universidade do estado do rio grande do norte uern …§ões... · 2015-02-06 · não tenho...

129
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROPEG FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS FAFIC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS MARCELO SILVA DE ANDRADE A RELAÇÃO DE HUMANIZAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO EM PAULO FREIRE: PERSPECTIVAS PARA UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO Mossoró/RN 2015

Upload: others

Post on 23-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEG

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS – FAFIC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

MARCELO SILVA DE ANDRADE

A RELAÇÃO DE HUMANIZAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO EM PAULO FREIRE:

PERSPECTIVAS PARA UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO

Mossoró/RN

2015

Page 2: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEG

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS – FAFIC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

MARCELO SILVA DE ANDRADE

A RELAÇÃO DE HUMANIZAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO EM PAULO FREIRE:

PERSPECTIVAS PARA UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas –

PPGCISH, da Universidade do Estado do Rio Grande do

Norte – UERN, como requisito para obtenção do título

de Mestre em Ciências Sociais e Humanas, área de

concentração: Sujeitos, Saberes e Práticas Cotidianas,

linha de pesquisa: Linguagens, Memória e Produção de

Saberes.

Orientadora: Dra. Karlla Christine Araújo Souza

Mossoró/RN

2015

Page 3: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

Andrade, Marcelo Silva de A Relação De Humanização E Desumanização Em Paulo Freire: Perspectivas Para Uma Proposta De Educação / Marcelo Silva de Andrade– Mossoró, RN, 2015. 128 f.

Orientador(a): Prof. Dra. Karlla Christine Araújo Souza

Dissertação (Mestrado). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas 1. Educação - Dissertação. 2. Paulo Freire - Humanização. 3. Homem - Sujeito. I. Souza, Karlla Christine Araújo. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III.Título. UERN/ BC CDD 370

Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Bibliotecário: Sebastião Lopes Galvão Neto – CRB - 15/486

Page 4: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)
Page 5: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha namorada Bruna, à minha mãe Lourdes

e ao meu pai Benedito (in memorian)

Page 6: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

AGRADECIMENTOS

À minha mãe Lourdes Maria, por vivenciar todos os meus projetos de uma maneira

intensa, por acreditar imensamente em mim quando eu mesmo duvidava.

Ao meu pai Benedito (in memorian), que trabalhou até o ultimo domingo de sua vida,

e que hoje sinto que ilumina o meu caminho.

Às tias, avós, e aos meus irmãos Larry e George.

Agradeço a todos os grandes educadores que passaram pela minha vida, e que são até

hoje fonte de inspiração, e possibilitaram que eu acreditasse em meu potencial. Agradeço a

todos eles, em especial à professora Regina, que lecionou na Escola Estadual Dom José

Tupinambá da Frota, em Sobral - CE.

Agradeço imensamente à Dona Raimunda, proprietária do apartamento onde morei em

Mossoró, que faz da solidariedade um sentido para viver.

À Nila pela receptividade e pela musicalidade. Por colocar música em minha

passagem por Mossoró.

Aos colegas professores da Universidade Estadual Vale do Acaraú- UVA, onde

lecionei antes de ir para o mestrado. Obrigado a todos pelo apoio.

A todos os meus eternos alunos, que me ensinaram muito mais do que eu pude

retribuir. Compreendi com eles que o professor é aquele que sempre aprende e que de repente

ensina.

Aos colegas de turma do mestrado, que dividiram angústias, alegrias e saberes. E a

todos os professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e

Humanas - PPGCIGS.

À Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior por ter me

concedido à bolsa que permitiu uma melhor formação docente e a realização desta

dissertação.

Page 7: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

Ao Grupo de Pesquisa do Pensamento Complexo – GECOM, por ter me apresentado

uma nova maneira de pensar. E ao coordenador do grupo professor Dr. Ailton Siqueira, que

assim como o poeta Murilo Mendes, entende que “mais importante do que escrever a poesia é

vivê-la”.

À professora Dr. Hostina Maria Ferreira do Nascimento pelo imprescindível auxílio na

qualificação do trabalho.

À professora Dra. Geovânia da Silva Toscano pela disponibilidade em compor à banca

de qualificação e da defesa da dissertação, e pelas ótimas sugestões de leituras e de

perspectivas.

À professora da Dra. Rosângela Duarte Pimenta, pela amizade, por aceitar de forma

extremamente solícita compor à banca examinadora da minha dissertação, e pela luta que vem

travando constantemente por uma universidade pública de qualidade.

Agradeço imensamente à minha orientadora Dr. Karlla Christine, pela confiança, pelo

incentivo, pela preocupação com a qualidade do trabalho e pela capacidade de alargar meus

horizontes. Por ter me proporcionado uma relação para além de um “contrato” acadêmico.

Vivenciei com a professora Karla uma relação de amizade verdadeira.

À minha noiva Bruna Silva Rodrigues, por não deixar que o cansaço ou desespero me

tomasse conta. Por afirmar seguidas vezes que tudo ia dar certo (e não é que deu mesmo). E

por despertar o que há de melhor em mim: o amor.

Page 8: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

EPÍGRAFE

Se as coisas são inatingíveis ...Ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!

(Mario Quintana)

Não tenho caminho novo

O que eu tenho de novo

é o jeito de caminhar.

Aprendi

(o caminho me ensinou)

a caminhar cantando

como convém

a mim

e aos que vão comigo.

Pois já não vou sozinho.

(Thiago de Mello)

O sonho pela humanização, cuja concretização é sempre processo, é sempre devir, passa

pelas rupturas das amarras reais, concretas, de ordem econômica, política, social, ideológica

etc., que nos estão condenando à desumanização. (Paulo Freire)

Page 9: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

RESUMO

O objetivo central desta pesquisa foi analisar o processo de desumanização e humanização na

perspectiva teórica-empírica do educador Paulo Freire. O caminho escolhido para esta

compreensão discutiu, inicialmente, a concepção de homem na teoria freireana. Em seguida,

as relações entre opressores e oprimidos, a educação desumanizadora, o modelo de educação

vigente nos dias atuais, e a proposta de educação humanizadora e libertadora de Paulo Freire,

fundamentada na conscientização e no compromisso. Mediante o mal-estar da sociedade

contemporânea, um mal-estar que gera a coisificação, a fragmentação e a mercantilização do

ser humano, propôs-se refletir sobre o estágio atual do sistema capitalista e a constituição da

subjetividade nos dias atuais, sempre pensando na contribuição que o pensamento freireano

pode trazer às referidas questões. Na tentativa de responder aos dilemas contemporâneos, de

possibilitar um diálogo epistemológico, ensaio uma aproximação entre o pensamento de Paulo

Freire e do biólogo Humberto Maturana. A partir deste diálogo constatamos o quanto o

pensamento de Paulo Freire nos ajuda a pensar novas relações humanizadoras na educação e

com a educação, em busca de um conhecimento libertador. Assim, acreditamos que Paulo

Freire deve ser uma referência para refletirmos sobre a constituição do sujeito autônomo, em

relações sociais fundamentadas no diálogo, no respeito e na alteridade, em um outro projeto

de educação e de sociedade que não seja alicerçada apenas pela lógica do mercado.

Palavras-Chave: Paulo Freire. Homem. Educação. Sujeito. Humanização/desumanização.

Page 10: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

ABASTRAT

The central objective of this research is to analyse the process of dehumanisation and

humanization from a theoretical and empirical perspective, by the greateducationalist Paulo

Freire. The path chosen for this understanding is briefly summarised here the concept of man

theory of Paulo Freire. Then, the relationship between oppressor and oppressed the

dehumanisingof education the current model of education today, and the proposal of

humanising and liberating education proposed by Paulo Freire, based on awareness and

commitment. The malaise of contemporary society, a malaise that generates objectification,

fragmentation and the commodification of people. It is proposed to reflect on the current state

of the 'Capitalist system' and the 'Individual', bearing in mind the contribution that Freir's

thinking can bring to those questions. An attempt to respond to contemporary dilemmas, to

enable an epistemological dialogue, testing a connection between the ideas of Paulo Freire

and the biologist Humberto Maturana. From this dialog it can be shown how much the

concepts of Paulo Freire help us to think of new humanising relations in education and enable

education in a search of a liberating knowledge. Thus, we can credit Paulo Freire as being a

reference to reflect on the makeup of the individual , in social relations based on dialogue ,

respect and otherness , in a project of education and society that is not only supported by pure

market logic.

Kei word: Paulo Freire. Man. Education. Subject. Humanization/dehumanization.

Page 11: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................11

2. CONCEPÇÃO DE SER HUMANO EM PAULO FREIRE...........................................19

3. A EDUCAÇÃO DESUMANIZADORA............................................................................35

3.1 As relações desumanizadoras: opressores e oprimidos.......................................................35

3.2 A educação desumanizadora e o silêncio dos oprimidos ...................................................53

3.3 O modelo de educação vigente nos dias atuais: a educação neoliberal .............................58

4. A EDUCAÇÃO HUMANIZADORA E LIBERTADORA..............................................67

4.1 O compromisso da conscientização e a conscientização do compromisso.........................72

4.2 O diálogo como fundamento para a educação humanizadora.............................................82

5. AS RELAÇÕES SOCIAIS E A EDUCAÇÃO EM HUMBERTO MATURANA: UMA

APROXIMAÇÃO COM O PENSAMENTO FREIREANO .............................................92

5.1 A epistemologia complexa de Humberto Maturana...........................................................92

5.2 A sociedade na concepção de Maturana: o amor, a ética e a democracia.......................98

5.3 A concepção de educação em Humberto Maturana.........................................................104

5.4 Paulo Freire e Maturana: um novo paradigma para pensar o humano .............................111

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................116

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................123

Page 12: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

11

1. INTRODUÇÃO

Vivenciamos um novo estágio do sistema capitalista, em uma sociedade denominada

de pós-industrial, pós-moderna, modernidade líquida, hipermoderna etc. Esse novo estágio do

capitalismo é apontado como causador de um mal-estar, evidenciado na maneira como nos

relacionamos com as mercadorias, com os outros e com o mundo. Alguns pensadores

analisaram e analisam a sociedade atual nos alertando para as suas conseqüências, entre eles

podemos destacar Félix Guattari, Zigmunt Bauman,Gilles Lipovetisky, Sebástien Charles,

Edgar Morin entre outros.

Para Félix Guattari (1988), a fase atual do sistema capitalista, denominado de

capitalismo pós-industrial, caracteriza-se pela crise do capitalismo industrial. Nessa nova fase

o capitalismo deixa de ser apenas um sistema econômico de produção, configurando-se em

um sistema produtivo em amplo sentido, não apenas de mercadorias, mas principalmente de

subjetividade. Nas palavras do autor (1988):

O capitalismo pós-industrial, que prefiro chamar de Capitalismo Mundial

Integrado (CMI), tende cada vez mais para uma descentralização de seus

núcleos de poder, passando de estruturas produtoras de bens e serviços para

estruturas produtoras de signos e de subjetividade – pela via, em particular,

do controle exercido sobre os meios de comunicação de massa, a

publicidade, as pesquisas de opinião, etc. (GUATTARI, 1988, p. 10).

Essa nova ordem capitalista produz os modos das relações humanas até em suas

representações inconscientes, influenciando os modos como se trabalha, como se é ensinado,

como se fala, como se ama etc. Como diz Guattari e Rolnik (1986): “ela fabrica a relação com

a produção, com a natureza, com os fatos, com os movimentos, com o corpo, com a

alimentação, com o presente, com o passado e com o futuro – em suma, ela fabrica a relação

do homem com o mundo e consigo mesmo” (GUATARI & ROLNIK, 1996, p. 42)

Conforme Zigmunt Bauman (2008), passamos de uma sociedade de produtores para

uma sociedade de consumidores. O sociólogo polonês afirma que uma das principais

características da sociedade de consumidores é a constante promoção de novas necessidades e

indivíduos cada vez mais insaciáveis.

O mercado passa a ser, segundo Bauman (2008), o novo espaço modelar da vida, é por

meio de suas leis que as identidades e o processo de inclusão/exclusão passam a ser

reconfigurados. Produzindo uma lógica incessante de desejos relacionados às mercadorias. O

Page 13: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

12

sociólogo aponta que cada vez mais é intensificado o processo de coisificação do homem. O

ser humano se torna vendável, como uma mercadoria pronta para ser consumida. Nas palavras

do autor:

Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro

virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem

reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades

esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. (BAUMAN, 2008, p. 20)

Já na compreensão de Gilles Lipovestsky (2008), a sociedade atual, que ele denomina

de hipermoderna, tem a felicidade como ideal maior. E em busca dessa felicidade é que se

desenvolve o hiperconsumo. O autor identifica que a busca da felicidade nos dias de hoje está

atrelada ao consumo exacerbado.

Para Lipovetsky (2004) o momento atual representa um momento único, pois nunca

consumismo tanto e nunca nos sentimos tão vazios. Um momento em que os projetos

individuais não possuem relação com um projeto de sociedade. Cada vez mais são reforçados

os valores individualistas, a liberdade, o conforto, a qualidade e a expectativa de vida,

paradoxalmente, não eliminam o trágico da existência. O indivíduo vive hoje em um

híperindividualismo, em uma subjetividade permeada pela competitividade.

Segundo o autor (2004) há uma cultura hedonista, que incita à satisfação das

necessidades, a fugacidade dos prazeres e enaltece o florescimento pessoal, que possui como

pressuposto consumir sem esperar, consumir agora o máximo que puder; em suma, o

consumo é a grande promessa de um mundo eufórico. Um mundo com mais inquietação do

que otimismo, com aumento das desigualdades sociais.

O hiperconsumo é definido como um consumo que absorve e integra parcelas cada vez

maiores da vida social, seguido uma lógica hedonista. Sebástien Charles (2004), juntamente

com Lipovetesky, autor do livro “Os tempos hipermodernos” diz que: “Os indivíduos

hipermodernos são ao mesmo tempo mais informados e mais desestruturados, menos

ideológicos e mais tributários das modas, mais abertos e mais influenciáveis, mais críticos e

mais superficiais, mais céticos e menos profundos” (CHARLES, 2004 p. 27-28).

Para Edgar Morin (2011) o progresso científico levou a produção e proliferação da

arma nuclear, assim como de armas químicas e biológicas de morte em massa. O progresso

técnico e industrial provocou um progresso de degradação da biosfera. A mundialização do

Page 14: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

13

mercado econômico, sem regulação, produziu novas e pequenas ilhas de riqueza, e zonas

crescentes de pobreza, como na América Latina e na China. O que suscitou e suscitará crises

em série. E esses desenvolvimentos da ciência, da técnica, da indústria e da economia não são

regulados nem pela política, nem pela ética, nem pelo pensamento.

Segundo o autor (2011) o que poderia representar e assegurar um progresso humano

configura-se como perigos mortais à humanidade. Esses desenvolvimentos, paradoxalmente,

assumem um aspecto de regressão à barbárie. Ainda na perspectiva de Morin, cada vez mais

se multiplicam as guerras pelo planeta com caráter etnorreligiosos. “A lei da vingança

substitui a lei da justiça, pretendendo ser a verdadeira justiça” (MORIN, 2008, p. 8)

No entanto, Morin ainda guarda a esperança na possibilidade de mudança. E pensa a

metamorfose da lagarta em borboleta como uma metáfora da mudança, da transformação em

um novo mundo. Afirmando que esse caos em que vivemos, no qual a humanidade corre o

risco de sucumbir, contém em si uma última oportunidade. O autor diz que: “É por isso que

não devemos mais continuar na rota do ‘desenvolvimento’. Precisamos mudar de caminho,

precisamos de um novo começo” (MORIN, 2011, p 15).

O cenário de nosso tempo, segundo Morin (2013), é cada vez mais de conflitos

étnicos, religiosos, políticos; instabilidade econômica, degradação da biosfera, etc. Vivemos

um era de inúmeras crises, cujos responsáveis são o modelo de mundialização,

ocidentalização e desenvolvimento. Com isso, Morin é enfático ao afirmar que estamos à

beira de um abismo ou de uma metamorfose. E afirma, que para o primeiro não é preciso

muito esforço, pois já estamos caminhando a passos largos. E que a direção do segundo

precisa ser urgentemente e cuidadosamente construída. Conforme o autor, faz-se necessário

uma Via para a reestruturação de práticas e pensamentos coletivos em nossa sociedade, a

metamorfose precisa ser uma prioridade, uma utopia realizável, um sonho possível.

Na perspectiva de Morin (2008), se queremos realmente realizar essa metamorfose,

essa utopia, esse sonho, construir uma outra via para a humanidade, faz-se necessário uma

educação que nos permita compreender nossa condição humana e nos ajude a viver. Uma

educação que religue os saberes que se apresentam atualmente em disciplinas estanques. Que

contribua para um modo de pensar aberto e livre, nos ensinando a assumir a parte prosaica e

Page 15: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

14

viver a parte poética de nossas vidas, sendo fundamental, ao mesmo tempo, a reforma do

ensino e do pensamento.

Para discutir como nos tornamos o que somos hoje, em termos de ser humano, de

sociedade e de mundo; e apresentar uma compreensão de outra direção para humanidade por

meio da reforma de pensamento que provoca a mudança dos sujeitos, trago o pensamento do

educador brasileiro Paulo Freire: suas análises, suas percepções e suas utopias, como ele

mesmo gostava de dizer. O autor, mesmo identificando sérios problemas na nossa

constituição humana e na forma como nos relacionamos com o outro, nos traz um caminho,

que cada vez mais vem se tornando uma estreita vereda, para uma outra humanidade.

Esta pesquisa tem como objetivos identificar e analisar o processo de humanização e

desumanização no pensamento de Paulo Freire. E discutir uma proposta de sociedade e

educação que tenha como fundamento central o respeito e a tolerância entre os homens,

possibilitando a constituição do sujeito autônomo.

Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife em 1921, foi alfabetizado no chão do

quintal de sua casa, à sombra de mangueiras, como gostava de relatar. Paulo e sua família,

que era de classe média, com a crise da bolsa de valores de 1929, passa por grandes

dificuldades econômicas, tendo que ir morar na cidade de Jaboatão na tentativa, sem sucesso,

de fugir da pobreza. Essa cidade foi muito importante em sua vida, foi lá que ele perde o pai e

conheceu o significado da pobreza. Paulo Freire diz que “Em Jaboatão me tornei homem,

graças à dor e ao sofrimento que não me submergiram nas sombras do desespero.”

(BARRETO, 1998, p.18)

Embora tenha se formado em Direito, Paulo Freire conta que exerceu a profissão de

advogado apenas uma vez: quando foi contratado para cobrar a um jovem dentista endividado

com a montagem de seu consultório, onde teria que penhorar os móveis de sua casa como

pagamento da dívida. Desistiu da profissão. “Numa tarde, chegando em casa, fui logo me

dirigindo à Elza dizendo: me emocionei muito esta tarde. Já não serei advogado. Não é

advocacia que eu quero”. (BARRETO, 1998, p. 25) Torna-se então educador na perspectiva

progressista, comprometido com as causas populares e participando de movimentos

populares, como o Movimento de Cultura Popular de Pernambuco (MPC), a Campanha de

Page 16: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

15

Educação Popular da Paraíba (CEPLAR), a campanha “De pé no chão também se aprende a

ler”, desenvolvendo um “método” inovador de alfabetização de adultos.

Os vínculos do trabalho educacional de Paulo Freire com as classes populares

evidenciam-se com os círculos de cultura que ganha notoriedade em 1963, em Angicos, no

Rio Grande do Norte, quando cerca de 300 trabalhadores são alfabetizados em 40dias, por ele

e um grupo de educadores, atividade que ficou conhecida como “As quarenta horas de

Angicos”.

Sua proposta de conscientização das classes populares, inserida em seu método de

alfabetização começa a incomodar os governantes durante o regime militar no Brasil, e em

1964, Paulo é preso por 70 dias, e no mesmo ano é expulso do país e passa a viver exilado em

vários países: Bolívia, Chile, Estados Unidos e em alguns países da África, desenvolvendo

nesses países atividades ligadas à educação dos pobres e oprimidos, publicando bastante sobre

o assunto, em especial, sua principal obra “Pedagogia do Oprimido”, foi produzida no Chile.

Retornando ao Brasil em 1979, Paulo Freire leciona em algumas universidades

Brasileiras, como a Universidade Católica de São Paulo e Universidade Estadual de Campinas

- UNICAMP, continuando o seu trabalho de educador popular e escritor. Falecendo em 1997,

Paulo Freire é considerado o maior educador brasileiro.

Na concepção de Paulo Freire a educação tanto pode ser um instrumento de opressão,

de alienação, de desumanização, quanto um caminho para a liberdade, para a constituição do

sujeito autônomo, autor de sua própria história: um caminho para a humanização.

Para Paulo Freire, a educação não é apenas um processo pedagógico. É também um

processo gnosiológico, ético, estético e político. E segundo ele, nenhuma ação educativa

pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições

culturais, econômicas e sociais. Pensar a educação em Paulo Freire é pensar na questão

humana.

Assim, surgem as questões centrais que fundamentam esta pesquisa e permearão todo

o trabalho: Qual a concepção de homem em Paulo Freire? Como, conforme o autor, acontece

o processo de desumanização? Qual a relação entre a sua concepção de homem e sua

proposta de educação? Qual o caminho apontado por Paulo Freire para a humanização e a

Page 17: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

16

constituição do sujeito autônomo? Quais as contribuições este autor pode oferecer para

dialogarmos com perspectivas contemporâneas da educação e com um novo paradigma na

compreensão do humano?

A pesquisa será considerada bibliográfica, pela natureza de suas fontes, e será

realizada na perspectiva qualitativa, que é a ideal para quem busca os sentidos e os

significados das ideias do sujeito investigado. Segundo Goldenberg (2005) é o método

apropriado para quem não busca generalizações, e sim, a especificidade de um determinado

contexto. A pesquisa qualitativa busca compreender os fenômenos na visão dos pesquisados,

como eles percebem determinado fenômeno social. Mas é claro que não me eximirei da

abordagem dialógica, pois o pesquisador já não precisa mais se portar como um ser que não

afeta e nem é afetado. E é esse um preceito metodológico que pretendo utilizar em relação ao

meu “objeto”, portar-me como um pesquisador-interlocutor, um pesquisador-dialógico,

procurando fidedignidade com o pensamento de Paulo Freire, uma vez que este método

admite perspectivas contrárias e define-se como meio de compreensão dos fenômenos em

constante mudança, os quais ocorrem a partir das ações recíprocas e contraditórias entre a

natureza e a sociedade.

Busquei realizar uma análise numa perspectiva compreensiva-interpretativa das

principais obras de Paulo Freire, especificamente, as que tratam da sua concepção de homem

e de educação. Entre elas: “Educação como Prática da Liberdade”, “Pedagogia do Oprimido”,

“Extensão ou comunicação”, “Educação e mudança”, “À sombra desta mangueira”,

“Pedagogia da autonomia”.

Busquei distanciar a pesquisa, de um método como um conjunto de receitas eficazes

para se chegar a um resultado, pois as coisas não são programáveis assim, até mesmo quando

procuramos seguir uma receita culinária. (MORIN, 2003)

Mesmo tendo consciência que a ideia de método comumente é pensada numa

perspectiva cartesiana como premissa da ordem, pressupondo que podemos partir de um

conjunto de regras certas e permanentes, que podem ser repetidas mecanicamente e conferir

veracidade aos resultados. Após o caminho percorrido, percebo que fui guiado muitas vezes

pelo acaso, pela intuição e pelo sentimento. Guias não muito recomendáveis pelo modelo de

ciência mecanicista, mas que permitiram que o “objeto” aparecesse com sua força intrínseca.

Page 18: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

17

Como verá o leitor, não há uma grande preocupação com a linearidade do pensamento

e da ordenação do trabalho. Perceberão, por exemplo, que retomo discussões que havia

iniciado em outro momento; temáticas que surgem no decorrer do texto como secundárias,

tomam forma e relevância, como um ator coadjuvante que toma a cena para si.

Reconhecendo o caráter dinâmico da vida, a desordem e o caos do espaço e do tempo,

em que emergem a incerteza, busquei utilizar o método como percurso na perspectiva de

Michel de Certeu (1998) e não como um mapa. Percurso que é reinventado a cada caminhada,

e que quando tentamos refazer novamente, refazemos diferente.

Seria impossível após esse percurso não pensar nos versos tão recitados de Antonio

Machado “Caminhante não há caminho, o caminho faz-se caminho ao andar”.

Um caminho se faz mesmo é caminhando, e jamais percorremos um caminho tal qual

está no mapa, ou GPS, pois estes instrumentos de orientação não preveem percalços, pedras

no caminho etc. Como diz Drummond (1987) “O caminho guarda os pés, que enveredam por

outro caminho.” (DRUMMOND, 1987, p. 24). Sabemos que jamais percorremos um método

como uma linha reta para se chegar a um lugar. Talvez porque como nos lembra Mario

Quintana: “A curva é o caminho mais agradável entre dois pontos” (QUINTANA, 2010, p.

18)

Ao final deste caminho, quando não mais podemos voltar atrás, percebemos que

realizamos uma viagem. Viagem cheia de incertezas, inseguranças, medos, encontros,

desencontros e reencontros. Uma viagem, como nos lembra Otávio Ianni (2003), em que

aquele que parte jamais é o mesmo que retorna. Pois nos tornamos um pouco de tudo e de

todos que encontramos pelo caminho.

Neste primeiro capítulo, busquei discutir um pouco acerca da sociedade atual, da

constituição do sujeito na sociedade contemporânea, e realizar uma introdução sucinta da vida

e da obra de Paulo Freire, apresentando o objeto, os objetivos e o método utilizado na

pesquisa.

No segundo capítulo, apresento a concepção de homem em Paulo Freire. A relação

indissociável homem-sociedade-mundo. O que é o ser humano. As principais características

do homem apontadas pelo autor. A essência do ser humano para Paulo Freire.

Page 19: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

18

No terceiro capítulo, discuto o processo de desumanização identificado por Paulo

Freire, as relações desumanas, as relações de opressão, a relação entre oprimidos e opressores.

Discutindo o modelo de educação identificado por Paulo Freire como autoritário, opressor e

desumanizante: a educação bancária. Apresentarei também, os fundamentos da educação

vigente nos dias atuais, denominada de neoliberal, seus objetivos, os interesses desse modelo

de educação e que sujeitos busca formar.

No quarto capítulo, apresento a proposta de educação de Paulo Freire para a

humanização, observando a relação entre esse modelo proposto e a sua concepção de homem.

Realizo um contraponto ao modelo de educação denominado neoliberal, que privilegia

especificamente a formação para o mercado de trabalho, o desenvolvimento de habilidades

técnicas, ignorando a complexidade humana. Discutirei a conscientização e a dialogicidade

freireana como elementos imprescindíveis para o desenvolvimento do ser humano em sua

plenitude, para a constituição do sujeito autônomo: o desenvolvimento do “ser mais”.

Durante a produção da dissertação, tive um contato com a obra do biólogo Humberto

Maturana, e percebi a possibilidade de diálogo com o pensamento de Paulo Freire, pois ambos

analisam a o ser humano, a sociedade e a educação de forma semelhante, e apresentam

propostas que se aproximam. Assim, no quinto e último capítulo, realizo um diálogo entre os

dois autores. Esta ideia foi gerada e amadurecida durante as leituras e as discussões no Grupo

de Pesquisa do Pensamento Complexo (GECOM), coordenado pelos professores Dr. Aílton

Siqueira e Dra. Karlla Christine, corroborada pela banca de qualificação, composta pelas

professoras Hostina Maria Ferreira do Nascimento e Geovânia da Silva Toscano.

E por fim, nas considerações finais, fecho o trabalho inconcluso, inacabado como ser

humano. Realizando uma síntese do que foi apresentado, discutindo principalmente, as

contribuições do pensamento freireano para se pensar o homem, o mundo e a sociedade

contemporânea, ou quiçá, esta nova humanidade.

Page 20: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

19

CAPÍTULO 2

CONCEPÇÃO DE SER HUMANO EM PAULO FREIRE

Para compreendermos a percepção do ser humano em Paulo Freire, é preciso pensá-lo

na intrínseca relação com a sociedade e com o mundo. Essas três dimensões são

indissociáveis em Paulo Freire: homem1-sociedade-mundo. Para Paulo Freire (1979) não é

possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem realizar primeiro uma reflexão

sobre o próprio homem. Por isso é preciso fazer um estudo antropológico.

A ideia inicial deste capítulo, numa pretensa ordem didática, era apresentar as

dimensões homem-sociedade-mundo de forma separada. Mas logo percebi que Paulo Freire

teceu essas dimensões tão bem que se tornou impossível separá-las. Aos falarmos do homem,

estamos falando da sociedade e do mundo. São dimensões dialéticas, que não podem ser

fragmentadas. Fragmentar a relação homem-sociedade-mundo, é fragmentar o pensamento

freireano.

Na relação homem-homem e homem-mundo é que se constroi a história. Não é, nem

um processo mecanicista, nem o resultado de puras ideias de homens privilegiados. Pelo

contrário, a história é feita pelos homens, ao mesmo tempo em que nela se vão fazendo

também. Sendo assim, o quefazer2 educativo só pode dar-se dentro do mundo humano, que é

histórico e cultural, as relações homem-homem e homem-mundo devem constituir o ponto de

partida de nossas reflexões e consequentemente da educação.

O mundo para Paulo Freire significa tudo que cerca o homem, a realidade em que ele

está inserido. A sua expressão “leitura de mundo”, significa leitura da realidade, ou,

percepção da realidade.

Ainda com relação à dimensão mundo, o homem também constrói o mundo, que o

constrói. Através do contato com o mundo o homem é transformado, e transforma o mundo.

1 No início da década de 1970, após a proximidade com feministas, Paulo Freire incorpora em seu pensamento a

discussão de gênero, e ao referir-se ao ser humano passa a utilizar o termo “homens e mulheres”. Nesse sentido,

está implícito neste texto que a concepção de humano é generalista e que o termo homem se refere à condição

humana, sendo implicado tanto ao homem, quanto à mulher. 2 “Composição de dois termos, típica da linguagem dialética de Paulo Freire, a qual coloca em relevo aquilo que

no pensamento do autor é um elemento constitutivo da práxis: ação e reflexão. (...) O quefazer está ligado à

reflexão, é a expressão da práxis” (GADOTTI, 1996, p. 728)

Page 21: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

20

Paulo Freire (1981) descreve o diálogo de um camponês com um educador, que ilustra bem a

construção do mundo pelo homem:

“Descubro agora”, disse outro camponês chileno, ao se lhe problematizarem

as relações homem-mundo, “que não há homem sem mundo”. E, ao

perguntar-lhe o educador, em nova problematização: admitindo-se que todos

os seres humanos morressem, mas ficassem as árvores, os pássaros, os

animais, os mares, os rios, a Cordilheira dos Andes, seria isto mundo?

“Não!”, respondeu decidido: “faltaria quem dissesse: isto é mundo”

(FREIRE, 1981, p. 19)

Conforme Paulo Freire (1979), assim como não há homem sem mundo, não há mundo

sem homem, não é possível haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade. A relação

homem-realidade, homem-mundo, diferente do contato animal com o mundo, implica na

transformação do mundo.

A percepção da realidade em Paulo Freire denominada de “leitura de mundo”, é algo

inerente ao ser humano. A “leitura de mundo” é a forma como o homem compreende o

mundo a partir das suas experiências, de sua história de vida. Todo homem, “letrado” ou

analfabeto, tem uma compreensão do mundo, uma forma de entender e interpretar a realidade,

por isso Freire diz que a “leitura de mundo” precede sempre a “leitura da palavra”. (FREIRE,

1996)

A presença do homem no mundo é uma presença de estar com, compreende um

permanente defrontar-se com ele. O homem não é um ser, por essência de conformação, mas

de transformação, de decisão.

O homem está sendo no mundo e com o mundo, que significa uma permanente relação

com o mundo e ação no mundo. Mas é claro que a relação com o mundo não é a mesma com

todos, existem inúmeras maneiras dos homens se relacionarem com o mundo, de ser afetado

pelo mundo e afetar o mundo. E assim, os homens vão se constituindo.

A integração do homem no mundo, não é apenas resultado de uma mera e exclusiva

adaptação, resignação, acomodação e ajustamentos (esses se apresentam muito mais como

sintomas da desumanização). O processo de humanização se dá através da superação de

situações que se apresentam como adversas, e que desafia o homem a refletir, discernir e

criar. Produzindo condições até então nunca desenvolvidas.

Na medida em que o homem, integrado em seu contexto, reflete sobre este contexto e

se compromete, constrói a si mesmo e alcança a condição de sujeito da história. Sua relação

Page 22: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

21

sobre o mundo o faz descobrir que não está somente no mundo, mas com ele. Descobre que

existe o seu eu e o dos outros.

Paulo Freire (1980) afirma que estar no mundo para homens e mulheres, significa estar

com ele e com os outros, agindo, falando, refletindo, pensando, meditando, buscando,

intelingido, comunicando o inteligido, sonhando e referindo-se sempre a um amanhã. Com a

possibilidade de estando no mundo modificá-lo: “É certo que mulheres e homens podem

mudar o mundo para melhor.” (FREIRE, 2010, p. 285).

Para Paulo Freire (1979) o homem está no mundo e com o mundo, pois se apenas

estivesse no mundo não haveria possibilidade da transcendência, nem se objetivaria a si

mesmo, ou seja, se diferenciaria entre o eu e o não eu. Essa compreensão torna o homem

capaz de relacionar-se, de sair de si, de projetar-se nos outros, de perceber o outro, poder

perceber existências distintas da sua.

