliação diagnóstica considerando não só o saber clínico e epidemiológico, como também a história dos sujeitos e os saberes por eles veiculados; 4) definir a intervenção terapêutica considerando a complexidade biopsiquicossocial das demandas de saúde[...] (BRASIL, 2008, p.55)
26
Em 2009 o HumanizaSUS lançou o documento clínica ampliada e compartilhada,
onde trata do compartilhamento das decisões diagnósticas e terapêuticas:
A complexidade da clínica em alguns momentos provoca sensação de desamparo no profissional que não sabe como lidar com essa complexidade. O reconhecimento da complexidade deve significar o reconhecimento da necessidade de compartilhar diagnósticos de problemas e propostas de solução. Este compartilhamento vai tanto na direção da equipe de saúde, dos serviços de saúde e da ação intersetorial, como no sentido dos usuários. Ou seja, por mais que freqüentemente não seja possível, diante de uma compreensão ampliada do processo saúde‐doença, uma solução mágica e unilateral, se aposta que aprender a fazer algo de forma compartilhada é infinitamente mais potente do que insistir em uma abordagem pontual e individual. (BRASIL, 2009, p. 15)
Entretanto, somente em 2013 foi proposta uma política nacional de atenção
hospitalar no âmbito do SUS, propondo as diretrizes para a organização do componente
hospitalar da Rede de Atenção à Saúde – RAS.
Ao instituir a Política Nacional de Atenção Hospitalar – PNHOSP – no âmbito do
Sistema Único de Saúde – SUS – com a publicação da Portaria nº 3.390 (BRASIL, 2013 b), o
Ministério da Saúde adotou, além da clínica ampliada, a gestão da clínica como a base do
cuidado hospitalar, trazendo para o bojo da portaria o desafio de articular o diálogo entre
controle‐autonomia e normalização‐singularização.
O referencial teórico‐conceitual da gestão da clínica é o da governança clínica
(Clinical Governance) no Reino Unido e o da escola americana denominada como atenção
gerenciada (Managed Care) (OLIVEIRA, 2008).
Para Campos e Amaral (2007), a atenção gerenciada está centrada no controle da
autonomia dos profissionais de saúde, “valendo‐se de métodos disciplinares e normativos,
apostando pouco ou quase nada na modificação de valores ou de posturas dos profissionais”
(Campos e Amaral, 2007, p. 850). Isso porque, quando utilizadas para valorizar os resultados
financeiros, as ferramentas de microgestão acabam aproximando a gestão dos hospitais da
gestão de qualquer outra empresa, desconsiderando a artesanalidade intrínseca e
necessária ao processo do cuidado singular do sujeito.
Já a governança clínica foi desenvolvida pelo Sistema Nacional de Saúde do Reino
Unido (National Health System – NHS) na busca da “organização do sistema de saúde em
torno da articulação e regulação de ações e serviços, visando a efetividade, eficiência e o
desenvolvimento de padrões nacionais de qualidade para ações e serviços de saúde e a
27
qualidade” (GOMES et al., 2014, p.2431). De acordo com Scally e Donaldson apud Oliveira
(2014, p. 56), governança clínica pode ser definida como um “modelo através do qual as
organizações do NHS são responsáveis pela melhoria contínua da qualidade de seus serviços
de saúde e por altos padrões de segurança na assistência, desenvolvidos em um ambiente
de excelência do cuidado clínico”.
Com um formato semelhante aos roteiros de qualidade e acreditação, o Programa
Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde – PNASS – se propõe, entre outros objetivos
específicos, a se consolidar como um instrumento de gestão do SUS. Com forte inspiração no
modelo de governança clínica adotado pelo sistema público do Reino Unido, o PNASS
entende a gestão da clínica como:
“a aplicação de tecnologias de microgestão dos serviços de saúde com a finalidade de: a) assegurar padrões clínicos ótimos; b) aumentar a eficiência; c) diminuir os riscos para os usuários e para os profissionais; d) prestar serviços efetivos; e e) melhorar a qualidade da atenção à saúde”. Algumas ferramentas da gestão da clínica são os protocolos clínicos, a gestão da condição de saúde, a gestão de casos, a auditoria clínica, as listas de espera, a gestão de leitos e o monitoramento sistemático de indicadores que avaliam o risco do paciente etc. Observar se o estabelecimento possui mais de uma dessas iniciativas implantadas. Considerar SIM a comprovação de duas ou mais ferramentas implantadas. Considerar NÃO a comprovação de uma ou de nenhuma ferramenta implantada. (BRASIL, 2015b, p. 30).
Observa‐se que não existe referência à clínica ampliada, e a avaliação da clínica é
feita através de critérios objetivos como lista de espera, gestão de leitos ou monitoramento
de indicadores, entre os outros elencados. De fato, essa metodologia de avaliação com rigor
científico não consegue abranger os aspectos subjetivos da clínica ampliada e
compartilhada, podendo ensejar nos gestores políticas reducionistas e cartesianas.
Como conciliar a prática da gestão da clínica e da clínica ampliada proposta pela
Política Nacional de Atenção Hospitalar – PNHOSP.
No art. 5º inciso VI da Portaria 3.390, a PNHOSP considera a clínica ampliada como:
Dispositivo de atenção à saúde, centrado nas necessidades de cada usuário e no seu contexto, articulando um conjunto de práticas capazes de potencializar a capacidade de atuação dos profissionais por meio da implantação das equipes de referência, construção de vínculo e elaboração de projetos terapêuticos compartilhados com os usuários, buscando
28
ampliar os recursos de intervenção sobre o processo saúde/doença. (BRASIL, 2013 a, p. 2) (grifo da autora)
definição que não contempla a adjetivação “compartilhada” proposta pelo HumanizaSUS
(BRASIL, 2009). Embora a definição proposta pela PNHOSP inclua a participação do usuário
no compartilhamento dos projetos terapêuticos, não há na portaria uma menção explícita
ao compromisso da atenção na promoção do grau de autonomia dos usuários de serviços
hospitalares, elemento que amplia a clínica e aumenta a corresponsabilização do clínico e do
usuário.
Importante ressaltar que a Portaria nº 3.390 propõe o rompimento com o modelo
médico centrado, fortalecendo a ação multidisciplinar e reforçando o vínculo entre equipe e
usuário. Assim, no artigo 11, em seu parágrafo 2⁰, propõe:
§ 2º As equipes multiprofissionais de referência serão a estrutura nuclear dos serviços de saúde do hospital e serão formadas por profissionais de diferentes áreas e saberes, que irão compartilhar informações e decisões de forma horizontal, estabelecendo‐se como referência para os usuários e familiares. (BRASIL, 2013b, p. 5)
Aparentemente a PNHOSP concorda com Oliveira (2008) que, em sua dissertação de
mestrado abordando a temática da gestão da clínica e clínica ampliada para a qualificação da
assistência hospitalar, conclui:
A impressão deste trabalho após sistematização da literatura sobre Clínica Ampliada e Gestão da Clínica é que talvez haja mais pontos de semelhança e complementaridade entre estas abordagens que antagonismo. Ambas apresentam um conjunto de características e propostas comuns: (1) propõem um atendimento individualizado, realizado por equipe multiprofissional e interdisciplinar, através de um projeto terapêutico personalizado; (2) enfatizam que este plano de intervenção deve ser construído a partir da interação entre o saber técnico (advindo da literatura científica e do conhecimento do profissional de saúde) e o saber popular dos pacientes, considerando seus desejos e preferências; (3) preconizam algum mecanismo de estratificação de risco; (4) apostam na capacitação, no treinamento e na valorização dos profissionais como estratégias para se obter adesão aos projetos de mudança; (5) consideram o papel da liderança no sucesso na implementação de mudanças; (6) utilizam o planejamento estratégico participativo; (7) monitoram os resultados. Mais do que compará‐las, talvez o mais importante seja destacar que, embora utilizem “linguagens” diferentes, as duas abordagens teórico‐metodológicas estão baseadas nos mesmos pilares da gestão da qualidade. (COELHO, 2008, p. 94)
29
Certamente, a atenção hospitalar está intrinsicamente associada ao modelo de
remuneração das instituições hospitalares. Somente modelos que assegurem o custo fixo
dos hospitais viabilizará a vinculação de equipes profissionais horizontais justamente
remuneradas, condição necessária para a promoção de vínculos entre equipe e usuário,
promovendo a ampliação da clínica em seu objeto e em seu objetivo.
3.5 Integralidade e modelo de remuneração
3.5.1 Financiamento federal
A integralidade para ter força cogente é definida por meio de uma construção histórica, e diz respeito às necessidades de cada indivíduo e do coletivo em cada momento de suas vidas. Mas, o máximo que o Estado garante ou pode garantir é um determinado padrão de integralidade. Por sua vez, o padrão de integralidade dependente do financiamento, da riqueza disponível, da opção tecnoassistencial, do grau de integração da cura, reabilitação, promoção, prevenção e proteção que se conseguem imprimir na operação cotidiana dos serviços e dos sistemas de saúde, do grau de inclusão social de um povo, da legislação que vigora numa nação, do grau de civilidade incorporada na luta política e dos avanços científicos e tecnológicos. Definido que os limites da integralidade são historicamente estabelecidos, pode‐se falar de um padrão de integralidade na perspectiva de cada indivíduo e de determinados coletivos[...]. (BRASIL, Câmara dos Deputados, 2012, p.6)
A construção do Sistema Único de Saúde – SUS – passa inexoravelmente pela
discussão do seu financiamento. As restrições orçamentárias e financeiras desafiam a
universalidade, a integralidade e a alocação de recursos de forma equânime, para o
enfrentamento das desigualdades e diferenças sociais existentes em nosso país. A respeito
do financiamento, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (BRASIL, 2011b), declarou:
Seguramente, muitos dos problemas que atormentam o usuário do SUS podem ser equacionados mediante boas práticas de gestão. No entanto, é no subfinanciamento que está o ponto frágil do sistema público de saúde. Isso não só porque o Brasil não gasta o mínimo suficiente, mas pela inexorável tendência de crescimento das necessidades de recursos devido à combinação de elementos, como os demográficos (crescimento e envelhecimento da população) e a velocidade com que novas tecnologias são incorporadas ao arsenal terapêutico e de diagnose. (BRASIL, 2011b, p.9)
30
O financiamento do sistema de saúde, ou seja, as fontes provedoras dos gastos de
saúde da sociedade brasileira são o Estado, as famílias e as empresas. Os recursos utilizados
pelo Estado para os gastos públicos em saúde são arrecadados prioritariamente através dos
tributos, enquanto as empresas participam do sistema privado oferecendo serviços de saúde
suplementar aos seus funcionários e agregados. As famílias participam do sistema privado
através da compra de medicamentos e de serviços, diretamente ou através de planos de
saúde.
Figura 1 – Composição gasto total com saúde em 2014 Fonte: Ministério da Saúde (SIOPS), elaboração: Edison Bueno.
O total dos gastos em 2014 foi de R$ 448,1 bilhões, sendo 48,3% financiados pelo
sistema público e 51,7% pelo sistema privado, Figura 1.
Considerando‐se que a partir da Constituição de 1988 o Brasil assumiu, em seu
Capítulo intitulado “Da Ordem Social”, no artigo 193, que “A ordem social tem como base o
primado do trabalho, e como objetivo o bem‐estar e a justiça sociais” (grifo da autora) e, na
mesma peça constitucional, quando trata “Da Ordem Econômica e Financeira”, em seu
artigo 170, estabelece que
31
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
VII - redução das desigualdades regionais e sociais. (grifo da autora)
(BRASIL,1988)
Tudo isso consolidado no Capítulo da Seguridade Social onde se trata a saúde como
“... direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (artigo 196 da
Constituição Federal), seria esperado que a maior fonte de financiamento do setor saúde
fosse pública, para o cumprimento de uma efetiva política de saúde universal e promotora
de justiça social.
Entretanto, ao se comparar os gastos públicos e privados do Brasil com os de outros
países que estruturaram sistemas universais de saúde, verifica‐se que a experiência
internacional apresenta uma estrutura de financiamento público respondendo por, no
mínimo, 70% dos gastos totais.
Soares (2014) elaborou comparativo dos gastos em saúde em doze países para o ano
2011, decompondo‐os em gastos públicos e privados e o percentual dos gastos em relação
ao PIB. As comparações foram corrigidas pela paridade do poder de compra – PPP – dos
países. O estudo do autor permite verificar que o Brasil gasta 8,9% do seu PIB em saúde, um
percentual muito próximo ao do Reino Unido, por exemplo, porém, no Brasil, 45,7% dos
gastos foram financiados pelo setor público contra 82,7% no Reino Unido.
O perfil do gasto público e privado no Brasil se aproxima muito mais do perfil
americano de livre mercado, que o dos países com sistemas de saúde universais como
Canadá, Espanha e Reino Unido, onde a participação pública variou entre 70 e 83%. A Tabela
7 apresenta um resumo dos dados elaborados por Soares (2014). O gasto total per capita do
Brasil, de U$ 1.043,00, está acima apenas do México, Paraguai e Venezuela.
Além de gastar pouco, não existe justiça social nesses gastos. Estima‐se em R$ 216,2
bilhões os gastos da saúde suplementar para 48 milhões de usuários, enquanto os gastos
32
públicos são destinados para a cobertura do total da população estimada em 210 milhões de
pessoas. Nesse raciocínio não se exclui a população coberta pela saúde suplementar quando
se consideram os gastos públicos uma vez que, em alguma medida, também dão cobertura à
população abrangida pela saúde suplementar, uma vez que todos se beneficiam dos
programas de prevenção, das ações de vigilância e do acesso aos medicamentos de uso
contínuo e de alto custo, entre outras ações passíveis de acesso para os beneficiários da
saúde suplementar.
Tabela 7 – Comparativo de gastos públicos e privados em países selecionados
Fonte: Soares (2014) ¹ Em dólares internacionais, ou seja, valores padronizados segundo paridade de poder de compra (PPP) Elaboração própria
O financiamento público do Sistema Único de Saúde – SUS, na promulgação da
Constituição Federal de 1988, especialmente em seu artigo 198, contaria com recursos do
orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do distrito federal e dos municípios,
além de outras fontes. Naquele momento a Constituição Federal não estabeleceu os
percentuais de repasse de cada ente federativo, tampouco definiu quais seriam os gastos
que poderiam ser classificados como gastos em saúde.
País % PIB Per Capita ¹ % %
em Saúde Público Privado
Argentina 8,10 1.434,00 60,6 39,4
Brasil 8,90 1.043,00 45,7 54,3
Canadá 11,20 4.250,00 70,4 29,6
Chile 7,50 1.292,00 47,0 53,0
Espanha 9,40 3.041,00 73,6 26,4
EUA 17,90 8.608,00 45,0 54,1
França 11,60 4.086,00 76,7 23,3
México 6,20 940,00 49,4 50,6
Paraguai 9,70 527,00 38,6 61,4
Reino Unido 9,30 3.322,00 82,7 17,3
Uruguai 8,00 1.210,00 67,6 32,4
Venezuela 5,20 659,00 36,7 63,3
33
Ainda que o artigo 55 das disposições transitórias da Constituição Federal (BRASIL,
1988) tenha disciplinado que “Até que seja aprovada a lei de diretrizes orçamentárias, trinta
por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro‐desemprego,
serão destinados ao setor de saúde”, o orçamento da saúde sofreu perdas por sucessivas
emendas constitucionais. Para suprir o financiamento insuficiente da saúde, foram adotadas
medidas emergenciais como empréstimos junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador ‐ FAT,
obtidos no início dos anos 90, e a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira – CPMF, criada em 1997 vinculada à saúde e que posteriormente, por Emenda
Constitucional, dividiu os recursos primeiro com a Previdência Social e também com o Fundo
de Erradicação à Pobreza. A CPMF foi extinta em 2007.
Em 2000, a aprovação da Emenda Constitucional nº 29 (BRASIL, 2000) acabou por
vincular recursos mínimos para a saúde nas três esferas de governo, sendo 12% para os
estados e o distrito federal, 15% para os municípios e, para a União, a ampliação dos
recursos executados no ano anterior em 5% para o ano seguinte à publicação da emenda e,
nos anos subsequentes, o valor do ano anterior acrescido pela variação nominal do Produto
Interno Bruto – PIB.
