universidade de brasÍlia faculdade de ciÊncias ...secure site...

246
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NUTRIÇÃO HUMANA TESE DE DOUTORAMENTO RISCOS EMERGENTES DOS ALIMENTOS: Regulação, conflitos e tensões Uma experiência brasileira ANA VIRGÍNIA DE ALMEIDA FIGUEIREDO Brasília-DF Novembro, 2014

Upload: others

Post on 29-Oct-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA

FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA

TESE DE DOUTORAMENTO

RISCOS EMERGENTES DOS ALIMENTOS Regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees

Uma experiecircncia brasileira

ANA VIRGIacuteNIA DE ALMEIDA FIGUEIREDO

Brasiacutelia-DF Novembro 2014

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA

ANA VIRGIacuteNIA DE ALMEIDA FIGUEIREDO

RISCOS EMERGENTES DOS ALIMENTOS Regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees

Uma experiecircncia brasileira

Tese apresentada como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Nutriccedilatildeo pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade de Brasiacutelia

Orientadora Profa Dra Elisabetta Recine Coorientadora Profa Dra Renata Monteiro

Brasiacutelia-DF Novembro 2014

FIGUEIREDO - ALMEIDA Ana Virgiacutenia Riscos emergentes dos alimentos regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees uma experiecircncia brasileira 241f Tese ( Doutoramento em Nutriccedilatildeo Humana) Departamento de Nutriccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede Universidade de Brasiacutelia 2014 Inclui bibliografia 1 riscos dos alimentos 2 regulaccedilatildeo sanitaacuteria 3 Vigilacircncia sanitaacuteria 4 controle sanitaacuterio dos alimentos

Para Ana Theresa Joatildeo Carlos e Lucas Freitas minhas crianccedilas meus amores

ANA VIRGIacuteNIA DE ALMEIDA FIGUEIREDO

RISCOS EMERGENTES DOS ALIMENTOS Regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees Uma

experiecircncia brasileira

Tese apresentada como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Nutriccedilatildeo pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade de Brasiacutelia

Aprovada em 10 de novembro de 2014

BANCA EXAMINADORA

Elisabetta Recine - Orientador e Presidente da Banca

Departamento de Nutriccedilatildeo - Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Inecircs Rugani Ribeiro de Castro Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

Anelize Rizzolo de O Pinheiro

Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Juliana Rochet Wirth Chaibub Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Viviane Cristina Vieira

Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Andrea Sugai Mortoza Universidade Federal de Goiaacutes (UFG)

AGRADECIMENTOS

Apesar do intenso e sistemaacutetico esforccedilo individual para concretizar esta tese

reconheccedilo que nela se concentra uma pluralidade de suportes intelectuais influecircncias

afetivas e de experiecircncias compartilhadas oriunda das distintas inter-relaccedilotildees que

estabeleci no ambiente acadecircmico e profissional Por isso quero inicialmente formular

agradecimentos extensivos a todos aqueles indiviacuteduos fenomenais com os quais me

deparei no desenrolar da minha histoacuteria no campo da vigilacircncia sanitaacuteria e que criaram

para mim oportunidades de aprendizado e de aprimoramento pessoal A inspiraccedilatildeo do

objeto estudado eacute resultado da inquietaccedilatildeo surgida a partir dos longos debates travados

com essas pessoas todas figuras da minha vida

No entanto faz-se necessaacuterio destacar algumas destas personalidades

Agrave massa de trabalhadores brasileiros que no seu aacuterduo cotidiano de trabalho e vida

contribui materialmente para a existecircncia das universidades puacuteblicas apesar de um

reduzido contingente deles ocupar esse espaccedilo social para se qualificar Espero que

esta tese seja uma forma de devolver-lhes parte desse investimento

Agrave minha orientadora a Profa Dra Elisabetta Recine por me instruir e guiar em

todas as etapas desse processo de construccedilatildeo intelectual com muita competecircncia

paciecircncia e carinho Para ela um agradecimento muito especial

Agrave minha coorientadora a Profa Dra Renata Monteiro pelas valiosas contribuiccedilotildees

presteza e apoio no transcurso das atividades acadecircmicas

Ao Dr Patrick Dahlet pelo encontro fortuito e frutiacutefero assim como pelo trabalho

com as palavras que me permitiram desvendar os traccedilos obscuros dos discursos

Experiecircncia que ajudou a fortalecer o companheirismo afetuoso no caminhar

sinuoso da vida

Agrave Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash

CAPESMinisteacuterio da Educaccedilatildeo pela concessatildeo da bolsa de doutorado-sanduiacuteche

com a qual pude aprofundar parte da investigaccedilatildeo na Universitat Rovira i Virgili

Tarragona-Espanha

Agrave Dra Mabel Gracia da Universitat Rovira i Virgili- TarragonaEspanha pela acolhida

e as contribuiccedilotildees dadas para o desenvolvimento desta tese

Aos professores e colegas da Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana pelas diferentes

colaboraccedilotildees fornecidas no vasto campo da ciecircncia da Nutriccedilatildeo

Agrave Secretaria de Sauacutede do Distrito Federal na pessoa da Subsecretaacuteria de Vigilacircncia agrave

Sauacutede Dra Mariacutelia Cunha pelo suporte institucional durante a minha atividade

acadecircmica

Ao Diretor da Vigilacircncia Sanitaacuteria do Distrito Federal Manoel Silva Neto ao Gerente

de Alimentos Andreacute Godoy Ramos e agrave minha chefe imediata Dillian Adelaine Cesar

da Silva pela gentileza compreensatildeo e apoio imprescindiacutevel nos momentos mais

intensos deste trabalho

A todos os entrevistados que gentilmente se dispuseram a conceder seu valioso

tempo para responder as questotildees das entrevistas e que enriqueceram o conteuacutedo

desta tese

Agrave minha maravilhosa amiga e companheira de trabalho Reginalice Maria da Graccedila

Bueno com quem sempre compartilho as histoacuterias doces e amargas da vida Muito

obrigada tanto pela sua disposiccedilatildeo em me ajudar a equilibrar os sabores dos

acontecimentos como pelo incentivo para as aventuras acadecircmicas

Agrave Rosane Maria Franklin Pinto e Elisabete Gonccedilalves Dutra colegas da Anvisa pela

presteza em esclarecer as minhas duacutevidas e pela realizaccedilatildeo da entrevista-teste as

quais foram essenciais para a elaboraccedilatildeo da tese

Agraves minhas estimadas colegas de trabalho Wanusa Eva Gisele e Socorro pela cordial

atenccedilatildeo e compreensatildeo nos momentos de ausecircncia

Aos meus eternos amigos que revigoraram a Vigilacircncia Sanitaacuteria Joatildeo Batista de

Lima Filho Silvia Amaral Vignola e Sheila Maria Gomes Castanhola por meio dos

quais eu aprendi como lidar com esse campo conflituoso de atuaccedilatildeo da sauacutede

Aos meus adoraacuteveis filhos Ana Theresa e Joatildeo Carlos que me provocam um

turbilhatildeo de emoccedilotildees mas o amor eacute o imperativo Aproveito para responder a sua

incansaacutevel pergunta ldquoQuando eacute que isso acaba matildeerdquo Acabou

Agrave Claacuteudia Camurccedila a tia querida do Joatildeo pelo cuidado e carinho dedicados ao meu

filho nos momentos da minha ausecircncia para a realizaccedilatildeo do doutorado

Agrave minha querida parceira Maria Feacutelix Pereira pelo seu trabalho diaacuterio em

administrar a casa e os meus filhos com tanta atenccedilatildeo carinho e responsabilidade

que foi imprescindiacutevel para enfrentar esse desafio acadecircmico

Agrave minha famiacutelia em especial Andreacutea Figueiredo pela relaccedilatildeo afetuosa e pelo

compromisso muacutetuo Obrigada minha querida irmatilde

Estranhem o que natildeo for estranho Tomem por inexplicaacutevel o habitual Sintam-se perplexos ante o cotidiano Tratem de achar um remeacutedio para o abuso Mas natildeo esqueccedilam De que o abuso eacute sempre a regra (A Exceccedilatildeo e a Regra Bertolt Brecht)

FIGUEIREDO Ana Virgiacutenia A Universidade de Brasiacutelia novembro de 2014 Riscos emergentes dos alimentos regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees uma experiecircncia brasileira Orientadora Elisabetta Recine Coorientadora Renata Monteiro

RESUMO

Nas uacuteltimas deacutecadas a sociedade mundial e a brasileira vecircm enfrentando os riscos emergentes dos alimentos associados ao acelerado crescimento da obesidade e de outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis (DCNT) Entre os fatores causais dessas doenccedilas estatildeo a inatividade fiacutesica e o consumo de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis com alta densidade em gordura accediluacutecares e soacutedio Tais produtos resultam das transformaccedilotildees no sistema de produccedilatildeo e de comercializaccedilatildeo de alimentos fomentadas pelo processo de globalizaccedilatildeo da economia que se empenha em fortalecer a massificaccedilatildeo do consumo alimentar Consolida-se entatildeo um ambiente que modifica o estilo de vida o cotidiano das praacuteticas alimentares e o quadro nutricional Em funccedilatildeo disso regular o perfil nutricional desses produtos eacute uma das medidas de intervenccedilatildeo recomendada pelos organismos internacionais para ser aplicada pelas instituiccedilotildees puacuteblicas de controle dos diversos paiacuteses O objetivo geral deste estudo eacute analisar a compreensatildeo que os diferentes sujeitos vinculados ao mercado ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada tecircm sobre as transformaccedilotildees e implicaccedilotildees das estrateacutegias de regulaccedilatildeo ativas no mercado Trata-se de uma investigaccedilatildeo qualitativa cuja finalidade eacute explorar os significados que constituem e constroem a realidade que permeia os riscos emergentes dos alimentos e o controle dos produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis a partir do referencial teoacuterico da Hermenecircutica da Profundidade (THOMPSON 2000) tendo por fundamento analiacutetico os discursos daqueles sujeitos Com base nos resultados pode-se afirmar que esses riscos satildeo reflexos da dinacircmica da economia global cuja regulaccedilatildeo se faz em um ambiente de disputa que em regra nem sempre privilegia os interesses da sauacutede coletiva Para os sujeitos do mercado a regulaccedilatildeo eacute uma atitude autoritaacuteria e ineficaz sendo a populaccedilatildeo a principal culpada pelas consequecircncias da sua sauacutede ao adotar um comportamento sedentaacuterio e um consumo alimentar excessivo A alternativa eacute a implementaccedilatildeo de medidas flexiacuteveis e de caraacuteter voluntaacuterio como os Acordos instituiacutedos pelo governo com as entidades empresariais para reduzir paulatinamente os teores dos nutrientes ao governo incumbiria tatildeo somente promover a educaccedilatildeo alimentar da populaccedilatildeo Para os sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil haacute o reconhecimento da interconexatildeo entre esses produtos e as DCNT o que faz com que a maioria deles defenda a praacutetica da regulamentaccedilatildeo Para eles os Acordos satildeo fraacutegeis e indicam que o poder puacuteblico atuou buscando o menor desgaste poliacutetico e impacto econocircmico para o mercado a despeito dos prejuiacutezos causados agrave populaccedilatildeo Com base nas anaacutelises apresentadas conclui-se que uma regulaccedilatildeo justa requer uma negociaccedilatildeo de regras claras norteadas pelo princiacutepio da promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede puacuteblica com a participaccedilatildeo dos trecircs sujeitos-chave identificados ndash poder puacuteblico mercado e sociedade civil ndash e a adoccedilatildeo de condutas que beneficiem a sociedade inteira delimitando os direitos e deveres de cada sujeito que atua no campo da regulaccedilatildeo sanitaacuteria Palavras-chave Riscos dos alimentos Regulaccedilatildeo sanitaacuteria Vigilacircncia sanitaacuteria Controle sanitaacuterio dos alimentos

FIGUEIREDO Ana Virgiacutenia A University of Brasilia November 2014 Emerging food risks regulation conflicts tensions a Brazilian experience Tutor Elisabetta Recine Co-tutor Renata Monteiro

ABSTRACT

In recent decades Brazilian society and the world at large have been facing emerging food risks associated to an accelerated increase in the occurrence of obesity and other chronic noncommunicable diseases (NDCs) Among the causal factors are physical inactivity and the consumption of unhealthy food products with high fat sugar and sodium content Such products are the result of transformations in food production and commercialization fostered by economic globalization processes that seek to boost the massification of food consumption Then it has consolidated an environment that modifies life styles food-related habits and the nutritional scenario In that light international bodies recommend that each countryrsquos control institutions should take steps to regulate the nutritional profile of such products This qualitative research aims primarily to analyze the comprehension of different social actors associated to market government and civil society sectors in regard to the said transformations and the implications of the regulatory strategies in effect in the markets It explores the attributed meanings that constitute and construct the reality enveloping the emerging food risks and the control of unhealthy food products based on a theoretical reference framework of Depth Hermeneutics (THOMPSON 2000) having as its

analytical fundament the discourse of the actors Results indicate that the risks stem from the current dynamics of the global economy whereby regulation is conducted in an atmosphere of contention that is not always in the interests of collective health The actors (subjects) in the market see regulation as an inefficient authoritarian act and the population itself as being to blame for the consequences for its health insofar as people adopt a sedentary life style with excessive food consumption Their preferred alternative would be to implement flexible measures of a voluntary nature such as the agreements instituted by the government with some corporate entities aimed at gradually reducing levels of unhealthy components in food the governmentrsquos role would be limited merely to promoting nutritional education for the population at large The subjects in the public and civil society sectors recognize the connection between those products and the NCDs so that most of them are in favor of regulatory practices In their view the agreements are weak instruments and show that the public authoritiesrsquo actions have been directed merely at ensuring the least possible political attrition and economic impact on the market regardless of the harm caused to the population The analysis reveals that fair regulation requires a negotiation of clear rules guided by the principle of public health promotion and protection cooperative work with the full participation of the three key partners identified - public authorities market and civil society -and the adoption of conducts that benefit society as a whole clearly delineating the rights and duties of each subject involved in the field of public health regulation

Key words Food risks Food regulation Food surveillance Food control

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 Quadro comparativo entre as questotildees objetivos e perguntas das

entrevistas

42

Quadro 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014

127

Quadro 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre o tema de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013

135

Quadro 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos Alimentos

196

Graacutefico 1 Comparaccedilatildeo entre os teores de soacutedio diagnosticados nos produtos alimentiacutecios e os valores de reduccedilatildeo acordados entre o governo e as entidades industriais Brasil 2010 e 2011

139

Figura 1 Quadrado semioacutetico da alimentaccedilatildeo amp nutriccedilatildeo

202

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIA Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Alimentos

ABIAD Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Alimentos Dieteacuteticos

ABIMA Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de Massas Alimentiacutecias e Patildeo amp Bolo Industrializados

ABITRIGO Associaccedilatildeo Brasileira da Induacutestria do Trigo

ABIP Associaccedilatildeo Brasileira da Induacutestria de Panificaccedilatildeo e Confeitaria

ABRAS Associaccedilatildeo Brasileira de Supermercados

AD Anaacutelise de Discurso

AR Agenda Regulatoacuteria

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria

BSE

Encefalopatia Espongiforme Bovina (do inglecircs Bovine Spongiform Encephalopathy)

CAC Comissatildeo do Codex Alimentarius (do inglecircs Codex Alimentarius Commission)

CFN Conselho Federal de Nutricionistas

CGAN Coordenadoria-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo

CNS Conselho Nacional de Sauacutede

CONASS Conselho Nacional dos Secretaacuterios de Sauacutede

CONSEA Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional

DCNT Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis

DTA Doenccedilas Transmitidas por Alimentos

EAN Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional

ENDEF Estudo Nacional sobre Despesas Familiares

FAO Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (do inglecircs Food and Agriculture of the United Nations)

FDB Foodborne disease

FS Formas Simboacutelicas

GATT Acordo Geral de Tarifas e Comeacutercio (do inglecircs General Agreement on Tariffs and Trade)

IBASE Instituto Brasileiro de Anaacutelises Sociais e Econocircmicas

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDEC Instituto de Defesa do Consumidor

INMETRO Instituto Nacional de Metrologia Qualidade e Tecnologia

MAPA Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento

MDS Ministeacuterio do Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MS Ministeacuterio da Sauacutede

OMC Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio

OMS Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

OPAS Organizaccedilatildeo Pan- Americana de Sauacutede

PDVISA Plano Diretor de Vigilacircncia Sanitaacuteria

PL Projeto de Lei

PNAN Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo

PNDS Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede

PNSN Pesquisa Nacional de Sauacutede e Nutriccedilatildeo

POF Pesquisa de Orccedilamento Familiar

POP Poluentes Orgacircnicos Persistentes

PppS Parcerias Puacuteblico-Privadas no campo da sauacutede

PR

Presidecircncia da Repuacuteblica

SINDICARNES Sindicato da Induacutestria de Carnes e Derivados

UBABEF Uniatildeo Brasileira de Avicultura

UN United Nations

WHO World Health Organization

WTO World Trade Organization

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO

17

1 INTRODUCcedilAtildeO

20

11 Riscos dos alimentos e os impactos no perfil nutricional da populaccedilatildeo

20

12 Percursos metodoloacutegicos da investigaccedilatildeo

30

2 ALIMENTOS E RISCOS Agrave SAUacuteDE

46

21 O comensal contemporacircneo da alimentaccedilatildeo ao produto alimentiacutecio

46

22 O panorama diversificado dos riscos dos alimentos

53

23 Riscos agrave sauacutede de um conceito matemaacutetico a uma construccedilatildeo soacutecio-poliacutetica e cultural

61

3 PRODUTOS ALIMENTIacuteCIOS E SAUacuteDE Uma anaacutelise multifacetaacuteria

68

31 Produtos alimentiacutecios e riscos agrave sauacutede a visatildeo dos organismos intergovernamentais

68

311 A abordagem da OMS e FAO sobre o tema

68

312 A apatia do Codex Alimentarius frente aos novos riscos dos alimentos

75

313 A OMC e os produtos alimentiacutecios lucros ao mercado e prejuiacutezos agrave sauacutede

79

32 Globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a sauacutede em questatildeo

84

321 Avanccedilos e retrocessos no mercado dos alimentos

84

322 A publicidade de produtos alimentiacutecios e os efeitos sobre o comportamento e a sauacutede

90

323 Palatabilidade saciedade custo e praticidade dos produtos alimentiacutecios

94

4 A DINAcircMICA DAS TRANSICcedilOtildeES dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

97

41 O percurso da transiccedilatildeo dieteacutetica agrave nutriccedilatildeo

97

42 A obesidade e outras DCNT em ascensatildeo panorama global e nacional

101

421 Comportamento da obesidade e de suas comorbidades no mundo breves comentaacuterios

101

422 O quadro epidemioloacutegico brasileiro e sua conexatildeo com as mazelas do mundo

105

5 REGULACcedilAtildeO DE ALIMENTOS o desafio de governar o mercado

111

51 Do regime militar ao estado democraacutetico a evoluccedilatildeo dos dispositivos de regulaccedilatildeo dos alimentos

111

511 Final dos anos 90 a regulaccedilatildeo de alimentos eacute objeto da nova autarquia

116

52 A Anvisa e o Ministeacuterio da Sauacutede o (re) agir institucional

123

521 Parceria entre governo e induacutestrias fragilidade ou inovaccedilatildeo

141

6 RISCOS E REGULACcedilAtildeO DOS ALIMENTOS visotildees dos sujeitos sociais

147

61 Racionalidades discursivas um exerciacutecio de interpretaccedilatildeo

147

62 A ldquoAlimentaccedilatildeordquo e ldquoNutriccedilatildeordquo geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas

200

63 Regulaccedilatildeo dos riscos dos alimentos ideologias interesses e poder

206

CONCLUSAtildeO

211

REFEREcircNCIAS

217

ANEXOS 242

17

APRESENTACcedilAtildeO

A minha primeira experiecircncia de trabalho apoacutes concluiacuteda a Especializaccedilatildeo em Sauacutede

Puacuteblica e Medicina Social na Universidade Federal da Paraiacuteba foi a de me integrar agrave equipe

teacutecnica da Divisatildeo Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria de Alimentos do Ministeacuterio da Sauacutede Era

1985 eacutepoca da reconstruccedilatildeo democraacutetica momento em que as instituiccedilotildees puacuteblicas

comeccedilavam a rediscutir seu objeto e ajustar as suas praacuteticas aos moldes da proposta da

Nova Repuacuteblica Desvendar a vigilacircncia sanitaacuteria constituiu para mim um desafio pois se

tratava de um conteuacutedo insuficientemente abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e de

poacutes-graduaccedilatildeo que eu realizei Aproveitei entatildeo a riqueza do contexto poliacutetico e teacutecnico e

fui me aprimorando durante o processo de revitalizaccedilatildeo e ajustamento da praacutetica

institucional em curso Havia uma verdadeira efervescecircncia de mudanccedilas Tudo estava

sendo redescoberto e reconstruiacutedo sob uma atmosfera que propiciava o dinamismo a

criatividade e a participaccedilatildeo

Esta foi a minha primeira experiecircncia laboral a vigilacircncia sanitaacuteria como parte do

escopo da sauacutede coletiva A partir dela construiacute a minha trajetoacuteria profissional e acadecircmica

Sem perder o foco na vigilacircncia sanitaacuteria eu tive oportunidade de trabalhar em duas esferas

administrativas a federal e a distrital assim como na instacircncia de apoio teacutecnico no

Laboratoacuterio de Sauacutede Puacuteblica do Distrito Federal e em uma instituiccedilatildeo acadecircmica o Nuacutecleo

de Estudos em Sauacutede Puacuteblica da Universidade de Brasiacutelia Isto me permitiu explorar as

diferentes facetas e niacuteveis de intervenccedilatildeo que envolvem a vigilacircncia sanitaacuteria e reconhececirc-la

como um campo de atuaccedilatildeo amplo altamente conflituoso e cada vez mais estrateacutegico para

a proteccedilatildeo da sauacutede coletiva

Eacute na deacutecada de 90 que o conceito de risco agrave sauacutede incorpora-se agrave praacutetica da vigilacircncia

sanitaacuteria e se torna o foco central da nossa preocupaccedilatildeo Risco cujo conceito insiste em ser

eminentemente ldquoteacutecnicordquo tatildeo somente para esconder a ldquotrama poliacuteticardquo que atravessa o

curso que se estende do aparecimento do risco agraves tomadas de decisotildees

18

Dessa forma concentrada nos riscos emergentes dos alimentos que ameaccedilam a

sociedade brasileira e mundial e na atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees responsaacuteveis pelo controle dos

riscos dos alimentos decidi recolher-me para explorar a complexidade teacutecnica poliacutetica

social e econocircmica que envolve esta temaacutetica

O conteuacutedo desta tese estaacute disposto em seis capiacutetulos sequenciais conclusatildeo e

referecircncias bibliograacuteficas O capiacutetulo inicial corresponde agrave Introduccedilatildeo que traz uma

abordagem geral sobre o impacto dos riscos dos alimentos na sauacutede da populaccedilatildeo seguida

pela discussatildeo do referencial teoacuterico-metodoloacutegico e do detalhamento dos passos adotados

para investigaccedilatildeo empiacuterica

No segundo capiacutetulo Alimentos e Riscos agrave Sauacutede se faz uma breve configuraccedilatildeo das

transformaccedilotildees sociais que induziram a alteraccedilatildeo da conduta cultural da alimentaccedilatildeo e que

deram dinamismo aos riscos dos alimentos aleacutem de se explorar o conceito de risco agrave sauacutede

ressaltando o seu significado soacutecio-poliacutetico

O terceiro capiacutetulo Produtos Alimentiacutecios e Sauacutede uma anaacutelise multifacetaacuteria trata da

atuaccedilatildeo das agecircncias supranacionais na regulamentaccedilatildeo internacional dos alimentos da

conduta das instituiccedilotildees nacionais dirigidas para a melhoria do perfil nutricional dos

alimentos e por fim da globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios enfocando as carateriacutesticas

dos produtos e os artifiacutecios utilizados pelo mercado para comercializaacute-los

O quarto capiacutetulo A Dinacircmica das Transiccedilotildees dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

aborda as bases teacutecnicas da transiccedilatildeo dieteacutetica e da transiccedilatildeo nutricional e faz breves

consideraccedilotildees sobre as prevalecircncias ascendentes de obesidade e de outras DCNT no Brasil

e no mundo e os seus respectivos fatores causais

No quinto capiacutetulo Regulaccedilatildeo de Alimentos o desafio de governar o mercado constam

as bases dos dispositivos legais da vigilacircncia sanitaacuteria de alimentos e as transformaccedilotildees da

instacircncia de controle sanitaacuterio federal enfocando seus avanccedilos e debilidades aleacutem da nova

19

modalidade de atuaccedilatildeo criada pelo poder puacuteblico federal para intervir na qualidade

nutricional dos produtos alimentiacutecios

O uacuteltimo capiacutetulo Riscos e Regulaccedilatildeo dos Alimentos visotildees dos sujeitos sociais traz a

discussatildeo dos dados consistindo na interpretaccedilatildeo dos discursos dos sujeitos investigados

com destaque para as dissonacircncias e os obstaacuteculos para prevenccedilatildeo dos riscos dos

alimentos a geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e as

diferentes modalidades de ideologia e de interesses que envolvem os discursos dos

agrupamentos desses sujeitos sociais

Por fim a Conclusatildeo evidencia o reforccedilo de que o processo de regulaccedilatildeo de alimentos

congrega em si um conflito de interesses teacutecnico-poliacuteticos e por isso haacute necessidade de

construiacute-lo democraticamente para se alcanccedilar um resultado justo para toda a sociedade

20

1 INTRODUCcedilAtildeO

11 Riscos dos alimentos e os impactos no perfil nutricional da populaccedilatildeo

A temaacutetica deste trabalho estaacute ancorada na premissa de que os alimentos satildeo

imprescindiacuteveis agrave vida humana por se constituiacuterem em fontes de nutrientes necessaacuterias ao

crescimento ao desenvolvimento e agrave manutenccedilatildeo da sauacutede Aleacutem dessa funccedilatildeo bioloacutegica

vital a alimentaccedilatildeo tambeacutem eacute uma das formas mais preciosas de expressatildeo cultural que

integra o patrimocircnio imaterial dos diferentes povos e naccedilotildees Assim eacute a fusatildeo desses dois

componentes o bioloacutegico e o sociocultural que conforma o universo da alimentaccedilatildeo

Crises relacionadas agrave escassez contaminaccedilatildeo distribuiccedilatildeo e disponibilidade desigual

dos alimentos compotildeem a histoacuteria da humanidade e repercutem no perfil nutricional e de

sauacutede dos povos (CHAVES 1978 FAO 2009) A partir delas surgem os desequiliacutebrios

sistemaacuteticos na qualidade e ou quantidade de alimentos consumidos que geram riscos agrave

sauacutede individual e coletiva No iniacutecio do caminhar do seacuteculo XXI a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura - FAO estima que no mundo cerca de 125 da

populaccedilatildeo ainda satildeo subnutridas - por deacuteficit no consumo energeacutetico - e 26 das crianccedilas

apresentam desnutriccedilatildeo crocircnica Esses resultados elevam os custos econocircmicos e sociais

(aumentam as despesas com cuidados de sauacutede reduzem a produtividade no trabalho etc)

para todos os paiacuteses (FAO 2013)

Quando o consumo dos alimentos ocorre em quantidades inferiores agraves necessidades

nutricionais eacute inevitaacutevel o aparecimento de distuacuterbios que a depender da intensidade e da

duraccedilatildeo da carecircncia causam danos irreversiacuteveis agrave sauacutede comprometendo o

desenvolvimento regular da vida conforme constam dos estudos claacutessicos da Nutriccedilatildeo

(BEATON amp McHENRY 1966 MITCHELL et al 1978 CHAVES 1978 TORUN amp CHEW

2003)

21

Assim por um longo periacuteodo o foco de atenccedilatildeo dado aos alimentos esteve

concentrado nos estudos envolvendo a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo e o consumo insuficientes

e as carecircncias nutricionais das populaccedilotildees Dentre estes destacam-se a desnutriccedilatildeo

endecircmica hipovitaminoses e outras modalidades carenciais configurando durante

deacutecadas o eixo temaacutetico central da Nutriccedilatildeo e da Sauacutede Puacuteblica Essa foi a caracteriacutestica da

epidemiologia nutricional1 vigente ateacute fins da deacutecada de 70 quando a desnutriccedilatildeo em

paiacuteses pobres assumia importacircncia pela alta prevalecircncia e mantinha relaccedilatildeo com as altas

taxas de mortalidade infantil (MONTEIRO et al 1993 TORUN amp CHEW 2003 POPKIN

2006 WHO 1990)

Com o progresso ocorrido na ciecircncia e tecnologia de alimentos iniciado no decorrer

dos anos 40 (FAO WHO 2006) e que proporcionou o aprimoramento dos sistemas de

processamento e conservaccedilatildeo dos alimentos com destaque para os avanccedilos na quiacutemica de

aditivos (PHILIPPI 2000) tornou-se possiacutevel a expansatildeo do comeacutercio de alimentos nos

acircmbitos local e internacional principalmente de produtos processados Em virtude da

circulaccedilatildeo intensa dos alimentos entre os paiacuteses surgem concomitantemente outras

modalidades de risco agrave sauacutede de efeito transnacional a ela associadas Assim os alimentos

comeccedilam a ser abordados pelos organismos supranacionais (FAO amp OMS 2006) a partir da

sua natureza paradoxal expressa pela sua capacidade de fornecer nutrientes para

promover sauacutede e ao mesmo tempo de albergar agentes contaminantes capazes de

propagar doenccedilas

Como consequecircncia desse intercacircmbio comercial de alimentos ainda na deacutecada de 60

o tema ldquoalimentosrdquo foi progressivamente inserido na pauta dos interesses internacionais e

estrateacutegicos com vistas a normatizaccedilatildeo devido agraves ameaccedilas em potencial de disseminaccedilatildeo

de doenccedilas decorrentes de contaminantes Amplia-se entatildeo o leque de preocupaccedilotildees com

os alimentos uma vez que ainda persistem as questotildees ligadas ao binocircmio carecircncia

alimentar e desnutriccedilatildeo que jaacute os envolviam

1 A epidemiologia nutricional baseia-se na concepccedilatildeo de que aspectos da dieta podem influenciar a ocorrecircncia de doenccedilas nos indiviacuteduos tanto as doenccedilas originaacuterias de consumo insuficiente ou excessivo de fatores dieteacuteticos quanto aquelas decorrentes da contaminaccedilatildeo de alimentos por agentes bioloacutegicos quiacutemicos ou compostos naturais presentes nos alimentos (WILLET 1990)

22

Para conter quaisquer eventos geradores de obstaacuteculos agraves relaccedilotildees comerciais e agrave

preservaccedilatildeo da sauacutede da populaccedilatildeo os organismos multilaterais como a Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura-FAO e Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede-

OMS assumiram a responsabilidade de disciplinar aspectos que poderiam garantir a

sanidade dos alimentos comercializados entre os paiacuteses A medida entatildeo adotada foi o

estabelecimento de recomendaccedilotildees sanitaacuterias internacionais para controlar os agentes

bioloacutegicos e quiacutemicos resultantes das praacuteticas relativas agraves atividades agropecuaacuterias e

industriais Assim agrave Comissatildeo do Codex Alimentarius da FAOOMS2 coube desenvolver o

programa de normas alimentares orientado para proteger a sauacutede dos consumidores e

assegurar a adoccedilatildeo de praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos (FAOWHO 2005)

A despeito de persistirem os problemas de carecircncia nutricional e os desafios na

autonomia para a produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de alimentos evidenciada por muitos povos

(WHO 2010 WHO 2011) nas uacuteltimas duas deacutecadas identifica-se a coexistecircncia de dois

grandes riscos agrave sauacutede da populaccedilatildeo mundial relacionados ao consumo dos alimentos

Ambos condensam um conjunto de caracteriacutesticas comuns que pode ser assim sintetizado

expotildeem ao agravo todos os indiviacuteduos embora os socialmente vulneraacuteveis sejam os mais

atingidos ultrapassam os continentes podem ser facilmente controlados e por fim

relacionam-se com as transformaccedilotildees na loacutegica econocircmica de produccedilatildeo de alimentos que

surgem e se expandem em decorrecircncia da globalizaccedilatildeo (WHO 2002a WHO 2008)

Entende-se como globalizaccedilatildeo um processo complexo e multifacetado que engloba

questotildees econocircmicas poliacuteticas e sociais Com a mundializaccedilatildeo dos mercados mediante a

expansatildeo e a intensificaccedilatildeo das relaccedilotildees capitalistas de produccedilatildeo sob o suporte de novas

tecnologias da recriaccedilatildeo da divisatildeo internacional do trabalho e da inovaccedilatildeo de produtos

(IANNI 2007) se consolida um tipo de sociedade de consumo (BAUMAN 1999) Isso

conduz ao fortalecimento dos atores transnacionais em especiais as corporaccedilotildees de

2 Esta Comissatildeo foi criada em 1961 pela FAO e OMS com o objetivo de desenvolver um coacutedigo internacional de

alimentos enfatizando os aspectos de seguranccedila e qualidade para proteger a sauacutede dos consumidores e disciplinar o

comeacutercio de alimentos

23

empresas que agem interferindo na soberania na identidade e no poder dos Estados

nacionais (BECK 1999)

Quanto aos riscos agrave sauacutede o primeiro grupo que vem se complexificando ao longo das

deacutecadas refere-se aos de surtos de doenccedilas transmitidas por alimentos3 (DTA) com

abrangecircncia transnacional raacutepida disseminaccedilatildeo e ocorrecircncia frequente causados por

agentes comuns e agentes patogecircnicos emergentes (ALTEKRUSE SWERDLOW 1996 KATZ

et al 1999 WHO 2008) ou provenientes da poluiccedilatildeo do ar aacutegua e solo e outros agentes

quiacutemicos que surgem em distintos pontos da cadeia produtiva (WHO 2003a) Devem ser

destacados tambeacutem neste grupo os riscos de contaminaccedilatildeo por agentes dotados de

resistecircncia antimicrobiana que comprometem a eficiecircncia das medidas de controle

convencionais (KAumlFERSTEIN et al 1997 TRAUXE 1997 TAORMINA BEUCHAT SLUTSKER

1999)

No que diz respeito ao segundo grupo considerados riscos emergentes implicados com

os alimentos e de alcance mundial deflagrados nas uacuteltimas deacutecadas destaca-se o risco de

obesidade4 e de outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis - DCNT correlacionadas cuja

expansatildeo abrange todos os continentes (WHO 2004a) A obesidade reconhecida hoje pelo

seu caraacuteter pandecircmico resulta principalmente das mudanccedilas comportamentais sociais

ambientais e econocircmicas que intensificaram o desequiliacutebrio entre o consumo e o gasto

energeacutetico associando-se estreitamente com as caracteriacutesticas atuais dos alimentos

consumidos que possuem alta densidade energeacutetica (MONTEIRO 2009 MONTEIRO 2010

WHO 2004a)

Os avanccedilos na tecnologia de alimentos aliado ao suporte do aparato regulatoacuterio tanto

permitiram a formulaccedilatildeo de produtos relativamente seguros em termos microbioloacutegicos

3 Com base na definiccedilatildeo da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede ldquodoenccedilas transmitidas por alimentosrdquo designadas em inglecircs por foodborne diseases (FBD) consistem em doenccedilas comumente veiculadas pelos alimentos e compreende um amplo conjunto de sinais e sintomas causado por microrganismos patogecircnicos parasitas contaminantes quiacutemicos e biotoxinas (WHO 2007) 4

Neste estudo ldquoexcesso de pesordquo eacute o termo geral usado para abordar conjuntamente o sobrepeso e a obesidade A menccedilatildeo dos termos - excesso de peso obesidade ou sobrepeso ndash de forma independente e isolada dependeraacute do estudo que for referenciado

24

quanto a criaccedilatildeo de produtos pobres ou natildeo saudaacuteveis em termos nutricionais Satildeo aqueles

com alta densidade energeacutetica alto teor de gordura saturada sal e accediluacutecares livres e pobres

em nutrientes essenciais que satildeo disponibilizados no mercado a preccedilos acessiacuteveis e

portanto estimuladores do consumo5 (WHO 2003b WHO 2006) Acrescenta-se ainda que

tais produtos tecircm causado impactos negativos sobre o haacutebito alimentar tradicional das

populaccedilotildees dificultando a praacutetica de uma dieta saudaacutevel (POPKIN 2006)

Conforme descrito acima esses produtos alimentiacutecios satildeo os responsaacuteveis pelos riscos

emergentes dos alimentos Riscos definidos pelo potencial que tais produtos tecircm de causar

malefiacutecios agrave sauacutede humana devido a certos tipos de nutrientes em excesso ndash perigos -

presentes na sua composiccedilatildeo a qual eacute definida a partir de foacutermulas baseadas em

ingredientes processados e pouco nutritivos Desse modo eacute o consumo sistemaacutetico desses

produtos alimentiacutecios pela populaccedilatildeo que repercute negativamente no campo alimentar e

nutricional Este eacute o contexto no qual a pandemia de obesidade emerge e outras DCNT se

desenvolvem

Segundo a OMS a prevalecircncia de obesidade no continente europeu oscilou nos anos

1999 a 2004 entre 5 a 23 nos homens e entre 7 e 36 nas mulheres (WHO 2006)

Contudo em periacuteodos anteriores nos anos de 1988 a 1994 jaacute atingia a populaccedilatildeo adulta

americana na faixa etaacuteria de 20 a 74 anos em patamares de 199 a 249

respectivamente para homens e mulheres (WHO 2004a) No Brasil os dados mais recentes

sobre o estado nutricional da populaccedilatildeo brasileira revelam que os grupos etaacuterios de 10 a 19

anos e de 20 anos ou mais de idade apresentam prevalecircncias de obesidade de 4 e 148

jaacute para o excesso de peso os valores correspondem a 194 e 49 respectivamente

(BRASILIBGE 2010) A evoluccedilatildeo da obesidade em adultos no Brasil vem ocorrendo nos

uacuteltimos 25 anos sendo observada nas regiotildees Nordeste e Sudeste do paiacutes (BATISTA FILHO

RISIN 2003)

5 Esses alimentos tambeacutem englobam as bebidas com alta densidade energeacutetica Aleacutem disso podem ser referidos com outras denominaccedilotildees tais como alimentos ou produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis alimentos inadequados em termos nutricionais alimentos ou produtos de alto risco agrave sauacutede e alimentos ultraprocessados

25

De um modo geral essa reconfiguraccedilatildeo do perfil nutricional da populaccedilatildeo proveacutem de

uma multiplicidade de fatores que implica mudanccedilas no ambiente social ampliaccedilatildeo do

comeacutercio global de produtos alimentiacutecios sem o apropriado controle sanitaacuterio alteraccedilotildees no

padratildeo de consumo alimentar introduccedilatildeo de novos processos de produccedilatildeo de alimentos e

aumento da interferecircncia do homem em ambientes nativos (NEWELL et al 2010

ALTEKRUSE SWERDLOW1996 KAumlFERSTEIN MONTARJEMI BETTCHER 1997 WHO

2008) Aleacutem disso foi favorecida pelo aumento no consumo de gordura e de accediluacutecares

adicionados agraves dietas graccedilas agrave elevaccedilatildeo acentuada da disponibilidade dos produtos de

origem animal e de outros industrializados em contraposiccedilatildeo ao baixo consumo de

alimentos ricos em fibras e cereais integrais (POPKIN 2001) e dos alimentos da dieta

tradicional (WHO 2004a)

Indubitavelmente a obesidade e as doenccedilas transmitidas por alimentos integram o

panorama mundial das doenccedilas de relevacircncia para a sauacutede puacuteblica as quais podem ser

perfeitamente considerados como um dos tipos de riscos supranacionais pela sua amplitude

e efeitos alcanccedilando conforme menciona Giddens (2008) Para o autor satildeo formas de riscos

de extensatildeo intercontinental e de efeitos indeterminados que continuamente surgem e se

renovam como consequecircncias dos processos sociais contemporacircneos Embora os impactos

de nocividade sejam extensos os grupos populacionais mais socialmente vulneraacuteveis dos

paiacuteses satildeo os mais afetados

A disponibilidade e os estiacutemulos sistemaacuteticos para o consumo de produtos

alimentiacutecios de circulaccedilatildeo global hipercaloacutericos pouco nutritivos e com atributos de

praticidade induzem a populaccedilatildeo a dar preferecircncia a tais produtos e consequentemente

expondo-a ao risco de contrair essas doenccedilas

Abordar os riscos dos alimentos na atualidade obriga-nos a imergir em um cenaacuterio

protagonizado pelo mercado que usufrui do dinamismo efervescente de tecnologias de

produccedilatildeo da contiacutenua criaccedilatildeo de bens e insumos bem como do aprimoramento das

estrateacutegias comerciais de estiacutemulo ao consumo Na outra ponta encontram-se os cidadatildeos-

consumidores atordoados com a diversidade excessiva de produtos alimentiacutecios postos agrave

26

sua disposiccedilatildeo e desinformados quanto aos efeitos nocivos agrave sauacutede que esses produtos

podem acarretar Ambos os interessados sofrem a influecircncia de controle das instituiccedilotildees

governamentais cuja atuaccedilatildeo eacute limitada Isso resulta em um descompasso entre o ritmo

acelerado das eclosotildees dos fenocircmenos sanitaacuterios de origem alimentar e a capacidade

poliacutetico-operacional reduzida para desempenhar satisfatoriamente o controle dos riscos agrave

sauacutede

Destaca-se ainda que o advento da pandemia da obesidade e o aumento das DCNT

impotildeem um novo olhar sobre os riscos agrave sauacutede relacionados aos alimentos exigindo

reflexotildees e mudanccedilas na forma tradicional de se conceber o objeto ldquovigilacircncia sanitaacuteriardquo no

campo dos alimentos e de exercer a regulaccedilatildeo sobre ele Vigilacircncia sanitaacuteria aqui

compreendida como [] um conjunto de accedilotildees capazes de eliminar diminuir ou prevenir

riscos agrave sauacutede e de intervir nos problemas sanitaacuterios decorrentes do meio ambiente da

produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de bens e da prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse agrave sauacutede (BRASIL

CONASS 2003a) Tais accedilotildees sendo executadas de forma descentralizada pelas trecircs

instacircncias do Sistema Uacutenico de Sauacutede

Esse cenaacuterio - com um novo risco socialmente gerado - estaacute posto e ele fragiliza a

sauacutede da populaccedilatildeo desafia as instituiccedilotildees de controle oficiais e nos instiga a levantar a

seguinte hipoacutetese apesar de reconhecer que a regulaccedilatildeo puacuteblica dos alimentos eacute uma das

estrateacutegias poliacutetico-operacionais necessaacuterias para intervir nos riscos emergentes dos

alimentos as forccedilas poliacuteticas no Estado atual satildeo insuficientes para concretizaacute-la com

efetividade em decorrecircncia do poder das induacutestrias - que reagem atribuindo a

responsabilidade dos distuacuterbios nutricionais aos consumidores e minimizando as

reivindicaccedilotildees da sociedade civil

Considerando os pressupostos mencionados administrar os riscos dos alimentos sob

a perspectiva sanitaacuteria e nutricional requer no miacutenimo ajustes no interior das instituiccedilotildees

reguladoras e das induacutestrias produtoras de alimentos para incorporar a preocupaccedilatildeo em

conter a obesidade e suas comorbidades Decerto significa tambeacutem ampliar o leque de

possibilidades de intervenccedilatildeo puacuteblica nos problemas de sauacutede prevalentes na populaccedilatildeo

27

Essa ampliaccedilatildeo levaraacute (poderaacute levar) a uma vertente restritiva ou limitante da liberdade de

produccedilatildeo industrial As instituiccedilotildees reguladoras teratildeo que fortalecer a retaguarda teacutecnica e

poliacutetica que possibilite dialogar com os sujeitos estrateacutegicos e administrar os interesses

conflituosos que permeiam atividades dessa natureza

Na loacutegica atual de funcionamento da sociedade os riscos emergentes dos alimentos

relacionados agrave obesidade e a outras DCNT se comportam como tipos de ameaccedila

continuamente crescentes exigindo controle Mas essa medida contraria as propostas que

apregoam a reduccedilatildeo das funccedilotildees do Estado justificadas pela autossuficiecircncia do mercado

na gestatildeo dos seus negoacutecios Nesses casos como advogam alguns autores os riscos satildeo os

propulsores do aprimoramento das atividades regulatoacuterias uma vez que eacute necessaacuterio

conter as incertezas e inseguranccedilas derivadas da moderna tecnologia e da ciecircncia

empregadas na fabricaccedilatildeo de produtos bens e serviccedilos disponibilizados agrave sociedade

(LUCCHESE 2003 BODSTEIN 2000)

Destaca-se que a regulaccedilatildeo em sauacutede deve seguir orientaccedilotildees distintas agraves aplicadas

para a regulaccedilatildeo do mercado em geral Regulaccedilatildeo no acircmbito da sauacutede eacute um processo de

gestatildeo de riscos das potenciais deficiecircncias ou adversidades que podem surgir a partir do

consumo ou do uso de produtos de interesse agrave sauacutede e afetar a coletividade

(CARVALHEIRO 2001 LUCCHESE 2008) Sob esse prisma a regulaccedilatildeo tem como finalidade

preciacutepua a de ser fundamentalmente veiacuteculo das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede Salienta-se

que a natureza dessa atividade de Estado natildeo se confina exclusivamente agrave elaboraccedilatildeo de

regras (OLIVEIRA ELIAS 2012) e envolve outras diversas modalidades de accedilatildeo

No setor sauacutede a intervenccedilatildeo estatal sobre a conduta do setor produtivo eacute imperativa

para garantia da defesa e da proteccedilatildeo da sauacutede puacuteblica quando haacute situaccedilotildees que envolvem

riscos procedimento legiacutetimo e previsto nos dispositivos legais brasileiros (BRASIL

CONASS 2003a 2003b 2003c)

No campo da vigilacircncia sanitaacuteria a regulaccedilatildeo enquanto intervenccedilatildeo no risco

pressupotildee sempre a conjugaccedilatildeo do conhecimento teacutecnico multidisciplinar com o

posicionamento poliacutetico e reveste-se de vaacuterios componentes que extrapolam o ato

28

fiscalizatoacuterio de caraacuteter privativo do Estado sobre os objetos de interesse agrave sauacutede

propriamente dita A regulaccedilatildeo sanitaacuteria um dos componentes da anaacutelise de risco6 (gestatildeo

do risco) comporta medidas tais como regulamentaccedilatildeo investigaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo

monitoramento controle auditoria e avaliaccedilatildeo que satildeo adotadas pelo Estado a fim de

conter o objeto ou o evento de risco que ameaccedila a sauacutede da populaccedilatildeo (CARVALHEIRO

2001 LUCCHESE 2008)

Na atualidade a regulaccedilatildeo sanitaacuteria brasileira desenvolve-se a partir de um processo

de construccedilatildeo coletiva com o envolvimento ativo de diferentes sujeitos incluindo em uma

de suas fases o espaccedilo para participaccedilatildeo da populaccedilatildeo em geral Representantes do

mercado7 da sociedade civil organizada universidades e instituiccedilotildees puacuteblicas de sauacutede

afins formam o grupo de integrantes desse processo Eacute nesse ambiente que se confrontam

os conhecimentos cientiacuteficos os posicionamentos poliacutetico-ideoloacutegicos as expectativas e as

linhas estrateacutegicas para proteger a populaccedilatildeo contra os riscos dos alimentos Sob esses

diferentes olhares - mercado poder puacuteblico e sociedade civil - entremeados de conflitos de

interesses eacute que se modula paulatinamente o consenso possiacutevel para viabilizar o controle

dos riscos dos componentes nutricionais dos alimentos

Embora formalmente democraacuteticas essas decisotildees regulatoacuterias ainda precisam ser

ajustadas aos acordos bilaterais e multilaterais firmados como no caso do Mercado Comum

do Sul-Mercosul e da Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio-OMC e agraves normas internacionais

como as estabelecidas pelo Codex Alimentarius FAOOMS Em determinadas circunstacircncias

esses processos servem de freios para o avanccedilo de propostas mais aproximadas aos

interesses da sauacutede coletiva Todavia a regulaccedilatildeo sanitaacuteria praticada no cotidiano das

6 Segundo a FAOOMS (2005) anaacutelise de riscos eacute um processo que consta de trecircs componentes avaliaccedilatildeo de riscos gestatildeogerenciamento de riscos e comunicaccedilatildeo de riscos A avaliaccedilatildeo processo baseado em conhecimentos teacutecnico-cientiacuteficos que serve para nortear o gerenciamento de risco ndash momento em que se avaliam as distintas opccedilotildees de intervenccedilatildeo mediante consulta agraves partes interessadas tendo como referecircncia a proteccedilatildeo da sauacutede dos consumidores e a promoccedilatildeo de praacuteticas comerciais equitativas 7O mercado de alimentos eacute uma expressatildeo empregada no sentido abrangente referindo-se a todas as operaccedilotildees comerciais estabelecidas nas distintas etapas do sistema produtivo de alimentos que tecircm como fim o consumo humano Abarca tambeacutem todos os integrantes do sistema de produccedilatildeo de alimentos em suas diferentes etapas os quais podem ser referidos neste estudo como setores produtivos setores regulados ou setores econocircmicos

29

instituiccedilotildees de controle ainda eacute a uacutenica medida de intervenccedilatildeo estatal efetiva de interesse

da sauacutede coletiva relativamente democraacutetica Utilizada para ajustar as praacuteticas do mercado

essa eacute a forma de exigir a adoccedilatildeo de medidas de prevenccedilatildeo e de controle dos riscos dos

produtos e serviccedilos ofertados agrave sociedade assim como de aplicar sanccedilotildees e penalidades

quando da existecircncia de descumprimentos ou desvios das regras definidas

Elucidar os pontos de convergecircncia e de divergecircncia os argumentos para regulaccedilatildeo

os compromissos com a sauacutede do coletivo e os limites de atuaccedilatildeo poliacutetica suscitados

quando se potildee em pauta essa mateacuteria eacute o objeto principal deste estudo

Nesse sentido investigar o discurso dos sujeitos envolvidos nessa agenda -

representantes do poder puacuteblico do mercado da sociedade civil organizada e de um

organismo internacional - permitiraacute elucidar as motivaccedilotildees significativas que orientam os

seus atos em torno da problemaacutetica deste estudo Ao mesmo tempo espera-se como

resultado obter elementos de respostas para as seguintes questotildees Quais satildeo os riscos dos

alimentos reconhecidos por esses sujeitos que podem levar a sociedade a desenvolver

doenccedilas crocircnicas Quais satildeo as estrateacutegias poliacutetico-institucionais e os conflitos enfrentados

pelos diferentes sujeitos para conter os riscos emergentes dos alimentos Como eacute aceita a

regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos para conter o avanccedilo da obesidade e

outras DCNT Haacute um compromisso compartilhado por parte dos sujeitos para tornar o

controle dos componentes nutricionais dos alimentos uma praacutetica institucional

Com base nas consideraccedilotildees expostas foram formulados os seguintes objetivos para

este estudo

a) Objetivo Geral Analisar a compreensatildeo dos diferentes sujeitos envolvidos na

agenda de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo sobre os riscos emergentes dos alimentos e a accedilatildeo

puacuteblica de regulaccedilatildeo envolvida com fins de contribuir para o seu aprimoramento

30

b) Objetivos Especiacuteficos

Identificar os significados atribuiacutedos aos riscos emergentes dos alimentos e

sua relaccedilatildeo com a expansatildeo do mercado global de produtos alimentiacutecios

Caracterizar a construccedilatildeo dos sentidos sobre a conduta e as medidas

regulatoacuterias adotadas pelo poder puacuteblico para interferir na qualidade dos produtos

alimentiacutecios em funccedilatildeo da evoluccedilatildeo da obesidade e de outras DNCT

Caracterizar nos discursos manifestos os interesses que permeiam a

temaacutetica da accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos

alimentiacutecios como estrateacutegia para intervir nos riscos emergentes dos alimentos

Delimitar a partir dos enunciados extraiacutedos dos discursos as

responsabilidades que cada um dos sujeitos atribui a si e aos demais no que se refere agrave

prevenccedilatildeo e ao controle dos riscos emergentes dos alimentos

12 Percursos metodoloacutegicos da investigaccedilatildeo

Referencial teoacuterico-metodoloacutegico

A relaccedilatildeo aparentemente paradoxal entre alimentos e sauacutede que impera na sociedade

contemporacircnea estimulou a produccedilatildeo de pesquisas interessadas em elucidar a concepccedilatildeo

dos indiviacuteduos e a conduta das instituiccedilotildees sobre as questotildees de nutriccedilatildeo bem como de

risco regulaccedilatildeo e seguranccedila de alimentos Temas que parecem estar conquistando

progressivamente espaccedilos na literatura cientiacutefica local e internacional Neste sentido vaacuterios

estudos sob diferentes oacuteticas utilizam material discursivo construiacutedo a partir do relato dos

sujeitos para avaliar entre outros aspectos o consumo das mensagens publicitaacuterias sobre

nutriccedilatildeo e a prevenccedilatildeo de doenccedilas crocircnicas (HENDERSON et al 2010) os discursos e as

crenccedilas relacionadas aos riscos dos alimentos (LUPTON 2005) as percepccedilotildees dos

consumidores sobre os tradicionais e os atuais riscos atribuiacutedos aos alimentos (BUCHLER

SMITH LAWRENCE 2010) e o conflito que permeia as praacuteticas de consumo desejo versus

controle com vistas a reduzir os riscos dos alimentos (HALKIER 2001)

31

Todavia tambeacutem natildeo eacute raro que essas pesquisas utilizem como fonte entrevistas com

representantes de organizaccedilotildees quando a linha de pesquisa visa conhecer o

posicionamento institucional relativo ao controle de riscos Estudos com esse caraacuteter foram

feitos sobre a vigilacircncia da concentraccedilatildeo de fluacuteor em produtos alimentiacutecios (BARDAL et al

2012) a implementaccedilatildeo da ferramenta de anaacutelise de riscos dos alimentos (FIGUEIREDO

MIRANDA 2011) e a anaacutelise dos significados de seguranccedila sanitaacuteria (BARBOSA COSTA

2010)

Utilizando-se de fonte primaacuteria de dados similares o objeto deste estudo dirige-se

para a compreensatildeo da relaccedilatildeo entre os riscos emergentes dos alimentos e a visatildeo da

regulaccedilatildeo puacuteblica explicitada por diferentes sujeitos partindo-se do pressuposto que

mediante o uso da linguagem os significados que constituem e constroem essa realidade

especiacutefica poderatildeo ser explorados

As representaccedilotildees organizadas ndash do mercado8 do poder puacuteblico e da sociedade ndash

conformam os principais sujeitos que apresentam relevacircncia para o estudo em tela Cada

um dos sujeitos ilustra uma posiccedilatildeo diferenciada no conjunto das representaccedilotildees que se

traduz pelo domiacutenio e confronto com o objeto de discussatildeo e pela sua capacidade de uso de

diversos mecanismos de pressatildeo para ajustaacute-la aos interesses do setor que defendem

Assim eacute essa relaccedilatildeo envolvendo o objeto e os sujeitos supracitados que nos remete a

optar por um meacutetodo capaz de fornecer respostas para as seguintes indagaccedilotildees Como eacute

compreendida a relaccedilatildeo entre o perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios e a obesidade e

DCNT que na uacuteltima deacutecada vecircm recrudescendo na sociedade brasileira Qual eacute o sentido

dado agrave regulaccedilatildeo do perfil nutricional do produto alimentiacutecio para atender agraves necessidades

de sauacutede atuais

Para acessar a subjetividade que permeia o universo dessas questotildees elegeu-se a

Hermenecircutica da Profundidade-HP (THOMPSON 2000) como referencial teoacuterico-

metodoloacutegico para lidar com os sentidos mobilizados pelas Formas Simboacutelicas - FS

8Neste estudo a categoria analiacutetica ldquomercadordquo se refere aos representantes do sistema produtivo em especial nas

etapas que compreendem a industrializaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

32

entendendo-as como artifiacutecios natildeo apenas de sentidos mas tambeacutem de dominaccedilatildeo no

conjunto social O autor conceitua as FS (accedilotildees falas textos) como fenocircmenos significativos

interpretados e compreendidos pelos sujeitos produtores-receptores

A HP admite a inserccedilatildeo de diferentes tipos de anaacutelise que tratam das caracteriacutesticas

estruturais das FS ou das condiccedilotildees socio-histoacutericas de accedilatildeo e interaccedilatildeo pois segundo

Thompson (2000) trata-se de um auxiacutelio ao processo de interpretaccedilatildeo de forma legitimada

e colaborativa Esta flexibilidade da HP permitiu a inserccedilatildeo do meacutetodo de Anaacutelise de

Discurso ndash AD (ORLANDI 2010) o qual seraacute utilizado em momentos especiacuteficos durante o

trajeto que conduz a reinterpretaccedilatildeo

Segundo esse autor o campo-objeto e o campo-sujeito constituem uma siacutentese O

objeto em observaccedilatildeo e explicaccedilatildeo eacute construiacutedo em parte pelos sujeitos dotados de

compreensatildeo reflexatildeo e accedilatildeo inclusive com potencial para desencadear um processo de

transformaccedilatildeo do campo sujeito-objeto (THOMPSON 2000)

Adianta-se que os efeitos da modernizaccedilatildeo da sociedade que expandem e sofisticam

os mecanismos de interaccedilatildeo natildeo deixaram as FS imunes e modificaram a sua caracteriacutestica

original Com a evoluccedilatildeo da sociedade essas deixaram de ser resultado de uma interaccedilatildeo

exclusivamente face-a-face principalmente em decorrecircncia do desenvolvimento das

instituiccedilotildees e dos meios de comunicaccedilatildeo de massa assim como incorporaram o valor

econocircmico ao valor simboacutelico 9 transformando-se em instrumentos de transaccedilotildees

comerciais (THOMPSON 2000)

Para analisar as FS como ideoloacutegicas o referido autor centra-se no estudo da ideologia

nas sociedades complexas descartando a ideia de que o seu papel reside em atuar como

indutor de estabilidade social ou aglutinador de interesses coletivos divergentes A coesatildeo

social eacute uma caracteriacutestica circunstancial que se sustenta possivelmente pela influecircncia de

alguns fatores tais como valores e crenccedilas diferenciados multiplicidade de grupos internos

9 Thompson (2000) afirma que a valorizaccedilatildeo econocircmica das formas simboacutelicas eacute uma condiccedilatildeo especial e decorre da troca do bem simboacutelico efetuada no acircmbito do mercado

33

e inexistecircncia de consenso sobre tema especiacutefico que inviabiliza a accedilatildeo poliacutetica A ideologia

se fundamenta na inter-relaccedilatildeo entre sentido e poder e tem como caraacuteter criar e constituir

a vida social mediante o dinamismo da circulaccedilatildeo de accedilotildees e interaccedilotildees na qual participam

as trocas de FS Com esses argumentos justifica-se o interesse em investigar os usos sociais

das FS enquanto manifestaccedilotildees ideoloacutegicas inseridas em contexto socio-histoacuterico

especiacuteficos que se realizam tanto no acircmbito da vida cotidiana quanto na esfera das

instituiccedilotildees ambas tratadas a partir do enfoque conceitual da ideologia (THOMPSON

2000)

Efetuadas as consideraccedilotildees acima o processo de significaccedilatildeo se inicia com a

exploraccedilatildeo dos textos transcritos das entrevistas realizadas com 13 sujeitos

(representantes do poder puacuteblico do mercado e da sociedade civil organizada) que ilustra

o universo do senso comum e em seguida prossegue-se conforme propotildee Orlandi (2010)

ateacute serem revelados os compromissos poliacutetico-ideoloacutegicos mediados pela linguagem dos

sujeitos e materializados no discurso

As informaccedilotildees do senso comum permitem compreender como o mundo

intersubjetivo construiacutedo em um ambiente de partilha e comunicaccedilatildeo adquire significado

para os indiviacuteduos permitindo explicaacute-lo quanto ao seu funcionamento e as suas desordens

internas e dar-lhe objetividade sempre provisoacuteria devido agrave relaccedilatildeo dialeacutetica que haacute entre

eles e o mundo social (BERGER LUCKMANN 2009) Para os autores a linguagem enquanto

acervo de conhecimentos socialmente produzidos eacute um dos sistemas que deteacutem a

capacidade de transcender conectar diferentes facetas da vida cotidiana e as integrar em

uma totalidade dotada de sentido que forma o senso comum da realidade - uma imagem

aparentemente clara na leitura dos sujeitos mas que eacute essencialmente obscura quando se

procede a anaacutelise

Isso porque o objeto simboacutelico estaacute impregnado do binocircmio desejo e poder que se

desvenda e se decodifica paulatinamente com a construccedilatildeo do discurso (FOUCAULT 1999)

O poder aqui referido pelo autor eacute aquele que transpassa os sujeitos e que se efetiva nas

muacuteltiplas relaccedilotildees que se estabelece no mundo social distanciando-se por completo do

34

tipo instituiacutedo a partir da estrutura formal hieraacuterquica Os sujeitos satildeo ao mesmo tempo

receptores e transmissores ativos do poder ato que se concretiza pela constituiccedilatildeo

reformulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo de discursos na dinacircmica das interaccedilotildees sociais Entretanto se

articulado ao saber o poder torna-se mais astucioso pois se encobre com a maacutescara da

sutileza e se irradia no cotidiano da existecircncia humana sem ser facilmente revelado

(FOUCAULT 1982)

Desse modo Bourdieu (2009) reconhece que o capital cultural (poder simboacutelico) em

conjunto com o capital econocircmico (poder material) compreendem os dois princiacutepios de

diferenciaccedilatildeo que podem ser utilizados numa sociedade estratificada para conformar as

marcas de distinccedilatildeo dos grupos sociais estabelecidas intra e extra grupos Os grupos

definidos a partir da composiccedilatildeo do capital se distinguem quanto aos interesses e agraves

posiccedilotildees assumidas no espaccedilo social Diferenccedilas que se convertem em relaccedilotildees de forccedila

para impor as representaccedilotildees desse espaccedilo e para tomar posiccedilatildeo nas lutas cotidianas

dirigidas a transformaacute-lo ou a mantecirc-lo

Nesse sentido os sujeitos ora investigados indiviacuteduos portadores desse duplo

atributo poder-saber e que assumem a condiccedilatildeo de representaccedilatildeo de instituiccedilotildees de cunho

teacutecnico-poliacutetico provavelmente no exerciacutecio de suas falas devem fazer uso da base teacutecnico-

cientiacutefica como suporte para expressar os interesses poliacutetico-ideoloacutegicos que

posteriormente seratildeo identificados nos discursos

Ao se referir aos sujeitos Thompson (2000) faz duas relevantes consideraccedilotildees A

primeira delas eacute o reconhecimento do receptor ativo e portanto criacutetico A apropriaccedilatildeo das

mensagens recebidas eacute um processo de autoformaccedilatildeo e de autoentendimento que requer

um contiacutenuo esforccedilo do indiviacuteduo para entendecirc-las e dar-lhes sentido contestaacute-las e

compartilhaacute-las A segunda consideraccedilatildeo aponta para a historicidade dos sujeitos seres

humanos ativos que participam do mundo social inseridos em tradiccedilotildees histoacutericas cuja

natureza envolve em parte um elenco complexo de significados e valores que satildeo

transmitidos de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo

35

Nesse contexto a palavra oral ou escrita eacute uma das formas de manifestaccedilatildeo simboacutelica

que conduz agrave compreensatildeo dos acontecimentos No entanto eacute preciso suplantar a condiccedilatildeo

de opacidade e se iluminar com um dos gestos de significaccedilatildeo nela presente (ORLANDI

2010) Por isso a arte de interpretar a palavra sob a forma de discursos seraacute utilizada como

uma estrateacutegia metodoloacutegica complementar Conforme essa autora interpretar eacute o ato de

abstrair da fala dos sujeitos a economia impliacutecita do discurso os elementos ocultos natildeo

verbalizados envoltos por uma historicidade que traduzem a sua filiaccedilatildeo poliacutetico-

ideoloacutegica e lhes daacute o sentido e assim transforma o homem e o ambiente social

Trata-se entatildeo de se mergulhar no impliacutecito o acircmago do discurso a parte tatildeo secreta

inacessiacutevel em todas as suas dimensotildees o ldquojamais-ditordquo que carrega as marcas da

determinaccedilatildeo histoacuterica (FOUCAULT 2008) Algo que repercute tanto na autoria do sujeito

falante pois sua funccedilatildeo se converte em dar unidade sentido e coerecircncia ao objeto

discursivo quanto na interpretaccedilatildeo do objeto discursivo tornando-o um leque aberto de

interpretaccedilotildees

No marco teoacuterico de Thompson (2000) a hermenecircutica da vida cotidiana eacute o ponto de

partida O autor se reporta a esse momento preliminar como o da interpretaccedilatildeo da Doxa ou

seja das opiniotildees crenccedilas e compreensotildees que satildeo sustentadas e partilhadas pelas pessoas

no mundo social A partir desse substrato se exploram as dimensotildees subsequentes para

abarcar a totalidade dos aspectos que envolvem as FS Desse modo e considerando que as

FS estatildeo estruturadas e inseridas nas condiccedilotildees socio-histoacutericas o referencial compreende

trecircs dimensotildees analiticamente distintas de um processo interpretativo complexo

1ordf dimensatildeo - Anaacutelise socio-histoacuterica ndash reconstruccedilatildeo das condiccedilotildees socio-histoacutericas

da produccedilatildeo circulaccedilatildeo e recepccedilatildeo das FS Consiste de quatro elementos situaccedilotildees espaccedilo-

temporais (reconstruccedilatildeo dos ambientes de produccedilatildeo e recepccedilatildeo das FS) campos de

interaccedilatildeo (anaacutelise dos recursos regras convenccedilotildees e relaccedilotildees sociais) instituiccedilotildees sociais

(reconstruccedilatildeo dos conjuntos relativamente estaacuteveis de regras e recursos e de relaccedilotildees

36

sociais) e estrutura social (anaacutelise das assimetrias e diferenccedilas relativamente estaacuteveis que

caracterizam as instituiccedilotildees sociais e os campos de interaccedilatildeo)

2ordf dimensatildeo ndash Anaacutelise formal ou discursiva ndash constitui as bases para um tipo de

anaacutelise focada na organizaccedilatildeo interna das FS (caracteriacutesticas estruturais padrotildees e

relaccedilotildees) podendo ser utilizadas diferentes modalidades de anaacutelise Neste estudo em

especial seraacute utilizada a Anaacutelise de Discurso ndash AD

Para abarcar a triacuteade liacutengua-discurso-ideologia a AD busca dar concretude agrave fala

fazendo um transcurso reflexivo da descriccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo Compreende novos gestos de

leitura que culminam na desconstruccedilatildeo do enunciado mediante o cruzamento do histoacuterico

com o linguiacutestico que adentra a esfera da sua superficialidade aparente para resgatar a

materialidade do sentido que eacute o proacuteprio discurso (PECHEUX 2008)

Segundo Orlandi (2010) a AD faz uso de dois dispositivos em distintos momentos da

anaacutelise

a) Dispositivo teoacuterico de interpretaccedilatildeo aquele que faz a mediaccedilatildeo do

movimento entre a descriccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Isto significa explicitar os

processos de significaccedilatildeo presentes no texto e identificar os sentidos ldquonatildeo-

ditosrdquo compreendendo como eles se constituem

b) Dispositivo analiacutetico aquele construiacutedo pelo analista a partir da natureza

dos materiais analisados da questatildeo formulada da finalidade da anaacutelise e

das diferentes teorias que conformam os distintos campos disciplinares

(ORLANDI 2010)

3ordf dimensatildeo ndash Interpretaccedilatildeo (ou reinterpretaccedilatildeo) Analisa a construccedilatildeo criativa de

possiacuteveis significados do que eacute dito pela siacutentese das dimensotildees anteriores realccedilando o seu

caraacuteter ideoloacutegico que significa () explicitar a conexatildeo entre o sentido mobilizado pelas FS e

as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo que esse sentido manteacutem (THOMPSON 2000)

37

Pesquisa de campo

Trata-se de uma investigaccedilatildeo empiacuterica do tipo qualitativa apropriada para investigar

fenocircmenos sociais complexos do mundo contemporacircneo (MINAYO 2006) na qual foram

aplicadas duas teacutecnicas especiacuteficas anaacutelise documental e entrevistas com sujeitos ambas

relacionadas agraves instituiccedilotildees de interesse agrave pesquisa e envolvendo a temaacutetica de riscos de

alimentos regulaccedilatildeo controle de alimentos obesidade e ou DNCT Os documentos referem-

se aos materiais institucionais de domiacutenio puacuteblico sendo analisados sob a perspectiva de

contextualizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Como tais documentos representam uma das versotildees

construiacutedas sobre a realidade observada haacute limitaccedilotildees em utilizaacute-los para validar as

afirmaccedilotildees obtidas em entrevista (FLICK 2009)

Quanto agraves entrevistas buscou-se explorar as ideias e os significados que os sujeitos

atribuem ao objeto investigado Adianta-se que parte do grupo dos sujeitos tem uma

aproximaccedilatildeo intensa com esse objeto pois este coincide com a proacutepria atividade de

trabalho cotidiana Foram identificados sujeitos estrateacutegicos ou seja aqueles com poder

decisoacuterio e que participam diretamente e ou acompanham as discussotildees travadas no

acircmbito nacional e internacional sobre riscos dos alimentos regulaccedilatildeo e controle e ou a

prevalecircncia de obesidade e DCNT na populaccedilatildeo

Diante disto foram constituiacutedos dois grupos de anaacutelise Estudo dos documentos

oficiais em que constam as especificaccedilotildees e o processo de anaacutelise dos documentos

selecionados e Entrevistas com os sujeitos em que satildeo mencionadas as instituiccedilotildees puacuteblicas

e privadas e as entidades da sociedade civil organizada que fizeram parte da pesquisa

assim como o processo de coleta dos dados

Os procedimentos para o desenvolvimento desta pesquisa estatildeo de acordo com as

diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos previstos

na Resoluccedilatildeo nordm 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Sauacutede A pesquisa

de campo foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede ndash UNB

conforme Parecer no 1172012

38

Estudo dos documentos oficiais

Os documentos oficiais selecionados e de domiacutenio puacuteblico abrangem as seguintes

modalidades portarias ministeriais relatoacuterios teacutecnicos termos de compromisso atas

acordos e projetos de leis Tais documentos exceto os projetos de leis se referem aos anos

2007 e 2014 e tratam sobre alguns desses temas alimentos obesidade DCNT risco e ou

regulaccedilatildeo Esses documentos foram analisados considerando os propoacutesitos da poliacutetica

puacuteblica de sauacutede e nutriccedilatildeo e o quadro epidemioloacutegico-nutricional vigente

Aleacutem disso levantou-se na paacutegina eletrocircnica oficial da Cacircmara dos Deputados do

Congresso Nacional todos os projetos de lei disponiacuteveis e referentes aos temas

supracitados equivalentes ao periacuteodo de 01012000 a 31122013 O levantamento das

publicaccedilotildees institucionais teve como ponto de corte o ano 2000 em virtude de este ser o

ano do anuacutencio oficial da pandemia de obesidade pelos organismos internacionais Para se

efetuar a busca dos projetos de lei nesse site foram utilizadas as seguintes palavras-chaves

regulaccedilatildeo amp alimentos controle amp alimentos publicidade amp alimentos e obesidade Essa

coleta coincidiu com o periacuteodo de realizaccedilatildeo das entrevistas

Os documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede da Agecircncia Nacional de

Vigilacircncia Sanitaacuteria e da Cacircmara dos Deputados utilizados estatildeo em parte descritos no

Capiacutetulo IV ou referenciados na bibliografia deste trabalho

Entrevistas com os sujeitos

O grupo de entrevistados foi composto por 13 (treze) sujeitos representantes de 12

instituiccedilotildees Conforme o tipo de instituiccedilatildeo vinculada os sujeitos distribuem-se em quatro

categorias

39

- instituiccedilotildees do poder puacuteblico incluem cinco instituiccedilotildees com competecircncia para

aprovar e ou auxiliar na construccedilatildeo dos instrumentos legais (leis decretos ou

regulamentos) e teacutecnicos (programas de monitoramento de alimentos

orientaccedilotildees teacutecnicas sobre os alimentos etc ) relacionados ao controle de riscos

dos alimentos - Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria ndash AnvisaMS

Coordenadoria-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-CGANMS Ministeacuterio da

Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento-MAPA Cacircmara dos Deputados do

Congresso Nacional e o Conselho Federal de Nutricionistas- CFN

- Instituiccedilotildees privadas do mercado Satildeo trecircs instituiccedilotildees de caraacuteter nacional que

representam as induacutestrias de produtos alimentiacutecios e que regularmente

participam do processo de regulamentaccedilatildeo dos alimentos no acircmbito nacional

coordenado pela AnvisaMS e ou pelo MAPA Satildeo elas Associaccedilatildeo Brasileira de

Induacutestrias de Alimentos ndash ABIA Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de

Alimentos Dieteacuteticos ndash ABIAD e Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Massas

Alimentiacutecias e Patildeo amp Bolo Industrializados - ABIMA

- Instituiccedilotildees da sociedade civil Satildeo trecircs instituiccedilotildees que participam do controle

social das accedilotildees de sauacutede e de alimentaccedilatildeo - Conselho Nacional de Sauacutede- CNS

Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional - ConseaPresidecircncia

da Repuacuteblica e Instituto de Defesa do Consumidor ndash Idec

- Organismo internacional Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede - OPAS que

atua estimulando os paiacuteses-membros a aprimorarem suas accedilotildees de sauacutede

seguindo as orientaccedilotildees da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede -OMS inclusive em

relaccedilatildeo ao controle de alimentos e do excesso de peso

A uacutenica instituiccedilatildeo do poder puacuteblico em que dois sujeitos foram selecionados para as

entrevistas refere-se agrave Cacircmara de Deputados Dois parlamentares foram entrevistados em

40

funccedilatildeo do trabalho desenvolvido com as temaacuteticas de ldquoseguranccedila alimentar e nutricionalrdquo e

ldquopublicidade de alimentosrdquo

Para a realizaccedilatildeo das entrevistas na maioria das instituiccedilotildees foi necessaacuterio o contato

com um ldquoguardiatildeordquo (gatekeeper) que eacute um profissional com relacionamento anteriormente

firmado ou estabelecido com a pesquisadora ou indicado por uma pessoa dela conhecida

com a finalidade de facilitar o acesso agrave instituiccedilatildeo (CRESWELL 2010) Este ldquoguardiatildeordquo foi

fundamental para auxiliar a aproximaccedilatildeo dos entrevistados com a pesquisadora uma vez

que estes satildeo pessoas ocupantes de cargos em posiccedilatildeo hieraacuterquica estrateacutegica com uma

demanda complexa e tempo disponiacutevel reduzido

Foi realizado contato preacutevio com os sujeitos para prestar informaccedilotildees sobre o estudo

e verificar a sua aceitaccedilatildeo Inicialmente estavam previstas mais duas entrevistas a serem

realizadas com a Associaccedilatildeo Brasileira para o Estudo da Obesidade e Siacutendrome Metaboacutelica ndash

ABESO e Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura ndash FAO - a

primeira entidade ligada ao grupo da sociedade civil organizada e a segunda na qualidade

de organismo internacional Poreacutem devido a falta de confirmaccedilatildeo do agendamento da

entrevista ou da disponibilidade de horaacuterios natildeo coincidentes com os de outras entrevistas

as situaccedilotildees foram tratadas respectivamente como uma negaccedilatildeo impliacutecita e

impossibilidade Nos casos de concordacircncia foi encaminhado por mensagem eletrocircnica

documento institucional informando sobre o propoacutesito da pesquisa e a relevacircncia dos

dados a serem fornecidos pelos sujeitos representantes das instituiccedilotildees Em seguida

prosseguiu-se com o agendamento de acordo com a disponibilidade dos entrevistados

Paralelamente foi-lhes enviada uma carta-convite constando informaccedilotildees sobre a pesquisa

e os preceitos baacutesicos relativos agrave eacutetica em pesquisa Para a efetivaccedilatildeo do total de treze

entrevistas foi necessaacuterio o envio de mais de uma centena de mensagens eletrocircnicas e

inuacutemeros contatos telefocircnicos

O local de realizaccedilatildeo da entrevista dependeu da indicaccedilatildeo do entrevistado e em quase

a totalidade foi efetuada no seu proacuteprio ambiente de trabalho Antes de iniciar as

entrevistas o entrevistado foi informado sobre o objetivo do estudo a gravaccedilatildeo o sigilo das

41

informaccedilotildees o uso dos dados para fins acadecircmicos o anonimato dos entrevistados e em

seguida foram feitos os procedimentos de leitura e assinatura do Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido conforme determinado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade de

Brasiacutelia

A entrevista foi interpessoal um a um mediante o uso de um roteiro semiestruturado

e de um gravador de voz digital e teve duraccedilatildeo de aproximadamente uma hora O roteiro da

entrevista constituiu-se em um modelo uacutenico de forma a permitir confrontar os discursos

dos entrevistados sobre os diferentes aspectos do tema investigado As questotildees abertas

foram elaboradas tomando-se como referecircncia os objetivos e as perguntas de investigaccedilatildeo

para reduzir as possibilidades de desvio do foco da pesquisa (Quadro 1) Esse tipo de

questatildeo permite que os sujeitos abordem com certa liberdade o que consideram mais

importante sobre o tema

42

QUADRO 1 Quadro comparativo entre as questotildees objetivos e perguntas das entrevistas

Questotildees Objetivos Perguntas da Entrevista Quais satildeo os riscos dos alimentos reconhecidos por estes sujeitos que podem levar a sociedade a desenvolver doenccedilas crocircnicas

Geral Analisar a compreensatildeo dos diferentes sujeitos envolvidos na agenda de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo sobre os riscos emergentes dos alimentos e accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo envolvida com fins de contribuir para o seu aprimoramento

1Em sua opiniatildeo qual eacute a relaccedilatildeo entre os alimentos e a sauacutede 2Como o consumo de alimentos industrializados tem atuado na vida moderna 3Na atualidade quais satildeo os problemas de sauacutede associados aos alimentos que o (a) Sr (a) conhece Como podem ser evitados 4Quais as medidas necessaacuterias que o governo pode adotar para evitar doenccedilas relacionadas aos alimentos E o excesso de peso da populaccedilatildeo 5Como a vigilacircncia sanitaacuteria pode atuar sobre os alimentos industrializados em prol da sauacutede da populaccedilatildeo

Especiacuteficos Identificar os significados atribuiacutedos para os riscos emergentes dos alimentos e a sua relaccedilatildeo com a expansatildeo do mercado global de produtos alimentiacutecios

Como eacute aceita a regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos para conter o avanccedilo da obesidade e outras DCNT

Caracterizar a construccedilatildeo dos sentidos sobre a conduta e as medidas regulatoacuterias adotadas pelo poder puacuteblico para interferir nos produtos alimentiacutecios em funccedilatildeo da evoluccedilatildeo da obesidade e de outras DCNT Caracterizar nos discursos manifestos os interesses que permeiam a temaacutetica da accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios como estrateacutegia de intervir nos riscos dos alimentos

6Como avalia a estrateacutegia de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos industrializados pela vigilacircncia sanitaacuteria

Quais satildeo as estrateacutegias poliacuteticos-institucionais em andamento e os conflitos enfrentados pelos diferentes sujeitos para conter os riscos emergentes dos alimentos

Haacute um compromisso compartilhado por parte dos sujeitos para tornar o controle dos componentes nutricionais dos alimentos uma praacutetica institucional

Delimitar a partir dos enunciados extraiacutedos dos discursos as responsabilidades que cada um dos sujeitos atribui a si e aos demais o que se refere agrave prevenccedilatildeo e ao controle dos riscos emergentes dos alimentos

7Quais seriam as responsabilidades do governo e dos demais setores envolvidos no processo de regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos com fins de controlar o excesso de peso E a do seu setor

43

O protocolo de entrevista foi composto por trecircs partes a primeira contendo os

dados de identificaccedilatildeo do entrevistado (nome do entrevistado local data e-mail) a

segunda parte contendo as questotildees introdutoacuterias de aproximaccedilatildeo do pesquisador com o

entrevistado e a terceira contendo as questotildees do roteiro com um espaccedilo para registro

das informaccedilotildees (Anexo 1) Antes do iniacutecio do trabalho de campo foi realizado um preacute-

teste com trecircs sujeitos das instituiccedilotildees envolvidas para ajustar o roteiro o que resultou no

aprimoramento das questotildees elaboradas redefiniccedilatildeo da sequecircncia de perguntas entre

outros aspectos

As entrevistas foram fontes essenciais de informaccedilatildeo para este estudo sendo

efetuadas no periacuteodo de 26022013 a 06062013 nas cidades de Satildeo Paulo e de Brasiacutelia

A transcriccedilatildeo integral da gravaccedilatildeo foi efetuada pela proacutepria pesquisadora agrave medida

que as entrevistas foram realizadas As gravaccedilotildees foram digitalizadas em formato MP3 e

em seguida foi feita a conferecircncia pela proacutepria pesquisadora O sujeito entrevistado foi

identificado na transcriccedilatildeo pelo seu primeiro e uacuteltimo nomes e a sigla da instituiccedilatildeo sendo

anonimizado no texto final sendo referenciado por coacutedigo

Os coacutedigos foram constituiacutedos por letra e nuacutemero Os entrevistados do mercado do

poder puacuteblico e da sociedade civil tiveram o seu coacutedigo iniciado respectivamente pela letra

ldquoMrdquo ldquoPrdquo e ldquoSrdquo seguido de um nuacutemero especiacutefico para cada entrevistado do grupo em

questatildeo em ordem sequencial coincidente agrave da realizaccedilatildeo da entrevista

Foi instituiacutedo um Diaacuterio de Pesquisa para registro de todas as informaccedilotildees

comentaacuterios ideias e percepccedilotildees sobre o estudo em curso bem como as atividades

realizadas no cotidiano da pesquisa que foram utilizadas na elaboraccedilatildeo da redaccedilatildeo final

44

Plano de anaacutelise dos dados

O plano de anaacutelise das entrevistas foi desenvolvido por meio de uma adaptaccedilatildeo das

propostas estruturadas por Orlandi (2010) e Minayo (2006) e foi composto por trecircs

momentos distintos

a) Configuraccedilatildeo do corpus A partir de uma leitura exaustiva do material coletado (as

entrevistas transcritas) foram feitos recortes do texto e seu agrupamento em quatro temas

geneacutericos considerando os objetivos da tese e o roteiro da entrevista a saber inter-relaccedilatildeo

alimento e sauacutede na vida atual acordo e regulaccedilatildeo atuaccedilatildeo multisetorial do governo e

compromissos dos sujeitos com o tema Em seguida os trechos relevantes das transcriccedilotildees

foram organizados segundo os quatro temas geneacutericos e a depender dos espaccedilos

institucionais em que se inscrevem poder puacuteblico mercado sociedade civil organizada e

organismo internacional A partir da anaacutelise especiacutefica de cada tema construiu-se o

discurso-objeto

b) Discurso-objeto Ao se postular que os objetos de discurso satildeo construiacutedos

negociados e enriquecidos progressivamente pela proacutepria atividade discursiva esse

material foi estruturado enquanto discurso-objeto e suporte de anaacutelise a partir de

enunciados matriz considerados transversais ao conjunto das transcriccedilotildees Esses

enunciados matriz foram extraiacutedos a partir das recorrecircncias de ideias identificadas nos

textos transcritos observando as caracteriacutesticas em termos de similaridades ou

divergecircncias conflitos e contradiccedilotildees nos argumentos utilizados para construir as

significaccedilotildees

c) Discurso Por meio do uso do referencial teoacuterico a elaboraccedilatildeo desses enunciados

matriz extraiacutedos constituiu a base para a reconstruccedilatildeo analiacutetica dos discursos e a

explicitaccedilatildeo dos interesses poliacutetico-ideoloacutegicos dos sujeitos quanto agraves questotildees centrais

deste estudo riscos dos alimentos e regulaccedilatildeo

45

Concluiacutedos os discursos momento de siacutentese entre os dados empiacutericos e a teoria

estes foram integrados a uma anaacutelise socio-histoacuterica para encerrar o modelo teoacuterico

proposto por Thompson (2000) e esclarecer o objeto em anaacutelise em sua complexidade ou

seja realizar a sua reinterpretaccedilatildeo

Para representar de forma sinteacutetica a multiplicidade de discursos em torno do campo

semacircntico em questatildeo utilizou-se o modelo do Quadrado semioacutetico proposto por Greimas

(1970) e apresentado por Barros (2005) o qual consiste de uma representaccedilatildeo visual da

articulaccedilatildeo loacutegica das estruturas elementares extraiacutedas dos textos e que fundamentam o

percurso gerativo do discurso Quadrado semioacutetico constroacutei-se a partir da relaccedilatildeo entre

dois termos marcados pela oposiccedilatildeo ou diferenccedila e dos seus contraditoacuterios Estes quatro

termos situados em quatro posiccedilotildees distintas formam relaccedilotildees entre si de contrariedade

(eixo horizontal) complementariedade (eixo vertical) e de contradiccedilatildeo (cruzamentos)

(BARROS 2005)

46

2 ALIMENTOS E RISCOS Agrave SAUacuteDE

21 O comensal contemporacircneo da alimentaccedilatildeo ao produto alimentiacutecio

A alimentaccedilatildeo para os indiviacuteduos extrapola um simples ato de instinto de

sobrevivecircncia Ela condensa um jogo complexo de significaccedilotildees simboacutelicas e materiais

proacuteprias da natureza humana que articula simultaneamente trecircs condiccedilotildees responde agrave

necessidade bioloacutegica expressa comportamento cultural e representa interaccedilatildeo em

ambiente social Trata-se de um fenocircmeno que em si conjuga a reproduccedilatildeo bioloacutegica agrave

social dos grupos humanos realizando-se envolto por um repertoacuterio de representaccedilotildees

crenccedilas e haacutebitos que conforma o universo cultural (CONTRERAS GRACIA 2011)

Nesse contexto a alimentaccedilatildeo humana eacute o encontro da natureza e da cultura (MACIEL

2005) O ritual das escolhas haacutebitos e praacuteticas alimentares deriva de um saber construiacutedo

coletivamente acumulado e transmitido de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo poreacutem natildeo completamente

inerte aos efeitos oriundos da dinacircmica social Essa particularidade cultural assumida pela

alimentaccedilatildeo que natildeo se desprende das origens e que se reproduz no transcurso da vida

social a converte em uma categoria histoacuterica (SANTOS 2005)

Assim atrelada ao indiviacuteduo ou aos grupos a tradiccedilatildeo alimentar se manteacutem para aleacutem

dos espaccedilos ou das transformaccedilotildees sociais ou seja perpassa a distacircncia fiacutesica ou temporal

relativa ao ambiente tiacutepico de sua circulaccedilatildeo natildeo obstante seja adaptaacutevel agraves novas formas

sabores e praacuteticas alimentares Esse mosaico cultural persistente constitui uma referecircncia

de alto valor simboacutelico que remete agrave origem e agrave memoacuteria gustativa e passa a compor a

identidade (PONS 2005)

Quanto agrave relaccedilatildeo identitaacuteria do alimento Pons (2005) afirma que ela comporta uma

dupla dimensatildeo biocultural tanto ldquo() como complexo gustativo compartilhado por um

grupo como um universo simboacutelico interiorizado que informa agravequeles que o compartilham os

47

limites entre a cultura e a natureza entre o que eacute proacuteprio e o que eacute distanterdquo Jaacute Fischler

(1988) ao tratar da identidade individual enfatiza o mecanismo de incorporaccedilatildeo que se

estabelece na relaccedilatildeo entre indiviacuteduo e o alimento o qual se realiza em duas esferas de

forma concomitante e sincronizada na esfera bioloacutegica quando o indiviacuteduo absorve o

alimento (nutrientes) e na esfera cultural quando ele eacute absorvido pelo alimento ou seja

incorporado de valores crenccedilas e representaccedilotildees de uma circulaccedilatildeo histoacuterica e simboacutelica

A tradiccedilatildeo alimentar natildeo eacute algo inato do indiviacuteduo a inculcaccedilatildeo se inicia ainda na

infacircncia a partir das experiecircncias obtidas com as sensaccedilotildees taacuteteis gustativas e olfativas

sobre o alimento consumido (CANESQUI GARCIA 2005) No entanto na era

contemporacircnea vaacuterios autores apontam que essa tradiccedilatildeo estaacute sendo abalada pelas

pressotildees comerciais e pelo ritmo da vida cotidiana (HAWKES 2002 CONTRERAS GRACIA

2011)

Sob uma perspectiva totalizadora a alimentaccedilatildeo eacute uma manifestaccedilatildeo bioloacutegica e

sociocultural O elemento bioloacutegico se circunscreve agrave nutriccedilatildeo ou seja aos requerimentos

nutricionais para o funcionamento ideal do organismo humano enquanto o elemento

sociocultural se evidencia nas escolhas alimentares as quais natildeo se sujeitam

exclusivamente pelas motivaccedilotildees econocircmicas apesar de serem fortemente determinadas

por elas (CONTRERAS GRACIA 2011) mas tambeacutem pela capacidade de representarem

significados sociais (CANESQUI GARCIA 2005) Isso eacute que possibilita a coexistecircncia de

distintos comportamentos alimentares nas diferentes sociedades

Merece ser ressaltado que a consolidaccedilatildeo desses comportamentos se processa em

circunstacircncias de tensotildees conflitos e pactos repercutindo da seguinte forma marcam as

semelhanccedilas e as diferenccedilas eacutetnicas e sociais classificam e hierarquizam as pessoas e os

grupos expressam concepccedilotildees de mundo e incorporam um grande poder de evocaccedilatildeo

simboacutelica (CONTRERAS GRACIA 2011)

A alimentaccedilatildeo assume um importante papel de marcador social que eacute facilmente

identificaacutevel Isso se revela pelo tipo quantidade esteacutetica forma de disposiccedilatildeo dos itens

48

alimentares e a maneira de consumi-los Esses aspectos constituem os traccedilos de distinccedilatildeo

entre os indiviacuteduos e os grupos Quando haacute remodelaccedilatildeo do estilo alimentar isto pode

significar uma estrateacutegia de aproximaccedilatildeo a niacuteveis superiores da escala social ou mesmo a

proacutepria ascensatildeo social como forma de se tornar idecircntico aos ldquooutrosrdquo do grupo

Ainda no alvorecer do seacuteculo XXI sob o ritmo acelerado da globalizaccedilatildeo a dicotomia

no campo do consumo alimentar das populaccedilotildees continua acirrada (FAO 2013) revelando

uma polarizaccedilatildeo entre aquelas que convivem com a abundacircncia e a diversidade alimentar e

outras que carecem de alimentos - em termos quantitativos e qualitativos - para o

atendimento de suas necessidades primaacuterias Poreacutem a maacute nutriccedilatildeo se instala nesses dois

polos expressando efeitos moacuterbidos opostos em virtude da maacute alimentaccedilatildeo ou da carecircncia

alimentar

No decorrer dos anos adicionam-se aos tradicionais problemas da falta de

distribuiccedilatildeo equacircnime dos alimentos os problemas relativos agrave qualidade em virtude dos

diferentes tipos de riscos agrave sauacutede que lhes satildeo imputados como as doenccedilas transmitidas

pelos alimentos e a obesidade e demais doenccedilas crocircnicas a ela correlacionadas Segundo

Contreras (2005) tal fato motivou uma redefiniccedilatildeo do conceito de seguranccedila alimentar

para se contrapor aos ditames alimentares que regem a loacutegica social dominante Agora este

passa a ser sustentado sob trecircs pilares acesso aos alimentos como um direito humano

garantia dos alimentos em termos quali-quantitativos e praacuteticas alimentares coerentes com

as tradiccedilotildees culturais e ambientalmente sustentaacuteveis (MALUF 2007)

Atento a esse conceito merece aqui se destacar alguns fatos sociais que se apresentam

como ameaccediladores do patrimocircnio imaterial que condensa as crenccedilas a culinaacuteria e os

haacutebitos de consumo constituiacutedo pela pluriculturalidade alimentar Como consequecircncia as

tradiccedilotildees culturais alimentares podem desestabilizar-se e inclusive extinguir-se no

decurso do tempo

Nos uacuteltimos anos vaacuterios artigos relatam as tendecircncias nos paiacuteses industrializados

dirigidas agrave homogeneizaccedilatildeo do consumo alimentar (CONTRERAS GRACIA 2011 GARCIA

49

2003) mudanccedilas draacutesticas do padratildeo de consumo e dos haacutebitos alimentares no mundo em

desenvolvimento (UUSITALLO PIETINEN PEKKA 2002) e aumento da incidecircncia mundial

de doenccedilas relacionadas agrave dieta (CHOPRA 2002 WHO 2003b) trazendo agrave tona uma nova

problemaacutetica no campo alimentar Isso surge em um cenaacuterio onde haacute uma urbanizaccedilatildeo

acelerada modernizaccedilatildeo tecnoloacutegica maior participaccedilatildeo da mulher no mercado de

trabalho concomitante ao aumento da concentraccedilatildeo e do poder das grandes corporaccedilotildees

que barateiam seus produtos e os integram ao mercado internacional Esse conjunto

articulado estaacute produzindo impactos na sauacutede global desta e das futuras geraccedilotildees

(UUSITALLO PIETINEN PEKKA 2002)

Conforme exposto eacute no centro dessas mudanccedilas soacutecio-poliacuteticas e econocircmicas que a

pluriculturalidade alimentar estaacute perdendo a sua solidez Bourdieu (2001) afirma que os

bens culturais na sociedade contemporacircnea neoliberal se encontram em perigo pela forccedila

motriz do mercado e a cultura alimentar se enquadra perfeitamente em sua anaacutelise O

referido autor ressalta que primeiro se deve desfazer da ilusatildeo de que as inovaccedilotildees

tecnoloacutegicas e os empreendimentos econocircmicos aumentam a quantidade e a qualidade dos

bens culturais oferecidos e a satisfaccedilatildeo do consumidor como advogam os defensores do

capital pois o que circula de fato eacute uma mercadoria com fins lucrativos e indiferente aos

laccedilos com a histoacuteria ou com a identidade de um grupo Segundo tambeacutem eacute necessaacuterio

romper com o mito de que a diferenciaccedilatildeo e a diversificaccedilatildeo extraordinaacuteria dos produtos se

opotildeem agrave uniformizaccedilatildeo da oferta tanto em escala nacional como internacional pois a

concorrecircncia natildeo diversifica - e sim homogeniza - em busca de produtos aceitaacuteveis para o

ldquopuacuteblico maacuteximordquo de todos os paiacuteses Para concluir o autor argumenta que eacute necessaacuterio

reforccedilar que a loacutegica do lucro sobretudo a do curto prazo eacute a estrita negaccedilatildeo da cultura

Diante da perspectiva da homogeneizaccedilatildeo cultural desencadeada pela globalizaccedilatildeo

impor obstaacuteculos contra a dissoluccedilatildeo da pluriculturidade alimentar entendida como o

entrecruzamento de praacuteticas simboacutelicas e culturais introjetadas pelos indiviacuteduos na esfera

da alimentaccedilatildeo pode repercutir positivamente tanto no campo gastronocircmico como nos

benefiacutecios agrave sauacutede Isso porque a existecircncia de uma variedade das preparaccedilotildees alimentiacutecias

50

compostas por alimentos saudaacuteveis permite alcanccedilar um equiliacutebrio nutricional na dieta e

promover a sauacutede

Indubitavelmente eacute a expansatildeo transnacional das corporaccedilotildees de alimentos com suas

muacuteltiplas estrateacutegias de sustentaccedilatildeo que leva agrave destruiccedilatildeo da base alimentar agrave perda da

biodiversidade e agrave inseguranccedila dos alimentos concorrendo assim para a destruiccedilatildeo da

cultura alimentar local (PHILLIPS 2006) Os elos firmados entre induacutestria-campo sob o

domiacutenio da primeira atrelando a garantia da compra do produto ao cumprimento restrito

das imposiccedilotildees teacutecnicas de produccedilatildeo tem desmantelado a produccedilatildeo agriacutecola de pequeno

porte fazendo-a perder a diversidade e a autonomia de cultivar os alimentos tradicionais

Isto porque o oligopoacutelio que governa o sistema alimentar mundial segundo Stuckler amp

Nestle (2012) dita o que se come e como se come

Desse modo o advento da pandemia da obesidade eacute um dos sinais das contradiccedilotildees

dessa conformaccedilatildeo empresarial global A evidente associaccedilatildeo entre dietas densamente

energeacuteticas com a obesidade e outras comorbidades possibilita identificar os estilos de

dietas ocidentalizadas como fatores de risco para este agravo (CHOPRA 2002 WHO

2003b) A partir daiacute surge a preocupaccedilatildeo com as bebidas carbonatadas e as comidas

raacutepidas que satildeo os motores das corporaccedilotildees globais americanas Tais produtos estatildeo se

tornando mais prevalentes na dieta global em grande parte devido agrave penetraccedilatildeo intensiva

das multinacionais nos paiacuteses inclusive dentro dos mercados emergentes dos grandes

centros urbanos dos paiacuteses de meacutedia e baixa renda (HAWKES 2002)

Em decorrecircncia da urbanizaccedilatildeo Gracia (2005) afirma que o cotidiano alimentar do

comensal contemporacircneo sofreu alteraccedilotildees substanciais as refeiccedilotildees passaram a ser

estruturadas pelo tempo socializadas apenas em condiccedilotildees de lazer substituiacutedas por

snacks em situaccedilotildees de intensa atividade laboral e quando realizadas no ambiente

domeacutestico satildeo compostas por produtos industrializados Forccedilados agrave racionalizar o tempo e

agrave lidar com as circunstacircncias desgastantes do trabalho (distacircncias horaacuterios transportes) a

realizaccedilatildeo de refeiccedilotildees extradomiciliares em restaurantes cafeacutes e bares inclusive com o

consumo de fast-foods constitui uma regra para muitos indiviacuteduos

51

Os produtos ultraprocessados destacam-se no universo dos gecircneros alimentiacutecios

industrializados natildeo saudaacuteveis Satildeo produtos derivados de ingredientes industrializados

constituiacutedos de oacuteleos gorduras amidos e accediluacutecares aleacutem de uma associaccedilatildeo de aditivos para

tornaacute-los palataacuteveis (MONTEIRO 2009 MONTEIRO et al 2013) Assim forma-se uma

mistura que mimetiza o sabor e o olor do alimento permitindo ao consumidor reconhececirc-la

como um produto comestiacutevel Produtos dessa natureza com composiccedilatildeo nutricional

desbalanceada rica em calorias e pobre em nutrientes estrateacutegicos e altamente

estimulantes do consumo satildeo os que acarretam efeitos negativos agrave sauacutede Na visatildeo de

Monteiro amp Cannon (2012) esses produtos satildeo tatildeo prejudiciais agrave sauacutede como o satildeo o

cigarro e o aacutelcool a despeito de suas particularidades

Com o surgimento do fast-food se ofertam comidas de consumo raacutepido em

embalagens praacuteticas e em geral desbalanceadas em termos nutricionais poreacutem

condizentes com o ritmo e o tempo restritos que satildeo impostos agraves refeiccedilotildees Eacute o tipo de

alimento preferido pelos adolescentes distribuiacutedo por grandes redes comerciais inclusive

transnacionais que se utilizam de estrateacutegias de marketing agressivas - associando o seu

consumo a uma imagem de elevaccedilatildeo do status social e de um estilo de vida moderno - para

criar demandas e consolidar mudanccedilas de haacutebitos alimentares (HAWKES 2002)

Garcia (2003) denomina esse contexto de ldquocomensalidade contemporacircneardquo

especialmente pela avaliaccedilatildeo de escassez de tempo para o preparo e consumo de alimentos

e a oferta abundante e diversificada de itens alimentares de preparaccedilatildeo raacutepida praacutetica Isso

eacute o que estaacute moldando os comportamentos alimentares dos paiacuteses industrializados

(CONTRERAS 2005) e dos emergentes (HAWKES 2002) de forma bastante acelerada

graccedilas agraves reforccediladas estrateacutegias de publicidade e marketing das empresas de alimentos que

ofuscam as referecircncias culturais

Para que o consumidor estabeleccedila laccedilos de pertencimento com o alimento

industrializado haacute que se preencher o ldquovaziordquo inerente ao produto artificializado e fazecirc-lo

se aproximar dos elementos comestiacuteveis da natureza Poreacutem cada vez mais a tecnologia

torna este produto menos identificaacutevel pelos oacutergatildeos dos sentidos devido agraves caracteriacutesticas

52

organoleacutepticas modificadas ao invoacutelucro que o conteacutem ficando reduzido agrave aparecircncia e agrave

representaccedilatildeo apesar do empenho das induacutestrias em mascaraacute-lo para que se aproxime do

alimento natural Para FISCHLER (1998) a falta de conhecimento do consumidor moderno

sobre o modo de produccedilatildeo a origem e a histoacuteria do alimento cria uma situaccedilatildeo de

desconforto dominada pela incerteza desconfianccedila e ansiedade

No entanto as criacuteticas atribuiacutedas ao produto alimentiacutecio industrializado extrapolam

as suas interferecircncias nas praacuteticas e nas representaccedilotildees alimentares tradicionais Sabe-se

que a introduccedilatildeo de produtos alimentiacutecios na rotina alimentar dos indiviacuteduos natildeo eacute

resultado de escolhas estritamente racionais mas influenciadas pelo contexto social

dinacircmico da vida cotidiana que condiciona essas escolhas (DELORMIER FROHLICH

POTVIN 2009) O cerne do problema eacute que haacute um conjunto especial de produto alimentiacutecio

amplamente ofertado e muito consumido pela populaccedilatildeo mundial completamente

artificializado intensamente divulgado envolvido em uma seacuterie de malefiacutecios agrave sauacutede de

custo muito reduzido composiccedilatildeo nutricional desbalanceada com tracircnsito comercial

desprovido de barreiras regulamentares e de alta rentabilidade para as empresas

transnacionais Produtos estes de alto risco para a sauacutede global frente ao seu

envolvimento com a pandemia da obesidade e DCNT associadas (WHO 2002a) Satildeo os

chamados produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis (WHO 2003b) designaccedilatildeo esta que seraacute

utilizada ao longo deste trabalho cujos atributos seratildeo explorados nos capiacutetulos

posteriores

A alimentaccedilatildeo eacute capaz de produzir muacuteltiplos efeitos na vida dos indiviacuteduos e da

coletividade aproximando-os ou distanciando-os dos traccedilos culturais do perfil de sauacutede e

do equiliacutebrio psicossocial A globalizaccedilatildeo do mercado de alimentos libera as barreiras para

permitir o livre tracircnsito de seus produtos e desrespeita a diversidade da cultura alimentar

dos grupos populacionais Ela eacute ainda capaz de eliminar qualquer obstaacuteculo que contrarie o

seu propoacutesito de ldquomassificaccedilatildeo do consumordquo de racionalizaccedilatildeo do processo produtivo e de

dissimulaccedilatildeo das diferenccedilas sociais Enfim ela age removendo qualquer entrave agrave loacutegica

desse modelo econocircmico para incrementar seus lucros

53

Assim o caminho eacute revitalizar os estilos alimentares locais inclusive em espaccedilos de

consumo estrateacutegicos (restaurantes comunitaacuterios cantinas escolares creches entre

outros) como forma de resgatar o valor simboacutelico da alimentaccedilatildeo e diminuir a

possibilidade de dispersatildeo de histoacuterias e culturas assim como o risco de doenccedilas em

decorrecircncia de uma praacutetica de mercado predadora Qualquer incentivo a mudanccedilas que

permitam o retorno a uma dieta equilibrada mesclada com alimentos naturais saudaacuteveis e

culturalmente aceitaacuteveis realizada em ambiente de compartilhamento eacute vaacutelido para

reconquistar esse valor cultural-alimentar associado agrave sauacutede e portanto agrave melhoria da

qualidade de vida

22 O panorama diversificado dos riscos dos alimentos

A dinacircmica social que impulsiona as transformaccedilotildees no sistema de produccedilatildeo e

comercializaccedilatildeo de alimentos causa inuacutemeras repercussotildees a despeito de aumentar a

disponibilidade de alimentos (WHO 2000) Entre essas repercussotildees estatildeo a manutenccedilatildeo

de elevadas taxas de pobreza em certas regiotildees do planeta (FAO 2013a) modificaccedilatildeo no

estilo de vida e no cotidiano das praacuteticas alimentares das populaccedilotildees e intensificaccedilatildeo e

diversificaccedilatildeo dos riscos dos alimentos (WHO 2003b) Fatos esses que desestabilizam a

condiccedilatildeo de sauacutede individual ou coletiva ao longo das deacutecadas Os efeitos adversos

decorrem das caracteriacutesticas dos alimentos e ou da intensidade do seu consumo aferidos

em termos de quantidade de qualidade e da conjunccedilatildeo de ambos Com base nesses

paracircmetros eacute possiacutevel caracterizar sinteticamente trecircs grandes grupos de riscos que

afetam a sauacutede da coletividade fomedesnutriccedilatildeo doenccedilas transmitidas por alimentos e

obesidadedoenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis ndash DCNT

No que tange ao risco da fomedesnutriccedilatildeo constata-se que eacute um fenocircmeno social que

acompanha a histoacuteria da humanidade praticamente circunscrito aos grupos socialmente

excluiacutedos pelo modelo econocircmico e que habitam nas diferentes regiotildees do mundo Esse

problema natildeo reside na incapacidade da produccedilatildeo mundial de alimentos de abastecer a

54

populaccedilatildeo planetaacuteria (FAO 2011a) mas no proacuteprio sistema global de produccedilatildeo e de

distribuiccedilatildeo de alimentos que natildeo estaacute comprometido para satisfazer as necessidades

nutricionais baacutesicas de todos

Segundo as estimativas da FAO cerca de 925 milhotildees de pessoas do planeta vivem em

situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar concentrando-se na Aacutefrica subsaariana Aacutesia e Paciacutefico

regiotildees profundamente afetadas pela crise econocircmica e pela crise dos alimentos do biecircnio

20072008 (FAO 2010) A escassez de alimentos decorrente dessa crise manteve os

estoques insuficientes para atender agrave demanda de alimentos de toda populaccedilatildeo cujo

reflexo foi a permanecircncia praticamente estaacutevel do contingente de subnutridos na Aacutesia

Poreacutem na Aacutefrica houve o aumentou face a sua condiccedilatildeo de dependecircncia das importaccedilotildees

indisponibilidade de estoque de alimentos suficientes e de recursos orccedilamentaacuterios para

proteger adequadamente a seguranccedila alimentar dos mais vulneraacuteveis (FAO 2011b)

Quanto agrave desnutriccedilatildeo infantil o recente panorama global traccedilado pela Organizaccedilatildeo

Save the Children Fund (2012) revela que 90 das crianccedilas desnutridas do mundo se

concentram em 36 paiacuteses estima-se que 170 milhotildees delas sofrem de desnutriccedilatildeo crocircnica e

mais de 26 milhotildees morrem por ano devido a esta doenccedila A persistecircncia da fome e da

desnutriccedilatildeo resulta do acesso inadequado aos alimentos por falta de renda pela condiccedilatildeo

de pobreza dos indiviacuteduos socialmente excluiacutedos e economicamente marginalizados (FAO

2012) sendo reflexo das condiccedilotildees estruturais da sociedade Apesar desse cenaacuterio

desolador no transcurso das deacutecadas de 60 a 90 foi registrada uma queda de 10 no total

de pessoas em paiacuteses em desenvolvimento que tecircm uma dieta alimentar diaacuteria inferior a

2100 calorias per capita (SEIPEL 1999) embora vaacuterias centenas de milhotildees de pessoas no

mundo ainda continuem com a sua sobrevivecircncia ameaccedilada

No Brasil os resultados comparativos entre as pesquisas nacionais10 realizadas entre

as deacutecadas de 70 a 90 demonstraram que houve um decliacutenio de 72 na prevalecircncia

desnutriccedilatildeo infantil (BATISTA FILHO amp RISSIN 2003) Entretanto as poliacuteticas sociais de

seguranccedila alimentar e nutricional implementadas no iniacutecio deste milecircnio foram

10 No Brasil foram realizadas neste periacuteodo trecircs pesquisas de abrangecircncia nacional O Estudo Nacional de Despesas Familiares-ENDEF nos anos de 197475 a Pesquisa Nacional de Sauacutede e Nutriccedilatildeo ndash PNSN em 1989 e a Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede ndashPNDS nos anos de 199596

55

fundamentais para a reduccedilatildeo da pobreza e simultaneamente para a melhoria do estado

nutricional uma vez que no periacuteodo de 2003 a 2009 foram retiradas da pobreza acima de

20 milhotildees de pessoas (DEL GROSSI 2010) Efeitos que se refletem nas baixas prevalecircncias

de desnutriccedilatildeo crocircnica (deacuteficit de altura) em menores de 5 anos de idade cujos valores

alcanccedilaram 63 e 57 respectivamente para o sexo masculino e feminino (BRASIL

IBGE 2010) Com isso essa doenccedila deixa de ser considerada no Brasil como um problema

de sauacutede puacuteblica conforme classificaccedilatildeo da OMS11 (WHO 2013a)

No primeiro grupo de riscos da era contemporacircnea situam-se as doenccedilas

transmitidas por alimentos - DTA12 cuja anaacutelise se restringe agravequelas relacionadas aos

produtos alimentiacutecios e agraves refeiccedilotildees extradomiciliares que correspondem agraves novas praacuteticas

alimentares adotadas em um contexto de urbanizaccedilatildeo Trata-se entatildeo de mapear os

distintos riscos dos veiacuteculos alimentares na esfera local e internacional e os impactos agrave

sauacutede

Em 1984 a OMS considerou as DTA como um dos problemas mais amplos de sauacutede

puacuteblica no mundo contemporacircneo doenccedilas essas responsaacuteveis por causar impactos sociais

e econocircmicos devido agraves consequecircncias em termos de doenccedilas oacutebitos e ou incapacidades

pela condenaccedilatildeo rejeiccedilatildeo e perda de produtos afetando o mercado internacional e pela

reduccedilatildeo das atividades de turismo (WHO 1984) As preocupaccedilotildees com a seguranccedila do

alimento consistem em evitar a contaminaccedilatildeo bioloacutegica (microrganismos parasitos) fiacutesica

e quiacutemica (resiacuteduos de aditivos pesticidas biotoxinas) mediante o controle dos pontos

criacuteticos de toda cadeia produtiva que pode ser feito com a qualificaccedilatildeo teacutecnica aplicaccedilatildeo de

meacutetodos de controle inspeccedilotildees sanitaacuterias regulares educaccedilatildeo alimentar entre outras

medidas

11 A OMS considera a desnutriccedilatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica quando ela atinge 20 ou mais da populaccedilatildeo 12 As DTA incluem as doenccedilas diarreicas causadas pela contaminaccedilatildeo dos alimentos proporcionada pelas condiccedilotildees insalubres de vida (moradia desprovida de aacutegua potaacutevel esgotamento sanitaacuterio equipamento de frio etc) associadas agraves informaccedilotildees limitadas sobre higiene Em inglecircs essas doenccedilas satildeo designadas como Foodborne disease definidas como doenccedilas causadas pela ingestatildeo de alimentos contaminados por microrganismos patogecircnicos contaminantes quiacutemicos e biotoxinas (WHO 2007)

56

Transcorridos quase 40 anos as mudanccedilas climaacuteticas aparecem natildeo apenas com o

potencial de diminuir os suprimentos alimentares mas tambeacutem de aumentar a

contaminaccedilatildeo toacutexica e microbiana dos alimentos (HALL DrsquoSOUZA amp KIRK 2002)

Paralelamente acelera-se o aprimoramento das tecnologias de produccedilatildeo e fabricaccedilatildeo de

alimentos destinadas a criar e diversificar insumos e produtos incrementar a rentabilidade

agropecuaacuteria expandir a rede de distribuiccedilatildeo de produtos aleacutem de outros benefiacutecios

econocircmicos com vistas a elevar a produtividade ampliar os negoacutecios e os ganhos de capital

das empresas e dos seus conglomerados

Nesse contexto distintos agentes causais emergiram inclusive modalidades

inusitadas provocando doenccedilas com sintomatologia grave e rara como foi o caso dos

priacuteons responsaacuteveis pela Encefalopatia Espongiforme Bovina-BSE (Doenccedila da Vaca Louca)

doenccedila neuro-degenerativa fatal diagnosticada em 1996 no Reino Unido (WHO 1999)

onde foram registrados 39 casos Ainda em 1994 um agente bacteriano jaacute conhecido

converteu-se em um novo patoacutegeno emergente E Coli O157H7 que provocou surto nos

Estados Unidos (ARMSTRONG HOLLINGSWORTH amp GLENN MORRIS 1996) e mais tarde

registrou-se um outro episoacutedio de surto marcante envolvendo o hambuacuterguer

indevidamente cozido (KING et al 2009)

Segundo Weiss amp McMichael (2004) a multiplicidade de efeitos da globalizaccedilatildeo como

o processo de urbanizaccedilatildeo acentuada crescimento de aacutereas residenciais perifeacutericas densas

e precaacuterias aumento do volume do comeacutercio mudanccedila de haacutebitos de consumo invasatildeo de

ambientes naturais para exploraccedilatildeo agropecuaacuteria mudanccedilas climaacuteticas e desenvolvimento

tecnoloacutegico massivo cria um cenaacuterio que propicia novos contatos da fauna silvestre com os

humanos e facilidades de infecccedilatildeo cruzada entre as espeacutecies desencadeando risco de

disseminaccedilatildeo de doenccedilas infecciosas emergentes

O ritmo intenso do comeacutercio internacional de alimentos nem sempre resulta em

benefiacutecios agrave coletividade pois eleva o risco de transmissatildeo de doenccedilas infecciosas cruzando

fronteiras uma vez que o alimento reuacutene simultaneamente duas importantes

caracteriacutesticas ser a principal commodity comercial e excelente veiacuteculo de transmissatildeo de

doenccedilas (KAumlFERSTEIN MOTARJEMI amp BETTCHER 1997) Assim surtos transcontinentais

57

envolvendo produtos semiprocessados e processados satildeo frequentemente registrados

(TAUXE 1996 HALL DrsquoSOUZA amp KIRK 2002) Produtos como amendoins importados e

contaminados com salmonela se encarregam de propagar surtos em quatro paiacuteses de trecircs

continentes distintos desencadeando alerta internacional (KIRK et al 2004) Surto de

hepatite A devido a morangos congelados contaminados decorre de produccedilatildeo

compartilhada entre dois paiacuteses (HUTIN et al 1999) Novos alimentos agora comeccedilam a ser

implicados em surtos como brotos de sementes que satildeo incorporados aos haacutebitos

alimentares (TAORMINA BEUCHAT amp SLUTSKER 1999)

Nesse contexto os alimentos jaacute provaram que podem ser objetos potenciais de riscos

natildeo apenas por albergar microrganismos ou partiacuteculas patogecircnicas e carrear

contaminantes quiacutemicos como poluentes e pesticidas mas pelas alteraccedilotildees intriacutensecas

geradas pelas novas tecnologias que deram origem aos alimentos geneticamente

modificados ou que acarretam resistecircncia antimicrobiana nos agentes bioloacutegicos

(SCALLAN 2007)

Quanto ao desenvolvimento industrial certas atividades econocircmicas geram os

poluentes orgacircnicos persistentes - POP que incluem muitos pesticidas organoclorados

quiacutemicos industriais e subprodutos de certos processos industriais aleacutem de resiacuteduos de

incineraccedilatildeo Satildeo os bifenil policlorados dioxinas e furanos - substacircncias altamente

prejudiciais a sauacutede que podem persistir no solo nos sedimentos e nos depoacutesitos desses

resiacuteduos por deacutecadas e ateacute seacuteculos bem como podem ser carreadas a longas distacircncias

pela corrente aeacuterea e aquaacutetica global Essas fontes de poluentes as histoacutericas e as atuais

contaminam a cadeia alimentar animal e humana raccedilotildees de animais ovos frangos peixes

frutos do mar conforme tem sido documentado em certos paiacuteses europeus (WHO 2014)

Dessa forma os alimentos satildeo a principal fonte de exposiccedilatildeo humana a esses contaminantes

(WEBER et al 2008)

Estudo sobre a dieta constituiacuteda da cesta baacutesica americana composta por alimentos

frescos e processados constatou que os resiacuteduos de POP estavam presentes em 10 das

amostras e que ainda continham resiacuteduos de dieldrin Aleacutem disso resiacuteduos de DDT

(diclorodifeniltricloroetano) e de seus metaboacutelitos estavam presentes em mais de 20 das

58

amostras testadas nos anos de 1998 e 1999 ambos os inseticidas proibidos desde o iniacutecio

da deacutecada de 70 (SCHAFER KEGLEY 2002) Segundo o relatoacuterio teacutecnico da OMS (2003a)

esse grupo de substacircncias pode ocasionar efeitos graves como cacircncer alteraccedilatildeo da funccedilatildeo

imunoloacutegica disfunccedilatildeo reprodutiva alteraccedilotildees neuroloacutegicas e no desenvolvimento fiacutesico

No que se refere aos alimentos geneticamente modificados alguns estudos concluem

que embora essa tecnologia aplicada aos alimentos amplie a capacidade de produccedilatildeo esta

apresenta riscos em potencial que requerem investigaccedilotildees adicionais para confirmar a sua

seguranccedila sanitaacuteria (BAKSHI 2003 COSTA et al 2011) Quantos aos efeitos agrave sauacutede Bakshi

(2003) destaca as alergias alimentares e outros efeitos devido agrave exposiccedilatildeo agraves novas

proteiacutenas introduzidas nesses alimentos e resistecircncia antimicrobiana devido agrave

recombinaccedilatildeo de genes desse alimento com os das bacteacuterias patogecircnicas seja no ambiente

ou no trato intestinal do comensal Esses foram alguns dos motivos que compuseram o

arsenal de argumentos para a rejeiccedilatildeo do milho BT Novartis pela Europa

A resistecircncia bacteriana em patoacutegenos presentes nos alimentos eacute outra preocupaccedilatildeo

internacional Em funccedilatildeo disso o Codex Alimentarius (FAO WHO 2005) aprovou um coacutedigo

de praacuteticas com o objetivo de minimizar os efeitos adversos agrave sauacutede puacuteblica resultante do

uso de agentes microbianos nos alimentos produzidos a partir de animais No Marrocos a

anaacutelise de 11516 amostras distribuiacutedas entre carne bovina frango aacutegua e frutos do mar

pimenta entre outros revelou que 105 (091) delas foram positivas para Salmonella e 25

delas exibiram resistecircncia a no miacutenimo um antimicrobiano testado (BOUCHRIF et al

2009)

Embora consumir frutas e hortaliccedilas constitua uma opccedilatildeo valorizada por ser um tipo

de consumo saudaacutevel tais alimentos natildeo estatildeo isentos de riscos No Brasil os resultados

analiacuteticos do total de 2488 amostras de frutas e legumes analisadas no ano de 2010

revelaram que em 35 delas havia a presenccedila de resiacuteduos devido agrave natildeo observacircncia dos

prazos de carecircncia especificados para o correto uso do pesticida 28 apresentaram

resiacuteduos de pesticidas natildeo autorizados ou se autorizados ultrapassaram os limites

maacuteximos permitidos E ainda do total de 18 alimentos amostrados cinco deles - pimentatildeo

pepino morango cenoura e alface - apresentaram condenaccedilatildeo igual ou superior a 50 do

59

total analisado da categoria (BRASIL Anvisa 2011) Resultados que sugerem uma

exposiccedilatildeo da populaccedilatildeo a riscos diversos e complicaccedilotildees persistentes considerando o tipo

de agente em questatildeo (WHO 2002b)

Esse cenaacuterio da atualidade permeado de riscos dos alimentos provenientes de

agentes causais extriacutensecos tradicionais e inusitados produzindo efeitos moacuterbidos

diversificados agudos e crocircnicos parece que tende a perdurar e a amplificar-se no decorrer

dos anos pois satildeo reflexos dos antagonismos do modelo econocircmico global Soma-se ainda

nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a epidemia global da obesidade a qual tem uma relaccedilatildeo

direta com os alimentos se convertendo na atualidade em uma importante ameaccedila agrave sauacutede

puacuteblica devido agraves comorbidades implicadas (WHO 2000 VISSCHER SEIDELLL 2001)

A obesidade caracteriza-se por uma doenccedila crocircnica com caraacuteter amplamente

preventivo (WHO 2004a) ocasionada tanto pelo estilo de vida sedentaacuterio como pelo

consumo de dietas natildeo saudaacuteveis densamente energeacuteticas que juntos conformam um

ambiente altamente ldquoobesogecircnicordquo desequilibrando o balanccedilo energeacutetico dos indiviacuteduos e

contribuindo para o ganho excessivo de peso (PRENTICE 2005 WHO 2000 PINHEIROS

FREITAS CORSO 2004 CABALLERO 2007)

Destarte firma-se a ligaccedilatildeo entre a dieta alimentar e a etiologia da obesidade assim

como das outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis (CHOPRA 2002) De fato satildeo tipos

especiais de alimentos industrializados jaacute definidos anteriormente que ao participarem

sistematicamente da dieta habitual contribuem para os distuacuterbios na sauacutede (WHO 2004a)

Com isso configura-se o segundo grupo de riscos dos alimentos da atualidade - que

eacute o foco de atenccedilatildeo deste trabalho - no qual um importante fator causal estaacute

intrinsecamente ligado agrave composiccedilatildeo nutricional dos produtos alimentiacutecios Riscos que natildeo

derivam da introduccedilatildeo de um agente bioloacutegico quiacutemico ou fiacutesico que eacute carreado do exterior

para o produto alimentiacutecio mas que eacute intriacutenseco agrave sua proacutepria foacutermula e identidade Riscos

que desafiam este novo seacuteculo porque despertam tensotildees entre a liberdade dos agentes

econocircmicos transnacionais de criar produtos alimentiacutecios lucrativos e a necessidade de

compromisso com a preservaccedilatildeo da sauacutede da sociedade

60

Trata-se de produtos derivados de um mercado global de alimentos que desenvolveu

artifiacutecios para atender um grande puacuteblico das metroacutepoles urbanas com custos de produccedilatildeo

reduzidos por meio do uso de ingredientes pouco nobres na composiccedilatildeo dos alimentos

como gorduras e accediluacutecares tornando-os alimentos com alta densidade energeacutetica e

nutricionalmente pobres (POPKIN GORDON-LARSEN 2004 MONTEIRO 2009 UUSITALO

PIETIENEN PUSKA 2002) Tais produtos natildeo saudaacuteveis estatildeo envolvidos em um aparato

publicitaacuterio que ocupa os diferentes espaccedilos da vida cotidiana para estimular os indiviacuteduos

a criarem interesse por esse tipo de consumo alimentar (HARRIS et al 2009)

Enfim a economia de alimentos dirigida pela globalizaccedilatildeo dissemina efeitos variados

e contraditoacuterios que repercutem diretamente na sociedade Tecircm benefiacutecios por um lado

trazidos pelo aumento da disponibilidade de alimentos e da expansatildeo da sua variedade

(WHO 2002) e malefiacutecios por outro como a comercializaccedilatildeo de produtos natildeo saudaacuteveis e

natildeo seguros (ROBERTSON 2001 FAO 2013b) Esse conjunto de caracteriacutesticas amplia e

diversifica os riscos agrave sauacutede seja pela perda crescente da qualidade nutricional (WHO

2004a 2003b) ou seja pelo comprometimento da qualidade sanitaacuteria (WHO 2006) ou

ainda simultaneamente por essas duas dimensotildees com manifestaccedilotildees em niacutevel local e

global

Assim urgem medidas locais e internacionais em direccedilatildeo a uma abordagem integral e

dinacircmica dos riscos dos alimentos que sejam capazes de incorporar os aspectos sanitaacuterios e

nutricionais nas medidas de gestatildeo da qualidade promover a articulaccedilatildeo intersetorial das

instacircncias que tecircm interface com os alimentos e com a sauacutede e mobilizar outras partes

interessadas ndash a sociedade e o mercado ndash na perspectiva de alteraccedilatildeo do quadro

epidemioloacutegico atual

61

23 Riscos agrave sauacutede de um conceito matemaacutetico a uma construccedilatildeo sociopoliacutetica e

cultural

A noccedilatildeo de risco foi comumente empregada nos seacuteculos XVI e XVII para lidar com as

desventuras da natureza durante as expediccedilotildees mariacutetimas de exploraccedilatildeo movidas pelos

povos ocidentais (GIDDENS 2010) Era preciso prever os riscos mesmo que aferidos com

base em referecircncias restritas e aqueacutem do ldquomarrdquo do desconhecido para permitir ponderar

as vantagens e as desvantagens e tomar as decisotildees quanto agrave faccedilanha Desde essa eacutepoca

analisar riscos envolve incertezas caacutelculos anaacutelises e posicionamentos

Agora ldquoriscordquo tem sido utilizado em diferentes campos do conhecimento para

predizer tanto os eventos naturais como aqueles socialmente criados Com a sua aplicaccedilatildeo

as ideias de espaccedilo e tempo agregaram-se a de incerteza e passaram a compor a noccedilatildeo de

risco (GIDDENS 2010) A anaacutelise de um dado fenocircmeno de ldquoriscordquo implica caacutelculos

probabiliacutesticos feitos a partir da combinaccedilatildeo de um conjunto de fatores que simplificam a

complexa realidade onde regularmente este ocorre mantendo-se sempre ofuscados pelas

incertezas

De fato o risco natildeo se constitui entidade por si soacute a sua existecircncia depende da

caracterizaccedilatildeo do perigo ou do evento indesejado (EWALD 1991) Assim risco e perigo se

inter-relacionam e ao mesmo tempo se diferenciam O primeiro eacute uma ameaccedila objetiva

enquanto o segundo eacute o proacuteprio evento ou a presenccedila do agente causal desencadeador do

evento Poreacutem essa distinccedilatildeo se anula completamente na ausecircncia de alternativas ou de

possibilidades de atuaccedilatildeo livres de risco e nesse caso o risco eacute o perigo (LUHMANN1993)

Na sociedade contemporacircnea as transformaccedilotildees teacutecnico-industriais fomentadas pela

articulaccedilatildeo entre ciecircncia e tecnologia tecircm impulsionado a atualizaccedilatildeo e a reformulaccedilatildeo

acelerada de bens produtos e serviccedilos para atender a demanda induzida pelo mercado de

consumo e consequentemente para ampliar o capital (BAUMAN 1999 BECK 2002)

Impera um tipo de racionalidade econocircmica que se concentra unilateralmente no

62

incremento da produtividade e dos lucros e negligencia os riscos a ela vinculados (BECK

2002)

Eacute nesse contexto de desenvolvimento capitalista que novas modalidades de riscos

sociais eclodem como efeito reflexivo do processo tecnoloacutegico que se intensificam e se

diversificam em niacutevel individual e coletivo (GIDDENS 1991 BECK 2002) Segundo

Giddens (1991) essa reflexividade tecnoloacutegica deve-se agrave incapacidade de se controlar o

conjunto complexo de fatores envolvidos na realidade concreta quando da aplicaccedilatildeo

praacutetica do conhecimento cientiacutefico e das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas Nessas circunstacircncias os

riscos satildeo aqueles fatores que surgem de forma inesperada ou melhor os desvios da

norma

Eacute importante salientar que esses desvios que escapam do controle natildeo podem ser

reportados como limitaccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico pois satildeo os riscos condizentes com

a natureza intriacutenseca do proacuteprio saber (NARDOCCI 2002) Segundo a autora a verdade eacute

que o saber sempre eacute aproximado quando se explora um dado objeto em uma realidade

social dinacircmica e complexa

Entretanto essa instabilidade das descobertas cientiacuteficas que progridem sempre em

situaccedilotildees de incertezas em especial quando se trata de riscos revelando o caraacuteter mutaacutevel

da ciecircncia foi o que deu respaldo ao surgimento do Princiacutepio de Precauccedilatildeo Tal

instrumento se fundamenta na adoccedilatildeo de medidas de proteccedilatildeo contra os riscos mesmo que

natildeo haja dados cientiacuteficos seguros sobre eles (GIDDENS 2010) Com isso na ausecircncia da

explicaccedilatildeo cientiacutefica que decirc suporte agrave decisatildeo e agraves consequecircncias dos riscos imputados

ficam expliacutecitos os significados poliacuteticos que eles assumem (CARAPINHEIRO 2002)

delineados pelas vantagens e benefiacutecios atribuiacutedos para quem os produziu

Nesse sentido o risco passa a ser abordado sob um caraacuteter ambiacuteguo (BECK 2002

GIDDENS 2010) de representar por um lado a ousadia o desafio e o dinamismo

econocircmico da sociedade na busca pela produtividade e progresso e por outro os efeitos

63

dos impulsos tecnoloacutegicos que se concretizam sob a forma de prejuiacutezos danos e ameaccedilas

no sentido social e material

Contudo sob a oacutetica da doutrina neoliberal dominante os riscos satildeo elementos

constituintes inerentes agrave vida A norma eacute a concorrecircncia generalizada e o comportamento

esperado das empresas e dos indiviacuteduos eacute a superaccedilatildeo a qual depende da capacidade de

remover os obstaacuteculos dentro das possibilidades adotando certas precauccedilotildees Assim

descarta-se qualquer possibilidade de alegar-se a imparcialidade da ciecircncia e da teacutecnica

(BODSTEIN 2000) pois ambas satildeo devidamente sustentadas por bases poliacutetico-ideoloacutegicas

soacutelidas Em complementaccedilatildeo a isso reforccedila-se que os riscos pressupotildeem no outro extremo

benefiacutecios entendidos como vantagens ou lucros extraiacutedos da atividade econocircmica

(NARDOCCI 2002) apesar dos possiacuteveis efeitos adversos agrave sauacutede ou ao ambiente advindos

dessa atividade

Para Luhmann (1993) ldquoriscordquo e ldquoperigordquo satildeo atributos da regularidade precaacuteria da

vida em sociedade e emergem prioritariamente da atividade humana A sua presenccedila

denota possibilidades de falhas fracassos ou incapacidade de eliminaccedilatildeo dos agentes

causais que podem ter como desfecho doenccedilas e mortes Isso aponta a natureza

conflituosa dos riscos ora eacute algo que necessita de um controle constante e ora eacute algo cuja

aceitaccedilatildeo manteacutem o dinamismo da economia e da sociedade Como os riscos carregam

consigo instabilidade e incerteza impondo a necessidade de se fazer julgamentos e

escolhas ou seja de se tomar decisotildees poliacuteticas (NARDOCCI 2002) eles transformam-se

em uma construccedilatildeo sociocultural (CARAPINHEIRO 2002)

Tais premissas influenciaram a elaboraccedilatildeo dos conceitos de risco e perigo

estabelecidos pela FAO amp OMS (FAO OMS 2005) e que satildeo aplicados no acircmbito do controle

sanitaacuterio de alimentos Assim risco eacute a probabilidade de ocorrecircncia de um efeito nocivo agrave

sauacutede como consequecircncia da presenccedila de um ou mais perigos nos alimentos perigo eacute a

presenccedila do agente causal no alimento responsaacutevel por esse efeito A partir desses

conceitos duas consideraccedilotildees podem ser extraiacutedas primeiro essa concepccedilatildeo trata de

maneira reducionista o fenocircmeno na qual o ldquosocialrdquo se retira do cenaacuterio para que as

64

ciecircncias bioloacutegicas busquem o amparo do saber da matemaacutetica colocando esse saber como

central na construccedilatildeo do conceito e segundo a complexa e dinacircmica realidade

racionalizada em nuacutemeros cria uma imagem de que eacute possiacutevel controlar o todo

imprevisiacutevel Carapinheiro (2002) informa que eacute essa pretensa neutralidade do termo

ldquoriscordquo apoiada em caacutelculos probabiliacutesticos e sem a menccedilatildeo do caraacuteter social presente em

sua formaccedilatildeo eacute que o faz ter preferecircncia de uso em lugar do termo ldquoperigordquo

Assim quando o aparato teacutecnico-cientiacutefico eacute aplicado sobre os alimentos e os

converte em objetos potenciais de risco dois efeitos podem surgir na esfera do controle

sanitaacuterio dos alimentos o corrente reconhecido tanto sob as oacuteticas internacional e

nacional que eacute o risco dos alimentos atribuiacutedo preponderantemente aos agentes

bioloacutegicos quiacutemicos ou fiacutesicos dos alimentos (FAO OMS 2005) em funccedilatildeo dos surtos

epidecircmicos e intoxicaccedilotildees e dos impactos negativos agrave sauacutede e ao comeacutercio (KATZ et al

1999 KAumlFERSTEIN et al 1997) devido a alimentos contaminados (WHO 2006) E o

emergente que se vincula agrave natureza intriacutenseca da foacutermula do produto alimentiacutecio que

resulta na presenccedila excessiva de certos componentes (accediluacutecares gorduras aditivos e sal)

quando se evidencia uma qualidade nutricional desbalanceada estando associado agrave

pandemia da obesidade e agraves outras DCNT (MONTEIRO 2010 WHO 2004a DREWNOWSKI

2009 POPKIN 2001)

Dessa forma os crescentes e diferentes riscos surgidos com as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

- e a complexidade para identificaacute-los - constituem o desafio da modernidade natildeo somente

pelos prejuiacutezos econocircmicos e sociais causados agrave sociedade mas tambeacutem pela desconfianccedila

na qualidade dos alimentos e inseguranccedila gerada no consumo dos produtos Em adiccedilatildeo

Hespanha (2002) afirma que esses riscos de efeito extensivo impotildeem ao poder puacuteblico o

ocircnus da responsabilidade de contornar os desvios gerados pelo ldquoprogresso industrialrdquo

Relata tambeacutem que os fatores de incerteza e de imprevisibilidade que se criam e se recriam

em torno deles potencializam os obstaacuteculos para uma intervenccedilatildeo efetiva dos sistemas de

vigilacircncia de controle

65

Diante disso e como consequecircncia dos riscos ocorre um forte impulso para a criaccedilatildeo

de novos sistemas de vigilacircncia e controle e ampliaccedilatildeo da accedilatildeo regulatoacuteria do poder puacuteblico

(BODSTEIN 2000) Esses sistemas requerem um corpo de peritos especializados com

competecircncia teacutecnica para formular decisotildees sobre como intervir nos riscos e restabelecer a

seguranccedila A credibilidade e a confianccedila dependem exclusivamente do desempenho desses

sistemas (GIDDENS 1991)

Como a discussatildeo dos riscos e as medidas de intervenccedilatildeo interferem no bem-estar

coletivo os cidadatildeos satildeo instigados a participar do processo decisoacuterio para estabelecer o

grau de liberdade do mercado e de aceitabilidade social dos riscos (NARDOCCI 2002)

Diante disso a FAO amp OMS (2005) recomendam aos entes do governo firmar parcerias

com as diferentes forccedilas sociais envolvidas ndash mercado consumidores e universidades -

para desencadear o processo de anaacutelise de riscos

Por isso para o estabelecimento dos limites de seguranccedila o componente bioloacutegico e o

social estatildeo sempre juntos no processo de anaacutelise de riscos dos alimentos O primeiro se

define a partir do aparato teacutecnico-cientiacutefico que justifica as caracteriacutesticas e as

potencialidades do perigo implicado mediante a patogenicidade virulecircncia

mutagenicidade toxicidade entre outros tipos de expressatildeo de nocividade (FAO 1995)

Quanto ao segundo o saber cientiacutefico que respalda a interpretaccedilatildeo dos riscos articulado ao

contexto das implicaccedilotildees sociopoliacuteticas determina a sua aceitaccedilatildeo ou natildeo Em funccedilatildeo dos

processos sociais subjacentes os riscos podem ser reduzidos ou intensificados

convertendo-se em uma questatildeo social (BECK 2002) pois se trata de um fenocircmeno de

contingecircncia muacuteltipla que oferece aos diferentes observadores um elenco de perspectivas

quanto aos impactos em termos de perdas ou danos (LUHMANN 1993)

Face ao exposto esse envolvimento de forccedilas sociais heterogecircneas para tratar do

assunto denota que as constataccedilotildees do risco resultam da conjugaccedilatildeo do componente

teacutecnico-cientiacutefico e dos interesses sociopoliacuteticos que balizam os impactos relativos aos

custos e benefiacutecios sociais poliacuteticos e econocircmicos Nesse contexto Beck (2002) defende

que a ciecircncia se reveste de um significado social e poliacutetico do risco pelas decisotildees quanto

66

aos conteuacutedos do conhecimento e aos efeitos o alcance e o tipo de perigo o puacuteblico afetado

em longo prazo a responsabilizaccedilatildeo os direitos de reclamaccedilatildeo de indenizaccedilatildeo etc

Na atualidade o conceito de ldquoseguranccedila sanitaacuteria dos alimentosrdquo estaacute sob questatildeo

pois com a sua abrangecircncia restrita e incapaz de abarcar a totalidade dos riscos

reconhecidos dos alimentos natildeo eacute possiacutevel garantir que o alimento seja promotor e

mantenedor da sauacutede Dessa forma eacute fundamental a inclusatildeo dos riscos emergentes

aqueles que contribuem para os distuacuterbios de excesso de peso e suas comorbidades na

concepccedilatildeo e praacutetica que regem os sistemas de controle para que haja compatibilidade com

a realidade do perfil nutricional Esse descompasso entre os ajustes realizados pelas

instituiccedilotildees de controle e a velocidade de surgimento dos riscos ocorre tanto por

dificuldades teacutecnicas como por entraves poliacuteticos E essa capacidade lenta e limitada do

agir institucional para englobar a diversidade dos riscos dos alimentos repercute

diretamente na sauacutede da populaccedilatildeo exposta Assim a expansatildeo do campo ldquovigiar os riscos

dos alimentosrdquo incluindo os aspectos sanitaacuterios e nutricionais estaacute principalmente na

dependecircncia do respaldo dos especialistas que mediante a sua fundamentaccedilatildeo teacutecnico-

cientiacutefica e poliacutetica estimularaacute a mudanccedila da conduta institucional

Diante disso e com base na argumentaccedilatildeo de Beck (2002) alimentos portadores de

atributos como ldquosaudaacutevelrdquo e ldquosegurordquo satildeo de difiacutecil e complexa comprovaccedilatildeo na ordem

social vigente Para o autor os riscos dos alimentos que desafiam a humanidade somente

satildeo identificados mediante recursos sofisticados e de acesso limitado pois jaacute natildeo se

expressam como os de outrora Como os oacutergatildeos dos sentidos satildeo insuficientes para captaacute-

los a autonomia individual para se defender fica comprometida Segundo esse autor os

danos sistemaacuteticos decorrentes dos riscos englobam todos os seres vivos e os homens satildeo

atingidos sem haver distinccedilatildeo de classe etnia e gecircnero estando completamente

desprotegidos pela permeabilidade das fronteiras dos Estados nacionais que jaacute natildeo

impotildeem obstaacuteculos em um ambiente social interligado

Embora os riscos se reportem ao coletivo os efeitos satildeo socialmente estratificados Os

indiviacuteduos se distinguem quanto ao grau de exposiccedilatildeo Aqueles socialmente vulneraacuteveis

67

por estarem desprovidos de recursos simboacutelicos e materiais para a sua defesa e

autoproteccedilatildeo satildeo os mais intensamente afetados pelas consequecircncias dos riscos Isso pode

ser constatado na relaccedilatildeo entre o consumo de alimentos considerados de alto risco e a

obesidade em ambiente de pobreza (MARTINS 2007 DREWNOWSKI amp SPECTER 2004

WHO 2000)

Enfim os riscos e os perigos gerados pela industrializaccedilatildeo acelerada natildeo derivam da

responsabilidade de escolhas pessoais conscientes como se atribui ao consumo de

cigarros de produtos alimentiacutecios ou da bebida alcooacutelica cujo controle depende do

comportamento individual ou de autocontrole Esses riscos satildeo estruturalmente

construiacutedos (PETERSON amp LUPTON 2000) Como a conformaccedilatildeo dos riscos eacute complexa

permitindo apenas evidecircncias cientiacuteficas limitadas e efeitos imprecisos o posicionamento

sobre a sua aceitaccedilatildeo constitui elemento-chave do processo de anaacutelise e independente do

risco ser caracterizado como individual ou coletivo eacute mediado por um conjunto de

interesses poliacutetico-ideoloacutegicos e culturais sobre o que se reconhece como risco Em geral

interesses conflitantes constituem a base de referecircncia para as ponderaccedilotildees cujo resultado

refletiraacute a flexibilidade ou a rigidez no compromisso estabelecido com a sauacutede do coletivo

A defesa efetiva da sociedade estaacute primordialmente sob o comando dos cidadatildeos

preferencialmente de forma organizada cabendo a eles a vigilacircncia dos riscos dos

alimentos e de quem controla esses riscos - as instituiccedilotildees oficiais Contudo para isso eacute

preciso que os cidadatildeos se esforcem para apoderarem-se das informaccedilotildees e conquistar os

espaccedilos que os permitam vocalizar as suas necessidades e intervir nas decisotildees das

instacircncias competentes Poreacutem eles devem estar sempre atentos para natildeo se esquivarem

de colocar agrave tona as questotildees estruturais submersas da sociedade as quais de modo

decisivo moldam os padrotildees de produccedilatildeo-consumo e deterioram gradualmente a sauacutede da

coletividade

68

3 PRODUTOS ALIMENTIacuteCIOS E SAUacuteDE Uma anaacutelise multifacetaacuteria

31 Produtos alimentiacutecios e riscos agrave sauacutede a visatildeo dos organismos

intergovernamentais

311 A abordagem da OMS e da FAO sobre o tema

Sucessivos documentos foram publicados pela OMS a partir do final da deacutecada de 80

anunciando ao mundo os impactos globais das novas praacuteticas de consumo de alimentos e

do estilo de vida sedentaacuterio sobre a sauacutede da coletividade especialmente as das regiotildees

urbanizadas Em 1989 em seu documento ldquoDiet Nutrition and Prevention of Chronic

Diseaserdquo a OMS se mobilizou para alertar que o consumo de produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis passou a se constituir em um dos fatores responsaacuteveis por desencadear um leque

de doenccedilas crocircnicas que se espalham em proporccedilatildeo ascendente na populaccedilatildeo tais como

obesidade doenccedilas cardiovasculares e vaacuterios tipos de cacircncer Considerando a causalidade

multifatorial dessas doenccedilas e a importacircncia crucial exercida pelo modo de se alimentar a

OMS defende que esse binocircmio alimento-doenccedila seja objeto de atenccedilatildeo das poliacuteticas

intersetoriais de sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo (WHO 1990)

Este documento da OMS constitui o marco inicial da anaacutelise das repercussotildees globais

das mudanccedilas do padratildeo alimentar das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no campo da produccedilatildeo de

alimentos do modo de vida entre outros aspectos sobre o perfil epidemioloacutegico de paiacuteses

pertencentes a vaacuterios continentes Evidenciou naquela ocasiatildeo que a dinacircmica decorrente

do modelo de desenvolvimento econocircmico estaacute levando essas naccedilotildees a ldquoreproduziremrdquo

algumas caracteriacutesticas culturais e sociais dos paiacuteses ricos em especial as dos Estados

Unidos da Ameacuterica enquanto expoente maacuteximo do projeto industrial-consumista tais como

o padratildeo de consumo freneacutetico a automatizaccedilatildeo das atividades costumeiras e o perfil de

morbidade

69

No ano 2000 a OMS concentrou-se em explorar o efeito mais evidente dessa

mudanccedila da dieta e do estilo de vida sobre a sauacutede e publicou o relatoacuterio teacutecnico especiacutefico

sobre a obesidade intitulado ldquoObesity preventing and managing the global epidemicrdquo Nele

reconheceu a obesidade como uma doenccedila epidecircmica crocircnica de caraacuteter global e

preventivo ocasionado por fatores dieteacuteticos e padrotildees de atividade fiacutesica destacando os

produtos alimentiacutecios de circulaccedilatildeo mundial como um dos agentes causais Com isso

recomendou aos governos dentre outras medidas de intervenccedilatildeo a necessidade de

reformular as regulaccedilotildees de alimentos no que concerne aos requisitos de qualidade

seguranccedila rotulagem e publicidade de alimentos (WHO 2004a)

Destacou-se assim o papel fundamental dos governos sem excluir a responsabilidade

das induacutestrias de intervir no mercado de alimentos Isso em razatildeo de esse mercado

encontrar-se completamente indisciplinado quanto ao atendimento dos requisitos de

qualidade nutricional O uso de formulaccedilotildees com excesso de ingredientes caloacutericos e pouco

nutritivos que contribuem para o surgimento de doenccedilas nos indiviacuteduos que consomem

esses produtos satildeo exemplos de fatores que deveriam ser normatizados

A imagem exclusivamente positiva veiculada de modo corrente pela miacutedia sobre os

produtos alimentiacutecios enquanto siacutembolos de inovaccedilatildeo e criatividade versatilidade para

atender as necessidades de consumo vigor da induacutestria e do mercado global praticidade de

consumo entre outros comeccedila a ser desconstruiacuteda Esses fatores passam a ser cada vez

mais identificados tambeacutem pelos seus efeitos dissonantes com os preceitos de promoccedilatildeo e

manutenccedilatildeo da sauacutede Enfim revelam-se como agentes que contribuem para doenccedilas de

longa duraccedilatildeo e de alta complexidade Panorama que demanda freios e ordenamentos

urgentes pelas instituiccedilotildees de sauacutede

Seguem-se dois anos e a OMS divulga o documento ldquoReducing Risks Promoting

Healthy Liferdquo no qual continua a enfatizar a relaccedilatildeo entre o consumo de alimentos natildeo

saudaacuteveis tipo fast-food ou processados e hipercaloacutericos e as mudanccedilas no estilo de vida

com o quadro diversificado de doenccedilas Acrescenta um elemento novo ao discurso quando

identifica as contradiccedilotildees inerentes ao processo de globalizaccedilatildeo econocircmica

70

Globalization has been hailed as a strategy to reduce poverty but the liberalization of trade can lead to both benefits and harms for health (p6 Chapter One) The rapidly growing epidemic of noncommunicable diseases already responsible for some 60 of world deaths is clearly related to changes in global dietary patterns and increased consumption of industrially processed fatty salty and sugary foods Countries should give top priority to developing effective committed policies for the prevention of globally increasing high risks to health such as [] unhealthy diet and obesity (p11) They may [] have to focus on [] legislation to reduce the proportion of salt and other unhealthy components in foods [] (WHO 2002a p166)13

Aleacutem disso aponta a expansatildeo do comeacutercio de alimentos - e suas poliacuteticas de liberaccedilatildeo

- como estimuladores da adoccedilatildeo de uma dieta baseada no consumo de alimentos

processados natildeo saudaacuteveis por milhares de pessoas Para tanto recomenda aos governos

priorizar a prevenccedilatildeo dos riscos agrave sauacutede (como as dietas natildeo saudaacuteveis) investir em

legislaccedilotildees para reduccedilatildeo dos componentes natildeo saudaacuteveis dos alimentos e fortalecer as

campanhas de promoccedilatildeo agrave sauacutede (WHO 2002a)

A globalizaccedilatildeo econocircmica possibilitou que as corporaccedilotildees de alimentos se

ramificassem pelo mundo distribuindo os seus produtos modificando a cultura dos povos

em termos de haacutebitos alimentares e praacuteticas de consumo e alterando o seu perfil

nutricional e de sauacutede Conforme se verifica na citaccedilatildeo anterior a alimentaccedilatildeo transformou-

se a tal ponto que a partir dela se eacute capaz de esboccedilar uma fronteira delimitando a dieta

ldquonatildeo-saudaacutevelrdquo da ldquosaudaacutevelrdquo em funccedilatildeo dos alimentos que a compotildeem e a opccedilatildeo por um

ou outro modo de se alimentar pode ser decisiva para se trilhar o caminho da sauacutede ou da

doenccedila

Em 2003 a FAO considerando a sua missatildeo de lidar com questotildees relacionadas aos

sistemas alimentares e agriacutecolas e ao estabelecimento de diretrizes para a seguranccedila e

adequaccedilatildeo nutricional dos alimentos se posiciona mais claramente sobre o binocircmio DCNT e

13 A globalizaccedilatildeo eacute anunciada como uma estrateacutegia para reduzir a pobreza mas a liberalizaccedilatildeo do comeacutercio pode levar a benefiacutecios e malefiacutecios para a sauacutede (Capiacutetulo Um p6) A epidemia crescente de doenccedilas natildeo transmissiacuteveis jaacute responsaacuteveis por cerca de 60 das mortes mundiais estaacute claramente relacionada a mudanccedilas nos padrotildees alimentares globais e ao aumento do consumo de alimentos industrialmente processados e ricos em aacutecidos graxos sal e accediluacutecar Os paiacuteses devem priorizar o desenvolvimento de poliacuteticas comprometidas eficazes para a prevenccedilatildeo dos altos riscos agrave sauacutede em niacutevel global tais como [] dieta pouco saudaacutevel e obesidade (p11) Eles podem [] se concentrar sobre [] a legislaccedilatildeo para reduzir a proporccedilatildeo de sal e outros componentes pouco saudaacuteveis em alimentos [] (WHO 2002a p166) (traduccedilatildeo pessoal)

71

dietas Assim conjugou seus esforccedilos aos da OMS e publicaram uma versatildeo atualizada do

documento The Joint WHOFAO Expert Consultation on diet nutrition and the prevention of

chronic diseases (WHO 2003b) O maior valor desse documento consistiu em explicitar as

evidecircncias sobre a relaccedilatildeo entre os alimentosnutrientes com as doenccedilas crocircnicas assim

como em ressaltar o impacto das mudanccedilas da economia mundial de alimentos sobre os

padrotildees dieteacuteticos os quais mostravam elevaccedilatildeo no teor de calorias e de gorduras

saturadas e reduccedilatildeo na quantidade de carboidratos complexos Com isso esses organismos

reiteram a necessidade de estabelecer-se um diaacutelogo com as induacutestrias a fim de adequar a

formulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a paracircmetros tecnicamente saudaacuteveis bem como

intervir na propaganda veiculada sobre tais produtos (FAOWHO 2003b)

Conforme consta desse documento as estrateacutegias no campo da alimentaccedilatildeo devem

vislumbrar conjuntamente os aspectos da seguranccedila alimentar e do alimento seguro O

alimento deve ser adequado em termos de quantidade e de qualidade nutricional e

sanitaacuteria ou seja proporcionais agraves necessidades requeridas para o indiviacuteduo ou grupo e

simultaneamente deve atender a um perfil sanitaacuterio compatiacutevel que significa ausecircncia ou

presenccedila de contaminantes dentro dos limites maacuteximos permitidos

A defesa em favor da reformulaccedilatildeo da composiccedilatildeo dos produtos industrializados e de

limitar a publicidade sobre eles prosseguiraacute nos documentos da OMS divulgados nos anos

subsequentes Considerando que esses produtos alimentiacutecios satildeo de circulaccedilatildeo global haacute

uma evidente limitaccedilatildeo de os paiacuteses agirem isoladamente na promoccedilatildeo das dietas

saudaacuteveis o que requer uma articulaccedilatildeo e governanccedila supranacional Nesse sentido esse

documento aponta a necessidade imprescindiacutevel de se interferir nas normas internacionais

existentes que balizam o comeacutercio internacional e explicita a responsabilidade da Comissatildeo

do Codex Alimentarius - CAC [hellip] The Codex Alimentarius - the intergovernmental standard-

setting body through which nations agree on standards for food - is currently being reviewed

Its work in the area of nutrition and labelling could be further strengthened to cover diet-

related aspects of health (WHO 2003b p142)14 Apesar de estar sob a lideranccedila

14 [] O Codex Alimentarius - instacircncia normatizadora intergovernamental por meio do qual as naccedilotildees acordam sobre as normas para alimentos - estaacute sendo revisto O seu trabalho na aacuterea da nutriccedilatildeo e rotulagem

72

internacional da OMS e da FAO a Comissatildeo do Codex uma instituiccedilatildeo estrateacutegica para tratar

da temaacutetica somente foi mencionada uma deacutecada apoacutes terem sido iniciados esses debates

Com o agravamento do quadro epidemioloacutegico a retoacuterica institucional da OMS se

aperfeiccediloa em dois sentidos por um lado decodificando com mais precisatildeo os tipos de

produtos-alvo e as medidas de intervenccedilatildeo e por outro enfatizando as assimetrias da

poliacutetica de liberaccedilatildeo do comeacutercio e conclamando os governos para agir O atributo de natildeo

saudaacutevel foi consagrado nos documentos para qualificar a categoria de produtos

alimentiacutecios hipercaloacutericos (alto teor de gorduras e ou accediluacutecares simples) e com teor de sal

elevado Esse tratamento dado a esse grupo de produtos alimentiacutecios conduz a reduccedilatildeo do

seu valor simboacutelico no mercado e em contrapartida incentiva os indiviacuteduos a ter cautela no

consumo e os governos a interferir na induacutestria para a melhoria dos padrotildees dos alimentos

Contudo observa-se que parece haver uma blindagem do proacuteprio Codex Alimentarius para

tratar do tema ldquoqualidade nutricional dos alimentosrdquo pois ateacute esse momento natildeo houve

manifestaccedilatildeo expliacutecita de iniciativas para criar um espaccedilo de debate interno e menos ainda

de revisitar as normas e os procedimentos teacutecnicos editados na perspectiva de ajustar os

produtos alimentiacutecios a um perfil considerado do tipo saudaacutevel

Em 2004 a OMS aprovou em sua assembleia anual o documento Global Strategy on

Diet Physical Activity and Health que reitera os dois principais fatores de risco para as

doenccedilas crocircnicas as dietas natildeo saudaacuteveis e a atividade fiacutesica reduzida e define medidas de

promoccedilatildeo de sauacutede e de prevenccedilatildeo e reduccedilatildeo dessas doenccedilas que contribuem

substancialmente para a carga global de morbimortalidade e incapacidades Para tanto

reafirma o empenho e a mobilizaccedilatildeo de diferentes atores sociais - sociedade civil induacutestria

e governo - delegando ao uacuteltimo o papel crucial No campo dos alimentos aponta que as

accedilotildees do governo devem se dirigir para interferir na formulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

tornando-os compatiacuteveis como os preceitos da dieta saudaacutevel regulaccedilatildeo do marketing de

alimentos infantis criaccedilatildeo de estiacutemulos fiscais para o consumo saudaacutevel entre outras

Poreacutem o grande destaque desse documento estaacute no intenso reforccedilo para que a CAC envide

esforccedilos para minimizar o impacto da comercializaccedilatildeo de produtos com padrotildees dieteacuteticos

poderia ser reforccedilado para cobrir os aspectos da sauacutede relacionados com a dieta (WHO 2003b p142) [Traduccedilatildeo pessoal]

73

natildeo saudaacuteveis e fortalecer a elaboraccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e de processamento que

considerem a qualidade nutricional e seguranccedila dos produtos Tambeacutem solicita o apoio dos

governos e da sociedade civil organizada nessa empreitada (WHO 2004b)

Previamente agrave realizaccedilatildeo da Assembleia Mundial de Sauacutede a FAO em sua 18a Sessatildeo

do Comitecirc sobre Agricultura apreciou por meio dos seus membros os documentos The

Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet nutrition and the prevention of chronic (FAO

2004) e a minuta do documento da OMS Global Strategy on Diet Physical Activity and

Health Apesar do apoio majoritaacuterio agraves recomendaccedilotildees constantes do documento da OMS

(WHO 2003b) eles ressaltaram alguns aspectos a fragilidade da base cientiacutefica no

estabelecimento da relaccedilatildeo causal entre os alimentos e as DCNT a importacircncia de que haja

maleabilidade na aplicaccedilatildeo das recomendaccedilotildees globais considerando as circunstacircncias

especiacuteficas de cada paiacutes e a necessidade de valorizar a educaccedilatildeo alimentar para permitir

que os indiviacuteduos e as famiacutelias faccedilam escolhas alimentares conscientes (FAO 2004)

Quanto agrave insuficiente base cientiacutefica do estudo isso remete agrave multiplicidade causal

que envolve as doenccedilas e a dificuldade de se precisar a importacircncia isolada de um fator

causal especiacutefico (alimentos) No entanto o essencial foi evidenciado e estaacute centrado nos

efeitos nocivos agrave sauacutede decorrentes da composiccedilatildeo nutricional dos alimentos

industrializados natildeo saudaacuteveis sendo isso responsabilidade do mercado e objeto de

demanda de controle por parte do governo No que se refere agrave importacircncia da ldquoeducaccedilatildeo

alimentarrdquo embora o assunto seja indiscutivelmente relevante o seu papel deve ser sempre

relativizado Como a proposta surgiu isolada de outras que suportem a mudanccedila na loacutegica

do sistema de produccedilatildeo e industrializaccedilatildeo de alimentos parece ter a intenccedilatildeo de simplificar

a complexidade do processo sauacutede-doenccedila em tela tentando reduzir artificialmente a

soluccedilatildeo do problema agrave educaccedilatildeo da populaccedilatildeo Aleacutem disso a ldquoeducaccedilatildeo alimentarrdquo isolada eacute

incapaz de se contrapor aos poderosos mecanismos mercadoloacutegicos construiacutedos em um

ambiente de extrema organizaccedilatildeo se natildeo houver outras estrateacutegias de intervenccedilatildeo que

disciplinem o mercado

74

Em 2012 ao reconhecer a ameaccedila global das DCNT e os impactos econocircmicos e sociais

que essas doenccedilas acarretam aos paiacuteses as Naccedilotildees Unidas publicaram o documento

ldquoPolitical Declaration of The High-Level Meeting of the General Assembly on the Prevention

and Control of Non-communicable Diseasesrdquo (NU 2012) que destaca a dieta natildeo saudaacutevel a

inatividade fiacutesica e a obesidade como fatores de risco que tecircm forte ligaccedilatildeo com as quatro

principais DCNT ndash doenccedilas cardiovasculares cacircncer doenccedilas crocircnicas respiratoacuterias e

diabetes - e que estatildeo associadas aos mais altos custos de sauacutede e agrave reduccedilatildeo da

produtividade Assim esse documento propotildee aos governos avanccedilar com intervenccedilotildees

multisetoriais a fim de reduzir os fatores de risco dessas doenccedilas mediante acordos e

estrateacutegias internacionais educaccedilatildeo legislaccedilatildeo medidas regulatoacuterias e fiscais envolvendo

todos os setores da sociedade Cita explicitamente a necessidade de promover

intervenccedilotildees para reduzir sal accediluacutecar e gorduras saturadas e eliminar a gordura trans nos

alimentos industrializados como tambeacutem de desestimular a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo

de alimentos que contribuem para dieta natildeo saudaacutevel

Em decorrecircncia disso a OMS propocircs um Marco Global de Monitoramento das DCNT

que inclui 25 indicadores e nove metas voluntaacuterias para a sua prevenccedilatildeo e controle com

periacuteodo de vigecircncia de 2013-2020 Dentre as metas globais voluntaacuterias que se relacionam a

ao objeto deste estudo estaacute a meta de reduccedilatildeo relativa de 30 na meacutedia de consumo de

salsoacutedio da populaccedilatildeo ateacute o ano de 2025 No grupo dos indicadores propostos para os

sistemas nacionais um deles tem a finalidade de reduzir o impacto do marketing de

alimentos com alto em gorduras saturadas gordura trans accediluacutecares livres ou sal e bebidas

natildeo alcooacutelicas sobre as crianccedilas Outro indicador propotildee limitar a gordura saturada no

abastecimento alimentar (WHO 2013b) Quanto aos accediluacutecares nada foi mencionado

Mais recentemente a FAO demonstrou estar tambeacutem bastante sensiacutevel aos problemas

do excesso de peso e propocircs um rol de alternativas para incentivar a dieta saudaacutevel

Afirmou que a despeito de o moderno sistema de produccedilatildeo permitir ampliar a variedade de

produtos esse sistema empenha-se em vender mais alimentos ultraprocessados que

contribuem para o excesso de peso Para isso apresentou para discussatildeo as estrateacutegias de

taxaccedilatildeo dos produtos menos nutritivos de educaccedilatildeo nutricional nas escolas e de regulaccedilatildeo

75

da publicidade de alimentos para o puacuteblico infantil (FAO 2013b) Em comparaccedilatildeo com a

discussatildeo travada em 2003 registraram-se portanto avanccedilos substanciais no campo da

valorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel e do compromisso em intervir no excesso de peso

Em siacutentese nas uacuteltimas duas deacutecadas consagrou-se o entendimento de que os

produtos industrializados natildeo saudaacuteveis satildeo de alto risco agrave sauacutede e por conseguinte devem

ser objetos de medidas de intervenccedilatildeo e controle Todavia a adoccedilatildeo de medidas concretas

voltadas agrave reformulaccedilatildeo dos paracircmetros nutricionais desses produtos ainda tardaratildeo Isto

implica incorporaccedilatildeo de ingredientes naturais ou semiprocessados mas tambeacutem medidas

complementares tais como aposiccedilatildeo de alertas em destaques nos roacutetulos para dar

transparecircncia ao consumidor dos riscos do consumo desse tipo de produto taxaccedilatildeo

diferenciada de preccedilos para contenccedilatildeo do consumo desses produtos etc Uma seacuterie de

medidas que para muitos governos nacionais e instacircncias intergovernamentais ainda

permanecem no campo das intenccedilotildees

Em um contexto de globalizaccedilatildeo econocircmica as ligaccedilotildees de dependecircncia entre os

estados-nacionais e os organismos intergovernamentais normatizadores do mercado

internacional satildeo estreitas e a atuaccedilatildeo desses interlocutores OMS FAO e a Comissatildeo do

Codex Alimentarius eacute fundamental para o enfrentamento desse novo risco dos produtos

alimentiacutecios Uma accedilatildeo isolada dos governos nacionais poderia desencadear retaliaccedilotildees do

mercado e instabilidades internas vez que a reformulaccedilatildeo do perfil nutricional dos

produtos implica para as empresas custos e ameaccedila aos seus lucros

312 A apatia do Codex Alimentarius frente aos novos riscos dos alimentos

Conforme os documentos antes apresentados foram vaacuterios os alertas e indicativos

dos efeitos agrave sauacutede da populaccedilatildeo global ocasionados pelos produtos alimentiacutecios de ampla

circulaccedilatildeo no mercado internacional emitidos pela OMS e FAO Contudo transcorreram

dezesseis anos de 1990 a 2006 para que houvesse reaccedilatildeo da Comissatildeo do Codex

Alimentarius ndash CAC ndash considerando a sua responsabilidade por editar um coacutedigo de normas

76

de referecircncia para as agecircncias nacionais de controle de alimentos dos paiacuteses membros

induacutestrias consumidores e comeacutercio internacional (FAO WHO 2006a)

A implementaccedilatildeo do Programa de Normas Alimentares da Junta FAOOMS eacute de

competecircncia da CAC que tem entre os seus propoacutesitos [] (a) protecting the health of

consumers and ensuring fair practices in the food trade [] (e) amending published

standards after appropriate survey in the light of developments15 (FAO WHO 2006b p14)

A missatildeo de proteccedilatildeo da sauacutede contra os riscos dos alimentos jaacute pressupotildee abertura a um

evento desconhecido e portanto disposiccedilatildeo para ajustar as normas agrave luz da renovaccedilatildeo dos

conhecimentos cientiacuteficos conforme o dinamismo da sociedade e as novas situaccedilotildees de

riscos que se apresentem com fins de salvaguardar a sauacutede dos consumidores

Contudo constata-se que o foco de normatizaccedilatildeo da CAC estaacute circunscrito agrave seguranccedila

sanitaacuteria dos alimentos que envolve os paracircmetros sanitaacuterios o estabelecimento de limites

de contaminantes e as disposiccedilotildees sobre rotulagem sendo seu objeto central proteger a

sauacutede dos consumidores contra os riscos de DTA (FAO WHO 2006b) Com isso restringe-

se o espaccedilo para as outras ameaccedilas que escapam a esse seu escopo de atuaccedilatildeo ndash

componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios natildeo-saudaacuteveis - apesar de se

inscreverem no universo dos riscos dos alimentos que comprometem a sociedade mundial

Assim apenas em 2006 a CAC lanccedilou um plano de accedilatildeo para implementaccedilatildeo da

Global Strategy on Diet Physical Activity and Health no qual reconhece a afinidade entre a

proacutepria missatildeo dela e as estrateacutegias desse documento jaacute que foram identificados nutrientes

associados com risco elevado de DCNT (FAO WHO 2006a) Isso foi baseado no mandato do

Codex que prevecirc medidas voltadas para minimizar o consumo desses nutrientes com fins

de prevenir distuacuterbios agrave sauacutede do consumidor assim como para garantir o uso de

alegaccedilotildees nutricionais (claims) que natildeo sejam falsas ou confusas Com isso a tarefa foi

delegada a dois Comitecircs especiacuteficos do Codex um que trata de assuntos relativos agrave nutriccedilatildeo

e alimentos para fins dieteacuteticos especiais (FAO WHO 2013) e o outro comitecirc que lida com

rotulagem de alimentos (FAO WHO 2012) Estes comitecircs se mobilizaram cada um em seu

15 [] (a) proteger a sauacutede dos consumidores e assegurar praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos [] (e) ajustar agraves normas publicadas apoacutes o exame apropriado agrave luz do desenvolvimento (FAOWHO 2006a p14) [Traduccedilatildeo pessoal]

77

campo de atuaccedilatildeo para revisar a lista de nutrientes declarados no roacutetulo desenvolver

valores de referecircncia de nutrientes e propor novas alegaccedilotildees para os nutrientes de alto

risco (gordura trans)

Entretanto haacute um item importante do documento Global Strategy dirigida ao Codex

que se refere agrave modificaccedilatildeo dos padrotildees de produccedilatildeo e processamento dos alimentos

considerando os preceitos da qualidade nutricional e sanitaacuteria A resposta dada entatildeo pela

CAC foi de caraacuteter paliativo para proteccedilatildeo da sauacutede dos consumidores mas confortaacutevel e

lucrativa para o mercado Propocircs o desenvolvimento de versotildees modificadas dos alimentos

orginalmente natildeo saudaacuteveis diferenciando-os pela reduccedilatildeo dos ingredientes de risco (sal

gorduras e ou accediluacutecares) na composiccedilatildeo e pelo uso de alegaccedilotildees nutricionais no roacutetulo de

forma a auxiliar o consumidor na distinccedilatildeo e na escolha entre esses produtos

Sob o prisma eacutetico e de sauacutede a especificidade de perfil nutricional proposta para

versotildees modificadas dos produtos alimentiacutecios deveria ser regra em funccedilatildeo dos benefiacutecios

que se agregam agrave sauacutede Jaacute o produto alimentiacutecio original com perfil natildeo saudaacutevel deveria

ser completamente abolido do mercado Entretanto verifica-se que eacute o valor econocircmico que

se destaca nessa proposta (versotildees modificadas dos produtos) devido agrave perspectiva de

abertura para expansatildeo de um mercado de produtos alimentiacutecios ldquoespeciaisrdquo de custo mais

alto destinados a um puacuteblico seleto e com discreto impacto sobre a sauacutede da coletividade

Por enquanto esse assunto estaacute em fase de discussatildeo e ainda natildeo extrapolou o ambiente da

CAC

O retardo da Comissatildeo do Codex em se envolver com as iniciativas da OMS e as

propostas de intervenccedilatildeo sugeridas por este Organismo denota que o compromisso

daquela Comissatildeo com a sauacutede da populaccedilatildeo mundial estaacute muito atrelado aos riscos que

impactam os interesses econocircmicos do mercado internacional Isto se evidencia ao se

comparar o desempenho normativo da CAC contra os agentes contaminantes dos produtos

alimentiacutecios em relaccedilatildeo ao delegado aos nutrientes em excesso que tornam os produtos

natildeo-saudaacuteveis Riscos de outra natureza fazem pouco eco no acircmbito dessa Comissatildeo apesar

da visibilidade e abrangecircncia mundial expressas nos dados epidemioloacutegicos que mensuram

tais riscos

78

Produtos alimentiacutecios contaminados ou como veiacuteculos de doenccedilas circulando no

mercado internacional podem ocasionar efeitos nefastos intercontinentais e efeitos

imediatos tanto pelos prejuiacutezos econocircmicos e agrave sauacutede dos consumidores quanto pelos

boicotes agraves empresas envolvidas que podem se propagar aos demais produtos exportados

do paiacutes onde elas se situam Jaacute os efeitos negativos agrave sauacutede ocasionados pelos riscos

envolvendo desvios na qualidade nutricional se processam lentamente e perduram por

longo tempo Aleacutem disso se originam de produtos altamente lucrativos para o mercado

comercializados por poderosas corporaccedilotildees transnacionais

Essa postura negligente para com as demandas coletivas tem gerado criacuteticas

contundentes aos organismos supranacionais como a Comissatildeo do Codex Alimentarius e a

OMC devido ao atual acuacutemulo de poder de governanccedila16 dos sistemas alimentares que eles

detecircm por serem regidos pelos interesses das grandes corporaccedilotildees de mercado Pois satildeo

tais corporaccedilotildees as responsaacuteveis por engendrar as mudanccedilas dieteacuteticas e difundir

globalmente os seus produtos hipercaloacutericos (BRAUM 2001 LANG 1999) Tal situaccedilatildeo

tem suscitado tensotildees e conflitos despertando os primeiros sinais de reaccedilatildeo na esfera da

academia (LANG 1999 LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011) e da sociedade civil

(BRAUM 2001 SANTOS 2005)

Embora as delegaccedilotildees nacionais dos Comitecircs especiacuteficos da CAC sejam compostas por

agentes puacuteblicos de alto escalatildeo administrativo indicados por seus governos haacute permissatildeo

de participaccedilatildeo de representantes da induacutestria das organizaccedilotildees dos consumidores e das

instituiccedilotildees acadecircmicas nessas delegaccedilotildees No entanto o direito a voto eacute exclusivo dos

representantes oficiais do governo cabendo agraves entidades internacionais inclusive da

sociedade civil organizada o direito uacutenico de manifestaccedilatildeo verbal (FAO WHO 2006b)

Contudo a depender dos interesses do governo e das pressotildees poliacuteticas a que ele se

16 Governanccedila no plano global eacute entendida como um conjunto de relaccedilotildees intergovernamentais onde haacute o envolvimento de organizaccedilotildees natildeo governamentais (ONG) movimentos civis empresas multinacionais e mercados de capitais globais que agregam e articulam interesses para buscar soluccedilotildees para problemas comuns A participaccedilatildeo ativa de atores natildeo estatais no cenaacuterio tem contribuiacutedo sobremaneira para ampliar as contribuiccedilotildees e opiniotildees capazes de influir nos resultados seja na esfera das poliacuteticas puacuteblicas ou da regulaccedilatildeo internacional Entretanto o grande desafio esbarra na legitimidade se de fato a sociedade global confere poder e se percebe representada pelos atores que adotam em seu nome decisotildees em campos estrateacutegicos (GONCcedilALVES 2005)

79

submete seu voto pode tender em prol do interesse coletivo ou do privado Aqui eacute que se

potildee em cheque a legitimidade das representaccedilotildees do governo e inclusive da sociedade civil

organizada que natildeo fica imune a tais pressotildees

A capacidade econocircmica das corporaccedilotildees permite tambeacutem barganhar favores e

seduzir materialmente os membros das delegaccedilotildees do Codex para atender aos seus

objetivos em especial aqueles que satildeo fracos em termos econocircmico e eacutetico Eacute mister

esclarecer que no tema em questatildeo os interesses puacuteblicos destoam dos privados Nessa

perspectiva a reflexatildeo de Mckee (1999) aponta que a partir do momento em que se

registrou a participaccedilatildeo massiva dos representantes do setor produtivo nos Comitecircs do

Codex e de alguns integrantes do governo e da academia sem a firmeza quanto aos seus

compromissos com coletivo os interesses dos consumidores e dos cidadatildeos tecircm sido

menosprezados

Face ao exposto os riscos emergentes dos alimentos suscitam reflexatildeo e revisatildeo da

conduta institucional da CAC para que esta possa exercer efetivamente a sua missatildeo de

proteger a sauacutede e assegurar praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos

313 A OMC e os produtos alimentiacutecios lucros ao mercado e prejuiacutezos agrave sauacutede

A partir do ano de 1995 a Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio-OMC17 entidade que

congrega 159 paiacuteses e que lida com as regras globais do comeacutercio (WTO 2013a) adotou as

normas diretrizes e recomendaccedilotildees estabelecidas pelo Codex Alimentarius FAOOMS como

referecircncia para as disputas comerciais de alimentos Essas tornaram-se paracircmetros

juriacutedicos do Acordo sobre a Aplicaccedilatildeo de Medidas Sanitaacuterias e Fitossanitaacuterias - Acordo SPS

17 A OMC foi criada em 1994 como resultado da Rodada Uruguai de negociaccedilotildees multilaterais do comeacutercio e da consequente revisatildeo do Acordo Geral sobre Tarifas e Comeacutercio ndash GATT (sigla em inglecircs) Em decorrecircncia do GATT vaacuterios acordos foram aprovados e inclusive o Acordo Geral de Medidas Sanitaacuterias e Fitossanitaacuterias (SPS) que foi ratificado pelo governo brasileiro por meio do Decreto no 1355 de 30 de dezembro de 1994

80

(WHOFAO 2006) Esse instrumento particularmente merece comentaacuterios por dispor

sobre medidas sanitaacuterias para proteccedilatildeo da vida e da sauacutede humana contra os riscos

resultantes da presenccedila de aditivos e contaminantes em alimentos e bebidas Embora esse

Acordo seja fruto de um consenso entre os paiacuteses-membros participantes daquela

Organizaccedilatildeo isso limita a autonomia dos estados nacionais a construiacuterem suas proacuteprias

regras em determinadas circunstacircncias

Consta do Acordo SPS regido pelos princiacutepios de equivalecircncia natildeo-discriminaccedilatildeo

eficiecircncia transparecircncia e harmonizaccedilatildeo que ao paiacutes-membro eacute permitido adotar ou

aplicar medidas sanitaacuterias necessaacuterias desde que natildeo constituam discriminaccedilatildeo arbitraacuteria

ou injustificaacutevel e que sejam baseadas em princiacutepios cientiacuteficos Preferencialmente

sintonizadas com o princiacutepio da harmonizaccedilatildeo as medidas sanitaacuterias devem ser baseadas

em normas guias e recomendaccedilotildees internacionais e no caso de riscos dos alimentos

seguem aquelas produzidas pelo CAC Caso o paiacutes imponha medidas sanitaacuterias mais

restritivas do que as internacionalmente aprovadas essas devem ser precedidas de uma

avaliaccedilatildeo de riscos conforme as teacutecnicas estabelecidas por essa entidade para justificar as

razotildees da condiccedilatildeo do afastamento da norma Eacute um procedimento altamente complexo e

desafiador para muitos paiacuteses caso decidam por utilizaacute-lo para justificar a regulaccedilatildeo dos

paracircmetros nutricionais de produtos alimentiacutecios

A OMC avalia positivamente a etapa mais recente da globalizaccedilatildeo que resultou no

aumento da integraccedilatildeo dos mercados de produtos e dos fluxos de capital e no dinamismo

do trabalho motivado pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas incremento e agilizaccedilatildeo nos processos

de informaccedilatildeo Para isso houve tambeacutem o suporte dado pelas poliacuteticas econocircmicas de

desregulamentaccedilatildeo e de facilitaccedilatildeo do comeacutercio internacional aleacutem do fluxo de

investimentos internacionais Segundo a OMC todo esse conjunto tem trazido mudanccedilas

importantes a muitos paiacuteses e aos cidadatildeos O comeacutercio livre tem criado oportunidades

comerciais para as empresas exportadoras que oferecem aos consumidores produtos e

serviccedilos diversificados a preccedilos mais baixos (WTO 2008)

Quanto aos alimentos registrou-se a expansatildeo da produccedilatildeo mundial de alimentos e do

aumento da rentabilidade da produccedilatildeo (WTO 2008) No ano de 2012 foi movimentado um

81

volume de exportaccedilatildeo equivalente a 1375 trilhatildeo de doacutelares sendo o Brasil posicionado

como o segundo na lista dos principais paiacuteses negociadores do mundo (WTO 2013b) No

periacuteodo de 1990 a 2012 o Brasil teve uma evoluccedilatildeo espetacular nas exportaccedilotildees de

alimentos em valor monetaacuterio passando de 8697 a 77212 milhotildees de doacutelares (WTO

2013c)

Apesar desse ecircxito comercial crescente as avaliaccedilotildees da OMC consideram que a

reforma do mercado que tornou os negoacutecios mais eficientes culminou com a concentraccedilatildeo

de induacutestrias a formaccedilatildeo de grupos internacionais de produccedilatildeo e aprofundou a

desigualdade elevando o desemprego e os gastos puacuteblicos As assimetrias do mercado

relatadas pela OMC desaguam com quase exclusividade no campo econocircmico Isso decorre

da visatildeo institucional concentrada no mercado e se recusa a perceber as contradiccedilotildees da

globalizaccedilatildeo econocircmica como difusas pois invadem tambeacutem aacutereas como a da sauacutede e da

nutriccedilatildeo Por isso Rayner e colaboradores (2007) afirmam que as poliacuteticas comerciais

precisam se superar em termos de quantificaccedilatildeo do volume de produccedilatildeoconsumo do

sistema global de alimentos e incorporar as consideraccedilotildees nutricionais e dieteacuteticas

elevando a importacircncia da governanccedila alimentar em prol de benefiacutecios puacuteblicos

Sob outra oacutetica os impactos da liberaccedilatildeo do mercado internacional de alimentos tecircm

sido avassaladores para as economias locais de alimentos (PHILLIPS 2006) Os preccedilos dos

alimentos locais tornam-se incapazes de competir com os dos alimentos importados e

distribuiacutedos por cadeias globais em geral alimentos natildeo saudaacuteveis e de baixo custo e que

aniquilam a produccedilatildeo local acarretando reduccedilatildeo de empregos e de oportunidades de renda

(TULLAO 2002) Adicionalmente no acircmbito das economias nacionais multiplicam-se as

transaccedilotildees comerciais efetuadas pelas grandes corporaccedilotildees transnacionais agriacutecolas e de

alimentos que absorvem empresas de menor porte Em consequecircncia as transnacionais

fortalecem-se ainda mais em uma direccedilatildeo ascendente observada desde fins da deacutecada de

90 (CHOPRA 2002) O complexo modo de operaccedilatildeo dessas corporaccedilotildees portanto produz

efeitos nas esferas econocircmica poliacutetica e social

82

Assim frente agrave ordem global instituiacuteda a accedilatildeo soberana dos estados nacionais fica

dificultada Esses passaram a submeter-se a fortes e constantes influecircncias das regras e

acordos internacionais do comeacutercio de alimentos como os liderados pela OMC e pelo Codex

inclusive para lidar com os assuntos de qualidade e de padrotildees de seguranccedila sanitaacuteria

(LUCCHESE 2003) Aleacutem disso haacute uma preocupaccedilatildeo constante daqueles que comandam o

reordenamento do sistema produtivo em influenciar as decisotildees no acircmbito das

organizaccedilotildees intergovernamentais para natildeo comprometer os seus interesses Assim os

representantes dos conglomerados de empresas transnacionais se mobilizam e com

habilidade ocupam os espaccedilos poliacuteticos estrateacutegicos inclusive nas instituiccedilotildees

supranacionais cujo resultado incide diretamente sobre a soberania nacional Segundo

Sklair (2002) eles se comportam como atores poliacuteticos e econocircmicos que se infiltram nas

maacutequinas institucionais constroem alianccedilas ldquomaquiamrdquo resultados de pesquisas

beneficiam funcionaacuterios enfim mobilizam vaacuterias estrateacutegias e recursos para viabilizar a

agenda de interesses do capitalismo global

Diante disso vaacuterios cientistas sociais apontam que a soberania dos estados nacionais

se enfraqueceu com a globalizaccedilatildeo da economia (IANNI 2007 BECK 1999 GIDDENS 1991

BAUMANN 1999) esta agora assume o papel de interlocutor da poliacutetica local e global No

entanto Santos (2005) afirma que o Estado ainda se manteacutem forte apesar do poderio das

empresas transnacionais e das instituiccedilotildees supranacionais pois elas natildeo dispotildeem

isoladamente de poder regulatoacuterio capaz de impor a sua vontade poliacutetica e econocircmica em

um paiacutes em particular Mesmo sob polecircmica essa dominacircncia global-local dificulta o

desenvolvimento de poliacuteticas de controle de mercado que se ajustem aos interesses sociais

particulares de cada espaccedilo nacional pois encobre a diversidade e a especificidade social e

cultural (MALUF VALENTE MENEZES 1996) aleacutem de tender a privilegiar os interesses

econocircmicos privados sobre as demandas coletivas

Nos uacuteltimos anos observa-se uma insurreiccedilatildeo intelectual de profissionais

independentes e dos grupos de consumidores que embora ainda natildeo tenham alcanccedilado

expressividade suficiente para conter os rumos dessas instituiccedilotildees e organizaccedilotildees (SKLAIR

2002) divulgam a sua insatisfaccedilatildeo e formam opiniotildees Do ponto de vista de governo e de

83

sociedade civil reaccedilotildees isoladas de alguns paiacuteses comeccedilam a surgir (PUSKA 2004

HAWKES 2007 BRASIL MS 2012) Poreacutem ainda haacute um longo trajeto a ser percorrido

antes de o tema ldquomelhoria da qualidade dos alimentosrdquo consolidar-se na plataforma de

lutas da sauacutede puacuteblica

No caso do governo brasileiro aleacutem do viacutenculo formal com essas organizaccedilotildees

internacionais haacute tambeacutem viacutenculo com o Mercado Comum do Sul18 - Mercosul que implica

acordos que contemplam requisitos sanitaacuterios No acircmbito do Mercosul os assuntos de

sauacutede satildeo tratados no Subgrupo de Trabalho n0 11 criado com a Resoluccedilatildeo GMC n0 15196

que assume a funccedilatildeo de harmonizar as legislaccedilotildees dos Estados-Partes no que tange aos

bens serviccedilos mateacuterias-primas e produtos da aacuterea da sauacutede bem como aos criteacuterios para

vigilacircncia epidemioloacutegica Aleacutem disso busca compatibilizar os sistemas de controle

sanitaacuterio para promover e proteger a sauacutede e a vida das pessoas e eliminar obstaacuteculos ao

comeacutercio regional (BRASIL MS 2007a) No caso dos produtos alimentiacutecios prevalecem nas

discussotildees as normas Codex Alimentarius (QUEIROZ GIOVANELLA 2011) e desse modo o

tema qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios ainda permanece distante desse

bloco econocircmico

Esse mundo de relaccedilotildees econocircmicas e sociais interconectadas eacute parte do contexto de

discussatildeo dos produtos alimentiacutecios o que impede que sejam tratados como objetos

circunscritos ao espaccedilo nacional Como os riscos dos alimentos globalizados proporcionam

a lucratividade do comeacutercio mundial privado a melhoria dos paracircmetros dos alimentos

exige uma sobrecarga de esforccedilos que incluem mobilizaccedilatildeo de recursos e articulaccedilotildees

diversas tanto nacional como internacional Algo que eacute politicamente desgastante mas

imprescindiacutevel para a defesa da sauacutede da coletividade

18 O Mercosul eacute um bloco econocircmico formado pelos Estados-partes Argentina Brasil Paraguai Uruguai e Venezuela Foi criado em 26 de marccedilo de 1991 por uma Carta Constitutiva ndash o Tratado de Assunccedilatildeo Com a assinatura do Tratado de Ouro Preto em 1994 foi dotado de personalidade juriacutedica nacional e internacional Estaacute fundamentado na livre circulaccedilatildeo de bens serviccedilos e fatores produtivos na reciprocidade de direitos e obrigaccedilotildees entre os Estados-Parte (BRASIL MS 2007a) O Conselho do Mercado Comum eacute a instacircncia poliacutetica maacutexima seguida pelo Grupo Geral do Mercosul que tambeacutem atua como instacircncia decisoacuteria do bloco (BRASIL MS 2003)

84

32 Globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a sauacutede em questatildeo

321 Avanccedilos e retrocessos no mercado dos alimentos

Impulsionado pela globalizaccedilatildeo o mercado de alimentos ampliou a disponibilidade e a

diversidade de produtos mesmo sem ter proporcionado simultaneamente o seu acesso

universal Como consequecircncia interferiu profundamente na cultura alimentar no padratildeo

de consumo dieteacutetico e no estado nutricional de muitas populaccedilotildees do mundo (KENNEDY

NANTEL SHETTY 2006) Nesse percurso de expansatildeo o mercado foi se aperfeiccediloando com

os avanccedilos tecnoloacutegicos em especial no campo da quiacutemica das gorduras (DREWNOWSKI

2003) das mudanccedilas nos preccedilos dos oacuteleos vegetais (WHO 2003b) das descobertas de

novas fontes de accediluacutecar - originaacuteria do milho e de custo inferior (BEGHIN JENSEN 2008)

bem como das modernas teacutecnicas de marketing (HAWKES 2002) Apoiado sob o

investimento internacional esse mercado tornou mais acirrada a competiccedilatildeo entre os

produtos alimentiacutecios de circulaccedilatildeo global e os alimentos de procedecircncia nacional no que

tange ao preccedilo agrave disponibilidade e outros atributos comerciais o que levou agrave substituiccedilatildeo

paulatina dos agentes locais de alimentos pelos globais

Tal conjunto de inovaccedilotildees foi um importante condutor das mudanccedilas nas preferecircncias

dieteacuteticas com a introduccedilatildeo dos alimentos industrializados natildeo saudaacuteveis e de baixo custo

assim como na nutriccedilatildeo e na sauacutede de um contingente expressivo de pessoas (UUSITALO

PIETIENEN amp PUSKA 2002) Essas mudanccedilas fizeram emergir na segunda metade do

seacuteculo XX nas regiotildees industrializadas e posteriormente nos paiacuteses em desenvolvimento

os novos riscos da era contemporacircnea (WHO 2003b)

Durante a consolidaccedilatildeo desse novo tipo de produto alimentiacutecio no mercado de

meados dos anos 60 ateacute os uacuteltimos anos da deacutecada de 90 dois fenocircmenos em direccedilotildees

inversas marcaram as mudanccedilas no padratildeo alimentar o aumento da disponibilidade de

calorias no mundo em torno de 450 quilocalorias (Kcal) per capita por dia ultrapassando

600 Kcal nos paiacuteses em desenvolvimento e o decliacutenio do consumo de produtos baacutesicos ndash

85

raiacutezes tubeacuterculos e cereais ndash e de frutas e hortaliccedilas acompanhado pelo incremento de

oacuteleos vegetais e de produtos caacuterneos excluiacutedos os pescados e pelo aumento na proporccedilatildeo

de energia dos accediluacutecares adicionados nas dietas (WHO 2003b)

Eacute importante salientar que o primeiro fenocircmeno citado possibilitou o aumento do

aporte caloacuterico da dieta de parcelas da populaccedilatildeo que sobreviviam com o consumo

alimentar limitado Na deacutecada de 70 vigorava um cenaacuterio de penuacuteria e de doenccedilas no

mundo no qual o nuacutemero de crianccedilas que morriam na faixa etaacuteria entre zero a cinco anos

era quase o dobro ndash 17 milhotildees - do que se estima atualmente Tal quadro estava

estritamente vinculado agrave condiccedilatildeo de extrema pobreza dessas crianccedilas (WHO 2003c)

Sob a oacutetica de Mazzocchi Shankar amp Traill (2012) essas mudanccedilas na dieta

ocorreram em dois estaacutegios o primeiro resultou no lsquoefeito expansatildeorsquo com o aumento do

suprimento de energia proveniente de produtos alimentiacutecios mais baratos de origem

vegetal poreacutem respeitando a cultura crenccedilas e tradiccedilotildees religiosas No segundo houve o

lsquoefeito substituiccedilatildeorsquo mudanccedila no consumo dos produtos alimentiacutecios - sem mudanccedila no

suprimento energeacutetico total - e que correspondeu a substituiccedilatildeo de carboidratos complexos

(cereais raiacutezes e tubeacuterculos) por oacuteleos vegetais produtos de origem animal (alimentos

laacutecteos e caacuterneos) e accediluacutecar Essas mudanccedilas tanto podem indicar uma melhoria (se haacute

incremento de frutas e vegetais) como prejuiacutezo da dieta (se haacute aumento de accediluacutecar e gordura

saturada)

Em quase todos os paiacuteses da Ameacuterica Latina entre os anos de 1990 e 1999 foi

registrado o aumento da disponibilidade energeacutetica exceto na Venezuela Em meados dos

anos 90 o consumo de cereais raiacutezes frutas e legumes declinou um pouco enquanto que o

de proteiacutena de origem animal (carne peixe ovos leite e derivados) de accediluacutecar e das

gorduras aumentou O padratildeo de dieta tradicional da Ameacuterica Latina rica em

polissacariacutedeos complexos micronutrientes e fibras comeccedila a se reconfigurar com a

inclusatildeo de quantidades elevadas de accediluacutecares refinados produtos de origem animal e

alimentos altamente processados devido aos impactos da globalizaccedilatildeo da dieta

(BERMUDEZ amp TUCKER 2003)

86

Enquanto isso a invasatildeo dos produtos alimentiacutecios prossegue e se estende a

territoacuterios extremos Como o mercado de paiacuteses de alta renda estaacute esgotado as novas bases

de instalaccedilatildeo das corporaccedilotildees de alimentos tecircm sido guiadas pelo incremento da renda

meacutedia global gasta em alimentos evidenciado nos paiacuteses em desenvolvimento (MOODIE et

al 2013) Assim elas se mobilizam para atrair novos consumidores e expandem suas

vendas para esses novos mercados Com o foco restrito na obtenccedilatildeo de lucros

extraordinaacuterios essas corporaccedilotildees vendem seus produtos alimentiacutecios inventados com

tecnologias que se utilizam de misturas de ingredientes de custos baixos e agrave base de altos

teores de accediluacutecar gordura sal e aditivos com o apoio de um robusto aparato publicitaacuterio

(CHOPRA 2002 MOODIE et al 2013 HAWKES 2002 MONTEIRO 2009) Entram nesses

paiacuteses completamente livres e desprovidas de compromissos eacuteticos para ofertar seus

produtos que pouco nutrem mas que muitos efeitos provocam na sauacutede da populaccedilatildeo

(STUCKLER amp NESTLE 2012)

Em muitos desses paiacuteses a entrada das corporaccedilotildees transnacionais de alimentos tem

sido fomentada por distintos mecanismos alguns deles jaacute abordados neste trabalho Satildeo

eles os investimentos estrangeiros diretos na cadeia produtiva de alimentos a reduccedilatildeo de

barreiras e o controle e a pressatildeo exercidos sobre a produccedilatildeo agriacutecola local Esses

mecanismos tanto reduzem os preccedilos das mateacuterias-primas como desestruturam os

mercados locais Desenha-se entatildeo uma conjuntura poliacutetica e econocircmica que cria um

mercado para os produtos altamente processados em detrimento dos alimentos saudaacuteveis

e proacuteprios da cultura local aleacutem de gerar outros efeitos nefastos agrave sauacutede e agrave economia dos

paiacuteses onde essas empresas se instalam (LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011)

Em decorrecircncia disso ocorrem alteraccedilotildees no perfil das dietas asiaacuteticas - chinesa e

japonesa - antes ricas em carboidratos complexos e na brasileira como resultado da

provaacutevel conexatildeo entre as preferecircncias sensoriais inatas a disponibilidade maior de

gorduras baratas na economia global e as raacutepidas mudanccedilas sociais nas sociedades de baixa

renda (DREWNOWSKI POPKIN1997) Fenocircmeno similar tambeacutem estaacute ocorrendo na Iacutendia

(VEPA 2006) Nesse contexto eacute possiacutevel inferir que para os pobres dessas sociedades a

conquista do acesso aos alimentos eacute apenas uma etapa Haacute ainda outros enfrentamentos

87

necessaacuterios para superar o fosso entre a acessibilidade e a garantia de um produto

saudaacutevel em termos nutricionais

Jaacute na Ameacuterica Central a reduccedilatildeo das tarifas de importaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

dos Estados Unidos resultou nas mudanccedilas da dieta habitual na inibiccedilatildeo da produccedilatildeo local

e na elevaccedilatildeo das importaccedilotildees de alimentos a qual ascendeu em 115 no intervalo

decorrido entre o iniacutecio da deacutecada de 90 e o novo milecircnio Concomitantemente ao aumento

da disponibilidade de carnes frutas e legumes - efeito promissor - houve tambeacutem o

incremento dos produtos ultraprocessados (doces cookies batatas chips salgadinhos e

similares) associados com a transiccedilatildeo nutricional e implicaccedilotildees com doenccedilas (THOW

HAWKES 2009)

Enfim haacutebitos e praacuteticas alimentares tradicionais estatildeo se desfazendo em diferentes

espaccedilos geograacuteficos do globo tanto em locais pouco conhecidos como Tonga na Oceania

(EVANS et al 2001) como em locais estrateacutegicos como o Brasil onde os alimentos

tradicionais da dieta nacional - como o feijatildeo a farinha de mandioca o arroz e a farinha de

milho- vecircm sendo cada vez menos consumidos e estatildeo paulatinamente sendo substituiacutedos

pelos produtos ultraprocessados em especial na alimentaccedilatildeo extradomiciliar (BEZERRA et

al 2013) Os dados da uacuteltima Pesquisa de Orccedilamentos Familiares- POF 2008-2009

revelaram que as famiacutelias urbanas brasileiras com mais baixa renda investem

proporcionalmente mais recurso em refrigerante biscoitos e macarratildeo do que aquelas de

mais alta renda (BRASIL IBGE 2011) Segundo Bleil (1998) todas essas mudanccedilas na dieta

ocorrem com o suporte da estrutura publicitaacuteria que impotildee a cultura global como siacutembolo

da modernidade escamoteia os interesses de mercado destroacutei a cultura local e omite os

riscos dos produtos ofertados

Os mecanismos utilizados natildeo poupam nem sequer a tradicional dieta mediterracircnea

mundialmente reconhecida por sua legiacutetima fama de ser saudaacutevel Os resultados da uacuteltima

pesquisa nacional revelam que os estudantes espanhoacuteis estatildeo substituindo os alimentos

convencionais por alimentos industrializados natildeo saudaacuteveis tais como massas

refrigerantes sucos de frutas bolos snacks e fast-foods e rejeitando folhosos legumes e

88

peixes (FERNAacuteNDEZ SAN JUAN 2006) No entanto isso natildeo eacute uma particularidade da

Espanha pois toda a populaccedilatildeo europeia tem sido exposta aos efeitos nocivos da promoccedilatildeo

e da disponibilizaccedilatildeo de produtos alimentiacutecios pobres em termos nutricionais em especial

as crianccedilas e os adolescentes pertinentes aos estratos de renda baixa (WHO 2006)

Essas corporaccedilotildees transnacionais de alimentos19 aleacutem de intervirem em todas as

etapas do sistema de produccedilatildeo apresentam um esquema complexo de movimentaccedilotildees

intercontinentais orientado por estrateacutegias comerciais e o negoacutecio-chave da maioria delas

satildeo os produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis como snacks foods chocolates cereais e

biscoitos refrigerantes e confeitos Como ilustraccedilatildeo evidencia-se que a companhia Kellogs

tem induacutestrias de processamento na China Iacutendia Japatildeo Coreacuteia do Sul e Tailacircndia para

suprir as cadeias de distribuiccedilatildeo na Aacutesia a Pepsico continua a expandir a sua vasta linha de

marketing internacional em snack foods atualmente com foco na Ameacuterica Latina e Aacutesia-

Paciacutefico e as corporaccedilotildees Nestleacute Kraft e Unilever jaacute operam em quase 140 paiacuteses (REGMI

amp GEHLHAR 2005) A Nestleacute particularmente situa-se como uma das cinco principais

companhias de alimentos do Brasil Iacutendia Meacutexico Ruacutessia Estados Unidos e Aacutefrica do Sul

(MOODIE et al 2013) o que significa disponibilizar os seus produtos a um contingente de

pessoas que corresponde a 276 da populaccedilatildeo mundial (UN 2013)

O comeacutercio varejista transnacional tambeacutem se beneficiou com uma raacutepida expansatildeo

na Ameacuterica Latina (LABONTEacute MOHINDRA LENCUCHA 2011) e em outros paiacuteses

desenvolvidos (FAO 2006) Os Estados Unidos a Uniatildeo Europeia e o Japatildeo juntos

dominam este tipo de comeacutercio e contam com 60 do total de vendas a varejo de produtos

alimentiacutecios processados no mundo (REGMI amp GEHLHAR 2005) A raacutepida

multinacionalizaccedilatildeo das cadeias de supermercados e a sua forma de atuaccedilatildeo concorrem

para consolidar um tipo de praacutetica de consumo alimentar com consequentes implicaccedilotildees

nutricionais A acessibilidade a disponibilidade a variedade satildeo estiacutemulos agrave aquisiccedilatildeo de

19 Constituem-se de um conglomerado de grandes empresas de alimentos com subsidiaacuterias em vaacuterios paiacuteses que realizam o fornecimento global de seus suprimentos a centralizam o capital estrateacutegico recursos e tomada de decisotildees e manteacutem operaccedilotildees em vaacuterios paiacuteses para tornar o mercado global mais unificado Comporta-se como atores poderosos no cenaacuterio socio-economico mundial

89

diferentes itens alimentares especialmente os densamente energeacuteticos Aleacutem disso estes se

beneficiam pela adoccedilatildeo de estrateacutegias de preccedilos baixos de promoccedilatildeo de faacutecil visualizaccedilatildeo e

de acesso no local de venda que confrontam com as desiguais condiccedilotildees de oferta das frutas

e verduras as quais tendem a ser mais caras em funccedilatildeo das peculiaridades de produccedilatildeo

Todo esse aparato faz despontar as vendas de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis sendo

parte expressiva da explicaccedilatildeo das mudanccedilas nos haacutebitos do aumento da demanda e da

preferecircncia dos consumidores e das doenccedilas crocircnicas de origem dieteacutetica (HAWKES 2008)

A introduccedilatildeo desses novos tipos de alimentos implicou reformulaccedilatildeo no perfil das

despesas com os alimentos cujo impacto foi maior nos paiacuteses em desenvolvimento

Segundo Popkin (2006) entre os anos de 1990 e 2000 as vendas de alimentos agrave varejo em

supermercados elevaram-se de 15 a 60 na Ameacuterica Latina Nesses locais se comercializam

produtos alimentiacutecios do tipo processado e natildeo saudaacutevel mas tambeacutem aqueles de

qualidade nutricional balanceada No entanto satildeo para os produtos do primeiro tipo que o

aparato de estiacutemulos agrave venda dirige o seu foco

Esse aumento nas despesas per capita coincide com o aumento das vendas de

produtos processados nos paiacuteses em desenvolvimento Entre o periacuteodo de 1998-2003 os

paiacuteses considerados com mais baixa renda e de renda meacutedia baixa tiveram um crescimento

meacutedio anual de vendas superior ao dos demais paiacuteses oscilando entre 81 a 563 no

que se refere aos cereais matinais oacuteleos e gorduras refeiccedilotildees prontas produtos laacutecteos e

produtos secos Quando esses dados foram comparados com os paiacuteses de mais alta renda

observou-se que esse crescimento neste grupo de paiacuteses foi miacutenimo sendo que a taxa mais

elevada alcanccedilada para uma dessas categorias de produtos foi de 47 (MAZZOCCHI

SHANKAR TRAILL 2012)

Embora seja breve o panorama traccedilado da atuaccedilatildeo do mercado de alimentos em

especial das corporaccedilotildees de induacutestrias e de comeacutercio varejista torna-se possiacutevel entender o

porquecirc de vaacuterios estudos terem apontado a interface entre a globalizaccedilatildeo do mercado de

alimentos a transiccedilatildeo dieteacutetica e a disseminaccedilatildeo internacional dos fatores de riscos para as

DCNT (MOODIE et al 2013 RAYNER et al 2013 LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011

TULLAO 2002) Conforme ateacute aqui apresentado para a internacionalizaccedilatildeo dos negoacutecios de

90

alimentos ter excepcional sucesso lucrativo foi necessaacuterio desestabilizar a vida econocircmica

local e a sauacutede da maior parte da populaccedilatildeo

322 A publicidade de produtos alimentiacutecios e os efeitos sobre o comportamento e

a sauacutede

Diferentes espaccedilos da vida cotidiana satildeo preenchidos com a publicidade comercial

de produtos alimentiacutecios que satildeo dirigidas a diferentes puacuteblicos especialmente agrave clientela

infantil Satildeo utilizados distintos canais de veiculaccedilatildeo e teacutecnicas convencionais e atuais

como televisatildeo internet videogames malas-diretas cartazes outdoors entre outros e que

de forma insistente e contiacutenua destinam-se a estimular a venda de produtos e

simultaneamente a inculcar valores haacutebitos e comportamentos

A publicidade comercial agressiva de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis reportados

como siacutembolos de status social tem motivado os indiviacuteduos especialmente aqueles

residentes nas aacutereas urbanas e suburbanas a substituiacuterem os alimentos tradicionais (WHO

1990) Com base nas evidecircncias sobre a influecircncia da propaganda de produtos alimentiacutecios

- tipo fast-food e produtos com alta densidade energeacutetica e pobres em micronutrientes - na

definiccedilatildeo das escolhas alimentares de crianccedilas e adolescentes e consequentemente no

aparecimento do excesso de peso e da obesidade (WHO 2003a) a OMS passou a

recomendar aos governos a regulamentar o comeacutercio a publicidade e a rotulagem desses

produtos como uma das medidas para proteger as crianccedilas contra os problemas de sauacutede

relacionados ao consumo desses alimentos (WHO 2004a WHO 2006)

Dentre os recursos publicitaacuterios a propaganda televisiva eacute o meio de promoccedilatildeo de

produtos e de estiacutemulo agraves vendas que tem maior capacidade de adentrar os lares

transformar as tradiccedilotildees familiares e alienar os indiviacuteduos por meio do colorido das

fantasias e dos valores que se mesclam e se conectam aos produtos alimentiacutecios criando

um efeito indissociaacutevel entre o produto e a sua roupagem imaginaacuteria que convence e

91

estimula os indiviacuteduos a adquiri-los

As crianccedilas satildeo aliciadas pelo poder de persuasatildeo da propaganda a desejar produtos

a qual se beneficia de sua inexperiecircncia e credulidade (WHO 2006) Robinson et al (2007)

constataram que os efeitos da propaganda atingem crianccedilas em estaacutegios precoces da vida

entre 3 e 5 anos de idade cujas preferecircncias de gosto foram associadas a uma marca liacuteder

na publicidade e nas vendas de produtos alimentiacutecios

Para o mercado as crianccedilas somam trecircs caracteriacutesticas que as convertem em maiores

clientes potenciais a primeira eacute que estatildeo propensas a adquirir todos os tipos de produtos

que se pode ofertar inclusive pela compra direta com o seu proacuteprio dinheiro a segunda

pela sua capacidade de influenciar a decisatildeo de compra dos pais e por uacuteltimo por se

constituiacuterem em consumidores do futuro (SANTOS 2009) Esse eacute o panorama que orienta

as empresas para definir a composiccedilatildeo a imagem o conteuacutedo e os meios de veiculaccedilatildeo dos

materiais publicitaacuterios relativos aos seus produtos alimentiacutecios

Segundo Hastings (2006) cinco categorias de produtos dominam a publicidade de

produtos alimentiacutecios refrigerantes cereais preacute-adoccedilados doces lanches e fast food O

efeito provocado nas crianccedilas pela exposiccedilatildeo intensa a esses tipos de produto eacute o de

exacerbar um comportamento de consumo excessivo (HARRIS et al 2009 HASTINGS et al

2003 HAWKES 2006) Estudo posterior em que se registrou o distanciamento das crianccedilas

da publicidade comercial televisiva de produtos obesogecircnicos concluiu que tal medida

pode ocasionar um impacto significativo na reduccedilatildeo da obesidade infantil (ZIMMERMAN

BELL 2010)

No caso do Brasil observou-se que o perfil de produtos alimentiacutecios mais divulgados

coincide com o referido por Hastings (2006) Apoacutes o registro de 432 horas de gravaccedilatildeo nas

televisotildees brasileiras em dias uacuteteis em horaacuterios entre 8 e 22 horas observou-se que dos

1395 anuacutencios 578 foram enquadrados no grupo da piracircmide alimentar referente a

gorduras oacuteleos accediluacutecares e doces seguido pelo grupo de patildees cereais arroz e massas

(21) Os grupos de laacutecteos e de caacuterneos e leguminosas alcanccedilaram em torno de 10

havendo uma completa ausecircncia da divulgaccedilatildeo de frutas e verduras (ALMEIDA

92

NASCIMENTO QUAIOTI 2002)

Aleacutem das diversas modalidades de publicidade que induz ao consumo de produtos

alimentiacutecios Chandon amp Wansink (2012) ainda elencam trecircs outros elementos que

imputem vantagens tais produtos o preccedilo a curto e longo prazos o produto em si em

termos de quantidade e qualidade que determina o quanto se pode consumir e por fim o

ambiente de consumo que inclui a disponibilidade e a conveniecircncia do ato de alimentar-se

Contudo observa-se que haacute uma engrenagem sensorial que antecede e deflagra o

estiacutemulo ao consumo do produto alimentiacutecio Isso envolve diferentes elementos como o

cenaacuterio da publicidade e do local de consumo o design visual das embalagens e a

praticidade do consumo a hiperpalatibilidade o som produzido pela crocacircncia a

exuberacircncia da cor e o superdimensionado conteuacutedo liacutequido que somados ao baixo preccedilo

de aquisiccedilatildeo do produto satildeo capazes de despertar o ato volitivo do indiviacuteduo e conduzi-lo

ao consumo inclusive compulsivo

Com o intento de dominar o movimento de ocidentalizaccedilatildeo da dieta e criar um mundo

unificado para os seus produtos as companhias de fast foods e de refrigerantes

desenvolvem atividades de marketing de alcance mundial diversificadas e abrangentes com

o objetivo de criar novos haacutebitos de consumo desde a adequaccedilatildeo de preccedilos e de embalagem

ateacute o patrociacutenio de atividades desportivas e filantroacutepicas (HAWKES 2002) Segundo essa

autora a regiatildeo da Ameacuterica Latina eacute a representante da primeira experiecircncia de expansatildeo

da Coca-Cola e Pepsi e hoje apresenta a segunda taxa de consumo mais elevada

ultrapassada apenas pelos EUA Nesta regiatildeo o Brasil eacute o paiacutes onde haacute o terceiro maior

consumo de bebidas carbonatadas natildeo alcooacutelicas ndash tiacutetulo este que natildeo requer

comemoraccedilatildeo mas que desperta bastante preocupaccedilatildeo face ao panorama de obesidade e

outras DCNT registrado na populaccedilatildeo brasileira

Nos Estados Unidos impera uma competiccedilatildeo perversa entre os alimentos tipo junk

foods como as principais fontes de receita para as empresas de alimentos e as taxas de

obesidade infanto-juvenil com sua ascensatildeo vertiginosa desde a deacutecada de 70 (NESTLE

2006) Conforme a autora esse fato tem provocado reaccedilotildees da sociedade que se

93

manifestam por meio de accedilotildees judiciais e de pressatildeo por regulaccedilatildeo Com isso as empresas

se esforccedilam para apoiar programas de sauacutede anunciar poliacuteticas renunciando publicidade

dirigida agraves crianccedilas e fazer seus produtos parecerem mais saudaacuteveis disfarccedilando-os com o

enriquecimento com vitaminas ingredientes integrais e eliminando as gorduras trans

Todavia essas empresas continuam a concentrar seus investimentos publicitaacuterios nos

doces nos refrigerantes e nos salgadinhos

A publicidade eacute uma estrateacutegia comercial poderosa para expor um produto

alimentiacutecio com fins de seduzir convencer e conquistar os consumidores e ainda de

transpor diversas culturas Apoacutes ter vivenciado a fase de diversificaccedilatildeo do consumo pelo

aumento dos alimentos tradicionais a Iacutendia enfrenta agora o processo de mudanccedila na

cultura alimentar com a introduccedilatildeo dos alimentos processados densamente energeacuteticos

suportados pela publicidade do McDonalds Coca-Cola Pepsi e similares e pelas cadeias de

fast-food e de supermercados (PINGALI KHWAJA 2004) Quadro de mudanccedilas esse com

muacuteltiplos efeitos econocircmicos e sociais tais como ajustes bruscos na cadeia produtiva local

para atender as demandas das corporaccedilotildees estrangeiras aleacutem de mudanccedilas aceleradas no

perfil de sauacutede e nas taxas de doenccedilas crocircnicas nos centros urbanos daquele paiacutes

Embora haja algumas lacunas de conhecimentos para confirmar a triacuteade publicidade-

alto consumo de produtos natildeo saudaacuteveis-obesidade (McDERMOTT STEAD HASTINGS

2007) e do impacto concreto da regulaccedilatildeo da publicidade na prevenccedilatildeo obesidade infantil

(HAWKES 2007) vaacuterios autores defendem o controle da publicidade de alimentos para o

puacuteblico infantil (McDERMOTT STEAD HASTINGS 2007 HAWKES 2007 NESTLE 2006

STUCKLER NESTLE 2012 WHO 2006) e os paiacuteses comeccedilam a instituir regras

compulsoacuterias especiacuteficas (HAWKES 2006)

Como a publicidade natildeo dispensa os ambientes escolares pois satildeo locais propiacutecios

para alcanccedilar as crianccedilas e os adolescentes instrumentos de controle estatildeo sendo

instituiacutedos com fins de evitar impactos negativos sobre a sauacutede desses indiviacuteduos Assim

regulamentaccedilotildees disciplinando o consumo de alimentos nestes estabelecimentos tecircm sido

aprovadas em paiacuteses como o Brasil Franccedila e Estados Unidos Quando haacute obstaacuteculos para

definir regras regulamentadoras diretrizes satildeo estabelecidas sobre o assunto como

94

ocorreu em Fiji Reino Unido e Canadaacute (HAWKES 2007)

Indubitavelmente haacute um viacutenculo entre a publicidade e o comeacutercio de produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis e os riscos agrave sauacutede que tem posto a conduta eacutetica das empresas

de alimentos sob suspeiccedilatildeo Isso se expressa sob diferentes formas por natildeo estimularem os

indiviacuteduos em especial as crianccedilas a fazerem escolhas favoraacuteveis ao cuidado e manutenccedilatildeo

de sua sauacutede (HAWKES 2007) e por colocarem sobre as pessoas e a sociedade o ocircnus

exclusivo de carregarem o fardo da doenccedila induzido pelos estiacutemulos sistemaacuteticos do

mercado Esse tipo de desrespeito agrave eacutetica contraria direitos sob um duplo aspecto - a

proteccedilatildeo da infacircncia e a preservaccedilatildeo da sauacutede E dessa forma uma intervenccedilatildeo puacuteblica no

campo da regulaccedilatildeo da publicidade torna-se plenamente justificaacutevel para resguardar esses

direitos ameaccedilados por uma atividade comercial desenfreada

323 Palatabilidade saciedade custo e praticidade dos produtos alimentiacutecios

Vaacuterios estudos buscam desvendar os mecanismos desencadeadores dos estiacutemulos que

levam ao consumo excessivo de alimentos natildeo saudaacuteveis e que repercutem sobre as taxas

de obesidade e de DCNT Duas caracteriacutesticas desses alimentos tecircm sido selecionadas para

investigaccedilatildeo a palatibilidade e a saciedade A primeira por exaltar o prazer da degustaccedilatildeo e

a segunda por sua relaccedilatildeo entre o custo energeacutetico e satisfaccedilatildeo

Durante a investigaccedilatildeo verificou-se que a palatabilidade e a saciedade relacionadas

respectivamente ao apetite e agrave satisfaccedilatildeo do consumo produzem efeitos interdependentes

Nos produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis o comportamento desses efeitos eacute oposto o

aumento do consumo reduz a velocidade de resposta agrave saciedade jaacute nos alimentos in

natura observa-se que o aumento do consumo conduz gradualmente agrave saciedade

(SWINBURN et al 2004 DREWNOWSKI 1999)

Esse mecanismo de efeito inverso eacute explicado pelo fato de o iacutendice de saciedade ser

inversamente proporcional agrave disponibilidade de energia e diretamente proporcional ao

95

peso dos alimentos consumidos o que faz com que os alimentos com energia diluiacuteda

tendam a ser mais saciaacuteveis poreacutem menos palataacuteveis enquanto os densamente energeacuteticos

sejam mais palataacuteveis e menos saciaacuteveis (DREWNOWSKI et al 2004)

Densidade energeacutetica composiccedilatildeo nutricional volume e aspectos sensoriais satildeo

traccedilos diferenciadores dos alimentos palataacuteveis daqueles do tipo saciaacuteveis No primeiro

grupo o alto conteuacutedo de accediluacutecar de gordura e de energia aliado ao baixo volume e aos

aspectos doce e gorduroso formam o seu arcabouccedilo (batata frita biscoitos etc) enquanto

caracteriacutesticas opostas agraves relacionadas formam o perfil dos alimentos com alto poder de

saciedade (frutas legumes etc) Em siacutentese alimentos com alta densidade energeacutetica que

contecircm accediluacutecar e gordura satildeo mais palataacuteveis e menos saciaacuteveis (DREWNOWSKI 1999)

Swinburn e colaboradores (2004) esclarecem como procede o comportamento dos

alimentos gordurosos e doces frente agrave palatibilidade e agrave saciedade Alimentos altamente

gordurosos tecircm um fraco impacto na saciedade porque a gordura carreia compostos

aromaacuteticos que datildeo sabor aos alimentos tornando-os de alta palatibilidade e em parte

conduzindo ao consumo descontrolado em excesso Assim a alta palatabilidade associada agrave

autoregulaccedilatildeo metaboacutelica relativamente deacutebil das dietas com altos teores de gordura

constituem o desafio Quanto ao teor de accediluacutecares o autor afirma que embora pareccedila

limitada a resposta hedoniacutestica a doccedilura tambeacutem aumenta a palatibilidade de muitos

alimentos o que tambeacutem parece conduzir ao superconsumo Nesse sentido sendo a

gordura e o accediluacutecar vinculados ao aumento da palatibilidade dos alimentos os produtos

processados contendo alto teor desses dois componentes podem conduzir ao ganho de

peso Quando o autor se refere ao aporte energeacutetico de bebidas como no caso dos

refrigerantes ele afirma ter um valor baixo por sofrer diluiccedilatildeo pelo alto teor de aacutegua

nesses produtos Esse mesmo autor argumenta que em termos fisioloacutegicos o impacto da

densidade de energia de alimentos soacutelidos natildeo pode ser transposta para os alimentos

liacutequidos sendo prudente consideraacute-lo em separado

Outro ponto relevante relaciona-se ao custo monetaacuterio dos alimentos em relaccedilatildeo a

sua densidade energeacutetica o qual eacute de extrema importacircncia para ser considerado no

desenho das poliacuteticas puacuteblicas de nutriccedilatildeo porque impacta diretamente no orccedilamento das

96

famiacutelias com baixo rendimento DREWNOWSKI (2010) afirma que os alimentos

considerados saudaacuteveis como os grupos de legumes de frutas e de carnes frangos e peixes

apresentaram um custo monetaacuterio por calorias extremamente alto e maiores teores de

proteiacutenas minerais e vitamina C em relaccedilatildeo aos grupos de accediluacutecares doces e bebidas e de

oacuteleos gorduras e molhos Entretanto os grupos de frutas e de legumes foram os que

apresentaram a mais baixa densidade energeacutetica e superaram os demais grupos em

conteuacutedo de aacutegua e custo da porccedilatildeo meacutedia servida tornando-os mais caro em termo de

custo de energia comparativamente ao conjunto analisado Em outro estudo Andrieu

Darmon amp Drewnowski (2006) utilizando registro de dietas de franceses reconfirmam que

a escolha livre de dietas de baixo custo tende a ser densamente energeacutetica e pobre em

nutrientes-chave exceto para caacutelcio e fibras Jaacute as vitaminas antioxidantes presentes em

frutas e legumes foram associadas a um custo energeacutetico mais alto

Produtos alimentiacutecios com alta palatibilidade elevada densidade energeacutetica valor

social embutido e custo relativamente baixo satildeo elementos que atraem o consumidor

apesar de serem considerados ldquonatildeo saudaacuteveisrdquo Soma-se ainda a praticidade para consumo

que apresentam pois na maioria das vezes jaacute estatildeo prontos ou requerem operaccedilotildees

miacutenimas de aquecimento fato que assume relevacircncia em um cotidiano em que a escassez

de tempo eacute imperativa

Por fim os produtos alimentiacutecios com alto poder de palatibilidade e baixo poder de

saciedade constituem o sucesso das empresas transnacionais de alimentos cuja

disseminaccedilatildeo global tem interferido na vida na sauacutede e na economia de muitas populaccedilotildees

independente do seu posicionamento no ciclo da vida sendo os pobres os mais afetados

conforme seraacute evidenciado no capiacutetulo a seguir

97

4 A DINAcircMICA DAS TRANSICcedilOtildeES dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

41 O percurso da transiccedilatildeo dieteacutetica agrave transiccedilatildeo nutricional

Durante a realizaccedilatildeo do levantamento bibliograacutefico observou-se a passagem do uso

do termo ldquotransiccedilatildeo dieteacuteticardquo (WHO 1990) para ldquotransiccedilatildeo nutricionalrdquo (WHO 2002b) nos

documentos oficiais da OMS e em outros artigos cientiacuteficos (CHOPRA 2002 POPKIN

2006) ambos estabelecendo distintos paralelos com as transformaccedilotildees no perfil

nutricional e epidemioloacutegico das populaccedilotildees Nesse sentido breves consideraccedilotildees seratildeo

feitas sobre o contexto empregado e suas implicaccedilotildees na compreensatildeo dos fenocircmenos

nutricionais

Em 1990 a OMS utiliza a transiccedilatildeo dieteacutetica para explicar as mudanccedilas ocorridas na

dieta nas quatro deacutecadas anteriores e argumenta que elas resultaram no aumento do

consumo de gorduras saturadas de carboidratos simples alimentos defumados e

conservados a base de sal snack foods bebidas alcooacutelicas de pickles diminuiccedilatildeo do

consumo de legumes e frutas cujos efeitos repercutiram no padratildeo de morbimortalidade

elevando as taxas de obesidade doenccedilas coronarianas diabetes hipertensatildeo cacircncer etc

(WHO 1990) A transiccedilatildeo dieteacutetica entatildeo situa-se no corpo de transformaccedilotildees ocorridas na

composiccedilatildeo da dieta sendo explicada por um conjunto de elementos que evidenciam

mudanccedilas nos tipos de nutrientes e de alimentos que prejudicam a sauacutede A dieta eacute

assumida como um dos fatores relacionado agraves alteraccedilotildees no tipo e na frequecircncia de

doenccedilas

A anaacutelise da transiccedilatildeo dieteacutetica eacute esmiuccedilada como um fenocircmeno especiacutefico que se

processou paralelamente agraves mudanccedilas no estilo de vida o qual levou agrave reduccedilatildeo da atividade

fiacutesica ao aumento do estresse entre outros fatores que modificaram o padratildeo de

morbimortalidade Foram mudanccedilas de vaacuterias ordens ocorrendo no mesmo espaccedilo de

98

tempo e transformando o perfil de doenccedilas dos paiacuteses emergentes tornando-o proacuteximo

aos dos paiacuteses afluentes Uma dessas mudanccedilas ocorreu no padratildeo alimentar

Nesse contexto dieta e estilo de vida apresentam-se como entidades associadas mas

natildeo devidamente articuladas para que se permita observaacute-las como eventos que interagem

entre si e conduzem ao aumento ou agrave diminuiccedilatildeo das condiccedilotildees de exposiccedilatildeo ao risco agraves

doenccedilas

Aproximadamente uma deacutecada depois a OMS passa a adotar a transiccedilatildeo nutricional

para sintetizar as mudanccedilas nos fatores de risco e doenccedilas Trata-se do aumento do

consumo de produtos processados hipercaloacutericos (ricos em accediluacutecares e gorduras de baixo

custo) em detrimento dos alimentos crus em um contexto de atividade fiacutesica reduzida que

vem concorrendo para a epidemia da obesidade e do aumento da prevalecircncia de outras

DCNT e que passa a coexistir com a subnutriccedilatildeo residual (WHO 2002b) Logo em seguida a

OMS esclarece que os niacuteveis ascendentes das DCNT derivam das mudanccedilas na dieta em

termos qualitativo e quantitativo e da inatividade fiacutesica atreladas a padrotildees de trabalho e

lazer inadequados Ressalta tambeacutem que essa experiecircncia agora manifesta-se

especialmente nos paiacuteses em desenvolvimento (WHO 2003b)

Essa transiccedilatildeo marca portanto o enfrentamento dos paiacuteses em desenvolvimento com

dois fenocircmenos da nutriccedilatildeo de naturezas aparentemente opostas mas com traccedilo essencial

comum de um lado o desafio emergente do sobrepeso obesidade e outras DCNT e de

outro a permanecircncia da subnutriccedilatildeo e deficiecircncias de micronutrientes na populaccedilatildeo

Contudo esses dois problemas nutricionais somaram-se e concentraram-se sobre camadas

sociais pobres nesses grupos de paiacuteses

Observa-se que na ldquotransiccedilatildeo nutricionalrdquo natildeo se estabelece uma dissociaccedilatildeo entre as

transiccedilotildees ocorridas na dieta nas doenccedilas e nos comportamentos relativos agrave atividade

fiacutesica Todos estatildeo interligados nesse conceito Esse conceito tambeacutem utiliza o termo

geneacuterico ldquodietardquo haacute a agregaccedilatildeo de um outro especiacutefico que denomina e qualifica os

alimentos implicados produtos industrializados hipercaloacutericos e de baixo custo

99

A compreensatildeo da transiccedilatildeo nutricional foi se aprimorando passando a ser assumida

como um processo que revela a inversatildeo nos padrotildees de distribuiccedilatildeo dos problemas

nutricionais de uma dada populaccedilatildeo no tempo sendo referenciada pela elevaccedilatildeo da

prevalecircncia de obesidade e o raacutepido decliacutenio da desnutriccedilatildeo (BATISTA FILHO RISSIN

2003) vinculando-se a diferentes estaacutegios de desenvolvimento econocircmico-social do paiacutes

(KAC VELAgraveSQUEZ-MELEacuteNDEZ 2003)

Face ao exposto observa-se que a transiccedilatildeo nutricional comeccedila a romper com uma

abordagem estritamente teacutecnica e desprovida de qualquer menccedilatildeo a componentes poliacuteticos

e econocircmicos e passa a ser reconhecida como um evento proacuteprio da dinacircmica da sociedade

e portanto derivado das transformaccedilotildees sociais que revolucionaram a nutriccedilatildeo global em

especial as praacuteticas de consumo alimentar

No Brasil a transiccedilatildeo nutricional consolidou-se muito rapidamente em apenas trecircs

deacutecadas conforme revelam os resultados de trecircs inqueacuteritos nacionais o Estudo Nacional

sobre Despesas Familiares (ENDEF)-197475 a Pesquisa Nacional sobre Sauacutede e Nutriccedilatildeo

(PNSN) -1989 a Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede (PNDS)-199596 (BATISTA

FILHO RISSIN 2003) Mas na POF 200203 ainda se observa um decliacutenio da prevalecircncia

de deacuteficit de peso por idade em menores de cinco anos atingindo 46 - quando

comparado com o resultado de 166 obtido no ENDEF- 197475 ndash e concomitantemente

o aumento da obesidade e do excesso de peso em adultos (COUTINHO GENTIL TORAL

2008) Segundo estes autores a inversatildeo dos padrotildees nutricionais foi reflexo das

influecircncias das intensas transformaccedilotildees ocorridas na sociedade brasileira que deu um

impulso positivo as condiccedilotildees de vida das camadas mais pobres inclusive facilitando o

acesso agrave alimentaccedilatildeo o que natildeo indica necessariamente um incremento do consumo de

alimentos com perfil nutricional adequado

O artigo de Popkin (2002) decodificou com mais detalhes a transiccedilatildeo nutricional nos

paiacuteses em desenvolvimento e a sua anaacutelise a aproximou dos eventos socioeconocircmicos

correntes Segundo esse autor a transiccedilatildeo nutricional eacute parte integrante do contexto da

raacutepida globalizaccedilatildeo do mercado de alimentos dos sistemas de comunicaccedilatildeo da urbanizaccedilatildeo

e do estilo de vida dos indiviacuteduos Isso interferiu nas mudanccedilas da estrutura geral dos

100

padrotildees dieteacuteticos e estimulou uma vida sedentaacuteria nessas duas uacuteltimas deacutecadas

Evidecircncias intimamente associadas agrave transiccedilatildeo demograacutefica e epidemioloacutegica caracterizada

por mudanccedilas na estatura meacutedia composiccedilatildeo corporal e morbidade das populaccedilotildees Um

pouco mais tarde Popkin amp Gordon-Larsen (2004) concentram-se em explorar

separadamente as mudanccedilas dieteacuteticas ocorridas nessa transiccedilatildeo

No avanccedilar dos anos a transiccedilatildeo nutricional assim como o crescimento das DCNT

passam a ser entendidos como resultados imediatos da globalizaccedilatildeo da dieta humana

(UUSITALO PIETNEN amp PUSKA 2002 WHO 2003b) e portanto como um dos efeitos

negativos da globalizaccedilatildeo econocircmica (WHO 2005) O crescimento econocircmico a

transformaccedilatildeo no sistema alimentar e a transiccedilatildeo nutricional satildeo eventos sintonizados e

dependentes (FAO 2013b) Isso traz agrave tona atores importantes nesse fenocircmeno cujas

condutas contribuem para a transiccedilatildeo nutricional Satildeo eles o mercado pela dominaccedilatildeo do

comeacutercio de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis e pela publicidade intensiva que destroacutei

os padrotildees alimentares saudaacuteveis e tambeacutem as instacircncias de regulaccedilatildeo dos alimentos pela

ineacutercia em intervir no comportamento excessivo do mercado que deteriora a qualidade

nutricional dos produtos

Em siacutentese a transiccedilatildeo dieteacutetica eacute uma faceta da transiccedilatildeo nutricional que por sua

vez eacute parte da transiccedilatildeo social A traduccedilatildeo desse fenocircmeno natildeo se resume agraves mudanccedilas na

dieta e nem ao predomiacutenio da obesidade comparativamente agrave desnutriccedilatildeo Eacute um fenocircmeno

social complexo que no debate ao longo dos anos passa a ser entendido como resultado

dos impactos das relaccedilotildees econocircmicas e sociais na esfera global refletidos no campo da

nutriccedilatildeo humana

101

42 A obesidade e outras DCNT em ascensatildeo panorama global e nacional

421 Comportamento da Obesidade e de suas comorbidades no mundo breves

comentaacuterios

As mudanccedilas impostas agrave sociedade em decorrecircncia do processo de globalizaccedilatildeo da

economia tem diversificado os riscos agrave sauacutede Nesse contexto os alimentos constituem um

dos fatores implicados criando novas modalidades de doenccedilas sem contudo eliminar os

eventos tradicionais que conduzem agrave maacute nutriccedilatildeo ou agraves doenccedilas transmitidas por

alimentos Surge daiacute um quadro de doenccedilas nutricionais marcado por um consumo de

alimentos que envolvem aspectos especiacuteficos - ou seus cruzamentos- como a quantidade

reduzida ou excessiva a qualidade nutricional e ou sanitaacuteria inadequadas Contudo neste

trabalho a abordagem restringir-se-aacute aos efeitos adversos do consumo de alimentos com

qualidade nutricional inadequada

No final do seacuteculo XX a OMS proclamou a obesidade como uma epidemia global

(WHO 2000) que se originou nos Estados Unidos avanccedilou para a Europa e outras naccedilotildees

ricas no mundo e paulatinamente alcanccedilou os paiacuteses de economias de transiccedilatildeo ateacute

encerrar o seu circuito mundial nos paiacuteses considerados pobres (PRENTICE 2005 WHO

2000) Eacute um tipo de doenccedila crocircnica que vem se disseminando em todos os continentes e

apresenta a peculiaridade de acometer indiviacuteduos de diferentes grupos etaacuterios e distintos

estratos sociais Isso compotildee um quadro epidemioloacutegico complexo e mobilizador de

vultosos recursos puacuteblicos tanto para o tratamento da doenccedila em questatildeo quanto das

comorbidades a ela relacionadas (WHO 2000 CABALLERO 2007) A ascendente

prevalecircncia da obesidade e de suas complicaccedilotildees tem se convertido em uma importante

ameaccedila agrave sauacutede puacuteblica mundial (WHO 2000 VISSCHER amp SEIDELLL 2001)

Segundo a OMS a relaccedilatildeo estreita entre as dietas densamente energeacuteticas e o modo de

vida sedentaacuterio tem contribuiacutedo para o incremento de um elenco de DCNT - obesidade

diabetes mellitus doenccedilas cardiovasculares hipertensatildeo infarto e alguns tipos de cacircncer ndash

102

que estatildeo se tornando causas importantes de mortes e incapacidades prematuras em paiacuteses

em desenvolvimento e desenvolvidos (WHO 2003b) Entre as deacutecadas de 70 e 80 houve

um aumento relativo de 105 nas doenccedilas crocircnicas na Ameacuterica do Sul tropical momento

em que se processaram as mudanccedilas no estilo de vida e na dieta Nesse contexto a

alimentaccedilatildeo surge como um dos principais determinantes modificaacuteveis desse tipo de

doenccedilas (WHO 1990)

Em 2005 do total de 58 milhotildees de oacutebitos 35 milhotildees (60) deles foram resultados

das DCNT Jaacute em 2008 essa estimativa global ascende para 36 milhotildees do total de 57

milhotildees de mortes (UN 2013) Os principais fatores de riscos modificaacuteveis para esse grupo

de doenccedilas satildeo dieta natildeo saudaacutevel inatividade fiacutesica o ato de fumar (WHO 2005) o

consumo de aacutelcool natildeo sido eacute contabilizado no elenco desses fatores

Em 2012 as DCNT continuam a ser um dos principais desafios da sauacutede puacuteblica e

mantecircm-se no patamar dos 60 das mortes globais ameaccedilando o desenvolvimento

econocircmico e social e exigindo um esforccedilo articulado em niacutevel local Em decorrecircncia disso

muitos paiacuteses jaacute estatildeo desenvolvendo diversas frentes de atuaccedilatildeo com fins de prevenir e

controlar essas doenccedilas mediante a intervenccedilatildeo em fatores de risco como dieta natildeo

saudaacutevel inatividade fiacutesica e sobrepeso e obesidade (WHO 2013a)

Na qualidade de morbidade crocircnica a obesidade se destaca no grupo das DCNT por

ser capaz de isoladamente desencadear muacuteltiplos eventos moacuterbidos como diabetes

mellitus tipo II doenccedila cardiovascular osteoartrite cacircncer e distuacuterbios respiratoacuterios aleacutem

de problemas de ordem psicossocial tais como a incapacidade para o trabalho a baixa

autoestima entre outras (WHO 2004a UUSITALO PIETIENEN PUSKA 2002 VISSCHER

SEIDELLL 2001 WHO 2000) Embora natildeo haja idade limite para o surgimento da

obesidade podendo ser detectada em fases precoces da vida a idade de iniacutecio da doenccedila e o

seu grau de gravidade sinalizaratildeo a persistecircncia dessa doenccedila e de seus efeitos deleteacuterios

ao longo da vida adulta (MUST 1996) Dentre os periacuteodos criacuteticos para o desenvolvimento

da obesidade destacam-se o preacute-natal o periacuteodo de repleccedilatildeo adiposa situado entre os cinco

e sete anos de idade e o periacuteodo da adolescecircncia (DIETZ 1994) os quais requerem uma

atenccedilatildeo especial face agraves implicaccedilotildees futuras

103

No continente europeu o excesso de peso constitui um problema de sauacutede

ascendente As prevalecircncias de sobrepeso oscilaram entre 32 a 79entre os homens e

entre 28 a 78 entre as mulheres jaacute as de obesidade situaram-se em faixas mais

estreitas entre 5-23 e 7-36 respectivamente para os sexos masculino e feminino

conforme dados obtidos entre 1999 e 2005 (BRANCA NIKOGOSIAN LOBSTEIN 2007)

Contudo segundo esses autores ambos os distuacuterbios contribuem para 80 dos casos de

diabetes tipo II 35 de doenccedila isquecircmica do coraccedilatildeo e 55 de hipertensatildeo em adultos Na

Espanha especificamente no intervalo de 1987-1997 foi registrado o aumento relativo de

71 na prevalecircncia de obesidade em homens adultos e de 63 em mulheres adultas os

maiores incrementos ocorreram na populaccedilatildeo adulta sem escolaridade em ambos os sexos

conforme resultados das pesquisas nacionais (GUTIEacuteRREZ-FISAC et al 2003)

Embora a Aacutefrica seja reduto de casos de subnutriccedilatildeo na parte nordeste

particularmente no Marrocos e na Tuniacutesia jaacute haacute a presenccedila de obesidade (MOKHTAR et al

2001) bem como em outros paiacuteses desse continente (WHO 2004a WHO 2005) No paiacutes

mais populoso da Aacutesia ndash China - a obesidade jaacute alcanccedila mais de 20 das crianccedilas e

adolescentes com idade entre 7 e 17 anos residentes em centros urbanos (WHO 2005)

Em um conjunto de 17 paiacuteses da Ameacuterica Latina analisados AMIGO (2003) constatou

prevalecircncias meacutedias de obesidade proacuteximas a 45 em crianccedilas menores de cinco anos

sendo que em quatro deles os valores foram superiores a 6 indicando que haacute

incrementos nas taxas apesar de natildeo serem ainda consideradas altas Jaacute o comportamento

da obesidade nas mulheres latino-americanas pertencentes a nove paiacuteses da regiatildeo foi

ascendente durante a deacutecada de 90 apresentando taxas entre 76 a 121 exceto no Haiti

(KAIN VIO ALBALA 2003) No transcurso de 1990 a 2010 a estimativa de sobrepeso e

obesidade combinados entre as crianccedilas dessa mesma idade nessa regiatildeo do globo passou

de 4 a 7 (MEERMAN CARISMA THOMPSON 2012)

As principais doenccedilas crocircnicas que contribuem para as mortes prematuras

relacionam-se a fatores de risco peculiares ao estilo de vida ndash consumo excessivo de

produtos natildeo saudaacuteveis de fumo e de bebida alcooacutelica assim como inatividade fiacutesica

104

Segundo a OMS (WHO 2004a) satildeo doenccedilas reconhecidamente globais de caraacuteter

preventivo poreacutem a explicaccedilatildeo dada a sua causalidade apresenta equiacutevocos tais como a

culpabilizaccedilatildeo individual a restriccedilatildeo social e etaacuteria aleacutem da susceptibilidade

preponderantemente geneacutetica Tais fatos tecircm encoberto as responsabilidades a serem

assumidas pelos governos e pelas induacutestrias a vulnerabilidade social agraves doenccedilas a

interaccedilatildeo de fatores de risco sociais e natildeo exclusivamente geneacuteticos e os prejuiacutezos coletivos

pela falta de adoccedilatildeo de medidas puacuteblicas de controle e de prevenccedilatildeo

A responsabilizaccedilatildeo individual requer consideraccedilotildees especiais Isso porque a ldquonova

sauacutede puacuteblicardquo norteada pelos princiacutepios neoliberais passa a defender que a soluccedilatildeo estaacute

nos sujeitos enquanto cidadatildeos livres e competentes para realizar o seu autocontrole

definir seu estilo de vida e fazer escolhas que protejam a sua sauacutede desconsiderando a

relevacircncia das determinaccedilotildees estruturais (PETERSON LUPTON 2000) de onde se

originam verdadeiramente os problemas de sauacutede Tanaka amp Nakanishi (1996) abordando

o crescimento das DCNT no Japatildeo no final do seacuteculo XX pautados exatamente nesse

ideaacuterio neoliberal destacam que os indiviacuteduos podem reduzir ou eliminar fatores de riscos

para doenccedilas cardiovasculares exceto fatores como idade hereditariedade e gecircnero

modificando certas escolhas do estilo de vida como dieta exerciacutecios fiacutesicos estresse fumo

e aacutelcool

Eacute fundamental refletir sobre essas questotildees pois imputar ao indiviacuteduo a

responsabilidade uacutenica pelo destino da sua sauacutede em particular por natildeo ter competecircncia

de movimentar o seu corpo o suficiente ou de saber selecionar os alimentos ou conterndashse

frente aos estiacutemulos do consumo eacute uma anaacutelise simplista para lidar efetivamente com a

complexidade causal das DNCT Haacute um fenocircmeno global de doenccedilas que tem

necessariamente uma raiz comum Compreendecirc-lo implica resgatar os elementos sociais

subjacentes e essenciais que satildeo a base do processo de determinaccedilatildeo causal Trata-se

entatildeo de decifrar as relaccedilotildees entre as sociedades individuais e o contexto da economia

global dirigida agrave massificaccedilatildeo do consumo a fragilidade das instituiccedilotildees puacuteblicas para

intervir no mundo privado a debilidade dos movimentos sociais para reivindicar e se

conscientizar dos fenocircmenos moacuterbidos coletivos etc

105

Salienta-se que os indiviacuteduos na esfera do mercado de bens de consumo da sociedade

contemporacircnea satildeo seres quase desfeitos pois segundo Bauman (2008) suas virtudes

enfraqueceram sua condiccedilatildeo de sujeitos pensantes e autocircnomos foi apagada tornando-os

incapazes de refletir e decidir conscientemente sobre os bens ofertados Os indiviacuteduos

converteram-se em meros objetos potenciais de consumo sendo constantemente

ludibriados seduzidos e manobrados por pressotildees poderosas oriundas dos negoacutecios

privados Condiccedilotildees tais que contribuiacuteram para que os indiviacuteduos se tornassem tambeacutem

fraacutegeis para selecionar adequadamente os alimentos que consomem com o objetivo de

proteger a sua proacutepria sauacutede

Assim depositar a responsabilidade no indiviacuteduo para conter os riscos e portanto

para promover sauacutede e prevenir doenccedilas eacute forccedilar artificialmente a exclusatildeo dos atores

estrateacutegicos do cenaacuterio - o poder puacuteblico e os setores econocircmicos - em especial aqueles

produtores de alimentos industrializados

422 O quadro epidemioloacutegico brasileiro e sua conexatildeo com as mazelas do

mundo

O retrato do perfil epidemioloacutegico brasileiro imprime com nitidez as marcas

mundiais do processo de internacionalizaccedilatildeo da produccedilatildeo de alimentos que se empenha

insistentemente em homogeneizar as praacuteticas de consumo e o comportamento do planeta

Tudo isso para tornar possiacutevel concentrar as riquezas que retroalimentam o seu

dinamismo tendo como efeitos as mazelas crocircnicas - doenccedilas e pobreza - que satildeo

socializadas com a maioria da populaccedilatildeo

No Brasil o quadro recente das principais doenccedilas crocircnicas na populaccedilatildeo adulta

aponta para 227 de portadores de hipertensatildeo arterial 56 de diabetes e 158 de

obesidade e 485 de indiviacuteduos jaacute se encontram com excesso de peso (BRASIL MS

106

2012b) Doenccedilas essas que apresentam ritmos crescentes em suas respectivas prevalecircncias

desde o ano de 2006 (SCHMIDT et al 2011 BRASIL MS 2012b)

Segundo esses autores do total de oacutebitos registrados em 2007 cerca de 72 foram

atribuiacutedos agraves DCNT no panorama explicativo para o aumento da exposiccedilatildeo a esse grupo de

doenccedilas estatildeo a melhoria de acesso agrave alimentaccedilatildeo e a globalizaccedilatildeo de haacutebitos de consumo

de alimentos natildeo saudaacuteveis Eacute justamente da falta de comunhatildeo entre o acesso facilitado

aos alimentos e a sua qualidade nutricional que os riscos eclodem e as doenccedilas crocircnicas

surgem

Pesquisas nacionais anteriores PNAD-2003 e PNAD-2008 indicam que o aumento da

hipertensatildeo e da diabetes e as prevalecircncias mais elevadas da maioria das doenccedilas crocircnicas

com exceccedilatildeo de tendinitetenossinovite e cacircncer concentram-se nos segmentos da

populaccedilatildeo com menor escolaridade e sem benefiacutecios de plano privado de sauacutede No

entender desses autores essas evidecircncias expressam as desigualdades sociais na

manifestaccedilatildeo desse grupo de doenccedilas situaccedilatildeo que tambeacutem eacute observada em outros paiacuteses

(BARROS et al 2011) Outro estudo comprovou algo semelhante quando analisou o

comportamento dos fatores de risco na populaccedilatildeo tais como niacuteveis pressoacutericos alterados

obesidade e consumo excessivo de aacutelcool que foram igualmente associados aos grupos que

apresentam piores condiccedilotildees de vida (OLIVEIRA-CAMPOS RODRIGUES-NETO SILVEIRA

NEVES et al 2013)

As doenccedilas crocircnicas como qualquer outro tipo de manifestaccedilatildeo do processo sauacutede-

doenccedila satildeo socialmente moldadas Eacute o lsquosocialrsquo que define o grau de exposiccedilatildeo aos fatores de

risco a susceptibilidade bioloacutegica a certas doenccedilas a resistecircncia a capacidade de prevenccedilatildeo

e de reaccedilatildeo assim como a celeridade no agravamento nas sequelas e no oacutebito

Considerando o papel relevante que assume a obesidade como precursora de outras

DCNT (WHO 2004) conveacutem explorar os traccedilos que ela assume na realidade brasileira em

termos de distribuiccedilatildeo etaacuteria e social bem como da sua inter-relaccedilatildeo com os alimentos

consumidos e a praacutetica de atividade fiacutesica

107

O processo de ascensatildeo do excesso de peso e obesidade foi conduzido durante as trecircs

uacuteltimas deacutecadas e comprovado ao longo dos inqueacuteritos nacionais (BATISTA FILHO RISSIN

2003) conforme jaacute mencionado neste trabalho Na uacuteltima pesquisa nacional da POF 2008-

2009 as prevalecircncias de sobrepeso e de obesidade em adolescentes (10 a 19 anos) foram

de 205 e 49 respectivamente o que reforccedila a predisposiccedilatildeo agrave doenccedila jaacute na juventude

Na fase adulta as prevalecircncias de obesidade entre homens e mulheres foram 125 e

169 respectivamente as frequecircncias mais elevadas de excesso de peso e de obesidade

situaram-se nas faixas etaacuterias de 45-54 anos entre homens de 55-64 anos entre as

mulheres declinando nas faixas subsequentes (BRASIL IBGE 2010) Esse progressivo

aumento da obesidade jaacute eacute reconhecido como um problema de sauacutede emergente na

populaccedilatildeo brasileira e em conjunto agraves doenccedilas carenciais persistentes foi incorporada agrave

agenda poliacutetica do governo no final da deacutecada de 90 passando a ser um dos objetivos de

intervenccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-PNAN (BRASIL MS 1999)

Os indicadores de excesso de peso possuem caraacuteter dinacircmico sofrem efeitos da

mobilidade social e diferenciam-se entre os sexos e o niacutevel de educaccedilatildeo formal A partir da

deacutecada de 90 a prevalecircncia do excesso de peso anteriormente concentrada nas regiotildees

mais ricas desloca-se para as regiotildees mais pobres do paiacutes e para os estratos de renda mais

pobres (MONDINI MONTEIRO 1998) enquanto se observa a estabilizaccedilatildeo no

comportamento ascendente do problema entre mulheres adultas de renda mais alta

(BATISTA FILHO RISSIN 2003)

Efeito similar ocorre quando se utiliza o marcador social escolaridade inicialmente o

risco de obesidade abrangia a todos os adultos e a partir desse mesmo momento o

incremento ocorreu nos indiviacuteduos de baixa escolaridade estabilizando-se ou ateacute mesmo

diminuindo naqueles com meacutedia e alta escolaridade (MONTEIRO CONDE CASTRO 2003)

A frequecircncia de excesso de peso e de obesidade aumentou em homens e mulheres sendo

que a meacutedia de aumento foi superior nas mulheres em ambos os casos Poreacutem verifica-se

que haacute um comportamento diferente desses eventos quando se faz relaccedilatildeo com o grau de

escolaridade no grupo masculino as mais altas taxas estatildeo no estrato de maior

escolaridade enquanto que entre as mulheres as taxas mais elevadas estatildeo no estrato de

menor escolaridade (BRASIL IBGE 2010)

108

Dados mais recentes indicam que o excesso de peso e a obesidade em adultos

residentes nas 27 capitais brasileiras e no Distrito Federal persistiam como problemas de

sauacutede puacuteblica indicando sinais para uma evoluccedilatildeo positiva durante os uacuteltimos seis anos de

acompanhamento do Sistema Vigitel20 com taxas equivalentes a 485 e 158

respectivamente em 2011 (BRASIL MS 2012b) Os dois inqueacuteritos Vigitel mais recentes

2012 e 2013 constataram que a taxa de obesidade em adultos praticamente estabilizou

situando-se entre 174 e 175 respectivamente enquanto o excesso de peso foi

reduzido de 508 em 2012 para 4535 em 2013 (BRASIL MS 2013 BRASIL MS

2014)

Informaccedilotildees atualizadas anualmente sobre dieta e atividade fiacutesica tambeacutem

constituem uma parte do acervo de dados do Sistema Vigitel Os resultados desse inqueacuterito

no ano de 2010 revelam que apenas 30 dos entrevistados consumiam cinco ou mais

porccedilotildees de frutas e hortaliccedilas por semana 34 consumiam carne com excesso de gordura

30 praticavam atividade fiacutesica no lazer ou no trajeto para o trabalho e 28 assistiam trecircs

ou mais horas de televisatildeo por dia (DUNCAN CHOR AQUINO 2012) Em 2011 o consumo

de frutas e hortaliccedilas nessa populaccedilatildeo reduziu para 202 e os demais indicadores

permaneceram praticamente estaacuteveis (BRASIL MS 2012b) Jaacute os dados do ano de 2013

revelam o aumento no consumo de frutas e hortaliccedilas (36) e na praacutetica de atividade fiacutesica

(49) leve diminuiccedilatildeo no consumo de carne gordurosa (31) e comportamento estaacutevel

na dedicaccedilatildeo do tempo para televisatildeo (286) mantendo-se em todos os casos as mesmas

especificaccedilotildees dos indicadores supracitados

Essas caracteriacutesticas de estilo de vida - pautado no sedentarismo (inatividade fiacutesica)

e ou no consumo de produtos considerados natildeo saudaacuteveis (carne gordurosa) constituem

fatores de risco para a aquisiccedilatildeo de doenccedilas crocircnicas Assim eacute com base nessa conjunccedilatildeo de

fatores que favorecem a instalaccedilatildeo da obesidade que vaacuterios autores passaram a referir-se

20 Sistema Vigitel - Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico ndash instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede desde o ano de 2006 com o objetivo de monitorar a frequecircncia e distribuiccedilatildeo dos principais determinantes das doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT) na populaccedilatildeo com idade igual ou superior a 18 anos por inqueacuterito telefocircnico em todas as capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal

109

ao conceito de ambiente ldquoobesogecircnicordquo (EGGER SWINBURN 1997 WHO 2004a CHOPRA

GALBRAITH DARNTON-HILL 2002 PRENTICE 2005 CABALLERO 2007) Contudo a

anaacutelise comparativa dos resultados do Sistema Vigitel nos anos recentes aponta uma leve

tendecircncia de mudanccedila do perfil nutricional dos adultos que pode significar a adesatildeo a uma

conduta condizente com uma vida mais saudaacutevel

Esse problema de sauacutede natildeo se circunscreve apenas agrave fase adulta O excesso de peso

comeccedila a atingir a infacircncia a partir de fins da deacutecada de 90 quando a taxa de prevalecircncia de

excesso de peso em crianccedilas de 6 a 9 anos de idade mais que triplicou entre os dois

inqueacuteritos nacionais -o ENDEF- 1975 e a Pesquisa sobre Padrotildees de Vida -PPV21 -1996-7-

elevando-se de 49 para 174 (COSTA CINTRA FISBERG 2006) e se estendendo

tambeacutem a adolescecircncia (TERRES et al 2006 VASCONCELOS SILVA 2003) Distintos

fatores como o grau de intensidade da atividade fiacutesica e o biotipo da matildee no peso corporal

dos adolescentes (BURBANO FORNASINI ACOSTA 2003) os haacutebitos alimentares

inadequados (NOBRE et al 2006) e o niacutevel socioeconocircmico elevado (RONQUE et al 2005)

exercem influecircncia no aparecimento de tais distuacuterbios neste grupo etaacuterio

Apesar da relevacircncia das DCNT no quadro de morbidade nacional as doenccedilas tiacutepicas

da pobreza natildeo foram completamente extintas e aquela que em outro contexto histoacuterico

foi referida como doenccedila da opulecircncia ndash obesidade ndash eacute agora pandecircmica e crocircnica Em

virtude da associaccedilatildeo entre o consumo de alimentos e os efeitos moacuterbidos as instituiccedilotildees

intergovernamentais FAO e OMS comeccedilaram a tratar a obesidade como uma das

manifestaccedilotildees de maacute nutriccedilatildeo Com isso o termo ldquomaacute nutriccedilatildeordquo tornou-se abrangente e

passou englobar todas as formas de consumo dieteacutetico inadequado e persistente que

resultam em baixo peso deficiecircncias de micronutrientes assim como em sobrepeso e

obesidade

A coexistecircncia paradoxal da obesidade adulta com a desnutriccedilatildeo infantil eacute

documentada em paiacuteses da Ameacuterica Central e do Sul (PRENTICE 2005) e em outros paiacuteses

21 Este uacuteltimo inqueacuterito nacional foi limitado pois considerou apenas as regiotildees Nordeste e Sudeste do paiacutes

110

com economia em desenvolvimento (POPKIN 2001 WHO 2000) inclusive no Brasil (DOAK

et al 2000 RODRIGUES TADDEI amp SEGULEM 1998) Esse duplo e contraditoacuterio fenocircmeno

bioloacutegico-social ndash desnutriccedilatildeo e obesidade - serve de reforccedilo para firmar o viacutenculo de

subordinaccedilatildeo entre a exposiccedilatildeo dos indiviacuteduos agraves doenccedilas nutricionais e as precaacuterias

condiccedilotildees de existecircncia A ligaccedilatildeo da pobreza com a obesidade se faz por meio do acesso a

uma alimentaccedilatildeo - inadequada quanto ao aspecto nutricional - e ao lazer sedentaacuterio

(MARINHO et al 2003) ou ainda por reflexo de desnutriccedilatildeo pregressa em mulheres adultas

e da baixa estatura das crianccedilas convivendo em ambientes adversos (MARTINS et al 2007)

Na condiccedilatildeo de pobreza a alimentaccedilatildeo saudaacutevel para mulheres obesas torna-se praacutetica de

luxo face agrave incompatibilidade existente entre o elevado preccedilo dos alimentos saudaacuteveis (por

exemplo frutas e verduras) com a renda auferida (FERREIRA et al 2010)

Decerto essa abordagem conforma um quadro de alteraccedilotildees nutricionais que natildeo se

restringe a uma questatildeo meacutedica eacute sim efeito da (des)ordem social que se expressa em

pobreza distuacuterbios nutricionais e em discriminaccedilatildeo (MEERMAN CARISMA THOMPSON

2012 FAO 2013b WHO 2000) sinalizando o papel decisivo dos governos para enfrentar a

complexidade desse fenocircmeno que requer o desenho e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas articuladas e abrangentes com a finalidade de equacionar as iniquidades

presentes no seio da sociedade

Assim considerando a extrema importacircncia que produtos alimentiacutecios exercem na

etiologia da obesidade e das demais DCNT (CHOPRA 2002) o foco dos governos deveria

voltar-se para a prevenccedilatildeo e o controle Eacute necessaacuterio orientar as pessoas no campo da

alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e intervir na cadeia produtiva de alimentos tanto para fomentar e

subsidiar os alimentos saudaacuteveis como para disciplinar aqueles considerados altamente

caloacutericos e pouco nutritivos Embora sejam medidas relevantes e urgentes outras

estrateacutegias dirigidas agrave melhoria das condiccedilotildees materiais de vida merecem ser com estas

combinadas

111

5 REGULACcedilAtildeO DE ALIMENTOS o desafio de governar o mercado

51 Do regime militar ao Estado democraacutetico de direito a evoluccedilatildeo dos dispositivos

de regulaccedilatildeo dos alimentos

Nestas uacuteltimas deacutecadas o termo ldquoregulaccedilatildeordquo tem se popularizado e se expandido do

campo econocircmico para o administrativo e o social Todavia regulaccedilatildeo sanitaacuteria de

alimentos no sentido lato eacute uma praacutetica introduzida no Brasil desde a Primeira Repuacuteblica

(1889-1930) quando da gestatildeo de Oswaldo Cruz na administraccedilatildeo puacuteblica de sauacutede

brasileira Nessa eacutepoca jaacute se faziam intervenccedilotildees para controlar os riscos dos alimentos e

que se respaldavam na ciecircncia e operacionalizavam-se sob a forma de medidas coercitivas

(SOUTO 2004)

Destarte o alicerce da regulaccedilatildeo sanitaacuteria de alimentos construiacutedo desde a sua base

permanece praticamente intacto e se assenta sobre trecircs pilares regulamentaccedilatildeo

fiscalizaccedilatildeo e controle Aleacutem disso continua a abranger um conjunto de instrumentos legais

e de procedimentos teacutecnico-operacionais que o poder puacuteblico competente utiliza para reger

a conduta das empresas quanto agrave produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e prestaccedilatildeo de serviccedilos de

diferentes bens alimentiacutecios com o fim de proteger a sauacutede da populaccedilatildeo

O arcabouccedilo legal vigente aplicado ao controle sanitaacuterio de alimentos reuacutene

instrumentos legais das uacuteltimas cinco deacutecadas O instrumento legal mais antigo e ainda em

vigor utilizado como de referecircncia na vigilacircncia sanitaacuteria de alimentos eacute o Decreto-Lei n0

986 de 21 de outubro de 1969 que institui as normas gerais sobre alimentos e delega a

responsabilidade do controle ao Ministeacuterio da Sauacutede e aos oacutergatildeos congecircneres estaduais

Aprovado pelos ministros militares das Forccedilas Armadas em um contexto de ditadura

poliacutetica o instrumento agrupa um conjunto de medidas de controle e de fiscalizaccedilatildeo

(registro anaacutelise de controle licenccedila para estabelecimentos entre outros) com o objetivo

de conferir se os produtos alimentiacutecios obedecem agraves regras e estabelecer penalidades em

caso de descumprimento dessas regras

112

Agrave eacutepoca de sua publicaccedilatildeo partilhavam o mesmo cenaacuterio social eventos antagocircnicos

extremos De um lado a euforia pelo florescimento econocircmico e de outro a repressatildeo agraves

liberdades individuais a concentraccedilatildeo de renda e a pauperizaccedilatildeo de grande parte da

populaccedilatildeo Segundo Prado Jr (1988) a expansatildeo da industrializaccedilatildeo brasileira voltava-se

em especial para os bens de consumo para as classes meacutedia e alta e para as mateacuterias-

primas e gecircneros alimentiacutecios demandados pelos mercados internacionais Fomentada

pelos capitais estrangeiros a industrializaccedilatildeo gerava receitas que custeavam as

importaccedilotildees essenciais a nossa subsistecircncia e os serviccedilos prestados pelos oligopoacutelios

imperialistas que davam suporte agrave industrializaccedilatildeo e ao desenvolvimento econocircmico

nacional No periacuteodo de 1968-71 o ritmo de crescimento da induacutestria de produtos

alimentiacutecios foi de 75 ao ano mas quase a metade do volume produzido (453)

(SUZIGAN et al 1974 apud SINGER 1976) atendeu a demanda externa (SINGER 1976)

Entretanto para facilitar a aceitaccedilatildeo externa dos itens alimentiacutecios era preciso

demostrar ao mercado externo efetividade no controle sanitaacuterio do paiacutes com regras

oficiais estabelecidas para a produccedilatildeo de alimentos com definiccedilotildees de padrotildees de

identidade e qualidade22 dos produtos contendo paracircmetros de higiene entre outros

aspectos

Na realidade na ediccedilatildeo desse Decreto-lei 98669 natildeo houve ineditismo Tratou-se

apenas de aperfeiccediloar algumas disposiccedilotildees da regra anterior e dotar os serviccedilos de controle

sanitaacuterio de uma racionalidade burocraacutetica para agilizar as demandas do setor industrial

em fase de expansatildeo (COSTA 1999) Com isso intensificou-se o aparato teacutecnico e juriacutedico

que reorganiza as praacuteticas de controle sanitaacuterio voltadas ao setor produtivo de alimentos

sob o norte de uma legislaccedilatildeo calcada no registro do produto na fiscalizaccedilatildeo e no exerciacutecio

do poder de poliacutecia

22 O item XI do artigo 10 do Capiacutetulo I do DL 98669 estabelece a seguinte definiccedilatildeo de ldquopadratildeo de identidade e qualidade o estabelecido pelo oacutergatildeo competente do Ministeacuterio da Sauacutede dispondo sobre a denominaccedilatildeo definiccedilatildeo e composiccedilatildeo de alimentos mateacuterias-primas alimentares alimentos in natura e aditivos intencionais fixando requisitos de higiene normas de envasamento e rotulagem medidos de amostragem e anaacuteliserdquo

113

A demonstraccedilatildeo do interesse do paiacutes em consolidar-se no mercado internacional de

alimentos ficou devidamente expressa em dois momentos no corpo desse Decreto a) na

disposiccedilatildeo na qual autoriza o uso da ordem normativa internacional nas situaccedilotildees de

inexistecircncia de normas e padrotildees locais de identidade e qualidade de produtos alimentiacutecios

especiacuteficos e b) quando autoriza fabricar produtos para exportaccedilatildeo no paiacutes que obedeccedilam

exclusivamente as regras do paiacutes de destino Enfim essa legislaccedilatildeo representa o

aprimoramento do controle sanitaacuterio e foi um dos passos preparatoacuterios para a inserccedilatildeo do

paiacutes como membro da Comissatildeo do Codex Alimentarius da FAOOMS para poder participar

da normalizaccedilatildeo internacional de alimentos fato que ocorreu jaacute nos anos 70 (BRASIL

INMETRO 2000)

Com a abertura poliacutetica e a atuaccedilatildeo fundamental dos movimentos sociais nos anos

80 em especial com o estrateacutegico movimento da Reforma Sanitaacuteria que aglutinou setores

progressistas e populares foram levantadas as bandeiras de luta pelo direito agrave sauacutede como

a garantia do Estado por condiccedilotildees dignas de vida (alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo renda emprego

lazer trabalho etc) e pelo acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo

proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de sauacutede [] consagradas na 8a Conferecircncia Nacional de Sauacutede

(BRASIL MS 1986 p4)

Entre lutas e embates poliacuteticos o processo de democratizaccedilatildeo da sociedade

brasileira foi se conformando ateacute instaurar-se o regime democraacutetico de direito com o

advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 O movimento de reforma sanitaacuteria assumiu um

papel estrateacutegico para aprovaccedilatildeo do capiacutetulo da Sauacutede da atual Constituiccedilatildeo conseguindo

materializar relevantes conquistas sociais apoacutes suplantar certas resistecircncias e pressotildees

(ROSAS 1988) Durante o processo constituinte a vigilacircncia sanitaacuteria eacute destacada e retirada

definitivamente da sua condiccedilatildeo secundaacuteria no campo da sauacutede sendo mencionada na

proposta de contribuiccedilatildeo para o texto constitucional Como resultado a Constituiccedilatildeo

estabeleceu que ao Sistema Uacutenico de Sauacutede compete executar as atividades de vigilacircncia

sanitaacuteria () e fiscalizar e inspecionar alimentos compreendido o controle de seu teor

nutricional bem como bebidas e aacuteguas para o consumo humano (BRASIL CONASS 2003a

art 200 inciso II e VI CF)

114

Comparando-se o texto constitucional com o Decreto-Lei 98669 vigente surgem

duas grandes inovaccedilotildees que valorizam e ampliam a praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria A

primeira eacute a de natildeo reduzir esta praacutetica de sauacutede ao mero exerciacutecio do poder de poliacutecia

introduzindo lado a lado a accedilatildeo inspecionar e a accedilatildeo fiscalizar A accedilatildeo inspecionar tem

um sentido eminentemente teacutecnico sendo destinada a avaliar as condiccedilotildees fiacutesico-funcionais

da empresa para identificar as situaccedilotildees de risco que possam comprometer a qualidade do

produto final e causar prejuiacutezos agrave sauacutede do indiviacuteduo A accedilatildeo fiscalizar eacute a de forccedilar o

cumprimento das regras Essas accedilotildees se complementam e qualificam em termos teacutecnico-

legais e efetivos a praacutetica de vigilacircncia sanitaacuteria A segunda foi a inserccedilatildeo da obrigaccedilatildeo de

realizar o controle nutricional Esta competecircncia ainda natildeo foi devidamente explorada no

campo da vigilacircncia sanitaacuteria mas agora em face da implicaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

com as DCNT torna-se oportuno avaliar o conteuacutedo nutricional dos produtos alimentiacutecios

em termos de calorias e de perfil de nutrientes

A Lei Orgacircnica de Sauacutede Lei n0 8080 de 19 de setembro de 1990 subsequentemente

aprovada aprimorou os avanccedilos contidos no texto da Constituiccedilatildeo e instituiu o Sistema

Uacutenico de Sauacutede que atribuiu agrave vigilacircncia sanitaacuteria a seguinte definiccedilatildeo

um conjunto de accedilotildees capaz de eliminar diminuir ou prevenir riscos agrave sauacutede e de intervir nos problemas sanitaacuterios decorrentes do meio ambiente da produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de bens e da prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse da sauacutede abrangendo o controle de bens de consumo que direta ou indiretamente se relacionem com a sauacutede compreendidas todas as etapas e processos da produccedilatildeo ao consumo e o controle da prestaccedilatildeo de serviccedilos que se relacionam direta ou indiretamente com a sauacutede

Segundo Costa (2013) a Constituiccedilatildeo incorporou um conceito ampliado de sauacutede e a

Lei Orgacircnica de Sauacutede encarregou-se de demarcar o espaccedilo da vigilacircncia sanitaacuteria no

acircmbito da relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo atribuindo-lhe funccedilotildees essencialmente preventivas e

de reduccedilatildeo de riscos de doenccedilas e agravos e aumentando a sua relevacircncia no campo da

sauacutede Como efeito a autora esclarece que o campo de atuaccedilatildeo da regulaccedilatildeo e vigilacircncia

sanitaacuteria se estendeu em complexidade e abrangecircncia tanto pela tipologia dos riscos

115

quanto pelos conflitos de interesse que envolvem as atividades regulatoacuterias

A partir desse momento o objetivo preciacutepuo da vigilacircncia sanitaacuteria eacute a prevenccedilatildeo e o

controle dos riscos agrave sauacutede de qualquer ordem advindos das atividades econocircmicas de

interesse agrave sauacutede Para isso compete aos agentes puacuteblicos unir o saber teacutecnico ao legal

para enfrentar o dinamismo dos riscos que emergem de diferentes fontes e assim tornar

possiacutevel defender a sauacutede do coletivo Intervir nos riscos eacute antes de tudo antecipar-se agraves

falhas do processo produtivo aplicando medidas para evitar danos ou ateacute mesmo para

impedir que eles se disseminem

Outro passo relevante foi o repasse das atividades de vigilacircncia sanitaacuteria para a

Anvisa no final da deacutecada de 90 A Lei n0 9782 de 26 de janeiro de 1999 delega para essa

autarquia a responsabilidade de regulamentar controlar e fiscalizar os produtos e os

serviccedilos que envolvam riscos agrave sauacutede puacuteblica e incluem os alimentos e os insumos os

aditivos as embalagens e os contaminantes e resiacuteduos assim como as instalaccedilotildees fiacutesico-

funcionais responsaacuteveis por processar tais produtos - assunto que seraacute abordado no item

posterior

Face ao exposto no processo de construccedilatildeo normativa da vigilacircncia sanitaacuteria de

alimentos que se estende do Decreto-Lei n0 98669 agrave Lei Orgacircnica de Sauacutede satildeo

registradas mudanccedilas substanciais na sua concepccedilatildeo e praacutetica a) regular ultrapassa o

simples ato de regulamentar e fiscalizar na medida em que estabelecer regras e verificar o

seu cumprimento satildeo insuficientes para controlar os riscos b) controlar o risco agrave sauacutede eacute o

fundamental para tanto a introduccedilatildeo de um conjunto de outras accedilotildees teacutecnico-cientiacuteficas na

praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria eacute imprescindiacutevel o que natildeo implica o abandono ou

menosprezo do poder de poliacutecia mas o seu fortalecimento pela uniatildeo da ciecircncia agraves bases

legais e c) abarcar a totalidade dos riscos agrave sauacutede sem distinccedilatildeo da sua natureza sejam

contaminantes fiacutesicos quiacutemicos e ou bioloacutegicos bem como os que agora emergem os

componentes nutricionais dos alimentos

116

Enfim entre o ldquoanacrocircnicordquo e o ldquomodernordquo ou o ldquoautoritaacuteriordquo e o ldquodemocraacuteticordquo os

instrumentos legais se juntam para conformar o arcabouccedilo da regulaccedilatildeo sanitaacuteria de

alimentos no Brasil Eacute por meio da praacutetica cotidiana que a fusatildeo dessas duas modalidades

se concretiza e assim se avaliam contornam e reprimem os fracassos ou os artifiacutecios

empreendidos pelo mercado e se busca concretizar o que desde os anos 60 se prescreve

em lei a defesa e a proteccedilatildeo da sauacutede do coletivo contra os riscos advindos da atividade

produtiva de alimentos Accedilatildeo de sauacutede esta que eacute prerrogativa exclusiva do Estado sendo

reconhecida e conservada ao longo da histoacuteria do militarismo agrave democracia

511 Final dos anos 90 a regulaccedilatildeo de alimentos eacute objeto da nova autarquia

Ateacute o ano de 1998 o Ministeacuterio da Sauacutede distribuiacutea entre suas unidades

administrativas duas funccedilotildees teacutecnicas para lidar com a temaacutetica dos alimentos uma

responsabilizando-se pelos aspectos nutricionais e os problemas de sauacutede correlacionados

e outra pela regulaccedilatildeo sanitaacuteria dos alimentos e de produtos afins afetos agrave sauacutede puacuteblica

No ano posterior esta uacuteltima funccedilatildeo foi repassada agrave Anvisa autarquia federal que foi

incumbida de regular o mercado do conjunto de objetos de interesse agrave sauacutede

