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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ THIAGO BERNARDES NUNES CAMBORIÚ, PESSOAS E PEDRAS: relação entre produção e saúde Itajaí 2017

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

THIAGO BERNARDES NUNES

CAMBORIÚ, PESSOAS E PEDRAS:

relação entre produção e saúde

Itajaí

2017

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THIAGO BERNARDES NUNES

CAMBORIÚ, PESSOAS E PEDRAS:

relação entre produção e saúde

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Saúde e Gestão do Trabalho,

Centro de Ciências da Saúde, Universidade do

Vale do Itajaí, como requisito parcial para

obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Profª Drª Rita de Cássia Gabrielli

Souza Lima.

Itajaí

2017

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Ficha catalográfica

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DEDICATÓRIA

Consagro este trabalho (e a vida) à minha mãe Mary Lúcia, pessoa que me

gestou, preservou e educou ontem e sempre. Acompanha meus passos, zelando

incondicionalmente pela felicidade do filho, na ausência e na presença, na falta e na

fartura.

À meu pai Rubens, ser humano essencialmente solidário, característica que

tanto buscamos nas relações do serviço e do ensino.

Ao povo brasileiro, financiador desta empreitada através das lutas cotidianas

enfrentadas em terreno desigual.

À comunidade mundial: humanos, outros animais, vegetais, minerais, ar e

água. Enfim, à solidariedade internacionalista, ao bem-viver do planeta Terra e da mãe

natureza.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, que se dedicou mais aos filhos do que a si própria.

À família: mãe, pai, irmãos, tios, tias, primos e etc. Só foi possível com vocês.

Aos amigos, do passado ao presente, que tanto contribuíram na formação do

eu que se torna nós: no clube do mate, no futebol, nos bares, da rua à lua.

Aos professores, do primário até a pós-graduação, intensamente combatentes

a favor da educação, mesmo perante um sistema desumano posto.

Ao programa de mestrado em saúde, que me recebeu tão carinhosamente,

num misto de doçura e firmeza, possibilitando a construção deste lavor.

À Rita, orientadora em qualquer hora, lugar e situação, do amanhecer à meia-

noite, de Assunção à Florianópolis, da obsessão à ternura. Obrigado por bombear a

veia da pesquisa que existe em mim.

Ao Marcão e suas suaves coerções, tão necessárias para a mudança global

que queremos.

Ao serviço de saúde de Itajaí, liberando “seu funcionário” para o cumprimento

desta jornada.

Às pessoas do território Espinheiros (loteamento Santa Regina), pela paciência

em compreender as ausências do dentista por conta do mestrado.

Às pessoas trabalhadoras de pedras. Estes os verdadeiros mestres da vida e

do conhecimento!

Aos livros de homens e mulheres de coragem, consultados e incorporados no

trajeto dissertativo.

Aos povos do mundo que anseiam por perspectivas emancipatórias reais,

unificantes, igualitárias, libertárias e descapitalizadas.

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EPÍGRAFE

"O que é o homem? Se observarmos bem, veremos que, ao colocarmos a

pergunta 'o que é o homem', queremos dizer: o que é que o homem pode se

tornar, isto é, se o homem pode controlar seu próprio destino, se ele pode 'se

fazer', se pode criar sua própria vida. Digamos, portanto, que o homem é um

processo, precisamente o processo de seus atos. Observando ainda melhor,

'o que é o homem' não é uma pergunta abstrata ou 'objetiva'. Ela nasce do

fato de termos refletido sobre nós mesmos e sobre os outros; e de querermos

saber, em relação com o que vimos e refletimos, aquilo que somos, aquilo

que podemos vir a ser, se realmente e dentro de que limites somos 'criadores

de nós mesmos', da nossa vida, do nosso destino. E nós queremos saber isto

'hoje', nas condições de hoje, da vida 'de hoje', e não de uma vida qualquer e

de um homem qualquer”. (Antonio Gramsci)

“[...] a pedra é uma coisa que vai lá, corta, pode botar dentro de um copo

d’água e tomar que não polui nada. Se tiver na natureza ela é pedra, ela é

natureza, sempre vai ficar pedra. E o concreto [da lajota] não. O que

acontece? Desbarranca o morro todo pra tirar areia, aí tem que arrebentar a

pedra do mesmo jeito pra fazer a brita pra botar na lajota. E o asfalto? O

asfalto é uma coisa que é todo lacrado, não absorve água. Eu acho que a

pedra agride menos a natureza. O homem vai lá cortar a pedrinha debaixo

das árvores, tira aquelas pedrinhas, cresce uma árvore no lugar. É uma coisa

da natureza. Se botar pra lá não polui, se botar pra cá não polui. Nunca vai

virar entulho. O preto [do asfalto] aquece e não tem drenagem também. A

pedra tem. Na Alemanha eles não querem saber do asfalto. Tinha um amigo

meu aqui que cortava pedra também que a filha casou na Alemanha. Casou

com um alemão e de vez em quando ia visitar ela lá. E diz que o alemão só

quer saber de pedra”. (P31, ex-broqueiro e atual “puxador” de pedras)

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RESUMO

Produtos sociais fruto do trabalho – ação humana exercida sobre elementos naturais – promovem saúde e conveniências no viver das civilizações. Em Camboriú, município do sul do Brasil e inserido no mundo globalizado e em sua divisão social do trabalho, a atividade econômica cultural da rocha como objeto de trabalho acontece desde o início do século XX, sendo, portanto, uma atividade de formação econômico-social capitalista. Conquistando o título de “capital” catarinense do mármore e granito, Camboriú construiu-se com expressiva participação de trabalhadores-produtores de rochas e suas mercadorias, cujas experiências atuam determinando, coletivamente, os processos de saúde e/ou doença. Este estudo teve por objetivo geral analisar, na perspectiva ético-política, o modo como a transformação do real foi se impondo ao trabalho e gerando movimentos no processo saúde-doença de produtores de bens em pedra, no contexto de Camboriú, SC. Desenvolvido na relação entre texto e contexto, tratou-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória, de abordagem compreensiva e análise ético-política. As técnicas utilizadas para a coleta de dados foram: observação-participante, entrevistas narrativas, a partir de roteiro semiestruturado e diário de campo. O universo dos sujeitos foi construído pelo auxílio da técnica bola de neve, modalidade de história oral. Os dados foram organizados, classificados e codificados com base no referencial proposto por Minayo (2010). A categoria central, revelada pela análise dos dados, foi: “Rochas brasileiras: do sofrimento à resistência”. A análise dos achados seguiu a partitura do método “posto che”, cunhada por Antonio Gramsci e orientada pelo diálogo entre a historicidade do objeto e a indagação de suas tendências contraditórias. Tendo como hipótese do estudo a compreensão de que a transformação do real sobre o trabalho de produtores de bens em pedra se deu por meio de relações de hegemonia, a análise gramsciana da teoria da hegemonia, e alguns conceitos relacionados conduziram a discussão. Como desfecho, sofrem as pessoas e o Sistema Único de Saúde (SUS) pela imposição da política macroeconômica posta, que age hegemonicamente sobre a organização social de produção, resultando em: subalternidade no trabalho, apropriação do trabalho alheio para acumulação de excedente e produção sem objetivar a dignidade cidadã, mas produzir riqueza ao capitalista. Há de se erguer os holofotes para lançar luzes a uma nova hegemonia que, assim, possibilite saúde universal e dignidade humana.

Palavras-chave: Saúde; Trabalho; Saúde do Trabalhador; Hegemonia; Determinação Social.

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ABSTRACT

Social products that are the fruit of the labor - human action exerted above natural elements - promote health and harmonious social living in civilizations. In Camboriú, a municipality in the South of Brazil and inserted in the globalized world and its social division of labor, the cultural economic activity of rock, as an object of work, has been occurring since the beginning of the 20th Century, and is therefore of capitalist economic-social formation. Earning for itself the title of "capital" of marble and granite of Santa Catarina, Camboriú has built itself through the significant participation of its workers - producers of stone and their merchandise, whose experiences collectively determine processes of health and/or sickness. The objective of this study was to analyze, from the ethical-political perspective, the way in which the transformation of the real was imposed on the work and generating movements in the health-disease process of producers of goods in stone, in the context of Camboriú, SC. Developed in the relationship between text and context, it was a qualitative, exploratory, comprehensive approach and ethical-political analysis. The techniques used for data collection were: observation-participant, narrative interviews, from a semi-structured script and field diary. The subjects universe was constructed using the aid of the snowball technique, oral history modality. The data were organized, classified and encoded based on the proposal of Minayo (2010). The central category, revealed by the data analysis, was: "Brazilian rocks: from suffering to resistance". The analysis of the findings followed the score of the "posto che" method, coined by Antonio Gramsci and guided by the dialogue between the historicity of the object and the inquiry of its contradictory tendencies. Taking as hypothesis of the study the understanding that the transformation of the real on the work of producers of goods in stone occurred through hegemonic relations, Gramsci's analysis of the theory of hegemony, and some related concepts, led to the discussion. As a result, the people and the Unified Health System (SUS) suffer from the imposition of a macroeconomic policy that hegemonically acts on the social organization of production, resulting in subalternity in the work, and the appropriation of the work of others for the accumulation of surplus and production, without seeking a citizen dignity, but rather, to produce wealth for the capitalist. The spotlight must be shed on a new hegemony that enables universal health and human dignity.

Keywords: Health; Work; Occupational Health; Hegemony; Social Determination.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 MARCO CONCEITUAL .......................................................................................... 20

2.1 Condições de trabalho ..................................................................................... 20

2.2 Sobre a teoria do valor..................................................................................... 24

2.3 O capitalismo financeiro sobre os financiamentos do Estado .......................... 27

2.4 O conceito de formação econômico-social ...................................................... 30

2.5 Sociedade, mercadoria-açúcar e odontologia: extraindo alguns elementos históricos ................................................................................................................ 34

2.6 Estilos de pensamento em saúde .................................................................... 38

2.7 Perspectiva historiográfica da determinação social em saúde e doença ......... 41

2.8 Conceitual-analítico: a teoria da hegemonia entre conceitos gramscianos ..... 48

3 MARCO CONTEXTUAL ......................................................................................... 51

3.1 A construção Camboriú ................................................................................... 51

3.1.1 As rochas presentes: granito e mármore .................................................. 53

3.2 Análise de conjuntura ...................................................................................... 56

4 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................ 61

4.1 Observação-participante .................................................................................. 61

4.1.1 Progresso da pesquisa pelas idas a campo .............................................. 63

4.2 Metodologia das entrevistas com os protagonistas ......................................... 66

4.2.1 Reflexões metodológicas advindas da entrevista com a semente 1 ......... 72

4.2.2 Nasce outra semente ................................................................................ 74

4.2.3 A experiente terceira semente .................................................................. 75

4.2.4 Cresce a bola de neve .............................................................................. 76

4.3 Uma boca cheia de pessoas ............................................................................ 80

4.4 Procedimentos pós-coleta ............................................................................... 82

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................. 85

5.1 Da observação-participante ............................................................................. 85

5.1.1 Um cortador que não explode mais........................................................... 85

5.1.2 Uma pedreira de mármore ........................................................................ 88

5.1.3 Pedreiras de britagem ............................................................................... 89

5.1.4 Na boleia com Garça ................................................................................. 93

5.1.5 Um cortador que explode .......................................................................... 94

5.1.6 Espaços de produção de mercadorias a partir da interação ser humano e rochas ................................................................................................................ 96

5.2 Das entrevistas-narrativas e discussão com os dados .................................... 96

5.3 Três propostas de artigos .............................................................................. 103

5.3.1 Artigo 1 .................................................................................................... 103

5.3.2 Artigo 2 .................................................................................................... 116

5.3.3 Artigo 3 .................................................................................................... 136

6 ASPECTOS CONCLUSIVOS ............................................................................... 160

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 164

APÊNDICE A ........................................................................................................... 172

APÊNDICE B ........................................................................................................... 175

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1 INTRODUÇÃO

Saúde do trabalhador. Um campo teórico em que o trabalho, a saúde, a doença,

o valor, os instrumentos de trabalho e as relações de trabalho dialogam com

condições, contradições e com a transformação do real.

Condições de trabalho dependem das formas de organização social de

produção, em uma dada formação econômico-social, e determinam saúde e doença

de pessoas e de coletividades (BRASIL, 1986). Quando dignas, para todos, as

condições de trabalho promovem vida: existência digna, com saúde.

Na formação capitalista brasileira, tais condições aguardam, historicamente,

por políticas macroeconômicas que reconheçam a necessidade de investimentos

materiais e imateriais, capazes de concretizar o Sistema Único de Saúde (SUS),

conquistado em 1986, pela sociedade; consagrado na Constituição Cidadã, em 1988

(BRASIL, 1988), e legalizado jurídico-institucionalmente pelas Leis Orgânicas da

Saúde (BRASIL, 1990; BRASIL, 1990). Universalidade, equidade e integralidade são

os fundamentos desta conquista.

O modo como os fenômenos saúde e doença se manifestam em trabalhadores

está intimamente relacionado aos modos de vida e trabalho; ou seja, está

“intimamente relacionado às formas de produção e consumo e de exploração dos

recursos naturais e seus impactos no meio ambiente, nele compreendido o do

trabalho” (BRASIL, 2012, p. 29). A ausência de condições dignas de trabalho pode

resultar em impactos negativos, como acidentes, adoecimentos, sofrimento e mortes.

Desenvolvendo-se sobre esta hermenêutica, o campo saúde do trabalhador

defende a indissociabilidade entre produção, trabalho, saúde, doença e ambiente;

envolve a luta pelo direito de trabalhar e viver em ambientes dignos e, com efeito,

saudáveis, bem como a dialética de enfrentamento às históricas injustiças evitáveis,

denominadas iniquidades sociais (BRASIL, 2012), inscritas no bojo da transformação

do real.

Com base em tais fundamentos, desenvolvi esta pesquisa, optando por

delineá-la sobre o objeto trabalho e processos correlatos, a partir dos processos de

organização do modelo produtivo, no contexto de uma cadeia produtiva: de produtores

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de bens de pedra, de um município do sul do Brasil – Camboriú, SC. O impulso para

delinear e movimentar esta pesquisa para Camboriú, SC, vem de berço, de raiz: são

29 anos de vida e 29 anos vivendo e compartilhando experiências com o povo

camboriuense, do qual sou parte. Neste percurso, um interesse pela história.

De acordo com pesquisas históricas, o município de Camboriú, assim como

outros tantos municípios do interior brasileiro, resguarda características rurais e de

produção agrícola. Em meados do século XIX, Tomaz Francisco Garcia, um dos

primeiros detentores dos meios de produção em Camboriú, foi o responsável por

ampliar a produção de farinha de mandioca na região. Com o crescimento

populacional, fez-se a necessidade de consolidar o centro da cidade em torno da

produção de farinha e culturas complementares, sendo fundada a Vila do Garcia,

posteriormente cidade de Camboriú. Nas décadas de 1930 e 1940, por advento do

conhecimento adquirido por alguns moradores locais sobre a arte de se trabalhar com

pedras, juntamente com o fato de a cidade possuir jazidas imensas do mineral,

abriram-se novas possibilidades de trabalho para a população de Camboriú e cidades

vizinhas. A partir do desenvolvimento desta atividade, Camboriú entra no mapa da

extração mineral (CORREA, 2016; REBELO, 1997).

Antes da escolha por trabalhar com esta cadeia produtiva, em Camboriú, SC,

– que aconteceu entre o primeiro e o segundo semestre (final de 2015 e início de

2016) como aluno regular da turma 13 do curso de mestrado do Programa de Pós-

Graduação em Saúde e Gestão do Trabalho (Universidade do Vale do Itajaí) – outros

contextos brotavam como possibilidades para pesquisa, em face da minha condição

de aluno especial em disciplinas optativas, ofertadas pelo Programa.

Aquele período como “aluno especial” (entre agosto de 2014 e julho de 2015)

foi importante para o retorno ao ambiente acadêmico, do qual estava afastado desde

2011, quando concluí a graduação em odontologia. As vivências me oportunizaram a

retomada do fluxo acadêmico e, neste trânsito, o exercício de liberdade para pensar

o desenho da pesquisa, na medida que interagia com os professores do Programa e

suas linhas de atuação.

Ao mesmo tempo em que entrava em contato com novos referenciais teóricos

sobre formação social, trabalho, direito social, saúde e doença, e desenvolvia uma

interlocução entre eles e as leituras empreendidas nas andanças da vida, comecei a

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questionar situações históricas que envolviam a minha pessoa e o meu trabalho, e

que a mim se apresentavam flutuando no ar: por onde “anda” a odontologia brasileira?

Há lacunas na prática odontológica que são de interesse da sociedade. Quais espaços

ela ocupa? Em quais locais atua? O ambiente do dentista é somente o consultório e

seus modernos equipamentos?

Enquanto aluno da graduação, notava que a odontologia dialoga com

frequência nos espaços escolares, realizando ações educativas e de higiene pública.

O famoso discurso de que devemos escovar os dentes era levado para as instituições

escolares por professores, profissionais e acadêmicos. De jaleco e tudo. Apesar de a

harmonia entre os saberes da saúde e os da educação ser um ponto estratégico, essa

interação saúde-educação não englobava a totalidade da vida social. Este tema,

totalidade da vida social, exaustivamente discutido nas disciplinas optativas,

reforçava, para mim, a existência de outros espaços, tanto quanto importantes e

invisíveis às ações da odontologia pública brasileira, ao menos no que tange à

formação que presenciei e que, ainda, presencio. Meu processo de trabalho como

servidor público municipal se havia iniciado em 2014, como cirurgião-dentista na

Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS em Itajaí, SC, cidade vizinha de Camboriú,

através da aprovação em um concurso público, editado em 2012. Para alegria, no

decorrer das atividades, eu percebia que as ações intersetoriais em odontologia não

se restringiam ao espaço escolar, conforme havia ‘aprendido’ na graduação.

Constatei, na prática, que a APS do SUS realizava, por exemplo, visitas domiciliares.

Os trabalhadores da saúde iam em busca dos atores da comunidade em suas casas,

não somente esperando que os moradores se dirigissem à Unidade Básica de Saúde

(UBS) ou qualquer outro estabelecimento de saúde da APS.

Ainda assim, minha inquietação persistia: e os demais espaços da divisão

social do trabalho? Entendendo que os ambientes escolares, nesse mundo posto,

funcionam como espaços de formação para algo posterior, deveria a odontologia

apenas percorrer esse ambiente de formação? Entendendo que o ambiente

residencial, nessa configuração de sociedade, atua como o espaço de inserção da

família, deveria a odontologia (e a saúde em geral) caminhar apenas pelos ambientes

de formação e das famílias? O que estava faltando? O que está faltando?

Formamo-nos para o trabalho. Depois de formado, trabalhamos. Nem todos.

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Muitos, por conta das condições, iniciam na vida produtiva sem o privilégio da

formação. Outros, passam mais de vinte anos subindo as escadas da formação para,

enfim, adentrarem ao mundo do trabalho. Independente disso, um objetivo comum

parece ter raízes universais: a necessidade do trabalho. Qual a função da odontologia

e da saúde em geral perante a vida dos milhares de trabalhadores brasileiros?

A partir destas indagações que a temática de pesquisa foi-se elaborando. Não

pensando essencialmente na boca e/ou no sistema estomatognático, mas pensando

universalmente: como está a saúde do trabalhador? Não sabia. Em meu período de

formação, na graduação, nunca pisamos numa fábrica, oficina de artesãos, indústria,

mina, granja, estaleiro ou seja lá quais forem as denominações dadas ao ambiente da

divisão social do trabalho, da produção da vida material. A saúde do escolar, dessa

sabe-se, pois a formação que tive nos levou a estes espaços. Mas e o trabalho? Como

está? Como era? Para aonde ia? Para aonde vai?

No processo de desenvolvimento do mestrado, essas questões dialogaram

com um profundo interesse pela Escola do Trabalho, cunhada por Antonio Gramsci

como aquela unicamente capaz de superar a subalternidade, a partir de um Estado

do Proletariado. A escola do trabalho, defendida por Antonio Gramsci, um patrimônio

da humanidade (MANACORDA, 2012), tinha características especiais: supunha não

só a formação para o trabalho, mas a possibilidade da elaboração de uma cultura

autônoma, bem diversa da cultura burguesa. Na perspectiva desta escola, o desejo

de aprender, para os trabalhadores, surgia de uma concepção de mundo que a própria

vida lhes ensinava e que eles sentiam necessidade de esclarecer para atuá-la

concretamente (SCHLESENER, 2002).

Esta Escola defendia a necessidade de os trabalhadores não esclarecerem,

mas compreenderem o seu efetivo papel na condição humana do mundo do trabalho

(NOSELLA, 2017), entendendo por compreensão, para citar Seppilli (2012), a

consciência que conhece a realidade das coisas e sua historicidade; compreensão,

portanto, como consciência histórica. Para tal, seria necessário compreender o que é

ser sujeito histórico. Entender que o momento em que os trabalhadores italianos

viviam era oriundo de construções históricas e contradições nas relações humanas

pregressas. Na construção deste referencial voltado para a transformação do mundo

em um mundo justo, Gramsci partia de sua realidade contextual e realizava inúmeras

análises de conjuntura mundiais, buscando no passado as condições do presente

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para planejar o futuro. Um futuro em que os bens sociais produzidos fossem dos

trabalhadores.

Optei, a partir de então, por pesquisar o objeto trabalho e processos correlatos,

a partir dos processos de organização do modelo produtivo, no contexto da cadeia

produtiva dos produtores de bens de pedra, em Camboriú, SC, por entender que esta

atividade, há mais de século, configura-se entre os principais ramos de atividade da

população camboriuense. Por compreender que a atividade social que utiliza a pedra

como objeto de trabalho é um produto cultural de moradores de Camboriú, SC; por

compreender que as condições impostas pelo modelo produtivo a esta atividade

desencadeiam o processo de vida dos sujeitos envolvidos; por defender o conceito de

saúde conquistado na VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, em que “saúde

é, antes de tudo, as formas de organização social de produção” (BRASIL, 1986); e por

dar sentido ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que entende

saúde como a “capacidade de lutar contra tudo o que [n]os agride e [n]os ameaça”

(CAVALCANTE e NOGUEIRA, 2008), é que tentarei responder o seguinte problema

de pesquisa: de que modo a transformação do real foi se impondo ao trabalho, e

gerando movimentos no processo saúde-doença de produtores de bens em pedra,

em Camboriú, SC, no recorte temporal compreendido entre 1960 e o

contemporâneo?

É importante assinalar que a produção de bens sociais em pedra foi

fundamental para o desenvolvimento social de muitas famílias camboriuenses e

continua resistindo à transformação do real que as cerca. É um trabalho difícil e até

perigoso. Existem vários registros de acidentes de trabalho com mortes de broqueiros

nas praças de manufaturação (CORREA, 2000).

Na deliberação pela opção de estudo, relatada acima, pude praticamente

concluir o primeiro passo sugerido por Umberto Eco em seu livro Como elaborar uma

tese?, que é “identificar um tema preciso” (ECO, 2007, p. 5). O tema, conforme

exposto por inquietações e lacunas de minha curta experiência na profissão, aponta

para a saúde do trabalhador.

Uma vez definido, segue outro passo das recomendações de Eco, a de

“recolher documentação sobre ele [o tema]” (ECO, 2007, p. 5). Saúde do trabalhador

pode ser pensada e praticada de diversas formas. Para o momento, cabe delimitar

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alguns elementos que influenciam e impactam essa saúde do trabalhador, como: o

trabalho, a saúde, a doença, o valor, os instrumentos de trabalho, as relações de

trabalho, a transformação do real. Para melhor compreensão da documentação

recolhida, convido o leitor a dirigir-se ao capítulo de revisão de literatura.

Com a temática posta, para onde levar essa saúde do trabalhador? Em qual

contexto inserir este tema e seus discursos escolhidos? Que recorte espacial teria a

pesquisa? Dentre outros estímulos, vale destacar aquele me foi importante, no

exercício de delimitação do contexto. Trata-se de um trecho interrogativo do poema

“Perguntas de um trabalhador que lê” de Bertold Brecht: “Quem construiu Tebas, a

cidade das sete portas? Nos livros estão nomes de reis. Os reis carregam pedras?”

A respeito dessa problemática, e por estar alocado na cidade portuária de Itajaí,

SC, primeiramente pensei em selecionar o contexto do trabalho de motoristas de

caminhão. O Porto do município recebe e distribui uma infinidade de contêineres que

não se movem sozinhos. Caminhões pilotados por pessoas se encarregam da função

de fazer circular as mercadorias. Parecia-me um contexto altamente relevante. À

minha orientadora, também. E é. Mas não foi dessa vez, quem sabe numa próxima

poderei me misturar na luta diária dos motoristas.

Sem querer diminuir a importância dos muitos motoristas de caminhões de

Itajaí, ao me sentir mais envolvido com o município de Camboriú, por relação de vida,

pessoal, familiar, de formação da infância até a vida adulta, absorvi a necessidade de

direcionar esta pesquisa ao contexto de lá. Ao contrário do enorme privilégio que Itajaí

tem em abrigar uma instituição do porte da Universidade do Vale do Itajaí, Camboriú

não possui universidades. Como ‘cria’ camboriuense, resolvi encaminhar o poderio

científico dessa Instituição formadora para o contexto da cidade que me construiu

como pessoa. Portanto, decidi pesquisar a temática saúde do trabalhador no contexto

de Camboriú. Com os motoristas de caminhão de lá? Não.

Recordando a inquietação inicial que balançava para o ambiente de trabalho,

Camboriú, apesar de fazer fronteira geográfica, é diferente de Itajaí. A primeira não

possui mais o acesso ao mar para ter um porto. Mas qual poderia ser uma atividade

laboral, peculiar e predominante do seio do povo camboriuense, na qual eu poderia

dirigir a minha pesquisa de mestrado?

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A resposta não demorou a aparecer. Obtida enquanto passeava de carro pelas

ruas da cidade. Num dado momento, revi as lonas de beira de estrada que faziam

parte da minha infância enquanto um menino que só pensava em brincar. Debaixo

dessas lonas, pessoas que se protegem do sol (ou da chuva) trabalham produzindo

pedras sob medida. Exatamente. Rochas extraídas do solo camboriuense são

tratadas por pessoas que as recortam em diferentes tamanhos, formas, pesos,

finalidades, preços. À essa altura, o casamento não poderia ser outro. De um lado,

uma temática que gritava por luzes, a saúde do trabalhador. De outro, um contexto

cultural secular, enraizado na vida cotidiana do camboriuense, que contribuiu para o

desenvolvimento de diversas cidades do Brasil e do mundo: as técnicas dos

minuciosos cortes em pedras de granito para produção de mercadorias que

beneficiam a coletividade.

Mas, um contexto rico e complexo como este, ainda assim, assustava pela

imensidão que é. A gama de fatos que poderiam ser selecionados, no interior da

produção de bens em pedra sob medida, transitava entre, por exemplo: pesquisar

documentos oficiais que mencionam essa atividade; enumerar a quantidade de

enfermos desse ramo por dados do sistema de saúde local; examinar a

evolução/involução da produção econômica; ou até entrevistar representantes da

política local para aprofundar a importância dessa atividade na formação econômico-

social.

No entanto, a preocupação era outra. Fazia-se pulsante, enquanto necessidade

histórica, que os reais protagonistas dessa história fossem ouvidos, os trabalhadores,

os agentes ativos, os transformadores da matéria rocha bruta em bens sociais. E,

assim, assumi que coletaria narrativas de trabalhadores, produtores de bens em

pedra, com mais de 30 anos de envolvimento laboral, em Camboriú, SC. Para tanto,

vali-me da abordagem ética, reconhecendo que estaria estudando fragmentos da vida

do outro de mim, de seu trabalho ou mesmo a negação deste. Assumi:

“[...] o papel de ‘companheiro’, como uma pessoa que está em

busca de homens e de uma história humana esquecida que, ao

mesmo tempo, espia e controla a sua própria humanidade e que

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quer tornar-se participante, juntamente aos homens

encontrados, para a fundação de um mundo melhor, no qual

todos se tornarão melhores, aquele que procurava e aqueles que

foram encontrados” (DE MARTINO, 1953, p. 318 apud LIMA,

2013).

Direcionando o olhar para a saúde e o trabalho de produtores de bens em

pedra, e considerando o trabalho, enquanto organizador da vida social, como um

espaço de dominação e submissão do trabalhador pelo capital, mas, igualmente, um

espaço de resistência, de constituição, e do fazer histórico, mergulhei na pesquisa.

Reconhecendo que os trabalhadores assumem o papel de atores, de sujeitos capazes

de pensar e de se pensarem, produzindo uma experiência própria, no conjunto das

representações da sociedade (MENDES e DIAS, 1991). Assumindo que o trabalho

tem um papel fundamental na determinação do processo saúde-doença. Ponderando

que o desvelamento de facetas de sua realidade e a interlocução com os

trabalhadores, enquanto agentes coletivos e portadores de conhecimentos e práticas,

constitui-se em uma tecnologia social formativo-ativista, por meio da qual a

humanização do trabalho poderá ser concretizada em um ethos coletivo, reconhecido

e materializado pelos atores envolvidos, mesmo considerando que se atua dentro dos

limites e marcos do capitalismo (LAURELL e NORIEGA, 1989).

Vivemos num mundo em que seus meios de comunicação em massa coagem

a população, no sentido de criar no imaginário coletivo pautado no entendimento de

que o aumento, ano após ano, do PIB (Produto Interno Bruto) é sinônimo de

crescimento e desenvolvimento nacional (LAVINAS, 2017). Nos contínuos

reencontros com esta lógica, me perguntava incansavelmente: se os produtores de

calçamentos de vias públicas contribuem para alavancar o PIB ao transformarem

elementos da natureza em bens sociais, aonde se encontra o Estado brasileiro (e nele,

o SUS) para garantir a perpetuação do referido trabalho com dignidade?

Em interlocução com esta pergunta, desenvolvi a pesquisa, explorando

conceitos que estão apresentados em dois marcos, no corpo do trabalho. O primeiro,

contextual, com apresentação de características da cidade de Camboriú, SC (e suas

rochas presentes: granito e mármore). O segundo, conceitual, agregando os

subtemas: condições de trabalho, teoria do valor, capitalismo financeiro sobre os

financiamentos dos Estados, formação econômico-social, mercadoria-açúcar e

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odontologia, estilos de pensamento em saúde e perspectiva historiográfica da

determinação social em saúde e doença (e, justamente por assumir que tais subtemas

representam a totalidade, é que me distanciei de ideologias estritamente limitadas à

ao campo da odontologia). Para marco conceitual-analítico, escolhi a perspectiva de

hegemonia de Antonio Gramsci e algumas concepções, nesta perspectiva implicadas.

O percurso metodológico realizado ao longo dos dois (2) anos de mestrado está

exposto pelo desenvolvimento de: (1) observação-participante, discorrendo sobre o

progresso da pesquisa pelas idas a campo; (2) entrevistas-narrativas, com reflexões

metodológicas advindas das “sementes” do universo gerado pela bola de neve; e (3)

por procedimentos pós-coleta de dados.

Assumo, como hipótese do estudo, que a transformação do real sobre o

trabalho e movimentos correlatos no processo saúde-doença de um contexto de

produtores de bens em pedra se deu por meio de relações de hegemonia.

Sustentando-me nas justificativas introdutórias, declaro os seguintes objetivos:

Objetivo Geral:

Analisar, na perspectiva ético-política, o modo como a transformação do real

foi se impondo ao trabalho e gerando movimentos no processo saúde-doença de

produtores de bens em pedra, no contexto de Camboriú, SC.

Objetivos Específicos:

1. Observar os movimentos humanos necessários para a produção de bens em

pedra no município eleito para o estudo;

2. Identificar como essa população lida com os diferentes percursos históricos

impostos pela formação econômico-social capitalista brasileira;

3. Identificar historicamente as relações sociais e seus produtos do trabalho no

município eleito para o estudo.

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A apresentação dos resultados está dividida em duas partes: a primeira, em

modelo convencional de dissertação (itens 5.1 e 5.2); e a segunda na forma de três

propostas de artigos (item 5.3). Tais artigos estão assim estruturados:

a) Artigo 1: “A saúde encontra Gramsci: caminho entre pedras”;

b) Artigo 2: “(De)formação econômico-social: por onde andou e por onde

anda a atenção pública em odontologia?”;

c) Artigo 3: “Trabalhadores-produtores: fortalecedores de um Estado que

os exclui”.

Concluindo, nesta ordem, este trabalho expõe seus aspectos conclusivos,

referências bibliográficas e apêndices.

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2 MARCO CONCEITUAL

2.1 Condições de trabalho

Tive ciência, ao iniciar esta pesquisa, da necessidade de delimitação sobre

aonde encontraria um grupo social responsável por obter bens a partir das rochas

ornamentais, isto é, trabalhadores exercendo suas atividades peculiares à produção

em seu próprio campo de trabalho. Solidariedade, igualdade, justiça social,

amorosidade e universalidade de direitos são alguns dos valores defendidos por mim

e pela Política Nacional de Promoção da Saúde (BRASIL, 2014) – e, tenho

consciência que o modelo econômico-social hegemônico posto não é capaz de fazer

valer estes princípios, pois possui imagem-objetivo diferente. Logo, eu partia da

compreensão de que, em se tratando de solo capitalista eu encontraria, muito

possivelmente, grupos de trabalhadores que pouco exercem o poder de tomada de

decisões, uma vez que nesse modo de produção não há estímulo para o exercício de

tal poder, mas, sim, uma relação de subalternidade entre alguns trabalhadores em

relação a outros do mesmo ciclo econômico.

Permanecendo um determinado grupo como detentor das máquinas e das

terras (ou a concessão do Estado para exploração das terras), o resultado é a criação

de uma massa de trabalhadores que não são agraciados com estas condições e que,

para poder exercer o ofício de interação com as rochas acabam tendo que vender sua

força de trabalho, ocorrendo pouco ou nenhum poder de decisão ao grupo não-

detentor. No caso deste grupo social, que tem as rochas como objeto a ser extraído

da natureza, essa divisão de classes proporciona uma relação de subalternidade entre

os sujeitos que, conjuntamente, cooperam para produção dos bens sociais originados

a partir das rochas (MARX, 2016).

Questionando os ideais cristãos considerados arbitrários e passivos ao

sofrimento das massas, Gramsci enaltece as condições que o materialismo histórico

oferece como campo de estudo das sociedades e seu sistema produtivo hegemônico.

Os ditos intelectuais seriam, basicamente, os detentores dos meios de produção ou

aqueles que em seu exercício cotidiano dispendem pouco esforço do corpo. Já os

simplórios representam as grandes massas de populações excluídas do

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conhecimento teórico e não detentores dos meios de produção. A categoria de

unidade – a práxis –, situada entre o saber teórico e o saber prático, entre os

intelectuais e os simplórios, propõe oferecer condições para o irrompimento destes

humanos a uma condição para além do abismo do senso comum. Através dessa

combinação, criar-se-á sujeitos capazes de conduzir a própria vida e do coletivo em

que estão inseridos, calçando os caminhos para o progresso1, sem se desvencilhar

da premissa de que todos possuem os mesmos direitos, rompendo, assim, as

barreiras da subalternidade no trabalho.

Ao afirmar que “o homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma

clara consciência teórica desta sua ação, que, não obstante, é um conhecimento do

mundo na medida em que o transforma” (GRAMSCI, 1981, p. 20), percebe-se uma

preocupação coletiva, não somente com os intelectuais, mas com o cuidado em trazer

para a discussão o papel dos muitos trabalhadores e de suas forças que, dispendidas

sobre o objeto de trabalho, transformam a natureza em bens utilizados socialmente.

Compreendendo que todas as atividades que interagem com a natureza, na

intenção de produzir bens sociais são consideradas atividades intelectuais – sejam

quais forem – a “consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica

(isto é, consciência política)” se faz essencial para o despertar das massas, […] “é a

primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática

finalmente se unificam” (GRAMSCI, 1981, p. 21):

“[...] quando o subalterno se torna dirigente e responsável pela

atividade econômica de massa, o mecanicismo revela-se em

certo ponto um perigo iminente; opera-se, então, uma revisão de

todo o modo de pensar, já que ocorreu uma modificação no

modo de ser social. Os limites e o domínio da ‘força das coisas’

são restringidos. Por quê? Porque, no fundo, se o subalterno era

ontem uma coisa, hoje não mais o é: tornou-se uma pessoa

histórica, um protagonista” (GRAMSCI, 1981, p. 23-24).

Alcançada a noção de sujeito histórico com consciência ético-política, posto

1 Progresso no sentido de progresso real da civilização, aquele que se observa quando existe igualdade de oportunidades a todos os sujeitos participantes (GRAMSCI, 1981).

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num determinado espaço e tecendo relações com os outros e o ambiente, cria-se as

bases para que o subalterno passe à condição de dirigente por meio de sua plena

consciência como motor econômico da sociedade. A repetição e a prática sem teoria,

o produzir por produzir, faz com que o mecanicismo seja um modo antinatural de se

viver.

Tendo o homem em sua individualidade o conhecimento de que é parte de um

grupo social que altera e transforma a natureza, cabe a este grupo a tomada de

decisões por si próprio, rompendo a hierarquia ideológica gerada pela apropriação

excludente de grupos intelectuais sobre grupos de massas populares.

“Dir-se-á que o que cada indivíduo pode modificar é muito pouco,

com relação às suas forças. Isto é verdadeiro apenas até certo

ponto, já que o indivíduo pode associar-se com todos os que

querem a mesma modificação; e, se esta modificação é racional,

o indivíduo pode multiplicar-se por um elevado número de vezes,

obtendo uma modificação bem mais radical do que à primeira

vista parecia possível” (GRAMSCI, 1981, p. 40).

A leitura de Concepção Dialética da História (GRAMSCI, 1981) – tradução do

original italiano “Il Materialismo Storico e la filosofia di Benedetto Croce” – reforçou a

compreensão de que o gênero humano sobrevive e se reproduz pela sua capacidade

e interesse em criar relações históricas, sejam elas políticas, econômicas ou afetivas.

O advento destas relações faz com que se criem agrupamentos orientados por uma

vontade coletiva semelhante. Constituída uma sociedade que age na proteção de

todos os seus entes, aliada às elucidações que as atividades intelectuais racionais

proporcionam, forma-se um conjunto capaz de gerar produtos sem que existam

sujeitos subalternos no processo. A organização social em prol do bem comum pode

criar as bases para a formação de um bloco histórico que vise unir todos os seus

integrantes, obtendo uma modificação bem mais radical do que à primeira vista

parecia possível.

Perguntas anteriores, até mesmo relacionadas à origem das sociedades, se

fazem precisas diante da realidade dura e artificial imposta pela formação econômico-

social capitalista que vivemos. “O que é o homem? O que é a natureza humana?” Tais

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questões são pertinentes para iluminar o rumo que a sociedade humana percorre para

alcançar as suas vontades, como bem-estar coletivo e o conforto de uma vida digna.