A Lei Complementar nº 141 (BRASIL, 2012), que regulamentou a Emenda
Constitucional nº 29, contribuiu para especificar os gastos em saúde, uma vez que o art. 3º
da Lei nº 8.080, de 1990, estabeleceu que “a saúde tem como fatores determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio
ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e
serviços essenciais” (BRASIL, 2012), permitindo a pulverização dos gastos vinculados à saúde
em inúmeras ações fora do âmbito do Ministério e secretarias de saúde. Para corrigir essa
distorção, a Lei Complementar nº 141 estabeleceu:
Art. 2o Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar‐se‐ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes: I ‐ sejam destinadas às ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito; II ‐ estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente da Federação; e III ‐ sejam de responsabilidade específica do setor da saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes
34
sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde da população. Parágrafo único. Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as despesas com ações e serviços públicos de saúde realizadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios deverão ser financiadas com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde. (BRASIL, 2012)
Observe‐se que a Lei Complementar nº 141, ao estabelecer o acesso universal no
inciso I do seu artigo 2º, como requisito aos serviços públicos integrantes do Sistema Único
de Saúde, excluiu os hospitais de atendimento à clientela fechada para fins de aferição da
aplicação dos percentuais mínimos pelos entes federados.
Entretanto, a publicação da EC nº 29 e sua regulamentação continuou não provendo
os recursos necessários ao Ministério da Saúde para a manutenção de um sistema de acesso
universal e de atenção integral. Com isso, nos anos de 2013 e 2014, vários segmentos da
sociedade brasileira mobilizaram‐se pelo fortalecimento do financiamento do SUS,
movimento denominado “Saúde+10”, em prol da aplicação mínima de 10% da Receita
Corrente Bruta da União em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), que resultou na
apresentação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLC nº 321/2013) ao Congresso
Nacional, com cerca de 1,9 milhões de assinaturas auditadas.
Porém, apesar da manifestação da vontade popular, a quase totalidade dos
deputados e senadores do Congresso Nacional, com o apoio do governo federal, aprovou a
Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº 358/2013 em 10 de fevereiro de 2015, agora
Emenda Constitucional nº 86 (BRASIL, 2015c) que fixou para União 15% da receita corrente
líquida a partir de 2020, partindo de 13,2% em 2016 e, escalonadamente crescendo nos anos
posteriores, até o valor de 15%.
Para se entender como a base de cálculo de receita corrente bruta conforme
proposta do movimento “Saúde+10”, para receita corrente líquida, adotada pela EC nº 86, e
os respectivos percentuais adotados impactam sobre o orçamento da saúde, basta verificar
que em 2014, o orçamento da saúde correspondeu a 14,38% da receita líquida, valor esse
que só será alcançado em 2018, quando está prevista a aplicação pela União de 14,5% da
receita líquida, de acordo com a Emenda Constitucional nº 86. Ocké‐Reis e Funcia (2016?)
estimam que a Emenda Constitucional nº 86 provocará uma perda de aproximadamente R$
12 bilhões em 2017, em comparação ao financiamento do SUS pela União proposto pela EC
nº 29, considerando o efeito do escalonamento percentual da EC nº 86.
35
Mas o cenário ainda pode ser pior se aprovada a PEC nº 241/16 que se encontra em
trâmite na Câmara dos Deputados com o objetivo de alterar a Constituição Federal
instituindo um novo Regime Fiscal para a União e os órgãos federais, limitando o
crescimento dos gastos públicos na gestão federal. Se aprovada a PEC nº 241/16, os gastos
totais somente serão reajustados com base na inflação oficial (IPCA) do ano anterior. A PEC
nº 241 entrará em vigor no ano seguinte ao de sua aprovação, com vigência de vinte anos e
possibilidade de revisão da regra de fixação do limite a partir do décimo ano de vigência.
Considerando‐se o mínimo constitucional estabelecido para 2016 de 13,2% da
Receita Corrente Líquida, a mudança da norma constitucional (EC nº 29 x EC nº 86)
transformou o ano de 2016 em um dos piores momentos do financiamento federal do SUS,
exatamente o ano tido como base da PEC nº 241 para o congelamento dos gastos para os
próximos 20 anos.
Ocké‐Reis e Funcia (2016?), ao analisarem diferentes cenários e hipóteses com a
vigência da PEC nº 241, concluem por um desmonte do SUS e consequente crescimento da
privatização da saúde. Essa tese corrobora o enunciado de Soares (2014), que vislumbrava
esse mesmo cenário, antes mesmo da aprovação da EC nº 86 e da tramitação da PEC nº
241/16:
Enquanto foi se instituindo o SUS por dentro, com grande esforço, avanços e retrocessos, o setor privado foi se articulando e se consolidando no espaço que lhe foi garantido, ou não, constitucionalmente. A participação complementar do setor privado no SUS, e a livre atuação do setor privada no setor saúde de forma suplementar, garantida constitucionalmente, não significou a hegemonia do setor público, uma vez que o setor privado historicamente sempre foi majoritário na prestação de serviços assistenciais. Posição garantida e reforçada pelo modelo de desenvolvimento capitalista no Brasil, que atribuiu ao Estado o papel de agente promotor do desenvolvimento em todos os setores de atividade econômica, inclusive no setor saúde. (SOARES, 2014, p. 109)
Antes do término da presente dissertação, houve a aprovação da Emenda
Constitucional 95 (Brasil, 2016), que tramitou na Câmara dos Deputados como PEC 141 e no
Senado Federal como PEC 55. Na sua aprovação final, em 13 de dezembro de 2016 a PEC 55
estabeleceu para a saúde e educação, diferentemente de outras áreas, aplicações mínimas.
De acordo com a emenda constitucional aprovada, em 2017 a saúde executará um piso
constitucional de 15% da receita corrente líquida, previsto para 2020 na EC 86. A partir de
36
União74%
Estados14%
Municípios12%
1990
União46%
Estados25%
Municípios29%
2012
2018, o valor executado no ano anterior será corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo IPCA até 2036.
Na prática, o se tem observado é uma nítida redução da participação relativa da
União no gasto público global em saúde em relação aos estados e municípios. A Figura 2
compara os gastos públicos nos anos 2009 e 2012, por ente federativo. Em 2009 a
participação federal nos gastos em saúde foi de 74% e caiu para 46% em 2012. Com essa
retração, estados e municípios cresceram sua participação e, em 2009 passaram a responder
por 54% desses gastos, um crescimento de 112,7% no período de 1990 a 2012.
Figura 2 ‐ Gasto público com saúde – participação dos entes federados Elaboração da autora a partir de Soares (2014)
3.5.2 O financiamento da atenção hospitalar
3.5.2.1 Financiamento federal
“Mais uma grande polêmica na praça: TABELA SUS. Confabulo comigo e com outros. Reflito. Analiso. Falo. Escrevo. Muitas vezes faço tudo isto mais do que queriam, mas sempre menos do que devia. Do meu ponto de vista, de onde vejo! É difícil e solitário falar e escrever o que se pensa caminhando pelo campo das idéias. Quando nos manifestamos, em determinados assuntos, existem sempre os despreparados para a troca de saberes e que levam nossa opinião sobre o tema como um ataque pessoal. Espero que, ao discutir tabela, não aconteça mais uma vez isto”. (Gilson Carvalho, 2014)
37
Em 1991, o SUS incorporou o modelo de pagamento implantado a partir de 1983
pelo Sistema de Assistência Médica da Previdência Social – SAMPS, desenvolvido pelo
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS. A Autorização de
Internação Hospitalar ‐ AIH, implantada pelo SAMPS, estabelecia uma remuneração fixa, por
procedimento, buscou inspiraçãod no modelo americano desenvolvido em Yale conhecido
como DRG ‐ Diagnosis Related Groups (Grupos de Diagnósticos Relacionados), sem
entretanto adotar a dinâmica e o monitoramento exigido pelo DRG.
Em 1990, com a publicação da Lei nº 8.080, estabeleceu‐se em seu Capítulo II,
dedicado à participação complementar no Sistema Único de Saúde ‐ SUS ‐ que:
Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde. § 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico‐financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados. § 2° Os serviços contratados submeter‐se‐ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato. (BRASIL, 1990)
Muito provavelmente a limitação dos recursos, a crítica ao modelo hospitalocêntrico
e a falta de definição de um modelo de atenção resultaram em uma política de
desfinanciamento do setor hospitalar, promoveram a redução e o sucateamento dos leitos
disponíveis para internação no sistema público e o fechamento de hospitais filantrópicos.
Na Tabela 8 estão apresentados os repasses do Fundo Nacional de Saúde para os
gestores municipais e estaduais, no período 2009 e 2014, para o bloco de Média e Alta
Complexidade – MAC, onde se encontra inserido o faturamento hospitalar.
De acordo com a Portaria GM/MS nº 204 (BRASIL, 2007), os incentivos do
Componente Limite Financeiro MAC incluem, conforme artigo 14 parágrafo 1º, o Centro de
Especialidades Odontológicas – CEO, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU,
o centro de referência em saúde do trabalhador, incentivos à contratualização aos hospitais
de ensino de pequeno porte e dos hospitais filantrópicos, Fator de Incentivo ao
Desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa Universitária em Saúde – Fideps, Incentivo de
38
Assistência à População Indígena – IAPI; Incentivo de Integração do SUS – INTEGRASUS e
outros que venham a ser instituídos por meio de ato normativo.
Ainda que a Tabela 8 apresente um crescimento do bloco da Média e Alta
Complexidade – MAC, ela também apresenta uma menor participação do faturamento
hospitalar no bloco MAC. Isso indica que os outros componentes que compõem o bloco MAC
tiveram um crescimento proporcionalmente maior que o do próprio faturamento hospitalar.
O repasse do MAC, de fato, representava cerca de 92% do bloco MAC em 2009, passando a
representar aproximadamente 72% em 2014.
Tabela 8 ‐ Evolução do repasse do bloco MAC e do faturamento de internações e produção ambulatorial hospitalar Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: Fundo Nacional de Saúde (Junho de 2016) e DATASUS ‐ Tabwin, (maio, 2015) Organizada ela autora.
A redução da participação percentual do faturamento hospitalar ao longo do período
2009‐2014 indica subfinanciamento da produção hospitalar faturada, fato que está
plenamente corroborado na Tabela 9, quando se analisa o comportamento das internações
hospitalares. Na Tabela 9, observa‐se que não houve crescimento da frequência das
internações hospitalares no período analisado e praticamente nenhuma mudança no tempo
de permanência dos pacientes por internação. Já o valor unitário da internação hospitalar
cresceu muito abaixo do índice autorizado pela Agência Nacional de Saúde – ANS –para o
reajuste anual para planos de saúde individuais ou familiares contratados a partir de janeiro
de 1999, índice que se propõe à correção da inflação e que se aplica, via de regra, aos
contratos entre operadoras e prestadores de serviços.
Tabela 9 – Evolução das AIHs: frequência, permanência e valor médio da internação
Valores em R$ a.p. correntes
ANO Bloco MAC Faturamento Faturamento Total Faturamento % Fat/MAC
FNS Internação ‐ AIH Ambulatorial
2009 26.150.040.277,36 10.124.918.629,27 13.845.898.130,58 23.970.816.759,84 91,67
2010 29.073.287.337,63 10.740.754.368,47 13.886.590.878,79 24.627.345.247,26 84,71
2011 32.532.454.542,47 11.279.268.925,92 14.266.137.595,47 25.545.406.521,38 78,52
2012 35.852.500.001,17 11.600.989.278,92 14.781.118.816,46 26.382.108.095,37 73,59
2013 36.715.201.654,14 12.650.385.958,52 13.895.001.743,04 26.545.387.701,55 72,30
2014 41.101.165.334,48 13.261.144.612,65 16.217.105.425,79 29.478.250.038,44 71,72
39
Fonte: DATASUS – Tabwin e ANS Organizada pela autora.
A hipótese de subfinanciamento do setor hospitalar filantrópico, geralmente, é
contestada face aos incentivos concedidos ao setor. Isso porque, diante de crises em que a
vulnerabilidade econômica do sistema filantrópico ameaça a sustentabilidade da rede
pública hospitalar, ações emergenciais são implantadas, visando à sobrevivência do setor
filantrópico, incorporando incentivos desvinculados da produção e, na maioria das vezes,
vinculados a indicadores de qualidade assistencial e de gestão. Assim foi que, em abril de
2001, a Portaria nº 604 do Ministério da Saúde instituiu o Incentivo de Integração ao Sistema
Único de Saúde – Integrassus, com os seguintes, entre outros considerandos:
[...] Considerando a relevância das ações e serviços de saúde executados pelas entidades filantrópicas e sem fins lucrativos para a consecução dos objetivos do Sistema Único de Saúde; Considerando a necessidade de estabelecer mecanismos que permitam incentivar as atividades assistenciais do setor filantrópico e sem fins lucrativos cujo desenvolvimento deve ocorrer de forma integrada ao Sistema Único de Saúde e em parceria com seus gestores, de forma a efetivamente comporem sistemas complementares à rede de assistência e de atenção básica de saúde; Considerando a necessidade de estimular o processo de construção e consolidação de regimes de parceria entre os gestores do SUS e as entidades filantrópicas e sem fins lucrativos e de que estes estejam claramente estabelecidos em Contratos de Metas que regulem a matéria; Considerando a necessidade de estimular o desenvolvimento, implantação e aperfeiçoamento da gestão dos serviços de saúde, especialmente no que diz respeito à verificação e gerência dos custos operacionais; [...]
Instituiu‐se o incentivo Integrassus com o seguinte objetivo:
Art. 1⁰ § 1º O Incentivo de que trata este Artigo, a ser pago adicionalmente ao faturamento das entidades, destina‐se, exclusivamente, aos hospitais filantrópicos e sem fins lucrativos e tem por objetivo estimular o desenvolvimento de suas atividades assistenciais e a realização das mesmas em regime de parceria com o Poder Público. (BRASIL, 2001)
Ano Freqüência PermanênciaMéd.
Perm.Valor Total
Valor Médio de
InternaçãoCres.%
Índice
ANS
2009 11.511.559 64.092.961 5,6 10.124.918.629,26 879,54 ‐ 6,76
2010 11.724.834 64.957.348 5,5 10.740.754.368,46 916,07 4,2 6,73
2011 11.600.926 64.779.839 5,6 11.279.268.925,90 972,27 6,1 7,69
2012 11.358.652 63.425.590 5,6 11.600.989.278,88 1.021,34 5,0 7,93
2013 11.447.876 63.885.408 5,6 12.650.385.958,49 1.105,04 8,2 9,04
2014 11.449.092 63.193.694 5,5 13.261.144.612,64 1.158,27 4,8 9,65
40
Em 2005, a partir da Portaria nº 1.721 (BRASIL, 2005a) que criou o programa de
reestruturação e contratualização dos hospitais filantrópicos no Sistema Único de Saúde –
SUS, instituiu‐se um novo incentivo, desta vez o Incentivo de Adesão à Contratualização –
IAC. Inicialmente o IAC correspondia aproximadamente a 25% do faturamento dos
procedimentos de média complexidade do hospital contratualizado, excluindo‐se da base de
cálculo os valores referentes às órteses e próteses. Em 2013, a Portaria nº 2.035 (BRASIL,
2013) estabeleceu novas regras para cálculo do Incentivo de Adesão à Contratualização, que
passou a representar 50% do valor da média complexidade contratada pelos hospitais
contratualizados.