A criaccedilatildeo da figura institucional autarquia sob regime especial ou agecircncia reguladora

decorreu das poliacuteticas regulatoacuterias engendradas no Brasil nessa deacutecada e que foram se

moldando aos padrotildees institucionais americano e europeu implantados respectivamente

nos anos 70 e 80 (RIBEIRO COSTA SILVA 2000) Aleacutem disso o paiacutes recebeu bastante

estiacutemulo dos organismos internacionais de cooperaccedilatildeo e de financiamento que apoiavam a

privatizaccedilatildeo e a mudanccedila no modelo de intervenccedilatildeo do Estado como um dos caminhos para

conduzir ao desenvolvimento nacional (CRUZ 2009) Com isso esses organismos definiam

um sistema de instruccedilotildees disciplinares que o governo deveria seguir para obter

empreacutestimos apoio e assistecircncia teacutecnica

117

A adesatildeo agrave agenda internacional conjugada agrave crise fiscal e aos recursos limitados para

investimentos internos motivou a reforma do Estado que tratou diferentemente os

aspectos econocircmicos e administrativos No plano econocircmico dirigiu-se para a privatizaccedilatildeo

de empresas puacuteblicas e de prestadoras de serviccedilos e para a desregulaccedilatildeo formal e

burocraacutetica com o objetivo de ampliar a competitividade e aumentar a eficiecircncia

econocircmica Na esfera administrativa especialmente da organizaccedilatildeo institucional optou

pela reformulaccedilatildeo do modelo organizacional criando instituiccedilotildees especializadas com a

ampliaccedilatildeo da sua capacidade gerencial desenvolvimento de estruturas regulatoacuterias e

aumento do grau de responsabilizaccedilatildeo (GOMES 2006 RIBEIRO COSTA amp SILVA 2000)

Enfim a intenccedilatildeo foi a de conduzir a construccedilatildeo de um mercado mais concorrencial possiacutevel

e introduzir a loacutegica empresarial dentro da esfera puacuteblica

Bresser Pereira (1999 p6-7) mentor intelectual e condutor da reforma gerencial

argumenta que esse novo modelo de organizaccedilatildeo [] flexibiliza os processos e os

regulamentos burocraacuteticos conferindo um grau mais elevado de autonomia e de

responsabilizaccedilatildeo (accountability) agraves agecircncias governamentais e aos seus gerentes tendo

como um dos meios a

[] administraccedilatildeo por objetivos a criaccedilatildeo de quase-mercados e os vaacuterios mecanismos de democracia direta ou de controle social combinados com o aumento da transparecircncia no serviccedilo puacuteblico reduzindo-se concomitantemente o papel da definiccedilatildeo detalhada de procedimentos e da auditoria ou controle interno ndash os controles claacutessicos da administraccedilatildeo puacuteblica burocraacutetica ndash que devem ter um peso menor

Nesse sentido as agecircncias assumiram as atividades enquadradas na categoria de

exclusivas de Estado natildeo delegaacuteveis e que concernem agrave regulaccedilatildeo seguranccedila e

arrecadaccedilatildeo de impostos Denominadas de Agecircncias Reguladoras estas entidades

autocircnomas autaacuterquicas apresentam perfil marcado pela autonomia administrativo-

118

financeira valorizaccedilatildeo da especializaccedilatildeo teacutecnica e insulamento burocraacutetico23 de seus

dirigentes - detentores de mandatos fixados e estabilidade no exerciacutecio de suas funccedilotildees

apoacutes um curto prazo carencial entre outros requisitos Isso na tentativa de manter a

diretoria distanciada das influecircncias dos agentes econocircmicos e dos atores poliacuteticos que

circulam no setor

Essas agecircncias passam entatildeo a cuidar da regulaccedilatildeo que em si abarca um conjunto

diversificado de instrumentos que o governo se utiliza para definir as regras de conduta

para empresas e cidadatildeos no campo econocircmico administrativo e social Objetivam

identificar precocemente as falhas de mercado em prol do interesse coletivo como

externalidades negativas e falta de informaccedilatildeo ao consumidor sobre a qualidade dos

produtos e serviccedilos ofertados pelo mercado Entretanto eacute a regulaccedilatildeo social24 o foco de

interesse desse estudo Isso porque eacute uma das esferas que se reporta agrave intervenccedilatildeo puacuteblica

no campo da sauacutede tanto para garantir a provisatildeo de bens puacuteblicos como para proteccedilatildeo do

interesse puacuteblico nacional ou supranacional (COSTA et al 2001) pois se destina a reduzir

os efeitos prejudiciais gerados pelos agentes econocircmicos responsaacuteveis pela produccedilatildeo de

bens de interesse agrave sauacutede

Embora o discurso oficial dirigido agrave opiniatildeo puacuteblica enfatizasse que o fim uacuteltimo da

reconstruccedilatildeo do Estado eacute tornaacute-lo capaz de viabilizar o desenvolvimento econocircmico

proteger os direitos sociais e republicanos e fortalecer a democracia (BRESSER-PEREIRA

1999) Cruz (2009) afirma que no caso da reforma administrativa os argumentos mais

relevantes foram a delegaccedilatildeo de poderes para as Agecircncias Reguladoras assim como a

necessidade de elevar o grau de comprometimento do poder puacuteblico com a manutenccedilatildeo de

decisotildees e regras que afetam diretamente os agentes Assim a sinalizaccedilatildeo positiva do setor

privado a esse tipo de reforma natildeo causa estranhamento uma vez que as iniciativas buscam 23 No caso se trata de um mandato de trecircs anos com uma uacutenica reconduccedilatildeo A demissatildeo imotivada ocorre apenas nos quatro primeiros meses de mandato salvo nos casos de praacutetica de ato de improbidade administrativa de condenaccedilatildeo penal transitada em julgado e de descumprimento injustificado do contrato de gestatildeo da autarquia Eacute vedado ao ex-dirigente representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agecircncia ateacute um ano apoacutes deixar o cargo (RIBEIRO COSTA amp SILVA 2000) 24 A regulaccedilatildeo social consiste em uma das trecircs categorias classificatoacuterias de regulaccedilatildeo proposta pela Organizaccedilatildeo para Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico ndash OCDE que se estende a trecircs campos especiacuteficos a sauacutede o meio ambiente e a administraccedilatildeo (CRUZ 2009)

119

produzir um clima institucional tranquilizador com estabilidade das regras aumento da

capacidade resolutiva carreada pela autonomia administrativa e desburocratizaccedilatildeo dos

processos internos que ajudam a dar celeridade aos pleitos efetuados por este setor

Merece destacar-se que na ocasiatildeo da reforma o desgaste da imagem institucional

do oacutergatildeo federal da vigilacircncia sanitaacuteria tambeacutem serviu de justificativa Apoacutes a abertura

poliacutetica a imprensa pocircs agrave tona os sucessivos escacircndalos envolvendo alimentos e

medicamentos disputas de interesses econocircmicos e poliacuteticos e outras irregularidades

administrativas que somadas agraves fragilidades internas relativas a pessoal qualificado

ineficiecircncia no trabalho limitaccedilatildeo de recursos reduzida autonomia desprestiacutegio no acircmbito

ministerial entre outros aspectos (SOUTO 2004) compunham a fotografia sobre o caos

instalado nesse setor

Como contraponto ainda havia as demandas dos movimentos sociais e o novo

arcabouccedilo legal da Lei Orgacircnica de Sauacutede que forccedilavam respostas institucionais da

vigilacircncia sanitaacuteria compatiacuteveis com os interesses dos cidadatildeos os quais almejavam a

proteccedilatildeo de sua sauacutede contra as praacuteticas inapropriadas do mercado Assim a falta de

atuaccedilatildeo condizente desse setor quanto ao seu papel estrateacutegico na prevenccedilatildeo da sauacutede

principalmente pela morosidade em responder agraves demandas oriundas do mercado

fortalecia os argumentos dos defensores da reforma administrativa e da sua extensatildeo

raacutepida para esse setor (SOUTO 2004)

Entre o elenco de autarquias instituiacutedas sob regime especial a Anvisa foi a quarta

delas sendo aprovada pela Lei Federal no 9782 de 26 de janeiro de 1999 Com a reforma

gerencial promoveu-se a cisatildeo entre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas e a sua execuccedilatildeo A primeira

permanecendo centralizada no nuacutecleo estrateacutegico do governo enquanto a segunda eacute

descentralizada para as agecircncias (BRESSER PEREIRA 2008) A Anvisa como parte da

administraccedilatildeo indireta do setor sauacutede passou a vincular-se ao Ministeacuterio da Sauacutede No

entanto eacute uma agecircncia sem subordinaccedilatildeo hieraacuterquica dotada de especialidade teacutecnica e de

credibilidade poliacutetica para assumir o papel de disciplinar regular a produccedilatildeo

comercializaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de produtos e serviccedilos de interesse agrave sauacutede entre os quais

120

estatildeo os alimentos bem como de fiscalizar - corrigir limitar ou suspender - as atividades

que ameacem a sauacutede da coletividade poreacutem a sua funccedilatildeo primordial eacute a de gerenciar

riscos (CARVALHEIRO 2001)

Para fortalecer os ministeacuterios setoriais perante as agecircncias foi criado um

instrumento adicional de controle social e de aperfeiccediloamento da gestatildeo e desempenho das

agecircncias reguladoras ndash o contrato de gestatildeo (GOMES 2006) No caso esse contrato eacute

resultado de uma negociaccedilatildeo de interesses de sauacutede entre diretoria colegiada da Anvisa e o

Ministro da Sauacutede cujos relatoacuterios de execuccedilatildeo e a prestaccedilatildeo anual de contas satildeo

apresentados aos oacutergatildeos competentes e ao Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL ANVISA

2006a)

Outra particularidade da Anvisa estaacute no seu papel de coordenar o conjunto de

oacutergatildeos congecircneres dos estados e dos municiacutepios que formam o Sistema Nacional de

Vigilacircncia Sanitaacuteria ndashSNVS Sistema interligado ao Sistema Uacutenico de Sauacutede-SUS e que

obedece aos princiacutepios de descentralizaccedilatildeo e integraccedilatildeo cujos integrantes realizam

atribuiccedilotildees semelhantes com impactos diretos na populaccedilatildeo exceto aquelas que satildeo de

competecircncia restrita agrave Anvisa como por exemplo a concessatildeo de registro de produto

alimentiacutecio de validade nacional Com a autonomia e independecircncia relativas os entes

estaduais podem avanccedilar em propostas de controle dos alimentos e gerenciamento de

riscos que respondam de maneira mais efetiva agraves demandas da realidade local sem ficar

submetidos unicamente agraves deliberaccedilotildees do ente federal

Considerando os preceitos neoliberais que embasam a criaccedilatildeo das agecircncias uma das

questotildees centrais levantadas a partir do surgimento da Anvisa foi a sua vocaccedilatildeo

direcionada para privilegiar as demandas do empresariado (desburocratizaccedilatildeo

regulamentos etc) em detrimento das necessidades coletivas de controle dos riscos dos

produtos em especial quando estas implicam confrontos com aquelas Vaacuterias experiecircncias

no campo de alimentos demonstram que a conduccedilatildeo da Anvisa natildeo tem contrariado os

interesses privados poreacutem tem negligenciado os interesses da sociedade Satildeo exemplos (i)

dispensa da obrigatoriedade do registro de produtos alimentiacutecios sem compensaacute-la com o

121

reforccedilo concreto das atividades de inspeccedilatildeo nas induacutestrias e do controle dos alimentos

para mantecirc-los sob vigilacircncia (ii) aboliccedilatildeo das regras que instituem os paracircmetros de

identidade dos produtos alimentiacutecios deixando o consumidor sem referencial da

composiccedilatildeo do produto (iii) incapacidade de instituir um sistema de informaccedilatildeo acessiacutevel a

toda rede de vigilacircncia sanitaacuteria permitindo a troca de informaccedilotildees simultacircneas e accedilatildeo

raacutepida pelas autoridades sanitaacuterias frente aos riscos dos produtosserviccedilos (iv)

inoperacircncia em controlar a publicidade de alimentos para o puacuteblico infantil

Entretanto a reforma da gestatildeo puacuteblica propocircs-se a ser inovadora quanto agrave praacutetica

da governanccedila Regida pelo ator-chave governo tal praacutetica eacute usada para dar suporte agraves

decisotildees do governo e permitir que a sua atuaccedilatildeo se realize em conjunto com outros atores

sociais fazendo com que o processo de governar seja participativo e democraacutetico (BRESSER

PEREIRA 2008) Eacute oportuno portanto que a sociedade civil organizada seja incluiacuteda no

seio das instituiccedilotildees para dar pluralidade agraves vozes nos espaccedilos puacuteblicos que debatem e

definem o rumo das decisotildees

Poucos anos seguidos agrave sua criaccedilatildeo o governo avaliou a necessidade de

aprimoramento buscando ajustar o funcionamento das agecircncias quanto ao

desenvolvimento de instrumentos do controle social e do papel dessas instituiccedilotildees na

estrutura administrativa brasileira (BRASIL CASA CIVIL 2003) Para tanto a Anvisa

introduziu em suas estruturas os procedimentos de informaccedilatildeo audiecircncia puacuteblica e

consulta puacuteblica canais para um processo de gestatildeo participativa espaccedilo de

compartilhamento de discussatildeo coletiva entre as partes interessadas - cidadatildeos industriais

e o governo ndash para buscar o consenso entre os diversos interesses seja por meio de alianccedilas

e parcerias ou da administraccedilatildeo de conflitos e disputas de interesses Na opiniatildeo de

Lucchese (2001) foi criado entatildeo um espaccedilo para o exerciacutecio da cidadania e do controle

social que auxiliado pela accedilatildeo interdisciplinar e interinstitucional da vigilacircncia sanitaacuteria e

pela adoccedilatildeo dos paracircmetros eacuteticos para balizar a relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo pode-se

acionar o motor transformador da qualidade dos produtos dos processos e das relaccedilotildees

sociais em prol da satisfaccedilatildeo dos interesses coletivos

122

Para o aperfeiccediloamento das praacuteticas regulatoacuterias ocorreu tambeacutem a inserccedilatildeo na

estrutura organizacional da Anvisa de uma instacircncia de participaccedilatildeo institucionalizada da

sociedade denominado Conselho Consultivo25 (BRASIL ANVISA 2005) No ano de 2009

introduziu-se um mecanismo para racionalizar e simplificar o processo de regulamentaccedilatildeo

assim como consolidar e revisar os atos normativos que eacute a Agenda Regulatoacuteria (AR)

(BRASIL ANVISA 2012) Como iniciativa pioneira da administraccedilatildeo puacuteblica federal essa

agenda tem um ciclo quadrienal e duas agendas com vigecircncia bienal compostas por

assuntos considerados estrateacutegicos e prioritaacuterios e previamente discutidos com os

representantes da sociedade civil do setor regulado e do Sistema Nacional de Vigilacircncia

Sanitaacuteria para alcance dos [] benefiacutecios como previsibilidade transparecircncia governanccedila

compromisso de maior eficiecircncia e credibilidade para o processo de regulamentaccedilatildeo (BRASIL

ANVISA 2010 p36)

O primeiro biecircnio (2013-1014) do ciclo Quadrienal (2013-2016)26 da AR incluiu 23

temas relativos agrave aacuterea de alimentos e dentre o elenco o tema n0 19 referente agrave Propaganda

de Alimentos com Quantidades Elevadas de Accediluacutecar de Gordura Saturada de Gordura Trans

de Soacutedio e de Bebidas com Baixo Teor Nutricional eacute o que tem interface com o objeto desta

tese e que seraacute retomado a seguir Esse tema ressurge para o debate com o apoio da

sociedade civil organizada em virtude da epidemia de obesidade e do aumento da

prevalecircncia de outras DCNT que jaacute afetam a populaccedilatildeo infantil Em momentos anteriores

foram aprovadas regras que natildeo conseguiram ser implementadas por oacutebices judiciais A

atuaccedilatildeo da sociedade civil seraacute entatildeo decisiva para o alcance do ecircxito esperado ndash que eacute o de

25 O Conselho Consultivo eacute um dos instrumentos de participaccedilatildeo social da Anvisa composto por representantes da Uniatildeo dos Estados dos Municiacutepios do Distrito Federal dos produtores dos comerciantes da comunidade cientiacutefica e da sociedade civil organizada com o objetivo de opinar sobre as propostas de poliacuteticas governamentais da instituiccedilatildeo requerer informaccedilotildees e propor recomendaccedilotildees e diretrizes teacutecnicas sobre os assuntos relativos agrave Agecircncia entre outros assuntos (BRASIL ANVISA 2005) 26 A elaboraccedilatildeo da AR inicia com uma consulta preacutevia dos vaacuterios documentos estrateacutegicos do governo Plano Plurianual 2012-15 o relatoacuterio da 14a Conferecircncia Nacional de Sauacutede as diretrizes e planos Brasil Sem Miseacuteria e Brasil Maior Plano Nacional de Sauacutede e Plano Diretor de Vigilacircncia Sanitaacuteria (PDVISA) o planejamento estrateacutegico institucional e orientaccedilotildees da Diretoria Colegiada entre outros documentos A AR tem Ciclo Quadrienal (2013-2016) e duas agendas regulatoacuterias com vigecircncia bienal cada uma Na do Biecircnio 2013-2014 constam assuntos prioritaacuterios para a atuaccedilatildeo regulatoacuteria da Anvisa 148 temas divididos em 14 macrotemas Essa AR publicada no DOU no dia 24 de setembro de 2013 representa a 1ordf publicaccedilatildeo do novo modelo (BRASIL ANVISA 2012)

123

disciplinar ou mesmo restringir a divulgaccedilatildeo desse tipo de propaganda para as crianccedilas

Decerto que as agecircncias possuem estruturas com maior flexibilidade e capacidade de

adaptaccedilatildeo ao dinamismo do mundo globalizado pelo seu potencial normativo e executivo e

pela sua abertura agrave participaccedilatildeo da sociedade civil organizada no exerciacutecio da sua missatildeo

(PECI 1999) No que se refere agrave Anvisa a especializaccedilatildeo teacutecnica e os espaccedilos de

participaccedilatildeo da sociedade que estatildeo sendo construiacutedos com a maturidade experimentada

pela entidade podem projetar avanccedilos no processo de democratizaccedilatildeo das decisotildees sobre

como intervir nos riscos agrave sauacutede dos objetos sob controle da vigilacircncia sanitaacuteria Poreacutem o

percurso ainda eacute longo exige cautela e sujeito a retrocessos O aprimoramento das

atividades da Anvisa depende fundamentalmente da participaccedilatildeo ativa e qualificada da

sociedade civil organizada assim como do seu compromisso e de suas articulaccedilotildees

externas para se conformar como uma forccedila social equiparaacutevel agraves do mercado e do poder

puacuteblico Assim a Agenda Regulatoacuteria pode sofrer mudanccedilas e passar a privilegiar os

assuntos de relevacircncia para o coletivo em termos de proteccedilatildeo e controle dos riscos agrave sauacutede

52 A Anvisa e o Ministeacuterio da Sauacutede o (re) agir institucional

Em decorrecircncia do atual quadro epidemioloacutegico das doenccedilas carenciais da

obesidade e das DCNT a preocupaccedilatildeo com a qualidade dos alimentos no acircmbito nacional

passou a ser objeto de atenccedilatildeo de dois setores da administraccedilatildeo puacuteblica federal a

Coordenaccedilatildeo-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica da

Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede ndash CGANDABMS e a Gerecircncia-Geral

de Alimentos da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria- GGALIAnvisaMS A primeira eacute

a responsaacutevel pela implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-PNAN e

a agenda da Anvisa estaacute relacionada ao controle sanitaacuterio de alimentos referenciado nessa

poliacutetica

A PNAN-1999 representa a primeira poliacutetica setorial da nutriccedilatildeo e baseou-se nos

resultados da I Conferecircncia Nacional de Seguranccedila Alimentar de 1994 Em seu conteuacutedo jaacute

124

mencionava o alargamento dos problemas nutricionais com a inclusatildeo da evoluccedilatildeo da

epidemia da obesidade das dislipidemias e de suas relaccedilotildees com as doenccedilas

cardiovasculares aleacutem daqueles de ordem carencial Enfatizava a responsabilidade do

Estado em promover e facilitar meios para que os indiviacuteduos possam ter uma alimentaccedilatildeo

digna contribuindo para uma vida saudaacutevel e ativa e para concretizaccedilatildeo do Direito Humano

agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (BRASIL MS 1999)

Na versatildeo atualizada da PNAN de 2012 (BRASIL MS 2012a) duas diretrizes

destacam-se por orientar a praacutetica de controle da qualidade de alimentos ldquoControle e

regulaccedilatildeo dos alimentosrdquo e ldquoPromoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevelrdquo Para a

primeira diretriz as accedilotildees de regulaccedilatildeo dos alimentos devem se voltar para inocuidade e

qualidade nutricional dos alimentos A segunda diretriz interligada agrave primeira enfoca a

importacircncia de a alimentaccedilatildeo atender as necessidades bioloacutegicas em cada fase do ciclo da

vida conforme gecircnero raccedila e etnia observando ainda outros princiacutepios como o respeito agrave

cultura alimentar acessibilidade fiacutesico-financeira praacuteticas produtivas adequadas e

sustentaacuteveis harmonia quantitativa e qualitativa entre outros aspectos com vista agrave

melhoria da qualidade de vida e agrave reduccedilatildeo do excesso de peso e das doenccedilas relacionadas

com a alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo

As experiecircncias pioneiras da receacutem-criada Anvisa com o Ministeacuterio da Sauacutede para

atender aos dispositivos da PNAN relacionaram-se primeiramente com a diretriz

Prevenccedilatildeo e controle dos distuacuterbios nutricionais e das doenccedilas associadas agrave alimentaccedilatildeo e

nutriccedilatildeo e como parte do Programa de Combate aos Distuacuterbios por Deficiecircncia de Iodo no

Brasil (BRASIL ANVISA 2000) foram aprovados novos limites para iodaccedilatildeo do sal

estabelecidas regras de boas praacuteticas para os estabelecimentos beneficiadoras de sal e

instituiacutedo um programa nacional de inspeccedilatildeo sanitaacuteria nestes estabelecimentos (BRASIL

ANVISA 2004) Em seguida foram aprovados os limites de aacutecido foacutelico e ferro em farinhas

de trigo e milho (BRASIL ANVISA 2002) com o subsequente monitoramento desses

produtos Em 2001 considerando a diretriz da PNAN1999 Garantia da seguranccedila e da

qualidade dos alimentos e da prestaccedilatildeo de serviccedilos neste contexto - que propotildee a atualizaccedilatildeo

das regras e procedimentos da vigilacircncia sanitaacuteria incluindo a rotulagem nutricional -

125

foram publicadas as regras para rotulagem nutricional obrigatoacuteria de alimentos e bebidas

embalados (BRASIL ANVISA 2001) Posteriormente essas regras de rotulagem foram

republicadas em consequecircncia da harmonizaccedilatildeo do seu conteuacutedo no acircmbito do Mercosul

Em 2005 formou-se um Grupo de Trabalho na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia

Sanitaacuteria AnvisaMS com representaccedilatildeo multisetorial para tratar da diretriz da PNAN-

1999 Promoccedilatildeo de praacuteticas alimentares e estilos de vida saudaacuteveis Naquela ocasiatildeo propocircs-

se disciplinar a publicidade de produtos alimentiacutecios infantis sobretudo em parceria com

as entidades representativas da aacuterea de propaganda da sociedade civil organizada e do

setor produtivo e das empresas de comunicaccedilatildeo Tal empreendimento resultou na

publicaccedilatildeo de uma Consulta Puacuteblica Anvisa nordm 712006 que dispotildee sobre a oferta

propaganda e publicidade de alimentos com quantidades elevadas de accediluacutecar gordura

saturada gordura trans e soacutedio (BRASIL ANVISA 2006b) Apoacutes quatro anos de intenso

debate foi aprovada a Resoluccedilatildeo-RDC Anvisa nordm242010 mas com o conteuacutedo abrandado

em relaccedilatildeo ao texto da Consulta Puacuteblica (BRASIL ANVISA 2010b) Poreacutem os embates no

Poder Judiciaacuterio resultaram na perda da sua eficaacutecia juriacutedica em virtude da polecircmica criada

pelas induacutestrias empresas de comunicaccedilatildeo e de publicidade

Com base nesse elenco de atividades conjuntas entre Ministeacuterio da Sauacutede e Anvisa

torna-se possiacutevel fazer um conjunto de consideraccedilotildees a) o controle sanitaacuterio dos alimentos

natildeo se dissocia das questotildees nutricionais considerando a funccedilatildeo preciacutepua da Anvisa de

proteger a populaccedilatildeo contra os riscos dos alimentos e isso comprovadamente jaacute integra a

rotina institucional da entidade desde a sua criaccedilatildeo b) os produtos alimentiacutecios em

questatildeo se ajustaram aos requisitos nutricionais mediante a instituiccedilatildeo de regras com

sanccedilotildees aliadas a medidas sistemaacuteticas de controle para conferir a sua adequaccedilatildeo e c) as

induacutestrias nacionais envolvidas foram obrigadas a custear a adiccedilatildeo de nutrientes (ferro e

aacutecido foacutelico ou iodo) nos produtos considerados fundamentais para atender aos programas

oficiais de nutriccedilatildeo

Com o agravamento do panorama epidemioloacutegico revelando o avanccedilo das DCNT e o

incremento dos gastos com assistecircncia agrave sauacutede e sua associaccedilatildeo com a mudanccedila no padratildeo

126

alimentar da populaccedilatildeo brasileira devido ao aumento da disponibilizaccedilatildeo de alimentos natildeo

saudaacuteveis entre outros aspectos o governo prontificou-se a reagir No ano de 2007 o

Ministeacuterio da Sauacutede seguindo as recomendaccedilotildees internacionais instituiu sob a sua

coordenaccedilatildeo o Grupo Teacutecnico com representaccedilatildeo inicial de membros do governo e da

induacutestria para discutir e propor accedilotildees voltadas agrave melhoria da oferta de produtos

alimentiacutecios e promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel (BRASIL MS 2007b) Em seguida foi

firmado o Acordo de Cooperaccedilatildeo entre o Ministeacuterio da Sauacutede e a Associaccedilatildeo Brasileira das

Induacutestrias de Alimentaccedilatildeo-ABIA e aprovada uma Chamada Puacuteblica para avaliar a

potencialidade do setor produtivo em reduzir de forma gradativa os teores de vaacuterios

nutrientes nos alimentos processados tais como accediluacutecar livre gorduras trans gorduras

saturadas e sal (BRASIL MS 2007c) que culminou em vaacuterios termos de compromisso

subsequentes conforme consta do Quadro 2

127

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS

e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees

Competecircncia Pontos destacados

1 Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre o MS e a ABIA

29112007

Reunir esforccedilos para implementar accedilotildees conjuntas para fomentar estilos de vida saudaacuteveis que inclui alimentaccedilatildeo saudaacutevel equilibrada e nutricionalmente adequada

(MS)Instituir em ato proacuteprio Grupo Teacutecnico com a finalidade de propor estrateacutegia gradativa de reduccedilatildeo de teores de accediluacutecares livres soacutedio gorduras saturadas e aacutecidos graxos trans em alimentos processados (MS) Estabelecer estrateacutegia gradativa para melhorar o perfil nutricional dos alimentos industrializados com o foco antes descrito (ABIA) Recomendar em conjunto com as entidades da miacutedia as praacuteticas eacuteticas e responsaacuteveis para o marketing e publicidade de alimentos e bebidas natildeo alcooacutelicas

2 Termo de

prorrogaccedilatildeo do Acordo entre o MS e a ABIA

25112010

Reunir esforccedilos para implementar accedilotildees conjuntas para fomentar estilos de vida saudaacuteveis que inclui alimentaccedilatildeo saudaacutevel equilibrada e adequada em termos nutricionais

Prorrogar por 3 (trecircs) anos contados a partir do prazo de vigecircncia do Termo de Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica

3 Termo de Compromisso

n0 0042011 entre MS e ABIA ABIMA ABITRIGO e

ABIP 07042011 Prazo de vigecircncia 3 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados macarratildeo instantacircneo patildees de forma bisnaguinhas e avaliar outras categorias (patildeo francecircs bolos prontos misturas p bolos salgadinhos de milho e batatas fritas embutidos caldos e temperos derivados de cereais laticiacutenios refeiccedilotildees prontas e biscoitos) com fins de estabelecer posteriormente metas para a reduccedilatildeo de soacutedio

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

128

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS

e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

4 Acordo de Cooperaccedilatildeo

Teacutecnica entre o MS e a ABRAS ndash

07042011 Prazo de

vigecircncia 3 anos

Reunir esforccedilos e trabalhar conjuntamente para implementar accedilotildees voltadas agrave promoccedilatildeo da qualidade de vida e prevenccedilatildeo de fatores determinantes e ou condicionantes de doenccedilas e agravos agrave sauacutede

(MS) Elaborar em cooperaccedilatildeo com a ABRAS estrateacutegias voltadas agrave promoccedilatildeo de qualidade de vida e prevenccedilatildeo de fatores determinantes eou condicionantes de doenccedilas e agravos agrave sauacutede priorizando aspectos da alimentaccedilatildeo saudaacutevel praacuteticas corporaisatividade fiacutesica controle de tabagismo reduccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool e outras drogas reduccedilatildeo dos danos decorrentes dos acidentes de tracircnsito e estiacutemulo a cultura da paz fortalecer a realizaccedilatildeo de campanhas institucionais de sauacutede puacuteblica em parceria com a ABRAS a ABRAS poderaacute integrar a outros Grupos de Trabalho formalmente instituiacutedos pelo MS especialmente aqueles relacionados agrave melhoria do perfil nutricional dos alimentos processados e linhas proacuteprias de fabricaccedilatildeo (ABRAS) Fomentar junto aos associados atividades e campanhas de educaccedilatildeo e informaccedilatildeo de promoccedilatildeo da qualidade de vida que forem acordadas no grupo Teacutecnico recomendar aos seus associados a adoccedilatildeo de poliacuteticas internas de controle de qualidade de mateacuterias-primas e seleccedilatildeo de fornecedores recomendar em conjunto com entidades representantes da miacutedia praacuteticas eacuteticas para o marketing e publicidade de alimentos e bebidas de forma responsaacutevel implementar accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutede e qualidade de vida voltadas para os trabalhadores dos estabelecimentos de comercializaccedilatildeo de alimentos

129

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

5 Termo de Compromisso entre MS

ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP

13122011 Prazo de vigecircncia 5 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados patildeo francecircs bolos prontos s ou c recheio rocambole bolo aerado misturas p bolo cremoso salgadinhos de milho batatas fritas e palhas maionese biscoitos do tipo doces salgados e doces recheados

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

6 Termo de Compromisso

entre MS e ABIA 28082012

Prazo de vigecircncia 3 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados derivados de cereais margarina vegetal caldos liacutequidos e em gel temperos em pasta temperos p arroz e outros temperos

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

130

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Termo de Cooperaccedilatildeo MS e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

7 Termo de Compromisso com a ABIA

ABIC ABIPECS SINCARNES e UBABEF

05112013 Prazo de vigecircncia 3 anos

prorrogaacutevel por igual periacuteodo

Pactuar estrateacutegias para contribuiccedilatildeo do setor industrial de alimentos para a reduccedilatildeo do consumo de sal pela populaccedilatildeo brasileira para menos de 5g de sal por pessoa por dia ateacute 2020 mediante a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em categorias prioritaacuteria (laticiacutenios sopas e produtos caacuterneos) de preparaccedilotildees disponiacuteveis para consumo e alimentos processados

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de soacutedio por meio dos seguintes eixos (i) reduccedilatildeo voluntaacuteria dos niacuteveis de soacutedio nos alimentos processados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes (ii) aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis (iii) rotulagem e informaccedilatildeo do consumidor e (iv) educaccedilatildeo e sensibilizaccedilatildeo para consumidores induacutestria profissionais de sauacutede e outras partes interessadas (ABIA ABIC ABIPECS SINDICARNES e UBABEF) Articular as induacutestrias de cada categoria para comprometimento no processo de pactuaccedilatildeo das metas de reduccedilatildeo do soacutedio nos alimentos processados incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento de teor de soacutedio nos alimentos

8 Acordo de cooperaccedilatildeo n0 1

entre o MS e a ABIA

24012014 Prazo de vigecircncia 3 anos

prorrogaacutevel por igual periacuteodo

Reunir esforccedilos e trabalhar conjuntamente para implementar accedilotildees com fins de articular a forma de colaboraccedilatildeo entre as partes para execuccedilatildeo eficaz do Plano Nacional de Vida Saudaacutevel abrangendo aspectos de alimentaccedilatildeo nutriccedilatildeo saudaacutevel atividade fiacutesica e educaccedilatildeo zelar pelo acesso da populaccedilatildeo a alimentos adequados selecionar campanhas institucionais entre outros

Prorrogar por 3 (trecircs) anos contados a partir do prazo de vigecircncia do Termo de Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica

131

O Acordo foi entatildeo um marco para colocar em discussatildeo a reduccedilatildeo dos

paracircmetros nutricionais dos produtos considerados natildeo saudaacuteveis que foi iniciado com

a mobilizaccedilatildeo para a retirada da gordura trans nos produtos cujos avanccedilos importantes

somente foram alcanccedilados em 2010 (BRASIL MS 2012b)

Em paralelo o Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional-

CONSEA27 elaborou a proposta de uma estrateacutegia intersetorial para promover uma

alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel Nessa proposta a alimentaccedilatildeo eacute abordada em sua

perspectiva macro englobando os aspectos socioeconocircmicos culturais e bioloacutegicos e eacute

reafirmada como um direito baacutesico individual agrave vida com sauacutede cuja viabilidade

depende da valorizaccedilatildeo da soberania alimentar e do resgate das praacuteticas produtivas

tradicionais e sustentaacuteveis Na estrateacutegia constavam accedilotildees envolvendo diferentes atores

institucionais como a valorizaccedilatildeo do consumo de legumes frutas e verduras a

regulaccedilatildeo da publicidade de produtos alimentiacutecios com alto teor de gordura saturada

gordura trans accediluacutecar soacutedio e bebidas de baixo valor nutricional (BRASIL CONSEA

2007)

Em 2009 a AnvisaMS coordenou um diagnoacutestico para avaliar a composiccedilatildeo

nutricional de 24 tipos de alimentos industrializados quanto ao teor de soacutedio accediluacutecares

gorduras saturadas gorduras trans e ou de ferro O resultado revelou uma variaccedilatildeo

discrepante nos teores de soacutedio entre os alimentos da mesma categoria No caso do

macarratildeo instantacircneo e do tempero para macarratildeo foram constatadas as maiores

quantidades de soacutedio por porccedilatildeo referida que por si soacute jaacute ultrapassam o valor diaacuterio de

referecircncia de 2400mgdia Os teores de accediluacutecares detectados em refrigerantes suco e

neacutectar ficaram proacuteximos aos valores da meacutedia entre 10 a 117g100mL Isso demonstra

que se o indiviacuteduo bebe um copo regular (200mL) de refrigerante estaacute consumindo em

meacutedia 20g de accediluacutecar Quanto ao teor de gorduras saturadas os destaques foram as

batatas fritas e palhas com meacutedia de 35 e 38 g25g de porccedilatildeo e os biscoitos recheados e

salgados com meacutedia de 1630g de porccedilatildeo (BRASIL ANVISA 2010) Comparando os

teores meacutedios de accediluacutecares e de gordura encontrados nesses alimentos com os criteacuterios

de classificaccedilatildeo e pesovolume estabelecidos pela agecircncia de normalizaccedilatildeo dos

27 O CONSEA foi criado em abril de 1993 como oacutergatildeo de aconselhamento da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange aos assuntos relacionados agrave seguranccedila alimentar e nutricional

132

alimentos do Reino Unido28 todos esses produtos estavam com teores altos poderiam

ser enquadrados nas categorias de ldquoalto teor de accediluacutecarrdquo ou de ldquoalto teor de gordurardquo

Esses resultados satildeo preocupantes pois os produtos alimentiacutecios destacados satildeo

comumente consumidos por crianccedilas que aleacutem dos efeitos negativos agrave sauacutede

provenientes do alto consumo de soacutedio accediluacutecares e gordura estimulam a formaccedilatildeo de

haacutebitos de consumo que adaptam o paladar para preferir alimentos com essa

composiccedilatildeo nutricional Como consequecircncia desse diagnoacutestico as autoridades de sauacutede

fizeram tratativas posteriores com as entidades das induacutestrias para primeiramente

fazer a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em vaacuterias categorias de alimentos (Quadro 2) apesar

de o quadro epidemioloacutegico apontar urgecircncia para a reduccedilatildeo de todos os nutrientes O

valor de referecircncia para a definiccedilatildeo da meta de reduccedilatildeo na ausecircncia de uma referecircncia

internacional equivalente tomou por base trecircs fontes o limite inferior do teor de soacutedio

apontado pelo resultado do diagnoacutestico naqueles tipos de alimento entatildeo analisados as

informaccedilotildees de rotulagem e as informaccedilotildees fornecidas pelas induacutestrias A pretensatildeo

do Ministeacuterio da Sauacutede eacute a de obter uma reduccedilatildeo do consumo de soacutedio pela populaccedilatildeo

brasileira para menos de 2000mgpessoadia ateacute 2020 (BRASIL MS 2011)

Em 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede lanccedila o ldquoPlano de Accedilotildees Estrateacutegicas para o

Enfrentamento das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis (DCNT) no Brasil ndash 2011-

2022rdquo que reuacutene um conjunto de poliacuteticas puacuteblicas efetivas e integradas sob a sua

lideranccedila e com caraacuteter intersetorial para intervir nessas doenccedilas Alimentaccedilatildeo natildeo

saudaacutevel eacute um dos fatores de risco sobre o qual se propotildee intervir Para isso entre

outras accedilotildees propotildee acordos com as induacutestrias para a reduccedilatildeo de sal e de accediluacutecar nos

alimentos processados aumento da oferta e reduccedilatildeo dos preccedilos dos alimentos

saudaacuteveis e estabelecimento da regulamentaccedilatildeo da publicidade infantil (BRASIL MS

2011)

Enquanto isso motivado pelos resultados que confirmam o aumento

descontrolado das prevalecircncias de excesso de peso (POF 200809) foi criado um

28 A entidade do Reino Unido Food Standards Agency recomenda apor na frente da embalagem de certos produtos processados o poste de sinalizaccedilatildeo nutricional indicando com cores diferenciadas os teores de accediluacutecar gordura gordura saturada e sal existentes Os produtos foram selecionados a partir de enquete com os consumidores que informaram ter dificuldades em avaliar em termos nutricionais certas categorias de produtos Assim os limites que categorizam os produtos como de alto teor de accediluacutecar para produtos liacutequidos e de alto teor de gordura para produtos soacutelidos satildeo respectivamente maior que 63g100mL e maior que 5g100g ( UNITED KINDOWN 2007)

133

Comitecirc Teacutecnico no acircmbito da Cacircmara Interministerial de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash CAISANMDS que formulou o Plano Intersetorial de Prevenccedilatildeo e Controle

da Obesidade Composto por seis eixos de accedilatildeo - um deles referente agrave ldquoRegulaccedilatildeo e

controle da qualidade e inocuidade de alimentosrdquo com fins de aprimorar a qualidade

nutricional abrangendo a publicidade de alimentos rotulagem nutricional e adequaccedilatildeo

do perfil nutricional dos alimentos processados a um tipo considerado saudaacutevel entre

outros aspectos (BRASIL MDS 2012a) Em outubro de 2012 foi encaminhado ao

CONSEA mas ateacute o momento natildeo foi lanccedilado oficialmente Na falta de informaccedilatildeo

oficial sobre seus desdobramentos foi divulgada a Estrateacutegia Intersetorial de Prevenccedilatildeo

e Controle da Obesidade Neste documento parte do conteuacutedo apresentado no Plano eacute

abordada na perspectiva das responsabilidades de estados e municiacutepios na prevenccedilatildeo e

controle da obesidade

No acircmbito do Congresso Nacional esse assunto eacute principalmente tratado pela

Comissatildeo de Seguridade Social e Famiacutelia da Cacircmara dos Deputados29 que se encarrega

de lidar com a mateacuteria que faz a interface entre ldquoalimentos e sauacutederdquo No periacuteodo de 2000

a 2013 tramitaram 41 projetos de lei - PL (Quadro 3) sobre temas ligados direta ou

indiretamente ao conteuacutedo desta tese A maioria deles oriundos dessa Comissatildeo Mas no

uacuteltimo ano trecircs deles foram apresentados por outras comissotildees dois pela Comissatildeo de

Defesa do Consumidor item 12 (somente o que faz referecircncia aos cartazes ndash PL

546913) e o item 17 (PL 698513) e outro pela Comissatildeo de Agricultura Pecuaacuteria

Abastecimento e Desenvolvimento Rural (item 20) Trata-se do PL 5866613 que

propotildee retirar a seguinte frase de advertecircncia do roacutetulo das foacutermulas infantis ldquoEste

produto natildeo deve ser usado para alimentar crianccedilas menores de 1 (um) ano de idade O

aleitamento materno evita infecccedilotildees e alergias e eacute recomendado ateacute os 2(dois) anos de

idade ou maisrdquo que visa alertar as matildeesresponsaacuteveis sobre os benefiacutecios do

aleitamento materno em relaccedilatildeo ao leite artificial Tal projeto se aprovado representaraacute

um retrocesso na luta pelo estiacutemulo agrave amamentaccedilatildeo e a alimentaccedilatildeo saudaacutevel

29 Conforme o Regimento Interno da Cacircmara dos Deputados em seu artigo 32 inciso XII uma das atribuiccedilotildees dessa Comissatildeo eacute a de lidar com mateacuterias relativas agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia social em geral controle de drogas medicamentos e alimentos sangue e hemoderivados controle de drogas medicamentos e alimentos sangue e hemoderivados alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo entre outras (BRASIL CAcircMARA DOS DEPUTADOS 2013)

134

De forma sinteacutetica eacute possiacutevel reunir as mateacuterias dos PL em trecircs grandes grupos

conforme a finalidade a) intervir na obesidade - educaccedilatildeo alimentar campanhas e

sensibilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo divulgaccedilatildeo dos riscos (itens 1 2 5 7 10 e 12) b) intervir

nos produtos - com restriccedilatildeo da publicidade e propaganda dos alimentos informaccedilatildeo

sobre o conteuacutedo dos nutrientes e ou calorias reduccedilatildeo de accediluacutecar inclusatildeo das

advertecircncias dos riscos agrave sauacutede na rotulagem informaccedilatildeo mediante cartazes do valor

caloacuterico dos produtos manipulados rotulagem nutricional proibiccedilatildeo de associaccedilatildeo de

produtos alimentiacutecios a brindes e similares (itens 3 4 6 9 11 12 13 14 15 17 18) e

c) intervir na alimentaccedilatildeo das escolas (8 16 e 19) Com base nessas mateacuterias agrupadas

foram produzidas regras sobre alimentaccedilatildeo nas escolas rotulagem nutricional e

educaccedilatildeo alimentar ou no acircmbito da proacutepria Cacircmara dos Deputados ou por iniciativa

do oacutergatildeo federal competente A uacutenica mateacuteria que natildeo produziu resultados foi a relativa

aos produtos alimentiacutecios pois o assunto da regulaccedilatildeo de alimentos confronta

diretamente com os interesses econocircmicos do mercado ndash que se encontram

devidamente representados e fortalecidos na ldquoCasa do Povordquo

135

QUADRO 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013

N0

Mateacuteria

Qtde

1 Princiacutepios e diretrizes para accedilotildees de educaccedilatildeo nutricional e seguranccedila nutricional e alimentar para a populaccedilatildeo Promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel (PL 123407 331004 680310)

3

2 Poliacutetica de combate a obesidade Obriga atendimento integral dos doentes no SUS (PL 139401 156003 168403 169903 618313)

5

3 Divulgaccedilatildeo de advertecircncia sobre obesidade nos produtos alimentiacutecios (PL 148003)

1

4 Obriga os estabelecimentos comerciais de alimentos a fixarem cartazes informando sobre as calorias de cada porccedilatildeo servida Informaccedilatildeo nutricional dos alimentos para consumo imediato (PL 179003 271403)

2

5 Cria semana ou dia de mobilizaccedilatildeo nacional contra a obesidade ou de conscientizaccedilatildeo sobre os malefiacutecios da obesidade (PL 608602 443804 196511 365212 387412)

5

6 Restriccedilatildeo de propaganda de bebidas e alimentos potencialmente causadores de obesidade (PL 608005 163707 379308 446208 764410 560813)

6

7 Cria programa de prevenccedilatildeo e orientaccedilatildeo de tratamento de obesidade infantil (PL 652209)

1

8 Proiacutebe a comercializaccedilatildeo e consumo de guloseimas nas escolas (PL 684802)

1

9 Proiacutebe o uso de atribuiccedilatildeo de destaque as declaraccedilotildees de qualidade e de caracteriacutesticas nutritivas nas embalagens e na publicidade de alimentos (PL 562913)

1

136

QUADRO 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013 (Continuaccedilatildeo)

N0

Mateacuteria

Qtde

10 Inclusatildeo da disciplina de educaccedilatildeo alimentar na grade escolar da escola de ensino fundamental e meacutedio

(PL 32507)

1

11 Obriga a divulgar advertecircncia sobre riscos de doenccedilas nos roacutetulos dos produtos e na publicidade comercial de alimentos com alto teor de accediluacutecar gordura saturada gordura trans soacutedio e bebidas com baixo teor nutricional (PL 470501 766710 480312)

3

12 Obriga uso de cartazes de advertecircncia sobre obesidade em estabelecimentos que comercializam ldquofast foodrdquo Obriga especificar a quantidade de calorias dos alimentos comercializados nos cardaacutepios em restaurantes lanchonetes e similares (PL 546913 567413)

2

13 Fixa limite maacuteximo de adiccedilatildeo de sacarose nos sucos comercializados Reduzir o teor de accediluacutecar nos alimentos destinados agraves crianccedilas (PL 588313 683613)

2

14 Estabelece praacutetica abusiva oferecer brindes brinquedos etc associados agrave aquisiccedilatildeo de alimentos e bebidas para o puacuteblico infantil (PL 611113)

1

15 Rotulagem nutricional de alimentos industrializados (PL 390900)

1

16 Obriga alimentaccedilatildeo saudaacutevel nas escolas puacuteblicas e privadas de ensino fundamental (PL 317000)

1

17 Obriga os produtos alimentiacutecios comercializados a informar a presenccedila ou ausecircncia de sal como medida preventiva de doenccedilas (PL 698513)

1

137

QUADRO 3 Projetos de Lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013 (Continuaccedilatildeo)

N0

Mateacuteria

Qtde

18 Disciplina a propaganda comercial de produtos praacuteticas e serviccedilos dirigidos a crianccedilas e adolescentes

(PL 677713)

1

19 Proiacutebe a venda de refrigerantes a menores de 18 anos e de alimentos com alto valor caloacuterico e niacuteveis reduzidos de nutrientes em escolas Proiacutebe refrigerantes e alimentos de baixo teor nutricional em escolas de ensino meacutedio e fundamental (PL 504313 628313)

2

20 Revoga a obrigatoriedade de advertecircncia nos roacutetulos das foacutermulas infantis para crianccedilas de 1a infacircncia (PL 586613)

1

TOTAL

41

138

Assim o Poder Legislativo tal como o Poder Executivo natildeo tiveram interesse em

regulamentar a questatildeo O Ministeacuterio da Sauacutede entatildeo introduziu um novo instrumento no

campo do controle de alimentos que foi a implementaccedilatildeo de Acordos e seus Termos de

Compromissos (itens 2 3 5 e 7 do Quadro 2) firmados entre o governo e as entidades

representativas das induacutestrias para a reduccedilatildeo do soacutedio Quanto a esse instrumento haacute

alguns pontos inconvenientes (i) grande elasticidade ndash os prazos para reduccedilatildeo do soacutedio

por exemplo variam entre 3 e 5 anos (ii) extensatildeo limitada ndash a formalidade do Acordo e

dos Termos restringem-se agraves entidades representativas das induacutestrias que os ratificaram

e (iii) fragilidade no cumprimento ndash a inexistecircncia de claacuteusulas punitivas podem retardar o

cumprimento desses atos

Dessa forma como objetivo de inferir sobre as bases da negociaccedilatildeo das metas

referidas nesses Termos efetuados (itens 3 e 5 do Quadro 2) comparou-se o

comportamento de seis produtos alimentiacutecios quanto ao nutriente soacutedio obtidos no

diagnoacutestico com as metas acordadas de reduccedilatildeo (Graacutefico 1) e verificou-se que as metas de

trecircs produtos foram definidas pelo maior valor identificado e as dos outros trecircs aquelas

mais proacuteximas do maior valor A opccedilatildeo pela flexibilidade nas metas demonstra que houve

bastante condescendecircncia do governo para com o mercado na implementaccedilatildeo desses atos

Essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel uma vez que dados comprovam a existecircncia de viabilidade

teacutecnica e comercial que permite acelerar a reduccedilatildeo do teor do soacutedio nos produtos

alimentiacutecios Pois dentre os produtos monitorados haacute alguns deles que estatildeo circulando

no mercado cujas foacutermulas conteacutem teor de soacutedio abaixo do limite de reduccedilatildeo acordado ndash

daiacute se pode inferir que haacute aceitaccedilatildeo por parte do consumidor e tecnologia factiacutevel para a

sua produccedilatildeo Isso fica mais evidente quando o governo ao optar por natildeo impor regras de

caraacuteter compulsoacuterio ldquodesperdiccedilardquo a oportunidade de utilizar como referecircncia o valor

miacutenimo de soacutedio encontrado nos produtos monitorados para a construccedilatildeo das bases dos

Termos

139

Graacutefico 1 Comparaccedilatildeo entre os teores de soacutedio diagnosticados nos produtos alimentiacutecios e os valores de reduccedilatildeo acordados entre o Governo e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos Brasil 2010-2011

FONTE BRASIL ANVISA Informe Teacutecnico n 422010 itens 3 e 5 do Quadro 2

Embora o cumprimento dos Acordos e dos Termos de Compromissos esteja sendo

assumido na praacutetica institucional da vigilacircncia sanitaacuteria descartar o uso da

regulamentaccedilatildeo com prazos negociados e fixados e com previsatildeo de sanccedilotildees significa

fragilizar as medidas de controle e o papel de autoridade e de intervenccedilatildeo do Estado na

atividade privada e dirigida a fazer prevalecer os interesses puacuteblicos Aleacutem disso a

regulamentaccedilatildeo eacute precedida de procedimentos de construccedilatildeo democraacutetica instituiacutedos no

acircmbito da agecircncia reguladora competente enquanto a praacutetica do acordo eacute centralizada e

restrita Adianta-se que o cumprimento do Acordo depende apenas do grau de

compromisso entre as partes que natildeo eacute por si soacute extensivo agraves outras entidades e

empresas do ramo Eacute necessaacuterio que o poder puacuteblico encare o gerenciamento dos riscos

dos alimentos relacionados agrave obesidade e agraves outras DCNT como equiparaacutevel ao aplicado agraves

DTA mediante o uso dos recursos tradicionais de praxe (regulamentaccedilatildeo monitoramento

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

0 2 4 6 8

Menor teor

Maior teor

Acordo

1 Batatas fritas 2 Batatas palha 3 Salgadinhos de milho 4 Biscoito aacutegua e sal 5 Biscoito cream cracker 6 Macarratildeo instantacircneo

140

de produtos inspeccedilatildeo de estabelecimentos etc) para que se alcance um controle efetivo da

qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios envolvidos

Entretanto merece ressaltar que a diferenccedila fundamental do efeito do

gerenciamento dos riscos dos alimentos voltados agrave prevenccedilatildeo das DCNT estaacute nos impactos

econocircmicos alegados pelo setor produtivo e que motivaram uma forte reaccedilatildeo do mercado

Isso porque esse gerenciamento implica reformular a concepccedilatildeo da produccedilatildeo dos

alimentos industrializados em vigor (de baixo custo alto consumo e de peacutessima qualidade

nutricional desenhados com foco nos lucros e sem benefiacutecios para a sauacutede) Eacute importante

salientar que as reaccedilotildees das corporaccedilotildees de alimentos jaacute fizeram o governo dinamarquecircs

retroceder revogando as medidas de taxaccedilatildeo de produtos com alto teor de gordura

saturada (PETKANTCHIN 2013) mas por outro lado natildeo foram suficientes para impedir a

sociedade finlandesa mobilizada de avanccedilar e forccedilar a reformulaccedilatildeo dos produtos

garantindo um alimento com qualidade nutricional aprimorada (PUSKA 2004)

Sob a oacutetica do Ministeacuterio da Sauacutede e da Anvisa haacute uma valorizaccedilatildeo dessa experiecircncia

de Acordos do governo com as entidades das induacutestrias para a reduccedilatildeo do soacutedio como

sendo inovadora legiacutetima e transparente baseada na articulaccedilatildeo intrainstitucional e com o

setor privado e no estabelecimento de uma relaccedilatildeo dialoacutegica e pactuada que fortalecem o

controle social (NILSON JAIME RESENDE 2012) Sem enaltecer o vanguardismo na

praacutetica institucional ou descartar os possiacuteveis meacuteritos dessa iniciativa algumas

ponderaccedilotildees satildeo necessaacuterias primeiro o valor de cunho ideoloacutegico dessa medida

demonstrado pela preocupaccedilatildeo do governo perante a sauacutede puacuteblica eacute o que se sobressai

diante da dispensa das prerrogativas do Estado de impor regras ao mercado e da opccedilatildeo por

fazer acordos maleaacuteveis e de longa duraccedilatildeo Segundo para o fortalecimento do controle

social exige-se que o conjunto das representaccedilotildees da sociedade seja envolvido nas

discussotildees travadas na esfera puacuteblica e no caso o tratamento dado agrave sociedade civil a

maior interessada no tema foi a completa exclusatildeo desse processo de negociaccedilatildeo

comprometendo inclusive a tal legitimidade referida pelos autores

141

521 Parceria entre governo e induacutestrias fragilidade ou inovaccedilatildeo

A Parceria Puacuteblico-Privada no campo da sauacutede30- PppS eacute um fenocircmeno relativamente

novo e ainda carece de uma definiccedilatildeo precisa podendo referir-se a algum tipo de

engajamento ou interaccedilatildeo entre os setores puacuteblicos e privados ou mesmo a um

relacionamento entre estes estabelecido com base em criteacuterios estritos Esse tipo de

parceria se pauta na partilha de objetivos e em algum grau de tomada de decisatildeo entre os

setores puacuteblico e privado Entretanto em geral em nenhuma modalidade se prevecirc a

participaccedilatildeo de organizaccedilotildees sem fins lucrativos (HAWKES 2008b)

Segundo essa autora as PppS relacionadas agrave dieta nutriccedilatildeo e atividade fiacutesica se

processam mais lentamente comparadas agraves que envolvem medicamentos As iniciativas

que estatildeo sendo adotadas em vaacuterios paiacuteses estatildeo focadas basicamente em quatro objetos

melhoria de produtos alimentiacutecios (reduccedilatildeo do sal) educaccedilatildeo do puacuteblico rotulagem

nutricional e propaganda e por fim pesquisas

A formalizaccedilatildeo da PppS estabelecida a partir desse trabalho conjunto busca alcanccedilar

resultados efetivos com reduccedilatildeo de recursos e de desgastes poliacutetico-institucionais sendo

em certas circunstacircncias mais vantajosa do que uma medida empreendida isoladamente

pelo governo No entanto para que as parcerias se materializarem em Acordos haacute um

processo de negociaccedilatildeo para o estabelecimento de responsabilidades muacutetuas e interesses

partilhados sendo fundamental a geraccedilatildeo de benefiacutecios para ambas partes expostos

previamente com clareza em ambiente de transparecircncia e de responsabilizaccedilatildeo para que

essa alianccedila possa se consolidar (MITCHELL 2008) Assim no campo da sauacutede a

governanccedila das PppS tem como foco cinco questotildees-chaves representaccedilatildeo participaccedilatildeo

responsabilizaccedilatildeo transparecircncia e efetividade (HAWKES 2008b)

30 Na sauacutede puacuteblica esse tipo de parceria eacute completamente diferente dos contratos privados para execuccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos firmados sob a forma de Parceria Puacuteblico-Privada (HAWKES 2008b) Nestes casos o governo firma contratos de concessatildeo com parceiros privados que se responsabilizam pela realizaccedilatildeo investimentos em infraestrutura e prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse puacuteblico por prazo determinado

142

A partir da deacutecada de 90 a FAO e a OMS comeccedilam a estimular os paiacuteses a

desenvolverem accedilotildees conjuntas para lidar com a obesidade e outras DCNT mediante a

articulaccedilatildeo entre governo induacutestrias e consumidores (WHO 1990) Aquelas organizaccedilotildees

afirmam ser fundamental criar estrateacutegias multisetoriais com diferentes atores de longa

duraccedilatildeo formar alianccedilas e parcerias e engajaacute-los em programas colaborativos pois a

responsabilidade na prevenccedilatildeo dessas doenccedilas eacute compartilhada Poreacutem natildeo se deve

perder de foco que a incumbecircncia da induacutestria eacute a de aprimorar a qualidade dos seus

produtos alimentiacutecios (WHO 2000 WHO 2002b WHO 2003b) Acreditam que a atuaccedilatildeo

articulada dos formuladores de poliacuteticas puacuteblicas produtores consumidores e outros

parceiros pode transformar o caraacuteter do sistema alimentar tornando-o ldquomais compatiacutevel

com os preceitos nutricionaisrdquo (FAO 2013b)

Na Europa inuacutemeras Parcerias foram alavancadas para enfrentar o fenocircmeno do

sobrepeso e obesidade na Regiatildeo sob o respaldo da Comissatildeo das Comunidades Europeias

cujo alvo principal satildeo os consumidores Assim com muita frequecircncia essas parcerias se

voltam para modificar comportamentos dos consumidores qualificando-os com

informaccedilotildees para revisatildeo de haacutebitos de consumo e de condutas quanto ao exerciacutecio fiacutesico

encarando a obesidade como um problema individual dentro de uma concepccedilatildeo

conservadora-liberal em lugar de instigar mudanccedilas estruturais que determinam tais

comportamentos (BORCH ROOS 2012) Haacute tambeacutem parcerias destinadas a reduzir os

componentes natildeo saudaacuteveis dos alimentos (HAWKES 2008b)

O desafio estaacute em harmonizar interesses no interior das divergecircncias ldquonaturalmenterdquo

instaladas entre os agentes do setor produtivo que visa ao lucro privado e ao comeacutercio de

produtos alimentiacutecios (hipercaloacutericos e ricos em soacutedio) e os agentes puacuteblicos investidos

da funccedilatildeo preciacutepua de proteger os interesses da coletividade No caso do Brasil a despeito

da existecircncia dessas divergecircncias eacute possiacutevel que os alertas sistemaacuteticos emitidos pelos

organismos internacionais pelo governo e miacutedias locais sobre os riscos dos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis assim como uma remota inseguranccedila dos fabricantes quanto

ao uso de medida de intervenccedilatildeo compulsoacuteria ndash regulamentaccedilatildeo - sensibilizaram as

143

entidades corporativas das induacutestrias a empenharem-se em negociar com o governo e

assim evitar qualquer instabilidade no comeacutercio de tais produtos

Para tratar essa questatildeo dos alimentos o governo brasileiro decidiu fazer uso de

instrumentos do tipo ldquoAcordo e Termos de Compromissosrdquo e renunciou agrave via da

regulamentaccedilatildeo A primeira impressatildeo eacute que esses instrumentos aparentemente

simbolizam uma inovaccedilatildeo administrativa mas de fato eles representam um retrocesso ao

serem comparados ao processo democraacutetico de regulamentaccedilatildeo que vem sendo instituiacutedo

no acircmbito das instituiccedilotildees puacuteblicas permitindo um amplo debate e a participaccedilatildeo dos

setores organizados e da sociedade em geral Aleacutem disso demonstra a fragilidade do

governo em gerenciar os riscos dos alimentos com a agilidade requerida e com a

autoridade e a competecircncia que lhe satildeo atribuiacutedas As dificuldades poliacuteticas satildeo reais a

reaccedilatildeo do poderio das corporaccedilotildees de mercado eacute efetiva mas o vazio imposto agrave sociedade

civil eacute revelador de uma conduta contraditoacuteria e de uma evidente indisposiccedilatildeo para

angariar o apoio de aliados

As PppS que lidam com esse objeto em particular estatildeo sujeitas a vaacuterias limitaccedilotildees

que podem comprometer a boa governanccedila entendida aqui como o alcance dos resultados

desejados da maneira correta (HAWKES 2008b) Na perspectiva dessa autora os

parceiros privados podem interagir para conduzir a agenda do governo de modo a se

esquivar de suas reais responsabilidades ou desviar o foco de atenccedilatildeo para as soluccedilotildees

potenciais que contrariem os seus interesses Podem tambeacutem influenciar as decisotildees dos

parceiros do governo criando um ambiente interno que os iniba a se esforccedilarem para

regular o setor privado com fins de natildeo comprometer a parceria jaacute instalada

O artigo de Majone (2006) sobre o Estado regulador congrega vaacuterios elementos que

ajudam a compreender a atuaccedilatildeo dos governos Segundo o autor esse novo modelo

imprime um paradoxo que se traduz pelo estiacutemulo agrave privatizaccedilatildeo e agrave desregulamentaccedilatildeo

de um lado e o incremento das poliacuteticas regulatoacuterias de outro Poreacutem para se ajustar agraves

necessidades do mercado a racionalidade da intervenccedilatildeo governamental combina medidas

de desregulaccedilatildeo e de uma nova regulaccedilatildeo O Acordo se encaixa perfeitamente na

desregulaccedilatildeo que conforme esse autor significa regulaccedilatildeo flexiacutevel natildeo riacutegida e que eacute

144

aplicada em larga escala no campo da regulaccedilatildeo social no qual se situa a sauacutede

Embora o Estado na era da globalizaccedilatildeo econocircmica se submeta a constantes

pressotildees do mercado internacional obrigando-se a fazer vaacuterias concessotildees Santos (2005)

acredita que ele ainda acumula suficiente poder para reagir e manejar as suas regras de

forma a compatibilizar as influecircncias externas e as realidades internas No entanto tudo

depende dos verdadeiros interesses que o Estado defende e da habilidade e das estrateacutegias

utilizadas para viabilizaacute-los

As feiccedilotildees do Acordo formalizado entre o governo e as entidades representantes das

induacutestrias de alimentos comprovadamente natildeo privilegiou as realidades internas

(epidemia de obesidade alto consumo de produtos hipercaloacutericos e ricos em sal

incremento de outras DCNT) Ele foi moldado com medidas elaacutesticas de reduccedilatildeo do soacutedio

e ainda sem um efetivo suporte do trabalho ldquoeducativordquo das instituiccedilotildees de sauacutede para

conscientizar a populaccedilatildeo sobre os benefiacutecios dessa reduccedilatildeo Em princiacutepio parece que eacute

somente a sauacutede que estaacute em questatildeo mas de forma velada haacute tambeacutem a preocupaccedilatildeo de

evitar que o mercado durante a fase de ajuste dos produtos sofra abalos nos lucros com

tais medidas Em funccedilatildeo disso Stuckler amp Nestle (2012) afirmam que qualquer parceria

tem que resultar em lucros para as induacutestrias

Assim esse evidente contrabalanccedilo de interesses implicitamente levou agrave decisatildeo de

natildeo se enfrentar os conflitos da regulamentaccedilatildeo do soacutedio com base nos teores miacutenimos

apontados pelo diagnoacutestico e comprovadamente factiacuteveis o que constitui um dos pontos

de fragilidade dessa intervenccedilatildeo Eacute importante ressaltar que em experiecircncias

anteriormente relatadas as induacutestrias nacionais foram obrigadas a enriquecer seus

produtos com nutrientes para atender as exigecircncias do setor sauacutede arcando com os custos

econocircmicos desse procedimento Agora o confronto envolve empresas transnacionais e a

reduccedilatildeo de nutrientes natildeo saudaacuteveis e de custo baixo que afetam a palatibilidade dos

produtos e tal fato pode interferir nas vendas

Os efeitos dos Acordos e dos Termos de Compromissos se estendem ao conjunto dos

145

serviccedilos de vigilacircncia sanitaacuteria uma vez que estes realizam as atividades de

monitoramento dos produtos previstas naqueles atos Desse modo esses atos se

convertem em motivo de reflexatildeo uma vez que natildeo tecircm valor legal para as accedilotildees de rotina

da vigilacircncia sanitaacuteria Em comparaccedilatildeo ao ritual das praacuteticas realizadas tais atos

simbolizam tratar de forma protetora o mercado e protelar a garantia do direito agrave sauacutede

populaccedilatildeo Aleacutem disso abre precedentes no campo da vigilacircncia sanitaacuteria para que a

regulamentaccedilatildeo seja substituiacuteda por ldquoAcordordquo quando for necessaacuterio manejar questotildees

polecircmicas de riscos agrave sauacutede ampliando-se os conflitos inerentes agrave atividade

O fato de os componentes nutricionais em excesso (gorduras saturadas accediluacutecares e

sal) produzirem efeitos agrave sauacutede (acumulativos e de longo prazo) diferentes daqueles

causados pela maioria dos agentes contaminantes (em geral de curto prazo e de

propagaccedilatildeo extensiva e raacutepida se o produto for de circulaccedilatildeo global) natildeo deve ser motivo

para adoccedilatildeo de intervenccedilotildees distintas por parte do governo que sempre aplicou regras

compulsoacuterias para esse segundo grupo de riscos

Embora a regulamentaccedilatildeo usualmente seja percebida de modo deturpado como uma

medida de intervenccedilatildeo antipaacutetica e autoritaacuteria ela eacute oportuna e necessaacuteria quando se trata

de prevenir riscos agrave sauacutede inclusive epidemias que se disseminam na sociedade A

ausecircncia de paracircmetros internacionais face ao comeacutercio global instruindo sobre como

lidar com os nutrientes-chave presentes nos produtos alimentiacutecios natildeo impede que o paiacutes

ouse em prol da sauacutede do coletivo e nem tampouco que ele se contenha com a adoccedilatildeo de

medidas atenuantes e lentas nesse campo O governo acertou ao optar pelo caminho da

argumentaccedilatildeo do convencimento mas errou no encerramento do diaacutelogo por natildeo

estabelecer regras compulsoacuterias para reduccedilatildeo do soacutedio e dos demais nutrientes em

questatildeo

Outro aspecto da fragilidade desse Acordo estaacute na ausecircncia marcante da sociedade

civil Um dos aspectos centrais da ldquoboa governanccedilardquo de qualquer iniciativa eacute a

representaccedilatildeo e participaccedilatildeo da tomada de decisatildeo daqueles afetados pelo exerciacutecio do

poder (HAWKES 2011) Contudo a ausecircncia forccedilada da sociedade civil rompe com as

praacuteticas que vecircm sendo inauguradas a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 de criaccedilatildeo de

146

espaccedilos puacuteblicos de intervenccedilatildeo e de expressatildeo da democracia participativa Ausecircncia que

foi marcante na medida em que a sociedade civil poderia atuar como um integrante

diferenciado tanto para dar suporte ao governo na defesa do interesse puacuteblico e da

primazia dos assuntos de sauacutede quanto para exercer pressatildeo no sentido de avanccedilar as

negociaccedilotildees em prol da aprovaccedilatildeo de regras com metas mais justas para reduccedilatildeo de soacutedio

nos produtos alimentiacutecios

Para sintetizar o Acordo ao contraacuterio de significar avanccedilo nos dispositivos de

controle de alimentos representa limitaccedilotildees poliacutetico-institucionais para o exerciacutecio da

praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria em especial em trecircs aspectos a) cria precedentes para

evitar a regulamentaccedilatildeo com a finalidade de reduzir os teores de nutrientes-chave accedilatildeo

fundamental para proteger agrave sauacutede b) gera situaccedilotildees de imbroacuteglio interno pois natildeo haacute

como fiscalizar o cumprimento dos teores nutricionais como base nesse Acordo e por fim

c) reduz a sociedade civil a um vazio colocando-a agrave margem desse processo de concertaccedilatildeo

de medidas sanitaacuterias para amenizar as tensotildees e os embates com o setor produtivo A

participaccedilatildeo ativa da sociedade civil organizada eacute sempre um reforccedilo para se galgar

maiores conquistas inclusive a melhoria da composiccedilatildeo nutricional dos produtos pelas

corporaccedilotildees das induacutestrias

147

6 RISCOS E REGULACcedilAtildeO DOS ALIMENTOS visotildees dos sujeitos sociais31

61 Racionalidades discursivas um exerciacutecio de interpretaccedilatildeo

Para introduzir as anaacutelises resgatam-se as reflexotildees de Foucault (1982) sobre a

noccedilatildeo de ldquogovernordquo natildeo a remetendo estritamente a governo como instituiccedilatildeo mas

enquanto praacutetica entendida como uma forma de exerciacutecio complexo de poder que visa ldquo[]

fazer por vaacuterios meios com que determinados fins possam ser atingidosrdquo (p284) Para isso

governo consiste em enquadrar a conduta dos homens mediante o uso de instrumentos

taacuteticos fazendo com que eles mesmos se ajustem agraves regras da racionalidade governamental

e dessa forma que as intenccedilotildees almejadas se realizem Eacute nesse sentido que se pode dizer

que todo governo pretende obter um autogoverno dos proacuteprios sujeitos por meio do qual

eles se apropriam livremente (ou imaginam fazecirc-lo) das normas de conduta impostas pelo

poder governamental

A racionalidade geral adotada para tratar da abordagem dos riscos atribuiacutedos aos

alimentos e dos mecanismos de regulaccedilatildeo desencadeados pela esfera puacuteblica para

controlaacute-los se mostra diferenciada quando eacute recepcionada e praticada por sujeitos que

nos seus respectivos campos de competecircncia exercem interferecircncias e modelam a sua

construccedilatildeo assim como conduzem suas estrateacutegias de influecircncias e se movimentam para

accedilatildeo Com aportes diferenciados de capital simboacutelico e material e com compromissos

sociais nem sempre sintonizados eles seguem trajetoacuterias especiacuteficas que conduzem

decisivamente a processos distintos de compreensatildeo

Em sintonia com a sequecircncia de Foucault e dos empreendimentos posteriores sobre

AD afirma-se que a constituiccedilatildeo da realidade eacute indissociaacutevel da atividade discursiva que a

organiza (FOUCAULT 1999) e que para compreendecirc-la eacute necessaacuterio explorar a linguagem

31

As teacutecnicas de Anaacutelise do Discurso e a topologia do Quadrado Semioacutetico foram aprofundadas com as sessotildees de

trabalho realizadas com o Prof Dr Patrick Dahlet professor visitante da Universidade Federal de Minas Gerais

148

Ou seja romper com a sua pseudotransparecircncia e investigar a significaccedilatildeo das suas

operaccedilotildees de produccedilatildeo reconstruindo os valores dos seus marcadores enunciativos e o

sentido das suas alteraccedilotildees no fio descontiacutenuo do discurso realizado Contudo o resultado

alcanccedilado jamais representaraacute o encontro com a verdade dos fatos pois na linguagem se

instala um acervo de significaccedilatildeo Trata-se apenas de estabelecer com o uso de

instrumental teoacuterico-metodoloacutegico uma anaacutelise da linguagem-sujeito-sentido e eleger um

caminho para interpretaccedilatildeo (ORLANDI 2010)

Assim neste capiacutetulo eacute apresentada a anaacutelise de um conjunto de discursos

entrelaccedilando vozes representativas de sujeitos-chave sobre o comportamento dos riscos

dos alimentos e as consequecircncias derivadas assim como o valor operativo da estrateacutegia de

regulaccedilatildeo adotada pelas instituiccedilotildees puacuteblicas nacionais

Eacute importante salientar que os discursos foram coletados no periacuteodo de 26022013 a

06062013 durante a realizaccedilatildeo de entrevistas gravadas Satildeo discursos de sujeitos

pertencentes em quase sua totalidade trecircs tipos de setores32 ndash mercado poder puacuteblico e

sociedade civil ndash os quais satildeo abordados em seus instrumentos hierarquia de valores e

modos de argumentaccedilatildeo proacuteprios Considerando que as marcas da oralidade natildeo satildeo

significantes para a reconstruccedilatildeo do sentido visado pelos interlocutores em questatildeo os

discursos foram transcritos sem se reportar agraves flutuaccedilotildees sintaacutexicas e riacutetmicas

caracteriacutesticas da sua ancoragem num contexto oral A abordagem escolhida remete aos

fundamentos teoacutericos e metodoloacutegicos da AD (PEcircCHEUX 2008 ORLANDI 2010)

Nessa perspectiva em niacutevel teoacuterico cada manifestaccedilatildeo textual se inscreve num

universo discursivo que preacute-forma o que pode ser dito e como essa intenccedilatildeo de dizer pode

ser atualizada num determinado contexto de interaccedilatildeo social e enunciativa Isso indica que

cada texto (no caso cada transcriccedilatildeo de entrevista) pode sempre ser apreendido enquanto

realizaccedilatildeo uacutenica e irredutiacutevel agraves outras (as transcriccedilotildees das entrevistas dos sujeitos da

sociedade civil se diferenciam daquelas dos sujeitos do mercado por exemplo) devido agrave

32

Foi realizada apenas uma entrevista com representante de um organismo internacional

149

singularidade da atividade discursiva de sujeitos particulares Entretanto cada texto

apresenta necessariamente similitudes geneacutericas com outros por circular na mesma eacutepoca

e no mesmo campo de conhecimento (no caso os discursos sobre riscos e regulaccedilatildeo de

alimentos no Brasil) referindo-se tanto agrave aproximaccedilatildeo dos conteuacutedos tratados quanto agraves

modalidades de construccedilatildeo enunciativa deles

O discurso eacute produto de um sistema simboacutelico que funde liacutengua e ideologia A

primeira se exterioriza enquanto a segunda atua nos discursos comportando-se como o fio

condutor das distinccedilotildees entre eles fazendo eclodir as posiccedilotildees e as lutas simboacutelicas Estes

interesses em jogo transformam-se em correlaccedilotildees de forccedilas objetivas entre os diferentes

agentes sujeitos de enunciaccedilatildeo para impor a sua concepccedilatildeo de mundo e defender seus

propoacutesitos particulares como a expressatildeo do conjunto social (BOURDIEU 2009) Por isso

concebe-se que o discurso natildeo somente ergue representaccedilotildees ideoloacutegicas mas deteacutem uma

racionalidade proacutepria que fundamenta praacuteticas associadas a regras e assim define como

os comportamentos devem se conformar - no caso o da relaccedilatildeo consumo de alimentos e

sauacutede

Jamais se fala ou se escreve qualquer coisa de qualquer maneira e em qualquer

situaccedilatildeo (DAHLET 1994) Segundo Pecirccheux (2008) qualquer manifestaccedilatildeo textual deve

ser assim concebida como preacute-construiacuteda porque eacute configurada antecipadamente por um

leque de condiccedilotildees de possibilidades enunciativas que estabelecem os quadros e temaacuteticas

gerais em que iraacute poder mover-se para ser trabalhada

A existecircncia de tais preacute-construiacutedos define enunciados matriz que iratildeo nortear com

grau de conformidade variaacutevel segundo o posicionamento soacutecioenunciativo dos

interlocutores o conjunto de textos que organiza as representaccedilotildees discursivas de um

mesmo objeto discurso - no caso a relaccedilatildeo da sociedade brasileira com a qualidade dos

alimentos

Em niacutevel metodoloacutegico a delimitaccedilatildeo de enunciados matriz permite assim identificar

ao mesmo tempo as afinidades de um texto em relaccedilatildeo aos outros (relacionadas no caso agrave

150

sua inscriccedilatildeo dentro de um mesmo discurso neoliberal globalizante) e as variaccedilotildees

significativas resultantes das relaccedilotildees singulares dos sujeitos agraves tematizaccedilotildees ordenadas

pelos enunciados matriz e aos contextos sociais especiacuteficos segundo as quais essas

regularidades matriciais estatildeo filtradas pelos locutores

Determina-se assim que o conjunto das entrevistas recolhidas transita por um

movimento argumentativo direcionado por cinco enunciados matriz que foram

sintetizados enquanto funccedilotildees enunciativas transversais a todos os discursos estudados

a) Essencialidade do alimento Postula-se que o alimento eacute vida por essecircncia e essa

imprescindiacutevel vitalidade dos alimentos eacute consagrada desde a origem da

humanidade No entanto o que estaacute em voga eacute a reafirmaccedilatildeo essencialista da

identidade do alimento em si mesma independente dos condicionamentos os quais

seratildeo sempre superficiais e incapazes de abalar a sua pureza miacutetica Cabe ao homem

somente conseguir o equiliacutebrio no consumo alimentar para alcanccedilar a chave da

sauacutede e da vida

b) Irreversibilidade do consumo do produto industrializado Essa regularidade

enunciativa coloca em discussatildeo a loacutegica econocircmica de processamento de alimentos

(produtos voltados para o lucro e ou para benefiacutecios da nutriccedilatildeo) e o produto

alimentiacutecio resultante do processo tecnoloacutegico comparando-o com a autenticidade

(real ou imaginada) do alimento extraiacutedo da natureza

c) Autonomia do consumidor o indiviacuteduo sob o prisma da ideologia neoliberal eacute

autocircnomo para fazer as suas escolhas alimentares Entretanto alimentar-se eacute um

ato que importa riscos assim o indiviacuteduo fica na dependecircncia da sabedoria e das

experiecircncias adquiridas para ser capaz de se proteger

151

d) Consumidor para (trans)formar A capacidade de autodefesa do consumidor estaacute

nas informaccedilotildees recebidastransmitidas que atuam como o motor de

transformaccedilatildeo da sua consciecircncia repercutindo diretamente sobre a sua conduta

e) Regulaccedilatildeo consentida O alcance de um produto saudaacutevel natildeo perpassa

exclusivamente pelas disposiccedilotildees legais mas envolve uma governanccedila regulatoacuteria

acordada entre as partes interessadas conciliando a interiorizaccedilatildeo dos valores do

mercado e de uma nutriccedilatildeo equilibrada

Satildeo as variaccedilotildees das realizaccedilotildees discursivas desses enunciados matriz que seratildeo

examinadas sucessivamente a seguir relacionando quando possiacutevel a diferenciaccedilatildeo das

suas significaccedilotildees as alteraccedilotildees das suas formulaccedilotildees entre um conjunto de entrevistas e

outro com o objetivo de delimitar e interpretar as tensotildees (o jogo de concordacircncias e de

conflitos) que atravessam de parte a parte as promessas de um produto alimentiacutecio

saudaacutevel para equilibrar a nutriccedilatildeo de todos No final seraacute apresentado um quadro-resumo

(Quadro 4) comparando os enunciados matriz postulados e realizaccedilotildees discursivas sob o

olhar da interpretaccedilatildeo realizada

a) Essencialidade do alimento

Com base nas entrevistas a concepccedilatildeo do alimento guia-se por duas direccedilotildees

primeiro o alimento inscreve-se em uma visatildeo imaginaacuteria e miacutetica dos seus ciclos

histoacutericos e da sua passagem na histoacuteria da humanidade Haacute um tipo de mitificaccedilatildeo do

alimento que o considera como fonte de energia de proteiacutena e de vida para humanidade e

tambeacutem de ser capaz de concentrar todas as virtudes Segundo o alimento eacute algo inerente

agrave natureza e esse caraacuteter natildeo se desfaz a despeito das transformaccedilotildees humanas sobre ele

praticadas Isto remete a um tipo de irrealizaccedilatildeo do produto o que o faz assumi-lo sempre

como alimento por e pela natureza permanecendo inalterado mesmo quando modificado

pela induacutestria

152

Assim o sujeito M1 traccedila um longo recorte do percurso do alimento na histoacuteria da

humanidade desde a Antiguidade e afirma que [] o alimento eacute uma das coisas fundamentais na

vida humana [] o vital para a sauacutede para a existecircncia do ser humano eacute o alimento Destaca tambeacutem

que desde os tempos imemoriais [] a primeira manifestaccedilatildeo foi a de como preservar a comida [] a

primeira revoluccedilatildeo foi o fogo a segunda revoluccedilatildeo foi a descoberta de como secavam ao sol o produto [] e

conclui argumentando que a industrializaccedilatildeo consiste no prolongamento dos antigos

ldquosegredosrdquo da preservaccedilatildeo do alimento herdados da Antiguidade

Nessa descriccedilatildeo o alimento industrializado eacute necessariamente qualificado pois a

tecnologia trata exclusivamente de resgatar as propriedades vitais miticamente atribuiacutedas

ao alimento e preservaacute-las para que este enfrente os desafios do tempo Assim cabe agraves

induacutestrias fazer esse resgate com competecircncia uma vez que elas detecircm os segredos da

preservaccedilatildeo que foram revelados pelos antigos aperfeiccediloando os alimentos com a

dinacircmica imposta pela experiecircncia e pelas suas expectativas

Jaacute o sujeito M3 focou seu breve ensaio historiograacutefico a partir dos ciclos ou ondas de

produccedilatildeo dos alimentos revelando as inovaccedilotildees ocorridas no produto alimentiacutecio e

conclui que nesse trajeto houve a perda do elo com a nutriccedilatildeo o que deve ser

restabelecido

[] a gente enxerga os ciclos dos alimentos no Brasil [] um primeiro grande ciclo foi no preacute-guerra dos alimentos in natura todo mundo tinha tempo [] comia em casa [] os alimentos para fins especiais comeccedilaram a surgir na deacutecada de 60 e 70 [] a quarta onda [] foi exatamente o diet e light [] e a segunda fase desta quarta [] quando a gente teve uma mudanccedila do entendimento do que eacute o alimento ndash ele eacute muito mais nutriccedilatildeo ou seja um alimento com uma determinada oferta de calorias de soacutedio de proteiacutenas ou de gordura ele pode ou natildeo ajudar numa melhor sauacutede (M3)

O confronto desses dois discursos feitos pelos sujeitos do mercado sinaliza uma niacutetida

contradiccedilatildeo quanto agrave imagem do produto alimentiacutecio construiacuteda com o passar dos tempos

no primeiro a integridade do alimento parece manter-se inabalada frente agraves

transformaccedilotildees da sociedade enquanto no segundo discurso haacute o reconhecimento da

mudanccedila mas impera uma visatildeo reducionista do alimento focalizando apenas os seus

nutrientes

153

No grupo do mercado evidencia-se uma valorizaccedilatildeo do alimento como substacircncia

vital visatildeo quase maacutegica da essecircncia vital do produto Entretanto o diferencial entre os

discursos revela-se quando o M1 em referecircncia a essa visatildeo miacutetica dos benefiacutecios dos

alimentos isenta o alimento incorporado ao mercado de qualquer responsabilidade nos

distuacuterbios da sauacutede da coletividade e individual Eu considero que o alimento natildeo faz mal nenhum

muito pelo contraacuterio eu fico revoltado quando as pessoas falam que alimento faz mal [] frase mais

incoerente e mais ignorante que eu jaacute vi na minha vida [] (M1)

Tal consideraccedilatildeo expressa na verdade o princiacutepio baacutesico ideoloacutegico de operaccedilatildeo do

neoliberalismo no qual o mercado visa exclusivamente beneficiar os homens em todas as

dimensotildees da vida mas natildeo pode e natildeo deseja impor tais benefiacutecios pois fere os seus

proacuteprios preceitos que decretam o seu livre funcionamento e o livre arbiacutetrio do indiviacuteduo

(DAHLET 2014) Nessa perspectiva cabe ao indiviacuteduo decidir se aproveita ou natildeo os

benefiacutecios ofertados pelo mercado e em caso contraacuterio a responsabilidade dos distuacuterbios

recai sobre essa decisatildeo individual que comprova ao mesmo tempo a loacutegica do livre

empreendimento o sustentaacuteculo dessa corrente de pensamento

Essa isenccedilatildeo de responsabilidade do alimento eacute reiterada sob diferentes argumentos

ateacute ao ponto de ele converter-se em agente autocircnomo da accedilatildeo o alimento natildeo tem culpa (M1)

O alimento daacute origem a uma personificaccedilatildeo retoacuterica que iraacute autorizar a converter o proacuteprio

alimento no agente do processo produtivo como seraacute posteriormente destacado apagando

assim a proacutepria responsabilidade das induacutestrias

Com o avanccedilar da entrevista esse mesmo sujeito eacute afetado pelas armadilhas do

discurso reconhecendo implicitamente a responsabilidade parcial do processamento

industrial mas mantendo intocaacutevel a essencialidade do alimento As doenccedilas crocircnicas natildeo-

transmissiacuteveis [] as causas [] satildeo multicausais ndash elas satildeo por falta de atividade fiacutesica excesso de comida

com ingredientes [] e natildeo eacute soacute nosso industrializado que leva sal (M1) Essa formulaccedilatildeo se aproxima a

uma contradiccedilatildeo da afirmaccedilatildeo anterior ndash de natildeo culpabilidade do alimento Observa-se

ainda um contra-discurso em um contexto muito polecircmico no qual faz o destaque

exclusivo do soacutedio nos alimentos industrializados e apaga os efeitos dos outros

154

componentes nutricionais que quando presentes em excesso no alimento industrializado

satildeo igualmente prejudiciais agrave sauacutede Aleacutem disso nesse discurso o sujeito implicitamente

quer amenizar as caracteriacutesticas nocivas do alimento industrializado compartindo-as com

aquele que eacute feito a partir do preparo domeacutestico - que tambeacutem utiliza ingredientes natildeo

saudaacuteveis em excesso como o sal

Portanto a relaccedilatildeo entre o alimento e as doenccedilas eacute um ponto em haacute variaccedilotildees entre

os discursos dos trecircs sujeitos do grupo do mercado e ao contraacuterio do que se poderia

deduzir no interior do grupo do mercado a unicidade natildeo resplandece Um dos sujeitos

combina a afirmaccedilatildeo do valor imemorial do alimento com a relativizaccedilatildeo dos seus efeitos

beneacuteficos uma vez que atribui o excesso de peso e a obesidade como um das

consequecircncias relacionadas ao consumo do alimento sem se limitar a ele Entatildeo acho que ele

(alimento) natildeo estaacute sozinho Eu acho que a gente tem uma conjunccedilatildeo infelizmente de vaacuterios fatores (M3)

Sob o olhar desse sujeito o alimento natildeo eacute reconhecido como o protagonista isolado da

trageacutedia alimentar Com ele circulam em cena outros elementos que diluem a sua

importacircncia Poreacutem como parte da responsabilidade eacute delegada ao alimento

industrializado o sujeito manifesta-se sensiacutevel e favoraacutevel ao uso da estrateacutegia da ldquoboa

governanccedila regulatoacuteriardquo Jaacute outro sujeito comunga com a imagem desenhada pelo primeiro

e descarta qualquer implicaccedilatildeo negativa dos alimentos industrializados preferindo trataacute-

los de uma maneira diluiacuteda como ldquodietardquo recomendando apenas moderaccedilatildeo no consumo

Eu recomendo a dieta que vocecirc coma tudo [] Alguma coisa que modere isso mas que natildeo elimine o

chocolate por exemplo da dieta [] Agora o que vocecirc tem que fazereacute moderadamente [] Vocecirc ter que

balancear a sua necessidade (M2)

Os sujeitos vinculados ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada reconhecem

tambeacutem que o alimento eacute essencial agrave vida humana No entanto mencionam a importacircncia

das condiccedilotildees de cultivo e de produccedilatildeo na conservaccedilatildeo da condiccedilatildeo sanitaacuteria do alimento

para que a sauacutede humana possa se beneficiar e se manter em equiliacutebrio Com isso a gente

pode chegar ateacute abstrair a questatildeo do medicamento se conseguirmos fazer da alimentaccedilatildeo o nosso

medicamento (S3)

Assim a igualizaccedilatildeo da referecircncia do alimento como uma fonte intriacutenseca de sauacutede eacute

o que emerge do confronto de todos os discursos qualquer que seja a sua procedecircncia

155

institucional Fato que remete a uma ativaccedilatildeo imaginaacuteria das propriedades primitivas do

alimento conforme as formulaccedilotildees extraiacutedas das entrevistas a saber

[] o alimento eacute uma das coisas fundamentais na vida humana [] vital para a sauacutede para a existecircncia do ser humano eacute alimento (M1) [] eacute o principal eixo na sauacutede de uma pessoa (S1) Haacute um conjunto de informaccedilotildees que sinalizam a centralidade da questatildeo da alimentaccedilatildeo do binocircmio homem-alimento sobre as condiccedilotildees de sauacutede da populaccedilatildeo (P4)

Esse discurso consensual - de que a vida natildeo pode prescindir do alimento ndash persiste

como uma retoacuterica estrateacutegica de cunho moral De fato satildeo justificativas simboacutelicas para

encobrir o processo competitivo do mercado o qual eacute capaz de submeter o alimento a

quaisquer condicionamentos inclusive aqueles capazes de tornaacute-lo prejudicial agrave sauacutede

Em geral os discursos veiculados pelo mercado poder puacuteblico e sociedade civil

organizada tambeacutem se alinham com a centralidade do alimento na sauacutede e na vida A sauacutede

depende da alimentaccedilatildeo (P6) O alimento influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos [] (P4) [] o alimento eacute

vida (S2) [] os alimentos satildeo o combustiacutevel principal do ser humano (S1) Sem desconsiderar o poder

positivo intriacutenseco do alimento ponderaccedilotildees satildeo efetuadas quanto agrave capacidade do

produto alimentiacutecio absorver automaticamente as qualidades intriacutensecas da mateacuteria-prima

ndash alimento - conforme referido nos discursos dos sujeitos ligados ao mercado Os discursos

que fluem dos outros dois grupos de sujeitos afirmam que somente produtos seletos

conseguem portar atributos positivos e beneficiar efetivamente a sauacutede Caso contraacuterio a

interaccedilatildeo sucessiva dos produtos ldquocomunsrdquo com o corpo provocaraacute no indiviacuteduo no

decorrer do consumo disfunccedilotildees de ordem fiacutesico-funcional

O alimento ocupa uma posiccedilatildeo central que pode ser positiva ou negativa na condiccedilatildeo de sauacutede da populaccedilatildeo (P2) [] influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos tanto para o lado bom como para o lado ruim O consumo de alimento de boa qualidade nutricionalmente adequado melhora a qualidade de vida as funccedilotildees do organismo e consequentemente a sauacutede fica preservada (P4) A alimentaccedilatildeo ela vai refletir no proacuteprio corpo [] leva a doenccedilas sobre vaacuterios aspectos (P1)

No cotidiano vida com sauacutede eacute conquista social Lutas embates e negociaccedilotildees foram

exigidos para forccedilar uma sociedade desigual a tornar igualitaacuterio o direito aos bens

primaacuterios fundamentais agrave sobrevivecircncia humana Ciente disto um dos sujeitos da

156

sociedade civil declara Valorizamos muito a conquista que tivemos ao incluir na Constituiccedilatildeo ndash o direito

agrave alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel como parte do artigo 60 que fala dos direitos sociais (S2) Trata-se sim

de vibrar e de enaltecer o esforccedilo coletivo pela inclusatildeo da alimentaccedilatildeo no conjunto dos

direitos sociais na Constituiccedilatildeo Brasileira pois desde o ano de 196633 a alimentaccedilatildeo foi

ratificada como direito humano universal e apenas recentemente34 em 2010 foi

convertida em direito social no Brasil permitindo ao cidadatildeo reivindicaacute-lo junto agraves

instituiccedilotildees puacuteblicas nas situaccedilotildees de impossibilidade de realizaccedilatildeo desse direito

Para os sujeitos da sociedade civil mesmo com o entendimento quase unacircnime do

papel central do alimento na vida do indiviacuteduo isso ainda natildeo eacute suficiente para que o

governo desencadeie propostas de encaminhamento de soluccedilatildeo em torno do tema que

incluam a revisatildeo do sistema de produccedilatildeo de alimentos As soluccedilotildees para os riscos

provenientes do consumo dos alimentos estatildeo sendo contornadas com alternativas

externas a esse sistema como medicalizaccedilatildeo uso de tecnologias de produccedilatildeo ainda sob

polecircmicas e valorizaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica para reduccedilatildeo de peso

[] natildeo haacute uma compreensatildeo profunda da sociedade que o alimento eacute central e que noacutes temos que nos engajar todos nessa perspectiva [] Essas propostas de biofortificaccedilatildeo precisam ser melhor analisadas tambeacutem do ponto de vista nutricional [] o Brasil continua liberando transgecircnicos [] (S2) [] me surpreendeu uma medida do Ministeacuterio da Sauacutede uma portaria que saiu sobre obesidade [] que privilegia de alguma maneira a realizaccedilatildeo de cirurgia bariaacutetrica [] a partir dos dezesseis anos [] parece que a intenccedilatildeo do Ministeacuterio eacute cuidar da obesidade atraveacutes desse procedimento (S3)

Eacute fato que a aproximaccedilatildeo de posiccedilotildees de interesses amplia os pontos de similitudes

entre os discursos como observado nas exposiccedilotildees dos sujeitos do poder puacuteblico e da

sociedade civil organizada Assim na exploraccedilatildeo do binocircmio alimento-sauacutede a partir de

uma coleccedilatildeo de extratos de falas vaacuterios pontos coincidentes se destacam A racionalidade

cientiacutefica com o predomiacutenio do traccedilo biologicista mesclada com discretas menccedilotildees agrave

cultura alimentar e ao social se entrecruzam nas formaccedilotildees discursivas evocando as

33 O Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) foi reconhecido em 1966 a partir da aprovaccedilatildeo pelos estados-partes do Pacto Internacional para os Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais (PIDESC) no acircmbito das Naccedilotildees Unidas (UN 1966) 34 A emenda constitucional 64 de 4 de fevereiro de 2010 inclui a alimentaccedilatildeo no artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal que trata dos direitos sociais (BRASIL PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA 2010)

157

doenccedilas de origem alimentar Domina uma concepccedilatildeo na qual a entidade patoloacutegica tem

um viacutenculo fluido com o social que eacute reduzido a um mero fator enquanto a sua condiccedilatildeo de

determinante eacute desprezada Os indiviacuteduos satildeo isoladamente nominados como

responsaacuteveis ocultando-se os demais atores sociais implicado no encadeamento e na

reversatildeo dos processos moacuterbidos

[] o conjunto de doenccedilas que mais acometem a populaccedilatildeo brasileira estatildeo fortemente determinadas em algum grau pelas praacuteticas alimentares dos indiviacuteduos (P2) As estatiacutesticas das DCNT sobretudo no componente diabetes doenccedilas cardiovasculares e alguns tipos de cacircncer tecircm implicaccedilatildeo na dimensatildeo da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo (P5) [] a correlaccedilatildeo com a obesidade na medida em que ela tem vaacuterias consequecircncias [] as alteraccedilotildees de colesterol de pressatildeo [] na medida em que vocecirc consegue adequar o peso e melhorar essa alimentaccedilatildeo eacute magicamente repercutida sobre essas consequecircncias (S3) [] acho que a relaccedilatildeo (dieta e perfil nutricional) eacutebastante grande Eacute oacutebvio que a gente tem outros fatores [] ndash os fatores ambientais socioloacutegicos [] do tipo de trabalho que as pessoas tem hoje entatildeo elas ficam sedentaacuterias [] (S1)

Em outros trechos de fala a doenccedila eacute socialmente construiacuteda e as instituiccedilotildees sociais

ndash famiacutelia escola Estado ndash contribuem de diferentes formas para o seu aparecimento e

portanto tecircm responsabilidades a assumir O mercado camuflado na publicidade natildeo fica

explicitado nesse trecho do discurso

[] como essa obesidade foi construiacuteda [] Essa construccedilatildeo [] tem vaacuterios incentivos Incentivo da publicidade que comeccedila inclusive com crianccedilas agrave frente da televisatildeo [] Entatildeo ela eacute construiacuteda muitas vezes ateacute por omissatildeo da famiacutelia muitas vezes na atividade escolar [] Antes da omissatildeo da famiacutelia [] Mas antes disso o papel do Estado quando eu falo de publicidade [] da oferta de serviccedilos que vai desde profissionais bem alocados na rede puacuteblica enfim para oferecer para prestar serviccedilos neste sentido agrave populaccedilatildeo (S3)

Sob uma visatildeo caleidoscoacutepica a alimentaccedilatildeo praacutetica que envolve o consumo de

alimentos se compotildee de diferentes olhares interaccedilatildeo afeto e poder somados agrave nutriccedilatildeo

Elementos de um dos discursos repleto de riqueza e ousadia influenciado por uma visatildeo

de mundo totalizante na qual satildeo descortinadas outras facetas imbricadas no objeto em

questatildeo Consumir alimentos extrapola a funccedilatildeo de nutriccedilatildeo para atender agraves necessidades

corpoacutereas Constitui-se em um ato instintivo mas simultaneamente social impregnado de

158

significados afetivos capazes tanto de fomentar a interaccedilatildeo interpessoal quanto de aflorar

conflitos no campo do poder

A alimentaccedilatildeo eacute a reparticcedilatildeo do alimento eacute vocecirc coletivamente se alimentar Tem um ritual que implica estar se nutrindo e nutrindo um conjunto de pessoas [] Por isso o alimento ele eacute muito simboacutelico Ela (alimentaccedilatildeo) estaacute deixando de ser encarada como elemento sagrado e estaacute muito vergada por uma loacutegica de consumo e de expressotildees de poder (P1)

O mercado de consumo articulou a loacutegica do prazer com a do desejo A primeira

sensaccedilatildeo eacute para funcionar necessariamente por um prazo curto de duraccedilatildeo enquanto na

segunda a regra eacute permanecer sempre ativa e incompleta mantendo-se aberta as novas

oportunidades que o mercado em seu dinamismo iraacute disponibilizar O produto alimentiacutecio

participa ativamente desse jogo de seduccedilatildeo mercadoloacutegica e em geral o resultado do

placar aponta o consumidor como o perdedor - aquele que perde a sauacutede e ganha doenccedilas e

anguacutestias devido aos limites bioloacutegicos e materiais para consumir

Essa loacutegica consumista que leva agrave obesidade natildeo apenas do corpo mas a obesidade do pensamento dos sentidos O consumismo eacute uma expressatildeo dessa sociedade atual e que dialoga muito com a drogadiccedilatildeo inclusive porque significa a busca de um prazer imediato e fulgaz (P1)

Conforme apresentado observam-se as marcas da distinccedilatildeo dos discursos do poder

puacuteblico e da sociedade civil em relaccedilatildeo ao do mercado podendo ainda ser resumidas em

dois pontos principais

a) clareza quanto agrave interconexatildeo entre os alimentos e as doenccedilas a qual resulta de

uma relaccedilatildeo desajustada entre o indiviacuteduo e o consumo de alimentos industrializados

situada em um contexto de sociedade cuja engrenagem eacute permissiva para a produccedilatildeo Ao

mesmo tempo tal engrenagem eacute cerceadora para os indiviacuteduos Estes tecircm que se esforccedilar

continuamente para selecionar adequadamente o que consomem e movimentar o seu

corpo com regularidade para serem capazes de manter a sua sauacutede conforme ilustrado a

seguir

159

A epidemia da obesidade estaacute relacionada com o consumo de alimentos industrializadosrdquo (P4) A obesidade e o sobrepeso tecircm dois componentes fundamentais o sedentarismo falta da praacutetica regular de exerciacutecios e a alimentaccedilatildeo (P5) [] o percentual hoje da obesidade eacute de uma patologia que se agrava muito na populaccedilatildeo Isso eacute devido ao excesso de consumo de alimentos concentrados ou com alta concentraccedilatildeo de soacutedio gorduras em geral [] (P6)

b) visatildeo ampla sobre os problemas que afetam os alimentos que envolvem tanto os

nutrientes da sua composiccedilatildeo como os insumos utilizados na sua produccedilatildeo

(agrotoacutexicos) e a tecnologia que lhes satildeo aplicadas (alimentos transgecircnicos) []

cresceu muito a preocupaccedilatildeo dos alimentos com os insumos quiacutemicos os agrotoacutexicos e a liberaccedilatildeo

dos transgecircnicos (S2)

c) o alimento ou melhor o produto alimentiacutecio internaliza uma tipologia ldquobomruimrdquo

para a sauacutede eliminando a ldquoconcepccedilatildeo naturalista do alimentordquo Isso eacute o

contraponto com os que discursam em nome do mercado [] o alimento natildeo faz mal

nenhum Eu acho isso a frase mais incoerente e mais ignorante que eu jaacute vi na minha vida (M1) O

caraacuteter de nocividade imputado ao alimento contrariam as ideias veiculadas pelo

mundo do mercado que percebe o seu produto como resultado de uma tecnologia

de seguranccedila sanitaacuteria infaliacutevel suplantando falhas riscos ou deformaccedilotildees A

adoccedilatildeo desses alimentos sem duacutevida estaacute muito ligada aos prejuiacutezos que a sauacutede tem hoje ndash a

quantidade de accediluacutecar sal [] (P5)

Por fim eacute oportuno destacar o uso generalizado do termo ldquoalimentordquo para escamotear

o produto alimentiacutecio termo que eacute transposto para quaisquer modalidades de bens

comestiacuteveis sem mesmo nominar de produtos aqueles que se submetem a alto grau de

artificializaccedilatildeo e que somente podem ser identificados como tais antes do consumo

exclusivamente pelos aromas exalados que simulam os da natureza e que conduzem os

indiviacuteduos a associarem-nos ao imaginaacuterio alimentar

160

b) Irreversibilidade do consumo do produto industrializado

O produto alimentiacutecio encaixa-se no estilo de vida hegemocircnico reunindo

caracteriacutesticas especiais como a de ser praacutetico raacutepido e de ter embalagem descartaacutevel

atendendo agraves expectativas da urbanidade cuja regra eacute dispor-se de pouco tempo para ser

dedicado agrave alimentaccedilatildeo Atende tambeacutem agrave loacutegica da economia consumista de produzir

desejo efecircmero e necessidades insaciaacuteveis permitindo a constante inovaccedilatildeo e substituiccedilatildeo

de produtos Considerando o contexto de urbanizaccedilatildeo os trecircs grupos de sujeitos

convergem quanto agrave irreversibilidade do consumo do produto industrializado na sociedade

urbanizada

A tendecircncia dos alimentos industrializados eacute realmente aumentar ateacute em funccedilatildeo da atividade de trabalho enfim a gente almoccedila pouco em casa e se consome alimentos industrializados (P3) Os alimentos industrializados estatildeo imbricados na vida moderna [] as pessoas natildeo dispotildeem de tempo para preparar a comida [] (P4) As induacutestrias alimentiacutecias satildeo hoje uma necessidade para a populaccedilatildeo moderna pois a alimentaccedilatildeo fora do lar eacute uma das caracteriacutesticas atuais (P6) O alimento industrializado eacute uma necessidade (M2) [] natildeo teria vida moderna se natildeo fossem os alimentos industrializados (M1) [] eacute crescente (a participaccedilatildeo dos alimentos industrializados na sociedade atual) (S1)

No caso do mercado a conquista definitiva do produto alimentiacutecio no espaccedilo social

remete a duas representaccedilotildees fundamentais a primeira consiste na proacutepria afirmaccedilatildeo

geral do seu papel imprescindiacutevel para a humanidade [] o alimento industrializado ele eacute uma

necessidade [] [] sem a induacutestria natildeo conseguiriacuteamos alimentar a todos entatildeo haacute uma necessidade da

industrializaccedilatildeo do alimento (M2) a segunda afirma que o alimento industrializado eacute idealizado

como siacutembolo de vanguarda ele se confunde com a proacutepria modernidade natildeo apenas por

ser ldquocomida em sirdquo mas por ter desbravado novos horizontes atuando como um dos

propulsores da liberdade feminina e da longevidade humana Assim [] natildeo teria vida moderna

se natildeo fossem os alimentos industrializados Mulher natildeo saiacutea de casa porque teria que estar preparando

comida para as suas crianccedilas (M1)

Sob a oacutetica de um dos sujeitos ligado ao mercado a aplicaccedilatildeo de tecnologia no setor

de produccedilatildeo de alimentos eacute um medidor de qualidade pois valoriza os seus aspectos

nutricionais e aumenta o seu tempo de vida uacutetil aleacutem de garantir a seguranccedila sanitaacuteria do

161

produto Para os sujeitos desse setor nada escapa do controle e nada se iguala a outras

experiecircncias da praacutetica industrial e eles admitem que as externalidades negativas satildeo

possibilidades na atividade produtiva Assim disfunccedilotildees ou prejuiacutezos agrave sauacutede escapam do

universo do alimento industrializado

[] processamento ndash processar que significa [] preparar para preservar o alimento por mais tempo possiacutevel [] para apresentaacute-lo ao consumidor numa maneira mais adequada num ambiente em que estivesse para ser consumido com saudabilidade e com garantia de que aquilo natildeo lhe faria mal (M1)

Observa-se no trecho de fala anterior que na relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo a induacutestria

se projeta enquanto agente que reage diante das necessidades do consumidor desdobra-

se em busca de inovaccedilotildees e de ajustes para confeccionar produtos para atender ao

consumidor Nesse discurso os papeacuteis se invertem o consumidor eacute aquele que cria

necessidades e a induacutestria apenas as atende Uma ldquopassividaderdquo incompatiacutevel com a sua

capacidade de disseminar o produto gerar necessidades e insistir para obter sucesso nas

vendas

As falas dos sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil seguem na contramatildeo

daquelas realizadas pelos sujeitos do mercado e desfazem o ideal de pureza dos produtos

alimentiacutecios ao inseri-los no contexto vigente No somatoacuterio das falas partidas as doenccedilas

se originam no interior do proacuteprio mercado de alimentos encarregado de fabricar

produtos alimentiacutecios e que se comporta como agente portador de duas funccedilotildees

simultacircneas a operativa de causar doenccedilas e a simboacutelica de exterminar tradiccedilotildees

alimentares

A pandemia de obesidade estaacute associada ao mercado [] tem alimentos que satildeo viciantes ndash os refrigerantes satildeo viciantes o accediluacutecar vicia (P1) O alimento tem que ser inoacutecuo ao consumidor [] e tem que atender ao que eacute haacutebito do consumidor (P3) O nosso padratildeo alimentar estaacute se voltando muito para os alimentos superprocessados e que tecircm em sua composiccedilatildeo muitos componentes quiacutemicos [] aleacutem do soacutedio todos os edulcorantes aleacutem de todos os outros aditivos [] eu natildeo saberia explicar as doenccedilas [] (S2)

162

Para um dos entrevistados ligado ao grupo mercado que trata o produto alimentiacutecio

como uma excelecircncia fica impliacutecito que nenhum mal seraacute carreado ao consumidor por esse

produto Personaliza o alimento e naturaliza suas qualidades ancorando-a nos recursos da

natureza [] a mateacuteria-prima nossa cresce pela matildeo da terra (M1) ficando a induacutestria

impossibilitada de superar a terra em termos de capacidade de produccedilatildeo Quem dita as

qualidades do alimento eacute proacuteprio alimento e a terra e portanto ele eacute enfaacutetico ao contestar

qualquer difamaccedilatildeo dirigida agrave qualidade do produto [] natildeo adianta nada diminuir o nosso

produto Ele natildeo engorda com o nosso produto ele vai engordar com o resto com tudo (M1)

Todavia apesar da comunhatildeo majoritaacuteria de interesses no interior do grupo do

mercado dois sujeitos divergem quanto ao entendimento do comportamento dos produtos

alimentiacutecios em termos de qualidade Para eles as diferenccedilas na qualidade dos produtos

alimentiacutecios satildeo reais e se refletem no conteuacutedo e no preccedilo a) os produtos que contecircm

excesso de certos ingredientes-chave (accediluacutecar e gordura) na sua formulaccedilatildeo implicam

prejuiacutezos agrave sauacutede e tecircm preccedilos mais baixos b) a melhoria do perfil nutricional dos

produtos associa-se agrave elevaccedilatildeo dos preccedilos

[] produtos com muito accediluacutecar com excesso de gordura natildeo existia uma preocupaccedilatildeo tatildeo grande com essas caracteriacutesticas ateacute recentemente (M3) A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo maior Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso Quanto mais as pessoas tiverem condiccedilotildees mais elas vatildeo procurar este tipo de produto Entatildeo se vocecirc tivesse um volume maior de produccedilatildeo vocecirc conseguiria reduzir mas ele por si soacute jaacute eacute mais caro (M2)

A partir de tais consideraccedilotildees torna-se expliacutecito que o mercado de alimentos

responde agrave estratificaccedilatildeo da sociedade criando linhas de produtos qualitativamente

diferenciados para classes sociais hierarquizadas pelo poder aquisitivo Essas linhas de

fabricaccedilatildeo socialmente marcadas dividem-se em produtos alimentiacutecios com qualidade

nutricional inferior e preccedilos mais acessiacuteveis que conduzem a um maior impacto negativo agrave

sauacutede expondo a riscos a populaccedilatildeo situada nos estratos socioeconocircmicos mais inferiores

Jaacute aqueles produtos com perfil nutricional proacuteximo aos preceitos do que seja saudaacutevel e

mais caros destinam-se a um puacuteblico especial com poder aquisitivo superior e capaz de

custeaacute-los Observa-se que os produtos alimentiacutecios como qualquer outro bem dotado de

163

valor simboacutelico revestem-se de traccedilos de distinccedilatildeo (BOURDIEU 2011) Assim o tipo de

consumo alimentar exterioriza e possibilita identificar a posiccedilatildeo diferenciada dos

indiviacuteduos na estrutura social

Comprometidos com o interesse coletivo os entrevistados da sociedade civil

desvendam as maacutescaras associadas a esses nutrientes-chave encobertos pelas induacutestrias

Tais nutrientes somados aos aditivos e incorporados agrave formulaccedilatildeo do produto

comportam-se como verdadeiros artifiacutecios utilizados pela induacutestria para conquistar e

fidelizar o consumidor Tais artifiacutecios fazem com que se aproximem no plano imaginaacuterio o

aroma e o gosto do produto fabricado ao do alimento natural aleacutem de tornaacute-lo atraente

em termos de preccedilo e de apresentaccedilatildeo

A gordura e o accediluacutecar trazem sabor aos alimentos Entatildeo se vocecirc quer cativar um puacuteblico para que ele consuma aquele alimento o lado daquele que estaacute concebendo o alimento vai dizer carregue em sal carregue em accediluacutecar e carregue em gordura [] Aleacutem dos aromatizantes as coisas artificiais colocadas para realccedilar o aroma e o sabor o accediluacutecar a gordura e o sal satildeo elementos que cativam o gosto do consumidor satildeo ingredientes baratos (S1) Porque proliferam as marcas inclusive com o barateamento desses produtos superprocessados como exemplo []esses biscoitinhos essas coisas que ateacute parecem sei laacute chips (S2)

Para dois sujeitos da sociedade civil os riscos que tais nutrientes-chave portam

mereceriam ser alertados nos roacutetulos dos produtos alimentiacutecios A nossa regulamentaccedilatildeo ainda

eacute muito tecircnue pois ainda hoje se discute se esses alimentos com excesso de gordura ou natildeo tem que ser

colocados alertas nos roacutetulos para que sejam consumidos com ponderaccedilatildeo pois eu sou a favor (P6)

Um deles sugere que se poderia obedecer aos alertas aplicados para disciplinar o

tracircnsito considerando que um conjunto de informaccedilotildees de rotulagem obrigatoacuterias para os

produtos alimentiacutecios eacute insuficiente para manter o consumidor sob constante atenccedilatildeo

Assim o uso de certos sinais luminosos universais jaacute introjetados pelos indiviacuteduos eacute

sempre conveniente para alertar a populaccedilatildeo contra inuacutemeros riscos e perigos com fins de

estabelecer o controle e a proteccedilatildeo como eacute o caso [] o semaacuteforo nutricional adotado em alguns

lugares na Europa que sinaliza se um determinado alimento eacute rico demais em um nutriente Entatildeo isto eacute uma

coisa interessante do ponto de vista de informaccedilatildeo (S1)

164

Assim adaptar a loacutegica dos semaacuteforos de tracircnsito (poste) para o campo nutricional

possibilitaria ao consumidor visualizar a classificaccedilatildeo dos alimentos quanto ao teor de

certos nutrientes Trata-se de uma forma de comunicaccedilatildeo de risco de visualizaccedilatildeo raacutepida e

de compreensatildeo facilitada No entanto eacute o poder puacuteblico pelo seu papel regulador que

tem que se sensibilizar e operacionalizar essa proposta ou alguma outra que atenda agraves

necessidades expostas

Em se tratando de qualidade comercial de produtos a frase enfaacutetica de um dos

sujeitos do mercado destoa do comentaacuterio anterior Ningueacutem chega a ser o segundo maior

produtor de alimento do mundo e exportar para 114 paiacuteses produtos industrializados produtos processados

produtos semi-processados [] Natildeo se fala em alimento sem qualidade nutricional assim como se fala

qualidade (M1)

Na oacutetica do mercado a plena satisfaccedilatildeo da qualidade do produto eacute demonstrada pela

expansatildeo comercial Aqui a qualidade se converte em expansatildeo do produto no comeacutercio

exterior Eacute com um tipo de argumento semelhante a aceitaccedilatildeo internacional do produto

que se pretende esvaziar os espaccedilos limitados daqueles que acreditam e se mobilizam para

justificar o uso de advertecircncias e de outras medidas para regular o consumo dos produtos

alimentiacutecios

Entretanto um dos sujeitos do mercado posiciona a induacutestria de alimentos como

parte integrante do todo social e portanto portadora de responsabilidades para com a

sociedade Para ele a induacutestria de alimentos por prudecircncia natildeo deveria se distanciar ou

mesmo negar as mazelas do mundo social em especial quando o produto alimentiacutecio estaacute

envolvido nelas Atentar-se para medidas de correccedilatildeo pode ser uma estrateacutegia uacutetil para

manter-se estaacutevel ou ampliar o mercado Eu acho que as induacutestrias tecircm sim uma responsabilidade

muito grande de se preocupar com que se oferta e que tipo de caracteriacutestica o produto deve ter [] o papel da

induacutestria eacute estar conectado com essa nova situaccedilatildeo epidemioloacutegica (M3)

Na oacutetica da sociedade civil as pressotildees exercidas sobre a induacutestria estatildeo exigindo

dela respostas mas a reaccedilatildeo se faz de maneira tiacutemida voltada para a ampliaccedilatildeo do

portfoacutelio de produtos diferenciados poreacutem deixa intocada a composiccedilatildeo nutricional da

165

grande maioria dos produtos Sabe-se que a reversatildeo da qualidade nutricional desses

alimentos implica custos devido agrave substituiccedilatildeo de ingredientes por outros com qualidade

nutricional superior e relativamente mais caros causando consequentemente prejuiacutezos

nos lucros das empresas que crescem em ritmo excessivo

[] estaacute havendo uma pressatildeo para que ela (a induacutestria) melhore essa qualidade []na velocidade que seria necessaacuteria [] Se daacute mais ecircnfase no marketing apelos que vocecirc tem nas embalagens [] que eacute light que eacute diet [] para ganhar uma fatia do mercado [] uma postura tiacutemida [] A preocupaccedilatildeo de [] toda induacutestria de todo o negoacutecio eacute ter lucro [] melhorar um alimento vocecirc precisa investir em tecnologia e desenvolvimento [] gastar dinheiro eacute o que ningueacutem quer (S1)

Observa-se ainda nesse enunciado que satildeo esses apelos importados do padratildeo

alimentar americano (diet e light) destinados a uma determinada faixa da populaccedilatildeo que

conferem ao produto uma cauccedilatildeo de eficaacutecia e distinccedilatildeo social conforme antes

mencionada

As vendas dos produtos alimentiacutecios industrializados satildeo mobilizadas por um aparato

comercial e publicitaacuterio sofisticado e convincente que violenta os valores tradicionais da

cultura alimentar local e induz os brasileiros a modificar as suas preferecircncias em prol dos

produtos industrializados As pesquisas da POF e PNAD mostram por exemplo [] o crescimento do

consumo de biscoito recheado e de refrigerantes eacute absurdo E ao mesmo tempo noacutes temos uma reduccedilatildeo

grande no Brasil no consumo de arroz feijatildeo de frutas verduras e legumes [] (S2)

O que era suposiccedilatildeo agora eacute fato comprovado Os efeitos da atuaccedilatildeo das induacutestrias de

alimentos que natildeo se restringem ao Brasil mas se expandem pelo mundo jaacute se efetivou no

que se refere a uniformizar os haacutebitos e praacuteticas de consumo dos habitantes da terra

impor um estilo de comportamento racionalizar os custos de produccedilatildeo e elevar

exorbitantemente seus lucros

Se o mercado respeita o consumidor respeita seus haacutebitos de consumo isto porque

satildeo haacutebitos alimentares filtrados pelos interesses do mercado A preocupaccedilatildeo com a

quebra desse viacutenculo e a perda de vendas constitui a polecircmica enfrentada pelo setor

produtivo e revelada no discurso de seu representante [] o brasileiro ele estaacute acostumado a

166

comer mais salgado [] Entatildeo se vocecirc retira muito (o sal) vai ficar sem gosto e este produto vai deixar de ser

vendido no final (M2)

Para o mercado a mudanccedila da foacutermula do produto natildeo deve incidir sobre os lucros

comerciais Portanto eacute fundamental o empenho do governo em esclarecer agrave populaccedilatildeo

sobre a importacircncia da mudanccedila na composiccedilatildeo dos produtos para que esta seja

valorizada por aquela evitando-se rejeiccedilatildeo dos produtos e abalos nas vendas Isso porque

a reduccedilatildeo do teor de soacutedio tem um impacto na qualidade sensorial do produto alimentiacutecio

A induacutestria tambeacutem estaacute procurando soacute que a sociedade o governo em si tem que fazer o seu papel que eacute

esclarecimento (M2) O mercado defende que o governo em contrapartida ao empenho das

induacutestrias na reformulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios deve instruir a populaccedilatildeo para a

aceitaccedilatildeo desses produtos ldquoreformuladosrdquo sendo essa uma forma de proteger o mercado

Poreacutem quando o assunto se refere ao governo orientar o proacuteprio mercado ou seja

disciplinar os produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis para que haja uma sintonia com a

poliacutetica puacuteblica de prevenccedilatildeo da obesidade e de outras DCNT o representante desse

segmento deixa impliacutecito em vaacuterios momentos da fala que natildeo haacute justificativas para a

interferecircncia do governo nos negoacutecios da induacutestria uma vez que os produtos estatildeo

adequados [] natildeo me parece que a comida estaacute matando tanta gente como estatildeo falando Eacute muito mais

alarmismo [] Quanto tempo vocecirc natildeo ouve [] escacircndalos [] algueacutem morreu ou algueacutem ficou mal por

causa de produtos industrializados (M1)

Quando o tema da publicidade dos alimentos foi abordado vaacuterios discursos dos

sujeitos ligados ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada defenderam a necessidade

de regulaccedilatildeo e denunciaram as pressotildees dos setores produtivos sobre o governo

[] a educaccedilatildeo alimentar [] pode ter diversas frentes [] pode estar presente na restriccedilatildeo da publicidade de determinados alimentos [] (S1) A publicidade de alimentos tambeacutem precisava ser mais regulada esse princiacutepio da alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel eacute que deve ser o centro (S2) No caso da publicidade de alimentos o governo sofreu e foi tolhido com accedilotildees da proacutepria induacutestriardquo(P6) Haacute tambeacutem uma preocupaccedilatildeo com o niacutevel de publicidade de alimentos que estaacute completamente sem regulamentaccedilatildeo no paiacutes de alimentos nocivos agrave sauacutede e muito dirigida agraves crianccedilas (P1) Uma alimentaccedilatildeo que estaacute determinada pelo mercado e com uma falta de regulamentaccedilatildeo inclusive da publicidade O consumo de alimentos industrializados estaacute muito relacionado ao mundo do marketing da publicidade que induz a haacutebitos alimentares inadequados (P5)

167

A preocupaccedilatildeo com a publicidade estaacute no estiacutemulo ao consumo e na consequente

mudanccedila dos haacutebitos alimentares tradicionais saudaacuteveis que conduz agraves doenccedilas Os

indiviacuteduos ao aderirem a uma praacutetica alimentar imposta pelo mercado promovem o

fortalecimento desse mercado e ao mesmo tempo geram prejuiacutezos a sua sauacutede e a sua

cultura alimentar Por meio das falas evidencia-se a interferecircncia da induacutestria no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos e o recuo do governo como aconteceu com as regras

disciplinadoras da publicidade de alimentos destinadas ao puacuteblico infantil Apoacutes a sua

publicaccedilatildeo o regulamento aprovado sofreu inuacutemeras criacuteticas de opositores que culminou

na sua suspensatildeo por medidas judiciais impetradas pela induacutestria e empresas de

comunicaccedilatildeo

Haacute tempos se reforccedila a relaccedilatildeo entre a publicidade de produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis e as repercussotildees na sauacutede cuja intervenccedilatildeo tem o respaldo da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 em seu artigo art 227 que dispotildee Eacute dever da famiacutelia da sociedade e do

Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente com absoluta prioridade o direito agrave vida agrave

sauacutede [hellip] A questatildeo natildeo eacute de ordem teacutecnica e sim poliacutetica e os obstaacuteculos situam-se no

interior do corpo de parlamentares do Congresso Nacional que natildeo respeitam a

Constituiccedilatildeo Isso porque natildeo se dispotildeem a enfrentar as forccedilas econocircmicas jaacute que estas

servem como trampolim para muitos deles se elegerem como representantes formais do

povo mas de fato o que eles defendem satildeo os interesses do setor produtivo

[] esse Congresso precisa para a proteccedilatildeo da nossa populaccedilatildeo restringir a publicidade ao menos nos horaacuterios onde as crianccedilas satildeo mais vulneraacuteveis e ao mesmo tempo seguir o que a Constituiccedilatildeo recomenda A publicidade e o marketing tecircm um papel muito importante e por traacutes disto tem todo um empresariado ou seja uma forccedila econocircmica que tem forccedila poliacutetica porque o nosso modelo eacute do financiamento mais privado do que puacuteblico e portanto cerca de 200 empresas praticamente financiam as campanhas no Brasil [] Essas empresas satildeo quem fazem a publicidade e quem sustentam os meios de comunicaccedilatildeo as quais estatildeo concentradas nas matildeos de poucos e dependem os seus lucros disso ndash e aiacute estaacute a dificuldade os lobbies no Congresso para influenciar os deputados ou intimidaacute-los se contrariarem [] Eacute algo de luta poliacutetica aqui no parlamento a gente estaacute priorizando e reconhecendo as dificuldades poliacuteticas de aprovar [](P5)

Os discursos analisados afloram as contradiccedilotildees em torno dos produtos alimentiacutecios

que a despeito das vantagens geradas por eles e engendradas pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

168

da modernidade - como conforto e durabilidade - satildeo capazes de provocar um mal tardio

com o consumo constante impulsionado pela publicidade deixando os consumidores

fragilizados - em especial aqueles socialmente vulneraacuteveis

c) Autonomia do consumidor

O espiacuterito neoliberal que move a sociedade contemporacircnea sobrecarrega o indiviacuteduo

com responsabilidades com o seu corpo para mantecirc-lo iacutentegro e apto para atuar como

forccedila de trabalho O indiviacuteduo eacute instigado a criar mecanismos de autoproteccedilatildeo contra os

riscos que ele natildeo produziu manter-se atento agraves informaccedilotildees teacutecnicas para praticar o

autocuidado almejar a integridade da sauacutede e a empenhar-se no autocontrole para

manter seu corpo regulado (PETERSEN amp LUPTON 2000) Em siacutentese as condiccedilotildees de

bem-estar e de sauacutede satildeo de responsabilidade individual e qualquer desvio de conduta

significaraacute fracassos descompromissos e doenccedilas que teraacute que arcar consigo mesmo

Tais premissas datildeo contorno aos discursos oriundos dos representantes do mercado

cujo foco dirige-se de maneira unacircnime para culpabilizar o consumidor pela ausecircncia de

freios na ingesta dos alimentos pelo desconhecimento sobre como balancear a dieta pelo

sedentarismo e pelas doenccedilas contraiacutedas Os extratos de falas que abordaram a relaccedilatildeo da

pandemia de obesidade com os alimentos servem de ilustraccedilatildeo

[] se vocecirc comer 2000 calorias e gastar 1000 calorias vocecirc vai ficar obeso (M1) [] o aumento do sedentarismo [] as pessoas cada vez mais acomodadas [] se exercitam ou fazem menos atividades fiacutesicas Natildeo eacute soacute o alimento (M3) Se vocecirc natildeo conseguir uma dieta moderada pode-se chegar a obesidade [] (M2)

Outro entrevistado do grupo ao se manifestar sobre essa questatildeo prefere elidir a

figura do agente humano O excesso eacute que eacute o grande inimigo (M1) e substituir o indiviacuteduo

responsaacutevel por uma entidade substancial ldquoo excessordquo que se apodera de decisotildees

humanas Desse modo neutraliza-se a participaccedilatildeo da atividade industrial e apaga-se a

responsabilidade do produto Aqui o enunciado se desloca para o julgamento moral como

se todos devessem alcanccedilar o equiliacutebrio diante dos fatos do cotidiano

169

Em continuaccedilatildeo agrave fala desse mesmo entrevistado haacute o cruzamento da formaccedilatildeo

discursiva econocircmica com a religiosa quando o entrevistado se apoia nas infraccedilotildees liacutederes

que conformam os preceitos da era Cristatilde Em sua explicaccedilatildeo o homem que natildeo cultiva

suas proacuteprias virtudes espirituais se converte em pecador e recai unicamente sobre ele a

culpa e o ocircnus das puniccedilotildees assim reitera a responsabilidade individual frente agrave

obesidade [] quem eacute o culpado pelos excessos alimentares e as suas consequecircncias eacute o proacuteprio

consumidor - eacute o proacuteprio quem consome - eacute o ser humano que na ganacircncia voluacutepia na gula ele exagera

naquilo que faz ou natildeo se prepara adequadamente ele que eacute o proacuteprio culpado (M1)

De maneira oportuna o uso do interdiscurso individualista cristatildeo fundamenta duas

justificativas a) a imperfeiccedilatildeo do homem que natildeo consegue autoimpor limites para a sua

proacutepria ingesta e b) a exclusatildeo de elementos estrateacutegicos que exercem influecircncias no

comportamento individual do quadro explicativo a induacutestria que produz e estimula o

consumo de alimentos e o governo que impotildee regras para a produccedilatildeo-consumo

A polecircmica com que se depara o consumo de produtos alimentiacutecios eacute encarada como

anaacuteloga agrave enfrentada anteriormente pelo consumo de bebidas alcooacutelicas Em ambas as

situaccedilotildees o excesso eacute prejudicial agrave sauacutede O uso de publicidade de alimentos com

advertecircncia ao consumidor pode ser positivo poreacutem sem a necessidade de proibir ou

suspender a propaganda similarmente ao que se procede para limitar o consumo de

bebidas alcooacutelicas De modo impliacutecito um dos discursos dos sujeitos vinculados ao

mercado tendo como base a situaccedilatildeo epidemioloacutegica brasileira simula uma alternativa de

publicizar pelos veiacuteculos comerciais alerta para evitar o consumo excessivo desses

produtos e conter os efeitos adversos agrave sauacutede Assim ele faz uma adaptaccedilatildeo da frase que jaacute

eacute veiculada nas publicidades de bebidas alcooacutelicas para os produtos alimentiacutecios Coma com

moderaccedilatildeo (M2) Poreacutem deixa sempre claro que esse ato estaacute sob a responsabilidade do

consumidor

Contudo sem desmerecer a sensibilidade que reveste essa ideia tal enunciado

tambeacutem encobre trecircs vantagens que podem beneficiar o mercado evita a proibiccedilatildeo dos

produtos alimentiacutecios de maior risco agrave sauacutede resgata injunccedilotildees jaacute introjetadas no senso

170

comum nas publicidades contra o aacutelcool e o fumo e demonstra que a induacutestria tem

compromisso com o consumidor e se preocupa com o seu bem-estar e com a sauacutede do

coletivo

Desse dito (slogan) tambeacutem se subentende o natildeo-dito a evidecircncia de um

descontrole dos indiviacuteduos no ato de comer e a necessidade de alertaacute-los para que

restabeleccedilam o autocontrole uma vez que a soluccedilatildeo depende exclusivamente deles Assim

o debate eacute transferido do campo sociopoliacutetico para o campo moral eximindo as induacutestrias

de quaisquer implicaccedilotildees e permitindo que o comeacutercio de alimentos continue a florescer

sem limites uma vez que passa a ser de inteira responsabilidade do indiviacuteduo o controle do

que e do quanto consome

Em certa situaccedilatildeo elementos do discurso oriundo do mercado coincidem com os do

poder puacuteblico ao reforccedilar que satildeo as praacuteticas errocircneas dos indiviacuteduos que geram doenccedilas

[] assim como a obesidade foi construiacuteda ela deve no mesmo processo ser desconstruiacuteda [] natildeo eacute passando fome natildeo eacute com uma dieta que natildeo atenda as necessidades daquela pessoa e sim num processo de mudanccedila de haacutebitordquo (S3) As doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis [] satildeo multicausais [] falta de atividade fiacutesica excesso de comida com ingredientes e natildeo eacute soacute nosso industrializado que leva sal (M1)

Poreacutem na anaacutelise conjunta dessas falas surge de uma ponta a figura expliacutecita ou

natildeo do sujeito incapaz e que necessita de autotransformaccedilatildeo para controlar a doenccedila e de

outra o produto resumido a um mero fator causal obscurecido na trama articulada que

opera no mundo social

Consumidor eacute a referecircncia que se sobressai no mercado Todavia a depender do

viacutenculo do falante em certos pronunciamentos ele eacute substituiacutedo por indiviacuteduo cidadatildeo ou

agregado ao coletivo em termos de populaccedilatildeo Em geral as formaccedilotildees discursivas do

poder puacuteblico e da sociedade civil mencionam cidadatildeo ou populaccedilatildeo - para quem as suas

accedilotildees satildeo dirigidas Para esses sujeitos a populaccedilatildeo natildeo se comporta como uma massa

amorfa perante as questotildees alimentares que afetam diretamente a sua vida e sauacutede e a

informaccedilatildeo eacute vista como o fermento que pode elevar a sua consciecircncia quanto aos riscos

171

[] mas a populaccedilatildeo teve um grande incentivo e uma tomada de consciecircncia embora natildeo atingindo o desejaacutevel [] da importacircncia da alimentaccedilatildeo na vida da pessoa (S3) Haacute uma amostra razoaacutevel que tem mais acesso agraves informaccedilotildees e estatildeo mais sensiacuteveis mas nem sempre agem na praacutetica (P5) O enfoque principal para conter essa epidemia eacute a comunicaccedilatildeo de risco conscientizar o consumidor da importacircncia dele consumir alimentos mais saudaacuteveis [] (P4)

Para um dos interlocutores subsiste a convicccedilatildeo de que haacute estiacutemulos externos que

datildeo impulsos para o coletivo se mobilizar e assim fazer maturar um processo de reflexatildeo

de reaccedilatildeo e de revisatildeo do pensar e do agir

Alimentar-se deixou de ser um ato instintivo para satisfazer as necessidades

bioloacutegicas e afetivas Na atualidade saber alimentar-se adequadamente requer o domiacutenio

do conhecimento racional e de habilidades para fazer a escolha correta e estabelecer o

consumo regrado dos alimentos Ato que envolve uma liberdade regulada o acervo

cultural historicamente adquirido e as condiccedilotildees particulares de existecircncia e que pode

levar a uma praacutetica alimentar orientada por uma racionalidade unicamente dieteacutetica que

incentiva disciplinar o corpo para evitar o aparecimento de doenccedilas Eu acho que o alimento

sozinho natildeo resolve nada Ele pode reduzir se a pessoa natildeo sabe comer ela vai comer em excesso e vai dar na

mesma [] (M3) Acrescenta-se ainda que o aprendizado da alimentaccedilatildeo embora cultural eacute

dinamizado e moldado a partir das influecircncias sociais Assim o gosto e a preferecircncia pelos

produtos industrializados - e considerados prejudiciais agrave sauacutede - satildeo socialmente

adquiridos pela repeticcedilatildeo da experiecircncia sendo amplamente fomentados pelos estiacutemulos

da publicidade mercadoloacutegica

Mesmo com a retirada do disfarce que reveste certos tipos de produto alimentiacutecio

que oculta os males que estes podem acarretar agrave sauacutede e reafirmada a necessidade de sua

modificaccedilatildeo intriacutenseca a outra parte da responsabilidade recai sobre o indiviacuteduo este

deve empenhar-se em movimentar o corpo sistematicamente Assim sob o olhar desse

sujeito estaacute posta a soluccedilatildeo Eu acho que o alimento com a reduccedilatildeo dessas questotildees dos nutrientes-

chave e uma praacutetica cada vez mais crescente de atividade fiacutesica vatildeo ser dois elos fundamentais (M3) Em

busca de soluccedilotildees para o excesso de peso generalizado faz-se uma simplificaccedilatildeo da anaacutelise

de um fenocircmeno sociocultural complexo que eacute o consumo de alimentos transportando-o

para um contexto reduzido e superficial como forma de defesa da sauacutede

172

Ainda sob a perspectiva do mercado o consumidor natildeo eacute suficientemente qualificado

para entender o conteuacutedo dos roacutetulos veiacuteculos por meio dos quais a induacutestria torna

transparente as informaccedilotildees sobre o produto ofertado [] ler roacutetulo natildeo eacute normal neste paiacutes Noacutes

vamos nos enganar em dizer que todo mundo lecirc roacutetulo Uma boa parte ainda lecirc a data e a validade do produto

(M2) Eacute importante destacar aqui que disponibilizar informaccedilotildees na rotulagem dos

produtos natildeo eacute apenas cumprimento de determinaccedilatildeo legal Eacute tambeacutem uma expressatildeo do

direito agrave informaccedilatildeo e um meio de comunicar as caracteriacutesticas de identidade e qualidade

do produto para facilitar a comparaccedilatildeo entre eles e orientar a escolha Satildeo informaccedilotildees

teacutecnicas que ainda natildeo se popularizaram o suficiente para que sejam compreendidas e

valorizadas pela populaccedilatildeo em geral exceto o prazo de validade uma informaccedilatildeo

autoexplicativa

Aleacutem disso eacute necessaacuterio investir em formas de comunicaccedilatildeo de rotulagem com uma

linguagem clara acessiacutevel e que permita faacutecil identificaccedilatildeo das mensagens como eacute o

semaacuteforo nutricional A valorizaccedilatildeo do direito agrave informaccedilatildeo requer a decodificaccedilatildeo das

mensagens teacutecnicas permitindo a todos que as dominem e ajustadas a um contexto de vida

em que o tempo dedicado agrave leitura de roacutetulos de produtos eacute cada vez mais escasso

Para os sujeitos do mercado a questatildeo natildeo estaacute em torno dos produtos alimentiacutecios

em si mas no consumidor que devido agraves suas limitaccedilotildees intelectuais e materiais fica

impossibilitado de usufruir de um produto alimentiacutecio com caraacuteter bivalente que possui

propriedades de alimentar e de nutrir ao mesmo tempo

[] se faz as dietas se falam tanto mas se praticam pouco[] existem pessoas preocupadas pessoas que lecircem pessoas que entendem mas natildeo vamos esquecer que a grande maioria dos brasileiros trabalha para comer Entatildeo com todo respeito eles querem comer primeiro depois eles vatildeo se preocupar com o que comer ndash esta eacute a segunda fase (M2) [] desinformaccedilatildeo dos consumidores sobre o que o produto de fato oferece (M3)

Conforme os discursos do mercado o problema estaacute na massa de consumidores que

apresenta um perfil em que reina a incompetecircncia ignoracircncia e desinformaccedilatildeo e cujo

interesse pelos alimentos ainda se dirige prioritariamente para a satisfaccedilatildeo das

necessidades primaacuterias sem estabelecimento de crivos teacutecnicos para sua seleccedilatildeo Assim os

173

consumidores permanecem como o elo mais fraco da cadeia sendo providos de atributos

negativos que os impossibilitam de eleger produtos alimentiacutecios com perfil nutricional

saudaacutevel quer por desinformaccedilatildeo ou por restriccedilatildeo no seu poder de compra Para os

sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil organizada impera a falta de informaccedilatildeo do

consumidor limitante do seu grau de consciecircncia sobre o que consiste uma alimentaccedilatildeo

adequada

No jogo dos discursos dos diferentes sujeitos a posiccedilatildeo do consumidor frente aos

riscos dos alimentos situa-se sinteticamente entre um papel de viacutetima ou de culpado No

primeiro caso caracteriza-se pela qualificaccedilatildeo deficiente e a falta consciecircncia cidadatilde que o

subjuga agraves imposiccedilotildees do mercado e no segundo pela incompetecircncia em limitar o seu

autoconsumo ler corretamente as informaccedilotildees teacutecnicas de rotulagem dos produtos e

adotar um modo de vida menos sedentaacuterio

d) Consumidor para (trans) formar

Embora sem esclarecer qual o significado preciso dado agrave ldquoeducaccedilatildeordquo esta eacute apontada

por vaacuterios sujeitos como uma das medidas de intervenccedilatildeo relevantes e dirigidas agrave

populaccedilatildeo Permanece em aberto se tal educaccedilatildeo proposta de fato envolve intercacircmbio de

saberes que busquem estimular as possibilidades do sujeito para refletir sobre a realidade

ou simplesmente eacute mera transferecircncia de informaccedilotildees sem compromisso com qualquer

tipo de mudanccedila

Hoje qualquer um entra em um supermercado e vecirc uma prateleira com centenas de opccedilotildees e vocecirc natildeo vai proibir nenhuma delas A maneira de enfrentar isso eacute com informaccedilatildeo orientaccedilatildeo educaccedilatildeo digamos assim de uma maneira maior mais ampla eacute a educaccedilatildeo alimentar (S1) Noacutes estamos fazendo agora uma campanha voltada para alimentaccedilatildeo fora do lar [] Privilegiar predominantemente accedilatildeo de incentivo a alimentaccedilatildeo saudaacutevel em praacuteticas educativas na abordagem preventiva [] (S3)

174

Constam desse enunciado trecircs modalidades de instruccedilatildeo ndash educaccedilatildeo informaccedilatildeo e

orientaccedilatildeo ndash dirigidas agrave populaccedilatildeo sobre a maneira melhor de se alimentar e que seratildeo

comentadas a seguir

A educaccedilatildeo entre essas modalidades eacute considerada a uacutenica ferramenta que se

contrapotildee agraves estrateacutegias mercadoloacutegicas e que eacute capaz de impedir que a forccedila desenfreada

de induccedilatildeo agraves compras domine o indiviacuteduo e transforme o consumo em um ato

inconsciente A educaccedilatildeo possibilita ao indiviacuteduo refletir e analisar os fatos em sua

dimensatildeo criacutetica Todavia haacute de ser uma educaccedilatildeo concebida como um processo reflexivo

de aprendizagem de conhecimentos e de interiorizaccedilotildees das normas comuns regras e

valores E dessa forma propiciando ao indiviacuteduo reconhecer o seu papel enquanto um ser

social e enquanto membro de uma sociedade que pressupotildee a convivecircncia com o outro

Nesse sentido uma educaccedilatildeo exitosa natildeo daacute soluccedilotildees mas leva o sujeito ao

questionamento das praacuteticas Iluminada pela concepccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de Freire

(2010) a educaccedilatildeo nesse contexto deve ser um meio de despertar inquietudes frente agrave

problemaacutetica dos riscos dos alimentos e de desenvolver uma postura conscientemente

criacutetica sobre ela conforme preconiza essa praacutetica pedagoacutegica democraacutetica

No que concerne agrave modalidade informaccedilatildeo ela trata de introjetar conhecimentos de

forma automatizada sem processo de reflexatildeo Eacute a transferecircncia unilateral de informaccedilotildees

- e a obtenccedilatildeo de respostas mecacircnicas frente aos comandos suscitados por estas Jaacute a

orientaccedilatildeo se natildeo for fundamentada em uma relaccedilatildeo dialoacutegica e transformadora pode

redundar em resultados similares aos da informaccedilatildeo

O discurso do mercado tambeacutem evoca a ldquoeducaccedilatildeordquo com fins de reorientar a

populaccedilatildeo quanto agrave praacutetica de consumo dos alimentos Natildeo pense que vocecirc pode ficar sem

gordura natildeo vai ter que comer gordura um pouco mas vai ter que comer Entatildeo noacutes vamos ter que usar de

alguma maneira a educaccedilatildeo para que natildeo haja mais do que isso (M1) A forma de emprego do ldquonoacutesrdquo

indica que a responsabilidade eacute do conjunto da sociedade inclusive do mercado Poreacutem no

decorrer da fala desse sujeito o ldquonoacutesrdquo se reduz ao governo e o mercado se exime dessa

175

responsabilidade O governo estaacute cometendo o maior erro da histoacuteria olhando soacute o industrializado e natildeo

estaacute focando o resto e noacutes natildeo somos o todo noacutes somos uma parte O governo tem que educar (M1)

Esse discurso reporta a educaccedilatildeo a partir de um prisma reducionista Educar natildeo eacute

somente articular os nexos causais de um dado fenocircmeno Eacute antes de tudo compreendecirc-lo

criticamente eacute a busca da autenticidade do fenocircmeno ldquoriscos-alimentos-doenccedilasrdquo que

propiciaraacute o desenvolvimento da consciecircncia criacutetica (FREIRE 2010) Nos discursos

supracitados a concepccedilatildeo da educaccedilatildeo se reduz agrave dimensatildeo da oferta de informaccedilotildees

como se esta fosse suficiente Parece tambeacutem haver um entendimento de que o processo de

acumulaccedilatildeo de informaccedilotildees poderia gerar consciecircncia e mudanccedila de comportamento

Os sujeitos ligados agrave sociedade civil ao poder puacuteblico e ao organismo internacional se

manifestam de forma unacircnime quanto agrave ideia de empoderar a populaccedilatildeo Para eles esta eacute

uma alternativa para se resgatar e valorizar a alimentaccedilatildeo tradicional e saudaacutevel que foi

perdida

Eu acho que a gente precisa cada vez mais favorecer estimular desenvolver processos de educaccedilatildeo alimentar e nutricional para que as pessoas fiquem mais empoderadas para poder fazer escolhas (OI) Esse movimento de melhoria da qualidade nutricional dos alimentos [] natildeo pode ser soacute do governo eacute preciso o engajamento da sociedade civil organizada tambeacutem [](P4) Talvez atualmente a gente possa dizer [] que haacute uma nascente de preocupaccedilatildeo [] que eu espero que cresccedila essa consciecircncia em relaccedilatildeo ao alimento (S2)

Nesse sentido a Marco de Referecircncia de Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional - EAN35

foi instituiacuteda com o fim de ser uma estrateacutegia fundamental para promover praacuteticas

alimentares saudaacuteveis e prevenir e controlar os problemas alimentares e nutricionais

(BRASIL MDS 2012b) Pautada em uma perspectiva emancipadora seu propoacutesito

extrapola o ato de tornar o indiviacuteduo como ser ativo e autocircnomo para as escolhas e as

praacuteticas alimentares e abarca a capacidade de ele (re) interpretar o mundo e a si mesmo

ou seja de dirigir e de transformar a proacutepria vida Isso significa empoderamento

35 O Marco de Referecircncia Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional paras as Poliacuteticas Puacuteblicas no contexto da realizaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e da garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute um campo de conhecimento e de praacutetica contiacutenua e permanente transdisciplinar intersetorial e multiprofissional que visa promover a praacutetica autocircnoma e voluntaacuteria de haacutebitos alimentares saudaacuteveis (BRASIl MDS 2012b) Eacute um campo de accedilatildeo que abrange os aspectos relacionados ao alimento agrave alimentaccedilatildeo e agrave nutriccedilatildeo assim como os processos relativos ao sistema de produccedilatildeo

176

Eacute interessante notar que os sujeitos percebem que o enfrentamento da temaacutetica dos

riscos dos alimentos natildeo fica restrita ao campo da sauacutede e da educaccedilatildeo invade tambeacutem as

estruturas sociais com destaque a forma de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo-consumo para

assim tornar possiacutevel restabelecer e consolidar uma praacutetica alimentar pautada na sauacutede

[] para dar resposta a obesidade mas o real enfrentamento dos determinantes sociais e ambientais da obesidade ocorrem em outros espaccedilos que passam pelo modelo de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de alimentos que passam pelos programas sociais que passam pela educaccedilatildeo pela questatildeo da comunicaccedilatildeo direta do consumidor um conjunto de outras agendas Enfrentar a obesidade implica resposta intersetorial (P2)

No entanto a EAN propotildee em seus princiacutepios estruturantes resgatar as diferentes

facetas do fenocircmeno da alimentaccedilatildeo ao considerar uma e abordagem integrada do sistema

alimentar da sustentabilidade social ambiental e econocircmica da valorizaccedilatildeo da cultura

alimentar local da promoccedilatildeo do autocuidado e da autonomia dos sujeitos entre outros

aspectos Segundo esse Marco de Referecircncia a EAN envolve conhecimento amplo e

transdisciplinar acoplado a uma praacutetica intersetorial e multiprofissional para promover a

autonomia e voluntariedade para adoccedilatildeo dos haacutebitos alimentares saudaacuteveis (BRASIL MDS

2012)

Mesmo assim promover a EAN como praacutetica institucionalizada natildeo exime o Estado

do seu dever de refrear os excessos cometidos pelo mercado e que repercutem na vida

social em especial no grupo mais vulneraacutevel da populaccedilatildeo Neste destacam-se as crianccedilas

que satildeo indiviacuteduos intelectualmente imaturos e portanto ainda impotentes para fazer

adequadamente suas proacuteprias escolhas e criacutetica aos estiacutemulos recebidos

Eacute certo que as iniciativas no campo das poliacuteticas sociais engendradas no Brasil tecircm

um efeito econocircmico positivo para as parcelas mais pobres da populaccedilatildeo repercutindo

positivamente no acesso aos alimentos No que se refere agrave reduccedilatildeo da pobreza observa-se

que a implementaccedilatildeo do Programa Fome Zero a partir de 2003 conseguiu reduzir a taxa

de pobreza da populaccedilatildeo brasileira de 281 para 154 em 2009 (DEL GROSSI 2010)

Fato que concorreu positivamente para a melhoria do estado nutricional das crianccedilas de

177

zero a cinco anos de idade das famiacutelias atendidas pelo Programa Bolsa Famiacutelia durante o

periacuteodo de 2008 a 2012 (BRASIL MDS MS 2014)

Entretanto o avanccedilo material desse grupo social traduzido pela sua progressiva

participaccedilatildeo no mercado de consumo de diferentes bens tambeacutem foi percebido no

aumento do consumo de diferentes produtos alimentiacutecios industrializados Esse fenocircmeno

pode ser considerado previsiacutevel em funccedilatildeo da demanda reprimida construiacuteda por longos

periacuteodos de exposiccedilatildeo aos incentivos de consumo mas restringida pelas condiccedilotildees

financeiras Somado a isso as empresas de alimentos desenvolveram estrateacutegias de

marketing tipos de embalagens e formas de comeacutercio varejista especiacuteficas para captar os

milhotildees de famiacutelias que ampliaram sua renda por meio das poliacuteticas sociais Nesse

percurso as accedilotildees de educaccedilatildeo em sauacutede em geral e de educaccedilatildeo alimentar e nutricional

em particular continuaram no ritmo tradicional e pouco (ou nada) dialogaram com essa

nova realidade das famiacutelias

Hoje existe toda uma mudanccedila social [] que ela traz um certo risco a essa consciecircncia que o cara que soacute comia arroz e feijatildeo e farinha de mandioca e de vez em quando um ovo ainda bem que ele pode comer outras coisas Mas [] ele prefere entatildeo do ponto de vista de status social ndash que eacute legiacutetimo [] comer hambuacuterguer [] ou salsicha ou [] miojo [] Podem [] comer mais mas nem sempre melhor (S1)

Esse comentaacuterio eacute coerente com a tendecircncia de escolha por produtos industrializados

de baixa qualidade nutricional evidenciada entre a parcela da populaccedilatildeo mais pobre

conforme os uacuteltimos dados da POF 20082009 (BRASIL IBGE 2010) Essa associaccedilatildeo entre

o padratildeo alimentar e o status procede pois este se define mais pelos traccedilos simboacutelicos do

que pelas diferenccedilas propriamente econocircmicas (BOURDIEU 2011) Desse modo consumir

determinados produtos alimentiacutecios antes excluiacutedos da dieta leva no imaginaacuterio dos

indiviacuteduos pobres agrave ascensatildeo social pela representaccedilatildeo que esses produtos incorporam e

que eacute disseminada em suas propagandas Situaccedilatildeo similar foi observada com as famiacutelias

beneficiaacuterias do Programa Bolsa Famiacutelia apoacutes resolvidas as suas necessidades baacutesicas de

alimentaccedilatildeo elas recorrem tanto aos alimentos saudaacuteveis (frutas verduras e legumes)

178

como aos produtos industrializados de alta densidade energeacutetica e baixo valor nutritivo

(IBASE 2008)

Em geral a discussatildeo especiacutefica sobre a qualidade dos alimentos manteacutem-se afastada

das pautas reivindicatoacuterias dos movimentos sociais Poucas entidades dedicam-se ao tema

e o transformam em plataforma de luta e de atenccedilatildeo permanente Contudo conforme um

dos sujeitos representante de entidade da sociedade civil com a abertura dos movimentos

para a discussatildeo sobre o tema da ldquodefesa da soberania alimentarrdquo nos uacuteltimos anos a

expectativa eacute que a preocupaccedilatildeo com a qualidade da alimentaccedilatildeo seja suscitada Eacute

interessante que haacute uma mobilizaccedilatildeo de muitos movimentos sociais pela soberania alimentar eu acho que o

fato dos movimentos passarem a incorporar entre as suas causas a defesa da soberania alimentar faz com que

essa visatildeo do alimento que se come fique mais proacutexima (S2)

O desconhecimento da complexidade do binocircmio alimentaccedilatildeo-sauacutede atualmente

enfrentado pela sociedade natildeo eacute um privileacutegio exclusivo do universo dos leigos ele ocorre

tambeacutem nos espaccedilos acadecircmicos atingindo em especial os profissionais de sauacutede que tecircm

entre as suas atribuiccedilotildees a prevenccedilatildeo e o tratamento de doenccedilas inclusive aquelas

relacionadas ao consumo inadequado de alimentos Ampliar o conhecimento dos

profissionais de sauacutede - tanto sobre a complexidade dos processos alimentares

contemporacircneos mas tambeacutem em abordagens participativas de educaccedilatildeo- eacute um dos

desafios atuais inclusive na formaccedilatildeo dos nutricionistas (RECINE MORTOZA 2013) Esses

satildeo os caminhos apontados pelo sujeito do poder puacuteblico para serem trilhados como meio

de conter a obesidade

[] a populaccedilatildeo tem o direito de conhecer o perfil epidemioloacutegico para que possam dirigir as campanhas de prevenccedilatildeo Se vocecirc conscientiza a populaccedilatildeo sobre a qualidade dos alimentos natildeo soacute em campanhas publicitaacuterias mas na formaccedilatildeo do meacutedico sobre o excesso de peso ter uma alimentaccedilatildeo diferente e encaminhar o paciente para o nutricionista (P1)

No campo dos alimentos as demandas provenientes das forccedilas sociais ndash mercado e

sociedade - que satildeo remetidas ao governo para serem administradas nem sempre resultam

em deliberaccedilotildees nas quais os interesses coletivos sobressaem-se aos particulares seja por

razotildees internas e ou por debilidades na pressatildeo do conjunto social Nesse sentido e sem

179

designar o agente incumbido de mobilizar a sociedade - poreacutem excluindo o governo do

compromisso de ser a lideranccedila - sujeitos vinculados ao poder puacuteblico destacam em seu

discurso que sem a forccedila dos cidadatildeos sensibilizados com os conflitos em torno dos

alimentos e da sauacutede o governo encontra-se impossibilitado de fazer acontecer as

mudanccedilas necessaacuterias nesse campo

[] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover a agenda (P2) A massa criacutetica eacute pequena [] mas se outros elos dessa sociedade encamparem essa poliacutetica a gente teraacute sucesso muito raacutepido (P4)

Eacute verdade que a atitude indutora do mercado para a conquista de consumidores se

vale do traccedilo essencial do ser humano o de ser um sujeito com potencial de tornar-se

consciente e autocircnomo de suas proacuteprias accedilotildees Agora ele ndash o ser humano- eacute objeto de

manipulaccedilatildeo do mercado que sutilmente decide por ele o que eacute prazeroso comer onde e

como comer fazendo-o desligar-se das questotildees fundamentais que envolvem o ato de

alimentar-se e nutrir-se Nesse sentido um dos sujeitos ligados ao poder puacuteblico conclama

que eacute preciso munir o consumidor de informaccedilotildees para se fazer o resgate dos valores

simboacutelicos intriacutensecos agrave natureza humana amortecidos com a interferecircncia do mercado Eacute

preciso libertar o ser humano que tem dentro de cada consumidor para que natildeo se apequene o ser humano e

se agigante a condiccedilatildeo do consumidor para que se tenha o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilatildeo sobre os

alimentos que satildeo fornecidos em espaccedilos puacuteblicos (P1) No entanto como abordado anteriormente

natildeo eacute a informaccedilatildeo que transforma mas a informaccedilatildeo inserida em um contexto de

educaccedilatildeo como um processo criacutetico e participativo

Para alguns sujeitos do poder puacuteblico a sociedade civil brasileira caracteriza-se pela

falta de acuacutemulo de experiecircncias histoacutericas de lutas pela conquista de direitos de cidadania

Em funccedilatildeo disso quando o assunto eacute o de lidar com os efeitos da relaccedilatildeo entre alimentos e

sauacutede o papel que ela assume apresenta um caraacuteter bastante ambivalente nos discursos

formulados Apesar do reconhecimento da debilidade da sociedade civil que a faz

continuar a depender do suporte e das informaccedilotildees do Estado para compreender e adquirir

consciecircncia sobre os problemas que lhe afeta a sua atuaccedilatildeo eacute imprescindiacutevel para

180

pressionar o Estado quando da administraccedilatildeo de conflitos que envolvem a qualidade de

alimentos Isso porque ela se constitui em uma forccedila social capaz de contrapor-se agraves

demais e de lutar para dar concretude aos interesses coletivos de sauacutede

A sociedade civil estaacute muito parada natildeo tem qualidade de luta que o paiacutes necessita (P6) [] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover essa agenda (P2) O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular [] mas fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo (P1)

Contudo haacute dificuldades reais e histoacutericas que inibem a organizaccedilatildeo da sociedade

conforme apontam dos comentaacuterios a seguir O sujeito do poder puacuteblico pontua que as

sucessivas experiecircncias de opressatildeo social vivenciadas pelo povo brasileiro em sua

histoacuteria imprimiu marcas no inconsciente coletivo de medo de descrenccedila e de

incapacidade de organizar-se para lutar pelos interesses do conjunto que dificultam ou

retardam o fortalecimento dos movimentos sociais e o atendimento das reivindicaccedilotildees de

interesse coletivo

[] haacute segmentos organizados que sim mas a grande maioria natildeo estaacute preparada [] Face agrave nossa histoacuteria - colonialismo escravidatildeo e ditadura ndash pedaccedilos presentes na nossa contemporaneidade natildeo temos uma sociedade civil que esteja agrave altura das demandas de cidadania desse paiacutes marcados por ldquocasas grandes e senzalasrdquo (P1)

Obviamente as situaccedilotildees de opressatildeo e intimidaccedilatildeo impostas agrave maioria da populaccedilatildeo

pela elite brasileira associadas agrave pauperizaccedilatildeo generalizada e agrave falta de educaccedilatildeo no

sentido lato que persistiram ao longo do desenvolvimento econocircmico-social do paiacutes

contribuiacuteram para a formaccedilatildeo do povo brasileiro com tal perfil de luta Assim dotar essa

populaccedilatildeo de um aporte instrumental educativo que possa lhe dar plena autonomia para

fazer escolhas no acircmbito da alimentaccedilatildeo e consequentemente contrapor-se agrave ditadura do

mercado eacute uma das funccedilotildees do Estado em uma sociedade cujo percurso histoacuterico natildeo

permitiu o fortalecimento dos movimentos sociais para reivindicar as suas necessidades

em todos os aspectos da vida E por isso haacute discurso persistente em enfatizar que ao

Estado cabe a funccedilatildeo relevante de instruir a populaccedilatildeo para que ela possa redirecionar as

suas condutas e atitudes

181

O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular nem de fazer cultura mas de fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo Sem o Estado a gente natildeo consegue superar isso hoje Este paiacutes tem uma sociedade civil ainda pouco organizada para as demandas de cidadania que noacutes temos (P1)

Por fim natildeo eacute a informaccedilatildeo isolada que elevaraacute a consciecircncia criacutetica Esta pode ser

construiacuteda com o suporte das accedilotildees de EAN e de outras iniciativas educativas com

propoacutesitos similares que problematizam as questotildees relativas aos produtos alimentiacutecios e

agraves doenccedilas correlacionadas em um ambiente democraacutetico permitindo agrave populaccedilatildeo

repensar a sua praacutetica alimentar proteger-se dos riscos dos alimentos e reivindicar

qualidade para os alimentos com fins de melhorar as condiccedilotildees de sauacutede e vida

e) ldquoRegulaccedilatildeo Consentidardquo

Para regular as praacuteticas do mercado no acircmbito da sauacutede eacute imprescindiacutevel que haja

possibilidades ou comprovaccedilatildeo de riscos que ameacem a integridade da populaccedilatildeo O

discurso de um sujeito vinculado ao organismo internacional eacute emblemaacutetico e apresenta os

requisitos teacutecnicos necessaacuterios para deflagrar um processo de regulaccedilatildeo dos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis

Eacute clara essa relaccedilatildeo do consumo de alimentos industrializados com essas doenccedilas (DCNT) Esses alimentos normalmente eles tecircm uma quantidade de calorias maior bem maior do que o alimento in natura tecircm algumas pesquisas mostrando isso [] a densidade energeacutetica deles normalmente eacute maior do que os alimentos in natura [] o que favorece o aumento do excesso de peso nas pessoas e todas as doenccedilas relacionadas [] (01)

Poreacutem regular eacute um empreendimento teacutecnico e poliacutetico e portanto satildeo os discursos

dos sujeitos do mercado do poder puacuteblico e da sociedade civil brasileira com seus pontos

de convergecircncias e divergecircncias que iratildeo formar o clima regulatoacuterio explorado a seguir

Diante da retoacuterica da recuperaccedilatildeo do poder regulador do Estado afirmada com a

reforma institucional objetivando reduzir os entraves burocraacuteticos e facilitar o desenrolar

das atividades econocircmicas as reflexotildees feitas pelos sujeitos da sociedade civil e do poder

182

puacuteblico fluem em linhas divergentes Para um deles esse processo de reformulaccedilatildeo

dinamizou a atividade regulatoacuteria do Estado com a criaccedilatildeo das agecircncias reguladoras Para

o outro sujeito houve a inversatildeo dos papeacuteis exercidos pelo Estado e pelo mercado e a

reduccedilatildeo da capacidade do poder puacuteblico de interferir no mundo privado ficando aquele agrave

mercecirc dos interesses econocircmicos

[] o Estado brasileiro voltou a ter um papel ativo [] readquiriu um pouco o seu papel regulador [] eacute que natildeo eacute possiacutevel acreditar que o mercado regule e as empresas querem isso Eacute um sistema capitalista movido fundamentalmente pelo lucro se natildeo houver regras claras alguns bloqueios as consequecircncias para a populaccedilatildeo satildeo dramaacuteticas (S2) Eu natildeo gosto muito dessa visatildeo de agecircncia esse modelo que vem dos Estados Unidos neoliberal [] eu tenho duacutevidas do papel da agecircncia como modelo institucional de braccedilo do Estado para regular Elas terminam sendo mais refeacutens do mercado do que obedecendo ao Estado (P5)

Constata-se tambeacutem que as entidades representativas do mercado posicionam-se

acima dos interesses de quaisquer fragmentos da sociedade - e a forma como utilizam os

valores dos iacutendices pessoais eacute um indicativo de sua supremacia Noacutes hoje exportamos para 114

paiacuteses produtos industrializados [] (M1) No discurso de um dos sujeitos de mercado o ldquonoacutesrdquo

alterna entre duas formas de expressatildeo de valores primeiro o ldquonoacutesrdquo remete a toda

sociedade brasileira Acontece que noacutes somos um paiacutes privilegiado Temos tudo aqui para noacutes nos

alimentarmos (M1) E nessa perspectiva coloca sua organizaccedilatildeo como parte da sociedade

Esse eacute o modo de ele expressar que as medidas adotadas para a sociedade afetam a eles

mesmos Hoje noacutes somos um grande produtor (M1) Verifica-se uma nacionalizaccedilatildeo do ldquonoacutesrdquo sem

distinccedilatildeo ou existecircncia de conflitos

Aleacutem de se apresentar como parte desse organismo coletivo o ldquonoacutesrdquo nacional a

entidade se apresenta ao mesmo tempo como um ldquonoacutesrdquo um corpo especiacutefico dentro desse

corpo nacional Noacutes somos tambeacutem parte dessa sociedade noacutes produzimos noacutes empregamos [] 150 anos

aqui (M1) Assim ao mesmo tempo em que insinua compartilhar as preocupaccedilotildees comuns

como membro do corpo nacional salienta de modo singular que eacute o motor do corpo

nacional Como parte diferenciada do corpo nacional haacute uma estratificaccedilatildeo que situa o

proacuteprio ldquonoacutesrdquo especiacutefico (da entidade) acima do corpo nacional fazendo com que eles

sejam dispensados de obedecer as prescriccedilotildees do poder nacional Noacutes natildeo precisamos de quem

nos diga o que fazer (M1)

183

Essa afirmaccedilatildeo da entidade eacute frequentemente reiterada Noacutes estamos fazendo sozinhos noacutes

natildeo precisamos do governo noacutes estamos trabalhando com o governo (M1) para reforccedilar a autonomia e

autosuficiecircncia do mercado perante as instituiccedilotildees governamentais demonstrando serem

desnecessaacuterias quaisquer interferecircncias ou limitaccedilotildees que se pretenda realizar sobre a

atividade econocircmica Aliaacutes subtende-se do discurso que o mercado eacute uma instituiccedilatildeo que

pode ofertar espontaneamente o seu auxiacutelio ao governo como tambeacutem pode modelar as

formas de governanccedila do poder

Mesmo em situaccedilotildees em que a accedilatildeo exija a concordacircncia entre os agentes envolvidos

Noacutes fizemos um Acordo com o Ministeacuterio da Sauacutede (M3) o ldquonoacutesrdquo assume a conotaccedilatildeo de impositivo

de unilateralidade como se a iniciativa a disposiccedilatildeo e a decisatildeo de efetuar o ato recaiu

unicamente sobre o sujeito que fala na qualidade de um dos representantes do mercado

Na realidade a mobilizaccedilatildeo partiu do governo em funccedilatildeo da necessidade de se melhorar a

qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios e de minimizar os impactos negativos que

eles exercem sobre as DCNT

Outros sujeitos do mercado mostraram-se mais permeaacuteveis agraves interaccedilotildees Em seus

discursos o ldquonoacutesrdquo natildeo apareceu definindo a especificidade da organizaccedilatildeo ou a existecircncia

especiacutefica de um ldquonoacutesrdquo desconectado do coletivo e natildeo existe o descolamento da entidade

do corpo coletivo para assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica superior Eu acho que a gente tem aiacute

diversas medidas (M3) Noacutes deveriacuteamos fazer eacute uma mudanccedila de haacutebito (M2)

O mercado de alimentos apresenta-se como entidade soberana e autoregulaacutevel

desencadeando continuamente inventos para alavancar a produccedilatildeo e acumulaccedilatildeo de

capital Organiza seus projetos de inovaccedilatildeo de produtos com o foco na racionalizaccedilatildeo de

recursos e no aumento de lucros e para que se tornem mais viaacuteveis nas uacuteltimas deacutecadas

ele tem negligenciado alguns requisitos de qualidade no caso os paracircmetros nutricionais

Mesmo apoacutes os efeitos negativos eclodirem e se tornarem visiacuteveis coletivamente o

mercado segue dissipando haacutebitos alimentares impondo as marcas de produtos

beneficiando-se dos ecircxitos comerciais e contribuindo para doenccedilas Quando os riscos e as

doenccedilas relacionadas a essas alteraccedilotildees na qualidade nutricional dos alimentos comeccedilam a

184

assolar a populaccedilatildeo esse ideaacuterio neoliberal de independecircncia plena desmorona e o Estado

eacute convocado e pressionado a intervir em defesa da sociedade Quanto a essa intervenccedilatildeo os

discursos dos sujeitos do mercado sugerem que eacute sensatez do governo dialogar com as

induacutestrias para que estas corrijam paulatinamente as falhas silenciando-se quanto aos

impactos econocircmicos (no nosso entender justificaacuteveis) que poderiam advir de uma

imposiccedilatildeo legal

A experiecircncia eacute o seguinte noacutes achamos que existe uma maneira de educar de fazer as coisas acontecerem Eacute fazer em conjunto o esforccedilo para fazer diminuir retirar os alimentos retirar esses ingredientes [] Entatildeo o radicalismo uma regulamentaccedilatildeo ela fecha e natildeo daacute a flexibilidade que o Acordo faz O Acordo eacute uma coisa de compreensatildeo porque vocecirc natildeo pode de uma hora para outra mudar uma foacutermula A regulamentaccedilatildeo tem que ter plena consciecircncia (M1)

Frente agrave necessidade premente de reformular a composiccedilatildeo dos produtos

alimentiacutecios para aproximaacute-los de um perfil nutricional saudaacutevel e controlar as DCNT o

governo decidiu instituir pactos formais com metas estabelecidas conjuntamente flexiacuteveis

e de longo prazo sob a forma de acordos Na leitura dos sujeitos do mercado tal conduta

governamental eacute uma demonstraccedilatildeo de entendimento entre as partes devido agrave

complexidade que envolve a substituiccedilatildeo das foacutermulas desses produtos Para eles

regulamentar para sanar falhas em curto tempo seria uma atitude inconveniente do

governo Isso porque implicaria a imposiccedilatildeo de regras aliadas ao estabelecimento de

sanccedilotildees pelo seu descumprimento Poreacutem como o panorama epidemioloacutegico atual exige

pressa na intervenccedilatildeo - e as induacutestrias satildeo as principais responsaacuteveis pela deformaccedilatildeo dos

produtos alimentiacutecios - a aplicaccedilatildeo de regras com sanccedilotildees eacute apropriada

Quanto a esse uacuteltimo destaque um dos sujeitos do mercado assume de modo sutil e

ponderado o comprometimento da induacutestria com os produtos natildeo saudaacuteveis Eu acho que haacute

um aumento muito grande da oferta de produtos com caracteriacutesticas ou de agraves vezes ainda ndash natildeo estou

dizendo agora mas ateacute recentemente produtos com mais accediluacutecar produtos com excesso de gordura [] natildeo

existia uma preocupaccedilatildeo com essas caracteriacutesticas [] (M3)

O Ministeacuterio da Sauacutede ao assumir as funccedilotildees da entidade reguladora (Anvisa) foi

decisivo para o desenrolar dos acordos A Anvisa natildeo teve predisposiccedilatildeo para ousar

controlar os riscos de nutrientes dos produtos alimentiacutecios mesmo estes afetando a sauacutede

185

da populaccedilatildeo Esse assunto escapa completamente do seu trabalho tradicional de controle

dos riscos agrave sauacutede concentrado nos contaminantes de origem alimentar A rigidez das

praacuteticas das instacircncias de controle sanitaacuterio focadas em um grupo especiacutefico de riscos eacute

outro elemento de dificuldade pois natildeo permite acompanhar na velocidade necessaacuteria os

riscos agrave sauacutede que brotam das tecnologias de produccedilatildeo de alimentos Isso exigiria

articulaccedilatildeo com os interessados ajustamento dos seus regulamentos e procedimentos para

dar respostas efetivas de proteccedilatildeo agrave sociedade em tempo oportuno Esse distanciamento

institucional dos riscos emergentes agrave sauacutede portanto impedem a entidade reguladora de

agir para salvaguardar a sauacutede da populaccedilatildeo dos malefiacutecios dos produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis

Regulaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo satildeo referidos como sinocircnimos na fala de certos sujeitos

Ele tem que obrigar [] Ele tem que regular (S3) Quando eu falei regular eu estou entendendo que eacute preciso

normatizar que eacute preciso haver regras claras e inclusive sanccedilotildees (S2) Conforme jaacute definido neste

trabalho regulaccedilatildeo envolve um elenco de medidas de controle legais e compulsoacuterias

teacutecnicas e administrativas que a instituiccedilatildeo dispotildee para proteger a sauacutede da populaccedilatildeo

contra os riscos agrave sauacutede provenientes do sistema de produccedilatildeo de alimentos entre as quais

estaacute regulamentaccedilatildeo E no caso da sauacutede regulamentaccedilatildeo eacute entendida como a elaboraccedilatildeo

de um conjunto de disposiccedilotildees legais e obrigatoacuterias que a administraccedilatildeo puacuteblica impotildee a

terceiros para preservar a sauacutede da populaccedilatildeo entre elas as sanccedilotildees

A construccedilatildeo do consenso entre o governo e as entidades de mercado formalizada

no Acordo de Parceria Puacuteblico-Privada no campo da sauacutede pode refletir concessotildees

equilibradas ou prejuiacutezos para uma das partes A opccedilatildeo do governo em natildeo regulamentar

ou melhor dispensar o uso dessa prerrogativa em favor do Acordo de parceria sinaliza um

recuo do governo em prol do mercado uma vez que alternativamente poderia ter sido

elaborado um regulamento mediante um processo de construccedilatildeo de participativa

dialoacutegica e democraacutetica entre todos os interessados com prazo legal negociado Essa eacute a

impressatildeo de um dos sujeitos da sociedade civil Eu acho que tem essa visatildeo hoje - parceria

puacuteblico-privada ndash que na verdade [] eu percebo que tem um risco [] de uma privatizaccedilatildeo de conceder um

poder como se o mercado pudesse regular(S2)

186

As consideraccedilotildees emitidas pelos sujeitos do mercado sobre as medidas (acordo e

regulamentaccedilatildeo) satildeo amplas Ao fazerem comparaccedilotildees paralelas constata-se uma niacutetida

oposiccedilatildeo no quadro de qualificaccedilotildees atribuiacutedas a cada uma delas A primeira eacute vista como

siacutembolo de compreensatildeo diaacutelogo bem comum consenso racional e educativa enfim

protetora do mercado Jaacute a regulamentaccedilatildeo representa radicalismo controle

autoritarismo ineficaacutecia e inflexibilidade Eacute impressionante como uma praacutetica regulatoacuteria

instituiacuteda haacute deacutecadas e que tem a funccedilatildeo de regular o mercado para proteger os interesses

coletivos de sauacutede e de tornar justa a competiccedilatildeo entre as empresas converte-se em um

instrumento de polecircmica na visatildeo dos sujeitos do mercado Isso ocorre mesmo diante da

comprovada incapacidade do mercado em se autogerir para ofertar produtos de qualidade

agrave populaccedilatildeo [] eu fico meio arrepiado quando algueacutem comeccedila a falar que os alimentos industrializados

tem que ser regulamentados eu sou contra esses controles Noacutes temos a plena consciecircncia que as induacutestrias

aqui sediadas tem plena consciecircncia do que eacute controle (M1)

Destaca-se ainda o uso do pronome ldquonoacutesrdquo que assume um valor que natildeo abrange o

mundo industrial e tatildeo pouco o povo brasileiro mas se circunscreve ao grupo que o sujeito

representa

O discurso desse mesmo sujeito em continuaccedilatildeo ressalta que no esforccedilo de atualizar

a capacidade produtiva as empresas investem em tecnologias que valorizam os aspectos

comerciais e o controle de qualidade dos paracircmetros de riscos que julgam afetar o

desempenho de sua atividade econocircmica

[] a tecnologia com o modernismo para apresentaacute-lo ao consumidor numa maneira mais adequada [] para ser consumido com saudabilidade e com garantia de que aquilo natildeo lhe faria mal [] elas tecircm laboratoacuterios absolutamente completos muitas vezes superiores aos laboratoacuterios de agentes de controle governamentais Portanto a resposta agrave qualidade que elas datildeo eacute muito mais apurada muito mais exata do que qualquer laboratoacuterio de qualquer lugar de qualquer universidade (M1)

Poreacutem haacute de se considerar que as empresas elegem e monitoram os paracircmetros

analiacuteticos sanitaacuterios e outros que possam comprometer o comeacutercio dos seus produtos Eacute

evidente que no elenco de seus controles estatildeo excluiacutedos os paracircmetros nutricionais

porque ainda natildeo satildeo reconhecidos como de risco agrave sauacutede tanto pelas proacuteprias empresas

187

como pelo governo No momento atual esses paracircmetros ainda permanecem dispensaacuteveis

na perspectiva do mercado

Antes de ter a funccedilatildeo de modernizar os produtos essas tecnologias tecircm

necessariamente que se reverter em vantagens e lucros mesmo que paradoxalmente

possam tambeacutem ocasionar efeitos imprevisiacuteveis que resultem em adversidades e riscos agrave

sauacutede E em geral se esses efeitos negativos natildeo afetam a rentabilidade do capital somente

satildeo reconhecidos pelo mercado quando elucidados em investigaccedilotildees realizadas por centros

puacuteblicos de pesquisa E mesmo assim os resultados dessas pesquisas tendem sempre a ser

minimizados ou expostos a controveacutersias quando requerem mudanccedila no modelo de

produccedilatildeo - caso dos produtos alimentiacutecios com perfil natildeo saudaacutevel A presenccedila do

neologismo ldquosaudabilidaderdquo nesse enunciado se desloca sutilmente do produto para o

gesto de consumir ou seja para as condiccedilotildees de como o consumo eacute efetuado para retirar

qualquer polecircmica em torno do produto

A polecircmica do controle dos efeitos crocircnicos agrave sauacutede causados pelos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis encaixa-se com pertinecircncia no comentaacuterio a seguir Ameaccedilas

desta natureza - de cunho extensivo de longa duraccedilatildeo imperceptiacutevel ao leigo nos estaacutegios

iniciais de consequecircncias graves e de alto custo para sociedade - somente o Estado eacute capaz

de transformaacute-las em questatildeo social face agrave sua responsabilidade conformando-as em

poliacutetica de regulaccedilatildeo do mercado no acircmbito da sauacutede

Ningueacutem pode esperar que o mercado seja compatiacutevel espontaneamente com os direitos sociais em especial da sauacutede porque ele eacute vocacionado para o lucro Entatildeo precisa estar sempre regulado controlado socialmente e com o Estado sendo seu componente maiorrdquo (P5)

A competitividade que rege o mercado de alimentos reflete de certo modo a falta de

coesatildeo e a existecircncia de um sistema de estratificaccedilatildeo entre as empresas Haacute uma hierarquia

de poder entre as corporaccedilotildees de induacutestrias que sujeitam as induacutestrias de menor porte e

ou ligadas a entidades politicamente menos expressivas a quase obrigatoriamente de

seguir uma conduta ou adotar procedimentos das induacutestrias de primeira linha para se

manterem no mercado

188

Noacutes somos a grande maioria ndash [] as duzentas primeiras empresas do paiacutes em produccedilatildeo Se noacutes fizermos o produto baixar as demais vatildeo ter que acompanhar senatildeo elas perdem mercado As nossas empresas jaacute saem na frente e para dar o exemplo a gente ofereceu isso ndash vamos trabalhar juntos neste negoacutecio porque sozinho natildeo vai dar para vocecirc (M1)

Assim sendo o perfil de entidades escolhidas pelo governo para empreender

iniciativas de fomentar a adequaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios agregou induacutestrias de alto

poder econocircmico e detentoras de produtos de ampla circulaccedilatildeo nacional e internacional

Portanto um segmento estrateacutegico para o Acordo

Com as atuais caracteriacutesticas na composiccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios natildeo se pode

dizer que essas entidades do setor produtivo satildeo exemplares quanto aos compromissos

eacutetico e social Apenas se pode afirmar que elas definem um padratildeo de consumo de produtos

natildeo saudaacuteveis para a sociedade Poreacutem em virtude da presenccedila econocircmica que ocupam no

mercado quando elas decidem reduzir o teor daqueles nutrientes considerados

prejudiciais agrave sauacutede as demais induacutestrias podem ser forccediladas a aplicar essa medida em

seus respectivos produtos por motivo de concorrecircncia

Conforme exposto anteriormente o debate que antecedeu a construccedilatildeo do Acordo do

governo com as entidades se restringiu ao acircmbito do setor produtivo e os sujeitos da

sociedade civil organizada criticam essa iniciativa [] a sociedade natildeo foi convocada e nem a

academia [] Quem tomou parte desse Acordo foi o Ministeacuterio da Sauacutede e as induacutestrias com o apoio da

Anvisa (S1) No entanto para o poder puacuteblico Fazer poliacutetica eacute dialogar porque democracia se faz a

partir disto Isto natildeo significa alinhamento Isso significa diaacutelogo busca de agendas convergentes e o diaacutelogo

com a induacutestria de alimentos (P2) Desses argumentos brotam um niacutetido confronto entre o

ldquoexerciacutecio da democraciardquo e a ldquoextensatildeo da representaccedilatildeordquo Alargar a praacutetica democraacutetica

nos espaccedilos puacuteblicos requer necessariamente a participaccedilatildeo de todos os interessados nas

deliberaccedilotildees de um corpo coletivo (BOBBIO 2005) E no caso a ausecircncia da sociedade civil

nesse diaacutelogo institucional compromete tanto a legitimidade das deliberaccedilotildees adotadas

como demonstra um retrocesso na gestatildeo participativa

189

Um dos sujeitos vinculados agrave sociedade civil comenta Esses Acordos satildeo necessaacuterios

mas insuficientes e tiacutemidos no que diz respeito agraves suas metas Primeiro que satildeo Acordos que soacute

dizem respeito ao soacutedio enquanto a gente jaacute sabe que o problema natildeo estaacute limitado ao soacutedio []

satildeo metas fracas e que natildeo exigem nenhum esforccedilo da induacutestria ou muito pouco (S1)

Conforme jaacute abordado neste estudo os nutrientes-chave de interesse para a sauacutede a

serem reduzidos nos produtos alimentiacutecios satildeo gorduras accediluacutecares e sal poreacutem a

negociaccedilatildeo limitou-se ao teor de soacutedio (sal) ficando os demais nutrientes para serem

discutidos a posteriori em uma nova rodada de negociaccedilatildeo Isso demonstra as dificuldades

poliacuteticas de pautar a revisatildeo dos nutrientes em bloco

Essa iniciativa ndash a de proceder Acordos - rompe com a tradiccedilatildeo institucional

brasileira no campo da regulaccedilatildeo de alimentos que natildeo contemplava em seus dispositivos

praacuteticos o monitoramento dos resultados de Acordos com caraacuteter voluntaacuterio

formalizados com as induacutestrias 36 A lei e seus regulamentos complementares

instrumentos com caraacuteter compulsoacuterio e com previsatildeo de sanccedilotildees sempre foram usados

na praacutetica regular da instacircncia de controle sanitaacuterio para disciplinar o comportamento das

induacutestrias de alimentos Essa mudanccedila de estrateacutegia de intervenccedilatildeo foi beneacutefica para as

induacutestrias em duplo sentido a) permitiu prolongar o tempo para adequaccedilatildeo dos seus

produtos e b) evitou sujeitaacute-las a puniccedilotildees por natildeo cumprimento do Acordo Eacute assim que

se expressam as vozes da sociedade civil [] a atividade do governo hoje ela eacute mais no sentido de

relaxar do que de apertar a regulaccedilatildeo (S1) Agora natildeo passa pelo Acordo [] tem que passar pela exigecircncia Eacute

uma medida adequada mas muito tecircnue [] porque o que estaacute em jogo eacute a sauacutede da populaccedilatildeo (S3)

A explicaccedilatildeo para tal atitude eacute de cunho meramente poliacutetico pois a gravidade

refletida pelo padratildeo brasileiro de morbimortalidade e a sua interrelaccedilatildeo com os produtos

alimentiacutecios comprovadas por estudos cientiacuteficos e pelos organismos supranacionais

justifica a implementaccedilatildeo de uma medida incisiva por parte do governo Contudo a falta de

disposiccedilatildeo poliacutetica interna para enfrentar as pressotildees das induacutestrias contraacuterias a esse tipo

36 As instacircncias de vigilacircncia sanitaacuteria estaduais e os laboratoacuterios centrais de sauacutede puacuteblica- LACEN participam do monitoramento dos alimentos envolvidos no acordo com fins de averiguar o cumprimento das metas estabelecidas

190

de medida e a ausecircncia do contraponto efetivo da sociedade fez o governo recuar e optar

por alcanccedilar lentamente os objetivos pretendidos para os produtos alimentiacutecios

Se fosse uma regra compulsoacuteria de abrangecircncia nacional sobre controle de alimentos

o efeito produzido abarcaria a totalidade de induacutestrias forccedilando-as a reduzir os teores dos

nutrientes natildeo saudaacuteveis em prazo especificado Com isso qualquer induacutestria

independentemente da sua vontade estaria sujeita a reduzir os teores desses nutrientes ou

sofreria as sanccedilotildees legais Portanto essa regra suplantaria o alcance do ato administrativo

do Acordo que se restringe somente agravequelas induacutestrias vinculadas agraves entidades que

ratificaram o documento em questatildeo Contudo a opccedilatildeo do governo foi a de envolver poucas

entidades representativas do setor produtivo alimentar mas constituindo um

conglomerado relevante de induacutestrias tanto em termos econocircmicos como de penetraccedilatildeo

de seus produtos no mercado Desse modo ao ser abordado sobre o Acordo um dos

sujeitos da sociedade civil replica Qual eacute o uacutenico valor desses Acordos hoje do ponto de vista eu diria

simboacutelico [] eacute trazer essa questatildeo para a opiniatildeo puacuteblica mas efetivamente em termos de sauacutede A questatildeo

do soacutedio realmente chegou aos ouvidos de todo mundo Entatildeo todo mundo estaacute mais ou menos sensibilizado

com isso (S1)

As empresas globais por meio de seus interlocutores e com a intenccedilatildeo de preservar

os seus interesses mantecircm um canal ativo de articulaccedilatildeo internacional com as unidades de

suas redes de induacutestrias de alimentos Entre as suas tarefas estatildeo dar ciecircncia agraves entidades

vinculadas sobre as criacuteticas pressotildees e mobilizaccedilatildeo no acircmbito internacional dos paiacuteses

das entidades da sociedade civil e dos organismos internacionais com relaccedilatildeo aos produtos

alimentiacutecios e orientar as entidades como melhor se defender nesses episoacutedios O

movimento para alteraccedilatildeo no perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios natildeo eacute uma

iniciativa local mas eacute uma tendecircncia internacional com o respaldo da OMS e FAO que

estatildeo atentos agraves DCNT Isso jaacute despertou a atenccedilatildeo das entidades corporativas do mercado

compelindo-as a comunicar aos seus membros sobre a necessidade de repensar as suas

foacutermulas a fim de anteciparem-se a uma possiacutevel accedilatildeo incisiva dos governos nesse campo

191

[] as multinacionais trouxeram esta ideia porque quando elas fazem uma aplicaccedilatildeo em determinado momento elas estendem isto para o resto do mundo Entatildeo elas receberam a instruccedilatildeo que em um determinado momento teriam que comeccedilar a pensar [] Por laacute jaacute se estudaram as foacutermulas para ver quais eram as alternativas qual o substituto etc Entatildeo noacutes comeccedilamos muito antes do governo acordar para o problema (M1)

Observa-se que a articulaccedilatildeo entre as empresas nacionais e internacionais resultou

somente em intercacircmbio de informaccedilotildees Nenhuma accedilatildeo foi tomada ateacute a manifestaccedilatildeo do

governo Preocupaccedilotildees eacuteticas com determinados riscos dos produtos alimentiacutecios e o seu

envolvimento com as DCNT excluem-se do acircmbito de interesse do mercado global Para

lidar com este assunto as induacutestrias agem somente a partir de pressatildeo poliacutetica

A ingerecircncia das decisotildees das instacircncias intergovernamentais de regulaccedilatildeo de

alimentos no funcionamento interno do paiacutes eacute evidenciada tanto por parte do poder

puacuteblico como do mercado Em um discurso do poder puacuteblico a referecircncia denota uma

mescla de dependecircncia e impotecircncia implicando perda parcial de soberania nacional para

confeccionar suas proacuteprias regras mesmo diante de justificativas consideradas relevantes

para a sauacutede

O processo de se pactuar uma medida regulatoacuteria envolve em especial na aacuterea de alimentos um Acordo internacional porque se trata do Mercosul [] O avanccedilo da agenda regulatoacuteria (componentes nutricionais) dependeraacute primeiro de um tensionamento internacional observado em outras agendas e da construccedilatildeo de uma corrente de apoio ao MS [] e obviamente uma concertaccedilatildeo um apoio da sociedade [] (P4)

Apesar dos compromissos externos no trecho final desse discurso torna-se claro que o

governo depende do poder da sociedade sendo este relevante e estrateacutegico na definiccedilatildeo do

rumo das decisotildees para lidar inclusive com temas polecircmicos como a regulamentaccedilatildeo dos

componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios o que pode levaacute-lo a avanccedilar em suas

propostas para aleacutem do acordado nos pactos internacionais

192

Jaacute do lado do mercado a relaccedilatildeo estabelecida com as instacircncias supranacional e

intragovernamental eacute vista como um meio de expressar suas intenccedilotildees e de exercer suas

influecircncias no rumo das decisotildees apesar de relatar uma atuaccedilatildeo aparentemente limitada

[] a gente acaba participando tambeacutem na discussatildeo dentro do Brasil e depois indiretamente ateacute agraves vezes como observadora no Codex [] Para posicionamento natildeo voto nem veto mas de posicionamento perante o Codex E no Mercosul a gente acaba participando das diferentes comissotildees por meio da Anvisa (M3)

Quando conveniente tais instacircncias satildeo reportadas e reconhecidas como portadoras de

status superior ao do Estado por exemplo quando um sujeito do mercado faz menccedilatildeo agrave

elasticidade do prazo para adequaccedilatildeo das foacutermulas dos produtos alimentiacutecios quanto ao

teor de soacutedio Nas nossas foacutermulas noacutes chegaremos ateacute 2020 conforme preconiza a Organizaccedilatildeo Mundial

[] (M1)

No acircmbito do grupo do poder puacuteblico e da sociedade civil as falas natildeo seguem uma

uniformidade nas posiccedilotildees para tratar da temaacutetica do Acordo Haacute trecircs posiccedilotildees claramente

definidas sobre os Acordos formalizados entre o governo e as induacutestrias a saber a)

favoraacutevel e cabe ao governo contornar as divergecircncias de interesses com as induacutestrias []

o governo precisa ser parceiro das nossas induacutestrias (P4) Eacute uma medida de governanccedila combinada com o

segmento industrial (P3) b) condicionada agrave preservaccedilatildeo da supremacia do interesse puacuteblico e

de outras prerrogativas inerentes ao Estado Eu natildeo vejo problemas em firmar acordos desde que

natildeo tenham contrapartidas que firam o Estado (P1) e c) contraacuteria pois o conteuacutedo negociado eacute de

relevacircncia da sauacutede puacuteblica aleacutem de ser factiacutevel de ser concretizado sob a forma legal Eu

sou totalmente favoraacutevel que o que pode ser legislado sem atropelo e para o bem da populaccedilatildeo deve ser

legislado Eu sou favoraacutevel que haja regulamentaccedilatildeo a natildeo ser que se estabeleccedila um prazo para cumprimento

das regras (P5)

O Acordo transparece a clara intenccedilatildeo do MS e Anvisa enquanto instacircncias

governamentais de escolher uma estrateacutegia de intervenccedilatildeo que produz o menor desgaste

poliacutetico para o governo e impacto econocircmico para o mercado primeiro deveria ter sido feito uma

regra como natildeo foi possiacutevel fez-se um Acordo pois havia o interesse em natildeo prejudicar a induacutestria nacional

(P6) O Acordo entatildeo foi desenhado para amenizar os conflitos evitar turbulecircncias no

campo econocircmico evitar embates diretos com a sociedade civil organizada e enfim

193

adequar paulatinamente a qualidade dos produtos alimentiacutecios apesar do quadro

epidemioloacutegico que eles provocam

O discurso do mercado apresenta-se como salvador da economia e do proacuteprio

Estado pelos seus aportes de emprego pela importacircncia na balanccedila comercial e pelos

tributos que transfere e que garantem o funcionamento da maacutequina estatal [] soacute que noacutes

produzimos noacutes empregamos noacutes pagamos impostos noacutes exportamos noacutes estamos aiacute haacute 150 anos (M1)

Discurso que demonstra simultaneamente forccedila econocircmica e poliacutetica e que intimida de

modo impliacutecito o poder puacuteblico compelindo-o a recuar de fazer arranjos poliacuteticos mais

consistentes para se poupar de possiacuteveis ameaccedilas e retaliaccedilotildees

Acrescenta-se que a Parceria Puacuteblico-Privada em questatildeo altera a rotina

normatizada no governo e muda as feiccedilotildees do fazer no controle de alimentos podendo ter

consequecircncias preocupantes tais como a) o expressivo efeito ideoloacutegico resultante que

encobre os conflitos e leva a uma falsa neutralizaccedilatildeo das diferenccedilas entre os propoacutesitos do

governo e do privado criando a falsa ilusatildeo na sociedade de avanccedilos substanciais em prol

do interesse puacuteblico b) enfraquecimento do caraacuteter legal e legiacutetimo da autoridade do

poder puacuteblico para impor obrigaccedilotildees ao privado funccedilatildeo esta agora intitulada pelo mercado

como autoritarismo e c) criaccedilatildeo de precedentes para o mercado pressionar por uma

relaccedilatildeo interativa pautada em compreensatildeo e parceria em lugar de regras compulsoacuterias

quando do enfrentamento e na defesa de questotildees de interesse puacuteblico

Nesse sentido um dos discursos dos sujeitos do poder puacuteblico eacute ilustrativo em

enaltecer essa flexibilizaccedilatildeo no agir do poder puacuteblico perante o mercado

[] natildeo daacute mais para fazer aquela vigilacircncia de chegar autuar apreender aquela que a gente fazia antigamente quando foi criada a vigilacircncia sanitaacuteria Hoje a vigilacircncia sanitaacuteria moderna se trabalha com o stakeholders com parcerias e eu acho que esse eacute um movimento contemporacircneo Eacute vocecirc trazer a induacutestria para a responsabilidade mostrar para ela a importacircncia e voluntariedade e ela fazer esse movimento de mudanccedila mas isto tem prazo determinado (P4)

194

Atos administrativos reconhecidamente legais e necessaacuterios de serem aplicados em

situaccedilotildees de riscos agrave sauacutede em favor do coletivo convertem-se em uma imagem

depreciativa antiquada e inoportuna no contexto contemporacircneo para aqueles que se

orientam pelo lema ldquomercado tudo poderdquo Salienta-se que essa posiccedilatildeo natildeo eacute hegemocircnica

dentro do grupo do poder puacuteblico conforme trechos de falas antes mencionados e o

discurso que segue Eu acho que a Anvisa natildeo pode fugir dessa responsabilidade porque ela tem que

normatizar e natildeo pode ficar a reboque do mercado Satildeo dificuldades de uma legislaccedilatildeo mais forte para atuar

(P5) A divergecircncia deste discurso em relaccedilatildeo ao anterior reside na interpretaccedilatildeo de que a

interaccedilatildeo puacuteblico-privada e a dispensa do uso da legislaccedilatildeo satildeo um comportamento

acanhado e subserviente do poder puacuteblico perante o mercado Portanto incompatiacutevel com

a relevacircncia social e inapropriado para tratar dos negoacutecios da coletividade

Ao se reportar agrave concepccedilatildeo de Bourdieu (2009) verifica-se que a regulaccedilatildeo de

alimentos enquadra-se perfeitamente como um campo de produccedilatildeo simboacutelica

constituindo-se um espaccedilo de relaccedilotildees de forccedilas sociais onde se confrontam verdades e se

conflitam interesses Os efeitos sociais se modelam a partir dos consensos ou das

divergecircncias originaacuterios do comportamento e das intenccedilotildees dos agentes envolvidos e que

culminam em imposiccedilotildees que se definem e se redefinem ao longo do contiacutenuo trajeto da

luta poliacutetica No momento prevalece o Acordo no amanhatilde poderaacute vigorar a Regulaccedilatildeo

Para ter uma visatildeo sinteacutetica sobre os enunciados matriz postulados e realizaccedilotildees

discursivas que foram abordados eacute apresentado a seguir o Quadro 4

195

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES COMENTAacuteRIOS

Essencialidade do

alimento

O alimento eacute vida por essecircncia A identidade do alimento eacute intocaacutevel e as interferecircncias satildeo incapazes de destituiacute-lo de sua pureza miacutetica O equiliacutebrio do consumo alimentar traduz-se em sauacutede e vida

[] o alimento eacute uma das coisas

fundamentais na vida humana (M1)

O alimento influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos [] (P4) Essa loacutegica consumista que leva agrave obesidade [] (P1)

A adoccedilatildeo desses alimentos sem duacutevida estaacute muito ligada aos prejuiacutezos que a sauacutede tem hoje ndash a quantidade de accediluacutecar sal (P5)

Embora o alimento seja mitificado como fonte de energia e vida para a humanidade e o processamento industrial usado para resgatar as suas propriedades vitais e aumentar o seu tempo de preservaccedilatildeo nos uacuteltimos tempos houve a deformaccedilatildeo do caraacuteter essencial do produto alimentiacutecio deslocando-o da nutriccedilatildeo A mudanccedila na composiccedilatildeo do alimento e os artifiacutecios mercadoloacutegicos utilizados para estimular o consumo associados ao estilo de vida urbano tecircm causado efeitos nocivos agrave sauacutede da populaccedilatildeo

196

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Irreversibilidade do

produto

industrializado

Discute a loacutegica econocircmica de produccedilatildeo de alimentos (com fins exclusivos de lucro e ou de benefiacutecios agrave sauacutede) e o produto alimentiacutecio resultante de um processo tecnoloacutegico comparando-o com a autenticidade (real ou imaginada) do alimento extraiacutedo da natureza

O alimento industrializado ele eacute uma necessidade [] (M2)

Os alimentos industrializados estatildeo imbricados na vida moderna [] (P6)

A pandemia de obesidade estaacute associada ao mercado [] tem alimentos que satildeo viciantes ndash os refrigerantes satildeo viciantes o accediluacutecar vicia (P1)

A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo melhor Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso (M2)

[] natildeo adianta diminuir o nosso produto Ele natildeo engorda com o nosso produto ele vai engordar com o resto com tudo (M1)

A gordura e o accediluacutecar trazem sabor aos alimentos Entatildeo se vocecirc quer cativar um puacuteblico para que ele consuma aquele alimento o lado daquele que estaacute concebendo o alimento vai dizer carregue em sal carregue em accediluacutecar e carregue em gordura (S1)

O produto alimentiacutecio atende agraves expectativas da urbanidade pela sua versatilidade de ser praacutetico acessiacutevel e de ter embalagem descartaacutevel Aleacutem disso dinamiza a economia de consumo pela constante inovaccedilatildeo e substituiccedilatildeo de produtos A tecnologia usada na produccedilatildeo de alimentos assume um caraacuteter contraditoacuterio pois ao mesmo tempo que proporciona certos requisitos de qualidade ao produto causa impactos negativos devastadores desestrutura a cultura alimentar cria dependecircncia fiacutesica e gera diferentes modalidades de doenccedilas Entretanto salienta-se que a qualidade do produto atua como um marcador social e conforma dois grupos os considerados com um perfil nutricional melhor e mais caro e agravequeles que satildeo menos saudaacuteveis de maior risco agrave sauacutede e de custo mais baixo que satildeo consumidos pelas parcelas mais pobres da populaccedilatildeo Nesse ponto alguns sujeitos do mercado estatildeo mais inclinados a concordar com a necessidade de reformular os produtos para atender aos preceitos da nutriccedilatildeo e da sauacutede

197

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Implicaccedilatildeo do

consumidor

O indiviacuteduo sob o prisma neoliberal eacute autocircnomo para fazer as suas escolhas alimentares e portador de saber e de experiecircncias que lhe habilitam a responsabilizar-se pela proteccedilatildeo dos riscos que afetam a sua proacutepria sauacutede

[] o aumento do sedentarismo [] as

pessoas cada vez mais acomodadas [] se exercitam ou fazem menos atividades fiacutesicas Natildeo eacute soacute o alimento (M2)

[] quem eacute o culpado pelos excessos alimentares e as suas consequecircncias eacute o proacuteprio consumidor - eacute o proacuteprio quem consome - eacute o ser humano que na ganacircncia voluacutepia na gula ele exagera naquilo que faz ou natildeo se prepara adequadamente que eacute o proacuteprio culpado (M1)

[] mas a populaccedilatildeo teve um grande incentivo e uma tomada de consciecircncia embora natildeo atingindo o desejaacutevel [] da importacircncia da alimentaccedilatildeo na vida da pessoa (S3)

Haacute uma amostra razoaacutevel que tem mais acesso agraves informaccedilotildees e estatildeo mais sensiacuteveis mas nem sempre agem na praacutetica (P5)

O indiviacuteduo que estaacute inserido na sociedade contemporacircnea regida pelo espiacuterito neoliberal eacute doutrinado a criar mecanismos de autoproteccedilatildeo contra os riscos como praticar o autocuidado almejar a integridade de sua sauacutede e manter seu corpo regulado Em caso contraacuterio ele pode cometer desvios dessa ordem estabelecida No caso dos riscos dos alimentos o consumidor pode assumir duas posiccedilotildees culpado ou viacutetima Do ponto de vista do mercado ele eacute culpado por comer em excesso natildeo ler a rotulagem dos produtos e ter uma vida sedentaacuteria do lado do poder puacuteblico e da sociedade civil ele tende a ser viacutetima por se submeter agraves pressotildees mercadoloacutegicas e pela falta de informaccedilatildeo adequada sobre a alimentaccedilatildeo

198

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Consumidor para trans (formar)

A capacidade de autodefesa do consumidor estaacute nas informaccedilotildees transmitidas que atuam como motor de transformaccedilatildeo da sua consciecircncia e conduta

O governo estaacute cometendo o maior erro da histoacuteria olhando soacute o industrializado e natildeo estaacute focando o resto e noacutes natildeo somos o todo noacutes somos uma parte O governo tem que educar (M1)

O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular [] mas fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo (P1)

[] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover essa agenda (P2)

A educaccedilatildeo eacute apresentada como o uacutenico meio capaz de transformar a conduta do indiviacuteduo e da populaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave praacutetica do consumo de alimentos para permitir o controle dos riscos dela derivados A informaccedilatildeo deve ser utilizada para empoderar a populaccedilatildeo mas sem eximir o Estado do seu dever de refrear os excessos cometidos pelo mercado que repercute na vida social Ressalta-se ainda que face agrave debilidade histoacuterica dos movimentos sociais e o seu distanciamento quanto agraves questotildees da alimentaccedilatildeo fica o Estado incumbido de disseminar as informaccedilotildees para que a populaccedilatildeo eleve a sua consciecircncia e adquira autonomia para gerenciar o seu consumo alimentar

199

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

ldquoRegulaccedilatildeo consentidardquo

O alcance do produto saudaacutevel natildeo se limita exclusivamente agraves disposiccedilotildees legais mas envolve uma governanccedila regulatoacuteria acordada entre as partes interessadas com a conciliaccedilatildeo de interesses do mercado e da sociedade

A experiecircncia eacute o seguinte noacutes achamos que existe uma maneira de educar de fazer as coisas acontecerem Eacute fazer em conjunto o esforccedilo para fazer diminuir retirar os alimentos retirar esses ingredientes [] Entatildeo o radicalismo uma regulamentaccedilatildeo ela fecha e natildeo daacute a flexibilidade que o Acordo faz O Acordo eacute uma coisa de compreensatildeo porque vocecirc natildeo pode de uma hora para outra mudar uma foacutermula A regulamentaccedilatildeo tem que ter plena consciecircncia (M1) Esses Acordos satildeo necessaacuterios mas insuficientes e tiacutemidos no que diz respeito agraves suas metas [] satildeo metas fracas e que natildeo exigem nenhum esforccedilo da induacutestria ou muito pouco (S1) Eu acho que a Anvisa natildeo pode fugir dessa responsabilidade porque ela tem que normatizar e natildeo pode ficar a reboque do mercado Satildeo dificuldades de uma legislaccedilatildeo mais forte para atuar (P5) Eu acho que tem essa visatildeo hoje - Parceria Puacuteblico-Privada ndash que na verdade [] eu percebo que tem um risco [] de uma privatizaccedilatildeo de conceder um poder como se o mercado pudesse regular (S2)

Os pactos formais instituiacutedos pelo governo com as induacutestrias para a reformulaccedilatildeo do perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios eacute objeto de controveacutersia nas leituras do mercado do poder puacuteblico e da sociedade civil Ao discutir o Acordo e a regulamentaccedilatildeo o mercado opina que o primeiro simboliza uma manifestaccedilatildeo de compreensatildeo e de flexibilidade enquanto o segundo representaria radicalismo e autoritarismo por parte do governo O poder puacuteblico e a sociedade civil exprimem diferentes pontos de vista sobre o assunto Uma parte admite a necessidade do Acordo poreacutem afirma a fragilidade das metas e avalia que o governo recuou perante agraves demandas da induacutestria diante da gravidade do panorama epidemioloacutegico para outra o fato do ente regulador se eximir de adotar a regulamentaccedilatildeo com previsatildeo de sanccedilatildeo significa colocar-se numa posiccedilatildeo de subserviecircncia perante o mercado o que revela fraqueza daquele que eacute responsaacutevel por promover o bem-estar de toda a coletividade

62 A ldquoAlimentaccedilatildeordquo e ldquoNutriccedilatildeordquo geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas

Com a exploraccedilatildeo dos enunciados matriz dois termos semacircnticos elementares

destacaram-se na construccedilatildeo dos discursos alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo a partir dos quais

surge um leque de significaccedilotildees com possibilidades de variaccedilotildees distintas que podem ser

expostas recorrendo agrave topologia do quadrado semioacutetico inicialmente elaborado por

Greimas (1970) para pensar a programaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo dos objetos de discurso e de seus

valores

A aplicaccedilatildeo do modelo Quadrado Semioacutetico nesta tese tem caraacuteter meramente

ilustrativo com a finalidade de suscitar a possibilidade de exploraccedilatildeo dos termos

semacircnticos da Nutriccedilatildeo por meio desse modelo Contudo ressalta-se que natildeo se pretende

aqui esgotar a discussatildeo sobre a sua aplicabilidade e validaccedilatildeo no campo da Nutriccedilatildeo

Considerando que a significaccedilatildeo eacute algo que se constroacutei o quadrado semioacutetico parte

do pressuposto de que todo o discurso segue um modelo de competecircncia que potildee em jogo

uma relaccedilatildeo entre quatro termos concebida como fundadora de sua estrutura significante

Tal quadrado remete a ideia de que qualquer narraccedilatildeo se embasa em uma relaccedilatildeo dual

entre a noccedilatildeo e o seu contraacuterio semacircntico (alimentaccedilatildeo versus nutriccedilatildeo) cada um desses

polos implicando o seu contraditoacuterio (natildeo alimentaccedilatildeo e natildeo nutriccedilatildeo) conforme

apresentado na Figura 1

Desse modo todo o discurso emana da realizaccedilatildeo de um percurso constante e

descontiacutenuo de uma posiccedilatildeo a outra nesses dois eixos (o eixo da contrariedade implicando

o da sub-contrariedade) Este percurso gera no seu desenvolvimento as suas significaccedilotildees

conforme o programa narrativo e figurativo projetado pela relaccedilatildeo quaternaacuteria

fundamental e variando de acordo com o universo de atuaccedilatildeo do seu enunciador Enfim o

quadrado representa de forma sinteacutetica como a produccedilatildeo de sentido em suas muacuteltiplas

variaccedilotildees circunscreve-se num dado campo semacircntico Segundo Barros (2005) essa

197

201

representaccedilatildeo visual demonstra por um lado como uma estrutura elementar intricada em

uma rede de relaccedilotildees se reduz a uma uacutenica relaccedilatildeo e por outro como a pureza da diferenccedila

inexiste e escapa da dinacircmica do mundo social

Nesse sentido a Figura 1 apresenta distintas possibilidades de significaccedilotildees que

circulam nesse campo semacircntico

- O eixo alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo Configura um discurso no qual o ser eacute visto

em sua integralidade dotado de liberdade e de autonomia para organizar o

seu modo de existecircncia Ser que eacute tambeacutem um cidadatildeo que usufrui de um

conjunto de direitos que lhe possibilita condiccedilotildees dignas para manter a vida

e portanto a integridade da sauacutede Desse modo um ser consciente e

qualificado para realizar um consumo equilibrado e que se beneficia de

produtos alimentiacutecios que atendem as suas necessidades nutricionais a sua

cultura alimentar aleacutem de lhe proporcionar prazer Como agente de um

processo democraacutetico a sua presenccedila no coletivo se volta para a defesa e luta

pelas demandas coletivas deixando como subordinadas as demais

Valorizamos muito a conquista que tivemos que incluir na Constituiccedilatildeo ndash o direito agrave

alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel como parte do artigo 60 que fala dos direitos sociais (S2)

Eacute sob essa perspectiva que se desenha uma poliacutetica de seguranccedila alimentar e

nutricional integradora das diferentes faces do sistema produtivo de

alimentos e que permita a realizaccedilatildeo do direito de todos ao acesso regular

aos alimentos em termos de quantidade e qualidade compatiacuteveis com os

valores culturais e com uma produccedilatildeo enlaccedilada a uma poliacutetica econocircmica

social e ambientalmente sustentaacutevel

202

Figura 1 Quadrado semioacutetico da alimentaccedilatildeo amp nutriccedilatildeo

ALIMENTACcedilAtildeO NUTRICcedilAtildeO

NAtildeO ALIMENTACcedilAtildeO

NAtildeO NUTRICcedilAtildeO

POLIacuteTICA DE SEGURANCcedilA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Integraccedilatildeo do Ser

Pessoa Inteira

Sujeito Cidadatildeo de Direito

CONSUMO EQUILIBRADO- Eutrofia

Produtos que NUTREM Sociedade Tudo Pode

Equiconsumo Vitalismo

POLIacuteTICA DE PROTECcedilAtildeO

Coisificaccedilatildeo do Ser Pessoa Massificada

Sujeito Consumidor

CONSUMO EXCESSIVO-Obesidade

Produtos que NAtildeO NUTREM

Mercado Tudo Pode

Hiperconsumo Consumismo

POLIacuteTICA DE LIBERACcedilAtildeO

Terrorizaccedilatildeo do Ser

Pessoa Frugal

Sujeito Alienado

CONSUMO RESTRITIVO Anorexia

Produtos que NAtildeO ALIMENTAM

Indiviacuteduo Tudo Pode

Hipoconsumo Ascetismo

POLIacuteTICA DE REPARTICcedilAtildeO

Discriminaccedilatildeo do Ser Pessoa Marginalizada

Sujeito Faminto

CONSUMO REPRIMIDO Desnutriccedilatildeo

Produtos que FALTAM Sociedade Nada Pode

Hipoconsumo Mortalismo

203

- O eixo natildeo nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo Constitui o eixo oposto no qual o discurso se

inverte em seu conteuacutedo O ser fica reduzido a uma subcategoria do gecircnero humano

destituiacutedo dos meios imprescindiacuteveis para viabilizar a plenitude da vida e apenas o

instinto natural o faz resistir e sobreviver diante do desprezo da sociedade O

consumo limitado de alimentos natildeo sacia a fome e degrada a sauacutede produzindo

carecircncias e outras doenccedilas que apenas ajudam a acelerar o fim da existecircncia do

indiviacuteduo ou do coletivo [] natildeo eacute passando fome natildeo eacute com uma dieta que natildeo atenda as

necessidades daquela pessoa e sim num processo de mudanccedila de haacutebito (S3) Segundo Valente

(2003) com o seu direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada negado excluiacutedos da

cidadania e natildeo dignos para portar status de igualdade em uma sociedade

estratificada e segregadora esses seres quase-cidadatildeos dependem de uma poliacutetica

puacuteblica com caraacuteter distributivo e socialmente justa dirigida para garantir a todos o

acesso aos alimentos em termos quali-quantitativo para satisfazer as suas

necessidades nutricionais possibilitar a estabilidade da sauacutede ampliaccedilatildeo da

expectativa de vida e especialmente que os reconheccedila como cidadatildeos portadores de

direitos

- O eixo nutriccedilatildeo natildeo alimentaccedilatildeo O discurso que daqui deriva aponta para o

massacre do ser humano ao se guiar pelos valores da esteacutetica corporal que

conformam a ideologia dominante a qual define tambeacutem os criteacuterios de aceitaccedilatildeo

social e pessoal e concomitante guia as praacuteticas alimentares (CONTRERAS amp

GRACIA 2011) Ao indiviacuteduo entatildeo cabe privar-se ldquovoluntariamenterdquo do consumo

alimentar permitindo-se apenas obter o combustiacutevel miacutenimo necessaacuterio agrave vida Se

ele julgar que houve consumo de alimentos em excesso rapidamente os expelem

mantendo-se sob a ldquorigidez do controlerdquo A rejeiccedilatildeo dos alimentos natildeo acontece

isoladamente ela se conjuga agrave rejeiccedilatildeo do prazer e ambas comprometem a sauacutede

Esse quadro que termina por levar a um processo de desinteresse pela vida O

indiviacuteduo ser livre e autocircnomo se predispotildee a sujeitar-se agraves pressotildees sociais que

ditam o ideal do perfil corpoacutereo e ao se deparar com os insucessos encara-os como

questatildeo de fracasso moral Tal comportamento individual ao se multiplicar passa a

ser assumido como questatildeo social O movimento requerido vai em direccedilatildeo de

204

libertar os cidadatildeos dessa opressatildeo ideoloacutegica rediscutindo e reprimindo os meios e

as estrateacutegias utilizados especialmente pela miacutedia para disseminar esses valores

deformados de esteacutetica corporal

- O eixo alimentaccedilatildeonatildeo nutriccedilatildeo O discurso se inicia com a reduccedilatildeo do sujeito a

um objeto Segundo Bauman (2008) na sociedade atual o consumo eacute visto como

vocaccedilatildeo de cada indiviacuteduo ou seja como direito e dever humano universal Assim o

sujeito eacute capturado pelo mercado e passa a ser viacutetima da induccedilatildeo para a compra

compulsiva de bens no caso de produtos alimentiacutecios ao ponto de perder o seu

autocontrole e comprometer a sua proacutepria sauacutede Eacute preciso libertar o ser humano que tem

dentro de cada consumidor para que natildeo se apequene o ser humano e se agigante a condiccedilatildeo do

consumidor para que se tenha o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilatildeo sobre os alimentos que satildeo

fornecidos em espaccedilos puacuteblicos (P5)

No campo dos alimentos o consumismo se concretiza pela contiacutenua oferta

diversificada e socialmente diferenciada de produtos sempre em constante

renovaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo para despertar interesses e vontades nos consumidores Essa

loacutegica consumista que leva a obesidade natildeo apenas do corpo mas a obesidade do pensamento dos

sentidos O consumismo eacute uma expressatildeo dessa sociedade atual e que dialoga muito com a

drogadiccedilatildeo inclusive porque significa a busca de um prazer imediato e fulgaz (P1)

O mercado natildeo se democratiza mas se estratifica e passa a fornecer produtos

para usufruto dos grupos de consumidores mais pobres Satildeo produtos alimentiacutecios

com perfil diferenciado que portam certos atributos como qualidade nutricional

inferior baixo preccedilo alto poder gustativo e expressatildeo simboacutelica de status social

A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo maior Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso Quanto mais as pessoas tiverem condiccedilotildees mais elas vatildeo procurar este tipo de produto Entatildeo se vocecirc tivesse um volume maior de produccedilatildeo vocecirc conseguiria reduzir mas ele por si soacute jaacute eacute mais caro (M1)

Produtos alimentiacutecios que saciam a fome mas em compensaccedilatildeo natildeo nutrem

e geram problemas de inseguranccedila alimentar no consumidor Para conter os

desmandos do mercado satildeo necessaacuterias medidas de proteccedilatildeo - como as que regulem

205

a qualidade nutricional dos alimentos e a sua publicidade e promovam a alimentaccedilatildeo

saudaacutevel - para restabelecer praacuteticas alimentares promotoras de sauacutede Ningueacutem pode

esperar que o mercado seja compatiacutevel espontaneamente com os direitos sociais em especial da

sauacutede porque ele eacute vocacionado para o lucro Entatildeo precisa estar sempre regulado controlado

socialmente e com o Estado sendo seu componente maior (P5) O indiviacuteduo para ser

consumidor consciente precisa adquirir o status de cidadatildeo ou seja aquele que eacute

livre e autocircnomo para fazer escolhas e reflexivo antes da tomada de decisatildeo

Conforme apresentado no Quadrado Semioacutetico (Figura 1) o conjunto das posiccedilotildees

percorridas pelos discursos dos entrevistados (concentrado entre a dicotomia

alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo e a subcontraacuteria natildeo-alimentaccedilatildeonatildeo-nutriccedilatildeo) produz significaccedilotildees

diferentes segundo o papel temaacutetico que os enunciadores adotam e se reportam ao outro

como sujeitos e atores sociais Embora a representaccedilatildeo visual dos termos

alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo tenha possibilitado moldar diferentes tipos de discursos estudados

as posiccedilotildees polecircmicas localizaram-se essencialmente nos eixos alimentaccedilatildeonatildeo nutriccedilatildeo

(que discute a qualidade do alimento industrializado) e alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo (que

questiona as alternativas para se alcanccedilar um equiliacutebrio da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo para

todos) Embora as temaacuteticas dos dois outros eixos (natildeo alimentaccedilatildeo natildeo nutriccedilatildeo e

nutriccedilatildeo natildeo alimentaccedilatildeo) natildeo estejam presentes no corpus analisado estas remetem a

potencialidades discursivas que podem aparecer ou natildeo segundo os contextos e os

protagonistas da enunciaccedilatildeo na forma de delineamentos de um contra-discurso cujos

efeitos jaacute estatildeo superados (a extrema miseacuteria alimentar e o sujeito faminto no caso do eixo

natildeo nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo) ou que natildeo tecircm expressividade que justifique uma accedilatildeo

sistemaacutetica do poder puacuteblico (transtornos do comportamento alimentar no eixo

nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo)

O esquema representa uma aproximaccedilatildeo incipiente da teoria narrativa e foi elaborado

com a intenccedilatildeo de demonstrar resumidamente de maneira clara e raacutepida - mas tambeacutem

resgatando a complexa interdependecircncia das representaccedilotildees em jogo - as evidecircncias

identificadas de conjunccedilotildees e disjunccedilotildees das reflexotildees e accedilotildees entre os discursos dos

206

distintos sujeitos pesquisados e vinculados a cada um destes loci de atuaccedilatildeo ndash mercado

poder puacuteblico ou sociedade civil

Face ao exposto essa esquematizaccedilatildeo assim como as interpretaccedilotildees e os comentaacuterios

dela derivados objetivam delimitar com precisatildeo mas sem esgotar a dialeacutetica dos

cruzamentos entre cada um o conjunto significante formado pelos discursos Tambeacutem

pretende traccedilar sob a nossa perspectiva como funcionam as loacutegicas de atuaccedilatildeo na

tentativa de responder a partir de quais representaccedilotildees (imaginaacuterias e pragmaacuteticas)

concordacircncias deslocamentos oposiccedilotildees e de que modo os sujeitos encaram a interligaccedilatildeo

geneacuterica e especiacutefica dos processos da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e as possiacuteveis

transformaccedilotildees considerando as forccedilas atrativas do mercado do poder poliacutetico e da

sociedade

63 Regulaccedilatildeo dos riscos dos alimentos ideologias interesses e poder

O conceito da ideologia de Thompson (THOMPSON 2000) conforme mencionado no

iniacutecio deste trabalho se refere agraves diferentes maneiras como as FS e o sentido por elas

mobilizados constroem a realidade social e servem para estabelecer e sustentar relaccedilotildees

de poder Satildeo duas accedilotildees centradas no ldquosentidordquo com finalidades especiacuteficas mas com

interdependecircncia cujo efeito conjunto norteia o processo de compreensatildeo e de realizaccedilatildeo

da ideologia A primeira demonstra como o sentido enquanto criaccedilatildeo ativa e contiacutenua

institui as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre grupos e pessoas e a segunda revela como o

sentido atua para manter e reproduzir as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo por meio de uma via

dinacircmica de produccedilatildeo e recepccedilatildeo de FS

A compreensatildeo das FS como ideoloacutegicas depende dessa relaccedilatildeo interativa de sentido

e poder a qual eacute indissociaacutevel do contexto socialmente estruturado onde se efetiva a sua

operacionalizaccedilatildeo Quanto a esse aspecto contextual o referido autor parte do pressuposto

de que a distribuiccedilatildeo e o acesso aos vaacuterios tipos de recursos natildeo eacute uniforme para as pessoas

207

e os grupos Haacute diferenciaccedilotildees sistemaacuteticas que permitem agraves pessoas e aos grupos em

virtude de seu posicionamento no contexto social e das qualificaccedilotildees (intelectuais e

econocircmicas) incorporadas se apropriarem de diferentes quantidades de recursos e de

distintos graus de acesso a eles

Esclarece ainda que esses recursos satildeo na verdade graus de poder entendidos

como uma capacidade que certas pessoas detecircm socialmente ou institucionalmente para

transformar a realidade dos fatos sociais influenciar decisotildees concretizar seus objetivos e

realizar seus interesses Salienta tambeacutem que o ldquopoderrdquo implica obrigatoriamente

relaccedilotildees sistematicamente assimeacutetricas Haacute grupos particulares que em comparaccedilatildeo aos

outros dispotildeem de um quantum diferenciado de poder de forma permanente e relevante

independentemente da situaccedilatildeo que estaacute sob questatildeo

Os discursos agrupados do mercado do governo e da sociedade civil quanto agrave

regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios para interferir no perfil

das DCNT compotildeem versotildees de um evento da realidade social construiacutedas coletivamente

com estilos enredos e argumentos proacuteprios de cada uma dessas representaccedilotildees Eacute a

ideologia o constituinte essencial desses discursos encarregando-se de mobilizar os

significados e de revelar como estes se entrecruzam com as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo

formatando e distinguindo os discursos bem como explicitando os conflitos e as

desigualdades de interesses

A ideologia dos discursos sobre a regulaccedilatildeo dos alimentos flui de maneira anaacuteloga a

um jogo de tabuleiro com trecircs peccedilas estrateacutegicas que ao se movimentarem fazem

transparecer a trama do poder a qual seraacute sintetizada a seguir Para o mercado o que lhe

interessa eacute a acumulaccedilatildeo do capital Eacute usufruir dos avanccedilos tecnoloacutegicos para aperfeiccediloar e

expandir a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo de produtos alimentiacutecios com fins de inquietar

continuamente os consumidores com seus produtos diversificados Para isso utiliza-se do

seu poder econocircmico e poliacutetico para desfazer quaisquer obstaacuteculos que ameacem o sucesso

desse empreendimento O advento da globalizaccedilatildeo da economia apenas consagrou o seu

fortalecimento As empresas assumiram uma nova reconfiguraccedilatildeo no cenaacuterio mundial

208

formando corporaccedilotildees e tornando-se protagonistas do mapa econocircmico do mundo Essas

corporaccedilotildees transnacionais se desvinculam de um espaccedilo geograacutefico especiacutefico e se

qualificam para fazer a distribuiccedilatildeo planetaacuteria de seus produtos influenciar as decisotildees do

poder puacuteblico manter e viabilizar o seu negoacutecio inclusive para tornar justa a concorrecircncia

entre os seus pares Comeccedilam tambeacutem a interferir nas instituiccedilotildees de normatizaccedilatildeo do

comeacutercio de alimentos supranacionais e locais exercendo marcantes influecircncias nas

decisotildees proferidas nessas instacircncias Frente agrave emergecircncia de potencializar a intensificaccedilatildeo

dos lucros tais corporaccedilotildees reconfiguram o perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios de

maneira uniforme com ingredientes baratos poucos nutritivos e de baixo custo em

seguida adotam estrateacutegias variadas para homogeneizar o padratildeo de consumo e dissolver o

caleidoscoacutepio de valores culturais e praacuteticas alimentares presentes nas sociedades Para o

mercado as ldquoidiossincrasiasrdquo relativas aos produtos alimentiacutecios advecircm do consumidor

que eacute inativo e consome em excesso Do resultado desse ldquoprogresso econocircmico globalrdquo

surgem aleacutem do exorbitante lucro privado os riscos agrave sauacutede (DCNT) que se expandem

continuamente pelo planeta

O poder puacuteblico eacute incitado cada vez mais para intervir e disciplinar o mercado diante

dos riscos dos alimentos que se complexificam com as sofisticadas tecnologias Mas antes

de agir aquele eacute obrigado a considerar os pactos internacionais e regional ndash Mercosul ndash que

limitam a liberdade e autonomia da sua proacutepria accedilatildeo - assim como aferir a sua capacidade

interna e as repercussotildees de uma potencial intervenccedilatildeo A estrutura fragilizada do poder

puacuteblico denuncia a dificuldade poliacutetica para contrapor aos interesses do mercado A soluccedilatildeo

para contornar as externalidades do mercado de produtos alimentiacutecios refletidas no campo

da sauacutede eacute amenizada com o uso de instrumentos natildeo usuais e deacutebeis (Acordos) quando

comparados agraves regras compulsoacuterias e punitivas para reduccedilatildeo dos componentes

nutricionais prejudiciais presentes nesses produtos Esse Acordo firmando entre o governo

e as entidades industriais aleacutem de representar um desvio da rotina institucionalizada foi

delineado em meio a uma governanccedila comprometida sem a presenccedila da sociedade civil

organizada A pressatildeo poderosa do mercado associada agrave fragilidade poliacutetica do poder

puacuteblico faz com que o primeiro determine que o atendimento dos interesses sociais seja

negociado gradualmente por acordos que impliquem reajustamentos miacutenimos ao mercado

209

Assim perante uma correlaccedilatildeo de forccedilas desigual entre os entes o Acordo foi a opccedilatildeo eleita

pelo poder puacuteblico para administrar os interesses divergentes entre o mercado e a

coletividade Todavia o impasse entre garantir agrave sauacutede ou interferir no ritmo acelerado de

acumulaccedilatildeo de capital ainda natildeo foi superado

A sociedade civil organizada embora atenta aos riscos dos alimentos e agrave

necessidade de regulaccedilatildeo reconhece a incipiente mobilizaccedilatildeo do coletivo e a importacircncia

de sensibilizar os grupos sociais para incluir esse tema nas pautas reivindicatoacuterias Seu

poder eacute limitados e reduzido para confrontar-se com os interesses do mercado e alcanccedilar

um sucesso imediato Contudo a falta de participaccedilatildeo ativa e sistemaacutetica da sociedade nos

processos decisoacuterios para conter os riscos dos alimentos compromete tanto a forma de

vocalizar os seus interesses de sauacutede quanto a sua capacidade de influenciar a accedilatildeo do

poder puacuteblico em prol de valorizar as demandas coletivas Dessa forma a aspiraccedilatildeo da

efetiva prevenccedilatildeo das doenccedilas que em parte derivam da conduta insalubre do mercado

fica protelada assim como a garantia do pleno direito agrave sauacutede

Considerando ainda essas trecircs seacuteries de discursos que abordam a validade da

regulaccedilatildeo do poder puacuteblico como estrateacutegia para controlar os riscos da composiccedilatildeo

nutricional dos produtos alimentiacutecios estabelecendo a sua extensatildeo e limitaccedilatildeo eacute possiacutevel

tambeacutem destacar o traccedilo dominante do discurso de cada grupo e em seguida classificaacute-lo

conforme a tipologia de Thompson (2000) sobre o modus operandi da ideologia

A primeira seacuterie de discursos oriunda do grupo do mercado fala a liacutengua dos

interesses econocircmicos na qual a qualidade intriacutenseca do alimento junto com a eficaacutecia do

livre funcionamento do mercado asseguram os progressos da produccedilatildeo possibilitando o

acesso aos produtos alimentiacutecios por todas as camadas da sociedade o que requer uma

intervenccedilatildeo limitada do poder puacuteblico Aqui a ideologia opera pela legitimaccedilatildeo mediante

o uso da estrateacutegia da universalizaccedilatildeo na qual os interesses de um grupo satildeo

apresentados como estando a serviccedilo do coletivo

210

A segunda seacuterie representadas pelos sujeitos do poder puacuteblico fala a liacutengua do

dever institucional de regulaccedilatildeo dos alimentos em favor da manutenccedilatildeo e do

aprimoramento do mercado por meio de leis ou acordos para que o mercado possa

satisfazer as necessidades de todos segundo os desejos da sociedade Nesse caso a

ideologia realiza-se pela legitimaccedilatildeo por meio da estrateacutegia da racionalizaccedilatildeo a qual

utiliza uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenio com apelo para a legalidade para defender ou

justificar uma praacutetica ou procedimento

A terceira seacuterie que congrega o grupo da sociedade civil fala a liacutengua dos direitos do

cidadatildeo o indiviacuteduo eacute portador de direitos amplos e extensivos como o de ter sauacutede

conquistados numa sociedade democraacutetica Esses direitos definem os limites do mercado e

igualmente os do Estado e aqueles natildeo devem ser ultrapassados pela accedilatildeo destes dois

atores O modo de operaccedilatildeo da ideologia eacute o da unificaccedilatildeo pela via da estrateacutegia da

padronizaccedilatildeo na qual se daacute ecircnfase agrave importacircncia da melhoria da qualidade nutricional dos

produtos alimentiacutecios em prol da sauacutede de todos Essa distinccedilatildeo se apoia em fundamentos

teacutecnico-poliacuteticos partilhados e aceitaacuteveis que servem para criar uma unidade coletiva entre

os grupos de cidadatildeos independente dos contextos diferenciados de consumo de alimentos

que eles partilhem

Apesar das marcas ideoloacutegicas especiacuteficas de cada grupo de sujeitos o que se

sobressai eacute um mundo regido pela ideologia neoliberal onde o mercado e a sociedade

seguem seus cursos dentro da normalidade quem destoa eacute o indiviacuteduo que natildeo estaacute apto

para ter uma relaccedilatildeo eficaz e saudaacutevel com a sua alimentaccedilatildeo ou seja consome produtos

alimentiacutecios em excesso e adota uma vida sedentaacuteria contrariando as expectativas que o

mercado e o poder puacuteblico tecircm sobre ele Doutrina essa pautada em um pensamento linear

reduzido agrave dimensatildeo econocircmica ancorado no mercado totalmente incompatiacutevel com uma

visatildeo de sociedade solidaacuteria e justa Mas por ora uma visatildeo ainda hegemocircnica

211

CONCLUSAtildeO

A sociedade contemporacircnea em geral quando inserida em um contexto de

globalizaccedilatildeo econocircmica e cultural perde o referencial do local e do global quando se trata

dos riscos emergentes dos alimentos As instituiccedilotildees representantes do Estado por sua vez

desfazem-se de parte da soberania local optando por agir de modo pactuado com os atores

supranacionais que normatizam o comeacutercio mundial de alimentos como a OMS FAO e OMC

Enquanto isso as corporaccedilotildees e os conglomerados transnacionais usufruem dos recursos

teacutecnicos e intelectuais para desenvolver novos produtos expandir mercados e potencializar

o capital global Esses satildeo os atores globais os que idealizam diversos tipos de cartografias

do mundo com fins econocircmicos e poliacuteticos para influenciar as decisotildees governamentais em

acircmbito nacional regional e internacional Eacute sob esse conjunto de influecircncias que a regulaccedilatildeo

do mercado pelo poder puacuteblico nacional se realiza

Com base nessas consideraccedilotildees regular os riscos emergentes dos alimentos constitui

uma tarefa desafiadora para os governos nacionais As prescriccedilotildees dos organismos

internacionais competentes estimulando e convocando os Estados a intervirem nos

produtos alimentiacutecios com altos teores de gorduras saturadas accediluacutecares e sal satildeo

insuficientes Ressalta-se que as elevadas prevalecircncias de obesidade e de outras DCNT e a

pressatildeo das induacutestrias transnacionais desinteressadas em modificar tais produtos que satildeo

importantes fontes lucrativas conformam um ambiente de conflitos e de tensotildees para

regular os alimentos Regulaccedilatildeo esta que tem por finalidade a prevenccedilatildeo de riscos agrave sauacutede

associados ao consumo desses produtos

Apesar da relaccedilatildeo direta dos produtos alimentiacutecios com a obesidade e as DCNT

esses componentes nutricionais em excesso natildeo satildeo necessariamente reconhecidos pelos

diferentes setores sociais como danosos agrave sauacutede e portanto deixam de ser tratados como

tal Contudo as instituiccedilotildees puacuteblicas de sauacutede assim os reconhecem e vecircm se empenhando

em estabelecer compromissos bilaterais com as induacutestrias de alimentos para a reduccedilatildeo de

nutrientes tais como gorduras saturadas accediluacutecares e sal Poreacutem a efetiva regulaccedilatildeo natildeo se

212

concretizou inclusive por dificuldades do proacuteprio governo brasileiro em confrontar

diretamente os interesses do mercado O governo entatildeo decidiu adotar a estrateacutegia de

formulaccedilatildeo de Acordos de Cooperaccedilatildeo entre as partes ou seja o Ministeacuterio da Sauacutede e um

grupo de entidades das induacutestrias Nas instituiccedilotildees puacuteblicas a governanccedila instituiacuteda parecia

firmar-se como um avanccedilo da praacutetica democraacutetica (consulta puacuteblica audiecircncia puacuteblica

agenda regulatoacuteria etc) mas logo retrocedeu com o advento dos Acordos Nesse processo de

negociaccedilatildeo natildeo houve a participaccedilatildeo da sociedade civil - justamente o segmento social mais

afetado abalando assim as bases que regem a boa governanccedila

A essecircncia desta tese concentrou-se nos discursos formulados por trecircs grupos dos

sujeitos investigados e vinculados a trecircs campos de atuaccedilatildeo distintos o mercado o poder

puacuteblico e a sociedade civil A partir de posiccedilatildeo divergente quanto aos riscos agrave sauacutede

relacionados a esses produtos eles traccedilaram rumos distintos para a regulaccedilatildeo dos riscos

dos alimentos Os sujeitos vinculados ao mercado defendem o Acordo como uma alternativa

justa e correta aqueles ligados ao poder puacuteblico dividem-se entre a defesa dos acordos e a

necessidade de regras compulsoacuterias e por fim os representantes da sociedade civil satildeo

unacircnimes na defesa da medida de regulamentaccedilatildeo (regras compulsoacuterias) Diante disso

observa-se que a hipoacutetese antes formulada37 foi confirmada em sua parte inicial Natildeo haacute

forccedilas poliacuteticas suficientes para impor agraves induacutestrias regras com caraacuteter compulsoacuterio para

reduzir os teores de nutrientes em prazos curtos e aplicar sanccedilotildees em caso de

descumprimento tendo por objetivo a reformulaccedilatildeo da composiccedilatildeo nutricional desses

produtos

No que se refere agrave parte complementar da hipoacutetese o modo de a induacutestria encarar o

problema da relaccedilatildeo entre os alimentos e as DCNT tambeacutem foi confirmado Para a induacutestria

o indiviacuteduo eacute o responsaacutevel pelo comportamento de risco por natildeo saber eleger

corretamente os alimentos e por consumi-los em excesso

37 Hipoacutetese norteadora da tese apesar de reconhecer que a regulaccedilatildeo puacuteblica dos alimentos eacute uma das estrateacutegias poliacutetico-operacionais necessaacuterias para intervir nos riscos emergentes dos alimentos as forccedilas poliacuteticas no Estado atual satildeo insuficientes para concretizaacute-las com efetividade em decorrecircncia do poder das induacutestrias - que reagem atribuindo a responsabilidade dos distuacuterbios nutricionais aos consumidores e minimizando as reivindicaccedilotildees da sociedade civil

213

O reconhecimento do indiviacuteduo enquanto viacutetima devido agraves pressotildees do ritmo

acelerado da vida cotidiana agraves induccedilotildees sistemaacuteticas impostas pelo mercado de alimentos

por diferentes mecanismos e agrave omissatildeo das instituiccedilotildees puacuteblicas de controle praticamente

ficou obscurecido Apenas um discurso do sujeito do mercado insinuava um

comportamento desviante do mercado Reaccedilatildeo contraacuteria ao que ocorreu com os sujeitos da

sociedade civil que enfatizaram a parcela de responsabilidade da induacutestria

Ao mesmo tempo em que os sujeitos do mercado negam a fragilidade do consumidor

diante do poderio do mercado enaltecem o produto alimentiacutecio enquanto fonte de vida

sauacutede e longevidade Para eles os possiacuteveis riscos que os produtos podem carrear

constituem situaccedilotildees raras diante do conjunto de medidas de controle implementadas

pelas proacuteprias induacutestrias

Com base nos resultados desta tese eacute possiacutevel afirmar que regular os riscos dos

alimentos constitui uma arena poliacutetica onde se pautam demandas puacuteblicas no seio de

disputas de interesses de grande envergadura Agrave medida que o pensamento neoliberal se

fortalece nas instituiccedilotildees do poder puacuteblico e o mercado se coloca num patamar de

superioridade a participaccedilatildeo ativa da sociedade civil organizada passa a ser estrateacutegica

para a defesa efetiva dos interesses de sauacutede Essa participaccedilatildeo da sociedade quando

legiacutetima faz o elo com o governo para fazecirc-lo cumprir a sua missatildeo na defesa das questotildees

puacuteblicas de sauacutede puacuteblica

O poder puacuteblico ao optar por disciplinar o mercado de alimentos contando apenas

com a participaccedilatildeo desse segmento reduziu o seu poder de barganha e tornou-se mais

vulneraacutevel aos pleitos do mercado A sociedade civil organizada se envolvida nesse

processo de negociaccedilatildeo e pactuaccedilatildeo atuaria como contraponto pois ela eacute

indubitavelmente o representante que em geral se identifica e se alia com os interesses e

necessidades do povo

A garantia de alimentos saudaacuteveis eacute um direito do cidadatildeo dever do mercado e objeto

de controle por parte do Estado Poreacutem transformar gente em cidadatildeos saudaacuteveis implica

reconhecer o acesso agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave sauacutede e agrave nutriccedilatildeo como direito

214

fundamental de cada pessoa Para tanto satildeo necessaacuterios o respeito a praacuteticas e haacutebitos

alimentares e a valorizaccedilatildeo da sauacutede das pessoas entre outros aspectos para que todos

possam exercer plenamente a sua cidadania

Face ao exposto destaca-se que em estudos dessa natureza envolvendo um objeto de

investigaccedilatildeo complexo e multidimensional situando-se na fronteira de intersecccedilatildeo entre o

scio-histoacutericosoacutecio atual o nacionalinternacional o institucional particular o

poliacuteticoteacutecnico e o fisioloacutegicosimboacutelico permeado por uma constelaccedilatildeo temaacutetica e de

valores sempre haacute limitaccedilotildees Aleacutem disso tais estudos sempre envolvem um nuacutemero

reduzido de sujeitos e de instituiccedilotildees-alvo o que faz com que os resultados representem

apenas uma versatildeo da realidade investigada Ao reconhecer o impacto de todas essas

articulaccedilotildees foi escolhido neste trabalho privilegiar as interaccedilotildees (acordos e desacordos

reivindicaccedilotildees e consentimentos) das vias institucionais e dos interesses particulares que

envolvem a regulaccedilatildeo do mercado de alimentos para conformaacute-lo a um padratildeo nutritivo e

mais saudaacutevel para todos

Enfim diante dos resultados desta tese as perspectivas conceituais e estrateacutegicas que

se desenham para o futuro poderiam ser as seguintes

- Desenvolver estudos que avaliem o impacto dos Acordos formalizados entre

esse grupo de entidades de induacutestrias e o Ministeacuterio da Sauacutede visando agrave

reduccedilatildeo dos teores dos nutrientes no caso soacutedio sobre os produtos

alimentiacutecios fabricados por empresas que natildeo participaram do Acordo A

alternativa para ldquogarantirrdquo que as inuacutemeras induacutestrias de alimentos de

pequeno e meacutedio portes natildeo participantes das negociaccedilotildees faccedilam adesatildeo agrave

proposta de adequaccedilatildeo do perfil nutricional de alimentos seria a de

estabelecer acordos de parcerias ou regulamentaccedilatildeo No entanto como a

expectativa do Ministeacuterio da Sauacutede eacute de que haja um efeito ldquocascatardquo poacutes-

Acordo que desencadeie iniciativas voluntaacuterias para reduzir os teores de

soacutedio dos alimentos seria oportuno comprovar tal efeito caberia em estudos

especiacuteficos

215

- Explorar as bases conceituais e praacuteticas das inciativas de Parcerias Puacuteblico-

Privadas no campo da nutriccedilatildeo desenvolvidas no Paiacutes considerando os

conflitos de interesses a possibilidade de cooptaccedilatildeo e intimidaccedilatildeo dos

membros do governo a desmobilizaccedilatildeo para viabilizar regras compulsoacuterias

entre outros aspectos que podem afluir dessas parcerias E tambeacutem averiguar

sob o olhar dos agentes puacuteblicos do campo da regulaccedilatildeo o impacto da

iniciativa de formulaccedilatildeo de Acordos sobre as proposiccedilotildees regulatoacuterias

vigentes

- Avaliar as iniciativas e estrateacutegias de informaccedilatildeo nutricional em particular agraves

aplicadas nos roacutetulos dos alimentos em implementaccedilatildeo em diferentes paiacuteses

Em seguida eleger agrave luz da realidade socioeconocircmica e cultural nacional

aquelas iniciativas que apresentem aplicaccedilatildeo mais adequada ao contexto

brasileiro e

- Ampliar a divulgaccedilatildeo dos riscos dos alimentos e as doenccedilas a eles

correlacionadas em espaccedilos como universidades escolas associaccedilotildees

entidades de classe sindicatos entre outros como forma de disseminar a

informaccedilatildeo democratizar o debate e formar uma base social de apoio capaz de

se contrapor agraves regras impostas pelo mercado no que tange agrave qualidade

nutricional dos alimentos e dos produtos alimentiacutecios colocados no mercado

Por fim a populaccedilatildeo brasileira natildeo pode continuar a ser penalizada em sua sauacutede e

nutriccedilatildeo em decorrecircncia de compromissos limitados firmados entre as instituiccedilotildees

puacuteblicas e o mercado Agrave sombra dessa penalizaccedilatildeo haacute um dispositivo de regulaccedilatildeo que

permanece em aberto no campo dos riscos dos alimentos Eacute este o principal resultado

esperado deste estudo o de evidenciar que regular natildeo significa somente enquadrar os

riscos ou os componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios Envolve os conflitos de

216

interesses ligados agrave produccedilatildeo e agrave comercializaccedilatildeo desses produtos a incorporaccedilatildeo

subjetiva das regras e o gerenciamento das resistecircncias aos poderes que as impotildeem

Nunca haacute regulaccedilatildeo encerrada mas sempre regulaccedilatildeo em andamento em um contexto

dinacircmico dos riscos dos alimentos De maneira similar natildeo haacute regulaccedilatildeo sem lei nem lei

sem regulaccedilatildeo no campo do controle de alimentos Lei e regulaccedilatildeo satildeo assim uma dupla

indispensaacutevel Contudo a regulaccedilatildeo natildeo reside na lei mas antecede uma necessidade e um

apoio muacutetuo em um processo regulatoacuterio Eacute produto de uma invenccedilatildeo coletiva que atualiza

regras e condutas propensas a dar outra racionalidade agrave praacutetica de controle dos alimentos

Nas instituiccedilotildees brasileiras o processo regulatoacuterio tem sido estabelecido de modo

cooperativo e democraacutetico exceto quando natildeo haacute atropelos internos que desviam tais

preceitos

Nesse sentido o que se almeja ao fazer a exploraccedilatildeo dos meandros poliacuteticos

econocircmicos e subjetivos da regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos eacute promover a

regulaccedilatildeo justa Ou seja aquela que cria simultacircnea e permanentemente as condiccedilotildees do

trabalho cooperativo que implica a presenccedila dos trecircs parceiros-chave identificados (o

mercado o poder puacuteblico e a sociedade civil) particularmente em uma esfera cultural e

simbolicamente tatildeo sensiacutevel como eacute a deste campo de atuaccedilatildeo Uma concepccedilatildeo da

regulaccedilatildeo que descarte qualquer instrumentalizaccedilatildeo do processo com benefiacutecios estritos

aos interesses do mercado para legitimaacute-lo mas que se dirige para uma conduta justa a

serviccedilo da sociedade inteira O consentimento em torno de tais regras de conduta justa

sinaliza a efetividade colaborativa e delimita os direitos e os deveres correspondentes aos

trecircs parceiros no campo em questatildeo

217

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS ALMEIDA SS NASCIMENTO PCBD QUAIOTI TCB Quantidade e qualidade de produtos alimentiacutecios anunciados na televisatildeo brasileira Revista de Sauacutede Puacuteblica v36 n3 p353-5 2002

AMIGO Hugo Obesidad en el nintildeo en Ameacuterica latina situacioacuten criterios de diagnoacutestico y desafiacuteos Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS163-S170 2003 ALTEKRUSE SF SWERDLOW DL The changing epidemiology of foodborne diseases American Journal of the Medical Sciences v311 n1 p23-29 jan 1996 ANDRIEU E DARMON N DREWNOWSKI A Low-cost diets more energy fewer nutrients European Journal of Clinical Nutrition v60 p434ndash436 2006

ARMSTRONG GL HOLLINGSWORTH J GLENN MORRIS J Emerging Foodborne Pathogens Escherichia coli O157H7 as a Model of Entry of a New Pathogen into the Food Supply of the Developed World Epidemiologic Reviews v 8 n1 p29-51 1996 BAKSHI Anita Potential adverse health Effects of genetically modified crops Journal of Toxicology and Environmental Health Part B v6 p211ndash225 2003

BARBOSA AO COSTA EA Os sentidos de seguranccedila sanitaacuteria no discurso da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 15 n Supl 3 p3361-3370 2010

BARDAL PAP et al Questotildees atuais sobre a vigilacircncia sanitaacuteria das concentraccedilotildees de fluacuteor em alimentos Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v28 n3 p573-582 mar 2012

BARROS Diana Luz Pessoa de Teoria Semioacutetica do Texto 4 ed 6 imp Impresso nas oficinas da Editora Parma Ltda 2005 Disponiacutevel em lthttpcopyfightmeAcervolivrosBARROS20Diana20Luz20Pessoa20de20-20Teoria20Semiotica20do20Textopdf gt Acesso em 15 jun 2014 BARROS MBA et al Tendecircncias das desigualdades sociais e demograacuteficas na prevalecircncia de doenccedilas crocircnicas no Brasil PNAD 2003- 2008 Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v16 n9 p3755-3768 2011

BATISTA FILHO M RISSIN A A transiccedilatildeo nutricional no Brasil tendecircncias regionais e temporais Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v19 sup 1 pS181-S191 2003 BAUMAN Zygmunt Globalizaccedilatildeo as consequumlecircncias humanas Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1999 145p

218

__________ Vida para consumo a transformaccedilatildeo das pessoas em mercadoria Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008 199p BEATON GH MCHENRY EW (eds) Volume 3 Nutrition a comprehensive treatise New York Academic Press Inc 1966 BECK Ulrich La sociedad del riesgo hacia uma nueva modernidad EspantildeaPAIDOacuteS 2002

__________ O que eacute globalizaccedilatildeo Equiacutevocos do globalismo resposta agrave globalizaccedilatildeo Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 282p BEGHIN JC JENSEN HH Farm policies and added sugar in Us diets Food Policy v33 p480-488 2008

BERGER P L LUCKMANN T A construccedilatildeo social da realidade 31 ed Petroacutepolis RJVozes Ltda 2009 BERMUDEZ O I TUCKER K L Trends in dietary patterns of Latin American populations Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v19 sup 1 pS87-S99 2003

BEZERRA I N et al Consumo de alimentos fora do domiciacutelio no Brasil Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 47 Supl 1 p200S-11S 2013 Disponiacutevel em ltwwscielobrpdfrspv47s106pdfgt Acesso em 26 nov 2014 BLEIL Suzana Inez O Padratildeo Alimentar Ocidental consideraccedilotildees sobre a mudanccedila de haacutebitos no Brasil UNICAMP Revista Cadernos de Debate v 6 p1-25 1998 BOBBIO Norberto Estado governo e sociedade para uma teoria geral da poliacutetica 12 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2005 BODSTEIN Regina Cele de Andrade complexidade da ordem social contemporacircnea e a redefiniccedilatildeo da responsabilidade puacuteblica In Rozenfeld S (org) Fundamentos da Vigilacircncia sanitaacuteria Rio de Janeiro Ed Fiocruz p63-97 2000 BORCH A ROOS G Public Private Partnerships fighting obesity in Europe raquo Anthropology of food [Online] S7 | 2012 Disponiacutevel em ltURL lthttpaofrevuesorg7286gt Acesso em 26 jun 2014 BOUCHRIF B et al Prevalence and antibiotic-resistance of Salmonella isolated from food in Morocco The Journal of Infection in Developing Countries v3 n1 p35-40 2009

BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Rio de JaneiroBertrand Brasil 2009 __________ Contrafogos por um movimento social europeu Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2001 115p

219

BRANCA F NIKOGOSIAN H LOBSTEIN T (ed) The challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response summary Copenhagen Denmark WHO Library Cataloguing in Publication Data 2007 BRASIL Decreto-Lei nordm 986 de 21 de outubro de 1969 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnect836d7c804745761d8415d43fbc4c6735dec_lei_986pdfMOD=AJPERESgt Acesso em 15 abr 2014

__________ Lei n 9782 de 26 de janeiro de 1999 Define o Sistema Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria cria a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leisl9782htmgt Acesso em 23 fev 2014

__________ Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 28 de 28 de marccedilo de 2000 Dispotildee sobre os procedimentos baacutesicos de Boas Praacuteticas de Fabricaccedilatildeo em estabelecimentos beneficiadores de sal destinado ao consumo humano e o roteiro de inspeccedilatildeo sanitaacuteria em induacutestrias beneficiadoras de sal Disponiacutevel em lthttp18928128100nutricaodocslegislacaoresolucaordc_28pdf gt Acesso em 25 abr 2014 __________ Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 40 de 21 de marccedilo de 2001 Aprovar o Regulamento Teacutecnico para Rotulagem Nutricional Obrigatoacuteria de Alimentos e Bebidas Embalados constante do anexo desta Resoluccedilatildeo

__________ Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 344 de 13 de dezembro de 2002 Aprovar o Regulamento Teacutecnico para a Fortificaccedilatildeo das Farinhas de Trigo e das Farinhas de Milho com Ferro e Aacutecido Foacutelico constante do anexo desta Resoluccedilatildeo Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Poder Executivo de 18 dezembro de 2002 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectf851a500474580668c83dc3fbc4c6735RDC_344_2002pdfMOD=AJPERESgt Acesso em 25 abr 2014 __________ Controle da adiccedilatildeo de iodo no sal reduz casos de boacutecio Boletim Informativo n41 p 4-5 mar 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwanvisagovbrdivulgapublicboletim41_04pdfgt Acesso em 20 abr 2014 __________ Conselho Consultivo 2005 () AgecircnciaPublicaccedilatildeo Agecircncia Portal da Anvisa Disponiacutevel emlt httpsanvisagovbrwpssr9xdgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Portaria nordm 354 de 11 de agosto de 2006a (Republicada no DOU de 210806 e retificada no DOU de 290806) Aprova e promulga o Regimento Interno da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria ndash ANVISA e da outras providecircncias

__________ Consulta Puacuteblica nordm 71 de 10 de novembro de 2006b DOU de 13 de novembro de 2006 Aprovar o regulamento sobre oferta propaganda publicidade informaccedilatildeo e outras praacuteticas correlatas cujo objeto seja a divulgaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de alimentos considerados com quantidades elevadas de accediluacutecar de gordura saturada de gordura trans de soacutedio e de bebidas com baixo teor nutricional Disponiacutevel em

220

lthttpwwwanvisagovbrpropagandaminuta_consulta71_2006pdfgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Gestatildeo 2005-2010 principais realizaccedilotildees Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Brasiacutelia Anvisa 2010a

__________ Resoluccedilatildeo-RDC nordm 24 de 15 de junho de 2010b Dispotildee sobre a oferta propaganda publicidade informaccedilatildeo e outras praacuteticas correlatas cujo objetivo seja a divulgaccedilatildeo e a promoccedilatildeo comercial de alimentos considerados com quantidades elevadas de accediluacutecar de gordura saturada de gordura trans de soacutedio e de bebidas com baixo teor nutricional nos termos desta Resoluccedilatildeo e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lt httpportalanvisagovbrwpswcmconnect34565380474597549fd4df3fbc4c6735RDC24_10_Publicidade+de+alimentospdfMOD=AJPERESgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Perfil nutricional dos alimentos processados Informe Teacutecnico nordm 422010c Disponiacutevel em ltwwwanvisagovbrwpmconnect1011330044bbafc3b1f6b10377ff0da5Perfil+NutricionalpdfMOD=AJPERESgt Acesso em 22 nov 2010

__________ Programa de Anaacutelise de Resiacuteduos de Agrotoacutexicos em Alimentos (PARA) Relatoacuterio de Atividades de 2010 Gerecircncia Geral de Toxicologia Brasiacutelia 05 de dezembro de 2011 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectb380fe004965d38ab6abf74ed75891aeRelatC3B3rio+PARA+2010+-+VersC3A3o+FinalpdfMOD=AJPERESgt Acesso em04 nov 2013

__________ Documento orientador Agenda regulatoacuteria Ciclo quadrienal 2013-2016 Programa de Boas Praacuteticas Regulatoacuterias da Anvisa BrasiacuteliaAnvisa 2012 Disponiacutevel em ltfileUsersanavirginiafigueiredoDocumentsATESECAPITULOS20DA20TESEREGULACAOAgenda_Regulatoria_Quadrienal_final_baixapdfgt Acesso em 27 abr 2014 __________ Temas da Agenda regulatoacuteria BIEcircNIO 2013-2014 Lista Completa e andamento dos Temas marccedilo 2014 Agenda Regulatoacuteria Ciclo Quadrienal 2013-2016 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectc4a4840043684e988946ed74bfb02411Proposta_Completa_Temas_30_setembropdfMOD=AJPERESgt Acesso em 27 abr 2014 __________ Casa Civil Cacircmara de Infra Estrutura ndash Cacircmara de Poliacutetica Econocircmica Relatoacuterio

do Grupo de Trabalho Interministerial Anaacutelise e Avaliaccedilatildeo Do Papel das Agecircncias

Reguladoras no Atual Arranjo Institucional Brasileiro Relatoacuterio do Grupo de Trabalho

Interministerial Brasiacutelia setembro de 2003 Disponiacutevel em

lthttpwwwbresserpereiraorgbrDocumentsMAREAgenciasavaliacao_das_agencias_r

eguladoras_-_casa_civilpdfgt Acesso em 20 fev 2014

221

__________Cacircmara dos Deputados Regimento interno da Cacircmara dos Deputados 11 ed

Brasiacutelia 2013 Disponiacutevel em

ltfileUsersanavirginiafigueiredoDownloadsregimento_interno_11edpdfgt Acesso

em 15 Mai 2014

__________ Conselho Nacional de Secretaacuterios de Sauacutede Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 In __________ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p22-37 2003a ___________ Constituiccedilatildeo Federal 1988 Tiacutetulo VIII Da Ordem Social Seccedilatildeo II Da Sauacutede In_______ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p20-21 2003b __________ Lei nordm 9782 de 26 de janeiro de 1999 Define o Sistema Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria cria a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria e daacute outras providecircncias In__________ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p169-181 2003c __________ Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional GT - Alimentaccedilatildeo Adequada e Saudaacutevel Relatoacuterio Final Marccedilo de 2007 Disponiacutevel em lthttpwww4planaltogovbrconseadocumentosalimenatacao-adequada-e-saudaveldocumento-final-alimentacao-adequada-e-saudavelgt Acesso em 15 mar 2012 _________ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 Antropometria e Estado Nutricional de Crianccedilas Adolescentes e Adultos no Brasil Rio de Janeiro 2010 Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpof_2008_2009_encaapdf Acesso em 11 mar 2012 __________ Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 Anaacutelise do Consumo Alimentar no Brasil Rio de JaneiroIBGE 2011 __________ Instituto Nacional De Metrologia Qualidade E Tecnologia Comitecirc Codex Alimentarius do Brasil ndash CCAB Histoacuterico do Comitecirc Codex Alimentarius do Brasil ndash CCAB Paacutegina web httpwwwinmetrogovbrindexasp Disponiacutevel em lthttpwwwinmetrogovbrqualidadecomitescodex_ccabaspgt Acesso em 16 abr 2014 __________ Ministeacuterio do Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome Secretaria-Executiva da Cacircmara Interministerial de Seguranccedila Alimentar e Nutricional- CAISAN Plano Intersetorial de Prevenccedilatildeo e Controle da Obesidade Nota para Imprensa Ano estimado 2012a Disponiacutevel em lthttpwww4planaltogovbrconseanoticiasdocumentosplanalto-intersetorial-de-prevenccedilatildeo-e-controle-da-obesidadegt Acesso em 28 abr 2014 __________ Marco de Referecircncia de Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional para as Poliacuteticas Puacuteblicas Brasiacutelia DFMDS Secretaria Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2012b

222

____________________Ministeacuterio da Sauacutede Avaliaccedilatildeo da evoluccedilatildeo temporal do estado nutricional das crianccedilas de 0 a 5 anos beneficiaacuterias do Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) acompanhadas nas condicionalidades de sauacutede Sumaacuterio Executivo Brasiacutelia abril 2014 Disponiacutevel em lthttpaplicacoesmdsgovbrsagirmpssimulacaosum_executivopdfsumario_138pdfgt Acesso em 18 jun 2014

________ Ministeacuterio da Sauacutede 8a Conferecircncia Nacional de Sauacutede Brasiacutelia-DF 17 a 21 de

marccedilo de 1986 Disponiacutevel em

lthttpbvsmssaudegovbrbvspublicacoes8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final

pdfgt Acesso em17 mar 2014

__________ Portaria nordm 710 de 10 de junho de 1999 Aprova a Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo cuja iacutentegra consta do anexo desta portaria e dela eacute integrante Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Poder Executivo de 15 de junho de 1999 __________ A Sauacutede no Mercosul ndash 2 ed rev e ampl 1ordf reimpressatildeo ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2003 24 p il - (Seacuterie B Textos Baacutesicos de Sauacutede) Disponiacutevel em lthttpdtr2001saudegovbreditoraprodutoslivrospdf03_0401_Mpdfgt Acesso em 10 dez 2013 __________ Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede Departamento de Gestatildeo e da Regulaccedilatildeo do Trabalho em Sauacutede Foacuterum permanente Mercosul para o trabalho em sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2007a (Seacuterie D Reuniotildees e Conferecircncias) Disponiacutevel em lthttpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesforum_permanente_mercosul_trabalho_saudepdfgt Acesso em 10 dez 2013 __________ Portaria nordm 3092 de 04 de dezembro de 2007b Institui Grupo Teacutecnico com o objetivo de discutir e propor accedilotildees conjuntas a serem implementadas para a melhoria da oferta de produtos alimentiacutecios e promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel Disponiacutevel em lthttpdtr2001saudegovbrsasPORTARIASPort2007GMGM-3092htmgt Acesso em 28 abr 2014

___________ Trata sobre o Acordo do Ministeacuterio da Sauacutede com a Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de Alimentos para reduccedilatildeo dos teores de soacutedio gorduras e accediluacutecares dos alimentos Ano estimado 2007c Disponiacutevel em http18928128100nutricaodocsgeralacordo_social_reducao_teores_sodio_acucar_gorduraspdf Acesso em 15 mar 2012 __________ Plano de Accedilotildees Estrateacutegicas para o Enfrentamento das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis (DCNT) no Brasil ndash 2011-2022 Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede Departamento de Anaacutelise de Situaccedilatildeo de Sauacutede BrasiacuteliaMinisteacuterio da Sauacutede 2011 148p (Seacuterie B Textos Baacutesicos de Sauacutede)

223

__________ Poliacutetica nacional de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo Versatildeo preliminar 2012a Disponiacutevel em http18928128100nutricaodocsgeralpnan2011pdf Acesso em 25 marccedilo 2012 __________ Vigitel Brasil 2011 Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2011 Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012b (Seacuterie G Estatiacutestica e Informaccedilatildeo em Sauacutede)

__________ Construccedilatildeo da agenda de reformulaccedilatildeo de alimentos processados com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo 30 abr 2012c Disponiacutevel httpnutricaosaudegovbrsodio_reformulacaophpgt Acesso em 24 jun 2014 __________ Vigitel Brasil 2012Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2012 BrasiacuteliaMinisteacuterio Da Sauacutede 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwsbptorgbrdownloadsarquivosvigitel_2012pdf gt Acesso em 01 mar2014 __________ Vigitel Brasil 2013 Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2013 Brasiacutelia-DFMinisteacuterio Da Sauacutede 2014a Disponiacutevel emlt httpbiavatifileswordpresscom201405vigitel-2013pdfgt Acesso em15 jun 2014 __________ Reduccedilatildeo de Soacutedio Accediluacutecar e Gordura Trans Promoccedilatildeo da Sauacutede e da

Alimentaccedilatildeo Adequada e Saudaacutevel 2014b Disponiacutevel em

lthttpdabsaudegovbrportaldabape_promocao_da_saudephpconteudo=reducaogt

Acesso em 23 jun2014

__________ Presidecircncia da Repuacuteblica Emenda Constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoEmendasEmcemc64htmgt Acesso em 10 ago2014 BAUM Fran Health equity justice and globalisation some lessons from the Peoplersquos Health Assembly Journal of Epidemiology amp Community Health v55 p613ndash616 2001 BRESSER PEREIRA Luis Carlos G Reflexotildees sobre a reforma gerencial brasileira de 1995 Revista do Serviccedilo Puacuteblico ano 50 n4 out-dez p5-29 1999

224

__________ O modelo estrutural de gerecircncia puacuteblica Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v42 n2 p391-410 marabr 2008 BUCHLER S SMITH K LAWRENCE G Food risks old and new demographic characteristics and perceptions of food additives regulation and contamination in AustraliaJournal of Sociology The Australian Sociological Association v46 n4 p353ndash374 2010

BURBANO J C FORNASINI M ACOSTA M Prevalencia y factores de sobrepeso em colegialas de 12 a 19 antildeos en uma regioacuten semiurbana del Ecuador Revista Panamericana de Salud Publica v13 n5 p227-284 2003

CABALLERO Benjamin The global epidemic of obesity an overview Epidemiologic Reviews v29 n1 p1-5 2007 CANESQUI AM GARCIA RMD Uma introduccedilatildeo agrave reflexatildeo sobre a abordagem sociocultural da alimentaccedilatildeo In ___________ (orgs) Antropologia e nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ p9-19 2005

CARAPINHEIRO Graccedila A globalizaccedilatildeo do risco social In SANTOS B DE S (org) A globalizaccedilatildeo e as ciecircncias sociais 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez cap 5 p197-228 2002 CARVALHEIRO Joseacute da Rocha Desafios da Vigilacircncia Sanitaacuteria e a Funccedilatildeo Regulatoacuteria In BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede I Conferecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Cadernos de Textos Brasiacutelia Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria p25-36 2001 CASTEL Robert From dangerousness to risk In BURCHELL G GRAHAM C MILLER P (eds) The Foucault effect studies in governmentality Chicago The University of Chicago Press p281-299 1991

CHANDON P WANSINK B Does food marketing need to make us fat A review and solutions Nutrition Reviews v70 n10 p571ndash593 2012 Disponiacutevel em ltfileUsersanavirginiafigueiredoDocumentsATESECAPITULOS20DA20TESEDIETA_CONSUMOnational_capacity_prevention_ncdspdfgt Acesso em 06 mar2014

CHAVES Nelson Nutriccedilatildeo baacutesica e aplicada Rio de Janeiro Editora Guanabara Koogan SA 1978 344p CHOPRA Mickey Globalization and food implications for the promotion of ldquohealthyrdquo diets In WORLD HEALTH ORGANIZATION Globalization diets and noncommunicable diseases Switzerland WHO Library p1-16 2002 CHOPRA M GALBRAITH S amp DARNTON-HILL I A global response to a global problem the epidemic of overnutrition Bulletin of the World Health Organization v80 p12 p952-958 2002

225

CONTRERAS Jesuacutes Hernaacutendez La modernidad alimentaria entre la sobreabundancia y la inseguridad Revista Internacional de Sociologiacutea Tercera Epoca n40 p 109-132 eneabr 2005

__________ GRACIA M Alimentaccedilatildeo sociedade e cultura Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2011 COSTA Edinaacute Alves Vigilacircncia Sanitaacuteria proteccedilatildeo e defesa da sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1999 460p

__________ Regulaccedilatildeo e vigilacircncia sanitaacuteria para a proteccedilatildeo da sauacutede In Vieira F P

REDIGUIERI C F REDIGUIERI CF (orgs) A Regulaccedilatildeo de Medicamentos no Brasil

Porto Alegre Editora ARTMED p21-37 2013

COSTA NR et al O desenho institucional da reforma regulatoacuteria e as falhas de mercado no

setor sauacutede Revista da Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v 35 n2 p193228

marabr 2001

COSTA RF CINTRA IP FISBERG M Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em escolares da cidade de Santos SP Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia v50 n1 p60-67 fev 2006 COUTINHO JG GENTIL PC TORAL NA desnutriccedilatildeo e obesidade no Brasil o enfrentamento com base na agenda uacutenica de nutriccedilatildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v24 sup 2 pS332-S340 2008 CRESWELL John W Projeto de pesquisa meacutetodos qualitativo quantitativo e misto 3 ed Porto AlegreArtmed 2010 CRUZ Verocircnica Estado e regulaccedilatildeo fundamentos teoacutericos In RAMALHO PIS (org)

Regulaccedilatildeo e agecircncias reguladoras governanccedila e anaacutelise do impacto regulatoacuterio 1a

ed Brasiacutela Anvisa p 53-86 2009

DEL GROSSI MD Poverty reduction From 44 million to 296 million People In GRAZIANO DA SILVA J DEL GROSSI M E FRANCcedilA C G (orgs) The Fome Zero (Zero Hunger) Program The Brazilian experience Brasiacutelia MDA 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep016i3023ei3023epdfgt Acesso em 18 out 2013 DIETZ William H Critical periods in childhood for the developement of obesity American Journal Clinical Nutrition v59 n5 p955-59 may 1994 DAHLET Patrick A produccedilatildeo escrita abordagens cognitivas e textuais Trabalhos linguiacutesticos aplicados IEL UnicampCampinas v 23 p79-95 janjul 1994

226

_________ Apagar as divisotildees celebrar o consenso a governanccedila discursiva na era neoliberal

Todas as letras w Satildeo Paulo v16 n1 p125-138 mai 2014 Disponiacutevel em

lthttpdxdoiorg101552919806914letrasv16n1p125-138gt Acesso em 22 jul 2014

DELORMIER T FROHLICH K L POTVIN L Food and eating as social practice ndash understanding eating patterns as social phenomena and implications for public health Sociology of Health amp Illness v 31 n 2 p 215ndash228 2009

DOAK CM et al Overweight and underweight coexist within households in Brazil China and Russia Journal of Nutrition v130 n12 p2965-2971 dec 2000 DREWNOWSKI Adam Fat and sugar an economic analysis Journal of Nutrition v133 n3 p838S-840S mar 1 2003 __________ Intense sweeteners and energy density of foods implications for weight control European Journal of Clinical Nutrition v53 p757-763 1999

__________ Obesity diets and social inequalities Nutrition Reviews v 67 sup 1 pS36-S39 2009

__________ The cost of US foods as related to their nutritive value American Journal of Clinical Nutrition v92 p1181ndash8 2010

__________ et al Dietary Energy Density and Body Weight Is There a Relationship Nutrition Reviews v 62 n 11 p 403ndash413 nov 2004

__________ POPKIN BM The Nutrition Transition New Trends in the Global Diet Nutrition Reviews v 55 n 2 p31-43 feb 1997

__________ SPECTER SE Poverty and obesity the role of energy density and energy costs American Journal of Clinical Nutrition v79 n1 p6-16 jan 2004 EVANS M et al Globalization diet and health an example from Tonga Bulletin of the World Health Organization v79 n9 p 856ndash862 2001

EWALD Franccedilois Insurance and risk In BURCHELL G GRAHAM C MILLER P (eds) The Foucault effect studies in governmentality Chicago The University of Chicago Press p197-210 1991

EGGER G SWINBURN B An ldquoecologicalrdquo approach to the obesity pandemic British Medical Journal v315 n 23 aug 1997 Disponiacutevel em lthttpwwwncbinlmnihgovpmcarticlesPMC2127317pdf9284671pdfgt Acesso em 26 nov 2014

227

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF UNITED NATIONS Report of The eighteenth session of The Committee on agriculture Rome 9-10 february 2004 FAOrsquos Proposed Follow-up to the Report of Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases 2004

__________ Aplicacion Del analisis de riesgos a cuestiones de normas alimentarias informe de la consulta mixta FAOOMS de expertos Ginebra Suiza 13-17 de marzo de 1995 WHOFNUFOS953 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-x1271spdfgt Acesso em 07 mar 2013 __________ Globalization of food systems in developing countries impact on food security and nutrition FAO Food Nutrition Paper 83 2004 Reprinted 2006 __________ Responding to the food crisis synthesis of medium-term measures proposed in inter-agency assessments ROME 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadISFPSR_Webpdfgt Acesso em 21 mar 2012 __________ Disminuye el hambre mundial pero sigue inaceptablemente alta Los objetivos de la comunidad internacional en la reduccioacuten del hambre son difiacuteciles de alcanzar Departamento Econoacutemico y Social Septiembre de 2010 _________ FAO in the 21st century ensuring food security in a changing world FAORome 2011a __________ The state of food insecurity in the world How does international price volatility affect domestic economies and food security FAORome 2011b _________ Sustainable nutrition security Restoring the bridge between agriculture and health RomeFAO sept 2012 ___________ Fao statistical yearbook 2013 World Food and Agriculture RomeFAO 2013a Disponiacutevel em httpwwwfaoorgdocrep018i3107ei3107ePDFgt Acesso em 17 nov 2014

_________ The state of food and agriculture food systems for better nutrition Rome 2013b

__________ ORGANIZACIOacuteN MUNDIAL DE LA SALUD Comisioacuten del Codex Alimentarius Manual de Procedimiento Programa Conjunto FAOOMS sobre Normas Alimentarias 14ordf ed Roma 2005 FAO WHO Request for comments on draft action plan for implementation of the global strategy on diet physical activity and health CL 200644-CACSeptember 2006a Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexCircular_LettersCxCL2006cl06_44epdf gt Acesso em 03 jun 2014

228

_________ Undestanding Codex Alimentarius Third edition Issued by the Secretariat of the Joint FAOWHO Food Standards Programme FAO Rome 2006b Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexPublicationsunderstandingUnderstanding_ENpdfgt Acesso em 13 nov 2013

__________ Joint FaoWho Food Standards Programme Codex Alimentarius Commission Thirty Fifth Session Rome Italy 2-7 July 2012 Report of the fortieth session of the Codex Committee on food labelling Ottawa Canada 15 ndash 18 May 2012 Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexReportsReports_2012REP12_FLepdfgt Acesso em 03 jul 2014

__________ Agenda Item 2(A) CxNfsdu 13352 Joint FaoWho Food Standards Programme Codex Committee on Nutrition and Foods for Special Dietary Uses Thirty-fifth Session Bad Soden am Taunus Germany 4 ndash 8 November 2013 Matters Referred to the Committee by the Codex Alimentarius Commission andor Other Codex Committees Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexMeetingsccnfsduccnfsdu35nf35_02epdf gt Acesso em 03 jul 2014

FERNAacuteNDEZ SAN JUAN PM Dietary habits and nutritional status of school aged children in Spain Nutricioacuten Hospitalaria v21 n3 p374-378 2006