O homem não pode ser pensado fora das relações, é justamente essa relação com o

mundo, e com o outro que fundamenta o processo de inacabamento do homem, que faz com

que ele esteja sempre se constituindo. Como afirma Freire:

o homem, que não pode ser compreendido fora de suas relações com o

mundo, de vez que é um “ser-em-situação”, (...) Nestas relações com o

mundo, através de sua ação sobre ele, o homem se encontra marcado pelos

resultados de sua própria ação. Não há, por isso mesmo, possibilidade de

dicotomizar o homem do mundo, pois que não existe um sem o outro.”

(FREIRE, 1979, p. 17).

É importante destacar que há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo,

pois não se esgota em um tipo padronizado de respostas que o homem dá aos desafios do

mundo. No jogo constante de desafios muda-se o modo de responder ao mundo. O mundo se

dinamiza e o homem se reinventa. Freire (1980) diz que, “O simples fato de ser, penetra o

homem de conhecimento, controle e criatividade.” (FREIRE, 1980, p. 54)

Paulo Freire (2004) entende que precisamos do mundo, como o mundo precisa de nós,

somos produzidos pelo mundo e produzimos o mundo. O mundo nos faz e refaz, assim como

fazemos e refazemos o mundo. Só compreendendo desta forma é que podemos perguntar:

Que mundo desejamos construir?

A sua compreensão e suas palavras acerca do mundo não são permeadas apenas pelo

discurso cientificista, pois são palavras encharcadas de sentimentos, desprezada pela ciência

Page 23: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

22

tradicional racionalista. Freire incorpora em sua leitura de mundo outras dimensões do

humano, como a mística e a poética etc. Vejamos o que ele diz:

Gostaria desde já de manifestar minha recusa a certo tipo de crítica

cientificista que insinua faltar rigor no mudo como discuto os problemas e na

linguagem demasiado afetivo que uso. A paixão com que conheço, falo ou

escrevo não diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio. Sou

uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho uma parte esquemática,

meticulosa, racionalista e outra desarticulada, imprecisa, querendo

simplesmente bem ao mundo. Conheço com meu corpo todo, sentimentos,

paixão. Razão também. (FREIRE, 2004, p. 18)

Conforme Freire (2004) é impossível mudar o mundo se o compreendemos como algo

inapelável, um mundo sem tempo, e não feito pelos seres humanos.

A comunicação e a intercomunicação envolvem a compreensão do mundo. Tendo em

vista que estar no mundo implica necessariamente está com o mundo e com os outros. Estar

no mundo corresponde também a invenção de técnicas e instrumentos que torna mais fácil a

intervenção no mundo.

Paulo Freire (2004) adverte que toda operação no mundo envolve uma certa

compreensão dele, um saber acerca do processo de operar, uma percepção dos fins que a ele

se propõem.

O autor afirma que não é um ser no suporte, mas um ser no mundo, com o mundo e

com os outros; um ser que faz coisas, sabe e ignora, fala, teme e se aventura, sonha e ama,

tem raiva e se encanta. Um ser que se recusa a aceitar a condição de mero objeto; que não

baixa a cabeça diante do indiscutível poder acumulado pela tecnologia, porque, sabendo-a

produção humana, não aceita que ela seja, em si, má. (FREIRE, 2004, p. 22)

Freire (2004) rememora o que considera seu primeiro mundo, ou seu primeiro contato

com o mundo, o primeiro “não-eu” geográfico.

Meu primeiro mundo foi o quintal de casa com suas mangueiras, cajueiros

de frondes quase ajoelhando-se no chão sombreado, jaqueiras e

barrigudeiras. Árvores, cores, cheiros, frutas que, atraindo passarinhos

vários, a eles se davam como espaço para seus cantares. (FREIRE, 2004, p.

24)

Já os seus primeiros “não-eus” pessoais que o constituíram foram os pais, a irmã, os

irmãos, a avó, as tias e Dadá, que se juntara a família nos fins do século XIX.

Page 24: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

23

Para Paulo Freire (2004) quanto mais o homem é enraizado em sua localidade, tanto

mais possibilidade tem de se espraiar, de se mundializar. Como uma árvore que quanto mais

profundas são suas raízes mais extensas são suas frondes.

Ainda segundo o autor (2004), consciência e mundo não podem ser compreendidos

separadamente. Mas vale lembrar que nem a consciência é fazedora arbitrária do mundo, e

nem simples reflexo do mundo. A consciência e o mundo são dimensões que se constituem

dialeticamente. Ao mesmo tempo em que não se separam, não significam a mesma coisa.

A consciência do mundo implica a consciência do homem no mundo, com ele e com

os outros, implica a capacidade do homem perceber o mundo, de compreendê-lo, e não se

reduz a uma experiência racionalista. Pois: “É como uma totalidade – razão, emoções,

sentimentos, desejos -, que meu corpo consciente do mundo e de mim capta o mundo a que se

intenciona.” (FREIRE, 2004, p. 75)

Para Freire (1975), o homem não pode ser compreendido fora de suas relações com o

mundo, sendo um ser da transformação do mundo. Na relação com o mundo, através de sua

ação sobre ele, o homem se encontra marcado pelos resultados de sua própria ação. O homem

“Atuando, transforma; transformando, cria uma realidade que, por sua vez, “envolvendo-o”,

condiciona sua forma de atuar”. (FREIRE, 1975, p. 28)

Não há possibilidade de dicotomizar homem do mundo, pois um não existe sem o

outro. O homem na concepção freireana é um ser no mundo e com o mundo, sujeito e não

meramente objeto.

Freire (1979) narra o momento em que começa a perceber as injustiças e

desigualdades do mundo, e o despertar para uma consciência crítica:

Em Jaboatão perdi meu pai. Em Jaboatão experimentei o que é a fome e

compreendi a fome dos demais.(...) Em Jaboatão, quando tinha dez anos,

comecei a pensar que no mundo muitas coisas não andavam bem. Embora

fosse criança comecei a perguntar-me o que poderia fazer para ajudar aos

homens. (FREIRE, 1979, p. 17-18)

Para Freire o conceito de mundo é mais extenso que o de sociedade. A sociedade está

inserida no mundo, em linhas gerais, o mundo contempla as relações sociais e as relações

homem/natureza. O mundo é também os pássaros, os rios, as árvores etc. A sociedade é

constituída exclusivamente pelas relações sociais, é o produto das relações homem/homem.

Page 25: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

24

A sociedade não está nem acima e nem abaixo dos homens, pois a compreensão

dialética de Paulo Freire acerca do mundo também é estendida para compreender a sociedade.

Ou seja, a sociedade constrói os homens que constroem a sociedade. Na sociedade

encontramos contradições, diversidades, utopias, ideologias etc.

A dimensão sociedade aparece na obra de Paulo Freire como algo que possui uma

participação significativa na formação do homem, no entanto, não é por si só determinante do

destino do homem. O educador brasileiro foge da perspectiva determinista em que o homem

é determinado pelo meio. A sociedade é produto das relações sociais ao mesmo tempo em

que produz essas relações, e por isso, não se configura como algo que determina a vida dos

homens.

Calado (2001) discutindo as dimensões homem-mundo-sociedade, percebe que no

pensamento de Paulo Freire a sociedade não é determinante da ação do homem, afirmando

que:

O elemento “sociedade” desponta em vários dos escritos freireanos como um

espaço fortemente condicionante da ação humana, mas nunca determinante,

por si só, do destino humano. Nos momentos mais desafiadores da trajetória

humana, sempre irrompe o “inédito viável” como uma luz no fim do túnel,

pro-vocando, con-vocando os humanos, com o sopro da Liberdade, a não

sucumbirem à tentação de quaisquer determinismos. (CALADO, 2013, p.

15)

Fica evidente então que a compreensão das dimensões homem-sociedade-mundo

adotada por Paulo Freire é relacional. Como afirma Calado (2001), as dimensões até se

distinguem, mas jamais se cindem, aliás se complementam. O autor enfatiza essa

incapacidade de fragmentação das dimensões homem-sociedade-mundo, chegando a

questionar:

O que seria o pólo “mundo” desconectado dos demais? Até que ponto o

elemento “mundo” manteria o seu sentido, descolado do pólo “homem” ou

do pólo “sociedade”? Onde estaria a consciência de “mundo”? De modo

semelhante, o mesmo se aplica aos demais pólos da relação. O pólo

“homem” sustentar-se-ia apenas sobre si mesmo, sem qualquer consideração

ao seu contexto? Conseguiria o pólo “homem” entender-se como um ente

puramente abstrato, um texto sem contexto, desligado do mundo e da

sociedade? Esta, por sua vez, o quê viraria fora do mundo e sem o pólo

“homem”? (CALADO, 2001, p.15)

Percebe-se que homem-sociedade-mundo se formam de maneira dialética, um com o

outro, em que um está remetido aos demais, nenhum deles se basta por si só. “Estar no mundo

implica necessariamente estar com o mundo e com os outros” (FREIRE, 1995, p. 20).

Page 26: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

25

O sentimento de ser, é constituído na relação que os homens têm com o mundo e a

sociedade. Somos apenas com os outros e para os outros. Poderíamos até viver sem o outro,

mas jamais existiríamos sem o outro. O outro é que me concede a existência. Existir é uma

condição que só se realiza na relação.

É condição da existência do homem o “estar com”, que implica estar com o mundo e

com os outros. Segundo Freire (2004), o homem precisa ter consciência do contexto histórico

e cultural em que está inserido, o que lhe possibilita compreender melhor a realidade.

Na perspectiva freireana, a natureza humana não é um a priori, pois se constitui

histórica e socialmente. A natureza humana é constituída por potencialidades que precisam ser

desenvolvidas na relação com o outro e com o mundo. As possibilidades humanas tanto

podem ser podadas e atrofiadas, como regadas e cultivadas.

Paulo Freire também aponta que o homem, ao contrário dos outros seres, é um ser que

produz história e cultura, pois objetiva a si mesmo, discernindo e transcendendo as suas

condições. O homem não é um ser que busca apenas suprir suas necessidades de

sobrevivência. Basta pensarmos a relação do homem com a arte. Para que serve a arte? Para

que serve a poesia? Não é para viver, mas para existir.

A cultura, que é criação do homem, é todo resultado da atividade humana, do esforço

criador e recriador do homem, por seu trabalho de estabelecer relações de diálogo com a

natureza e com outros homens.

Neste sentido, pode-se afirmar que o homem cria cultura no ato de estabelecer

relações, no ato de responder aos desafios que lhe apresenta a natureza, como também, ao

mesmo tempo, de criticar, de traduzir por uma ação criadora a experiência humana feita pelos

homens que o rodeiam.

O homem, segundo Paulo Freire (1979) enche de cultura o tempo e o espaço.

Conforme o autor: “Cultura é tudo que é criado pelo homem. Tanto uma poesia como uma

frase de saudação. A cultura consiste em criar e não em repetir. O homem pode fazê-lo porque

tem consciência capaz de captar o mundo e transformá-lo.” (FREIRE, 1979, p. 31).

A cultura é o acréscimo que o homem faz ao mundo que não criou, é o resultado de

seu trabalho, é uma aquisição sistemática da experiência humana, uma incorporação crítica e

criadora.

Page 27: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

26

Segundo Freire (1975) caso o mundo histórico-cultural fosse um mundo acabado, não

seria transformado, o mundo não seria mundo, nem o homem seria homem. Como afirma

Freire “O homem é homem e o mundo é histórico-cultural na medida em que, ambos

inacabados, se encontram numa relação permanente, na qual o homem, transformando o

mundo, sofre os efeitos de sua própria transformação.” (FREIRE, 1975, p. 76)

A primeira grande característica do homem apontada por Paulo Freire é ser inacabado.

Para o educador brasileiro, o ser humano está sempre se constituindo. Freire afirma:

“Ninguém nasce feito: é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos.” (FREIRE,

1993, p. 79). O homem é um ser que se constitui na relação como o outro e com o mundo.

Segundo Paulo Freire (1979), os outros seres vivos, como o cão e a árvore também são

inacabados, mas só o homem se sabe, reconhece-se, tem-se consciência de ser inacabado, por

isso a necessidade da educação. O autor afirma que o núcleo da nossa experiência é o

inacabamento, é a inconclusão do homem. Não haveria educação se o homem fosse um ser

acabado.

O homem por ser inacabado e incompleto não possui saber absoluto. E a ignorância é

parte da sabedoria. Não há sabedoria absoluta, e nem ignorância absoluta. “Se num grupo de

camponeses conversamos sobre colheitas, devemos ficar atentos para a possibilidade de eles

saberem muito mais do que nós.” (FREIRE, 1979, p.78)

Por força da sua inconclusão, o homem possui um ímpeto criador. A educação se torna

mais interessante quanto mais desenvolve este ímpeto ontológico de criar.

Ao contrário, a domesticação significa a negação da educação. Nesse sentido, a

domesticação seria um tipo de educação que só restringe, que impede os sujeitos de criarem,

de recriarem, de se criarem e se recriarem. O sujeito não pode ser tomado como instrumento,

como objeto. É preciso que a educação possibilite os sujeitos serem eles mesmos.

Da consciência de inconclusão também surge a esperança, uma das noções mais caras

para Paulo Freire. Temos esperança porque sabemos que nem tudo está acabado. Ele afirma

que “Quem se julga acabado está morto.” ( FREIRE, 1969, p. 53)

Ainda fundamentado no inacabamento, surge em Paulo Freire, o problema da

esperança e da desesperança, a esperança acontece na busca, ou melhor, a busca pressupõe a

Page 28: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

27

esperança. Toda busca é fundamentada na esperança. Tendo em vista que jamais buscamos

sem esperança.

Esperança é acreditar no amanhã, é acreditar que se pode construir o amanhã. A

esperança em Paulo Freire não é um ato passivo do homem, aguardando que tudo aconteça

por si só como tem que acontecer. Esperança é preparar esse amanhã, que depende das ações

de hoje, e ter consciência disso é uma condição humana. Em suma, Paulo Freire (2003) não

entende a existência humana sem esperança e sem sonho, a esperança é um imperativo

existencial e histórico, é necessidade ontológica.

Outra característica da condição humana identificada por Paulo Freire (1969), é que o

homem é um ser ontologicamente curioso, ou seja, busca sempre aprender, possui a

necessidade e a vocação de aprender. E na condição de aprendente o homem também ensina,

assim como, ao ensinar, está aprendendo. Sobre a curiosidade, como um pressuposto da

condição humana, Paulo Freire afirma que é a curiosidade que leva o homem a sair de onde

está, e a caminhar na direção de sua constituição enquanto homem, na direção de

possibilidades ainda não descobertas. O ser humano não se satisfaz em assistir, ele deseja

também participar.

O refletir sobre si mesmo é outra condição especificamente humana apontada por

Freire. Questões como: De onde venho? O que estou fazendo aqui? Para onde vou? São

constantes, e evidenciam a busca de “Ser Mais”. A auto-reflexão se configura como uma

constante busca, que reforça a percepção de ser inacabado. Eis a raiz da educação em Paulo

Freire: a busca da constituição do homem. Produzindo saber sobre si e sobre o mundo, ou

melhor, sobre o homem e o homem no mundo.

Conforme Paulo Freire (1979) o saber se faz através de uma superação constante.

Todo saber humano tem em si o testemunho do novo saber que anuncia. Todo saber traz

consigo sua própria superação. Por isso a perspectiva freireana nos orienta para não nos

posicionarmos como quem ensina um grupo de ignorantes, e sim, buscarmos a posição

humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outros saberes

relativos.

O homem se diferencia dos outros seres também pelo existir, pois, só ele existe,

enquanto os outros seres apenas vivem. Existir significa, para Freire (1969), mais do que

viver, porque é mais do que simplesmente estar no mundo, é estar nele e com ele, é ter a

Page 29: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

28

consciência dessa relação. É ter consciência que existe, é saber que atua no mundo. Existir é

uma condição ontológica do homem. A existência é uma aventura em que o homem se

transforma transformando o mundo.

Outra condição do ser humano, em Paulo Freire, é ser um “ser da práxis”, ter sua

existência fundamentada na “práxis”. A práxis para o autor é a ação refletida, ou, a reflexão

na ação. É a aproximação da teoria e da prática, é praticar a teoria, e teorizando (no sentido de

refletindo) a prática. A práxis é condição fundamental para a autonomia.

Para Paulo Freire (1987) os homens são seres da práxis. São seres do quefazer,

diferente dos animais, que são apenas seres do fazer. Os animais não “admiram” o mundo,

apenas imergem nele. Os homens, como seres do quefazer, “emergem” dele e, objetivando-o,

podem conhecer e transformar o mundo.

Configurar-se ser do quefazer significa, exatamente, que o fazer é ação e reflexão. É

transformação do mundo. O quefazer é práxis, precisa de uma teoria que o ilumine, e de uma

ação refletida.

O homem, conforme Paulo Freire (1975), é ser que trabalha, que possui um

pensamento-linguagem, que atua e é capaz de refletir sobre si mesmo e sobre sua própria

atividade, somente ele é um ser da práxis. Somente o homem é um ser de relações no mundo.

E sua presença no mundo, presença de estar com, compreende um permanente defrontar-se

com ele.

Somente o homem é capaz de sua inserção crítica na realidade, e de “ad-mirar” essa

mesma realidade, que significa objetivá-la, apreendê-la como campo de ação e reflexão.

A autocrítica é também outra característica do homem na concepção freireana. O ser

humano precisa estar sempre realizando reflexão sobre si, para alcançar uma

autocompreensão, e continuar no caminho do crescimento. O homem não é um ser nem de

completa sabedoria, nem de total ignorância. Para Paulo Freire (1997) não há nenhum homem

que não tenha algo a aprender, assim como não existe ninguém que não tenha nada a ensinar.

O grande sentido e significado das relações humanas é possibilitar que os homens se

tornem “mais”, tendo em vista que os homens são incompletos e se reconhecem incompletos.

O “ser mais” é o ser que desenvolve suas potencialidades enquanto ser humano.

Page 30: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

29

O homem para alcançar a condição do “ser mais”, onde todos são ontologicamente

chamados, deve a partir de seu contexto histórico, alcançar o protagonismo de sua história.

Ser o autor de sua vida, ter em mãos as rédeas de sua existência.

Para Paulo Freire (1979), a busca da concretização do sujeito, deve traduzir-se em “ser

mais”. Que é uma busca permanente de si mesmo. No entanto, ele alerta, que ninguém pode

buscar-se sozinho, a busca do homem, na constituição do sujeito, só se realiza na relação com

o outro, em comunhão, pois a busca solitária conduziria o homem a “ser menos”. Nos

lembrando também, que se deve ter o cuidado e evitar serem apenas consciências dos outros,

ou, objeto dos outros, o que significaria “coisificar” as consciências.

Ressaltando, o ser humano em Paulo Freire, é ser que se faz, que se refaz, que se

constitui com o mundo e com os outros, pois é um ser criativo e crítico. E que busca

incessantemente “ser mais”. O autor chega a dizer que não “nascemos”, tornamo-nos.

Na perspectiva de Paulo Freire (1979), a busca da constituição do “ser mais” deve

acontecer permeada pelo amor. “O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências

que se respeitam. Cada um tem o outro, como sujeito de seu amor. Não se trata de apropriar-

se do outro.” (FREIRE, 1979, p. 29)

Por isso para Freire, não há educação sem amor, tendo em vista que o amor implica

luta contra o egoísmo. Para o autor, quem não é capaz de amar não é capaz de educar. Assim

como não há amor imposto, não há educação imposta. Quem não ama jamais compreenderá o

próximo, e jamais o respeitará. Assim como há uma incompatibilidade entre medo e amor, há

incompatibilidade entre medo e educação. Ninguém ama por medo. E o processo educativo

não pode ser permeado pelo medo.

Segundo Freire, enquanto o animal se adapta a seu suporte, o homem com a invenção

de instrumentos e o desenvolvimento de tecnologias, intervém no mundo. Essa relação entre o

homem e o mundo não é mecanicista, ou não é necessariamente um simples reflexo da

materialidade objetiva. Ela é também permeada de subjetividades, pois, como já havíamos

dito, é mutuamente dialética. O homem, na visão freireana, não é somente razão, é “um ser

que faz coisas, sabe e ignora, fala, teme e se aventura, sonha e ama, tem raiva e se encanta”.

(FREIRE, 1995, p.22)

Segundo Barreto (1998), os homens, para Paulo Freire, diferente dos animais,

respondem aos desafios do mundo em que vivem, para criar e recriar o mundo da cultura.

Page 31: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

30

Assim os homens transformam o mundo, inicialmente para adequar as suas necessidades. Já

os animais, apenas estão no mundo, não compreendem a realidade, e guiados pelo instinto

apenas se adaptam ao mundo em que vivem.

As relações dos animais são reflexos, são inconsequentes, estes não possuem liberdade

para criar e recriar. “As abelhas, por exemplo, não podem fazer um mel especial para

consumidores mais exigentes. Estão determinadas por instinto.” (FREIRE, 1979, p. 31).

Diferentemente, as relações entre os animais, os contatos não são temporais, os animais não

podem construir sua própria história. Os contatos são intranscedentes, pois estão submersos

em sua imanência.

Enquanto entre os homens desenvolve-se a relação, que é ativa e transformadora, os

outros seres vivos têm apenas contatos. É na relação com o mundo e com outros, que os

homens se completam, humanizam-se cada vez mais, tornam-se “ser mais”.

Resumindo, para Paulo Freire, os contatos são reflexos, inconsequentes, imanentes e

atemporais. Já as relações são reflexivas, consequentes, transcendentes e temporais.

Estas relações não se dão apenas com os outros, mas se dão, no mundo, com o mundo

e pelo mundo. Diferente dos outros animais, que não são seres de relações, mas de contatos:

estão no mundo, mas não com o mundo,

O homem não é apenas o que é, mas também o que foi; daí que esteja sendo,

o que é próprio da existência humana. Daí que seja este um processo que se

dá no tempo mesmo dos homens enquanto a vida do animal e do vegetal se

dá num tempo que não lhe pertence, desde que lhes falta consciência

reflexiva de seu estar no mundo. Por isso, só podemos falar de consciência

histórica se nos referimos aos homens. (FREIRE, 2010, p.289)

Apenas o homem, segundo Paulo Freire (1979), é capaz de transcender, de discernir,

de separar órbitas existenciais diferentes da sua, de distinguir o ser do não ser.

Só o homem, segundo o educador brasileiro, pode perceber o tempo, tridimensionar o

tempo em passado, presente e futuro. Só o homem pode rememorar o passado, lamentar o

tempo perdido, e planejar o futuro a partir do presente. E só tendo consciência do ontem, do

hoje e do amanhã é que o homem percebe a conseqüência da sua ação sobre o mundo. E se

torna assim, um sujeito da história. Paulo Freire (1997) nos diz que:

Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade

ética no meu mover-me no mundo. Se não sou puro produto da determinação

genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-

me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética. Isso

Page 32: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

31

não significa negar os condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que

estamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados

mas não determinados. (FREIRE, 1997, p. 19).

Na perspectiva freireana, os homens, são porque estão situados, pois possuem uma

forte relação dialética com tempo e o espaço em que estão inseridos. Não existe homem sem

relações. O homem é um ser de raízes espaço-temporais.

O homem, segundo Paulo Freire (1979) é ser que está na história e produz a história.

Ele objetiva o tempo, temporaliza-se, torna-se homem-história. Já o animal está sob o tempo,

para ele não há ontem, nem muito menos amanhã, está preso a uma eternidade esmagadora. O

homem abre uma janela no tempo, tem consciência de um ontem, tem lembranças, sente

saudade, pensa e constrói um amanhã, faz planos e projetos, ou seja, se projeta para além do

hoje. Freire comenta sobre o tempo dizendo que:

O homem existe — existere — no tempo. Está dentro. Está fora. Herda.

Incorpora. Modifica. Porque não está preso a um tempo reduzido a um hoje

permanente que o esmaga, emerge dele. Banha-se se nele. Temporaliza-se.

(FREIRE, 1981, p. 41)

Para Paulo Freire (1979), na medida em que o homem recria e decide, formam-se

épocas históricas. E assim, o ser humano vai criando, recriando e decidindo como deve

participar nessas épocas. Por isso é necessário uma atitude crítica permanente.

Todas essas características das relações que o homem trava com e na sua

realidade fazem dessas relações algo consequente. Na verdade não se esgota

na mera passividade. Criando e recriando, integrando-se nas condições de

seu contexto, respondendo aos desafios, auto-objetivando-se , discernindo, o

homem vai se lançando no domínio que lhe é exclusivo, o da história e da

cultura.” (FREIRE, 1979, p. 63)

No ato mesmo de responder aos desafios que lhe apresenta o seu contexto de vida, o

homem se cria, realiza-se como sujeito, porque esta resposta exige dele reflexão, crítica,

invenção, eleição, decisão, ação etc. Todos esses pontos pelos quais se cria a pessoa, fazem

dela um ser não somente “adaptado” à realidade e aos outros, mas “integrado”. Pela ação e na

ação, é que o ser humano se constroi como humano, tornando-se, portanto, capaz de discernir,

calcular, construir, criar, inventar e inventar-se.

Freire compreende que os homens não são ilhas isoladas, que bastam por si só. O

homem é comunicação, é comunhão. Há no pensamento freireano uma indissociável relação

entre comunhão e busca de “ser mais”.

Page 33: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

32

Outra característica fundamental do homem em Paulo Freire (1979) é sua reflexão face

à realidade. O homem tende a captar uma realidade, fazendo-a objeto de seus conhecimentos.

Assumindo a postura de um sujeito cognoscente frente a um objeto cognoscível. Para o

educador brasileiro, isso é próprio de todos os homens e não de alguns privilegiados, mas é

necessário que a consciência reflexiva seja estimulada.

É fundamental, diz Paulo Freire (1979), que haja o desenvolvimento de uma

consciência crítica que permita ao homem transformar a realidade que se faz mais urgente. É

necessário que homens respondam aos desafios do mundo.

Na medida em que o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre

o desafio dessa realidade, e buscar solução para superá-lo. Podendo transformar a realidade,

suas circunstâncias e seu eu.

Ainda segundo Freire, o homem não é um homem para adaptação. O homem deve

transformar a realidade para “ser mais”. Por isso a educação não é um simples processo de

adaptação do homem à sociedade. Como diz Freire:

A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de

estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu

mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela

algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz

cultura. E é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e do homem com

os homens, desafiado e respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite

a imobilidade, a não ser em ternos de relativa preponderância, nem das sociedades

nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as

épocas históricas. É também criando, recriando e decidindo que o homem deve

participar destas épocas. (FREIRE, 1981, p.43)

Ao contrário, a domesticação significa a negação da educação, a negação do homem.

Um tipo de educação que só restringe, que impede os sujeitos de criarem, de recriarem, de se

criarem e se recriarem.

O homem não pode ser tomado como instrumento, como objeto. Paulo Freire (1979)

afirma que o ser humano é sujeito por vocação, objeto por distorção.

O homem não é um ser de adaptação, mas de decisão. Está sendo no mundo e com o

mundo. Este “está sendo” envolve sua relação permanente com o mundo, envolve também

sua ação sobre ele.

Page 34: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

33

É fundamental, diz Paulo Freire (1979), que haja o desenvolvimento de uma

consciência crítica que permita ao homem transformar a realidade que se faz mais urgente. É

necessário que homens respondam aos desafios do mundo.

A vocação ontológica do homem é ser sujeito e não objeto. E o homem só

desenvolverá sua condição de sujeito na medida em que refletir sobre suas condições espaço-

temporais, e introduzir-se nelas de forma crítica. Para Freire:

Quanto mais for levado a refletir sobre sua situacionalidade, sobre seu

enraizamento espaço-temporal, mais “emergirá” dela conscientemente

“carregado” de compromisso com sua realidade, da qual, porque é sujeito,

não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais. (FREIRE,

1979, p. 61)

Conforme Paulo Freire a posição normal do homem, não é só de estar na realidade,

mas de estar com ela. Travando relações permanentes com ela, tendo como resultado a

criação concretizada do domínio da cultura. O homem deve estabelecer uma relação dialética

com o contexto do mundo e da sociedade à qual se destina. “Transformar o mundo através de

seu trabalho, ‘dizer’ o mundo, expressá-lo e expressar-se são próprio dos seres humanos.”

(FREIRE, 1981, p. 20)

São especificidades do ser humano, segundo Freire (2004) o refletir, avaliar,

programar, investir, transformar. A vida se torna existência, quando há a consciência de mim

no mundo.

Recapitulando, o homem na perspectiva freireana é inconcluso, esperançoso, é um ser

da práxis, curioso, produz a sua existência, saber, história e cultura.

No entanto, existem também condições, situações, ou melhor, relações que são

identificadas por Paulo Freire como desumanizadoras. Barreto (1998) comentando sobre o

processo de desumanização na concepção freireana afirma:

A vocação de ser mais, isto é, ser mais humano, comum a todos homens e

mulheres, se realiza pela Educação. Mas esta vocação de ser mais deixa de

concretizar-se quando as relações entre os homens se desumanizam. Isto se

deu historicamente, quando os que detinham o poder passaram a abusar dele

e obter privilégios para si e para seus iguais, em prejuízo dos outros.

(BARRETO, 1998, p. 57)

Page 35: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

34

Como afirmamos anteriormente, a vocação do ser humano é de “ser mais”. Mas, essa

vocação é impedida quando as relações entre os homens se desumanizam. Isso acontece

quando os homens são oprimidos por outros, quando têm a dignidade desrespeitada.

É necessário lembrar que a condição de dependência do homem com relação ao outro

é também uma forte característica humana, ou seja, a interdependência é característica

humana. Assim, a destruição do outro é um dos maiores paradoxos da humanidade. Pois

representa a destruição de si mesmo.

Paulo Freire (1987) reconhece que na relação de opressão, relação em que alguns

oprimem e outros são oprimidos, há uma negação do ser humano, e consequentemente, o

impedimento do desenvolvimento do “ser mais”. Que impede o homem de ser protagonista de

sua história. Mas, como Paulo Freire define os oprimidos? Quem são os oprimidos? Como

acontece a relação entre opressores e oprimidos? Como acontece o processo de

desumanização?

Page 36: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

35

CAPÍTLO - 03

A EDUCAÇÃO DESUMANIZADORA

3.1 As relações desumanizadoras: opressores e oprimidos

A principal obra abordada para compreendermos o conceito de oprimido e como

acontece o processo de opressão, será “Pedagogia do Oprimido”, uma das mais importantes,

se não a mais importante obra de Paulo Freire. Obra, que é considerada o carro chefe deste

pensador, pois, naquelas poucas mais de cem páginas está contida a síntese de seu

pensamento.

A pedagogia do oprimido, proposta por Freire, como pedagogia humanista, busca

alcançar dois momentos: o primeiro, que oprimidos desvelem o mundo da opressão e

comprometam-se na práxis para a transformação; e o segundo, após transformada a realidade

opressora, esta pedagogia deixe de ser dos oprimidos e passe a ser de todos os homens, para a

permanência da liberdade.

Para tanto, Freire busca analisar a consciência dos homens oprimidos e a consciência

dos homens opressores. Assim como, compreender a relação entre eles, a leitura de mundo de

oprimidos e opressores, e a ética dos opressores e propor uma outra ética.

A “Pedagogia do Oprimido” foi produzida em 1968, período em que Freire estava

exilado no Chile, ou seja, vivenciando a condição de oprimido. Nesta obra, há uma clara

relação com o pensamento marxiano, Paulo se utiliza de conceitos marxianos como ideologia,

alienação, infra-estrutura, superestrutura, classes sociais etc.

Conforme Afonso Celso Scocuglia (1999), a “Pedagogia do Oprimido” faz parte de

uma tríade, que é completada ainda com “Educação e Atualidade Brasileira” e “Educação

como prática da liberdade”, que possuem como tema central a opressão e os caminhos para a

liberdade.

O que Paulo Freire busca na “Pedagogia do Oprimido”, segundo Gisele Moura

Schnorr (2010) é que os homens sejam sujeito de suas vidas, atores de sua história. A questão

central desta obra é o ser humano em suas complexas dimensões: ontológicas, antropológicas,

Page 37: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

36

éticas, políticas, gnoseológicas etc. Pensar o ser humano como problema, em sua relação com

o mundo, seus condicionamentos e desafios, implica a consciência de sua história e de como

superar sua desumanização.

A autora (2010) ainda nos lembra que a “Pedagogia do Oprimido” foi escrita num

contexto mundial de efervescência do movimento estudantil, do movimento feminista, do

movimento hippie, de questionamentos de valores e de toda ordem instituída. Crítica à

sociedade de consumo e ao machismo. Lutas pela democracia na América Latina e na África,

crítica a guerra do Vietnã e de toda forma de autoritarismo. Em fim, é uma obra que está

encharcada das ideias de liberdade gestada nos anos de 1960.

O que é discutido na obra “Pedagogia do Oprimido”, a sua questão central, é o

processo de desumanização e humanização do homem. Apresentando também uma proposta

para que os homens, em solidariedade, reconquistem a humanidade.

A opressão, em Paulo Freire, atua através da negação da humanização de todos,

através da negação da vocação humana: negação que se materializa na injustiça, na

exploração, na exclusão, na violência dos opressores. A opressão de roubar, ou impedir de ser

desenvolvida a humanidade de alguém é também uma distorção da vocação do ser mais. A

opressão é a negação do ser.

O que o educador brasileiro vem nos alertar em a “Pedagogia do Oprimido” é que a

humanização é constantemente ameaçada ou impedida de ser vivenciada, pelo processo de

opressão. E que oprimindo, o ser renuncia a sua capacidade humana, a sua capacidade de

existir. Se distanciando da condição de sujeito, rebaixando-se à condição de puro objeto.