Ainda em 2005 foi editada a Portaria nº 635 (BRASIL, 2005b), que regulamentou a
implantação e operacionalização do Programa de Reestruturação e Contratualização dos
Hospitais Filantrópicos no Sistema Único de Saúde. Referida portaria traz algumas inovações:
1. Metas físicas e de qualidade: propondo a democratização da gestão e ampliação dos
mecanismos de controle social; plano diretor de desenvolvimento da gestão,
assegurando a participação dos funcionários; planejamento hospitalar em conjunto
com uma equipe multiprofissional; aplicação de ferramentas gerenciais que induzam
à horizontalização da gestão, à qualificação gerencial e ao enfrentamento das
questões corporativas, incluindo rotinas técnicas e operacionais, sistema de avaliação
de custos, sistema de informação e sistema de avaliação de satisfação do usuário;
gestão administrativo‐financeira que agregue transparência ao processo gerencial da
instituição, inclusive com a abertura de planilhas financeiras e de custos para
acompanhamento das partes, garantindo equilíbrio econômico e financeiro do
convênio/contrato firmado e regularidade de pagamento integral e a termo da
contraprestação; ações que garantam a continuidade da oferta de serviços de
atenção à saúde; garantia da aplicação integral na unidade hospitalar dos recursos
financeiros de custeio e de investimento provenientes do SUS; obrigatoriedade de os
hospitais filantrópicos fornecerem aos gestores os dados para estes atualizarem os
sistemas de informações do Ministério da Saúde; estabelecimento de mecanismos de
acompanhamento e avaliação, com definição de indicadores, integrados a
instrumento jurídico balizado no equilíbrio de direitos e obrigações entre as partes.
41
2. Modelo de alocação de recursos: este foi o ponto mais inovador do modelo de
contratualização dos hospitais filantrópicos. A contratualização propõe um modelo
de orçamentação parcial para a produção de média complexidade e a manutenção
do modelo pós‐pago para a alta complexidade e para os procedimentos remunerados
por meio do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação ‐ FAEC. O financiamento da
média complexidade passa a contar com uma parcela pré‐paga e outra pós‐paga. O
componente pré‐pago é composto de uma parcela fixa, repassada mediante o
cumprimento de metas físicas no âmbito das ações e procedimentos de média
complexidade ambulatorial e hospitalar e outra variável em função do cumprimento
das metas de qualidade. A relação inicial entre os dois componentes deverá ser de,
no mínimo, 90 % para o componente fixo e 10% para o componente variável. O
percentual variável deverá crescer 5% a cada ano da vigência do convênio até o
máximo de 50%.
A Portaria nº 3.410 (BRASIL, 2013c), que estabelece no âmbito do Sistema Único de
Saúde – SUS – as diretrizes para a nova política de contratualização de hospitais, em
consonância com a Política Nacional de Atenção Hospitalar – PNHOSP, mantém o modelo de
orçamentação parcial, com uma diferença: todo o pagamento da média complexidade passa
a ser pré‐pago e fica mantido o pós‐pagamento para a alta complexidade e serviços
remunerados por meio do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação – FAEC. De acordo
com a Portaria nº 3.410 (BRASIL, 2013c), o componente pré‐fixado é constituído:
Art. 17, I ‐ pela série histórica de produção aprovada da média mensal dos 12 (doze) meses anteriores à celebração do contrato da média complexidade; e II ‐ por todos os incentivos de fonte federal, estadual, do Distrito Federal e municipal, com detalhamento de tipo de valor, vinculados ao alcance das metas quali‐quantitativas. (BRASIL, 2013c)
A Portaria nº 142 (BRASIL, 2014) regulamenta e define os objetivos do Incentivo de
Qualificação da Gestão Hospitalar – IGH, a saber:
I ‐ aprimorar a qualidade da atenção hospitalar; II ‐ apoiar o fortalecimento da gestão dos hospitais; III ‐ induzir a ampliação do acesso às ações e serviços de saúde na atenção hospitalar; e IV ‐ ampliar o financiamento da atenção hospitalar. § 1º O IGH substituirá o Incentivo de Adesão à Contratualização (IAC). (BRASIL,2014). (grifo da autora)
42
Considerando que o valor do IGH corresponderá, no mínimo, a 50% da série histórica
da produção da média complexidade ambulatorial e hospitalar, e considerando que
atualmente esse é o valor do Incentivo à Contratualização – IAC – recebido pelos hospitais
filantrópicos contratualizados, a PNHOSP, de fato, propõe a adoção de um novo modelo de
atenção hospitalar, focado na gestão da clínica e na clínica ampliada, com impactos nos
custos fixos hospitalares para sua implementação, sem nenhum real incentivo financeiro aos
hospitais filantrópicos.
A Portaria nº 2.251 (BRASIL, 2015) prorrogou até 31 de dezembro de 2016 o prazo
para os gestores firmarem os instrumentos formais de contratualização, e o
descumprimento desse prazo acarretará aos hospitais filantrópicos contratualizados a pena
de suspensão do Incentivo à Contratualização – IAC.
3.5.2.2 Financiamento estadual: os programas do Estado de São Paulo ao segmento
filantrópico
A solução do problema do financiamento das entidades filantrópicas prestadoras de serviços para o SUS depende da capacidade do sistema de encontrar um ponto de equilíbrio que não ponha a perder o investimento histórico da sociedade nos hospitais e ao mesmo tempo garanta os recursos para assistência da população dependente do sistema. (BARATA e MENDES, 2006?, p. 7)
Em 2012, o Estado de São Paulo contava com uma rede de 549 hospitais, dos quais
335 (61%) eram filantrópicos. Estes respondiam por 49% dos leitos de internação SUS do
estado e 41% dos leitos de UTI. (BARROS, 2015)
Diante da importância desses hospitais para a rede hospitalar do Estado de São Paulo
e da crise financeira pela qual o setor atravessava, a Secretaria Estadual de Saúde instituiu,
em novembro de 2007, o Programa Pró‐Santa Casa (SÃO PAULO, 2007a), com o objetivo de
fornecer apoio técnico e auxiliar na recuperação financeira das instituições filantrópicas. O
programa disponibilizou linha de crédito ao segmento, através do Banco Nossa Caixa S.A.:
Art. 3⁰, Parágrafo Único: A Secretaria da Saúde, para alcançar os objetivos do Programa, repassará às Santas Casas e Hospitais Filantrópicos na forma de contrapartida, valores correspondentes à parcela relativa à taxa de juros fixada nos empréstimos. (SÃO PAULO, 2007a)
43
Ou seja, o programa viabilizou linha de empréstimo para investimentos e custeio,
com juros subsidiados pela Secretaria de Saúde. No mesmo ano, a Comissão Intergestores
Bipartite – CIB – publicou a Deliberação nº 232 que aprova o Programa Pró‐Santa Casa 2008
(também conhecido como Pró ‐Santa Casa 2) que, considerando as dificuldades financeiras
dos hospitais filantrópicos e a necessidade de aperfeiçoamento da assistência prestada,
propõe um programa de apoio financeiro através de incentivos que seriam compartilhados
entre os gestores: 70% pelo gestor estadual e 30% pelo gestor municipal. Os incentivos
foram definidos por região com base populacional e coube às Comissões Intergestoras
Regionais – CIR – a definição dos hospitais e o valor do incentivo, conforme o Anexo I da
Deliberação nº 232 (SÃO PAULO, 2007b).
Em 2009, a Comissão Intergestores Bipartite – CIB – publicou a Deliberação nº 51,
que substituiu o Programa Pró‐Santa Casa vigente e que, em seu anexo, caracteriza a
permanente crise financeira dos hospitais filantrópicos:
Os hospitais filantrópicos que prestam serviços ao Sistema Único de Saúde ‐ SUS enfrentam, continuamente, crises financeiras para a manutenção de suas atividades, não só no Estado de São Paulo, mas em todas as Unidades da Federação. O desequilíbrio financeiro verificado nas entidades decorre principalmente do insuficiente pagamento dos procedimentos pelo SUS, cujos valores são fixados pelo Ministério da Saúde por meio das tabelas de procedimentos que quase sempre não cobrem todos os gastos realizados pelos hospitais com os atendimentos prestados. Outras razões que podem ser apontadas para a crise financeira das entidades são as reduções de aporte de recursos obtidos tradicionalmente por estas instituições, sob a forma de contribuições sociais, doações, etc., e problemas gerenciais que garantam uma eficiente administração financeira do hospital. Hospitais que também dependem de convênios privados para aumentar sua receita, tem tido redução dos valores recebidos do mercado privado de saúde e ainda, dependendo do tamanho e da condição social dos municípios, está ocorrendo a impossibilidade de obtenção de receitas privadas pelo hospital. (SÃO PAULO, 2009)
Além de autorizar a participação de hospitais municipais ou sob intervenção
municipal e/ou judicial, a Deliberação nº 51 propõe “Aperfeiçoar a qualidade da assistência
prestada pelas Entidades mediante o estabelecimento de contratos, com definição de pré‐
requisitos e metas de qualidade, ...” (SÃO PAULO, 2009).
No final de 2013, a Secretaria de Estado da Saúde lançou o Programa Santa Casa
SUStentável, de auxílio financeiro às instituições filantrópicas, sendo:
Artigo 1º ‐ O Auxílio Financeiro às Instituições Filantrópicas ‐ Santas Casas SUStentáveis tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento de um parque hospitalar de referência, no Estado de São Paulo, capaz de prestar serviços de
44
saúde de qualidade e resolutivos, de média e de alta complexidade, que atendam às necessidades e demandas da população, em especial aquelas encaminhadas pelo setor de regulação do acesso e integrar as redes de atenção à saúde no estado. (SÃO PAULO, 2014).
De acordo Wilson Pollara, em entrevista ao jornal do cosems/sp (set‐out, 2015) o
programa Santa Casa SUStentável irá
[...] contribuir para o desenvolvimento de centros hospitalares de referência em todo o Estado, capazes de prestar serviços de saúde de qualidade de média e de alta complexidade e que atendam às necessidades e demandas da população, além de integrar as redes de atenção à saúde no estado. [....] Os hospitais foram divididos em três categorias sendo que os “hospitais estruturantes” são aqueles de referência em atendimentos complexos, como cirurgias cardiovasculares e torácicas, hemodiálise e neurocirurgias; os “hospitais estratégicos” são os de pequeno e médio porte e de cirurgias eletivas e os “hospitais de apoio” são os de leitos de longa permanência e casos crônicos. (jornal do cosems, 2015, p.5)
Os hospitais integrantes do programa recebem uma contrapartida financeira da
Secretaria Estadual da Saúde em percentual calculado sobre a série histórica da produção da
média e alta complexidade: 70% para hospitais estruturantes, 40% para os hospitais
estratégicos e 10% para os hospitais de apoio. Para sua manutenção no programa, os
hospitais alimentam mensalmente um sistema de indicadores, sendo 24 indicadores de
avaliação da gestão e 11 indicadores de avaliação de produção. Atualmente, o mapa de
indicadores para monitoramento do programa Santa Casa SUStentável encontra‐se elencado
na Resolução SS‐nº 46 (SÃO PAULO, 2015) apresentada no Anexo 1. Cada indicador possui
metas avaliadas trimestralmente, estando previstas penalidades (corte de repasse),
conforme o percentual atingido pelo prestador.
A formalização da participação no programa Santa Casa SUStentável é realizada
através de Termo de Compromisso assinado entre a Secretaria Estadual da Saúde e o
prestador, independentemente da gestão em que este esteja inserido.
Em 2016, a Lei Estadual nº 16.109 (SÃO PAULO, 2016) tornou permanente o auxílio
financeiro Santa Casa SUStentável.
Em resumo, os incentivos propostos em tempos de crise de financiamento trazem
algum alívio de sustentabilidade aos hospitais filantrópicos e timidamente monitoram a
gestão da clínica através de metas e indicadores pactuados por cada programa e com cada
gestor. A Santa Casa de Marília pactua com o gestor municipal o POA – Plano Operativo
45
Anual, por estar contratualizada nos moldes das Portaria nº 1.721 e 635 (BRASIL, 2007a e
2007b) e, com o gestor estadual, estabelece um plano de metas para o convênio Pró‐Santas
Casas e outro para o Santas Casas SUStentáveis, sendo este último uniforme para todos os
hospitais participantes do programa.
De acordo com a Confederação das Misericórdias do Brasil – CMB, a dívida do setor
filantrópico, em maio de 2015, estava estimado em R$ 21,6 bilhões de reais distribuídos
entre o sistema financeiro (56,1%), fornecedores (16,9%), impostos e contribuições não
recolhidas (12,0%), passivos trabalhistas (6,8%), salários e honorários médicos atrasados
(8,2%).
Governos federal e estadual abrem linhas de financiamento aos prestadores públicos
e privados vinculadas aos repasses do Fundo Nacional de Saúde ‐ FNS. Em 2015 foram R$
37,7 milhões retidos pelo FNS para repasse ao sistema financeiro. Atualmente tramita no
senado federal o projeto de lei nº 744, propondo a criação do programa de financiamento
preferencial às instituições filantrópicas e sem fins lucrativos (PRO‐SANTACASAS) para
atender a instituições filantrópicas e sem fins lucrativos que participam de forma
complementar do Sistema Único de Saúde.
Enfim, até o momento não está resolvido o modelo de financiamento sustentável
dos hospitais prestadores de serviços ao SUS e, consequentemente, é muito improvável uma
mudança no modelo de atenção hospitalar. A gestão da clínica no ambiente hospitalar vem
sendo alavancada mais pelos programas de qualidade e acreditação do que pela política
pública definida para os hospitais integrantes do sistema público.
Atualmente, o modelo de remuneração dos serviços filantrópicos migra para o
modelo de orçamentação parcial, com recebimento fixo, pós‐pago e variável, sendo este
último baseado em desempenho.
3.6 A imunidade tributária e os hospitais filantrópicos
Não é de hoje que artifícios governamentais colocam a filantropia (falo do CEBAS) em risco. Porém, nunca este risco foi tão iminente. Eu diria até inexorável. O governo depende das entidades sem fins lucrativos para cumprir suas obrigações constitucionais. Todavia, quanto à importância da filantropia, ele é apático, estóico, insensível e está em estado de esmaecimento, numa passividade alucinante em agir no fortalecimento das entidades parceiras. (TEIXEIRA, J., 2016, p.100).
46
A importância estratégica das entidades filantrópicas nas áreas da saúde, educação e
assistência social no suprimento de direitos de cidadania, diante da incapacidade do Estado
em fazê‐lo, fez com que este promovesse iniciativas que assegurassem, a essas entidades,
compensações como o recebimento de subvenções públicas e isenção de impostos.
Nesse espírito foi que Getúlio Vargas promulgou em 1935 a Lei nº 91, que
“Determina regras pelas quaes são as sociedades declaradas de utilidade publica” (BRASIL,
1935), garantindo o direito de recebimento de subvenções às entidades assim declaradas e,
em 1959, fez com que Juscelino Kubitschek assinasse a primeira legislação que, àquela
época, instituiu isenção às entidades filantrópicas. A Lei nº 3.577 de 1959 estabeleceu, em
seu artigo primeiro:
Art. 1º. Ficam isentas da taxa de contribuição de previdência aos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões as entidades de fins filantrópicos reconhecidas como de utilidade pública, cujos membros de suas diretorias não percebam remuneração. (Brasil,1959)
A importância das entidades sem fins lucrativos na promoção de bem‐estar social
através de serviços essenciais também foi reconhecida e prestigiada pela constituição cidadã
de 1988 que, em seu artigo 150, VI, c, estabeleceu:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... VI ‐ instituir impostos sobre: ... c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (grifo da autora, BRASIL, 1988).
Assim, entendeu o constituinte que ao desenvolver atividades de competência e
interesse do Estado, deveriam as instituições filantrópicas estar imunes de tributos que, de
acordo com Baleeiro (2001, p.313 apud NUNES e PASCHOALINI, 2015, p. 264)
“...deve abranger os impostos que, por seus efeitos econômicos, segundo as circunstâncias, desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia dos serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos daquelas entidades presumidamente desinteressadas por sua própria natureza”
O texto constitucional, ao dispor a vedação de imposição de impostos às instituições
filantrópicas, ou seja, assegurando imunidade tributária para essas instituições, vem sendo
47
alterado pela exigência de disposições acessórias, através de lei ordinária, além daquelas
previstas no Código Tributário Nacional. O tema é polêmico e objeto de ação direta de
inconstitucionalidade (ADI 4891) promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil junto ao
Supremo Tribunal Federal, aguardando‐se ordenamento jurídico (KAIUCA E SIMÕES, 2015).