FERREIRA VA et al Desigualdade pobreza e obesidade Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v15 supl 1 p1423-1432 2010

FIGUEIREDO AVA MIRANDA MS Anaacutelise de Risco aplicada aos alimentos no Brasil perspectivas e desafios Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v16 n4 p2251-2262 2011

FISCHLER Claude Food Self and Identity Social Science Information v27 p275-2931988

FLICK Uwe Introduccedilatildeo agrave pesquisa qualitativa 3 ed Porto AlegreEd Artmed 2009

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 3ed Rio de JaneiroEdiccedilotildees Graal Ltda 1982 295p

__________ A ordem do discurso 5ed Satildeo PauloEdiccedilotildees Loyola 1999 79p

__________ Arqueologia do saber 7 ed Rio de janeiroForense universitaacuteria 2008 236p

FREIRE Paulo Educaccedilatildeo como praacutetica da liberdade Rio de JaneiroPaz e Terra 2010

GARCIA Rosa Wanda Diez Reflexos da globalizaccedilatildeo na cultura alimentar consideraccedilotildees sobre as mudanccedilas na alimentaccedilatildeo urbana Revista de Nutriccedilatildeo Campinas 16(4)483-492 outdez 2003 GRACIA Maria Arnaiz Em direccedilatildeo a uma Nova Ordem Alimentar In CANESQUI AM GARCIA RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p147-164

229

__________ Comer bien comer mal la medicalizacioacuten del comportamiento alimentario Salud Puacuteblica Meacutexico n49 v3 p236-242mayjun 2007 GIDDENS Anthony As consequecircncias da modernidade Traduccedilatildeo de Raul Fiker Satildeo PauloEd UNESP 1991

__________ Sociologia 6ordf ed LisboaFundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2008 __________ O mundo na era da globalizaccedilatildeo LisboaEditorial Presenccedila 7 ed 2010 GOMES Eduardo Granha Magalhatildees As agecircncias reguladoras independentes e o TCU

conflito de jurisdiccedilotildees Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica v40 n4 p615-30 julago

2006

GONCcedilALVES Alcindo O conceito de governanccedila In CONPEDI VIV 2005 Fortaleza Encontro Nacional de Conselho Nacional de Pesquisa e Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito ndash CONPEDI Fortaleza Fundaccedilatildeo Boiteux 2005 Disponiacutevel em lthttpconpediorgbrmanausarquivosanaisXIVCongresso078pdfgt Acesso em 27 mar 2014 GREIMAS Algirdas Julien Du Sens Ed Le Seuil 1970 GUTIEacuteRREZ-FISAC JL et al La epidemia de obesidad y sus factores relacionados el caso de Espantildea Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro 19(Sup 1)S101-S110 2003

HALKIER Bente Risk and food environmental concerns and consumer practices International Journal of Food Science and Technology v36 p801-812 2001

HALL GV DrsquoSOUZA RM KIRK MD Foodborne disease in the new millennium out of the frying pan and into the fire Medical Journal of Australia v177 n 216 p614-618 dec 2002 HARRIS JL et al A crisis in the marketplace How food marketing contribute to childhood obesity and what can be done Annual Review of Public Health v30 p211-25 2009 HASTINGS G et al Review of research on the effects of food promotion to children Final Report 22nd September 2003 Executive Summary The University of Strathclyde Disponiacutevel em lthttpwwwfoodgovukmultimedia pdfspromofoodchildrenexecpdfgt Acesso em 28 mar2010 __________ The extent nature and effects of food promotion to children A review of the evidence In Marketing of food and non-alcoholic beverages to children report of a WHO forum and technical meeting Oslo Norway 2-5 May 2006 Geneva Switzerland WHO Press

230

HAWKES Corinna Marketing Activities of Global Soft Drink and Fast Food Companies in Emerging Markets a Review IN WHO Globalization Diets and Noncommunicable Diseases GenevaSwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2002

__________ Marketing de alimentos para crianccedilas o cenaacuterio global das regulamentaccedilotildees BrasiacuteliaOrganizaccedilatildeo Pan-America da Sauacutede Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria 2006 __________ Regulation food marketing to young people worldwide trends and policy drives American Journal of Public Health v97 n11 p1962ndash1973 2007

__________ Dietary Implications of Supermarket Development A Global Perspective Development Policy Review v26 n6 p657-69 2008a

__________ High Level Group Working Paper on Public Private Partnerships for Health 2008b Disponiacutevel em lteceuropaeuhealthph_determinantslife_stylenutritiondocumentsev20081028_wp_enpdfgt Acesso em 23 jul 2014

__________ Public health sector and food industry interaction itrsquos time to clarify the term

lsquopatnershiprsquoand be honest about underlying interests European Journal of Public Health

v21 n4 400-403 2011 Disponiacutevel em lthttpeurpuboxfordjournalsorggt Acesso em 11

nov 2013

HENDERSON J et al What are the important issues around food safety and nutrition Findings from a media analysis and qualitative study of consumer trust Australasian Medical Journal v1 n2 164-169 2010

HESPANHA Pedro Mal-estar e risco social num mundo globalizado novos problemas e novos desafios para a teoria social In SANTOS BS (org) A globalizaccedilatildeo e as ciecircncias sociais 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez cap4 p161-196 2002 HUTIN YJF et al A Multistate Foodborne outbreak of Hepatitis A The New England Journal of Medicine v340 n 8 p 595-602 feb 1999

INSTITUTO BRASILEIRO DE ANAacuteLISES SOCIAIS E ECONOcircMICAS Repercussotildees do Programa Bolsa Famiacutelia na seguranccedila alimentar e nutricional relatoacuterio siacutentese Rio de Janeiro IBASE 2008 IANNI Octavio A era da globalizaccedilatildeo 9ordf ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2007 252p KAIN J VIO F ALBALA C Obesity trends and determinant factors in Latin America Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS77-S86 2003

231

KAumlFERSTEIN FK MOTARJEMI Y amp BETTCHER DW Foodborne Disease Control A Transnational Challenge Emerging Infectious Diseases v 3 n 4 p503-10 octdec 1997 KATZ D et al Cyclosporiasis associated with imported raspberries Florida 1996 Public Health Reports v114427-38 sepoct 1999 KENNEDY G NANTEL G SHETTY P Globalization of food systems in developing countries a synthesis of country case studies 1 FAO Food and Nutrition paper n 83 RomeFAO 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-y5736egt Acesso em 15 mai2014

KING LA et al Community-wide outbreak of Escherichia coli O157H7 associated with consumption of frozen beef burgers Epidemiology and Infection p889ndash896 2009 KIRK MD et al An outbreak due to peanuts in their shell caused by Salmonella enterica serotypes Stanley and Newport ndash sharing molecular information to solve international outbreaks Epidemiology amp Infection v132 p571ndash577 2004

LABONTEacute R MOHINDRA K amp LECUCHA R Framing international trade and chronic disease Globalization and Health v7 n21 p1-15 2011 LANG TimThe complexities of globalization The UK as a case study of tensions within the food system and the challenge to food policy Agriculture and Human Values v16 p169ndash185 1999

LUCCHESE Geraldo A internacionalizaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo sanitaacuteria Ciecircncias e sauacutede coletiva v8 n2 p537-555 2003 __________ Globalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo sanitaacuteria os rumos da vigilacircncia sanitaacuteria no Brasil BrasiacuteliaAnvisa 2008 LUHMANN Niklas Risk a sociological theory New York Wlater de Gruyter Inc 1993 LUPTON Deborah A Lay discourses and beliefs related to food risks an Australian perspective Sociology of Health amp Illness v27 No 4 p 448ndash467 2005

MACIEL Maria Eunice Identidade Cultural e Alimentaccedilatildeo In CANESQUI AM GARCIA RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p49-55 MAJONE Giandomenico Do estado positivo ao estado regulador causas e consequecircncias da mudanccedila no modo de governance Regulaccedilatildeo Econocircmica e Democracia O debate europeu Satildeo PauloEditora Singular 2006 Disponiacutevel em lthttpacademicodireito-riofgvbrccmwimages008Majonepdfgt Acesso em 10 mar2014

232

MALUF Renato Seguranccedila Alimentar e Nutricional PetroacutepolisEditora Vozes 2007 __________ MENEZES F VALENTE FL Contribuiccedilatildeo ao tema da seguranccedila alimentar do Brasil Cadernos de Debate p466-88 1996

MARINHO S P et al Obesidade em adultos de segmentos pauperizados Revista de Nutriccedilatildeo v16 n2 p195-201 abrjun 2003

MARTINS I S et al Pobreza desnutriccedilatildeo e obesidade inter-relaccedilatildeo de estados nutricionais de indiviacuteduos de uma mesma famiacutelia Ciecircncia e sauacutede coletiva v12 n6 p1553-1565 novdez 2007

MAZZOCCHI M SHANKAR B TRAILL B The development of global diets since icn 1992 influences of agri-food sector trends and policies Food Commodity and Trade Policy Research Working Paper n 34 RomeFAO october 2012

MCDERMOTT L STEAD M HASTINGS G A marketing strategy to review the effects of food promotion to children Case Study 4 30 mar 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwstiracukmediaschoolsmanagementdocumentsCase-4-Food-Promotion-to-Childrenpdfgt Acesso em 28 fev 2013

MCKEE Martin Trust me Im an expert Why expert advisory groups must change Editor in Chief European Journal Of Public Health v9 n3 1999

MEERMAN J CARISMA B THOMPSON B Global regional and subregional trends in undernourishment and malnutrition June 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadagnpdfSOFA_2013globalregionalsubregionaltrendspdfgt Acesso em 9 dez 2013

MINAYO Ceciacutelia O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em sauacutede 9 Ed revista e aprimorada Satildeo PauloHucitec 2006

MITCHELL H S et al Nutriccedilatildeo 1ed Rio de Janeiro Ed Interamericana Ltda 1978 MITCHELL Marc An overview of public private partnerships in health BostonHarvard School of Public Health 2008 Disponiacutevel em lthttpswwwhsphharvardeduihsgpublicationspdfPPP-final-MDMpdfgt Acesso em 02 abr 2014

MOKHTAR N ELATI J CHABIR R et al Diet Culture and Obesity in Northern Africa Journal of Nutrition 131 887Sndash892S 2001 Disponiacutevel em jnnutritionorg Acesso em 20 ago 2009

MONDINI L MONTEIRO C Relevacircncia epidemioloacutegica da desnutriccedilatildeo e da obesidade em distintas classes sociais meacutetodos de estudo e aplicaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo brasileira Revista Brasileira de Epidemiologia v2 n1 p28-39 1998

233

MONTEIRO CA et al Endef e Pnsn para onde caminha o crescimento fiacutesico da crianccedila brasileira Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v9 supl1 p85-95 1993 ___________ Nutrition and health the issue is not food nor nutrientes so much as processing Public Health Nutrition v12 n5 p729-31 2009 __________ The big issue is ultra-processing [Commentary] World Nutrition v1 n6 237-259 nov 2010 Disponiacutevel em wwwwphnaorg Acesso em12 jul 2011 __________ CANNON GThe Impact of Transnational lsquolsquoBig Foodrsquorsquo Companies on the South a view from Brazil PLoS Medicine v9 n7 jul 2012 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwplosmedicineorgarticlefetchObjectactionuri=info3Adoi2F1013712Fjournalpmed1001252amprepresentation=PDFgt Acesso em 15 jun 2013

__________ CONDE WL DE CASTRO IRR A tendecircncia cambiante da relaccedilatildeo entre escolaridade e risco de obesidade no Brasil (1975-1997) Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS67-S75 2003 MONTEIRO C A et al Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system Obesity Reviews v 14 sup 2 p21-18 2013 Disponiacutevel em lthttponlinelibrarywileycomstore101111obr12107assetobr12107pdfv=1ampt=i2ltdoo7amps=6129299271a6bb8948f5e1b76f8b18fb97fd5fcfgt Acesso em17 nov 2014

MOODIE R et al Profits and pandemicsprevention of harmful effects of tabacco alcohol and ultra-processed food and drink industries The Lancet v 381 n 9867 p670 - 679 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwthelancetcomjournalslancetarticlePIIS0140-6736(12)62089-3abstractgt Acesso em 12 dez 2013 MUST Aviva Morbidity and mortality associated with elevated body weight in children and adolescents American Journal Clinical Nutrition v63 n3 p445S-447S mar 1996 NARDOCCI Adelaide Caacutessia Gerenciamento Social de Riscos Revista de Direito Sanitaacuterio v 3 n1 p64-78 mar 2002 NESTLE Marion Food Marketing and Childhood Obesity a matter of policy N Engl J Med v354 n24 p 2527-2529 2006 Disponiacutevel em ltwwwnejmorg june 15gt Acesso em 31 mar 2014

NEWELL DG et al Food-borne diseases- the challenges of 20 years ago still persist while new ones continue to emerge International Journal of Food Microbiology v30 n139 suppl 1 pS3-15 may 2010 NOBRE M R et al Prevalecircncias de sobrepeso obesidade e haacutebitos de vida associados ao risco cardiovascular em alunos em alunos do ensino fundamental Revista da Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira Satildeo Paulo v52 n2 p118-124 2006

234

NILSON EAF JAIME PC RESENDE DO Iniciativas desenvolvidas no Brasil para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados Revista Panamericana Salud Publica v32 n4 p287-92 2012

ORLANDI Eni Puccinelli Anaacutelise de discurso princiacutepios e procedimentos 9 Ed Campinas SP Pontes Editores 2010 OLIVEIRA R O ELIAS P E M Conceitos de regulaccedilatildeo em sauacutede no Brasil Revista de Sauacutede Puacuteblica v46 n3 p571-576 2012 OLIVEIRA-CAMPOS M RODRIGUES-NETO JF SILVEIRA MF NEVES DMR et al Impacto dos fatores de risco para doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis na qualidade de vida Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v18 n3 p873-882 2013

PECI Alketa Novo marco regulatoacuterio para o Brasil da poacutes-privatizaccedilatildeo o papel das

agecircncias reguladoras em questatildeo Programa de Estudos e Pesquisas em Reforma do Estado

e Governanccedila Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v33 n4 p12135

julago 1999

PEcircCHEUX Michel O Discurso estrutura ou acontecimento 5a Ed Campinas SP Pontes Editores 2008 PETERSON A LUPTON D The new public health health and self in the age of risk London SAGE Publication Ltda 2000

PETKANTCHIN Valentin Nutrition taxes the costs of Denmarks fat tax IEMrsquos Economic Note bullmay 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwinstitutmolinariorgIMGpdfnote0513_enpdf gt Acesso em 26 jun 2014

PHILIPPI Socircnia Tucunduva Guia alimentar para o ano 2000 In DE ANGELIS R C Fome oculta bases fisioloacutegicas para reduzir seu risco atraveacutes da alimentaccedilatildeo saudaacutevel Satildeo Paulo Editora Atheneu cap 9 2000 p160-176 PHILLIPS Lynne Food and globalization Annual Review of Anthropology p3537-57 2006

PINGALI P KHWAJA Y Globalisation of Indian Diets and the Transformation of Food Supply Systems ESA Working Paper No 04-05 February 2004 Inaugural Keynote Address 17th Annual Conference Indian Society of Agricultural Marketing Hyderabad 5-7 February 2004 Agricultural and Development Economics Division The Food and Agriculture Organization of the United Nations Disponiacutevel em lthttpageconsearchumnedubitstream237961wp040005pdfgt Acesso em 23 nov2013 PINHEIRO ARO FREITAS SFT CORSO ACT Uma abordagem epidemioloacutegica da obesidade Revista de Nutriccedilatildeo v17 n4 p523-533 outdez 2004

235

PINTO A R et al Manual de normalizaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos 2 ed rev e atual Viccedilosa MG As Autoras 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwbbtufvbrdocsManualtrabalhosAcademicosLinkspdfgt Acesso 15 mar 2013

PONS Siacutelvia Carrasco Pontos de Partida Teoacuterico-metodoloacutegicos para o Estudo Sociocultural da Alimentaccedilatildeo em um Contexto de Transformaccedilatildeo In Canesqui AM amp Garcia RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz p101-126 2005 POPKIN Barry M The nutrition transition and obesity in the developing world Symposium obesity in developing countries biological and ecological factors The Journal of Nutrition v131 n3 p 871S-873S mar 2001 __________ The Shift in Stages of the Nutrition Transition in the Developing World Differs from Past ExperiencesMalaysian Journal of Nutrition v 8 n1 p109-124 2002

__________ Global nutrition dynamics the world is shifting rapidly toward a diet linked with noncommunicable diseases American Journal of Clinical Nutrition n84 p289ndash98 2006 __________ GORDON-LARSEN P The nutrition transition worldwide obesity dynamics and their determinants International Journal of Obesity n28 pS2ndashS9 2004 PRADO JR Caio Histoacuteria econocircmica do Brasil Satildeo PauloEditora Brasiliense 36a ed

1988

PRENTICE Andrew M The emerging epidemic of obesity in developing countries International Journal of Epidemiology v35 p93-99 2005 PUSKA Pekka Successful strategies to influence national diets the Finnish experience Zdrav Varv v43 p191-196 2004

QUEIROZ LG GIOVANELLA L Agenda regional da sauacutede no Mercosul arquitetura e temas Revista Panamericana de Salud Publica v30 n2 p182-188 2011

RAYNER G HAWKES C LANG T amp BELLO W Trade liberalization and diet transition a public health response Health Promotion International v21 nS1 p67-74 2007 Disponiacutevel em lthttpheaprooxfordjournalsorggt Acesso em 16 nov 2013

RECINE E MORTOZA A S Consenso sobre habilidades e competecircncias do nutricionista no acircmbito da sauacutede coletiva Brasiacutelia Observatoacuterio de Poliacuteticas de Seguranccedila e Nutriccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwcrn2orgbrdownload12_12_2013_17_32_43_consensopdfgt Acesso em 15 jun 2014

236

REGMI A amp GEHLHAR M Processed Food Trade Pressured by Evolving Global Supply Chains Economic Research SERVICEUSDA Amber Waves 12 v3 n1 feb 2005 Disponiacutevel em ltwwwersusdagovamberwavesgt Acesso em 28 nov2013

RIBEIRO JM COSTA NR SILVA PLB Poliacutetica de Sauacutede no Brasil e estrateacutegias

regulatoacuterias em ambiente de mudanccedilas tecnoloacutegicas Interface - Comunicaccedilatildeo Sauacutede

Educaccedilatildeo v4 n6 p 61-84 2000

ROBERTSON Aileen Social inequalities and the burden of food-related ill-health Public Health Nutrition v4 n6 p1371-1373 2001 ROBINSON TN et al Effects of fast food branding on young childrenrsquos taste preferences Archives of Pediatrics amp Adolescent Medicine v161 n8 p792-797 2007

RODRIGUES EM TADDEI JAAC SIGULEM DM Overweight and obesity among mothers of malnourished children - Brazil - PNSN - 1989 Satildeo Paulo Medical Journal v 116 n4 p1766-1773 jul 1998 RONQUE E R et al Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em escolares de alto niacutevel socioeconocircmico em Londrina Paranaacute Brasil Revista de Nutriccedilatildeo Campinas v18 n6 p709-717 novdez 2005

ROSAS Erick Jenner Os inimigos da reforma sanitaacuteria se mobilizam Sauacutede em Debate v22 p13-18 out 1988

SANTOS Andreacuteia Mendes Sociedade do Consumo crianccedila e propaganda uma relaccedilatildeo que daacute peso Porto AlegreEDIPUCRS 2009

SANTOS Boaventura de Sousa A criacutetica da governaccedilatildeo neoliberal O Foacuterum Social Mundial como poliacutetica e legalidade cosmopolita subalterna Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais v72 p7-44 out 2005

SAVE THE CHILDREN A life free from hunger tackling child malnutrition London Save The Children 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwsavethechildrenorguksitesdefaultfilesimagesA_Life_Free_From_Hungerpdfgt Acesso em 18 set 2013 SCALLAN Elaine Activities Achievements and Lessons Learned during the First 10 Years of the Foodborne Diseases Active Surveillance Network 1996ndash2005 Clinical Infectious Diseases n44 n7 p18ndash25 2007 SCHAFER KS KEGLEY SE Persistent toxic chemicals in the US food supply Journal of Epidemiology and Community Health v56 p813ndash817 2002

237

SCHMIDT MI et al Chronic non-communicable diseases in Brazil burden and current challenges Published online may 9 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwsbhorgbrpdflancet_collectionpdf gt Acesso em 16ago 2013

SEIPEL Michael M O Social Consequences of Malnutrition Social Work v44 n5 p416-425 sep1999 SINGER P Evoluccedilatildeo da Economia Brasileira 1955-1975 Estudos CEBRAP Satildeo Paulo n 17 p61-83 jul-set 1976 Disponiacutevel em ltwwwcebraporgbrv2filesuploadbiblioteca_virtualevolucao_da_economia_brasileirapdf gt Acesso em 22 jul2014

SOUTO Ana Cristina Sauacutede e Poliacutetica A vigilacircncia sanitaacuteria no Brasil 1976-1994 Satildeo

Paulo Sobravime 2004 227p

SKLAIR Leslie Democracy and the Transnational Capitalist Class ANNALS AAPSS n581 p144-157 may 2002

STUCKLER D NESTLE M Big food food systems and global health PLoS Medicine v9 n6 e1001242 jun 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwplosmedicineorgarticlefetchObjectactionuri=info3Adoi2F1013712Fjournalpmed1001242amprepresentation=PDFgt Acesso em 15 Set 2013 SWINBURN BA et al Diet nutrition and the prevention of excess weight gain and obesity Public Health Nutrition v7 n1A p123ndash146 2004

TANAKA K NAKANISHI T Obesity as a risk factor for various diseases necessity of lifestyle changes for healthy aging Applied Human Science v15 n4 p139-148 1996

TAORMINA PJ BEUCHAT LR SLUTSKER L Infections Associated with Eating Seed Sprouts An International Concern Emerging Infectious Diseases v 5 n 5 p626-634 sepoct 1999

TAUXE Robert V International investigation of outbreaks of foodborne disease Public health responds to the globalisation of food British Medical Journal v 313 n 2 p1093-1094 nov1996 __________ Emerging foodborne diseases an evolving public health challenge Emerging infectious diseases v3 n4 p425-434 octdec1997 TERRES NG et al Prevalecircncia e fatores associados ao sobrepeso e agrave obesidade em adolescentes Prevalecircncia e fatores associados ao sobrepeso e agrave obesidade em adolescentes Revista Sauacutede Puacuteblica v40 n4 p627-633 aug 2006 THOMPSON John B Ideologia e cultura moderna teoria social criacutetica na era dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 8 Ed Petroacutepolis RJ Vozes 2009

238

THOW AM HAWKES C The implications of trade liberalization for diet and health a case study from Central America Globalization and Health 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwglobalizationandhealthcomcontent515gt Acesso em 15 nov 2012

TORUN B CHEW F Desnutriccedilatildeo energeacutetico-proteacuteica In SHILS O SHIKE R (eds) Tratado de nutriccedilatildeo moderna na sauacutede e na doenccedila BarueriSP Ed Manole Ltda 1029-1056 2003 TULLAO Tereso S The Impact of Economic Globalization on Noncommunicable Diseases Opportunities and Threats In WHO Globalization diets and noncommunicable diseases SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2002

UNITED KINDOWN Food Standards Agency Front-of-pack traffic light signpost labeling Technical guidance n 2 November 2007 Disponiacutevel em lthttpmultimediafoodgovukmultimediapdfsfrontofpackguidance2pdfgt Acesso em 24 jun14

UNITED NATIONS International Covenant on Economic Social and Cultural Rights Adopted and opened for signature ratification and accession by General Assembly resolution 2200A (XXI) of 16 December 1966 Disponiacutevel em lthttpwwwohchrorgENProfessionalInterestPagescescraspxgt Acesso em 10 ago 2014

__________ World Population Prospects The 2012 Revision Disponiacutevel em httpesaunorgunpdwppExcel-Datapopulationhtm Acessado em 29 nov2013 __________ Political Declaration of the High-level Meeting of the General Assembly on the Prevention and Control of Non-communicable Diseases Resolution adopted by the General Assembly 24 jan 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwwhointnmheventsun_ncd_summit2011political_declaration_enpdfgt Acesso em 23 jun 2014 UUSITALLO U PIETINEN P PEKKA P Dietary transition in developing countries challenges for chronic disease prevention In WORLD HEALTH ORGANIZATION Globalization diets and noncommunicable diseases SwitzerlandWHO Library p1-25 2002 VALENTE Flaacutevio Luiz Shieck Fome desnutriccedilatildeo e cidadania inclusatildeo social e direitos humanos Sauacutede e Sociedade v12 n1 p51-60 jan-jun 2003 VASCONCELOS VL SILVA GAP Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em adolescentes masculinos no Nordeste do Brasil 1980 a 2000 Cadernos Sauacutede Puacuteblica v19 n5 p1445-1451 set-out 2003

239

VEPA Swarna Sadasivan Impact of globalization on the food consumption of urban India In Globalization of food systems in developing countries impact on food security and nutrition FAO Food Nutrition Paper 83 2004 Reprinted p 215-330 2006

VISSCHER TLS SEIDELL JC The public health impact of obesity Annual Review Public Health v22 p355ndash375 2001 WEBER R et al Dioxin- and POP-contaminated sitesmdashcontemporary and future relevance and challenges Overview on background aims and scope of the series Environmental Science and Pollution Research v15 p363ndash393 2008

WEISS AR MCMICHAEL AJ Social and environmental risk factors in the emergence of infectious diseases Nature Medicine Supplement v 10 n 12 p S70-S76dec 2004

WILLET Walter Nutritional epidemiology New YorkOxford University 1990 WORLD HEALTH ORGANIZATION The role food safety Report of Joint FAOWHO Expert Committee on Food Safety Geneve SwitzerlandWHO 1984 (WHO Technical Report series n 705) __________ Diet nutrition and the prevention of chronic diseases Report of a WHO study group Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 1990 (World Health Organization technical report series 797)

__________ The world health report 1998 Life in the 21st century a vision for all Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 1998 Acesso em 7122013 Disponiacutevel em httpwwwwhointwhr1998enwhr98_enpdf

__________ Report WHO Consultation on Diagnostic Procedures for Transmissible Spongiform Encephalopathies Need for Reference Reagents and Reference Panels Geneva Switzerland 22-23 March 1999 World Health Organization Blood Safety and Clinical Technology June 1999

__________ Turning the tide of malnutrition respond to the challenge of 21st century 2000 WHONHD007 Disponiacutevel em lt httpwhqlibdocwhointhq2000WHO_NHD_007pdfgt Acesso em 17 ago 2013 ___________ Reducing risks Promoting Healthy Life The world health report 2002 Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 2002a

___________ Global surveillance of foodborne disease developing a strategy and its interaction with risk analysis Geneve Switzerland 26-29 november 2001 Report of WHO Consultation 2002b ___________ The present state of foodborne disease in OECD countries GeneveWHO Document Prodution Service 2003a Disponiacutevel em

240

lthttpwwwwhointfoodsafetypublicationsfoodborne_diseaseoecd_fbdpdfgt Acesso em 12 ago 2013 __________ Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases (2002 Geneva Switzerland) Diet nutrition and the prevention of chronic diseases report of a joint WHOFAO expert consultation Geneva 28 January -1 February 2002 2003b (WHO technical report series 916)

__________ Global Health todayrsquos challenges Chapter one p1-22 2003c Disponiacutevel em lthttpwwwwhointwhr2003enChapter1-enpdfua=1gt Acesso em 19 nov 2014 __________ Obesity preventing and managing the global epidemic Report of a WHO consultation Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data (World Health Organization technical report series 894) 2000 Reprinted 2004a

__________ Global Strategy on Diet Physical Activity and Health Fifty Seventh World Health Assembly WHA5717 Agenda item 126 22 may France WHO 2004b

__________ Preventing chronic diseases a vital investment WHO global report Switzerland WHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2005

__________ The challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response European Ministerial Conference on Counteracting Obesity Instanbul Turkey 15-17 november 2006 __________ The global burden of foodborne disease taking stock and charting the way forward WHO Consultation to Develop a Strategy to Estimate the Global Burden of Foodborne Diseases Geneva 25-27 september 2006 Geneva WHO Press 2007 Disponiacutevel lthttpwwwwhointfoodsafetypublicationsfoodborne_diseaseburden_sept06en 2007gt Acesso em 12 ago 2013 __________ Initiative to estimate the global burden of foodborne diseases A summary document 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwwhointfoodsafetyfoodborne_diseaseSummary_Docpdfua=1gt Acesso em 08 mai 2012 __________ Infant and young child nutrition Sixty-third World Health Assembly A639 Provisional agenda item 116 1 april 2010 Report by the Secretariat Disponiacutevel em lthttpappswhointgbebwhapdf_filesWHA63A63_9-enpdfgt Acesso em 25 fev 2012 __________ World health statistics 2011 SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data Disponiacutevel em lthttpwwwwhointghopublicationsworld_health_statisticsEN_WHS2011_Fullpdfgt Acesso em 25 fev 2012

241

__________ Global nutrition policy review what does it take to scale up nutrition action Geneva SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2013a Disponiacutevel em httpappswhointirisbitstream106658440819789241505529_engpdfua=1 Acesso em 14 fev 2014 __________ Draft comprehensive global monitoring framework and targets for the prevention and control of noncommunicable diseases Report by the Director-General Sixty-Sixth World Health Assembly A668 Provisional agenda item 131 15 March 2013b Acesso em 03 jul 2014 __________ Dioxins and their effects on human health Fact sheet Ndeg225 Updated June 2014 Disponiacutevel em httpwwwwhointmediacentrefactsheetsfs225engt Acesso em 18 nov 2014

WORLD TRADE ORGANIZATION World Trade Report 2008 Trading in a globalizing world Disponiacutevel lthttpwwwwtoorgenglishres_ebooksp_eanrep_eworld_tradea_report08_epdfgt Acesso em 13 nov 2013

__________ Understanding The WTO The Organization Members and Observers Home page 2013a Disponiacutevel em httpwwwwtoorgenglishthewto_ewhatis_etif_eorg6_ehtm Acesso em 13 nov 2013 __________ WTO II Merchandising Trade International Trade Statistics 2013 2013b Disponiacutevel em wwwwtoorgstatistics Acessado em 13 nov 2013

__________ List of tables II Merchandise trade by product World Trade Organization International Trade Statistics 2013c Disponiacutevel em wwwwtoorgstatistics Acesso em 13 nov 2013

ZIMMERMAN FJ BELL JF Associations of Television Content Type and Obesity in Children American Journal of Public Health v100 n 2 p 334-340 feb 2010

242

ANEXOS

243

ANEXO I Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO PROGRAMA DE POacuteS GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado(a)

O(a) senhor(a) estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoRiscos emergentes dos

alimentos a estrateacutegia de regulaccedilatildeo brasileira sob a perspectiva dos atores sociaisrdquo O objetivo

principal desta pesquisa eacute o de caracterizar o modo de compreensatildeo das diferentes atores

sociais quanto aos riscos emergentes dos alimentos que afetam a sauacutede coletiva As

informaccedilotildees obtidas seratildeo utilizadas exclusivamente para essa pesquisa sendo divulgadas de

forma consolidada (sem expor o nome dos participantes) sob a forma de tese de doutoramento

e artigo cientiacutefico Nenhum profissional teraacute seus dados divulgados individualmente sendo

garantido o anonimato e a preservaccedilatildeo das informaccedilotildees declaradas Informamos ainda que

natildeo haacute benefiacutecio direto eou individual para o participante e que natildeo seraacute executado nenhum

procedimento que lhe traga qualquer desconforto risco agrave sauacutede eou despesa de qualquer

natureza

A pesquisa consiste na realizaccedilatildeo de uma entrevista cujo tempo eacute de aproximadamente

uma hora Sua participaccedilatildeo eacute fundamental para a pesquisa Agradecemos desde jaacute a sua

contribuiccedilatildeo

Esta pesquisa corresponde a projeto para a elaboraccedilatildeo da tese de doutorado da

pesquisadora principal requisito exigido pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo

Humana tem o intuito de analisar as poliacuteticas puacuteblicas de regulaccedilatildeo dos alimentos dirigidas ao

controle dos riscos emergentes dos alimentos

O (a) senhor (a) teraacute acesso a qualquer tempo agraves informaccedilotildees sobre procedimentos

riscos e benefiacutecios relacionados agrave pesquisa inclusive para dirimir eventuais duacutevidas Aleacutem disso

teraacute liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e de deixar de participar do

244

estudo sem que isto traga qualquer prejuiacutezo bem como a recusar a responder questotildees que

lhe traga constrangimentos

O contato da pesquisadora responsaacutevel Aluna Ana Virgiacutenia de Almeida Figueiredo

Observatoacuterio de Poliacuteticas de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias (61) 3034-6526 End

SQN 216 Bloco ldquoDrdquo apt 209 Asa Norte (61) 9964-9305 Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da

Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede Campus Darcy Ribeiro Nuacutecleo de Nutriccedilatildeo sala 9 Asa Norte

Universidade de Brasiacutelia (61) 9964-9305 e (61) 3307-2508

DADOS DE IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA

1 Nome

2 Oacutergatildeo (federaldistrital)

3 Funccedilatildeo 4 Sexo M ( ) F ( )

5 Telefone para contato ( )

6 Gestor ( ) Conselheiro de Sauacutede ( ) Profissional de Sauacutede ( ) Usuaacuterio do SUS ( )

Brasiacutelia __________ de _____________________________ de 20___ _____________________________ ____________________________

Assinatura do Sujeito da Pesquisa Assinatura do Pesquisador (carimbo ou nome legiacutevel) (carimbo ou nome legiacutevel)

OBS As folhas seratildeo rubricadas pelo sujeito da pesquisa e pelo pesquisador responsaacutevel

245

ANEXO II Roteiro de Entrevista

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA DOUTORADO EM NUTRICcedilAtildeO

A) Quais as medidas que o (a) Sr (a) podem destacar para reduzir o impacto dos alimentos sobre o

excesso de peso

B) Na sua opiniatildeo como as instituiccedilotildees devem se organizar para controlar o excesso de peso

C) Qual o papel especiacutefico que a organizaccedilatildeoinstituiccedilatildeo que o (a) Sr (a) estaacute vinculado tem neste

contexto

D) Quais seriam as responsabilidades do governo e dos demais setores envolvidos no processo de

regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos relacionados ao excesso de peso

E) Como avalia a estrateacutegia de ampliaccedilatildeo da atividade de regulaccedilatildeo de alimentos pelo poder

puacuteblico para conter o excesso de peso

F) Como a vigilacircncia sanitaacuteria com foco nos alimentos pode atuar para interferir no excesso de

peso

G) Quais satildeo as facilidades e dificuldades existentes para intervir sobre os riscos dos alimentos

relacionados ao excesso de peso

H) Em sua opiniatildeo o processo de globalizaccedilatildeo da economia especificamente no campo dos

alimentos tem interferido na qualidade dos alimentos e na sauacutede da populaccedilatildeo

PERFIL DO ENTREVISTADO Identificaccedilatildeo________________________________________________________ Formaccedilatildeo Acadecircmica_________________________________________________ Instituiccedilatildeo__________________________________________________________ Cargo que ocupa____________________________________________________ Tempo de experiecircncia na instituiccedilatildeo____________________________________

1 Quais satildeo as atividades que o Sr (a) desenvolve relacionadas aos alimentos ou aos problemas deles decorrentes 2 Quanto tempo o Sr (a) exerce esta atividade 3 Em sua opiniatildeo qual eacute a relaccedilatildeo entre o excesso de peso e os alimentos

Page 2: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA

ANA VIRGIacuteNIA DE ALMEIDA FIGUEIREDO

RISCOS EMERGENTES DOS ALIMENTOS Regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees

Uma experiecircncia brasileira

Tese apresentada como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Nutriccedilatildeo pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade de Brasiacutelia

Orientadora Profa Dra Elisabetta Recine Coorientadora Profa Dra Renata Monteiro

Brasiacutelia-DF Novembro 2014

FIGUEIREDO - ALMEIDA Ana Virgiacutenia Riscos emergentes dos alimentos regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees uma experiecircncia brasileira 241f Tese ( Doutoramento em Nutriccedilatildeo Humana) Departamento de Nutriccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede Universidade de Brasiacutelia 2014 Inclui bibliografia 1 riscos dos alimentos 2 regulaccedilatildeo sanitaacuteria 3 Vigilacircncia sanitaacuteria 4 controle sanitaacuterio dos alimentos

Para Ana Theresa Joatildeo Carlos e Lucas Freitas minhas crianccedilas meus amores

ANA VIRGIacuteNIA DE ALMEIDA FIGUEIREDO

RISCOS EMERGENTES DOS ALIMENTOS Regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees Uma

experiecircncia brasileira

Tese apresentada como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Nutriccedilatildeo pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade de Brasiacutelia

Aprovada em 10 de novembro de 2014

BANCA EXAMINADORA

Elisabetta Recine - Orientador e Presidente da Banca

Departamento de Nutriccedilatildeo - Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Inecircs Rugani Ribeiro de Castro Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

Anelize Rizzolo de O Pinheiro

Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Juliana Rochet Wirth Chaibub Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Viviane Cristina Vieira

Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Andrea Sugai Mortoza Universidade Federal de Goiaacutes (UFG)

AGRADECIMENTOS

Apesar do intenso e sistemaacutetico esforccedilo individual para concretizar esta tese

reconheccedilo que nela se concentra uma pluralidade de suportes intelectuais influecircncias

afetivas e de experiecircncias compartilhadas oriunda das distintas inter-relaccedilotildees que

estabeleci no ambiente acadecircmico e profissional Por isso quero inicialmente formular

agradecimentos extensivos a todos aqueles indiviacuteduos fenomenais com os quais me

deparei no desenrolar da minha histoacuteria no campo da vigilacircncia sanitaacuteria e que criaram

para mim oportunidades de aprendizado e de aprimoramento pessoal A inspiraccedilatildeo do

objeto estudado eacute resultado da inquietaccedilatildeo surgida a partir dos longos debates travados

com essas pessoas todas figuras da minha vida

No entanto faz-se necessaacuterio destacar algumas destas personalidades

Agrave massa de trabalhadores brasileiros que no seu aacuterduo cotidiano de trabalho e vida

contribui materialmente para a existecircncia das universidades puacuteblicas apesar de um

reduzido contingente deles ocupar esse espaccedilo social para se qualificar Espero que

esta tese seja uma forma de devolver-lhes parte desse investimento

Agrave minha orientadora a Profa Dra Elisabetta Recine por me instruir e guiar em

todas as etapas desse processo de construccedilatildeo intelectual com muita competecircncia

paciecircncia e carinho Para ela um agradecimento muito especial

Agrave minha coorientadora a Profa Dra Renata Monteiro pelas valiosas contribuiccedilotildees

presteza e apoio no transcurso das atividades acadecircmicas

Ao Dr Patrick Dahlet pelo encontro fortuito e frutiacutefero assim como pelo trabalho

com as palavras que me permitiram desvendar os traccedilos obscuros dos discursos

Experiecircncia que ajudou a fortalecer o companheirismo afetuoso no caminhar

sinuoso da vida

Agrave Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash

CAPESMinisteacuterio da Educaccedilatildeo pela concessatildeo da bolsa de doutorado-sanduiacuteche

com a qual pude aprofundar parte da investigaccedilatildeo na Universitat Rovira i Virgili

Tarragona-Espanha

Agrave Dra Mabel Gracia da Universitat Rovira i Virgili- TarragonaEspanha pela acolhida

e as contribuiccedilotildees dadas para o desenvolvimento desta tese

Aos professores e colegas da Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana pelas diferentes

colaboraccedilotildees fornecidas no vasto campo da ciecircncia da Nutriccedilatildeo

Agrave Secretaria de Sauacutede do Distrito Federal na pessoa da Subsecretaacuteria de Vigilacircncia agrave

Sauacutede Dra Mariacutelia Cunha pelo suporte institucional durante a minha atividade

acadecircmica

Ao Diretor da Vigilacircncia Sanitaacuteria do Distrito Federal Manoel Silva Neto ao Gerente

de Alimentos Andreacute Godoy Ramos e agrave minha chefe imediata Dillian Adelaine Cesar

da Silva pela gentileza compreensatildeo e apoio imprescindiacutevel nos momentos mais

intensos deste trabalho

A todos os entrevistados que gentilmente se dispuseram a conceder seu valioso

tempo para responder as questotildees das entrevistas e que enriqueceram o conteuacutedo

desta tese

Agrave minha maravilhosa amiga e companheira de trabalho Reginalice Maria da Graccedila

Bueno com quem sempre compartilho as histoacuterias doces e amargas da vida Muito

obrigada tanto pela sua disposiccedilatildeo em me ajudar a equilibrar os sabores dos

acontecimentos como pelo incentivo para as aventuras acadecircmicas

Agrave Rosane Maria Franklin Pinto e Elisabete Gonccedilalves Dutra colegas da Anvisa pela

presteza em esclarecer as minhas duacutevidas e pela realizaccedilatildeo da entrevista-teste as

quais foram essenciais para a elaboraccedilatildeo da tese

Agraves minhas estimadas colegas de trabalho Wanusa Eva Gisele e Socorro pela cordial

atenccedilatildeo e compreensatildeo nos momentos de ausecircncia

Aos meus eternos amigos que revigoraram a Vigilacircncia Sanitaacuteria Joatildeo Batista de

Lima Filho Silvia Amaral Vignola e Sheila Maria Gomes Castanhola por meio dos

quais eu aprendi como lidar com esse campo conflituoso de atuaccedilatildeo da sauacutede

Aos meus adoraacuteveis filhos Ana Theresa e Joatildeo Carlos que me provocam um

turbilhatildeo de emoccedilotildees mas o amor eacute o imperativo Aproveito para responder a sua

incansaacutevel pergunta ldquoQuando eacute que isso acaba matildeerdquo Acabou

Agrave Claacuteudia Camurccedila a tia querida do Joatildeo pelo cuidado e carinho dedicados ao meu

filho nos momentos da minha ausecircncia para a realizaccedilatildeo do doutorado

Agrave minha querida parceira Maria Feacutelix Pereira pelo seu trabalho diaacuterio em

administrar a casa e os meus filhos com tanta atenccedilatildeo carinho e responsabilidade

que foi imprescindiacutevel para enfrentar esse desafio acadecircmico

Agrave minha famiacutelia em especial Andreacutea Figueiredo pela relaccedilatildeo afetuosa e pelo

compromisso muacutetuo Obrigada minha querida irmatilde

Estranhem o que natildeo for estranho Tomem por inexplicaacutevel o habitual Sintam-se perplexos ante o cotidiano Tratem de achar um remeacutedio para o abuso Mas natildeo esqueccedilam De que o abuso eacute sempre a regra (A Exceccedilatildeo e a Regra Bertolt Brecht)

FIGUEIREDO Ana Virgiacutenia A Universidade de Brasiacutelia novembro de 2014 Riscos emergentes dos alimentos regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees uma experiecircncia brasileira Orientadora Elisabetta Recine Coorientadora Renata Monteiro

RESUMO

Nas uacuteltimas deacutecadas a sociedade mundial e a brasileira vecircm enfrentando os riscos emergentes dos alimentos associados ao acelerado crescimento da obesidade e de outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis (DCNT) Entre os fatores causais dessas doenccedilas estatildeo a inatividade fiacutesica e o consumo de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis com alta densidade em gordura accediluacutecares e soacutedio Tais produtos resultam das transformaccedilotildees no sistema de produccedilatildeo e de comercializaccedilatildeo de alimentos fomentadas pelo processo de globalizaccedilatildeo da economia que se empenha em fortalecer a massificaccedilatildeo do consumo alimentar Consolida-se entatildeo um ambiente que modifica o estilo de vida o cotidiano das praacuteticas alimentares e o quadro nutricional Em funccedilatildeo disso regular o perfil nutricional desses produtos eacute uma das medidas de intervenccedilatildeo recomendada pelos organismos internacionais para ser aplicada pelas instituiccedilotildees puacuteblicas de controle dos diversos paiacuteses O objetivo geral deste estudo eacute analisar a compreensatildeo que os diferentes sujeitos vinculados ao mercado ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada tecircm sobre as transformaccedilotildees e implicaccedilotildees das estrateacutegias de regulaccedilatildeo ativas no mercado Trata-se de uma investigaccedilatildeo qualitativa cuja finalidade eacute explorar os significados que constituem e constroem a realidade que permeia os riscos emergentes dos alimentos e o controle dos produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis a partir do referencial teoacuterico da Hermenecircutica da Profundidade (THOMPSON 2000) tendo por fundamento analiacutetico os discursos daqueles sujeitos Com base nos resultados pode-se afirmar que esses riscos satildeo reflexos da dinacircmica da economia global cuja regulaccedilatildeo se faz em um ambiente de disputa que em regra nem sempre privilegia os interesses da sauacutede coletiva Para os sujeitos do mercado a regulaccedilatildeo eacute uma atitude autoritaacuteria e ineficaz sendo a populaccedilatildeo a principal culpada pelas consequecircncias da sua sauacutede ao adotar um comportamento sedentaacuterio e um consumo alimentar excessivo A alternativa eacute a implementaccedilatildeo de medidas flexiacuteveis e de caraacuteter voluntaacuterio como os Acordos instituiacutedos pelo governo com as entidades empresariais para reduzir paulatinamente os teores dos nutrientes ao governo incumbiria tatildeo somente promover a educaccedilatildeo alimentar da populaccedilatildeo Para os sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil haacute o reconhecimento da interconexatildeo entre esses produtos e as DCNT o que faz com que a maioria deles defenda a praacutetica da regulamentaccedilatildeo Para eles os Acordos satildeo fraacutegeis e indicam que o poder puacuteblico atuou buscando o menor desgaste poliacutetico e impacto econocircmico para o mercado a despeito dos prejuiacutezos causados agrave populaccedilatildeo Com base nas anaacutelises apresentadas conclui-se que uma regulaccedilatildeo justa requer uma negociaccedilatildeo de regras claras norteadas pelo princiacutepio da promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede puacuteblica com a participaccedilatildeo dos trecircs sujeitos-chave identificados ndash poder puacuteblico mercado e sociedade civil ndash e a adoccedilatildeo de condutas que beneficiem a sociedade inteira delimitando os direitos e deveres de cada sujeito que atua no campo da regulaccedilatildeo sanitaacuteria Palavras-chave Riscos dos alimentos Regulaccedilatildeo sanitaacuteria Vigilacircncia sanitaacuteria Controle sanitaacuterio dos alimentos

FIGUEIREDO Ana Virgiacutenia A University of Brasilia November 2014 Emerging food risks regulation conflicts tensions a Brazilian experience Tutor Elisabetta Recine Co-tutor Renata Monteiro

ABSTRACT

In recent decades Brazilian society and the world at large have been facing emerging food risks associated to an accelerated increase in the occurrence of obesity and other chronic noncommunicable diseases (NDCs) Among the causal factors are physical inactivity and the consumption of unhealthy food products with high fat sugar and sodium content Such products are the result of transformations in food production and commercialization fostered by economic globalization processes that seek to boost the massification of food consumption Then it has consolidated an environment that modifies life styles food-related habits and the nutritional scenario In that light international bodies recommend that each countryrsquos control institutions should take steps to regulate the nutritional profile of such products This qualitative research aims primarily to analyze the comprehension of different social actors associated to market government and civil society sectors in regard to the said transformations and the implications of the regulatory strategies in effect in the markets It explores the attributed meanings that constitute and construct the reality enveloping the emerging food risks and the control of unhealthy food products based on a theoretical reference framework of Depth Hermeneutics (THOMPSON 2000) having as its

analytical fundament the discourse of the actors Results indicate that the risks stem from the current dynamics of the global economy whereby regulation is conducted in an atmosphere of contention that is not always in the interests of collective health The actors (subjects) in the market see regulation as an inefficient authoritarian act and the population itself as being to blame for the consequences for its health insofar as people adopt a sedentary life style with excessive food consumption Their preferred alternative would be to implement flexible measures of a voluntary nature such as the agreements instituted by the government with some corporate entities aimed at gradually reducing levels of unhealthy components in food the governmentrsquos role would be limited merely to promoting nutritional education for the population at large The subjects in the public and civil society sectors recognize the connection between those products and the NCDs so that most of them are in favor of regulatory practices In their view the agreements are weak instruments and show that the public authoritiesrsquo actions have been directed merely at ensuring the least possible political attrition and economic impact on the market regardless of the harm caused to the population The analysis reveals that fair regulation requires a negotiation of clear rules guided by the principle of public health promotion and protection cooperative work with the full participation of the three key partners identified - public authorities market and civil society -and the adoption of conducts that benefit society as a whole clearly delineating the rights and duties of each subject involved in the field of public health regulation

Key words Food risks Food regulation Food surveillance Food control

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 Quadro comparativo entre as questotildees objetivos e perguntas das

entrevistas

42

Quadro 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014

127

Quadro 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre o tema de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013

135

Quadro 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos Alimentos

196

Graacutefico 1 Comparaccedilatildeo entre os teores de soacutedio diagnosticados nos produtos alimentiacutecios e os valores de reduccedilatildeo acordados entre o governo e as entidades industriais Brasil 2010 e 2011

139

Figura 1 Quadrado semioacutetico da alimentaccedilatildeo amp nutriccedilatildeo

202

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIA Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Alimentos

ABIAD Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Alimentos Dieteacuteticos

ABIMA Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de Massas Alimentiacutecias e Patildeo amp Bolo Industrializados

ABITRIGO Associaccedilatildeo Brasileira da Induacutestria do Trigo

ABIP Associaccedilatildeo Brasileira da Induacutestria de Panificaccedilatildeo e Confeitaria

ABRAS Associaccedilatildeo Brasileira de Supermercados

AD Anaacutelise de Discurso

AR Agenda Regulatoacuteria

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria

BSE

Encefalopatia Espongiforme Bovina (do inglecircs Bovine Spongiform Encephalopathy)

CAC Comissatildeo do Codex Alimentarius (do inglecircs Codex Alimentarius Commission)

CFN Conselho Federal de Nutricionistas

CGAN Coordenadoria-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo

CNS Conselho Nacional de Sauacutede

CONASS Conselho Nacional dos Secretaacuterios de Sauacutede

CONSEA Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional

DCNT Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis

DTA Doenccedilas Transmitidas por Alimentos

EAN Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional

ENDEF Estudo Nacional sobre Despesas Familiares

FAO Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (do inglecircs Food and Agriculture of the United Nations)

FDB Foodborne disease

FS Formas Simboacutelicas

GATT Acordo Geral de Tarifas e Comeacutercio (do inglecircs General Agreement on Tariffs and Trade)

IBASE Instituto Brasileiro de Anaacutelises Sociais e Econocircmicas

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDEC Instituto de Defesa do Consumidor

INMETRO Instituto Nacional de Metrologia Qualidade e Tecnologia

MAPA Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento

MDS Ministeacuterio do Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MS Ministeacuterio da Sauacutede

OMC Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio

OMS Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

OPAS Organizaccedilatildeo Pan- Americana de Sauacutede

PDVISA Plano Diretor de Vigilacircncia Sanitaacuteria

PL Projeto de Lei

PNAN Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo

PNDS Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede

PNSN Pesquisa Nacional de Sauacutede e Nutriccedilatildeo

POF Pesquisa de Orccedilamento Familiar

POP Poluentes Orgacircnicos Persistentes

PppS Parcerias Puacuteblico-Privadas no campo da sauacutede

PR

Presidecircncia da Repuacuteblica

SINDICARNES Sindicato da Induacutestria de Carnes e Derivados

UBABEF Uniatildeo Brasileira de Avicultura

UN United Nations

WHO World Health Organization

WTO World Trade Organization

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO

17

1 INTRODUCcedilAtildeO

20

11 Riscos dos alimentos e os impactos no perfil nutricional da populaccedilatildeo

20

12 Percursos metodoloacutegicos da investigaccedilatildeo

30

2 ALIMENTOS E RISCOS Agrave SAUacuteDE

46

21 O comensal contemporacircneo da alimentaccedilatildeo ao produto alimentiacutecio

46

22 O panorama diversificado dos riscos dos alimentos

53

23 Riscos agrave sauacutede de um conceito matemaacutetico a uma construccedilatildeo soacutecio-poliacutetica e cultural

61

3 PRODUTOS ALIMENTIacuteCIOS E SAUacuteDE Uma anaacutelise multifacetaacuteria

68

31 Produtos alimentiacutecios e riscos agrave sauacutede a visatildeo dos organismos intergovernamentais

68

311 A abordagem da OMS e FAO sobre o tema

68

312 A apatia do Codex Alimentarius frente aos novos riscos dos alimentos

75

313 A OMC e os produtos alimentiacutecios lucros ao mercado e prejuiacutezos agrave sauacutede

79

32 Globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a sauacutede em questatildeo

84

321 Avanccedilos e retrocessos no mercado dos alimentos

84

322 A publicidade de produtos alimentiacutecios e os efeitos sobre o comportamento e a sauacutede

90

323 Palatabilidade saciedade custo e praticidade dos produtos alimentiacutecios

94

4 A DINAcircMICA DAS TRANSICcedilOtildeES dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

97

41 O percurso da transiccedilatildeo dieteacutetica agrave nutriccedilatildeo

97

42 A obesidade e outras DCNT em ascensatildeo panorama global e nacional

101

421 Comportamento da obesidade e de suas comorbidades no mundo breves comentaacuterios

101

422 O quadro epidemioloacutegico brasileiro e sua conexatildeo com as mazelas do mundo

105

5 REGULACcedilAtildeO DE ALIMENTOS o desafio de governar o mercado

111

51 Do regime militar ao estado democraacutetico a evoluccedilatildeo dos dispositivos de regulaccedilatildeo dos alimentos

111

511 Final dos anos 90 a regulaccedilatildeo de alimentos eacute objeto da nova autarquia

116

52 A Anvisa e o Ministeacuterio da Sauacutede o (re) agir institucional

123

521 Parceria entre governo e induacutestrias fragilidade ou inovaccedilatildeo

141

6 RISCOS E REGULACcedilAtildeO DOS ALIMENTOS visotildees dos sujeitos sociais

147

61 Racionalidades discursivas um exerciacutecio de interpretaccedilatildeo

147

62 A ldquoAlimentaccedilatildeordquo e ldquoNutriccedilatildeordquo geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas

200

63 Regulaccedilatildeo dos riscos dos alimentos ideologias interesses e poder

206

CONCLUSAtildeO

211

REFEREcircNCIAS

217

ANEXOS 242

17

APRESENTACcedilAtildeO

A minha primeira experiecircncia de trabalho apoacutes concluiacuteda a Especializaccedilatildeo em Sauacutede

Puacuteblica e Medicina Social na Universidade Federal da Paraiacuteba foi a de me integrar agrave equipe

teacutecnica da Divisatildeo Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria de Alimentos do Ministeacuterio da Sauacutede Era

1985 eacutepoca da reconstruccedilatildeo democraacutetica momento em que as instituiccedilotildees puacuteblicas

comeccedilavam a rediscutir seu objeto e ajustar as suas praacuteticas aos moldes da proposta da

Nova Repuacuteblica Desvendar a vigilacircncia sanitaacuteria constituiu para mim um desafio pois se

tratava de um conteuacutedo insuficientemente abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e de

poacutes-graduaccedilatildeo que eu realizei Aproveitei entatildeo a riqueza do contexto poliacutetico e teacutecnico e

fui me aprimorando durante o processo de revitalizaccedilatildeo e ajustamento da praacutetica

institucional em curso Havia uma verdadeira efervescecircncia de mudanccedilas Tudo estava

sendo redescoberto e reconstruiacutedo sob uma atmosfera que propiciava o dinamismo a

criatividade e a participaccedilatildeo

Esta foi a minha primeira experiecircncia laboral a vigilacircncia sanitaacuteria como parte do

escopo da sauacutede coletiva A partir dela construiacute a minha trajetoacuteria profissional e acadecircmica

Sem perder o foco na vigilacircncia sanitaacuteria eu tive oportunidade de trabalhar em duas esferas

administrativas a federal e a distrital assim como na instacircncia de apoio teacutecnico no

Laboratoacuterio de Sauacutede Puacuteblica do Distrito Federal e em uma instituiccedilatildeo acadecircmica o Nuacutecleo

de Estudos em Sauacutede Puacuteblica da Universidade de Brasiacutelia Isto me permitiu explorar as

diferentes facetas e niacuteveis de intervenccedilatildeo que envolvem a vigilacircncia sanitaacuteria e reconhececirc-la

como um campo de atuaccedilatildeo amplo altamente conflituoso e cada vez mais estrateacutegico para

a proteccedilatildeo da sauacutede coletiva

Eacute na deacutecada de 90 que o conceito de risco agrave sauacutede incorpora-se agrave praacutetica da vigilacircncia

sanitaacuteria e se torna o foco central da nossa preocupaccedilatildeo Risco cujo conceito insiste em ser

eminentemente ldquoteacutecnicordquo tatildeo somente para esconder a ldquotrama poliacuteticardquo que atravessa o

curso que se estende do aparecimento do risco agraves tomadas de decisotildees

18

Dessa forma concentrada nos riscos emergentes dos alimentos que ameaccedilam a

sociedade brasileira e mundial e na atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees responsaacuteveis pelo controle dos

riscos dos alimentos decidi recolher-me para explorar a complexidade teacutecnica poliacutetica

social e econocircmica que envolve esta temaacutetica

O conteuacutedo desta tese estaacute disposto em seis capiacutetulos sequenciais conclusatildeo e

referecircncias bibliograacuteficas O capiacutetulo inicial corresponde agrave Introduccedilatildeo que traz uma

abordagem geral sobre o impacto dos riscos dos alimentos na sauacutede da populaccedilatildeo seguida

pela discussatildeo do referencial teoacuterico-metodoloacutegico e do detalhamento dos passos adotados

para investigaccedilatildeo empiacuterica

No segundo capiacutetulo Alimentos e Riscos agrave Sauacutede se faz uma breve configuraccedilatildeo das

transformaccedilotildees sociais que induziram a alteraccedilatildeo da conduta cultural da alimentaccedilatildeo e que

deram dinamismo aos riscos dos alimentos aleacutem de se explorar o conceito de risco agrave sauacutede

ressaltando o seu significado soacutecio-poliacutetico

O terceiro capiacutetulo Produtos Alimentiacutecios e Sauacutede uma anaacutelise multifacetaacuteria trata da

atuaccedilatildeo das agecircncias supranacionais na regulamentaccedilatildeo internacional dos alimentos da

conduta das instituiccedilotildees nacionais dirigidas para a melhoria do perfil nutricional dos

alimentos e por fim da globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios enfocando as carateriacutesticas

dos produtos e os artifiacutecios utilizados pelo mercado para comercializaacute-los

O quarto capiacutetulo A Dinacircmica das Transiccedilotildees dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

aborda as bases teacutecnicas da transiccedilatildeo dieteacutetica e da transiccedilatildeo nutricional e faz breves

consideraccedilotildees sobre as prevalecircncias ascendentes de obesidade e de outras DCNT no Brasil

e no mundo e os seus respectivos fatores causais

No quinto capiacutetulo Regulaccedilatildeo de Alimentos o desafio de governar o mercado constam

as bases dos dispositivos legais da vigilacircncia sanitaacuteria de alimentos e as transformaccedilotildees da

instacircncia de controle sanitaacuterio federal enfocando seus avanccedilos e debilidades aleacutem da nova

19

modalidade de atuaccedilatildeo criada pelo poder puacuteblico federal para intervir na qualidade

nutricional dos produtos alimentiacutecios

O uacuteltimo capiacutetulo Riscos e Regulaccedilatildeo dos Alimentos visotildees dos sujeitos sociais traz a

discussatildeo dos dados consistindo na interpretaccedilatildeo dos discursos dos sujeitos investigados

com destaque para as dissonacircncias e os obstaacuteculos para prevenccedilatildeo dos riscos dos

alimentos a geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e as

diferentes modalidades de ideologia e de interesses que envolvem os discursos dos

agrupamentos desses sujeitos sociais

Por fim a Conclusatildeo evidencia o reforccedilo de que o processo de regulaccedilatildeo de alimentos

congrega em si um conflito de interesses teacutecnico-poliacuteticos e por isso haacute necessidade de

construiacute-lo democraticamente para se alcanccedilar um resultado justo para toda a sociedade

20

1 INTRODUCcedilAtildeO

11 Riscos dos alimentos e os impactos no perfil nutricional da populaccedilatildeo

A temaacutetica deste trabalho estaacute ancorada na premissa de que os alimentos satildeo

imprescindiacuteveis agrave vida humana por se constituiacuterem em fontes de nutrientes necessaacuterias ao

crescimento ao desenvolvimento e agrave manutenccedilatildeo da sauacutede Aleacutem dessa funccedilatildeo bioloacutegica

vital a alimentaccedilatildeo tambeacutem eacute uma das formas mais preciosas de expressatildeo cultural que

integra o patrimocircnio imaterial dos diferentes povos e naccedilotildees Assim eacute a fusatildeo desses dois

componentes o bioloacutegico e o sociocultural que conforma o universo da alimentaccedilatildeo

Crises relacionadas agrave escassez contaminaccedilatildeo distribuiccedilatildeo e disponibilidade desigual

dos alimentos compotildeem a histoacuteria da humanidade e repercutem no perfil nutricional e de

sauacutede dos povos (CHAVES 1978 FAO 2009) A partir delas surgem os desequiliacutebrios

sistemaacuteticos na qualidade e ou quantidade de alimentos consumidos que geram riscos agrave

sauacutede individual e coletiva No iniacutecio do caminhar do seacuteculo XXI a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura - FAO estima que no mundo cerca de 125 da

populaccedilatildeo ainda satildeo subnutridas - por deacuteficit no consumo energeacutetico - e 26 das crianccedilas

apresentam desnutriccedilatildeo crocircnica Esses resultados elevam os custos econocircmicos e sociais

(aumentam as despesas com cuidados de sauacutede reduzem a produtividade no trabalho etc)

para todos os paiacuteses (FAO 2013)

Quando o consumo dos alimentos ocorre em quantidades inferiores agraves necessidades

nutricionais eacute inevitaacutevel o aparecimento de distuacuterbios que a depender da intensidade e da

duraccedilatildeo da carecircncia causam danos irreversiacuteveis agrave sauacutede comprometendo o

desenvolvimento regular da vida conforme constam dos estudos claacutessicos da Nutriccedilatildeo

(BEATON amp McHENRY 1966 MITCHELL et al 1978 CHAVES 1978 TORUN amp CHEW

2003)

21

Assim por um longo periacuteodo o foco de atenccedilatildeo dado aos alimentos esteve

concentrado nos estudos envolvendo a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo e o consumo insuficientes

e as carecircncias nutricionais das populaccedilotildees Dentre estes destacam-se a desnutriccedilatildeo

endecircmica hipovitaminoses e outras modalidades carenciais configurando durante

deacutecadas o eixo temaacutetico central da Nutriccedilatildeo e da Sauacutede Puacuteblica Essa foi a caracteriacutestica da

epidemiologia nutricional1 vigente ateacute fins da deacutecada de 70 quando a desnutriccedilatildeo em

paiacuteses pobres assumia importacircncia pela alta prevalecircncia e mantinha relaccedilatildeo com as altas

taxas de mortalidade infantil (MONTEIRO et al 1993 TORUN amp CHEW 2003 POPKIN

2006 WHO 1990)

Com o progresso ocorrido na ciecircncia e tecnologia de alimentos iniciado no decorrer

dos anos 40 (FAO WHO 2006) e que proporcionou o aprimoramento dos sistemas de

processamento e conservaccedilatildeo dos alimentos com destaque para os avanccedilos na quiacutemica de

aditivos (PHILIPPI 2000) tornou-se possiacutevel a expansatildeo do comeacutercio de alimentos nos

acircmbitos local e internacional principalmente de produtos processados Em virtude da

circulaccedilatildeo intensa dos alimentos entre os paiacuteses surgem concomitantemente outras

modalidades de risco agrave sauacutede de efeito transnacional a ela associadas Assim os alimentos

comeccedilam a ser abordados pelos organismos supranacionais (FAO amp OMS 2006) a partir da

sua natureza paradoxal expressa pela sua capacidade de fornecer nutrientes para

promover sauacutede e ao mesmo tempo de albergar agentes contaminantes capazes de

propagar doenccedilas

Como consequecircncia desse intercacircmbio comercial de alimentos ainda na deacutecada de 60

o tema ldquoalimentosrdquo foi progressivamente inserido na pauta dos interesses internacionais e

estrateacutegicos com vistas a normatizaccedilatildeo devido agraves ameaccedilas em potencial de disseminaccedilatildeo

de doenccedilas decorrentes de contaminantes Amplia-se entatildeo o leque de preocupaccedilotildees com

os alimentos uma vez que ainda persistem as questotildees ligadas ao binocircmio carecircncia

alimentar e desnutriccedilatildeo que jaacute os envolviam

1 A epidemiologia nutricional baseia-se na concepccedilatildeo de que aspectos da dieta podem influenciar a ocorrecircncia de doenccedilas nos indiviacuteduos tanto as doenccedilas originaacuterias de consumo insuficiente ou excessivo de fatores dieteacuteticos quanto aquelas decorrentes da contaminaccedilatildeo de alimentos por agentes bioloacutegicos quiacutemicos ou compostos naturais presentes nos alimentos (WILLET 1990)

22

Para conter quaisquer eventos geradores de obstaacuteculos agraves relaccedilotildees comerciais e agrave

preservaccedilatildeo da sauacutede da populaccedilatildeo os organismos multilaterais como a Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura-FAO e Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede-

OMS assumiram a responsabilidade de disciplinar aspectos que poderiam garantir a

sanidade dos alimentos comercializados entre os paiacuteses A medida entatildeo adotada foi o

estabelecimento de recomendaccedilotildees sanitaacuterias internacionais para controlar os agentes

bioloacutegicos e quiacutemicos resultantes das praacuteticas relativas agraves atividades agropecuaacuterias e

industriais Assim agrave Comissatildeo do Codex Alimentarius da FAOOMS2 coube desenvolver o

programa de normas alimentares orientado para proteger a sauacutede dos consumidores e

assegurar a adoccedilatildeo de praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos (FAOWHO 2005)

A despeito de persistirem os problemas de carecircncia nutricional e os desafios na

autonomia para a produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de alimentos evidenciada por muitos povos

(WHO 2010 WHO 2011) nas uacuteltimas duas deacutecadas identifica-se a coexistecircncia de dois

grandes riscos agrave sauacutede da populaccedilatildeo mundial relacionados ao consumo dos alimentos

Ambos condensam um conjunto de caracteriacutesticas comuns que pode ser assim sintetizado

expotildeem ao agravo todos os indiviacuteduos embora os socialmente vulneraacuteveis sejam os mais

atingidos ultrapassam os continentes podem ser facilmente controlados e por fim

relacionam-se com as transformaccedilotildees na loacutegica econocircmica de produccedilatildeo de alimentos que

surgem e se expandem em decorrecircncia da globalizaccedilatildeo (WHO 2002a WHO 2008)

Entende-se como globalizaccedilatildeo um processo complexo e multifacetado que engloba

questotildees econocircmicas poliacuteticas e sociais Com a mundializaccedilatildeo dos mercados mediante a

expansatildeo e a intensificaccedilatildeo das relaccedilotildees capitalistas de produccedilatildeo sob o suporte de novas

tecnologias da recriaccedilatildeo da divisatildeo internacional do trabalho e da inovaccedilatildeo de produtos

(IANNI 2007) se consolida um tipo de sociedade de consumo (BAUMAN 1999) Isso

conduz ao fortalecimento dos atores transnacionais em especiais as corporaccedilotildees de

2 Esta Comissatildeo foi criada em 1961 pela FAO e OMS com o objetivo de desenvolver um coacutedigo internacional de

alimentos enfatizando os aspectos de seguranccedila e qualidade para proteger a sauacutede dos consumidores e disciplinar o

comeacutercio de alimentos

23

empresas que agem interferindo na soberania na identidade e no poder dos Estados

nacionais (BECK 1999)

Quanto aos riscos agrave sauacutede o primeiro grupo que vem se complexificando ao longo das

deacutecadas refere-se aos de surtos de doenccedilas transmitidas por alimentos3 (DTA) com

abrangecircncia transnacional raacutepida disseminaccedilatildeo e ocorrecircncia frequente causados por

agentes comuns e agentes patogecircnicos emergentes (ALTEKRUSE SWERDLOW 1996 KATZ

et al 1999 WHO 2008) ou provenientes da poluiccedilatildeo do ar aacutegua e solo e outros agentes

quiacutemicos que surgem em distintos pontos da cadeia produtiva (WHO 2003a) Devem ser

destacados tambeacutem neste grupo os riscos de contaminaccedilatildeo por agentes dotados de

resistecircncia antimicrobiana que comprometem a eficiecircncia das medidas de controle

convencionais (KAumlFERSTEIN et al 1997 TRAUXE 1997 TAORMINA BEUCHAT SLUTSKER

1999)

No que diz respeito ao segundo grupo considerados riscos emergentes implicados com

os alimentos e de alcance mundial deflagrados nas uacuteltimas deacutecadas destaca-se o risco de

obesidade4 e de outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis - DCNT correlacionadas cuja

expansatildeo abrange todos os continentes (WHO 2004a) A obesidade reconhecida hoje pelo

seu caraacuteter pandecircmico resulta principalmente das mudanccedilas comportamentais sociais

ambientais e econocircmicas que intensificaram o desequiliacutebrio entre o consumo e o gasto

energeacutetico associando-se estreitamente com as caracteriacutesticas atuais dos alimentos

consumidos que possuem alta densidade energeacutetica (MONTEIRO 2009 MONTEIRO 2010

WHO 2004a)

Os avanccedilos na tecnologia de alimentos aliado ao suporte do aparato regulatoacuterio tanto

permitiram a formulaccedilatildeo de produtos relativamente seguros em termos microbioloacutegicos

3 Com base na definiccedilatildeo da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede ldquodoenccedilas transmitidas por alimentosrdquo designadas em inglecircs por foodborne diseases (FBD) consistem em doenccedilas comumente veiculadas pelos alimentos e compreende um amplo conjunto de sinais e sintomas causado por microrganismos patogecircnicos parasitas contaminantes quiacutemicos e biotoxinas (WHO 2007) 4

Neste estudo ldquoexcesso de pesordquo eacute o termo geral usado para abordar conjuntamente o sobrepeso e a obesidade A menccedilatildeo dos termos - excesso de peso obesidade ou sobrepeso ndash de forma independente e isolada dependeraacute do estudo que for referenciado

24

quanto a criaccedilatildeo de produtos pobres ou natildeo saudaacuteveis em termos nutricionais Satildeo aqueles

com alta densidade energeacutetica alto teor de gordura saturada sal e accediluacutecares livres e pobres

em nutrientes essenciais que satildeo disponibilizados no mercado a preccedilos acessiacuteveis e

portanto estimuladores do consumo5 (WHO 2003b WHO 2006) Acrescenta-se ainda que

tais produtos tecircm causado impactos negativos sobre o haacutebito alimentar tradicional das

populaccedilotildees dificultando a praacutetica de uma dieta saudaacutevel (POPKIN 2006)

Conforme descrito acima esses produtos alimentiacutecios satildeo os responsaacuteveis pelos riscos

emergentes dos alimentos Riscos definidos pelo potencial que tais produtos tecircm de causar

malefiacutecios agrave sauacutede humana devido a certos tipos de nutrientes em excesso ndash perigos -

presentes na sua composiccedilatildeo a qual eacute definida a partir de foacutermulas baseadas em

ingredientes processados e pouco nutritivos Desse modo eacute o consumo sistemaacutetico desses

produtos alimentiacutecios pela populaccedilatildeo que repercute negativamente no campo alimentar e

nutricional Este eacute o contexto no qual a pandemia de obesidade emerge e outras DCNT se

desenvolvem

Segundo a OMS a prevalecircncia de obesidade no continente europeu oscilou nos anos

1999 a 2004 entre 5 a 23 nos homens e entre 7 e 36 nas mulheres (WHO 2006)

Contudo em periacuteodos anteriores nos anos de 1988 a 1994 jaacute atingia a populaccedilatildeo adulta

americana na faixa etaacuteria de 20 a 74 anos em patamares de 199 a 249

respectivamente para homens e mulheres (WHO 2004a) No Brasil os dados mais recentes

sobre o estado nutricional da populaccedilatildeo brasileira revelam que os grupos etaacuterios de 10 a 19

anos e de 20 anos ou mais de idade apresentam prevalecircncias de obesidade de 4 e 148

jaacute para o excesso de peso os valores correspondem a 194 e 49 respectivamente

(BRASILIBGE 2010) A evoluccedilatildeo da obesidade em adultos no Brasil vem ocorrendo nos

uacuteltimos 25 anos sendo observada nas regiotildees Nordeste e Sudeste do paiacutes (BATISTA FILHO

RISIN 2003)

5 Esses alimentos tambeacutem englobam as bebidas com alta densidade energeacutetica Aleacutem disso podem ser referidos com outras denominaccedilotildees tais como alimentos ou produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis alimentos inadequados em termos nutricionais alimentos ou produtos de alto risco agrave sauacutede e alimentos ultraprocessados

25

De um modo geral essa reconfiguraccedilatildeo do perfil nutricional da populaccedilatildeo proveacutem de

uma multiplicidade de fatores que implica mudanccedilas no ambiente social ampliaccedilatildeo do

comeacutercio global de produtos alimentiacutecios sem o apropriado controle sanitaacuterio alteraccedilotildees no

padratildeo de consumo alimentar introduccedilatildeo de novos processos de produccedilatildeo de alimentos e

aumento da interferecircncia do homem em ambientes nativos (NEWELL et al 2010

ALTEKRUSE SWERDLOW1996 KAumlFERSTEIN MONTARJEMI BETTCHER 1997 WHO

2008) Aleacutem disso foi favorecida pelo aumento no consumo de gordura e de accediluacutecares

adicionados agraves dietas graccedilas agrave elevaccedilatildeo acentuada da disponibilidade dos produtos de

origem animal e de outros industrializados em contraposiccedilatildeo ao baixo consumo de

alimentos ricos em fibras e cereais integrais (POPKIN 2001) e dos alimentos da dieta

tradicional (WHO 2004a)

Indubitavelmente a obesidade e as doenccedilas transmitidas por alimentos integram o

panorama mundial das doenccedilas de relevacircncia para a sauacutede puacuteblica as quais podem ser

perfeitamente considerados como um dos tipos de riscos supranacionais pela sua amplitude

e efeitos alcanccedilando conforme menciona Giddens (2008) Para o autor satildeo formas de riscos

de extensatildeo intercontinental e de efeitos indeterminados que continuamente surgem e se

renovam como consequecircncias dos processos sociais contemporacircneos Embora os impactos

de nocividade sejam extensos os grupos populacionais mais socialmente vulneraacuteveis dos

paiacuteses satildeo os mais afetados

A disponibilidade e os estiacutemulos sistemaacuteticos para o consumo de produtos

alimentiacutecios de circulaccedilatildeo global hipercaloacutericos pouco nutritivos e com atributos de

praticidade induzem a populaccedilatildeo a dar preferecircncia a tais produtos e consequentemente

expondo-a ao risco de contrair essas doenccedilas

Abordar os riscos dos alimentos na atualidade obriga-nos a imergir em um cenaacuterio

protagonizado pelo mercado que usufrui do dinamismo efervescente de tecnologias de

produccedilatildeo da contiacutenua criaccedilatildeo de bens e insumos bem como do aprimoramento das

estrateacutegias comerciais de estiacutemulo ao consumo Na outra ponta encontram-se os cidadatildeos-

consumidores atordoados com a diversidade excessiva de produtos alimentiacutecios postos agrave

26

sua disposiccedilatildeo e desinformados quanto aos efeitos nocivos agrave sauacutede que esses produtos

podem acarretar Ambos os interessados sofrem a influecircncia de controle das instituiccedilotildees

governamentais cuja atuaccedilatildeo eacute limitada Isso resulta em um descompasso entre o ritmo

acelerado das eclosotildees dos fenocircmenos sanitaacuterios de origem alimentar e a capacidade

poliacutetico-operacional reduzida para desempenhar satisfatoriamente o controle dos riscos agrave

sauacutede

Destaca-se ainda que o advento da pandemia da obesidade e o aumento das DCNT

impotildeem um novo olhar sobre os riscos agrave sauacutede relacionados aos alimentos exigindo

reflexotildees e mudanccedilas na forma tradicional de se conceber o objeto ldquovigilacircncia sanitaacuteriardquo no

campo dos alimentos e de exercer a regulaccedilatildeo sobre ele Vigilacircncia sanitaacuteria aqui

compreendida como [] um conjunto de accedilotildees capazes de eliminar diminuir ou prevenir

riscos agrave sauacutede e de intervir nos problemas sanitaacuterios decorrentes do meio ambiente da

produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de bens e da prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse agrave sauacutede (BRASIL

CONASS 2003a) Tais accedilotildees sendo executadas de forma descentralizada pelas trecircs

instacircncias do Sistema Uacutenico de Sauacutede

Esse cenaacuterio - com um novo risco socialmente gerado - estaacute posto e ele fragiliza a

sauacutede da populaccedilatildeo desafia as instituiccedilotildees de controle oficiais e nos instiga a levantar a

seguinte hipoacutetese apesar de reconhecer que a regulaccedilatildeo puacuteblica dos alimentos eacute uma das

estrateacutegias poliacutetico-operacionais necessaacuterias para intervir nos riscos emergentes dos

alimentos as forccedilas poliacuteticas no Estado atual satildeo insuficientes para concretizaacute-la com

efetividade em decorrecircncia do poder das induacutestrias - que reagem atribuindo a

responsabilidade dos distuacuterbios nutricionais aos consumidores e minimizando as

reivindicaccedilotildees da sociedade civil

Considerando os pressupostos mencionados administrar os riscos dos alimentos sob

a perspectiva sanitaacuteria e nutricional requer no miacutenimo ajustes no interior das instituiccedilotildees

reguladoras e das induacutestrias produtoras de alimentos para incorporar a preocupaccedilatildeo em

conter a obesidade e suas comorbidades Decerto significa tambeacutem ampliar o leque de

possibilidades de intervenccedilatildeo puacuteblica nos problemas de sauacutede prevalentes na populaccedilatildeo

27

Essa ampliaccedilatildeo levaraacute (poderaacute levar) a uma vertente restritiva ou limitante da liberdade de

produccedilatildeo industrial As instituiccedilotildees reguladoras teratildeo que fortalecer a retaguarda teacutecnica e

poliacutetica que possibilite dialogar com os sujeitos estrateacutegicos e administrar os interesses

conflituosos que permeiam atividades dessa natureza

Na loacutegica atual de funcionamento da sociedade os riscos emergentes dos alimentos

relacionados agrave obesidade e a outras DCNT se comportam como tipos de ameaccedila

continuamente crescentes exigindo controle Mas essa medida contraria as propostas que

apregoam a reduccedilatildeo das funccedilotildees do Estado justificadas pela autossuficiecircncia do mercado

na gestatildeo dos seus negoacutecios Nesses casos como advogam alguns autores os riscos satildeo os

propulsores do aprimoramento das atividades regulatoacuterias uma vez que eacute necessaacuterio

conter as incertezas e inseguranccedilas derivadas da moderna tecnologia e da ciecircncia

empregadas na fabricaccedilatildeo de produtos bens e serviccedilos disponibilizados agrave sociedade

(LUCCHESE 2003 BODSTEIN 2000)

Destaca-se que a regulaccedilatildeo em sauacutede deve seguir orientaccedilotildees distintas agraves aplicadas

para a regulaccedilatildeo do mercado em geral Regulaccedilatildeo no acircmbito da sauacutede eacute um processo de

gestatildeo de riscos das potenciais deficiecircncias ou adversidades que podem surgir a partir do

consumo ou do uso de produtos de interesse agrave sauacutede e afetar a coletividade

(CARVALHEIRO 2001 LUCCHESE 2008) Sob esse prisma a regulaccedilatildeo tem como finalidade

preciacutepua a de ser fundamentalmente veiacuteculo das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede Salienta-se

que a natureza dessa atividade de Estado natildeo se confina exclusivamente agrave elaboraccedilatildeo de

regras (OLIVEIRA ELIAS 2012) e envolve outras diversas modalidades de accedilatildeo

No setor sauacutede a intervenccedilatildeo estatal sobre a conduta do setor produtivo eacute imperativa

para garantia da defesa e da proteccedilatildeo da sauacutede puacuteblica quando haacute situaccedilotildees que envolvem

riscos procedimento legiacutetimo e previsto nos dispositivos legais brasileiros (BRASIL

CONASS 2003a 2003b 2003c)

No campo da vigilacircncia sanitaacuteria a regulaccedilatildeo enquanto intervenccedilatildeo no risco

pressupotildee sempre a conjugaccedilatildeo do conhecimento teacutecnico multidisciplinar com o

posicionamento poliacutetico e reveste-se de vaacuterios componentes que extrapolam o ato

28

fiscalizatoacuterio de caraacuteter privativo do Estado sobre os objetos de interesse agrave sauacutede

propriamente dita A regulaccedilatildeo sanitaacuteria um dos componentes da anaacutelise de risco6 (gestatildeo

do risco) comporta medidas tais como regulamentaccedilatildeo investigaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo

monitoramento controle auditoria e avaliaccedilatildeo que satildeo adotadas pelo Estado a fim de

conter o objeto ou o evento de risco que ameaccedila a sauacutede da populaccedilatildeo (CARVALHEIRO

2001 LUCCHESE 2008)

Na atualidade a regulaccedilatildeo sanitaacuteria brasileira desenvolve-se a partir de um processo

de construccedilatildeo coletiva com o envolvimento ativo de diferentes sujeitos incluindo em uma

de suas fases o espaccedilo para participaccedilatildeo da populaccedilatildeo em geral Representantes do

mercado7 da sociedade civil organizada universidades e instituiccedilotildees puacuteblicas de sauacutede

afins formam o grupo de integrantes desse processo Eacute nesse ambiente que se confrontam

os conhecimentos cientiacuteficos os posicionamentos poliacutetico-ideoloacutegicos as expectativas e as

linhas estrateacutegicas para proteger a populaccedilatildeo contra os riscos dos alimentos Sob esses

diferentes olhares - mercado poder puacuteblico e sociedade civil - entremeados de conflitos de

interesses eacute que se modula paulatinamente o consenso possiacutevel para viabilizar o controle

dos riscos dos componentes nutricionais dos alimentos

Embora formalmente democraacuteticas essas decisotildees regulatoacuterias ainda precisam ser

ajustadas aos acordos bilaterais e multilaterais firmados como no caso do Mercado Comum

do Sul-Mercosul e da Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio-OMC e agraves normas internacionais

como as estabelecidas pelo Codex Alimentarius FAOOMS Em determinadas circunstacircncias

esses processos servem de freios para o avanccedilo de propostas mais aproximadas aos

interesses da sauacutede coletiva Todavia a regulaccedilatildeo sanitaacuteria praticada no cotidiano das

6 Segundo a FAOOMS (2005) anaacutelise de riscos eacute um processo que consta de trecircs componentes avaliaccedilatildeo de riscos gestatildeogerenciamento de riscos e comunicaccedilatildeo de riscos A avaliaccedilatildeo processo baseado em conhecimentos teacutecnico-cientiacuteficos que serve para nortear o gerenciamento de risco ndash momento em que se avaliam as distintas opccedilotildees de intervenccedilatildeo mediante consulta agraves partes interessadas tendo como referecircncia a proteccedilatildeo da sauacutede dos consumidores e a promoccedilatildeo de praacuteticas comerciais equitativas 7O mercado de alimentos eacute uma expressatildeo empregada no sentido abrangente referindo-se a todas as operaccedilotildees comerciais estabelecidas nas distintas etapas do sistema produtivo de alimentos que tecircm como fim o consumo humano Abarca tambeacutem todos os integrantes do sistema de produccedilatildeo de alimentos em suas diferentes etapas os quais podem ser referidos neste estudo como setores produtivos setores regulados ou setores econocircmicos

29

instituiccedilotildees de controle ainda eacute a uacutenica medida de intervenccedilatildeo estatal efetiva de interesse

da sauacutede coletiva relativamente democraacutetica Utilizada para ajustar as praacuteticas do mercado

essa eacute a forma de exigir a adoccedilatildeo de medidas de prevenccedilatildeo e de controle dos riscos dos

produtos e serviccedilos ofertados agrave sociedade assim como de aplicar sanccedilotildees e penalidades

quando da existecircncia de descumprimentos ou desvios das regras definidas

Elucidar os pontos de convergecircncia e de divergecircncia os argumentos para regulaccedilatildeo

os compromissos com a sauacutede do coletivo e os limites de atuaccedilatildeo poliacutetica suscitados

quando se potildee em pauta essa mateacuteria eacute o objeto principal deste estudo

Nesse sentido investigar o discurso dos sujeitos envolvidos nessa agenda -

representantes do poder puacuteblico do mercado da sociedade civil organizada e de um

organismo internacional - permitiraacute elucidar as motivaccedilotildees significativas que orientam os

seus atos em torno da problemaacutetica deste estudo Ao mesmo tempo espera-se como

resultado obter elementos de respostas para as seguintes questotildees Quais satildeo os riscos dos

alimentos reconhecidos por esses sujeitos que podem levar a sociedade a desenvolver

doenccedilas crocircnicas Quais satildeo as estrateacutegias poliacutetico-institucionais e os conflitos enfrentados

pelos diferentes sujeitos para conter os riscos emergentes dos alimentos Como eacute aceita a

regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos para conter o avanccedilo da obesidade e

outras DCNT Haacute um compromisso compartilhado por parte dos sujeitos para tornar o

controle dos componentes nutricionais dos alimentos uma praacutetica institucional

Com base nas consideraccedilotildees expostas foram formulados os seguintes objetivos para

este estudo

a) Objetivo Geral Analisar a compreensatildeo dos diferentes sujeitos envolvidos na

agenda de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo sobre os riscos emergentes dos alimentos e a accedilatildeo

puacuteblica de regulaccedilatildeo envolvida com fins de contribuir para o seu aprimoramento

30

b) Objetivos Especiacuteficos

Identificar os significados atribuiacutedos aos riscos emergentes dos alimentos e

sua relaccedilatildeo com a expansatildeo do mercado global de produtos alimentiacutecios

Caracterizar a construccedilatildeo dos sentidos sobre a conduta e as medidas

regulatoacuterias adotadas pelo poder puacuteblico para interferir na qualidade dos produtos

alimentiacutecios em funccedilatildeo da evoluccedilatildeo da obesidade e de outras DNCT

Caracterizar nos discursos manifestos os interesses que permeiam a

temaacutetica da accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos

alimentiacutecios como estrateacutegia para intervir nos riscos emergentes dos alimentos

Delimitar a partir dos enunciados extraiacutedos dos discursos as

responsabilidades que cada um dos sujeitos atribui a si e aos demais no que se refere agrave

prevenccedilatildeo e ao controle dos riscos emergentes dos alimentos

12 Percursos metodoloacutegicos da investigaccedilatildeo

Referencial teoacuterico-metodoloacutegico

A relaccedilatildeo aparentemente paradoxal entre alimentos e sauacutede que impera na sociedade

contemporacircnea estimulou a produccedilatildeo de pesquisas interessadas em elucidar a concepccedilatildeo

dos indiviacuteduos e a conduta das instituiccedilotildees sobre as questotildees de nutriccedilatildeo bem como de

risco regulaccedilatildeo e seguranccedila de alimentos Temas que parecem estar conquistando

progressivamente espaccedilos na literatura cientiacutefica local e internacional Neste sentido vaacuterios

estudos sob diferentes oacuteticas utilizam material discursivo construiacutedo a partir do relato dos

sujeitos para avaliar entre outros aspectos o consumo das mensagens publicitaacuterias sobre

nutriccedilatildeo e a prevenccedilatildeo de doenccedilas crocircnicas (HENDERSON et al 2010) os discursos e as

crenccedilas relacionadas aos riscos dos alimentos (LUPTON 2005) as percepccedilotildees dos

consumidores sobre os tradicionais e os atuais riscos atribuiacutedos aos alimentos (BUCHLER

SMITH LAWRENCE 2010) e o conflito que permeia as praacuteticas de consumo desejo versus

controle com vistas a reduzir os riscos dos alimentos (HALKIER 2001)

31

Todavia tambeacutem natildeo eacute raro que essas pesquisas utilizem como fonte entrevistas com

representantes de organizaccedilotildees quando a linha de pesquisa visa conhecer o

posicionamento institucional relativo ao controle de riscos Estudos com esse caraacuteter foram

feitos sobre a vigilacircncia da concentraccedilatildeo de fluacuteor em produtos alimentiacutecios (BARDAL et al

2012) a implementaccedilatildeo da ferramenta de anaacutelise de riscos dos alimentos (FIGUEIREDO

MIRANDA 2011) e a anaacutelise dos significados de seguranccedila sanitaacuteria (BARBOSA COSTA

2010)

Utilizando-se de fonte primaacuteria de dados similares o objeto deste estudo dirige-se

para a compreensatildeo da relaccedilatildeo entre os riscos emergentes dos alimentos e a visatildeo da

regulaccedilatildeo puacuteblica explicitada por diferentes sujeitos partindo-se do pressuposto que

mediante o uso da linguagem os significados que constituem e constroem essa realidade

especiacutefica poderatildeo ser explorados

As representaccedilotildees organizadas ndash do mercado8 do poder puacuteblico e da sociedade ndash

conformam os principais sujeitos que apresentam relevacircncia para o estudo em tela Cada

um dos sujeitos ilustra uma posiccedilatildeo diferenciada no conjunto das representaccedilotildees que se

traduz pelo domiacutenio e confronto com o objeto de discussatildeo e pela sua capacidade de uso de

diversos mecanismos de pressatildeo para ajustaacute-la aos interesses do setor que defendem

Assim eacute essa relaccedilatildeo envolvendo o objeto e os sujeitos supracitados que nos remete a

optar por um meacutetodo capaz de fornecer respostas para as seguintes indagaccedilotildees Como eacute

compreendida a relaccedilatildeo entre o perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios e a obesidade e

DCNT que na uacuteltima deacutecada vecircm recrudescendo na sociedade brasileira Qual eacute o sentido

dado agrave regulaccedilatildeo do perfil nutricional do produto alimentiacutecio para atender agraves necessidades

de sauacutede atuais

Para acessar a subjetividade que permeia o universo dessas questotildees elegeu-se a

Hermenecircutica da Profundidade-HP (THOMPSON 2000) como referencial teoacuterico-

metodoloacutegico para lidar com os sentidos mobilizados pelas Formas Simboacutelicas - FS

8Neste estudo a categoria analiacutetica ldquomercadordquo se refere aos representantes do sistema produtivo em especial nas

etapas que compreendem a industrializaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

32

entendendo-as como artifiacutecios natildeo apenas de sentidos mas tambeacutem de dominaccedilatildeo no

conjunto social O autor conceitua as FS (accedilotildees falas textos) como fenocircmenos significativos

interpretados e compreendidos pelos sujeitos produtores-receptores

A HP admite a inserccedilatildeo de diferentes tipos de anaacutelise que tratam das caracteriacutesticas

estruturais das FS ou das condiccedilotildees socio-histoacutericas de accedilatildeo e interaccedilatildeo pois segundo

Thompson (2000) trata-se de um auxiacutelio ao processo de interpretaccedilatildeo de forma legitimada

e colaborativa Esta flexibilidade da HP permitiu a inserccedilatildeo do meacutetodo de Anaacutelise de

Discurso ndash AD (ORLANDI 2010) o qual seraacute utilizado em momentos especiacuteficos durante o

trajeto que conduz a reinterpretaccedilatildeo

Segundo esse autor o campo-objeto e o campo-sujeito constituem uma siacutentese O

objeto em observaccedilatildeo e explicaccedilatildeo eacute construiacutedo em parte pelos sujeitos dotados de

compreensatildeo reflexatildeo e accedilatildeo inclusive com potencial para desencadear um processo de

transformaccedilatildeo do campo sujeito-objeto (THOMPSON 2000)

Adianta-se que os efeitos da modernizaccedilatildeo da sociedade que expandem e sofisticam

os mecanismos de interaccedilatildeo natildeo deixaram as FS imunes e modificaram a sua caracteriacutestica

original Com a evoluccedilatildeo da sociedade essas deixaram de ser resultado de uma interaccedilatildeo

exclusivamente face-a-face principalmente em decorrecircncia do desenvolvimento das

instituiccedilotildees e dos meios de comunicaccedilatildeo de massa assim como incorporaram o valor

econocircmico ao valor simboacutelico 9 transformando-se em instrumentos de transaccedilotildees

comerciais (THOMPSON 2000)

Para analisar as FS como ideoloacutegicas o referido autor centra-se no estudo da ideologia

nas sociedades complexas descartando a ideia de que o seu papel reside em atuar como

indutor de estabilidade social ou aglutinador de interesses coletivos divergentes A coesatildeo

social eacute uma caracteriacutestica circunstancial que se sustenta possivelmente pela influecircncia de

alguns fatores tais como valores e crenccedilas diferenciados multiplicidade de grupos internos

9 Thompson (2000) afirma que a valorizaccedilatildeo econocircmica das formas simboacutelicas eacute uma condiccedilatildeo especial e decorre da troca do bem simboacutelico efetuada no acircmbito do mercado

33

e inexistecircncia de consenso sobre tema especiacutefico que inviabiliza a accedilatildeo poliacutetica A ideologia

se fundamenta na inter-relaccedilatildeo entre sentido e poder e tem como caraacuteter criar e constituir

a vida social mediante o dinamismo da circulaccedilatildeo de accedilotildees e interaccedilotildees na qual participam

as trocas de FS Com esses argumentos justifica-se o interesse em investigar os usos sociais

das FS enquanto manifestaccedilotildees ideoloacutegicas inseridas em contexto socio-histoacuterico

especiacuteficos que se realizam tanto no acircmbito da vida cotidiana quanto na esfera das

instituiccedilotildees ambas tratadas a partir do enfoque conceitual da ideologia (THOMPSON

2000)

Efetuadas as consideraccedilotildees acima o processo de significaccedilatildeo se inicia com a

exploraccedilatildeo dos textos transcritos das entrevistas realizadas com 13 sujeitos

(representantes do poder puacuteblico do mercado e da sociedade civil organizada) que ilustra

o universo do senso comum e em seguida prossegue-se conforme propotildee Orlandi (2010)

ateacute serem revelados os compromissos poliacutetico-ideoloacutegicos mediados pela linguagem dos

sujeitos e materializados no discurso

As informaccedilotildees do senso comum permitem compreender como o mundo

intersubjetivo construiacutedo em um ambiente de partilha e comunicaccedilatildeo adquire significado

para os indiviacuteduos permitindo explicaacute-lo quanto ao seu funcionamento e as suas desordens

internas e dar-lhe objetividade sempre provisoacuteria devido agrave relaccedilatildeo dialeacutetica que haacute entre

eles e o mundo social (BERGER LUCKMANN 2009) Para os autores a linguagem enquanto

acervo de conhecimentos socialmente produzidos eacute um dos sistemas que deteacutem a

capacidade de transcender conectar diferentes facetas da vida cotidiana e as integrar em

uma totalidade dotada de sentido que forma o senso comum da realidade - uma imagem

aparentemente clara na leitura dos sujeitos mas que eacute essencialmente obscura quando se

procede a anaacutelise

Isso porque o objeto simboacutelico estaacute impregnado do binocircmio desejo e poder que se

desvenda e se decodifica paulatinamente com a construccedilatildeo do discurso (FOUCAULT 1999)

O poder aqui referido pelo autor eacute aquele que transpassa os sujeitos e que se efetiva nas

muacuteltiplas relaccedilotildees que se estabelece no mundo social distanciando-se por completo do

34

tipo instituiacutedo a partir da estrutura formal hieraacuterquica Os sujeitos satildeo ao mesmo tempo

receptores e transmissores ativos do poder ato que se concretiza pela constituiccedilatildeo

reformulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo de discursos na dinacircmica das interaccedilotildees sociais Entretanto se

articulado ao saber o poder torna-se mais astucioso pois se encobre com a maacutescara da

sutileza e se irradia no cotidiano da existecircncia humana sem ser facilmente revelado

(FOUCAULT 1982)

Desse modo Bourdieu (2009) reconhece que o capital cultural (poder simboacutelico) em

conjunto com o capital econocircmico (poder material) compreendem os dois princiacutepios de

diferenciaccedilatildeo que podem ser utilizados numa sociedade estratificada para conformar as

marcas de distinccedilatildeo dos grupos sociais estabelecidas intra e extra grupos Os grupos

definidos a partir da composiccedilatildeo do capital se distinguem quanto aos interesses e agraves

posiccedilotildees assumidas no espaccedilo social Diferenccedilas que se convertem em relaccedilotildees de forccedila

para impor as representaccedilotildees desse espaccedilo e para tomar posiccedilatildeo nas lutas cotidianas

dirigidas a transformaacute-lo ou a mantecirc-lo

Nesse sentido os sujeitos ora investigados indiviacuteduos portadores desse duplo

atributo poder-saber e que assumem a condiccedilatildeo de representaccedilatildeo de instituiccedilotildees de cunho

teacutecnico-poliacutetico provavelmente no exerciacutecio de suas falas devem fazer uso da base teacutecnico-

cientiacutefica como suporte para expressar os interesses poliacutetico-ideoloacutegicos que

posteriormente seratildeo identificados nos discursos

Ao se referir aos sujeitos Thompson (2000) faz duas relevantes consideraccedilotildees A

primeira delas eacute o reconhecimento do receptor ativo e portanto criacutetico A apropriaccedilatildeo das

mensagens recebidas eacute um processo de autoformaccedilatildeo e de autoentendimento que requer

um contiacutenuo esforccedilo do indiviacuteduo para entendecirc-las e dar-lhes sentido contestaacute-las e

compartilhaacute-las A segunda consideraccedilatildeo aponta para a historicidade dos sujeitos seres

humanos ativos que participam do mundo social inseridos em tradiccedilotildees histoacutericas cuja

natureza envolve em parte um elenco complexo de significados e valores que satildeo

transmitidos de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo

35

Nesse contexto a palavra oral ou escrita eacute uma das formas de manifestaccedilatildeo simboacutelica

que conduz agrave compreensatildeo dos acontecimentos No entanto eacute preciso suplantar a condiccedilatildeo

de opacidade e se iluminar com um dos gestos de significaccedilatildeo nela presente (ORLANDI

2010) Por isso a arte de interpretar a palavra sob a forma de discursos seraacute utilizada como

uma estrateacutegia metodoloacutegica complementar Conforme essa autora interpretar eacute o ato de

abstrair da fala dos sujeitos a economia impliacutecita do discurso os elementos ocultos natildeo

verbalizados envoltos por uma historicidade que traduzem a sua filiaccedilatildeo poliacutetico-

ideoloacutegica e lhes daacute o sentido e assim transforma o homem e o ambiente social

Trata-se entatildeo de se mergulhar no impliacutecito o acircmago do discurso a parte tatildeo secreta

inacessiacutevel em todas as suas dimensotildees o ldquojamais-ditordquo que carrega as marcas da

determinaccedilatildeo histoacuterica (FOUCAULT 2008) Algo que repercute tanto na autoria do sujeito

falante pois sua funccedilatildeo se converte em dar unidade sentido e coerecircncia ao objeto

discursivo quanto na interpretaccedilatildeo do objeto discursivo tornando-o um leque aberto de

interpretaccedilotildees

No marco teoacuterico de Thompson (2000) a hermenecircutica da vida cotidiana eacute o ponto de

partida O autor se reporta a esse momento preliminar como o da interpretaccedilatildeo da Doxa ou

seja das opiniotildees crenccedilas e compreensotildees que satildeo sustentadas e partilhadas pelas pessoas

no mundo social A partir desse substrato se exploram as dimensotildees subsequentes para

abarcar a totalidade dos aspectos que envolvem as FS Desse modo e considerando que as

FS estatildeo estruturadas e inseridas nas condiccedilotildees socio-histoacutericas o referencial compreende

trecircs dimensotildees analiticamente distintas de um processo interpretativo complexo

1ordf dimensatildeo - Anaacutelise socio-histoacuterica ndash reconstruccedilatildeo das condiccedilotildees socio-histoacutericas

da produccedilatildeo circulaccedilatildeo e recepccedilatildeo das FS Consiste de quatro elementos situaccedilotildees espaccedilo-

temporais (reconstruccedilatildeo dos ambientes de produccedilatildeo e recepccedilatildeo das FS) campos de

interaccedilatildeo (anaacutelise dos recursos regras convenccedilotildees e relaccedilotildees sociais) instituiccedilotildees sociais

(reconstruccedilatildeo dos conjuntos relativamente estaacuteveis de regras e recursos e de relaccedilotildees

36

sociais) e estrutura social (anaacutelise das assimetrias e diferenccedilas relativamente estaacuteveis que

caracterizam as instituiccedilotildees sociais e os campos de interaccedilatildeo)

2ordf dimensatildeo ndash Anaacutelise formal ou discursiva ndash constitui as bases para um tipo de

anaacutelise focada na organizaccedilatildeo interna das FS (caracteriacutesticas estruturais padrotildees e

relaccedilotildees) podendo ser utilizadas diferentes modalidades de anaacutelise Neste estudo em

especial seraacute utilizada a Anaacutelise de Discurso ndash AD

Para abarcar a triacuteade liacutengua-discurso-ideologia a AD busca dar concretude agrave fala

fazendo um transcurso reflexivo da descriccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo Compreende novos gestos de

leitura que culminam na desconstruccedilatildeo do enunciado mediante o cruzamento do histoacuterico

com o linguiacutestico que adentra a esfera da sua superficialidade aparente para resgatar a

materialidade do sentido que eacute o proacuteprio discurso (PECHEUX 2008)

Segundo Orlandi (2010) a AD faz uso de dois dispositivos em distintos momentos da

anaacutelise

a) Dispositivo teoacuterico de interpretaccedilatildeo aquele que faz a mediaccedilatildeo do

movimento entre a descriccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Isto significa explicitar os

processos de significaccedilatildeo presentes no texto e identificar os sentidos ldquonatildeo-

ditosrdquo compreendendo como eles se constituem

b) Dispositivo analiacutetico aquele construiacutedo pelo analista a partir da natureza

dos materiais analisados da questatildeo formulada da finalidade da anaacutelise e

das diferentes teorias que conformam os distintos campos disciplinares

(ORLANDI 2010)

3ordf dimensatildeo ndash Interpretaccedilatildeo (ou reinterpretaccedilatildeo) Analisa a construccedilatildeo criativa de

possiacuteveis significados do que eacute dito pela siacutentese das dimensotildees anteriores realccedilando o seu

caraacuteter ideoloacutegico que significa () explicitar a conexatildeo entre o sentido mobilizado pelas FS e

as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo que esse sentido manteacutem (THOMPSON 2000)

37

Pesquisa de campo

Trata-se de uma investigaccedilatildeo empiacuterica do tipo qualitativa apropriada para investigar

fenocircmenos sociais complexos do mundo contemporacircneo (MINAYO 2006) na qual foram

aplicadas duas teacutecnicas especiacuteficas anaacutelise documental e entrevistas com sujeitos ambas

relacionadas agraves instituiccedilotildees de interesse agrave pesquisa e envolvendo a temaacutetica de riscos de

alimentos regulaccedilatildeo controle de alimentos obesidade e ou DNCT Os documentos referem-

se aos materiais institucionais de domiacutenio puacuteblico sendo analisados sob a perspectiva de

contextualizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Como tais documentos representam uma das versotildees

construiacutedas sobre a realidade observada haacute limitaccedilotildees em utilizaacute-los para validar as

afirmaccedilotildees obtidas em entrevista (FLICK 2009)

Quanto agraves entrevistas buscou-se explorar as ideias e os significados que os sujeitos

atribuem ao objeto investigado Adianta-se que parte do grupo dos sujeitos tem uma

aproximaccedilatildeo intensa com esse objeto pois este coincide com a proacutepria atividade de

trabalho cotidiana Foram identificados sujeitos estrateacutegicos ou seja aqueles com poder

decisoacuterio e que participam diretamente e ou acompanham as discussotildees travadas no

acircmbito nacional e internacional sobre riscos dos alimentos regulaccedilatildeo e controle e ou a

prevalecircncia de obesidade e DCNT na populaccedilatildeo

Diante disto foram constituiacutedos dois grupos de anaacutelise Estudo dos documentos

oficiais em que constam as especificaccedilotildees e o processo de anaacutelise dos documentos

selecionados e Entrevistas com os sujeitos em que satildeo mencionadas as instituiccedilotildees puacuteblicas

e privadas e as entidades da sociedade civil organizada que fizeram parte da pesquisa

assim como o processo de coleta dos dados

Os procedimentos para o desenvolvimento desta pesquisa estatildeo de acordo com as

diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos previstos

na Resoluccedilatildeo nordm 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Sauacutede A pesquisa

de campo foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede ndash UNB

conforme Parecer no 1172012

38

Estudo dos documentos oficiais

Os documentos oficiais selecionados e de domiacutenio puacuteblico abrangem as seguintes

modalidades portarias ministeriais relatoacuterios teacutecnicos termos de compromisso atas

acordos e projetos de leis Tais documentos exceto os projetos de leis se referem aos anos

2007 e 2014 e tratam sobre alguns desses temas alimentos obesidade DCNT risco e ou

regulaccedilatildeo Esses documentos foram analisados considerando os propoacutesitos da poliacutetica

puacuteblica de sauacutede e nutriccedilatildeo e o quadro epidemioloacutegico-nutricional vigente

Aleacutem disso levantou-se na paacutegina eletrocircnica oficial da Cacircmara dos Deputados do

Congresso Nacional todos os projetos de lei disponiacuteveis e referentes aos temas

supracitados equivalentes ao periacuteodo de 01012000 a 31122013 O levantamento das

publicaccedilotildees institucionais teve como ponto de corte o ano 2000 em virtude de este ser o

ano do anuacutencio oficial da pandemia de obesidade pelos organismos internacionais Para se

efetuar a busca dos projetos de lei nesse site foram utilizadas as seguintes palavras-chaves

regulaccedilatildeo amp alimentos controle amp alimentos publicidade amp alimentos e obesidade Essa

coleta coincidiu com o periacuteodo de realizaccedilatildeo das entrevistas

Os documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede da Agecircncia Nacional de

Vigilacircncia Sanitaacuteria e da Cacircmara dos Deputados utilizados estatildeo em parte descritos no

Capiacutetulo IV ou referenciados na bibliografia deste trabalho

Entrevistas com os sujeitos

O grupo de entrevistados foi composto por 13 (treze) sujeitos representantes de 12

instituiccedilotildees Conforme o tipo de instituiccedilatildeo vinculada os sujeitos distribuem-se em quatro

categorias

39

- instituiccedilotildees do poder puacuteblico incluem cinco instituiccedilotildees com competecircncia para

aprovar e ou auxiliar na construccedilatildeo dos instrumentos legais (leis decretos ou

regulamentos) e teacutecnicos (programas de monitoramento de alimentos

orientaccedilotildees teacutecnicas sobre os alimentos etc ) relacionados ao controle de riscos

dos alimentos - Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria ndash AnvisaMS

Coordenadoria-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-CGANMS Ministeacuterio da

Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento-MAPA Cacircmara dos Deputados do

Congresso Nacional e o Conselho Federal de Nutricionistas- CFN

- Instituiccedilotildees privadas do mercado Satildeo trecircs instituiccedilotildees de caraacuteter nacional que

representam as induacutestrias de produtos alimentiacutecios e que regularmente

participam do processo de regulamentaccedilatildeo dos alimentos no acircmbito nacional

coordenado pela AnvisaMS e ou pelo MAPA Satildeo elas Associaccedilatildeo Brasileira de

Induacutestrias de Alimentos ndash ABIA Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de

Alimentos Dieteacuteticos ndash ABIAD e Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Massas

Alimentiacutecias e Patildeo amp Bolo Industrializados - ABIMA

- Instituiccedilotildees da sociedade civil Satildeo trecircs instituiccedilotildees que participam do controle

social das accedilotildees de sauacutede e de alimentaccedilatildeo - Conselho Nacional de Sauacutede- CNS

Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional - ConseaPresidecircncia

da Repuacuteblica e Instituto de Defesa do Consumidor ndash Idec

- Organismo internacional Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede - OPAS que

atua estimulando os paiacuteses-membros a aprimorarem suas accedilotildees de sauacutede

seguindo as orientaccedilotildees da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede -OMS inclusive em

relaccedilatildeo ao controle de alimentos e do excesso de peso

A uacutenica instituiccedilatildeo do poder puacuteblico em que dois sujeitos foram selecionados para as

entrevistas refere-se agrave Cacircmara de Deputados Dois parlamentares foram entrevistados em

40

funccedilatildeo do trabalho desenvolvido com as temaacuteticas de ldquoseguranccedila alimentar e nutricionalrdquo e

ldquopublicidade de alimentosrdquo

Para a realizaccedilatildeo das entrevistas na maioria das instituiccedilotildees foi necessaacuterio o contato

com um ldquoguardiatildeordquo (gatekeeper) que eacute um profissional com relacionamento anteriormente

firmado ou estabelecido com a pesquisadora ou indicado por uma pessoa dela conhecida

com a finalidade de facilitar o acesso agrave instituiccedilatildeo (CRESWELL 2010) Este ldquoguardiatildeordquo foi

fundamental para auxiliar a aproximaccedilatildeo dos entrevistados com a pesquisadora uma vez

que estes satildeo pessoas ocupantes de cargos em posiccedilatildeo hieraacuterquica estrateacutegica com uma

demanda complexa e tempo disponiacutevel reduzido

Foi realizado contato preacutevio com os sujeitos para prestar informaccedilotildees sobre o estudo

e verificar a sua aceitaccedilatildeo Inicialmente estavam previstas mais duas entrevistas a serem

realizadas com a Associaccedilatildeo Brasileira para o Estudo da Obesidade e Siacutendrome Metaboacutelica ndash

ABESO e Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura ndash FAO - a

primeira entidade ligada ao grupo da sociedade civil organizada e a segunda na qualidade

de organismo internacional Poreacutem devido a falta de confirmaccedilatildeo do agendamento da

entrevista ou da disponibilidade de horaacuterios natildeo coincidentes com os de outras entrevistas

as situaccedilotildees foram tratadas respectivamente como uma negaccedilatildeo impliacutecita e

impossibilidade Nos casos de concordacircncia foi encaminhado por mensagem eletrocircnica

documento institucional informando sobre o propoacutesito da pesquisa e a relevacircncia dos

dados a serem fornecidos pelos sujeitos representantes das instituiccedilotildees Em seguida

prosseguiu-se com o agendamento de acordo com a disponibilidade dos entrevistados

Paralelamente foi-lhes enviada uma carta-convite constando informaccedilotildees sobre a pesquisa

e os preceitos baacutesicos relativos agrave eacutetica em pesquisa Para a efetivaccedilatildeo do total de treze

entrevistas foi necessaacuterio o envio de mais de uma centena de mensagens eletrocircnicas e

inuacutemeros contatos telefocircnicos

O local de realizaccedilatildeo da entrevista dependeu da indicaccedilatildeo do entrevistado e em quase

a totalidade foi efetuada no seu proacuteprio ambiente de trabalho Antes de iniciar as

entrevistas o entrevistado foi informado sobre o objetivo do estudo a gravaccedilatildeo o sigilo das

41

informaccedilotildees o uso dos dados para fins acadecircmicos o anonimato dos entrevistados e em

seguida foram feitos os procedimentos de leitura e assinatura do Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido conforme determinado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade de

Brasiacutelia

A entrevista foi interpessoal um a um mediante o uso de um roteiro semiestruturado

e de um gravador de voz digital e teve duraccedilatildeo de aproximadamente uma hora O roteiro da

entrevista constituiu-se em um modelo uacutenico de forma a permitir confrontar os discursos

dos entrevistados sobre os diferentes aspectos do tema investigado As questotildees abertas

foram elaboradas tomando-se como referecircncia os objetivos e as perguntas de investigaccedilatildeo

para reduzir as possibilidades de desvio do foco da pesquisa (Quadro 1) Esse tipo de

questatildeo permite que os sujeitos abordem com certa liberdade o que consideram mais

importante sobre o tema

42

QUADRO 1 Quadro comparativo entre as questotildees objetivos e perguntas das entrevistas

Questotildees Objetivos Perguntas da Entrevista Quais satildeo os riscos dos alimentos reconhecidos por estes sujeitos que podem levar a sociedade a desenvolver doenccedilas crocircnicas

Geral Analisar a compreensatildeo dos diferentes sujeitos envolvidos na agenda de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo sobre os riscos emergentes dos alimentos e accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo envolvida com fins de contribuir para o seu aprimoramento

1Em sua opiniatildeo qual eacute a relaccedilatildeo entre os alimentos e a sauacutede 2Como o consumo de alimentos industrializados tem atuado na vida moderna 3Na atualidade quais satildeo os problemas de sauacutede associados aos alimentos que o (a) Sr (a) conhece Como podem ser evitados 4Quais as medidas necessaacuterias que o governo pode adotar para evitar doenccedilas relacionadas aos alimentos E o excesso de peso da populaccedilatildeo 5Como a vigilacircncia sanitaacuteria pode atuar sobre os alimentos industrializados em prol da sauacutede da populaccedilatildeo

Especiacuteficos Identificar os significados atribuiacutedos para os riscos emergentes dos alimentos e a sua relaccedilatildeo com a expansatildeo do mercado global de produtos alimentiacutecios

Como eacute aceita a regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos para conter o avanccedilo da obesidade e outras DCNT

Caracterizar a construccedilatildeo dos sentidos sobre a conduta e as medidas regulatoacuterias adotadas pelo poder puacuteblico para interferir nos produtos alimentiacutecios em funccedilatildeo da evoluccedilatildeo da obesidade e de outras DCNT Caracterizar nos discursos manifestos os interesses que permeiam a temaacutetica da accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios como estrateacutegia de intervir nos riscos dos alimentos

6Como avalia a estrateacutegia de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos industrializados pela vigilacircncia sanitaacuteria

Quais satildeo as estrateacutegias poliacuteticos-institucionais em andamento e os conflitos enfrentados pelos diferentes sujeitos para conter os riscos emergentes dos alimentos

Haacute um compromisso compartilhado por parte dos sujeitos para tornar o controle dos componentes nutricionais dos alimentos uma praacutetica institucional

Delimitar a partir dos enunciados extraiacutedos dos discursos as responsabilidades que cada um dos sujeitos atribui a si e aos demais o que se refere agrave prevenccedilatildeo e ao controle dos riscos emergentes dos alimentos

7Quais seriam as responsabilidades do governo e dos demais setores envolvidos no processo de regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos com fins de controlar o excesso de peso E a do seu setor

43

O protocolo de entrevista foi composto por trecircs partes a primeira contendo os

dados de identificaccedilatildeo do entrevistado (nome do entrevistado local data e-mail) a

segunda parte contendo as questotildees introdutoacuterias de aproximaccedilatildeo do pesquisador com o

entrevistado e a terceira contendo as questotildees do roteiro com um espaccedilo para registro

das informaccedilotildees (Anexo 1) Antes do iniacutecio do trabalho de campo foi realizado um preacute-

teste com trecircs sujeitos das instituiccedilotildees envolvidas para ajustar o roteiro o que resultou no

aprimoramento das questotildees elaboradas redefiniccedilatildeo da sequecircncia de perguntas entre

outros aspectos

As entrevistas foram fontes essenciais de informaccedilatildeo para este estudo sendo

efetuadas no periacuteodo de 26022013 a 06062013 nas cidades de Satildeo Paulo e de Brasiacutelia

A transcriccedilatildeo integral da gravaccedilatildeo foi efetuada pela proacutepria pesquisadora agrave medida

que as entrevistas foram realizadas As gravaccedilotildees foram digitalizadas em formato MP3 e

em seguida foi feita a conferecircncia pela proacutepria pesquisadora O sujeito entrevistado foi

identificado na transcriccedilatildeo pelo seu primeiro e uacuteltimo nomes e a sigla da instituiccedilatildeo sendo

anonimizado no texto final sendo referenciado por coacutedigo

Os coacutedigos foram constituiacutedos por letra e nuacutemero Os entrevistados do mercado do

poder puacuteblico e da sociedade civil tiveram o seu coacutedigo iniciado respectivamente pela letra

ldquoMrdquo ldquoPrdquo e ldquoSrdquo seguido de um nuacutemero especiacutefico para cada entrevistado do grupo em

questatildeo em ordem sequencial coincidente agrave da realizaccedilatildeo da entrevista

Foi instituiacutedo um Diaacuterio de Pesquisa para registro de todas as informaccedilotildees

comentaacuterios ideias e percepccedilotildees sobre o estudo em curso bem como as atividades

realizadas no cotidiano da pesquisa que foram utilizadas na elaboraccedilatildeo da redaccedilatildeo final

44

Plano de anaacutelise dos dados

O plano de anaacutelise das entrevistas foi desenvolvido por meio de uma adaptaccedilatildeo das

propostas estruturadas por Orlandi (2010) e Minayo (2006) e foi composto por trecircs

momentos distintos

a) Configuraccedilatildeo do corpus A partir de uma leitura exaustiva do material coletado (as

entrevistas transcritas) foram feitos recortes do texto e seu agrupamento em quatro temas

geneacutericos considerando os objetivos da tese e o roteiro da entrevista a saber inter-relaccedilatildeo

alimento e sauacutede na vida atual acordo e regulaccedilatildeo atuaccedilatildeo multisetorial do governo e

compromissos dos sujeitos com o tema Em seguida os trechos relevantes das transcriccedilotildees

foram organizados segundo os quatro temas geneacutericos e a depender dos espaccedilos

institucionais em que se inscrevem poder puacuteblico mercado sociedade civil organizada e

organismo internacional A partir da anaacutelise especiacutefica de cada tema construiu-se o

discurso-objeto

b) Discurso-objeto Ao se postular que os objetos de discurso satildeo construiacutedos

negociados e enriquecidos progressivamente pela proacutepria atividade discursiva esse

material foi estruturado enquanto discurso-objeto e suporte de anaacutelise a partir de

enunciados matriz considerados transversais ao conjunto das transcriccedilotildees Esses

enunciados matriz foram extraiacutedos a partir das recorrecircncias de ideias identificadas nos

textos transcritos observando as caracteriacutesticas em termos de similaridades ou

divergecircncias conflitos e contradiccedilotildees nos argumentos utilizados para construir as

significaccedilotildees

c) Discurso Por meio do uso do referencial teoacuterico a elaboraccedilatildeo desses enunciados

matriz extraiacutedos constituiu a base para a reconstruccedilatildeo analiacutetica dos discursos e a

explicitaccedilatildeo dos interesses poliacutetico-ideoloacutegicos dos sujeitos quanto agraves questotildees centrais

deste estudo riscos dos alimentos e regulaccedilatildeo

45

Concluiacutedos os discursos momento de siacutentese entre os dados empiacutericos e a teoria

estes foram integrados a uma anaacutelise socio-histoacuterica para encerrar o modelo teoacuterico

proposto por Thompson (2000) e esclarecer o objeto em anaacutelise em sua complexidade ou

seja realizar a sua reinterpretaccedilatildeo

Para representar de forma sinteacutetica a multiplicidade de discursos em torno do campo

semacircntico em questatildeo utilizou-se o modelo do Quadrado semioacutetico proposto por Greimas

(1970) e apresentado por Barros (2005) o qual consiste de uma representaccedilatildeo visual da

articulaccedilatildeo loacutegica das estruturas elementares extraiacutedas dos textos e que fundamentam o

percurso gerativo do discurso Quadrado semioacutetico constroacutei-se a partir da relaccedilatildeo entre

dois termos marcados pela oposiccedilatildeo ou diferenccedila e dos seus contraditoacuterios Estes quatro

termos situados em quatro posiccedilotildees distintas formam relaccedilotildees entre si de contrariedade

(eixo horizontal) complementariedade (eixo vertical) e de contradiccedilatildeo (cruzamentos)

(BARROS 2005)

46

2 ALIMENTOS E RISCOS Agrave SAUacuteDE

21 O comensal contemporacircneo da alimentaccedilatildeo ao produto alimentiacutecio

A alimentaccedilatildeo para os indiviacuteduos extrapola um simples ato de instinto de

sobrevivecircncia Ela condensa um jogo complexo de significaccedilotildees simboacutelicas e materiais

proacuteprias da natureza humana que articula simultaneamente trecircs condiccedilotildees responde agrave

necessidade bioloacutegica expressa comportamento cultural e representa interaccedilatildeo em

ambiente social Trata-se de um fenocircmeno que em si conjuga a reproduccedilatildeo bioloacutegica agrave

social dos grupos humanos realizando-se envolto por um repertoacuterio de representaccedilotildees

crenccedilas e haacutebitos que conforma o universo cultural (CONTRERAS GRACIA 2011)

Nesse contexto a alimentaccedilatildeo humana eacute o encontro da natureza e da cultura (MACIEL

2005) O ritual das escolhas haacutebitos e praacuteticas alimentares deriva de um saber construiacutedo

coletivamente acumulado e transmitido de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo poreacutem natildeo completamente

inerte aos efeitos oriundos da dinacircmica social Essa particularidade cultural assumida pela

alimentaccedilatildeo que natildeo se desprende das origens e que se reproduz no transcurso da vida

social a converte em uma categoria histoacuterica (SANTOS 2005)

Assim atrelada ao indiviacuteduo ou aos grupos a tradiccedilatildeo alimentar se manteacutem para aleacutem

dos espaccedilos ou das transformaccedilotildees sociais ou seja perpassa a distacircncia fiacutesica ou temporal

relativa ao ambiente tiacutepico de sua circulaccedilatildeo natildeo obstante seja adaptaacutevel agraves novas formas

sabores e praacuteticas alimentares Esse mosaico cultural persistente constitui uma referecircncia

de alto valor simboacutelico que remete agrave origem e agrave memoacuteria gustativa e passa a compor a

identidade (PONS 2005)

Quanto agrave relaccedilatildeo identitaacuteria do alimento Pons (2005) afirma que ela comporta uma

dupla dimensatildeo biocultural tanto ldquo() como complexo gustativo compartilhado por um

grupo como um universo simboacutelico interiorizado que informa agravequeles que o compartilham os

47

limites entre a cultura e a natureza entre o que eacute proacuteprio e o que eacute distanterdquo Jaacute Fischler

(1988) ao tratar da identidade individual enfatiza o mecanismo de incorporaccedilatildeo que se

estabelece na relaccedilatildeo entre indiviacuteduo e o alimento o qual se realiza em duas esferas de

forma concomitante e sincronizada na esfera bioloacutegica quando o indiviacuteduo absorve o

alimento (nutrientes) e na esfera cultural quando ele eacute absorvido pelo alimento ou seja

incorporado de valores crenccedilas e representaccedilotildees de uma circulaccedilatildeo histoacuterica e simboacutelica

A tradiccedilatildeo alimentar natildeo eacute algo inato do indiviacuteduo a inculcaccedilatildeo se inicia ainda na

infacircncia a partir das experiecircncias obtidas com as sensaccedilotildees taacuteteis gustativas e olfativas

sobre o alimento consumido (CANESQUI GARCIA 2005) No entanto na era

contemporacircnea vaacuterios autores apontam que essa tradiccedilatildeo estaacute sendo abalada pelas

pressotildees comerciais e pelo ritmo da vida cotidiana (HAWKES 2002 CONTRERAS GRACIA

2011)

Sob uma perspectiva totalizadora a alimentaccedilatildeo eacute uma manifestaccedilatildeo bioloacutegica e

sociocultural O elemento bioloacutegico se circunscreve agrave nutriccedilatildeo ou seja aos requerimentos

nutricionais para o funcionamento ideal do organismo humano enquanto o elemento

sociocultural se evidencia nas escolhas alimentares as quais natildeo se sujeitam

exclusivamente pelas motivaccedilotildees econocircmicas apesar de serem fortemente determinadas

por elas (CONTRERAS GRACIA 2011) mas tambeacutem pela capacidade de representarem

significados sociais (CANESQUI GARCIA 2005) Isso eacute que possibilita a coexistecircncia de

distintos comportamentos alimentares nas diferentes sociedades

Merece ser ressaltado que a consolidaccedilatildeo desses comportamentos se processa em

circunstacircncias de tensotildees conflitos e pactos repercutindo da seguinte forma marcam as

semelhanccedilas e as diferenccedilas eacutetnicas e sociais classificam e hierarquizam as pessoas e os

grupos expressam concepccedilotildees de mundo e incorporam um grande poder de evocaccedilatildeo

simboacutelica (CONTRERAS GRACIA 2011)

A alimentaccedilatildeo assume um importante papel de marcador social que eacute facilmente

identificaacutevel Isso se revela pelo tipo quantidade esteacutetica forma de disposiccedilatildeo dos itens

48

alimentares e a maneira de consumi-los Esses aspectos constituem os traccedilos de distinccedilatildeo

entre os indiviacuteduos e os grupos Quando haacute remodelaccedilatildeo do estilo alimentar isto pode

significar uma estrateacutegia de aproximaccedilatildeo a niacuteveis superiores da escala social ou mesmo a

proacutepria ascensatildeo social como forma de se tornar idecircntico aos ldquooutrosrdquo do grupo

Ainda no alvorecer do seacuteculo XXI sob o ritmo acelerado da globalizaccedilatildeo a dicotomia

no campo do consumo alimentar das populaccedilotildees continua acirrada (FAO 2013) revelando

uma polarizaccedilatildeo entre aquelas que convivem com a abundacircncia e a diversidade alimentar e

outras que carecem de alimentos - em termos quantitativos e qualitativos - para o

atendimento de suas necessidades primaacuterias Poreacutem a maacute nutriccedilatildeo se instala nesses dois

polos expressando efeitos moacuterbidos opostos em virtude da maacute alimentaccedilatildeo ou da carecircncia

alimentar

No decorrer dos anos adicionam-se aos tradicionais problemas da falta de

distribuiccedilatildeo equacircnime dos alimentos os problemas relativos agrave qualidade em virtude dos

diferentes tipos de riscos agrave sauacutede que lhes satildeo imputados como as doenccedilas transmitidas

pelos alimentos e a obesidade e demais doenccedilas crocircnicas a ela correlacionadas Segundo

Contreras (2005) tal fato motivou uma redefiniccedilatildeo do conceito de seguranccedila alimentar

para se contrapor aos ditames alimentares que regem a loacutegica social dominante Agora este

passa a ser sustentado sob trecircs pilares acesso aos alimentos como um direito humano

garantia dos alimentos em termos quali-quantitativos e praacuteticas alimentares coerentes com

as tradiccedilotildees culturais e ambientalmente sustentaacuteveis (MALUF 2007)

Atento a esse conceito merece aqui se destacar alguns fatos sociais que se apresentam

como ameaccediladores do patrimocircnio imaterial que condensa as crenccedilas a culinaacuteria e os

haacutebitos de consumo constituiacutedo pela pluriculturalidade alimentar Como consequecircncia as

tradiccedilotildees culturais alimentares podem desestabilizar-se e inclusive extinguir-se no

decurso do tempo

Nos uacuteltimos anos vaacuterios artigos relatam as tendecircncias nos paiacuteses industrializados

dirigidas agrave homogeneizaccedilatildeo do consumo alimentar (CONTRERAS GRACIA 2011 GARCIA

49

2003) mudanccedilas draacutesticas do padratildeo de consumo e dos haacutebitos alimentares no mundo em

desenvolvimento (UUSITALLO PIETINEN PEKKA 2002) e aumento da incidecircncia mundial

de doenccedilas relacionadas agrave dieta (CHOPRA 2002 WHO 2003b) trazendo agrave tona uma nova

problemaacutetica no campo alimentar Isso surge em um cenaacuterio onde haacute uma urbanizaccedilatildeo

acelerada modernizaccedilatildeo tecnoloacutegica maior participaccedilatildeo da mulher no mercado de

trabalho concomitante ao aumento da concentraccedilatildeo e do poder das grandes corporaccedilotildees

que barateiam seus produtos e os integram ao mercado internacional Esse conjunto

articulado estaacute produzindo impactos na sauacutede global desta e das futuras geraccedilotildees

(UUSITALLO PIETINEN PEKKA 2002)

Conforme exposto eacute no centro dessas mudanccedilas soacutecio-poliacuteticas e econocircmicas que a

pluriculturalidade alimentar estaacute perdendo a sua solidez Bourdieu (2001) afirma que os

bens culturais na sociedade contemporacircnea neoliberal se encontram em perigo pela forccedila

motriz do mercado e a cultura alimentar se enquadra perfeitamente em sua anaacutelise O

referido autor ressalta que primeiro se deve desfazer da ilusatildeo de que as inovaccedilotildees

tecnoloacutegicas e os empreendimentos econocircmicos aumentam a quantidade e a qualidade dos

bens culturais oferecidos e a satisfaccedilatildeo do consumidor como advogam os defensores do

capital pois o que circula de fato eacute uma mercadoria com fins lucrativos e indiferente aos

laccedilos com a histoacuteria ou com a identidade de um grupo Segundo tambeacutem eacute necessaacuterio

romper com o mito de que a diferenciaccedilatildeo e a diversificaccedilatildeo extraordinaacuteria dos produtos se

opotildeem agrave uniformizaccedilatildeo da oferta tanto em escala nacional como internacional pois a

concorrecircncia natildeo diversifica - e sim homogeniza - em busca de produtos aceitaacuteveis para o

ldquopuacuteblico maacuteximordquo de todos os paiacuteses Para concluir o autor argumenta que eacute necessaacuterio

reforccedilar que a loacutegica do lucro sobretudo a do curto prazo eacute a estrita negaccedilatildeo da cultura

Diante da perspectiva da homogeneizaccedilatildeo cultural desencadeada pela globalizaccedilatildeo

impor obstaacuteculos contra a dissoluccedilatildeo da pluriculturidade alimentar entendida como o

entrecruzamento de praacuteticas simboacutelicas e culturais introjetadas pelos indiviacuteduos na esfera

da alimentaccedilatildeo pode repercutir positivamente tanto no campo gastronocircmico como nos

benefiacutecios agrave sauacutede Isso porque a existecircncia de uma variedade das preparaccedilotildees alimentiacutecias

50

compostas por alimentos saudaacuteveis permite alcanccedilar um equiliacutebrio nutricional na dieta e

promover a sauacutede

Indubitavelmente eacute a expansatildeo transnacional das corporaccedilotildees de alimentos com suas

muacuteltiplas estrateacutegias de sustentaccedilatildeo que leva agrave destruiccedilatildeo da base alimentar agrave perda da

biodiversidade e agrave inseguranccedila dos alimentos concorrendo assim para a destruiccedilatildeo da

cultura alimentar local (PHILLIPS 2006) Os elos firmados entre induacutestria-campo sob o

domiacutenio da primeira atrelando a garantia da compra do produto ao cumprimento restrito

das imposiccedilotildees teacutecnicas de produccedilatildeo tem desmantelado a produccedilatildeo agriacutecola de pequeno

porte fazendo-a perder a diversidade e a autonomia de cultivar os alimentos tradicionais

Isto porque o oligopoacutelio que governa o sistema alimentar mundial segundo Stuckler amp

Nestle (2012) dita o que se come e como se come

Desse modo o advento da pandemia da obesidade eacute um dos sinais das contradiccedilotildees

dessa conformaccedilatildeo empresarial global A evidente associaccedilatildeo entre dietas densamente

energeacuteticas com a obesidade e outras comorbidades possibilita identificar os estilos de

dietas ocidentalizadas como fatores de risco para este agravo (CHOPRA 2002 WHO

2003b) A partir daiacute surge a preocupaccedilatildeo com as bebidas carbonatadas e as comidas

raacutepidas que satildeo os motores das corporaccedilotildees globais americanas Tais produtos estatildeo se

tornando mais prevalentes na dieta global em grande parte devido agrave penetraccedilatildeo intensiva

das multinacionais nos paiacuteses inclusive dentro dos mercados emergentes dos grandes

centros urbanos dos paiacuteses de meacutedia e baixa renda (HAWKES 2002)

Em decorrecircncia da urbanizaccedilatildeo Gracia (2005) afirma que o cotidiano alimentar do

comensal contemporacircneo sofreu alteraccedilotildees substanciais as refeiccedilotildees passaram a ser

estruturadas pelo tempo socializadas apenas em condiccedilotildees de lazer substituiacutedas por

snacks em situaccedilotildees de intensa atividade laboral e quando realizadas no ambiente

domeacutestico satildeo compostas por produtos industrializados Forccedilados agrave racionalizar o tempo e

agrave lidar com as circunstacircncias desgastantes do trabalho (distacircncias horaacuterios transportes) a

realizaccedilatildeo de refeiccedilotildees extradomiciliares em restaurantes cafeacutes e bares inclusive com o

consumo de fast-foods constitui uma regra para muitos indiviacuteduos

51

Os produtos ultraprocessados destacam-se no universo dos gecircneros alimentiacutecios

industrializados natildeo saudaacuteveis Satildeo produtos derivados de ingredientes industrializados

constituiacutedos de oacuteleos gorduras amidos e accediluacutecares aleacutem de uma associaccedilatildeo de aditivos para

tornaacute-los palataacuteveis (MONTEIRO 2009 MONTEIRO et al 2013) Assim forma-se uma

mistura que mimetiza o sabor e o olor do alimento permitindo ao consumidor reconhececirc-la

como um produto comestiacutevel Produtos dessa natureza com composiccedilatildeo nutricional

desbalanceada rica em calorias e pobre em nutrientes estrateacutegicos e altamente

estimulantes do consumo satildeo os que acarretam efeitos negativos agrave sauacutede Na visatildeo de

Monteiro amp Cannon (2012) esses produtos satildeo tatildeo prejudiciais agrave sauacutede como o satildeo o

cigarro e o aacutelcool a despeito de suas particularidades

Com o surgimento do fast-food se ofertam comidas de consumo raacutepido em

embalagens praacuteticas e em geral desbalanceadas em termos nutricionais poreacutem

condizentes com o ritmo e o tempo restritos que satildeo impostos agraves refeiccedilotildees Eacute o tipo de

alimento preferido pelos adolescentes distribuiacutedo por grandes redes comerciais inclusive

transnacionais que se utilizam de estrateacutegias de marketing agressivas - associando o seu

consumo a uma imagem de elevaccedilatildeo do status social e de um estilo de vida moderno - para

criar demandas e consolidar mudanccedilas de haacutebitos alimentares (HAWKES 2002)

Garcia (2003) denomina esse contexto de ldquocomensalidade contemporacircneardquo

especialmente pela avaliaccedilatildeo de escassez de tempo para o preparo e consumo de alimentos

e a oferta abundante e diversificada de itens alimentares de preparaccedilatildeo raacutepida praacutetica Isso

eacute o que estaacute moldando os comportamentos alimentares dos paiacuteses industrializados

(CONTRERAS 2005) e dos emergentes (HAWKES 2002) de forma bastante acelerada

graccedilas agraves reforccediladas estrateacutegias de publicidade e marketing das empresas de alimentos que

ofuscam as referecircncias culturais

Para que o consumidor estabeleccedila laccedilos de pertencimento com o alimento

industrializado haacute que se preencher o ldquovaziordquo inerente ao produto artificializado e fazecirc-lo

se aproximar dos elementos comestiacuteveis da natureza Poreacutem cada vez mais a tecnologia

torna este produto menos identificaacutevel pelos oacutergatildeos dos sentidos devido agraves caracteriacutesticas

52

organoleacutepticas modificadas ao invoacutelucro que o conteacutem ficando reduzido agrave aparecircncia e agrave

representaccedilatildeo apesar do empenho das induacutestrias em mascaraacute-lo para que se aproxime do

alimento natural Para FISCHLER (1998) a falta de conhecimento do consumidor moderno

sobre o modo de produccedilatildeo a origem e a histoacuteria do alimento cria uma situaccedilatildeo de

desconforto dominada pela incerteza desconfianccedila e ansiedade

No entanto as criacuteticas atribuiacutedas ao produto alimentiacutecio industrializado extrapolam

as suas interferecircncias nas praacuteticas e nas representaccedilotildees alimentares tradicionais Sabe-se

que a introduccedilatildeo de produtos alimentiacutecios na rotina alimentar dos indiviacuteduos natildeo eacute

resultado de escolhas estritamente racionais mas influenciadas pelo contexto social

dinacircmico da vida cotidiana que condiciona essas escolhas (DELORMIER FROHLICH

POTVIN 2009) O cerne do problema eacute que haacute um conjunto especial de produto alimentiacutecio

amplamente ofertado e muito consumido pela populaccedilatildeo mundial completamente

artificializado intensamente divulgado envolvido em uma seacuterie de malefiacutecios agrave sauacutede de

custo muito reduzido composiccedilatildeo nutricional desbalanceada com tracircnsito comercial

desprovido de barreiras regulamentares e de alta rentabilidade para as empresas

transnacionais Produtos estes de alto risco para a sauacutede global frente ao seu

envolvimento com a pandemia da obesidade e DCNT associadas (WHO 2002a) Satildeo os

chamados produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis (WHO 2003b) designaccedilatildeo esta que seraacute

utilizada ao longo deste trabalho cujos atributos seratildeo explorados nos capiacutetulos

posteriores

A alimentaccedilatildeo eacute capaz de produzir muacuteltiplos efeitos na vida dos indiviacuteduos e da

coletividade aproximando-os ou distanciando-os dos traccedilos culturais do perfil de sauacutede e

do equiliacutebrio psicossocial A globalizaccedilatildeo do mercado de alimentos libera as barreiras para

permitir o livre tracircnsito de seus produtos e desrespeita a diversidade da cultura alimentar

dos grupos populacionais Ela eacute ainda capaz de eliminar qualquer obstaacuteculo que contrarie o

seu propoacutesito de ldquomassificaccedilatildeo do consumordquo de racionalizaccedilatildeo do processo produtivo e de

dissimulaccedilatildeo das diferenccedilas sociais Enfim ela age removendo qualquer entrave agrave loacutegica

desse modelo econocircmico para incrementar seus lucros

53

Assim o caminho eacute revitalizar os estilos alimentares locais inclusive em espaccedilos de

consumo estrateacutegicos (restaurantes comunitaacuterios cantinas escolares creches entre

outros) como forma de resgatar o valor simboacutelico da alimentaccedilatildeo e diminuir a

possibilidade de dispersatildeo de histoacuterias e culturas assim como o risco de doenccedilas em

decorrecircncia de uma praacutetica de mercado predadora Qualquer incentivo a mudanccedilas que

permitam o retorno a uma dieta equilibrada mesclada com alimentos naturais saudaacuteveis e

culturalmente aceitaacuteveis realizada em ambiente de compartilhamento eacute vaacutelido para

reconquistar esse valor cultural-alimentar associado agrave sauacutede e portanto agrave melhoria da

qualidade de vida

22 O panorama diversificado dos riscos dos alimentos

A dinacircmica social que impulsiona as transformaccedilotildees no sistema de produccedilatildeo e

comercializaccedilatildeo de alimentos causa inuacutemeras repercussotildees a despeito de aumentar a

disponibilidade de alimentos (WHO 2000) Entre essas repercussotildees estatildeo a manutenccedilatildeo

de elevadas taxas de pobreza em certas regiotildees do planeta (FAO 2013a) modificaccedilatildeo no

estilo de vida e no cotidiano das praacuteticas alimentares das populaccedilotildees e intensificaccedilatildeo e

diversificaccedilatildeo dos riscos dos alimentos (WHO 2003b) Fatos esses que desestabilizam a

condiccedilatildeo de sauacutede individual ou coletiva ao longo das deacutecadas Os efeitos adversos

decorrem das caracteriacutesticas dos alimentos e ou da intensidade do seu consumo aferidos

em termos de quantidade de qualidade e da conjunccedilatildeo de ambos Com base nesses

paracircmetros eacute possiacutevel caracterizar sinteticamente trecircs grandes grupos de riscos que

afetam a sauacutede da coletividade fomedesnutriccedilatildeo doenccedilas transmitidas por alimentos e

obesidadedoenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis ndash DCNT

No que tange ao risco da fomedesnutriccedilatildeo constata-se que eacute um fenocircmeno social que

acompanha a histoacuteria da humanidade praticamente circunscrito aos grupos socialmente

excluiacutedos pelo modelo econocircmico e que habitam nas diferentes regiotildees do mundo Esse

problema natildeo reside na incapacidade da produccedilatildeo mundial de alimentos de abastecer a

54

populaccedilatildeo planetaacuteria (FAO 2011a) mas no proacuteprio sistema global de produccedilatildeo e de

distribuiccedilatildeo de alimentos que natildeo estaacute comprometido para satisfazer as necessidades

nutricionais baacutesicas de todos

Segundo as estimativas da FAO cerca de 925 milhotildees de pessoas do planeta vivem em

situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar concentrando-se na Aacutefrica subsaariana Aacutesia e Paciacutefico

regiotildees profundamente afetadas pela crise econocircmica e pela crise dos alimentos do biecircnio

20072008 (FAO 2010) A escassez de alimentos decorrente dessa crise manteve os

estoques insuficientes para atender agrave demanda de alimentos de toda populaccedilatildeo cujo

reflexo foi a permanecircncia praticamente estaacutevel do contingente de subnutridos na Aacutesia

Poreacutem na Aacutefrica houve o aumentou face a sua condiccedilatildeo de dependecircncia das importaccedilotildees

indisponibilidade de estoque de alimentos suficientes e de recursos orccedilamentaacuterios para

proteger adequadamente a seguranccedila alimentar dos mais vulneraacuteveis (FAO 2011b)

Quanto agrave desnutriccedilatildeo infantil o recente panorama global traccedilado pela Organizaccedilatildeo

Save the Children Fund (2012) revela que 90 das crianccedilas desnutridas do mundo se

concentram em 36 paiacuteses estima-se que 170 milhotildees delas sofrem de desnutriccedilatildeo crocircnica e

mais de 26 milhotildees morrem por ano devido a esta doenccedila A persistecircncia da fome e da

desnutriccedilatildeo resulta do acesso inadequado aos alimentos por falta de renda pela condiccedilatildeo

de pobreza dos indiviacuteduos socialmente excluiacutedos e economicamente marginalizados (FAO

2012) sendo reflexo das condiccedilotildees estruturais da sociedade Apesar desse cenaacuterio

desolador no transcurso das deacutecadas de 60 a 90 foi registrada uma queda de 10 no total

de pessoas em paiacuteses em desenvolvimento que tecircm uma dieta alimentar diaacuteria inferior a

2100 calorias per capita (SEIPEL 1999) embora vaacuterias centenas de milhotildees de pessoas no

mundo ainda continuem com a sua sobrevivecircncia ameaccedilada

No Brasil os resultados comparativos entre as pesquisas nacionais10 realizadas entre

as deacutecadas de 70 a 90 demonstraram que houve um decliacutenio de 72 na prevalecircncia

desnutriccedilatildeo infantil (BATISTA FILHO amp RISSIN 2003) Entretanto as poliacuteticas sociais de

seguranccedila alimentar e nutricional implementadas no iniacutecio deste milecircnio foram

10 No Brasil foram realizadas neste periacuteodo trecircs pesquisas de abrangecircncia nacional O Estudo Nacional de Despesas Familiares-ENDEF nos anos de 197475 a Pesquisa Nacional de Sauacutede e Nutriccedilatildeo ndash PNSN em 1989 e a Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede ndashPNDS nos anos de 199596

55

fundamentais para a reduccedilatildeo da pobreza e simultaneamente para a melhoria do estado

nutricional uma vez que no periacuteodo de 2003 a 2009 foram retiradas da pobreza acima de

20 milhotildees de pessoas (DEL GROSSI 2010) Efeitos que se refletem nas baixas prevalecircncias

de desnutriccedilatildeo crocircnica (deacuteficit de altura) em menores de 5 anos de idade cujos valores

alcanccedilaram 63 e 57 respectivamente para o sexo masculino e feminino (BRASIL

IBGE 2010) Com isso essa doenccedila deixa de ser considerada no Brasil como um problema

de sauacutede puacuteblica conforme classificaccedilatildeo da OMS11 (WHO 2013a)

No primeiro grupo de riscos da era contemporacircnea situam-se as doenccedilas

transmitidas por alimentos - DTA12 cuja anaacutelise se restringe agravequelas relacionadas aos

produtos alimentiacutecios e agraves refeiccedilotildees extradomiciliares que correspondem agraves novas praacuteticas

alimentares adotadas em um contexto de urbanizaccedilatildeo Trata-se entatildeo de mapear os

distintos riscos dos veiacuteculos alimentares na esfera local e internacional e os impactos agrave

sauacutede

Em 1984 a OMS considerou as DTA como um dos problemas mais amplos de sauacutede

puacuteblica no mundo contemporacircneo doenccedilas essas responsaacuteveis por causar impactos sociais

e econocircmicos devido agraves consequecircncias em termos de doenccedilas oacutebitos e ou incapacidades

pela condenaccedilatildeo rejeiccedilatildeo e perda de produtos afetando o mercado internacional e pela

reduccedilatildeo das atividades de turismo (WHO 1984) As preocupaccedilotildees com a seguranccedila do

alimento consistem em evitar a contaminaccedilatildeo bioloacutegica (microrganismos parasitos) fiacutesica

e quiacutemica (resiacuteduos de aditivos pesticidas biotoxinas) mediante o controle dos pontos

criacuteticos de toda cadeia produtiva que pode ser feito com a qualificaccedilatildeo teacutecnica aplicaccedilatildeo de

meacutetodos de controle inspeccedilotildees sanitaacuterias regulares educaccedilatildeo alimentar entre outras

medidas

11 A OMS considera a desnutriccedilatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica quando ela atinge 20 ou mais da populaccedilatildeo 12 As DTA incluem as doenccedilas diarreicas causadas pela contaminaccedilatildeo dos alimentos proporcionada pelas condiccedilotildees insalubres de vida (moradia desprovida de aacutegua potaacutevel esgotamento sanitaacuterio equipamento de frio etc) associadas agraves informaccedilotildees limitadas sobre higiene Em inglecircs essas doenccedilas satildeo designadas como Foodborne disease definidas como doenccedilas causadas pela ingestatildeo de alimentos contaminados por microrganismos patogecircnicos contaminantes quiacutemicos e biotoxinas (WHO 2007)

56

Transcorridos quase 40 anos as mudanccedilas climaacuteticas aparecem natildeo apenas com o

potencial de diminuir os suprimentos alimentares mas tambeacutem de aumentar a

contaminaccedilatildeo toacutexica e microbiana dos alimentos (HALL DrsquoSOUZA amp KIRK 2002)

Paralelamente acelera-se o aprimoramento das tecnologias de produccedilatildeo e fabricaccedilatildeo de

alimentos destinadas a criar e diversificar insumos e produtos incrementar a rentabilidade

agropecuaacuteria expandir a rede de distribuiccedilatildeo de produtos aleacutem de outros benefiacutecios

econocircmicos com vistas a elevar a produtividade ampliar os negoacutecios e os ganhos de capital

das empresas e dos seus conglomerados

Nesse contexto distintos agentes causais emergiram inclusive modalidades

inusitadas provocando doenccedilas com sintomatologia grave e rara como foi o caso dos

priacuteons responsaacuteveis pela Encefalopatia Espongiforme Bovina-BSE (Doenccedila da Vaca Louca)

doenccedila neuro-degenerativa fatal diagnosticada em 1996 no Reino Unido (WHO 1999)

onde foram registrados 39 casos Ainda em 1994 um agente bacteriano jaacute conhecido

converteu-se em um novo patoacutegeno emergente E Coli O157H7 que provocou surto nos

Estados Unidos (ARMSTRONG HOLLINGSWORTH amp GLENN MORRIS 1996) e mais tarde

registrou-se um outro episoacutedio de surto marcante envolvendo o hambuacuterguer

indevidamente cozido (KING et al 2009)

Segundo Weiss amp McMichael (2004) a multiplicidade de efeitos da globalizaccedilatildeo como

o processo de urbanizaccedilatildeo acentuada crescimento de aacutereas residenciais perifeacutericas densas

e precaacuterias aumento do volume do comeacutercio mudanccedila de haacutebitos de consumo invasatildeo de

ambientes naturais para exploraccedilatildeo agropecuaacuteria mudanccedilas climaacuteticas e desenvolvimento

tecnoloacutegico massivo cria um cenaacuterio que propicia novos contatos da fauna silvestre com os

humanos e facilidades de infecccedilatildeo cruzada entre as espeacutecies desencadeando risco de

disseminaccedilatildeo de doenccedilas infecciosas emergentes

O ritmo intenso do comeacutercio internacional de alimentos nem sempre resulta em

benefiacutecios agrave coletividade pois eleva o risco de transmissatildeo de doenccedilas infecciosas cruzando

fronteiras uma vez que o alimento reuacutene simultaneamente duas importantes

caracteriacutesticas ser a principal commodity comercial e excelente veiacuteculo de transmissatildeo de

doenccedilas (KAumlFERSTEIN MOTARJEMI amp BETTCHER 1997) Assim surtos transcontinentais

57

envolvendo produtos semiprocessados e processados satildeo frequentemente registrados

(TAUXE 1996 HALL DrsquoSOUZA amp KIRK 2002) Produtos como amendoins importados e

contaminados com salmonela se encarregam de propagar surtos em quatro paiacuteses de trecircs

continentes distintos desencadeando alerta internacional (KIRK et al 2004) Surto de

hepatite A devido a morangos congelados contaminados decorre de produccedilatildeo

compartilhada entre dois paiacuteses (HUTIN et al 1999) Novos alimentos agora comeccedilam a ser

implicados em surtos como brotos de sementes que satildeo incorporados aos haacutebitos

alimentares (TAORMINA BEUCHAT amp SLUTSKER 1999)

Nesse contexto os alimentos jaacute provaram que podem ser objetos potenciais de riscos

natildeo apenas por albergar microrganismos ou partiacuteculas patogecircnicas e carrear

contaminantes quiacutemicos como poluentes e pesticidas mas pelas alteraccedilotildees intriacutensecas

geradas pelas novas tecnologias que deram origem aos alimentos geneticamente

modificados ou que acarretam resistecircncia antimicrobiana nos agentes bioloacutegicos

(SCALLAN 2007)

Quanto ao desenvolvimento industrial certas atividades econocircmicas geram os

poluentes orgacircnicos persistentes - POP que incluem muitos pesticidas organoclorados

quiacutemicos industriais e subprodutos de certos processos industriais aleacutem de resiacuteduos de

incineraccedilatildeo Satildeo os bifenil policlorados dioxinas e furanos - substacircncias altamente

prejudiciais a sauacutede que podem persistir no solo nos sedimentos e nos depoacutesitos desses

resiacuteduos por deacutecadas e ateacute seacuteculos bem como podem ser carreadas a longas distacircncias

pela corrente aeacuterea e aquaacutetica global Essas fontes de poluentes as histoacutericas e as atuais

contaminam a cadeia alimentar animal e humana raccedilotildees de animais ovos frangos peixes

frutos do mar conforme tem sido documentado em certos paiacuteses europeus (WHO 2014)

Dessa forma os alimentos satildeo a principal fonte de exposiccedilatildeo humana a esses contaminantes

(WEBER et al 2008)

Estudo sobre a dieta constituiacuteda da cesta baacutesica americana composta por alimentos

frescos e processados constatou que os resiacuteduos de POP estavam presentes em 10 das

amostras e que ainda continham resiacuteduos de dieldrin Aleacutem disso resiacuteduos de DDT

(diclorodifeniltricloroetano) e de seus metaboacutelitos estavam presentes em mais de 20 das

58

amostras testadas nos anos de 1998 e 1999 ambos os inseticidas proibidos desde o iniacutecio

da deacutecada de 70 (SCHAFER KEGLEY 2002) Segundo o relatoacuterio teacutecnico da OMS (2003a)

esse grupo de substacircncias pode ocasionar efeitos graves como cacircncer alteraccedilatildeo da funccedilatildeo

imunoloacutegica disfunccedilatildeo reprodutiva alteraccedilotildees neuroloacutegicas e no desenvolvimento fiacutesico

No que se refere aos alimentos geneticamente modificados alguns estudos concluem

que embora essa tecnologia aplicada aos alimentos amplie a capacidade de produccedilatildeo esta

apresenta riscos em potencial que requerem investigaccedilotildees adicionais para confirmar a sua

seguranccedila sanitaacuteria (BAKSHI 2003 COSTA et al 2011) Quantos aos efeitos agrave sauacutede Bakshi

(2003) destaca as alergias alimentares e outros efeitos devido agrave exposiccedilatildeo agraves novas

proteiacutenas introduzidas nesses alimentos e resistecircncia antimicrobiana devido agrave

recombinaccedilatildeo de genes desse alimento com os das bacteacuterias patogecircnicas seja no ambiente

ou no trato intestinal do comensal Esses foram alguns dos motivos que compuseram o

arsenal de argumentos para a rejeiccedilatildeo do milho BT Novartis pela Europa

A resistecircncia bacteriana em patoacutegenos presentes nos alimentos eacute outra preocupaccedilatildeo

internacional Em funccedilatildeo disso o Codex Alimentarius (FAO WHO 2005) aprovou um coacutedigo

de praacuteticas com o objetivo de minimizar os efeitos adversos agrave sauacutede puacuteblica resultante do

uso de agentes microbianos nos alimentos produzidos a partir de animais No Marrocos a

anaacutelise de 11516 amostras distribuiacutedas entre carne bovina frango aacutegua e frutos do mar

pimenta entre outros revelou que 105 (091) delas foram positivas para Salmonella e 25

delas exibiram resistecircncia a no miacutenimo um antimicrobiano testado (BOUCHRIF et al

2009)

Embora consumir frutas e hortaliccedilas constitua uma opccedilatildeo valorizada por ser um tipo

de consumo saudaacutevel tais alimentos natildeo estatildeo isentos de riscos No Brasil os resultados

analiacuteticos do total de 2488 amostras de frutas e legumes analisadas no ano de 2010

revelaram que em 35 delas havia a presenccedila de resiacuteduos devido agrave natildeo observacircncia dos

prazos de carecircncia especificados para o correto uso do pesticida 28 apresentaram

resiacuteduos de pesticidas natildeo autorizados ou se autorizados ultrapassaram os limites

maacuteximos permitidos E ainda do total de 18 alimentos amostrados cinco deles - pimentatildeo

pepino morango cenoura e alface - apresentaram condenaccedilatildeo igual ou superior a 50 do

59

total analisado da categoria (BRASIL Anvisa 2011) Resultados que sugerem uma

exposiccedilatildeo da populaccedilatildeo a riscos diversos e complicaccedilotildees persistentes considerando o tipo

de agente em questatildeo (WHO 2002b)

Esse cenaacuterio da atualidade permeado de riscos dos alimentos provenientes de

agentes causais extriacutensecos tradicionais e inusitados produzindo efeitos moacuterbidos

diversificados agudos e crocircnicos parece que tende a perdurar e a amplificar-se no decorrer

dos anos pois satildeo reflexos dos antagonismos do modelo econocircmico global Soma-se ainda

nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a epidemia global da obesidade a qual tem uma relaccedilatildeo

direta com os alimentos se convertendo na atualidade em uma importante ameaccedila agrave sauacutede

puacuteblica devido agraves comorbidades implicadas (WHO 2000 VISSCHER SEIDELLL 2001)

A obesidade caracteriza-se por uma doenccedila crocircnica com caraacuteter amplamente

preventivo (WHO 2004a) ocasionada tanto pelo estilo de vida sedentaacuterio como pelo

consumo de dietas natildeo saudaacuteveis densamente energeacuteticas que juntos conformam um

ambiente altamente ldquoobesogecircnicordquo desequilibrando o balanccedilo energeacutetico dos indiviacuteduos e

contribuindo para o ganho excessivo de peso (PRENTICE 2005 WHO 2000 PINHEIROS

FREITAS CORSO 2004 CABALLERO 2007)

Destarte firma-se a ligaccedilatildeo entre a dieta alimentar e a etiologia da obesidade assim

como das outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis (CHOPRA 2002) De fato satildeo tipos

especiais de alimentos industrializados jaacute definidos anteriormente que ao participarem

sistematicamente da dieta habitual contribuem para os distuacuterbios na sauacutede (WHO 2004a)

Com isso configura-se o segundo grupo de riscos dos alimentos da atualidade - que

eacute o foco de atenccedilatildeo deste trabalho - no qual um importante fator causal estaacute

intrinsecamente ligado agrave composiccedilatildeo nutricional dos produtos alimentiacutecios Riscos que natildeo

derivam da introduccedilatildeo de um agente bioloacutegico quiacutemico ou fiacutesico que eacute carreado do exterior

para o produto alimentiacutecio mas que eacute intriacutenseco agrave sua proacutepria foacutermula e identidade Riscos

que desafiam este novo seacuteculo porque despertam tensotildees entre a liberdade dos agentes

econocircmicos transnacionais de criar produtos alimentiacutecios lucrativos e a necessidade de

compromisso com a preservaccedilatildeo da sauacutede da sociedade

60

Trata-se de produtos derivados de um mercado global de alimentos que desenvolveu

artifiacutecios para atender um grande puacuteblico das metroacutepoles urbanas com custos de produccedilatildeo

reduzidos por meio do uso de ingredientes pouco nobres na composiccedilatildeo dos alimentos

como gorduras e accediluacutecares tornando-os alimentos com alta densidade energeacutetica e

nutricionalmente pobres (POPKIN GORDON-LARSEN 2004 MONTEIRO 2009 UUSITALO

PIETIENEN PUSKA 2002) Tais produtos natildeo saudaacuteveis estatildeo envolvidos em um aparato

publicitaacuterio que ocupa os diferentes espaccedilos da vida cotidiana para estimular os indiviacuteduos

a criarem interesse por esse tipo de consumo alimentar (HARRIS et al 2009)

Enfim a economia de alimentos dirigida pela globalizaccedilatildeo dissemina efeitos variados

e contraditoacuterios que repercutem diretamente na sociedade Tecircm benefiacutecios por um lado

trazidos pelo aumento da disponibilidade de alimentos e da expansatildeo da sua variedade

(WHO 2002) e malefiacutecios por outro como a comercializaccedilatildeo de produtos natildeo saudaacuteveis e

natildeo seguros (ROBERTSON 2001 FAO 2013b) Esse conjunto de caracteriacutesticas amplia e

diversifica os riscos agrave sauacutede seja pela perda crescente da qualidade nutricional (WHO

2004a 2003b) ou seja pelo comprometimento da qualidade sanitaacuteria (WHO 2006) ou

ainda simultaneamente por essas duas dimensotildees com manifestaccedilotildees em niacutevel local e

global

Assim urgem medidas locais e internacionais em direccedilatildeo a uma abordagem integral e

dinacircmica dos riscos dos alimentos que sejam capazes de incorporar os aspectos sanitaacuterios e

nutricionais nas medidas de gestatildeo da qualidade promover a articulaccedilatildeo intersetorial das

instacircncias que tecircm interface com os alimentos e com a sauacutede e mobilizar outras partes

interessadas ndash a sociedade e o mercado ndash na perspectiva de alteraccedilatildeo do quadro

epidemioloacutegico atual

61

23 Riscos agrave sauacutede de um conceito matemaacutetico a uma construccedilatildeo sociopoliacutetica e

cultural

A noccedilatildeo de risco foi comumente empregada nos seacuteculos XVI e XVII para lidar com as

desventuras da natureza durante as expediccedilotildees mariacutetimas de exploraccedilatildeo movidas pelos

povos ocidentais (GIDDENS 2010) Era preciso prever os riscos mesmo que aferidos com

base em referecircncias restritas e aqueacutem do ldquomarrdquo do desconhecido para permitir ponderar

as vantagens e as desvantagens e tomar as decisotildees quanto agrave faccedilanha Desde essa eacutepoca

analisar riscos envolve incertezas caacutelculos anaacutelises e posicionamentos

Agora ldquoriscordquo tem sido utilizado em diferentes campos do conhecimento para

predizer tanto os eventos naturais como aqueles socialmente criados Com a sua aplicaccedilatildeo

as ideias de espaccedilo e tempo agregaram-se a de incerteza e passaram a compor a noccedilatildeo de

risco (GIDDENS 2010) A anaacutelise de um dado fenocircmeno de ldquoriscordquo implica caacutelculos

probabiliacutesticos feitos a partir da combinaccedilatildeo de um conjunto de fatores que simplificam a

complexa realidade onde regularmente este ocorre mantendo-se sempre ofuscados pelas

incertezas

De fato o risco natildeo se constitui entidade por si soacute a sua existecircncia depende da

caracterizaccedilatildeo do perigo ou do evento indesejado (EWALD 1991) Assim risco e perigo se

inter-relacionam e ao mesmo tempo se diferenciam O primeiro eacute uma ameaccedila objetiva

enquanto o segundo eacute o proacuteprio evento ou a presenccedila do agente causal desencadeador do

evento Poreacutem essa distinccedilatildeo se anula completamente na ausecircncia de alternativas ou de

possibilidades de atuaccedilatildeo livres de risco e nesse caso o risco eacute o perigo (LUHMANN1993)

Na sociedade contemporacircnea as transformaccedilotildees teacutecnico-industriais fomentadas pela

articulaccedilatildeo entre ciecircncia e tecnologia tecircm impulsionado a atualizaccedilatildeo e a reformulaccedilatildeo

acelerada de bens produtos e serviccedilos para atender a demanda induzida pelo mercado de

consumo e consequentemente para ampliar o capital (BAUMAN 1999 BECK 2002)

Impera um tipo de racionalidade econocircmica que se concentra unilateralmente no

62

incremento da produtividade e dos lucros e negligencia os riscos a ela vinculados (BECK

2002)

Eacute nesse contexto de desenvolvimento capitalista que novas modalidades de riscos

sociais eclodem como efeito reflexivo do processo tecnoloacutegico que se intensificam e se

diversificam em niacutevel individual e coletivo (GIDDENS 1991 BECK 2002) Segundo

Giddens (1991) essa reflexividade tecnoloacutegica deve-se agrave incapacidade de se controlar o

conjunto complexo de fatores envolvidos na realidade concreta quando da aplicaccedilatildeo

praacutetica do conhecimento cientiacutefico e das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas Nessas circunstacircncias os

riscos satildeo aqueles fatores que surgem de forma inesperada ou melhor os desvios da

norma

Eacute importante salientar que esses desvios que escapam do controle natildeo podem ser

reportados como limitaccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico pois satildeo os riscos condizentes com

a natureza intriacutenseca do proacuteprio saber (NARDOCCI 2002) Segundo a autora a verdade eacute

que o saber sempre eacute aproximado quando se explora um dado objeto em uma realidade

social dinacircmica e complexa

Entretanto essa instabilidade das descobertas cientiacuteficas que progridem sempre em

situaccedilotildees de incertezas em especial quando se trata de riscos revelando o caraacuteter mutaacutevel

da ciecircncia foi o que deu respaldo ao surgimento do Princiacutepio de Precauccedilatildeo Tal

instrumento se fundamenta na adoccedilatildeo de medidas de proteccedilatildeo contra os riscos mesmo que

natildeo haja dados cientiacuteficos seguros sobre eles (GIDDENS 2010) Com isso na ausecircncia da

explicaccedilatildeo cientiacutefica que decirc suporte agrave decisatildeo e agraves consequecircncias dos riscos imputados

ficam expliacutecitos os significados poliacuteticos que eles assumem (CARAPINHEIRO 2002)

delineados pelas vantagens e benefiacutecios atribuiacutedos para quem os produziu

Nesse sentido o risco passa a ser abordado sob um caraacuteter ambiacuteguo (BECK 2002

GIDDENS 2010) de representar por um lado a ousadia o desafio e o dinamismo

econocircmico da sociedade na busca pela produtividade e progresso e por outro os efeitos

63

dos impulsos tecnoloacutegicos que se concretizam sob a forma de prejuiacutezos danos e ameaccedilas

no sentido social e material

Contudo sob a oacutetica da doutrina neoliberal dominante os riscos satildeo elementos

constituintes inerentes agrave vida A norma eacute a concorrecircncia generalizada e o comportamento

esperado das empresas e dos indiviacuteduos eacute a superaccedilatildeo a qual depende da capacidade de

remover os obstaacuteculos dentro das possibilidades adotando certas precauccedilotildees Assim

descarta-se qualquer possibilidade de alegar-se a imparcialidade da ciecircncia e da teacutecnica

(BODSTEIN 2000) pois ambas satildeo devidamente sustentadas por bases poliacutetico-ideoloacutegicas

soacutelidas Em complementaccedilatildeo a isso reforccedila-se que os riscos pressupotildeem no outro extremo

benefiacutecios entendidos como vantagens ou lucros extraiacutedos da atividade econocircmica

(NARDOCCI 2002) apesar dos possiacuteveis efeitos adversos agrave sauacutede ou ao ambiente advindos

dessa atividade

Para Luhmann (1993) ldquoriscordquo e ldquoperigordquo satildeo atributos da regularidade precaacuteria da

vida em sociedade e emergem prioritariamente da atividade humana A sua presenccedila

denota possibilidades de falhas fracassos ou incapacidade de eliminaccedilatildeo dos agentes

causais que podem ter como desfecho doenccedilas e mortes Isso aponta a natureza

conflituosa dos riscos ora eacute algo que necessita de um controle constante e ora eacute algo cuja

aceitaccedilatildeo manteacutem o dinamismo da economia e da sociedade Como os riscos carregam

consigo instabilidade e incerteza impondo a necessidade de se fazer julgamentos e

escolhas ou seja de se tomar decisotildees poliacuteticas (NARDOCCI 2002) eles transformam-se

em uma construccedilatildeo sociocultural (CARAPINHEIRO 2002)

Tais premissas influenciaram a elaboraccedilatildeo dos conceitos de risco e perigo

estabelecidos pela FAO amp OMS (FAO OMS 2005) e que satildeo aplicados no acircmbito do controle

sanitaacuterio de alimentos Assim risco eacute a probabilidade de ocorrecircncia de um efeito nocivo agrave

sauacutede como consequecircncia da presenccedila de um ou mais perigos nos alimentos perigo eacute a

presenccedila do agente causal no alimento responsaacutevel por esse efeito A partir desses

conceitos duas consideraccedilotildees podem ser extraiacutedas primeiro essa concepccedilatildeo trata de

maneira reducionista o fenocircmeno na qual o ldquosocialrdquo se retira do cenaacuterio para que as

64

ciecircncias bioloacutegicas busquem o amparo do saber da matemaacutetica colocando esse saber como

central na construccedilatildeo do conceito e segundo a complexa e dinacircmica realidade

racionalizada em nuacutemeros cria uma imagem de que eacute possiacutevel controlar o todo

imprevisiacutevel Carapinheiro (2002) informa que eacute essa pretensa neutralidade do termo

ldquoriscordquo apoiada em caacutelculos probabiliacutesticos e sem a menccedilatildeo do caraacuteter social presente em

sua formaccedilatildeo eacute que o faz ter preferecircncia de uso em lugar do termo ldquoperigordquo

Assim quando o aparato teacutecnico-cientiacutefico eacute aplicado sobre os alimentos e os

converte em objetos potenciais de risco dois efeitos podem surgir na esfera do controle

sanitaacuterio dos alimentos o corrente reconhecido tanto sob as oacuteticas internacional e

nacional que eacute o risco dos alimentos atribuiacutedo preponderantemente aos agentes

bioloacutegicos quiacutemicos ou fiacutesicos dos alimentos (FAO OMS 2005) em funccedilatildeo dos surtos

epidecircmicos e intoxicaccedilotildees e dos impactos negativos agrave sauacutede e ao comeacutercio (KATZ et al

1999 KAumlFERSTEIN et al 1997) devido a alimentos contaminados (WHO 2006) E o

emergente que se vincula agrave natureza intriacutenseca da foacutermula do produto alimentiacutecio que

resulta na presenccedila excessiva de certos componentes (accediluacutecares gorduras aditivos e sal)

quando se evidencia uma qualidade nutricional desbalanceada estando associado agrave

pandemia da obesidade e agraves outras DCNT (MONTEIRO 2010 WHO 2004a DREWNOWSKI

2009 POPKIN 2001)

Dessa forma os crescentes e diferentes riscos surgidos com as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

- e a complexidade para identificaacute-los - constituem o desafio da modernidade natildeo somente

pelos prejuiacutezos econocircmicos e sociais causados agrave sociedade mas tambeacutem pela desconfianccedila

na qualidade dos alimentos e inseguranccedila gerada no consumo dos produtos Em adiccedilatildeo

Hespanha (2002) afirma que esses riscos de efeito extensivo impotildeem ao poder puacuteblico o

ocircnus da responsabilidade de contornar os desvios gerados pelo ldquoprogresso industrialrdquo

Relata tambeacutem que os fatores de incerteza e de imprevisibilidade que se criam e se recriam

em torno deles potencializam os obstaacuteculos para uma intervenccedilatildeo efetiva dos sistemas de

vigilacircncia de controle

65

Diante disso e como consequecircncia dos riscos ocorre um forte impulso para a criaccedilatildeo

de novos sistemas de vigilacircncia e controle e ampliaccedilatildeo da accedilatildeo regulatoacuteria do poder puacuteblico

(BODSTEIN 2000) Esses sistemas requerem um corpo de peritos especializados com

competecircncia teacutecnica para formular decisotildees sobre como intervir nos riscos e restabelecer a

seguranccedila A credibilidade e a confianccedila dependem exclusivamente do desempenho desses

sistemas (GIDDENS 1991)

Como a discussatildeo dos riscos e as medidas de intervenccedilatildeo interferem no bem-estar

coletivo os cidadatildeos satildeo instigados a participar do processo decisoacuterio para estabelecer o

grau de liberdade do mercado e de aceitabilidade social dos riscos (NARDOCCI 2002)

Diante disso a FAO amp OMS (2005) recomendam aos entes do governo firmar parcerias

com as diferentes forccedilas sociais envolvidas ndash mercado consumidores e universidades -

para desencadear o processo de anaacutelise de riscos

Por isso para o estabelecimento dos limites de seguranccedila o componente bioloacutegico e o

social estatildeo sempre juntos no processo de anaacutelise de riscos dos alimentos O primeiro se

define a partir do aparato teacutecnico-cientiacutefico que justifica as caracteriacutesticas e as

potencialidades do perigo implicado mediante a patogenicidade virulecircncia

mutagenicidade toxicidade entre outros tipos de expressatildeo de nocividade (FAO 1995)

Quanto ao segundo o saber cientiacutefico que respalda a interpretaccedilatildeo dos riscos articulado ao

contexto das implicaccedilotildees sociopoliacuteticas determina a sua aceitaccedilatildeo ou natildeo Em funccedilatildeo dos

processos sociais subjacentes os riscos podem ser reduzidos ou intensificados

convertendo-se em uma questatildeo social (BECK 2002) pois se trata de um fenocircmeno de

contingecircncia muacuteltipla que oferece aos diferentes observadores um elenco de perspectivas

quanto aos impactos em termos de perdas ou danos (LUHMANN 1993)

Face ao exposto esse envolvimento de forccedilas sociais heterogecircneas para tratar do

assunto denota que as constataccedilotildees do risco resultam da conjugaccedilatildeo do componente

teacutecnico-cientiacutefico e dos interesses sociopoliacuteticos que balizam os impactos relativos aos

custos e benefiacutecios sociais poliacuteticos e econocircmicos Nesse contexto Beck (2002) defende

que a ciecircncia se reveste de um significado social e poliacutetico do risco pelas decisotildees quanto

66

aos conteuacutedos do conhecimento e aos efeitos o alcance e o tipo de perigo o puacuteblico afetado

em longo prazo a responsabilizaccedilatildeo os direitos de reclamaccedilatildeo de indenizaccedilatildeo etc

Na atualidade o conceito de ldquoseguranccedila sanitaacuteria dos alimentosrdquo estaacute sob questatildeo

pois com a sua abrangecircncia restrita e incapaz de abarcar a totalidade dos riscos

reconhecidos dos alimentos natildeo eacute possiacutevel garantir que o alimento seja promotor e

mantenedor da sauacutede Dessa forma eacute fundamental a inclusatildeo dos riscos emergentes

aqueles que contribuem para os distuacuterbios de excesso de peso e suas comorbidades na

concepccedilatildeo e praacutetica que regem os sistemas de controle para que haja compatibilidade com

a realidade do perfil nutricional Esse descompasso entre os ajustes realizados pelas

instituiccedilotildees de controle e a velocidade de surgimento dos riscos ocorre tanto por

dificuldades teacutecnicas como por entraves poliacuteticos E essa capacidade lenta e limitada do

agir institucional para englobar a diversidade dos riscos dos alimentos repercute

diretamente na sauacutede da populaccedilatildeo exposta Assim a expansatildeo do campo ldquovigiar os riscos

dos alimentosrdquo incluindo os aspectos sanitaacuterios e nutricionais estaacute principalmente na

dependecircncia do respaldo dos especialistas que mediante a sua fundamentaccedilatildeo teacutecnico-

cientiacutefica e poliacutetica estimularaacute a mudanccedila da conduta institucional

Diante disso e com base na argumentaccedilatildeo de Beck (2002) alimentos portadores de

atributos como ldquosaudaacutevelrdquo e ldquosegurordquo satildeo de difiacutecil e complexa comprovaccedilatildeo na ordem

social vigente Para o autor os riscos dos alimentos que desafiam a humanidade somente

satildeo identificados mediante recursos sofisticados e de acesso limitado pois jaacute natildeo se

expressam como os de outrora Como os oacutergatildeos dos sentidos satildeo insuficientes para captaacute-

los a autonomia individual para se defender fica comprometida Segundo esse autor os

danos sistemaacuteticos decorrentes dos riscos englobam todos os seres vivos e os homens satildeo

atingidos sem haver distinccedilatildeo de classe etnia e gecircnero estando completamente

desprotegidos pela permeabilidade das fronteiras dos Estados nacionais que jaacute natildeo

impotildeem obstaacuteculos em um ambiente social interligado

Embora os riscos se reportem ao coletivo os efeitos satildeo socialmente estratificados Os

indiviacuteduos se distinguem quanto ao grau de exposiccedilatildeo Aqueles socialmente vulneraacuteveis

67

por estarem desprovidos de recursos simboacutelicos e materiais para a sua defesa e

autoproteccedilatildeo satildeo os mais intensamente afetados pelas consequecircncias dos riscos Isso pode

ser constatado na relaccedilatildeo entre o consumo de alimentos considerados de alto risco e a

obesidade em ambiente de pobreza (MARTINS 2007 DREWNOWSKI amp SPECTER 2004

WHO 2000)

Enfim os riscos e os perigos gerados pela industrializaccedilatildeo acelerada natildeo derivam da

responsabilidade de escolhas pessoais conscientes como se atribui ao consumo de

cigarros de produtos alimentiacutecios ou da bebida alcooacutelica cujo controle depende do

comportamento individual ou de autocontrole Esses riscos satildeo estruturalmente

construiacutedos (PETERSON amp LUPTON 2000) Como a conformaccedilatildeo dos riscos eacute complexa

permitindo apenas evidecircncias cientiacuteficas limitadas e efeitos imprecisos o posicionamento

sobre a sua aceitaccedilatildeo constitui elemento-chave do processo de anaacutelise e independente do

risco ser caracterizado como individual ou coletivo eacute mediado por um conjunto de

interesses poliacutetico-ideoloacutegicos e culturais sobre o que se reconhece como risco Em geral

interesses conflitantes constituem a base de referecircncia para as ponderaccedilotildees cujo resultado

refletiraacute a flexibilidade ou a rigidez no compromisso estabelecido com a sauacutede do coletivo

A defesa efetiva da sociedade estaacute primordialmente sob o comando dos cidadatildeos

preferencialmente de forma organizada cabendo a eles a vigilacircncia dos riscos dos

alimentos e de quem controla esses riscos - as instituiccedilotildees oficiais Contudo para isso eacute

preciso que os cidadatildeos se esforcem para apoderarem-se das informaccedilotildees e conquistar os

espaccedilos que os permitam vocalizar as suas necessidades e intervir nas decisotildees das

instacircncias competentes Poreacutem eles devem estar sempre atentos para natildeo se esquivarem

de colocar agrave tona as questotildees estruturais submersas da sociedade as quais de modo

decisivo moldam os padrotildees de produccedilatildeo-consumo e deterioram gradualmente a sauacutede da

coletividade

68

3 PRODUTOS ALIMENTIacuteCIOS E SAUacuteDE Uma anaacutelise multifacetaacuteria

31 Produtos alimentiacutecios e riscos agrave sauacutede a visatildeo dos organismos

intergovernamentais

311 A abordagem da OMS e da FAO sobre o tema

Sucessivos documentos foram publicados pela OMS a partir do final da deacutecada de 80

anunciando ao mundo os impactos globais das novas praacuteticas de consumo de alimentos e

do estilo de vida sedentaacuterio sobre a sauacutede da coletividade especialmente as das regiotildees

urbanizadas Em 1989 em seu documento ldquoDiet Nutrition and Prevention of Chronic

Diseaserdquo a OMS se mobilizou para alertar que o consumo de produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis passou a se constituir em um dos fatores responsaacuteveis por desencadear um leque

de doenccedilas crocircnicas que se espalham em proporccedilatildeo ascendente na populaccedilatildeo tais como

obesidade doenccedilas cardiovasculares e vaacuterios tipos de cacircncer Considerando a causalidade

multifatorial dessas doenccedilas e a importacircncia crucial exercida pelo modo de se alimentar a

OMS defende que esse binocircmio alimento-doenccedila seja objeto de atenccedilatildeo das poliacuteticas

intersetoriais de sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo (WHO 1990)

Este documento da OMS constitui o marco inicial da anaacutelise das repercussotildees globais

das mudanccedilas do padratildeo alimentar das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no campo da produccedilatildeo de

alimentos do modo de vida entre outros aspectos sobre o perfil epidemioloacutegico de paiacuteses

pertencentes a vaacuterios continentes Evidenciou naquela ocasiatildeo que a dinacircmica decorrente

do modelo de desenvolvimento econocircmico estaacute levando essas naccedilotildees a ldquoreproduziremrdquo

algumas caracteriacutesticas culturais e sociais dos paiacuteses ricos em especial as dos Estados

Unidos da Ameacuterica enquanto expoente maacuteximo do projeto industrial-consumista tais como

o padratildeo de consumo freneacutetico a automatizaccedilatildeo das atividades costumeiras e o perfil de

morbidade

69

No ano 2000 a OMS concentrou-se em explorar o efeito mais evidente dessa

mudanccedila da dieta e do estilo de vida sobre a sauacutede e publicou o relatoacuterio teacutecnico especiacutefico

sobre a obesidade intitulado ldquoObesity preventing and managing the global epidemicrdquo Nele

reconheceu a obesidade como uma doenccedila epidecircmica crocircnica de caraacuteter global e

preventivo ocasionado por fatores dieteacuteticos e padrotildees de atividade fiacutesica destacando os

produtos alimentiacutecios de circulaccedilatildeo mundial como um dos agentes causais Com isso

recomendou aos governos dentre outras medidas de intervenccedilatildeo a necessidade de

reformular as regulaccedilotildees de alimentos no que concerne aos requisitos de qualidade

seguranccedila rotulagem e publicidade de alimentos (WHO 2004a)

Destacou-se assim o papel fundamental dos governos sem excluir a responsabilidade

das induacutestrias de intervir no mercado de alimentos Isso em razatildeo de esse mercado

encontrar-se completamente indisciplinado quanto ao atendimento dos requisitos de

qualidade nutricional O uso de formulaccedilotildees com excesso de ingredientes caloacutericos e pouco

nutritivos que contribuem para o surgimento de doenccedilas nos indiviacuteduos que consomem

esses produtos satildeo exemplos de fatores que deveriam ser normatizados

A imagem exclusivamente positiva veiculada de modo corrente pela miacutedia sobre os

produtos alimentiacutecios enquanto siacutembolos de inovaccedilatildeo e criatividade versatilidade para

atender as necessidades de consumo vigor da induacutestria e do mercado global praticidade de

consumo entre outros comeccedila a ser desconstruiacuteda Esses fatores passam a ser cada vez

mais identificados tambeacutem pelos seus efeitos dissonantes com os preceitos de promoccedilatildeo e

manutenccedilatildeo da sauacutede Enfim revelam-se como agentes que contribuem para doenccedilas de

longa duraccedilatildeo e de alta complexidade Panorama que demanda freios e ordenamentos

urgentes pelas instituiccedilotildees de sauacutede

Seguem-se dois anos e a OMS divulga o documento ldquoReducing Risks Promoting

Healthy Liferdquo no qual continua a enfatizar a relaccedilatildeo entre o consumo de alimentos natildeo

saudaacuteveis tipo fast-food ou processados e hipercaloacutericos e as mudanccedilas no estilo de vida

com o quadro diversificado de doenccedilas Acrescenta um elemento novo ao discurso quando

identifica as contradiccedilotildees inerentes ao processo de globalizaccedilatildeo econocircmica

70

Globalization has been hailed as a strategy to reduce poverty but the liberalization of trade can lead to both benefits and harms for health (p6 Chapter One) The rapidly growing epidemic of noncommunicable diseases already responsible for some 60 of world deaths is clearly related to changes in global dietary patterns and increased consumption of industrially processed fatty salty and sugary foods Countries should give top priority to developing effective committed policies for the prevention of globally increasing high risks to health such as [] unhealthy diet and obesity (p11) They may [] have to focus on [] legislation to reduce the proportion of salt and other unhealthy components in foods [] (WHO 2002a p166)13

Aleacutem disso aponta a expansatildeo do comeacutercio de alimentos - e suas poliacuteticas de liberaccedilatildeo

- como estimuladores da adoccedilatildeo de uma dieta baseada no consumo de alimentos

processados natildeo saudaacuteveis por milhares de pessoas Para tanto recomenda aos governos

priorizar a prevenccedilatildeo dos riscos agrave sauacutede (como as dietas natildeo saudaacuteveis) investir em

legislaccedilotildees para reduccedilatildeo dos componentes natildeo saudaacuteveis dos alimentos e fortalecer as

campanhas de promoccedilatildeo agrave sauacutede (WHO 2002a)

A globalizaccedilatildeo econocircmica possibilitou que as corporaccedilotildees de alimentos se

ramificassem pelo mundo distribuindo os seus produtos modificando a cultura dos povos

em termos de haacutebitos alimentares e praacuteticas de consumo e alterando o seu perfil

nutricional e de sauacutede Conforme se verifica na citaccedilatildeo anterior a alimentaccedilatildeo transformou-

se a tal ponto que a partir dela se eacute capaz de esboccedilar uma fronteira delimitando a dieta

ldquonatildeo-saudaacutevelrdquo da ldquosaudaacutevelrdquo em funccedilatildeo dos alimentos que a compotildeem e a opccedilatildeo por um

ou outro modo de se alimentar pode ser decisiva para se trilhar o caminho da sauacutede ou da

doenccedila

Em 2003 a FAO considerando a sua missatildeo de lidar com questotildees relacionadas aos

sistemas alimentares e agriacutecolas e ao estabelecimento de diretrizes para a seguranccedila e

adequaccedilatildeo nutricional dos alimentos se posiciona mais claramente sobre o binocircmio DCNT e

13 A globalizaccedilatildeo eacute anunciada como uma estrateacutegia para reduzir a pobreza mas a liberalizaccedilatildeo do comeacutercio pode levar a benefiacutecios e malefiacutecios para a sauacutede (Capiacutetulo Um p6) A epidemia crescente de doenccedilas natildeo transmissiacuteveis jaacute responsaacuteveis por cerca de 60 das mortes mundiais estaacute claramente relacionada a mudanccedilas nos padrotildees alimentares globais e ao aumento do consumo de alimentos industrialmente processados e ricos em aacutecidos graxos sal e accediluacutecar Os paiacuteses devem priorizar o desenvolvimento de poliacuteticas comprometidas eficazes para a prevenccedilatildeo dos altos riscos agrave sauacutede em niacutevel global tais como [] dieta pouco saudaacutevel e obesidade (p11) Eles podem [] se concentrar sobre [] a legislaccedilatildeo para reduzir a proporccedilatildeo de sal e outros componentes pouco saudaacuteveis em alimentos [] (WHO 2002a p166) (traduccedilatildeo pessoal)

71

dietas Assim conjugou seus esforccedilos aos da OMS e publicaram uma versatildeo atualizada do

documento The Joint WHOFAO Expert Consultation on diet nutrition and the prevention of

chronic diseases (WHO 2003b) O maior valor desse documento consistiu em explicitar as

evidecircncias sobre a relaccedilatildeo entre os alimentosnutrientes com as doenccedilas crocircnicas assim

como em ressaltar o impacto das mudanccedilas da economia mundial de alimentos sobre os

padrotildees dieteacuteticos os quais mostravam elevaccedilatildeo no teor de calorias e de gorduras

saturadas e reduccedilatildeo na quantidade de carboidratos complexos Com isso esses organismos

reiteram a necessidade de estabelecer-se um diaacutelogo com as induacutestrias a fim de adequar a

formulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a paracircmetros tecnicamente saudaacuteveis bem como

intervir na propaganda veiculada sobre tais produtos (FAOWHO 2003b)

Conforme consta desse documento as estrateacutegias no campo da alimentaccedilatildeo devem

vislumbrar conjuntamente os aspectos da seguranccedila alimentar e do alimento seguro O

alimento deve ser adequado em termos de quantidade e de qualidade nutricional e

sanitaacuteria ou seja proporcionais agraves necessidades requeridas para o indiviacuteduo ou grupo e

simultaneamente deve atender a um perfil sanitaacuterio compatiacutevel que significa ausecircncia ou

presenccedila de contaminantes dentro dos limites maacuteximos permitidos

A defesa em favor da reformulaccedilatildeo da composiccedilatildeo dos produtos industrializados e de

limitar a publicidade sobre eles prosseguiraacute nos documentos da OMS divulgados nos anos

subsequentes Considerando que esses produtos alimentiacutecios satildeo de circulaccedilatildeo global haacute

uma evidente limitaccedilatildeo de os paiacuteses agirem isoladamente na promoccedilatildeo das dietas

saudaacuteveis o que requer uma articulaccedilatildeo e governanccedila supranacional Nesse sentido esse

documento aponta a necessidade imprescindiacutevel de se interferir nas normas internacionais

existentes que balizam o comeacutercio internacional e explicita a responsabilidade da Comissatildeo

do Codex Alimentarius - CAC [hellip] The Codex Alimentarius - the intergovernmental standard-

setting body through which nations agree on standards for food - is currently being reviewed

Its work in the area of nutrition and labelling could be further strengthened to cover diet-

related aspects of health (WHO 2003b p142)14 Apesar de estar sob a lideranccedila

14 [] O Codex Alimentarius - instacircncia normatizadora intergovernamental por meio do qual as naccedilotildees acordam sobre as normas para alimentos - estaacute sendo revisto O seu trabalho na aacuterea da nutriccedilatildeo e rotulagem

72

internacional da OMS e da FAO a Comissatildeo do Codex uma instituiccedilatildeo estrateacutegica para tratar

da temaacutetica somente foi mencionada uma deacutecada apoacutes terem sido iniciados esses debates

Com o agravamento do quadro epidemioloacutegico a retoacuterica institucional da OMS se

aperfeiccediloa em dois sentidos por um lado decodificando com mais precisatildeo os tipos de

produtos-alvo e as medidas de intervenccedilatildeo e por outro enfatizando as assimetrias da

poliacutetica de liberaccedilatildeo do comeacutercio e conclamando os governos para agir O atributo de natildeo

saudaacutevel foi consagrado nos documentos para qualificar a categoria de produtos

alimentiacutecios hipercaloacutericos (alto teor de gorduras e ou accediluacutecares simples) e com teor de sal

elevado Esse tratamento dado a esse grupo de produtos alimentiacutecios conduz a reduccedilatildeo do

seu valor simboacutelico no mercado e em contrapartida incentiva os indiviacuteduos a ter cautela no

consumo e os governos a interferir na induacutestria para a melhoria dos padrotildees dos alimentos

Contudo observa-se que parece haver uma blindagem do proacuteprio Codex Alimentarius para

tratar do tema ldquoqualidade nutricional dos alimentosrdquo pois ateacute esse momento natildeo houve

manifestaccedilatildeo expliacutecita de iniciativas para criar um espaccedilo de debate interno e menos ainda

de revisitar as normas e os procedimentos teacutecnicos editados na perspectiva de ajustar os

produtos alimentiacutecios a um perfil considerado do tipo saudaacutevel

Em 2004 a OMS aprovou em sua assembleia anual o documento Global Strategy on

Diet Physical Activity and Health que reitera os dois principais fatores de risco para as

doenccedilas crocircnicas as dietas natildeo saudaacuteveis e a atividade fiacutesica reduzida e define medidas de

promoccedilatildeo de sauacutede e de prevenccedilatildeo e reduccedilatildeo dessas doenccedilas que contribuem

substancialmente para a carga global de morbimortalidade e incapacidades Para tanto

reafirma o empenho e a mobilizaccedilatildeo de diferentes atores sociais - sociedade civil induacutestria

e governo - delegando ao uacuteltimo o papel crucial No campo dos alimentos aponta que as

accedilotildees do governo devem se dirigir para interferir na formulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

tornando-os compatiacuteveis como os preceitos da dieta saudaacutevel regulaccedilatildeo do marketing de

alimentos infantis criaccedilatildeo de estiacutemulos fiscais para o consumo saudaacutevel entre outras

Poreacutem o grande destaque desse documento estaacute no intenso reforccedilo para que a CAC envide

esforccedilos para minimizar o impacto da comercializaccedilatildeo de produtos com padrotildees dieteacuteticos

poderia ser reforccedilado para cobrir os aspectos da sauacutede relacionados com a dieta (WHO 2003b p142) [Traduccedilatildeo pessoal]

73

natildeo saudaacuteveis e fortalecer a elaboraccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e de processamento que

considerem a qualidade nutricional e seguranccedila dos produtos Tambeacutem solicita o apoio dos

governos e da sociedade civil organizada nessa empreitada (WHO 2004b)

Previamente agrave realizaccedilatildeo da Assembleia Mundial de Sauacutede a FAO em sua 18a Sessatildeo

do Comitecirc sobre Agricultura apreciou por meio dos seus membros os documentos The

Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet nutrition and the prevention of chronic (FAO

2004) e a minuta do documento da OMS Global Strategy on Diet Physical Activity and

Health Apesar do apoio majoritaacuterio agraves recomendaccedilotildees constantes do documento da OMS

(WHO 2003b) eles ressaltaram alguns aspectos a fragilidade da base cientiacutefica no

estabelecimento da relaccedilatildeo causal entre os alimentos e as DCNT a importacircncia de que haja

maleabilidade na aplicaccedilatildeo das recomendaccedilotildees globais considerando as circunstacircncias

especiacuteficas de cada paiacutes e a necessidade de valorizar a educaccedilatildeo alimentar para permitir

que os indiviacuteduos e as famiacutelias faccedilam escolhas alimentares conscientes (FAO 2004)

Quanto agrave insuficiente base cientiacutefica do estudo isso remete agrave multiplicidade causal

que envolve as doenccedilas e a dificuldade de se precisar a importacircncia isolada de um fator

causal especiacutefico (alimentos) No entanto o essencial foi evidenciado e estaacute centrado nos

efeitos nocivos agrave sauacutede decorrentes da composiccedilatildeo nutricional dos alimentos

industrializados natildeo saudaacuteveis sendo isso responsabilidade do mercado e objeto de

demanda de controle por parte do governo No que se refere agrave importacircncia da ldquoeducaccedilatildeo

alimentarrdquo embora o assunto seja indiscutivelmente relevante o seu papel deve ser sempre

relativizado Como a proposta surgiu isolada de outras que suportem a mudanccedila na loacutegica

do sistema de produccedilatildeo e industrializaccedilatildeo de alimentos parece ter a intenccedilatildeo de simplificar

a complexidade do processo sauacutede-doenccedila em tela tentando reduzir artificialmente a

soluccedilatildeo do problema agrave educaccedilatildeo da populaccedilatildeo Aleacutem disso a ldquoeducaccedilatildeo alimentarrdquo isolada eacute

incapaz de se contrapor aos poderosos mecanismos mercadoloacutegicos construiacutedos em um

ambiente de extrema organizaccedilatildeo se natildeo houver outras estrateacutegias de intervenccedilatildeo que

disciplinem o mercado

74

Em 2012 ao reconhecer a ameaccedila global das DCNT e os impactos econocircmicos e sociais

que essas doenccedilas acarretam aos paiacuteses as Naccedilotildees Unidas publicaram o documento

ldquoPolitical Declaration of The High-Level Meeting of the General Assembly on the Prevention

and Control of Non-communicable Diseasesrdquo (NU 2012) que destaca a dieta natildeo saudaacutevel a

inatividade fiacutesica e a obesidade como fatores de risco que tecircm forte ligaccedilatildeo com as quatro

principais DCNT ndash doenccedilas cardiovasculares cacircncer doenccedilas crocircnicas respiratoacuterias e

diabetes - e que estatildeo associadas aos mais altos custos de sauacutede e agrave reduccedilatildeo da

produtividade Assim esse documento propotildee aos governos avanccedilar com intervenccedilotildees

multisetoriais a fim de reduzir os fatores de risco dessas doenccedilas mediante acordos e

estrateacutegias internacionais educaccedilatildeo legislaccedilatildeo medidas regulatoacuterias e fiscais envolvendo

todos os setores da sociedade Cita explicitamente a necessidade de promover

intervenccedilotildees para reduzir sal accediluacutecar e gorduras saturadas e eliminar a gordura trans nos

alimentos industrializados como tambeacutem de desestimular a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo

de alimentos que contribuem para dieta natildeo saudaacutevel

Em decorrecircncia disso a OMS propocircs um Marco Global de Monitoramento das DCNT

que inclui 25 indicadores e nove metas voluntaacuterias para a sua prevenccedilatildeo e controle com

periacuteodo de vigecircncia de 2013-2020 Dentre as metas globais voluntaacuterias que se relacionam a

ao objeto deste estudo estaacute a meta de reduccedilatildeo relativa de 30 na meacutedia de consumo de

salsoacutedio da populaccedilatildeo ateacute o ano de 2025 No grupo dos indicadores propostos para os

sistemas nacionais um deles tem a finalidade de reduzir o impacto do marketing de

alimentos com alto em gorduras saturadas gordura trans accediluacutecares livres ou sal e bebidas

natildeo alcooacutelicas sobre as crianccedilas Outro indicador propotildee limitar a gordura saturada no

abastecimento alimentar (WHO 2013b) Quanto aos accediluacutecares nada foi mencionado

Mais recentemente a FAO demonstrou estar tambeacutem bastante sensiacutevel aos problemas

do excesso de peso e propocircs um rol de alternativas para incentivar a dieta saudaacutevel

Afirmou que a despeito de o moderno sistema de produccedilatildeo permitir ampliar a variedade de

produtos esse sistema empenha-se em vender mais alimentos ultraprocessados que

contribuem para o excesso de peso Para isso apresentou para discussatildeo as estrateacutegias de

taxaccedilatildeo dos produtos menos nutritivos de educaccedilatildeo nutricional nas escolas e de regulaccedilatildeo

75

da publicidade de alimentos para o puacuteblico infantil (FAO 2013b) Em comparaccedilatildeo com a

discussatildeo travada em 2003 registraram-se portanto avanccedilos substanciais no campo da

valorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel e do compromisso em intervir no excesso de peso

Em siacutentese nas uacuteltimas duas deacutecadas consagrou-se o entendimento de que os

produtos industrializados natildeo saudaacuteveis satildeo de alto risco agrave sauacutede e por conseguinte devem

ser objetos de medidas de intervenccedilatildeo e controle Todavia a adoccedilatildeo de medidas concretas

voltadas agrave reformulaccedilatildeo dos paracircmetros nutricionais desses produtos ainda tardaratildeo Isto

implica incorporaccedilatildeo de ingredientes naturais ou semiprocessados mas tambeacutem medidas

complementares tais como aposiccedilatildeo de alertas em destaques nos roacutetulos para dar

transparecircncia ao consumidor dos riscos do consumo desse tipo de produto taxaccedilatildeo

diferenciada de preccedilos para contenccedilatildeo do consumo desses produtos etc Uma seacuterie de

medidas que para muitos governos nacionais e instacircncias intergovernamentais ainda

permanecem no campo das intenccedilotildees

Em um contexto de globalizaccedilatildeo econocircmica as ligaccedilotildees de dependecircncia entre os

estados-nacionais e os organismos intergovernamentais normatizadores do mercado

internacional satildeo estreitas e a atuaccedilatildeo desses interlocutores OMS FAO e a Comissatildeo do

Codex Alimentarius eacute fundamental para o enfrentamento desse novo risco dos produtos

alimentiacutecios Uma accedilatildeo isolada dos governos nacionais poderia desencadear retaliaccedilotildees do

mercado e instabilidades internas vez que a reformulaccedilatildeo do perfil nutricional dos

produtos implica para as empresas custos e ameaccedila aos seus lucros

312 A apatia do Codex Alimentarius frente aos novos riscos dos alimentos

Conforme os documentos antes apresentados foram vaacuterios os alertas e indicativos

dos efeitos agrave sauacutede da populaccedilatildeo global ocasionados pelos produtos alimentiacutecios de ampla

circulaccedilatildeo no mercado internacional emitidos pela OMS e FAO Contudo transcorreram

dezesseis anos de 1990 a 2006 para que houvesse reaccedilatildeo da Comissatildeo do Codex

Alimentarius ndash CAC ndash considerando a sua responsabilidade por editar um coacutedigo de normas

76

de referecircncia para as agecircncias nacionais de controle de alimentos dos paiacuteses membros

induacutestrias consumidores e comeacutercio internacional (FAO WHO 2006a)

A implementaccedilatildeo do Programa de Normas Alimentares da Junta FAOOMS eacute de

competecircncia da CAC que tem entre os seus propoacutesitos [] (a) protecting the health of

consumers and ensuring fair practices in the food trade [] (e) amending published

standards after appropriate survey in the light of developments15 (FAO WHO 2006b p14)

A missatildeo de proteccedilatildeo da sauacutede contra os riscos dos alimentos jaacute pressupotildee abertura a um

evento desconhecido e portanto disposiccedilatildeo para ajustar as normas agrave luz da renovaccedilatildeo dos

conhecimentos cientiacuteficos conforme o dinamismo da sociedade e as novas situaccedilotildees de

riscos que se apresentem com fins de salvaguardar a sauacutede dos consumidores

Contudo constata-se que o foco de normatizaccedilatildeo da CAC estaacute circunscrito agrave seguranccedila

sanitaacuteria dos alimentos que envolve os paracircmetros sanitaacuterios o estabelecimento de limites

de contaminantes e as disposiccedilotildees sobre rotulagem sendo seu objeto central proteger a

sauacutede dos consumidores contra os riscos de DTA (FAO WHO 2006b) Com isso restringe-

se o espaccedilo para as outras ameaccedilas que escapam a esse seu escopo de atuaccedilatildeo ndash

componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios natildeo-saudaacuteveis - apesar de se

inscreverem no universo dos riscos dos alimentos que comprometem a sociedade mundial

Assim apenas em 2006 a CAC lanccedilou um plano de accedilatildeo para implementaccedilatildeo da

Global Strategy on Diet Physical Activity and Health no qual reconhece a afinidade entre a

proacutepria missatildeo dela e as estrateacutegias desse documento jaacute que foram identificados nutrientes

associados com risco elevado de DCNT (FAO WHO 2006a) Isso foi baseado no mandato do

Codex que prevecirc medidas voltadas para minimizar o consumo desses nutrientes com fins

de prevenir distuacuterbios agrave sauacutede do consumidor assim como para garantir o uso de

alegaccedilotildees nutricionais (claims) que natildeo sejam falsas ou confusas Com isso a tarefa foi

delegada a dois Comitecircs especiacuteficos do Codex um que trata de assuntos relativos agrave nutriccedilatildeo

e alimentos para fins dieteacuteticos especiais (FAO WHO 2013) e o outro comitecirc que lida com

rotulagem de alimentos (FAO WHO 2012) Estes comitecircs se mobilizaram cada um em seu

15 [] (a) proteger a sauacutede dos consumidores e assegurar praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos [] (e) ajustar agraves normas publicadas apoacutes o exame apropriado agrave luz do desenvolvimento (FAOWHO 2006a p14) [Traduccedilatildeo pessoal]

77

campo de atuaccedilatildeo para revisar a lista de nutrientes declarados no roacutetulo desenvolver

valores de referecircncia de nutrientes e propor novas alegaccedilotildees para os nutrientes de alto

risco (gordura trans)

Entretanto haacute um item importante do documento Global Strategy dirigida ao Codex

que se refere agrave modificaccedilatildeo dos padrotildees de produccedilatildeo e processamento dos alimentos

considerando os preceitos da qualidade nutricional e sanitaacuteria A resposta dada entatildeo pela

CAC foi de caraacuteter paliativo para proteccedilatildeo da sauacutede dos consumidores mas confortaacutevel e

lucrativa para o mercado Propocircs o desenvolvimento de versotildees modificadas dos alimentos

orginalmente natildeo saudaacuteveis diferenciando-os pela reduccedilatildeo dos ingredientes de risco (sal

gorduras e ou accediluacutecares) na composiccedilatildeo e pelo uso de alegaccedilotildees nutricionais no roacutetulo de

forma a auxiliar o consumidor na distinccedilatildeo e na escolha entre esses produtos

Sob o prisma eacutetico e de sauacutede a especificidade de perfil nutricional proposta para

versotildees modificadas dos produtos alimentiacutecios deveria ser regra em funccedilatildeo dos benefiacutecios

que se agregam agrave sauacutede Jaacute o produto alimentiacutecio original com perfil natildeo saudaacutevel deveria

ser completamente abolido do mercado Entretanto verifica-se que eacute o valor econocircmico que

se destaca nessa proposta (versotildees modificadas dos produtos) devido agrave perspectiva de

abertura para expansatildeo de um mercado de produtos alimentiacutecios ldquoespeciaisrdquo de custo mais

alto destinados a um puacuteblico seleto e com discreto impacto sobre a sauacutede da coletividade

Por enquanto esse assunto estaacute em fase de discussatildeo e ainda natildeo extrapolou o ambiente da

CAC

O retardo da Comissatildeo do Codex em se envolver com as iniciativas da OMS e as

propostas de intervenccedilatildeo sugeridas por este Organismo denota que o compromisso

daquela Comissatildeo com a sauacutede da populaccedilatildeo mundial estaacute muito atrelado aos riscos que

impactam os interesses econocircmicos do mercado internacional Isto se evidencia ao se

comparar o desempenho normativo da CAC contra os agentes contaminantes dos produtos

alimentiacutecios em relaccedilatildeo ao delegado aos nutrientes em excesso que tornam os produtos

natildeo-saudaacuteveis Riscos de outra natureza fazem pouco eco no acircmbito dessa Comissatildeo apesar

da visibilidade e abrangecircncia mundial expressas nos dados epidemioloacutegicos que mensuram

tais riscos

78

Produtos alimentiacutecios contaminados ou como veiacuteculos de doenccedilas circulando no

mercado internacional podem ocasionar efeitos nefastos intercontinentais e efeitos

imediatos tanto pelos prejuiacutezos econocircmicos e agrave sauacutede dos consumidores quanto pelos

boicotes agraves empresas envolvidas que podem se propagar aos demais produtos exportados

do paiacutes onde elas se situam Jaacute os efeitos negativos agrave sauacutede ocasionados pelos riscos

envolvendo desvios na qualidade nutricional se processam lentamente e perduram por

longo tempo Aleacutem disso se originam de produtos altamente lucrativos para o mercado

comercializados por poderosas corporaccedilotildees transnacionais

Essa postura negligente para com as demandas coletivas tem gerado criacuteticas

contundentes aos organismos supranacionais como a Comissatildeo do Codex Alimentarius e a

OMC devido ao atual acuacutemulo de poder de governanccedila16 dos sistemas alimentares que eles

detecircm por serem regidos pelos interesses das grandes corporaccedilotildees de mercado Pois satildeo

tais corporaccedilotildees as responsaacuteveis por engendrar as mudanccedilas dieteacuteticas e difundir

globalmente os seus produtos hipercaloacutericos (BRAUM 2001 LANG 1999) Tal situaccedilatildeo

tem suscitado tensotildees e conflitos despertando os primeiros sinais de reaccedilatildeo na esfera da

academia (LANG 1999 LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011) e da sociedade civil

(BRAUM 2001 SANTOS 2005)

Embora as delegaccedilotildees nacionais dos Comitecircs especiacuteficos da CAC sejam compostas por

agentes puacuteblicos de alto escalatildeo administrativo indicados por seus governos haacute permissatildeo

de participaccedilatildeo de representantes da induacutestria das organizaccedilotildees dos consumidores e das

instituiccedilotildees acadecircmicas nessas delegaccedilotildees No entanto o direito a voto eacute exclusivo dos

representantes oficiais do governo cabendo agraves entidades internacionais inclusive da

sociedade civil organizada o direito uacutenico de manifestaccedilatildeo verbal (FAO WHO 2006b)

Contudo a depender dos interesses do governo e das pressotildees poliacuteticas a que ele se

16 Governanccedila no plano global eacute entendida como um conjunto de relaccedilotildees intergovernamentais onde haacute o envolvimento de organizaccedilotildees natildeo governamentais (ONG) movimentos civis empresas multinacionais e mercados de capitais globais que agregam e articulam interesses para buscar soluccedilotildees para problemas comuns A participaccedilatildeo ativa de atores natildeo estatais no cenaacuterio tem contribuiacutedo sobremaneira para ampliar as contribuiccedilotildees e opiniotildees capazes de influir nos resultados seja na esfera das poliacuteticas puacuteblicas ou da regulaccedilatildeo internacional Entretanto o grande desafio esbarra na legitimidade se de fato a sociedade global confere poder e se percebe representada pelos atores que adotam em seu nome decisotildees em campos estrateacutegicos (GONCcedilALVES 2005)

79

submete seu voto pode tender em prol do interesse coletivo ou do privado Aqui eacute que se

potildee em cheque a legitimidade das representaccedilotildees do governo e inclusive da sociedade civil

organizada que natildeo fica imune a tais pressotildees

A capacidade econocircmica das corporaccedilotildees permite tambeacutem barganhar favores e

seduzir materialmente os membros das delegaccedilotildees do Codex para atender aos seus

objetivos em especial aqueles que satildeo fracos em termos econocircmico e eacutetico Eacute mister

esclarecer que no tema em questatildeo os interesses puacuteblicos destoam dos privados Nessa

perspectiva a reflexatildeo de Mckee (1999) aponta que a partir do momento em que se

registrou a participaccedilatildeo massiva dos representantes do setor produtivo nos Comitecircs do

Codex e de alguns integrantes do governo e da academia sem a firmeza quanto aos seus

compromissos com coletivo os interesses dos consumidores e dos cidadatildeos tecircm sido

menosprezados

Face ao exposto os riscos emergentes dos alimentos suscitam reflexatildeo e revisatildeo da

conduta institucional da CAC para que esta possa exercer efetivamente a sua missatildeo de

proteger a sauacutede e assegurar praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos

313 A OMC e os produtos alimentiacutecios lucros ao mercado e prejuiacutezos agrave sauacutede

A partir do ano de 1995 a Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio-OMC17 entidade que

congrega 159 paiacuteses e que lida com as regras globais do comeacutercio (WTO 2013a) adotou as

normas diretrizes e recomendaccedilotildees estabelecidas pelo Codex Alimentarius FAOOMS como

referecircncia para as disputas comerciais de alimentos Essas tornaram-se paracircmetros

juriacutedicos do Acordo sobre a Aplicaccedilatildeo de Medidas Sanitaacuterias e Fitossanitaacuterias - Acordo SPS

17 A OMC foi criada em 1994 como resultado da Rodada Uruguai de negociaccedilotildees multilaterais do comeacutercio e da consequente revisatildeo do Acordo Geral sobre Tarifas e Comeacutercio ndash GATT (sigla em inglecircs) Em decorrecircncia do GATT vaacuterios acordos foram aprovados e inclusive o Acordo Geral de Medidas Sanitaacuterias e Fitossanitaacuterias (SPS) que foi ratificado pelo governo brasileiro por meio do Decreto no 1355 de 30 de dezembro de 1994

80

(WHOFAO 2006) Esse instrumento particularmente merece comentaacuterios por dispor

sobre medidas sanitaacuterias para proteccedilatildeo da vida e da sauacutede humana contra os riscos

resultantes da presenccedila de aditivos e contaminantes em alimentos e bebidas Embora esse

Acordo seja fruto de um consenso entre os paiacuteses-membros participantes daquela

Organizaccedilatildeo isso limita a autonomia dos estados nacionais a construiacuterem suas proacuteprias

regras em determinadas circunstacircncias

Consta do Acordo SPS regido pelos princiacutepios de equivalecircncia natildeo-discriminaccedilatildeo

eficiecircncia transparecircncia e harmonizaccedilatildeo que ao paiacutes-membro eacute permitido adotar ou

aplicar medidas sanitaacuterias necessaacuterias desde que natildeo constituam discriminaccedilatildeo arbitraacuteria

ou injustificaacutevel e que sejam baseadas em princiacutepios cientiacuteficos Preferencialmente

sintonizadas com o princiacutepio da harmonizaccedilatildeo as medidas sanitaacuterias devem ser baseadas

em normas guias e recomendaccedilotildees internacionais e no caso de riscos dos alimentos

seguem aquelas produzidas pelo CAC Caso o paiacutes imponha medidas sanitaacuterias mais

restritivas do que as internacionalmente aprovadas essas devem ser precedidas de uma

avaliaccedilatildeo de riscos conforme as teacutecnicas estabelecidas por essa entidade para justificar as

razotildees da condiccedilatildeo do afastamento da norma Eacute um procedimento altamente complexo e

desafiador para muitos paiacuteses caso decidam por utilizaacute-lo para justificar a regulaccedilatildeo dos

paracircmetros nutricionais de produtos alimentiacutecios

A OMC avalia positivamente a etapa mais recente da globalizaccedilatildeo que resultou no

aumento da integraccedilatildeo dos mercados de produtos e dos fluxos de capital e no dinamismo

do trabalho motivado pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas incremento e agilizaccedilatildeo nos processos

de informaccedilatildeo Para isso houve tambeacutem o suporte dado pelas poliacuteticas econocircmicas de

desregulamentaccedilatildeo e de facilitaccedilatildeo do comeacutercio internacional aleacutem do fluxo de

investimentos internacionais Segundo a OMC todo esse conjunto tem trazido mudanccedilas

importantes a muitos paiacuteses e aos cidadatildeos O comeacutercio livre tem criado oportunidades

comerciais para as empresas exportadoras que oferecem aos consumidores produtos e

serviccedilos diversificados a preccedilos mais baixos (WTO 2008)

Quanto aos alimentos registrou-se a expansatildeo da produccedilatildeo mundial de alimentos e do

aumento da rentabilidade da produccedilatildeo (WTO 2008) No ano de 2012 foi movimentado um

81

volume de exportaccedilatildeo equivalente a 1375 trilhatildeo de doacutelares sendo o Brasil posicionado

como o segundo na lista dos principais paiacuteses negociadores do mundo (WTO 2013b) No

periacuteodo de 1990 a 2012 o Brasil teve uma evoluccedilatildeo espetacular nas exportaccedilotildees de

alimentos em valor monetaacuterio passando de 8697 a 77212 milhotildees de doacutelares (WTO

2013c)

Apesar desse ecircxito comercial crescente as avaliaccedilotildees da OMC consideram que a

reforma do mercado que tornou os negoacutecios mais eficientes culminou com a concentraccedilatildeo

de induacutestrias a formaccedilatildeo de grupos internacionais de produccedilatildeo e aprofundou a

desigualdade elevando o desemprego e os gastos puacuteblicos As assimetrias do mercado

relatadas pela OMC desaguam com quase exclusividade no campo econocircmico Isso decorre

da visatildeo institucional concentrada no mercado e se recusa a perceber as contradiccedilotildees da

globalizaccedilatildeo econocircmica como difusas pois invadem tambeacutem aacutereas como a da sauacutede e da

nutriccedilatildeo Por isso Rayner e colaboradores (2007) afirmam que as poliacuteticas comerciais

precisam se superar em termos de quantificaccedilatildeo do volume de produccedilatildeoconsumo do

sistema global de alimentos e incorporar as consideraccedilotildees nutricionais e dieteacuteticas

elevando a importacircncia da governanccedila alimentar em prol de benefiacutecios puacuteblicos

Sob outra oacutetica os impactos da liberaccedilatildeo do mercado internacional de alimentos tecircm

sido avassaladores para as economias locais de alimentos (PHILLIPS 2006) Os preccedilos dos

alimentos locais tornam-se incapazes de competir com os dos alimentos importados e

distribuiacutedos por cadeias globais em geral alimentos natildeo saudaacuteveis e de baixo custo e que

aniquilam a produccedilatildeo local acarretando reduccedilatildeo de empregos e de oportunidades de renda

(TULLAO 2002) Adicionalmente no acircmbito das economias nacionais multiplicam-se as

transaccedilotildees comerciais efetuadas pelas grandes corporaccedilotildees transnacionais agriacutecolas e de

alimentos que absorvem empresas de menor porte Em consequecircncia as transnacionais

fortalecem-se ainda mais em uma direccedilatildeo ascendente observada desde fins da deacutecada de

90 (CHOPRA 2002) O complexo modo de operaccedilatildeo dessas corporaccedilotildees portanto produz

efeitos nas esferas econocircmica poliacutetica e social

82

Assim frente agrave ordem global instituiacuteda a accedilatildeo soberana dos estados nacionais fica

dificultada Esses passaram a submeter-se a fortes e constantes influecircncias das regras e

acordos internacionais do comeacutercio de alimentos como os liderados pela OMC e pelo Codex

inclusive para lidar com os assuntos de qualidade e de padrotildees de seguranccedila sanitaacuteria

(LUCCHESE 2003) Aleacutem disso haacute uma preocupaccedilatildeo constante daqueles que comandam o

reordenamento do sistema produtivo em influenciar as decisotildees no acircmbito das

organizaccedilotildees intergovernamentais para natildeo comprometer os seus interesses Assim os

representantes dos conglomerados de empresas transnacionais se mobilizam e com

habilidade ocupam os espaccedilos poliacuteticos estrateacutegicos inclusive nas instituiccedilotildees

supranacionais cujo resultado incide diretamente sobre a soberania nacional Segundo

Sklair (2002) eles se comportam como atores poliacuteticos e econocircmicos que se infiltram nas

maacutequinas institucionais constroem alianccedilas ldquomaquiamrdquo resultados de pesquisas

beneficiam funcionaacuterios enfim mobilizam vaacuterias estrateacutegias e recursos para viabilizar a

agenda de interesses do capitalismo global

Diante disso vaacuterios cientistas sociais apontam que a soberania dos estados nacionais

se enfraqueceu com a globalizaccedilatildeo da economia (IANNI 2007 BECK 1999 GIDDENS 1991

BAUMANN 1999) esta agora assume o papel de interlocutor da poliacutetica local e global No

entanto Santos (2005) afirma que o Estado ainda se manteacutem forte apesar do poderio das

empresas transnacionais e das instituiccedilotildees supranacionais pois elas natildeo dispotildeem

isoladamente de poder regulatoacuterio capaz de impor a sua vontade poliacutetica e econocircmica em

um paiacutes em particular Mesmo sob polecircmica essa dominacircncia global-local dificulta o

desenvolvimento de poliacuteticas de controle de mercado que se ajustem aos interesses sociais

particulares de cada espaccedilo nacional pois encobre a diversidade e a especificidade social e

cultural (MALUF VALENTE MENEZES 1996) aleacutem de tender a privilegiar os interesses

econocircmicos privados sobre as demandas coletivas

Nos uacuteltimos anos observa-se uma insurreiccedilatildeo intelectual de profissionais

independentes e dos grupos de consumidores que embora ainda natildeo tenham alcanccedilado

expressividade suficiente para conter os rumos dessas instituiccedilotildees e organizaccedilotildees (SKLAIR

2002) divulgam a sua insatisfaccedilatildeo e formam opiniotildees Do ponto de vista de governo e de

83

sociedade civil reaccedilotildees isoladas de alguns paiacuteses comeccedilam a surgir (PUSKA 2004

HAWKES 2007 BRASIL MS 2012) Poreacutem ainda haacute um longo trajeto a ser percorrido

antes de o tema ldquomelhoria da qualidade dos alimentosrdquo consolidar-se na plataforma de

lutas da sauacutede puacuteblica

No caso do governo brasileiro aleacutem do viacutenculo formal com essas organizaccedilotildees

internacionais haacute tambeacutem viacutenculo com o Mercado Comum do Sul18 - Mercosul que implica

acordos que contemplam requisitos sanitaacuterios No acircmbito do Mercosul os assuntos de

sauacutede satildeo tratados no Subgrupo de Trabalho n0 11 criado com a Resoluccedilatildeo GMC n0 15196

que assume a funccedilatildeo de harmonizar as legislaccedilotildees dos Estados-Partes no que tange aos

bens serviccedilos mateacuterias-primas e produtos da aacuterea da sauacutede bem como aos criteacuterios para

vigilacircncia epidemioloacutegica Aleacutem disso busca compatibilizar os sistemas de controle

sanitaacuterio para promover e proteger a sauacutede e a vida das pessoas e eliminar obstaacuteculos ao

comeacutercio regional (BRASIL MS 2007a) No caso dos produtos alimentiacutecios prevalecem nas

discussotildees as normas Codex Alimentarius (QUEIROZ GIOVANELLA 2011) e desse modo o

tema qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios ainda permanece distante desse

bloco econocircmico

Esse mundo de relaccedilotildees econocircmicas e sociais interconectadas eacute parte do contexto de

discussatildeo dos produtos alimentiacutecios o que impede que sejam tratados como objetos

circunscritos ao espaccedilo nacional Como os riscos dos alimentos globalizados proporcionam

a lucratividade do comeacutercio mundial privado a melhoria dos paracircmetros dos alimentos

exige uma sobrecarga de esforccedilos que incluem mobilizaccedilatildeo de recursos e articulaccedilotildees

diversas tanto nacional como internacional Algo que eacute politicamente desgastante mas

imprescindiacutevel para a defesa da sauacutede da coletividade

18 O Mercosul eacute um bloco econocircmico formado pelos Estados-partes Argentina Brasil Paraguai Uruguai e Venezuela Foi criado em 26 de marccedilo de 1991 por uma Carta Constitutiva ndash o Tratado de Assunccedilatildeo Com a assinatura do Tratado de Ouro Preto em 1994 foi dotado de personalidade juriacutedica nacional e internacional Estaacute fundamentado na livre circulaccedilatildeo de bens serviccedilos e fatores produtivos na reciprocidade de direitos e obrigaccedilotildees entre os Estados-Parte (BRASIL MS 2007a) O Conselho do Mercado Comum eacute a instacircncia poliacutetica maacutexima seguida pelo Grupo Geral do Mercosul que tambeacutem atua como instacircncia decisoacuteria do bloco (BRASIL MS 2003)

84

32 Globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a sauacutede em questatildeo

321 Avanccedilos e retrocessos no mercado dos alimentos

Impulsionado pela globalizaccedilatildeo o mercado de alimentos ampliou a disponibilidade e a

diversidade de produtos mesmo sem ter proporcionado simultaneamente o seu acesso

universal Como consequecircncia interferiu profundamente na cultura alimentar no padratildeo

de consumo dieteacutetico e no estado nutricional de muitas populaccedilotildees do mundo (KENNEDY

NANTEL SHETTY 2006) Nesse percurso de expansatildeo o mercado foi se aperfeiccediloando com

os avanccedilos tecnoloacutegicos em especial no campo da quiacutemica das gorduras (DREWNOWSKI

2003) das mudanccedilas nos preccedilos dos oacuteleos vegetais (WHO 2003b) das descobertas de

novas fontes de accediluacutecar - originaacuteria do milho e de custo inferior (BEGHIN JENSEN 2008)

bem como das modernas teacutecnicas de marketing (HAWKES 2002) Apoiado sob o

investimento internacional esse mercado tornou mais acirrada a competiccedilatildeo entre os

produtos alimentiacutecios de circulaccedilatildeo global e os alimentos de procedecircncia nacional no que

tange ao preccedilo agrave disponibilidade e outros atributos comerciais o que levou agrave substituiccedilatildeo

paulatina dos agentes locais de alimentos pelos globais

Tal conjunto de inovaccedilotildees foi um importante condutor das mudanccedilas nas preferecircncias

dieteacuteticas com a introduccedilatildeo dos alimentos industrializados natildeo saudaacuteveis e de baixo custo

assim como na nutriccedilatildeo e na sauacutede de um contingente expressivo de pessoas (UUSITALO

PIETIENEN amp PUSKA 2002) Essas mudanccedilas fizeram emergir na segunda metade do

seacuteculo XX nas regiotildees industrializadas e posteriormente nos paiacuteses em desenvolvimento

os novos riscos da era contemporacircnea (WHO 2003b)

Durante a consolidaccedilatildeo desse novo tipo de produto alimentiacutecio no mercado de

meados dos anos 60 ateacute os uacuteltimos anos da deacutecada de 90 dois fenocircmenos em direccedilotildees

inversas marcaram as mudanccedilas no padratildeo alimentar o aumento da disponibilidade de

calorias no mundo em torno de 450 quilocalorias (Kcal) per capita por dia ultrapassando

600 Kcal nos paiacuteses em desenvolvimento e o decliacutenio do consumo de produtos baacutesicos ndash

85

raiacutezes tubeacuterculos e cereais ndash e de frutas e hortaliccedilas acompanhado pelo incremento de

oacuteleos vegetais e de produtos caacuterneos excluiacutedos os pescados e pelo aumento na proporccedilatildeo

de energia dos accediluacutecares adicionados nas dietas (WHO 2003b)

Eacute importante salientar que o primeiro fenocircmeno citado possibilitou o aumento do

aporte caloacuterico da dieta de parcelas da populaccedilatildeo que sobreviviam com o consumo

alimentar limitado Na deacutecada de 70 vigorava um cenaacuterio de penuacuteria e de doenccedilas no

mundo no qual o nuacutemero de crianccedilas que morriam na faixa etaacuteria entre zero a cinco anos

era quase o dobro ndash 17 milhotildees - do que se estima atualmente Tal quadro estava

estritamente vinculado agrave condiccedilatildeo de extrema pobreza dessas crianccedilas (WHO 2003c)

Sob a oacutetica de Mazzocchi Shankar amp Traill (2012) essas mudanccedilas na dieta

ocorreram em dois estaacutegios o primeiro resultou no lsquoefeito expansatildeorsquo com o aumento do

suprimento de energia proveniente de produtos alimentiacutecios mais baratos de origem

vegetal poreacutem respeitando a cultura crenccedilas e tradiccedilotildees religiosas No segundo houve o

lsquoefeito substituiccedilatildeorsquo mudanccedila no consumo dos produtos alimentiacutecios - sem mudanccedila no

suprimento energeacutetico total - e que correspondeu a substituiccedilatildeo de carboidratos complexos

(cereais raiacutezes e tubeacuterculos) por oacuteleos vegetais produtos de origem animal (alimentos

laacutecteos e caacuterneos) e accediluacutecar Essas mudanccedilas tanto podem indicar uma melhoria (se haacute

incremento de frutas e vegetais) como prejuiacutezo da dieta (se haacute aumento de accediluacutecar e gordura

saturada)

Em quase todos os paiacuteses da Ameacuterica Latina entre os anos de 1990 e 1999 foi

registrado o aumento da disponibilidade energeacutetica exceto na Venezuela Em meados dos

anos 90 o consumo de cereais raiacutezes frutas e legumes declinou um pouco enquanto que o

de proteiacutena de origem animal (carne peixe ovos leite e derivados) de accediluacutecar e das

gorduras aumentou O padratildeo de dieta tradicional da Ameacuterica Latina rica em

polissacariacutedeos complexos micronutrientes e fibras comeccedila a se reconfigurar com a

inclusatildeo de quantidades elevadas de accediluacutecares refinados produtos de origem animal e

alimentos altamente processados devido aos impactos da globalizaccedilatildeo da dieta

(BERMUDEZ amp TUCKER 2003)

86

Enquanto isso a invasatildeo dos produtos alimentiacutecios prossegue e se estende a

territoacuterios extremos Como o mercado de paiacuteses de alta renda estaacute esgotado as novas bases

de instalaccedilatildeo das corporaccedilotildees de alimentos tecircm sido guiadas pelo incremento da renda

meacutedia global gasta em alimentos evidenciado nos paiacuteses em desenvolvimento (MOODIE et

al 2013) Assim elas se mobilizam para atrair novos consumidores e expandem suas

vendas para esses novos mercados Com o foco restrito na obtenccedilatildeo de lucros

extraordinaacuterios essas corporaccedilotildees vendem seus produtos alimentiacutecios inventados com

tecnologias que se utilizam de misturas de ingredientes de custos baixos e agrave base de altos

teores de accediluacutecar gordura sal e aditivos com o apoio de um robusto aparato publicitaacuterio

(CHOPRA 2002 MOODIE et al 2013 HAWKES 2002 MONTEIRO 2009) Entram nesses

paiacuteses completamente livres e desprovidas de compromissos eacuteticos para ofertar seus

produtos que pouco nutrem mas que muitos efeitos provocam na sauacutede da populaccedilatildeo

(STUCKLER amp NESTLE 2012)

Em muitos desses paiacuteses a entrada das corporaccedilotildees transnacionais de alimentos tem

sido fomentada por distintos mecanismos alguns deles jaacute abordados neste trabalho Satildeo

eles os investimentos estrangeiros diretos na cadeia produtiva de alimentos a reduccedilatildeo de

barreiras e o controle e a pressatildeo exercidos sobre a produccedilatildeo agriacutecola local Esses

mecanismos tanto reduzem os preccedilos das mateacuterias-primas como desestruturam os

mercados locais Desenha-se entatildeo uma conjuntura poliacutetica e econocircmica que cria um

mercado para os produtos altamente processados em detrimento dos alimentos saudaacuteveis

e proacuteprios da cultura local aleacutem de gerar outros efeitos nefastos agrave sauacutede e agrave economia dos

paiacuteses onde essas empresas se instalam (LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011)

Em decorrecircncia disso ocorrem alteraccedilotildees no perfil das dietas asiaacuteticas - chinesa e

japonesa - antes ricas em carboidratos complexos e na brasileira como resultado da

provaacutevel conexatildeo entre as preferecircncias sensoriais inatas a disponibilidade maior de

gorduras baratas na economia global e as raacutepidas mudanccedilas sociais nas sociedades de baixa

renda (DREWNOWSKI POPKIN1997) Fenocircmeno similar tambeacutem estaacute ocorrendo na Iacutendia

(VEPA 2006) Nesse contexto eacute possiacutevel inferir que para os pobres dessas sociedades a

conquista do acesso aos alimentos eacute apenas uma etapa Haacute ainda outros enfrentamentos

87

necessaacuterios para superar o fosso entre a acessibilidade e a garantia de um produto

saudaacutevel em termos nutricionais

Jaacute na Ameacuterica Central a reduccedilatildeo das tarifas de importaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

dos Estados Unidos resultou nas mudanccedilas da dieta habitual na inibiccedilatildeo da produccedilatildeo local

e na elevaccedilatildeo das importaccedilotildees de alimentos a qual ascendeu em 115 no intervalo

decorrido entre o iniacutecio da deacutecada de 90 e o novo milecircnio Concomitantemente ao aumento

da disponibilidade de carnes frutas e legumes - efeito promissor - houve tambeacutem o

incremento dos produtos ultraprocessados (doces cookies batatas chips salgadinhos e

similares) associados com a transiccedilatildeo nutricional e implicaccedilotildees com doenccedilas (THOW

HAWKES 2009)

Enfim haacutebitos e praacuteticas alimentares tradicionais estatildeo se desfazendo em diferentes

espaccedilos geograacuteficos do globo tanto em locais pouco conhecidos como Tonga na Oceania

(EVANS et al 2001) como em locais estrateacutegicos como o Brasil onde os alimentos

tradicionais da dieta nacional - como o feijatildeo a farinha de mandioca o arroz e a farinha de

milho- vecircm sendo cada vez menos consumidos e estatildeo paulatinamente sendo substituiacutedos

pelos produtos ultraprocessados em especial na alimentaccedilatildeo extradomiciliar (BEZERRA et

al 2013) Os dados da uacuteltima Pesquisa de Orccedilamentos Familiares- POF 2008-2009

revelaram que as famiacutelias urbanas brasileiras com mais baixa renda investem

proporcionalmente mais recurso em refrigerante biscoitos e macarratildeo do que aquelas de

mais alta renda (BRASIL IBGE 2011) Segundo Bleil (1998) todas essas mudanccedilas na dieta

ocorrem com o suporte da estrutura publicitaacuteria que impotildee a cultura global como siacutembolo

da modernidade escamoteia os interesses de mercado destroacutei a cultura local e omite os

riscos dos produtos ofertados

Os mecanismos utilizados natildeo poupam nem sequer a tradicional dieta mediterracircnea

mundialmente reconhecida por sua legiacutetima fama de ser saudaacutevel Os resultados da uacuteltima

pesquisa nacional revelam que os estudantes espanhoacuteis estatildeo substituindo os alimentos

convencionais por alimentos industrializados natildeo saudaacuteveis tais como massas

refrigerantes sucos de frutas bolos snacks e fast-foods e rejeitando folhosos legumes e

88

peixes (FERNAacuteNDEZ SAN JUAN 2006) No entanto isso natildeo eacute uma particularidade da

Espanha pois toda a populaccedilatildeo europeia tem sido exposta aos efeitos nocivos da promoccedilatildeo

e da disponibilizaccedilatildeo de produtos alimentiacutecios pobres em termos nutricionais em especial

as crianccedilas e os adolescentes pertinentes aos estratos de renda baixa (WHO 2006)

Essas corporaccedilotildees transnacionais de alimentos19 aleacutem de intervirem em todas as

etapas do sistema de produccedilatildeo apresentam um esquema complexo de movimentaccedilotildees

intercontinentais orientado por estrateacutegias comerciais e o negoacutecio-chave da maioria delas

satildeo os produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis como snacks foods chocolates cereais e

biscoitos refrigerantes e confeitos Como ilustraccedilatildeo evidencia-se que a companhia Kellogs

tem induacutestrias de processamento na China Iacutendia Japatildeo Coreacuteia do Sul e Tailacircndia para

suprir as cadeias de distribuiccedilatildeo na Aacutesia a Pepsico continua a expandir a sua vasta linha de

marketing internacional em snack foods atualmente com foco na Ameacuterica Latina e Aacutesia-

Paciacutefico e as corporaccedilotildees Nestleacute Kraft e Unilever jaacute operam em quase 140 paiacuteses (REGMI

amp GEHLHAR 2005) A Nestleacute particularmente situa-se como uma das cinco principais

companhias de alimentos do Brasil Iacutendia Meacutexico Ruacutessia Estados Unidos e Aacutefrica do Sul

(MOODIE et al 2013) o que significa disponibilizar os seus produtos a um contingente de

pessoas que corresponde a 276 da populaccedilatildeo mundial (UN 2013)

O comeacutercio varejista transnacional tambeacutem se beneficiou com uma raacutepida expansatildeo

na Ameacuterica Latina (LABONTEacute MOHINDRA LENCUCHA 2011) e em outros paiacuteses

desenvolvidos (FAO 2006) Os Estados Unidos a Uniatildeo Europeia e o Japatildeo juntos

dominam este tipo de comeacutercio e contam com 60 do total de vendas a varejo de produtos

alimentiacutecios processados no mundo (REGMI amp GEHLHAR 2005) A raacutepida

multinacionalizaccedilatildeo das cadeias de supermercados e a sua forma de atuaccedilatildeo concorrem

para consolidar um tipo de praacutetica de consumo alimentar com consequentes implicaccedilotildees

nutricionais A acessibilidade a disponibilidade a variedade satildeo estiacutemulos agrave aquisiccedilatildeo de

19 Constituem-se de um conglomerado de grandes empresas de alimentos com subsidiaacuterias em vaacuterios paiacuteses que realizam o fornecimento global de seus suprimentos a centralizam o capital estrateacutegico recursos e tomada de decisotildees e manteacutem operaccedilotildees em vaacuterios paiacuteses para tornar o mercado global mais unificado Comporta-se como atores poderosos no cenaacuterio socio-economico mundial

89

diferentes itens alimentares especialmente os densamente energeacuteticos Aleacutem disso estes se

beneficiam pela adoccedilatildeo de estrateacutegias de preccedilos baixos de promoccedilatildeo de faacutecil visualizaccedilatildeo e

de acesso no local de venda que confrontam com as desiguais condiccedilotildees de oferta das frutas

e verduras as quais tendem a ser mais caras em funccedilatildeo das peculiaridades de produccedilatildeo

Todo esse aparato faz despontar as vendas de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis sendo

parte expressiva da explicaccedilatildeo das mudanccedilas nos haacutebitos do aumento da demanda e da

preferecircncia dos consumidores e das doenccedilas crocircnicas de origem dieteacutetica (HAWKES 2008)

A introduccedilatildeo desses novos tipos de alimentos implicou reformulaccedilatildeo no perfil das

despesas com os alimentos cujo impacto foi maior nos paiacuteses em desenvolvimento

Segundo Popkin (2006) entre os anos de 1990 e 2000 as vendas de alimentos agrave varejo em

supermercados elevaram-se de 15 a 60 na Ameacuterica Latina Nesses locais se comercializam

produtos alimentiacutecios do tipo processado e natildeo saudaacutevel mas tambeacutem aqueles de

qualidade nutricional balanceada No entanto satildeo para os produtos do primeiro tipo que o

aparato de estiacutemulos agrave venda dirige o seu foco

Esse aumento nas despesas per capita coincide com o aumento das vendas de

produtos processados nos paiacuteses em desenvolvimento Entre o periacuteodo de 1998-2003 os

paiacuteses considerados com mais baixa renda e de renda meacutedia baixa tiveram um crescimento

meacutedio anual de vendas superior ao dos demais paiacuteses oscilando entre 81 a 563 no

que se refere aos cereais matinais oacuteleos e gorduras refeiccedilotildees prontas produtos laacutecteos e

produtos secos Quando esses dados foram comparados com os paiacuteses de mais alta renda

observou-se que esse crescimento neste grupo de paiacuteses foi miacutenimo sendo que a taxa mais

elevada alcanccedilada para uma dessas categorias de produtos foi de 47 (MAZZOCCHI

SHANKAR TRAILL 2012)

Embora seja breve o panorama traccedilado da atuaccedilatildeo do mercado de alimentos em

especial das corporaccedilotildees de induacutestrias e de comeacutercio varejista torna-se possiacutevel entender o

porquecirc de vaacuterios estudos terem apontado a interface entre a globalizaccedilatildeo do mercado de

alimentos a transiccedilatildeo dieteacutetica e a disseminaccedilatildeo internacional dos fatores de riscos para as

DCNT (MOODIE et al 2013 RAYNER et al 2013 LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011

TULLAO 2002) Conforme ateacute aqui apresentado para a internacionalizaccedilatildeo dos negoacutecios de

90

alimentos ter excepcional sucesso lucrativo foi necessaacuterio desestabilizar a vida econocircmica

local e a sauacutede da maior parte da populaccedilatildeo

322 A publicidade de produtos alimentiacutecios e os efeitos sobre o comportamento e

a sauacutede

Diferentes espaccedilos da vida cotidiana satildeo preenchidos com a publicidade comercial

de produtos alimentiacutecios que satildeo dirigidas a diferentes puacuteblicos especialmente agrave clientela

infantil Satildeo utilizados distintos canais de veiculaccedilatildeo e teacutecnicas convencionais e atuais

como televisatildeo internet videogames malas-diretas cartazes outdoors entre outros e que

de forma insistente e contiacutenua destinam-se a estimular a venda de produtos e

simultaneamente a inculcar valores haacutebitos e comportamentos

A publicidade comercial agressiva de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis reportados

como siacutembolos de status social tem motivado os indiviacuteduos especialmente aqueles

residentes nas aacutereas urbanas e suburbanas a substituiacuterem os alimentos tradicionais (WHO

1990) Com base nas evidecircncias sobre a influecircncia da propaganda de produtos alimentiacutecios

- tipo fast-food e produtos com alta densidade energeacutetica e pobres em micronutrientes - na

definiccedilatildeo das escolhas alimentares de crianccedilas e adolescentes e consequentemente no

aparecimento do excesso de peso e da obesidade (WHO 2003a) a OMS passou a

recomendar aos governos a regulamentar o comeacutercio a publicidade e a rotulagem desses

produtos como uma das medidas para proteger as crianccedilas contra os problemas de sauacutede

relacionados ao consumo desses alimentos (WHO 2004a WHO 2006)

Dentre os recursos publicitaacuterios a propaganda televisiva eacute o meio de promoccedilatildeo de

produtos e de estiacutemulo agraves vendas que tem maior capacidade de adentrar os lares

transformar as tradiccedilotildees familiares e alienar os indiviacuteduos por meio do colorido das

fantasias e dos valores que se mesclam e se conectam aos produtos alimentiacutecios criando

um efeito indissociaacutevel entre o produto e a sua roupagem imaginaacuteria que convence e

91

estimula os indiviacuteduos a adquiri-los

As crianccedilas satildeo aliciadas pelo poder de persuasatildeo da propaganda a desejar produtos

a qual se beneficia de sua inexperiecircncia e credulidade (WHO 2006) Robinson et al (2007)

constataram que os efeitos da propaganda atingem crianccedilas em estaacutegios precoces da vida

entre 3 e 5 anos de idade cujas preferecircncias de gosto foram associadas a uma marca liacuteder

na publicidade e nas vendas de produtos alimentiacutecios

Para o mercado as crianccedilas somam trecircs caracteriacutesticas que as convertem em maiores

clientes potenciais a primeira eacute que estatildeo propensas a adquirir todos os tipos de produtos

que se pode ofertar inclusive pela compra direta com o seu proacuteprio dinheiro a segunda

pela sua capacidade de influenciar a decisatildeo de compra dos pais e por uacuteltimo por se

constituiacuterem em consumidores do futuro (SANTOS 2009) Esse eacute o panorama que orienta

as empresas para definir a composiccedilatildeo a imagem o conteuacutedo e os meios de veiculaccedilatildeo dos

materiais publicitaacuterios relativos aos seus produtos alimentiacutecios

Segundo Hastings (2006) cinco categorias de produtos dominam a publicidade de

produtos alimentiacutecios refrigerantes cereais preacute-adoccedilados doces lanches e fast food O

efeito provocado nas crianccedilas pela exposiccedilatildeo intensa a esses tipos de produto eacute o de

exacerbar um comportamento de consumo excessivo (HARRIS et al 2009 HASTINGS et al

2003 HAWKES 2006) Estudo posterior em que se registrou o distanciamento das crianccedilas

da publicidade comercial televisiva de produtos obesogecircnicos concluiu que tal medida

pode ocasionar um impacto significativo na reduccedilatildeo da obesidade infantil (ZIMMERMAN

BELL 2010)

No caso do Brasil observou-se que o perfil de produtos alimentiacutecios mais divulgados

coincide com o referido por Hastings (2006) Apoacutes o registro de 432 horas de gravaccedilatildeo nas

televisotildees brasileiras em dias uacuteteis em horaacuterios entre 8 e 22 horas observou-se que dos

1395 anuacutencios 578 foram enquadrados no grupo da piracircmide alimentar referente a

gorduras oacuteleos accediluacutecares e doces seguido pelo grupo de patildees cereais arroz e massas

(21) Os grupos de laacutecteos e de caacuterneos e leguminosas alcanccedilaram em torno de 10

havendo uma completa ausecircncia da divulgaccedilatildeo de frutas e verduras (ALMEIDA

92

NASCIMENTO QUAIOTI 2002)

Aleacutem das diversas modalidades de publicidade que induz ao consumo de produtos

alimentiacutecios Chandon amp Wansink (2012) ainda elencam trecircs outros elementos que

imputem vantagens tais produtos o preccedilo a curto e longo prazos o produto em si em

termos de quantidade e qualidade que determina o quanto se pode consumir e por fim o

ambiente de consumo que inclui a disponibilidade e a conveniecircncia do ato de alimentar-se

Contudo observa-se que haacute uma engrenagem sensorial que antecede e deflagra o

estiacutemulo ao consumo do produto alimentiacutecio Isso envolve diferentes elementos como o

cenaacuterio da publicidade e do local de consumo o design visual das embalagens e a

praticidade do consumo a hiperpalatibilidade o som produzido pela crocacircncia a

exuberacircncia da cor e o superdimensionado conteuacutedo liacutequido que somados ao baixo preccedilo

de aquisiccedilatildeo do produto satildeo capazes de despertar o ato volitivo do indiviacuteduo e conduzi-lo

ao consumo inclusive compulsivo

Com o intento de dominar o movimento de ocidentalizaccedilatildeo da dieta e criar um mundo

unificado para os seus produtos as companhias de fast foods e de refrigerantes

desenvolvem atividades de marketing de alcance mundial diversificadas e abrangentes com

o objetivo de criar novos haacutebitos de consumo desde a adequaccedilatildeo de preccedilos e de embalagem

ateacute o patrociacutenio de atividades desportivas e filantroacutepicas (HAWKES 2002) Segundo essa

autora a regiatildeo da Ameacuterica Latina eacute a representante da primeira experiecircncia de expansatildeo

da Coca-Cola e Pepsi e hoje apresenta a segunda taxa de consumo mais elevada

ultrapassada apenas pelos EUA Nesta regiatildeo o Brasil eacute o paiacutes onde haacute o terceiro maior

consumo de bebidas carbonatadas natildeo alcooacutelicas ndash tiacutetulo este que natildeo requer

comemoraccedilatildeo mas que desperta bastante preocupaccedilatildeo face ao panorama de obesidade e

outras DCNT registrado na populaccedilatildeo brasileira

Nos Estados Unidos impera uma competiccedilatildeo perversa entre os alimentos tipo junk

foods como as principais fontes de receita para as empresas de alimentos e as taxas de

obesidade infanto-juvenil com sua ascensatildeo vertiginosa desde a deacutecada de 70 (NESTLE

2006) Conforme a autora esse fato tem provocado reaccedilotildees da sociedade que se

93

manifestam por meio de accedilotildees judiciais e de pressatildeo por regulaccedilatildeo Com isso as empresas

se esforccedilam para apoiar programas de sauacutede anunciar poliacuteticas renunciando publicidade

dirigida agraves crianccedilas e fazer seus produtos parecerem mais saudaacuteveis disfarccedilando-os com o

enriquecimento com vitaminas ingredientes integrais e eliminando as gorduras trans

Todavia essas empresas continuam a concentrar seus investimentos publicitaacuterios nos

doces nos refrigerantes e nos salgadinhos

A publicidade eacute uma estrateacutegia comercial poderosa para expor um produto

alimentiacutecio com fins de seduzir convencer e conquistar os consumidores e ainda de

transpor diversas culturas Apoacutes ter vivenciado a fase de diversificaccedilatildeo do consumo pelo

aumento dos alimentos tradicionais a Iacutendia enfrenta agora o processo de mudanccedila na

cultura alimentar com a introduccedilatildeo dos alimentos processados densamente energeacuteticos

suportados pela publicidade do McDonalds Coca-Cola Pepsi e similares e pelas cadeias de

fast-food e de supermercados (PINGALI KHWAJA 2004) Quadro de mudanccedilas esse com

muacuteltiplos efeitos econocircmicos e sociais tais como ajustes bruscos na cadeia produtiva local

para atender as demandas das corporaccedilotildees estrangeiras aleacutem de mudanccedilas aceleradas no

perfil de sauacutede e nas taxas de doenccedilas crocircnicas nos centros urbanos daquele paiacutes

Embora haja algumas lacunas de conhecimentos para confirmar a triacuteade publicidade-

alto consumo de produtos natildeo saudaacuteveis-obesidade (McDERMOTT STEAD HASTINGS

2007) e do impacto concreto da regulaccedilatildeo da publicidade na prevenccedilatildeo obesidade infantil

(HAWKES 2007) vaacuterios autores defendem o controle da publicidade de alimentos para o

puacuteblico infantil (McDERMOTT STEAD HASTINGS 2007 HAWKES 2007 NESTLE 2006

STUCKLER NESTLE 2012 WHO 2006) e os paiacuteses comeccedilam a instituir regras

compulsoacuterias especiacuteficas (HAWKES 2006)

Como a publicidade natildeo dispensa os ambientes escolares pois satildeo locais propiacutecios

para alcanccedilar as crianccedilas e os adolescentes instrumentos de controle estatildeo sendo

instituiacutedos com fins de evitar impactos negativos sobre a sauacutede desses indiviacuteduos Assim

regulamentaccedilotildees disciplinando o consumo de alimentos nestes estabelecimentos tecircm sido

aprovadas em paiacuteses como o Brasil Franccedila e Estados Unidos Quando haacute obstaacuteculos para

definir regras regulamentadoras diretrizes satildeo estabelecidas sobre o assunto como

94

ocorreu em Fiji Reino Unido e Canadaacute (HAWKES 2007)

Indubitavelmente haacute um viacutenculo entre a publicidade e o comeacutercio de produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis e os riscos agrave sauacutede que tem posto a conduta eacutetica das empresas

de alimentos sob suspeiccedilatildeo Isso se expressa sob diferentes formas por natildeo estimularem os

indiviacuteduos em especial as crianccedilas a fazerem escolhas favoraacuteveis ao cuidado e manutenccedilatildeo

de sua sauacutede (HAWKES 2007) e por colocarem sobre as pessoas e a sociedade o ocircnus

exclusivo de carregarem o fardo da doenccedila induzido pelos estiacutemulos sistemaacuteticos do

mercado Esse tipo de desrespeito agrave eacutetica contraria direitos sob um duplo aspecto - a

proteccedilatildeo da infacircncia e a preservaccedilatildeo da sauacutede E dessa forma uma intervenccedilatildeo puacuteblica no

campo da regulaccedilatildeo da publicidade torna-se plenamente justificaacutevel para resguardar esses

direitos ameaccedilados por uma atividade comercial desenfreada

323 Palatabilidade saciedade custo e praticidade dos produtos alimentiacutecios

Vaacuterios estudos buscam desvendar os mecanismos desencadeadores dos estiacutemulos que

levam ao consumo excessivo de alimentos natildeo saudaacuteveis e que repercutem sobre as taxas

de obesidade e de DCNT Duas caracteriacutesticas desses alimentos tecircm sido selecionadas para

investigaccedilatildeo a palatibilidade e a saciedade A primeira por exaltar o prazer da degustaccedilatildeo e

a segunda por sua relaccedilatildeo entre o custo energeacutetico e satisfaccedilatildeo

Durante a investigaccedilatildeo verificou-se que a palatabilidade e a saciedade relacionadas

respectivamente ao apetite e agrave satisfaccedilatildeo do consumo produzem efeitos interdependentes

Nos produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis o comportamento desses efeitos eacute oposto o

aumento do consumo reduz a velocidade de resposta agrave saciedade jaacute nos alimentos in

natura observa-se que o aumento do consumo conduz gradualmente agrave saciedade

(SWINBURN et al 2004 DREWNOWSKI 1999)

Esse mecanismo de efeito inverso eacute explicado pelo fato de o iacutendice de saciedade ser

inversamente proporcional agrave disponibilidade de energia e diretamente proporcional ao

95

peso dos alimentos consumidos o que faz com que os alimentos com energia diluiacuteda

tendam a ser mais saciaacuteveis poreacutem menos palataacuteveis enquanto os densamente energeacuteticos

sejam mais palataacuteveis e menos saciaacuteveis (DREWNOWSKI et al 2004)

Densidade energeacutetica composiccedilatildeo nutricional volume e aspectos sensoriais satildeo

traccedilos diferenciadores dos alimentos palataacuteveis daqueles do tipo saciaacuteveis No primeiro

grupo o alto conteuacutedo de accediluacutecar de gordura e de energia aliado ao baixo volume e aos

aspectos doce e gorduroso formam o seu arcabouccedilo (batata frita biscoitos etc) enquanto

caracteriacutesticas opostas agraves relacionadas formam o perfil dos alimentos com alto poder de

saciedade (frutas legumes etc) Em siacutentese alimentos com alta densidade energeacutetica que

contecircm accediluacutecar e gordura satildeo mais palataacuteveis e menos saciaacuteveis (DREWNOWSKI 1999)

Swinburn e colaboradores (2004) esclarecem como procede o comportamento dos

alimentos gordurosos e doces frente agrave palatibilidade e agrave saciedade Alimentos altamente

gordurosos tecircm um fraco impacto na saciedade porque a gordura carreia compostos

aromaacuteticos que datildeo sabor aos alimentos tornando-os de alta palatibilidade e em parte

conduzindo ao consumo descontrolado em excesso Assim a alta palatabilidade associada agrave

autoregulaccedilatildeo metaboacutelica relativamente deacutebil das dietas com altos teores de gordura

constituem o desafio Quanto ao teor de accediluacutecares o autor afirma que embora pareccedila

limitada a resposta hedoniacutestica a doccedilura tambeacutem aumenta a palatibilidade de muitos

alimentos o que tambeacutem parece conduzir ao superconsumo Nesse sentido sendo a

gordura e o accediluacutecar vinculados ao aumento da palatibilidade dos alimentos os produtos

processados contendo alto teor desses dois componentes podem conduzir ao ganho de

peso Quando o autor se refere ao aporte energeacutetico de bebidas como no caso dos

refrigerantes ele afirma ter um valor baixo por sofrer diluiccedilatildeo pelo alto teor de aacutegua

nesses produtos Esse mesmo autor argumenta que em termos fisioloacutegicos o impacto da

densidade de energia de alimentos soacutelidos natildeo pode ser transposta para os alimentos

liacutequidos sendo prudente consideraacute-lo em separado

Outro ponto relevante relaciona-se ao custo monetaacuterio dos alimentos em relaccedilatildeo a

sua densidade energeacutetica o qual eacute de extrema importacircncia para ser considerado no

desenho das poliacuteticas puacuteblicas de nutriccedilatildeo porque impacta diretamente no orccedilamento das

96

famiacutelias com baixo rendimento DREWNOWSKI (2010) afirma que os alimentos

considerados saudaacuteveis como os grupos de legumes de frutas e de carnes frangos e peixes

apresentaram um custo monetaacuterio por calorias extremamente alto e maiores teores de

proteiacutenas minerais e vitamina C em relaccedilatildeo aos grupos de accediluacutecares doces e bebidas e de

oacuteleos gorduras e molhos Entretanto os grupos de frutas e de legumes foram os que

apresentaram a mais baixa densidade energeacutetica e superaram os demais grupos em

conteuacutedo de aacutegua e custo da porccedilatildeo meacutedia servida tornando-os mais caro em termo de

custo de energia comparativamente ao conjunto analisado Em outro estudo Andrieu

Darmon amp Drewnowski (2006) utilizando registro de dietas de franceses reconfirmam que

a escolha livre de dietas de baixo custo tende a ser densamente energeacutetica e pobre em

nutrientes-chave exceto para caacutelcio e fibras Jaacute as vitaminas antioxidantes presentes em

frutas e legumes foram associadas a um custo energeacutetico mais alto

Produtos alimentiacutecios com alta palatibilidade elevada densidade energeacutetica valor

social embutido e custo relativamente baixo satildeo elementos que atraem o consumidor

apesar de serem considerados ldquonatildeo saudaacuteveisrdquo Soma-se ainda a praticidade para consumo

que apresentam pois na maioria das vezes jaacute estatildeo prontos ou requerem operaccedilotildees

miacutenimas de aquecimento fato que assume relevacircncia em um cotidiano em que a escassez

de tempo eacute imperativa

Por fim os produtos alimentiacutecios com alto poder de palatibilidade e baixo poder de

saciedade constituem o sucesso das empresas transnacionais de alimentos cuja

disseminaccedilatildeo global tem interferido na vida na sauacutede e na economia de muitas populaccedilotildees

independente do seu posicionamento no ciclo da vida sendo os pobres os mais afetados

conforme seraacute evidenciado no capiacutetulo a seguir

97

4 A DINAcircMICA DAS TRANSICcedilOtildeES dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

41 O percurso da transiccedilatildeo dieteacutetica agrave transiccedilatildeo nutricional

Durante a realizaccedilatildeo do levantamento bibliograacutefico observou-se a passagem do uso

do termo ldquotransiccedilatildeo dieteacuteticardquo (WHO 1990) para ldquotransiccedilatildeo nutricionalrdquo (WHO 2002b) nos

documentos oficiais da OMS e em outros artigos cientiacuteficos (CHOPRA 2002 POPKIN

2006) ambos estabelecendo distintos paralelos com as transformaccedilotildees no perfil

nutricional e epidemioloacutegico das populaccedilotildees Nesse sentido breves consideraccedilotildees seratildeo

feitas sobre o contexto empregado e suas implicaccedilotildees na compreensatildeo dos fenocircmenos

nutricionais

Em 1990 a OMS utiliza a transiccedilatildeo dieteacutetica para explicar as mudanccedilas ocorridas na

dieta nas quatro deacutecadas anteriores e argumenta que elas resultaram no aumento do

consumo de gorduras saturadas de carboidratos simples alimentos defumados e

conservados a base de sal snack foods bebidas alcooacutelicas de pickles diminuiccedilatildeo do

consumo de legumes e frutas cujos efeitos repercutiram no padratildeo de morbimortalidade

elevando as taxas de obesidade doenccedilas coronarianas diabetes hipertensatildeo cacircncer etc

(WHO 1990) A transiccedilatildeo dieteacutetica entatildeo situa-se no corpo de transformaccedilotildees ocorridas na

composiccedilatildeo da dieta sendo explicada por um conjunto de elementos que evidenciam

mudanccedilas nos tipos de nutrientes e de alimentos que prejudicam a sauacutede A dieta eacute

assumida como um dos fatores relacionado agraves alteraccedilotildees no tipo e na frequecircncia de

doenccedilas

A anaacutelise da transiccedilatildeo dieteacutetica eacute esmiuccedilada como um fenocircmeno especiacutefico que se

processou paralelamente agraves mudanccedilas no estilo de vida o qual levou agrave reduccedilatildeo da atividade

fiacutesica ao aumento do estresse entre outros fatores que modificaram o padratildeo de

morbimortalidade Foram mudanccedilas de vaacuterias ordens ocorrendo no mesmo espaccedilo de

98

tempo e transformando o perfil de doenccedilas dos paiacuteses emergentes tornando-o proacuteximo

aos dos paiacuteses afluentes Uma dessas mudanccedilas ocorreu no padratildeo alimentar

Nesse contexto dieta e estilo de vida apresentam-se como entidades associadas mas

natildeo devidamente articuladas para que se permita observaacute-las como eventos que interagem

entre si e conduzem ao aumento ou agrave diminuiccedilatildeo das condiccedilotildees de exposiccedilatildeo ao risco agraves

doenccedilas

Aproximadamente uma deacutecada depois a OMS passa a adotar a transiccedilatildeo nutricional

para sintetizar as mudanccedilas nos fatores de risco e doenccedilas Trata-se do aumento do

consumo de produtos processados hipercaloacutericos (ricos em accediluacutecares e gorduras de baixo

custo) em detrimento dos alimentos crus em um contexto de atividade fiacutesica reduzida que

vem concorrendo para a epidemia da obesidade e do aumento da prevalecircncia de outras

DCNT e que passa a coexistir com a subnutriccedilatildeo residual (WHO 2002b) Logo em seguida a

OMS esclarece que os niacuteveis ascendentes das DCNT derivam das mudanccedilas na dieta em

termos qualitativo e quantitativo e da inatividade fiacutesica atreladas a padrotildees de trabalho e

lazer inadequados Ressalta tambeacutem que essa experiecircncia agora manifesta-se

especialmente nos paiacuteses em desenvolvimento (WHO 2003b)

Essa transiccedilatildeo marca portanto o enfrentamento dos paiacuteses em desenvolvimento com

dois fenocircmenos da nutriccedilatildeo de naturezas aparentemente opostas mas com traccedilo essencial

comum de um lado o desafio emergente do sobrepeso obesidade e outras DCNT e de

outro a permanecircncia da subnutriccedilatildeo e deficiecircncias de micronutrientes na populaccedilatildeo

Contudo esses dois problemas nutricionais somaram-se e concentraram-se sobre camadas

sociais pobres nesses grupos de paiacuteses

Observa-se que na ldquotransiccedilatildeo nutricionalrdquo natildeo se estabelece uma dissociaccedilatildeo entre as

transiccedilotildees ocorridas na dieta nas doenccedilas e nos comportamentos relativos agrave atividade

fiacutesica Todos estatildeo interligados nesse conceito Esse conceito tambeacutem utiliza o termo

geneacuterico ldquodietardquo haacute a agregaccedilatildeo de um outro especiacutefico que denomina e qualifica os

alimentos implicados produtos industrializados hipercaloacutericos e de baixo custo

99

A compreensatildeo da transiccedilatildeo nutricional foi se aprimorando passando a ser assumida

como um processo que revela a inversatildeo nos padrotildees de distribuiccedilatildeo dos problemas

nutricionais de uma dada populaccedilatildeo no tempo sendo referenciada pela elevaccedilatildeo da

prevalecircncia de obesidade e o raacutepido decliacutenio da desnutriccedilatildeo (BATISTA FILHO RISSIN

2003) vinculando-se a diferentes estaacutegios de desenvolvimento econocircmico-social do paiacutes

(KAC VELAgraveSQUEZ-MELEacuteNDEZ 2003)

Face ao exposto observa-se que a transiccedilatildeo nutricional comeccedila a romper com uma

abordagem estritamente teacutecnica e desprovida de qualquer menccedilatildeo a componentes poliacuteticos

e econocircmicos e passa a ser reconhecida como um evento proacuteprio da dinacircmica da sociedade

e portanto derivado das transformaccedilotildees sociais que revolucionaram a nutriccedilatildeo global em

especial as praacuteticas de consumo alimentar

No Brasil a transiccedilatildeo nutricional consolidou-se muito rapidamente em apenas trecircs

deacutecadas conforme revelam os resultados de trecircs inqueacuteritos nacionais o Estudo Nacional

sobre Despesas Familiares (ENDEF)-197475 a Pesquisa Nacional sobre Sauacutede e Nutriccedilatildeo

(PNSN) -1989 a Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede (PNDS)-199596 (BATISTA

FILHO RISSIN 2003) Mas na POF 200203 ainda se observa um decliacutenio da prevalecircncia

de deacuteficit de peso por idade em menores de cinco anos atingindo 46 - quando

comparado com o resultado de 166 obtido no ENDEF- 197475 ndash e concomitantemente

o aumento da obesidade e do excesso de peso em adultos (COUTINHO GENTIL TORAL

2008) Segundo estes autores a inversatildeo dos padrotildees nutricionais foi reflexo das

influecircncias das intensas transformaccedilotildees ocorridas na sociedade brasileira que deu um

impulso positivo as condiccedilotildees de vida das camadas mais pobres inclusive facilitando o

acesso agrave alimentaccedilatildeo o que natildeo indica necessariamente um incremento do consumo de

alimentos com perfil nutricional adequado

O artigo de Popkin (2002) decodificou com mais detalhes a transiccedilatildeo nutricional nos

paiacuteses em desenvolvimento e a sua anaacutelise a aproximou dos eventos socioeconocircmicos

correntes Segundo esse autor a transiccedilatildeo nutricional eacute parte integrante do contexto da

raacutepida globalizaccedilatildeo do mercado de alimentos dos sistemas de comunicaccedilatildeo da urbanizaccedilatildeo

e do estilo de vida dos indiviacuteduos Isso interferiu nas mudanccedilas da estrutura geral dos

100

padrotildees dieteacuteticos e estimulou uma vida sedentaacuteria nessas duas uacuteltimas deacutecadas

Evidecircncias intimamente associadas agrave transiccedilatildeo demograacutefica e epidemioloacutegica caracterizada

por mudanccedilas na estatura meacutedia composiccedilatildeo corporal e morbidade das populaccedilotildees Um

pouco mais tarde Popkin amp Gordon-Larsen (2004) concentram-se em explorar

separadamente as mudanccedilas dieteacuteticas ocorridas nessa transiccedilatildeo

No avanccedilar dos anos a transiccedilatildeo nutricional assim como o crescimento das DCNT

passam a ser entendidos como resultados imediatos da globalizaccedilatildeo da dieta humana

(UUSITALO PIETNEN amp PUSKA 2002 WHO 2003b) e portanto como um dos efeitos

negativos da globalizaccedilatildeo econocircmica (WHO 2005) O crescimento econocircmico a

transformaccedilatildeo no sistema alimentar e a transiccedilatildeo nutricional satildeo eventos sintonizados e

dependentes (FAO 2013b) Isso traz agrave tona atores importantes nesse fenocircmeno cujas

condutas contribuem para a transiccedilatildeo nutricional Satildeo eles o mercado pela dominaccedilatildeo do

comeacutercio de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis e pela publicidade intensiva que destroacutei

os padrotildees alimentares saudaacuteveis e tambeacutem as instacircncias de regulaccedilatildeo dos alimentos pela

ineacutercia em intervir no comportamento excessivo do mercado que deteriora a qualidade

nutricional dos produtos

Em siacutentese a transiccedilatildeo dieteacutetica eacute uma faceta da transiccedilatildeo nutricional que por sua

vez eacute parte da transiccedilatildeo social A traduccedilatildeo desse fenocircmeno natildeo se resume agraves mudanccedilas na

dieta e nem ao predomiacutenio da obesidade comparativamente agrave desnutriccedilatildeo Eacute um fenocircmeno

social complexo que no debate ao longo dos anos passa a ser entendido como resultado

dos impactos das relaccedilotildees econocircmicas e sociais na esfera global refletidos no campo da

nutriccedilatildeo humana

101

42 A obesidade e outras DCNT em ascensatildeo panorama global e nacional

421 Comportamento da Obesidade e de suas comorbidades no mundo breves

comentaacuterios

As mudanccedilas impostas agrave sociedade em decorrecircncia do processo de globalizaccedilatildeo da

economia tem diversificado os riscos agrave sauacutede Nesse contexto os alimentos constituem um

dos fatores implicados criando novas modalidades de doenccedilas sem contudo eliminar os

eventos tradicionais que conduzem agrave maacute nutriccedilatildeo ou agraves doenccedilas transmitidas por

alimentos Surge daiacute um quadro de doenccedilas nutricionais marcado por um consumo de

alimentos que envolvem aspectos especiacuteficos - ou seus cruzamentos- como a quantidade

reduzida ou excessiva a qualidade nutricional e ou sanitaacuteria inadequadas Contudo neste

trabalho a abordagem restringir-se-aacute aos efeitos adversos do consumo de alimentos com

qualidade nutricional inadequada

No final do seacuteculo XX a OMS proclamou a obesidade como uma epidemia global

(WHO 2000) que se originou nos Estados Unidos avanccedilou para a Europa e outras naccedilotildees

ricas no mundo e paulatinamente alcanccedilou os paiacuteses de economias de transiccedilatildeo ateacute

encerrar o seu circuito mundial nos paiacuteses considerados pobres (PRENTICE 2005 WHO

2000) Eacute um tipo de doenccedila crocircnica que vem se disseminando em todos os continentes e

apresenta a peculiaridade de acometer indiviacuteduos de diferentes grupos etaacuterios e distintos

estratos sociais Isso compotildee um quadro epidemioloacutegico complexo e mobilizador de

vultosos recursos puacuteblicos tanto para o tratamento da doenccedila em questatildeo quanto das

comorbidades a ela relacionadas (WHO 2000 CABALLERO 2007) A ascendente

prevalecircncia da obesidade e de suas complicaccedilotildees tem se convertido em uma importante

ameaccedila agrave sauacutede puacuteblica mundial (WHO 2000 VISSCHER amp SEIDELLL 2001)

Segundo a OMS a relaccedilatildeo estreita entre as dietas densamente energeacuteticas e o modo de

vida sedentaacuterio tem contribuiacutedo para o incremento de um elenco de DCNT - obesidade

diabetes mellitus doenccedilas cardiovasculares hipertensatildeo infarto e alguns tipos de cacircncer ndash

102

que estatildeo se tornando causas importantes de mortes e incapacidades prematuras em paiacuteses

em desenvolvimento e desenvolvidos (WHO 2003b) Entre as deacutecadas de 70 e 80 houve

um aumento relativo de 105 nas doenccedilas crocircnicas na Ameacuterica do Sul tropical momento

em que se processaram as mudanccedilas no estilo de vida e na dieta Nesse contexto a

alimentaccedilatildeo surge como um dos principais determinantes modificaacuteveis desse tipo de

doenccedilas (WHO 1990)

Em 2005 do total de 58 milhotildees de oacutebitos 35 milhotildees (60) deles foram resultados

das DCNT Jaacute em 2008 essa estimativa global ascende para 36 milhotildees do total de 57

milhotildees de mortes (UN 2013) Os principais fatores de riscos modificaacuteveis para esse grupo

de doenccedilas satildeo dieta natildeo saudaacutevel inatividade fiacutesica o ato de fumar (WHO 2005) o

consumo de aacutelcool natildeo sido eacute contabilizado no elenco desses fatores

Em 2012 as DCNT continuam a ser um dos principais desafios da sauacutede puacuteblica e

mantecircm-se no patamar dos 60 das mortes globais ameaccedilando o desenvolvimento

econocircmico e social e exigindo um esforccedilo articulado em niacutevel local Em decorrecircncia disso

muitos paiacuteses jaacute estatildeo desenvolvendo diversas frentes de atuaccedilatildeo com fins de prevenir e

controlar essas doenccedilas mediante a intervenccedilatildeo em fatores de risco como dieta natildeo

saudaacutevel inatividade fiacutesica e sobrepeso e obesidade (WHO 2013a)

Na qualidade de morbidade crocircnica a obesidade se destaca no grupo das DCNT por

ser capaz de isoladamente desencadear muacuteltiplos eventos moacuterbidos como diabetes

mellitus tipo II doenccedila cardiovascular osteoartrite cacircncer e distuacuterbios respiratoacuterios aleacutem

de problemas de ordem psicossocial tais como a incapacidade para o trabalho a baixa

autoestima entre outras (WHO 2004a UUSITALO PIETIENEN PUSKA 2002 VISSCHER

SEIDELLL 2001 WHO 2000) Embora natildeo haja idade limite para o surgimento da

obesidade podendo ser detectada em fases precoces da vida a idade de iniacutecio da doenccedila e o

seu grau de gravidade sinalizaratildeo a persistecircncia dessa doenccedila e de seus efeitos deleteacuterios

ao longo da vida adulta (MUST 1996) Dentre os periacuteodos criacuteticos para o desenvolvimento

da obesidade destacam-se o preacute-natal o periacuteodo de repleccedilatildeo adiposa situado entre os cinco

e sete anos de idade e o periacuteodo da adolescecircncia (DIETZ 1994) os quais requerem uma

atenccedilatildeo especial face agraves implicaccedilotildees futuras

103

No continente europeu o excesso de peso constitui um problema de sauacutede

ascendente As prevalecircncias de sobrepeso oscilaram entre 32 a 79entre os homens e

entre 28 a 78 entre as mulheres jaacute as de obesidade situaram-se em faixas mais

estreitas entre 5-23 e 7-36 respectivamente para os sexos masculino e feminino

conforme dados obtidos entre 1999 e 2005 (BRANCA NIKOGOSIAN LOBSTEIN 2007)

Contudo segundo esses autores ambos os distuacuterbios contribuem para 80 dos casos de

diabetes tipo II 35 de doenccedila isquecircmica do coraccedilatildeo e 55 de hipertensatildeo em adultos Na

Espanha especificamente no intervalo de 1987-1997 foi registrado o aumento relativo de

71 na prevalecircncia de obesidade em homens adultos e de 63 em mulheres adultas os

maiores incrementos ocorreram na populaccedilatildeo adulta sem escolaridade em ambos os sexos

conforme resultados das pesquisas nacionais (GUTIEacuteRREZ-FISAC et al 2003)