Posto que “o homem é também o conjunto das suas condições de vida”, pode-se

considerar o progresso real da civilização ao se observar a existência de igualdade de

oportunidades a todos os sujeitos participantes, conforme apontado anteriormente.

Sendo assim, nunca é demais afirmar que “o homem é essencialmente ‘político’, já

que a atividade para transformar e dirigir conscientemente os homens realiza a sua

‘humanidade’, a sua ‘natureza humana’” (GRAMSCI, 1981, p. 47-48).

Devida à ênfase dada para a separação entre corpo e mente, isto é, entre

atividade prática e atividade intelectual, Gramsci classifica os humanos como

“superiores”. Mas não superior no sentido de dominação; pelo contrário, pois ela é

dialética, mas, sim, tendo em vista a capacidade humana de se diferenciar das outras

espécies por “saber” interagir com a natureza a fim de produzir bens sociais. À

exemplo disto, tem-se espécies com grande força física se comparada à humana,

como alguns extintos ursos que – apesar de morarem em cavernas e interagirem com

a pedra como moradia – eles não se equivaliam à capacidade humana, já que não

detêm a capacidade de tratar a pedra.

A ciência parece desconhecer um urso deste que tenha realizado calçamentos

de passeios púbicos com pedra recortadas. Ursos não detêm/não detinham a

consciência capaz de atribuir valor mercantil ao produto, característica humana. Por

isso, é frequente a dualidade apresentada pelo autor, entre tarefas do corpo e tarefas

da “consciência peculiar humana”, como escrito em “...viver significa ocupar-se

principalmente com a atividade prática econômica” como sendo referente ao corpo

(físico, por assim dizer) e “filosofar, ocupar-se com atividades intelectuais de otium

litteratum” como sendo o segundo lado da dualidade, este relacionado com a

especificidade humana da consciência sobre as coisas materiais. E completa:

“Todavia, existem os que apenas ‘vivem’, obrigados a um trabalho servil e extenuante,

sem os quais determinadas pessoas não poderiam ter a possibilidade de se

exonerarem da atividade econômica para filosofar” (GRAMSCI, 1981, p. 50).

O trecho a seguir refere-se ao estudo do ciclo produtivo das atividades com

pedra. Os campos de trabalho, as ditas pedreiras, seja qual for a técnica de extração

de pedra (fio diamantado, explosivos, e etc.), necessitam de trabalhadores aptos à

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avaliarem as direções por onde se deve cortar. Portanto, “[na] realidade, em qualquer

oficina, para certas operações industriais de precisão, existem especialistas

individuais, cuja capacidade se baseia precisamente na extrema sensibilidade da

vista, do tato, da rapidez do gesto” (GRAMSCI, 1981, p. 67).

Condições de trabalho que impactam diretamente na vida das pessoas. Lesões

por esforço repetitivo e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho “eram e

são a expressão da organização do trabalho a serviço do mercado” que, não obstante,

influenciam o cotidiano da dinâmica social, resultando no “detrimento da saúde e vida

dos trabalhadores” (MAENO e DO CARMO, 2005, p. 132).

E diante de tais forças externas que se materializam no trabalho, exige-se a

reação por parte dos trabalhadores, principalmente no que tange à capacidade de

organização. Pois, “quanto mais a classe operária contar com organizações próprias”,

que possam defendê-la verdadeiramente, “tanto maior será o número como o grau de

universalismo dos benefícios” (LAURELL, 1995, p. 156).

Apesar da vida moderna que se desfruta no contemporâneo, os ambientes de

trabalho, historicamente, desenvolveram-se sem levar em conta a integralidade das

pessoas, diminuindo-as em meras peças de produção. Isso pode ser visto na

“extensão do maquinismo e da divisão do trabalho”, onde a atividade laboral criadora

perde autonomia e “todo o atrativo para o operário”, rebaixando-o a “simples acessório

da máquina” (MARX e ENGELS, 2014, p. 35).

2.2 Sobre a teoria do valor

O desenvolvimento estrutural civilizatório pode ser visto como a interação entre

dois elementos básicos: a matéria presente na natureza e a intervenção humana

(trabalho). Integram esse desenvolvimento a construção de casas, prédios,

monumentos, instrumentos de trabalho, portos, aeroportos e espaços de circulação

pública como ruas, avenidas e pontes. Construções estas dependentes da matéria

presente na natureza, como: madeira das árvores, pedras das rochas, argila do barro,

água dos rios e etc. Mas não somente. Fundamental para a transformação da matéria

bruta é o trabalho concreto humano criador de valor. Não à toa o médico inglês William

Petty, no século XVII, afirma que se “o trabalho é o pai”, “a mãe é a Terra” (MARX,

2016, p. 65).

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Desde Aristóteles já há demonstrações humanas de interesse nas questões

que rodeiam o tema valor. Valor aqui que não deve ser confundido como “princípio”,

“moral”. Valor este que mais se aproxima daquele que “é a expressão contingente do

valor”, ou seja, o preço (KANGUSSU, 2015, p. 223).

Mas quem de fato consegue, passados vinte e quatro séculos do mundo grego,

com substância aprofundar a teoria do valor vem da Alemanha. Após o lançamento

em 1867 da obra Das Kapital: Kritik der politischen Okonomie (1867), “N. Sieber,

professor de economia política da Universidade de Kiev” aponta em seu livro de 1871

que a teoria do valor ali contida, “nos seus traços fundamentais”, é “uma continuação

necessária da teoria de [Adam] Smith e [David] Ricardo”, autores da escola clássica

econômica (MARX, 2016, p. 25).

Pode-se bem continuar produzindo os mais diferentes e possíveis produtos

sem que eles sejam trocados. Se um produtor de blocos de paralelepípedos quiser

usá-los unicamente para uso próprio, calçando um trilho em seu quintal, tais produtos

possuem valor de uso, acontecendo quando a “utilidade de uma coisa transforma essa

coisa num valor-de-uso” (MARX, 2016, p. 58). E não possuem valor de troca. Ou seja,

o trabalho concreto de cortar pedras produz valores de uso blocos de paralelepípedos.

Assim, é “difícil pensar em um produto que não tenha valor de uso e possua valor de

troca, já que nenhum produtor desejará comprar”. Pode-se também observar a teoria

do valor nas ferramentas do cortador de pedras. Cunhas e escopos, se eu mesmo os

fiz para “satisfazer necessidades” próprias, eles não serão levados ao “mercado para

a troca”; portanto, não serão “elementos constitutivos de uma economia mercantil”

(CARCANHOLO, 1998, p. 18).

Agora, tendo mil paralelepípedos, se desejar trocá-los por outras mercadorias

diferentes, atribuo valor de troca, pois o valor de uso a mim não existe. Desse modo,

alienando, ou negando, o valor de uso da mercadoria mil paralelepípedos no objetivo

de adquirir mercadoria distinta daquela produzida. Nessa relação social presente na

troca, uma dúvida: como definir o valor de mil paralelepípedos perante outra(s)

mercadoria(s)? Na intenção de facilitar esse problema, surge o dinheiro, que atua

como “validador social das mercadorias ou dos trabalhos que as produziram”

(MOLLO, 2013, p. 51).

Não somente as rochas ou qualquer outro mineral podem servir de meio para

que a humanidade realize relações sociais de troca. Ela própria, a humanidade, é uma

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mercadoria. Sendo também natureza, um ser humano e sua força de trabalho

possuem valor de troca. Ao cortador de pedras, numa sociedade de proprietários e

não-proprietários, caso queira produzir valor de uso, terá que “ter” as pedras, pois elas

são o seu “objeto de trabalho”, ou seja, “todas as coisas que o trabalho apenas separa

de sua conexão imediata com seu meio natural”, provido pela natureza (MARX, 2016,

p. 211).

Não possuindo as rochas (“objeto de trabalho”), mesmo que possua os

explosivos, cunhas, cinzéis, marreta e demais, seu “instrumental de trabalho”, aliado

ao seu conhecimento técnico-científico para uma “atividade adequada a um fim, isto

é, o próprio trabalho”, não terá como produzir valor. Esses elementos fazem parte do

“processo de trabalho” que, incompleto na ausência das rochas, não se faz (MARX,

2016, p. 211).

Um produtor de pedras que não possui os meios (instrumental + objeto de

trabalho) lança-se ele próprio como uma mercadoria, pois possui sua força de

trabalho, “vendida como mercadoria pelo seu próprio possuidor, a pessoa”. Um dono

de pedreira que compra essa força de trabalho, nos tempos atuais, deve realizá-la por

tempo determinado. Caso a pessoa que vendeu a força de trabalho a faça ad infinitum,

“de uma vez por todas, vender-se-á si mesmo, transformar-se-á de homem livre em

escravo” (MARX, 2016, p. 198). No caso Camboriú, SC, o artesanato mineral inicia no

século XX, não muito após a abolição da escravatura (1888).

Postas as mercadorias no mercado – sejam elas pedras ou força de trabalho –

qual grandeza há em comum para medi-las? Visto que toda mercadoria produzida ou

consumida é a cristalização de um esforço, o “valor da força de trabalho é

determinado, como o de qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho

necessário à sua produção” (MARX, 2016, p. 200). Tal compreensão nos faz

estabelecer também que, no mercado das relações sociais de troca, “todos somos

simplesmente vendedores de mercadorias, seja ela a própria força de trabalho”, ou

paralelepípedos de pedra (JAPPE, 2007, p. 175).

Uma relação social justa, que seja, já nos alerta Walter Benjamin, para que se

possa falar em “igualdade e liberdade”. Situação não vista nas sociedades capitalistas

pela presença da mais-valia, entendida a grosso modo onde o fragmento excedente

de “trabalho é extorquido” dos produtores, do operariado, e concentrado em mãos e

bolsos capitalistas. Sua taxa é “a expressão exata do grau de exploração da força de

trabalho pelo capital ou do operário pelo capitalista” (MARX, 2016, p. 254).

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Para concluir este subtópico, apresento uma citação direta que elucida o

caráter íntimo da produção capitalista:

“[...] feito pela descoberta da mais-valia. Provou-se que a

apropriação do trabalho não pago era a forma fundamental da

produção capitalista e da exploração dos operários que dela

participam; que o capitalista, mesmo pagando a força de

trabalho do operário pelo valor real que, como mercadoria, tem

no mercado, não obstante dela extrai mais valor do que deu para

adquiri-la; e que essa mais-valia constitui, afinal, a soma dos

valores de onde provém a massa do capital sempre crescente,

acumulada nas mãos das classes possuidoras” (ENGELS, 2011,

p. 75).

2.3 O capitalismo financeiro sobre os financiamentos do Estado

E não somente pela mais-valia que os trabalhadores não-detentores dos meios

de produção se veem usurpados diante dos produtos por eles produzidos em seu

processo de trabalho. Com os avanços do capitalismo pelo globo, principalmente a

partir dos anos de 1980, a comunidade mundial trabalhadora se vê diante do

“ressurgimento do capital produtor de juros”, passando a “determinar as relações

econômicas e sociais do capitalismo contemporâneo”. Essa modalidade de

capitalismo ora reinante em nossa sociedade “busca fazer dinheiro sem sair da esfera

financeira”, através de dividendos, juros e “posse de ações e de lucros nascidos da

especulação bem-sucedida” (MENDES e MARQUES, 2009, p. 843). Sufocadas “pela

dominação financeira” global, empresas capitalistas nacionais que produzem bens e

pedras ou outras mercadorias, passam a intentar diminuir cada vez mais o “custo da

força de trabalho”, artimanha fundamental, “tendo em vista a força do capital portador

de juros ao retirar o excedente criado na produção” (MENDES e MARQUES, 2009, p.

844). Consequentemente, pela mais-valia cotidiana aliada à produção de juros e

rendas na “nuvem” financeira, “o trabalhador produz não para si, mas para o capital”

(MENDES, 2014, p. 1.187), marcas básicas “do capitalismo contemporâneo

financeirizado” (MENDES, 2014, p. 1.194).

Com o advento das ondas financeiras, os trabalhadores mundiais não são os

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únicos a sentirem a força expropriante do agitado mar capitalista. Os Estados

nacionais, também, e o caso brasileiro não é diferente.

Historiadores, não sem muita controvérsia, remontam o surgimento do Estado

moderno para meados do século XVI, enquanto outras correntes apontam para o

século XIV ou até mesmo XVI. Até então, na Idade Média (século V ao XV) a

“monarquia era absoluta” (FLORENZANO, 2007, p. 19). Uma contribuição de

Florenzano indica que pode-se considerar como “primeiro Estado moderno do mundo”

aquele nascido na Itália, mais especificamente “na história de Florença”, sendo para

Jacob Burckhardt “a primeira a apresentar por completo uma porção significativa do

moderno aparelho estatal” (FLORENZANO, 2007, p. 24).

Avançando o relógio do tempo e viajando para terras sul-americanas, toma-se

o Estado Brasileiro e seu aparelho estatal. Desde a invasão portuguesa, a

Independência à Coroa (1822), a Proclamação da República (1889) e a formulação

da atual carta magna reinante (Constituição Cidadã de 1988), diversas

transformações puderam ser vistas na organização da sociedade brasileira,

atravessadas pela globalização do sistema econômico dominante, o capitalismo e sua

face financeira (LAVINAS, 2017).

De modo contextualizado, a questão que se fez latente foi: de que maneira o

Estado brasileiro obtém recursos para sua operação e reprodução?

O atual modelo de financiamento do Estado brasileiro “é constituído da

arrecadação tributária, dos empréstimos compulsórios e da dívida pública”

(RICARDO, 2009, p. 106). Destes três itens, inicio primeiro pelo último: a dívida

pública.

“A dívida pública é formada pelos empréstimos contraídos pelo

Estado, tanto no mercado interno quanto externo, para financiar

parte de suas despesas. Na prática, é a soma das dívidas

externa (feita em moeda estrangeira) e interna (em real).

Segundo o Tesouro Nacional, nela está incluída o chamado

refinanciamento ou “rolagem” - quando são feitos novos

empréstimos para pagar os antigos” (RADIS, 2016, p. 14).

Em vistas do exposto, ocorre um alto esforço dos governos brasileiros,

diminuindo gastos públicos e aumentando a arrecadação, gerando “superávit primário

das contas públicas para honrar os compromissos da dívida” (RICARDO, 2009, p.

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106). Porém, apesar do “esforço”, o que se vê é um aumento gradual da dívida pública,

extraindo montantes cada vez maiores dos recursos provenientes da produção

interna, acelerando “a sua trajetória de alta, passando de aproximadamente 56,0%

do” Produto Interno Bruto (PIB) no final de 2014, “para 70,0% no mesmo período de

2016” (FAGNANI, 2016, p. 13). Assim, verifica-se que para “assegurar uma escala de

superávit primário, condizente com as exigências do mundo das finanças e com os

interesses das classes dominantes” (MENDES, 2015, p. 8), o Estado brasileiro opta

por destinar fatias consideráveis de seus recursos – gerados pelos trabalhadores de

todos os Brasis, do cortador de pedras ao cirurgião-dentista – ao pagamento de juros

da dívida.

Nesse emaranhado econômico, que resulta por sugar recursos valiosos, a

arrecadação tributária torna-se principal fonte de “financiamento do SUS” (UGÁ e

SANTOS, 2006, p. 1607) e da máquina pública, na qual os tributos expressam “o

volume de recursos, que o Estado extrai da sociedade para financiar suas atividades”

(RICARDO, 2009, p. 107). Desse modo, a receita do Estado brasileiro, dentre outras

especificações, “é a expressão monetária resultante do poder de tributar [...] bens e/ou

serviços da entidade, validada pelo mercado em um determinado período de tempo”.

Extraída dos Princípios Fundamentais de Contabilidade, entende-se a palavra “bem”

e/ou “bens” “em sentido amplo, incluindo toda sorte de mercadorias, [...] inclusive

equipamentos e imóveis” (BRASIL, 2004, p. 12).

E essa “receita” do Estado brasileiro pode, de certa forma, ser aplicada para

entender como as demais nações adquirem seus recursos e riquezas. No plano

mundial, nações se “associam” para ditar as regras do jogo da vida em sociedade dita

globalizada, ocorrendo a existência de instituições de “associativismo” entre Estados,

como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Organização das

Nações Unidas (ONU), Organização Mundial do Comércio (OMC). Sobre estas, o

autor uruguaio Eduardo Galeano (2006), em seu livro O teatro do bem e do mal já nos

alertava sobre a força destes órgãos. Apesar de serem compostos por diversos países

do mundo, o controle financeiro e das decisões cabem a poucos países, que, assim

sendo, exercem determinada hegemonia perante os que não podem decidir.

Pode-se concluir, então, que a criação de mercadorias advindas da natureza

transformada pela ação humana do trabalho – como os paralelepípedos de pedra –

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equivale à obtenção dos recursos que propiciam a operação e reprodução do Estado

brasileiro (e de também outros estados nacionais). Afinal, não se pode tributar as

rochas de granito intactas das montanhas camboriuenses, não é mesmo? De tal modo

que os broqueiros e demais trabalhadores envolvidos na arte de produzir bens em

pedra constituem-se como fortalecedores do Estado nacional.

2.4 O conceito de formação econômico-social

“O termo Ökonomische Gesellschaftsformation – literalmente

“formação econômica da sociedade”, porém mais

frequentemente traduzido para o italiano, não sem certa

ambiguidade, como “formação econômico-social” – é pela

primeira vez utilizado nos escritos de Marx no prefácio de janeiro

de 1859 na Contribuição à Crítica da Economia Política”

(SERENI, 2013, p. 301)

Não à toa usa-se o termo formação, pois, assim, enfatiza-se e demonstra-se

que a categoria “formação econômico-social” do materialismo histórico é algo

dinâmico, uma ação, um processo em construção, contrariando o conceito de forma,

como algo já constituído. A palavra “formação” imprime movimento à categoria,

caracterizando-o como um processo histórico-material da sociedade. Do conjunto, o

“econômico” reflete a produção, oriunda do modelo produtivo do modo de produção

de bens de uma determinada sociedade e seus indivíduos constituintes. Assim,

entende-se que a formação da sociedade se dá, principalmente, em torno das

relações que determinado modo de produção é posto. A partir daí, dessas interações

da sociedade humana com a natureza local que surgem, por exemplo, a cultura e as

línguas. A existência de minerais em determinado ambiente não necessariamente se

transformará em produto a ser utilizado na melhoria da vida da sociedade caso o

homem não exerça a atividade do trabalho sobre os elementos da natureza, aqui, no

caso, a pedra bruta. Também é correto afirmar que, de nada adiantaria uma

comunidade possuir o conhecimento necessário para a transformação das rochas em

produtos sociais sem que existam, no ambiente, os depósitos de rochas.

“O materialismo proporcionou um critério perfeitamente objetivo

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por inteiro ao sublinhar as “relações de produção” como a

estrutura da sociedade e oferecendo a possibilidade de se

aplicar a essas relações o critério científico geral da repetição –

critério que, segundo os subjetivistas era inaplicável à

sociologia. Enquanto limitavam-se a relações sociais ideológicas

(ou seja, relações que, antes de se constituírem, passam pela

consciência dos homens), não poderiam encontrar a repetição e

a regularidade nos fenômenos sociais em distintos países, e sua

ciência era, na melhor das hipóteses, uma descrição desses

fenômenos, recopilando matéria-prima. A análise das relações

sociais (quer dizer, das estabelecidas sem a passagem pela

consciência humana: na troca de produtos, os seres humanos

estabelecem relações de produção, mesmo sem perceberem

que se trata de relações sociais de produção) permitiu a

observação da repetição e da regularidade e generalizar os

regimes dos distintos países em um só conceito fundamental: a

formação social. Apenas esta sua generalização permitiu passar

da descrição dos fenômenos sociais (e sua valorização do ponto

de vista ideal) a sua análise estritamente científica que clarifica,

por exemplo, aquilo que distingue um país capitalista de outro e

analisa o que há de comum em todos” (LENIN, 1894, p. 14 apud

SERENI, 2013, p. 317).

Portanto, os estudos acerca do materialismo histórico abriram novas

possibilidades de pesquisa e alavancou a sociologia no patamar de ciência, de

produção de conhecimento científico ao considerar as relações de produção como o

centro da formação de qualquer sociedade. O conhecimento científico até antes do

marxismo não foi capaz de descolar totalmente as questões ideológicas acerca dos

fenômenos sociais. Aliar os princípios econômicos, ou seja, da produção de bens

sociais, para tentar explicar as demais relações humanas permite que se discuta

materialmente o lugar de cada sujeito inserido na cadeia produtiva de sua

comunidade, entendendo esse processo de maneira real, material – não mais

recorrendo a doutrinas do senso comum ou ideologias astronômicas – possibilitando

a inserção da história nos estudos sociais, o que pode ser visto nos escritos a seguir:

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“[...] outra razão para que esta hipótese, pela primeira vez,

tornou possível uma sociologia científica, é que reduzindo as

relações sociais a relações de produção e estas últimas ao nível

de forças produtivas, foi atribuído uma sólida base para

considerar o desenvolvimento das formações sociais como um

processo histórico-natural. E subentende-se que, sem tal ponto

de vista, não pode haver consciência social. E Marx, depois de

expressar esta hipótese depois de 1840, iniciou o estudo dos

fatos materiais. Toma uma formação econômica da sociedade –

o sistema da economia de mercado – e sobre a base de uma

quantidade prodigiosa de dados (estudados por, pelo menos, 25

anos) fornece uma análise detalhada das leis de funcionamento

desta formação e de seu desenvolvimento. Esta análise trata

unicamente das relações de produção entre os membros da

sociedade: sem nunca recorrer, em suas explicações, a fatores

fora das relações de produção” (LENIN, 1894, p. 14 apud

SERENI, 2013, p. 318).

Entendendo a história que só é história a partir da ação do homem sobre

determinado objeto, ou seja, de sua interação direta com a natureza. Através da

consciência que tem, no intuito de melhorar sua vida e dos outros ao redor, produz-se

matéria concreta, transformada pelo trabalho exercido pelo homem, com a ajuda ou

não dos outros seres não humanos. Assim, opta-se por se descolar de teorias

idealistas e imprimir caráter materialista na formação e desenvolvimento das

sociedades. A depender de como essas relações de produção se fazem, haverá ou

não desigualdade social no acesso e posse do que é produzido coletivamente. A

exemplo, numa sociedade onde a formação econômico-social é capitalista e a

distribuição da terra (do chão, dos recursos naturais) se dá via propriedades privadas,

visando o lucro decorrente da mais-valia, resultará em sujeitos detentores dos meios

de produção e sujeitos não detentores. Cabe, àqueles que não possuem os meios

e/ou os instrumentos de produção, para que se possa sobreviver em sociedade e

interagir com a natureza através do trabalho, recorrer a venda da força de trabalho a

outro homem. Cria-se, assim, neste modelo, com o avançar da civilização, sujeitos

acumuladores de capital através da exploração de outros homens e “classes

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antagônicas (desta vez no contexto das relações de produção), a burguesia e o

proletariado” (LENIN, 1894, p. 14 apud SERENI, p. 318). Portanto, tem-se como

característica fundamental das relações de produção a livre regularidade sobre todos

os outros tipos de relações. Aqui, aprofunda-se a noção marxiana de formação

econômico-social como categoria central materialista da história, elucidando os

elementos constitutivos do modelo teórico da formação econômico-social.

Tendo posto que “em todas as formas de sociedade se encontra uma produção

determinada, superior a todas as demais, e cuja situação aponta sua posição e sua

influência sobre as outras” (MARX, 1982, p. 266); entendendo a economia, grosso

modo, como a atividade de produção de bens numa dita sociedade, as relações que

se dão a partir deste modo de produção nas sociedades capitalistas “é a produção da

mais-valia [...] objetivo direto e motivação determinante da produção” (MARX, 1982,

p. 607).

“Outra característica essencial do modelo marxista de formação

econômico-social é sua capacidade de periodização no sentido

historiográfico. Naturalmente, não no sentido de que o modelo

contenha assim mesmo uma determinada cronologia ou

calendário, mas também no sentido de que, localizada na

análise histórica (histórico-social) concreta, permite estabelecer

períodos ou épocas correspondentes” (LUPORINI e SERENI,

1973, p. 16-17).

Assim, a lei econômica fundamental continua, devido à “lei geral das formações

sociais” enunciada por Marx e indicada por Luporini e Sereni, o primeiro traço

constitutivo de todo modelo estrutural-genético da formação econômico-social.

Quanto ao segundo traço constitutivo de tal modelo é a contradição econômica e

social fundamental do modo de produção dominante e sua referida formação.

Portanto, na formação capitalista a contradição econômica fundamental é expressa

na contradição entre o caráter sempre mais social da produção e o caráter sempre

mais capitalista privado da detenção do produto, contraposição que, no plano social,

encontra sua expressão na contraposição de proletariado e burguesia. Nas

sociedades de classe a contradição econômica fundamental se expressa nas lutas

sociais de classe (SERENI, 2013, p. 301).

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2.5 Sociedade, mercadoria-açúcar e odontologia: extraindo alguns elementos

históricos

O calendário ocidental estabelece o nascimento de Jesus Cristo como marco

para a contagem dos anos, dividindo-os em antes de Cristo (a.C.) e depois de Cristo

(d.C.). Para relatar alguns aspectos historiográficos e filosóficos da odontologia, o

divisor de águas escolhido é a circulação e consumo em massa da mercadoria açúcar,

ocorrida entre os séculos XVIII e XIX (BENJAMIN, 2009). Antes, tece-se algumas

considerações sobre a pré-circulação mundial da mercadoria açúcar.

Mesmo antes de qualquer profissionalização de especialidades do trabalho,

como tem-se agora, a humanidade, para sua própria produção e reprodução da

espécie, interage com o meio (a natureza) e entre si (com as outras pessoas e consigo

mesmo). Tanto que em registros antigos, datados há mais de 5.000 anos, na

Mesopotâmia, é possível observar nas escrituras “uma menção do que seria o verme

responsável pela destruição da estrutura dentária, o gusano dentário”. Na velha

Grécia, já passados mais de vinte e cinco séculos, Hipócrates, “Pai da Medicina”,

descreveu, em seus estudos, aspectos relacionados à odontologia, “tais como a

doença cárie dentária, a má oclusão, os abscessos, entre outros.”. No Império

Romano, a arte dentária tem colaboração grega e egípcia, sendo de destaque a

importância da Lei das XII Tábuas, permitindo “o emprego do ouro em trabalhos

dentários” reabilitadores protéticos (SILVA e SALES-PERES, 2007, p. 8).

Historicamente, as pessoas que se aventuravam em intervir na boca lidavam

rotineiramente com questões estéticas, fabricando e comercializando dentes artificiais

para uma minoria abastada, afluente e consumista. Paralelamente às grandes

navegações do século XIV e XV, aos primeiros efeitos da globalização e intercâmbio

cultural e de mercadorias entre os continentes, a odontologia entra em sua era pré-

científica. Surgem publicações, manuscritos e experimentos de anatomistas

explorando questões odontológicas e sua relação com outras afecções. Nesse

contexto, a Europa é considerada o berço da odontologia, remontando os relatos do

século XVI (SILVA e SALES-PERES, 2007).

Como mencionado, o ser humano interage consigo mesmo. No entanto, não

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somente na Europa, evidentemente. A América recém invadida também possui suas

práticas históricas, “de caráter múltiplo e variado da experiência do mundo humano”

(BENJAMIN, 2009, p. 378), construídas socialmente. Um achado é um caso de 1549,

em que Hans Staden, capturado por tupinambás sofre de “fortes dores num dente”,

deixando-o abatido. Um habitante tupinambá - acriticamente denominado “índios das

Américas” por nossa cultura - trouxe um artefato de madeira e pretendia extrair o

dente. Não se sabe quem era nem o que segurava, mas provavelmente já havia

praticado na boca de outros daquela sociedade (PEREIRA, 2012).

Na medida em que os continentes do mundo e seus produtos foram se

‘espalhando’ entre si pelo comércio mundial, novas necessidades foram se

estabelecendo. Uma das primeiras mercadorias a se propagar mundo afora foi o

açúcar. Artigo de luxo, consumido até então pelas elites (aristocracia, ricos

comerciantes, indivíduos de posses) nos séculos XVII e XVIII (CARVALHO, 2006).

Não demorou muito para que este doce artigo começasse a frequentar as bocas e

corpos de diversos estratos sociais, configurando o açúcar como “a primeira

mercadoria de consumo de massas em escala planetária” (BENJAMIN, 2009, p. 18).

Toma-se o período histórico dos séculos XVIII e XIV como marco de grande

influência para o desenvolvimento da odontologia científica, pois não somente para

adoçar paladares intercontinentais e ampliar a riqueza dos comerciantes se

encarregou o açúcar, mas também para criar novas necessidades: os dentistas,

protetores da saúde e do cuidado odontológico. Assim, alteram-se as necessidades

da sociedade, pelo atravessamento do comércio, da formação econômico-social

predominante, das primeiras ondas de globalização pelas navegações, do açúcar e

da cárie, fazendo aumentar significativamente os praticantes da arte dentária e seu

rol de procedimentos, ofertando também os serviços de reposição dos dentes, e

inaugurando um rico, promissor (e agora vasto) comércio de ‘dentes artificiais’.

No contexto de pós-circulação mundial massiva da mercadoria açúcar, entram

em cena os denominados cirurgiões e/ou barbeiros. O vocábulo dentista foi verificado

pela primeira vez em 1739, no dicionário publicado pelo padre R. Bluteau, para

designar os praticantes e pesquisadores da arte dentária (PEREIRA, 2012).

Trabalhos históricos sobre o desenvolvimento da odontologia científica

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destacam a França e/ou os Estados Unidos como pioneiros (SILVA e SALES-PERES,

2007; WARMLING, 2002; CARVALHO, 2006; LUCIETTO et al, 2007).

O francês Pierre Fauchard e seu livro Le Chirugien Dentiste - Au Traité des

Dents, teriam inaugurado, no século XVIII, o período científico da odontologia10.

Botazzo, pesquisador brasileiro da área, é contra: “seu livro [o de Fauchuard] é apenas

um dos tantos que tomaram bocas e dentes como objeto”, sendo importante para a

cirurgia e como identidade na nascente corporação dos dentistas. O ‘embrião

corporativo’ da odontologia na França, para Botazzo, institui-se com a organização

em um curto período de tempo, de duas associações. Estas, reuniam os profissionais

praticantes da arte dentária na época: o Círculo de Dentistas de Paris e a Sociedade

Sindical de Arte Dentária, ambas de 1879 (WARMLING, 2002).

Nos Estados Unidos, a medicina científica, “através da ligação orgânica entre

o grande capital, a corporação médica e as universidades” (MENDES, 1986, p. 540),

torna o desenvolvimento da odontologia uma profissão autônoma e independente da

medicina, em meados do século XIX. Em paralelo com os avanços europeus, a

odontologia lá se estabelece como uma profissão moderna, aparecendo suas

primeiras organizações profissionais (CARVALHO, 2006). Como filha autônoma da

medicina estadunidense, a partir de 1910 a odontologia apreende também o

paradigma da mãe, denominado de odontologia científica ou odontologia flexneriana,

que se constitui dos seguintes elementos ideológicos: mecanicismo, biologismo,

individualismo, especialização, exclusão de práticas alternativas e tecnificação do ato

odontológico (MENDES, 1986).

Criticamente a este modelo de se fazer odontologia, o que irrompe nos EUA,

autores como Iyda (1998) argumentam que essa prática exclui da odontologia o que

nela há de essencial: sua humanidade e historicidade. Olhar a boca e seus problemas

vai além de tratá-la como uma mercadoria. Neste sentido, as estruturas dentárias não

são fenômenos naturais mas resultam de um processo da produção e reprodução dos

homens, de suas condições materiais e de sua inserção nesta produção e são,

portanto, socialmente investidos, apresentando-se diferentemente entre as classes e

categorias sociais (FIGUEIREDO, BRITO e BOTAZZO, 2003; VOIGT, 2016).

No Brasil da segunda metade do século XIX, ocorre a institucionalização dos

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cursos de Odontologia, anexos às faculdades de Medicina, pelo Decreto nº 9.311, de

25 de Outubro de 1884, denominada Reforma Saboia. O Dia do Cirurgião-Dentista no

Brasil é comemorado na data de 25 de Outubro fazendo alusão a este evento histórico

(SILVA e SALES-PERES, 2007; PEREIRA, 2012; VOIGT, 2016).

Adentrando o século XX, mais precisamente na década de 1930, a profissão

odontológica regulamenta-se com o estabelecimento de um sistema de licenciamento

profissional, adquirido por meio de credenciais educacionais (CARVALHO, 2003).

Ao contrário do que acontecia em outros tempos, como aqueles anteriores à

massificação do açúcar na sociedade, o advento da profissionalização/padronização

na execução dos serviços odontológicos num território - com proteção jurídico-legal -

criam profissionais legais para a área. Mas, também, os ilegais. Vê-se na história que

independentemente de haver ou não a criação de centros de formação e de

licenciamento, pessoas praticavam a arte dentária. Legalizando-a e não oferecendo

condições para que todos os que já praticavam viessem a se licenciar, o Estado

passou a excluir os que já praticavam, colocando na ilegalidade profissional aqueles

que não possuem as condições de ingresso em faculdades, centros de ensino,

conselhos e etc. Isso pode ter acontecido em vários lugares do mundo. No Brasil, esse

profissional não-habilitado é chamado de dentista-prático. Ou simplesmente de

práticos (CARVALHO, 2003).

Transcorridos quase cento e vinte anos desde o Decreto nº 9.311/1884, um

estudo desenvolvido no Brasil, em 2003, sinaliza que 43% dos municípios brasileiros

possuem um dentista prático. Esse dado estatístico pode variar bastante, visto que a

atividade prática é clandestina. O alto custo ainda presente nos serviços legalizados

contrastam com as remunerações das grandes massas da população brasileira,

fazendo com que parcelas de pessoas recorram aos práticos como forma de cuidado.

Apesar de serem mal vistos pela comunidade odontológica legalizada, os práticos

detêm credibilidade perante à população pelo trabalho que executam (CARVALHO,

2003).

De 1884 a 2010 contam-se cento e vinte seis (126) anos. Neste tempo histórico,

muitos dentistas foram formados pelas escolas brasileiras odontológicas. Alguns,

pode ser que nunca chegaram a praticar. Outros praticaram bastante. O tempo passa

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e leva consigo muitos velhos dentistas, assim como traz novos a cada ano. A

publicação de 2010 intitulada “Perfil atual e tendências do cirurgião-dentista

brasileiro”19 aponta para um Brasil em que há mais de duzentos e dezenove (219) mil

dentistas ativos. O autor e coautora deste texto têm o orgulho supremo de fazer parte

do maior “exército” de dentistas do mundo. Ao menos, quantitativamente. Um

“batalhão”, pertencente à sociedade civil brasileira, que corresponde de 15 a 20% da

população mundial de dentistas (VOIGT, 2016).

Apesar da satisfação em pertencer a um universo vasto e plural como o dos

dentistas brasileiros, ambos não cerram os lábios, tampouco silenciam diante de

dados epidemiológicos. Também de 2010 é a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal/SB,

inquérito epidemiológico realizado para obtenção de dados epidemiológicos

referentes à odontologia, chamada de SB Brasil/2010. Nela, o Ministério da Saúde

mostra que há 30 milhões de desdentados necessitando de prótese bi-maxilar.

Número que não tende a diminuir, visto que cerca de 27 milhões de brasileiros (de 15

a 19 anos) nunca foram ao dentista. Estes, no perigo de, quando alcançarem idades

sexagenárias, pulem da lista dos “sem acesso” para a dos “desdentados” (BRASIL,

2012).

Diante desse cenário, com alto número de dentistas e dados epidemiológicos

que sinalizam um débito social histórico por parte do Estado brasileiro quanto ao

direito a ter dentes, percebe-se que o problema não é quantidade, pois há de fato

“recurso” humano (COSTA et al, 2013). Uma questão é a desigualdade distributiva

injusta entre os mais variados Brasis, isto é, há locais com uma concentração

excessiva desses profissionais e, outros com uma falta significativa deles (SOUSA et

al, 2017). A maioria está nos centros urbanos (SANTANA, 2016). Por se aglomerarem,

os cirurgiões-dentistas têm-se deparado com a saturação do mercado de trabalho

(SALIBA et al, 2012). Outra questão é a ausência de uma formação odontológica

voltada para a epidemiologia real, para o conhecimento do real (PINHEIRO e NORO,

2016): um real desigual.

2.6 Estilos de pensamento em saúde

Em termos de desenvolvimento de fatos científicos, o que seria da ciência sem

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o homem? Ciência se faz individualmente ou coletivamente? Certos experimentos

podem ser vivenciados por um único ser que, através da observação e metodologia

de pesquisa, pode gerar um fenômeno científico individual, sempre incorporando

características de dado momento histórico em que este “pesquisador” se situa. Do

momento que esta experiência individual é compartilhada com um segundo sujeito,

há o início da formação de uma comunidade que se relaciona em torno deste saber

gerado, assim como identificado em:

“Fleck parte da suposição de que a teoria do conhecimento

individualista conduz apenas a uma concepção fictícia e

inadequada de conhecimento científico. A ciência consiste em

algo organizado por pessoas de modo cooperativo; assim, deve

ser considerada, em primeiro lugar, a estrutura sociológica e as

convicções que unem os cientistas, para além das convicções

empíricas e especulativas dos indivíduos” (FLECK, 2010, p. 15).

O retrato acima parte do pressuposto que comunidades científicas se unem a

partir de concepções de mundo, ou seja, a imagem-objetivo de mundo dos

pesquisadores que compõem um mesmo coletivo de pensamento acabam sendo

semelhantes, pois é isto que os aproxima. As convicções especulativas oriundas das

metodologias de pesquisa utilizadas de um certo coletivo de pensamento nada mais

são que confluências entre os sujeitos portadores de concepções de mundo

semelhantes. Pode-se pensar, também, que o que leva sujeitos a integrarem coletivos

de pensamento X ou Y é determinado pela concepção de mundo e formação

econômico-social que seus integrantes carregam previamente ao estudo de

problemas sociais estudados pelos coletivos X ou Y.

Trazendo para o campo da saúde, atualmente, dentre outros, cito modelos

científicos que buscam explicar o que leva homens e mulheres (seja individualmente

ou coletivamente) a desenvolverem o processo de saúde ou de doença.

“Apesar de consistir em indivíduos, o coletivo de pensamento

não é a simples soma deles. O indivíduo nunca, ou quase nunca,

está consciente do estilo de pensamento que, quase sempre,

exerce uma força coercitiva em seu pensamento e contra a qual

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40

qualquer contradição é simplesmente impensável” (FLECK,

2010, p. 84).

Assim, pode-se afirmar que cada período histórico possui o seu próprio e

característico pensamento hegemônico, aquele que persiste em tentar explicar e dar

conta dos problemas que advém de seu campo. No caso da saúde, o pensamento

hegemônico visto em nossa sociedade faz referência ao coletivo de pensamento que

tem a determinação biológica atrelada a fatores ambientais como modelo explicativo

para vida (seja na saúde ou na doença) das pessoas e seus grupos sociais.