As desonerações decorrentes de compensação de ações complementares às funções
típicas do Estado desenvolvidas por entidades civis “... ações essas que têm como objetivo a
promoção do desenvolvimento econômico ou social, não realizadas no orçamento e, sim,
por intermédio do sistema tributário” compõem os “gastos tributários” (BRASIL, 2016a, p.9).
De acordo com a Receita Federal, em 2013 os gastos tributários estimados foram de 223
bilhões de reais, representando 20,30% da arrecadação daquele ano. A saúde representou
11,57% dos gastos tributários, depois de comércio e serviço (29,11%), trabalho (14,17%) e
indústria (12,68%). As entidades filantrópicas e as entidades sem fins lucrativos ‐ assistência
social e saúde, alcançaram aproximadamente 3,5% desses gastos.
Figura 3 ‐ Composição dos gastos tributários na função saúde em 2013 Elaboração da autora a partir de dados do Ministério da Fazenda (BRASIL, 2016a)
48
Para Mendes e Weiller (2015), os benefícios ao setor saúde fazem falta ao orçamento
público:
Os embates por recursos financeiros para assegurar a política pública universal da saúde sempre foram uma constante desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988. A história de tensões no financiamento desse sistema não deixou de ser intensa antes e durante os anos 2000, após a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 29/2000. Ao mesmo tempo, nesse período, a fragilidade do financiamento foi percebida no crescimento da renúncia fiscal decorrente da dedução dos gastos com planos de saúde e símiles no Imposto de Renda e das concessões fiscais às entidades privadas sem fins lucrativos (hospitais) e à indústria químico‐farmacêutica, enfraquecendo a capacidade de arrecadação do Estado brasileiro e convertendo‐se no que se convencionou denominar gasto tributário. (MENDES E WEILLER, 2015, p. 492)
A tese levantada pelos autores ‐ de transformar gasto tributário da função saúde em
orçamento da saúde é bem‐vinda quando considera a retirada do benefício fiscal aos
usuários de planos de saúde. Entretanto, a retirada desse benefício dos hospitais
filantrópicos exigiria contrapartida orçamentária e revisão no financiamento dessas
instituições.
3.6.1 A obtenção do certificado de entidade beneficente de assistência social ‐ saúde Em 1993 a Lei nº 8.742 instituiu o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS),
responsabilizando‐o pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social e
atribuindo‐lhe, entre outras competências, em seu artigo 18:
..... II ‐ normatizar as ações e regular a prestação de serviços de natureza pública e privada no campo da assistência social; III ‐ fixar normas para a concessão de registro e certificado de fins filantrópicos às entidades privadas prestadoras de serviços e assessoramento de assistência social; IV ‐ conceder atestado de registro e certificado de entidades de fins filantrópicos, na forma do regulamento a ser fixado, observado o disposto no art. 9º desta lei;
..... (BRASIL,1993)
A concessão do certificado de entidades de fins filantrópicos foi regulamentada
pelo Decreto nº 2.536 que determinou, entre outras condições, que na área de saúde, a
instituição deveria “...comprovar, anualmente, percentual de atendimentos decorrentes de
convênio firmado com o Sistema Único de Saúde – SUS igual ou superior a sessenta por
cento de total de sua capacidade instalada” (BRASIL,1998, art. 3º, §4º). Essa exigência foi
modificada pelo Decreto nº 4.327 (BRASIL, 2002), passando a exigir a oferta de sessenta por
49
cento ao SUS de toda capacidade instalada do estabelecimento de saúde e exigindo
comprovação desse percentual em internações medidas em pacientes‐dia. Ou seja, a
certificação estava direcionada para uma preservação de leitos hospitalares, incentivando,
além da hospitalização, um percentual de pacientes‐dia, indicador diretamente associado ao
tempo de permanência do paciente no ambiente hospitalar.
Com a publicação da Lei nº 12.101 em 2009, a responsabilidade pela concessão e
renovação da certificação deixa de ser do Conselho Nacional de Assistência Social e passa a
ser atribuída aos Ministérios da Saúde, Educação e do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, com novas obrigações e condições para certificação das entidades beneficentes de
assistência social, inclusive quanto à comprovação do percentual de sessenta por cento, para
as entidades da saúde. Originalmente, a Lei nº 12.101 propunha um percentual de sessenta
por cento com base no somatório das internações realizadas e dos atendimentos
ambulatoriais prestados, havendo incluído a necessidade de regulamentação pelo Ministério
da Saúde, com a alteração dada pela Lei nº 12.453 de 2011.
Atualmente, o percentual de prestação de serviços ao SUS para fins de obtenção de
certificado de entidade beneficente de assistência social está regulamentado pela Portaria
nº 834 de 2016, que estabelece:
Art. 19. O percentual mínimo de 60% (sessenta por cento) de prestação de serviços ao SUS será apurado por cálculo percentual simples, com base no total de internações hospitalares, medidas por paciente‐dia (SUS e não SUS), e no total de atendimentos ambulatoriais, medidos por número de atendimentos/procedimentos (SUS e não SUS). ... § 3º Para efeito do disposto no "caput", a participação do componente ambulatorial do SUS será de no máximo 10% (dez por cento), devidamente comprovado. (BRASIL, 2016b)
Além da possibilidade de se utilizar até 10% da produção ambulatorial no cálculo do
percentual necessário à condição de obtenção de certificado de entidade beneficente de
assistência social, a legislação em vigor tem um olhar para o fortalecimento das ações para a
estruturação das Redes de Atenção à Saúde ‐ RAS. Assim, em seu artigo 20, a Portaria nº 834
prevê:
Art. 20. A entidade de saúde que aderir a programas e estratégias prioritárias definidas pelo Ministério da Saúde fará jus a índice percentual que será adicionado ao total da prestação de serviços ofertados ao SUS, observado o limite máximo de
50
10% (dez por cento), para fins de comprovação da prestação anual de serviços ao SUS, nos seguintes índices: I ‐ atenção obstétrica e neonatal: 1,5% (um e meio pontos percentuais); II ‐ atenção oncológica: 1,5% (um e meio pontos percentuais); III ‐ atenção às urgências e emergências: 1,5% (um e meio pontos percentuais); IV ‐ atendimentos voltados a pessoas com transtornos mentais e transtornos decorrentes do abuso ou dependência de álcool, crack e outras drogas: 1,5% (um e meio pontos percentuais); V ‐ atenção à saúde da pessoa com deficiência: 1,5% (um e meio pontos percentuais); e VI ‐ hospital de ensino: 1,5% (um e meio pontos percentuais). (BRASIL, 2016b)
Assim, a política de certificação pode atuar em sintonia com as políticas
prioritárias do Sistema Único de Saúde, podendo se transformar em uma importante
ferramenta para direcionar a inserção dos hospitais filantrópicos à atenção pública, desde
que essa necessidade se sobreponha à importância da arrecadação tributária.
3.7 A Santa Casa de Marília
A Santa Casa de Misericórdia de Marília, instituição filantrópica com sede em Marília ‐
SP é referência em assistência para todos os municípios da Departamento Regional de Saúde
de Marília – DRS IX. Fundada em 22 de abril de 1929, mesmo ano da emancipação do
município de Marília, teve como seu primeiro provedor o Sr. Bento de Abreu Sampaio Vidal.
Foi pioneira na alta paulista em ortopedia, em cirurgia cardíaca e no tratamento de
queimados e trouxe para o Brasil o primeiro serviço de gamacâmara, equipamento precursor
da endoscopia.
A Santa Casa de Marília é hoje um hospital filantrópico regional de grande porte, de
nível terciário e referência para o SUS para uma população estimada em 1.128.941
habitantes. É credenciada pelo Sistema Único de Saúde – SUS – em especialidades e
procedimentos de alta complexidade, como ortopedia e traumatologia, cirurgia cardíaca e
hemodinâmica, neurocirurgia, oncologia e terapia renal substitutiva, incluindo transplante
renal. Integra as redes de urgência e emergência, queimados e oncologia, sendo habilitada
51
como unidade de assistência de alta complexidade em oncologia – UNACON, com serviço de
hematologia e pediatria.
Conta com serviços ambulatoriais em diversas especialidades como neurologia,
oftalmologia, oncologia clínica e cirúrgica, adulto e infantil, nefrologia, ortopedia, cirurgia
pediátrica, cardiologia, urologia, cirurgia bucomaxilofacial, oxigenoterapia hiperbárica, entre
outros.
A Santa Casa de Marília está contratualizada com o município de Marília atendendo aos
requisitos das Portarias nº 1721 e nº 635 (BRASIL 2005a, 2005b) encontrando‐se em gestão
municipal. O convênio prevê, porém, que o hospital atenda pacientes referenciados pelos 62
municípios da Departamento Regional de Saúde ‐ DRS IX, encaminhados pelas centrais de
regulação municipal, responsável pelos agendamentos eletivos e estadual, responsável pela
regulação de urgência e emergência. Importante ressaltar que a Santa Casa de Marília não
possui porta aberta para o SUS, sendo todos os pacientes referenciados pelas centrais de
regulação e pelo Serviço de Atendimento Móvel às Urgências ‐ SAMU.
Devido à importância regional da Santa Casa de Marília, em 2014 o hospital foi
contemplado no programa do governo do Estado de São Paulo, Santas Casas SUStentáveis,
tendo sido classificada como hospital estratégico. Para a manutenção da Santa Casa no
programa SUStentáveis, mensalmente são avaliados indicadores de qualidade, produção,
produtividade, econômicos e financeiros, além de outras metas propostas pelo projeto.
Com os resultados das avaliações mensais e com a produção SUS da Santa Casa
concentrada na alta complexidade, em 2015 o hospital renovou seu contrato no programa
SUStentáveis como estruturante, passando a receber 70% do valor da média e alta
complexidade a partir de julho de 2015.
Instalada em uma área de 36.061 m², com 19.611,33 m² de área construída, a Santa
Casa de Marília dispõe da seguinte estrutura: 186 leitos de internação, dos quais 39 leitos de
UTI distribuídos entre tratamento de queimados, terapia intensiva adulto, terapia intensiva
cardiológica, terapia intensiva neonatal e terapia intensiva pediátrica. Conta, ainda, com
52
centro cirúrgico com 09 salas cirúrgicas e 12 leitos de recuperação pós‐anestésica. Conta com
355 médicos no seu corpo clínico e com 1013 funcionários (dezembro de 2015).
As ações institucionais são desenvolvidas em torno do planejamento estratégico,
renovado a cada três anos em oficinas democráticas, com representação de funcionários,
corpo clínico, diretoria voluntária e sociedade.
Atualmente, a Santa Casa de Marília aderiu ao programa Compromisso com a
Qualidade ‐ CQH, estando em processo de certificação. Esse processo conta com a
consultoria do CEALAG – Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão e o patrocínio
da Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL.
Na área de ensino e pesquisa, a Santa Casa de Marília mantém programas de
residência médica em anestesiologia, ortopedia e traumatologia e terapia intensiva. Além
das residências, possui programa regular de estágio complementar para residentes em
nefrologia, cardiologia clínica, cirurgia vascular e cirurgia endovascular periférica e para
estudantes de graduação e nível médio em diferentes áreas da saúde, como: farmácia,
fisioterapia, terapia ocupacional, biomedicina, nutrição e enfermagem.
Iniciou o processo de mudança do seu modelo assistencial em 2015 e está implantando
as equipes de referência multidisciplinar, matriciamento e protocolo terapêutico singular. O
processo se iniciou nas unidades de terapia intensiva e oncologia. Encontra‐se em fase de
expansão para todas as enfermarias do hospital.
Além do planejamento estratégico e colegiados de gestão, outra importante
ferramenta de gestão são as oficinas para avaliação dos resultados dos centros de custos,
onde cada gestor apresenta esse resultado associado a indicadores assistenciais como
infecção hospitalar, classificação de risco e tempo de permanência.
Na área dos custos hospitalares, a Santa Casa de Marília participa do projeto Gestão
Estratégica de Custos Hospitalares, composto por 21 hospitais filiados à Federação das
Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo – Fehosp – que, a partir de
53
uma metodologia unificada para apuração de custos, permite a comparação entre os
hospitais de diferentes custos unitários e de vinte diferentes procedimentos hospitalares.
4 METODOLOGIA
Uma atitude reducionista em relação à prática de pesquisa perpetua a ideia de que
teoria, ética, valores e métodos são tópicos distintos, e que os pesquisadores, a
despeito de viverem e participarem nas sociedades que estudam, são de algum
modo distintos do mundo social, que é objeto das suas investigações. A distância
entre eles e os objetos de estudo enseja a permanência de uma noção limitada de
isenção de valores. Como ficará evidente, a questão está aberta a um debate
considerável, pois, pode ser argumentado, a nossa própria integração em uma
sociedade é uma condição necessária para entender o mundo social do qual
fazemos parte, assim como é um fato da vida do qual não podemos escapar. De
fato, essa participação pode ser um pré‐requisito da objetividade. Tendo‐se um
entendimento desses debates e da aplicabilidade dos diferentes métodos, o
resultado final será a melhoria da pesquisa e pesquisadores mais investigativos e
confiantes. (May, 2004, p. 16)
Trata‐se de estudo de caso de natureza exploratória com abordagem quantitativa
baseada em análise de dados em fontes primárias e secundárias.
A escolha da Santa Casa de Misericórdia de Marília para o presente estudo de caso
justifica‐se pelo fato de ser um hospital filantrópico, de relevância regional, uma vez que
referencia 62 municípios para o Sistema Único de Saúde, em procedimentos de alta
complexidade, conforme pactuação com o gestor municipal. Também é reconhecida por sua
gestão profissionalizada, havendo recebido da Companhia Paulista de Força e Luz a
certificação ouro, em fevereiro de 2017. A certificação faz parte do Programa de
Revitalização dos Hospitais Filantrópicos – PRHF, financiado pela CPFL Energia,
executado pelo Cealag ‐ Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão e auditado
pelo CQH.
As informações foram obtidas de fontes primárias como balanços e relatórios de
atividades elaborados pela Santa Casa de Marília, bem como dos convênios mantidos pelo
hospital para a prestação de serviços ao sistema público e à saúde suplementar. Também
foram extraídas informações de fontes secundárias, principalmente do Departamento de
Informática do SUS – DATASUS e do Fundo Nacional de Saúde – FNS.
54
O caráter exploratório se justifica pelo fato de prevalecer, atualmente, o senso
comum de que não se pode considerar a tabela SUS como a real remuneração dos hospitais
filantrópicos, uma vez que essa remuneração não contempla os incentivos, as isenções e
subvenções de custeio e investimentos, havendo pouca ou nenhuma informação
consolidada acerca do impacto desses componentes sobre a sustentabilidade econômico‐
financeira dos hospitais filantrópicos. A pesquisa permitiu uma visão geral e multifatorial dos
aspectos que permeiam as relações econômico‐financeiras do hospital com o sistema
público e privado, como essas relações viabilizam ou inviabilizam a sustentabilidade da Santa
Casa e como impactam sobre a integralidade da assistência hospitalar.
O estudo está circunscrito ao período de 2005 a 2015. A abordagem foi quantitativa,
uma vez que ancorada na correlação de informações mensuráveis para a explicação de um
fenômeno, tendo como objetivo trazer à luz tendências observáveis. Entretanto, a autora
buscou uma análise interpretativa dos dados, procurando romper o antagonismo das
representações objetivas e subjetivas, entendendo que “A sensibilidade é um atributo
necessário e desejável em todos os tipos de pesquisa social” (SERAPIONI, 2000, p.192).
Quanto aos aspectos éticos, a autora obteve autorização para divulgar todos os
dados primários reunidos e apresentados nesta dissertação, conforme Anexo 2. Os demais
dados foram obtidos de sistemas oficiais e disponibilizados ao público.
5. RESULTADOS
5.1 Análise da série histórica da remuneração da Santa Casa de Marília
5.1.1 A remuneração tripartite pelo sistema público para custeio
O financiamento do Sistema Único de Saúde será, nos termos do artigo 195 da
Constituição Federal, de responsabilidade da União, dos estados, do distrito federal e dos
municípios.