Embora a Aacutefrica seja reduto de casos de subnutriccedilatildeo na parte nordeste

particularmente no Marrocos e na Tuniacutesia jaacute haacute a presenccedila de obesidade (MOKHTAR et al

2001) bem como em outros paiacuteses desse continente (WHO 2004a WHO 2005) No paiacutes

mais populoso da Aacutesia ndash China - a obesidade jaacute alcanccedila mais de 20 das crianccedilas e

adolescentes com idade entre 7 e 17 anos residentes em centros urbanos (WHO 2005)

Em um conjunto de 17 paiacuteses da Ameacuterica Latina analisados AMIGO (2003) constatou

prevalecircncias meacutedias de obesidade proacuteximas a 45 em crianccedilas menores de cinco anos

sendo que em quatro deles os valores foram superiores a 6 indicando que haacute

incrementos nas taxas apesar de natildeo serem ainda consideradas altas Jaacute o comportamento

da obesidade nas mulheres latino-americanas pertencentes a nove paiacuteses da regiatildeo foi

ascendente durante a deacutecada de 90 apresentando taxas entre 76 a 121 exceto no Haiti

(KAIN VIO ALBALA 2003) No transcurso de 1990 a 2010 a estimativa de sobrepeso e

obesidade combinados entre as crianccedilas dessa mesma idade nessa regiatildeo do globo passou

de 4 a 7 (MEERMAN CARISMA THOMPSON 2012)

As principais doenccedilas crocircnicas que contribuem para as mortes prematuras

relacionam-se a fatores de risco peculiares ao estilo de vida ndash consumo excessivo de

produtos natildeo saudaacuteveis de fumo e de bebida alcooacutelica assim como inatividade fiacutesica

104

Segundo a OMS (WHO 2004a) satildeo doenccedilas reconhecidamente globais de caraacuteter

preventivo poreacutem a explicaccedilatildeo dada a sua causalidade apresenta equiacutevocos tais como a

culpabilizaccedilatildeo individual a restriccedilatildeo social e etaacuteria aleacutem da susceptibilidade

preponderantemente geneacutetica Tais fatos tecircm encoberto as responsabilidades a serem

assumidas pelos governos e pelas induacutestrias a vulnerabilidade social agraves doenccedilas a

interaccedilatildeo de fatores de risco sociais e natildeo exclusivamente geneacuteticos e os prejuiacutezos coletivos

pela falta de adoccedilatildeo de medidas puacuteblicas de controle e de prevenccedilatildeo

A responsabilizaccedilatildeo individual requer consideraccedilotildees especiais Isso porque a ldquonova

sauacutede puacuteblicardquo norteada pelos princiacutepios neoliberais passa a defender que a soluccedilatildeo estaacute

nos sujeitos enquanto cidadatildeos livres e competentes para realizar o seu autocontrole

definir seu estilo de vida e fazer escolhas que protejam a sua sauacutede desconsiderando a

relevacircncia das determinaccedilotildees estruturais (PETERSON LUPTON 2000) de onde se

originam verdadeiramente os problemas de sauacutede Tanaka amp Nakanishi (1996) abordando

o crescimento das DCNT no Japatildeo no final do seacuteculo XX pautados exatamente nesse

ideaacuterio neoliberal destacam que os indiviacuteduos podem reduzir ou eliminar fatores de riscos

para doenccedilas cardiovasculares exceto fatores como idade hereditariedade e gecircnero

modificando certas escolhas do estilo de vida como dieta exerciacutecios fiacutesicos estresse fumo

e aacutelcool

Eacute fundamental refletir sobre essas questotildees pois imputar ao indiviacuteduo a

responsabilidade uacutenica pelo destino da sua sauacutede em particular por natildeo ter competecircncia

de movimentar o seu corpo o suficiente ou de saber selecionar os alimentos ou conterndashse

frente aos estiacutemulos do consumo eacute uma anaacutelise simplista para lidar efetivamente com a

complexidade causal das DNCT Haacute um fenocircmeno global de doenccedilas que tem

necessariamente uma raiz comum Compreendecirc-lo implica resgatar os elementos sociais

subjacentes e essenciais que satildeo a base do processo de determinaccedilatildeo causal Trata-se

entatildeo de decifrar as relaccedilotildees entre as sociedades individuais e o contexto da economia

global dirigida agrave massificaccedilatildeo do consumo a fragilidade das instituiccedilotildees puacuteblicas para

intervir no mundo privado a debilidade dos movimentos sociais para reivindicar e se

conscientizar dos fenocircmenos moacuterbidos coletivos etc

105

Salienta-se que os indiviacuteduos na esfera do mercado de bens de consumo da sociedade

contemporacircnea satildeo seres quase desfeitos pois segundo Bauman (2008) suas virtudes

enfraqueceram sua condiccedilatildeo de sujeitos pensantes e autocircnomos foi apagada tornando-os

incapazes de refletir e decidir conscientemente sobre os bens ofertados Os indiviacuteduos

converteram-se em meros objetos potenciais de consumo sendo constantemente

ludibriados seduzidos e manobrados por pressotildees poderosas oriundas dos negoacutecios

privados Condiccedilotildees tais que contribuiacuteram para que os indiviacuteduos se tornassem tambeacutem

fraacutegeis para selecionar adequadamente os alimentos que consomem com o objetivo de

proteger a sua proacutepria sauacutede

Assim depositar a responsabilidade no indiviacuteduo para conter os riscos e portanto

para promover sauacutede e prevenir doenccedilas eacute forccedilar artificialmente a exclusatildeo dos atores

estrateacutegicos do cenaacuterio - o poder puacuteblico e os setores econocircmicos - em especial aqueles

produtores de alimentos industrializados

422 O quadro epidemioloacutegico brasileiro e sua conexatildeo com as mazelas do

mundo

O retrato do perfil epidemioloacutegico brasileiro imprime com nitidez as marcas

mundiais do processo de internacionalizaccedilatildeo da produccedilatildeo de alimentos que se empenha

insistentemente em homogeneizar as praacuteticas de consumo e o comportamento do planeta

Tudo isso para tornar possiacutevel concentrar as riquezas que retroalimentam o seu

dinamismo tendo como efeitos as mazelas crocircnicas - doenccedilas e pobreza - que satildeo

socializadas com a maioria da populaccedilatildeo

No Brasil o quadro recente das principais doenccedilas crocircnicas na populaccedilatildeo adulta

aponta para 227 de portadores de hipertensatildeo arterial 56 de diabetes e 158 de

obesidade e 485 de indiviacuteduos jaacute se encontram com excesso de peso (BRASIL MS

106

2012b) Doenccedilas essas que apresentam ritmos crescentes em suas respectivas prevalecircncias

desde o ano de 2006 (SCHMIDT et al 2011 BRASIL MS 2012b)

Segundo esses autores do total de oacutebitos registrados em 2007 cerca de 72 foram

atribuiacutedos agraves DCNT no panorama explicativo para o aumento da exposiccedilatildeo a esse grupo de

doenccedilas estatildeo a melhoria de acesso agrave alimentaccedilatildeo e a globalizaccedilatildeo de haacutebitos de consumo

de alimentos natildeo saudaacuteveis Eacute justamente da falta de comunhatildeo entre o acesso facilitado

aos alimentos e a sua qualidade nutricional que os riscos eclodem e as doenccedilas crocircnicas

surgem

Pesquisas nacionais anteriores PNAD-2003 e PNAD-2008 indicam que o aumento da

hipertensatildeo e da diabetes e as prevalecircncias mais elevadas da maioria das doenccedilas crocircnicas

com exceccedilatildeo de tendinitetenossinovite e cacircncer concentram-se nos segmentos da

populaccedilatildeo com menor escolaridade e sem benefiacutecios de plano privado de sauacutede No

entender desses autores essas evidecircncias expressam as desigualdades sociais na

manifestaccedilatildeo desse grupo de doenccedilas situaccedilatildeo que tambeacutem eacute observada em outros paiacuteses

(BARROS et al 2011) Outro estudo comprovou algo semelhante quando analisou o

comportamento dos fatores de risco na populaccedilatildeo tais como niacuteveis pressoacutericos alterados

obesidade e consumo excessivo de aacutelcool que foram igualmente associados aos grupos que

apresentam piores condiccedilotildees de vida (OLIVEIRA-CAMPOS RODRIGUES-NETO SILVEIRA

NEVES et al 2013)

As doenccedilas crocircnicas como qualquer outro tipo de manifestaccedilatildeo do processo sauacutede-

doenccedila satildeo socialmente moldadas Eacute o lsquosocialrsquo que define o grau de exposiccedilatildeo aos fatores de

risco a susceptibilidade bioloacutegica a certas doenccedilas a resistecircncia a capacidade de prevenccedilatildeo

e de reaccedilatildeo assim como a celeridade no agravamento nas sequelas e no oacutebito

Considerando o papel relevante que assume a obesidade como precursora de outras

DCNT (WHO 2004) conveacutem explorar os traccedilos que ela assume na realidade brasileira em

termos de distribuiccedilatildeo etaacuteria e social bem como da sua inter-relaccedilatildeo com os alimentos

consumidos e a praacutetica de atividade fiacutesica

107

O processo de ascensatildeo do excesso de peso e obesidade foi conduzido durante as trecircs

uacuteltimas deacutecadas e comprovado ao longo dos inqueacuteritos nacionais (BATISTA FILHO RISSIN

2003) conforme jaacute mencionado neste trabalho Na uacuteltima pesquisa nacional da POF 2008-

2009 as prevalecircncias de sobrepeso e de obesidade em adolescentes (10 a 19 anos) foram

de 205 e 49 respectivamente o que reforccedila a predisposiccedilatildeo agrave doenccedila jaacute na juventude

Na fase adulta as prevalecircncias de obesidade entre homens e mulheres foram 125 e

169 respectivamente as frequecircncias mais elevadas de excesso de peso e de obesidade

situaram-se nas faixas etaacuterias de 45-54 anos entre homens de 55-64 anos entre as

mulheres declinando nas faixas subsequentes (BRASIL IBGE 2010) Esse progressivo

aumento da obesidade jaacute eacute reconhecido como um problema de sauacutede emergente na

populaccedilatildeo brasileira e em conjunto agraves doenccedilas carenciais persistentes foi incorporada agrave

agenda poliacutetica do governo no final da deacutecada de 90 passando a ser um dos objetivos de

intervenccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-PNAN (BRASIL MS 1999)

Os indicadores de excesso de peso possuem caraacuteter dinacircmico sofrem efeitos da

mobilidade social e diferenciam-se entre os sexos e o niacutevel de educaccedilatildeo formal A partir da

deacutecada de 90 a prevalecircncia do excesso de peso anteriormente concentrada nas regiotildees

mais ricas desloca-se para as regiotildees mais pobres do paiacutes e para os estratos de renda mais

pobres (MONDINI MONTEIRO 1998) enquanto se observa a estabilizaccedilatildeo no

comportamento ascendente do problema entre mulheres adultas de renda mais alta

(BATISTA FILHO RISSIN 2003)

Efeito similar ocorre quando se utiliza o marcador social escolaridade inicialmente o

risco de obesidade abrangia a todos os adultos e a partir desse mesmo momento o

incremento ocorreu nos indiviacuteduos de baixa escolaridade estabilizando-se ou ateacute mesmo

diminuindo naqueles com meacutedia e alta escolaridade (MONTEIRO CONDE CASTRO 2003)

A frequecircncia de excesso de peso e de obesidade aumentou em homens e mulheres sendo

que a meacutedia de aumento foi superior nas mulheres em ambos os casos Poreacutem verifica-se

que haacute um comportamento diferente desses eventos quando se faz relaccedilatildeo com o grau de

escolaridade no grupo masculino as mais altas taxas estatildeo no estrato de maior

escolaridade enquanto que entre as mulheres as taxas mais elevadas estatildeo no estrato de

menor escolaridade (BRASIL IBGE 2010)

108

Dados mais recentes indicam que o excesso de peso e a obesidade em adultos

residentes nas 27 capitais brasileiras e no Distrito Federal persistiam como problemas de

sauacutede puacuteblica indicando sinais para uma evoluccedilatildeo positiva durante os uacuteltimos seis anos de

acompanhamento do Sistema Vigitel20 com taxas equivalentes a 485 e 158

respectivamente em 2011 (BRASIL MS 2012b) Os dois inqueacuteritos Vigitel mais recentes

2012 e 2013 constataram que a taxa de obesidade em adultos praticamente estabilizou

situando-se entre 174 e 175 respectivamente enquanto o excesso de peso foi

reduzido de 508 em 2012 para 4535 em 2013 (BRASIL MS 2013 BRASIL MS

2014)

Informaccedilotildees atualizadas anualmente sobre dieta e atividade fiacutesica tambeacutem

constituem uma parte do acervo de dados do Sistema Vigitel Os resultados desse inqueacuterito

no ano de 2010 revelam que apenas 30 dos entrevistados consumiam cinco ou mais

porccedilotildees de frutas e hortaliccedilas por semana 34 consumiam carne com excesso de gordura

30 praticavam atividade fiacutesica no lazer ou no trajeto para o trabalho e 28 assistiam trecircs

ou mais horas de televisatildeo por dia (DUNCAN CHOR AQUINO 2012) Em 2011 o consumo

de frutas e hortaliccedilas nessa populaccedilatildeo reduziu para 202 e os demais indicadores

permaneceram praticamente estaacuteveis (BRASIL MS 2012b) Jaacute os dados do ano de 2013

revelam o aumento no consumo de frutas e hortaliccedilas (36) e na praacutetica de atividade fiacutesica

(49) leve diminuiccedilatildeo no consumo de carne gordurosa (31) e comportamento estaacutevel

na dedicaccedilatildeo do tempo para televisatildeo (286) mantendo-se em todos os casos as mesmas

especificaccedilotildees dos indicadores supracitados

Essas caracteriacutesticas de estilo de vida - pautado no sedentarismo (inatividade fiacutesica)

e ou no consumo de produtos considerados natildeo saudaacuteveis (carne gordurosa) constituem

fatores de risco para a aquisiccedilatildeo de doenccedilas crocircnicas Assim eacute com base nessa conjunccedilatildeo de

fatores que favorecem a instalaccedilatildeo da obesidade que vaacuterios autores passaram a referir-se

20 Sistema Vigitel - Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico ndash instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede desde o ano de 2006 com o objetivo de monitorar a frequecircncia e distribuiccedilatildeo dos principais determinantes das doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT) na populaccedilatildeo com idade igual ou superior a 18 anos por inqueacuterito telefocircnico em todas as capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal

109

ao conceito de ambiente ldquoobesogecircnicordquo (EGGER SWINBURN 1997 WHO 2004a CHOPRA

GALBRAITH DARNTON-HILL 2002 PRENTICE 2005 CABALLERO 2007) Contudo a

anaacutelise comparativa dos resultados do Sistema Vigitel nos anos recentes aponta uma leve

tendecircncia de mudanccedila do perfil nutricional dos adultos que pode significar a adesatildeo a uma

conduta condizente com uma vida mais saudaacutevel

Esse problema de sauacutede natildeo se circunscreve apenas agrave fase adulta O excesso de peso

comeccedila a atingir a infacircncia a partir de fins da deacutecada de 90 quando a taxa de prevalecircncia de

excesso de peso em crianccedilas de 6 a 9 anos de idade mais que triplicou entre os dois

inqueacuteritos nacionais -o ENDEF- 1975 e a Pesquisa sobre Padrotildees de Vida -PPV21 -1996-7-

elevando-se de 49 para 174 (COSTA CINTRA FISBERG 2006) e se estendendo

tambeacutem a adolescecircncia (TERRES et al 2006 VASCONCELOS SILVA 2003) Distintos

fatores como o grau de intensidade da atividade fiacutesica e o biotipo da matildee no peso corporal

dos adolescentes (BURBANO FORNASINI ACOSTA 2003) os haacutebitos alimentares

inadequados (NOBRE et al 2006) e o niacutevel socioeconocircmico elevado (RONQUE et al 2005)

exercem influecircncia no aparecimento de tais distuacuterbios neste grupo etaacuterio

Apesar da relevacircncia das DCNT no quadro de morbidade nacional as doenccedilas tiacutepicas

da pobreza natildeo foram completamente extintas e aquela que em outro contexto histoacuterico

foi referida como doenccedila da opulecircncia ndash obesidade ndash eacute agora pandecircmica e crocircnica Em

virtude da associaccedilatildeo entre o consumo de alimentos e os efeitos moacuterbidos as instituiccedilotildees

intergovernamentais FAO e OMS comeccedilaram a tratar a obesidade como uma das

manifestaccedilotildees de maacute nutriccedilatildeo Com isso o termo ldquomaacute nutriccedilatildeordquo tornou-se abrangente e

passou englobar todas as formas de consumo dieteacutetico inadequado e persistente que

resultam em baixo peso deficiecircncias de micronutrientes assim como em sobrepeso e

obesidade

A coexistecircncia paradoxal da obesidade adulta com a desnutriccedilatildeo infantil eacute

documentada em paiacuteses da Ameacuterica Central e do Sul (PRENTICE 2005) e em outros paiacuteses

21 Este uacuteltimo inqueacuterito nacional foi limitado pois considerou apenas as regiotildees Nordeste e Sudeste do paiacutes

110

com economia em desenvolvimento (POPKIN 2001 WHO 2000) inclusive no Brasil (DOAK

et al 2000 RODRIGUES TADDEI amp SEGULEM 1998) Esse duplo e contraditoacuterio fenocircmeno

bioloacutegico-social ndash desnutriccedilatildeo e obesidade - serve de reforccedilo para firmar o viacutenculo de

subordinaccedilatildeo entre a exposiccedilatildeo dos indiviacuteduos agraves doenccedilas nutricionais e as precaacuterias

condiccedilotildees de existecircncia A ligaccedilatildeo da pobreza com a obesidade se faz por meio do acesso a

uma alimentaccedilatildeo - inadequada quanto ao aspecto nutricional - e ao lazer sedentaacuterio

(MARINHO et al 2003) ou ainda por reflexo de desnutriccedilatildeo pregressa em mulheres adultas

e da baixa estatura das crianccedilas convivendo em ambientes adversos (MARTINS et al 2007)

Na condiccedilatildeo de pobreza a alimentaccedilatildeo saudaacutevel para mulheres obesas torna-se praacutetica de

luxo face agrave incompatibilidade existente entre o elevado preccedilo dos alimentos saudaacuteveis (por

exemplo frutas e verduras) com a renda auferida (FERREIRA et al 2010)

Decerto essa abordagem conforma um quadro de alteraccedilotildees nutricionais que natildeo se

restringe a uma questatildeo meacutedica eacute sim efeito da (des)ordem social que se expressa em

pobreza distuacuterbios nutricionais e em discriminaccedilatildeo (MEERMAN CARISMA THOMPSON

2012 FAO 2013b WHO 2000) sinalizando o papel decisivo dos governos para enfrentar a

complexidade desse fenocircmeno que requer o desenho e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas articuladas e abrangentes com a finalidade de equacionar as iniquidades

presentes no seio da sociedade

Assim considerando a extrema importacircncia que produtos alimentiacutecios exercem na

etiologia da obesidade e das demais DCNT (CHOPRA 2002) o foco dos governos deveria

voltar-se para a prevenccedilatildeo e o controle Eacute necessaacuterio orientar as pessoas no campo da

alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e intervir na cadeia produtiva de alimentos tanto para fomentar e

subsidiar os alimentos saudaacuteveis como para disciplinar aqueles considerados altamente

caloacutericos e pouco nutritivos Embora sejam medidas relevantes e urgentes outras

estrateacutegias dirigidas agrave melhoria das condiccedilotildees materiais de vida merecem ser com estas

combinadas

111

5 REGULACcedilAtildeO DE ALIMENTOS o desafio de governar o mercado

51 Do regime militar ao Estado democraacutetico de direito a evoluccedilatildeo dos dispositivos

de regulaccedilatildeo dos alimentos

Nestas uacuteltimas deacutecadas o termo ldquoregulaccedilatildeordquo tem se popularizado e se expandido do

campo econocircmico para o administrativo e o social Todavia regulaccedilatildeo sanitaacuteria de

alimentos no sentido lato eacute uma praacutetica introduzida no Brasil desde a Primeira Repuacuteblica

(1889-1930) quando da gestatildeo de Oswaldo Cruz na administraccedilatildeo puacuteblica de sauacutede

brasileira Nessa eacutepoca jaacute se faziam intervenccedilotildees para controlar os riscos dos alimentos e

que se respaldavam na ciecircncia e operacionalizavam-se sob a forma de medidas coercitivas

(SOUTO 2004)

Destarte o alicerce da regulaccedilatildeo sanitaacuteria de alimentos construiacutedo desde a sua base

permanece praticamente intacto e se assenta sobre trecircs pilares regulamentaccedilatildeo

fiscalizaccedilatildeo e controle Aleacutem disso continua a abranger um conjunto de instrumentos legais

e de procedimentos teacutecnico-operacionais que o poder puacuteblico competente utiliza para reger

a conduta das empresas quanto agrave produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e prestaccedilatildeo de serviccedilos de

diferentes bens alimentiacutecios com o fim de proteger a sauacutede da populaccedilatildeo

O arcabouccedilo legal vigente aplicado ao controle sanitaacuterio de alimentos reuacutene

instrumentos legais das uacuteltimas cinco deacutecadas O instrumento legal mais antigo e ainda em

vigor utilizado como de referecircncia na vigilacircncia sanitaacuteria de alimentos eacute o Decreto-Lei n0

986 de 21 de outubro de 1969 que institui as normas gerais sobre alimentos e delega a

responsabilidade do controle ao Ministeacuterio da Sauacutede e aos oacutergatildeos congecircneres estaduais

Aprovado pelos ministros militares das Forccedilas Armadas em um contexto de ditadura

poliacutetica o instrumento agrupa um conjunto de medidas de controle e de fiscalizaccedilatildeo

(registro anaacutelise de controle licenccedila para estabelecimentos entre outros) com o objetivo

de conferir se os produtos alimentiacutecios obedecem agraves regras e estabelecer penalidades em

caso de descumprimento dessas regras

112

Agrave eacutepoca de sua publicaccedilatildeo partilhavam o mesmo cenaacuterio social eventos antagocircnicos

extremos De um lado a euforia pelo florescimento econocircmico e de outro a repressatildeo agraves

liberdades individuais a concentraccedilatildeo de renda e a pauperizaccedilatildeo de grande parte da

populaccedilatildeo Segundo Prado Jr (1988) a expansatildeo da industrializaccedilatildeo brasileira voltava-se

em especial para os bens de consumo para as classes meacutedia e alta e para as mateacuterias-

primas e gecircneros alimentiacutecios demandados pelos mercados internacionais Fomentada

pelos capitais estrangeiros a industrializaccedilatildeo gerava receitas que custeavam as

importaccedilotildees essenciais a nossa subsistecircncia e os serviccedilos prestados pelos oligopoacutelios

imperialistas que davam suporte agrave industrializaccedilatildeo e ao desenvolvimento econocircmico

nacional No periacuteodo de 1968-71 o ritmo de crescimento da induacutestria de produtos

alimentiacutecios foi de 75 ao ano mas quase a metade do volume produzido (453)

(SUZIGAN et al 1974 apud SINGER 1976) atendeu a demanda externa (SINGER 1976)

Entretanto para facilitar a aceitaccedilatildeo externa dos itens alimentiacutecios era preciso

demostrar ao mercado externo efetividade no controle sanitaacuterio do paiacutes com regras

oficiais estabelecidas para a produccedilatildeo de alimentos com definiccedilotildees de padrotildees de

identidade e qualidade22 dos produtos contendo paracircmetros de higiene entre outros

aspectos

Na realidade na ediccedilatildeo desse Decreto-lei 98669 natildeo houve ineditismo Tratou-se

apenas de aperfeiccediloar algumas disposiccedilotildees da regra anterior e dotar os serviccedilos de controle

sanitaacuterio de uma racionalidade burocraacutetica para agilizar as demandas do setor industrial

em fase de expansatildeo (COSTA 1999) Com isso intensificou-se o aparato teacutecnico e juriacutedico

que reorganiza as praacuteticas de controle sanitaacuterio voltadas ao setor produtivo de alimentos

sob o norte de uma legislaccedilatildeo calcada no registro do produto na fiscalizaccedilatildeo e no exerciacutecio

do poder de poliacutecia

22 O item XI do artigo 10 do Capiacutetulo I do DL 98669 estabelece a seguinte definiccedilatildeo de ldquopadratildeo de identidade e qualidade o estabelecido pelo oacutergatildeo competente do Ministeacuterio da Sauacutede dispondo sobre a denominaccedilatildeo definiccedilatildeo e composiccedilatildeo de alimentos mateacuterias-primas alimentares alimentos in natura e aditivos intencionais fixando requisitos de higiene normas de envasamento e rotulagem medidos de amostragem e anaacuteliserdquo

113

A demonstraccedilatildeo do interesse do paiacutes em consolidar-se no mercado internacional de

alimentos ficou devidamente expressa em dois momentos no corpo desse Decreto a) na

disposiccedilatildeo na qual autoriza o uso da ordem normativa internacional nas situaccedilotildees de

inexistecircncia de normas e padrotildees locais de identidade e qualidade de produtos alimentiacutecios

especiacuteficos e b) quando autoriza fabricar produtos para exportaccedilatildeo no paiacutes que obedeccedilam

exclusivamente as regras do paiacutes de destino Enfim essa legislaccedilatildeo representa o

aprimoramento do controle sanitaacuterio e foi um dos passos preparatoacuterios para a inserccedilatildeo do

paiacutes como membro da Comissatildeo do Codex Alimentarius da FAOOMS para poder participar

da normalizaccedilatildeo internacional de alimentos fato que ocorreu jaacute nos anos 70 (BRASIL

INMETRO 2000)

Com a abertura poliacutetica e a atuaccedilatildeo fundamental dos movimentos sociais nos anos

80 em especial com o estrateacutegico movimento da Reforma Sanitaacuteria que aglutinou setores

progressistas e populares foram levantadas as bandeiras de luta pelo direito agrave sauacutede como

a garantia do Estado por condiccedilotildees dignas de vida (alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo renda emprego

lazer trabalho etc) e pelo acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo

proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de sauacutede [] consagradas na 8a Conferecircncia Nacional de Sauacutede

(BRASIL MS 1986 p4)

Entre lutas e embates poliacuteticos o processo de democratizaccedilatildeo da sociedade

brasileira foi se conformando ateacute instaurar-se o regime democraacutetico de direito com o

advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 O movimento de reforma sanitaacuteria assumiu um

papel estrateacutegico para aprovaccedilatildeo do capiacutetulo da Sauacutede da atual Constituiccedilatildeo conseguindo

materializar relevantes conquistas sociais apoacutes suplantar certas resistecircncias e pressotildees

(ROSAS 1988) Durante o processo constituinte a vigilacircncia sanitaacuteria eacute destacada e retirada

definitivamente da sua condiccedilatildeo secundaacuteria no campo da sauacutede sendo mencionada na

proposta de contribuiccedilatildeo para o texto constitucional Como resultado a Constituiccedilatildeo

estabeleceu que ao Sistema Uacutenico de Sauacutede compete executar as atividades de vigilacircncia

sanitaacuteria () e fiscalizar e inspecionar alimentos compreendido o controle de seu teor

nutricional bem como bebidas e aacuteguas para o consumo humano (BRASIL CONASS 2003a

art 200 inciso II e VI CF)

114

Comparando-se o texto constitucional com o Decreto-Lei 98669 vigente surgem

duas grandes inovaccedilotildees que valorizam e ampliam a praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria A

primeira eacute a de natildeo reduzir esta praacutetica de sauacutede ao mero exerciacutecio do poder de poliacutecia

introduzindo lado a lado a accedilatildeo inspecionar e a accedilatildeo fiscalizar A accedilatildeo inspecionar tem

um sentido eminentemente teacutecnico sendo destinada a avaliar as condiccedilotildees fiacutesico-funcionais

da empresa para identificar as situaccedilotildees de risco que possam comprometer a qualidade do

produto final e causar prejuiacutezos agrave sauacutede do indiviacuteduo A accedilatildeo fiscalizar eacute a de forccedilar o

cumprimento das regras Essas accedilotildees se complementam e qualificam em termos teacutecnico-

legais e efetivos a praacutetica de vigilacircncia sanitaacuteria A segunda foi a inserccedilatildeo da obrigaccedilatildeo de

realizar o controle nutricional Esta competecircncia ainda natildeo foi devidamente explorada no

campo da vigilacircncia sanitaacuteria mas agora em face da implicaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

com as DCNT torna-se oportuno avaliar o conteuacutedo nutricional dos produtos alimentiacutecios

em termos de calorias e de perfil de nutrientes

A Lei Orgacircnica de Sauacutede Lei n0 8080 de 19 de setembro de 1990 subsequentemente

aprovada aprimorou os avanccedilos contidos no texto da Constituiccedilatildeo e instituiu o Sistema

Uacutenico de Sauacutede que atribuiu agrave vigilacircncia sanitaacuteria a seguinte definiccedilatildeo

um conjunto de accedilotildees capaz de eliminar diminuir ou prevenir riscos agrave sauacutede e de intervir nos problemas sanitaacuterios decorrentes do meio ambiente da produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de bens e da prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse da sauacutede abrangendo o controle de bens de consumo que direta ou indiretamente se relacionem com a sauacutede compreendidas todas as etapas e processos da produccedilatildeo ao consumo e o controle da prestaccedilatildeo de serviccedilos que se relacionam direta ou indiretamente com a sauacutede

Segundo Costa (2013) a Constituiccedilatildeo incorporou um conceito ampliado de sauacutede e a

Lei Orgacircnica de Sauacutede encarregou-se de demarcar o espaccedilo da vigilacircncia sanitaacuteria no

acircmbito da relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo atribuindo-lhe funccedilotildees essencialmente preventivas e

de reduccedilatildeo de riscos de doenccedilas e agravos e aumentando a sua relevacircncia no campo da

sauacutede Como efeito a autora esclarece que o campo de atuaccedilatildeo da regulaccedilatildeo e vigilacircncia

sanitaacuteria se estendeu em complexidade e abrangecircncia tanto pela tipologia dos riscos

115

quanto pelos conflitos de interesse que envolvem as atividades regulatoacuterias

A partir desse momento o objetivo preciacutepuo da vigilacircncia sanitaacuteria eacute a prevenccedilatildeo e o

controle dos riscos agrave sauacutede de qualquer ordem advindos das atividades econocircmicas de

interesse agrave sauacutede Para isso compete aos agentes puacuteblicos unir o saber teacutecnico ao legal

para enfrentar o dinamismo dos riscos que emergem de diferentes fontes e assim tornar

possiacutevel defender a sauacutede do coletivo Intervir nos riscos eacute antes de tudo antecipar-se agraves

falhas do processo produtivo aplicando medidas para evitar danos ou ateacute mesmo para

impedir que eles se disseminem

Outro passo relevante foi o repasse das atividades de vigilacircncia sanitaacuteria para a

Anvisa no final da deacutecada de 90 A Lei n0 9782 de 26 de janeiro de 1999 delega para essa

autarquia a responsabilidade de regulamentar controlar e fiscalizar os produtos e os

serviccedilos que envolvam riscos agrave sauacutede puacuteblica e incluem os alimentos e os insumos os

aditivos as embalagens e os contaminantes e resiacuteduos assim como as instalaccedilotildees fiacutesico-

funcionais responsaacuteveis por processar tais produtos - assunto que seraacute abordado no item

posterior

Face ao exposto no processo de construccedilatildeo normativa da vigilacircncia sanitaacuteria de

alimentos que se estende do Decreto-Lei n0 98669 agrave Lei Orgacircnica de Sauacutede satildeo

registradas mudanccedilas substanciais na sua concepccedilatildeo e praacutetica a) regular ultrapassa o

simples ato de regulamentar e fiscalizar na medida em que estabelecer regras e verificar o

seu cumprimento satildeo insuficientes para controlar os riscos b) controlar o risco agrave sauacutede eacute o

fundamental para tanto a introduccedilatildeo de um conjunto de outras accedilotildees teacutecnico-cientiacuteficas na

praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria eacute imprescindiacutevel o que natildeo implica o abandono ou

menosprezo do poder de poliacutecia mas o seu fortalecimento pela uniatildeo da ciecircncia agraves bases

legais e c) abarcar a totalidade dos riscos agrave sauacutede sem distinccedilatildeo da sua natureza sejam

contaminantes fiacutesicos quiacutemicos e ou bioloacutegicos bem como os que agora emergem os

componentes nutricionais dos alimentos

116

Enfim entre o ldquoanacrocircnicordquo e o ldquomodernordquo ou o ldquoautoritaacuteriordquo e o ldquodemocraacuteticordquo os

instrumentos legais se juntam para conformar o arcabouccedilo da regulaccedilatildeo sanitaacuteria de

alimentos no Brasil Eacute por meio da praacutetica cotidiana que a fusatildeo dessas duas modalidades

se concretiza e assim se avaliam contornam e reprimem os fracassos ou os artifiacutecios

empreendidos pelo mercado e se busca concretizar o que desde os anos 60 se prescreve

em lei a defesa e a proteccedilatildeo da sauacutede do coletivo contra os riscos advindos da atividade

produtiva de alimentos Accedilatildeo de sauacutede esta que eacute prerrogativa exclusiva do Estado sendo

reconhecida e conservada ao longo da histoacuteria do militarismo agrave democracia

511 Final dos anos 90 a regulaccedilatildeo de alimentos eacute objeto da nova autarquia

Ateacute o ano de 1998 o Ministeacuterio da Sauacutede distribuiacutea entre suas unidades

administrativas duas funccedilotildees teacutecnicas para lidar com a temaacutetica dos alimentos uma

responsabilizando-se pelos aspectos nutricionais e os problemas de sauacutede correlacionados

e outra pela regulaccedilatildeo sanitaacuteria dos alimentos e de produtos afins afetos agrave sauacutede puacuteblica

No ano posterior esta uacuteltima funccedilatildeo foi repassada agrave Anvisa autarquia federal que foi

incumbida de regular o mercado do conjunto de objetos de interesse agrave sauacutede

A criaccedilatildeo da figura institucional autarquia sob regime especial ou agecircncia reguladora

decorreu das poliacuteticas regulatoacuterias engendradas no Brasil nessa deacutecada e que foram se

moldando aos padrotildees institucionais americano e europeu implantados respectivamente

nos anos 70 e 80 (RIBEIRO COSTA SILVA 2000) Aleacutem disso o paiacutes recebeu bastante

estiacutemulo dos organismos internacionais de cooperaccedilatildeo e de financiamento que apoiavam a

privatizaccedilatildeo e a mudanccedila no modelo de intervenccedilatildeo do Estado como um dos caminhos para

conduzir ao desenvolvimento nacional (CRUZ 2009) Com isso esses organismos definiam

um sistema de instruccedilotildees disciplinares que o governo deveria seguir para obter

empreacutestimos apoio e assistecircncia teacutecnica

117

A adesatildeo agrave agenda internacional conjugada agrave crise fiscal e aos recursos limitados para

investimentos internos motivou a reforma do Estado que tratou diferentemente os

aspectos econocircmicos e administrativos No plano econocircmico dirigiu-se para a privatizaccedilatildeo

de empresas puacuteblicas e de prestadoras de serviccedilos e para a desregulaccedilatildeo formal e

burocraacutetica com o objetivo de ampliar a competitividade e aumentar a eficiecircncia

econocircmica Na esfera administrativa especialmente da organizaccedilatildeo institucional optou

pela reformulaccedilatildeo do modelo organizacional criando instituiccedilotildees especializadas com a

ampliaccedilatildeo da sua capacidade gerencial desenvolvimento de estruturas regulatoacuterias e

aumento do grau de responsabilizaccedilatildeo (GOMES 2006 RIBEIRO COSTA amp SILVA 2000)

Enfim a intenccedilatildeo foi a de conduzir a construccedilatildeo de um mercado mais concorrencial possiacutevel

e introduzir a loacutegica empresarial dentro da esfera puacuteblica

Bresser Pereira (1999 p6-7) mentor intelectual e condutor da reforma gerencial

argumenta que esse novo modelo de organizaccedilatildeo [] flexibiliza os processos e os

regulamentos burocraacuteticos conferindo um grau mais elevado de autonomia e de

responsabilizaccedilatildeo (accountability) agraves agecircncias governamentais e aos seus gerentes tendo

como um dos meios a

[] administraccedilatildeo por objetivos a criaccedilatildeo de quase-mercados e os vaacuterios mecanismos de democracia direta ou de controle social combinados com o aumento da transparecircncia no serviccedilo puacuteblico reduzindo-se concomitantemente o papel da definiccedilatildeo detalhada de procedimentos e da auditoria ou controle interno ndash os controles claacutessicos da administraccedilatildeo puacuteblica burocraacutetica ndash que devem ter um peso menor

Nesse sentido as agecircncias assumiram as atividades enquadradas na categoria de

exclusivas de Estado natildeo delegaacuteveis e que concernem agrave regulaccedilatildeo seguranccedila e

arrecadaccedilatildeo de impostos Denominadas de Agecircncias Reguladoras estas entidades

autocircnomas autaacuterquicas apresentam perfil marcado pela autonomia administrativo-

118

financeira valorizaccedilatildeo da especializaccedilatildeo teacutecnica e insulamento burocraacutetico23 de seus

dirigentes - detentores de mandatos fixados e estabilidade no exerciacutecio de suas funccedilotildees

apoacutes um curto prazo carencial entre outros requisitos Isso na tentativa de manter a

diretoria distanciada das influecircncias dos agentes econocircmicos e dos atores poliacuteticos que

circulam no setor

Essas agecircncias passam entatildeo a cuidar da regulaccedilatildeo que em si abarca um conjunto

diversificado de instrumentos que o governo se utiliza para definir as regras de conduta

para empresas e cidadatildeos no campo econocircmico administrativo e social Objetivam

identificar precocemente as falhas de mercado em prol do interesse coletivo como

externalidades negativas e falta de informaccedilatildeo ao consumidor sobre a qualidade dos

produtos e serviccedilos ofertados pelo mercado Entretanto eacute a regulaccedilatildeo social24 o foco de

interesse desse estudo Isso porque eacute uma das esferas que se reporta agrave intervenccedilatildeo puacuteblica

no campo da sauacutede tanto para garantir a provisatildeo de bens puacuteblicos como para proteccedilatildeo do

interesse puacuteblico nacional ou supranacional (COSTA et al 2001) pois se destina a reduzir

os efeitos prejudiciais gerados pelos agentes econocircmicos responsaacuteveis pela produccedilatildeo de

bens de interesse agrave sauacutede

Embora o discurso oficial dirigido agrave opiniatildeo puacuteblica enfatizasse que o fim uacuteltimo da

reconstruccedilatildeo do Estado eacute tornaacute-lo capaz de viabilizar o desenvolvimento econocircmico

proteger os direitos sociais e republicanos e fortalecer a democracia (BRESSER-PEREIRA

1999) Cruz (2009) afirma que no caso da reforma administrativa os argumentos mais

relevantes foram a delegaccedilatildeo de poderes para as Agecircncias Reguladoras assim como a

necessidade de elevar o grau de comprometimento do poder puacuteblico com a manutenccedilatildeo de

decisotildees e regras que afetam diretamente os agentes Assim a sinalizaccedilatildeo positiva do setor

privado a esse tipo de reforma natildeo causa estranhamento uma vez que as iniciativas buscam 23 No caso se trata de um mandato de trecircs anos com uma uacutenica reconduccedilatildeo A demissatildeo imotivada ocorre apenas nos quatro primeiros meses de mandato salvo nos casos de praacutetica de ato de improbidade administrativa de condenaccedilatildeo penal transitada em julgado e de descumprimento injustificado do contrato de gestatildeo da autarquia Eacute vedado ao ex-dirigente representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agecircncia ateacute um ano apoacutes deixar o cargo (RIBEIRO COSTA amp SILVA 2000) 24 A regulaccedilatildeo social consiste em uma das trecircs categorias classificatoacuterias de regulaccedilatildeo proposta pela Organizaccedilatildeo para Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico ndash OCDE que se estende a trecircs campos especiacuteficos a sauacutede o meio ambiente e a administraccedilatildeo (CRUZ 2009)

119

produzir um clima institucional tranquilizador com estabilidade das regras aumento da

capacidade resolutiva carreada pela autonomia administrativa e desburocratizaccedilatildeo dos

processos internos que ajudam a dar celeridade aos pleitos efetuados por este setor

Merece destacar-se que na ocasiatildeo da reforma o desgaste da imagem institucional

do oacutergatildeo federal da vigilacircncia sanitaacuteria tambeacutem serviu de justificativa Apoacutes a abertura

poliacutetica a imprensa pocircs agrave tona os sucessivos escacircndalos envolvendo alimentos e

medicamentos disputas de interesses econocircmicos e poliacuteticos e outras irregularidades

administrativas que somadas agraves fragilidades internas relativas a pessoal qualificado

ineficiecircncia no trabalho limitaccedilatildeo de recursos reduzida autonomia desprestiacutegio no acircmbito

ministerial entre outros aspectos (SOUTO 2004) compunham a fotografia sobre o caos

instalado nesse setor

Como contraponto ainda havia as demandas dos movimentos sociais e o novo

arcabouccedilo legal da Lei Orgacircnica de Sauacutede que forccedilavam respostas institucionais da

vigilacircncia sanitaacuteria compatiacuteveis com os interesses dos cidadatildeos os quais almejavam a

proteccedilatildeo de sua sauacutede contra as praacuteticas inapropriadas do mercado Assim a falta de

atuaccedilatildeo condizente desse setor quanto ao seu papel estrateacutegico na prevenccedilatildeo da sauacutede

principalmente pela morosidade em responder agraves demandas oriundas do mercado

fortalecia os argumentos dos defensores da reforma administrativa e da sua extensatildeo

raacutepida para esse setor (SOUTO 2004)

Entre o elenco de autarquias instituiacutedas sob regime especial a Anvisa foi a quarta

delas sendo aprovada pela Lei Federal no 9782 de 26 de janeiro de 1999 Com a reforma

gerencial promoveu-se a cisatildeo entre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas e a sua execuccedilatildeo A primeira

permanecendo centralizada no nuacutecleo estrateacutegico do governo enquanto a segunda eacute

descentralizada para as agecircncias (BRESSER PEREIRA 2008) A Anvisa como parte da

administraccedilatildeo indireta do setor sauacutede passou a vincular-se ao Ministeacuterio da Sauacutede No

entanto eacute uma agecircncia sem subordinaccedilatildeo hieraacuterquica dotada de especialidade teacutecnica e de

credibilidade poliacutetica para assumir o papel de disciplinar regular a produccedilatildeo

comercializaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de produtos e serviccedilos de interesse agrave sauacutede entre os quais

120

estatildeo os alimentos bem como de fiscalizar - corrigir limitar ou suspender - as atividades

que ameacem a sauacutede da coletividade poreacutem a sua funccedilatildeo primordial eacute a de gerenciar

riscos (CARVALHEIRO 2001)

Para fortalecer os ministeacuterios setoriais perante as agecircncias foi criado um

instrumento adicional de controle social e de aperfeiccediloamento da gestatildeo e desempenho das

agecircncias reguladoras ndash o contrato de gestatildeo (GOMES 2006) No caso esse contrato eacute

resultado de uma negociaccedilatildeo de interesses de sauacutede entre diretoria colegiada da Anvisa e o

Ministro da Sauacutede cujos relatoacuterios de execuccedilatildeo e a prestaccedilatildeo anual de contas satildeo

apresentados aos oacutergatildeos competentes e ao Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL ANVISA

2006a)

Outra particularidade da Anvisa estaacute no seu papel de coordenar o conjunto de

oacutergatildeos congecircneres dos estados e dos municiacutepios que formam o Sistema Nacional de

Vigilacircncia Sanitaacuteria ndashSNVS Sistema interligado ao Sistema Uacutenico de Sauacutede-SUS e que

obedece aos princiacutepios de descentralizaccedilatildeo e integraccedilatildeo cujos integrantes realizam

atribuiccedilotildees semelhantes com impactos diretos na populaccedilatildeo exceto aquelas que satildeo de

competecircncia restrita agrave Anvisa como por exemplo a concessatildeo de registro de produto

alimentiacutecio de validade nacional Com a autonomia e independecircncia relativas os entes

estaduais podem avanccedilar em propostas de controle dos alimentos e gerenciamento de

riscos que respondam de maneira mais efetiva agraves demandas da realidade local sem ficar

submetidos unicamente agraves deliberaccedilotildees do ente federal

Considerando os preceitos neoliberais que embasam a criaccedilatildeo das agecircncias uma das

questotildees centrais levantadas a partir do surgimento da Anvisa foi a sua vocaccedilatildeo

direcionada para privilegiar as demandas do empresariado (desburocratizaccedilatildeo

regulamentos etc) em detrimento das necessidades coletivas de controle dos riscos dos

produtos em especial quando estas implicam confrontos com aquelas Vaacuterias experiecircncias

no campo de alimentos demonstram que a conduccedilatildeo da Anvisa natildeo tem contrariado os

interesses privados poreacutem tem negligenciado os interesses da sociedade Satildeo exemplos (i)

dispensa da obrigatoriedade do registro de produtos alimentiacutecios sem compensaacute-la com o

121

reforccedilo concreto das atividades de inspeccedilatildeo nas induacutestrias e do controle dos alimentos

para mantecirc-los sob vigilacircncia (ii) aboliccedilatildeo das regras que instituem os paracircmetros de

identidade dos produtos alimentiacutecios deixando o consumidor sem referencial da

composiccedilatildeo do produto (iii) incapacidade de instituir um sistema de informaccedilatildeo acessiacutevel a

toda rede de vigilacircncia sanitaacuteria permitindo a troca de informaccedilotildees simultacircneas e accedilatildeo

raacutepida pelas autoridades sanitaacuterias frente aos riscos dos produtosserviccedilos (iv)

inoperacircncia em controlar a publicidade de alimentos para o puacuteblico infantil

Entretanto a reforma da gestatildeo puacuteblica propocircs-se a ser inovadora quanto agrave praacutetica

da governanccedila Regida pelo ator-chave governo tal praacutetica eacute usada para dar suporte agraves

decisotildees do governo e permitir que a sua atuaccedilatildeo se realize em conjunto com outros atores

sociais fazendo com que o processo de governar seja participativo e democraacutetico (BRESSER

PEREIRA 2008) Eacute oportuno portanto que a sociedade civil organizada seja incluiacuteda no

seio das instituiccedilotildees para dar pluralidade agraves vozes nos espaccedilos puacuteblicos que debatem e

definem o rumo das decisotildees

Poucos anos seguidos agrave sua criaccedilatildeo o governo avaliou a necessidade de

aprimoramento buscando ajustar o funcionamento das agecircncias quanto ao

desenvolvimento de instrumentos do controle social e do papel dessas instituiccedilotildees na

estrutura administrativa brasileira (BRASIL CASA CIVIL 2003) Para tanto a Anvisa

introduziu em suas estruturas os procedimentos de informaccedilatildeo audiecircncia puacuteblica e

consulta puacuteblica canais para um processo de gestatildeo participativa espaccedilo de

compartilhamento de discussatildeo coletiva entre as partes interessadas - cidadatildeos industriais

e o governo ndash para buscar o consenso entre os diversos interesses seja por meio de alianccedilas

e parcerias ou da administraccedilatildeo de conflitos e disputas de interesses Na opiniatildeo de

Lucchese (2001) foi criado entatildeo um espaccedilo para o exerciacutecio da cidadania e do controle

social que auxiliado pela accedilatildeo interdisciplinar e interinstitucional da vigilacircncia sanitaacuteria e

pela adoccedilatildeo dos paracircmetros eacuteticos para balizar a relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo pode-se

acionar o motor transformador da qualidade dos produtos dos processos e das relaccedilotildees

sociais em prol da satisfaccedilatildeo dos interesses coletivos

122

Para o aperfeiccediloamento das praacuteticas regulatoacuterias ocorreu tambeacutem a inserccedilatildeo na

estrutura organizacional da Anvisa de uma instacircncia de participaccedilatildeo institucionalizada da

sociedade denominado Conselho Consultivo25 (BRASIL ANVISA 2005) No ano de 2009

introduziu-se um mecanismo para racionalizar e simplificar o processo de regulamentaccedilatildeo

assim como consolidar e revisar os atos normativos que eacute a Agenda Regulatoacuteria (AR)

(BRASIL ANVISA 2012) Como iniciativa pioneira da administraccedilatildeo puacuteblica federal essa

agenda tem um ciclo quadrienal e duas agendas com vigecircncia bienal compostas por

assuntos considerados estrateacutegicos e prioritaacuterios e previamente discutidos com os

representantes da sociedade civil do setor regulado e do Sistema Nacional de Vigilacircncia

Sanitaacuteria para alcance dos [] benefiacutecios como previsibilidade transparecircncia governanccedila

compromisso de maior eficiecircncia e credibilidade para o processo de regulamentaccedilatildeo (BRASIL

ANVISA 2010 p36)

O primeiro biecircnio (2013-1014) do ciclo Quadrienal (2013-2016)26 da AR incluiu 23

temas relativos agrave aacuterea de alimentos e dentre o elenco o tema n0 19 referente agrave Propaganda

de Alimentos com Quantidades Elevadas de Accediluacutecar de Gordura Saturada de Gordura Trans

de Soacutedio e de Bebidas com Baixo Teor Nutricional eacute o que tem interface com o objeto desta

tese e que seraacute retomado a seguir Esse tema ressurge para o debate com o apoio da

sociedade civil organizada em virtude da epidemia de obesidade e do aumento da

prevalecircncia de outras DCNT que jaacute afetam a populaccedilatildeo infantil Em momentos anteriores

foram aprovadas regras que natildeo conseguiram ser implementadas por oacutebices judiciais A

atuaccedilatildeo da sociedade civil seraacute entatildeo decisiva para o alcance do ecircxito esperado ndash que eacute o de

25 O Conselho Consultivo eacute um dos instrumentos de participaccedilatildeo social da Anvisa composto por representantes da Uniatildeo dos Estados dos Municiacutepios do Distrito Federal dos produtores dos comerciantes da comunidade cientiacutefica e da sociedade civil organizada com o objetivo de opinar sobre as propostas de poliacuteticas governamentais da instituiccedilatildeo requerer informaccedilotildees e propor recomendaccedilotildees e diretrizes teacutecnicas sobre os assuntos relativos agrave Agecircncia entre outros assuntos (BRASIL ANVISA 2005) 26 A elaboraccedilatildeo da AR inicia com uma consulta preacutevia dos vaacuterios documentos estrateacutegicos do governo Plano Plurianual 2012-15 o relatoacuterio da 14a Conferecircncia Nacional de Sauacutede as diretrizes e planos Brasil Sem Miseacuteria e Brasil Maior Plano Nacional de Sauacutede e Plano Diretor de Vigilacircncia Sanitaacuteria (PDVISA) o planejamento estrateacutegico institucional e orientaccedilotildees da Diretoria Colegiada entre outros documentos A AR tem Ciclo Quadrienal (2013-2016) e duas agendas regulatoacuterias com vigecircncia bienal cada uma Na do Biecircnio 2013-2014 constam assuntos prioritaacuterios para a atuaccedilatildeo regulatoacuteria da Anvisa 148 temas divididos em 14 macrotemas Essa AR publicada no DOU no dia 24 de setembro de 2013 representa a 1ordf publicaccedilatildeo do novo modelo (BRASIL ANVISA 2012)

123

disciplinar ou mesmo restringir a divulgaccedilatildeo desse tipo de propaganda para as crianccedilas

Decerto que as agecircncias possuem estruturas com maior flexibilidade e capacidade de

adaptaccedilatildeo ao dinamismo do mundo globalizado pelo seu potencial normativo e executivo e

pela sua abertura agrave participaccedilatildeo da sociedade civil organizada no exerciacutecio da sua missatildeo

(PECI 1999) No que se refere agrave Anvisa a especializaccedilatildeo teacutecnica e os espaccedilos de

participaccedilatildeo da sociedade que estatildeo sendo construiacutedos com a maturidade experimentada

pela entidade podem projetar avanccedilos no processo de democratizaccedilatildeo das decisotildees sobre

como intervir nos riscos agrave sauacutede dos objetos sob controle da vigilacircncia sanitaacuteria Poreacutem o

percurso ainda eacute longo exige cautela e sujeito a retrocessos O aprimoramento das

atividades da Anvisa depende fundamentalmente da participaccedilatildeo ativa e qualificada da

sociedade civil organizada assim como do seu compromisso e de suas articulaccedilotildees

externas para se conformar como uma forccedila social equiparaacutevel agraves do mercado e do poder

puacuteblico Assim a Agenda Regulatoacuteria pode sofrer mudanccedilas e passar a privilegiar os

assuntos de relevacircncia para o coletivo em termos de proteccedilatildeo e controle dos riscos agrave sauacutede

52 A Anvisa e o Ministeacuterio da Sauacutede o (re) agir institucional

Em decorrecircncia do atual quadro epidemioloacutegico das doenccedilas carenciais da

obesidade e das DCNT a preocupaccedilatildeo com a qualidade dos alimentos no acircmbito nacional

passou a ser objeto de atenccedilatildeo de dois setores da administraccedilatildeo puacuteblica federal a

Coordenaccedilatildeo-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica da

Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede ndash CGANDABMS e a Gerecircncia-Geral

de Alimentos da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria- GGALIAnvisaMS A primeira eacute

a responsaacutevel pela implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-PNAN e

a agenda da Anvisa estaacute relacionada ao controle sanitaacuterio de alimentos referenciado nessa

poliacutetica

A PNAN-1999 representa a primeira poliacutetica setorial da nutriccedilatildeo e baseou-se nos

resultados da I Conferecircncia Nacional de Seguranccedila Alimentar de 1994 Em seu conteuacutedo jaacute

124

mencionava o alargamento dos problemas nutricionais com a inclusatildeo da evoluccedilatildeo da

epidemia da obesidade das dislipidemias e de suas relaccedilotildees com as doenccedilas

cardiovasculares aleacutem daqueles de ordem carencial Enfatizava a responsabilidade do

Estado em promover e facilitar meios para que os indiviacuteduos possam ter uma alimentaccedilatildeo

digna contribuindo para uma vida saudaacutevel e ativa e para concretizaccedilatildeo do Direito Humano

agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (BRASIL MS 1999)

Na versatildeo atualizada da PNAN de 2012 (BRASIL MS 2012a) duas diretrizes

destacam-se por orientar a praacutetica de controle da qualidade de alimentos ldquoControle e

regulaccedilatildeo dos alimentosrdquo e ldquoPromoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevelrdquo Para a

primeira diretriz as accedilotildees de regulaccedilatildeo dos alimentos devem se voltar para inocuidade e

qualidade nutricional dos alimentos A segunda diretriz interligada agrave primeira enfoca a

importacircncia de a alimentaccedilatildeo atender as necessidades bioloacutegicas em cada fase do ciclo da

vida conforme gecircnero raccedila e etnia observando ainda outros princiacutepios como o respeito agrave

cultura alimentar acessibilidade fiacutesico-financeira praacuteticas produtivas adequadas e

sustentaacuteveis harmonia quantitativa e qualitativa entre outros aspectos com vista agrave

melhoria da qualidade de vida e agrave reduccedilatildeo do excesso de peso e das doenccedilas relacionadas

com a alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo

As experiecircncias pioneiras da receacutem-criada Anvisa com o Ministeacuterio da Sauacutede para

atender aos dispositivos da PNAN relacionaram-se primeiramente com a diretriz

Prevenccedilatildeo e controle dos distuacuterbios nutricionais e das doenccedilas associadas agrave alimentaccedilatildeo e

nutriccedilatildeo e como parte do Programa de Combate aos Distuacuterbios por Deficiecircncia de Iodo no

Brasil (BRASIL ANVISA 2000) foram aprovados novos limites para iodaccedilatildeo do sal

estabelecidas regras de boas praacuteticas para os estabelecimentos beneficiadoras de sal e

instituiacutedo um programa nacional de inspeccedilatildeo sanitaacuteria nestes estabelecimentos (BRASIL

ANVISA 2004) Em seguida foram aprovados os limites de aacutecido foacutelico e ferro em farinhas

de trigo e milho (BRASIL ANVISA 2002) com o subsequente monitoramento desses

produtos Em 2001 considerando a diretriz da PNAN1999 Garantia da seguranccedila e da

qualidade dos alimentos e da prestaccedilatildeo de serviccedilos neste contexto - que propotildee a atualizaccedilatildeo

das regras e procedimentos da vigilacircncia sanitaacuteria incluindo a rotulagem nutricional -

125

foram publicadas as regras para rotulagem nutricional obrigatoacuteria de alimentos e bebidas

embalados (BRASIL ANVISA 2001) Posteriormente essas regras de rotulagem foram

republicadas em consequecircncia da harmonizaccedilatildeo do seu conteuacutedo no acircmbito do Mercosul

Em 2005 formou-se um Grupo de Trabalho na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia

Sanitaacuteria AnvisaMS com representaccedilatildeo multisetorial para tratar da diretriz da PNAN-

1999 Promoccedilatildeo de praacuteticas alimentares e estilos de vida saudaacuteveis Naquela ocasiatildeo propocircs-

se disciplinar a publicidade de produtos alimentiacutecios infantis sobretudo em parceria com

as entidades representativas da aacuterea de propaganda da sociedade civil organizada e do

setor produtivo e das empresas de comunicaccedilatildeo Tal empreendimento resultou na

publicaccedilatildeo de uma Consulta Puacuteblica Anvisa nordm 712006 que dispotildee sobre a oferta

propaganda e publicidade de alimentos com quantidades elevadas de accediluacutecar gordura

saturada gordura trans e soacutedio (BRASIL ANVISA 2006b) Apoacutes quatro anos de intenso

debate foi aprovada a Resoluccedilatildeo-RDC Anvisa nordm242010 mas com o conteuacutedo abrandado

em relaccedilatildeo ao texto da Consulta Puacuteblica (BRASIL ANVISA 2010b) Poreacutem os embates no

Poder Judiciaacuterio resultaram na perda da sua eficaacutecia juriacutedica em virtude da polecircmica criada

pelas induacutestrias empresas de comunicaccedilatildeo e de publicidade

Com base nesse elenco de atividades conjuntas entre Ministeacuterio da Sauacutede e Anvisa

torna-se possiacutevel fazer um conjunto de consideraccedilotildees a) o controle sanitaacuterio dos alimentos

natildeo se dissocia das questotildees nutricionais considerando a funccedilatildeo preciacutepua da Anvisa de

proteger a populaccedilatildeo contra os riscos dos alimentos e isso comprovadamente jaacute integra a

rotina institucional da entidade desde a sua criaccedilatildeo b) os produtos alimentiacutecios em

questatildeo se ajustaram aos requisitos nutricionais mediante a instituiccedilatildeo de regras com

sanccedilotildees aliadas a medidas sistemaacuteticas de controle para conferir a sua adequaccedilatildeo e c) as

induacutestrias nacionais envolvidas foram obrigadas a custear a adiccedilatildeo de nutrientes (ferro e

aacutecido foacutelico ou iodo) nos produtos considerados fundamentais para atender aos programas

oficiais de nutriccedilatildeo

Com o agravamento do panorama epidemioloacutegico revelando o avanccedilo das DCNT e o

incremento dos gastos com assistecircncia agrave sauacutede e sua associaccedilatildeo com a mudanccedila no padratildeo

126

alimentar da populaccedilatildeo brasileira devido ao aumento da disponibilizaccedilatildeo de alimentos natildeo

saudaacuteveis entre outros aspectos o governo prontificou-se a reagir No ano de 2007 o

Ministeacuterio da Sauacutede seguindo as recomendaccedilotildees internacionais instituiu sob a sua

coordenaccedilatildeo o Grupo Teacutecnico com representaccedilatildeo inicial de membros do governo e da

induacutestria para discutir e propor accedilotildees voltadas agrave melhoria da oferta de produtos

alimentiacutecios e promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel (BRASIL MS 2007b) Em seguida foi

firmado o Acordo de Cooperaccedilatildeo entre o Ministeacuterio da Sauacutede e a Associaccedilatildeo Brasileira das

Induacutestrias de Alimentaccedilatildeo-ABIA e aprovada uma Chamada Puacuteblica para avaliar a

potencialidade do setor produtivo em reduzir de forma gradativa os teores de vaacuterios

nutrientes nos alimentos processados tais como accediluacutecar livre gorduras trans gorduras

saturadas e sal (BRASIL MS 2007c) que culminou em vaacuterios termos de compromisso

subsequentes conforme consta do Quadro 2

127

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS

e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees

Competecircncia Pontos destacados

1 Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre o MS e a ABIA

29112007

Reunir esforccedilos para implementar accedilotildees conjuntas para fomentar estilos de vida saudaacuteveis que inclui alimentaccedilatildeo saudaacutevel equilibrada e nutricionalmente adequada

(MS)Instituir em ato proacuteprio Grupo Teacutecnico com a finalidade de propor estrateacutegia gradativa de reduccedilatildeo de teores de accediluacutecares livres soacutedio gorduras saturadas e aacutecidos graxos trans em alimentos processados (MS) Estabelecer estrateacutegia gradativa para melhorar o perfil nutricional dos alimentos industrializados com o foco antes descrito (ABIA) Recomendar em conjunto com as entidades da miacutedia as praacuteticas eacuteticas e responsaacuteveis para o marketing e publicidade de alimentos e bebidas natildeo alcooacutelicas

2 Termo de

prorrogaccedilatildeo do Acordo entre o MS e a ABIA

25112010

Reunir esforccedilos para implementar accedilotildees conjuntas para fomentar estilos de vida saudaacuteveis que inclui alimentaccedilatildeo saudaacutevel equilibrada e adequada em termos nutricionais

Prorrogar por 3 (trecircs) anos contados a partir do prazo de vigecircncia do Termo de Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica

3 Termo de Compromisso

n0 0042011 entre MS e ABIA ABIMA ABITRIGO e

ABIP 07042011 Prazo de vigecircncia 3 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados macarratildeo instantacircneo patildees de forma bisnaguinhas e avaliar outras categorias (patildeo francecircs bolos prontos misturas p bolos salgadinhos de milho e batatas fritas embutidos caldos e temperos derivados de cereais laticiacutenios refeiccedilotildees prontas e biscoitos) com fins de estabelecer posteriormente metas para a reduccedilatildeo de soacutedio

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

128

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS

e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

4 Acordo de Cooperaccedilatildeo

Teacutecnica entre o MS e a ABRAS ndash

07042011 Prazo de

vigecircncia 3 anos

Reunir esforccedilos e trabalhar conjuntamente para implementar accedilotildees voltadas agrave promoccedilatildeo da qualidade de vida e prevenccedilatildeo de fatores determinantes e ou condicionantes de doenccedilas e agravos agrave sauacutede

(MS) Elaborar em cooperaccedilatildeo com a ABRAS estrateacutegias voltadas agrave promoccedilatildeo de qualidade de vida e prevenccedilatildeo de fatores determinantes eou condicionantes de doenccedilas e agravos agrave sauacutede priorizando aspectos da alimentaccedilatildeo saudaacutevel praacuteticas corporaisatividade fiacutesica controle de tabagismo reduccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool e outras drogas reduccedilatildeo dos danos decorrentes dos acidentes de tracircnsito e estiacutemulo a cultura da paz fortalecer a realizaccedilatildeo de campanhas institucionais de sauacutede puacuteblica em parceria com a ABRAS a ABRAS poderaacute integrar a outros Grupos de Trabalho formalmente instituiacutedos pelo MS especialmente aqueles relacionados agrave melhoria do perfil nutricional dos alimentos processados e linhas proacuteprias de fabricaccedilatildeo (ABRAS) Fomentar junto aos associados atividades e campanhas de educaccedilatildeo e informaccedilatildeo de promoccedilatildeo da qualidade de vida que forem acordadas no grupo Teacutecnico recomendar aos seus associados a adoccedilatildeo de poliacuteticas internas de controle de qualidade de mateacuterias-primas e seleccedilatildeo de fornecedores recomendar em conjunto com entidades representantes da miacutedia praacuteticas eacuteticas para o marketing e publicidade de alimentos e bebidas de forma responsaacutevel implementar accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutede e qualidade de vida voltadas para os trabalhadores dos estabelecimentos de comercializaccedilatildeo de alimentos

129

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

5 Termo de Compromisso entre MS

ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP

13122011 Prazo de vigecircncia 5 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados patildeo francecircs bolos prontos s ou c recheio rocambole bolo aerado misturas p bolo cremoso salgadinhos de milho batatas fritas e palhas maionese biscoitos do tipo doces salgados e doces recheados

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

6 Termo de Compromisso

entre MS e ABIA 28082012

Prazo de vigecircncia 3 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados derivados de cereais margarina vegetal caldos liacutequidos e em gel temperos em pasta temperos p arroz e outros temperos

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

130

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Termo de Cooperaccedilatildeo MS e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

7 Termo de Compromisso com a ABIA

ABIC ABIPECS SINCARNES e UBABEF

05112013 Prazo de vigecircncia 3 anos

prorrogaacutevel por igual periacuteodo

Pactuar estrateacutegias para contribuiccedilatildeo do setor industrial de alimentos para a reduccedilatildeo do consumo de sal pela populaccedilatildeo brasileira para menos de 5g de sal por pessoa por dia ateacute 2020 mediante a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em categorias prioritaacuteria (laticiacutenios sopas e produtos caacuterneos) de preparaccedilotildees disponiacuteveis para consumo e alimentos processados

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de soacutedio por meio dos seguintes eixos (i) reduccedilatildeo voluntaacuteria dos niacuteveis de soacutedio nos alimentos processados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes (ii) aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis (iii) rotulagem e informaccedilatildeo do consumidor e (iv) educaccedilatildeo e sensibilizaccedilatildeo para consumidores induacutestria profissionais de sauacutede e outras partes interessadas (ABIA ABIC ABIPECS SINDICARNES e UBABEF) Articular as induacutestrias de cada categoria para comprometimento no processo de pactuaccedilatildeo das metas de reduccedilatildeo do soacutedio nos alimentos processados incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento de teor de soacutedio nos alimentos

8 Acordo de cooperaccedilatildeo n0 1

entre o MS e a ABIA

24012014 Prazo de vigecircncia 3 anos

prorrogaacutevel por igual periacuteodo

Reunir esforccedilos e trabalhar conjuntamente para implementar accedilotildees com fins de articular a forma de colaboraccedilatildeo entre as partes para execuccedilatildeo eficaz do Plano Nacional de Vida Saudaacutevel abrangendo aspectos de alimentaccedilatildeo nutriccedilatildeo saudaacutevel atividade fiacutesica e educaccedilatildeo zelar pelo acesso da populaccedilatildeo a alimentos adequados selecionar campanhas institucionais entre outros

Prorrogar por 3 (trecircs) anos contados a partir do prazo de vigecircncia do Termo de Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica

131

O Acordo foi entatildeo um marco para colocar em discussatildeo a reduccedilatildeo dos

paracircmetros nutricionais dos produtos considerados natildeo saudaacuteveis que foi iniciado com

a mobilizaccedilatildeo para a retirada da gordura trans nos produtos cujos avanccedilos importantes

somente foram alcanccedilados em 2010 (BRASIL MS 2012b)

Em paralelo o Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional-

CONSEA27 elaborou a proposta de uma estrateacutegia intersetorial para promover uma

alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel Nessa proposta a alimentaccedilatildeo eacute abordada em sua

perspectiva macro englobando os aspectos socioeconocircmicos culturais e bioloacutegicos e eacute

reafirmada como um direito baacutesico individual agrave vida com sauacutede cuja viabilidade

depende da valorizaccedilatildeo da soberania alimentar e do resgate das praacuteticas produtivas

tradicionais e sustentaacuteveis Na estrateacutegia constavam accedilotildees envolvendo diferentes atores

institucionais como a valorizaccedilatildeo do consumo de legumes frutas e verduras a

regulaccedilatildeo da publicidade de produtos alimentiacutecios com alto teor de gordura saturada

gordura trans accediluacutecar soacutedio e bebidas de baixo valor nutricional (BRASIL CONSEA

2007)

Em 2009 a AnvisaMS coordenou um diagnoacutestico para avaliar a composiccedilatildeo

nutricional de 24 tipos de alimentos industrializados quanto ao teor de soacutedio accediluacutecares

gorduras saturadas gorduras trans e ou de ferro O resultado revelou uma variaccedilatildeo

discrepante nos teores de soacutedio entre os alimentos da mesma categoria No caso do

macarratildeo instantacircneo e do tempero para macarratildeo foram constatadas as maiores

quantidades de soacutedio por porccedilatildeo referida que por si soacute jaacute ultrapassam o valor diaacuterio de

referecircncia de 2400mgdia Os teores de accediluacutecares detectados em refrigerantes suco e

neacutectar ficaram proacuteximos aos valores da meacutedia entre 10 a 117g100mL Isso demonstra

que se o indiviacuteduo bebe um copo regular (200mL) de refrigerante estaacute consumindo em

meacutedia 20g de accediluacutecar Quanto ao teor de gorduras saturadas os destaques foram as

batatas fritas e palhas com meacutedia de 35 e 38 g25g de porccedilatildeo e os biscoitos recheados e

salgados com meacutedia de 1630g de porccedilatildeo (BRASIL ANVISA 2010) Comparando os

teores meacutedios de accediluacutecares e de gordura encontrados nesses alimentos com os criteacuterios

de classificaccedilatildeo e pesovolume estabelecidos pela agecircncia de normalizaccedilatildeo dos

27 O CONSEA foi criado em abril de 1993 como oacutergatildeo de aconselhamento da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange aos assuntos relacionados agrave seguranccedila alimentar e nutricional

132

alimentos do Reino Unido28 todos esses produtos estavam com teores altos poderiam

ser enquadrados nas categorias de ldquoalto teor de accediluacutecarrdquo ou de ldquoalto teor de gordurardquo

Esses resultados satildeo preocupantes pois os produtos alimentiacutecios destacados satildeo

comumente consumidos por crianccedilas que aleacutem dos efeitos negativos agrave sauacutede

provenientes do alto consumo de soacutedio accediluacutecares e gordura estimulam a formaccedilatildeo de

haacutebitos de consumo que adaptam o paladar para preferir alimentos com essa

composiccedilatildeo nutricional Como consequecircncia desse diagnoacutestico as autoridades de sauacutede

fizeram tratativas posteriores com as entidades das induacutestrias para primeiramente

fazer a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em vaacuterias categorias de alimentos (Quadro 2) apesar

de o quadro epidemioloacutegico apontar urgecircncia para a reduccedilatildeo de todos os nutrientes O

valor de referecircncia para a definiccedilatildeo da meta de reduccedilatildeo na ausecircncia de uma referecircncia

internacional equivalente tomou por base trecircs fontes o limite inferior do teor de soacutedio

apontado pelo resultado do diagnoacutestico naqueles tipos de alimento entatildeo analisados as

informaccedilotildees de rotulagem e as informaccedilotildees fornecidas pelas induacutestrias A pretensatildeo

do Ministeacuterio da Sauacutede eacute a de obter uma reduccedilatildeo do consumo de soacutedio pela populaccedilatildeo

brasileira para menos de 2000mgpessoadia ateacute 2020 (BRASIL MS 2011)

Em 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede lanccedila o ldquoPlano de Accedilotildees Estrateacutegicas para o

Enfrentamento das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis (DCNT) no Brasil ndash 2011-

2022rdquo que reuacutene um conjunto de poliacuteticas puacuteblicas efetivas e integradas sob a sua

lideranccedila e com caraacuteter intersetorial para intervir nessas doenccedilas Alimentaccedilatildeo natildeo

saudaacutevel eacute um dos fatores de risco sobre o qual se propotildee intervir Para isso entre

outras accedilotildees propotildee acordos com as induacutestrias para a reduccedilatildeo de sal e de accediluacutecar nos

alimentos processados aumento da oferta e reduccedilatildeo dos preccedilos dos alimentos

saudaacuteveis e estabelecimento da regulamentaccedilatildeo da publicidade infantil (BRASIL MS

2011)

Enquanto isso motivado pelos resultados que confirmam o aumento

descontrolado das prevalecircncias de excesso de peso (POF 200809) foi criado um

28 A entidade do Reino Unido Food Standards Agency recomenda apor na frente da embalagem de certos produtos processados o poste de sinalizaccedilatildeo nutricional indicando com cores diferenciadas os teores de accediluacutecar gordura gordura saturada e sal existentes Os produtos foram selecionados a partir de enquete com os consumidores que informaram ter dificuldades em avaliar em termos nutricionais certas categorias de produtos Assim os limites que categorizam os produtos como de alto teor de accediluacutecar para produtos liacutequidos e de alto teor de gordura para produtos soacutelidos satildeo respectivamente maior que 63g100mL e maior que 5g100g ( UNITED KINDOWN 2007)

133

Comitecirc Teacutecnico no acircmbito da Cacircmara Interministerial de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash CAISANMDS que formulou o Plano Intersetorial de Prevenccedilatildeo e Controle

da Obesidade Composto por seis eixos de accedilatildeo - um deles referente agrave ldquoRegulaccedilatildeo e

controle da qualidade e inocuidade de alimentosrdquo com fins de aprimorar a qualidade

nutricional abrangendo a publicidade de alimentos rotulagem nutricional e adequaccedilatildeo

do perfil nutricional dos alimentos processados a um tipo considerado saudaacutevel entre

outros aspectos (BRASIL MDS 2012a) Em outubro de 2012 foi encaminhado ao

CONSEA mas ateacute o momento natildeo foi lanccedilado oficialmente Na falta de informaccedilatildeo

oficial sobre seus desdobramentos foi divulgada a Estrateacutegia Intersetorial de Prevenccedilatildeo

e Controle da Obesidade Neste documento parte do conteuacutedo apresentado no Plano eacute

abordada na perspectiva das responsabilidades de estados e municiacutepios na prevenccedilatildeo e

controle da obesidade

No acircmbito do Congresso Nacional esse assunto eacute principalmente tratado pela

Comissatildeo de Seguridade Social e Famiacutelia da Cacircmara dos Deputados29 que se encarrega

de lidar com a mateacuteria que faz a interface entre ldquoalimentos e sauacutederdquo No periacuteodo de 2000

a 2013 tramitaram 41 projetos de lei - PL (Quadro 3) sobre temas ligados direta ou

indiretamente ao conteuacutedo desta tese A maioria deles oriundos dessa Comissatildeo Mas no

uacuteltimo ano trecircs deles foram apresentados por outras comissotildees dois pela Comissatildeo de

Defesa do Consumidor item 12 (somente o que faz referecircncia aos cartazes ndash PL

546913) e o item 17 (PL 698513) e outro pela Comissatildeo de Agricultura Pecuaacuteria

Abastecimento e Desenvolvimento Rural (item 20) Trata-se do PL 5866613 que

propotildee retirar a seguinte frase de advertecircncia do roacutetulo das foacutermulas infantis ldquoEste

produto natildeo deve ser usado para alimentar crianccedilas menores de 1 (um) ano de idade O

aleitamento materno evita infecccedilotildees e alergias e eacute recomendado ateacute os 2(dois) anos de

idade ou maisrdquo que visa alertar as matildeesresponsaacuteveis sobre os benefiacutecios do

aleitamento materno em relaccedilatildeo ao leite artificial Tal projeto se aprovado representaraacute

um retrocesso na luta pelo estiacutemulo agrave amamentaccedilatildeo e a alimentaccedilatildeo saudaacutevel

29 Conforme o Regimento Interno da Cacircmara dos Deputados em seu artigo 32 inciso XII uma das atribuiccedilotildees dessa Comissatildeo eacute a de lidar com mateacuterias relativas agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia social em geral controle de drogas medicamentos e alimentos sangue e hemoderivados controle de drogas medicamentos e alimentos sangue e hemoderivados alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo entre outras (BRASIL CAcircMARA DOS DEPUTADOS 2013)

134

De forma sinteacutetica eacute possiacutevel reunir as mateacuterias dos PL em trecircs grandes grupos

conforme a finalidade a) intervir na obesidade - educaccedilatildeo alimentar campanhas e

sensibilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo divulgaccedilatildeo dos riscos (itens 1 2 5 7 10 e 12) b) intervir

nos produtos - com restriccedilatildeo da publicidade e propaganda dos alimentos informaccedilatildeo

sobre o conteuacutedo dos nutrientes e ou calorias reduccedilatildeo de accediluacutecar inclusatildeo das

advertecircncias dos riscos agrave sauacutede na rotulagem informaccedilatildeo mediante cartazes do valor

caloacuterico dos produtos manipulados rotulagem nutricional proibiccedilatildeo de associaccedilatildeo de

produtos alimentiacutecios a brindes e similares (itens 3 4 6 9 11 12 13 14 15 17 18) e

c) intervir na alimentaccedilatildeo das escolas (8 16 e 19) Com base nessas mateacuterias agrupadas

foram produzidas regras sobre alimentaccedilatildeo nas escolas rotulagem nutricional e

educaccedilatildeo alimentar ou no acircmbito da proacutepria Cacircmara dos Deputados ou por iniciativa

do oacutergatildeo federal competente A uacutenica mateacuteria que natildeo produziu resultados foi a relativa

aos produtos alimentiacutecios pois o assunto da regulaccedilatildeo de alimentos confronta

diretamente com os interesses econocircmicos do mercado ndash que se encontram

devidamente representados e fortalecidos na ldquoCasa do Povordquo

135

QUADRO 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013

N0

Mateacuteria

Qtde

1 Princiacutepios e diretrizes para accedilotildees de educaccedilatildeo nutricional e seguranccedila nutricional e alimentar para a populaccedilatildeo Promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel (PL 123407 331004 680310)

3

2 Poliacutetica de combate a obesidade Obriga atendimento integral dos doentes no SUS (PL 139401 156003 168403 169903 618313)

5

3 Divulgaccedilatildeo de advertecircncia sobre obesidade nos produtos alimentiacutecios (PL 148003)

1

4 Obriga os estabelecimentos comerciais de alimentos a fixarem cartazes informando sobre as calorias de cada porccedilatildeo servida Informaccedilatildeo nutricional dos alimentos para consumo imediato (PL 179003 271403)

2

5 Cria semana ou dia de mobilizaccedilatildeo nacional contra a obesidade ou de conscientizaccedilatildeo sobre os malefiacutecios da obesidade (PL 608602 443804 196511 365212 387412)

5

6 Restriccedilatildeo de propaganda de bebidas e alimentos potencialmente causadores de obesidade (PL 608005 163707 379308 446208 764410 560813)

6

7 Cria programa de prevenccedilatildeo e orientaccedilatildeo de tratamento de obesidade infantil (PL 652209)

1

8 Proiacutebe a comercializaccedilatildeo e consumo de guloseimas nas escolas (PL 684802)

1

9 Proiacutebe o uso de atribuiccedilatildeo de destaque as declaraccedilotildees de qualidade e de caracteriacutesticas nutritivas nas embalagens e na publicidade de alimentos (PL 562913)

1

136

QUADRO 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013 (Continuaccedilatildeo)

N0

Mateacuteria

Qtde

10 Inclusatildeo da disciplina de educaccedilatildeo alimentar na grade escolar da escola de ensino fundamental e meacutedio

(PL 32507)

1

11 Obriga a divulgar advertecircncia sobre riscos de doenccedilas nos roacutetulos dos produtos e na publicidade comercial de alimentos com alto teor de accediluacutecar gordura saturada gordura trans soacutedio e bebidas com baixo teor nutricional (PL 470501 766710 480312)

3

12 Obriga uso de cartazes de advertecircncia sobre obesidade em estabelecimentos que comercializam ldquofast foodrdquo Obriga especificar a quantidade de calorias dos alimentos comercializados nos cardaacutepios em restaurantes lanchonetes e similares (PL 546913 567413)

2

13 Fixa limite maacuteximo de adiccedilatildeo de sacarose nos sucos comercializados Reduzir o teor de accediluacutecar nos alimentos destinados agraves crianccedilas (PL 588313 683613)

2

14 Estabelece praacutetica abusiva oferecer brindes brinquedos etc associados agrave aquisiccedilatildeo de alimentos e bebidas para o puacuteblico infantil (PL 611113)

1

15 Rotulagem nutricional de alimentos industrializados (PL 390900)

1

16 Obriga alimentaccedilatildeo saudaacutevel nas escolas puacuteblicas e privadas de ensino fundamental (PL 317000)

1

17 Obriga os produtos alimentiacutecios comercializados a informar a presenccedila ou ausecircncia de sal como medida preventiva de doenccedilas (PL 698513)

1

137

QUADRO 3 Projetos de Lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013 (Continuaccedilatildeo)

N0

Mateacuteria

Qtde

18 Disciplina a propaganda comercial de produtos praacuteticas e serviccedilos dirigidos a crianccedilas e adolescentes

(PL 677713)

1

19 Proiacutebe a venda de refrigerantes a menores de 18 anos e de alimentos com alto valor caloacuterico e niacuteveis reduzidos de nutrientes em escolas Proiacutebe refrigerantes e alimentos de baixo teor nutricional em escolas de ensino meacutedio e fundamental (PL 504313 628313)

2

20 Revoga a obrigatoriedade de advertecircncia nos roacutetulos das foacutermulas infantis para crianccedilas de 1a infacircncia (PL 586613)

1

TOTAL

41

138

Assim o Poder Legislativo tal como o Poder Executivo natildeo tiveram interesse em

regulamentar a questatildeo O Ministeacuterio da Sauacutede entatildeo introduziu um novo instrumento no

campo do controle de alimentos que foi a implementaccedilatildeo de Acordos e seus Termos de

Compromissos (itens 2 3 5 e 7 do Quadro 2) firmados entre o governo e as entidades

representativas das induacutestrias para a reduccedilatildeo do soacutedio Quanto a esse instrumento haacute

alguns pontos inconvenientes (i) grande elasticidade ndash os prazos para reduccedilatildeo do soacutedio

por exemplo variam entre 3 e 5 anos (ii) extensatildeo limitada ndash a formalidade do Acordo e

dos Termos restringem-se agraves entidades representativas das induacutestrias que os ratificaram

e (iii) fragilidade no cumprimento ndash a inexistecircncia de claacuteusulas punitivas podem retardar o

cumprimento desses atos

Dessa forma como objetivo de inferir sobre as bases da negociaccedilatildeo das metas

referidas nesses Termos efetuados (itens 3 e 5 do Quadro 2) comparou-se o

comportamento de seis produtos alimentiacutecios quanto ao nutriente soacutedio obtidos no

diagnoacutestico com as metas acordadas de reduccedilatildeo (Graacutefico 1) e verificou-se que as metas de

trecircs produtos foram definidas pelo maior valor identificado e as dos outros trecircs aquelas

mais proacuteximas do maior valor A opccedilatildeo pela flexibilidade nas metas demonstra que houve

bastante condescendecircncia do governo para com o mercado na implementaccedilatildeo desses atos

Essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel uma vez que dados comprovam a existecircncia de viabilidade

teacutecnica e comercial que permite acelerar a reduccedilatildeo do teor do soacutedio nos produtos

alimentiacutecios Pois dentre os produtos monitorados haacute alguns deles que estatildeo circulando

no mercado cujas foacutermulas conteacutem teor de soacutedio abaixo do limite de reduccedilatildeo acordado ndash

daiacute se pode inferir que haacute aceitaccedilatildeo por parte do consumidor e tecnologia factiacutevel para a

sua produccedilatildeo Isso fica mais evidente quando o governo ao optar por natildeo impor regras de

caraacuteter compulsoacuterio ldquodesperdiccedilardquo a oportunidade de utilizar como referecircncia o valor

miacutenimo de soacutedio encontrado nos produtos monitorados para a construccedilatildeo das bases dos

Termos

139

Graacutefico 1 Comparaccedilatildeo entre os teores de soacutedio diagnosticados nos produtos alimentiacutecios e os valores de reduccedilatildeo acordados entre o Governo e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos Brasil 2010-2011

FONTE BRASIL ANVISA Informe Teacutecnico n 422010 itens 3 e 5 do Quadro 2

Embora o cumprimento dos Acordos e dos Termos de Compromissos esteja sendo

assumido na praacutetica institucional da vigilacircncia sanitaacuteria descartar o uso da

regulamentaccedilatildeo com prazos negociados e fixados e com previsatildeo de sanccedilotildees significa

fragilizar as medidas de controle e o papel de autoridade e de intervenccedilatildeo do Estado na

atividade privada e dirigida a fazer prevalecer os interesses puacuteblicos Aleacutem disso a

regulamentaccedilatildeo eacute precedida de procedimentos de construccedilatildeo democraacutetica instituiacutedos no

acircmbito da agecircncia reguladora competente enquanto a praacutetica do acordo eacute centralizada e

restrita Adianta-se que o cumprimento do Acordo depende apenas do grau de

compromisso entre as partes que natildeo eacute por si soacute extensivo agraves outras entidades e

empresas do ramo Eacute necessaacuterio que o poder puacuteblico encare o gerenciamento dos riscos

dos alimentos relacionados agrave obesidade e agraves outras DCNT como equiparaacutevel ao aplicado agraves

DTA mediante o uso dos recursos tradicionais de praxe (regulamentaccedilatildeo monitoramento

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

0 2 4 6 8

Menor teor

Maior teor

Acordo

1 Batatas fritas 2 Batatas palha 3 Salgadinhos de milho 4 Biscoito aacutegua e sal 5 Biscoito cream cracker 6 Macarratildeo instantacircneo

140

de produtos inspeccedilatildeo de estabelecimentos etc) para que se alcance um controle efetivo da

qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios envolvidos

Entretanto merece ressaltar que a diferenccedila fundamental do efeito do

gerenciamento dos riscos dos alimentos voltados agrave prevenccedilatildeo das DCNT estaacute nos impactos

econocircmicos alegados pelo setor produtivo e que motivaram uma forte reaccedilatildeo do mercado

Isso porque esse gerenciamento implica reformular a concepccedilatildeo da produccedilatildeo dos

alimentos industrializados em vigor (de baixo custo alto consumo e de peacutessima qualidade

nutricional desenhados com foco nos lucros e sem benefiacutecios para a sauacutede) Eacute importante

salientar que as reaccedilotildees das corporaccedilotildees de alimentos jaacute fizeram o governo dinamarquecircs

retroceder revogando as medidas de taxaccedilatildeo de produtos com alto teor de gordura

saturada (PETKANTCHIN 2013) mas por outro lado natildeo foram suficientes para impedir a

sociedade finlandesa mobilizada de avanccedilar e forccedilar a reformulaccedilatildeo dos produtos

garantindo um alimento com qualidade nutricional aprimorada (PUSKA 2004)

Sob a oacutetica do Ministeacuterio da Sauacutede e da Anvisa haacute uma valorizaccedilatildeo dessa experiecircncia

de Acordos do governo com as entidades das induacutestrias para a reduccedilatildeo do soacutedio como

sendo inovadora legiacutetima e transparente baseada na articulaccedilatildeo intrainstitucional e com o

setor privado e no estabelecimento de uma relaccedilatildeo dialoacutegica e pactuada que fortalecem o

controle social (NILSON JAIME RESENDE 2012) Sem enaltecer o vanguardismo na

praacutetica institucional ou descartar os possiacuteveis meacuteritos dessa iniciativa algumas

ponderaccedilotildees satildeo necessaacuterias primeiro o valor de cunho ideoloacutegico dessa medida

demonstrado pela preocupaccedilatildeo do governo perante a sauacutede puacuteblica eacute o que se sobressai

diante da dispensa das prerrogativas do Estado de impor regras ao mercado e da opccedilatildeo por

fazer acordos maleaacuteveis e de longa duraccedilatildeo Segundo para o fortalecimento do controle

social exige-se que o conjunto das representaccedilotildees da sociedade seja envolvido nas

discussotildees travadas na esfera puacuteblica e no caso o tratamento dado agrave sociedade civil a

maior interessada no tema foi a completa exclusatildeo desse processo de negociaccedilatildeo

comprometendo inclusive a tal legitimidade referida pelos autores

141

521 Parceria entre governo e induacutestrias fragilidade ou inovaccedilatildeo

A Parceria Puacuteblico-Privada no campo da sauacutede30- PppS eacute um fenocircmeno relativamente

novo e ainda carece de uma definiccedilatildeo precisa podendo referir-se a algum tipo de

engajamento ou interaccedilatildeo entre os setores puacuteblicos e privados ou mesmo a um

relacionamento entre estes estabelecido com base em criteacuterios estritos Esse tipo de

parceria se pauta na partilha de objetivos e em algum grau de tomada de decisatildeo entre os

setores puacuteblico e privado Entretanto em geral em nenhuma modalidade se prevecirc a

participaccedilatildeo de organizaccedilotildees sem fins lucrativos (HAWKES 2008b)

Segundo essa autora as PppS relacionadas agrave dieta nutriccedilatildeo e atividade fiacutesica se

processam mais lentamente comparadas agraves que envolvem medicamentos As iniciativas

que estatildeo sendo adotadas em vaacuterios paiacuteses estatildeo focadas basicamente em quatro objetos

melhoria de produtos alimentiacutecios (reduccedilatildeo do sal) educaccedilatildeo do puacuteblico rotulagem

nutricional e propaganda e por fim pesquisas

A formalizaccedilatildeo da PppS estabelecida a partir desse trabalho conjunto busca alcanccedilar

resultados efetivos com reduccedilatildeo de recursos e de desgastes poliacutetico-institucionais sendo

em certas circunstacircncias mais vantajosa do que uma medida empreendida isoladamente

pelo governo No entanto para que as parcerias se materializarem em Acordos haacute um

processo de negociaccedilatildeo para o estabelecimento de responsabilidades muacutetuas e interesses

partilhados sendo fundamental a geraccedilatildeo de benefiacutecios para ambas partes expostos

previamente com clareza em ambiente de transparecircncia e de responsabilizaccedilatildeo para que

essa alianccedila possa se consolidar (MITCHELL 2008) Assim no campo da sauacutede a

governanccedila das PppS tem como foco cinco questotildees-chaves representaccedilatildeo participaccedilatildeo

responsabilizaccedilatildeo transparecircncia e efetividade (HAWKES 2008b)

30 Na sauacutede puacuteblica esse tipo de parceria eacute completamente diferente dos contratos privados para execuccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos firmados sob a forma de Parceria Puacuteblico-Privada (HAWKES 2008b) Nestes casos o governo firma contratos de concessatildeo com parceiros privados que se responsabilizam pela realizaccedilatildeo investimentos em infraestrutura e prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse puacuteblico por prazo determinado

142

A partir da deacutecada de 90 a FAO e a OMS comeccedilam a estimular os paiacuteses a

desenvolverem accedilotildees conjuntas para lidar com a obesidade e outras DCNT mediante a

articulaccedilatildeo entre governo induacutestrias e consumidores (WHO 1990) Aquelas organizaccedilotildees

afirmam ser fundamental criar estrateacutegias multisetoriais com diferentes atores de longa

duraccedilatildeo formar alianccedilas e parcerias e engajaacute-los em programas colaborativos pois a

responsabilidade na prevenccedilatildeo dessas doenccedilas eacute compartilhada Poreacutem natildeo se deve

perder de foco que a incumbecircncia da induacutestria eacute a de aprimorar a qualidade dos seus

produtos alimentiacutecios (WHO 2000 WHO 2002b WHO 2003b) Acreditam que a atuaccedilatildeo

articulada dos formuladores de poliacuteticas puacuteblicas produtores consumidores e outros

parceiros pode transformar o caraacuteter do sistema alimentar tornando-o ldquomais compatiacutevel

com os preceitos nutricionaisrdquo (FAO 2013b)

Na Europa inuacutemeras Parcerias foram alavancadas para enfrentar o fenocircmeno do

sobrepeso e obesidade na Regiatildeo sob o respaldo da Comissatildeo das Comunidades Europeias

cujo alvo principal satildeo os consumidores Assim com muita frequecircncia essas parcerias se

voltam para modificar comportamentos dos consumidores qualificando-os com

informaccedilotildees para revisatildeo de haacutebitos de consumo e de condutas quanto ao exerciacutecio fiacutesico

encarando a obesidade como um problema individual dentro de uma concepccedilatildeo

conservadora-liberal em lugar de instigar mudanccedilas estruturais que determinam tais

comportamentos (BORCH ROOS 2012) Haacute tambeacutem parcerias destinadas a reduzir os

componentes natildeo saudaacuteveis dos alimentos (HAWKES 2008b)

O desafio estaacute em harmonizar interesses no interior das divergecircncias ldquonaturalmenterdquo

instaladas entre os agentes do setor produtivo que visa ao lucro privado e ao comeacutercio de

produtos alimentiacutecios (hipercaloacutericos e ricos em soacutedio) e os agentes puacuteblicos investidos

da funccedilatildeo preciacutepua de proteger os interesses da coletividade No caso do Brasil a despeito

da existecircncia dessas divergecircncias eacute possiacutevel que os alertas sistemaacuteticos emitidos pelos

organismos internacionais pelo governo e miacutedias locais sobre os riscos dos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis assim como uma remota inseguranccedila dos fabricantes quanto

ao uso de medida de intervenccedilatildeo compulsoacuteria ndash regulamentaccedilatildeo - sensibilizaram as

143

entidades corporativas das induacutestrias a empenharem-se em negociar com o governo e

assim evitar qualquer instabilidade no comeacutercio de tais produtos

Para tratar essa questatildeo dos alimentos o governo brasileiro decidiu fazer uso de

instrumentos do tipo ldquoAcordo e Termos de Compromissosrdquo e renunciou agrave via da

regulamentaccedilatildeo A primeira impressatildeo eacute que esses instrumentos aparentemente

simbolizam uma inovaccedilatildeo administrativa mas de fato eles representam um retrocesso ao

serem comparados ao processo democraacutetico de regulamentaccedilatildeo que vem sendo instituiacutedo

no acircmbito das instituiccedilotildees puacuteblicas permitindo um amplo debate e a participaccedilatildeo dos

setores organizados e da sociedade em geral Aleacutem disso demonstra a fragilidade do

governo em gerenciar os riscos dos alimentos com a agilidade requerida e com a

autoridade e a competecircncia que lhe satildeo atribuiacutedas As dificuldades poliacuteticas satildeo reais a

reaccedilatildeo do poderio das corporaccedilotildees de mercado eacute efetiva mas o vazio imposto agrave sociedade

civil eacute revelador de uma conduta contraditoacuteria e de uma evidente indisposiccedilatildeo para

angariar o apoio de aliados

As PppS que lidam com esse objeto em particular estatildeo sujeitas a vaacuterias limitaccedilotildees

que podem comprometer a boa governanccedila entendida aqui como o alcance dos resultados

desejados da maneira correta (HAWKES 2008b) Na perspectiva dessa autora os

parceiros privados podem interagir para conduzir a agenda do governo de modo a se

esquivar de suas reais responsabilidades ou desviar o foco de atenccedilatildeo para as soluccedilotildees

potenciais que contrariem os seus interesses Podem tambeacutem influenciar as decisotildees dos

parceiros do governo criando um ambiente interno que os iniba a se esforccedilarem para

regular o setor privado com fins de natildeo comprometer a parceria jaacute instalada

O artigo de Majone (2006) sobre o Estado regulador congrega vaacuterios elementos que

ajudam a compreender a atuaccedilatildeo dos governos Segundo o autor esse novo modelo

imprime um paradoxo que se traduz pelo estiacutemulo agrave privatizaccedilatildeo e agrave desregulamentaccedilatildeo

de um lado e o incremento das poliacuteticas regulatoacuterias de outro Poreacutem para se ajustar agraves

necessidades do mercado a racionalidade da intervenccedilatildeo governamental combina medidas

de desregulaccedilatildeo e de uma nova regulaccedilatildeo O Acordo se encaixa perfeitamente na

desregulaccedilatildeo que conforme esse autor significa regulaccedilatildeo flexiacutevel natildeo riacutegida e que eacute

144

aplicada em larga escala no campo da regulaccedilatildeo social no qual se situa a sauacutede

Embora o Estado na era da globalizaccedilatildeo econocircmica se submeta a constantes

pressotildees do mercado internacional obrigando-se a fazer vaacuterias concessotildees Santos (2005)

acredita que ele ainda acumula suficiente poder para reagir e manejar as suas regras de

forma a compatibilizar as influecircncias externas e as realidades internas No entanto tudo

depende dos verdadeiros interesses que o Estado defende e da habilidade e das estrateacutegias

utilizadas para viabilizaacute-los

As feiccedilotildees do Acordo formalizado entre o governo e as entidades representantes das

induacutestrias de alimentos comprovadamente natildeo privilegiou as realidades internas

(epidemia de obesidade alto consumo de produtos hipercaloacutericos e ricos em sal

incremento de outras DCNT) Ele foi moldado com medidas elaacutesticas de reduccedilatildeo do soacutedio

e ainda sem um efetivo suporte do trabalho ldquoeducativordquo das instituiccedilotildees de sauacutede para

conscientizar a populaccedilatildeo sobre os benefiacutecios dessa reduccedilatildeo Em princiacutepio parece que eacute

somente a sauacutede que estaacute em questatildeo mas de forma velada haacute tambeacutem a preocupaccedilatildeo de

evitar que o mercado durante a fase de ajuste dos produtos sofra abalos nos lucros com

tais medidas Em funccedilatildeo disso Stuckler amp Nestle (2012) afirmam que qualquer parceria

tem que resultar em lucros para as induacutestrias

Assim esse evidente contrabalanccedilo de interesses implicitamente levou agrave decisatildeo de

natildeo se enfrentar os conflitos da regulamentaccedilatildeo do soacutedio com base nos teores miacutenimos

apontados pelo diagnoacutestico e comprovadamente factiacuteveis o que constitui um dos pontos

de fragilidade dessa intervenccedilatildeo Eacute importante ressaltar que em experiecircncias

anteriormente relatadas as induacutestrias nacionais foram obrigadas a enriquecer seus

produtos com nutrientes para atender as exigecircncias do setor sauacutede arcando com os custos

econocircmicos desse procedimento Agora o confronto envolve empresas transnacionais e a

reduccedilatildeo de nutrientes natildeo saudaacuteveis e de custo baixo que afetam a palatibilidade dos

produtos e tal fato pode interferir nas vendas

Os efeitos dos Acordos e dos Termos de Compromissos se estendem ao conjunto dos

145

serviccedilos de vigilacircncia sanitaacuteria uma vez que estes realizam as atividades de

monitoramento dos produtos previstas naqueles atos Desse modo esses atos se

convertem em motivo de reflexatildeo uma vez que natildeo tecircm valor legal para as accedilotildees de rotina

da vigilacircncia sanitaacuteria Em comparaccedilatildeo ao ritual das praacuteticas realizadas tais atos

simbolizam tratar de forma protetora o mercado e protelar a garantia do direito agrave sauacutede

populaccedilatildeo Aleacutem disso abre precedentes no campo da vigilacircncia sanitaacuteria para que a

regulamentaccedilatildeo seja substituiacuteda por ldquoAcordordquo quando for necessaacuterio manejar questotildees

polecircmicas de riscos agrave sauacutede ampliando-se os conflitos inerentes agrave atividade

O fato de os componentes nutricionais em excesso (gorduras saturadas accediluacutecares e

sal) produzirem efeitos agrave sauacutede (acumulativos e de longo prazo) diferentes daqueles

causados pela maioria dos agentes contaminantes (em geral de curto prazo e de

propagaccedilatildeo extensiva e raacutepida se o produto for de circulaccedilatildeo global) natildeo deve ser motivo

para adoccedilatildeo de intervenccedilotildees distintas por parte do governo que sempre aplicou regras

compulsoacuterias para esse segundo grupo de riscos

Embora a regulamentaccedilatildeo usualmente seja percebida de modo deturpado como uma

medida de intervenccedilatildeo antipaacutetica e autoritaacuteria ela eacute oportuna e necessaacuteria quando se trata

de prevenir riscos agrave sauacutede inclusive epidemias que se disseminam na sociedade A

ausecircncia de paracircmetros internacionais face ao comeacutercio global instruindo sobre como

lidar com os nutrientes-chave presentes nos produtos alimentiacutecios natildeo impede que o paiacutes

ouse em prol da sauacutede do coletivo e nem tampouco que ele se contenha com a adoccedilatildeo de

medidas atenuantes e lentas nesse campo O governo acertou ao optar pelo caminho da

argumentaccedilatildeo do convencimento mas errou no encerramento do diaacutelogo por natildeo

estabelecer regras compulsoacuterias para reduccedilatildeo do soacutedio e dos demais nutrientes em

questatildeo

Outro aspecto da fragilidade desse Acordo estaacute na ausecircncia marcante da sociedade

civil Um dos aspectos centrais da ldquoboa governanccedilardquo de qualquer iniciativa eacute a

representaccedilatildeo e participaccedilatildeo da tomada de decisatildeo daqueles afetados pelo exerciacutecio do

poder (HAWKES 2011) Contudo a ausecircncia forccedilada da sociedade civil rompe com as

praacuteticas que vecircm sendo inauguradas a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 de criaccedilatildeo de

146

espaccedilos puacuteblicos de intervenccedilatildeo e de expressatildeo da democracia participativa Ausecircncia que

foi marcante na medida em que a sociedade civil poderia atuar como um integrante

diferenciado tanto para dar suporte ao governo na defesa do interesse puacuteblico e da

primazia dos assuntos de sauacutede quanto para exercer pressatildeo no sentido de avanccedilar as

negociaccedilotildees em prol da aprovaccedilatildeo de regras com metas mais justas para reduccedilatildeo de soacutedio

nos produtos alimentiacutecios

Para sintetizar o Acordo ao contraacuterio de significar avanccedilo nos dispositivos de

controle de alimentos representa limitaccedilotildees poliacutetico-institucionais para o exerciacutecio da

praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria em especial em trecircs aspectos a) cria precedentes para

evitar a regulamentaccedilatildeo com a finalidade de reduzir os teores de nutrientes-chave accedilatildeo

fundamental para proteger agrave sauacutede b) gera situaccedilotildees de imbroacuteglio interno pois natildeo haacute

como fiscalizar o cumprimento dos teores nutricionais como base nesse Acordo e por fim

c) reduz a sociedade civil a um vazio colocando-a agrave margem desse processo de concertaccedilatildeo

de medidas sanitaacuterias para amenizar as tensotildees e os embates com o setor produtivo A

participaccedilatildeo ativa da sociedade civil organizada eacute sempre um reforccedilo para se galgar

maiores conquistas inclusive a melhoria da composiccedilatildeo nutricional dos produtos pelas

corporaccedilotildees das induacutestrias

147

6 RISCOS E REGULACcedilAtildeO DOS ALIMENTOS visotildees dos sujeitos sociais31

61 Racionalidades discursivas um exerciacutecio de interpretaccedilatildeo

Para introduzir as anaacutelises resgatam-se as reflexotildees de Foucault (1982) sobre a

noccedilatildeo de ldquogovernordquo natildeo a remetendo estritamente a governo como instituiccedilatildeo mas

enquanto praacutetica entendida como uma forma de exerciacutecio complexo de poder que visa ldquo[]

fazer por vaacuterios meios com que determinados fins possam ser atingidosrdquo (p284) Para isso

governo consiste em enquadrar a conduta dos homens mediante o uso de instrumentos

taacuteticos fazendo com que eles mesmos se ajustem agraves regras da racionalidade governamental

e dessa forma que as intenccedilotildees almejadas se realizem Eacute nesse sentido que se pode dizer

que todo governo pretende obter um autogoverno dos proacuteprios sujeitos por meio do qual

eles se apropriam livremente (ou imaginam fazecirc-lo) das normas de conduta impostas pelo

poder governamental

A racionalidade geral adotada para tratar da abordagem dos riscos atribuiacutedos aos

alimentos e dos mecanismos de regulaccedilatildeo desencadeados pela esfera puacuteblica para

controlaacute-los se mostra diferenciada quando eacute recepcionada e praticada por sujeitos que

nos seus respectivos campos de competecircncia exercem interferecircncias e modelam a sua

construccedilatildeo assim como conduzem suas estrateacutegias de influecircncias e se movimentam para

accedilatildeo Com aportes diferenciados de capital simboacutelico e material e com compromissos

sociais nem sempre sintonizados eles seguem trajetoacuterias especiacuteficas que conduzem

decisivamente a processos distintos de compreensatildeo

Em sintonia com a sequecircncia de Foucault e dos empreendimentos posteriores sobre

AD afirma-se que a constituiccedilatildeo da realidade eacute indissociaacutevel da atividade discursiva que a

organiza (FOUCAULT 1999) e que para compreendecirc-la eacute necessaacuterio explorar a linguagem

31

As teacutecnicas de Anaacutelise do Discurso e a topologia do Quadrado Semioacutetico foram aprofundadas com as sessotildees de

trabalho realizadas com o Prof Dr Patrick Dahlet professor visitante da Universidade Federal de Minas Gerais

148

Ou seja romper com a sua pseudotransparecircncia e investigar a significaccedilatildeo das suas

operaccedilotildees de produccedilatildeo reconstruindo os valores dos seus marcadores enunciativos e o

sentido das suas alteraccedilotildees no fio descontiacutenuo do discurso realizado Contudo o resultado

alcanccedilado jamais representaraacute o encontro com a verdade dos fatos pois na linguagem se

instala um acervo de significaccedilatildeo Trata-se apenas de estabelecer com o uso de

instrumental teoacuterico-metodoloacutegico uma anaacutelise da linguagem-sujeito-sentido e eleger um

caminho para interpretaccedilatildeo (ORLANDI 2010)

Assim neste capiacutetulo eacute apresentada a anaacutelise de um conjunto de discursos

entrelaccedilando vozes representativas de sujeitos-chave sobre o comportamento dos riscos

dos alimentos e as consequecircncias derivadas assim como o valor operativo da estrateacutegia de

regulaccedilatildeo adotada pelas instituiccedilotildees puacuteblicas nacionais

Eacute importante salientar que os discursos foram coletados no periacuteodo de 26022013 a

06062013 durante a realizaccedilatildeo de entrevistas gravadas Satildeo discursos de sujeitos

pertencentes em quase sua totalidade trecircs tipos de setores32 ndash mercado poder puacuteblico e

sociedade civil ndash os quais satildeo abordados em seus instrumentos hierarquia de valores e

modos de argumentaccedilatildeo proacuteprios Considerando que as marcas da oralidade natildeo satildeo

significantes para a reconstruccedilatildeo do sentido visado pelos interlocutores em questatildeo os

discursos foram transcritos sem se reportar agraves flutuaccedilotildees sintaacutexicas e riacutetmicas

caracteriacutesticas da sua ancoragem num contexto oral A abordagem escolhida remete aos

fundamentos teoacutericos e metodoloacutegicos da AD (PEcircCHEUX 2008 ORLANDI 2010)

Nessa perspectiva em niacutevel teoacuterico cada manifestaccedilatildeo textual se inscreve num

universo discursivo que preacute-forma o que pode ser dito e como essa intenccedilatildeo de dizer pode

ser atualizada num determinado contexto de interaccedilatildeo social e enunciativa Isso indica que

cada texto (no caso cada transcriccedilatildeo de entrevista) pode sempre ser apreendido enquanto

realizaccedilatildeo uacutenica e irredutiacutevel agraves outras (as transcriccedilotildees das entrevistas dos sujeitos da

sociedade civil se diferenciam daquelas dos sujeitos do mercado por exemplo) devido agrave

32

Foi realizada apenas uma entrevista com representante de um organismo internacional

149

singularidade da atividade discursiva de sujeitos particulares Entretanto cada texto

apresenta necessariamente similitudes geneacutericas com outros por circular na mesma eacutepoca

e no mesmo campo de conhecimento (no caso os discursos sobre riscos e regulaccedilatildeo de

alimentos no Brasil) referindo-se tanto agrave aproximaccedilatildeo dos conteuacutedos tratados quanto agraves

modalidades de construccedilatildeo enunciativa deles

O discurso eacute produto de um sistema simboacutelico que funde liacutengua e ideologia A

primeira se exterioriza enquanto a segunda atua nos discursos comportando-se como o fio

condutor das distinccedilotildees entre eles fazendo eclodir as posiccedilotildees e as lutas simboacutelicas Estes

interesses em jogo transformam-se em correlaccedilotildees de forccedilas objetivas entre os diferentes

agentes sujeitos de enunciaccedilatildeo para impor a sua concepccedilatildeo de mundo e defender seus

propoacutesitos particulares como a expressatildeo do conjunto social (BOURDIEU 2009) Por isso

concebe-se que o discurso natildeo somente ergue representaccedilotildees ideoloacutegicas mas deteacutem uma

racionalidade proacutepria que fundamenta praacuteticas associadas a regras e assim define como

os comportamentos devem se conformar - no caso o da relaccedilatildeo consumo de alimentos e

sauacutede

Jamais se fala ou se escreve qualquer coisa de qualquer maneira e em qualquer

situaccedilatildeo (DAHLET 1994) Segundo Pecirccheux (2008) qualquer manifestaccedilatildeo textual deve

ser assim concebida como preacute-construiacuteda porque eacute configurada antecipadamente por um

leque de condiccedilotildees de possibilidades enunciativas que estabelecem os quadros e temaacuteticas

gerais em que iraacute poder mover-se para ser trabalhada

A existecircncia de tais preacute-construiacutedos define enunciados matriz que iratildeo nortear com

grau de conformidade variaacutevel segundo o posicionamento soacutecioenunciativo dos

interlocutores o conjunto de textos que organiza as representaccedilotildees discursivas de um

mesmo objeto discurso - no caso a relaccedilatildeo da sociedade brasileira com a qualidade dos

alimentos

Em niacutevel metodoloacutegico a delimitaccedilatildeo de enunciados matriz permite assim identificar

ao mesmo tempo as afinidades de um texto em relaccedilatildeo aos outros (relacionadas no caso agrave

150

sua inscriccedilatildeo dentro de um mesmo discurso neoliberal globalizante) e as variaccedilotildees

significativas resultantes das relaccedilotildees singulares dos sujeitos agraves tematizaccedilotildees ordenadas

pelos enunciados matriz e aos contextos sociais especiacuteficos segundo as quais essas

regularidades matriciais estatildeo filtradas pelos locutores

Determina-se assim que o conjunto das entrevistas recolhidas transita por um

movimento argumentativo direcionado por cinco enunciados matriz que foram

sintetizados enquanto funccedilotildees enunciativas transversais a todos os discursos estudados

a) Essencialidade do alimento Postula-se que o alimento eacute vida por essecircncia e essa

imprescindiacutevel vitalidade dos alimentos eacute consagrada desde a origem da

humanidade No entanto o que estaacute em voga eacute a reafirmaccedilatildeo essencialista da

identidade do alimento em si mesma independente dos condicionamentos os quais

seratildeo sempre superficiais e incapazes de abalar a sua pureza miacutetica Cabe ao homem

somente conseguir o equiliacutebrio no consumo alimentar para alcanccedilar a chave da

sauacutede e da vida

b) Irreversibilidade do consumo do produto industrializado Essa regularidade

enunciativa coloca em discussatildeo a loacutegica econocircmica de processamento de alimentos

(produtos voltados para o lucro e ou para benefiacutecios da nutriccedilatildeo) e o produto

alimentiacutecio resultante do processo tecnoloacutegico comparando-o com a autenticidade

(real ou imaginada) do alimento extraiacutedo da natureza

c) Autonomia do consumidor o indiviacuteduo sob o prisma da ideologia neoliberal eacute

autocircnomo para fazer as suas escolhas alimentares Entretanto alimentar-se eacute um

ato que importa riscos assim o indiviacuteduo fica na dependecircncia da sabedoria e das

experiecircncias adquiridas para ser capaz de se proteger

151

d) Consumidor para (trans)formar A capacidade de autodefesa do consumidor estaacute

nas informaccedilotildees recebidastransmitidas que atuam como o motor de

transformaccedilatildeo da sua consciecircncia repercutindo diretamente sobre a sua conduta

e) Regulaccedilatildeo consentida O alcance de um produto saudaacutevel natildeo perpassa

exclusivamente pelas disposiccedilotildees legais mas envolve uma governanccedila regulatoacuteria

acordada entre as partes interessadas conciliando a interiorizaccedilatildeo dos valores do

mercado e de uma nutriccedilatildeo equilibrada

Satildeo as variaccedilotildees das realizaccedilotildees discursivas desses enunciados matriz que seratildeo

examinadas sucessivamente a seguir relacionando quando possiacutevel a diferenciaccedilatildeo das

suas significaccedilotildees as alteraccedilotildees das suas formulaccedilotildees entre um conjunto de entrevistas e

outro com o objetivo de delimitar e interpretar as tensotildees (o jogo de concordacircncias e de

conflitos) que atravessam de parte a parte as promessas de um produto alimentiacutecio

saudaacutevel para equilibrar a nutriccedilatildeo de todos No final seraacute apresentado um quadro-resumo

(Quadro 4) comparando os enunciados matriz postulados e realizaccedilotildees discursivas sob o

olhar da interpretaccedilatildeo realizada

a) Essencialidade do alimento

Com base nas entrevistas a concepccedilatildeo do alimento guia-se por duas direccedilotildees

primeiro o alimento inscreve-se em uma visatildeo imaginaacuteria e miacutetica dos seus ciclos

histoacutericos e da sua passagem na histoacuteria da humanidade Haacute um tipo de mitificaccedilatildeo do

alimento que o considera como fonte de energia de proteiacutena e de vida para humanidade e

tambeacutem de ser capaz de concentrar todas as virtudes Segundo o alimento eacute algo inerente

agrave natureza e esse caraacuteter natildeo se desfaz a despeito das transformaccedilotildees humanas sobre ele

praticadas Isto remete a um tipo de irrealizaccedilatildeo do produto o que o faz assumi-lo sempre

como alimento por e pela natureza permanecendo inalterado mesmo quando modificado

pela induacutestria

152

Assim o sujeito M1 traccedila um longo recorte do percurso do alimento na histoacuteria da

humanidade desde a Antiguidade e afirma que [] o alimento eacute uma das coisas fundamentais na

vida humana [] o vital para a sauacutede para a existecircncia do ser humano eacute o alimento Destaca tambeacutem

que desde os tempos imemoriais [] a primeira manifestaccedilatildeo foi a de como preservar a comida [] a

primeira revoluccedilatildeo foi o fogo a segunda revoluccedilatildeo foi a descoberta de como secavam ao sol o produto [] e

conclui argumentando que a industrializaccedilatildeo consiste no prolongamento dos antigos

ldquosegredosrdquo da preservaccedilatildeo do alimento herdados da Antiguidade

Nessa descriccedilatildeo o alimento industrializado eacute necessariamente qualificado pois a

tecnologia trata exclusivamente de resgatar as propriedades vitais miticamente atribuiacutedas

ao alimento e preservaacute-las para que este enfrente os desafios do tempo Assim cabe agraves

induacutestrias fazer esse resgate com competecircncia uma vez que elas detecircm os segredos da

preservaccedilatildeo que foram revelados pelos antigos aperfeiccediloando os alimentos com a

dinacircmica imposta pela experiecircncia e pelas suas expectativas

Jaacute o sujeito M3 focou seu breve ensaio historiograacutefico a partir dos ciclos ou ondas de

produccedilatildeo dos alimentos revelando as inovaccedilotildees ocorridas no produto alimentiacutecio e

conclui que nesse trajeto houve a perda do elo com a nutriccedilatildeo o que deve ser

restabelecido

[] a gente enxerga os ciclos dos alimentos no Brasil [] um primeiro grande ciclo foi no preacute-guerra dos alimentos in natura todo mundo tinha tempo [] comia em casa [] os alimentos para fins especiais comeccedilaram a surgir na deacutecada de 60 e 70 [] a quarta onda [] foi exatamente o diet e light [] e a segunda fase desta quarta [] quando a gente teve uma mudanccedila do entendimento do que eacute o alimento ndash ele eacute muito mais nutriccedilatildeo ou seja um alimento com uma determinada oferta de calorias de soacutedio de proteiacutenas ou de gordura ele pode ou natildeo ajudar numa melhor sauacutede (M3)

O confronto desses dois discursos feitos pelos sujeitos do mercado sinaliza uma niacutetida

contradiccedilatildeo quanto agrave imagem do produto alimentiacutecio construiacuteda com o passar dos tempos

no primeiro a integridade do alimento parece manter-se inabalada frente agraves

transformaccedilotildees da sociedade enquanto no segundo discurso haacute o reconhecimento da

mudanccedila mas impera uma visatildeo reducionista do alimento focalizando apenas os seus

nutrientes

153

No grupo do mercado evidencia-se uma valorizaccedilatildeo do alimento como substacircncia

vital visatildeo quase maacutegica da essecircncia vital do produto Entretanto o diferencial entre os

discursos revela-se quando o M1 em referecircncia a essa visatildeo miacutetica dos benefiacutecios dos

alimentos isenta o alimento incorporado ao mercado de qualquer responsabilidade nos

distuacuterbios da sauacutede da coletividade e individual Eu considero que o alimento natildeo faz mal nenhum

muito pelo contraacuterio eu fico revoltado quando as pessoas falam que alimento faz mal [] frase mais

incoerente e mais ignorante que eu jaacute vi na minha vida [] (M1)

Tal consideraccedilatildeo expressa na verdade o princiacutepio baacutesico ideoloacutegico de operaccedilatildeo do

neoliberalismo no qual o mercado visa exclusivamente beneficiar os homens em todas as

dimensotildees da vida mas natildeo pode e natildeo deseja impor tais benefiacutecios pois fere os seus

proacuteprios preceitos que decretam o seu livre funcionamento e o livre arbiacutetrio do indiviacuteduo

(DAHLET 2014) Nessa perspectiva cabe ao indiviacuteduo decidir se aproveita ou natildeo os

benefiacutecios ofertados pelo mercado e em caso contraacuterio a responsabilidade dos distuacuterbios

recai sobre essa decisatildeo individual que comprova ao mesmo tempo a loacutegica do livre

empreendimento o sustentaacuteculo dessa corrente de pensamento

Essa isenccedilatildeo de responsabilidade do alimento eacute reiterada sob diferentes argumentos

ateacute ao ponto de ele converter-se em agente autocircnomo da accedilatildeo o alimento natildeo tem culpa (M1)

O alimento daacute origem a uma personificaccedilatildeo retoacuterica que iraacute autorizar a converter o proacuteprio

alimento no agente do processo produtivo como seraacute posteriormente destacado apagando

assim a proacutepria responsabilidade das induacutestrias

Com o avanccedilar da entrevista esse mesmo sujeito eacute afetado pelas armadilhas do

discurso reconhecendo implicitamente a responsabilidade parcial do processamento

industrial mas mantendo intocaacutevel a essencialidade do alimento As doenccedilas crocircnicas natildeo-

transmissiacuteveis [] as causas [] satildeo multicausais ndash elas satildeo por falta de atividade fiacutesica excesso de comida

com ingredientes [] e natildeo eacute soacute nosso industrializado que leva sal (M1) Essa formulaccedilatildeo se aproxima a

uma contradiccedilatildeo da afirmaccedilatildeo anterior ndash de natildeo culpabilidade do alimento Observa-se

ainda um contra-discurso em um contexto muito polecircmico no qual faz o destaque

exclusivo do soacutedio nos alimentos industrializados e apaga os efeitos dos outros

154

componentes nutricionais que quando presentes em excesso no alimento industrializado

satildeo igualmente prejudiciais agrave sauacutede Aleacutem disso nesse discurso o sujeito implicitamente

quer amenizar as caracteriacutesticas nocivas do alimento industrializado compartindo-as com

aquele que eacute feito a partir do preparo domeacutestico - que tambeacutem utiliza ingredientes natildeo

saudaacuteveis em excesso como o sal

Portanto a relaccedilatildeo entre o alimento e as doenccedilas eacute um ponto em haacute variaccedilotildees entre

os discursos dos trecircs sujeitos do grupo do mercado e ao contraacuterio do que se poderia

deduzir no interior do grupo do mercado a unicidade natildeo resplandece Um dos sujeitos

combina a afirmaccedilatildeo do valor imemorial do alimento com a relativizaccedilatildeo dos seus efeitos

beneacuteficos uma vez que atribui o excesso de peso e a obesidade como um das

consequecircncias relacionadas ao consumo do alimento sem se limitar a ele Entatildeo acho que ele

(alimento) natildeo estaacute sozinho Eu acho que a gente tem uma conjunccedilatildeo infelizmente de vaacuterios fatores (M3)

Sob o olhar desse sujeito o alimento natildeo eacute reconhecido como o protagonista isolado da

trageacutedia alimentar Com ele circulam em cena outros elementos que diluem a sua

importacircncia Poreacutem como parte da responsabilidade eacute delegada ao alimento

industrializado o sujeito manifesta-se sensiacutevel e favoraacutevel ao uso da estrateacutegia da ldquoboa

governanccedila regulatoacuteriardquo Jaacute outro sujeito comunga com a imagem desenhada pelo primeiro

e descarta qualquer implicaccedilatildeo negativa dos alimentos industrializados preferindo trataacute-

los de uma maneira diluiacuteda como ldquodietardquo recomendando apenas moderaccedilatildeo no consumo

Eu recomendo a dieta que vocecirc coma tudo [] Alguma coisa que modere isso mas que natildeo elimine o

chocolate por exemplo da dieta [] Agora o que vocecirc tem que fazereacute moderadamente [] Vocecirc ter que

balancear a sua necessidade (M2)

Os sujeitos vinculados ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada reconhecem

tambeacutem que o alimento eacute essencial agrave vida humana No entanto mencionam a importacircncia

das condiccedilotildees de cultivo e de produccedilatildeo na conservaccedilatildeo da condiccedilatildeo sanitaacuteria do alimento

para que a sauacutede humana possa se beneficiar e se manter em equiliacutebrio Com isso a gente

pode chegar ateacute abstrair a questatildeo do medicamento se conseguirmos fazer da alimentaccedilatildeo o nosso

medicamento (S3)

Assim a igualizaccedilatildeo da referecircncia do alimento como uma fonte intriacutenseca de sauacutede eacute

o que emerge do confronto de todos os discursos qualquer que seja a sua procedecircncia

155

institucional Fato que remete a uma ativaccedilatildeo imaginaacuteria das propriedades primitivas do

alimento conforme as formulaccedilotildees extraiacutedas das entrevistas a saber

[] o alimento eacute uma das coisas fundamentais na vida humana [] vital para a sauacutede para a existecircncia do ser humano eacute alimento (M1) [] eacute o principal eixo na sauacutede de uma pessoa (S1) Haacute um conjunto de informaccedilotildees que sinalizam a centralidade da questatildeo da alimentaccedilatildeo do binocircmio homem-alimento sobre as condiccedilotildees de sauacutede da populaccedilatildeo (P4)

Esse discurso consensual - de que a vida natildeo pode prescindir do alimento ndash persiste

como uma retoacuterica estrateacutegica de cunho moral De fato satildeo justificativas simboacutelicas para

encobrir o processo competitivo do mercado o qual eacute capaz de submeter o alimento a

quaisquer condicionamentos inclusive aqueles capazes de tornaacute-lo prejudicial agrave sauacutede

Em geral os discursos veiculados pelo mercado poder puacuteblico e sociedade civil

organizada tambeacutem se alinham com a centralidade do alimento na sauacutede e na vida A sauacutede

depende da alimentaccedilatildeo (P6) O alimento influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos [] (P4) [] o alimento eacute

vida (S2) [] os alimentos satildeo o combustiacutevel principal do ser humano (S1) Sem desconsiderar o poder

positivo intriacutenseco do alimento ponderaccedilotildees satildeo efetuadas quanto agrave capacidade do

produto alimentiacutecio absorver automaticamente as qualidades intriacutensecas da mateacuteria-prima

ndash alimento - conforme referido nos discursos dos sujeitos ligados ao mercado Os discursos

que fluem dos outros dois grupos de sujeitos afirmam que somente produtos seletos

conseguem portar atributos positivos e beneficiar efetivamente a sauacutede Caso contraacuterio a

interaccedilatildeo sucessiva dos produtos ldquocomunsrdquo com o corpo provocaraacute no indiviacuteduo no

decorrer do consumo disfunccedilotildees de ordem fiacutesico-funcional

O alimento ocupa uma posiccedilatildeo central que pode ser positiva ou negativa na condiccedilatildeo de sauacutede da populaccedilatildeo (P2) [] influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos tanto para o lado bom como para o lado ruim O consumo de alimento de boa qualidade nutricionalmente adequado melhora a qualidade de vida as funccedilotildees do organismo e consequentemente a sauacutede fica preservada (P4) A alimentaccedilatildeo ela vai refletir no proacuteprio corpo [] leva a doenccedilas sobre vaacuterios aspectos (P1)

No cotidiano vida com sauacutede eacute conquista social Lutas embates e negociaccedilotildees foram

exigidos para forccedilar uma sociedade desigual a tornar igualitaacuterio o direito aos bens

primaacuterios fundamentais agrave sobrevivecircncia humana Ciente disto um dos sujeitos da

156

sociedade civil declara Valorizamos muito a conquista que tivemos ao incluir na Constituiccedilatildeo ndash o direito

agrave alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel como parte do artigo 60 que fala dos direitos sociais (S2) Trata-se sim

de vibrar e de enaltecer o esforccedilo coletivo pela inclusatildeo da alimentaccedilatildeo no conjunto dos

direitos sociais na Constituiccedilatildeo Brasileira pois desde o ano de 196633 a alimentaccedilatildeo foi

ratificada como direito humano universal e apenas recentemente34 em 2010 foi

convertida em direito social no Brasil permitindo ao cidadatildeo reivindicaacute-lo junto agraves

instituiccedilotildees puacuteblicas nas situaccedilotildees de impossibilidade de realizaccedilatildeo desse direito

Para os sujeitos da sociedade civil mesmo com o entendimento quase unacircnime do

papel central do alimento na vida do indiviacuteduo isso ainda natildeo eacute suficiente para que o

governo desencadeie propostas de encaminhamento de soluccedilatildeo em torno do tema que

incluam a revisatildeo do sistema de produccedilatildeo de alimentos As soluccedilotildees para os riscos

provenientes do consumo dos alimentos estatildeo sendo contornadas com alternativas

externas a esse sistema como medicalizaccedilatildeo uso de tecnologias de produccedilatildeo ainda sob

polecircmicas e valorizaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica para reduccedilatildeo de peso

[] natildeo haacute uma compreensatildeo profunda da sociedade que o alimento eacute central e que noacutes temos que nos engajar todos nessa perspectiva [] Essas propostas de biofortificaccedilatildeo precisam ser melhor analisadas tambeacutem do ponto de vista nutricional [] o Brasil continua liberando transgecircnicos [] (S2) [] me surpreendeu uma medida do Ministeacuterio da Sauacutede uma portaria que saiu sobre obesidade [] que privilegia de alguma maneira a realizaccedilatildeo de cirurgia bariaacutetrica [] a partir dos dezesseis anos [] parece que a intenccedilatildeo do Ministeacuterio eacute cuidar da obesidade atraveacutes desse procedimento (S3)

Eacute fato que a aproximaccedilatildeo de posiccedilotildees de interesses amplia os pontos de similitudes

entre os discursos como observado nas exposiccedilotildees dos sujeitos do poder puacuteblico e da

sociedade civil organizada Assim na exploraccedilatildeo do binocircmio alimento-sauacutede a partir de

uma coleccedilatildeo de extratos de falas vaacuterios pontos coincidentes se destacam A racionalidade

cientiacutefica com o predomiacutenio do traccedilo biologicista mesclada com discretas menccedilotildees agrave

cultura alimentar e ao social se entrecruzam nas formaccedilotildees discursivas evocando as

33 O Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) foi reconhecido em 1966 a partir da aprovaccedilatildeo pelos estados-partes do Pacto Internacional para os Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais (PIDESC) no acircmbito das Naccedilotildees Unidas (UN 1966) 34 A emenda constitucional 64 de 4 de fevereiro de 2010 inclui a alimentaccedilatildeo no artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal que trata dos direitos sociais (BRASIL PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA 2010)

157

doenccedilas de origem alimentar Domina uma concepccedilatildeo na qual a entidade patoloacutegica tem

um viacutenculo fluido com o social que eacute reduzido a um mero fator enquanto a sua condiccedilatildeo de

determinante eacute desprezada Os indiviacuteduos satildeo isoladamente nominados como

responsaacuteveis ocultando-se os demais atores sociais implicado no encadeamento e na

reversatildeo dos processos moacuterbidos

[] o conjunto de doenccedilas que mais acometem a populaccedilatildeo brasileira estatildeo fortemente determinadas em algum grau pelas praacuteticas alimentares dos indiviacuteduos (P2) As estatiacutesticas das DCNT sobretudo no componente diabetes doenccedilas cardiovasculares e alguns tipos de cacircncer tecircm implicaccedilatildeo na dimensatildeo da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo (P5) [] a correlaccedilatildeo com a obesidade na medida em que ela tem vaacuterias consequecircncias [] as alteraccedilotildees de colesterol de pressatildeo [] na medida em que vocecirc consegue adequar o peso e melhorar essa alimentaccedilatildeo eacute magicamente repercutida sobre essas consequecircncias (S3) [] acho que a relaccedilatildeo (dieta e perfil nutricional) eacutebastante grande Eacute oacutebvio que a gente tem outros fatores [] ndash os fatores ambientais socioloacutegicos [] do tipo de trabalho que as pessoas tem hoje entatildeo elas ficam sedentaacuterias [] (S1)

Em outros trechos de fala a doenccedila eacute socialmente construiacuteda e as instituiccedilotildees sociais

ndash famiacutelia escola Estado ndash contribuem de diferentes formas para o seu aparecimento e

portanto tecircm responsabilidades a assumir O mercado camuflado na publicidade natildeo fica

explicitado nesse trecho do discurso

[] como essa obesidade foi construiacuteda [] Essa construccedilatildeo [] tem vaacuterios incentivos Incentivo da publicidade que comeccedila inclusive com crianccedilas agrave frente da televisatildeo [] Entatildeo ela eacute construiacuteda muitas vezes ateacute por omissatildeo da famiacutelia muitas vezes na atividade escolar [] Antes da omissatildeo da famiacutelia [] Mas antes disso o papel do Estado quando eu falo de publicidade [] da oferta de serviccedilos que vai desde profissionais bem alocados na rede puacuteblica enfim para oferecer para prestar serviccedilos neste sentido agrave populaccedilatildeo (S3)

Sob uma visatildeo caleidoscoacutepica a alimentaccedilatildeo praacutetica que envolve o consumo de

alimentos se compotildee de diferentes olhares interaccedilatildeo afeto e poder somados agrave nutriccedilatildeo

Elementos de um dos discursos repleto de riqueza e ousadia influenciado por uma visatildeo

de mundo totalizante na qual satildeo descortinadas outras facetas imbricadas no objeto em

questatildeo Consumir alimentos extrapola a funccedilatildeo de nutriccedilatildeo para atender agraves necessidades

corpoacutereas Constitui-se em um ato instintivo mas simultaneamente social impregnado de

158

significados afetivos capazes tanto de fomentar a interaccedilatildeo interpessoal quanto de aflorar

conflitos no campo do poder

A alimentaccedilatildeo eacute a reparticcedilatildeo do alimento eacute vocecirc coletivamente se alimentar Tem um ritual que implica estar se nutrindo e nutrindo um conjunto de pessoas [] Por isso o alimento ele eacute muito simboacutelico Ela (alimentaccedilatildeo) estaacute deixando de ser encarada como elemento sagrado e estaacute muito vergada por uma loacutegica de consumo e de expressotildees de poder (P1)

O mercado de consumo articulou a loacutegica do prazer com a do desejo A primeira

sensaccedilatildeo eacute para funcionar necessariamente por um prazo curto de duraccedilatildeo enquanto na

segunda a regra eacute permanecer sempre ativa e incompleta mantendo-se aberta as novas

oportunidades que o mercado em seu dinamismo iraacute disponibilizar O produto alimentiacutecio

participa ativamente desse jogo de seduccedilatildeo mercadoloacutegica e em geral o resultado do

placar aponta o consumidor como o perdedor - aquele que perde a sauacutede e ganha doenccedilas e

anguacutestias devido aos limites bioloacutegicos e materiais para consumir

Essa loacutegica consumista que leva agrave obesidade natildeo apenas do corpo mas a obesidade do pensamento dos sentidos O consumismo eacute uma expressatildeo dessa sociedade atual e que dialoga muito com a drogadiccedilatildeo inclusive porque significa a busca de um prazer imediato e fulgaz (P1)

Conforme apresentado observam-se as marcas da distinccedilatildeo dos discursos do poder

puacuteblico e da sociedade civil em relaccedilatildeo ao do mercado podendo ainda ser resumidas em

dois pontos principais

a) clareza quanto agrave interconexatildeo entre os alimentos e as doenccedilas a qual resulta de

uma relaccedilatildeo desajustada entre o indiviacuteduo e o consumo de alimentos industrializados

situada em um contexto de sociedade cuja engrenagem eacute permissiva para a produccedilatildeo Ao

mesmo tempo tal engrenagem eacute cerceadora para os indiviacuteduos Estes tecircm que se esforccedilar

continuamente para selecionar adequadamente o que consomem e movimentar o seu

corpo com regularidade para serem capazes de manter a sua sauacutede conforme ilustrado a

seguir

159

A epidemia da obesidade estaacute relacionada com o consumo de alimentos industrializadosrdquo (P4) A obesidade e o sobrepeso tecircm dois componentes fundamentais o sedentarismo falta da praacutetica regular de exerciacutecios e a alimentaccedilatildeo (P5) [] o percentual hoje da obesidade eacute de uma patologia que se agrava muito na populaccedilatildeo Isso eacute devido ao excesso de consumo de alimentos concentrados ou com alta concentraccedilatildeo de soacutedio gorduras em geral [] (P6)

b) visatildeo ampla sobre os problemas que afetam os alimentos que envolvem tanto os

nutrientes da sua composiccedilatildeo como os insumos utilizados na sua produccedilatildeo

(agrotoacutexicos) e a tecnologia que lhes satildeo aplicadas (alimentos transgecircnicos) []

cresceu muito a preocupaccedilatildeo dos alimentos com os insumos quiacutemicos os agrotoacutexicos e a liberaccedilatildeo

dos transgecircnicos (S2)

c) o alimento ou melhor o produto alimentiacutecio internaliza uma tipologia ldquobomruimrdquo

para a sauacutede eliminando a ldquoconcepccedilatildeo naturalista do alimentordquo Isso eacute o

contraponto com os que discursam em nome do mercado [] o alimento natildeo faz mal

nenhum Eu acho isso a frase mais incoerente e mais ignorante que eu jaacute vi na minha vida (M1) O

caraacuteter de nocividade imputado ao alimento contrariam as ideias veiculadas pelo

mundo do mercado que percebe o seu produto como resultado de uma tecnologia

de seguranccedila sanitaacuteria infaliacutevel suplantando falhas riscos ou deformaccedilotildees A

adoccedilatildeo desses alimentos sem duacutevida estaacute muito ligada aos prejuiacutezos que a sauacutede tem hoje ndash a

quantidade de accediluacutecar sal [] (P5)

Por fim eacute oportuno destacar o uso generalizado do termo ldquoalimentordquo para escamotear

o produto alimentiacutecio termo que eacute transposto para quaisquer modalidades de bens

comestiacuteveis sem mesmo nominar de produtos aqueles que se submetem a alto grau de

artificializaccedilatildeo e que somente podem ser identificados como tais antes do consumo

exclusivamente pelos aromas exalados que simulam os da natureza e que conduzem os

indiviacuteduos a associarem-nos ao imaginaacuterio alimentar

160

b) Irreversibilidade do consumo do produto industrializado

O produto alimentiacutecio encaixa-se no estilo de vida hegemocircnico reunindo

caracteriacutesticas especiais como a de ser praacutetico raacutepido e de ter embalagem descartaacutevel

atendendo agraves expectativas da urbanidade cuja regra eacute dispor-se de pouco tempo para ser

dedicado agrave alimentaccedilatildeo Atende tambeacutem agrave loacutegica da economia consumista de produzir

desejo efecircmero e necessidades insaciaacuteveis permitindo a constante inovaccedilatildeo e substituiccedilatildeo

de produtos Considerando o contexto de urbanizaccedilatildeo os trecircs grupos de sujeitos

convergem quanto agrave irreversibilidade do consumo do produto industrializado na sociedade

urbanizada

A tendecircncia dos alimentos industrializados eacute realmente aumentar ateacute em funccedilatildeo da atividade de trabalho enfim a gente almoccedila pouco em casa e se consome alimentos industrializados (P3) Os alimentos industrializados estatildeo imbricados na vida moderna [] as pessoas natildeo dispotildeem de tempo para preparar a comida [] (P4) As induacutestrias alimentiacutecias satildeo hoje uma necessidade para a populaccedilatildeo moderna pois a alimentaccedilatildeo fora do lar eacute uma das caracteriacutesticas atuais (P6) O alimento industrializado eacute uma necessidade (M2) [] natildeo teria vida moderna se natildeo fossem os alimentos industrializados (M1) [] eacute crescente (a participaccedilatildeo dos alimentos industrializados na sociedade atual) (S1)

No caso do mercado a conquista definitiva do produto alimentiacutecio no espaccedilo social

remete a duas representaccedilotildees fundamentais a primeira consiste na proacutepria afirmaccedilatildeo

geral do seu papel imprescindiacutevel para a humanidade [] o alimento industrializado ele eacute uma

necessidade [] [] sem a induacutestria natildeo conseguiriacuteamos alimentar a todos entatildeo haacute uma necessidade da

industrializaccedilatildeo do alimento (M2) a segunda afirma que o alimento industrializado eacute idealizado

como siacutembolo de vanguarda ele se confunde com a proacutepria modernidade natildeo apenas por

ser ldquocomida em sirdquo mas por ter desbravado novos horizontes atuando como um dos

propulsores da liberdade feminina e da longevidade humana Assim [] natildeo teria vida moderna

se natildeo fossem os alimentos industrializados Mulher natildeo saiacutea de casa porque teria que estar preparando

comida para as suas crianccedilas (M1)

Sob a oacutetica de um dos sujeitos ligado ao mercado a aplicaccedilatildeo de tecnologia no setor

de produccedilatildeo de alimentos eacute um medidor de qualidade pois valoriza os seus aspectos

nutricionais e aumenta o seu tempo de vida uacutetil aleacutem de garantir a seguranccedila sanitaacuteria do

161

produto Para os sujeitos desse setor nada escapa do controle e nada se iguala a outras

experiecircncias da praacutetica industrial e eles admitem que as externalidades negativas satildeo

possibilidades na atividade produtiva Assim disfunccedilotildees ou prejuiacutezos agrave sauacutede escapam do

universo do alimento industrializado

[] processamento ndash processar que significa [] preparar para preservar o alimento por mais tempo possiacutevel [] para apresentaacute-lo ao consumidor numa maneira mais adequada num ambiente em que estivesse para ser consumido com saudabilidade e com garantia de que aquilo natildeo lhe faria mal (M1)

Observa-se no trecho de fala anterior que na relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo a induacutestria

se projeta enquanto agente que reage diante das necessidades do consumidor desdobra-

se em busca de inovaccedilotildees e de ajustes para confeccionar produtos para atender ao

consumidor Nesse discurso os papeacuteis se invertem o consumidor eacute aquele que cria

necessidades e a induacutestria apenas as atende Uma ldquopassividaderdquo incompatiacutevel com a sua

capacidade de disseminar o produto gerar necessidades e insistir para obter sucesso nas

vendas

As falas dos sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil seguem na contramatildeo

daquelas realizadas pelos sujeitos do mercado e desfazem o ideal de pureza dos produtos

alimentiacutecios ao inseri-los no contexto vigente No somatoacuterio das falas partidas as doenccedilas

se originam no interior do proacuteprio mercado de alimentos encarregado de fabricar

produtos alimentiacutecios e que se comporta como agente portador de duas funccedilotildees

simultacircneas a operativa de causar doenccedilas e a simboacutelica de exterminar tradiccedilotildees

alimentares

A pandemia de obesidade estaacute associada ao mercado [] tem alimentos que satildeo viciantes ndash os refrigerantes satildeo viciantes o accediluacutecar vicia (P1) O alimento tem que ser inoacutecuo ao consumidor [] e tem que atender ao que eacute haacutebito do consumidor (P3) O nosso padratildeo alimentar estaacute se voltando muito para os alimentos superprocessados e que tecircm em sua composiccedilatildeo muitos componentes quiacutemicos [] aleacutem do soacutedio todos os edulcorantes aleacutem de todos os outros aditivos [] eu natildeo saberia explicar as doenccedilas [] (S2)

162

Para um dos entrevistados ligado ao grupo mercado que trata o produto alimentiacutecio

como uma excelecircncia fica impliacutecito que nenhum mal seraacute carreado ao consumidor por esse

produto Personaliza o alimento e naturaliza suas qualidades ancorando-a nos recursos da

natureza [] a mateacuteria-prima nossa cresce pela matildeo da terra (M1) ficando a induacutestria

impossibilitada de superar a terra em termos de capacidade de produccedilatildeo Quem dita as

qualidades do alimento eacute proacuteprio alimento e a terra e portanto ele eacute enfaacutetico ao contestar

qualquer difamaccedilatildeo dirigida agrave qualidade do produto [] natildeo adianta nada diminuir o nosso

produto Ele natildeo engorda com o nosso produto ele vai engordar com o resto com tudo (M1)

Todavia apesar da comunhatildeo majoritaacuteria de interesses no interior do grupo do

mercado dois sujeitos divergem quanto ao entendimento do comportamento dos produtos

alimentiacutecios em termos de qualidade Para eles as diferenccedilas na qualidade dos produtos

alimentiacutecios satildeo reais e se refletem no conteuacutedo e no preccedilo a) os produtos que contecircm

excesso de certos ingredientes-chave (accediluacutecar e gordura) na sua formulaccedilatildeo implicam

prejuiacutezos agrave sauacutede e tecircm preccedilos mais baixos b) a melhoria do perfil nutricional dos

produtos associa-se agrave elevaccedilatildeo dos preccedilos

[] produtos com muito accediluacutecar com excesso de gordura natildeo existia uma preocupaccedilatildeo tatildeo grande com essas caracteriacutesticas ateacute recentemente (M3) A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo maior Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso Quanto mais as pessoas tiverem condiccedilotildees mais elas vatildeo procurar este tipo de produto Entatildeo se vocecirc tivesse um volume maior de produccedilatildeo vocecirc conseguiria reduzir mas ele por si soacute jaacute eacute mais caro (M2)

A partir de tais consideraccedilotildees torna-se expliacutecito que o mercado de alimentos

responde agrave estratificaccedilatildeo da sociedade criando linhas de produtos qualitativamente

diferenciados para classes sociais hierarquizadas pelo poder aquisitivo Essas linhas de

fabricaccedilatildeo socialmente marcadas dividem-se em produtos alimentiacutecios com qualidade

nutricional inferior e preccedilos mais acessiacuteveis que conduzem a um maior impacto negativo agrave

sauacutede expondo a riscos a populaccedilatildeo situada nos estratos socioeconocircmicos mais inferiores

Jaacute aqueles produtos com perfil nutricional proacuteximo aos preceitos do que seja saudaacutevel e

mais caros destinam-se a um puacuteblico especial com poder aquisitivo superior e capaz de

custeaacute-los Observa-se que os produtos alimentiacutecios como qualquer outro bem dotado de

163

valor simboacutelico revestem-se de traccedilos de distinccedilatildeo (BOURDIEU 2011) Assim o tipo de

consumo alimentar exterioriza e possibilita identificar a posiccedilatildeo diferenciada dos

indiviacuteduos na estrutura social

Comprometidos com o interesse coletivo os entrevistados da sociedade civil

desvendam as maacutescaras associadas a esses nutrientes-chave encobertos pelas induacutestrias

Tais nutrientes somados aos aditivos e incorporados agrave formulaccedilatildeo do produto

comportam-se como verdadeiros artifiacutecios utilizados pela induacutestria para conquistar e

fidelizar o consumidor Tais artifiacutecios fazem com que se aproximem no plano imaginaacuterio o

aroma e o gosto do produto fabricado ao do alimento natural aleacutem de tornaacute-lo atraente

em termos de preccedilo e de apresentaccedilatildeo

A gordura e o accediluacutecar trazem sabor aos alimentos Entatildeo se vocecirc quer cativar um puacuteblico para que ele consuma aquele alimento o lado daquele que estaacute concebendo o alimento vai dizer carregue em sal carregue em accediluacutecar e carregue em gordura [] Aleacutem dos aromatizantes as coisas artificiais colocadas para realccedilar o aroma e o sabor o accediluacutecar a gordura e o sal satildeo elementos que cativam o gosto do consumidor satildeo ingredientes baratos (S1) Porque proliferam as marcas inclusive com o barateamento desses produtos superprocessados como exemplo []esses biscoitinhos essas coisas que ateacute parecem sei laacute chips (S2)

Para dois sujeitos da sociedade civil os riscos que tais nutrientes-chave portam

mereceriam ser alertados nos roacutetulos dos produtos alimentiacutecios A nossa regulamentaccedilatildeo ainda

eacute muito tecircnue pois ainda hoje se discute se esses alimentos com excesso de gordura ou natildeo tem que ser

colocados alertas nos roacutetulos para que sejam consumidos com ponderaccedilatildeo pois eu sou a favor (P6)

Um deles sugere que se poderia obedecer aos alertas aplicados para disciplinar o

tracircnsito considerando que um conjunto de informaccedilotildees de rotulagem obrigatoacuterias para os

produtos alimentiacutecios eacute insuficiente para manter o consumidor sob constante atenccedilatildeo

Assim o uso de certos sinais luminosos universais jaacute introjetados pelos indiviacuteduos eacute

sempre conveniente para alertar a populaccedilatildeo contra inuacutemeros riscos e perigos com fins de

estabelecer o controle e a proteccedilatildeo como eacute o caso [] o semaacuteforo nutricional adotado em alguns

lugares na Europa que sinaliza se um determinado alimento eacute rico demais em um nutriente Entatildeo isto eacute uma

coisa interessante do ponto de vista de informaccedilatildeo (S1)

164

Assim adaptar a loacutegica dos semaacuteforos de tracircnsito (poste) para o campo nutricional

possibilitaria ao consumidor visualizar a classificaccedilatildeo dos alimentos quanto ao teor de

certos nutrientes Trata-se de uma forma de comunicaccedilatildeo de risco de visualizaccedilatildeo raacutepida e

de compreensatildeo facilitada No entanto eacute o poder puacuteblico pelo seu papel regulador que

tem que se sensibilizar e operacionalizar essa proposta ou alguma outra que atenda agraves

necessidades expostas

Em se tratando de qualidade comercial de produtos a frase enfaacutetica de um dos

sujeitos do mercado destoa do comentaacuterio anterior Ningueacutem chega a ser o segundo maior

produtor de alimento do mundo e exportar para 114 paiacuteses produtos industrializados produtos processados

produtos semi-processados [] Natildeo se fala em alimento sem qualidade nutricional assim como se fala

qualidade (M1)

Na oacutetica do mercado a plena satisfaccedilatildeo da qualidade do produto eacute demonstrada pela

expansatildeo comercial Aqui a qualidade se converte em expansatildeo do produto no comeacutercio

exterior Eacute com um tipo de argumento semelhante a aceitaccedilatildeo internacional do produto

que se pretende esvaziar os espaccedilos limitados daqueles que acreditam e se mobilizam para

justificar o uso de advertecircncias e de outras medidas para regular o consumo dos produtos

alimentiacutecios

Entretanto um dos sujeitos do mercado posiciona a induacutestria de alimentos como

parte integrante do todo social e portanto portadora de responsabilidades para com a

sociedade Para ele a induacutestria de alimentos por prudecircncia natildeo deveria se distanciar ou

mesmo negar as mazelas do mundo social em especial quando o produto alimentiacutecio estaacute

envolvido nelas Atentar-se para medidas de correccedilatildeo pode ser uma estrateacutegia uacutetil para

manter-se estaacutevel ou ampliar o mercado Eu acho que as induacutestrias tecircm sim uma responsabilidade

muito grande de se preocupar com que se oferta e que tipo de caracteriacutestica o produto deve ter [] o papel da

induacutestria eacute estar conectado com essa nova situaccedilatildeo epidemioloacutegica (M3)

Na oacutetica da sociedade civil as pressotildees exercidas sobre a induacutestria estatildeo exigindo

dela respostas mas a reaccedilatildeo se faz de maneira tiacutemida voltada para a ampliaccedilatildeo do

portfoacutelio de produtos diferenciados poreacutem deixa intocada a composiccedilatildeo nutricional da

165

grande maioria dos produtos Sabe-se que a reversatildeo da qualidade nutricional desses

alimentos implica custos devido agrave substituiccedilatildeo de ingredientes por outros com qualidade

nutricional superior e relativamente mais caros causando consequentemente prejuiacutezos

nos lucros das empresas que crescem em ritmo excessivo

[] estaacute havendo uma pressatildeo para que ela (a induacutestria) melhore essa qualidade []na velocidade que seria necessaacuteria [] Se daacute mais ecircnfase no marketing apelos que vocecirc tem nas embalagens [] que eacute light que eacute diet [] para ganhar uma fatia do mercado [] uma postura tiacutemida [] A preocupaccedilatildeo de [] toda induacutestria de todo o negoacutecio eacute ter lucro [] melhorar um alimento vocecirc precisa investir em tecnologia e desenvolvimento [] gastar dinheiro eacute o que ningueacutem quer (S1)

Observa-se ainda nesse enunciado que satildeo esses apelos importados do padratildeo

alimentar americano (diet e light) destinados a uma determinada faixa da populaccedilatildeo que

conferem ao produto uma cauccedilatildeo de eficaacutecia e distinccedilatildeo social conforme antes

mencionada

As vendas dos produtos alimentiacutecios industrializados satildeo mobilizadas por um aparato

comercial e publicitaacuterio sofisticado e convincente que violenta os valores tradicionais da

cultura alimentar local e induz os brasileiros a modificar as suas preferecircncias em prol dos

produtos industrializados As pesquisas da POF e PNAD mostram por exemplo [] o crescimento do

consumo de biscoito recheado e de refrigerantes eacute absurdo E ao mesmo tempo noacutes temos uma reduccedilatildeo

grande no Brasil no consumo de arroz feijatildeo de frutas verduras e legumes [] (S2)

O que era suposiccedilatildeo agora eacute fato comprovado Os efeitos da atuaccedilatildeo das induacutestrias de

alimentos que natildeo se restringem ao Brasil mas se expandem pelo mundo jaacute se efetivou no

que se refere a uniformizar os haacutebitos e praacuteticas de consumo dos habitantes da terra

impor um estilo de comportamento racionalizar os custos de produccedilatildeo e elevar

exorbitantemente seus lucros

Se o mercado respeita o consumidor respeita seus haacutebitos de consumo isto porque

satildeo haacutebitos alimentares filtrados pelos interesses do mercado A preocupaccedilatildeo com a

quebra desse viacutenculo e a perda de vendas constitui a polecircmica enfrentada pelo setor

produtivo e revelada no discurso de seu representante [] o brasileiro ele estaacute acostumado a

166

comer mais salgado [] Entatildeo se vocecirc retira muito (o sal) vai ficar sem gosto e este produto vai deixar de ser

vendido no final (M2)

Para o mercado a mudanccedila da foacutermula do produto natildeo deve incidir sobre os lucros

comerciais Portanto eacute fundamental o empenho do governo em esclarecer agrave populaccedilatildeo

sobre a importacircncia da mudanccedila na composiccedilatildeo dos produtos para que esta seja

valorizada por aquela evitando-se rejeiccedilatildeo dos produtos e abalos nas vendas Isso porque

a reduccedilatildeo do teor de soacutedio tem um impacto na qualidade sensorial do produto alimentiacutecio

A induacutestria tambeacutem estaacute procurando soacute que a sociedade o governo em si tem que fazer o seu papel que eacute

esclarecimento (M2) O mercado defende que o governo em contrapartida ao empenho das

induacutestrias na reformulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios deve instruir a populaccedilatildeo para a

aceitaccedilatildeo desses produtos ldquoreformuladosrdquo sendo essa uma forma de proteger o mercado

Poreacutem quando o assunto se refere ao governo orientar o proacuteprio mercado ou seja

disciplinar os produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis para que haja uma sintonia com a

poliacutetica puacuteblica de prevenccedilatildeo da obesidade e de outras DCNT o representante desse

segmento deixa impliacutecito em vaacuterios momentos da fala que natildeo haacute justificativas para a

interferecircncia do governo nos negoacutecios da induacutestria uma vez que os produtos estatildeo

adequados [] natildeo me parece que a comida estaacute matando tanta gente como estatildeo falando Eacute muito mais

alarmismo [] Quanto tempo vocecirc natildeo ouve [] escacircndalos [] algueacutem morreu ou algueacutem ficou mal por

causa de produtos industrializados (M1)

Quando o tema da publicidade dos alimentos foi abordado vaacuterios discursos dos

sujeitos ligados ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada defenderam a necessidade

de regulaccedilatildeo e denunciaram as pressotildees dos setores produtivos sobre o governo

[] a educaccedilatildeo alimentar [] pode ter diversas frentes [] pode estar presente na restriccedilatildeo da publicidade de determinados alimentos [] (S1) A publicidade de alimentos tambeacutem precisava ser mais regulada esse princiacutepio da alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel eacute que deve ser o centro (S2) No caso da publicidade de alimentos o governo sofreu e foi tolhido com accedilotildees da proacutepria induacutestriardquo(P6) Haacute tambeacutem uma preocupaccedilatildeo com o niacutevel de publicidade de alimentos que estaacute completamente sem regulamentaccedilatildeo no paiacutes de alimentos nocivos agrave sauacutede e muito dirigida agraves crianccedilas (P1) Uma alimentaccedilatildeo que estaacute determinada pelo mercado e com uma falta de regulamentaccedilatildeo inclusive da publicidade O consumo de alimentos industrializados estaacute muito relacionado ao mundo do marketing da publicidade que induz a haacutebitos alimentares inadequados (P5)

167

A preocupaccedilatildeo com a publicidade estaacute no estiacutemulo ao consumo e na consequente

mudanccedila dos haacutebitos alimentares tradicionais saudaacuteveis que conduz agraves doenccedilas Os

indiviacuteduos ao aderirem a uma praacutetica alimentar imposta pelo mercado promovem o

fortalecimento desse mercado e ao mesmo tempo geram prejuiacutezos a sua sauacutede e a sua

cultura alimentar Por meio das falas evidencia-se a interferecircncia da induacutestria no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos e o recuo do governo como aconteceu com as regras

disciplinadoras da publicidade de alimentos destinadas ao puacuteblico infantil Apoacutes a sua

publicaccedilatildeo o regulamento aprovado sofreu inuacutemeras criacuteticas de opositores que culminou

na sua suspensatildeo por medidas judiciais impetradas pela induacutestria e empresas de

comunicaccedilatildeo

Haacute tempos se reforccedila a relaccedilatildeo entre a publicidade de produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis e as repercussotildees na sauacutede cuja intervenccedilatildeo tem o respaldo da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 em seu artigo art 227 que dispotildee Eacute dever da famiacutelia da sociedade e do

Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente com absoluta prioridade o direito agrave vida agrave

sauacutede [hellip] A questatildeo natildeo eacute de ordem teacutecnica e sim poliacutetica e os obstaacuteculos situam-se no

interior do corpo de parlamentares do Congresso Nacional que natildeo respeitam a

Constituiccedilatildeo Isso porque natildeo se dispotildeem a enfrentar as forccedilas econocircmicas jaacute que estas

servem como trampolim para muitos deles se elegerem como representantes formais do

povo mas de fato o que eles defendem satildeo os interesses do setor produtivo

[] esse Congresso precisa para a proteccedilatildeo da nossa populaccedilatildeo restringir a publicidade ao menos nos horaacuterios onde as crianccedilas satildeo mais vulneraacuteveis e ao mesmo tempo seguir o que a Constituiccedilatildeo recomenda A publicidade e o marketing tecircm um papel muito importante e por traacutes disto tem todo um empresariado ou seja uma forccedila econocircmica que tem forccedila poliacutetica porque o nosso modelo eacute do financiamento mais privado do que puacuteblico e portanto cerca de 200 empresas praticamente financiam as campanhas no Brasil [] Essas empresas satildeo quem fazem a publicidade e quem sustentam os meios de comunicaccedilatildeo as quais estatildeo concentradas nas matildeos de poucos e dependem os seus lucros disso ndash e aiacute estaacute a dificuldade os lobbies no Congresso para influenciar os deputados ou intimidaacute-los se contrariarem [] Eacute algo de luta poliacutetica aqui no parlamento a gente estaacute priorizando e reconhecendo as dificuldades poliacuteticas de aprovar [](P5)

Os discursos analisados afloram as contradiccedilotildees em torno dos produtos alimentiacutecios

que a despeito das vantagens geradas por eles e engendradas pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

168

da modernidade - como conforto e durabilidade - satildeo capazes de provocar um mal tardio

com o consumo constante impulsionado pela publicidade deixando os consumidores

fragilizados - em especial aqueles socialmente vulneraacuteveis

c) Autonomia do consumidor

O espiacuterito neoliberal que move a sociedade contemporacircnea sobrecarrega o indiviacuteduo

com responsabilidades com o seu corpo para mantecirc-lo iacutentegro e apto para atuar como

forccedila de trabalho O indiviacuteduo eacute instigado a criar mecanismos de autoproteccedilatildeo contra os

riscos que ele natildeo produziu manter-se atento agraves informaccedilotildees teacutecnicas para praticar o

autocuidado almejar a integridade da sauacutede e a empenhar-se no autocontrole para

manter seu corpo regulado (PETERSEN amp LUPTON 2000) Em siacutentese as condiccedilotildees de

bem-estar e de sauacutede satildeo de responsabilidade individual e qualquer desvio de conduta

significaraacute fracassos descompromissos e doenccedilas que teraacute que arcar consigo mesmo

Tais premissas datildeo contorno aos discursos oriundos dos representantes do mercado

cujo foco dirige-se de maneira unacircnime para culpabilizar o consumidor pela ausecircncia de

freios na ingesta dos alimentos pelo desconhecimento sobre como balancear a dieta pelo

sedentarismo e pelas doenccedilas contraiacutedas Os extratos de falas que abordaram a relaccedilatildeo da

pandemia de obesidade com os alimentos servem de ilustraccedilatildeo

[] se vocecirc comer 2000 calorias e gastar 1000 calorias vocecirc vai ficar obeso (M1) [] o aumento do sedentarismo [] as pessoas cada vez mais acomodadas [] se exercitam ou fazem menos atividades fiacutesicas Natildeo eacute soacute o alimento (M3) Se vocecirc natildeo conseguir uma dieta moderada pode-se chegar a obesidade [] (M2)

Outro entrevistado do grupo ao se manifestar sobre essa questatildeo prefere elidir a

figura do agente humano O excesso eacute que eacute o grande inimigo (M1) e substituir o indiviacuteduo

responsaacutevel por uma entidade substancial ldquoo excessordquo que se apodera de decisotildees

humanas Desse modo neutraliza-se a participaccedilatildeo da atividade industrial e apaga-se a

responsabilidade do produto Aqui o enunciado se desloca para o julgamento moral como

se todos devessem alcanccedilar o equiliacutebrio diante dos fatos do cotidiano

169

Em continuaccedilatildeo agrave fala desse mesmo entrevistado haacute o cruzamento da formaccedilatildeo

discursiva econocircmica com a religiosa quando o entrevistado se apoia nas infraccedilotildees liacutederes

que conformam os preceitos da era Cristatilde Em sua explicaccedilatildeo o homem que natildeo cultiva

suas proacuteprias virtudes espirituais se converte em pecador e recai unicamente sobre ele a

culpa e o ocircnus das puniccedilotildees assim reitera a responsabilidade individual frente agrave

obesidade [] quem eacute o culpado pelos excessos alimentares e as suas consequecircncias eacute o proacuteprio

consumidor - eacute o proacuteprio quem consome - eacute o ser humano que na ganacircncia voluacutepia na gula ele exagera

naquilo que faz ou natildeo se prepara adequadamente ele que eacute o proacuteprio culpado (M1)

De maneira oportuna o uso do interdiscurso individualista cristatildeo fundamenta duas

justificativas a) a imperfeiccedilatildeo do homem que natildeo consegue autoimpor limites para a sua

proacutepria ingesta e b) a exclusatildeo de elementos estrateacutegicos que exercem influecircncias no

comportamento individual do quadro explicativo a induacutestria que produz e estimula o

consumo de alimentos e o governo que impotildee regras para a produccedilatildeo-consumo

A polecircmica com que se depara o consumo de produtos alimentiacutecios eacute encarada como

anaacuteloga agrave enfrentada anteriormente pelo consumo de bebidas alcooacutelicas Em ambas as

situaccedilotildees o excesso eacute prejudicial agrave sauacutede O uso de publicidade de alimentos com

advertecircncia ao consumidor pode ser positivo poreacutem sem a necessidade de proibir ou

suspender a propaganda similarmente ao que se procede para limitar o consumo de

bebidas alcooacutelicas De modo impliacutecito um dos discursos dos sujeitos vinculados ao

mercado tendo como base a situaccedilatildeo epidemioloacutegica brasileira simula uma alternativa de

publicizar pelos veiacuteculos comerciais alerta para evitar o consumo excessivo desses

produtos e conter os efeitos adversos agrave sauacutede Assim ele faz uma adaptaccedilatildeo da frase que jaacute

eacute veiculada nas publicidades de bebidas alcooacutelicas para os produtos alimentiacutecios Coma com

moderaccedilatildeo (M2) Poreacutem deixa sempre claro que esse ato estaacute sob a responsabilidade do

consumidor

Contudo sem desmerecer a sensibilidade que reveste essa ideia tal enunciado

tambeacutem encobre trecircs vantagens que podem beneficiar o mercado evita a proibiccedilatildeo dos

produtos alimentiacutecios de maior risco agrave sauacutede resgata injunccedilotildees jaacute introjetadas no senso

170

comum nas publicidades contra o aacutelcool e o fumo e demonstra que a induacutestria tem

compromisso com o consumidor e se preocupa com o seu bem-estar e com a sauacutede do

coletivo

Desse dito (slogan) tambeacutem se subentende o natildeo-dito a evidecircncia de um

descontrole dos indiviacuteduos no ato de comer e a necessidade de alertaacute-los para que

restabeleccedilam o autocontrole uma vez que a soluccedilatildeo depende exclusivamente deles Assim

o debate eacute transferido do campo sociopoliacutetico para o campo moral eximindo as induacutestrias

de quaisquer implicaccedilotildees e permitindo que o comeacutercio de alimentos continue a florescer

sem limites uma vez que passa a ser de inteira responsabilidade do indiviacuteduo o controle do

que e do quanto consome

Em certa situaccedilatildeo elementos do discurso oriundo do mercado coincidem com os do

poder puacuteblico ao reforccedilar que satildeo as praacuteticas errocircneas dos indiviacuteduos que geram doenccedilas

[] assim como a obesidade foi construiacuteda ela deve no mesmo processo ser desconstruiacuteda [] natildeo eacute passando fome natildeo eacute com uma dieta que natildeo atenda as necessidades daquela pessoa e sim num processo de mudanccedila de haacutebitordquo (S3) As doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis [] satildeo multicausais [] falta de atividade fiacutesica excesso de comida com ingredientes e natildeo eacute soacute nosso industrializado que leva sal (M1)

Poreacutem na anaacutelise conjunta dessas falas surge de uma ponta a figura expliacutecita ou

natildeo do sujeito incapaz e que necessita de autotransformaccedilatildeo para controlar a doenccedila e de

outra o produto resumido a um mero fator causal obscurecido na trama articulada que

opera no mundo social

Consumidor eacute a referecircncia que se sobressai no mercado Todavia a depender do

viacutenculo do falante em certos pronunciamentos ele eacute substituiacutedo por indiviacuteduo cidadatildeo ou

agregado ao coletivo em termos de populaccedilatildeo Em geral as formaccedilotildees discursivas do

poder puacuteblico e da sociedade civil mencionam cidadatildeo ou populaccedilatildeo - para quem as suas

accedilotildees satildeo dirigidas Para esses sujeitos a populaccedilatildeo natildeo se comporta como uma massa

amorfa perante as questotildees alimentares que afetam diretamente a sua vida e sauacutede e a

informaccedilatildeo eacute vista como o fermento que pode elevar a sua consciecircncia quanto aos riscos

171

[] mas a populaccedilatildeo teve um grande incentivo e uma tomada de consciecircncia embora natildeo atingindo o desejaacutevel [] da importacircncia da alimentaccedilatildeo na vida da pessoa (S3) Haacute uma amostra razoaacutevel que tem mais acesso agraves informaccedilotildees e estatildeo mais sensiacuteveis mas nem sempre agem na praacutetica (P5) O enfoque principal para conter essa epidemia eacute a comunicaccedilatildeo de risco conscientizar o consumidor da importacircncia dele consumir alimentos mais saudaacuteveis [] (P4)

Para um dos interlocutores subsiste a convicccedilatildeo de que haacute estiacutemulos externos que

datildeo impulsos para o coletivo se mobilizar e assim fazer maturar um processo de reflexatildeo

de reaccedilatildeo e de revisatildeo do pensar e do agir

Alimentar-se deixou de ser um ato instintivo para satisfazer as necessidades

bioloacutegicas e afetivas Na atualidade saber alimentar-se adequadamente requer o domiacutenio

do conhecimento racional e de habilidades para fazer a escolha correta e estabelecer o

consumo regrado dos alimentos Ato que envolve uma liberdade regulada o acervo

cultural historicamente adquirido e as condiccedilotildees particulares de existecircncia e que pode

levar a uma praacutetica alimentar orientada por uma racionalidade unicamente dieteacutetica que

incentiva disciplinar o corpo para evitar o aparecimento de doenccedilas Eu acho que o alimento

sozinho natildeo resolve nada Ele pode reduzir se a pessoa natildeo sabe comer ela vai comer em excesso e vai dar na

mesma [] (M3) Acrescenta-se ainda que o aprendizado da alimentaccedilatildeo embora cultural eacute

dinamizado e moldado a partir das influecircncias sociais Assim o gosto e a preferecircncia pelos

produtos industrializados - e considerados prejudiciais agrave sauacutede - satildeo socialmente

adquiridos pela repeticcedilatildeo da experiecircncia sendo amplamente fomentados pelos estiacutemulos

da publicidade mercadoloacutegica

Mesmo com a retirada do disfarce que reveste certos tipos de produto alimentiacutecio

que oculta os males que estes podem acarretar agrave sauacutede e reafirmada a necessidade de sua

modificaccedilatildeo intriacutenseca a outra parte da responsabilidade recai sobre o indiviacuteduo este

deve empenhar-se em movimentar o corpo sistematicamente Assim sob o olhar desse

sujeito estaacute posta a soluccedilatildeo Eu acho que o alimento com a reduccedilatildeo dessas questotildees dos nutrientes-

chave e uma praacutetica cada vez mais crescente de atividade fiacutesica vatildeo ser dois elos fundamentais (M3) Em

busca de soluccedilotildees para o excesso de peso generalizado faz-se uma simplificaccedilatildeo da anaacutelise

de um fenocircmeno sociocultural complexo que eacute o consumo de alimentos transportando-o

para um contexto reduzido e superficial como forma de defesa da sauacutede

172

Ainda sob a perspectiva do mercado o consumidor natildeo eacute suficientemente qualificado

para entender o conteuacutedo dos roacutetulos veiacuteculos por meio dos quais a induacutestria torna

transparente as informaccedilotildees sobre o produto ofertado [] ler roacutetulo natildeo eacute normal neste paiacutes Noacutes

vamos nos enganar em dizer que todo mundo lecirc roacutetulo Uma boa parte ainda lecirc a data e a validade do produto

(M2) Eacute importante destacar aqui que disponibilizar informaccedilotildees na rotulagem dos

produtos natildeo eacute apenas cumprimento de determinaccedilatildeo legal Eacute tambeacutem uma expressatildeo do

direito agrave informaccedilatildeo e um meio de comunicar as caracteriacutesticas de identidade e qualidade

do produto para facilitar a comparaccedilatildeo entre eles e orientar a escolha Satildeo informaccedilotildees

teacutecnicas que ainda natildeo se popularizaram o suficiente para que sejam compreendidas e

valorizadas pela populaccedilatildeo em geral exceto o prazo de validade uma informaccedilatildeo

autoexplicativa

Aleacutem disso eacute necessaacuterio investir em formas de comunicaccedilatildeo de rotulagem com uma

linguagem clara acessiacutevel e que permita faacutecil identificaccedilatildeo das mensagens como eacute o

semaacuteforo nutricional A valorizaccedilatildeo do direito agrave informaccedilatildeo requer a decodificaccedilatildeo das

mensagens teacutecnicas permitindo a todos que as dominem e ajustadas a um contexto de vida

em que o tempo dedicado agrave leitura de roacutetulos de produtos eacute cada vez mais escasso

Para os sujeitos do mercado a questatildeo natildeo estaacute em torno dos produtos alimentiacutecios

em si mas no consumidor que devido agraves suas limitaccedilotildees intelectuais e materiais fica

impossibilitado de usufruir de um produto alimentiacutecio com caraacuteter bivalente que possui

propriedades de alimentar e de nutrir ao mesmo tempo

[] se faz as dietas se falam tanto mas se praticam pouco[] existem pessoas preocupadas pessoas que lecircem pessoas que entendem mas natildeo vamos esquecer que a grande maioria dos brasileiros trabalha para comer Entatildeo com todo respeito eles querem comer primeiro depois eles vatildeo se preocupar com o que comer ndash esta eacute a segunda fase (M2) [] desinformaccedilatildeo dos consumidores sobre o que o produto de fato oferece (M3)

Conforme os discursos do mercado o problema estaacute na massa de consumidores que

apresenta um perfil em que reina a incompetecircncia ignoracircncia e desinformaccedilatildeo e cujo

interesse pelos alimentos ainda se dirige prioritariamente para a satisfaccedilatildeo das

necessidades primaacuterias sem estabelecimento de crivos teacutecnicos para sua seleccedilatildeo Assim os

173

consumidores permanecem como o elo mais fraco da cadeia sendo providos de atributos

negativos que os impossibilitam de eleger produtos alimentiacutecios com perfil nutricional

saudaacutevel quer por desinformaccedilatildeo ou por restriccedilatildeo no seu poder de compra Para os

sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil organizada impera a falta de informaccedilatildeo do

consumidor limitante do seu grau de consciecircncia sobre o que consiste uma alimentaccedilatildeo

adequada

No jogo dos discursos dos diferentes sujeitos a posiccedilatildeo do consumidor frente aos

riscos dos alimentos situa-se sinteticamente entre um papel de viacutetima ou de culpado No

primeiro caso caracteriza-se pela qualificaccedilatildeo deficiente e a falta consciecircncia cidadatilde que o

subjuga agraves imposiccedilotildees do mercado e no segundo pela incompetecircncia em limitar o seu

autoconsumo ler corretamente as informaccedilotildees teacutecnicas de rotulagem dos produtos e

adotar um modo de vida menos sedentaacuterio

d) Consumidor para (trans) formar

Embora sem esclarecer qual o significado preciso dado agrave ldquoeducaccedilatildeordquo esta eacute apontada

por vaacuterios sujeitos como uma das medidas de intervenccedilatildeo relevantes e dirigidas agrave

populaccedilatildeo Permanece em aberto se tal educaccedilatildeo proposta de fato envolve intercacircmbio de

saberes que busquem estimular as possibilidades do sujeito para refletir sobre a realidade

ou simplesmente eacute mera transferecircncia de informaccedilotildees sem compromisso com qualquer

tipo de mudanccedila

Hoje qualquer um entra em um supermercado e vecirc uma prateleira com centenas de opccedilotildees e vocecirc natildeo vai proibir nenhuma delas A maneira de enfrentar isso eacute com informaccedilatildeo orientaccedilatildeo educaccedilatildeo digamos assim de uma maneira maior mais ampla eacute a educaccedilatildeo alimentar (S1) Noacutes estamos fazendo agora uma campanha voltada para alimentaccedilatildeo fora do lar [] Privilegiar predominantemente accedilatildeo de incentivo a alimentaccedilatildeo saudaacutevel em praacuteticas educativas na abordagem preventiva [] (S3)

174

Constam desse enunciado trecircs modalidades de instruccedilatildeo ndash educaccedilatildeo informaccedilatildeo e

orientaccedilatildeo ndash dirigidas agrave populaccedilatildeo sobre a maneira melhor de se alimentar e que seratildeo

comentadas a seguir

A educaccedilatildeo entre essas modalidades eacute considerada a uacutenica ferramenta que se

contrapotildee agraves estrateacutegias mercadoloacutegicas e que eacute capaz de impedir que a forccedila desenfreada

de induccedilatildeo agraves compras domine o indiviacuteduo e transforme o consumo em um ato

inconsciente A educaccedilatildeo possibilita ao indiviacuteduo refletir e analisar os fatos em sua

dimensatildeo criacutetica Todavia haacute de ser uma educaccedilatildeo concebida como um processo reflexivo

de aprendizagem de conhecimentos e de interiorizaccedilotildees das normas comuns regras e

valores E dessa forma propiciando ao indiviacuteduo reconhecer o seu papel enquanto um ser

social e enquanto membro de uma sociedade que pressupotildee a convivecircncia com o outro

Nesse sentido uma educaccedilatildeo exitosa natildeo daacute soluccedilotildees mas leva o sujeito ao

questionamento das praacuteticas Iluminada pela concepccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de Freire

(2010) a educaccedilatildeo nesse contexto deve ser um meio de despertar inquietudes frente agrave

problemaacutetica dos riscos dos alimentos e de desenvolver uma postura conscientemente

criacutetica sobre ela conforme preconiza essa praacutetica pedagoacutegica democraacutetica

No que concerne agrave modalidade informaccedilatildeo ela trata de introjetar conhecimentos de

forma automatizada sem processo de reflexatildeo Eacute a transferecircncia unilateral de informaccedilotildees

- e a obtenccedilatildeo de respostas mecacircnicas frente aos comandos suscitados por estas Jaacute a

orientaccedilatildeo se natildeo for fundamentada em uma relaccedilatildeo dialoacutegica e transformadora pode

redundar em resultados similares aos da informaccedilatildeo

O discurso do mercado tambeacutem evoca a ldquoeducaccedilatildeordquo com fins de reorientar a

populaccedilatildeo quanto agrave praacutetica de consumo dos alimentos Natildeo pense que vocecirc pode ficar sem

gordura natildeo vai ter que comer gordura um pouco mas vai ter que comer Entatildeo noacutes vamos ter que usar de

alguma maneira a educaccedilatildeo para que natildeo haja mais do que isso (M1) A forma de emprego do ldquonoacutesrdquo

indica que a responsabilidade eacute do conjunto da sociedade inclusive do mercado Poreacutem no

decorrer da fala desse sujeito o ldquonoacutesrdquo se reduz ao governo e o mercado se exime dessa

175

responsabilidade O governo estaacute cometendo o maior erro da histoacuteria olhando soacute o industrializado e natildeo

estaacute focando o resto e noacutes natildeo somos o todo noacutes somos uma parte O governo tem que educar (M1)

Esse discurso reporta a educaccedilatildeo a partir de um prisma reducionista Educar natildeo eacute

somente articular os nexos causais de um dado fenocircmeno Eacute antes de tudo compreendecirc-lo

criticamente eacute a busca da autenticidade do fenocircmeno ldquoriscos-alimentos-doenccedilasrdquo que

propiciaraacute o desenvolvimento da consciecircncia criacutetica (FREIRE 2010) Nos discursos

supracitados a concepccedilatildeo da educaccedilatildeo se reduz agrave dimensatildeo da oferta de informaccedilotildees

como se esta fosse suficiente Parece tambeacutem haver um entendimento de que o processo de

acumulaccedilatildeo de informaccedilotildees poderia gerar consciecircncia e mudanccedila de comportamento

Os sujeitos ligados agrave sociedade civil ao poder puacuteblico e ao organismo internacional se

manifestam de forma unacircnime quanto agrave ideia de empoderar a populaccedilatildeo Para eles esta eacute

uma alternativa para se resgatar e valorizar a alimentaccedilatildeo tradicional e saudaacutevel que foi

perdida

Eu acho que a gente precisa cada vez mais favorecer estimular desenvolver processos de educaccedilatildeo alimentar e nutricional para que as pessoas fiquem mais empoderadas para poder fazer escolhas (OI) Esse movimento de melhoria da qualidade nutricional dos alimentos [] natildeo pode ser soacute do governo eacute preciso o engajamento da sociedade civil organizada tambeacutem [](P4) Talvez atualmente a gente possa dizer [] que haacute uma nascente de preocupaccedilatildeo [] que eu espero que cresccedila essa consciecircncia em relaccedilatildeo ao alimento (S2)

Nesse sentido a Marco de Referecircncia de Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional - EAN35

foi instituiacuteda com o fim de ser uma estrateacutegia fundamental para promover praacuteticas

alimentares saudaacuteveis e prevenir e controlar os problemas alimentares e nutricionais

(BRASIL MDS 2012b) Pautada em uma perspectiva emancipadora seu propoacutesito

extrapola o ato de tornar o indiviacuteduo como ser ativo e autocircnomo para as escolhas e as

praacuteticas alimentares e abarca a capacidade de ele (re) interpretar o mundo e a si mesmo

ou seja de dirigir e de transformar a proacutepria vida Isso significa empoderamento

35 O Marco de Referecircncia Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional paras as Poliacuteticas Puacuteblicas no contexto da realizaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e da garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute um campo de conhecimento e de praacutetica contiacutenua e permanente transdisciplinar intersetorial e multiprofissional que visa promover a praacutetica autocircnoma e voluntaacuteria de haacutebitos alimentares saudaacuteveis (BRASIl MDS 2012b) Eacute um campo de accedilatildeo que abrange os aspectos relacionados ao alimento agrave alimentaccedilatildeo e agrave nutriccedilatildeo assim como os processos relativos ao sistema de produccedilatildeo

176

Eacute interessante notar que os sujeitos percebem que o enfrentamento da temaacutetica dos

riscos dos alimentos natildeo fica restrita ao campo da sauacutede e da educaccedilatildeo invade tambeacutem as

estruturas sociais com destaque a forma de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo-consumo para

assim tornar possiacutevel restabelecer e consolidar uma praacutetica alimentar pautada na sauacutede

[] para dar resposta a obesidade mas o real enfrentamento dos determinantes sociais e ambientais da obesidade ocorrem em outros espaccedilos que passam pelo modelo de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de alimentos que passam pelos programas sociais que passam pela educaccedilatildeo pela questatildeo da comunicaccedilatildeo direta do consumidor um conjunto de outras agendas Enfrentar a obesidade implica resposta intersetorial (P2)

No entanto a EAN propotildee em seus princiacutepios estruturantes resgatar as diferentes

facetas do fenocircmeno da alimentaccedilatildeo ao considerar uma e abordagem integrada do sistema

alimentar da sustentabilidade social ambiental e econocircmica da valorizaccedilatildeo da cultura

alimentar local da promoccedilatildeo do autocuidado e da autonomia dos sujeitos entre outros

aspectos Segundo esse Marco de Referecircncia a EAN envolve conhecimento amplo e

transdisciplinar acoplado a uma praacutetica intersetorial e multiprofissional para promover a

autonomia e voluntariedade para adoccedilatildeo dos haacutebitos alimentares saudaacuteveis (BRASIL MDS

2012)

Mesmo assim promover a EAN como praacutetica institucionalizada natildeo exime o Estado

do seu dever de refrear os excessos cometidos pelo mercado e que repercutem na vida

social em especial no grupo mais vulneraacutevel da populaccedilatildeo Neste destacam-se as crianccedilas

que satildeo indiviacuteduos intelectualmente imaturos e portanto ainda impotentes para fazer

adequadamente suas proacuteprias escolhas e criacutetica aos estiacutemulos recebidos

Eacute certo que as iniciativas no campo das poliacuteticas sociais engendradas no Brasil tecircm

um efeito econocircmico positivo para as parcelas mais pobres da populaccedilatildeo repercutindo

positivamente no acesso aos alimentos No que se refere agrave reduccedilatildeo da pobreza observa-se

que a implementaccedilatildeo do Programa Fome Zero a partir de 2003 conseguiu reduzir a taxa

de pobreza da populaccedilatildeo brasileira de 281 para 154 em 2009 (DEL GROSSI 2010)

Fato que concorreu positivamente para a melhoria do estado nutricional das crianccedilas de

177

zero a cinco anos de idade das famiacutelias atendidas pelo Programa Bolsa Famiacutelia durante o

periacuteodo de 2008 a 2012 (BRASIL MDS MS 2014)

Entretanto o avanccedilo material desse grupo social traduzido pela sua progressiva

participaccedilatildeo no mercado de consumo de diferentes bens tambeacutem foi percebido no

aumento do consumo de diferentes produtos alimentiacutecios industrializados Esse fenocircmeno

pode ser considerado previsiacutevel em funccedilatildeo da demanda reprimida construiacuteda por longos

periacuteodos de exposiccedilatildeo aos incentivos de consumo mas restringida pelas condiccedilotildees

financeiras Somado a isso as empresas de alimentos desenvolveram estrateacutegias de

marketing tipos de embalagens e formas de comeacutercio varejista especiacuteficas para captar os

milhotildees de famiacutelias que ampliaram sua renda por meio das poliacuteticas sociais Nesse

percurso as accedilotildees de educaccedilatildeo em sauacutede em geral e de educaccedilatildeo alimentar e nutricional

em particular continuaram no ritmo tradicional e pouco (ou nada) dialogaram com essa

nova realidade das famiacutelias

Hoje existe toda uma mudanccedila social [] que ela traz um certo risco a essa consciecircncia que o cara que soacute comia arroz e feijatildeo e farinha de mandioca e de vez em quando um ovo ainda bem que ele pode comer outras coisas Mas [] ele prefere entatildeo do ponto de vista de status social ndash que eacute legiacutetimo [] comer hambuacuterguer [] ou salsicha ou [] miojo [] Podem [] comer mais mas nem sempre melhor (S1)

Esse comentaacuterio eacute coerente com a tendecircncia de escolha por produtos industrializados

de baixa qualidade nutricional evidenciada entre a parcela da populaccedilatildeo mais pobre

conforme os uacuteltimos dados da POF 20082009 (BRASIL IBGE 2010) Essa associaccedilatildeo entre

o padratildeo alimentar e o status procede pois este se define mais pelos traccedilos simboacutelicos do

que pelas diferenccedilas propriamente econocircmicas (BOURDIEU 2011) Desse modo consumir

determinados produtos alimentiacutecios antes excluiacutedos da dieta leva no imaginaacuterio dos

indiviacuteduos pobres agrave ascensatildeo social pela representaccedilatildeo que esses produtos incorporam e

que eacute disseminada em suas propagandas Situaccedilatildeo similar foi observada com as famiacutelias

beneficiaacuterias do Programa Bolsa Famiacutelia apoacutes resolvidas as suas necessidades baacutesicas de

alimentaccedilatildeo elas recorrem tanto aos alimentos saudaacuteveis (frutas verduras e legumes)

178

como aos produtos industrializados de alta densidade energeacutetica e baixo valor nutritivo

(IBASE 2008)

Em geral a discussatildeo especiacutefica sobre a qualidade dos alimentos manteacutem-se afastada

das pautas reivindicatoacuterias dos movimentos sociais Poucas entidades dedicam-se ao tema

e o transformam em plataforma de luta e de atenccedilatildeo permanente Contudo conforme um

dos sujeitos representante de entidade da sociedade civil com a abertura dos movimentos

para a discussatildeo sobre o tema da ldquodefesa da soberania alimentarrdquo nos uacuteltimos anos a

expectativa eacute que a preocupaccedilatildeo com a qualidade da alimentaccedilatildeo seja suscitada Eacute

interessante que haacute uma mobilizaccedilatildeo de muitos movimentos sociais pela soberania alimentar eu acho que o

fato dos movimentos passarem a incorporar entre as suas causas a defesa da soberania alimentar faz com que

essa visatildeo do alimento que se come fique mais proacutexima (S2)

O desconhecimento da complexidade do binocircmio alimentaccedilatildeo-sauacutede atualmente

enfrentado pela sociedade natildeo eacute um privileacutegio exclusivo do universo dos leigos ele ocorre

tambeacutem nos espaccedilos acadecircmicos atingindo em especial os profissionais de sauacutede que tecircm

entre as suas atribuiccedilotildees a prevenccedilatildeo e o tratamento de doenccedilas inclusive aquelas

relacionadas ao consumo inadequado de alimentos Ampliar o conhecimento dos

profissionais de sauacutede - tanto sobre a complexidade dos processos alimentares

contemporacircneos mas tambeacutem em abordagens participativas de educaccedilatildeo- eacute um dos

desafios atuais inclusive na formaccedilatildeo dos nutricionistas (RECINE MORTOZA 2013) Esses

satildeo os caminhos apontados pelo sujeito do poder puacuteblico para serem trilhados como meio

de conter a obesidade

[] a populaccedilatildeo tem o direito de conhecer o perfil epidemioloacutegico para que possam dirigir as campanhas de prevenccedilatildeo Se vocecirc conscientiza a populaccedilatildeo sobre a qualidade dos alimentos natildeo soacute em campanhas publicitaacuterias mas na formaccedilatildeo do meacutedico sobre o excesso de peso ter uma alimentaccedilatildeo diferente e encaminhar o paciente para o nutricionista (P1)

No campo dos alimentos as demandas provenientes das forccedilas sociais ndash mercado e

sociedade - que satildeo remetidas ao governo para serem administradas nem sempre resultam

em deliberaccedilotildees nas quais os interesses coletivos sobressaem-se aos particulares seja por

razotildees internas e ou por debilidades na pressatildeo do conjunto social Nesse sentido e sem

179

designar o agente incumbido de mobilizar a sociedade - poreacutem excluindo o governo do

compromisso de ser a lideranccedila - sujeitos vinculados ao poder puacuteblico destacam em seu

discurso que sem a forccedila dos cidadatildeos sensibilizados com os conflitos em torno dos

alimentos e da sauacutede o governo encontra-se impossibilitado de fazer acontecer as

mudanccedilas necessaacuterias nesse campo

[] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover a agenda (P2) A massa criacutetica eacute pequena [] mas se outros elos dessa sociedade encamparem essa poliacutetica a gente teraacute sucesso muito raacutepido (P4)

Eacute verdade que a atitude indutora do mercado para a conquista de consumidores se

vale do traccedilo essencial do ser humano o de ser um sujeito com potencial de tornar-se

consciente e autocircnomo de suas proacuteprias accedilotildees Agora ele ndash o ser humano- eacute objeto de

manipulaccedilatildeo do mercado que sutilmente decide por ele o que eacute prazeroso comer onde e

como comer fazendo-o desligar-se das questotildees fundamentais que envolvem o ato de

alimentar-se e nutrir-se Nesse sentido um dos sujeitos ligados ao poder puacuteblico conclama

que eacute preciso munir o consumidor de informaccedilotildees para se fazer o resgate dos valores

simboacutelicos intriacutensecos agrave natureza humana amortecidos com a interferecircncia do mercado Eacute

preciso libertar o ser humano que tem dentro de cada consumidor para que natildeo se apequene o ser humano e

se agigante a condiccedilatildeo do consumidor para que se tenha o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilatildeo sobre os

alimentos que satildeo fornecidos em espaccedilos puacuteblicos (P1) No entanto como abordado anteriormente

natildeo eacute a informaccedilatildeo que transforma mas a informaccedilatildeo inserida em um contexto de

educaccedilatildeo como um processo criacutetico e participativo

Para alguns sujeitos do poder puacuteblico a sociedade civil brasileira caracteriza-se pela

falta de acuacutemulo de experiecircncias histoacutericas de lutas pela conquista de direitos de cidadania

Em funccedilatildeo disso quando o assunto eacute o de lidar com os efeitos da relaccedilatildeo entre alimentos e

sauacutede o papel que ela assume apresenta um caraacuteter bastante ambivalente nos discursos

formulados Apesar do reconhecimento da debilidade da sociedade civil que a faz

continuar a depender do suporte e das informaccedilotildees do Estado para compreender e adquirir

consciecircncia sobre os problemas que lhe afeta a sua atuaccedilatildeo eacute imprescindiacutevel para

180

pressionar o Estado quando da administraccedilatildeo de conflitos que envolvem a qualidade de

alimentos Isso porque ela se constitui em uma forccedila social capaz de contrapor-se agraves

demais e de lutar para dar concretude aos interesses coletivos de sauacutede

A sociedade civil estaacute muito parada natildeo tem qualidade de luta que o paiacutes necessita (P6) [] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover essa agenda (P2) O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular [] mas fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo (P1)

Contudo haacute dificuldades reais e histoacutericas que inibem a organizaccedilatildeo da sociedade

conforme apontam dos comentaacuterios a seguir O sujeito do poder puacuteblico pontua que as

sucessivas experiecircncias de opressatildeo social vivenciadas pelo povo brasileiro em sua

histoacuteria imprimiu marcas no inconsciente coletivo de medo de descrenccedila e de

incapacidade de organizar-se para lutar pelos interesses do conjunto que dificultam ou

retardam o fortalecimento dos movimentos sociais e o atendimento das reivindicaccedilotildees de

interesse coletivo

[] haacute segmentos organizados que sim mas a grande maioria natildeo estaacute preparada [] Face agrave nossa histoacuteria - colonialismo escravidatildeo e ditadura ndash pedaccedilos presentes na nossa contemporaneidade natildeo temos uma sociedade civil que esteja agrave altura das demandas de cidadania desse paiacutes marcados por ldquocasas grandes e senzalasrdquo (P1)

Obviamente as situaccedilotildees de opressatildeo e intimidaccedilatildeo impostas agrave maioria da populaccedilatildeo

pela elite brasileira associadas agrave pauperizaccedilatildeo generalizada e agrave falta de educaccedilatildeo no

sentido lato que persistiram ao longo do desenvolvimento econocircmico-social do paiacutes

contribuiacuteram para a formaccedilatildeo do povo brasileiro com tal perfil de luta Assim dotar essa

populaccedilatildeo de um aporte instrumental educativo que possa lhe dar plena autonomia para

fazer escolhas no acircmbito da alimentaccedilatildeo e consequentemente contrapor-se agrave ditadura do

mercado eacute uma das funccedilotildees do Estado em uma sociedade cujo percurso histoacuterico natildeo

permitiu o fortalecimento dos movimentos sociais para reivindicar as suas necessidades

em todos os aspectos da vida E por isso haacute discurso persistente em enfatizar que ao

Estado cabe a funccedilatildeo relevante de instruir a populaccedilatildeo para que ela possa redirecionar as

suas condutas e atitudes

181

O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular nem de fazer cultura mas de fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo Sem o Estado a gente natildeo consegue superar isso hoje Este paiacutes tem uma sociedade civil ainda pouco organizada para as demandas de cidadania que noacutes temos (P1)

Por fim natildeo eacute a informaccedilatildeo isolada que elevaraacute a consciecircncia criacutetica Esta pode ser

construiacuteda com o suporte das accedilotildees de EAN e de outras iniciativas educativas com

propoacutesitos similares que problematizam as questotildees relativas aos produtos alimentiacutecios e

agraves doenccedilas correlacionadas em um ambiente democraacutetico permitindo agrave populaccedilatildeo

repensar a sua praacutetica alimentar proteger-se dos riscos dos alimentos e reivindicar

qualidade para os alimentos com fins de melhorar as condiccedilotildees de sauacutede e vida

e) ldquoRegulaccedilatildeo Consentidardquo

Para regular as praacuteticas do mercado no acircmbito da sauacutede eacute imprescindiacutevel que haja

possibilidades ou comprovaccedilatildeo de riscos que ameacem a integridade da populaccedilatildeo O

discurso de um sujeito vinculado ao organismo internacional eacute emblemaacutetico e apresenta os

requisitos teacutecnicos necessaacuterios para deflagrar um processo de regulaccedilatildeo dos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis

Eacute clara essa relaccedilatildeo do consumo de alimentos industrializados com essas doenccedilas (DCNT) Esses alimentos normalmente eles tecircm uma quantidade de calorias maior bem maior do que o alimento in natura tecircm algumas pesquisas mostrando isso [] a densidade energeacutetica deles normalmente eacute maior do que os alimentos in natura [] o que favorece o aumento do excesso de peso nas pessoas e todas as doenccedilas relacionadas [] (01)

Poreacutem regular eacute um empreendimento teacutecnico e poliacutetico e portanto satildeo os discursos

dos sujeitos do mercado do poder puacuteblico e da sociedade civil brasileira com seus pontos

de convergecircncias e divergecircncias que iratildeo formar o clima regulatoacuterio explorado a seguir

Diante da retoacuterica da recuperaccedilatildeo do poder regulador do Estado afirmada com a

reforma institucional objetivando reduzir os entraves burocraacuteticos e facilitar o desenrolar

das atividades econocircmicas as reflexotildees feitas pelos sujeitos da sociedade civil e do poder

182

puacuteblico fluem em linhas divergentes Para um deles esse processo de reformulaccedilatildeo

dinamizou a atividade regulatoacuteria do Estado com a criaccedilatildeo das agecircncias reguladoras Para

o outro sujeito houve a inversatildeo dos papeacuteis exercidos pelo Estado e pelo mercado e a

reduccedilatildeo da capacidade do poder puacuteblico de interferir no mundo privado ficando aquele agrave

mercecirc dos interesses econocircmicos

[] o Estado brasileiro voltou a ter um papel ativo [] readquiriu um pouco o seu papel regulador [] eacute que natildeo eacute possiacutevel acreditar que o mercado regule e as empresas querem isso Eacute um sistema capitalista movido fundamentalmente pelo lucro se natildeo houver regras claras alguns bloqueios as consequecircncias para a populaccedilatildeo satildeo dramaacuteticas (S2) Eu natildeo gosto muito dessa visatildeo de agecircncia esse modelo que vem dos Estados Unidos neoliberal [] eu tenho duacutevidas do papel da agecircncia como modelo institucional de braccedilo do Estado para regular Elas terminam sendo mais refeacutens do mercado do que obedecendo ao Estado (P5)

Constata-se tambeacutem que as entidades representativas do mercado posicionam-se

acima dos interesses de quaisquer fragmentos da sociedade - e a forma como utilizam os

valores dos iacutendices pessoais eacute um indicativo de sua supremacia Noacutes hoje exportamos para 114

paiacuteses produtos industrializados [] (M1) No discurso de um dos sujeitos de mercado o ldquonoacutesrdquo

alterna entre duas formas de expressatildeo de valores primeiro o ldquonoacutesrdquo remete a toda

sociedade brasileira Acontece que noacutes somos um paiacutes privilegiado Temos tudo aqui para noacutes nos

alimentarmos (M1) E nessa perspectiva coloca sua organizaccedilatildeo como parte da sociedade

Esse eacute o modo de ele expressar que as medidas adotadas para a sociedade afetam a eles

mesmos Hoje noacutes somos um grande produtor (M1) Verifica-se uma nacionalizaccedilatildeo do ldquonoacutesrdquo sem

distinccedilatildeo ou existecircncia de conflitos

Aleacutem de se apresentar como parte desse organismo coletivo o ldquonoacutesrdquo nacional a

entidade se apresenta ao mesmo tempo como um ldquonoacutesrdquo um corpo especiacutefico dentro desse

corpo nacional Noacutes somos tambeacutem parte dessa sociedade noacutes produzimos noacutes empregamos [] 150 anos

aqui (M1) Assim ao mesmo tempo em que insinua compartilhar as preocupaccedilotildees comuns

como membro do corpo nacional salienta de modo singular que eacute o motor do corpo

nacional Como parte diferenciada do corpo nacional haacute uma estratificaccedilatildeo que situa o

proacuteprio ldquonoacutesrdquo especiacutefico (da entidade) acima do corpo nacional fazendo com que eles

sejam dispensados de obedecer as prescriccedilotildees do poder nacional Noacutes natildeo precisamos de quem

nos diga o que fazer (M1)

183

Essa afirmaccedilatildeo da entidade eacute frequentemente reiterada Noacutes estamos fazendo sozinhos noacutes

natildeo precisamos do governo noacutes estamos trabalhando com o governo (M1) para reforccedilar a autonomia e

autosuficiecircncia do mercado perante as instituiccedilotildees governamentais demonstrando serem

desnecessaacuterias quaisquer interferecircncias ou limitaccedilotildees que se pretenda realizar sobre a

atividade econocircmica Aliaacutes subtende-se do discurso que o mercado eacute uma instituiccedilatildeo que

pode ofertar espontaneamente o seu auxiacutelio ao governo como tambeacutem pode modelar as

formas de governanccedila do poder

Mesmo em situaccedilotildees em que a accedilatildeo exija a concordacircncia entre os agentes envolvidos

Noacutes fizemos um Acordo com o Ministeacuterio da Sauacutede (M3) o ldquonoacutesrdquo assume a conotaccedilatildeo de impositivo

de unilateralidade como se a iniciativa a disposiccedilatildeo e a decisatildeo de efetuar o ato recaiu

unicamente sobre o sujeito que fala na qualidade de um dos representantes do mercado

Na realidade a mobilizaccedilatildeo partiu do governo em funccedilatildeo da necessidade de se melhorar a

qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios e de minimizar os impactos negativos que

eles exercem sobre as DCNT

Outros sujeitos do mercado mostraram-se mais permeaacuteveis agraves interaccedilotildees Em seus

discursos o ldquonoacutesrdquo natildeo apareceu definindo a especificidade da organizaccedilatildeo ou a existecircncia

especiacutefica de um ldquonoacutesrdquo desconectado do coletivo e natildeo existe o descolamento da entidade

do corpo coletivo para assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica superior Eu acho que a gente tem aiacute

diversas medidas (M3) Noacutes deveriacuteamos fazer eacute uma mudanccedila de haacutebito (M2)

O mercado de alimentos apresenta-se como entidade soberana e autoregulaacutevel

desencadeando continuamente inventos para alavancar a produccedilatildeo e acumulaccedilatildeo de

capital Organiza seus projetos de inovaccedilatildeo de produtos com o foco na racionalizaccedilatildeo de

recursos e no aumento de lucros e para que se tornem mais viaacuteveis nas uacuteltimas deacutecadas

ele tem negligenciado alguns requisitos de qualidade no caso os paracircmetros nutricionais

Mesmo apoacutes os efeitos negativos eclodirem e se tornarem visiacuteveis coletivamente o

mercado segue dissipando haacutebitos alimentares impondo as marcas de produtos

beneficiando-se dos ecircxitos comerciais e contribuindo para doenccedilas Quando os riscos e as

doenccedilas relacionadas a essas alteraccedilotildees na qualidade nutricional dos alimentos comeccedilam a

184

assolar a populaccedilatildeo esse ideaacuterio neoliberal de independecircncia plena desmorona e o Estado

eacute convocado e pressionado a intervir em defesa da sociedade Quanto a essa intervenccedilatildeo os

discursos dos sujeitos do mercado sugerem que eacute sensatez do governo dialogar com as

induacutestrias para que estas corrijam paulatinamente as falhas silenciando-se quanto aos

impactos econocircmicos (no nosso entender justificaacuteveis) que poderiam advir de uma

imposiccedilatildeo legal

A experiecircncia eacute o seguinte noacutes achamos que existe uma maneira de educar de fazer as coisas acontecerem Eacute fazer em conjunto o esforccedilo para fazer diminuir retirar os alimentos retirar esses ingredientes [] Entatildeo o radicalismo uma regulamentaccedilatildeo ela fecha e natildeo daacute a flexibilidade que o Acordo faz O Acordo eacute uma coisa de compreensatildeo porque vocecirc natildeo pode de uma hora para outra mudar uma foacutermula A regulamentaccedilatildeo tem que ter plena consciecircncia (M1)

Frente agrave necessidade premente de reformular a composiccedilatildeo dos produtos

alimentiacutecios para aproximaacute-los de um perfil nutricional saudaacutevel e controlar as DCNT o

governo decidiu instituir pactos formais com metas estabelecidas conjuntamente flexiacuteveis

e de longo prazo sob a forma de acordos Na leitura dos sujeitos do mercado tal conduta

governamental eacute uma demonstraccedilatildeo de entendimento entre as partes devido agrave

complexidade que envolve a substituiccedilatildeo das foacutermulas desses produtos Para eles

regulamentar para sanar falhas em curto tempo seria uma atitude inconveniente do

governo Isso porque implicaria a imposiccedilatildeo de regras aliadas ao estabelecimento de

sanccedilotildees pelo seu descumprimento Poreacutem como o panorama epidemioloacutegico atual exige

pressa na intervenccedilatildeo - e as induacutestrias satildeo as principais responsaacuteveis pela deformaccedilatildeo dos

produtos alimentiacutecios - a aplicaccedilatildeo de regras com sanccedilotildees eacute apropriada

Quanto a esse uacuteltimo destaque um dos sujeitos do mercado assume de modo sutil e

ponderado o comprometimento da induacutestria com os produtos natildeo saudaacuteveis Eu acho que haacute

um aumento muito grande da oferta de produtos com caracteriacutesticas ou de agraves vezes ainda ndash natildeo estou

dizendo agora mas ateacute recentemente produtos com mais accediluacutecar produtos com excesso de gordura [] natildeo

existia uma preocupaccedilatildeo com essas caracteriacutesticas [] (M3)

O Ministeacuterio da Sauacutede ao assumir as funccedilotildees da entidade reguladora (Anvisa) foi

decisivo para o desenrolar dos acordos A Anvisa natildeo teve predisposiccedilatildeo para ousar

controlar os riscos de nutrientes dos produtos alimentiacutecios mesmo estes afetando a sauacutede

185

da populaccedilatildeo Esse assunto escapa completamente do seu trabalho tradicional de controle

dos riscos agrave sauacutede concentrado nos contaminantes de origem alimentar A rigidez das

praacuteticas das instacircncias de controle sanitaacuterio focadas em um grupo especiacutefico de riscos eacute

outro elemento de dificuldade pois natildeo permite acompanhar na velocidade necessaacuteria os

riscos agrave sauacutede que brotam das tecnologias de produccedilatildeo de alimentos Isso exigiria

articulaccedilatildeo com os interessados ajustamento dos seus regulamentos e procedimentos para

dar respostas efetivas de proteccedilatildeo agrave sociedade em tempo oportuno Esse distanciamento

institucional dos riscos emergentes agrave sauacutede portanto impedem a entidade reguladora de

agir para salvaguardar a sauacutede da populaccedilatildeo dos malefiacutecios dos produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis

Regulaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo satildeo referidos como sinocircnimos na fala de certos sujeitos

Ele tem que obrigar [] Ele tem que regular (S3) Quando eu falei regular eu estou entendendo que eacute preciso

normatizar que eacute preciso haver regras claras e inclusive sanccedilotildees (S2) Conforme jaacute definido neste

trabalho regulaccedilatildeo envolve um elenco de medidas de controle legais e compulsoacuterias

teacutecnicas e administrativas que a instituiccedilatildeo dispotildee para proteger a sauacutede da populaccedilatildeo

contra os riscos agrave sauacutede provenientes do sistema de produccedilatildeo de alimentos entre as quais

estaacute regulamentaccedilatildeo E no caso da sauacutede regulamentaccedilatildeo eacute entendida como a elaboraccedilatildeo

de um conjunto de disposiccedilotildees legais e obrigatoacuterias que a administraccedilatildeo puacuteblica impotildee a

terceiros para preservar a sauacutede da populaccedilatildeo entre elas as sanccedilotildees

A construccedilatildeo do consenso entre o governo e as entidades de mercado formalizada

no Acordo de Parceria Puacuteblico-Privada no campo da sauacutede pode refletir concessotildees

equilibradas ou prejuiacutezos para uma das partes A opccedilatildeo do governo em natildeo regulamentar

ou melhor dispensar o uso dessa prerrogativa em favor do Acordo de parceria sinaliza um

recuo do governo em prol do mercado uma vez que alternativamente poderia ter sido

elaborado um regulamento mediante um processo de construccedilatildeo de participativa

dialoacutegica e democraacutetica entre todos os interessados com prazo legal negociado Essa eacute a

impressatildeo de um dos sujeitos da sociedade civil Eu acho que tem essa visatildeo hoje - parceria

puacuteblico-privada ndash que na verdade [] eu percebo que tem um risco [] de uma privatizaccedilatildeo de conceder um

poder como se o mercado pudesse regular(S2)

186

As consideraccedilotildees emitidas pelos sujeitos do mercado sobre as medidas (acordo e

regulamentaccedilatildeo) satildeo amplas Ao fazerem comparaccedilotildees paralelas constata-se uma niacutetida

oposiccedilatildeo no quadro de qualificaccedilotildees atribuiacutedas a cada uma delas A primeira eacute vista como

siacutembolo de compreensatildeo diaacutelogo bem comum consenso racional e educativa enfim

protetora do mercado Jaacute a regulamentaccedilatildeo representa radicalismo controle

autoritarismo ineficaacutecia e inflexibilidade Eacute impressionante como uma praacutetica regulatoacuteria

instituiacuteda haacute deacutecadas e que tem a funccedilatildeo de regular o mercado para proteger os interesses

coletivos de sauacutede e de tornar justa a competiccedilatildeo entre as empresas converte-se em um

instrumento de polecircmica na visatildeo dos sujeitos do mercado Isso ocorre mesmo diante da

comprovada incapacidade do mercado em se autogerir para ofertar produtos de qualidade

agrave populaccedilatildeo [] eu fico meio arrepiado quando algueacutem comeccedila a falar que os alimentos industrializados

tem que ser regulamentados eu sou contra esses controles Noacutes temos a plena consciecircncia que as induacutestrias

aqui sediadas tem plena consciecircncia do que eacute controle (M1)

Destaca-se ainda o uso do pronome ldquonoacutesrdquo que assume um valor que natildeo abrange o

mundo industrial e tatildeo pouco o povo brasileiro mas se circunscreve ao grupo que o sujeito

representa

O discurso desse mesmo sujeito em continuaccedilatildeo ressalta que no esforccedilo de atualizar

a capacidade produtiva as empresas investem em tecnologias que valorizam os aspectos

comerciais e o controle de qualidade dos paracircmetros de riscos que julgam afetar o

desempenho de sua atividade econocircmica

[] a tecnologia com o modernismo para apresentaacute-lo ao consumidor numa maneira mais adequada [] para ser consumido com saudabilidade e com garantia de que aquilo natildeo lhe faria mal [] elas tecircm laboratoacuterios absolutamente completos muitas vezes superiores aos laboratoacuterios de agentes de controle governamentais Portanto a resposta agrave qualidade que elas datildeo eacute muito mais apurada muito mais exata do que qualquer laboratoacuterio de qualquer lugar de qualquer universidade (M1)

Poreacutem haacute de se considerar que as empresas elegem e monitoram os paracircmetros

analiacuteticos sanitaacuterios e outros que possam comprometer o comeacutercio dos seus produtos Eacute

evidente que no elenco de seus controles estatildeo excluiacutedos os paracircmetros nutricionais

porque ainda natildeo satildeo reconhecidos como de risco agrave sauacutede tanto pelas proacuteprias empresas

187

como pelo governo No momento atual esses paracircmetros ainda permanecem dispensaacuteveis

na perspectiva do mercado

Antes de ter a funccedilatildeo de modernizar os produtos essas tecnologias tecircm

necessariamente que se reverter em vantagens e lucros mesmo que paradoxalmente

possam tambeacutem ocasionar efeitos imprevisiacuteveis que resultem em adversidades e riscos agrave

sauacutede E em geral se esses efeitos negativos natildeo afetam a rentabilidade do capital somente

satildeo reconhecidos pelo mercado quando elucidados em investigaccedilotildees realizadas por centros

puacuteblicos de pesquisa E mesmo assim os resultados dessas pesquisas tendem sempre a ser

minimizados ou expostos a controveacutersias quando requerem mudanccedila no modelo de

produccedilatildeo - caso dos produtos alimentiacutecios com perfil natildeo saudaacutevel A presenccedila do

neologismo ldquosaudabilidaderdquo nesse enunciado se desloca sutilmente do produto para o

gesto de consumir ou seja para as condiccedilotildees de como o consumo eacute efetuado para retirar

qualquer polecircmica em torno do produto

A polecircmica do controle dos efeitos crocircnicos agrave sauacutede causados pelos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis encaixa-se com pertinecircncia no comentaacuterio a seguir Ameaccedilas

desta natureza - de cunho extensivo de longa duraccedilatildeo imperceptiacutevel ao leigo nos estaacutegios

iniciais de consequecircncias graves e de alto custo para sociedade - somente o Estado eacute capaz

de transformaacute-las em questatildeo social face agrave sua responsabilidade conformando-as em

poliacutetica de regulaccedilatildeo do mercado no acircmbito da sauacutede

Ningueacutem pode esperar que o mercado seja compatiacutevel espontaneamente com os direitos sociais em especial da sauacutede porque ele eacute vocacionado para o lucro Entatildeo precisa estar sempre regulado controlado socialmente e com o Estado sendo seu componente maiorrdquo (P5)

A competitividade que rege o mercado de alimentos reflete de certo modo a falta de

coesatildeo e a existecircncia de um sistema de estratificaccedilatildeo entre as empresas Haacute uma hierarquia

de poder entre as corporaccedilotildees de induacutestrias que sujeitam as induacutestrias de menor porte e

ou ligadas a entidades politicamente menos expressivas a quase obrigatoriamente de

seguir uma conduta ou adotar procedimentos das induacutestrias de primeira linha para se

manterem no mercado

188

Noacutes somos a grande maioria ndash [] as duzentas primeiras empresas do paiacutes em produccedilatildeo Se noacutes fizermos o produto baixar as demais vatildeo ter que acompanhar senatildeo elas perdem mercado As nossas empresas jaacute saem na frente e para dar o exemplo a gente ofereceu isso ndash vamos trabalhar juntos neste negoacutecio porque sozinho natildeo vai dar para vocecirc (M1)

Assim sendo o perfil de entidades escolhidas pelo governo para empreender

iniciativas de fomentar a adequaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios agregou induacutestrias de alto

poder econocircmico e detentoras de produtos de ampla circulaccedilatildeo nacional e internacional

Portanto um segmento estrateacutegico para o Acordo

Com as atuais caracteriacutesticas na composiccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios natildeo se pode

dizer que essas entidades do setor produtivo satildeo exemplares quanto aos compromissos

eacutetico e social Apenas se pode afirmar que elas definem um padratildeo de consumo de produtos

natildeo saudaacuteveis para a sociedade Poreacutem em virtude da presenccedila econocircmica que ocupam no

mercado quando elas decidem reduzir o teor daqueles nutrientes considerados

prejudiciais agrave sauacutede as demais induacutestrias podem ser forccediladas a aplicar essa medida em

seus respectivos produtos por motivo de concorrecircncia

Conforme exposto anteriormente o debate que antecedeu a construccedilatildeo do Acordo do

governo com as entidades se restringiu ao acircmbito do setor produtivo e os sujeitos da

sociedade civil organizada criticam essa iniciativa [] a sociedade natildeo foi convocada e nem a

academia [] Quem tomou parte desse Acordo foi o Ministeacuterio da Sauacutede e as induacutestrias com o apoio da

Anvisa (S1) No entanto para o poder puacuteblico Fazer poliacutetica eacute dialogar porque democracia se faz a

partir disto Isto natildeo significa alinhamento Isso significa diaacutelogo busca de agendas convergentes e o diaacutelogo

com a induacutestria de alimentos (P2) Desses argumentos brotam um niacutetido confronto entre o

ldquoexerciacutecio da democraciardquo e a ldquoextensatildeo da representaccedilatildeordquo Alargar a praacutetica democraacutetica

nos espaccedilos puacuteblicos requer necessariamente a participaccedilatildeo de todos os interessados nas

deliberaccedilotildees de um corpo coletivo (BOBBIO 2005) E no caso a ausecircncia da sociedade civil

nesse diaacutelogo institucional compromete tanto a legitimidade das deliberaccedilotildees adotadas

como demonstra um retrocesso na gestatildeo participativa

189

Um dos sujeitos vinculados agrave sociedade civil comenta Esses Acordos satildeo necessaacuterios

mas insuficientes e tiacutemidos no que diz respeito agraves suas metas Primeiro que satildeo Acordos que soacute

dizem respeito ao soacutedio enquanto a gente jaacute sabe que o problema natildeo estaacute limitado ao soacutedio []

satildeo metas fracas e que natildeo exigem nenhum esforccedilo da induacutestria ou muito pouco (S1)

Conforme jaacute abordado neste estudo os nutrientes-chave de interesse para a sauacutede a

serem reduzidos nos produtos alimentiacutecios satildeo gorduras accediluacutecares e sal poreacutem a

negociaccedilatildeo limitou-se ao teor de soacutedio (sal) ficando os demais nutrientes para serem

discutidos a posteriori em uma nova rodada de negociaccedilatildeo Isso demonstra as dificuldades

poliacuteticas de pautar a revisatildeo dos nutrientes em bloco

Essa iniciativa ndash a de proceder Acordos - rompe com a tradiccedilatildeo institucional

brasileira no campo da regulaccedilatildeo de alimentos que natildeo contemplava em seus dispositivos

praacuteticos o monitoramento dos resultados de Acordos com caraacuteter voluntaacuterio

formalizados com as induacutestrias 36 A lei e seus regulamentos complementares

instrumentos com caraacuteter compulsoacuterio e com previsatildeo de sanccedilotildees sempre foram usados

na praacutetica regular da instacircncia de controle sanitaacuterio para disciplinar o comportamento das

induacutestrias de alimentos Essa mudanccedila de estrateacutegia de intervenccedilatildeo foi beneacutefica para as

induacutestrias em duplo sentido a) permitiu prolongar o tempo para adequaccedilatildeo dos seus

produtos e b) evitou sujeitaacute-las a puniccedilotildees por natildeo cumprimento do Acordo Eacute assim que

se expressam as vozes da sociedade civil [] a atividade do governo hoje ela eacute mais no sentido de

relaxar do que de apertar a regulaccedilatildeo (S1) Agora natildeo passa pelo Acordo [] tem que passar pela exigecircncia Eacute

uma medida adequada mas muito tecircnue [] porque o que estaacute em jogo eacute a sauacutede da populaccedilatildeo (S3)

A explicaccedilatildeo para tal atitude eacute de cunho meramente poliacutetico pois a gravidade

refletida pelo padratildeo brasileiro de morbimortalidade e a sua interrelaccedilatildeo com os produtos

alimentiacutecios comprovadas por estudos cientiacuteficos e pelos organismos supranacionais

justifica a implementaccedilatildeo de uma medida incisiva por parte do governo Contudo a falta de

disposiccedilatildeo poliacutetica interna para enfrentar as pressotildees das induacutestrias contraacuterias a esse tipo

36 As instacircncias de vigilacircncia sanitaacuteria estaduais e os laboratoacuterios centrais de sauacutede puacuteblica- LACEN participam do monitoramento dos alimentos envolvidos no acordo com fins de averiguar o cumprimento das metas estabelecidas

190

de medida e a ausecircncia do contraponto efetivo da sociedade fez o governo recuar e optar

por alcanccedilar lentamente os objetivos pretendidos para os produtos alimentiacutecios

Se fosse uma regra compulsoacuteria de abrangecircncia nacional sobre controle de alimentos

o efeito produzido abarcaria a totalidade de induacutestrias forccedilando-as a reduzir os teores dos

nutrientes natildeo saudaacuteveis em prazo especificado Com isso qualquer induacutestria

independentemente da sua vontade estaria sujeita a reduzir os teores desses nutrientes ou

sofreria as sanccedilotildees legais Portanto essa regra suplantaria o alcance do ato administrativo

do Acordo que se restringe somente agravequelas induacutestrias vinculadas agraves entidades que

ratificaram o documento em questatildeo Contudo a opccedilatildeo do governo foi a de envolver poucas

entidades representativas do setor produtivo alimentar mas constituindo um

conglomerado relevante de induacutestrias tanto em termos econocircmicos como de penetraccedilatildeo

de seus produtos no mercado Desse modo ao ser abordado sobre o Acordo um dos

sujeitos da sociedade civil replica Qual eacute o uacutenico valor desses Acordos hoje do ponto de vista eu diria

simboacutelico [] eacute trazer essa questatildeo para a opiniatildeo puacuteblica mas efetivamente em termos de sauacutede A questatildeo

do soacutedio realmente chegou aos ouvidos de todo mundo Entatildeo todo mundo estaacute mais ou menos sensibilizado

com isso (S1)

As empresas globais por meio de seus interlocutores e com a intenccedilatildeo de preservar

os seus interesses mantecircm um canal ativo de articulaccedilatildeo internacional com as unidades de

suas redes de induacutestrias de alimentos Entre as suas tarefas estatildeo dar ciecircncia agraves entidades

vinculadas sobre as criacuteticas pressotildees e mobilizaccedilatildeo no acircmbito internacional dos paiacuteses

das entidades da sociedade civil e dos organismos internacionais com relaccedilatildeo aos produtos

alimentiacutecios e orientar as entidades como melhor se defender nesses episoacutedios O

movimento para alteraccedilatildeo no perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios natildeo eacute uma

iniciativa local mas eacute uma tendecircncia internacional com o respaldo da OMS e FAO que

estatildeo atentos agraves DCNT Isso jaacute despertou a atenccedilatildeo das entidades corporativas do mercado

compelindo-as a comunicar aos seus membros sobre a necessidade de repensar as suas

foacutermulas a fim de anteciparem-se a uma possiacutevel accedilatildeo incisiva dos governos nesse campo

191

[] as multinacionais trouxeram esta ideia porque quando elas fazem uma aplicaccedilatildeo em determinado momento elas estendem isto para o resto do mundo Entatildeo elas receberam a instruccedilatildeo que em um determinado momento teriam que comeccedilar a pensar [] Por laacute jaacute se estudaram as foacutermulas para ver quais eram as alternativas qual o substituto etc Entatildeo noacutes comeccedilamos muito antes do governo acordar para o problema (M1)

Observa-se que a articulaccedilatildeo entre as empresas nacionais e internacionais resultou

somente em intercacircmbio de informaccedilotildees Nenhuma accedilatildeo foi tomada ateacute a manifestaccedilatildeo do

governo Preocupaccedilotildees eacuteticas com determinados riscos dos produtos alimentiacutecios e o seu

envolvimento com as DCNT excluem-se do acircmbito de interesse do mercado global Para

lidar com este assunto as induacutestrias agem somente a partir de pressatildeo poliacutetica

A ingerecircncia das decisotildees das instacircncias intergovernamentais de regulaccedilatildeo de

alimentos no funcionamento interno do paiacutes eacute evidenciada tanto por parte do poder

puacuteblico como do mercado Em um discurso do poder puacuteblico a referecircncia denota uma

mescla de dependecircncia e impotecircncia implicando perda parcial de soberania nacional para

confeccionar suas proacuteprias regras mesmo diante de justificativas consideradas relevantes

para a sauacutede

O processo de se pactuar uma medida regulatoacuteria envolve em especial na aacuterea de alimentos um Acordo internacional porque se trata do Mercosul [] O avanccedilo da agenda regulatoacuteria (componentes nutricionais) dependeraacute primeiro de um tensionamento internacional observado em outras agendas e da construccedilatildeo de uma corrente de apoio ao MS [] e obviamente uma concertaccedilatildeo um apoio da sociedade [] (P4)

Apesar dos compromissos externos no trecho final desse discurso torna-se claro que o

governo depende do poder da sociedade sendo este relevante e estrateacutegico na definiccedilatildeo do

rumo das decisotildees para lidar inclusive com temas polecircmicos como a regulamentaccedilatildeo dos

componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios o que pode levaacute-lo a avanccedilar em suas

propostas para aleacutem do acordado nos pactos internacionais

192

Jaacute do lado do mercado a relaccedilatildeo estabelecida com as instacircncias supranacional e

intragovernamental eacute vista como um meio de expressar suas intenccedilotildees e de exercer suas

influecircncias no rumo das decisotildees apesar de relatar uma atuaccedilatildeo aparentemente limitada

[] a gente acaba participando tambeacutem na discussatildeo dentro do Brasil e depois indiretamente ateacute agraves vezes como observadora no Codex [] Para posicionamento natildeo voto nem veto mas de posicionamento perante o Codex E no Mercosul a gente acaba participando das diferentes comissotildees por meio da Anvisa (M3)

Quando conveniente tais instacircncias satildeo reportadas e reconhecidas como portadoras de

status superior ao do Estado por exemplo quando um sujeito do mercado faz menccedilatildeo agrave

elasticidade do prazo para adequaccedilatildeo das foacutermulas dos produtos alimentiacutecios quanto ao

teor de soacutedio Nas nossas foacutermulas noacutes chegaremos ateacute 2020 conforme preconiza a Organizaccedilatildeo Mundial

[] (M1)

No acircmbito do grupo do poder puacuteblico e da sociedade civil as falas natildeo seguem uma

uniformidade nas posiccedilotildees para tratar da temaacutetica do Acordo Haacute trecircs posiccedilotildees claramente

definidas sobre os Acordos formalizados entre o governo e as induacutestrias a saber a)

favoraacutevel e cabe ao governo contornar as divergecircncias de interesses com as induacutestrias []

o governo precisa ser parceiro das nossas induacutestrias (P4) Eacute uma medida de governanccedila combinada com o

segmento industrial (P3) b) condicionada agrave preservaccedilatildeo da supremacia do interesse puacuteblico e

de outras prerrogativas inerentes ao Estado Eu natildeo vejo problemas em firmar acordos desde que

natildeo tenham contrapartidas que firam o Estado (P1) e c) contraacuteria pois o conteuacutedo negociado eacute de

relevacircncia da sauacutede puacuteblica aleacutem de ser factiacutevel de ser concretizado sob a forma legal Eu

sou totalmente favoraacutevel que o que pode ser legislado sem atropelo e para o bem da populaccedilatildeo deve ser

legislado Eu sou favoraacutevel que haja regulamentaccedilatildeo a natildeo ser que se estabeleccedila um prazo para cumprimento

das regras (P5)

O Acordo transparece a clara intenccedilatildeo do MS e Anvisa enquanto instacircncias

governamentais de escolher uma estrateacutegia de intervenccedilatildeo que produz o menor desgaste

poliacutetico para o governo e impacto econocircmico para o mercado primeiro deveria ter sido feito uma

regra como natildeo foi possiacutevel fez-se um Acordo pois havia o interesse em natildeo prejudicar a induacutestria nacional

(P6) O Acordo entatildeo foi desenhado para amenizar os conflitos evitar turbulecircncias no

campo econocircmico evitar embates diretos com a sociedade civil organizada e enfim

193

adequar paulatinamente a qualidade dos produtos alimentiacutecios apesar do quadro

epidemioloacutegico que eles provocam

O discurso do mercado apresenta-se como salvador da economia e do proacuteprio

Estado pelos seus aportes de emprego pela importacircncia na balanccedila comercial e pelos

tributos que transfere e que garantem o funcionamento da maacutequina estatal [] soacute que noacutes

produzimos noacutes empregamos noacutes pagamos impostos noacutes exportamos noacutes estamos aiacute haacute 150 anos (M1)

Discurso que demonstra simultaneamente forccedila econocircmica e poliacutetica e que intimida de

modo impliacutecito o poder puacuteblico compelindo-o a recuar de fazer arranjos poliacuteticos mais

consistentes para se poupar de possiacuteveis ameaccedilas e retaliaccedilotildees

Acrescenta-se que a Parceria Puacuteblico-Privada em questatildeo altera a rotina

normatizada no governo e muda as feiccedilotildees do fazer no controle de alimentos podendo ter

consequecircncias preocupantes tais como a) o expressivo efeito ideoloacutegico resultante que

encobre os conflitos e leva a uma falsa neutralizaccedilatildeo das diferenccedilas entre os propoacutesitos do

governo e do privado criando a falsa ilusatildeo na sociedade de avanccedilos substanciais em prol

do interesse puacuteblico b) enfraquecimento do caraacuteter legal e legiacutetimo da autoridade do

poder puacuteblico para impor obrigaccedilotildees ao privado funccedilatildeo esta agora intitulada pelo mercado

como autoritarismo e c) criaccedilatildeo de precedentes para o mercado pressionar por uma

relaccedilatildeo interativa pautada em compreensatildeo e parceria em lugar de regras compulsoacuterias

quando do enfrentamento e na defesa de questotildees de interesse puacuteblico

Nesse sentido um dos discursos dos sujeitos do poder puacuteblico eacute ilustrativo em

enaltecer essa flexibilizaccedilatildeo no agir do poder puacuteblico perante o mercado

[] natildeo daacute mais para fazer aquela vigilacircncia de chegar autuar apreender aquela que a gente fazia antigamente quando foi criada a vigilacircncia sanitaacuteria Hoje a vigilacircncia sanitaacuteria moderna se trabalha com o stakeholders com parcerias e eu acho que esse eacute um movimento contemporacircneo Eacute vocecirc trazer a induacutestria para a responsabilidade mostrar para ela a importacircncia e voluntariedade e ela fazer esse movimento de mudanccedila mas isto tem prazo determinado (P4)

194

Atos administrativos reconhecidamente legais e necessaacuterios de serem aplicados em

situaccedilotildees de riscos agrave sauacutede em favor do coletivo convertem-se em uma imagem

depreciativa antiquada e inoportuna no contexto contemporacircneo para aqueles que se

orientam pelo lema ldquomercado tudo poderdquo Salienta-se que essa posiccedilatildeo natildeo eacute hegemocircnica

dentro do grupo do poder puacuteblico conforme trechos de falas antes mencionados e o

discurso que segue Eu acho que a Anvisa natildeo pode fugir dessa responsabilidade porque ela tem que

normatizar e natildeo pode ficar a reboque do mercado Satildeo dificuldades de uma legislaccedilatildeo mais forte para atuar

(P5) A divergecircncia deste discurso em relaccedilatildeo ao anterior reside na interpretaccedilatildeo de que a

interaccedilatildeo puacuteblico-privada e a dispensa do uso da legislaccedilatildeo satildeo um comportamento

acanhado e subserviente do poder puacuteblico perante o mercado Portanto incompatiacutevel com

a relevacircncia social e inapropriado para tratar dos negoacutecios da coletividade

Ao se reportar agrave concepccedilatildeo de Bourdieu (2009) verifica-se que a regulaccedilatildeo de

alimentos enquadra-se perfeitamente como um campo de produccedilatildeo simboacutelica

constituindo-se um espaccedilo de relaccedilotildees de forccedilas sociais onde se confrontam verdades e se

conflitam interesses Os efeitos sociais se modelam a partir dos consensos ou das

divergecircncias originaacuterios do comportamento e das intenccedilotildees dos agentes envolvidos e que

culminam em imposiccedilotildees que se definem e se redefinem ao longo do contiacutenuo trajeto da

luta poliacutetica No momento prevalece o Acordo no amanhatilde poderaacute vigorar a Regulaccedilatildeo

Para ter uma visatildeo sinteacutetica sobre os enunciados matriz postulados e realizaccedilotildees

discursivas que foram abordados eacute apresentado a seguir o Quadro 4

195

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES COMENTAacuteRIOS

Essencialidade do

alimento

O alimento eacute vida por essecircncia A identidade do alimento eacute intocaacutevel e as interferecircncias satildeo incapazes de destituiacute-lo de sua pureza miacutetica O equiliacutebrio do consumo alimentar traduz-se em sauacutede e vida

[] o alimento eacute uma das coisas

fundamentais na vida humana (M1)

O alimento influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos [] (P4) Essa loacutegica consumista que leva agrave obesidade [] (P1)

A adoccedilatildeo desses alimentos sem duacutevida estaacute muito ligada aos prejuiacutezos que a sauacutede tem hoje ndash a quantidade de accediluacutecar sal (P5)

Embora o alimento seja mitificado como fonte de energia e vida para a humanidade e o processamento industrial usado para resgatar as suas propriedades vitais e aumentar o seu tempo de preservaccedilatildeo nos uacuteltimos tempos houve a deformaccedilatildeo do caraacuteter essencial do produto alimentiacutecio deslocando-o da nutriccedilatildeo A mudanccedila na composiccedilatildeo do alimento e os artifiacutecios mercadoloacutegicos utilizados para estimular o consumo associados ao estilo de vida urbano tecircm causado efeitos nocivos agrave sauacutede da populaccedilatildeo

196

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Irreversibilidade do

produto

industrializado

Discute a loacutegica econocircmica de produccedilatildeo de alimentos (com fins exclusivos de lucro e ou de benefiacutecios agrave sauacutede) e o produto alimentiacutecio resultante de um processo tecnoloacutegico comparando-o com a autenticidade (real ou imaginada) do alimento extraiacutedo da natureza

O alimento industrializado ele eacute uma necessidade [] (M2)

Os alimentos industrializados estatildeo imbricados na vida moderna [] (P6)

A pandemia de obesidade estaacute associada ao mercado [] tem alimentos que satildeo viciantes ndash os refrigerantes satildeo viciantes o accediluacutecar vicia (P1)

A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo melhor Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso (M2)

[] natildeo adianta diminuir o nosso produto Ele natildeo engorda com o nosso produto ele vai engordar com o resto com tudo (M1)

A gordura e o accediluacutecar trazem sabor aos alimentos Entatildeo se vocecirc quer cativar um puacuteblico para que ele consuma aquele alimento o lado daquele que estaacute concebendo o alimento vai dizer carregue em sal carregue em accediluacutecar e carregue em gordura (S1)

O produto alimentiacutecio atende agraves expectativas da urbanidade pela sua versatilidade de ser praacutetico acessiacutevel e de ter embalagem descartaacutevel Aleacutem disso dinamiza a economia de consumo pela constante inovaccedilatildeo e substituiccedilatildeo de produtos A tecnologia usada na produccedilatildeo de alimentos assume um caraacuteter contraditoacuterio pois ao mesmo tempo que proporciona certos requisitos de qualidade ao produto causa impactos negativos devastadores desestrutura a cultura alimentar cria dependecircncia fiacutesica e gera diferentes modalidades de doenccedilas Entretanto salienta-se que a qualidade do produto atua como um marcador social e conforma dois grupos os considerados com um perfil nutricional melhor e mais caro e agravequeles que satildeo menos saudaacuteveis de maior risco agrave sauacutede e de custo mais baixo que satildeo consumidos pelas parcelas mais pobres da populaccedilatildeo Nesse ponto alguns sujeitos do mercado estatildeo mais inclinados a concordar com a necessidade de reformular os produtos para atender aos preceitos da nutriccedilatildeo e da sauacutede

197

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Implicaccedilatildeo do

consumidor

O indiviacuteduo sob o prisma neoliberal eacute autocircnomo para fazer as suas escolhas alimentares e portador de saber e de experiecircncias que lhe habilitam a responsabilizar-se pela proteccedilatildeo dos riscos que afetam a sua proacutepria sauacutede

[] o aumento do sedentarismo [] as

pessoas cada vez mais acomodadas [] se exercitam ou fazem menos atividades fiacutesicas Natildeo eacute soacute o alimento (M2)

[] quem eacute o culpado pelos excessos alimentares e as suas consequecircncias eacute o proacuteprio consumidor - eacute o proacuteprio quem consome - eacute o ser humano que na ganacircncia voluacutepia na gula ele exagera naquilo que faz ou natildeo se prepara adequadamente que eacute o proacuteprio culpado (M1)

[] mas a populaccedilatildeo teve um grande incentivo e uma tomada de consciecircncia embora natildeo atingindo o desejaacutevel [] da importacircncia da alimentaccedilatildeo na vida da pessoa (S3)

Haacute uma amostra razoaacutevel que tem mais acesso agraves informaccedilotildees e estatildeo mais sensiacuteveis mas nem sempre agem na praacutetica (P5)

O indiviacuteduo que estaacute inserido na sociedade contemporacircnea regida pelo espiacuterito neoliberal eacute doutrinado a criar mecanismos de autoproteccedilatildeo contra os riscos como praticar o autocuidado almejar a integridade de sua sauacutede e manter seu corpo regulado Em caso contraacuterio ele pode cometer desvios dessa ordem estabelecida No caso dos riscos dos alimentos o consumidor pode assumir duas posiccedilotildees culpado ou viacutetima Do ponto de vista do mercado ele eacute culpado por comer em excesso natildeo ler a rotulagem dos produtos e ter uma vida sedentaacuteria do lado do poder puacuteblico e da sociedade civil ele tende a ser viacutetima por se submeter agraves pressotildees mercadoloacutegicas e pela falta de informaccedilatildeo adequada sobre a alimentaccedilatildeo

198

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Consumidor para trans (formar)

A capacidade de autodefesa do consumidor estaacute nas informaccedilotildees transmitidas que atuam como motor de transformaccedilatildeo da sua consciecircncia e conduta

O governo estaacute cometendo o maior erro da histoacuteria olhando soacute o industrializado e natildeo estaacute focando o resto e noacutes natildeo somos o todo noacutes somos uma parte O governo tem que educar (M1)

O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular [] mas fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo (P1)

[] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover essa agenda (P2)

A educaccedilatildeo eacute apresentada como o uacutenico meio capaz de transformar a conduta do indiviacuteduo e da populaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave praacutetica do consumo de alimentos para permitir o controle dos riscos dela derivados A informaccedilatildeo deve ser utilizada para empoderar a populaccedilatildeo mas sem eximir o Estado do seu dever de refrear os excessos cometidos pelo mercado que repercute na vida social Ressalta-se ainda que face agrave debilidade histoacuterica dos movimentos sociais e o seu distanciamento quanto agraves questotildees da alimentaccedilatildeo fica o Estado incumbido de disseminar as informaccedilotildees para que a populaccedilatildeo eleve a sua consciecircncia e adquira autonomia para gerenciar o seu consumo alimentar

199

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

ldquoRegulaccedilatildeo consentidardquo

O alcance do produto saudaacutevel natildeo se limita exclusivamente agraves disposiccedilotildees legais mas envolve uma governanccedila regulatoacuteria acordada entre as partes interessadas com a conciliaccedilatildeo de interesses do mercado e da sociedade

A experiecircncia eacute o seguinte noacutes achamos que existe uma maneira de educar de fazer as coisas acontecerem Eacute fazer em conjunto o esforccedilo para fazer diminuir retirar os alimentos retirar esses ingredientes [] Entatildeo o radicalismo uma regulamentaccedilatildeo ela fecha e natildeo daacute a flexibilidade que o Acordo faz O Acordo eacute uma coisa de compreensatildeo porque vocecirc natildeo pode de uma hora para outra mudar uma foacutermula A regulamentaccedilatildeo tem que ter plena consciecircncia (M1) Esses Acordos satildeo necessaacuterios mas insuficientes e tiacutemidos no que diz respeito agraves suas metas [] satildeo metas fracas e que natildeo exigem nenhum esforccedilo da induacutestria ou muito pouco (S1) Eu acho que a Anvisa natildeo pode fugir dessa responsabilidade porque ela tem que normatizar e natildeo pode ficar a reboque do mercado Satildeo dificuldades de uma legislaccedilatildeo mais forte para atuar (P5) Eu acho que tem essa visatildeo hoje - Parceria Puacuteblico-Privada ndash que na verdade [] eu percebo que tem um risco [] de uma privatizaccedilatildeo de conceder um poder como se o mercado pudesse regular (S2)

Os pactos formais instituiacutedos pelo governo com as induacutestrias para a reformulaccedilatildeo do perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios eacute objeto de controveacutersia nas leituras do mercado do poder puacuteblico e da sociedade civil Ao discutir o Acordo e a regulamentaccedilatildeo o mercado opina que o primeiro simboliza uma manifestaccedilatildeo de compreensatildeo e de flexibilidade enquanto o segundo representaria radicalismo e autoritarismo por parte do governo O poder puacuteblico e a sociedade civil exprimem diferentes pontos de vista sobre o assunto Uma parte admite a necessidade do Acordo poreacutem afirma a fragilidade das metas e avalia que o governo recuou perante agraves demandas da induacutestria diante da gravidade do panorama epidemioloacutegico para outra o fato do ente regulador se eximir de adotar a regulamentaccedilatildeo com previsatildeo de sanccedilatildeo significa colocar-se numa posiccedilatildeo de subserviecircncia perante o mercado o que revela fraqueza daquele que eacute responsaacutevel por promover o bem-estar de toda a coletividade

62 A ldquoAlimentaccedilatildeordquo e ldquoNutriccedilatildeordquo geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas

Com a exploraccedilatildeo dos enunciados matriz dois termos semacircnticos elementares

destacaram-se na construccedilatildeo dos discursos alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo a partir dos quais

surge um leque de significaccedilotildees com possibilidades de variaccedilotildees distintas que podem ser

expostas recorrendo agrave topologia do quadrado semioacutetico inicialmente elaborado por

Greimas (1970) para pensar a programaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo dos objetos de discurso e de seus

valores

A aplicaccedilatildeo do modelo Quadrado Semioacutetico nesta tese tem caraacuteter meramente

ilustrativo com a finalidade de suscitar a possibilidade de exploraccedilatildeo dos termos

semacircnticos da Nutriccedilatildeo por meio desse modelo Contudo ressalta-se que natildeo se pretende

aqui esgotar a discussatildeo sobre a sua aplicabilidade e validaccedilatildeo no campo da Nutriccedilatildeo

Considerando que a significaccedilatildeo eacute algo que se constroacutei o quadrado semioacutetico parte

do pressuposto de que todo o discurso segue um modelo de competecircncia que potildee em jogo

uma relaccedilatildeo entre quatro termos concebida como fundadora de sua estrutura significante

Tal quadrado remete a ideia de que qualquer narraccedilatildeo se embasa em uma relaccedilatildeo dual

entre a noccedilatildeo e o seu contraacuterio semacircntico (alimentaccedilatildeo versus nutriccedilatildeo) cada um desses

polos implicando o seu contraditoacuterio (natildeo alimentaccedilatildeo e natildeo nutriccedilatildeo) conforme

apresentado na Figura 1

Desse modo todo o discurso emana da realizaccedilatildeo de um percurso constante e

descontiacutenuo de uma posiccedilatildeo a outra nesses dois eixos (o eixo da contrariedade implicando

o da sub-contrariedade) Este percurso gera no seu desenvolvimento as suas significaccedilotildees

conforme o programa narrativo e figurativo projetado pela relaccedilatildeo quaternaacuteria

fundamental e variando de acordo com o universo de atuaccedilatildeo do seu enunciador Enfim o

quadrado representa de forma sinteacutetica como a produccedilatildeo de sentido em suas muacuteltiplas

variaccedilotildees circunscreve-se num dado campo semacircntico Segundo Barros (2005) essa

197

201

representaccedilatildeo visual demonstra por um lado como uma estrutura elementar intricada em

uma rede de relaccedilotildees se reduz a uma uacutenica relaccedilatildeo e por outro como a pureza da diferenccedila

inexiste e escapa da dinacircmica do mundo social

Nesse sentido a Figura 1 apresenta distintas possibilidades de significaccedilotildees que

circulam nesse campo semacircntico

- O eixo alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo Configura um discurso no qual o ser eacute visto

em sua integralidade dotado de liberdade e de autonomia para organizar o

seu modo de existecircncia Ser que eacute tambeacutem um cidadatildeo que usufrui de um

conjunto de direitos que lhe possibilita condiccedilotildees dignas para manter a vida

e portanto a integridade da sauacutede Desse modo um ser consciente e

qualificado para realizar um consumo equilibrado e que se beneficia de

produtos alimentiacutecios que atendem as suas necessidades nutricionais a sua

cultura alimentar aleacutem de lhe proporcionar prazer Como agente de um

processo democraacutetico a sua presenccedila no coletivo se volta para a defesa e luta

pelas demandas coletivas deixando como subordinadas as demais

Valorizamos muito a conquista que tivemos que incluir na Constituiccedilatildeo ndash o direito agrave

alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel como parte do artigo 60 que fala dos direitos sociais (S2)

Eacute sob essa perspectiva que se desenha uma poliacutetica de seguranccedila alimentar e

nutricional integradora das diferentes faces do sistema produtivo de

alimentos e que permita a realizaccedilatildeo do direito de todos ao acesso regular

aos alimentos em termos de quantidade e qualidade compatiacuteveis com os

valores culturais e com uma produccedilatildeo enlaccedilada a uma poliacutetica econocircmica

social e ambientalmente sustentaacutevel

202

Figura 1 Quadrado semioacutetico da alimentaccedilatildeo amp nutriccedilatildeo

ALIMENTACcedilAtildeO NUTRICcedilAtildeO

NAtildeO ALIMENTACcedilAtildeO

NAtildeO NUTRICcedilAtildeO

POLIacuteTICA DE SEGURANCcedilA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Integraccedilatildeo do Ser

Pessoa Inteira

Sujeito Cidadatildeo de Direito

CONSUMO EQUILIBRADO- Eutrofia

Produtos que NUTREM Sociedade Tudo Pode

Equiconsumo Vitalismo

POLIacuteTICA DE PROTECcedilAtildeO

Coisificaccedilatildeo do Ser Pessoa Massificada

Sujeito Consumidor

CONSUMO EXCESSIVO-Obesidade

Produtos que NAtildeO NUTREM

Mercado Tudo Pode

Hiperconsumo Consumismo

POLIacuteTICA DE LIBERACcedilAtildeO

Terrorizaccedilatildeo do Ser

Pessoa Frugal

Sujeito Alienado

CONSUMO RESTRITIVO Anorexia

Produtos que NAtildeO ALIMENTAM

Indiviacuteduo Tudo Pode

Hipoconsumo Ascetismo

POLIacuteTICA DE REPARTICcedilAtildeO

Discriminaccedilatildeo do Ser Pessoa Marginalizada

Sujeito Faminto

CONSUMO REPRIMIDO Desnutriccedilatildeo

Produtos que FALTAM Sociedade Nada Pode

Hipoconsumo Mortalismo

203

- O eixo natildeo nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo Constitui o eixo oposto no qual o discurso se

inverte em seu conteuacutedo O ser fica reduzido a uma subcategoria do gecircnero humano

destituiacutedo dos meios imprescindiacuteveis para viabilizar a plenitude da vida e apenas o

instinto natural o faz resistir e sobreviver diante do desprezo da sociedade O

consumo limitado de alimentos natildeo sacia a fome e degrada a sauacutede produzindo

carecircncias e outras doenccedilas que apenas ajudam a acelerar o fim da existecircncia do

indiviacuteduo ou do coletivo [] natildeo eacute passando fome natildeo eacute com uma dieta que natildeo atenda as

necessidades daquela pessoa e sim num processo de mudanccedila de haacutebito (S3) Segundo Valente

(2003) com o seu direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada negado excluiacutedos da

cidadania e natildeo dignos para portar status de igualdade em uma sociedade

estratificada e segregadora esses seres quase-cidadatildeos dependem de uma poliacutetica

puacuteblica com caraacuteter distributivo e socialmente justa dirigida para garantir a todos o

acesso aos alimentos em termos quali-quantitativo para satisfazer as suas

necessidades nutricionais possibilitar a estabilidade da sauacutede ampliaccedilatildeo da

expectativa de vida e especialmente que os reconheccedila como cidadatildeos portadores de

direitos

- O eixo nutriccedilatildeo natildeo alimentaccedilatildeo O discurso que daqui deriva aponta para o

massacre do ser humano ao se guiar pelos valores da esteacutetica corporal que

conformam a ideologia dominante a qual define tambeacutem os criteacuterios de aceitaccedilatildeo

social e pessoal e concomitante guia as praacuteticas alimentares (CONTRERAS amp

GRACIA 2011) Ao indiviacuteduo entatildeo cabe privar-se ldquovoluntariamenterdquo do consumo

alimentar permitindo-se apenas obter o combustiacutevel miacutenimo necessaacuterio agrave vida Se

ele julgar que houve consumo de alimentos em excesso rapidamente os expelem

mantendo-se sob a ldquorigidez do controlerdquo A rejeiccedilatildeo dos alimentos natildeo acontece

isoladamente ela se conjuga agrave rejeiccedilatildeo do prazer e ambas comprometem a sauacutede

Esse quadro que termina por levar a um processo de desinteresse pela vida O

indiviacuteduo ser livre e autocircnomo se predispotildee a sujeitar-se agraves pressotildees sociais que

ditam o ideal do perfil corpoacutereo e ao se deparar com os insucessos encara-os como

questatildeo de fracasso moral Tal comportamento individual ao se multiplicar passa a

ser assumido como questatildeo social O movimento requerido vai em direccedilatildeo de

204

libertar os cidadatildeos dessa opressatildeo ideoloacutegica rediscutindo e reprimindo os meios e

as estrateacutegias utilizados especialmente pela miacutedia para disseminar esses valores

deformados de esteacutetica corporal

- O eixo alimentaccedilatildeonatildeo nutriccedilatildeo O discurso se inicia com a reduccedilatildeo do sujeito a

um objeto Segundo Bauman (2008) na sociedade atual o consumo eacute visto como

vocaccedilatildeo de cada indiviacuteduo ou seja como direito e dever humano universal Assim o

sujeito eacute capturado pelo mercado e passa a ser viacutetima da induccedilatildeo para a compra

compulsiva de bens no caso de produtos alimentiacutecios ao ponto de perder o seu

autocontrole e comprometer a sua proacutepria sauacutede Eacute preciso libertar o ser humano que tem

dentro de cada consumidor para que natildeo se apequene o ser humano e se agigante a condiccedilatildeo do

consumidor para que se tenha o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilatildeo sobre os alimentos que satildeo

fornecidos em espaccedilos puacuteblicos (P5)

No campo dos alimentos o consumismo se concretiza pela contiacutenua oferta

diversificada e socialmente diferenciada de produtos sempre em constante

renovaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo para despertar interesses e vontades nos consumidores Essa

loacutegica consumista que leva a obesidade natildeo apenas do corpo mas a obesidade do pensamento dos

sentidos O consumismo eacute uma expressatildeo dessa sociedade atual e que dialoga muito com a

drogadiccedilatildeo inclusive porque significa a busca de um prazer imediato e fulgaz (P1)

O mercado natildeo se democratiza mas se estratifica e passa a fornecer produtos

para usufruto dos grupos de consumidores mais pobres Satildeo produtos alimentiacutecios

com perfil diferenciado que portam certos atributos como qualidade nutricional

inferior baixo preccedilo alto poder gustativo e expressatildeo simboacutelica de status social

A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo maior Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso Quanto mais as pessoas tiverem condiccedilotildees mais elas vatildeo procurar este tipo de produto Entatildeo se vocecirc tivesse um volume maior de produccedilatildeo vocecirc conseguiria reduzir mas ele por si soacute jaacute eacute mais caro (M1)

Produtos alimentiacutecios que saciam a fome mas em compensaccedilatildeo natildeo nutrem

e geram problemas de inseguranccedila alimentar no consumidor Para conter os

desmandos do mercado satildeo necessaacuterias medidas de proteccedilatildeo - como as que regulem

205

a qualidade nutricional dos alimentos e a sua publicidade e promovam a alimentaccedilatildeo

saudaacutevel - para restabelecer praacuteticas alimentares promotoras de sauacutede Ningueacutem pode

esperar que o mercado seja compatiacutevel espontaneamente com os direitos sociais em especial da

sauacutede porque ele eacute vocacionado para o lucro Entatildeo precisa estar sempre regulado controlado

socialmente e com o Estado sendo seu componente maior (P5) O indiviacuteduo para ser

consumidor consciente precisa adquirir o status de cidadatildeo ou seja aquele que eacute

livre e autocircnomo para fazer escolhas e reflexivo antes da tomada de decisatildeo

Conforme apresentado no Quadrado Semioacutetico (Figura 1) o conjunto das posiccedilotildees

percorridas pelos discursos dos entrevistados (concentrado entre a dicotomia

alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo e a subcontraacuteria natildeo-alimentaccedilatildeonatildeo-nutriccedilatildeo) produz significaccedilotildees

diferentes segundo o papel temaacutetico que os enunciadores adotam e se reportam ao outro

como sujeitos e atores sociais Embora a representaccedilatildeo visual dos termos

alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo tenha possibilitado moldar diferentes tipos de discursos estudados

as posiccedilotildees polecircmicas localizaram-se essencialmente nos eixos alimentaccedilatildeonatildeo nutriccedilatildeo

(que discute a qualidade do alimento industrializado) e alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo (que

questiona as alternativas para se alcanccedilar um equiliacutebrio da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo para

todos) Embora as temaacuteticas dos dois outros eixos (natildeo alimentaccedilatildeo natildeo nutriccedilatildeo e

nutriccedilatildeo natildeo alimentaccedilatildeo) natildeo estejam presentes no corpus analisado estas remetem a

potencialidades discursivas que podem aparecer ou natildeo segundo os contextos e os

protagonistas da enunciaccedilatildeo na forma de delineamentos de um contra-discurso cujos

efeitos jaacute estatildeo superados (a extrema miseacuteria alimentar e o sujeito faminto no caso do eixo

natildeo nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo) ou que natildeo tecircm expressividade que justifique uma accedilatildeo

sistemaacutetica do poder puacuteblico (transtornos do comportamento alimentar no eixo

nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo)

O esquema representa uma aproximaccedilatildeo incipiente da teoria narrativa e foi elaborado

com a intenccedilatildeo de demonstrar resumidamente de maneira clara e raacutepida - mas tambeacutem

resgatando a complexa interdependecircncia das representaccedilotildees em jogo - as evidecircncias

identificadas de conjunccedilotildees e disjunccedilotildees das reflexotildees e accedilotildees entre os discursos dos

206

distintos sujeitos pesquisados e vinculados a cada um destes loci de atuaccedilatildeo ndash mercado

poder puacuteblico ou sociedade civil

Face ao exposto essa esquematizaccedilatildeo assim como as interpretaccedilotildees e os comentaacuterios

dela derivados objetivam delimitar com precisatildeo mas sem esgotar a dialeacutetica dos

cruzamentos entre cada um o conjunto significante formado pelos discursos Tambeacutem

pretende traccedilar sob a nossa perspectiva como funcionam as loacutegicas de atuaccedilatildeo na

tentativa de responder a partir de quais representaccedilotildees (imaginaacuterias e pragmaacuteticas)

concordacircncias deslocamentos oposiccedilotildees e de que modo os sujeitos encaram a interligaccedilatildeo

geneacuterica e especiacutefica dos processos da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e as possiacuteveis

transformaccedilotildees considerando as forccedilas atrativas do mercado do poder poliacutetico e da

sociedade

63 Regulaccedilatildeo dos riscos dos alimentos ideologias interesses e poder

O conceito da ideologia de Thompson (THOMPSON 2000) conforme mencionado no

iniacutecio deste trabalho se refere agraves diferentes maneiras como as FS e o sentido por elas

mobilizados constroem a realidade social e servem para estabelecer e sustentar relaccedilotildees

de poder Satildeo duas accedilotildees centradas no ldquosentidordquo com finalidades especiacuteficas mas com

interdependecircncia cujo efeito conjunto norteia o processo de compreensatildeo e de realizaccedilatildeo

da ideologia A primeira demonstra como o sentido enquanto criaccedilatildeo ativa e contiacutenua

institui as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre grupos e pessoas e a segunda revela como o

sentido atua para manter e reproduzir as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo por meio de uma via

dinacircmica de produccedilatildeo e recepccedilatildeo de FS

A compreensatildeo das FS como ideoloacutegicas depende dessa relaccedilatildeo interativa de sentido

e poder a qual eacute indissociaacutevel do contexto socialmente estruturado onde se efetiva a sua

operacionalizaccedilatildeo Quanto a esse aspecto contextual o referido autor parte do pressuposto

de que a distribuiccedilatildeo e o acesso aos vaacuterios tipos de recursos natildeo eacute uniforme para as pessoas

207

e os grupos Haacute diferenciaccedilotildees sistemaacuteticas que permitem agraves pessoas e aos grupos em

virtude de seu posicionamento no contexto social e das qualificaccedilotildees (intelectuais e

econocircmicas) incorporadas se apropriarem de diferentes quantidades de recursos e de

distintos graus de acesso a eles

Esclarece ainda que esses recursos satildeo na verdade graus de poder entendidos

como uma capacidade que certas pessoas detecircm socialmente ou institucionalmente para

transformar a realidade dos fatos sociais influenciar decisotildees concretizar seus objetivos e

realizar seus interesses Salienta tambeacutem que o ldquopoderrdquo implica obrigatoriamente

relaccedilotildees sistematicamente assimeacutetricas Haacute grupos particulares que em comparaccedilatildeo aos

outros dispotildeem de um quantum diferenciado de poder de forma permanente e relevante

independentemente da situaccedilatildeo que estaacute sob questatildeo

Os discursos agrupados do mercado do governo e da sociedade civil quanto agrave

regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios para interferir no perfil

das DCNT compotildeem versotildees de um evento da realidade social construiacutedas coletivamente

com estilos enredos e argumentos proacuteprios de cada uma dessas representaccedilotildees Eacute a

ideologia o constituinte essencial desses discursos encarregando-se de mobilizar os

significados e de revelar como estes se entrecruzam com as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo

formatando e distinguindo os discursos bem como explicitando os conflitos e as

desigualdades de interesses

A ideologia dos discursos sobre a regulaccedilatildeo dos alimentos flui de maneira anaacuteloga a

um jogo de tabuleiro com trecircs peccedilas estrateacutegicas que ao se movimentarem fazem

transparecer a trama do poder a qual seraacute sintetizada a seguir Para o mercado o que lhe

interessa eacute a acumulaccedilatildeo do capital Eacute usufruir dos avanccedilos tecnoloacutegicos para aperfeiccediloar e

expandir a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo de produtos alimentiacutecios com fins de inquietar

continuamente os consumidores com seus produtos diversificados Para isso utiliza-se do

seu poder econocircmico e poliacutetico para desfazer quaisquer obstaacuteculos que ameacem o sucesso

desse empreendimento O advento da globalizaccedilatildeo da economia apenas consagrou o seu

fortalecimento As empresas assumiram uma nova reconfiguraccedilatildeo no cenaacuterio mundial

208

formando corporaccedilotildees e tornando-se protagonistas do mapa econocircmico do mundo Essas

corporaccedilotildees transnacionais se desvinculam de um espaccedilo geograacutefico especiacutefico e se

qualificam para fazer a distribuiccedilatildeo planetaacuteria de seus produtos influenciar as decisotildees do

poder puacuteblico manter e viabilizar o seu negoacutecio inclusive para tornar justa a concorrecircncia

entre os seus pares Comeccedilam tambeacutem a interferir nas instituiccedilotildees de normatizaccedilatildeo do

comeacutercio de alimentos supranacionais e locais exercendo marcantes influecircncias nas

decisotildees proferidas nessas instacircncias Frente agrave emergecircncia de potencializar a intensificaccedilatildeo

dos lucros tais corporaccedilotildees reconfiguram o perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios de

maneira uniforme com ingredientes baratos poucos nutritivos e de baixo custo em

seguida adotam estrateacutegias variadas para homogeneizar o padratildeo de consumo e dissolver o

caleidoscoacutepio de valores culturais e praacuteticas alimentares presentes nas sociedades Para o

mercado as ldquoidiossincrasiasrdquo relativas aos produtos alimentiacutecios advecircm do consumidor

que eacute inativo e consome em excesso Do resultado desse ldquoprogresso econocircmico globalrdquo

surgem aleacutem do exorbitante lucro privado os riscos agrave sauacutede (DCNT) que se expandem

continuamente pelo planeta

O poder puacuteblico eacute incitado cada vez mais para intervir e disciplinar o mercado diante

dos riscos dos alimentos que se complexificam com as sofisticadas tecnologias Mas antes

de agir aquele eacute obrigado a considerar os pactos internacionais e regional ndash Mercosul ndash que

limitam a liberdade e autonomia da sua proacutepria accedilatildeo - assim como aferir a sua capacidade

interna e as repercussotildees de uma potencial intervenccedilatildeo A estrutura fragilizada do poder

puacuteblico denuncia a dificuldade poliacutetica para contrapor aos interesses do mercado A soluccedilatildeo

para contornar as externalidades do mercado de produtos alimentiacutecios refletidas no campo

da sauacutede eacute amenizada com o uso de instrumentos natildeo usuais e deacutebeis (Acordos) quando

comparados agraves regras compulsoacuterias e punitivas para reduccedilatildeo dos componentes

nutricionais prejudiciais presentes nesses produtos Esse Acordo firmando entre o governo

e as entidades industriais aleacutem de representar um desvio da rotina institucionalizada foi

delineado em meio a uma governanccedila comprometida sem a presenccedila da sociedade civil

organizada A pressatildeo poderosa do mercado associada agrave fragilidade poliacutetica do poder

puacuteblico faz com que o primeiro determine que o atendimento dos interesses sociais seja

negociado gradualmente por acordos que impliquem reajustamentos miacutenimos ao mercado

209

Assim perante uma correlaccedilatildeo de forccedilas desigual entre os entes o Acordo foi a opccedilatildeo eleita

pelo poder puacuteblico para administrar os interesses divergentes entre o mercado e a

coletividade Todavia o impasse entre garantir agrave sauacutede ou interferir no ritmo acelerado de

acumulaccedilatildeo de capital ainda natildeo foi superado

A sociedade civil organizada embora atenta aos riscos dos alimentos e agrave

necessidade de regulaccedilatildeo reconhece a incipiente mobilizaccedilatildeo do coletivo e a importacircncia

de sensibilizar os grupos sociais para incluir esse tema nas pautas reivindicatoacuterias Seu

poder eacute limitados e reduzido para confrontar-se com os interesses do mercado e alcanccedilar

um sucesso imediato Contudo a falta de participaccedilatildeo ativa e sistemaacutetica da sociedade nos

processos decisoacuterios para conter os riscos dos alimentos compromete tanto a forma de

vocalizar os seus interesses de sauacutede quanto a sua capacidade de influenciar a accedilatildeo do

poder puacuteblico em prol de valorizar as demandas coletivas Dessa forma a aspiraccedilatildeo da

efetiva prevenccedilatildeo das doenccedilas que em parte derivam da conduta insalubre do mercado

fica protelada assim como a garantia do pleno direito agrave sauacutede

Considerando ainda essas trecircs seacuteries de discursos que abordam a validade da

regulaccedilatildeo do poder puacuteblico como estrateacutegia para controlar os riscos da composiccedilatildeo

nutricional dos produtos alimentiacutecios estabelecendo a sua extensatildeo e limitaccedilatildeo eacute possiacutevel

tambeacutem destacar o traccedilo dominante do discurso de cada grupo e em seguida classificaacute-lo

conforme a tipologia de Thompson (2000) sobre o modus operandi da ideologia

A primeira seacuterie de discursos oriunda do grupo do mercado fala a liacutengua dos

interesses econocircmicos na qual a qualidade intriacutenseca do alimento junto com a eficaacutecia do

livre funcionamento do mercado asseguram os progressos da produccedilatildeo possibilitando o

acesso aos produtos alimentiacutecios por todas as camadas da sociedade o que requer uma

intervenccedilatildeo limitada do poder puacuteblico Aqui a ideologia opera pela legitimaccedilatildeo mediante

o uso da estrateacutegia da universalizaccedilatildeo na qual os interesses de um grupo satildeo

apresentados como estando a serviccedilo do coletivo

210

A segunda seacuterie representadas pelos sujeitos do poder puacuteblico fala a liacutengua do

dever institucional de regulaccedilatildeo dos alimentos em favor da manutenccedilatildeo e do

aprimoramento do mercado por meio de leis ou acordos para que o mercado possa

satisfazer as necessidades de todos segundo os desejos da sociedade Nesse caso a

ideologia realiza-se pela legitimaccedilatildeo por meio da estrateacutegia da racionalizaccedilatildeo a qual

utiliza uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenio com apelo para a legalidade para defender ou

justificar uma praacutetica ou procedimento

A terceira seacuterie que congrega o grupo da sociedade civil fala a liacutengua dos direitos do

cidadatildeo o indiviacuteduo eacute portador de direitos amplos e extensivos como o de ter sauacutede

conquistados numa sociedade democraacutetica Esses direitos definem os limites do mercado e

igualmente os do Estado e aqueles natildeo devem ser ultrapassados pela accedilatildeo destes dois

atores O modo de operaccedilatildeo da ideologia eacute o da unificaccedilatildeo pela via da estrateacutegia da

padronizaccedilatildeo na qual se daacute ecircnfase agrave importacircncia da melhoria da qualidade nutricional dos

produtos alimentiacutecios em prol da sauacutede de todos Essa distinccedilatildeo se apoia em fundamentos

teacutecnico-poliacuteticos partilhados e aceitaacuteveis que servem para criar uma unidade coletiva entre

os grupos de cidadatildeos independente dos contextos diferenciados de consumo de alimentos

que eles partilhem

Apesar das marcas ideoloacutegicas especiacuteficas de cada grupo de sujeitos o que se

sobressai eacute um mundo regido pela ideologia neoliberal onde o mercado e a sociedade

seguem seus cursos dentro da normalidade quem destoa eacute o indiviacuteduo que natildeo estaacute apto

para ter uma relaccedilatildeo eficaz e saudaacutevel com a sua alimentaccedilatildeo ou seja consome produtos

alimentiacutecios em excesso e adota uma vida sedentaacuteria contrariando as expectativas que o

mercado e o poder puacuteblico tecircm sobre ele Doutrina essa pautada em um pensamento linear

reduzido agrave dimensatildeo econocircmica ancorado no mercado totalmente incompatiacutevel com uma

visatildeo de sociedade solidaacuteria e justa Mas por ora uma visatildeo ainda hegemocircnica

211

CONCLUSAtildeO

A sociedade contemporacircnea em geral quando inserida em um contexto de

globalizaccedilatildeo econocircmica e cultural perde o referencial do local e do global quando se trata

dos riscos emergentes dos alimentos As instituiccedilotildees representantes do Estado por sua vez

desfazem-se de parte da soberania local optando por agir de modo pactuado com os atores

supranacionais que normatizam o comeacutercio mundial de alimentos como a OMS FAO e OMC

Enquanto isso as corporaccedilotildees e os conglomerados transnacionais usufruem dos recursos

teacutecnicos e intelectuais para desenvolver novos produtos expandir mercados e potencializar

o capital global Esses satildeo os atores globais os que idealizam diversos tipos de cartografias

do mundo com fins econocircmicos e poliacuteticos para influenciar as decisotildees governamentais em

acircmbito nacional regional e internacional Eacute sob esse conjunto de influecircncias que a regulaccedilatildeo

do mercado pelo poder puacuteblico nacional se realiza

Com base nessas consideraccedilotildees regular os riscos emergentes dos alimentos constitui

uma tarefa desafiadora para os governos nacionais As prescriccedilotildees dos organismos

internacionais competentes estimulando e convocando os Estados a intervirem nos

produtos alimentiacutecios com altos teores de gorduras saturadas accediluacutecares e sal satildeo

insuficientes Ressalta-se que as elevadas prevalecircncias de obesidade e de outras DCNT e a

pressatildeo das induacutestrias transnacionais desinteressadas em modificar tais produtos que satildeo

importantes fontes lucrativas conformam um ambiente de conflitos e de tensotildees para

regular os alimentos Regulaccedilatildeo esta que tem por finalidade a prevenccedilatildeo de riscos agrave sauacutede

associados ao consumo desses produtos

Apesar da relaccedilatildeo direta dos produtos alimentiacutecios com a obesidade e as DCNT

esses componentes nutricionais em excesso natildeo satildeo necessariamente reconhecidos pelos

diferentes setores sociais como danosos agrave sauacutede e portanto deixam de ser tratados como

tal Contudo as instituiccedilotildees puacuteblicas de sauacutede assim os reconhecem e vecircm se empenhando

em estabelecer compromissos bilaterais com as induacutestrias de alimentos para a reduccedilatildeo de

nutrientes tais como gorduras saturadas accediluacutecares e sal Poreacutem a efetiva regulaccedilatildeo natildeo se

212

concretizou inclusive por dificuldades do proacuteprio governo brasileiro em confrontar

diretamente os interesses do mercado O governo entatildeo decidiu adotar a estrateacutegia de

formulaccedilatildeo de Acordos de Cooperaccedilatildeo entre as partes ou seja o Ministeacuterio da Sauacutede e um

grupo de entidades das induacutestrias Nas instituiccedilotildees puacuteblicas a governanccedila instituiacuteda parecia

firmar-se como um avanccedilo da praacutetica democraacutetica (consulta puacuteblica audiecircncia puacuteblica

agenda regulatoacuteria etc) mas logo retrocedeu com o advento dos Acordos Nesse processo de

negociaccedilatildeo natildeo houve a participaccedilatildeo da sociedade civil - justamente o segmento social mais

afetado abalando assim as bases que regem a boa governanccedila

A essecircncia desta tese concentrou-se nos discursos formulados por trecircs grupos dos

sujeitos investigados e vinculados a trecircs campos de atuaccedilatildeo distintos o mercado o poder

puacuteblico e a sociedade civil A partir de posiccedilatildeo divergente quanto aos riscos agrave sauacutede

relacionados a esses produtos eles traccedilaram rumos distintos para a regulaccedilatildeo dos riscos

dos alimentos Os sujeitos vinculados ao mercado defendem o Acordo como uma alternativa

justa e correta aqueles ligados ao poder puacuteblico dividem-se entre a defesa dos acordos e a

necessidade de regras compulsoacuterias e por fim os representantes da sociedade civil satildeo

unacircnimes na defesa da medida de regulamentaccedilatildeo (regras compulsoacuterias) Diante disso

observa-se que a hipoacutetese antes formulada37 foi confirmada em sua parte inicial Natildeo haacute

forccedilas poliacuteticas suficientes para impor agraves induacutestrias regras com caraacuteter compulsoacuterio para

reduzir os teores de nutrientes em prazos curtos e aplicar sanccedilotildees em caso de

descumprimento tendo por objetivo a reformulaccedilatildeo da composiccedilatildeo nutricional desses

produtos

No que se refere agrave parte complementar da hipoacutetese o modo de a induacutestria encarar o

problema da relaccedilatildeo entre os alimentos e as DCNT tambeacutem foi confirmado Para a induacutestria

o indiviacuteduo eacute o responsaacutevel pelo comportamento de risco por natildeo saber eleger

corretamente os alimentos e por consumi-los em excesso

37 Hipoacutetese norteadora da tese apesar de reconhecer que a regulaccedilatildeo puacuteblica dos alimentos eacute uma das estrateacutegias poliacutetico-operacionais necessaacuterias para intervir nos riscos emergentes dos alimentos as forccedilas poliacuteticas no Estado atual satildeo insuficientes para concretizaacute-las com efetividade em decorrecircncia do poder das induacutestrias - que reagem atribuindo a responsabilidade dos distuacuterbios nutricionais aos consumidores e minimizando as reivindicaccedilotildees da sociedade civil

213

O reconhecimento do indiviacuteduo enquanto viacutetima devido agraves pressotildees do ritmo

acelerado da vida cotidiana agraves induccedilotildees sistemaacuteticas impostas pelo mercado de alimentos

por diferentes mecanismos e agrave omissatildeo das instituiccedilotildees puacuteblicas de controle praticamente

ficou obscurecido Apenas um discurso do sujeito do mercado insinuava um

comportamento desviante do mercado Reaccedilatildeo contraacuteria ao que ocorreu com os sujeitos da

sociedade civil que enfatizaram a parcela de responsabilidade da induacutestria

Ao mesmo tempo em que os sujeitos do mercado negam a fragilidade do consumidor

diante do poderio do mercado enaltecem o produto alimentiacutecio enquanto fonte de vida

sauacutede e longevidade Para eles os possiacuteveis riscos que os produtos podem carrear

constituem situaccedilotildees raras diante do conjunto de medidas de controle implementadas

pelas proacuteprias induacutestrias

Com base nos resultados desta tese eacute possiacutevel afirmar que regular os riscos dos

alimentos constitui uma arena poliacutetica onde se pautam demandas puacuteblicas no seio de

disputas de interesses de grande envergadura Agrave medida que o pensamento neoliberal se

fortalece nas instituiccedilotildees do poder puacuteblico e o mercado se coloca num patamar de

superioridade a participaccedilatildeo ativa da sociedade civil organizada passa a ser estrateacutegica

para a defesa efetiva dos interesses de sauacutede Essa participaccedilatildeo da sociedade quando

legiacutetima faz o elo com o governo para fazecirc-lo cumprir a sua missatildeo na defesa das questotildees

puacuteblicas de sauacutede puacuteblica

O poder puacuteblico ao optar por disciplinar o mercado de alimentos contando apenas

com a participaccedilatildeo desse segmento reduziu o seu poder de barganha e tornou-se mais

vulneraacutevel aos pleitos do mercado A sociedade civil organizada se envolvida nesse

processo de negociaccedilatildeo e pactuaccedilatildeo atuaria como contraponto pois ela eacute

indubitavelmente o representante que em geral se identifica e se alia com os interesses e

necessidades do povo

A garantia de alimentos saudaacuteveis eacute um direito do cidadatildeo dever do mercado e objeto

de controle por parte do Estado Poreacutem transformar gente em cidadatildeos saudaacuteveis implica

reconhecer o acesso agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave sauacutede e agrave nutriccedilatildeo como direito