“Fazendo parte de uma comunidade, o estilo coletivo de

pensamento passa por um fortalecimento social comum a todas

as formações sociais e é submetido a um desenvolvimento

através de gerações. Transforma-se em coação para os

indivíduos, definindo “o que não pode ser pensado de outra

maneira”, fazendo com que épocas inteiras vivam sob a coerção

de um determinado pensamento, queimando aqueles que

pensam diferente, que não participam da atmosfera (Stimmung)

coletiva e que são considerados pelo coletivo como criminosos,

a não ser que uma outra predisposição não gere um outro estilo

de pensamento e um outro sistema de valores” (FLECK, 2010,

p. 150).

Na função de tentar responder ao maior número de problemas da sociedade e

na medida em que a comunidade científica sente-se segura para, num dado

desenvolvimento histórico, oferecer soluções frente os impasses coletivos é que

determinado coletivo de pensamento tornar-se-á hegemônico. Porém, a partir do

momento que esta hegemonia não é capaz de abraçar a todos os sujeitos afetados,

cria-se condições para que determinados estilos de pensamento, antes considerados

criminosos, passem a adentrar as pautas coletivas.

Entendendo o modelo explicativo do processo saúde-doença reinante em

nossa sociedade como impedido de superar e incorporar os conhecimentos

pregressos, há de se encontrar “novas” maneiras de se construir o conhecimento.

Antes ainda, deve-se considerar que o paradigma atual é apenas um

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desmembramento de um conhecimento anterior, no caso, a determinação biológica

surge após o modelo explicativo da determinação social do século XIX. Assim, torna-

se incongruente conceber o modelo hegemônico atual, pois o mesmo é incapaz de

incorporar o conhecimento anterior.

2.7 Perspectiva historiográfica da determinação social em saúde e doença

O modo como nossa vida em sociedade se faz e, por assim dizer, nossas

ligações com outros membros da espécie humana; as interações com os outros

animais (sejam eles domésticos ou selvagens); a apropriação de elementos minerais

e vegetais da natureza na fabricação de máquinas e, por consequência, a criação de

produtos e bens socialmente compartilhados; ou seja, o conjunto de nossas

experiências nesse mundo dos homens, é capaz de determinar o estado de saúde ou

doença da civilização?

Concebendo o trabalho – que advém da relação entre homem e natureza –

como produtor de tecnologias que visem a melhoria da vida coletiva e entendendo que

todos os trabalhadores, estejam eles no oriente ou no ocidente, sejam dignos dos

direitos humanos básicos, como não considerar a importância que o trabalho emana

na vida dos trabalhadores?

Tal pensamento preocupa pesquisadores desde muito antes deste segundo

milênio. Bernardino Ramazzini, célebre médico italiano, no ano de 1700, elabora a

primeira classificação e sistematização das doenças dos trabalhadores, na

perspectiva da integralidade. Sua obra “De Morbis Artificum Diatriba” é considerada

por autores nacionais e internacionais como um marco na análise e ordenamento das

enfermidades do trabalho (ARAÚJO-ALVAREZ e TRUJILLO-FERRARA, 2002). No

ano 2000, através do Ministério do Trabalho e Emprego, o livro ganha uma nova

edição, em português, na comemoração aos 300 anos do lançamento da 1ª edição

original.

“Narrarei, agora, a história que me forneceu a primeira ideia e a

ocasião para escrever este tratado ‘das doenças dos artífices’.

Nesta cidade que, por sua extensão, é bastante populosa e tem

as suas casas apinhadas e muito altas, é costume esvaziar de

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três em três anos as cloacas de cada uma das casas que se

estendem pelas ruas, e como tal trabalho se fizesse em minha

casa, observei que um dos operários, naquele antro de Caronte,

trabalhava açodadamente, ansioso por terminar; apiedado de

seu labor tão impróprio, interroguei-o por que trabalhava tão

afanosamente e não agia com menos pressa, para que não se

cansasse demasiadamente, com o excessivo esforço. Então, o

miserável, levantando a vista e olhando-me desse antro,

respondeu: ‘Ninguém que não tenha experimentado poderá

imaginar quanto custaria permanecer neste lugar por mais de

quatro horas, pois ficaria cego’” (RAMAZZINI, 2000, p. 76).

A exposição ao perigo iminente, causado por determinadas tarefas humanas,

acaba por resultar em sofrimento e, por vezes, a própria morte de trabalhadores em

razão do “progresso” das diferentes nações mundo afora, enriquecendo príncipes e

comerciantes e originando confortos ao coletivo humano.

“Em razão do meu plano de percorrer oficinas de artífices (pelo

desejo de aperfeiçoar minha tarefa com a correta averiguação

das causas ocasionais das doenças que afligem os operários),

compeliu-me também o desejo, que se apossou de minha

mente, de relatar aqui as advertências a mim feitas nas olarias,

a respeito do artifício mecânico de vitrificar louças de barro, cujo

artifício antiquíssimo, com base na extração bastante rudimentar

da terra é sumamente necessário. Se não conhecêssemos a

maneira de vitrificar vasos de argila, teríamos que gastar muito

dinheiro com recipientes de estanho e cobre para cozinhas e

refeitórios” (RAMAZZINI, 2000, p. 48).

Assim, o bendito “crescimento” e expansão das comodidades à vida humana

se dão à custas do suor, sangue e vida de trabalhadores. Quais caminhos a

humanidade percorreu e percorre para seu desenvolvimento na produção de bens

materiais? Abaixo, percebe-se outra atividade econômica que tanto destrói a

dignidade dos sujeitos nela inseridos.

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“Seminus, até em pleno inverno, ao fabricarem vasos de vidro,

os operários permanecem junto aos fumegantes fornos; forçoso

é que se prejudique a acuidade da visão ao dirigi-la

constantemente para as chamas ou o vidro em fusão. Os olhos

suportam o primeiro ímpeto incandescente, mas logo depois

choram seu infortúnio, ficam lacrimejantes, debilita-se sua

natural constituição que é aquosa, consumida e esgotada pelo

excessivo calor. Por isso experimentam uma sede insaciável

que os incita, de ordinário, a tomar vinho, que o bebem

imoderadamente, e com maior prazer do que a água, pois julgam

a água mais nociva que o vinho para quem se esquenta

demasiadamente, seja qual for a causa, e recordam casos

frequentes de insolações em indivíduos que morreram

subitamente por terem tomado bebida fria” (RAMAZZINI, 2000,

p. 53-54).

Pouco mais adiante na história, encontra-se a obra de Friedrich Engels, datada

a primeira edição em 1845, aonde o autor caracteriza a realidade da população

trabalhadora. O livro “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra” (do original

alemão Die Lage der Arbeitenden Klasse in England) retrata as atividades executadas

na época, período em que eclodia A Revolução Industrial no referido país.

“Adquirindo importância ao converter instrumentos em máquinas

e oficinas em fábricas, a nova indústria transformou a classe

média trabalhadora em proletariado e os grandes negociantes

em industriais; assim como a pequena classe média foi

eliminada e a população foi reduzida à contraposição entre

operários e capitalistas, o mesmo ocorreu fora do setor industrial

em sentido estrito, no artesanato e no comércio” (ENGELS,

2015, p. 59-60).

As modificações percebidas nas classes trabalhadoras, advindas da Revolução

Industrial, perpetuam a condição de subalternidade em que o trabalhador é forçado,

impedindo o livre exercício equilibrado das células do corpo, causando efeitos não

naturais e deletérios a estes sujeitos que, na profunda realidade, sem eles, a força

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das máquinas inventadas pelos industriais pouco poderiam produzir.

“Cabe-me demonstrar que na Inglaterra a sociedade comete, a

cada dia e a cada hora, o que a imprensa operária designa, a

justo título, como assassinato social; que ela pôs os operários

numa situação tal que não podem conservar a saúde nem viver

muito tempo; que ela, pouco a pouco, debilita a vida desses

operários, levando-os ao túmulo prematuramente” (ENGELS,

2015, p. 136).

Seguindo as linhas deixadas por Engels e em semelhante período histórico

(início da segunda metade do século XIX), o médico prussiano Rudolf Virchow,

considerado o “pai da medicina social” (WESTPHAL, 2009, p. 637), relata em seus

escritos as precariedades em que os trabalhadores se encontram e a culpa que os

dirigentes industriais se negam em reverter. Virchow, além de seus livros sobre

Patologia Celular, editou a revista “A Reforma Médica” na qual propunha, pela primeira

vez, que o Estado deveria dar assistência universal às massas trabalhadoras e

produtoras dos bens sociais. Impulsionado por seu espírito político, Virchow resolve,

em março de 1848, adentrar-se na Alta Silésia para investigar a epidemia de febre

tifóide pela qual a região foi acometida.

“Em seus boletins ao governo, ele analisa, paralelamente aos

aspectos médicos, os aspectos sociológicos e epidemiológicos

da doença. Em consequência disto, recomenda, junto com as

medidas sanitárias, uma democracia plena e soberana, assim

como uma formação geral voltada para aquelas que seriam suas

filhas: a liberdade e o bem-estar. (...) Em um artigo de 1848, ele

escreve: epidemias assemelham-se a grandes placas de

advertência nas quais os homens do Estado podem ler com

grande clareza as disfunções que ocorrem no curso de

desenvolvimento de seu povo, algo que mesmo um político

displicente não deveria deixar de perceber“ (SCHIPPERGES,

2010, p. 23-24).

Assim, Virchow dedica-se aos trabalhos em defesa de uma saúde pública para

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todos, considerando elementos como moradia, alimentação, vestuário e emprego na

composição de direitos básicos para a conservação e manutenção do estado de

saúde das populações.

“As condições sanitárias de Berlim eram, em torno de 1870, mais

do que miseráveis. Uma cidade com quase 1 milhão de

habitantes não tinha nem uma central de abastecimento de água

nem um sistema de esgotos. Somente um quarto das

residências possuía vasos sanitários. Escoadouros e dejetórios

dominavam o cenário urbano. As sarjetas com lixo doméstico ou

industrial desembocavam nos canais da cidade ou no rio Spree”

(SCHIPPERGES, 2010, p. 35).

Questões sobre a assistência em saúde pública que englobassem a toda a

população foram os alvos de Virchow perante as calamidades em que as cidades se

encontravam, pois, sem que se pensasse nisso, pouco poderia ser feito para alterar a

realidade e oferecer condições para a valorização da vida humana. Portanto, no

período histórico retratado, percebo as preocupações de ordem social com as quais

os produtores de saúde expuseram ao visitarem locais de aglomerado humano:

oficinas, fábricas, ruas, minas, florestas e etc. Esta compreensão também é apontada

por Salomon Neumann, em 1847, um ano antes do estudo de Virchow:

“Em seu muito citado escrito programático ‘A assistência pública

de saúde e a propriedade privada’ (1847), Salomon Neumann

afirma que ‘as causas da maior parte das doenças não estão

localizadas nas relações naturais, mas nas sociais’. Daí a

conhecida declaração, tornada famosa no seguinte postulado: ‘a

ciência médica é em seu núcleo e sua essência uma ciência

social, e enquanto não for para ela defendido esse significado

na realidade, não vamos saborear os seus frutos, mas teremos

de nos contentar com sua casca, com a sua aparência. A

natureza social da ciência médica se coloca hoje acima de

qualquer dúvida’” (SCHIPPERGES, 2010, p. 97).

Agregando os ensinamentos de Virchow e seu círculo de pensadores, o

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governo russo, originado pela Revolução Russa, em 1917, baseia-se, dentre outros

marcos teóricos, para elaborar suas políticas públicas em saúde, caracterizada como

pertencente ao movimento de medicina social ocorrido na transição do século XIX

para o século XX (COELHO, 1998).

A Revolução Russa de 1917 institui o primeiro regime socialista da história, e

com isso há a pressão comunista sobre o sistema capitalista, o que virá a proporcionar

benefícios no campo da saúde pública, visto que o socialismo não é um sistema

desigual como o capitalismo em sua concepção teórica, e visa o bem-estar de todos,

e não somente das elites dominantes (VILAS BOAS e MAZETTO, 2012, p. 6;

COELHO, 1998). Segundo Bahro (1980) existiam no país três formações econômico-

sociais que conviviam entre si: a asiática (aldeia), a feudal e a capitalista moderna

(nova e frágil). Enquanto Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos viviam um

capitalismo desenvolvido a Rússia instalou um modelo que centrava sua produção

nas suas necessidades de defesa como um meio de fazer frente à competição com

as potências ocidentais. Com um capitalismo incipiente, o país era considerado por

Lenin o “elo mais fraco da cadeia capitalista” (LENIN, 1983 apud RODRIGUES, 2006,

p. 24). Seu proletariado era jovem e não tinha uma identidade operária: parte da

identidade era operária, parte camponesa.

No Brasil, a Revolta da Vacina, em 1904, marca a organização popular –

operários, estudantes, comerciantes, e etc. - na luta por direitos e condições de vida

dignas para as classes mais pobres, reivindicando a assistência à saúde e melhorias

na situação dos espaços públicos, sendo os integrantes do movimento contrários as

políticas de demolição das casas e dos cortiços e a expulsão dos moradores de suas

residências, prática que possuía como principal ensejo ocultar a miséria e a

insalubridade típicas ao Rio de Janeiro do início do século XX (PORTO, 2003).

Frente aos movimentos da cultura ocidental que integram os conhecimentos

das ciências sociais à medicina, a América Latina, diante das calamidades públicas,

resultantes de séculos de exploração e escravização, incorpora ao seu ambiente a

medicina social europeia; porém, compreendendo as peculiaridades do momento

histórico vivido pelos latino-americanos. Este estilo de pensamento em saúde começa,

apenas, quase um século após o estudo sociológico de Virchow – em seu tratado pela

assistência universal em saúde - pois “somente na década de 70 foi possível observar

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um desenvolvimento mais sistemático de estudos sociais em saúde” (NUNES, 2006,

p. 65):

“Para Juan César essas pesquisas visavam ampliar

conhecimentos, debater ideias e inovações, especialmente no

campo da educação e da formação de recursos humanos para

a saúde, não se limitando a uma visão contemplativa das

situações e dos problemas. Ponto de partida é a formação

médica que, como vimos, parte de uma análise da realidade

latino-americana, no final dos anos 60, volta-se para uma crítica

à medicina comunitária, nos anos 1970, e se concretiza na

realização de um projeto de medicina social, também na década

de 1970” (NUNES, 2015, p. 141).

Assim, um dos ícones da medicina social na América latina é o médico

argentino Juan César Garcia, com contribuições no campo da saúde e da educação,

revisionando a formação de recursos humanos na área médica nos países latinos e

na construção de um pensamento em saúde sobre o ponto de vista social:

“Juan César deixou marcas que se tornaram referências no

sanitarismo nesta parte do mundo. Ao ser criada em 1984 a

ALAMES (Associação Latino-Americana de Medicina Social),

em histórica reunião realizada na cidade de Ouro Preto (MG),

ele foi a referência. A criação do Instituto ‘Juan César García’ –

Fundación Internacional de Ciencias Sociales y Salud, em Quito,

Equador, em 1984, e o Ateneo ‘Juan César García’, em Havana,

Cuba; assim como as inúmeras cátedras que levam o seu nome

em diversos países latino-americanos atestam que o seu legado

para a medicina social/saúde coletiva continua vivo” (NUNES,

2015, p. 143).

No Brasil, surge na década de 70 um movimento de medicina social que

objetiva a reforma sanitária do país e a proposta de um sistema de saúde universal,

cobrindo integralmente a população e suas carências históricas provenientes da

tirania das classes dominantes sobre as massas de trabalhadores. Dentre os

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protagonistas, encontra-se Sérgio Arouca e sua tese de doutorado intitulada “O dilema

preventivista”, de 1975, que em muito contribuiu para a realização da 8ª Conferência

Nacional de Saúde (1986) e a garantia de um sistema único e universal, inserida no

texto da Constituição Cidadã de 1988 (BRASIL, 1988).

2.8 Conceitual-analítico: a teoria da hegemonia entre conceitos gramscianos

Na emergência de responder o objetivo geral proposto neste trabalho de

mestrado – o de analisar, na perspectiva ético política, o modo como a transformação

do real foi se impondo ao trabalho e gerando movimentos no processo saúde-doença

de produtores de bens em pedra, no contexto de Camboriú, SC – surge a figura e o

pensamento do italiano Antonio Gramsci (1891-1937).

Ao afirmar que “o homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma

clara consciência teórica desta sua ação, que, não obstante, é um conhecimento do

mundo na medida em que o transforma” (GRAMSCI, 1981, p. 20), percebe-se uma

preocupação coletiva, não somente com os intelectuais, mas com o cuidado em trazer

para a discussão o papel dos muitos trabalhadores simplórios e de suas forças que,

dispendidas sobre o objeto de trabalho, transformam a natureza em bens utilizados

socialmente.

A filosofia da práxis lança as luzes para clarear esta consciência teórica

escurecida, adormecida na vida dos simplórios. Diferencia-se de outras filosofias por

não conciliar “interesses opostos e contraditórios”. Ao contrário, luta para resolver

ativamente as “contradições existentes na história e na sociedade” (GRAMSCI, 1975

apud SEMERARO, 2006, p. 385).

“É a expressão destas classes subalternas, que querem educar

a si mesmas na arte de governo e que tem interesse em

conhecer todas as verdades – inclusive as desagradáveis”

(GRAMSCI, 1981, p. 270).

Assim, visando à emancipação dos grupos ou classes subalternas, Gramsci

desenvolve sua filosofia da práxis para que não seja “um instrumento de governo de

grupos dominantes”, mas para “combater as ideologias modernas”, superando o

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senso comum das massas, “a fim de poder constituir o próprio grupo de intelectuais”,

educando o povo subalterno, “cuja cultura é medieval”. Sem embargo, a filosofia da

práxis é “a ideologia que organiza esta classe [subalterna] para a conquista e exercício

da hegemonia” (GRAMSCI, 1981, p. 104).

Aliás, uma nova hegemonia. Ideologias que tratam passivamente a relação

contraditória do modelo de produção funcionam como:

“[...] meras ilusões para os governados, um engano sofrido,

enquanto são para os governantes, um engano desejado e

consciente. [Ao contrário,] para a filosofia da práxis, as

ideologias não são de modo algum arbitrárias: elas são fatos

históricos reais, que devem ser combatidos e denunciados em

sua natureza de instrumentos de domínio” (GRAMSCI, 1981, p.

269-270).

Combatê-las em sua “forma mais refinada” passa a ser o norte pretendido pela

filosofia da práxis, assim, tornando “os governados intelectualmente independentes

dos governantes” ao ser a ideologia construtora de intelectuais orgânicos, que não se

desprendem de sua origem, de sua classe “para destruir uma hegemonia e criar uma

outra, como momento necessário da inversão da praxis” (GRAMSCI, 1981, p. 104),

pela “conquista da hegemonia” com direção das “classes populares nas complexas

sociedades contemporâneas” (SEMERARO, 2007, p. 100).

“Relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”.

Encarcerado, Gramsci aprisionou essas palavras que nos servem de guia ao

desenvolvimento deste item. Livres e unidas, foram trazidas pelo autor Joseph

Buttigieg, que junto a outros dezenove (19) textos, integram o livro Ler Gramsci,

entender a realidade, organizado por Coutinho e Teixeira (2003).

A obra gramsciana não dedica um caderno especial para analisar a teoria da

hegemonia. Gramsci “jamais pensou em reunir as inúmeras notas que tratam direta e

explicitamente da questão da hegemonia” (BUTTIGIEG, 2003). É dever empreender

uma leitura concisa e apurada de todos os cadernos, na sequência cronológica de

redação para que se possa ter uma “compreensão integral do conceito gramsciano de

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hegemonia” (BUTTIGIEG, 2003). “A análise de fenômenos específicos”, as realidades

italianas e mundiais do período compreendido entre as duas grandes guerras

mundiais, atravessaram seu caminho. Passagens e ensaios, distribuídos em diversos

trechos fatuais dos Cadernos do cárcere levam “Gramsci a considerar o emprego do

termo hegemonia” e configura o “núcleo central da filosofia política do Gramsci

maduro” (BUTTIGIEG, 2003).

Com a insurgência dos dados coletados, trazer à nossa companhia o autor

italiano e, ademais, seus célebres e extensos escritos carcerários, mas respeitando o

tempo dado de dois (2) anos para conclusão de um trabalho de mestrado, não teria

como mergulhar profundamente em sua produção.

Da Itália, Antonio Gramsci, pensador e ativista, resgata weltanschauung, termo

da filosofia clássica alemã que trata de uma “visão de mundo” integral, ampliada. Ou

mundivisão, cosmovisão. Para o italiano sardo, essa visão/ação macro de mundo

elabora-se por três unidades constitutivas - economia, filosofia e política - e necessita

“convertibilidade de uma na outra”, para que cada uma das unidades possa conversar

com a outra, possibilitando “tradução recíproca” de uma com todas, sem desintegrar

o sistema que as relaciona, formando um “círculo homogêneo” (GRAMSCI, 1981, p.

113-114).

Quadro 1, ilustrativo para compreensão da lógica gramsciana de concepção de

mundo.

Na economia, o “centro unitário” da relação entre trabalhador e forças

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industriais de produção é o valor, com seu arquétipo presente nas páginas d’O Capital

(MARX, 2016). Na filosofia, o elo que integra as relações entre a vontade humana (ou

subjetividade, supraestrutura) e a infraestrutura econômica (os modos de produção,

as mercadorias, a riqueza, a realidade) é a práxis. Daí a categoria filosofia da práxis,

entre o pensar e o fazer, a teoria e a prática. Na política, a “vontade centralizada”, a

“intervenção do Estado”, as políticas públicas (leis, portarias, Constituição, políticas

de educação e etc.) como fio condutor da relação entre sociedade civil e Estado.

Todos esses âmbitos amarrados numa única concepção de mundo – a própria

weltanschauung (GRAMSCI, 1981, p. 114).

3 MARCO CONTEXTUAL

3.1 A construção Camboriú

Camboriú localiza-se na Microrregião da Foz do Rio Itajaí do estado de Santa

Catarina. Com uma população estimada em 76.592 habitantes (62.361 pelo Censo

2010)17, tem como municípios limítrofes Itajaí, Balneário Camboriú, Itapema, Porto

Belo, Tijucas, Canelinha e Brusque (AMFRI, 2017).

Em perspectiva histórica, vê que seus moradores originais eram tupi guaranis,

do tipo carijós, e que a localidade não possui pavimentações ou edificações

construídas com pedras no período anterior à invasão europeia (SACHET e SACHET,

1997).

Como colônia portuguesa desde a invasão de 1500, Camboriú reúne habitantes

europeus no século XVIII e recebe colonizadores no século XIX. Os anos passam e a

cultura da mandioca estimula a economia local. Pouco depois, a localidade

estabelece-se como Distrito por Lei Provincial (1849), passos pregressos para sua

institucionalização oficial como Município de Camboriú por Lei Provincial do

Governador, em 1884 (REBELO, 1997; CORREA, 2016).

A vida e a política macroeconômica do povo colonizador, diferente do povo

originário, constitui-se, dentre outros elementos, pela produção excedente de

mercadorias e de negociações. Assim, a terra, agora Camboriú, SC, torna-se produtor

de mandioca, café e algodão, em nível estadual. Na mesma época, na transição do

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século XIX para o as primeiras décadas do novo século XX, inicia-se a especulação e

a exploração de rochas de Camboriú, especialmente mármore e granito: as jazidas de

mármore, e as pedras de granito em matacão pela especialização autodidata

(REBELO, 1997).

Já em 1950, a população das terras camboriuenses, hoje compreendida pelos

municípios de Camboriú e Balneário Camboriú, era de 9.248 habitantes. Destes, 1.835

eram urbanos. A chegada da luz elétrica acontece na mesma década (REBELO,

1997).

O final da década de 1950 dá a largada e os primeiros anos de 1960 terminam

por extrair as terras de Camboriú que dão acesso ao Oceano Atlântico. Via Decreto

aprovado pela Câmara de Vereadores, nasce o Distrito da Praia (1959). Quatro anos

depois, há uma tentativa de separação desde recém-criado Distrito, impedida pela

Câmara de Vereadores (1963) numa apertada votação de 4 a 3. Em nova investida,

um vereador apresenta novo projeto. O placar se inverte e o legislativo aprova, em

fevereiro de 1964, por 5 a 2, a emancipação do Distrito. Ratificada por Lei Estadual

em abril e num Decreto em junho, em 20 de julho de 1964 é instalado oficialmente o

município de Balneário Camboriú (REBELO, 1997; PEREIRA, 2003). Dali para frente,

Camboriú continua sendo uma cidade do litoral catarinense, porém, sem o mar.

Mercadorias dos produtores broqueiros criam-se desde o início do século XX

até hoje (2017), contribuindo no desenvolvimento regional: importante atividade para

a cidade, que “já teve na extração de pedras sua principal fonte de renda” (MENDES,

2014, p. 104). Broqueiros são pessoas que trabalham com rochas, extraindo-as da

natureza e realizando os cortes necessários por suas habilidades intelectual e manual,

através de instrumentos como cunhas, escopos e marretas.

Até mesmo a emancipação do Distrito da Praia não foi capaz de deter o ímpeto

criador da produção de pedras, especialmente entre 1970 e 1990, quando se destaca

a grande produção, agregando a atividade à vida da cidade e suas famílias. No final

da década de 1980, entram em cena duas mercadorias mais industriais que

competem diretamente com o trabalho mais manual da cortação de pedras: os blocos

de lajota em cimento e o asfalto.

Mesmo em meio aos avanços tecnológicos e o surgimento de outros materiais,

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as mercadorias oriundas do trabalho de broqueiros e suas famílias forneceram e

continuam fornecendo material para obras públicas e privadas de pavimentação: os

paralelepípedos de pedra (REBELO, 1997; CORREA, 2016).

3.1.1 As rochas presentes: granito e mármore

Cabendo pesquisar sobre uma atividade econômica tão recheada de perigos e

complexidades, faço-me, na posição de cirurgião-dentista que também me encontro,

tentar compreender, mesmo que de maneira superficial, os métodos utilizados pelos

trabalhadores desta arte com pedras. O produto final deste grupo econômico,

independente da função a qual o trabalhador foi designado (cortador, transportador,

vendedor, e etc.) ou das fases do processo (localização dos maciços rochosos, lavra,

beneficiamento, venda, e etc.) têm nas rochas ornamentais o seu elemento primordial

e indispensável, portanto, tornam-se as rochas também objetos desta pesquisa.

Parte das pedreiras da cidade de Camboriú, SC situa-se, geologicamente,

dentro do Complexo Camboriú, conforme segue:

“O Complexo Camboriú foi assim denominado por Chemale Jr,

Hartmann e Silva (1995), que a ele atribuíram uma associação

de gnaisses, migmatitos e granitos cálcio-alcalinos localizados

na porção centro-leste do Estado de Santa Catarina. Basei

(1995), no entanto, já havia apresentado uma descrição dos

núcleos do embasamento ao sul de Camboriú, no Morro do Boi,

trecho da Serra do Cantagalo, demonstrado o predomínio de

migmatitos estromáticos dobrados durante o ciclo Pré-Brasiliano

e redobrados durante o Ciclo Brasiliano. Datações Rb/Sr em

rocha total situaram então a idade de geração do Complexo em

2,5 Ga” (LOPES, 2008, p. 23).

Estando as rochas presentes em abundância na região da cidade apontada e

adicionando o ímpeto da formação econômico-social e suas necessidades, as rochas

podem ser catalogadas com a denominação de rochas ornamentais.

Seguindo uma classificação comercial, as rochas ornamentais podem ser

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divididas em duas: 1) Granitos: que são “rochas ígneas e metamórficas de

granulometria grossa”. Neste grupo, encontram-se os “minerais félsicos, tais como

quartzo, feldspato alcalino e plagioclásio”. Pela alta dureza apresentada, “necessitam

serras diamantadas para o corte”. 2) Mármores: pela sua baixa dureza, “são

relativamente fáceis de serem cortados e polidos, sendo adequados para

processamentos industriais” sendo formados por “composição carbonática”

(VARGAS, MOTOKI e NEVES, 2001).

Identificado e selecionado o perímetro da pedreira, o próximo passo é escolher

os métodos de extração (“lavra”) das rochas da natureza para posterior

beneficiamento.

“Os métodos de lavra consistem num conjunto específico dos

trabalhos de planejamento, dimensionamento e execução de

tarefas, devendo existir uma harmonia entre essas tarefas e os

equipamentos dimensionados. O planejamento inclui a

individualização dos blocos com dimensões adequadas à etapa

seguinte da cadeia produtiva, representada pelo desdobramento

dos blocos em chapas. É importante verificar, durante a fase do

planejamento, se o maciço rochoso ou o matacão possuem

características ideais para serem lavrados, como a verificação

da existência de impurezas, trincas, alterações, topografia local,

etc” (REIS e SOUSA, 2003, p. 208).

Durante a lavra das rochas ornamentais, independente da técnica utilizada,

certos perigos, maiores ou menores, atingem os trabalhadores desta atividade. Por

ser a fase em que se materializa como a efetiva remoção das rochas do estado bruto

da natureza e se transformando em produto, e, como tal, detentor de valor econômico,

cabe relevar a importância desta etapa.

“A fase de lavra, escopo do trabalho, é o pilar da cadeia

produtiva das rochas ornamentais, compreendendo as

metodologias empregadas no desenvolvimento físico das

jazidas e as técnicas de liberação de blocos de rocha, tanto para

o isolamento de volumes primários e secundários como no seu

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esquadrejamento” (MENEZES, 2005, p. 5)

Das rochas ornamentais surgem, pela interferência do homem, os mais

variados produtos. De destaque, seu uso na construção civil, seja em residências ou

espaços públicos. Sendo o trabalho a atividade humana que se relaciona com a

natureza e, neste caso, com as rochas, criando uma cultura em torno do exercício dos

broqueiros, pedreiros, cortadores e demais nomenclaturas, gerando riqueza ao País

e elevando seu potencial produtor que dou sentido a esta pesquisa e à saúde dos

trabalhadores envolvidos nas artes das rochas.

A taxonomia geológica classifica os granitos como sendo pertencentes às

rochas magmáticas. Tal grupo de rochas apresenta “três planos preferenciais de corte,

que são: corrida, segundo e trincante” (STELLIN, 2007, p. 4). E é a partir do prévio

conhecimento e análise destes planos de corte que os trabalhadores e seus

instrumentos conseguem “abrir” a rocha até então intacta da natureza.

As pessoas que se aventuram pelo perigo da arte que interage com as rochas

para produção de bens sociais tão importantes ao nosso modelo estrutural de

sociedade precisam saber utilizar algumas invenções humanas peculiares, como os

explosivos.

A invenção da pólvora e o aperfeiçoamento de substâncias explosivas remonta

desde o século IX até os dias atuais. As “primeiras referências à pólvora” podem ser

encontradas em escritos de alquimistas, como num “texto taoísta datado em meados

do ano 800” aonde adverte para não misturarem “enxofre, rosalgar e salitre”. Se

misturados, podem queimar o corpo humano (VASCONCELOS, SILVA e ALMEIDA,

2010, p. 2). Tal conhecimento foi lapidado e incorporado em guerras entre os povos

árabes, sírios e mongóis, no século XIII. Na mesma época, o inglês Roger Bacon,

através de “intermediários entre o Oriente e o Ocidente” (Idem, p. 3) reproduz as

misturas e codifica em seus escritos. Espalhando-se pelo mundo, foi no século XIX

que essa química, acrescentada por outros ingredientes, foi patenteada por Alfred

Nobel. Pelo pensamento privatista, Nobel (o próprio do famoso prêmio) acumulou

fortuna com “sua” invenção – a dinamite (VALENÇA, 2001).

Porém, mesmo antes da descoberta da pólvora e da dinamite, o Império

Romano (27 a.C. – 476 d.C.) também extraia produtos de suas rochas. A técnica

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consistia na utilização de cunhas de madeira nas fissuras naturais do maciço rochoso.

Após colocadas, as madeiras eram encharcadas com água que, graças à expansão

causada pelo congelamento da madeira molhada, abriam os blocos, gerando

subdivisões (VIDAL, AZEVEDO e CASTRO, 2014).

Como se vê, o início dessa prática em terras tupiniquins, mais especificamente

Camboriú, deu-se no nascimento do século XIX e o emprego da pólvora mantem-se

essencial. Portanto, após localizados os granitos, faz-se um furo na rocha, de

espessura e comprimento variáveis. Nessa cavidade, insere-se o material explosivo.

Com a detonação guiada pelos planos preferencias de corte, tem-se a mesma rocha,

agora desprendida do solo e subdividida em duas partes. Daqui em diante, as

subdivisões na rocha são feitas com cunhas de metal, escopos, marretas e martelo.

Este trabalho é um dos tantos métodos de lavra existentes, sendo considerado mais

artesanal se comparado com as técnicas industriais hoje existentes (Idem, 2014).

Assim, uma rocha de granito que, antes de ser alvo da ação humana, possuía,

por exemplo, o tamanho de um automóvel, agora está decomposta em centenas de

pedras menores (ou em milhares, a depender do tamanho da rocha encontrada).

Esses blocos de granito puro originam os chamados paralelepípedos de pedra,

utilizados em calçamento de vias públicas e privadas. Também podem ser produzidos

de diferentes tamanhos, servindo como meio-fio, placas de revestimento, calçadas

públicas, ornamento em jardins, moerão de cercas, bases de casas, pilares para

telhados, bancos de praça e etc.

3.2 Análise de conjuntura

O delineamento deste projeto de pesquisa e a dissertação de mestrado foram

construídos em um momento histórico de crise ética, política e econômica do Estado

brasileiro. Partindo da compreensão de que este contexto nacional afeta a produção

da ciência, na medida em que pesquisadores são sujeitos históricos (individual e/ou

coletivo) cujo pensamento e ação estão inseridos na sociedade que se movimenta em

crise, cabe tecer, aqui, algumas linhas de análise de conjuntura:

“O núcleo da crise atual está na consolidação de um bloco das

elites brasileiras a partir do final de 2012 – grandes corporações

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e sistema financeiro – que não quer mais nem o PT nem Dilma

no governo. [...] As razões desse enfrentamento sem

negociações não passam pela questão da corrupção, que

abarca todos os partidos, vem de longa data e é uma forma

tradicional de as empresas buscarem vantagens ilegais junto

aos governos. O que está em disputa é o controle da política

econômica. [...] A redução da Selic, em 2012, baixou a

remuneração dos rentistas. [...] O congelamento dos preços da

eletricidade, por exemplo, gerou perdas significativas para

fundos internacionais que compraram ações das elétricas no

Brasil” (LE MONDE, 2016, n. 104, p. 3).

Conforme anteriormente descrito, este projeto de pesquisa tem como uma de

suas finalidades relacionar o modelo produtivo com o modelo explicativo da

determinação social no processo de saúde e de doença através da análise de um

grupo social que interage com elementos da natureza a fim de produzir bens sociais.

Assim, faz-se necessário situá-la no tempo histórico, pois, se ela fosse realizada na

década de 70, ou mesmo na de 40, outros elementos estruturais da sociedade

estariam postos. Além da ciência de que cada época passa por transformações

tecnológicas que também interferem no modo de vida das pessoas, é preciso

assinalar, portanto, que a conjuntura de movimentos macros atravessa a produção de

bens sociais.

No dia 12 de maio de 2016, a sociedade brasileira vivenciou o afastamento da

Presidenta da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff, reeleita em 2014 pelo

Partido dos Trabalhadores (PT), por meio da abertura de um processo de

impeachment que foi apreciado e aprovado pelo Senado Federal.

A reentrada no Brasil de governos populistas, a partir de 2003, provocou

descontentamento em determinadas formações econômico-sociais mundiais. Este

sintoma de doença social, somado à globalização que interliga as nações

intercontinentais e seus processos produtivos, tem afetado sobremaneira a vida

cotidiana do brasileiro:

“Para a ultraesquerda, o PT seria um instrumento da classe

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dominante. Para os ultramoderados, o PT estaria demonstrando

como salvar o capitalismo brasileiro de si mesmo. A vida

derrotou ambas as posições: apesar de ter se conciliado com o

grande capital, com a direita e com o oligopólio da mídia, o PT

continuou sendo um estranho no ninho. As elites nunca

apreciaram sua presença no governo, nem as importantes,

porém estruturalmente tímidas, políticas que colocamos em

prática desde 2003” (LE MONDE, 2016, n. 104, p. 8)

Curiosamente, a investida popular no comando do governo federal brasileiro

recente não foi capaz de saber agregar boa parte dos grupos sociais que foram mais

beneficiados pelas políticas de inclusão social, mesmo com a elevação do nível

salarial e poder de compra das classes C, D e E. É possível relacionar tal contraste

pela influência midiática brasileira, formada pelo oligopólio de poucos grandes grupos

que comandam os meios de comunicação em massa, historicamente aliados das

elites brasileiras, mesmo porque, os próprios meios são a elite:

“Apesar de suas diferenças táticas, as elites consolidaram seus

propósitos estratégicos, que são basicamente: a) realinhamento

com os Estados Unidos, afastando-nos dos Brics e da integração

regional; b) redução do salário e da renda dos setores populares,

diminuindo as verbas das políticas sociais, alterando a

legislação trabalhista, reduzindo direitos, não ajustando salários

e pensões, provocando desemprego e arrocho; c) diminuição

das liberdades democráticas, criminalizando a política, os

movimentos sociais e os partidos de esquerda, partidarizando a

justiça, ampliando o terrorismo policial-militar especialmente

contra os pobres moradores de periferia e negros, subordinando

o Estado laico ao fundamentalismo religioso, agredindo os

direitos das mulheres, dos setores populares, dos indígenas” (LE

MONDE, 2016, n. 104, p. 8).

Com base nas citações acima, é possível considerar a existência de dois

grandes “projetos”. Um primeiro, dito populista e pautado pelos partidos de esquerda,

que visa à justiça social e à distribuição das riquezas produzidas, de maneira

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igualitária, a fim de proporcionar condições equânimes de vida. O segundo,

influenciado por modelos econômicos capitalistas neoliberais, que está mais alinhado

ao desenvolvimento econômico-financeiro a qualquer custo, sem fronteiras, acirrando

a competição individual em torno do seu próprio progresso, sem considerar a

população geral como participante do processo de produção de bens, logo,

merecedora de todos os direitos.

Portanto, cada um desses projetos tem raízes em distintas concepções de

mundo, o que lhes imprime as particularidades específicas acima mencionadas. De

um lado, os detentores das terras e das máquinas. Do outro, e muitíssimo maior em

quantidade, em massa, os não-detentores da terra. Logo, este segundo grupo, sem

acesso e posse da terra, para sobreviver, vê-se obrigado a vender sua força de

trabalho para quem detém as terras e as máquinas, tanto na produção agrícola quanto

industrial. Vale lembrar que até o ano 2000 éramos considerados pela ONU como o

país da fome. O Brasil ocupava até o início deste milênio a vergonhosa situação de,

mesmo sendo um país rico e potente, fazer parte do mapa da fome no mundo.