A desumanização é uma realidade histórica e negação de nossa vocação ontológica. É

a expropriação da humanidade dos homens, é o roubo da humanidade dos homens, é a

distorção da vocação do “ser mais”. Paulo Freire acredita que a grande vocação do homem é

“ser mais” e não a desumanização: “se admitíssemos que a desumanização é vocação histórica

dos homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar um atitude cínica ou de total

desespero.” (FREIRE, 1987, p.16)

Para Paulo Freire (1987), a hominização não é adaptação, o homem não se naturaliza,

humaniza o mundo. Pois a “hominização” não é só um processo biológico, mas também

Page 38: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

37

histórico. Para Freire (1987), desumanização é fato concreto na história, não é destino dado,

mas resultado de uma “ordem” injusta gerada pela opressão, e que gera mais opressão e

violência.

Na opressão, a relação deixa de ser de cooperação, de solidariedade e passa a ser de

dominação. Nessa relação quem oprime não ver o oprimido como seu igual, mas como objeto

necessário para realizar seus interesses. Os opressores impõem aos oprimidos restrições para

aumentar a dominação e os seus privilégios.

Freire afirma que as relações de opressão se institucionalizam, sendo compreendidas

como naturais, uma ordem natural da sociedade, uns oprimem enquanto outros devem ser

oprimidos. Compreensão que impede que os homens restituam ou desenvolvam sua

humanidade.

Aos oprimidos resta apenas conformar-se com a realidade, e para isso desenvolve-se

uma educação domesticadora, que leva os homens a “ser menos”.

A violência dos opressores os faz também desumanizados, instaura a possibilidade do

“ser menos” tanto para si, como para os oprimidos. E gera nos oprimidos o desejo de

buscarem a sua humanidade perdida, restaurando a humanidade de ambos.

A violência dos opressores faz dos oprimidos homens proibidos de ser, e a violência

dos oprimidos é um ato desesperado na busca de recuperar o direito de ser. Os oprimidos,

violentados, perdem a sua condição de ser; perdem a sua condição de humano, se

desvinculam do mundo, são impedidos de conviver e existir. Ao impedir que os oprimidos se

tornem protagonistas de suas histórias, os opressores também são impedidos de desenvolver a

sua humanidade. A opressão é, definitivamente, uma relação que desumaniza a ambos –

oprimidos e opressores.

A opressão é a grande geradora da violência, assim como a violência gera a opressão.

Os oprimidos desenvolvem uma consciência extremamente possessiva dos homens e do

mundo. Tudo, o mundo e os homens são reduzidos a objeto disponível para atender aos

caprichos dos opressores.

A relação estabelecida entre oprimidos e opressores é fundamentada na violência, e

deflagra mais violência. Freire questiona, aos que afirmam que os oprimidos é quem iniciam a

Page 39: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

38

violência: “Como poderiam os oprimidos dar início à violência, se eles são o resultado da

violência.” (FREIRE, 1987, p.23). Não haveria oprimidos se não houvesse opressores.

Essa lógica desumanizante gera, para o educador brasileiro, violência em todos os

sentidos, violência física, simbólica, violência e fome, violência e interesses econômicos das

grandes potências, violência e religião, violência e política, violência e racismo, violência e

sexismo, violência e classes sociais.

Alice Akemi Yamasaki (2007), estudando a violência tendo como fundamento a obra

de Paulo Freire, afirma que para Paulo Freire a luta contra todo tipo de violência é exigência

imperiosa, e implica confrontação justa e crítica e a procura de soluções corretas numa luta

pela paz e pela justiça.

A autora (2007) afirma que desde a primeira obra de Paulo Freire, “Educação e

atualidade Brasileira”, de 1959, a questão da violência é problematizada como forma de

dominação e negação do ser humano. Já neste livro, o educador brasileiro defende que a

prática da violência deve ser enfrentada com uma educação que se faça ação cultural

revolucionária e transformadora.

Ainda segundo Yamasaki (2007), a violência para Paulo Freire atua através da

negação da humanização de todos, negando a vocação humana. Negação que efetiva na

injustiça, na exploração, na opressão e na violência.

Em “Educação como prática da liberdade” Paulo Freire diz sobre a educação que “O

seu grande perigo está na violência do seu anti-diálogo que, impondo ao homem mutismo e

passividade, não lhe oferece condições especiais para o desenvolvimento ou a abertura de sua

consciência que, nas democracias, há de ser cada vez mais crítica”(FREIRE, 2003, p. 16).

O educador brasileiro reitera seguidas vezes que não são os oprimidos que constroem

os opressores, e sim o contrário. Os opressores são todos aqueles que exploram e violentam,

em razão do seu poder, são os que constroem uma lógica social injusta, nutrindo assim, o

desalento e a miséria.

Para Paulo Freire, não haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de violência

que conforma como violentados, numa situação objetiva de opressão. A opressão está

relacionada à violência e à dominação. A violência não é inaugurada pelos oprimidos, mas

Page 40: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

39

por aqueles que oprimem, os que exploram, os que não se reconhecem nos outros. A violência

dos oprimidos, antes de tudo, é um reflexo da violência que sofrem. Pois quem inicia a

negação dos homens, não são os que tiveram a sua humanidade negada ou expropriada, mas

os que a negaram, negando também a sua. Para os opressores:

(...) na hipocrisia de sua ‘generosidade’, são sempre os oprimidos, que eles

jamais obviamente chamam de oprimidos, mas, conforme me situem, interna

ou externamente, de ‘essa gente’ ou de ‘essa massa cega e invejosa’, ou de

‘selvagens’, ou de ‘nativos’, ou de ‘subversivos’, são sempre os oprimidos

que desamam. São sempre eles os ‘violentos’, os ‘bárbaros’, os ‘malvados’,

os ‘ferozes’, quando reagem à, violência dos opressores.” (FREIRE, 1987,

p.24)

Conforme Freire (1987), a aderência dos oprimidos aos opressores não possibilita a

consciência de si como sujeito, nem a consciência de ser oprimido, de classe oprimida.

Os oprimidos introjetam a “sombra”, as idéias, os valores dos opressores e seguem

suas pautas, temem a liberdade à medida que esta, implicando na expulsão desta sombra,

exigiria que preenchessem o vazio deixado pela expulsão, com a autonomia.

A posição sustentada por Paulo Freire é que a situação opressora gera uma totalidade

desumanizada e desumanizante, que atinge aos que oprimem e aos oprimidos. Os oprimidos

permanecem acomodados e adaptados, imersos na engrenagem da estrutura dominadora

temem a liberdade. Os oprimidos querem ser, mas temem ser. Vivendo, assim, em um

grande dilema:

Entre serem espectadores ou atores. Entre atuarem ou terem a ilusão de que

atuam, na atuação dos opressores. Entre dizerem a palavra ou não terem voz,

castrados no seu poder de criar e recriar, no seu poder de transformar o

mundo. (FREIRE, 1987, p.18-19)

Paulo Freire (1987) repete insistentemente que, libertando-se, os oprimidos podem

libertar os opressores. É necessário que a luta dos oprimidos aconteça, para superar a

contradição em que se encontram. Pois essa superação levará ao surgimento do novo homem.

Ou seja, é necessário que os oprimidos promovam a liberdade de ambos. E que os

opressores percebam também a sua condição de aprisionamento, de não liberdade. Então cabe

aos oprimidos o papel e a responsabilidade de desvelar a realidade desumanizadora.

Page 41: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

40

Segundo Freire (1987) a grande missão dos oprimidos é libertar-se a si e aos

opressores. A liberdade dos oprimidos e dos opressores, segundo o autor, só pode ser

realizada pelos oprimidos, pois:

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o

significado terrível de sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles,

os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a

necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas

pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da

necessidade de lutar por ela. Luta que pela finalidade que lhe deram os

oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido

na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista de falsa

generosidade referida. (FREIRE, 1987, p. 17)

A proposta de Paulo Freire não se trata de uma simples mudança de posição, onde

oprimidos passariam a opressores, e opressores se tornaria oprimidos. Não, pois

continuaríamos com a mesma contradição, continuaríamos sem a possibilidade de “ser mais”.

Trata-se de um rompimento de uma relação, de uma nova concepção ética, de uma nova

maneira de perceber o outro e a si. Que convenhamos, é algo muito mais complexo, do que

propor uma mudança de posição.

Os opressores se percebem como exclusivamente pessoas humanas, já os outros, são

apenas coisas, sem direitos e sentimentos. Os outros, os oprimidos, têm a vocação para o

sofrimento, para a dor e a miséria, seriam “miseráveis por natureza”. Para os oprimidos só

existe um direito, o direito de sobreviverem.

Conforme Paulo Freire (1987), para os opressores o que importa realmente é ter cada

vez mais à custa dos oprimidos terem cada vez menos, ou nada ter. Não percebem que, se ter

é condição para ser, então que todos devam ter. Não percebem isso, pois estão fechados no

egoísmo. Por isso Paulo Freire afirma que a generosidade dos opressores é hipócrita, pois “é

preciso que os oprimidos existam, para que eles existam e sejam ‘generosos’” (FREIRE 1987,

p. 24)

Na opressão as condições materiais são as primeiras a serem negadas ao ser humano:

alimentação, moradia, a falta de condições mínimas e básicas de sobrevivência que vão

retirando, pouco a pouco, a perspectiva e o sonho de superar sua própria condição.

Corroborando com a perspectiva freireana, Patrick Viveret (2013) afirma que a miséria

material de uns está diretamente relacionada à miséria ética, afetiva e espiritual de outros.

Page 42: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

41

As migalhas jogadas para os oprimidos, migalhas materiais, de dignidade e de

existência, isenta os opressores de culpa, torna suas consciências tranqüilas. O fazem pensar:

“ a minha parte eu faço”.

Os opressores compreendem que a humanização é uma “coisa” que possuem como

direito exclusivo. E acreditam que a sua condição de opressores se deu por sorte, acaso, ajuda

divina ou esforço pessoal. Ou seja, não possuem culpa pela condição dos oprimidos. Pois,

“nem todos têm a mesma sorte”.

Sendo assim, Paulo Freire afirma ser necessário superar a “cultura da opressão”, que

naturaliza a opressão, a exclusão e a violência. O educador brasileiro entende como

imprescindível uma mudança de percepção do mundo por parte dos oprimidos. Para, só assim,

desvelar as verdades e valores desenvolvidos na estrutura opressora, que se preservam como

espectros míticos. Para tanto, o educador brasileiro nos instiga a construirmos relações mais

afetuosas e amorosas visando a emancipação e a libertação.

O constante controle, em que vivem os oprimidos, segundo Paulo Freire, é uma

estratégia para que permaneçam oprimidos, para que permaneçam como “coisa”. A opressão

só existe quando se constitui a negação do “ser mais” dos homens.

Segundo Paulo Freire, o sadismo parece ser uma das características da consciência

opressora. O amor opressor é um amor às avessas, um amor à morte e não à vida, o que autor

denomina de visão necrófila do mundo. A partir do momento que dominam, buscam impedir

a ânsia da vida, o poder de criar, que identifica a vida, os opressores matam a vida. Fazem da

ciência e da tecnologia instrumentos de opressão e destruição. Como afirma o educador

brasileiro:

Daí que vão se apropriando, cada vez mais, da ciência também, como

instrumentos para suas finalidades. Da tecnologia, que usam como força

indiscutível de manutenção da ‘ordem’ opressora, com a qual manipulam e

esmagam. (FREIRE, 1987, p. 26).

Conforme Paulo Freire (1987), a dualidade existencial é desenvolvida também nos

oprimidos, tendo em vista que introjetam os valores opressores, e passam a ser eles e os

outros (opressores). Os seus valores se confundem com os valores opressores, desenvolvendo

um fatalismo frente à realidade. E os oprimidos passam a agredir e violentar outros oprimidos.

Isso acontece, por exemplo, quando determinados segmentos oprimidos da sociedade, buscam

Page 43: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

42

seus direitos em detrimento dos direitos de outros grupos oprimidos. Compreendendo que os

seus direitos e as suas demandas são mais legítimos.

É identificado também, por Paulo Freire, um certo fascínio dos oprimidos frente aos

opressores, aqueles que os oprimem são vistos como heróis, exemplo a ser seguido, modelo a

ser alcançado. Desenvolvem uma apaixonada atração por aqueles que os violentam. E desta

forma, os oprimidos legitimam a opressão. Podemos questionar: Quem são os nossos heróis?

Quem são os heróis de jovens e crianças hoje? Perceberemos, em grande parte, que os heróis

estão atrelados à agressividade, à violência, à capacidade de subjugar o outro.

Nas relações entre oprimidos e opressores, os oprimidos desenvolvem também um

autodesvalia, ou seja, uma auto desvalorização, se compreendem como sem valor, ou ainda,

que não possuem nada a oferecer ao mundo. Percebem-se como impotentes, e como a causa

da miséria do mundo, como o grande mal da sociedade, invertendo assim a lógica.

Os oprimidos falam de si como os ignorantes, os que nadam sabem, os que não têm

nada a aprender, e muito menos, nada a ensinar. E observam o outro como “‘o doutor (...) que

sabe e a quem devem escutar.” (FREIRE, 1987, p.28)

Paulo Freire (1987) diz que inúmeras vezes, nas relações que teve com os camponeses,

estes se desculpavam quando se pronunciavam, como se estivessem rompendo com a lógica,

ou um contrato, de que lhes era permitido apenas escutar. E pronunciar a voz seria uma

afronta, ao que “veio para ensinar”, o que “sabe de tudo”.

Os oprimidos acreditam na invulnerabilidade do opressor, não percebem a

interdependência da relação, o quanto os opressores dependem deles. Entendem o poder dos

opressores como uma força mágica, quase divina. Os opressores se aproximam do poder dos

deuses da mitologia grega, em que não adianta afrontá-los, pois não é aconselhável despertar

a ira e o ódio desses seres.

Comentando sobre a relação entre opressores e oprimidos na perspectiva freireana

Barreto (1998) afirma que

Esta estrutura de dominação desumanizou os oprimidos, pois os transformou

em objetos negando-lhes a condição de sujeitos que lhes é própria. Mas

também desumanizou os opressores, já que não é próprio dos seres humanos

tratar como coisas ou objetos outros seres humanos. (BARRETO, 1998,

p.56)

Page 44: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

43

Os oprimidos em Paulo Freire, não estão localizados em um lugar específico, a noção

de oprimido não tem fronteiras, pois diz respeito a todos aqueles a quem é negada sua

condição de ser humano, de ser sujeitos, protagonistas da vida, que são violentados,

excluídos, marginalizados. Os oprimidos não possuem finalidades em si, ou para si, como

quase “coisas”, as suas finalidades são prescritas pelos opressores.

Percebemos, assim, que a opressão é um conceito amplo, que só se dá nas relações, e

só nas relações ela pode ser desfeita. Uma questão importante a ser feita neste sentido é: quem

são os oprimidos hoje? Quem são os opressores? Em que momentos somos oprimidos e em

que momentos opressores? Penso que a opressão hoje é mais fluída, fugidia, sutil, quase

imperceptível. Mas nem por isso menos opressora.

O oprimido não pode ser compreendido como um “ser perdido” que precisa ser salvo,

o que Paulo Freire propõe é que o oprimido tomando consciência do processo de opressão,

consiga desenvolver a capacidade de superar a opressão.

Na relação de opressão, é desenvolvida nos oprimidos, o que Freire denomina de

“cultura do silêncio”, fundamentada na justificativa de que os oprimidos, não sabem falar, não

sabem pensar, não sabem o que querem. Então, se faz necessário alguém para falar por eles,

pensar por eles e agir por eles. Novamente a questão da falsa generosidade, a generosidade

funesta.

A incapacidade de se expressar, de se comunicar, foi ensinada em algum momento da

história, pois somos seres de comunicação. Em algum momento os oprimidos perceberam que

deveriam se calar, que deveriam apenas escutar. Não lhes cabendo o direito de opinar.

Um dos grupos oprimidos que Paulo Freire mais trabalhou, que mais teve contato,

foram os analfabetos. Paulo Freire (1981) defendia a superação da maneira deformada que

percebiam e tratavam os analfabetos. Pois os analfabetos eram vistos como um ser totalmente

diferente dos demais, uns coitadinhos. Essa compreensão tinha como conseqüência que

mesmo quando os analfabetos eram alfabetizados, eram desenvolvidos neles a “cultura do

silêncio.”

Page 45: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

44

A opressão gera a “cultura do silêncio”, impotência de se expressar. Freire (1969)

recupera a marca do “mutismo” do povo brasileiro, mutismo que tem suas raízes no modelo

de colonização adotado no Brasil, somado à presença da mão de obra escrava e migrante

como força produtiva agrícola, reforçada, posteriormente durante o regime militar.

Paulo Freire (1969) faz uma breve análise histórica da produção da cultura do silêncio

no Brasil, fundamental para a perpetuação da opressão. Para o autor, o nosso modelo de

colonização no sentido da grande propriedade, da fazenda, do engenho, das terras grandes,

imensas terras, doadas a uma só pessoa, que se apossava delas e dos homens que vinham

povoá-las e trabalhá-las, em que os moradores eram “protegidos” dos senhores. Aí se

encontram, realmente, as primeiras condições “culturológicas” em que nasceu e se

desenvolveu o gosto do homem brasileiro, a um tempo de mandonismo e de dependência, de

“protecionismo”, que sempre floresceu entre nós. Freire afirma que

Naquelas condições referidas se encontram as raízes das nossas tão comuns

soluções paternalistas. Lá, também o ‘mutismo brasileiro. As sociedades a

que se nega o diálogo – comunicação – e, em seu lugar, se lhes oferece

‘comunicados’, resultantes de compulsão ou ‘doação’, se fazem

preponderantemente ‘mudas’. O mutismo não é propriamente inexistência de

resposta. É resposta a que falta teor marcadamente crítico. (FREIRE, 1969,

p. 69)

Para o educador, a distância social existente desde o processo de colonização do

Brasil, impediu as relações humanas, pois não nos permitiu um processo de “dialogação”.

Entre nós predominou o mutismo do homem, a sua não participação na solução dos

problemas comuns. Pelo tipo de colonização que tivemos, faltou-nos uma vivência

comunitária. Ao povo brasileiro restava apenas obedecer às ordens e desejos do senhor de

engenho, às do administrador municipal, às do rei ou à ordem do governador da província.

Referindo-se ao regime militar no Brasil, iniciado em 1964, Paulo Freire (1981)

afirma que há um desenvolvimento da opressão, da violenta imposição do silêncio às massas,

reforçando e desenvolvendo a cultura do silêncio.

O golpe militar brasileiro que, pitorescamente, se vem chamando a si mesmo

de revolução, e que derrubou o governo Goulart em 1964, tem seguido uma

política coerente: submissão à metrópole, associada a uma violenta repressão

e imposição de silêncio às massas populares. Uma política de submissão tão

incondicional à metrópole seria incompatível com uma, pelo menos débil,

abertura política de que decorresse uma presença mais atuante das massas

populares. Inviável seria também, repitamos, uma política de independência

Page 46: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

45

com relação ao imperialismo, sem a ruptura da cultura do silêncio. (FREIRE,

1981, p. 58)

O golpe militar de 1964 teve como principais características uma política de

servilismo frente à metrópole, e a violenta imposição do silêncio a seu próprio povo.

Paulo Freire observa que o homem moderno está esmagado por profundo sentimento

de impotência que o faz olhar fixamente, como que paralisado, para as catástrofes que se

avizinham. A humanização ou desumanização, sua afirmação como sujeito ou sua

minimização como objeto, dependem, em grande parte, da captação ou não da dinâmica

desses elementos. Paulo Freire (1969) constata que em várias partes do mundo,

é o homem simples esmagado, diminuído e acomodado, convertido em

espectador, dirigido pelo poder dos mitos que forças sociais poderosas criam

para ele. Mitos que, voltando-se contra ele, o destroem e aniquilam. É o

homem tragicamente assustado, temendo a convivência autêntica e até

duvidando de sua possibilidade. (...) É a armadura, acrescentemos nós que o

homem se escraviza e dentro do qual já não ama. (...) Percebe apenas que os

tempos mudam, mas não percebe a significação dramática da passagem, se

bem que a sofra. Está mais imerso que emerso.” (FREIRE, 1969, p. 44-45)

Paulo Freire (1987) nos lembra que a opressão, como um processo relacional, passa de

geração a geração de opressores, que se fazem legatários históricos, formando-se um clima

geral de legitimação da ordem estabelecida. Esse clima cria nos opressores uma consciência

fortemente opressiva do mundo e dos homens.

Ao discutir a questão da opressão, Paulo Freire, enfoca a negação de direitos e grupos

sociais marginalizados: ele utiliza a expressão ‘negação do ser mais’ a que homens e mulheres

são submetidos pela classe dominante. Vocação negada na injustiça, na exploração, na

opressão, na exclusão, na violência dos opressores.

Paulo Freire (1980) identifica que alguns modelos de sociedade reforçam o processo

de opressão, a organização de determinados tipos de sociedade gera, produz ou reproduz a

opressão, como o caso da sociedade latino americana, colonial, que ele denomina de

“sociedade fechada”, que possuia uma sociedade matriz: Espanha ou Portugal. Esta sociedade

matriz é que dá as ordens. Esta sociedade que determina é denominada de a “sociedade

sujeito”, enquanto a sociedade fechada é a “sociedade objeto”.

Page 47: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

46

A sociedade objeto opera como um satélite comandado pelo seu ponto de decisão, e é

uma sociedade periférica e não reflexiva. A sociedade matriz, ou sociedade sujeito, procura

na outra sociedade a matéria prima e a transforma em produtos manufaturados, que vende às

mesmas sociedades objetos. A sociedade sujeito determina os custos, o preço, a importação e

a exportação, cabendo a sociedade objeto aceitar.

Na sociedade objeto o mercado é externo, e tem características cíclicas: madeira,

açúcar, ferro, café, sucessivamente. Nesta sociedade, segundo Paulo freire (1979) não há

povo, entidade participante, apenas massa dispersa.

A sociedade objeto, que Freire também denomina de sociedade dependente,

dependentes de sociedades matrizes, do primeiro mundo, é por definição, sociedade

silenciosa. Pois as elites dessas sociedades, junto com as metrópoles, fazem calar o povo.

Nas sociedades objetos se instala uma elite que governa conforme as ordens da

sociedade diretriz, se impondo às massas populares. Isso faz com que as elites estejam sempre

sobre as massas, jamais com as massas. A participação das massas na história é indireta. Não

deixam marcas como sujeitos, pois são objetos.

Conforme Paulo Freire (1979) a organização destas sociedades se estruturam de forma

rígida e autoritária. São sociedades extremamente hierárquicas, não há possibilidade de

ascensão social “um filho de sapateiro dificilmente pode chegar a ser professor universitário.”

(FREIRE, 1979, p. 34). Cada um reproduz seu status que recebe por herança, e não por

mérito.

A sociedade fechada se caracteriza por manter os privilégios das elites, e por

desenvolver um sistema educacional para manter este status. É uma sociedade onde há uma

clara divisão entre trabalho manual e intelectual. Paulo Freire garante que nessas sociedades

nenhum pai gostaria que seus filhos fossem mecânicos, se pudessem ser médicos, mesmo que

tivessem afinidade e vocação para a primeira atividade, pois, consideram o trabalho manual

humilhante e degradante. Os que trabalham com as mãos são indignos, e os intelectuais

dignos. Os filhos das classes populares devem ir no máximo para as escolas técnicas.

Paulo Freire (1979) também desenvolve o conceito de sociedade alienada, também

desumanizadora, que se dá quando uma sociedade servil tenta imitar outra cultura. Quanto

Page 48: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

47

mais se tenta ser outro, menos se é ele mesmo. Definindo com mais precisão a sociedade e o

ser alienado, Paulo Freire, diz:

A sociedade alienada não tem consciência de seu próprio existir. Um

profissional alienado é um ser inautêntico. Seu pensar não está

comprometido consigo mesmo, não é responsável. O ser alienado não olha

para a realidade com critério pessoal, mas com olhos alheios. Por isso vive

uma realidade imaginária e não a sua própria realidade objetiva. Vive através

da visão de outro país. Vive-se Rússia ou Estados Unidos, mas não se vive

Chile, Peru, Guatemala, Argentina. (FREIRE, 1979, p. 35)

O ser alienado não busca um mundo autêntico, lamenta ter nascido em seu país e tem

vergonha de sua realidade. Esconde as populações marginais diante de um estrangeiro. O

educador afirma que é necessário partirmos das nossas possibilidades para sermos nós

mesmos. “O erro não está na imitação, mas na passividade com que se recebe ou na falta de

análise ou de autocrítica.” (FREIRE, 1979, p. 35)

Acredita-se que ser grande é imitar os valores das outras nações. Segundo Freire

(1979), a grandeza se expressa através da própria vocação nativa. Para o autor, a sociedade

alienada não se reconhece a si mesma, e só conhece a realidade por diagnóstico estrangeiro.

As soluções importadas devem ser reduzidas sociologicamente, isto é,

estudadas e integradas num contexto nativo. Devem ser criticadas e

adaptadas; neste caso, a importação recriada e inventada. Isto já é

desalienação, o que não significa senão autovaloração. (FREIRE, 1979,

p.36)

Para o educador brasileiro (1980), nas sociedades latino-americanas, ocorriam relações

desumanas, de opressão e violência, por parte das metrópoles, e das elites locais. Conforme o

educador, essas sociedade eram extremamente hierárquicas e rígidas, com um precário e

seletivo sistema de educação, um instrumento para a manutenção do status quo; com altas

taxas de porcentagens de analfabetismos e de doenças relativas ao subdesenvolvimento, que

eram defendidas como “doenças tropicais”; com taxas altíssimas de mortalidade infantil; por

uma baixa expectativa de vida e números elevados de criminalidade.

Nessas sociedades, que Paulo Freire chama de fechadas, a relação entre a elite e o

povo são mediatizados por líderes políticos que representam as diversas facções da elite. “No

Brasil, os líderes políticos, necessariamente paternalistas, são proprietários não somente de

suas terras, como também das massas populares silenciosas e obedientes, que eles têm sob

controle.” (FREIRE, 1980, p. 69-70)

Page 49: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

48

Surge nessas sociedades, uma nova forma de liderança, com a missão de mediar as

elites no poder e as massas, a liderança populista, que possui como principal característica a

manipulação.

Para Paulo Freire, (1980) as sociedades opressoras produzem seus marginais. Os

marginais são produzidos pelas dimensões social, cultural, política e econômica. Um dos

principiais grupos marginalizados estudado por Freire foram os analfabetos. Segundo o autor,

os analfabetos não devem ser considerados “fora de”, “à margem de”, já que estão

marginalizados em relação a outros. Para a questão de como os marginais são produzidos, a

resposta é óbvia, é que a marginalidade não é opção, ser excluído não é uma escolha. O

marginalizado é um objeto de violência.

A desumanização acontece também por meio do que Freire (1981) chama de

“sociedade massificada”, que são sociedades altamente tecnologizadas, absorvidas pelo mito

do consumo. Na sociedade massificada, a especialização necessária se transforma em

“especialismo”.

Conforme Freire, essa perspectiva especializante, é nociva ao desenvolvimento

humano, pois,

(...) os especialismos estreitam a área do conhecimento a tal ponto que os

chamados “especialistas” se tornam geralmente incapazes de pensar além

dos seu delimitado campo. Pior, porque perdem a visão da totalidade de que

a especialidade é apenas uma parte, não podem pensar corretamente nem

mesmo no seu campo.” (FREIRE, 1981, p. 68)

Nas sociedades massificadas, ainda segundo Freire, os indivíduos “pensam” e agem de

acordo com as prescrições que recebem cotidianamente dos meios de comunicação. Nestas

sociedade quase tudo é pré-fabricado, e o comportamento é quase automatizado. Os

indivíduos não são levados a pensar nas coisas mais insignificantes, que dirá nas coisas mais

significativas, há sempre um manual que diz o que deve ser feito. “Raramente se faz

necessário parar na esquina de uma rua para pensar em que direção seguir. Há sempre uma

flecha que desproblematiza a situação.” (FREIRE, 1981, p. 68)

A tecnologia, na sociedade massificada, deixa de ser percebida como uma das grandes

expressões da criatividade humana e é compreendida como uma nova divindade. O problema,

apontado por Freire, não diz respeito a tecnologia por si mesma, pois a tecnologia é uma

Page 50: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

49

expressão do processo criador em que seres humanos se engajam, com o objetivo de

transformar uma realidade. O problema é qual o sentido e os usos das tecnologias. Este não é,

então, um problema da tecnologia, mas um problema ético e político.

Se a tecnologia é utilizada em suma sociedade, como algo visceralmente relacionda ao

consumismo, a destruição do homem e do planeta, a culpa não é da tecnologia.

Paulo Freire (2004) afirma que o poder dos poderosos sempre buscou esmagar os

oprimidos. E que ao lado do poder material houve sempre uma outra força, a ideológica, que

reforça o poder. No qual o avanço tecnológico propicia com enorme eficácia o suporte

ideológico do poder material.

Os oprimidos não perceberiam, ou não percebem, a ideologia que está oculta no

avanço tecnológico, tendo em vista que essa tecnologia está a serviço da desumanização, que

os homens a utilizam para oprimir. Ela não está a serviço dos excluídos, não são todos que se

beneficiaram, ou se beneficiam, do desenvolvimento tecnológico. A tecnologia está atrelada

ao poder econômico desumano, degradando o homem, a natureza, a vida.

Libâneo e Oliveira (1998) apontam a centralidade que a ciência e a tecnologia

possuem nos dias de hoje, levando inclusive a sociedade atual a ser denominada de

“sociedade do conhecimento”, “sociedade técnico informacional” ou “sociedade tecnológica”.

Segundos os autores essa centralidade se dá principalmente porque:

passam a ser do ponto de vista do capitalismo globalizado força motriz e

eixo da transformação produtiva e do desenvolvimento econômico. São,

portanto, bens econômicos necessários à transformação da produção, ao

aumento do potencial científico e tecnológico e o aumento do lucro e do

poder de competição no mercado concorrencial que se quer livre e

globalizado pelos defensores do neoliberalismo. (LIBÂNEO E OLIVEIRA,

1998, p. 602)

Segundo Freire (1981), nessa perspectiva aprende-se que a ciência é neutra, que o

saber é puro e universal, e que a Universidade é a sede deste saber. Aprende-se que o mundo é

dividido entre os que sabem e os que não sabem; que a realidade é um fato dado; que o

problema econômico é algo puramente técnico; que os povos subdesenvolvidos são incapazes,

por conta da mestiçagem, da natureza, do clima; que os negros aprendem menos que os

brancos, porque são geneticamente inferiores.

Page 51: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

50

Conforme Freire (1981), o Terceiro Mundo é o mundo do silêncio, da opressão, da

exploração, da violência exercida pelos opressores aos oprimidos. Oprimidos, que estão, é

claro, também presente nos países opressores, nos Estados Unidos e nos países Europeus.

Os europeus, de sociedades tecnologizadas, e os norte americanos, não têm

necessidade de vir à América Latina para tornar-se proféticos. Basta buscar a

periferia de suas grandes cidades, sem “inocência” ou “esperteza”, e aí

encontrarão suficiente estímulo para repensar-se. Encontrarão, em face deles,

uma das expressões particulares de seu Terceiro Mundo. (FREIRE, 1981, p.

102)

Em um texto publicado em 1997, ano de sua morte, o educador brasileiro, discute

sobre a opressão e desumanização do final do século XX, fala da opressão que é causada pela

ética do mercado, realizada por grupos gananciosos, que não realizam “nenhum esforço no

sentido de diminuir ou amenizar sua malvadez.” (FREIRE, 1997, p.671), que impede que o

ser viva dignamente; que ame, estude, leia o mundo e a palavra; supere o medo de crer, de

repousar, de sonhar, de escolher; que não recuse o sonho, a utopia e a esperança em um

mundo melhor.

A sociedade capitalista e seu processo de globalização, para Paulo Freire (1997) busca

construir, ou implantar no homem a perspectiva fatalista da realidade, em que não há mais

jeito, a realidade é mesmo assim e nada podemos fazer. Eliminando assim o que conduz o

homem para a vida que é o sonho e a esperança.

Segundo o educador, valemos tanto quanto esteja sendo ou possa ser o nosso poder de

compra, pois as leis do mercado estabelecem, com rigor, o lucro como seu objetivo precípuo e

irrecusável. Para o autor:

De fato, o discurso fatalista que diz: ‘A realidade é assim mesmo, que

fazer?’, decretando a impotência humana, sugere-nos a paciência e a astúcia

para melhor nos acomodar à vida como realidade intocável. No fundo, é o

discurso da compreensão da História como determinação. A globalização tal

qual está aí é inexorável. Não há o que fazer contra ela senão esperar, quase

magicamente, que a democracia, que ela vem arruinando, se regaça em

tempo de deter sua ação destruidora. (FREIRE, 1997, p. 682)

Para Paulo Freire (1997), comentando o fim do século XX, afirma que a ética do

mercado que vivenciamos dramaticamente é uma das afrontosas transgressões da ética

universal e do ser humano, pois é perversa, cruel e não suporta melhorias no sentido humano.