55
No âmbito da atenção hospitalar, o financiamento tripartite fica definido na Portaria
nº 3.390, de 30 de dezembro de 2013, que instituiu a Política Nacional de Atenção Hospitalar
(PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), em sua seção IV, que trata do eixo do
financiamento, conforme segue:
Art. 26. O financiamento da assistência hospitalar será realizado de forma tripartite, pactuado entre as três esferas de gestão, de acordo com as normas específicas do SUS. Art. 27. A busca da sustentabilidade será uma das bases do custeio dos hospitais, considerando a sua população de referência, o território de atuação, a missão e o papel desempenhado na RAS, pactuados regionalmente. § 1º Todos os recursos que compõem o custeio das ações e serviços para a atenção hospitalar constarão em um único instrumento formal de contratualização, mediado pelo cumprimento de metas quali‐quantitativas de assistência, gestão e ensino/pesquisa. (BRASIL, 2013b).
Entretanto, não há definição da responsabilidade de cada ente federativo no
financiamento hospitalar. Pelo contrário, a Portaria nº 3.410, de 30 de dezembro de 2013,
que estabelece as diretrizes para a contratualização no âmbito do SUS em consonância com
a política nacional de atenção hospitalar, em seu artigo 19, faculta ao gestor do ente
federativo contratante definir valores adicionais “caso tenha capacidade e financiamento
com fonte própria” (BRASIL, 2013c).
Os recursos são recebidos pela Santa Casa de Marília por meio de convênios com os
entes federados, conforme Quadro 1.
Bloco Fonte Remuneração Observação
Média e Alta Complexidade – MAC
Fundo Nacional de Saúde/Limite Financeiro de MAC via Fundo Municipal de Saúde ‐ FMS
Fundo Nacional de Saúde/Fundo de Ações Estratégicas – FAEC via Fundo Municipal de Saúde – FMS;
Tesouro Municipal/via Fundo Municipal de Saúde
Incentivos Fonte Remuneração Observação
Incentivo à Contratualização – IAC
Fundo Nacional de Saúde via Fundo Municipal de Saúde – FMS
Instituído pela Portaria 1721/MS (BRASIL, 2005a)
56
INTEGRASSUS Fundo Nacional de Saúde via Fundo Municipal de Saúde – FMS
Instituído pela Portaria 604/MS (Brasil, 2001)
Pró ‐ Santas Casas 2
Fundo Estadual de Saúde Tesouro Municipal/via Fundo Municipal de Saúde
Deliberação CIB n⁰ 232 (SÃO PAULO, 2007b)
Santas Casas SUStentáveis
Fundo Estadual de Saúde Instituído pela Portaria (SÃO PAULO, 2014)
Quadro 1 – Convênio entre a Santa Casa de Marília e a Prefeitura Municipal de Marília, o Governo do Estado de São Paulo, o Governo Federal: composição dos repasses. Organizado pela autora.
A contratualização da Santa Casa de Marília com o gestor municipal, ao longo do
período analisado, sofreu diversas atualizações através de convênios e termos aditivos. A
partir de abril de 2006 até a presente data (abril de 2016), o convênio está pautado pela
Portaria nº 1.721/MS (BRASIL, 2005a) que instituiu o Programa de Reestruturação e
Contratualização dos Hospitais Filantrópicos no Sistema Único de Saúde – SUS. O atual
Termo de Convênio entre a Santa Casa de Marília e Prefeitura Municipal de Marília conta
com os blocos, incentivos e fontes de remuneração constantes do Quadro 1.
Através de Termos Aditivos ao Termo de Convênio com o município, também são
repassados recursos do Fundo Nacional de Saúde via Fundo Municipal de Saúde e do tesouro
municipal para a realização de mutirões, ações complementares ou emergenciais.
Atualmente, para o custeio de suas atividades, a Santa Casa de Marília também
recebe recursos provenientes de convênios com o gestor estadual, como do programa
estadual Pró‐ Santas Casas 2, instituído pela Deliberação CIB n⁰ 232 (SÃO PAULO, 2007b) e
do programa Santas Casas SUStentáveis, regulamentado pela resolução SS nº 13 de 2014 e
atualmente regido pela Lei Estadual nº 16.109 (SÃO PAULO, 2016). Também recebe do
governo estadual a contribuição de solidariedade instituída pela Lei nº 11.021 (SÃO PAULO,
2001) e créditos provenientes do programa Nota Fiscal Paulista instituído pela Lei nº 12.685
(SÃO PAULO, 2007c) e emendas parlamentares provenientes do orçamento estadual.
57
Os convênios diretos com a União para fins de custeio de atividades assistenciais
ocorrem em função das emendas parlamentares individuais, provenientes do orçamento da
União, liberadas no programa custeio corrente. A análise do financiamento tripartite para a
Santa Casa de Marília foi feita a partir da série histórica da receita operacional dos últimos
onze anos, considerando‐se a remuneração por produção e por incentivos em convênio, de
acordo com cada ente financiador. As informações foram coletadas das demonstrações do
resultado do exercício, das notas explicativas às demonstrações contábeis, de informações
das contas contábeis extraídas do livro razão e do Termo de Convênio mantido com o gestor
municipal.
A Tabela 10 reúne, além das informações referentes à receita operacional SUS, o valor
denominado extrateto, ou seja, produção efetivamente realizada, enviada ao gestor
municipal, provisionada nos relatórios contábeis e não pagas por falta de teto financeiro,
bem como as eventuais glosas ocorridas no período analisado.
Quanto ao crescimento da receita oriunda do Fundo Nacional de Saúde, conforme
Tabela 10, ele foi impactado pelo Incentivo à Contratualização – IAC – a partir de 2006, pelo
aumento do teto físico e financeiro em 2009, com o fechamento de um prestador local,
quando a Santa Casa de Marília assumiu parcialmente o teto daquele prestador e pelos
impactos de tabela em 2011 com aumento do teto financeiro, especialmente nas
especialidades de cardiologia e oncologia. Quanto ao IAC, ele iniciou‐se em 2006 e foi
reajustado em 2011 e 2012, quando atingiu aproximadamente 50% do faturamento da
média complexidade.
A partir de julho de 2012, a Santa Casa de Marília alterou a contabilização dos repasses
médicos referentes à produção do SUS que, até então, não transitavam nas contas de receita
e despesa. Assim sendo, o aumento da receita ocorrido a partir de 2012 também incorpora
essa mudança da contabilização dos repasses médicos. O aumento verificado nos anos de
2013 e 2014 são relativos aos mutirões de ortopedia e oftalmologia, respectivamente,
ambos com recursos do Fundo Nacional de Saúde – FNS.
Quanto ao financiamento da produção pelos gestores estadual e municipal, observou‐se,
conforme Tabela 10, participação do gestor estadual entre os anos 2008 e 2012, repassada
58
através de Termos Aditivos com valores variáveis ao longo desse período. A partir de 2008
houve uma constante participação do gestor municipal com incrementos ao longo desses
anos. A participação do gestor municipal iniciou‐se a partir de 2008 com a contrapartida
exigida pelo Programa Pró‐Santa Casa 2 e, em 2011, em função da demanda reprimida,
incorporou recursos do tesouro para a produção de alta complexidade, mantendo esses
valores congelados até 2015.
TABELA 10 ‐ Receita operacional SUS da Santa Casa de Marília, por ente federativo,
incluindo‐se incentivos, extrateto e glosas
Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: (1) Demonstração do Resultado dos Exercícios; (2) Conta Razão fornecida pela contabilidade da Santa Casa. Elaborada pela autora.
Conforme Tabela 10, a participação do ente federal, que em 2005 e 2006 era de 100%
no financiamento da produção SUS da Santa Casa de Marília, caiu para 96% em 2007,
mesmo com o Incentivo à Contratualização – IAC – oscilou em torno de 92% nos anos
subsequentes, atingindo seu menor percentual no ano de 2015, quando representou
apenas 86% do financiamento da produção SUS do hospital. Essa participação não foi menor
nos últimos anos pela mudança da contabilização, uma vez que, a partir de 2013, os
honorários médicos repassados ao hospital passaram a transitar na receita operacional.
Importante observar que o financiamento da demanda reprimida acabou recaindo
sobre o próprio prestador, com expressiva produção extrateto e impacto sobre o fluxo de
caixa da instituição, conforme se discutirá em tópico específico. A Figura 4, uma
representação gráfica da composição da receita operacional líquida por ente federativo,
excluídas as glosas e incuído o extrateto, evidencia essa participação do prestador de
Ano Federal¹ Estadual¹ Municipal¹ Extrateto² Glosas² Receita Operacional Partic. Federal
2005 14.773.256,56 14.773.256,56 100%
2006 16.298.220,36 16.298.220,36 100%
2007 17.717.406,23 824.995,66 54.397,66 18.488.004,23 96%
2008 18.198.114,52 701.000,00 429.000,00 308.900,38 119.179,04 19.517.835,86 93%
2009 20.702.213,88 1.041.200,00 514.800,00 569.178,62 22.827.392,50 91%
2010 22.493.307,57 1.215.228,40 514.800,00 24.223.335,97 93%
2011 23.406.688,74 420.600,00 1.414.800,00 25.242.088,74 93%
2012 26.517.059,13 569.627,12 1.714.800,00 5.643,36 28.795.842,89 92%
2013 30.404.999,27 1.714.800,00 1.483.396,78 83.183,82 33.520.012,23 91%
2014 32.647.995,75 1.714.800,00 1.160.777,60 35.523.573,35 92%
2015 29.422.980,23 1.714.800,00 3.098.924,95 105.453,81 34.131.251,37 86%
59
serviços no financiamento da produção do Sistema Único de Saúde – SUS, superando, nos
dois últimos anos, a participação do gestor municipal.
Figura 4 ‐ Evolução da participação dos entes federativos e do próprio prestador na composição da receita operacional da Santa Casa de Marília. Elaborada pela autora.
A ausência do gestor estadual no financiamento direto da produção, a partir de 2012,
deu‐se por uma reivindicação das santas casas que, diante da defasagem entre a tabela SUS
e os custos hospitalares, solicitaram um posicionamento definitivo da Secretaria Estadual da
Saúde para que o componente estadual do Programa Pró‐Santa Casa 2 (SÃO PAULO, 2007b)
fosse efetivamente destinado ao custeio, ou seja, para a aquisição de materiais hospitalares,
medicamentos, pagamento de plantões médicos presenciais ou em disponibilidade, enfim,
despesas correntes conforme programa de trabalho pactuado em termo aditivo. Até então,
a Comissão Intergestora Regional – CIR – destinava recursos do Pró‐Santa Casa 2 para
pactuação de produção com o hospital. Quanto aos recursos provenientes do programa
Santas Casas SUStentáveis (SÃO PAULO, 2014), desde seu início foram destinados
exclusivamente ao custeio do hospital, impactando positivamente no valor da tabela SUS.
Durante os anos analisados, a Santa Casa também recebeu verbas de custeio provenientes
de emendas federais, conforme as disposições legais.
60
A Tabela 11 apresenta os valores repassados ao hospital como subvenção no período
de 2005 a 2015 por ente federativo. Observa‐se, da análise dessa tabela, que o gestor
municipal não contribuiu para a complementação da tabela SUS por meio de subsídios e que
não existe uma previsibilidade para esses repasses por parte dos gestores estadual e federal,
uma vez que tais recursos são destinados à instituição através de emendas apresentadas por
parlamentares e se originam no orçamento federal ou estadual. A Secretaria Estadual da
Saúde também repassou recursos para custeio e, consequentemente, para complementação
da tabela do SUS, por meio de termos aditivos. Nesses casos, os repasses foram mais
regulares quando regulamentados por programas como o Pró‐Santa Casa 2 (SÃO PAULO,
2007b) e Santas Casas SUStentáveis (SÃO PAULO, 2014) mas, ainda assim, foram repassados
de forma intermitente, ocorrendo interrupções durante a renovação dos respectivos termos
aditivos.
Para as subvenções estaduais, somente a partir do Programa Santas Casas
SUStentáveis foram definidas regras de repasse conforme a classificação do hospital e o
alcance de metas quali‐quantitativas. A Santa Casa de Marília ingressou no programa em
2014 como hospital estratégico com direito ao recebimento de 40% de sua produção de
média e alta complexidade – MAC, de acordo com a série histórica faturada de período
anterior ao programa e, em 2015, foi reclassificada como estruturante, passando o incentivo
a 70% da mesma base de cálculo. Entretanto, em 2015 os repasses foram inferiores aos de
2014 devido a corte orçamentário, corte por não cumprimento de metas (fato esse não
constatado pela entidade) e hiato de quatro meses para a renovação de termo aditivo.
61
TABELA 11 ‐ Subvenções recebidas pela Santa Casa de Marília por ente federativo
Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: Demonstração de resultado de exercício e notas explicativas. Elaborada pela autora.
A Figura 5 apresenta a composição da remuneração total da Santa Casa de Marília
pelo sistema público, considerando‐se as receitas operacionais líquidas por ente federativo
(sem o extrateto) e as subvenções, no período analisado. Da análise desse gráfico pode‐se
observar que houve um crescimento da remuneração ao longo dos anos, excetuando‐se a
essa tendência o ano de 2015. Conforme já analisado, houve um crescimento na receita
operacional SUS (Figura 4), e as subvenções seguiram o comportamento apresentado na
Tabela 11. Em 2015 houve um decréscimo na remuneração SUS do hospital porque não
houve recurso destinado à realização de mutirão ou pagamento de extrateto, e houve uma
redução da subvenção estadual no Programa Santas Casas SUStentáveis, em comparação ao
ano anterior. Foi em 2015 que a instituição hospitalar financiou o maior extrateto no
período estudado.
Federal Estadual Total Partic. Estadual
2005 48.000,00 1.039.606,11 1.087.606,11 96%
2006 80.000,00 373.184,91 453.184,91 82%
2007 ‐ 395.321,69 395.321,69 100%
2008 120.000,00 587.803,72 707.803,72 83%
2009 ‐ 1.618.598,25 1.618.598,25 100%
2010 1.219.046,63 1.292.661,04 2.511.707,67 51%
2011 87.920,00 1.267.397,11 1.355.317,11 94%
2012 569.627,12 1.596.260,57 2.165.887,69 74%
2013 341.488,24 1.453.852,80 1.795.341,04 81%
2014 ‐ 9.160.473,72 9.160.473,72 100%
2015 350.971,82 6.770.966,96 7.121.938,78 95%
62
Figura 5 – Composição da remuneração da Santa Casa de Marília pelo sistema
público.
Elaborada pela autora.
Considerando‐se as subvenções de custeio como complemento da tabela SUS e
denominando como remuneração SUS o somatório da receita por produção às subvenções,
podemos visualizar na Tabela 12 a efetiva participação de cada ente federativo no
financiamento SUS da Santa Casa de Marília. Resumidamente, observa‐se que, embora a
participação federal seja a mais importante no financiamento da produção pelo sistema
público na Santa Casa de Marília, essa participação variou entre 98 e 74% no período, com
tendência de queda nos dois últimos anos.
Quando se compara a remuneração pelo sistema público e o valor efetivamente
faturado pela Santa Casa de Marília de acordo com a tabela SUS, observa‐se pela Tabela 12
que, entre 2005 e 2011, as subvenções e os incentivos não foram significativos para
impactar no valor da tabela, ou seja, a remuneração do hospital foi praticamente a mesma
da tabela de referência. A partir de 2012 a remuneração passou a ser, de fato, superior à
tabela SUS, alcançando em 2014, com o programa Santas Casas SUStentáveis, uma
remuneração de 1,45 vezes a tabela SUS.
63
Tabela 12 ‐ Remuneração SUS recebida pela Santa Casa de Marília por ente federativo, valor faturado e valor da tabela recebida com relação à tabela SUS Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: (1) Demonstração de resultado de exercício e notas explicativas às demonstrações contábeis. (2) DATASUS – Tabwin em abril de 2016. Elaborada pela autora.