Contraditório, não? Medidas de proteção social impostas a partir de 2002 erradicaram

em 82% a fome no país, fazendo com que, pela primeira vez em mais de 500 anos de

“descobrimento”, o Brasil deixasse de integrar o desconfortável mapa da fome das

Nações Unidas (FAO, 2015). Assim, tendo em vista que cada classe tem suas

prioridades e considerando que a classe dominante ocupa em larga o poder público,

logo, as políticas públicas tendem a favorecê-los. Trazendo para o campo da saúde,

o qual depende do poder público constituído para orientar os rumos das políticas

públicas de saúde, tais caminhos estão mais propensos a beneficiar os setores das

elites históricas e seu modo de conceber a vida em sociedade e seus valores.

“A imagem-objetivo, configuração futura da situação de saúde,

não é uma exposição de problemas nem de soluções; oferece

unicamente uma concepção de situações que – de acordo com

a ideologia que a alimenta – considera-se desejável e orienta a

ação para a realização dessa situação, distinta da atual.

Estabelecida a imagem-objetivo, a formulação de políticas

dirigidas a modificar situações em prazos determinados – e às

vezes situações urgentes em prazos peremptórios – conta com

uma orientação sintética que pode evitar incoerências e

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contradições assim como marchas e contramarchas” (OPAS,

1975, p. 39).

Observada a presença contínua e histórica da classe dominante como

definidora das políticas públicas e a presença recente de governos populares e suas

políticas sociais, cria-se uma contradição entre os interesses capitalistas e os

interesses da população em geral, o que contribui para a afirmação de que o

“ambiente econômico brasileiro tem se caracterizado pela presença de um elevado

nível de incerteza.” Há de se considerar que a crise mundial eclodida em 2008 também

favorece o clima de incerteza, porém, não apenas. Leva-se em conta também

questões internas, “associada à questões políticas, que tem prejudicado a capacidade

de implementação de medidas tidas como necessárias para debelar os desequilíbrios

internos.” (IPEA, 2016, p. 25).

Pode-se entender como ideologia norteadora da imagem-objetivo, individual ou

coletiva, do SUS conquistado em 1986, um agregado de valores humanos, como:

universalidade, integralidade, Vida, dignidade, justiça social, solidariedade, vontade,

coletivo, respeito, alteridade, gentileza, amorosidade, amizade, felicidade, laicidade,

coragem, de um lado; e capital, mercado, individualismo, egoísmo, lucro, consumo,

preconceito, discriminação, segregação; progresso individual, de outro.

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4 PERCURSO METODOLÓGICO

A disposição do percurso, tentando facilitar o entendimento, está decomposta

em quatro partes. A primeira é o movimento observação-participante, trajeto

sobretudo esclarecedor para desbravar os caminhos entre pedras. A segunda, as

entrevistas-narrativas, como núcleo central da coleta de dados. A jornada que se

amalgama nestes dois itens nem sempre obedeceu a uma linha do tempo, pois o

processo de construção de um interfere nos outros. Aqui, para fins didáticos,

apresenta-se de maneira sequencial e linear. A terceira parte trata da organização dos

sujeitos entrevistados. Por fim, a quarta parte aborda questões pós-coleta dos dados,

como sistematização e referencial de análise.

Esta pesquisa foi apreciada e aprovada no dia 5 de setembro de 2016 pelo

Comitê de Ética da Universidade do Vale do Itajaí, SC, sob o número 1.713.341 em

consonância com as determinações da Resolução MS/CNS no 466/2012.

4.1 Observação-participante

Opta-se pela metodologia observação-participante para conhecer a atual

situação do trabalho que produz bens sociais oriundos das rochas camboriuenses

aliadas ao conhecimento transformador das pessoas, enfoque deste item. Que pode

ser também traduzido no primeiro objetivo específico da pesquisa, que é: observar os

movimentos humanos necessários para a produção de bens em pedra no município

eleito. Tal método de observar é um mecanismo humano para conhecer e

compreender as coisas, os fatos, realidades, situações. Aplicar os sentidos de

maneira atenta. Treinar o olho em busca de acontecimentos específicos na ocorrência

espontânea do real. Observação-participante em pesquisa qualitativa é muito utilizada

por inserir o pesquisador no próprio interior do grupo pesquisado, misturando-se ao

cotidiano, buscando sentir o que significa estar naquela situação (QUEIROZ et al,

2007). Observação-participante sendo:

“[...] um processo pelo qual se mantém a presença do

observador numa situação social com a finalidade de realizar

uma investigação científica, na qual o observador está em

relação face a face com os observados. [...] colhe dados e se

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torna parte do contexto [...] ao mesmo tempo modificando e

sendo modificado por este” (MINAYO, 2004, apud QUEIROZ et

al, 2007, p. 280).

Há razões para a escolha deste método. Ao adentrar o contexto da produção

atual de pedras pela ação humana, tal investida permite “ver o comportamento dos

participantes em uma nova luz”, assim, oferecendo condições antes impossíveis ao

“descobrir novos aspectos do contexto” no ato de acompanhar observando o trabalho

dos produtores de bens em pedra. Observar-participar também permite triangular com

outros métodos de coleta “providenciando evidencias adicionais”, como será possível

ler mais adiante quando se faz uso da metodologia entrevista-narrativa (OLIVEIRA,

2010, p. 23).

Realizar um estudo observacional, de campo, anteriormente à coleta das

narrativas, também serve para que, lá no processo das entrevistas, como todos os

sujeitos serão pertencentes ao mesmo grupo social do trabalho, seja possível este

pesquisador estar atento aos verbetes, gírias, jargões, práticas, técnicas da profissão

e etc., que surgirão das falas das pessoas que integram o universo de sujeitos

pesquisados.

Alocado no ambiente de produção do trabalhador, lança-se mão da técnica do

diário de campo para captar, anotar e descrever os movimentos humanos dispendidos

para que haja a transformação das rochas em produtos desta atividade econômica

em particular, gerando mercadorias que serão comercializadas entre os membros da

sociedade humana.

“No diário de pesquisa, o pesquisador registra suas hipóteses e

seus achados. A propósito de um ‘objeto’ que é previamente

dado, em um campo específico e ao longo de seu aparecimento.

Frequentemente, esta forma de diário visa a reunir informações

que o autor e seus colaboradores pretendem explorar ou tratar

de uma maneira ou de outra em um tempo posterior. René

Lourau (1988) defende a ideia que o diário de pesquisa é já a

pesquisa (SOUZA e ABRAHÃO, 2006, p. 95).

Do conjunto observação-participante e diário de campo, regido pelo objetivo de

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observar os movimentos humanos dos atores que produzem pedras, partimos para as

idas a campo. Mas que campo(s)?

4.1.1 Progresso da pesquisa pelas idas a campo

Pessoas ativas que interagem com as rochas de Camboriú como meio de

trabalho formam um coletivo vasto, podendo ser classificadas: pelas diferentes rochas

em que atuam, pelas técnicas de extração, por período da história da divisão do

trabalho em que se encontram, pela relação trabalhista. Pude perceber um pouco a

“pedreira” na qual estava me metendo quando teci a primeira observação-participação

com um broqueiro durante seu trabalho. Os resultados dessa interação aparecem no

item 5.

Algumas características desse trabalho de cortar pedras me foram elucidadas.

Pessoas que somente cortam pedras através de seus instrumentais e conhecimento

são importantes. Mas é preciso algo anterior. Alguém que extraia a rocha da natureza.

Essa primeira extração necessita de um trabalho peculiar e perigoso: explodir as

pedras. Então, captei algo que antes não conhecia. Uma pessoa que reparte pedras

com instrumentais de metal também precisa saber lidar com material explosivo. Este

trabalhador, por ocasião de sua relação trabalhista, não explode mais pedras.

Antigamente sim. Hoje em dia não. Ele recebe as pedras já extraídas e desenvolve a

etapa de corte manual com peças de metal, como martelo, cunha, escopo e alavanca.

Foi possível abrir um horizonte amplo sobre esse trabalho após a conversa. Fiquei

curioso para saber como se dá a extração na mata com os fogos e solicitei ao

trabalhador que me indicasse um colega que realiza essa extração na primeira etapa

com explosivos. Surge um nome. Através das indicações de localização recebidas,

vou atrás desse segundo broqueiro.

Chegando a casa do broqueiro (cortador de pedras) indicado, encontro-o e me

apresento como pesquisador da Univali. Explico os motivos de estar ali e sou

convidado a entrar na residência. O trabalhador explica que realiza sim abertura de

pedras com fogos, porém não tem previsão para realizar nova explosão. Ao contrário

do primeiro broqueiro visitado, este não trabalha para uma empresa. É autônomo. Ele

mesmo sobe o morro, seleciona a rocha, detecta se é boa, faz o furo, introduz o

material explosivo e detona. Após feito isso, aí sim se inicia os cortes manuais. Os

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mesmos cortes daquele primeiro broqueiro participante da pesquisa. Apesar de não

ser dessa vez poder observar a explosão do granito, agradeço as informações obtidas.

Deixo meu contato para que, caso surja a ocasião da explosão, que me comunique

para acompanhá-lo. Mesmo saindo de lá sem essa bárbara visualização da

detonação, outros conhecimentos me perturbaram nessa segunda interação

pesquisador-broqueiro. Ele me explica que é preciso fazer diferença entre rochas sob

medida e rochas de britagem. Camboriú possui as duas formas de produção: a

primeira, mais antiga, de pedras que são produzidas pelo trabalho mais manual, de

cortes, sob medida; a segunda, mais industrial-tecnológica, produzida pelos sistemas

de britagem. Outra vez sou surpreendido pelas notícias advindas da pesquisa.

Inicialmente disposto a observar e entrevistar cortadores de pedra, agora descubro

que além dos cortes, se faz detonação. E que além dessa produção sob medida,

existem britadores que também empregam pessoas trabalhadoras.

Ainda como resultante da observação com o primeiro broqueiro, detecto que

ele trabalha para uma empresa. Aqui a chamo de comércio NTP. NTP é uma empresa

privada que comercializa pedras sob medida em Camboriú. Por ser morador, sei bem

aonde fica esse estabelecimento.

Resolvo observar o comércio NTP. Uma família é que gerencia o negócio. Em

conversa com os proprietários, explico minhas intenções com a pesquisa. Sou

informado de que não tem problema algum eu conversar com os funcionários que

passam o dia cortando pedra nos galpões e lonas, porém, minha ida a pedreira deles

(o local aonde é feita aquela primeira extração por detonação de explosivos) é negada.

Sinto certo receio e não insisto no pedido. Saio dali meio chateado pela negativa,

mesmo ampliando os resultados obtidos com a conversa com os proprietários do

comércio NTP.

Decido dar um tempo nas visitas às pessoas cortadoras e me interesso em ir

ao encontro dos sistemas de britagem. Em contato com moradores locais, um deles

meu pai, sou informado que Camboriú possui dois britadores, cada um com seu

proprietário. O britador mais antigo fica na parte leste da cidade, próximo a Balneário

Camboriú. O segundo britador no interior da cidade, mais a oeste. Como meu contexto

continua sendo a produção de bens em pedra de Camboriú, busco o ingresso em um

deles. Difícil. Os dois britadores são empresas privadas, de complicada inserção a

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título de pesquisa, ainda mais se tratando da área da saúde. Por saber aonde fica,

tento por duas vezes visitar cada um dos britadores: sem sucesso em ambos. O portão

sempre fechado, com avisos de proibida a entrada de pessoal estranho. De certo não

querem ser incomodados. Em certa altura estava quase desistindo de visitar

empresas de britagem pela dificuldade de acesso. Ficaria na observação somente dos

cortes para pedras sob medida. Eis que, em dado momento, em meu próprio local de

trabalho, uma Unidade Básica de Saúde em Itajaí, comento com alguns colegas sobre

a pesquisa que estou realizando. Para surpresa, uma pessoa, uma importante Agente

Comunitária de Saúde (ACS) me diz: “o meu marido trabalha num britador”.

Dali para frente as coisas se facilitam no quesito britador/visita em pedreira.

Chamo o esposo da ACS de Antônio. Já o conhecia. Combinamos o dia e hora e

partimos rumo ao britador em que ele trabalha: e que fica em Camboriú! Itajaí não

possui sistemas de britagem. Era um sábado de manhã. Fomos eu e ele até o britador

do interior, aquele mais a oeste. Antônio trabalha na construção e manutenção das

esteiras (estruturas que fazem a pedra passear pelo sistema). Ali conheço o

proprietário do local. Como fui com um “padrinho”, sou bem recebido pelo dono, que,

por opção própria, recebe a alcunha de Roberto Carlos. Igual ao cantor famoso.

Além de poder interagir nas dependências do sistema de britagem, acompanhei

um motorista de caminhão da empresa durante uma entrega de carga de pedras. A

viagem partiu do britador (interior de Camboriú) com destino a uma empresa que

deseja ampliar seu pátio, localizada na marginal oeste da BR-101, entre Itajaí e

Navegantes.

Sou informado que além do granito, Camboriú extrai mármore. Pensava que

que esta atividade já havia extinguido. Mas não. Há uma pedreira de mármore em

atividade. Assim, veja: sistemas de britagem se alimentam de granito, um paredão de

rocha gigante. Cortadores de pedra também trabalham no granito, porém oriundos de

sistema de lavra em matacão. O granito para abertura manual é diferente do paredão

rochoso dos britadores. Agora, outro tipo de rocha surge: o mármore.

Para que não se perca o desenvolvimento, até agora, observou-se dois

cortadores de pedra (um que só corta e outra que detona e corta), uma empresa de

blocos sob medida, uma empresa de britagem e uma pedreira de blocos de mármore.

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Apesar das muitas diferenças no modo de se fabricar e nos tipos de pedras – entre o

manual e o tecnológico, o granito e o mármore – todos produzem mercadorias a partir

das pedras camboriuenses, contexto da pesquisa.

A esta altura, imaginava eu estar com a observação-participante concluída.

Ultrapassada esta etapa, resta partir para as entrevistas-narrativas.

Esta etapa exploratória via observação-participante foi realizada no decorrer do

ano de 2016.

4.2 Metodologia das entrevistas com os protagonistas

“Finalizada” a observação, pousa o seguinte problema: de que modo, quantos

e quais sujeitos selecionar, do interior desse emaranhado produtivo, que possam

contar sua história no trabalho com pedras?

Apesar de me interessar pelos métodos e relações sociais advindas da

produção de bens em pedra do mármore e dos sistemas de britagem, resolvo dedicar

exclusividade aos cortadores de pedra sob medida. Serão eles que irão compor o

universo de sujeitos entrevistados pelo pesquisador. Decisão influenciada pela

escolha em manter o universo homogêneo, dedicado a colher narrativas de vida de

pessoas que trabalharam com rochas de granito produzindo blocos sob medida.

Cabe frisar que esse momento da pesquisa mira cumprir o segundo e o terceiro

objetivos específicos de pesquisa: (2) identificar como essa população lida com os

diferentes percursos históricos impostos pela formação econômico-social capitalista

brasileira; e (3) identificar historicamente as relações sociais e seus produtos do

trabalho. Ambos no contexto da produção de bens em pedra de Camboriú.

O primeiro objetivo específico, o de observar os movimentos humanos

necessários para a produção de bens em pedra, aborda questões atuais,

contemporâneas. Agora, os objetivos específicos 2 e 3 exigem um resgate histórico.

Uma reconstrução do passado em direção ao presente. Assim, por ser histórico,

quanto mais tempo de vida e de trabalho o sujeito entrevistado possuir, melhor.

Para definir um critério de inclusão de participantes que equilibre a exigência

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por encontrar trabalhadores de mais idade e que também não acabe excluindo

demais, chega-se ao número trinta (30). Estarão aptas a participar da entrevista as

pessoas com 30 ou mais anos de envolvimento com o trabalho de produzir bens em

pedra em Camboriú. Entende-se por envolvimento o próprio trabalho. Não chamo

diretamente de trabalho pois, muitos, não possuem registros que comprovem esse

trabalho ao longo de todo tempo. Pela observação feita, muitos não têm carteira de

trabalho que comprove esse nosso critério. A palavra envolvimento cabe melhor. E

por que 30 anos? A intenção é abraçar trabalhadores que viveram a década de 80

nessa produção que, como informação adquirida na etapa exploratória, tem tudo para

ser a década que Camboriú mais produziu mercadorias das pedras pelo sistema de

cortação de blocos de granito. Se o critério for de 20 ou 25 anos, corro o risco de não

alcançar os anos 80. Inversamente, se o critério for mais alto, de 40 ou mais anos de

envolvimento com pedras, corre-se o perigo de não encontrarmos sujeitos em número

adequado para a pesquisa. O critério de exclusão são os que não se encaixam nesse

critério inclusivo.

Possuindo o critério, como construir o universo de entrevistados? Não sou

trabalhador desse ramo produtivo. Sou atualmente dentista. E como odontólogo, sou

capaz de indicar outros dentistas próximos a mim, caso algum pesquisador deseje

entrevistar trabalhadores do sistema estomatognático. Engendrado no mesmo

raciocínio, é assim que resolvo selecionar os sujeitos: por indicação dos próprios

produtores de pedra. Em consulta a métodos de pesquisa, essa maneira de fazer

encontra chão na técnica bola de neve.

O método de escolha dos sujeitos da pesquisa que serão entrevistados dar-se-

á pela Técnica de Bola de Neve. Introduzida incialmente por Coleman, em 1958 e em

1961 por Goodman (DEWES, 2013) a amostragem em bola de neve é um método que

utiliza a própria rede de amizades dos membros existentes na amostra.

Este tipo de método baseado na indicação de um indivíduo (ou de mais outros

indivíduos) é também conhecido como método de cadeia de referências. O processo

começa de um certo número de sementes (amostra), pessoas selecionadas por

critérios relevantes ao pesquisador, como por exemplo, aquelas que há décadas já

pertencem ao grupo que se destina pesquisar e, portanto, fazendo parte da

população-alvo. Essas pessoas, por sua vez, são incumbidas de indicar a partir de

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seus contatos outros indivíduos para participar (ALBUQUERQUE, 2009; BALDIN e

MUNHOZ, 2011). Segue-se assim, sucessivamente, até que se alcance o tamanho

do universo de participantes desejado. O método de amostragem em bola de neve

pressupõe que há uma ligação entre os membros da população dado pela

característica de interesse e, no caso desta pesquisa, tal ligação se faz hegemônica

do ponto de vista do trabalho como produtor de bens em uma dita sociedade (VINUTO,

2014). Assim, os membros da população são capazes de identificar outros membros

da mesma, pois convivem (ou conviviam) diariamente uns com os outros. Por

exemplo, moradores de rua provavelmente conhecem outros moradores de rua e

podem levar o pesquisador a encontrá-los (Faugier e Sargeant, 1997 apud DEWES,

2013). Pelo método de recrutamento ser feito através da indicação de outras pessoas

que também são membros da população o processo é facilitado, pois normalmente

envolve uma relação de confiança que não existiria com um pesquisador

desconhecido fazendo esta abordagem (Biernacki e Waldorf, 1981 apud DEWES,

2013).

Os sujeitos da onda zero – as sementes - ficarão incumbidos de indicarem os

próximos sujeitos (que possuam características semelhantes do ponto de vista do

trabalho) a serem entrevistados, e assim sucessivamente. A técnica permite que um

sujeito indique mais de um: dois, três, quatro, cinco e etc. Porém, aqui, cada sujeito

indicará somente um. Explico que é para ter, propositalmente, um universo restrito,

dado o tempo escasso que possuímos para execução da coleta de dados. Assim,

permite que praticamente todos os sujeitos tenham a chance de indicar um próximo.

Se permitirmos que a semente indique sozinha quatro sujeitos, estes indicados não

terão a oportunidade de indicar outros, visto que terei que encerrar o universo, dado

o tamanho amostral transbordar as condições dadas para a pesquisa. Caso a

indicação de um sujeito pelo entrevistado já esteja contido na indicação de outro,

pedirei que o entrevistado indique outra pessoa, e assim sucessivamente até

chegarmos num nome inédito.

Assume-se também, como ponto de saturação, além do curto tempo de

mestrado, paralisar as ondas da bola de neve quando os novos entrevistados passam

a repetir os conteúdos já atingidos em entrevistas anteriores, sem acrescentar novas

informações relevantes à pesquisa (WHA, 1994).

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Assim, planejo ter três (3) sementes. Cada pessoa selecionada como semente

pelo pesquisador, através dos critérios de inclusão, indicará um outro, e assim por

diante, interrompendo os ciclos de acordo com a saturação atingida. O esquema

abaixo ilustra os dizeres.

Figura 1

Com o esquema posto, como selecionar as sementes? Numa de minhas idas

para observar o britador do interior, conheci um dos empregados da empresa. Chamo

de Tupi este trabalhador. Enquanto aguardava o proprietário Roberto Carlos para uma

conversa, Tupi se aproxima. Explico que estou ali por conta da pesquisa. Ao saber da

temática que estou pesquisando, menciona que também já cortou pedras, apesar de

hoje estar trabalhando como motorista de caminhão no britador. Diz que aprendeu

com seu pai, experiente cortador. Meu olhar que antes pairava sobre as paredes de

madeira do escritório, fixam-se no rosto de Tupi. Ele é alto e grande. Interesso-me e

descubro que o pai de Tupi mora ali perto do britador do interior e cortou pedras sob

medida por cinquenta (50) anos, mas aposentou as ferramentas, os braços e a cabeça

faz três (3) anos. Tanto Tupi quanto o pai nasceram em Camboriú. Após o término do

expediente, Tupi gentilmente me leva a casa de seu pai. Lá, explico sobre a pesquisa

e, após aprovado no critério de inclusão, eis que há a primeira semente, o primeiro

sujeito que inaugura a bola de neve. Por ocasião do pouco tempo, agendo a entrevista

já para o dia seguinte, uma manhã de domingo. Portanto, o movimento de imersão no

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campo para observação, além da incorporação dos fatos econômicos obtidos pela

interação de camboriuenses com as pedras, foi capaz de nos trazer algo até então

inesperado: o surgimento da primeira pessoa a ser entrevistada. Aqui, chamo também

de primeira semente.

Antes de continuar, convém descrever como e com qual finalidade se darão as

entrevistas. Alinhados aos objetivos específicos já mencionados, entrevistar para essa

pesquisa abrange: colher histórias de vida e do trabalho, através de história oral;

confeccionar um roteiro semiestruturado para guiar a entrevista; tempo de duração e

local adequado; aparelho para gravação.

Vivências e experiências gerais sobre a vida dos trabalhadores e suas

implicações advindas do trabalho. É isso que se busca nas entrevistas: a história

contada pela oralidade do sujeito. De acordo com Ichikawa e Santos (2003, p. 2), a

história oral é “uma história do tempo presente, pois implica uma percepção do

passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está

acabado”.

Para Thompson (apud GOMES e SANTANA, 2010), a história oral pode

contribuir para “a construção da história econômica não só com a história dos grandes

'nomes' da economia mundial, como também de uma pequena firma de fundição de

ferro, de uma pequena cidade do interior, que não chegou a ser uma grande

companhia”. Um dado importante é que a História Oral possibilita captar as

experiências elaboradas por indivíduos pertencentes a categorias sociais cujas

percepções e intervenções geralmente são excluídas da história e documentação

oficiais das organizações. Assim, é possível registrar sua visão de mundo, suas

aspirações e utopias e, consequentemente, aquelas do grupo social ao qual

pertencem (GOMES e SANTANA, 2010).

Uma entrevista não objetiva simplesmente a troca mútua de pontos de vista.

Recolher pontos de vista e opiniões sobre qualquer tema é relevante numa entrevista

e as conversas são o principal modo de produção de conhecimento nas nossas

sociedades. O modelo de conversação, especialmente a sua versão conhecida do

“dia-a-dia”, deve tornar-se o modelo para entrevistas. Uma entrevista acontece com

duas pessoas em busca de conhecimento e compreensão em um esforço de

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conversação comum. O poder de conhecimento, se não outros tipos de poder, se situa

no lado do entrevistado. O que os pesquisadores têm a oferecer é a sua respeitosa e

interessada atenção. Histórias de vida individuais são composições únicas de

materiais acessíveis no repertório comum, mas é essa singularidade que é de

interesse para um estudante de narrativas pessoais (CZARNIAWSKA, 2004).

Entrevista narrativas possibilitam que o próprio jeito de se expressar dos

entrevistados seja preservado, induzindo a contar histórias, narras fatos, recordar

momentos de interessa ao pesquisador, e que surge a partir “da interação, da troca,

do diálogo entre entrevistador e participantes” (MUYLAERT et al, 2014, p. 194).

Como guia para o momento da entrevista em si, um roteiro semiestruturado foi

elaborado para que, sabendo que uma contação de história pode nos levar a assuntos

e temas importantes e sensíveis, mas inadequados para o tema pesquisado, o roteiro

contribui para mantermos a conversa dentro dos trilhos. Elege-se ser ele

semiestruturado (apêndice B) pois permite que novas perguntas sejam ditas na

circunstância da entrevista, não se prendendo a perguntas somente pré-elaboradas

pelo pesquisador e seu roteiro. Além de que novas perguntas, que surgem no calor

da entrevista, dão a entender que o entrevistador precisa estar atento as respostas

advindas de seu sujeito pesquisado. Se algo de interesse a pesquisa surge nas

respostas, novas perguntas também surgiram no próprio momento da entrevista

(MANZINI, 2004). O roteiro é subdividido em três partes: 1) apresentação geral, com

questões sobre aonde nasceu, como chegou a Camboriú e o que fazia antes de

trabalhar com pedras; 2) do trabalho, com aspectos para a formação, iniciação e modo

de se trabalhar com pedras; e 3) de história oral-oral, buscando fatos sobre a condição

oral (buco-dental, odontológica) dessas pessoas.

O local em que cada entrevista foi feita parte da decisão do entrevistado.

Primeiramente, por adotar a técnica da bola-de-neve para eleição dos sujeitos, foi

preciso encontrar cada pessoa a partir da referência citada por quem indicou. Nem

todos os endereços citados para achar as pessoas foram de fácil identificação. Assim,

recorri ao meu próprio pai e ao meu tio, que, por serem mais velhos e com ampla vida

vivida em Camboriú, acabaram auxiliando nessa busca pelas pessoas. Encontrada

cada pessoa, alguns optaram por ceder a entrevista no primeiro momento do contato

entre entrevistador/entrevistado. Outros preferiram marcar hora e dia, pois não podiam

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no momento do primeiro encontro.

Para realização das entrevistas, utilizou-se um gravador de voz da marca Sony,

modelo ICD-PX440, adquirido pelo mestrando. Após cada entrevista, o arquivo que

contém o áudio é transferido para um computador notebook Acer Aspire E15, para

posterior transcrição do material contido.

Diante do desafio de dialogar com pessoas – e pela incapacidade de prever o

comportamento delas, suas reações, queixas e angústias - recorro ao pensador

Mikhail Bakhtin e seus ensinamentos revistos por autores contemporâneos. O

princípio da alteridade como “espaço da constituição das individualidades”. O

entrevistado é um indivíduo de corpo biológico, em formação, constituído histórico-

geograficamente como sujeito. (FREITAS, 2013, pág. 12). Sendo tal, cabe a mim a

posição de deslocar-me para compreender a outra posição, retornando para a posição

original, “enriquecido pelo embate produtivo do encontro de consciências”. Considera-

se que sem esse deslocamento, essa busca pela horizontalidade nas relações sociais,

“o diálogo morre no seu nascedouro: são vozes mudas que falam a surdos” (Idem,

pág. 15). Desta forma, a interação entre pesquisador e pesquisado “há de ser

dialógica, sem submissão do outro à autoridade mesmo que científica” (Idem, pág.

27).

Dadas as condições para se iniciar a entrevista, foi feita a leitura do TCLE

(Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) e que pode ser visualizado no apêndice

A. Nenhuma das pessoas se recusou a assinar as duas vias do termo. Uma cópia é

recolhida pelo entrevistador-pesquisador e a outra ficando em posse de cada

entrevistado. Após leitura e assinaturas, inicia-se a gravação em si. As entrevistas-

narrativas foram realizadas nas casas das pessoas e/ou nos locais de trabalho, no

período compreendido entre novembro de 2016 e janeiro de 2017. O material coletado

foi transcrito e todos os participantes assinaram o TCLE.

4.2.1 Reflexões metodológicas advindas da entrevista com a semente 1

A entrevista com a semente 1, nomeado agora como P10, impactou-me de tal

modo que a pesquisa daqui em diante não foi a mesma. A gravação com duração de

noventa e nove (99) minutos contém informações preciosas, fluindo na mesma direção

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dos objetivos propostos. Porém, a partir de alguns relatos que me foram

confidenciados, chego a conclusão de que manter três sementes, todas elas com

história de trabalho no corte de pedras, não será suficiente para abraçar com justiça

os atores produtores de bens em pedra sob medida que geram a mercadoria-

pavimentação. Acompanhe meu pensamento: tenho um terreno e nele moro. E há

pedras. Elas são boas para corte sob medida. Eu possuo o conhecimento para tal.

Possuo também as ferramentas para execução. Executo. Agora, uma rocha única se

transformou em milhares de “bloquinhos” de paralelepípedos. Mas elas continuam ali,

no meu terreno, na minha casa. O que falta para que esses milhares de blocos virem

de fato um bem social?

Figura 2

A circulação das mercadorias. É esse o movimento que complementa o

trabalho do cortador. Após produzidos, os blocos necessitam de transporte. E para

que elas saiam do município, é preciso que alguém as leve ao destino. Portanto,

utilizando a linguagem dos protagonistas, é preciso conhecer os “puxadores” de

pedra. São eles os responsáveis pelo transporte das pedras. Assim, ocorre uma

modificação nas sementes da bola de neve, conforme demonstra a figura a seguir.

Se antes eram três sementes e todas formadas por pessoas broqueiras (sigla

BRQ na figura), agora, a partir do envolvimento coletado na primeira entrevista,

remove-se uma semente de broqueiro, substituindo por uma semente emergida do

campo dos “puxadores” de pedra (sigla PXD da figura). Sendo assim, pode-se

perceber uma nova onda, advinda da categoria dos “puxadores”, categoria essencial

para que as rochas camboriuenses se alterem em bens sociais.

Explicado os motivos da mudança, como selecionar tal semente do mundo das

pessoas que fizeram as pedras circularem? A resposta vem novamente das falas do

entrevistado P10. Ele cita com frequência que vendeu muitas pedras para um famoso

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comerciante de pedras da cidade, que por sua vez transportava ao destino. Por ser

da cidade, já conhecia esse cidadão, porém, não convive mais nesse mundo material.

Mas seu filho está vivo e, assim como o pai, também trabalhou puxando pedras e sei

aonde mora.

Vou ao encontro da possível semente dos puxadores para iniciar esta onda.

Aceito e aprovado nos critérios de inclusão, concordado e assinado o TCLE, acontece

a entrevista. Noventa (90) minutos de um diálogo extraordinário. Uma vida extenuante

carregando e descarregando pedras no caminhão. Horas e horas atento ao trânsito

na direção de veículos abarrotados de pedras. Histórias para contar não faltam.

Poderia ficar ali por dias escutando as narrativas de P30. Assim foi nomeada esta

semente: P30. E dessa interação, novas percepções no método.

Para dar sequência, cabe a atenção no seguinte raciocínio: tendo rochas,

habilidade e instrumental para reparti-las, em seguida, pessoas e máquinas para

transportar essas mercadorias do local de origem ao espaço de destino, o que ainda

falta? O entregador das pedras, ao chegar na cidade do comprador, descarregará o

caminhão. E o comprador, ficará olhando para aquilo ali despejado e fim da história?

Como aquelas pedras vendidas se transformam em pavimentação? O que se faz

necessário para que milhares de paralelepípedos virem calçamento de ruas e

avenidas?

4.2.2 Nasce outra semente

Peço ao leitor que não se chateie com as mudanças advindas ao longo do

trabalho. Pesquisa qualitativa é assim mesmo, é processo, é movimento. Começou

tendo três sementes e todas elas seriam broqueiros. Foi visto também que uma das

sementes que seria broqueiro virou puxador de pedra. Entrevistou-se o puxador de

pedra. Dali, das inferências produzidas na entrevista com a semente dos puxadores,

nasce a necessidade de outra semente para poder entregar a “obra pronta”: os

calceteiros e sua arte de colocar as pedras, calçar ruas públicas e também pátios de

empresas privadas. Com as rochas recortadas em paralelepípedos e transportadas,

entra em cena a pessoa responsável por colocar as pedras no chão, calçar, bater,

martelar, fugar, fixar, enfim, o trabalho dos calceteiros (sigla CCT da figura 3).

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Figura 3

De tal forma posta, prometo que as sementes não mais sofrerão alterações.

Está escalado o “time” da onda zero, agora com quatro (4) sementes: dois broqueiros,

um puxador e um calceteiro. Acredita-se, assim, que essa formação é capaz de

produzir bens sociais – calçamentos principalmente - a partir de interações com as

rochas. Agora, comparando com a primeira formação, não surgirão somente

informações das entrevistas de uma única profissão (cortador), mas de três (cortador,

puxador e calceteiro). Isso denota maior heterogeneidade nos resultados da bola de

neve, pois permite agregar ao universo amostral pessoas de diferentes áreas e

vivências econômicas, social e intelectual (SANCHEZ e NAPPO, 2002).

Para fins didáticos e para que não ocorra desvios na caminhada, tem-se até

agora duas entrevistas realizadas com sementes. Resta definir quem serão as outras

duas sementes que estão em aberto: uma para broqueiro e outra para a onda dos

calceteiros.

4.2.3 A experiente terceira semente

Para definir a outra semente dos broqueiros, opto por pensar em selecionar

uma pessoa com a idade mais avançada dentre os sobreviventes. Por conta da

imbricação na pesquisa, acabo atingindo outras pessoas de meu círculo de amizades

e familiar. Por conta dessa atmosfera fabricada, essas pessoas ao meu redor não

resistem e acabam contribuindo com sugestões a pesquisa. E uma delas eu acato.

Um amigo conterrâneo de longa data da família indica que seu pai cortou pedras “a

vida toda”. E tem 80 anos. Está vivo, lúcido e disposto. Realmente. Durante minha

imersão nesse mundo das pedras, não me deparei com ninguém que ultrapasse essa

idade toda. Sua residência não foi difícil de encontrar, pois é vizinho da casa aonde

meus avós moravam. Bato palmas na calçada e não demora para que atendam.

Sorridente, a esposa do mestre broqueiro solicita minha entrada na casa.

Dispensamos apresentações, pois já nos conhecemos. Cabe o ritual de explicar a

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pesquisa e o crivo do critério de seleção. A entrevista é brilhante com P20, nome

atribuído a esta pessoa. Saio daquela charmosa casa, que tem pilares de pedra na

varanda, com a sensação de ter acertado na escolha da semente. A entrevista durou

quarenta e seis (46) minutos.

4.2.4 Cresce a bola de neve

Não se esqueçam que das quatro sementes definidas, ainda há uma em aberto.

Quebrei a cabeça pensando em como selecionar um calceteiro. Cortadores e

puxadores, antes mesmo dessa pesquisa surgir, já haviam cruzado meu caminho pela

vida vivida em Camboriú. Só que calceteiros não me vem ninguém em mente.

Ponderando sobre o tempo que se esgota e afim de poupá-lo, decido seguir com as

entrevistas a partir das indicações das três sementes entrevistadas, deixando para

depois o problema da semente calceteiro. Assim, a quarta entrevista inaugura a onda

um, originária da onda zero.

P30, semente dos puxadores, indica um colega. Sem endereço exato, nem

telefone. As orientações partem de referências: “sabe ali o Bar do PL?” Sei. “Então,

entra ali, segue, vira na primeira à direita e depois na primeira à esquerda. É uma casa

que do lado tem um galpão de pedra”. Assim bem explicado, chego ao destino. Ele

não está em casa. Converso com a esposa, que pede para que retorne no mesmo

dia, mas mais a noite. Quando retorno, sinto o quanto aquela família me aguardava.

No pátio atrás da casa, uma mesa com a pessoa pretendida e seu filho pequeno ao

lado me aguardavam. Digo que não tem problema nenhum seu filho acompanhar a

gravação. Aliás, acho bonito aquela criança escutando atentamente as histórias de

vida e do trabalho que seu pai nos relata. É batizado este senhor como P31 e nossa

entrevista durou cinquenta e nove (59) minutos.

P20, uma das duas sementes broqueiras, indica sem nomear. Solicita, por estar

muito velho e há tempo aposentado, que eu me dirija ao galpão do comércio NTP que

lá encontrarei alguém. Indo ao ambiente mencionado, encontro um cortador já em

horário de saída do trabalho. Faço as explicações protocolares e a pessoa pede que

eu o acompanhe até em casa, que lá poderemos conversar. No caminho, eu e P21

descobrimos que somos parentes distantes. Sua esposa é tia de minha mãe. Em sua

casa, a entrevista é feita e dura cinquenta e sete (57) minutos.

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P21, este último que entrevistei, indica um personagem que me surpreende.

No terreno aonde está a casa de minha avó, há uma pequena banca do popular jogo

do bicho. Há décadas está ali e vejo frequentemente. O que não sabia é que a pessoa

que trabalha fazendo as apostas é um ex-cortador de pedras. E é ele o indicado por

P21. Nasce P22, do qual, por sua preferência, escolhe ser entrevistado ali mesmo.

Apesar de curta - vinte e três (23) minutos - em comparação as outras entrevistas,

muito conteúdo inédito em relação com as falas até então obtidas. P22 indica um

nome que já foi entrevistado: o P20. Aliás, são parentes. Peço outro nome. Repetindo

o que outro pesquisado já fez, P22 indica que eu vá até o comércio NTP, pois lá toparei

com alguém que cumpre as características pretendidas. Pelo avançar destas ondas,

parto para as outras que deixei em aberto.

P10, aquele primeiro dos primeiros entrevistados, indica uma pessoa que mora

também no interior de Camboriú. Sinto dificuldades em encontrar a casa do indicado,

por isso fui postergando. Chegada a hora, julgo necessário a presença de P10

novamente. Considero que fiz uma relação de amizade interessante com P10. Assim,

lanço a ideia de P10 me acompanhar para encontrarmos a casa do escondido P11.

Ele topa. Entra no carro comigo e logo chegamos a casa certa. Lá, encontro um senhor

com semblante cansado, mas gentil em nos receber. Entrevisto P11, que pouco fala.

Mas quando fala, fascina e gera um áudio de vinte e quatro (24) minutos. P11 indica

outro sujeito. Prevejo ali dificuldade em encontrar o próximo. Ultrapassando os limites

da gentileza, peço que P10, que me ajudou a encontrar P11, que de novo me socorra

a encontrar o provável P12. Ele atende, pois sabe aonde esse indicado mora.

Conseguimos (eu e P10) encontrar e entrevistar P12 no mesmo dia de P11.