Page 52: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

51

No momento em que fosse amainada tal frieza ou indiferença pelos

interesses humanos legítimos dos desvalidos, o de ser, o de viver

dignamente, o de amar, o de estudar, o de ler o mundo e a palavra, o de

superar o medo, o de crer, o de repousar, o de sonhar, o de fazer coisas, o de

perguntar, o de escolher, o de dizer não, na hora apropriada, na perspectiva

de dizer sim à vida, já não seria ética do mercado. (FREIRE, 1997, p. 671)

Conforme Freire (1997), o nosso valor nos dias atuais, na ética do mercado, está

atrelado a nossa capacidade de consumir. Em que o lucro é o objetivo final, e nada pode se

interpor a isso. O autor se nega a aceitar que a miséria é uma fatalidade. “A miséria na

opulência é a expressão da malvadez de uma economia construída de acordo com a ética do

mercado, do vale tudo, do salve-se quem puder, do cada um por si.” (FREIRE, 1997, p.681)

Tudo é transformado em mercadoria, em poder de compra, e de venda, os opressores

acreditam que tudo possui um preço, cada vez mais barato, inclusive a dignidade humana. O

dinheiro, na relação de opressão, é compreendido como a medida de todas as coisas, e o lucro

a finalidade.

Conforme Zigmund Bauman (2008), passamos de uma sociedade de produtores para

uma sociedade de consumidores. O consumo regulamenta as ações políticas, sociais e

cotidiana dos indivíduos, enquanto o mercado se torna uma instância central que determina as

relações de inclusão e exclusão, em que tudo e todos são transformados em mercadorias

vendáveis. Para Bauman (2008): “A ‘subjetividade’ do sujeito, e a maior parte daquilo que

essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fim para ela

própria se tornar, e permanecer uma mercadoria vendável” (BAUMAN, 2008, p. 20)

Ainda neste sentido Erich Fromm diz que

consumir é uma forma de ter, e talvez a mais importante da atual

sociedade abastada industrial. Consumir apresenta qualidades

ambíguas: alivia a ansiedade, porque o que se tem não pode ser tirado;

mas exige que se consuma cada vez mais, porque o consumo anterior

logo perde a sua característica de satisfazer. Os consumidores

modernos podem identificar-se pela fórmula: eu sou = o que tenho e o

que consumo. (FROMM, 1987, p. 45)

Segundo Paulo Freire (2004) vivemos em uma economia incapaz de programar-se em

função das necessidades humanas, que convive indiferente com a fome e a miséria de milhões

a quem tudo é negado. Negando-se a aceitar essa situação desumana, pois isso seria recorrer

Page 53: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

52

ao fatalismo. Viveret (2013) comenta que a ideia de que o progresso econômico acarretaria o

progresso social e progresso moral, morreu, pois:

As formas de coisificação, seja em relação aos seres vivos em geral, ou à

própria humanidade, cuja mercantilização desenfreada se apresenta aqui

apenas como um aspecto, expressam essa incapacidade de salvação pela

economia. (VIVERET, 2013, p. 44)

Paulo Freire identifica ações que evidenciam o nosso grau de desumanização, a que

ponto chegamos neste processo. Para isso, ele comenta o assassinato do índio pataxó Galdino

Jesus dos Santos, queimado em Brasília, por um grupo de adolescentes em 1997, Paulo diz:

Cinco adolescentes mataram hoje, barbaramente, um índio pataxó, que

dormia tranqüilo, numa estação de ônibus, em Brasília. Disseram à polícia

que estavam brincando. Que coisa estranha. Brincando de matar. Tocaram

fogo no corpo do índio como quem queima uma inutilidade. Um trapo

imprestável. Para sua crueldade e seu gosto da morte, o índio não era um tu

ou um ele. Era aquilo, aquela coisa ali. Uma espécie de sombra inferior no

mundo. Inferior e incômoda, incômoda e ofensiva. (FREIRE, 2000, p. 31)

Paulo Freire percebe neste fato um flagrante da relação entre opressores e oprimidos,

descaso com o outro, a desrespeito ao outro, o humano desvalorizado, a vida do outro como

insignificante, e lembra que foi necessária uma educação para que os indivíduos chegassem a

tal nível de desumanidade.

Penso em suas casas, em sua classe social, em sua vizinhança, em sua escola.

Penso entre outras coisas mais, no testemunho que lhes deram de pensar e de

como pensar. A posição do pobre, do mendigo, do negro, da mulher, do

camponês, do operário, do índio neste pensar. Penso na materialidade da

posse das coisas, no descaso pela decência, na fixação do prazer, no

desrespeito pelas coisas do espírito, consideradas de menor ou de nenhuma

valia. Adivinho o reforço deste pensar em muitos momentos da experiência

escolar em que o índio continua minimizado. Registro o todopoderisismo de

suas liberdades, isentas de qualquer limite, liberdades virando

licenciosidade, zombando de tudo e de todos. Imagino a importância do

viver fácil na escola de seus valores em que a ética maior, a que rege as

relações no cotidiano das pessoas terá inexistido quase por completo. Em seu

lugar a ética do mercado, do lucro. As pessoas valendo pelo que ganham em

dinheiro por mês. O acatamento ao outro, o respeito ao mais fraco, a

reverência à vida não só humana mas vegetal e animal, o cuidado com as

coisas, o gosto da boniteza, a valoração dos sentimentos, tudo isso a

nenhuma ou quase nenhuma importância.” (FREIRE, 2000, p. 31)

Instituições são planejadas de modo a cultuar e disseminar a ideologia do

conformismo e da negação da possibilidade de mudança, da opressão, da exclusão, da

violência. Paulo Freire aponta que a escola, com o modelo de “educação bancária”, está entre

Page 54: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

53

estas instituições. Pois moldam alunos e professores, formando-os para a submissão aos

projetos e anseios hegemônicos de acumulação e exclusão social. A educação neste sentido é

um instrumento de opressão e consequentemente de desumanização.

3.2 A educação desumanizadora e o silêncio dos oprimidos

Ainda no livro “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire aponta um modelo de educação

opressivo, autoritário e que impede o desenvolvimento humano do ser, denominado por ele de

educação “bancária”.

A educação “bancária” é o ato de impor, de transferir, de transmitir valores e

conhecimentos. Reproduzindo a sociedade opressora, sendo dimensão da “cultura do

silêncio.”

Segundo Paulo Freire (1980), a educação “bancária” é um ato de depositar, no qual os

alunos são o depósito e o professor aquele que deposita. Neste modelo de educação, o

professor não comunica, e os alunos só recebem as informações pacientemente, aprendem e

repetem feito gravadores, como máquinas programadas, sem nenhuma reflexão acerca do

conteúdo assimilado.

Nesse modelo de educação, o conhecimento é percebido como um dom adquirido por

aqueles que se consideram como possuidores, em detrimento daqueles que não receberam este

dom. Projeta-se uma ignorância absoluta em determinados grupos.

Na educação bancária o professor apresenta-se a seus alunos como seu “contrário”:

considerando que esses nada sabem. Conforme Paulo Freire (1980), a educação bancária

reflete a sociedade opressora, a relação opressora. Observemos como acontece a relação

professor/aluno neste modelo de educação: o professor ensina, os alunos são ensinados; o

professor sabe tudo, os alunos nada sabem; o professor pensa para si e para os estudantes; o

professor fala e os alunos escutam; o professor estabelece a disciplina e os alunos são

disciplinados; o professor escolhe, impõe sua opção, os alunos submetem-se; o professor atua

Page 55: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

54

e os alunos têm a ilusão de atuar graças à ação do professor; o professor escolhe o conteúdo

do programa e os alunos – que não foram consultados – adaptam-se; o professor é sujeito do

processo de formação enquanto que os alunos são simples objetos dele.

Para Paulo Freire (1980), inúmeras vezes os professores são opressores sem

perceberem, pois a opressão também ocorre de forma inconsciente. Como afirma o educador:

“(...) há inúmeros professores ‘bancários’ bem intencionados, que não se dão conta que

servem somente para desumanizar (...)” (FREIRE, 1980, p. 80)

Um bom exemplo de como os oprimidos absorvem os valores dos opressores, e se

portam como opressores, sendo seus fieis representantes, são os professores na denominada

“educação bancária”. Onde professores, que estão em situação de oprimidos: violentados,

desvalorizados, coisificados, agem como opressores.

Os professores, na “educação bancária” violentam os educando, impedem esses de se

desenvolverem como sujeitos:

Na visão bancária da educação, o saber é uma doação dos que se julgam

sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das

manifestações da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que

constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo o qual esta se

encontra sempre no outro. (FREIRE, 1987, p.34)

No entanto, Paulo Freire (1980) alerta que mais cedo ou mais tarde os alunos podem

descobrir, por sua própria experiência existencial, que seu atual modo de vida é impossível de

ser conciliado com a vocação de serem plenamente humanos. Ocasionando conflitos entre

professores e alunos.

Pode-se afirmar que a teoria e a prática bancária, enquanto força de imobilização e de

fixação, não reconhece os homens como seres históricos, diferente da teoria e da prática

críticas que tomam como ponto de partida a historicidade do homem.

Na educação desumanizante, os iletrados, são considerados recipientes passivos, têm

de ser enchidos pelas palavras de seus instrutores, eles não são convidados a participar de

maneira criadora no processo de ensino.

Segundo Paulo Freire (1997), nesse modelo de educação, os analfabetos e educandos

em geral, não são convidados a conhecer, não são convidados a descobrir as causas da

Page 56: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

55

opressão, da desumanização. Não apenas os analfabetos, mas todos os educandos são

impedidos de ver a realidade. Devem apenas adaptar-se à realidade, mas não lhes são

estimuladas a curiosidade, a capacidade de pensar e o refletir e o sentimento de espanto frente

à própria vida. Os educandos devem sempre aprender de cor os textos alienados e alienantes,

que lhe são apresentados de maneira invertida, “E isto tudo se faz em nome do homem; nunca

isto aparece tal como é, quer dizer, para a desumanização do homem.” (FREIRE, 1997, p. 43)

Ensinar e aprender são apresentados como dimensões distantes e não dialógicas: o

professor é aquele que ensina e o aluno o que aprende. Reforçando que o saber é posse e

privilégio de alguns.Nesta perspectiva a sociedade capitalista é apresentada como uma fase

imutável da história, o ponto culminante da história, e que esse sistema possibilita ao homem

desenvolver suas potencialidades, aparecendo como uma excelente maneira de viver.

Segundo Sônia Schwendler (2010) uma alfabetização domesticadora, alienante, não

possibilita aos alfabetizandos pronunciarem o seu mundo, nega-lhes sua contribuição no

processo de transformação da realidade, reforçando a cultura do silêncio. Ainda segundo

Schwendler (2010)

Esta prática educativa que reforça o silêncio em que se encontram as classes

dominadas, rouba-lhes a oportunidade de se pensarem de seres com o

mundo, com os outros, de atuarem conscientemente sobre o mundo,

reescrevendo-o com suas próprias histórias. (SCHWENDLER, 2010, p. 102)

Conforme Paulo Freire (1987), a educação “bancária”, autoritária e desumanizadora, é

o modelo educacional em que o educador é o que sabe, e os educandos não sabem nada, cabe

àquele dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Na educação desumanizante,

segundo Freire (1987), não há conhecimento, pois os educandos não são convidados a

conhecer, mas apenas a memorizar.

Compreende-se, então, que nesta visão “bancária” da educação, os homens são vistos

como seres da adaptação, do ajustamento. E quanto mais se exercitam os educandos no

arquivamento dos depósitos que lhe são feitos, menos desenvolverão em si a consciência

crítica, que resultaria em sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como

verdadeiros sujeitos.

Page 57: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

56

Para Paulo Freire (1987) os indivíduos na educação bancária ao invés de

desenvolverem uma visão transformadora da realidade, tendem a adaptar-se a ela, se tornam,

antes de tudo, homens e mulheres resignados. Conforme o autor:

Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos

educandos ou minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade,

satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o fundamental não é o

desnudamento do mundo, sua transformação. O seu “humanismo”, e não

humanismo, está em preservar a situação de que são beneficiários e que lhes

possibilita a manutenção de sua falsa generosidade a que nos referimos no

capítulo anterior. Por isto mesmo é que reagem, até mesmo, instintivamente,

contra qualquer tentativa de uma educação estimulante do pensar autêntico,

que não se deixa emaranhar pelas vozes parciais da realidade, buscando

sempre os nexos que prendem um ponto a outro, ou um problema a outra.

(FREIRE, 1987, p. 34)

Para Paulo Freire (1978) o que os opressores buscam, com a educação “bancária” é

transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime, com o intuito, de

adaptando-os a esta situação, melhor os domine.

A educação “bancária” possui um caráter paternalista, os oprimidos são chamados de

“assistidos”. Estes são vistos como meros “marginalizados”, que discrepam da fisionomia

geral da sociedade. Os oprimidos são identificados como casos individuais, são patologia da

sociedade sã, que precisa ajustá-los a ela. Paulo Freire (1987) nos diz que “Como

marginalizados, ‘seres fora de’ ou ‘à margem de’ a solução para eles estaria em que fossem

‘integrados’, ‘incorporados’ à sociedade sadia de onde um dia ‘partiram’, renunciando,

trânsfugas, a uma vida feliz (...)” (FREIRE, 1987, p. 35)

No entanto, os chamados marginalizados, que são os oprimidos, jamais estiveram fora

de, sempre estiveram dentro de, dentro da estrutura que os transforma em “seres para o

outro”. A solução não está em “integrar-se” em “incorporar-se” a esta estrutura que o oprime,

mas em transformá-la para que possam fazer-se “seres para si”. Este objetivo jamais será o

dos opressores. A educação bancária, jamais poderá orientar no sentido da conscientização

dos educandos.

A posição sustentada por Paulo Freire (1987) é que na educação “bancária” o pensar

autenticamente é perigoso. E que o estranho humanismo desta concepção se reduz a fazer dos

homens o seu contrário – o autômato, que é justamente a negação da ontológica vocação de

“ser mais”. A educação bancária sugere:

Page 58: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

57

(...) uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no

mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não

recriadores do mundo. Concebe a sua consciência como se fosse alguma

seção dentro dos homens, mecanicistamente compartimentada, passivamente

aberta ao mundo que a irá ‘enchendo’ de realidade. Uma consciência

continente a receber permanentemente os depósitos que o mundo lhe fez, e

que se vão transformando em seus conteúdos. Como se os homens fossem

uma presa do mundo e este um eterno caçador, daqueles, que tivessem por

distração ‘enchê-los’ de pedaços seus. (FREIRE, 1987, p. 36)

Neste modelo de educação, o educador conclui que lhe cabe nenhum outro papel que

não o de disciplinar os educandos. O seu trabalho é o de ordenar, hierarquizar, separar. E o de

encher os educandos de conteúdos.

Esta prática somente interessa aos opressores, pois quanto mais os homens estejam

adequados ao mundo menos resistente tornam-se à opressão. A educação “bancária” impede o

pensar autêntico. As aulas verbalistas, a distância entre educador e educandos, há sempre a

conotação digestiva e a proibição ao pensar verdadeiro. O educador “bancário” não percebe

que:

(...) somente na comunicação tem sentido a vida humana. Que o pensar do

educador somente ganha autenticidade do pensar dos educandos,

mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação. Por isto,

o pensar daquele não pode ser um pensar para estes nem a estes impostos.

Daí que não deva ser um pensar no isolamento, na torre de marfim, mas e

pela comunicação, em torno, repitamos de uma realidade. (FREIRE, 1987, p.

37)

Os homens nesse modelo de educação são reduzidos a meras coisas, desenvolvendo a

necrofilia, que se nutre do amor à morte e não do amor à vida. Os educandos são recipientes,

jamais são instigados a refazerem o mundo, a realidade, são induzidos a perceberem a vida

como estática, sem movimento, sem beleza.

A educação bancária é uma prática domesticadora da realidade opressora, produz uma

ação determinista da realidade, um determinismo que afirma que não podemos nada.

Ainda segundo Schnorr (2010) a educação bancária é uma prática de dominação. Uma

pedagogia do controle, da ausência do diálogo, do exercício da opressão.

Nesta educação vazia de diálogo e de criticidade só há passividade e o

condicionamento de ambos os sujeitos do processo: educandos

condicionados a apenas ouvir passivamente e educadores condicionados a

discursar sem estabelecer relações entre o conhecimento e a realidade

concreta. (SCHNORR, 2010, p. 86)

Page 59: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

58

Paulo Freire (2012) questiona como esperar de autoritários e autoritárias a aceitação

do desafio de aprender com os outros, de tolerar os diferentes, como esperar de autoritários ou

autoritárias que não estejam demasiado certos de suas certezas? Pois, o autoritário, que se

alonga em sectário, vive no ciclo fechado de sua verdade em que não admite nem dúvidas,

muito menos recusa.

Vale destacar ainda, que hoje, essa opressão e violência não acontecem apenas dos

educadores sobre os educandos. Não são raros os casos vinculados na mídia de violência entre

alunos, violência de alunos sobre os professores, em que alunos chegam a agredir fisicamente

professores. Na perspectiva freireana nada mais desumano do que um processo educativo

permeado de violência, ódio, agressividade, rancor e morte.

O que Paulo Freire critica é uma educação autoritária, opressiva, que aprisione o ser

humano, que o torne coisa, que o fragmente, que o desvincule do todo, do mundo, da

humanidade, que desenvolva apenas uma habilidade atrofiando outras, que não o faça refletir

e questionar, que não problematize a sociedade em que está inserido. Essa educação para

Paulo Freire é extremamente nociva e abominável e atende hoje pelo nome de educação

neoliberal.

3.3 O modelo de educação vigente nos dias atuais: a educação neoliberal

No presente tópico discutiremos acerca do modelo educacional vigente denominado de

neoliberal, pois, é compreendido por Paulo Freire como a perspectiva atual alienante,

postulando-se nos preceitos da educação “bancária”.

O neoliberalismo pode ser percebido como uma reconfiguração ou ressignificação do

liberalismo político e econômico dos séculos XIX e XX, onde as suas bases estão sustentadas.

Que tem como principais nomes Stuart Mill, Locke, Adam Smith, entre outros. Possui como

preceitos o individualismo e a competitividade. Onde a competição derivada do

individualismo é percebida como positiva a sociedade. Significando, em linhas gerais, que a

noção de indivíduo sobreponha-se a de coletividade, sociedade ou comunidade.

Page 60: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

59

O neoliberalismo surge como uma reação ao Estado intervencionista de bem-estar

social, e alcança dimensões mundiais. Conduzindo à mundialização dos sistemas financeiros

e a transnacionalização do sistema capitalista de produção (Teixeira, 1998). Esse processo

iniciou-se em países centrais como Estados Unidos e Inglaterra nos governos de Ronald

Reagan e Margaret Thatcher.

As principais características do neoliberalismo são: o predomínio do mercado,

privatizações, cortes nos gastos públicos, políticas repressivas, exigindo que Estado

intervenha o mínimo na economia, permitindo que ajam livremente os mecanismos de

mercado, a aceleração da suposta eficiência da iniciativa privada, a redefinição da cidadania,

em que o agente político se reduz em agente econômico, e o cidadão é rebaixado à categoria

de consumidor.

Na perspectiva neoliberal o mercado é uma espécie de “mão invisível”, conduzido

pelo jogo livre de oferta e procura, em que o Estado é percebido como inconveniente e

desnecessário na regulação ou organização desse jogo. Rechaçando qualquer participação, ou

intervenção do Estado nas questões econômicas. Aliás, o Estado só é convidado a participar

do “jogo” se for para defender os interesses do mercado.

O Estado neoliberal conduz ao desdobramento das novas relações internacionais e da

reestruturação produtiva, criando as condições legais, institucionais, políticas e estruturais

para a sua realização.

Segundo Nildo Viana (s/d) as conseqüências do neoliberalismo são as mais variadas,

destacando o aumento da pobreza e da desigualdade, mesmo nos países mais ricos, o aumento

da exploração por conta da corrosão dos direitos trabalhistas, e o corte nos gastos estatais,

ocasionando a redução dos investimentos de base em saúde e educação, gerando políticas

sociais paliativas.

Esse projeto global, apropria-se da educação como instrumento imprescindível para

sua a legitimidade e consolidação, redefinindo a educação em termos de mercado como

apontam Pablo Gentili (2001; 2007), Tomaz Tadeu da Silva ( 1995; 2001), Michael Apple

(2001, 2005), Mariano Enguita (2001) Galdêncio Frigotto (1995, 2001), entre outros.

Page 61: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

60

Para Frigotto (2001) há uma intervenção na educação com vistas a servir aos

propósitos empresariais e industriais em duas dimensões principais: a) atrelar a educação

institucionalizada aos objetivos estreitos de preparação para o trabalho, fazendo com que as

escolas treinem os alunos para a competitividade do mercado; b) utilizar a educação como

veículo de transmissão das ideias que proclamam as excelências do livre mercado e da livre

iniciativa. Concluindo-se num esforço de alteração do currículo tanto com o objetivo de

dirigi-lo a uma preparação estreita para o local de trabalho, como para preparar os estudantes

a aceitarem os postulados da perspectiva liberal.

Ainda segundo Frigotto (2001), outra das operações centrais do pensamento neoliberal

em geral, e em particular no campo educacional, consiste em transformar questões políticas e

sociais em questões técnicas. Questões que deveriam ser discutidas no viés de lutas em torno

da distribuição de recursos materiais e simbólicos e de poder, são tratados na perspectiva da

(in)eficácia/(in)eficiência. Noções como igualdade e justiça social cedem lugar no espaço de

discussão pública para as noções de produtividade, eficiência e “qualidade total”.

Na mesma tonalidade, Silva (1995) afirma que este modelo busca que as escolas

preparem melhor os alunos para a competitividade do mercado nacional e internacional, assim

a educação também se torna um instrumento de propagação destes valores como a

necessidade da excelência, da livre iniciativa e livre mercado. A educação assumidamente, ou

unicamente, representa preparação para o mercado de trabalho.

Em suma o modelo neoliberal faz parte de um modelo global de sociedade, de

economia e de educação em que os projetos nacionais não podem ser compreendidos

isoladamente. Podemos compreender o modelo de educação neoliberal atrelado a um projeto

de sociedade em que valores como competitividade, individualismo, sobrepõem-se a

coletividade, justiça social e igualdade.

A educação na perspectiva neoliberal penetra o universo escolar no Brasil no anos 90,

segundo Maria Auxiliadora de Oliveira (1998). A autora assegura que O Plano de Qualidade

Total3, fundamento do neoliberalismo, foi a solução encontrada pelo Ministério da Educação

3 O modelo de Qualidade Total representa técnicas de produção e controle de gestão desenvolvida por empresas

japonesas após a Segunda Guerra Mundial. É um dos fundamentos do denominado toyotismo. E se tornou

modelo de produção hegemônico e de controle de gestão no mundo após a chamada crise do sistema capitalista

da década de 70. Com relação a educação Zitkoski (1997) afirma que o que está na raiz das teorias sobre

Qualidade Total é “a razão instrumental como a positivação da vida, tecnificação do conhecimento,

Page 62: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

61

para os problemas de repetência e evasão escolar, determinando as diretrizes a serem seguidas

para o alcance de uma maior produtividade de alunos e profissionais da educação.

O projeto neoliberal conduz a um processo de mercantilização da educação, há uma

intensa pressão para que as escolas e universidades se voltem estritamente para as

necessidades da indústria e do comércio. Com o discurso de que a educação boa é a educação

privada, e que a educação pública é ineficiente, inadequada, e anacrônica, pois não atende as

exigências dos setores supracitados. Aqui devemos questionar até onde a educação privada é

de qualidade? Quais os parâmetros utilizados? Qual é a sua real eficiência? Estas questões são

muitas vezes silenciadas, tabus intocáveis. O que se discute geralmente é como tornar a

educação pública “tão eficiente” quanto a educação privada. Creio que medir a eficiência de

uma escola pela quantidade de aprovados nos vestibulares ou no ENEM4 é uma compreensão

extremamente limitada de educação de qualidade.

Sobre o parâmetro da eficiência utilizado no modelo educacional nos dias de hoje, o

filósofo, psicanalista, poeta e educador Rubem Alves nos diz que:

Não creio que a excelência funcional do formigueiro seja uma utopia

desejável. Não existe evidência alguma de que homens formiga, notáveis

pela sua capacidade de produzir, sejam mais felizes. Parece que o objetivo

de produzir cada vez mais, adequado aos interesses de crescimento

econômico, não é suficiente para dar um sentido à vida humana. É

significativo que o Japão seja hoje um dos países com a mais alta taxa de

suicídios no mundo, inclusive o suicídio de crianças. A miséria das escolas

se encontra precisamente ali onde elas são classificadas como excelentes.

Não critico a máquina educacional por sua ineficiência. Critico a máquina

educacional por aquilo em que ela pretende produzir, por aquilo em que ela

deseja transformar nossos jovens. É precisamente quando a máquina é mais

eficiente que a deformação que ela produz aparece de forma mais acabada.

(ALVES,1994, p. 18-19)

Nos anos de 1990, Jacques Delors coordena um relatório para UNESCO em que

aponta os quatro pilares da educação para o século XXI: aprender a conhecer, aprender a

fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser. A partir do que vimos sobre o neoliberalismo,

podemos inferir que esse modelo de educação prioriza principalmente, ou exclusivamente, o

burocratização dos sistemas e atrofiamentos da capacidade crítica e criativa e criativa do ser humano”

(ZITKOSKI, 1997, p. 84) 4 Conforme o Ministério da Educação - MEC “Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem

o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica. Podem participar do exame

alunos que estão concluindo ou que já concluíram o ensino médio em anos anteriores. (...) cerca de 500

universidades já usam o resultado do exame como critério de seleção para ingresso no ensino superior, seja

complementando ou substituindo o vestibular.” (Ministério da Educação)

Page 63: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

62

aprender a fazer. E a partir do momento em que uma educação abre mão dos outros pilares,

constitui-se uma educação limitada, um ser humano limitado em suas potencialidades.

A questão não é se posicionar como contrário à preparação para o trabalho, mas

lembrar que uma educação não pode se resumir a isso. O ser humano não é apenas

trabalhador, ou futuro trabalhador. A crise em que vive a educação e a humanidade não está

atrelada ao aprender a fazer, mas o porquê fazer, e quais conseqüências terão esse fazer. O

nosso grande e principal problema tanto educacional quanto humano, como aponta Freire, é o

aprender a conviver. Basta observarmos o desenvolvimento científico e tecnológico que

alcançamos nos últimos anos (o aprender a conhecer e o aprender a fazer) e percebermos que

isso não representou avanços nas relações humanas e na relação com mundo. Pelo contrário,

significou um aumento da opressão, da degradação e da degeneração. A crise ou mal-estar

dos dias atuais tem como ponto central a convivência humana. Aqui, entram as dimensões da

educação freireana: a educação deve ser gnosiológica, ética, política e estética.

Conforme Paulo Freire (2004) o neoliberalismo busca desenvolver a prática educativa

como algo neutro, reduzindo-a a transferências de conteúdos, a simples treinamento, e não

formação. Dicotomizando a leitura de mundo da leitura da palavra, ou seja, o texto do

contexto. A educação na perspectiva neoliberal se apresenta despolitizada, e sem nenhuma

responsabilidade com as desigualdades sociais, ou com os problemas mundiais.

Para Paulo Freire (2004) do ponto de vista do poder e da pedagogia neoliberal,

educação deveria se preocupar apenas em resolver problemas de natureza técnica ou

dificuldades burocráticas. Pois é uma educação “neutra”, e uma educação “neutra” não

discute questões sociais e políticas.

Ainda segundo Paulo Freire (2004) a perspectiva neoliberal reforça a pseudo-

neutralidade da prática educativa, reduzindo-a a transferência de conteúdo aos educados. Essa

“neutralidade” fundamenta a formação, do mecânico, do eletricista etc., em simples treino de

técnicas e procedimentos mecânicos, pois não desenvolve a potencialidade humana, não faz

questionar, refletir sobre a condição humana. Toda prática educativa precisa trabalhar a leitura

de mundo vinculado com a leitura da palavra.

Paulo Freire (2004) pensa, sobretudo, no sonho possível, mas nada fácil, da invenção

democrática. Criticando a posição neoliberal, pragmática, segundo a qual a prática educativa

Page 64: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

63

eficaz é a que centra-se no treinamento técnico ou no depósito de conteúdos nos educandos. É

uma educação para a conformação, educação do fatalismo, que afirma o fim da utopia e do

sonho. Que busca principalmente: “treinar os educando no uso de técnicas e princípios

científicos. Treiná-los, nada mais. O pragmatismo neoliberal não tem nada que ver com

formação”. (FREIRE, 2000, p. 123)

O grande discurso sedutor do modelo neoliberal é do êxito econômico, o do conhecido

“se dar bem na vida”. E que para isso, desenvolve uma ética nada interessante para o mundo e

as relações sociais, aliás, uma ética bastante nociva ao mundo: a ética do mercado. Como

afirma Freire: “O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua ética é

a ética do mercado e não a ética universal do ser humano pela qual devemos lutar bravamente

se optarmos, na verdade, por um mundo de gente” (FREIRE, 2007, p. 127).

Segundo Paulo Freire (1997), a recusa sistemática do sonho e da utopia vem sendo

uma das conotações forte do discurso neoliberal e de sua prática educativa no Brasil e no

mundo, o que sacrifica a esperança. A divulgada morte do sonho e da utopia, que ameaça a

esperança, despolitiza a prática educativa e fere a própria natureza humana.

Propalar o fim do sonho e da utopia significa defender o fim da história, já que implica

a imobilização da história. A ética do mercado, segundo o autor, divulga o presente vitorioso

do neoliberalismo e o que nos resta é adaptarmos, aceitarmos, resignarmos. É sem dúvida um

discurso fatalista que desconsidera o caráter dinâmico da história e principalmente que a

história, o futuro, é feito pelos homens. Essa perspectiva é produtora e reprodutora de

expressões do tipo: “é assim mesmo” “não há nada a ser feito” “a miséria é triste mais essa é a

realidade”.

O educador brasileiro abominava a compreensão de que as coisas são assim porque

não podem ser de outra forma, o que ele denomina de compreensão fatalista da realidade, que

imobiliza e paralisa. Essa perspectiva decreta que a felicidade é apenas para alguns, assim, os

homens são impotentes, seres passivos da história. Até reconhecem a exclusão, a miséria, a

opressão, a violência, mas sempre em tom de que nada pode ser feito. Para Freire, é possível

vida sem sonho, mas não há existência humana sem sonho.

A falta de esperança, de sonho de mudança é retratada por Paulo Freire (2004) na

afirmativa de um camponês da Zona da Mata, que sobre o peso do cansaço existencial e uma

Page 65: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

64

compreensão fatalista de sua presença no mundo diz: “Eu sou um camponês, doutor, não

tenho amanhã diferente de hoje, que também não é diferente de ontem”. (FREIRE, 2004, p.

28)

O homem sem esperança perde a sua vocação ontológica, é destituído de sua essência,

existir carece de esperança. Não existimos sem esperança e sem sonho.

Se o sonho morreu, diz Freire (1997), a prática educativa nada tem que ver com a

denúncia da realidade perversa, e a renúncia de uma realidade mais humana. Afirmam que a

pedagogia crítica não tem mais espaço, ou está ultrapassada.

É neste sentido que se tem apregoado, ideologicamente também, que a

pedagogia crítica já era: que o esforço da conscientização é uma velharia

suburbana. Sem sonho e sem utopia, sem dúvida e sem anúncio, só resta o

treinamento técnico a que a educação é reduzida. Em nome da natureza

humana, de que tanto falei, me rebelo contra esse ‘pragmatismo’

amesquinhador e afirmo a prática educativa que, coerente com o ser que

estamos sendo, desafia a nossa curiosidade crítica e estimula o nosso papel

de sujeito do conhecimento e da reinvenção do mundo. Esta, no meu

entender, é a prática educativa que vem sendo exigida pelos avanços

tecnológicos que caracterizam o nosso tempo” (FREIRE, 1997, p. 677)

Ainda segundo Freire (1997), a ideologia e a política neoliberais ao despolitizar a

educação e reduzi-la a treino de destrezas, termina por gerar uma prática educativa que

contradiz ou obstaculiza uma das exigências fundamentais do próprio avanço tecnológico: a

de como educar sujeitos críticos capazes de responderem a desafios diversificados e

inesperados.

O autor (2004) também acusa intelectuais, que anteriormente foram progressistas, de

servirem à ordem dominante, negando a prática educativa qualquer intenção desveladora, que

é reduzida à pura transferência de conteúdos. “O irônico nessa adesão, às vezes entusiástica,

de antigos militantes progressistas, ao pragmatismo, está em que, acolhendo o que lhes parece

novo, reencarnam fórmulas velhas, necessárias para preservar o poder das classes dominantes.

(FREIRE, 2004, p. 27)

Esses intelectuais se consideram atualizados, como quem supera “velharias

ideológicas”, falando da imperiosa necessidade de programas pedagógicos profissionalizantes

esvaziados de qualquer tentativa de compreensão crítica da sociedade. Mas Paulo Freire

(2004) alerta que este discurso é tão conservador quanto é falsamente progressista a prática

Page 66: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

65

educativa que nega o preparo técnico ao educando e busca desenvolver apenas a politicidade

da educação. “O domínio técnico é tão importante para o profissional quanto a compreensão

política o é para o cidadão. Não é possível separá-los”. (FREIRE 2004, p. 27)

Paulo (2004) afirma que um amigo já lhe disse que ouviu afirmarem que: “Paulo

Freire já não tem sentido. A educação de que se precisa hoje já não tem nada que ver com

sonhos, utopias, conscientização e sim com a formação técnica, científica, profissional do

educando”. (FREIRE, 2004, p. 29). Quando falam formação estão dizendo treinamento. Para

o educador brasileiro a educação precisa tanto da formação técnica, científica e profissional

quanto do sonho e da utopia.