5.1.2 A remuneração pelo sistema privado
A Santa Casa de Marília, portadora de certificação de filantropia, atende ao sistema
privado assegurando o cumprimento da legislação regulamentadora da concessão de
certificação de filantropia ao longo desses anos. A remuneração pelo sistema privado para a
Santa Casa de Marília é realizada, preponderantemente, pelo modelo de pagamento pós‐
produção por serviço e a partir de tabelas de remuneração de taxas, diárias, materiais,
medicamentos e honorários médicos. Algumas contratações de alto custo são por
procedimento, tipo “pacote”, sem a dinâmica do modelo DRG – Diagnosis Related Groups
(Grupos Diagnósticos Relacionados), que promove remuneração com base nas
comorbidades e se atualiza com base no monitoramento de campo.
A Figura 6 apresenta a produção do hospital medida em pacientes‐dia pelos
segmentos público e privado, e a produção ambulatorial está apresentada na Figura 7 para o
período compreendido entre 2011 e 2015, quando se estabeleceu o critério de cálculo dessa
produção, vigente atualmente.
Ano Federal¹ Estadual¹ Municipal¹ Remuneração SUS Partic. Federal Faturamento² Rem./Fat.
2005 14.821.256,56 1.039.606,11 ‐ 15.860.862,67 93% 14.642.587,02 1,08
2006 16.378.220,36 373.184,91 ‐ 16.751.405,27 98% 15.855.350,45 1,06
2007 17.717.406,23 395.321,69 ‐ 18.112.727,92 98% 17.342.008,49 1,04
2008 18.318.114,52 1.288.803,72 429.000,00 20.035.918,24 91% 18.721.930,92 1,07
2009 20.702.213,88 2.659.798,25 514.800,00 23.876.812,13 87% 22.524.915,66 1,06
2010 23.712.354,20 2.507.889,44 514.800,00 26.735.043,64 89% 24.646.914,81 1,08
2011 23.494.608,74 1.687.997,11 1.414.800,00 26.597.405,85 88% 25.108.870,80 1,06
2012 27.086.686,25 2.165.887,69 1.714.800,00 30.967.373,94 87% 27.063.967,96 1,14
2013 30.746.487,51 1.453.852,80 1.714.800,00 33.915.140,31 91% 28.810.975,12 1,18
2014 32.647.995,75 9.160.473,72 1.714.800,00 43.523.269,47 74% 29.915.381,58 1,45
2015 29.773.952,05 6.770.966,96 1.714.800,00 38.259.719,01 78% 28.905.151,91 1,32
64
Figura 6 – Produção SUS e Não SUS medida em pacientes‐dia. Fonte: Notas explicativas às demonstrações contábeis. Elaborada pela autora.
Considerando‐se o crescimento havido na receita líquida operacional do sistema
público (Tabela 10), a curva decrescente de produção medida em pacientes‐dia SUS a partir
de 2009 indica que alterações ocorridas na referida tabela reajustando valores de
procedimentos pontuais ou incorporando tecnologias não foram acompanhadas pelo
respectivo aumento do teto financeiro. Ou seja, houve valoração da receita unitária do
procedimento sem aumento de teto e consequente redução da produção. O aumento da
complexidade do paciente internado também pode explicar esse aumento da receita
unitária do procedimento. O decréscimo no atendimento ambulatorial em 2015 reflete a
readequação emergencial entre prestador e gestor municipal para redução do valor
extrateto acumulado.
65
Figura 7 – Produção ambulatorial de acordo com legislação vigente a partir de 2002 Fonte: notas explicativas às demonstrações contábeis. Elaborada pela autora
Quanto à produção para o segmento privado, as internações apresentaram um pico
em 2009, acomodando‐se em um patamar inferior e discretamente crescente a partir de
2010, permanecendo a produção medida em pacientes‐dia, da produção não SUS, acima da
produção SUS. Já os procedimentos ambulatoriais não SUS representaram entre 31 e 38% da
produção ambulatorial SUS no período analisado.
A Tabela 13 apresenta a remuneração da Santa Casa de Marília pelo sistema privado,
incluindo as glosas no período analisado do presente estudo. As glosas variaram entre 3,17%
e 8,78% entre 2005 e 2015, indicando fragilidade e relação de conflitos entre a Santa Casa e
suas fontes de pagamento do sistema privado.
A Tabela 14 apresenta a composição da remuneração total e a participação
percentual do sistema SUS nessa remuneração mostrando que, ainda que a Santa Casa de
Marília seja referência em alta complexidade para o Sistema Único de Saúde – SUS – e tenha
realizado pelo menos 60% de seus atendimentos ao SUS, de acordo com a legislação vigente
nos anos analisados, o sistema público representou no máximo e apenas em 2005, 60% da
remuneração da Santa Casa de Marília. Em 2013, atingiu sua menor participação, de cerca
de 47%.
66
Tabela 13 ‐ Receita bruta, glosas e receita líquida da Santa Casa de Marília pelo sistema privado Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: Demonstração do resultado dos exercícios e razão contábil fornecido pela da Santa Casa. Elaborada pela autora.
Tabela 14 – Composição da remuneração total da Santa Casa de Marília
Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: Demonstração do resultado dos exercícios e notas explicativas. Elaborada pela autora.
5.1.3. A receita contábil
No período analisado, além da remuneração referente a contraprestação de serviços
ao SUS, aos convênios, pacientes particulares e subvenções, a Santa Casa de Marília
apresentou outras receitas classificadas como operacionais e não operacionais relevantes,
como:
Ano Receita Bruta Não SUS Receita Líquida Não SUS % Glosas
2005 11.288.192,58 10.572.496,63 6,34
2006 14.192.320,78 13.196.500,63 7,02
2007 15.888.155,33 14.492.451,57 8,78
2008 17.538.068,52 16.358.366,49 6,73
2009 19.758.326,63 19.406.340,66 1,78
2010 23.453.070,80 21.944.705,67 6,43
2011 28.368.298,97 26.000.226,30 8,35
2012 34.295.764,90 31.539.598,23 8,04
2013 42.943.130,65 39.899.752,34 7,09
2014 43.089.418,80 41.724.031,92 3,17
2015 46.153.705,98 43.194.738,74 6,41
Ano Receita Líquida Remuneração Remuneração % Participação
Não SUS SUS Total SUS
2005 10.572.496,63 15.860.862,67 26.433.359,30 60,00
2006 13.196.500,63 16.751.405,27 29.947.905,90 55,94
2007 14.492.451,57 18.883.325,92 33.375.777,49 56,58
2008 16.358.366,49 20.225.639,58 36.584.006,07 55,29
2009 19.406.340,66 23.567.911,75 42.974.252,41 55,65
2010 21.944.705,67 25.515.997,01 47.460.702,68 53,76
2011 26.000.226,30 26.597.405,85 52.597.632,15 50,57
2012 31.539.598,23 30.961.730,58 62.501.328,81 49,54
2013 39.899.752,34 35.315.353,27 75.215.105,61 46,95
2014 41.724.031,92 44.169.247,07 85.893.278,99 51,42
2015 43.194.738,74 41.253.190,15 84.447.928,89 48,85
67
a) Receita referente ao Programa de Saúde da Família – PSF: A Santa Casa de Marília
manteve convênio com o município de Marília até o ano de 2010 para contratação de
agentes comunitários de saúde. Essa receita apresentou contrapartida nas despesas, sem
impacto no resultado.
b) Receita referente ao Educandário Bento de Abreu, entidade assistencial mantida pela
Santa Casa de Marília, destinada ao atendimento de crianças e adolescentes em risco
social ou pessoal. As atividades do Educandário foram encerradas em 2013.
6. Reversão de provisão de contingência e reversão de juros de parcelamento: valores
provisionados e revertidos em função de sentenças transitadas em julgado ou
parcialmente revertidos em função de perdão de juros e correção monetária. Estas
receitas não operacionais interferiram nos resultados e em alguns anos foram
relevantes, conforme Quadro 2.
7. Outras receitas não operacionais: conforme normas contábeis, também foram
registradas receitas como doações, baixa de passivos prescritos, receitas financeiras,
entre outras.
Ano Histórico Valor
2008 Reversão de provisão de contingência¹ R$ 2.292.372,11
2009 Reversão de juros parcelamento – DAEM² R$ 2.426.942,06
2014 Reversão de provisão de contingência³ R$ 2.998.190,00
Quadro 2 – Receitas não operacionais esporádicas e relevantes ¹ Processo movido por fornecedor e pela Fazenda Pública do município ² Desconto de multas e juros em dívida contraída com o Departamento Municipal de Águas ³ Processo judicial PIS, transitado em julgado. Elaborado pela autora.
A Figura 8 compara a remuneração da Santa Casa, conforme denominado neste
trabalho, reunindo todas as receitas operacionais SUS e não SUS e as subvenções de custeio,
obtidas em função do convênio SUS, com a receita contábil líquida, sem as isenções
usufruídas e as receitas destinadas às atividades do Educandário Bento de Abreu. Conforme
esperado, as receitas líquidas contabilizadas são sempre superiores aos valores da
68
remuneração, especialmente nos anos 2008, 2009 e 2014, pelos motivos apresentados no
Quadro 2.
Figura 8 – Comparativo entre remuneração total e receita contábil líquida, sem isenção usufruída. Fonte: Relatórios contábeis. Elaborada pela autora.
5.2 A composição das despesas e dos custos
A Tabela 15 reúne as despesas da Santa Casa de Misericórdia de Marília nos onze
anos analisados, destacando‐se os principais componentes: folha de pagamento, materiais e
medicamentos e serviços de terceiros. Em serviços de terceiros estão os repasses paras os
serviços terceirizados, as equipes médicas em plantão presencial, plantão de disponibilidade
e, a partir de 2012, dos honorários médicos. As despesas totais apresentadas na Tabela 15
não incorporam as despesas contabilizadas e classificadas como isenções fiscais e as
decorrentes das atividades de manutenção do Educandário Bento de Abreu.
69
Tabela 15 – Principais componentes das despesas da Santa Casa de Marília
Valores em R$ a.p. correntes
Fonte: Demonstração do resultado dos exercícios. Elaborada pela autora.
Conforme Figura 15, a folha de pagamento que integra o grupo dos custos fixos da
atividade hospitalar e representa cerca de 30% do valor das despesas totais apresenta
crescimento constante, uma vez que acompanha a inflação, para a reposição salarial dos
funcionários. Mas, o crescimento da folha também está atrelado ao crescimento do número
de funcionários. No período analisado, houve um crescimento em 33% no número de
colaboradores, com um crescimento da remuneração por funcionário de 141%. Em
dezembro de 2015, a Santa Casa contava com 1013 funcionários registrados, com
remuneração per capita média nesse ano de R$ 2.567,10. Já o grupo materiais e
medicamentos teve crescimento acima da folha de pagamento entre 2006 e 2010 e
apresenta tendência de estabilização nos últimos três anos, indicando crescimento abaixo da
inflação nesse período. As despesas com serviços de terceiros, que incluem honorários
médicos, apresentaram crescimento acima da folha de pagamento entre 2012 e 2014,
estabilizando‐se nos dois últimos anos. Tanto as despesas com materiais e medicamentos
como serviços de terceiros integram os custos variáveis da atividade hospitalar e variam com
a receita operacional.
O grupo denominado “outras despesas” na Figura 9 é composto pelas contas
públicas, despesas financeiras, depreciações, entre outras despesas. Apesar das oscilações
no período analisado, apresenta comportamento bastante estável no período analisado.
Ano Folha Pagamento Mat. e med. Serv. Terceiros Outras despesas Despesas totais
2005 9.716.042,90 9.709.288,13 7.842.649,66 4.932.200,30 32.200.180,99
2006 10.149.575,22 10.178.020,17 8.447.011,97 5.145.699,44 33.920.306,80
2007 10.644.609,93 12.665.833,14 8.505.049,04 6.545.749,23 38.361.241,34
2008 11.922.746,56 13.708.439,68 9.548.204,55 5.708.577,44 40.887.968,23
2009 13.310.402,82 14.670.396,33 12.086.539,71 5.827.339,76 45.894.678,62
2010 15.437.567,30 15.808.359,17 14.024.706,12 4.011.441,62 49.282.074,21
2011 17.794.459,05 17.615.185,26 16.018.700,46 4.184.456,11 55.612.800,88
2012 20.227.509,49 20.544.990,34 19.321.382,54 4.783.847,94 64.877.730,31
2013 24.335.712,46 25.068.348,46 24.988.175,91 4.654.445,58 79.046.682,41
2014 27.932.025,46 25.770.852,33 27.649.131,71 6.273.628,82 87.625.638,32
2015 31.206.778,27 26.400.200,94 27.710.584,30 5.721.900,93 91.039.464,44
70
Conforme mencionado no tópico 3.7, a Santa Casa de Misericórdia de Marília integra
um grupo de hospitais filantrópicos que compartilham apuração e informação de custos
hospitalares. A metodologia para apuração de custos diretos e rateio de custos indiretos é
validada pela Planisa, empresa de consultoria especializada no segmento da saúde, sendo
todos os hospitais integrantes do programa SUStentáveis estimulados a apurar seus custos
utilizando critérios compatíveis. Esse programa permite a comparação dos custos entre os
hospitais, de acordo com a classificação adotada no programa SUStentáveis: apoio,
estratégico e estruturante.
Figura 9 – Composição das despesas da Santa Casa de Marília. Elaborada pela autora.
O benchmarking entre os hospitais está disponibilizado da plataforma KPIH ‐ Key
Performance Indicators for Health, no endereço eletrônico www.kpih.com.br, de acesso
restrito aos hospitais participantes. A partir dessa plataforma, foram coletados alguns
indicadores de custos, para se compreender melhor sua composição e o comportamento da
Santa Casa de Marília, comparativamente a hospitais de mesmo porte.
Quanto à composição dos custos por tipo de centro de custos, a Tabela 16 apresenta
a distribuição deles para a Santa Casa de Marília e a composição média de oito hospitais
estruturantes, para o primeiro semestre de 2016. A Santa Casa de Marília apresenta
composição muito semelhante à média dos outros hospitais estruturantes e o centro de
custos das áreas produtivas respondeu por cerca de 78% dos custos hospitalares.
71
Centro de custos Santa Casa de Marília Hospitais estruturantes
Administrativo 5,3% 5,0%
Auxiliar 16,5% 17,0%
Produtivo 78,2% 78,1%
Porém, quando se comparam os custos fixos e variáveis (Tabela 17), o
comportamento da Santa Casa de Marília se diferencia do comportamento dos outros oito
hospitais estruturantes utilizados como base de comparação, para o primeiro semestre de
2016. Enquanto na Santa Casa de Marília os custos fixos representaram 50,5% dos custos
totais, para os outros hospitais representaram 65,0% dos custos totais. Esse perfil
diferenciado da Santa Casa de Marília pode ser decorrente da alta concentração de
procedimentos de alta complexidade, utilizando insumos mais caros, que elevam a
participação percentual dos custos variáveis. Essa hipótese pode ser corroborada quando se
compara o custo da hora cirúrgica com e sem materiais e medicamentos da Santa Casa com
o dos outros oito hospitais (Tabela 18). Observa‐se que, na Santa Casa de Marília os
materiais e medicamentos elevam os custos da hora cirúrgica em mais de 84%, enquanto
nos outros hospitais não alcançam o valor de 30%.
Tabela 16 – Comparativo da composição de centros de custos por tipo entre a Santa Casa de Marília e oito hospitais estruturantes.
Fonte: KPIH. Elaborada pela autora.
Tabela 17 – Comparativo dos custos fixos e variáveis entre a Santa Casa de Marília e oito hospitais estruturantes.
Fonte: KPIH. Elaborada pela autora.
Santa Casa de Marília Hospitais estruturantes
Custos Fixos 50,5% 65,0%
Custos Variáveis 49,5% 35,0%
72
A produtividade medida em taxa de ocupação impacta sobre o custo unitário das
unidades produtivas, conforme Tabela 18. Como era de se esperar, a Santa Casa de Marília
apresenta melhor performance de custos nos serviços com maiores taxas de ocupação,
comparativamente aos hospitais com os quais está sendo comparada.