214

fundamental de cada pessoa Para tanto satildeo necessaacuterios o respeito a praacuteticas e haacutebitos

alimentares e a valorizaccedilatildeo da sauacutede das pessoas entre outros aspectos para que todos

possam exercer plenamente a sua cidadania

Face ao exposto destaca-se que em estudos dessa natureza envolvendo um objeto de

investigaccedilatildeo complexo e multidimensional situando-se na fronteira de intersecccedilatildeo entre o

scio-histoacutericosoacutecio atual o nacionalinternacional o institucional particular o

poliacuteticoteacutecnico e o fisioloacutegicosimboacutelico permeado por uma constelaccedilatildeo temaacutetica e de

valores sempre haacute limitaccedilotildees Aleacutem disso tais estudos sempre envolvem um nuacutemero

reduzido de sujeitos e de instituiccedilotildees-alvo o que faz com que os resultados representem

apenas uma versatildeo da realidade investigada Ao reconhecer o impacto de todas essas

articulaccedilotildees foi escolhido neste trabalho privilegiar as interaccedilotildees (acordos e desacordos

reivindicaccedilotildees e consentimentos) das vias institucionais e dos interesses particulares que

envolvem a regulaccedilatildeo do mercado de alimentos para conformaacute-lo a um padratildeo nutritivo e

mais saudaacutevel para todos

Enfim diante dos resultados desta tese as perspectivas conceituais e estrateacutegicas que

se desenham para o futuro poderiam ser as seguintes

- Desenvolver estudos que avaliem o impacto dos Acordos formalizados entre

esse grupo de entidades de induacutestrias e o Ministeacuterio da Sauacutede visando agrave

reduccedilatildeo dos teores dos nutrientes no caso soacutedio sobre os produtos

alimentiacutecios fabricados por empresas que natildeo participaram do Acordo A

alternativa para ldquogarantirrdquo que as inuacutemeras induacutestrias de alimentos de

pequeno e meacutedio portes natildeo participantes das negociaccedilotildees faccedilam adesatildeo agrave

proposta de adequaccedilatildeo do perfil nutricional de alimentos seria a de

estabelecer acordos de parcerias ou regulamentaccedilatildeo No entanto como a

expectativa do Ministeacuterio da Sauacutede eacute de que haja um efeito ldquocascatardquo poacutes-

Acordo que desencadeie iniciativas voluntaacuterias para reduzir os teores de

soacutedio dos alimentos seria oportuno comprovar tal efeito caberia em estudos

especiacuteficos

215

- Explorar as bases conceituais e praacuteticas das inciativas de Parcerias Puacuteblico-

Privadas no campo da nutriccedilatildeo desenvolvidas no Paiacutes considerando os

conflitos de interesses a possibilidade de cooptaccedilatildeo e intimidaccedilatildeo dos

membros do governo a desmobilizaccedilatildeo para viabilizar regras compulsoacuterias

entre outros aspectos que podem afluir dessas parcerias E tambeacutem averiguar

sob o olhar dos agentes puacuteblicos do campo da regulaccedilatildeo o impacto da

iniciativa de formulaccedilatildeo de Acordos sobre as proposiccedilotildees regulatoacuterias

vigentes

- Avaliar as iniciativas e estrateacutegias de informaccedilatildeo nutricional em particular agraves

aplicadas nos roacutetulos dos alimentos em implementaccedilatildeo em diferentes paiacuteses

Em seguida eleger agrave luz da realidade socioeconocircmica e cultural nacional

aquelas iniciativas que apresentem aplicaccedilatildeo mais adequada ao contexto

brasileiro e

- Ampliar a divulgaccedilatildeo dos riscos dos alimentos e as doenccedilas a eles

correlacionadas em espaccedilos como universidades escolas associaccedilotildees

entidades de classe sindicatos entre outros como forma de disseminar a

informaccedilatildeo democratizar o debate e formar uma base social de apoio capaz de

se contrapor agraves regras impostas pelo mercado no que tange agrave qualidade

nutricional dos alimentos e dos produtos alimentiacutecios colocados no mercado

Por fim a populaccedilatildeo brasileira natildeo pode continuar a ser penalizada em sua sauacutede e

nutriccedilatildeo em decorrecircncia de compromissos limitados firmados entre as instituiccedilotildees

puacuteblicas e o mercado Agrave sombra dessa penalizaccedilatildeo haacute um dispositivo de regulaccedilatildeo que

permanece em aberto no campo dos riscos dos alimentos Eacute este o principal resultado

esperado deste estudo o de evidenciar que regular natildeo significa somente enquadrar os

riscos ou os componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios Envolve os conflitos de

216

interesses ligados agrave produccedilatildeo e agrave comercializaccedilatildeo desses produtos a incorporaccedilatildeo

subjetiva das regras e o gerenciamento das resistecircncias aos poderes que as impotildeem

Nunca haacute regulaccedilatildeo encerrada mas sempre regulaccedilatildeo em andamento em um contexto

dinacircmico dos riscos dos alimentos De maneira similar natildeo haacute regulaccedilatildeo sem lei nem lei

sem regulaccedilatildeo no campo do controle de alimentos Lei e regulaccedilatildeo satildeo assim uma dupla

indispensaacutevel Contudo a regulaccedilatildeo natildeo reside na lei mas antecede uma necessidade e um

apoio muacutetuo em um processo regulatoacuterio Eacute produto de uma invenccedilatildeo coletiva que atualiza

regras e condutas propensas a dar outra racionalidade agrave praacutetica de controle dos alimentos

Nas instituiccedilotildees brasileiras o processo regulatoacuterio tem sido estabelecido de modo

cooperativo e democraacutetico exceto quando natildeo haacute atropelos internos que desviam tais

preceitos

Nesse sentido o que se almeja ao fazer a exploraccedilatildeo dos meandros poliacuteticos

econocircmicos e subjetivos da regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos eacute promover a

regulaccedilatildeo justa Ou seja aquela que cria simultacircnea e permanentemente as condiccedilotildees do

trabalho cooperativo que implica a presenccedila dos trecircs parceiros-chave identificados (o

mercado o poder puacuteblico e a sociedade civil) particularmente em uma esfera cultural e

simbolicamente tatildeo sensiacutevel como eacute a deste campo de atuaccedilatildeo Uma concepccedilatildeo da

regulaccedilatildeo que descarte qualquer instrumentalizaccedilatildeo do processo com benefiacutecios estritos

aos interesses do mercado para legitimaacute-lo mas que se dirige para uma conduta justa a

serviccedilo da sociedade inteira O consentimento em torno de tais regras de conduta justa

sinaliza a efetividade colaborativa e delimita os direitos e os deveres correspondentes aos

trecircs parceiros no campo em questatildeo

217

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS ALMEIDA SS NASCIMENTO PCBD QUAIOTI TCB Quantidade e qualidade de produtos alimentiacutecios anunciados na televisatildeo brasileira Revista de Sauacutede Puacuteblica v36 n3 p353-5 2002

AMIGO Hugo Obesidad en el nintildeo en Ameacuterica latina situacioacuten criterios de diagnoacutestico y desafiacuteos Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS163-S170 2003 ALTEKRUSE SF SWERDLOW DL The changing epidemiology of foodborne diseases American Journal of the Medical Sciences v311 n1 p23-29 jan 1996 ANDRIEU E DARMON N DREWNOWSKI A Low-cost diets more energy fewer nutrients European Journal of Clinical Nutrition v60 p434ndash436 2006

ARMSTRONG GL HOLLINGSWORTH J GLENN MORRIS J Emerging Foodborne Pathogens Escherichia coli O157H7 as a Model of Entry of a New Pathogen into the Food Supply of the Developed World Epidemiologic Reviews v 8 n1 p29-51 1996 BAKSHI Anita Potential adverse health Effects of genetically modified crops Journal of Toxicology and Environmental Health Part B v6 p211ndash225 2003

BARBOSA AO COSTA EA Os sentidos de seguranccedila sanitaacuteria no discurso da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 15 n Supl 3 p3361-3370 2010

BARDAL PAP et al Questotildees atuais sobre a vigilacircncia sanitaacuteria das concentraccedilotildees de fluacuteor em alimentos Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v28 n3 p573-582 mar 2012

BARROS Diana Luz Pessoa de Teoria Semioacutetica do Texto 4 ed 6 imp Impresso nas oficinas da Editora Parma Ltda 2005 Disponiacutevel em lthttpcopyfightmeAcervolivrosBARROS20Diana20Luz20Pessoa20de20-20Teoria20Semiotica20do20Textopdf gt Acesso em 15 jun 2014 BARROS MBA et al Tendecircncias das desigualdades sociais e demograacuteficas na prevalecircncia de doenccedilas crocircnicas no Brasil PNAD 2003- 2008 Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v16 n9 p3755-3768 2011

BATISTA FILHO M RISSIN A A transiccedilatildeo nutricional no Brasil tendecircncias regionais e temporais Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v19 sup 1 pS181-S191 2003 BAUMAN Zygmunt Globalizaccedilatildeo as consequumlecircncias humanas Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1999 145p

218

__________ Vida para consumo a transformaccedilatildeo das pessoas em mercadoria Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008 199p BEATON GH MCHENRY EW (eds) Volume 3 Nutrition a comprehensive treatise New York Academic Press Inc 1966 BECK Ulrich La sociedad del riesgo hacia uma nueva modernidad EspantildeaPAIDOacuteS 2002

__________ O que eacute globalizaccedilatildeo Equiacutevocos do globalismo resposta agrave globalizaccedilatildeo Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 282p BEGHIN JC JENSEN HH Farm policies and added sugar in Us diets Food Policy v33 p480-488 2008

BERGER P L LUCKMANN T A construccedilatildeo social da realidade 31 ed Petroacutepolis RJVozes Ltda 2009 BERMUDEZ O I TUCKER K L Trends in dietary patterns of Latin American populations Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v19 sup 1 pS87-S99 2003

BEZERRA I N et al Consumo de alimentos fora do domiciacutelio no Brasil Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 47 Supl 1 p200S-11S 2013 Disponiacutevel em ltwwscielobrpdfrspv47s106pdfgt Acesso em 26 nov 2014 BLEIL Suzana Inez O Padratildeo Alimentar Ocidental consideraccedilotildees sobre a mudanccedila de haacutebitos no Brasil UNICAMP Revista Cadernos de Debate v 6 p1-25 1998 BOBBIO Norberto Estado governo e sociedade para uma teoria geral da poliacutetica 12 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2005 BODSTEIN Regina Cele de Andrade complexidade da ordem social contemporacircnea e a redefiniccedilatildeo da responsabilidade puacuteblica In Rozenfeld S (org) Fundamentos da Vigilacircncia sanitaacuteria Rio de Janeiro Ed Fiocruz p63-97 2000 BORCH A ROOS G Public Private Partnerships fighting obesity in Europe raquo Anthropology of food [Online] S7 | 2012 Disponiacutevel em ltURL lthttpaofrevuesorg7286gt Acesso em 26 jun 2014 BOUCHRIF B et al Prevalence and antibiotic-resistance of Salmonella isolated from food in Morocco The Journal of Infection in Developing Countries v3 n1 p35-40 2009

BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Rio de JaneiroBertrand Brasil 2009 __________ Contrafogos por um movimento social europeu Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2001 115p

219

BRANCA F NIKOGOSIAN H LOBSTEIN T (ed) The challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response summary Copenhagen Denmark WHO Library Cataloguing in Publication Data 2007 BRASIL Decreto-Lei nordm 986 de 21 de outubro de 1969 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnect836d7c804745761d8415d43fbc4c6735dec_lei_986pdfMOD=AJPERESgt Acesso em 15 abr 2014

__________ Lei n 9782 de 26 de janeiro de 1999 Define o Sistema Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria cria a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leisl9782htmgt Acesso em 23 fev 2014

__________ Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 28 de 28 de marccedilo de 2000 Dispotildee sobre os procedimentos baacutesicos de Boas Praacuteticas de Fabricaccedilatildeo em estabelecimentos beneficiadores de sal destinado ao consumo humano e o roteiro de inspeccedilatildeo sanitaacuteria em induacutestrias beneficiadoras de sal Disponiacutevel em lthttp18928128100nutricaodocslegislacaoresolucaordc_28pdf gt Acesso em 25 abr 2014 __________ Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 40 de 21 de marccedilo de 2001 Aprovar o Regulamento Teacutecnico para Rotulagem Nutricional Obrigatoacuteria de Alimentos e Bebidas Embalados constante do anexo desta Resoluccedilatildeo

__________ Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 344 de 13 de dezembro de 2002 Aprovar o Regulamento Teacutecnico para a Fortificaccedilatildeo das Farinhas de Trigo e das Farinhas de Milho com Ferro e Aacutecido Foacutelico constante do anexo desta Resoluccedilatildeo Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Poder Executivo de 18 dezembro de 2002 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectf851a500474580668c83dc3fbc4c6735RDC_344_2002pdfMOD=AJPERESgt Acesso em 25 abr 2014 __________ Controle da adiccedilatildeo de iodo no sal reduz casos de boacutecio Boletim Informativo n41 p 4-5 mar 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwanvisagovbrdivulgapublicboletim41_04pdfgt Acesso em 20 abr 2014 __________ Conselho Consultivo 2005 () AgecircnciaPublicaccedilatildeo Agecircncia Portal da Anvisa Disponiacutevel emlt httpsanvisagovbrwpssr9xdgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Portaria nordm 354 de 11 de agosto de 2006a (Republicada no DOU de 210806 e retificada no DOU de 290806) Aprova e promulga o Regimento Interno da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria ndash ANVISA e da outras providecircncias

__________ Consulta Puacuteblica nordm 71 de 10 de novembro de 2006b DOU de 13 de novembro de 2006 Aprovar o regulamento sobre oferta propaganda publicidade informaccedilatildeo e outras praacuteticas correlatas cujo objeto seja a divulgaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de alimentos considerados com quantidades elevadas de accediluacutecar de gordura saturada de gordura trans de soacutedio e de bebidas com baixo teor nutricional Disponiacutevel em

220

lthttpwwwanvisagovbrpropagandaminuta_consulta71_2006pdfgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Gestatildeo 2005-2010 principais realizaccedilotildees Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Brasiacutelia Anvisa 2010a

__________ Resoluccedilatildeo-RDC nordm 24 de 15 de junho de 2010b Dispotildee sobre a oferta propaganda publicidade informaccedilatildeo e outras praacuteticas correlatas cujo objetivo seja a divulgaccedilatildeo e a promoccedilatildeo comercial de alimentos considerados com quantidades elevadas de accediluacutecar de gordura saturada de gordura trans de soacutedio e de bebidas com baixo teor nutricional nos termos desta Resoluccedilatildeo e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lt httpportalanvisagovbrwpswcmconnect34565380474597549fd4df3fbc4c6735RDC24_10_Publicidade+de+alimentospdfMOD=AJPERESgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Perfil nutricional dos alimentos processados Informe Teacutecnico nordm 422010c Disponiacutevel em ltwwwanvisagovbrwpmconnect1011330044bbafc3b1f6b10377ff0da5Perfil+NutricionalpdfMOD=AJPERESgt Acesso em 22 nov 2010

__________ Programa de Anaacutelise de Resiacuteduos de Agrotoacutexicos em Alimentos (PARA) Relatoacuterio de Atividades de 2010 Gerecircncia Geral de Toxicologia Brasiacutelia 05 de dezembro de 2011 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectb380fe004965d38ab6abf74ed75891aeRelatC3B3rio+PARA+2010+-+VersC3A3o+FinalpdfMOD=AJPERESgt Acesso em04 nov 2013

__________ Documento orientador Agenda regulatoacuteria Ciclo quadrienal 2013-2016 Programa de Boas Praacuteticas Regulatoacuterias da Anvisa BrasiacuteliaAnvisa 2012 Disponiacutevel em ltfileUsersanavirginiafigueiredoDocumentsATESECAPITULOS20DA20TESEREGULACAOAgenda_Regulatoria_Quadrienal_final_baixapdfgt Acesso em 27 abr 2014 __________ Temas da Agenda regulatoacuteria BIEcircNIO 2013-2014 Lista Completa e andamento dos Temas marccedilo 2014 Agenda Regulatoacuteria Ciclo Quadrienal 2013-2016 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectc4a4840043684e988946ed74bfb02411Proposta_Completa_Temas_30_setembropdfMOD=AJPERESgt Acesso em 27 abr 2014 __________ Casa Civil Cacircmara de Infra Estrutura ndash Cacircmara de Poliacutetica Econocircmica Relatoacuterio

do Grupo de Trabalho Interministerial Anaacutelise e Avaliaccedilatildeo Do Papel das Agecircncias

Reguladoras no Atual Arranjo Institucional Brasileiro Relatoacuterio do Grupo de Trabalho

Interministerial Brasiacutelia setembro de 2003 Disponiacutevel em

lthttpwwwbresserpereiraorgbrDocumentsMAREAgenciasavaliacao_das_agencias_r

eguladoras_-_casa_civilpdfgt Acesso em 20 fev 2014

221

__________Cacircmara dos Deputados Regimento interno da Cacircmara dos Deputados 11 ed

Brasiacutelia 2013 Disponiacutevel em

ltfileUsersanavirginiafigueiredoDownloadsregimento_interno_11edpdfgt Acesso

em 15 Mai 2014

__________ Conselho Nacional de Secretaacuterios de Sauacutede Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 In __________ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p22-37 2003a ___________ Constituiccedilatildeo Federal 1988 Tiacutetulo VIII Da Ordem Social Seccedilatildeo II Da Sauacutede In_______ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p20-21 2003b __________ Lei nordm 9782 de 26 de janeiro de 1999 Define o Sistema Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria cria a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria e daacute outras providecircncias In__________ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p169-181 2003c __________ Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional GT - Alimentaccedilatildeo Adequada e Saudaacutevel Relatoacuterio Final Marccedilo de 2007 Disponiacutevel em lthttpwww4planaltogovbrconseadocumentosalimenatacao-adequada-e-saudaveldocumento-final-alimentacao-adequada-e-saudavelgt Acesso em 15 mar 2012 _________ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 Antropometria e Estado Nutricional de Crianccedilas Adolescentes e Adultos no Brasil Rio de Janeiro 2010 Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpof_2008_2009_encaapdf Acesso em 11 mar 2012 __________ Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 Anaacutelise do Consumo Alimentar no Brasil Rio de JaneiroIBGE 2011 __________ Instituto Nacional De Metrologia Qualidade E Tecnologia Comitecirc Codex Alimentarius do Brasil ndash CCAB Histoacuterico do Comitecirc Codex Alimentarius do Brasil ndash CCAB Paacutegina web httpwwwinmetrogovbrindexasp Disponiacutevel em lthttpwwwinmetrogovbrqualidadecomitescodex_ccabaspgt Acesso em 16 abr 2014 __________ Ministeacuterio do Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome Secretaria-Executiva da Cacircmara Interministerial de Seguranccedila Alimentar e Nutricional- CAISAN Plano Intersetorial de Prevenccedilatildeo e Controle da Obesidade Nota para Imprensa Ano estimado 2012a Disponiacutevel em lthttpwww4planaltogovbrconseanoticiasdocumentosplanalto-intersetorial-de-prevenccedilatildeo-e-controle-da-obesidadegt Acesso em 28 abr 2014 __________ Marco de Referecircncia de Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional para as Poliacuteticas Puacuteblicas Brasiacutelia DFMDS Secretaria Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2012b

222

____________________Ministeacuterio da Sauacutede Avaliaccedilatildeo da evoluccedilatildeo temporal do estado nutricional das crianccedilas de 0 a 5 anos beneficiaacuterias do Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) acompanhadas nas condicionalidades de sauacutede Sumaacuterio Executivo Brasiacutelia abril 2014 Disponiacutevel em lthttpaplicacoesmdsgovbrsagirmpssimulacaosum_executivopdfsumario_138pdfgt Acesso em 18 jun 2014

________ Ministeacuterio da Sauacutede 8a Conferecircncia Nacional de Sauacutede Brasiacutelia-DF 17 a 21 de

marccedilo de 1986 Disponiacutevel em

lthttpbvsmssaudegovbrbvspublicacoes8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final

pdfgt Acesso em17 mar 2014

__________ Portaria nordm 710 de 10 de junho de 1999 Aprova a Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo cuja iacutentegra consta do anexo desta portaria e dela eacute integrante Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Poder Executivo de 15 de junho de 1999 __________ A Sauacutede no Mercosul ndash 2 ed rev e ampl 1ordf reimpressatildeo ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2003 24 p il - (Seacuterie B Textos Baacutesicos de Sauacutede) Disponiacutevel em lthttpdtr2001saudegovbreditoraprodutoslivrospdf03_0401_Mpdfgt Acesso em 10 dez 2013 __________ Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede Departamento de Gestatildeo e da Regulaccedilatildeo do Trabalho em Sauacutede Foacuterum permanente Mercosul para o trabalho em sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2007a (Seacuterie D Reuniotildees e Conferecircncias) Disponiacutevel em lthttpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesforum_permanente_mercosul_trabalho_saudepdfgt Acesso em 10 dez 2013 __________ Portaria nordm 3092 de 04 de dezembro de 2007b Institui Grupo Teacutecnico com o objetivo de discutir e propor accedilotildees conjuntas a serem implementadas para a melhoria da oferta de produtos alimentiacutecios e promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel Disponiacutevel em lthttpdtr2001saudegovbrsasPORTARIASPort2007GMGM-3092htmgt Acesso em 28 abr 2014

___________ Trata sobre o Acordo do Ministeacuterio da Sauacutede com a Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de Alimentos para reduccedilatildeo dos teores de soacutedio gorduras e accediluacutecares dos alimentos Ano estimado 2007c Disponiacutevel em http18928128100nutricaodocsgeralacordo_social_reducao_teores_sodio_acucar_gorduraspdf Acesso em 15 mar 2012 __________ Plano de Accedilotildees Estrateacutegicas para o Enfrentamento das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis (DCNT) no Brasil ndash 2011-2022 Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede Departamento de Anaacutelise de Situaccedilatildeo de Sauacutede BrasiacuteliaMinisteacuterio da Sauacutede 2011 148p (Seacuterie B Textos Baacutesicos de Sauacutede)

223

__________ Poliacutetica nacional de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo Versatildeo preliminar 2012a Disponiacutevel em http18928128100nutricaodocsgeralpnan2011pdf Acesso em 25 marccedilo 2012 __________ Vigitel Brasil 2011 Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2011 Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012b (Seacuterie G Estatiacutestica e Informaccedilatildeo em Sauacutede)

__________ Construccedilatildeo da agenda de reformulaccedilatildeo de alimentos processados com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo 30 abr 2012c Disponiacutevel httpnutricaosaudegovbrsodio_reformulacaophpgt Acesso em 24 jun 2014 __________ Vigitel Brasil 2012Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2012 BrasiacuteliaMinisteacuterio Da Sauacutede 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwsbptorgbrdownloadsarquivosvigitel_2012pdf gt Acesso em 01 mar2014 __________ Vigitel Brasil 2013 Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2013 Brasiacutelia-DFMinisteacuterio Da Sauacutede 2014a Disponiacutevel emlt httpbiavatifileswordpresscom201405vigitel-2013pdfgt Acesso em15 jun 2014 __________ Reduccedilatildeo de Soacutedio Accediluacutecar e Gordura Trans Promoccedilatildeo da Sauacutede e da

Alimentaccedilatildeo Adequada e Saudaacutevel 2014b Disponiacutevel em

lthttpdabsaudegovbrportaldabape_promocao_da_saudephpconteudo=reducaogt

Acesso em 23 jun2014

__________ Presidecircncia da Repuacuteblica Emenda Constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoEmendasEmcemc64htmgt Acesso em 10 ago2014 BAUM Fran Health equity justice and globalisation some lessons from the Peoplersquos Health Assembly Journal of Epidemiology amp Community Health v55 p613ndash616 2001 BRESSER PEREIRA Luis Carlos G Reflexotildees sobre a reforma gerencial brasileira de 1995 Revista do Serviccedilo Puacuteblico ano 50 n4 out-dez p5-29 1999

224

__________ O modelo estrutural de gerecircncia puacuteblica Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v42 n2 p391-410 marabr 2008 BUCHLER S SMITH K LAWRENCE G Food risks old and new demographic characteristics and perceptions of food additives regulation and contamination in AustraliaJournal of Sociology The Australian Sociological Association v46 n4 p353ndash374 2010

BURBANO J C FORNASINI M ACOSTA M Prevalencia y factores de sobrepeso em colegialas de 12 a 19 antildeos en uma regioacuten semiurbana del Ecuador Revista Panamericana de Salud Publica v13 n5 p227-284 2003

CABALLERO Benjamin The global epidemic of obesity an overview Epidemiologic Reviews v29 n1 p1-5 2007 CANESQUI AM GARCIA RMD Uma introduccedilatildeo agrave reflexatildeo sobre a abordagem sociocultural da alimentaccedilatildeo In ___________ (orgs) Antropologia e nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ p9-19 2005

CARAPINHEIRO Graccedila A globalizaccedilatildeo do risco social In SANTOS B DE S (org) A globalizaccedilatildeo e as ciecircncias sociais 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez cap 5 p197-228 2002 CARVALHEIRO Joseacute da Rocha Desafios da Vigilacircncia Sanitaacuteria e a Funccedilatildeo Regulatoacuteria In BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede I Conferecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Cadernos de Textos Brasiacutelia Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria p25-36 2001 CASTEL Robert From dangerousness to risk In BURCHELL G GRAHAM C MILLER P (eds) The Foucault effect studies in governmentality Chicago The University of Chicago Press p281-299 1991

CHANDON P WANSINK B Does food marketing need to make us fat A review and solutions Nutrition Reviews v70 n10 p571ndash593 2012 Disponiacutevel em ltfileUsersanavirginiafigueiredoDocumentsATESECAPITULOS20DA20TESEDIETA_CONSUMOnational_capacity_prevention_ncdspdfgt Acesso em 06 mar2014

CHAVES Nelson Nutriccedilatildeo baacutesica e aplicada Rio de Janeiro Editora Guanabara Koogan SA 1978 344p CHOPRA Mickey Globalization and food implications for the promotion of ldquohealthyrdquo diets In WORLD HEALTH ORGANIZATION Globalization diets and noncommunicable diseases Switzerland WHO Library p1-16 2002 CHOPRA M GALBRAITH S amp DARNTON-HILL I A global response to a global problem the epidemic of overnutrition Bulletin of the World Health Organization v80 p12 p952-958 2002

225

CONTRERAS Jesuacutes Hernaacutendez La modernidad alimentaria entre la sobreabundancia y la inseguridad Revista Internacional de Sociologiacutea Tercera Epoca n40 p 109-132 eneabr 2005

__________ GRACIA M Alimentaccedilatildeo sociedade e cultura Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2011 COSTA Edinaacute Alves Vigilacircncia Sanitaacuteria proteccedilatildeo e defesa da sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1999 460p

__________ Regulaccedilatildeo e vigilacircncia sanitaacuteria para a proteccedilatildeo da sauacutede In Vieira F P

REDIGUIERI C F REDIGUIERI CF (orgs) A Regulaccedilatildeo de Medicamentos no Brasil

Porto Alegre Editora ARTMED p21-37 2013

COSTA NR et al O desenho institucional da reforma regulatoacuteria e as falhas de mercado no

setor sauacutede Revista da Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v 35 n2 p193228

marabr 2001

COSTA RF CINTRA IP FISBERG M Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em escolares da cidade de Santos SP Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia v50 n1 p60-67 fev 2006 COUTINHO JG GENTIL PC TORAL NA desnutriccedilatildeo e obesidade no Brasil o enfrentamento com base na agenda uacutenica de nutriccedilatildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v24 sup 2 pS332-S340 2008 CRESWELL John W Projeto de pesquisa meacutetodos qualitativo quantitativo e misto 3 ed Porto AlegreArtmed 2010 CRUZ Verocircnica Estado e regulaccedilatildeo fundamentos teoacutericos In RAMALHO PIS (org)

Regulaccedilatildeo e agecircncias reguladoras governanccedila e anaacutelise do impacto regulatoacuterio 1a

ed Brasiacutela Anvisa p 53-86 2009

DEL GROSSI MD Poverty reduction From 44 million to 296 million People In GRAZIANO DA SILVA J DEL GROSSI M E FRANCcedilA C G (orgs) The Fome Zero (Zero Hunger) Program The Brazilian experience Brasiacutelia MDA 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep016i3023ei3023epdfgt Acesso em 18 out 2013 DIETZ William H Critical periods in childhood for the developement of obesity American Journal Clinical Nutrition v59 n5 p955-59 may 1994 DAHLET Patrick A produccedilatildeo escrita abordagens cognitivas e textuais Trabalhos linguiacutesticos aplicados IEL UnicampCampinas v 23 p79-95 janjul 1994

226

_________ Apagar as divisotildees celebrar o consenso a governanccedila discursiva na era neoliberal

Todas as letras w Satildeo Paulo v16 n1 p125-138 mai 2014 Disponiacutevel em

lthttpdxdoiorg101552919806914letrasv16n1p125-138gt Acesso em 22 jul 2014

DELORMIER T FROHLICH K L POTVIN L Food and eating as social practice ndash understanding eating patterns as social phenomena and implications for public health Sociology of Health amp Illness v 31 n 2 p 215ndash228 2009

DOAK CM et al Overweight and underweight coexist within households in Brazil China and Russia Journal of Nutrition v130 n12 p2965-2971 dec 2000 DREWNOWSKI Adam Fat and sugar an economic analysis Journal of Nutrition v133 n3 p838S-840S mar 1 2003 __________ Intense sweeteners and energy density of foods implications for weight control European Journal of Clinical Nutrition v53 p757-763 1999

__________ Obesity diets and social inequalities Nutrition Reviews v 67 sup 1 pS36-S39 2009

__________ The cost of US foods as related to their nutritive value American Journal of Clinical Nutrition v92 p1181ndash8 2010

__________ et al Dietary Energy Density and Body Weight Is There a Relationship Nutrition Reviews v 62 n 11 p 403ndash413 nov 2004

__________ POPKIN BM The Nutrition Transition New Trends in the Global Diet Nutrition Reviews v 55 n 2 p31-43 feb 1997

__________ SPECTER SE Poverty and obesity the role of energy density and energy costs American Journal of Clinical Nutrition v79 n1 p6-16 jan 2004 EVANS M et al Globalization diet and health an example from Tonga Bulletin of the World Health Organization v79 n9 p 856ndash862 2001

EWALD Franccedilois Insurance and risk In BURCHELL G GRAHAM C MILLER P (eds) The Foucault effect studies in governmentality Chicago The University of Chicago Press p197-210 1991

EGGER G SWINBURN B An ldquoecologicalrdquo approach to the obesity pandemic British Medical Journal v315 n 23 aug 1997 Disponiacutevel em lthttpwwwncbinlmnihgovpmcarticlesPMC2127317pdf9284671pdfgt Acesso em 26 nov 2014

227

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF UNITED NATIONS Report of The eighteenth session of The Committee on agriculture Rome 9-10 february 2004 FAOrsquos Proposed Follow-up to the Report of Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases 2004

__________ Aplicacion Del analisis de riesgos a cuestiones de normas alimentarias informe de la consulta mixta FAOOMS de expertos Ginebra Suiza 13-17 de marzo de 1995 WHOFNUFOS953 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-x1271spdfgt Acesso em 07 mar 2013 __________ Globalization of food systems in developing countries impact on food security and nutrition FAO Food Nutrition Paper 83 2004 Reprinted 2006 __________ Responding to the food crisis synthesis of medium-term measures proposed in inter-agency assessments ROME 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadISFPSR_Webpdfgt Acesso em 21 mar 2012 __________ Disminuye el hambre mundial pero sigue inaceptablemente alta Los objetivos de la comunidad internacional en la reduccioacuten del hambre son difiacuteciles de alcanzar Departamento Econoacutemico y Social Septiembre de 2010 _________ FAO in the 21st century ensuring food security in a changing world FAORome 2011a __________ The state of food insecurity in the world How does international price volatility affect domestic economies and food security FAORome 2011b _________ Sustainable nutrition security Restoring the bridge between agriculture and health RomeFAO sept 2012 ___________ Fao statistical yearbook 2013 World Food and Agriculture RomeFAO 2013a Disponiacutevel em httpwwwfaoorgdocrep018i3107ei3107ePDFgt Acesso em 17 nov 2014

_________ The state of food and agriculture food systems for better nutrition Rome 2013b

__________ ORGANIZACIOacuteN MUNDIAL DE LA SALUD Comisioacuten del Codex Alimentarius Manual de Procedimiento Programa Conjunto FAOOMS sobre Normas Alimentarias 14ordf ed Roma 2005 FAO WHO Request for comments on draft action plan for implementation of the global strategy on diet physical activity and health CL 200644-CACSeptember 2006a Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexCircular_LettersCxCL2006cl06_44epdf gt Acesso em 03 jun 2014

228

_________ Undestanding Codex Alimentarius Third edition Issued by the Secretariat of the Joint FAOWHO Food Standards Programme FAO Rome 2006b Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexPublicationsunderstandingUnderstanding_ENpdfgt Acesso em 13 nov 2013

__________ Joint FaoWho Food Standards Programme Codex Alimentarius Commission Thirty Fifth Session Rome Italy 2-7 July 2012 Report of the fortieth session of the Codex Committee on food labelling Ottawa Canada 15 ndash 18 May 2012 Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexReportsReports_2012REP12_FLepdfgt Acesso em 03 jul 2014

__________ Agenda Item 2(A) CxNfsdu 13352 Joint FaoWho Food Standards Programme Codex Committee on Nutrition and Foods for Special Dietary Uses Thirty-fifth Session Bad Soden am Taunus Germany 4 ndash 8 November 2013 Matters Referred to the Committee by the Codex Alimentarius Commission andor Other Codex Committees Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexMeetingsccnfsduccnfsdu35nf35_02epdf gt Acesso em 03 jul 2014

FERNAacuteNDEZ SAN JUAN PM Dietary habits and nutritional status of school aged children in Spain Nutricioacuten Hospitalaria v21 n3 p374-378 2006

FERREIRA VA et al Desigualdade pobreza e obesidade Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v15 supl 1 p1423-1432 2010

FIGUEIREDO AVA MIRANDA MS Anaacutelise de Risco aplicada aos alimentos no Brasil perspectivas e desafios Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v16 n4 p2251-2262 2011

FISCHLER Claude Food Self and Identity Social Science Information v27 p275-2931988

FLICK Uwe Introduccedilatildeo agrave pesquisa qualitativa 3 ed Porto AlegreEd Artmed 2009

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 3ed Rio de JaneiroEdiccedilotildees Graal Ltda 1982 295p

__________ A ordem do discurso 5ed Satildeo PauloEdiccedilotildees Loyola 1999 79p

__________ Arqueologia do saber 7 ed Rio de janeiroForense universitaacuteria 2008 236p

FREIRE Paulo Educaccedilatildeo como praacutetica da liberdade Rio de JaneiroPaz e Terra 2010

GARCIA Rosa Wanda Diez Reflexos da globalizaccedilatildeo na cultura alimentar consideraccedilotildees sobre as mudanccedilas na alimentaccedilatildeo urbana Revista de Nutriccedilatildeo Campinas 16(4)483-492 outdez 2003 GRACIA Maria Arnaiz Em direccedilatildeo a uma Nova Ordem Alimentar In CANESQUI AM GARCIA RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p147-164

229

__________ Comer bien comer mal la medicalizacioacuten del comportamiento alimentario Salud Puacuteblica Meacutexico n49 v3 p236-242mayjun 2007 GIDDENS Anthony As consequecircncias da modernidade Traduccedilatildeo de Raul Fiker Satildeo PauloEd UNESP 1991

__________ Sociologia 6ordf ed LisboaFundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2008 __________ O mundo na era da globalizaccedilatildeo LisboaEditorial Presenccedila 7 ed 2010 GOMES Eduardo Granha Magalhatildees As agecircncias reguladoras independentes e o TCU

conflito de jurisdiccedilotildees Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica v40 n4 p615-30 julago

2006

GONCcedilALVES Alcindo O conceito de governanccedila In CONPEDI VIV 2005 Fortaleza Encontro Nacional de Conselho Nacional de Pesquisa e Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito ndash CONPEDI Fortaleza Fundaccedilatildeo Boiteux 2005 Disponiacutevel em lthttpconpediorgbrmanausarquivosanaisXIVCongresso078pdfgt Acesso em 27 mar 2014 GREIMAS Algirdas Julien Du Sens Ed Le Seuil 1970 GUTIEacuteRREZ-FISAC JL et al La epidemia de obesidad y sus factores relacionados el caso de Espantildea Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro 19(Sup 1)S101-S110 2003

HALKIER Bente Risk and food environmental concerns and consumer practices International Journal of Food Science and Technology v36 p801-812 2001

HALL GV DrsquoSOUZA RM KIRK MD Foodborne disease in the new millennium out of the frying pan and into the fire Medical Journal of Australia v177 n 216 p614-618 dec 2002 HARRIS JL et al A crisis in the marketplace How food marketing contribute to childhood obesity and what can be done Annual Review of Public Health v30 p211-25 2009 HASTINGS G et al Review of research on the effects of food promotion to children Final Report 22nd September 2003 Executive Summary The University of Strathclyde Disponiacutevel em lthttpwwwfoodgovukmultimedia pdfspromofoodchildrenexecpdfgt Acesso em 28 mar2010 __________ The extent nature and effects of food promotion to children A review of the evidence In Marketing of food and non-alcoholic beverages to children report of a WHO forum and technical meeting Oslo Norway 2-5 May 2006 Geneva Switzerland WHO Press

230

HAWKES Corinna Marketing Activities of Global Soft Drink and Fast Food Companies in Emerging Markets a Review IN WHO Globalization Diets and Noncommunicable Diseases GenevaSwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2002

__________ Marketing de alimentos para crianccedilas o cenaacuterio global das regulamentaccedilotildees BrasiacuteliaOrganizaccedilatildeo Pan-America da Sauacutede Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria 2006 __________ Regulation food marketing to young people worldwide trends and policy drives American Journal of Public Health v97 n11 p1962ndash1973 2007

__________ Dietary Implications of Supermarket Development A Global Perspective Development Policy Review v26 n6 p657-69 2008a

__________ High Level Group Working Paper on Public Private Partnerships for Health 2008b Disponiacutevel em lteceuropaeuhealthph_determinantslife_stylenutritiondocumentsev20081028_wp_enpdfgt Acesso em 23 jul 2014

__________ Public health sector and food industry interaction itrsquos time to clarify the term

lsquopatnershiprsquoand be honest about underlying interests European Journal of Public Health

v21 n4 400-403 2011 Disponiacutevel em lthttpeurpuboxfordjournalsorggt Acesso em 11

nov 2013

HENDERSON J et al What are the important issues around food safety and nutrition Findings from a media analysis and qualitative study of consumer trust Australasian Medical Journal v1 n2 164-169 2010

HESPANHA Pedro Mal-estar e risco social num mundo globalizado novos problemas e novos desafios para a teoria social In SANTOS BS (org) A globalizaccedilatildeo e as ciecircncias sociais 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez cap4 p161-196 2002 HUTIN YJF et al A Multistate Foodborne outbreak of Hepatitis A The New England Journal of Medicine v340 n 8 p 595-602 feb 1999

INSTITUTO BRASILEIRO DE ANAacuteLISES SOCIAIS E ECONOcircMICAS Repercussotildees do Programa Bolsa Famiacutelia na seguranccedila alimentar e nutricional relatoacuterio siacutentese Rio de Janeiro IBASE 2008 IANNI Octavio A era da globalizaccedilatildeo 9ordf ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2007 252p KAIN J VIO F ALBALA C Obesity trends and determinant factors in Latin America Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS77-S86 2003

231

KAumlFERSTEIN FK MOTARJEMI Y amp BETTCHER DW Foodborne Disease Control A Transnational Challenge Emerging Infectious Diseases v 3 n 4 p503-10 octdec 1997 KATZ D et al Cyclosporiasis associated with imported raspberries Florida 1996 Public Health Reports v114427-38 sepoct 1999 KENNEDY G NANTEL G SHETTY P Globalization of food systems in developing countries a synthesis of country case studies 1 FAO Food and Nutrition paper n 83 RomeFAO 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-y5736egt Acesso em 15 mai2014

KING LA et al Community-wide outbreak of Escherichia coli O157H7 associated with consumption of frozen beef burgers Epidemiology and Infection p889ndash896 2009 KIRK MD et al An outbreak due to peanuts in their shell caused by Salmonella enterica serotypes Stanley and Newport ndash sharing molecular information to solve international outbreaks Epidemiology amp Infection v132 p571ndash577 2004

LABONTEacute R MOHINDRA K amp LECUCHA R Framing international trade and chronic disease Globalization and Health v7 n21 p1-15 2011 LANG TimThe complexities of globalization The UK as a case study of tensions within the food system and the challenge to food policy Agriculture and Human Values v16 p169ndash185 1999

LUCCHESE Geraldo A internacionalizaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo sanitaacuteria Ciecircncias e sauacutede coletiva v8 n2 p537-555 2003 __________ Globalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo sanitaacuteria os rumos da vigilacircncia sanitaacuteria no Brasil BrasiacuteliaAnvisa 2008 LUHMANN Niklas Risk a sociological theory New York Wlater de Gruyter Inc 1993 LUPTON Deborah A Lay discourses and beliefs related to food risks an Australian perspective Sociology of Health amp Illness v27 No 4 p 448ndash467 2005

MACIEL Maria Eunice Identidade Cultural e Alimentaccedilatildeo In CANESQUI AM GARCIA RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p49-55 MAJONE Giandomenico Do estado positivo ao estado regulador causas e consequecircncias da mudanccedila no modo de governance Regulaccedilatildeo Econocircmica e Democracia O debate europeu Satildeo PauloEditora Singular 2006 Disponiacutevel em lthttpacademicodireito-riofgvbrccmwimages008Majonepdfgt Acesso em 10 mar2014

232

MALUF Renato Seguranccedila Alimentar e Nutricional PetroacutepolisEditora Vozes 2007 __________ MENEZES F VALENTE FL Contribuiccedilatildeo ao tema da seguranccedila alimentar do Brasil Cadernos de Debate p466-88 1996

MARINHO S P et al Obesidade em adultos de segmentos pauperizados Revista de Nutriccedilatildeo v16 n2 p195-201 abrjun 2003

MARTINS I S et al Pobreza desnutriccedilatildeo e obesidade inter-relaccedilatildeo de estados nutricionais de indiviacuteduos de uma mesma famiacutelia Ciecircncia e sauacutede coletiva v12 n6 p1553-1565 novdez 2007

MAZZOCCHI M SHANKAR B TRAILL B The development of global diets since icn 1992 influences of agri-food sector trends and policies Food Commodity and Trade Policy Research Working Paper n 34 RomeFAO october 2012

MCDERMOTT L STEAD M HASTINGS G A marketing strategy to review the effects of food promotion to children Case Study 4 30 mar 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwstiracukmediaschoolsmanagementdocumentsCase-4-Food-Promotion-to-Childrenpdfgt Acesso em 28 fev 2013

MCKEE Martin Trust me Im an expert Why expert advisory groups must change Editor in Chief European Journal Of Public Health v9 n3 1999

MEERMAN J CARISMA B THOMPSON B Global regional and subregional trends in undernourishment and malnutrition June 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadagnpdfSOFA_2013globalregionalsubregionaltrendspdfgt Acesso em 9 dez 2013

MINAYO Ceciacutelia O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em sauacutede 9 Ed revista e aprimorada Satildeo PauloHucitec 2006

MITCHELL H S et al Nutriccedilatildeo 1ed Rio de Janeiro Ed Interamericana Ltda 1978 MITCHELL Marc An overview of public private partnerships in health BostonHarvard School of Public Health 2008 Disponiacutevel em lthttpswwwhsphharvardeduihsgpublicationspdfPPP-final-MDMpdfgt Acesso em 02 abr 2014

MOKHTAR N ELATI J CHABIR R et al Diet Culture and Obesity in Northern Africa Journal of Nutrition 131 887Sndash892S 2001 Disponiacutevel em jnnutritionorg Acesso em 20 ago 2009

MONDINI L MONTEIRO C Relevacircncia epidemioloacutegica da desnutriccedilatildeo e da obesidade em distintas classes sociais meacutetodos de estudo e aplicaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo brasileira Revista Brasileira de Epidemiologia v2 n1 p28-39 1998

233

MONTEIRO CA et al Endef e Pnsn para onde caminha o crescimento fiacutesico da crianccedila brasileira Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v9 supl1 p85-95 1993 ___________ Nutrition and health the issue is not food nor nutrientes so much as processing Public Health Nutrition v12 n5 p729-31 2009 __________ The big issue is ultra-processing [Commentary] World Nutrition v1 n6 237-259 nov 2010 Disponiacutevel em wwwwphnaorg Acesso em12 jul 2011 __________ CANNON GThe Impact of Transnational lsquolsquoBig Foodrsquorsquo Companies on the South a view from Brazil PLoS Medicine v9 n7 jul 2012 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwplosmedicineorgarticlefetchObjectactionuri=info3Adoi2F1013712Fjournalpmed1001252amprepresentation=PDFgt Acesso em 15 jun 2013

__________ CONDE WL DE CASTRO IRR A tendecircncia cambiante da relaccedilatildeo entre escolaridade e risco de obesidade no Brasil (1975-1997) Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS67-S75 2003 MONTEIRO C A et al Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system Obesity Reviews v 14 sup 2 p21-18 2013 Disponiacutevel em lthttponlinelibrarywileycomstore101111obr12107assetobr12107pdfv=1ampt=i2ltdoo7amps=6129299271a6bb8948f5e1b76f8b18fb97fd5fcfgt Acesso em17 nov 2014

MOODIE R et al Profits and pandemicsprevention of harmful effects of tabacco alcohol and ultra-processed food and drink industries The Lancet v 381 n 9867 p670 - 679 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwthelancetcomjournalslancetarticlePIIS0140-6736(12)62089-3abstractgt Acesso em 12 dez 2013 MUST Aviva Morbidity and mortality associated with elevated body weight in children and adolescents American Journal Clinical Nutrition v63 n3 p445S-447S mar 1996 NARDOCCI Adelaide Caacutessia Gerenciamento Social de Riscos Revista de Direito Sanitaacuterio v 3 n1 p64-78 mar 2002 NESTLE Marion Food Marketing and Childhood Obesity a matter of policy N Engl J Med v354 n24 p 2527-2529 2006 Disponiacutevel em ltwwwnejmorg june 15gt Acesso em 31 mar 2014

NEWELL DG et al Food-borne diseases- the challenges of 20 years ago still persist while new ones continue to emerge International Journal of Food Microbiology v30 n139 suppl 1 pS3-15 may 2010 NOBRE M R et al Prevalecircncias de sobrepeso obesidade e haacutebitos de vida associados ao risco cardiovascular em alunos em alunos do ensino fundamental Revista da Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira Satildeo Paulo v52 n2 p118-124 2006

234

NILSON EAF JAIME PC RESENDE DO Iniciativas desenvolvidas no Brasil para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados Revista Panamericana Salud Publica v32 n4 p287-92 2012

ORLANDI Eni Puccinelli Anaacutelise de discurso princiacutepios e procedimentos 9 Ed Campinas SP Pontes Editores 2010 OLIVEIRA R O ELIAS P E M Conceitos de regulaccedilatildeo em sauacutede no Brasil Revista de Sauacutede Puacuteblica v46 n3 p571-576 2012 OLIVEIRA-CAMPOS M RODRIGUES-NETO JF SILVEIRA MF NEVES DMR et al Impacto dos fatores de risco para doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis na qualidade de vida Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v18 n3 p873-882 2013

PECI Alketa Novo marco regulatoacuterio para o Brasil da poacutes-privatizaccedilatildeo o papel das

agecircncias reguladoras em questatildeo Programa de Estudos e Pesquisas em Reforma do Estado

e Governanccedila Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v33 n4 p12135

julago 1999

PEcircCHEUX Michel O Discurso estrutura ou acontecimento 5a Ed Campinas SP Pontes Editores 2008 PETERSON A LUPTON D The new public health health and self in the age of risk London SAGE Publication Ltda 2000

PETKANTCHIN Valentin Nutrition taxes the costs of Denmarks fat tax IEMrsquos Economic Note bullmay 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwinstitutmolinariorgIMGpdfnote0513_enpdf gt Acesso em 26 jun 2014

PHILIPPI Socircnia Tucunduva Guia alimentar para o ano 2000 In DE ANGELIS R C Fome oculta bases fisioloacutegicas para reduzir seu risco atraveacutes da alimentaccedilatildeo saudaacutevel Satildeo Paulo Editora Atheneu cap 9 2000 p160-176 PHILLIPS Lynne Food and globalization Annual Review of Anthropology p3537-57 2006

PINGALI P KHWAJA Y Globalisation of Indian Diets and the Transformation of Food Supply Systems ESA Working Paper No 04-05 February 2004 Inaugural Keynote Address 17th Annual Conference Indian Society of Agricultural Marketing Hyderabad 5-7 February 2004 Agricultural and Development Economics Division The Food and Agriculture Organization of the United Nations Disponiacutevel em lthttpageconsearchumnedubitstream237961wp040005pdfgt Acesso em 23 nov2013 PINHEIRO ARO FREITAS SFT CORSO ACT Uma abordagem epidemioloacutegica da obesidade Revista de Nutriccedilatildeo v17 n4 p523-533 outdez 2004

235

PINTO A R et al Manual de normalizaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos 2 ed rev e atual Viccedilosa MG As Autoras 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwbbtufvbrdocsManualtrabalhosAcademicosLinkspdfgt Acesso 15 mar 2013

PONS Siacutelvia Carrasco Pontos de Partida Teoacuterico-metodoloacutegicos para o Estudo Sociocultural da Alimentaccedilatildeo em um Contexto de Transformaccedilatildeo In Canesqui AM amp Garcia RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz p101-126 2005 POPKIN Barry M The nutrition transition and obesity in the developing world Symposium obesity in developing countries biological and ecological factors The Journal of Nutrition v131 n3 p 871S-873S mar 2001 __________ The Shift in Stages of the Nutrition Transition in the Developing World Differs from Past ExperiencesMalaysian Journal of Nutrition v 8 n1 p109-124 2002

__________ Global nutrition dynamics the world is shifting rapidly toward a diet linked with noncommunicable diseases American Journal of Clinical Nutrition n84 p289ndash98 2006 __________ GORDON-LARSEN P The nutrition transition worldwide obesity dynamics and their determinants International Journal of Obesity n28 pS2ndashS9 2004 PRADO JR Caio Histoacuteria econocircmica do Brasil Satildeo PauloEditora Brasiliense 36a ed

1988

PRENTICE Andrew M The emerging epidemic of obesity in developing countries International Journal of Epidemiology v35 p93-99 2005 PUSKA Pekka Successful strategies to influence national diets the Finnish experience Zdrav Varv v43 p191-196 2004

QUEIROZ LG GIOVANELLA L Agenda regional da sauacutede no Mercosul arquitetura e temas Revista Panamericana de Salud Publica v30 n2 p182-188 2011

RAYNER G HAWKES C LANG T amp BELLO W Trade liberalization and diet transition a public health response Health Promotion International v21 nS1 p67-74 2007 Disponiacutevel em lthttpheaprooxfordjournalsorggt Acesso em 16 nov 2013

RECINE E MORTOZA A S Consenso sobre habilidades e competecircncias do nutricionista no acircmbito da sauacutede coletiva Brasiacutelia Observatoacuterio de Poliacuteticas de Seguranccedila e Nutriccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwcrn2orgbrdownload12_12_2013_17_32_43_consensopdfgt Acesso em 15 jun 2014

236

REGMI A amp GEHLHAR M Processed Food Trade Pressured by Evolving Global Supply Chains Economic Research SERVICEUSDA Amber Waves 12 v3 n1 feb 2005 Disponiacutevel em ltwwwersusdagovamberwavesgt Acesso em 28 nov2013

RIBEIRO JM COSTA NR SILVA PLB Poliacutetica de Sauacutede no Brasil e estrateacutegias

regulatoacuterias em ambiente de mudanccedilas tecnoloacutegicas Interface - Comunicaccedilatildeo Sauacutede

Educaccedilatildeo v4 n6 p 61-84 2000

ROBERTSON Aileen Social inequalities and the burden of food-related ill-health Public Health Nutrition v4 n6 p1371-1373 2001 ROBINSON TN et al Effects of fast food branding on young childrenrsquos taste preferences Archives of Pediatrics amp Adolescent Medicine v161 n8 p792-797 2007

RODRIGUES EM TADDEI JAAC SIGULEM DM Overweight and obesity among mothers of malnourished children - Brazil - PNSN - 1989 Satildeo Paulo Medical Journal v 116 n4 p1766-1773 jul 1998 RONQUE E R et al Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em escolares de alto niacutevel socioeconocircmico em Londrina Paranaacute Brasil Revista de Nutriccedilatildeo Campinas v18 n6 p709-717 novdez 2005

ROSAS Erick Jenner Os inimigos da reforma sanitaacuteria se mobilizam Sauacutede em Debate v22 p13-18 out 1988

SANTOS Andreacuteia Mendes Sociedade do Consumo crianccedila e propaganda uma relaccedilatildeo que daacute peso Porto AlegreEDIPUCRS 2009

SANTOS Boaventura de Sousa A criacutetica da governaccedilatildeo neoliberal O Foacuterum Social Mundial como poliacutetica e legalidade cosmopolita subalterna Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais v72 p7-44 out 2005

SAVE THE CHILDREN A life free from hunger tackling child malnutrition London Save The Children 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwsavethechildrenorguksitesdefaultfilesimagesA_Life_Free_From_Hungerpdfgt Acesso em 18 set 2013 SCALLAN Elaine Activities Achievements and Lessons Learned during the First 10 Years of the Foodborne Diseases Active Surveillance Network 1996ndash2005 Clinical Infectious Diseases n44 n7 p18ndash25 2007 SCHAFER KS KEGLEY SE Persistent toxic chemicals in the US food supply Journal of Epidemiology and Community Health v56 p813ndash817 2002

237

SCHMIDT MI et al Chronic non-communicable diseases in Brazil burden and current challenges Published online may 9 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwsbhorgbrpdflancet_collectionpdf gt Acesso em 16ago 2013

SEIPEL Michael M O Social Consequences of Malnutrition Social Work v44 n5 p416-425 sep1999 SINGER P Evoluccedilatildeo da Economia Brasileira 1955-1975 Estudos CEBRAP Satildeo Paulo n 17 p61-83 jul-set 1976 Disponiacutevel em ltwwwcebraporgbrv2filesuploadbiblioteca_virtualevolucao_da_economia_brasileirapdf gt Acesso em 22 jul2014

SOUTO Ana Cristina Sauacutede e Poliacutetica A vigilacircncia sanitaacuteria no Brasil 1976-1994 Satildeo

Paulo Sobravime 2004 227p

SKLAIR Leslie Democracy and the Transnational Capitalist Class ANNALS AAPSS n581 p144-157 may 2002

STUCKLER D NESTLE M Big food food systems and global health PLoS Medicine v9 n6 e1001242 jun 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwplosmedicineorgarticlefetchObjectactionuri=info3Adoi2F1013712Fjournalpmed1001242amprepresentation=PDFgt Acesso em 15 Set 2013 SWINBURN BA et al Diet nutrition and the prevention of excess weight gain and obesity Public Health Nutrition v7 n1A p123ndash146 2004

TANAKA K NAKANISHI T Obesity as a risk factor for various diseases necessity of lifestyle changes for healthy aging Applied Human Science v15 n4 p139-148 1996

TAORMINA PJ BEUCHAT LR SLUTSKER L Infections Associated with Eating Seed Sprouts An International Concern Emerging Infectious Diseases v 5 n 5 p626-634 sepoct 1999

TAUXE Robert V International investigation of outbreaks of foodborne disease Public health responds to the globalisation of food British Medical Journal v 313 n 2 p1093-1094 nov1996 __________ Emerging foodborne diseases an evolving public health challenge Emerging infectious diseases v3 n4 p425-434 octdec1997 TERRES NG et al Prevalecircncia e fatores associados ao sobrepeso e agrave obesidade em adolescentes Prevalecircncia e fatores associados ao sobrepeso e agrave obesidade em adolescentes Revista Sauacutede Puacuteblica v40 n4 p627-633 aug 2006 THOMPSON John B Ideologia e cultura moderna teoria social criacutetica na era dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 8 Ed Petroacutepolis RJ Vozes 2009

238

THOW AM HAWKES C The implications of trade liberalization for diet and health a case study from Central America Globalization and Health 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwglobalizationandhealthcomcontent515gt Acesso em 15 nov 2012

TORUN B CHEW F Desnutriccedilatildeo energeacutetico-proteacuteica In SHILS O SHIKE R (eds) Tratado de nutriccedilatildeo moderna na sauacutede e na doenccedila BarueriSP Ed Manole Ltda 1029-1056 2003 TULLAO Tereso S The Impact of Economic Globalization on Noncommunicable Diseases Opportunities and Threats In WHO Globalization diets and noncommunicable diseases SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2002

UNITED KINDOWN Food Standards Agency Front-of-pack traffic light signpost labeling Technical guidance n 2 November 2007 Disponiacutevel em lthttpmultimediafoodgovukmultimediapdfsfrontofpackguidance2pdfgt Acesso em 24 jun14

UNITED NATIONS International Covenant on Economic Social and Cultural Rights Adopted and opened for signature ratification and accession by General Assembly resolution 2200A (XXI) of 16 December 1966 Disponiacutevel em lthttpwwwohchrorgENProfessionalInterestPagescescraspxgt Acesso em 10 ago 2014

__________ World Population Prospects The 2012 Revision Disponiacutevel em httpesaunorgunpdwppExcel-Datapopulationhtm Acessado em 29 nov2013 __________ Political Declaration of the High-level Meeting of the General Assembly on the Prevention and Control of Non-communicable Diseases Resolution adopted by the General Assembly 24 jan 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwwhointnmheventsun_ncd_summit2011political_declaration_enpdfgt Acesso em 23 jun 2014 UUSITALLO U PIETINEN P PEKKA P Dietary transition in developing countries challenges for chronic disease prevention In WORLD HEALTH ORGANIZATION Globalization diets and noncommunicable diseases SwitzerlandWHO Library p1-25 2002 VALENTE Flaacutevio Luiz Shieck Fome desnutriccedilatildeo e cidadania inclusatildeo social e direitos humanos Sauacutede e Sociedade v12 n1 p51-60 jan-jun 2003 VASCONCELOS VL SILVA GAP Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em adolescentes masculinos no Nordeste do Brasil 1980 a 2000 Cadernos Sauacutede Puacuteblica v19 n5 p1445-1451 set-out 2003

239

VEPA Swarna Sadasivan Impact of globalization on the food consumption of urban India In Globalization of food systems in developing countries impact on food security and nutrition FAO Food Nutrition Paper 83 2004 Reprinted p 215-330 2006

VISSCHER TLS SEIDELL JC The public health impact of obesity Annual Review Public Health v22 p355ndash375 2001 WEBER R et al Dioxin- and POP-contaminated sitesmdashcontemporary and future relevance and challenges Overview on background aims and scope of the series Environmental Science and Pollution Research v15 p363ndash393 2008

WEISS AR MCMICHAEL AJ Social and environmental risk factors in the emergence of infectious diseases Nature Medicine Supplement v 10 n 12 p S70-S76dec 2004

WILLET Walter Nutritional epidemiology New YorkOxford University 1990 WORLD HEALTH ORGANIZATION The role food safety Report of Joint FAOWHO Expert Committee on Food Safety Geneve SwitzerlandWHO 1984 (WHO Technical Report series n 705) __________ Diet nutrition and the prevention of chronic diseases Report of a WHO study group Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 1990 (World Health Organization technical report series 797)

__________ The world health report 1998 Life in the 21st century a vision for all Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 1998 Acesso em 7122013 Disponiacutevel em httpwwwwhointwhr1998enwhr98_enpdf

__________ Report WHO Consultation on Diagnostic Procedures for Transmissible Spongiform Encephalopathies Need for Reference Reagents and Reference Panels Geneva Switzerland 22-23 March 1999 World Health Organization Blood Safety and Clinical Technology June 1999

__________ Turning the tide of malnutrition respond to the challenge of 21st century 2000 WHONHD007 Disponiacutevel em lt httpwhqlibdocwhointhq2000WHO_NHD_007pdfgt Acesso em 17 ago 2013 ___________ Reducing risks Promoting Healthy Life The world health report 2002 Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 2002a

___________ Global surveillance of foodborne disease developing a strategy and its interaction with risk analysis Geneve Switzerland 26-29 november 2001 Report of WHO Consultation 2002b ___________ The present state of foodborne disease in OECD countries GeneveWHO Document Prodution Service 2003a Disponiacutevel em

240

lthttpwwwwhointfoodsafetypublicationsfoodborne_diseaseoecd_fbdpdfgt Acesso em 12 ago 2013 __________ Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases (2002 Geneva Switzerland) Diet nutrition and the prevention of chronic diseases report of a joint WHOFAO expert consultation Geneva 28 January -1 February 2002 2003b (WHO technical report series 916)

__________ Global Health todayrsquos challenges Chapter one p1-22 2003c Disponiacutevel em lthttpwwwwhointwhr2003enChapter1-enpdfua=1gt Acesso em 19 nov 2014 __________ Obesity preventing and managing the global epidemic Report of a WHO consultation Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data (World Health Organization technical report series 894) 2000 Reprinted 2004a

__________ Global Strategy on Diet Physical Activity and Health Fifty Seventh World Health Assembly WHA5717 Agenda item 126 22 may France WHO 2004b

__________ Preventing chronic diseases a vital investment WHO global report Switzerland WHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2005

__________ The challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response European Ministerial Conference on Counteracting Obesity Instanbul Turkey 15-17 november 2006 __________ The global burden of foodborne disease taking stock and charting the way forward WHO Consultation to Develop a Strategy to Estimate the Global Burden of Foodborne Diseases Geneva 25-27 september 2006 Geneva WHO Press 2007 Disponiacutevel lthttpwwwwhointfoodsafetypublicationsfoodborne_diseaseburden_sept06en 2007gt Acesso em 12 ago 2013 __________ Initiative to estimate the global burden of foodborne diseases A summary document 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwwhointfoodsafetyfoodborne_diseaseSummary_Docpdfua=1gt Acesso em 08 mai 2012 __________ Infant and young child nutrition Sixty-third World Health Assembly A639 Provisional agenda item 116 1 april 2010 Report by the Secretariat Disponiacutevel em lthttpappswhointgbebwhapdf_filesWHA63A63_9-enpdfgt Acesso em 25 fev 2012 __________ World health statistics 2011 SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data Disponiacutevel em lthttpwwwwhointghopublicationsworld_health_statisticsEN_WHS2011_Fullpdfgt Acesso em 25 fev 2012

241

__________ Global nutrition policy review what does it take to scale up nutrition action Geneva SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2013a Disponiacutevel em httpappswhointirisbitstream106658440819789241505529_engpdfua=1 Acesso em 14 fev 2014 __________ Draft comprehensive global monitoring framework and targets for the prevention and control of noncommunicable diseases Report by the Director-General Sixty-Sixth World Health Assembly A668 Provisional agenda item 131 15 March 2013b Acesso em 03 jul 2014 __________ Dioxins and their effects on human health Fact sheet Ndeg225 Updated June 2014 Disponiacutevel em httpwwwwhointmediacentrefactsheetsfs225engt Acesso em 18 nov 2014

WORLD TRADE ORGANIZATION World Trade Report 2008 Trading in a globalizing world Disponiacutevel lthttpwwwwtoorgenglishres_ebooksp_eanrep_eworld_tradea_report08_epdfgt Acesso em 13 nov 2013

__________ Understanding The WTO The Organization Members and Observers Home page 2013a Disponiacutevel em httpwwwwtoorgenglishthewto_ewhatis_etif_eorg6_ehtm Acesso em 13 nov 2013 __________ WTO II Merchandising Trade International Trade Statistics 2013 2013b Disponiacutevel em wwwwtoorgstatistics Acessado em 13 nov 2013

__________ List of tables II Merchandise trade by product World Trade Organization International Trade Statistics 2013c Disponiacutevel em wwwwtoorgstatistics Acesso em 13 nov 2013

ZIMMERMAN FJ BELL JF Associations of Television Content Type and Obesity in Children American Journal of Public Health v100 n 2 p 334-340 feb 2010

242

ANEXOS

243

ANEXO I Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO PROGRAMA DE POacuteS GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado(a)

O(a) senhor(a) estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoRiscos emergentes dos

alimentos a estrateacutegia de regulaccedilatildeo brasileira sob a perspectiva dos atores sociaisrdquo O objetivo

principal desta pesquisa eacute o de caracterizar o modo de compreensatildeo das diferentes atores

sociais quanto aos riscos emergentes dos alimentos que afetam a sauacutede coletiva As

informaccedilotildees obtidas seratildeo utilizadas exclusivamente para essa pesquisa sendo divulgadas de

forma consolidada (sem expor o nome dos participantes) sob a forma de tese de doutoramento

e artigo cientiacutefico Nenhum profissional teraacute seus dados divulgados individualmente sendo

garantido o anonimato e a preservaccedilatildeo das informaccedilotildees declaradas Informamos ainda que

natildeo haacute benefiacutecio direto eou individual para o participante e que natildeo seraacute executado nenhum

procedimento que lhe traga qualquer desconforto risco agrave sauacutede eou despesa de qualquer

natureza

A pesquisa consiste na realizaccedilatildeo de uma entrevista cujo tempo eacute de aproximadamente

uma hora Sua participaccedilatildeo eacute fundamental para a pesquisa Agradecemos desde jaacute a sua

contribuiccedilatildeo

Esta pesquisa corresponde a projeto para a elaboraccedilatildeo da tese de doutorado da

pesquisadora principal requisito exigido pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo

Humana tem o intuito de analisar as poliacuteticas puacuteblicas de regulaccedilatildeo dos alimentos dirigidas ao

controle dos riscos emergentes dos alimentos

O (a) senhor (a) teraacute acesso a qualquer tempo agraves informaccedilotildees sobre procedimentos

riscos e benefiacutecios relacionados agrave pesquisa inclusive para dirimir eventuais duacutevidas Aleacutem disso

teraacute liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e de deixar de participar do

244

estudo sem que isto traga qualquer prejuiacutezo bem como a recusar a responder questotildees que

lhe traga constrangimentos

O contato da pesquisadora responsaacutevel Aluna Ana Virgiacutenia de Almeida Figueiredo

Observatoacuterio de Poliacuteticas de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias (61) 3034-6526 End

SQN 216 Bloco ldquoDrdquo apt 209 Asa Norte (61) 9964-9305 Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da

Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede Campus Darcy Ribeiro Nuacutecleo de Nutriccedilatildeo sala 9 Asa Norte

Universidade de Brasiacutelia (61) 9964-9305 e (61) 3307-2508

DADOS DE IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA

1 Nome

2 Oacutergatildeo (federaldistrital)

3 Funccedilatildeo 4 Sexo M ( ) F ( )

5 Telefone para contato ( )

6 Gestor ( ) Conselheiro de Sauacutede ( ) Profissional de Sauacutede ( ) Usuaacuterio do SUS ( )

Brasiacutelia __________ de _____________________________ de 20___ _____________________________ ____________________________

Assinatura do Sujeito da Pesquisa Assinatura do Pesquisador (carimbo ou nome legiacutevel) (carimbo ou nome legiacutevel)

OBS As folhas seratildeo rubricadas pelo sujeito da pesquisa e pelo pesquisador responsaacutevel

245

ANEXO II Roteiro de Entrevista

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA DOUTORADO EM NUTRICcedilAtildeO

A) Quais as medidas que o (a) Sr (a) podem destacar para reduzir o impacto dos alimentos sobre o

excesso de peso

B) Na sua opiniatildeo como as instituiccedilotildees devem se organizar para controlar o excesso de peso

C) Qual o papel especiacutefico que a organizaccedilatildeoinstituiccedilatildeo que o (a) Sr (a) estaacute vinculado tem neste

contexto

D) Quais seriam as responsabilidades do governo e dos demais setores envolvidos no processo de

regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos relacionados ao excesso de peso

E) Como avalia a estrateacutegia de ampliaccedilatildeo da atividade de regulaccedilatildeo de alimentos pelo poder

puacuteblico para conter o excesso de peso

F) Como a vigilacircncia sanitaacuteria com foco nos alimentos pode atuar para interferir no excesso de

peso

G) Quais satildeo as facilidades e dificuldades existentes para intervir sobre os riscos dos alimentos

relacionados ao excesso de peso

H) Em sua opiniatildeo o processo de globalizaccedilatildeo da economia especificamente no campo dos

alimentos tem interferido na qualidade dos alimentos e na sauacutede da populaccedilatildeo

PERFIL DO ENTREVISTADO Identificaccedilatildeo________________________________________________________ Formaccedilatildeo Acadecircmica_________________________________________________ Instituiccedilatildeo__________________________________________________________ Cargo que ocupa____________________________________________________ Tempo de experiecircncia na instituiccedilatildeo____________________________________

1 Quais satildeo as atividades que o Sr (a) desenvolve relacionadas aos alimentos ou aos problemas deles decorrentes 2 Quanto tempo o Sr (a) exerce esta atividade 3 Em sua opiniatildeo qual eacute a relaccedilatildeo entre o excesso de peso e os alimentos

Page 3: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,

FIGUEIREDO - ALMEIDA Ana Virgiacutenia Riscos emergentes dos alimentos regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees uma experiecircncia brasileira 241f Tese ( Doutoramento em Nutriccedilatildeo Humana) Departamento de Nutriccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede Universidade de Brasiacutelia 2014 Inclui bibliografia 1 riscos dos alimentos 2 regulaccedilatildeo sanitaacuteria 3 Vigilacircncia sanitaacuteria 4 controle sanitaacuterio dos alimentos

Para Ana Theresa Joatildeo Carlos e Lucas Freitas minhas crianccedilas meus amores

ANA VIRGIacuteNIA DE ALMEIDA FIGUEIREDO

RISCOS EMERGENTES DOS ALIMENTOS Regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees Uma

experiecircncia brasileira

Tese apresentada como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Nutriccedilatildeo pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade de Brasiacutelia

Aprovada em 10 de novembro de 2014

BANCA EXAMINADORA

Elisabetta Recine - Orientador e Presidente da Banca

Departamento de Nutriccedilatildeo - Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Inecircs Rugani Ribeiro de Castro Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

Anelize Rizzolo de O Pinheiro

Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Juliana Rochet Wirth Chaibub Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Viviane Cristina Vieira

Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Andrea Sugai Mortoza Universidade Federal de Goiaacutes (UFG)

AGRADECIMENTOS

Apesar do intenso e sistemaacutetico esforccedilo individual para concretizar esta tese

reconheccedilo que nela se concentra uma pluralidade de suportes intelectuais influecircncias

afetivas e de experiecircncias compartilhadas oriunda das distintas inter-relaccedilotildees que

estabeleci no ambiente acadecircmico e profissional Por isso quero inicialmente formular

agradecimentos extensivos a todos aqueles indiviacuteduos fenomenais com os quais me

deparei no desenrolar da minha histoacuteria no campo da vigilacircncia sanitaacuteria e que criaram

para mim oportunidades de aprendizado e de aprimoramento pessoal A inspiraccedilatildeo do

objeto estudado eacute resultado da inquietaccedilatildeo surgida a partir dos longos debates travados

com essas pessoas todas figuras da minha vida

No entanto faz-se necessaacuterio destacar algumas destas personalidades

Agrave massa de trabalhadores brasileiros que no seu aacuterduo cotidiano de trabalho e vida

contribui materialmente para a existecircncia das universidades puacuteblicas apesar de um

reduzido contingente deles ocupar esse espaccedilo social para se qualificar Espero que

esta tese seja uma forma de devolver-lhes parte desse investimento

Agrave minha orientadora a Profa Dra Elisabetta Recine por me instruir e guiar em

todas as etapas desse processo de construccedilatildeo intelectual com muita competecircncia

paciecircncia e carinho Para ela um agradecimento muito especial

Agrave minha coorientadora a Profa Dra Renata Monteiro pelas valiosas contribuiccedilotildees

presteza e apoio no transcurso das atividades acadecircmicas

Ao Dr Patrick Dahlet pelo encontro fortuito e frutiacutefero assim como pelo trabalho

com as palavras que me permitiram desvendar os traccedilos obscuros dos discursos

Experiecircncia que ajudou a fortalecer o companheirismo afetuoso no caminhar

sinuoso da vida

Agrave Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash

CAPESMinisteacuterio da Educaccedilatildeo pela concessatildeo da bolsa de doutorado-sanduiacuteche

com a qual pude aprofundar parte da investigaccedilatildeo na Universitat Rovira i Virgili

Tarragona-Espanha

Agrave Dra Mabel Gracia da Universitat Rovira i Virgili- TarragonaEspanha pela acolhida

e as contribuiccedilotildees dadas para o desenvolvimento desta tese

Aos professores e colegas da Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana pelas diferentes

colaboraccedilotildees fornecidas no vasto campo da ciecircncia da Nutriccedilatildeo

Agrave Secretaria de Sauacutede do Distrito Federal na pessoa da Subsecretaacuteria de Vigilacircncia agrave

Sauacutede Dra Mariacutelia Cunha pelo suporte institucional durante a minha atividade

acadecircmica

Ao Diretor da Vigilacircncia Sanitaacuteria do Distrito Federal Manoel Silva Neto ao Gerente

de Alimentos Andreacute Godoy Ramos e agrave minha chefe imediata Dillian Adelaine Cesar

da Silva pela gentileza compreensatildeo e apoio imprescindiacutevel nos momentos mais

intensos deste trabalho

A todos os entrevistados que gentilmente se dispuseram a conceder seu valioso

tempo para responder as questotildees das entrevistas e que enriqueceram o conteuacutedo

desta tese

Agrave minha maravilhosa amiga e companheira de trabalho Reginalice Maria da Graccedila

Bueno com quem sempre compartilho as histoacuterias doces e amargas da vida Muito

obrigada tanto pela sua disposiccedilatildeo em me ajudar a equilibrar os sabores dos

acontecimentos como pelo incentivo para as aventuras acadecircmicas

Agrave Rosane Maria Franklin Pinto e Elisabete Gonccedilalves Dutra colegas da Anvisa pela

presteza em esclarecer as minhas duacutevidas e pela realizaccedilatildeo da entrevista-teste as

quais foram essenciais para a elaboraccedilatildeo da tese

Agraves minhas estimadas colegas de trabalho Wanusa Eva Gisele e Socorro pela cordial

atenccedilatildeo e compreensatildeo nos momentos de ausecircncia

Aos meus eternos amigos que revigoraram a Vigilacircncia Sanitaacuteria Joatildeo Batista de

Lima Filho Silvia Amaral Vignola e Sheila Maria Gomes Castanhola por meio dos

quais eu aprendi como lidar com esse campo conflituoso de atuaccedilatildeo da sauacutede

Aos meus adoraacuteveis filhos Ana Theresa e Joatildeo Carlos que me provocam um

turbilhatildeo de emoccedilotildees mas o amor eacute o imperativo Aproveito para responder a sua

incansaacutevel pergunta ldquoQuando eacute que isso acaba matildeerdquo Acabou

Agrave Claacuteudia Camurccedila a tia querida do Joatildeo pelo cuidado e carinho dedicados ao meu

filho nos momentos da minha ausecircncia para a realizaccedilatildeo do doutorado

Agrave minha querida parceira Maria Feacutelix Pereira pelo seu trabalho diaacuterio em

administrar a casa e os meus filhos com tanta atenccedilatildeo carinho e responsabilidade

que foi imprescindiacutevel para enfrentar esse desafio acadecircmico

Agrave minha famiacutelia em especial Andreacutea Figueiredo pela relaccedilatildeo afetuosa e pelo

compromisso muacutetuo Obrigada minha querida irmatilde

Estranhem o que natildeo for estranho Tomem por inexplicaacutevel o habitual Sintam-se perplexos ante o cotidiano Tratem de achar um remeacutedio para o abuso Mas natildeo esqueccedilam De que o abuso eacute sempre a regra (A Exceccedilatildeo e a Regra Bertolt Brecht)

FIGUEIREDO Ana Virgiacutenia A Universidade de Brasiacutelia novembro de 2014 Riscos emergentes dos alimentos regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees uma experiecircncia brasileira Orientadora Elisabetta Recine Coorientadora Renata Monteiro

RESUMO

Nas uacuteltimas deacutecadas a sociedade mundial e a brasileira vecircm enfrentando os riscos emergentes dos alimentos associados ao acelerado crescimento da obesidade e de outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis (DCNT) Entre os fatores causais dessas doenccedilas estatildeo a inatividade fiacutesica e o consumo de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis com alta densidade em gordura accediluacutecares e soacutedio Tais produtos resultam das transformaccedilotildees no sistema de produccedilatildeo e de comercializaccedilatildeo de alimentos fomentadas pelo processo de globalizaccedilatildeo da economia que se empenha em fortalecer a massificaccedilatildeo do consumo alimentar Consolida-se entatildeo um ambiente que modifica o estilo de vida o cotidiano das praacuteticas alimentares e o quadro nutricional Em funccedilatildeo disso regular o perfil nutricional desses produtos eacute uma das medidas de intervenccedilatildeo recomendada pelos organismos internacionais para ser aplicada pelas instituiccedilotildees puacuteblicas de controle dos diversos paiacuteses O objetivo geral deste estudo eacute analisar a compreensatildeo que os diferentes sujeitos vinculados ao mercado ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada tecircm sobre as transformaccedilotildees e implicaccedilotildees das estrateacutegias de regulaccedilatildeo ativas no mercado Trata-se de uma investigaccedilatildeo qualitativa cuja finalidade eacute explorar os significados que constituem e constroem a realidade que permeia os riscos emergentes dos alimentos e o controle dos produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis a partir do referencial teoacuterico da Hermenecircutica da Profundidade (THOMPSON 2000) tendo por fundamento analiacutetico os discursos daqueles sujeitos Com base nos resultados pode-se afirmar que esses riscos satildeo reflexos da dinacircmica da economia global cuja regulaccedilatildeo se faz em um ambiente de disputa que em regra nem sempre privilegia os interesses da sauacutede coletiva Para os sujeitos do mercado a regulaccedilatildeo eacute uma atitude autoritaacuteria e ineficaz sendo a populaccedilatildeo a principal culpada pelas consequecircncias da sua sauacutede ao adotar um comportamento sedentaacuterio e um consumo alimentar excessivo A alternativa eacute a implementaccedilatildeo de medidas flexiacuteveis e de caraacuteter voluntaacuterio como os Acordos instituiacutedos pelo governo com as entidades empresariais para reduzir paulatinamente os teores dos nutrientes ao governo incumbiria tatildeo somente promover a educaccedilatildeo alimentar da populaccedilatildeo Para os sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil haacute o reconhecimento da interconexatildeo entre esses produtos e as DCNT o que faz com que a maioria deles defenda a praacutetica da regulamentaccedilatildeo Para eles os Acordos satildeo fraacutegeis e indicam que o poder puacuteblico atuou buscando o menor desgaste poliacutetico e impacto econocircmico para o mercado a despeito dos prejuiacutezos causados agrave populaccedilatildeo Com base nas anaacutelises apresentadas conclui-se que uma regulaccedilatildeo justa requer uma negociaccedilatildeo de regras claras norteadas pelo princiacutepio da promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede puacuteblica com a participaccedilatildeo dos trecircs sujeitos-chave identificados ndash poder puacuteblico mercado e sociedade civil ndash e a adoccedilatildeo de condutas que beneficiem a sociedade inteira delimitando os direitos e deveres de cada sujeito que atua no campo da regulaccedilatildeo sanitaacuteria Palavras-chave Riscos dos alimentos Regulaccedilatildeo sanitaacuteria Vigilacircncia sanitaacuteria Controle sanitaacuterio dos alimentos

FIGUEIREDO Ana Virgiacutenia A University of Brasilia November 2014 Emerging food risks regulation conflicts tensions a Brazilian experience Tutor Elisabetta Recine Co-tutor Renata Monteiro

ABSTRACT

In recent decades Brazilian society and the world at large have been facing emerging food risks associated to an accelerated increase in the occurrence of obesity and other chronic noncommunicable diseases (NDCs) Among the causal factors are physical inactivity and the consumption of unhealthy food products with high fat sugar and sodium content Such products are the result of transformations in food production and commercialization fostered by economic globalization processes that seek to boost the massification of food consumption Then it has consolidated an environment that modifies life styles food-related habits and the nutritional scenario In that light international bodies recommend that each countryrsquos control institutions should take steps to regulate the nutritional profile of such products This qualitative research aims primarily to analyze the comprehension of different social actors associated to market government and civil society sectors in regard to the said transformations and the implications of the regulatory strategies in effect in the markets It explores the attributed meanings that constitute and construct the reality enveloping the emerging food risks and the control of unhealthy food products based on a theoretical reference framework of Depth Hermeneutics (THOMPSON 2000) having as its

analytical fundament the discourse of the actors Results indicate that the risks stem from the current dynamics of the global economy whereby regulation is conducted in an atmosphere of contention that is not always in the interests of collective health The actors (subjects) in the market see regulation as an inefficient authoritarian act and the population itself as being to blame for the consequences for its health insofar as people adopt a sedentary life style with excessive food consumption Their preferred alternative would be to implement flexible measures of a voluntary nature such as the agreements instituted by the government with some corporate entities aimed at gradually reducing levels of unhealthy components in food the governmentrsquos role would be limited merely to promoting nutritional education for the population at large The subjects in the public and civil society sectors recognize the connection between those products and the NCDs so that most of them are in favor of regulatory practices In their view the agreements are weak instruments and show that the public authoritiesrsquo actions have been directed merely at ensuring the least possible political attrition and economic impact on the market regardless of the harm caused to the population The analysis reveals that fair regulation requires a negotiation of clear rules guided by the principle of public health promotion and protection cooperative work with the full participation of the three key partners identified - public authorities market and civil society -and the adoption of conducts that benefit society as a whole clearly delineating the rights and duties of each subject involved in the field of public health regulation

Key words Food risks Food regulation Food surveillance Food control

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 Quadro comparativo entre as questotildees objetivos e perguntas das

entrevistas

42

Quadro 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014

127

Quadro 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre o tema de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013

135

Quadro 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos Alimentos

196

Graacutefico 1 Comparaccedilatildeo entre os teores de soacutedio diagnosticados nos produtos alimentiacutecios e os valores de reduccedilatildeo acordados entre o governo e as entidades industriais Brasil 2010 e 2011

139

Figura 1 Quadrado semioacutetico da alimentaccedilatildeo amp nutriccedilatildeo

202

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIA Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Alimentos

ABIAD Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Alimentos Dieteacuteticos

ABIMA Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de Massas Alimentiacutecias e Patildeo amp Bolo Industrializados

ABITRIGO Associaccedilatildeo Brasileira da Induacutestria do Trigo

ABIP Associaccedilatildeo Brasileira da Induacutestria de Panificaccedilatildeo e Confeitaria

ABRAS Associaccedilatildeo Brasileira de Supermercados

AD Anaacutelise de Discurso

AR Agenda Regulatoacuteria

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria

BSE

Encefalopatia Espongiforme Bovina (do inglecircs Bovine Spongiform Encephalopathy)

CAC Comissatildeo do Codex Alimentarius (do inglecircs Codex Alimentarius Commission)

CFN Conselho Federal de Nutricionistas

CGAN Coordenadoria-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo

CNS Conselho Nacional de Sauacutede

CONASS Conselho Nacional dos Secretaacuterios de Sauacutede

CONSEA Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional

DCNT Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis

DTA Doenccedilas Transmitidas por Alimentos

EAN Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional

ENDEF Estudo Nacional sobre Despesas Familiares

FAO Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (do inglecircs Food and Agriculture of the United Nations)

FDB Foodborne disease

FS Formas Simboacutelicas

GATT Acordo Geral de Tarifas e Comeacutercio (do inglecircs General Agreement on Tariffs and Trade)

IBASE Instituto Brasileiro de Anaacutelises Sociais e Econocircmicas

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDEC Instituto de Defesa do Consumidor

INMETRO Instituto Nacional de Metrologia Qualidade e Tecnologia

MAPA Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento

MDS Ministeacuterio do Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MS Ministeacuterio da Sauacutede

OMC Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio

OMS Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

OPAS Organizaccedilatildeo Pan- Americana de Sauacutede

PDVISA Plano Diretor de Vigilacircncia Sanitaacuteria

PL Projeto de Lei

PNAN Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo

PNDS Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede

PNSN Pesquisa Nacional de Sauacutede e Nutriccedilatildeo

POF Pesquisa de Orccedilamento Familiar

POP Poluentes Orgacircnicos Persistentes

PppS Parcerias Puacuteblico-Privadas no campo da sauacutede

PR

Presidecircncia da Repuacuteblica

SINDICARNES Sindicato da Induacutestria de Carnes e Derivados

UBABEF Uniatildeo Brasileira de Avicultura

UN United Nations

WHO World Health Organization

WTO World Trade Organization

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO

17

1 INTRODUCcedilAtildeO

20

11 Riscos dos alimentos e os impactos no perfil nutricional da populaccedilatildeo

20

12 Percursos metodoloacutegicos da investigaccedilatildeo

30

2 ALIMENTOS E RISCOS Agrave SAUacuteDE

46

21 O comensal contemporacircneo da alimentaccedilatildeo ao produto alimentiacutecio

46

22 O panorama diversificado dos riscos dos alimentos

53

23 Riscos agrave sauacutede de um conceito matemaacutetico a uma construccedilatildeo soacutecio-poliacutetica e cultural

61

3 PRODUTOS ALIMENTIacuteCIOS E SAUacuteDE Uma anaacutelise multifacetaacuteria

68

31 Produtos alimentiacutecios e riscos agrave sauacutede a visatildeo dos organismos intergovernamentais

68

311 A abordagem da OMS e FAO sobre o tema

68

312 A apatia do Codex Alimentarius frente aos novos riscos dos alimentos

75

313 A OMC e os produtos alimentiacutecios lucros ao mercado e prejuiacutezos agrave sauacutede

79

32 Globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a sauacutede em questatildeo

84

321 Avanccedilos e retrocessos no mercado dos alimentos

84

322 A publicidade de produtos alimentiacutecios e os efeitos sobre o comportamento e a sauacutede

90

323 Palatabilidade saciedade custo e praticidade dos produtos alimentiacutecios

94

4 A DINAcircMICA DAS TRANSICcedilOtildeES dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

97

41 O percurso da transiccedilatildeo dieteacutetica agrave nutriccedilatildeo

97

42 A obesidade e outras DCNT em ascensatildeo panorama global e nacional

101

421 Comportamento da obesidade e de suas comorbidades no mundo breves comentaacuterios

101

422 O quadro epidemioloacutegico brasileiro e sua conexatildeo com as mazelas do mundo

105

5 REGULACcedilAtildeO DE ALIMENTOS o desafio de governar o mercado

111

51 Do regime militar ao estado democraacutetico a evoluccedilatildeo dos dispositivos de regulaccedilatildeo dos alimentos

111

511 Final dos anos 90 a regulaccedilatildeo de alimentos eacute objeto da nova autarquia

116

52 A Anvisa e o Ministeacuterio da Sauacutede o (re) agir institucional

123

521 Parceria entre governo e induacutestrias fragilidade ou inovaccedilatildeo

141

6 RISCOS E REGULACcedilAtildeO DOS ALIMENTOS visotildees dos sujeitos sociais

147

61 Racionalidades discursivas um exerciacutecio de interpretaccedilatildeo

147

62 A ldquoAlimentaccedilatildeordquo e ldquoNutriccedilatildeordquo geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas

200

63 Regulaccedilatildeo dos riscos dos alimentos ideologias interesses e poder

206

CONCLUSAtildeO

211

REFEREcircNCIAS

217

ANEXOS 242

17

APRESENTACcedilAtildeO

A minha primeira experiecircncia de trabalho apoacutes concluiacuteda a Especializaccedilatildeo em Sauacutede

Puacuteblica e Medicina Social na Universidade Federal da Paraiacuteba foi a de me integrar agrave equipe

teacutecnica da Divisatildeo Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria de Alimentos do Ministeacuterio da Sauacutede Era

1985 eacutepoca da reconstruccedilatildeo democraacutetica momento em que as instituiccedilotildees puacuteblicas

comeccedilavam a rediscutir seu objeto e ajustar as suas praacuteticas aos moldes da proposta da

Nova Repuacuteblica Desvendar a vigilacircncia sanitaacuteria constituiu para mim um desafio pois se

tratava de um conteuacutedo insuficientemente abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e de

poacutes-graduaccedilatildeo que eu realizei Aproveitei entatildeo a riqueza do contexto poliacutetico e teacutecnico e

fui me aprimorando durante o processo de revitalizaccedilatildeo e ajustamento da praacutetica

institucional em curso Havia uma verdadeira efervescecircncia de mudanccedilas Tudo estava

sendo redescoberto e reconstruiacutedo sob uma atmosfera que propiciava o dinamismo a

criatividade e a participaccedilatildeo

Esta foi a minha primeira experiecircncia laboral a vigilacircncia sanitaacuteria como parte do

escopo da sauacutede coletiva A partir dela construiacute a minha trajetoacuteria profissional e acadecircmica

Sem perder o foco na vigilacircncia sanitaacuteria eu tive oportunidade de trabalhar em duas esferas

administrativas a federal e a distrital assim como na instacircncia de apoio teacutecnico no

Laboratoacuterio de Sauacutede Puacuteblica do Distrito Federal e em uma instituiccedilatildeo acadecircmica o Nuacutecleo

de Estudos em Sauacutede Puacuteblica da Universidade de Brasiacutelia Isto me permitiu explorar as

diferentes facetas e niacuteveis de intervenccedilatildeo que envolvem a vigilacircncia sanitaacuteria e reconhececirc-la

como um campo de atuaccedilatildeo amplo altamente conflituoso e cada vez mais estrateacutegico para

a proteccedilatildeo da sauacutede coletiva

Eacute na deacutecada de 90 que o conceito de risco agrave sauacutede incorpora-se agrave praacutetica da vigilacircncia

sanitaacuteria e se torna o foco central da nossa preocupaccedilatildeo Risco cujo conceito insiste em ser

eminentemente ldquoteacutecnicordquo tatildeo somente para esconder a ldquotrama poliacuteticardquo que atravessa o

curso que se estende do aparecimento do risco agraves tomadas de decisotildees

18

Dessa forma concentrada nos riscos emergentes dos alimentos que ameaccedilam a

sociedade brasileira e mundial e na atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees responsaacuteveis pelo controle dos

riscos dos alimentos decidi recolher-me para explorar a complexidade teacutecnica poliacutetica

social e econocircmica que envolve esta temaacutetica

O conteuacutedo desta tese estaacute disposto em seis capiacutetulos sequenciais conclusatildeo e

referecircncias bibliograacuteficas O capiacutetulo inicial corresponde agrave Introduccedilatildeo que traz uma

abordagem geral sobre o impacto dos riscos dos alimentos na sauacutede da populaccedilatildeo seguida

pela discussatildeo do referencial teoacuterico-metodoloacutegico e do detalhamento dos passos adotados

para investigaccedilatildeo empiacuterica

No segundo capiacutetulo Alimentos e Riscos agrave Sauacutede se faz uma breve configuraccedilatildeo das

transformaccedilotildees sociais que induziram a alteraccedilatildeo da conduta cultural da alimentaccedilatildeo e que

deram dinamismo aos riscos dos alimentos aleacutem de se explorar o conceito de risco agrave sauacutede

ressaltando o seu significado soacutecio-poliacutetico

O terceiro capiacutetulo Produtos Alimentiacutecios e Sauacutede uma anaacutelise multifacetaacuteria trata da

atuaccedilatildeo das agecircncias supranacionais na regulamentaccedilatildeo internacional dos alimentos da

conduta das instituiccedilotildees nacionais dirigidas para a melhoria do perfil nutricional dos

alimentos e por fim da globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios enfocando as carateriacutesticas

dos produtos e os artifiacutecios utilizados pelo mercado para comercializaacute-los

O quarto capiacutetulo A Dinacircmica das Transiccedilotildees dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

aborda as bases teacutecnicas da transiccedilatildeo dieteacutetica e da transiccedilatildeo nutricional e faz breves

consideraccedilotildees sobre as prevalecircncias ascendentes de obesidade e de outras DCNT no Brasil

e no mundo e os seus respectivos fatores causais

No quinto capiacutetulo Regulaccedilatildeo de Alimentos o desafio de governar o mercado constam

as bases dos dispositivos legais da vigilacircncia sanitaacuteria de alimentos e as transformaccedilotildees da

instacircncia de controle sanitaacuterio federal enfocando seus avanccedilos e debilidades aleacutem da nova

19

modalidade de atuaccedilatildeo criada pelo poder puacuteblico federal para intervir na qualidade

nutricional dos produtos alimentiacutecios

O uacuteltimo capiacutetulo Riscos e Regulaccedilatildeo dos Alimentos visotildees dos sujeitos sociais traz a

discussatildeo dos dados consistindo na interpretaccedilatildeo dos discursos dos sujeitos investigados

com destaque para as dissonacircncias e os obstaacuteculos para prevenccedilatildeo dos riscos dos

alimentos a geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e as

diferentes modalidades de ideologia e de interesses que envolvem os discursos dos

agrupamentos desses sujeitos sociais

Por fim a Conclusatildeo evidencia o reforccedilo de que o processo de regulaccedilatildeo de alimentos

congrega em si um conflito de interesses teacutecnico-poliacuteticos e por isso haacute necessidade de

construiacute-lo democraticamente para se alcanccedilar um resultado justo para toda a sociedade

20

1 INTRODUCcedilAtildeO

11 Riscos dos alimentos e os impactos no perfil nutricional da populaccedilatildeo

A temaacutetica deste trabalho estaacute ancorada na premissa de que os alimentos satildeo

imprescindiacuteveis agrave vida humana por se constituiacuterem em fontes de nutrientes necessaacuterias ao

crescimento ao desenvolvimento e agrave manutenccedilatildeo da sauacutede Aleacutem dessa funccedilatildeo bioloacutegica

vital a alimentaccedilatildeo tambeacutem eacute uma das formas mais preciosas de expressatildeo cultural que

integra o patrimocircnio imaterial dos diferentes povos e naccedilotildees Assim eacute a fusatildeo desses dois

componentes o bioloacutegico e o sociocultural que conforma o universo da alimentaccedilatildeo

Crises relacionadas agrave escassez contaminaccedilatildeo distribuiccedilatildeo e disponibilidade desigual

dos alimentos compotildeem a histoacuteria da humanidade e repercutem no perfil nutricional e de

sauacutede dos povos (CHAVES 1978 FAO 2009) A partir delas surgem os desequiliacutebrios

sistemaacuteticos na qualidade e ou quantidade de alimentos consumidos que geram riscos agrave

sauacutede individual e coletiva No iniacutecio do caminhar do seacuteculo XXI a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura - FAO estima que no mundo cerca de 125 da

populaccedilatildeo ainda satildeo subnutridas - por deacuteficit no consumo energeacutetico - e 26 das crianccedilas

apresentam desnutriccedilatildeo crocircnica Esses resultados elevam os custos econocircmicos e sociais

(aumentam as despesas com cuidados de sauacutede reduzem a produtividade no trabalho etc)

para todos os paiacuteses (FAO 2013)

Quando o consumo dos alimentos ocorre em quantidades inferiores agraves necessidades

nutricionais eacute inevitaacutevel o aparecimento de distuacuterbios que a depender da intensidade e da

duraccedilatildeo da carecircncia causam danos irreversiacuteveis agrave sauacutede comprometendo o

desenvolvimento regular da vida conforme constam dos estudos claacutessicos da Nutriccedilatildeo

(BEATON amp McHENRY 1966 MITCHELL et al 1978 CHAVES 1978 TORUN amp CHEW

2003)

21

Assim por um longo periacuteodo o foco de atenccedilatildeo dado aos alimentos esteve

concentrado nos estudos envolvendo a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo e o consumo insuficientes

e as carecircncias nutricionais das populaccedilotildees Dentre estes destacam-se a desnutriccedilatildeo

endecircmica hipovitaminoses e outras modalidades carenciais configurando durante

deacutecadas o eixo temaacutetico central da Nutriccedilatildeo e da Sauacutede Puacuteblica Essa foi a caracteriacutestica da

epidemiologia nutricional1 vigente ateacute fins da deacutecada de 70 quando a desnutriccedilatildeo em

paiacuteses pobres assumia importacircncia pela alta prevalecircncia e mantinha relaccedilatildeo com as altas

taxas de mortalidade infantil (MONTEIRO et al 1993 TORUN amp CHEW 2003 POPKIN

2006 WHO 1990)

Com o progresso ocorrido na ciecircncia e tecnologia de alimentos iniciado no decorrer

dos anos 40 (FAO WHO 2006) e que proporcionou o aprimoramento dos sistemas de

processamento e conservaccedilatildeo dos alimentos com destaque para os avanccedilos na quiacutemica de

aditivos (PHILIPPI 2000) tornou-se possiacutevel a expansatildeo do comeacutercio de alimentos nos

acircmbitos local e internacional principalmente de produtos processados Em virtude da

circulaccedilatildeo intensa dos alimentos entre os paiacuteses surgem concomitantemente outras

modalidades de risco agrave sauacutede de efeito transnacional a ela associadas Assim os alimentos

comeccedilam a ser abordados pelos organismos supranacionais (FAO amp OMS 2006) a partir da

sua natureza paradoxal expressa pela sua capacidade de fornecer nutrientes para

promover sauacutede e ao mesmo tempo de albergar agentes contaminantes capazes de

propagar doenccedilas

Como consequecircncia desse intercacircmbio comercial de alimentos ainda na deacutecada de 60

o tema ldquoalimentosrdquo foi progressivamente inserido na pauta dos interesses internacionais e

estrateacutegicos com vistas a normatizaccedilatildeo devido agraves ameaccedilas em potencial de disseminaccedilatildeo

de doenccedilas decorrentes de contaminantes Amplia-se entatildeo o leque de preocupaccedilotildees com

os alimentos uma vez que ainda persistem as questotildees ligadas ao binocircmio carecircncia

alimentar e desnutriccedilatildeo que jaacute os envolviam

1 A epidemiologia nutricional baseia-se na concepccedilatildeo de que aspectos da dieta podem influenciar a ocorrecircncia de doenccedilas nos indiviacuteduos tanto as doenccedilas originaacuterias de consumo insuficiente ou excessivo de fatores dieteacuteticos quanto aquelas decorrentes da contaminaccedilatildeo de alimentos por agentes bioloacutegicos quiacutemicos ou compostos naturais presentes nos alimentos (WILLET 1990)

22

Para conter quaisquer eventos geradores de obstaacuteculos agraves relaccedilotildees comerciais e agrave

preservaccedilatildeo da sauacutede da populaccedilatildeo os organismos multilaterais como a Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura-FAO e Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede-

OMS assumiram a responsabilidade de disciplinar aspectos que poderiam garantir a

sanidade dos alimentos comercializados entre os paiacuteses A medida entatildeo adotada foi o

estabelecimento de recomendaccedilotildees sanitaacuterias internacionais para controlar os agentes

bioloacutegicos e quiacutemicos resultantes das praacuteticas relativas agraves atividades agropecuaacuterias e

industriais Assim agrave Comissatildeo do Codex Alimentarius da FAOOMS2 coube desenvolver o

programa de normas alimentares orientado para proteger a sauacutede dos consumidores e

assegurar a adoccedilatildeo de praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos (FAOWHO 2005)

A despeito de persistirem os problemas de carecircncia nutricional e os desafios na

autonomia para a produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de alimentos evidenciada por muitos povos

(WHO 2010 WHO 2011) nas uacuteltimas duas deacutecadas identifica-se a coexistecircncia de dois

grandes riscos agrave sauacutede da populaccedilatildeo mundial relacionados ao consumo dos alimentos

Ambos condensam um conjunto de caracteriacutesticas comuns que pode ser assim sintetizado

expotildeem ao agravo todos os indiviacuteduos embora os socialmente vulneraacuteveis sejam os mais

atingidos ultrapassam os continentes podem ser facilmente controlados e por fim

relacionam-se com as transformaccedilotildees na loacutegica econocircmica de produccedilatildeo de alimentos que

surgem e se expandem em decorrecircncia da globalizaccedilatildeo (WHO 2002a WHO 2008)

Entende-se como globalizaccedilatildeo um processo complexo e multifacetado que engloba

questotildees econocircmicas poliacuteticas e sociais Com a mundializaccedilatildeo dos mercados mediante a

expansatildeo e a intensificaccedilatildeo das relaccedilotildees capitalistas de produccedilatildeo sob o suporte de novas

tecnologias da recriaccedilatildeo da divisatildeo internacional do trabalho e da inovaccedilatildeo de produtos

(IANNI 2007) se consolida um tipo de sociedade de consumo (BAUMAN 1999) Isso

conduz ao fortalecimento dos atores transnacionais em especiais as corporaccedilotildees de

2 Esta Comissatildeo foi criada em 1961 pela FAO e OMS com o objetivo de desenvolver um coacutedigo internacional de

alimentos enfatizando os aspectos de seguranccedila e qualidade para proteger a sauacutede dos consumidores e disciplinar o

comeacutercio de alimentos

23

empresas que agem interferindo na soberania na identidade e no poder dos Estados

nacionais (BECK 1999)

Quanto aos riscos agrave sauacutede o primeiro grupo que vem se complexificando ao longo das

deacutecadas refere-se aos de surtos de doenccedilas transmitidas por alimentos3 (DTA) com

abrangecircncia transnacional raacutepida disseminaccedilatildeo e ocorrecircncia frequente causados por

agentes comuns e agentes patogecircnicos emergentes (ALTEKRUSE SWERDLOW 1996 KATZ

et al 1999 WHO 2008) ou provenientes da poluiccedilatildeo do ar aacutegua e solo e outros agentes

quiacutemicos que surgem em distintos pontos da cadeia produtiva (WHO 2003a) Devem ser

destacados tambeacutem neste grupo os riscos de contaminaccedilatildeo por agentes dotados de

resistecircncia antimicrobiana que comprometem a eficiecircncia das medidas de controle

convencionais (KAumlFERSTEIN et al 1997 TRAUXE 1997 TAORMINA BEUCHAT SLUTSKER

1999)

No que diz respeito ao segundo grupo considerados riscos emergentes implicados com

os alimentos e de alcance mundial deflagrados nas uacuteltimas deacutecadas destaca-se o risco de

obesidade4 e de outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis - DCNT correlacionadas cuja

expansatildeo abrange todos os continentes (WHO 2004a) A obesidade reconhecida hoje pelo

seu caraacuteter pandecircmico resulta principalmente das mudanccedilas comportamentais sociais

ambientais e econocircmicas que intensificaram o desequiliacutebrio entre o consumo e o gasto

energeacutetico associando-se estreitamente com as caracteriacutesticas atuais dos alimentos

consumidos que possuem alta densidade energeacutetica (MONTEIRO 2009 MONTEIRO 2010

WHO 2004a)

Os avanccedilos na tecnologia de alimentos aliado ao suporte do aparato regulatoacuterio tanto

permitiram a formulaccedilatildeo de produtos relativamente seguros em termos microbioloacutegicos

3 Com base na definiccedilatildeo da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede ldquodoenccedilas transmitidas por alimentosrdquo designadas em inglecircs por foodborne diseases (FBD) consistem em doenccedilas comumente veiculadas pelos alimentos e compreende um amplo conjunto de sinais e sintomas causado por microrganismos patogecircnicos parasitas contaminantes quiacutemicos e biotoxinas (WHO 2007) 4

Neste estudo ldquoexcesso de pesordquo eacute o termo geral usado para abordar conjuntamente o sobrepeso e a obesidade A menccedilatildeo dos termos - excesso de peso obesidade ou sobrepeso ndash de forma independente e isolada dependeraacute do estudo que for referenciado

24

quanto a criaccedilatildeo de produtos pobres ou natildeo saudaacuteveis em termos nutricionais Satildeo aqueles

com alta densidade energeacutetica alto teor de gordura saturada sal e accediluacutecares livres e pobres

em nutrientes essenciais que satildeo disponibilizados no mercado a preccedilos acessiacuteveis e

portanto estimuladores do consumo5 (WHO 2003b WHO 2006) Acrescenta-se ainda que

tais produtos tecircm causado impactos negativos sobre o haacutebito alimentar tradicional das

populaccedilotildees dificultando a praacutetica de uma dieta saudaacutevel (POPKIN 2006)

Conforme descrito acima esses produtos alimentiacutecios satildeo os responsaacuteveis pelos riscos

emergentes dos alimentos Riscos definidos pelo potencial que tais produtos tecircm de causar

malefiacutecios agrave sauacutede humana devido a certos tipos de nutrientes em excesso ndash perigos -

presentes na sua composiccedilatildeo a qual eacute definida a partir de foacutermulas baseadas em

ingredientes processados e pouco nutritivos Desse modo eacute o consumo sistemaacutetico desses

produtos alimentiacutecios pela populaccedilatildeo que repercute negativamente no campo alimentar e

nutricional Este eacute o contexto no qual a pandemia de obesidade emerge e outras DCNT se

desenvolvem

Segundo a OMS a prevalecircncia de obesidade no continente europeu oscilou nos anos

1999 a 2004 entre 5 a 23 nos homens e entre 7 e 36 nas mulheres (WHO 2006)

Contudo em periacuteodos anteriores nos anos de 1988 a 1994 jaacute atingia a populaccedilatildeo adulta

americana na faixa etaacuteria de 20 a 74 anos em patamares de 199 a 249

respectivamente para homens e mulheres (WHO 2004a) No Brasil os dados mais recentes

sobre o estado nutricional da populaccedilatildeo brasileira revelam que os grupos etaacuterios de 10 a 19

anos e de 20 anos ou mais de idade apresentam prevalecircncias de obesidade de 4 e 148

jaacute para o excesso de peso os valores correspondem a 194 e 49 respectivamente

(BRASILIBGE 2010) A evoluccedilatildeo da obesidade em adultos no Brasil vem ocorrendo nos

uacuteltimos 25 anos sendo observada nas regiotildees Nordeste e Sudeste do paiacutes (BATISTA FILHO

RISIN 2003)

5 Esses alimentos tambeacutem englobam as bebidas com alta densidade energeacutetica Aleacutem disso podem ser referidos com outras denominaccedilotildees tais como alimentos ou produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis alimentos inadequados em termos nutricionais alimentos ou produtos de alto risco agrave sauacutede e alimentos ultraprocessados

25

De um modo geral essa reconfiguraccedilatildeo do perfil nutricional da populaccedilatildeo proveacutem de

uma multiplicidade de fatores que implica mudanccedilas no ambiente social ampliaccedilatildeo do

comeacutercio global de produtos alimentiacutecios sem o apropriado controle sanitaacuterio alteraccedilotildees no

padratildeo de consumo alimentar introduccedilatildeo de novos processos de produccedilatildeo de alimentos e

aumento da interferecircncia do homem em ambientes nativos (NEWELL et al 2010

ALTEKRUSE SWERDLOW1996 KAumlFERSTEIN MONTARJEMI BETTCHER 1997 WHO

2008) Aleacutem disso foi favorecida pelo aumento no consumo de gordura e de accediluacutecares

adicionados agraves dietas graccedilas agrave elevaccedilatildeo acentuada da disponibilidade dos produtos de

origem animal e de outros industrializados em contraposiccedilatildeo ao baixo consumo de

alimentos ricos em fibras e cereais integrais (POPKIN 2001) e dos alimentos da dieta

tradicional (WHO 2004a)

Indubitavelmente a obesidade e as doenccedilas transmitidas por alimentos integram o

panorama mundial das doenccedilas de relevacircncia para a sauacutede puacuteblica as quais podem ser

perfeitamente considerados como um dos tipos de riscos supranacionais pela sua amplitude

e efeitos alcanccedilando conforme menciona Giddens (2008) Para o autor satildeo formas de riscos

de extensatildeo intercontinental e de efeitos indeterminados que continuamente surgem e se

renovam como consequecircncias dos processos sociais contemporacircneos Embora os impactos

de nocividade sejam extensos os grupos populacionais mais socialmente vulneraacuteveis dos

paiacuteses satildeo os mais afetados

A disponibilidade e os estiacutemulos sistemaacuteticos para o consumo de produtos

alimentiacutecios de circulaccedilatildeo global hipercaloacutericos pouco nutritivos e com atributos de

praticidade induzem a populaccedilatildeo a dar preferecircncia a tais produtos e consequentemente

expondo-a ao risco de contrair essas doenccedilas

Abordar os riscos dos alimentos na atualidade obriga-nos a imergir em um cenaacuterio

protagonizado pelo mercado que usufrui do dinamismo efervescente de tecnologias de

produccedilatildeo da contiacutenua criaccedilatildeo de bens e insumos bem como do aprimoramento das

estrateacutegias comerciais de estiacutemulo ao consumo Na outra ponta encontram-se os cidadatildeos-

consumidores atordoados com a diversidade excessiva de produtos alimentiacutecios postos agrave

26

sua disposiccedilatildeo e desinformados quanto aos efeitos nocivos agrave sauacutede que esses produtos

podem acarretar Ambos os interessados sofrem a influecircncia de controle das instituiccedilotildees

governamentais cuja atuaccedilatildeo eacute limitada Isso resulta em um descompasso entre o ritmo

acelerado das eclosotildees dos fenocircmenos sanitaacuterios de origem alimentar e a capacidade

poliacutetico-operacional reduzida para desempenhar satisfatoriamente o controle dos riscos agrave

sauacutede

Destaca-se ainda que o advento da pandemia da obesidade e o aumento das DCNT

impotildeem um novo olhar sobre os riscos agrave sauacutede relacionados aos alimentos exigindo

reflexotildees e mudanccedilas na forma tradicional de se conceber o objeto ldquovigilacircncia sanitaacuteriardquo no

campo dos alimentos e de exercer a regulaccedilatildeo sobre ele Vigilacircncia sanitaacuteria aqui

compreendida como [] um conjunto de accedilotildees capazes de eliminar diminuir ou prevenir

riscos agrave sauacutede e de intervir nos problemas sanitaacuterios decorrentes do meio ambiente da

produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de bens e da prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse agrave sauacutede (BRASIL

CONASS 2003a) Tais accedilotildees sendo executadas de forma descentralizada pelas trecircs

instacircncias do Sistema Uacutenico de Sauacutede

Esse cenaacuterio - com um novo risco socialmente gerado - estaacute posto e ele fragiliza a

sauacutede da populaccedilatildeo desafia as instituiccedilotildees de controle oficiais e nos instiga a levantar a

seguinte hipoacutetese apesar de reconhecer que a regulaccedilatildeo puacuteblica dos alimentos eacute uma das

estrateacutegias poliacutetico-operacionais necessaacuterias para intervir nos riscos emergentes dos

alimentos as forccedilas poliacuteticas no Estado atual satildeo insuficientes para concretizaacute-la com

efetividade em decorrecircncia do poder das induacutestrias - que reagem atribuindo a

responsabilidade dos distuacuterbios nutricionais aos consumidores e minimizando as

reivindicaccedilotildees da sociedade civil

Considerando os pressupostos mencionados administrar os riscos dos alimentos sob

a perspectiva sanitaacuteria e nutricional requer no miacutenimo ajustes no interior das instituiccedilotildees

reguladoras e das induacutestrias produtoras de alimentos para incorporar a preocupaccedilatildeo em

conter a obesidade e suas comorbidades Decerto significa tambeacutem ampliar o leque de

possibilidades de intervenccedilatildeo puacuteblica nos problemas de sauacutede prevalentes na populaccedilatildeo

27

Essa ampliaccedilatildeo levaraacute (poderaacute levar) a uma vertente restritiva ou limitante da liberdade de

produccedilatildeo industrial As instituiccedilotildees reguladoras teratildeo que fortalecer a retaguarda teacutecnica e

poliacutetica que possibilite dialogar com os sujeitos estrateacutegicos e administrar os interesses

conflituosos que permeiam atividades dessa natureza

Na loacutegica atual de funcionamento da sociedade os riscos emergentes dos alimentos

relacionados agrave obesidade e a outras DCNT se comportam como tipos de ameaccedila

continuamente crescentes exigindo controle Mas essa medida contraria as propostas que

apregoam a reduccedilatildeo das funccedilotildees do Estado justificadas pela autossuficiecircncia do mercado

na gestatildeo dos seus negoacutecios Nesses casos como advogam alguns autores os riscos satildeo os

propulsores do aprimoramento das atividades regulatoacuterias uma vez que eacute necessaacuterio

conter as incertezas e inseguranccedilas derivadas da moderna tecnologia e da ciecircncia

empregadas na fabricaccedilatildeo de produtos bens e serviccedilos disponibilizados agrave sociedade

(LUCCHESE 2003 BODSTEIN 2000)

Destaca-se que a regulaccedilatildeo em sauacutede deve seguir orientaccedilotildees distintas agraves aplicadas

para a regulaccedilatildeo do mercado em geral Regulaccedilatildeo no acircmbito da sauacutede eacute um processo de

gestatildeo de riscos das potenciais deficiecircncias ou adversidades que podem surgir a partir do

consumo ou do uso de produtos de interesse agrave sauacutede e afetar a coletividade

(CARVALHEIRO 2001 LUCCHESE 2008) Sob esse prisma a regulaccedilatildeo tem como finalidade

preciacutepua a de ser fundamentalmente veiacuteculo das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede Salienta-se

que a natureza dessa atividade de Estado natildeo se confina exclusivamente agrave elaboraccedilatildeo de

regras (OLIVEIRA ELIAS 2012) e envolve outras diversas modalidades de accedilatildeo

No setor sauacutede a intervenccedilatildeo estatal sobre a conduta do setor produtivo eacute imperativa

para garantia da defesa e da proteccedilatildeo da sauacutede puacuteblica quando haacute situaccedilotildees que envolvem

riscos procedimento legiacutetimo e previsto nos dispositivos legais brasileiros (BRASIL

CONASS 2003a 2003b 2003c)

No campo da vigilacircncia sanitaacuteria a regulaccedilatildeo enquanto intervenccedilatildeo no risco

pressupotildee sempre a conjugaccedilatildeo do conhecimento teacutecnico multidisciplinar com o

posicionamento poliacutetico e reveste-se de vaacuterios componentes que extrapolam o ato

28

fiscalizatoacuterio de caraacuteter privativo do Estado sobre os objetos de interesse agrave sauacutede

propriamente dita A regulaccedilatildeo sanitaacuteria um dos componentes da anaacutelise de risco6 (gestatildeo

do risco) comporta medidas tais como regulamentaccedilatildeo investigaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo

monitoramento controle auditoria e avaliaccedilatildeo que satildeo adotadas pelo Estado a fim de

conter o objeto ou o evento de risco que ameaccedila a sauacutede da populaccedilatildeo (CARVALHEIRO

2001 LUCCHESE 2008)

Na atualidade a regulaccedilatildeo sanitaacuteria brasileira desenvolve-se a partir de um processo

de construccedilatildeo coletiva com o envolvimento ativo de diferentes sujeitos incluindo em uma

de suas fases o espaccedilo para participaccedilatildeo da populaccedilatildeo em geral Representantes do

mercado7 da sociedade civil organizada universidades e instituiccedilotildees puacuteblicas de sauacutede

afins formam o grupo de integrantes desse processo Eacute nesse ambiente que se confrontam

os conhecimentos cientiacuteficos os posicionamentos poliacutetico-ideoloacutegicos as expectativas e as

linhas estrateacutegicas para proteger a populaccedilatildeo contra os riscos dos alimentos Sob esses

diferentes olhares - mercado poder puacuteblico e sociedade civil - entremeados de conflitos de

interesses eacute que se modula paulatinamente o consenso possiacutevel para viabilizar o controle

dos riscos dos componentes nutricionais dos alimentos

Embora formalmente democraacuteticas essas decisotildees regulatoacuterias ainda precisam ser

ajustadas aos acordos bilaterais e multilaterais firmados como no caso do Mercado Comum

do Sul-Mercosul e da Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio-OMC e agraves normas internacionais

como as estabelecidas pelo Codex Alimentarius FAOOMS Em determinadas circunstacircncias

esses processos servem de freios para o avanccedilo de propostas mais aproximadas aos

interesses da sauacutede coletiva Todavia a regulaccedilatildeo sanitaacuteria praticada no cotidiano das

6 Segundo a FAOOMS (2005) anaacutelise de riscos eacute um processo que consta de trecircs componentes avaliaccedilatildeo de riscos gestatildeogerenciamento de riscos e comunicaccedilatildeo de riscos A avaliaccedilatildeo processo baseado em conhecimentos teacutecnico-cientiacuteficos que serve para nortear o gerenciamento de risco ndash momento em que se avaliam as distintas opccedilotildees de intervenccedilatildeo mediante consulta agraves partes interessadas tendo como referecircncia a proteccedilatildeo da sauacutede dos consumidores e a promoccedilatildeo de praacuteticas comerciais equitativas 7O mercado de alimentos eacute uma expressatildeo empregada no sentido abrangente referindo-se a todas as operaccedilotildees comerciais estabelecidas nas distintas etapas do sistema produtivo de alimentos que tecircm como fim o consumo humano Abarca tambeacutem todos os integrantes do sistema de produccedilatildeo de alimentos em suas diferentes etapas os quais podem ser referidos neste estudo como setores produtivos setores regulados ou setores econocircmicos

29

instituiccedilotildees de controle ainda eacute a uacutenica medida de intervenccedilatildeo estatal efetiva de interesse

da sauacutede coletiva relativamente democraacutetica Utilizada para ajustar as praacuteticas do mercado

essa eacute a forma de exigir a adoccedilatildeo de medidas de prevenccedilatildeo e de controle dos riscos dos

produtos e serviccedilos ofertados agrave sociedade assim como de aplicar sanccedilotildees e penalidades

quando da existecircncia de descumprimentos ou desvios das regras definidas

Elucidar os pontos de convergecircncia e de divergecircncia os argumentos para regulaccedilatildeo

os compromissos com a sauacutede do coletivo e os limites de atuaccedilatildeo poliacutetica suscitados

quando se potildee em pauta essa mateacuteria eacute o objeto principal deste estudo

Nesse sentido investigar o discurso dos sujeitos envolvidos nessa agenda -

representantes do poder puacuteblico do mercado da sociedade civil organizada e de um

organismo internacional - permitiraacute elucidar as motivaccedilotildees significativas que orientam os

seus atos em torno da problemaacutetica deste estudo Ao mesmo tempo espera-se como

resultado obter elementos de respostas para as seguintes questotildees Quais satildeo os riscos dos

alimentos reconhecidos por esses sujeitos que podem levar a sociedade a desenvolver

doenccedilas crocircnicas Quais satildeo as estrateacutegias poliacutetico-institucionais e os conflitos enfrentados

pelos diferentes sujeitos para conter os riscos emergentes dos alimentos Como eacute aceita a

regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos para conter o avanccedilo da obesidade e

outras DCNT Haacute um compromisso compartilhado por parte dos sujeitos para tornar o

controle dos componentes nutricionais dos alimentos uma praacutetica institucional

Com base nas consideraccedilotildees expostas foram formulados os seguintes objetivos para

este estudo

a) Objetivo Geral Analisar a compreensatildeo dos diferentes sujeitos envolvidos na

agenda de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo sobre os riscos emergentes dos alimentos e a accedilatildeo

puacuteblica de regulaccedilatildeo envolvida com fins de contribuir para o seu aprimoramento

30

b) Objetivos Especiacuteficos

Identificar os significados atribuiacutedos aos riscos emergentes dos alimentos e

sua relaccedilatildeo com a expansatildeo do mercado global de produtos alimentiacutecios

Caracterizar a construccedilatildeo dos sentidos sobre a conduta e as medidas

regulatoacuterias adotadas pelo poder puacuteblico para interferir na qualidade dos produtos

alimentiacutecios em funccedilatildeo da evoluccedilatildeo da obesidade e de outras DNCT

Caracterizar nos discursos manifestos os interesses que permeiam a

temaacutetica da accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos

alimentiacutecios como estrateacutegia para intervir nos riscos emergentes dos alimentos

Delimitar a partir dos enunciados extraiacutedos dos discursos as

responsabilidades que cada um dos sujeitos atribui a si e aos demais no que se refere agrave

prevenccedilatildeo e ao controle dos riscos emergentes dos alimentos

12 Percursos metodoloacutegicos da investigaccedilatildeo

Referencial teoacuterico-metodoloacutegico

A relaccedilatildeo aparentemente paradoxal entre alimentos e sauacutede que impera na sociedade

contemporacircnea estimulou a produccedilatildeo de pesquisas interessadas em elucidar a concepccedilatildeo

dos indiviacuteduos e a conduta das instituiccedilotildees sobre as questotildees de nutriccedilatildeo bem como de

risco regulaccedilatildeo e seguranccedila de alimentos Temas que parecem estar conquistando

progressivamente espaccedilos na literatura cientiacutefica local e internacional Neste sentido vaacuterios

estudos sob diferentes oacuteticas utilizam material discursivo construiacutedo a partir do relato dos

sujeitos para avaliar entre outros aspectos o consumo das mensagens publicitaacuterias sobre

nutriccedilatildeo e a prevenccedilatildeo de doenccedilas crocircnicas (HENDERSON et al 2010) os discursos e as

crenccedilas relacionadas aos riscos dos alimentos (LUPTON 2005) as percepccedilotildees dos

consumidores sobre os tradicionais e os atuais riscos atribuiacutedos aos alimentos (BUCHLER

SMITH LAWRENCE 2010) e o conflito que permeia as praacuteticas de consumo desejo versus

controle com vistas a reduzir os riscos dos alimentos (HALKIER 2001)

31

Todavia tambeacutem natildeo eacute raro que essas pesquisas utilizem como fonte entrevistas com

representantes de organizaccedilotildees quando a linha de pesquisa visa conhecer o

posicionamento institucional relativo ao controle de riscos Estudos com esse caraacuteter foram

feitos sobre a vigilacircncia da concentraccedilatildeo de fluacuteor em produtos alimentiacutecios (BARDAL et al

2012) a implementaccedilatildeo da ferramenta de anaacutelise de riscos dos alimentos (FIGUEIREDO

MIRANDA 2011) e a anaacutelise dos significados de seguranccedila sanitaacuteria (BARBOSA COSTA

2010)

Utilizando-se de fonte primaacuteria de dados similares o objeto deste estudo dirige-se

para a compreensatildeo da relaccedilatildeo entre os riscos emergentes dos alimentos e a visatildeo da

regulaccedilatildeo puacuteblica explicitada por diferentes sujeitos partindo-se do pressuposto que

mediante o uso da linguagem os significados que constituem e constroem essa realidade

especiacutefica poderatildeo ser explorados

As representaccedilotildees organizadas ndash do mercado8 do poder puacuteblico e da sociedade ndash

conformam os principais sujeitos que apresentam relevacircncia para o estudo em tela Cada

um dos sujeitos ilustra uma posiccedilatildeo diferenciada no conjunto das representaccedilotildees que se

traduz pelo domiacutenio e confronto com o objeto de discussatildeo e pela sua capacidade de uso de

diversos mecanismos de pressatildeo para ajustaacute-la aos interesses do setor que defendem

Assim eacute essa relaccedilatildeo envolvendo o objeto e os sujeitos supracitados que nos remete a

optar por um meacutetodo capaz de fornecer respostas para as seguintes indagaccedilotildees Como eacute

compreendida a relaccedilatildeo entre o perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios e a obesidade e

DCNT que na uacuteltima deacutecada vecircm recrudescendo na sociedade brasileira Qual eacute o sentido

dado agrave regulaccedilatildeo do perfil nutricional do produto alimentiacutecio para atender agraves necessidades

de sauacutede atuais

Para acessar a subjetividade que permeia o universo dessas questotildees elegeu-se a

Hermenecircutica da Profundidade-HP (THOMPSON 2000) como referencial teoacuterico-

metodoloacutegico para lidar com os sentidos mobilizados pelas Formas Simboacutelicas - FS

8Neste estudo a categoria analiacutetica ldquomercadordquo se refere aos representantes do sistema produtivo em especial nas

etapas que compreendem a industrializaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

32

entendendo-as como artifiacutecios natildeo apenas de sentidos mas tambeacutem de dominaccedilatildeo no

conjunto social O autor conceitua as FS (accedilotildees falas textos) como fenocircmenos significativos

interpretados e compreendidos pelos sujeitos produtores-receptores

A HP admite a inserccedilatildeo de diferentes tipos de anaacutelise que tratam das caracteriacutesticas

estruturais das FS ou das condiccedilotildees socio-histoacutericas de accedilatildeo e interaccedilatildeo pois segundo

Thompson (2000) trata-se de um auxiacutelio ao processo de interpretaccedilatildeo de forma legitimada

e colaborativa Esta flexibilidade da HP permitiu a inserccedilatildeo do meacutetodo de Anaacutelise de

Discurso ndash AD (ORLANDI 2010) o qual seraacute utilizado em momentos especiacuteficos durante o

trajeto que conduz a reinterpretaccedilatildeo

Segundo esse autor o campo-objeto e o campo-sujeito constituem uma siacutentese O

objeto em observaccedilatildeo e explicaccedilatildeo eacute construiacutedo em parte pelos sujeitos dotados de

compreensatildeo reflexatildeo e accedilatildeo inclusive com potencial para desencadear um processo de

transformaccedilatildeo do campo sujeito-objeto (THOMPSON 2000)

Adianta-se que os efeitos da modernizaccedilatildeo da sociedade que expandem e sofisticam

os mecanismos de interaccedilatildeo natildeo deixaram as FS imunes e modificaram a sua caracteriacutestica

original Com a evoluccedilatildeo da sociedade essas deixaram de ser resultado de uma interaccedilatildeo

exclusivamente face-a-face principalmente em decorrecircncia do desenvolvimento das

instituiccedilotildees e dos meios de comunicaccedilatildeo de massa assim como incorporaram o valor

econocircmico ao valor simboacutelico 9 transformando-se em instrumentos de transaccedilotildees

comerciais (THOMPSON 2000)

Para analisar as FS como ideoloacutegicas o referido autor centra-se no estudo da ideologia

nas sociedades complexas descartando a ideia de que o seu papel reside em atuar como

indutor de estabilidade social ou aglutinador de interesses coletivos divergentes A coesatildeo

social eacute uma caracteriacutestica circunstancial que se sustenta possivelmente pela influecircncia de

alguns fatores tais como valores e crenccedilas diferenciados multiplicidade de grupos internos

9 Thompson (2000) afirma que a valorizaccedilatildeo econocircmica das formas simboacutelicas eacute uma condiccedilatildeo especial e decorre da troca do bem simboacutelico efetuada no acircmbito do mercado

33

e inexistecircncia de consenso sobre tema especiacutefico que inviabiliza a accedilatildeo poliacutetica A ideologia

se fundamenta na inter-relaccedilatildeo entre sentido e poder e tem como caraacuteter criar e constituir

a vida social mediante o dinamismo da circulaccedilatildeo de accedilotildees e interaccedilotildees na qual participam

as trocas de FS Com esses argumentos justifica-se o interesse em investigar os usos sociais

das FS enquanto manifestaccedilotildees ideoloacutegicas inseridas em contexto socio-histoacuterico

especiacuteficos que se realizam tanto no acircmbito da vida cotidiana quanto na esfera das

instituiccedilotildees ambas tratadas a partir do enfoque conceitual da ideologia (THOMPSON

2000)

Efetuadas as consideraccedilotildees acima o processo de significaccedilatildeo se inicia com a

exploraccedilatildeo dos textos transcritos das entrevistas realizadas com 13 sujeitos

(representantes do poder puacuteblico do mercado e da sociedade civil organizada) que ilustra

o universo do senso comum e em seguida prossegue-se conforme propotildee Orlandi (2010)

ateacute serem revelados os compromissos poliacutetico-ideoloacutegicos mediados pela linguagem dos

sujeitos e materializados no discurso

As informaccedilotildees do senso comum permitem compreender como o mundo

intersubjetivo construiacutedo em um ambiente de partilha e comunicaccedilatildeo adquire significado

para os indiviacuteduos permitindo explicaacute-lo quanto ao seu funcionamento e as suas desordens

internas e dar-lhe objetividade sempre provisoacuteria devido agrave relaccedilatildeo dialeacutetica que haacute entre

eles e o mundo social (BERGER LUCKMANN 2009) Para os autores a linguagem enquanto

acervo de conhecimentos socialmente produzidos eacute um dos sistemas que deteacutem a

capacidade de transcender conectar diferentes facetas da vida cotidiana e as integrar em

uma totalidade dotada de sentido que forma o senso comum da realidade - uma imagem

aparentemente clara na leitura dos sujeitos mas que eacute essencialmente obscura quando se

procede a anaacutelise

Isso porque o objeto simboacutelico estaacute impregnado do binocircmio desejo e poder que se

desvenda e se decodifica paulatinamente com a construccedilatildeo do discurso (FOUCAULT 1999)

O poder aqui referido pelo autor eacute aquele que transpassa os sujeitos e que se efetiva nas

muacuteltiplas relaccedilotildees que se estabelece no mundo social distanciando-se por completo do

34

tipo instituiacutedo a partir da estrutura formal hieraacuterquica Os sujeitos satildeo ao mesmo tempo

receptores e transmissores ativos do poder ato que se concretiza pela constituiccedilatildeo

reformulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo de discursos na dinacircmica das interaccedilotildees sociais Entretanto se

articulado ao saber o poder torna-se mais astucioso pois se encobre com a maacutescara da

sutileza e se irradia no cotidiano da existecircncia humana sem ser facilmente revelado

(FOUCAULT 1982)

Desse modo Bourdieu (2009) reconhece que o capital cultural (poder simboacutelico) em

conjunto com o capital econocircmico (poder material) compreendem os dois princiacutepios de

diferenciaccedilatildeo que podem ser utilizados numa sociedade estratificada para conformar as

marcas de distinccedilatildeo dos grupos sociais estabelecidas intra e extra grupos Os grupos

definidos a partir da composiccedilatildeo do capital se distinguem quanto aos interesses e agraves

posiccedilotildees assumidas no espaccedilo social Diferenccedilas que se convertem em relaccedilotildees de forccedila

para impor as representaccedilotildees desse espaccedilo e para tomar posiccedilatildeo nas lutas cotidianas

dirigidas a transformaacute-lo ou a mantecirc-lo

Nesse sentido os sujeitos ora investigados indiviacuteduos portadores desse duplo

atributo poder-saber e que assumem a condiccedilatildeo de representaccedilatildeo de instituiccedilotildees de cunho

teacutecnico-poliacutetico provavelmente no exerciacutecio de suas falas devem fazer uso da base teacutecnico-

cientiacutefica como suporte para expressar os interesses poliacutetico-ideoloacutegicos que

posteriormente seratildeo identificados nos discursos

Ao se referir aos sujeitos Thompson (2000) faz duas relevantes consideraccedilotildees A

primeira delas eacute o reconhecimento do receptor ativo e portanto criacutetico A apropriaccedilatildeo das

mensagens recebidas eacute um processo de autoformaccedilatildeo e de autoentendimento que requer

um contiacutenuo esforccedilo do indiviacuteduo para entendecirc-las e dar-lhes sentido contestaacute-las e

compartilhaacute-las A segunda consideraccedilatildeo aponta para a historicidade dos sujeitos seres

humanos ativos que participam do mundo social inseridos em tradiccedilotildees histoacutericas cuja

natureza envolve em parte um elenco complexo de significados e valores que satildeo

transmitidos de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo

35

Nesse contexto a palavra oral ou escrita eacute uma das formas de manifestaccedilatildeo simboacutelica

que conduz agrave compreensatildeo dos acontecimentos No entanto eacute preciso suplantar a condiccedilatildeo

de opacidade e se iluminar com um dos gestos de significaccedilatildeo nela presente (ORLANDI

2010) Por isso a arte de interpretar a palavra sob a forma de discursos seraacute utilizada como

uma estrateacutegia metodoloacutegica complementar Conforme essa autora interpretar eacute o ato de

abstrair da fala dos sujeitos a economia impliacutecita do discurso os elementos ocultos natildeo

verbalizados envoltos por uma historicidade que traduzem a sua filiaccedilatildeo poliacutetico-

ideoloacutegica e lhes daacute o sentido e assim transforma o homem e o ambiente social

Trata-se entatildeo de se mergulhar no impliacutecito o acircmago do discurso a parte tatildeo secreta

inacessiacutevel em todas as suas dimensotildees o ldquojamais-ditordquo que carrega as marcas da

determinaccedilatildeo histoacuterica (FOUCAULT 2008) Algo que repercute tanto na autoria do sujeito

falante pois sua funccedilatildeo se converte em dar unidade sentido e coerecircncia ao objeto

discursivo quanto na interpretaccedilatildeo do objeto discursivo tornando-o um leque aberto de

interpretaccedilotildees

No marco teoacuterico de Thompson (2000) a hermenecircutica da vida cotidiana eacute o ponto de

partida O autor se reporta a esse momento preliminar como o da interpretaccedilatildeo da Doxa ou

seja das opiniotildees crenccedilas e compreensotildees que satildeo sustentadas e partilhadas pelas pessoas

no mundo social A partir desse substrato se exploram as dimensotildees subsequentes para

abarcar a totalidade dos aspectos que envolvem as FS Desse modo e considerando que as

FS estatildeo estruturadas e inseridas nas condiccedilotildees socio-histoacutericas o referencial compreende

trecircs dimensotildees analiticamente distintas de um processo interpretativo complexo

1ordf dimensatildeo - Anaacutelise socio-histoacuterica ndash reconstruccedilatildeo das condiccedilotildees socio-histoacutericas

da produccedilatildeo circulaccedilatildeo e recepccedilatildeo das FS Consiste de quatro elementos situaccedilotildees espaccedilo-

temporais (reconstruccedilatildeo dos ambientes de produccedilatildeo e recepccedilatildeo das FS) campos de

interaccedilatildeo (anaacutelise dos recursos regras convenccedilotildees e relaccedilotildees sociais) instituiccedilotildees sociais

(reconstruccedilatildeo dos conjuntos relativamente estaacuteveis de regras e recursos e de relaccedilotildees

36

sociais) e estrutura social (anaacutelise das assimetrias e diferenccedilas relativamente estaacuteveis que

caracterizam as instituiccedilotildees sociais e os campos de interaccedilatildeo)

2ordf dimensatildeo ndash Anaacutelise formal ou discursiva ndash constitui as bases para um tipo de

anaacutelise focada na organizaccedilatildeo interna das FS (caracteriacutesticas estruturais padrotildees e

relaccedilotildees) podendo ser utilizadas diferentes modalidades de anaacutelise Neste estudo em

especial seraacute utilizada a Anaacutelise de Discurso ndash AD

Para abarcar a triacuteade liacutengua-discurso-ideologia a AD busca dar concretude agrave fala

fazendo um transcurso reflexivo da descriccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo Compreende novos gestos de

leitura que culminam na desconstruccedilatildeo do enunciado mediante o cruzamento do histoacuterico

com o linguiacutestico que adentra a esfera da sua superficialidade aparente para resgatar a

materialidade do sentido que eacute o proacuteprio discurso (PECHEUX 2008)

Segundo Orlandi (2010) a AD faz uso de dois dispositivos em distintos momentos da

anaacutelise

a) Dispositivo teoacuterico de interpretaccedilatildeo aquele que faz a mediaccedilatildeo do

movimento entre a descriccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Isto significa explicitar os

processos de significaccedilatildeo presentes no texto e identificar os sentidos ldquonatildeo-

ditosrdquo compreendendo como eles se constituem

b) Dispositivo analiacutetico aquele construiacutedo pelo analista a partir da natureza

dos materiais analisados da questatildeo formulada da finalidade da anaacutelise e

das diferentes teorias que conformam os distintos campos disciplinares

(ORLANDI 2010)

3ordf dimensatildeo ndash Interpretaccedilatildeo (ou reinterpretaccedilatildeo) Analisa a construccedilatildeo criativa de

possiacuteveis significados do que eacute dito pela siacutentese das dimensotildees anteriores realccedilando o seu

caraacuteter ideoloacutegico que significa () explicitar a conexatildeo entre o sentido mobilizado pelas FS e

as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo que esse sentido manteacutem (THOMPSON 2000)

37

Pesquisa de campo

Trata-se de uma investigaccedilatildeo empiacuterica do tipo qualitativa apropriada para investigar

fenocircmenos sociais complexos do mundo contemporacircneo (MINAYO 2006) na qual foram

aplicadas duas teacutecnicas especiacuteficas anaacutelise documental e entrevistas com sujeitos ambas

relacionadas agraves instituiccedilotildees de interesse agrave pesquisa e envolvendo a temaacutetica de riscos de

alimentos regulaccedilatildeo controle de alimentos obesidade e ou DNCT Os documentos referem-

se aos materiais institucionais de domiacutenio puacuteblico sendo analisados sob a perspectiva de

contextualizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Como tais documentos representam uma das versotildees

construiacutedas sobre a realidade observada haacute limitaccedilotildees em utilizaacute-los para validar as

afirmaccedilotildees obtidas em entrevista (FLICK 2009)

Quanto agraves entrevistas buscou-se explorar as ideias e os significados que os sujeitos

atribuem ao objeto investigado Adianta-se que parte do grupo dos sujeitos tem uma

aproximaccedilatildeo intensa com esse objeto pois este coincide com a proacutepria atividade de

trabalho cotidiana Foram identificados sujeitos estrateacutegicos ou seja aqueles com poder

decisoacuterio e que participam diretamente e ou acompanham as discussotildees travadas no

acircmbito nacional e internacional sobre riscos dos alimentos regulaccedilatildeo e controle e ou a

prevalecircncia de obesidade e DCNT na populaccedilatildeo

Diante disto foram constituiacutedos dois grupos de anaacutelise Estudo dos documentos

oficiais em que constam as especificaccedilotildees e o processo de anaacutelise dos documentos

selecionados e Entrevistas com os sujeitos em que satildeo mencionadas as instituiccedilotildees puacuteblicas

e privadas e as entidades da sociedade civil organizada que fizeram parte da pesquisa

assim como o processo de coleta dos dados

Os procedimentos para o desenvolvimento desta pesquisa estatildeo de acordo com as

diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos previstos

na Resoluccedilatildeo nordm 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Sauacutede A pesquisa

de campo foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede ndash UNB

conforme Parecer no 1172012

38

Estudo dos documentos oficiais

Os documentos oficiais selecionados e de domiacutenio puacuteblico abrangem as seguintes

modalidades portarias ministeriais relatoacuterios teacutecnicos termos de compromisso atas

acordos e projetos de leis Tais documentos exceto os projetos de leis se referem aos anos

2007 e 2014 e tratam sobre alguns desses temas alimentos obesidade DCNT risco e ou

regulaccedilatildeo Esses documentos foram analisados considerando os propoacutesitos da poliacutetica

puacuteblica de sauacutede e nutriccedilatildeo e o quadro epidemioloacutegico-nutricional vigente

Aleacutem disso levantou-se na paacutegina eletrocircnica oficial da Cacircmara dos Deputados do

Congresso Nacional todos os projetos de lei disponiacuteveis e referentes aos temas

supracitados equivalentes ao periacuteodo de 01012000 a 31122013 O levantamento das

publicaccedilotildees institucionais teve como ponto de corte o ano 2000 em virtude de este ser o

ano do anuacutencio oficial da pandemia de obesidade pelos organismos internacionais Para se

efetuar a busca dos projetos de lei nesse site foram utilizadas as seguintes palavras-chaves

regulaccedilatildeo amp alimentos controle amp alimentos publicidade amp alimentos e obesidade Essa

coleta coincidiu com o periacuteodo de realizaccedilatildeo das entrevistas

Os documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede da Agecircncia Nacional de

Vigilacircncia Sanitaacuteria e da Cacircmara dos Deputados utilizados estatildeo em parte descritos no

Capiacutetulo IV ou referenciados na bibliografia deste trabalho

Entrevistas com os sujeitos

O grupo de entrevistados foi composto por 13 (treze) sujeitos representantes de 12

instituiccedilotildees Conforme o tipo de instituiccedilatildeo vinculada os sujeitos distribuem-se em quatro

categorias

39

- instituiccedilotildees do poder puacuteblico incluem cinco instituiccedilotildees com competecircncia para

aprovar e ou auxiliar na construccedilatildeo dos instrumentos legais (leis decretos ou

regulamentos) e teacutecnicos (programas de monitoramento de alimentos

orientaccedilotildees teacutecnicas sobre os alimentos etc ) relacionados ao controle de riscos

dos alimentos - Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria ndash AnvisaMS

Coordenadoria-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-CGANMS Ministeacuterio da

Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento-MAPA Cacircmara dos Deputados do

Congresso Nacional e o Conselho Federal de Nutricionistas- CFN

- Instituiccedilotildees privadas do mercado Satildeo trecircs instituiccedilotildees de caraacuteter nacional que

representam as induacutestrias de produtos alimentiacutecios e que regularmente

participam do processo de regulamentaccedilatildeo dos alimentos no acircmbito nacional

coordenado pela AnvisaMS e ou pelo MAPA Satildeo elas Associaccedilatildeo Brasileira de

Induacutestrias de Alimentos ndash ABIA Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de

Alimentos Dieteacuteticos ndash ABIAD e Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Massas

Alimentiacutecias e Patildeo amp Bolo Industrializados - ABIMA

- Instituiccedilotildees da sociedade civil Satildeo trecircs instituiccedilotildees que participam do controle

social das accedilotildees de sauacutede e de alimentaccedilatildeo - Conselho Nacional de Sauacutede- CNS

Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional - ConseaPresidecircncia

da Repuacuteblica e Instituto de Defesa do Consumidor ndash Idec

- Organismo internacional Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede - OPAS que

atua estimulando os paiacuteses-membros a aprimorarem suas accedilotildees de sauacutede

seguindo as orientaccedilotildees da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede -OMS inclusive em

relaccedilatildeo ao controle de alimentos e do excesso de peso

A uacutenica instituiccedilatildeo do poder puacuteblico em que dois sujeitos foram selecionados para as

entrevistas refere-se agrave Cacircmara de Deputados Dois parlamentares foram entrevistados em

40

funccedilatildeo do trabalho desenvolvido com as temaacuteticas de ldquoseguranccedila alimentar e nutricionalrdquo e

ldquopublicidade de alimentosrdquo

Para a realizaccedilatildeo das entrevistas na maioria das instituiccedilotildees foi necessaacuterio o contato

com um ldquoguardiatildeordquo (gatekeeper) que eacute um profissional com relacionamento anteriormente

firmado ou estabelecido com a pesquisadora ou indicado por uma pessoa dela conhecida

com a finalidade de facilitar o acesso agrave instituiccedilatildeo (CRESWELL 2010) Este ldquoguardiatildeordquo foi

fundamental para auxiliar a aproximaccedilatildeo dos entrevistados com a pesquisadora uma vez

que estes satildeo pessoas ocupantes de cargos em posiccedilatildeo hieraacuterquica estrateacutegica com uma

demanda complexa e tempo disponiacutevel reduzido

Foi realizado contato preacutevio com os sujeitos para prestar informaccedilotildees sobre o estudo

e verificar a sua aceitaccedilatildeo Inicialmente estavam previstas mais duas entrevistas a serem

realizadas com a Associaccedilatildeo Brasileira para o Estudo da Obesidade e Siacutendrome Metaboacutelica ndash

ABESO e Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura ndash FAO - a

primeira entidade ligada ao grupo da sociedade civil organizada e a segunda na qualidade

de organismo internacional Poreacutem devido a falta de confirmaccedilatildeo do agendamento da

entrevista ou da disponibilidade de horaacuterios natildeo coincidentes com os de outras entrevistas

as situaccedilotildees foram tratadas respectivamente como uma negaccedilatildeo impliacutecita e

impossibilidade Nos casos de concordacircncia foi encaminhado por mensagem eletrocircnica

documento institucional informando sobre o propoacutesito da pesquisa e a relevacircncia dos

dados a serem fornecidos pelos sujeitos representantes das instituiccedilotildees Em seguida

prosseguiu-se com o agendamento de acordo com a disponibilidade dos entrevistados

Paralelamente foi-lhes enviada uma carta-convite constando informaccedilotildees sobre a pesquisa

e os preceitos baacutesicos relativos agrave eacutetica em pesquisa Para a efetivaccedilatildeo do total de treze

entrevistas foi necessaacuterio o envio de mais de uma centena de mensagens eletrocircnicas e

inuacutemeros contatos telefocircnicos

O local de realizaccedilatildeo da entrevista dependeu da indicaccedilatildeo do entrevistado e em quase

a totalidade foi efetuada no seu proacuteprio ambiente de trabalho Antes de iniciar as

entrevistas o entrevistado foi informado sobre o objetivo do estudo a gravaccedilatildeo o sigilo das

41

informaccedilotildees o uso dos dados para fins acadecircmicos o anonimato dos entrevistados e em

seguida foram feitos os procedimentos de leitura e assinatura do Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido conforme determinado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade de

Brasiacutelia

A entrevista foi interpessoal um a um mediante o uso de um roteiro semiestruturado

e de um gravador de voz digital e teve duraccedilatildeo de aproximadamente uma hora O roteiro da

entrevista constituiu-se em um modelo uacutenico de forma a permitir confrontar os discursos

dos entrevistados sobre os diferentes aspectos do tema investigado As questotildees abertas

foram elaboradas tomando-se como referecircncia os objetivos e as perguntas de investigaccedilatildeo

para reduzir as possibilidades de desvio do foco da pesquisa (Quadro 1) Esse tipo de

questatildeo permite que os sujeitos abordem com certa liberdade o que consideram mais

importante sobre o tema

42

QUADRO 1 Quadro comparativo entre as questotildees objetivos e perguntas das entrevistas

Questotildees Objetivos Perguntas da Entrevista Quais satildeo os riscos dos alimentos reconhecidos por estes sujeitos que podem levar a sociedade a desenvolver doenccedilas crocircnicas

Geral Analisar a compreensatildeo dos diferentes sujeitos envolvidos na agenda de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo sobre os riscos emergentes dos alimentos e accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo envolvida com fins de contribuir para o seu aprimoramento

1Em sua opiniatildeo qual eacute a relaccedilatildeo entre os alimentos e a sauacutede 2Como o consumo de alimentos industrializados tem atuado na vida moderna 3Na atualidade quais satildeo os problemas de sauacutede associados aos alimentos que o (a) Sr (a) conhece Como podem ser evitados 4Quais as medidas necessaacuterias que o governo pode adotar para evitar doenccedilas relacionadas aos alimentos E o excesso de peso da populaccedilatildeo 5Como a vigilacircncia sanitaacuteria pode atuar sobre os alimentos industrializados em prol da sauacutede da populaccedilatildeo

Especiacuteficos Identificar os significados atribuiacutedos para os riscos emergentes dos alimentos e a sua relaccedilatildeo com a expansatildeo do mercado global de produtos alimentiacutecios

Como eacute aceita a regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos para conter o avanccedilo da obesidade e outras DCNT

Caracterizar a construccedilatildeo dos sentidos sobre a conduta e as medidas regulatoacuterias adotadas pelo poder puacuteblico para interferir nos produtos alimentiacutecios em funccedilatildeo da evoluccedilatildeo da obesidade e de outras DCNT Caracterizar nos discursos manifestos os interesses que permeiam a temaacutetica da accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios como estrateacutegia de intervir nos riscos dos alimentos

6Como avalia a estrateacutegia de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos industrializados pela vigilacircncia sanitaacuteria

Quais satildeo as estrateacutegias poliacuteticos-institucionais em andamento e os conflitos enfrentados pelos diferentes sujeitos para conter os riscos emergentes dos alimentos

Haacute um compromisso compartilhado por parte dos sujeitos para tornar o controle dos componentes nutricionais dos alimentos uma praacutetica institucional

Delimitar a partir dos enunciados extraiacutedos dos discursos as responsabilidades que cada um dos sujeitos atribui a si e aos demais o que se refere agrave prevenccedilatildeo e ao controle dos riscos emergentes dos alimentos

7Quais seriam as responsabilidades do governo e dos demais setores envolvidos no processo de regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos com fins de controlar o excesso de peso E a do seu setor

43

O protocolo de entrevista foi composto por trecircs partes a primeira contendo os

dados de identificaccedilatildeo do entrevistado (nome do entrevistado local data e-mail) a

segunda parte contendo as questotildees introdutoacuterias de aproximaccedilatildeo do pesquisador com o

entrevistado e a terceira contendo as questotildees do roteiro com um espaccedilo para registro

das informaccedilotildees (Anexo 1) Antes do iniacutecio do trabalho de campo foi realizado um preacute-

teste com trecircs sujeitos das instituiccedilotildees envolvidas para ajustar o roteiro o que resultou no

aprimoramento das questotildees elaboradas redefiniccedilatildeo da sequecircncia de perguntas entre

outros aspectos

As entrevistas foram fontes essenciais de informaccedilatildeo para este estudo sendo

efetuadas no periacuteodo de 26022013 a 06062013 nas cidades de Satildeo Paulo e de Brasiacutelia

A transcriccedilatildeo integral da gravaccedilatildeo foi efetuada pela proacutepria pesquisadora agrave medida

que as entrevistas foram realizadas As gravaccedilotildees foram digitalizadas em formato MP3 e

em seguida foi feita a conferecircncia pela proacutepria pesquisadora O sujeito entrevistado foi

identificado na transcriccedilatildeo pelo seu primeiro e uacuteltimo nomes e a sigla da instituiccedilatildeo sendo

anonimizado no texto final sendo referenciado por coacutedigo

Os coacutedigos foram constituiacutedos por letra e nuacutemero Os entrevistados do mercado do

poder puacuteblico e da sociedade civil tiveram o seu coacutedigo iniciado respectivamente pela letra

ldquoMrdquo ldquoPrdquo e ldquoSrdquo seguido de um nuacutemero especiacutefico para cada entrevistado do grupo em

questatildeo em ordem sequencial coincidente agrave da realizaccedilatildeo da entrevista

Foi instituiacutedo um Diaacuterio de Pesquisa para registro de todas as informaccedilotildees

comentaacuterios ideias e percepccedilotildees sobre o estudo em curso bem como as atividades

realizadas no cotidiano da pesquisa que foram utilizadas na elaboraccedilatildeo da redaccedilatildeo final

44

Plano de anaacutelise dos dados

O plano de anaacutelise das entrevistas foi desenvolvido por meio de uma adaptaccedilatildeo das

propostas estruturadas por Orlandi (2010) e Minayo (2006) e foi composto por trecircs

momentos distintos

a) Configuraccedilatildeo do corpus A partir de uma leitura exaustiva do material coletado (as

entrevistas transcritas) foram feitos recortes do texto e seu agrupamento em quatro temas

geneacutericos considerando os objetivos da tese e o roteiro da entrevista a saber inter-relaccedilatildeo

alimento e sauacutede na vida atual acordo e regulaccedilatildeo atuaccedilatildeo multisetorial do governo e

compromissos dos sujeitos com o tema Em seguida os trechos relevantes das transcriccedilotildees

foram organizados segundo os quatro temas geneacutericos e a depender dos espaccedilos

institucionais em que se inscrevem poder puacuteblico mercado sociedade civil organizada e

organismo internacional A partir da anaacutelise especiacutefica de cada tema construiu-se o

discurso-objeto

b) Discurso-objeto Ao se postular que os objetos de discurso satildeo construiacutedos

negociados e enriquecidos progressivamente pela proacutepria atividade discursiva esse

material foi estruturado enquanto discurso-objeto e suporte de anaacutelise a partir de

enunciados matriz considerados transversais ao conjunto das transcriccedilotildees Esses

enunciados matriz foram extraiacutedos a partir das recorrecircncias de ideias identificadas nos

textos transcritos observando as caracteriacutesticas em termos de similaridades ou

divergecircncias conflitos e contradiccedilotildees nos argumentos utilizados para construir as

significaccedilotildees

c) Discurso Por meio do uso do referencial teoacuterico a elaboraccedilatildeo desses enunciados

matriz extraiacutedos constituiu a base para a reconstruccedilatildeo analiacutetica dos discursos e a

explicitaccedilatildeo dos interesses poliacutetico-ideoloacutegicos dos sujeitos quanto agraves questotildees centrais

deste estudo riscos dos alimentos e regulaccedilatildeo

45

Concluiacutedos os discursos momento de siacutentese entre os dados empiacutericos e a teoria

estes foram integrados a uma anaacutelise socio-histoacuterica para encerrar o modelo teoacuterico

proposto por Thompson (2000) e esclarecer o objeto em anaacutelise em sua complexidade ou

seja realizar a sua reinterpretaccedilatildeo

Para representar de forma sinteacutetica a multiplicidade de discursos em torno do campo

semacircntico em questatildeo utilizou-se o modelo do Quadrado semioacutetico proposto por Greimas

(1970) e apresentado por Barros (2005) o qual consiste de uma representaccedilatildeo visual da

articulaccedilatildeo loacutegica das estruturas elementares extraiacutedas dos textos e que fundamentam o

percurso gerativo do discurso Quadrado semioacutetico constroacutei-se a partir da relaccedilatildeo entre

dois termos marcados pela oposiccedilatildeo ou diferenccedila e dos seus contraditoacuterios Estes quatro

termos situados em quatro posiccedilotildees distintas formam relaccedilotildees entre si de contrariedade

(eixo horizontal) complementariedade (eixo vertical) e de contradiccedilatildeo (cruzamentos)

(BARROS 2005)

46

2 ALIMENTOS E RISCOS Agrave SAUacuteDE

21 O comensal contemporacircneo da alimentaccedilatildeo ao produto alimentiacutecio

A alimentaccedilatildeo para os indiviacuteduos extrapola um simples ato de instinto de

sobrevivecircncia Ela condensa um jogo complexo de significaccedilotildees simboacutelicas e materiais

proacuteprias da natureza humana que articula simultaneamente trecircs condiccedilotildees responde agrave

necessidade bioloacutegica expressa comportamento cultural e representa interaccedilatildeo em

ambiente social Trata-se de um fenocircmeno que em si conjuga a reproduccedilatildeo bioloacutegica agrave

social dos grupos humanos realizando-se envolto por um repertoacuterio de representaccedilotildees

crenccedilas e haacutebitos que conforma o universo cultural (CONTRERAS GRACIA 2011)

Nesse contexto a alimentaccedilatildeo humana eacute o encontro da natureza e da cultura (MACIEL

2005) O ritual das escolhas haacutebitos e praacuteticas alimentares deriva de um saber construiacutedo

coletivamente acumulado e transmitido de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo poreacutem natildeo completamente

inerte aos efeitos oriundos da dinacircmica social Essa particularidade cultural assumida pela

alimentaccedilatildeo que natildeo se desprende das origens e que se reproduz no transcurso da vida

social a converte em uma categoria histoacuterica (SANTOS 2005)

Assim atrelada ao indiviacuteduo ou aos grupos a tradiccedilatildeo alimentar se manteacutem para aleacutem

dos espaccedilos ou das transformaccedilotildees sociais ou seja perpassa a distacircncia fiacutesica ou temporal

relativa ao ambiente tiacutepico de sua circulaccedilatildeo natildeo obstante seja adaptaacutevel agraves novas formas

sabores e praacuteticas alimentares Esse mosaico cultural persistente constitui uma referecircncia

de alto valor simboacutelico que remete agrave origem e agrave memoacuteria gustativa e passa a compor a

identidade (PONS 2005)

Quanto agrave relaccedilatildeo identitaacuteria do alimento Pons (2005) afirma que ela comporta uma

dupla dimensatildeo biocultural tanto ldquo() como complexo gustativo compartilhado por um

grupo como um universo simboacutelico interiorizado que informa agravequeles que o compartilham os

47

limites entre a cultura e a natureza entre o que eacute proacuteprio e o que eacute distanterdquo Jaacute Fischler

(1988) ao tratar da identidade individual enfatiza o mecanismo de incorporaccedilatildeo que se

estabelece na relaccedilatildeo entre indiviacuteduo e o alimento o qual se realiza em duas esferas de

forma concomitante e sincronizada na esfera bioloacutegica quando o indiviacuteduo absorve o

alimento (nutrientes) e na esfera cultural quando ele eacute absorvido pelo alimento ou seja

incorporado de valores crenccedilas e representaccedilotildees de uma circulaccedilatildeo histoacuterica e simboacutelica

A tradiccedilatildeo alimentar natildeo eacute algo inato do indiviacuteduo a inculcaccedilatildeo se inicia ainda na

infacircncia a partir das experiecircncias obtidas com as sensaccedilotildees taacuteteis gustativas e olfativas

sobre o alimento consumido (CANESQUI GARCIA 2005) No entanto na era

contemporacircnea vaacuterios autores apontam que essa tradiccedilatildeo estaacute sendo abalada pelas

pressotildees comerciais e pelo ritmo da vida cotidiana (HAWKES 2002 CONTRERAS GRACIA

2011)

Sob uma perspectiva totalizadora a alimentaccedilatildeo eacute uma manifestaccedilatildeo bioloacutegica e

sociocultural O elemento bioloacutegico se circunscreve agrave nutriccedilatildeo ou seja aos requerimentos

nutricionais para o funcionamento ideal do organismo humano enquanto o elemento

sociocultural se evidencia nas escolhas alimentares as quais natildeo se sujeitam

exclusivamente pelas motivaccedilotildees econocircmicas apesar de serem fortemente determinadas

por elas (CONTRERAS GRACIA 2011) mas tambeacutem pela capacidade de representarem

significados sociais (CANESQUI GARCIA 2005) Isso eacute que possibilita a coexistecircncia de

distintos comportamentos alimentares nas diferentes sociedades

Merece ser ressaltado que a consolidaccedilatildeo desses comportamentos se processa em

circunstacircncias de tensotildees conflitos e pactos repercutindo da seguinte forma marcam as

semelhanccedilas e as diferenccedilas eacutetnicas e sociais classificam e hierarquizam as pessoas e os

grupos expressam concepccedilotildees de mundo e incorporam um grande poder de evocaccedilatildeo

simboacutelica (CONTRERAS GRACIA 2011)

A alimentaccedilatildeo assume um importante papel de marcador social que eacute facilmente

identificaacutevel Isso se revela pelo tipo quantidade esteacutetica forma de disposiccedilatildeo dos itens

48

alimentares e a maneira de consumi-los Esses aspectos constituem os traccedilos de distinccedilatildeo

entre os indiviacuteduos e os grupos Quando haacute remodelaccedilatildeo do estilo alimentar isto pode

significar uma estrateacutegia de aproximaccedilatildeo a niacuteveis superiores da escala social ou mesmo a

proacutepria ascensatildeo social como forma de se tornar idecircntico aos ldquooutrosrdquo do grupo

Ainda no alvorecer do seacuteculo XXI sob o ritmo acelerado da globalizaccedilatildeo a dicotomia

no campo do consumo alimentar das populaccedilotildees continua acirrada (FAO 2013) revelando

uma polarizaccedilatildeo entre aquelas que convivem com a abundacircncia e a diversidade alimentar e

outras que carecem de alimentos - em termos quantitativos e qualitativos - para o

atendimento de suas necessidades primaacuterias Poreacutem a maacute nutriccedilatildeo se instala nesses dois

polos expressando efeitos moacuterbidos opostos em virtude da maacute alimentaccedilatildeo ou da carecircncia

alimentar

No decorrer dos anos adicionam-se aos tradicionais problemas da falta de

distribuiccedilatildeo equacircnime dos alimentos os problemas relativos agrave qualidade em virtude dos

diferentes tipos de riscos agrave sauacutede que lhes satildeo imputados como as doenccedilas transmitidas

pelos alimentos e a obesidade e demais doenccedilas crocircnicas a ela correlacionadas Segundo

Contreras (2005) tal fato motivou uma redefiniccedilatildeo do conceito de seguranccedila alimentar

para se contrapor aos ditames alimentares que regem a loacutegica social dominante Agora este

passa a ser sustentado sob trecircs pilares acesso aos alimentos como um direito humano

garantia dos alimentos em termos quali-quantitativos e praacuteticas alimentares coerentes com

as tradiccedilotildees culturais e ambientalmente sustentaacuteveis (MALUF 2007)

Atento a esse conceito merece aqui se destacar alguns fatos sociais que se apresentam

como ameaccediladores do patrimocircnio imaterial que condensa as crenccedilas a culinaacuteria e os

haacutebitos de consumo constituiacutedo pela pluriculturalidade alimentar Como consequecircncia as

tradiccedilotildees culturais alimentares podem desestabilizar-se e inclusive extinguir-se no

decurso do tempo

Nos uacuteltimos anos vaacuterios artigos relatam as tendecircncias nos paiacuteses industrializados

dirigidas agrave homogeneizaccedilatildeo do consumo alimentar (CONTRERAS GRACIA 2011 GARCIA

49

2003) mudanccedilas draacutesticas do padratildeo de consumo e dos haacutebitos alimentares no mundo em

desenvolvimento (UUSITALLO PIETINEN PEKKA 2002) e aumento da incidecircncia mundial

de doenccedilas relacionadas agrave dieta (CHOPRA 2002 WHO 2003b) trazendo agrave tona uma nova

problemaacutetica no campo alimentar Isso surge em um cenaacuterio onde haacute uma urbanizaccedilatildeo

acelerada modernizaccedilatildeo tecnoloacutegica maior participaccedilatildeo da mulher no mercado de

trabalho concomitante ao aumento da concentraccedilatildeo e do poder das grandes corporaccedilotildees

que barateiam seus produtos e os integram ao mercado internacional Esse conjunto

articulado estaacute produzindo impactos na sauacutede global desta e das futuras geraccedilotildees

(UUSITALLO PIETINEN PEKKA 2002)

Conforme exposto eacute no centro dessas mudanccedilas soacutecio-poliacuteticas e econocircmicas que a

pluriculturalidade alimentar estaacute perdendo a sua solidez Bourdieu (2001) afirma que os

bens culturais na sociedade contemporacircnea neoliberal se encontram em perigo pela forccedila

motriz do mercado e a cultura alimentar se enquadra perfeitamente em sua anaacutelise O

referido autor ressalta que primeiro se deve desfazer da ilusatildeo de que as inovaccedilotildees

tecnoloacutegicas e os empreendimentos econocircmicos aumentam a quantidade e a qualidade dos

bens culturais oferecidos e a satisfaccedilatildeo do consumidor como advogam os defensores do

capital pois o que circula de fato eacute uma mercadoria com fins lucrativos e indiferente aos

laccedilos com a histoacuteria ou com a identidade de um grupo Segundo tambeacutem eacute necessaacuterio

romper com o mito de que a diferenciaccedilatildeo e a diversificaccedilatildeo extraordinaacuteria dos produtos se

opotildeem agrave uniformizaccedilatildeo da oferta tanto em escala nacional como internacional pois a

concorrecircncia natildeo diversifica - e sim homogeniza - em busca de produtos aceitaacuteveis para o

ldquopuacuteblico maacuteximordquo de todos os paiacuteses Para concluir o autor argumenta que eacute necessaacuterio

reforccedilar que a loacutegica do lucro sobretudo a do curto prazo eacute a estrita negaccedilatildeo da cultura

Diante da perspectiva da homogeneizaccedilatildeo cultural desencadeada pela globalizaccedilatildeo

impor obstaacuteculos contra a dissoluccedilatildeo da pluriculturidade alimentar entendida como o

entrecruzamento de praacuteticas simboacutelicas e culturais introjetadas pelos indiviacuteduos na esfera

da alimentaccedilatildeo pode repercutir positivamente tanto no campo gastronocircmico como nos

benefiacutecios agrave sauacutede Isso porque a existecircncia de uma variedade das preparaccedilotildees alimentiacutecias

50

compostas por alimentos saudaacuteveis permite alcanccedilar um equiliacutebrio nutricional na dieta e

promover a sauacutede

Indubitavelmente eacute a expansatildeo transnacional das corporaccedilotildees de alimentos com suas

muacuteltiplas estrateacutegias de sustentaccedilatildeo que leva agrave destruiccedilatildeo da base alimentar agrave perda da

biodiversidade e agrave inseguranccedila dos alimentos concorrendo assim para a destruiccedilatildeo da

cultura alimentar local (PHILLIPS 2006) Os elos firmados entre induacutestria-campo sob o

domiacutenio da primeira atrelando a garantia da compra do produto ao cumprimento restrito

das imposiccedilotildees teacutecnicas de produccedilatildeo tem desmantelado a produccedilatildeo agriacutecola de pequeno

porte fazendo-a perder a diversidade e a autonomia de cultivar os alimentos tradicionais

Isto porque o oligopoacutelio que governa o sistema alimentar mundial segundo Stuckler amp

Nestle (2012) dita o que se come e como se come

Desse modo o advento da pandemia da obesidade eacute um dos sinais das contradiccedilotildees

dessa conformaccedilatildeo empresarial global A evidente associaccedilatildeo entre dietas densamente

energeacuteticas com a obesidade e outras comorbidades possibilita identificar os estilos de

dietas ocidentalizadas como fatores de risco para este agravo (CHOPRA 2002 WHO

2003b) A partir daiacute surge a preocupaccedilatildeo com as bebidas carbonatadas e as comidas

raacutepidas que satildeo os motores das corporaccedilotildees globais americanas Tais produtos estatildeo se

tornando mais prevalentes na dieta global em grande parte devido agrave penetraccedilatildeo intensiva

das multinacionais nos paiacuteses inclusive dentro dos mercados emergentes dos grandes

centros urbanos dos paiacuteses de meacutedia e baixa renda (HAWKES 2002)

Em decorrecircncia da urbanizaccedilatildeo Gracia (2005) afirma que o cotidiano alimentar do

comensal contemporacircneo sofreu alteraccedilotildees substanciais as refeiccedilotildees passaram a ser

estruturadas pelo tempo socializadas apenas em condiccedilotildees de lazer substituiacutedas por

snacks em situaccedilotildees de intensa atividade laboral e quando realizadas no ambiente

domeacutestico satildeo compostas por produtos industrializados Forccedilados agrave racionalizar o tempo e

agrave lidar com as circunstacircncias desgastantes do trabalho (distacircncias horaacuterios transportes) a

realizaccedilatildeo de refeiccedilotildees extradomiciliares em restaurantes cafeacutes e bares inclusive com o

consumo de fast-foods constitui uma regra para muitos indiviacuteduos

51

Os produtos ultraprocessados destacam-se no universo dos gecircneros alimentiacutecios

industrializados natildeo saudaacuteveis Satildeo produtos derivados de ingredientes industrializados

constituiacutedos de oacuteleos gorduras amidos e accediluacutecares aleacutem de uma associaccedilatildeo de aditivos para

tornaacute-los palataacuteveis (MONTEIRO 2009 MONTEIRO et al 2013) Assim forma-se uma

mistura que mimetiza o sabor e o olor do alimento permitindo ao consumidor reconhececirc-la

como um produto comestiacutevel Produtos dessa natureza com composiccedilatildeo nutricional

desbalanceada rica em calorias e pobre em nutrientes estrateacutegicos e altamente

estimulantes do consumo satildeo os que acarretam efeitos negativos agrave sauacutede Na visatildeo de

Monteiro amp Cannon (2012) esses produtos satildeo tatildeo prejudiciais agrave sauacutede como o satildeo o

cigarro e o aacutelcool a despeito de suas particularidades

Com o surgimento do fast-food se ofertam comidas de consumo raacutepido em

embalagens praacuteticas e em geral desbalanceadas em termos nutricionais poreacutem

condizentes com o ritmo e o tempo restritos que satildeo impostos agraves refeiccedilotildees Eacute o tipo de

alimento preferido pelos adolescentes distribuiacutedo por grandes redes comerciais inclusive

transnacionais que se utilizam de estrateacutegias de marketing agressivas - associando o seu

consumo a uma imagem de elevaccedilatildeo do status social e de um estilo de vida moderno - para

criar demandas e consolidar mudanccedilas de haacutebitos alimentares (HAWKES 2002)

Garcia (2003) denomina esse contexto de ldquocomensalidade contemporacircneardquo

especialmente pela avaliaccedilatildeo de escassez de tempo para o preparo e consumo de alimentos

e a oferta abundante e diversificada de itens alimentares de preparaccedilatildeo raacutepida praacutetica Isso

eacute o que estaacute moldando os comportamentos alimentares dos paiacuteses industrializados

(CONTRERAS 2005) e dos emergentes (HAWKES 2002) de forma bastante acelerada

graccedilas agraves reforccediladas estrateacutegias de publicidade e marketing das empresas de alimentos que

ofuscam as referecircncias culturais

Para que o consumidor estabeleccedila laccedilos de pertencimento com o alimento

industrializado haacute que se preencher o ldquovaziordquo inerente ao produto artificializado e fazecirc-lo

se aproximar dos elementos comestiacuteveis da natureza Poreacutem cada vez mais a tecnologia

torna este produto menos identificaacutevel pelos oacutergatildeos dos sentidos devido agraves caracteriacutesticas

52

organoleacutepticas modificadas ao invoacutelucro que o conteacutem ficando reduzido agrave aparecircncia e agrave

representaccedilatildeo apesar do empenho das induacutestrias em mascaraacute-lo para que se aproxime do

alimento natural Para FISCHLER (1998) a falta de conhecimento do consumidor moderno

sobre o modo de produccedilatildeo a origem e a histoacuteria do alimento cria uma situaccedilatildeo de

desconforto dominada pela incerteza desconfianccedila e ansiedade

No entanto as criacuteticas atribuiacutedas ao produto alimentiacutecio industrializado extrapolam

as suas interferecircncias nas praacuteticas e nas representaccedilotildees alimentares tradicionais Sabe-se

que a introduccedilatildeo de produtos alimentiacutecios na rotina alimentar dos indiviacuteduos natildeo eacute

resultado de escolhas estritamente racionais mas influenciadas pelo contexto social

dinacircmico da vida cotidiana que condiciona essas escolhas (DELORMIER FROHLICH

POTVIN 2009) O cerne do problema eacute que haacute um conjunto especial de produto alimentiacutecio

amplamente ofertado e muito consumido pela populaccedilatildeo mundial completamente

artificializado intensamente divulgado envolvido em uma seacuterie de malefiacutecios agrave sauacutede de

custo muito reduzido composiccedilatildeo nutricional desbalanceada com tracircnsito comercial

desprovido de barreiras regulamentares e de alta rentabilidade para as empresas

transnacionais Produtos estes de alto risco para a sauacutede global frente ao seu

envolvimento com a pandemia da obesidade e DCNT associadas (WHO 2002a) Satildeo os

chamados produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis (WHO 2003b) designaccedilatildeo esta que seraacute

utilizada ao longo deste trabalho cujos atributos seratildeo explorados nos capiacutetulos

posteriores

A alimentaccedilatildeo eacute capaz de produzir muacuteltiplos efeitos na vida dos indiviacuteduos e da

coletividade aproximando-os ou distanciando-os dos traccedilos culturais do perfil de sauacutede e

do equiliacutebrio psicossocial A globalizaccedilatildeo do mercado de alimentos libera as barreiras para

permitir o livre tracircnsito de seus produtos e desrespeita a diversidade da cultura alimentar

dos grupos populacionais Ela eacute ainda capaz de eliminar qualquer obstaacuteculo que contrarie o

seu propoacutesito de ldquomassificaccedilatildeo do consumordquo de racionalizaccedilatildeo do processo produtivo e de

dissimulaccedilatildeo das diferenccedilas sociais Enfim ela age removendo qualquer entrave agrave loacutegica

desse modelo econocircmico para incrementar seus lucros

53

Assim o caminho eacute revitalizar os estilos alimentares locais inclusive em espaccedilos de

consumo estrateacutegicos (restaurantes comunitaacuterios cantinas escolares creches entre

outros) como forma de resgatar o valor simboacutelico da alimentaccedilatildeo e diminuir a

possibilidade de dispersatildeo de histoacuterias e culturas assim como o risco de doenccedilas em

decorrecircncia de uma praacutetica de mercado predadora Qualquer incentivo a mudanccedilas que

permitam o retorno a uma dieta equilibrada mesclada com alimentos naturais saudaacuteveis e

culturalmente aceitaacuteveis realizada em ambiente de compartilhamento eacute vaacutelido para

reconquistar esse valor cultural-alimentar associado agrave sauacutede e portanto agrave melhoria da

qualidade de vida

22 O panorama diversificado dos riscos dos alimentos

A dinacircmica social que impulsiona as transformaccedilotildees no sistema de produccedilatildeo e

comercializaccedilatildeo de alimentos causa inuacutemeras repercussotildees a despeito de aumentar a

disponibilidade de alimentos (WHO 2000) Entre essas repercussotildees estatildeo a manutenccedilatildeo

de elevadas taxas de pobreza em certas regiotildees do planeta (FAO 2013a) modificaccedilatildeo no

estilo de vida e no cotidiano das praacuteticas alimentares das populaccedilotildees e intensificaccedilatildeo e

diversificaccedilatildeo dos riscos dos alimentos (WHO 2003b) Fatos esses que desestabilizam a

condiccedilatildeo de sauacutede individual ou coletiva ao longo das deacutecadas Os efeitos adversos

decorrem das caracteriacutesticas dos alimentos e ou da intensidade do seu consumo aferidos

em termos de quantidade de qualidade e da conjunccedilatildeo de ambos Com base nesses

paracircmetros eacute possiacutevel caracterizar sinteticamente trecircs grandes grupos de riscos que

afetam a sauacutede da coletividade fomedesnutriccedilatildeo doenccedilas transmitidas por alimentos e

obesidadedoenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis ndash DCNT

No que tange ao risco da fomedesnutriccedilatildeo constata-se que eacute um fenocircmeno social que

acompanha a histoacuteria da humanidade praticamente circunscrito aos grupos socialmente

excluiacutedos pelo modelo econocircmico e que habitam nas diferentes regiotildees do mundo Esse

problema natildeo reside na incapacidade da produccedilatildeo mundial de alimentos de abastecer a

54

populaccedilatildeo planetaacuteria (FAO 2011a) mas no proacuteprio sistema global de produccedilatildeo e de

distribuiccedilatildeo de alimentos que natildeo estaacute comprometido para satisfazer as necessidades

nutricionais baacutesicas de todos

Segundo as estimativas da FAO cerca de 925 milhotildees de pessoas do planeta vivem em

situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar concentrando-se na Aacutefrica subsaariana Aacutesia e Paciacutefico

regiotildees profundamente afetadas pela crise econocircmica e pela crise dos alimentos do biecircnio

20072008 (FAO 2010) A escassez de alimentos decorrente dessa crise manteve os

estoques insuficientes para atender agrave demanda de alimentos de toda populaccedilatildeo cujo

reflexo foi a permanecircncia praticamente estaacutevel do contingente de subnutridos na Aacutesia

Poreacutem na Aacutefrica houve o aumentou face a sua condiccedilatildeo de dependecircncia das importaccedilotildees

indisponibilidade de estoque de alimentos suficientes e de recursos orccedilamentaacuterios para

proteger adequadamente a seguranccedila alimentar dos mais vulneraacuteveis (FAO 2011b)

Quanto agrave desnutriccedilatildeo infantil o recente panorama global traccedilado pela Organizaccedilatildeo

Save the Children Fund (2012) revela que 90 das crianccedilas desnutridas do mundo se

concentram em 36 paiacuteses estima-se que 170 milhotildees delas sofrem de desnutriccedilatildeo crocircnica e

mais de 26 milhotildees morrem por ano devido a esta doenccedila A persistecircncia da fome e da

desnutriccedilatildeo resulta do acesso inadequado aos alimentos por falta de renda pela condiccedilatildeo

de pobreza dos indiviacuteduos socialmente excluiacutedos e economicamente marginalizados (FAO

2012) sendo reflexo das condiccedilotildees estruturais da sociedade Apesar desse cenaacuterio

desolador no transcurso das deacutecadas de 60 a 90 foi registrada uma queda de 10 no total

de pessoas em paiacuteses em desenvolvimento que tecircm uma dieta alimentar diaacuteria inferior a

2100 calorias per capita (SEIPEL 1999) embora vaacuterias centenas de milhotildees de pessoas no

mundo ainda continuem com a sua sobrevivecircncia ameaccedilada

No Brasil os resultados comparativos entre as pesquisas nacionais10 realizadas entre

as deacutecadas de 70 a 90 demonstraram que houve um decliacutenio de 72 na prevalecircncia

desnutriccedilatildeo infantil (BATISTA FILHO amp RISSIN 2003) Entretanto as poliacuteticas sociais de

seguranccedila alimentar e nutricional implementadas no iniacutecio deste milecircnio foram

10 No Brasil foram realizadas neste periacuteodo trecircs pesquisas de abrangecircncia nacional O Estudo Nacional de Despesas Familiares-ENDEF nos anos de 197475 a Pesquisa Nacional de Sauacutede e Nutriccedilatildeo ndash PNSN em 1989 e a Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede ndashPNDS nos anos de 199596

55

fundamentais para a reduccedilatildeo da pobreza e simultaneamente para a melhoria do estado

nutricional uma vez que no periacuteodo de 2003 a 2009 foram retiradas da pobreza acima de

20 milhotildees de pessoas (DEL GROSSI 2010) Efeitos que se refletem nas baixas prevalecircncias

de desnutriccedilatildeo crocircnica (deacuteficit de altura) em menores de 5 anos de idade cujos valores

alcanccedilaram 63 e 57 respectivamente para o sexo masculino e feminino (BRASIL

IBGE 2010) Com isso essa doenccedila deixa de ser considerada no Brasil como um problema

de sauacutede puacuteblica conforme classificaccedilatildeo da OMS11 (WHO 2013a)

No primeiro grupo de riscos da era contemporacircnea situam-se as doenccedilas

transmitidas por alimentos - DTA12 cuja anaacutelise se restringe agravequelas relacionadas aos

produtos alimentiacutecios e agraves refeiccedilotildees extradomiciliares que correspondem agraves novas praacuteticas

alimentares adotadas em um contexto de urbanizaccedilatildeo Trata-se entatildeo de mapear os

distintos riscos dos veiacuteculos alimentares na esfera local e internacional e os impactos agrave

sauacutede

Em 1984 a OMS considerou as DTA como um dos problemas mais amplos de sauacutede

puacuteblica no mundo contemporacircneo doenccedilas essas responsaacuteveis por causar impactos sociais

e econocircmicos devido agraves consequecircncias em termos de doenccedilas oacutebitos e ou incapacidades

pela condenaccedilatildeo rejeiccedilatildeo e perda de produtos afetando o mercado internacional e pela

reduccedilatildeo das atividades de turismo (WHO 1984) As preocupaccedilotildees com a seguranccedila do

alimento consistem em evitar a contaminaccedilatildeo bioloacutegica (microrganismos parasitos) fiacutesica

e quiacutemica (resiacuteduos de aditivos pesticidas biotoxinas) mediante o controle dos pontos

criacuteticos de toda cadeia produtiva que pode ser feito com a qualificaccedilatildeo teacutecnica aplicaccedilatildeo de

meacutetodos de controle inspeccedilotildees sanitaacuterias regulares educaccedilatildeo alimentar entre outras

medidas

11 A OMS considera a desnutriccedilatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica quando ela atinge 20 ou mais da populaccedilatildeo 12 As DTA incluem as doenccedilas diarreicas causadas pela contaminaccedilatildeo dos alimentos proporcionada pelas condiccedilotildees insalubres de vida (moradia desprovida de aacutegua potaacutevel esgotamento sanitaacuterio equipamento de frio etc) associadas agraves informaccedilotildees limitadas sobre higiene Em inglecircs essas doenccedilas satildeo designadas como Foodborne disease definidas como doenccedilas causadas pela ingestatildeo de alimentos contaminados por microrganismos patogecircnicos contaminantes quiacutemicos e biotoxinas (WHO 2007)

56

Transcorridos quase 40 anos as mudanccedilas climaacuteticas aparecem natildeo apenas com o

potencial de diminuir os suprimentos alimentares mas tambeacutem de aumentar a

contaminaccedilatildeo toacutexica e microbiana dos alimentos (HALL DrsquoSOUZA amp KIRK 2002)

Paralelamente acelera-se o aprimoramento das tecnologias de produccedilatildeo e fabricaccedilatildeo de

alimentos destinadas a criar e diversificar insumos e produtos incrementar a rentabilidade

agropecuaacuteria expandir a rede de distribuiccedilatildeo de produtos aleacutem de outros benefiacutecios

econocircmicos com vistas a elevar a produtividade ampliar os negoacutecios e os ganhos de capital

das empresas e dos seus conglomerados

Nesse contexto distintos agentes causais emergiram inclusive modalidades

inusitadas provocando doenccedilas com sintomatologia grave e rara como foi o caso dos

priacuteons responsaacuteveis pela Encefalopatia Espongiforme Bovina-BSE (Doenccedila da Vaca Louca)

doenccedila neuro-degenerativa fatal diagnosticada em 1996 no Reino Unido (WHO 1999)

onde foram registrados 39 casos Ainda em 1994 um agente bacteriano jaacute conhecido

converteu-se em um novo patoacutegeno emergente E Coli O157H7 que provocou surto nos

Estados Unidos (ARMSTRONG HOLLINGSWORTH amp GLENN MORRIS 1996) e mais tarde

registrou-se um outro episoacutedio de surto marcante envolvendo o hambuacuterguer

indevidamente cozido (KING et al 2009)

Segundo Weiss amp McMichael (2004) a multiplicidade de efeitos da globalizaccedilatildeo como

o processo de urbanizaccedilatildeo acentuada crescimento de aacutereas residenciais perifeacutericas densas

e precaacuterias aumento do volume do comeacutercio mudanccedila de haacutebitos de consumo invasatildeo de

ambientes naturais para exploraccedilatildeo agropecuaacuteria mudanccedilas climaacuteticas e desenvolvimento

tecnoloacutegico massivo cria um cenaacuterio que propicia novos contatos da fauna silvestre com os

humanos e facilidades de infecccedilatildeo cruzada entre as espeacutecies desencadeando risco de

disseminaccedilatildeo de doenccedilas infecciosas emergentes

O ritmo intenso do comeacutercio internacional de alimentos nem sempre resulta em

benefiacutecios agrave coletividade pois eleva o risco de transmissatildeo de doenccedilas infecciosas cruzando

fronteiras uma vez que o alimento reuacutene simultaneamente duas importantes

caracteriacutesticas ser a principal commodity comercial e excelente veiacuteculo de transmissatildeo de

doenccedilas (KAumlFERSTEIN MOTARJEMI amp BETTCHER 1997) Assim surtos transcontinentais

57

envolvendo produtos semiprocessados e processados satildeo frequentemente registrados

(TAUXE 1996 HALL DrsquoSOUZA amp KIRK 2002) Produtos como amendoins importados e

contaminados com salmonela se encarregam de propagar surtos em quatro paiacuteses de trecircs

continentes distintos desencadeando alerta internacional (KIRK et al 2004) Surto de

hepatite A devido a morangos congelados contaminados decorre de produccedilatildeo

compartilhada entre dois paiacuteses (HUTIN et al 1999) Novos alimentos agora comeccedilam a ser

implicados em surtos como brotos de sementes que satildeo incorporados aos haacutebitos

alimentares (TAORMINA BEUCHAT amp SLUTSKER 1999)

Nesse contexto os alimentos jaacute provaram que podem ser objetos potenciais de riscos

natildeo apenas por albergar microrganismos ou partiacuteculas patogecircnicas e carrear

contaminantes quiacutemicos como poluentes e pesticidas mas pelas alteraccedilotildees intriacutensecas

geradas pelas novas tecnologias que deram origem aos alimentos geneticamente

modificados ou que acarretam resistecircncia antimicrobiana nos agentes bioloacutegicos

(SCALLAN 2007)

Quanto ao desenvolvimento industrial certas atividades econocircmicas geram os

poluentes orgacircnicos persistentes - POP que incluem muitos pesticidas organoclorados

quiacutemicos industriais e subprodutos de certos processos industriais aleacutem de resiacuteduos de

incineraccedilatildeo Satildeo os bifenil policlorados dioxinas e furanos - substacircncias altamente

prejudiciais a sauacutede que podem persistir no solo nos sedimentos e nos depoacutesitos desses

resiacuteduos por deacutecadas e ateacute seacuteculos bem como podem ser carreadas a longas distacircncias

pela corrente aeacuterea e aquaacutetica global Essas fontes de poluentes as histoacutericas e as atuais

contaminam a cadeia alimentar animal e humana raccedilotildees de animais ovos frangos peixes

frutos do mar conforme tem sido documentado em certos paiacuteses europeus (WHO 2014)

Dessa forma os alimentos satildeo a principal fonte de exposiccedilatildeo humana a esses contaminantes

(WEBER et al 2008)

Estudo sobre a dieta constituiacuteda da cesta baacutesica americana composta por alimentos

frescos e processados constatou que os resiacuteduos de POP estavam presentes em 10 das

amostras e que ainda continham resiacuteduos de dieldrin Aleacutem disso resiacuteduos de DDT

(diclorodifeniltricloroetano) e de seus metaboacutelitos estavam presentes em mais de 20 das

58

amostras testadas nos anos de 1998 e 1999 ambos os inseticidas proibidos desde o iniacutecio

da deacutecada de 70 (SCHAFER KEGLEY 2002) Segundo o relatoacuterio teacutecnico da OMS (2003a)

esse grupo de substacircncias pode ocasionar efeitos graves como cacircncer alteraccedilatildeo da funccedilatildeo

imunoloacutegica disfunccedilatildeo reprodutiva alteraccedilotildees neuroloacutegicas e no desenvolvimento fiacutesico

No que se refere aos alimentos geneticamente modificados alguns estudos concluem

que embora essa tecnologia aplicada aos alimentos amplie a capacidade de produccedilatildeo esta

apresenta riscos em potencial que requerem investigaccedilotildees adicionais para confirmar a sua

seguranccedila sanitaacuteria (BAKSHI 2003 COSTA et al 2011) Quantos aos efeitos agrave sauacutede Bakshi

(2003) destaca as alergias alimentares e outros efeitos devido agrave exposiccedilatildeo agraves novas

proteiacutenas introduzidas nesses alimentos e resistecircncia antimicrobiana devido agrave

recombinaccedilatildeo de genes desse alimento com os das bacteacuterias patogecircnicas seja no ambiente

ou no trato intestinal do comensal Esses foram alguns dos motivos que compuseram o

arsenal de argumentos para a rejeiccedilatildeo do milho BT Novartis pela Europa

A resistecircncia bacteriana em patoacutegenos presentes nos alimentos eacute outra preocupaccedilatildeo

internacional Em funccedilatildeo disso o Codex Alimentarius (FAO WHO 2005) aprovou um coacutedigo

de praacuteticas com o objetivo de minimizar os efeitos adversos agrave sauacutede puacuteblica resultante do

uso de agentes microbianos nos alimentos produzidos a partir de animais No Marrocos a

anaacutelise de 11516 amostras distribuiacutedas entre carne bovina frango aacutegua e frutos do mar

pimenta entre outros revelou que 105 (091) delas foram positivas para Salmonella e 25

delas exibiram resistecircncia a no miacutenimo um antimicrobiano testado (BOUCHRIF et al

2009)

Embora consumir frutas e hortaliccedilas constitua uma opccedilatildeo valorizada por ser um tipo

de consumo saudaacutevel tais alimentos natildeo estatildeo isentos de riscos No Brasil os resultados

analiacuteticos do total de 2488 amostras de frutas e legumes analisadas no ano de 2010

revelaram que em 35 delas havia a presenccedila de resiacuteduos devido agrave natildeo observacircncia dos

prazos de carecircncia especificados para o correto uso do pesticida 28 apresentaram

resiacuteduos de pesticidas natildeo autorizados ou se autorizados ultrapassaram os limites

maacuteximos permitidos E ainda do total de 18 alimentos amostrados cinco deles - pimentatildeo

pepino morango cenoura e alface - apresentaram condenaccedilatildeo igual ou superior a 50 do

59

total analisado da categoria (BRASIL Anvisa 2011) Resultados que sugerem uma

exposiccedilatildeo da populaccedilatildeo a riscos diversos e complicaccedilotildees persistentes considerando o tipo

de agente em questatildeo (WHO 2002b)

Esse cenaacuterio da atualidade permeado de riscos dos alimentos provenientes de

agentes causais extriacutensecos tradicionais e inusitados produzindo efeitos moacuterbidos

diversificados agudos e crocircnicos parece que tende a perdurar e a amplificar-se no decorrer

dos anos pois satildeo reflexos dos antagonismos do modelo econocircmico global Soma-se ainda

nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a epidemia global da obesidade a qual tem uma relaccedilatildeo

direta com os alimentos se convertendo na atualidade em uma importante ameaccedila agrave sauacutede

puacuteblica devido agraves comorbidades implicadas (WHO 2000 VISSCHER SEIDELLL 2001)

A obesidade caracteriza-se por uma doenccedila crocircnica com caraacuteter amplamente

preventivo (WHO 2004a) ocasionada tanto pelo estilo de vida sedentaacuterio como pelo

consumo de dietas natildeo saudaacuteveis densamente energeacuteticas que juntos conformam um

ambiente altamente ldquoobesogecircnicordquo desequilibrando o balanccedilo energeacutetico dos indiviacuteduos e

contribuindo para o ganho excessivo de peso (PRENTICE 2005 WHO 2000 PINHEIROS

FREITAS CORSO 2004 CABALLERO 2007)

Destarte firma-se a ligaccedilatildeo entre a dieta alimentar e a etiologia da obesidade assim

como das outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis (CHOPRA 2002) De fato satildeo tipos

especiais de alimentos industrializados jaacute definidos anteriormente que ao participarem

sistematicamente da dieta habitual contribuem para os distuacuterbios na sauacutede (WHO 2004a)

Com isso configura-se o segundo grupo de riscos dos alimentos da atualidade - que

eacute o foco de atenccedilatildeo deste trabalho - no qual um importante fator causal estaacute

intrinsecamente ligado agrave composiccedilatildeo nutricional dos produtos alimentiacutecios Riscos que natildeo

derivam da introduccedilatildeo de um agente bioloacutegico quiacutemico ou fiacutesico que eacute carreado do exterior

para o produto alimentiacutecio mas que eacute intriacutenseco agrave sua proacutepria foacutermula e identidade Riscos

que desafiam este novo seacuteculo porque despertam tensotildees entre a liberdade dos agentes

econocircmicos transnacionais de criar produtos alimentiacutecios lucrativos e a necessidade de

compromisso com a preservaccedilatildeo da sauacutede da sociedade

60

Trata-se de produtos derivados de um mercado global de alimentos que desenvolveu

artifiacutecios para atender um grande puacuteblico das metroacutepoles urbanas com custos de produccedilatildeo

reduzidos por meio do uso de ingredientes pouco nobres na composiccedilatildeo dos alimentos

como gorduras e accediluacutecares tornando-os alimentos com alta densidade energeacutetica e

nutricionalmente pobres (POPKIN GORDON-LARSEN 2004 MONTEIRO 2009 UUSITALO

PIETIENEN PUSKA 2002) Tais produtos natildeo saudaacuteveis estatildeo envolvidos em um aparato

publicitaacuterio que ocupa os diferentes espaccedilos da vida cotidiana para estimular os indiviacuteduos

a criarem interesse por esse tipo de consumo alimentar (HARRIS et al 2009)

Enfim a economia de alimentos dirigida pela globalizaccedilatildeo dissemina efeitos variados

e contraditoacuterios que repercutem diretamente na sociedade Tecircm benefiacutecios por um lado

trazidos pelo aumento da disponibilidade de alimentos e da expansatildeo da sua variedade

(WHO 2002) e malefiacutecios por outro como a comercializaccedilatildeo de produtos natildeo saudaacuteveis e

natildeo seguros (ROBERTSON 2001 FAO 2013b) Esse conjunto de caracteriacutesticas amplia e

diversifica os riscos agrave sauacutede seja pela perda crescente da qualidade nutricional (WHO

2004a 2003b) ou seja pelo comprometimento da qualidade sanitaacuteria (WHO 2006) ou

ainda simultaneamente por essas duas dimensotildees com manifestaccedilotildees em niacutevel local e

global

Assim urgem medidas locais e internacionais em direccedilatildeo a uma abordagem integral e

dinacircmica dos riscos dos alimentos que sejam capazes de incorporar os aspectos sanitaacuterios e

nutricionais nas medidas de gestatildeo da qualidade promover a articulaccedilatildeo intersetorial das

instacircncias que tecircm interface com os alimentos e com a sauacutede e mobilizar outras partes

interessadas ndash a sociedade e o mercado ndash na perspectiva de alteraccedilatildeo do quadro

epidemioloacutegico atual

61

23 Riscos agrave sauacutede de um conceito matemaacutetico a uma construccedilatildeo sociopoliacutetica e

cultural

A noccedilatildeo de risco foi comumente empregada nos seacuteculos XVI e XVII para lidar com as

desventuras da natureza durante as expediccedilotildees mariacutetimas de exploraccedilatildeo movidas pelos

povos ocidentais (GIDDENS 2010) Era preciso prever os riscos mesmo que aferidos com

base em referecircncias restritas e aqueacutem do ldquomarrdquo do desconhecido para permitir ponderar

as vantagens e as desvantagens e tomar as decisotildees quanto agrave faccedilanha Desde essa eacutepoca

analisar riscos envolve incertezas caacutelculos anaacutelises e posicionamentos

Agora ldquoriscordquo tem sido utilizado em diferentes campos do conhecimento para

predizer tanto os eventos naturais como aqueles socialmente criados Com a sua aplicaccedilatildeo

as ideias de espaccedilo e tempo agregaram-se a de incerteza e passaram a compor a noccedilatildeo de

risco (GIDDENS 2010) A anaacutelise de um dado fenocircmeno de ldquoriscordquo implica caacutelculos

probabiliacutesticos feitos a partir da combinaccedilatildeo de um conjunto de fatores que simplificam a

complexa realidade onde regularmente este ocorre mantendo-se sempre ofuscados pelas

incertezas

De fato o risco natildeo se constitui entidade por si soacute a sua existecircncia depende da

caracterizaccedilatildeo do perigo ou do evento indesejado (EWALD 1991) Assim risco e perigo se

inter-relacionam e ao mesmo tempo se diferenciam O primeiro eacute uma ameaccedila objetiva

enquanto o segundo eacute o proacuteprio evento ou a presenccedila do agente causal desencadeador do

evento Poreacutem essa distinccedilatildeo se anula completamente na ausecircncia de alternativas ou de

possibilidades de atuaccedilatildeo livres de risco e nesse caso o risco eacute o perigo (LUHMANN1993)

Na sociedade contemporacircnea as transformaccedilotildees teacutecnico-industriais fomentadas pela

articulaccedilatildeo entre ciecircncia e tecnologia tecircm impulsionado a atualizaccedilatildeo e a reformulaccedilatildeo

acelerada de bens produtos e serviccedilos para atender a demanda induzida pelo mercado de

consumo e consequentemente para ampliar o capital (BAUMAN 1999 BECK 2002)

Impera um tipo de racionalidade econocircmica que se concentra unilateralmente no

62

incremento da produtividade e dos lucros e negligencia os riscos a ela vinculados (BECK

2002)

Eacute nesse contexto de desenvolvimento capitalista que novas modalidades de riscos

sociais eclodem como efeito reflexivo do processo tecnoloacutegico que se intensificam e se

diversificam em niacutevel individual e coletivo (GIDDENS 1991 BECK 2002) Segundo

Giddens (1991) essa reflexividade tecnoloacutegica deve-se agrave incapacidade de se controlar o

conjunto complexo de fatores envolvidos na realidade concreta quando da aplicaccedilatildeo

praacutetica do conhecimento cientiacutefico e das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas Nessas circunstacircncias os

riscos satildeo aqueles fatores que surgem de forma inesperada ou melhor os desvios da

norma

Eacute importante salientar que esses desvios que escapam do controle natildeo podem ser

reportados como limitaccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico pois satildeo os riscos condizentes com

a natureza intriacutenseca do proacuteprio saber (NARDOCCI 2002) Segundo a autora a verdade eacute

que o saber sempre eacute aproximado quando se explora um dado objeto em uma realidade

social dinacircmica e complexa

Entretanto essa instabilidade das descobertas cientiacuteficas que progridem sempre em

situaccedilotildees de incertezas em especial quando se trata de riscos revelando o caraacuteter mutaacutevel

da ciecircncia foi o que deu respaldo ao surgimento do Princiacutepio de Precauccedilatildeo Tal

instrumento se fundamenta na adoccedilatildeo de medidas de proteccedilatildeo contra os riscos mesmo que

natildeo haja dados cientiacuteficos seguros sobre eles (GIDDENS 2010) Com isso na ausecircncia da

explicaccedilatildeo cientiacutefica que decirc suporte agrave decisatildeo e agraves consequecircncias dos riscos imputados

ficam expliacutecitos os significados poliacuteticos que eles assumem (CARAPINHEIRO 2002)

delineados pelas vantagens e benefiacutecios atribuiacutedos para quem os produziu

Nesse sentido o risco passa a ser abordado sob um caraacuteter ambiacuteguo (BECK 2002

GIDDENS 2010) de representar por um lado a ousadia o desafio e o dinamismo

econocircmico da sociedade na busca pela produtividade e progresso e por outro os efeitos

63

dos impulsos tecnoloacutegicos que se concretizam sob a forma de prejuiacutezos danos e ameaccedilas

no sentido social e material

Contudo sob a oacutetica da doutrina neoliberal dominante os riscos satildeo elementos

constituintes inerentes agrave vida A norma eacute a concorrecircncia generalizada e o comportamento

esperado das empresas e dos indiviacuteduos eacute a superaccedilatildeo a qual depende da capacidade de

remover os obstaacuteculos dentro das possibilidades adotando certas precauccedilotildees Assim

descarta-se qualquer possibilidade de alegar-se a imparcialidade da ciecircncia e da teacutecnica

(BODSTEIN 2000) pois ambas satildeo devidamente sustentadas por bases poliacutetico-ideoloacutegicas

soacutelidas Em complementaccedilatildeo a isso reforccedila-se que os riscos pressupotildeem no outro extremo

benefiacutecios entendidos como vantagens ou lucros extraiacutedos da atividade econocircmica

(NARDOCCI 2002) apesar dos possiacuteveis efeitos adversos agrave sauacutede ou ao ambiente advindos

dessa atividade

Para Luhmann (1993) ldquoriscordquo e ldquoperigordquo satildeo atributos da regularidade precaacuteria da

vida em sociedade e emergem prioritariamente da atividade humana A sua presenccedila

denota possibilidades de falhas fracassos ou incapacidade de eliminaccedilatildeo dos agentes

causais que podem ter como desfecho doenccedilas e mortes Isso aponta a natureza

conflituosa dos riscos ora eacute algo que necessita de um controle constante e ora eacute algo cuja

aceitaccedilatildeo manteacutem o dinamismo da economia e da sociedade Como os riscos carregam

consigo instabilidade e incerteza impondo a necessidade de se fazer julgamentos e

escolhas ou seja de se tomar decisotildees poliacuteticas (NARDOCCI 2002) eles transformam-se

em uma construccedilatildeo sociocultural (CARAPINHEIRO 2002)

Tais premissas influenciaram a elaboraccedilatildeo dos conceitos de risco e perigo

estabelecidos pela FAO amp OMS (FAO OMS 2005) e que satildeo aplicados no acircmbito do controle

sanitaacuterio de alimentos Assim risco eacute a probabilidade de ocorrecircncia de um efeito nocivo agrave

sauacutede como consequecircncia da presenccedila de um ou mais perigos nos alimentos perigo eacute a

presenccedila do agente causal no alimento responsaacutevel por esse efeito A partir desses

conceitos duas consideraccedilotildees podem ser extraiacutedas primeiro essa concepccedilatildeo trata de

maneira reducionista o fenocircmeno na qual o ldquosocialrdquo se retira do cenaacuterio para que as

64

ciecircncias bioloacutegicas busquem o amparo do saber da matemaacutetica colocando esse saber como

central na construccedilatildeo do conceito e segundo a complexa e dinacircmica realidade

racionalizada em nuacutemeros cria uma imagem de que eacute possiacutevel controlar o todo

imprevisiacutevel Carapinheiro (2002) informa que eacute essa pretensa neutralidade do termo

ldquoriscordquo apoiada em caacutelculos probabiliacutesticos e sem a menccedilatildeo do caraacuteter social presente em

sua formaccedilatildeo eacute que o faz ter preferecircncia de uso em lugar do termo ldquoperigordquo

Assim quando o aparato teacutecnico-cientiacutefico eacute aplicado sobre os alimentos e os

converte em objetos potenciais de risco dois efeitos podem surgir na esfera do controle

sanitaacuterio dos alimentos o corrente reconhecido tanto sob as oacuteticas internacional e

nacional que eacute o risco dos alimentos atribuiacutedo preponderantemente aos agentes

bioloacutegicos quiacutemicos ou fiacutesicos dos alimentos (FAO OMS 2005) em funccedilatildeo dos surtos

epidecircmicos e intoxicaccedilotildees e dos impactos negativos agrave sauacutede e ao comeacutercio (KATZ et al

1999 KAumlFERSTEIN et al 1997) devido a alimentos contaminados (WHO 2006) E o

emergente que se vincula agrave natureza intriacutenseca da foacutermula do produto alimentiacutecio que

resulta na presenccedila excessiva de certos componentes (accediluacutecares gorduras aditivos e sal)

quando se evidencia uma qualidade nutricional desbalanceada estando associado agrave

pandemia da obesidade e agraves outras DCNT (MONTEIRO 2010 WHO 2004a DREWNOWSKI

2009 POPKIN 2001)

Dessa forma os crescentes e diferentes riscos surgidos com as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

- e a complexidade para identificaacute-los - constituem o desafio da modernidade natildeo somente

pelos prejuiacutezos econocircmicos e sociais causados agrave sociedade mas tambeacutem pela desconfianccedila

na qualidade dos alimentos e inseguranccedila gerada no consumo dos produtos Em adiccedilatildeo

Hespanha (2002) afirma que esses riscos de efeito extensivo impotildeem ao poder puacuteblico o

ocircnus da responsabilidade de contornar os desvios gerados pelo ldquoprogresso industrialrdquo

Relata tambeacutem que os fatores de incerteza e de imprevisibilidade que se criam e se recriam

em torno deles potencializam os obstaacuteculos para uma intervenccedilatildeo efetiva dos sistemas de

vigilacircncia de controle

65

Diante disso e como consequecircncia dos riscos ocorre um forte impulso para a criaccedilatildeo

de novos sistemas de vigilacircncia e controle e ampliaccedilatildeo da accedilatildeo regulatoacuteria do poder puacuteblico

(BODSTEIN 2000) Esses sistemas requerem um corpo de peritos especializados com

competecircncia teacutecnica para formular decisotildees sobre como intervir nos riscos e restabelecer a

seguranccedila A credibilidade e a confianccedila dependem exclusivamente do desempenho desses

sistemas (GIDDENS 1991)

Como a discussatildeo dos riscos e as medidas de intervenccedilatildeo interferem no bem-estar

coletivo os cidadatildeos satildeo instigados a participar do processo decisoacuterio para estabelecer o

grau de liberdade do mercado e de aceitabilidade social dos riscos (NARDOCCI 2002)

Diante disso a FAO amp OMS (2005) recomendam aos entes do governo firmar parcerias

com as diferentes forccedilas sociais envolvidas ndash mercado consumidores e universidades -

para desencadear o processo de anaacutelise de riscos

Por isso para o estabelecimento dos limites de seguranccedila o componente bioloacutegico e o

social estatildeo sempre juntos no processo de anaacutelise de riscos dos alimentos O primeiro se

define a partir do aparato teacutecnico-cientiacutefico que justifica as caracteriacutesticas e as

potencialidades do perigo implicado mediante a patogenicidade virulecircncia

mutagenicidade toxicidade entre outros tipos de expressatildeo de nocividade (FAO 1995)

Quanto ao segundo o saber cientiacutefico que respalda a interpretaccedilatildeo dos riscos articulado ao

contexto das implicaccedilotildees sociopoliacuteticas determina a sua aceitaccedilatildeo ou natildeo Em funccedilatildeo dos

processos sociais subjacentes os riscos podem ser reduzidos ou intensificados

convertendo-se em uma questatildeo social (BECK 2002) pois se trata de um fenocircmeno de

contingecircncia muacuteltipla que oferece aos diferentes observadores um elenco de perspectivas

quanto aos impactos em termos de perdas ou danos (LUHMANN 1993)

Face ao exposto esse envolvimento de forccedilas sociais heterogecircneas para tratar do

assunto denota que as constataccedilotildees do risco resultam da conjugaccedilatildeo do componente

teacutecnico-cientiacutefico e dos interesses sociopoliacuteticos que balizam os impactos relativos aos

custos e benefiacutecios sociais poliacuteticos e econocircmicos Nesse contexto Beck (2002) defende

que a ciecircncia se reveste de um significado social e poliacutetico do risco pelas decisotildees quanto

66

aos conteuacutedos do conhecimento e aos efeitos o alcance e o tipo de perigo o puacuteblico afetado

em longo prazo a responsabilizaccedilatildeo os direitos de reclamaccedilatildeo de indenizaccedilatildeo etc

Na atualidade o conceito de ldquoseguranccedila sanitaacuteria dos alimentosrdquo estaacute sob questatildeo

pois com a sua abrangecircncia restrita e incapaz de abarcar a totalidade dos riscos

reconhecidos dos alimentos natildeo eacute possiacutevel garantir que o alimento seja promotor e

mantenedor da sauacutede Dessa forma eacute fundamental a inclusatildeo dos riscos emergentes

aqueles que contribuem para os distuacuterbios de excesso de peso e suas comorbidades na

concepccedilatildeo e praacutetica que regem os sistemas de controle para que haja compatibilidade com

a realidade do perfil nutricional Esse descompasso entre os ajustes realizados pelas

instituiccedilotildees de controle e a velocidade de surgimento dos riscos ocorre tanto por

dificuldades teacutecnicas como por entraves poliacuteticos E essa capacidade lenta e limitada do

agir institucional para englobar a diversidade dos riscos dos alimentos repercute

diretamente na sauacutede da populaccedilatildeo exposta Assim a expansatildeo do campo ldquovigiar os riscos

dos alimentosrdquo incluindo os aspectos sanitaacuterios e nutricionais estaacute principalmente na

dependecircncia do respaldo dos especialistas que mediante a sua fundamentaccedilatildeo teacutecnico-

cientiacutefica e poliacutetica estimularaacute a mudanccedila da conduta institucional

Diante disso e com base na argumentaccedilatildeo de Beck (2002) alimentos portadores de

atributos como ldquosaudaacutevelrdquo e ldquosegurordquo satildeo de difiacutecil e complexa comprovaccedilatildeo na ordem

social vigente Para o autor os riscos dos alimentos que desafiam a humanidade somente

satildeo identificados mediante recursos sofisticados e de acesso limitado pois jaacute natildeo se

expressam como os de outrora Como os oacutergatildeos dos sentidos satildeo insuficientes para captaacute-

los a autonomia individual para se defender fica comprometida Segundo esse autor os

danos sistemaacuteticos decorrentes dos riscos englobam todos os seres vivos e os homens satildeo

atingidos sem haver distinccedilatildeo de classe etnia e gecircnero estando completamente

desprotegidos pela permeabilidade das fronteiras dos Estados nacionais que jaacute natildeo

impotildeem obstaacuteculos em um ambiente social interligado

Embora os riscos se reportem ao coletivo os efeitos satildeo socialmente estratificados Os

indiviacuteduos se distinguem quanto ao grau de exposiccedilatildeo Aqueles socialmente vulneraacuteveis

67

por estarem desprovidos de recursos simboacutelicos e materiais para a sua defesa e

autoproteccedilatildeo satildeo os mais intensamente afetados pelas consequecircncias dos riscos Isso pode

ser constatado na relaccedilatildeo entre o consumo de alimentos considerados de alto risco e a

obesidade em ambiente de pobreza (MARTINS 2007 DREWNOWSKI amp SPECTER 2004

WHO 2000)

Enfim os riscos e os perigos gerados pela industrializaccedilatildeo acelerada natildeo derivam da

responsabilidade de escolhas pessoais conscientes como se atribui ao consumo de

cigarros de produtos alimentiacutecios ou da bebida alcooacutelica cujo controle depende do

comportamento individual ou de autocontrole Esses riscos satildeo estruturalmente

construiacutedos (PETERSON amp LUPTON 2000) Como a conformaccedilatildeo dos riscos eacute complexa

permitindo apenas evidecircncias cientiacuteficas limitadas e efeitos imprecisos o posicionamento

sobre a sua aceitaccedilatildeo constitui elemento-chave do processo de anaacutelise e independente do

risco ser caracterizado como individual ou coletivo eacute mediado por um conjunto de

interesses poliacutetico-ideoloacutegicos e culturais sobre o que se reconhece como risco Em geral

interesses conflitantes constituem a base de referecircncia para as ponderaccedilotildees cujo resultado

refletiraacute a flexibilidade ou a rigidez no compromisso estabelecido com a sauacutede do coletivo

A defesa efetiva da sociedade estaacute primordialmente sob o comando dos cidadatildeos

preferencialmente de forma organizada cabendo a eles a vigilacircncia dos riscos dos

alimentos e de quem controla esses riscos - as instituiccedilotildees oficiais Contudo para isso eacute

preciso que os cidadatildeos se esforcem para apoderarem-se das informaccedilotildees e conquistar os

espaccedilos que os permitam vocalizar as suas necessidades e intervir nas decisotildees das

instacircncias competentes Poreacutem eles devem estar sempre atentos para natildeo se esquivarem

de colocar agrave tona as questotildees estruturais submersas da sociedade as quais de modo

decisivo moldam os padrotildees de produccedilatildeo-consumo e deterioram gradualmente a sauacutede da

coletividade

68

3 PRODUTOS ALIMENTIacuteCIOS E SAUacuteDE Uma anaacutelise multifacetaacuteria

31 Produtos alimentiacutecios e riscos agrave sauacutede a visatildeo dos organismos

intergovernamentais

311 A abordagem da OMS e da FAO sobre o tema

Sucessivos documentos foram publicados pela OMS a partir do final da deacutecada de 80

anunciando ao mundo os impactos globais das novas praacuteticas de consumo de alimentos e

do estilo de vida sedentaacuterio sobre a sauacutede da coletividade especialmente as das regiotildees

urbanizadas Em 1989 em seu documento ldquoDiet Nutrition and Prevention of Chronic

Diseaserdquo a OMS se mobilizou para alertar que o consumo de produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis passou a se constituir em um dos fatores responsaacuteveis por desencadear um leque

de doenccedilas crocircnicas que se espalham em proporccedilatildeo ascendente na populaccedilatildeo tais como

obesidade doenccedilas cardiovasculares e vaacuterios tipos de cacircncer Considerando a causalidade

multifatorial dessas doenccedilas e a importacircncia crucial exercida pelo modo de se alimentar a

OMS defende que esse binocircmio alimento-doenccedila seja objeto de atenccedilatildeo das poliacuteticas

intersetoriais de sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo (WHO 1990)

Este documento da OMS constitui o marco inicial da anaacutelise das repercussotildees globais

das mudanccedilas do padratildeo alimentar das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no campo da produccedilatildeo de

alimentos do modo de vida entre outros aspectos sobre o perfil epidemioloacutegico de paiacuteses

pertencentes a vaacuterios continentes Evidenciou naquela ocasiatildeo que a dinacircmica decorrente

do modelo de desenvolvimento econocircmico estaacute levando essas naccedilotildees a ldquoreproduziremrdquo

algumas caracteriacutesticas culturais e sociais dos paiacuteses ricos em especial as dos Estados

Unidos da Ameacuterica enquanto expoente maacuteximo do projeto industrial-consumista tais como

o padratildeo de consumo freneacutetico a automatizaccedilatildeo das atividades costumeiras e o perfil de

morbidade

69

No ano 2000 a OMS concentrou-se em explorar o efeito mais evidente dessa

mudanccedila da dieta e do estilo de vida sobre a sauacutede e publicou o relatoacuterio teacutecnico especiacutefico

sobre a obesidade intitulado ldquoObesity preventing and managing the global epidemicrdquo Nele

reconheceu a obesidade como uma doenccedila epidecircmica crocircnica de caraacuteter global e

preventivo ocasionado por fatores dieteacuteticos e padrotildees de atividade fiacutesica destacando os

produtos alimentiacutecios de circulaccedilatildeo mundial como um dos agentes causais Com isso

recomendou aos governos dentre outras medidas de intervenccedilatildeo a necessidade de

reformular as regulaccedilotildees de alimentos no que concerne aos requisitos de qualidade

seguranccedila rotulagem e publicidade de alimentos (WHO 2004a)

Destacou-se assim o papel fundamental dos governos sem excluir a responsabilidade

das induacutestrias de intervir no mercado de alimentos Isso em razatildeo de esse mercado

encontrar-se completamente indisciplinado quanto ao atendimento dos requisitos de

qualidade nutricional O uso de formulaccedilotildees com excesso de ingredientes caloacutericos e pouco

nutritivos que contribuem para o surgimento de doenccedilas nos indiviacuteduos que consomem

esses produtos satildeo exemplos de fatores que deveriam ser normatizados

A imagem exclusivamente positiva veiculada de modo corrente pela miacutedia sobre os

produtos alimentiacutecios enquanto siacutembolos de inovaccedilatildeo e criatividade versatilidade para

atender as necessidades de consumo vigor da induacutestria e do mercado global praticidade de

consumo entre outros comeccedila a ser desconstruiacuteda Esses fatores passam a ser cada vez

mais identificados tambeacutem pelos seus efeitos dissonantes com os preceitos de promoccedilatildeo e

manutenccedilatildeo da sauacutede Enfim revelam-se como agentes que contribuem para doenccedilas de

longa duraccedilatildeo e de alta complexidade Panorama que demanda freios e ordenamentos

urgentes pelas instituiccedilotildees de sauacutede

Seguem-se dois anos e a OMS divulga o documento ldquoReducing Risks Promoting

Healthy Liferdquo no qual continua a enfatizar a relaccedilatildeo entre o consumo de alimentos natildeo

saudaacuteveis tipo fast-food ou processados e hipercaloacutericos e as mudanccedilas no estilo de vida

com o quadro diversificado de doenccedilas Acrescenta um elemento novo ao discurso quando

identifica as contradiccedilotildees inerentes ao processo de globalizaccedilatildeo econocircmica

70

Globalization has been hailed as a strategy to reduce poverty but the liberalization of trade can lead to both benefits and harms for health (p6 Chapter One) The rapidly growing epidemic of noncommunicable diseases already responsible for some 60 of world deaths is clearly related to changes in global dietary patterns and increased consumption of industrially processed fatty salty and sugary foods Countries should give top priority to developing effective committed policies for the prevention of globally increasing high risks to health such as [] unhealthy diet and obesity (p11) They may [] have to focus on [] legislation to reduce the proportion of salt and other unhealthy components in foods [] (WHO 2002a p166)13

Aleacutem disso aponta a expansatildeo do comeacutercio de alimentos - e suas poliacuteticas de liberaccedilatildeo

- como estimuladores da adoccedilatildeo de uma dieta baseada no consumo de alimentos

processados natildeo saudaacuteveis por milhares de pessoas Para tanto recomenda aos governos

priorizar a prevenccedilatildeo dos riscos agrave sauacutede (como as dietas natildeo saudaacuteveis) investir em

legislaccedilotildees para reduccedilatildeo dos componentes natildeo saudaacuteveis dos alimentos e fortalecer as

campanhas de promoccedilatildeo agrave sauacutede (WHO 2002a)

A globalizaccedilatildeo econocircmica possibilitou que as corporaccedilotildees de alimentos se

ramificassem pelo mundo distribuindo os seus produtos modificando a cultura dos povos

em termos de haacutebitos alimentares e praacuteticas de consumo e alterando o seu perfil

nutricional e de sauacutede Conforme se verifica na citaccedilatildeo anterior a alimentaccedilatildeo transformou-

se a tal ponto que a partir dela se eacute capaz de esboccedilar uma fronteira delimitando a dieta

ldquonatildeo-saudaacutevelrdquo da ldquosaudaacutevelrdquo em funccedilatildeo dos alimentos que a compotildeem e a opccedilatildeo por um

ou outro modo de se alimentar pode ser decisiva para se trilhar o caminho da sauacutede ou da

doenccedila

Em 2003 a FAO considerando a sua missatildeo de lidar com questotildees relacionadas aos

sistemas alimentares e agriacutecolas e ao estabelecimento de diretrizes para a seguranccedila e

adequaccedilatildeo nutricional dos alimentos se posiciona mais claramente sobre o binocircmio DCNT e

13 A globalizaccedilatildeo eacute anunciada como uma estrateacutegia para reduzir a pobreza mas a liberalizaccedilatildeo do comeacutercio pode levar a benefiacutecios e malefiacutecios para a sauacutede (Capiacutetulo Um p6) A epidemia crescente de doenccedilas natildeo transmissiacuteveis jaacute responsaacuteveis por cerca de 60 das mortes mundiais estaacute claramente relacionada a mudanccedilas nos padrotildees alimentares globais e ao aumento do consumo de alimentos industrialmente processados e ricos em aacutecidos graxos sal e accediluacutecar Os paiacuteses devem priorizar o desenvolvimento de poliacuteticas comprometidas eficazes para a prevenccedilatildeo dos altos riscos agrave sauacutede em niacutevel global tais como [] dieta pouco saudaacutevel e obesidade (p11) Eles podem [] se concentrar sobre [] a legislaccedilatildeo para reduzir a proporccedilatildeo de sal e outros componentes pouco saudaacuteveis em alimentos [] (WHO 2002a p166) (traduccedilatildeo pessoal)

71

dietas Assim conjugou seus esforccedilos aos da OMS e publicaram uma versatildeo atualizada do

documento The Joint WHOFAO Expert Consultation on diet nutrition and the prevention of

chronic diseases (WHO 2003b) O maior valor desse documento consistiu em explicitar as

evidecircncias sobre a relaccedilatildeo entre os alimentosnutrientes com as doenccedilas crocircnicas assim

como em ressaltar o impacto das mudanccedilas da economia mundial de alimentos sobre os

padrotildees dieteacuteticos os quais mostravam elevaccedilatildeo no teor de calorias e de gorduras

saturadas e reduccedilatildeo na quantidade de carboidratos complexos Com isso esses organismos

reiteram a necessidade de estabelecer-se um diaacutelogo com as induacutestrias a fim de adequar a

formulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a paracircmetros tecnicamente saudaacuteveis bem como

intervir na propaganda veiculada sobre tais produtos (FAOWHO 2003b)

Conforme consta desse documento as estrateacutegias no campo da alimentaccedilatildeo devem

vislumbrar conjuntamente os aspectos da seguranccedila alimentar e do alimento seguro O

alimento deve ser adequado em termos de quantidade e de qualidade nutricional e

sanitaacuteria ou seja proporcionais agraves necessidades requeridas para o indiviacuteduo ou grupo e

simultaneamente deve atender a um perfil sanitaacuterio compatiacutevel que significa ausecircncia ou

presenccedila de contaminantes dentro dos limites maacuteximos permitidos

A defesa em favor da reformulaccedilatildeo da composiccedilatildeo dos produtos industrializados e de

limitar a publicidade sobre eles prosseguiraacute nos documentos da OMS divulgados nos anos

subsequentes Considerando que esses produtos alimentiacutecios satildeo de circulaccedilatildeo global haacute

uma evidente limitaccedilatildeo de os paiacuteses agirem isoladamente na promoccedilatildeo das dietas

saudaacuteveis o que requer uma articulaccedilatildeo e governanccedila supranacional Nesse sentido esse

documento aponta a necessidade imprescindiacutevel de se interferir nas normas internacionais

existentes que balizam o comeacutercio internacional e explicita a responsabilidade da Comissatildeo

do Codex Alimentarius - CAC [hellip] The Codex Alimentarius - the intergovernmental standard-

setting body through which nations agree on standards for food - is currently being reviewed

Its work in the area of nutrition and labelling could be further strengthened to cover diet-

related aspects of health (WHO 2003b p142)14 Apesar de estar sob a lideranccedila

14 [] O Codex Alimentarius - instacircncia normatizadora intergovernamental por meio do qual as naccedilotildees acordam sobre as normas para alimentos - estaacute sendo revisto O seu trabalho na aacuterea da nutriccedilatildeo e rotulagem

72

internacional da OMS e da FAO a Comissatildeo do Codex uma instituiccedilatildeo estrateacutegica para tratar

da temaacutetica somente foi mencionada uma deacutecada apoacutes terem sido iniciados esses debates

Com o agravamento do quadro epidemioloacutegico a retoacuterica institucional da OMS se

aperfeiccediloa em dois sentidos por um lado decodificando com mais precisatildeo os tipos de

produtos-alvo e as medidas de intervenccedilatildeo e por outro enfatizando as assimetrias da

poliacutetica de liberaccedilatildeo do comeacutercio e conclamando os governos para agir O atributo de natildeo

saudaacutevel foi consagrado nos documentos para qualificar a categoria de produtos

alimentiacutecios hipercaloacutericos (alto teor de gorduras e ou accediluacutecares simples) e com teor de sal

elevado Esse tratamento dado a esse grupo de produtos alimentiacutecios conduz a reduccedilatildeo do

seu valor simboacutelico no mercado e em contrapartida incentiva os indiviacuteduos a ter cautela no

consumo e os governos a interferir na induacutestria para a melhoria dos padrotildees dos alimentos

Contudo observa-se que parece haver uma blindagem do proacuteprio Codex Alimentarius para

tratar do tema ldquoqualidade nutricional dos alimentosrdquo pois ateacute esse momento natildeo houve

manifestaccedilatildeo expliacutecita de iniciativas para criar um espaccedilo de debate interno e menos ainda

de revisitar as normas e os procedimentos teacutecnicos editados na perspectiva de ajustar os

produtos alimentiacutecios a um perfil considerado do tipo saudaacutevel

Em 2004 a OMS aprovou em sua assembleia anual o documento Global Strategy on

Diet Physical Activity and Health que reitera os dois principais fatores de risco para as

doenccedilas crocircnicas as dietas natildeo saudaacuteveis e a atividade fiacutesica reduzida e define medidas de

promoccedilatildeo de sauacutede e de prevenccedilatildeo e reduccedilatildeo dessas doenccedilas que contribuem

substancialmente para a carga global de morbimortalidade e incapacidades Para tanto

reafirma o empenho e a mobilizaccedilatildeo de diferentes atores sociais - sociedade civil induacutestria

e governo - delegando ao uacuteltimo o papel crucial No campo dos alimentos aponta que as

accedilotildees do governo devem se dirigir para interferir na formulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

tornando-os compatiacuteveis como os preceitos da dieta saudaacutevel regulaccedilatildeo do marketing de

alimentos infantis criaccedilatildeo de estiacutemulos fiscais para o consumo saudaacutevel entre outras

Poreacutem o grande destaque desse documento estaacute no intenso reforccedilo para que a CAC envide

esforccedilos para minimizar o impacto da comercializaccedilatildeo de produtos com padrotildees dieteacuteticos

poderia ser reforccedilado para cobrir os aspectos da sauacutede relacionados com a dieta (WHO 2003b p142) [Traduccedilatildeo pessoal]

73

natildeo saudaacuteveis e fortalecer a elaboraccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e de processamento que

considerem a qualidade nutricional e seguranccedila dos produtos Tambeacutem solicita o apoio dos

governos e da sociedade civil organizada nessa empreitada (WHO 2004b)

Previamente agrave realizaccedilatildeo da Assembleia Mundial de Sauacutede a FAO em sua 18a Sessatildeo

do Comitecirc sobre Agricultura apreciou por meio dos seus membros os documentos The

Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet nutrition and the prevention of chronic (FAO

2004) e a minuta do documento da OMS Global Strategy on Diet Physical Activity and

Health Apesar do apoio majoritaacuterio agraves recomendaccedilotildees constantes do documento da OMS

(WHO 2003b) eles ressaltaram alguns aspectos a fragilidade da base cientiacutefica no

estabelecimento da relaccedilatildeo causal entre os alimentos e as DCNT a importacircncia de que haja

maleabilidade na aplicaccedilatildeo das recomendaccedilotildees globais considerando as circunstacircncias

especiacuteficas de cada paiacutes e a necessidade de valorizar a educaccedilatildeo alimentar para permitir

que os indiviacuteduos e as famiacutelias faccedilam escolhas alimentares conscientes (FAO 2004)

Quanto agrave insuficiente base cientiacutefica do estudo isso remete agrave multiplicidade causal

que envolve as doenccedilas e a dificuldade de se precisar a importacircncia isolada de um fator

causal especiacutefico (alimentos) No entanto o essencial foi evidenciado e estaacute centrado nos

efeitos nocivos agrave sauacutede decorrentes da composiccedilatildeo nutricional dos alimentos

industrializados natildeo saudaacuteveis sendo isso responsabilidade do mercado e objeto de

demanda de controle por parte do governo No que se refere agrave importacircncia da ldquoeducaccedilatildeo

alimentarrdquo embora o assunto seja indiscutivelmente relevante o seu papel deve ser sempre

relativizado Como a proposta surgiu isolada de outras que suportem a mudanccedila na loacutegica

do sistema de produccedilatildeo e industrializaccedilatildeo de alimentos parece ter a intenccedilatildeo de simplificar

a complexidade do processo sauacutede-doenccedila em tela tentando reduzir artificialmente a

soluccedilatildeo do problema agrave educaccedilatildeo da populaccedilatildeo Aleacutem disso a ldquoeducaccedilatildeo alimentarrdquo isolada eacute

incapaz de se contrapor aos poderosos mecanismos mercadoloacutegicos construiacutedos em um

ambiente de extrema organizaccedilatildeo se natildeo houver outras estrateacutegias de intervenccedilatildeo que

disciplinem o mercado

74

Em 2012 ao reconhecer a ameaccedila global das DCNT e os impactos econocircmicos e sociais

que essas doenccedilas acarretam aos paiacuteses as Naccedilotildees Unidas publicaram o documento

ldquoPolitical Declaration of The High-Level Meeting of the General Assembly on the Prevention

and Control of Non-communicable Diseasesrdquo (NU 2012) que destaca a dieta natildeo saudaacutevel a

inatividade fiacutesica e a obesidade como fatores de risco que tecircm forte ligaccedilatildeo com as quatro

principais DCNT ndash doenccedilas cardiovasculares cacircncer doenccedilas crocircnicas respiratoacuterias e

diabetes - e que estatildeo associadas aos mais altos custos de sauacutede e agrave reduccedilatildeo da

produtividade Assim esse documento propotildee aos governos avanccedilar com intervenccedilotildees

multisetoriais a fim de reduzir os fatores de risco dessas doenccedilas mediante acordos e

estrateacutegias internacionais educaccedilatildeo legislaccedilatildeo medidas regulatoacuterias e fiscais envolvendo

todos os setores da sociedade Cita explicitamente a necessidade de promover

intervenccedilotildees para reduzir sal accediluacutecar e gorduras saturadas e eliminar a gordura trans nos

alimentos industrializados como tambeacutem de desestimular a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo

de alimentos que contribuem para dieta natildeo saudaacutevel

Em decorrecircncia disso a OMS propocircs um Marco Global de Monitoramento das DCNT

que inclui 25 indicadores e nove metas voluntaacuterias para a sua prevenccedilatildeo e controle com

periacuteodo de vigecircncia de 2013-2020 Dentre as metas globais voluntaacuterias que se relacionam a

ao objeto deste estudo estaacute a meta de reduccedilatildeo relativa de 30 na meacutedia de consumo de

salsoacutedio da populaccedilatildeo ateacute o ano de 2025 No grupo dos indicadores propostos para os

sistemas nacionais um deles tem a finalidade de reduzir o impacto do marketing de

alimentos com alto em gorduras saturadas gordura trans accediluacutecares livres ou sal e bebidas

natildeo alcooacutelicas sobre as crianccedilas Outro indicador propotildee limitar a gordura saturada no

abastecimento alimentar (WHO 2013b) Quanto aos accediluacutecares nada foi mencionado

Mais recentemente a FAO demonstrou estar tambeacutem bastante sensiacutevel aos problemas

do excesso de peso e propocircs um rol de alternativas para incentivar a dieta saudaacutevel

Afirmou que a despeito de o moderno sistema de produccedilatildeo permitir ampliar a variedade de

produtos esse sistema empenha-se em vender mais alimentos ultraprocessados que

contribuem para o excesso de peso Para isso apresentou para discussatildeo as estrateacutegias de

taxaccedilatildeo dos produtos menos nutritivos de educaccedilatildeo nutricional nas escolas e de regulaccedilatildeo

75

da publicidade de alimentos para o puacuteblico infantil (FAO 2013b) Em comparaccedilatildeo com a

discussatildeo travada em 2003 registraram-se portanto avanccedilos substanciais no campo da

valorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel e do compromisso em intervir no excesso de peso

Em siacutentese nas uacuteltimas duas deacutecadas consagrou-se o entendimento de que os

produtos industrializados natildeo saudaacuteveis satildeo de alto risco agrave sauacutede e por conseguinte devem

ser objetos de medidas de intervenccedilatildeo e controle Todavia a adoccedilatildeo de medidas concretas

voltadas agrave reformulaccedilatildeo dos paracircmetros nutricionais desses produtos ainda tardaratildeo Isto

implica incorporaccedilatildeo de ingredientes naturais ou semiprocessados mas tambeacutem medidas

complementares tais como aposiccedilatildeo de alertas em destaques nos roacutetulos para dar

transparecircncia ao consumidor dos riscos do consumo desse tipo de produto taxaccedilatildeo

diferenciada de preccedilos para contenccedilatildeo do consumo desses produtos etc Uma seacuterie de

medidas que para muitos governos nacionais e instacircncias intergovernamentais ainda

permanecem no campo das intenccedilotildees

Em um contexto de globalizaccedilatildeo econocircmica as ligaccedilotildees de dependecircncia entre os

estados-nacionais e os organismos intergovernamentais normatizadores do mercado

internacional satildeo estreitas e a atuaccedilatildeo desses interlocutores OMS FAO e a Comissatildeo do

Codex Alimentarius eacute fundamental para o enfrentamento desse novo risco dos produtos

alimentiacutecios Uma accedilatildeo isolada dos governos nacionais poderia desencadear retaliaccedilotildees do

mercado e instabilidades internas vez que a reformulaccedilatildeo do perfil nutricional dos

produtos implica para as empresas custos e ameaccedila aos seus lucros

312 A apatia do Codex Alimentarius frente aos novos riscos dos alimentos

Conforme os documentos antes apresentados foram vaacuterios os alertas e indicativos

dos efeitos agrave sauacutede da populaccedilatildeo global ocasionados pelos produtos alimentiacutecios de ampla

circulaccedilatildeo no mercado internacional emitidos pela OMS e FAO Contudo transcorreram

dezesseis anos de 1990 a 2006 para que houvesse reaccedilatildeo da Comissatildeo do Codex

Alimentarius ndash CAC ndash considerando a sua responsabilidade por editar um coacutedigo de normas

76

de referecircncia para as agecircncias nacionais de controle de alimentos dos paiacuteses membros

induacutestrias consumidores e comeacutercio internacional (FAO WHO 2006a)

A implementaccedilatildeo do Programa de Normas Alimentares da Junta FAOOMS eacute de

competecircncia da CAC que tem entre os seus propoacutesitos [] (a) protecting the health of

consumers and ensuring fair practices in the food trade [] (e) amending published

standards after appropriate survey in the light of developments15 (FAO WHO 2006b p14)

A missatildeo de proteccedilatildeo da sauacutede contra os riscos dos alimentos jaacute pressupotildee abertura a um

evento desconhecido e portanto disposiccedilatildeo para ajustar as normas agrave luz da renovaccedilatildeo dos

conhecimentos cientiacuteficos conforme o dinamismo da sociedade e as novas situaccedilotildees de

riscos que se apresentem com fins de salvaguardar a sauacutede dos consumidores

Contudo constata-se que o foco de normatizaccedilatildeo da CAC estaacute circunscrito agrave seguranccedila

sanitaacuteria dos alimentos que envolve os paracircmetros sanitaacuterios o estabelecimento de limites

de contaminantes e as disposiccedilotildees sobre rotulagem sendo seu objeto central proteger a

sauacutede dos consumidores contra os riscos de DTA (FAO WHO 2006b) Com isso restringe-

se o espaccedilo para as outras ameaccedilas que escapam a esse seu escopo de atuaccedilatildeo ndash

componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios natildeo-saudaacuteveis - apesar de se

inscreverem no universo dos riscos dos alimentos que comprometem a sociedade mundial

Assim apenas em 2006 a CAC lanccedilou um plano de accedilatildeo para implementaccedilatildeo da

Global Strategy on Diet Physical Activity and Health no qual reconhece a afinidade entre a

proacutepria missatildeo dela e as estrateacutegias desse documento jaacute que foram identificados nutrientes

associados com risco elevado de DCNT (FAO WHO 2006a) Isso foi baseado no mandato do

Codex que prevecirc medidas voltadas para minimizar o consumo desses nutrientes com fins

de prevenir distuacuterbios agrave sauacutede do consumidor assim como para garantir o uso de

alegaccedilotildees nutricionais (claims) que natildeo sejam falsas ou confusas Com isso a tarefa foi

delegada a dois Comitecircs especiacuteficos do Codex um que trata de assuntos relativos agrave nutriccedilatildeo

e alimentos para fins dieteacuteticos especiais (FAO WHO 2013) e o outro comitecirc que lida com

rotulagem de alimentos (FAO WHO 2012) Estes comitecircs se mobilizaram cada um em seu

15 [] (a) proteger a sauacutede dos consumidores e assegurar praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos [] (e) ajustar agraves normas publicadas apoacutes o exame apropriado agrave luz do desenvolvimento (FAOWHO 2006a p14) [Traduccedilatildeo pessoal]

77

campo de atuaccedilatildeo para revisar a lista de nutrientes declarados no roacutetulo desenvolver

valores de referecircncia de nutrientes e propor novas alegaccedilotildees para os nutrientes de alto

risco (gordura trans)

Entretanto haacute um item importante do documento Global Strategy dirigida ao Codex

que se refere agrave modificaccedilatildeo dos padrotildees de produccedilatildeo e processamento dos alimentos

considerando os preceitos da qualidade nutricional e sanitaacuteria A resposta dada entatildeo pela

CAC foi de caraacuteter paliativo para proteccedilatildeo da sauacutede dos consumidores mas confortaacutevel e

lucrativa para o mercado Propocircs o desenvolvimento de versotildees modificadas dos alimentos

orginalmente natildeo saudaacuteveis diferenciando-os pela reduccedilatildeo dos ingredientes de risco (sal

gorduras e ou accediluacutecares) na composiccedilatildeo e pelo uso de alegaccedilotildees nutricionais no roacutetulo de

forma a auxiliar o consumidor na distinccedilatildeo e na escolha entre esses produtos

Sob o prisma eacutetico e de sauacutede a especificidade de perfil nutricional proposta para

versotildees modificadas dos produtos alimentiacutecios deveria ser regra em funccedilatildeo dos benefiacutecios

que se agregam agrave sauacutede Jaacute o produto alimentiacutecio original com perfil natildeo saudaacutevel deveria

ser completamente abolido do mercado Entretanto verifica-se que eacute o valor econocircmico que

se destaca nessa proposta (versotildees modificadas dos produtos) devido agrave perspectiva de

abertura para expansatildeo de um mercado de produtos alimentiacutecios ldquoespeciaisrdquo de custo mais

alto destinados a um puacuteblico seleto e com discreto impacto sobre a sauacutede da coletividade

Por enquanto esse assunto estaacute em fase de discussatildeo e ainda natildeo extrapolou o ambiente da

CAC

O retardo da Comissatildeo do Codex em se envolver com as iniciativas da OMS e as

propostas de intervenccedilatildeo sugeridas por este Organismo denota que o compromisso

daquela Comissatildeo com a sauacutede da populaccedilatildeo mundial estaacute muito atrelado aos riscos que

impactam os interesses econocircmicos do mercado internacional Isto se evidencia ao se

comparar o desempenho normativo da CAC contra os agentes contaminantes dos produtos

alimentiacutecios em relaccedilatildeo ao delegado aos nutrientes em excesso que tornam os produtos

natildeo-saudaacuteveis Riscos de outra natureza fazem pouco eco no acircmbito dessa Comissatildeo apesar

da visibilidade e abrangecircncia mundial expressas nos dados epidemioloacutegicos que mensuram

tais riscos

78

Produtos alimentiacutecios contaminados ou como veiacuteculos de doenccedilas circulando no

mercado internacional podem ocasionar efeitos nefastos intercontinentais e efeitos

imediatos tanto pelos prejuiacutezos econocircmicos e agrave sauacutede dos consumidores quanto pelos

boicotes agraves empresas envolvidas que podem se propagar aos demais produtos exportados

do paiacutes onde elas se situam Jaacute os efeitos negativos agrave sauacutede ocasionados pelos riscos

envolvendo desvios na qualidade nutricional se processam lentamente e perduram por

longo tempo Aleacutem disso se originam de produtos altamente lucrativos para o mercado

comercializados por poderosas corporaccedilotildees transnacionais

Essa postura negligente para com as demandas coletivas tem gerado criacuteticas

contundentes aos organismos supranacionais como a Comissatildeo do Codex Alimentarius e a

OMC devido ao atual acuacutemulo de poder de governanccedila16 dos sistemas alimentares que eles

detecircm por serem regidos pelos interesses das grandes corporaccedilotildees de mercado Pois satildeo

tais corporaccedilotildees as responsaacuteveis por engendrar as mudanccedilas dieteacuteticas e difundir

globalmente os seus produtos hipercaloacutericos (BRAUM 2001 LANG 1999) Tal situaccedilatildeo

tem suscitado tensotildees e conflitos despertando os primeiros sinais de reaccedilatildeo na esfera da

academia (LANG 1999 LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011) e da sociedade civil

(BRAUM 2001 SANTOS 2005)

Embora as delegaccedilotildees nacionais dos Comitecircs especiacuteficos da CAC sejam compostas por

agentes puacuteblicos de alto escalatildeo administrativo indicados por seus governos haacute permissatildeo

de participaccedilatildeo de representantes da induacutestria das organizaccedilotildees dos consumidores e das

instituiccedilotildees acadecircmicas nessas delegaccedilotildees No entanto o direito a voto eacute exclusivo dos

representantes oficiais do governo cabendo agraves entidades internacionais inclusive da

sociedade civil organizada o direito uacutenico de manifestaccedilatildeo verbal (FAO WHO 2006b)

Contudo a depender dos interesses do governo e das pressotildees poliacuteticas a que ele se

16 Governanccedila no plano global eacute entendida como um conjunto de relaccedilotildees intergovernamentais onde haacute o envolvimento de organizaccedilotildees natildeo governamentais (ONG) movimentos civis empresas multinacionais e mercados de capitais globais que agregam e articulam interesses para buscar soluccedilotildees para problemas comuns A participaccedilatildeo ativa de atores natildeo estatais no cenaacuterio tem contribuiacutedo sobremaneira para ampliar as contribuiccedilotildees e opiniotildees capazes de influir nos resultados seja na esfera das poliacuteticas puacuteblicas ou da regulaccedilatildeo internacional Entretanto o grande desafio esbarra na legitimidade se de fato a sociedade global confere poder e se percebe representada pelos atores que adotam em seu nome decisotildees em campos estrateacutegicos (GONCcedilALVES 2005)

79

submete seu voto pode tender em prol do interesse coletivo ou do privado Aqui eacute que se

potildee em cheque a legitimidade das representaccedilotildees do governo e inclusive da sociedade civil

organizada que natildeo fica imune a tais pressotildees

A capacidade econocircmica das corporaccedilotildees permite tambeacutem barganhar favores e

seduzir materialmente os membros das delegaccedilotildees do Codex para atender aos seus

objetivos em especial aqueles que satildeo fracos em termos econocircmico e eacutetico Eacute mister

esclarecer que no tema em questatildeo os interesses puacuteblicos destoam dos privados Nessa

perspectiva a reflexatildeo de Mckee (1999) aponta que a partir do momento em que se

registrou a participaccedilatildeo massiva dos representantes do setor produtivo nos Comitecircs do

Codex e de alguns integrantes do governo e da academia sem a firmeza quanto aos seus

compromissos com coletivo os interesses dos consumidores e dos cidadatildeos tecircm sido

menosprezados

Face ao exposto os riscos emergentes dos alimentos suscitam reflexatildeo e revisatildeo da

conduta institucional da CAC para que esta possa exercer efetivamente a sua missatildeo de

proteger a sauacutede e assegurar praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos

313 A OMC e os produtos alimentiacutecios lucros ao mercado e prejuiacutezos agrave sauacutede

A partir do ano de 1995 a Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio-OMC17 entidade que

congrega 159 paiacuteses e que lida com as regras globais do comeacutercio (WTO 2013a) adotou as

normas diretrizes e recomendaccedilotildees estabelecidas pelo Codex Alimentarius FAOOMS como

referecircncia para as disputas comerciais de alimentos Essas tornaram-se paracircmetros

juriacutedicos do Acordo sobre a Aplicaccedilatildeo de Medidas Sanitaacuterias e Fitossanitaacuterias - Acordo SPS

17 A OMC foi criada em 1994 como resultado da Rodada Uruguai de negociaccedilotildees multilaterais do comeacutercio e da consequente revisatildeo do Acordo Geral sobre Tarifas e Comeacutercio ndash GATT (sigla em inglecircs) Em decorrecircncia do GATT vaacuterios acordos foram aprovados e inclusive o Acordo Geral de Medidas Sanitaacuterias e Fitossanitaacuterias (SPS) que foi ratificado pelo governo brasileiro por meio do Decreto no 1355 de 30 de dezembro de 1994

80

(WHOFAO 2006) Esse instrumento particularmente merece comentaacuterios por dispor

sobre medidas sanitaacuterias para proteccedilatildeo da vida e da sauacutede humana contra os riscos

resultantes da presenccedila de aditivos e contaminantes em alimentos e bebidas Embora esse

Acordo seja fruto de um consenso entre os paiacuteses-membros participantes daquela

Organizaccedilatildeo isso limita a autonomia dos estados nacionais a construiacuterem suas proacuteprias

regras em determinadas circunstacircncias

Consta do Acordo SPS regido pelos princiacutepios de equivalecircncia natildeo-discriminaccedilatildeo

eficiecircncia transparecircncia e harmonizaccedilatildeo que ao paiacutes-membro eacute permitido adotar ou

aplicar medidas sanitaacuterias necessaacuterias desde que natildeo constituam discriminaccedilatildeo arbitraacuteria

ou injustificaacutevel e que sejam baseadas em princiacutepios cientiacuteficos Preferencialmente

sintonizadas com o princiacutepio da harmonizaccedilatildeo as medidas sanitaacuterias devem ser baseadas

em normas guias e recomendaccedilotildees internacionais e no caso de riscos dos alimentos

seguem aquelas produzidas pelo CAC Caso o paiacutes imponha medidas sanitaacuterias mais

restritivas do que as internacionalmente aprovadas essas devem ser precedidas de uma

avaliaccedilatildeo de riscos conforme as teacutecnicas estabelecidas por essa entidade para justificar as

razotildees da condiccedilatildeo do afastamento da norma Eacute um procedimento altamente complexo e

desafiador para muitos paiacuteses caso decidam por utilizaacute-lo para justificar a regulaccedilatildeo dos

paracircmetros nutricionais de produtos alimentiacutecios

A OMC avalia positivamente a etapa mais recente da globalizaccedilatildeo que resultou no

aumento da integraccedilatildeo dos mercados de produtos e dos fluxos de capital e no dinamismo

do trabalho motivado pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas incremento e agilizaccedilatildeo nos processos

de informaccedilatildeo Para isso houve tambeacutem o suporte dado pelas poliacuteticas econocircmicas de

desregulamentaccedilatildeo e de facilitaccedilatildeo do comeacutercio internacional aleacutem do fluxo de

investimentos internacionais Segundo a OMC todo esse conjunto tem trazido mudanccedilas

importantes a muitos paiacuteses e aos cidadatildeos O comeacutercio livre tem criado oportunidades

comerciais para as empresas exportadoras que oferecem aos consumidores produtos e

serviccedilos diversificados a preccedilos mais baixos (WTO 2008)

Quanto aos alimentos registrou-se a expansatildeo da produccedilatildeo mundial de alimentos e do

aumento da rentabilidade da produccedilatildeo (WTO 2008) No ano de 2012 foi movimentado um

81

volume de exportaccedilatildeo equivalente a 1375 trilhatildeo de doacutelares sendo o Brasil posicionado

como o segundo na lista dos principais paiacuteses negociadores do mundo (WTO 2013b) No

periacuteodo de 1990 a 2012 o Brasil teve uma evoluccedilatildeo espetacular nas exportaccedilotildees de

alimentos em valor monetaacuterio passando de 8697 a 77212 milhotildees de doacutelares (WTO

2013c)

Apesar desse ecircxito comercial crescente as avaliaccedilotildees da OMC consideram que a

reforma do mercado que tornou os negoacutecios mais eficientes culminou com a concentraccedilatildeo

de induacutestrias a formaccedilatildeo de grupos internacionais de produccedilatildeo e aprofundou a

desigualdade elevando o desemprego e os gastos puacuteblicos As assimetrias do mercado

relatadas pela OMC desaguam com quase exclusividade no campo econocircmico Isso decorre

da visatildeo institucional concentrada no mercado e se recusa a perceber as contradiccedilotildees da

globalizaccedilatildeo econocircmica como difusas pois invadem tambeacutem aacutereas como a da sauacutede e da

nutriccedilatildeo Por isso Rayner e colaboradores (2007) afirmam que as poliacuteticas comerciais

precisam se superar em termos de quantificaccedilatildeo do volume de produccedilatildeoconsumo do

sistema global de alimentos e incorporar as consideraccedilotildees nutricionais e dieteacuteticas

elevando a importacircncia da governanccedila alimentar em prol de benefiacutecios puacuteblicos

Sob outra oacutetica os impactos da liberaccedilatildeo do mercado internacional de alimentos tecircm

sido avassaladores para as economias locais de alimentos (PHILLIPS 2006) Os preccedilos dos

alimentos locais tornam-se incapazes de competir com os dos alimentos importados e

distribuiacutedos por cadeias globais em geral alimentos natildeo saudaacuteveis e de baixo custo e que

aniquilam a produccedilatildeo local acarretando reduccedilatildeo de empregos e de oportunidades de renda

(TULLAO 2002) Adicionalmente no acircmbito das economias nacionais multiplicam-se as

transaccedilotildees comerciais efetuadas pelas grandes corporaccedilotildees transnacionais agriacutecolas e de

alimentos que absorvem empresas de menor porte Em consequecircncia as transnacionais

fortalecem-se ainda mais em uma direccedilatildeo ascendente observada desde fins da deacutecada de

90 (CHOPRA 2002) O complexo modo de operaccedilatildeo dessas corporaccedilotildees portanto produz

efeitos nas esferas econocircmica poliacutetica e social

82

Assim frente agrave ordem global instituiacuteda a accedilatildeo soberana dos estados nacionais fica

dificultada Esses passaram a submeter-se a fortes e constantes influecircncias das regras e

acordos internacionais do comeacutercio de alimentos como os liderados pela OMC e pelo Codex

inclusive para lidar com os assuntos de qualidade e de padrotildees de seguranccedila sanitaacuteria

(LUCCHESE 2003) Aleacutem disso haacute uma preocupaccedilatildeo constante daqueles que comandam o

reordenamento do sistema produtivo em influenciar as decisotildees no acircmbito das

organizaccedilotildees intergovernamentais para natildeo comprometer os seus interesses Assim os

representantes dos conglomerados de empresas transnacionais se mobilizam e com

habilidade ocupam os espaccedilos poliacuteticos estrateacutegicos inclusive nas instituiccedilotildees

supranacionais cujo resultado incide diretamente sobre a soberania nacional Segundo

Sklair (2002) eles se comportam como atores poliacuteticos e econocircmicos que se infiltram nas

maacutequinas institucionais constroem alianccedilas ldquomaquiamrdquo resultados de pesquisas

beneficiam funcionaacuterios enfim mobilizam vaacuterias estrateacutegias e recursos para viabilizar a

agenda de interesses do capitalismo global

Diante disso vaacuterios cientistas sociais apontam que a soberania dos estados nacionais

se enfraqueceu com a globalizaccedilatildeo da economia (IANNI 2007 BECK 1999 GIDDENS 1991

BAUMANN 1999) esta agora assume o papel de interlocutor da poliacutetica local e global No

entanto Santos (2005) afirma que o Estado ainda se manteacutem forte apesar do poderio das

empresas transnacionais e das instituiccedilotildees supranacionais pois elas natildeo dispotildeem

isoladamente de poder regulatoacuterio capaz de impor a sua vontade poliacutetica e econocircmica em

um paiacutes em particular Mesmo sob polecircmica essa dominacircncia global-local dificulta o

desenvolvimento de poliacuteticas de controle de mercado que se ajustem aos interesses sociais

particulares de cada espaccedilo nacional pois encobre a diversidade e a especificidade social e

cultural (MALUF VALENTE MENEZES 1996) aleacutem de tender a privilegiar os interesses

econocircmicos privados sobre as demandas coletivas

Nos uacuteltimos anos observa-se uma insurreiccedilatildeo intelectual de profissionais

independentes e dos grupos de consumidores que embora ainda natildeo tenham alcanccedilado

expressividade suficiente para conter os rumos dessas instituiccedilotildees e organizaccedilotildees (SKLAIR

2002) divulgam a sua insatisfaccedilatildeo e formam opiniotildees Do ponto de vista de governo e de

83

sociedade civil reaccedilotildees isoladas de alguns paiacuteses comeccedilam a surgir (PUSKA 2004

HAWKES 2007 BRASIL MS 2012) Poreacutem ainda haacute um longo trajeto a ser percorrido

antes de o tema ldquomelhoria da qualidade dos alimentosrdquo consolidar-se na plataforma de

lutas da sauacutede puacuteblica

No caso do governo brasileiro aleacutem do viacutenculo formal com essas organizaccedilotildees

internacionais haacute tambeacutem viacutenculo com o Mercado Comum do Sul18 - Mercosul que implica

acordos que contemplam requisitos sanitaacuterios No acircmbito do Mercosul os assuntos de

sauacutede satildeo tratados no Subgrupo de Trabalho n0 11 criado com a Resoluccedilatildeo GMC n0 15196

que assume a funccedilatildeo de harmonizar as legislaccedilotildees dos Estados-Partes no que tange aos

bens serviccedilos mateacuterias-primas e produtos da aacuterea da sauacutede bem como aos criteacuterios para

vigilacircncia epidemioloacutegica Aleacutem disso busca compatibilizar os sistemas de controle

sanitaacuterio para promover e proteger a sauacutede e a vida das pessoas e eliminar obstaacuteculos ao

comeacutercio regional (BRASIL MS 2007a) No caso dos produtos alimentiacutecios prevalecem nas

discussotildees as normas Codex Alimentarius (QUEIROZ GIOVANELLA 2011) e desse modo o

tema qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios ainda permanece distante desse

bloco econocircmico

Esse mundo de relaccedilotildees econocircmicas e sociais interconectadas eacute parte do contexto de

discussatildeo dos produtos alimentiacutecios o que impede que sejam tratados como objetos

circunscritos ao espaccedilo nacional Como os riscos dos alimentos globalizados proporcionam

a lucratividade do comeacutercio mundial privado a melhoria dos paracircmetros dos alimentos

exige uma sobrecarga de esforccedilos que incluem mobilizaccedilatildeo de recursos e articulaccedilotildees

diversas tanto nacional como internacional Algo que eacute politicamente desgastante mas

imprescindiacutevel para a defesa da sauacutede da coletividade

18 O Mercosul eacute um bloco econocircmico formado pelos Estados-partes Argentina Brasil Paraguai Uruguai e Venezuela Foi criado em 26 de marccedilo de 1991 por uma Carta Constitutiva ndash o Tratado de Assunccedilatildeo Com a assinatura do Tratado de Ouro Preto em 1994 foi dotado de personalidade juriacutedica nacional e internacional Estaacute fundamentado na livre circulaccedilatildeo de bens serviccedilos e fatores produtivos na reciprocidade de direitos e obrigaccedilotildees entre os Estados-Parte (BRASIL MS 2007a) O Conselho do Mercado Comum eacute a instacircncia poliacutetica maacutexima seguida pelo Grupo Geral do Mercosul que tambeacutem atua como instacircncia decisoacuteria do bloco (BRASIL MS 2003)

84

32 Globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a sauacutede em questatildeo

321 Avanccedilos e retrocessos no mercado dos alimentos

Impulsionado pela globalizaccedilatildeo o mercado de alimentos ampliou a disponibilidade e a

diversidade de produtos mesmo sem ter proporcionado simultaneamente o seu acesso

universal Como consequecircncia interferiu profundamente na cultura alimentar no padratildeo

de consumo dieteacutetico e no estado nutricional de muitas populaccedilotildees do mundo (KENNEDY

NANTEL SHETTY 2006) Nesse percurso de expansatildeo o mercado foi se aperfeiccediloando com

os avanccedilos tecnoloacutegicos em especial no campo da quiacutemica das gorduras (DREWNOWSKI

2003) das mudanccedilas nos preccedilos dos oacuteleos vegetais (WHO 2003b) das descobertas de

novas fontes de accediluacutecar - originaacuteria do milho e de custo inferior (BEGHIN JENSEN 2008)

bem como das modernas teacutecnicas de marketing (HAWKES 2002) Apoiado sob o

investimento internacional esse mercado tornou mais acirrada a competiccedilatildeo entre os

produtos alimentiacutecios de circulaccedilatildeo global e os alimentos de procedecircncia nacional no que

tange ao preccedilo agrave disponibilidade e outros atributos comerciais o que levou agrave substituiccedilatildeo

paulatina dos agentes locais de alimentos pelos globais

Tal conjunto de inovaccedilotildees foi um importante condutor das mudanccedilas nas preferecircncias

dieteacuteticas com a introduccedilatildeo dos alimentos industrializados natildeo saudaacuteveis e de baixo custo

assim como na nutriccedilatildeo e na sauacutede de um contingente expressivo de pessoas (UUSITALO

PIETIENEN amp PUSKA 2002) Essas mudanccedilas fizeram emergir na segunda metade do

seacuteculo XX nas regiotildees industrializadas e posteriormente nos paiacuteses em desenvolvimento

os novos riscos da era contemporacircnea (WHO 2003b)

Durante a consolidaccedilatildeo desse novo tipo de produto alimentiacutecio no mercado de

meados dos anos 60 ateacute os uacuteltimos anos da deacutecada de 90 dois fenocircmenos em direccedilotildees

inversas marcaram as mudanccedilas no padratildeo alimentar o aumento da disponibilidade de

calorias no mundo em torno de 450 quilocalorias (Kcal) per capita por dia ultrapassando

600 Kcal nos paiacuteses em desenvolvimento e o decliacutenio do consumo de produtos baacutesicos ndash

85

raiacutezes tubeacuterculos e cereais ndash e de frutas e hortaliccedilas acompanhado pelo incremento de

oacuteleos vegetais e de produtos caacuterneos excluiacutedos os pescados e pelo aumento na proporccedilatildeo

de energia dos accediluacutecares adicionados nas dietas (WHO 2003b)

Eacute importante salientar que o primeiro fenocircmeno citado possibilitou o aumento do

aporte caloacuterico da dieta de parcelas da populaccedilatildeo que sobreviviam com o consumo

alimentar limitado Na deacutecada de 70 vigorava um cenaacuterio de penuacuteria e de doenccedilas no

mundo no qual o nuacutemero de crianccedilas que morriam na faixa etaacuteria entre zero a cinco anos

era quase o dobro ndash 17 milhotildees - do que se estima atualmente Tal quadro estava

estritamente vinculado agrave condiccedilatildeo de extrema pobreza dessas crianccedilas (WHO 2003c)

Sob a oacutetica de Mazzocchi Shankar amp Traill (2012) essas mudanccedilas na dieta

ocorreram em dois estaacutegios o primeiro resultou no lsquoefeito expansatildeorsquo com o aumento do

suprimento de energia proveniente de produtos alimentiacutecios mais baratos de origem

vegetal poreacutem respeitando a cultura crenccedilas e tradiccedilotildees religiosas No segundo houve o

lsquoefeito substituiccedilatildeorsquo mudanccedila no consumo dos produtos alimentiacutecios - sem mudanccedila no

suprimento energeacutetico total - e que correspondeu a substituiccedilatildeo de carboidratos complexos

(cereais raiacutezes e tubeacuterculos) por oacuteleos vegetais produtos de origem animal (alimentos

laacutecteos e caacuterneos) e accediluacutecar Essas mudanccedilas tanto podem indicar uma melhoria (se haacute

incremento de frutas e vegetais) como prejuiacutezo da dieta (se haacute aumento de accediluacutecar e gordura

saturada)

Em quase todos os paiacuteses da Ameacuterica Latina entre os anos de 1990 e 1999 foi

registrado o aumento da disponibilidade energeacutetica exceto na Venezuela Em meados dos

anos 90 o consumo de cereais raiacutezes frutas e legumes declinou um pouco enquanto que o

de proteiacutena de origem animal (carne peixe ovos leite e derivados) de accediluacutecar e das

gorduras aumentou O padratildeo de dieta tradicional da Ameacuterica Latina rica em

polissacariacutedeos complexos micronutrientes e fibras comeccedila a se reconfigurar com a

inclusatildeo de quantidades elevadas de accediluacutecares refinados produtos de origem animal e

alimentos altamente processados devido aos impactos da globalizaccedilatildeo da dieta

(BERMUDEZ amp TUCKER 2003)

86

Enquanto isso a invasatildeo dos produtos alimentiacutecios prossegue e se estende a

territoacuterios extremos Como o mercado de paiacuteses de alta renda estaacute esgotado as novas bases

de instalaccedilatildeo das corporaccedilotildees de alimentos tecircm sido guiadas pelo incremento da renda

meacutedia global gasta em alimentos evidenciado nos paiacuteses em desenvolvimento (MOODIE et

al 2013) Assim elas se mobilizam para atrair novos consumidores e expandem suas

vendas para esses novos mercados Com o foco restrito na obtenccedilatildeo de lucros

extraordinaacuterios essas corporaccedilotildees vendem seus produtos alimentiacutecios inventados com

tecnologias que se utilizam de misturas de ingredientes de custos baixos e agrave base de altos

teores de accediluacutecar gordura sal e aditivos com o apoio de um robusto aparato publicitaacuterio

(CHOPRA 2002 MOODIE et al 2013 HAWKES 2002 MONTEIRO 2009) Entram nesses

paiacuteses completamente livres e desprovidas de compromissos eacuteticos para ofertar seus

produtos que pouco nutrem mas que muitos efeitos provocam na sauacutede da populaccedilatildeo

(STUCKLER amp NESTLE 2012)

Em muitos desses paiacuteses a entrada das corporaccedilotildees transnacionais de alimentos tem

sido fomentada por distintos mecanismos alguns deles jaacute abordados neste trabalho Satildeo

eles os investimentos estrangeiros diretos na cadeia produtiva de alimentos a reduccedilatildeo de

barreiras e o controle e a pressatildeo exercidos sobre a produccedilatildeo agriacutecola local Esses

mecanismos tanto reduzem os preccedilos das mateacuterias-primas como desestruturam os

mercados locais Desenha-se entatildeo uma conjuntura poliacutetica e econocircmica que cria um

mercado para os produtos altamente processados em detrimento dos alimentos saudaacuteveis

e proacuteprios da cultura local aleacutem de gerar outros efeitos nefastos agrave sauacutede e agrave economia dos

paiacuteses onde essas empresas se instalam (LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011)

Em decorrecircncia disso ocorrem alteraccedilotildees no perfil das dietas asiaacuteticas - chinesa e

japonesa - antes ricas em carboidratos complexos e na brasileira como resultado da

provaacutevel conexatildeo entre as preferecircncias sensoriais inatas a disponibilidade maior de

gorduras baratas na economia global e as raacutepidas mudanccedilas sociais nas sociedades de baixa

renda (DREWNOWSKI POPKIN1997) Fenocircmeno similar tambeacutem estaacute ocorrendo na Iacutendia

(VEPA 2006) Nesse contexto eacute possiacutevel inferir que para os pobres dessas sociedades a

conquista do acesso aos alimentos eacute apenas uma etapa Haacute ainda outros enfrentamentos

87

necessaacuterios para superar o fosso entre a acessibilidade e a garantia de um produto

saudaacutevel em termos nutricionais

Jaacute na Ameacuterica Central a reduccedilatildeo das tarifas de importaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

dos Estados Unidos resultou nas mudanccedilas da dieta habitual na inibiccedilatildeo da produccedilatildeo local

e na elevaccedilatildeo das importaccedilotildees de alimentos a qual ascendeu em 115 no intervalo

decorrido entre o iniacutecio da deacutecada de 90 e o novo milecircnio Concomitantemente ao aumento

da disponibilidade de carnes frutas e legumes - efeito promissor - houve tambeacutem o

incremento dos produtos ultraprocessados (doces cookies batatas chips salgadinhos e

similares) associados com a transiccedilatildeo nutricional e implicaccedilotildees com doenccedilas (THOW

HAWKES 2009)

Enfim haacutebitos e praacuteticas alimentares tradicionais estatildeo se desfazendo em diferentes

espaccedilos geograacuteficos do globo tanto em locais pouco conhecidos como Tonga na Oceania

(EVANS et al 2001) como em locais estrateacutegicos como o Brasil onde os alimentos

tradicionais da dieta nacional - como o feijatildeo a farinha de mandioca o arroz e a farinha de

milho- vecircm sendo cada vez menos consumidos e estatildeo paulatinamente sendo substituiacutedos

pelos produtos ultraprocessados em especial na alimentaccedilatildeo extradomiciliar (BEZERRA et

al 2013) Os dados da uacuteltima Pesquisa de Orccedilamentos Familiares- POF 2008-2009

revelaram que as famiacutelias urbanas brasileiras com mais baixa renda investem

proporcionalmente mais recurso em refrigerante biscoitos e macarratildeo do que aquelas de

mais alta renda (BRASIL IBGE 2011) Segundo Bleil (1998) todas essas mudanccedilas na dieta

ocorrem com o suporte da estrutura publicitaacuteria que impotildee a cultura global como siacutembolo

da modernidade escamoteia os interesses de mercado destroacutei a cultura local e omite os

riscos dos produtos ofertados

Os mecanismos utilizados natildeo poupam nem sequer a tradicional dieta mediterracircnea

mundialmente reconhecida por sua legiacutetima fama de ser saudaacutevel Os resultados da uacuteltima

pesquisa nacional revelam que os estudantes espanhoacuteis estatildeo substituindo os alimentos

convencionais por alimentos industrializados natildeo saudaacuteveis tais como massas

refrigerantes sucos de frutas bolos snacks e fast-foods e rejeitando folhosos legumes e

88

peixes (FERNAacuteNDEZ SAN JUAN 2006) No entanto isso natildeo eacute uma particularidade da

Espanha pois toda a populaccedilatildeo europeia tem sido exposta aos efeitos nocivos da promoccedilatildeo

e da disponibilizaccedilatildeo de produtos alimentiacutecios pobres em termos nutricionais em especial

as crianccedilas e os adolescentes pertinentes aos estratos de renda baixa (WHO 2006)

Essas corporaccedilotildees transnacionais de alimentos19 aleacutem de intervirem em todas as

etapas do sistema de produccedilatildeo apresentam um esquema complexo de movimentaccedilotildees

intercontinentais orientado por estrateacutegias comerciais e o negoacutecio-chave da maioria delas

satildeo os produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis como snacks foods chocolates cereais e

biscoitos refrigerantes e confeitos Como ilustraccedilatildeo evidencia-se que a companhia Kellogs

tem induacutestrias de processamento na China Iacutendia Japatildeo Coreacuteia do Sul e Tailacircndia para

suprir as cadeias de distribuiccedilatildeo na Aacutesia a Pepsico continua a expandir a sua vasta linha de

marketing internacional em snack foods atualmente com foco na Ameacuterica Latina e Aacutesia-

Paciacutefico e as corporaccedilotildees Nestleacute Kraft e Unilever jaacute operam em quase 140 paiacuteses (REGMI

amp GEHLHAR 2005) A Nestleacute particularmente situa-se como uma das cinco principais

companhias de alimentos do Brasil Iacutendia Meacutexico Ruacutessia Estados Unidos e Aacutefrica do Sul

(MOODIE et al 2013) o que significa disponibilizar os seus produtos a um contingente de

pessoas que corresponde a 276 da populaccedilatildeo mundial (UN 2013)

O comeacutercio varejista transnacional tambeacutem se beneficiou com uma raacutepida expansatildeo

na Ameacuterica Latina (LABONTEacute MOHINDRA LENCUCHA 2011) e em outros paiacuteses

desenvolvidos (FAO 2006) Os Estados Unidos a Uniatildeo Europeia e o Japatildeo juntos

dominam este tipo de comeacutercio e contam com 60 do total de vendas a varejo de produtos

alimentiacutecios processados no mundo (REGMI amp GEHLHAR 2005) A raacutepida

multinacionalizaccedilatildeo das cadeias de supermercados e a sua forma de atuaccedilatildeo concorrem

para consolidar um tipo de praacutetica de consumo alimentar com consequentes implicaccedilotildees

nutricionais A acessibilidade a disponibilidade a variedade satildeo estiacutemulos agrave aquisiccedilatildeo de

19 Constituem-se de um conglomerado de grandes empresas de alimentos com subsidiaacuterias em vaacuterios paiacuteses que realizam o fornecimento global de seus suprimentos a centralizam o capital estrateacutegico recursos e tomada de decisotildees e manteacutem operaccedilotildees em vaacuterios paiacuteses para tornar o mercado global mais unificado Comporta-se como atores poderosos no cenaacuterio socio-economico mundial

89

diferentes itens alimentares especialmente os densamente energeacuteticos Aleacutem disso estes se

beneficiam pela adoccedilatildeo de estrateacutegias de preccedilos baixos de promoccedilatildeo de faacutecil visualizaccedilatildeo e

de acesso no local de venda que confrontam com as desiguais condiccedilotildees de oferta das frutas

e verduras as quais tendem a ser mais caras em funccedilatildeo das peculiaridades de produccedilatildeo

Todo esse aparato faz despontar as vendas de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis sendo

parte expressiva da explicaccedilatildeo das mudanccedilas nos haacutebitos do aumento da demanda e da

preferecircncia dos consumidores e das doenccedilas crocircnicas de origem dieteacutetica (HAWKES 2008)

A introduccedilatildeo desses novos tipos de alimentos implicou reformulaccedilatildeo no perfil das

despesas com os alimentos cujo impacto foi maior nos paiacuteses em desenvolvimento