Paulo Freire (2004) recusa a afirmação de que nada é possível fazer quanto às

conseqüências da globalização da economia, e que devemos curvarmos docilmente a cabeça

porque nada se pode fazer contra o inevitável. Pois aceitar a inexorabilidade do que ocorre é

uma contribuição a opressão, a desumanização.

A desproblematização do futuro e as relações mecânicas consciência/mundo, segundo

Paulo Freire (2004), abalaram fortemente, e até negaram, a natureza ética da transformação do

mundo, pois a opção por outros caminhos não tinha lugar. O futuro é apresentado como

inexorável.

Ainda conforme Freire (2004) reconhecer a quase tragicidade de nosso tempo não

significa a rendição ou resignação e sim conscientização. A luta de mulheres e homens pode

ser obstaculizada, mas não suprimida.

Em lugar do fatalismo imobilista Paulo Freire propõe um crítico otimismo que nos

engaje na luta por um saber, a serviço dos explorados, esteja à altura do tempo atual. Mas

Paulo Freire não era ingênuo, sabia das dificuldades da mudança:

Ao falar com tamanha esperança da possibilidade de mudarmos o mundo,

não quero dar a impressão de ser um pedagogo lírico, ou ingênuo. Ao falar

dessa forma, não desconheço quão difícil se torna, cada vez mais, voltar-se

na direção dos oprimidos, dos interditados de ser. Reconheço os enormes

empecilhos que a “nova ordem” impõe a pedaços mais frágeis do mundo,

como a seus intelectuais, empecilhos que os empurra para posições fatalistas

diante da concentração de poder. (FREIRE, 2004, p. 43)

É importante o destaque de Paulo Freire de que a esperança em um outro mundo, em

uma outra sociedade e em uma outra educação não significa já um outro mundo, uma outra

Page 67: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

66

sociedade uma outra educação. Pois é preciso lutar, é preciso insistir esperançadamente para

criar as condições históricas favoráveis.

E partindo da crise em que vivemos, o mal-estar contemporâneo, e do modelo de

educação vigente, que conduzem, na compreensão freireana, a desumanização, precisamos

urgentemente refletir: Quais outros caminho podemos percorrer? Existe outra via para a

humanidade? Como superar o processo atual de desumanização? E podemos ainda pensar em

um outro modelo de educação?

Compreendendo a intrínseca relação entre educação e a sociedade em Paulo Freire,

apresentaremos e discutiremos os fundamentos, na perspectiva freireana, de uma educação

humana e libertadora e consequentemente um caminho para uma outra sociedade e para um

outro mundo.

Page 68: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

67

CAPÍTULO 4

A EDUCAÇÃO HUMANIZADORA E LIBERTADORA

Não temos a pretensão neste capítulo de apresentar um modelo de educação, no

sentido de uma receita pronta e acabada, na qual basta segui-la para que todos os problemas

da educação e da sociedade sejam resolvidos. Isso se configuraria em um otimismo ingênuo

que é tão nocivo quanto à compreensão fatalista da realidade. Buscamos nos afastar tanto do

otimismo ingênuo quanto do pessimismo paralisante.

O que pretendemos é discutir uma proposta de educação, diria, uma proposta de

fundamentos da educação, possibilidade outra, diferente dos fundamentos que preceituam o

modelo de educação neoliberal, neotecnicista, ou como prefira designar Paulo Freire,

educação “bancária”.

Busca-se, neste momento, apresentar fundamentos para um modelo de educação, a

partir do pensamento de Paulo Freire, que conduza à humanização, e à constituição do sujeito

autônomo; uma proposta de educação que nos possibilite caminharmos em uma outra via para

o futuro da humanidade. Essa proposta de educação humanista Paulo Freire denominou de

educação libertadora ou educação problematizadora.

O humanismo em Paulo Freire é acima de tudo inquieto, combativo, amoroso, mas, ou

por isso mesmo, indigna-se com a opressão. É um humanismo que exige a liberdade dos

indivíduos enquanto construtores de sua existência, sujeitos de sua história.

O humanismo defendido pelo educador brasileiro rejeita toda forma de manipulação,

opressão, intolerância e violência. Tendo em vista que estas práticas contradizem a sua

concepção de humano. É o humanismo da ação transformadora das relações em que

“coisificam” os homens. Recusa o otimismo ingênuo ao mesmo tempo em que é

esperançosamente crítico. E a esperança crítica repousa na crença de que os homens podem

modificar sua realidade, podem modificar a maneira de se relacionar com o outro e com o

mundo, podem modificar a maneira de ser e conviver. Alcançando o que Freire denomina de

“ser mais”.

Paulo Freire (1975) compreende que é equivocada tanto a perspectiva “humanista”

que nega a técnica, como a concepção que implica num tecnicismo desumanizante, o

Page 69: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

68

“messianismo” da técnica, em que aparece como infalível. Este messianismo quase sempre

desemboca em esquemas “irracionalistas”, em que o homem fica diminuído. A criatura

adquire um poder mágico, tornando-se mais relevante do que o seu criador, o homem.

Segundo Paulo Freire (1975) não é possível ensinar técnicas sem problematizar a

estrutura em que se darão estas técnicas. Assim como, não é possível um trabalho educacional

que não esteja associado ao trabalho dos homens, à sua capacitação técnica, à sua visão de

mundo. Não problematizar a relação do homem com a tecnologia e com outras produções

culturais - problematização no sentindo de questionar sempre o porquê e a quem serve essas

produções – assim como não problematizar a relação do homem com o homem, configura-se

como uma educação limitada, alienante e incapaz de desenvolver a autonomia do sujeito.

A educação que busca apenas adaptar o homem no mundo seria, segundo Freire

(1975), absurda, visto que a adaptação pressupõe a existência de uma realidade acabada,

estática. Significando, principalmente, a impossibilidade e o direito do homem transformar o

mundo.

Oposta a essa educação incapaz de desenvolver as potencialidades humanas, e que

reproduz as desigualdades sociais. Paulo Freire anuncia a “educação problematizadora” ou

“educação como prática da liberdade” que tem como codinome “pedagogia do oprimido”,

“pedagogia da solidariedade”, “pedagogia da esperança”, “pedagogia da autonomia”,

“pedagogia do compromisso” “pedagogia da tolerância” etc. Que é justamente aquela que

semeia, cultiva e celebra a vida, que instiga os oprimidos e os opressores a liberdade, que leva

os sujeitos a refletirem sobre suas condições sociais, que defende a conquista da autonomia

dos sujeitos.

A educação problematizadora, representa um quefazer humanista e libertador, em que

o pilar central desse modelo de educação, ou o objetivo principal, é que os homens alcancem

a autonomia, sejam sujeitos de sua história. Essa educação é um processo em que educandos e

educadores se fazem sujeitos, superando o intelectualismo alienante e o autoritarismo do

educador “bancário”.

Enquanto a prática “bancária” implica numa espécie de anestesia, inibindo o poder

criador dos educandos, configurando-se no máximo como assistencialista, conhecimento

dado, enxertado, servindo à dominação e à domesticação, negando aos homens a sua vocação

ontológica. A educação problematizadora de caráter autenticamente reflexivo é crítica, serve

Page 70: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

69

a libertação, funda-se na criatividade, estimula a ação, responde a vocação humana, que não

pode autenticar-se fora da busca e da transformação criadora.

A educação como prática da liberdade é contrária da educação bancária, que é prática

da dominação e implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo,

como também, do mundo ausente dos homens.

Paulo Freire compreende a educação em sua relação dialética com a realidade, como

um processo constante de libertação do homem. Educação que, “não aceitará nem o homem

isolado do mundo – criando este a sua consciência -, nem tampouco o mundo sem homem –

incapaz de transformá-lo”. ( FREIRE, 1975, p. 75-76)

Os sistemas educacionais não podem deter a criatividade do educando, não pode se

fundamentar num formalismo oco, mas sim na práxis dos homens, uns com os outros, no

mundo e com o mundo. A práxis que é a ação e reflexão solidárias, que se iluminam constante

e mutuamente. Em que a prática implica uma teoria indissociável.

A educação problematizadora deve possibilitar aos educandos a condição de sujeitos

da práxis. Conduzindo os sujeitos a encontrarem a solidariedade entre as partes constituintes

da totalidade. A educação problematizadora não permite a dicotomia entre a ação e a

reflexão, pois, essas dimensões devem ser geradas de forma concomitantes, como algo que é

tecido junto.

A educação problematizadora se refaz constantemente na práxis, não é fixismo

reacionário, é futuridade revolucionária, sendo assim esperançosa. Por isso, corresponde à

condição dos homens como seres históricos. Identifica-se com os homens como seres além de

si mesmo – como “projetos” – como seres inconclusos e inacabados.

O ponto de partida e de chegada da educação problematizadora está nos homens. Mas,

como não há homens sem mundo, a educação parte das relações homem-homem e homem-

mundo. Relações compreendidas como desafiadoras, que podem limitar, mas nunca

determinar o homem. Ou seja, a reflexão que propõe a educação problematizadora, ou

educação como prática da liberdade, não é sobre o homem ou mundo abstrato, mas sobre os

homens em suas relações.

Enquanto a educação desumanizadora, educação “bancária”, força a imobilização e a

fixação, não reconhecendo os homens como seres históricos. A educação crítica, libertadora,

Page 71: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

70

problematizadora, humanizadora, de Paulo Freire, toma como ponto de partida a historicidade

do homem. Ainda para Paulo Freire:

A educação crítica considera os homens como seres em devir, como seres

inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e

juntamente com ela. (...) O caráter inacabado dos homens e o caráter

evolutivo da realidade exigem que a educação seja uma atividade contínua.

A educação é, deste modo, continuamente refeita pela práxis. Para ser, deve

chegar a ser. ( FREIRE, 1980, p. 81)

Na educação crítica, os homens são seres que se superam, que olham para a frente e

pensam no futuro, a imobilidade representa uma nociva ameaça ao homem. O passado é

importante para sabermos de onde viemos, mas, o para onde vamos é construído hoje. É no

hoje que se constrói o futuro.

Para Paulo Freire (1975) o que importa a uma educação libertadora é problematizar o

mundo do trabalho, das obras, das ideais, das convicções, as aspirações, dos mitos, das artes,

da ciência, da cultura, da história, das relações homem-mundo e homem-homem.

A educação como prática da liberdade, defendida por Paulo Freire, gira em torno da

problematização do homem-mundo e homem-homem, das relações indicotomizáveis entre o

homem e o mundo.

A educação problematizadora desafia os envolvidos a pensar e não apenas a memorizar

e acumular informações. Os conhecimentos na educação problematizadora tornam-se

saberes. Contextualizados com a realidade dos indivíduos, possui significado e sentido. Os

saberes invariavelmente, ao contrário das informações, são encharcados de sentido.

Conforme Paulo Freire (1984) é estranha a preocupação com a memorização dos

conteúdos, o uso de exercícios repetitivos, enquanto é deixada de lado uma educação crítica,

curiosa, libertadora. Continuamos a fazer perguntas desconectadas com a realidade, que não

leva ao saber, à curiosidade e à criticidade.

Na prática problematizadora os educandos vão desenvolvendo o seu poder de captação

de compreensão do mundo em sua relação com ele. Não mais como um mundo estático, mas

em transformação, em “processo de”.

Os educandos se sentirão cada vez mais desafiados quando problematizarem o mundo,

como seres no mundo e com o mundo. E desafiados, compreendem o desafio na própria ação

Page 72: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

71

de captá-lo, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com

os outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado.

Educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que o

conhecimento é construído junto, e juntamente com o outro podem saber mais.

O educador, no modelo de educação problematizadora, deve estimular a autonomia

dos educandos, demonstrando abertura em ouvir, interesse no educando, respeitando a

liberdade do outro, mostrando que liberdade não é permissividade. Que cada um é

responsável pelo outro e pelo mundo.

Neste sentido, conforme Paulo Freire (1975), a tarefa do educador é a de

problematizar com os educandos o conteúdo que os mediatiza, e não estendê-lo, entregá-lo,

como se o conteúdo se tratasse de algo dado e acabado. Desta forma, os sujeitos envolvidos

no processo educativo são problematizados também. Problematiza-se a relação

educador/educando bem como a relação educando/educador. A educação problematizadora é

uma educação da desnaturalização.

Ninguém problematiza algo ou alguém e permanece como mero espectador da

problematização. Pois na problematização cada passo dado por um dos sujeitos envolvidos

abre caminhos de compreensão para os demais sujeitos. Evidencia-se, assim, o seu caráter

dialógico.

O objeto ou o conteúdo problematizado é readmirado, revisitado pelos sujeitos. É

como se esse objeto recebesse novos feixes de luz, iluminando partes até então obscuras. A

problematização possibilita que um conteúdo seja focalizado por diferentes ângulos, por

diferentes “leituras de mundo”. Como afirma Paulo Freire: “No fundo, em seu processo, a

problematização é a reflexão que alguém exerce sobre um conteúdo, fruto de um ato, sobre o

próprio ato, para agir melhor, com os demais, na realidade.” (FREIRE 1975, p 82)

Segundo Paulo Freire (1987), o que antes não era percebido, ou percebido apenas de

maneira superficial, na educação problematizadora passa a ser compreendido em suas

implicações mais profundas. O objeto cognoscível passa a ser “percebido destacado”. Ou seja,

passam a ser evidenciadas as relações entre os objetos congnoscíveis, a compreensão do todo

e das partes, a relação entre os objetos e os sujeitos do conhecimento, além de questionar-se

quais os interesses estão atrelados ao conhecimento, para quê e para quem serve determinado

conhecimento.

Page 73: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

72

Pensar em uma educação verdadeiramente problematizadora é pensar em um

planejamento coletivo, que passa pela mobilização da sociedade civil, por políticas públicas,

um projeto de estado, e de sociedade, e não apenas de governo. E que os fundamentos da

educação problematizadora sejam prioritariamente desenvolvidos.

E quais os pilares, ou fundamentos, para esse novo modelo de educação? O que é

imprescindível para uma proposta de educação humanizadora, problematizadora e libertadora

nos preceitos freireano? A resposta é conscientização e o diálogo.

4.1 O compromisso da conscientização e a conscientização do compromisso

Na concepção freireana, assim como ninguém educa ninguém e ninguém se educa

sozinho; do mesmo modo, ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sozinho; também,

ninguém conscientiza ninguém e ninguém se conscientiza sozinho. Ou seja, a educação, a

libertação e a conscientização acontecem em comunhão, na relação com o outro. É na

conscientização que os indivíduos compreendem a importância de se comprometerem com a

educação, com a sociedade e com o outro. E é assumindo uma educação conscientizadora que

os indivíduos compreenderão a importância do compromisso. O compromisso e a

conscientização acontecem de forma concomitante e dialógica; um é o caminho e a

conseqüência do outro: a conscientização conduz ao compromisso, e o compromisso leva à

conscientização.

É necessário, segundo Freire (1979), que o educador, assim como qualquer

profissional, assuma um compromisso com a sociedade. O compromisso que é uma apalavra

oca, uma abstração, se não houver a decisão lúcida e profunda de quem assume, se não

acontecer no plano do concreto. Ao nos aproximarmos da natureza do ser que é capaz de se

comprometer, estaremos nos aproximando da essência do ato comprometido.

Se nos interessa analisarmos o compromisso do profissional com a sociedade, temos

que reconhecer que ele, antes de ser profissional, é ser humano, e por isso responsável pela

sua constituição de sujeito. Que significa, comprometer-se com a condição de sujeito do

outro. O homem, não pode estar alheio ao contexto histórico-social, em cujas inter-relações

constrói seu eu.

Page 74: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

73

O homem, não pode fugir do compromisso com o mundo e com os homens, que é

solidariedade com eles para a incessante procura da humanização, e seu compromisso como

profissional é uma dívida social, que assumiu ao fazer-se profissional, pois nas palavras de

Paulo Freire (1979): “Quanto mais me capacito como profissional, quanto mais sistematizo

minhas experiências, quanto mais me utilizo do patrimônio cultural, que patrimônio de todos

e ao qual todos devem servir, mais aumenta minha responsabilidade com os homens.”

(FREIRE, 1979, p. 20)

Conforme Freire (1979), não nos devemos julgar como profissionais “habitantes” de

um mundo estranho; mundo de técnicos e especialistas salvadores dos demais, donos da

verdade, proprietários do saber que devem ser doados aos “ignorantes incapazes”, nos

posicionando messianicamente para salvar os “perdidos” e “desumanos”. Ao procedermos

dessa maneira simplesmente nos enganamos, nos desumanizamos. Isto não tem nada a ver

com o humanismo freireano.

O conhecimento não se estende entre aquele que se julga sabedor até aqueles que se

julgam não saber. O conhecimento se constitui na relação homem-homem e homem- mundo,

aperfeiçoando-se na problematização destas reflexões.

Para Paulo Freire (1979), o compromisso com a humanização do homem implica uma

responsabilidade histórica, não pode ser realizado pela fuga do mundo, pela abstração do

mundo, alienação do mundo, só pode ser efetivada na relação dos homens entre si e com o

mundo. Como afirma Freire:

O compromisso, próprio da existência humana, só existe no engajamento

com a realidade, de cujas as “águas” os homens verdadeiramente

comprometidos ficam “molhados”, ensopados. Somente assim o

compromisso é verdadeiro. Ao experiênciá-lo, num ato que necessariamente

é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem neutros. A

neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete

apenas o medo que se tem de revelar o compromisso. Este medo quase

sempre resulta de um “compromisso” contra os homens, contra sua

humanização, por parte dos que se dizem neutros. (FREIRE, 1979, p. 19)

Os homens, impedidos de refletirem, de atuarem, encontram-se profundamente feridos

em si mesmo, como seres descomprometidos. O compromisso com o mundo deve ser

humanizado para a humanização dos homens, responsabilidade com estes, com a história,

com a humanidade. Comprometer-se com a humanização é assumi-la e humanizar-se também.

Page 75: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

74

Para Paulo Freire (1984) a história das sociedades não se constitui pelo destino. A

sociedade está sendo. Daí a nossa responsabilidade. Se a história fosse determinada não

haveria espaço para opção, para ruptura. A luta social significaria apenas retardar o futuro

inexorável ou ajudá-lo a chegar.

Compreender a história como possibilidade é problematizar o amanhã. E para que ele

se realize é preciso construir mediante a transformação do hoje. Há possibilidades para

diferentes amanhãs. Assumirmo-nos como sujeitos da história nos torna seres da decisão, da

ruptura. Por isso a educação para a conscientização é indispensável.

Freire (1979) identifica que a primeira condição para que um ser possa assumir um ato

comprometido está em ser capaz de agir e refletir. Ser capaz, de atuar, operar, de transformar

a realidade de acordo com finalidades propostas pelo homem, que está relacionada à sua

capacidade de refletir, que o torna um ser da práxis. É necessário que o homem seja capaz de,

estando do mundo, saber-se nele. E ser capaz de intencionar sua consciência para o estar

sendo.

É preciso lembrar que a conscientização não existe fora da “práxis”, sem o ato ação-

reflexão. Pois, esta unidade dialética constitui, de maneira contínua, o modo de ser e de

transformar o mundo que caracteriza os homens.

O compromisso não pode ser um ato passivo, mas práxis – ação e reflexão sobre a

realidade – inserção nela, que implica incondicionalmente um conhecimento da realidade.

Para desenvolver o processo de conscientização, Freire não concebe uma visão limitada,

estreita, fragmentada da realidade. Afirma ser necessário para o profissional:

(...) o constante aperfeiçoamento, de superação do especialismo, que não é o

mesmo de especialidade. O profissional deve ir ampliando seus

conhecimentos em torno do homem, de sua forma de estar sendo no mundo,

substituindo por uma visão crítica a visão ingênua da realidade, deformados

pelos especialismos estreitos. (FREIRE, 1979, p. 21)

Conforme Paulo Freire (1979), é necessário perceber a realidade como totalidade, na

qual se encontram as partes em processo, sendo um equívoco não ver a realidade como

totalidade. Pois: “A percepção parcializada da realidade rouba ao homem a possibilidade de

uma ação autêntica sobre ela.” (FREIRE, 1979, p. 34)

Não é possível um compromisso autêntico se, àquele que se julga comprometido

compreende a realidade como algo dado, estático, imutável. Se, como afirma Freire, “olha e

Page 76: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

75

percebe a realidade enclausurada em departamentos estanques. Se não a vê e não a capta

como uma totalidade, cujas partes se encontram em permanente interação.” ( FREIRE, 1979,

p. 21)

O compromisso jamais será autêntico, não será compromisso profissional, caso a ação

de caráter técnico minimize o homem, reforçando o dilema humanismo-tecnicismo.

Respondendo ao desafio do falso dilema humanismo-tecnicismo. Caso se responda ao desafio

do falso dilema, optando pela técnica, considerando que a perspectiva humanista é uma forma

de retardar as soluções mais urgentes.

Paulo Freire afirma que o erro dessa concepção é tão nocivo quanto o seu contrário,

que vê na tecnologia os males do homem moderno. Não percebem que humanismo e

tecnologia não necessariamente se excluem. Pois,

Se o meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de

sua humanização, de sua libertação, não posso por isso mesmo prescindir da

ciência, nem da tecnologia, com as quais me vou instrumentando para

melhor lutar por esta causa. (FREIRE, 1979, p. 22-23)

Isso não significa que devo reduzir o homem em um simples objeto técnico, a um

autômato manipulável. O que não é aceitável é que técnicos e cientistas, mesmo com boa

vontade, ou boas intenções, se deixem levar pela tentação tecnicista ou cientificista, em nome

do que chamam da “necessidade de não perder tempo”, ou para uma maior produção, em que

verticalmente se substitui os procedimentos empíricos de camponeses por suas técnicas. No

entanto,

ao desconhecer que tanto sua técnica como os procedimentos empíricos dos

camponeses são manifestações culturais e, deste ponto de vista, ambas

válidas, cada qual em sua medida, e que, por isso, não podem ser

mecanicamente substituídos, enganam-se e já não podem comprometer-se.

(FREIRE, 1979, p. 23)

O homem deformado na sua humanidade, não é capaz de ver o homem na sua

totalidade, no seu quefazer-ação-reflexão, que sempre se realiza no mundo e com o mundo.

Pois é mais conveniente ver o outro como recipiente, em que se deposita um saber superior,

técnico-científico, sobre um saber “insignificante”. Nesta compreensão ou ação, Freire

indaga: “onde está seu compromisso verdadeiro com o homem, com sua humanização?”

(FREIRE, 1979, p. 23)

O compromisso que é um ato solidário, não pode reduzir-se em falsa generosidade,

nem tampouco é um ato unilateral, no qual quem se compromete é um sujeito ativo sobre um

Page 77: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

76

ser objeto. Isto seria anular a essência do compromisso e do ser humano. O compromisso é

sempre um ato dialógico solidário em que “ao abraçar aqueles com os quais se compromete,

volta destes para ele, abraçando a todos num único gesto amoroso”. (FREIRE, 1979, p. 19)

Conforme Paulo Freire (1979) a solidariedade é um fundamento essencial do

compromisso, não há compromisso sem solidariedade. Sobre isso o autor enfatiza: “(...) o

verdadeiro compromisso é a solidariedade com aqueles que se encontram convertidos em

‘coisas’” ( FREIRE, 1979, p. 19).

A perspectiva educacional de Paulo Freire busca a construção da solidariedade entre

os homens. O mundo mais solidário. Em que os indivíduos não se percebam como

competidores, adversários, mas como companheiros de construção de uma outra realidade, de

um mundo melhor. Freire diz que:

Eu não consigo imaginar o mundo melhorando se nós não adotarmos,

realmente, o sentimento da solidariedade e não nos tornarmos imediatamente

um grande bloco de solidariedade, se nós não lutarmos pela solidariedade.

(FREIRE, 2008, p. 68)

Paulo Freire (2004) gostava de enfatizar a nossa responsabilidade ética e política em

face do mundo e dos outros. E de como a nossa constituição de ser humano, de sujeito

histórico está relacionado à constituição do outro. “Não posso ser se os outros não são;

sobretudo não posso ser, se proíbo que outros sejam.”( FREIRE, 1984, p. 44)

Conforme Paulo Freire (1987) ninguém pode ser autenticamente, impedindo que os

outros sejam. O “ser mais” que se busca no individualismo, constitui sim, o “ser menos”,

desumanizado, desumanizador.

A educação problematizadora tem a responsabilidade de criar consciências críticas. O

educador deve estimular ao mesmo tempo a curiosidade e a criatividade do educando. Pois,

como questiona Freire: “Como pode uma pessoa ter uma consciência crítica se não é hábil

para criar e a recriar?” (FREIRE, 2008, p. 63)

Conforme Paulo Freire (FREIRE, 1980, p. 26), a conscientização implica que

ultrapassemos a dimensão espontânea de apreensão da realidade, para alcançarmos uma

dimensão crítica na qual a realidade se apresenta como objeto cognoscível e na qual o homem

assume uma posição epistemológica.

Percebemos então que a conscientização é compromisso histórico. É uma inserção

crítica na história. Como afirma Freire (1980) “(...) implica que os homens assumam o papel

Page 78: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

77

de sujeitos que fazem e refazem o mundo.” (FREIRE, 1980, p. 26). Exigindo, desta forma,

que os homens criem e recriem sua própria existência.

A conscientização não se caracteriza na separação entre consciência e mundo. Não é o

mundo de um lado e a consciência de outro. A conscientização, ao contrário, é a relação

dialética entre consciência e mundo, criando assim, uma consciência-mundo.

Na conscientização, que conduz à reflexão crítica, os homens esclarecerão as

dimensões obscuras que resultam de sua aproximação com o mundo. No entanto, a criação de

uma nova realidade, não pode esgotar o processo de conscientização. Pois, a nova realidade

deve tornar-se objeto de uma nova reflexão crítica, sendo assim, a conscientização é um

processo inesgotável, tendo em vista que o mundo não é estático, e sim, dinâmico.

A conscientização é sempre um processo, um projeto inacabado, inesgotável, assim

como os homens e o mundo; é um eterno devir, um quefazer permanente, uma transformação

contínua. Com uma atitude crítica dos homens na história, a conscientização não se findará

jamais.

É necessária uma educação que traga à consciência o processo que produziu a

sociedade e o mundo em que vivemos. E consequentemente, é imprescindível uma educação

que mostre que outro processo é possível. Ou seja, que é possível outra sociedade, um outro

mundo.

Segundo Paulo Freire (1980), a conscientização nos convida a assumir uma posição

utópica frente ao mundo. Utopia, que para o autor, não significa sonho irrealizável,

impossível, e sim, ato de denunciar a estrutura desumanizante e anunciar a essência humana e

os caminhos para a constituição do sujeito. Por esta razão a utopia é também um compromisso

histórico.

A utopia exige criticidade, e não representa uma postura ingênua frente à realidade.

Não podemos denunciar a estrutura desumanizante e anunciar uma possibilidade nova,

humana, sem a conscientização. É necessário termos consciência de nossas possibilidades, de

nossas potencialidades, e dos sonhos possíveis.

Quanto mais conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para ser

anunciadores e denunciadores do mundo. A conscientização permite a transformação

permanente da realidade para a liberdade dos homens.

Page 79: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

78

Na concepção de Paulo Freire (1980) é o olhar mais crítico sobre a realidade que

permite compreender e identificar os elementos que ajudam a manter a estrutura opressora e

desumanizante. Segundo Paulo Freire: “Para realizar a humanização que supõe a eliminação

da opressão desumanizante, é absolutamente necessário transcender as situações-limite nas

quais os homens são reduzidos ao estado de coisas”. (FREIRE, 1980, p. 30)

Na perspectiva educacional aqui proposta, em que conscientização é um dos pilares,

Freire afirma que os alunos mais do que receber informações a respeito de determinados

assuntos, precisam analisar, ou receber subsídios para analisar sua própria experiência

existencial. Os homens quanto mais refletirem de maneira crítica sobre a sua existência, e

mais atuarem sobre ela, mais se constituirão como homens, mais se constituirão como sujeitos

históricos.

Paulo Freire (1980) lembra que a conscientização, pressupõe a autonomia dos sujeitos,

tendo em vistas que não podemos pensar em lugar dos outros, para os outros, ou sem os

outros. Só podemos pensar com os outros. Ao mesmo tempo, a conscientização é um

instrumento para a constituição do sujeito autônomo.

A conscientização é o caminho para a mudança. Conforme Gadotti (1979) ao lado da

consciência, a mudança é um “tema gerador”5, na prática teórica de Paulo Freire. Como o

tema da consciência o tema da mudança acompanha todas as suas obras. A mudança de uma

sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais e o papel da educação – da

conscientização – nesse processo de mudança é a preocupação básica da pedagogia de Paulo

Freire.

Segundo Paulo Freire (1980) o educador humanista revolucionário, comprometido

com a educação problematizadora, não pode esperar que a possibilidade de mudança, de

transformação se apresente. O momento propício para a transformação deve ser conquistado,

construído em comunhão com os alunos. Pois segundo o educador:

Desde o começo, seus esforços devem corresponder o dos alunos para

comprometer-se num pensamento crítico e numa procura da mútua

humanização. Seus esforços devem caminhar junto com uma profunda

confiança nos homens e em seu poder criador. Para obter este resultado deve

colocar-se ao nível dos alunos em suas relações com eles. (FREIRE, 1980, p.

80)

5 Os temas geradores são os temas centrais, colhidos no universo vocabular nos grupos com se trabalha no

processo educativo.

Page 80: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

79

A possibilidade de mudança se dá, principalmente, por não sermos seres determinados,

como nos lembra Paulo Freire. Se os seres humanos fossem puramente determinados e não

seres “programados para aprender”, não havia porque falar em educação para a decisão, para

a liberdade, para a conscientização e para a mudança. E, principalmente, não havia porque

pensar nos educadores e educandos como sujeitos.

Para Paulo Freire (1980), a essência da consciência é ser com o mundo. A consciência

é um “caminho para”. A conscientização conduz aos alunos, por exemplo, que descubram as

razões de suas ações culturais, compreendê-la e enfrentá-la de uma maneira nova. Conduz a

“readimiração” de sua cultura.

O homem dará um passo importante para o seu processo de conscientização ao

descobrir-se como autor do mundo e criador de cultura, perceberá que toda criação humana é

cultura, e que ele, assim como um intelectual, é produtor de cultura; que a estatueta de barro

cozido feita por um artesão é cultura da mesma forma que a obra de um grande escultor,

pintor ou escritor. Ou seja, a conscientização exige necessariamente a consciência de sua

condição de criador de cultura e de história.

A conscientização conduzirá inevitavelmente a consciência política dos sujeitos.

Como sabemos, há uma relação inseparável entre educação e política em Paulo Freire. A

educação, para o autor, é inevitavelmente um ato político. É por meio da educação, diz Freire

(2004), que: “Mulheres e homens continuamos a ser o que Aristóteles disse que éramos:

animais político. Continuamos a ser, assim, aquilo a que nos tornamos: animais políticos”. A

educação, para Paulo Freire, é essencialmente e inexoravelmente uma experiência política,

exatamente como os gregos da antiguidade a consideravam.

Paulo Freire (1975) enfatiza que assim como a educação não é neutra, a

conscientização jamais é neutra. Pois a educação e a conscientização são políticas por

essência. E a política, em hipótese alguma pode se constituir em uma ação neutra. O fazer

político é sempre tomar posição, escolher, deliberar para um lado ou para o outro. Como já

dissemos, mas nunca é demais lembrar, a educação para Paulo Freire é política, ética, estética

e gnosiológica.

Para Paulo Freire (2004) o educador progressista não pode fundamentar sua prática

docente em puras técnicas e conteúdos, deixando de lado, ou em segundo plano, a

Page 81: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

80

compreensão crítica da realidade. Ficar na descrição dos objetos não contribui para uma

educação problematizadora e crítica: conscientizadora. Ao falar de fome, por exemplo:

não posso me contentar defini-lo como ‘urgência de alimentos; grande

apetite; falta do necessário; míngua ou escassez de víveres’. A inteligência

crítica de algo implica a percepção de sua razão de ser. (...) Minha

compreensão da fome não é dicionária: ao reconhecer a significação da

palavra, devo conhecer a razão de ser do fenômeno. (FREIRE, 2004, p. 31)

O quefazer educativo que se limita a falar de algo em vez de desafiar a educação

cognoscitiva dos educandos em torno deste algo, além de neutralizar a capacidade

cognoscitiva deles, permanece na superficialidade dos problemas. Jamais conduzindo os

educandos à conscientização.

A conscientização não deve ater-se apenas à “leitura da palavra”, à “leitura do texto”,

mas também à “leitura do contexto”, à “leitura do mundo”. É a “leitura do mundo” que a

conscientização tem como objetivo central. Como diz Paulo Freire (2004): “ontem como hoje,

jamais aceitei que a prática educativa deve ater-se apenas à “leitura da palavra”, à “leitura do

texto”, mas também à “leitura do contexto” (FREIRE, 2004, p. 30)

O mundo, desta forma, passa a ser mediatizado pelos sujeitos da educação; passa a ser

ação/reflexão transformadora dos homens de que resulta a sua humanização. Em hipótese

alguma a educação problematizadora, fundamentada na conscientização, pode servir à lógica

do mercado. Sobre a educação como uma busca onde processo de ação/reflexão Paulo Freire

afirma que:

Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões: ação e reflexão, de

tal forma solidárias, em uma relação tão radical que, sacrificada, ainda que

em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra

verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja

transformar o mundo. (FREIRE, 1987, p. 44)

A conscientização não é simplesmente treinamento, adestramento, disciplinamento,

destramento; mas é antes de tudo formação. A conscientização é formação. Paulo Freire

(2008) aponta a diferença radical entre formar e simplesmente treinar. Formar é:

algo mais profundo do que simplesmente treinar. Formar é uma necessidade

precisamente para transformar a consciência que temos, aumentar sua

curiosidade intuitiva, que nos caracteriza como seres humanos. Onde há

vida, há curiosidade – inclusive entre as árvores e os outros animais. Mas, no

nosso caso, a curiosidade vai a outros níveis. Do ponto de vista da educação,

uma das questões mais sérias com respeito ao presente imediato e o amanhã

Page 82: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

81

é como formar pessoas de maneira que elas não se percam em meio às

mudanças que a tecnologia vai criando. (FREIRE, 2008, p. 61)

Por meio do treinamento, jamais será possível que o educando alcance o conhecimento

e produza novo conhecimento. Muito menos responda aos desafios apresentados pela

tecnologia, pela exigência de um mundo com mudanças cada vez mais intensas e rápidas.