Grata surpresa, dois no mesmo dia. P12, ao contrário de P11, é magro, baixo e fala

bastante. O gravador registrou cinquenta e três (53) minutos de contação. P12 aponta

o próximo. Agora, este eu sei bem aonde encontrar. Deixo P10 em sua casa

novamente, agradeço a cooperação e me despeço.

Pelas ocasiões que o destino nos impôs neste percurso metodológico, o

indicado por P12 eu já conheço. Coincidentemente, o indicado é a aquela mesma

pessoa com qual tive o primeiro contato, lá ainda na etapa de observação, quando a

pesquisa era apenas um bebê. Nosso reencontro foi diferente de todas as outras

entrevistas que fiz. Foi como retornar para casa: uma alegria histórica. Antes

informante-chave, agora vira P13, um dos protagonistas do universo de pessoas

selecionadas pela técnica bola de neve. O gravador indica trinta e três minutos (33)

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de gravação na hora que encerramos. Recordo as origens desta onda: P10 para P11,

P11 para P12, P12 para P13.

Voltando de novo no NTP por indicação de P22, abordo outro trabalhador, que

não aceita participar da pesquisa. Por sorte, há outro trabalhando. Este aceita.

Desabrocha o P23. Requisitos existentes, gravamos por vinte e um (21) minutos.

Notem que P23 já faz parte da onda três. Seus antecessores foram: P20 (semente,

onda zero), P21 (onda um) e P22 (onda dois). Portanto, há ondas de duas sementes

(P10 e P20) bem avançadas. Avançado também está o tempo e ainda persiste o

mistério sobre quem será a semente dos calceteiros. Mas é um problema que está

para acabar.

Para que as ondas fiquem parelhas, iguais em tamanho e quantidade, decido

interromper todas as ondas quando alcançado o quarto sujeito. Por exemplo, as ondas

das sementes P10 e P20, assim, estão concluídas. O esquema abaixo ilustra melhor

a atual situação.

Percebam que nosso universo busca o número de dezesseis (16) pessoas

entrevistadas. Tem-se até agora dez (10). Porém, desproporcional. Duas sementes-

ondas dos broqueiros concluídas, semente-ondas dos puxadores pela metade e dos

calceteiros, nada, nem mesmo a semente. Esta situação vinha me incomodando

internamente. Mas, como antes, os próprios trabalhadores me ajudaram.

Figura 4

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Assim que finalizei a entrevista com P23, já com o gravador desligado e pela

curiosidade de P23, conversamos sobre a pesquisa. Expus o problema em encontrar

uma semente para gerar ondas de calceteiros. De bate pronto, como quando um

jogador de futebol chuta a bola “de primeira”, ele responde: “eu conheço!”. Podes me

ajudar? “Claro! Tem esse meu vizinho aqui, a gente cortava junto, mas ele teve

problema e foi fazer calçamento”. Andamos um pouco. A tal pessoa morava bem

próximo a P23. Na nova casa, P23 chama e aparece um novo senhor. P23 me

apresenta. Questiono quanto a sua história, para comprovar se encaixa ou não nas

características pretendidas. E sim. Efetuamos a entrevista ali mesmo: eu, P23 e o

agora denominado P40. A tão buscada semente dos calceteiros se origina, portanto,

de uma indicação broqueira.

P40 é tranquilo, sereno. Fala bem. Vinte e três (23) minutos de diálogo gravado.

Saio daquela rua triplamente satisfeito: entrevistei P23, encontrei a semente e

entrevistei P40, e tenho em mãos um indicado pelo P40, outro calceteiro.

Talvez a pessoa mais difícil de encontrar foi o indicado pelo P40. Recorri a meu

pai. Nada. Recorri a meu tio, mais velho, conhecedor das vielas camboriuenses.

Achamos a casa da pessoa. A esposa informa que ele está “por aí”, pois nunca para

em casa. Esse “por aí” é algo bem genérico. Fomos de bar em bar do bairro. No

caminho para o terceiro, eis que achamos. Meu pai conhece a fisionomia da pessoa.

Se eu estive sozinho, mesmo cruzando seu caminho, não saberia identificar. Como

num demorado parto, nasce P41. Executamos a entrevista na rua mesmo. O ambiente

estava propicio. P41 me comoveu exageradamente. Trabalha com tudo que possa

imaginar. Passou mais tempo calçando ruas, mas também já cortou pedras,

transportou, limpou terrenos, construiu casas, mexeu com madeira...enfim, só não

ficou rico, como o próprio P41 diz, brincando. Nosso papo durou aconchegantes vinte

e quatro (24) minutos.

Deixando de lado as ondas calceteiras, preciso finalizar as dos puxadores. P31

indica P32. Sujeito forte de voz grossa, imponente. Pensei: esse será difícil entrevistar.

Que nada. Foi uma delícia. Uma casa confortável, ar condicionado ligado. O verão é

quente mesmo. Assim como a entrevista. Pensei que seria fria ou até que não sairia.

Feliz engano. Foram trinta e seis (36) minutos de conversa seguindo o roteiro

semiestruturado.

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P33, designado por P32, foi o mais feliz em me receber para entrevista.

Baixinho, é um grande prosador, tanto que nossa entrevista durou quarenta e sete

(47) minutos. Guarda relíquias do tempo de puxador de pedra, como um caderno de

contabilidade que registrava a quantidade de pedras que puxava de cada cortador.

Com ele, finaliza-se outra semente-onda.

P42, como seu “padrinho” de pesquisa P41, é forte. Um descendente de

alemão potente. Inclusive arranhou alguns dizeres em alemão, língua materna. A

entrevista durou o mesmo tempo que a de P33.

P43, imitando P42 e P41, é outro homem forte. Aliás, como são vigorosas estas

pessoas. A indicação de seu nome não foi muito exata. Acabei estabelecendo contato

através de mensagens com sua filha, que possui uma corretora de imóveis, única

referência que me foi passada. Esta décima sexta e última entrevista durou quarenta

e seis (46) minutos.

A coleta dos dados de ambas as etapas descritas foi iniciada após a aprovação

do projeto de pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do

Itajaí (UNIVALI). Todos os personagens participantes, seja na observação ou nas

entrevistas, leram, concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE, contido no apêndice A).

4.3 Uma boca cheia de pessoas

Foi possível perceber que durante a construção textual das pessoas

entrevistadas, por exigência ética, para não expor a pessoa, cada um recebeu um

código alfanumérico: a letra “P” seguida por dois números, como P22, P41, P33 e etc.

No intuito de personalizar o universo de sujeitos entrevistados e nomeá-los, evoco um

conhecimento que obtive durante a formação como graduando em Odontologia: o

odontograma.

Nossos dentes, cada um, possui um código universal para facilitar o

entendimento e a troca de informações entre os vários profissionais da área pelo

mundo, “para uso universal, cuja finalidade é tornar fácil a compreensão e o ensino”,

além de “fácil tradução” podendo ser entendida, independente da língua nacional.

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(LUZ e SGROTT, 2003, pág. 32). Desse modo, imagine uma boca. Agora, divida-a em

duas: o arco superior (os dentes da mandíbula) e o arco inferior (os dentes da maxila).

Em seguida, subdivida cada arco em dois iguais. Tem-se, portanto, quatro hemi-arcos

(também chamado de quadrantes): dois hemi-arcos superiores e dois inferiores.

“a forma mais prática é a identificação numérica, onde cada

elemento dental recebe um número referente ao quadrante a

que pertence e outro referente à sequência a partir da linha

média do indivíduo” (CAMARGO e KOSMANN, 2005, pág. 23).

A figura abaixo demonstra essa classificação dental.

Figura 5 (CAMARGO e KOSMANN, 2005, pág. 23)

Assim, significa dizer que cada elemento dental recebe um código (conjunto de

dois números). Po exemplo, o elemento dental 13, o primeiro número (1) do código

13, corresponde a sua posição dentre os 4 hemi-arcos. E o segundo numéro (3) do

código 13, aponta para o grupo de dente (no caso, dos caninos). Portanto, o dente 13

é o canino (3) do hemi-arco superior direito da boca. O dente 43, também é um canino

(3), porém é o canino direito da mandíbula.

E o que isso tem relação com essa pesquisa e os dezesseis (16) entrevistados?

Para iluminar vossa dúvida, aglomero as pessoas entrevistadas com base nessa

lógica de numeração dental. Cada pessoa entrevistada foi catalogada com um código

de dois dígitos numéricos, semelhante ao odontograma descrito anteriormente. O

primeiro número do código bi-numérico identifica a semente:

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1 = sujeitos pertencentes a onda da semente 1 (cortadores de pedra)

2 = sujeitos pertencentes a onda da semente 2 (também cortadores de pedra)

3 = sujeitos pertencentes a onda da semente 3 (puxadores de pedra)

4 = sujeitos pertencentes a onda da semente 4 (calceteiros de pedra)

O segundo número do código diz respeito a posição que a pessoa ocupa nas

ondas da bola-de-neve: 0, 1, 2 e 3. E todos eles são precedidos pela letra “P”, que

siginfica pessoa. Logo, o entrevistado que recebeu o código P32, sabe-se pelo (3) que

é da onda dos puxadores de pedra, e o segundo número, o 2, identifica que ele é da

onda dois. A figura a seguir simplifica este método.

Figura 6.

4.4 Procedimentos pós-coleta

As transcrições foram sendo feitas paralelamente a execução das entrevistas,

em documentos do Microsoft Word.

Para efeitos de categorização, os dados foram organizados, classificados e

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codificados a partir das seguintes etapas, proposta por Minayo (2010): a) Leitura

horizontal e exaustiva das entrevistas, procurando apreender o conteúdo manifesto

das falas sem interferência do pesquisador e sem contextualização. Esta etapa é

importante para a apreensão de expressões classificatórias; b) Leitura transversal,

aquela que corresponde ao recorte de cada expressão classificatória em unidade de

sentido ou tema ou subcategoria; e c) Reagrupamentos, para fechar as inúmeras

“gavetas” abertas, reagrupando-as em um número reduzido de unidades de sentido,

com o objetivo de construir as categorias de análise.

As expressões classificatórias foram agrupadas em unidades de subcategorias,

posteriormente escritas em dois quadros-branco justapostos, utilizando pincel atômico

(nas cores preto, azul e vermelho). Da relação com os dados surgiu a categoria

“Rochas brasileiras: do sofrimento à resistência”.

Perante esses textos e contextos, contradições de classe, e conflito de

interesses entre capital e humanidade, convergentes ao objeto de estudo, se

consegue pensar historicamente, para identificar com sobriedade intelectual a sua

própria tarefa no mundo, é possível encontrar certa serenidade mesmo no alvoroço

das contradições e abaixo da pressão da mais implacável necessidade (GRAMSCI,

1932 apud SPRIANO, 2014).

É sobre a finalidade deste pensar historicamente o objeto que a proposta se

debruça.

Considerando a hipótese do estudo, a de que a transformação do real sobre o

trabalho e movimentos correlatos no processo saúde-doença de um contexto de

produtores de bens em pedra se deu por meio de relações de hegemonia, a análise e

interpretação das narrativas será conduzida pela análise gramsciana da teoria da

hegemonia, e alguns conceitos relacionados.

A análise dos dados é conduzida pela abordagem ético-política, em perspectiva

dialética, tomando por base, portanto, a dimensão reflexivo-crítica para compreender

“o modo de”, isto é, o modo como a transformação do real foi se impondo ao trabalho

e gerando movimentos no processo saúde-doença de produtores de bens em pedra,

no contexto de Camboriú, SC (LIMA et al, 2016). Este método é uma adaptação do

método humanístico de análise da realidade cunhado por Gramsci como o método do

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“posto che”, cujo percurso é orientado pelo diálogo entre a historicidade do objeto e a

indagação de suas tendências contraditórias. Partindo desta interlocução, o

pensamento percorre um caminho em que uma nova realidade é incorporada à espera

de resposta, de nova análise (MANACORDA, 2012, p. 39).

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 Da observação-participante

5.1.1 Um cortador que não explode mais

Talhador, broqueiro, arigó de pedra, cortador, esquadrejador. Os nomes

atribuídos para as pessoas que trabalham cortando pedras sob medida são muitos.

Para este senhor, por enquanto, há uma miscelânea destas nomenclaturas.

Em Camboriú, de um bairro não próximo do Centro, mas também não zona

rural, encontro, na beira da via, num terreno de chão batido, um broqueiro. Como sabia

que ali é um local de prática de cortes de pedra? Para se proteger do sol, armam-se

estruturas de lona e madeira. Ao lado, duas pilhas (montes) de pedras: uma de

retângulos menores, de 10x10x5cm, as chamadas “bolachinhas”, usadas geralmente

para pavimentar calçadas; outra de retângulos rochosos médios, os paralelepípedos

que calçam ruas. Ambas já são produto da ação desse cortador, seu conhecimento e

seus instrumentais. Um pouco mais distante, mas no mesmo terreno, outras duas

pilhas, essas de blocos ainda não trabalhados e recortados: uma de bloco maior (de

onde resulta em alguns paralelepípedos) e outra de blocos menores, que se subdivide

em trinta e duas (32) “bolachinhas” de pedra.

O cortador que ali se encontra tem 59 anos, 35 desses no trabalho com pedra.

Apresento-me como pesquisador da Univali. Sendo aceito ali, inicio um diálogo tendo

como centro o trabalho e suas correlações. O trabalhador logo menciona que já

poderia estar aposentado, mas ficou um tempo sem contribuir para o INPS. Ele recebe

seu salário por produção. Cada milheiro (mil pedras) de paralelepípedo, recebe

R$ 500,00. Conta que tem sua carteira de trabalho assinada, mas o valor referente à

contribuição previdenciária é descontado. Quem assina é uma empresa local que

comercializa pedras sob medida. Aqui a chamo de comércio NTP. Este comércio é o

“dono” de uma pedreira (matacão aonde as pedras de granito são extraídas) que, após

removidas da natureza, são distribuídos esses grandes blocos para o trabalho peculiar

dos cortadores e suas técnicas de “abrir” pedras em tamanhos menores, retangular

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ou não.

Figura 7: praça de cortação de pedras.

Pode-se considerar que há uma divisão no trabalho. Este só corta. Já outros,

que ficam concentrados lá nessa tal pedreira, realizam o primeiro movimento de

extração de um elemento da natureza, através de aparelhos automatizados que

perfuram a pedra. No furo feito, colocam o material explosivo que, quando detonado,

abre a pedra. Aberta, é carregado num caminhão que leva os blocos até o encontro

dos cortadores. Além deste espaço que é coberto por lonas, visitei outros dois locais

em partes diferentes da cidade que também atuam broqueiros que recebem os blocos

da pedreira. Todos os espaços, a pedreira e o comércio em si é de propriedade do

comércio NTP.

Os destinos desses blocos trabalhados pela explosão e pelos cortes são vários.

Pode-se citar as cidades de Porto Alegre, Curitiba, Joinville, Itajaí, Balneário

Camboriú, Blumenau, Florianópolis, Ponta Grossa, Brusque e tantas outras. Camboriú

então, apesar da chegada das lajotas de concreto e do asfalto, ainda atua como

fornecedor de pedras para as outras cidades. O trabalhador quase sexagenário

também comentou que algumas pessoas vêm de Ibirama, SC, para trabalhar aqui,

visto que lá também tem extração, porém não se compara com Camboriú em termos

de quantidade produzida historicamente. Uma frase que me chamou a atenção: as

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pedras ficam e o pedreiro se vai (pedra tem, mas a renovação de “recurso humano”

não).

O experiente broqueiro me mostrou como se faz os cortes, explicou aonde

“pega o veio”, cortou as pedras na minha frente com suas habilidades e instrumentais

apropriados. As pedras do morro da pedreira já vêm com as marcas para o corte. E

quando não, ele, com a experiência, é capaz de identificar.

O simpático trabalhador citou a construção de “lajeadinhos” feitos pelo meu avô

paterno, o já falecido senhor Paulo Nunes. Citou que meu avô trabalhou um tempo

com pedras também, reforçando o fato de que a cortação de pedra era algo

encrustado nas pessoas que conviviam em Camboriú, considerando que meu avô

nasceu em 1914, tendo iniciado neste trabalho com pedras por volta da década de

1940, e falecido no início dos anos 1990.

Os cortes nas pedras são feitos no chão batido mesmo, em posição em que os

joelhos ficam flexionados, como se estivesse sentado em uma cadeira invisível. Tinha

uma garrafa de café do lado da qual tomamos um pouco. Explicou que o sistema

gerido pelo comércio NTP envolve cerca de 25 trabalhadores (entre cortadores e

extratores, em diferentes galpões ou lonas pela cidade).

Figura 8: outra praça de corte de pedras de beira de estrada.

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Portanto, a produção de bens em pedra sob medida serve para diversas

finalidades. Uma delas é a de constituir material para pavimentação de espaços

públicos, como ruas e calçadas. Nas ruas, os blocos de pedra são chamados de

paralelepípedos. Nas calçadas, são menores no tamanho e chamadas de

bolachinhas.

Com avanços tecnológicos mundo a fora, outros produtos surgem competindo com os

blocos de rocha pura na finalidade acima citada. Lajotas de concreto e asfalto

penetram o ambiente brasileiro, impactando a vida dos trabalhadores broqueiros e

seus blocos de rocha sob medida. Grande consumidor de paralelepípedos, o poder

público migra da compra de blocos de rocha para a compra de material sintético: as

lajotas e o asfalto, principalmente no final da década de 1980.

As informações obtidas neste primeiro contato forneceram os caminhos a

seguir.

5.1.2 Uma pedreira de mármore

Engana-se quem pensa que Camboriú não extrai mais mármore. A partir das

indicações referidas pelo broqueiro informante, pude chegar no local aonde ainda se

realiza extrações de mármore. O local é realmente mais afastado do Centro da cidade.

A interação foi rápida com um trabalhador que lá se encontrava. A pedreira de

mármore fica num bairro chamado Areal, ao sul da cidade, próximo à divisa com

Itapema.

O acesso a pedreira de mármore foi alcançado logo na primeira tentativa.

Apesar disso, não foi fácil. Fica em outro canto da cidade, numa parte mais ao sul,

num alto morro. Subo de carro até onde dá. Deixo o veículo estacionado e subo a pé.

Após uns 30 minutos encontro a mina. No local, trabalhadores me informam que o

mármore dali é da cor branco-areiado. São blocos bonitos. Não encontro o

proprietário. Foi uma visita rápida. Não por opção minha. As pessoas que ali estavam

não entenderam muito bem minhas intenções e percebo o incômodo que causo.

Retiro-me tendo observado algo nunca antes visto por mim: um paredão natural de

mármore. Morei 27 anos em Camboriú e logo quando estou em Itajaí por conta de um

mestrado, descubro e vejo uma riqueza desse tamanho na cidade camboriuense.

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5.1.3 Pedreiras de britagem

Além do trabalho altamente manual de corte de pedras de granito e da extração

de blocos de mármore, Camboriú dispõe de duas empresas que extraem pedras a

partir de sistemas de britagem.

Sistemas de britagem possuem aparelhos altamente tecnológicos e os

trabalhadores praticamente não encostam nas rochas, pois atuam como

operadores/motoristas das máquinas: caminhões, escavadeiras, esteiras.

Tive acesso a uma delas. O proprietário do britador prefere que o chame de

Roberto Carlos (RC). O local também fica afastado do Centro, na região do interior no

sentido oeste, na localidade denominada Vila da Pedra. Foi possível conhecer

praticamente todo o sistema, desde as explosões do paredão de granito até a entrega

da mercadoria de pedra britada à um destino em Itajaí, SC.

Para a explosão, exige-se a confecção de furos na rocha, as canaletas aonde

serão colocadas as dinamites, numa bitola de duas polegadas. A equipe que realiza

a explosão é externa, especializada e contratada periodicamente, com prévio

agendamento. O paredão de granito é dinamitado geralmente uma vez a cada 40 dias,

a depender da demanda de produção. O transporte do material explosivo é via

caminhão rastreado e necessita autorização do exército.

Figura 9: paredão de rocha do britador visitado.

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Após ocorrida a explosão, uma certa quantidade do paredão agora se

transforma em blocos de pedra de tamanhos irregulares. Um trabalhador opera um

rompedor hidráulico, espécie de escavadeira com um martelo na ponta ativa, para que

as pedras, ao receberem o impacto da máquina, possa quebrar em pedaços menores.

Figura 10: perímetro da mina da pedreira do britador

Após as quebras pela explosão e pelo rompedor hidráulico, outro trabalhador

opera uma escavadeira que ergue as pedras para encher a caçamba de um caminhão.

Outro operador, agora dirigindo o caminhão recheado de pedras, transporta esse

material para a primeira etapa do sistema de britagem, que irá decompor essas pedras

em vários tamanhos, do cascalho de pedra até o pó de brita.

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A primeira etapa do sistema de britagem nas esteiras de rolagem é denominada

de primário. Uma máquina chamada mandíbula faz o processo: é assim pois uma

parte (chapa) é fixa e a outra faz o movimento (de 5cm, de acordo com a regulagem)

e o que adentra esse espaço é triturado pelo contato entre a chapa fixa, a pedra e a

chapa que se movimenta. Daí a analogia com uma boca humana. Após o primário, as

pedras circulam por esteiras até a próxima etapa. Uma máquina chamada de HP300

que possui uma espécie de cone central que se movimenta comprimindo as paredes

internas, produzindo outra granulação de pedra. Dessa etapa, circula novamente por

esteiras, chegando a outro aparelho: o VSI, de alta rotação, que produz material mais

fino que o anterior.

Figura 11: vista superior da mandíbula do sistema de britagem.

As pedras, no processo de separação, circulam duas ou três vezes no mesmo

aparelho para que não passe a outra etapa as pedras com tamanhos irregulares ao

pretendido. Toda a “área” (conjunto das esteiras, do primário ao VSI) é operada por

um trabalhador que fica numa cabine fechada, pois a poeira produz uma nuvem que

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impossibilita a presença de pessoas sem que estejam protegidas por estruturas.

Figura 12: etapa primária do sistema de britagem e a esteira.

Figura 13: Sistema de britagem, esteiras, máquinas.

Esta pedreira, a partir de seus trabalhadores e equipamentos, é capaz de

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produzir: pó de brita, pedrisco, britas (tamanho zero (O), três quartos (¾), um (1) e

dois (2). Entregam também uma mistura, resultado da mescla da pedra maior

misturada com o pó (brita corrida).

5.1.4 Na boleia com Garça

Após presenciar o funcionamento do britador e suas etapas, decido

acompanhar o transporte da mercadoria, realizado por caminhões-caçamba. Cheguei

tarde a pedreira. O último caminhão e seu motorista já haviam saído do britador com

destino a Itajaí. Uma pessoa me informou que conseguiria, fazendo o caminho de

volta, encontrá-lo na estrada. Entrei no carro e retornei, atento a todo caminhão. Assim

que o pedaço urbano de Camboriú se aproximava, avistei o caminhão. Sinalizei, parei

e fui em direção ao motorista, que também parou: era o Garça. Estacionei meu veículo

na Av. Minas Gerais e segui na carona do caminhão de pedra.

A carga da vez é chamada de pedrisco e pesa 36,7 toneladas de carga. Para o

peso total, considerar mais 17 toneladas do caminhão. É a terceira viagem da manhã

somente do Garça, mas a empresa dispõe de outros três caminhões. Há uma estação

de rádio amador em cada carreta, em que os motoristas se comunicam sobre as

condições das estradas, acidentes, trechos movimentados, posição que se encontram

e até os planos para o final de semana. Há uma cordialidade exemplar entre os

“radialistas”.

O destino dessa carga é para uma empresa localizada na beira da BR-101 que

deseja ampliar seu pátio. Todo o pátio da empresa compradora foi construído com as

pedras desse britador. No local de descarregar, a lona de cima da caçamba é retirada

pelo Garça, que aciona o mecanismo de elevação da caçamba, alterando a posição

horizontal, para uma mais vertical (diagonal em relação ao chão), fazendo com que o

material escorregue pela gravidade e seja depositado no pátio da empresa. Feito o

descarrego, a caçamba retorna a sua posição inicial (horizontal). Após, Garça pega

uma espécie de marreta pequena e bate em cada pneu do caminhão, com a finalidade

de verificar se estão cheios ou vazios: “se estiver furado ele ‘bate oco’”, diz ele. Toda

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viagem que descarregou, tem que fazer isso.

Figura 14: descarregamento da mercadoria no destino.

Durante a viagem, relata que seus braços, ao segurar constantemente o

volante, não o incomodam, porém sente as pernas e coluna. Cita que machucou a

coluna quando tinha 14 anos. Trabalhava numa distribuidora. Foi pegar um engradado

de cerveja e se machucou. “Daí pra frente eu nunca mais prestei”, cita ele. Ficou um

mês engessado. Fez dois anos de natação como parte do tratamento. Não pode pegar

peso. Fraturou uma das vértebras da coluna.

No caminho de volta, chegando a Camboriú, me despeço de Garça. O meio dia

traz a fome: ele parou num restaurante para comer e eu segui meu destino. A viagem

de ida durou quarenta e dois (42) minutos. A volta, com o caminhão descarregado e

mais leve, foi mais rápida: durou trinta (30) minutos (volta, descarregado).

5.1.5 Um cortador que explode

A partir das indicações obtidas lá pelo primeiro contato com o cortador de

pedras debaixo das lonas, também consigo localizar um trabalhador que não está

vinculado a nenhuma empresa. Produz sozinho, do início (localização da rocha na

mata e explosão) até as subdivisões (cortes manuais produzindo bolachinhas,

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paralelepípedos e outros).

Figura 15: instrumental de trabalho do cortador de pedras

Figura 16: broqueiro trabalhando.

Relata que a mistura explosiva ele mesmo faz, mesclando enxofre, salitre e

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carvão. Trabalha assim desde a infância, quando aprendeu essa arte com seu pai.

Sua idade já ultrapassou a casa dos sessenta anos e sente certo cansaço no cotidiano

laboral. Relata que continua nisso pois “é a única coisa que aprendi a fazer” e por não

ter obtido a aposentadoria.

As ferramentas de metal, utilizadas para o processamento dos cortes e as

subdivisões nas rochas, possui há bastante tempo, exigindo reparos e afiação, que

ele mesmo faz. Conta que antigamente ele mesmo produzia as ferramentas, etapa

chamada de forja, utilizando bigornas, marretas e altas temperaturas.

Questionado se pararia caso conseguisse a aposentadoria, responde que não.

Não se sente bem ficando só em casa e necessita trabalhar de vez em quando. No

momento, está trabalhando numa pedra para confecção de uma pia de granito para

um comprador de Florianópolis.

Seu local de trabalho atual é no Morro do Japão, localizado no bairro Rio

Pequeno. Dirige-se de sua casa até o local de bicicleta, saindo cedo, às 6h da manhã,

e com retorno geralmente pelo meio da tarde, lá pelas 15 ou 16h.

5.1.6 Espaços de produção de mercadorias a partir da interação ser humano e rochas

Condensando as informações até aqui, tem-se atualmente em Camboriú os

seguintes locais que produzem bens em pedra: (1) três britadores administrados por

duas diferentes empresas; (2) uma pedreira de mármore gerenciado por um

empresário local; (3) comércio de pedras NTP, com pedreira em matacão e praças de

corte pela cidade; (4) e trabalhador cortador (broqueiro) autônomo, que trabalha por

conta própria, realizando desde a explosão até os cortes produzindo paralelepípedos

ou outros objetos quando há encomenda particular pelo serviço.

Pode ser que existam outros espaços de produção de bens em pedra, porém,

foram estes os visitados para a pesquisa.

5.2 Das entrevistas-narrativas e discussão com os dados

A partir da metodologia exposta no percurso metodológico, dezesseis (16)

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97

pessoas formaram o universo de participantes entrevistados. Após as transcrições do

material registrado pelo gravador de voz, o conteúdo gerou quatrocentas e quarenta

(440) páginas. Do interior deste aparato, algumas informações consideradas

momentaneamente mais destacadas revelam-se aqui, neste subtópico e, conforme já

mencionado, nos artigos anexados.

Nome Atividade Idade Escolaridade

Ativo no trabalho

com pedras?

P10 Cortador 63 Não sabe Não

P11 Cortador 70 Fundamental incompleto

Não

P12 Cortador 60 Fundamental incompleto

Sim

P13 Cortador 59 Fundamental incompleto

Sim

P20 Cortador 80 Fundamental incompleto

Não

P21 Cortador 65 Fundamental incompleto

Sim

P22 Cortador 65 Fundamental incompleto

Não

P23 Cortador 67 Fundamental incompleto

Sim

P30 Puxador 56 Médio completo Não

P31 Puxador 50 Fundamental

completo Sim

P32 Puxador 67 Fundamental incompleto

Não

P33 Puxador 62 Fundamental incompleto

Não

P40 Calceteiro 63 Fundamental incompleto

Sim

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98

P41 Calceteiro 66 Fundamental incompleto

Sim

P42 Calceteiro 55 Fundamental incompleto

Sim

P43 Calceteiro 76 Fundamental incompleto

Não

Quadro 2: condensado que caracteriza o perfil dos entrevistados.

A faixa etária dos participantes, portanto, compreende dos 50 aos 80 anos. Dos

quinze (15) entrevistados que souberam responder sua escolaridade, treze (13) não

possuem o ensino fundamental completo, um (1) diz ter concluído o ensino

fundamental e um (1) relata ter terminado o ensino médio. Metade dos entrevistados

mencionam que continuam exercendo sua profissão relacionada a atividades com

pedras.

Questão pertinente surgidas nas entrevistas faz menção a relação com a terra

(propriedade privada, meio de trabalho). Nem todas as pessoas que se aventuram ou

se aventuraram nessa arte com pedras possuem terra, propriedades. Condição

irrigada pelo ordenamento de nossa relação com a propriedade de produção: privada.

Sem terras, sem pedras. Ainda assim, tendo incorporado o saber de praticar a arte

que produz bens em pedra sob medida, os trabalhadores sem-terra e sem-pedras

optam por vender sua força de trabalho a terceiros. Mesmo sem terras, pedras,

propriedades ou participação societária em empresas, uma “coisa” ainda tenho: minha

própria força de trabalho. Vou em busca de quem tem as pedras ou os meios de

produção. Sem os meios, vendo-a à quem tem, adquirindo condições subalternas,

“hierarquizadas pela posição econômica” (BUTTIGIEG, 2017, p. 746).

Tal venda da própria força de trabalho, no contexto estudado, pode ser visto

em duas situações. A primeira, exige que nosso raciocínio construa dois personagens:

o dono da terra e o trabalhador-produtor. Dado um determinado pedaço de chão

camboriuense, com pedras aptas ao corte, tem-se um dono da terra. Este dono não

possui vínculo nenhum com a arte de cortas pedras. Mas outras pessoas sim. Um

produtor que quer e sabe trabalhar, caso queira produzir em terras alheias, terá que

se submeter a um regime de arrendamento.

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“[...] arrendava o terreno. Nós sempre trabalhemo arrendado. [...]

Se tirasse mil pedras, cem ficava pro cara [dono da terra]” (P10)

“Arrendava a pedra deles. [...] pagava por milheiro. No caso,

pagava dez por cento [10%]” (P22) “Dez por cento [10%] de

renda. Fazia dez mil pedras, pagava um [mil] pro dono da terra”

(P23).

Pela lógica apresentada, um dono de terra que supostamente arrenda suas

pedras a dez (10) pessoas cortadoras, estará apropriando o equivalente a 100% da

produção de uma pessoa cortadora, sem precisar dispender força de trabalho alguma,

apenas por ser o dono da terra. Os 90% que ficam ao produtor, este se encarrega de

vendê-las a quem precisa. Mesmo sem compreender exatamente de economia e

propriedades, o produtor de bens em pedra segue sua vida. Não teve opção senão

seguir o modelo de formação econômico-social de seu país. Nação cuja qual adota a

propriedade privada em detrimento da comum desde o “descobrimento” e a

implantação pela Coroa portuguesa das quinze (15) capitanias hereditárias, espécie

de “estados” brasileiros, se comparadas à atual configuração territorial brasileira. Por

imposição da violência (diferente da “forma moderna de domínio” (FILLIPINI, 2017, p.

309), o consenso), fez-se hegemonia o poder português sobre terras tupiniquins. Com

a promulgação da República brasileira (1889), manteve-se a relação hegemônica de

domínio da terra em posses privadas para finalidade de produção de mercadorias. A

relação pedagógica (ou relação hegemônica) travada entre o personagem dono da

terra e o personagem trabalhador-produtor articula-se não através da violência – como

no caso da invasão portuguesa de 1500 – mas de consenso. O trabalhador-produtor

concorda em entregar 10% para outro ser humano simplesmente por ser ele o

possuidor daquela propriedade. Não cabe agora entrar em detalhes do modo como

qual essa terra tornou-se sua propriedade.

A segunda situação encontrada exige que se imagine também dois

personagens, semelhantes à primeira situação. Porém, o dono da terra aqui já se

constitui por uma empresa de comércio de pedras, chamada de comércio NTP. O

segundo personagem da situação continua sendo o trabalhador-produtor sem-terra.

Aqui, além de dono da terra, a empresa NTP possui o maquinário e os instrumentais

de trabalho. O trabalhador dirige-se a empresa. Contratado, inicia seu trabalho. Aqui,

diferente da primeira situação, toda a produção fica em posse da empresa, que, em

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contrapartida, paga um salário ao produtor. Um salário, vale dizer, por produção.

“[...] nós trabalhamo por produção” (P12) “É por produção” (P40)

“Se fez, fez. Se não fez, não ganha nada” (P23).

Apesar de aparente justiça nos acordos pelo modelo de produção, privilegiando

quem mais produz, quem mais trabalha, o valor, “ou seja, a relação entre trabalhador

e forças industriais”, pago e definido por decisão hegemônica dos compradores de

força de trabalho, não reflete seu real valor, considerando que esta arte, assim como

a dentária, exige “certas operações industriais de precisão, [...] cuja capacidade se

baseia precisamente na extrema sensibilidade da vista, do tato, da rapidez do gesto”

(GRAMSCI, 1981, p. 67).

“Nós fizemos mil pedras por R$520,00” (P21).

Voltando o olhar para a segunda situação descrita, a relação empresa NTP e

trabalhador-produtor. Agora, além de proprietário da terra, as pessoas donas

constituíram uma empresa de venda de pedras. Compra e venda de pedras? Não.

Vende pedras, mas o que compra, na realidade, é força de trabalho. O trabalhador-

produtor vende sua força de trabalho à empresa em troca de um salário, um valor

definido pelo comprador. Pode-se novamente dizer que se trata de uma relação de

hegemonia passiva. Mas preferimos abstrair: como contribuir para que essa relação

entre pessoas seja ativa?

Primeiramente, exige-se horizontalidade nas decisões. Estímulo para que

todos participem das decisões. Assim, considerando apenas esse caso, o da definição

do valor pago pelo trabalho, para que o ato decisório seja fruto de consenso ativo, o

produtor-trabalhador deve participar do diálogo de construção dessa decisão, pois,

quando “se torna dirigente e responsável pela atividade econômica de massa”, ocorre

uma “revisão de todo o modo de pensar, já que ocorreu uma modificação no modo de

ser social” (GRAMSCI, 1981, p. 23). Seja através de organização sindical, conselhos

de fábrica ou qualquer outro recurso. Muitas outras frentes precisariam ser combatidas

para que essa relação social de produção se transforme em uma relação hegemônica

entre iguais, como o modo como concebemos a propriedade da terra e seus produtos,

à dizer, exigem-se alterações na política macroeconômica global caso intentemos

sonhar com saúde – pelo conceito da Oitava (BRASIL, 1986) - e solidariedade nas

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101

relações sociais.

O sistema de pagamento por produção também impacta aos mais velhos. Uma

coisa é produzir quando se tem 25, 30 ou 35 anos de idade. Outra, é produzir quanto

se tem 60 ou 65 anos. Vale frisar que a faixa etária encontrada nos dezesseis

participantes varia de 50 a 80 anos de idade. Portanto, uma população a certo ponto

envelhecida, que tende a se extinguir visto a não renovação humana.

“O cara vai cansando, não é fácil. Eu vou pra sessenta e sete

[(67) anos]” (P23).

Portanto, entende-se que formação econômico-social age hegemonicamente

sobre os indivíduos e os coletivos. Caso a FES fosse outra, com outra relação de

propriedade que não a privada, não haveria necessidade de vender-se, evitando a

erupção da subalternidade, ao menos nas relações de produção. Com um lado da

moeda se apropriando dos meios e dos produtos, o outro lado, caso queira sobreviver,

terá que se submeter ao primeiro, firmando a subalternidade econômica nas relações

sociais de produção, impossibilitando o progresso real da civilização, aquele que se

observa quando existe igualdade de oportunidades a todos os sujeitos participantes

(GRAMSCI, 1981).

Quanto ao destino da produção histórica de bens em pedra produzidos em

território camboriuense, diversas cidades receberam as mercadorias em pedra. A

partir das falas dos participantes, pode-se elencar as seguintes: Itajaí, Blumenau,

Florianópolis, Rio de Janeiro, Joinville, Curitiba, Timbó, Brusque, Tijucas, Rio do Sul,

Nova Trento, Balneário Camboriú, Palhoça, Indaial, São João Batista, Itapema, Santo

Amaro da Imperatriz, Imbituba, São José, São Pedro de Alcântara, Canelinha, Major

Gercino, Porto Belo, Tubarão, Pomerode, Ponta Grossa, Vila Velha, Jaraguá do Sul,

Ilhota, Gaspar, Piçarras, Barra Velha, Navegantes e Concórdia. Blocos de mármore

chegaram a ser exportados para Uruguai, Argentina, Chile e Espanha.

Quanto às localidades aonde eram (alguns poucos ainda são) extraídas as

pedras em Camboriú, pode-se citar alguns morros. Os nomes dos locais (geralmente

em morros) nem sempre representam a denominação oficial. Cito: Morro do Areal,

Morro da Congonha, Morro do Rio Pequeno, Morro do Japonês, Morro da Bicha Rata,

Morro do Guapuruvu, Morro do Encano, Morro da Coruja, Morro da Corrida, Morro do

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Janga, Morro do Preto, Morro do Cedro, Morro do Abacaxi, Morro da Toca, Morro do

Germano e Morro Grande.

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103

5.3 Três propostas de artigos

5.3.1 Artigo 1

Saúde encontra Gramsci: caminho entre pedras

Resumo

Há quase cem anos, rochas e pessoas de Camboriú, SC, Brasil, geram bens sociais

produzindo pedras, portanto, um trabalho brotado em solo capitalista. Cotidianos dos

trabalhadores determinam coletivamente os processos de saúde e doença. O estudo

aqui apresentado descreve uma proposta de análise do trabalho na mineração e

movimento relacionados com o processo saúde-doença, fruto de indagações ao

definir o aporte teórico-conceitual e metodológico de uma investigação de mestrado,

categorizado preliminarmente “Rochas brasileiras: do sofrimento à resistência”. A

discussão lança luzes à teoria da hegemonia em diálogo com a realidade exposta.