Segundo Popkin (2006) entre os anos de 1990 e 2000 as vendas de alimentos agrave varejo em

supermercados elevaram-se de 15 a 60 na Ameacuterica Latina Nesses locais se comercializam

produtos alimentiacutecios do tipo processado e natildeo saudaacutevel mas tambeacutem aqueles de

qualidade nutricional balanceada No entanto satildeo para os produtos do primeiro tipo que o

aparato de estiacutemulos agrave venda dirige o seu foco

Esse aumento nas despesas per capita coincide com o aumento das vendas de

produtos processados nos paiacuteses em desenvolvimento Entre o periacuteodo de 1998-2003 os

paiacuteses considerados com mais baixa renda e de renda meacutedia baixa tiveram um crescimento

meacutedio anual de vendas superior ao dos demais paiacuteses oscilando entre 81 a 563 no

que se refere aos cereais matinais oacuteleos e gorduras refeiccedilotildees prontas produtos laacutecteos e

produtos secos Quando esses dados foram comparados com os paiacuteses de mais alta renda

observou-se que esse crescimento neste grupo de paiacuteses foi miacutenimo sendo que a taxa mais

elevada alcanccedilada para uma dessas categorias de produtos foi de 47 (MAZZOCCHI

SHANKAR TRAILL 2012)

Embora seja breve o panorama traccedilado da atuaccedilatildeo do mercado de alimentos em

especial das corporaccedilotildees de induacutestrias e de comeacutercio varejista torna-se possiacutevel entender o

porquecirc de vaacuterios estudos terem apontado a interface entre a globalizaccedilatildeo do mercado de

alimentos a transiccedilatildeo dieteacutetica e a disseminaccedilatildeo internacional dos fatores de riscos para as

DCNT (MOODIE et al 2013 RAYNER et al 2013 LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011

TULLAO 2002) Conforme ateacute aqui apresentado para a internacionalizaccedilatildeo dos negoacutecios de

90

alimentos ter excepcional sucesso lucrativo foi necessaacuterio desestabilizar a vida econocircmica

local e a sauacutede da maior parte da populaccedilatildeo

322 A publicidade de produtos alimentiacutecios e os efeitos sobre o comportamento e

a sauacutede

Diferentes espaccedilos da vida cotidiana satildeo preenchidos com a publicidade comercial

de produtos alimentiacutecios que satildeo dirigidas a diferentes puacuteblicos especialmente agrave clientela

infantil Satildeo utilizados distintos canais de veiculaccedilatildeo e teacutecnicas convencionais e atuais

como televisatildeo internet videogames malas-diretas cartazes outdoors entre outros e que

de forma insistente e contiacutenua destinam-se a estimular a venda de produtos e

simultaneamente a inculcar valores haacutebitos e comportamentos

A publicidade comercial agressiva de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis reportados

como siacutembolos de status social tem motivado os indiviacuteduos especialmente aqueles

residentes nas aacutereas urbanas e suburbanas a substituiacuterem os alimentos tradicionais (WHO

1990) Com base nas evidecircncias sobre a influecircncia da propaganda de produtos alimentiacutecios

- tipo fast-food e produtos com alta densidade energeacutetica e pobres em micronutrientes - na

definiccedilatildeo das escolhas alimentares de crianccedilas e adolescentes e consequentemente no

aparecimento do excesso de peso e da obesidade (WHO 2003a) a OMS passou a

recomendar aos governos a regulamentar o comeacutercio a publicidade e a rotulagem desses

produtos como uma das medidas para proteger as crianccedilas contra os problemas de sauacutede

relacionados ao consumo desses alimentos (WHO 2004a WHO 2006)

Dentre os recursos publicitaacuterios a propaganda televisiva eacute o meio de promoccedilatildeo de

produtos e de estiacutemulo agraves vendas que tem maior capacidade de adentrar os lares

transformar as tradiccedilotildees familiares e alienar os indiviacuteduos por meio do colorido das

fantasias e dos valores que se mesclam e se conectam aos produtos alimentiacutecios criando

um efeito indissociaacutevel entre o produto e a sua roupagem imaginaacuteria que convence e

91

estimula os indiviacuteduos a adquiri-los

As crianccedilas satildeo aliciadas pelo poder de persuasatildeo da propaganda a desejar produtos

a qual se beneficia de sua inexperiecircncia e credulidade (WHO 2006) Robinson et al (2007)

constataram que os efeitos da propaganda atingem crianccedilas em estaacutegios precoces da vida

entre 3 e 5 anos de idade cujas preferecircncias de gosto foram associadas a uma marca liacuteder

na publicidade e nas vendas de produtos alimentiacutecios

Para o mercado as crianccedilas somam trecircs caracteriacutesticas que as convertem em maiores

clientes potenciais a primeira eacute que estatildeo propensas a adquirir todos os tipos de produtos

que se pode ofertar inclusive pela compra direta com o seu proacuteprio dinheiro a segunda

pela sua capacidade de influenciar a decisatildeo de compra dos pais e por uacuteltimo por se

constituiacuterem em consumidores do futuro (SANTOS 2009) Esse eacute o panorama que orienta

as empresas para definir a composiccedilatildeo a imagem o conteuacutedo e os meios de veiculaccedilatildeo dos

materiais publicitaacuterios relativos aos seus produtos alimentiacutecios

Segundo Hastings (2006) cinco categorias de produtos dominam a publicidade de

produtos alimentiacutecios refrigerantes cereais preacute-adoccedilados doces lanches e fast food O

efeito provocado nas crianccedilas pela exposiccedilatildeo intensa a esses tipos de produto eacute o de

exacerbar um comportamento de consumo excessivo (HARRIS et al 2009 HASTINGS et al

2003 HAWKES 2006) Estudo posterior em que se registrou o distanciamento das crianccedilas

da publicidade comercial televisiva de produtos obesogecircnicos concluiu que tal medida

pode ocasionar um impacto significativo na reduccedilatildeo da obesidade infantil (ZIMMERMAN

BELL 2010)

No caso do Brasil observou-se que o perfil de produtos alimentiacutecios mais divulgados

coincide com o referido por Hastings (2006) Apoacutes o registro de 432 horas de gravaccedilatildeo nas

televisotildees brasileiras em dias uacuteteis em horaacuterios entre 8 e 22 horas observou-se que dos

1395 anuacutencios 578 foram enquadrados no grupo da piracircmide alimentar referente a

gorduras oacuteleos accediluacutecares e doces seguido pelo grupo de patildees cereais arroz e massas

(21) Os grupos de laacutecteos e de caacuterneos e leguminosas alcanccedilaram em torno de 10

havendo uma completa ausecircncia da divulgaccedilatildeo de frutas e verduras (ALMEIDA

92

NASCIMENTO QUAIOTI 2002)

Aleacutem das diversas modalidades de publicidade que induz ao consumo de produtos

alimentiacutecios Chandon amp Wansink (2012) ainda elencam trecircs outros elementos que

imputem vantagens tais produtos o preccedilo a curto e longo prazos o produto em si em

termos de quantidade e qualidade que determina o quanto se pode consumir e por fim o

ambiente de consumo que inclui a disponibilidade e a conveniecircncia do ato de alimentar-se

Contudo observa-se que haacute uma engrenagem sensorial que antecede e deflagra o

estiacutemulo ao consumo do produto alimentiacutecio Isso envolve diferentes elementos como o

cenaacuterio da publicidade e do local de consumo o design visual das embalagens e a

praticidade do consumo a hiperpalatibilidade o som produzido pela crocacircncia a

exuberacircncia da cor e o superdimensionado conteuacutedo liacutequido que somados ao baixo preccedilo

de aquisiccedilatildeo do produto satildeo capazes de despertar o ato volitivo do indiviacuteduo e conduzi-lo

ao consumo inclusive compulsivo

Com o intento de dominar o movimento de ocidentalizaccedilatildeo da dieta e criar um mundo

unificado para os seus produtos as companhias de fast foods e de refrigerantes

desenvolvem atividades de marketing de alcance mundial diversificadas e abrangentes com

o objetivo de criar novos haacutebitos de consumo desde a adequaccedilatildeo de preccedilos e de embalagem

ateacute o patrociacutenio de atividades desportivas e filantroacutepicas (HAWKES 2002) Segundo essa

autora a regiatildeo da Ameacuterica Latina eacute a representante da primeira experiecircncia de expansatildeo

da Coca-Cola e Pepsi e hoje apresenta a segunda taxa de consumo mais elevada

ultrapassada apenas pelos EUA Nesta regiatildeo o Brasil eacute o paiacutes onde haacute o terceiro maior

consumo de bebidas carbonatadas natildeo alcooacutelicas ndash tiacutetulo este que natildeo requer

comemoraccedilatildeo mas que desperta bastante preocupaccedilatildeo face ao panorama de obesidade e

outras DCNT registrado na populaccedilatildeo brasileira

Nos Estados Unidos impera uma competiccedilatildeo perversa entre os alimentos tipo junk

foods como as principais fontes de receita para as empresas de alimentos e as taxas de

obesidade infanto-juvenil com sua ascensatildeo vertiginosa desde a deacutecada de 70 (NESTLE

2006) Conforme a autora esse fato tem provocado reaccedilotildees da sociedade que se

93

manifestam por meio de accedilotildees judiciais e de pressatildeo por regulaccedilatildeo Com isso as empresas

se esforccedilam para apoiar programas de sauacutede anunciar poliacuteticas renunciando publicidade

dirigida agraves crianccedilas e fazer seus produtos parecerem mais saudaacuteveis disfarccedilando-os com o

enriquecimento com vitaminas ingredientes integrais e eliminando as gorduras trans

Todavia essas empresas continuam a concentrar seus investimentos publicitaacuterios nos

doces nos refrigerantes e nos salgadinhos

A publicidade eacute uma estrateacutegia comercial poderosa para expor um produto

alimentiacutecio com fins de seduzir convencer e conquistar os consumidores e ainda de

transpor diversas culturas Apoacutes ter vivenciado a fase de diversificaccedilatildeo do consumo pelo

aumento dos alimentos tradicionais a Iacutendia enfrenta agora o processo de mudanccedila na

cultura alimentar com a introduccedilatildeo dos alimentos processados densamente energeacuteticos

suportados pela publicidade do McDonalds Coca-Cola Pepsi e similares e pelas cadeias de

fast-food e de supermercados (PINGALI KHWAJA 2004) Quadro de mudanccedilas esse com

muacuteltiplos efeitos econocircmicos e sociais tais como ajustes bruscos na cadeia produtiva local

para atender as demandas das corporaccedilotildees estrangeiras aleacutem de mudanccedilas aceleradas no

perfil de sauacutede e nas taxas de doenccedilas crocircnicas nos centros urbanos daquele paiacutes

Embora haja algumas lacunas de conhecimentos para confirmar a triacuteade publicidade-

alto consumo de produtos natildeo saudaacuteveis-obesidade (McDERMOTT STEAD HASTINGS

2007) e do impacto concreto da regulaccedilatildeo da publicidade na prevenccedilatildeo obesidade infantil

(HAWKES 2007) vaacuterios autores defendem o controle da publicidade de alimentos para o

puacuteblico infantil (McDERMOTT STEAD HASTINGS 2007 HAWKES 2007 NESTLE 2006

STUCKLER NESTLE 2012 WHO 2006) e os paiacuteses comeccedilam a instituir regras

compulsoacuterias especiacuteficas (HAWKES 2006)

Como a publicidade natildeo dispensa os ambientes escolares pois satildeo locais propiacutecios

para alcanccedilar as crianccedilas e os adolescentes instrumentos de controle estatildeo sendo

instituiacutedos com fins de evitar impactos negativos sobre a sauacutede desses indiviacuteduos Assim

regulamentaccedilotildees disciplinando o consumo de alimentos nestes estabelecimentos tecircm sido

aprovadas em paiacuteses como o Brasil Franccedila e Estados Unidos Quando haacute obstaacuteculos para

definir regras regulamentadoras diretrizes satildeo estabelecidas sobre o assunto como

94

ocorreu em Fiji Reino Unido e Canadaacute (HAWKES 2007)

Indubitavelmente haacute um viacutenculo entre a publicidade e o comeacutercio de produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis e os riscos agrave sauacutede que tem posto a conduta eacutetica das empresas

de alimentos sob suspeiccedilatildeo Isso se expressa sob diferentes formas por natildeo estimularem os

indiviacuteduos em especial as crianccedilas a fazerem escolhas favoraacuteveis ao cuidado e manutenccedilatildeo

de sua sauacutede (HAWKES 2007) e por colocarem sobre as pessoas e a sociedade o ocircnus

exclusivo de carregarem o fardo da doenccedila induzido pelos estiacutemulos sistemaacuteticos do

mercado Esse tipo de desrespeito agrave eacutetica contraria direitos sob um duplo aspecto - a

proteccedilatildeo da infacircncia e a preservaccedilatildeo da sauacutede E dessa forma uma intervenccedilatildeo puacuteblica no

campo da regulaccedilatildeo da publicidade torna-se plenamente justificaacutevel para resguardar esses

direitos ameaccedilados por uma atividade comercial desenfreada

323 Palatabilidade saciedade custo e praticidade dos produtos alimentiacutecios

Vaacuterios estudos buscam desvendar os mecanismos desencadeadores dos estiacutemulos que

levam ao consumo excessivo de alimentos natildeo saudaacuteveis e que repercutem sobre as taxas

de obesidade e de DCNT Duas caracteriacutesticas desses alimentos tecircm sido selecionadas para

investigaccedilatildeo a palatibilidade e a saciedade A primeira por exaltar o prazer da degustaccedilatildeo e

a segunda por sua relaccedilatildeo entre o custo energeacutetico e satisfaccedilatildeo

Durante a investigaccedilatildeo verificou-se que a palatabilidade e a saciedade relacionadas

respectivamente ao apetite e agrave satisfaccedilatildeo do consumo produzem efeitos interdependentes

Nos produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis o comportamento desses efeitos eacute oposto o

aumento do consumo reduz a velocidade de resposta agrave saciedade jaacute nos alimentos in

natura observa-se que o aumento do consumo conduz gradualmente agrave saciedade

(SWINBURN et al 2004 DREWNOWSKI 1999)

Esse mecanismo de efeito inverso eacute explicado pelo fato de o iacutendice de saciedade ser

inversamente proporcional agrave disponibilidade de energia e diretamente proporcional ao

95

peso dos alimentos consumidos o que faz com que os alimentos com energia diluiacuteda

tendam a ser mais saciaacuteveis poreacutem menos palataacuteveis enquanto os densamente energeacuteticos

sejam mais palataacuteveis e menos saciaacuteveis (DREWNOWSKI et al 2004)

Densidade energeacutetica composiccedilatildeo nutricional volume e aspectos sensoriais satildeo

traccedilos diferenciadores dos alimentos palataacuteveis daqueles do tipo saciaacuteveis No primeiro

grupo o alto conteuacutedo de accediluacutecar de gordura e de energia aliado ao baixo volume e aos

aspectos doce e gorduroso formam o seu arcabouccedilo (batata frita biscoitos etc) enquanto

caracteriacutesticas opostas agraves relacionadas formam o perfil dos alimentos com alto poder de

saciedade (frutas legumes etc) Em siacutentese alimentos com alta densidade energeacutetica que

contecircm accediluacutecar e gordura satildeo mais palataacuteveis e menos saciaacuteveis (DREWNOWSKI 1999)

Swinburn e colaboradores (2004) esclarecem como procede o comportamento dos

alimentos gordurosos e doces frente agrave palatibilidade e agrave saciedade Alimentos altamente

gordurosos tecircm um fraco impacto na saciedade porque a gordura carreia compostos

aromaacuteticos que datildeo sabor aos alimentos tornando-os de alta palatibilidade e em parte

conduzindo ao consumo descontrolado em excesso Assim a alta palatabilidade associada agrave

autoregulaccedilatildeo metaboacutelica relativamente deacutebil das dietas com altos teores de gordura

constituem o desafio Quanto ao teor de accediluacutecares o autor afirma que embora pareccedila

limitada a resposta hedoniacutestica a doccedilura tambeacutem aumenta a palatibilidade de muitos

alimentos o que tambeacutem parece conduzir ao superconsumo Nesse sentido sendo a

gordura e o accediluacutecar vinculados ao aumento da palatibilidade dos alimentos os produtos

processados contendo alto teor desses dois componentes podem conduzir ao ganho de

peso Quando o autor se refere ao aporte energeacutetico de bebidas como no caso dos

refrigerantes ele afirma ter um valor baixo por sofrer diluiccedilatildeo pelo alto teor de aacutegua

nesses produtos Esse mesmo autor argumenta que em termos fisioloacutegicos o impacto da

densidade de energia de alimentos soacutelidos natildeo pode ser transposta para os alimentos

liacutequidos sendo prudente consideraacute-lo em separado

Outro ponto relevante relaciona-se ao custo monetaacuterio dos alimentos em relaccedilatildeo a

sua densidade energeacutetica o qual eacute de extrema importacircncia para ser considerado no

desenho das poliacuteticas puacuteblicas de nutriccedilatildeo porque impacta diretamente no orccedilamento das

96

famiacutelias com baixo rendimento DREWNOWSKI (2010) afirma que os alimentos

considerados saudaacuteveis como os grupos de legumes de frutas e de carnes frangos e peixes

apresentaram um custo monetaacuterio por calorias extremamente alto e maiores teores de

proteiacutenas minerais e vitamina C em relaccedilatildeo aos grupos de accediluacutecares doces e bebidas e de

oacuteleos gorduras e molhos Entretanto os grupos de frutas e de legumes foram os que

apresentaram a mais baixa densidade energeacutetica e superaram os demais grupos em

conteuacutedo de aacutegua e custo da porccedilatildeo meacutedia servida tornando-os mais caro em termo de

custo de energia comparativamente ao conjunto analisado Em outro estudo Andrieu

Darmon amp Drewnowski (2006) utilizando registro de dietas de franceses reconfirmam que

a escolha livre de dietas de baixo custo tende a ser densamente energeacutetica e pobre em

nutrientes-chave exceto para caacutelcio e fibras Jaacute as vitaminas antioxidantes presentes em

frutas e legumes foram associadas a um custo energeacutetico mais alto

Produtos alimentiacutecios com alta palatibilidade elevada densidade energeacutetica valor

social embutido e custo relativamente baixo satildeo elementos que atraem o consumidor

apesar de serem considerados ldquonatildeo saudaacuteveisrdquo Soma-se ainda a praticidade para consumo

que apresentam pois na maioria das vezes jaacute estatildeo prontos ou requerem operaccedilotildees

miacutenimas de aquecimento fato que assume relevacircncia em um cotidiano em que a escassez

de tempo eacute imperativa

Por fim os produtos alimentiacutecios com alto poder de palatibilidade e baixo poder de

saciedade constituem o sucesso das empresas transnacionais de alimentos cuja

disseminaccedilatildeo global tem interferido na vida na sauacutede e na economia de muitas populaccedilotildees

independente do seu posicionamento no ciclo da vida sendo os pobres os mais afetados

conforme seraacute evidenciado no capiacutetulo a seguir

97

4 A DINAcircMICA DAS TRANSICcedilOtildeES dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

41 O percurso da transiccedilatildeo dieteacutetica agrave transiccedilatildeo nutricional

Durante a realizaccedilatildeo do levantamento bibliograacutefico observou-se a passagem do uso

do termo ldquotransiccedilatildeo dieteacuteticardquo (WHO 1990) para ldquotransiccedilatildeo nutricionalrdquo (WHO 2002b) nos

documentos oficiais da OMS e em outros artigos cientiacuteficos (CHOPRA 2002 POPKIN

2006) ambos estabelecendo distintos paralelos com as transformaccedilotildees no perfil

nutricional e epidemioloacutegico das populaccedilotildees Nesse sentido breves consideraccedilotildees seratildeo

feitas sobre o contexto empregado e suas implicaccedilotildees na compreensatildeo dos fenocircmenos

nutricionais

Em 1990 a OMS utiliza a transiccedilatildeo dieteacutetica para explicar as mudanccedilas ocorridas na

dieta nas quatro deacutecadas anteriores e argumenta que elas resultaram no aumento do

consumo de gorduras saturadas de carboidratos simples alimentos defumados e

conservados a base de sal snack foods bebidas alcooacutelicas de pickles diminuiccedilatildeo do

consumo de legumes e frutas cujos efeitos repercutiram no padratildeo de morbimortalidade

elevando as taxas de obesidade doenccedilas coronarianas diabetes hipertensatildeo cacircncer etc

(WHO 1990) A transiccedilatildeo dieteacutetica entatildeo situa-se no corpo de transformaccedilotildees ocorridas na

composiccedilatildeo da dieta sendo explicada por um conjunto de elementos que evidenciam

mudanccedilas nos tipos de nutrientes e de alimentos que prejudicam a sauacutede A dieta eacute

assumida como um dos fatores relacionado agraves alteraccedilotildees no tipo e na frequecircncia de

doenccedilas

A anaacutelise da transiccedilatildeo dieteacutetica eacute esmiuccedilada como um fenocircmeno especiacutefico que se

processou paralelamente agraves mudanccedilas no estilo de vida o qual levou agrave reduccedilatildeo da atividade

fiacutesica ao aumento do estresse entre outros fatores que modificaram o padratildeo de

morbimortalidade Foram mudanccedilas de vaacuterias ordens ocorrendo no mesmo espaccedilo de

98

tempo e transformando o perfil de doenccedilas dos paiacuteses emergentes tornando-o proacuteximo

aos dos paiacuteses afluentes Uma dessas mudanccedilas ocorreu no padratildeo alimentar

Nesse contexto dieta e estilo de vida apresentam-se como entidades associadas mas

natildeo devidamente articuladas para que se permita observaacute-las como eventos que interagem

entre si e conduzem ao aumento ou agrave diminuiccedilatildeo das condiccedilotildees de exposiccedilatildeo ao risco agraves

doenccedilas

Aproximadamente uma deacutecada depois a OMS passa a adotar a transiccedilatildeo nutricional

para sintetizar as mudanccedilas nos fatores de risco e doenccedilas Trata-se do aumento do

consumo de produtos processados hipercaloacutericos (ricos em accediluacutecares e gorduras de baixo

custo) em detrimento dos alimentos crus em um contexto de atividade fiacutesica reduzida que

vem concorrendo para a epidemia da obesidade e do aumento da prevalecircncia de outras

DCNT e que passa a coexistir com a subnutriccedilatildeo residual (WHO 2002b) Logo em seguida a

OMS esclarece que os niacuteveis ascendentes das DCNT derivam das mudanccedilas na dieta em

termos qualitativo e quantitativo e da inatividade fiacutesica atreladas a padrotildees de trabalho e

lazer inadequados Ressalta tambeacutem que essa experiecircncia agora manifesta-se

especialmente nos paiacuteses em desenvolvimento (WHO 2003b)

Essa transiccedilatildeo marca portanto o enfrentamento dos paiacuteses em desenvolvimento com

dois fenocircmenos da nutriccedilatildeo de naturezas aparentemente opostas mas com traccedilo essencial

comum de um lado o desafio emergente do sobrepeso obesidade e outras DCNT e de

outro a permanecircncia da subnutriccedilatildeo e deficiecircncias de micronutrientes na populaccedilatildeo

Contudo esses dois problemas nutricionais somaram-se e concentraram-se sobre camadas

sociais pobres nesses grupos de paiacuteses

Observa-se que na ldquotransiccedilatildeo nutricionalrdquo natildeo se estabelece uma dissociaccedilatildeo entre as

transiccedilotildees ocorridas na dieta nas doenccedilas e nos comportamentos relativos agrave atividade

fiacutesica Todos estatildeo interligados nesse conceito Esse conceito tambeacutem utiliza o termo

geneacuterico ldquodietardquo haacute a agregaccedilatildeo de um outro especiacutefico que denomina e qualifica os

alimentos implicados produtos industrializados hipercaloacutericos e de baixo custo

99

A compreensatildeo da transiccedilatildeo nutricional foi se aprimorando passando a ser assumida

como um processo que revela a inversatildeo nos padrotildees de distribuiccedilatildeo dos problemas

nutricionais de uma dada populaccedilatildeo no tempo sendo referenciada pela elevaccedilatildeo da

prevalecircncia de obesidade e o raacutepido decliacutenio da desnutriccedilatildeo (BATISTA FILHO RISSIN

2003) vinculando-se a diferentes estaacutegios de desenvolvimento econocircmico-social do paiacutes

(KAC VELAgraveSQUEZ-MELEacuteNDEZ 2003)

Face ao exposto observa-se que a transiccedilatildeo nutricional comeccedila a romper com uma

abordagem estritamente teacutecnica e desprovida de qualquer menccedilatildeo a componentes poliacuteticos

e econocircmicos e passa a ser reconhecida como um evento proacuteprio da dinacircmica da sociedade

e portanto derivado das transformaccedilotildees sociais que revolucionaram a nutriccedilatildeo global em

especial as praacuteticas de consumo alimentar

No Brasil a transiccedilatildeo nutricional consolidou-se muito rapidamente em apenas trecircs

deacutecadas conforme revelam os resultados de trecircs inqueacuteritos nacionais o Estudo Nacional

sobre Despesas Familiares (ENDEF)-197475 a Pesquisa Nacional sobre Sauacutede e Nutriccedilatildeo

(PNSN) -1989 a Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede (PNDS)-199596 (BATISTA

FILHO RISSIN 2003) Mas na POF 200203 ainda se observa um decliacutenio da prevalecircncia

de deacuteficit de peso por idade em menores de cinco anos atingindo 46 - quando

comparado com o resultado de 166 obtido no ENDEF- 197475 ndash e concomitantemente

o aumento da obesidade e do excesso de peso em adultos (COUTINHO GENTIL TORAL

2008) Segundo estes autores a inversatildeo dos padrotildees nutricionais foi reflexo das

influecircncias das intensas transformaccedilotildees ocorridas na sociedade brasileira que deu um

impulso positivo as condiccedilotildees de vida das camadas mais pobres inclusive facilitando o

acesso agrave alimentaccedilatildeo o que natildeo indica necessariamente um incremento do consumo de

alimentos com perfil nutricional adequado

O artigo de Popkin (2002) decodificou com mais detalhes a transiccedilatildeo nutricional nos

paiacuteses em desenvolvimento e a sua anaacutelise a aproximou dos eventos socioeconocircmicos

correntes Segundo esse autor a transiccedilatildeo nutricional eacute parte integrante do contexto da

raacutepida globalizaccedilatildeo do mercado de alimentos dos sistemas de comunicaccedilatildeo da urbanizaccedilatildeo

e do estilo de vida dos indiviacuteduos Isso interferiu nas mudanccedilas da estrutura geral dos

100

padrotildees dieteacuteticos e estimulou uma vida sedentaacuteria nessas duas uacuteltimas deacutecadas

Evidecircncias intimamente associadas agrave transiccedilatildeo demograacutefica e epidemioloacutegica caracterizada

por mudanccedilas na estatura meacutedia composiccedilatildeo corporal e morbidade das populaccedilotildees Um

pouco mais tarde Popkin amp Gordon-Larsen (2004) concentram-se em explorar

separadamente as mudanccedilas dieteacuteticas ocorridas nessa transiccedilatildeo

No avanccedilar dos anos a transiccedilatildeo nutricional assim como o crescimento das DCNT

passam a ser entendidos como resultados imediatos da globalizaccedilatildeo da dieta humana

(UUSITALO PIETNEN amp PUSKA 2002 WHO 2003b) e portanto como um dos efeitos

negativos da globalizaccedilatildeo econocircmica (WHO 2005) O crescimento econocircmico a

transformaccedilatildeo no sistema alimentar e a transiccedilatildeo nutricional satildeo eventos sintonizados e

dependentes (FAO 2013b) Isso traz agrave tona atores importantes nesse fenocircmeno cujas

condutas contribuem para a transiccedilatildeo nutricional Satildeo eles o mercado pela dominaccedilatildeo do

comeacutercio de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis e pela publicidade intensiva que destroacutei

os padrotildees alimentares saudaacuteveis e tambeacutem as instacircncias de regulaccedilatildeo dos alimentos pela

ineacutercia em intervir no comportamento excessivo do mercado que deteriora a qualidade

nutricional dos produtos

Em siacutentese a transiccedilatildeo dieteacutetica eacute uma faceta da transiccedilatildeo nutricional que por sua

vez eacute parte da transiccedilatildeo social A traduccedilatildeo desse fenocircmeno natildeo se resume agraves mudanccedilas na

dieta e nem ao predomiacutenio da obesidade comparativamente agrave desnutriccedilatildeo Eacute um fenocircmeno

social complexo que no debate ao longo dos anos passa a ser entendido como resultado

dos impactos das relaccedilotildees econocircmicas e sociais na esfera global refletidos no campo da

nutriccedilatildeo humana

101

42 A obesidade e outras DCNT em ascensatildeo panorama global e nacional

421 Comportamento da Obesidade e de suas comorbidades no mundo breves

comentaacuterios

As mudanccedilas impostas agrave sociedade em decorrecircncia do processo de globalizaccedilatildeo da

economia tem diversificado os riscos agrave sauacutede Nesse contexto os alimentos constituem um

dos fatores implicados criando novas modalidades de doenccedilas sem contudo eliminar os

eventos tradicionais que conduzem agrave maacute nutriccedilatildeo ou agraves doenccedilas transmitidas por

alimentos Surge daiacute um quadro de doenccedilas nutricionais marcado por um consumo de

alimentos que envolvem aspectos especiacuteficos - ou seus cruzamentos- como a quantidade

reduzida ou excessiva a qualidade nutricional e ou sanitaacuteria inadequadas Contudo neste

trabalho a abordagem restringir-se-aacute aos efeitos adversos do consumo de alimentos com

qualidade nutricional inadequada

No final do seacuteculo XX a OMS proclamou a obesidade como uma epidemia global

(WHO 2000) que se originou nos Estados Unidos avanccedilou para a Europa e outras naccedilotildees

ricas no mundo e paulatinamente alcanccedilou os paiacuteses de economias de transiccedilatildeo ateacute

encerrar o seu circuito mundial nos paiacuteses considerados pobres (PRENTICE 2005 WHO

2000) Eacute um tipo de doenccedila crocircnica que vem se disseminando em todos os continentes e

apresenta a peculiaridade de acometer indiviacuteduos de diferentes grupos etaacuterios e distintos

estratos sociais Isso compotildee um quadro epidemioloacutegico complexo e mobilizador de

vultosos recursos puacuteblicos tanto para o tratamento da doenccedila em questatildeo quanto das

comorbidades a ela relacionadas (WHO 2000 CABALLERO 2007) A ascendente

prevalecircncia da obesidade e de suas complicaccedilotildees tem se convertido em uma importante

ameaccedila agrave sauacutede puacuteblica mundial (WHO 2000 VISSCHER amp SEIDELLL 2001)

Segundo a OMS a relaccedilatildeo estreita entre as dietas densamente energeacuteticas e o modo de

vida sedentaacuterio tem contribuiacutedo para o incremento de um elenco de DCNT - obesidade

diabetes mellitus doenccedilas cardiovasculares hipertensatildeo infarto e alguns tipos de cacircncer ndash

102

que estatildeo se tornando causas importantes de mortes e incapacidades prematuras em paiacuteses

em desenvolvimento e desenvolvidos (WHO 2003b) Entre as deacutecadas de 70 e 80 houve

um aumento relativo de 105 nas doenccedilas crocircnicas na Ameacuterica do Sul tropical momento

em que se processaram as mudanccedilas no estilo de vida e na dieta Nesse contexto a

alimentaccedilatildeo surge como um dos principais determinantes modificaacuteveis desse tipo de

doenccedilas (WHO 1990)

Em 2005 do total de 58 milhotildees de oacutebitos 35 milhotildees (60) deles foram resultados

das DCNT Jaacute em 2008 essa estimativa global ascende para 36 milhotildees do total de 57

milhotildees de mortes (UN 2013) Os principais fatores de riscos modificaacuteveis para esse grupo

de doenccedilas satildeo dieta natildeo saudaacutevel inatividade fiacutesica o ato de fumar (WHO 2005) o

consumo de aacutelcool natildeo sido eacute contabilizado no elenco desses fatores

Em 2012 as DCNT continuam a ser um dos principais desafios da sauacutede puacuteblica e

mantecircm-se no patamar dos 60 das mortes globais ameaccedilando o desenvolvimento

econocircmico e social e exigindo um esforccedilo articulado em niacutevel local Em decorrecircncia disso

muitos paiacuteses jaacute estatildeo desenvolvendo diversas frentes de atuaccedilatildeo com fins de prevenir e

controlar essas doenccedilas mediante a intervenccedilatildeo em fatores de risco como dieta natildeo

saudaacutevel inatividade fiacutesica e sobrepeso e obesidade (WHO 2013a)

Na qualidade de morbidade crocircnica a obesidade se destaca no grupo das DCNT por

ser capaz de isoladamente desencadear muacuteltiplos eventos moacuterbidos como diabetes

mellitus tipo II doenccedila cardiovascular osteoartrite cacircncer e distuacuterbios respiratoacuterios aleacutem

de problemas de ordem psicossocial tais como a incapacidade para o trabalho a baixa

autoestima entre outras (WHO 2004a UUSITALO PIETIENEN PUSKA 2002 VISSCHER

SEIDELLL 2001 WHO 2000) Embora natildeo haja idade limite para o surgimento da

obesidade podendo ser detectada em fases precoces da vida a idade de iniacutecio da doenccedila e o

seu grau de gravidade sinalizaratildeo a persistecircncia dessa doenccedila e de seus efeitos deleteacuterios

ao longo da vida adulta (MUST 1996) Dentre os periacuteodos criacuteticos para o desenvolvimento

da obesidade destacam-se o preacute-natal o periacuteodo de repleccedilatildeo adiposa situado entre os cinco

e sete anos de idade e o periacuteodo da adolescecircncia (DIETZ 1994) os quais requerem uma

atenccedilatildeo especial face agraves implicaccedilotildees futuras

103

No continente europeu o excesso de peso constitui um problema de sauacutede

ascendente As prevalecircncias de sobrepeso oscilaram entre 32 a 79entre os homens e

entre 28 a 78 entre as mulheres jaacute as de obesidade situaram-se em faixas mais

estreitas entre 5-23 e 7-36 respectivamente para os sexos masculino e feminino

conforme dados obtidos entre 1999 e 2005 (BRANCA NIKOGOSIAN LOBSTEIN 2007)

Contudo segundo esses autores ambos os distuacuterbios contribuem para 80 dos casos de

diabetes tipo II 35 de doenccedila isquecircmica do coraccedilatildeo e 55 de hipertensatildeo em adultos Na

Espanha especificamente no intervalo de 1987-1997 foi registrado o aumento relativo de

71 na prevalecircncia de obesidade em homens adultos e de 63 em mulheres adultas os

maiores incrementos ocorreram na populaccedilatildeo adulta sem escolaridade em ambos os sexos

conforme resultados das pesquisas nacionais (GUTIEacuteRREZ-FISAC et al 2003)

Embora a Aacutefrica seja reduto de casos de subnutriccedilatildeo na parte nordeste

particularmente no Marrocos e na Tuniacutesia jaacute haacute a presenccedila de obesidade (MOKHTAR et al

2001) bem como em outros paiacuteses desse continente (WHO 2004a WHO 2005) No paiacutes

mais populoso da Aacutesia ndash China - a obesidade jaacute alcanccedila mais de 20 das crianccedilas e

adolescentes com idade entre 7 e 17 anos residentes em centros urbanos (WHO 2005)

Em um conjunto de 17 paiacuteses da Ameacuterica Latina analisados AMIGO (2003) constatou

prevalecircncias meacutedias de obesidade proacuteximas a 45 em crianccedilas menores de cinco anos

sendo que em quatro deles os valores foram superiores a 6 indicando que haacute

incrementos nas taxas apesar de natildeo serem ainda consideradas altas Jaacute o comportamento

da obesidade nas mulheres latino-americanas pertencentes a nove paiacuteses da regiatildeo foi

ascendente durante a deacutecada de 90 apresentando taxas entre 76 a 121 exceto no Haiti

(KAIN VIO ALBALA 2003) No transcurso de 1990 a 2010 a estimativa de sobrepeso e

obesidade combinados entre as crianccedilas dessa mesma idade nessa regiatildeo do globo passou

de 4 a 7 (MEERMAN CARISMA THOMPSON 2012)

As principais doenccedilas crocircnicas que contribuem para as mortes prematuras

relacionam-se a fatores de risco peculiares ao estilo de vida ndash consumo excessivo de

produtos natildeo saudaacuteveis de fumo e de bebida alcooacutelica assim como inatividade fiacutesica

104

Segundo a OMS (WHO 2004a) satildeo doenccedilas reconhecidamente globais de caraacuteter

preventivo poreacutem a explicaccedilatildeo dada a sua causalidade apresenta equiacutevocos tais como a

culpabilizaccedilatildeo individual a restriccedilatildeo social e etaacuteria aleacutem da susceptibilidade

preponderantemente geneacutetica Tais fatos tecircm encoberto as responsabilidades a serem

assumidas pelos governos e pelas induacutestrias a vulnerabilidade social agraves doenccedilas a

interaccedilatildeo de fatores de risco sociais e natildeo exclusivamente geneacuteticos e os prejuiacutezos coletivos

pela falta de adoccedilatildeo de medidas puacuteblicas de controle e de prevenccedilatildeo

A responsabilizaccedilatildeo individual requer consideraccedilotildees especiais Isso porque a ldquonova

sauacutede puacuteblicardquo norteada pelos princiacutepios neoliberais passa a defender que a soluccedilatildeo estaacute

nos sujeitos enquanto cidadatildeos livres e competentes para realizar o seu autocontrole

definir seu estilo de vida e fazer escolhas que protejam a sua sauacutede desconsiderando a

relevacircncia das determinaccedilotildees estruturais (PETERSON LUPTON 2000) de onde se

originam verdadeiramente os problemas de sauacutede Tanaka amp Nakanishi (1996) abordando

o crescimento das DCNT no Japatildeo no final do seacuteculo XX pautados exatamente nesse

ideaacuterio neoliberal destacam que os indiviacuteduos podem reduzir ou eliminar fatores de riscos

para doenccedilas cardiovasculares exceto fatores como idade hereditariedade e gecircnero

modificando certas escolhas do estilo de vida como dieta exerciacutecios fiacutesicos estresse fumo

e aacutelcool

Eacute fundamental refletir sobre essas questotildees pois imputar ao indiviacuteduo a

responsabilidade uacutenica pelo destino da sua sauacutede em particular por natildeo ter competecircncia

de movimentar o seu corpo o suficiente ou de saber selecionar os alimentos ou conterndashse

frente aos estiacutemulos do consumo eacute uma anaacutelise simplista para lidar efetivamente com a

complexidade causal das DNCT Haacute um fenocircmeno global de doenccedilas que tem

necessariamente uma raiz comum Compreendecirc-lo implica resgatar os elementos sociais

subjacentes e essenciais que satildeo a base do processo de determinaccedilatildeo causal Trata-se

entatildeo de decifrar as relaccedilotildees entre as sociedades individuais e o contexto da economia

global dirigida agrave massificaccedilatildeo do consumo a fragilidade das instituiccedilotildees puacuteblicas para

intervir no mundo privado a debilidade dos movimentos sociais para reivindicar e se

conscientizar dos fenocircmenos moacuterbidos coletivos etc

105

Salienta-se que os indiviacuteduos na esfera do mercado de bens de consumo da sociedade

contemporacircnea satildeo seres quase desfeitos pois segundo Bauman (2008) suas virtudes

enfraqueceram sua condiccedilatildeo de sujeitos pensantes e autocircnomos foi apagada tornando-os

incapazes de refletir e decidir conscientemente sobre os bens ofertados Os indiviacuteduos

converteram-se em meros objetos potenciais de consumo sendo constantemente

ludibriados seduzidos e manobrados por pressotildees poderosas oriundas dos negoacutecios

privados Condiccedilotildees tais que contribuiacuteram para que os indiviacuteduos se tornassem tambeacutem

fraacutegeis para selecionar adequadamente os alimentos que consomem com o objetivo de

proteger a sua proacutepria sauacutede

Assim depositar a responsabilidade no indiviacuteduo para conter os riscos e portanto

para promover sauacutede e prevenir doenccedilas eacute forccedilar artificialmente a exclusatildeo dos atores

estrateacutegicos do cenaacuterio - o poder puacuteblico e os setores econocircmicos - em especial aqueles

produtores de alimentos industrializados

422 O quadro epidemioloacutegico brasileiro e sua conexatildeo com as mazelas do

mundo

O retrato do perfil epidemioloacutegico brasileiro imprime com nitidez as marcas

mundiais do processo de internacionalizaccedilatildeo da produccedilatildeo de alimentos que se empenha

insistentemente em homogeneizar as praacuteticas de consumo e o comportamento do planeta

Tudo isso para tornar possiacutevel concentrar as riquezas que retroalimentam o seu

dinamismo tendo como efeitos as mazelas crocircnicas - doenccedilas e pobreza - que satildeo

socializadas com a maioria da populaccedilatildeo

No Brasil o quadro recente das principais doenccedilas crocircnicas na populaccedilatildeo adulta

aponta para 227 de portadores de hipertensatildeo arterial 56 de diabetes e 158 de

obesidade e 485 de indiviacuteduos jaacute se encontram com excesso de peso (BRASIL MS

106

2012b) Doenccedilas essas que apresentam ritmos crescentes em suas respectivas prevalecircncias

desde o ano de 2006 (SCHMIDT et al 2011 BRASIL MS 2012b)

Segundo esses autores do total de oacutebitos registrados em 2007 cerca de 72 foram

atribuiacutedos agraves DCNT no panorama explicativo para o aumento da exposiccedilatildeo a esse grupo de

doenccedilas estatildeo a melhoria de acesso agrave alimentaccedilatildeo e a globalizaccedilatildeo de haacutebitos de consumo

de alimentos natildeo saudaacuteveis Eacute justamente da falta de comunhatildeo entre o acesso facilitado

aos alimentos e a sua qualidade nutricional que os riscos eclodem e as doenccedilas crocircnicas

surgem

Pesquisas nacionais anteriores PNAD-2003 e PNAD-2008 indicam que o aumento da

hipertensatildeo e da diabetes e as prevalecircncias mais elevadas da maioria das doenccedilas crocircnicas

com exceccedilatildeo de tendinitetenossinovite e cacircncer concentram-se nos segmentos da

populaccedilatildeo com menor escolaridade e sem benefiacutecios de plano privado de sauacutede No

entender desses autores essas evidecircncias expressam as desigualdades sociais na

manifestaccedilatildeo desse grupo de doenccedilas situaccedilatildeo que tambeacutem eacute observada em outros paiacuteses

(BARROS et al 2011) Outro estudo comprovou algo semelhante quando analisou o

comportamento dos fatores de risco na populaccedilatildeo tais como niacuteveis pressoacutericos alterados

obesidade e consumo excessivo de aacutelcool que foram igualmente associados aos grupos que

apresentam piores condiccedilotildees de vida (OLIVEIRA-CAMPOS RODRIGUES-NETO SILVEIRA

NEVES et al 2013)

As doenccedilas crocircnicas como qualquer outro tipo de manifestaccedilatildeo do processo sauacutede-

doenccedila satildeo socialmente moldadas Eacute o lsquosocialrsquo que define o grau de exposiccedilatildeo aos fatores de

risco a susceptibilidade bioloacutegica a certas doenccedilas a resistecircncia a capacidade de prevenccedilatildeo

e de reaccedilatildeo assim como a celeridade no agravamento nas sequelas e no oacutebito

Considerando o papel relevante que assume a obesidade como precursora de outras

DCNT (WHO 2004) conveacutem explorar os traccedilos que ela assume na realidade brasileira em

termos de distribuiccedilatildeo etaacuteria e social bem como da sua inter-relaccedilatildeo com os alimentos

consumidos e a praacutetica de atividade fiacutesica

107

O processo de ascensatildeo do excesso de peso e obesidade foi conduzido durante as trecircs

uacuteltimas deacutecadas e comprovado ao longo dos inqueacuteritos nacionais (BATISTA FILHO RISSIN

2003) conforme jaacute mencionado neste trabalho Na uacuteltima pesquisa nacional da POF 2008-

2009 as prevalecircncias de sobrepeso e de obesidade em adolescentes (10 a 19 anos) foram

de 205 e 49 respectivamente o que reforccedila a predisposiccedilatildeo agrave doenccedila jaacute na juventude

Na fase adulta as prevalecircncias de obesidade entre homens e mulheres foram 125 e

169 respectivamente as frequecircncias mais elevadas de excesso de peso e de obesidade

situaram-se nas faixas etaacuterias de 45-54 anos entre homens de 55-64 anos entre as

mulheres declinando nas faixas subsequentes (BRASIL IBGE 2010) Esse progressivo

aumento da obesidade jaacute eacute reconhecido como um problema de sauacutede emergente na

populaccedilatildeo brasileira e em conjunto agraves doenccedilas carenciais persistentes foi incorporada agrave

agenda poliacutetica do governo no final da deacutecada de 90 passando a ser um dos objetivos de

intervenccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-PNAN (BRASIL MS 1999)

Os indicadores de excesso de peso possuem caraacuteter dinacircmico sofrem efeitos da

mobilidade social e diferenciam-se entre os sexos e o niacutevel de educaccedilatildeo formal A partir da

deacutecada de 90 a prevalecircncia do excesso de peso anteriormente concentrada nas regiotildees

mais ricas desloca-se para as regiotildees mais pobres do paiacutes e para os estratos de renda mais

pobres (MONDINI MONTEIRO 1998) enquanto se observa a estabilizaccedilatildeo no

comportamento ascendente do problema entre mulheres adultas de renda mais alta

(BATISTA FILHO RISSIN 2003)

Efeito similar ocorre quando se utiliza o marcador social escolaridade inicialmente o

risco de obesidade abrangia a todos os adultos e a partir desse mesmo momento o

incremento ocorreu nos indiviacuteduos de baixa escolaridade estabilizando-se ou ateacute mesmo

diminuindo naqueles com meacutedia e alta escolaridade (MONTEIRO CONDE CASTRO 2003)

A frequecircncia de excesso de peso e de obesidade aumentou em homens e mulheres sendo

que a meacutedia de aumento foi superior nas mulheres em ambos os casos Poreacutem verifica-se

que haacute um comportamento diferente desses eventos quando se faz relaccedilatildeo com o grau de

escolaridade no grupo masculino as mais altas taxas estatildeo no estrato de maior

escolaridade enquanto que entre as mulheres as taxas mais elevadas estatildeo no estrato de

menor escolaridade (BRASIL IBGE 2010)

108

Dados mais recentes indicam que o excesso de peso e a obesidade em adultos

residentes nas 27 capitais brasileiras e no Distrito Federal persistiam como problemas de

sauacutede puacuteblica indicando sinais para uma evoluccedilatildeo positiva durante os uacuteltimos seis anos de

acompanhamento do Sistema Vigitel20 com taxas equivalentes a 485 e 158

respectivamente em 2011 (BRASIL MS 2012b) Os dois inqueacuteritos Vigitel mais recentes

2012 e 2013 constataram que a taxa de obesidade em adultos praticamente estabilizou

situando-se entre 174 e 175 respectivamente enquanto o excesso de peso foi

reduzido de 508 em 2012 para 4535 em 2013 (BRASIL MS 2013 BRASIL MS

2014)

Informaccedilotildees atualizadas anualmente sobre dieta e atividade fiacutesica tambeacutem

constituem uma parte do acervo de dados do Sistema Vigitel Os resultados desse inqueacuterito

no ano de 2010 revelam que apenas 30 dos entrevistados consumiam cinco ou mais

porccedilotildees de frutas e hortaliccedilas por semana 34 consumiam carne com excesso de gordura

30 praticavam atividade fiacutesica no lazer ou no trajeto para o trabalho e 28 assistiam trecircs

ou mais horas de televisatildeo por dia (DUNCAN CHOR AQUINO 2012) Em 2011 o consumo

de frutas e hortaliccedilas nessa populaccedilatildeo reduziu para 202 e os demais indicadores

permaneceram praticamente estaacuteveis (BRASIL MS 2012b) Jaacute os dados do ano de 2013

revelam o aumento no consumo de frutas e hortaliccedilas (36) e na praacutetica de atividade fiacutesica

(49) leve diminuiccedilatildeo no consumo de carne gordurosa (31) e comportamento estaacutevel

na dedicaccedilatildeo do tempo para televisatildeo (286) mantendo-se em todos os casos as mesmas

especificaccedilotildees dos indicadores supracitados

Essas caracteriacutesticas de estilo de vida - pautado no sedentarismo (inatividade fiacutesica)

e ou no consumo de produtos considerados natildeo saudaacuteveis (carne gordurosa) constituem

fatores de risco para a aquisiccedilatildeo de doenccedilas crocircnicas Assim eacute com base nessa conjunccedilatildeo de

fatores que favorecem a instalaccedilatildeo da obesidade que vaacuterios autores passaram a referir-se

20 Sistema Vigitel - Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico ndash instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede desde o ano de 2006 com o objetivo de monitorar a frequecircncia e distribuiccedilatildeo dos principais determinantes das doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT) na populaccedilatildeo com idade igual ou superior a 18 anos por inqueacuterito telefocircnico em todas as capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal

109

ao conceito de ambiente ldquoobesogecircnicordquo (EGGER SWINBURN 1997 WHO 2004a CHOPRA

GALBRAITH DARNTON-HILL 2002 PRENTICE 2005 CABALLERO 2007) Contudo a

anaacutelise comparativa dos resultados do Sistema Vigitel nos anos recentes aponta uma leve

tendecircncia de mudanccedila do perfil nutricional dos adultos que pode significar a adesatildeo a uma

conduta condizente com uma vida mais saudaacutevel

Esse problema de sauacutede natildeo se circunscreve apenas agrave fase adulta O excesso de peso

comeccedila a atingir a infacircncia a partir de fins da deacutecada de 90 quando a taxa de prevalecircncia de

excesso de peso em crianccedilas de 6 a 9 anos de idade mais que triplicou entre os dois

inqueacuteritos nacionais -o ENDEF- 1975 e a Pesquisa sobre Padrotildees de Vida -PPV21 -1996-7-

elevando-se de 49 para 174 (COSTA CINTRA FISBERG 2006) e se estendendo

tambeacutem a adolescecircncia (TERRES et al 2006 VASCONCELOS SILVA 2003) Distintos

fatores como o grau de intensidade da atividade fiacutesica e o biotipo da matildee no peso corporal

dos adolescentes (BURBANO FORNASINI ACOSTA 2003) os haacutebitos alimentares

inadequados (NOBRE et al 2006) e o niacutevel socioeconocircmico elevado (RONQUE et al 2005)

exercem influecircncia no aparecimento de tais distuacuterbios neste grupo etaacuterio

Apesar da relevacircncia das DCNT no quadro de morbidade nacional as doenccedilas tiacutepicas

da pobreza natildeo foram completamente extintas e aquela que em outro contexto histoacuterico

foi referida como doenccedila da opulecircncia ndash obesidade ndash eacute agora pandecircmica e crocircnica Em

virtude da associaccedilatildeo entre o consumo de alimentos e os efeitos moacuterbidos as instituiccedilotildees

intergovernamentais FAO e OMS comeccedilaram a tratar a obesidade como uma das

manifestaccedilotildees de maacute nutriccedilatildeo Com isso o termo ldquomaacute nutriccedilatildeordquo tornou-se abrangente e

passou englobar todas as formas de consumo dieteacutetico inadequado e persistente que

resultam em baixo peso deficiecircncias de micronutrientes assim como em sobrepeso e

obesidade

A coexistecircncia paradoxal da obesidade adulta com a desnutriccedilatildeo infantil eacute

documentada em paiacuteses da Ameacuterica Central e do Sul (PRENTICE 2005) e em outros paiacuteses

21 Este uacuteltimo inqueacuterito nacional foi limitado pois considerou apenas as regiotildees Nordeste e Sudeste do paiacutes

110

com economia em desenvolvimento (POPKIN 2001 WHO 2000) inclusive no Brasil (DOAK

et al 2000 RODRIGUES TADDEI amp SEGULEM 1998) Esse duplo e contraditoacuterio fenocircmeno

bioloacutegico-social ndash desnutriccedilatildeo e obesidade - serve de reforccedilo para firmar o viacutenculo de

subordinaccedilatildeo entre a exposiccedilatildeo dos indiviacuteduos agraves doenccedilas nutricionais e as precaacuterias

condiccedilotildees de existecircncia A ligaccedilatildeo da pobreza com a obesidade se faz por meio do acesso a

uma alimentaccedilatildeo - inadequada quanto ao aspecto nutricional - e ao lazer sedentaacuterio

(MARINHO et al 2003) ou ainda por reflexo de desnutriccedilatildeo pregressa em mulheres adultas

e da baixa estatura das crianccedilas convivendo em ambientes adversos (MARTINS et al 2007)

Na condiccedilatildeo de pobreza a alimentaccedilatildeo saudaacutevel para mulheres obesas torna-se praacutetica de

luxo face agrave incompatibilidade existente entre o elevado preccedilo dos alimentos saudaacuteveis (por

exemplo frutas e verduras) com a renda auferida (FERREIRA et al 2010)

Decerto essa abordagem conforma um quadro de alteraccedilotildees nutricionais que natildeo se

restringe a uma questatildeo meacutedica eacute sim efeito da (des)ordem social que se expressa em

pobreza distuacuterbios nutricionais e em discriminaccedilatildeo (MEERMAN CARISMA THOMPSON

2012 FAO 2013b WHO 2000) sinalizando o papel decisivo dos governos para enfrentar a

complexidade desse fenocircmeno que requer o desenho e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas articuladas e abrangentes com a finalidade de equacionar as iniquidades

presentes no seio da sociedade

Assim considerando a extrema importacircncia que produtos alimentiacutecios exercem na

etiologia da obesidade e das demais DCNT (CHOPRA 2002) o foco dos governos deveria

voltar-se para a prevenccedilatildeo e o controle Eacute necessaacuterio orientar as pessoas no campo da

alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e intervir na cadeia produtiva de alimentos tanto para fomentar e

subsidiar os alimentos saudaacuteveis como para disciplinar aqueles considerados altamente

caloacutericos e pouco nutritivos Embora sejam medidas relevantes e urgentes outras

estrateacutegias dirigidas agrave melhoria das condiccedilotildees materiais de vida merecem ser com estas

combinadas

111

5 REGULACcedilAtildeO DE ALIMENTOS o desafio de governar o mercado

51 Do regime militar ao Estado democraacutetico de direito a evoluccedilatildeo dos dispositivos

de regulaccedilatildeo dos alimentos

Nestas uacuteltimas deacutecadas o termo ldquoregulaccedilatildeordquo tem se popularizado e se expandido do

campo econocircmico para o administrativo e o social Todavia regulaccedilatildeo sanitaacuteria de

alimentos no sentido lato eacute uma praacutetica introduzida no Brasil desde a Primeira Repuacuteblica

(1889-1930) quando da gestatildeo de Oswaldo Cruz na administraccedilatildeo puacuteblica de sauacutede

brasileira Nessa eacutepoca jaacute se faziam intervenccedilotildees para controlar os riscos dos alimentos e

que se respaldavam na ciecircncia e operacionalizavam-se sob a forma de medidas coercitivas

(SOUTO 2004)

Destarte o alicerce da regulaccedilatildeo sanitaacuteria de alimentos construiacutedo desde a sua base

permanece praticamente intacto e se assenta sobre trecircs pilares regulamentaccedilatildeo

fiscalizaccedilatildeo e controle Aleacutem disso continua a abranger um conjunto de instrumentos legais

e de procedimentos teacutecnico-operacionais que o poder puacuteblico competente utiliza para reger

a conduta das empresas quanto agrave produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e prestaccedilatildeo de serviccedilos de

diferentes bens alimentiacutecios com o fim de proteger a sauacutede da populaccedilatildeo

O arcabouccedilo legal vigente aplicado ao controle sanitaacuterio de alimentos reuacutene

instrumentos legais das uacuteltimas cinco deacutecadas O instrumento legal mais antigo e ainda em

vigor utilizado como de referecircncia na vigilacircncia sanitaacuteria de alimentos eacute o Decreto-Lei n0

986 de 21 de outubro de 1969 que institui as normas gerais sobre alimentos e delega a

responsabilidade do controle ao Ministeacuterio da Sauacutede e aos oacutergatildeos congecircneres estaduais

Aprovado pelos ministros militares das Forccedilas Armadas em um contexto de ditadura

poliacutetica o instrumento agrupa um conjunto de medidas de controle e de fiscalizaccedilatildeo

(registro anaacutelise de controle licenccedila para estabelecimentos entre outros) com o objetivo

de conferir se os produtos alimentiacutecios obedecem agraves regras e estabelecer penalidades em

caso de descumprimento dessas regras

112

Agrave eacutepoca de sua publicaccedilatildeo partilhavam o mesmo cenaacuterio social eventos antagocircnicos

extremos De um lado a euforia pelo florescimento econocircmico e de outro a repressatildeo agraves

liberdades individuais a concentraccedilatildeo de renda e a pauperizaccedilatildeo de grande parte da

populaccedilatildeo Segundo Prado Jr (1988) a expansatildeo da industrializaccedilatildeo brasileira voltava-se

em especial para os bens de consumo para as classes meacutedia e alta e para as mateacuterias-

primas e gecircneros alimentiacutecios demandados pelos mercados internacionais Fomentada

pelos capitais estrangeiros a industrializaccedilatildeo gerava receitas que custeavam as

importaccedilotildees essenciais a nossa subsistecircncia e os serviccedilos prestados pelos oligopoacutelios

imperialistas que davam suporte agrave industrializaccedilatildeo e ao desenvolvimento econocircmico

nacional No periacuteodo de 1968-71 o ritmo de crescimento da induacutestria de produtos

alimentiacutecios foi de 75 ao ano mas quase a metade do volume produzido (453)

(SUZIGAN et al 1974 apud SINGER 1976) atendeu a demanda externa (SINGER 1976)

Entretanto para facilitar a aceitaccedilatildeo externa dos itens alimentiacutecios era preciso

demostrar ao mercado externo efetividade no controle sanitaacuterio do paiacutes com regras

oficiais estabelecidas para a produccedilatildeo de alimentos com definiccedilotildees de padrotildees de

identidade e qualidade22 dos produtos contendo paracircmetros de higiene entre outros

aspectos

Na realidade na ediccedilatildeo desse Decreto-lei 98669 natildeo houve ineditismo Tratou-se

apenas de aperfeiccediloar algumas disposiccedilotildees da regra anterior e dotar os serviccedilos de controle

sanitaacuterio de uma racionalidade burocraacutetica para agilizar as demandas do setor industrial

em fase de expansatildeo (COSTA 1999) Com isso intensificou-se o aparato teacutecnico e juriacutedico

que reorganiza as praacuteticas de controle sanitaacuterio voltadas ao setor produtivo de alimentos

sob o norte de uma legislaccedilatildeo calcada no registro do produto na fiscalizaccedilatildeo e no exerciacutecio

do poder de poliacutecia

22 O item XI do artigo 10 do Capiacutetulo I do DL 98669 estabelece a seguinte definiccedilatildeo de ldquopadratildeo de identidade e qualidade o estabelecido pelo oacutergatildeo competente do Ministeacuterio da Sauacutede dispondo sobre a denominaccedilatildeo definiccedilatildeo e composiccedilatildeo de alimentos mateacuterias-primas alimentares alimentos in natura e aditivos intencionais fixando requisitos de higiene normas de envasamento e rotulagem medidos de amostragem e anaacuteliserdquo

113

A demonstraccedilatildeo do interesse do paiacutes em consolidar-se no mercado internacional de

alimentos ficou devidamente expressa em dois momentos no corpo desse Decreto a) na

disposiccedilatildeo na qual autoriza o uso da ordem normativa internacional nas situaccedilotildees de

inexistecircncia de normas e padrotildees locais de identidade e qualidade de produtos alimentiacutecios

especiacuteficos e b) quando autoriza fabricar produtos para exportaccedilatildeo no paiacutes que obedeccedilam

exclusivamente as regras do paiacutes de destino Enfim essa legislaccedilatildeo representa o

aprimoramento do controle sanitaacuterio e foi um dos passos preparatoacuterios para a inserccedilatildeo do

paiacutes como membro da Comissatildeo do Codex Alimentarius da FAOOMS para poder participar

da normalizaccedilatildeo internacional de alimentos fato que ocorreu jaacute nos anos 70 (BRASIL

INMETRO 2000)

Com a abertura poliacutetica e a atuaccedilatildeo fundamental dos movimentos sociais nos anos

80 em especial com o estrateacutegico movimento da Reforma Sanitaacuteria que aglutinou setores

progressistas e populares foram levantadas as bandeiras de luta pelo direito agrave sauacutede como

a garantia do Estado por condiccedilotildees dignas de vida (alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo renda emprego

lazer trabalho etc) e pelo acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo

proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de sauacutede [] consagradas na 8a Conferecircncia Nacional de Sauacutede

(BRASIL MS 1986 p4)

Entre lutas e embates poliacuteticos o processo de democratizaccedilatildeo da sociedade

brasileira foi se conformando ateacute instaurar-se o regime democraacutetico de direito com o

advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 O movimento de reforma sanitaacuteria assumiu um

papel estrateacutegico para aprovaccedilatildeo do capiacutetulo da Sauacutede da atual Constituiccedilatildeo conseguindo

materializar relevantes conquistas sociais apoacutes suplantar certas resistecircncias e pressotildees

(ROSAS 1988) Durante o processo constituinte a vigilacircncia sanitaacuteria eacute destacada e retirada

definitivamente da sua condiccedilatildeo secundaacuteria no campo da sauacutede sendo mencionada na

proposta de contribuiccedilatildeo para o texto constitucional Como resultado a Constituiccedilatildeo

estabeleceu que ao Sistema Uacutenico de Sauacutede compete executar as atividades de vigilacircncia

sanitaacuteria () e fiscalizar e inspecionar alimentos compreendido o controle de seu teor

nutricional bem como bebidas e aacuteguas para o consumo humano (BRASIL CONASS 2003a

art 200 inciso II e VI CF)

114

Comparando-se o texto constitucional com o Decreto-Lei 98669 vigente surgem

duas grandes inovaccedilotildees que valorizam e ampliam a praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria A

primeira eacute a de natildeo reduzir esta praacutetica de sauacutede ao mero exerciacutecio do poder de poliacutecia

introduzindo lado a lado a accedilatildeo inspecionar e a accedilatildeo fiscalizar A accedilatildeo inspecionar tem

um sentido eminentemente teacutecnico sendo destinada a avaliar as condiccedilotildees fiacutesico-funcionais

da empresa para identificar as situaccedilotildees de risco que possam comprometer a qualidade do

produto final e causar prejuiacutezos agrave sauacutede do indiviacuteduo A accedilatildeo fiscalizar eacute a de forccedilar o

cumprimento das regras Essas accedilotildees se complementam e qualificam em termos teacutecnico-

legais e efetivos a praacutetica de vigilacircncia sanitaacuteria A segunda foi a inserccedilatildeo da obrigaccedilatildeo de

realizar o controle nutricional Esta competecircncia ainda natildeo foi devidamente explorada no

campo da vigilacircncia sanitaacuteria mas agora em face da implicaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

com as DCNT torna-se oportuno avaliar o conteuacutedo nutricional dos produtos alimentiacutecios

em termos de calorias e de perfil de nutrientes

A Lei Orgacircnica de Sauacutede Lei n0 8080 de 19 de setembro de 1990 subsequentemente

aprovada aprimorou os avanccedilos contidos no texto da Constituiccedilatildeo e instituiu o Sistema

Uacutenico de Sauacutede que atribuiu agrave vigilacircncia sanitaacuteria a seguinte definiccedilatildeo

um conjunto de accedilotildees capaz de eliminar diminuir ou prevenir riscos agrave sauacutede e de intervir nos problemas sanitaacuterios decorrentes do meio ambiente da produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de bens e da prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse da sauacutede abrangendo o controle de bens de consumo que direta ou indiretamente se relacionem com a sauacutede compreendidas todas as etapas e processos da produccedilatildeo ao consumo e o controle da prestaccedilatildeo de serviccedilos que se relacionam direta ou indiretamente com a sauacutede

Segundo Costa (2013) a Constituiccedilatildeo incorporou um conceito ampliado de sauacutede e a

Lei Orgacircnica de Sauacutede encarregou-se de demarcar o espaccedilo da vigilacircncia sanitaacuteria no

acircmbito da relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo atribuindo-lhe funccedilotildees essencialmente preventivas e

de reduccedilatildeo de riscos de doenccedilas e agravos e aumentando a sua relevacircncia no campo da

sauacutede Como efeito a autora esclarece que o campo de atuaccedilatildeo da regulaccedilatildeo e vigilacircncia

sanitaacuteria se estendeu em complexidade e abrangecircncia tanto pela tipologia dos riscos

115

quanto pelos conflitos de interesse que envolvem as atividades regulatoacuterias

A partir desse momento o objetivo preciacutepuo da vigilacircncia sanitaacuteria eacute a prevenccedilatildeo e o

controle dos riscos agrave sauacutede de qualquer ordem advindos das atividades econocircmicas de

interesse agrave sauacutede Para isso compete aos agentes puacuteblicos unir o saber teacutecnico ao legal

para enfrentar o dinamismo dos riscos que emergem de diferentes fontes e assim tornar

possiacutevel defender a sauacutede do coletivo Intervir nos riscos eacute antes de tudo antecipar-se agraves

falhas do processo produtivo aplicando medidas para evitar danos ou ateacute mesmo para

impedir que eles se disseminem

Outro passo relevante foi o repasse das atividades de vigilacircncia sanitaacuteria para a

Anvisa no final da deacutecada de 90 A Lei n0 9782 de 26 de janeiro de 1999 delega para essa

autarquia a responsabilidade de regulamentar controlar e fiscalizar os produtos e os

serviccedilos que envolvam riscos agrave sauacutede puacuteblica e incluem os alimentos e os insumos os

aditivos as embalagens e os contaminantes e resiacuteduos assim como as instalaccedilotildees fiacutesico-

funcionais responsaacuteveis por processar tais produtos - assunto que seraacute abordado no item

posterior

Face ao exposto no processo de construccedilatildeo normativa da vigilacircncia sanitaacuteria de

alimentos que se estende do Decreto-Lei n0 98669 agrave Lei Orgacircnica de Sauacutede satildeo

registradas mudanccedilas substanciais na sua concepccedilatildeo e praacutetica a) regular ultrapassa o

simples ato de regulamentar e fiscalizar na medida em que estabelecer regras e verificar o

seu cumprimento satildeo insuficientes para controlar os riscos b) controlar o risco agrave sauacutede eacute o

fundamental para tanto a introduccedilatildeo de um conjunto de outras accedilotildees teacutecnico-cientiacuteficas na

praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria eacute imprescindiacutevel o que natildeo implica o abandono ou

menosprezo do poder de poliacutecia mas o seu fortalecimento pela uniatildeo da ciecircncia agraves bases

legais e c) abarcar a totalidade dos riscos agrave sauacutede sem distinccedilatildeo da sua natureza sejam

contaminantes fiacutesicos quiacutemicos e ou bioloacutegicos bem como os que agora emergem os

componentes nutricionais dos alimentos

116

Enfim entre o ldquoanacrocircnicordquo e o ldquomodernordquo ou o ldquoautoritaacuteriordquo e o ldquodemocraacuteticordquo os

instrumentos legais se juntam para conformar o arcabouccedilo da regulaccedilatildeo sanitaacuteria de

alimentos no Brasil Eacute por meio da praacutetica cotidiana que a fusatildeo dessas duas modalidades

se concretiza e assim se avaliam contornam e reprimem os fracassos ou os artifiacutecios

empreendidos pelo mercado e se busca concretizar o que desde os anos 60 se prescreve

em lei a defesa e a proteccedilatildeo da sauacutede do coletivo contra os riscos advindos da atividade

produtiva de alimentos Accedilatildeo de sauacutede esta que eacute prerrogativa exclusiva do Estado sendo

reconhecida e conservada ao longo da histoacuteria do militarismo agrave democracia

511 Final dos anos 90 a regulaccedilatildeo de alimentos eacute objeto da nova autarquia

Ateacute o ano de 1998 o Ministeacuterio da Sauacutede distribuiacutea entre suas unidades

administrativas duas funccedilotildees teacutecnicas para lidar com a temaacutetica dos alimentos uma

responsabilizando-se pelos aspectos nutricionais e os problemas de sauacutede correlacionados

e outra pela regulaccedilatildeo sanitaacuteria dos alimentos e de produtos afins afetos agrave sauacutede puacuteblica

No ano posterior esta uacuteltima funccedilatildeo foi repassada agrave Anvisa autarquia federal que foi

incumbida de regular o mercado do conjunto de objetos de interesse agrave sauacutede

A criaccedilatildeo da figura institucional autarquia sob regime especial ou agecircncia reguladora

decorreu das poliacuteticas regulatoacuterias engendradas no Brasil nessa deacutecada e que foram se

moldando aos padrotildees institucionais americano e europeu implantados respectivamente

nos anos 70 e 80 (RIBEIRO COSTA SILVA 2000) Aleacutem disso o paiacutes recebeu bastante

estiacutemulo dos organismos internacionais de cooperaccedilatildeo e de financiamento que apoiavam a

privatizaccedilatildeo e a mudanccedila no modelo de intervenccedilatildeo do Estado como um dos caminhos para

conduzir ao desenvolvimento nacional (CRUZ 2009) Com isso esses organismos definiam

um sistema de instruccedilotildees disciplinares que o governo deveria seguir para obter

empreacutestimos apoio e assistecircncia teacutecnica

117

A adesatildeo agrave agenda internacional conjugada agrave crise fiscal e aos recursos limitados para

investimentos internos motivou a reforma do Estado que tratou diferentemente os

aspectos econocircmicos e administrativos No plano econocircmico dirigiu-se para a privatizaccedilatildeo

de empresas puacuteblicas e de prestadoras de serviccedilos e para a desregulaccedilatildeo formal e

burocraacutetica com o objetivo de ampliar a competitividade e aumentar a eficiecircncia

econocircmica Na esfera administrativa especialmente da organizaccedilatildeo institucional optou

pela reformulaccedilatildeo do modelo organizacional criando instituiccedilotildees especializadas com a

ampliaccedilatildeo da sua capacidade gerencial desenvolvimento de estruturas regulatoacuterias e

aumento do grau de responsabilizaccedilatildeo (GOMES 2006 RIBEIRO COSTA amp SILVA 2000)

Enfim a intenccedilatildeo foi a de conduzir a construccedilatildeo de um mercado mais concorrencial possiacutevel

e introduzir a loacutegica empresarial dentro da esfera puacuteblica

Bresser Pereira (1999 p6-7) mentor intelectual e condutor da reforma gerencial

argumenta que esse novo modelo de organizaccedilatildeo [] flexibiliza os processos e os

regulamentos burocraacuteticos conferindo um grau mais elevado de autonomia e de

responsabilizaccedilatildeo (accountability) agraves agecircncias governamentais e aos seus gerentes tendo

como um dos meios a

[] administraccedilatildeo por objetivos a criaccedilatildeo de quase-mercados e os vaacuterios mecanismos de democracia direta ou de controle social combinados com o aumento da transparecircncia no serviccedilo puacuteblico reduzindo-se concomitantemente o papel da definiccedilatildeo detalhada de procedimentos e da auditoria ou controle interno ndash os controles claacutessicos da administraccedilatildeo puacuteblica burocraacutetica ndash que devem ter um peso menor

Nesse sentido as agecircncias assumiram as atividades enquadradas na categoria de

exclusivas de Estado natildeo delegaacuteveis e que concernem agrave regulaccedilatildeo seguranccedila e

arrecadaccedilatildeo de impostos Denominadas de Agecircncias Reguladoras estas entidades

autocircnomas autaacuterquicas apresentam perfil marcado pela autonomia administrativo-

118

financeira valorizaccedilatildeo da especializaccedilatildeo teacutecnica e insulamento burocraacutetico23 de seus

dirigentes - detentores de mandatos fixados e estabilidade no exerciacutecio de suas funccedilotildees

apoacutes um curto prazo carencial entre outros requisitos Isso na tentativa de manter a

diretoria distanciada das influecircncias dos agentes econocircmicos e dos atores poliacuteticos que

circulam no setor

Essas agecircncias passam entatildeo a cuidar da regulaccedilatildeo que em si abarca um conjunto

diversificado de instrumentos que o governo se utiliza para definir as regras de conduta

para empresas e cidadatildeos no campo econocircmico administrativo e social Objetivam

identificar precocemente as falhas de mercado em prol do interesse coletivo como

externalidades negativas e falta de informaccedilatildeo ao consumidor sobre a qualidade dos

produtos e serviccedilos ofertados pelo mercado Entretanto eacute a regulaccedilatildeo social24 o foco de

interesse desse estudo Isso porque eacute uma das esferas que se reporta agrave intervenccedilatildeo puacuteblica

no campo da sauacutede tanto para garantir a provisatildeo de bens puacuteblicos como para proteccedilatildeo do

interesse puacuteblico nacional ou supranacional (COSTA et al 2001) pois se destina a reduzir

os efeitos prejudiciais gerados pelos agentes econocircmicos responsaacuteveis pela produccedilatildeo de

bens de interesse agrave sauacutede

Embora o discurso oficial dirigido agrave opiniatildeo puacuteblica enfatizasse que o fim uacuteltimo da

reconstruccedilatildeo do Estado eacute tornaacute-lo capaz de viabilizar o desenvolvimento econocircmico

proteger os direitos sociais e republicanos e fortalecer a democracia (BRESSER-PEREIRA

1999) Cruz (2009) afirma que no caso da reforma administrativa os argumentos mais

relevantes foram a delegaccedilatildeo de poderes para as Agecircncias Reguladoras assim como a

necessidade de elevar o grau de comprometimento do poder puacuteblico com a manutenccedilatildeo de

decisotildees e regras que afetam diretamente os agentes Assim a sinalizaccedilatildeo positiva do setor

privado a esse tipo de reforma natildeo causa estranhamento uma vez que as iniciativas buscam 23 No caso se trata de um mandato de trecircs anos com uma uacutenica reconduccedilatildeo A demissatildeo imotivada ocorre apenas nos quatro primeiros meses de mandato salvo nos casos de praacutetica de ato de improbidade administrativa de condenaccedilatildeo penal transitada em julgado e de descumprimento injustificado do contrato de gestatildeo da autarquia Eacute vedado ao ex-dirigente representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agecircncia ateacute um ano apoacutes deixar o cargo (RIBEIRO COSTA amp SILVA 2000) 24 A regulaccedilatildeo social consiste em uma das trecircs categorias classificatoacuterias de regulaccedilatildeo proposta pela Organizaccedilatildeo para Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico ndash OCDE que se estende a trecircs campos especiacuteficos a sauacutede o meio ambiente e a administraccedilatildeo (CRUZ 2009)

119

produzir um clima institucional tranquilizador com estabilidade das regras aumento da

capacidade resolutiva carreada pela autonomia administrativa e desburocratizaccedilatildeo dos

processos internos que ajudam a dar celeridade aos pleitos efetuados por este setor

Merece destacar-se que na ocasiatildeo da reforma o desgaste da imagem institucional

do oacutergatildeo federal da vigilacircncia sanitaacuteria tambeacutem serviu de justificativa Apoacutes a abertura

poliacutetica a imprensa pocircs agrave tona os sucessivos escacircndalos envolvendo alimentos e

medicamentos disputas de interesses econocircmicos e poliacuteticos e outras irregularidades

administrativas que somadas agraves fragilidades internas relativas a pessoal qualificado

ineficiecircncia no trabalho limitaccedilatildeo de recursos reduzida autonomia desprestiacutegio no acircmbito

ministerial entre outros aspectos (SOUTO 2004) compunham a fotografia sobre o caos

instalado nesse setor

Como contraponto ainda havia as demandas dos movimentos sociais e o novo

arcabouccedilo legal da Lei Orgacircnica de Sauacutede que forccedilavam respostas institucionais da

vigilacircncia sanitaacuteria compatiacuteveis com os interesses dos cidadatildeos os quais almejavam a

proteccedilatildeo de sua sauacutede contra as praacuteticas inapropriadas do mercado Assim a falta de

atuaccedilatildeo condizente desse setor quanto ao seu papel estrateacutegico na prevenccedilatildeo da sauacutede

principalmente pela morosidade em responder agraves demandas oriundas do mercado

fortalecia os argumentos dos defensores da reforma administrativa e da sua extensatildeo

raacutepida para esse setor (SOUTO 2004)

Entre o elenco de autarquias instituiacutedas sob regime especial a Anvisa foi a quarta

delas sendo aprovada pela Lei Federal no 9782 de 26 de janeiro de 1999 Com a reforma

gerencial promoveu-se a cisatildeo entre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas e a sua execuccedilatildeo A primeira

permanecendo centralizada no nuacutecleo estrateacutegico do governo enquanto a segunda eacute

descentralizada para as agecircncias (BRESSER PEREIRA 2008) A Anvisa como parte da

administraccedilatildeo indireta do setor sauacutede passou a vincular-se ao Ministeacuterio da Sauacutede No

entanto eacute uma agecircncia sem subordinaccedilatildeo hieraacuterquica dotada de especialidade teacutecnica e de

credibilidade poliacutetica para assumir o papel de disciplinar regular a produccedilatildeo

comercializaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de produtos e serviccedilos de interesse agrave sauacutede entre os quais

120

estatildeo os alimentos bem como de fiscalizar - corrigir limitar ou suspender - as atividades

que ameacem a sauacutede da coletividade poreacutem a sua funccedilatildeo primordial eacute a de gerenciar

riscos (CARVALHEIRO 2001)

Para fortalecer os ministeacuterios setoriais perante as agecircncias foi criado um

instrumento adicional de controle social e de aperfeiccediloamento da gestatildeo e desempenho das

agecircncias reguladoras ndash o contrato de gestatildeo (GOMES 2006) No caso esse contrato eacute

resultado de uma negociaccedilatildeo de interesses de sauacutede entre diretoria colegiada da Anvisa e o

Ministro da Sauacutede cujos relatoacuterios de execuccedilatildeo e a prestaccedilatildeo anual de contas satildeo

apresentados aos oacutergatildeos competentes e ao Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL ANVISA

2006a)

Outra particularidade da Anvisa estaacute no seu papel de coordenar o conjunto de

oacutergatildeos congecircneres dos estados e dos municiacutepios que formam o Sistema Nacional de

Vigilacircncia Sanitaacuteria ndashSNVS Sistema interligado ao Sistema Uacutenico de Sauacutede-SUS e que

obedece aos princiacutepios de descentralizaccedilatildeo e integraccedilatildeo cujos integrantes realizam

atribuiccedilotildees semelhantes com impactos diretos na populaccedilatildeo exceto aquelas que satildeo de

competecircncia restrita agrave Anvisa como por exemplo a concessatildeo de registro de produto

alimentiacutecio de validade nacional Com a autonomia e independecircncia relativas os entes

estaduais podem avanccedilar em propostas de controle dos alimentos e gerenciamento de

riscos que respondam de maneira mais efetiva agraves demandas da realidade local sem ficar

submetidos unicamente agraves deliberaccedilotildees do ente federal

Considerando os preceitos neoliberais que embasam a criaccedilatildeo das agecircncias uma das

questotildees centrais levantadas a partir do surgimento da Anvisa foi a sua vocaccedilatildeo

direcionada para privilegiar as demandas do empresariado (desburocratizaccedilatildeo

regulamentos etc) em detrimento das necessidades coletivas de controle dos riscos dos

produtos em especial quando estas implicam confrontos com aquelas Vaacuterias experiecircncias

no campo de alimentos demonstram que a conduccedilatildeo da Anvisa natildeo tem contrariado os

interesses privados poreacutem tem negligenciado os interesses da sociedade Satildeo exemplos (i)

dispensa da obrigatoriedade do registro de produtos alimentiacutecios sem compensaacute-la com o

121

reforccedilo concreto das atividades de inspeccedilatildeo nas induacutestrias e do controle dos alimentos

para mantecirc-los sob vigilacircncia (ii) aboliccedilatildeo das regras que instituem os paracircmetros de

identidade dos produtos alimentiacutecios deixando o consumidor sem referencial da

composiccedilatildeo do produto (iii) incapacidade de instituir um sistema de informaccedilatildeo acessiacutevel a

toda rede de vigilacircncia sanitaacuteria permitindo a troca de informaccedilotildees simultacircneas e accedilatildeo

raacutepida pelas autoridades sanitaacuterias frente aos riscos dos produtosserviccedilos (iv)

inoperacircncia em controlar a publicidade de alimentos para o puacuteblico infantil

Entretanto a reforma da gestatildeo puacuteblica propocircs-se a ser inovadora quanto agrave praacutetica

da governanccedila Regida pelo ator-chave governo tal praacutetica eacute usada para dar suporte agraves

decisotildees do governo e permitir que a sua atuaccedilatildeo se realize em conjunto com outros atores

sociais fazendo com que o processo de governar seja participativo e democraacutetico (BRESSER

PEREIRA 2008) Eacute oportuno portanto que a sociedade civil organizada seja incluiacuteda no

seio das instituiccedilotildees para dar pluralidade agraves vozes nos espaccedilos puacuteblicos que debatem e

definem o rumo das decisotildees

Poucos anos seguidos agrave sua criaccedilatildeo o governo avaliou a necessidade de

aprimoramento buscando ajustar o funcionamento das agecircncias quanto ao

desenvolvimento de instrumentos do controle social e do papel dessas instituiccedilotildees na

estrutura administrativa brasileira (BRASIL CASA CIVIL 2003) Para tanto a Anvisa

introduziu em suas estruturas os procedimentos de informaccedilatildeo audiecircncia puacuteblica e

consulta puacuteblica canais para um processo de gestatildeo participativa espaccedilo de

compartilhamento de discussatildeo coletiva entre as partes interessadas - cidadatildeos industriais

e o governo ndash para buscar o consenso entre os diversos interesses seja por meio de alianccedilas

e parcerias ou da administraccedilatildeo de conflitos e disputas de interesses Na opiniatildeo de

Lucchese (2001) foi criado entatildeo um espaccedilo para o exerciacutecio da cidadania e do controle

social que auxiliado pela accedilatildeo interdisciplinar e interinstitucional da vigilacircncia sanitaacuteria e

pela adoccedilatildeo dos paracircmetros eacuteticos para balizar a relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo pode-se

acionar o motor transformador da qualidade dos produtos dos processos e das relaccedilotildees

sociais em prol da satisfaccedilatildeo dos interesses coletivos

122

Para o aperfeiccediloamento das praacuteticas regulatoacuterias ocorreu tambeacutem a inserccedilatildeo na

estrutura organizacional da Anvisa de uma instacircncia de participaccedilatildeo institucionalizada da

sociedade denominado Conselho Consultivo25 (BRASIL ANVISA 2005) No ano de 2009

introduziu-se um mecanismo para racionalizar e simplificar o processo de regulamentaccedilatildeo

assim como consolidar e revisar os atos normativos que eacute a Agenda Regulatoacuteria (AR)

(BRASIL ANVISA 2012) Como iniciativa pioneira da administraccedilatildeo puacuteblica federal essa

agenda tem um ciclo quadrienal e duas agendas com vigecircncia bienal compostas por

assuntos considerados estrateacutegicos e prioritaacuterios e previamente discutidos com os

representantes da sociedade civil do setor regulado e do Sistema Nacional de Vigilacircncia

Sanitaacuteria para alcance dos [] benefiacutecios como previsibilidade transparecircncia governanccedila

compromisso de maior eficiecircncia e credibilidade para o processo de regulamentaccedilatildeo (BRASIL

ANVISA 2010 p36)

O primeiro biecircnio (2013-1014) do ciclo Quadrienal (2013-2016)26 da AR incluiu 23

temas relativos agrave aacuterea de alimentos e dentre o elenco o tema n0 19 referente agrave Propaganda

de Alimentos com Quantidades Elevadas de Accediluacutecar de Gordura Saturada de Gordura Trans

de Soacutedio e de Bebidas com Baixo Teor Nutricional eacute o que tem interface com o objeto desta

tese e que seraacute retomado a seguir Esse tema ressurge para o debate com o apoio da

sociedade civil organizada em virtude da epidemia de obesidade e do aumento da

prevalecircncia de outras DCNT que jaacute afetam a populaccedilatildeo infantil Em momentos anteriores

foram aprovadas regras que natildeo conseguiram ser implementadas por oacutebices judiciais A

atuaccedilatildeo da sociedade civil seraacute entatildeo decisiva para o alcance do ecircxito esperado ndash que eacute o de

25 O Conselho Consultivo eacute um dos instrumentos de participaccedilatildeo social da Anvisa composto por representantes da Uniatildeo dos Estados dos Municiacutepios do Distrito Federal dos produtores dos comerciantes da comunidade cientiacutefica e da sociedade civil organizada com o objetivo de opinar sobre as propostas de poliacuteticas governamentais da instituiccedilatildeo requerer informaccedilotildees e propor recomendaccedilotildees e diretrizes teacutecnicas sobre os assuntos relativos agrave Agecircncia entre outros assuntos (BRASIL ANVISA 2005) 26 A elaboraccedilatildeo da AR inicia com uma consulta preacutevia dos vaacuterios documentos estrateacutegicos do governo Plano Plurianual 2012-15 o relatoacuterio da 14a Conferecircncia Nacional de Sauacutede as diretrizes e planos Brasil Sem Miseacuteria e Brasil Maior Plano Nacional de Sauacutede e Plano Diretor de Vigilacircncia Sanitaacuteria (PDVISA) o planejamento estrateacutegico institucional e orientaccedilotildees da Diretoria Colegiada entre outros documentos A AR tem Ciclo Quadrienal (2013-2016) e duas agendas regulatoacuterias com vigecircncia bienal cada uma Na do Biecircnio 2013-2014 constam assuntos prioritaacuterios para a atuaccedilatildeo regulatoacuteria da Anvisa 148 temas divididos em 14 macrotemas Essa AR publicada no DOU no dia 24 de setembro de 2013 representa a 1ordf publicaccedilatildeo do novo modelo (BRASIL ANVISA 2012)

123

disciplinar ou mesmo restringir a divulgaccedilatildeo desse tipo de propaganda para as crianccedilas

Decerto que as agecircncias possuem estruturas com maior flexibilidade e capacidade de

adaptaccedilatildeo ao dinamismo do mundo globalizado pelo seu potencial normativo e executivo e

pela sua abertura agrave participaccedilatildeo da sociedade civil organizada no exerciacutecio da sua missatildeo

(PECI 1999) No que se refere agrave Anvisa a especializaccedilatildeo teacutecnica e os espaccedilos de

participaccedilatildeo da sociedade que estatildeo sendo construiacutedos com a maturidade experimentada

pela entidade podem projetar avanccedilos no processo de democratizaccedilatildeo das decisotildees sobre

como intervir nos riscos agrave sauacutede dos objetos sob controle da vigilacircncia sanitaacuteria Poreacutem o

percurso ainda eacute longo exige cautela e sujeito a retrocessos O aprimoramento das

atividades da Anvisa depende fundamentalmente da participaccedilatildeo ativa e qualificada da

sociedade civil organizada assim como do seu compromisso e de suas articulaccedilotildees

externas para se conformar como uma forccedila social equiparaacutevel agraves do mercado e do poder

puacuteblico Assim a Agenda Regulatoacuteria pode sofrer mudanccedilas e passar a privilegiar os

assuntos de relevacircncia para o coletivo em termos de proteccedilatildeo e controle dos riscos agrave sauacutede

52 A Anvisa e o Ministeacuterio da Sauacutede o (re) agir institucional

Em decorrecircncia do atual quadro epidemioloacutegico das doenccedilas carenciais da

obesidade e das DCNT a preocupaccedilatildeo com a qualidade dos alimentos no acircmbito nacional

passou a ser objeto de atenccedilatildeo de dois setores da administraccedilatildeo puacuteblica federal a

Coordenaccedilatildeo-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica da

Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede ndash CGANDABMS e a Gerecircncia-Geral

de Alimentos da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria- GGALIAnvisaMS A primeira eacute

a responsaacutevel pela implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-PNAN e

a agenda da Anvisa estaacute relacionada ao controle sanitaacuterio de alimentos referenciado nessa

poliacutetica

A PNAN-1999 representa a primeira poliacutetica setorial da nutriccedilatildeo e baseou-se nos

resultados da I Conferecircncia Nacional de Seguranccedila Alimentar de 1994 Em seu conteuacutedo jaacute

124

mencionava o alargamento dos problemas nutricionais com a inclusatildeo da evoluccedilatildeo da

epidemia da obesidade das dislipidemias e de suas relaccedilotildees com as doenccedilas

cardiovasculares aleacutem daqueles de ordem carencial Enfatizava a responsabilidade do

Estado em promover e facilitar meios para que os indiviacuteduos possam ter uma alimentaccedilatildeo

digna contribuindo para uma vida saudaacutevel e ativa e para concretizaccedilatildeo do Direito Humano

agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (BRASIL MS 1999)

Na versatildeo atualizada da PNAN de 2012 (BRASIL MS 2012a) duas diretrizes

destacam-se por orientar a praacutetica de controle da qualidade de alimentos ldquoControle e

regulaccedilatildeo dos alimentosrdquo e ldquoPromoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevelrdquo Para a

primeira diretriz as accedilotildees de regulaccedilatildeo dos alimentos devem se voltar para inocuidade e

qualidade nutricional dos alimentos A segunda diretriz interligada agrave primeira enfoca a

importacircncia de a alimentaccedilatildeo atender as necessidades bioloacutegicas em cada fase do ciclo da

vida conforme gecircnero raccedila e etnia observando ainda outros princiacutepios como o respeito agrave

cultura alimentar acessibilidade fiacutesico-financeira praacuteticas produtivas adequadas e

sustentaacuteveis harmonia quantitativa e qualitativa entre outros aspectos com vista agrave

melhoria da qualidade de vida e agrave reduccedilatildeo do excesso de peso e das doenccedilas relacionadas

com a alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo

As experiecircncias pioneiras da receacutem-criada Anvisa com o Ministeacuterio da Sauacutede para

atender aos dispositivos da PNAN relacionaram-se primeiramente com a diretriz

Prevenccedilatildeo e controle dos distuacuterbios nutricionais e das doenccedilas associadas agrave alimentaccedilatildeo e

nutriccedilatildeo e como parte do Programa de Combate aos Distuacuterbios por Deficiecircncia de Iodo no

Brasil (BRASIL ANVISA 2000) foram aprovados novos limites para iodaccedilatildeo do sal

estabelecidas regras de boas praacuteticas para os estabelecimentos beneficiadoras de sal e

instituiacutedo um programa nacional de inspeccedilatildeo sanitaacuteria nestes estabelecimentos (BRASIL

ANVISA 2004) Em seguida foram aprovados os limites de aacutecido foacutelico e ferro em farinhas

de trigo e milho (BRASIL ANVISA 2002) com o subsequente monitoramento desses

produtos Em 2001 considerando a diretriz da PNAN1999 Garantia da seguranccedila e da

qualidade dos alimentos e da prestaccedilatildeo de serviccedilos neste contexto - que propotildee a atualizaccedilatildeo

das regras e procedimentos da vigilacircncia sanitaacuteria incluindo a rotulagem nutricional -

125

foram publicadas as regras para rotulagem nutricional obrigatoacuteria de alimentos e bebidas

embalados (BRASIL ANVISA 2001) Posteriormente essas regras de rotulagem foram

republicadas em consequecircncia da harmonizaccedilatildeo do seu conteuacutedo no acircmbito do Mercosul

Em 2005 formou-se um Grupo de Trabalho na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia

Sanitaacuteria AnvisaMS com representaccedilatildeo multisetorial para tratar da diretriz da PNAN-

1999 Promoccedilatildeo de praacuteticas alimentares e estilos de vida saudaacuteveis Naquela ocasiatildeo propocircs-

se disciplinar a publicidade de produtos alimentiacutecios infantis sobretudo em parceria com

as entidades representativas da aacuterea de propaganda da sociedade civil organizada e do

setor produtivo e das empresas de comunicaccedilatildeo Tal empreendimento resultou na

publicaccedilatildeo de uma Consulta Puacuteblica Anvisa nordm 712006 que dispotildee sobre a oferta

propaganda e publicidade de alimentos com quantidades elevadas de accediluacutecar gordura

saturada gordura trans e soacutedio (BRASIL ANVISA 2006b) Apoacutes quatro anos de intenso

debate foi aprovada a Resoluccedilatildeo-RDC Anvisa nordm242010 mas com o conteuacutedo abrandado

em relaccedilatildeo ao texto da Consulta Puacuteblica (BRASIL ANVISA 2010b) Poreacutem os embates no

Poder Judiciaacuterio resultaram na perda da sua eficaacutecia juriacutedica em virtude da polecircmica criada

pelas induacutestrias empresas de comunicaccedilatildeo e de publicidade

Com base nesse elenco de atividades conjuntas entre Ministeacuterio da Sauacutede e Anvisa

torna-se possiacutevel fazer um conjunto de consideraccedilotildees a) o controle sanitaacuterio dos alimentos

natildeo se dissocia das questotildees nutricionais considerando a funccedilatildeo preciacutepua da Anvisa de

proteger a populaccedilatildeo contra os riscos dos alimentos e isso comprovadamente jaacute integra a

rotina institucional da entidade desde a sua criaccedilatildeo b) os produtos alimentiacutecios em

questatildeo se ajustaram aos requisitos nutricionais mediante a instituiccedilatildeo de regras com

sanccedilotildees aliadas a medidas sistemaacuteticas de controle para conferir a sua adequaccedilatildeo e c) as

induacutestrias nacionais envolvidas foram obrigadas a custear a adiccedilatildeo de nutrientes (ferro e

aacutecido foacutelico ou iodo) nos produtos considerados fundamentais para atender aos programas

oficiais de nutriccedilatildeo

Com o agravamento do panorama epidemioloacutegico revelando o avanccedilo das DCNT e o

incremento dos gastos com assistecircncia agrave sauacutede e sua associaccedilatildeo com a mudanccedila no padratildeo

126

alimentar da populaccedilatildeo brasileira devido ao aumento da disponibilizaccedilatildeo de alimentos natildeo

saudaacuteveis entre outros aspectos o governo prontificou-se a reagir No ano de 2007 o

Ministeacuterio da Sauacutede seguindo as recomendaccedilotildees internacionais instituiu sob a sua

coordenaccedilatildeo o Grupo Teacutecnico com representaccedilatildeo inicial de membros do governo e da

induacutestria para discutir e propor accedilotildees voltadas agrave melhoria da oferta de produtos

alimentiacutecios e promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel (BRASIL MS 2007b) Em seguida foi

firmado o Acordo de Cooperaccedilatildeo entre o Ministeacuterio da Sauacutede e a Associaccedilatildeo Brasileira das

Induacutestrias de Alimentaccedilatildeo-ABIA e aprovada uma Chamada Puacuteblica para avaliar a

potencialidade do setor produtivo em reduzir de forma gradativa os teores de vaacuterios

nutrientes nos alimentos processados tais como accediluacutecar livre gorduras trans gorduras

saturadas e sal (BRASIL MS 2007c) que culminou em vaacuterios termos de compromisso

subsequentes conforme consta do Quadro 2

127

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS

e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees

Competecircncia Pontos destacados

1 Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre o MS e a ABIA

29112007

Reunir esforccedilos para implementar accedilotildees conjuntas para fomentar estilos de vida saudaacuteveis que inclui alimentaccedilatildeo saudaacutevel equilibrada e nutricionalmente adequada

(MS)Instituir em ato proacuteprio Grupo Teacutecnico com a finalidade de propor estrateacutegia gradativa de reduccedilatildeo de teores de accediluacutecares livres soacutedio gorduras saturadas e aacutecidos graxos trans em alimentos processados (MS) Estabelecer estrateacutegia gradativa para melhorar o perfil nutricional dos alimentos industrializados com o foco antes descrito (ABIA) Recomendar em conjunto com as entidades da miacutedia as praacuteticas eacuteticas e responsaacuteveis para o marketing e publicidade de alimentos e bebidas natildeo alcooacutelicas

2 Termo de

prorrogaccedilatildeo do Acordo entre o MS e a ABIA

25112010

Reunir esforccedilos para implementar accedilotildees conjuntas para fomentar estilos de vida saudaacuteveis que inclui alimentaccedilatildeo saudaacutevel equilibrada e adequada em termos nutricionais

Prorrogar por 3 (trecircs) anos contados a partir do prazo de vigecircncia do Termo de Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica

3 Termo de Compromisso

n0 0042011 entre MS e ABIA ABIMA ABITRIGO e

ABIP 07042011 Prazo de vigecircncia 3 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados macarratildeo instantacircneo patildees de forma bisnaguinhas e avaliar outras categorias (patildeo francecircs bolos prontos misturas p bolos salgadinhos de milho e batatas fritas embutidos caldos e temperos derivados de cereais laticiacutenios refeiccedilotildees prontas e biscoitos) com fins de estabelecer posteriormente metas para a reduccedilatildeo de soacutedio

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

128

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS

e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

4 Acordo de Cooperaccedilatildeo

Teacutecnica entre o MS e a ABRAS ndash

07042011 Prazo de

vigecircncia 3 anos

Reunir esforccedilos e trabalhar conjuntamente para implementar accedilotildees voltadas agrave promoccedilatildeo da qualidade de vida e prevenccedilatildeo de fatores determinantes e ou condicionantes de doenccedilas e agravos agrave sauacutede

(MS) Elaborar em cooperaccedilatildeo com a ABRAS estrateacutegias voltadas agrave promoccedilatildeo de qualidade de vida e prevenccedilatildeo de fatores determinantes eou condicionantes de doenccedilas e agravos agrave sauacutede priorizando aspectos da alimentaccedilatildeo saudaacutevel praacuteticas corporaisatividade fiacutesica controle de tabagismo reduccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool e outras drogas reduccedilatildeo dos danos decorrentes dos acidentes de tracircnsito e estiacutemulo a cultura da paz fortalecer a realizaccedilatildeo de campanhas institucionais de sauacutede puacuteblica em parceria com a ABRAS a ABRAS poderaacute integrar a outros Grupos de Trabalho formalmente instituiacutedos pelo MS especialmente aqueles relacionados agrave melhoria do perfil nutricional dos alimentos processados e linhas proacuteprias de fabricaccedilatildeo (ABRAS) Fomentar junto aos associados atividades e campanhas de educaccedilatildeo e informaccedilatildeo de promoccedilatildeo da qualidade de vida que forem acordadas no grupo Teacutecnico recomendar aos seus associados a adoccedilatildeo de poliacuteticas internas de controle de qualidade de mateacuterias-primas e seleccedilatildeo de fornecedores recomendar em conjunto com entidades representantes da miacutedia praacuteticas eacuteticas para o marketing e publicidade de alimentos e bebidas de forma responsaacutevel implementar accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutede e qualidade de vida voltadas para os trabalhadores dos estabelecimentos de comercializaccedilatildeo de alimentos

129

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

5 Termo de Compromisso entre MS

ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP

13122011 Prazo de vigecircncia 5 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados patildeo francecircs bolos prontos s ou c recheio rocambole bolo aerado misturas p bolo cremoso salgadinhos de milho batatas fritas e palhas maionese biscoitos do tipo doces salgados e doces recheados

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

6 Termo de Compromisso

entre MS e ABIA 28082012

Prazo de vigecircncia 3 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados derivados de cereais margarina vegetal caldos liacutequidos e em gel temperos em pasta temperos p arroz e outros temperos

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

130

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Termo de Cooperaccedilatildeo MS e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

7 Termo de Compromisso com a ABIA

ABIC ABIPECS SINCARNES e UBABEF

05112013 Prazo de vigecircncia 3 anos

prorrogaacutevel por igual periacuteodo

Pactuar estrateacutegias para contribuiccedilatildeo do setor industrial de alimentos para a reduccedilatildeo do consumo de sal pela populaccedilatildeo brasileira para menos de 5g de sal por pessoa por dia ateacute 2020 mediante a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em categorias prioritaacuteria (laticiacutenios sopas e produtos caacuterneos) de preparaccedilotildees disponiacuteveis para consumo e alimentos processados

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de soacutedio por meio dos seguintes eixos (i) reduccedilatildeo voluntaacuteria dos niacuteveis de soacutedio nos alimentos processados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes (ii) aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis (iii) rotulagem e informaccedilatildeo do consumidor e (iv) educaccedilatildeo e sensibilizaccedilatildeo para consumidores induacutestria profissionais de sauacutede e outras partes interessadas (ABIA ABIC ABIPECS SINDICARNES e UBABEF) Articular as induacutestrias de cada categoria para comprometimento no processo de pactuaccedilatildeo das metas de reduccedilatildeo do soacutedio nos alimentos processados incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento de teor de soacutedio nos alimentos

8 Acordo de cooperaccedilatildeo n0 1

entre o MS e a ABIA

24012014 Prazo de vigecircncia 3 anos

prorrogaacutevel por igual periacuteodo

Reunir esforccedilos e trabalhar conjuntamente para implementar accedilotildees com fins de articular a forma de colaboraccedilatildeo entre as partes para execuccedilatildeo eficaz do Plano Nacional de Vida Saudaacutevel abrangendo aspectos de alimentaccedilatildeo nutriccedilatildeo saudaacutevel atividade fiacutesica e educaccedilatildeo zelar pelo acesso da populaccedilatildeo a alimentos adequados selecionar campanhas institucionais entre outros

Prorrogar por 3 (trecircs) anos contados a partir do prazo de vigecircncia do Termo de Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica

131

O Acordo foi entatildeo um marco para colocar em discussatildeo a reduccedilatildeo dos

paracircmetros nutricionais dos produtos considerados natildeo saudaacuteveis que foi iniciado com

a mobilizaccedilatildeo para a retirada da gordura trans nos produtos cujos avanccedilos importantes

somente foram alcanccedilados em 2010 (BRASIL MS 2012b)

Em paralelo o Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional-

CONSEA27 elaborou a proposta de uma estrateacutegia intersetorial para promover uma

alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel Nessa proposta a alimentaccedilatildeo eacute abordada em sua

perspectiva macro englobando os aspectos socioeconocircmicos culturais e bioloacutegicos e eacute

reafirmada como um direito baacutesico individual agrave vida com sauacutede cuja viabilidade

depende da valorizaccedilatildeo da soberania alimentar e do resgate das praacuteticas produtivas

tradicionais e sustentaacuteveis Na estrateacutegia constavam accedilotildees envolvendo diferentes atores

institucionais como a valorizaccedilatildeo do consumo de legumes frutas e verduras a

regulaccedilatildeo da publicidade de produtos alimentiacutecios com alto teor de gordura saturada

gordura trans accediluacutecar soacutedio e bebidas de baixo valor nutricional (BRASIL CONSEA

2007)

Em 2009 a AnvisaMS coordenou um diagnoacutestico para avaliar a composiccedilatildeo

nutricional de 24 tipos de alimentos industrializados quanto ao teor de soacutedio accediluacutecares

gorduras saturadas gorduras trans e ou de ferro O resultado revelou uma variaccedilatildeo

discrepante nos teores de soacutedio entre os alimentos da mesma categoria No caso do

macarratildeo instantacircneo e do tempero para macarratildeo foram constatadas as maiores

quantidades de soacutedio por porccedilatildeo referida que por si soacute jaacute ultrapassam o valor diaacuterio de

referecircncia de 2400mgdia Os teores de accediluacutecares detectados em refrigerantes suco e

neacutectar ficaram proacuteximos aos valores da meacutedia entre 10 a 117g100mL Isso demonstra

que se o indiviacuteduo bebe um copo regular (200mL) de refrigerante estaacute consumindo em

meacutedia 20g de accediluacutecar Quanto ao teor de gorduras saturadas os destaques foram as

batatas fritas e palhas com meacutedia de 35 e 38 g25g de porccedilatildeo e os biscoitos recheados e

salgados com meacutedia de 1630g de porccedilatildeo (BRASIL ANVISA 2010) Comparando os

teores meacutedios de accediluacutecares e de gordura encontrados nesses alimentos com os criteacuterios

de classificaccedilatildeo e pesovolume estabelecidos pela agecircncia de normalizaccedilatildeo dos

27 O CONSEA foi criado em abril de 1993 como oacutergatildeo de aconselhamento da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange aos assuntos relacionados agrave seguranccedila alimentar e nutricional

132

alimentos do Reino Unido28 todos esses produtos estavam com teores altos poderiam

ser enquadrados nas categorias de ldquoalto teor de accediluacutecarrdquo ou de ldquoalto teor de gordurardquo

Esses resultados satildeo preocupantes pois os produtos alimentiacutecios destacados satildeo

comumente consumidos por crianccedilas que aleacutem dos efeitos negativos agrave sauacutede

provenientes do alto consumo de soacutedio accediluacutecares e gordura estimulam a formaccedilatildeo de

haacutebitos de consumo que adaptam o paladar para preferir alimentos com essa

composiccedilatildeo nutricional Como consequecircncia desse diagnoacutestico as autoridades de sauacutede

fizeram tratativas posteriores com as entidades das induacutestrias para primeiramente

fazer a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em vaacuterias categorias de alimentos (Quadro 2) apesar

de o quadro epidemioloacutegico apontar urgecircncia para a reduccedilatildeo de todos os nutrientes O

valor de referecircncia para a definiccedilatildeo da meta de reduccedilatildeo na ausecircncia de uma referecircncia

internacional equivalente tomou por base trecircs fontes o limite inferior do teor de soacutedio

apontado pelo resultado do diagnoacutestico naqueles tipos de alimento entatildeo analisados as

informaccedilotildees de rotulagem e as informaccedilotildees fornecidas pelas induacutestrias A pretensatildeo

do Ministeacuterio da Sauacutede eacute a de obter uma reduccedilatildeo do consumo de soacutedio pela populaccedilatildeo

brasileira para menos de 2000mgpessoadia ateacute 2020 (BRASIL MS 2011)

Em 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede lanccedila o ldquoPlano de Accedilotildees Estrateacutegicas para o

Enfrentamento das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis (DCNT) no Brasil ndash 2011-

2022rdquo que reuacutene um conjunto de poliacuteticas puacuteblicas efetivas e integradas sob a sua

lideranccedila e com caraacuteter intersetorial para intervir nessas doenccedilas Alimentaccedilatildeo natildeo

saudaacutevel eacute um dos fatores de risco sobre o qual se propotildee intervir Para isso entre

outras accedilotildees propotildee acordos com as induacutestrias para a reduccedilatildeo de sal e de accediluacutecar nos

alimentos processados aumento da oferta e reduccedilatildeo dos preccedilos dos alimentos

saudaacuteveis e estabelecimento da regulamentaccedilatildeo da publicidade infantil (BRASIL MS

2011)

Enquanto isso motivado pelos resultados que confirmam o aumento

descontrolado das prevalecircncias de excesso de peso (POF 200809) foi criado um

28 A entidade do Reino Unido Food Standards Agency recomenda apor na frente da embalagem de certos produtos processados o poste de sinalizaccedilatildeo nutricional indicando com cores diferenciadas os teores de accediluacutecar gordura gordura saturada e sal existentes Os produtos foram selecionados a partir de enquete com os consumidores que informaram ter dificuldades em avaliar em termos nutricionais certas categorias de produtos Assim os limites que categorizam os produtos como de alto teor de accediluacutecar para produtos liacutequidos e de alto teor de gordura para produtos soacutelidos satildeo respectivamente maior que 63g100mL e maior que 5g100g ( UNITED KINDOWN 2007)

133

Comitecirc Teacutecnico no acircmbito da Cacircmara Interministerial de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash CAISANMDS que formulou o Plano Intersetorial de Prevenccedilatildeo e Controle

da Obesidade Composto por seis eixos de accedilatildeo - um deles referente agrave ldquoRegulaccedilatildeo e

controle da qualidade e inocuidade de alimentosrdquo com fins de aprimorar a qualidade

nutricional abrangendo a publicidade de alimentos rotulagem nutricional e adequaccedilatildeo

do perfil nutricional dos alimentos processados a um tipo considerado saudaacutevel entre

outros aspectos (BRASIL MDS 2012a) Em outubro de 2012 foi encaminhado ao

CONSEA mas ateacute o momento natildeo foi lanccedilado oficialmente Na falta de informaccedilatildeo

oficial sobre seus desdobramentos foi divulgada a Estrateacutegia Intersetorial de Prevenccedilatildeo

e Controle da Obesidade Neste documento parte do conteuacutedo apresentado no Plano eacute

abordada na perspectiva das responsabilidades de estados e municiacutepios na prevenccedilatildeo e

controle da obesidade

No acircmbito do Congresso Nacional esse assunto eacute principalmente tratado pela

Comissatildeo de Seguridade Social e Famiacutelia da Cacircmara dos Deputados29 que se encarrega

de lidar com a mateacuteria que faz a interface entre ldquoalimentos e sauacutederdquo No periacuteodo de 2000

a 2013 tramitaram 41 projetos de lei - PL (Quadro 3) sobre temas ligados direta ou

indiretamente ao conteuacutedo desta tese A maioria deles oriundos dessa Comissatildeo Mas no

uacuteltimo ano trecircs deles foram apresentados por outras comissotildees dois pela Comissatildeo de

Defesa do Consumidor item 12 (somente o que faz referecircncia aos cartazes ndash PL

546913) e o item 17 (PL 698513) e outro pela Comissatildeo de Agricultura Pecuaacuteria

Abastecimento e Desenvolvimento Rural (item 20) Trata-se do PL 5866613 que

propotildee retirar a seguinte frase de advertecircncia do roacutetulo das foacutermulas infantis ldquoEste

produto natildeo deve ser usado para alimentar crianccedilas menores de 1 (um) ano de idade O

aleitamento materno evita infecccedilotildees e alergias e eacute recomendado ateacute os 2(dois) anos de

idade ou maisrdquo que visa alertar as matildeesresponsaacuteveis sobre os benefiacutecios do

aleitamento materno em relaccedilatildeo ao leite artificial Tal projeto se aprovado representaraacute

um retrocesso na luta pelo estiacutemulo agrave amamentaccedilatildeo e a alimentaccedilatildeo saudaacutevel

29 Conforme o Regimento Interno da Cacircmara dos Deputados em seu artigo 32 inciso XII uma das atribuiccedilotildees dessa Comissatildeo eacute a de lidar com mateacuterias relativas agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia social em geral controle de drogas medicamentos e alimentos sangue e hemoderivados controle de drogas medicamentos e alimentos sangue e hemoderivados alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo entre outras (BRASIL CAcircMARA DOS DEPUTADOS 2013)

134

De forma sinteacutetica eacute possiacutevel reunir as mateacuterias dos PL em trecircs grandes grupos

conforme a finalidade a) intervir na obesidade - educaccedilatildeo alimentar campanhas e

sensibilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo divulgaccedilatildeo dos riscos (itens 1 2 5 7 10 e 12) b) intervir

nos produtos - com restriccedilatildeo da publicidade e propaganda dos alimentos informaccedilatildeo

sobre o conteuacutedo dos nutrientes e ou calorias reduccedilatildeo de accediluacutecar inclusatildeo das

advertecircncias dos riscos agrave sauacutede na rotulagem informaccedilatildeo mediante cartazes do valor

caloacuterico dos produtos manipulados rotulagem nutricional proibiccedilatildeo de associaccedilatildeo de

produtos alimentiacutecios a brindes e similares (itens 3 4 6 9 11 12 13 14 15 17 18) e

c) intervir na alimentaccedilatildeo das escolas (8 16 e 19) Com base nessas mateacuterias agrupadas

foram produzidas regras sobre alimentaccedilatildeo nas escolas rotulagem nutricional e

educaccedilatildeo alimentar ou no acircmbito da proacutepria Cacircmara dos Deputados ou por iniciativa

do oacutergatildeo federal competente A uacutenica mateacuteria que natildeo produziu resultados foi a relativa

aos produtos alimentiacutecios pois o assunto da regulaccedilatildeo de alimentos confronta

diretamente com os interesses econocircmicos do mercado ndash que se encontram

devidamente representados e fortalecidos na ldquoCasa do Povordquo

135

QUADRO 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013

N0

Mateacuteria

Qtde

1 Princiacutepios e diretrizes para accedilotildees de educaccedilatildeo nutricional e seguranccedila nutricional e alimentar para a populaccedilatildeo Promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel (PL 123407 331004 680310)

3

2 Poliacutetica de combate a obesidade Obriga atendimento integral dos doentes no SUS (PL 139401 156003 168403 169903 618313)

5

3 Divulgaccedilatildeo de advertecircncia sobre obesidade nos produtos alimentiacutecios (PL 148003)

1

4 Obriga os estabelecimentos comerciais de alimentos a fixarem cartazes informando sobre as calorias de cada porccedilatildeo servida Informaccedilatildeo nutricional dos alimentos para consumo imediato (PL 179003 271403)

2

5 Cria semana ou dia de mobilizaccedilatildeo nacional contra a obesidade ou de conscientizaccedilatildeo sobre os malefiacutecios da obesidade (PL 608602 443804 196511 365212 387412)

5

6 Restriccedilatildeo de propaganda de bebidas e alimentos potencialmente causadores de obesidade (PL 608005 163707 379308 446208 764410 560813)

6

7 Cria programa de prevenccedilatildeo e orientaccedilatildeo de tratamento de obesidade infantil (PL 652209)

1

8 Proiacutebe a comercializaccedilatildeo e consumo de guloseimas nas escolas (PL 684802)

1

9 Proiacutebe o uso de atribuiccedilatildeo de destaque as declaraccedilotildees de qualidade e de caracteriacutesticas nutritivas nas embalagens e na publicidade de alimentos (PL 562913)

1

136

QUADRO 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013 (Continuaccedilatildeo)

N0

Mateacuteria

Qtde

10 Inclusatildeo da disciplina de educaccedilatildeo alimentar na grade escolar da escola de ensino fundamental e meacutedio

(PL 32507)

1

11 Obriga a divulgar advertecircncia sobre riscos de doenccedilas nos roacutetulos dos produtos e na publicidade comercial de alimentos com alto teor de accediluacutecar gordura saturada gordura trans soacutedio e bebidas com baixo teor nutricional (PL 470501 766710 480312)

3

12 Obriga uso de cartazes de advertecircncia sobre obesidade em estabelecimentos que comercializam ldquofast foodrdquo Obriga especificar a quantidade de calorias dos alimentos comercializados nos cardaacutepios em restaurantes lanchonetes e similares (PL 546913 567413)

2

13 Fixa limite maacuteximo de adiccedilatildeo de sacarose nos sucos comercializados Reduzir o teor de accediluacutecar nos alimentos destinados agraves crianccedilas (PL 588313 683613)

2

14 Estabelece praacutetica abusiva oferecer brindes brinquedos etc associados agrave aquisiccedilatildeo de alimentos e bebidas para o puacuteblico infantil (PL 611113)

1

15 Rotulagem nutricional de alimentos industrializados (PL 390900)

1

16 Obriga alimentaccedilatildeo saudaacutevel nas escolas puacuteblicas e privadas de ensino fundamental (PL 317000)

1

17 Obriga os produtos alimentiacutecios comercializados a informar a presenccedila ou ausecircncia de sal como medida preventiva de doenccedilas (PL 698513)

1

137

QUADRO 3 Projetos de Lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013 (Continuaccedilatildeo)

N0

Mateacuteria

Qtde

18 Disciplina a propaganda comercial de produtos praacuteticas e serviccedilos dirigidos a crianccedilas e adolescentes

(PL 677713)

1

19 Proiacutebe a venda de refrigerantes a menores de 18 anos e de alimentos com alto valor caloacuterico e niacuteveis reduzidos de nutrientes em escolas Proiacutebe refrigerantes e alimentos de baixo teor nutricional em escolas de ensino meacutedio e fundamental (PL 504313 628313)

2

20 Revoga a obrigatoriedade de advertecircncia nos roacutetulos das foacutermulas infantis para crianccedilas de 1a infacircncia (PL 586613)

1

TOTAL

41

138

Assim o Poder Legislativo tal como o Poder Executivo natildeo tiveram interesse em

regulamentar a questatildeo O Ministeacuterio da Sauacutede entatildeo introduziu um novo instrumento no

campo do controle de alimentos que foi a implementaccedilatildeo de Acordos e seus Termos de

Compromissos (itens 2 3 5 e 7 do Quadro 2) firmados entre o governo e as entidades

representativas das induacutestrias para a reduccedilatildeo do soacutedio Quanto a esse instrumento haacute

alguns pontos inconvenientes (i) grande elasticidade ndash os prazos para reduccedilatildeo do soacutedio

por exemplo variam entre 3 e 5 anos (ii) extensatildeo limitada ndash a formalidade do Acordo e

dos Termos restringem-se agraves entidades representativas das induacutestrias que os ratificaram

e (iii) fragilidade no cumprimento ndash a inexistecircncia de claacuteusulas punitivas podem retardar o

cumprimento desses atos

Dessa forma como objetivo de inferir sobre as bases da negociaccedilatildeo das metas

referidas nesses Termos efetuados (itens 3 e 5 do Quadro 2) comparou-se o

comportamento de seis produtos alimentiacutecios quanto ao nutriente soacutedio obtidos no

diagnoacutestico com as metas acordadas de reduccedilatildeo (Graacutefico 1) e verificou-se que as metas de

trecircs produtos foram definidas pelo maior valor identificado e as dos outros trecircs aquelas

mais proacuteximas do maior valor A opccedilatildeo pela flexibilidade nas metas demonstra que houve

bastante condescendecircncia do governo para com o mercado na implementaccedilatildeo desses atos

Essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel uma vez que dados comprovam a existecircncia de viabilidade

teacutecnica e comercial que permite acelerar a reduccedilatildeo do teor do soacutedio nos produtos

alimentiacutecios Pois dentre os produtos monitorados haacute alguns deles que estatildeo circulando

no mercado cujas foacutermulas conteacutem teor de soacutedio abaixo do limite de reduccedilatildeo acordado ndash

daiacute se pode inferir que haacute aceitaccedilatildeo por parte do consumidor e tecnologia factiacutevel para a

sua produccedilatildeo Isso fica mais evidente quando o governo ao optar por natildeo impor regras de

caraacuteter compulsoacuterio ldquodesperdiccedilardquo a oportunidade de utilizar como referecircncia o valor

miacutenimo de soacutedio encontrado nos produtos monitorados para a construccedilatildeo das bases dos

Termos

139

Graacutefico 1 Comparaccedilatildeo entre os teores de soacutedio diagnosticados nos produtos alimentiacutecios e os valores de reduccedilatildeo acordados entre o Governo e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos Brasil 2010-2011

FONTE BRASIL ANVISA Informe Teacutecnico n 422010 itens 3 e 5 do Quadro 2

Embora o cumprimento dos Acordos e dos Termos de Compromissos esteja sendo

assumido na praacutetica institucional da vigilacircncia sanitaacuteria descartar o uso da

regulamentaccedilatildeo com prazos negociados e fixados e com previsatildeo de sanccedilotildees significa

fragilizar as medidas de controle e o papel de autoridade e de intervenccedilatildeo do Estado na

atividade privada e dirigida a fazer prevalecer os interesses puacuteblicos Aleacutem disso a

regulamentaccedilatildeo eacute precedida de procedimentos de construccedilatildeo democraacutetica instituiacutedos no

acircmbito da agecircncia reguladora competente enquanto a praacutetica do acordo eacute centralizada e

restrita Adianta-se que o cumprimento do Acordo depende apenas do grau de

compromisso entre as partes que natildeo eacute por si soacute extensivo agraves outras entidades e

empresas do ramo Eacute necessaacuterio que o poder puacuteblico encare o gerenciamento dos riscos

dos alimentos relacionados agrave obesidade e agraves outras DCNT como equiparaacutevel ao aplicado agraves

DTA mediante o uso dos recursos tradicionais de praxe (regulamentaccedilatildeo monitoramento

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

0 2 4 6 8

Menor teor

Maior teor

Acordo

1 Batatas fritas 2 Batatas palha 3 Salgadinhos de milho 4 Biscoito aacutegua e sal 5 Biscoito cream cracker 6 Macarratildeo instantacircneo

140

de produtos inspeccedilatildeo de estabelecimentos etc) para que se alcance um controle efetivo da

qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios envolvidos

Entretanto merece ressaltar que a diferenccedila fundamental do efeito do

gerenciamento dos riscos dos alimentos voltados agrave prevenccedilatildeo das DCNT estaacute nos impactos

econocircmicos alegados pelo setor produtivo e que motivaram uma forte reaccedilatildeo do mercado

Isso porque esse gerenciamento implica reformular a concepccedilatildeo da produccedilatildeo dos

alimentos industrializados em vigor (de baixo custo alto consumo e de peacutessima qualidade

nutricional desenhados com foco nos lucros e sem benefiacutecios para a sauacutede) Eacute importante

salientar que as reaccedilotildees das corporaccedilotildees de alimentos jaacute fizeram o governo dinamarquecircs

retroceder revogando as medidas de taxaccedilatildeo de produtos com alto teor de gordura

saturada (PETKANTCHIN 2013) mas por outro lado natildeo foram suficientes para impedir a

sociedade finlandesa mobilizada de avanccedilar e forccedilar a reformulaccedilatildeo dos produtos

garantindo um alimento com qualidade nutricional aprimorada (PUSKA 2004)

Sob a oacutetica do Ministeacuterio da Sauacutede e da Anvisa haacute uma valorizaccedilatildeo dessa experiecircncia

de Acordos do governo com as entidades das induacutestrias para a reduccedilatildeo do soacutedio como

sendo inovadora legiacutetima e transparente baseada na articulaccedilatildeo intrainstitucional e com o

setor privado e no estabelecimento de uma relaccedilatildeo dialoacutegica e pactuada que fortalecem o

controle social (NILSON JAIME RESENDE 2012) Sem enaltecer o vanguardismo na

praacutetica institucional ou descartar os possiacuteveis meacuteritos dessa iniciativa algumas

ponderaccedilotildees satildeo necessaacuterias primeiro o valor de cunho ideoloacutegico dessa medida

demonstrado pela preocupaccedilatildeo do governo perante a sauacutede puacuteblica eacute o que se sobressai

diante da dispensa das prerrogativas do Estado de impor regras ao mercado e da opccedilatildeo por

fazer acordos maleaacuteveis e de longa duraccedilatildeo Segundo para o fortalecimento do controle

social exige-se que o conjunto das representaccedilotildees da sociedade seja envolvido nas

discussotildees travadas na esfera puacuteblica e no caso o tratamento dado agrave sociedade civil a

maior interessada no tema foi a completa exclusatildeo desse processo de negociaccedilatildeo

comprometendo inclusive a tal legitimidade referida pelos autores

141

521 Parceria entre governo e induacutestrias fragilidade ou inovaccedilatildeo

A Parceria Puacuteblico-Privada no campo da sauacutede30- PppS eacute um fenocircmeno relativamente

novo e ainda carece de uma definiccedilatildeo precisa podendo referir-se a algum tipo de

engajamento ou interaccedilatildeo entre os setores puacuteblicos e privados ou mesmo a um

relacionamento entre estes estabelecido com base em criteacuterios estritos Esse tipo de

parceria se pauta na partilha de objetivos e em algum grau de tomada de decisatildeo entre os

setores puacuteblico e privado Entretanto em geral em nenhuma modalidade se prevecirc a

participaccedilatildeo de organizaccedilotildees sem fins lucrativos (HAWKES 2008b)

Segundo essa autora as PppS relacionadas agrave dieta nutriccedilatildeo e atividade fiacutesica se

processam mais lentamente comparadas agraves que envolvem medicamentos As iniciativas

que estatildeo sendo adotadas em vaacuterios paiacuteses estatildeo focadas basicamente em quatro objetos

melhoria de produtos alimentiacutecios (reduccedilatildeo do sal) educaccedilatildeo do puacuteblico rotulagem

nutricional e propaganda e por fim pesquisas

A formalizaccedilatildeo da PppS estabelecida a partir desse trabalho conjunto busca alcanccedilar

resultados efetivos com reduccedilatildeo de recursos e de desgastes poliacutetico-institucionais sendo

em certas circunstacircncias mais vantajosa do que uma medida empreendida isoladamente

pelo governo No entanto para que as parcerias se materializarem em Acordos haacute um

processo de negociaccedilatildeo para o estabelecimento de responsabilidades muacutetuas e interesses

partilhados sendo fundamental a geraccedilatildeo de benefiacutecios para ambas partes expostos

previamente com clareza em ambiente de transparecircncia e de responsabilizaccedilatildeo para que

essa alianccedila possa se consolidar (MITCHELL 2008) Assim no campo da sauacutede a

governanccedila das PppS tem como foco cinco questotildees-chaves representaccedilatildeo participaccedilatildeo

responsabilizaccedilatildeo transparecircncia e efetividade (HAWKES 2008b)

30 Na sauacutede puacuteblica esse tipo de parceria eacute completamente diferente dos contratos privados para execuccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos firmados sob a forma de Parceria Puacuteblico-Privada (HAWKES 2008b) Nestes casos o governo firma contratos de concessatildeo com parceiros privados que se responsabilizam pela realizaccedilatildeo investimentos em infraestrutura e prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse puacuteblico por prazo determinado

142

A partir da deacutecada de 90 a FAO e a OMS comeccedilam a estimular os paiacuteses a

desenvolverem accedilotildees conjuntas para lidar com a obesidade e outras DCNT mediante a

articulaccedilatildeo entre governo induacutestrias e consumidores (WHO 1990) Aquelas organizaccedilotildees

afirmam ser fundamental criar estrateacutegias multisetoriais com diferentes atores de longa

duraccedilatildeo formar alianccedilas e parcerias e engajaacute-los em programas colaborativos pois a

responsabilidade na prevenccedilatildeo dessas doenccedilas eacute compartilhada Poreacutem natildeo se deve

perder de foco que a incumbecircncia da induacutestria eacute a de aprimorar a qualidade dos seus

produtos alimentiacutecios (WHO 2000 WHO 2002b WHO 2003b) Acreditam que a atuaccedilatildeo

articulada dos formuladores de poliacuteticas puacuteblicas produtores consumidores e outros

parceiros pode transformar o caraacuteter do sistema alimentar tornando-o ldquomais compatiacutevel

com os preceitos nutricionaisrdquo (FAO 2013b)

Na Europa inuacutemeras Parcerias foram alavancadas para enfrentar o fenocircmeno do

sobrepeso e obesidade na Regiatildeo sob o respaldo da Comissatildeo das Comunidades Europeias

cujo alvo principal satildeo os consumidores Assim com muita frequecircncia essas parcerias se

voltam para modificar comportamentos dos consumidores qualificando-os com

informaccedilotildees para revisatildeo de haacutebitos de consumo e de condutas quanto ao exerciacutecio fiacutesico

encarando a obesidade como um problema individual dentro de uma concepccedilatildeo

conservadora-liberal em lugar de instigar mudanccedilas estruturais que determinam tais

comportamentos (BORCH ROOS 2012) Haacute tambeacutem parcerias destinadas a reduzir os

componentes natildeo saudaacuteveis dos alimentos (HAWKES 2008b)

O desafio estaacute em harmonizar interesses no interior das divergecircncias ldquonaturalmenterdquo

instaladas entre os agentes do setor produtivo que visa ao lucro privado e ao comeacutercio de

produtos alimentiacutecios (hipercaloacutericos e ricos em soacutedio) e os agentes puacuteblicos investidos

da funccedilatildeo preciacutepua de proteger os interesses da coletividade No caso do Brasil a despeito

da existecircncia dessas divergecircncias eacute possiacutevel que os alertas sistemaacuteticos emitidos pelos

organismos internacionais pelo governo e miacutedias locais sobre os riscos dos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis assim como uma remota inseguranccedila dos fabricantes quanto

ao uso de medida de intervenccedilatildeo compulsoacuteria ndash regulamentaccedilatildeo - sensibilizaram as

143

entidades corporativas das induacutestrias a empenharem-se em negociar com o governo e

assim evitar qualquer instabilidade no comeacutercio de tais produtos

Para tratar essa questatildeo dos alimentos o governo brasileiro decidiu fazer uso de

instrumentos do tipo ldquoAcordo e Termos de Compromissosrdquo e renunciou agrave via da

regulamentaccedilatildeo A primeira impressatildeo eacute que esses instrumentos aparentemente

simbolizam uma inovaccedilatildeo administrativa mas de fato eles representam um retrocesso ao

serem comparados ao processo democraacutetico de regulamentaccedilatildeo que vem sendo instituiacutedo

no acircmbito das instituiccedilotildees puacuteblicas permitindo um amplo debate e a participaccedilatildeo dos

setores organizados e da sociedade em geral Aleacutem disso demonstra a fragilidade do

governo em gerenciar os riscos dos alimentos com a agilidade requerida e com a

autoridade e a competecircncia que lhe satildeo atribuiacutedas As dificuldades poliacuteticas satildeo reais a

reaccedilatildeo do poderio das corporaccedilotildees de mercado eacute efetiva mas o vazio imposto agrave sociedade

civil eacute revelador de uma conduta contraditoacuteria e de uma evidente indisposiccedilatildeo para

angariar o apoio de aliados

As PppS que lidam com esse objeto em particular estatildeo sujeitas a vaacuterias limitaccedilotildees

que podem comprometer a boa governanccedila entendida aqui como o alcance dos resultados

desejados da maneira correta (HAWKES 2008b) Na perspectiva dessa autora os

parceiros privados podem interagir para conduzir a agenda do governo de modo a se

esquivar de suas reais responsabilidades ou desviar o foco de atenccedilatildeo para as soluccedilotildees

potenciais que contrariem os seus interesses Podem tambeacutem influenciar as decisotildees dos

parceiros do governo criando um ambiente interno que os iniba a se esforccedilarem para

regular o setor privado com fins de natildeo comprometer a parceria jaacute instalada

O artigo de Majone (2006) sobre o Estado regulador congrega vaacuterios elementos que

ajudam a compreender a atuaccedilatildeo dos governos Segundo o autor esse novo modelo

imprime um paradoxo que se traduz pelo estiacutemulo agrave privatizaccedilatildeo e agrave desregulamentaccedilatildeo

de um lado e o incremento das poliacuteticas regulatoacuterias de outro Poreacutem para se ajustar agraves

necessidades do mercado a racionalidade da intervenccedilatildeo governamental combina medidas

de desregulaccedilatildeo e de uma nova regulaccedilatildeo O Acordo se encaixa perfeitamente na

desregulaccedilatildeo que conforme esse autor significa regulaccedilatildeo flexiacutevel natildeo riacutegida e que eacute

144

aplicada em larga escala no campo da regulaccedilatildeo social no qual se situa a sauacutede

Embora o Estado na era da globalizaccedilatildeo econocircmica se submeta a constantes

pressotildees do mercado internacional obrigando-se a fazer vaacuterias concessotildees Santos (2005)

acredita que ele ainda acumula suficiente poder para reagir e manejar as suas regras de

forma a compatibilizar as influecircncias externas e as realidades internas No entanto tudo

depende dos verdadeiros interesses que o Estado defende e da habilidade e das estrateacutegias

utilizadas para viabilizaacute-los

As feiccedilotildees do Acordo formalizado entre o governo e as entidades representantes das

induacutestrias de alimentos comprovadamente natildeo privilegiou as realidades internas

(epidemia de obesidade alto consumo de produtos hipercaloacutericos e ricos em sal

incremento de outras DCNT) Ele foi moldado com medidas elaacutesticas de reduccedilatildeo do soacutedio

e ainda sem um efetivo suporte do trabalho ldquoeducativordquo das instituiccedilotildees de sauacutede para

conscientizar a populaccedilatildeo sobre os benefiacutecios dessa reduccedilatildeo Em princiacutepio parece que eacute

somente a sauacutede que estaacute em questatildeo mas de forma velada haacute tambeacutem a preocupaccedilatildeo de

evitar que o mercado durante a fase de ajuste dos produtos sofra abalos nos lucros com

tais medidas Em funccedilatildeo disso Stuckler amp Nestle (2012) afirmam que qualquer parceria

tem que resultar em lucros para as induacutestrias

Assim esse evidente contrabalanccedilo de interesses implicitamente levou agrave decisatildeo de

natildeo se enfrentar os conflitos da regulamentaccedilatildeo do soacutedio com base nos teores miacutenimos

apontados pelo diagnoacutestico e comprovadamente factiacuteveis o que constitui um dos pontos

de fragilidade dessa intervenccedilatildeo Eacute importante ressaltar que em experiecircncias

anteriormente relatadas as induacutestrias nacionais foram obrigadas a enriquecer seus

produtos com nutrientes para atender as exigecircncias do setor sauacutede arcando com os custos

econocircmicos desse procedimento Agora o confronto envolve empresas transnacionais e a

reduccedilatildeo de nutrientes natildeo saudaacuteveis e de custo baixo que afetam a palatibilidade dos

produtos e tal fato pode interferir nas vendas

Os efeitos dos Acordos e dos Termos de Compromissos se estendem ao conjunto dos

145

serviccedilos de vigilacircncia sanitaacuteria uma vez que estes realizam as atividades de

monitoramento dos produtos previstas naqueles atos Desse modo esses atos se

convertem em motivo de reflexatildeo uma vez que natildeo tecircm valor legal para as accedilotildees de rotina

da vigilacircncia sanitaacuteria Em comparaccedilatildeo ao ritual das praacuteticas realizadas tais atos

simbolizam tratar de forma protetora o mercado e protelar a garantia do direito agrave sauacutede

populaccedilatildeo Aleacutem disso abre precedentes no campo da vigilacircncia sanitaacuteria para que a

regulamentaccedilatildeo seja substituiacuteda por ldquoAcordordquo quando for necessaacuterio manejar questotildees

polecircmicas de riscos agrave sauacutede ampliando-se os conflitos inerentes agrave atividade

O fato de os componentes nutricionais em excesso (gorduras saturadas accediluacutecares e

sal) produzirem efeitos agrave sauacutede (acumulativos e de longo prazo) diferentes daqueles

causados pela maioria dos agentes contaminantes (em geral de curto prazo e de

propagaccedilatildeo extensiva e raacutepida se o produto for de circulaccedilatildeo global) natildeo deve ser motivo

para adoccedilatildeo de intervenccedilotildees distintas por parte do governo que sempre aplicou regras

compulsoacuterias para esse segundo grupo de riscos

Embora a regulamentaccedilatildeo usualmente seja percebida de modo deturpado como uma

medida de intervenccedilatildeo antipaacutetica e autoritaacuteria ela eacute oportuna e necessaacuteria quando se trata

de prevenir riscos agrave sauacutede inclusive epidemias que se disseminam na sociedade A

ausecircncia de paracircmetros internacionais face ao comeacutercio global instruindo sobre como

lidar com os nutrientes-chave presentes nos produtos alimentiacutecios natildeo impede que o paiacutes

ouse em prol da sauacutede do coletivo e nem tampouco que ele se contenha com a adoccedilatildeo de

medidas atenuantes e lentas nesse campo O governo acertou ao optar pelo caminho da

argumentaccedilatildeo do convencimento mas errou no encerramento do diaacutelogo por natildeo

estabelecer regras compulsoacuterias para reduccedilatildeo do soacutedio e dos demais nutrientes em

questatildeo

Outro aspecto da fragilidade desse Acordo estaacute na ausecircncia marcante da sociedade

civil Um dos aspectos centrais da ldquoboa governanccedilardquo de qualquer iniciativa eacute a

representaccedilatildeo e participaccedilatildeo da tomada de decisatildeo daqueles afetados pelo exerciacutecio do

poder (HAWKES 2011) Contudo a ausecircncia forccedilada da sociedade civil rompe com as

praacuteticas que vecircm sendo inauguradas a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 de criaccedilatildeo de

146

espaccedilos puacuteblicos de intervenccedilatildeo e de expressatildeo da democracia participativa Ausecircncia que

foi marcante na medida em que a sociedade civil poderia atuar como um integrante

diferenciado tanto para dar suporte ao governo na defesa do interesse puacuteblico e da

primazia dos assuntos de sauacutede quanto para exercer pressatildeo no sentido de avanccedilar as

negociaccedilotildees em prol da aprovaccedilatildeo de regras com metas mais justas para reduccedilatildeo de soacutedio

nos produtos alimentiacutecios

Para sintetizar o Acordo ao contraacuterio de significar avanccedilo nos dispositivos de

controle de alimentos representa limitaccedilotildees poliacutetico-institucionais para o exerciacutecio da

praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria em especial em trecircs aspectos a) cria precedentes para

evitar a regulamentaccedilatildeo com a finalidade de reduzir os teores de nutrientes-chave accedilatildeo

fundamental para proteger agrave sauacutede b) gera situaccedilotildees de imbroacuteglio interno pois natildeo haacute

como fiscalizar o cumprimento dos teores nutricionais como base nesse Acordo e por fim

c) reduz a sociedade civil a um vazio colocando-a agrave margem desse processo de concertaccedilatildeo

de medidas sanitaacuterias para amenizar as tensotildees e os embates com o setor produtivo A

participaccedilatildeo ativa da sociedade civil organizada eacute sempre um reforccedilo para se galgar

maiores conquistas inclusive a melhoria da composiccedilatildeo nutricional dos produtos pelas

corporaccedilotildees das induacutestrias

147

6 RISCOS E REGULACcedilAtildeO DOS ALIMENTOS visotildees dos sujeitos sociais31

61 Racionalidades discursivas um exerciacutecio de interpretaccedilatildeo

Para introduzir as anaacutelises resgatam-se as reflexotildees de Foucault (1982) sobre a

noccedilatildeo de ldquogovernordquo natildeo a remetendo estritamente a governo como instituiccedilatildeo mas

enquanto praacutetica entendida como uma forma de exerciacutecio complexo de poder que visa ldquo[]

fazer por vaacuterios meios com que determinados fins possam ser atingidosrdquo (p284) Para isso

governo consiste em enquadrar a conduta dos homens mediante o uso de instrumentos

taacuteticos fazendo com que eles mesmos se ajustem agraves regras da racionalidade governamental

e dessa forma que as intenccedilotildees almejadas se realizem Eacute nesse sentido que se pode dizer

que todo governo pretende obter um autogoverno dos proacuteprios sujeitos por meio do qual

eles se apropriam livremente (ou imaginam fazecirc-lo) das normas de conduta impostas pelo

poder governamental

A racionalidade geral adotada para tratar da abordagem dos riscos atribuiacutedos aos

alimentos e dos mecanismos de regulaccedilatildeo desencadeados pela esfera puacuteblica para

controlaacute-los se mostra diferenciada quando eacute recepcionada e praticada por sujeitos que

nos seus respectivos campos de competecircncia exercem interferecircncias e modelam a sua

construccedilatildeo assim como conduzem suas estrateacutegias de influecircncias e se movimentam para

accedilatildeo Com aportes diferenciados de capital simboacutelico e material e com compromissos

sociais nem sempre sintonizados eles seguem trajetoacuterias especiacuteficas que conduzem

decisivamente a processos distintos de compreensatildeo

Em sintonia com a sequecircncia de Foucault e dos empreendimentos posteriores sobre

AD afirma-se que a constituiccedilatildeo da realidade eacute indissociaacutevel da atividade discursiva que a

organiza (FOUCAULT 1999) e que para compreendecirc-la eacute necessaacuterio explorar a linguagem

31

As teacutecnicas de Anaacutelise do Discurso e a topologia do Quadrado Semioacutetico foram aprofundadas com as sessotildees de

trabalho realizadas com o Prof Dr Patrick Dahlet professor visitante da Universidade Federal de Minas Gerais

148

Ou seja romper com a sua pseudotransparecircncia e investigar a significaccedilatildeo das suas

operaccedilotildees de produccedilatildeo reconstruindo os valores dos seus marcadores enunciativos e o

sentido das suas alteraccedilotildees no fio descontiacutenuo do discurso realizado Contudo o resultado

alcanccedilado jamais representaraacute o encontro com a verdade dos fatos pois na linguagem se

instala um acervo de significaccedilatildeo Trata-se apenas de estabelecer com o uso de

instrumental teoacuterico-metodoloacutegico uma anaacutelise da linguagem-sujeito-sentido e eleger um

caminho para interpretaccedilatildeo (ORLANDI 2010)

Assim neste capiacutetulo eacute apresentada a anaacutelise de um conjunto de discursos

entrelaccedilando vozes representativas de sujeitos-chave sobre o comportamento dos riscos

dos alimentos e as consequecircncias derivadas assim como o valor operativo da estrateacutegia de

regulaccedilatildeo adotada pelas instituiccedilotildees puacuteblicas nacionais

Eacute importante salientar que os discursos foram coletados no periacuteodo de 26022013 a

06062013 durante a realizaccedilatildeo de entrevistas gravadas Satildeo discursos de sujeitos

pertencentes em quase sua totalidade trecircs tipos de setores32 ndash mercado poder puacuteblico e

sociedade civil ndash os quais satildeo abordados em seus instrumentos hierarquia de valores e

modos de argumentaccedilatildeo proacuteprios Considerando que as marcas da oralidade natildeo satildeo

significantes para a reconstruccedilatildeo do sentido visado pelos interlocutores em questatildeo os

discursos foram transcritos sem se reportar agraves flutuaccedilotildees sintaacutexicas e riacutetmicas

caracteriacutesticas da sua ancoragem num contexto oral A abordagem escolhida remete aos

fundamentos teoacutericos e metodoloacutegicos da AD (PEcircCHEUX 2008 ORLANDI 2010)

Nessa perspectiva em niacutevel teoacuterico cada manifestaccedilatildeo textual se inscreve num

universo discursivo que preacute-forma o que pode ser dito e como essa intenccedilatildeo de dizer pode

ser atualizada num determinado contexto de interaccedilatildeo social e enunciativa Isso indica que

cada texto (no caso cada transcriccedilatildeo de entrevista) pode sempre ser apreendido enquanto

realizaccedilatildeo uacutenica e irredutiacutevel agraves outras (as transcriccedilotildees das entrevistas dos sujeitos da

sociedade civil se diferenciam daquelas dos sujeitos do mercado por exemplo) devido agrave

32

Foi realizada apenas uma entrevista com representante de um organismo internacional

149

singularidade da atividade discursiva de sujeitos particulares Entretanto cada texto

apresenta necessariamente similitudes geneacutericas com outros por circular na mesma eacutepoca

e no mesmo campo de conhecimento (no caso os discursos sobre riscos e regulaccedilatildeo de

alimentos no Brasil) referindo-se tanto agrave aproximaccedilatildeo dos conteuacutedos tratados quanto agraves

modalidades de construccedilatildeo enunciativa deles

O discurso eacute produto de um sistema simboacutelico que funde liacutengua e ideologia A

primeira se exterioriza enquanto a segunda atua nos discursos comportando-se como o fio

condutor das distinccedilotildees entre eles fazendo eclodir as posiccedilotildees e as lutas simboacutelicas Estes

interesses em jogo transformam-se em correlaccedilotildees de forccedilas objetivas entre os diferentes

agentes sujeitos de enunciaccedilatildeo para impor a sua concepccedilatildeo de mundo e defender seus

propoacutesitos particulares como a expressatildeo do conjunto social (BOURDIEU 2009) Por isso

concebe-se que o discurso natildeo somente ergue representaccedilotildees ideoloacutegicas mas deteacutem uma

racionalidade proacutepria que fundamenta praacuteticas associadas a regras e assim define como

os comportamentos devem se conformar - no caso o da relaccedilatildeo consumo de alimentos e

sauacutede

Jamais se fala ou se escreve qualquer coisa de qualquer maneira e em qualquer

situaccedilatildeo (DAHLET 1994) Segundo Pecirccheux (2008) qualquer manifestaccedilatildeo textual deve

ser assim concebida como preacute-construiacuteda porque eacute configurada antecipadamente por um

leque de condiccedilotildees de possibilidades enunciativas que estabelecem os quadros e temaacuteticas

gerais em que iraacute poder mover-se para ser trabalhada

A existecircncia de tais preacute-construiacutedos define enunciados matriz que iratildeo nortear com

grau de conformidade variaacutevel segundo o posicionamento soacutecioenunciativo dos

interlocutores o conjunto de textos que organiza as representaccedilotildees discursivas de um

mesmo objeto discurso - no caso a relaccedilatildeo da sociedade brasileira com a qualidade dos

alimentos

Em niacutevel metodoloacutegico a delimitaccedilatildeo de enunciados matriz permite assim identificar

ao mesmo tempo as afinidades de um texto em relaccedilatildeo aos outros (relacionadas no caso agrave

150

sua inscriccedilatildeo dentro de um mesmo discurso neoliberal globalizante) e as variaccedilotildees

significativas resultantes das relaccedilotildees singulares dos sujeitos agraves tematizaccedilotildees ordenadas

pelos enunciados matriz e aos contextos sociais especiacuteficos segundo as quais essas

regularidades matriciais estatildeo filtradas pelos locutores

Determina-se assim que o conjunto das entrevistas recolhidas transita por um

movimento argumentativo direcionado por cinco enunciados matriz que foram

sintetizados enquanto funccedilotildees enunciativas transversais a todos os discursos estudados

a) Essencialidade do alimento Postula-se que o alimento eacute vida por essecircncia e essa

imprescindiacutevel vitalidade dos alimentos eacute consagrada desde a origem da

humanidade No entanto o que estaacute em voga eacute a reafirmaccedilatildeo essencialista da

identidade do alimento em si mesma independente dos condicionamentos os quais

seratildeo sempre superficiais e incapazes de abalar a sua pureza miacutetica Cabe ao homem

somente conseguir o equiliacutebrio no consumo alimentar para alcanccedilar a chave da

sauacutede e da vida

b) Irreversibilidade do consumo do produto industrializado Essa regularidade

enunciativa coloca em discussatildeo a loacutegica econocircmica de processamento de alimentos

(produtos voltados para o lucro e ou para benefiacutecios da nutriccedilatildeo) e o produto

alimentiacutecio resultante do processo tecnoloacutegico comparando-o com a autenticidade

(real ou imaginada) do alimento extraiacutedo da natureza

c) Autonomia do consumidor o indiviacuteduo sob o prisma da ideologia neoliberal eacute

autocircnomo para fazer as suas escolhas alimentares Entretanto alimentar-se eacute um

ato que importa riscos assim o indiviacuteduo fica na dependecircncia da sabedoria e das

experiecircncias adquiridas para ser capaz de se proteger

151

d) Consumidor para (trans)formar A capacidade de autodefesa do consumidor estaacute

nas informaccedilotildees recebidastransmitidas que atuam como o motor de

transformaccedilatildeo da sua consciecircncia repercutindo diretamente sobre a sua conduta

e) Regulaccedilatildeo consentida O alcance de um produto saudaacutevel natildeo perpassa

exclusivamente pelas disposiccedilotildees legais mas envolve uma governanccedila regulatoacuteria

acordada entre as partes interessadas conciliando a interiorizaccedilatildeo dos valores do

mercado e de uma nutriccedilatildeo equilibrada

Satildeo as variaccedilotildees das realizaccedilotildees discursivas desses enunciados matriz que seratildeo

examinadas sucessivamente a seguir relacionando quando possiacutevel a diferenciaccedilatildeo das

suas significaccedilotildees as alteraccedilotildees das suas formulaccedilotildees entre um conjunto de entrevistas e

outro com o objetivo de delimitar e interpretar as tensotildees (o jogo de concordacircncias e de

conflitos) que atravessam de parte a parte as promessas de um produto alimentiacutecio

saudaacutevel para equilibrar a nutriccedilatildeo de todos No final seraacute apresentado um quadro-resumo

(Quadro 4) comparando os enunciados matriz postulados e realizaccedilotildees discursivas sob o

olhar da interpretaccedilatildeo realizada

a) Essencialidade do alimento

Com base nas entrevistas a concepccedilatildeo do alimento guia-se por duas direccedilotildees

primeiro o alimento inscreve-se em uma visatildeo imaginaacuteria e miacutetica dos seus ciclos

histoacutericos e da sua passagem na histoacuteria da humanidade Haacute um tipo de mitificaccedilatildeo do

alimento que o considera como fonte de energia de proteiacutena e de vida para humanidade e

tambeacutem de ser capaz de concentrar todas as virtudes Segundo o alimento eacute algo inerente

agrave natureza e esse caraacuteter natildeo se desfaz a despeito das transformaccedilotildees humanas sobre ele

praticadas Isto remete a um tipo de irrealizaccedilatildeo do produto o que o faz assumi-lo sempre

como alimento por e pela natureza permanecendo inalterado mesmo quando modificado

pela induacutestria

152

Assim o sujeito M1 traccedila um longo recorte do percurso do alimento na histoacuteria da

humanidade desde a Antiguidade e afirma que [] o alimento eacute uma das coisas fundamentais na

vida humana [] o vital para a sauacutede para a existecircncia do ser humano eacute o alimento Destaca tambeacutem

que desde os tempos imemoriais [] a primeira manifestaccedilatildeo foi a de como preservar a comida [] a

primeira revoluccedilatildeo foi o fogo a segunda revoluccedilatildeo foi a descoberta de como secavam ao sol o produto [] e

conclui argumentando que a industrializaccedilatildeo consiste no prolongamento dos antigos

ldquosegredosrdquo da preservaccedilatildeo do alimento herdados da Antiguidade

Nessa descriccedilatildeo o alimento industrializado eacute necessariamente qualificado pois a

tecnologia trata exclusivamente de resgatar as propriedades vitais miticamente atribuiacutedas

ao alimento e preservaacute-las para que este enfrente os desafios do tempo Assim cabe agraves

induacutestrias fazer esse resgate com competecircncia uma vez que elas detecircm os segredos da

preservaccedilatildeo que foram revelados pelos antigos aperfeiccediloando os alimentos com a

dinacircmica imposta pela experiecircncia e pelas suas expectativas

Jaacute o sujeito M3 focou seu breve ensaio historiograacutefico a partir dos ciclos ou ondas de

produccedilatildeo dos alimentos revelando as inovaccedilotildees ocorridas no produto alimentiacutecio e

conclui que nesse trajeto houve a perda do elo com a nutriccedilatildeo o que deve ser

restabelecido

[] a gente enxerga os ciclos dos alimentos no Brasil [] um primeiro grande ciclo foi no preacute-guerra dos alimentos in natura todo mundo tinha tempo [] comia em casa [] os alimentos para fins especiais comeccedilaram a surgir na deacutecada de 60 e 70 [] a quarta onda [] foi exatamente o diet e light [] e a segunda fase desta quarta [] quando a gente teve uma mudanccedila do entendimento do que eacute o alimento ndash ele eacute muito mais nutriccedilatildeo ou seja um alimento com uma determinada oferta de calorias de soacutedio de proteiacutenas ou de gordura ele pode ou natildeo ajudar numa melhor sauacutede (M3)

O confronto desses dois discursos feitos pelos sujeitos do mercado sinaliza uma niacutetida

contradiccedilatildeo quanto agrave imagem do produto alimentiacutecio construiacuteda com o passar dos tempos

no primeiro a integridade do alimento parece manter-se inabalada frente agraves

transformaccedilotildees da sociedade enquanto no segundo discurso haacute o reconhecimento da

mudanccedila mas impera uma visatildeo reducionista do alimento focalizando apenas os seus

nutrientes

153

No grupo do mercado evidencia-se uma valorizaccedilatildeo do alimento como substacircncia

vital visatildeo quase maacutegica da essecircncia vital do produto Entretanto o diferencial entre os

discursos revela-se quando o M1 em referecircncia a essa visatildeo miacutetica dos benefiacutecios dos

alimentos isenta o alimento incorporado ao mercado de qualquer responsabilidade nos

distuacuterbios da sauacutede da coletividade e individual Eu considero que o alimento natildeo faz mal nenhum

muito pelo contraacuterio eu fico revoltado quando as pessoas falam que alimento faz mal [] frase mais

incoerente e mais ignorante que eu jaacute vi na minha vida [] (M1)

Tal consideraccedilatildeo expressa na verdade o princiacutepio baacutesico ideoloacutegico de operaccedilatildeo do

neoliberalismo no qual o mercado visa exclusivamente beneficiar os homens em todas as

dimensotildees da vida mas natildeo pode e natildeo deseja impor tais benefiacutecios pois fere os seus

proacuteprios preceitos que decretam o seu livre funcionamento e o livre arbiacutetrio do indiviacuteduo

(DAHLET 2014) Nessa perspectiva cabe ao indiviacuteduo decidir se aproveita ou natildeo os

benefiacutecios ofertados pelo mercado e em caso contraacuterio a responsabilidade dos distuacuterbios

recai sobre essa decisatildeo individual que comprova ao mesmo tempo a loacutegica do livre

empreendimento o sustentaacuteculo dessa corrente de pensamento

Essa isenccedilatildeo de responsabilidade do alimento eacute reiterada sob diferentes argumentos

ateacute ao ponto de ele converter-se em agente autocircnomo da accedilatildeo o alimento natildeo tem culpa (M1)

O alimento daacute origem a uma personificaccedilatildeo retoacuterica que iraacute autorizar a converter o proacuteprio

alimento no agente do processo produtivo como seraacute posteriormente destacado apagando

assim a proacutepria responsabilidade das induacutestrias

Com o avanccedilar da entrevista esse mesmo sujeito eacute afetado pelas armadilhas do

discurso reconhecendo implicitamente a responsabilidade parcial do processamento

industrial mas mantendo intocaacutevel a essencialidade do alimento As doenccedilas crocircnicas natildeo-

transmissiacuteveis [] as causas [] satildeo multicausais ndash elas satildeo por falta de atividade fiacutesica excesso de comida

com ingredientes [] e natildeo eacute soacute nosso industrializado que leva sal (M1) Essa formulaccedilatildeo se aproxima a

uma contradiccedilatildeo da afirmaccedilatildeo anterior ndash de natildeo culpabilidade do alimento Observa-se

ainda um contra-discurso em um contexto muito polecircmico no qual faz o destaque

exclusivo do soacutedio nos alimentos industrializados e apaga os efeitos dos outros

154

componentes nutricionais que quando presentes em excesso no alimento industrializado

satildeo igualmente prejudiciais agrave sauacutede Aleacutem disso nesse discurso o sujeito implicitamente

quer amenizar as caracteriacutesticas nocivas do alimento industrializado compartindo-as com

aquele que eacute feito a partir do preparo domeacutestico - que tambeacutem utiliza ingredientes natildeo

saudaacuteveis em excesso como o sal

Portanto a relaccedilatildeo entre o alimento e as doenccedilas eacute um ponto em haacute variaccedilotildees entre

os discursos dos trecircs sujeitos do grupo do mercado e ao contraacuterio do que se poderia

deduzir no interior do grupo do mercado a unicidade natildeo resplandece Um dos sujeitos

combina a afirmaccedilatildeo do valor imemorial do alimento com a relativizaccedilatildeo dos seus efeitos

beneacuteficos uma vez que atribui o excesso de peso e a obesidade como um das

consequecircncias relacionadas ao consumo do alimento sem se limitar a ele Entatildeo acho que ele

(alimento) natildeo estaacute sozinho Eu acho que a gente tem uma conjunccedilatildeo infelizmente de vaacuterios fatores (M3)

Sob o olhar desse sujeito o alimento natildeo eacute reconhecido como o protagonista isolado da

trageacutedia alimentar Com ele circulam em cena outros elementos que diluem a sua

importacircncia Poreacutem como parte da responsabilidade eacute delegada ao alimento

industrializado o sujeito manifesta-se sensiacutevel e favoraacutevel ao uso da estrateacutegia da ldquoboa

governanccedila regulatoacuteriardquo Jaacute outro sujeito comunga com a imagem desenhada pelo primeiro

e descarta qualquer implicaccedilatildeo negativa dos alimentos industrializados preferindo trataacute-

los de uma maneira diluiacuteda como ldquodietardquo recomendando apenas moderaccedilatildeo no consumo

Eu recomendo a dieta que vocecirc coma tudo [] Alguma coisa que modere isso mas que natildeo elimine o

chocolate por exemplo da dieta [] Agora o que vocecirc tem que fazereacute moderadamente [] Vocecirc ter que

balancear a sua necessidade (M2)

Os sujeitos vinculados ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada reconhecem

tambeacutem que o alimento eacute essencial agrave vida humana No entanto mencionam a importacircncia

das condiccedilotildees de cultivo e de produccedilatildeo na conservaccedilatildeo da condiccedilatildeo sanitaacuteria do alimento

para que a sauacutede humana possa se beneficiar e se manter em equiliacutebrio Com isso a gente

pode chegar ateacute abstrair a questatildeo do medicamento se conseguirmos fazer da alimentaccedilatildeo o nosso

medicamento (S3)

Assim a igualizaccedilatildeo da referecircncia do alimento como uma fonte intriacutenseca de sauacutede eacute

o que emerge do confronto de todos os discursos qualquer que seja a sua procedecircncia

155

institucional Fato que remete a uma ativaccedilatildeo imaginaacuteria das propriedades primitivas do

alimento conforme as formulaccedilotildees extraiacutedas das entrevistas a saber

[] o alimento eacute uma das coisas fundamentais na vida humana [] vital para a sauacutede para a existecircncia do ser humano eacute alimento (M1) [] eacute o principal eixo na sauacutede de uma pessoa (S1) Haacute um conjunto de informaccedilotildees que sinalizam a centralidade da questatildeo da alimentaccedilatildeo do binocircmio homem-alimento sobre as condiccedilotildees de sauacutede da populaccedilatildeo (P4)

Esse discurso consensual - de que a vida natildeo pode prescindir do alimento ndash persiste

como uma retoacuterica estrateacutegica de cunho moral De fato satildeo justificativas simboacutelicas para

encobrir o processo competitivo do mercado o qual eacute capaz de submeter o alimento a

quaisquer condicionamentos inclusive aqueles capazes de tornaacute-lo prejudicial agrave sauacutede

Em geral os discursos veiculados pelo mercado poder puacuteblico e sociedade civil

organizada tambeacutem se alinham com a centralidade do alimento na sauacutede e na vida A sauacutede

depende da alimentaccedilatildeo (P6) O alimento influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos [] (P4) [] o alimento eacute

vida (S2) [] os alimentos satildeo o combustiacutevel principal do ser humano (S1) Sem desconsiderar o poder

positivo intriacutenseco do alimento ponderaccedilotildees satildeo efetuadas quanto agrave capacidade do

produto alimentiacutecio absorver automaticamente as qualidades intriacutensecas da mateacuteria-prima

ndash alimento - conforme referido nos discursos dos sujeitos ligados ao mercado Os discursos

que fluem dos outros dois grupos de sujeitos afirmam que somente produtos seletos

conseguem portar atributos positivos e beneficiar efetivamente a sauacutede Caso contraacuterio a

interaccedilatildeo sucessiva dos produtos ldquocomunsrdquo com o corpo provocaraacute no indiviacuteduo no

decorrer do consumo disfunccedilotildees de ordem fiacutesico-funcional

O alimento ocupa uma posiccedilatildeo central que pode ser positiva ou negativa na condiccedilatildeo de sauacutede da populaccedilatildeo (P2) [] influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos tanto para o lado bom como para o lado ruim O consumo de alimento de boa qualidade nutricionalmente adequado melhora a qualidade de vida as funccedilotildees do organismo e consequentemente a sauacutede fica preservada (P4) A alimentaccedilatildeo ela vai refletir no proacuteprio corpo [] leva a doenccedilas sobre vaacuterios aspectos (P1)

No cotidiano vida com sauacutede eacute conquista social Lutas embates e negociaccedilotildees foram

exigidos para forccedilar uma sociedade desigual a tornar igualitaacuterio o direito aos bens

primaacuterios fundamentais agrave sobrevivecircncia humana Ciente disto um dos sujeitos da

156

sociedade civil declara Valorizamos muito a conquista que tivemos ao incluir na Constituiccedilatildeo ndash o direito

agrave alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel como parte do artigo 60 que fala dos direitos sociais (S2) Trata-se sim

de vibrar e de enaltecer o esforccedilo coletivo pela inclusatildeo da alimentaccedilatildeo no conjunto dos

direitos sociais na Constituiccedilatildeo Brasileira pois desde o ano de 196633 a alimentaccedilatildeo foi

ratificada como direito humano universal e apenas recentemente34 em 2010 foi

convertida em direito social no Brasil permitindo ao cidadatildeo reivindicaacute-lo junto agraves

instituiccedilotildees puacuteblicas nas situaccedilotildees de impossibilidade de realizaccedilatildeo desse direito

Para os sujeitos da sociedade civil mesmo com o entendimento quase unacircnime do

papel central do alimento na vida do indiviacuteduo isso ainda natildeo eacute suficiente para que o

governo desencadeie propostas de encaminhamento de soluccedilatildeo em torno do tema que

incluam a revisatildeo do sistema de produccedilatildeo de alimentos As soluccedilotildees para os riscos

provenientes do consumo dos alimentos estatildeo sendo contornadas com alternativas

externas a esse sistema como medicalizaccedilatildeo uso de tecnologias de produccedilatildeo ainda sob

polecircmicas e valorizaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica para reduccedilatildeo de peso

[] natildeo haacute uma compreensatildeo profunda da sociedade que o alimento eacute central e que noacutes temos que nos engajar todos nessa perspectiva [] Essas propostas de biofortificaccedilatildeo precisam ser melhor analisadas tambeacutem do ponto de vista nutricional [] o Brasil continua liberando transgecircnicos [] (S2) [] me surpreendeu uma medida do Ministeacuterio da Sauacutede uma portaria que saiu sobre obesidade [] que privilegia de alguma maneira a realizaccedilatildeo de cirurgia bariaacutetrica [] a partir dos dezesseis anos [] parece que a intenccedilatildeo do Ministeacuterio eacute cuidar da obesidade atraveacutes desse procedimento (S3)

Eacute fato que a aproximaccedilatildeo de posiccedilotildees de interesses amplia os pontos de similitudes

entre os discursos como observado nas exposiccedilotildees dos sujeitos do poder puacuteblico e da

sociedade civil organizada Assim na exploraccedilatildeo do binocircmio alimento-sauacutede a partir de

uma coleccedilatildeo de extratos de falas vaacuterios pontos coincidentes se destacam A racionalidade

cientiacutefica com o predomiacutenio do traccedilo biologicista mesclada com discretas menccedilotildees agrave

cultura alimentar e ao social se entrecruzam nas formaccedilotildees discursivas evocando as

33 O Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) foi reconhecido em 1966 a partir da aprovaccedilatildeo pelos estados-partes do Pacto Internacional para os Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais (PIDESC) no acircmbito das Naccedilotildees Unidas (UN 1966) 34 A emenda constitucional 64 de 4 de fevereiro de 2010 inclui a alimentaccedilatildeo no artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal que trata dos direitos sociais (BRASIL PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA 2010)

157

doenccedilas de origem alimentar Domina uma concepccedilatildeo na qual a entidade patoloacutegica tem

um viacutenculo fluido com o social que eacute reduzido a um mero fator enquanto a sua condiccedilatildeo de

determinante eacute desprezada Os indiviacuteduos satildeo isoladamente nominados como

responsaacuteveis ocultando-se os demais atores sociais implicado no encadeamento e na

reversatildeo dos processos moacuterbidos

[] o conjunto de doenccedilas que mais acometem a populaccedilatildeo brasileira estatildeo fortemente determinadas em algum grau pelas praacuteticas alimentares dos indiviacuteduos (P2) As estatiacutesticas das DCNT sobretudo no componente diabetes doenccedilas cardiovasculares e alguns tipos de cacircncer tecircm implicaccedilatildeo na dimensatildeo da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo (P5) [] a correlaccedilatildeo com a obesidade na medida em que ela tem vaacuterias consequecircncias [] as alteraccedilotildees de colesterol de pressatildeo [] na medida em que vocecirc consegue adequar o peso e melhorar essa alimentaccedilatildeo eacute magicamente repercutida sobre essas consequecircncias (S3) [] acho que a relaccedilatildeo (dieta e perfil nutricional) eacutebastante grande Eacute oacutebvio que a gente tem outros fatores [] ndash os fatores ambientais socioloacutegicos [] do tipo de trabalho que as pessoas tem hoje entatildeo elas ficam sedentaacuterias [] (S1)

Em outros trechos de fala a doenccedila eacute socialmente construiacuteda e as instituiccedilotildees sociais

ndash famiacutelia escola Estado ndash contribuem de diferentes formas para o seu aparecimento e

portanto tecircm responsabilidades a assumir O mercado camuflado na publicidade natildeo fica

explicitado nesse trecho do discurso

[] como essa obesidade foi construiacuteda [] Essa construccedilatildeo [] tem vaacuterios incentivos Incentivo da publicidade que comeccedila inclusive com crianccedilas agrave frente da televisatildeo [] Entatildeo ela eacute construiacuteda muitas vezes ateacute por omissatildeo da famiacutelia muitas vezes na atividade escolar [] Antes da omissatildeo da famiacutelia [] Mas antes disso o papel do Estado quando eu falo de publicidade [] da oferta de serviccedilos que vai desde profissionais bem alocados na rede puacuteblica enfim para oferecer para prestar serviccedilos neste sentido agrave populaccedilatildeo (S3)

Sob uma visatildeo caleidoscoacutepica a alimentaccedilatildeo praacutetica que envolve o consumo de

alimentos se compotildee de diferentes olhares interaccedilatildeo afeto e poder somados agrave nutriccedilatildeo

Elementos de um dos discursos repleto de riqueza e ousadia influenciado por uma visatildeo

de mundo totalizante na qual satildeo descortinadas outras facetas imbricadas no objeto em

questatildeo Consumir alimentos extrapola a funccedilatildeo de nutriccedilatildeo para atender agraves necessidades

corpoacutereas Constitui-se em um ato instintivo mas simultaneamente social impregnado de

158

significados afetivos capazes tanto de fomentar a interaccedilatildeo interpessoal quanto de aflorar

conflitos no campo do poder

A alimentaccedilatildeo eacute a reparticcedilatildeo do alimento eacute vocecirc coletivamente se alimentar Tem um ritual que implica estar se nutrindo e nutrindo um conjunto de pessoas [] Por isso o alimento ele eacute muito simboacutelico Ela (alimentaccedilatildeo) estaacute deixando de ser encarada como elemento sagrado e estaacute muito vergada por uma loacutegica de consumo e de expressotildees de poder (P1)

O mercado de consumo articulou a loacutegica do prazer com a do desejo A primeira

sensaccedilatildeo eacute para funcionar necessariamente por um prazo curto de duraccedilatildeo enquanto na

segunda a regra eacute permanecer sempre ativa e incompleta mantendo-se aberta as novas

oportunidades que o mercado em seu dinamismo iraacute disponibilizar O produto alimentiacutecio

participa ativamente desse jogo de seduccedilatildeo mercadoloacutegica e em geral o resultado do

placar aponta o consumidor como o perdedor - aquele que perde a sauacutede e ganha doenccedilas e

anguacutestias devido aos limites bioloacutegicos e materiais para consumir

Essa loacutegica consumista que leva agrave obesidade natildeo apenas do corpo mas a obesidade do pensamento dos sentidos O consumismo eacute uma expressatildeo dessa sociedade atual e que dialoga muito com a drogadiccedilatildeo inclusive porque significa a busca de um prazer imediato e fulgaz (P1)

Conforme apresentado observam-se as marcas da distinccedilatildeo dos discursos do poder

puacuteblico e da sociedade civil em relaccedilatildeo ao do mercado podendo ainda ser resumidas em

dois pontos principais

a) clareza quanto agrave interconexatildeo entre os alimentos e as doenccedilas a qual resulta de

uma relaccedilatildeo desajustada entre o indiviacuteduo e o consumo de alimentos industrializados

situada em um contexto de sociedade cuja engrenagem eacute permissiva para a produccedilatildeo Ao

mesmo tempo tal engrenagem eacute cerceadora para os indiviacuteduos Estes tecircm que se esforccedilar

continuamente para selecionar adequadamente o que consomem e movimentar o seu

corpo com regularidade para serem capazes de manter a sua sauacutede conforme ilustrado a

seguir

159

A epidemia da obesidade estaacute relacionada com o consumo de alimentos industrializadosrdquo (P4) A obesidade e o sobrepeso tecircm dois componentes fundamentais o sedentarismo falta da praacutetica regular de exerciacutecios e a alimentaccedilatildeo (P5) [] o percentual hoje da obesidade eacute de uma patologia que se agrava muito na populaccedilatildeo Isso eacute devido ao excesso de consumo de alimentos concentrados ou com alta concentraccedilatildeo de soacutedio gorduras em geral [] (P6)

b) visatildeo ampla sobre os problemas que afetam os alimentos que envolvem tanto os

nutrientes da sua composiccedilatildeo como os insumos utilizados na sua produccedilatildeo

(agrotoacutexicos) e a tecnologia que lhes satildeo aplicadas (alimentos transgecircnicos) []

cresceu muito a preocupaccedilatildeo dos alimentos com os insumos quiacutemicos os agrotoacutexicos e a liberaccedilatildeo

dos transgecircnicos (S2)

c) o alimento ou melhor o produto alimentiacutecio internaliza uma tipologia ldquobomruimrdquo

para a sauacutede eliminando a ldquoconcepccedilatildeo naturalista do alimentordquo Isso eacute o

contraponto com os que discursam em nome do mercado [] o alimento natildeo faz mal

nenhum Eu acho isso a frase mais incoerente e mais ignorante que eu jaacute vi na minha vida (M1) O

caraacuteter de nocividade imputado ao alimento contrariam as ideias veiculadas pelo

mundo do mercado que percebe o seu produto como resultado de uma tecnologia

de seguranccedila sanitaacuteria infaliacutevel suplantando falhas riscos ou deformaccedilotildees A

adoccedilatildeo desses alimentos sem duacutevida estaacute muito ligada aos prejuiacutezos que a sauacutede tem hoje ndash a

quantidade de accediluacutecar sal [] (P5)

Por fim eacute oportuno destacar o uso generalizado do termo ldquoalimentordquo para escamotear

o produto alimentiacutecio termo que eacute transposto para quaisquer modalidades de bens

comestiacuteveis sem mesmo nominar de produtos aqueles que se submetem a alto grau de

artificializaccedilatildeo e que somente podem ser identificados como tais antes do consumo

exclusivamente pelos aromas exalados que simulam os da natureza e que conduzem os

indiviacuteduos a associarem-nos ao imaginaacuterio alimentar

160

b) Irreversibilidade do consumo do produto industrializado

O produto alimentiacutecio encaixa-se no estilo de vida hegemocircnico reunindo

caracteriacutesticas especiais como a de ser praacutetico raacutepido e de ter embalagem descartaacutevel

atendendo agraves expectativas da urbanidade cuja regra eacute dispor-se de pouco tempo para ser

dedicado agrave alimentaccedilatildeo Atende tambeacutem agrave loacutegica da economia consumista de produzir

desejo efecircmero e necessidades insaciaacuteveis permitindo a constante inovaccedilatildeo e substituiccedilatildeo

de produtos Considerando o contexto de urbanizaccedilatildeo os trecircs grupos de sujeitos

convergem quanto agrave irreversibilidade do consumo do produto industrializado na sociedade

urbanizada

A tendecircncia dos alimentos industrializados eacute realmente aumentar ateacute em funccedilatildeo da atividade de trabalho enfim a gente almoccedila pouco em casa e se consome alimentos industrializados (P3) Os alimentos industrializados estatildeo imbricados na vida moderna [] as pessoas natildeo dispotildeem de tempo para preparar a comida [] (P4) As induacutestrias alimentiacutecias satildeo hoje uma necessidade para a populaccedilatildeo moderna pois a alimentaccedilatildeo fora do lar eacute uma das caracteriacutesticas atuais (P6) O alimento industrializado eacute uma necessidade (M2) [] natildeo teria vida moderna se natildeo fossem os alimentos industrializados (M1) [] eacute crescente (a participaccedilatildeo dos alimentos industrializados na sociedade atual) (S1)

No caso do mercado a conquista definitiva do produto alimentiacutecio no espaccedilo social

remete a duas representaccedilotildees fundamentais a primeira consiste na proacutepria afirmaccedilatildeo

geral do seu papel imprescindiacutevel para a humanidade [] o alimento industrializado ele eacute uma

necessidade [] [] sem a induacutestria natildeo conseguiriacuteamos alimentar a todos entatildeo haacute uma necessidade da

industrializaccedilatildeo do alimento (M2) a segunda afirma que o alimento industrializado eacute idealizado

como siacutembolo de vanguarda ele se confunde com a proacutepria modernidade natildeo apenas por

ser ldquocomida em sirdquo mas por ter desbravado novos horizontes atuando como um dos

propulsores da liberdade feminina e da longevidade humana Assim [] natildeo teria vida moderna

se natildeo fossem os alimentos industrializados Mulher natildeo saiacutea de casa porque teria que estar preparando

comida para as suas crianccedilas (M1)

Sob a oacutetica de um dos sujeitos ligado ao mercado a aplicaccedilatildeo de tecnologia no setor

de produccedilatildeo de alimentos eacute um medidor de qualidade pois valoriza os seus aspectos

nutricionais e aumenta o seu tempo de vida uacutetil aleacutem de garantir a seguranccedila sanitaacuteria do

161

produto Para os sujeitos desse setor nada escapa do controle e nada se iguala a outras

experiecircncias da praacutetica industrial e eles admitem que as externalidades negativas satildeo

possibilidades na atividade produtiva Assim disfunccedilotildees ou prejuiacutezos agrave sauacutede escapam do

universo do alimento industrializado

[] processamento ndash processar que significa [] preparar para preservar o alimento por mais tempo possiacutevel [] para apresentaacute-lo ao consumidor numa maneira mais adequada num ambiente em que estivesse para ser consumido com saudabilidade e com garantia de que aquilo natildeo lhe faria mal (M1)

Observa-se no trecho de fala anterior que na relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo a induacutestria

se projeta enquanto agente que reage diante das necessidades do consumidor desdobra-

se em busca de inovaccedilotildees e de ajustes para confeccionar produtos para atender ao

consumidor Nesse discurso os papeacuteis se invertem o consumidor eacute aquele que cria

necessidades e a induacutestria apenas as atende Uma ldquopassividaderdquo incompatiacutevel com a sua

capacidade de disseminar o produto gerar necessidades e insistir para obter sucesso nas

vendas

As falas dos sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil seguem na contramatildeo

daquelas realizadas pelos sujeitos do mercado e desfazem o ideal de pureza dos produtos

alimentiacutecios ao inseri-los no contexto vigente No somatoacuterio das falas partidas as doenccedilas

se originam no interior do proacuteprio mercado de alimentos encarregado de fabricar

produtos alimentiacutecios e que se comporta como agente portador de duas funccedilotildees

simultacircneas a operativa de causar doenccedilas e a simboacutelica de exterminar tradiccedilotildees

alimentares

A pandemia de obesidade estaacute associada ao mercado [] tem alimentos que satildeo viciantes ndash os refrigerantes satildeo viciantes o accediluacutecar vicia (P1) O alimento tem que ser inoacutecuo ao consumidor [] e tem que atender ao que eacute haacutebito do consumidor (P3) O nosso padratildeo alimentar estaacute se voltando muito para os alimentos superprocessados e que tecircm em sua composiccedilatildeo muitos componentes quiacutemicos [] aleacutem do soacutedio todos os edulcorantes aleacutem de todos os outros aditivos [] eu natildeo saberia explicar as doenccedilas [] (S2)

162

Para um dos entrevistados ligado ao grupo mercado que trata o produto alimentiacutecio

como uma excelecircncia fica impliacutecito que nenhum mal seraacute carreado ao consumidor por esse

produto Personaliza o alimento e naturaliza suas qualidades ancorando-a nos recursos da

natureza [] a mateacuteria-prima nossa cresce pela matildeo da terra (M1) ficando a induacutestria

impossibilitada de superar a terra em termos de capacidade de produccedilatildeo Quem dita as

qualidades do alimento eacute proacuteprio alimento e a terra e portanto ele eacute enfaacutetico ao contestar

qualquer difamaccedilatildeo dirigida agrave qualidade do produto [] natildeo adianta nada diminuir o nosso

produto Ele natildeo engorda com o nosso produto ele vai engordar com o resto com tudo (M1)

Todavia apesar da comunhatildeo majoritaacuteria de interesses no interior do grupo do

mercado dois sujeitos divergem quanto ao entendimento do comportamento dos produtos

alimentiacutecios em termos de qualidade Para eles as diferenccedilas na qualidade dos produtos

alimentiacutecios satildeo reais e se refletem no conteuacutedo e no preccedilo a) os produtos que contecircm

excesso de certos ingredientes-chave (accediluacutecar e gordura) na sua formulaccedilatildeo implicam

prejuiacutezos agrave sauacutede e tecircm preccedilos mais baixos b) a melhoria do perfil nutricional dos

produtos associa-se agrave elevaccedilatildeo dos preccedilos

[] produtos com muito accediluacutecar com excesso de gordura natildeo existia uma preocupaccedilatildeo tatildeo grande com essas caracteriacutesticas ateacute recentemente (M3) A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo maior Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso Quanto mais as pessoas tiverem condiccedilotildees mais elas vatildeo procurar este tipo de produto Entatildeo se vocecirc tivesse um volume maior de produccedilatildeo vocecirc conseguiria reduzir mas ele por si soacute jaacute eacute mais caro (M2)

A partir de tais consideraccedilotildees torna-se expliacutecito que o mercado de alimentos

responde agrave estratificaccedilatildeo da sociedade criando linhas de produtos qualitativamente

diferenciados para classes sociais hierarquizadas pelo poder aquisitivo Essas linhas de

fabricaccedilatildeo socialmente marcadas dividem-se em produtos alimentiacutecios com qualidade

nutricional inferior e preccedilos mais acessiacuteveis que conduzem a um maior impacto negativo agrave

sauacutede expondo a riscos a populaccedilatildeo situada nos estratos socioeconocircmicos mais inferiores

Jaacute aqueles produtos com perfil nutricional proacuteximo aos preceitos do que seja saudaacutevel e

mais caros destinam-se a um puacuteblico especial com poder aquisitivo superior e capaz de

custeaacute-los Observa-se que os produtos alimentiacutecios como qualquer outro bem dotado de

163

valor simboacutelico revestem-se de traccedilos de distinccedilatildeo (BOURDIEU 2011) Assim o tipo de

consumo alimentar exterioriza e possibilita identificar a posiccedilatildeo diferenciada dos

indiviacuteduos na estrutura social

Comprometidos com o interesse coletivo os entrevistados da sociedade civil

desvendam as maacutescaras associadas a esses nutrientes-chave encobertos pelas induacutestrias

Tais nutrientes somados aos aditivos e incorporados agrave formulaccedilatildeo do produto

comportam-se como verdadeiros artifiacutecios utilizados pela induacutestria para conquistar e

fidelizar o consumidor Tais artifiacutecios fazem com que se aproximem no plano imaginaacuterio o

aroma e o gosto do produto fabricado ao do alimento natural aleacutem de tornaacute-lo atraente

em termos de preccedilo e de apresentaccedilatildeo

A gordura e o accediluacutecar trazem sabor aos alimentos Entatildeo se vocecirc quer cativar um puacuteblico para que ele consuma aquele alimento o lado daquele que estaacute concebendo o alimento vai dizer carregue em sal carregue em accediluacutecar e carregue em gordura [] Aleacutem dos aromatizantes as coisas artificiais colocadas para realccedilar o aroma e o sabor o accediluacutecar a gordura e o sal satildeo elementos que cativam o gosto do consumidor satildeo ingredientes baratos (S1) Porque proliferam as marcas inclusive com o barateamento desses produtos superprocessados como exemplo []esses biscoitinhos essas coisas que ateacute parecem sei laacute chips (S2)

Para dois sujeitos da sociedade civil os riscos que tais nutrientes-chave portam

mereceriam ser alertados nos roacutetulos dos produtos alimentiacutecios A nossa regulamentaccedilatildeo ainda

eacute muito tecircnue pois ainda hoje se discute se esses alimentos com excesso de gordura ou natildeo tem que ser

colocados alertas nos roacutetulos para que sejam consumidos com ponderaccedilatildeo pois eu sou a favor (P6)

Um deles sugere que se poderia obedecer aos alertas aplicados para disciplinar o

tracircnsito considerando que um conjunto de informaccedilotildees de rotulagem obrigatoacuterias para os

produtos alimentiacutecios eacute insuficiente para manter o consumidor sob constante atenccedilatildeo

Assim o uso de certos sinais luminosos universais jaacute introjetados pelos indiviacuteduos eacute

sempre conveniente para alertar a populaccedilatildeo contra inuacutemeros riscos e perigos com fins de

estabelecer o controle e a proteccedilatildeo como eacute o caso [] o semaacuteforo nutricional adotado em alguns

lugares na Europa que sinaliza se um determinado alimento eacute rico demais em um nutriente Entatildeo isto eacute uma

coisa interessante do ponto de vista de informaccedilatildeo (S1)

164

Assim adaptar a loacutegica dos semaacuteforos de tracircnsito (poste) para o campo nutricional

possibilitaria ao consumidor visualizar a classificaccedilatildeo dos alimentos quanto ao teor de

certos nutrientes Trata-se de uma forma de comunicaccedilatildeo de risco de visualizaccedilatildeo raacutepida e

de compreensatildeo facilitada No entanto eacute o poder puacuteblico pelo seu papel regulador que

tem que se sensibilizar e operacionalizar essa proposta ou alguma outra que atenda agraves

necessidades expostas

Em se tratando de qualidade comercial de produtos a frase enfaacutetica de um dos

sujeitos do mercado destoa do comentaacuterio anterior Ningueacutem chega a ser o segundo maior

produtor de alimento do mundo e exportar para 114 paiacuteses produtos industrializados produtos processados

produtos semi-processados [] Natildeo se fala em alimento sem qualidade nutricional assim como se fala

qualidade (M1)

Na oacutetica do mercado a plena satisfaccedilatildeo da qualidade do produto eacute demonstrada pela

expansatildeo comercial Aqui a qualidade se converte em expansatildeo do produto no comeacutercio

exterior Eacute com um tipo de argumento semelhante a aceitaccedilatildeo internacional do produto

que se pretende esvaziar os espaccedilos limitados daqueles que acreditam e se mobilizam para

justificar o uso de advertecircncias e de outras medidas para regular o consumo dos produtos

alimentiacutecios

Entretanto um dos sujeitos do mercado posiciona a induacutestria de alimentos como

parte integrante do todo social e portanto portadora de responsabilidades para com a

sociedade Para ele a induacutestria de alimentos por prudecircncia natildeo deveria se distanciar ou

mesmo negar as mazelas do mundo social em especial quando o produto alimentiacutecio estaacute

envolvido nelas Atentar-se para medidas de correccedilatildeo pode ser uma estrateacutegia uacutetil para

manter-se estaacutevel ou ampliar o mercado Eu acho que as induacutestrias tecircm sim uma responsabilidade

muito grande de se preocupar com que se oferta e que tipo de caracteriacutestica o produto deve ter [] o papel da

induacutestria eacute estar conectado com essa nova situaccedilatildeo epidemioloacutegica (M3)

Na oacutetica da sociedade civil as pressotildees exercidas sobre a induacutestria estatildeo exigindo

dela respostas mas a reaccedilatildeo se faz de maneira tiacutemida voltada para a ampliaccedilatildeo do

portfoacutelio de produtos diferenciados poreacutem deixa intocada a composiccedilatildeo nutricional da

165

grande maioria dos produtos Sabe-se que a reversatildeo da qualidade nutricional desses

alimentos implica custos devido agrave substituiccedilatildeo de ingredientes por outros com qualidade

nutricional superior e relativamente mais caros causando consequentemente prejuiacutezos

nos lucros das empresas que crescem em ritmo excessivo

[] estaacute havendo uma pressatildeo para que ela (a induacutestria) melhore essa qualidade []na velocidade que seria necessaacuteria [] Se daacute mais ecircnfase no marketing apelos que vocecirc tem nas embalagens [] que eacute light que eacute diet [] para ganhar uma fatia do mercado [] uma postura tiacutemida [] A preocupaccedilatildeo de [] toda induacutestria de todo o negoacutecio eacute ter lucro [] melhorar um alimento vocecirc precisa investir em tecnologia e desenvolvimento [] gastar dinheiro eacute o que ningueacutem quer (S1)

Observa-se ainda nesse enunciado que satildeo esses apelos importados do padratildeo

alimentar americano (diet e light) destinados a uma determinada faixa da populaccedilatildeo que

conferem ao produto uma cauccedilatildeo de eficaacutecia e distinccedilatildeo social conforme antes

mencionada

As vendas dos produtos alimentiacutecios industrializados satildeo mobilizadas por um aparato

comercial e publicitaacuterio sofisticado e convincente que violenta os valores tradicionais da

cultura alimentar local e induz os brasileiros a modificar as suas preferecircncias em prol dos

produtos industrializados As pesquisas da POF e PNAD mostram por exemplo [] o crescimento do

consumo de biscoito recheado e de refrigerantes eacute absurdo E ao mesmo tempo noacutes temos uma reduccedilatildeo

grande no Brasil no consumo de arroz feijatildeo de frutas verduras e legumes [] (S2)

O que era suposiccedilatildeo agora eacute fato comprovado Os efeitos da atuaccedilatildeo das induacutestrias de

alimentos que natildeo se restringem ao Brasil mas se expandem pelo mundo jaacute se efetivou no

que se refere a uniformizar os haacutebitos e praacuteticas de consumo dos habitantes da terra

impor um estilo de comportamento racionalizar os custos de produccedilatildeo e elevar

exorbitantemente seus lucros

Se o mercado respeita o consumidor respeita seus haacutebitos de consumo isto porque

satildeo haacutebitos alimentares filtrados pelos interesses do mercado A preocupaccedilatildeo com a

quebra desse viacutenculo e a perda de vendas constitui a polecircmica enfrentada pelo setor

produtivo e revelada no discurso de seu representante [] o brasileiro ele estaacute acostumado a

166

comer mais salgado [] Entatildeo se vocecirc retira muito (o sal) vai ficar sem gosto e este produto vai deixar de ser

vendido no final (M2)

Para o mercado a mudanccedila da foacutermula do produto natildeo deve incidir sobre os lucros

comerciais Portanto eacute fundamental o empenho do governo em esclarecer agrave populaccedilatildeo

sobre a importacircncia da mudanccedila na composiccedilatildeo dos produtos para que esta seja

valorizada por aquela evitando-se rejeiccedilatildeo dos produtos e abalos nas vendas Isso porque

a reduccedilatildeo do teor de soacutedio tem um impacto na qualidade sensorial do produto alimentiacutecio

A induacutestria tambeacutem estaacute procurando soacute que a sociedade o governo em si tem que fazer o seu papel que eacute

esclarecimento (M2) O mercado defende que o governo em contrapartida ao empenho das

induacutestrias na reformulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios deve instruir a populaccedilatildeo para a

aceitaccedilatildeo desses produtos ldquoreformuladosrdquo sendo essa uma forma de proteger o mercado

Poreacutem quando o assunto se refere ao governo orientar o proacuteprio mercado ou seja

disciplinar os produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis para que haja uma sintonia com a

poliacutetica puacuteblica de prevenccedilatildeo da obesidade e de outras DCNT o representante desse

segmento deixa impliacutecito em vaacuterios momentos da fala que natildeo haacute justificativas para a

interferecircncia do governo nos negoacutecios da induacutestria uma vez que os produtos estatildeo

adequados [] natildeo me parece que a comida estaacute matando tanta gente como estatildeo falando Eacute muito mais

alarmismo [] Quanto tempo vocecirc natildeo ouve [] escacircndalos [] algueacutem morreu ou algueacutem ficou mal por

causa de produtos industrializados (M1)

Quando o tema da publicidade dos alimentos foi abordado vaacuterios discursos dos

sujeitos ligados ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada defenderam a necessidade

de regulaccedilatildeo e denunciaram as pressotildees dos setores produtivos sobre o governo

[] a educaccedilatildeo alimentar [] pode ter diversas frentes [] pode estar presente na restriccedilatildeo da publicidade de determinados alimentos [] (S1) A publicidade de alimentos tambeacutem precisava ser mais regulada esse princiacutepio da alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel eacute que deve ser o centro (S2) No caso da publicidade de alimentos o governo sofreu e foi tolhido com accedilotildees da proacutepria induacutestriardquo(P6) Haacute tambeacutem uma preocupaccedilatildeo com o niacutevel de publicidade de alimentos que estaacute completamente sem regulamentaccedilatildeo no paiacutes de alimentos nocivos agrave sauacutede e muito dirigida agraves crianccedilas (P1) Uma alimentaccedilatildeo que estaacute determinada pelo mercado e com uma falta de regulamentaccedilatildeo inclusive da publicidade O consumo de alimentos industrializados estaacute muito relacionado ao mundo do marketing da publicidade que induz a haacutebitos alimentares inadequados (P5)

167

A preocupaccedilatildeo com a publicidade estaacute no estiacutemulo ao consumo e na consequente

mudanccedila dos haacutebitos alimentares tradicionais saudaacuteveis que conduz agraves doenccedilas Os

indiviacuteduos ao aderirem a uma praacutetica alimentar imposta pelo mercado promovem o

fortalecimento desse mercado e ao mesmo tempo geram prejuiacutezos a sua sauacutede e a sua

cultura alimentar Por meio das falas evidencia-se a interferecircncia da induacutestria no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos e o recuo do governo como aconteceu com as regras

disciplinadoras da publicidade de alimentos destinadas ao puacuteblico infantil Apoacutes a sua

publicaccedilatildeo o regulamento aprovado sofreu inuacutemeras criacuteticas de opositores que culminou

na sua suspensatildeo por medidas judiciais impetradas pela induacutestria e empresas de

comunicaccedilatildeo

Haacute tempos se reforccedila a relaccedilatildeo entre a publicidade de produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis e as repercussotildees na sauacutede cuja intervenccedilatildeo tem o respaldo da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 em seu artigo art 227 que dispotildee Eacute dever da famiacutelia da sociedade e do

Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente com absoluta prioridade o direito agrave vida agrave

sauacutede [hellip] A questatildeo natildeo eacute de ordem teacutecnica e sim poliacutetica e os obstaacuteculos situam-se no

interior do corpo de parlamentares do Congresso Nacional que natildeo respeitam a

Constituiccedilatildeo Isso porque natildeo se dispotildeem a enfrentar as forccedilas econocircmicas jaacute que estas

servem como trampolim para muitos deles se elegerem como representantes formais do

povo mas de fato o que eles defendem satildeo os interesses do setor produtivo

[] esse Congresso precisa para a proteccedilatildeo da nossa populaccedilatildeo restringir a publicidade ao menos nos horaacuterios onde as crianccedilas satildeo mais vulneraacuteveis e ao mesmo tempo seguir o que a Constituiccedilatildeo recomenda A publicidade e o marketing tecircm um papel muito importante e por traacutes disto tem todo um empresariado ou seja uma forccedila econocircmica que tem forccedila poliacutetica porque o nosso modelo eacute do financiamento mais privado do que puacuteblico e portanto cerca de 200 empresas praticamente financiam as campanhas no Brasil [] Essas empresas satildeo quem fazem a publicidade e quem sustentam os meios de comunicaccedilatildeo as quais estatildeo concentradas nas matildeos de poucos e dependem os seus lucros disso ndash e aiacute estaacute a dificuldade os lobbies no Congresso para influenciar os deputados ou intimidaacute-los se contrariarem [] Eacute algo de luta poliacutetica aqui no parlamento a gente estaacute priorizando e reconhecendo as dificuldades poliacuteticas de aprovar [](P5)

Os discursos analisados afloram as contradiccedilotildees em torno dos produtos alimentiacutecios

que a despeito das vantagens geradas por eles e engendradas pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

168

da modernidade - como conforto e durabilidade - satildeo capazes de provocar um mal tardio

com o consumo constante impulsionado pela publicidade deixando os consumidores

fragilizados - em especial aqueles socialmente vulneraacuteveis

c) Autonomia do consumidor

O espiacuterito neoliberal que move a sociedade contemporacircnea sobrecarrega o indiviacuteduo

com responsabilidades com o seu corpo para mantecirc-lo iacutentegro e apto para atuar como

forccedila de trabalho O indiviacuteduo eacute instigado a criar mecanismos de autoproteccedilatildeo contra os

riscos que ele natildeo produziu manter-se atento agraves informaccedilotildees teacutecnicas para praticar o

autocuidado almejar a integridade da sauacutede e a empenhar-se no autocontrole para

manter seu corpo regulado (PETERSEN amp LUPTON 2000) Em siacutentese as condiccedilotildees de

bem-estar e de sauacutede satildeo de responsabilidade individual e qualquer desvio de conduta

significaraacute fracassos descompromissos e doenccedilas que teraacute que arcar consigo mesmo

Tais premissas datildeo contorno aos discursos oriundos dos representantes do mercado

cujo foco dirige-se de maneira unacircnime para culpabilizar o consumidor pela ausecircncia de

freios na ingesta dos alimentos pelo desconhecimento sobre como balancear a dieta pelo

sedentarismo e pelas doenccedilas contraiacutedas Os extratos de falas que abordaram a relaccedilatildeo da

pandemia de obesidade com os alimentos servem de ilustraccedilatildeo

[] se vocecirc comer 2000 calorias e gastar 1000 calorias vocecirc vai ficar obeso (M1) [] o aumento do sedentarismo [] as pessoas cada vez mais acomodadas [] se exercitam ou fazem menos atividades fiacutesicas Natildeo eacute soacute o alimento (M3) Se vocecirc natildeo conseguir uma dieta moderada pode-se chegar a obesidade [] (M2)

Outro entrevistado do grupo ao se manifestar sobre essa questatildeo prefere elidir a

figura do agente humano O excesso eacute que eacute o grande inimigo (M1) e substituir o indiviacuteduo

responsaacutevel por uma entidade substancial ldquoo excessordquo que se apodera de decisotildees

humanas Desse modo neutraliza-se a participaccedilatildeo da atividade industrial e apaga-se a

responsabilidade do produto Aqui o enunciado se desloca para o julgamento moral como

se todos devessem alcanccedilar o equiliacutebrio diante dos fatos do cotidiano

169

Em continuaccedilatildeo agrave fala desse mesmo entrevistado haacute o cruzamento da formaccedilatildeo

discursiva econocircmica com a religiosa quando o entrevistado se apoia nas infraccedilotildees liacutederes

que conformam os preceitos da era Cristatilde Em sua explicaccedilatildeo o homem que natildeo cultiva

suas proacuteprias virtudes espirituais se converte em pecador e recai unicamente sobre ele a

culpa e o ocircnus das puniccedilotildees assim reitera a responsabilidade individual frente agrave

obesidade [] quem eacute o culpado pelos excessos alimentares e as suas consequecircncias eacute o proacuteprio

consumidor - eacute o proacuteprio quem consome - eacute o ser humano que na ganacircncia voluacutepia na gula ele exagera

naquilo que faz ou natildeo se prepara adequadamente ele que eacute o proacuteprio culpado (M1)

De maneira oportuna o uso do interdiscurso individualista cristatildeo fundamenta duas

justificativas a) a imperfeiccedilatildeo do homem que natildeo consegue autoimpor limites para a sua

proacutepria ingesta e b) a exclusatildeo de elementos estrateacutegicos que exercem influecircncias no

comportamento individual do quadro explicativo a induacutestria que produz e estimula o

consumo de alimentos e o governo que impotildee regras para a produccedilatildeo-consumo

A polecircmica com que se depara o consumo de produtos alimentiacutecios eacute encarada como

anaacuteloga agrave enfrentada anteriormente pelo consumo de bebidas alcooacutelicas Em ambas as

situaccedilotildees o excesso eacute prejudicial agrave sauacutede O uso de publicidade de alimentos com

advertecircncia ao consumidor pode ser positivo poreacutem sem a necessidade de proibir ou

suspender a propaganda similarmente ao que se procede para limitar o consumo de

bebidas alcooacutelicas De modo impliacutecito um dos discursos dos sujeitos vinculados ao

mercado tendo como base a situaccedilatildeo epidemioloacutegica brasileira simula uma alternativa de

publicizar pelos veiacuteculos comerciais alerta para evitar o consumo excessivo desses

produtos e conter os efeitos adversos agrave sauacutede Assim ele faz uma adaptaccedilatildeo da frase que jaacute

eacute veiculada nas publicidades de bebidas alcooacutelicas para os produtos alimentiacutecios Coma com

moderaccedilatildeo (M2) Poreacutem deixa sempre claro que esse ato estaacute sob a responsabilidade do

consumidor

Contudo sem desmerecer a sensibilidade que reveste essa ideia tal enunciado

tambeacutem encobre trecircs vantagens que podem beneficiar o mercado evita a proibiccedilatildeo dos

produtos alimentiacutecios de maior risco agrave sauacutede resgata injunccedilotildees jaacute introjetadas no senso

170

comum nas publicidades contra o aacutelcool e o fumo e demonstra que a induacutestria tem

compromisso com o consumidor e se preocupa com o seu bem-estar e com a sauacutede do

coletivo

Desse dito (slogan) tambeacutem se subentende o natildeo-dito a evidecircncia de um

descontrole dos indiviacuteduos no ato de comer e a necessidade de alertaacute-los para que

restabeleccedilam o autocontrole uma vez que a soluccedilatildeo depende exclusivamente deles Assim

o debate eacute transferido do campo sociopoliacutetico para o campo moral eximindo as induacutestrias

de quaisquer implicaccedilotildees e permitindo que o comeacutercio de alimentos continue a florescer

sem limites uma vez que passa a ser de inteira responsabilidade do indiviacuteduo o controle do

que e do quanto consome

Em certa situaccedilatildeo elementos do discurso oriundo do mercado coincidem com os do

poder puacuteblico ao reforccedilar que satildeo as praacuteticas errocircneas dos indiviacuteduos que geram doenccedilas

[] assim como a obesidade foi construiacuteda ela deve no mesmo processo ser desconstruiacuteda [] natildeo eacute passando fome natildeo eacute com uma dieta que natildeo atenda as necessidades daquela pessoa e sim num processo de mudanccedila de haacutebitordquo (S3) As doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis [] satildeo multicausais [] falta de atividade fiacutesica excesso de comida com ingredientes e natildeo eacute soacute nosso industrializado que leva sal (M1)

Poreacutem na anaacutelise conjunta dessas falas surge de uma ponta a figura expliacutecita ou

natildeo do sujeito incapaz e que necessita de autotransformaccedilatildeo para controlar a doenccedila e de

outra o produto resumido a um mero fator causal obscurecido na trama articulada que

opera no mundo social

Consumidor eacute a referecircncia que se sobressai no mercado Todavia a depender do

viacutenculo do falante em certos pronunciamentos ele eacute substituiacutedo por indiviacuteduo cidadatildeo ou

agregado ao coletivo em termos de populaccedilatildeo Em geral as formaccedilotildees discursivas do

poder puacuteblico e da sociedade civil mencionam cidadatildeo ou populaccedilatildeo - para quem as suas

accedilotildees satildeo dirigidas Para esses sujeitos a populaccedilatildeo natildeo se comporta como uma massa

amorfa perante as questotildees alimentares que afetam diretamente a sua vida e sauacutede e a

informaccedilatildeo eacute vista como o fermento que pode elevar a sua consciecircncia quanto aos riscos

171

[] mas a populaccedilatildeo teve um grande incentivo e uma tomada de consciecircncia embora natildeo atingindo o desejaacutevel [] da importacircncia da alimentaccedilatildeo na vida da pessoa (S3) Haacute uma amostra razoaacutevel que tem mais acesso agraves informaccedilotildees e estatildeo mais sensiacuteveis mas nem sempre agem na praacutetica (P5) O enfoque principal para conter essa epidemia eacute a comunicaccedilatildeo de risco conscientizar o consumidor da importacircncia dele consumir alimentos mais saudaacuteveis [] (P4)

Para um dos interlocutores subsiste a convicccedilatildeo de que haacute estiacutemulos externos que

datildeo impulsos para o coletivo se mobilizar e assim fazer maturar um processo de reflexatildeo

de reaccedilatildeo e de revisatildeo do pensar e do agir

Alimentar-se deixou de ser um ato instintivo para satisfazer as necessidades

bioloacutegicas e afetivas Na atualidade saber alimentar-se adequadamente requer o domiacutenio

do conhecimento racional e de habilidades para fazer a escolha correta e estabelecer o

consumo regrado dos alimentos Ato que envolve uma liberdade regulada o acervo

cultural historicamente adquirido e as condiccedilotildees particulares de existecircncia e que pode

levar a uma praacutetica alimentar orientada por uma racionalidade unicamente dieteacutetica que

incentiva disciplinar o corpo para evitar o aparecimento de doenccedilas Eu acho que o alimento

sozinho natildeo resolve nada Ele pode reduzir se a pessoa natildeo sabe comer ela vai comer em excesso e vai dar na

mesma [] (M3) Acrescenta-se ainda que o aprendizado da alimentaccedilatildeo embora cultural eacute

dinamizado e moldado a partir das influecircncias sociais Assim o gosto e a preferecircncia pelos

produtos industrializados - e considerados prejudiciais agrave sauacutede - satildeo socialmente

adquiridos pela repeticcedilatildeo da experiecircncia sendo amplamente fomentados pelos estiacutemulos

da publicidade mercadoloacutegica

Mesmo com a retirada do disfarce que reveste certos tipos de produto alimentiacutecio

que oculta os males que estes podem acarretar agrave sauacutede e reafirmada a necessidade de sua

modificaccedilatildeo intriacutenseca a outra parte da responsabilidade recai sobre o indiviacuteduo este

deve empenhar-se em movimentar o corpo sistematicamente Assim sob o olhar desse

sujeito estaacute posta a soluccedilatildeo Eu acho que o alimento com a reduccedilatildeo dessas questotildees dos nutrientes-

chave e uma praacutetica cada vez mais crescente de atividade fiacutesica vatildeo ser dois elos fundamentais (M3) Em

busca de soluccedilotildees para o excesso de peso generalizado faz-se uma simplificaccedilatildeo da anaacutelise

de um fenocircmeno sociocultural complexo que eacute o consumo de alimentos transportando-o

para um contexto reduzido e superficial como forma de defesa da sauacutede

172

Ainda sob a perspectiva do mercado o consumidor natildeo eacute suficientemente qualificado

para entender o conteuacutedo dos roacutetulos veiacuteculos por meio dos quais a induacutestria torna

transparente as informaccedilotildees sobre o produto ofertado [] ler roacutetulo natildeo eacute normal neste paiacutes Noacutes

vamos nos enganar em dizer que todo mundo lecirc roacutetulo Uma boa parte ainda lecirc a data e a validade do produto

(M2) Eacute importante destacar aqui que disponibilizar informaccedilotildees na rotulagem dos

produtos natildeo eacute apenas cumprimento de determinaccedilatildeo legal Eacute tambeacutem uma expressatildeo do

direito agrave informaccedilatildeo e um meio de comunicar as caracteriacutesticas de identidade e qualidade

do produto para facilitar a comparaccedilatildeo entre eles e orientar a escolha Satildeo informaccedilotildees

teacutecnicas que ainda natildeo se popularizaram o suficiente para que sejam compreendidas e

valorizadas pela populaccedilatildeo em geral exceto o prazo de validade uma informaccedilatildeo

autoexplicativa

Aleacutem disso eacute necessaacuterio investir em formas de comunicaccedilatildeo de rotulagem com uma

linguagem clara acessiacutevel e que permita faacutecil identificaccedilatildeo das mensagens como eacute o

semaacuteforo nutricional A valorizaccedilatildeo do direito agrave informaccedilatildeo requer a decodificaccedilatildeo das

mensagens teacutecnicas permitindo a todos que as dominem e ajustadas a um contexto de vida

em que o tempo dedicado agrave leitura de roacutetulos de produtos eacute cada vez mais escasso

Para os sujeitos do mercado a questatildeo natildeo estaacute em torno dos produtos alimentiacutecios

em si mas no consumidor que devido agraves suas limitaccedilotildees intelectuais e materiais fica

impossibilitado de usufruir de um produto alimentiacutecio com caraacuteter bivalente que possui

propriedades de alimentar e de nutrir ao mesmo tempo

[] se faz as dietas se falam tanto mas se praticam pouco[] existem pessoas preocupadas pessoas que lecircem pessoas que entendem mas natildeo vamos esquecer que a grande maioria dos brasileiros trabalha para comer Entatildeo com todo respeito eles querem comer primeiro depois eles vatildeo se preocupar com o que comer ndash esta eacute a segunda fase (M2) [] desinformaccedilatildeo dos consumidores sobre o que o produto de fato oferece (M3)

Conforme os discursos do mercado o problema estaacute na massa de consumidores que

apresenta um perfil em que reina a incompetecircncia ignoracircncia e desinformaccedilatildeo e cujo

interesse pelos alimentos ainda se dirige prioritariamente para a satisfaccedilatildeo das

necessidades primaacuterias sem estabelecimento de crivos teacutecnicos para sua seleccedilatildeo Assim os

173

consumidores permanecem como o elo mais fraco da cadeia sendo providos de atributos

negativos que os impossibilitam de eleger produtos alimentiacutecios com perfil nutricional

saudaacutevel quer por desinformaccedilatildeo ou por restriccedilatildeo no seu poder de compra Para os

sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil organizada impera a falta de informaccedilatildeo do

consumidor limitante do seu grau de consciecircncia sobre o que consiste uma alimentaccedilatildeo

adequada

No jogo dos discursos dos diferentes sujeitos a posiccedilatildeo do consumidor frente aos

riscos dos alimentos situa-se sinteticamente entre um papel de viacutetima ou de culpado No

primeiro caso caracteriza-se pela qualificaccedilatildeo deficiente e a falta consciecircncia cidadatilde que o

subjuga agraves imposiccedilotildees do mercado e no segundo pela incompetecircncia em limitar o seu

autoconsumo ler corretamente as informaccedilotildees teacutecnicas de rotulagem dos produtos e

adotar um modo de vida menos sedentaacuterio

d) Consumidor para (trans) formar

Embora sem esclarecer qual o significado preciso dado agrave ldquoeducaccedilatildeordquo esta eacute apontada

por vaacuterios sujeitos como uma das medidas de intervenccedilatildeo relevantes e dirigidas agrave

populaccedilatildeo Permanece em aberto se tal educaccedilatildeo proposta de fato envolve intercacircmbio de

saberes que busquem estimular as possibilidades do sujeito para refletir sobre a realidade

ou simplesmente eacute mera transferecircncia de informaccedilotildees sem compromisso com qualquer

tipo de mudanccedila

Hoje qualquer um entra em um supermercado e vecirc uma prateleira com centenas de opccedilotildees e vocecirc natildeo vai proibir nenhuma delas A maneira de enfrentar isso eacute com informaccedilatildeo orientaccedilatildeo educaccedilatildeo digamos assim de uma maneira maior mais ampla eacute a educaccedilatildeo alimentar (S1) Noacutes estamos fazendo agora uma campanha voltada para alimentaccedilatildeo fora do lar [] Privilegiar predominantemente accedilatildeo de incentivo a alimentaccedilatildeo saudaacutevel em praacuteticas educativas na abordagem preventiva [] (S3)

174

Constam desse enunciado trecircs modalidades de instruccedilatildeo ndash educaccedilatildeo informaccedilatildeo e

orientaccedilatildeo ndash dirigidas agrave populaccedilatildeo sobre a maneira melhor de se alimentar e que seratildeo

comentadas a seguir

A educaccedilatildeo entre essas modalidades eacute considerada a uacutenica ferramenta que se

contrapotildee agraves estrateacutegias mercadoloacutegicas e que eacute capaz de impedir que a forccedila desenfreada

de induccedilatildeo agraves compras domine o indiviacuteduo e transforme o consumo em um ato

inconsciente A educaccedilatildeo possibilita ao indiviacuteduo refletir e analisar os fatos em sua

dimensatildeo criacutetica Todavia haacute de ser uma educaccedilatildeo concebida como um processo reflexivo

de aprendizagem de conhecimentos e de interiorizaccedilotildees das normas comuns regras e

valores E dessa forma propiciando ao indiviacuteduo reconhecer o seu papel enquanto um ser

social e enquanto membro de uma sociedade que pressupotildee a convivecircncia com o outro

Nesse sentido uma educaccedilatildeo exitosa natildeo daacute soluccedilotildees mas leva o sujeito ao

questionamento das praacuteticas Iluminada pela concepccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de Freire

(2010) a educaccedilatildeo nesse contexto deve ser um meio de despertar inquietudes frente agrave

problemaacutetica dos riscos dos alimentos e de desenvolver uma postura conscientemente

criacutetica sobre ela conforme preconiza essa praacutetica pedagoacutegica democraacutetica

No que concerne agrave modalidade informaccedilatildeo ela trata de introjetar conhecimentos de

forma automatizada sem processo de reflexatildeo Eacute a transferecircncia unilateral de informaccedilotildees

- e a obtenccedilatildeo de respostas mecacircnicas frente aos comandos suscitados por estas Jaacute a

orientaccedilatildeo se natildeo for fundamentada em uma relaccedilatildeo dialoacutegica e transformadora pode

redundar em resultados similares aos da informaccedilatildeo

O discurso do mercado tambeacutem evoca a ldquoeducaccedilatildeordquo com fins de reorientar a

populaccedilatildeo quanto agrave praacutetica de consumo dos alimentos Natildeo pense que vocecirc pode ficar sem

gordura natildeo vai ter que comer gordura um pouco mas vai ter que comer Entatildeo noacutes vamos ter que usar de

alguma maneira a educaccedilatildeo para que natildeo haja mais do que isso (M1) A forma de emprego do ldquonoacutesrdquo

indica que a responsabilidade eacute do conjunto da sociedade inclusive do mercado Poreacutem no

decorrer da fala desse sujeito o ldquonoacutesrdquo se reduz ao governo e o mercado se exime dessa

175

responsabilidade O governo estaacute cometendo o maior erro da histoacuteria olhando soacute o industrializado e natildeo

estaacute focando o resto e noacutes natildeo somos o todo noacutes somos uma parte O governo tem que educar (M1)

Esse discurso reporta a educaccedilatildeo a partir de um prisma reducionista Educar natildeo eacute

somente articular os nexos causais de um dado fenocircmeno Eacute antes de tudo compreendecirc-lo

criticamente eacute a busca da autenticidade do fenocircmeno ldquoriscos-alimentos-doenccedilasrdquo que

propiciaraacute o desenvolvimento da consciecircncia criacutetica (FREIRE 2010) Nos discursos

supracitados a concepccedilatildeo da educaccedilatildeo se reduz agrave dimensatildeo da oferta de informaccedilotildees

como se esta fosse suficiente Parece tambeacutem haver um entendimento de que o processo de

acumulaccedilatildeo de informaccedilotildees poderia gerar consciecircncia e mudanccedila de comportamento

Os sujeitos ligados agrave sociedade civil ao poder puacuteblico e ao organismo internacional se

manifestam de forma unacircnime quanto agrave ideia de empoderar a populaccedilatildeo Para eles esta eacute

uma alternativa para se resgatar e valorizar a alimentaccedilatildeo tradicional e saudaacutevel que foi

perdida

Eu acho que a gente precisa cada vez mais favorecer estimular desenvolver processos de educaccedilatildeo alimentar e nutricional para que as pessoas fiquem mais empoderadas para poder fazer escolhas (OI) Esse movimento de melhoria da qualidade nutricional dos alimentos [] natildeo pode ser soacute do governo eacute preciso o engajamento da sociedade civil organizada tambeacutem [](P4) Talvez atualmente a gente possa dizer [] que haacute uma nascente de preocupaccedilatildeo [] que eu espero que cresccedila essa consciecircncia em relaccedilatildeo ao alimento (S2)

Nesse sentido a Marco de Referecircncia de Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional - EAN35

foi instituiacuteda com o fim de ser uma estrateacutegia fundamental para promover praacuteticas

alimentares saudaacuteveis e prevenir e controlar os problemas alimentares e nutricionais

(BRASIL MDS 2012b) Pautada em uma perspectiva emancipadora seu propoacutesito

extrapola o ato de tornar o indiviacuteduo como ser ativo e autocircnomo para as escolhas e as

praacuteticas alimentares e abarca a capacidade de ele (re) interpretar o mundo e a si mesmo

ou seja de dirigir e de transformar a proacutepria vida Isso significa empoderamento

35 O Marco de Referecircncia Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional paras as Poliacuteticas Puacuteblicas no contexto da realizaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e da garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute um campo de conhecimento e de praacutetica contiacutenua e permanente transdisciplinar intersetorial e multiprofissional que visa promover a praacutetica autocircnoma e voluntaacuteria de haacutebitos alimentares saudaacuteveis (BRASIl MDS 2012b) Eacute um campo de accedilatildeo que abrange os aspectos relacionados ao alimento agrave alimentaccedilatildeo e agrave nutriccedilatildeo assim como os processos relativos ao sistema de produccedilatildeo

176

Eacute interessante notar que os sujeitos percebem que o enfrentamento da temaacutetica dos

riscos dos alimentos natildeo fica restrita ao campo da sauacutede e da educaccedilatildeo invade tambeacutem as

estruturas sociais com destaque a forma de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo-consumo para

assim tornar possiacutevel restabelecer e consolidar uma praacutetica alimentar pautada na sauacutede

[] para dar resposta a obesidade mas o real enfrentamento dos determinantes sociais e ambientais da obesidade ocorrem em outros espaccedilos que passam pelo modelo de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de alimentos que passam pelos programas sociais que passam pela educaccedilatildeo pela questatildeo da comunicaccedilatildeo direta do consumidor um conjunto de outras agendas Enfrentar a obesidade implica resposta intersetorial (P2)

No entanto a EAN propotildee em seus princiacutepios estruturantes resgatar as diferentes

facetas do fenocircmeno da alimentaccedilatildeo ao considerar uma e abordagem integrada do sistema

alimentar da sustentabilidade social ambiental e econocircmica da valorizaccedilatildeo da cultura

alimentar local da promoccedilatildeo do autocuidado e da autonomia dos sujeitos entre outros

aspectos Segundo esse Marco de Referecircncia a EAN envolve conhecimento amplo e

transdisciplinar acoplado a uma praacutetica intersetorial e multiprofissional para promover a

autonomia e voluntariedade para adoccedilatildeo dos haacutebitos alimentares saudaacuteveis (BRASIL MDS

2012)

Mesmo assim promover a EAN como praacutetica institucionalizada natildeo exime o Estado

do seu dever de refrear os excessos cometidos pelo mercado e que repercutem na vida

social em especial no grupo mais vulneraacutevel da populaccedilatildeo Neste destacam-se as crianccedilas

que satildeo indiviacuteduos intelectualmente imaturos e portanto ainda impotentes para fazer

adequadamente suas proacuteprias escolhas e criacutetica aos estiacutemulos recebidos

Eacute certo que as iniciativas no campo das poliacuteticas sociais engendradas no Brasil tecircm

um efeito econocircmico positivo para as parcelas mais pobres da populaccedilatildeo repercutindo

positivamente no acesso aos alimentos No que se refere agrave reduccedilatildeo da pobreza observa-se

que a implementaccedilatildeo do Programa Fome Zero a partir de 2003 conseguiu reduzir a taxa

de pobreza da populaccedilatildeo brasileira de 281 para 154 em 2009 (DEL GROSSI 2010)

Fato que concorreu positivamente para a melhoria do estado nutricional das crianccedilas de

177

zero a cinco anos de idade das famiacutelias atendidas pelo Programa Bolsa Famiacutelia durante o

periacuteodo de 2008 a 2012 (BRASIL MDS MS 2014)

Entretanto o avanccedilo material desse grupo social traduzido pela sua progressiva

participaccedilatildeo no mercado de consumo de diferentes bens tambeacutem foi percebido no

aumento do consumo de diferentes produtos alimentiacutecios industrializados Esse fenocircmeno

pode ser considerado previsiacutevel em funccedilatildeo da demanda reprimida construiacuteda por longos

periacuteodos de exposiccedilatildeo aos incentivos de consumo mas restringida pelas condiccedilotildees

financeiras Somado a isso as empresas de alimentos desenvolveram estrateacutegias de

marketing tipos de embalagens e formas de comeacutercio varejista especiacuteficas para captar os

milhotildees de famiacutelias que ampliaram sua renda por meio das poliacuteticas sociais Nesse

percurso as accedilotildees de educaccedilatildeo em sauacutede em geral e de educaccedilatildeo alimentar e nutricional

em particular continuaram no ritmo tradicional e pouco (ou nada) dialogaram com essa

nova realidade das famiacutelias

Hoje existe toda uma mudanccedila social [] que ela traz um certo risco a essa consciecircncia que o cara que soacute comia arroz e feijatildeo e farinha de mandioca e de vez em quando um ovo ainda bem que ele pode comer outras coisas Mas [] ele prefere entatildeo do ponto de vista de status social ndash que eacute legiacutetimo [] comer hambuacuterguer [] ou salsicha ou [] miojo [] Podem [] comer mais mas nem sempre melhor (S1)

Esse comentaacuterio eacute coerente com a tendecircncia de escolha por produtos industrializados

de baixa qualidade nutricional evidenciada entre a parcela da populaccedilatildeo mais pobre

conforme os uacuteltimos dados da POF 20082009 (BRASIL IBGE 2010) Essa associaccedilatildeo entre

o padratildeo alimentar e o status procede pois este se define mais pelos traccedilos simboacutelicos do

que pelas diferenccedilas propriamente econocircmicas (BOURDIEU 2011) Desse modo consumir

determinados produtos alimentiacutecios antes excluiacutedos da dieta leva no imaginaacuterio dos

indiviacuteduos pobres agrave ascensatildeo social pela representaccedilatildeo que esses produtos incorporam e

que eacute disseminada em suas propagandas Situaccedilatildeo similar foi observada com as famiacutelias

beneficiaacuterias do Programa Bolsa Famiacutelia apoacutes resolvidas as suas necessidades baacutesicas de

alimentaccedilatildeo elas recorrem tanto aos alimentos saudaacuteveis (frutas verduras e legumes)

178

como aos produtos industrializados de alta densidade energeacutetica e baixo valor nutritivo

(IBASE 2008)

Em geral a discussatildeo especiacutefica sobre a qualidade dos alimentos manteacutem-se afastada

das pautas reivindicatoacuterias dos movimentos sociais Poucas entidades dedicam-se ao tema

e o transformam em plataforma de luta e de atenccedilatildeo permanente Contudo conforme um

dos sujeitos representante de entidade da sociedade civil com a abertura dos movimentos

para a discussatildeo sobre o tema da ldquodefesa da soberania alimentarrdquo nos uacuteltimos anos a

expectativa eacute que a preocupaccedilatildeo com a qualidade da alimentaccedilatildeo seja suscitada Eacute

interessante que haacute uma mobilizaccedilatildeo de muitos movimentos sociais pela soberania alimentar eu acho que o

fato dos movimentos passarem a incorporar entre as suas causas a defesa da soberania alimentar faz com que

essa visatildeo do alimento que se come fique mais proacutexima (S2)

O desconhecimento da complexidade do binocircmio alimentaccedilatildeo-sauacutede atualmente

enfrentado pela sociedade natildeo eacute um privileacutegio exclusivo do universo dos leigos ele ocorre

tambeacutem nos espaccedilos acadecircmicos atingindo em especial os profissionais de sauacutede que tecircm

entre as suas atribuiccedilotildees a prevenccedilatildeo e o tratamento de doenccedilas inclusive aquelas

relacionadas ao consumo inadequado de alimentos Ampliar o conhecimento dos

profissionais de sauacutede - tanto sobre a complexidade dos processos alimentares

contemporacircneos mas tambeacutem em abordagens participativas de educaccedilatildeo- eacute um dos

desafios atuais inclusive na formaccedilatildeo dos nutricionistas (RECINE MORTOZA 2013) Esses

satildeo os caminhos apontados pelo sujeito do poder puacuteblico para serem trilhados como meio

de conter a obesidade

[] a populaccedilatildeo tem o direito de conhecer o perfil epidemioloacutegico para que possam dirigir as campanhas de prevenccedilatildeo Se vocecirc conscientiza a populaccedilatildeo sobre a qualidade dos alimentos natildeo soacute em campanhas publicitaacuterias mas na formaccedilatildeo do meacutedico sobre o excesso de peso ter uma alimentaccedilatildeo diferente e encaminhar o paciente para o nutricionista (P1)

No campo dos alimentos as demandas provenientes das forccedilas sociais ndash mercado e

sociedade - que satildeo remetidas ao governo para serem administradas nem sempre resultam

em deliberaccedilotildees nas quais os interesses coletivos sobressaem-se aos particulares seja por

razotildees internas e ou por debilidades na pressatildeo do conjunto social Nesse sentido e sem

179

designar o agente incumbido de mobilizar a sociedade - poreacutem excluindo o governo do

compromisso de ser a lideranccedila - sujeitos vinculados ao poder puacuteblico destacam em seu

discurso que sem a forccedila dos cidadatildeos sensibilizados com os conflitos em torno dos

alimentos e da sauacutede o governo encontra-se impossibilitado de fazer acontecer as

mudanccedilas necessaacuterias nesse campo

[] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover a agenda (P2) A massa criacutetica eacute pequena [] mas se outros elos dessa sociedade encamparem essa poliacutetica a gente teraacute sucesso muito raacutepido (P4)

Eacute verdade que a atitude indutora do mercado para a conquista de consumidores se

vale do traccedilo essencial do ser humano o de ser um sujeito com potencial de tornar-se

consciente e autocircnomo de suas proacuteprias accedilotildees Agora ele ndash o ser humano- eacute objeto de

manipulaccedilatildeo do mercado que sutilmente decide por ele o que eacute prazeroso comer onde e

como comer fazendo-o desligar-se das questotildees fundamentais que envolvem o ato de

alimentar-se e nutrir-se Nesse sentido um dos sujeitos ligados ao poder puacuteblico conclama

que eacute preciso munir o consumidor de informaccedilotildees para se fazer o resgate dos valores

simboacutelicos intriacutensecos agrave natureza humana amortecidos com a interferecircncia do mercado Eacute

preciso libertar o ser humano que tem dentro de cada consumidor para que natildeo se apequene o ser humano e

se agigante a condiccedilatildeo do consumidor para que se tenha o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilatildeo sobre os

alimentos que satildeo fornecidos em espaccedilos puacuteblicos (P1) No entanto como abordado anteriormente

natildeo eacute a informaccedilatildeo que transforma mas a informaccedilatildeo inserida em um contexto de

educaccedilatildeo como um processo criacutetico e participativo

Para alguns sujeitos do poder puacuteblico a sociedade civil brasileira caracteriza-se pela

falta de acuacutemulo de experiecircncias histoacutericas de lutas pela conquista de direitos de cidadania

Em funccedilatildeo disso quando o assunto eacute o de lidar com os efeitos da relaccedilatildeo entre alimentos e

sauacutede o papel que ela assume apresenta um caraacuteter bastante ambivalente nos discursos

formulados Apesar do reconhecimento da debilidade da sociedade civil que a faz

continuar a depender do suporte e das informaccedilotildees do Estado para compreender e adquirir

consciecircncia sobre os problemas que lhe afeta a sua atuaccedilatildeo eacute imprescindiacutevel para

180

pressionar o Estado quando da administraccedilatildeo de conflitos que envolvem a qualidade de

alimentos Isso porque ela se constitui em uma forccedila social capaz de contrapor-se agraves

demais e de lutar para dar concretude aos interesses coletivos de sauacutede

A sociedade civil estaacute muito parada natildeo tem qualidade de luta que o paiacutes necessita (P6) [] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover essa agenda (P2) O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular [] mas fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo (P1)

Contudo haacute dificuldades reais e histoacutericas que inibem a organizaccedilatildeo da sociedade

conforme apontam dos comentaacuterios a seguir O sujeito do poder puacuteblico pontua que as

sucessivas experiecircncias de opressatildeo social vivenciadas pelo povo brasileiro em sua

histoacuteria imprimiu marcas no inconsciente coletivo de medo de descrenccedila e de

incapacidade de organizar-se para lutar pelos interesses do conjunto que dificultam ou

retardam o fortalecimento dos movimentos sociais e o atendimento das reivindicaccedilotildees de

interesse coletivo

[] haacute segmentos organizados que sim mas a grande maioria natildeo estaacute preparada [] Face agrave nossa histoacuteria - colonialismo escravidatildeo e ditadura ndash pedaccedilos presentes na nossa contemporaneidade natildeo temos uma sociedade civil que esteja agrave altura das demandas de cidadania desse paiacutes marcados por ldquocasas grandes e senzalasrdquo (P1)

Obviamente as situaccedilotildees de opressatildeo e intimidaccedilatildeo impostas agrave maioria da populaccedilatildeo

pela elite brasileira associadas agrave pauperizaccedilatildeo generalizada e agrave falta de educaccedilatildeo no

sentido lato que persistiram ao longo do desenvolvimento econocircmico-social do paiacutes

contribuiacuteram para a formaccedilatildeo do povo brasileiro com tal perfil de luta Assim dotar essa

populaccedilatildeo de um aporte instrumental educativo que possa lhe dar plena autonomia para

fazer escolhas no acircmbito da alimentaccedilatildeo e consequentemente contrapor-se agrave ditadura do

mercado eacute uma das funccedilotildees do Estado em uma sociedade cujo percurso histoacuterico natildeo

permitiu o fortalecimento dos movimentos sociais para reivindicar as suas necessidades

em todos os aspectos da vida E por isso haacute discurso persistente em enfatizar que ao

Estado cabe a funccedilatildeo relevante de instruir a populaccedilatildeo para que ela possa redirecionar as

suas condutas e atitudes

181

O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular nem de fazer cultura mas de fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo Sem o Estado a gente natildeo consegue superar isso hoje Este paiacutes tem uma sociedade civil ainda pouco organizada para as demandas de cidadania que noacutes temos (P1)

Por fim natildeo eacute a informaccedilatildeo isolada que elevaraacute a consciecircncia criacutetica Esta pode ser

construiacuteda com o suporte das accedilotildees de EAN e de outras iniciativas educativas com

propoacutesitos similares que problematizam as questotildees relativas aos produtos alimentiacutecios e

agraves doenccedilas correlacionadas em um ambiente democraacutetico permitindo agrave populaccedilatildeo

repensar a sua praacutetica alimentar proteger-se dos riscos dos alimentos e reivindicar

qualidade para os alimentos com fins de melhorar as condiccedilotildees de sauacutede e vida

e) ldquoRegulaccedilatildeo Consentidardquo

Para regular as praacuteticas do mercado no acircmbito da sauacutede eacute imprescindiacutevel que haja

possibilidades ou comprovaccedilatildeo de riscos que ameacem a integridade da populaccedilatildeo O

discurso de um sujeito vinculado ao organismo internacional eacute emblemaacutetico e apresenta os

requisitos teacutecnicos necessaacuterios para deflagrar um processo de regulaccedilatildeo dos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis

Eacute clara essa relaccedilatildeo do consumo de alimentos industrializados com essas doenccedilas (DCNT) Esses alimentos normalmente eles tecircm uma quantidade de calorias maior bem maior do que o alimento in natura tecircm algumas pesquisas mostrando isso [] a densidade energeacutetica deles normalmente eacute maior do que os alimentos in natura [] o que favorece o aumento do excesso de peso nas pessoas e todas as doenccedilas relacionadas [] (01)

Poreacutem regular eacute um empreendimento teacutecnico e poliacutetico e portanto satildeo os discursos

dos sujeitos do mercado do poder puacuteblico e da sociedade civil brasileira com seus pontos

de convergecircncias e divergecircncias que iratildeo formar o clima regulatoacuterio explorado a seguir

Diante da retoacuterica da recuperaccedilatildeo do poder regulador do Estado afirmada com a

reforma institucional objetivando reduzir os entraves burocraacuteticos e facilitar o desenrolar

das atividades econocircmicas as reflexotildees feitas pelos sujeitos da sociedade civil e do poder

182

puacuteblico fluem em linhas divergentes Para um deles esse processo de reformulaccedilatildeo

dinamizou a atividade regulatoacuteria do Estado com a criaccedilatildeo das agecircncias reguladoras Para

o outro sujeito houve a inversatildeo dos papeacuteis exercidos pelo Estado e pelo mercado e a

reduccedilatildeo da capacidade do poder puacuteblico de interferir no mundo privado ficando aquele agrave

mercecirc dos interesses econocircmicos

[] o Estado brasileiro voltou a ter um papel ativo [] readquiriu um pouco o seu papel regulador [] eacute que natildeo eacute possiacutevel acreditar que o mercado regule e as empresas querem isso Eacute um sistema capitalista movido fundamentalmente pelo lucro se natildeo houver regras claras alguns bloqueios as consequecircncias para a populaccedilatildeo satildeo dramaacuteticas (S2) Eu natildeo gosto muito dessa visatildeo de agecircncia esse modelo que vem dos Estados Unidos neoliberal [] eu tenho duacutevidas do papel da agecircncia como modelo institucional de braccedilo do Estado para regular Elas terminam sendo mais refeacutens do mercado do que obedecendo ao Estado (P5)

Constata-se tambeacutem que as entidades representativas do mercado posicionam-se

acima dos interesses de quaisquer fragmentos da sociedade - e a forma como utilizam os

valores dos iacutendices pessoais eacute um indicativo de sua supremacia Noacutes hoje exportamos para 114

paiacuteses produtos industrializados [] (M1) No discurso de um dos sujeitos de mercado o ldquonoacutesrdquo

alterna entre duas formas de expressatildeo de valores primeiro o ldquonoacutesrdquo remete a toda

sociedade brasileira Acontece que noacutes somos um paiacutes privilegiado Temos tudo aqui para noacutes nos

alimentarmos (M1) E nessa perspectiva coloca sua organizaccedilatildeo como parte da sociedade

Esse eacute o modo de ele expressar que as medidas adotadas para a sociedade afetam a eles

mesmos Hoje noacutes somos um grande produtor (M1) Verifica-se uma nacionalizaccedilatildeo do ldquonoacutesrdquo sem

distinccedilatildeo ou existecircncia de conflitos

Aleacutem de se apresentar como parte desse organismo coletivo o ldquonoacutesrdquo nacional a

entidade se apresenta ao mesmo tempo como um ldquonoacutesrdquo um corpo especiacutefico dentro desse

corpo nacional Noacutes somos tambeacutem parte dessa sociedade noacutes produzimos noacutes empregamos [] 150 anos

aqui (M1) Assim ao mesmo tempo em que insinua compartilhar as preocupaccedilotildees comuns

como membro do corpo nacional salienta de modo singular que eacute o motor do corpo

nacional Como parte diferenciada do corpo nacional haacute uma estratificaccedilatildeo que situa o

proacuteprio ldquonoacutesrdquo especiacutefico (da entidade) acima do corpo nacional fazendo com que eles

sejam dispensados de obedecer as prescriccedilotildees do poder nacional Noacutes natildeo precisamos de quem

nos diga o que fazer (M1)

183

Essa afirmaccedilatildeo da entidade eacute frequentemente reiterada Noacutes estamos fazendo sozinhos noacutes

natildeo precisamos do governo noacutes estamos trabalhando com o governo (M1) para reforccedilar a autonomia e

autosuficiecircncia do mercado perante as instituiccedilotildees governamentais demonstrando serem

desnecessaacuterias quaisquer interferecircncias ou limitaccedilotildees que se pretenda realizar sobre a

atividade econocircmica Aliaacutes subtende-se do discurso que o mercado eacute uma instituiccedilatildeo que

pode ofertar espontaneamente o seu auxiacutelio ao governo como tambeacutem pode modelar as

formas de governanccedila do poder

Mesmo em situaccedilotildees em que a accedilatildeo exija a concordacircncia entre os agentes envolvidos

Noacutes fizemos um Acordo com o Ministeacuterio da Sauacutede (M3) o ldquonoacutesrdquo assume a conotaccedilatildeo de impositivo

de unilateralidade como se a iniciativa a disposiccedilatildeo e a decisatildeo de efetuar o ato recaiu

unicamente sobre o sujeito que fala na qualidade de um dos representantes do mercado

Na realidade a mobilizaccedilatildeo partiu do governo em funccedilatildeo da necessidade de se melhorar a

qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios e de minimizar os impactos negativos que

eles exercem sobre as DCNT

Outros sujeitos do mercado mostraram-se mais permeaacuteveis agraves interaccedilotildees Em seus

discursos o ldquonoacutesrdquo natildeo apareceu definindo a especificidade da organizaccedilatildeo ou a existecircncia

especiacutefica de um ldquonoacutesrdquo desconectado do coletivo e natildeo existe o descolamento da entidade

do corpo coletivo para assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica superior Eu acho que a gente tem aiacute

diversas medidas (M3) Noacutes deveriacuteamos fazer eacute uma mudanccedila de haacutebito (M2)

O mercado de alimentos apresenta-se como entidade soberana e autoregulaacutevel

desencadeando continuamente inventos para alavancar a produccedilatildeo e acumulaccedilatildeo de

capital Organiza seus projetos de inovaccedilatildeo de produtos com o foco na racionalizaccedilatildeo de

recursos e no aumento de lucros e para que se tornem mais viaacuteveis nas uacuteltimas deacutecadas

ele tem negligenciado alguns requisitos de qualidade no caso os paracircmetros nutricionais

Mesmo apoacutes os efeitos negativos eclodirem e se tornarem visiacuteveis coletivamente o

mercado segue dissipando haacutebitos alimentares impondo as marcas de produtos

beneficiando-se dos ecircxitos comerciais e contribuindo para doenccedilas Quando os riscos e as

doenccedilas relacionadas a essas alteraccedilotildees na qualidade nutricional dos alimentos comeccedilam a

184

assolar a populaccedilatildeo esse ideaacuterio neoliberal de independecircncia plena desmorona e o Estado

eacute convocado e pressionado a intervir em defesa da sociedade Quanto a essa intervenccedilatildeo os

discursos dos sujeitos do mercado sugerem que eacute sensatez do governo dialogar com as

induacutestrias para que estas corrijam paulatinamente as falhas silenciando-se quanto aos

impactos econocircmicos (no nosso entender justificaacuteveis) que poderiam advir de uma

imposiccedilatildeo legal

A experiecircncia eacute o seguinte noacutes achamos que existe uma maneira de educar de fazer as coisas acontecerem Eacute fazer em conjunto o esforccedilo para fazer diminuir retirar os alimentos retirar esses ingredientes [] Entatildeo o radicalismo uma regulamentaccedilatildeo ela fecha e natildeo daacute a flexibilidade que o Acordo faz O Acordo eacute uma coisa de compreensatildeo porque vocecirc natildeo pode de uma hora para outra mudar uma foacutermula A regulamentaccedilatildeo tem que ter plena consciecircncia (M1)

Frente agrave necessidade premente de reformular a composiccedilatildeo dos produtos

alimentiacutecios para aproximaacute-los de um perfil nutricional saudaacutevel e controlar as DCNT o

governo decidiu instituir pactos formais com metas estabelecidas conjuntamente flexiacuteveis

e de longo prazo sob a forma de acordos Na leitura dos sujeitos do mercado tal conduta

governamental eacute uma demonstraccedilatildeo de entendimento entre as partes devido agrave

complexidade que envolve a substituiccedilatildeo das foacutermulas desses produtos Para eles

regulamentar para sanar falhas em curto tempo seria uma atitude inconveniente do

governo Isso porque implicaria a imposiccedilatildeo de regras aliadas ao estabelecimento de

sanccedilotildees pelo seu descumprimento Poreacutem como o panorama epidemioloacutegico atual exige

pressa na intervenccedilatildeo - e as induacutestrias satildeo as principais responsaacuteveis pela deformaccedilatildeo dos

produtos alimentiacutecios - a aplicaccedilatildeo de regras com sanccedilotildees eacute apropriada

Quanto a esse uacuteltimo destaque um dos sujeitos do mercado assume de modo sutil e

ponderado o comprometimento da induacutestria com os produtos natildeo saudaacuteveis Eu acho que haacute

um aumento muito grande da oferta de produtos com caracteriacutesticas ou de agraves vezes ainda ndash natildeo estou

dizendo agora mas ateacute recentemente produtos com mais accediluacutecar produtos com excesso de gordura [] natildeo

existia uma preocupaccedilatildeo com essas caracteriacutesticas [] (M3)

O Ministeacuterio da Sauacutede ao assumir as funccedilotildees da entidade reguladora (Anvisa) foi

decisivo para o desenrolar dos acordos A Anvisa natildeo teve predisposiccedilatildeo para ousar

controlar os riscos de nutrientes dos produtos alimentiacutecios mesmo estes afetando a sauacutede

185

da populaccedilatildeo Esse assunto escapa completamente do seu trabalho tradicional de controle

dos riscos agrave sauacutede concentrado nos contaminantes de origem alimentar A rigidez das

praacuteticas das instacircncias de controle sanitaacuterio focadas em um grupo especiacutefico de riscos eacute

outro elemento de dificuldade pois natildeo permite acompanhar na velocidade necessaacuteria os

riscos agrave sauacutede que brotam das tecnologias de produccedilatildeo de alimentos Isso exigiria

articulaccedilatildeo com os interessados ajustamento dos seus regulamentos e procedimentos para

dar respostas efetivas de proteccedilatildeo agrave sociedade em tempo oportuno Esse distanciamento

institucional dos riscos emergentes agrave sauacutede portanto impedem a entidade reguladora de

agir para salvaguardar a sauacutede da populaccedilatildeo dos malefiacutecios dos produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis

Regulaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo satildeo referidos como sinocircnimos na fala de certos sujeitos

Ele tem que obrigar [] Ele tem que regular (S3) Quando eu falei regular eu estou entendendo que eacute preciso

normatizar que eacute preciso haver regras claras e inclusive sanccedilotildees (S2) Conforme jaacute definido neste

trabalho regulaccedilatildeo envolve um elenco de medidas de controle legais e compulsoacuterias

teacutecnicas e administrativas que a instituiccedilatildeo dispotildee para proteger a sauacutede da populaccedilatildeo

contra os riscos agrave sauacutede provenientes do sistema de produccedilatildeo de alimentos entre as quais

estaacute regulamentaccedilatildeo E no caso da sauacutede regulamentaccedilatildeo eacute entendida como a elaboraccedilatildeo

de um conjunto de disposiccedilotildees legais e obrigatoacuterias que a administraccedilatildeo puacuteblica impotildee a

terceiros para preservar a sauacutede da populaccedilatildeo entre elas as sanccedilotildees

A construccedilatildeo do consenso entre o governo e as entidades de mercado formalizada

no Acordo de Parceria Puacuteblico-Privada no campo da sauacutede pode refletir concessotildees

equilibradas ou prejuiacutezos para uma das partes A opccedilatildeo do governo em natildeo regulamentar

ou melhor dispensar o uso dessa prerrogativa em favor do Acordo de parceria sinaliza um

recuo do governo em prol do mercado uma vez que alternativamente poderia ter sido

elaborado um regulamento mediante um processo de construccedilatildeo de participativa

dialoacutegica e democraacutetica entre todos os interessados com prazo legal negociado Essa eacute a

impressatildeo de um dos sujeitos da sociedade civil Eu acho que tem essa visatildeo hoje - parceria

puacuteblico-privada ndash que na verdade [] eu percebo que tem um risco [] de uma privatizaccedilatildeo de conceder um

poder como se o mercado pudesse regular(S2)

186

As consideraccedilotildees emitidas pelos sujeitos do mercado sobre as medidas (acordo e

regulamentaccedilatildeo) satildeo amplas Ao fazerem comparaccedilotildees paralelas constata-se uma niacutetida

oposiccedilatildeo no quadro de qualificaccedilotildees atribuiacutedas a cada uma delas A primeira eacute vista como

siacutembolo de compreensatildeo diaacutelogo bem comum consenso racional e educativa enfim

protetora do mercado Jaacute a regulamentaccedilatildeo representa radicalismo controle

autoritarismo ineficaacutecia e inflexibilidade Eacute impressionante como uma praacutetica regulatoacuteria

instituiacuteda haacute deacutecadas e que tem a funccedilatildeo de regular o mercado para proteger os interesses

coletivos de sauacutede e de tornar justa a competiccedilatildeo entre as empresas converte-se em um

instrumento de polecircmica na visatildeo dos sujeitos do mercado Isso ocorre mesmo diante da

comprovada incapacidade do mercado em se autogerir para ofertar produtos de qualidade

agrave populaccedilatildeo [] eu fico meio arrepiado quando algueacutem comeccedila a falar que os alimentos industrializados

tem que ser regulamentados eu sou contra esses controles Noacutes temos a plena consciecircncia que as induacutestrias

aqui sediadas tem plena consciecircncia do que eacute controle (M1)

Destaca-se ainda o uso do pronome ldquonoacutesrdquo que assume um valor que natildeo abrange o

mundo industrial e tatildeo pouco o povo brasileiro mas se circunscreve ao grupo que o sujeito

representa

O discurso desse mesmo sujeito em continuaccedilatildeo ressalta que no esforccedilo de atualizar

a capacidade produtiva as empresas investem em tecnologias que valorizam os aspectos

comerciais e o controle de qualidade dos paracircmetros de riscos que julgam afetar o

desempenho de sua atividade econocircmica

[] a tecnologia com o modernismo para apresentaacute-lo ao consumidor numa maneira mais adequada [] para ser consumido com saudabilidade e com garantia de que aquilo natildeo lhe faria mal [] elas tecircm laboratoacuterios absolutamente completos muitas vezes superiores aos laboratoacuterios de agentes de controle governamentais Portanto a resposta agrave qualidade que elas datildeo eacute muito mais apurada muito mais exata do que qualquer laboratoacuterio de qualquer lugar de qualquer universidade (M1)

Poreacutem haacute de se considerar que as empresas elegem e monitoram os paracircmetros

analiacuteticos sanitaacuterios e outros que possam comprometer o comeacutercio dos seus produtos Eacute

evidente que no elenco de seus controles estatildeo excluiacutedos os paracircmetros nutricionais

porque ainda natildeo satildeo reconhecidos como de risco agrave sauacutede tanto pelas proacuteprias empresas

187

como pelo governo No momento atual esses paracircmetros ainda permanecem dispensaacuteveis

na perspectiva do mercado

Antes de ter a funccedilatildeo de modernizar os produtos essas tecnologias tecircm

necessariamente que se reverter em vantagens e lucros mesmo que paradoxalmente

possam tambeacutem ocasionar efeitos imprevisiacuteveis que resultem em adversidades e riscos agrave

sauacutede E em geral se esses efeitos negativos natildeo afetam a rentabilidade do capital somente

satildeo reconhecidos pelo mercado quando elucidados em investigaccedilotildees realizadas por centros

puacuteblicos de pesquisa E mesmo assim os resultados dessas pesquisas tendem sempre a ser

minimizados ou expostos a controveacutersias quando requerem mudanccedila no modelo de

produccedilatildeo - caso dos produtos alimentiacutecios com perfil natildeo saudaacutevel A presenccedila do

neologismo ldquosaudabilidaderdquo nesse enunciado se desloca sutilmente do produto para o

gesto de consumir ou seja para as condiccedilotildees de como o consumo eacute efetuado para retirar

qualquer polecircmica em torno do produto

A polecircmica do controle dos efeitos crocircnicos agrave sauacutede causados pelos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis encaixa-se com pertinecircncia no comentaacuterio a seguir Ameaccedilas

desta natureza - de cunho extensivo de longa duraccedilatildeo imperceptiacutevel ao leigo nos estaacutegios

iniciais de consequecircncias graves e de alto custo para sociedade - somente o Estado eacute capaz

de transformaacute-las em questatildeo social face agrave sua responsabilidade conformando-as em

poliacutetica de regulaccedilatildeo do mercado no acircmbito da sauacutede

Ningueacutem pode esperar que o mercado seja compatiacutevel espontaneamente com os direitos sociais em especial da sauacutede porque ele eacute vocacionado para o lucro Entatildeo precisa estar sempre regulado controlado socialmente e com o Estado sendo seu componente maiorrdquo (P5)

A competitividade que rege o mercado de alimentos reflete de certo modo a falta de

coesatildeo e a existecircncia de um sistema de estratificaccedilatildeo entre as empresas Haacute uma hierarquia

de poder entre as corporaccedilotildees de induacutestrias que sujeitam as induacutestrias de menor porte e

ou ligadas a entidades politicamente menos expressivas a quase obrigatoriamente de

seguir uma conduta ou adotar procedimentos das induacutestrias de primeira linha para se

manterem no mercado

188

Noacutes somos a grande maioria ndash [] as duzentas primeiras empresas do paiacutes em produccedilatildeo Se noacutes fizermos o produto baixar as demais vatildeo ter que acompanhar senatildeo elas perdem mercado As nossas empresas jaacute saem na frente e para dar o exemplo a gente ofereceu isso ndash vamos trabalhar juntos neste negoacutecio porque sozinho natildeo vai dar para vocecirc (M1)

Assim sendo o perfil de entidades escolhidas pelo governo para empreender

iniciativas de fomentar a adequaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios agregou induacutestrias de alto

poder econocircmico e detentoras de produtos de ampla circulaccedilatildeo nacional e internacional

Portanto um segmento estrateacutegico para o Acordo

Com as atuais caracteriacutesticas na composiccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios natildeo se pode

dizer que essas entidades do setor produtivo satildeo exemplares quanto aos compromissos

eacutetico e social Apenas se pode afirmar que elas definem um padratildeo de consumo de produtos

natildeo saudaacuteveis para a sociedade Poreacutem em virtude da presenccedila econocircmica que ocupam no

mercado quando elas decidem reduzir o teor daqueles nutrientes considerados

prejudiciais agrave sauacutede as demais induacutestrias podem ser forccediladas a aplicar essa medida em

seus respectivos produtos por motivo de concorrecircncia

Conforme exposto anteriormente o debate que antecedeu a construccedilatildeo do Acordo do

governo com as entidades se restringiu ao acircmbito do setor produtivo e os sujeitos da

sociedade civil organizada criticam essa iniciativa [] a sociedade natildeo foi convocada e nem a

academia [] Quem tomou parte desse Acordo foi o Ministeacuterio da Sauacutede e as induacutestrias com o apoio da

Anvisa (S1) No entanto para o poder puacuteblico Fazer poliacutetica eacute dialogar porque democracia se faz a

partir disto Isto natildeo significa alinhamento Isso significa diaacutelogo busca de agendas convergentes e o diaacutelogo

com a induacutestria de alimentos (P2) Desses argumentos brotam um niacutetido confronto entre o

ldquoexerciacutecio da democraciardquo e a ldquoextensatildeo da representaccedilatildeordquo Alargar a praacutetica democraacutetica

nos espaccedilos puacuteblicos requer necessariamente a participaccedilatildeo de todos os interessados nas

deliberaccedilotildees de um corpo coletivo (BOBBIO 2005) E no caso a ausecircncia da sociedade civil

nesse diaacutelogo institucional compromete tanto a legitimidade das deliberaccedilotildees adotadas

como demonstra um retrocesso na gestatildeo participativa

189

Um dos sujeitos vinculados agrave sociedade civil comenta Esses Acordos satildeo necessaacuterios

mas insuficientes e tiacutemidos no que diz respeito agraves suas metas Primeiro que satildeo Acordos que soacute

dizem respeito ao soacutedio enquanto a gente jaacute sabe que o problema natildeo estaacute limitado ao soacutedio []

satildeo metas fracas e que natildeo exigem nenhum esforccedilo da induacutestria ou muito pouco (S1)

Conforme jaacute abordado neste estudo os nutrientes-chave de interesse para a sauacutede a

serem reduzidos nos produtos alimentiacutecios satildeo gorduras accediluacutecares e sal poreacutem a

negociaccedilatildeo limitou-se ao teor de soacutedio (sal) ficando os demais nutrientes para serem

discutidos a posteriori em uma nova rodada de negociaccedilatildeo Isso demonstra as dificuldades

poliacuteticas de pautar a revisatildeo dos nutrientes em bloco

Essa iniciativa ndash a de proceder Acordos - rompe com a tradiccedilatildeo institucional

brasileira no campo da regulaccedilatildeo de alimentos que natildeo contemplava em seus dispositivos

praacuteticos o monitoramento dos resultados de Acordos com caraacuteter voluntaacuterio

formalizados com as induacutestrias 36 A lei e seus regulamentos complementares

instrumentos com caraacuteter compulsoacuterio e com previsatildeo de sanccedilotildees sempre foram usados

na praacutetica regular da instacircncia de controle sanitaacuterio para disciplinar o comportamento das

induacutestrias de alimentos Essa mudanccedila de estrateacutegia de intervenccedilatildeo foi beneacutefica para as

induacutestrias em duplo sentido a) permitiu prolongar o tempo para adequaccedilatildeo dos seus

produtos e b) evitou sujeitaacute-las a puniccedilotildees por natildeo cumprimento do Acordo Eacute assim que

se expressam as vozes da sociedade civil [] a atividade do governo hoje ela eacute mais no sentido de

relaxar do que de apertar a regulaccedilatildeo (S1) Agora natildeo passa pelo Acordo [] tem que passar pela exigecircncia Eacute

uma medida adequada mas muito tecircnue [] porque o que estaacute em jogo eacute a sauacutede da populaccedilatildeo (S3)

A explicaccedilatildeo para tal atitude eacute de cunho meramente poliacutetico pois a gravidade

refletida pelo padratildeo brasileiro de morbimortalidade e a sua interrelaccedilatildeo com os produtos

alimentiacutecios comprovadas por estudos cientiacuteficos e pelos organismos supranacionais

justifica a implementaccedilatildeo de uma medida incisiva por parte do governo Contudo a falta de

disposiccedilatildeo poliacutetica interna para enfrentar as pressotildees das induacutestrias contraacuterias a esse tipo

36 As instacircncias de vigilacircncia sanitaacuteria estaduais e os laboratoacuterios centrais de sauacutede puacuteblica- LACEN participam do monitoramento dos alimentos envolvidos no acordo com fins de averiguar o cumprimento das metas estabelecidas

190

de medida e a ausecircncia do contraponto efetivo da sociedade fez o governo recuar e optar

por alcanccedilar lentamente os objetivos pretendidos para os produtos alimentiacutecios

Se fosse uma regra compulsoacuteria de abrangecircncia nacional sobre controle de alimentos

o efeito produzido abarcaria a totalidade de induacutestrias forccedilando-as a reduzir os teores dos

nutrientes natildeo saudaacuteveis em prazo especificado Com isso qualquer induacutestria

independentemente da sua vontade estaria sujeita a reduzir os teores desses nutrientes ou

sofreria as sanccedilotildees legais Portanto essa regra suplantaria o alcance do ato administrativo

do Acordo que se restringe somente agravequelas induacutestrias vinculadas agraves entidades que

ratificaram o documento em questatildeo Contudo a opccedilatildeo do governo foi a de envolver poucas

entidades representativas do setor produtivo alimentar mas constituindo um

conglomerado relevante de induacutestrias tanto em termos econocircmicos como de penetraccedilatildeo

de seus produtos no mercado Desse modo ao ser abordado sobre o Acordo um dos

sujeitos da sociedade civil replica Qual eacute o uacutenico valor desses Acordos hoje do ponto de vista eu diria

simboacutelico [] eacute trazer essa questatildeo para a opiniatildeo puacuteblica mas efetivamente em termos de sauacutede A questatildeo

do soacutedio realmente chegou aos ouvidos de todo mundo Entatildeo todo mundo estaacute mais ou menos sensibilizado

com isso (S1)

As empresas globais por meio de seus interlocutores e com a intenccedilatildeo de preservar

os seus interesses mantecircm um canal ativo de articulaccedilatildeo internacional com as unidades de

suas redes de induacutestrias de alimentos Entre as suas tarefas estatildeo dar ciecircncia agraves entidades

vinculadas sobre as criacuteticas pressotildees e mobilizaccedilatildeo no acircmbito internacional dos paiacuteses

das entidades da sociedade civil e dos organismos internacionais com relaccedilatildeo aos produtos

alimentiacutecios e orientar as entidades como melhor se defender nesses episoacutedios O

movimento para alteraccedilatildeo no perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios natildeo eacute uma

iniciativa local mas eacute uma tendecircncia internacional com o respaldo da OMS e FAO que

estatildeo atentos agraves DCNT Isso jaacute despertou a atenccedilatildeo das entidades corporativas do mercado

compelindo-as a comunicar aos seus membros sobre a necessidade de repensar as suas

foacutermulas a fim de anteciparem-se a uma possiacutevel accedilatildeo incisiva dos governos nesse campo

191

[] as multinacionais trouxeram esta ideia porque quando elas fazem uma aplicaccedilatildeo em determinado momento elas estendem isto para o resto do mundo Entatildeo elas receberam a instruccedilatildeo que em um determinado momento teriam que comeccedilar a pensar [] Por laacute jaacute se estudaram as foacutermulas para ver quais eram as alternativas qual o substituto etc Entatildeo noacutes comeccedilamos muito antes do governo acordar para o problema (M1)

Observa-se que a articulaccedilatildeo entre as empresas nacionais e internacionais resultou

somente em intercacircmbio de informaccedilotildees Nenhuma accedilatildeo foi tomada ateacute a manifestaccedilatildeo do

governo Preocupaccedilotildees eacuteticas com determinados riscos dos produtos alimentiacutecios e o seu

envolvimento com as DCNT excluem-se do acircmbito de interesse do mercado global Para

lidar com este assunto as induacutestrias agem somente a partir de pressatildeo poliacutetica

A ingerecircncia das decisotildees das instacircncias intergovernamentais de regulaccedilatildeo de

alimentos no funcionamento interno do paiacutes eacute evidenciada tanto por parte do poder

puacuteblico como do mercado Em um discurso do poder puacuteblico a referecircncia denota uma

mescla de dependecircncia e impotecircncia implicando perda parcial de soberania nacional para

confeccionar suas proacuteprias regras mesmo diante de justificativas consideradas relevantes

para a sauacutede

O processo de se pactuar uma medida regulatoacuteria envolve em especial na aacuterea de alimentos um Acordo internacional porque se trata do Mercosul [] O avanccedilo da agenda regulatoacuteria (componentes nutricionais) dependeraacute primeiro de um tensionamento internacional observado em outras agendas e da construccedilatildeo de uma corrente de apoio ao MS [] e obviamente uma concertaccedilatildeo um apoio da sociedade [] (P4)

Apesar dos compromissos externos no trecho final desse discurso torna-se claro que o

governo depende do poder da sociedade sendo este relevante e estrateacutegico na definiccedilatildeo do

rumo das decisotildees para lidar inclusive com temas polecircmicos como a regulamentaccedilatildeo dos

componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios o que pode levaacute-lo a avanccedilar em suas

propostas para aleacutem do acordado nos pactos internacionais

192

Jaacute do lado do mercado a relaccedilatildeo estabelecida com as instacircncias supranacional e

intragovernamental eacute vista como um meio de expressar suas intenccedilotildees e de exercer suas

influecircncias no rumo das decisotildees apesar de relatar uma atuaccedilatildeo aparentemente limitada

[] a gente acaba participando tambeacutem na discussatildeo dentro do Brasil e depois indiretamente ateacute agraves vezes como observadora no Codex [] Para posicionamento natildeo voto nem veto mas de posicionamento perante o Codex E no Mercosul a gente acaba participando das diferentes comissotildees por meio da Anvisa (M3)

Quando conveniente tais instacircncias satildeo reportadas e reconhecidas como portadoras de

status superior ao do Estado por exemplo quando um sujeito do mercado faz menccedilatildeo agrave

elasticidade do prazo para adequaccedilatildeo das foacutermulas dos produtos alimentiacutecios quanto ao

teor de soacutedio Nas nossas foacutermulas noacutes chegaremos ateacute 2020 conforme preconiza a Organizaccedilatildeo Mundial

[] (M1)

No acircmbito do grupo do poder puacuteblico e da sociedade civil as falas natildeo seguem uma

uniformidade nas posiccedilotildees para tratar da temaacutetica do Acordo Haacute trecircs posiccedilotildees claramente

definidas sobre os Acordos formalizados entre o governo e as induacutestrias a saber a)

favoraacutevel e cabe ao governo contornar as divergecircncias de interesses com as induacutestrias []

o governo precisa ser parceiro das nossas induacutestrias (P4) Eacute uma medida de governanccedila combinada com o

segmento industrial (P3) b) condicionada agrave preservaccedilatildeo da supremacia do interesse puacuteblico e

de outras prerrogativas inerentes ao Estado Eu natildeo vejo problemas em firmar acordos desde que

natildeo tenham contrapartidas que firam o Estado (P1) e c) contraacuteria pois o conteuacutedo negociado eacute de

relevacircncia da sauacutede puacuteblica aleacutem de ser factiacutevel de ser concretizado sob a forma legal Eu

sou totalmente favoraacutevel que o que pode ser legislado sem atropelo e para o bem da populaccedilatildeo deve ser

legislado Eu sou favoraacutevel que haja regulamentaccedilatildeo a natildeo ser que se estabeleccedila um prazo para cumprimento

das regras (P5)

O Acordo transparece a clara intenccedilatildeo do MS e Anvisa enquanto instacircncias

governamentais de escolher uma estrateacutegia de intervenccedilatildeo que produz o menor desgaste

poliacutetico para o governo e impacto econocircmico para o mercado primeiro deveria ter sido feito uma

regra como natildeo foi possiacutevel fez-se um Acordo pois havia o interesse em natildeo prejudicar a induacutestria nacional

(P6) O Acordo entatildeo foi desenhado para amenizar os conflitos evitar turbulecircncias no

campo econocircmico evitar embates diretos com a sociedade civil organizada e enfim

193

adequar paulatinamente a qualidade dos produtos alimentiacutecios apesar do quadro

epidemioloacutegico que eles provocam

O discurso do mercado apresenta-se como salvador da economia e do proacuteprio

Estado pelos seus aportes de emprego pela importacircncia na balanccedila comercial e pelos

tributos que transfere e que garantem o funcionamento da maacutequina estatal [] soacute que noacutes

produzimos noacutes empregamos noacutes pagamos impostos noacutes exportamos noacutes estamos aiacute haacute 150 anos (M1)

Discurso que demonstra simultaneamente forccedila econocircmica e poliacutetica e que intimida de

modo impliacutecito o poder puacuteblico compelindo-o a recuar de fazer arranjos poliacuteticos mais

consistentes para se poupar de possiacuteveis ameaccedilas e retaliaccedilotildees

Acrescenta-se que a Parceria Puacuteblico-Privada em questatildeo altera a rotina

normatizada no governo e muda as feiccedilotildees do fazer no controle de alimentos podendo ter

consequecircncias preocupantes tais como a) o expressivo efeito ideoloacutegico resultante que

encobre os conflitos e leva a uma falsa neutralizaccedilatildeo das diferenccedilas entre os propoacutesitos do

governo e do privado criando a falsa ilusatildeo na sociedade de avanccedilos substanciais em prol

do interesse puacuteblico b) enfraquecimento do caraacuteter legal e legiacutetimo da autoridade do

poder puacuteblico para impor obrigaccedilotildees ao privado funccedilatildeo esta agora intitulada pelo mercado

como autoritarismo e c) criaccedilatildeo de precedentes para o mercado pressionar por uma

relaccedilatildeo interativa pautada em compreensatildeo e parceria em lugar de regras compulsoacuterias

quando do enfrentamento e na defesa de questotildees de interesse puacuteblico

Nesse sentido um dos discursos dos sujeitos do poder puacuteblico eacute ilustrativo em

enaltecer essa flexibilizaccedilatildeo no agir do poder puacuteblico perante o mercado

[] natildeo daacute mais para fazer aquela vigilacircncia de chegar autuar apreender aquela que a gente fazia antigamente quando foi criada a vigilacircncia sanitaacuteria Hoje a vigilacircncia sanitaacuteria moderna se trabalha com o stakeholders com parcerias e eu acho que esse eacute um movimento contemporacircneo Eacute vocecirc trazer a induacutestria para a responsabilidade mostrar para ela a importacircncia e voluntariedade e ela fazer esse movimento de mudanccedila mas isto tem prazo determinado (P4)

194

Atos administrativos reconhecidamente legais e necessaacuterios de serem aplicados em

situaccedilotildees de riscos agrave sauacutede em favor do coletivo convertem-se em uma imagem

depreciativa antiquada e inoportuna no contexto contemporacircneo para aqueles que se

orientam pelo lema ldquomercado tudo poderdquo Salienta-se que essa posiccedilatildeo natildeo eacute hegemocircnica

dentro do grupo do poder puacuteblico conforme trechos de falas antes mencionados e o

discurso que segue Eu acho que a Anvisa natildeo pode fugir dessa responsabilidade porque ela tem que

normatizar e natildeo pode ficar a reboque do mercado Satildeo dificuldades de uma legislaccedilatildeo mais forte para atuar

(P5) A divergecircncia deste discurso em relaccedilatildeo ao anterior reside na interpretaccedilatildeo de que a

interaccedilatildeo puacuteblico-privada e a dispensa do uso da legislaccedilatildeo satildeo um comportamento

acanhado e subserviente do poder puacuteblico perante o mercado Portanto incompatiacutevel com

a relevacircncia social e inapropriado para tratar dos negoacutecios da coletividade

Ao se reportar agrave concepccedilatildeo de Bourdieu (2009) verifica-se que a regulaccedilatildeo de

alimentos enquadra-se perfeitamente como um campo de produccedilatildeo simboacutelica

constituindo-se um espaccedilo de relaccedilotildees de forccedilas sociais onde se confrontam verdades e se

conflitam interesses Os efeitos sociais se modelam a partir dos consensos ou das

divergecircncias originaacuterios do comportamento e das intenccedilotildees dos agentes envolvidos e que

culminam em imposiccedilotildees que se definem e se redefinem ao longo do contiacutenuo trajeto da

luta poliacutetica No momento prevalece o Acordo no amanhatilde poderaacute vigorar a Regulaccedilatildeo

Para ter uma visatildeo sinteacutetica sobre os enunciados matriz postulados e realizaccedilotildees

discursivas que foram abordados eacute apresentado a seguir o Quadro 4

195

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES COMENTAacuteRIOS

Essencialidade do

alimento

O alimento eacute vida por essecircncia A identidade do alimento eacute intocaacutevel e as interferecircncias satildeo incapazes de destituiacute-lo de sua pureza miacutetica O equiliacutebrio do consumo alimentar traduz-se em sauacutede e vida

[] o alimento eacute uma das coisas

fundamentais na vida humana (M1)

O alimento influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos [] (P4) Essa loacutegica consumista que leva agrave obesidade [] (P1)

A adoccedilatildeo desses alimentos sem duacutevida estaacute muito ligada aos prejuiacutezos que a sauacutede tem hoje ndash a quantidade de accediluacutecar sal (P5)

Embora o alimento seja mitificado como fonte de energia e vida para a humanidade e o processamento industrial usado para resgatar as suas propriedades vitais e aumentar o seu tempo de preservaccedilatildeo nos uacuteltimos tempos houve a deformaccedilatildeo do caraacuteter essencial do produto alimentiacutecio deslocando-o da nutriccedilatildeo A mudanccedila na composiccedilatildeo do alimento e os artifiacutecios mercadoloacutegicos utilizados para estimular o consumo associados ao estilo de vida urbano tecircm causado efeitos nocivos agrave sauacutede da populaccedilatildeo

196

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Irreversibilidade do

produto

industrializado

Discute a loacutegica econocircmica de produccedilatildeo de alimentos (com fins exclusivos de lucro e ou de benefiacutecios agrave sauacutede) e o produto alimentiacutecio resultante de um processo tecnoloacutegico comparando-o com a autenticidade (real ou imaginada) do alimento extraiacutedo da natureza

O alimento industrializado ele eacute uma necessidade [] (M2)

Os alimentos industrializados estatildeo imbricados na vida moderna [] (P6)

A pandemia de obesidade estaacute associada ao mercado [] tem alimentos que satildeo viciantes ndash os refrigerantes satildeo viciantes o accediluacutecar vicia (P1)

A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo melhor Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso (M2)

[] natildeo adianta diminuir o nosso produto Ele natildeo engorda com o nosso produto ele vai engordar com o resto com tudo (M1)

A gordura e o accediluacutecar trazem sabor aos alimentos Entatildeo se vocecirc quer cativar um puacuteblico para que ele consuma aquele alimento o lado daquele que estaacute concebendo o alimento vai dizer carregue em sal carregue em accediluacutecar e carregue em gordura (S1)

O produto alimentiacutecio atende agraves expectativas da urbanidade pela sua versatilidade de ser praacutetico acessiacutevel e de ter embalagem descartaacutevel Aleacutem disso dinamiza a economia de consumo pela constante inovaccedilatildeo e substituiccedilatildeo de produtos A tecnologia usada na produccedilatildeo de alimentos assume um caraacuteter contraditoacuterio pois ao mesmo tempo que proporciona certos requisitos de qualidade ao produto causa impactos negativos devastadores desestrutura a cultura alimentar cria dependecircncia fiacutesica e gera diferentes modalidades de doenccedilas Entretanto salienta-se que a qualidade do produto atua como um marcador social e conforma dois grupos os considerados com um perfil nutricional melhor e mais caro e agravequeles que satildeo menos saudaacuteveis de maior risco agrave sauacutede e de custo mais baixo que satildeo consumidos pelas parcelas mais pobres da populaccedilatildeo Nesse ponto alguns sujeitos do mercado estatildeo mais inclinados a concordar com a necessidade de reformular os produtos para atender aos preceitos da nutriccedilatildeo e da sauacutede

197

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Implicaccedilatildeo do

consumidor

O indiviacuteduo sob o prisma neoliberal eacute autocircnomo para fazer as suas escolhas alimentares e portador de saber e de experiecircncias que lhe habilitam a responsabilizar-se pela proteccedilatildeo dos riscos que afetam a sua proacutepria sauacutede

[] o aumento do sedentarismo [] as

pessoas cada vez mais acomodadas [] se exercitam ou fazem menos atividades fiacutesicas Natildeo eacute soacute o alimento (M2)

[] quem eacute o culpado pelos excessos alimentares e as suas consequecircncias eacute o proacuteprio consumidor - eacute o proacuteprio quem consome - eacute o ser humano que na ganacircncia voluacutepia na gula ele exagera naquilo que faz ou natildeo se prepara adequadamente que eacute o proacuteprio culpado (M1)

[] mas a populaccedilatildeo teve um grande incentivo e uma tomada de consciecircncia embora natildeo atingindo o desejaacutevel [] da importacircncia da alimentaccedilatildeo na vida da pessoa (S3)

Haacute uma amostra razoaacutevel que tem mais acesso agraves informaccedilotildees e estatildeo mais sensiacuteveis mas nem sempre agem na praacutetica (P5)

O indiviacuteduo que estaacute inserido na sociedade contemporacircnea regida pelo espiacuterito neoliberal eacute doutrinado a criar mecanismos de autoproteccedilatildeo contra os riscos como praticar o autocuidado almejar a integridade de sua sauacutede e manter seu corpo regulado Em caso contraacuterio ele pode cometer desvios dessa ordem estabelecida No caso dos riscos dos alimentos o consumidor pode assumir duas posiccedilotildees culpado ou viacutetima Do ponto de vista do mercado ele eacute culpado por comer em excesso natildeo ler a rotulagem dos produtos e ter uma vida sedentaacuteria do lado do poder puacuteblico e da sociedade civil ele tende a ser viacutetima por se submeter agraves pressotildees mercadoloacutegicas e pela falta de informaccedilatildeo adequada sobre a alimentaccedilatildeo

198

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Consumidor para trans (formar)

A capacidade de autodefesa do consumidor estaacute nas informaccedilotildees transmitidas que atuam como motor de transformaccedilatildeo da sua consciecircncia e conduta

O governo estaacute cometendo o maior erro da histoacuteria olhando soacute o industrializado e natildeo estaacute focando o resto e noacutes natildeo somos o todo noacutes somos uma parte O governo tem que educar (M1)

O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular [] mas fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo (P1)

[] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover essa agenda (P2)

A educaccedilatildeo eacute apresentada como o uacutenico meio capaz de transformar a conduta do indiviacuteduo e da populaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave praacutetica do consumo de alimentos para permitir o controle dos riscos dela derivados A informaccedilatildeo deve ser utilizada para empoderar a populaccedilatildeo mas sem eximir o Estado do seu dever de refrear os excessos cometidos pelo mercado que repercute na vida social Ressalta-se ainda que face agrave debilidade histoacuterica dos movimentos sociais e o seu distanciamento quanto agraves questotildees da alimentaccedilatildeo fica o Estado incumbido de disseminar as informaccedilotildees para que a populaccedilatildeo eleve a sua consciecircncia e adquira autonomia para gerenciar o seu consumo alimentar

199

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

ldquoRegulaccedilatildeo consentidardquo

O alcance do produto saudaacutevel natildeo se limita exclusivamente agraves disposiccedilotildees legais mas envolve uma governanccedila regulatoacuteria acordada entre as partes interessadas com a conciliaccedilatildeo de interesses do mercado e da sociedade