Assim como a tomada de consciência não se dá nos homens isolados, mas enquanto

travam entre si relações no mundo, também somente aí pode a conscientização instaurar-se. A

conscientização é a inserção crítica de alguém na realidade, não pode ser, em hipótese alguma

individual. Não existe, para Paulo Freire, conscientização que aconteça individualmente. A

conscientização individual é tão absurda quanto um diálogo sem o outro. Se a conscientização

realiza-se por meio da comunicação, percebemos assim, que conscientização e comunicação

são indissociáveis: não há conscientização sem comunicação.

Paulo Freire em seu livro “Extensão e Comunicação” apresenta a diferença destas duas

práxis, afirmando que para a educação como prática da liberdade, a educação

conscientizadora, o imprescindível não é a extensão e sim a comunicação.

O conceito de extensão desenvolvido por Paulo Freire está ligado ao ato de estender,

de doar, em que uma informação é dada, em que uma técnica é doada, e os indivíduos a

recebem de maneira passiva e sem questionamento. Na extensão não há construção de

conhecimento, há apenas uma imposição de conhecimento. Há uma divisão muito clara entre

aquele que estende e aquele que recebe. Entre aquele que sabe e aquele que ignora. Incoerente

com a concepção de educação para a prática da liberdade. Paulo Freire nega o termo extensão

como algo inerente ao fazer educativo.

Já a comunicação é troca, e exige reciprocidade, respeito, humildade, esperança e

amor. Não doa, não estende, não impõe. É a construção conjunta entre os indivíduos

envolvidos. Construção de saberes, de técnicas, de sociedade e de mundo. Para o autor, o

fazer verdadeiramente educativo se encontra na comunicação.

Vale lembrar que para que haja comunicação é necessário introjetar a compreensão

anunciada reiteradas vezes por Paulo Freire de que ninguém sabe tudo, assim como ninguém

ignora tudo. O saber só se realiza quando temos essa consciência. Incondicionalmente,

Page 83: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

82

sabemos algo que o outro não sabe, assim como o outro sabe algo que não sabemos. E juntos,

sabemos mais.

A conscientização para ser efetivada não exige extensão, mas comunicação, a fim de

que o homem se aproprie criticamente da posição que ocupa com os demais no mundo. E a

apropriação crítica nos impulsiona a assumirmos o verdadeiro papel que nos cabe como seres

humanos, que é o de sermos sujeitos da transformação do mundo, humanizando-nos.

Freire apresenta a essência da comunicação: o diálogo. Desenvolvendo o conceito de

dialogicidade. Neste momento, passamos agora para o segundo fundamento da educação

libertadora ou problematizadora.

4.2 O diálogo como fundamento para a educação humanizadora

O diálogo é onde a comunicação acontece de forma plena. É o solo fértil da

conscientização, ao mesmo tempo em que é o fruto da própria conscientização. A prática do

diálogo é denominada por Freire (1987) de dialogicidade.

Enquanto a educação bancária mistifica a realidade insistindo em manter ocultas

certas razões que implicam a maneira como os homens estão sendo no mundo. A educação

problematizadora, comprometida com a libertação, empenha-se na desmitificação. A primeira

nega o diálogo, a segunda é essencialmente dialógica.

O diálogo e a conscientização conduzem à humanização e à constituição do sujeito, e

por isso, não podem ser obtidos por seres semi-humanos. Quando se trata o outro como semi-

humano ambos se desumanizam. Tratar o outro como semi-humano e tratá-lo como coisa,

configurando-se como uma relação de opressão.

Para Paulo Freire (1987) não há educação humanizadora, problematizadora, sem

romper com os esquemas verticais característicos da educação bancária, sem realizar-se como

prática da liberdade, sem superar a contradição educador e educandos. Como seria possível

fazê-lo fora do diálogo?

O diálogo não pode reduzir-se a depositar ideias em outros, não é discussão hostil

entre os homens que não se encontram comprometidos na constituição dos sujeitos e na

Page 84: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

83

transformação do mundo. O diálogo é o encontro no qual a reflexão e a ação, inseparáveis

daqueles que dialogam, orientam-se para o mundo que é preciso transformar e humanizar.

Devemos assumir uma perspectiva realmente dialógica, e não simplesmente mecânica,

na confrontação dos conflitos. O diálogo não pode ser pensado ou praticado como algo

mecânico, em uma espécie de dialética domesticada.

O diálogo é a experiência expressiva que elimina a “cultura do silêncio”. É um

caminho apontado por Paulo Freire para a superação da opressão, da violência, da

intolerância, do individualismo.

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode

nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o

mundo. Existir humanamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado,

por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir dele novo

pronunciar.

Conforme Paulo Freire (1987), o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens

ganham significação enquanto homens. É dizendo a palavra, “pronunciando” o mundo, que os

homens o transformam. Não é no silêncio que os homens se constituem, mas na palavra, no

diálogo, na ação/reflexão. Dizer a palavra é práxis, é transformar o mundo. E não pode ser

privilégio de alguns homens, mas de todos. Por isso, ninguém pode dizer a palavra sozinho,

ou dizê-la para os outros, ou sobre os outros, mas dizê-la com os outros.

Quaisquer que sejam as dificuldades para o diálogo, elas não podem justificar a ação

antidialógica na educação problematizadora-libertadora. A justificativa, por exemplo, de que

para se alcançar o diálogo “perde-se” muito tempo e por isso é mais viável a imposição, é

uma compreensão equivocada. Pois, o diálogo, ou o processo dialógico jamais é perda de

tempo. Toda demora para se concretizar o diálogo não é tempo que se perde, e sim, que se

ganha, o que a instantaneidade do antidiálogo jamais proporciona.

Justificar a não realização do diálogo é insistir num injustificável pessimismo em

relação aos homens e à vida. É cair na prática depositante, anestesiante do espírito crítico.

Não há diálogo onde há invasão, manipulação, dominação, violência e intolerância. O

diálogo é contrário a estas práticas que evidenciam, justamente, a ausência de diálogo.

Page 85: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

84

O que o “educador” antidialógico não quer é correr o risco da aventura dialógica, o

risco da problematização. É mais cômodo se refugiar em monólogos, e não colocar o seu

conhecimento, as suas verdades como problema a ser discutido. Como diz Freire (1975)

“Deleitando-se narcisiticamente com eco de suas ‘palavras’” (FREIRE, 1975, p. 55). Desta

forma minimiza a capacidade crítica do educando.

Paulo Freire (1987) afirma que precisamos desenvolver uma pedagogia da

comunicação com a qual superaremos o desamor do antidiálogo. A educação fundamentada

no antidiálogo, como vimos na definição de educação bancária, mata a capacidade criadora

não só do educando mas também do educador.

O verdadeiro diálogo não pode existir se os que dialogam não se comprometam com o

pensamento crítico. Pensamento que, não concebendo a dicotomia homem-mundo, reconhece

entre eles uma indissociabilidade.

Somente compreendendo o diálogo freireano, podemos compreender uma da suas

assertivas mais conhecidas “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si

mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p.

39). Pois o diálogo na perspectiva freireana é o encontro entre os homens mediatizados pelo

mundo, para anunciá-lo, pronunciá-lo, designá-lo e denunciá-lo. O diálogo é uma necessidade

existencial. Se ao pronunciarem suas palavras, ao chamar o mundo, os homens o

transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu

significado enquanto homens.

O diálogo é este encontro dos homens, intermediados pelo mundo, para anunciá-lo,

pronunciá-lo, denunciá-lo. Portanto, não se esgota na relação eu-tu. Por isso, não é possível o

diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam

aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito. É

imprescindível, portanto, que os que se encontram negados no direito primordial de dizer a

palavra, reconquiste esse direito, impedindo que a relação opressiva, desumanizante continue.

No diálogo se tem a compreensão de que ninguém desvela o mundo ao outro, pois é

necessários que os homens se tornem sujeitos no ato de desvelar. A comunhão conduz a

colaboração, levando a fusão entre os sujeitos envolvidos. Fusão que só se concretiza se a

ação for amorosa, esperançosa, crítica, confiante e humilde, para ser libertadora.

Page 86: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

85

Na teoria antidialógica os indivíduos são objetos sobre o qual incide a ação da

conquista. Já na teoria da ação dialógica os indivíduos são sujeitos a quem cabe conquistar o

mundo. Enquanto a primeira aliena, a segunda transforma o mundo para a liberdade dos

homens. O diálogo não impõe, não maneja, não domestica.

É através do diálogo que se opera a superação que resultará no surgimento de novos

termos e novas práticas, como por exemplo, a relação educador/educando e

educando/educador. O educador e o educando não se dicotomizam no diálogo. O eu e o outro

se fundem; o eu se evidencia no outro, e o outro resplandece em mim

O diálogo é o caminho indispensável tanto para a ordem política, como em todos os

sentidos de nossa existência. Um caminho que conduz concomitante a minha constituição e

do outro enquanto sujeitos. Não há viabilidade para o diálogo se nos fechamos à contribuição

dos outros, ou se nunca reconhecemos essa contribuição e até chegarmos a nos sentir

ofendidos com ela. O sentimento de auto-sufiência é incompatível com o diálogo. Se não nos

percebermos como interdependentes, jamais dialogaremos. Jamais haverá aproximação

existencial na arrogância.

Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é

que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro

com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios

absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais. (FREIRE,

1987, p. 46)

A ação antidialógica implica, como sua primeira característica, na conquista do outro,

o transforma em “coisa”. O eu antidialógico, dominador, transforma o tu dominado, num

mero isto. Já o eu dialógico, pelo contrário, sabe exatamente o tu que o constitui. O eu

constitui o tu, e o tu constitui o eu. O diálogo é comunicação, é colaboração. Na teoria da ação

dialógica não há lugar para a conquista do outro.

O diálogo restaura a existência dos homens que recuperam a visibilidade,

conduzindo-o a perceberem a existência e a visibilidade do outro. No diálogo ninguém

desvela o mundo ao outro, esse desvelamento acontece em comunhão, em cooperação. No

desvelamento em comunhão é preciso que os envolvidos sejam sujeitos de suas ações.

A educação proposta por Paulo Freire, fundamentada na conscientização e no diálogo,

nos conduz à convivência com os diferentes “nós”. Desenvolvendo o respeito e a tolerância,

percebemos assim, a beleza das diferenças. Esse modelo de educação nos possibilitará

Page 87: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

86

compreendermos a importância dos “tus” na construção do “eu”. Reconhecendo que somos

constituídos pelo outro, e que o nosso eu só existe na relação com o tu.

A educação dialógica é então processo de conhecimento, formação política,

manifestação ética, busca da beleza do mundo, capacitação científica e técnica. Ou seja,

prática indispensável aos seres humanos na constituição do sujeito.

Na teoria dialógica da ação não há um sujeito que domina e um objeto dominado. Ao

contrário, há sujeitos que se encontram para a pronúncia e transformação do mundo. Freire

(1996) afirma que ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. O diálogo e a conscientização

conduzem o sujeito à autonomia. Que para Paulo Freire é:

amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data

marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar

centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade,

vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade. (FREIRE, 1996, p. 121)

A dialogicidade possibilita a superação da opressão do sujeito em seu processo de

“pronúncia do mundo”. É um fundamento político-pedagógico de uma educação que valoriza

as relações como processo da constituição humana. É um fundamento humano, encharcado

de inquietação e curiosidade, de respeito mútuo entre os sujeitos. Pressupõe maturidade entre

os envolvidos, aventura incerta e aberta, um encontro entre mundos, entre “leituras de

mundo”.

A educação problematizadora provoca novas compreensões de novos desafios, que

vão surgindo por meio do diálogo, e assim, os sujeitos, vão se reconhecendo como seres

comprometidos, com o outro, e com o mundo.

O diálogo problematizador não depende do conteúdo que vai ser problematizado. Pois,

qualquer conhecimento pode e deve ser problematizado. Por isso, qualquer conteúdo

relacionado a qualquer disciplina deve ser problematizado e exige o diálogo. Não há

conteúdo, que em seu processo de ensino/aprendizagem, prescinda do diálogo. O processo de

ensino/ aprendizagem sem diálogo jamais desembocará em saber. O processo de construção

do saber é sempre dialógico.

Neste sentido, segundo Paulo Freire (1975), o que se pretende com o diálogo, seja em

torno de um conhecimento científico e técnico, seja em torno de um conhecimento

“experiencial”, é a problematização deste conhecimento. Por meio do diálogo se problematiza

Page 88: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

87

o conhecimento, o homem e suas relações com o outro e com o mundo, problematizando a si

mesmo.

O educador problematizador, dialógico, refaz constantemente seu ato cognoscível, na

cognoscibilidade dos educandos. Estes deixam de ser percebidos como recipientes dóceis de

depósitos, e passam a ser investigadores críticos e conscientes. Sendo assim, o educador já

não é apenas o que educa, mas o que, enquanto educa, é educado. Ambos, no diálogo, tornam-

se sujeitos do processo, e crescem juntos. Os argumentos de autoritarismo perdem o sentido,

não encontram espaço no diálogo.

Diante da capacidade criadora de todo ser humano, há a necessidade de atuar sobre a

realidade social para transformá-la, ação que é interação, comunicação e diálogo. Educadores

e educandos libertam-se mutuamente para chegarem a ser, ambos criadores da nova realidade.

Por meio do diálogo educador/educando e educando/educadores estabelecem uma

forma autêntica e solidária de pensar e atuar. Tendo em vista que a educação

problematizadora se realiza no esforço permanente através do qual os homens vão

percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo.

Na perspectiva de Paulo Freire o quefazer do educador é ação e reflexão, o seu

compromisso é com a conscientização, com a libertação, com a humanização, com o diálogo.

O diálogo não é concessão, nem presente. O diálogo é uma condição fundamental para uma

real conscientização, libertação e humanização.

Na dialogicidade, educador/educando e educando/educador vão ambos desenvolvendo

uma crítica que resulta na percepção de que o saber se constrói na interação. Passam a ter

consciência de que o mundo reflete o diálogo, que o diálogo reflete no mundo, e de que é no

diálogo que um novo mundo é produzido.

O diálogo é uma exigência existencial, é o encontro em que se solidarizam o refletir e

o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado. Por isso, não

pode ser reduzido ao ato de depositar ideias de um sujeito no outro, e nem se configurar como

simples troca de ideias.

O diálogo não é imposição de verdades, ou discussão agressiva entre os sujeitos

disputando quem é o detentor da razão. Não é estratégia de um sujeito para conquistar,

dominar o(s) outro(s). É o encontro dos homens, é um ato de criação, é a conquista do mundo

para a libertação dos homens.

Page 89: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

88

A dialogicidade, conforme Paulo Freire (2004), é uma exigência da natureza humana e

também uma necessidade da opção democrática. É imprescindível para uma sociedade seja

verdadeiramente democrática, com igualdade de direitos e de oportunidades. Conforme o

educador brasileiro, precisamos de uma prática educativa exemplarmente democrática, que

encharque a cidade de democracia com práticas democráticas em escolas públicas e privadas,

universidades, escolas técnicas, sindicatos etc. O autor entende que democracia e cidadania se

aprendem por meio da vivência e da experiência. Vivenciando e praticando a democracia e a

cidadania na cidade, na escola, no bairro etc.

Não há comunicação sem dialogicidade, a comunicação dialógica é vida e geradora de

mais-vida. A relação dialógica é comunicação e intercomunicação entre sujeitos refratários à

burocratização da mente, abre a possibilidade de conhecer e de viver. Sendo assim, o anti-

diálogo autoritário além de contradizer a democracia ofende a natureza do ser humano.

O diálogo não é eliminação das diferenças, pelo contrário, o diálogo é um instrumento

de convivência com os diferentes de nós. A dialogicidade exige respeito à diferença, é o

caminho para a tolerância entre os diferentes. E é impraticável se compreendo a diferença

como inferioridade. Não há diálogo se nos percebemos como pertencentes a uma comunidade

de homens “puros”, donos da verdade e do saber, em que os diferentes são tratados como

“ignorantes”, “inferiores” e “coitadinhos”.

Segundo Paulo Freire (2013) há uma forte tendência nossa que nos impulsiona no

sentido de percebermos o diferente como inferior. Partimos do pressuposto de que a nossa

forma de estar sendo não é apenas boa, mas é melhor do que a dos outros diferentes de nós.

Para Paulo Freire:

O que a tolerância autêntica demanda de mim é que respeite o diferente, seus

sonhos, suas ideias, suas opções, seus gostos, que não o negue só porque é

diferente. O que a tolerância legítima termina por me ensinar é que, na sua

experiência, aprendo com o diferente. (FREIRE, 2013, p. 26)

Segundo Freire (2004) a luta contra a intolerância, a opressão, a exclusão e a violência

só terá êxito se realizarmos a unidade na diversidade. Unidade humana na diversidade

cultural. Será necessário desenvolvermos uma educação que experimente a força e o valor da

unidade na diversidade.

Page 90: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

89

Outra condição essencial para concretização do diálogo, apontada por Paulo Freire, é a

humildade. Tendo em vista que o diálogo, a pronúncia do mundo com os homens, a criação e

recriação do mundo e dos homens, não pode ser um ato arrogante. O reconhecimento de que

ninguém sabe tudo e que ninguém desconsidera tudo é um passo importante para o diálogo.

Paulo Freire indaga: “Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se vejo sempre no

outro, nunca em mim?” (FREIRE, 1987, p. 46)

Segundo Paulo Freire (1980) o diálogo não pode existir sem humildade. Sem o diálogo

o mundo não pode ser designado, construído e reconstruído, a humanidade não pode ser

restituída, e os sujeitos não podem ser autônomos. O diálogo para ser efetivado pressupõe

humildade.

Também não posso dialogar se não espero nada do outro, se o outro não desperta em

mim a esperança. A esperança é uma condição para o diálogo. O diálogo, também, não pode

ser concebido sem esperança. Pois a esperança está na raiz da inconclusão dos homens, que os

conduz à busca permanente e só pode efetivar-se na comunhão. Como encontro dos homens

que pretendem ser mais lucidamente humanos, o diálogo não pode praticar-se num clima

carregado de desesperança. Se aqueles que pretendem dialogar, não esperam nada de seus

esforços, esse encontro será vazio, estéril, burocrático, cansativo.

É necessário, para que exista diálogo, uma fé intensa nos homens, fé em seu poder de

fazer e refazer, de criar e recriar, em sua vocação em ser mais humano. Vocação que não é

privilégio de alguns, mas uma condição inerente a todos os homens. Fé na sua vocação de ser

mais, que não significa uma ingenuidade, mas acreditar na capacidade humana. Freire (1980)

diz que:

A fé no homem é uma exigência primordial para o diálogo; “o homem do

diálogo” crê nos outros homens, mesmo antes de encontrar-se frente a frente

com eles. Sem dúvida, sua fé não é ingênua. “O homem do diálogo” é critico

e sabe que embora tenha o poder de criar e de transformar tudo, numa

situação completa de alienação, pode-se impedir os homens de fazer uso

deste poder. (FREIRE, 1980, p. 83-84)

Conforme Paulo Freire (1987) a fé nos homens é um dado a priori do diálogo, existe

antes que o diálogo se instale. O homem dialógico possui fé nos homens antes mesmo de

encontrar-se com eles. Isto não se configura ingenuidade, apenas certeza de que o homem

Page 91: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

90

pode transformar, mudar, criar, inventar etc. Não acreditar na capacidade ou na potencialidade

humana é que é uma grande ingenuidade ou ignorância.

O diálogo é o encontro amoroso dos homes que, mediatizados pelo mundo, o

“anunciam” e o “pronunciam”, ou seja, transformam-se transformando o mundo e assim

humanizam-se.

Ser dialógico é ser comprometido com a humanidade, é antes de tudo, vivenciar o

diálogo. É empenhar-se para um novo mundo, abrindo mão do poder que manipula, invade,

oprime e violenta. O diálogo é, conforme Freire (1975): “o encontro amoroso dos homens que

mediatizados pelo mundo ‘pronunciam’, isto é, o transformam, e, transformando-o, o

humanizam para a humanização de todos”. (FREIRE, 1975, p. 28)

Conforme Paulo Freire (1980), o diálogo não pode existir sem um profundo e

verdadeiro amor pelo mundo e pelos homens. Pois designar o mundo, que é um ato de criação

e recriação, é impossível sem estar impregnado de amor. Sobre a relação amor e diálogo,

Paulo Freire comenta que:

O amor é ao mesmo tempo o fundamento do diálogo e o próprio diálogo.

Este deve necessariamente unir sujeitos responsáveis e não pode existir

numa relação de dominação. A dominação revela um amor patológico:

sadismo no dominador, masoquismo no dominado. Porque o amor é um ato

de valor, não de medo, ele é compromisso para com os homens. (FREIRE,

1980, p.83)

Para Paulo Freire (1987) é inexistente o diálogo se não há um profundo amor ao

mundo e aos homens. “Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e

recriação, se não há amor que o infunda.” (FREIRE, 1987, p. 45) O amor é um fundamento do

diálogo, e não pode existir na relação de dominação. Pois conforme Freire (1987) na

dominação:

(...) o que há é patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo

nos dominados. Amor não, porque é um ato de coragem, nunca de medo, o

amor é compromisso com os homens. Onde quer que estejam estes,

oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa

de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico.

(FREIRE, 1987, p. 45)

Somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nela

estava proibido. “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens não é

possível o diálogo.” (FREIRE, 1987, p. 45)

Page 92: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

91

Para Paulo Freire (1987) o diálogo é uma relação horizontal de A com B. Surge de

uma matriz crítica e gera criticidade. O diálogo nutre-se do amor, da humildade, da esperança,

da fé e da confiança. Somente chego a ser eu mesmo, quando os demais chegam a ser eles

mesmos.

Segundo Freire (1979), o diálogo é uma relação de empatia na procura de algo. O

diálogo é amoroso, humilde, crítico, esperançoso, confiante e criador. É no diálogo, como

afirma o autor, que nos opomos ao antidiálogo tão estranho a nossa formação histórico-

cultural ao mesmo tempo tão presente. O antidiálogo é desamoroso, não humilde, arrogante: o

antidiálogo não comunica.

O diálogo produz um clima de confiança mútua, que conduz aos que dialogam a

colaborar e se comprometerem com o mundo e com os homens. O diálogo seria contraditório

e paradoxal se não fosse – amoroso, humilde, crítico e esperançoso.

O diálogo freireano só pode se desenvolver fundamentado na humildade, fé, pensar

crítico, solidariedade, esperança e amor. Provocando uma confiança mútua. Esta confiança

inexiste na antidialogicidade da concepção “bancária” da educação. Como diz Paulo Freire

(1987):

Se a fé nos homens é um dado a priori do diálogo, a confiança se instaura

com ele. A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais

companheiros na pronúncia do mundo. Se falha esta confiança, é que

falharam as condições discutidas anteriormente. Um falso amor, uma falsa

humildade, uma debilitada fé nos homens não podem gerar confiança. A

confiança implica no testemunho que um sujeito dá aos outros de suas reais e

concretas intenções. Não pode existir, se a palavra descaracterizada, não

coincide com os atos. Dizer uma coisa e fazer outra, não levando a palavra a

sério, não pode ser estímulo à confiança. (FREIRE, 1987, p. 46)

Paulo Freire (1975) reconhece que toda esta discussão, ou esta proposta de educação

conscientizadora e dialógica, para um tecnicista ou neoliberal, é simples devaneio de idealista,

sonhos inalcançáveis, falta de visão pragmática. Quando na verdade é a essência da educação,

da formação do sujeito autônomo, e da humanização que precisa percorrer as vias da

conscientização e do diálogo para se efetivarem. A educação humanizadora, como prática

da liberdade, é diálogo, é conscientização, na medida em não é transferência de

conhecimento, e sim, construção de saber, é construção de sujeitos, construção de mundo.

Page 93: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

92

CAPÍTULO 5

AS RELAÇÕES SOCIAIS E A EDUCAÇÃO EM HUBERTO MATURANA: UMA

APROXIMAÇÃO COM O PENSAMENTO FREIREANO

5.1 A epistemologia complexa de Humberto Maturana

Neste último capítulo buscarei realizar um diálogo entre a perspectiva de educação

como prática da liberdade, a educação problematizadora e conscientizadora de Paulo Freire,

com a concepção de educação do biólogo Humberto Maturana, fundada em sua Biologia do

Conhecer. Pois, mesmo identificando divergências entre os dois pensadores, percebi que

convergem para uma mesma proposta de sociedade e de educação.

O biólogo chileno Humberto Maturana deixou claro que suas reflexões e

compreensões sobre o humano, o social e a educação se dão a partir da biologia, no estudo da

fenomenologia da percepção como um fenômeno biológico. No entanto, buscou romper as

fronteiras entre as disciplinas. É tributário da perspectiva multidisciplinar e interdisciplinar,

demonstrando que a conexão entre os saberes não pode ficar separada por disciplinas

estanques. O ser vivo, e entre eles o humano, só pode ser compreendido em sua

complexidade. Complexidade entendida como uma forma de pensar religando os saberes que

foram historicamente separados em disciplinas. A complexidade não deve ser pensada como

sinônimo de complicação, mas como redes onde diversas e diferentes dimensões da realidade

são tecidas de maneira processual e conjunta. Como diz Edgard Morin (2005) “complexus”é o

que é tecido junto.

O conjunto das ideias desenvolvidas por Maturana é denominada de Biologia do

Conhecer ou Teoria da autopoiese. Que é, em linhas gerais, uma explicação do que é o viver,

uma explicação do vir-a-ser dos seres vivos no domínio de sua existência e uma reflexão

acerca do conhecer e do conhecimento, por isso, é uma epistemologia e uma reflexão sobre as

relações humanas.

O que Mauturana busca por meio da Biologia do Conhecer é explicar o conhecer

explicando o conhecedor, tomando como ponto de partida a experiência do observador e do

observar.

Page 94: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

93

A teoria da Biologia do conhecer, ou da autopoiese, possui como um dos enunciados

centrais: “Viver é conhecer. Conhecer é viver”. Há uma lógica circular entre sujeito e objeto.

Conforme Maturana (2001) o viver e o conhecer emergem de forma profundamente integrada.

Viver e conhecer são fundamentos vitais: conhecemos porque somos seres vivos, e é por meio

do conhecimento que vivemos. O conhecimento possibilita a interação com o meio e com os

outros indivíduos. Somos seres “programados” para conhecer. O que Paulo Freire também

afirmava no princípio do inacabamento e da curiosidade humana.

Na ótica de Maturana (2001) o sujeito do conhecimento emerge juntamente com o seu

conhecer. Não existe conhecimento sem experiência pessoal, pois ele é um fenômeno do

vivido. O sujeito vive e sobrevive porque produz conhecimento e a si mesmo. Esse é o

princípio da autopoiética, que é a capacidade que os seres vivos têm de produzirem a si

mesmo de maneira constante e permanente. Para o biólogo chileno, os seres vivos são

“máquinas” autopoiéticas.

Os seres vivos possuem como característica organizacional a autopoiese, que está

profundamente relacionada à autonomia. Maturana propõe, por meio de sua teoria,

reinventarmos a nossa própria existência.

Conforme Maturana (2001) o futuro de um ser vivo nunca está determinado em suas

origens. O que o aproxima novamente da perspectiva de Paulo Freire. Os dois compreendem

o ser vivo sempre se constituindo, por isso fizeram uso constante de gerúndios ao referir-se ao

humano: vivendo, sendo, acontecendo, fazendo.

É necessário destacar uma diferença fundamental entre os dois autores. Algumas

características que Paulo Freire aponta como exclusiva do humano, Maturana estende a todo

ser vivo: a emoção e a capacidade de aprender e de se constituir. A Teoria da Biologia do

Conhecer de Maturana amplia a concepção de ser vivo.

O que vai ser peculiar ao humano tanto em Maturana como em Paulo Freire é a

linguagem. Para Maturana o ser humano é constituído pela linguagem, pela conversação. O

autor atribui uma grande importância à linguagem, para ele o fundamento do ser humano,

juntamente com as emoções. A linguagem consiste num operar recorrente, em coordenações

de coordenações de conduta. As palavras são nós nas redes de coordenação de ações, e

revelam não somente o nosso pensar, como também projetam o curso de nosso fazer.

Page 95: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

94

Conforme Maturana (1998) as conversações são constituintes do humano e parte

integrante da construção do conhecimento. É por meio da conversação que o ser humano se

constitui, ao mesmo tempo em que constrói um conhecimento. Conceito que se aproxima

sobremaneira do de dialogicidade de Paulo Freire.

Na teoria da autopoiética a realidade inclui o observador. E ambos, observador e

realidade, vão se constituindo juntos. Na perspectiva de Maturana, assim como em Paulo

Freire, o mundo é construído nessa relação dialética entre sujeito e objeto.

Maturana (2001) considera a cognição um processo inseparável do viver. Sendo assim,

a realidade emerge com a ação do observador. Nesta perspectiva, um dos pontos centrais é

que a realidade não está pronta ou acabada, está em permanente construção, um devir eterno,

juntamente com o ser que o constitui. As suas reflexões epistemológicas possui como questão

central, “como é que conhecemos?” Ao invés do tradicional, “o que é o conhecer?” A

construção do conhecimento, para o autor, não diz respeito simplesmente a razão, mas

também à emoção. A sua proposta epistemológica busca romper com os dualismos razão x

emoção, objetividade x subjetividade etc.

Maturana (1998) distingue duas atitudes a respeito da realidade do observador e sua

capacidade de conhecer. São duas perspectivas de reflexão, dois caminhos de relações

humanas: a objetividade-sem-parentêses e a objetividade-com-parênteses.

A objetividade-sem-parênteses significa que na relação do observador com o

observado, do sujeito com o objeto, a observação, a percepção independe do observador. Que

a validade da verdade não depende do observador e sim do objeto observado. Que a

percepção do objeto independe do sujeito. Na objetividade-sem-parênteses a realidade

independe daquele que observa.

No caminho explicativo da objetividade-sem-parênteses o observador atua como se

aquilo que distingue preexistisse à sua distinção. Nesta perspectiva, a explicação é legitimada

em função de sua referência a algo que é independente do sujeito. Isso acontece quando

afirmamos que algo é válido porque é objetivo. Quando falo, por exemplo, “não sou eu quem

estou dizendo, são os dados”. Como se os dados não fossem interpretados por um ser humano

cheio de subjetividade. Assim, compreende-se que a realidade é transcendente e que a

universalidade e a legitimidade do conhecimento se funda na objetividade.

Page 96: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

95

Na objetividade-sem-parênteses, as relações humanas não ocorrem na aceitação

mútua. Todo ato de negação do outro é legitimado e justificado neste caminho explicativo. É

isso que ocorre nas guerras religiosas, étnicas etc. A complexidade do conflito tão antigo

como atual entre Israel e Palestina, por exemplo, está permeada pela objetividade-sem-

parênteses: cada um compreende o outro como equivocado e a si como legítimo.

Na perspectiva do caminho explicativo da objetividade-sem-parênteses nunca nos

responsabilizamos pela negação do outro. A culpa é sempre do outro, ou da realidade. Se

agredirmos alguém no trânsito foi porque ele me fechou, ou porque a vida nos dias de hoje é

muito “estressante”. Assim, somos sempre vítimas da realidade. Maturana (1998) destaca,

no entanto, que o fato de não possuirmos uma realidade objetiva em si, não significa que não

podemos construir juntos critérios de ação.

Já na objetividade-entre-parênteses os indivíduos se compreendem como construtores

da realidade e dos objetos que observam. Com isso Maturana não quer dizer que não existam

objetos, nem que não se possa especificar um certo domínio de referência distinto do

observador. O que ele quer dizer é que

colocando a objetividade entre parênteses, me dou conta de que não posso

pretender que eu tenha a capacidade de fazer referência a uma realidade

independente de mim, e quero me fazer ciente disto na intenção de entender

o que ocorre com os fenômenos sociais do conhecimento e da linguagem,

sem fazer referência a uma realidade independente do observador para

validar meu explicar. (MATURANA, 1998, p. 45)

Na objetividade-entre-parênteses assumimos a nossa responsabilidade, pois

compreendemos que somos sujeitos das percepções e das nossas ações. Reconhecemo-nos

como atores sociais ativos e construtores da realidade. Nesta perspectiva, é sempre a voz do

observador que ecoa quando alguém explica. O observador ao descrever um objeto, descreve

a si mesmo.

No caminho explicativo da objetividade-entre-parênteses privilegia-se a nossa

capacidade de observar, não há verdade absoluta, mas muitas verdades em muitos domínios

distintos. Esta perspectiva é a ideal para a compreensão de educação que estou propondo

fundamentado no pensamento freireano. Tendo em vista que a tolerância e o respeito ao outro

só pode se realizar no caminho da objetividade-entre-parênteses. Pois, não há como conviver

com o outro se considero que ele está errado por conta de sua religião, opção sexual, etnia etc.