Palavras-chave: Saúde. Trabalho. Análise de dados. Hegemonia.

Abstract

Almost one hundred years ago, Camboriú’s stones and people create social goods, therefore, a work sprouted in capitalist land. Everyday workers collectively determine health / disease processes. The present study describes a proposition of analysis of the work in mining and the related movements to the health-disease process, the result of inquiries in defining the theoretical-conceptual and methodological contribution of a master's research, preliminarily categorized "Brazilian stones: from the suffering to the resistance ". To the discussion, the theory of hegemony arises in dialogue with the exposed reality.

Palavras-chave: Health. Work. Data analysis. Hegemony.

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1 INTRODUÇÃO

Figura I

Figura II

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Quantas histórias da vida já foram e serão contadas tendo esses bancos de

pedra (figuras I e II) como palco? Será que “eles” sempre foram bancos de pedra?

Não nos atreveremos a responder. Nossa proposta neste artigo é outra, a de

descrever os movimentos preliminares engendrados em uma pesquisa de mestrado

que tem por objetivo problematizar a relação entre o trabalho, a determinação social

do processo saúde-doença e a transformação do real, no contexto da produção de

bens em pedra de um município do sul do Brasil. Missão elaborada mirando responder

o seguinte problema de pesquisa: de que modo a transformação do real foi se impondo

ao trabalho – dos anos de 1960 ao contemporâneo - e gerando movimentos no

processo saúde-doença de produtores de bens em pedra? A hipótese é que este

‘modo de’ foi processado por relações de hegemonia.

Este artigo desenvolve-se apresentando: breve relato da construção da

pesquisa; pinceladas pelo percurso metodológico de obtenção e classificação dos

dados; apontamentos do encontro do objeto com Gramsci; a teoria da hegemonia e

concepção de mundo; o método humanístico de análise da realidade; e, para concluir,

as considerações não finais, seguidas pelas referências.

Em que contexto o objeto de estudo - o trabalho e processos correlatos -, será

analisado?

Camboriú é há décadas regionalmente conhecida como a “capital do mármore

e do granito”. É historicamente destaque nesse trabalho, conforme relatam moradores

em matéria ilustrada (em dezembro de 2012, edição n. 197) do Jornal Linha Popular.

Ampliando contato com bibliografia local, relatos expõem as mutilações ocasionadas

pela extração de pedra no município, tais como perdas, desde dedos e audição, até

membros superiores e inferiores inteiros ou mesmo a morte1,2. Entre dúvidas, a maior:

de que modo a transformação do real foi se impondo a este trabalho?

Três conceitos-chave conduziram o marco teórico do estudo: saúde do

trabalhador, determinação social e saúde social.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

Para Laurell e Noriega (1989), a abordagem em saúde do trabalhador assume

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que, na análise do processo saúde-doença, o trabalho tem um papel fundamental em

sua determinação3. Saúde do trabalhador que considera o trabalho, enquanto

organizador da vida social, como o espaço de dominação e submissão do trabalhador

pelo capital, mas, igualmente, de resistência, de constituição, e do fazer histórico4.

Enquanto um modelo teórico explicativo do processo saúde-doença, a

determinação social sustenta que as formas como a sociedade se organiza para

produzir os elementos infraestruturais atuam diretamente na condição de saúde dos

povos. As relações de propriedade e divisão do trabalho, no sistema produtivo

capitalista, geram contradições imanentes e abismos sociais5.

Segundo Nikolai Semashko, comissário da saúde do povo na União Soviética6,

na ocasião da Revolução Russa, em 1917, saúde social é determinada pelo regime

sociopolítico-econômico e pelas condições de vida coletiva que destes dependem7.

Nesta perspectiva, o fator etiológico de doenças é sociedade8. Ou seja, os fatores

naturais e biológicos interferem na vida humana, no processo saúde-doença, “pero de

un modo indireto, sólo atraves de las condiciones sociales”6.

Consultando relatos de obras clássicas - como os de Bernardino Ramazzini,

em seu livro De Morbis Artificum Diatriba9, em que o autor expõe mais de oitenta

doenças descobertas por ele, em 1700, a partir da observação, vinculadas ao trabalho

de 53 profissões10; os de Rudolf Virchow, sobre a incapacidade do modus operandi

da medicina oficial na questão da epidemia de febre tifoide na Alta Silésia, em 184811;

e os de Giovanni Berlinguer (1983) sobre as condições de trabalho dos operários

italianos, no contexto do século XX, observamos o modo como a sociedade de classes

e suas imposições denunciam a produção de sofrimentos específicos, doenças do

trabalho e iniquidades sociais da formação econômico-social dominante12. Engels

(2015), no século XIX, elabora o termo assassinato social para tipificar as práticas da

sociedade burguesa da sua época13. Entre homens livres e escravos, patrão e

empregado, burgueses e proletários, detentores dos meios de produção e vendedores

de força de trabalho, a “natureza não faz distinção”. A sociedade sim e “essa diferença

não é justa”14.

Sobre o processo saúde-doença, há uma exigência inicial: assumir um conceito

de saúde – e seus desdobramentos externos. Defendemos o conquistado pela VIII

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107

Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que guarda similitude com o conceito social

da Revolução Russa: saúde é, “antes de tudo, o resultado das formas de organização

social de produção”15. Reconhecemos que este conceito original foi travestido, sendo

desdobrado por uma nova roupagem quando da sua disposição no texto da Lei

Orgânica da Saúde, nº 8080/90, sob os ventos neoliberais dos anos 90. Outro

desdobramento, e perante forças externas opressoras, faz-se resistente o

entendimento de saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

como “capacidade de lutar contra tudo o que [n]os agride e [n]os ameaça”16.

O levantamento de campo desta pesquisa qualitativa de mestrado, do tipo

estudo de caso único e abordagem ético-política, em perspectiva dialética17, foi

realizado em dois momentos: primeiro, observação/interação com as unidades atuais

de produção de bens em pedra em Camboriú, no propósito de “entender as

características que definem um determinado sistema limitado”18. Concluído, partimos

para o segundo momento: as entrevistas. Cortadores (8), transportadores (4) e

colocadores de pedra (4) são os sujeitos que compõem o universo das dezesseis

(16/8+4+4) pessoas selecionadas, construído pela técnica da bola-de-neve19. Estes

protagonistas foram entrevistados individualmente a partir de um roteiro

semiestruturado, com o objetivo de propiciar o relato de histórias orais, como “história

do tempo presente, pois implica uma percepção do passado como algo que tem

continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado”20. Um gravador de voz

foi utilizado para o registro e, após transcritos, os 16 áudios geraram conteúdo extenso

e denso.

O conteúdo coletado pelas entrevistas foi organizado, classificado e codificado

com base no método proposto por Minayo21. Da relação com os dados surgiu,

preliminarmente, a categoria “Rochas brasileiras: do sofrimento à resistência”.

3 O ENCONTRO DO OBJETO COM GRAMSCI

Perante esses textos e contextos, contradições de classe, e conflito de

interesses entre capital e humanidade, convergentes ao objeto de estudo, “se

consegue pensar historicamente, para identificar com sobriedade intelectual a sua

própria tarefa no mundo, é possível encontrar certa serenidade mesmo no alvoroço

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das contradições e abaixo da pressão da mais implacável necessidade”22.

É sobre a finalidade deste pensar historicamente o objeto que a proposta se

debruça.

Considerando a hipótese do estudo, a de que a transformação do real sobre o

trabalho e movimentos correlatos no processo saúde-doença de um contexto de

produtores de bens em pedra se deu por meio de relações de hegemonia, a análise e

interpretação das narrativas será conduzida pela análise gramsciana da teoria da

hegemonia, e alguns conceitos relacionados.

4 A PREOCUPAÇÃO DE GRAMSCI COM OS SUBALTERNOS

Ao afirmar que “o homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma

clara consciência teórica desta sua ação, que, não obstante, é um conhecimento do

mundo na medida em que o transforma”23, percebe-se uma preocupação coletiva, não

somente com os intelectuais, mas com o cuidado em trazer para a discussão o papel

dos muitos trabalhadores simplórios e de suas forças que, dispendidas sobre o objeto

de trabalho, transformam a natureza em bens utilizados socialmente.

A filosofia da práxis lança as luzes para clarear esta consciência teórica

escurecida, adormecida na vida dos simplórios. Diferencia-se de outras filosofias por

não conciliar “interesses opostos e contraditórios”. Ao contrário, luta para resolver

ativamente as “contradições existentes na história e na sociedade”24.

É a expressão destas classes subalternas, que querem educar

a si mesmas na arte de governo e que tem interesse em

conhecer todas as verdades – inclusive as desagradáveis23:270.

Assim, visando à emancipação dos grupos ou classes subalternas, Gramsci

desenvolve sua filosofia da práxis para que não seja “um instrumento de governo de

grupos dominantes”, mas para “combater as ideologias modernas”, superando o

senso comum das massas, “a fim de poder constituir o próprio grupo de intelectuais”,

educando o povo subalterno, “cuja cultura é medieval”. Sem embargo, a filosofia da

práxis é “a ideologia que organiza esta classe [subalterna] para a conquista e exercício

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da hegemonia”23.

Aliás, uma nova hegemonia. Ideologias que tratam passivamente a relação

contraditória do modelo de produção funcionam como:

[...] meras ilusões para os governados, um engano sofrido,

enquanto são para os governantes, um engano desejado e

consciente. [Ao contrário,] para a filosofia da práxis, as

ideologias não são de modo algum arbitrárias: elas são fatos

históricos reais, que devem ser combatidos e denunciados em

sua natureza de instrumentos de domínio23:269-270.

Combatê-las em sua “forma mais refinada” passa a ser o norte pretendido pela

filosofia da práxis, assim, tornando “os governados intelectualmente independentes

dos governantes” ao ser a ideologia construtora de intelectuais orgânicos, que não se

desprendem de sua origem, de sua classe “para destruir uma hegemonia e criar uma

outra, como momento necessário da inversão da praxis”23, pela “conquista da

hegemonia” com direção das “classes populares nas complexas sociedades

contemporâneas”25.

“Relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”.

Encarcerado, Gramsci aprisionou essas palavras que nos servem de guia ao

desenvolvimento deste item. Livres e unidas, foram trazidas pelo autor Joseph

Buttigieg, que junto a outros dezenove (19) textos, integram o livro Ler Gramsci,

entender a realidade, organizado por Coutinho e Teixeira (2003).

A obra gramsciana não dedica um caderno especial para conceituar ou

demarcar o conceito de hegemonia. Gramsci “jamais pensou em reunir as inúmeras

notas que tratam direta e explicitamente da questão da hegemonia”26. É dever

empreender uma leitura concisa e apurada de todos os cadernos, na sequência

cronológica de redação para que se possa ter uma “compreensão integral do conceito

gramsciano de hegemonia”26. “A análise de fenômenos específicos”, as realidades

italianas e mundiais do período compreendido entre as duas grandes guerras

mundiais, atravessaram seu caminho. Passagens e ensaios, distribuídos em diversos

trechos fatuais dos Cadernos do cárcere levam “Gramsci a considerar o emprego do

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termo hegemonia” e configura o “núcleo central da filosofia política do Gramsci

maduro”26.

Com a insurgência dos dados coletados, trazer à nossa companhia o autor

italiano e, ademais, seus célebres e extensos escritos carcerários, mas respeitando o

tempo dado de dois (2) anos para conclusão de um trabalho de mestrado, não teremos

como mergulhar integralmente em sua produção. À vista disso, tentaremos dar uma

forma inicial a partir de estudiosos nacionais e internacionais.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para esclarecimento ao leitor, cada um dos dezesseis (16) entrevistados nesta

pesquisa recebeu um codinome, identificado pela letra P, seguida por dois números

arábicos, como P31, P23, P20 e etc.

5.1 Hegemonia nas pedras

Diversas amputações imputadas pelo modo de se trabalhar e os perigos

provenientes surgiram nos relatos das entrevistas. Etapa necessária para extração de

pedras, a aplicação do fogo e as explosões ocasionaram mutilações e mortes:

“Dois irmãos num dia só morreram, [...] um esmagou e o outro

bateu e jogou” (P10) “Coisinha leve assim, perde uma mão”

(P23) “Muita gente com um olho cego e sem mão, porque

explodia a mina. [...] Tem o DD, tem o JP. [...] Uns sem a mão,

outros sem o dedo, outros cegos, outros com os dedos tudo

torto” (P31) “Quando explodiu fiquei praticamente cego” (P20).

Não menos brutal como os fatos mencionados acima, a relação de trabalho

entre os atores e como a transformação do real foi impondo condições a estes

trabalhadores também é digna de nota, conforme observaremos a seguir.

Hegemonia “é uma relação educacional”26, que pode ser tanto por consenso

passivo como ativo, e “existe em toda a sociedade, não apenas nas relações

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escolares”.

[...] “fazia mil pedras [de paralelepípedos] por semana. [...] O

PdoP30 queria muito. [...] Então não ia fazer só mil pedra por

semana. Ia fazer três [mil paralelepípedos], eles queriam

comprar mesmo. [...] Essa coisa de avacalhação” (P22).

Como nessa fala de um cortador de pedras (P22), fazendo referência a um

comprador (PdoP30). Há uma relação pedagógica entre o pedido por maior produção

do PdoP30 e o trabalho produtor do P22. Claramente há uma “conversa” entre os dois

sujeitos, que produz resultados, e que nenhum deles sai inalterado desse diálogo. O

PdoP30 quer mais pedras por semana e, não sendo ele o produtor, comprará de um

terceiro, o P22. P22 tem o costume de fabricar mil paralelepípedos por semana. Sua

produção segue um método. Alterada a quantidade produzida, preservado o mesmo

período de tempo, alteram-se os meios de se produzir. Faz mais rápido. Maior rapidez

no pedido causa, como dito, avacalhação: os paralelepípedos dessa produção não

terão as mesmas perfeições dimensionais do método anterior (que será um problema

para o colocador de pedras que antes estava acostumado com seus objetos

tridimensionais regulares). Mas a semelhança de tamanho dimensional antes tida

entre os milhares de paralelepípedos de pedra não é uma preocupação do comprador

PdoP30, afinal, as pedras não são para uso próprio. O comprador PdoP30 é um

comerciante de pedras: compra do P22 para vender a outros, nesse caso, uma

Prefeitura que deseja calçar suas ruas.

E como P22 aceita essa condição? Outros cortadores também se depararam

com essa situação em seu cotidiano? Por que não se negaram? Estavam organizados

para isso? Não se sabe. Não vendo “capacidade de tornar-se protagonista de sua

própria história”25, sabe-se que há uma relação hegemônica consensual passiva. Pela

conversa, P22, sem resistir, sem expor seu lado, trabalha. E o que leva PdoP30 a

querer comprar mais pedras do que antes? Certamente receberá mais dinheiro em

menos tempo, pois consegue agora vender mais que antes. Há um pensamento lógico

de acumulação de capital que não foi forjado geneticamente por PdoP30. Inserido no

contexto capitalista brasileiro, por relação hegemônica com o sistema, age em pleno

direito de usufruir dos resultados de seu trabalho comercial. Portanto, cabe

complementar, “operações de hegemonia” se orquestram por:

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[...] “atividades e iniciativas de uma ampla rede de organizações

culturais, movimentos políticos e instituições educacionais que

difundem sua concepção de mundo e seus valores capilarmente

pela sociedade”26:46.

Corroborando com o raciocínio, Gramsci convence-se “que a formação da

personalidade acontece no processo histórico, no terreno da disputa hegemônica”27.

5.2 E como se concebe uma concepção de mundo?

Da Itália, Antonio Gramsci, pensador e ativista, resgata weltanschauung, termo

da filosofia clássica alemã que trata de uma “visão de mundo” integral, ampliada. Ou

mundivisão, cosmovisão. Para o italiano sardo, essa visão/ação macro de mundo

elabora-se por três unidades constitutivas - economia, filosofia e política - e necessita

“convertibilidade de uma na outra”, para que cada uma das unidades possa conversar

com a outra, possibilitando “tradução recíproca” de uma com todas, sem desintegrar

o sistema que as relaciona, formando um “círculo homogêneo”23.

Quadro 1, ilustrativo para compreensão da lógica gramsciana de concepção de

mundo.

Na economia, o “centro unitário” da relação entre trabalhador e forças

industriais de produção é o valor, com seu arquétipo presente nas páginas d’O

Capital28. Na filosofia, o elo que integra as relações entre a vontade humana (ou

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subjetividade, supraestrutura) e a infraestrutura econômica (os modos de produção,

as mercadorias, a riqueza, a realidade) é a práxis. Daí a categoria filosofia da práxis,

entre o pensar e o fazer, a teoria e a prática. Na política, a “vontade centralizada”, a

“intervenção do Estado”, as políticas públicas (leis, portarias, Constituição, políticas

de educação e etc.) como fio condutor da relação entre sociedade civil e Estado.

Todos esses âmbitos amarrados numa única concepção de mundo – a própria

weltanschauung23.

5.3 Uma abordagem para tratamento de dados reais

A observação não nos foi suficiente. Recorremos as entrevistas, pois não nos

sentíamos preparados para um estudo etnográfico; tampouco tínhamos tempo para

ousar e, com efeito, encarar este preparo. Optamos por dar voz a atores protagonistas.

Colher suas falas, aspirações, utopias, angústias, felicidades, vivências dos próprios

trabalhadores da atividade produtiva e suas visões perante o mundo em que estão29.

A análise dos dados, portanto, foi conduzida pela abordagem ético-política, em

perspectiva dialética, tomando por base a dimensão reflexivo-crítica para

compreender “o modo de”, isto é, o modo como a transformação do real foi se impondo

ao trabalho e gerando movimentos no processo saúde-doença de produtores de bens

em pedra, no contexto de Camboriú, SC17. Este método é uma adaptação do método

humanístico de análise da realidade cunhado por Gramsci como o método do “posto

che”, cujo percurso é orientado pelo diálogo entre a historicidade do objeto e a

indagação de suas tendências contraditórias. Partindo desta interlocução, o

pensamento percorre um caminho em que uma nova realidade é incorporada à espera

de resposta, de nova análise30.

6 CONCLUSÕES (NÃO) FINAIS

Preliminarmente, a análise dos dados – dirigida por Gramsci e o “modo de” -

não permite a insurgência da sociedade regulada proposta por Gramsci e encarnada

na concepção integralista da realidade, pois, o contexto posto estudado, garante-se

historicamente por questões de subalternidade, hierarquias, apropriação de trabalho

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alheio, verticalização das decisões político-econômicas que afetam o cotidiano do

trabalho. Os protagonistas dessa produção são tratados como peças à economia

burguesa - detentora da propriedade privada, dos meios de produção - e não como

pessoas que, além de economicamente ativas, vivem no mundo real, integral, logo,

também participam da sociedade civil, porém não atuam concretamente nas

intervenções do Estado, nem tampouco na produção de conhecimento teórico, mesmo

atuando concretamente. São pessoas fragmentadas: ativas na produção da infra-

estrutura econômica, passivas nas decisões de Estado.

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5.3.2 Artigo 2

Formação social e econômica: caminhos da odontologia brasileira

Thiago Bernardes Nunes

Rita de Cássia Gabrielli Souza Lima

RESUMO: O estudo descrito neste manuscrito tem por objetivo analisar o modo como a transformação do real foi se impondo ao trabalho e gerando experiências na condição oral de produtores de bens e pedra, no contexto de um município do sul do Brasil. Para tal, ergue-se uma pesquisa qualitativa, de abordagem compreensiva do tipo história oral-oral e análise dialética. Dados surgiram por entrevistas-narrativas num universo de pessoas construído pela técnica bola de neve, guiada por roteiro semiestruturado pautado no problema: como vai a sua boca e qual a história dela? Previamente, realizou-se uma etapa exploratória nos espaços produtivos do próprio contexto. Deste percurso, brota a categoria para análise: “Não há consultórios sem pedras, mas há pedras sem consultórios”, emergida por relatos dos trabalhadores-produtores, onde a iniciação no trabalho com pedras se deu antes do primeiro acesso a cuidados bucais. Partindo do método cunhado por A. Gramsci do posto che, pautado na interlocução entre a historicidade do objeto e suas tendências contraditórias, verificam-se alterações nas necessidades da sociedade. Argumenta-se que a transformação do real, neste contexto estudado, se deu por meio de relações de hegemonia e que a emergência de uma odontologia regulamentada, em face da formação econômico-social sobre a qual ela se edificou, não representou um valor democrático. Hegemonia que atravessa a atenção pública em saúde e o agir odontológico nacional, privilegiando grupos etários em detrimento à comunidade economicamente ativa. Práticas alternativas de cuidado irrompem diante da não presença dos serviços de saúde. Pode-se concluir neste estudo que saúde não é um bem universalmente usufruído, mesmo em tempos do direito à saúde conquistado, e que o Sistema Único de Saúde não se materializa no contexto pesquisado, pois as ações e direções estatais pouco englobam essa parcela da população.

Palavras-chave: Formação econômico-social; Odontologia; Sistema Único de Saúde; Modelos de Atenção; Hegemonia.

ABSTRACT: The study described in this manuscript aims to analyze the way how the real transformation was being imposed to the work and generating experiences in the oral condition of producers of goods and stones, in the context of a municipality in the south of Brazil. For this, rise a qualitative research, of a comprehensive approach of oral-oral history type and dialectical analysis is built. Data came up through interviews-narratives in a universe of people that is built by the snowball technique, guided by a semi-structured script based on the problem: how is your mouth and what is its history? Previously, an exploratory stage was carried out in the productive spaces of the context itself. From this course, the category for analysis emerges: "There are no dentist’s office without stones, but there are stones without dentist’s office", emerged by reports of workers-producers, where the initiation in the work with stones occurred before the first access to oral care. Starting from the method coined by A. Gramsci of the post Che, based on the interlocution between the historicity of the object and its

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contradictory tendencies, there are changes in the needs of society. It is argued that the transformation of the real, in this studied context, occurred through hegemonic relations and that the emergence of a regulated dentistry, in the face of the economic-social formation on which it was built, did not represent a democratic value. Hegemony that crosses the public attention in health and the national dental action, privileging age groups to the detriment of the economically active community. Alternative care practices erupt in the face os non-presence of health services. It can be concluded in this study that health is not a universally enjoyed good, even in times of the right to health achieved, and that the Unified Health System does not materialize in the researched context, since state actions and directions do not encompass this portion of the population.

Keywords: Socio-economic formation; Dentistry; Unified Health System; Attention models; Hegemony.

1 INTRODUÇÃO

Formação econômico-social (FES) é a categoria cunhada pelo materialismo

histórico para representar o processo histórico-material da sociedade. O substantivo

formação denota que se trata de uma categoria dinâmica, em movimento, uma ação,

um processo em construção. O econômico reflete a produção da materialidade,

oriunda do modelo produtivo do modo de produção de bens de uma determinada

sociedade e seus indivíduos constituintes, indicando que a formação da sociedade se

dá, principalmente, em torno das relações de produção que determinado modo de

produção carrega. O social, por sua vez, diz respeito à sociedade, nela contida a

espécie humana1.

Esta categoria pode ser estudada a partir de dois eixos articuladores: o eixo de

relação com a propriedade e o eixo da divisão social do trabalho2. No âmbito da

formação econômico-social capitalista, o primeiro eixo dialoga com a propriedade

privada. Sendo privada e não distribuída a todos os seus integrantes, esta relação se

dá “entre proprietários e não-proprietários” e dirige-se para a produção de

mercadorias, acarretando numa “estrutura social de classes sociais que comandará o

processo global da formação econômico-social”3:26. Assim, a estrutura de classes

introduz ao sistema produtivo e da vida “contradições insuperáveis e antagonismos

inelutáveis”2:101 caso não sejam modificadas as relações com a propriedade4.

O segundo eixo articulador de uma FES é a sua divisão social do trabalho que,

quanto mais especializada, mais pluraliza suas necessidades. Esta divisão é fruto das

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escolhas do processo civilizatório que, continuamente, opta por dividir as tarefas vitais,

no sentido de que cada ente humano se torne um especialista numa determinada

tarefa5. Do estudo deste eixo, pode-se extrair que o passar do tempo se encarrega de

aprofundar as especialidades do trabalho, criando necessidades antes não sentidas.

Perante e pelo desenvolvimento civilizatório dirigido pela formação econômico-

social capitalista, profissões se foram, profissões se encontram em vias de extinção e

profissões emergem das novas necessidades.

O estudo descrito neste manuscrito tem por objetivo analisar, em um município

do sul do Brasil, o modo como a transformação do real foi se impondo ao trabalho e

gerando experiências na condição oral dos produtores de bens e pedra, sem limitar

as relações sociais apenas às de produção, mas destacando-as como vital para a

reprodução da espécie.

Para tanto, entrelaça-se histórico-concretamente duas atividades locais do

grandioso rol da divisão social do trabalho: a de produtores de bens e pedras, que

trabalham interagindo com pessoas e rochas, como os broqueiros, puxadores e

calceteiros; e a de cirurgiões-dentistas, que trabalham interagindo com pessoas e

seus sistemas estomatológicos. Esta interlocução se dará sobre relatos de

trabalhadores de bens e pedra do município eleito para o estudo.

Na perspectiva aqui assumida, a emergência de novas necessidades geradas

pelo processo civilizatório, comandado pela formação econômico-social capitalista,

atribuiu aos produtores de bens e pedras a condição de profissional em vias de

extinção e aos cirurgiões-dentistas a de profissional emergente. Argumenta-se que a

transformação do real, neste contexto estudado, se deu por meio de relações de

hegemonia e que a emergência de uma odontologia regulamentada, em face da FES

sobre a qual ela se edificou, não representou “um valor democrático”6.

A análise empreendida foi ético-política, de cunho dialético, ancorada no

modelo humanístico de análise do real, liderado por A. Gramsci e intitulado método

de análise do “posto che”, por meio do qual analisa-se a historicidade do objeto e suas

indagações contraditórias7.

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2 METODOLOGIA

2.1 Tipo de pesquisa

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de abordagem compreensiva do tipo

história oral-oral e análise dialética, apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da

Universidade do Vale do Itajaí, SC, sob o número 1.713.341, em consonância com as

determinações da Resolução MS/CNS no 466/2012.

A estratégia eleita para o estudo foi história oral, “uma história do tempo

presente, [que] implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade

hoje e cujo processo histórico não está acabado”8:2. Esta estratégia permite

“compreender a permanência dos fatos e das determinações e, de outro, escutar o

que sobre eles as pessoas têm a dizer”9:154. Optou-se por apresentá-la com o atributo

duplicado, dada à especificidade do estudo: analisar, a partir da história oral narrada,

o modo como a transformação do real foi se impondo ao trabalho e gerando

experiências na condição oral dos produtores de bens e pedra.

A pesquisa foi realizada em Camboriú, SC, Brasil, no período 2016-2017, com

produtores de bens sociais extraídos das rochas deste município. As fontes de dados

utilizadas foram: o próprio contexto e os produtores-trabalhadores.

2.2 O espaço da pesquisa

Camboriú localiza-se na Microrregião da Foz do Rio Itajaí do estado de Santa

Catarina. Com uma população estimada em 76.592 habitantes (62.361 pelo Censo

2010)10, tem como municípios limítrofes Itajaí, Balneário Camboriú, Itapema, Porto

Belo, Tijucas, Canelinha e Brusque11.

Em perspectiva histórica, vê que seus moradores originais eram tupi guaranis,

do tipo carijós, e que a localidade não possui pavimentações ou edificações

construídas com pedras no período anterior à invasão europeia12.

Como colônia portuguesa desde a invasão de 1500, Camboriú reúne habitantes

europeus no século XVIII e recebe colonizadores no século XIX. Os anos passam e a

cultura da mandioca estimula a economia local. Pouco depois, a localidade

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estabelece-se como Distrito por Lei Provincial (1849), passos pregressos para sua

institucionalização oficial como Município de Camboriú por Lei Provincial do

Governador (1884)13,14.

A vida e a política macroeconômica do povo colonizador, diferente do povo

originário, constitui-se, dentre outros elementos, pela produção excedente de

mercadorias e de negociações. Assim, a terra, agora Camboriú, SC, torna-se produtor

de mandioca, café e algodão, em nível estadual. Na mesma época, na transição do

século XIX para o as primeiras décadas do novo século XX, inicia-se a especulação e

a exploração de rochas de Camboriú, especialmente mármore e granito: as jazidas de

mármore, e as pedras de granito em matacão pela especialização autodidata13.

Já em 1950, a população das terras camboriuenses, hoje compreendida pelos

municípios de Camboriú e Balneário Camboriú, era de 9.248 habitantes. Destes, 1.835

eram urbanos. A chegada da luz elétrica acontece na mesma década13.

O final da década de 1950 dá a largada e os primeiros anos de 1960 terminam

por extrair as terras de Camboriú que dão acesso ao Oceano Atlântico. Via Decreto

aprovado pela Câmara de Vereadores, nasce o Distrito da Praia (1959). Quatro anos

depois, há uma tentativa de separação desde recém-criado Distrito, impedida pela

Câmara de Vereadores (1963) numa apertada votação de 4 a 3. Em nova investida,

um vereador apresenta novo projeto. O placar se inverte e o legislativo aprova, em

fevereiro de 1964, por 5 a 2, a emancipação do Distrito. Ratificada por Lei Estadual

em abril e num Decreto em junho, em 20 de julho de 1964 é instalado oficialmente o

município de Balneário Camboriú13,15. Dali para frente, Camboriú continua sendo uma

cidade do litoral catarinense, porém, sem o mar.

Mercadorias dos produtores broqueiros criam-se desde o início do século XX

até hoje (2017), contribuindo no desenvolvimento regional: importante atividade para

a cidade, que “já teve na extração de pedras sua principal fonte de renda”16:104.

Broqueiros são pessoas que trabalham com rochas, extraindo-as da natureza e

realizando os cortes necessários por suas habilidades intelectual e manual, através

de instrumentos como cunhas, escopos e marretas.

Até mesmo a emancipação do Distrito da Praia não foi capaz de deter o ímpeto

criador da produção de pedras, especialmente entre 1970 e 1990, quando se destaca

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a grande produção, agregando a atividade à vida da cidade e suas famílias. No final

da década de 1980, entram em cena duas mercadorias mais industriais que

competem diretamente com o trabalho mais manual da cortação de pedras: os blocos

de lajota em cimento e o asfalto.

Mesmo em meio aos avanços tecnológicos e o surgimento de outros materiais,

as mercadorias oriundas do trabalho de broqueiros e suas famílias forneceram e

continuam fornecendo material para obras públicas e privadas de pavimentação: os

paralelepípedos de pedra13,14.

No território de Camboriú, SC, existem no Sistema Único de Saúde onze (11)

Equipes de Saúde Bucal (ESB), compostas por cirurgião-dentista e técnico em saúde

bucal, de acordo com contato estabelecido entre pesquisador e assessoria de

imprensa da Prefeitura local em junho de 2017. Além da rede pública, há consultórios

odontológicos particulares.

2.3 Exploração do campo e entrevistas-narrativas

Intencionando analisar o modo como a transformação do real foi se impondo

ao trabalho e gerando experiências na condição oral dos produtores de bens e pedra,

no contexto de Camboriú, SC, elegeu-se como primeiro movimento o reconhecimento

do contexto, nomeada por Minayo (2010) como etapa exploratória9. Optou-se por

percorrer a cidade, em automóvel próprio, com o objetivo de reconhecer espaços de

trabalho de produtores de bens e pedras. Nesta incursão pela cidade, avistou-se

blocos de paralelepípedos de pedra empilhados num terreno na beira de uma rua, e

um trabalhador cortando pedras. Apresentando-se e apresentando a pesquisa, dele

recebeu-se resposta afirmativa para participar do estudo. Identificava-se, ali, um

informante-chave17. Neste diálogo, posteriormente registrado em áudio, captou-se

informações sobre locais de trabalho com rochas.

No momento seguinte, ainda exploratório, visitou-se os locais indicados em que

se produzem mercadorias a partir das rochas: pedreiras de granito (de matacão e

britagem) e mármore, um comércio de pedras (paralelepípedos e demais), e um

galpão de corte de pedras localizados em beiras de ruas de terrenos particulares

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(similar ao do informante-chave). Acompanhou-se, também, in loco um transporte de

pedras de Camboriú a Itajaí (cidade vizinha), de caminhão-caçamba. Essas visitas

exploratórias geraram novos informantes-chaves e, por consequência, maiores

descrições sobre o contexto da produção de bens e pedra.

De posse do material transcrito, elegeu-se as pessoas que seriam convidadas

para participar do estudo: trabalhadores-produtores de bens em pedra sob medida,

aqueles que atuam no trajeto de construção da mercadoria-pavimentação (bem social)

com paralelepípedos, considerando que se havia constatado que a maior massa de

trabalhadores é a dos que interagem com os granitos para finalidades de

pavimentação por paralelepípedos.

Uma vez finalizada a etapa exploratória, iniciou-se a etapa de seleção dos

participantes para as entrevistas, por meio da técnica bola de neve, que se vale de

uma rede de amizades através de indicações oriundas dos próprios trabalhadores,

onde novos sujeitos para a pesquisa surgem via apontamento interno dos membros

da cadeira produtiva. Nesta modalidade de técnica, o pontapé inicial é dado com a

eleição de sementes (onda zero) que ficam encarregadas de indicarem os próximos

sujeitos (“filhos” das sementes, criando novas ondas). As indicações advêm ao final

de cada entrevista. Apesar da técnica permitir mais indicações, para este estudo foi

solicitado que cada semente e cada “filho” indicasse apenas um novo membro18.

Para formação das ondas foi definida a quantidade de quatro (4) sementes.

Através de um pensamento de engenharia reversa do contexto da mercadoria-

pavimentação, foi possível entender que três grupos de trabalhadores são

necessários para execução da obra: broqueiros, transportadores e colocadores de

pedra. Para a categoria de broqueiros, foram dedicadas duas sementes, por

considerar esta atividade como primus de extração da matéria bruta rocha. Assim, o

conjunto “onda zero” contém quatro pessoas-sementes: duas de cortadores, uma de

transportadores e uma de colocadores. Ou seja, a onda zero de quatro sementes

gerou outras três ondas, portanto, dezesseis (16) sujeitos compuseram o universo de

participantes.

O instrumento de coleta de dados utilizado foi entrevista-narrativa, por se tratar

daquela que possibilita “narrar o vivido ou passar ao outro sua experiência de vida”,

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tornando “a vivência que é finita e infinita fundamental para a construção da noção de

coletivo”19:194. As entrevistas foram guiadas por um roteiro semiestruturado20 guiado

pelo seguinte problema: como vai a sua boca e qual a história dela? Um gravador de

voz registrou as falas, posteriormente transcritas através da escuta dos arquivos de

áudio gerados.

Para fins de definição de um critério de inclusão de participantes que

equilibrasse um universo de sujeitos formado por trabalhadores de mais idade

(hegemônicos) e por trabalhadores mais novos, chegou-se ao número trinta (30). A

pesquisa incluiu, portanto, pessoas com 30 ou mais anos de envolvimento com o

trabalho de produzir bens em pedra em Camboriú, para buscar a história oral contada

pela oralidade do sujeito, tendo como objeto os atravessamentos impostos pelo real.

Assumiu-se também, como ponto de saturação paralisar as ondas da bola de

neve quando os novos entrevistados passaram a repetir os conteúdos já atingidos em

entrevistas anteriores, sem acrescentar novas informações relevantes à pesquisa21.

A pesquisa foi realizada na casa das pessoas e/ou no local de trabalho, no

período compreendido entre novembro de 2016 e janeiro de 2017. O material coletado

foi transcrito e todos os participantes assinaram o TCLE.

2.2 Categorização e análise

As transcrições dos áudios foram sendo feitas paralelamente à execução das

entrevistas, em documentos do Microsoft Word, gerando material extenso e denso.

Para efeitos de categorização, os dados foram organizados, classificados e

codificados a partir das seguintes etapas, proposta por Minayo: a) Leitura horizontal e

exaustiva das entrevistas, importante para a apreensão de expressões

classificatórias; b) Leitura transversal, aquela que corresponde ao recorte de cada

expressão classificatória em unidade de sentido ou tema ou subcategoria; e c)

Reagrupamentos, para fechar as inúmeras “gavetas” abertas, reagrupando-as em um

número reduzido de unidades de sentido, com o objetivo de construir as categorias de

análise9.

As expressões classificatórias foram agrupadas em unidades de subcategorias,

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posteriormente escritas em um quadro branco, utilizando pincel atômico. Do diálogo

entre unidades odontológicas da “história oral-oral” e unidades que se identificam no

modelo teórico-conceitual de formação econômico-social, surgiu a categoria “Não há

consultórios sem pedras, mas há pedras sem consultórios”.

O método de análise foi ético-político7, em perspectiva dialética, tomando por

base a dimensão reflexivo-crítica para analisar “o modo de”, isto é, o modo como a

transformação do real foi se impondo ao trabalho e gerando experiências na condição

oral dos produtores de bens em pedra, no contexto de Camboriú, SC22. Este método

é uma adaptação do método humanístico de análise da realidade cunhado por

Gramsci como o método do “posto che”, pautado na interlocução entre a historicidade

do objeto e suas tendências contraditórias. Partindo-se desta interlocução, o

pensamento percorre um caminho em que uma nova realidade é incorporada à espera

de resposta, de nova análise7.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Não há consultórios sem pedras, mas há pedras sem consultórios.

A categoria “Não há consultórios sem pedras, mas há pedras sem consultórios”

emergiu de uma característica comum de relatos de quatorze trabalhadores, dentre

os dezesseis entrevistados: a iniciação no trabalho se deu antes do primeiro acesso

a cuidados bucais. Isto é, o início da vida produtiva com pedras antecedeu a primeira

visita a um dentista:

“Eu comecei [a trabalhar com pedras] com 12 anos. Aí trabalhei

até os 15. Com 15 eu parei. Fiquei 3 anos fora. Depois voltei de

novo e não larguei mais. Fui no dentista a primeira vez só pra

arrancar, [...] devia ter uns 20 anos” (P10). [Comecei a trabalhar

com pedras com] uns 13 anos, mais ou menos [...] tirei [os dentes]

tudo quase [com] uns 40 e poucos anos” (P11). “Comecei a

trabalhar eu tinha 12 anos [...] “[Tinha] uns 25, 26 anos por aí,

[fui] em Itajaí [no dentista do] SESI” (P22).

Esses relatos permitem inferir que a existência da prática do trabalho com

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pedras não está na dependência dos produtos produzidos pela odontologia moderna.

Porém, o contrário sim. A odontologia, para se constituir como é hoje, necessita

imprescindivelmente dos produtos dos produtores de pedras. Seja no período de

formação, ao usufruir de prédios, salas e consultórios para estudo, construídos com

pedras. Seja para locomoção entre a residência do aluno de odontologia e o local de

estudo, uma vez que transitará sobre vias públicas calçadas com produtos do trabalho

destes trabalhadores de pedras. Seja, ainda, para, depois de formado, poder atuar.