A experiecircncia eacute o seguinte noacutes achamos que existe uma maneira de educar de fazer as coisas acontecerem Eacute fazer em conjunto o esforccedilo para fazer diminuir retirar os alimentos retirar esses ingredientes [] Entatildeo o radicalismo uma regulamentaccedilatildeo ela fecha e natildeo daacute a flexibilidade que o Acordo faz O Acordo eacute uma coisa de compreensatildeo porque vocecirc natildeo pode de uma hora para outra mudar uma foacutermula A regulamentaccedilatildeo tem que ter plena consciecircncia (M1) Esses Acordos satildeo necessaacuterios mas insuficientes e tiacutemidos no que diz respeito agraves suas metas [] satildeo metas fracas e que natildeo exigem nenhum esforccedilo da induacutestria ou muito pouco (S1) Eu acho que a Anvisa natildeo pode fugir dessa responsabilidade porque ela tem que normatizar e natildeo pode ficar a reboque do mercado Satildeo dificuldades de uma legislaccedilatildeo mais forte para atuar (P5) Eu acho que tem essa visatildeo hoje - Parceria Puacuteblico-Privada ndash que na verdade [] eu percebo que tem um risco [] de uma privatizaccedilatildeo de conceder um poder como se o mercado pudesse regular (S2)

Os pactos formais instituiacutedos pelo governo com as induacutestrias para a reformulaccedilatildeo do perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios eacute objeto de controveacutersia nas leituras do mercado do poder puacuteblico e da sociedade civil Ao discutir o Acordo e a regulamentaccedilatildeo o mercado opina que o primeiro simboliza uma manifestaccedilatildeo de compreensatildeo e de flexibilidade enquanto o segundo representaria radicalismo e autoritarismo por parte do governo O poder puacuteblico e a sociedade civil exprimem diferentes pontos de vista sobre o assunto Uma parte admite a necessidade do Acordo poreacutem afirma a fragilidade das metas e avalia que o governo recuou perante agraves demandas da induacutestria diante da gravidade do panorama epidemioloacutegico para outra o fato do ente regulador se eximir de adotar a regulamentaccedilatildeo com previsatildeo de sanccedilatildeo significa colocar-se numa posiccedilatildeo de subserviecircncia perante o mercado o que revela fraqueza daquele que eacute responsaacutevel por promover o bem-estar de toda a coletividade

62 A ldquoAlimentaccedilatildeordquo e ldquoNutriccedilatildeordquo geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas

Com a exploraccedilatildeo dos enunciados matriz dois termos semacircnticos elementares

destacaram-se na construccedilatildeo dos discursos alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo a partir dos quais

surge um leque de significaccedilotildees com possibilidades de variaccedilotildees distintas que podem ser

expostas recorrendo agrave topologia do quadrado semioacutetico inicialmente elaborado por

Greimas (1970) para pensar a programaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo dos objetos de discurso e de seus

valores

A aplicaccedilatildeo do modelo Quadrado Semioacutetico nesta tese tem caraacuteter meramente

ilustrativo com a finalidade de suscitar a possibilidade de exploraccedilatildeo dos termos

semacircnticos da Nutriccedilatildeo por meio desse modelo Contudo ressalta-se que natildeo se pretende

aqui esgotar a discussatildeo sobre a sua aplicabilidade e validaccedilatildeo no campo da Nutriccedilatildeo

Considerando que a significaccedilatildeo eacute algo que se constroacutei o quadrado semioacutetico parte

do pressuposto de que todo o discurso segue um modelo de competecircncia que potildee em jogo

uma relaccedilatildeo entre quatro termos concebida como fundadora de sua estrutura significante

Tal quadrado remete a ideia de que qualquer narraccedilatildeo se embasa em uma relaccedilatildeo dual

entre a noccedilatildeo e o seu contraacuterio semacircntico (alimentaccedilatildeo versus nutriccedilatildeo) cada um desses

polos implicando o seu contraditoacuterio (natildeo alimentaccedilatildeo e natildeo nutriccedilatildeo) conforme

apresentado na Figura 1

Desse modo todo o discurso emana da realizaccedilatildeo de um percurso constante e

descontiacutenuo de uma posiccedilatildeo a outra nesses dois eixos (o eixo da contrariedade implicando

o da sub-contrariedade) Este percurso gera no seu desenvolvimento as suas significaccedilotildees

conforme o programa narrativo e figurativo projetado pela relaccedilatildeo quaternaacuteria

fundamental e variando de acordo com o universo de atuaccedilatildeo do seu enunciador Enfim o

quadrado representa de forma sinteacutetica como a produccedilatildeo de sentido em suas muacuteltiplas

variaccedilotildees circunscreve-se num dado campo semacircntico Segundo Barros (2005) essa

197

201

representaccedilatildeo visual demonstra por um lado como uma estrutura elementar intricada em

uma rede de relaccedilotildees se reduz a uma uacutenica relaccedilatildeo e por outro como a pureza da diferenccedila

inexiste e escapa da dinacircmica do mundo social

Nesse sentido a Figura 1 apresenta distintas possibilidades de significaccedilotildees que

circulam nesse campo semacircntico

- O eixo alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo Configura um discurso no qual o ser eacute visto

em sua integralidade dotado de liberdade e de autonomia para organizar o

seu modo de existecircncia Ser que eacute tambeacutem um cidadatildeo que usufrui de um

conjunto de direitos que lhe possibilita condiccedilotildees dignas para manter a vida

e portanto a integridade da sauacutede Desse modo um ser consciente e

qualificado para realizar um consumo equilibrado e que se beneficia de

produtos alimentiacutecios que atendem as suas necessidades nutricionais a sua

cultura alimentar aleacutem de lhe proporcionar prazer Como agente de um

processo democraacutetico a sua presenccedila no coletivo se volta para a defesa e luta

pelas demandas coletivas deixando como subordinadas as demais

Valorizamos muito a conquista que tivemos que incluir na Constituiccedilatildeo ndash o direito agrave

alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel como parte do artigo 60 que fala dos direitos sociais (S2)

Eacute sob essa perspectiva que se desenha uma poliacutetica de seguranccedila alimentar e

nutricional integradora das diferentes faces do sistema produtivo de

alimentos e que permita a realizaccedilatildeo do direito de todos ao acesso regular

aos alimentos em termos de quantidade e qualidade compatiacuteveis com os

valores culturais e com uma produccedilatildeo enlaccedilada a uma poliacutetica econocircmica

social e ambientalmente sustentaacutevel

202

Figura 1 Quadrado semioacutetico da alimentaccedilatildeo amp nutriccedilatildeo

ALIMENTACcedilAtildeO NUTRICcedilAtildeO

NAtildeO ALIMENTACcedilAtildeO

NAtildeO NUTRICcedilAtildeO

POLIacuteTICA DE SEGURANCcedilA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Integraccedilatildeo do Ser

Pessoa Inteira

Sujeito Cidadatildeo de Direito

CONSUMO EQUILIBRADO- Eutrofia

Produtos que NUTREM Sociedade Tudo Pode

Equiconsumo Vitalismo

POLIacuteTICA DE PROTECcedilAtildeO

Coisificaccedilatildeo do Ser Pessoa Massificada

Sujeito Consumidor

CONSUMO EXCESSIVO-Obesidade

Produtos que NAtildeO NUTREM

Mercado Tudo Pode

Hiperconsumo Consumismo

POLIacuteTICA DE LIBERACcedilAtildeO

Terrorizaccedilatildeo do Ser

Pessoa Frugal

Sujeito Alienado

CONSUMO RESTRITIVO Anorexia

Produtos que NAtildeO ALIMENTAM

Indiviacuteduo Tudo Pode

Hipoconsumo Ascetismo

POLIacuteTICA DE REPARTICcedilAtildeO

Discriminaccedilatildeo do Ser Pessoa Marginalizada

Sujeito Faminto

CONSUMO REPRIMIDO Desnutriccedilatildeo

Produtos que FALTAM Sociedade Nada Pode

Hipoconsumo Mortalismo

203

- O eixo natildeo nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo Constitui o eixo oposto no qual o discurso se

inverte em seu conteuacutedo O ser fica reduzido a uma subcategoria do gecircnero humano

destituiacutedo dos meios imprescindiacuteveis para viabilizar a plenitude da vida e apenas o

instinto natural o faz resistir e sobreviver diante do desprezo da sociedade O

consumo limitado de alimentos natildeo sacia a fome e degrada a sauacutede produzindo

carecircncias e outras doenccedilas que apenas ajudam a acelerar o fim da existecircncia do

indiviacuteduo ou do coletivo [] natildeo eacute passando fome natildeo eacute com uma dieta que natildeo atenda as

necessidades daquela pessoa e sim num processo de mudanccedila de haacutebito (S3) Segundo Valente

(2003) com o seu direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada negado excluiacutedos da

cidadania e natildeo dignos para portar status de igualdade em uma sociedade

estratificada e segregadora esses seres quase-cidadatildeos dependem de uma poliacutetica

puacuteblica com caraacuteter distributivo e socialmente justa dirigida para garantir a todos o

acesso aos alimentos em termos quali-quantitativo para satisfazer as suas

necessidades nutricionais possibilitar a estabilidade da sauacutede ampliaccedilatildeo da

expectativa de vida e especialmente que os reconheccedila como cidadatildeos portadores de

direitos

- O eixo nutriccedilatildeo natildeo alimentaccedilatildeo O discurso que daqui deriva aponta para o

massacre do ser humano ao se guiar pelos valores da esteacutetica corporal que

conformam a ideologia dominante a qual define tambeacutem os criteacuterios de aceitaccedilatildeo

social e pessoal e concomitante guia as praacuteticas alimentares (CONTRERAS amp

GRACIA 2011) Ao indiviacuteduo entatildeo cabe privar-se ldquovoluntariamenterdquo do consumo

alimentar permitindo-se apenas obter o combustiacutevel miacutenimo necessaacuterio agrave vida Se

ele julgar que houve consumo de alimentos em excesso rapidamente os expelem

mantendo-se sob a ldquorigidez do controlerdquo A rejeiccedilatildeo dos alimentos natildeo acontece

isoladamente ela se conjuga agrave rejeiccedilatildeo do prazer e ambas comprometem a sauacutede

Esse quadro que termina por levar a um processo de desinteresse pela vida O

indiviacuteduo ser livre e autocircnomo se predispotildee a sujeitar-se agraves pressotildees sociais que

ditam o ideal do perfil corpoacutereo e ao se deparar com os insucessos encara-os como

questatildeo de fracasso moral Tal comportamento individual ao se multiplicar passa a

ser assumido como questatildeo social O movimento requerido vai em direccedilatildeo de

204

libertar os cidadatildeos dessa opressatildeo ideoloacutegica rediscutindo e reprimindo os meios e

as estrateacutegias utilizados especialmente pela miacutedia para disseminar esses valores

deformados de esteacutetica corporal

- O eixo alimentaccedilatildeonatildeo nutriccedilatildeo O discurso se inicia com a reduccedilatildeo do sujeito a

um objeto Segundo Bauman (2008) na sociedade atual o consumo eacute visto como

vocaccedilatildeo de cada indiviacuteduo ou seja como direito e dever humano universal Assim o

sujeito eacute capturado pelo mercado e passa a ser viacutetima da induccedilatildeo para a compra

compulsiva de bens no caso de produtos alimentiacutecios ao ponto de perder o seu

autocontrole e comprometer a sua proacutepria sauacutede Eacute preciso libertar o ser humano que tem

dentro de cada consumidor para que natildeo se apequene o ser humano e se agigante a condiccedilatildeo do

consumidor para que se tenha o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilatildeo sobre os alimentos que satildeo

fornecidos em espaccedilos puacuteblicos (P5)

No campo dos alimentos o consumismo se concretiza pela contiacutenua oferta

diversificada e socialmente diferenciada de produtos sempre em constante

renovaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo para despertar interesses e vontades nos consumidores Essa

loacutegica consumista que leva a obesidade natildeo apenas do corpo mas a obesidade do pensamento dos

sentidos O consumismo eacute uma expressatildeo dessa sociedade atual e que dialoga muito com a

drogadiccedilatildeo inclusive porque significa a busca de um prazer imediato e fulgaz (P1)

O mercado natildeo se democratiza mas se estratifica e passa a fornecer produtos

para usufruto dos grupos de consumidores mais pobres Satildeo produtos alimentiacutecios

com perfil diferenciado que portam certos atributos como qualidade nutricional

inferior baixo preccedilo alto poder gustativo e expressatildeo simboacutelica de status social

A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo maior Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso Quanto mais as pessoas tiverem condiccedilotildees mais elas vatildeo procurar este tipo de produto Entatildeo se vocecirc tivesse um volume maior de produccedilatildeo vocecirc conseguiria reduzir mas ele por si soacute jaacute eacute mais caro (M1)

Produtos alimentiacutecios que saciam a fome mas em compensaccedilatildeo natildeo nutrem

e geram problemas de inseguranccedila alimentar no consumidor Para conter os

desmandos do mercado satildeo necessaacuterias medidas de proteccedilatildeo - como as que regulem

205

a qualidade nutricional dos alimentos e a sua publicidade e promovam a alimentaccedilatildeo

saudaacutevel - para restabelecer praacuteticas alimentares promotoras de sauacutede Ningueacutem pode

esperar que o mercado seja compatiacutevel espontaneamente com os direitos sociais em especial da

sauacutede porque ele eacute vocacionado para o lucro Entatildeo precisa estar sempre regulado controlado

socialmente e com o Estado sendo seu componente maior (P5) O indiviacuteduo para ser

consumidor consciente precisa adquirir o status de cidadatildeo ou seja aquele que eacute

livre e autocircnomo para fazer escolhas e reflexivo antes da tomada de decisatildeo

Conforme apresentado no Quadrado Semioacutetico (Figura 1) o conjunto das posiccedilotildees

percorridas pelos discursos dos entrevistados (concentrado entre a dicotomia

alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo e a subcontraacuteria natildeo-alimentaccedilatildeonatildeo-nutriccedilatildeo) produz significaccedilotildees

diferentes segundo o papel temaacutetico que os enunciadores adotam e se reportam ao outro

como sujeitos e atores sociais Embora a representaccedilatildeo visual dos termos

alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo tenha possibilitado moldar diferentes tipos de discursos estudados

as posiccedilotildees polecircmicas localizaram-se essencialmente nos eixos alimentaccedilatildeonatildeo nutriccedilatildeo

(que discute a qualidade do alimento industrializado) e alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo (que

questiona as alternativas para se alcanccedilar um equiliacutebrio da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo para

todos) Embora as temaacuteticas dos dois outros eixos (natildeo alimentaccedilatildeo natildeo nutriccedilatildeo e

nutriccedilatildeo natildeo alimentaccedilatildeo) natildeo estejam presentes no corpus analisado estas remetem a

potencialidades discursivas que podem aparecer ou natildeo segundo os contextos e os

protagonistas da enunciaccedilatildeo na forma de delineamentos de um contra-discurso cujos

efeitos jaacute estatildeo superados (a extrema miseacuteria alimentar e o sujeito faminto no caso do eixo

natildeo nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo) ou que natildeo tecircm expressividade que justifique uma accedilatildeo

sistemaacutetica do poder puacuteblico (transtornos do comportamento alimentar no eixo

nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo)

O esquema representa uma aproximaccedilatildeo incipiente da teoria narrativa e foi elaborado

com a intenccedilatildeo de demonstrar resumidamente de maneira clara e raacutepida - mas tambeacutem

resgatando a complexa interdependecircncia das representaccedilotildees em jogo - as evidecircncias

identificadas de conjunccedilotildees e disjunccedilotildees das reflexotildees e accedilotildees entre os discursos dos

206

distintos sujeitos pesquisados e vinculados a cada um destes loci de atuaccedilatildeo ndash mercado

poder puacuteblico ou sociedade civil

Face ao exposto essa esquematizaccedilatildeo assim como as interpretaccedilotildees e os comentaacuterios

dela derivados objetivam delimitar com precisatildeo mas sem esgotar a dialeacutetica dos

cruzamentos entre cada um o conjunto significante formado pelos discursos Tambeacutem

pretende traccedilar sob a nossa perspectiva como funcionam as loacutegicas de atuaccedilatildeo na

tentativa de responder a partir de quais representaccedilotildees (imaginaacuterias e pragmaacuteticas)

concordacircncias deslocamentos oposiccedilotildees e de que modo os sujeitos encaram a interligaccedilatildeo

geneacuterica e especiacutefica dos processos da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e as possiacuteveis

transformaccedilotildees considerando as forccedilas atrativas do mercado do poder poliacutetico e da

sociedade

63 Regulaccedilatildeo dos riscos dos alimentos ideologias interesses e poder

O conceito da ideologia de Thompson (THOMPSON 2000) conforme mencionado no

iniacutecio deste trabalho se refere agraves diferentes maneiras como as FS e o sentido por elas

mobilizados constroem a realidade social e servem para estabelecer e sustentar relaccedilotildees

de poder Satildeo duas accedilotildees centradas no ldquosentidordquo com finalidades especiacuteficas mas com

interdependecircncia cujo efeito conjunto norteia o processo de compreensatildeo e de realizaccedilatildeo

da ideologia A primeira demonstra como o sentido enquanto criaccedilatildeo ativa e contiacutenua

institui as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre grupos e pessoas e a segunda revela como o

sentido atua para manter e reproduzir as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo por meio de uma via

dinacircmica de produccedilatildeo e recepccedilatildeo de FS

A compreensatildeo das FS como ideoloacutegicas depende dessa relaccedilatildeo interativa de sentido

e poder a qual eacute indissociaacutevel do contexto socialmente estruturado onde se efetiva a sua

operacionalizaccedilatildeo Quanto a esse aspecto contextual o referido autor parte do pressuposto

de que a distribuiccedilatildeo e o acesso aos vaacuterios tipos de recursos natildeo eacute uniforme para as pessoas

207

e os grupos Haacute diferenciaccedilotildees sistemaacuteticas que permitem agraves pessoas e aos grupos em

virtude de seu posicionamento no contexto social e das qualificaccedilotildees (intelectuais e

econocircmicas) incorporadas se apropriarem de diferentes quantidades de recursos e de

distintos graus de acesso a eles

Esclarece ainda que esses recursos satildeo na verdade graus de poder entendidos

como uma capacidade que certas pessoas detecircm socialmente ou institucionalmente para

transformar a realidade dos fatos sociais influenciar decisotildees concretizar seus objetivos e

realizar seus interesses Salienta tambeacutem que o ldquopoderrdquo implica obrigatoriamente

relaccedilotildees sistematicamente assimeacutetricas Haacute grupos particulares que em comparaccedilatildeo aos

outros dispotildeem de um quantum diferenciado de poder de forma permanente e relevante

independentemente da situaccedilatildeo que estaacute sob questatildeo

Os discursos agrupados do mercado do governo e da sociedade civil quanto agrave

regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios para interferir no perfil

das DCNT compotildeem versotildees de um evento da realidade social construiacutedas coletivamente

com estilos enredos e argumentos proacuteprios de cada uma dessas representaccedilotildees Eacute a

ideologia o constituinte essencial desses discursos encarregando-se de mobilizar os

significados e de revelar como estes se entrecruzam com as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo

formatando e distinguindo os discursos bem como explicitando os conflitos e as

desigualdades de interesses

A ideologia dos discursos sobre a regulaccedilatildeo dos alimentos flui de maneira anaacuteloga a

um jogo de tabuleiro com trecircs peccedilas estrateacutegicas que ao se movimentarem fazem

transparecer a trama do poder a qual seraacute sintetizada a seguir Para o mercado o que lhe

interessa eacute a acumulaccedilatildeo do capital Eacute usufruir dos avanccedilos tecnoloacutegicos para aperfeiccediloar e

expandir a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo de produtos alimentiacutecios com fins de inquietar

continuamente os consumidores com seus produtos diversificados Para isso utiliza-se do

seu poder econocircmico e poliacutetico para desfazer quaisquer obstaacuteculos que ameacem o sucesso

desse empreendimento O advento da globalizaccedilatildeo da economia apenas consagrou o seu

fortalecimento As empresas assumiram uma nova reconfiguraccedilatildeo no cenaacuterio mundial

208

formando corporaccedilotildees e tornando-se protagonistas do mapa econocircmico do mundo Essas

corporaccedilotildees transnacionais se desvinculam de um espaccedilo geograacutefico especiacutefico e se

qualificam para fazer a distribuiccedilatildeo planetaacuteria de seus produtos influenciar as decisotildees do

poder puacuteblico manter e viabilizar o seu negoacutecio inclusive para tornar justa a concorrecircncia

entre os seus pares Comeccedilam tambeacutem a interferir nas instituiccedilotildees de normatizaccedilatildeo do

comeacutercio de alimentos supranacionais e locais exercendo marcantes influecircncias nas

decisotildees proferidas nessas instacircncias Frente agrave emergecircncia de potencializar a intensificaccedilatildeo

dos lucros tais corporaccedilotildees reconfiguram o perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios de

maneira uniforme com ingredientes baratos poucos nutritivos e de baixo custo em

seguida adotam estrateacutegias variadas para homogeneizar o padratildeo de consumo e dissolver o

caleidoscoacutepio de valores culturais e praacuteticas alimentares presentes nas sociedades Para o

mercado as ldquoidiossincrasiasrdquo relativas aos produtos alimentiacutecios advecircm do consumidor

que eacute inativo e consome em excesso Do resultado desse ldquoprogresso econocircmico globalrdquo

surgem aleacutem do exorbitante lucro privado os riscos agrave sauacutede (DCNT) que se expandem

continuamente pelo planeta

O poder puacuteblico eacute incitado cada vez mais para intervir e disciplinar o mercado diante

dos riscos dos alimentos que se complexificam com as sofisticadas tecnologias Mas antes

de agir aquele eacute obrigado a considerar os pactos internacionais e regional ndash Mercosul ndash que

limitam a liberdade e autonomia da sua proacutepria accedilatildeo - assim como aferir a sua capacidade

interna e as repercussotildees de uma potencial intervenccedilatildeo A estrutura fragilizada do poder

puacuteblico denuncia a dificuldade poliacutetica para contrapor aos interesses do mercado A soluccedilatildeo

para contornar as externalidades do mercado de produtos alimentiacutecios refletidas no campo

da sauacutede eacute amenizada com o uso de instrumentos natildeo usuais e deacutebeis (Acordos) quando

comparados agraves regras compulsoacuterias e punitivas para reduccedilatildeo dos componentes

nutricionais prejudiciais presentes nesses produtos Esse Acordo firmando entre o governo

e as entidades industriais aleacutem de representar um desvio da rotina institucionalizada foi

delineado em meio a uma governanccedila comprometida sem a presenccedila da sociedade civil

organizada A pressatildeo poderosa do mercado associada agrave fragilidade poliacutetica do poder

puacuteblico faz com que o primeiro determine que o atendimento dos interesses sociais seja

negociado gradualmente por acordos que impliquem reajustamentos miacutenimos ao mercado

209

Assim perante uma correlaccedilatildeo de forccedilas desigual entre os entes o Acordo foi a opccedilatildeo eleita

pelo poder puacuteblico para administrar os interesses divergentes entre o mercado e a

coletividade Todavia o impasse entre garantir agrave sauacutede ou interferir no ritmo acelerado de

acumulaccedilatildeo de capital ainda natildeo foi superado

A sociedade civil organizada embora atenta aos riscos dos alimentos e agrave

necessidade de regulaccedilatildeo reconhece a incipiente mobilizaccedilatildeo do coletivo e a importacircncia

de sensibilizar os grupos sociais para incluir esse tema nas pautas reivindicatoacuterias Seu

poder eacute limitados e reduzido para confrontar-se com os interesses do mercado e alcanccedilar

um sucesso imediato Contudo a falta de participaccedilatildeo ativa e sistemaacutetica da sociedade nos

processos decisoacuterios para conter os riscos dos alimentos compromete tanto a forma de

vocalizar os seus interesses de sauacutede quanto a sua capacidade de influenciar a accedilatildeo do

poder puacuteblico em prol de valorizar as demandas coletivas Dessa forma a aspiraccedilatildeo da

efetiva prevenccedilatildeo das doenccedilas que em parte derivam da conduta insalubre do mercado

fica protelada assim como a garantia do pleno direito agrave sauacutede

Considerando ainda essas trecircs seacuteries de discursos que abordam a validade da

regulaccedilatildeo do poder puacuteblico como estrateacutegia para controlar os riscos da composiccedilatildeo

nutricional dos produtos alimentiacutecios estabelecendo a sua extensatildeo e limitaccedilatildeo eacute possiacutevel

tambeacutem destacar o traccedilo dominante do discurso de cada grupo e em seguida classificaacute-lo

conforme a tipologia de Thompson (2000) sobre o modus operandi da ideologia

A primeira seacuterie de discursos oriunda do grupo do mercado fala a liacutengua dos

interesses econocircmicos na qual a qualidade intriacutenseca do alimento junto com a eficaacutecia do

livre funcionamento do mercado asseguram os progressos da produccedilatildeo possibilitando o

acesso aos produtos alimentiacutecios por todas as camadas da sociedade o que requer uma

intervenccedilatildeo limitada do poder puacuteblico Aqui a ideologia opera pela legitimaccedilatildeo mediante

o uso da estrateacutegia da universalizaccedilatildeo na qual os interesses de um grupo satildeo

apresentados como estando a serviccedilo do coletivo

210

A segunda seacuterie representadas pelos sujeitos do poder puacuteblico fala a liacutengua do

dever institucional de regulaccedilatildeo dos alimentos em favor da manutenccedilatildeo e do

aprimoramento do mercado por meio de leis ou acordos para que o mercado possa

satisfazer as necessidades de todos segundo os desejos da sociedade Nesse caso a

ideologia realiza-se pela legitimaccedilatildeo por meio da estrateacutegia da racionalizaccedilatildeo a qual

utiliza uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenio com apelo para a legalidade para defender ou

justificar uma praacutetica ou procedimento

A terceira seacuterie que congrega o grupo da sociedade civil fala a liacutengua dos direitos do

cidadatildeo o indiviacuteduo eacute portador de direitos amplos e extensivos como o de ter sauacutede

conquistados numa sociedade democraacutetica Esses direitos definem os limites do mercado e

igualmente os do Estado e aqueles natildeo devem ser ultrapassados pela accedilatildeo destes dois

atores O modo de operaccedilatildeo da ideologia eacute o da unificaccedilatildeo pela via da estrateacutegia da

padronizaccedilatildeo na qual se daacute ecircnfase agrave importacircncia da melhoria da qualidade nutricional dos

produtos alimentiacutecios em prol da sauacutede de todos Essa distinccedilatildeo se apoia em fundamentos

teacutecnico-poliacuteticos partilhados e aceitaacuteveis que servem para criar uma unidade coletiva entre

os grupos de cidadatildeos independente dos contextos diferenciados de consumo de alimentos

que eles partilhem

Apesar das marcas ideoloacutegicas especiacuteficas de cada grupo de sujeitos o que se

sobressai eacute um mundo regido pela ideologia neoliberal onde o mercado e a sociedade

seguem seus cursos dentro da normalidade quem destoa eacute o indiviacuteduo que natildeo estaacute apto

para ter uma relaccedilatildeo eficaz e saudaacutevel com a sua alimentaccedilatildeo ou seja consome produtos

alimentiacutecios em excesso e adota uma vida sedentaacuteria contrariando as expectativas que o

mercado e o poder puacuteblico tecircm sobre ele Doutrina essa pautada em um pensamento linear

reduzido agrave dimensatildeo econocircmica ancorado no mercado totalmente incompatiacutevel com uma

visatildeo de sociedade solidaacuteria e justa Mas por ora uma visatildeo ainda hegemocircnica

211

CONCLUSAtildeO

A sociedade contemporacircnea em geral quando inserida em um contexto de

globalizaccedilatildeo econocircmica e cultural perde o referencial do local e do global quando se trata

dos riscos emergentes dos alimentos As instituiccedilotildees representantes do Estado por sua vez

desfazem-se de parte da soberania local optando por agir de modo pactuado com os atores

supranacionais que normatizam o comeacutercio mundial de alimentos como a OMS FAO e OMC

Enquanto isso as corporaccedilotildees e os conglomerados transnacionais usufruem dos recursos

teacutecnicos e intelectuais para desenvolver novos produtos expandir mercados e potencializar

o capital global Esses satildeo os atores globais os que idealizam diversos tipos de cartografias

do mundo com fins econocircmicos e poliacuteticos para influenciar as decisotildees governamentais em

acircmbito nacional regional e internacional Eacute sob esse conjunto de influecircncias que a regulaccedilatildeo

do mercado pelo poder puacuteblico nacional se realiza

Com base nessas consideraccedilotildees regular os riscos emergentes dos alimentos constitui

uma tarefa desafiadora para os governos nacionais As prescriccedilotildees dos organismos

internacionais competentes estimulando e convocando os Estados a intervirem nos

produtos alimentiacutecios com altos teores de gorduras saturadas accediluacutecares e sal satildeo

insuficientes Ressalta-se que as elevadas prevalecircncias de obesidade e de outras DCNT e a

pressatildeo das induacutestrias transnacionais desinteressadas em modificar tais produtos que satildeo

importantes fontes lucrativas conformam um ambiente de conflitos e de tensotildees para

regular os alimentos Regulaccedilatildeo esta que tem por finalidade a prevenccedilatildeo de riscos agrave sauacutede

associados ao consumo desses produtos

Apesar da relaccedilatildeo direta dos produtos alimentiacutecios com a obesidade e as DCNT

esses componentes nutricionais em excesso natildeo satildeo necessariamente reconhecidos pelos

diferentes setores sociais como danosos agrave sauacutede e portanto deixam de ser tratados como

tal Contudo as instituiccedilotildees puacuteblicas de sauacutede assim os reconhecem e vecircm se empenhando

em estabelecer compromissos bilaterais com as induacutestrias de alimentos para a reduccedilatildeo de

nutrientes tais como gorduras saturadas accediluacutecares e sal Poreacutem a efetiva regulaccedilatildeo natildeo se

212

concretizou inclusive por dificuldades do proacuteprio governo brasileiro em confrontar

diretamente os interesses do mercado O governo entatildeo decidiu adotar a estrateacutegia de

formulaccedilatildeo de Acordos de Cooperaccedilatildeo entre as partes ou seja o Ministeacuterio da Sauacutede e um

grupo de entidades das induacutestrias Nas instituiccedilotildees puacuteblicas a governanccedila instituiacuteda parecia

firmar-se como um avanccedilo da praacutetica democraacutetica (consulta puacuteblica audiecircncia puacuteblica

agenda regulatoacuteria etc) mas logo retrocedeu com o advento dos Acordos Nesse processo de

negociaccedilatildeo natildeo houve a participaccedilatildeo da sociedade civil - justamente o segmento social mais

afetado abalando assim as bases que regem a boa governanccedila

A essecircncia desta tese concentrou-se nos discursos formulados por trecircs grupos dos

sujeitos investigados e vinculados a trecircs campos de atuaccedilatildeo distintos o mercado o poder

puacuteblico e a sociedade civil A partir de posiccedilatildeo divergente quanto aos riscos agrave sauacutede

relacionados a esses produtos eles traccedilaram rumos distintos para a regulaccedilatildeo dos riscos

dos alimentos Os sujeitos vinculados ao mercado defendem o Acordo como uma alternativa

justa e correta aqueles ligados ao poder puacuteblico dividem-se entre a defesa dos acordos e a

necessidade de regras compulsoacuterias e por fim os representantes da sociedade civil satildeo

unacircnimes na defesa da medida de regulamentaccedilatildeo (regras compulsoacuterias) Diante disso

observa-se que a hipoacutetese antes formulada37 foi confirmada em sua parte inicial Natildeo haacute

forccedilas poliacuteticas suficientes para impor agraves induacutestrias regras com caraacuteter compulsoacuterio para

reduzir os teores de nutrientes em prazos curtos e aplicar sanccedilotildees em caso de

descumprimento tendo por objetivo a reformulaccedilatildeo da composiccedilatildeo nutricional desses

produtos

No que se refere agrave parte complementar da hipoacutetese o modo de a induacutestria encarar o

problema da relaccedilatildeo entre os alimentos e as DCNT tambeacutem foi confirmado Para a induacutestria

o indiviacuteduo eacute o responsaacutevel pelo comportamento de risco por natildeo saber eleger

corretamente os alimentos e por consumi-los em excesso

37 Hipoacutetese norteadora da tese apesar de reconhecer que a regulaccedilatildeo puacuteblica dos alimentos eacute uma das estrateacutegias poliacutetico-operacionais necessaacuterias para intervir nos riscos emergentes dos alimentos as forccedilas poliacuteticas no Estado atual satildeo insuficientes para concretizaacute-las com efetividade em decorrecircncia do poder das induacutestrias - que reagem atribuindo a responsabilidade dos distuacuterbios nutricionais aos consumidores e minimizando as reivindicaccedilotildees da sociedade civil

213

O reconhecimento do indiviacuteduo enquanto viacutetima devido agraves pressotildees do ritmo

acelerado da vida cotidiana agraves induccedilotildees sistemaacuteticas impostas pelo mercado de alimentos

por diferentes mecanismos e agrave omissatildeo das instituiccedilotildees puacuteblicas de controle praticamente

ficou obscurecido Apenas um discurso do sujeito do mercado insinuava um

comportamento desviante do mercado Reaccedilatildeo contraacuteria ao que ocorreu com os sujeitos da

sociedade civil que enfatizaram a parcela de responsabilidade da induacutestria

Ao mesmo tempo em que os sujeitos do mercado negam a fragilidade do consumidor

diante do poderio do mercado enaltecem o produto alimentiacutecio enquanto fonte de vida

sauacutede e longevidade Para eles os possiacuteveis riscos que os produtos podem carrear

constituem situaccedilotildees raras diante do conjunto de medidas de controle implementadas

pelas proacuteprias induacutestrias

Com base nos resultados desta tese eacute possiacutevel afirmar que regular os riscos dos

alimentos constitui uma arena poliacutetica onde se pautam demandas puacuteblicas no seio de

disputas de interesses de grande envergadura Agrave medida que o pensamento neoliberal se

fortalece nas instituiccedilotildees do poder puacuteblico e o mercado se coloca num patamar de

superioridade a participaccedilatildeo ativa da sociedade civil organizada passa a ser estrateacutegica

para a defesa efetiva dos interesses de sauacutede Essa participaccedilatildeo da sociedade quando

legiacutetima faz o elo com o governo para fazecirc-lo cumprir a sua missatildeo na defesa das questotildees

puacuteblicas de sauacutede puacuteblica

O poder puacuteblico ao optar por disciplinar o mercado de alimentos contando apenas

com a participaccedilatildeo desse segmento reduziu o seu poder de barganha e tornou-se mais

vulneraacutevel aos pleitos do mercado A sociedade civil organizada se envolvida nesse

processo de negociaccedilatildeo e pactuaccedilatildeo atuaria como contraponto pois ela eacute

indubitavelmente o representante que em geral se identifica e se alia com os interesses e

necessidades do povo

A garantia de alimentos saudaacuteveis eacute um direito do cidadatildeo dever do mercado e objeto

de controle por parte do Estado Poreacutem transformar gente em cidadatildeos saudaacuteveis implica

reconhecer o acesso agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave sauacutede e agrave nutriccedilatildeo como direito

214

fundamental de cada pessoa Para tanto satildeo necessaacuterios o respeito a praacuteticas e haacutebitos

alimentares e a valorizaccedilatildeo da sauacutede das pessoas entre outros aspectos para que todos

possam exercer plenamente a sua cidadania

Face ao exposto destaca-se que em estudos dessa natureza envolvendo um objeto de

investigaccedilatildeo complexo e multidimensional situando-se na fronteira de intersecccedilatildeo entre o

scio-histoacutericosoacutecio atual o nacionalinternacional o institucional particular o

poliacuteticoteacutecnico e o fisioloacutegicosimboacutelico permeado por uma constelaccedilatildeo temaacutetica e de

valores sempre haacute limitaccedilotildees Aleacutem disso tais estudos sempre envolvem um nuacutemero

reduzido de sujeitos e de instituiccedilotildees-alvo o que faz com que os resultados representem

apenas uma versatildeo da realidade investigada Ao reconhecer o impacto de todas essas

articulaccedilotildees foi escolhido neste trabalho privilegiar as interaccedilotildees (acordos e desacordos

reivindicaccedilotildees e consentimentos) das vias institucionais e dos interesses particulares que

envolvem a regulaccedilatildeo do mercado de alimentos para conformaacute-lo a um padratildeo nutritivo e

mais saudaacutevel para todos

Enfim diante dos resultados desta tese as perspectivas conceituais e estrateacutegicas que

se desenham para o futuro poderiam ser as seguintes

- Desenvolver estudos que avaliem o impacto dos Acordos formalizados entre

esse grupo de entidades de induacutestrias e o Ministeacuterio da Sauacutede visando agrave

reduccedilatildeo dos teores dos nutrientes no caso soacutedio sobre os produtos

alimentiacutecios fabricados por empresas que natildeo participaram do Acordo A

alternativa para ldquogarantirrdquo que as inuacutemeras induacutestrias de alimentos de

pequeno e meacutedio portes natildeo participantes das negociaccedilotildees faccedilam adesatildeo agrave

proposta de adequaccedilatildeo do perfil nutricional de alimentos seria a de

estabelecer acordos de parcerias ou regulamentaccedilatildeo No entanto como a

expectativa do Ministeacuterio da Sauacutede eacute de que haja um efeito ldquocascatardquo poacutes-

Acordo que desencadeie iniciativas voluntaacuterias para reduzir os teores de

soacutedio dos alimentos seria oportuno comprovar tal efeito caberia em estudos

especiacuteficos

215

- Explorar as bases conceituais e praacuteticas das inciativas de Parcerias Puacuteblico-

Privadas no campo da nutriccedilatildeo desenvolvidas no Paiacutes considerando os

conflitos de interesses a possibilidade de cooptaccedilatildeo e intimidaccedilatildeo dos

membros do governo a desmobilizaccedilatildeo para viabilizar regras compulsoacuterias

entre outros aspectos que podem afluir dessas parcerias E tambeacutem averiguar

sob o olhar dos agentes puacuteblicos do campo da regulaccedilatildeo o impacto da

iniciativa de formulaccedilatildeo de Acordos sobre as proposiccedilotildees regulatoacuterias

vigentes

- Avaliar as iniciativas e estrateacutegias de informaccedilatildeo nutricional em particular agraves

aplicadas nos roacutetulos dos alimentos em implementaccedilatildeo em diferentes paiacuteses

Em seguida eleger agrave luz da realidade socioeconocircmica e cultural nacional

aquelas iniciativas que apresentem aplicaccedilatildeo mais adequada ao contexto

brasileiro e

- Ampliar a divulgaccedilatildeo dos riscos dos alimentos e as doenccedilas a eles

correlacionadas em espaccedilos como universidades escolas associaccedilotildees

entidades de classe sindicatos entre outros como forma de disseminar a

informaccedilatildeo democratizar o debate e formar uma base social de apoio capaz de

se contrapor agraves regras impostas pelo mercado no que tange agrave qualidade

nutricional dos alimentos e dos produtos alimentiacutecios colocados no mercado

Por fim a populaccedilatildeo brasileira natildeo pode continuar a ser penalizada em sua sauacutede e

nutriccedilatildeo em decorrecircncia de compromissos limitados firmados entre as instituiccedilotildees

puacuteblicas e o mercado Agrave sombra dessa penalizaccedilatildeo haacute um dispositivo de regulaccedilatildeo que

permanece em aberto no campo dos riscos dos alimentos Eacute este o principal resultado

esperado deste estudo o de evidenciar que regular natildeo significa somente enquadrar os

riscos ou os componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios Envolve os conflitos de

216

interesses ligados agrave produccedilatildeo e agrave comercializaccedilatildeo desses produtos a incorporaccedilatildeo

subjetiva das regras e o gerenciamento das resistecircncias aos poderes que as impotildeem

Nunca haacute regulaccedilatildeo encerrada mas sempre regulaccedilatildeo em andamento em um contexto

dinacircmico dos riscos dos alimentos De maneira similar natildeo haacute regulaccedilatildeo sem lei nem lei

sem regulaccedilatildeo no campo do controle de alimentos Lei e regulaccedilatildeo satildeo assim uma dupla

indispensaacutevel Contudo a regulaccedilatildeo natildeo reside na lei mas antecede uma necessidade e um

apoio muacutetuo em um processo regulatoacuterio Eacute produto de uma invenccedilatildeo coletiva que atualiza

regras e condutas propensas a dar outra racionalidade agrave praacutetica de controle dos alimentos

Nas instituiccedilotildees brasileiras o processo regulatoacuterio tem sido estabelecido de modo

cooperativo e democraacutetico exceto quando natildeo haacute atropelos internos que desviam tais

preceitos

Nesse sentido o que se almeja ao fazer a exploraccedilatildeo dos meandros poliacuteticos

econocircmicos e subjetivos da regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos eacute promover a

regulaccedilatildeo justa Ou seja aquela que cria simultacircnea e permanentemente as condiccedilotildees do

trabalho cooperativo que implica a presenccedila dos trecircs parceiros-chave identificados (o

mercado o poder puacuteblico e a sociedade civil) particularmente em uma esfera cultural e

simbolicamente tatildeo sensiacutevel como eacute a deste campo de atuaccedilatildeo Uma concepccedilatildeo da

regulaccedilatildeo que descarte qualquer instrumentalizaccedilatildeo do processo com benefiacutecios estritos

aos interesses do mercado para legitimaacute-lo mas que se dirige para uma conduta justa a

serviccedilo da sociedade inteira O consentimento em torno de tais regras de conduta justa

sinaliza a efetividade colaborativa e delimita os direitos e os deveres correspondentes aos

trecircs parceiros no campo em questatildeo

217

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS ALMEIDA SS NASCIMENTO PCBD QUAIOTI TCB Quantidade e qualidade de produtos alimentiacutecios anunciados na televisatildeo brasileira Revista de Sauacutede Puacuteblica v36 n3 p353-5 2002

AMIGO Hugo Obesidad en el nintildeo en Ameacuterica latina situacioacuten criterios de diagnoacutestico y desafiacuteos Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS163-S170 2003 ALTEKRUSE SF SWERDLOW DL The changing epidemiology of foodborne diseases American Journal of the Medical Sciences v311 n1 p23-29 jan 1996 ANDRIEU E DARMON N DREWNOWSKI A Low-cost diets more energy fewer nutrients European Journal of Clinical Nutrition v60 p434ndash436 2006

ARMSTRONG GL HOLLINGSWORTH J GLENN MORRIS J Emerging Foodborne Pathogens Escherichia coli O157H7 as a Model of Entry of a New Pathogen into the Food Supply of the Developed World Epidemiologic Reviews v 8 n1 p29-51 1996 BAKSHI Anita Potential adverse health Effects of genetically modified crops Journal of Toxicology and Environmental Health Part B v6 p211ndash225 2003

BARBOSA AO COSTA EA Os sentidos de seguranccedila sanitaacuteria no discurso da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 15 n Supl 3 p3361-3370 2010

BARDAL PAP et al Questotildees atuais sobre a vigilacircncia sanitaacuteria das concentraccedilotildees de fluacuteor em alimentos Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v28 n3 p573-582 mar 2012

BARROS Diana Luz Pessoa de Teoria Semioacutetica do Texto 4 ed 6 imp Impresso nas oficinas da Editora Parma Ltda 2005 Disponiacutevel em lthttpcopyfightmeAcervolivrosBARROS20Diana20Luz20Pessoa20de20-20Teoria20Semiotica20do20Textopdf gt Acesso em 15 jun 2014 BARROS MBA et al Tendecircncias das desigualdades sociais e demograacuteficas na prevalecircncia de doenccedilas crocircnicas no Brasil PNAD 2003- 2008 Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v16 n9 p3755-3768 2011

BATISTA FILHO M RISSIN A A transiccedilatildeo nutricional no Brasil tendecircncias regionais e temporais Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v19 sup 1 pS181-S191 2003 BAUMAN Zygmunt Globalizaccedilatildeo as consequumlecircncias humanas Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1999 145p

218

__________ Vida para consumo a transformaccedilatildeo das pessoas em mercadoria Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008 199p BEATON GH MCHENRY EW (eds) Volume 3 Nutrition a comprehensive treatise New York Academic Press Inc 1966 BECK Ulrich La sociedad del riesgo hacia uma nueva modernidad EspantildeaPAIDOacuteS 2002

__________ O que eacute globalizaccedilatildeo Equiacutevocos do globalismo resposta agrave globalizaccedilatildeo Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 282p BEGHIN JC JENSEN HH Farm policies and added sugar in Us diets Food Policy v33 p480-488 2008

BERGER P L LUCKMANN T A construccedilatildeo social da realidade 31 ed Petroacutepolis RJVozes Ltda 2009 BERMUDEZ O I TUCKER K L Trends in dietary patterns of Latin American populations Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v19 sup 1 pS87-S99 2003

BEZERRA I N et al Consumo de alimentos fora do domiciacutelio no Brasil Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 47 Supl 1 p200S-11S 2013 Disponiacutevel em ltwwscielobrpdfrspv47s106pdfgt Acesso em 26 nov 2014 BLEIL Suzana Inez O Padratildeo Alimentar Ocidental consideraccedilotildees sobre a mudanccedila de haacutebitos no Brasil UNICAMP Revista Cadernos de Debate v 6 p1-25 1998 BOBBIO Norberto Estado governo e sociedade para uma teoria geral da poliacutetica 12 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2005 BODSTEIN Regina Cele de Andrade complexidade da ordem social contemporacircnea e a redefiniccedilatildeo da responsabilidade puacuteblica In Rozenfeld S (org) Fundamentos da Vigilacircncia sanitaacuteria Rio de Janeiro Ed Fiocruz p63-97 2000 BORCH A ROOS G Public Private Partnerships fighting obesity in Europe raquo Anthropology of food [Online] S7 | 2012 Disponiacutevel em ltURL lthttpaofrevuesorg7286gt Acesso em 26 jun 2014 BOUCHRIF B et al Prevalence and antibiotic-resistance of Salmonella isolated from food in Morocco The Journal of Infection in Developing Countries v3 n1 p35-40 2009

BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Rio de JaneiroBertrand Brasil 2009 __________ Contrafogos por um movimento social europeu Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2001 115p

219

BRANCA F NIKOGOSIAN H LOBSTEIN T (ed) The challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response summary Copenhagen Denmark WHO Library Cataloguing in Publication Data 2007 BRASIL Decreto-Lei nordm 986 de 21 de outubro de 1969 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnect836d7c804745761d8415d43fbc4c6735dec_lei_986pdfMOD=AJPERESgt Acesso em 15 abr 2014

__________ Lei n 9782 de 26 de janeiro de 1999 Define o Sistema Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria cria a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leisl9782htmgt Acesso em 23 fev 2014

__________ Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 28 de 28 de marccedilo de 2000 Dispotildee sobre os procedimentos baacutesicos de Boas Praacuteticas de Fabricaccedilatildeo em estabelecimentos beneficiadores de sal destinado ao consumo humano e o roteiro de inspeccedilatildeo sanitaacuteria em induacutestrias beneficiadoras de sal Disponiacutevel em lthttp18928128100nutricaodocslegislacaoresolucaordc_28pdf gt Acesso em 25 abr 2014 __________ Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 40 de 21 de marccedilo de 2001 Aprovar o Regulamento Teacutecnico para Rotulagem Nutricional Obrigatoacuteria de Alimentos e Bebidas Embalados constante do anexo desta Resoluccedilatildeo

__________ Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 344 de 13 de dezembro de 2002 Aprovar o Regulamento Teacutecnico para a Fortificaccedilatildeo das Farinhas de Trigo e das Farinhas de Milho com Ferro e Aacutecido Foacutelico constante do anexo desta Resoluccedilatildeo Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Poder Executivo de 18 dezembro de 2002 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectf851a500474580668c83dc3fbc4c6735RDC_344_2002pdfMOD=AJPERESgt Acesso em 25 abr 2014 __________ Controle da adiccedilatildeo de iodo no sal reduz casos de boacutecio Boletim Informativo n41 p 4-5 mar 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwanvisagovbrdivulgapublicboletim41_04pdfgt Acesso em 20 abr 2014 __________ Conselho Consultivo 2005 () AgecircnciaPublicaccedilatildeo Agecircncia Portal da Anvisa Disponiacutevel emlt httpsanvisagovbrwpssr9xdgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Portaria nordm 354 de 11 de agosto de 2006a (Republicada no DOU de 210806 e retificada no DOU de 290806) Aprova e promulga o Regimento Interno da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria ndash ANVISA e da outras providecircncias

__________ Consulta Puacuteblica nordm 71 de 10 de novembro de 2006b DOU de 13 de novembro de 2006 Aprovar o regulamento sobre oferta propaganda publicidade informaccedilatildeo e outras praacuteticas correlatas cujo objeto seja a divulgaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de alimentos considerados com quantidades elevadas de accediluacutecar de gordura saturada de gordura trans de soacutedio e de bebidas com baixo teor nutricional Disponiacutevel em

220

lthttpwwwanvisagovbrpropagandaminuta_consulta71_2006pdfgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Gestatildeo 2005-2010 principais realizaccedilotildees Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Brasiacutelia Anvisa 2010a

__________ Resoluccedilatildeo-RDC nordm 24 de 15 de junho de 2010b Dispotildee sobre a oferta propaganda publicidade informaccedilatildeo e outras praacuteticas correlatas cujo objetivo seja a divulgaccedilatildeo e a promoccedilatildeo comercial de alimentos considerados com quantidades elevadas de accediluacutecar de gordura saturada de gordura trans de soacutedio e de bebidas com baixo teor nutricional nos termos desta Resoluccedilatildeo e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lt httpportalanvisagovbrwpswcmconnect34565380474597549fd4df3fbc4c6735RDC24_10_Publicidade+de+alimentospdfMOD=AJPERESgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Perfil nutricional dos alimentos processados Informe Teacutecnico nordm 422010c Disponiacutevel em ltwwwanvisagovbrwpmconnect1011330044bbafc3b1f6b10377ff0da5Perfil+NutricionalpdfMOD=AJPERESgt Acesso em 22 nov 2010

__________ Programa de Anaacutelise de Resiacuteduos de Agrotoacutexicos em Alimentos (PARA) Relatoacuterio de Atividades de 2010 Gerecircncia Geral de Toxicologia Brasiacutelia 05 de dezembro de 2011 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectb380fe004965d38ab6abf74ed75891aeRelatC3B3rio+PARA+2010+-+VersC3A3o+FinalpdfMOD=AJPERESgt Acesso em04 nov 2013

__________ Documento orientador Agenda regulatoacuteria Ciclo quadrienal 2013-2016 Programa de Boas Praacuteticas Regulatoacuterias da Anvisa BrasiacuteliaAnvisa 2012 Disponiacutevel em ltfileUsersanavirginiafigueiredoDocumentsATESECAPITULOS20DA20TESEREGULACAOAgenda_Regulatoria_Quadrienal_final_baixapdfgt Acesso em 27 abr 2014 __________ Temas da Agenda regulatoacuteria BIEcircNIO 2013-2014 Lista Completa e andamento dos Temas marccedilo 2014 Agenda Regulatoacuteria Ciclo Quadrienal 2013-2016 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectc4a4840043684e988946ed74bfb02411Proposta_Completa_Temas_30_setembropdfMOD=AJPERESgt Acesso em 27 abr 2014 __________ Casa Civil Cacircmara de Infra Estrutura ndash Cacircmara de Poliacutetica Econocircmica Relatoacuterio

do Grupo de Trabalho Interministerial Anaacutelise e Avaliaccedilatildeo Do Papel das Agecircncias

Reguladoras no Atual Arranjo Institucional Brasileiro Relatoacuterio do Grupo de Trabalho

Interministerial Brasiacutelia setembro de 2003 Disponiacutevel em

lthttpwwwbresserpereiraorgbrDocumentsMAREAgenciasavaliacao_das_agencias_r

eguladoras_-_casa_civilpdfgt Acesso em 20 fev 2014

221

__________Cacircmara dos Deputados Regimento interno da Cacircmara dos Deputados 11 ed

Brasiacutelia 2013 Disponiacutevel em

ltfileUsersanavirginiafigueiredoDownloadsregimento_interno_11edpdfgt Acesso

em 15 Mai 2014

__________ Conselho Nacional de Secretaacuterios de Sauacutede Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 In __________ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p22-37 2003a ___________ Constituiccedilatildeo Federal 1988 Tiacutetulo VIII Da Ordem Social Seccedilatildeo II Da Sauacutede In_______ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p20-21 2003b __________ Lei nordm 9782 de 26 de janeiro de 1999 Define o Sistema Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria cria a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria e daacute outras providecircncias In__________ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p169-181 2003c __________ Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional GT - Alimentaccedilatildeo Adequada e Saudaacutevel Relatoacuterio Final Marccedilo de 2007 Disponiacutevel em lthttpwww4planaltogovbrconseadocumentosalimenatacao-adequada-e-saudaveldocumento-final-alimentacao-adequada-e-saudavelgt Acesso em 15 mar 2012 _________ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 Antropometria e Estado Nutricional de Crianccedilas Adolescentes e Adultos no Brasil Rio de Janeiro 2010 Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpof_2008_2009_encaapdf Acesso em 11 mar 2012 __________ Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 Anaacutelise do Consumo Alimentar no Brasil Rio de JaneiroIBGE 2011 __________ Instituto Nacional De Metrologia Qualidade E Tecnologia Comitecirc Codex Alimentarius do Brasil ndash CCAB Histoacuterico do Comitecirc Codex Alimentarius do Brasil ndash CCAB Paacutegina web httpwwwinmetrogovbrindexasp Disponiacutevel em lthttpwwwinmetrogovbrqualidadecomitescodex_ccabaspgt Acesso em 16 abr 2014 __________ Ministeacuterio do Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome Secretaria-Executiva da Cacircmara Interministerial de Seguranccedila Alimentar e Nutricional- CAISAN Plano Intersetorial de Prevenccedilatildeo e Controle da Obesidade Nota para Imprensa Ano estimado 2012a Disponiacutevel em lthttpwww4planaltogovbrconseanoticiasdocumentosplanalto-intersetorial-de-prevenccedilatildeo-e-controle-da-obesidadegt Acesso em 28 abr 2014 __________ Marco de Referecircncia de Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional para as Poliacuteticas Puacuteblicas Brasiacutelia DFMDS Secretaria Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2012b

222

____________________Ministeacuterio da Sauacutede Avaliaccedilatildeo da evoluccedilatildeo temporal do estado nutricional das crianccedilas de 0 a 5 anos beneficiaacuterias do Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) acompanhadas nas condicionalidades de sauacutede Sumaacuterio Executivo Brasiacutelia abril 2014 Disponiacutevel em lthttpaplicacoesmdsgovbrsagirmpssimulacaosum_executivopdfsumario_138pdfgt Acesso em 18 jun 2014

________ Ministeacuterio da Sauacutede 8a Conferecircncia Nacional de Sauacutede Brasiacutelia-DF 17 a 21 de

marccedilo de 1986 Disponiacutevel em

lthttpbvsmssaudegovbrbvspublicacoes8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final

pdfgt Acesso em17 mar 2014

__________ Portaria nordm 710 de 10 de junho de 1999 Aprova a Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo cuja iacutentegra consta do anexo desta portaria e dela eacute integrante Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Poder Executivo de 15 de junho de 1999 __________ A Sauacutede no Mercosul ndash 2 ed rev e ampl 1ordf reimpressatildeo ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2003 24 p il - (Seacuterie B Textos Baacutesicos de Sauacutede) Disponiacutevel em lthttpdtr2001saudegovbreditoraprodutoslivrospdf03_0401_Mpdfgt Acesso em 10 dez 2013 __________ Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede Departamento de Gestatildeo e da Regulaccedilatildeo do Trabalho em Sauacutede Foacuterum permanente Mercosul para o trabalho em sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2007a (Seacuterie D Reuniotildees e Conferecircncias) Disponiacutevel em lthttpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesforum_permanente_mercosul_trabalho_saudepdfgt Acesso em 10 dez 2013 __________ Portaria nordm 3092 de 04 de dezembro de 2007b Institui Grupo Teacutecnico com o objetivo de discutir e propor accedilotildees conjuntas a serem implementadas para a melhoria da oferta de produtos alimentiacutecios e promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel Disponiacutevel em lthttpdtr2001saudegovbrsasPORTARIASPort2007GMGM-3092htmgt Acesso em 28 abr 2014

___________ Trata sobre o Acordo do Ministeacuterio da Sauacutede com a Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de Alimentos para reduccedilatildeo dos teores de soacutedio gorduras e accediluacutecares dos alimentos Ano estimado 2007c Disponiacutevel em http18928128100nutricaodocsgeralacordo_social_reducao_teores_sodio_acucar_gorduraspdf Acesso em 15 mar 2012 __________ Plano de Accedilotildees Estrateacutegicas para o Enfrentamento das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis (DCNT) no Brasil ndash 2011-2022 Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede Departamento de Anaacutelise de Situaccedilatildeo de Sauacutede BrasiacuteliaMinisteacuterio da Sauacutede 2011 148p (Seacuterie B Textos Baacutesicos de Sauacutede)

223

__________ Poliacutetica nacional de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo Versatildeo preliminar 2012a Disponiacutevel em http18928128100nutricaodocsgeralpnan2011pdf Acesso em 25 marccedilo 2012 __________ Vigitel Brasil 2011 Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2011 Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012b (Seacuterie G Estatiacutestica e Informaccedilatildeo em Sauacutede)

__________ Construccedilatildeo da agenda de reformulaccedilatildeo de alimentos processados com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo 30 abr 2012c Disponiacutevel httpnutricaosaudegovbrsodio_reformulacaophpgt Acesso em 24 jun 2014 __________ Vigitel Brasil 2012Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2012 BrasiacuteliaMinisteacuterio Da Sauacutede 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwsbptorgbrdownloadsarquivosvigitel_2012pdf gt Acesso em 01 mar2014 __________ Vigitel Brasil 2013 Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2013 Brasiacutelia-DFMinisteacuterio Da Sauacutede 2014a Disponiacutevel emlt httpbiavatifileswordpresscom201405vigitel-2013pdfgt Acesso em15 jun 2014 __________ Reduccedilatildeo de Soacutedio Accediluacutecar e Gordura Trans Promoccedilatildeo da Sauacutede e da

Alimentaccedilatildeo Adequada e Saudaacutevel 2014b Disponiacutevel em

lthttpdabsaudegovbrportaldabape_promocao_da_saudephpconteudo=reducaogt

Acesso em 23 jun2014

__________ Presidecircncia da Repuacuteblica Emenda Constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoEmendasEmcemc64htmgt Acesso em 10 ago2014 BAUM Fran Health equity justice and globalisation some lessons from the Peoplersquos Health Assembly Journal of Epidemiology amp Community Health v55 p613ndash616 2001 BRESSER PEREIRA Luis Carlos G Reflexotildees sobre a reforma gerencial brasileira de 1995 Revista do Serviccedilo Puacuteblico ano 50 n4 out-dez p5-29 1999

224

__________ O modelo estrutural de gerecircncia puacuteblica Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v42 n2 p391-410 marabr 2008 BUCHLER S SMITH K LAWRENCE G Food risks old and new demographic characteristics and perceptions of food additives regulation and contamination in AustraliaJournal of Sociology The Australian Sociological Association v46 n4 p353ndash374 2010

BURBANO J C FORNASINI M ACOSTA M Prevalencia y factores de sobrepeso em colegialas de 12 a 19 antildeos en uma regioacuten semiurbana del Ecuador Revista Panamericana de Salud Publica v13 n5 p227-284 2003

CABALLERO Benjamin The global epidemic of obesity an overview Epidemiologic Reviews v29 n1 p1-5 2007 CANESQUI AM GARCIA RMD Uma introduccedilatildeo agrave reflexatildeo sobre a abordagem sociocultural da alimentaccedilatildeo In ___________ (orgs) Antropologia e nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ p9-19 2005

CARAPINHEIRO Graccedila A globalizaccedilatildeo do risco social In SANTOS B DE S (org) A globalizaccedilatildeo e as ciecircncias sociais 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez cap 5 p197-228 2002 CARVALHEIRO Joseacute da Rocha Desafios da Vigilacircncia Sanitaacuteria e a Funccedilatildeo Regulatoacuteria In BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede I Conferecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Cadernos de Textos Brasiacutelia Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria p25-36 2001 CASTEL Robert From dangerousness to risk In BURCHELL G GRAHAM C MILLER P (eds) The Foucault effect studies in governmentality Chicago The University of Chicago Press p281-299 1991

CHANDON P WANSINK B Does food marketing need to make us fat A review and solutions Nutrition Reviews v70 n10 p571ndash593 2012 Disponiacutevel em ltfileUsersanavirginiafigueiredoDocumentsATESECAPITULOS20DA20TESEDIETA_CONSUMOnational_capacity_prevention_ncdspdfgt Acesso em 06 mar2014

CHAVES Nelson Nutriccedilatildeo baacutesica e aplicada Rio de Janeiro Editora Guanabara Koogan SA 1978 344p CHOPRA Mickey Globalization and food implications for the promotion of ldquohealthyrdquo diets In WORLD HEALTH ORGANIZATION Globalization diets and noncommunicable diseases Switzerland WHO Library p1-16 2002 CHOPRA M GALBRAITH S amp DARNTON-HILL I A global response to a global problem the epidemic of overnutrition Bulletin of the World Health Organization v80 p12 p952-958 2002

225

CONTRERAS Jesuacutes Hernaacutendez La modernidad alimentaria entre la sobreabundancia y la inseguridad Revista Internacional de Sociologiacutea Tercera Epoca n40 p 109-132 eneabr 2005

__________ GRACIA M Alimentaccedilatildeo sociedade e cultura Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2011 COSTA Edinaacute Alves Vigilacircncia Sanitaacuteria proteccedilatildeo e defesa da sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1999 460p

__________ Regulaccedilatildeo e vigilacircncia sanitaacuteria para a proteccedilatildeo da sauacutede In Vieira F P

REDIGUIERI C F REDIGUIERI CF (orgs) A Regulaccedilatildeo de Medicamentos no Brasil

Porto Alegre Editora ARTMED p21-37 2013

COSTA NR et al O desenho institucional da reforma regulatoacuteria e as falhas de mercado no

setor sauacutede Revista da Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v 35 n2 p193228

marabr 2001

COSTA RF CINTRA IP FISBERG M Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em escolares da cidade de Santos SP Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia v50 n1 p60-67 fev 2006 COUTINHO JG GENTIL PC TORAL NA desnutriccedilatildeo e obesidade no Brasil o enfrentamento com base na agenda uacutenica de nutriccedilatildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v24 sup 2 pS332-S340 2008 CRESWELL John W Projeto de pesquisa meacutetodos qualitativo quantitativo e misto 3 ed Porto AlegreArtmed 2010 CRUZ Verocircnica Estado e regulaccedilatildeo fundamentos teoacutericos In RAMALHO PIS (org)

Regulaccedilatildeo e agecircncias reguladoras governanccedila e anaacutelise do impacto regulatoacuterio 1a

ed Brasiacutela Anvisa p 53-86 2009

DEL GROSSI MD Poverty reduction From 44 million to 296 million People In GRAZIANO DA SILVA J DEL GROSSI M E FRANCcedilA C G (orgs) The Fome Zero (Zero Hunger) Program The Brazilian experience Brasiacutelia MDA 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep016i3023ei3023epdfgt Acesso em 18 out 2013 DIETZ William H Critical periods in childhood for the developement of obesity American Journal Clinical Nutrition v59 n5 p955-59 may 1994 DAHLET Patrick A produccedilatildeo escrita abordagens cognitivas e textuais Trabalhos linguiacutesticos aplicados IEL UnicampCampinas v 23 p79-95 janjul 1994

226

_________ Apagar as divisotildees celebrar o consenso a governanccedila discursiva na era neoliberal

Todas as letras w Satildeo Paulo v16 n1 p125-138 mai 2014 Disponiacutevel em

lthttpdxdoiorg101552919806914letrasv16n1p125-138gt Acesso em 22 jul 2014

DELORMIER T FROHLICH K L POTVIN L Food and eating as social practice ndash understanding eating patterns as social phenomena and implications for public health Sociology of Health amp Illness v 31 n 2 p 215ndash228 2009

DOAK CM et al Overweight and underweight coexist within households in Brazil China and Russia Journal of Nutrition v130 n12 p2965-2971 dec 2000 DREWNOWSKI Adam Fat and sugar an economic analysis Journal of Nutrition v133 n3 p838S-840S mar 1 2003 __________ Intense sweeteners and energy density of foods implications for weight control European Journal of Clinical Nutrition v53 p757-763 1999

__________ Obesity diets and social inequalities Nutrition Reviews v 67 sup 1 pS36-S39 2009

__________ The cost of US foods as related to their nutritive value American Journal of Clinical Nutrition v92 p1181ndash8 2010

__________ et al Dietary Energy Density and Body Weight Is There a Relationship Nutrition Reviews v 62 n 11 p 403ndash413 nov 2004

__________ POPKIN BM The Nutrition Transition New Trends in the Global Diet Nutrition Reviews v 55 n 2 p31-43 feb 1997

__________ SPECTER SE Poverty and obesity the role of energy density and energy costs American Journal of Clinical Nutrition v79 n1 p6-16 jan 2004 EVANS M et al Globalization diet and health an example from Tonga Bulletin of the World Health Organization v79 n9 p 856ndash862 2001

EWALD Franccedilois Insurance and risk In BURCHELL G GRAHAM C MILLER P (eds) The Foucault effect studies in governmentality Chicago The University of Chicago Press p197-210 1991

EGGER G SWINBURN B An ldquoecologicalrdquo approach to the obesity pandemic British Medical Journal v315 n 23 aug 1997 Disponiacutevel em lthttpwwwncbinlmnihgovpmcarticlesPMC2127317pdf9284671pdfgt Acesso em 26 nov 2014

227

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF UNITED NATIONS Report of The eighteenth session of The Committee on agriculture Rome 9-10 february 2004 FAOrsquos Proposed Follow-up to the Report of Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases 2004

__________ Aplicacion Del analisis de riesgos a cuestiones de normas alimentarias informe de la consulta mixta FAOOMS de expertos Ginebra Suiza 13-17 de marzo de 1995 WHOFNUFOS953 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-x1271spdfgt Acesso em 07 mar 2013 __________ Globalization of food systems in developing countries impact on food security and nutrition FAO Food Nutrition Paper 83 2004 Reprinted 2006 __________ Responding to the food crisis synthesis of medium-term measures proposed in inter-agency assessments ROME 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadISFPSR_Webpdfgt Acesso em 21 mar 2012 __________ Disminuye el hambre mundial pero sigue inaceptablemente alta Los objetivos de la comunidad internacional en la reduccioacuten del hambre son difiacuteciles de alcanzar Departamento Econoacutemico y Social Septiembre de 2010 _________ FAO in the 21st century ensuring food security in a changing world FAORome 2011a __________ The state of food insecurity in the world How does international price volatility affect domestic economies and food security FAORome 2011b _________ Sustainable nutrition security Restoring the bridge between agriculture and health RomeFAO sept 2012 ___________ Fao statistical yearbook 2013 World Food and Agriculture RomeFAO 2013a Disponiacutevel em httpwwwfaoorgdocrep018i3107ei3107ePDFgt Acesso em 17 nov 2014

_________ The state of food and agriculture food systems for better nutrition Rome 2013b

__________ ORGANIZACIOacuteN MUNDIAL DE LA SALUD Comisioacuten del Codex Alimentarius Manual de Procedimiento Programa Conjunto FAOOMS sobre Normas Alimentarias 14ordf ed Roma 2005 FAO WHO Request for comments on draft action plan for implementation of the global strategy on diet physical activity and health CL 200644-CACSeptember 2006a Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexCircular_LettersCxCL2006cl06_44epdf gt Acesso em 03 jun 2014

228

_________ Undestanding Codex Alimentarius Third edition Issued by the Secretariat of the Joint FAOWHO Food Standards Programme FAO Rome 2006b Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexPublicationsunderstandingUnderstanding_ENpdfgt Acesso em 13 nov 2013

__________ Joint FaoWho Food Standards Programme Codex Alimentarius Commission Thirty Fifth Session Rome Italy 2-7 July 2012 Report of the fortieth session of the Codex Committee on food labelling Ottawa Canada 15 ndash 18 May 2012 Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexReportsReports_2012REP12_FLepdfgt Acesso em 03 jul 2014

__________ Agenda Item 2(A) CxNfsdu 13352 Joint FaoWho Food Standards Programme Codex Committee on Nutrition and Foods for Special Dietary Uses Thirty-fifth Session Bad Soden am Taunus Germany 4 ndash 8 November 2013 Matters Referred to the Committee by the Codex Alimentarius Commission andor Other Codex Committees Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexMeetingsccnfsduccnfsdu35nf35_02epdf gt Acesso em 03 jul 2014

FERNAacuteNDEZ SAN JUAN PM Dietary habits and nutritional status of school aged children in Spain Nutricioacuten Hospitalaria v21 n3 p374-378 2006

FERREIRA VA et al Desigualdade pobreza e obesidade Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v15 supl 1 p1423-1432 2010

FIGUEIREDO AVA MIRANDA MS Anaacutelise de Risco aplicada aos alimentos no Brasil perspectivas e desafios Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v16 n4 p2251-2262 2011

FISCHLER Claude Food Self and Identity Social Science Information v27 p275-2931988

FLICK Uwe Introduccedilatildeo agrave pesquisa qualitativa 3 ed Porto AlegreEd Artmed 2009

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 3ed Rio de JaneiroEdiccedilotildees Graal Ltda 1982 295p

__________ A ordem do discurso 5ed Satildeo PauloEdiccedilotildees Loyola 1999 79p

__________ Arqueologia do saber 7 ed Rio de janeiroForense universitaacuteria 2008 236p

FREIRE Paulo Educaccedilatildeo como praacutetica da liberdade Rio de JaneiroPaz e Terra 2010

GARCIA Rosa Wanda Diez Reflexos da globalizaccedilatildeo na cultura alimentar consideraccedilotildees sobre as mudanccedilas na alimentaccedilatildeo urbana Revista de Nutriccedilatildeo Campinas 16(4)483-492 outdez 2003 GRACIA Maria Arnaiz Em direccedilatildeo a uma Nova Ordem Alimentar In CANESQUI AM GARCIA RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p147-164

229

__________ Comer bien comer mal la medicalizacioacuten del comportamiento alimentario Salud Puacuteblica Meacutexico n49 v3 p236-242mayjun 2007 GIDDENS Anthony As consequecircncias da modernidade Traduccedilatildeo de Raul Fiker Satildeo PauloEd UNESP 1991

__________ Sociologia 6ordf ed LisboaFundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2008 __________ O mundo na era da globalizaccedilatildeo LisboaEditorial Presenccedila 7 ed 2010 GOMES Eduardo Granha Magalhatildees As agecircncias reguladoras independentes e o TCU

conflito de jurisdiccedilotildees Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica v40 n4 p615-30 julago

2006

GONCcedilALVES Alcindo O conceito de governanccedila In CONPEDI VIV 2005 Fortaleza Encontro Nacional de Conselho Nacional de Pesquisa e Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito ndash CONPEDI Fortaleza Fundaccedilatildeo Boiteux 2005 Disponiacutevel em lthttpconpediorgbrmanausarquivosanaisXIVCongresso078pdfgt Acesso em 27 mar 2014 GREIMAS Algirdas Julien Du Sens Ed Le Seuil 1970 GUTIEacuteRREZ-FISAC JL et al La epidemia de obesidad y sus factores relacionados el caso de Espantildea Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro 19(Sup 1)S101-S110 2003

HALKIER Bente Risk and food environmental concerns and consumer practices International Journal of Food Science and Technology v36 p801-812 2001

HALL GV DrsquoSOUZA RM KIRK MD Foodborne disease in the new millennium out of the frying pan and into the fire Medical Journal of Australia v177 n 216 p614-618 dec 2002 HARRIS JL et al A crisis in the marketplace How food marketing contribute to childhood obesity and what can be done Annual Review of Public Health v30 p211-25 2009 HASTINGS G et al Review of research on the effects of food promotion to children Final Report 22nd September 2003 Executive Summary The University of Strathclyde Disponiacutevel em lthttpwwwfoodgovukmultimedia pdfspromofoodchildrenexecpdfgt Acesso em 28 mar2010 __________ The extent nature and effects of food promotion to children A review of the evidence In Marketing of food and non-alcoholic beverages to children report of a WHO forum and technical meeting Oslo Norway 2-5 May 2006 Geneva Switzerland WHO Press

230

HAWKES Corinna Marketing Activities of Global Soft Drink and Fast Food Companies in Emerging Markets a Review IN WHO Globalization Diets and Noncommunicable Diseases GenevaSwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2002

__________ Marketing de alimentos para crianccedilas o cenaacuterio global das regulamentaccedilotildees BrasiacuteliaOrganizaccedilatildeo Pan-America da Sauacutede Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria 2006 __________ Regulation food marketing to young people worldwide trends and policy drives American Journal of Public Health v97 n11 p1962ndash1973 2007

__________ Dietary Implications of Supermarket Development A Global Perspective Development Policy Review v26 n6 p657-69 2008a

__________ High Level Group Working Paper on Public Private Partnerships for Health 2008b Disponiacutevel em lteceuropaeuhealthph_determinantslife_stylenutritiondocumentsev20081028_wp_enpdfgt Acesso em 23 jul 2014

__________ Public health sector and food industry interaction itrsquos time to clarify the term

lsquopatnershiprsquoand be honest about underlying interests European Journal of Public Health

v21 n4 400-403 2011 Disponiacutevel em lthttpeurpuboxfordjournalsorggt Acesso em 11

nov 2013

HENDERSON J et al What are the important issues around food safety and nutrition Findings from a media analysis and qualitative study of consumer trust Australasian Medical Journal v1 n2 164-169 2010

HESPANHA Pedro Mal-estar e risco social num mundo globalizado novos problemas e novos desafios para a teoria social In SANTOS BS (org) A globalizaccedilatildeo e as ciecircncias sociais 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez cap4 p161-196 2002 HUTIN YJF et al A Multistate Foodborne outbreak of Hepatitis A The New England Journal of Medicine v340 n 8 p 595-602 feb 1999

INSTITUTO BRASILEIRO DE ANAacuteLISES SOCIAIS E ECONOcircMICAS Repercussotildees do Programa Bolsa Famiacutelia na seguranccedila alimentar e nutricional relatoacuterio siacutentese Rio de Janeiro IBASE 2008 IANNI Octavio A era da globalizaccedilatildeo 9ordf ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2007 252p KAIN J VIO F ALBALA C Obesity trends and determinant factors in Latin America Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS77-S86 2003

231

KAumlFERSTEIN FK MOTARJEMI Y amp BETTCHER DW Foodborne Disease Control A Transnational Challenge Emerging Infectious Diseases v 3 n 4 p503-10 octdec 1997 KATZ D et al Cyclosporiasis associated with imported raspberries Florida 1996 Public Health Reports v114427-38 sepoct 1999 KENNEDY G NANTEL G SHETTY P Globalization of food systems in developing countries a synthesis of country case studies 1 FAO Food and Nutrition paper n 83 RomeFAO 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-y5736egt Acesso em 15 mai2014

KING LA et al Community-wide outbreak of Escherichia coli O157H7 associated with consumption of frozen beef burgers Epidemiology and Infection p889ndash896 2009 KIRK MD et al An outbreak due to peanuts in their shell caused by Salmonella enterica serotypes Stanley and Newport ndash sharing molecular information to solve international outbreaks Epidemiology amp Infection v132 p571ndash577 2004

LABONTEacute R MOHINDRA K amp LECUCHA R Framing international trade and chronic disease Globalization and Health v7 n21 p1-15 2011 LANG TimThe complexities of globalization The UK as a case study of tensions within the food system and the challenge to food policy Agriculture and Human Values v16 p169ndash185 1999

LUCCHESE Geraldo A internacionalizaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo sanitaacuteria Ciecircncias e sauacutede coletiva v8 n2 p537-555 2003 __________ Globalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo sanitaacuteria os rumos da vigilacircncia sanitaacuteria no Brasil BrasiacuteliaAnvisa 2008 LUHMANN Niklas Risk a sociological theory New York Wlater de Gruyter Inc 1993 LUPTON Deborah A Lay discourses and beliefs related to food risks an Australian perspective Sociology of Health amp Illness v27 No 4 p 448ndash467 2005

MACIEL Maria Eunice Identidade Cultural e Alimentaccedilatildeo In CANESQUI AM GARCIA RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p49-55 MAJONE Giandomenico Do estado positivo ao estado regulador causas e consequecircncias da mudanccedila no modo de governance Regulaccedilatildeo Econocircmica e Democracia O debate europeu Satildeo PauloEditora Singular 2006 Disponiacutevel em lthttpacademicodireito-riofgvbrccmwimages008Majonepdfgt Acesso em 10 mar2014

232

MALUF Renato Seguranccedila Alimentar e Nutricional PetroacutepolisEditora Vozes 2007 __________ MENEZES F VALENTE FL Contribuiccedilatildeo ao tema da seguranccedila alimentar do Brasil Cadernos de Debate p466-88 1996

MARINHO S P et al Obesidade em adultos de segmentos pauperizados Revista de Nutriccedilatildeo v16 n2 p195-201 abrjun 2003

MARTINS I S et al Pobreza desnutriccedilatildeo e obesidade inter-relaccedilatildeo de estados nutricionais de indiviacuteduos de uma mesma famiacutelia Ciecircncia e sauacutede coletiva v12 n6 p1553-1565 novdez 2007

MAZZOCCHI M SHANKAR B TRAILL B The development of global diets since icn 1992 influences of agri-food sector trends and policies Food Commodity and Trade Policy Research Working Paper n 34 RomeFAO october 2012

MCDERMOTT L STEAD M HASTINGS G A marketing strategy to review the effects of food promotion to children Case Study 4 30 mar 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwstiracukmediaschoolsmanagementdocumentsCase-4-Food-Promotion-to-Childrenpdfgt Acesso em 28 fev 2013

MCKEE Martin Trust me Im an expert Why expert advisory groups must change Editor in Chief European Journal Of Public Health v9 n3 1999

MEERMAN J CARISMA B THOMPSON B Global regional and subregional trends in undernourishment and malnutrition June 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadagnpdfSOFA_2013globalregionalsubregionaltrendspdfgt Acesso em 9 dez 2013

MINAYO Ceciacutelia O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em sauacutede 9 Ed revista e aprimorada Satildeo PauloHucitec 2006

MITCHELL H S et al Nutriccedilatildeo 1ed Rio de Janeiro Ed Interamericana Ltda 1978 MITCHELL Marc An overview of public private partnerships in health BostonHarvard School of Public Health 2008 Disponiacutevel em lthttpswwwhsphharvardeduihsgpublicationspdfPPP-final-MDMpdfgt Acesso em 02 abr 2014

MOKHTAR N ELATI J CHABIR R et al Diet Culture and Obesity in Northern Africa Journal of Nutrition 131 887Sndash892S 2001 Disponiacutevel em jnnutritionorg Acesso em 20 ago 2009

MONDINI L MONTEIRO C Relevacircncia epidemioloacutegica da desnutriccedilatildeo e da obesidade em distintas classes sociais meacutetodos de estudo e aplicaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo brasileira Revista Brasileira de Epidemiologia v2 n1 p28-39 1998

233

MONTEIRO CA et al Endef e Pnsn para onde caminha o crescimento fiacutesico da crianccedila brasileira Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v9 supl1 p85-95 1993 ___________ Nutrition and health the issue is not food nor nutrientes so much as processing Public Health Nutrition v12 n5 p729-31 2009 __________ The big issue is ultra-processing [Commentary] World Nutrition v1 n6 237-259 nov 2010 Disponiacutevel em wwwwphnaorg Acesso em12 jul 2011 __________ CANNON GThe Impact of Transnational lsquolsquoBig Foodrsquorsquo Companies on the South a view from Brazil PLoS Medicine v9 n7 jul 2012 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwplosmedicineorgarticlefetchObjectactionuri=info3Adoi2F1013712Fjournalpmed1001252amprepresentation=PDFgt Acesso em 15 jun 2013

__________ CONDE WL DE CASTRO IRR A tendecircncia cambiante da relaccedilatildeo entre escolaridade e risco de obesidade no Brasil (1975-1997) Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS67-S75 2003 MONTEIRO C A et al Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system Obesity Reviews v 14 sup 2 p21-18 2013 Disponiacutevel em lthttponlinelibrarywileycomstore101111obr12107assetobr12107pdfv=1ampt=i2ltdoo7amps=6129299271a6bb8948f5e1b76f8b18fb97fd5fcfgt Acesso em17 nov 2014

MOODIE R et al Profits and pandemicsprevention of harmful effects of tabacco alcohol and ultra-processed food and drink industries The Lancet v 381 n 9867 p670 - 679 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwthelancetcomjournalslancetarticlePIIS0140-6736(12)62089-3abstractgt Acesso em 12 dez 2013 MUST Aviva Morbidity and mortality associated with elevated body weight in children and adolescents American Journal Clinical Nutrition v63 n3 p445S-447S mar 1996 NARDOCCI Adelaide Caacutessia Gerenciamento Social de Riscos Revista de Direito Sanitaacuterio v 3 n1 p64-78 mar 2002 NESTLE Marion Food Marketing and Childhood Obesity a matter of policy N Engl J Med v354 n24 p 2527-2529 2006 Disponiacutevel em ltwwwnejmorg june 15gt Acesso em 31 mar 2014

NEWELL DG et al Food-borne diseases- the challenges of 20 years ago still persist while new ones continue to emerge International Journal of Food Microbiology v30 n139 suppl 1 pS3-15 may 2010 NOBRE M R et al Prevalecircncias de sobrepeso obesidade e haacutebitos de vida associados ao risco cardiovascular em alunos em alunos do ensino fundamental Revista da Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira Satildeo Paulo v52 n2 p118-124 2006

234

NILSON EAF JAIME PC RESENDE DO Iniciativas desenvolvidas no Brasil para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados Revista Panamericana Salud Publica v32 n4 p287-92 2012

ORLANDI Eni Puccinelli Anaacutelise de discurso princiacutepios e procedimentos 9 Ed Campinas SP Pontes Editores 2010 OLIVEIRA R O ELIAS P E M Conceitos de regulaccedilatildeo em sauacutede no Brasil Revista de Sauacutede Puacuteblica v46 n3 p571-576 2012 OLIVEIRA-CAMPOS M RODRIGUES-NETO JF SILVEIRA MF NEVES DMR et al Impacto dos fatores de risco para doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis na qualidade de vida Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v18 n3 p873-882 2013

PECI Alketa Novo marco regulatoacuterio para o Brasil da poacutes-privatizaccedilatildeo o papel das

agecircncias reguladoras em questatildeo Programa de Estudos e Pesquisas em Reforma do Estado

e Governanccedila Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v33 n4 p12135

julago 1999

PEcircCHEUX Michel O Discurso estrutura ou acontecimento 5a Ed Campinas SP Pontes Editores 2008 PETERSON A LUPTON D The new public health health and self in the age of risk London SAGE Publication Ltda 2000

PETKANTCHIN Valentin Nutrition taxes the costs of Denmarks fat tax IEMrsquos Economic Note bullmay 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwinstitutmolinariorgIMGpdfnote0513_enpdf gt Acesso em 26 jun 2014

PHILIPPI Socircnia Tucunduva Guia alimentar para o ano 2000 In DE ANGELIS R C Fome oculta bases fisioloacutegicas para reduzir seu risco atraveacutes da alimentaccedilatildeo saudaacutevel Satildeo Paulo Editora Atheneu cap 9 2000 p160-176 PHILLIPS Lynne Food and globalization Annual Review of Anthropology p3537-57 2006

PINGALI P KHWAJA Y Globalisation of Indian Diets and the Transformation of Food Supply Systems ESA Working Paper No 04-05 February 2004 Inaugural Keynote Address 17th Annual Conference Indian Society of Agricultural Marketing Hyderabad 5-7 February 2004 Agricultural and Development Economics Division The Food and Agriculture Organization of the United Nations Disponiacutevel em lthttpageconsearchumnedubitstream237961wp040005pdfgt Acesso em 23 nov2013 PINHEIRO ARO FREITAS SFT CORSO ACT Uma abordagem epidemioloacutegica da obesidade Revista de Nutriccedilatildeo v17 n4 p523-533 outdez 2004

235

PINTO A R et al Manual de normalizaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos 2 ed rev e atual Viccedilosa MG As Autoras 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwbbtufvbrdocsManualtrabalhosAcademicosLinkspdfgt Acesso 15 mar 2013

PONS Siacutelvia Carrasco Pontos de Partida Teoacuterico-metodoloacutegicos para o Estudo Sociocultural da Alimentaccedilatildeo em um Contexto de Transformaccedilatildeo In Canesqui AM amp Garcia RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz p101-126 2005 POPKIN Barry M The nutrition transition and obesity in the developing world Symposium obesity in developing countries biological and ecological factors The Journal of Nutrition v131 n3 p 871S-873S mar 2001 __________ The Shift in Stages of the Nutrition Transition in the Developing World Differs from Past ExperiencesMalaysian Journal of Nutrition v 8 n1 p109-124 2002

__________ Global nutrition dynamics the world is shifting rapidly toward a diet linked with noncommunicable diseases American Journal of Clinical Nutrition n84 p289ndash98 2006 __________ GORDON-LARSEN P The nutrition transition worldwide obesity dynamics and their determinants International Journal of Obesity n28 pS2ndashS9 2004 PRADO JR Caio Histoacuteria econocircmica do Brasil Satildeo PauloEditora Brasiliense 36a ed

1988

PRENTICE Andrew M The emerging epidemic of obesity in developing countries International Journal of Epidemiology v35 p93-99 2005 PUSKA Pekka Successful strategies to influence national diets the Finnish experience Zdrav Varv v43 p191-196 2004

QUEIROZ LG GIOVANELLA L Agenda regional da sauacutede no Mercosul arquitetura e temas Revista Panamericana de Salud Publica v30 n2 p182-188 2011

RAYNER G HAWKES C LANG T amp BELLO W Trade liberalization and diet transition a public health response Health Promotion International v21 nS1 p67-74 2007 Disponiacutevel em lthttpheaprooxfordjournalsorggt Acesso em 16 nov 2013

RECINE E MORTOZA A S Consenso sobre habilidades e competecircncias do nutricionista no acircmbito da sauacutede coletiva Brasiacutelia Observatoacuterio de Poliacuteticas de Seguranccedila e Nutriccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwcrn2orgbrdownload12_12_2013_17_32_43_consensopdfgt Acesso em 15 jun 2014

236

REGMI A amp GEHLHAR M Processed Food Trade Pressured by Evolving Global Supply Chains Economic Research SERVICEUSDA Amber Waves 12 v3 n1 feb 2005 Disponiacutevel em ltwwwersusdagovamberwavesgt Acesso em 28 nov2013

RIBEIRO JM COSTA NR SILVA PLB Poliacutetica de Sauacutede no Brasil e estrateacutegias

regulatoacuterias em ambiente de mudanccedilas tecnoloacutegicas Interface - Comunicaccedilatildeo Sauacutede

Educaccedilatildeo v4 n6 p 61-84 2000

ROBERTSON Aileen Social inequalities and the burden of food-related ill-health Public Health Nutrition v4 n6 p1371-1373 2001 ROBINSON TN et al Effects of fast food branding on young childrenrsquos taste preferences Archives of Pediatrics amp Adolescent Medicine v161 n8 p792-797 2007

RODRIGUES EM TADDEI JAAC SIGULEM DM Overweight and obesity among mothers of malnourished children - Brazil - PNSN - 1989 Satildeo Paulo Medical Journal v 116 n4 p1766-1773 jul 1998 RONQUE E R et al Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em escolares de alto niacutevel socioeconocircmico em Londrina Paranaacute Brasil Revista de Nutriccedilatildeo Campinas v18 n6 p709-717 novdez 2005

ROSAS Erick Jenner Os inimigos da reforma sanitaacuteria se mobilizam Sauacutede em Debate v22 p13-18 out 1988

SANTOS Andreacuteia Mendes Sociedade do Consumo crianccedila e propaganda uma relaccedilatildeo que daacute peso Porto AlegreEDIPUCRS 2009

SANTOS Boaventura de Sousa A criacutetica da governaccedilatildeo neoliberal O Foacuterum Social Mundial como poliacutetica e legalidade cosmopolita subalterna Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais v72 p7-44 out 2005

SAVE THE CHILDREN A life free from hunger tackling child malnutrition London Save The Children 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwsavethechildrenorguksitesdefaultfilesimagesA_Life_Free_From_Hungerpdfgt Acesso em 18 set 2013 SCALLAN Elaine Activities Achievements and Lessons Learned during the First 10 Years of the Foodborne Diseases Active Surveillance Network 1996ndash2005 Clinical Infectious Diseases n44 n7 p18ndash25 2007 SCHAFER KS KEGLEY SE Persistent toxic chemicals in the US food supply Journal of Epidemiology and Community Health v56 p813ndash817 2002

237

SCHMIDT MI et al Chronic non-communicable diseases in Brazil burden and current challenges Published online may 9 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwsbhorgbrpdflancet_collectionpdf gt Acesso em 16ago 2013

SEIPEL Michael M O Social Consequences of Malnutrition Social Work v44 n5 p416-425 sep1999 SINGER P Evoluccedilatildeo da Economia Brasileira 1955-1975 Estudos CEBRAP Satildeo Paulo n 17 p61-83 jul-set 1976 Disponiacutevel em ltwwwcebraporgbrv2filesuploadbiblioteca_virtualevolucao_da_economia_brasileirapdf gt Acesso em 22 jul2014

SOUTO Ana Cristina Sauacutede e Poliacutetica A vigilacircncia sanitaacuteria no Brasil 1976-1994 Satildeo

Paulo Sobravime 2004 227p

SKLAIR Leslie Democracy and the Transnational Capitalist Class ANNALS AAPSS n581 p144-157 may 2002

STUCKLER D NESTLE M Big food food systems and global health PLoS Medicine v9 n6 e1001242 jun 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwplosmedicineorgarticlefetchObjectactionuri=info3Adoi2F1013712Fjournalpmed1001242amprepresentation=PDFgt Acesso em 15 Set 2013 SWINBURN BA et al Diet nutrition and the prevention of excess weight gain and obesity Public Health Nutrition v7 n1A p123ndash146 2004

TANAKA K NAKANISHI T Obesity as a risk factor for various diseases necessity of lifestyle changes for healthy aging Applied Human Science v15 n4 p139-148 1996

TAORMINA PJ BEUCHAT LR SLUTSKER L Infections Associated with Eating Seed Sprouts An International Concern Emerging Infectious Diseases v 5 n 5 p626-634 sepoct 1999

TAUXE Robert V International investigation of outbreaks of foodborne disease Public health responds to the globalisation of food British Medical Journal v 313 n 2 p1093-1094 nov1996 __________ Emerging foodborne diseases an evolving public health challenge Emerging infectious diseases v3 n4 p425-434 octdec1997 TERRES NG et al Prevalecircncia e fatores associados ao sobrepeso e agrave obesidade em adolescentes Prevalecircncia e fatores associados ao sobrepeso e agrave obesidade em adolescentes Revista Sauacutede Puacuteblica v40 n4 p627-633 aug 2006 THOMPSON John B Ideologia e cultura moderna teoria social criacutetica na era dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 8 Ed Petroacutepolis RJ Vozes 2009

238

THOW AM HAWKES C The implications of trade liberalization for diet and health a case study from Central America Globalization and Health 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwglobalizationandhealthcomcontent515gt Acesso em 15 nov 2012

TORUN B CHEW F Desnutriccedilatildeo energeacutetico-proteacuteica In SHILS O SHIKE R (eds) Tratado de nutriccedilatildeo moderna na sauacutede e na doenccedila BarueriSP Ed Manole Ltda 1029-1056 2003 TULLAO Tereso S The Impact of Economic Globalization on Noncommunicable Diseases Opportunities and Threats In WHO Globalization diets and noncommunicable diseases SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2002

UNITED KINDOWN Food Standards Agency Front-of-pack traffic light signpost labeling Technical guidance n 2 November 2007 Disponiacutevel em lthttpmultimediafoodgovukmultimediapdfsfrontofpackguidance2pdfgt Acesso em 24 jun14

UNITED NATIONS International Covenant on Economic Social and Cultural Rights Adopted and opened for signature ratification and accession by General Assembly resolution 2200A (XXI) of 16 December 1966 Disponiacutevel em lthttpwwwohchrorgENProfessionalInterestPagescescraspxgt Acesso em 10 ago 2014

__________ World Population Prospects The 2012 Revision Disponiacutevel em httpesaunorgunpdwppExcel-Datapopulationhtm Acessado em 29 nov2013 __________ Political Declaration of the High-level Meeting of the General Assembly on the Prevention and Control of Non-communicable Diseases Resolution adopted by the General Assembly 24 jan 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwwhointnmheventsun_ncd_summit2011political_declaration_enpdfgt Acesso em 23 jun 2014 UUSITALLO U PIETINEN P PEKKA P Dietary transition in developing countries challenges for chronic disease prevention In WORLD HEALTH ORGANIZATION Globalization diets and noncommunicable diseases SwitzerlandWHO Library p1-25 2002 VALENTE Flaacutevio Luiz Shieck Fome desnutriccedilatildeo e cidadania inclusatildeo social e direitos humanos Sauacutede e Sociedade v12 n1 p51-60 jan-jun 2003 VASCONCELOS VL SILVA GAP Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em adolescentes masculinos no Nordeste do Brasil 1980 a 2000 Cadernos Sauacutede Puacuteblica v19 n5 p1445-1451 set-out 2003

239

VEPA Swarna Sadasivan Impact of globalization on the food consumption of urban India In Globalization of food systems in developing countries impact on food security and nutrition FAO Food Nutrition Paper 83 2004 Reprinted p 215-330 2006

VISSCHER TLS SEIDELL JC The public health impact of obesity Annual Review Public Health v22 p355ndash375 2001 WEBER R et al Dioxin- and POP-contaminated sitesmdashcontemporary and future relevance and challenges Overview on background aims and scope of the series Environmental Science and Pollution Research v15 p363ndash393 2008

WEISS AR MCMICHAEL AJ Social and environmental risk factors in the emergence of infectious diseases Nature Medicine Supplement v 10 n 12 p S70-S76dec 2004

WILLET Walter Nutritional epidemiology New YorkOxford University 1990 WORLD HEALTH ORGANIZATION The role food safety Report of Joint FAOWHO Expert Committee on Food Safety Geneve SwitzerlandWHO 1984 (WHO Technical Report series n 705) __________ Diet nutrition and the prevention of chronic diseases Report of a WHO study group Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 1990 (World Health Organization technical report series 797)

__________ The world health report 1998 Life in the 21st century a vision for all Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 1998 Acesso em 7122013 Disponiacutevel em httpwwwwhointwhr1998enwhr98_enpdf

__________ Report WHO Consultation on Diagnostic Procedures for Transmissible Spongiform Encephalopathies Need for Reference Reagents and Reference Panels Geneva Switzerland 22-23 March 1999 World Health Organization Blood Safety and Clinical Technology June 1999

__________ Turning the tide of malnutrition respond to the challenge of 21st century 2000 WHONHD007 Disponiacutevel em lt httpwhqlibdocwhointhq2000WHO_NHD_007pdfgt Acesso em 17 ago 2013 ___________ Reducing risks Promoting Healthy Life The world health report 2002 Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 2002a

___________ Global surveillance of foodborne disease developing a strategy and its interaction with risk analysis Geneve Switzerland 26-29 november 2001 Report of WHO Consultation 2002b ___________ The present state of foodborne disease in OECD countries GeneveWHO Document Prodution Service 2003a Disponiacutevel em

240

lthttpwwwwhointfoodsafetypublicationsfoodborne_diseaseoecd_fbdpdfgt Acesso em 12 ago 2013 __________ Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases (2002 Geneva Switzerland) Diet nutrition and the prevention of chronic diseases report of a joint WHOFAO expert consultation Geneva 28 January -1 February 2002 2003b (WHO technical report series 916)

__________ Global Health todayrsquos challenges Chapter one p1-22 2003c Disponiacutevel em lthttpwwwwhointwhr2003enChapter1-enpdfua=1gt Acesso em 19 nov 2014 __________ Obesity preventing and managing the global epidemic Report of a WHO consultation Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data (World Health Organization technical report series 894) 2000 Reprinted 2004a

__________ Global Strategy on Diet Physical Activity and Health Fifty Seventh World Health Assembly WHA5717 Agenda item 126 22 may France WHO 2004b

__________ Preventing chronic diseases a vital investment WHO global report Switzerland WHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2005

__________ The challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response European Ministerial Conference on Counteracting Obesity Instanbul Turkey 15-17 november 2006 __________ The global burden of foodborne disease taking stock and charting the way forward WHO Consultation to Develop a Strategy to Estimate the Global Burden of Foodborne Diseases Geneva 25-27 september 2006 Geneva WHO Press 2007 Disponiacutevel lthttpwwwwhointfoodsafetypublicationsfoodborne_diseaseburden_sept06en 2007gt Acesso em 12 ago 2013 __________ Initiative to estimate the global burden of foodborne diseases A summary document 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwwhointfoodsafetyfoodborne_diseaseSummary_Docpdfua=1gt Acesso em 08 mai 2012 __________ Infant and young child nutrition Sixty-third World Health Assembly A639 Provisional agenda item 116 1 april 2010 Report by the Secretariat Disponiacutevel em lthttpappswhointgbebwhapdf_filesWHA63A63_9-enpdfgt Acesso em 25 fev 2012 __________ World health statistics 2011 SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data Disponiacutevel em lthttpwwwwhointghopublicationsworld_health_statisticsEN_WHS2011_Fullpdfgt Acesso em 25 fev 2012

241

__________ Global nutrition policy review what does it take to scale up nutrition action Geneva SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2013a Disponiacutevel em httpappswhointirisbitstream106658440819789241505529_engpdfua=1 Acesso em 14 fev 2014 __________ Draft comprehensive global monitoring framework and targets for the prevention and control of noncommunicable diseases Report by the Director-General Sixty-Sixth World Health Assembly A668 Provisional agenda item 131 15 March 2013b Acesso em 03 jul 2014 __________ Dioxins and their effects on human health Fact sheet Ndeg225 Updated June 2014 Disponiacutevel em httpwwwwhointmediacentrefactsheetsfs225engt Acesso em 18 nov 2014

WORLD TRADE ORGANIZATION World Trade Report 2008 Trading in a globalizing world Disponiacutevel lthttpwwwwtoorgenglishres_ebooksp_eanrep_eworld_tradea_report08_epdfgt Acesso em 13 nov 2013

__________ Understanding The WTO The Organization Members and Observers Home page 2013a Disponiacutevel em httpwwwwtoorgenglishthewto_ewhatis_etif_eorg6_ehtm Acesso em 13 nov 2013 __________ WTO II Merchandising Trade International Trade Statistics 2013 2013b Disponiacutevel em wwwwtoorgstatistics Acessado em 13 nov 2013

__________ List of tables II Merchandise trade by product World Trade Organization International Trade Statistics 2013c Disponiacutevel em wwwwtoorgstatistics Acesso em 13 nov 2013

ZIMMERMAN FJ BELL JF Associations of Television Content Type and Obesity in Children American Journal of Public Health v100 n 2 p 334-340 feb 2010

242

ANEXOS

243

ANEXO I Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO PROGRAMA DE POacuteS GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado(a)

O(a) senhor(a) estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoRiscos emergentes dos

alimentos a estrateacutegia de regulaccedilatildeo brasileira sob a perspectiva dos atores sociaisrdquo O objetivo

principal desta pesquisa eacute o de caracterizar o modo de compreensatildeo das diferentes atores

sociais quanto aos riscos emergentes dos alimentos que afetam a sauacutede coletiva As

informaccedilotildees obtidas seratildeo utilizadas exclusivamente para essa pesquisa sendo divulgadas de

forma consolidada (sem expor o nome dos participantes) sob a forma de tese de doutoramento

e artigo cientiacutefico Nenhum profissional teraacute seus dados divulgados individualmente sendo

garantido o anonimato e a preservaccedilatildeo das informaccedilotildees declaradas Informamos ainda que

natildeo haacute benefiacutecio direto eou individual para o participante e que natildeo seraacute executado nenhum

procedimento que lhe traga qualquer desconforto risco agrave sauacutede eou despesa de qualquer

natureza

A pesquisa consiste na realizaccedilatildeo de uma entrevista cujo tempo eacute de aproximadamente

uma hora Sua participaccedilatildeo eacute fundamental para a pesquisa Agradecemos desde jaacute a sua

contribuiccedilatildeo

Esta pesquisa corresponde a projeto para a elaboraccedilatildeo da tese de doutorado da

pesquisadora principal requisito exigido pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo

Humana tem o intuito de analisar as poliacuteticas puacuteblicas de regulaccedilatildeo dos alimentos dirigidas ao

controle dos riscos emergentes dos alimentos

O (a) senhor (a) teraacute acesso a qualquer tempo agraves informaccedilotildees sobre procedimentos

riscos e benefiacutecios relacionados agrave pesquisa inclusive para dirimir eventuais duacutevidas Aleacutem disso

teraacute liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e de deixar de participar do

244

estudo sem que isto traga qualquer prejuiacutezo bem como a recusar a responder questotildees que

lhe traga constrangimentos

O contato da pesquisadora responsaacutevel Aluna Ana Virgiacutenia de Almeida Figueiredo

Observatoacuterio de Poliacuteticas de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias (61) 3034-6526 End

SQN 216 Bloco ldquoDrdquo apt 209 Asa Norte (61) 9964-9305 Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da

Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede Campus Darcy Ribeiro Nuacutecleo de Nutriccedilatildeo sala 9 Asa Norte

Universidade de Brasiacutelia (61) 9964-9305 e (61) 3307-2508

DADOS DE IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA

1 Nome

2 Oacutergatildeo (federaldistrital)

3 Funccedilatildeo 4 Sexo M ( ) F ( )

5 Telefone para contato ( )

6 Gestor ( ) Conselheiro de Sauacutede ( ) Profissional de Sauacutede ( ) Usuaacuterio do SUS ( )

Brasiacutelia __________ de _____________________________ de 20___ _____________________________ ____________________________

Assinatura do Sujeito da Pesquisa Assinatura do Pesquisador (carimbo ou nome legiacutevel) (carimbo ou nome legiacutevel)

OBS As folhas seratildeo rubricadas pelo sujeito da pesquisa e pelo pesquisador responsaacutevel

245

ANEXO II Roteiro de Entrevista

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA DOUTORADO EM NUTRICcedilAtildeO

A) Quais as medidas que o (a) Sr (a) podem destacar para reduzir o impacto dos alimentos sobre o

excesso de peso

B) Na sua opiniatildeo como as instituiccedilotildees devem se organizar para controlar o excesso de peso

C) Qual o papel especiacutefico que a organizaccedilatildeoinstituiccedilatildeo que o (a) Sr (a) estaacute vinculado tem neste

contexto

D) Quais seriam as responsabilidades do governo e dos demais setores envolvidos no processo de

regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos relacionados ao excesso de peso

E) Como avalia a estrateacutegia de ampliaccedilatildeo da atividade de regulaccedilatildeo de alimentos pelo poder

puacuteblico para conter o excesso de peso

F) Como a vigilacircncia sanitaacuteria com foco nos alimentos pode atuar para interferir no excesso de

peso

G) Quais satildeo as facilidades e dificuldades existentes para intervir sobre os riscos dos alimentos

relacionados ao excesso de peso

H) Em sua opiniatildeo o processo de globalizaccedilatildeo da economia especificamente no campo dos

alimentos tem interferido na qualidade dos alimentos e na sauacutede da populaccedilatildeo

PERFIL DO ENTREVISTADO Identificaccedilatildeo________________________________________________________ Formaccedilatildeo Acadecircmica_________________________________________________ Instituiccedilatildeo__________________________________________________________ Cargo que ocupa____________________________________________________ Tempo de experiecircncia na instituiccedilatildeo____________________________________

1 Quais satildeo as atividades que o Sr (a) desenvolve relacionadas aos alimentos ou aos problemas deles decorrentes 2 Quanto tempo o Sr (a) exerce esta atividade 3 Em sua opiniatildeo qual eacute a relaccedilatildeo entre o excesso de peso e os alimentos

Page 4: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,

Para Ana Theresa Joatildeo Carlos e Lucas Freitas minhas crianccedilas meus amores

ANA VIRGIacuteNIA DE ALMEIDA FIGUEIREDO

RISCOS EMERGENTES DOS ALIMENTOS Regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees Uma

experiecircncia brasileira

Tese apresentada como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Nutriccedilatildeo pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade de Brasiacutelia

Aprovada em 10 de novembro de 2014

BANCA EXAMINADORA

Elisabetta Recine - Orientador e Presidente da Banca

Departamento de Nutriccedilatildeo - Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Inecircs Rugani Ribeiro de Castro Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

Anelize Rizzolo de O Pinheiro

Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Juliana Rochet Wirth Chaibub Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Viviane Cristina Vieira

Universidade de Brasiacutelia (UnB)

Andrea Sugai Mortoza Universidade Federal de Goiaacutes (UFG)

AGRADECIMENTOS

Apesar do intenso e sistemaacutetico esforccedilo individual para concretizar esta tese

reconheccedilo que nela se concentra uma pluralidade de suportes intelectuais influecircncias

afetivas e de experiecircncias compartilhadas oriunda das distintas inter-relaccedilotildees que

estabeleci no ambiente acadecircmico e profissional Por isso quero inicialmente formular

agradecimentos extensivos a todos aqueles indiviacuteduos fenomenais com os quais me

deparei no desenrolar da minha histoacuteria no campo da vigilacircncia sanitaacuteria e que criaram

para mim oportunidades de aprendizado e de aprimoramento pessoal A inspiraccedilatildeo do

objeto estudado eacute resultado da inquietaccedilatildeo surgida a partir dos longos debates travados

com essas pessoas todas figuras da minha vida

No entanto faz-se necessaacuterio destacar algumas destas personalidades

Agrave massa de trabalhadores brasileiros que no seu aacuterduo cotidiano de trabalho e vida

contribui materialmente para a existecircncia das universidades puacuteblicas apesar de um

reduzido contingente deles ocupar esse espaccedilo social para se qualificar Espero que

esta tese seja uma forma de devolver-lhes parte desse investimento

Agrave minha orientadora a Profa Dra Elisabetta Recine por me instruir e guiar em

todas as etapas desse processo de construccedilatildeo intelectual com muita competecircncia

paciecircncia e carinho Para ela um agradecimento muito especial

Agrave minha coorientadora a Profa Dra Renata Monteiro pelas valiosas contribuiccedilotildees

presteza e apoio no transcurso das atividades acadecircmicas

Ao Dr Patrick Dahlet pelo encontro fortuito e frutiacutefero assim como pelo trabalho

com as palavras que me permitiram desvendar os traccedilos obscuros dos discursos

Experiecircncia que ajudou a fortalecer o companheirismo afetuoso no caminhar

sinuoso da vida

Agrave Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash

CAPESMinisteacuterio da Educaccedilatildeo pela concessatildeo da bolsa de doutorado-sanduiacuteche

com a qual pude aprofundar parte da investigaccedilatildeo na Universitat Rovira i Virgili

Tarragona-Espanha

Agrave Dra Mabel Gracia da Universitat Rovira i Virgili- TarragonaEspanha pela acolhida

e as contribuiccedilotildees dadas para o desenvolvimento desta tese

Aos professores e colegas da Poacutes-Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Humana pelas diferentes

colaboraccedilotildees fornecidas no vasto campo da ciecircncia da Nutriccedilatildeo

Agrave Secretaria de Sauacutede do Distrito Federal na pessoa da Subsecretaacuteria de Vigilacircncia agrave

Sauacutede Dra Mariacutelia Cunha pelo suporte institucional durante a minha atividade

acadecircmica

Ao Diretor da Vigilacircncia Sanitaacuteria do Distrito Federal Manoel Silva Neto ao Gerente

de Alimentos Andreacute Godoy Ramos e agrave minha chefe imediata Dillian Adelaine Cesar

da Silva pela gentileza compreensatildeo e apoio imprescindiacutevel nos momentos mais

intensos deste trabalho

A todos os entrevistados que gentilmente se dispuseram a conceder seu valioso

tempo para responder as questotildees das entrevistas e que enriqueceram o conteuacutedo

desta tese

Agrave minha maravilhosa amiga e companheira de trabalho Reginalice Maria da Graccedila

Bueno com quem sempre compartilho as histoacuterias doces e amargas da vida Muito

obrigada tanto pela sua disposiccedilatildeo em me ajudar a equilibrar os sabores dos

acontecimentos como pelo incentivo para as aventuras acadecircmicas

Agrave Rosane Maria Franklin Pinto e Elisabete Gonccedilalves Dutra colegas da Anvisa pela

presteza em esclarecer as minhas duacutevidas e pela realizaccedilatildeo da entrevista-teste as

quais foram essenciais para a elaboraccedilatildeo da tese

Agraves minhas estimadas colegas de trabalho Wanusa Eva Gisele e Socorro pela cordial

atenccedilatildeo e compreensatildeo nos momentos de ausecircncia

Aos meus eternos amigos que revigoraram a Vigilacircncia Sanitaacuteria Joatildeo Batista de

Lima Filho Silvia Amaral Vignola e Sheila Maria Gomes Castanhola por meio dos

quais eu aprendi como lidar com esse campo conflituoso de atuaccedilatildeo da sauacutede

Aos meus adoraacuteveis filhos Ana Theresa e Joatildeo Carlos que me provocam um

turbilhatildeo de emoccedilotildees mas o amor eacute o imperativo Aproveito para responder a sua

incansaacutevel pergunta ldquoQuando eacute que isso acaba matildeerdquo Acabou

Agrave Claacuteudia Camurccedila a tia querida do Joatildeo pelo cuidado e carinho dedicados ao meu

filho nos momentos da minha ausecircncia para a realizaccedilatildeo do doutorado

Agrave minha querida parceira Maria Feacutelix Pereira pelo seu trabalho diaacuterio em

administrar a casa e os meus filhos com tanta atenccedilatildeo carinho e responsabilidade

que foi imprescindiacutevel para enfrentar esse desafio acadecircmico

Agrave minha famiacutelia em especial Andreacutea Figueiredo pela relaccedilatildeo afetuosa e pelo

compromisso muacutetuo Obrigada minha querida irmatilde

Estranhem o que natildeo for estranho Tomem por inexplicaacutevel o habitual Sintam-se perplexos ante o cotidiano Tratem de achar um remeacutedio para o abuso Mas natildeo esqueccedilam De que o abuso eacute sempre a regra (A Exceccedilatildeo e a Regra Bertolt Brecht)

FIGUEIREDO Ana Virgiacutenia A Universidade de Brasiacutelia novembro de 2014 Riscos emergentes dos alimentos regulaccedilatildeo conflitos e tensotildees uma experiecircncia brasileira Orientadora Elisabetta Recine Coorientadora Renata Monteiro

RESUMO

Nas uacuteltimas deacutecadas a sociedade mundial e a brasileira vecircm enfrentando os riscos emergentes dos alimentos associados ao acelerado crescimento da obesidade e de outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis (DCNT) Entre os fatores causais dessas doenccedilas estatildeo a inatividade fiacutesica e o consumo de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis com alta densidade em gordura accediluacutecares e soacutedio Tais produtos resultam das transformaccedilotildees no sistema de produccedilatildeo e de comercializaccedilatildeo de alimentos fomentadas pelo processo de globalizaccedilatildeo da economia que se empenha em fortalecer a massificaccedilatildeo do consumo alimentar Consolida-se entatildeo um ambiente que modifica o estilo de vida o cotidiano das praacuteticas alimentares e o quadro nutricional Em funccedilatildeo disso regular o perfil nutricional desses produtos eacute uma das medidas de intervenccedilatildeo recomendada pelos organismos internacionais para ser aplicada pelas instituiccedilotildees puacuteblicas de controle dos diversos paiacuteses O objetivo geral deste estudo eacute analisar a compreensatildeo que os diferentes sujeitos vinculados ao mercado ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada tecircm sobre as transformaccedilotildees e implicaccedilotildees das estrateacutegias de regulaccedilatildeo ativas no mercado Trata-se de uma investigaccedilatildeo qualitativa cuja finalidade eacute explorar os significados que constituem e constroem a realidade que permeia os riscos emergentes dos alimentos e o controle dos produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis a partir do referencial teoacuterico da Hermenecircutica da Profundidade (THOMPSON 2000) tendo por fundamento analiacutetico os discursos daqueles sujeitos Com base nos resultados pode-se afirmar que esses riscos satildeo reflexos da dinacircmica da economia global cuja regulaccedilatildeo se faz em um ambiente de disputa que em regra nem sempre privilegia os interesses da sauacutede coletiva Para os sujeitos do mercado a regulaccedilatildeo eacute uma atitude autoritaacuteria e ineficaz sendo a populaccedilatildeo a principal culpada pelas consequecircncias da sua sauacutede ao adotar um comportamento sedentaacuterio e um consumo alimentar excessivo A alternativa eacute a implementaccedilatildeo de medidas flexiacuteveis e de caraacuteter voluntaacuterio como os Acordos instituiacutedos pelo governo com as entidades empresariais para reduzir paulatinamente os teores dos nutrientes ao governo incumbiria tatildeo somente promover a educaccedilatildeo alimentar da populaccedilatildeo Para os sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil haacute o reconhecimento da interconexatildeo entre esses produtos e as DCNT o que faz com que a maioria deles defenda a praacutetica da regulamentaccedilatildeo Para eles os Acordos satildeo fraacutegeis e indicam que o poder puacuteblico atuou buscando o menor desgaste poliacutetico e impacto econocircmico para o mercado a despeito dos prejuiacutezos causados agrave populaccedilatildeo Com base nas anaacutelises apresentadas conclui-se que uma regulaccedilatildeo justa requer uma negociaccedilatildeo de regras claras norteadas pelo princiacutepio da promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede puacuteblica com a participaccedilatildeo dos trecircs sujeitos-chave identificados ndash poder puacuteblico mercado e sociedade civil ndash e a adoccedilatildeo de condutas que beneficiem a sociedade inteira delimitando os direitos e deveres de cada sujeito que atua no campo da regulaccedilatildeo sanitaacuteria Palavras-chave Riscos dos alimentos Regulaccedilatildeo sanitaacuteria Vigilacircncia sanitaacuteria Controle sanitaacuterio dos alimentos

FIGUEIREDO Ana Virgiacutenia A University of Brasilia November 2014 Emerging food risks regulation conflicts tensions a Brazilian experience Tutor Elisabetta Recine Co-tutor Renata Monteiro

ABSTRACT

In recent decades Brazilian society and the world at large have been facing emerging food risks associated to an accelerated increase in the occurrence of obesity and other chronic noncommunicable diseases (NDCs) Among the causal factors are physical inactivity and the consumption of unhealthy food products with high fat sugar and sodium content Such products are the result of transformations in food production and commercialization fostered by economic globalization processes that seek to boost the massification of food consumption Then it has consolidated an environment that modifies life styles food-related habits and the nutritional scenario In that light international bodies recommend that each countryrsquos control institutions should take steps to regulate the nutritional profile of such products This qualitative research aims primarily to analyze the comprehension of different social actors associated to market government and civil society sectors in regard to the said transformations and the implications of the regulatory strategies in effect in the markets It explores the attributed meanings that constitute and construct the reality enveloping the emerging food risks and the control of unhealthy food products based on a theoretical reference framework of Depth Hermeneutics (THOMPSON 2000) having as its

analytical fundament the discourse of the actors Results indicate that the risks stem from the current dynamics of the global economy whereby regulation is conducted in an atmosphere of contention that is not always in the interests of collective health The actors (subjects) in the market see regulation as an inefficient authoritarian act and the population itself as being to blame for the consequences for its health insofar as people adopt a sedentary life style with excessive food consumption Their preferred alternative would be to implement flexible measures of a voluntary nature such as the agreements instituted by the government with some corporate entities aimed at gradually reducing levels of unhealthy components in food the governmentrsquos role would be limited merely to promoting nutritional education for the population at large The subjects in the public and civil society sectors recognize the connection between those products and the NCDs so that most of them are in favor of regulatory practices In their view the agreements are weak instruments and show that the public authoritiesrsquo actions have been directed merely at ensuring the least possible political attrition and economic impact on the market regardless of the harm caused to the population The analysis reveals that fair regulation requires a negotiation of clear rules guided by the principle of public health promotion and protection cooperative work with the full participation of the three key partners identified - public authorities market and civil society -and the adoption of conducts that benefit society as a whole clearly delineating the rights and duties of each subject involved in the field of public health regulation

Key words Food risks Food regulation Food surveillance Food control

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro 1 Quadro comparativo entre as questotildees objetivos e perguntas das

entrevistas

42

Quadro 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014

127

Quadro 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre o tema de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013

135

Quadro 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos Alimentos

196

Graacutefico 1 Comparaccedilatildeo entre os teores de soacutedio diagnosticados nos produtos alimentiacutecios e os valores de reduccedilatildeo acordados entre o governo e as entidades industriais Brasil 2010 e 2011

139

Figura 1 Quadrado semioacutetico da alimentaccedilatildeo amp nutriccedilatildeo

202

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIA Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Alimentos

ABIAD Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Alimentos Dieteacuteticos

ABIMA Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de Massas Alimentiacutecias e Patildeo amp Bolo Industrializados

ABITRIGO Associaccedilatildeo Brasileira da Induacutestria do Trigo

ABIP Associaccedilatildeo Brasileira da Induacutestria de Panificaccedilatildeo e Confeitaria

ABRAS Associaccedilatildeo Brasileira de Supermercados

AD Anaacutelise de Discurso

AR Agenda Regulatoacuteria

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria

BSE

Encefalopatia Espongiforme Bovina (do inglecircs Bovine Spongiform Encephalopathy)

CAC Comissatildeo do Codex Alimentarius (do inglecircs Codex Alimentarius Commission)

CFN Conselho Federal de Nutricionistas

CGAN Coordenadoria-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo

CNS Conselho Nacional de Sauacutede

CONASS Conselho Nacional dos Secretaacuterios de Sauacutede

CONSEA Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional

DCNT Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis

DTA Doenccedilas Transmitidas por Alimentos

EAN Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional

ENDEF Estudo Nacional sobre Despesas Familiares

FAO Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (do inglecircs Food and Agriculture of the United Nations)

FDB Foodborne disease

FS Formas Simboacutelicas

GATT Acordo Geral de Tarifas e Comeacutercio (do inglecircs General Agreement on Tariffs and Trade)

IBASE Instituto Brasileiro de Anaacutelises Sociais e Econocircmicas

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDEC Instituto de Defesa do Consumidor

INMETRO Instituto Nacional de Metrologia Qualidade e Tecnologia

MAPA Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento

MDS Ministeacuterio do Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MS Ministeacuterio da Sauacutede

OMC Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio

OMS Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

OPAS Organizaccedilatildeo Pan- Americana de Sauacutede

PDVISA Plano Diretor de Vigilacircncia Sanitaacuteria

PL Projeto de Lei

PNAN Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo

PNDS Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede

PNSN Pesquisa Nacional de Sauacutede e Nutriccedilatildeo

POF Pesquisa de Orccedilamento Familiar

POP Poluentes Orgacircnicos Persistentes

PppS Parcerias Puacuteblico-Privadas no campo da sauacutede

PR

Presidecircncia da Repuacuteblica

SINDICARNES Sindicato da Induacutestria de Carnes e Derivados

UBABEF Uniatildeo Brasileira de Avicultura

UN United Nations

WHO World Health Organization

WTO World Trade Organization

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO

17

1 INTRODUCcedilAtildeO

20

11 Riscos dos alimentos e os impactos no perfil nutricional da populaccedilatildeo

20

12 Percursos metodoloacutegicos da investigaccedilatildeo

30

2 ALIMENTOS E RISCOS Agrave SAUacuteDE

46

21 O comensal contemporacircneo da alimentaccedilatildeo ao produto alimentiacutecio

46

22 O panorama diversificado dos riscos dos alimentos

53

23 Riscos agrave sauacutede de um conceito matemaacutetico a uma construccedilatildeo soacutecio-poliacutetica e cultural

61

3 PRODUTOS ALIMENTIacuteCIOS E SAUacuteDE Uma anaacutelise multifacetaacuteria

68

31 Produtos alimentiacutecios e riscos agrave sauacutede a visatildeo dos organismos intergovernamentais

68

311 A abordagem da OMS e FAO sobre o tema

68

312 A apatia do Codex Alimentarius frente aos novos riscos dos alimentos

75

313 A OMC e os produtos alimentiacutecios lucros ao mercado e prejuiacutezos agrave sauacutede

79

32 Globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a sauacutede em questatildeo

84

321 Avanccedilos e retrocessos no mercado dos alimentos

84

322 A publicidade de produtos alimentiacutecios e os efeitos sobre o comportamento e a sauacutede

90

323 Palatabilidade saciedade custo e praticidade dos produtos alimentiacutecios

94

4 A DINAcircMICA DAS TRANSICcedilOtildeES dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

97

41 O percurso da transiccedilatildeo dieteacutetica agrave nutriccedilatildeo

97

42 A obesidade e outras DCNT em ascensatildeo panorama global e nacional

101

421 Comportamento da obesidade e de suas comorbidades no mundo breves comentaacuterios

101

422 O quadro epidemioloacutegico brasileiro e sua conexatildeo com as mazelas do mundo

105

5 REGULACcedilAtildeO DE ALIMENTOS o desafio de governar o mercado

111

51 Do regime militar ao estado democraacutetico a evoluccedilatildeo dos dispositivos de regulaccedilatildeo dos alimentos

111

511 Final dos anos 90 a regulaccedilatildeo de alimentos eacute objeto da nova autarquia

116

52 A Anvisa e o Ministeacuterio da Sauacutede o (re) agir institucional

123

521 Parceria entre governo e induacutestrias fragilidade ou inovaccedilatildeo

141

6 RISCOS E REGULACcedilAtildeO DOS ALIMENTOS visotildees dos sujeitos sociais

147

61 Racionalidades discursivas um exerciacutecio de interpretaccedilatildeo

147

62 A ldquoAlimentaccedilatildeordquo e ldquoNutriccedilatildeordquo geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas

200

63 Regulaccedilatildeo dos riscos dos alimentos ideologias interesses e poder

206

CONCLUSAtildeO

211

REFEREcircNCIAS

217

ANEXOS 242

17

APRESENTACcedilAtildeO

A minha primeira experiecircncia de trabalho apoacutes concluiacuteda a Especializaccedilatildeo em Sauacutede

Puacuteblica e Medicina Social na Universidade Federal da Paraiacuteba foi a de me integrar agrave equipe

teacutecnica da Divisatildeo Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria de Alimentos do Ministeacuterio da Sauacutede Era

1985 eacutepoca da reconstruccedilatildeo democraacutetica momento em que as instituiccedilotildees puacuteblicas

comeccedilavam a rediscutir seu objeto e ajustar as suas praacuteticas aos moldes da proposta da

Nova Repuacuteblica Desvendar a vigilacircncia sanitaacuteria constituiu para mim um desafio pois se

tratava de um conteuacutedo insuficientemente abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e de

poacutes-graduaccedilatildeo que eu realizei Aproveitei entatildeo a riqueza do contexto poliacutetico e teacutecnico e

fui me aprimorando durante o processo de revitalizaccedilatildeo e ajustamento da praacutetica

institucional em curso Havia uma verdadeira efervescecircncia de mudanccedilas Tudo estava

sendo redescoberto e reconstruiacutedo sob uma atmosfera que propiciava o dinamismo a

criatividade e a participaccedilatildeo

Esta foi a minha primeira experiecircncia laboral a vigilacircncia sanitaacuteria como parte do

escopo da sauacutede coletiva A partir dela construiacute a minha trajetoacuteria profissional e acadecircmica

Sem perder o foco na vigilacircncia sanitaacuteria eu tive oportunidade de trabalhar em duas esferas

administrativas a federal e a distrital assim como na instacircncia de apoio teacutecnico no

Laboratoacuterio de Sauacutede Puacuteblica do Distrito Federal e em uma instituiccedilatildeo acadecircmica o Nuacutecleo

de Estudos em Sauacutede Puacuteblica da Universidade de Brasiacutelia Isto me permitiu explorar as

diferentes facetas e niacuteveis de intervenccedilatildeo que envolvem a vigilacircncia sanitaacuteria e reconhececirc-la

como um campo de atuaccedilatildeo amplo altamente conflituoso e cada vez mais estrateacutegico para

a proteccedilatildeo da sauacutede coletiva

Eacute na deacutecada de 90 que o conceito de risco agrave sauacutede incorpora-se agrave praacutetica da vigilacircncia

sanitaacuteria e se torna o foco central da nossa preocupaccedilatildeo Risco cujo conceito insiste em ser

eminentemente ldquoteacutecnicordquo tatildeo somente para esconder a ldquotrama poliacuteticardquo que atravessa o

curso que se estende do aparecimento do risco agraves tomadas de decisotildees

18

Dessa forma concentrada nos riscos emergentes dos alimentos que ameaccedilam a

sociedade brasileira e mundial e na atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees responsaacuteveis pelo controle dos

riscos dos alimentos decidi recolher-me para explorar a complexidade teacutecnica poliacutetica

social e econocircmica que envolve esta temaacutetica

O conteuacutedo desta tese estaacute disposto em seis capiacutetulos sequenciais conclusatildeo e

referecircncias bibliograacuteficas O capiacutetulo inicial corresponde agrave Introduccedilatildeo que traz uma

abordagem geral sobre o impacto dos riscos dos alimentos na sauacutede da populaccedilatildeo seguida

pela discussatildeo do referencial teoacuterico-metodoloacutegico e do detalhamento dos passos adotados

para investigaccedilatildeo empiacuterica

No segundo capiacutetulo Alimentos e Riscos agrave Sauacutede se faz uma breve configuraccedilatildeo das

transformaccedilotildees sociais que induziram a alteraccedilatildeo da conduta cultural da alimentaccedilatildeo e que

deram dinamismo aos riscos dos alimentos aleacutem de se explorar o conceito de risco agrave sauacutede

ressaltando o seu significado soacutecio-poliacutetico

O terceiro capiacutetulo Produtos Alimentiacutecios e Sauacutede uma anaacutelise multifacetaacuteria trata da

atuaccedilatildeo das agecircncias supranacionais na regulamentaccedilatildeo internacional dos alimentos da

conduta das instituiccedilotildees nacionais dirigidas para a melhoria do perfil nutricional dos

alimentos e por fim da globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios enfocando as carateriacutesticas

dos produtos e os artifiacutecios utilizados pelo mercado para comercializaacute-los

O quarto capiacutetulo A Dinacircmica das Transiccedilotildees dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

aborda as bases teacutecnicas da transiccedilatildeo dieteacutetica e da transiccedilatildeo nutricional e faz breves

consideraccedilotildees sobre as prevalecircncias ascendentes de obesidade e de outras DCNT no Brasil

e no mundo e os seus respectivos fatores causais

No quinto capiacutetulo Regulaccedilatildeo de Alimentos o desafio de governar o mercado constam

as bases dos dispositivos legais da vigilacircncia sanitaacuteria de alimentos e as transformaccedilotildees da

instacircncia de controle sanitaacuterio federal enfocando seus avanccedilos e debilidades aleacutem da nova

19

modalidade de atuaccedilatildeo criada pelo poder puacuteblico federal para intervir na qualidade

nutricional dos produtos alimentiacutecios

O uacuteltimo capiacutetulo Riscos e Regulaccedilatildeo dos Alimentos visotildees dos sujeitos sociais traz a

discussatildeo dos dados consistindo na interpretaccedilatildeo dos discursos dos sujeitos investigados

com destaque para as dissonacircncias e os obstaacuteculos para prevenccedilatildeo dos riscos dos

alimentos a geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e as

diferentes modalidades de ideologia e de interesses que envolvem os discursos dos

agrupamentos desses sujeitos sociais

Por fim a Conclusatildeo evidencia o reforccedilo de que o processo de regulaccedilatildeo de alimentos

congrega em si um conflito de interesses teacutecnico-poliacuteticos e por isso haacute necessidade de

construiacute-lo democraticamente para se alcanccedilar um resultado justo para toda a sociedade

20

1 INTRODUCcedilAtildeO

11 Riscos dos alimentos e os impactos no perfil nutricional da populaccedilatildeo

A temaacutetica deste trabalho estaacute ancorada na premissa de que os alimentos satildeo

imprescindiacuteveis agrave vida humana por se constituiacuterem em fontes de nutrientes necessaacuterias ao

crescimento ao desenvolvimento e agrave manutenccedilatildeo da sauacutede Aleacutem dessa funccedilatildeo bioloacutegica

vital a alimentaccedilatildeo tambeacutem eacute uma das formas mais preciosas de expressatildeo cultural que

integra o patrimocircnio imaterial dos diferentes povos e naccedilotildees Assim eacute a fusatildeo desses dois

componentes o bioloacutegico e o sociocultural que conforma o universo da alimentaccedilatildeo

Crises relacionadas agrave escassez contaminaccedilatildeo distribuiccedilatildeo e disponibilidade desigual

dos alimentos compotildeem a histoacuteria da humanidade e repercutem no perfil nutricional e de

sauacutede dos povos (CHAVES 1978 FAO 2009) A partir delas surgem os desequiliacutebrios

sistemaacuteticos na qualidade e ou quantidade de alimentos consumidos que geram riscos agrave

sauacutede individual e coletiva No iniacutecio do caminhar do seacuteculo XXI a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees

Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura - FAO estima que no mundo cerca de 125 da

populaccedilatildeo ainda satildeo subnutridas - por deacuteficit no consumo energeacutetico - e 26 das crianccedilas

apresentam desnutriccedilatildeo crocircnica Esses resultados elevam os custos econocircmicos e sociais

(aumentam as despesas com cuidados de sauacutede reduzem a produtividade no trabalho etc)

para todos os paiacuteses (FAO 2013)

Quando o consumo dos alimentos ocorre em quantidades inferiores agraves necessidades

nutricionais eacute inevitaacutevel o aparecimento de distuacuterbios que a depender da intensidade e da

duraccedilatildeo da carecircncia causam danos irreversiacuteveis agrave sauacutede comprometendo o

desenvolvimento regular da vida conforme constam dos estudos claacutessicos da Nutriccedilatildeo

(BEATON amp McHENRY 1966 MITCHELL et al 1978 CHAVES 1978 TORUN amp CHEW

2003)

21

Assim por um longo periacuteodo o foco de atenccedilatildeo dado aos alimentos esteve

concentrado nos estudos envolvendo a relaccedilatildeo entre a produccedilatildeo e o consumo insuficientes

e as carecircncias nutricionais das populaccedilotildees Dentre estes destacam-se a desnutriccedilatildeo

endecircmica hipovitaminoses e outras modalidades carenciais configurando durante

deacutecadas o eixo temaacutetico central da Nutriccedilatildeo e da Sauacutede Puacuteblica Essa foi a caracteriacutestica da

epidemiologia nutricional1 vigente ateacute fins da deacutecada de 70 quando a desnutriccedilatildeo em

paiacuteses pobres assumia importacircncia pela alta prevalecircncia e mantinha relaccedilatildeo com as altas

taxas de mortalidade infantil (MONTEIRO et al 1993 TORUN amp CHEW 2003 POPKIN

2006 WHO 1990)

Com o progresso ocorrido na ciecircncia e tecnologia de alimentos iniciado no decorrer

dos anos 40 (FAO WHO 2006) e que proporcionou o aprimoramento dos sistemas de

processamento e conservaccedilatildeo dos alimentos com destaque para os avanccedilos na quiacutemica de

aditivos (PHILIPPI 2000) tornou-se possiacutevel a expansatildeo do comeacutercio de alimentos nos

acircmbitos local e internacional principalmente de produtos processados Em virtude da

circulaccedilatildeo intensa dos alimentos entre os paiacuteses surgem concomitantemente outras

modalidades de risco agrave sauacutede de efeito transnacional a ela associadas Assim os alimentos

comeccedilam a ser abordados pelos organismos supranacionais (FAO amp OMS 2006) a partir da

sua natureza paradoxal expressa pela sua capacidade de fornecer nutrientes para

promover sauacutede e ao mesmo tempo de albergar agentes contaminantes capazes de

propagar doenccedilas

Como consequecircncia desse intercacircmbio comercial de alimentos ainda na deacutecada de 60

o tema ldquoalimentosrdquo foi progressivamente inserido na pauta dos interesses internacionais e

estrateacutegicos com vistas a normatizaccedilatildeo devido agraves ameaccedilas em potencial de disseminaccedilatildeo

de doenccedilas decorrentes de contaminantes Amplia-se entatildeo o leque de preocupaccedilotildees com

os alimentos uma vez que ainda persistem as questotildees ligadas ao binocircmio carecircncia

alimentar e desnutriccedilatildeo que jaacute os envolviam

1 A epidemiologia nutricional baseia-se na concepccedilatildeo de que aspectos da dieta podem influenciar a ocorrecircncia de doenccedilas nos indiviacuteduos tanto as doenccedilas originaacuterias de consumo insuficiente ou excessivo de fatores dieteacuteticos quanto aquelas decorrentes da contaminaccedilatildeo de alimentos por agentes bioloacutegicos quiacutemicos ou compostos naturais presentes nos alimentos (WILLET 1990)

22

Para conter quaisquer eventos geradores de obstaacuteculos agraves relaccedilotildees comerciais e agrave

preservaccedilatildeo da sauacutede da populaccedilatildeo os organismos multilaterais como a Organizaccedilatildeo das

Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura-FAO e Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede-

OMS assumiram a responsabilidade de disciplinar aspectos que poderiam garantir a

sanidade dos alimentos comercializados entre os paiacuteses A medida entatildeo adotada foi o

estabelecimento de recomendaccedilotildees sanitaacuterias internacionais para controlar os agentes

bioloacutegicos e quiacutemicos resultantes das praacuteticas relativas agraves atividades agropecuaacuterias e

industriais Assim agrave Comissatildeo do Codex Alimentarius da FAOOMS2 coube desenvolver o

programa de normas alimentares orientado para proteger a sauacutede dos consumidores e

assegurar a adoccedilatildeo de praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos (FAOWHO 2005)

A despeito de persistirem os problemas de carecircncia nutricional e os desafios na

autonomia para a produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de alimentos evidenciada por muitos povos

(WHO 2010 WHO 2011) nas uacuteltimas duas deacutecadas identifica-se a coexistecircncia de dois

grandes riscos agrave sauacutede da populaccedilatildeo mundial relacionados ao consumo dos alimentos

Ambos condensam um conjunto de caracteriacutesticas comuns que pode ser assim sintetizado

expotildeem ao agravo todos os indiviacuteduos embora os socialmente vulneraacuteveis sejam os mais

atingidos ultrapassam os continentes podem ser facilmente controlados e por fim

relacionam-se com as transformaccedilotildees na loacutegica econocircmica de produccedilatildeo de alimentos que

surgem e se expandem em decorrecircncia da globalizaccedilatildeo (WHO 2002a WHO 2008)

Entende-se como globalizaccedilatildeo um processo complexo e multifacetado que engloba

questotildees econocircmicas poliacuteticas e sociais Com a mundializaccedilatildeo dos mercados mediante a

expansatildeo e a intensificaccedilatildeo das relaccedilotildees capitalistas de produccedilatildeo sob o suporte de novas

tecnologias da recriaccedilatildeo da divisatildeo internacional do trabalho e da inovaccedilatildeo de produtos

(IANNI 2007) se consolida um tipo de sociedade de consumo (BAUMAN 1999) Isso

conduz ao fortalecimento dos atores transnacionais em especiais as corporaccedilotildees de

2 Esta Comissatildeo foi criada em 1961 pela FAO e OMS com o objetivo de desenvolver um coacutedigo internacional de

alimentos enfatizando os aspectos de seguranccedila e qualidade para proteger a sauacutede dos consumidores e disciplinar o

comeacutercio de alimentos

23

empresas que agem interferindo na soberania na identidade e no poder dos Estados

nacionais (BECK 1999)

Quanto aos riscos agrave sauacutede o primeiro grupo que vem se complexificando ao longo das

deacutecadas refere-se aos de surtos de doenccedilas transmitidas por alimentos3 (DTA) com

abrangecircncia transnacional raacutepida disseminaccedilatildeo e ocorrecircncia frequente causados por

agentes comuns e agentes patogecircnicos emergentes (ALTEKRUSE SWERDLOW 1996 KATZ

et al 1999 WHO 2008) ou provenientes da poluiccedilatildeo do ar aacutegua e solo e outros agentes

quiacutemicos que surgem em distintos pontos da cadeia produtiva (WHO 2003a) Devem ser

destacados tambeacutem neste grupo os riscos de contaminaccedilatildeo por agentes dotados de

resistecircncia antimicrobiana que comprometem a eficiecircncia das medidas de controle

convencionais (KAumlFERSTEIN et al 1997 TRAUXE 1997 TAORMINA BEUCHAT SLUTSKER

1999)

No que diz respeito ao segundo grupo considerados riscos emergentes implicados com

os alimentos e de alcance mundial deflagrados nas uacuteltimas deacutecadas destaca-se o risco de

obesidade4 e de outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis - DCNT correlacionadas cuja

expansatildeo abrange todos os continentes (WHO 2004a) A obesidade reconhecida hoje pelo

seu caraacuteter pandecircmico resulta principalmente das mudanccedilas comportamentais sociais

ambientais e econocircmicas que intensificaram o desequiliacutebrio entre o consumo e o gasto

energeacutetico associando-se estreitamente com as caracteriacutesticas atuais dos alimentos

consumidos que possuem alta densidade energeacutetica (MONTEIRO 2009 MONTEIRO 2010

WHO 2004a)

Os avanccedilos na tecnologia de alimentos aliado ao suporte do aparato regulatoacuterio tanto

permitiram a formulaccedilatildeo de produtos relativamente seguros em termos microbioloacutegicos

3 Com base na definiccedilatildeo da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede ldquodoenccedilas transmitidas por alimentosrdquo designadas em inglecircs por foodborne diseases (FBD) consistem em doenccedilas comumente veiculadas pelos alimentos e compreende um amplo conjunto de sinais e sintomas causado por microrganismos patogecircnicos parasitas contaminantes quiacutemicos e biotoxinas (WHO 2007) 4

Neste estudo ldquoexcesso de pesordquo eacute o termo geral usado para abordar conjuntamente o sobrepeso e a obesidade A menccedilatildeo dos termos - excesso de peso obesidade ou sobrepeso ndash de forma independente e isolada dependeraacute do estudo que for referenciado

24

quanto a criaccedilatildeo de produtos pobres ou natildeo saudaacuteveis em termos nutricionais Satildeo aqueles

com alta densidade energeacutetica alto teor de gordura saturada sal e accediluacutecares livres e pobres

em nutrientes essenciais que satildeo disponibilizados no mercado a preccedilos acessiacuteveis e

portanto estimuladores do consumo5 (WHO 2003b WHO 2006) Acrescenta-se ainda que

tais produtos tecircm causado impactos negativos sobre o haacutebito alimentar tradicional das

populaccedilotildees dificultando a praacutetica de uma dieta saudaacutevel (POPKIN 2006)

Conforme descrito acima esses produtos alimentiacutecios satildeo os responsaacuteveis pelos riscos

emergentes dos alimentos Riscos definidos pelo potencial que tais produtos tecircm de causar

malefiacutecios agrave sauacutede humana devido a certos tipos de nutrientes em excesso ndash perigos -

presentes na sua composiccedilatildeo a qual eacute definida a partir de foacutermulas baseadas em

ingredientes processados e pouco nutritivos Desse modo eacute o consumo sistemaacutetico desses

produtos alimentiacutecios pela populaccedilatildeo que repercute negativamente no campo alimentar e

nutricional Este eacute o contexto no qual a pandemia de obesidade emerge e outras DCNT se

desenvolvem

Segundo a OMS a prevalecircncia de obesidade no continente europeu oscilou nos anos

1999 a 2004 entre 5 a 23 nos homens e entre 7 e 36 nas mulheres (WHO 2006)

Contudo em periacuteodos anteriores nos anos de 1988 a 1994 jaacute atingia a populaccedilatildeo adulta

americana na faixa etaacuteria de 20 a 74 anos em patamares de 199 a 249

respectivamente para homens e mulheres (WHO 2004a) No Brasil os dados mais recentes

sobre o estado nutricional da populaccedilatildeo brasileira revelam que os grupos etaacuterios de 10 a 19

anos e de 20 anos ou mais de idade apresentam prevalecircncias de obesidade de 4 e 148

jaacute para o excesso de peso os valores correspondem a 194 e 49 respectivamente

(BRASILIBGE 2010) A evoluccedilatildeo da obesidade em adultos no Brasil vem ocorrendo nos

uacuteltimos 25 anos sendo observada nas regiotildees Nordeste e Sudeste do paiacutes (BATISTA FILHO

RISIN 2003)

5 Esses alimentos tambeacutem englobam as bebidas com alta densidade energeacutetica Aleacutem disso podem ser referidos com outras denominaccedilotildees tais como alimentos ou produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis alimentos inadequados em termos nutricionais alimentos ou produtos de alto risco agrave sauacutede e alimentos ultraprocessados

25

De um modo geral essa reconfiguraccedilatildeo do perfil nutricional da populaccedilatildeo proveacutem de

uma multiplicidade de fatores que implica mudanccedilas no ambiente social ampliaccedilatildeo do

comeacutercio global de produtos alimentiacutecios sem o apropriado controle sanitaacuterio alteraccedilotildees no

padratildeo de consumo alimentar introduccedilatildeo de novos processos de produccedilatildeo de alimentos e

aumento da interferecircncia do homem em ambientes nativos (NEWELL et al 2010

ALTEKRUSE SWERDLOW1996 KAumlFERSTEIN MONTARJEMI BETTCHER 1997 WHO

2008) Aleacutem disso foi favorecida pelo aumento no consumo de gordura e de accediluacutecares

adicionados agraves dietas graccedilas agrave elevaccedilatildeo acentuada da disponibilidade dos produtos de

origem animal e de outros industrializados em contraposiccedilatildeo ao baixo consumo de

alimentos ricos em fibras e cereais integrais (POPKIN 2001) e dos alimentos da dieta

tradicional (WHO 2004a)

Indubitavelmente a obesidade e as doenccedilas transmitidas por alimentos integram o

panorama mundial das doenccedilas de relevacircncia para a sauacutede puacuteblica as quais podem ser

perfeitamente considerados como um dos tipos de riscos supranacionais pela sua amplitude

e efeitos alcanccedilando conforme menciona Giddens (2008) Para o autor satildeo formas de riscos

de extensatildeo intercontinental e de efeitos indeterminados que continuamente surgem e se

renovam como consequecircncias dos processos sociais contemporacircneos Embora os impactos

de nocividade sejam extensos os grupos populacionais mais socialmente vulneraacuteveis dos

paiacuteses satildeo os mais afetados

A disponibilidade e os estiacutemulos sistemaacuteticos para o consumo de produtos

alimentiacutecios de circulaccedilatildeo global hipercaloacutericos pouco nutritivos e com atributos de

praticidade induzem a populaccedilatildeo a dar preferecircncia a tais produtos e consequentemente

expondo-a ao risco de contrair essas doenccedilas

Abordar os riscos dos alimentos na atualidade obriga-nos a imergir em um cenaacuterio

protagonizado pelo mercado que usufrui do dinamismo efervescente de tecnologias de

produccedilatildeo da contiacutenua criaccedilatildeo de bens e insumos bem como do aprimoramento das

estrateacutegias comerciais de estiacutemulo ao consumo Na outra ponta encontram-se os cidadatildeos-

consumidores atordoados com a diversidade excessiva de produtos alimentiacutecios postos agrave

26

sua disposiccedilatildeo e desinformados quanto aos efeitos nocivos agrave sauacutede que esses produtos

podem acarretar Ambos os interessados sofrem a influecircncia de controle das instituiccedilotildees

governamentais cuja atuaccedilatildeo eacute limitada Isso resulta em um descompasso entre o ritmo

acelerado das eclosotildees dos fenocircmenos sanitaacuterios de origem alimentar e a capacidade

poliacutetico-operacional reduzida para desempenhar satisfatoriamente o controle dos riscos agrave

sauacutede

Destaca-se ainda que o advento da pandemia da obesidade e o aumento das DCNT

impotildeem um novo olhar sobre os riscos agrave sauacutede relacionados aos alimentos exigindo

reflexotildees e mudanccedilas na forma tradicional de se conceber o objeto ldquovigilacircncia sanitaacuteriardquo no

campo dos alimentos e de exercer a regulaccedilatildeo sobre ele Vigilacircncia sanitaacuteria aqui

compreendida como [] um conjunto de accedilotildees capazes de eliminar diminuir ou prevenir

riscos agrave sauacutede e de intervir nos problemas sanitaacuterios decorrentes do meio ambiente da

produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de bens e da prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse agrave sauacutede (BRASIL

CONASS 2003a) Tais accedilotildees sendo executadas de forma descentralizada pelas trecircs

instacircncias do Sistema Uacutenico de Sauacutede

Esse cenaacuterio - com um novo risco socialmente gerado - estaacute posto e ele fragiliza a

sauacutede da populaccedilatildeo desafia as instituiccedilotildees de controle oficiais e nos instiga a levantar a

seguinte hipoacutetese apesar de reconhecer que a regulaccedilatildeo puacuteblica dos alimentos eacute uma das

estrateacutegias poliacutetico-operacionais necessaacuterias para intervir nos riscos emergentes dos

alimentos as forccedilas poliacuteticas no Estado atual satildeo insuficientes para concretizaacute-la com

efetividade em decorrecircncia do poder das induacutestrias - que reagem atribuindo a

responsabilidade dos distuacuterbios nutricionais aos consumidores e minimizando as

reivindicaccedilotildees da sociedade civil

Considerando os pressupostos mencionados administrar os riscos dos alimentos sob

a perspectiva sanitaacuteria e nutricional requer no miacutenimo ajustes no interior das instituiccedilotildees

reguladoras e das induacutestrias produtoras de alimentos para incorporar a preocupaccedilatildeo em

conter a obesidade e suas comorbidades Decerto significa tambeacutem ampliar o leque de

possibilidades de intervenccedilatildeo puacuteblica nos problemas de sauacutede prevalentes na populaccedilatildeo

27

Essa ampliaccedilatildeo levaraacute (poderaacute levar) a uma vertente restritiva ou limitante da liberdade de

produccedilatildeo industrial As instituiccedilotildees reguladoras teratildeo que fortalecer a retaguarda teacutecnica e

poliacutetica que possibilite dialogar com os sujeitos estrateacutegicos e administrar os interesses

conflituosos que permeiam atividades dessa natureza

Na loacutegica atual de funcionamento da sociedade os riscos emergentes dos alimentos

relacionados agrave obesidade e a outras DCNT se comportam como tipos de ameaccedila

continuamente crescentes exigindo controle Mas essa medida contraria as propostas que

apregoam a reduccedilatildeo das funccedilotildees do Estado justificadas pela autossuficiecircncia do mercado

na gestatildeo dos seus negoacutecios Nesses casos como advogam alguns autores os riscos satildeo os

propulsores do aprimoramento das atividades regulatoacuterias uma vez que eacute necessaacuterio

conter as incertezas e inseguranccedilas derivadas da moderna tecnologia e da ciecircncia

empregadas na fabricaccedilatildeo de produtos bens e serviccedilos disponibilizados agrave sociedade

(LUCCHESE 2003 BODSTEIN 2000)

Destaca-se que a regulaccedilatildeo em sauacutede deve seguir orientaccedilotildees distintas agraves aplicadas

para a regulaccedilatildeo do mercado em geral Regulaccedilatildeo no acircmbito da sauacutede eacute um processo de

gestatildeo de riscos das potenciais deficiecircncias ou adversidades que podem surgir a partir do

consumo ou do uso de produtos de interesse agrave sauacutede e afetar a coletividade

(CARVALHEIRO 2001 LUCCHESE 2008) Sob esse prisma a regulaccedilatildeo tem como finalidade

preciacutepua a de ser fundamentalmente veiacuteculo das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede Salienta-se

que a natureza dessa atividade de Estado natildeo se confina exclusivamente agrave elaboraccedilatildeo de

regras (OLIVEIRA ELIAS 2012) e envolve outras diversas modalidades de accedilatildeo

No setor sauacutede a intervenccedilatildeo estatal sobre a conduta do setor produtivo eacute imperativa

para garantia da defesa e da proteccedilatildeo da sauacutede puacuteblica quando haacute situaccedilotildees que envolvem

riscos procedimento legiacutetimo e previsto nos dispositivos legais brasileiros (BRASIL

CONASS 2003a 2003b 2003c)

No campo da vigilacircncia sanitaacuteria a regulaccedilatildeo enquanto intervenccedilatildeo no risco

pressupotildee sempre a conjugaccedilatildeo do conhecimento teacutecnico multidisciplinar com o

posicionamento poliacutetico e reveste-se de vaacuterios componentes que extrapolam o ato

28

fiscalizatoacuterio de caraacuteter privativo do Estado sobre os objetos de interesse agrave sauacutede

propriamente dita A regulaccedilatildeo sanitaacuteria um dos componentes da anaacutelise de risco6 (gestatildeo

do risco) comporta medidas tais como regulamentaccedilatildeo investigaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo

monitoramento controle auditoria e avaliaccedilatildeo que satildeo adotadas pelo Estado a fim de

conter o objeto ou o evento de risco que ameaccedila a sauacutede da populaccedilatildeo (CARVALHEIRO

2001 LUCCHESE 2008)

Na atualidade a regulaccedilatildeo sanitaacuteria brasileira desenvolve-se a partir de um processo

de construccedilatildeo coletiva com o envolvimento ativo de diferentes sujeitos incluindo em uma

de suas fases o espaccedilo para participaccedilatildeo da populaccedilatildeo em geral Representantes do

mercado7 da sociedade civil organizada universidades e instituiccedilotildees puacuteblicas de sauacutede

afins formam o grupo de integrantes desse processo Eacute nesse ambiente que se confrontam

os conhecimentos cientiacuteficos os posicionamentos poliacutetico-ideoloacutegicos as expectativas e as

linhas estrateacutegicas para proteger a populaccedilatildeo contra os riscos dos alimentos Sob esses

diferentes olhares - mercado poder puacuteblico e sociedade civil - entremeados de conflitos de

interesses eacute que se modula paulatinamente o consenso possiacutevel para viabilizar o controle

dos riscos dos componentes nutricionais dos alimentos

Embora formalmente democraacuteticas essas decisotildees regulatoacuterias ainda precisam ser

ajustadas aos acordos bilaterais e multilaterais firmados como no caso do Mercado Comum

do Sul-Mercosul e da Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio-OMC e agraves normas internacionais

como as estabelecidas pelo Codex Alimentarius FAOOMS Em determinadas circunstacircncias

esses processos servem de freios para o avanccedilo de propostas mais aproximadas aos

interesses da sauacutede coletiva Todavia a regulaccedilatildeo sanitaacuteria praticada no cotidiano das

6 Segundo a FAOOMS (2005) anaacutelise de riscos eacute um processo que consta de trecircs componentes avaliaccedilatildeo de riscos gestatildeogerenciamento de riscos e comunicaccedilatildeo de riscos A avaliaccedilatildeo processo baseado em conhecimentos teacutecnico-cientiacuteficos que serve para nortear o gerenciamento de risco ndash momento em que se avaliam as distintas opccedilotildees de intervenccedilatildeo mediante consulta agraves partes interessadas tendo como referecircncia a proteccedilatildeo da sauacutede dos consumidores e a promoccedilatildeo de praacuteticas comerciais equitativas 7O mercado de alimentos eacute uma expressatildeo empregada no sentido abrangente referindo-se a todas as operaccedilotildees comerciais estabelecidas nas distintas etapas do sistema produtivo de alimentos que tecircm como fim o consumo humano Abarca tambeacutem todos os integrantes do sistema de produccedilatildeo de alimentos em suas diferentes etapas os quais podem ser referidos neste estudo como setores produtivos setores regulados ou setores econocircmicos

29

instituiccedilotildees de controle ainda eacute a uacutenica medida de intervenccedilatildeo estatal efetiva de interesse

da sauacutede coletiva relativamente democraacutetica Utilizada para ajustar as praacuteticas do mercado

essa eacute a forma de exigir a adoccedilatildeo de medidas de prevenccedilatildeo e de controle dos riscos dos

produtos e serviccedilos ofertados agrave sociedade assim como de aplicar sanccedilotildees e penalidades

quando da existecircncia de descumprimentos ou desvios das regras definidas

Elucidar os pontos de convergecircncia e de divergecircncia os argumentos para regulaccedilatildeo

os compromissos com a sauacutede do coletivo e os limites de atuaccedilatildeo poliacutetica suscitados

quando se potildee em pauta essa mateacuteria eacute o objeto principal deste estudo

Nesse sentido investigar o discurso dos sujeitos envolvidos nessa agenda -

representantes do poder puacuteblico do mercado da sociedade civil organizada e de um

organismo internacional - permitiraacute elucidar as motivaccedilotildees significativas que orientam os

seus atos em torno da problemaacutetica deste estudo Ao mesmo tempo espera-se como

resultado obter elementos de respostas para as seguintes questotildees Quais satildeo os riscos dos

alimentos reconhecidos por esses sujeitos que podem levar a sociedade a desenvolver

doenccedilas crocircnicas Quais satildeo as estrateacutegias poliacutetico-institucionais e os conflitos enfrentados

pelos diferentes sujeitos para conter os riscos emergentes dos alimentos Como eacute aceita a

regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos para conter o avanccedilo da obesidade e

outras DCNT Haacute um compromisso compartilhado por parte dos sujeitos para tornar o

controle dos componentes nutricionais dos alimentos uma praacutetica institucional

Com base nas consideraccedilotildees expostas foram formulados os seguintes objetivos para

este estudo

a) Objetivo Geral Analisar a compreensatildeo dos diferentes sujeitos envolvidos na

agenda de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo sobre os riscos emergentes dos alimentos e a accedilatildeo

puacuteblica de regulaccedilatildeo envolvida com fins de contribuir para o seu aprimoramento

30

b) Objetivos Especiacuteficos

Identificar os significados atribuiacutedos aos riscos emergentes dos alimentos e

sua relaccedilatildeo com a expansatildeo do mercado global de produtos alimentiacutecios

Caracterizar a construccedilatildeo dos sentidos sobre a conduta e as medidas

regulatoacuterias adotadas pelo poder puacuteblico para interferir na qualidade dos produtos

alimentiacutecios em funccedilatildeo da evoluccedilatildeo da obesidade e de outras DNCT

Caracterizar nos discursos manifestos os interesses que permeiam a

temaacutetica da accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos

alimentiacutecios como estrateacutegia para intervir nos riscos emergentes dos alimentos

Delimitar a partir dos enunciados extraiacutedos dos discursos as

responsabilidades que cada um dos sujeitos atribui a si e aos demais no que se refere agrave

prevenccedilatildeo e ao controle dos riscos emergentes dos alimentos

12 Percursos metodoloacutegicos da investigaccedilatildeo

Referencial teoacuterico-metodoloacutegico

A relaccedilatildeo aparentemente paradoxal entre alimentos e sauacutede que impera na sociedade

contemporacircnea estimulou a produccedilatildeo de pesquisas interessadas em elucidar a concepccedilatildeo

dos indiviacuteduos e a conduta das instituiccedilotildees sobre as questotildees de nutriccedilatildeo bem como de

risco regulaccedilatildeo e seguranccedila de alimentos Temas que parecem estar conquistando

progressivamente espaccedilos na literatura cientiacutefica local e internacional Neste sentido vaacuterios

estudos sob diferentes oacuteticas utilizam material discursivo construiacutedo a partir do relato dos

sujeitos para avaliar entre outros aspectos o consumo das mensagens publicitaacuterias sobre

nutriccedilatildeo e a prevenccedilatildeo de doenccedilas crocircnicas (HENDERSON et al 2010) os discursos e as

crenccedilas relacionadas aos riscos dos alimentos (LUPTON 2005) as percepccedilotildees dos

consumidores sobre os tradicionais e os atuais riscos atribuiacutedos aos alimentos (BUCHLER

SMITH LAWRENCE 2010) e o conflito que permeia as praacuteticas de consumo desejo versus

controle com vistas a reduzir os riscos dos alimentos (HALKIER 2001)

31

Todavia tambeacutem natildeo eacute raro que essas pesquisas utilizem como fonte entrevistas com

representantes de organizaccedilotildees quando a linha de pesquisa visa conhecer o

posicionamento institucional relativo ao controle de riscos Estudos com esse caraacuteter foram

feitos sobre a vigilacircncia da concentraccedilatildeo de fluacuteor em produtos alimentiacutecios (BARDAL et al

2012) a implementaccedilatildeo da ferramenta de anaacutelise de riscos dos alimentos (FIGUEIREDO

MIRANDA 2011) e a anaacutelise dos significados de seguranccedila sanitaacuteria (BARBOSA COSTA

2010)

Utilizando-se de fonte primaacuteria de dados similares o objeto deste estudo dirige-se

para a compreensatildeo da relaccedilatildeo entre os riscos emergentes dos alimentos e a visatildeo da

regulaccedilatildeo puacuteblica explicitada por diferentes sujeitos partindo-se do pressuposto que

mediante o uso da linguagem os significados que constituem e constroem essa realidade

especiacutefica poderatildeo ser explorados

As representaccedilotildees organizadas ndash do mercado8 do poder puacuteblico e da sociedade ndash

conformam os principais sujeitos que apresentam relevacircncia para o estudo em tela Cada

um dos sujeitos ilustra uma posiccedilatildeo diferenciada no conjunto das representaccedilotildees que se

traduz pelo domiacutenio e confronto com o objeto de discussatildeo e pela sua capacidade de uso de

diversos mecanismos de pressatildeo para ajustaacute-la aos interesses do setor que defendem

Assim eacute essa relaccedilatildeo envolvendo o objeto e os sujeitos supracitados que nos remete a

optar por um meacutetodo capaz de fornecer respostas para as seguintes indagaccedilotildees Como eacute

compreendida a relaccedilatildeo entre o perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios e a obesidade e

DCNT que na uacuteltima deacutecada vecircm recrudescendo na sociedade brasileira Qual eacute o sentido

dado agrave regulaccedilatildeo do perfil nutricional do produto alimentiacutecio para atender agraves necessidades

de sauacutede atuais

Para acessar a subjetividade que permeia o universo dessas questotildees elegeu-se a

Hermenecircutica da Profundidade-HP (THOMPSON 2000) como referencial teoacuterico-

metodoloacutegico para lidar com os sentidos mobilizados pelas Formas Simboacutelicas - FS

8Neste estudo a categoria analiacutetica ldquomercadordquo se refere aos representantes do sistema produtivo em especial nas

etapas que compreendem a industrializaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

32

entendendo-as como artifiacutecios natildeo apenas de sentidos mas tambeacutem de dominaccedilatildeo no

conjunto social O autor conceitua as FS (accedilotildees falas textos) como fenocircmenos significativos

interpretados e compreendidos pelos sujeitos produtores-receptores

A HP admite a inserccedilatildeo de diferentes tipos de anaacutelise que tratam das caracteriacutesticas

estruturais das FS ou das condiccedilotildees socio-histoacutericas de accedilatildeo e interaccedilatildeo pois segundo

Thompson (2000) trata-se de um auxiacutelio ao processo de interpretaccedilatildeo de forma legitimada

e colaborativa Esta flexibilidade da HP permitiu a inserccedilatildeo do meacutetodo de Anaacutelise de

Discurso ndash AD (ORLANDI 2010) o qual seraacute utilizado em momentos especiacuteficos durante o

trajeto que conduz a reinterpretaccedilatildeo

Segundo esse autor o campo-objeto e o campo-sujeito constituem uma siacutentese O

objeto em observaccedilatildeo e explicaccedilatildeo eacute construiacutedo em parte pelos sujeitos dotados de

compreensatildeo reflexatildeo e accedilatildeo inclusive com potencial para desencadear um processo de

transformaccedilatildeo do campo sujeito-objeto (THOMPSON 2000)

Adianta-se que os efeitos da modernizaccedilatildeo da sociedade que expandem e sofisticam

os mecanismos de interaccedilatildeo natildeo deixaram as FS imunes e modificaram a sua caracteriacutestica

original Com a evoluccedilatildeo da sociedade essas deixaram de ser resultado de uma interaccedilatildeo

exclusivamente face-a-face principalmente em decorrecircncia do desenvolvimento das

instituiccedilotildees e dos meios de comunicaccedilatildeo de massa assim como incorporaram o valor

econocircmico ao valor simboacutelico 9 transformando-se em instrumentos de transaccedilotildees

comerciais (THOMPSON 2000)

Para analisar as FS como ideoloacutegicas o referido autor centra-se no estudo da ideologia

nas sociedades complexas descartando a ideia de que o seu papel reside em atuar como

indutor de estabilidade social ou aglutinador de interesses coletivos divergentes A coesatildeo

social eacute uma caracteriacutestica circunstancial que se sustenta possivelmente pela influecircncia de

alguns fatores tais como valores e crenccedilas diferenciados multiplicidade de grupos internos

9 Thompson (2000) afirma que a valorizaccedilatildeo econocircmica das formas simboacutelicas eacute uma condiccedilatildeo especial e decorre da troca do bem simboacutelico efetuada no acircmbito do mercado

33

e inexistecircncia de consenso sobre tema especiacutefico que inviabiliza a accedilatildeo poliacutetica A ideologia

se fundamenta na inter-relaccedilatildeo entre sentido e poder e tem como caraacuteter criar e constituir

a vida social mediante o dinamismo da circulaccedilatildeo de accedilotildees e interaccedilotildees na qual participam

as trocas de FS Com esses argumentos justifica-se o interesse em investigar os usos sociais

das FS enquanto manifestaccedilotildees ideoloacutegicas inseridas em contexto socio-histoacuterico

especiacuteficos que se realizam tanto no acircmbito da vida cotidiana quanto na esfera das

instituiccedilotildees ambas tratadas a partir do enfoque conceitual da ideologia (THOMPSON

2000)

Efetuadas as consideraccedilotildees acima o processo de significaccedilatildeo se inicia com a

exploraccedilatildeo dos textos transcritos das entrevistas realizadas com 13 sujeitos

(representantes do poder puacuteblico do mercado e da sociedade civil organizada) que ilustra

o universo do senso comum e em seguida prossegue-se conforme propotildee Orlandi (2010)

ateacute serem revelados os compromissos poliacutetico-ideoloacutegicos mediados pela linguagem dos

sujeitos e materializados no discurso

As informaccedilotildees do senso comum permitem compreender como o mundo

intersubjetivo construiacutedo em um ambiente de partilha e comunicaccedilatildeo adquire significado

para os indiviacuteduos permitindo explicaacute-lo quanto ao seu funcionamento e as suas desordens

internas e dar-lhe objetividade sempre provisoacuteria devido agrave relaccedilatildeo dialeacutetica que haacute entre

eles e o mundo social (BERGER LUCKMANN 2009) Para os autores a linguagem enquanto

acervo de conhecimentos socialmente produzidos eacute um dos sistemas que deteacutem a

capacidade de transcender conectar diferentes facetas da vida cotidiana e as integrar em

uma totalidade dotada de sentido que forma o senso comum da realidade - uma imagem

aparentemente clara na leitura dos sujeitos mas que eacute essencialmente obscura quando se

procede a anaacutelise

Isso porque o objeto simboacutelico estaacute impregnado do binocircmio desejo e poder que se

desvenda e se decodifica paulatinamente com a construccedilatildeo do discurso (FOUCAULT 1999)

O poder aqui referido pelo autor eacute aquele que transpassa os sujeitos e que se efetiva nas

muacuteltiplas relaccedilotildees que se estabelece no mundo social distanciando-se por completo do

34

tipo instituiacutedo a partir da estrutura formal hieraacuterquica Os sujeitos satildeo ao mesmo tempo

receptores e transmissores ativos do poder ato que se concretiza pela constituiccedilatildeo

reformulaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo de discursos na dinacircmica das interaccedilotildees sociais Entretanto se

articulado ao saber o poder torna-se mais astucioso pois se encobre com a maacutescara da

sutileza e se irradia no cotidiano da existecircncia humana sem ser facilmente revelado

(FOUCAULT 1982)

Desse modo Bourdieu (2009) reconhece que o capital cultural (poder simboacutelico) em

conjunto com o capital econocircmico (poder material) compreendem os dois princiacutepios de

diferenciaccedilatildeo que podem ser utilizados numa sociedade estratificada para conformar as

marcas de distinccedilatildeo dos grupos sociais estabelecidas intra e extra grupos Os grupos

definidos a partir da composiccedilatildeo do capital se distinguem quanto aos interesses e agraves

posiccedilotildees assumidas no espaccedilo social Diferenccedilas que se convertem em relaccedilotildees de forccedila

para impor as representaccedilotildees desse espaccedilo e para tomar posiccedilatildeo nas lutas cotidianas

dirigidas a transformaacute-lo ou a mantecirc-lo

Nesse sentido os sujeitos ora investigados indiviacuteduos portadores desse duplo

atributo poder-saber e que assumem a condiccedilatildeo de representaccedilatildeo de instituiccedilotildees de cunho

teacutecnico-poliacutetico provavelmente no exerciacutecio de suas falas devem fazer uso da base teacutecnico-

cientiacutefica como suporte para expressar os interesses poliacutetico-ideoloacutegicos que

posteriormente seratildeo identificados nos discursos

Ao se referir aos sujeitos Thompson (2000) faz duas relevantes consideraccedilotildees A

primeira delas eacute o reconhecimento do receptor ativo e portanto criacutetico A apropriaccedilatildeo das

mensagens recebidas eacute um processo de autoformaccedilatildeo e de autoentendimento que requer

um contiacutenuo esforccedilo do indiviacuteduo para entendecirc-las e dar-lhes sentido contestaacute-las e

compartilhaacute-las A segunda consideraccedilatildeo aponta para a historicidade dos sujeitos seres

humanos ativos que participam do mundo social inseridos em tradiccedilotildees histoacutericas cuja

natureza envolve em parte um elenco complexo de significados e valores que satildeo

transmitidos de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo

35

Nesse contexto a palavra oral ou escrita eacute uma das formas de manifestaccedilatildeo simboacutelica

que conduz agrave compreensatildeo dos acontecimentos No entanto eacute preciso suplantar a condiccedilatildeo

de opacidade e se iluminar com um dos gestos de significaccedilatildeo nela presente (ORLANDI

2010) Por isso a arte de interpretar a palavra sob a forma de discursos seraacute utilizada como

uma estrateacutegia metodoloacutegica complementar Conforme essa autora interpretar eacute o ato de

abstrair da fala dos sujeitos a economia impliacutecita do discurso os elementos ocultos natildeo

verbalizados envoltos por uma historicidade que traduzem a sua filiaccedilatildeo poliacutetico-

ideoloacutegica e lhes daacute o sentido e assim transforma o homem e o ambiente social

Trata-se entatildeo de se mergulhar no impliacutecito o acircmago do discurso a parte tatildeo secreta

inacessiacutevel em todas as suas dimensotildees o ldquojamais-ditordquo que carrega as marcas da

determinaccedilatildeo histoacuterica (FOUCAULT 2008) Algo que repercute tanto na autoria do sujeito

falante pois sua funccedilatildeo se converte em dar unidade sentido e coerecircncia ao objeto

discursivo quanto na interpretaccedilatildeo do objeto discursivo tornando-o um leque aberto de

interpretaccedilotildees

No marco teoacuterico de Thompson (2000) a hermenecircutica da vida cotidiana eacute o ponto de

partida O autor se reporta a esse momento preliminar como o da interpretaccedilatildeo da Doxa ou

seja das opiniotildees crenccedilas e compreensotildees que satildeo sustentadas e partilhadas pelas pessoas

no mundo social A partir desse substrato se exploram as dimensotildees subsequentes para

abarcar a totalidade dos aspectos que envolvem as FS Desse modo e considerando que as

FS estatildeo estruturadas e inseridas nas condiccedilotildees socio-histoacutericas o referencial compreende

trecircs dimensotildees analiticamente distintas de um processo interpretativo complexo

1ordf dimensatildeo - Anaacutelise socio-histoacuterica ndash reconstruccedilatildeo das condiccedilotildees socio-histoacutericas

da produccedilatildeo circulaccedilatildeo e recepccedilatildeo das FS Consiste de quatro elementos situaccedilotildees espaccedilo-

temporais (reconstruccedilatildeo dos ambientes de produccedilatildeo e recepccedilatildeo das FS) campos de

interaccedilatildeo (anaacutelise dos recursos regras convenccedilotildees e relaccedilotildees sociais) instituiccedilotildees sociais

(reconstruccedilatildeo dos conjuntos relativamente estaacuteveis de regras e recursos e de relaccedilotildees

36

sociais) e estrutura social (anaacutelise das assimetrias e diferenccedilas relativamente estaacuteveis que

caracterizam as instituiccedilotildees sociais e os campos de interaccedilatildeo)

2ordf dimensatildeo ndash Anaacutelise formal ou discursiva ndash constitui as bases para um tipo de

anaacutelise focada na organizaccedilatildeo interna das FS (caracteriacutesticas estruturais padrotildees e

relaccedilotildees) podendo ser utilizadas diferentes modalidades de anaacutelise Neste estudo em

especial seraacute utilizada a Anaacutelise de Discurso ndash AD

Para abarcar a triacuteade liacutengua-discurso-ideologia a AD busca dar concretude agrave fala

fazendo um transcurso reflexivo da descriccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo Compreende novos gestos de

leitura que culminam na desconstruccedilatildeo do enunciado mediante o cruzamento do histoacuterico

com o linguiacutestico que adentra a esfera da sua superficialidade aparente para resgatar a

materialidade do sentido que eacute o proacuteprio discurso (PECHEUX 2008)

Segundo Orlandi (2010) a AD faz uso de dois dispositivos em distintos momentos da

anaacutelise

a) Dispositivo teoacuterico de interpretaccedilatildeo aquele que faz a mediaccedilatildeo do

movimento entre a descriccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Isto significa explicitar os

processos de significaccedilatildeo presentes no texto e identificar os sentidos ldquonatildeo-

ditosrdquo compreendendo como eles se constituem

b) Dispositivo analiacutetico aquele construiacutedo pelo analista a partir da natureza

dos materiais analisados da questatildeo formulada da finalidade da anaacutelise e

das diferentes teorias que conformam os distintos campos disciplinares

(ORLANDI 2010)

3ordf dimensatildeo ndash Interpretaccedilatildeo (ou reinterpretaccedilatildeo) Analisa a construccedilatildeo criativa de

possiacuteveis significados do que eacute dito pela siacutentese das dimensotildees anteriores realccedilando o seu

caraacuteter ideoloacutegico que significa () explicitar a conexatildeo entre o sentido mobilizado pelas FS e

as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo que esse sentido manteacutem (THOMPSON 2000)

37

Pesquisa de campo

Trata-se de uma investigaccedilatildeo empiacuterica do tipo qualitativa apropriada para investigar

fenocircmenos sociais complexos do mundo contemporacircneo (MINAYO 2006) na qual foram

aplicadas duas teacutecnicas especiacuteficas anaacutelise documental e entrevistas com sujeitos ambas

relacionadas agraves instituiccedilotildees de interesse agrave pesquisa e envolvendo a temaacutetica de riscos de

alimentos regulaccedilatildeo controle de alimentos obesidade e ou DNCT Os documentos referem-

se aos materiais institucionais de domiacutenio puacuteblico sendo analisados sob a perspectiva de

contextualizaccedilatildeo da informaccedilatildeo Como tais documentos representam uma das versotildees

construiacutedas sobre a realidade observada haacute limitaccedilotildees em utilizaacute-los para validar as

afirmaccedilotildees obtidas em entrevista (FLICK 2009)

Quanto agraves entrevistas buscou-se explorar as ideias e os significados que os sujeitos

atribuem ao objeto investigado Adianta-se que parte do grupo dos sujeitos tem uma

aproximaccedilatildeo intensa com esse objeto pois este coincide com a proacutepria atividade de

trabalho cotidiana Foram identificados sujeitos estrateacutegicos ou seja aqueles com poder

decisoacuterio e que participam diretamente e ou acompanham as discussotildees travadas no

acircmbito nacional e internacional sobre riscos dos alimentos regulaccedilatildeo e controle e ou a

prevalecircncia de obesidade e DCNT na populaccedilatildeo

Diante disto foram constituiacutedos dois grupos de anaacutelise Estudo dos documentos

oficiais em que constam as especificaccedilotildees e o processo de anaacutelise dos documentos

selecionados e Entrevistas com os sujeitos em que satildeo mencionadas as instituiccedilotildees puacuteblicas

e privadas e as entidades da sociedade civil organizada que fizeram parte da pesquisa

assim como o processo de coleta dos dados

Os procedimentos para o desenvolvimento desta pesquisa estatildeo de acordo com as

diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos previstos

na Resoluccedilatildeo nordm 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Sauacutede A pesquisa

de campo foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica da Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede ndash UNB

conforme Parecer no 1172012

38

Estudo dos documentos oficiais

Os documentos oficiais selecionados e de domiacutenio puacuteblico abrangem as seguintes

modalidades portarias ministeriais relatoacuterios teacutecnicos termos de compromisso atas

acordos e projetos de leis Tais documentos exceto os projetos de leis se referem aos anos

2007 e 2014 e tratam sobre alguns desses temas alimentos obesidade DCNT risco e ou

regulaccedilatildeo Esses documentos foram analisados considerando os propoacutesitos da poliacutetica

puacuteblica de sauacutede e nutriccedilatildeo e o quadro epidemioloacutegico-nutricional vigente

Aleacutem disso levantou-se na paacutegina eletrocircnica oficial da Cacircmara dos Deputados do

Congresso Nacional todos os projetos de lei disponiacuteveis e referentes aos temas

supracitados equivalentes ao periacuteodo de 01012000 a 31122013 O levantamento das

publicaccedilotildees institucionais teve como ponto de corte o ano 2000 em virtude de este ser o

ano do anuacutencio oficial da pandemia de obesidade pelos organismos internacionais Para se

efetuar a busca dos projetos de lei nesse site foram utilizadas as seguintes palavras-chaves

regulaccedilatildeo amp alimentos controle amp alimentos publicidade amp alimentos e obesidade Essa

coleta coincidiu com o periacuteodo de realizaccedilatildeo das entrevistas

Os documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede da Agecircncia Nacional de

Vigilacircncia Sanitaacuteria e da Cacircmara dos Deputados utilizados estatildeo em parte descritos no

Capiacutetulo IV ou referenciados na bibliografia deste trabalho

Entrevistas com os sujeitos

O grupo de entrevistados foi composto por 13 (treze) sujeitos representantes de 12

instituiccedilotildees Conforme o tipo de instituiccedilatildeo vinculada os sujeitos distribuem-se em quatro

categorias

39

- instituiccedilotildees do poder puacuteblico incluem cinco instituiccedilotildees com competecircncia para

aprovar e ou auxiliar na construccedilatildeo dos instrumentos legais (leis decretos ou

regulamentos) e teacutecnicos (programas de monitoramento de alimentos

orientaccedilotildees teacutecnicas sobre os alimentos etc ) relacionados ao controle de riscos

dos alimentos - Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria ndash AnvisaMS

Coordenadoria-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-CGANMS Ministeacuterio da

Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento-MAPA Cacircmara dos Deputados do

Congresso Nacional e o Conselho Federal de Nutricionistas- CFN

- Instituiccedilotildees privadas do mercado Satildeo trecircs instituiccedilotildees de caraacuteter nacional que

representam as induacutestrias de produtos alimentiacutecios e que regularmente

participam do processo de regulamentaccedilatildeo dos alimentos no acircmbito nacional

coordenado pela AnvisaMS e ou pelo MAPA Satildeo elas Associaccedilatildeo Brasileira de

Induacutestrias de Alimentos ndash ABIA Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de

Alimentos Dieteacuteticos ndash ABIAD e Associaccedilatildeo Brasileira das Induacutestrias de Massas

Alimentiacutecias e Patildeo amp Bolo Industrializados - ABIMA

- Instituiccedilotildees da sociedade civil Satildeo trecircs instituiccedilotildees que participam do controle

social das accedilotildees de sauacutede e de alimentaccedilatildeo - Conselho Nacional de Sauacutede- CNS

Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional - ConseaPresidecircncia

da Repuacuteblica e Instituto de Defesa do Consumidor ndash Idec

- Organismo internacional Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede - OPAS que

atua estimulando os paiacuteses-membros a aprimorarem suas accedilotildees de sauacutede

seguindo as orientaccedilotildees da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede -OMS inclusive em

relaccedilatildeo ao controle de alimentos e do excesso de peso

A uacutenica instituiccedilatildeo do poder puacuteblico em que dois sujeitos foram selecionados para as

entrevistas refere-se agrave Cacircmara de Deputados Dois parlamentares foram entrevistados em

40

funccedilatildeo do trabalho desenvolvido com as temaacuteticas de ldquoseguranccedila alimentar e nutricionalrdquo e

ldquopublicidade de alimentosrdquo

Para a realizaccedilatildeo das entrevistas na maioria das instituiccedilotildees foi necessaacuterio o contato

com um ldquoguardiatildeordquo (gatekeeper) que eacute um profissional com relacionamento anteriormente

firmado ou estabelecido com a pesquisadora ou indicado por uma pessoa dela conhecida

com a finalidade de facilitar o acesso agrave instituiccedilatildeo (CRESWELL 2010) Este ldquoguardiatildeordquo foi

fundamental para auxiliar a aproximaccedilatildeo dos entrevistados com a pesquisadora uma vez

que estes satildeo pessoas ocupantes de cargos em posiccedilatildeo hieraacuterquica estrateacutegica com uma

demanda complexa e tempo disponiacutevel reduzido

Foi realizado contato preacutevio com os sujeitos para prestar informaccedilotildees sobre o estudo

e verificar a sua aceitaccedilatildeo Inicialmente estavam previstas mais duas entrevistas a serem

realizadas com a Associaccedilatildeo Brasileira para o Estudo da Obesidade e Siacutendrome Metaboacutelica ndash

ABESO e Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura ndash FAO - a

primeira entidade ligada ao grupo da sociedade civil organizada e a segunda na qualidade

de organismo internacional Poreacutem devido a falta de confirmaccedilatildeo do agendamento da

entrevista ou da disponibilidade de horaacuterios natildeo coincidentes com os de outras entrevistas

as situaccedilotildees foram tratadas respectivamente como uma negaccedilatildeo impliacutecita e

impossibilidade Nos casos de concordacircncia foi encaminhado por mensagem eletrocircnica

documento institucional informando sobre o propoacutesito da pesquisa e a relevacircncia dos

dados a serem fornecidos pelos sujeitos representantes das instituiccedilotildees Em seguida

prosseguiu-se com o agendamento de acordo com a disponibilidade dos entrevistados

Paralelamente foi-lhes enviada uma carta-convite constando informaccedilotildees sobre a pesquisa

e os preceitos baacutesicos relativos agrave eacutetica em pesquisa Para a efetivaccedilatildeo do total de treze

entrevistas foi necessaacuterio o envio de mais de uma centena de mensagens eletrocircnicas e

inuacutemeros contatos telefocircnicos

O local de realizaccedilatildeo da entrevista dependeu da indicaccedilatildeo do entrevistado e em quase

a totalidade foi efetuada no seu proacuteprio ambiente de trabalho Antes de iniciar as

entrevistas o entrevistado foi informado sobre o objetivo do estudo a gravaccedilatildeo o sigilo das

41

informaccedilotildees o uso dos dados para fins acadecircmicos o anonimato dos entrevistados e em

seguida foram feitos os procedimentos de leitura e assinatura do Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido conforme determinado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade de

Brasiacutelia

A entrevista foi interpessoal um a um mediante o uso de um roteiro semiestruturado

e de um gravador de voz digital e teve duraccedilatildeo de aproximadamente uma hora O roteiro da

entrevista constituiu-se em um modelo uacutenico de forma a permitir confrontar os discursos

dos entrevistados sobre os diferentes aspectos do tema investigado As questotildees abertas

foram elaboradas tomando-se como referecircncia os objetivos e as perguntas de investigaccedilatildeo

para reduzir as possibilidades de desvio do foco da pesquisa (Quadro 1) Esse tipo de

questatildeo permite que os sujeitos abordem com certa liberdade o que consideram mais

importante sobre o tema

42

QUADRO 1 Quadro comparativo entre as questotildees objetivos e perguntas das entrevistas

Questotildees Objetivos Perguntas da Entrevista Quais satildeo os riscos dos alimentos reconhecidos por estes sujeitos que podem levar a sociedade a desenvolver doenccedilas crocircnicas

Geral Analisar a compreensatildeo dos diferentes sujeitos envolvidos na agenda de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo sobre os riscos emergentes dos alimentos e accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo envolvida com fins de contribuir para o seu aprimoramento

1Em sua opiniatildeo qual eacute a relaccedilatildeo entre os alimentos e a sauacutede 2Como o consumo de alimentos industrializados tem atuado na vida moderna 3Na atualidade quais satildeo os problemas de sauacutede associados aos alimentos que o (a) Sr (a) conhece Como podem ser evitados 4Quais as medidas necessaacuterias que o governo pode adotar para evitar doenccedilas relacionadas aos alimentos E o excesso de peso da populaccedilatildeo 5Como a vigilacircncia sanitaacuteria pode atuar sobre os alimentos industrializados em prol da sauacutede da populaccedilatildeo

Especiacuteficos Identificar os significados atribuiacutedos para os riscos emergentes dos alimentos e a sua relaccedilatildeo com a expansatildeo do mercado global de produtos alimentiacutecios

Como eacute aceita a regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos para conter o avanccedilo da obesidade e outras DCNT

Caracterizar a construccedilatildeo dos sentidos sobre a conduta e as medidas regulatoacuterias adotadas pelo poder puacuteblico para interferir nos produtos alimentiacutecios em funccedilatildeo da evoluccedilatildeo da obesidade e de outras DCNT Caracterizar nos discursos manifestos os interesses que permeiam a temaacutetica da accedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios como estrateacutegia de intervir nos riscos dos alimentos

6Como avalia a estrateacutegia de regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos alimentos industrializados pela vigilacircncia sanitaacuteria

Quais satildeo as estrateacutegias poliacuteticos-institucionais em andamento e os conflitos enfrentados pelos diferentes sujeitos para conter os riscos emergentes dos alimentos

Haacute um compromisso compartilhado por parte dos sujeitos para tornar o controle dos componentes nutricionais dos alimentos uma praacutetica institucional

Delimitar a partir dos enunciados extraiacutedos dos discursos as responsabilidades que cada um dos sujeitos atribui a si e aos demais o que se refere agrave prevenccedilatildeo e ao controle dos riscos emergentes dos alimentos

7Quais seriam as responsabilidades do governo e dos demais setores envolvidos no processo de regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos com fins de controlar o excesso de peso E a do seu setor

43

O protocolo de entrevista foi composto por trecircs partes a primeira contendo os

dados de identificaccedilatildeo do entrevistado (nome do entrevistado local data e-mail) a

segunda parte contendo as questotildees introdutoacuterias de aproximaccedilatildeo do pesquisador com o

entrevistado e a terceira contendo as questotildees do roteiro com um espaccedilo para registro

das informaccedilotildees (Anexo 1) Antes do iniacutecio do trabalho de campo foi realizado um preacute-

teste com trecircs sujeitos das instituiccedilotildees envolvidas para ajustar o roteiro o que resultou no

aprimoramento das questotildees elaboradas redefiniccedilatildeo da sequecircncia de perguntas entre

outros aspectos

As entrevistas foram fontes essenciais de informaccedilatildeo para este estudo sendo

efetuadas no periacuteodo de 26022013 a 06062013 nas cidades de Satildeo Paulo e de Brasiacutelia

A transcriccedilatildeo integral da gravaccedilatildeo foi efetuada pela proacutepria pesquisadora agrave medida

que as entrevistas foram realizadas As gravaccedilotildees foram digitalizadas em formato MP3 e

em seguida foi feita a conferecircncia pela proacutepria pesquisadora O sujeito entrevistado foi

identificado na transcriccedilatildeo pelo seu primeiro e uacuteltimo nomes e a sigla da instituiccedilatildeo sendo

anonimizado no texto final sendo referenciado por coacutedigo

Os coacutedigos foram constituiacutedos por letra e nuacutemero Os entrevistados do mercado do

poder puacuteblico e da sociedade civil tiveram o seu coacutedigo iniciado respectivamente pela letra

ldquoMrdquo ldquoPrdquo e ldquoSrdquo seguido de um nuacutemero especiacutefico para cada entrevistado do grupo em

questatildeo em ordem sequencial coincidente agrave da realizaccedilatildeo da entrevista

Foi instituiacutedo um Diaacuterio de Pesquisa para registro de todas as informaccedilotildees

comentaacuterios ideias e percepccedilotildees sobre o estudo em curso bem como as atividades

realizadas no cotidiano da pesquisa que foram utilizadas na elaboraccedilatildeo da redaccedilatildeo final

44

Plano de anaacutelise dos dados

O plano de anaacutelise das entrevistas foi desenvolvido por meio de uma adaptaccedilatildeo das

propostas estruturadas por Orlandi (2010) e Minayo (2006) e foi composto por trecircs

momentos distintos

a) Configuraccedilatildeo do corpus A partir de uma leitura exaustiva do material coletado (as

entrevistas transcritas) foram feitos recortes do texto e seu agrupamento em quatro temas

geneacutericos considerando os objetivos da tese e o roteiro da entrevista a saber inter-relaccedilatildeo

alimento e sauacutede na vida atual acordo e regulaccedilatildeo atuaccedilatildeo multisetorial do governo e

compromissos dos sujeitos com o tema Em seguida os trechos relevantes das transcriccedilotildees

foram organizados segundo os quatro temas geneacutericos e a depender dos espaccedilos

institucionais em que se inscrevem poder puacuteblico mercado sociedade civil organizada e

organismo internacional A partir da anaacutelise especiacutefica de cada tema construiu-se o

discurso-objeto

b) Discurso-objeto Ao se postular que os objetos de discurso satildeo construiacutedos

negociados e enriquecidos progressivamente pela proacutepria atividade discursiva esse

material foi estruturado enquanto discurso-objeto e suporte de anaacutelise a partir de

enunciados matriz considerados transversais ao conjunto das transcriccedilotildees Esses

enunciados matriz foram extraiacutedos a partir das recorrecircncias de ideias identificadas nos

textos transcritos observando as caracteriacutesticas em termos de similaridades ou

divergecircncias conflitos e contradiccedilotildees nos argumentos utilizados para construir as

significaccedilotildees

c) Discurso Por meio do uso do referencial teoacuterico a elaboraccedilatildeo desses enunciados

matriz extraiacutedos constituiu a base para a reconstruccedilatildeo analiacutetica dos discursos e a

explicitaccedilatildeo dos interesses poliacutetico-ideoloacutegicos dos sujeitos quanto agraves questotildees centrais

deste estudo riscos dos alimentos e regulaccedilatildeo

45

Concluiacutedos os discursos momento de siacutentese entre os dados empiacutericos e a teoria

estes foram integrados a uma anaacutelise socio-histoacuterica para encerrar o modelo teoacuterico

proposto por Thompson (2000) e esclarecer o objeto em anaacutelise em sua complexidade ou

seja realizar a sua reinterpretaccedilatildeo

Para representar de forma sinteacutetica a multiplicidade de discursos em torno do campo

semacircntico em questatildeo utilizou-se o modelo do Quadrado semioacutetico proposto por Greimas

(1970) e apresentado por Barros (2005) o qual consiste de uma representaccedilatildeo visual da

articulaccedilatildeo loacutegica das estruturas elementares extraiacutedas dos textos e que fundamentam o

percurso gerativo do discurso Quadrado semioacutetico constroacutei-se a partir da relaccedilatildeo entre

dois termos marcados pela oposiccedilatildeo ou diferenccedila e dos seus contraditoacuterios Estes quatro

termos situados em quatro posiccedilotildees distintas formam relaccedilotildees entre si de contrariedade

(eixo horizontal) complementariedade (eixo vertical) e de contradiccedilatildeo (cruzamentos)

(BARROS 2005)

46

2 ALIMENTOS E RISCOS Agrave SAUacuteDE

21 O comensal contemporacircneo da alimentaccedilatildeo ao produto alimentiacutecio

A alimentaccedilatildeo para os indiviacuteduos extrapola um simples ato de instinto de

sobrevivecircncia Ela condensa um jogo complexo de significaccedilotildees simboacutelicas e materiais

proacuteprias da natureza humana que articula simultaneamente trecircs condiccedilotildees responde agrave

necessidade bioloacutegica expressa comportamento cultural e representa interaccedilatildeo em

ambiente social Trata-se de um fenocircmeno que em si conjuga a reproduccedilatildeo bioloacutegica agrave

social dos grupos humanos realizando-se envolto por um repertoacuterio de representaccedilotildees

crenccedilas e haacutebitos que conforma o universo cultural (CONTRERAS GRACIA 2011)

Nesse contexto a alimentaccedilatildeo humana eacute o encontro da natureza e da cultura (MACIEL

2005) O ritual das escolhas haacutebitos e praacuteticas alimentares deriva de um saber construiacutedo

coletivamente acumulado e transmitido de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo poreacutem natildeo completamente

inerte aos efeitos oriundos da dinacircmica social Essa particularidade cultural assumida pela

alimentaccedilatildeo que natildeo se desprende das origens e que se reproduz no transcurso da vida

social a converte em uma categoria histoacuterica (SANTOS 2005)

Assim atrelada ao indiviacuteduo ou aos grupos a tradiccedilatildeo alimentar se manteacutem para aleacutem

dos espaccedilos ou das transformaccedilotildees sociais ou seja perpassa a distacircncia fiacutesica ou temporal

relativa ao ambiente tiacutepico de sua circulaccedilatildeo natildeo obstante seja adaptaacutevel agraves novas formas

sabores e praacuteticas alimentares Esse mosaico cultural persistente constitui uma referecircncia

de alto valor simboacutelico que remete agrave origem e agrave memoacuteria gustativa e passa a compor a

identidade (PONS 2005)

Quanto agrave relaccedilatildeo identitaacuteria do alimento Pons (2005) afirma que ela comporta uma

dupla dimensatildeo biocultural tanto ldquo() como complexo gustativo compartilhado por um

grupo como um universo simboacutelico interiorizado que informa agravequeles que o compartilham os

47

limites entre a cultura e a natureza entre o que eacute proacuteprio e o que eacute distanterdquo Jaacute Fischler

(1988) ao tratar da identidade individual enfatiza o mecanismo de incorporaccedilatildeo que se

estabelece na relaccedilatildeo entre indiviacuteduo e o alimento o qual se realiza em duas esferas de

forma concomitante e sincronizada na esfera bioloacutegica quando o indiviacuteduo absorve o

alimento (nutrientes) e na esfera cultural quando ele eacute absorvido pelo alimento ou seja

incorporado de valores crenccedilas e representaccedilotildees de uma circulaccedilatildeo histoacuterica e simboacutelica

A tradiccedilatildeo alimentar natildeo eacute algo inato do indiviacuteduo a inculcaccedilatildeo se inicia ainda na

infacircncia a partir das experiecircncias obtidas com as sensaccedilotildees taacuteteis gustativas e olfativas

sobre o alimento consumido (CANESQUI GARCIA 2005) No entanto na era

contemporacircnea vaacuterios autores apontam que essa tradiccedilatildeo estaacute sendo abalada pelas

pressotildees comerciais e pelo ritmo da vida cotidiana (HAWKES 2002 CONTRERAS GRACIA

2011)

Sob uma perspectiva totalizadora a alimentaccedilatildeo eacute uma manifestaccedilatildeo bioloacutegica e

sociocultural O elemento bioloacutegico se circunscreve agrave nutriccedilatildeo ou seja aos requerimentos

nutricionais para o funcionamento ideal do organismo humano enquanto o elemento

sociocultural se evidencia nas escolhas alimentares as quais natildeo se sujeitam

exclusivamente pelas motivaccedilotildees econocircmicas apesar de serem fortemente determinadas

por elas (CONTRERAS GRACIA 2011) mas tambeacutem pela capacidade de representarem

significados sociais (CANESQUI GARCIA 2005) Isso eacute que possibilita a coexistecircncia de

distintos comportamentos alimentares nas diferentes sociedades

Merece ser ressaltado que a consolidaccedilatildeo desses comportamentos se processa em

circunstacircncias de tensotildees conflitos e pactos repercutindo da seguinte forma marcam as

semelhanccedilas e as diferenccedilas eacutetnicas e sociais classificam e hierarquizam as pessoas e os

grupos expressam concepccedilotildees de mundo e incorporam um grande poder de evocaccedilatildeo

simboacutelica (CONTRERAS GRACIA 2011)

A alimentaccedilatildeo assume um importante papel de marcador social que eacute facilmente

identificaacutevel Isso se revela pelo tipo quantidade esteacutetica forma de disposiccedilatildeo dos itens

48

alimentares e a maneira de consumi-los Esses aspectos constituem os traccedilos de distinccedilatildeo

entre os indiviacuteduos e os grupos Quando haacute remodelaccedilatildeo do estilo alimentar isto pode

significar uma estrateacutegia de aproximaccedilatildeo a niacuteveis superiores da escala social ou mesmo a

proacutepria ascensatildeo social como forma de se tornar idecircntico aos ldquooutrosrdquo do grupo

Ainda no alvorecer do seacuteculo XXI sob o ritmo acelerado da globalizaccedilatildeo a dicotomia

no campo do consumo alimentar das populaccedilotildees continua acirrada (FAO 2013) revelando

uma polarizaccedilatildeo entre aquelas que convivem com a abundacircncia e a diversidade alimentar e

outras que carecem de alimentos - em termos quantitativos e qualitativos - para o

atendimento de suas necessidades primaacuterias Poreacutem a maacute nutriccedilatildeo se instala nesses dois

polos expressando efeitos moacuterbidos opostos em virtude da maacute alimentaccedilatildeo ou da carecircncia

alimentar

No decorrer dos anos adicionam-se aos tradicionais problemas da falta de

distribuiccedilatildeo equacircnime dos alimentos os problemas relativos agrave qualidade em virtude dos

diferentes tipos de riscos agrave sauacutede que lhes satildeo imputados como as doenccedilas transmitidas

pelos alimentos e a obesidade e demais doenccedilas crocircnicas a ela correlacionadas Segundo

Contreras (2005) tal fato motivou uma redefiniccedilatildeo do conceito de seguranccedila alimentar

para se contrapor aos ditames alimentares que regem a loacutegica social dominante Agora este

passa a ser sustentado sob trecircs pilares acesso aos alimentos como um direito humano

garantia dos alimentos em termos quali-quantitativos e praacuteticas alimentares coerentes com

as tradiccedilotildees culturais e ambientalmente sustentaacuteveis (MALUF 2007)

Atento a esse conceito merece aqui se destacar alguns fatos sociais que se apresentam

como ameaccediladores do patrimocircnio imaterial que condensa as crenccedilas a culinaacuteria e os

haacutebitos de consumo constituiacutedo pela pluriculturalidade alimentar Como consequecircncia as

tradiccedilotildees culturais alimentares podem desestabilizar-se e inclusive extinguir-se no

decurso do tempo

Nos uacuteltimos anos vaacuterios artigos relatam as tendecircncias nos paiacuteses industrializados

dirigidas agrave homogeneizaccedilatildeo do consumo alimentar (CONTRERAS GRACIA 2011 GARCIA

49

2003) mudanccedilas draacutesticas do padratildeo de consumo e dos haacutebitos alimentares no mundo em

desenvolvimento (UUSITALLO PIETINEN PEKKA 2002) e aumento da incidecircncia mundial

de doenccedilas relacionadas agrave dieta (CHOPRA 2002 WHO 2003b) trazendo agrave tona uma nova

problemaacutetica no campo alimentar Isso surge em um cenaacuterio onde haacute uma urbanizaccedilatildeo

acelerada modernizaccedilatildeo tecnoloacutegica maior participaccedilatildeo da mulher no mercado de

trabalho concomitante ao aumento da concentraccedilatildeo e do poder das grandes corporaccedilotildees

que barateiam seus produtos e os integram ao mercado internacional Esse conjunto

articulado estaacute produzindo impactos na sauacutede global desta e das futuras geraccedilotildees

(UUSITALLO PIETINEN PEKKA 2002)

Conforme exposto eacute no centro dessas mudanccedilas soacutecio-poliacuteticas e econocircmicas que a

pluriculturalidade alimentar estaacute perdendo a sua solidez Bourdieu (2001) afirma que os

bens culturais na sociedade contemporacircnea neoliberal se encontram em perigo pela forccedila

motriz do mercado e a cultura alimentar se enquadra perfeitamente em sua anaacutelise O

referido autor ressalta que primeiro se deve desfazer da ilusatildeo de que as inovaccedilotildees

tecnoloacutegicas e os empreendimentos econocircmicos aumentam a quantidade e a qualidade dos

bens culturais oferecidos e a satisfaccedilatildeo do consumidor como advogam os defensores do

capital pois o que circula de fato eacute uma mercadoria com fins lucrativos e indiferente aos

laccedilos com a histoacuteria ou com a identidade de um grupo Segundo tambeacutem eacute necessaacuterio

romper com o mito de que a diferenciaccedilatildeo e a diversificaccedilatildeo extraordinaacuteria dos produtos se

opotildeem agrave uniformizaccedilatildeo da oferta tanto em escala nacional como internacional pois a

concorrecircncia natildeo diversifica - e sim homogeniza - em busca de produtos aceitaacuteveis para o

ldquopuacuteblico maacuteximordquo de todos os paiacuteses Para concluir o autor argumenta que eacute necessaacuterio

reforccedilar que a loacutegica do lucro sobretudo a do curto prazo eacute a estrita negaccedilatildeo da cultura

Diante da perspectiva da homogeneizaccedilatildeo cultural desencadeada pela globalizaccedilatildeo

impor obstaacuteculos contra a dissoluccedilatildeo da pluriculturidade alimentar entendida como o

entrecruzamento de praacuteticas simboacutelicas e culturais introjetadas pelos indiviacuteduos na esfera

da alimentaccedilatildeo pode repercutir positivamente tanto no campo gastronocircmico como nos

benefiacutecios agrave sauacutede Isso porque a existecircncia de uma variedade das preparaccedilotildees alimentiacutecias

50

compostas por alimentos saudaacuteveis permite alcanccedilar um equiliacutebrio nutricional na dieta e

promover a sauacutede

Indubitavelmente eacute a expansatildeo transnacional das corporaccedilotildees de alimentos com suas

muacuteltiplas estrateacutegias de sustentaccedilatildeo que leva agrave destruiccedilatildeo da base alimentar agrave perda da

biodiversidade e agrave inseguranccedila dos alimentos concorrendo assim para a destruiccedilatildeo da

cultura alimentar local (PHILLIPS 2006) Os elos firmados entre induacutestria-campo sob o

domiacutenio da primeira atrelando a garantia da compra do produto ao cumprimento restrito

das imposiccedilotildees teacutecnicas de produccedilatildeo tem desmantelado a produccedilatildeo agriacutecola de pequeno

porte fazendo-a perder a diversidade e a autonomia de cultivar os alimentos tradicionais

Isto porque o oligopoacutelio que governa o sistema alimentar mundial segundo Stuckler amp

Nestle (2012) dita o que se come e como se come

Desse modo o advento da pandemia da obesidade eacute um dos sinais das contradiccedilotildees

dessa conformaccedilatildeo empresarial global A evidente associaccedilatildeo entre dietas densamente

energeacuteticas com a obesidade e outras comorbidades possibilita identificar os estilos de

dietas ocidentalizadas como fatores de risco para este agravo (CHOPRA 2002 WHO

2003b) A partir daiacute surge a preocupaccedilatildeo com as bebidas carbonatadas e as comidas

raacutepidas que satildeo os motores das corporaccedilotildees globais americanas Tais produtos estatildeo se

tornando mais prevalentes na dieta global em grande parte devido agrave penetraccedilatildeo intensiva

das multinacionais nos paiacuteses inclusive dentro dos mercados emergentes dos grandes

centros urbanos dos paiacuteses de meacutedia e baixa renda (HAWKES 2002)

Em decorrecircncia da urbanizaccedilatildeo Gracia (2005) afirma que o cotidiano alimentar do

comensal contemporacircneo sofreu alteraccedilotildees substanciais as refeiccedilotildees passaram a ser

estruturadas pelo tempo socializadas apenas em condiccedilotildees de lazer substituiacutedas por

snacks em situaccedilotildees de intensa atividade laboral e quando realizadas no ambiente

domeacutestico satildeo compostas por produtos industrializados Forccedilados agrave racionalizar o tempo e

agrave lidar com as circunstacircncias desgastantes do trabalho (distacircncias horaacuterios transportes) a

realizaccedilatildeo de refeiccedilotildees extradomiciliares em restaurantes cafeacutes e bares inclusive com o

consumo de fast-foods constitui uma regra para muitos indiviacuteduos

51

Os produtos ultraprocessados destacam-se no universo dos gecircneros alimentiacutecios

industrializados natildeo saudaacuteveis Satildeo produtos derivados de ingredientes industrializados

constituiacutedos de oacuteleos gorduras amidos e accediluacutecares aleacutem de uma associaccedilatildeo de aditivos para

tornaacute-los palataacuteveis (MONTEIRO 2009 MONTEIRO et al 2013) Assim forma-se uma

mistura que mimetiza o sabor e o olor do alimento permitindo ao consumidor reconhececirc-la

como um produto comestiacutevel Produtos dessa natureza com composiccedilatildeo nutricional

desbalanceada rica em calorias e pobre em nutrientes estrateacutegicos e altamente

estimulantes do consumo satildeo os que acarretam efeitos negativos agrave sauacutede Na visatildeo de

Monteiro amp Cannon (2012) esses produtos satildeo tatildeo prejudiciais agrave sauacutede como o satildeo o

cigarro e o aacutelcool a despeito de suas particularidades

Com o surgimento do fast-food se ofertam comidas de consumo raacutepido em

embalagens praacuteticas e em geral desbalanceadas em termos nutricionais poreacutem

condizentes com o ritmo e o tempo restritos que satildeo impostos agraves refeiccedilotildees Eacute o tipo de

alimento preferido pelos adolescentes distribuiacutedo por grandes redes comerciais inclusive

transnacionais que se utilizam de estrateacutegias de marketing agressivas - associando o seu

consumo a uma imagem de elevaccedilatildeo do status social e de um estilo de vida moderno - para

criar demandas e consolidar mudanccedilas de haacutebitos alimentares (HAWKES 2002)

Garcia (2003) denomina esse contexto de ldquocomensalidade contemporacircneardquo

especialmente pela avaliaccedilatildeo de escassez de tempo para o preparo e consumo de alimentos

e a oferta abundante e diversificada de itens alimentares de preparaccedilatildeo raacutepida praacutetica Isso

eacute o que estaacute moldando os comportamentos alimentares dos paiacuteses industrializados

(CONTRERAS 2005) e dos emergentes (HAWKES 2002) de forma bastante acelerada

graccedilas agraves reforccediladas estrateacutegias de publicidade e marketing das empresas de alimentos que

ofuscam as referecircncias culturais

Para que o consumidor estabeleccedila laccedilos de pertencimento com o alimento

industrializado haacute que se preencher o ldquovaziordquo inerente ao produto artificializado e fazecirc-lo

se aproximar dos elementos comestiacuteveis da natureza Poreacutem cada vez mais a tecnologia

torna este produto menos identificaacutevel pelos oacutergatildeos dos sentidos devido agraves caracteriacutesticas

52

organoleacutepticas modificadas ao invoacutelucro que o conteacutem ficando reduzido agrave aparecircncia e agrave

representaccedilatildeo apesar do empenho das induacutestrias em mascaraacute-lo para que se aproxime do

alimento natural Para FISCHLER (1998) a falta de conhecimento do consumidor moderno

sobre o modo de produccedilatildeo a origem e a histoacuteria do alimento cria uma situaccedilatildeo de

desconforto dominada pela incerteza desconfianccedila e ansiedade

No entanto as criacuteticas atribuiacutedas ao produto alimentiacutecio industrializado extrapolam

as suas interferecircncias nas praacuteticas e nas representaccedilotildees alimentares tradicionais Sabe-se

que a introduccedilatildeo de produtos alimentiacutecios na rotina alimentar dos indiviacuteduos natildeo eacute

resultado de escolhas estritamente racionais mas influenciadas pelo contexto social

dinacircmico da vida cotidiana que condiciona essas escolhas (DELORMIER FROHLICH

POTVIN 2009) O cerne do problema eacute que haacute um conjunto especial de produto alimentiacutecio

amplamente ofertado e muito consumido pela populaccedilatildeo mundial completamente

artificializado intensamente divulgado envolvido em uma seacuterie de malefiacutecios agrave sauacutede de

custo muito reduzido composiccedilatildeo nutricional desbalanceada com tracircnsito comercial

desprovido de barreiras regulamentares e de alta rentabilidade para as empresas

transnacionais Produtos estes de alto risco para a sauacutede global frente ao seu

envolvimento com a pandemia da obesidade e DCNT associadas (WHO 2002a) Satildeo os

chamados produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis (WHO 2003b) designaccedilatildeo esta que seraacute

utilizada ao longo deste trabalho cujos atributos seratildeo explorados nos capiacutetulos

posteriores

A alimentaccedilatildeo eacute capaz de produzir muacuteltiplos efeitos na vida dos indiviacuteduos e da

coletividade aproximando-os ou distanciando-os dos traccedilos culturais do perfil de sauacutede e

do equiliacutebrio psicossocial A globalizaccedilatildeo do mercado de alimentos libera as barreiras para

permitir o livre tracircnsito de seus produtos e desrespeita a diversidade da cultura alimentar

dos grupos populacionais Ela eacute ainda capaz de eliminar qualquer obstaacuteculo que contrarie o

seu propoacutesito de ldquomassificaccedilatildeo do consumordquo de racionalizaccedilatildeo do processo produtivo e de

dissimulaccedilatildeo das diferenccedilas sociais Enfim ela age removendo qualquer entrave agrave loacutegica

desse modelo econocircmico para incrementar seus lucros

53

Assim o caminho eacute revitalizar os estilos alimentares locais inclusive em espaccedilos de

consumo estrateacutegicos (restaurantes comunitaacuterios cantinas escolares creches entre

outros) como forma de resgatar o valor simboacutelico da alimentaccedilatildeo e diminuir a

possibilidade de dispersatildeo de histoacuterias e culturas assim como o risco de doenccedilas em

decorrecircncia de uma praacutetica de mercado predadora Qualquer incentivo a mudanccedilas que

permitam o retorno a uma dieta equilibrada mesclada com alimentos naturais saudaacuteveis e

culturalmente aceitaacuteveis realizada em ambiente de compartilhamento eacute vaacutelido para

reconquistar esse valor cultural-alimentar associado agrave sauacutede e portanto agrave melhoria da

qualidade de vida

22 O panorama diversificado dos riscos dos alimentos

A dinacircmica social que impulsiona as transformaccedilotildees no sistema de produccedilatildeo e

comercializaccedilatildeo de alimentos causa inuacutemeras repercussotildees a despeito de aumentar a

disponibilidade de alimentos (WHO 2000) Entre essas repercussotildees estatildeo a manutenccedilatildeo

de elevadas taxas de pobreza em certas regiotildees do planeta (FAO 2013a) modificaccedilatildeo no

estilo de vida e no cotidiano das praacuteticas alimentares das populaccedilotildees e intensificaccedilatildeo e

diversificaccedilatildeo dos riscos dos alimentos (WHO 2003b) Fatos esses que desestabilizam a

condiccedilatildeo de sauacutede individual ou coletiva ao longo das deacutecadas Os efeitos adversos

decorrem das caracteriacutesticas dos alimentos e ou da intensidade do seu consumo aferidos

em termos de quantidade de qualidade e da conjunccedilatildeo de ambos Com base nesses

paracircmetros eacute possiacutevel caracterizar sinteticamente trecircs grandes grupos de riscos que

afetam a sauacutede da coletividade fomedesnutriccedilatildeo doenccedilas transmitidas por alimentos e

obesidadedoenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis ndash DCNT

No que tange ao risco da fomedesnutriccedilatildeo constata-se que eacute um fenocircmeno social que

acompanha a histoacuteria da humanidade praticamente circunscrito aos grupos socialmente

excluiacutedos pelo modelo econocircmico e que habitam nas diferentes regiotildees do mundo Esse

problema natildeo reside na incapacidade da produccedilatildeo mundial de alimentos de abastecer a

54

populaccedilatildeo planetaacuteria (FAO 2011a) mas no proacuteprio sistema global de produccedilatildeo e de

distribuiccedilatildeo de alimentos que natildeo estaacute comprometido para satisfazer as necessidades

nutricionais baacutesicas de todos

Segundo as estimativas da FAO cerca de 925 milhotildees de pessoas do planeta vivem em

situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar concentrando-se na Aacutefrica subsaariana Aacutesia e Paciacutefico

regiotildees profundamente afetadas pela crise econocircmica e pela crise dos alimentos do biecircnio

20072008 (FAO 2010) A escassez de alimentos decorrente dessa crise manteve os

estoques insuficientes para atender agrave demanda de alimentos de toda populaccedilatildeo cujo

reflexo foi a permanecircncia praticamente estaacutevel do contingente de subnutridos na Aacutesia

Poreacutem na Aacutefrica houve o aumentou face a sua condiccedilatildeo de dependecircncia das importaccedilotildees

indisponibilidade de estoque de alimentos suficientes e de recursos orccedilamentaacuterios para

proteger adequadamente a seguranccedila alimentar dos mais vulneraacuteveis (FAO 2011b)

Quanto agrave desnutriccedilatildeo infantil o recente panorama global traccedilado pela Organizaccedilatildeo

Save the Children Fund (2012) revela que 90 das crianccedilas desnutridas do mundo se

concentram em 36 paiacuteses estima-se que 170 milhotildees delas sofrem de desnutriccedilatildeo crocircnica e

mais de 26 milhotildees morrem por ano devido a esta doenccedila A persistecircncia da fome e da

desnutriccedilatildeo resulta do acesso inadequado aos alimentos por falta de renda pela condiccedilatildeo

de pobreza dos indiviacuteduos socialmente excluiacutedos e economicamente marginalizados (FAO

2012) sendo reflexo das condiccedilotildees estruturais da sociedade Apesar desse cenaacuterio

desolador no transcurso das deacutecadas de 60 a 90 foi registrada uma queda de 10 no total

de pessoas em paiacuteses em desenvolvimento que tecircm uma dieta alimentar diaacuteria inferior a

2100 calorias per capita (SEIPEL 1999) embora vaacuterias centenas de milhotildees de pessoas no

mundo ainda continuem com a sua sobrevivecircncia ameaccedilada

No Brasil os resultados comparativos entre as pesquisas nacionais10 realizadas entre

as deacutecadas de 70 a 90 demonstraram que houve um decliacutenio de 72 na prevalecircncia

desnutriccedilatildeo infantil (BATISTA FILHO amp RISSIN 2003) Entretanto as poliacuteticas sociais de

seguranccedila alimentar e nutricional implementadas no iniacutecio deste milecircnio foram

10 No Brasil foram realizadas neste periacuteodo trecircs pesquisas de abrangecircncia nacional O Estudo Nacional de Despesas Familiares-ENDEF nos anos de 197475 a Pesquisa Nacional de Sauacutede e Nutriccedilatildeo ndash PNSN em 1989 e a Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede ndashPNDS nos anos de 199596

55

fundamentais para a reduccedilatildeo da pobreza e simultaneamente para a melhoria do estado

nutricional uma vez que no periacuteodo de 2003 a 2009 foram retiradas da pobreza acima de

20 milhotildees de pessoas (DEL GROSSI 2010) Efeitos que se refletem nas baixas prevalecircncias

de desnutriccedilatildeo crocircnica (deacuteficit de altura) em menores de 5 anos de idade cujos valores

alcanccedilaram 63 e 57 respectivamente para o sexo masculino e feminino (BRASIL

IBGE 2010) Com isso essa doenccedila deixa de ser considerada no Brasil como um problema

de sauacutede puacuteblica conforme classificaccedilatildeo da OMS11 (WHO 2013a)

No primeiro grupo de riscos da era contemporacircnea situam-se as doenccedilas

transmitidas por alimentos - DTA12 cuja anaacutelise se restringe agravequelas relacionadas aos

produtos alimentiacutecios e agraves refeiccedilotildees extradomiciliares que correspondem agraves novas praacuteticas

alimentares adotadas em um contexto de urbanizaccedilatildeo Trata-se entatildeo de mapear os

distintos riscos dos veiacuteculos alimentares na esfera local e internacional e os impactos agrave

sauacutede

Em 1984 a OMS considerou as DTA como um dos problemas mais amplos de sauacutede

puacuteblica no mundo contemporacircneo doenccedilas essas responsaacuteveis por causar impactos sociais

e econocircmicos devido agraves consequecircncias em termos de doenccedilas oacutebitos e ou incapacidades

pela condenaccedilatildeo rejeiccedilatildeo e perda de produtos afetando o mercado internacional e pela

reduccedilatildeo das atividades de turismo (WHO 1984) As preocupaccedilotildees com a seguranccedila do

alimento consistem em evitar a contaminaccedilatildeo bioloacutegica (microrganismos parasitos) fiacutesica

e quiacutemica (resiacuteduos de aditivos pesticidas biotoxinas) mediante o controle dos pontos

criacuteticos de toda cadeia produtiva que pode ser feito com a qualificaccedilatildeo teacutecnica aplicaccedilatildeo de

meacutetodos de controle inspeccedilotildees sanitaacuterias regulares educaccedilatildeo alimentar entre outras

medidas

11 A OMS considera a desnutriccedilatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica quando ela atinge 20 ou mais da populaccedilatildeo 12 As DTA incluem as doenccedilas diarreicas causadas pela contaminaccedilatildeo dos alimentos proporcionada pelas condiccedilotildees insalubres de vida (moradia desprovida de aacutegua potaacutevel esgotamento sanitaacuterio equipamento de frio etc) associadas agraves informaccedilotildees limitadas sobre higiene Em inglecircs essas doenccedilas satildeo designadas como Foodborne disease definidas como doenccedilas causadas pela ingestatildeo de alimentos contaminados por microrganismos patogecircnicos contaminantes quiacutemicos e biotoxinas (WHO 2007)

56

Transcorridos quase 40 anos as mudanccedilas climaacuteticas aparecem natildeo apenas com o

potencial de diminuir os suprimentos alimentares mas tambeacutem de aumentar a

contaminaccedilatildeo toacutexica e microbiana dos alimentos (HALL DrsquoSOUZA amp KIRK 2002)

Paralelamente acelera-se o aprimoramento das tecnologias de produccedilatildeo e fabricaccedilatildeo de

alimentos destinadas a criar e diversificar insumos e produtos incrementar a rentabilidade

agropecuaacuteria expandir a rede de distribuiccedilatildeo de produtos aleacutem de outros benefiacutecios

econocircmicos com vistas a elevar a produtividade ampliar os negoacutecios e os ganhos de capital

das empresas e dos seus conglomerados

Nesse contexto distintos agentes causais emergiram inclusive modalidades

inusitadas provocando doenccedilas com sintomatologia grave e rara como foi o caso dos

priacuteons responsaacuteveis pela Encefalopatia Espongiforme Bovina-BSE (Doenccedila da Vaca Louca)

doenccedila neuro-degenerativa fatal diagnosticada em 1996 no Reino Unido (WHO 1999)

onde foram registrados 39 casos Ainda em 1994 um agente bacteriano jaacute conhecido

converteu-se em um novo patoacutegeno emergente E Coli O157H7 que provocou surto nos

Estados Unidos (ARMSTRONG HOLLINGSWORTH amp GLENN MORRIS 1996) e mais tarde

registrou-se um outro episoacutedio de surto marcante envolvendo o hambuacuterguer

indevidamente cozido (KING et al 2009)

Segundo Weiss amp McMichael (2004) a multiplicidade de efeitos da globalizaccedilatildeo como

o processo de urbanizaccedilatildeo acentuada crescimento de aacutereas residenciais perifeacutericas densas

e precaacuterias aumento do volume do comeacutercio mudanccedila de haacutebitos de consumo invasatildeo de

ambientes naturais para exploraccedilatildeo agropecuaacuteria mudanccedilas climaacuteticas e desenvolvimento

tecnoloacutegico massivo cria um cenaacuterio que propicia novos contatos da fauna silvestre com os

humanos e facilidades de infecccedilatildeo cruzada entre as espeacutecies desencadeando risco de

disseminaccedilatildeo de doenccedilas infecciosas emergentes

O ritmo intenso do comeacutercio internacional de alimentos nem sempre resulta em

benefiacutecios agrave coletividade pois eleva o risco de transmissatildeo de doenccedilas infecciosas cruzando

fronteiras uma vez que o alimento reuacutene simultaneamente duas importantes

caracteriacutesticas ser a principal commodity comercial e excelente veiacuteculo de transmissatildeo de

doenccedilas (KAumlFERSTEIN MOTARJEMI amp BETTCHER 1997) Assim surtos transcontinentais

57

envolvendo produtos semiprocessados e processados satildeo frequentemente registrados

(TAUXE 1996 HALL DrsquoSOUZA amp KIRK 2002) Produtos como amendoins importados e

contaminados com salmonela se encarregam de propagar surtos em quatro paiacuteses de trecircs

continentes distintos desencadeando alerta internacional (KIRK et al 2004) Surto de

hepatite A devido a morangos congelados contaminados decorre de produccedilatildeo

compartilhada entre dois paiacuteses (HUTIN et al 1999) Novos alimentos agora comeccedilam a ser

implicados em surtos como brotos de sementes que satildeo incorporados aos haacutebitos

alimentares (TAORMINA BEUCHAT amp SLUTSKER 1999)

Nesse contexto os alimentos jaacute provaram que podem ser objetos potenciais de riscos

natildeo apenas por albergar microrganismos ou partiacuteculas patogecircnicas e carrear

contaminantes quiacutemicos como poluentes e pesticidas mas pelas alteraccedilotildees intriacutensecas

geradas pelas novas tecnologias que deram origem aos alimentos geneticamente

modificados ou que acarretam resistecircncia antimicrobiana nos agentes bioloacutegicos

(SCALLAN 2007)

Quanto ao desenvolvimento industrial certas atividades econocircmicas geram os

poluentes orgacircnicos persistentes - POP que incluem muitos pesticidas organoclorados

quiacutemicos industriais e subprodutos de certos processos industriais aleacutem de resiacuteduos de

incineraccedilatildeo Satildeo os bifenil policlorados dioxinas e furanos - substacircncias altamente

prejudiciais a sauacutede que podem persistir no solo nos sedimentos e nos depoacutesitos desses

resiacuteduos por deacutecadas e ateacute seacuteculos bem como podem ser carreadas a longas distacircncias

pela corrente aeacuterea e aquaacutetica global Essas fontes de poluentes as histoacutericas e as atuais

contaminam a cadeia alimentar animal e humana raccedilotildees de animais ovos frangos peixes

frutos do mar conforme tem sido documentado em certos paiacuteses europeus (WHO 2014)

Dessa forma os alimentos satildeo a principal fonte de exposiccedilatildeo humana a esses contaminantes

(WEBER et al 2008)

Estudo sobre a dieta constituiacuteda da cesta baacutesica americana composta por alimentos

frescos e processados constatou que os resiacuteduos de POP estavam presentes em 10 das

amostras e que ainda continham resiacuteduos de dieldrin Aleacutem disso resiacuteduos de DDT

(diclorodifeniltricloroetano) e de seus metaboacutelitos estavam presentes em mais de 20 das

58

amostras testadas nos anos de 1998 e 1999 ambos os inseticidas proibidos desde o iniacutecio

da deacutecada de 70 (SCHAFER KEGLEY 2002) Segundo o relatoacuterio teacutecnico da OMS (2003a)

esse grupo de substacircncias pode ocasionar efeitos graves como cacircncer alteraccedilatildeo da funccedilatildeo

imunoloacutegica disfunccedilatildeo reprodutiva alteraccedilotildees neuroloacutegicas e no desenvolvimento fiacutesico

No que se refere aos alimentos geneticamente modificados alguns estudos concluem

que embora essa tecnologia aplicada aos alimentos amplie a capacidade de produccedilatildeo esta

apresenta riscos em potencial que requerem investigaccedilotildees adicionais para confirmar a sua

seguranccedila sanitaacuteria (BAKSHI 2003 COSTA et al 2011) Quantos aos efeitos agrave sauacutede Bakshi

(2003) destaca as alergias alimentares e outros efeitos devido agrave exposiccedilatildeo agraves novas

proteiacutenas introduzidas nesses alimentos e resistecircncia antimicrobiana devido agrave

recombinaccedilatildeo de genes desse alimento com os das bacteacuterias patogecircnicas seja no ambiente

ou no trato intestinal do comensal Esses foram alguns dos motivos que compuseram o

arsenal de argumentos para a rejeiccedilatildeo do milho BT Novartis pela Europa

A resistecircncia bacteriana em patoacutegenos presentes nos alimentos eacute outra preocupaccedilatildeo

internacional Em funccedilatildeo disso o Codex Alimentarius (FAO WHO 2005) aprovou um coacutedigo

de praacuteticas com o objetivo de minimizar os efeitos adversos agrave sauacutede puacuteblica resultante do

uso de agentes microbianos nos alimentos produzidos a partir de animais No Marrocos a

anaacutelise de 11516 amostras distribuiacutedas entre carne bovina frango aacutegua e frutos do mar

pimenta entre outros revelou que 105 (091) delas foram positivas para Salmonella e 25

delas exibiram resistecircncia a no miacutenimo um antimicrobiano testado (BOUCHRIF et al

2009)

Embora consumir frutas e hortaliccedilas constitua uma opccedilatildeo valorizada por ser um tipo

de consumo saudaacutevel tais alimentos natildeo estatildeo isentos de riscos No Brasil os resultados

analiacuteticos do total de 2488 amostras de frutas e legumes analisadas no ano de 2010

revelaram que em 35 delas havia a presenccedila de resiacuteduos devido agrave natildeo observacircncia dos

prazos de carecircncia especificados para o correto uso do pesticida 28 apresentaram

resiacuteduos de pesticidas natildeo autorizados ou se autorizados ultrapassaram os limites

maacuteximos permitidos E ainda do total de 18 alimentos amostrados cinco deles - pimentatildeo

pepino morango cenoura e alface - apresentaram condenaccedilatildeo igual ou superior a 50 do

59

total analisado da categoria (BRASIL Anvisa 2011) Resultados que sugerem uma

exposiccedilatildeo da populaccedilatildeo a riscos diversos e complicaccedilotildees persistentes considerando o tipo

de agente em questatildeo (WHO 2002b)

Esse cenaacuterio da atualidade permeado de riscos dos alimentos provenientes de

agentes causais extriacutensecos tradicionais e inusitados produzindo efeitos moacuterbidos

diversificados agudos e crocircnicos parece que tende a perdurar e a amplificar-se no decorrer

dos anos pois satildeo reflexos dos antagonismos do modelo econocircmico global Soma-se ainda

nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a epidemia global da obesidade a qual tem uma relaccedilatildeo

direta com os alimentos se convertendo na atualidade em uma importante ameaccedila agrave sauacutede

puacuteblica devido agraves comorbidades implicadas (WHO 2000 VISSCHER SEIDELLL 2001)

A obesidade caracteriza-se por uma doenccedila crocircnica com caraacuteter amplamente

preventivo (WHO 2004a) ocasionada tanto pelo estilo de vida sedentaacuterio como pelo

consumo de dietas natildeo saudaacuteveis densamente energeacuteticas que juntos conformam um

ambiente altamente ldquoobesogecircnicordquo desequilibrando o balanccedilo energeacutetico dos indiviacuteduos e

contribuindo para o ganho excessivo de peso (PRENTICE 2005 WHO 2000 PINHEIROS

FREITAS CORSO 2004 CABALLERO 2007)

Destarte firma-se a ligaccedilatildeo entre a dieta alimentar e a etiologia da obesidade assim

como das outras doenccedilas crocircnicas natildeo-transmissiacuteveis (CHOPRA 2002) De fato satildeo tipos

especiais de alimentos industrializados jaacute definidos anteriormente que ao participarem

sistematicamente da dieta habitual contribuem para os distuacuterbios na sauacutede (WHO 2004a)

Com isso configura-se o segundo grupo de riscos dos alimentos da atualidade - que

eacute o foco de atenccedilatildeo deste trabalho - no qual um importante fator causal estaacute

intrinsecamente ligado agrave composiccedilatildeo nutricional dos produtos alimentiacutecios Riscos que natildeo

derivam da introduccedilatildeo de um agente bioloacutegico quiacutemico ou fiacutesico que eacute carreado do exterior

para o produto alimentiacutecio mas que eacute intriacutenseco agrave sua proacutepria foacutermula e identidade Riscos

que desafiam este novo seacuteculo porque despertam tensotildees entre a liberdade dos agentes

econocircmicos transnacionais de criar produtos alimentiacutecios lucrativos e a necessidade de

compromisso com a preservaccedilatildeo da sauacutede da sociedade

60

Trata-se de produtos derivados de um mercado global de alimentos que desenvolveu

artifiacutecios para atender um grande puacuteblico das metroacutepoles urbanas com custos de produccedilatildeo

reduzidos por meio do uso de ingredientes pouco nobres na composiccedilatildeo dos alimentos

como gorduras e accediluacutecares tornando-os alimentos com alta densidade energeacutetica e

nutricionalmente pobres (POPKIN GORDON-LARSEN 2004 MONTEIRO 2009 UUSITALO

PIETIENEN PUSKA 2002) Tais produtos natildeo saudaacuteveis estatildeo envolvidos em um aparato

publicitaacuterio que ocupa os diferentes espaccedilos da vida cotidiana para estimular os indiviacuteduos

a criarem interesse por esse tipo de consumo alimentar (HARRIS et al 2009)

Enfim a economia de alimentos dirigida pela globalizaccedilatildeo dissemina efeitos variados

e contraditoacuterios que repercutem diretamente na sociedade Tecircm benefiacutecios por um lado

trazidos pelo aumento da disponibilidade de alimentos e da expansatildeo da sua variedade

(WHO 2002) e malefiacutecios por outro como a comercializaccedilatildeo de produtos natildeo saudaacuteveis e

natildeo seguros (ROBERTSON 2001 FAO 2013b) Esse conjunto de caracteriacutesticas amplia e

diversifica os riscos agrave sauacutede seja pela perda crescente da qualidade nutricional (WHO

2004a 2003b) ou seja pelo comprometimento da qualidade sanitaacuteria (WHO 2006) ou

ainda simultaneamente por essas duas dimensotildees com manifestaccedilotildees em niacutevel local e

global

Assim urgem medidas locais e internacionais em direccedilatildeo a uma abordagem integral e

dinacircmica dos riscos dos alimentos que sejam capazes de incorporar os aspectos sanitaacuterios e

nutricionais nas medidas de gestatildeo da qualidade promover a articulaccedilatildeo intersetorial das

instacircncias que tecircm interface com os alimentos e com a sauacutede e mobilizar outras partes

interessadas ndash a sociedade e o mercado ndash na perspectiva de alteraccedilatildeo do quadro

epidemioloacutegico atual

61

23 Riscos agrave sauacutede de um conceito matemaacutetico a uma construccedilatildeo sociopoliacutetica e

cultural

A noccedilatildeo de risco foi comumente empregada nos seacuteculos XVI e XVII para lidar com as

desventuras da natureza durante as expediccedilotildees mariacutetimas de exploraccedilatildeo movidas pelos

povos ocidentais (GIDDENS 2010) Era preciso prever os riscos mesmo que aferidos com

base em referecircncias restritas e aqueacutem do ldquomarrdquo do desconhecido para permitir ponderar

as vantagens e as desvantagens e tomar as decisotildees quanto agrave faccedilanha Desde essa eacutepoca

analisar riscos envolve incertezas caacutelculos anaacutelises e posicionamentos

Agora ldquoriscordquo tem sido utilizado em diferentes campos do conhecimento para

predizer tanto os eventos naturais como aqueles socialmente criados Com a sua aplicaccedilatildeo

as ideias de espaccedilo e tempo agregaram-se a de incerteza e passaram a compor a noccedilatildeo de

risco (GIDDENS 2010) A anaacutelise de um dado fenocircmeno de ldquoriscordquo implica caacutelculos

probabiliacutesticos feitos a partir da combinaccedilatildeo de um conjunto de fatores que simplificam a

complexa realidade onde regularmente este ocorre mantendo-se sempre ofuscados pelas

incertezas

De fato o risco natildeo se constitui entidade por si soacute a sua existecircncia depende da

caracterizaccedilatildeo do perigo ou do evento indesejado (EWALD 1991) Assim risco e perigo se

inter-relacionam e ao mesmo tempo se diferenciam O primeiro eacute uma ameaccedila objetiva

enquanto o segundo eacute o proacuteprio evento ou a presenccedila do agente causal desencadeador do

evento Poreacutem essa distinccedilatildeo se anula completamente na ausecircncia de alternativas ou de

possibilidades de atuaccedilatildeo livres de risco e nesse caso o risco eacute o perigo (LUHMANN1993)

Na sociedade contemporacircnea as transformaccedilotildees teacutecnico-industriais fomentadas pela

articulaccedilatildeo entre ciecircncia e tecnologia tecircm impulsionado a atualizaccedilatildeo e a reformulaccedilatildeo

acelerada de bens produtos e serviccedilos para atender a demanda induzida pelo mercado de

consumo e consequentemente para ampliar o capital (BAUMAN 1999 BECK 2002)

Impera um tipo de racionalidade econocircmica que se concentra unilateralmente no

62

incremento da produtividade e dos lucros e negligencia os riscos a ela vinculados (BECK

2002)

Eacute nesse contexto de desenvolvimento capitalista que novas modalidades de riscos

sociais eclodem como efeito reflexivo do processo tecnoloacutegico que se intensificam e se

diversificam em niacutevel individual e coletivo (GIDDENS 1991 BECK 2002) Segundo

Giddens (1991) essa reflexividade tecnoloacutegica deve-se agrave incapacidade de se controlar o

conjunto complexo de fatores envolvidos na realidade concreta quando da aplicaccedilatildeo

praacutetica do conhecimento cientiacutefico e das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas Nessas circunstacircncias os

riscos satildeo aqueles fatores que surgem de forma inesperada ou melhor os desvios da

norma

Eacute importante salientar que esses desvios que escapam do controle natildeo podem ser

reportados como limitaccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico pois satildeo os riscos condizentes com

a natureza intriacutenseca do proacuteprio saber (NARDOCCI 2002) Segundo a autora a verdade eacute

que o saber sempre eacute aproximado quando se explora um dado objeto em uma realidade

social dinacircmica e complexa

Entretanto essa instabilidade das descobertas cientiacuteficas que progridem sempre em

situaccedilotildees de incertezas em especial quando se trata de riscos revelando o caraacuteter mutaacutevel

da ciecircncia foi o que deu respaldo ao surgimento do Princiacutepio de Precauccedilatildeo Tal

instrumento se fundamenta na adoccedilatildeo de medidas de proteccedilatildeo contra os riscos mesmo que

natildeo haja dados cientiacuteficos seguros sobre eles (GIDDENS 2010) Com isso na ausecircncia da

explicaccedilatildeo cientiacutefica que decirc suporte agrave decisatildeo e agraves consequecircncias dos riscos imputados

ficam expliacutecitos os significados poliacuteticos que eles assumem (CARAPINHEIRO 2002)

delineados pelas vantagens e benefiacutecios atribuiacutedos para quem os produziu

Nesse sentido o risco passa a ser abordado sob um caraacuteter ambiacuteguo (BECK 2002

GIDDENS 2010) de representar por um lado a ousadia o desafio e o dinamismo

econocircmico da sociedade na busca pela produtividade e progresso e por outro os efeitos

63

dos impulsos tecnoloacutegicos que se concretizam sob a forma de prejuiacutezos danos e ameaccedilas

no sentido social e material

Contudo sob a oacutetica da doutrina neoliberal dominante os riscos satildeo elementos

constituintes inerentes agrave vida A norma eacute a concorrecircncia generalizada e o comportamento

esperado das empresas e dos indiviacuteduos eacute a superaccedilatildeo a qual depende da capacidade de

remover os obstaacuteculos dentro das possibilidades adotando certas precauccedilotildees Assim

descarta-se qualquer possibilidade de alegar-se a imparcialidade da ciecircncia e da teacutecnica

(BODSTEIN 2000) pois ambas satildeo devidamente sustentadas por bases poliacutetico-ideoloacutegicas

soacutelidas Em complementaccedilatildeo a isso reforccedila-se que os riscos pressupotildeem no outro extremo

benefiacutecios entendidos como vantagens ou lucros extraiacutedos da atividade econocircmica

(NARDOCCI 2002) apesar dos possiacuteveis efeitos adversos agrave sauacutede ou ao ambiente advindos

dessa atividade

Para Luhmann (1993) ldquoriscordquo e ldquoperigordquo satildeo atributos da regularidade precaacuteria da

vida em sociedade e emergem prioritariamente da atividade humana A sua presenccedila

denota possibilidades de falhas fracassos ou incapacidade de eliminaccedilatildeo dos agentes

causais que podem ter como desfecho doenccedilas e mortes Isso aponta a natureza

conflituosa dos riscos ora eacute algo que necessita de um controle constante e ora eacute algo cuja

aceitaccedilatildeo manteacutem o dinamismo da economia e da sociedade Como os riscos carregam

consigo instabilidade e incerteza impondo a necessidade de se fazer julgamentos e

escolhas ou seja de se tomar decisotildees poliacuteticas (NARDOCCI 2002) eles transformam-se

em uma construccedilatildeo sociocultural (CARAPINHEIRO 2002)

Tais premissas influenciaram a elaboraccedilatildeo dos conceitos de risco e perigo

estabelecidos pela FAO amp OMS (FAO OMS 2005) e que satildeo aplicados no acircmbito do controle

sanitaacuterio de alimentos Assim risco eacute a probabilidade de ocorrecircncia de um efeito nocivo agrave

sauacutede como consequecircncia da presenccedila de um ou mais perigos nos alimentos perigo eacute a

presenccedila do agente causal no alimento responsaacutevel por esse efeito A partir desses

conceitos duas consideraccedilotildees podem ser extraiacutedas primeiro essa concepccedilatildeo trata de

maneira reducionista o fenocircmeno na qual o ldquosocialrdquo se retira do cenaacuterio para que as

64

ciecircncias bioloacutegicas busquem o amparo do saber da matemaacutetica colocando esse saber como

central na construccedilatildeo do conceito e segundo a complexa e dinacircmica realidade

racionalizada em nuacutemeros cria uma imagem de que eacute possiacutevel controlar o todo

imprevisiacutevel Carapinheiro (2002) informa que eacute essa pretensa neutralidade do termo

ldquoriscordquo apoiada em caacutelculos probabiliacutesticos e sem a menccedilatildeo do caraacuteter social presente em

sua formaccedilatildeo eacute que o faz ter preferecircncia de uso em lugar do termo ldquoperigordquo

Assim quando o aparato teacutecnico-cientiacutefico eacute aplicado sobre os alimentos e os

converte em objetos potenciais de risco dois efeitos podem surgir na esfera do controle

sanitaacuterio dos alimentos o corrente reconhecido tanto sob as oacuteticas internacional e

nacional que eacute o risco dos alimentos atribuiacutedo preponderantemente aos agentes

bioloacutegicos quiacutemicos ou fiacutesicos dos alimentos (FAO OMS 2005) em funccedilatildeo dos surtos

epidecircmicos e intoxicaccedilotildees e dos impactos negativos agrave sauacutede e ao comeacutercio (KATZ et al

1999 KAumlFERSTEIN et al 1997) devido a alimentos contaminados (WHO 2006) E o

emergente que se vincula agrave natureza intriacutenseca da foacutermula do produto alimentiacutecio que

resulta na presenccedila excessiva de certos componentes (accediluacutecares gorduras aditivos e sal)

quando se evidencia uma qualidade nutricional desbalanceada estando associado agrave

pandemia da obesidade e agraves outras DCNT (MONTEIRO 2010 WHO 2004a DREWNOWSKI

2009 POPKIN 2001)

Dessa forma os crescentes e diferentes riscos surgidos com as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

- e a complexidade para identificaacute-los - constituem o desafio da modernidade natildeo somente

pelos prejuiacutezos econocircmicos e sociais causados agrave sociedade mas tambeacutem pela desconfianccedila

na qualidade dos alimentos e inseguranccedila gerada no consumo dos produtos Em adiccedilatildeo

Hespanha (2002) afirma que esses riscos de efeito extensivo impotildeem ao poder puacuteblico o

ocircnus da responsabilidade de contornar os desvios gerados pelo ldquoprogresso industrialrdquo

Relata tambeacutem que os fatores de incerteza e de imprevisibilidade que se criam e se recriam

em torno deles potencializam os obstaacuteculos para uma intervenccedilatildeo efetiva dos sistemas de

vigilacircncia de controle

65

Diante disso e como consequecircncia dos riscos ocorre um forte impulso para a criaccedilatildeo

de novos sistemas de vigilacircncia e controle e ampliaccedilatildeo da accedilatildeo regulatoacuteria do poder puacuteblico

(BODSTEIN 2000) Esses sistemas requerem um corpo de peritos especializados com

competecircncia teacutecnica para formular decisotildees sobre como intervir nos riscos e restabelecer a

seguranccedila A credibilidade e a confianccedila dependem exclusivamente do desempenho desses

sistemas (GIDDENS 1991)

Como a discussatildeo dos riscos e as medidas de intervenccedilatildeo interferem no bem-estar

coletivo os cidadatildeos satildeo instigados a participar do processo decisoacuterio para estabelecer o

grau de liberdade do mercado e de aceitabilidade social dos riscos (NARDOCCI 2002)

Diante disso a FAO amp OMS (2005) recomendam aos entes do governo firmar parcerias

com as diferentes forccedilas sociais envolvidas ndash mercado consumidores e universidades -

para desencadear o processo de anaacutelise de riscos

Por isso para o estabelecimento dos limites de seguranccedila o componente bioloacutegico e o

social estatildeo sempre juntos no processo de anaacutelise de riscos dos alimentos O primeiro se

define a partir do aparato teacutecnico-cientiacutefico que justifica as caracteriacutesticas e as

potencialidades do perigo implicado mediante a patogenicidade virulecircncia

mutagenicidade toxicidade entre outros tipos de expressatildeo de nocividade (FAO 1995)

Quanto ao segundo o saber cientiacutefico que respalda a interpretaccedilatildeo dos riscos articulado ao

contexto das implicaccedilotildees sociopoliacuteticas determina a sua aceitaccedilatildeo ou natildeo Em funccedilatildeo dos

processos sociais subjacentes os riscos podem ser reduzidos ou intensificados

convertendo-se em uma questatildeo social (BECK 2002) pois se trata de um fenocircmeno de

contingecircncia muacuteltipla que oferece aos diferentes observadores um elenco de perspectivas

quanto aos impactos em termos de perdas ou danos (LUHMANN 1993)

Face ao exposto esse envolvimento de forccedilas sociais heterogecircneas para tratar do

assunto denota que as constataccedilotildees do risco resultam da conjugaccedilatildeo do componente

teacutecnico-cientiacutefico e dos interesses sociopoliacuteticos que balizam os impactos relativos aos

custos e benefiacutecios sociais poliacuteticos e econocircmicos Nesse contexto Beck (2002) defende

que a ciecircncia se reveste de um significado social e poliacutetico do risco pelas decisotildees quanto

66

aos conteuacutedos do conhecimento e aos efeitos o alcance e o tipo de perigo o puacuteblico afetado

em longo prazo a responsabilizaccedilatildeo os direitos de reclamaccedilatildeo de indenizaccedilatildeo etc

Na atualidade o conceito de ldquoseguranccedila sanitaacuteria dos alimentosrdquo estaacute sob questatildeo

pois com a sua abrangecircncia restrita e incapaz de abarcar a totalidade dos riscos

reconhecidos dos alimentos natildeo eacute possiacutevel garantir que o alimento seja promotor e

mantenedor da sauacutede Dessa forma eacute fundamental a inclusatildeo dos riscos emergentes

aqueles que contribuem para os distuacuterbios de excesso de peso e suas comorbidades na

concepccedilatildeo e praacutetica que regem os sistemas de controle para que haja compatibilidade com

a realidade do perfil nutricional Esse descompasso entre os ajustes realizados pelas

instituiccedilotildees de controle e a velocidade de surgimento dos riscos ocorre tanto por

dificuldades teacutecnicas como por entraves poliacuteticos E essa capacidade lenta e limitada do

agir institucional para englobar a diversidade dos riscos dos alimentos repercute

diretamente na sauacutede da populaccedilatildeo exposta Assim a expansatildeo do campo ldquovigiar os riscos

dos alimentosrdquo incluindo os aspectos sanitaacuterios e nutricionais estaacute principalmente na

dependecircncia do respaldo dos especialistas que mediante a sua fundamentaccedilatildeo teacutecnico-

cientiacutefica e poliacutetica estimularaacute a mudanccedila da conduta institucional

Diante disso e com base na argumentaccedilatildeo de Beck (2002) alimentos portadores de

atributos como ldquosaudaacutevelrdquo e ldquosegurordquo satildeo de difiacutecil e complexa comprovaccedilatildeo na ordem

social vigente Para o autor os riscos dos alimentos que desafiam a humanidade somente

satildeo identificados mediante recursos sofisticados e de acesso limitado pois jaacute natildeo se

expressam como os de outrora Como os oacutergatildeos dos sentidos satildeo insuficientes para captaacute-

los a autonomia individual para se defender fica comprometida Segundo esse autor os

danos sistemaacuteticos decorrentes dos riscos englobam todos os seres vivos e os homens satildeo

atingidos sem haver distinccedilatildeo de classe etnia e gecircnero estando completamente

desprotegidos pela permeabilidade das fronteiras dos Estados nacionais que jaacute natildeo

impotildeem obstaacuteculos em um ambiente social interligado

Embora os riscos se reportem ao coletivo os efeitos satildeo socialmente estratificados Os

indiviacuteduos se distinguem quanto ao grau de exposiccedilatildeo Aqueles socialmente vulneraacuteveis

67

por estarem desprovidos de recursos simboacutelicos e materiais para a sua defesa e

autoproteccedilatildeo satildeo os mais intensamente afetados pelas consequecircncias dos riscos Isso pode

ser constatado na relaccedilatildeo entre o consumo de alimentos considerados de alto risco e a

obesidade em ambiente de pobreza (MARTINS 2007 DREWNOWSKI amp SPECTER 2004

WHO 2000)

Enfim os riscos e os perigos gerados pela industrializaccedilatildeo acelerada natildeo derivam da

responsabilidade de escolhas pessoais conscientes como se atribui ao consumo de

cigarros de produtos alimentiacutecios ou da bebida alcooacutelica cujo controle depende do

comportamento individual ou de autocontrole Esses riscos satildeo estruturalmente

construiacutedos (PETERSON amp LUPTON 2000) Como a conformaccedilatildeo dos riscos eacute complexa

permitindo apenas evidecircncias cientiacuteficas limitadas e efeitos imprecisos o posicionamento

sobre a sua aceitaccedilatildeo constitui elemento-chave do processo de anaacutelise e independente do

risco ser caracterizado como individual ou coletivo eacute mediado por um conjunto de

interesses poliacutetico-ideoloacutegicos e culturais sobre o que se reconhece como risco Em geral

interesses conflitantes constituem a base de referecircncia para as ponderaccedilotildees cujo resultado

refletiraacute a flexibilidade ou a rigidez no compromisso estabelecido com a sauacutede do coletivo

A defesa efetiva da sociedade estaacute primordialmente sob o comando dos cidadatildeos

preferencialmente de forma organizada cabendo a eles a vigilacircncia dos riscos dos

alimentos e de quem controla esses riscos - as instituiccedilotildees oficiais Contudo para isso eacute

preciso que os cidadatildeos se esforcem para apoderarem-se das informaccedilotildees e conquistar os

espaccedilos que os permitam vocalizar as suas necessidades e intervir nas decisotildees das

instacircncias competentes Poreacutem eles devem estar sempre atentos para natildeo se esquivarem

de colocar agrave tona as questotildees estruturais submersas da sociedade as quais de modo

decisivo moldam os padrotildees de produccedilatildeo-consumo e deterioram gradualmente a sauacutede da

coletividade

68

3 PRODUTOS ALIMENTIacuteCIOS E SAUacuteDE Uma anaacutelise multifacetaacuteria

31 Produtos alimentiacutecios e riscos agrave sauacutede a visatildeo dos organismos

intergovernamentais

311 A abordagem da OMS e da FAO sobre o tema

Sucessivos documentos foram publicados pela OMS a partir do final da deacutecada de 80

anunciando ao mundo os impactos globais das novas praacuteticas de consumo de alimentos e

do estilo de vida sedentaacuterio sobre a sauacutede da coletividade especialmente as das regiotildees

urbanizadas Em 1989 em seu documento ldquoDiet Nutrition and Prevention of Chronic

Diseaserdquo a OMS se mobilizou para alertar que o consumo de produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis passou a se constituir em um dos fatores responsaacuteveis por desencadear um leque

de doenccedilas crocircnicas que se espalham em proporccedilatildeo ascendente na populaccedilatildeo tais como

obesidade doenccedilas cardiovasculares e vaacuterios tipos de cacircncer Considerando a causalidade

multifatorial dessas doenccedilas e a importacircncia crucial exercida pelo modo de se alimentar a

OMS defende que esse binocircmio alimento-doenccedila seja objeto de atenccedilatildeo das poliacuteticas

intersetoriais de sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo (WHO 1990)

Este documento da OMS constitui o marco inicial da anaacutelise das repercussotildees globais

das mudanccedilas do padratildeo alimentar das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no campo da produccedilatildeo de

alimentos do modo de vida entre outros aspectos sobre o perfil epidemioloacutegico de paiacuteses

pertencentes a vaacuterios continentes Evidenciou naquela ocasiatildeo que a dinacircmica decorrente

do modelo de desenvolvimento econocircmico estaacute levando essas naccedilotildees a ldquoreproduziremrdquo

algumas caracteriacutesticas culturais e sociais dos paiacuteses ricos em especial as dos Estados

Unidos da Ameacuterica enquanto expoente maacuteximo do projeto industrial-consumista tais como

o padratildeo de consumo freneacutetico a automatizaccedilatildeo das atividades costumeiras e o perfil de

morbidade

69

No ano 2000 a OMS concentrou-se em explorar o efeito mais evidente dessa

mudanccedila da dieta e do estilo de vida sobre a sauacutede e publicou o relatoacuterio teacutecnico especiacutefico

sobre a obesidade intitulado ldquoObesity preventing and managing the global epidemicrdquo Nele

reconheceu a obesidade como uma doenccedila epidecircmica crocircnica de caraacuteter global e

preventivo ocasionado por fatores dieteacuteticos e padrotildees de atividade fiacutesica destacando os

produtos alimentiacutecios de circulaccedilatildeo mundial como um dos agentes causais Com isso

recomendou aos governos dentre outras medidas de intervenccedilatildeo a necessidade de

reformular as regulaccedilotildees de alimentos no que concerne aos requisitos de qualidade

seguranccedila rotulagem e publicidade de alimentos (WHO 2004a)

Destacou-se assim o papel fundamental dos governos sem excluir a responsabilidade

das induacutestrias de intervir no mercado de alimentos Isso em razatildeo de esse mercado

encontrar-se completamente indisciplinado quanto ao atendimento dos requisitos de

qualidade nutricional O uso de formulaccedilotildees com excesso de ingredientes caloacutericos e pouco

nutritivos que contribuem para o surgimento de doenccedilas nos indiviacuteduos que consomem

esses produtos satildeo exemplos de fatores que deveriam ser normatizados

A imagem exclusivamente positiva veiculada de modo corrente pela miacutedia sobre os

produtos alimentiacutecios enquanto siacutembolos de inovaccedilatildeo e criatividade versatilidade para

atender as necessidades de consumo vigor da induacutestria e do mercado global praticidade de

consumo entre outros comeccedila a ser desconstruiacuteda Esses fatores passam a ser cada vez

mais identificados tambeacutem pelos seus efeitos dissonantes com os preceitos de promoccedilatildeo e

manutenccedilatildeo da sauacutede Enfim revelam-se como agentes que contribuem para doenccedilas de

longa duraccedilatildeo e de alta complexidade Panorama que demanda freios e ordenamentos

urgentes pelas instituiccedilotildees de sauacutede

Seguem-se dois anos e a OMS divulga o documento ldquoReducing Risks Promoting

Healthy Liferdquo no qual continua a enfatizar a relaccedilatildeo entre o consumo de alimentos natildeo

saudaacuteveis tipo fast-food ou processados e hipercaloacutericos e as mudanccedilas no estilo de vida

com o quadro diversificado de doenccedilas Acrescenta um elemento novo ao discurso quando

identifica as contradiccedilotildees inerentes ao processo de globalizaccedilatildeo econocircmica

70

Globalization has been hailed as a strategy to reduce poverty but the liberalization of trade can lead to both benefits and harms for health (p6 Chapter One) The rapidly growing epidemic of noncommunicable diseases already responsible for some 60 of world deaths is clearly related to changes in global dietary patterns and increased consumption of industrially processed fatty salty and sugary foods Countries should give top priority to developing effective committed policies for the prevention of globally increasing high risks to health such as [] unhealthy diet and obesity (p11) They may [] have to focus on [] legislation to reduce the proportion of salt and other unhealthy components in foods [] (WHO 2002a p166)13

Aleacutem disso aponta a expansatildeo do comeacutercio de alimentos - e suas poliacuteticas de liberaccedilatildeo

- como estimuladores da adoccedilatildeo de uma dieta baseada no consumo de alimentos

processados natildeo saudaacuteveis por milhares de pessoas Para tanto recomenda aos governos

priorizar a prevenccedilatildeo dos riscos agrave sauacutede (como as dietas natildeo saudaacuteveis) investir em

legislaccedilotildees para reduccedilatildeo dos componentes natildeo saudaacuteveis dos alimentos e fortalecer as

campanhas de promoccedilatildeo agrave sauacutede (WHO 2002a)

A globalizaccedilatildeo econocircmica possibilitou que as corporaccedilotildees de alimentos se

ramificassem pelo mundo distribuindo os seus produtos modificando a cultura dos povos

em termos de haacutebitos alimentares e praacuteticas de consumo e alterando o seu perfil

nutricional e de sauacutede Conforme se verifica na citaccedilatildeo anterior a alimentaccedilatildeo transformou-

se a tal ponto que a partir dela se eacute capaz de esboccedilar uma fronteira delimitando a dieta

ldquonatildeo-saudaacutevelrdquo da ldquosaudaacutevelrdquo em funccedilatildeo dos alimentos que a compotildeem e a opccedilatildeo por um

ou outro modo de se alimentar pode ser decisiva para se trilhar o caminho da sauacutede ou da

doenccedila

Em 2003 a FAO considerando a sua missatildeo de lidar com questotildees relacionadas aos

sistemas alimentares e agriacutecolas e ao estabelecimento de diretrizes para a seguranccedila e

adequaccedilatildeo nutricional dos alimentos se posiciona mais claramente sobre o binocircmio DCNT e

13 A globalizaccedilatildeo eacute anunciada como uma estrateacutegia para reduzir a pobreza mas a liberalizaccedilatildeo do comeacutercio pode levar a benefiacutecios e malefiacutecios para a sauacutede (Capiacutetulo Um p6) A epidemia crescente de doenccedilas natildeo transmissiacuteveis jaacute responsaacuteveis por cerca de 60 das mortes mundiais estaacute claramente relacionada a mudanccedilas nos padrotildees alimentares globais e ao aumento do consumo de alimentos industrialmente processados e ricos em aacutecidos graxos sal e accediluacutecar Os paiacuteses devem priorizar o desenvolvimento de poliacuteticas comprometidas eficazes para a prevenccedilatildeo dos altos riscos agrave sauacutede em niacutevel global tais como [] dieta pouco saudaacutevel e obesidade (p11) Eles podem [] se concentrar sobre [] a legislaccedilatildeo para reduzir a proporccedilatildeo de sal e outros componentes pouco saudaacuteveis em alimentos [] (WHO 2002a p166) (traduccedilatildeo pessoal)

71

dietas Assim conjugou seus esforccedilos aos da OMS e publicaram uma versatildeo atualizada do

documento The Joint WHOFAO Expert Consultation on diet nutrition and the prevention of

chronic diseases (WHO 2003b) O maior valor desse documento consistiu em explicitar as

evidecircncias sobre a relaccedilatildeo entre os alimentosnutrientes com as doenccedilas crocircnicas assim

como em ressaltar o impacto das mudanccedilas da economia mundial de alimentos sobre os

padrotildees dieteacuteticos os quais mostravam elevaccedilatildeo no teor de calorias e de gorduras

saturadas e reduccedilatildeo na quantidade de carboidratos complexos Com isso esses organismos

reiteram a necessidade de estabelecer-se um diaacutelogo com as induacutestrias a fim de adequar a

formulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a paracircmetros tecnicamente saudaacuteveis bem como

intervir na propaganda veiculada sobre tais produtos (FAOWHO 2003b)

Conforme consta desse documento as estrateacutegias no campo da alimentaccedilatildeo devem

vislumbrar conjuntamente os aspectos da seguranccedila alimentar e do alimento seguro O

alimento deve ser adequado em termos de quantidade e de qualidade nutricional e

sanitaacuteria ou seja proporcionais agraves necessidades requeridas para o indiviacuteduo ou grupo e

simultaneamente deve atender a um perfil sanitaacuterio compatiacutevel que significa ausecircncia ou

presenccedila de contaminantes dentro dos limites maacuteximos permitidos

A defesa em favor da reformulaccedilatildeo da composiccedilatildeo dos produtos industrializados e de

limitar a publicidade sobre eles prosseguiraacute nos documentos da OMS divulgados nos anos

subsequentes Considerando que esses produtos alimentiacutecios satildeo de circulaccedilatildeo global haacute

uma evidente limitaccedilatildeo de os paiacuteses agirem isoladamente na promoccedilatildeo das dietas

saudaacuteveis o que requer uma articulaccedilatildeo e governanccedila supranacional Nesse sentido esse

documento aponta a necessidade imprescindiacutevel de se interferir nas normas internacionais

existentes que balizam o comeacutercio internacional e explicita a responsabilidade da Comissatildeo

do Codex Alimentarius - CAC [hellip] The Codex Alimentarius - the intergovernmental standard-

setting body through which nations agree on standards for food - is currently being reviewed

Its work in the area of nutrition and labelling could be further strengthened to cover diet-

related aspects of health (WHO 2003b p142)14 Apesar de estar sob a lideranccedila

14 [] O Codex Alimentarius - instacircncia normatizadora intergovernamental por meio do qual as naccedilotildees acordam sobre as normas para alimentos - estaacute sendo revisto O seu trabalho na aacuterea da nutriccedilatildeo e rotulagem

72

internacional da OMS e da FAO a Comissatildeo do Codex uma instituiccedilatildeo estrateacutegica para tratar

da temaacutetica somente foi mencionada uma deacutecada apoacutes terem sido iniciados esses debates

Com o agravamento do quadro epidemioloacutegico a retoacuterica institucional da OMS se

aperfeiccediloa em dois sentidos por um lado decodificando com mais precisatildeo os tipos de

produtos-alvo e as medidas de intervenccedilatildeo e por outro enfatizando as assimetrias da

poliacutetica de liberaccedilatildeo do comeacutercio e conclamando os governos para agir O atributo de natildeo

saudaacutevel foi consagrado nos documentos para qualificar a categoria de produtos

alimentiacutecios hipercaloacutericos (alto teor de gorduras e ou accediluacutecares simples) e com teor de sal

elevado Esse tratamento dado a esse grupo de produtos alimentiacutecios conduz a reduccedilatildeo do

seu valor simboacutelico no mercado e em contrapartida incentiva os indiviacuteduos a ter cautela no

consumo e os governos a interferir na induacutestria para a melhoria dos padrotildees dos alimentos

Contudo observa-se que parece haver uma blindagem do proacuteprio Codex Alimentarius para

tratar do tema ldquoqualidade nutricional dos alimentosrdquo pois ateacute esse momento natildeo houve

manifestaccedilatildeo expliacutecita de iniciativas para criar um espaccedilo de debate interno e menos ainda

de revisitar as normas e os procedimentos teacutecnicos editados na perspectiva de ajustar os

produtos alimentiacutecios a um perfil considerado do tipo saudaacutevel

Em 2004 a OMS aprovou em sua assembleia anual o documento Global Strategy on

Diet Physical Activity and Health que reitera os dois principais fatores de risco para as

doenccedilas crocircnicas as dietas natildeo saudaacuteveis e a atividade fiacutesica reduzida e define medidas de

promoccedilatildeo de sauacutede e de prevenccedilatildeo e reduccedilatildeo dessas doenccedilas que contribuem

substancialmente para a carga global de morbimortalidade e incapacidades Para tanto

reafirma o empenho e a mobilizaccedilatildeo de diferentes atores sociais - sociedade civil induacutestria

e governo - delegando ao uacuteltimo o papel crucial No campo dos alimentos aponta que as

accedilotildees do governo devem se dirigir para interferir na formulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

tornando-os compatiacuteveis como os preceitos da dieta saudaacutevel regulaccedilatildeo do marketing de

alimentos infantis criaccedilatildeo de estiacutemulos fiscais para o consumo saudaacutevel entre outras

Poreacutem o grande destaque desse documento estaacute no intenso reforccedilo para que a CAC envide

esforccedilos para minimizar o impacto da comercializaccedilatildeo de produtos com padrotildees dieteacuteticos

poderia ser reforccedilado para cobrir os aspectos da sauacutede relacionados com a dieta (WHO 2003b p142) [Traduccedilatildeo pessoal]

73

natildeo saudaacuteveis e fortalecer a elaboraccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e de processamento que

considerem a qualidade nutricional e seguranccedila dos produtos Tambeacutem solicita o apoio dos

governos e da sociedade civil organizada nessa empreitada (WHO 2004b)

Previamente agrave realizaccedilatildeo da Assembleia Mundial de Sauacutede a FAO em sua 18a Sessatildeo

do Comitecirc sobre Agricultura apreciou por meio dos seus membros os documentos The

Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet nutrition and the prevention of chronic (FAO

2004) e a minuta do documento da OMS Global Strategy on Diet Physical Activity and

Health Apesar do apoio majoritaacuterio agraves recomendaccedilotildees constantes do documento da OMS

(WHO 2003b) eles ressaltaram alguns aspectos a fragilidade da base cientiacutefica no

estabelecimento da relaccedilatildeo causal entre os alimentos e as DCNT a importacircncia de que haja

maleabilidade na aplicaccedilatildeo das recomendaccedilotildees globais considerando as circunstacircncias

especiacuteficas de cada paiacutes e a necessidade de valorizar a educaccedilatildeo alimentar para permitir

que os indiviacuteduos e as famiacutelias faccedilam escolhas alimentares conscientes (FAO 2004)

Quanto agrave insuficiente base cientiacutefica do estudo isso remete agrave multiplicidade causal

que envolve as doenccedilas e a dificuldade de se precisar a importacircncia isolada de um fator

causal especiacutefico (alimentos) No entanto o essencial foi evidenciado e estaacute centrado nos

efeitos nocivos agrave sauacutede decorrentes da composiccedilatildeo nutricional dos alimentos

industrializados natildeo saudaacuteveis sendo isso responsabilidade do mercado e objeto de

demanda de controle por parte do governo No que se refere agrave importacircncia da ldquoeducaccedilatildeo

alimentarrdquo embora o assunto seja indiscutivelmente relevante o seu papel deve ser sempre

relativizado Como a proposta surgiu isolada de outras que suportem a mudanccedila na loacutegica

do sistema de produccedilatildeo e industrializaccedilatildeo de alimentos parece ter a intenccedilatildeo de simplificar

a complexidade do processo sauacutede-doenccedila em tela tentando reduzir artificialmente a

soluccedilatildeo do problema agrave educaccedilatildeo da populaccedilatildeo Aleacutem disso a ldquoeducaccedilatildeo alimentarrdquo isolada eacute

incapaz de se contrapor aos poderosos mecanismos mercadoloacutegicos construiacutedos em um

ambiente de extrema organizaccedilatildeo se natildeo houver outras estrateacutegias de intervenccedilatildeo que

disciplinem o mercado

74

Em 2012 ao reconhecer a ameaccedila global das DCNT e os impactos econocircmicos e sociais

que essas doenccedilas acarretam aos paiacuteses as Naccedilotildees Unidas publicaram o documento

ldquoPolitical Declaration of The High-Level Meeting of the General Assembly on the Prevention

and Control of Non-communicable Diseasesrdquo (NU 2012) que destaca a dieta natildeo saudaacutevel a

inatividade fiacutesica e a obesidade como fatores de risco que tecircm forte ligaccedilatildeo com as quatro

principais DCNT ndash doenccedilas cardiovasculares cacircncer doenccedilas crocircnicas respiratoacuterias e

diabetes - e que estatildeo associadas aos mais altos custos de sauacutede e agrave reduccedilatildeo da

produtividade Assim esse documento propotildee aos governos avanccedilar com intervenccedilotildees

multisetoriais a fim de reduzir os fatores de risco dessas doenccedilas mediante acordos e

estrateacutegias internacionais educaccedilatildeo legislaccedilatildeo medidas regulatoacuterias e fiscais envolvendo

todos os setores da sociedade Cita explicitamente a necessidade de promover

intervenccedilotildees para reduzir sal accediluacutecar e gorduras saturadas e eliminar a gordura trans nos

alimentos industrializados como tambeacutem de desestimular a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo

de alimentos que contribuem para dieta natildeo saudaacutevel

Em decorrecircncia disso a OMS propocircs um Marco Global de Monitoramento das DCNT

que inclui 25 indicadores e nove metas voluntaacuterias para a sua prevenccedilatildeo e controle com

periacuteodo de vigecircncia de 2013-2020 Dentre as metas globais voluntaacuterias que se relacionam a

ao objeto deste estudo estaacute a meta de reduccedilatildeo relativa de 30 na meacutedia de consumo de

salsoacutedio da populaccedilatildeo ateacute o ano de 2025 No grupo dos indicadores propostos para os

sistemas nacionais um deles tem a finalidade de reduzir o impacto do marketing de

alimentos com alto em gorduras saturadas gordura trans accediluacutecares livres ou sal e bebidas

natildeo alcooacutelicas sobre as crianccedilas Outro indicador propotildee limitar a gordura saturada no

abastecimento alimentar (WHO 2013b) Quanto aos accediluacutecares nada foi mencionado

Mais recentemente a FAO demonstrou estar tambeacutem bastante sensiacutevel aos problemas

do excesso de peso e propocircs um rol de alternativas para incentivar a dieta saudaacutevel

Afirmou que a despeito de o moderno sistema de produccedilatildeo permitir ampliar a variedade de

produtos esse sistema empenha-se em vender mais alimentos ultraprocessados que

contribuem para o excesso de peso Para isso apresentou para discussatildeo as estrateacutegias de

taxaccedilatildeo dos produtos menos nutritivos de educaccedilatildeo nutricional nas escolas e de regulaccedilatildeo

75

da publicidade de alimentos para o puacuteblico infantil (FAO 2013b) Em comparaccedilatildeo com a

discussatildeo travada em 2003 registraram-se portanto avanccedilos substanciais no campo da

valorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel e do compromisso em intervir no excesso de peso

Em siacutentese nas uacuteltimas duas deacutecadas consagrou-se o entendimento de que os

produtos industrializados natildeo saudaacuteveis satildeo de alto risco agrave sauacutede e por conseguinte devem

ser objetos de medidas de intervenccedilatildeo e controle Todavia a adoccedilatildeo de medidas concretas

voltadas agrave reformulaccedilatildeo dos paracircmetros nutricionais desses produtos ainda tardaratildeo Isto

implica incorporaccedilatildeo de ingredientes naturais ou semiprocessados mas tambeacutem medidas

complementares tais como aposiccedilatildeo de alertas em destaques nos roacutetulos para dar

transparecircncia ao consumidor dos riscos do consumo desse tipo de produto taxaccedilatildeo

diferenciada de preccedilos para contenccedilatildeo do consumo desses produtos etc Uma seacuterie de

medidas que para muitos governos nacionais e instacircncias intergovernamentais ainda

permanecem no campo das intenccedilotildees

Em um contexto de globalizaccedilatildeo econocircmica as ligaccedilotildees de dependecircncia entre os

estados-nacionais e os organismos intergovernamentais normatizadores do mercado

internacional satildeo estreitas e a atuaccedilatildeo desses interlocutores OMS FAO e a Comissatildeo do

Codex Alimentarius eacute fundamental para o enfrentamento desse novo risco dos produtos

alimentiacutecios Uma accedilatildeo isolada dos governos nacionais poderia desencadear retaliaccedilotildees do

mercado e instabilidades internas vez que a reformulaccedilatildeo do perfil nutricional dos

produtos implica para as empresas custos e ameaccedila aos seus lucros

312 A apatia do Codex Alimentarius frente aos novos riscos dos alimentos

Conforme os documentos antes apresentados foram vaacuterios os alertas e indicativos

dos efeitos agrave sauacutede da populaccedilatildeo global ocasionados pelos produtos alimentiacutecios de ampla

circulaccedilatildeo no mercado internacional emitidos pela OMS e FAO Contudo transcorreram

dezesseis anos de 1990 a 2006 para que houvesse reaccedilatildeo da Comissatildeo do Codex

Alimentarius ndash CAC ndash considerando a sua responsabilidade por editar um coacutedigo de normas

76

de referecircncia para as agecircncias nacionais de controle de alimentos dos paiacuteses membros

induacutestrias consumidores e comeacutercio internacional (FAO WHO 2006a)

A implementaccedilatildeo do Programa de Normas Alimentares da Junta FAOOMS eacute de

competecircncia da CAC que tem entre os seus propoacutesitos [] (a) protecting the health of

consumers and ensuring fair practices in the food trade [] (e) amending published

standards after appropriate survey in the light of developments15 (FAO WHO 2006b p14)

A missatildeo de proteccedilatildeo da sauacutede contra os riscos dos alimentos jaacute pressupotildee abertura a um

evento desconhecido e portanto disposiccedilatildeo para ajustar as normas agrave luz da renovaccedilatildeo dos

conhecimentos cientiacuteficos conforme o dinamismo da sociedade e as novas situaccedilotildees de

riscos que se apresentem com fins de salvaguardar a sauacutede dos consumidores

Contudo constata-se que o foco de normatizaccedilatildeo da CAC estaacute circunscrito agrave seguranccedila

sanitaacuteria dos alimentos que envolve os paracircmetros sanitaacuterios o estabelecimento de limites

de contaminantes e as disposiccedilotildees sobre rotulagem sendo seu objeto central proteger a

sauacutede dos consumidores contra os riscos de DTA (FAO WHO 2006b) Com isso restringe-

se o espaccedilo para as outras ameaccedilas que escapam a esse seu escopo de atuaccedilatildeo ndash

componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios natildeo-saudaacuteveis - apesar de se

inscreverem no universo dos riscos dos alimentos que comprometem a sociedade mundial

Assim apenas em 2006 a CAC lanccedilou um plano de accedilatildeo para implementaccedilatildeo da

Global Strategy on Diet Physical Activity and Health no qual reconhece a afinidade entre a

proacutepria missatildeo dela e as estrateacutegias desse documento jaacute que foram identificados nutrientes

associados com risco elevado de DCNT (FAO WHO 2006a) Isso foi baseado no mandato do