Tabela 18 ‐ Comparativo de custo unitário de serviços com e sem materiais e medicamentos
Fonte: KPIH. O grupo outros hospitais era composto por: ¹ oito hospitais, ² três hospitais e ³ quatro hospitais. Elaborada pela autora.
5.3 Resultado econômico‐financeiro
A partir da receita contábil líquida sem isenções e da despesa total, descontadas as
despesas contabilizadas e classificadas como isenções fiscais e as decorrentes das atividades
de manutenção do Educandário Bento de Abreu, foi encontrado o resultado da Santa Casa
de Marília nos onze anos analisados. A Figura 10 traz uma representação gráfica desse
resultado.
C/ mat.med. S/ mat.med% OcupaçãoC/ mat.medS/ mat.med% Ocupação
Hora centro cir.¹ 798,90 433,10 64,4 1.236,50 955,70 34,3
Paciente‐dia UTI ad 1.149,10 892,40 91,8 1.172,00 955,84 91,8
Paciente‐dia UTI pe 1.579,90 1.247,60 65,8 1.187,00 1.036,80 81,9
Paciente‐dia UTI ne 1.496,10 1.200,10 54,0 1.200,10 829,30 77,8
Paciente‐dia enferm 505,80 440,80 51,9 344,70 293,20 73,6
Santa Casa de Marília Média outros hospitais
73
Figura 10 – Receita e despesa da atividade hospitalar sem as isenções contabilizadas
Entretanto, conforme Quadro 2, nos anos de 2008, 2009 e 2014, a Santa Casa de
Marília contou com receitas extraordinárias que afetaram positivamente seu resultado mas,
em função de sua eventualidade, não devem ser consideradas em uma análise sobre as
condições necessárias ao equilíbrio econômico e financeiro da atividade hospitalar. Assim, a
Figura 11 apresenta uma reprodução da Figura 7, excluídas as receitas eventuais nos
respectivos anos.
Figura 11 – Receita e despesa da atividade hospitalar sem as isenções contabilizadas e receitas eventuais. Elaborada pela autora.
74
Certamente são inúmeros os fatores que afetam o resultado da atividade hospitalar.
Conforme a Tabela 18, um dos indicadores relevantes para o resultado econômico é a taxa
de ocupação do serviço, uma vez que, tecnicamente, otimiza os custos denominados fixos,
aqueles que “não sofrem alteração de valor em caso de aumento ou diminuição da
produção. Independem, portanto, do nível de atividade, conhecidos também como custo de
estrutura” (ZANLUCA, 2012?).
A taxa de ocupação é um indicador de qualidade utilizado pelos programas de
qualidade e pelos gestores para avaliação das metas qualitativas em seus convênios com
instituições filantrópicas. A avaliação do programa Santas Casas SUStentáveis, por exemplo,
estabelece pontuação máxima para taxas de ocupação superiores a 85%.
Importante pontuar que o maior componente dos custos fixos hospitalares é a folha
de pagamento, indicando que a redução dos custos fixos impacta diretamente na qualidade
da atenção, com o aumento da produção por funcionário.
Considerando‐se que a taxa de ocupação hospitalar está diretamente associada ao
indicador pacientes‐dia, utilizado para o cálculo do percentual de atendimento ao SUS no
processo de certificação de entidades filantrópicas, a Figura 12 correlaciona o resultado da
Santa Casa de Marília e o número de pacientes‐dia no intuito de compreender como eles
estão associados.
Figura 12 – Comportamento do resultado econômico e do indicador pacientes Elaborada pela autora
75
Ainda que a figura 9 comprove que o melhor resultado econômico foi alcançado em
2009, ano em que a Santa Casa de Marília trabalhou com o maior quantitativo de pacientes‐
dia, não se evidencia uma correlação matemática entre pacientes‐dia e resultado
econômico. Ou seja, por dedução, a taxa de ocupação não é a única ou mais importante
variável para se obter um resultado econômico satisfatório. A Tabela 19 reúne, além da
quantidade de pacientes‐dia no período em estudo, outras variáveis de gestão para que se
possa interpretar sua atuação sobre o resultado e compreender a complexidade de
determinar as condições ideais de produção para um resultado econômico suficiente à
manutenção institucional.
A Tabela 19 destaca os anos com resultado econômico positivo. Observa‐se que o
ano de 2009 apresentou o melhor resultado e a maior produtividade por funcionário,
medida em paciente‐dia por funcionário, e o maior tempo de permanência. O indicador
paciente‐dia por funcionário não é usual, sendo o indicador clássico o que relaciona
paciente‐dia por leito. Entretanto, este indicador embute a ociosidade do serviço,
precisando sua análise ser cruzada com a taxa de ocupação. Assim, para analisar a atenção
propriamente dita, preferiu‐se identificar quantidade de funcionário por paciente‐dia,
podendo‐se dizer que o resultado de 2009 foi bastante afetado por uma menor pressão dos
custos fixos sobre os custos totais com a redução de quadro de pessoal. O aumento da
quantidade de pacientes‐dia associada ao aumento do tempo de permanência pode indicar
uma piora no perfil assistencial com a sobrecarga da equipe de trabalho. Ou seja, o melhor
resultado econômico não implica melhor cuidado assistencial.
Entretanto, existe um comportamento aleatório entre resultado e os indicadores
acima, uma vez que anos com produtividade muito próxima mostram resultados bastante
diferentes. Por exemplo, em 2005, quando se trabalhou com 7,7 funcionários por paciente, o
resultado foi muito pior que aquele apresentado em 2014, quando se trabalhou com 9,2
funcionários por paciente. Ou, ainda, apesar de muito semelhantes na produtividade medida
em funcionário por paciente‐dia alcançada em 2013, 2014 e 2015, os resultados econômicos
nos três anos foram totalmente diferentes.
76
Tabela 19 – Comparativo entre resultado econômico pacientes internados, pacientes‐dia, tempo de permanência, número de funcionários e funcionário por paciente‐dia. Valores em R$ a.p. correntes
Elaborada pela autora.
Assim, além dos custos fixos, é importante uma análise qualitativa das receitas. A
Tabela 20 apresenta alguns indicadores econômicos relativos à receita.
No ano de 2009, quando o resultado foi o melhor, para o período analisado, além
da maior produtividade em pacientes‐dia por funcionário, houve o menor percentual de
glosas de convênios no período analisado, com reflexo positivo na receita líquida deste ano.
Tabela 20 – Comparativo entre resultado, remuneração do SUS sobre o faturamento, percentual de
remuneração do SUS, percentual de extrateto SUS pelo faturamento SUS e % de glosas não SUS.
Elaborada pela autora.
Tempo de Funcionários
permanência por pac. dia
2.005 3.610.180,99‐R$ 36.196 3,9 761 7,7
2.006 1.640.306,80‐R$ 40.595 4,1 772 6,9
2.007 1.174.241,34‐R$ 39.834 4,0 804 7,4
2.008 1.241.340,34‐R$ 42.661 3,3 820 7,0
2.009 1.578.379,32R$ 51.779 4,5 772 5,4
2.010 238.135,22R$ 40.766 3,5 800 7,2
2.011 683.800,88‐R$ 38.779 3,8 850 8,0
2.012 81.269,69R$ 38.332 3,4 915 8,7
2.013 1.833.682,41‐R$ 40.339 4,0 1.007 9,1
2.014 338.171,68R$ 39.597 3,7 994 9,2
2.015 3.946.464,44‐R$ 40.261 3,8 1.013 9,2
Resultado FuncionáriosPacientes‐dia
% Extrateto % Glosas
pela rem. SUS não SUS
2.005 3.610.180,99‐ 60,00% 1,08 ‐ 6,34 36.196
2.006 1.640.306,80‐ 55,94% 1,06 ‐ 7,02 40.595
2.007 1.174.241,34‐ 56,58% 1,04 4,37 8,78 39.834
2.008 1.241.340,34‐ 55,29% 1,07 1,53 6,73 42.661
2.009 1.578.379,32 55,65% 1,06 2,34 1,78 51.779
2.010 238.135,22 53,76% 1,08 ‐ 6,43 40.766
2.011 683.800,88‐ 50,57% 1,06 ‐ 8,35 38.779
2.012 81.269,69 49,54% 1,14 ‐ 8,04 38.332
2.013 1.833.682,41‐ 46,95% 1,18 4,20 7,09 40.339
2.014 338.171,68 51,42% 1,45 2,63 3,17 39.597
2.015 3.946.464,44‐ 48,85% 1,32 7,51 6,41 40.261
Pacientes‐diaResultado % Rem. SUS Rem SUS/fat.
77
Já no ano de 2014, um dos dois anos com maior quantitativo de funcionários por
pacientes‐dia, observou‐se como ponto favorável ao resultado positivo a maior
remuneração pelo Sistema Único de Saúde – SUS, que remunerou 1,45 vezes sua tabela de
referência e o percentual de glosas de convênio, representando 3,2% das receitas.
Entretanto, ainda que em 2015 o valor da tabela de remuneração pelo SUS tenha
sido de 1,32 vezes seu valor de referência, constata‐se que foi o ano com o pior resultado
econômico da Santa Casa de Marília. Este resultado pode ser a consequência da combinação
de dois fatores: extrateto e atraso nos recebimentos de recursos vinculados ao tesouro
municipal. Apesar do extrateto e do atraso nos recebimentos não impactarem diretamente
no resultado, uma vez que se encontram contabilizados nas receitas, provocam um aumento
do endividamento institucional, com consequente crescimento das despesas bancárias. Essa
análise será novamente abordada no tópico 5.4 e seus subtópicos, em que serão analisados
os balanços patrimoniais da Santa Casa de Marília. O ano de 2015 também não pode ser
analisado fora do contexto da crise econômica, com a elevação do preço das tarifas públicas
e o aumento do dólar, provocando o aumento dos preços dos insumos produzidos no país e
naqueles importados.
Em 2012, quando o resultado foi positivo, houve uma combinação entre
remuneração recebida pelo SUS, de 1,14 vezes a tabela de referência, e um dos menores
graus de dependência do SUS, que representou menos de 50% das receitas operacionais.
Nos anos de 2005, 2006, 2007e 2008 os resultados negativos estão associados à
remuneração pelo sistema SUS muito próxima à própria tabela de referência, insuficiente
para a cobertura dos custos hospitalares e ao percentual de glosas convênios, que oscilou
entre 6,3 e 8,8%. Nesses anos, não houve nenhum fator atenuante, sendo expressivo o
percentual do extrateto em 2007. O extrateto e o percentual de glosas não SUS também
explicam o resultado negativo do ano de 2013.
Finalmente, da análise das Tabelas 19 e 20 não se pode estabelecer uma
correlação matemática entre o resultado e os indicadores analisados, uma vez que existe
uma complexidade muito maior envolvida nessa análise. O grau de dependência dos
pacientes internados, o comportamento das infecções hospitalares, o percentual de
78
urgências e emergências e o modelo de atenção hospitalar são alguns outros fatores
relacionados ao resultado e à sustentabilidade das instituições hospitalares.
5.4 Análise dos balanços patrimoniais
5.4.1 A evolução do patrimônio da Santa Casa de Marília
No período analisado, conforme Figura 13, o total do ativo da Santa Casa de Marília
vem apresentando crescimento, mais acelerado a partir de 2009. O reflexo desse
crescimento impactou sobre o ativo permanente, imobilizado e intangível, a partir de 2011.
De acordo com a Tabela 21, os investimentos realizados superaram a depreciação,
com exceção dos anos 2007 e 2008. Considerando‐se os dez anos compreendidos entre
2006 e 2015, a Santa Casa de Marília investiu R$ 9.806.992, 40 (nove milhões, oitocentos e
seis mil, novecentos e noventa e dois reais e quarenta centavos) além da sua depreciação
indicando, além de sua manutenção, a realização de obras, reformas, aquisição de
equipamentos e licenças de softwares.
O montante dos investimentos realizados têm correlação direta com as subvenções
destinadas a investimentos e com o resultado do exercício. Entretanto, ao se analisar os
investimentos, deve‐se considerar o período necessário para imobilização desses recursos,
como o processo licitatório, prazo de execução de obras, entre outros, que muitas vezes não
acontecem no mesmo exercício fiscal da liberação da subvenção de investimento ou do
resultado contábil superavitário.
79
Figura 13 – Evolução do total do ativo e do ativo permanente Elaborada pela autora.
Tabela 21 – Evolução do total do ativo, ativo permanente, depreciação, investimento e subvenções para investimentos Valores em R$ a.p. correntes
¹ Total de todos os entes federativos. Calculado pela autora.
5.4.2 A evolução das obrigações da Santa Casa de Marília
Para efeito de análise da série histórica das obrigações da Santa Casa de Marília –
contas do passivo, a autora reorganizou as informações do balanço patrimonial, para que as
mudanças legais, especialmente aquelas introduzidas pela Resolução do Conselho Federal de
Contabilidade – CFC ‐ nº 1.143/08 que aprovou a Norma Brasileira de Contabilidade –NBC –T
Total do ativo Permanente Depreciação Investimento¹ Subv. Investimentos
2005 20.332.995,66 15.295.168,04 862.856,31 ‐ ‐
2006 21.425.869,64 15.707.114,06 941.892,89 1.353.838,91 291.075,34
2007 23.309.416,40 15.542.754,86 1.054.538,68 890.179,48 ‐
2008 25.146.707,83 15.394.214,77 1.111.919,08 963.378,99 1.128.500,00
2009 27.580.403,50 16.483.333,32 1.177.743,40 2.266.861,95 497.000,00
2010 32.964.188,61 16.605.745,13 1.241.988,61 1.364.400,42 2.842.449,01
2011 35.392.095,25 17.093.094,64 1.272.008,36 1.759.357,87 812.262,98
2012 38.706.214,27 20.067.347,15 1.431.599,21 4.405.851,72 650.000,00
2013 47.552.371,38 21.593.234,36 1.602.241,92 3.128.129,13 1.026.408,53
2014 53.115.425,64 23.430.596,66 1.892.591,11 3.729.953,41 2.750.857,00
2015 60.658.796,36 25.102.160,44 2.125.368,89 3.796.932,67 1.239.921,73
80
19.4, definindo um novo tratamento contábil às subvenções e assistências governamentais,
não impactassem na análise. Para exemplificar, em 2015, compunham o passivo não
circulante da entidade hospitalar em estudo R$ 6.210.534,27 (seis milhões,duzentos e dez
mil, quinhentos e trinta e quatro reais e vinte e sete centavos) de subvenções a apropriar,
valores esses não exigíveis. A Figura 14 foi construída a partir desse critério, para permitir a
análise comparativa da série histórica da Santa Casa de Marília.
Figura 14 – Evolução do passivo total, de curto e longo prazo. Organizada pela autora
A análise do passivo apresenta o esforço da Santa Casa para reduzir a
participação do passivo de curto prazo na composição do passivo total da Santa Casa.
Esse trabalho envolveu renegociação de dívidas com fornecedores e substituição de
empréstimos bancários para linhas de longo prazo. Entretanto, nos dois últimos anos
a proporção de passivo circulante na composição do passivo total voltou a crescer,
alcançando, em 2015, participação percentual superior àquela identificada em 2009.
Para suportar seu passivo, a Santa Casa apresentou variações no seu perfil de
credores, aumentando sua concentração em bancos até 2012 e reduzindo a
participação dos fornecedores até 2013, conforme Figura 15. A partir de 2013, houve
uma concentração em serviços de terceiros, que inclui plantões e honorários
médicos, oferecendo riscos à assistência. O crescimento do passivo a partir de 2013
está diretamente relacionado ao aumento do extrateto do hospital. Já o crescimento
81
do componente “outros” a partir de 2009 está mais associado às mudanças na
contabilização no passivo de curto prazo, não representando crescimento nos
exigíveis.