Consultórios odontológicos, por força de lei, não podem ser construídos por

madeira, argila ou palafitas: necessitam de pedras na composição do concreto

armado. Assim, nota-se que produtores de pedra fazem parte dos “grupos sociais

fundamentais” que iniciam na produção de maneira “imediata”, diferente dos

“intelectuais”, como, por exemplo, os dentistas, que ingressam após diplomados. Na

arte das pedras, não há diplomas. Essa organização social, que impacta no

surgimento das profissões, firma-se hegemonicamente por “dois tipos”: pela

“sociedade civil” e pelo “Estado”23:368.

Na especificidade do cuidado longitudinal (acompanhamento), com visitas

regulares ao dentista ou, pelo caminho inverso, com visitas de dentistas/serviço de

saúde aos locais de trabalho, as entrevistas não revelaram nenhum dado. Apesar de

o Brasil ter a maior massa de dentistas do mundo, por operações de hegemonia que

agem na formação do ser e na formação para o trabalho, muitos odontólogos

desconhecem a realidade de seu País por conhecerem apenas os vieses

mercadológicos, ignorando fatias consideráveis de pessoas e trabalhadores da nação

brasileira.

Operações históricas de hegemonia construídas e reforçadas, por assim dizer,

pois ao consultar as raízes históricas da odontologia moderna vê-se que seu

surgimento está alinhado com o desenvolvimento mercantil e com a expansão do

consumo da mercadoria-açúcar, afetando o modo de viver entre as “elites” da

sociedade. Este doce artigo, ao frequentar as bocas e corpos, configura-se como “a

primeira mercadoria de consumo [...] em escala planetária”24:18.

Historicamente, as pessoas que se aventuravam em intervir na boca lidavam

rotineiramente com questões estéticas, fabricando e comercializando dentes artificiais

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para uma minoria abastada, afluente e consumista25. Na medida em que os

continentes do mundo e seus produtos foram se “espalhando” entre si pelo comércio

mundial, novas necessidades foram se estabelecendo. Uma das primeiras

mercadorias a se propagar mundo afora foi o açúcar. Artigo de luxo, consumido até

então pelas elites (aristocracia, ricos comerciantes, indivíduos de posses) nos séculos

XVII e XVIII26. Assim, alteram-se as necessidades da sociedade, pelo atravessamento

do comércio, da formação econômico-social predominante, das primeiras ondas de

globalização pelas navegações, do açúcar e da cárie, fazendo aumentar

significativamente os praticantes da arte dentária e seu rol de procedimentos. Pode-

se argumentar que a odontologia tal qual se constitui no contemporâneo irrompe dos

altos estratos sociais, não vinculada às camadas “inferiores” da estrutura social.

Vale frisar que até mesmo o açúcar depende de movimentos humanos iniciais

para se transformar em mercadoria, por exemplo, no dispêndio de força de trabalho

humano na plantação e colheita de cana-de-açúcar, uma das tantas fontes naturais

da doce substância. E que tal dispêndio é executado pelas camadas “inferiores”,

cabendo às “altas” classes o comércio e consumo. E é quando os efeitos do açúcar

aparecem em bocas elitizadas que se faz necessária a atividade humana capaz de

romper ou remediar os problemas orais. Portanto, o surgimento “oficial” da odontologia

está estritamente ligado às determinações estruturantes da sociedade.

Se grande é o rol das profissões da divisão social do trabalho, o que dizer sobre

a quantidade de serviços, produtos ou mercadorias diferentes. No entanto, nem todos

os atores dessa divisão social possuem o acesso a esses bens produzidos pela

coletividade, conforme a relação entre serviços de pedras e serviços odontológicos,

relatadas e descritas acima. Mesmo laboralmente ativos e na ausência de serviços

públicos de saúde, diferenciações nos valores retribuídos pelo trabalho acarretam em

barreiras no acesso de trabalhadores das pedras aos serviços de saúde privados: “[...]

pra fazer um tratamento dentário, só pra quem era rico. Não tinha um tratamento

dentário, não tinha nada. Era contar com a sorte” (P21).

E “contar com ‘a sorte’” significa também recorrer a métodos alternativos diante

do sofrimento odontológico evitável que não foi evitado. A depender da extensão da

lesão cariosa, pode um dente doer e não mais servir, sendo indicado sua extração.

Casos assim são rotina na vida de dentistas. Não mais havendo condições de

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manutenção em boca, executa-se a exodontia, prevenindo futuras dores e sofrimento

decorrente da cárie. Mas, como realizar remoções dentais em elementos amplamente

cariados na ausência de um odontólogo? Uma das saídas é a “dentista Tajuva”:

“[...] aliviava [a dor] a Tajuva. No outro dia [...] ele [o dente]

começava a soltar” (P41) “Tinha [...] Tajuva. Na hora passou a dor

[e] com pouco tempo [...] ficou tudo em pedaço [o dente]” (P43).

“Tinha a Tajuva. [...] Não doía mais, mas também o dente ia pro

pau” (P10).

Obviamente, “dentista Tajuva” não é uma pessoa. É uma árvore. De seu tronco

espinhoso se extrai um líquido branco que, quando inserido no interior da cavidade do

dente, cessa dores que comumente remédios de uso oral não conseguem coibir.

Interrompida a sensação dolorosa, o próximo efeito deste líquido natural é destruir o

dente, esfarelando-o, fazendo uma “extração”. Quem sabe até com maior

resolutividade se comparada com dentistas ‘de verdade’. Apesar de inseridos na

cadeia produtiva nacional, tanto a economia quanto o Estado brasileiro são

indiferentes para com as condições da massa trabalhadora. Esta realidade evoca a

presença de A. Gramsci, pela concepção de mundo estudada por ele; concepção

humanística, integralista da vida, âncora da inserção de pessoas na sociedade não

somente pela via econômica, mas política e filosófica, criando condições para a

tomada de decisões, o autogoverno27.

Forças hegemônicas direcionam em demasia as atividades coletivas do setor

saúde ao encontro dos espaços de formação. É comum deparar-se com médicos,

enfermeiros e odontólogos do Sistema Único de Saúde (SUS) no interior de

instituições escolares. A odontologia brasileira historicamente opta em “vigiar” o

escolar como salvaguarda para uma vida adulta sem afecções bucais. Tal prática é

herança filosófico-cultural estadunidense, caracterizada por uma política de higiene

do escolar que foca suas ações nos ambientes de formação, priorizando a faixa etária

de 6 a 14 anos28.

Os dados epidemiológicos nacionais têm revelado que essa estratégia é uma

falácia. As falas expostas dos três sujeitos (P10, P11 e P22), considerando suas datas

de nascimento e o ano em que iniciaram no trabalho com pedras, indicam os anos de

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1965, 1959 e 1964, respectivamente, como sendo os períodos de ingresso no

trabalho. Tal faixa de tempo, de 59 à 64, coincide com a época em que já está

vigorando no Brasil o modelo incremental de assistência em saúde bucal, implantado

em 195129. Esse sistema foi instituído pelo Serviço Especial de Saúde Pública (SESP),

criado nos anos 40, através de um acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos da

América (EUA), com os objetivos, dentre outros, de preparar profissionais para

atuarem em saúde pública e garantir as condições sanitárias do Vale do Amazonas e

no Vale do Rio Doce30.

Em breve sequência histórica, o Estado brasileiro opta por absorver e realizar

outros quatro (4) modelos de atenção à saúde.

De acordo com o estudo histórico “De modelos tecnoassistenciais em

Odontologia pública para um modelo social de atenção à saúde: formação histórico-

política em debate”30, após o modelo incremental, por volta dos anos 1970, cria-se a

odontologia simplificada, materializada na simplificação de tecnologia leve e dura da

área odontológica e na diminuição dos passos procedimentais, configurando uma

política social compensatória, discriminatória, complementar e excludente: para

pobres31. O modelo integral surge nos anos 1980 comprometido com o Movimento

Reforma Sanitária (MRS), porém, privilegiou a população jovem em detrimento das

demais populações, com o foco na prevenção de “cáries em molares permanentes de

crianças com acompanhamento até determinada idade para prevenção, excluindo os

dentes decíduos”32. Outro modelo assistencial de saúde bucal, gerado no final dos

anos 80 e início dos anos 90, foi o modelo de inversão da atenção, fundamentando

um programa conhecido como Programa de Inversão da Atenção (PIA). Apostando

no autocontrole, com ações de caráter preventivo promocional33, representou um

avanço, ao trazer a estabilização do meio, contudo, sob uma concepção setorial,

específica e ao dirigir-se hegemonicamente para escolas e creches, não representou

uma ação totalizante. Por último, encontra-se vigente o modelo do cuidado, que se

desenvolve no processo de consolidação e qualificação da Estratégia Saúde da

Família (ESF) do SUS33. Notam-se avanços ao fundamentar-se em humanização,

acolhimento e vínculo, mas também vazios fundamentais para uma resolutiva clínica

de base, para todos, em função da ausência de política efetiva para o trabalhador,

desconhecimento setorial dos procedimentos que compõem a clínica de base,

negação da dimensão histórica, estruturante dos processos de saúde e doença, e

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supremacia do discurso preventivista do risco.

Apesar de coincidir a faixa etária estabelecida pelo modelo incremental (6 aos

14 anos) com a idade dos três sujeitos (broqueiros) citados à época do ingresso no

trabalho (dois aos 12 e um aos 13 anos) e considerando a aplicação dos modelos

subsequentes (odontologia simplificada, integral, PIA e do cuidado), no decorrer da

vidas dos sujeitos, observa-se que as políticas públicas odontológicas não foram

capazes de evitar as perdas dentárias. P10, P11 e P22 perderam todos os dentes

naturais, conforme avaliado durante a realização das entrevistas. P11 e P22, inclusive,

somente se adaptaram ao uso da prótese total superior, não conseguindo utilizar

próteses totais na arcada inferior, apesar das tentativas.

Se a lógica histórica da odontologia brasileira consiste em cuidar da saúde oral

priorizando os atendimentos dos 6 aos 14 anos acreditando que, ao crescer, serão

adultos oralmente saudáveis, os resultados deste estudo poderão contribuir com a

revisão de políticas e ações em saúde bucal, visto a dialética pela qual a realidade se

desenvolve.

A questão posta é por que o arsenal da saúde não vai ao encontro dos espaços

produtivos; com as suas ditas competências, promoção, prevenção, tratamento e

reabilitação em saúde, mas de maneira horizontal, que permita o consenso ativo do

sujeito, abrindo caminho para “uma nova hegemonia, uma nova ordem mundial”34:68.

Intrigado com o que acontecia nos espaços de produção da sociedade de seu

tempo, cuja base é a mesma do contemporâneo, o médico italiano Bernardino

Ramazzini resolve percorrer cinquenta e quatro (54) oficinas de artífices – ou

campos/locais de trabalho, em 1700. A partir da observação, elenca mais de oitenta

doenças que se originam no trabalho, decorrentes do processo de trabalho à época35.

O próprio Gramsci, mesmo sem ter a saúde como objeto de análise, vê nos

espaços produtivos a fonte de possibilidades para uma transformação social real ao

contribuir na organização dos Conselhos de Fábrica, possibilitando o irrompimento do

operariado subalterno à condição de dirigente da própria vida e do coletivo,

viabilizando condições justas de vida num “esforço para desenvolver sua

autoeducação e sua formação cultural à revelia da burguesia”34:64.

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No diálogo entre Ramazzini e Gramsci, emerge um produto ativista. Um produto

ativista que, antes tarde do que nunca, pode contribuir para o atual serviço da Atenção

Básica* do SUS: as ações percorrer, acompanhar, instruir, ouvir, observar e organizar

as classes trabalhadoras têm de estar na pauta constante de médicos, dentistas,

enfermeiros e demais atores dos serviços de saúde brasileiro. Compreendendo “têm

de estar” não no sentido “moralista”, mas de necessidade, vontade concreta:

necessidade histórica27. Afinal, é preciso enfrentamento ao real: a população, que

segue criando meios de existir e resistir, por exemplo, ludibriando a dor de dente, não

pode esperar.

Não tão “resolutivo” quanto a Tajuva, temos a cachaça e o alho. O indivíduo

alcoolizado pela cachaça distrai a dor. O alho, quando amarrado no braço ou nos

dedos da mão, provoca uma inflamação local que desloca a dor de dente, enganando-

a. O que é preferível? Sofrer com uma pulpite (dor de dente forte) que atinge altos

níveis álgicos ou trocá-la por uma noite de bebedeira sem dor? Ter fortes dores de

dente ou trocá-la por uma pequena dor local ocasionada pelo alho amarrado à

extremidade de algum membro do corpo? Porém, nenhum destes dois métodos é tão

eficiente quanto a Tajuva que interrompe a dor e “extrai” o dente. Na cachaça e no

alho, o órgão afetado continua, apesar da dor momentânea ter sido controlada,

possibilitando boa noite de sono:

“Tu fica embriagado aí depois desaparece. Quando termina o

álcool, volta de novo. [...] Nós fazia muito disso, tinha que

trabalhar.” (P22).

Do interior da “história oral-oral”, algumas informações condensadas: dos

dezesseis (16) entrevistados, nove (9) estão sem dentes naturais nas duas arcadas e

utilizam próteses totais, sendo que destes, dois sem prótese em um maxilar. Das sete

(7) pessoas com dentes, uma não possui dentes naturais na maxila (somente em

mandíbula) e seis pessoas possuem dentes em ambas as arcadas.

Com vistas ao poderio que o conhecimento extraoficial - do povo de fora das

* Serviço posto – a Política Nacional de Atenção Básica (2012) – como ordenador das Redes de

Atenção do SUS, afirmando-se como uma política acolhedora e resolutiva. Materializa-se, por exemplo, nas Unidades de Saúde, intentando desempenhar função central na garantia ao direito à saúde com qualidade.

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faculdades - tem a oferecer para as ciências da saúde e partindo para as

considerações deste artigo, cabe uma socialização. Em um dos momentos

experimentados pela coleta de dados, a esposa de um entrevistado, do P30, que se

encontrava no mesmo recinto da entrevista e acompanhava atentamente o diálogo

sobre métodos populares em saúde, instigada pela surpresa estampada na face do

entrevistador ao escutar histórias do entrevistado, diz: “Tu nunca ouvisse falar disso

na faculdade?” Com certa vergonha e sentimento de desolação, ela ouviu como

resposta: Não se aprende isso na faculdade.

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES NÃO FINAIS

O estudo objetivou analisar o modo como a transformação do real foi se

impondo ao trabalho e gerando experiências na condição oral dos produtores de bens

e pedra, no contexto de Camboriú, SC, sem limitar as relações sociais apenas às de

produção, mas destacando-as como vital para a reprodução da espécie.

Analisados com base na categoria “Não há consultórios sem pedras, mas há

pedras sem consultórios”, os dados revelaram uma dura realidade: o início da vida

produtiva com pedras, pelos trabalhadores-produtores de bens em pedra participantes

do estudo, antecedeu a primeira visita a um dentista. Como resultado, a vasta maioria

dos participantes foi expropriada do direito a ter dentes, na fase adulta: no decorrer

de suas vidas, perderam todos os dentes naturais.

Em tempos de direito à saúde conquistado, o que se reafirma neste estudo é

que este direito não é universalmente usufruído: trabalhadores que, ano após ano,

auxiliam na construção social estrutural são apartados das elaborações

supraestruturais da sociedade: sem dentes naturais, têm seus conhecimentos

excluídos do sistema educacional, tampouco estão inseridos no controle do Estado

que cotidianamente ajudam a erguer. Nesse emaranhado sociopolítico, que se

constitui em uma implicação ética, do âmbito de uma ética pública reflexivo-crítica e

intervencionista, o direito a saúde, conquistado em 1988 pela política pública SUS,

não se materializa na vida dos trabalhadores de bens em pedra do contexto estudado,

pois as ações e direções estatais pouco englobam essa parcela da população.

Ao se relacionar com políticas de saúde, mais especificamente as da área da

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odontologia, que historicamente priorizam grupos populacionais inseridos em idade

escolar, o estudo gerou uma reflexão:

Uma criança, um escolar de 6 a 14 anos, tem um pai e uma mãe. Pode ser que,

por vezes, a criança nem ao menos venha a conhecê-los. Crianças sem pai. Crianças

sem mãe. Mas, desde que o mundo é mundo, crianças nascem como fruto da relação

entre homem e mulher. E estes pais (ou seja lá quem for o tutor, se outra pessoa ou

até o Estado), mesmo que não possuindo um trabalho formal, mas fundamentalmente

por estarem vivos, realizaram/realizam intervenções na natureza para sobreviver e se

reproduzir. Assim, no serviço de saúde, prevalecendo a atuação coletiva em pessoas

menores de 18 anos*, age em seres humanos não autônomos, pois estão na condição

de tutela.

Ao contrário e em certa medida inovando, a partir deste estudo, os resultados

apontam para a necessidade de criação de vínculo com os espaços produtivos.

Engajando na luta cotidiana pela saúde universal os trabalhadores-produtores de bens

em pedra (e todos os demais ramos), os atores do SUS atingem também,

indiretamente, as crianças e jovens, filhos destes pais trabalhadores. Crianças, via de

regra, não possuem autonomia perante à economia do lar. Os responsáveis legais,

incumbidos também de oferecer a educação em saúde a seus herdeiros, se

devidamente organizados em prol do bem comum e fortalecidos por ações horizontais

de promoção de saúde e tendo a oportunidade de participar da construção do

conhecimento, acabam por resultar em benefícios também as crianças e jovens. Uma

inversão, novamente. Não como a do antigo Programa de Inversão da Atenção (PIA),

em que se substitui tratamentos por adequação do meio, mas uma inversão

estruturante.

Será tarde? Gramsci, em uma carta escrita a Tania, sua cunhada, em 1933, do

Cárcere, em Turi, Itália, comentando sobre seu debilitado estado físico, mental e

moral, lhe diz: “Talvez seja mesmo tarde mudar as coisas ‘formalmente’, no sentido

de que as mudanças das coisas determinem mudanças nas condições de saúde”36:30.

No contemporâneo, as políticas públicas continuarão hegemonicamente

* Como exemplo, um dos indicadores tão cobiçados do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e

da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), em seu manual instrutivo de 2012, sobre questões de desempenho, faz referência à média da ação coletiva de escovação dental supervisionada.

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ensinando o povo de 6 aos 14 anos a escovar os dentes ou assumirão que há outros

elementos superiores que interferem na condição buco-dental da população?

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5.3.3 Artigo 3

TRABALHADORES-PRODUTORES:

FORTALECEDORES DE UM ESTADO QUE OS EXCLUI

Thiago Bernardes Nunes e Rita de Cássia Gabrielli Souza Lima

RESUMO: O estudo descrito neste artigo visa analisar o modo como a transformação do real foi se impondo aos trabalhadores-produtores de bens em pedra, paralelamente à construção de elementos do Estado brasileiro, no contexto da cidade de Camboriú, SC. Para a construção, edifica-se uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratória, com coleta de dados via observação-participante e entrevistas-narrativas. O eixo central norteador do roteiro semiestruturado é o trabalho, ou seja, buscou-se as experiências peculiares que atravessam o cotidiano histórico da especificidade laboral do trabalho com pedras, relacionando com condições genéricas que permeiam não somente este, mas todas os demais ramos da divisão social do trabalho, como: a teoria do valor, o capitalismo financeiro e a tributação das mercadorias. Destaca-se esta última como fonte do financiamento das estruturas e ações estatais, provenientes da criação de produtos, fruto do trabalho concreto de trabalhadores-produtores. Da relação com os dados surge a categoria: “O trabalho com pedras criador de valor”. Eleito o método ético-político de análise, da interlocução entre a historicidade do objeto e suas tendências contraditórias, tem-se as relações de hegemonia como hipótese ao excluir da organização social – política e filosófica - os atores protagonistas trabalhadores-produtores, fortalecedores do Estado “ampliado”. Mesmo sendo notável para a sociedade civil e para o Estado este ramo produtivo, dado o padrão de desenvolvimento adotado por esta sociedade, o aparelho estatal e seu ordenamento político-jurídico é omisso para com essa população. O Estado só está interessado no lado econômico do trabalho, negando o ensino formal, o direito à saúde, a participação na construção do conhecimento e a direção da sociedade. Nisto, cabe ao Estado garantir a justiça nas relações sociais de troca, socializando a posse dos meios de produção e inserindo-os no campo da produção do conhecimento pelo levante popular capaz de conquistar o Estado, oportunizando a inclusão dos excluídos.

Palavras-chave: Trabalho; Valor; Estado; Hegemonia; Mudança Social.

ABSTRACT: The study described in this article aims to analyze how the real transformation was imposed to the workers-producers of assets in stones, in parallel with the building of elements from the Brazilian State, in the context of Camboriú/SC city. For the construction, a qualitative research is built, of the exploratory type, with data collection by way of participant-observation and interviews-narratives. The central pivot guiding the semi-structured script is the work, that is, It was searched the peculiar experiences that go through the historical everyday of the labor specificity of the stone work, relating this with the generic conditions that permeate not only this one, but all the other branches of the social division of labor, such as: the value theory, financial capitalism and the taxation of the merchandises. The latter stands out as the source of the funding structures and actions of the state, stemming from the creation of products, result of the concrete work of workers-producers. From the relationship with the data comes the category: "The work with stones creating value". Elected the ethical-political method of analysis, from the interlocution between the historicity of the

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object and its contradictory tendencies, arises the relations of hegemony as hypothesis by excluding from the social - political and philosophical - organization the protagonists actors workers-producers, strengtheners of the State "extended". Although this notable and productive branch for the civil society and for the State, given the development standard adopted by this society, the state apparatus and its political-juridical ordering is silent for this population. The State is only interested in the economic side of work, and is denying the formal education, the right to healthiness, to participation in the construction of knowledge and the direction of society. In this, it is up to the State to ensure the justice in the social relations of exchange, socializing the possession of the means of production and inserting them in the field of knowledge production by the popular uprising able to conquer the state, opportunizing the inclusion of the excluded ones.

Keywords: Work; Value; State; Hegemony; Social Change.

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento estrutural civilizatório pode ser visto como a interação entre

dois elementos básicos: a matéria presente na natureza e a intervenção humana

(trabalho). Integram esse desenvolvimento a construção de casas, prédios,

monumentos, instrumentos de trabalho, portos, aeroportos e espaços de circulação

pública como ruas, avenidas e pontes. Construções estas dependentes da matéria

presente na natureza, como: madeira das árvores, pedras das rochas, argila do barro,

água dos rios e etc. Mas não somente. Fundamental para a transformação da matéria

bruta é o trabalho concreto humano criador de valor. Não à toa o médico inglês William

Petty, no século XVII, afirma que se “o trabalho é o pai”, “a mãe é a Terra”1:65. E desta

relação histórica entre natureza e trabalho como fortalecedora da organização social

moderna (o Estado) é que versaremos neste manuscrito.

Com a divisão social do trabalho adotada pela sociedade globalizada, o

advento de diferentes profissões é um movimento que se modifica com o tempo. Se

em eras atrás existiam pessoas realizando o trabalho de apagar/acender lampiões,

hoje não mais. A massificação da energia elétrica tratou de modificar o cenário social

das profissões, extinguindo algumas e criando outras novas, como os técnicos

eletricistas. Tal movimento ocorre em diversas áreas do conhecimento e da ação.

Para este estudo, focaremos na profissão dos produtores de bens sociais extraídos

de rochas presentes no território do município de Camboriú, SC, Brasil.

Do grandioso rol da divisão social do trabalho, há os que trabalham extraindo

produtos (ou bens sociais) das rochas. No interior dessa categoria, há uma atividade

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específica que lida com o granito de matacão. Os responsáveis por esse trabalho de

artesanato mineral, quando realizado em boa parte através de cunhas e marteladas,

são chamados de broqueiros. Há outras denominações como escarpelinos e etc., mas

o mais comum em Camboriú, SC, é a palavra broqueiro para designar esta arte dos

mestres das rochas.

O estudo descrito neste manuscrito tem por objetivo analisar o modo como a

transformação do real foi se impondo aos trabalhadores-produtores de bens em pedra,

paralelamente à construção de elementos do Estado brasileiro, no contexto da cidade

de Camboriú, SC.

Argumenta-se que a transformação do real neste contexto estudado, se deu

por meio de relações de hegemonia, excluindo da organização social – política e

filosófica - os atores protagonistas trabalhadores-produtores, fortalecedores do

Estado “ampliado”.

1.1 Rochas, granito, extração, cortes: produzindo produtos/mercadorias

Nem sempre esta atividade laboral existiu na localidade citada. A bibliografia

regional aponta para o começo do século XX como o período de iniciação2.

Denominado artesanato mineral, a extração de rochas surge num momento em que a

agricultura predominava em solo camboriuense. Anteriormente, no Rio de Janeiro,

capital da nação até então, a presença do trabalho com as rochas já se encontrava

abundante, servindo produtos e mercadorias para o desenvolvimento do país. De

maneira mais efetiva, passam a compor o “calçamento da cidade, graças às melhorias

urbanas advindas da chegada da Família Real Portuguesa”. No governo de Dom João

VI (1808-1821) o “calçamento das ruas era feito a partir de pedras extraídas dos

flancos nus dos morros de granito”3:7.

À exemplo das terras fluminenses, o chão de Camboriú também contém

granito. A taxonomia geológica classifica os granitos como sendo pertencentes às

rochas magmáticas. Tal grupo de rochas apresenta “três planos preferenciais de corte,

que são: corrida, segundo e trincante”4:4. E é a partir do prévio conhecimento e análise

destes planos de corte que os trabalhadores e seus instrumentos conseguem “abrir”

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a rocha até então intacta da natureza.

As pessoas que se aventuram pelo perigo da arte que interage com as rochas

para produção de bens sociais tão importantes ao nosso modelo estrutural de

sociedade – seja no Rio de Janeiro ou em Camboriú – precisam saber utilizar algumas

invenções humanas peculiares, como os explosivos.

A invenção da pólvora e o aperfeiçoamento de substâncias explosivas remonta

desde o século IX até os dias atuais. As “primeiras referências à pólvora” podem ser

encontradas em escritos de alquimistas, como num “texto taoísta datado em meados

do ano 800” aonde adverte para não misturarem “enxofre, rosalgar e salitre”. Se

misturados, podem queimar o corpo humano5:2. Tal conhecimento foi lapidado e

incorporado em guerras entre os povos árabes, sírios e mongóis, no século XIII. Na

mesma época, o inglês Roger Bacon, através de “intermediários entre o Oriente e o

Ocidente”5:3 reproduz as misturas e codifica em seus escritos. Espalhando-se pelo

mundo, foi no século XIX que essa química, acrescentada por outros ingredientes, foi

patenteada por Alfred Nobel. Pelo pensamento privatista, Nobel (o próprio do famoso

prêmio) acumulou fortuna com “sua” invenção – a dinamite6.

Porém, mesmo antes da descoberta da pólvora e da dinamite, o Império

Romano (27 a.C. – 476 d.C.) também extraía produtos de suas rochas. A técnica

consistia na utilização de cunhas de madeira nas fissuras naturais do maciço rochoso.

Após colocadas, as madeiras eram encharcadas com água que, graças à expansão

causada pelo congelamento da madeira molhada, abriam os blocos, gerando

subdivisões.

Como vimos, o início dessa prática em terras tupiniquins, mais especificamente

Camboriú, deu-se no nascimento do século XX e o emprego da pólvora mantem-se

essencial. Portanto, após localizados os granitos, faz-se um furo na rocha, de

espessura e comprimento variáveis. Nessa cavidade, insere-se o material explosivo.

Com a detonação guiada pelos planos preferencias de corte, tem-se a mesma rocha,

agora desprendida do solo e subdividida em duas partes. Daqui em diante, as

subdivisões na rocha são feitas com cunhas de metal, escopos, marretas e martelo.

Este trabalho é um dos tantos métodos de lavra existentes, sendo considerado mais

artesanal se comparado com as técnicas industriais hoje existentes7.

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Assim, uma rocha de granito que, antes de ser alvo da ação humana, possuía,

por exemplo, o tamanho de um automóvel, agora está decomposta em centenas de

pedras menores (ou em milhares, a depender do tamanho da rocha encontrada).

Esses blocos de granito puro originam os chamados paralelepípedos de pedra,

utilizados em calçamento de vias públicas e privadas. Também podem ser produzidos

de diferentes tamanhos, servindo como meio-fio, placas de revestimento, calçadas

públicas, ornamento em jardins, moerão de cercas, bases de casas, pilares para

telhados, bancos de praça e etc.

Além de constituir-se como um trabalho concreto, o artesanato mineral produz

valor pela criação de produtos e mercadorias que irão circular no mercado, dada a

atual formação econômico-social capitalista-mercantilista. E é sobre o valor das coisas

que iremos nos debruçar a seguir.

1.2 A teoria do valor e processos de trabalho

Desde Aristóteles já há demonstrações humanas de interesse nas questões

que rodeiam o tema valor. Valor aqui que não deve ser confundido como “princípio”,

“moral”. Valor este que mais se aproxima daquele que “é a expressão contingente do

valor” 8:223, ou seja, o preço.

Mas quem de fato consegue, passados vinte e quatro séculos do mundo grego,

com substância aprofundar a teoria do valor vem da Alemanha. Após o lançamento

em 1867 da obra Das Kapital: Kritik der politischen Okonomie, “N. Sieber, professor

de economia política da Universidade de Kiev” aponta em seu livro de 1871 que a

teoria do valor ali contida, “nos seus traços fundamentais”, é “uma continuação

necessária da teoria de [Adam] Smith e [David] Ricardo”1:25, autores da escola clássica

econômica.

Podemos bem continuar produzindo os mais diferentes e possíveis produtos

sem que eles sejam trocados. Se um produtor de blocos de paralelepípedos quiser

usá-los unicamente para uso próprio, calçando um trilho em seu quintal, tais produtos

possuem valor de uso, acontecendo quando a “utilidade de uma coisa transforma essa

coisa num valor-de-uso”1:58. E não possuem valor de troca. Ou seja, o trabalho

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concreto de cortar pedras produz valores de uso blocos de paralelepípedos. Assim, é

“difícil pensar em um produto que não tenha valor de uso e possua valor de troca, já

que nenhum produtor desejará comprar”9:18. Podemos também observar a teoria do

valor nas ferramentas do cortador de pedras. Cunhas e escopos, se eu mesmo os fiz

para “satisfazer necessidades” próprias, eles não os serão levados ao “mercado para

a troca”, portanto, não serão “elementos constitutivos de uma economia mercantil”9:18.

Agora, tendo mil paralelepípedos, se desejar trocá-los por outras mercadorias

diferentes, atribuo valor de troca, pois o valor de uso a mim não existe. Desse modo,

alienando, ou negando, o valor de uso da mercadoria mil paralelepípedos no objetivo

de adquirir mercadoria distinta daquela produzida. Nessa relação social presente na

troca, uma dúvida: como definir o valor de mil paralelepípedos perante outra(s)

mercadoria(s)? Na intenção de facilitar esse problema, surge o dinheiro, que atua

como “validador social das mercadorias ou dos trabalhos que as produziram”10:51.

Não somente as rochas ou qualquer outro mineral podem servir de meio para

que a humanidade realize relações sociais de troca. Ela própria, a humanidade, é uma

mercadoria. Sendo também natureza, um ser humano e sua força de trabalho

possuem valor de troca. Ao cortador de pedras, numa sociedade de proprietários e

não-proprietários, caso queira produzir valor de uso, terá que “ter” as pedras, pois elas

são o seu “objeto de trabalho”, ou seja, “todas as coisas que o trabalho apenas separa

de sua conexão imediata com seu meio natural”1:211, provido pela natureza.

Não possuindo as rochas (“objeto de trabalho”), mesmo que possua os

explosivos, cunhas, cinzéis, marreta e demais, seu “instrumental de trabalho”, aliado

ao seu conhecimento técnico-científico para uma “atividade adequada a um fim, isto

é, o próprio trabalho”, não terá como produzir valor. Esses elementos fazem parte do

“processo de trabalho”1:211 que, incompleto na ausência das rochas, não se faz.

Um produtor de pedras que não possui os meios (instrumental + objeto de

trabalho) lança-se ele próprio como uma mercadoria, pois possui sua força de

trabalho, “vendida como mercadoria pelo seu próprio possuidor, a pessoa”. Um dono

de pedreira que compra essa força de trabalho, nos tempos atuais, deve realizá-la por

tempo determinado. Caso a pessoa que vendeu a força de trabalho a faça ad infinitum,

“de uma vez por todas, vender-se-á si mesmo, transformar-se-á de homem livre em

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escravo”1:198. No caso Camboriú, SC, o artesanato mineral inicia no século XX, não

muito após a abolição da escravatura no Brasil (1888).

Postas as mercadorias no mercado – sejam elas pedras ou força de trabalho –

qual grandeza há em comum para medi-las? Visto que toda mercadoria produzida ou

consumida é a cristalização de um esforço, o “valor da força de trabalho é

determinado, como o de qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho

necessário à sua produção”1:200. Tal compreensão nos faz estabelecer também que,

no mercado das relações sociais de troca, “todos somos simplesmente vendedores

de mercadorias, seja ela a própria força de trabalho”11:175, ou paralelepípedos de

pedra.

Uma relação social justa, que seja, já nos alerta Walter Benjamin, para que

possamos falar em “igualdade e liberdade”. Situação não vista nas sociedades

capitalistas pela presença da mais-valia, entendida a grosso modo onde o fragmento

excedente de “trabalho é extorquido”1:254 dos produtores, do operariado, e

concentrado em mãos e bolsos capitalistas. Sua taxa é “a expressão exata do grau

de exploração da força de trabalho pelo capital ou do operário pelo capitalista”1:254.

1.3 O capitalismo financeiro sobre os financiamentos do Estado

E não somente pela mais-valia que os trabalhadores não-detentores dos meios

de produção se veem usurpados diante dos produtos por eles produzidos em seu

processo de trabalho. Com os avanços do capitalismo pelo globo, principalmente a

partir dos anos de 1980, a comunidade mundial trabalhadora se vê diante do

“ressurgimento do capital produtor de juros”, passando a “determinar as relações

econômicas e sociais do capitalismo contemporâneo”. Essa modalidade de

capitalismo ora reinante em nossa sociedade “busca fazer dinheiro sem sair da esfera

financeira”, através de dividendos, juros e “posse de ações e de lucros nascidos da

especulação bem-sucedida”12:843. Sufocadas “pela dominação financeira” global,

empresas capitalistas nacionais que produzem bens e pedras ou outras mercadorias,

passam a intentar diminuir cada vez mais o “custo da força de trabalho”, artimanha

fundamental, “tendo em vista a força do capital portador de juros ao retirar o excedente

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criado na produção”12:844. Consequentemente, pela mais-valia cotidiana aliada à

produção de juros e rendas na “nuvem” financeira, “o trabalhador produz não para si,

mas para o capital”13:1187, marcas básicas “do capitalismo contemporâneo

financeirizado”13:1195.

Com o advento das ondas financeiras, os trabalhadores mundiais não são os

únicos a sentirem a força expropriante do agitado mar capitalista. Os Estados

nacionais também e o caso brasileiro não é diferente.

Historiadores, não sem muita controvérsia, remontam o surgimento do Estado

moderno para meados do século XVI, enquanto outras correntes apontam para o

século XIV. Até então, na Idade Média (século V ao XV) a “monarquia era

absoluta”14:19. Uma contribuição de Florenzano indica que podemos considerar como

“primeiro Estado moderno do mundo” aquele nascido na Itália, mais especificamente

“na história de Florença”14:24, sendo para Jacob Burckhardt “a primeira a apresentar

por completo uma porção significativa do moderno aparelho estatal”14:24.

Avançando o relógio do tempo e viajando para terras sul-americanas, tomemos

o Estado Brasileiro e seu aparelho estatal. Desde a invasão portuguesa, a

Independência à Coroa (1822), a Proclamação da República (1889) e a formulação

da atual carta magna reinante (Constituição Cidadã de 1988), diversas

transformações puderam ser vistas na organização da sociedade brasileira,

atravessadas pela globalização do sistema econômico dominante, o capitalismo e sua

face financeira.

A questão que nos permeia à diante na construção do cenário deste manuscrito

é a seguinte: de que maneira o Estado brasileiro obtém recursos para sua operação

e reprodução?

O atual modelo de financiamento do Estado brasileiro “é constituído da

arrecadação tributária, dos empréstimos compulsórios e da dívida pública”15:106.

Destes três itens, iniciamos primeiro pelo último: a dívida pública.

A dívida pública é formada pelos empréstimos contraídos pelo

Estado, tanto no mercado interno quanto externo, para financiar

parte de suas despesas. Na prática, é a soma das dívidas

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externa (feita em moeda estrangeira) e interna (em real).

Segundo o Tesouro Nacional, nela está incluída o chamado

refinanciamento ou “rolagem” - quando são feitos novos

empréstimos para pagar os antigos16.

Em vistas do exposto, ocorre um alto esforço dos governos brasileiros,

diminuindo gastos públicos e aumentando a arrecadação, gerando “superávit primário

das contas públicas para honrar os compromissos da dívida”15:106. Porém, apesar do

“esforço”, o que se vê é um aumento gradual da dívida pública, extraindo montantes

cada vez maiores dos recursos provenientes da produção interna, acelerando “a sua

trajetória de alta, passando de aproximadamente 56,0% do” Produto Interno Bruto

(PIB) no final de 2014, “para 70,0% no mesmo período de 2016”17:13. Assim, verifica-

se que para “assegurar uma escala de superávit primário, condizente com as

exigências do mundo das finanças e com os interesses das classes dominantes”18:8,

o Estado brasileiro opta por destinar fatias consideráveis de seus recursos – gerados

pelos trabalhadores de todos os Brasis, do cortador de pedras ao cirurgião-dentista –

ao pagamento de juros da dívida.

Nesse emaranhado econômico que resulta por sugar recursos valiosos, a

arrecadação tributária torna-se principal fonte de “financiamento do SUS”19:1607

(Sistema Único de Saúde) e da máquina pública, aonde os tributos expressam “o

volume de recursos, que o Estado extrai da sociedade para financiar suas

atividades”15:107. Desse modo, a receita do Estado brasileiro, dentre outras

especificações, “é a expressão monetária resultante do poder de tributar [...] bens e/ou

serviços da entidade, validada pelo mercado em um determinado período de

tempo”20:12. Extraída dos Princípios Fundamentais de Contabilidade, entende-se a

palavra “bem” e/ou “bens” “em sentido amplo, incluindo toda sorte de mercadorias, [...]

inclusive equipamentos e imóveis”20:12.

Podemos concluir, então, que a criação de mercadorias advindas da natureza

transformada pela ação humana do trabalho – como os paralelepípedos de pedra –

equivale à obtenção dos recursos que propiciam a operação e reprodução do Estado

brasileiro. Afinal, não podemos tributar as rochas de granito intactas das montanhas

camboriuenses, não é mesmo? De tal modo que os broqueiros e demais

trabalhadores envolvidos na arte de produzir bens em pedra constituem-se como

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fortalecedores do Estado nacional.