Page 97: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

96

A objetividade-entre-parênteses não cria uma dinâmica de negação da convivência. Como diz

Paulo Freire, o ser humano deve perceber o diferente como diferente e não como inferior.

A opressão, a violência e a exclusão justificada na diferença se tornam sem sentido na

objetividade-entre-parênteses, pois, compreende-se que o ponto de vista é a vista de um

ponto, de uma perspectiva. A posição em que me encontro possibilita uma determinada visão,

se mudo de posição muda também a minha percepção. Era esse o significado da dinâmica do

professor John Keating no filme Sociedade dos Poetas Mortos6, quando sugeriu aos seus

alunos que subissem em cima da mesa da sala de aula. Naquele momento, os alunos estavam

tendo uma outra visão diferente da que estavam habituados. O que não significa que a visão

apresentada deva ser tomada como a melhor. O que se deve, no processo educativo, é

possibilitar aos educandos a oportunidade de observarem diferentes perspectivas, e assim,

decidirem qual delas desejam adotar para si. Mas, antes de tudo, compreender a perspectiva

do outro como legítima.

Maturana leva em consideração as capacidades cognitivas do observador, aceitando a

legitimidade de outro mundo, e do outro no mundo. E quando tomamos uma posição o

fazemos de maneira responsável e consciente da legitimidade do outro.

Podemos aproximar o conceito de objetividade-entre-parênteses com o conceito

freireano de leitura do mundo, pois a leitura do mundo é entre outras coisas uma objetividade

subjetivada, é como o indivíduo compreende e percebe a realidade a partir de sua experiência

de vida.

Conforme Paulo Freire (1987) a objetividade e a subjetividade são construídas de

forma dialética, com a dimensão objetiva da própria ideia. Para o autor, é com os conteúdos

concretos da realidade que o ato cognoscente é realizado.

No entanto, percebo que Paulo Freire mesmo dando bastante ênfase à subjetividade na

objetividade, o uso que fez do conceito de ideologia na perspectiva marxiana, que significa

em linhas gerais uma falsa consciência, uma ocultação da realidade, o compromete na

perspectiva de que exista uma realidade verdadeira que precisa ser alcançada, desvelada e

6 O filme Sociedade dos Poetas Mortos narra a história do professor John Keating (Robin Williams) em uma

escola conservadora e ortodoxa, a Academia Welton, fundamentada nos valores: tradição, honra, disciplina e

excelência. Keating busca que seus alunos sonhem e busque seus sonhos, e que aproveitem cada dia de suas

vidas (Carpe Diem).

Page 98: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

97

descoberta. Paulo Freire ao mesmo tempo em que defende o respeito com relação a percepção

da realidade do outro, também fala na necessidade em desvelar as ideologias em que o outro

está inserido. O que não o deslegitima: é a sua compreensão do que denomina realidade.

Com relação ao dualismo emoção x razão, Maturana (1998) defende que as emoções

são fenômenos próprios do reino animal, no qual nós humanos nos encontramos. Retira do

centro, destrona a razão, como o elemento central da constituição do humano. O humano se

constitui no entrelaçamento entre o racional com o emocional.

Conforme Maturana (1998), comumente definimos o homem, o ser humano, pela sua

racionalidade. Apontamos a racionalidade como a principal característica que os diferencia

dos outros seres. No entanto, segundo o autor, essa compreensão nos deixa cegos frente à

emoção humana, que fica desvalorizada, em segundo plano. E quando definimos o homem

apenas, ou principalmente, pela racionalidade, evidencia-se a cultura que desvaloriza as

emoções, que esconde o entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção que constitui o

humano. Maturana diz que todo sistema racional tem um fundamento emocional.

Tendo em vista que acreditamos que o emocional seria uma limitação ao nosso ser

racional. Maturana desconstrói a racionalidade como fundamento transcendental com

validade universal. A racionalidade é basicamente coerências operacionais dos sistemas

argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou justificar nossas ações e

ocultar nossas emoções.

Todas as nossas escolhas ditas racionais estão permeadas de emoções, inclusive nossas

opções políticas. Não é a razão que nos impulsiona a agir, e sim a emoção, afirma o biólogo

chileno. As emoções são disposições que determinam ou especificam domínios de ações. Por

exemplo, as minhas justificativas para a escolha desse objeto de pesquisa, e para a realização

dessa pesquisa, tinham que ser as mais racionais e pragmáticas possíveis. Para isso, eu

precisei construir um discurso argumentativo coerente e lógico, onde ocultavam as emoções

imbricadas nessas justificativas. Mas é claro que estas justificativas estão permeadas de

emoções. Entre elas: o ódio e a raiva contra as injustiças e a desigualdade social; a alteridade

com os que padecem, com os que são violentados, oprimidos, excluídos, impedidos de ser; e

a esperança em um mundo mais justo e menos desigual. Não consigo pensar minhas ações

sem emoções. Meus pensamentos e minhas ações são fundamentalmente emotivos.

Page 99: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

98

Com o anseio e o desejo de diferenciar os homens dos outros animais por meio da

razão, desenvolvemos uma cultura que desvaloriza as emoções. No entanto, somos seres que

vivem na emoção. As emoções não devem ser compreendidas como algo que restringe e

obscurece a razão. Nas palavras de Maturana (1998): “As emoções são dinâmicas corporais

que especificam os domínios de ação em que nos movemos.” (MATURANA, 1998, p. 92)

Na perspectiva defendida pelo biólogo chileno, se queremos entender as ações

humanas, devemos observar e compreender a emoção que o possibilita. Os discursos racionais

por mais perfeitos e impecáveis que sejam são ineficazes para convencer o outro, se o que fala

e o que escuta estão em emoções diferentes.

Maturana (1998) garante que a aceitação apriorística das premissas constituem ao

domínio da emoção e não da razão. Ou seja, a aceitação de uma premissa, de uma ideia, não

se dá por meio da razão, mas por meio da emoção. Se concordo ou discordo de alguma

perspectiva, isso acontece no campo da emoção e não da razão. Todo sistema racional é

emocional.

Sendo assim, na perspectiva desenvolvida por Maturana, as relações humanas

acontecem sempre a partir de uma base emocional que define o âmbito da convivência. E o

autor define o amor como a emoção que funda o social, que possibilita a convivência, o

respeito e a alteridade.

5.2 A sociedade na concepção de Maturana: o amor, a ética e a democracia

Maturana (1998) nos apresenta a necessidade da convivência, da conservação do outro

como conservação de si. E aponta o amor como a emoção necessária e fundante para um

modo de vida na convivência. Para o autor, o amor é:

a emoção que constitui o domínio de ações em que nossas interações

recorrentes com o outro fazem do outro um legítimo outro na convivência.

As interações recorrentes no amor ampliam e estabilizam a convivência; as

interações recorrentes na agressão interferem e rompem a

convivência.(MATURANA, 1998, p. 22-23)

Page 100: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

99

Segundo Maturana (1998) o amor é a emoção fundamental possível a humanização. O

autor argumenta que o amor é a emoção que constitui o domínio de conduta em que se dá a

aceitação do outro como legítimo outro na convivência, e é essa convivência fundamentada e

permeada pelo amor que funda o social. Não há fenômeno social sem a aceitação do outro na

convivência.

Maturana, assim como Paulo Freire nas apresenta uma nova possibilidade de relação

social. Uma utopia? Talvez sim. Mas como afirma Aurora Rabelo (1998) se referindo ao

pensamento de Maturana e que estendo para o de Paulo Freire “uma utopia que finalmente

permite aos seres humanos se reencontrarem consigo próprios reencontrando-se entre si.”

(RABELO, 1998, p. 9)

Freire (1987) afirma que se não amamos o mundo, se não amamos os homens, não é

possível o diálogo. E que é preciso saber amar, saber como podemos fazer-nos mais eficaz e

tornar o amor mais eficaz para que ele seja meio de libertação e não prática de opressão.

Para o educador brasileiro (1979): “O amor é uma tarefa do sujeito. É falso dizer que o

amor não espera retribuições. O amor é uma intercomunicação íntima de duas pessoas que se

respeitam. Cada um tem o outro, como sujeito do seu amor. Não se trata de apropriar-se do

outro.” (FREIRE, 1979ª, p. 15)

Maturana acredita que diferentes emoções significam diferentes domínios de ações.

Isto quer dizer que outras emoções diferentes do amor fundam outras ações e outras relações

humanas.

A palavra amor é usada por Maturana por ser utilizada no cotidiano para nos

referirmos à aceitação do outro ou de algo. O autor (1998) define o amor como “emoção que

constitui as ações de aceitar o outro como um legítimo outro na convivência. Portanto, amar é

abrir um espaço de interações recorrentes com o outro, no qual sua presença é legítima, sem

exigências”. (MATURANA, 1998, p. 67)

Conforme Maturana o amor é uma condição necessária para o desenvolvimento físico,

comportamental, psíquico, social e espiritual da criança, assim como para a conservação da

saúde física, comportamental, psíquica, social e espiritual do adulto. Para o autor nós seres

humanos nos originamos no amor e somos dependentes dele.

Page 101: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

100

Baseado na biologia, segundo Maturana, grande parte das enfermidades humanas têm

a ver com a negação do amor. O amor é um fenômeno biológico cotidiano, e não um

fenômeno biológico eventual ou especial. É um fenômeno biológico cotidiano que negamos

culturalmente criando limites na legitimidade da convivência. A dinâmica de criar consciência

de guerra, na luta com o outro, consiste na negação do amor, dando lugar à indiferença e a

rejeição que permitem a destruição do outro.

O desejo de dominar, de controlar o outro e o mundo é compreendido por Maturana

como uma cegueira relacional frente ao outro e a si mesmo, pois não permite enxergar as

possibilidades de convivência. A noção de controle só será abandonada quando vivenciarmos

a noção de cooperação ou de convivência. Numa situação de enchente, por exemplo, mais

interessante do que modificar o curso do rio, é nos dar conta de que o rio, as montanhas e nós,

formamos um sistema de coexistência que não se pode alterar um sem negar o outro.

O que Maturana defende é que as relações participam de diferentes emoções, e que

estas lhes dão diferentes características que são obscurecidas ou negadas. E que o amor tem a

ver com nossa história biológica, que constitui a aceitação mútua. São as emoções que

definem as ações humanas.

Em suas reflexões sobre a ética, Maturana (1998) relaciona a ética com a emoção do

amor. Afirmando que os discursos racionais sobre os direitos do homem só convencem os que

já estão convencidos. Isso porque o racional opera no âmbito de coerências operacionais

discursivas baseadas num conjunto de premissas fundamentais, aceitas a priori, que o

determinam.

Para Maturana a preocupação ética, como discussão das conseqüências que nossas

ações têm sobre o outro, é um fenômeno que tem a ver com a aceitação do outro e pertence ao

domínio do amor. Ainda conforme o biólogo chileno, a ética não possui um fundamento

racional e sim emocional. Sendo assim, a argumentação racional não serve para vivenciarmos

a dimensão ética. Para vivenciarmos a ética, como convivência legítima com o outro, é

necessário o amor como emoção central.

Desta forma, a ética se constitui na preocupação com o outro, na responsabilidade com

o outro. E isso se realiza no espaço emocional e têm haver com a aceitação. E dependendo da

aceitação ou não do outro como legítimo outro, seremos ou não responsáveis na interação

Page 102: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

101

com ele ou ela. Isso terá conseqüência na importância que daremos as nossas ações com

relação ao outro.

O autor narra uma experiência quando visitava um museu que exibia uma exposição

retratando o sofrimento causado pela bomba atômica em Hiroshima, que ilustra bem a questão

da ética e sua relação com o amor e o respeito ao outro.

Em 1955 eu era estudante na Inglaterra. Visitei, com vários amigos chilenos,

uma exposição de quadros de um pintor japonês sobre a destruição e o

sofrimento gerados pela bomba atômica lançada sobre Hiroshima. Ao sair,

um dos meus amigos disse: “— Que me importa que tenham morrido cem

mil japoneses em Hiroshima, se eu não conhecia nenhum!” Ouvir isto me

deu calafrios e, ao mesmo tempo, me pareceu maravilhoso. Agradeci ao meu

amigo que o tenha dito, porque me fez entender algo fundamental: se não

tenho imaginação para incorporar aqueles japoneses no meu mundo,

aceitando-os como legítimos outros na convivência, não posso preocupar-me

com o que lhes acontece como conseqüência de meus atos. Sua honestidade

era maravilhosa e reveladora, ainda que chocante. (MATURANA, 1998, p.

73)

Esta história nos mostra não apenas a indiferença de seu amigo frente à dor daquele

povo. Mas, sobretudo, que se não nos movemos na emoção que inclui o outro em nosso

mundo, não sentimos o sofrimento do outro: o outro torna-se insignificante.

Maturana nos faz pensar que não é por meio da racionalidade que sentimos a dor e o

sofrimento do outro. O discurso racional não nos sensibiliza, não nos humaniza. Os jovens

que incendiaram o índio Pataxó, os assaltantes que arrastaram o pequeno João Hélio, ou o pai

que jogou a filha de cinco anos do sexto andar de um prédio, não sentiram, não sentem, e não

sentirão a dor do outro por meio do discurso racional. Discursos do tipo “isto não se faz com

um ser humano”, “não se pode atentar contra a integridade física do outro”, “todo ser humano

tem direito à vida”, não sensibiliza ninguém. A sensibilidade é desenvolvida por meio da

vivência do amor, da alteridade, da capacidade de se colocar no lugar do outro. Amar se

aprende amando. E uma educação que prioriza a racionalidade em detrimento das emoções só

pode produzir em larga escala seres insensíveis ao outro. Esse é o processo de desumanização

apontado por Freire e corroborado por Humberto Maturana.

Paulo Freire também compreendia o homem não apenas como ser racional, mas

também emocional. Para o educador brasileiro, o ser humano também é constituído pela

emoção, na dialética razão e emoção. Mas, percebo que Maturana radicaliza essa

compreensão, afirmando que somos seres acima de tudo emocionais, que são as emoções que

conduzem as nossas ações. Paulo Freire coloca essas dimensões em pé de igualdade.

Page 103: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

102

Segundo Maturana, o viver humano se faz no conversar, o que ele denomina de

conversação. O falar é um agir, não há dicotomia entre discurso e prática em Maturana. Todo

discurso é uma prática. A conversação é a prática da conversa. O emocionar da convivência

no discurso, na linguagem, não pode e nem dever ser negado, pois é nele que se realiza o

viver humano. É no emocionar e não na razão que surge tanto o amigo como o inimigo.

O conceito de conversação de Humberto Maturana aproxima-se do conceito de

dialogicidade de Paulo Freire, ambos são fundados no amor, e tem como objetivo comum a

construção de uma convivência democrática.

As conversações constituem e configuram o mundo em que vivemos como um mundo

de ações possíveis de transformação. É um entrelaçamento do emocionar e do linguajar em

que vivemos. Maturana (1998) chega a dizer que nós seres humanos somos o que

conversamos. E que é por meio das conversações que a democracia é constituída. A

conversação, para o autor, é a nossa única forma de viver o mundo em que queremos.

Assim como Paulo Freire, Maturana é um critico do autoritarismo, da opressão, da

negação do outro. Ambos compreendem o sistema democrático como o mais interessante para

o processo de humanização, tendo em vista ser o sistema que exige e desenvolve a

conversação, ou dialogicidade.

Segundo o biólogo chileno (1998) a tarefa de criar uma democracia inicia-se no

espaço da emoção, com o desejo mútuo da criação de um mundo de convivência na

legitimidade do outro. Um mundo sem discriminação e opressão. Tal empreendimento é uma

obra de arte, que não se realiza pela razão.

A democracia é, segundo Maturana (1998), uma obra de arte, um produto do desejo de

convivência. Ou seja, é um produto da emoção e não da razão. Conforme o autor, se não nos

inteirarmos desse detalhe não seremos capazes de viver em democracia, porque lutaremos

para impor uma verdade. Na democracia reside o desejo do fim da pobreza e da exploração.

Para vivermos a democracia é necessário que haja uma “conspiração ontológica”, que

é, para Maturana, uma ação que se conquista ao compartilhar um desejo. Desta forma, quando

os indivíduos entram em um acordo, na conspiração ontológica, não precisam se controlarem

mutuamente, pois se respeitam e compartilham de um mesmo desejo de convivência. A

conspiração ontológica surge no desejo de viver juntos, conferindo-nos a liberdade, porque se

funda na confiança e no respeito mútuo.

Page 104: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

103

A partir do momento em que a conspiração ontológica estiver relacionada com o amor,

na aceitação do outro como legítimo outro na convivência, ela torna-se não uma restrição

autoritária, e sim um convite criativo. Sobre o modelo político ideal às relações sociais,

Maturana (1998) diz que:

O fracasso das ditaduras e dos sistemas totalitários e estadistas, de caráter

socialista ou não, não é um fracasso econômico, mas espiritual. Seu fracasso

é o fracasso do sistema de um projeto ontológico que busca estabelecer uma

ordem social impondo um dever ser que nega o indivíduo como ser social

consciente e responsável por sua participação na construção do mundo que

ele traz consigo em sua convivência com os outros. (MATURANA, 1988, p.

79)

Maturana (1998) compreende que não são os interesses materiais e ideológicos que

unem as pessoas na criação de uma convivência no mútuo respeito. A convivência

democrática surge na aceitação mútua. Ou seja, a aceitação mútua deve preexistir à

convivência democrática.

É necessário realizar a reflexão a partir da sensibilidade de aceitar o outro, e assim

partirmos para um outro mundo de convivência. É necessário construirmos conversações que

nos aproxime do outro e não que nos distancie. É apenas na aceitação do outro como legítimo

outro que se constitui a convivência social da aceitação e não da negação. A tarefa

democrática significa, para Maturana (1998) gerar um

conversar no qual o limite da aceitação seja tão amplo que nos envolva a todos

num projeto comum, como um desejo básico de convivência que é nosso

âmbito de liberdade e nossa referência para nosso agir com responsabilidade

social.(MATURANA, 1998, p. 84)

É na aceitação, no respeito e na confiança mútua que a convivência social se funda.

Maturana insiste que a “constituição biológica humana é a de um ser que vive no cooperar e

no compartir, de modo que a perda da convivência social traz consigo a enfermidade e o

sofrimento. (MATURANA, 1998, p. 97)”

Maturana, assim como Paulo Freire, pensa as relações sociais fundamentadas no amor,

na alteridade, no diálogo, etc. Fundamentos que estão presentes também na proposta de

educação de Maturana.

Page 105: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

104

5.3 A concepção de educação em Humberto Maturana

A pergunta central que Humberto Maturana faz com relação a educação é: o que

queremos da educação? Haja vista que não podemos fazer nenhuma pergunta sobre as práticas

humanas, no que diz respeito ao seu valor, à sua utilidade, ou que se pode delas, se antes não

questionarmos o que queremos da educação. Essa pergunta é primordial tanto em Maturana

como em Paulo Freire. Questionamento que significa em outras palavras: que sociedade

queremos? Que mundo queremos? E, que ser humano queremos? A educação só pode ser

pensada a partir do humano, pois é uma especificidade humana. Falar de educação é

necessariamente falar do ser humano.

Maturana (1998) em suas discussões sobre educação estava pensando sobre que

educação queria para o seu país, o Chile. No entanto, as suas reflexões são tão profundas e

grandiosas, ou seja, pensam o particular e o geral, as partes e o todo, que podem ser ampliadas

para pensarmos que educação queremos para a humanidade. Ou, que fundamentos são

imprescindíveis para a educação e para a humanidade.

Para responder as questões acima, Humberto Maturana recorda a sua vida estudantil

Afirma que estudou para devolver ao seu país o que havia recebido dele. Pois estava

mergulhado num projeto de responsabilidade social, e se sentia responsável e partícipe,

juntamente com seus colegas, da construção de um país. O autor diz que:

Numa ocasião, logo no início dos meus estudos universitários, reunimo-nos

todos os estudantes do primeiro ano para declarar nossas identidades

políticas. Quando isso aconteceu, o que me pareceu sugestivo foi que, na

diversidade de nossas identidades políticas, havia um propósito comum:

devolver ao país o que estávamos recebendo dele. Quer dizer, vivíamos

nosso pertencer a ideologias diversas como diferentes modos de cumprir

com nossa responsabilidade social de devolver ao país o que havíamos

recebido dele, num compromisso explícito ou implícito de realizar a tarefa

fundamental de acabar com a pobreza, com o sofrimento, com as

desigualdades e os abusos. (MATURANA, 1998, p. 12, grifos do autor)

A responsabilidade social apresentada acima por Maturana, aproxima-se do que Paulo

Freire denomina de compromisso profissional. Que é a responsabilidade que todo profissional

possui com a condição de sujeito do outro. Quanto mais o profissional adquire conhecimento,

Page 106: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

105

mais aumenta a sua responsabilidade. Percebemos também na citação acima o que Paulo

Freire denomina de unidade na diversidade, mesmo os jovens se identificando com diferentes

ideologias políticas, havia algum em comum: devolver ao país o que estavam recebendo dele.

Segundo Maturana (1998) o jovem nos dias atuais vive um cruel dilema que é o de

preparar-se para competir no mercado profissional versus o ímpeto de sua empatia social, que

os leva a desejar mudar uma ordem político-cultural geradora de sofrimento e pobreza

material e espiritual.

O biólogo é enfático ao afirmar a incapacidade de conciliação desse dilema, pois

acredita que há uma enorme diferença entre preparar-se para competir no mercado de trabalho

e preparar-se para devolver ao país o que recebeu dele. Trata-se de duas dimensões distintas,

contrárias e incoerentes. Para ilustrar esta incompatibilidade, apresento mais um trecho de sua

experiência estudantil :

Quando eu era estudante, como já disse, desejava retribuir à comunidade o

que dela recebia, sem conflito, porque minha emoção e minha sensibilidade

frente ao outro e meu propósito ou intenção a respeito do país coincidiam.

Mas atualmente essa coincidência entre propósito individual e propósito

social não se dá, porque, no momento em que uma pessoa se torna estudante

para entrar na competição profissional, ela faz de sua vida estudantil um

processo de preparação para participar num âmbito de interações que se

define pela negação do outro, sob o eufemismo: mercado da livre e sadia

competição. A competição não é nem pode ser sadia, porque se constitui na

negação do outro. (MATURANA, 1998, p. 13, grifos do autor)

O que Maturana está discutindo é qual sentido atribuímos a nossa aquisição de

conhecimento. Ou melhor: O que nos impulsiona hoje à busca de conhecimentos? Pois a

aquisição (ou construção) de conhecimento tanto pode ser pensada como o caminho para a

mudança de uma sociedade menos desigual e injusta, quanto percebida, unicamente, como a

possibilidade do indivíduo se tornar mais competitivo, e assim “se dar bem” na vida

profissional. Ou seja: o projeto de vida se distancia do projeto de mundo.

Como esse dilema é resolvido nos dias de hoje? Que projeto os educandos são

motivados a seguir? Neste momento, a perspectiva fatalista neoliberal cai como uma luva.

Pois podemos justificar a tomada de posição no referido dilema com as expressões do tipo

“não podemos fazer nada”, “não podemos mudar o mundo”. É como se disséssemos que não

Page 107: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

106

podemos acrescentar nada ao mundo, a não ser na nossa conta bancária. Isto parece ser o

suficiente. Esse é o nosso grande e principal projeto profissional.

Maturana (1998) afirma que os jovens chilenos cada vez mais vivenciam uma

educação que se configura em um projeto fundado na disputa e na negação mútua, sob o

convite à livre competição. O autor acrescenta que:

Além disso, fala-se de livre competição como se esta fosse um bem

transcendente, válido em si mesmo, e que o mundo todo tem de valorizar

positivamente e respeitar como a uma grande deusa, ou talvez um grande

deus que abre as portas para o bem estar social, ainda que, de fato, negue a

cooperação na convivência, que é o que constitui o social. (MATURANA,

1998, p. 14)

É pertinente lembrar que segundo Maturana (1998) a competição sadia não existe.

Como fenômeno humano, a competição se configura na negação do outro. O autor

exemplifica:

Observem as emoções envolvidas nas competições esportivas. Nelas não

existe a convivência sadia, porque a vitória de um surge da derrota do outro.

O mais grave é que, sob o discurso que valoriza a competição como um bem

social, não se vê a emoção que constitui a práxis do competir, que é a que

constitui as ações que negam o outro. (MATURANA 1998, p. 13)

Vale destacar que a competitividade é um dos principais valores ou fundamentos da

nossa sociedade e da educação nos dias de hoje. Somos educados para competir, mais do que

isso, somos educados para sermos o primeiro. E muitas vezes com o agravante de que os fins

justificam os meios. Ou seja, não importa o como, o que importa é ser o primeiro. E aí

construímos indivíduos e uma sociedade doente, que se degenera, que se autodestrói, que se

elimina. Neste sentido, vivemos em uma espécie de suicídio coletivo.

Ainda conforme Maturana (1998), o fenômeno de competição acontece no âmbito

cultural humano, e implica a contradição e a negação do outro. No âmbito da competição o

importante não é apenas vencer, mas, que o outro não vença. Como diz Maturana (1998): “A

vitória é um fenômeno cultural que se constitui na derrota do outro. A competição se ganha

com o fracasso do outro, e se constitui quando é culturalmente desejável que isso ocorra”

(MATURANA, 1998 p. 21)

Page 108: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

107

Maturana identifica que no Chile a educação se funda na competição. Ou seja, a

competição é um dos valores desenvolvidos e privilegiados na educação chilena. Sobre isso

o autor cometa que.

Se a educação média e superior no Chile se fundam na competição, na

justificativa enganosa de vantagens e privilégios, numa noção de progresso

que afasta os jovens do conhecimento de seu mundo limitando sua

abordagem responsável da comunidade que os sustenta, a educação média e

superior do Chile não serve para o Chile nem para os chilenos.

(MATURANA, 1998, p.33)

É esse um dos principais pilares da sociedade e da educação contemporânea: a

competição, compreendida como propriedade humana. Evidenciada nos termos derrotar,

vencer, conquistar. Assim, podemos fazer o paralelo com os desdobramentos oprimir, separar,

hierarquizar. O outro é, em nossa sociedade extremamente competitiva, percebido como um

adversário, um concorrente que precisa ser derrotado. É a perspectiva do ser o primeiro, do

vencer a qualquer custo. Mas vencer o quê? Em detrimento de quem? É a lógica do mercado

invadindo a subjetividade, a cotidianidade. Há muito que não temos apenas uma economia de

mercado, mas uma sociedade de mercado. Nessa disputa desenfreada e desumana todos saem

perdendo ao final.

Paulo Freire (2011) entende a competição como algo profundamente ideológico. E

nasce de um tipo de sociedade, de um tipo de produção material que é competitiva. “A escola

reproduz essa produção, ao nível agora da cultura e do conhecimento, e fundamenta o ato de

conhecer na competição de conhecer.” (FREIRE, 2011, p. 130)

Na perspectiva de Freire numa sociedade que fosse diferente, que pretendesse ser

diferente, que encarnasse um outro sonho, um sonho em que as relações fossem de

solidariedade e não de competição, necessariamente teríamos uma educação diferente

também. Cabe à escola, conforme Freire, a problematização da sociedade competitiva numa

prática não competitiva.

Ainda segundo Maturana (1998) falamos como se não houvesse outra possibilidade

para um mundo de luta e competição. Como se esse fosse apenas o único caminho na

convivência humana. E o agravante, é que pensamos e agimos como se devêssemos preparar

as crianças e os jovens para essa realidade. Como se o ser humano fosse determinado para a

competição. No entanto, essa compreensão se configura em um grande equívoco.

Page 109: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

108

Maturana distancia-se da perspectiva determinista, pois compreende que o futuro de

um organismo nunca está determinado em sua origem. E é com base nessa compreensão que

considera a educação e o educar. A educação desta forma é um processo contínuo e

ininterrupto que dura toda a vida.

Segundo Maturana (1998) o educar se constitui no processo em que o ser humano

convive com o outro, e nessa convivência se modifica, de modo que sua forma de viver se faz

progressivamente mais congruente com o outro no espaço de convivência. Para o autor o

educar ocorre, portanto, todo o tempo e de maneira recíproca. Novamente percebemos uma

aproximação com a perspectiva de Paulo Freire, em que o homem é compreendido como um

ser inacabado e vai se constituindo a partir de suas relações sociais e históricas, tendo sempre

um espaço de liberdade, de escolha de qual caminho seguir.

Educamos e somos educados no viver com o outro, e para viver com o outro, ou seja,

no mundo de convivência e na convivência com o mundo. Diante disso, Maturana, sem meias

palavras, faz um questionamento central: “Mas que mundo queremos?” (MATURANA, 1998

p. 30). E responde de maneira simples e sem rodeios:

Quero um mundo em que meus filhos cresçam como pessoas que se aceitam

e se respeitam, aceitando e respeitando outros num espaço de convivência

em que os outros os aceitam e respeitam a partir do aceitar-se e respeitar-se a

si mesmos. Num espaço de convivência desse tipo, a negação do outro será

sempre um erro detectável que se pode e se deseja corrigir. Como conseguir

isso? É fácil: vivendo esse espaço de convivência. (MATURANA 1998, p.

30)

Na perspectiva de Maturana a educação deve possibilitar que o educando aprenda a

aceitar-se e a respeitar-se, pois só assim aprenderá a aceitar e a respeitar os outros. Não se

pode aceitar e respeitar o outro sem a aceitação e o respeito por si mesmo, e não há fenômeno

social sem a aceitação do outro como legítimo outro. Assim, deve-se, então, pensar em uma

educação que ao mesmo tempo em que desenvolva uma aceitação e o respeito ao outro,

desenvolva também a aceitação e o respeito por si mesmo. Até porque aceitar e respeitar o

outro e a si são fenômenos de um mesmo processo. Não há a possibilidade de um acontecer

sem o outro.

Além disso, afirma Maturana (1998), uma criança que não se aceita e não se respeita

não tem espaço de reflexão, porque está na contínua negação de si mesma e na busca ansiosa

Page 110: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

109

do que não é e nem pode ser. Pois como é possível um ser humano olhar para si e não se

respeitar e respeitar alguém?

Ainda segundo Maturana (1998), o ser humano não pode aceitar-se e respeitar-se se

está preso em seu saber, porque não aprendeu a pensar o mundo e o seu viver cotidiano. O

que o impossibilita a mudar o mundo. Para o autor, o indivíduo não pode aceitar-se e

respeitar-se se não aprendeu a respeitar seus erros e a tratá-los como oportunidades legítimas

de mudanças. Uma educação para aceitação e o respeito de si mesmo exige que o educador

interaja com os educandos com respeito, num processo que não os negue, prática que exige

inevitavelmente, a aceitação e o respeito do educador consigo mesmo.

Maturana (1998) também aponta a necessidade de que o saber seja adequado ao viver

cotidiano dos indivíduos. Os saberes desenvolvidos no processo educacional precisam ser

contextualizados com o viver dos indivíduos. O que Paulo Freire também sempre defendia: a

relação texto e contexto. Que o texto esteja adequado ao contexto, que os educandos

encontrem sentido no conteúdo em que estejam assimilando. No saber que estejam

produzindo. Maturana identifica também o mesmo drama ou tragédia que Paulo Freire

identifica na educação: a falta de sentido no que estudamos; a falta de relação entre o

conhecimento e a vida dos educandos.

Para Maturana (1998) é necessária uma educação que leve a uma postura reflexiva no

mundo no qual se vive, a aceitação e o respeito por si mesmo e pelos outros sem a premência

da competição. Nas palavras do autor: “Se aprendi a conhecer e a respeitar meu mundo, seja

este o campo, a montanha, a cidade, o bosque ou o mar, e não a negá-lo ou a destruí-lo, e

aprendi a refletir na aceitação e respeito por mim mesmo, posso aprender quaisquer fazeres.”

(MATURANA 1998, p. 77)

Essa reflexividade que Maturana exige na educação, assemelha-se ao que Paulo Freire

denomina de conscientização. Que é em linhas gerais a compreensão dos processos sociais e

histórico dos fenômenos, possibilitando uma mudança de postura frente ao outro e ao mundo.

É o processo pedagógico que busca dar ao ser humano uma oportunidade de descobrir-se

através da reflexão sobre a sua existência.

Para Maurana (1998), se educação não conduz à aceitação e ao respeito de si mesmo e

do outro, se nos convida à exploração do mundo natural e não a nossa coexistência

harmônica, e não leva ao conhecimento de seu mundo no respeito e na reflexão, não serve

Page 111: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

110

para os chilenos nem para o Chile. Eu diria que não serve também para os brasileiros, para os

japoneses, para os franceses, enfim, não serve para nenhum ser humano.

Além de termos uma educação que não trabalha o desenvolvimento do respeito e da

aceitação, ainda, segundo o biólogo chileno, existe a questão da incoerência, ou mais

precisamente, da hipocrisia educacional. Pois os valores e virtudes que são teorizados não são

vivenciados pelos educandos e pela sociedade. Talvez a palavra mais utilizada em nossa

sociedade seja o amor, e talvez seja o sentimento menos expressado e vivenciado.