Figura 15 – Composição do passivo da Santa Casa de Marília. Organizado pela autora
5.4.3 O passivo descoberto
Para a análise do passivo descoberto, partiu‐se do passivo conforme trabalhado no
tópico anterior, para que as mudanças legais, definindo um novo tratamento contábil às
subvenções e assistências governamentais, não impactassemm na análise da série histórica e
do passivo descoberto. Nessa análise, observa‐se um excelente esforço da gestão da Santa
Casa de Marília, que saiu de um passivo descoberto de 4,2 milhões em 2005 e alcançou
patrimônio social (patrimônio líquido) de 4,9 milhões em 2014.
Importante ressaltar que esse não é o resultado formal da contabilidade da
instituição, uma vez que esta segue rigidamente as normas contábeis. Entretanto, a presente
análise não exclui nenhum exigível, apenas retira das contas do passivo de longo prazo os
lançamentos referentes a subvenções a apropriar.
82
Tabela 22 ‐ Evolução do passivo descoberto
Valores em R$ a.p. correntes ¹ Total do passivo e passivo descoberto recalculado pela autora, para efeito de comparação de série histórica 5.5 A isenção obtida pela Santa Casa de Marília
Como é sabido, uma instituição filantrópica na área da saúde, portadora do Certificado
de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS – conta com isenção das
contribuições sociais e a possibilidade de firmar convênios para prestação de serviços ao
Sistema Único de Saúde e com o poder público em geral, permitindo o recebimento de
subvenções, entre outros benefícios.
A Tabela 23 apresenta a comparação no período analisado, entre a isenção usufruída e o
resultado econômico‐financeiro do hospital.
Fácil observar que, nas condições atuais de financiamento da Santa Casa de Marília, a
isenção de impostos permitidos pela legislação é condição de sobrevivência e manutenção
da instituição.
Total do ativo Total passivo¹ Passivo desc.¹
2005 20.332.995,66 24.614.358,52 4.281.362,86‐
2006 21.425.869,64 28.499.572,12 7.073.702,48‐
2007 23.309.416,40 31.134.684,33 7.825.267,93‐
2008 25.146.707,83 30.599.720,46 5.453.012,63‐
2009 27.580.403,50 28.763.950,19 1.183.546,69‐
2010 32.964.188,61 34.454.644,14 1.490.455,53‐
2011 35.392.095,25 37.342.610,57 1.950.515,32‐
2012 38.706.214,27 38.848.591,77 142.377,50‐
2013 47.552.371,38 48.230.846,42 678.475,04‐
2014 53.115.425,64 48.146.496,45 4.968.929,19
2015 60.658.796,36 59.564.775,15 1.094.021,21
83
Tabela 23 – Comparativo entre isenção usufruída e resultado Valores em R$ a.p. correntes
Elaborada pela autora
6 DISCUSSÃO GERAL
Os hospitais filantrópicos, apesar de sua tradição e importância na saúde brasileira,
não ocuparam protagonismo na proposição de políticas públicas em sua área de atuação,
adequando‐se ao cenário estabelecido pelos setores público e privado. Por outro lado, o
sistema público não consolidou, até a presente data, um modelo de atenção hospitalar,
sendo certo que, hegemonicamente, a ferramenta em curso tem sido a da governança
clínica, com alguns elementos da clínica ampliada.
Quanto ao financiamento privado, permitido ao setor filantrópico para a composição
de suas receitas, observou‐se que o modelo de pagamento predominantemente adotado
pelo setor, fee for service – não está bem equacionado, uma vez que as glosas são
constantes, variáveis e, na maioria dos anos analisados, em valores expressivos, sugerindo
permanente fonte de conflito entre prestador e operadora de saúde. A relação não é
pacífica mesmo quando se emprega o pagamento denominado “pacote”, uma vez que tal
modelo é engessado e não incorpora a dinâmica do Diagnosis Related Group – DRG – nem
mesmo as avaliações de risco associado à idade e às comorbidades do paciente.
Isenção usufruída Resultado
2005 3.664.118,72 3.939.247,96‐
2006 2.870.059,26 1.956.999,23‐
2007 4.163.361,15 837.254,20‐
2008 4.644.690,76 1.184.233,61‐
2009 6.331.712,44 1.794.305,18
2010 5.524.682,82 284.992,30
2011 7.275.080,68 683.339,32‐
2012 7.738.339,34 275.608,74
2013 8.602.391,63 1.704.976,29‐
2014 11.908.642,54 328.482,02
2015 11.666.123,94 3.969.091,33‐
84
Quanto ao financiamento público, o estudo de caso mostrou que a participação
federal no financiamento da Santa Casa de Marília caiu de 93% em 2009 para 78% em 2015,
quando se consideram as subvenções de custeio, acompanhando a tendência nacional de
retração da União no financiamento da saúde, com relação aos outros entes federativos. Em
2014 o setor privado representou 51% do financiamento do sistema de saúde e 49% da
remuneração da Santa Casa de Marília.
As subvenções públicas, que acontecem de maneira aleatória e os incentivos
financeiros contratuais, apresentaram pouco impacto na remuneração da Santa Casa de
Marília até 2014, quando o Programa Santas Casas SUStentáveis permitiu uma remuneração
de 1,45 vezes a tabela SUS em 2014 e 1,32 vezes em 2015. Esse programa, recentemente
regulamentado, promoveu impacto no modelo de atenção, estando em implantação no
hospital a atenção baseada em equipes de referência e discussão de protocolos singulares. A
relação direta entre remuneração e modelo de atenção se explicita na relação de números
de funcionários por paciente‐dia, de 9,2 nos dois últimos anos. Ou seja, o Santas Casas
SUStentáveis permitiu crescimento do número de funcionários, variável diretamente
atrelada a um modelo de atenção transdisciplinar e humanizado.
Além disso, boa parte dos recursos provenientes do Programa Santas Casas
SUStentáveis está sendo aplicada pela Santa Casa de Marília, para a organização das equipes
médicas, impactando no atendimento das demandas de urgência e emergência e na
horizontalidade dessa equipe. Hoje, todo paciente internado no hospital é assistido pelo
mesmo médico assistente, inclusive em seu seguimento ambulatorial. Esse recurso, do
Santas Casas SUStentáveis, também é utilizado para realização de exames não pactuados
com o gestor, agilizando diagnóstico e terapêutica.
Entretanto, são inúmeras as variáveis que interferem no resultado econômico‐
financeiro do hospital, como o valor do extrateto acumulado, o tempo de permanência do
paciente e o número de funcionários por diária. Ou seja, indicadores de gestão são
imprescindíveis para assegurar o uso adequado dos recursos financeiros e uma justa
reivindicação por melhor remuneração, pelo segmento filantrópico.
Observe‐se que os indicadores relativos ao balanço patrimonial, por exemplo,
liquidez corrente e liquidez geral, utilizados pelo programa Santas Casas SUStentáveis como
85
indicadores de gestão, não são adequados sem o ajuste das obrigações não exigíveis, caso
das subvenções a apropriar. Nesse caso, relatórios gerenciais deveriam interessar mais ao
gestor do que os indicadores contábeis formais.
No entanto, as avaliações são ferramentas importantes para avaliar e fomentar a
gestão dos hospitais, uma vez que sem gestão adequada não haverá recurso financeiro
suficiente para a manutenção do equilíbrio econômico‐financeiro do hospital.
Via de regra, ainda que permitam avanços, as avaliações baseadas em indicadores
formais, não incorporam valores preciosos à clínica ampliada, como promoção da autonomia
do usuário e da equipe, além da cogestão.
O atual modelo de financiamento dos hospitais filantrópicos, não é consistente com
os custos hospitalares e não promove a melhoria da qualidade do atendimento hospitalar,
ainda que parte do financiamento seja classificada como incentivo.
Os incentivos calculados sobre a média complexidade são, de fato, incrementos para
atenuar a defasagem da tabela SUS nesse bloco de financiamento. A orçamentação do bloco
da média complexidade pode ter efeito punitivo ao hospital que trabalha regularmente com
extrateto.
Na prática, o modelo de atenção acaba sendo direcionado pelo modelo de
remuneração. Em momentos de crise, os hospitais realizam cortes, reduzindo funcionários
em prejuízo do atendimento.
Em 2016, mesmo com o resultado negativo do ano anterior, a Santa Casa de Marília
passou a investir nas equipes de referência multidisciplinares, iniciando esse processo nas
unidades fechadas. Também trouxe para o corpo clínico médicos com formação em saúde
da família, para dar retaguarda ao atendimento clínico e acompanhar os pacientes cirúrgicos
da ortopedia e de outras especialidades cirúrgicas, com necessidades clínicas.
As equipes de referência, que se iniciaram nas unidades fechadas, estão migrando para
outras alas de internação clínica e cirúrgica, e os resultados começam a ser visíveis aos
pacientes e à própria equipe. Ambos reconhecem, no vínculo que se estabelece, uma
importante ferramenta de redução de tensões, estabelecendo‐se uma melhor condição de
86
assistência. Importante lembrar que, no momento, as equipes multiprofissionais ainda se
concentram mais nos aspectos técnicos do atendimento, esperando‐se que aos poucos
migrem para uma visão mais ampla, condição necessária para a ampliação da clínica.
A necessidade dos hospitais filantrópicos em manter os atendimentos aos convênios e a
particulares para sua sobrevivência econômica permite o melhor aproveitamento dos custos
fixos, porém, introduz a necessidade de reformular suas relações com os planos de saúde,
para manter um único modelo de atenção em toda a unidade hospitalar. Observe‐se que o
atendimento ao plano de saúde, realizado por corpo clínico aberto, tem mais dificuldade em
incorporar as necessidades das equipes multiprofissionais.
A manutenção da filantropia e do CEBAS permite que os hospitais firmem contrato com
o SUS, recebam subvenções e usufruam de benefícios fiscais. Por outro lado, reserva ao
sistema público 60% da capacidade instalada desses importantes equipamentos de saúde.
As subvenções têm sido importantes para o custeio e para a realização de investimentos
na Santa Casa de Marília. Entretanto, não podem ser instituídas como fonte formal de
financiamento do SUS. Ressalve‐se que, nos últimos dois anos, o Ministério da Saúde
regulamentou a indicação de emendas parlamentares federais para adicionarem recursos à
rede SUS para aplicação no incremento do teto de média e alta complexidade e do piso de
atenção básica. Ou seja, na falta de orçamento, buscam‐se alternativas e paliativos de
sobrevivência.
Nessa guerra estabelecida por mais recursos, surge a proposta de retirada de benefícios
fiscais do setor saúde. Considerando‐se a importância das isenções para a Santa Casa de
Marília e para os hospitais filantrópicos em geral, considerando‐se que a renúncia do
segmento representa cerca de 3,5% dos gastos tributários, há que se levar em conta, no
setor saúde, a manutenção desse benefício especialmente para os hospitais filantrópicos.
Por outro lado, o esforço de modernização da legislação para concessão e manutenção
do CEBAS, por parte do Ministério da Saúde, pode ser um importante reforço para as
estratégias de rede e de desospitalização do próprio SUS. Neste caso, importante não
considerar esta política como fonte de receita tributária, impedindo‐se que os interesses
fiscais prevaleçam sobre aqueles do Ministério da Saúde.
87
Importante destacar que apesar de importante a remuneração da saúde suplementar
para a sustentabilidade econômica da Santa Casa de Marília, o modelo de financiamento
também reporta problemas, que se pode constatar no elevado índice de glosas.
7 CONCLUSÃO
Considerando‐se o impasse no modelo de remuneração para os hospitais filantrópicos,
com desfinanciamento e endividamento do setor, sugere‐se que o modelo atual, de
orçamentação mista, seja mantido, revendo‐se, entretanto, o cálculo do componente fixo.
Sugere‐se que o componente fixo seja definido pelo modelo de atenção. Equipes mínimas de
referência e matriciamento devem ser propostas, considerando‐se o perfil e o porte do
hospital. O custo orçamentado deveria cobrir este custo fixo, calculado por diária e, o valor
da tabela passaria a remunerar os outros custos fixos e variáveis.
Esse modelo aproximaria o modelo de remuneração dos hospitais filantrópicos com os
de hospitais públicos, que possuem o custo fixo da folha de pagamento custeado pelo seu
ente gestor.
Quanto aos incentivos contratuais, sugere‐se que sejam mantidos para o cumprimento
de metas quantitativas e qualitativas. Essas metas deveriam estimular o valor agregado por
experiências exitosas, estimulando a autonomia do processo criativo dos trabalhadores da
saúde.
Quanto aos incentivos fiscais, eles são essenciais para a sobrevivência do setor. Os
percentuais que permitem apurar o cálculo de 60% poderiam incorporar outras redes
estratégicas, como nefrologia e atendimento a queimados, além de habilitações como
aquelas para captação de órgãos e realização de transplantes. Importante que esse benefício
fiscal seja também uma política norteadora do SUS e não uma política que ameaça o
orçamento da União, uma vez que representa cerca de 3,5% dos gastos tributários.
As subvenções, ainda que importantes para o segmento, não são ferramentas para
financiamento, e o atual modelo de financiamento é insuficiente para manutenção do setor
filantrópico.
88
Ainda que a Santa Casa de Marília tenha incorporado modelo de gestão
profissionalizada e esteja investindo em mudanças no modelo de atenção, seu equilíbrio
econômico‐financeiro é bastante frágil e vulnerável. A crise econômica de 2015 levou à
frustração do resultado contábil, de superavitário em mais de 3 milhões em 2014, para um
resultado negativo de aproximadamente 4 milhões em 2015. Colaboraram para isso, além da
própria crise, o extrateto produzido e a irregularidade no repasse de subvenções
importantes, como o Santas Casas SUStentáveis. Os tetos hospitalares precisam ser
urgentemente revistos. Um sistema universal não pode criar gargalos de atendimento por
falta de financiamento.
O impacto imediato da frustração de resultado foi o aumento do endividamento
bancário e com os prestadores de serviços, incluindo pessoal médico. O endividamento
bancário, mesmo as linhas subsidiadas, aumentam os custos hospitalares, inviabilizando
ainda mais a sobrevivência econômico‐financeira do hospital. Já o endividamento com
prestadores de serviços ameaça o modelo de atenção.
Portanto, financiamento e modelo de atenção para o segmento filantrópico estão
irremediavelmente entrelaçados e associados. Políticas de modelo de atenção dissociadas
do modelo de financiamento, caso da PNHOSP, estão fadadas ao fracasso e ao
esquecimento.
Finalmente, os modelos de avaliação dos serviços hospitalares precisam incorporar
indicadores qualitativos. Por exemplo, além do tempo de permanência é importante que se
analise a condição de autonomia e autocuidado do paciente e de sua família para o cuidado,
para uma alta responsável e em tempo certo e seguro. Também é importante que se avalie
como a instituição hospitalar contribui para a produção de trabalhadores autônomos,
saudáveis e empoderados. Mesmo nas avaliações quantitativas, como as contáveis, os
relatórios gerenciais deveriam ser mais importantes do que índices contábeis universais.
89
REFERÊNCIAS
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90
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ANEXOS
1
Diário Oficial Poder ExecutivoEstado de São Paulo Seção I
Palácio dos BandeirantesAv. Morumbi, 4.500 - Morumbi - CEP 05698-900 - Fone: 3745-3344
Nº 90 – DOE de 16/05/15 – Seção 1 – p.44
SAÚDEGABINETE DO SECRETÁRIO
Resolução SS-46, de 15-05-2015
Altera a Resolução SS-39, de 09-04-2014, acrescentando indicadores ao “Mapa de Indicadores para monitoramento daestratégia “Santa Casa SUStentável” e dá outras providências
O Secretário da Saúde, considerando:- A Resolução SS 13, de 05 de fevereiro próximo passado que determina critérios para acompanhamento emanutenção dos repasses referentes ao Auxílio Financeiro à “Santa Casa SUStentavel”;- A proposta apresentada pelo Núcleo Técnico Executivo, em atendimento ao Artigo 10º, da Resolução SS 13/2014,resolve:
Artigo 1º - Alterar o Mapa de Indicadores, constante do Anexo I, que fica fazendo parte integrante da presenteResolução, com a inclusão de 03 novos indicadores.
Artigo 2º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições contrárias.
ANEXO I(a que se reporta a Resolução SS-46, de 15 de maio de 2015)
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