2 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo, de abordagem compreensiva e análise

dialética, apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do Itajaí,

SC, em consonância com as determinações da Resolução MS/CNS no 466/2012.

A pesquisa foi realizada em Camboriú, SC, Brasil, no período 2016-2017, com

produtores de bens sociais extraídos das rochas deste município.

Disposto a estudar o contexto dos produtores de bens em pedra de Camboriú,

quais foram as fontes dos dados? Duas: O próprio contexto (observação-participante)

e os próprios produtores-trabalhadores (a partir de entrevistas-narrativas).

2.1 Observação-participante e entrevistas-narrativas

Intencionando analisar o modo como a transformação do real foi se impondo

aos trabalhadores-produtores de bens em pedra, paralelamente à construção de

elementos do Estado brasileiro, no contexto de Camboriú, SC, elegeu-se como

primeiro movimento a exploração do contexto, etapa exploratória via observação-

participante, na segunda quinzena de setembro de 201621.

Percorrendo os locais aonde produzem-se mercadorias a partir das rochas,

interações entre pesquisador e trabalhadores foram produzidas nos locais visitados

para pesquisa, sendo registradas através de gravador de voz, quando necessário,

com prévia explicação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(TCLE).

Diante do cenário visitado pela observação-participante, foram eleitos os

trabalhadores produtores de bens em pedra que atuam no trajeto de construção da

mercadoria-pavimentação (bem social) com paralelepípedos, considerando que a

maior massa de trabalhadores é a dos que interagem com os granitos para finalidades

de pavimentação por paralelepípedos. Maior em quantidade de trabalhadores, em

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146

comparação com os de jazida de mármore. E também com os de sistemas de

britagem, altamente industrial-tecnológico. Assim, para fins de recorte, as entrevistas-

narrativas, realizadas com pessoas produtores de bens em pedra sob medida

(paralelepípedos), funcionam como “possibilidade de narrar o vivido ou passar ao

outro sua experiência de vida”, tornando a “a vivência que é finita, infinita”,

“fundamental para a construção da noção de coletivo”22:194.

Adotando a técnica da bola de neve, que se vale de uma rede de amizades

através de indicações oriundas dos próprios trabalhadores, onde novos sujeitos para

a pesquisa surgem via apontamento interno dos membros da cadeira produtiva. O

pontapé inicial é dado com a eleição de sementes (onda zero) que ficam encarregadas

de indicarem os próximos sujeitos (“filhos” das sementes, criando novas ondas). As

indicações advêm ao final de cada entrevista. Apesar da técnica permitir mais

indicações, para este estudo foi solicitado que cada semente e cada “filho” indicasse

apenas um novo membro23.

Para formação das ondas foi definida a quantidade de quatro (4) sementes.

Através de um pensamento de engenharia reversa do contexto da mercadoria-

pavimentação, foi possível entender que três grupos de trabalhadores são

necessários para execução da obra: broqueiros, transportadores e colocadores de

pedra. Dos broqueiros, por considerar a atividade primus de extração da matéria bruta

rocha, foi dedicada duas sementes para esta categoria. Assim, o conjunto “onda zero”

contém quatro pessoas-sementes: duas de cortadores, uma de transportadores e uma

de colocadores.

A onda zero de quatro sementes gerou outras três ondas, portanto, dezesseis

(16) sujeitos compuseram o universo de participantes. A pesquisa foi realizada na

casa das pessoas e/ou no local de trabalho, no período compreendido entre novembro

de 2016 e janeiro de 2017. O material coletado foi transcrito e todos os participantes

assinaram o TCLE.

Todos os dezesseis entrevistados tiveram, por motivos éticos, seus nomes

“escondidos”. Para citá-los, são apresentados cada um com a letra “P” de pessoa,

seguida pois dois caracteres numéricos. P10, P23, P42 são alguns exemplos de

nomes atribuídos aos participantes entrevistados.

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147

2.2 Categorização e análise

As transcrições dos áudios foram sendo feitas paralelamente a execução das

entrevistas, em documentos do Microsoft Word, gerando material extenso e denso.

Para efeitos de categorização, os dados foram organizados, classificados e

codificados a partir das seguintes etapas, proposta por Minayo: a) Leitura horizontal e

exaustiva das entrevistas, importante para a apreensão de expressões

classificatórias; b) Leitura transversal, aquela que corresponde ao recorte de cada

expressão classificatória em unidade de sentido ou tema ou subcategoria; e c)

Reagrupamentos, para fechar as inúmeras “gavetas” abertas, reagrupando-as em um

número reduzido de unidades de sentido, com o objetivo de construir as categorias de

análise21.

As expressões classificatórias foram agrupadas em unidades de subcategorias,

posteriormente escritas em um quadro branco adquirido pelo pesquisador, utilizando

pincel atômico.

A categoria de agrupamento dos dados emergiu do eixo central do roteiro

semiestruturado utilizado na realização das entrevistas-narrativas: o trabalho. O

trabalho, as técnicas, as pedras, os métodos, os perigos, os locais, os instrumentais

e etc. Histórias que tivessem relação com o trabalho produtor de bens em pedra foram

buscadas nas entrevistas. É a partir desse aglomerado de informações, entrelaçadas

com a teoria do valor e o contexto capitalista financeiro dos Estados-nacionais que

surge a categoria: “O trabalho com pedras criador de valor”

Neste estudo, o método de análise dos dados obtidos pelas técnicas de coleta

ora apresentados, observação participante e entrevistas-narrativas, foram analisados

pelo método ético-político24, em perspectiva dialética, tomando por base a dimensão

reflexivo-crítica para analisar “o modo de”, isto é, o modo como a transformação do

real foi se impondo aos trabalhadores-produtores de bens em pedra, paralelamente à

construção de elementos do Estado brasileiro, no contexto de Camboriú, SC25. Este

método é uma adaptação do método humanístico de análise da realidade cunhado

por Gramsci como o método do “posto che”, pautado na interlocução entre a

historicidade do objeto e suas tendências contraditórias. Partindo-se desta

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148

interlocução, o pensamento percorre um caminho em que uma nova realidade é

incorporada à espera de resposta, de nova análise24.

3 PENSAR SAÚDE PELA CONQUISTA DO ESTADO

Como se tratou de coletar dados a respeito do funcionamento histórico-atual –

iniciada no território pesquisado no começo do século XX e mantendo-se até hoje - da

produção de bens em pedra no município de Camboriú, SC, Brasil. Para tal, foi

percorrido os espaços atuais de produção de bens em pedra na cidade eleita, além

de entrevistas-narrativas com trabalhadores-produtores subdivididos em cortadores,

transportadores e colocadores de pedras. Durante seu desenvolvimento local, tal

atividade econômica ocorre paralelamente a movimentos globais, como o

“desenvolvimento do Estado, de seu “protagonismo” em relação à sociedade [...] que

dominou o cenário do século XX”26:174. E o século XXI, caracterizado como

consolidação da “hegemonia burguesa” ditando regras de produção e de viver das

populações do Estados-nacionais consolidados, hegemonia que pode ser entendida

como a “supremacia de um grupo ou classe sobre outras classes ou grupos,

estabelecida “com meios diferentes do recurso à violência ou à coerção”27:114.

Apesar de aptos e de terem envolvimento no trabalho concreto de produção de

bens em pedra por mais de trinta (30) anos, critério de inclusão estabelecido para

realização das dezesseis (16) entrevistas-narrativas, nenhum dos participantes

obteve o conhecimento laboral específico através de ações educativas diretas do

Estado. Não há centros, institutos, faculdades ou cursos técnicos dedicados ao

ensino-aprendizagem de formação de trabalhadores nesta área, no contexto

estudado. As técnicas da arte que produz bens em pedra sob medida – incluindo

também os transportadores/carregadores (motoristas) e os colocadores (calceteiros)

de pedra – é, portanto, fruto de conhecimento transmitido entre os integrantes do

próprio grupo social.

“Aprendi com [um] vizinho. Um foi aprendendo com o outro”

(P10) “[...] aprendi com meu tio” (P11) “A gente aprendeu com

[...] os mais velhos” (P12) “Quando eu comecei [...] fui aprender

com um cunhado” (P13) “Eu aprendi com meu pai [que] já

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cortava pedra” (P21) “Aprendi com um primo meu” (P22).

E aprender a produzir bens em pedra oriundos de rochas de granito em

matacão significa, muitas vezes, lidar com misturas explosivas, necessárias para a

primeira divisão da rocha bruta.

“[...] os primeiros que inventaram botavam lenha e botavam fogo.

Até estourar. Tem que cuidar na hora de carregar o fogo. Porque

se explode vai acabar contigo. Vai moer” (P10) “O fogo cortava

pedaços grandes. Depois tinha que ir amiudando” (P20)

“Fazemos [a mistura] mesmo, em casa. Adubo misturado com

óleo diesel [ou] salitre, enxofre e o carvão” (P21) “O salitro, o

enxofre e o carvão, isso joga tudo e dava a pólvora” (P22).

Também no processo de “abrir” a pedra com as misturas explosivas, “dar o

fogo” como denominado pelos trabalhadores, acidentes mutiladores e até fatais

acontecem.

“Eles deram o fogo na pedra e abriu mas eles não viram. Quando

eles foram ver a pedra veio [...] esmagou e o outro bateu e jogou.

Os outros no fogo perdia mão, dedo” (P10) “Ele deu o fogo assim

[...] a outra [pedra] caiu, bateu, passou por cima [...] esmagou

tudo” (P11) “[...] no fogo tem o DH [que] perdeu uma mão inteira”

(P13) “A maioria dos acidentes que dava na pedra era com fogo”

(P31) “[...] podia falhar o fogo, muitas pessoas já morreram

nisso” (P41).

Após o complicado e perigoso trabalho de “dar o fogo” nas pedras, vem a etapa

dos cortes manuais através de instrumentais de metal, como cunhas, escopos,

talhadeiras, macetas, marretas, martelos e etc. Porém, é preciso previamente

conhecer os veios do granito, pois é explorando esses planos preferenciais naturais

de corte da pedra que se consegue abri-las.

“Tem a corrida, tem o levante e tem o trincante. O melhor da

pedra é a corrida” (P10) “O melhor corte é a corrida da pedra.

Corrida de pedra não mente. Tem [...] corrida certa, corrida

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trocada. Trincante certo, trincante trocado, levante certo, levante

trocado. São seis corte” (P12) “[...] nós chamava a corrida, era o

corte mais leve que a pedra tivesse. E o trincante era trincando

pelo lado. E o levante, levantava” (P20) “[...] se for uma pedra

boa de corrida com pouco punchote tu faz um monte de folheta”

(P31).

Na sequência de subdivisões manuais operadas na pedra, começam a ser

fabricados cada vez blocos de tamanhos menores, resultando em blocos de

paralelepípedos para calçamento e, subdividindo mais, em pedras menores,

chamadas de “bolachinhas”, geralmente utilizadas em ornamento de jardins e

calçamento de calçadas.

Entretanto, há um caminho que se percorrer para que esses paralelepípedos

de pedra passem a ser elementos de um calçamento público ou privado. Elaboradas

as peças, precisam ser transportadas até o local da obra. Ao longo do tempo

estudado, o transporte das pedras subdividas inicia sendo feito de carroças.

Atualmente, há caminhões do tipo caçamba que auxiliam no transporte. Os

trabalhadores que realizam esses movimentos são popularmente denominados pelo

grupo como “puxadores” de pedra.

“Carregava e descarregava na época tudo a mão porque não

tinha caçamba ainda. Era tudo carregado a mão e tinha pedra

que era pesada, [...] chegava a ver sangue assim na mão, mas

porque gastava. Depois usava luva [...] mas também aguentava

três ou quatro dias. O que aguentava mesmo era a mão” (P30)

“Dirigia caminhão e carregava pedra. Cansava, descarregando

pedra. Nós carregava a mão [...] tanto que um tempo eu desisti

porque eu não podia mais das costas. Tava todo quebrado das

costas” (P32) “Ia no morro, carregava. Tudo na mão. A gente ia,

carregava. Ia lá, carregava, chegava aqui embaixo,

descarregava. Era essa correria, essa luta, o dia todo, [...]

machucava dedo, machucava unha. Vinha uma pedra, um

paralelepípedo e dava em cima do pé da gente” (P33).

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Tomamos como exemplo de destino dos paralelepípedos de pedra uma obra

de pavimentação na região. Realizado o transporte das pedras camboriuenses ao

destino, necessita-se, então, de mais movimentos humanos nas pedras para que de

fato virem calçamento. Entram em cena os calceteiros, suas habilidades e

instrumentais de fixar as pedras no chão.

“O calçamento é assim. Tu tem que ter uma base boa. Se tu não

tiver uma base boa praticamente vai dar um borrachudo” (P41)

“Tirar o ponto com o ferro, pra esticar a linha, uma trena, depois

uma colher e a marreta. Isso é o calceteiro tem que ter” (P42)

“Marreta de três quilos pra bater pedra. E tinha que ficar a marca

na pedra. A marca da marreta em cima da pedra. E o calçamento

bem amarrado, igual tijolo” (P43).

Pronto! Podemos inferir que a “obra” está entregue, pronta para que carroças,

carros, bicicletas, pessoas, animais silvestres e domésticos possam transitar em vias

públicas ou privadas, devidamente calçadas com paralelepípedos de pedra, evitando

que a pavimentação primária (a terra batida) cause desconforto à civilização com

buracos, poças de lama em dias de chuva e poeira em dias secos.

Com a obra, além das melhorias imediatas, valorizam-se também os terrenos

do entorno, agregando valor aos imóveis, acarretando em maior arrecadação ao

Estado advinda tanto dos tributos sobre as mercadorias-paralelepípedos criadas,

quanto do aumento no valor dos terrenos que são taxados por impostos, como o

Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU) que, no fim, financiam as políticas públicas

do Estado brasileiro. Tal realidade significa dizer que “a sociedade civil [...] é também

Estado, aliás, é o próprio Estado”. Gramsci observa esses dois planos

superestruturais – Estado e sociedade civil – “dialeticamente unidos no conceito de

‘Estado integral’”, levando a crer na afirmação de que que “o Estado ut sic não produz

a situação econômica, mas é a expressão da situação econômica”28:261 e que todo

“cidadão é ‘funcionário’ [do Estado] se é ativo na vida social conforme a direção

traçada pelo Estado-governo”28:264.

Claramente se percebe o quão notável é para a sociedade civil e para o Estado

este ramo produtivo, dado o padrão de desenvolvimento adotado por esta sociedade.

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Apesar do peso social, o aparelho estatal e seu ordenamento político-jurídico é omisso

para com essa população. O Estado só está interessado no lado econômico do

trabalho das pessoas, negando-as o ensino formal, negando-as a construção do

conhecimento através de suas práticas históricas, negando a direção da sociedade.

Negando o direito a saúde conquistado, seja público pela ausência do serviço, seja

particular pela impossibilidade de realizar tratamento pela remuneração recebida não

ser suficiente para comprar saúde particular. Cenário este que impossibilita que se

torne “real uma coparticipação dos governados nos poderes”29:141, afastando a

“democracia política” que luta para “fazer coincidir governantes e governados”29:142.

Diante da promulgação da Constituição Cidadã30 que consagrou um SUS para

todos, mas, com a dependência de regulamentação legal e recursos econômicos para

a efetivação; diante da conquista da política pública SUS, sob o fundamento saúde

como direito de todos e dever de Estado31 e da garantia de um SUS em que este

fundamento parece não ser prioridade de Estado, que proteção o SUS vigente confere

aos trabalhadores inseridos na cortação de pedra? O SUS e a sua Política Nacional

de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora32 têm garantido condições de

possibilidades para que este grupo de trabalhadores possa existir e exercer seu ofício

com dignidade?

Permanecendo um determinado grupo como detentor das máquinas e das

terras (ou a concessão do Estado para exploração das terras), o resultado é a criação

de uma massa de trabalhadores que não são agraciados com estas condições e que,

para poderem exercer o ofício de interação com as rochas acabam tendo que vender

sua força de trabalho, ocorrendo pouco ou nenhum poder de decisão ao grupo não-

detentor. No caso deste grupo social, que tem as rochas como objeto a ser extraído

da natureza, essa divisão de classes proporciona uma relação de subalternidade entre

os sujeitos que, conjuntamente, cooperam para produção dos bens sociais originados

a partir das rochas. Subalternidade que impede a urgência de um Estado ético, pois,

para sê-lo, necessita funcionar “para elevar a grande massa da população a um

determinado nível cultural e moral”33:264. Ocorrência não vista no contexto estudado.

Ao encontro de situações como estas, a teoria política de Antonio Gramsci

surge para oferecer caminhos de irrompimento dessa condição subalterna na qual os

trabalhadores se deparam em seu cotidiano.

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153

Um dos apontamentos frisados por Gramsci leva em conta a premissa de

conquista do Estado pelos grupos sociais subalternos como possibilidade de

autogoverno e auto direção, participando ativamente da construção do Estado, não

somente pela via prática econômica, mas também na posição de dirigentes da nação

ou mesmo da pequena comunidade. Assim, uma “nova concepção de Estado e de

poder” torna-se necessária para soterrar “instrumentos coercitivos e artificiais”

(dominação), viabilizando “dialéticas relações pedagógicas”34:476-477.

Aos movimentos populares, urge que se preparem “para serem dirigentes de

uma sociedade e governantes de um Estado pautado pela universalização dos direitos

e a socialização do poder”34:466, de tal modo que a “economia [seja] socializada e

organizações políticas [sejam] efetivamente democráticas”34:466 no instante que as

classes subalternas não mais a sejam, ultrapassando o plano puramente “econômico-

corporativo”35:74 que, num processo de catarse, alcancem o patamar ético-político, ou

seja:

“[...] a transformação do indivíduo passivo e dominado pelas

estruturas econômicas em sujeito ativo e socializado capaz de

tomar iniciativa e se impor com um projeto próprio de sociedade.

“O amadurecimento do momento ‘catártico’” – observava o autor

dos Cadernos do cárcere – torna-se o ponto de partida para toda

a filosofia da práxis”36:100.

Porém, a tarefa de irromper à classe dirigente não é fácil. Para tal conquista,

resgatemos a noção de “bloco histórico”37:66, contribuindo para que o proletariado

consiga “criar um sistema de alianças de classes que lhe permita mobilizar contra o

capitalismo e o Estado burguês a maioria da população trabalhadora”38:22.

Entretanto, para que se mantenha a ordem vigente hegemônica capitalista que

mantem distante da direção estatal as classes subalternas, uma série de entidades

representativas do crescente associativismo social emergem do seio da sociedade

civil, destacando aquelas cuja função seria forjar o que Gramsci chamava de

“consenso”, a adesão ativa ou passiva das classes subalternas para que adotem como

projeto de vida o projeto político dos atores dominantes39. Tais “associações” –

políticas, culturais e sociais – propagadoras de consenso se expressam produzindo

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os chamados órgãos da opinião pública, dominando, numa mistura entre força e

consenso, um processo de formação de hegemonia39,40,41. Hegemonia que atua para

que “nem todos os homens tenham na sociedade a função de intelectuais”, apesar de

“todos os homens [serem] intelectuais”42:367, conforme experimentado ao longo deste

manuscrito nas falas e práticas históricas dos produtores de bens em pedra.

Reforçando, assim, que “o Estado é, em última instância, um órgão da classe

dominante”43:32.

Devida à ênfase dada para a separação entre corpo e mente, isto é, entre

atividade prática e atividade intelectual, Gramsci classifica os humanos como

“superiores”. Mas não superior no sentido de dominação; pelo contrário, pois ela é

dialética, mas, sim, tendo em vista a capacidade humana de se diferenciar das outras

espécies por “saber” interagir com a natureza à fim de produzir bens sociais. À

exemplo disto, tem-se espécies com grande força física se comparada à humana,

como alguns extintos ursos que - apesar de morarem em cavernas e interagirem com

a pedra como moradia, como valor de uso – eles não se equivaliam à capacidade

humana, já que não detinham a capacidade de comercializá-las, trocá-las por outras

mercadorias, atribuir valor de troca. A ciência parece desconhecer um urso deste que

tenha realizado calçamentos de passeios púbicos com pedra recortadas. Ursos não

detêm/não detinham a consciência capaz de atribuir valor mercantil ao produto,

característica humana.

Por isso, é frequente a dualidade apresentada pelo autor, entre tarefas do corpo

e tarefas da “consciência peculiar humana”, como escrito em “viver significa ocupar-

se principalmente com a atividade prática econômica” como sendo referente ao corpo

(físico, por assim dizer) e “filosofar, ocupar-se com atividades intelectuais de otium

litteratum” como sendo o segundo lado da dualidade, este relacionado com a

especificidade humana da consciência sobre as coisas materiais. E completa:

“Todavia, existem os que apenas ‘vivem’, obrigados a um trabalho servil e extenuante,

sem os quais determinadas pessoas não poderiam ter a possibilidade de se

exonerarem da atividade econômica para filosofar”44:50.

4 ASPECTOS CONCLUSIVOS

O trabalho concreto criador de valor executado pelos trabalhadores-produtores

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de bens em pedra resulta não somente no fortalecimento econômico do Estado

brasileiro, mas também em transformações do real, da objetividade. Transformações

que possibilitam a concretude e a reprodução das estruturas e dinâmicas sociais de

todos os grupos que usufruem das mercadorias-pavimentação ou simplesmente

mercadorias-pedras, criando comodidades no viver das civilizações.

Entretanto, diante da importância social, tanto pelos produtos do trabalho quanto dos

impostos gerados que financiam as ações estatais, a devolutiva do Estado para com

essas pessoas produtoras está muito aquém do desejado caso se queira pensar em

promoção de saúde, igualdade de oportunidades, horizontalidade nas decisões de

governo e de produção do conhecimento.

No objetivo de analisar o modo como a transformação do real foi se impondo

aos trabalhadores-produtores de bens em pedra, paralelamente à construção de

elementos do Estado brasileiro, no contexto da cidade de Camboriú, SC, trouxe à luz

questões de mercado. Relações sociais presentes nas relações de troca – venda e

compra de mercadorias de pedras – apresentam-se desiguais, assimétricas.

Considerando o tempo de trabalho dispendido para a produção dos artefatos

de pedras, que aumenta diante da velhice de seus atores; o baixo preço definido que

é pago por esse trabalho, impedindo o trabalhador de poder consumir bens vitais para

sua sobrevivência com dignidade (saúde, educação, lazer e etc.); conclui-se que o

Estado historicamente é cúmplice dessa situação ao favorecer demandas de mercado

em detrimento da preservação da vida das pessoas reais do território.

Apesar de ativos economicamente, a organização social – o Estado e a

sociedade civil, por meio de relações de hegemonia – exclui os atores protagonistas

trabalhadores-produtores, tornando-os passivos no plano político e filosófico,

provocando a perpetuação de condições de subalternidade.

Mesmo que atuando no plano “privado” (trabalhando para si ou para um senhor

da terra) os produtores de bens em pedra são como “funcionários” estatais.

Funcionários que captam recursos financeiros ao Estado, decorrentes de suas

intervenções no objeto de trabalho, transformando natureza em mercadorias

tributáveis.

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Mas, se de um lado existe o trabalho desvalorizado em forma de pagamento

não condizente com a realidade de valor criado, de outro , acumula-se valor

expropriado dos produtores de pedra, pois, se um pátio de contêineres passa a ser

pavimentado com paralelepípedos, o valor dessa estrutura aumenta. Aumenta

também a produção, pelas características que a pavimentação agrega, gerando maior

conforto e produtividade no trabalho dos pátios de portos, que impactam indiretamente

nos preços dos variados produtos contidos em contêineres. Logo, amplia-se o abismo

social entre as pessoas.

No campo de análise, os valores de troca das coisas podem surgir como um

estatuto fundamental na explicação da estabilidade e coerência das sociedades ou

das mudanças sociais. Nisto, cabe ao Estado garantir a justiça nas relações sociais

de troca, socializando a posse dos meios de produção e inserindo-os no campo da

produção do conhecimento pelo levante popular capaz de conquistar o Estado,

oportunizando a inclusão dos excluídos.

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6 ASPECTOS CONCLUSIVOS

Assumindo, dentre tantas outras possíveis, a categoria de análise pela teoria

da hegemonia entre conceitos gramscianos sobre o texto de: analisar, na perspectiva

ético-política, a transformação do e o real e como essa construção se impôs ao

trabalho, gerando movimentos no processo saúde-doença. Isto, aplicado ao contexto

de produtores de bens em pedra de Camboriú, SC, foi possível confirmar a hipótese

de que a transformação do real dar-se-á por relações de hegemonia.

E tal hegemonia reinante em nosso modo de viver contemporâneo, orquestrado

pela produção objetiva de coisas reais que predomina gerando elementos subjetivos,

é incapaz de gerar saúde universal e humanização, permitindo a apropriação de uns

sobre outros, desviando a essência humana de sentido coletivo. De real valor

democrático.

Democracia que necessita se expandir ao plano econômico: se tudo

produzimos, tudo nos pertence. Democratizar os meios de produção significa hostilizar

a propriedade privada da forma como acontece: sendo pequenas frações da

sociedade as detentoras dos ambientes produtivos, ao restante, as grandes fatias

populacionais, resta a subalternidade, condição impedidora ao pensar saúde integral.

Expansão de valores democráticos também no plano filosófico, no contexto da

produção do conhecimento. Não insistir em desconsiderar as falas, sentidos e

concepções de mundo de quem, com seus trabalhos específicos, transformam o

mundo.

Democracia na direção do Estado, na gestão da coisa pública. Ao conviver com

os participantes protagonistas (os produtores de pedras) da pesquisa, sujeitos

históricos, foi possível perceber uma sobriedade moral muito melhor elaborada em

prol do bem-estar coletivo do que muitos políticos eleitos e gestores. Democracia

política que inexiste integralmente somente com eleições de cargos políticos via

processo eleitoral por voto, tendo em vista que o poder econômico se concentra em

poucas mãos, desfavorecendo os grupos populares fundamentais nas corridas

eleitorais.

Este estudo reforça os trilhos da determinação social como base para as

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práticas em saúde, seja na odontologia, medicina ou psicologia, contribuindo com o

fazer dos serviços, sendo um modelo de atenção que amplia o olhar perante outros

modelos de outros coletivos de pensamento, para além da unicausalidade e da

multicausalidade.

Gramsci não é um filosofo descolado da realidade, pelo contrário, considera o

entorno e sua historicidade como essenciais para entender a realidade e o agir do

sujeito e da sociedade. Como num ambiente em que a imensa maioria dos integrantes

não foi privilegiada com condições para prosseguir no estudo formalizado pelo Estado,

impedida de galgar maior escolaridade. Nem ao menos foram ofertados tratamento

longitudinais em saúde a estas mesmas pessoas. Ou seja: não há provimento de

condições de educação e saúde. E ainda assim, como exigir certos níveis ético-morais

de grupos populacionais excluídos? O Estado de Direito brasileiro imagina que todos

nos encontramos nas mesmas condições educacionais, sanitárias e de conhecimento

para poder julgar nossas ações de acordo com leis universais?

Como pensar em humanização, em atendimento humanizado na saúde,

perante um contexto liberal-econômico explorador? Até quando continuaremos

apagando incêndio causado pela política macroeconômica hegemônica global? É

lindo perceber que existem pessoas nas instituições de ensino, no setor saúde, no

serviço social e demais, que pensam e agem contra a ideologia do lucro a qualquer

custo. Porém, nem todas pensam assim. E quem se utiliza desse sistema posto acaba

por tornar-se influente economicamente em comparação com as que não adotam esse

modelo de vida. Logo, influenciam também as decisões do Estado, vide os escândalos

recentes da política brasileira, em que grandes empresas financiam o jogo político-

partidário e ditam quais projetos de lei irão ou não à votação, atingindo todo o país,

favorecendo setores industriais de acumulação de capital, negando o sofrimento

cotidiano real.

Como tentar acreditar na universalização dos direitos e igualdade de condições

num mundo que diferencia e desvaloriza profissões (e pessoas) em detrimento de

outras? Há ramos da divisão social do trabalho muito bem protegidas pelo Estado e

pela sociedade civil. Já outras, e que curiosamente geralmente são as fundamentais

para o convívio em sociedade, existem soltas: não há diplomas, centros de formação,

conselhos de classe, regimento interno, código de ética. Parece inclusive proposital

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que seja assim, reproduzindo as iniquidades sociais, afastando pessoas ao classificá-

las recompensando de acordo com o nível escolar ou demanda do mercado. Um

cortador de pedras pratica uma atividade bem específica tanto quanto um cirurgião-

dentista. E porque não há cursos de graduação e pós-graduação para os artistas das

pedras?

Imaginem se existisse. Com certeza haveria uma cadeira durante a formação

versando sobre saúde no trabalho e ergonomia. Junta-se isto a uma política

macroeconômica que imponha limites à acumulação capitalista: quantas vidas

poderiam ser salvas? Quantos trabalhadores-produtores de pedra poderiam estar

vivos nesse momento? E aos que estão vivos, quantos sofrimentos pregressos

poderiam ter sido evitados? De fato, não é um sistema produtivo justo. Não é um

modelo de produção da vida que propicie o progresso real, aquele que todos

progridem.

Como se não bastassem essas diferenças de formação e de organização social

entre as profissões da divisão social do trabalho, novos produtos surgidos dos

avanços tecnológicos entram em cena para competir diretamente com os produtos do

trabalho de produtores de bens em pedra. Para um cortador de pedras manual, como

competir de igual para igual com um sistema de britagem altamente tecnológico? Um

britador necessita de alto investimento de capital inicial para se estabelecer. E

historicamente, por descompassos na teoria do valor, os broqueiros não conseguem

acumular esse capital. Penso que, por direito histórico, os trabalhadores manuais das

pedras são os que deveriam herdar e construir os britadores, mas isso é tema para

outra discussão.

Cabe que, não sendo assim, o que faz o Estado para proteger essa população

perante a transformação do real? Já que não é uma profissão que se renova, fadada

a extinção em breve, quais políticas públicas conferem dignidade aos trabalhadores

ainda vivos e que ainda trabalham produzindo pedras sob medida? Afinal, pela

especialização do trabalho em nossa sociedade, trabalhar cortando pedras foi a única

“coisa” que essas pessoas aprenderam na vida. E sendo esta atividade desvalorizada,

como garantir dignidade e condições justas de trabalho e renda?

Pode-se perceber que este estudo laçou questões “extra-saúde”. Foram

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trazidas à tona contribuições nascidas fora do setor saúde - ou dos centros de ciências

da saúde, como muitas universidades assim denominam - para (tentar) resolver,

analisar ou ao menos compreender o processo saúde-doença na contemporaneidade.

Visto que saúde não é apenas uma questão de ausência de doença, torna-se

elementar o estudo social: organização da produção, sociogênese do conhecimento,

política, e etc. Campos que aguardam a consulta cada vez maior por estudantes e

trabalhadores da área da saúde. Problemas complexos clamam por soluções

complexas.

Portanto, condições de saúde e bem-estar coletivo apresentam-se intimamente

ligadas às relações de produção da vida material. O trabalho, para essa população

estudada e também muitas outras, torna-se o eixo central da vida, tanto no plano

individual como familiar. As situações sucedidas no trabalho e/ou que advém de

experiências laborais não devem ficar escondidas nos campos de trabalho ou entre

as quatro paredes de casa. Há de se conhecer e denunciar as injustas apropriações

ocorridas com aval estatal, persuadido pelo pensamento pequeno burguês que

socializa as perdas e particulariza os ganhos, apesar de todos os frutos serem

construídos coletivamente.

Combater a política macroeconômica da produção capitalista posta - que é

apenas um modelo dentre tantos outros, porém hegemônico – e lutar por uma nova

hegemonia de cunho popular nacional, mas com horizonte internacional, torna-se

tarefa de intelectuais de novo tipo: intelectuais orgânicos, aqueles que não ignoram

suas raízes e agem para elevar os grupos sociais excluídos da produção do

conhecimento e da direção política, condição basilar para o irrompimento da práxis

econômico-corporativa à evolução progressista de caráter ético-político, unitária e

universal.

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APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário em uma pesquisa. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar participar do estudo, rubrique todas as folhas e assine ao final deste documento. Com as folhas rubricadas pelo pesquisador, e assinadas pelo mesmo, na última página. Este documento está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador principal. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.

Esta pesquisa da qual você está sendo convidado(a) é intitulada “Camboriú, pessoas e pedras: relação entre produção e saúde” e busca, como objetivo geral, analisar, na perspectiva ético-política, o modo como a transformação do real foi se impondo ao trabalho e gerando movimentos no processo saúde-doença de produtores de bens em pedra, no contexto de Camboriú, SC. Para que seja possível o cumprimento deste objetivo, observaremos os movimentos humanos necessários para a produção de bens em pedra e identificaremos como a população envolvida nessa produção lida com os diferentes percursos históricos impostos pela formação econômico-social.

Caso sua opção seja favorável a participação na referida pesquisa, cabe a mim entrevistá-lo para buscar sua história oral de vida (vivências e experiências). Sua fala será gravada com um gravador de voz para posterior transcrição. Ao final, pediremos que você indique outro trabalhador que também possui relação histórica com a produção de bens em pedra para que possamos construir nosso universo de sujeitos entrevistados.

Os possíveis riscos oferecidos por esta pesquisa são: desconforto ao participar da entrevista, possível constrangimento na exposição de opiniões e valores em caso de identificação do participante informante; embaraço e desconforto na interação com trabalhadores em pedra; receio de eventuais repercussões sobre o tema, invasão de privacidade e interferência na vida e rotina organizacional. Para minimizar a possibilidade de esses riscos ocorrerem serão tomadas as seguintes precauções: a) informar aos participantes sobre os propósitos da pesquisa e seus riscos; b) assegurar a confidencialidade e privacidade e a não-estigmatização dos participantes garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou dos municípios, inclusive em termos de autoestima, de prestígio e/ou de aspectos econômicos e financeiros.

A pesquisa pode contribuir como um resgate cultural visando a não extinção da prática econômica e cultural que se relaciona com as rochas. A produção de conhecimento que a pesquisa possibilita tende a dar voz a indivíduos pertencentes a categorias sociais cujas percepções e intervenções geralmente são excluídas da história. Assim, é possível registrar sua visão de mundo, suas aspirações e utopias. Por expor a realidade de trabalhadores, a pesquisa pode servir como um documento em defesa da emancipação humana, cidadania, autodeterminação e autonomia.

Na etapa de coleta de dados, a pesquisa poderá ser realizada no ambiente do trabalhador: em sua residência, trabalho ou outro lugar de conveniência do entrevistado e que seja adequado para a pesquisa pretendida, pois será utilizado um gravador, sendo preferível em ambientes sem ruído e que propicie conforto aos participantes. Não serão publicados dados que o participante não autorizar e o estudo será apresentado de maneira fidedigna, sem distorções de dados.

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Ao concluir o trabalho, todos os participantes são assegurados na garantia de receberem o retorno dos resultados produzidos pela ação através de duas apresentações (uma durante a defesa da dissertação, e outra em Camboriú em local a ser definido). A pesquisa será conduzida de acordo com a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e será executada com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UNIVALI (CEP/UNIVALI). O período de participação dos sujeitos será a partir da aprovação CEP e se estenderá até janeiro de 2017. O pesquisador garante sigilo nos dados e possibilidade de retirada de participação na pesquisa caso o entrevistado decida por assim fazer, sem qualquer tipo de prejuízo às partes. Não haverá nenhuma remuneração envolvida entre pesquisador e participantes. A apresentação final da pesquisa – também denominada defesa da dissertação – está prevista para junho de 2017, sendo aberta para a comunidade na condição de ouvintes. Havendo necessidade, disponho-me a oferecer o direito a indenização ou assistência gratuita e ressarcimento de despesas. Garanto o arquivamento dos dados da pesquisa, em arquivo físico e/ou digital, sob guarda e responsabilidade do pesquisador principal, por um período de 5 anos após o término da pesquisa, assim como o direito a informação a qualquer tempo por meio de contato no endereço, e-mail e/ou telefone abaixo descritos: Pesquisador principal: Thiago Bernardes Nunes Endereço: Rua Guaraparim, 601, Tabuleiro – Camboriú/SC E-mail: [email protected] Telefone: (47) 8424-7872 Professora orientadora: Rita de Cássia Gabrielli Souza Lima Endereço: Rua Uruguai, 458, Centro – Itajaí/SC E-mail: [email protected] Telefone: (47) 3341-7932 Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do vale do Itajaí – UNIVALI, caso persistam dúvidas, sugestões e/ou denúncias após os esclarecimentos do pesquisador o comitê está disponível para lhe atender. CEP/UNIVALI - Rua Uruguai, n. 458 Centro Itajaí. Bloco F6, andar térreo. Horário de atendimento: Das 8:00 às 12:00 e das 13:30 às 17:30 Telefone: 47- 33417738 E-mail: [email protected] CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO Eu, ____________________________________________________, RG_____________, CPF _________________________ abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como participante. Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve à qualquer penalidade pela desistência na participação na pesquisa. Local e data: ___________________________ Telefone para contato: _________________

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Nome: __________________________________________________________________ Assinatura do Participante ou Responsável: ____________________________________ Pesquisador principal ___________________________________________________ Telefone para contato: _______________________________________________________ Professora orientadora: ______________________________________________________ Telefone para contato: _____________________________________________________

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APÊNDICE B

CAMBORIÚ, PESSOAS E PEDRAS: RELAÇÃO ENTRE PRODUÇÃO E SAÚDE

MESTRADO EM SAÚDE E GESTÃO DO TRABALHO

Rua Uruguai, 458 – Centro – Itajaí/SC – CEP 88302-202 – Bloco F6

Email: [email protected]

ROTEIRO DE ENTREVISTA – PRODUTORES DE PEDRA

1º Bloco – Caracterização

Idade:

Natural de:

Tempo de envolvimento no trabalho com pedras:

(critério de inclusão: >= 30 anos de envolvimento no trabalho com pedras)

2º Bloco – História de Vida e o Trabalho

1- Gostaria de ouvir um pouco sobre a história da sua vida como trabalhador de pedra. Poderia compartilhar comigo? Caso necessário: O que te trouxe para Camboriú? (se não é natural de Camboriú) Com quantos anos começou a trabalhar? Você escolheu trabalhar com pedras? (ou esse trabalho apareceu na sua vida?) Você estudou? O que te levou a encerrar as atividades? (se não está trabalhando atualmente) Como se dava a preparação/formação para o trabalho? Como é esse trabalho? Quais são ou eram os problemas (perigos/dificuldades/desafios) vividos ao se trabalhar com pedras? Aonde se localizam os campos de trabalho em que você trabalhou? Você viveu algum acidente na execução desse trabalho com pedras? Quais eram?

3º Bloco – História Oral-Oral

2- Você recorda a primeira vez que foi ao dentista? Caso necessário: Qual o motivo? Aonde era atendido? Se não tinha dentista, o que fazia para conter o sofrimento? Quantos dentes possui? Usa prótese?