Segundo Maturana a educação deve conduzir os indivíduos à responsabilidade e à

liberdade dos seres cocriadores do mundo, e de refletirem sobre o mundo e sobre si mesmo,

Para Maturana é necessário reconstituir a comunidade como totalidade, como diz o autor “O

mundo em que vivemos é sempre e a todo momento responsabilidade nossa”. (MATURANA,

1998, p. 97)

Para Maturana (1998), a responsabilidade surge quando nos damos conta se queremos

ou não as conseqüências de nossas ações. O autor, assim como Paulo Freire pensa a liberdade

em relação estreita com a responsabilidade. Como esclarece Maturana

(...) responsabilidade e liberdade surgem na reflexão que expõe nosso pensar

(fazer) no âmbito das emoções a nosso querer ou não querer as

conseqüências de nossas ações, num processo no qual não podemos nos dar

conta de outra coisa a não ser de que o mundo que vivemos depende de

nossos desejos. (MATURANA, p. 65, 1998)

Assim como Paulo Freire, Maturana entende a educação como um caminho, um

instrumento para a liberdade, para a emancipação e autonomia dos indivíduos, mas tudo isso

deve estar relacionado à responsabilidade.

Outro ponto em comum entre os dois pensadores é o respeito ao saber dos educandos.

Compreendem que não podemos desvalorizar os educandos em função daquilo que não

sabem; é necessário valorizar o seu saber; é necessário valorizar o que Paulo Freire denomina

de leitura do mundo dos indivíduos. Essa era uma das bandeiras defendidas por Paulo Freire,

o respeito ao saber dos educandos; o respeito ao saber dos camponeses, dos operários, dos

analfabetos etc. E desta forma, caminhar na direção de um fazer/saber que tenha relação com

seu mundo cotidiano. Desvalorizando a competição, privilegiando a cooperação.

Page 112: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

111

É necessário questionarmos até que ponto as avaliações educacionais, com a

atribuição de notas, não estimulam a competitividade ao invés da cooperação? No processo

educacional as avaliações são justificadas por “medir” o conhecimento dos educandos,

“incentivá-los ao estudo” etc. Mas devemos lembrar que servem também para hierarquizar,

diferenciar, criar um espaço de competição. Neste sentido, a escola me parece extremamente

coerente com os valores da sociedade capitalista neoliberal, representando e reproduzindo de

forma eficaz os seus valores.

Ainda segundo Maturana, aproximando-se das ideias de Paulo Freire, a educação é

ética, e deve buscar o desenvolvimento ético. Para o autor a ética é, “o domínio de nossa

preocupação com as conseqüências que nossas ações têm na vida de outros seres humanos,

pertence ao domínio de aceitação do outro como um legítimo outro na convivência, ou seja,

ao domínio do amor”. (MATURANA, 1998, p. 85). É a partir do amor que o outro adquire

presença em mim.

É necessário lembrar que não é a agressão a emoção fundamental que constitui o

humano. Assim como não é a luta o modo fundamental de relação humana. É o amor, a

coexistência na aceitação do outro como um legítimo outro na convivência, que funda o

humano. E é a colaboração o modo fundamental da relação humana.

O essencial da aproximação entre o pensamento de Paulo Freire e o de Humberto

Maturana é percebermos que ambos pensam e constroem uma teoria da alteridade

fundamentada no amor. Propõem uma educação e uma sociedade em que o amor seja um

fundamento central. Esse seria o caminho para o respeito ao outro, a aceitação do outro como

um legítimo outro, para a não violência, para o fim da opressão, da desumanização.

O amor que está no diálogo, no compromisso e na conscientização em Paulo Freire,

está também na conversação, na ética, na democracia e na a conspiração ontológica de

Humberto Maturana. O amor como a emoção fundamental da humanização para um novo

modelo de educação, uma nova sociedade, um novo mundo.

Percebemos que autonomia e a alteridade são dois princípios fundamentais na

educação proposta por Paulo Freire e Humberto Maturana. Uma autonomia que só se realiza

na relação de alteridade, do respeito ao outro. Autonomia que significa ser ator de sua própria

existência reconhecendo o outro como legítimo outro. Possibilitando e exigindo a autonomia

do outro.

Page 113: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

112

5.4 Paulo Freire e Maturana: um novo paradigma para pensar o humano

Os pensamentos de Paulo Freire e de Humberto Maturana caminham na direção do

que se denomina de paradigma educacional emergente, baseadas nas ideias de interconxeção,

inter-relacionamento, transdisciplinaridade, superação da visão fragmentada do homem e do

mundo e concepção holística do mundo.

Os referidos autores apresentam uma visão questionadora dos processos de

constituição do ser humano e da realidade, da desnaturalização do real e do natural, assim

como trazem a possibilidade da constituição de uma outra realidade. Uma vez que

apresentam a realidade como uma construção social, permitem ao homem repensar seus

valores e, com isso, a criação da realidade, a criação de um outro mundo, uma nova realidade.

O processo educativo surge então como um mecanismo fundamental, pois não pode

mais, neste novo paradigma, apenas adestrar e reproduzir. Diante desta nova concepção é

preciso educar para a autonomia.

Para atingir tais objetivos se torna necessário criar um elo entre a abordagem

sistêmica/holística - que busca a superação da fragmentação do conhecimento - e a abordagem

progressista – que vê o sujeito como um agente da transformação social.

Para a concretização do projeto de educação e de sociedade proposta por Paulo Freire

e Maturana é imprescindível o desenvolvimento de uma abordagem sistêmica/ holística, que

compreende que tudo está ligado a tudo, que a unidade pertence a um todo e que o todo está

na unidade. E o desenvolvimento de uma perspectiva progressista, que compreende que os

homens são construtores da história, superando a perspectiva determinista e fatalista da

mesma. A perspectiva progressista defende mudanças e transformações sociais no sentido de

relações e de uma sociedade mais igualitária, buscando a autonomia dos indivíduos e a

superação da opressão.

Marilda Aparecida Behrens (2006) aponta a importância da abordagem sistêmica e da

abordagem progressista neste processo de reconstrução do mundo e do ser humano. Pois a

abordagem sistêmica possibilita superar a fragmentação do ensino em que professores e

alunos se percebam como seres plenos e capazes de alcançarem novos conhecimentos, além

Page 114: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

113

de levar em consideração as emoções na construção de um projeto de solidariedade que a

perspectiva estritamente analítica já não dá conta. E a abordagem progressista possibilita ao

sujeito compreender-se como um ser que constrói a história, produzindo as relações e o

coletivo. O ser humano torna-se agente transformador da sociedade, buscando assim, relações

horizontais, dialógicas.

Para Maria Cândida Moraes (1996) o grande problema da educação está no modelo de

ciência que prevalece em determinado momento histórico, nas teorias de aprendizagem que o

fundamentam e que influenciam a prática pedagógica. A autora acredita em um diálogo

interativo entre o modelo de ciência, as teorias de aprendizagem utilizadas e as atividades

pedagógicas desenvolvidas. Pois o modelo de ciência explica a relação dos indivíduos com a

natureza, com a própria vida, e na maneira como compreendemos o mundo.

Conforme a autora (1996) a ciência do “passado” produz uma escola morta, dissociada

da realidade, do mundo e da vida. E uma educação sem vida produz seres incapazes de

pensar, de construírem e reconstruírem conhecimentos, de se autoconhecerem, de construírem

sua própria história.

O paradigma tradicional, fundamentado nas descobertas de Galileu, Bacon, Descartes

e Newton, baseava-se no conhecimento “objetivo” obtido pela experimentação controlada,

buscando a verdade, defendendo que a essência do ser estava na razão, na racionalidade,

acreditando que todas as coisas poderiam ser manipuladas e controladas.

Esse paradigma entendia que toda a verdade existia fora do sujeito, dependendo do

conhecimento exterior. Nesse modelo, segundo Moraes (1996), dividir era necessário, o

mundo era entendido como uma máquina perfeita que poderia ser descrita objetivamente,

independente do observador.

A educação passa a ser influenciada por essa perspectiva científica, caracterizando-se

por ser uma prática autoritária, hierárquica, paternalista e dogmática. Exigindo,

principalmente, memorização, repetição, cópia, valorizando o conformismo. A escola,

segundo Moraes (1996):

continua dividindo o conhecimento em assuntos, especialidades,

subespecialidades, centrada no professor e na transmissão do conteúdo que,

em nome da transmissão do conhecimento, continua vendo o indivíduo como

uma tabula rasa, produzindo seres subservientes, obedientes, castrados em

Page 115: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

114

sua capacidade criativa, destituídos de outras formas de expressão e

solidariedade. E uma educação "domesticadora", "bancária", segundo Paulo

Freire, que "deposita" no aluno informações, dados e fatos, onde o professor

é quem detém o saber, a autoridade, que dirige o processo e um modelo a ser

seguido. (MORAES, 1996, p. 59)

Para Moraes (1996), as descobertas relacionadas à Teoria da Relatividade e à Teoria

Quântica colocaram por terra conceitos da visão de mundo cartesiana e da mecânica

newtoniana relacionados à noção de espaço e tempo absolutos. A autora também aponta as

contribuições de Heisenberg com o princípio da incerteza, Bohr com a lei da

complementaridade, e Prigogine com o conceito de “estruturas dissipativas” para esta

revolução paradigmática. Podemos destacar que a teoria destes autores aponta para o mundo

como um todo indiviso, no qual todas as partes do universo se fundem, inclusive o observador

e o objeto observado.

Conforme Moraes (1996) a visão de totalidade, o pensamento sistêmico aplicado em

educação, nos possibilita substituir compartimentação por integração, desarticulação por

articulação, descontinuidade por continuidade.

Ainda segundo a autora (1996) reconhecer o indivíduo como algo indiviso, a

unidualidade cérebro-espírito, razão-emoção, a integração de todo ser, exige o conhecimento

usando as emoções, a razão e a intuição. Permitirá assim, uma visão mais ampla do mundo e

da vida, exigindo a colaboração da educação no sentido de propiciar uma dialética mais

equilibrada entre os pólos, o que possibilitará soluções mais criativas aos problemas que a

afligem. É necessário levar o indivíduo a aprender a aprender que se manifesta na capacidade

de refletir, analisar e tomar consciência do que sabe.

É neste sentido que observo o diálogo entre a teoria de Paulo Freire e Maturana, pois

nos faz pensar o ser humano como um ser indiviso, íntegro, complexo. Alertando-nos que os

saberes fragmentados já não dão conta desse ser. O ser humano, para os autores, é um ser

essencialmente dialógico, que necessita do outro, que se constitui com o outro, que não existe

sem o outro: a eliminação do outro é a destruição do eu.

Paulo Freire e Maturana nos trazem a educação como um ato político, um instrumento

de transformação e de mudança. Por isso, a educação precisa está atrelada a um projeto de

Page 116: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

115

país, de sociedade, de humanidade. Somos convidados a assumir o compromisso para a

construção de um outro mundo.

Conforme Pellanda (2009), Maturana nos permite pensar que o conhecimento não é

algo dado que esteja pronto fora do sujeito, do observador, à espera de ser captado, mas é algo

que emerge no processo de viver do sujeito em sua experiência relacional com o mundo e

consigo mesmo.Ainda segundo a autora, os sujeitos de maneira integrada cognitiva e

subjetivamente vão se constituindo, se autocriando, com isso, vão dando sentido às suas

vidas.

O fato de Maturana ter colocado o amor no centro de sua teoria, é justificado pela sua

aproximação com um paradigma que não aceita cisões, e percebe a realidade de forma

holística. Para Pellanda (2009) sendo o amor um elemento fundamental do humano na

perspectiva de Maturana, faz-se preciso superar o processo cognitivo que privilegia o

pensamento lógico e separa razão e emoção desconsiderando o funcionamento complexo do

humano.

Cabe aos educadores estarem conscientes do lugar do amor na constituição do

humano, e isso não se trata de uma questão trivial, pois o sentido da vida e da educação está

ligado ao amor enquanto força que nos liga ao todo, constituindo a nossa autoafirmação e a

produção da autopoieses. O amor é o elemento que liga os seres humanos numa única

humanidade, e sem esse elemento a humanidade não sobreviverá (Pellanda, 2009)

Entrelaçando os pensamentos de Freire e Maturana, podemos perceber que a educação

atual nos fez perder a noção de nossa relação com o outro, com o todo, com o universo. Os

indivíduos se percebem como seres isolados do mundo, “alienados”, sem responsabilidade e

compromisso com o outro e com o mundo. Tornando-se cada vez mais incapazes de perceber

as conseqüências de nossas ações, muito por conta desse nosso modo fragmentado de pensar.

Conforme Paulo Freire e Humberto Maturana, o processo educativo, assim como todas

as relações humanas precisa está permeado pelo amor. O compromisso, o processo de

conscientização, o diálogo, a conversação, a democracia precisam ser fundamentados no

amor. Sem o amor esses processos não se constituem, e a opressão, a violência e a

desigualdade tornam-se aceitáveis e naturalizadas.

Page 117: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chego ao final desta caminhada tendo convicção de que muito mais poderia ter sido

dito, percebido e sentido; por isso, compreendo, verdadeiramente, que este trabalho é

inconcluso e inacabado.

Mas, do que foi dito, podemos concluir que o pensamento freireano constitui uma

ferramenta importante de análise social, um instrumento que evidencia dimensões

ontológicas, humanas e pedagógicas não muito simples de serem percebidas no dia a dia.

Mais do que discutir se as interpretações de Paulo Freire são corretas, equivocadas,

viáveis etc., concluímos sobre a importância do que Paulo Freire nos faz pensar: pensar na

educação para a autonomia e no mundo que queremos para o agora. As reflexões ora

apresentadas não têm a pretensão de pensar como ele, mas o intuito de pensar com ele.

Mais do que nos ensinar a como resistir, Freire nos alerta para construirmos novas

formas de resistência ao capitalismo atual. Construção que só pode ocorrer em comunhão, por

meio do diálogo.

As palavras de Paulo Freire nos impulsionam a jamais renunciar à luta pelo exercício

de nossa capacidade e de nosso direito de decidir e reinventarmos o mundo. Lembrando

sempre que a história é possibilidade e não determinismo e que somos seres condicionados e

não determinados.

O que Paulo Freire propõe é a formação do sujeito autônomo. Autônomo que não

significa independente, mas, construtor de sua história, sempre com o outro. O sujeito

autônomo é dialógico. O sujeito autônomo é o que Freire denomina de Ser Mais, que é o ser

que desenvolve suas potencialidades de solidariedade, esperança e amor.

A concepção de autonomia em Freire perpassa a dimensão da liberdade, da

emancipação do sujeito ou de uma coletividade, ou seja, pode ser empregada tanto para

representar a situação de pós-colonialismo, de derrubada de um regime autoritário, ditatorial

etc.; como também representa o sujeito que se liberta de preconceitos, de estereótipos, de

paradigmas que o limitavam em sua potencialidade humana.

Page 118: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

117

O humanismo freireano pensa o homem concreto. Penso no homem como fruto de

suas relações, que está sempre se constituindo; um ser inacabado e que se percebe inacabado.

Um ser que se constitui, principalmente, por meio da dialogicidade.

Paulo Freire pensava o humano em sua complexidade, em suas múltiplas dimensões,

jamais sobrecarregado pelo racionalismo científico. Um ser humano que é ao mesmo tempo,

objetivo e subjetivo, razão e emoção, essência e existência. Compreendendo o humano como

um infinito, inesgotável.

A educação humanista de Freire nos possibilita de percebermos a unidade na

diversidade, e a diversidade na unidade.

Não há sujeito ou saber que se constitui isoladamente, a constituição do homem e do

saber é sempre um processo relacional com o outro. Daí a importância do diálogo, como um

meio, um instrumento, um mecanismo de constituição do sujeito e do saber.

Paulo Freire (1987) afirma ser uma violência o fato de os homens, seres históricos e

necessariamente inseridos num movimento de busca, com outros homens, não serem sujeitos

de seu próprio movimento. Ou seja, em qualquer situação em que alguns homens proíbam aos

outros de serem sujeitos de sua busca, configura-se como situação de violência, não importa

que meios sejam usados para esta proibição.

O autor (2009) nos mostra que esta crise em que vivemos se apóia num fatalismo

histórico, e que indica a redução da existência humana e a ética do mercado como a única

possibilidade para o desenvolvimento social e no único meio para atingir a prosperidade.

Segundo Freire (2009) o mercado precisa que, mesmo que as pessoas não acreditem

completamente nos modos de vida que lhe são oferecidos, acreditem que, ou não há

alternativa social melhor, ou não é possível a realidade ser transformada.

Paulo Freire nos lembra que a educação, a ciência e a tecnologia não são neutras,

nunca foram, são práticas permeadas por interesses. Como vimos, os interesses que as

fundamentam são os interesses do mercado, do lucro.

Freire também busca superar a cisão entre uma educação humanista e a tecnológica.

Para o autor as tecnologias não são nem boas nem ruins em si mesmas. A questão é a forma

Page 119: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

118

como as utilizamos. Por isso, ele afirma que a discussão sobre a utilização das tecnologias é

antes de tudo uma questão ética e política.

A educação é um fenômeno que reflete as estruturas culturais, sociais e políticas, no

entanto por meio das relações interpessoais possibilita a transformação dos agentes e das

estruturas. Por isso, não pode ser entendida como uma atividade neutra, mas um território de

mobilização, embates e conflitos.

A educação como prática da liberdade proposta por Paulo Freire não é a transferência

ou a transmissão do saber nem da cultura; não é a extensão de conhecimentos técnicos; não é

o ato de depositar informações ou dados nos educandos; não é a perpetuação dos valores de

uma determinada cultura; não é o esforço de adaptação do educando ao seu meio. A educação

como prática da liberdade é um instrumento para compreender o mundo e em seguida

transformá-lo.

A crítica realizada por Paulo Freire acerca da educação como formação, conformação,

resignação é corroborada por Morin (2008) ao afirmar que o termo ‘formação’ com a

conotação de moldagem e conformação, ignora que a missão do didatismo é encorajar o

autodidatismo, despertando, provocando e favorecendo a autonomia.

A autonomia é vivenciada a partir do momento em que o pensar e o fazer (práxis) se

tornam autônomos, aqui reside a necessidade de se perceber o pensar e o fazer como

indissociáveis. Não é uma dádiva, um presente cedido de um sujeito para outro, a autonomia

é conquistada, construída no dia a dia. A autonomia tem a ver com as decisões que tomamos

cotidianamente. É um eterno devir.

A autonomia só pode se realizar no âmbito da existência, da concepção do ser como

inacabado, inconcluso, em processo de constante aprendizagem. A autonomia só pode ser

pensada no ser que está sempre se constituindo. A concepção do ser humano como um ser

determinado é incoerente com a ideia de autonomia.

Paulo Freire tinha convicção de que as mudanças necessárias para uma educação

melhor, para uma sociedade melhor, para uma humanidade melhor, não aconteceriam de um

dia para o outro. No entanto isso não é justificativa para desistir ou desanimar: “É possível

sim, construirmos um mundo mais solidário, mas para isso a solidariedade precisa ser

Page 120: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

119

construída em nossos corpos, em nossos comportamentos, em nossas convicções.” (FREIRE,

2006, p. 68)

Nesse sentido, a educação é, para Freire (2006), uma chave para exploração do próprio

dilema da existência humana, um fenômeno transcendente, ao mesmo tempo ferramenta e

campo criador, que tanto pode ser usado como esquema de adaptação como exercido como

lócus de maturação pessoal, que implica troca de conhecimentos e constitui-se como dinâmica

social na construção de novos saberes.

A educação proposta por Freire busca desenvolver a condição humana,

desnaturalizando todas as formas de violência, de dominação, de opressão e de

desumanização, que impedem esse desenvolvimento.

A educação é muito mais do que acúmulo de informações. Educar é possibilitar a

compreensão dos processos: dos processos da desigualdade social, da exploração, da opressão

etc. E para que se possibilite a compreensão é preciso contextualizar e integrar. O que

podemos compreender fora de contexto e desintegrado?

É necessária uma educação que nos ajude a viver, ou melhor, a conviver, e contribua

para o pensamento aberto e livre. A autonomia e proposta por Freire passa pela dimensão do

pensamento.

Faz-se urgente uma educação que desenvolva o sujeito em sua complexidade, em sua

totalidade, superando assim o pensamento reducionista, fragmentado, simplificador, que

produz um sujeito fragmentado, que não percebe a relação entre as coisas, a relação dele com

o outro, e com o todo.

Há uma crítica no pensamento de Paulo Freire acerca da hiperespecialização que

fragmenta e compartilha o saber e o sujeito.

O modelo de ensino atual, ao trabalhar com a fragmentação dos saberes e com um

sistema de disciplinas separadas uma das outras, produz o pensamento linear e reduz o

complexo ao simples. Tudo passa a ser simplificado: a educação, a vida, o ser humano. Neste

modelo de educação não é desenvolvida a relação entre estas três dimensões.

Page 121: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

120

Há uma separação entre os diversos saberes e entre os saberes e a realidade dos

educandos, que por isso, não conseguem encontrar sentido neste saberes. É no mínimo

estranho perceber a discrepância entre os saberes e a vida, é por isso que até hoje encontramos

afirmações do tipo “na teoria é uma coisa, e a prática é outra”, pois não se consegue perceber

a relação indissociável entre teoria e prática, que toda prática é constituída por uma teoria, e

que toda teoria advém de uma prática, de uma experiência.

O pensamento que separa o complexo da vida unidimensionaliza o multidimensional.

Limita assim, a possibilidade de reflexão, de criação, pois é apresentado apenas um caminho

verdadeiro a seguir, elimina-se a oportunidade de novas interpretações, de novas

possibilidades de perceber e de ser. Quanto mais o denominado mal-estar da sociedade

contemporânea se agrava, menos estamos preparados para enfrentá-lo e resolvê-lo.

Freire nos faz entender que o saber é muito mais do que conhecimento técnico, é

orientação para a existência humana, para os dilemas do ser. Por isso não pode ser apenas

gerado pela ciência. O autor nos permite aceitar e vivenciar os saberes intuitivos, buscando o

desenvolvimento da sensibilidade. A educação deve possibilitar ao sujeito novas formas de

ver, perceber, sentir e construir a realidade.

A leitura do mundo, como percebemos o mundo e como nos percebemos no mundo, é

imprescindível para uma educação humanizadora e libertadora. Por que compreendemos o

mundo de uma maneira e não de outra é uma questão central para que possamos compreender

como é realizado o processo dessas percepções.

As palavras de Paulo Freire são acima de tudo palavras de esperança em tempos

desesperadores. Palavras de sonhos, de utopia, de possibilidade. Como diz Freire (1992):

Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação

da forma histórico-social de estar sendo de mulheres e homens. Faz parte da

natureza humana que, dentro da história, se acha em permanente processo de

tornar-se. (...) Não há mudança sem sonho como não há sonho sem

esperança. (FREIRE, 1992, p. 91)

A intersecção entre o pensamento de Paulo Freire e de Humberto Maturana evidencia

a dimensão complexa do ser humano, como também, que a educação é sempre um processo

solidário e jamais solitário, que as relações humanas fundadas na competição são destrutivas.

Expõe a necessidade de criarmos um mundo de conversação e de diálogo, do fortalecimento

Page 122: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

121

da democracia nas instituições sociais, como a escola, e nas relações cotidianas, de

eliminarmos a rejeição e a indiferença com o outro, da urgência da aceitação e

responsabilidade com o outro, e da construção de relações fundamentadas no amor.

O que Paulo Freire e Maturana buscam é o fortalecimento de um modelo de

democracia que se realizaria em todos os espaços: na escola, na família, no trabalho etc.

Fundamentada na igualdade, na justiça e no respeito ao outro.

Podemos, desta forma, concluir que tanto Paulo Freire como Maturana estão

propondo um giro ontológico-epistemológico. Uma nova maneira de configurar o

pensamento; uma outra relação entre observador e objeto observado; uma outra concepção de

realidade, não como algo dado e acabado, mas construída pelo sujeito, em que tudo que é dito

é dito por meio de uma relação dialógica entre observador/observado, onde os fatos jamais

falam por si só. E um ser humano sempre se constituindo com o outro, uma produção em

comunhão. Reconhecer a importância do outro é um dos principais objetivos da pensamento

de Paulo Freire e de Maturana.

Os autores nos alertam também que se o mundo é criado por nós, somos assim,

responsáveis por ele.

O aparente pessimismo com esse mal-estar contemporâneo é contrastado com a

esperança em uma outra sociedade, um outro mundo, um outro ser humano. Reitero, que o

processo de mudança não se trata de receitas, fórmulas mágicas, mas de um ardoroso trabalho

em comunhão, como Paulo Freire insistentemente afirmava “a mudança é difícil, mas é

possível”. Os males dos dias atuais nos apresentam basicamente três caminhos: o caminho da

resignação; do desespero; e o da esperança. Esperança que em Paulo Freire significa agir,

práxis, preparar hoje o amanhã.

O presente trabalho aponta para a necessidade de uma educação que não fragmente os

saberes e os sujeitos, mas, que religue os saberes e desenvolva o ser humano em sua

plenitude, desenvolvendo as dimensões ética, estética e política do ser humano. Que

possibilite ao ser humano perceber e vivenciar não apenas a parte prosaica, mas também a

dimensão poética da vida. Uma educação que contextualize os conhecimentos com a realidade

dos educandos. Que nos permita perceber a realidade em sua complexidade. Uma educação

que não apenas privilegie a racionalidade, mas que reconheça a importância das emoções,

Page 123: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

122

reconhecendo que o conhecimento também é concebido pela sensibilidade. Que modifique a

compreensão de diferença como sinônimo de inferioridade. Ensine-nos a respeitar, os rios, o

ar, as árvores, os outros animais etc. Possibilite-nos a compreensão do hoje e a esperança no

amanhã. Que nos faça perceber e não aceitar a opressão, a violência e a desigualdade social.

O desenvolvimento deste trabalho me fez perceber, que precisamos não apenas de um

novo caminho para alcançarmos uma outra humanidade, um outra sociedade, uma outra

educação, mas, parafraseando com os versos de Thiago de Mello (2003), precisamos,

principalmente, de um jeito novo de caminhar.

Page 124: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

123

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Alegria de ensinar. 3 ed. Ars Poética Editora LTDA, 1994

ANDRADE, Carlos Drummond. O avesso das coisas. Rio de Janeiro: Record, 1978

APPLE, Michael W. O que os pós-modernistas esquecem: capital cultural e conhecimento

oficial. In.: Neoliberalismo Qualidade Total e Educação. (org.) Pablo Gentilli e Tomaz

Tadeu da Silva. 10 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

APLLE, Michael. Para além da lógica do mercado. DP&A Editora, 2005.

BARRETO, Veras. Paulo Freire para educadores .São Paulo: Arte & Ciência, 1998.

BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

BEHRENS, Marilda Aparecida. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos,

contratos didáticos e portfólios. Petrópolis: Vozes, 2006.

CALADO, Alder Júlio Ferreira. Paulo Freire: sua visão de mundo, de homem e de

sociedade/Alder Júlio Ferreira Calado. Caruaru: FAFICA 2001.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis: Editora Vozes,

1998.

CHARLES, Sébastien. O individualismo paradoxal: introdução ao pensamento de Gilles

Lipovetsky. In.: Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

ENGUITA, Mariano. O discurso da qualidade e a qualidade do discurso. In.: Neoliberalismo

Qualidade Total e Educação. (org.) Pablo Gentilli e Tomaz Tadeu da Silva. 10 ed.

Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade, 19 ed,, Rio: Paz e Terra, 1969.

_____________. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

Page 125: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

124

_____________. Conscientização: teoria e prática da libertação uma introdução ao

pensamento de Paulo Freire. 3° Ed. São Paulo: Moraes, 1980.

_____________. Ação Cultural Para a Liberdade. 5 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

_____________. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

_____________. Pedagogia do Oprimido. 1987. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1987.

_____________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São

Paulo: Paz e terra, 1996

_____________. O livro da profecia: O Brasil no terceiro milênio. Brasília, Coleção Senado,

v.1, 1997.

_____________. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:

Editora Unesp, 2000

_____________. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido.

11° Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003

_____________. À Sombra desta Mangueira. São Paulo: Olho d’Água, 2004.

_____________. Reforma Agrária, transformação cultural e o papel do agrônomo educador.

In.: Paulo Freire Vida e Obra (org.) Ana Inês Sousa. Expressão Popular, 2010.

_____________. Pedagogia da Solidariedade: América Latina e educação popular. (Org.)

Nita Freire e Walter Ferreira de Oliveira. Indaiatuba, SP: Villa das Letras, 2009.

_____________. Partir da infância: diálogos sobre educação.

FREIRE, Paulo; GUMARÃES, Sérgio. Professora sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar.

Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2012.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. Editora Cortez, 1995.

Page 126: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

125

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e formação humana: ajuste neoconservador e alternativa

democrática. In.: Neoliberalismo Qualidade Total e Educação. (org.) Pablo Gentilli e

Tomaz Tadeu da Silva. 10 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

FROMM, E. Ter ou ser?. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

GENTILI, Pablo. O discurso da “qualidade” como nova retórica conservadora no campo

educacional. In.: Neoliberalismo Qualidade Total e Educação. (org.) Pablo Gentilli e

Tomaz Tadeu da Silva. 10 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

GENTILI, Pablo. Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis:

Editora Vozes, 2007.

GOLDENBERG, Mirian. A arte de Pesquisar: Como fazer pesquisa qualitativa em Ciências

Sociais. 9 ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.

GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis:

Vozes, 1986.

GUATARI, Félix. Os novos mundos do capitalismo. Folha de São Paulo, São Paulo, 1988.

IANNI, Octavio. A metáfora da viagem. In: Enigmas da modernidade mundo. 3 ed. Rio de

Janeiro: Civilização Brasiliense, 2003.

LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo.

São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

MARX, K; ENGELS, F. A ideologia Alemã. São Paulo: Moraes, 1984.

MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004

MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política Belo

Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

MATURANA, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização e tradução

Cristina Magro, Victor Paredes. - Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001,

Page 127: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

126

MELLO, Thiago de. Faz escuro mas eu canto: porque a manhã vai chegar. Rio de Janeiro:

Bertrand Brasil, 2003.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa

emsaúde. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/Abrasco, 1992.

MORAES, Maria Cândida. O PARADIGMA EDUCACIONAL EMERGENTE: implicações

na formação do professor e nas práticas pedagógicas. In.: Em Aberto, Brasília, ano 16. n.70,

abr./jun. 1996.

MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários para a educação do futuro. 2° Ed. São Paulo:

Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

MORIN, Edgard. Educar na era planetária: O pensamento complexo como Método de

aprendizagem no erro e na incerteza humana. São Paulo: Cortez editora, 2003

MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2005.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma e reformar o pensamento. 14º

edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008

MORIN, Edgar. Rumo ao abismo?: ensaio sobre o destino da humanidade. Rio de Janeiro:

Bertrand Brasil, 2011.

MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.

LIBÂNEO, José Carlos & OLIVEIRA, João Ferreira de. A Educação Escolar: sociedade

contemporânea. In: Revista Fragmentos de Cultura, v. 8, n.3, p.597-612, Goiânia: IFITEG,

1998.

OLIVERIRA, Maria Auxiliadora Monteiro. Escola ou empresa?. Petrópolis: Editora Vozes,

1998.

PELLANDA, Nize Maria Campos Pellanda. Maturana e a Educação. Belo Horizonte:

Autêntica Editora, 2009. (Coleção Pensadores & Educação)

PIMENTEL. Maria Aparecida Macedo. Scientia FAER, Olímpia - SP, Ano 1, Volume 1, 2º

Semestre. 2009

Page 128: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

127

QUINTANA, Mario. Para viver com poesia. Seleção e organização: Márcio Vassalo. 2 ed.

São Paulo: Globo, 2010.

RABELO, Aurora. Prefácio. In.: Emoções e linguagem na educação e na política Belo

Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

SCHWENDLER, Sônia Fátima. Ação cultural para a liberdade: um encontro com a pedagogia

da indignação. In.: Paulo Freire: vida e obra. Ana Inês Sousa. Expressão Popular, 2010.

SCOCUGLIA, Afonso Celso A História das Idéias de Paulo Freire e a atual crise de

paradigmas. João Pessoa: Ed. Universitária / UFPB, 1999 (2ª edição).

SCHNORR, Giselle Moura. Pedagogia do Oprimido. In: Paulo Freire: vida e obra. (org)

Ana Inês Sousa. Expressão Popular, 2010.

SÉBASTIEN, Charles. O individualismo paradoxal: introdução ao pensamento de Gilles

Lipovetsky. In.: LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora

Barcarolla, 2004.

SILVA, Tomaz Tadeu. A nova direita e as transformações na pedagogia e na política da

pedagogia. In.: Neoliberalismo, Qualidade Total e Educação. (org.) Pablo Gentilli e Tomaz

Tadeu da Silva. 10 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

TEIXEIRA, Francisco José Soares. O neoliberalismo em debate. In.: Teixeira, Francisco José

Soares e Oliveira, Maria Auxiliadora de. (org.) Neoliberalismo e Reestruturação

Produtiva: as novas determinações do mundo do trabalho. 2 ed. Fortaleza/São Paulo:

UECE/Cortez, 1998.VAZ, H. C. L. Antropologia Filosófica I. 4 ed. São Paulo: Edições

Loyola, 1998.

VIANA, Nildo. Neoliberalismo: afinal o que é? In.: Sociologia ciência e vida. Ano I, número

I. São Paulo: Editora Escala.

VIVERET, Patrick. O que faremos com a nossa vida? In: Como viver em crise? Edgar

Morin e Patrick Viveret. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013

YAMASAKI, Alice Akemi. Violências no contexto escolar: um olhar freiriano. Tese

doutorado apresentada à Faculdade de Educação. FEUSP, 2007

Page 129: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN …§ões... · 2015-02-06 · Não tenho caminho novo O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar. Aprendi (o caminho me ensinou)

128

ZITKOSKI, Jaime José. Educação de qualidade: que qualidade queremos ? In: Qualidade em

educação: um debate necessário. Passo Fundo: Universidade Educação Básica, 1997.