Codex que prevecirc medidas voltadas para minimizar o consumo desses nutrientes com fins

de prevenir distuacuterbios agrave sauacutede do consumidor assim como para garantir o uso de

alegaccedilotildees nutricionais (claims) que natildeo sejam falsas ou confusas Com isso a tarefa foi

delegada a dois Comitecircs especiacuteficos do Codex um que trata de assuntos relativos agrave nutriccedilatildeo

e alimentos para fins dieteacuteticos especiais (FAO WHO 2013) e o outro comitecirc que lida com

rotulagem de alimentos (FAO WHO 2012) Estes comitecircs se mobilizaram cada um em seu

15 [] (a) proteger a sauacutede dos consumidores e assegurar praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos [] (e) ajustar agraves normas publicadas apoacutes o exame apropriado agrave luz do desenvolvimento (FAOWHO 2006a p14) [Traduccedilatildeo pessoal]

77

campo de atuaccedilatildeo para revisar a lista de nutrientes declarados no roacutetulo desenvolver

valores de referecircncia de nutrientes e propor novas alegaccedilotildees para os nutrientes de alto

risco (gordura trans)

Entretanto haacute um item importante do documento Global Strategy dirigida ao Codex

que se refere agrave modificaccedilatildeo dos padrotildees de produccedilatildeo e processamento dos alimentos

considerando os preceitos da qualidade nutricional e sanitaacuteria A resposta dada entatildeo pela

CAC foi de caraacuteter paliativo para proteccedilatildeo da sauacutede dos consumidores mas confortaacutevel e

lucrativa para o mercado Propocircs o desenvolvimento de versotildees modificadas dos alimentos

orginalmente natildeo saudaacuteveis diferenciando-os pela reduccedilatildeo dos ingredientes de risco (sal

gorduras e ou accediluacutecares) na composiccedilatildeo e pelo uso de alegaccedilotildees nutricionais no roacutetulo de

forma a auxiliar o consumidor na distinccedilatildeo e na escolha entre esses produtos

Sob o prisma eacutetico e de sauacutede a especificidade de perfil nutricional proposta para

versotildees modificadas dos produtos alimentiacutecios deveria ser regra em funccedilatildeo dos benefiacutecios

que se agregam agrave sauacutede Jaacute o produto alimentiacutecio original com perfil natildeo saudaacutevel deveria

ser completamente abolido do mercado Entretanto verifica-se que eacute o valor econocircmico que

se destaca nessa proposta (versotildees modificadas dos produtos) devido agrave perspectiva de

abertura para expansatildeo de um mercado de produtos alimentiacutecios ldquoespeciaisrdquo de custo mais

alto destinados a um puacuteblico seleto e com discreto impacto sobre a sauacutede da coletividade

Por enquanto esse assunto estaacute em fase de discussatildeo e ainda natildeo extrapolou o ambiente da

CAC

O retardo da Comissatildeo do Codex em se envolver com as iniciativas da OMS e as

propostas de intervenccedilatildeo sugeridas por este Organismo denota que o compromisso

daquela Comissatildeo com a sauacutede da populaccedilatildeo mundial estaacute muito atrelado aos riscos que

impactam os interesses econocircmicos do mercado internacional Isto se evidencia ao se

comparar o desempenho normativo da CAC contra os agentes contaminantes dos produtos

alimentiacutecios em relaccedilatildeo ao delegado aos nutrientes em excesso que tornam os produtos

natildeo-saudaacuteveis Riscos de outra natureza fazem pouco eco no acircmbito dessa Comissatildeo apesar

da visibilidade e abrangecircncia mundial expressas nos dados epidemioloacutegicos que mensuram

tais riscos

78

Produtos alimentiacutecios contaminados ou como veiacuteculos de doenccedilas circulando no

mercado internacional podem ocasionar efeitos nefastos intercontinentais e efeitos

imediatos tanto pelos prejuiacutezos econocircmicos e agrave sauacutede dos consumidores quanto pelos

boicotes agraves empresas envolvidas que podem se propagar aos demais produtos exportados

do paiacutes onde elas se situam Jaacute os efeitos negativos agrave sauacutede ocasionados pelos riscos

envolvendo desvios na qualidade nutricional se processam lentamente e perduram por

longo tempo Aleacutem disso se originam de produtos altamente lucrativos para o mercado

comercializados por poderosas corporaccedilotildees transnacionais

Essa postura negligente para com as demandas coletivas tem gerado criacuteticas

contundentes aos organismos supranacionais como a Comissatildeo do Codex Alimentarius e a

OMC devido ao atual acuacutemulo de poder de governanccedila16 dos sistemas alimentares que eles

detecircm por serem regidos pelos interesses das grandes corporaccedilotildees de mercado Pois satildeo

tais corporaccedilotildees as responsaacuteveis por engendrar as mudanccedilas dieteacuteticas e difundir

globalmente os seus produtos hipercaloacutericos (BRAUM 2001 LANG 1999) Tal situaccedilatildeo

tem suscitado tensotildees e conflitos despertando os primeiros sinais de reaccedilatildeo na esfera da

academia (LANG 1999 LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011) e da sociedade civil

(BRAUM 2001 SANTOS 2005)

Embora as delegaccedilotildees nacionais dos Comitecircs especiacuteficos da CAC sejam compostas por

agentes puacuteblicos de alto escalatildeo administrativo indicados por seus governos haacute permissatildeo

de participaccedilatildeo de representantes da induacutestria das organizaccedilotildees dos consumidores e das

instituiccedilotildees acadecircmicas nessas delegaccedilotildees No entanto o direito a voto eacute exclusivo dos

representantes oficiais do governo cabendo agraves entidades internacionais inclusive da

sociedade civil organizada o direito uacutenico de manifestaccedilatildeo verbal (FAO WHO 2006b)

Contudo a depender dos interesses do governo e das pressotildees poliacuteticas a que ele se

16 Governanccedila no plano global eacute entendida como um conjunto de relaccedilotildees intergovernamentais onde haacute o envolvimento de organizaccedilotildees natildeo governamentais (ONG) movimentos civis empresas multinacionais e mercados de capitais globais que agregam e articulam interesses para buscar soluccedilotildees para problemas comuns A participaccedilatildeo ativa de atores natildeo estatais no cenaacuterio tem contribuiacutedo sobremaneira para ampliar as contribuiccedilotildees e opiniotildees capazes de influir nos resultados seja na esfera das poliacuteticas puacuteblicas ou da regulaccedilatildeo internacional Entretanto o grande desafio esbarra na legitimidade se de fato a sociedade global confere poder e se percebe representada pelos atores que adotam em seu nome decisotildees em campos estrateacutegicos (GONCcedilALVES 2005)

79

submete seu voto pode tender em prol do interesse coletivo ou do privado Aqui eacute que se

potildee em cheque a legitimidade das representaccedilotildees do governo e inclusive da sociedade civil

organizada que natildeo fica imune a tais pressotildees

A capacidade econocircmica das corporaccedilotildees permite tambeacutem barganhar favores e

seduzir materialmente os membros das delegaccedilotildees do Codex para atender aos seus

objetivos em especial aqueles que satildeo fracos em termos econocircmico e eacutetico Eacute mister

esclarecer que no tema em questatildeo os interesses puacuteblicos destoam dos privados Nessa

perspectiva a reflexatildeo de Mckee (1999) aponta que a partir do momento em que se

registrou a participaccedilatildeo massiva dos representantes do setor produtivo nos Comitecircs do

Codex e de alguns integrantes do governo e da academia sem a firmeza quanto aos seus

compromissos com coletivo os interesses dos consumidores e dos cidadatildeos tecircm sido

menosprezados

Face ao exposto os riscos emergentes dos alimentos suscitam reflexatildeo e revisatildeo da

conduta institucional da CAC para que esta possa exercer efetivamente a sua missatildeo de

proteger a sauacutede e assegurar praacuteticas leais no comeacutercio de alimentos

313 A OMC e os produtos alimentiacutecios lucros ao mercado e prejuiacutezos agrave sauacutede

A partir do ano de 1995 a Organizaccedilatildeo Mundial do Comeacutercio-OMC17 entidade que

congrega 159 paiacuteses e que lida com as regras globais do comeacutercio (WTO 2013a) adotou as

normas diretrizes e recomendaccedilotildees estabelecidas pelo Codex Alimentarius FAOOMS como

referecircncia para as disputas comerciais de alimentos Essas tornaram-se paracircmetros

juriacutedicos do Acordo sobre a Aplicaccedilatildeo de Medidas Sanitaacuterias e Fitossanitaacuterias - Acordo SPS

17 A OMC foi criada em 1994 como resultado da Rodada Uruguai de negociaccedilotildees multilaterais do comeacutercio e da consequente revisatildeo do Acordo Geral sobre Tarifas e Comeacutercio ndash GATT (sigla em inglecircs) Em decorrecircncia do GATT vaacuterios acordos foram aprovados e inclusive o Acordo Geral de Medidas Sanitaacuterias e Fitossanitaacuterias (SPS) que foi ratificado pelo governo brasileiro por meio do Decreto no 1355 de 30 de dezembro de 1994

80

(WHOFAO 2006) Esse instrumento particularmente merece comentaacuterios por dispor

sobre medidas sanitaacuterias para proteccedilatildeo da vida e da sauacutede humana contra os riscos

resultantes da presenccedila de aditivos e contaminantes em alimentos e bebidas Embora esse

Acordo seja fruto de um consenso entre os paiacuteses-membros participantes daquela

Organizaccedilatildeo isso limita a autonomia dos estados nacionais a construiacuterem suas proacuteprias

regras em determinadas circunstacircncias

Consta do Acordo SPS regido pelos princiacutepios de equivalecircncia natildeo-discriminaccedilatildeo

eficiecircncia transparecircncia e harmonizaccedilatildeo que ao paiacutes-membro eacute permitido adotar ou

aplicar medidas sanitaacuterias necessaacuterias desde que natildeo constituam discriminaccedilatildeo arbitraacuteria

ou injustificaacutevel e que sejam baseadas em princiacutepios cientiacuteficos Preferencialmente

sintonizadas com o princiacutepio da harmonizaccedilatildeo as medidas sanitaacuterias devem ser baseadas

em normas guias e recomendaccedilotildees internacionais e no caso de riscos dos alimentos

seguem aquelas produzidas pelo CAC Caso o paiacutes imponha medidas sanitaacuterias mais

restritivas do que as internacionalmente aprovadas essas devem ser precedidas de uma

avaliaccedilatildeo de riscos conforme as teacutecnicas estabelecidas por essa entidade para justificar as

razotildees da condiccedilatildeo do afastamento da norma Eacute um procedimento altamente complexo e

desafiador para muitos paiacuteses caso decidam por utilizaacute-lo para justificar a regulaccedilatildeo dos

paracircmetros nutricionais de produtos alimentiacutecios

A OMC avalia positivamente a etapa mais recente da globalizaccedilatildeo que resultou no

aumento da integraccedilatildeo dos mercados de produtos e dos fluxos de capital e no dinamismo

do trabalho motivado pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas incremento e agilizaccedilatildeo nos processos

de informaccedilatildeo Para isso houve tambeacutem o suporte dado pelas poliacuteticas econocircmicas de

desregulamentaccedilatildeo e de facilitaccedilatildeo do comeacutercio internacional aleacutem do fluxo de

investimentos internacionais Segundo a OMC todo esse conjunto tem trazido mudanccedilas

importantes a muitos paiacuteses e aos cidadatildeos O comeacutercio livre tem criado oportunidades

comerciais para as empresas exportadoras que oferecem aos consumidores produtos e

serviccedilos diversificados a preccedilos mais baixos (WTO 2008)

Quanto aos alimentos registrou-se a expansatildeo da produccedilatildeo mundial de alimentos e do

aumento da rentabilidade da produccedilatildeo (WTO 2008) No ano de 2012 foi movimentado um

81

volume de exportaccedilatildeo equivalente a 1375 trilhatildeo de doacutelares sendo o Brasil posicionado

como o segundo na lista dos principais paiacuteses negociadores do mundo (WTO 2013b) No

periacuteodo de 1990 a 2012 o Brasil teve uma evoluccedilatildeo espetacular nas exportaccedilotildees de

alimentos em valor monetaacuterio passando de 8697 a 77212 milhotildees de doacutelares (WTO

2013c)

Apesar desse ecircxito comercial crescente as avaliaccedilotildees da OMC consideram que a

reforma do mercado que tornou os negoacutecios mais eficientes culminou com a concentraccedilatildeo

de induacutestrias a formaccedilatildeo de grupos internacionais de produccedilatildeo e aprofundou a

desigualdade elevando o desemprego e os gastos puacuteblicos As assimetrias do mercado

relatadas pela OMC desaguam com quase exclusividade no campo econocircmico Isso decorre

da visatildeo institucional concentrada no mercado e se recusa a perceber as contradiccedilotildees da

globalizaccedilatildeo econocircmica como difusas pois invadem tambeacutem aacutereas como a da sauacutede e da

nutriccedilatildeo Por isso Rayner e colaboradores (2007) afirmam que as poliacuteticas comerciais

precisam se superar em termos de quantificaccedilatildeo do volume de produccedilatildeoconsumo do

sistema global de alimentos e incorporar as consideraccedilotildees nutricionais e dieteacuteticas

elevando a importacircncia da governanccedila alimentar em prol de benefiacutecios puacuteblicos

Sob outra oacutetica os impactos da liberaccedilatildeo do mercado internacional de alimentos tecircm

sido avassaladores para as economias locais de alimentos (PHILLIPS 2006) Os preccedilos dos

alimentos locais tornam-se incapazes de competir com os dos alimentos importados e

distribuiacutedos por cadeias globais em geral alimentos natildeo saudaacuteveis e de baixo custo e que

aniquilam a produccedilatildeo local acarretando reduccedilatildeo de empregos e de oportunidades de renda

(TULLAO 2002) Adicionalmente no acircmbito das economias nacionais multiplicam-se as

transaccedilotildees comerciais efetuadas pelas grandes corporaccedilotildees transnacionais agriacutecolas e de

alimentos que absorvem empresas de menor porte Em consequecircncia as transnacionais

fortalecem-se ainda mais em uma direccedilatildeo ascendente observada desde fins da deacutecada de

90 (CHOPRA 2002) O complexo modo de operaccedilatildeo dessas corporaccedilotildees portanto produz

efeitos nas esferas econocircmica poliacutetica e social

82

Assim frente agrave ordem global instituiacuteda a accedilatildeo soberana dos estados nacionais fica

dificultada Esses passaram a submeter-se a fortes e constantes influecircncias das regras e

acordos internacionais do comeacutercio de alimentos como os liderados pela OMC e pelo Codex

inclusive para lidar com os assuntos de qualidade e de padrotildees de seguranccedila sanitaacuteria

(LUCCHESE 2003) Aleacutem disso haacute uma preocupaccedilatildeo constante daqueles que comandam o

reordenamento do sistema produtivo em influenciar as decisotildees no acircmbito das

organizaccedilotildees intergovernamentais para natildeo comprometer os seus interesses Assim os

representantes dos conglomerados de empresas transnacionais se mobilizam e com

habilidade ocupam os espaccedilos poliacuteticos estrateacutegicos inclusive nas instituiccedilotildees

supranacionais cujo resultado incide diretamente sobre a soberania nacional Segundo

Sklair (2002) eles se comportam como atores poliacuteticos e econocircmicos que se infiltram nas

maacutequinas institucionais constroem alianccedilas ldquomaquiamrdquo resultados de pesquisas

beneficiam funcionaacuterios enfim mobilizam vaacuterias estrateacutegias e recursos para viabilizar a

agenda de interesses do capitalismo global

Diante disso vaacuterios cientistas sociais apontam que a soberania dos estados nacionais

se enfraqueceu com a globalizaccedilatildeo da economia (IANNI 2007 BECK 1999 GIDDENS 1991

BAUMANN 1999) esta agora assume o papel de interlocutor da poliacutetica local e global No

entanto Santos (2005) afirma que o Estado ainda se manteacutem forte apesar do poderio das

empresas transnacionais e das instituiccedilotildees supranacionais pois elas natildeo dispotildeem

isoladamente de poder regulatoacuterio capaz de impor a sua vontade poliacutetica e econocircmica em

um paiacutes em particular Mesmo sob polecircmica essa dominacircncia global-local dificulta o

desenvolvimento de poliacuteticas de controle de mercado que se ajustem aos interesses sociais

particulares de cada espaccedilo nacional pois encobre a diversidade e a especificidade social e

cultural (MALUF VALENTE MENEZES 1996) aleacutem de tender a privilegiar os interesses

econocircmicos privados sobre as demandas coletivas

Nos uacuteltimos anos observa-se uma insurreiccedilatildeo intelectual de profissionais

independentes e dos grupos de consumidores que embora ainda natildeo tenham alcanccedilado

expressividade suficiente para conter os rumos dessas instituiccedilotildees e organizaccedilotildees (SKLAIR

2002) divulgam a sua insatisfaccedilatildeo e formam opiniotildees Do ponto de vista de governo e de

83

sociedade civil reaccedilotildees isoladas de alguns paiacuteses comeccedilam a surgir (PUSKA 2004

HAWKES 2007 BRASIL MS 2012) Poreacutem ainda haacute um longo trajeto a ser percorrido

antes de o tema ldquomelhoria da qualidade dos alimentosrdquo consolidar-se na plataforma de

lutas da sauacutede puacuteblica

No caso do governo brasileiro aleacutem do viacutenculo formal com essas organizaccedilotildees

internacionais haacute tambeacutem viacutenculo com o Mercado Comum do Sul18 - Mercosul que implica

acordos que contemplam requisitos sanitaacuterios No acircmbito do Mercosul os assuntos de

sauacutede satildeo tratados no Subgrupo de Trabalho n0 11 criado com a Resoluccedilatildeo GMC n0 15196

que assume a funccedilatildeo de harmonizar as legislaccedilotildees dos Estados-Partes no que tange aos

bens serviccedilos mateacuterias-primas e produtos da aacuterea da sauacutede bem como aos criteacuterios para

vigilacircncia epidemioloacutegica Aleacutem disso busca compatibilizar os sistemas de controle

sanitaacuterio para promover e proteger a sauacutede e a vida das pessoas e eliminar obstaacuteculos ao

comeacutercio regional (BRASIL MS 2007a) No caso dos produtos alimentiacutecios prevalecem nas

discussotildees as normas Codex Alimentarius (QUEIROZ GIOVANELLA 2011) e desse modo o

tema qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios ainda permanece distante desse

bloco econocircmico

Esse mundo de relaccedilotildees econocircmicas e sociais interconectadas eacute parte do contexto de

discussatildeo dos produtos alimentiacutecios o que impede que sejam tratados como objetos

circunscritos ao espaccedilo nacional Como os riscos dos alimentos globalizados proporcionam

a lucratividade do comeacutercio mundial privado a melhoria dos paracircmetros dos alimentos

exige uma sobrecarga de esforccedilos que incluem mobilizaccedilatildeo de recursos e articulaccedilotildees

diversas tanto nacional como internacional Algo que eacute politicamente desgastante mas

imprescindiacutevel para a defesa da sauacutede da coletividade

18 O Mercosul eacute um bloco econocircmico formado pelos Estados-partes Argentina Brasil Paraguai Uruguai e Venezuela Foi criado em 26 de marccedilo de 1991 por uma Carta Constitutiva ndash o Tratado de Assunccedilatildeo Com a assinatura do Tratado de Ouro Preto em 1994 foi dotado de personalidade juriacutedica nacional e internacional Estaacute fundamentado na livre circulaccedilatildeo de bens serviccedilos e fatores produtivos na reciprocidade de direitos e obrigaccedilotildees entre os Estados-Parte (BRASIL MS 2007a) O Conselho do Mercado Comum eacute a instacircncia poliacutetica maacutexima seguida pelo Grupo Geral do Mercosul que tambeacutem atua como instacircncia decisoacuteria do bloco (BRASIL MS 2003)

84

32 Globalizaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios a sauacutede em questatildeo

321 Avanccedilos e retrocessos no mercado dos alimentos

Impulsionado pela globalizaccedilatildeo o mercado de alimentos ampliou a disponibilidade e a

diversidade de produtos mesmo sem ter proporcionado simultaneamente o seu acesso

universal Como consequecircncia interferiu profundamente na cultura alimentar no padratildeo

de consumo dieteacutetico e no estado nutricional de muitas populaccedilotildees do mundo (KENNEDY

NANTEL SHETTY 2006) Nesse percurso de expansatildeo o mercado foi se aperfeiccediloando com

os avanccedilos tecnoloacutegicos em especial no campo da quiacutemica das gorduras (DREWNOWSKI

2003) das mudanccedilas nos preccedilos dos oacuteleos vegetais (WHO 2003b) das descobertas de

novas fontes de accediluacutecar - originaacuteria do milho e de custo inferior (BEGHIN JENSEN 2008)

bem como das modernas teacutecnicas de marketing (HAWKES 2002) Apoiado sob o

investimento internacional esse mercado tornou mais acirrada a competiccedilatildeo entre os

produtos alimentiacutecios de circulaccedilatildeo global e os alimentos de procedecircncia nacional no que

tange ao preccedilo agrave disponibilidade e outros atributos comerciais o que levou agrave substituiccedilatildeo

paulatina dos agentes locais de alimentos pelos globais

Tal conjunto de inovaccedilotildees foi um importante condutor das mudanccedilas nas preferecircncias

dieteacuteticas com a introduccedilatildeo dos alimentos industrializados natildeo saudaacuteveis e de baixo custo

assim como na nutriccedilatildeo e na sauacutede de um contingente expressivo de pessoas (UUSITALO

PIETIENEN amp PUSKA 2002) Essas mudanccedilas fizeram emergir na segunda metade do

seacuteculo XX nas regiotildees industrializadas e posteriormente nos paiacuteses em desenvolvimento

os novos riscos da era contemporacircnea (WHO 2003b)

Durante a consolidaccedilatildeo desse novo tipo de produto alimentiacutecio no mercado de

meados dos anos 60 ateacute os uacuteltimos anos da deacutecada de 90 dois fenocircmenos em direccedilotildees

inversas marcaram as mudanccedilas no padratildeo alimentar o aumento da disponibilidade de

calorias no mundo em torno de 450 quilocalorias (Kcal) per capita por dia ultrapassando

600 Kcal nos paiacuteses em desenvolvimento e o decliacutenio do consumo de produtos baacutesicos ndash

85

raiacutezes tubeacuterculos e cereais ndash e de frutas e hortaliccedilas acompanhado pelo incremento de

oacuteleos vegetais e de produtos caacuterneos excluiacutedos os pescados e pelo aumento na proporccedilatildeo

de energia dos accediluacutecares adicionados nas dietas (WHO 2003b)

Eacute importante salientar que o primeiro fenocircmeno citado possibilitou o aumento do

aporte caloacuterico da dieta de parcelas da populaccedilatildeo que sobreviviam com o consumo

alimentar limitado Na deacutecada de 70 vigorava um cenaacuterio de penuacuteria e de doenccedilas no

mundo no qual o nuacutemero de crianccedilas que morriam na faixa etaacuteria entre zero a cinco anos

era quase o dobro ndash 17 milhotildees - do que se estima atualmente Tal quadro estava

estritamente vinculado agrave condiccedilatildeo de extrema pobreza dessas crianccedilas (WHO 2003c)

Sob a oacutetica de Mazzocchi Shankar amp Traill (2012) essas mudanccedilas na dieta

ocorreram em dois estaacutegios o primeiro resultou no lsquoefeito expansatildeorsquo com o aumento do

suprimento de energia proveniente de produtos alimentiacutecios mais baratos de origem

vegetal poreacutem respeitando a cultura crenccedilas e tradiccedilotildees religiosas No segundo houve o

lsquoefeito substituiccedilatildeorsquo mudanccedila no consumo dos produtos alimentiacutecios - sem mudanccedila no

suprimento energeacutetico total - e que correspondeu a substituiccedilatildeo de carboidratos complexos

(cereais raiacutezes e tubeacuterculos) por oacuteleos vegetais produtos de origem animal (alimentos

laacutecteos e caacuterneos) e accediluacutecar Essas mudanccedilas tanto podem indicar uma melhoria (se haacute

incremento de frutas e vegetais) como prejuiacutezo da dieta (se haacute aumento de accediluacutecar e gordura

saturada)

Em quase todos os paiacuteses da Ameacuterica Latina entre os anos de 1990 e 1999 foi

registrado o aumento da disponibilidade energeacutetica exceto na Venezuela Em meados dos

anos 90 o consumo de cereais raiacutezes frutas e legumes declinou um pouco enquanto que o

de proteiacutena de origem animal (carne peixe ovos leite e derivados) de accediluacutecar e das

gorduras aumentou O padratildeo de dieta tradicional da Ameacuterica Latina rica em

polissacariacutedeos complexos micronutrientes e fibras comeccedila a se reconfigurar com a

inclusatildeo de quantidades elevadas de accediluacutecares refinados produtos de origem animal e

alimentos altamente processados devido aos impactos da globalizaccedilatildeo da dieta

(BERMUDEZ amp TUCKER 2003)

86

Enquanto isso a invasatildeo dos produtos alimentiacutecios prossegue e se estende a

territoacuterios extremos Como o mercado de paiacuteses de alta renda estaacute esgotado as novas bases

de instalaccedilatildeo das corporaccedilotildees de alimentos tecircm sido guiadas pelo incremento da renda

meacutedia global gasta em alimentos evidenciado nos paiacuteses em desenvolvimento (MOODIE et

al 2013) Assim elas se mobilizam para atrair novos consumidores e expandem suas

vendas para esses novos mercados Com o foco restrito na obtenccedilatildeo de lucros

extraordinaacuterios essas corporaccedilotildees vendem seus produtos alimentiacutecios inventados com

tecnologias que se utilizam de misturas de ingredientes de custos baixos e agrave base de altos

teores de accediluacutecar gordura sal e aditivos com o apoio de um robusto aparato publicitaacuterio

(CHOPRA 2002 MOODIE et al 2013 HAWKES 2002 MONTEIRO 2009) Entram nesses

paiacuteses completamente livres e desprovidas de compromissos eacuteticos para ofertar seus

produtos que pouco nutrem mas que muitos efeitos provocam na sauacutede da populaccedilatildeo

(STUCKLER amp NESTLE 2012)

Em muitos desses paiacuteses a entrada das corporaccedilotildees transnacionais de alimentos tem

sido fomentada por distintos mecanismos alguns deles jaacute abordados neste trabalho Satildeo

eles os investimentos estrangeiros diretos na cadeia produtiva de alimentos a reduccedilatildeo de

barreiras e o controle e a pressatildeo exercidos sobre a produccedilatildeo agriacutecola local Esses

mecanismos tanto reduzem os preccedilos das mateacuterias-primas como desestruturam os

mercados locais Desenha-se entatildeo uma conjuntura poliacutetica e econocircmica que cria um

mercado para os produtos altamente processados em detrimento dos alimentos saudaacuteveis

e proacuteprios da cultura local aleacutem de gerar outros efeitos nefastos agrave sauacutede e agrave economia dos

paiacuteses onde essas empresas se instalam (LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011)

Em decorrecircncia disso ocorrem alteraccedilotildees no perfil das dietas asiaacuteticas - chinesa e

japonesa - antes ricas em carboidratos complexos e na brasileira como resultado da

provaacutevel conexatildeo entre as preferecircncias sensoriais inatas a disponibilidade maior de

gorduras baratas na economia global e as raacutepidas mudanccedilas sociais nas sociedades de baixa

renda (DREWNOWSKI POPKIN1997) Fenocircmeno similar tambeacutem estaacute ocorrendo na Iacutendia

(VEPA 2006) Nesse contexto eacute possiacutevel inferir que para os pobres dessas sociedades a

conquista do acesso aos alimentos eacute apenas uma etapa Haacute ainda outros enfrentamentos

87

necessaacuterios para superar o fosso entre a acessibilidade e a garantia de um produto

saudaacutevel em termos nutricionais

Jaacute na Ameacuterica Central a reduccedilatildeo das tarifas de importaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

dos Estados Unidos resultou nas mudanccedilas da dieta habitual na inibiccedilatildeo da produccedilatildeo local

e na elevaccedilatildeo das importaccedilotildees de alimentos a qual ascendeu em 115 no intervalo

decorrido entre o iniacutecio da deacutecada de 90 e o novo milecircnio Concomitantemente ao aumento

da disponibilidade de carnes frutas e legumes - efeito promissor - houve tambeacutem o

incremento dos produtos ultraprocessados (doces cookies batatas chips salgadinhos e

similares) associados com a transiccedilatildeo nutricional e implicaccedilotildees com doenccedilas (THOW

HAWKES 2009)

Enfim haacutebitos e praacuteticas alimentares tradicionais estatildeo se desfazendo em diferentes

espaccedilos geograacuteficos do globo tanto em locais pouco conhecidos como Tonga na Oceania

(EVANS et al 2001) como em locais estrateacutegicos como o Brasil onde os alimentos

tradicionais da dieta nacional - como o feijatildeo a farinha de mandioca o arroz e a farinha de

milho- vecircm sendo cada vez menos consumidos e estatildeo paulatinamente sendo substituiacutedos

pelos produtos ultraprocessados em especial na alimentaccedilatildeo extradomiciliar (BEZERRA et

al 2013) Os dados da uacuteltima Pesquisa de Orccedilamentos Familiares- POF 2008-2009

revelaram que as famiacutelias urbanas brasileiras com mais baixa renda investem

proporcionalmente mais recurso em refrigerante biscoitos e macarratildeo do que aquelas de

mais alta renda (BRASIL IBGE 2011) Segundo Bleil (1998) todas essas mudanccedilas na dieta

ocorrem com o suporte da estrutura publicitaacuteria que impotildee a cultura global como siacutembolo

da modernidade escamoteia os interesses de mercado destroacutei a cultura local e omite os

riscos dos produtos ofertados

Os mecanismos utilizados natildeo poupam nem sequer a tradicional dieta mediterracircnea

mundialmente reconhecida por sua legiacutetima fama de ser saudaacutevel Os resultados da uacuteltima

pesquisa nacional revelam que os estudantes espanhoacuteis estatildeo substituindo os alimentos

convencionais por alimentos industrializados natildeo saudaacuteveis tais como massas

refrigerantes sucos de frutas bolos snacks e fast-foods e rejeitando folhosos legumes e

88

peixes (FERNAacuteNDEZ SAN JUAN 2006) No entanto isso natildeo eacute uma particularidade da

Espanha pois toda a populaccedilatildeo europeia tem sido exposta aos efeitos nocivos da promoccedilatildeo

e da disponibilizaccedilatildeo de produtos alimentiacutecios pobres em termos nutricionais em especial

as crianccedilas e os adolescentes pertinentes aos estratos de renda baixa (WHO 2006)

Essas corporaccedilotildees transnacionais de alimentos19 aleacutem de intervirem em todas as

etapas do sistema de produccedilatildeo apresentam um esquema complexo de movimentaccedilotildees

intercontinentais orientado por estrateacutegias comerciais e o negoacutecio-chave da maioria delas

satildeo os produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis como snacks foods chocolates cereais e

biscoitos refrigerantes e confeitos Como ilustraccedilatildeo evidencia-se que a companhia Kellogs

tem induacutestrias de processamento na China Iacutendia Japatildeo Coreacuteia do Sul e Tailacircndia para

suprir as cadeias de distribuiccedilatildeo na Aacutesia a Pepsico continua a expandir a sua vasta linha de

marketing internacional em snack foods atualmente com foco na Ameacuterica Latina e Aacutesia-

Paciacutefico e as corporaccedilotildees Nestleacute Kraft e Unilever jaacute operam em quase 140 paiacuteses (REGMI

amp GEHLHAR 2005) A Nestleacute particularmente situa-se como uma das cinco principais

companhias de alimentos do Brasil Iacutendia Meacutexico Ruacutessia Estados Unidos e Aacutefrica do Sul

(MOODIE et al 2013) o que significa disponibilizar os seus produtos a um contingente de

pessoas que corresponde a 276 da populaccedilatildeo mundial (UN 2013)

O comeacutercio varejista transnacional tambeacutem se beneficiou com uma raacutepida expansatildeo

na Ameacuterica Latina (LABONTEacute MOHINDRA LENCUCHA 2011) e em outros paiacuteses

desenvolvidos (FAO 2006) Os Estados Unidos a Uniatildeo Europeia e o Japatildeo juntos

dominam este tipo de comeacutercio e contam com 60 do total de vendas a varejo de produtos

alimentiacutecios processados no mundo (REGMI amp GEHLHAR 2005) A raacutepida

multinacionalizaccedilatildeo das cadeias de supermercados e a sua forma de atuaccedilatildeo concorrem

para consolidar um tipo de praacutetica de consumo alimentar com consequentes implicaccedilotildees

nutricionais A acessibilidade a disponibilidade a variedade satildeo estiacutemulos agrave aquisiccedilatildeo de

19 Constituem-se de um conglomerado de grandes empresas de alimentos com subsidiaacuterias em vaacuterios paiacuteses que realizam o fornecimento global de seus suprimentos a centralizam o capital estrateacutegico recursos e tomada de decisotildees e manteacutem operaccedilotildees em vaacuterios paiacuteses para tornar o mercado global mais unificado Comporta-se como atores poderosos no cenaacuterio socio-economico mundial

89

diferentes itens alimentares especialmente os densamente energeacuteticos Aleacutem disso estes se

beneficiam pela adoccedilatildeo de estrateacutegias de preccedilos baixos de promoccedilatildeo de faacutecil visualizaccedilatildeo e

de acesso no local de venda que confrontam com as desiguais condiccedilotildees de oferta das frutas

e verduras as quais tendem a ser mais caras em funccedilatildeo das peculiaridades de produccedilatildeo

Todo esse aparato faz despontar as vendas de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis sendo

parte expressiva da explicaccedilatildeo das mudanccedilas nos haacutebitos do aumento da demanda e da

preferecircncia dos consumidores e das doenccedilas crocircnicas de origem dieteacutetica (HAWKES 2008)

A introduccedilatildeo desses novos tipos de alimentos implicou reformulaccedilatildeo no perfil das

despesas com os alimentos cujo impacto foi maior nos paiacuteses em desenvolvimento

Segundo Popkin (2006) entre os anos de 1990 e 2000 as vendas de alimentos agrave varejo em

supermercados elevaram-se de 15 a 60 na Ameacuterica Latina Nesses locais se comercializam

produtos alimentiacutecios do tipo processado e natildeo saudaacutevel mas tambeacutem aqueles de

qualidade nutricional balanceada No entanto satildeo para os produtos do primeiro tipo que o

aparato de estiacutemulos agrave venda dirige o seu foco

Esse aumento nas despesas per capita coincide com o aumento das vendas de

produtos processados nos paiacuteses em desenvolvimento Entre o periacuteodo de 1998-2003 os

paiacuteses considerados com mais baixa renda e de renda meacutedia baixa tiveram um crescimento

meacutedio anual de vendas superior ao dos demais paiacuteses oscilando entre 81 a 563 no

que se refere aos cereais matinais oacuteleos e gorduras refeiccedilotildees prontas produtos laacutecteos e

produtos secos Quando esses dados foram comparados com os paiacuteses de mais alta renda

observou-se que esse crescimento neste grupo de paiacuteses foi miacutenimo sendo que a taxa mais

elevada alcanccedilada para uma dessas categorias de produtos foi de 47 (MAZZOCCHI

SHANKAR TRAILL 2012)

Embora seja breve o panorama traccedilado da atuaccedilatildeo do mercado de alimentos em

especial das corporaccedilotildees de induacutestrias e de comeacutercio varejista torna-se possiacutevel entender o

porquecirc de vaacuterios estudos terem apontado a interface entre a globalizaccedilatildeo do mercado de

alimentos a transiccedilatildeo dieteacutetica e a disseminaccedilatildeo internacional dos fatores de riscos para as

DCNT (MOODIE et al 2013 RAYNER et al 2013 LABONTEacute MOHINDRA LECUCHA 2011

TULLAO 2002) Conforme ateacute aqui apresentado para a internacionalizaccedilatildeo dos negoacutecios de

90

alimentos ter excepcional sucesso lucrativo foi necessaacuterio desestabilizar a vida econocircmica

local e a sauacutede da maior parte da populaccedilatildeo

322 A publicidade de produtos alimentiacutecios e os efeitos sobre o comportamento e

a sauacutede

Diferentes espaccedilos da vida cotidiana satildeo preenchidos com a publicidade comercial

de produtos alimentiacutecios que satildeo dirigidas a diferentes puacuteblicos especialmente agrave clientela

infantil Satildeo utilizados distintos canais de veiculaccedilatildeo e teacutecnicas convencionais e atuais

como televisatildeo internet videogames malas-diretas cartazes outdoors entre outros e que

de forma insistente e contiacutenua destinam-se a estimular a venda de produtos e

simultaneamente a inculcar valores haacutebitos e comportamentos

A publicidade comercial agressiva de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis reportados

como siacutembolos de status social tem motivado os indiviacuteduos especialmente aqueles

residentes nas aacutereas urbanas e suburbanas a substituiacuterem os alimentos tradicionais (WHO

1990) Com base nas evidecircncias sobre a influecircncia da propaganda de produtos alimentiacutecios

- tipo fast-food e produtos com alta densidade energeacutetica e pobres em micronutrientes - na

definiccedilatildeo das escolhas alimentares de crianccedilas e adolescentes e consequentemente no

aparecimento do excesso de peso e da obesidade (WHO 2003a) a OMS passou a

recomendar aos governos a regulamentar o comeacutercio a publicidade e a rotulagem desses

produtos como uma das medidas para proteger as crianccedilas contra os problemas de sauacutede

relacionados ao consumo desses alimentos (WHO 2004a WHO 2006)

Dentre os recursos publicitaacuterios a propaganda televisiva eacute o meio de promoccedilatildeo de

produtos e de estiacutemulo agraves vendas que tem maior capacidade de adentrar os lares

transformar as tradiccedilotildees familiares e alienar os indiviacuteduos por meio do colorido das

fantasias e dos valores que se mesclam e se conectam aos produtos alimentiacutecios criando

um efeito indissociaacutevel entre o produto e a sua roupagem imaginaacuteria que convence e

91

estimula os indiviacuteduos a adquiri-los

As crianccedilas satildeo aliciadas pelo poder de persuasatildeo da propaganda a desejar produtos

a qual se beneficia de sua inexperiecircncia e credulidade (WHO 2006) Robinson et al (2007)

constataram que os efeitos da propaganda atingem crianccedilas em estaacutegios precoces da vida

entre 3 e 5 anos de idade cujas preferecircncias de gosto foram associadas a uma marca liacuteder

na publicidade e nas vendas de produtos alimentiacutecios

Para o mercado as crianccedilas somam trecircs caracteriacutesticas que as convertem em maiores

clientes potenciais a primeira eacute que estatildeo propensas a adquirir todos os tipos de produtos

que se pode ofertar inclusive pela compra direta com o seu proacuteprio dinheiro a segunda

pela sua capacidade de influenciar a decisatildeo de compra dos pais e por uacuteltimo por se

constituiacuterem em consumidores do futuro (SANTOS 2009) Esse eacute o panorama que orienta

as empresas para definir a composiccedilatildeo a imagem o conteuacutedo e os meios de veiculaccedilatildeo dos

materiais publicitaacuterios relativos aos seus produtos alimentiacutecios

Segundo Hastings (2006) cinco categorias de produtos dominam a publicidade de

produtos alimentiacutecios refrigerantes cereais preacute-adoccedilados doces lanches e fast food O

efeito provocado nas crianccedilas pela exposiccedilatildeo intensa a esses tipos de produto eacute o de

exacerbar um comportamento de consumo excessivo (HARRIS et al 2009 HASTINGS et al

2003 HAWKES 2006) Estudo posterior em que se registrou o distanciamento das crianccedilas

da publicidade comercial televisiva de produtos obesogecircnicos concluiu que tal medida

pode ocasionar um impacto significativo na reduccedilatildeo da obesidade infantil (ZIMMERMAN

BELL 2010)

No caso do Brasil observou-se que o perfil de produtos alimentiacutecios mais divulgados

coincide com o referido por Hastings (2006) Apoacutes o registro de 432 horas de gravaccedilatildeo nas

televisotildees brasileiras em dias uacuteteis em horaacuterios entre 8 e 22 horas observou-se que dos

1395 anuacutencios 578 foram enquadrados no grupo da piracircmide alimentar referente a

gorduras oacuteleos accediluacutecares e doces seguido pelo grupo de patildees cereais arroz e massas

(21) Os grupos de laacutecteos e de caacuterneos e leguminosas alcanccedilaram em torno de 10

havendo uma completa ausecircncia da divulgaccedilatildeo de frutas e verduras (ALMEIDA

92

NASCIMENTO QUAIOTI 2002)

Aleacutem das diversas modalidades de publicidade que induz ao consumo de produtos

alimentiacutecios Chandon amp Wansink (2012) ainda elencam trecircs outros elementos que

imputem vantagens tais produtos o preccedilo a curto e longo prazos o produto em si em

termos de quantidade e qualidade que determina o quanto se pode consumir e por fim o

ambiente de consumo que inclui a disponibilidade e a conveniecircncia do ato de alimentar-se

Contudo observa-se que haacute uma engrenagem sensorial que antecede e deflagra o

estiacutemulo ao consumo do produto alimentiacutecio Isso envolve diferentes elementos como o

cenaacuterio da publicidade e do local de consumo o design visual das embalagens e a

praticidade do consumo a hiperpalatibilidade o som produzido pela crocacircncia a

exuberacircncia da cor e o superdimensionado conteuacutedo liacutequido que somados ao baixo preccedilo

de aquisiccedilatildeo do produto satildeo capazes de despertar o ato volitivo do indiviacuteduo e conduzi-lo

ao consumo inclusive compulsivo

Com o intento de dominar o movimento de ocidentalizaccedilatildeo da dieta e criar um mundo

unificado para os seus produtos as companhias de fast foods e de refrigerantes

desenvolvem atividades de marketing de alcance mundial diversificadas e abrangentes com

o objetivo de criar novos haacutebitos de consumo desde a adequaccedilatildeo de preccedilos e de embalagem

ateacute o patrociacutenio de atividades desportivas e filantroacutepicas (HAWKES 2002) Segundo essa

autora a regiatildeo da Ameacuterica Latina eacute a representante da primeira experiecircncia de expansatildeo

da Coca-Cola e Pepsi e hoje apresenta a segunda taxa de consumo mais elevada

ultrapassada apenas pelos EUA Nesta regiatildeo o Brasil eacute o paiacutes onde haacute o terceiro maior

consumo de bebidas carbonatadas natildeo alcooacutelicas ndash tiacutetulo este que natildeo requer

comemoraccedilatildeo mas que desperta bastante preocupaccedilatildeo face ao panorama de obesidade e

outras DCNT registrado na populaccedilatildeo brasileira

Nos Estados Unidos impera uma competiccedilatildeo perversa entre os alimentos tipo junk

foods como as principais fontes de receita para as empresas de alimentos e as taxas de

obesidade infanto-juvenil com sua ascensatildeo vertiginosa desde a deacutecada de 70 (NESTLE

2006) Conforme a autora esse fato tem provocado reaccedilotildees da sociedade que se

93

manifestam por meio de accedilotildees judiciais e de pressatildeo por regulaccedilatildeo Com isso as empresas

se esforccedilam para apoiar programas de sauacutede anunciar poliacuteticas renunciando publicidade

dirigida agraves crianccedilas e fazer seus produtos parecerem mais saudaacuteveis disfarccedilando-os com o

enriquecimento com vitaminas ingredientes integrais e eliminando as gorduras trans

Todavia essas empresas continuam a concentrar seus investimentos publicitaacuterios nos

doces nos refrigerantes e nos salgadinhos

A publicidade eacute uma estrateacutegia comercial poderosa para expor um produto

alimentiacutecio com fins de seduzir convencer e conquistar os consumidores e ainda de

transpor diversas culturas Apoacutes ter vivenciado a fase de diversificaccedilatildeo do consumo pelo

aumento dos alimentos tradicionais a Iacutendia enfrenta agora o processo de mudanccedila na

cultura alimentar com a introduccedilatildeo dos alimentos processados densamente energeacuteticos

suportados pela publicidade do McDonalds Coca-Cola Pepsi e similares e pelas cadeias de

fast-food e de supermercados (PINGALI KHWAJA 2004) Quadro de mudanccedilas esse com

muacuteltiplos efeitos econocircmicos e sociais tais como ajustes bruscos na cadeia produtiva local

para atender as demandas das corporaccedilotildees estrangeiras aleacutem de mudanccedilas aceleradas no

perfil de sauacutede e nas taxas de doenccedilas crocircnicas nos centros urbanos daquele paiacutes

Embora haja algumas lacunas de conhecimentos para confirmar a triacuteade publicidade-

alto consumo de produtos natildeo saudaacuteveis-obesidade (McDERMOTT STEAD HASTINGS

2007) e do impacto concreto da regulaccedilatildeo da publicidade na prevenccedilatildeo obesidade infantil

(HAWKES 2007) vaacuterios autores defendem o controle da publicidade de alimentos para o

puacuteblico infantil (McDERMOTT STEAD HASTINGS 2007 HAWKES 2007 NESTLE 2006

STUCKLER NESTLE 2012 WHO 2006) e os paiacuteses comeccedilam a instituir regras

compulsoacuterias especiacuteficas (HAWKES 2006)

Como a publicidade natildeo dispensa os ambientes escolares pois satildeo locais propiacutecios

para alcanccedilar as crianccedilas e os adolescentes instrumentos de controle estatildeo sendo

instituiacutedos com fins de evitar impactos negativos sobre a sauacutede desses indiviacuteduos Assim

regulamentaccedilotildees disciplinando o consumo de alimentos nestes estabelecimentos tecircm sido

aprovadas em paiacuteses como o Brasil Franccedila e Estados Unidos Quando haacute obstaacuteculos para

definir regras regulamentadoras diretrizes satildeo estabelecidas sobre o assunto como

94

ocorreu em Fiji Reino Unido e Canadaacute (HAWKES 2007)

Indubitavelmente haacute um viacutenculo entre a publicidade e o comeacutercio de produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis e os riscos agrave sauacutede que tem posto a conduta eacutetica das empresas

de alimentos sob suspeiccedilatildeo Isso se expressa sob diferentes formas por natildeo estimularem os

indiviacuteduos em especial as crianccedilas a fazerem escolhas favoraacuteveis ao cuidado e manutenccedilatildeo

de sua sauacutede (HAWKES 2007) e por colocarem sobre as pessoas e a sociedade o ocircnus

exclusivo de carregarem o fardo da doenccedila induzido pelos estiacutemulos sistemaacuteticos do

mercado Esse tipo de desrespeito agrave eacutetica contraria direitos sob um duplo aspecto - a

proteccedilatildeo da infacircncia e a preservaccedilatildeo da sauacutede E dessa forma uma intervenccedilatildeo puacuteblica no

campo da regulaccedilatildeo da publicidade torna-se plenamente justificaacutevel para resguardar esses

direitos ameaccedilados por uma atividade comercial desenfreada

323 Palatabilidade saciedade custo e praticidade dos produtos alimentiacutecios

Vaacuterios estudos buscam desvendar os mecanismos desencadeadores dos estiacutemulos que

levam ao consumo excessivo de alimentos natildeo saudaacuteveis e que repercutem sobre as taxas

de obesidade e de DCNT Duas caracteriacutesticas desses alimentos tecircm sido selecionadas para

investigaccedilatildeo a palatibilidade e a saciedade A primeira por exaltar o prazer da degustaccedilatildeo e

a segunda por sua relaccedilatildeo entre o custo energeacutetico e satisfaccedilatildeo

Durante a investigaccedilatildeo verificou-se que a palatabilidade e a saciedade relacionadas

respectivamente ao apetite e agrave satisfaccedilatildeo do consumo produzem efeitos interdependentes

Nos produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis o comportamento desses efeitos eacute oposto o

aumento do consumo reduz a velocidade de resposta agrave saciedade jaacute nos alimentos in

natura observa-se que o aumento do consumo conduz gradualmente agrave saciedade

(SWINBURN et al 2004 DREWNOWSKI 1999)

Esse mecanismo de efeito inverso eacute explicado pelo fato de o iacutendice de saciedade ser

inversamente proporcional agrave disponibilidade de energia e diretamente proporcional ao

95

peso dos alimentos consumidos o que faz com que os alimentos com energia diluiacuteda

tendam a ser mais saciaacuteveis poreacutem menos palataacuteveis enquanto os densamente energeacuteticos

sejam mais palataacuteveis e menos saciaacuteveis (DREWNOWSKI et al 2004)

Densidade energeacutetica composiccedilatildeo nutricional volume e aspectos sensoriais satildeo

traccedilos diferenciadores dos alimentos palataacuteveis daqueles do tipo saciaacuteveis No primeiro

grupo o alto conteuacutedo de accediluacutecar de gordura e de energia aliado ao baixo volume e aos

aspectos doce e gorduroso formam o seu arcabouccedilo (batata frita biscoitos etc) enquanto

caracteriacutesticas opostas agraves relacionadas formam o perfil dos alimentos com alto poder de

saciedade (frutas legumes etc) Em siacutentese alimentos com alta densidade energeacutetica que

contecircm accediluacutecar e gordura satildeo mais palataacuteveis e menos saciaacuteveis (DREWNOWSKI 1999)

Swinburn e colaboradores (2004) esclarecem como procede o comportamento dos

alimentos gordurosos e doces frente agrave palatibilidade e agrave saciedade Alimentos altamente

gordurosos tecircm um fraco impacto na saciedade porque a gordura carreia compostos

aromaacuteticos que datildeo sabor aos alimentos tornando-os de alta palatibilidade e em parte

conduzindo ao consumo descontrolado em excesso Assim a alta palatabilidade associada agrave

autoregulaccedilatildeo metaboacutelica relativamente deacutebil das dietas com altos teores de gordura

constituem o desafio Quanto ao teor de accediluacutecares o autor afirma que embora pareccedila

limitada a resposta hedoniacutestica a doccedilura tambeacutem aumenta a palatibilidade de muitos

alimentos o que tambeacutem parece conduzir ao superconsumo Nesse sentido sendo a

gordura e o accediluacutecar vinculados ao aumento da palatibilidade dos alimentos os produtos

processados contendo alto teor desses dois componentes podem conduzir ao ganho de

peso Quando o autor se refere ao aporte energeacutetico de bebidas como no caso dos

refrigerantes ele afirma ter um valor baixo por sofrer diluiccedilatildeo pelo alto teor de aacutegua

nesses produtos Esse mesmo autor argumenta que em termos fisioloacutegicos o impacto da

densidade de energia de alimentos soacutelidos natildeo pode ser transposta para os alimentos

liacutequidos sendo prudente consideraacute-lo em separado

Outro ponto relevante relaciona-se ao custo monetaacuterio dos alimentos em relaccedilatildeo a

sua densidade energeacutetica o qual eacute de extrema importacircncia para ser considerado no

desenho das poliacuteticas puacuteblicas de nutriccedilatildeo porque impacta diretamente no orccedilamento das

96

famiacutelias com baixo rendimento DREWNOWSKI (2010) afirma que os alimentos

considerados saudaacuteveis como os grupos de legumes de frutas e de carnes frangos e peixes

apresentaram um custo monetaacuterio por calorias extremamente alto e maiores teores de

proteiacutenas minerais e vitamina C em relaccedilatildeo aos grupos de accediluacutecares doces e bebidas e de

oacuteleos gorduras e molhos Entretanto os grupos de frutas e de legumes foram os que

apresentaram a mais baixa densidade energeacutetica e superaram os demais grupos em

conteuacutedo de aacutegua e custo da porccedilatildeo meacutedia servida tornando-os mais caro em termo de

custo de energia comparativamente ao conjunto analisado Em outro estudo Andrieu

Darmon amp Drewnowski (2006) utilizando registro de dietas de franceses reconfirmam que

a escolha livre de dietas de baixo custo tende a ser densamente energeacutetica e pobre em

nutrientes-chave exceto para caacutelcio e fibras Jaacute as vitaminas antioxidantes presentes em

frutas e legumes foram associadas a um custo energeacutetico mais alto

Produtos alimentiacutecios com alta palatibilidade elevada densidade energeacutetica valor

social embutido e custo relativamente baixo satildeo elementos que atraem o consumidor

apesar de serem considerados ldquonatildeo saudaacuteveisrdquo Soma-se ainda a praticidade para consumo

que apresentam pois na maioria das vezes jaacute estatildeo prontos ou requerem operaccedilotildees

miacutenimas de aquecimento fato que assume relevacircncia em um cotidiano em que a escassez

de tempo eacute imperativa

Por fim os produtos alimentiacutecios com alto poder de palatibilidade e baixo poder de

saciedade constituem o sucesso das empresas transnacionais de alimentos cuja

disseminaccedilatildeo global tem interferido na vida na sauacutede e na economia de muitas populaccedilotildees

independente do seu posicionamento no ciclo da vida sendo os pobres os mais afetados

conforme seraacute evidenciado no capiacutetulo a seguir

97

4 A DINAcircMICA DAS TRANSICcedilOtildeES dieteacutetica nutricional e epidemioloacutegica

41 O percurso da transiccedilatildeo dieteacutetica agrave transiccedilatildeo nutricional

Durante a realizaccedilatildeo do levantamento bibliograacutefico observou-se a passagem do uso

do termo ldquotransiccedilatildeo dieteacuteticardquo (WHO 1990) para ldquotransiccedilatildeo nutricionalrdquo (WHO 2002b) nos

documentos oficiais da OMS e em outros artigos cientiacuteficos (CHOPRA 2002 POPKIN

2006) ambos estabelecendo distintos paralelos com as transformaccedilotildees no perfil

nutricional e epidemioloacutegico das populaccedilotildees Nesse sentido breves consideraccedilotildees seratildeo

feitas sobre o contexto empregado e suas implicaccedilotildees na compreensatildeo dos fenocircmenos

nutricionais

Em 1990 a OMS utiliza a transiccedilatildeo dieteacutetica para explicar as mudanccedilas ocorridas na

dieta nas quatro deacutecadas anteriores e argumenta que elas resultaram no aumento do

consumo de gorduras saturadas de carboidratos simples alimentos defumados e

conservados a base de sal snack foods bebidas alcooacutelicas de pickles diminuiccedilatildeo do

consumo de legumes e frutas cujos efeitos repercutiram no padratildeo de morbimortalidade

elevando as taxas de obesidade doenccedilas coronarianas diabetes hipertensatildeo cacircncer etc

(WHO 1990) A transiccedilatildeo dieteacutetica entatildeo situa-se no corpo de transformaccedilotildees ocorridas na

composiccedilatildeo da dieta sendo explicada por um conjunto de elementos que evidenciam

mudanccedilas nos tipos de nutrientes e de alimentos que prejudicam a sauacutede A dieta eacute

assumida como um dos fatores relacionado agraves alteraccedilotildees no tipo e na frequecircncia de

doenccedilas

A anaacutelise da transiccedilatildeo dieteacutetica eacute esmiuccedilada como um fenocircmeno especiacutefico que se

processou paralelamente agraves mudanccedilas no estilo de vida o qual levou agrave reduccedilatildeo da atividade

fiacutesica ao aumento do estresse entre outros fatores que modificaram o padratildeo de

morbimortalidade Foram mudanccedilas de vaacuterias ordens ocorrendo no mesmo espaccedilo de

98

tempo e transformando o perfil de doenccedilas dos paiacuteses emergentes tornando-o proacuteximo

aos dos paiacuteses afluentes Uma dessas mudanccedilas ocorreu no padratildeo alimentar

Nesse contexto dieta e estilo de vida apresentam-se como entidades associadas mas

natildeo devidamente articuladas para que se permita observaacute-las como eventos que interagem

entre si e conduzem ao aumento ou agrave diminuiccedilatildeo das condiccedilotildees de exposiccedilatildeo ao risco agraves

doenccedilas

Aproximadamente uma deacutecada depois a OMS passa a adotar a transiccedilatildeo nutricional

para sintetizar as mudanccedilas nos fatores de risco e doenccedilas Trata-se do aumento do

consumo de produtos processados hipercaloacutericos (ricos em accediluacutecares e gorduras de baixo

custo) em detrimento dos alimentos crus em um contexto de atividade fiacutesica reduzida que

vem concorrendo para a epidemia da obesidade e do aumento da prevalecircncia de outras

DCNT e que passa a coexistir com a subnutriccedilatildeo residual (WHO 2002b) Logo em seguida a

OMS esclarece que os niacuteveis ascendentes das DCNT derivam das mudanccedilas na dieta em

termos qualitativo e quantitativo e da inatividade fiacutesica atreladas a padrotildees de trabalho e

lazer inadequados Ressalta tambeacutem que essa experiecircncia agora manifesta-se

especialmente nos paiacuteses em desenvolvimento (WHO 2003b)

Essa transiccedilatildeo marca portanto o enfrentamento dos paiacuteses em desenvolvimento com

dois fenocircmenos da nutriccedilatildeo de naturezas aparentemente opostas mas com traccedilo essencial

comum de um lado o desafio emergente do sobrepeso obesidade e outras DCNT e de

outro a permanecircncia da subnutriccedilatildeo e deficiecircncias de micronutrientes na populaccedilatildeo

Contudo esses dois problemas nutricionais somaram-se e concentraram-se sobre camadas

sociais pobres nesses grupos de paiacuteses

Observa-se que na ldquotransiccedilatildeo nutricionalrdquo natildeo se estabelece uma dissociaccedilatildeo entre as

transiccedilotildees ocorridas na dieta nas doenccedilas e nos comportamentos relativos agrave atividade

fiacutesica Todos estatildeo interligados nesse conceito Esse conceito tambeacutem utiliza o termo

geneacuterico ldquodietardquo haacute a agregaccedilatildeo de um outro especiacutefico que denomina e qualifica os

alimentos implicados produtos industrializados hipercaloacutericos e de baixo custo

99

A compreensatildeo da transiccedilatildeo nutricional foi se aprimorando passando a ser assumida

como um processo que revela a inversatildeo nos padrotildees de distribuiccedilatildeo dos problemas

nutricionais de uma dada populaccedilatildeo no tempo sendo referenciada pela elevaccedilatildeo da

prevalecircncia de obesidade e o raacutepido decliacutenio da desnutriccedilatildeo (BATISTA FILHO RISSIN

2003) vinculando-se a diferentes estaacutegios de desenvolvimento econocircmico-social do paiacutes

(KAC VELAgraveSQUEZ-MELEacuteNDEZ 2003)

Face ao exposto observa-se que a transiccedilatildeo nutricional comeccedila a romper com uma

abordagem estritamente teacutecnica e desprovida de qualquer menccedilatildeo a componentes poliacuteticos

e econocircmicos e passa a ser reconhecida como um evento proacuteprio da dinacircmica da sociedade

e portanto derivado das transformaccedilotildees sociais que revolucionaram a nutriccedilatildeo global em

especial as praacuteticas de consumo alimentar

No Brasil a transiccedilatildeo nutricional consolidou-se muito rapidamente em apenas trecircs

deacutecadas conforme revelam os resultados de trecircs inqueacuteritos nacionais o Estudo Nacional

sobre Despesas Familiares (ENDEF)-197475 a Pesquisa Nacional sobre Sauacutede e Nutriccedilatildeo

(PNSN) -1989 a Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede (PNDS)-199596 (BATISTA

FILHO RISSIN 2003) Mas na POF 200203 ainda se observa um decliacutenio da prevalecircncia

de deacuteficit de peso por idade em menores de cinco anos atingindo 46 - quando

comparado com o resultado de 166 obtido no ENDEF- 197475 ndash e concomitantemente

o aumento da obesidade e do excesso de peso em adultos (COUTINHO GENTIL TORAL

2008) Segundo estes autores a inversatildeo dos padrotildees nutricionais foi reflexo das

influecircncias das intensas transformaccedilotildees ocorridas na sociedade brasileira que deu um

impulso positivo as condiccedilotildees de vida das camadas mais pobres inclusive facilitando o

acesso agrave alimentaccedilatildeo o que natildeo indica necessariamente um incremento do consumo de

alimentos com perfil nutricional adequado

O artigo de Popkin (2002) decodificou com mais detalhes a transiccedilatildeo nutricional nos

paiacuteses em desenvolvimento e a sua anaacutelise a aproximou dos eventos socioeconocircmicos

correntes Segundo esse autor a transiccedilatildeo nutricional eacute parte integrante do contexto da

raacutepida globalizaccedilatildeo do mercado de alimentos dos sistemas de comunicaccedilatildeo da urbanizaccedilatildeo

e do estilo de vida dos indiviacuteduos Isso interferiu nas mudanccedilas da estrutura geral dos

100

padrotildees dieteacuteticos e estimulou uma vida sedentaacuteria nessas duas uacuteltimas deacutecadas

Evidecircncias intimamente associadas agrave transiccedilatildeo demograacutefica e epidemioloacutegica caracterizada

por mudanccedilas na estatura meacutedia composiccedilatildeo corporal e morbidade das populaccedilotildees Um

pouco mais tarde Popkin amp Gordon-Larsen (2004) concentram-se em explorar

separadamente as mudanccedilas dieteacuteticas ocorridas nessa transiccedilatildeo

No avanccedilar dos anos a transiccedilatildeo nutricional assim como o crescimento das DCNT

passam a ser entendidos como resultados imediatos da globalizaccedilatildeo da dieta humana

(UUSITALO PIETNEN amp PUSKA 2002 WHO 2003b) e portanto como um dos efeitos

negativos da globalizaccedilatildeo econocircmica (WHO 2005) O crescimento econocircmico a

transformaccedilatildeo no sistema alimentar e a transiccedilatildeo nutricional satildeo eventos sintonizados e

dependentes (FAO 2013b) Isso traz agrave tona atores importantes nesse fenocircmeno cujas

condutas contribuem para a transiccedilatildeo nutricional Satildeo eles o mercado pela dominaccedilatildeo do

comeacutercio de produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis e pela publicidade intensiva que destroacutei

os padrotildees alimentares saudaacuteveis e tambeacutem as instacircncias de regulaccedilatildeo dos alimentos pela

ineacutercia em intervir no comportamento excessivo do mercado que deteriora a qualidade

nutricional dos produtos

Em siacutentese a transiccedilatildeo dieteacutetica eacute uma faceta da transiccedilatildeo nutricional que por sua

vez eacute parte da transiccedilatildeo social A traduccedilatildeo desse fenocircmeno natildeo se resume agraves mudanccedilas na

dieta e nem ao predomiacutenio da obesidade comparativamente agrave desnutriccedilatildeo Eacute um fenocircmeno

social complexo que no debate ao longo dos anos passa a ser entendido como resultado

dos impactos das relaccedilotildees econocircmicas e sociais na esfera global refletidos no campo da

nutriccedilatildeo humana

101

42 A obesidade e outras DCNT em ascensatildeo panorama global e nacional

421 Comportamento da Obesidade e de suas comorbidades no mundo breves

comentaacuterios

As mudanccedilas impostas agrave sociedade em decorrecircncia do processo de globalizaccedilatildeo da

economia tem diversificado os riscos agrave sauacutede Nesse contexto os alimentos constituem um

dos fatores implicados criando novas modalidades de doenccedilas sem contudo eliminar os

eventos tradicionais que conduzem agrave maacute nutriccedilatildeo ou agraves doenccedilas transmitidas por

alimentos Surge daiacute um quadro de doenccedilas nutricionais marcado por um consumo de

alimentos que envolvem aspectos especiacuteficos - ou seus cruzamentos- como a quantidade

reduzida ou excessiva a qualidade nutricional e ou sanitaacuteria inadequadas Contudo neste

trabalho a abordagem restringir-se-aacute aos efeitos adversos do consumo de alimentos com

qualidade nutricional inadequada

No final do seacuteculo XX a OMS proclamou a obesidade como uma epidemia global

(WHO 2000) que se originou nos Estados Unidos avanccedilou para a Europa e outras naccedilotildees

ricas no mundo e paulatinamente alcanccedilou os paiacuteses de economias de transiccedilatildeo ateacute

encerrar o seu circuito mundial nos paiacuteses considerados pobres (PRENTICE 2005 WHO

2000) Eacute um tipo de doenccedila crocircnica que vem se disseminando em todos os continentes e

apresenta a peculiaridade de acometer indiviacuteduos de diferentes grupos etaacuterios e distintos

estratos sociais Isso compotildee um quadro epidemioloacutegico complexo e mobilizador de

vultosos recursos puacuteblicos tanto para o tratamento da doenccedila em questatildeo quanto das

comorbidades a ela relacionadas (WHO 2000 CABALLERO 2007) A ascendente

prevalecircncia da obesidade e de suas complicaccedilotildees tem se convertido em uma importante

ameaccedila agrave sauacutede puacuteblica mundial (WHO 2000 VISSCHER amp SEIDELLL 2001)

Segundo a OMS a relaccedilatildeo estreita entre as dietas densamente energeacuteticas e o modo de

vida sedentaacuterio tem contribuiacutedo para o incremento de um elenco de DCNT - obesidade

diabetes mellitus doenccedilas cardiovasculares hipertensatildeo infarto e alguns tipos de cacircncer ndash

102

que estatildeo se tornando causas importantes de mortes e incapacidades prematuras em paiacuteses

em desenvolvimento e desenvolvidos (WHO 2003b) Entre as deacutecadas de 70 e 80 houve

um aumento relativo de 105 nas doenccedilas crocircnicas na Ameacuterica do Sul tropical momento

em que se processaram as mudanccedilas no estilo de vida e na dieta Nesse contexto a

alimentaccedilatildeo surge como um dos principais determinantes modificaacuteveis desse tipo de

doenccedilas (WHO 1990)

Em 2005 do total de 58 milhotildees de oacutebitos 35 milhotildees (60) deles foram resultados

das DCNT Jaacute em 2008 essa estimativa global ascende para 36 milhotildees do total de 57

milhotildees de mortes (UN 2013) Os principais fatores de riscos modificaacuteveis para esse grupo

de doenccedilas satildeo dieta natildeo saudaacutevel inatividade fiacutesica o ato de fumar (WHO 2005) o

consumo de aacutelcool natildeo sido eacute contabilizado no elenco desses fatores

Em 2012 as DCNT continuam a ser um dos principais desafios da sauacutede puacuteblica e

mantecircm-se no patamar dos 60 das mortes globais ameaccedilando o desenvolvimento

econocircmico e social e exigindo um esforccedilo articulado em niacutevel local Em decorrecircncia disso

muitos paiacuteses jaacute estatildeo desenvolvendo diversas frentes de atuaccedilatildeo com fins de prevenir e

controlar essas doenccedilas mediante a intervenccedilatildeo em fatores de risco como dieta natildeo

saudaacutevel inatividade fiacutesica e sobrepeso e obesidade (WHO 2013a)

Na qualidade de morbidade crocircnica a obesidade se destaca no grupo das DCNT por

ser capaz de isoladamente desencadear muacuteltiplos eventos moacuterbidos como diabetes

mellitus tipo II doenccedila cardiovascular osteoartrite cacircncer e distuacuterbios respiratoacuterios aleacutem

de problemas de ordem psicossocial tais como a incapacidade para o trabalho a baixa

autoestima entre outras (WHO 2004a UUSITALO PIETIENEN PUSKA 2002 VISSCHER

SEIDELLL 2001 WHO 2000) Embora natildeo haja idade limite para o surgimento da

obesidade podendo ser detectada em fases precoces da vida a idade de iniacutecio da doenccedila e o

seu grau de gravidade sinalizaratildeo a persistecircncia dessa doenccedila e de seus efeitos deleteacuterios

ao longo da vida adulta (MUST 1996) Dentre os periacuteodos criacuteticos para o desenvolvimento

da obesidade destacam-se o preacute-natal o periacuteodo de repleccedilatildeo adiposa situado entre os cinco

e sete anos de idade e o periacuteodo da adolescecircncia (DIETZ 1994) os quais requerem uma

atenccedilatildeo especial face agraves implicaccedilotildees futuras

103

No continente europeu o excesso de peso constitui um problema de sauacutede

ascendente As prevalecircncias de sobrepeso oscilaram entre 32 a 79entre os homens e

entre 28 a 78 entre as mulheres jaacute as de obesidade situaram-se em faixas mais

estreitas entre 5-23 e 7-36 respectivamente para os sexos masculino e feminino

conforme dados obtidos entre 1999 e 2005 (BRANCA NIKOGOSIAN LOBSTEIN 2007)

Contudo segundo esses autores ambos os distuacuterbios contribuem para 80 dos casos de

diabetes tipo II 35 de doenccedila isquecircmica do coraccedilatildeo e 55 de hipertensatildeo em adultos Na

Espanha especificamente no intervalo de 1987-1997 foi registrado o aumento relativo de

71 na prevalecircncia de obesidade em homens adultos e de 63 em mulheres adultas os

maiores incrementos ocorreram na populaccedilatildeo adulta sem escolaridade em ambos os sexos

conforme resultados das pesquisas nacionais (GUTIEacuteRREZ-FISAC et al 2003)

Embora a Aacutefrica seja reduto de casos de subnutriccedilatildeo na parte nordeste

particularmente no Marrocos e na Tuniacutesia jaacute haacute a presenccedila de obesidade (MOKHTAR et al

2001) bem como em outros paiacuteses desse continente (WHO 2004a WHO 2005) No paiacutes

mais populoso da Aacutesia ndash China - a obesidade jaacute alcanccedila mais de 20 das crianccedilas e

adolescentes com idade entre 7 e 17 anos residentes em centros urbanos (WHO 2005)

Em um conjunto de 17 paiacuteses da Ameacuterica Latina analisados AMIGO (2003) constatou

prevalecircncias meacutedias de obesidade proacuteximas a 45 em crianccedilas menores de cinco anos

sendo que em quatro deles os valores foram superiores a 6 indicando que haacute

incrementos nas taxas apesar de natildeo serem ainda consideradas altas Jaacute o comportamento

da obesidade nas mulheres latino-americanas pertencentes a nove paiacuteses da regiatildeo foi

ascendente durante a deacutecada de 90 apresentando taxas entre 76 a 121 exceto no Haiti

(KAIN VIO ALBALA 2003) No transcurso de 1990 a 2010 a estimativa de sobrepeso e

obesidade combinados entre as crianccedilas dessa mesma idade nessa regiatildeo do globo passou

de 4 a 7 (MEERMAN CARISMA THOMPSON 2012)

As principais doenccedilas crocircnicas que contribuem para as mortes prematuras

relacionam-se a fatores de risco peculiares ao estilo de vida ndash consumo excessivo de

produtos natildeo saudaacuteveis de fumo e de bebida alcooacutelica assim como inatividade fiacutesica

104

Segundo a OMS (WHO 2004a) satildeo doenccedilas reconhecidamente globais de caraacuteter

preventivo poreacutem a explicaccedilatildeo dada a sua causalidade apresenta equiacutevocos tais como a

culpabilizaccedilatildeo individual a restriccedilatildeo social e etaacuteria aleacutem da susceptibilidade

preponderantemente geneacutetica Tais fatos tecircm encoberto as responsabilidades a serem

assumidas pelos governos e pelas induacutestrias a vulnerabilidade social agraves doenccedilas a

interaccedilatildeo de fatores de risco sociais e natildeo exclusivamente geneacuteticos e os prejuiacutezos coletivos

pela falta de adoccedilatildeo de medidas puacuteblicas de controle e de prevenccedilatildeo

A responsabilizaccedilatildeo individual requer consideraccedilotildees especiais Isso porque a ldquonova

sauacutede puacuteblicardquo norteada pelos princiacutepios neoliberais passa a defender que a soluccedilatildeo estaacute

nos sujeitos enquanto cidadatildeos livres e competentes para realizar o seu autocontrole

definir seu estilo de vida e fazer escolhas que protejam a sua sauacutede desconsiderando a

relevacircncia das determinaccedilotildees estruturais (PETERSON LUPTON 2000) de onde se

originam verdadeiramente os problemas de sauacutede Tanaka amp Nakanishi (1996) abordando

o crescimento das DCNT no Japatildeo no final do seacuteculo XX pautados exatamente nesse

ideaacuterio neoliberal destacam que os indiviacuteduos podem reduzir ou eliminar fatores de riscos

para doenccedilas cardiovasculares exceto fatores como idade hereditariedade e gecircnero

modificando certas escolhas do estilo de vida como dieta exerciacutecios fiacutesicos estresse fumo

e aacutelcool

Eacute fundamental refletir sobre essas questotildees pois imputar ao indiviacuteduo a

responsabilidade uacutenica pelo destino da sua sauacutede em particular por natildeo ter competecircncia

de movimentar o seu corpo o suficiente ou de saber selecionar os alimentos ou conterndashse

frente aos estiacutemulos do consumo eacute uma anaacutelise simplista para lidar efetivamente com a

complexidade causal das DNCT Haacute um fenocircmeno global de doenccedilas que tem

necessariamente uma raiz comum Compreendecirc-lo implica resgatar os elementos sociais

subjacentes e essenciais que satildeo a base do processo de determinaccedilatildeo causal Trata-se

entatildeo de decifrar as relaccedilotildees entre as sociedades individuais e o contexto da economia

global dirigida agrave massificaccedilatildeo do consumo a fragilidade das instituiccedilotildees puacuteblicas para

intervir no mundo privado a debilidade dos movimentos sociais para reivindicar e se

conscientizar dos fenocircmenos moacuterbidos coletivos etc

105

Salienta-se que os indiviacuteduos na esfera do mercado de bens de consumo da sociedade

contemporacircnea satildeo seres quase desfeitos pois segundo Bauman (2008) suas virtudes

enfraqueceram sua condiccedilatildeo de sujeitos pensantes e autocircnomos foi apagada tornando-os

incapazes de refletir e decidir conscientemente sobre os bens ofertados Os indiviacuteduos

converteram-se em meros objetos potenciais de consumo sendo constantemente

ludibriados seduzidos e manobrados por pressotildees poderosas oriundas dos negoacutecios

privados Condiccedilotildees tais que contribuiacuteram para que os indiviacuteduos se tornassem tambeacutem

fraacutegeis para selecionar adequadamente os alimentos que consomem com o objetivo de

proteger a sua proacutepria sauacutede

Assim depositar a responsabilidade no indiviacuteduo para conter os riscos e portanto

para promover sauacutede e prevenir doenccedilas eacute forccedilar artificialmente a exclusatildeo dos atores

estrateacutegicos do cenaacuterio - o poder puacuteblico e os setores econocircmicos - em especial aqueles

produtores de alimentos industrializados

422 O quadro epidemioloacutegico brasileiro e sua conexatildeo com as mazelas do

mundo

O retrato do perfil epidemioloacutegico brasileiro imprime com nitidez as marcas

mundiais do processo de internacionalizaccedilatildeo da produccedilatildeo de alimentos que se empenha

insistentemente em homogeneizar as praacuteticas de consumo e o comportamento do planeta

Tudo isso para tornar possiacutevel concentrar as riquezas que retroalimentam o seu

dinamismo tendo como efeitos as mazelas crocircnicas - doenccedilas e pobreza - que satildeo

socializadas com a maioria da populaccedilatildeo

No Brasil o quadro recente das principais doenccedilas crocircnicas na populaccedilatildeo adulta

aponta para 227 de portadores de hipertensatildeo arterial 56 de diabetes e 158 de

obesidade e 485 de indiviacuteduos jaacute se encontram com excesso de peso (BRASIL MS

106

2012b) Doenccedilas essas que apresentam ritmos crescentes em suas respectivas prevalecircncias

desde o ano de 2006 (SCHMIDT et al 2011 BRASIL MS 2012b)

Segundo esses autores do total de oacutebitos registrados em 2007 cerca de 72 foram

atribuiacutedos agraves DCNT no panorama explicativo para o aumento da exposiccedilatildeo a esse grupo de

doenccedilas estatildeo a melhoria de acesso agrave alimentaccedilatildeo e a globalizaccedilatildeo de haacutebitos de consumo

de alimentos natildeo saudaacuteveis Eacute justamente da falta de comunhatildeo entre o acesso facilitado

aos alimentos e a sua qualidade nutricional que os riscos eclodem e as doenccedilas crocircnicas

surgem

Pesquisas nacionais anteriores PNAD-2003 e PNAD-2008 indicam que o aumento da

hipertensatildeo e da diabetes e as prevalecircncias mais elevadas da maioria das doenccedilas crocircnicas

com exceccedilatildeo de tendinitetenossinovite e cacircncer concentram-se nos segmentos da

populaccedilatildeo com menor escolaridade e sem benefiacutecios de plano privado de sauacutede No

entender desses autores essas evidecircncias expressam as desigualdades sociais na

manifestaccedilatildeo desse grupo de doenccedilas situaccedilatildeo que tambeacutem eacute observada em outros paiacuteses

(BARROS et al 2011) Outro estudo comprovou algo semelhante quando analisou o

comportamento dos fatores de risco na populaccedilatildeo tais como niacuteveis pressoacutericos alterados

obesidade e consumo excessivo de aacutelcool que foram igualmente associados aos grupos que

apresentam piores condiccedilotildees de vida (OLIVEIRA-CAMPOS RODRIGUES-NETO SILVEIRA

NEVES et al 2013)

As doenccedilas crocircnicas como qualquer outro tipo de manifestaccedilatildeo do processo sauacutede-

doenccedila satildeo socialmente moldadas Eacute o lsquosocialrsquo que define o grau de exposiccedilatildeo aos fatores de

risco a susceptibilidade bioloacutegica a certas doenccedilas a resistecircncia a capacidade de prevenccedilatildeo

e de reaccedilatildeo assim como a celeridade no agravamento nas sequelas e no oacutebito

Considerando o papel relevante que assume a obesidade como precursora de outras

DCNT (WHO 2004) conveacutem explorar os traccedilos que ela assume na realidade brasileira em

termos de distribuiccedilatildeo etaacuteria e social bem como da sua inter-relaccedilatildeo com os alimentos

consumidos e a praacutetica de atividade fiacutesica

107

O processo de ascensatildeo do excesso de peso e obesidade foi conduzido durante as trecircs

uacuteltimas deacutecadas e comprovado ao longo dos inqueacuteritos nacionais (BATISTA FILHO RISSIN

2003) conforme jaacute mencionado neste trabalho Na uacuteltima pesquisa nacional da POF 2008-

2009 as prevalecircncias de sobrepeso e de obesidade em adolescentes (10 a 19 anos) foram

de 205 e 49 respectivamente o que reforccedila a predisposiccedilatildeo agrave doenccedila jaacute na juventude

Na fase adulta as prevalecircncias de obesidade entre homens e mulheres foram 125 e

169 respectivamente as frequecircncias mais elevadas de excesso de peso e de obesidade

situaram-se nas faixas etaacuterias de 45-54 anos entre homens de 55-64 anos entre as

mulheres declinando nas faixas subsequentes (BRASIL IBGE 2010) Esse progressivo

aumento da obesidade jaacute eacute reconhecido como um problema de sauacutede emergente na

populaccedilatildeo brasileira e em conjunto agraves doenccedilas carenciais persistentes foi incorporada agrave

agenda poliacutetica do governo no final da deacutecada de 90 passando a ser um dos objetivos de

intervenccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-PNAN (BRASIL MS 1999)

Os indicadores de excesso de peso possuem caraacuteter dinacircmico sofrem efeitos da

mobilidade social e diferenciam-se entre os sexos e o niacutevel de educaccedilatildeo formal A partir da

deacutecada de 90 a prevalecircncia do excesso de peso anteriormente concentrada nas regiotildees

mais ricas desloca-se para as regiotildees mais pobres do paiacutes e para os estratos de renda mais

pobres (MONDINI MONTEIRO 1998) enquanto se observa a estabilizaccedilatildeo no

comportamento ascendente do problema entre mulheres adultas de renda mais alta

(BATISTA FILHO RISSIN 2003)

Efeito similar ocorre quando se utiliza o marcador social escolaridade inicialmente o

risco de obesidade abrangia a todos os adultos e a partir desse mesmo momento o

incremento ocorreu nos indiviacuteduos de baixa escolaridade estabilizando-se ou ateacute mesmo

diminuindo naqueles com meacutedia e alta escolaridade (MONTEIRO CONDE CASTRO 2003)

A frequecircncia de excesso de peso e de obesidade aumentou em homens e mulheres sendo

que a meacutedia de aumento foi superior nas mulheres em ambos os casos Poreacutem verifica-se

que haacute um comportamento diferente desses eventos quando se faz relaccedilatildeo com o grau de

escolaridade no grupo masculino as mais altas taxas estatildeo no estrato de maior

escolaridade enquanto que entre as mulheres as taxas mais elevadas estatildeo no estrato de

menor escolaridade (BRASIL IBGE 2010)

108

Dados mais recentes indicam que o excesso de peso e a obesidade em adultos

residentes nas 27 capitais brasileiras e no Distrito Federal persistiam como problemas de

sauacutede puacuteblica indicando sinais para uma evoluccedilatildeo positiva durante os uacuteltimos seis anos de

acompanhamento do Sistema Vigitel20 com taxas equivalentes a 485 e 158

respectivamente em 2011 (BRASIL MS 2012b) Os dois inqueacuteritos Vigitel mais recentes

2012 e 2013 constataram que a taxa de obesidade em adultos praticamente estabilizou

situando-se entre 174 e 175 respectivamente enquanto o excesso de peso foi

reduzido de 508 em 2012 para 4535 em 2013 (BRASIL MS 2013 BRASIL MS

2014)

Informaccedilotildees atualizadas anualmente sobre dieta e atividade fiacutesica tambeacutem

constituem uma parte do acervo de dados do Sistema Vigitel Os resultados desse inqueacuterito

no ano de 2010 revelam que apenas 30 dos entrevistados consumiam cinco ou mais

porccedilotildees de frutas e hortaliccedilas por semana 34 consumiam carne com excesso de gordura

30 praticavam atividade fiacutesica no lazer ou no trajeto para o trabalho e 28 assistiam trecircs

ou mais horas de televisatildeo por dia (DUNCAN CHOR AQUINO 2012) Em 2011 o consumo

de frutas e hortaliccedilas nessa populaccedilatildeo reduziu para 202 e os demais indicadores

permaneceram praticamente estaacuteveis (BRASIL MS 2012b) Jaacute os dados do ano de 2013

revelam o aumento no consumo de frutas e hortaliccedilas (36) e na praacutetica de atividade fiacutesica

(49) leve diminuiccedilatildeo no consumo de carne gordurosa (31) e comportamento estaacutevel

na dedicaccedilatildeo do tempo para televisatildeo (286) mantendo-se em todos os casos as mesmas

especificaccedilotildees dos indicadores supracitados

Essas caracteriacutesticas de estilo de vida - pautado no sedentarismo (inatividade fiacutesica)

e ou no consumo de produtos considerados natildeo saudaacuteveis (carne gordurosa) constituem

fatores de risco para a aquisiccedilatildeo de doenccedilas crocircnicas Assim eacute com base nessa conjunccedilatildeo de

fatores que favorecem a instalaccedilatildeo da obesidade que vaacuterios autores passaram a referir-se

20 Sistema Vigitel - Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico ndash instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede desde o ano de 2006 com o objetivo de monitorar a frequecircncia e distribuiccedilatildeo dos principais determinantes das doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT) na populaccedilatildeo com idade igual ou superior a 18 anos por inqueacuterito telefocircnico em todas as capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal

109

ao conceito de ambiente ldquoobesogecircnicordquo (EGGER SWINBURN 1997 WHO 2004a CHOPRA

GALBRAITH DARNTON-HILL 2002 PRENTICE 2005 CABALLERO 2007) Contudo a

anaacutelise comparativa dos resultados do Sistema Vigitel nos anos recentes aponta uma leve

tendecircncia de mudanccedila do perfil nutricional dos adultos que pode significar a adesatildeo a uma

conduta condizente com uma vida mais saudaacutevel

Esse problema de sauacutede natildeo se circunscreve apenas agrave fase adulta O excesso de peso

comeccedila a atingir a infacircncia a partir de fins da deacutecada de 90 quando a taxa de prevalecircncia de

excesso de peso em crianccedilas de 6 a 9 anos de idade mais que triplicou entre os dois

inqueacuteritos nacionais -o ENDEF- 1975 e a Pesquisa sobre Padrotildees de Vida -PPV21 -1996-7-

elevando-se de 49 para 174 (COSTA CINTRA FISBERG 2006) e se estendendo

tambeacutem a adolescecircncia (TERRES et al 2006 VASCONCELOS SILVA 2003) Distintos

fatores como o grau de intensidade da atividade fiacutesica e o biotipo da matildee no peso corporal

dos adolescentes (BURBANO FORNASINI ACOSTA 2003) os haacutebitos alimentares

inadequados (NOBRE et al 2006) e o niacutevel socioeconocircmico elevado (RONQUE et al 2005)

exercem influecircncia no aparecimento de tais distuacuterbios neste grupo etaacuterio

Apesar da relevacircncia das DCNT no quadro de morbidade nacional as doenccedilas tiacutepicas

da pobreza natildeo foram completamente extintas e aquela que em outro contexto histoacuterico

foi referida como doenccedila da opulecircncia ndash obesidade ndash eacute agora pandecircmica e crocircnica Em

virtude da associaccedilatildeo entre o consumo de alimentos e os efeitos moacuterbidos as instituiccedilotildees

intergovernamentais FAO e OMS comeccedilaram a tratar a obesidade como uma das

manifestaccedilotildees de maacute nutriccedilatildeo Com isso o termo ldquomaacute nutriccedilatildeordquo tornou-se abrangente e

passou englobar todas as formas de consumo dieteacutetico inadequado e persistente que

resultam em baixo peso deficiecircncias de micronutrientes assim como em sobrepeso e

obesidade

A coexistecircncia paradoxal da obesidade adulta com a desnutriccedilatildeo infantil eacute

documentada em paiacuteses da Ameacuterica Central e do Sul (PRENTICE 2005) e em outros paiacuteses

21 Este uacuteltimo inqueacuterito nacional foi limitado pois considerou apenas as regiotildees Nordeste e Sudeste do paiacutes

110

com economia em desenvolvimento (POPKIN 2001 WHO 2000) inclusive no Brasil (DOAK

et al 2000 RODRIGUES TADDEI amp SEGULEM 1998) Esse duplo e contraditoacuterio fenocircmeno

bioloacutegico-social ndash desnutriccedilatildeo e obesidade - serve de reforccedilo para firmar o viacutenculo de

subordinaccedilatildeo entre a exposiccedilatildeo dos indiviacuteduos agraves doenccedilas nutricionais e as precaacuterias

condiccedilotildees de existecircncia A ligaccedilatildeo da pobreza com a obesidade se faz por meio do acesso a

uma alimentaccedilatildeo - inadequada quanto ao aspecto nutricional - e ao lazer sedentaacuterio

(MARINHO et al 2003) ou ainda por reflexo de desnutriccedilatildeo pregressa em mulheres adultas

e da baixa estatura das crianccedilas convivendo em ambientes adversos (MARTINS et al 2007)

Na condiccedilatildeo de pobreza a alimentaccedilatildeo saudaacutevel para mulheres obesas torna-se praacutetica de

luxo face agrave incompatibilidade existente entre o elevado preccedilo dos alimentos saudaacuteveis (por

exemplo frutas e verduras) com a renda auferida (FERREIRA et al 2010)

Decerto essa abordagem conforma um quadro de alteraccedilotildees nutricionais que natildeo se

restringe a uma questatildeo meacutedica eacute sim efeito da (des)ordem social que se expressa em

pobreza distuacuterbios nutricionais e em discriminaccedilatildeo (MEERMAN CARISMA THOMPSON

2012 FAO 2013b WHO 2000) sinalizando o papel decisivo dos governos para enfrentar a

complexidade desse fenocircmeno que requer o desenho e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas articuladas e abrangentes com a finalidade de equacionar as iniquidades

presentes no seio da sociedade

Assim considerando a extrema importacircncia que produtos alimentiacutecios exercem na

etiologia da obesidade e das demais DCNT (CHOPRA 2002) o foco dos governos deveria

voltar-se para a prevenccedilatildeo e o controle Eacute necessaacuterio orientar as pessoas no campo da

alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e intervir na cadeia produtiva de alimentos tanto para fomentar e

subsidiar os alimentos saudaacuteveis como para disciplinar aqueles considerados altamente

caloacutericos e pouco nutritivos Embora sejam medidas relevantes e urgentes outras

estrateacutegias dirigidas agrave melhoria das condiccedilotildees materiais de vida merecem ser com estas

combinadas

111

5 REGULACcedilAtildeO DE ALIMENTOS o desafio de governar o mercado

51 Do regime militar ao Estado democraacutetico de direito a evoluccedilatildeo dos dispositivos

de regulaccedilatildeo dos alimentos

Nestas uacuteltimas deacutecadas o termo ldquoregulaccedilatildeordquo tem se popularizado e se expandido do

campo econocircmico para o administrativo e o social Todavia regulaccedilatildeo sanitaacuteria de

alimentos no sentido lato eacute uma praacutetica introduzida no Brasil desde a Primeira Repuacuteblica

(1889-1930) quando da gestatildeo de Oswaldo Cruz na administraccedilatildeo puacuteblica de sauacutede

brasileira Nessa eacutepoca jaacute se faziam intervenccedilotildees para controlar os riscos dos alimentos e

que se respaldavam na ciecircncia e operacionalizavam-se sob a forma de medidas coercitivas

(SOUTO 2004)

Destarte o alicerce da regulaccedilatildeo sanitaacuteria de alimentos construiacutedo desde a sua base

permanece praticamente intacto e se assenta sobre trecircs pilares regulamentaccedilatildeo

fiscalizaccedilatildeo e controle Aleacutem disso continua a abranger um conjunto de instrumentos legais

e de procedimentos teacutecnico-operacionais que o poder puacuteblico competente utiliza para reger

a conduta das empresas quanto agrave produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e prestaccedilatildeo de serviccedilos de

diferentes bens alimentiacutecios com o fim de proteger a sauacutede da populaccedilatildeo

O arcabouccedilo legal vigente aplicado ao controle sanitaacuterio de alimentos reuacutene

instrumentos legais das uacuteltimas cinco deacutecadas O instrumento legal mais antigo e ainda em

vigor utilizado como de referecircncia na vigilacircncia sanitaacuteria de alimentos eacute o Decreto-Lei n0

986 de 21 de outubro de 1969 que institui as normas gerais sobre alimentos e delega a

responsabilidade do controle ao Ministeacuterio da Sauacutede e aos oacutergatildeos congecircneres estaduais

Aprovado pelos ministros militares das Forccedilas Armadas em um contexto de ditadura

poliacutetica o instrumento agrupa um conjunto de medidas de controle e de fiscalizaccedilatildeo

(registro anaacutelise de controle licenccedila para estabelecimentos entre outros) com o objetivo

de conferir se os produtos alimentiacutecios obedecem agraves regras e estabelecer penalidades em

caso de descumprimento dessas regras

112

Agrave eacutepoca de sua publicaccedilatildeo partilhavam o mesmo cenaacuterio social eventos antagocircnicos

extremos De um lado a euforia pelo florescimento econocircmico e de outro a repressatildeo agraves

liberdades individuais a concentraccedilatildeo de renda e a pauperizaccedilatildeo de grande parte da

populaccedilatildeo Segundo Prado Jr (1988) a expansatildeo da industrializaccedilatildeo brasileira voltava-se

em especial para os bens de consumo para as classes meacutedia e alta e para as mateacuterias-

primas e gecircneros alimentiacutecios demandados pelos mercados internacionais Fomentada

pelos capitais estrangeiros a industrializaccedilatildeo gerava receitas que custeavam as

importaccedilotildees essenciais a nossa subsistecircncia e os serviccedilos prestados pelos oligopoacutelios

imperialistas que davam suporte agrave industrializaccedilatildeo e ao desenvolvimento econocircmico

nacional No periacuteodo de 1968-71 o ritmo de crescimento da induacutestria de produtos

alimentiacutecios foi de 75 ao ano mas quase a metade do volume produzido (453)

(SUZIGAN et al 1974 apud SINGER 1976) atendeu a demanda externa (SINGER 1976)

Entretanto para facilitar a aceitaccedilatildeo externa dos itens alimentiacutecios era preciso

demostrar ao mercado externo efetividade no controle sanitaacuterio do paiacutes com regras

oficiais estabelecidas para a produccedilatildeo de alimentos com definiccedilotildees de padrotildees de

identidade e qualidade22 dos produtos contendo paracircmetros de higiene entre outros

aspectos

Na realidade na ediccedilatildeo desse Decreto-lei 98669 natildeo houve ineditismo Tratou-se

apenas de aperfeiccediloar algumas disposiccedilotildees da regra anterior e dotar os serviccedilos de controle

sanitaacuterio de uma racionalidade burocraacutetica para agilizar as demandas do setor industrial

em fase de expansatildeo (COSTA 1999) Com isso intensificou-se o aparato teacutecnico e juriacutedico

que reorganiza as praacuteticas de controle sanitaacuterio voltadas ao setor produtivo de alimentos

sob o norte de uma legislaccedilatildeo calcada no registro do produto na fiscalizaccedilatildeo e no exerciacutecio

do poder de poliacutecia

22 O item XI do artigo 10 do Capiacutetulo I do DL 98669 estabelece a seguinte definiccedilatildeo de ldquopadratildeo de identidade e qualidade o estabelecido pelo oacutergatildeo competente do Ministeacuterio da Sauacutede dispondo sobre a denominaccedilatildeo definiccedilatildeo e composiccedilatildeo de alimentos mateacuterias-primas alimentares alimentos in natura e aditivos intencionais fixando requisitos de higiene normas de envasamento e rotulagem medidos de amostragem e anaacuteliserdquo

113

A demonstraccedilatildeo do interesse do paiacutes em consolidar-se no mercado internacional de

alimentos ficou devidamente expressa em dois momentos no corpo desse Decreto a) na

disposiccedilatildeo na qual autoriza o uso da ordem normativa internacional nas situaccedilotildees de

inexistecircncia de normas e padrotildees locais de identidade e qualidade de produtos alimentiacutecios

especiacuteficos e b) quando autoriza fabricar produtos para exportaccedilatildeo no paiacutes que obedeccedilam

exclusivamente as regras do paiacutes de destino Enfim essa legislaccedilatildeo representa o

aprimoramento do controle sanitaacuterio e foi um dos passos preparatoacuterios para a inserccedilatildeo do

paiacutes como membro da Comissatildeo do Codex Alimentarius da FAOOMS para poder participar

da normalizaccedilatildeo internacional de alimentos fato que ocorreu jaacute nos anos 70 (BRASIL

INMETRO 2000)

Com a abertura poliacutetica e a atuaccedilatildeo fundamental dos movimentos sociais nos anos

80 em especial com o estrateacutegico movimento da Reforma Sanitaacuteria que aglutinou setores

progressistas e populares foram levantadas as bandeiras de luta pelo direito agrave sauacutede como

a garantia do Estado por condiccedilotildees dignas de vida (alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo renda emprego

lazer trabalho etc) e pelo acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo

proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de sauacutede [] consagradas na 8a Conferecircncia Nacional de Sauacutede

(BRASIL MS 1986 p4)

Entre lutas e embates poliacuteticos o processo de democratizaccedilatildeo da sociedade

brasileira foi se conformando ateacute instaurar-se o regime democraacutetico de direito com o

advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 O movimento de reforma sanitaacuteria assumiu um

papel estrateacutegico para aprovaccedilatildeo do capiacutetulo da Sauacutede da atual Constituiccedilatildeo conseguindo

materializar relevantes conquistas sociais apoacutes suplantar certas resistecircncias e pressotildees

(ROSAS 1988) Durante o processo constituinte a vigilacircncia sanitaacuteria eacute destacada e retirada

definitivamente da sua condiccedilatildeo secundaacuteria no campo da sauacutede sendo mencionada na

proposta de contribuiccedilatildeo para o texto constitucional Como resultado a Constituiccedilatildeo

estabeleceu que ao Sistema Uacutenico de Sauacutede compete executar as atividades de vigilacircncia

sanitaacuteria () e fiscalizar e inspecionar alimentos compreendido o controle de seu teor

nutricional bem como bebidas e aacuteguas para o consumo humano (BRASIL CONASS 2003a

art 200 inciso II e VI CF)

114

Comparando-se o texto constitucional com o Decreto-Lei 98669 vigente surgem

duas grandes inovaccedilotildees que valorizam e ampliam a praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria A

primeira eacute a de natildeo reduzir esta praacutetica de sauacutede ao mero exerciacutecio do poder de poliacutecia

introduzindo lado a lado a accedilatildeo inspecionar e a accedilatildeo fiscalizar A accedilatildeo inspecionar tem

um sentido eminentemente teacutecnico sendo destinada a avaliar as condiccedilotildees fiacutesico-funcionais

da empresa para identificar as situaccedilotildees de risco que possam comprometer a qualidade do

produto final e causar prejuiacutezos agrave sauacutede do indiviacuteduo A accedilatildeo fiscalizar eacute a de forccedilar o

cumprimento das regras Essas accedilotildees se complementam e qualificam em termos teacutecnico-

legais e efetivos a praacutetica de vigilacircncia sanitaacuteria A segunda foi a inserccedilatildeo da obrigaccedilatildeo de

realizar o controle nutricional Esta competecircncia ainda natildeo foi devidamente explorada no

campo da vigilacircncia sanitaacuteria mas agora em face da implicaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios

com as DCNT torna-se oportuno avaliar o conteuacutedo nutricional dos produtos alimentiacutecios

em termos de calorias e de perfil de nutrientes

A Lei Orgacircnica de Sauacutede Lei n0 8080 de 19 de setembro de 1990 subsequentemente

aprovada aprimorou os avanccedilos contidos no texto da Constituiccedilatildeo e instituiu o Sistema

Uacutenico de Sauacutede que atribuiu agrave vigilacircncia sanitaacuteria a seguinte definiccedilatildeo

um conjunto de accedilotildees capaz de eliminar diminuir ou prevenir riscos agrave sauacutede e de intervir nos problemas sanitaacuterios decorrentes do meio ambiente da produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de bens e da prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse da sauacutede abrangendo o controle de bens de consumo que direta ou indiretamente se relacionem com a sauacutede compreendidas todas as etapas e processos da produccedilatildeo ao consumo e o controle da prestaccedilatildeo de serviccedilos que se relacionam direta ou indiretamente com a sauacutede

Segundo Costa (2013) a Constituiccedilatildeo incorporou um conceito ampliado de sauacutede e a

Lei Orgacircnica de Sauacutede encarregou-se de demarcar o espaccedilo da vigilacircncia sanitaacuteria no

acircmbito da relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo atribuindo-lhe funccedilotildees essencialmente preventivas e

de reduccedilatildeo de riscos de doenccedilas e agravos e aumentando a sua relevacircncia no campo da

sauacutede Como efeito a autora esclarece que o campo de atuaccedilatildeo da regulaccedilatildeo e vigilacircncia

sanitaacuteria se estendeu em complexidade e abrangecircncia tanto pela tipologia dos riscos

115

quanto pelos conflitos de interesse que envolvem as atividades regulatoacuterias

A partir desse momento o objetivo preciacutepuo da vigilacircncia sanitaacuteria eacute a prevenccedilatildeo e o

controle dos riscos agrave sauacutede de qualquer ordem advindos das atividades econocircmicas de

interesse agrave sauacutede Para isso compete aos agentes puacuteblicos unir o saber teacutecnico ao legal

para enfrentar o dinamismo dos riscos que emergem de diferentes fontes e assim tornar

possiacutevel defender a sauacutede do coletivo Intervir nos riscos eacute antes de tudo antecipar-se agraves

falhas do processo produtivo aplicando medidas para evitar danos ou ateacute mesmo para

impedir que eles se disseminem

Outro passo relevante foi o repasse das atividades de vigilacircncia sanitaacuteria para a

Anvisa no final da deacutecada de 90 A Lei n0 9782 de 26 de janeiro de 1999 delega para essa

autarquia a responsabilidade de regulamentar controlar e fiscalizar os produtos e os

serviccedilos que envolvam riscos agrave sauacutede puacuteblica e incluem os alimentos e os insumos os

aditivos as embalagens e os contaminantes e resiacuteduos assim como as instalaccedilotildees fiacutesico-

funcionais responsaacuteveis por processar tais produtos - assunto que seraacute abordado no item

posterior

Face ao exposto no processo de construccedilatildeo normativa da vigilacircncia sanitaacuteria de

alimentos que se estende do Decreto-Lei n0 98669 agrave Lei Orgacircnica de Sauacutede satildeo

registradas mudanccedilas substanciais na sua concepccedilatildeo e praacutetica a) regular ultrapassa o

simples ato de regulamentar e fiscalizar na medida em que estabelecer regras e verificar o

seu cumprimento satildeo insuficientes para controlar os riscos b) controlar o risco agrave sauacutede eacute o

fundamental para tanto a introduccedilatildeo de um conjunto de outras accedilotildees teacutecnico-cientiacuteficas na

praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria eacute imprescindiacutevel o que natildeo implica o abandono ou

menosprezo do poder de poliacutecia mas o seu fortalecimento pela uniatildeo da ciecircncia agraves bases

legais e c) abarcar a totalidade dos riscos agrave sauacutede sem distinccedilatildeo da sua natureza sejam

contaminantes fiacutesicos quiacutemicos e ou bioloacutegicos bem como os que agora emergem os

componentes nutricionais dos alimentos

116

Enfim entre o ldquoanacrocircnicordquo e o ldquomodernordquo ou o ldquoautoritaacuteriordquo e o ldquodemocraacuteticordquo os

instrumentos legais se juntam para conformar o arcabouccedilo da regulaccedilatildeo sanitaacuteria de

alimentos no Brasil Eacute por meio da praacutetica cotidiana que a fusatildeo dessas duas modalidades

se concretiza e assim se avaliam contornam e reprimem os fracassos ou os artifiacutecios

empreendidos pelo mercado e se busca concretizar o que desde os anos 60 se prescreve

em lei a defesa e a proteccedilatildeo da sauacutede do coletivo contra os riscos advindos da atividade

produtiva de alimentos Accedilatildeo de sauacutede esta que eacute prerrogativa exclusiva do Estado sendo

reconhecida e conservada ao longo da histoacuteria do militarismo agrave democracia

511 Final dos anos 90 a regulaccedilatildeo de alimentos eacute objeto da nova autarquia

Ateacute o ano de 1998 o Ministeacuterio da Sauacutede distribuiacutea entre suas unidades

administrativas duas funccedilotildees teacutecnicas para lidar com a temaacutetica dos alimentos uma

responsabilizando-se pelos aspectos nutricionais e os problemas de sauacutede correlacionados

e outra pela regulaccedilatildeo sanitaacuteria dos alimentos e de produtos afins afetos agrave sauacutede puacuteblica

No ano posterior esta uacuteltima funccedilatildeo foi repassada agrave Anvisa autarquia federal que foi

incumbida de regular o mercado do conjunto de objetos de interesse agrave sauacutede

A criaccedilatildeo da figura institucional autarquia sob regime especial ou agecircncia reguladora

decorreu das poliacuteticas regulatoacuterias engendradas no Brasil nessa deacutecada e que foram se

moldando aos padrotildees institucionais americano e europeu implantados respectivamente

nos anos 70 e 80 (RIBEIRO COSTA SILVA 2000) Aleacutem disso o paiacutes recebeu bastante

estiacutemulo dos organismos internacionais de cooperaccedilatildeo e de financiamento que apoiavam a

privatizaccedilatildeo e a mudanccedila no modelo de intervenccedilatildeo do Estado como um dos caminhos para

conduzir ao desenvolvimento nacional (CRUZ 2009) Com isso esses organismos definiam

um sistema de instruccedilotildees disciplinares que o governo deveria seguir para obter

empreacutestimos apoio e assistecircncia teacutecnica

117

A adesatildeo agrave agenda internacional conjugada agrave crise fiscal e aos recursos limitados para

investimentos internos motivou a reforma do Estado que tratou diferentemente os

aspectos econocircmicos e administrativos No plano econocircmico dirigiu-se para a privatizaccedilatildeo

de empresas puacuteblicas e de prestadoras de serviccedilos e para a desregulaccedilatildeo formal e

burocraacutetica com o objetivo de ampliar a competitividade e aumentar a eficiecircncia

econocircmica Na esfera administrativa especialmente da organizaccedilatildeo institucional optou

pela reformulaccedilatildeo do modelo organizacional criando instituiccedilotildees especializadas com a

ampliaccedilatildeo da sua capacidade gerencial desenvolvimento de estruturas regulatoacuterias e

aumento do grau de responsabilizaccedilatildeo (GOMES 2006 RIBEIRO COSTA amp SILVA 2000)

Enfim a intenccedilatildeo foi a de conduzir a construccedilatildeo de um mercado mais concorrencial possiacutevel

e introduzir a loacutegica empresarial dentro da esfera puacuteblica

Bresser Pereira (1999 p6-7) mentor intelectual e condutor da reforma gerencial

argumenta que esse novo modelo de organizaccedilatildeo [] flexibiliza os processos e os

regulamentos burocraacuteticos conferindo um grau mais elevado de autonomia e de

responsabilizaccedilatildeo (accountability) agraves agecircncias governamentais e aos seus gerentes tendo

como um dos meios a

[] administraccedilatildeo por objetivos a criaccedilatildeo de quase-mercados e os vaacuterios mecanismos de democracia direta ou de controle social combinados com o aumento da transparecircncia no serviccedilo puacuteblico reduzindo-se concomitantemente o papel da definiccedilatildeo detalhada de procedimentos e da auditoria ou controle interno ndash os controles claacutessicos da administraccedilatildeo puacuteblica burocraacutetica ndash que devem ter um peso menor

Nesse sentido as agecircncias assumiram as atividades enquadradas na categoria de

exclusivas de Estado natildeo delegaacuteveis e que concernem agrave regulaccedilatildeo seguranccedila e

arrecadaccedilatildeo de impostos Denominadas de Agecircncias Reguladoras estas entidades

autocircnomas autaacuterquicas apresentam perfil marcado pela autonomia administrativo-

118

financeira valorizaccedilatildeo da especializaccedilatildeo teacutecnica e insulamento burocraacutetico23 de seus

dirigentes - detentores de mandatos fixados e estabilidade no exerciacutecio de suas funccedilotildees

apoacutes um curto prazo carencial entre outros requisitos Isso na tentativa de manter a

diretoria distanciada das influecircncias dos agentes econocircmicos e dos atores poliacuteticos que

circulam no setor

Essas agecircncias passam entatildeo a cuidar da regulaccedilatildeo que em si abarca um conjunto

diversificado de instrumentos que o governo se utiliza para definir as regras de conduta

para empresas e cidadatildeos no campo econocircmico administrativo e social Objetivam

identificar precocemente as falhas de mercado em prol do interesse coletivo como

externalidades negativas e falta de informaccedilatildeo ao consumidor sobre a qualidade dos

produtos e serviccedilos ofertados pelo mercado Entretanto eacute a regulaccedilatildeo social24 o foco de

interesse desse estudo Isso porque eacute uma das esferas que se reporta agrave intervenccedilatildeo puacuteblica

no campo da sauacutede tanto para garantir a provisatildeo de bens puacuteblicos como para proteccedilatildeo do

interesse puacuteblico nacional ou supranacional (COSTA et al 2001) pois se destina a reduzir

os efeitos prejudiciais gerados pelos agentes econocircmicos responsaacuteveis pela produccedilatildeo de

bens de interesse agrave sauacutede

Embora o discurso oficial dirigido agrave opiniatildeo puacuteblica enfatizasse que o fim uacuteltimo da

reconstruccedilatildeo do Estado eacute tornaacute-lo capaz de viabilizar o desenvolvimento econocircmico

proteger os direitos sociais e republicanos e fortalecer a democracia (BRESSER-PEREIRA

1999) Cruz (2009) afirma que no caso da reforma administrativa os argumentos mais

relevantes foram a delegaccedilatildeo de poderes para as Agecircncias Reguladoras assim como a

necessidade de elevar o grau de comprometimento do poder puacuteblico com a manutenccedilatildeo de

decisotildees e regras que afetam diretamente os agentes Assim a sinalizaccedilatildeo positiva do setor

privado a esse tipo de reforma natildeo causa estranhamento uma vez que as iniciativas buscam 23 No caso se trata de um mandato de trecircs anos com uma uacutenica reconduccedilatildeo A demissatildeo imotivada ocorre apenas nos quatro primeiros meses de mandato salvo nos casos de praacutetica de ato de improbidade administrativa de condenaccedilatildeo penal transitada em julgado e de descumprimento injustificado do contrato de gestatildeo da autarquia Eacute vedado ao ex-dirigente representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agecircncia ateacute um ano apoacutes deixar o cargo (RIBEIRO COSTA amp SILVA 2000) 24 A regulaccedilatildeo social consiste em uma das trecircs categorias classificatoacuterias de regulaccedilatildeo proposta pela Organizaccedilatildeo para Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico ndash OCDE que se estende a trecircs campos especiacuteficos a sauacutede o meio ambiente e a administraccedilatildeo (CRUZ 2009)

119

produzir um clima institucional tranquilizador com estabilidade das regras aumento da

capacidade resolutiva carreada pela autonomia administrativa e desburocratizaccedilatildeo dos

processos internos que ajudam a dar celeridade aos pleitos efetuados por este setor

Merece destacar-se que na ocasiatildeo da reforma o desgaste da imagem institucional

do oacutergatildeo federal da vigilacircncia sanitaacuteria tambeacutem serviu de justificativa Apoacutes a abertura

poliacutetica a imprensa pocircs agrave tona os sucessivos escacircndalos envolvendo alimentos e

medicamentos disputas de interesses econocircmicos e poliacuteticos e outras irregularidades

administrativas que somadas agraves fragilidades internas relativas a pessoal qualificado

ineficiecircncia no trabalho limitaccedilatildeo de recursos reduzida autonomia desprestiacutegio no acircmbito

ministerial entre outros aspectos (SOUTO 2004) compunham a fotografia sobre o caos

instalado nesse setor

Como contraponto ainda havia as demandas dos movimentos sociais e o novo

arcabouccedilo legal da Lei Orgacircnica de Sauacutede que forccedilavam respostas institucionais da

vigilacircncia sanitaacuteria compatiacuteveis com os interesses dos cidadatildeos os quais almejavam a

proteccedilatildeo de sua sauacutede contra as praacuteticas inapropriadas do mercado Assim a falta de

atuaccedilatildeo condizente desse setor quanto ao seu papel estrateacutegico na prevenccedilatildeo da sauacutede

principalmente pela morosidade em responder agraves demandas oriundas do mercado

fortalecia os argumentos dos defensores da reforma administrativa e da sua extensatildeo

raacutepida para esse setor (SOUTO 2004)

Entre o elenco de autarquias instituiacutedas sob regime especial a Anvisa foi a quarta

delas sendo aprovada pela Lei Federal no 9782 de 26 de janeiro de 1999 Com a reforma

gerencial promoveu-se a cisatildeo entre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas e a sua execuccedilatildeo A primeira

permanecendo centralizada no nuacutecleo estrateacutegico do governo enquanto a segunda eacute

descentralizada para as agecircncias (BRESSER PEREIRA 2008) A Anvisa como parte da

administraccedilatildeo indireta do setor sauacutede passou a vincular-se ao Ministeacuterio da Sauacutede No

entanto eacute uma agecircncia sem subordinaccedilatildeo hieraacuterquica dotada de especialidade teacutecnica e de

credibilidade poliacutetica para assumir o papel de disciplinar regular a produccedilatildeo

comercializaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de produtos e serviccedilos de interesse agrave sauacutede entre os quais

120

estatildeo os alimentos bem como de fiscalizar - corrigir limitar ou suspender - as atividades

que ameacem a sauacutede da coletividade poreacutem a sua funccedilatildeo primordial eacute a de gerenciar

riscos (CARVALHEIRO 2001)

Para fortalecer os ministeacuterios setoriais perante as agecircncias foi criado um

instrumento adicional de controle social e de aperfeiccediloamento da gestatildeo e desempenho das

agecircncias reguladoras ndash o contrato de gestatildeo (GOMES 2006) No caso esse contrato eacute

resultado de uma negociaccedilatildeo de interesses de sauacutede entre diretoria colegiada da Anvisa e o

Ministro da Sauacutede cujos relatoacuterios de execuccedilatildeo e a prestaccedilatildeo anual de contas satildeo

apresentados aos oacutergatildeos competentes e ao Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL ANVISA

2006a)

Outra particularidade da Anvisa estaacute no seu papel de coordenar o conjunto de

oacutergatildeos congecircneres dos estados e dos municiacutepios que formam o Sistema Nacional de

Vigilacircncia Sanitaacuteria ndashSNVS Sistema interligado ao Sistema Uacutenico de Sauacutede-SUS e que

obedece aos princiacutepios de descentralizaccedilatildeo e integraccedilatildeo cujos integrantes realizam

atribuiccedilotildees semelhantes com impactos diretos na populaccedilatildeo exceto aquelas que satildeo de

competecircncia restrita agrave Anvisa como por exemplo a concessatildeo de registro de produto

alimentiacutecio de validade nacional Com a autonomia e independecircncia relativas os entes

estaduais podem avanccedilar em propostas de controle dos alimentos e gerenciamento de

riscos que respondam de maneira mais efetiva agraves demandas da realidade local sem ficar

submetidos unicamente agraves deliberaccedilotildees do ente federal

Considerando os preceitos neoliberais que embasam a criaccedilatildeo das agecircncias uma das

questotildees centrais levantadas a partir do surgimento da Anvisa foi a sua vocaccedilatildeo

direcionada para privilegiar as demandas do empresariado (desburocratizaccedilatildeo

regulamentos etc) em detrimento das necessidades coletivas de controle dos riscos dos

produtos em especial quando estas implicam confrontos com aquelas Vaacuterias experiecircncias

no campo de alimentos demonstram que a conduccedilatildeo da Anvisa natildeo tem contrariado os

interesses privados poreacutem tem negligenciado os interesses da sociedade Satildeo exemplos (i)

dispensa da obrigatoriedade do registro de produtos alimentiacutecios sem compensaacute-la com o

121

reforccedilo concreto das atividades de inspeccedilatildeo nas induacutestrias e do controle dos alimentos

para mantecirc-los sob vigilacircncia (ii) aboliccedilatildeo das regras que instituem os paracircmetros de

identidade dos produtos alimentiacutecios deixando o consumidor sem referencial da

composiccedilatildeo do produto (iii) incapacidade de instituir um sistema de informaccedilatildeo acessiacutevel a

toda rede de vigilacircncia sanitaacuteria permitindo a troca de informaccedilotildees simultacircneas e accedilatildeo

raacutepida pelas autoridades sanitaacuterias frente aos riscos dos produtosserviccedilos (iv)

inoperacircncia em controlar a publicidade de alimentos para o puacuteblico infantil

Entretanto a reforma da gestatildeo puacuteblica propocircs-se a ser inovadora quanto agrave praacutetica

da governanccedila Regida pelo ator-chave governo tal praacutetica eacute usada para dar suporte agraves

decisotildees do governo e permitir que a sua atuaccedilatildeo se realize em conjunto com outros atores

sociais fazendo com que o processo de governar seja participativo e democraacutetico (BRESSER

PEREIRA 2008) Eacute oportuno portanto que a sociedade civil organizada seja incluiacuteda no

seio das instituiccedilotildees para dar pluralidade agraves vozes nos espaccedilos puacuteblicos que debatem e

definem o rumo das decisotildees

Poucos anos seguidos agrave sua criaccedilatildeo o governo avaliou a necessidade de

aprimoramento buscando ajustar o funcionamento das agecircncias quanto ao

desenvolvimento de instrumentos do controle social e do papel dessas instituiccedilotildees na

estrutura administrativa brasileira (BRASIL CASA CIVIL 2003) Para tanto a Anvisa

introduziu em suas estruturas os procedimentos de informaccedilatildeo audiecircncia puacuteblica e

consulta puacuteblica canais para um processo de gestatildeo participativa espaccedilo de

compartilhamento de discussatildeo coletiva entre as partes interessadas - cidadatildeos industriais

e o governo ndash para buscar o consenso entre os diversos interesses seja por meio de alianccedilas

e parcerias ou da administraccedilatildeo de conflitos e disputas de interesses Na opiniatildeo de

Lucchese (2001) foi criado entatildeo um espaccedilo para o exerciacutecio da cidadania e do controle

social que auxiliado pela accedilatildeo interdisciplinar e interinstitucional da vigilacircncia sanitaacuteria e

pela adoccedilatildeo dos paracircmetros eacuteticos para balizar a relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo pode-se

acionar o motor transformador da qualidade dos produtos dos processos e das relaccedilotildees

sociais em prol da satisfaccedilatildeo dos interesses coletivos

122

Para o aperfeiccediloamento das praacuteticas regulatoacuterias ocorreu tambeacutem a inserccedilatildeo na

estrutura organizacional da Anvisa de uma instacircncia de participaccedilatildeo institucionalizada da

sociedade denominado Conselho Consultivo25 (BRASIL ANVISA 2005) No ano de 2009

introduziu-se um mecanismo para racionalizar e simplificar o processo de regulamentaccedilatildeo

assim como consolidar e revisar os atos normativos que eacute a Agenda Regulatoacuteria (AR)

(BRASIL ANVISA 2012) Como iniciativa pioneira da administraccedilatildeo puacuteblica federal essa

agenda tem um ciclo quadrienal e duas agendas com vigecircncia bienal compostas por

assuntos considerados estrateacutegicos e prioritaacuterios e previamente discutidos com os

representantes da sociedade civil do setor regulado e do Sistema Nacional de Vigilacircncia

Sanitaacuteria para alcance dos [] benefiacutecios como previsibilidade transparecircncia governanccedila

compromisso de maior eficiecircncia e credibilidade para o processo de regulamentaccedilatildeo (BRASIL

ANVISA 2010 p36)

O primeiro biecircnio (2013-1014) do ciclo Quadrienal (2013-2016)26 da AR incluiu 23

temas relativos agrave aacuterea de alimentos e dentre o elenco o tema n0 19 referente agrave Propaganda

de Alimentos com Quantidades Elevadas de Accediluacutecar de Gordura Saturada de Gordura Trans

de Soacutedio e de Bebidas com Baixo Teor Nutricional eacute o que tem interface com o objeto desta

tese e que seraacute retomado a seguir Esse tema ressurge para o debate com o apoio da

sociedade civil organizada em virtude da epidemia de obesidade e do aumento da

prevalecircncia de outras DCNT que jaacute afetam a populaccedilatildeo infantil Em momentos anteriores

foram aprovadas regras que natildeo conseguiram ser implementadas por oacutebices judiciais A

atuaccedilatildeo da sociedade civil seraacute entatildeo decisiva para o alcance do ecircxito esperado ndash que eacute o de

25 O Conselho Consultivo eacute um dos instrumentos de participaccedilatildeo social da Anvisa composto por representantes da Uniatildeo dos Estados dos Municiacutepios do Distrito Federal dos produtores dos comerciantes da comunidade cientiacutefica e da sociedade civil organizada com o objetivo de opinar sobre as propostas de poliacuteticas governamentais da instituiccedilatildeo requerer informaccedilotildees e propor recomendaccedilotildees e diretrizes teacutecnicas sobre os assuntos relativos agrave Agecircncia entre outros assuntos (BRASIL ANVISA 2005) 26 A elaboraccedilatildeo da AR inicia com uma consulta preacutevia dos vaacuterios documentos estrateacutegicos do governo Plano Plurianual 2012-15 o relatoacuterio da 14a Conferecircncia Nacional de Sauacutede as diretrizes e planos Brasil Sem Miseacuteria e Brasil Maior Plano Nacional de Sauacutede e Plano Diretor de Vigilacircncia Sanitaacuteria (PDVISA) o planejamento estrateacutegico institucional e orientaccedilotildees da Diretoria Colegiada entre outros documentos A AR tem Ciclo Quadrienal (2013-2016) e duas agendas regulatoacuterias com vigecircncia bienal cada uma Na do Biecircnio 2013-2014 constam assuntos prioritaacuterios para a atuaccedilatildeo regulatoacuteria da Anvisa 148 temas divididos em 14 macrotemas Essa AR publicada no DOU no dia 24 de setembro de 2013 representa a 1ordf publicaccedilatildeo do novo modelo (BRASIL ANVISA 2012)

123

disciplinar ou mesmo restringir a divulgaccedilatildeo desse tipo de propaganda para as crianccedilas

Decerto que as agecircncias possuem estruturas com maior flexibilidade e capacidade de

adaptaccedilatildeo ao dinamismo do mundo globalizado pelo seu potencial normativo e executivo e

pela sua abertura agrave participaccedilatildeo da sociedade civil organizada no exerciacutecio da sua missatildeo

(PECI 1999) No que se refere agrave Anvisa a especializaccedilatildeo teacutecnica e os espaccedilos de

participaccedilatildeo da sociedade que estatildeo sendo construiacutedos com a maturidade experimentada

pela entidade podem projetar avanccedilos no processo de democratizaccedilatildeo das decisotildees sobre

como intervir nos riscos agrave sauacutede dos objetos sob controle da vigilacircncia sanitaacuteria Poreacutem o

percurso ainda eacute longo exige cautela e sujeito a retrocessos O aprimoramento das

atividades da Anvisa depende fundamentalmente da participaccedilatildeo ativa e qualificada da

sociedade civil organizada assim como do seu compromisso e de suas articulaccedilotildees

externas para se conformar como uma forccedila social equiparaacutevel agraves do mercado e do poder

puacuteblico Assim a Agenda Regulatoacuteria pode sofrer mudanccedilas e passar a privilegiar os

assuntos de relevacircncia para o coletivo em termos de proteccedilatildeo e controle dos riscos agrave sauacutede

52 A Anvisa e o Ministeacuterio da Sauacutede o (re) agir institucional

Em decorrecircncia do atual quadro epidemioloacutegico das doenccedilas carenciais da

obesidade e das DCNT a preocupaccedilatildeo com a qualidade dos alimentos no acircmbito nacional

passou a ser objeto de atenccedilatildeo de dois setores da administraccedilatildeo puacuteblica federal a

Coordenaccedilatildeo-Geral de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica da

Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede ndash CGANDABMS e a Gerecircncia-Geral

de Alimentos da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria- GGALIAnvisaMS A primeira eacute

a responsaacutevel pela implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo-PNAN e

a agenda da Anvisa estaacute relacionada ao controle sanitaacuterio de alimentos referenciado nessa

poliacutetica

A PNAN-1999 representa a primeira poliacutetica setorial da nutriccedilatildeo e baseou-se nos

resultados da I Conferecircncia Nacional de Seguranccedila Alimentar de 1994 Em seu conteuacutedo jaacute

124

mencionava o alargamento dos problemas nutricionais com a inclusatildeo da evoluccedilatildeo da

epidemia da obesidade das dislipidemias e de suas relaccedilotildees com as doenccedilas

cardiovasculares aleacutem daqueles de ordem carencial Enfatizava a responsabilidade do

Estado em promover e facilitar meios para que os indiviacuteduos possam ter uma alimentaccedilatildeo

digna contribuindo para uma vida saudaacutevel e ativa e para concretizaccedilatildeo do Direito Humano

agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (BRASIL MS 1999)

Na versatildeo atualizada da PNAN de 2012 (BRASIL MS 2012a) duas diretrizes

destacam-se por orientar a praacutetica de controle da qualidade de alimentos ldquoControle e

regulaccedilatildeo dos alimentosrdquo e ldquoPromoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevelrdquo Para a

primeira diretriz as accedilotildees de regulaccedilatildeo dos alimentos devem se voltar para inocuidade e

qualidade nutricional dos alimentos A segunda diretriz interligada agrave primeira enfoca a

importacircncia de a alimentaccedilatildeo atender as necessidades bioloacutegicas em cada fase do ciclo da

vida conforme gecircnero raccedila e etnia observando ainda outros princiacutepios como o respeito agrave

cultura alimentar acessibilidade fiacutesico-financeira praacuteticas produtivas adequadas e

sustentaacuteveis harmonia quantitativa e qualitativa entre outros aspectos com vista agrave

melhoria da qualidade de vida e agrave reduccedilatildeo do excesso de peso e das doenccedilas relacionadas

com a alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo

As experiecircncias pioneiras da receacutem-criada Anvisa com o Ministeacuterio da Sauacutede para

atender aos dispositivos da PNAN relacionaram-se primeiramente com a diretriz

Prevenccedilatildeo e controle dos distuacuterbios nutricionais e das doenccedilas associadas agrave alimentaccedilatildeo e

nutriccedilatildeo e como parte do Programa de Combate aos Distuacuterbios por Deficiecircncia de Iodo no

Brasil (BRASIL ANVISA 2000) foram aprovados novos limites para iodaccedilatildeo do sal

estabelecidas regras de boas praacuteticas para os estabelecimentos beneficiadoras de sal e

instituiacutedo um programa nacional de inspeccedilatildeo sanitaacuteria nestes estabelecimentos (BRASIL

ANVISA 2004) Em seguida foram aprovados os limites de aacutecido foacutelico e ferro em farinhas

de trigo e milho (BRASIL ANVISA 2002) com o subsequente monitoramento desses

produtos Em 2001 considerando a diretriz da PNAN1999 Garantia da seguranccedila e da

qualidade dos alimentos e da prestaccedilatildeo de serviccedilos neste contexto - que propotildee a atualizaccedilatildeo

das regras e procedimentos da vigilacircncia sanitaacuteria incluindo a rotulagem nutricional -

125

foram publicadas as regras para rotulagem nutricional obrigatoacuteria de alimentos e bebidas

embalados (BRASIL ANVISA 2001) Posteriormente essas regras de rotulagem foram

republicadas em consequecircncia da harmonizaccedilatildeo do seu conteuacutedo no acircmbito do Mercosul

Em 2005 formou-se um Grupo de Trabalho na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia

Sanitaacuteria AnvisaMS com representaccedilatildeo multisetorial para tratar da diretriz da PNAN-

1999 Promoccedilatildeo de praacuteticas alimentares e estilos de vida saudaacuteveis Naquela ocasiatildeo propocircs-

se disciplinar a publicidade de produtos alimentiacutecios infantis sobretudo em parceria com

as entidades representativas da aacuterea de propaganda da sociedade civil organizada e do

setor produtivo e das empresas de comunicaccedilatildeo Tal empreendimento resultou na

publicaccedilatildeo de uma Consulta Puacuteblica Anvisa nordm 712006 que dispotildee sobre a oferta

propaganda e publicidade de alimentos com quantidades elevadas de accediluacutecar gordura

saturada gordura trans e soacutedio (BRASIL ANVISA 2006b) Apoacutes quatro anos de intenso

debate foi aprovada a Resoluccedilatildeo-RDC Anvisa nordm242010 mas com o conteuacutedo abrandado

em relaccedilatildeo ao texto da Consulta Puacuteblica (BRASIL ANVISA 2010b) Poreacutem os embates no

Poder Judiciaacuterio resultaram na perda da sua eficaacutecia juriacutedica em virtude da polecircmica criada

pelas induacutestrias empresas de comunicaccedilatildeo e de publicidade

Com base nesse elenco de atividades conjuntas entre Ministeacuterio da Sauacutede e Anvisa

torna-se possiacutevel fazer um conjunto de consideraccedilotildees a) o controle sanitaacuterio dos alimentos

natildeo se dissocia das questotildees nutricionais considerando a funccedilatildeo preciacutepua da Anvisa de

proteger a populaccedilatildeo contra os riscos dos alimentos e isso comprovadamente jaacute integra a

rotina institucional da entidade desde a sua criaccedilatildeo b) os produtos alimentiacutecios em

questatildeo se ajustaram aos requisitos nutricionais mediante a instituiccedilatildeo de regras com

sanccedilotildees aliadas a medidas sistemaacuteticas de controle para conferir a sua adequaccedilatildeo e c) as

induacutestrias nacionais envolvidas foram obrigadas a custear a adiccedilatildeo de nutrientes (ferro e

aacutecido foacutelico ou iodo) nos produtos considerados fundamentais para atender aos programas

oficiais de nutriccedilatildeo

Com o agravamento do panorama epidemioloacutegico revelando o avanccedilo das DCNT e o

incremento dos gastos com assistecircncia agrave sauacutede e sua associaccedilatildeo com a mudanccedila no padratildeo

126

alimentar da populaccedilatildeo brasileira devido ao aumento da disponibilizaccedilatildeo de alimentos natildeo

saudaacuteveis entre outros aspectos o governo prontificou-se a reagir No ano de 2007 o

Ministeacuterio da Sauacutede seguindo as recomendaccedilotildees internacionais instituiu sob a sua

coordenaccedilatildeo o Grupo Teacutecnico com representaccedilatildeo inicial de membros do governo e da

induacutestria para discutir e propor accedilotildees voltadas agrave melhoria da oferta de produtos

alimentiacutecios e promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel (BRASIL MS 2007b) Em seguida foi

firmado o Acordo de Cooperaccedilatildeo entre o Ministeacuterio da Sauacutede e a Associaccedilatildeo Brasileira das

Induacutestrias de Alimentaccedilatildeo-ABIA e aprovada uma Chamada Puacuteblica para avaliar a

potencialidade do setor produtivo em reduzir de forma gradativa os teores de vaacuterios

nutrientes nos alimentos processados tais como accediluacutecar livre gorduras trans gorduras

saturadas e sal (BRASIL MS 2007c) que culminou em vaacuterios termos de compromisso

subsequentes conforme consta do Quadro 2

127

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS

e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees

Competecircncia Pontos destacados

1 Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre o MS e a ABIA

29112007

Reunir esforccedilos para implementar accedilotildees conjuntas para fomentar estilos de vida saudaacuteveis que inclui alimentaccedilatildeo saudaacutevel equilibrada e nutricionalmente adequada

(MS)Instituir em ato proacuteprio Grupo Teacutecnico com a finalidade de propor estrateacutegia gradativa de reduccedilatildeo de teores de accediluacutecares livres soacutedio gorduras saturadas e aacutecidos graxos trans em alimentos processados (MS) Estabelecer estrateacutegia gradativa para melhorar o perfil nutricional dos alimentos industrializados com o foco antes descrito (ABIA) Recomendar em conjunto com as entidades da miacutedia as praacuteticas eacuteticas e responsaacuteveis para o marketing e publicidade de alimentos e bebidas natildeo alcooacutelicas

2 Termo de

prorrogaccedilatildeo do Acordo entre o MS e a ABIA

25112010

Reunir esforccedilos para implementar accedilotildees conjuntas para fomentar estilos de vida saudaacuteveis que inclui alimentaccedilatildeo saudaacutevel equilibrada e adequada em termos nutricionais

Prorrogar por 3 (trecircs) anos contados a partir do prazo de vigecircncia do Termo de Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica

3 Termo de Compromisso

n0 0042011 entre MS e ABIA ABIMA ABITRIGO e

ABIP 07042011 Prazo de vigecircncia 3 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados macarratildeo instantacircneo patildees de forma bisnaguinhas e avaliar outras categorias (patildeo francecircs bolos prontos misturas p bolos salgadinhos de milho e batatas fritas embutidos caldos e temperos derivados de cereais laticiacutenios refeiccedilotildees prontas e biscoitos) com fins de estabelecer posteriormente metas para a reduccedilatildeo de soacutedio

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

128

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS

e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

4 Acordo de Cooperaccedilatildeo

Teacutecnica entre o MS e a ABRAS ndash

07042011 Prazo de

vigecircncia 3 anos

Reunir esforccedilos e trabalhar conjuntamente para implementar accedilotildees voltadas agrave promoccedilatildeo da qualidade de vida e prevenccedilatildeo de fatores determinantes e ou condicionantes de doenccedilas e agravos agrave sauacutede

(MS) Elaborar em cooperaccedilatildeo com a ABRAS estrateacutegias voltadas agrave promoccedilatildeo de qualidade de vida e prevenccedilatildeo de fatores determinantes eou condicionantes de doenccedilas e agravos agrave sauacutede priorizando aspectos da alimentaccedilatildeo saudaacutevel praacuteticas corporaisatividade fiacutesica controle de tabagismo reduccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool e outras drogas reduccedilatildeo dos danos decorrentes dos acidentes de tracircnsito e estiacutemulo a cultura da paz fortalecer a realizaccedilatildeo de campanhas institucionais de sauacutede puacuteblica em parceria com a ABRAS a ABRAS poderaacute integrar a outros Grupos de Trabalho formalmente instituiacutedos pelo MS especialmente aqueles relacionados agrave melhoria do perfil nutricional dos alimentos processados e linhas proacuteprias de fabricaccedilatildeo (ABRAS) Fomentar junto aos associados atividades e campanhas de educaccedilatildeo e informaccedilatildeo de promoccedilatildeo da qualidade de vida que forem acordadas no grupo Teacutecnico recomendar aos seus associados a adoccedilatildeo de poliacuteticas internas de controle de qualidade de mateacuterias-primas e seleccedilatildeo de fornecedores recomendar em conjunto com entidades representantes da miacutedia praacuteticas eacuteticas para o marketing e publicidade de alimentos e bebidas de forma responsaacutevel implementar accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutede e qualidade de vida voltadas para os trabalhadores dos estabelecimentos de comercializaccedilatildeo de alimentos

129

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Instrumento de Cooperaccedilatildeo MS e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

5 Termo de Compromisso entre MS

ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP

13122011 Prazo de vigecircncia 5 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados patildeo francecircs bolos prontos s ou c recheio rocambole bolo aerado misturas p bolo cremoso salgadinhos de milho batatas fritas e palhas maionese biscoitos do tipo doces salgados e doces recheados

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

6 Termo de Compromisso

entre MS e ABIA 28082012

Prazo de vigecircncia 3 anos

Estabelecer metas nacionais para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados no Brasil As instituiccedilotildees se comprometem a reduzir o niacutevel maacuteximo de soacutedio nas categorias de alimentos industrializados derivados de cereais margarina vegetal caldos liacutequidos e em gel temperos em pasta temperos p arroz e outros temperos

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de Sal por meio da reduccedilatildeo voluntaacuteria nos alimentos industrializados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis rotulagem e informaccedilatildeo ao consumidor etc Coordenar as atividades do GT e acompanhar a evoluccedilatildeo do teor de soacutedio nas categorias de alimentos (ABIA ABIMA ABITRIGO e ABIP) Articular com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo em cada categoria para adesatildeo ao pacto incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento do teor de soacutedio nos alimentos contribuir para o monitoramento do teor de soacutedio dos alimentos alvos e desenvolver e comprometer-se com tecnologias para reduccedilatildeo do teor de soacutedio

130

QUADRO 2 Instrumentos de cooperaccedilatildeo firmados entre o Ministeacuterio da Sauacutede e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos no periacuteodo de 2007 a 2014 (Continuaccedilatildeo)

Termo de Cooperaccedilatildeo MS e induacutestriasData

FinalidadeObrigaccedilotildees Competecircncia Pontos destacados

7 Termo de Compromisso com a ABIA

ABIC ABIPECS SINCARNES e UBABEF

05112013 Prazo de vigecircncia 3 anos

prorrogaacutevel por igual periacuteodo

Pactuar estrateacutegias para contribuiccedilatildeo do setor industrial de alimentos para a reduccedilatildeo do consumo de sal pela populaccedilatildeo brasileira para menos de 5g de sal por pessoa por dia ateacute 2020 mediante a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em categorias prioritaacuteria (laticiacutenios sopas e produtos caacuterneos) de preparaccedilotildees disponiacuteveis para consumo e alimentos processados

(MS) Implementar o Plano Nacional de Reduccedilatildeo do Consumo de soacutedio por meio dos seguintes eixos (i) reduccedilatildeo voluntaacuteria dos niacuteveis de soacutedio nos alimentos processados e preparaccedilotildees comercializadas em estabelecimentos de alimentaccedilatildeo e restaurantes (ii) aumento da oferta de alimentos saudaacuteveis (iii) rotulagem e informaccedilatildeo do consumidor e (iv) educaccedilatildeo e sensibilizaccedilatildeo para consumidores induacutestria profissionais de sauacutede e outras partes interessadas (ABIA ABIC ABIPECS SINDICARNES e UBABEF) Articular as induacutestrias de cada categoria para comprometimento no processo de pactuaccedilatildeo das metas de reduccedilatildeo do soacutedio nos alimentos processados incentivar a implementaccedilatildeo de sistemas de controle de qualidade e de monitoramento de teor de soacutedio nos alimentos

8 Acordo de cooperaccedilatildeo n0 1

entre o MS e a ABIA

24012014 Prazo de vigecircncia 3 anos

prorrogaacutevel por igual periacuteodo

Reunir esforccedilos e trabalhar conjuntamente para implementar accedilotildees com fins de articular a forma de colaboraccedilatildeo entre as partes para execuccedilatildeo eficaz do Plano Nacional de Vida Saudaacutevel abrangendo aspectos de alimentaccedilatildeo nutriccedilatildeo saudaacutevel atividade fiacutesica e educaccedilatildeo zelar pelo acesso da populaccedilatildeo a alimentos adequados selecionar campanhas institucionais entre outros

Prorrogar por 3 (trecircs) anos contados a partir do prazo de vigecircncia do Termo de Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica

131

O Acordo foi entatildeo um marco para colocar em discussatildeo a reduccedilatildeo dos

paracircmetros nutricionais dos produtos considerados natildeo saudaacuteveis que foi iniciado com

a mobilizaccedilatildeo para a retirada da gordura trans nos produtos cujos avanccedilos importantes

somente foram alcanccedilados em 2010 (BRASIL MS 2012b)

Em paralelo o Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional-

CONSEA27 elaborou a proposta de uma estrateacutegia intersetorial para promover uma

alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel Nessa proposta a alimentaccedilatildeo eacute abordada em sua

perspectiva macro englobando os aspectos socioeconocircmicos culturais e bioloacutegicos e eacute

reafirmada como um direito baacutesico individual agrave vida com sauacutede cuja viabilidade

depende da valorizaccedilatildeo da soberania alimentar e do resgate das praacuteticas produtivas

tradicionais e sustentaacuteveis Na estrateacutegia constavam accedilotildees envolvendo diferentes atores

institucionais como a valorizaccedilatildeo do consumo de legumes frutas e verduras a

regulaccedilatildeo da publicidade de produtos alimentiacutecios com alto teor de gordura saturada

gordura trans accediluacutecar soacutedio e bebidas de baixo valor nutricional (BRASIL CONSEA

2007)

Em 2009 a AnvisaMS coordenou um diagnoacutestico para avaliar a composiccedilatildeo

nutricional de 24 tipos de alimentos industrializados quanto ao teor de soacutedio accediluacutecares

gorduras saturadas gorduras trans e ou de ferro O resultado revelou uma variaccedilatildeo

discrepante nos teores de soacutedio entre os alimentos da mesma categoria No caso do

macarratildeo instantacircneo e do tempero para macarratildeo foram constatadas as maiores

quantidades de soacutedio por porccedilatildeo referida que por si soacute jaacute ultrapassam o valor diaacuterio de

referecircncia de 2400mgdia Os teores de accediluacutecares detectados em refrigerantes suco e

neacutectar ficaram proacuteximos aos valores da meacutedia entre 10 a 117g100mL Isso demonstra

que se o indiviacuteduo bebe um copo regular (200mL) de refrigerante estaacute consumindo em

meacutedia 20g de accediluacutecar Quanto ao teor de gorduras saturadas os destaques foram as

batatas fritas e palhas com meacutedia de 35 e 38 g25g de porccedilatildeo e os biscoitos recheados e

salgados com meacutedia de 1630g de porccedilatildeo (BRASIL ANVISA 2010) Comparando os

teores meacutedios de accediluacutecares e de gordura encontrados nesses alimentos com os criteacuterios

de classificaccedilatildeo e pesovolume estabelecidos pela agecircncia de normalizaccedilatildeo dos

27 O CONSEA foi criado em abril de 1993 como oacutergatildeo de aconselhamento da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange aos assuntos relacionados agrave seguranccedila alimentar e nutricional

132

alimentos do Reino Unido28 todos esses produtos estavam com teores altos poderiam

ser enquadrados nas categorias de ldquoalto teor de accediluacutecarrdquo ou de ldquoalto teor de gordurardquo

Esses resultados satildeo preocupantes pois os produtos alimentiacutecios destacados satildeo

comumente consumidos por crianccedilas que aleacutem dos efeitos negativos agrave sauacutede

provenientes do alto consumo de soacutedio accediluacutecares e gordura estimulam a formaccedilatildeo de

haacutebitos de consumo que adaptam o paladar para preferir alimentos com essa

composiccedilatildeo nutricional Como consequecircncia desse diagnoacutestico as autoridades de sauacutede

fizeram tratativas posteriores com as entidades das induacutestrias para primeiramente

fazer a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em vaacuterias categorias de alimentos (Quadro 2) apesar

de o quadro epidemioloacutegico apontar urgecircncia para a reduccedilatildeo de todos os nutrientes O

valor de referecircncia para a definiccedilatildeo da meta de reduccedilatildeo na ausecircncia de uma referecircncia

internacional equivalente tomou por base trecircs fontes o limite inferior do teor de soacutedio

apontado pelo resultado do diagnoacutestico naqueles tipos de alimento entatildeo analisados as

informaccedilotildees de rotulagem e as informaccedilotildees fornecidas pelas induacutestrias A pretensatildeo

do Ministeacuterio da Sauacutede eacute a de obter uma reduccedilatildeo do consumo de soacutedio pela populaccedilatildeo

brasileira para menos de 2000mgpessoadia ateacute 2020 (BRASIL MS 2011)

Em 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede lanccedila o ldquoPlano de Accedilotildees Estrateacutegicas para o

Enfrentamento das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis (DCNT) no Brasil ndash 2011-

2022rdquo que reuacutene um conjunto de poliacuteticas puacuteblicas efetivas e integradas sob a sua

lideranccedila e com caraacuteter intersetorial para intervir nessas doenccedilas Alimentaccedilatildeo natildeo

saudaacutevel eacute um dos fatores de risco sobre o qual se propotildee intervir Para isso entre

outras accedilotildees propotildee acordos com as induacutestrias para a reduccedilatildeo de sal e de accediluacutecar nos

alimentos processados aumento da oferta e reduccedilatildeo dos preccedilos dos alimentos

saudaacuteveis e estabelecimento da regulamentaccedilatildeo da publicidade infantil (BRASIL MS

2011)

Enquanto isso motivado pelos resultados que confirmam o aumento

descontrolado das prevalecircncias de excesso de peso (POF 200809) foi criado um

28 A entidade do Reino Unido Food Standards Agency recomenda apor na frente da embalagem de certos produtos processados o poste de sinalizaccedilatildeo nutricional indicando com cores diferenciadas os teores de accediluacutecar gordura gordura saturada e sal existentes Os produtos foram selecionados a partir de enquete com os consumidores que informaram ter dificuldades em avaliar em termos nutricionais certas categorias de produtos Assim os limites que categorizam os produtos como de alto teor de accediluacutecar para produtos liacutequidos e de alto teor de gordura para produtos soacutelidos satildeo respectivamente maior que 63g100mL e maior que 5g100g ( UNITED KINDOWN 2007)

133

Comitecirc Teacutecnico no acircmbito da Cacircmara Interministerial de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash CAISANMDS que formulou o Plano Intersetorial de Prevenccedilatildeo e Controle

da Obesidade Composto por seis eixos de accedilatildeo - um deles referente agrave ldquoRegulaccedilatildeo e

controle da qualidade e inocuidade de alimentosrdquo com fins de aprimorar a qualidade

nutricional abrangendo a publicidade de alimentos rotulagem nutricional e adequaccedilatildeo

do perfil nutricional dos alimentos processados a um tipo considerado saudaacutevel entre

outros aspectos (BRASIL MDS 2012a) Em outubro de 2012 foi encaminhado ao

CONSEA mas ateacute o momento natildeo foi lanccedilado oficialmente Na falta de informaccedilatildeo

oficial sobre seus desdobramentos foi divulgada a Estrateacutegia Intersetorial de Prevenccedilatildeo

e Controle da Obesidade Neste documento parte do conteuacutedo apresentado no Plano eacute

abordada na perspectiva das responsabilidades de estados e municiacutepios na prevenccedilatildeo e

controle da obesidade

No acircmbito do Congresso Nacional esse assunto eacute principalmente tratado pela

Comissatildeo de Seguridade Social e Famiacutelia da Cacircmara dos Deputados29 que se encarrega

de lidar com a mateacuteria que faz a interface entre ldquoalimentos e sauacutederdquo No periacuteodo de 2000

a 2013 tramitaram 41 projetos de lei - PL (Quadro 3) sobre temas ligados direta ou

indiretamente ao conteuacutedo desta tese A maioria deles oriundos dessa Comissatildeo Mas no

uacuteltimo ano trecircs deles foram apresentados por outras comissotildees dois pela Comissatildeo de

Defesa do Consumidor item 12 (somente o que faz referecircncia aos cartazes ndash PL

546913) e o item 17 (PL 698513) e outro pela Comissatildeo de Agricultura Pecuaacuteria

Abastecimento e Desenvolvimento Rural (item 20) Trata-se do PL 5866613 que

propotildee retirar a seguinte frase de advertecircncia do roacutetulo das foacutermulas infantis ldquoEste

produto natildeo deve ser usado para alimentar crianccedilas menores de 1 (um) ano de idade O

aleitamento materno evita infecccedilotildees e alergias e eacute recomendado ateacute os 2(dois) anos de

idade ou maisrdquo que visa alertar as matildeesresponsaacuteveis sobre os benefiacutecios do

aleitamento materno em relaccedilatildeo ao leite artificial Tal projeto se aprovado representaraacute

um retrocesso na luta pelo estiacutemulo agrave amamentaccedilatildeo e a alimentaccedilatildeo saudaacutevel

29 Conforme o Regimento Interno da Cacircmara dos Deputados em seu artigo 32 inciso XII uma das atribuiccedilotildees dessa Comissatildeo eacute a de lidar com mateacuterias relativas agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia social em geral controle de drogas medicamentos e alimentos sangue e hemoderivados controle de drogas medicamentos e alimentos sangue e hemoderivados alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo entre outras (BRASIL CAcircMARA DOS DEPUTADOS 2013)

134

De forma sinteacutetica eacute possiacutevel reunir as mateacuterias dos PL em trecircs grandes grupos

conforme a finalidade a) intervir na obesidade - educaccedilatildeo alimentar campanhas e

sensibilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo divulgaccedilatildeo dos riscos (itens 1 2 5 7 10 e 12) b) intervir

nos produtos - com restriccedilatildeo da publicidade e propaganda dos alimentos informaccedilatildeo

sobre o conteuacutedo dos nutrientes e ou calorias reduccedilatildeo de accediluacutecar inclusatildeo das

advertecircncias dos riscos agrave sauacutede na rotulagem informaccedilatildeo mediante cartazes do valor

caloacuterico dos produtos manipulados rotulagem nutricional proibiccedilatildeo de associaccedilatildeo de

produtos alimentiacutecios a brindes e similares (itens 3 4 6 9 11 12 13 14 15 17 18) e

c) intervir na alimentaccedilatildeo das escolas (8 16 e 19) Com base nessas mateacuterias agrupadas

foram produzidas regras sobre alimentaccedilatildeo nas escolas rotulagem nutricional e

educaccedilatildeo alimentar ou no acircmbito da proacutepria Cacircmara dos Deputados ou por iniciativa

do oacutergatildeo federal competente A uacutenica mateacuteria que natildeo produziu resultados foi a relativa

aos produtos alimentiacutecios pois o assunto da regulaccedilatildeo de alimentos confronta

diretamente com os interesses econocircmicos do mercado ndash que se encontram

devidamente representados e fortalecidos na ldquoCasa do Povordquo

135

QUADRO 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013

N0

Mateacuteria

Qtde

1 Princiacutepios e diretrizes para accedilotildees de educaccedilatildeo nutricional e seguranccedila nutricional e alimentar para a populaccedilatildeo Promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel (PL 123407 331004 680310)

3

2 Poliacutetica de combate a obesidade Obriga atendimento integral dos doentes no SUS (PL 139401 156003 168403 169903 618313)

5

3 Divulgaccedilatildeo de advertecircncia sobre obesidade nos produtos alimentiacutecios (PL 148003)

1

4 Obriga os estabelecimentos comerciais de alimentos a fixarem cartazes informando sobre as calorias de cada porccedilatildeo servida Informaccedilatildeo nutricional dos alimentos para consumo imediato (PL 179003 271403)

2

5 Cria semana ou dia de mobilizaccedilatildeo nacional contra a obesidade ou de conscientizaccedilatildeo sobre os malefiacutecios da obesidade (PL 608602 443804 196511 365212 387412)

5

6 Restriccedilatildeo de propaganda de bebidas e alimentos potencialmente causadores de obesidade (PL 608005 163707 379308 446208 764410 560813)

6

7 Cria programa de prevenccedilatildeo e orientaccedilatildeo de tratamento de obesidade infantil (PL 652209)

1

8 Proiacutebe a comercializaccedilatildeo e consumo de guloseimas nas escolas (PL 684802)

1

9 Proiacutebe o uso de atribuiccedilatildeo de destaque as declaraccedilotildees de qualidade e de caracteriacutesticas nutritivas nas embalagens e na publicidade de alimentos (PL 562913)

1

136

QUADRO 3 Projetos de lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013 (Continuaccedilatildeo)

N0

Mateacuteria

Qtde

10 Inclusatildeo da disciplina de educaccedilatildeo alimentar na grade escolar da escola de ensino fundamental e meacutedio

(PL 32507)

1

11 Obriga a divulgar advertecircncia sobre riscos de doenccedilas nos roacutetulos dos produtos e na publicidade comercial de alimentos com alto teor de accediluacutecar gordura saturada gordura trans soacutedio e bebidas com baixo teor nutricional (PL 470501 766710 480312)

3

12 Obriga uso de cartazes de advertecircncia sobre obesidade em estabelecimentos que comercializam ldquofast foodrdquo Obriga especificar a quantidade de calorias dos alimentos comercializados nos cardaacutepios em restaurantes lanchonetes e similares (PL 546913 567413)

2

13 Fixa limite maacuteximo de adiccedilatildeo de sacarose nos sucos comercializados Reduzir o teor de accediluacutecar nos alimentos destinados agraves crianccedilas (PL 588313 683613)

2

14 Estabelece praacutetica abusiva oferecer brindes brinquedos etc associados agrave aquisiccedilatildeo de alimentos e bebidas para o puacuteblico infantil (PL 611113)

1

15 Rotulagem nutricional de alimentos industrializados (PL 390900)

1

16 Obriga alimentaccedilatildeo saudaacutevel nas escolas puacuteblicas e privadas de ensino fundamental (PL 317000)

1

17 Obriga os produtos alimentiacutecios comercializados a informar a presenccedila ou ausecircncia de sal como medida preventiva de doenccedilas (PL 698513)

1

137

QUADRO 3 Projetos de Lei apresentados na Cacircmara dos Deputados do Congresso Nacional sobre temas de interesse no periacuteodo de 2000 a 2013 (Continuaccedilatildeo)

N0

Mateacuteria

Qtde

18 Disciplina a propaganda comercial de produtos praacuteticas e serviccedilos dirigidos a crianccedilas e adolescentes

(PL 677713)

1

19 Proiacutebe a venda de refrigerantes a menores de 18 anos e de alimentos com alto valor caloacuterico e niacuteveis reduzidos de nutrientes em escolas Proiacutebe refrigerantes e alimentos de baixo teor nutricional em escolas de ensino meacutedio e fundamental (PL 504313 628313)

2

20 Revoga a obrigatoriedade de advertecircncia nos roacutetulos das foacutermulas infantis para crianccedilas de 1a infacircncia (PL 586613)

1

TOTAL

41

138

Assim o Poder Legislativo tal como o Poder Executivo natildeo tiveram interesse em

regulamentar a questatildeo O Ministeacuterio da Sauacutede entatildeo introduziu um novo instrumento no

campo do controle de alimentos que foi a implementaccedilatildeo de Acordos e seus Termos de

Compromissos (itens 2 3 5 e 7 do Quadro 2) firmados entre o governo e as entidades

representativas das induacutestrias para a reduccedilatildeo do soacutedio Quanto a esse instrumento haacute

alguns pontos inconvenientes (i) grande elasticidade ndash os prazos para reduccedilatildeo do soacutedio

por exemplo variam entre 3 e 5 anos (ii) extensatildeo limitada ndash a formalidade do Acordo e

dos Termos restringem-se agraves entidades representativas das induacutestrias que os ratificaram

e (iii) fragilidade no cumprimento ndash a inexistecircncia de claacuteusulas punitivas podem retardar o

cumprimento desses atos

Dessa forma como objetivo de inferir sobre as bases da negociaccedilatildeo das metas

referidas nesses Termos efetuados (itens 3 e 5 do Quadro 2) comparou-se o

comportamento de seis produtos alimentiacutecios quanto ao nutriente soacutedio obtidos no

diagnoacutestico com as metas acordadas de reduccedilatildeo (Graacutefico 1) e verificou-se que as metas de

trecircs produtos foram definidas pelo maior valor identificado e as dos outros trecircs aquelas

mais proacuteximas do maior valor A opccedilatildeo pela flexibilidade nas metas demonstra que houve

bastante condescendecircncia do governo para com o mercado na implementaccedilatildeo desses atos

Essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel uma vez que dados comprovam a existecircncia de viabilidade

teacutecnica e comercial que permite acelerar a reduccedilatildeo do teor do soacutedio nos produtos

alimentiacutecios Pois dentre os produtos monitorados haacute alguns deles que estatildeo circulando

no mercado cujas foacutermulas conteacutem teor de soacutedio abaixo do limite de reduccedilatildeo acordado ndash

daiacute se pode inferir que haacute aceitaccedilatildeo por parte do consumidor e tecnologia factiacutevel para a

sua produccedilatildeo Isso fica mais evidente quando o governo ao optar por natildeo impor regras de

caraacuteter compulsoacuterio ldquodesperdiccedilardquo a oportunidade de utilizar como referecircncia o valor

miacutenimo de soacutedio encontrado nos produtos monitorados para a construccedilatildeo das bases dos

Termos

139

Graacutefico 1 Comparaccedilatildeo entre os teores de soacutedio diagnosticados nos produtos alimentiacutecios e os valores de reduccedilatildeo acordados entre o Governo e as entidades representativas das induacutestrias de alimentos Brasil 2010-2011

FONTE BRASIL ANVISA Informe Teacutecnico n 422010 itens 3 e 5 do Quadro 2

Embora o cumprimento dos Acordos e dos Termos de Compromissos esteja sendo

assumido na praacutetica institucional da vigilacircncia sanitaacuteria descartar o uso da

regulamentaccedilatildeo com prazos negociados e fixados e com previsatildeo de sanccedilotildees significa

fragilizar as medidas de controle e o papel de autoridade e de intervenccedilatildeo do Estado na

atividade privada e dirigida a fazer prevalecer os interesses puacuteblicos Aleacutem disso a

regulamentaccedilatildeo eacute precedida de procedimentos de construccedilatildeo democraacutetica instituiacutedos no

acircmbito da agecircncia reguladora competente enquanto a praacutetica do acordo eacute centralizada e

restrita Adianta-se que o cumprimento do Acordo depende apenas do grau de

compromisso entre as partes que natildeo eacute por si soacute extensivo agraves outras entidades e

empresas do ramo Eacute necessaacuterio que o poder puacuteblico encare o gerenciamento dos riscos

dos alimentos relacionados agrave obesidade e agraves outras DCNT como equiparaacutevel ao aplicado agraves

DTA mediante o uso dos recursos tradicionais de praxe (regulamentaccedilatildeo monitoramento

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

0 2 4 6 8

Menor teor

Maior teor

Acordo

1 Batatas fritas 2 Batatas palha 3 Salgadinhos de milho 4 Biscoito aacutegua e sal 5 Biscoito cream cracker 6 Macarratildeo instantacircneo

140

de produtos inspeccedilatildeo de estabelecimentos etc) para que se alcance um controle efetivo da

qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios envolvidos

Entretanto merece ressaltar que a diferenccedila fundamental do efeito do

gerenciamento dos riscos dos alimentos voltados agrave prevenccedilatildeo das DCNT estaacute nos impactos

econocircmicos alegados pelo setor produtivo e que motivaram uma forte reaccedilatildeo do mercado

Isso porque esse gerenciamento implica reformular a concepccedilatildeo da produccedilatildeo dos

alimentos industrializados em vigor (de baixo custo alto consumo e de peacutessima qualidade

nutricional desenhados com foco nos lucros e sem benefiacutecios para a sauacutede) Eacute importante

salientar que as reaccedilotildees das corporaccedilotildees de alimentos jaacute fizeram o governo dinamarquecircs

retroceder revogando as medidas de taxaccedilatildeo de produtos com alto teor de gordura

saturada (PETKANTCHIN 2013) mas por outro lado natildeo foram suficientes para impedir a

sociedade finlandesa mobilizada de avanccedilar e forccedilar a reformulaccedilatildeo dos produtos

garantindo um alimento com qualidade nutricional aprimorada (PUSKA 2004)

Sob a oacutetica do Ministeacuterio da Sauacutede e da Anvisa haacute uma valorizaccedilatildeo dessa experiecircncia

de Acordos do governo com as entidades das induacutestrias para a reduccedilatildeo do soacutedio como

sendo inovadora legiacutetima e transparente baseada na articulaccedilatildeo intrainstitucional e com o

setor privado e no estabelecimento de uma relaccedilatildeo dialoacutegica e pactuada que fortalecem o

controle social (NILSON JAIME RESENDE 2012) Sem enaltecer o vanguardismo na

praacutetica institucional ou descartar os possiacuteveis meacuteritos dessa iniciativa algumas

ponderaccedilotildees satildeo necessaacuterias primeiro o valor de cunho ideoloacutegico dessa medida

demonstrado pela preocupaccedilatildeo do governo perante a sauacutede puacuteblica eacute o que se sobressai

diante da dispensa das prerrogativas do Estado de impor regras ao mercado e da opccedilatildeo por

fazer acordos maleaacuteveis e de longa duraccedilatildeo Segundo para o fortalecimento do controle

social exige-se que o conjunto das representaccedilotildees da sociedade seja envolvido nas

discussotildees travadas na esfera puacuteblica e no caso o tratamento dado agrave sociedade civil a

maior interessada no tema foi a completa exclusatildeo desse processo de negociaccedilatildeo

comprometendo inclusive a tal legitimidade referida pelos autores

141

521 Parceria entre governo e induacutestrias fragilidade ou inovaccedilatildeo

A Parceria Puacuteblico-Privada no campo da sauacutede30- PppS eacute um fenocircmeno relativamente

novo e ainda carece de uma definiccedilatildeo precisa podendo referir-se a algum tipo de

engajamento ou interaccedilatildeo entre os setores puacuteblicos e privados ou mesmo a um

relacionamento entre estes estabelecido com base em criteacuterios estritos Esse tipo de

parceria se pauta na partilha de objetivos e em algum grau de tomada de decisatildeo entre os

setores puacuteblico e privado Entretanto em geral em nenhuma modalidade se prevecirc a

participaccedilatildeo de organizaccedilotildees sem fins lucrativos (HAWKES 2008b)

Segundo essa autora as PppS relacionadas agrave dieta nutriccedilatildeo e atividade fiacutesica se

processam mais lentamente comparadas agraves que envolvem medicamentos As iniciativas

que estatildeo sendo adotadas em vaacuterios paiacuteses estatildeo focadas basicamente em quatro objetos

melhoria de produtos alimentiacutecios (reduccedilatildeo do sal) educaccedilatildeo do puacuteblico rotulagem

nutricional e propaganda e por fim pesquisas

A formalizaccedilatildeo da PppS estabelecida a partir desse trabalho conjunto busca alcanccedilar

resultados efetivos com reduccedilatildeo de recursos e de desgastes poliacutetico-institucionais sendo

em certas circunstacircncias mais vantajosa do que uma medida empreendida isoladamente

pelo governo No entanto para que as parcerias se materializarem em Acordos haacute um

processo de negociaccedilatildeo para o estabelecimento de responsabilidades muacutetuas e interesses

partilhados sendo fundamental a geraccedilatildeo de benefiacutecios para ambas partes expostos

previamente com clareza em ambiente de transparecircncia e de responsabilizaccedilatildeo para que

essa alianccedila possa se consolidar (MITCHELL 2008) Assim no campo da sauacutede a

governanccedila das PppS tem como foco cinco questotildees-chaves representaccedilatildeo participaccedilatildeo

responsabilizaccedilatildeo transparecircncia e efetividade (HAWKES 2008b)

30 Na sauacutede puacuteblica esse tipo de parceria eacute completamente diferente dos contratos privados para execuccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos firmados sob a forma de Parceria Puacuteblico-Privada (HAWKES 2008b) Nestes casos o governo firma contratos de concessatildeo com parceiros privados que se responsabilizam pela realizaccedilatildeo investimentos em infraestrutura e prestaccedilatildeo de serviccedilos de interesse puacuteblico por prazo determinado

142

A partir da deacutecada de 90 a FAO e a OMS comeccedilam a estimular os paiacuteses a

desenvolverem accedilotildees conjuntas para lidar com a obesidade e outras DCNT mediante a

articulaccedilatildeo entre governo induacutestrias e consumidores (WHO 1990) Aquelas organizaccedilotildees

afirmam ser fundamental criar estrateacutegias multisetoriais com diferentes atores de longa

duraccedilatildeo formar alianccedilas e parcerias e engajaacute-los em programas colaborativos pois a

responsabilidade na prevenccedilatildeo dessas doenccedilas eacute compartilhada Poreacutem natildeo se deve

perder de foco que a incumbecircncia da induacutestria eacute a de aprimorar a qualidade dos seus

produtos alimentiacutecios (WHO 2000 WHO 2002b WHO 2003b) Acreditam que a atuaccedilatildeo

articulada dos formuladores de poliacuteticas puacuteblicas produtores consumidores e outros

parceiros pode transformar o caraacuteter do sistema alimentar tornando-o ldquomais compatiacutevel

com os preceitos nutricionaisrdquo (FAO 2013b)

Na Europa inuacutemeras Parcerias foram alavancadas para enfrentar o fenocircmeno do

sobrepeso e obesidade na Regiatildeo sob o respaldo da Comissatildeo das Comunidades Europeias

cujo alvo principal satildeo os consumidores Assim com muita frequecircncia essas parcerias se

voltam para modificar comportamentos dos consumidores qualificando-os com

informaccedilotildees para revisatildeo de haacutebitos de consumo e de condutas quanto ao exerciacutecio fiacutesico

encarando a obesidade como um problema individual dentro de uma concepccedilatildeo

conservadora-liberal em lugar de instigar mudanccedilas estruturais que determinam tais

comportamentos (BORCH ROOS 2012) Haacute tambeacutem parcerias destinadas a reduzir os

componentes natildeo saudaacuteveis dos alimentos (HAWKES 2008b)

O desafio estaacute em harmonizar interesses no interior das divergecircncias ldquonaturalmenterdquo

instaladas entre os agentes do setor produtivo que visa ao lucro privado e ao comeacutercio de

produtos alimentiacutecios (hipercaloacutericos e ricos em soacutedio) e os agentes puacuteblicos investidos

da funccedilatildeo preciacutepua de proteger os interesses da coletividade No caso do Brasil a despeito

da existecircncia dessas divergecircncias eacute possiacutevel que os alertas sistemaacuteticos emitidos pelos

organismos internacionais pelo governo e miacutedias locais sobre os riscos dos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis assim como uma remota inseguranccedila dos fabricantes quanto

ao uso de medida de intervenccedilatildeo compulsoacuteria ndash regulamentaccedilatildeo - sensibilizaram as

143

entidades corporativas das induacutestrias a empenharem-se em negociar com o governo e

assim evitar qualquer instabilidade no comeacutercio de tais produtos

Para tratar essa questatildeo dos alimentos o governo brasileiro decidiu fazer uso de

instrumentos do tipo ldquoAcordo e Termos de Compromissosrdquo e renunciou agrave via da

regulamentaccedilatildeo A primeira impressatildeo eacute que esses instrumentos aparentemente

simbolizam uma inovaccedilatildeo administrativa mas de fato eles representam um retrocesso ao

serem comparados ao processo democraacutetico de regulamentaccedilatildeo que vem sendo instituiacutedo

no acircmbito das instituiccedilotildees puacuteblicas permitindo um amplo debate e a participaccedilatildeo dos

setores organizados e da sociedade em geral Aleacutem disso demonstra a fragilidade do

governo em gerenciar os riscos dos alimentos com a agilidade requerida e com a

autoridade e a competecircncia que lhe satildeo atribuiacutedas As dificuldades poliacuteticas satildeo reais a

reaccedilatildeo do poderio das corporaccedilotildees de mercado eacute efetiva mas o vazio imposto agrave sociedade

civil eacute revelador de uma conduta contraditoacuteria e de uma evidente indisposiccedilatildeo para

angariar o apoio de aliados

As PppS que lidam com esse objeto em particular estatildeo sujeitas a vaacuterias limitaccedilotildees

que podem comprometer a boa governanccedila entendida aqui como o alcance dos resultados

desejados da maneira correta (HAWKES 2008b) Na perspectiva dessa autora os

parceiros privados podem interagir para conduzir a agenda do governo de modo a se

esquivar de suas reais responsabilidades ou desviar o foco de atenccedilatildeo para as soluccedilotildees

potenciais que contrariem os seus interesses Podem tambeacutem influenciar as decisotildees dos

parceiros do governo criando um ambiente interno que os iniba a se esforccedilarem para

regular o setor privado com fins de natildeo comprometer a parceria jaacute instalada

O artigo de Majone (2006) sobre o Estado regulador congrega vaacuterios elementos que

ajudam a compreender a atuaccedilatildeo dos governos Segundo o autor esse novo modelo

imprime um paradoxo que se traduz pelo estiacutemulo agrave privatizaccedilatildeo e agrave desregulamentaccedilatildeo

de um lado e o incremento das poliacuteticas regulatoacuterias de outro Poreacutem para se ajustar agraves

necessidades do mercado a racionalidade da intervenccedilatildeo governamental combina medidas

de desregulaccedilatildeo e de uma nova regulaccedilatildeo O Acordo se encaixa perfeitamente na

desregulaccedilatildeo que conforme esse autor significa regulaccedilatildeo flexiacutevel natildeo riacutegida e que eacute

144

aplicada em larga escala no campo da regulaccedilatildeo social no qual se situa a sauacutede

Embora o Estado na era da globalizaccedilatildeo econocircmica se submeta a constantes

pressotildees do mercado internacional obrigando-se a fazer vaacuterias concessotildees Santos (2005)

acredita que ele ainda acumula suficiente poder para reagir e manejar as suas regras de

forma a compatibilizar as influecircncias externas e as realidades internas No entanto tudo

depende dos verdadeiros interesses que o Estado defende e da habilidade e das estrateacutegias

utilizadas para viabilizaacute-los

As feiccedilotildees do Acordo formalizado entre o governo e as entidades representantes das

induacutestrias de alimentos comprovadamente natildeo privilegiou as realidades internas

(epidemia de obesidade alto consumo de produtos hipercaloacutericos e ricos em sal

incremento de outras DCNT) Ele foi moldado com medidas elaacutesticas de reduccedilatildeo do soacutedio

e ainda sem um efetivo suporte do trabalho ldquoeducativordquo das instituiccedilotildees de sauacutede para

conscientizar a populaccedilatildeo sobre os benefiacutecios dessa reduccedilatildeo Em princiacutepio parece que eacute

somente a sauacutede que estaacute em questatildeo mas de forma velada haacute tambeacutem a preocupaccedilatildeo de

evitar que o mercado durante a fase de ajuste dos produtos sofra abalos nos lucros com

tais medidas Em funccedilatildeo disso Stuckler amp Nestle (2012) afirmam que qualquer parceria

tem que resultar em lucros para as induacutestrias

Assim esse evidente contrabalanccedilo de interesses implicitamente levou agrave decisatildeo de

natildeo se enfrentar os conflitos da regulamentaccedilatildeo do soacutedio com base nos teores miacutenimos

apontados pelo diagnoacutestico e comprovadamente factiacuteveis o que constitui um dos pontos

de fragilidade dessa intervenccedilatildeo Eacute importante ressaltar que em experiecircncias

anteriormente relatadas as induacutestrias nacionais foram obrigadas a enriquecer seus

produtos com nutrientes para atender as exigecircncias do setor sauacutede arcando com os custos

econocircmicos desse procedimento Agora o confronto envolve empresas transnacionais e a

reduccedilatildeo de nutrientes natildeo saudaacuteveis e de custo baixo que afetam a palatibilidade dos

produtos e tal fato pode interferir nas vendas

Os efeitos dos Acordos e dos Termos de Compromissos se estendem ao conjunto dos

145

serviccedilos de vigilacircncia sanitaacuteria uma vez que estes realizam as atividades de

monitoramento dos produtos previstas naqueles atos Desse modo esses atos se

convertem em motivo de reflexatildeo uma vez que natildeo tecircm valor legal para as accedilotildees de rotina

da vigilacircncia sanitaacuteria Em comparaccedilatildeo ao ritual das praacuteticas realizadas tais atos

simbolizam tratar de forma protetora o mercado e protelar a garantia do direito agrave sauacutede

populaccedilatildeo Aleacutem disso abre precedentes no campo da vigilacircncia sanitaacuteria para que a

regulamentaccedilatildeo seja substituiacuteda por ldquoAcordordquo quando for necessaacuterio manejar questotildees

polecircmicas de riscos agrave sauacutede ampliando-se os conflitos inerentes agrave atividade

O fato de os componentes nutricionais em excesso (gorduras saturadas accediluacutecares e

sal) produzirem efeitos agrave sauacutede (acumulativos e de longo prazo) diferentes daqueles

causados pela maioria dos agentes contaminantes (em geral de curto prazo e de

propagaccedilatildeo extensiva e raacutepida se o produto for de circulaccedilatildeo global) natildeo deve ser motivo

para adoccedilatildeo de intervenccedilotildees distintas por parte do governo que sempre aplicou regras

compulsoacuterias para esse segundo grupo de riscos

Embora a regulamentaccedilatildeo usualmente seja percebida de modo deturpado como uma

medida de intervenccedilatildeo antipaacutetica e autoritaacuteria ela eacute oportuna e necessaacuteria quando se trata

de prevenir riscos agrave sauacutede inclusive epidemias que se disseminam na sociedade A

ausecircncia de paracircmetros internacionais face ao comeacutercio global instruindo sobre como

lidar com os nutrientes-chave presentes nos produtos alimentiacutecios natildeo impede que o paiacutes

ouse em prol da sauacutede do coletivo e nem tampouco que ele se contenha com a adoccedilatildeo de

medidas atenuantes e lentas nesse campo O governo acertou ao optar pelo caminho da

argumentaccedilatildeo do convencimento mas errou no encerramento do diaacutelogo por natildeo

estabelecer regras compulsoacuterias para reduccedilatildeo do soacutedio e dos demais nutrientes em

questatildeo

Outro aspecto da fragilidade desse Acordo estaacute na ausecircncia marcante da sociedade

civil Um dos aspectos centrais da ldquoboa governanccedilardquo de qualquer iniciativa eacute a

representaccedilatildeo e participaccedilatildeo da tomada de decisatildeo daqueles afetados pelo exerciacutecio do

poder (HAWKES 2011) Contudo a ausecircncia forccedilada da sociedade civil rompe com as

praacuteticas que vecircm sendo inauguradas a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 de criaccedilatildeo de

146

espaccedilos puacuteblicos de intervenccedilatildeo e de expressatildeo da democracia participativa Ausecircncia que

foi marcante na medida em que a sociedade civil poderia atuar como um integrante

diferenciado tanto para dar suporte ao governo na defesa do interesse puacuteblico e da

primazia dos assuntos de sauacutede quanto para exercer pressatildeo no sentido de avanccedilar as

negociaccedilotildees em prol da aprovaccedilatildeo de regras com metas mais justas para reduccedilatildeo de soacutedio

nos produtos alimentiacutecios

Para sintetizar o Acordo ao contraacuterio de significar avanccedilo nos dispositivos de

controle de alimentos representa limitaccedilotildees poliacutetico-institucionais para o exerciacutecio da

praacutetica da vigilacircncia sanitaacuteria em especial em trecircs aspectos a) cria precedentes para

evitar a regulamentaccedilatildeo com a finalidade de reduzir os teores de nutrientes-chave accedilatildeo

fundamental para proteger agrave sauacutede b) gera situaccedilotildees de imbroacuteglio interno pois natildeo haacute

como fiscalizar o cumprimento dos teores nutricionais como base nesse Acordo e por fim

c) reduz a sociedade civil a um vazio colocando-a agrave margem desse processo de concertaccedilatildeo

de medidas sanitaacuterias para amenizar as tensotildees e os embates com o setor produtivo A

participaccedilatildeo ativa da sociedade civil organizada eacute sempre um reforccedilo para se galgar

maiores conquistas inclusive a melhoria da composiccedilatildeo nutricional dos produtos pelas

corporaccedilotildees das induacutestrias

147

6 RISCOS E REGULACcedilAtildeO DOS ALIMENTOS visotildees dos sujeitos sociais31

61 Racionalidades discursivas um exerciacutecio de interpretaccedilatildeo

Para introduzir as anaacutelises resgatam-se as reflexotildees de Foucault (1982) sobre a

noccedilatildeo de ldquogovernordquo natildeo a remetendo estritamente a governo como instituiccedilatildeo mas

enquanto praacutetica entendida como uma forma de exerciacutecio complexo de poder que visa ldquo[]

fazer por vaacuterios meios com que determinados fins possam ser atingidosrdquo (p284) Para isso

governo consiste em enquadrar a conduta dos homens mediante o uso de instrumentos

taacuteticos fazendo com que eles mesmos se ajustem agraves regras da racionalidade governamental

e dessa forma que as intenccedilotildees almejadas se realizem Eacute nesse sentido que se pode dizer

que todo governo pretende obter um autogoverno dos proacuteprios sujeitos por meio do qual

eles se apropriam livremente (ou imaginam fazecirc-lo) das normas de conduta impostas pelo

poder governamental

A racionalidade geral adotada para tratar da abordagem dos riscos atribuiacutedos aos

alimentos e dos mecanismos de regulaccedilatildeo desencadeados pela esfera puacuteblica para

controlaacute-los se mostra diferenciada quando eacute recepcionada e praticada por sujeitos que

nos seus respectivos campos de competecircncia exercem interferecircncias e modelam a sua

construccedilatildeo assim como conduzem suas estrateacutegias de influecircncias e se movimentam para

accedilatildeo Com aportes diferenciados de capital simboacutelico e material e com compromissos

sociais nem sempre sintonizados eles seguem trajetoacuterias especiacuteficas que conduzem

decisivamente a processos distintos de compreensatildeo

Em sintonia com a sequecircncia de Foucault e dos empreendimentos posteriores sobre

AD afirma-se que a constituiccedilatildeo da realidade eacute indissociaacutevel da atividade discursiva que a

organiza (FOUCAULT 1999) e que para compreendecirc-la eacute necessaacuterio explorar a linguagem

31

As teacutecnicas de Anaacutelise do Discurso e a topologia do Quadrado Semioacutetico foram aprofundadas com as sessotildees de

trabalho realizadas com o Prof Dr Patrick Dahlet professor visitante da Universidade Federal de Minas Gerais

148

Ou seja romper com a sua pseudotransparecircncia e investigar a significaccedilatildeo das suas

operaccedilotildees de produccedilatildeo reconstruindo os valores dos seus marcadores enunciativos e o

sentido das suas alteraccedilotildees no fio descontiacutenuo do discurso realizado Contudo o resultado

alcanccedilado jamais representaraacute o encontro com a verdade dos fatos pois na linguagem se

instala um acervo de significaccedilatildeo Trata-se apenas de estabelecer com o uso de

instrumental teoacuterico-metodoloacutegico uma anaacutelise da linguagem-sujeito-sentido e eleger um

caminho para interpretaccedilatildeo (ORLANDI 2010)

Assim neste capiacutetulo eacute apresentada a anaacutelise de um conjunto de discursos

entrelaccedilando vozes representativas de sujeitos-chave sobre o comportamento dos riscos

dos alimentos e as consequecircncias derivadas assim como o valor operativo da estrateacutegia de

regulaccedilatildeo adotada pelas instituiccedilotildees puacuteblicas nacionais

Eacute importante salientar que os discursos foram coletados no periacuteodo de 26022013 a

06062013 durante a realizaccedilatildeo de entrevistas gravadas Satildeo discursos de sujeitos

pertencentes em quase sua totalidade trecircs tipos de setores32 ndash mercado poder puacuteblico e

sociedade civil ndash os quais satildeo abordados em seus instrumentos hierarquia de valores e

modos de argumentaccedilatildeo proacuteprios Considerando que as marcas da oralidade natildeo satildeo

significantes para a reconstruccedilatildeo do sentido visado pelos interlocutores em questatildeo os

discursos foram transcritos sem se reportar agraves flutuaccedilotildees sintaacutexicas e riacutetmicas

caracteriacutesticas da sua ancoragem num contexto oral A abordagem escolhida remete aos

fundamentos teoacutericos e metodoloacutegicos da AD (PEcircCHEUX 2008 ORLANDI 2010)

Nessa perspectiva em niacutevel teoacuterico cada manifestaccedilatildeo textual se inscreve num

universo discursivo que preacute-forma o que pode ser dito e como essa intenccedilatildeo de dizer pode

ser atualizada num determinado contexto de interaccedilatildeo social e enunciativa Isso indica que

cada texto (no caso cada transcriccedilatildeo de entrevista) pode sempre ser apreendido enquanto

realizaccedilatildeo uacutenica e irredutiacutevel agraves outras (as transcriccedilotildees das entrevistas dos sujeitos da

sociedade civil se diferenciam daquelas dos sujeitos do mercado por exemplo) devido agrave

32

Foi realizada apenas uma entrevista com representante de um organismo internacional

149

singularidade da atividade discursiva de sujeitos particulares Entretanto cada texto

apresenta necessariamente similitudes geneacutericas com outros por circular na mesma eacutepoca

e no mesmo campo de conhecimento (no caso os discursos sobre riscos e regulaccedilatildeo de

alimentos no Brasil) referindo-se tanto agrave aproximaccedilatildeo dos conteuacutedos tratados quanto agraves

modalidades de construccedilatildeo enunciativa deles

O discurso eacute produto de um sistema simboacutelico que funde liacutengua e ideologia A

primeira se exterioriza enquanto a segunda atua nos discursos comportando-se como o fio

condutor das distinccedilotildees entre eles fazendo eclodir as posiccedilotildees e as lutas simboacutelicas Estes

interesses em jogo transformam-se em correlaccedilotildees de forccedilas objetivas entre os diferentes

agentes sujeitos de enunciaccedilatildeo para impor a sua concepccedilatildeo de mundo e defender seus

propoacutesitos particulares como a expressatildeo do conjunto social (BOURDIEU 2009) Por isso

concebe-se que o discurso natildeo somente ergue representaccedilotildees ideoloacutegicas mas deteacutem uma

racionalidade proacutepria que fundamenta praacuteticas associadas a regras e assim define como

os comportamentos devem se conformar - no caso o da relaccedilatildeo consumo de alimentos e

sauacutede

Jamais se fala ou se escreve qualquer coisa de qualquer maneira e em qualquer

situaccedilatildeo (DAHLET 1994) Segundo Pecirccheux (2008) qualquer manifestaccedilatildeo textual deve

ser assim concebida como preacute-construiacuteda porque eacute configurada antecipadamente por um

leque de condiccedilotildees de possibilidades enunciativas que estabelecem os quadros e temaacuteticas

gerais em que iraacute poder mover-se para ser trabalhada

A existecircncia de tais preacute-construiacutedos define enunciados matriz que iratildeo nortear com

grau de conformidade variaacutevel segundo o posicionamento soacutecioenunciativo dos

interlocutores o conjunto de textos que organiza as representaccedilotildees discursivas de um

mesmo objeto discurso - no caso a relaccedilatildeo da sociedade brasileira com a qualidade dos

alimentos

Em niacutevel metodoloacutegico a delimitaccedilatildeo de enunciados matriz permite assim identificar

ao mesmo tempo as afinidades de um texto em relaccedilatildeo aos outros (relacionadas no caso agrave

150

sua inscriccedilatildeo dentro de um mesmo discurso neoliberal globalizante) e as variaccedilotildees

significativas resultantes das relaccedilotildees singulares dos sujeitos agraves tematizaccedilotildees ordenadas

pelos enunciados matriz e aos contextos sociais especiacuteficos segundo as quais essas

regularidades matriciais estatildeo filtradas pelos locutores

Determina-se assim que o conjunto das entrevistas recolhidas transita por um

movimento argumentativo direcionado por cinco enunciados matriz que foram

sintetizados enquanto funccedilotildees enunciativas transversais a todos os discursos estudados

a) Essencialidade do alimento Postula-se que o alimento eacute vida por essecircncia e essa

imprescindiacutevel vitalidade dos alimentos eacute consagrada desde a origem da

humanidade No entanto o que estaacute em voga eacute a reafirmaccedilatildeo essencialista da

identidade do alimento em si mesma independente dos condicionamentos os quais

seratildeo sempre superficiais e incapazes de abalar a sua pureza miacutetica Cabe ao homem

somente conseguir o equiliacutebrio no consumo alimentar para alcanccedilar a chave da

sauacutede e da vida

b) Irreversibilidade do consumo do produto industrializado Essa regularidade

enunciativa coloca em discussatildeo a loacutegica econocircmica de processamento de alimentos

(produtos voltados para o lucro e ou para benefiacutecios da nutriccedilatildeo) e o produto

alimentiacutecio resultante do processo tecnoloacutegico comparando-o com a autenticidade

(real ou imaginada) do alimento extraiacutedo da natureza

c) Autonomia do consumidor o indiviacuteduo sob o prisma da ideologia neoliberal eacute

autocircnomo para fazer as suas escolhas alimentares Entretanto alimentar-se eacute um

ato que importa riscos assim o indiviacuteduo fica na dependecircncia da sabedoria e das

experiecircncias adquiridas para ser capaz de se proteger

151

d) Consumidor para (trans)formar A capacidade de autodefesa do consumidor estaacute

nas informaccedilotildees recebidastransmitidas que atuam como o motor de

transformaccedilatildeo da sua consciecircncia repercutindo diretamente sobre a sua conduta

e) Regulaccedilatildeo consentida O alcance de um produto saudaacutevel natildeo perpassa

exclusivamente pelas disposiccedilotildees legais mas envolve uma governanccedila regulatoacuteria

acordada entre as partes interessadas conciliando a interiorizaccedilatildeo dos valores do

mercado e de uma nutriccedilatildeo equilibrada

Satildeo as variaccedilotildees das realizaccedilotildees discursivas desses enunciados matriz que seratildeo

examinadas sucessivamente a seguir relacionando quando possiacutevel a diferenciaccedilatildeo das

suas significaccedilotildees as alteraccedilotildees das suas formulaccedilotildees entre um conjunto de entrevistas e

outro com o objetivo de delimitar e interpretar as tensotildees (o jogo de concordacircncias e de

conflitos) que atravessam de parte a parte as promessas de um produto alimentiacutecio

saudaacutevel para equilibrar a nutriccedilatildeo de todos No final seraacute apresentado um quadro-resumo

(Quadro 4) comparando os enunciados matriz postulados e realizaccedilotildees discursivas sob o

olhar da interpretaccedilatildeo realizada

a) Essencialidade do alimento

Com base nas entrevistas a concepccedilatildeo do alimento guia-se por duas direccedilotildees

primeiro o alimento inscreve-se em uma visatildeo imaginaacuteria e miacutetica dos seus ciclos

histoacutericos e da sua passagem na histoacuteria da humanidade Haacute um tipo de mitificaccedilatildeo do

alimento que o considera como fonte de energia de proteiacutena e de vida para humanidade e

tambeacutem de ser capaz de concentrar todas as virtudes Segundo o alimento eacute algo inerente

agrave natureza e esse caraacuteter natildeo se desfaz a despeito das transformaccedilotildees humanas sobre ele

praticadas Isto remete a um tipo de irrealizaccedilatildeo do produto o que o faz assumi-lo sempre

como alimento por e pela natureza permanecendo inalterado mesmo quando modificado

pela induacutestria

152

Assim o sujeito M1 traccedila um longo recorte do percurso do alimento na histoacuteria da

humanidade desde a Antiguidade e afirma que [] o alimento eacute uma das coisas fundamentais na

vida humana [] o vital para a sauacutede para a existecircncia do ser humano eacute o alimento Destaca tambeacutem

que desde os tempos imemoriais [] a primeira manifestaccedilatildeo foi a de como preservar a comida [] a

primeira revoluccedilatildeo foi o fogo a segunda revoluccedilatildeo foi a descoberta de como secavam ao sol o produto [] e

conclui argumentando que a industrializaccedilatildeo consiste no prolongamento dos antigos

ldquosegredosrdquo da preservaccedilatildeo do alimento herdados da Antiguidade

Nessa descriccedilatildeo o alimento industrializado eacute necessariamente qualificado pois a

tecnologia trata exclusivamente de resgatar as propriedades vitais miticamente atribuiacutedas

ao alimento e preservaacute-las para que este enfrente os desafios do tempo Assim cabe agraves

induacutestrias fazer esse resgate com competecircncia uma vez que elas detecircm os segredos da

preservaccedilatildeo que foram revelados pelos antigos aperfeiccediloando os alimentos com a

dinacircmica imposta pela experiecircncia e pelas suas expectativas

Jaacute o sujeito M3 focou seu breve ensaio historiograacutefico a partir dos ciclos ou ondas de

produccedilatildeo dos alimentos revelando as inovaccedilotildees ocorridas no produto alimentiacutecio e

conclui que nesse trajeto houve a perda do elo com a nutriccedilatildeo o que deve ser

restabelecido

[] a gente enxerga os ciclos dos alimentos no Brasil [] um primeiro grande ciclo foi no preacute-guerra dos alimentos in natura todo mundo tinha tempo [] comia em casa [] os alimentos para fins especiais comeccedilaram a surgir na deacutecada de 60 e 70 [] a quarta onda [] foi exatamente o diet e light [] e a segunda fase desta quarta [] quando a gente teve uma mudanccedila do entendimento do que eacute o alimento ndash ele eacute muito mais nutriccedilatildeo ou seja um alimento com uma determinada oferta de calorias de soacutedio de proteiacutenas ou de gordura ele pode ou natildeo ajudar numa melhor sauacutede (M3)

O confronto desses dois discursos feitos pelos sujeitos do mercado sinaliza uma niacutetida

contradiccedilatildeo quanto agrave imagem do produto alimentiacutecio construiacuteda com o passar dos tempos

no primeiro a integridade do alimento parece manter-se inabalada frente agraves

transformaccedilotildees da sociedade enquanto no segundo discurso haacute o reconhecimento da

mudanccedila mas impera uma visatildeo reducionista do alimento focalizando apenas os seus

nutrientes

153

No grupo do mercado evidencia-se uma valorizaccedilatildeo do alimento como substacircncia

vital visatildeo quase maacutegica da essecircncia vital do produto Entretanto o diferencial entre os

discursos revela-se quando o M1 em referecircncia a essa visatildeo miacutetica dos benefiacutecios dos

alimentos isenta o alimento incorporado ao mercado de qualquer responsabilidade nos

distuacuterbios da sauacutede da coletividade e individual Eu considero que o alimento natildeo faz mal nenhum

muito pelo contraacuterio eu fico revoltado quando as pessoas falam que alimento faz mal [] frase mais

incoerente e mais ignorante que eu jaacute vi na minha vida [] (M1)

Tal consideraccedilatildeo expressa na verdade o princiacutepio baacutesico ideoloacutegico de operaccedilatildeo do

neoliberalismo no qual o mercado visa exclusivamente beneficiar os homens em todas as

dimensotildees da vida mas natildeo pode e natildeo deseja impor tais benefiacutecios pois fere os seus

proacuteprios preceitos que decretam o seu livre funcionamento e o livre arbiacutetrio do indiviacuteduo

(DAHLET 2014) Nessa perspectiva cabe ao indiviacuteduo decidir se aproveita ou natildeo os

benefiacutecios ofertados pelo mercado e em caso contraacuterio a responsabilidade dos distuacuterbios

recai sobre essa decisatildeo individual que comprova ao mesmo tempo a loacutegica do livre

empreendimento o sustentaacuteculo dessa corrente de pensamento

Essa isenccedilatildeo de responsabilidade do alimento eacute reiterada sob diferentes argumentos

ateacute ao ponto de ele converter-se em agente autocircnomo da accedilatildeo o alimento natildeo tem culpa (M1)

O alimento daacute origem a uma personificaccedilatildeo retoacuterica que iraacute autorizar a converter o proacuteprio

alimento no agente do processo produtivo como seraacute posteriormente destacado apagando

assim a proacutepria responsabilidade das induacutestrias

Com o avanccedilar da entrevista esse mesmo sujeito eacute afetado pelas armadilhas do

discurso reconhecendo implicitamente a responsabilidade parcial do processamento

industrial mas mantendo intocaacutevel a essencialidade do alimento As doenccedilas crocircnicas natildeo-

transmissiacuteveis [] as causas [] satildeo multicausais ndash elas satildeo por falta de atividade fiacutesica excesso de comida

com ingredientes [] e natildeo eacute soacute nosso industrializado que leva sal (M1) Essa formulaccedilatildeo se aproxima a

uma contradiccedilatildeo da afirmaccedilatildeo anterior ndash de natildeo culpabilidade do alimento Observa-se

ainda um contra-discurso em um contexto muito polecircmico no qual faz o destaque

exclusivo do soacutedio nos alimentos industrializados e apaga os efeitos dos outros

154

componentes nutricionais que quando presentes em excesso no alimento industrializado

satildeo igualmente prejudiciais agrave sauacutede Aleacutem disso nesse discurso o sujeito implicitamente

quer amenizar as caracteriacutesticas nocivas do alimento industrializado compartindo-as com

aquele que eacute feito a partir do preparo domeacutestico - que tambeacutem utiliza ingredientes natildeo

saudaacuteveis em excesso como o sal

Portanto a relaccedilatildeo entre o alimento e as doenccedilas eacute um ponto em haacute variaccedilotildees entre

os discursos dos trecircs sujeitos do grupo do mercado e ao contraacuterio do que se poderia

deduzir no interior do grupo do mercado a unicidade natildeo resplandece Um dos sujeitos

combina a afirmaccedilatildeo do valor imemorial do alimento com a relativizaccedilatildeo dos seus efeitos

beneacuteficos uma vez que atribui o excesso de peso e a obesidade como um das

consequecircncias relacionadas ao consumo do alimento sem se limitar a ele Entatildeo acho que ele

(alimento) natildeo estaacute sozinho Eu acho que a gente tem uma conjunccedilatildeo infelizmente de vaacuterios fatores (M3)

Sob o olhar desse sujeito o alimento natildeo eacute reconhecido como o protagonista isolado da

trageacutedia alimentar Com ele circulam em cena outros elementos que diluem a sua

importacircncia Poreacutem como parte da responsabilidade eacute delegada ao alimento

industrializado o sujeito manifesta-se sensiacutevel e favoraacutevel ao uso da estrateacutegia da ldquoboa

governanccedila regulatoacuteriardquo Jaacute outro sujeito comunga com a imagem desenhada pelo primeiro

e descarta qualquer implicaccedilatildeo negativa dos alimentos industrializados preferindo trataacute-

los de uma maneira diluiacuteda como ldquodietardquo recomendando apenas moderaccedilatildeo no consumo

Eu recomendo a dieta que vocecirc coma tudo [] Alguma coisa que modere isso mas que natildeo elimine o

chocolate por exemplo da dieta [] Agora o que vocecirc tem que fazereacute moderadamente [] Vocecirc ter que

balancear a sua necessidade (M2)

Os sujeitos vinculados ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada reconhecem

tambeacutem que o alimento eacute essencial agrave vida humana No entanto mencionam a importacircncia

das condiccedilotildees de cultivo e de produccedilatildeo na conservaccedilatildeo da condiccedilatildeo sanitaacuteria do alimento

para que a sauacutede humana possa se beneficiar e se manter em equiliacutebrio Com isso a gente

pode chegar ateacute abstrair a questatildeo do medicamento se conseguirmos fazer da alimentaccedilatildeo o nosso

medicamento (S3)

Assim a igualizaccedilatildeo da referecircncia do alimento como uma fonte intriacutenseca de sauacutede eacute

o que emerge do confronto de todos os discursos qualquer que seja a sua procedecircncia

155

institucional Fato que remete a uma ativaccedilatildeo imaginaacuteria das propriedades primitivas do

alimento conforme as formulaccedilotildees extraiacutedas das entrevistas a saber

[] o alimento eacute uma das coisas fundamentais na vida humana [] vital para a sauacutede para a existecircncia do ser humano eacute alimento (M1) [] eacute o principal eixo na sauacutede de uma pessoa (S1) Haacute um conjunto de informaccedilotildees que sinalizam a centralidade da questatildeo da alimentaccedilatildeo do binocircmio homem-alimento sobre as condiccedilotildees de sauacutede da populaccedilatildeo (P4)

Esse discurso consensual - de que a vida natildeo pode prescindir do alimento ndash persiste

como uma retoacuterica estrateacutegica de cunho moral De fato satildeo justificativas simboacutelicas para

encobrir o processo competitivo do mercado o qual eacute capaz de submeter o alimento a

quaisquer condicionamentos inclusive aqueles capazes de tornaacute-lo prejudicial agrave sauacutede

Em geral os discursos veiculados pelo mercado poder puacuteblico e sociedade civil

organizada tambeacutem se alinham com a centralidade do alimento na sauacutede e na vida A sauacutede

depende da alimentaccedilatildeo (P6) O alimento influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos [] (P4) [] o alimento eacute

vida (S2) [] os alimentos satildeo o combustiacutevel principal do ser humano (S1) Sem desconsiderar o poder

positivo intriacutenseco do alimento ponderaccedilotildees satildeo efetuadas quanto agrave capacidade do

produto alimentiacutecio absorver automaticamente as qualidades intriacutensecas da mateacuteria-prima

ndash alimento - conforme referido nos discursos dos sujeitos ligados ao mercado Os discursos

que fluem dos outros dois grupos de sujeitos afirmam que somente produtos seletos

conseguem portar atributos positivos e beneficiar efetivamente a sauacutede Caso contraacuterio a

interaccedilatildeo sucessiva dos produtos ldquocomunsrdquo com o corpo provocaraacute no indiviacuteduo no

decorrer do consumo disfunccedilotildees de ordem fiacutesico-funcional

O alimento ocupa uma posiccedilatildeo central que pode ser positiva ou negativa na condiccedilatildeo de sauacutede da populaccedilatildeo (P2) [] influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos tanto para o lado bom como para o lado ruim O consumo de alimento de boa qualidade nutricionalmente adequado melhora a qualidade de vida as funccedilotildees do organismo e consequentemente a sauacutede fica preservada (P4) A alimentaccedilatildeo ela vai refletir no proacuteprio corpo [] leva a doenccedilas sobre vaacuterios aspectos (P1)

No cotidiano vida com sauacutede eacute conquista social Lutas embates e negociaccedilotildees foram

exigidos para forccedilar uma sociedade desigual a tornar igualitaacuterio o direito aos bens

primaacuterios fundamentais agrave sobrevivecircncia humana Ciente disto um dos sujeitos da

156

sociedade civil declara Valorizamos muito a conquista que tivemos ao incluir na Constituiccedilatildeo ndash o direito

agrave alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel como parte do artigo 60 que fala dos direitos sociais (S2) Trata-se sim

de vibrar e de enaltecer o esforccedilo coletivo pela inclusatildeo da alimentaccedilatildeo no conjunto dos

direitos sociais na Constituiccedilatildeo Brasileira pois desde o ano de 196633 a alimentaccedilatildeo foi

ratificada como direito humano universal e apenas recentemente34 em 2010 foi

convertida em direito social no Brasil permitindo ao cidadatildeo reivindicaacute-lo junto agraves

instituiccedilotildees puacuteblicas nas situaccedilotildees de impossibilidade de realizaccedilatildeo desse direito

Para os sujeitos da sociedade civil mesmo com o entendimento quase unacircnime do

papel central do alimento na vida do indiviacuteduo isso ainda natildeo eacute suficiente para que o

governo desencadeie propostas de encaminhamento de soluccedilatildeo em torno do tema que

incluam a revisatildeo do sistema de produccedilatildeo de alimentos As soluccedilotildees para os riscos

provenientes do consumo dos alimentos estatildeo sendo contornadas com alternativas

externas a esse sistema como medicalizaccedilatildeo uso de tecnologias de produccedilatildeo ainda sob

polecircmicas e valorizaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica para reduccedilatildeo de peso

[] natildeo haacute uma compreensatildeo profunda da sociedade que o alimento eacute central e que noacutes temos que nos engajar todos nessa perspectiva [] Essas propostas de biofortificaccedilatildeo precisam ser melhor analisadas tambeacutem do ponto de vista nutricional [] o Brasil continua liberando transgecircnicos [] (S2) [] me surpreendeu uma medida do Ministeacuterio da Sauacutede uma portaria que saiu sobre obesidade [] que privilegia de alguma maneira a realizaccedilatildeo de cirurgia bariaacutetrica [] a partir dos dezesseis anos [] parece que a intenccedilatildeo do Ministeacuterio eacute cuidar da obesidade atraveacutes desse procedimento (S3)

Eacute fato que a aproximaccedilatildeo de posiccedilotildees de interesses amplia os pontos de similitudes

entre os discursos como observado nas exposiccedilotildees dos sujeitos do poder puacuteblico e da

sociedade civil organizada Assim na exploraccedilatildeo do binocircmio alimento-sauacutede a partir de

uma coleccedilatildeo de extratos de falas vaacuterios pontos coincidentes se destacam A racionalidade

cientiacutefica com o predomiacutenio do traccedilo biologicista mesclada com discretas menccedilotildees agrave

cultura alimentar e ao social se entrecruzam nas formaccedilotildees discursivas evocando as

33 O Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) foi reconhecido em 1966 a partir da aprovaccedilatildeo pelos estados-partes do Pacto Internacional para os Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais (PIDESC) no acircmbito das Naccedilotildees Unidas (UN 1966) 34 A emenda constitucional 64 de 4 de fevereiro de 2010 inclui a alimentaccedilatildeo no artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal que trata dos direitos sociais (BRASIL PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA 2010)

157

doenccedilas de origem alimentar Domina uma concepccedilatildeo na qual a entidade patoloacutegica tem

um viacutenculo fluido com o social que eacute reduzido a um mero fator enquanto a sua condiccedilatildeo de

determinante eacute desprezada Os indiviacuteduos satildeo isoladamente nominados como

responsaacuteveis ocultando-se os demais atores sociais implicado no encadeamento e na

reversatildeo dos processos moacuterbidos

[] o conjunto de doenccedilas que mais acometem a populaccedilatildeo brasileira estatildeo fortemente determinadas em algum grau pelas praacuteticas alimentares dos indiviacuteduos (P2) As estatiacutesticas das DCNT sobretudo no componente diabetes doenccedilas cardiovasculares e alguns tipos de cacircncer tecircm implicaccedilatildeo na dimensatildeo da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo (P5) [] a correlaccedilatildeo com a obesidade na medida em que ela tem vaacuterias consequecircncias [] as alteraccedilotildees de colesterol de pressatildeo [] na medida em que vocecirc consegue adequar o peso e melhorar essa alimentaccedilatildeo eacute magicamente repercutida sobre essas consequecircncias (S3) [] acho que a relaccedilatildeo (dieta e perfil nutricional) eacutebastante grande Eacute oacutebvio que a gente tem outros fatores [] ndash os fatores ambientais socioloacutegicos [] do tipo de trabalho que as pessoas tem hoje entatildeo elas ficam sedentaacuterias [] (S1)

Em outros trechos de fala a doenccedila eacute socialmente construiacuteda e as instituiccedilotildees sociais

ndash famiacutelia escola Estado ndash contribuem de diferentes formas para o seu aparecimento e

portanto tecircm responsabilidades a assumir O mercado camuflado na publicidade natildeo fica

explicitado nesse trecho do discurso

[] como essa obesidade foi construiacuteda [] Essa construccedilatildeo [] tem vaacuterios incentivos Incentivo da publicidade que comeccedila inclusive com crianccedilas agrave frente da televisatildeo [] Entatildeo ela eacute construiacuteda muitas vezes ateacute por omissatildeo da famiacutelia muitas vezes na atividade escolar [] Antes da omissatildeo da famiacutelia [] Mas antes disso o papel do Estado quando eu falo de publicidade [] da oferta de serviccedilos que vai desde profissionais bem alocados na rede puacuteblica enfim para oferecer para prestar serviccedilos neste sentido agrave populaccedilatildeo (S3)

Sob uma visatildeo caleidoscoacutepica a alimentaccedilatildeo praacutetica que envolve o consumo de

alimentos se compotildee de diferentes olhares interaccedilatildeo afeto e poder somados agrave nutriccedilatildeo

Elementos de um dos discursos repleto de riqueza e ousadia influenciado por uma visatildeo

de mundo totalizante na qual satildeo descortinadas outras facetas imbricadas no objeto em

questatildeo Consumir alimentos extrapola a funccedilatildeo de nutriccedilatildeo para atender agraves necessidades

corpoacutereas Constitui-se em um ato instintivo mas simultaneamente social impregnado de

158

significados afetivos capazes tanto de fomentar a interaccedilatildeo interpessoal quanto de aflorar

conflitos no campo do poder

A alimentaccedilatildeo eacute a reparticcedilatildeo do alimento eacute vocecirc coletivamente se alimentar Tem um ritual que implica estar se nutrindo e nutrindo um conjunto de pessoas [] Por isso o alimento ele eacute muito simboacutelico Ela (alimentaccedilatildeo) estaacute deixando de ser encarada como elemento sagrado e estaacute muito vergada por uma loacutegica de consumo e de expressotildees de poder (P1)

O mercado de consumo articulou a loacutegica do prazer com a do desejo A primeira

sensaccedilatildeo eacute para funcionar necessariamente por um prazo curto de duraccedilatildeo enquanto na

segunda a regra eacute permanecer sempre ativa e incompleta mantendo-se aberta as novas

oportunidades que o mercado em seu dinamismo iraacute disponibilizar O produto alimentiacutecio

participa ativamente desse jogo de seduccedilatildeo mercadoloacutegica e em geral o resultado do

placar aponta o consumidor como o perdedor - aquele que perde a sauacutede e ganha doenccedilas e

anguacutestias devido aos limites bioloacutegicos e materiais para consumir

Essa loacutegica consumista que leva agrave obesidade natildeo apenas do corpo mas a obesidade do pensamento dos sentidos O consumismo eacute uma expressatildeo dessa sociedade atual e que dialoga muito com a drogadiccedilatildeo inclusive porque significa a busca de um prazer imediato e fulgaz (P1)

Conforme apresentado observam-se as marcas da distinccedilatildeo dos discursos do poder

puacuteblico e da sociedade civil em relaccedilatildeo ao do mercado podendo ainda ser resumidas em

dois pontos principais

a) clareza quanto agrave interconexatildeo entre os alimentos e as doenccedilas a qual resulta de

uma relaccedilatildeo desajustada entre o indiviacuteduo e o consumo de alimentos industrializados

situada em um contexto de sociedade cuja engrenagem eacute permissiva para a produccedilatildeo Ao

mesmo tempo tal engrenagem eacute cerceadora para os indiviacuteduos Estes tecircm que se esforccedilar

continuamente para selecionar adequadamente o que consomem e movimentar o seu

corpo com regularidade para serem capazes de manter a sua sauacutede conforme ilustrado a

seguir

159

A epidemia da obesidade estaacute relacionada com o consumo de alimentos industrializadosrdquo (P4) A obesidade e o sobrepeso tecircm dois componentes fundamentais o sedentarismo falta da praacutetica regular de exerciacutecios e a alimentaccedilatildeo (P5) [] o percentual hoje da obesidade eacute de uma patologia que se agrava muito na populaccedilatildeo Isso eacute devido ao excesso de consumo de alimentos concentrados ou com alta concentraccedilatildeo de soacutedio gorduras em geral [] (P6)

b) visatildeo ampla sobre os problemas que afetam os alimentos que envolvem tanto os

nutrientes da sua composiccedilatildeo como os insumos utilizados na sua produccedilatildeo

(agrotoacutexicos) e a tecnologia que lhes satildeo aplicadas (alimentos transgecircnicos) []

cresceu muito a preocupaccedilatildeo dos alimentos com os insumos quiacutemicos os agrotoacutexicos e a liberaccedilatildeo

dos transgecircnicos (S2)

c) o alimento ou melhor o produto alimentiacutecio internaliza uma tipologia ldquobomruimrdquo

para a sauacutede eliminando a ldquoconcepccedilatildeo naturalista do alimentordquo Isso eacute o

contraponto com os que discursam em nome do mercado [] o alimento natildeo faz mal

nenhum Eu acho isso a frase mais incoerente e mais ignorante que eu jaacute vi na minha vida (M1) O

caraacuteter de nocividade imputado ao alimento contrariam as ideias veiculadas pelo

mundo do mercado que percebe o seu produto como resultado de uma tecnologia

de seguranccedila sanitaacuteria infaliacutevel suplantando falhas riscos ou deformaccedilotildees A

adoccedilatildeo desses alimentos sem duacutevida estaacute muito ligada aos prejuiacutezos que a sauacutede tem hoje ndash a

quantidade de accediluacutecar sal [] (P5)

Por fim eacute oportuno destacar o uso generalizado do termo ldquoalimentordquo para escamotear

o produto alimentiacutecio termo que eacute transposto para quaisquer modalidades de bens

comestiacuteveis sem mesmo nominar de produtos aqueles que se submetem a alto grau de

artificializaccedilatildeo e que somente podem ser identificados como tais antes do consumo

exclusivamente pelos aromas exalados que simulam os da natureza e que conduzem os

indiviacuteduos a associarem-nos ao imaginaacuterio alimentar

160

b) Irreversibilidade do consumo do produto industrializado

O produto alimentiacutecio encaixa-se no estilo de vida hegemocircnico reunindo

caracteriacutesticas especiais como a de ser praacutetico raacutepido e de ter embalagem descartaacutevel

atendendo agraves expectativas da urbanidade cuja regra eacute dispor-se de pouco tempo para ser

dedicado agrave alimentaccedilatildeo Atende tambeacutem agrave loacutegica da economia consumista de produzir

desejo efecircmero e necessidades insaciaacuteveis permitindo a constante inovaccedilatildeo e substituiccedilatildeo

de produtos Considerando o contexto de urbanizaccedilatildeo os trecircs grupos de sujeitos

convergem quanto agrave irreversibilidade do consumo do produto industrializado na sociedade

urbanizada

A tendecircncia dos alimentos industrializados eacute realmente aumentar ateacute em funccedilatildeo da atividade de trabalho enfim a gente almoccedila pouco em casa e se consome alimentos industrializados (P3) Os alimentos industrializados estatildeo imbricados na vida moderna [] as pessoas natildeo dispotildeem de tempo para preparar a comida [] (P4) As induacutestrias alimentiacutecias satildeo hoje uma necessidade para a populaccedilatildeo moderna pois a alimentaccedilatildeo fora do lar eacute uma das caracteriacutesticas atuais (P6) O alimento industrializado eacute uma necessidade (M2) [] natildeo teria vida moderna se natildeo fossem os alimentos industrializados (M1) [] eacute crescente (a participaccedilatildeo dos alimentos industrializados na sociedade atual) (S1)

No caso do mercado a conquista definitiva do produto alimentiacutecio no espaccedilo social

remete a duas representaccedilotildees fundamentais a primeira consiste na proacutepria afirmaccedilatildeo

geral do seu papel imprescindiacutevel para a humanidade [] o alimento industrializado ele eacute uma

necessidade [] [] sem a induacutestria natildeo conseguiriacuteamos alimentar a todos entatildeo haacute uma necessidade da

industrializaccedilatildeo do alimento (M2) a segunda afirma que o alimento industrializado eacute idealizado

como siacutembolo de vanguarda ele se confunde com a proacutepria modernidade natildeo apenas por

ser ldquocomida em sirdquo mas por ter desbravado novos horizontes atuando como um dos

propulsores da liberdade feminina e da longevidade humana Assim [] natildeo teria vida moderna

se natildeo fossem os alimentos industrializados Mulher natildeo saiacutea de casa porque teria que estar preparando

comida para as suas crianccedilas (M1)

Sob a oacutetica de um dos sujeitos ligado ao mercado a aplicaccedilatildeo de tecnologia no setor

de produccedilatildeo de alimentos eacute um medidor de qualidade pois valoriza os seus aspectos

nutricionais e aumenta o seu tempo de vida uacutetil aleacutem de garantir a seguranccedila sanitaacuteria do

161

produto Para os sujeitos desse setor nada escapa do controle e nada se iguala a outras

experiecircncias da praacutetica industrial e eles admitem que as externalidades negativas satildeo

possibilidades na atividade produtiva Assim disfunccedilotildees ou prejuiacutezos agrave sauacutede escapam do

universo do alimento industrializado

[] processamento ndash processar que significa [] preparar para preservar o alimento por mais tempo possiacutevel [] para apresentaacute-lo ao consumidor numa maneira mais adequada num ambiente em que estivesse para ser consumido com saudabilidade e com garantia de que aquilo natildeo lhe faria mal (M1)

Observa-se no trecho de fala anterior que na relaccedilatildeo produccedilatildeo-consumo a induacutestria

se projeta enquanto agente que reage diante das necessidades do consumidor desdobra-

se em busca de inovaccedilotildees e de ajustes para confeccionar produtos para atender ao

consumidor Nesse discurso os papeacuteis se invertem o consumidor eacute aquele que cria

necessidades e a induacutestria apenas as atende Uma ldquopassividaderdquo incompatiacutevel com a sua

capacidade de disseminar o produto gerar necessidades e insistir para obter sucesso nas

vendas

As falas dos sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil seguem na contramatildeo

daquelas realizadas pelos sujeitos do mercado e desfazem o ideal de pureza dos produtos

alimentiacutecios ao inseri-los no contexto vigente No somatoacuterio das falas partidas as doenccedilas

se originam no interior do proacuteprio mercado de alimentos encarregado de fabricar

produtos alimentiacutecios e que se comporta como agente portador de duas funccedilotildees

simultacircneas a operativa de causar doenccedilas e a simboacutelica de exterminar tradiccedilotildees

alimentares

A pandemia de obesidade estaacute associada ao mercado [] tem alimentos que satildeo viciantes ndash os refrigerantes satildeo viciantes o accediluacutecar vicia (P1) O alimento tem que ser inoacutecuo ao consumidor [] e tem que atender ao que eacute haacutebito do consumidor (P3) O nosso padratildeo alimentar estaacute se voltando muito para os alimentos superprocessados e que tecircm em sua composiccedilatildeo muitos componentes quiacutemicos [] aleacutem do soacutedio todos os edulcorantes aleacutem de todos os outros aditivos [] eu natildeo saberia explicar as doenccedilas [] (S2)

162

Para um dos entrevistados ligado ao grupo mercado que trata o produto alimentiacutecio

como uma excelecircncia fica impliacutecito que nenhum mal seraacute carreado ao consumidor por esse

produto Personaliza o alimento e naturaliza suas qualidades ancorando-a nos recursos da

natureza [] a mateacuteria-prima nossa cresce pela matildeo da terra (M1) ficando a induacutestria

impossibilitada de superar a terra em termos de capacidade de produccedilatildeo Quem dita as

qualidades do alimento eacute proacuteprio alimento e a terra e portanto ele eacute enfaacutetico ao contestar

qualquer difamaccedilatildeo dirigida agrave qualidade do produto [] natildeo adianta nada diminuir o nosso

produto Ele natildeo engorda com o nosso produto ele vai engordar com o resto com tudo (M1)

Todavia apesar da comunhatildeo majoritaacuteria de interesses no interior do grupo do

mercado dois sujeitos divergem quanto ao entendimento do comportamento dos produtos

alimentiacutecios em termos de qualidade Para eles as diferenccedilas na qualidade dos produtos

alimentiacutecios satildeo reais e se refletem no conteuacutedo e no preccedilo a) os produtos que contecircm

excesso de certos ingredientes-chave (accediluacutecar e gordura) na sua formulaccedilatildeo implicam

prejuiacutezos agrave sauacutede e tecircm preccedilos mais baixos b) a melhoria do perfil nutricional dos

produtos associa-se agrave elevaccedilatildeo dos preccedilos

[] produtos com muito accediluacutecar com excesso de gordura natildeo existia uma preocupaccedilatildeo tatildeo grande com essas caracteriacutesticas ateacute recentemente (M3) A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo maior Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso Quanto mais as pessoas tiverem condiccedilotildees mais elas vatildeo procurar este tipo de produto Entatildeo se vocecirc tivesse um volume maior de produccedilatildeo vocecirc conseguiria reduzir mas ele por si soacute jaacute eacute mais caro (M2)

A partir de tais consideraccedilotildees torna-se expliacutecito que o mercado de alimentos

responde agrave estratificaccedilatildeo da sociedade criando linhas de produtos qualitativamente

diferenciados para classes sociais hierarquizadas pelo poder aquisitivo Essas linhas de

fabricaccedilatildeo socialmente marcadas dividem-se em produtos alimentiacutecios com qualidade

nutricional inferior e preccedilos mais acessiacuteveis que conduzem a um maior impacto negativo agrave

sauacutede expondo a riscos a populaccedilatildeo situada nos estratos socioeconocircmicos mais inferiores

Jaacute aqueles produtos com perfil nutricional proacuteximo aos preceitos do que seja saudaacutevel e

mais caros destinam-se a um puacuteblico especial com poder aquisitivo superior e capaz de

custeaacute-los Observa-se que os produtos alimentiacutecios como qualquer outro bem dotado de

163

valor simboacutelico revestem-se de traccedilos de distinccedilatildeo (BOURDIEU 2011) Assim o tipo de

consumo alimentar exterioriza e possibilita identificar a posiccedilatildeo diferenciada dos

indiviacuteduos na estrutura social

Comprometidos com o interesse coletivo os entrevistados da sociedade civil

desvendam as maacutescaras associadas a esses nutrientes-chave encobertos pelas induacutestrias

Tais nutrientes somados aos aditivos e incorporados agrave formulaccedilatildeo do produto

comportam-se como verdadeiros artifiacutecios utilizados pela induacutestria para conquistar e

fidelizar o consumidor Tais artifiacutecios fazem com que se aproximem no plano imaginaacuterio o

aroma e o gosto do produto fabricado ao do alimento natural aleacutem de tornaacute-lo atraente

em termos de preccedilo e de apresentaccedilatildeo

A gordura e o accediluacutecar trazem sabor aos alimentos Entatildeo se vocecirc quer cativar um puacuteblico para que ele consuma aquele alimento o lado daquele que estaacute concebendo o alimento vai dizer carregue em sal carregue em accediluacutecar e carregue em gordura [] Aleacutem dos aromatizantes as coisas artificiais colocadas para realccedilar o aroma e o sabor o accediluacutecar a gordura e o sal satildeo elementos que cativam o gosto do consumidor satildeo ingredientes baratos (S1) Porque proliferam as marcas inclusive com o barateamento desses produtos superprocessados como exemplo []esses biscoitinhos essas coisas que ateacute parecem sei laacute chips (S2)

Para dois sujeitos da sociedade civil os riscos que tais nutrientes-chave portam

mereceriam ser alertados nos roacutetulos dos produtos alimentiacutecios A nossa regulamentaccedilatildeo ainda

eacute muito tecircnue pois ainda hoje se discute se esses alimentos com excesso de gordura ou natildeo tem que ser

colocados alertas nos roacutetulos para que sejam consumidos com ponderaccedilatildeo pois eu sou a favor (P6)

Um deles sugere que se poderia obedecer aos alertas aplicados para disciplinar o

tracircnsito considerando que um conjunto de informaccedilotildees de rotulagem obrigatoacuterias para os

produtos alimentiacutecios eacute insuficiente para manter o consumidor sob constante atenccedilatildeo

Assim o uso de certos sinais luminosos universais jaacute introjetados pelos indiviacuteduos eacute

sempre conveniente para alertar a populaccedilatildeo contra inuacutemeros riscos e perigos com fins de

estabelecer o controle e a proteccedilatildeo como eacute o caso [] o semaacuteforo nutricional adotado em alguns

lugares na Europa que sinaliza se um determinado alimento eacute rico demais em um nutriente Entatildeo isto eacute uma

coisa interessante do ponto de vista de informaccedilatildeo (S1)

164

Assim adaptar a loacutegica dos semaacuteforos de tracircnsito (poste) para o campo nutricional

possibilitaria ao consumidor visualizar a classificaccedilatildeo dos alimentos quanto ao teor de

certos nutrientes Trata-se de uma forma de comunicaccedilatildeo de risco de visualizaccedilatildeo raacutepida e

de compreensatildeo facilitada No entanto eacute o poder puacuteblico pelo seu papel regulador que

tem que se sensibilizar e operacionalizar essa proposta ou alguma outra que atenda agraves

necessidades expostas

Em se tratando de qualidade comercial de produtos a frase enfaacutetica de um dos

sujeitos do mercado destoa do comentaacuterio anterior Ningueacutem chega a ser o segundo maior

produtor de alimento do mundo e exportar para 114 paiacuteses produtos industrializados produtos processados

produtos semi-processados [] Natildeo se fala em alimento sem qualidade nutricional assim como se fala

qualidade (M1)

Na oacutetica do mercado a plena satisfaccedilatildeo da qualidade do produto eacute demonstrada pela

expansatildeo comercial Aqui a qualidade se converte em expansatildeo do produto no comeacutercio

exterior Eacute com um tipo de argumento semelhante a aceitaccedilatildeo internacional do produto

que se pretende esvaziar os espaccedilos limitados daqueles que acreditam e se mobilizam para

justificar o uso de advertecircncias e de outras medidas para regular o consumo dos produtos

alimentiacutecios

Entretanto um dos sujeitos do mercado posiciona a induacutestria de alimentos como

parte integrante do todo social e portanto portadora de responsabilidades para com a

sociedade Para ele a induacutestria de alimentos por prudecircncia natildeo deveria se distanciar ou

mesmo negar as mazelas do mundo social em especial quando o produto alimentiacutecio estaacute

envolvido nelas Atentar-se para medidas de correccedilatildeo pode ser uma estrateacutegia uacutetil para

manter-se estaacutevel ou ampliar o mercado Eu acho que as induacutestrias tecircm sim uma responsabilidade

muito grande de se preocupar com que se oferta e que tipo de caracteriacutestica o produto deve ter [] o papel da

induacutestria eacute estar conectado com essa nova situaccedilatildeo epidemioloacutegica (M3)

Na oacutetica da sociedade civil as pressotildees exercidas sobre a induacutestria estatildeo exigindo

dela respostas mas a reaccedilatildeo se faz de maneira tiacutemida voltada para a ampliaccedilatildeo do

portfoacutelio de produtos diferenciados poreacutem deixa intocada a composiccedilatildeo nutricional da

165

grande maioria dos produtos Sabe-se que a reversatildeo da qualidade nutricional desses

alimentos implica custos devido agrave substituiccedilatildeo de ingredientes por outros com qualidade

nutricional superior e relativamente mais caros causando consequentemente prejuiacutezos

nos lucros das empresas que crescem em ritmo excessivo

[] estaacute havendo uma pressatildeo para que ela (a induacutestria) melhore essa qualidade []na velocidade que seria necessaacuteria [] Se daacute mais ecircnfase no marketing apelos que vocecirc tem nas embalagens [] que eacute light que eacute diet [] para ganhar uma fatia do mercado [] uma postura tiacutemida [] A preocupaccedilatildeo de [] toda induacutestria de todo o negoacutecio eacute ter lucro [] melhorar um alimento vocecirc precisa investir em tecnologia e desenvolvimento [] gastar dinheiro eacute o que ningueacutem quer (S1)

Observa-se ainda nesse enunciado que satildeo esses apelos importados do padratildeo

alimentar americano (diet e light) destinados a uma determinada faixa da populaccedilatildeo que

conferem ao produto uma cauccedilatildeo de eficaacutecia e distinccedilatildeo social conforme antes

mencionada

As vendas dos produtos alimentiacutecios industrializados satildeo mobilizadas por um aparato

comercial e publicitaacuterio sofisticado e convincente que violenta os valores tradicionais da

cultura alimentar local e induz os brasileiros a modificar as suas preferecircncias em prol dos

produtos industrializados As pesquisas da POF e PNAD mostram por exemplo [] o crescimento do

consumo de biscoito recheado e de refrigerantes eacute absurdo E ao mesmo tempo noacutes temos uma reduccedilatildeo

grande no Brasil no consumo de arroz feijatildeo de frutas verduras e legumes [] (S2)

O que era suposiccedilatildeo agora eacute fato comprovado Os efeitos da atuaccedilatildeo das induacutestrias de

alimentos que natildeo se restringem ao Brasil mas se expandem pelo mundo jaacute se efetivou no

que se refere a uniformizar os haacutebitos e praacuteticas de consumo dos habitantes da terra

impor um estilo de comportamento racionalizar os custos de produccedilatildeo e elevar

exorbitantemente seus lucros

Se o mercado respeita o consumidor respeita seus haacutebitos de consumo isto porque

satildeo haacutebitos alimentares filtrados pelos interesses do mercado A preocupaccedilatildeo com a

quebra desse viacutenculo e a perda de vendas constitui a polecircmica enfrentada pelo setor

produtivo e revelada no discurso de seu representante [] o brasileiro ele estaacute acostumado a

166

comer mais salgado [] Entatildeo se vocecirc retira muito (o sal) vai ficar sem gosto e este produto vai deixar de ser

vendido no final (M2)

Para o mercado a mudanccedila da foacutermula do produto natildeo deve incidir sobre os lucros

comerciais Portanto eacute fundamental o empenho do governo em esclarecer agrave populaccedilatildeo

sobre a importacircncia da mudanccedila na composiccedilatildeo dos produtos para que esta seja

valorizada por aquela evitando-se rejeiccedilatildeo dos produtos e abalos nas vendas Isso porque

a reduccedilatildeo do teor de soacutedio tem um impacto na qualidade sensorial do produto alimentiacutecio

A induacutestria tambeacutem estaacute procurando soacute que a sociedade o governo em si tem que fazer o seu papel que eacute

esclarecimento (M2) O mercado defende que o governo em contrapartida ao empenho das

induacutestrias na reformulaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios deve instruir a populaccedilatildeo para a

aceitaccedilatildeo desses produtos ldquoreformuladosrdquo sendo essa uma forma de proteger o mercado

Poreacutem quando o assunto se refere ao governo orientar o proacuteprio mercado ou seja

disciplinar os produtos alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis para que haja uma sintonia com a

poliacutetica puacuteblica de prevenccedilatildeo da obesidade e de outras DCNT o representante desse

segmento deixa impliacutecito em vaacuterios momentos da fala que natildeo haacute justificativas para a

interferecircncia do governo nos negoacutecios da induacutestria uma vez que os produtos estatildeo

adequados [] natildeo me parece que a comida estaacute matando tanta gente como estatildeo falando Eacute muito mais

alarmismo [] Quanto tempo vocecirc natildeo ouve [] escacircndalos [] algueacutem morreu ou algueacutem ficou mal por

causa de produtos industrializados (M1)

Quando o tema da publicidade dos alimentos foi abordado vaacuterios discursos dos

sujeitos ligados ao poder puacuteblico e agrave sociedade civil organizada defenderam a necessidade

de regulaccedilatildeo e denunciaram as pressotildees dos setores produtivos sobre o governo

[] a educaccedilatildeo alimentar [] pode ter diversas frentes [] pode estar presente na restriccedilatildeo da publicidade de determinados alimentos [] (S1) A publicidade de alimentos tambeacutem precisava ser mais regulada esse princiacutepio da alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel eacute que deve ser o centro (S2) No caso da publicidade de alimentos o governo sofreu e foi tolhido com accedilotildees da proacutepria induacutestriardquo(P6) Haacute tambeacutem uma preocupaccedilatildeo com o niacutevel de publicidade de alimentos que estaacute completamente sem regulamentaccedilatildeo no paiacutes de alimentos nocivos agrave sauacutede e muito dirigida agraves crianccedilas (P1) Uma alimentaccedilatildeo que estaacute determinada pelo mercado e com uma falta de regulamentaccedilatildeo inclusive da publicidade O consumo de alimentos industrializados estaacute muito relacionado ao mundo do marketing da publicidade que induz a haacutebitos alimentares inadequados (P5)

167

A preocupaccedilatildeo com a publicidade estaacute no estiacutemulo ao consumo e na consequente

mudanccedila dos haacutebitos alimentares tradicionais saudaacuteveis que conduz agraves doenccedilas Os

indiviacuteduos ao aderirem a uma praacutetica alimentar imposta pelo mercado promovem o

fortalecimento desse mercado e ao mesmo tempo geram prejuiacutezos a sua sauacutede e a sua

cultura alimentar Por meio das falas evidencia-se a interferecircncia da induacutestria no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos e o recuo do governo como aconteceu com as regras

disciplinadoras da publicidade de alimentos destinadas ao puacuteblico infantil Apoacutes a sua

publicaccedilatildeo o regulamento aprovado sofreu inuacutemeras criacuteticas de opositores que culminou

na sua suspensatildeo por medidas judiciais impetradas pela induacutestria e empresas de

comunicaccedilatildeo

Haacute tempos se reforccedila a relaccedilatildeo entre a publicidade de produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis e as repercussotildees na sauacutede cuja intervenccedilatildeo tem o respaldo da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 em seu artigo art 227 que dispotildee Eacute dever da famiacutelia da sociedade e do

Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente com absoluta prioridade o direito agrave vida agrave

sauacutede [hellip] A questatildeo natildeo eacute de ordem teacutecnica e sim poliacutetica e os obstaacuteculos situam-se no

interior do corpo de parlamentares do Congresso Nacional que natildeo respeitam a

Constituiccedilatildeo Isso porque natildeo se dispotildeem a enfrentar as forccedilas econocircmicas jaacute que estas

servem como trampolim para muitos deles se elegerem como representantes formais do

povo mas de fato o que eles defendem satildeo os interesses do setor produtivo

[] esse Congresso precisa para a proteccedilatildeo da nossa populaccedilatildeo restringir a publicidade ao menos nos horaacuterios onde as crianccedilas satildeo mais vulneraacuteveis e ao mesmo tempo seguir o que a Constituiccedilatildeo recomenda A publicidade e o marketing tecircm um papel muito importante e por traacutes disto tem todo um empresariado ou seja uma forccedila econocircmica que tem forccedila poliacutetica porque o nosso modelo eacute do financiamento mais privado do que puacuteblico e portanto cerca de 200 empresas praticamente financiam as campanhas no Brasil [] Essas empresas satildeo quem fazem a publicidade e quem sustentam os meios de comunicaccedilatildeo as quais estatildeo concentradas nas matildeos de poucos e dependem os seus lucros disso ndash e aiacute estaacute a dificuldade os lobbies no Congresso para influenciar os deputados ou intimidaacute-los se contrariarem [] Eacute algo de luta poliacutetica aqui no parlamento a gente estaacute priorizando e reconhecendo as dificuldades poliacuteticas de aprovar [](P5)

Os discursos analisados afloram as contradiccedilotildees em torno dos produtos alimentiacutecios

que a despeito das vantagens geradas por eles e engendradas pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

168

da modernidade - como conforto e durabilidade - satildeo capazes de provocar um mal tardio

com o consumo constante impulsionado pela publicidade deixando os consumidores

fragilizados - em especial aqueles socialmente vulneraacuteveis

c) Autonomia do consumidor

O espiacuterito neoliberal que move a sociedade contemporacircnea sobrecarrega o indiviacuteduo

com responsabilidades com o seu corpo para mantecirc-lo iacutentegro e apto para atuar como

forccedila de trabalho O indiviacuteduo eacute instigado a criar mecanismos de autoproteccedilatildeo contra os

riscos que ele natildeo produziu manter-se atento agraves informaccedilotildees teacutecnicas para praticar o

autocuidado almejar a integridade da sauacutede e a empenhar-se no autocontrole para

manter seu corpo regulado (PETERSEN amp LUPTON 2000) Em siacutentese as condiccedilotildees de

bem-estar e de sauacutede satildeo de responsabilidade individual e qualquer desvio de conduta

significaraacute fracassos descompromissos e doenccedilas que teraacute que arcar consigo mesmo

Tais premissas datildeo contorno aos discursos oriundos dos representantes do mercado

cujo foco dirige-se de maneira unacircnime para culpabilizar o consumidor pela ausecircncia de

freios na ingesta dos alimentos pelo desconhecimento sobre como balancear a dieta pelo

sedentarismo e pelas doenccedilas contraiacutedas Os extratos de falas que abordaram a relaccedilatildeo da

pandemia de obesidade com os alimentos servem de ilustraccedilatildeo

[] se vocecirc comer 2000 calorias e gastar 1000 calorias vocecirc vai ficar obeso (M1) [] o aumento do sedentarismo [] as pessoas cada vez mais acomodadas [] se exercitam ou fazem menos atividades fiacutesicas Natildeo eacute soacute o alimento (M3) Se vocecirc natildeo conseguir uma dieta moderada pode-se chegar a obesidade [] (M2)

Outro entrevistado do grupo ao se manifestar sobre essa questatildeo prefere elidir a

figura do agente humano O excesso eacute que eacute o grande inimigo (M1) e substituir o indiviacuteduo

responsaacutevel por uma entidade substancial ldquoo excessordquo que se apodera de decisotildees

humanas Desse modo neutraliza-se a participaccedilatildeo da atividade industrial e apaga-se a

responsabilidade do produto Aqui o enunciado se desloca para o julgamento moral como

se todos devessem alcanccedilar o equiliacutebrio diante dos fatos do cotidiano

169

Em continuaccedilatildeo agrave fala desse mesmo entrevistado haacute o cruzamento da formaccedilatildeo

discursiva econocircmica com a religiosa quando o entrevistado se apoia nas infraccedilotildees liacutederes

que conformam os preceitos da era Cristatilde Em sua explicaccedilatildeo o homem que natildeo cultiva

suas proacuteprias virtudes espirituais se converte em pecador e recai unicamente sobre ele a

culpa e o ocircnus das puniccedilotildees assim reitera a responsabilidade individual frente agrave

obesidade [] quem eacute o culpado pelos excessos alimentares e as suas consequecircncias eacute o proacuteprio

consumidor - eacute o proacuteprio quem consome - eacute o ser humano que na ganacircncia voluacutepia na gula ele exagera

naquilo que faz ou natildeo se prepara adequadamente ele que eacute o proacuteprio culpado (M1)

De maneira oportuna o uso do interdiscurso individualista cristatildeo fundamenta duas

justificativas a) a imperfeiccedilatildeo do homem que natildeo consegue autoimpor limites para a sua

proacutepria ingesta e b) a exclusatildeo de elementos estrateacutegicos que exercem influecircncias no

comportamento individual do quadro explicativo a induacutestria que produz e estimula o

consumo de alimentos e o governo que impotildee regras para a produccedilatildeo-consumo

A polecircmica com que se depara o consumo de produtos alimentiacutecios eacute encarada como

anaacuteloga agrave enfrentada anteriormente pelo consumo de bebidas alcooacutelicas Em ambas as

situaccedilotildees o excesso eacute prejudicial agrave sauacutede O uso de publicidade de alimentos com

advertecircncia ao consumidor pode ser positivo poreacutem sem a necessidade de proibir ou

suspender a propaganda similarmente ao que se procede para limitar o consumo de

bebidas alcooacutelicas De modo impliacutecito um dos discursos dos sujeitos vinculados ao

mercado tendo como base a situaccedilatildeo epidemioloacutegica brasileira simula uma alternativa de

publicizar pelos veiacuteculos comerciais alerta para evitar o consumo excessivo desses

produtos e conter os efeitos adversos agrave sauacutede Assim ele faz uma adaptaccedilatildeo da frase que jaacute

eacute veiculada nas publicidades de bebidas alcooacutelicas para os produtos alimentiacutecios Coma com

moderaccedilatildeo (M2) Poreacutem deixa sempre claro que esse ato estaacute sob a responsabilidade do

consumidor

Contudo sem desmerecer a sensibilidade que reveste essa ideia tal enunciado

tambeacutem encobre trecircs vantagens que podem beneficiar o mercado evita a proibiccedilatildeo dos

produtos alimentiacutecios de maior risco agrave sauacutede resgata injunccedilotildees jaacute introjetadas no senso

170

comum nas publicidades contra o aacutelcool e o fumo e demonstra que a induacutestria tem

compromisso com o consumidor e se preocupa com o seu bem-estar e com a sauacutede do

coletivo

Desse dito (slogan) tambeacutem se subentende o natildeo-dito a evidecircncia de um

descontrole dos indiviacuteduos no ato de comer e a necessidade de alertaacute-los para que

restabeleccedilam o autocontrole uma vez que a soluccedilatildeo depende exclusivamente deles Assim

o debate eacute transferido do campo sociopoliacutetico para o campo moral eximindo as induacutestrias

de quaisquer implicaccedilotildees e permitindo que o comeacutercio de alimentos continue a florescer

sem limites uma vez que passa a ser de inteira responsabilidade do indiviacuteduo o controle do

que e do quanto consome

Em certa situaccedilatildeo elementos do discurso oriundo do mercado coincidem com os do

poder puacuteblico ao reforccedilar que satildeo as praacuteticas errocircneas dos indiviacuteduos que geram doenccedilas

[] assim como a obesidade foi construiacuteda ela deve no mesmo processo ser desconstruiacuteda [] natildeo eacute passando fome natildeo eacute com uma dieta que natildeo atenda as necessidades daquela pessoa e sim num processo de mudanccedila de haacutebitordquo (S3) As doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis [] satildeo multicausais [] falta de atividade fiacutesica excesso de comida com ingredientes e natildeo eacute soacute nosso industrializado que leva sal (M1)

Poreacutem na anaacutelise conjunta dessas falas surge de uma ponta a figura expliacutecita ou

natildeo do sujeito incapaz e que necessita de autotransformaccedilatildeo para controlar a doenccedila e de

outra o produto resumido a um mero fator causal obscurecido na trama articulada que

opera no mundo social

Consumidor eacute a referecircncia que se sobressai no mercado Todavia a depender do

viacutenculo do falante em certos pronunciamentos ele eacute substituiacutedo por indiviacuteduo cidadatildeo ou

agregado ao coletivo em termos de populaccedilatildeo Em geral as formaccedilotildees discursivas do

poder puacuteblico e da sociedade civil mencionam cidadatildeo ou populaccedilatildeo - para quem as suas

accedilotildees satildeo dirigidas Para esses sujeitos a populaccedilatildeo natildeo se comporta como uma massa

amorfa perante as questotildees alimentares que afetam diretamente a sua vida e sauacutede e a

informaccedilatildeo eacute vista como o fermento que pode elevar a sua consciecircncia quanto aos riscos

171

[] mas a populaccedilatildeo teve um grande incentivo e uma tomada de consciecircncia embora natildeo atingindo o desejaacutevel [] da importacircncia da alimentaccedilatildeo na vida da pessoa (S3) Haacute uma amostra razoaacutevel que tem mais acesso agraves informaccedilotildees e estatildeo mais sensiacuteveis mas nem sempre agem na praacutetica (P5) O enfoque principal para conter essa epidemia eacute a comunicaccedilatildeo de risco conscientizar o consumidor da importacircncia dele consumir alimentos mais saudaacuteveis [] (P4)

Para um dos interlocutores subsiste a convicccedilatildeo de que haacute estiacutemulos externos que

datildeo impulsos para o coletivo se mobilizar e assim fazer maturar um processo de reflexatildeo

de reaccedilatildeo e de revisatildeo do pensar e do agir

Alimentar-se deixou de ser um ato instintivo para satisfazer as necessidades

bioloacutegicas e afetivas Na atualidade saber alimentar-se adequadamente requer o domiacutenio

do conhecimento racional e de habilidades para fazer a escolha correta e estabelecer o

consumo regrado dos alimentos Ato que envolve uma liberdade regulada o acervo

cultural historicamente adquirido e as condiccedilotildees particulares de existecircncia e que pode

levar a uma praacutetica alimentar orientada por uma racionalidade unicamente dieteacutetica que

incentiva disciplinar o corpo para evitar o aparecimento de doenccedilas Eu acho que o alimento

sozinho natildeo resolve nada Ele pode reduzir se a pessoa natildeo sabe comer ela vai comer em excesso e vai dar na

mesma [] (M3) Acrescenta-se ainda que o aprendizado da alimentaccedilatildeo embora cultural eacute

dinamizado e moldado a partir das influecircncias sociais Assim o gosto e a preferecircncia pelos

produtos industrializados - e considerados prejudiciais agrave sauacutede - satildeo socialmente

adquiridos pela repeticcedilatildeo da experiecircncia sendo amplamente fomentados pelos estiacutemulos

da publicidade mercadoloacutegica

Mesmo com a retirada do disfarce que reveste certos tipos de produto alimentiacutecio

que oculta os males que estes podem acarretar agrave sauacutede e reafirmada a necessidade de sua

modificaccedilatildeo intriacutenseca a outra parte da responsabilidade recai sobre o indiviacuteduo este

deve empenhar-se em movimentar o corpo sistematicamente Assim sob o olhar desse

sujeito estaacute posta a soluccedilatildeo Eu acho que o alimento com a reduccedilatildeo dessas questotildees dos nutrientes-

chave e uma praacutetica cada vez mais crescente de atividade fiacutesica vatildeo ser dois elos fundamentais (M3) Em

busca de soluccedilotildees para o excesso de peso generalizado faz-se uma simplificaccedilatildeo da anaacutelise

de um fenocircmeno sociocultural complexo que eacute o consumo de alimentos transportando-o

para um contexto reduzido e superficial como forma de defesa da sauacutede

172

Ainda sob a perspectiva do mercado o consumidor natildeo eacute suficientemente qualificado

para entender o conteuacutedo dos roacutetulos veiacuteculos por meio dos quais a induacutestria torna

transparente as informaccedilotildees sobre o produto ofertado [] ler roacutetulo natildeo eacute normal neste paiacutes Noacutes

vamos nos enganar em dizer que todo mundo lecirc roacutetulo Uma boa parte ainda lecirc a data e a validade do produto

(M2) Eacute importante destacar aqui que disponibilizar informaccedilotildees na rotulagem dos

produtos natildeo eacute apenas cumprimento de determinaccedilatildeo legal Eacute tambeacutem uma expressatildeo do

direito agrave informaccedilatildeo e um meio de comunicar as caracteriacutesticas de identidade e qualidade

do produto para facilitar a comparaccedilatildeo entre eles e orientar a escolha Satildeo informaccedilotildees

teacutecnicas que ainda natildeo se popularizaram o suficiente para que sejam compreendidas e

valorizadas pela populaccedilatildeo em geral exceto o prazo de validade uma informaccedilatildeo

autoexplicativa

Aleacutem disso eacute necessaacuterio investir em formas de comunicaccedilatildeo de rotulagem com uma

linguagem clara acessiacutevel e que permita faacutecil identificaccedilatildeo das mensagens como eacute o

semaacuteforo nutricional A valorizaccedilatildeo do direito agrave informaccedilatildeo requer a decodificaccedilatildeo das

mensagens teacutecnicas permitindo a todos que as dominem e ajustadas a um contexto de vida

em que o tempo dedicado agrave leitura de roacutetulos de produtos eacute cada vez mais escasso

Para os sujeitos do mercado a questatildeo natildeo estaacute em torno dos produtos alimentiacutecios

em si mas no consumidor que devido agraves suas limitaccedilotildees intelectuais e materiais fica

impossibilitado de usufruir de um produto alimentiacutecio com caraacuteter bivalente que possui

propriedades de alimentar e de nutrir ao mesmo tempo

[] se faz as dietas se falam tanto mas se praticam pouco[] existem pessoas preocupadas pessoas que lecircem pessoas que entendem mas natildeo vamos esquecer que a grande maioria dos brasileiros trabalha para comer Entatildeo com todo respeito eles querem comer primeiro depois eles vatildeo se preocupar com o que comer ndash esta eacute a segunda fase (M2) [] desinformaccedilatildeo dos consumidores sobre o que o produto de fato oferece (M3)

Conforme os discursos do mercado o problema estaacute na massa de consumidores que

apresenta um perfil em que reina a incompetecircncia ignoracircncia e desinformaccedilatildeo e cujo

interesse pelos alimentos ainda se dirige prioritariamente para a satisfaccedilatildeo das

necessidades primaacuterias sem estabelecimento de crivos teacutecnicos para sua seleccedilatildeo Assim os

173

consumidores permanecem como o elo mais fraco da cadeia sendo providos de atributos

negativos que os impossibilitam de eleger produtos alimentiacutecios com perfil nutricional

saudaacutevel quer por desinformaccedilatildeo ou por restriccedilatildeo no seu poder de compra Para os

sujeitos do poder puacuteblico e da sociedade civil organizada impera a falta de informaccedilatildeo do

consumidor limitante do seu grau de consciecircncia sobre o que consiste uma alimentaccedilatildeo

adequada

No jogo dos discursos dos diferentes sujeitos a posiccedilatildeo do consumidor frente aos

riscos dos alimentos situa-se sinteticamente entre um papel de viacutetima ou de culpado No

primeiro caso caracteriza-se pela qualificaccedilatildeo deficiente e a falta consciecircncia cidadatilde que o

subjuga agraves imposiccedilotildees do mercado e no segundo pela incompetecircncia em limitar o seu

autoconsumo ler corretamente as informaccedilotildees teacutecnicas de rotulagem dos produtos e

adotar um modo de vida menos sedentaacuterio

d) Consumidor para (trans) formar

Embora sem esclarecer qual o significado preciso dado agrave ldquoeducaccedilatildeordquo esta eacute apontada

por vaacuterios sujeitos como uma das medidas de intervenccedilatildeo relevantes e dirigidas agrave

populaccedilatildeo Permanece em aberto se tal educaccedilatildeo proposta de fato envolve intercacircmbio de

saberes que busquem estimular as possibilidades do sujeito para refletir sobre a realidade

ou simplesmente eacute mera transferecircncia de informaccedilotildees sem compromisso com qualquer

tipo de mudanccedila

Hoje qualquer um entra em um supermercado e vecirc uma prateleira com centenas de opccedilotildees e vocecirc natildeo vai proibir nenhuma delas A maneira de enfrentar isso eacute com informaccedilatildeo orientaccedilatildeo educaccedilatildeo digamos assim de uma maneira maior mais ampla eacute a educaccedilatildeo alimentar (S1) Noacutes estamos fazendo agora uma campanha voltada para alimentaccedilatildeo fora do lar [] Privilegiar predominantemente accedilatildeo de incentivo a alimentaccedilatildeo saudaacutevel em praacuteticas educativas na abordagem preventiva [] (S3)

174

Constam desse enunciado trecircs modalidades de instruccedilatildeo ndash educaccedilatildeo informaccedilatildeo e

orientaccedilatildeo ndash dirigidas agrave populaccedilatildeo sobre a maneira melhor de se alimentar e que seratildeo

comentadas a seguir

A educaccedilatildeo entre essas modalidades eacute considerada a uacutenica ferramenta que se

contrapotildee agraves estrateacutegias mercadoloacutegicas e que eacute capaz de impedir que a forccedila desenfreada

de induccedilatildeo agraves compras domine o indiviacuteduo e transforme o consumo em um ato

inconsciente A educaccedilatildeo possibilita ao indiviacuteduo refletir e analisar os fatos em sua

dimensatildeo criacutetica Todavia haacute de ser uma educaccedilatildeo concebida como um processo reflexivo

de aprendizagem de conhecimentos e de interiorizaccedilotildees das normas comuns regras e

valores E dessa forma propiciando ao indiviacuteduo reconhecer o seu papel enquanto um ser

social e enquanto membro de uma sociedade que pressupotildee a convivecircncia com o outro

Nesse sentido uma educaccedilatildeo exitosa natildeo daacute soluccedilotildees mas leva o sujeito ao

questionamento das praacuteticas Iluminada pela concepccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de Freire

(2010) a educaccedilatildeo nesse contexto deve ser um meio de despertar inquietudes frente agrave

problemaacutetica dos riscos dos alimentos e de desenvolver uma postura conscientemente

criacutetica sobre ela conforme preconiza essa praacutetica pedagoacutegica democraacutetica

No que concerne agrave modalidade informaccedilatildeo ela trata de introjetar conhecimentos de

forma automatizada sem processo de reflexatildeo Eacute a transferecircncia unilateral de informaccedilotildees

- e a obtenccedilatildeo de respostas mecacircnicas frente aos comandos suscitados por estas Jaacute a

orientaccedilatildeo se natildeo for fundamentada em uma relaccedilatildeo dialoacutegica e transformadora pode

redundar em resultados similares aos da informaccedilatildeo

O discurso do mercado tambeacutem evoca a ldquoeducaccedilatildeordquo com fins de reorientar a

populaccedilatildeo quanto agrave praacutetica de consumo dos alimentos Natildeo pense que vocecirc pode ficar sem

gordura natildeo vai ter que comer gordura um pouco mas vai ter que comer Entatildeo noacutes vamos ter que usar de

alguma maneira a educaccedilatildeo para que natildeo haja mais do que isso (M1) A forma de emprego do ldquonoacutesrdquo

indica que a responsabilidade eacute do conjunto da sociedade inclusive do mercado Poreacutem no

decorrer da fala desse sujeito o ldquonoacutesrdquo se reduz ao governo e o mercado se exime dessa

175

responsabilidade O governo estaacute cometendo o maior erro da histoacuteria olhando soacute o industrializado e natildeo

estaacute focando o resto e noacutes natildeo somos o todo noacutes somos uma parte O governo tem que educar (M1)

Esse discurso reporta a educaccedilatildeo a partir de um prisma reducionista Educar natildeo eacute

somente articular os nexos causais de um dado fenocircmeno Eacute antes de tudo compreendecirc-lo

criticamente eacute a busca da autenticidade do fenocircmeno ldquoriscos-alimentos-doenccedilasrdquo que

propiciaraacute o desenvolvimento da consciecircncia criacutetica (FREIRE 2010) Nos discursos

supracitados a concepccedilatildeo da educaccedilatildeo se reduz agrave dimensatildeo da oferta de informaccedilotildees

como se esta fosse suficiente Parece tambeacutem haver um entendimento de que o processo de

acumulaccedilatildeo de informaccedilotildees poderia gerar consciecircncia e mudanccedila de comportamento

Os sujeitos ligados agrave sociedade civil ao poder puacuteblico e ao organismo internacional se

manifestam de forma unacircnime quanto agrave ideia de empoderar a populaccedilatildeo Para eles esta eacute

uma alternativa para se resgatar e valorizar a alimentaccedilatildeo tradicional e saudaacutevel que foi

perdida

Eu acho que a gente precisa cada vez mais favorecer estimular desenvolver processos de educaccedilatildeo alimentar e nutricional para que as pessoas fiquem mais empoderadas para poder fazer escolhas (OI) Esse movimento de melhoria da qualidade nutricional dos alimentos [] natildeo pode ser soacute do governo eacute preciso o engajamento da sociedade civil organizada tambeacutem [](P4) Talvez atualmente a gente possa dizer [] que haacute uma nascente de preocupaccedilatildeo [] que eu espero que cresccedila essa consciecircncia em relaccedilatildeo ao alimento (S2)

Nesse sentido a Marco de Referecircncia de Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional - EAN35

foi instituiacuteda com o fim de ser uma estrateacutegia fundamental para promover praacuteticas

alimentares saudaacuteveis e prevenir e controlar os problemas alimentares e nutricionais

(BRASIL MDS 2012b) Pautada em uma perspectiva emancipadora seu propoacutesito

extrapola o ato de tornar o indiviacuteduo como ser ativo e autocircnomo para as escolhas e as

praacuteticas alimentares e abarca a capacidade de ele (re) interpretar o mundo e a si mesmo

ou seja de dirigir e de transformar a proacutepria vida Isso significa empoderamento

35 O Marco de Referecircncia Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional paras as Poliacuteticas Puacuteblicas no contexto da realizaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e da garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute um campo de conhecimento e de praacutetica contiacutenua e permanente transdisciplinar intersetorial e multiprofissional que visa promover a praacutetica autocircnoma e voluntaacuteria de haacutebitos alimentares saudaacuteveis (BRASIl MDS 2012b) Eacute um campo de accedilatildeo que abrange os aspectos relacionados ao alimento agrave alimentaccedilatildeo e agrave nutriccedilatildeo assim como os processos relativos ao sistema de produccedilatildeo

176

Eacute interessante notar que os sujeitos percebem que o enfrentamento da temaacutetica dos

riscos dos alimentos natildeo fica restrita ao campo da sauacutede e da educaccedilatildeo invade tambeacutem as

estruturas sociais com destaque a forma de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo-consumo para

assim tornar possiacutevel restabelecer e consolidar uma praacutetica alimentar pautada na sauacutede

[] para dar resposta a obesidade mas o real enfrentamento dos determinantes sociais e ambientais da obesidade ocorrem em outros espaccedilos que passam pelo modelo de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de alimentos que passam pelos programas sociais que passam pela educaccedilatildeo pela questatildeo da comunicaccedilatildeo direta do consumidor um conjunto de outras agendas Enfrentar a obesidade implica resposta intersetorial (P2)

No entanto a EAN propotildee em seus princiacutepios estruturantes resgatar as diferentes

facetas do fenocircmeno da alimentaccedilatildeo ao considerar uma e abordagem integrada do sistema

alimentar da sustentabilidade social ambiental e econocircmica da valorizaccedilatildeo da cultura

alimentar local da promoccedilatildeo do autocuidado e da autonomia dos sujeitos entre outros

aspectos Segundo esse Marco de Referecircncia a EAN envolve conhecimento amplo e

transdisciplinar acoplado a uma praacutetica intersetorial e multiprofissional para promover a

autonomia e voluntariedade para adoccedilatildeo dos haacutebitos alimentares saudaacuteveis (BRASIL MDS

2012)

Mesmo assim promover a EAN como praacutetica institucionalizada natildeo exime o Estado

do seu dever de refrear os excessos cometidos pelo mercado e que repercutem na vida

social em especial no grupo mais vulneraacutevel da populaccedilatildeo Neste destacam-se as crianccedilas

que satildeo indiviacuteduos intelectualmente imaturos e portanto ainda impotentes para fazer

adequadamente suas proacuteprias escolhas e criacutetica aos estiacutemulos recebidos

Eacute certo que as iniciativas no campo das poliacuteticas sociais engendradas no Brasil tecircm

um efeito econocircmico positivo para as parcelas mais pobres da populaccedilatildeo repercutindo

positivamente no acesso aos alimentos No que se refere agrave reduccedilatildeo da pobreza observa-se

que a implementaccedilatildeo do Programa Fome Zero a partir de 2003 conseguiu reduzir a taxa

de pobreza da populaccedilatildeo brasileira de 281 para 154 em 2009 (DEL GROSSI 2010)

Fato que concorreu positivamente para a melhoria do estado nutricional das crianccedilas de

177

zero a cinco anos de idade das famiacutelias atendidas pelo Programa Bolsa Famiacutelia durante o

periacuteodo de 2008 a 2012 (BRASIL MDS MS 2014)

Entretanto o avanccedilo material desse grupo social traduzido pela sua progressiva

participaccedilatildeo no mercado de consumo de diferentes bens tambeacutem foi percebido no

aumento do consumo de diferentes produtos alimentiacutecios industrializados Esse fenocircmeno

pode ser considerado previsiacutevel em funccedilatildeo da demanda reprimida construiacuteda por longos

periacuteodos de exposiccedilatildeo aos incentivos de consumo mas restringida pelas condiccedilotildees

financeiras Somado a isso as empresas de alimentos desenvolveram estrateacutegias de

marketing tipos de embalagens e formas de comeacutercio varejista especiacuteficas para captar os

milhotildees de famiacutelias que ampliaram sua renda por meio das poliacuteticas sociais Nesse

percurso as accedilotildees de educaccedilatildeo em sauacutede em geral e de educaccedilatildeo alimentar e nutricional

em particular continuaram no ritmo tradicional e pouco (ou nada) dialogaram com essa

nova realidade das famiacutelias

Hoje existe toda uma mudanccedila social [] que ela traz um certo risco a essa consciecircncia que o cara que soacute comia arroz e feijatildeo e farinha de mandioca e de vez em quando um ovo ainda bem que ele pode comer outras coisas Mas [] ele prefere entatildeo do ponto de vista de status social ndash que eacute legiacutetimo [] comer hambuacuterguer [] ou salsicha ou [] miojo [] Podem [] comer mais mas nem sempre melhor (S1)

Esse comentaacuterio eacute coerente com a tendecircncia de escolha por produtos industrializados

de baixa qualidade nutricional evidenciada entre a parcela da populaccedilatildeo mais pobre

conforme os uacuteltimos dados da POF 20082009 (BRASIL IBGE 2010) Essa associaccedilatildeo entre

o padratildeo alimentar e o status procede pois este se define mais pelos traccedilos simboacutelicos do

que pelas diferenccedilas propriamente econocircmicas (BOURDIEU 2011) Desse modo consumir

determinados produtos alimentiacutecios antes excluiacutedos da dieta leva no imaginaacuterio dos

indiviacuteduos pobres agrave ascensatildeo social pela representaccedilatildeo que esses produtos incorporam e

que eacute disseminada em suas propagandas Situaccedilatildeo similar foi observada com as famiacutelias

beneficiaacuterias do Programa Bolsa Famiacutelia apoacutes resolvidas as suas necessidades baacutesicas de

alimentaccedilatildeo elas recorrem tanto aos alimentos saudaacuteveis (frutas verduras e legumes)

178

como aos produtos industrializados de alta densidade energeacutetica e baixo valor nutritivo

(IBASE 2008)

Em geral a discussatildeo especiacutefica sobre a qualidade dos alimentos manteacutem-se afastada

das pautas reivindicatoacuterias dos movimentos sociais Poucas entidades dedicam-se ao tema

e o transformam em plataforma de luta e de atenccedilatildeo permanente Contudo conforme um

dos sujeitos representante de entidade da sociedade civil com a abertura dos movimentos

para a discussatildeo sobre o tema da ldquodefesa da soberania alimentarrdquo nos uacuteltimos anos a

expectativa eacute que a preocupaccedilatildeo com a qualidade da alimentaccedilatildeo seja suscitada Eacute

interessante que haacute uma mobilizaccedilatildeo de muitos movimentos sociais pela soberania alimentar eu acho que o

fato dos movimentos passarem a incorporar entre as suas causas a defesa da soberania alimentar faz com que

essa visatildeo do alimento que se come fique mais proacutexima (S2)

O desconhecimento da complexidade do binocircmio alimentaccedilatildeo-sauacutede atualmente

enfrentado pela sociedade natildeo eacute um privileacutegio exclusivo do universo dos leigos ele ocorre

tambeacutem nos espaccedilos acadecircmicos atingindo em especial os profissionais de sauacutede que tecircm

entre as suas atribuiccedilotildees a prevenccedilatildeo e o tratamento de doenccedilas inclusive aquelas

relacionadas ao consumo inadequado de alimentos Ampliar o conhecimento dos

profissionais de sauacutede - tanto sobre a complexidade dos processos alimentares

contemporacircneos mas tambeacutem em abordagens participativas de educaccedilatildeo- eacute um dos

desafios atuais inclusive na formaccedilatildeo dos nutricionistas (RECINE MORTOZA 2013) Esses

satildeo os caminhos apontados pelo sujeito do poder puacuteblico para serem trilhados como meio

de conter a obesidade

[] a populaccedilatildeo tem o direito de conhecer o perfil epidemioloacutegico para que possam dirigir as campanhas de prevenccedilatildeo Se vocecirc conscientiza a populaccedilatildeo sobre a qualidade dos alimentos natildeo soacute em campanhas publicitaacuterias mas na formaccedilatildeo do meacutedico sobre o excesso de peso ter uma alimentaccedilatildeo diferente e encaminhar o paciente para o nutricionista (P1)

No campo dos alimentos as demandas provenientes das forccedilas sociais ndash mercado e

sociedade - que satildeo remetidas ao governo para serem administradas nem sempre resultam

em deliberaccedilotildees nas quais os interesses coletivos sobressaem-se aos particulares seja por

razotildees internas e ou por debilidades na pressatildeo do conjunto social Nesse sentido e sem

179

designar o agente incumbido de mobilizar a sociedade - poreacutem excluindo o governo do

compromisso de ser a lideranccedila - sujeitos vinculados ao poder puacuteblico destacam em seu

discurso que sem a forccedila dos cidadatildeos sensibilizados com os conflitos em torno dos

alimentos e da sauacutede o governo encontra-se impossibilitado de fazer acontecer as

mudanccedilas necessaacuterias nesse campo

[] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover a agenda (P2) A massa criacutetica eacute pequena [] mas se outros elos dessa sociedade encamparem essa poliacutetica a gente teraacute sucesso muito raacutepido (P4)

Eacute verdade que a atitude indutora do mercado para a conquista de consumidores se

vale do traccedilo essencial do ser humano o de ser um sujeito com potencial de tornar-se

consciente e autocircnomo de suas proacuteprias accedilotildees Agora ele ndash o ser humano- eacute objeto de

manipulaccedilatildeo do mercado que sutilmente decide por ele o que eacute prazeroso comer onde e

como comer fazendo-o desligar-se das questotildees fundamentais que envolvem o ato de

alimentar-se e nutrir-se Nesse sentido um dos sujeitos ligados ao poder puacuteblico conclama

que eacute preciso munir o consumidor de informaccedilotildees para se fazer o resgate dos valores

simboacutelicos intriacutensecos agrave natureza humana amortecidos com a interferecircncia do mercado Eacute

preciso libertar o ser humano que tem dentro de cada consumidor para que natildeo se apequene o ser humano e

se agigante a condiccedilatildeo do consumidor para que se tenha o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilatildeo sobre os

alimentos que satildeo fornecidos em espaccedilos puacuteblicos (P1) No entanto como abordado anteriormente

natildeo eacute a informaccedilatildeo que transforma mas a informaccedilatildeo inserida em um contexto de

educaccedilatildeo como um processo criacutetico e participativo

Para alguns sujeitos do poder puacuteblico a sociedade civil brasileira caracteriza-se pela

falta de acuacutemulo de experiecircncias histoacutericas de lutas pela conquista de direitos de cidadania

Em funccedilatildeo disso quando o assunto eacute o de lidar com os efeitos da relaccedilatildeo entre alimentos e

sauacutede o papel que ela assume apresenta um caraacuteter bastante ambivalente nos discursos

formulados Apesar do reconhecimento da debilidade da sociedade civil que a faz

continuar a depender do suporte e das informaccedilotildees do Estado para compreender e adquirir

consciecircncia sobre os problemas que lhe afeta a sua atuaccedilatildeo eacute imprescindiacutevel para

180

pressionar o Estado quando da administraccedilatildeo de conflitos que envolvem a qualidade de

alimentos Isso porque ela se constitui em uma forccedila social capaz de contrapor-se agraves

demais e de lutar para dar concretude aos interesses coletivos de sauacutede

A sociedade civil estaacute muito parada natildeo tem qualidade de luta que o paiacutes necessita (P6) [] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover essa agenda (P2) O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular [] mas fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo (P1)

Contudo haacute dificuldades reais e histoacutericas que inibem a organizaccedilatildeo da sociedade

conforme apontam dos comentaacuterios a seguir O sujeito do poder puacuteblico pontua que as

sucessivas experiecircncias de opressatildeo social vivenciadas pelo povo brasileiro em sua

histoacuteria imprimiu marcas no inconsciente coletivo de medo de descrenccedila e de

incapacidade de organizar-se para lutar pelos interesses do conjunto que dificultam ou

retardam o fortalecimento dos movimentos sociais e o atendimento das reivindicaccedilotildees de

interesse coletivo

[] haacute segmentos organizados que sim mas a grande maioria natildeo estaacute preparada [] Face agrave nossa histoacuteria - colonialismo escravidatildeo e ditadura ndash pedaccedilos presentes na nossa contemporaneidade natildeo temos uma sociedade civil que esteja agrave altura das demandas de cidadania desse paiacutes marcados por ldquocasas grandes e senzalasrdquo (P1)

Obviamente as situaccedilotildees de opressatildeo e intimidaccedilatildeo impostas agrave maioria da populaccedilatildeo

pela elite brasileira associadas agrave pauperizaccedilatildeo generalizada e agrave falta de educaccedilatildeo no

sentido lato que persistiram ao longo do desenvolvimento econocircmico-social do paiacutes

contribuiacuteram para a formaccedilatildeo do povo brasileiro com tal perfil de luta Assim dotar essa

populaccedilatildeo de um aporte instrumental educativo que possa lhe dar plena autonomia para

fazer escolhas no acircmbito da alimentaccedilatildeo e consequentemente contrapor-se agrave ditadura do

mercado eacute uma das funccedilotildees do Estado em uma sociedade cujo percurso histoacuterico natildeo

permitiu o fortalecimento dos movimentos sociais para reivindicar as suas necessidades

em todos os aspectos da vida E por isso haacute discurso persistente em enfatizar que ao

Estado cabe a funccedilatildeo relevante de instruir a populaccedilatildeo para que ela possa redirecionar as

suas condutas e atitudes

181

O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular nem de fazer cultura mas de fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo Sem o Estado a gente natildeo consegue superar isso hoje Este paiacutes tem uma sociedade civil ainda pouco organizada para as demandas de cidadania que noacutes temos (P1)

Por fim natildeo eacute a informaccedilatildeo isolada que elevaraacute a consciecircncia criacutetica Esta pode ser

construiacuteda com o suporte das accedilotildees de EAN e de outras iniciativas educativas com

propoacutesitos similares que problematizam as questotildees relativas aos produtos alimentiacutecios e

agraves doenccedilas correlacionadas em um ambiente democraacutetico permitindo agrave populaccedilatildeo

repensar a sua praacutetica alimentar proteger-se dos riscos dos alimentos e reivindicar

qualidade para os alimentos com fins de melhorar as condiccedilotildees de sauacutede e vida

e) ldquoRegulaccedilatildeo Consentidardquo

Para regular as praacuteticas do mercado no acircmbito da sauacutede eacute imprescindiacutevel que haja

possibilidades ou comprovaccedilatildeo de riscos que ameacem a integridade da populaccedilatildeo O

discurso de um sujeito vinculado ao organismo internacional eacute emblemaacutetico e apresenta os

requisitos teacutecnicos necessaacuterios para deflagrar um processo de regulaccedilatildeo dos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis

Eacute clara essa relaccedilatildeo do consumo de alimentos industrializados com essas doenccedilas (DCNT) Esses alimentos normalmente eles tecircm uma quantidade de calorias maior bem maior do que o alimento in natura tecircm algumas pesquisas mostrando isso [] a densidade energeacutetica deles normalmente eacute maior do que os alimentos in natura [] o que favorece o aumento do excesso de peso nas pessoas e todas as doenccedilas relacionadas [] (01)

Poreacutem regular eacute um empreendimento teacutecnico e poliacutetico e portanto satildeo os discursos

dos sujeitos do mercado do poder puacuteblico e da sociedade civil brasileira com seus pontos

de convergecircncias e divergecircncias que iratildeo formar o clima regulatoacuterio explorado a seguir

Diante da retoacuterica da recuperaccedilatildeo do poder regulador do Estado afirmada com a

reforma institucional objetivando reduzir os entraves burocraacuteticos e facilitar o desenrolar

das atividades econocircmicas as reflexotildees feitas pelos sujeitos da sociedade civil e do poder

182

puacuteblico fluem em linhas divergentes Para um deles esse processo de reformulaccedilatildeo

dinamizou a atividade regulatoacuteria do Estado com a criaccedilatildeo das agecircncias reguladoras Para

o outro sujeito houve a inversatildeo dos papeacuteis exercidos pelo Estado e pelo mercado e a

reduccedilatildeo da capacidade do poder puacuteblico de interferir no mundo privado ficando aquele agrave

mercecirc dos interesses econocircmicos

[] o Estado brasileiro voltou a ter um papel ativo [] readquiriu um pouco o seu papel regulador [] eacute que natildeo eacute possiacutevel acreditar que o mercado regule e as empresas querem isso Eacute um sistema capitalista movido fundamentalmente pelo lucro se natildeo houver regras claras alguns bloqueios as consequecircncias para a populaccedilatildeo satildeo dramaacuteticas (S2) Eu natildeo gosto muito dessa visatildeo de agecircncia esse modelo que vem dos Estados Unidos neoliberal [] eu tenho duacutevidas do papel da agecircncia como modelo institucional de braccedilo do Estado para regular Elas terminam sendo mais refeacutens do mercado do que obedecendo ao Estado (P5)

Constata-se tambeacutem que as entidades representativas do mercado posicionam-se

acima dos interesses de quaisquer fragmentos da sociedade - e a forma como utilizam os

valores dos iacutendices pessoais eacute um indicativo de sua supremacia Noacutes hoje exportamos para 114

paiacuteses produtos industrializados [] (M1) No discurso de um dos sujeitos de mercado o ldquonoacutesrdquo

alterna entre duas formas de expressatildeo de valores primeiro o ldquonoacutesrdquo remete a toda

sociedade brasileira Acontece que noacutes somos um paiacutes privilegiado Temos tudo aqui para noacutes nos

alimentarmos (M1) E nessa perspectiva coloca sua organizaccedilatildeo como parte da sociedade

Esse eacute o modo de ele expressar que as medidas adotadas para a sociedade afetam a eles

mesmos Hoje noacutes somos um grande produtor (M1) Verifica-se uma nacionalizaccedilatildeo do ldquonoacutesrdquo sem

distinccedilatildeo ou existecircncia de conflitos

Aleacutem de se apresentar como parte desse organismo coletivo o ldquonoacutesrdquo nacional a

entidade se apresenta ao mesmo tempo como um ldquonoacutesrdquo um corpo especiacutefico dentro desse

corpo nacional Noacutes somos tambeacutem parte dessa sociedade noacutes produzimos noacutes empregamos [] 150 anos

aqui (M1) Assim ao mesmo tempo em que insinua compartilhar as preocupaccedilotildees comuns

como membro do corpo nacional salienta de modo singular que eacute o motor do corpo

nacional Como parte diferenciada do corpo nacional haacute uma estratificaccedilatildeo que situa o

proacuteprio ldquonoacutesrdquo especiacutefico (da entidade) acima do corpo nacional fazendo com que eles

sejam dispensados de obedecer as prescriccedilotildees do poder nacional Noacutes natildeo precisamos de quem

nos diga o que fazer (M1)

183

Essa afirmaccedilatildeo da entidade eacute frequentemente reiterada Noacutes estamos fazendo sozinhos noacutes

natildeo precisamos do governo noacutes estamos trabalhando com o governo (M1) para reforccedilar a autonomia e

autosuficiecircncia do mercado perante as instituiccedilotildees governamentais demonstrando serem

desnecessaacuterias quaisquer interferecircncias ou limitaccedilotildees que se pretenda realizar sobre a

atividade econocircmica Aliaacutes subtende-se do discurso que o mercado eacute uma instituiccedilatildeo que

pode ofertar espontaneamente o seu auxiacutelio ao governo como tambeacutem pode modelar as

formas de governanccedila do poder

Mesmo em situaccedilotildees em que a accedilatildeo exija a concordacircncia entre os agentes envolvidos

Noacutes fizemos um Acordo com o Ministeacuterio da Sauacutede (M3) o ldquonoacutesrdquo assume a conotaccedilatildeo de impositivo

de unilateralidade como se a iniciativa a disposiccedilatildeo e a decisatildeo de efetuar o ato recaiu

unicamente sobre o sujeito que fala na qualidade de um dos representantes do mercado

Na realidade a mobilizaccedilatildeo partiu do governo em funccedilatildeo da necessidade de se melhorar a

qualidade nutricional dos produtos alimentiacutecios e de minimizar os impactos negativos que

eles exercem sobre as DCNT

Outros sujeitos do mercado mostraram-se mais permeaacuteveis agraves interaccedilotildees Em seus

discursos o ldquonoacutesrdquo natildeo apareceu definindo a especificidade da organizaccedilatildeo ou a existecircncia

especiacutefica de um ldquonoacutesrdquo desconectado do coletivo e natildeo existe o descolamento da entidade

do corpo coletivo para assumir uma posiccedilatildeo hieraacuterquica superior Eu acho que a gente tem aiacute

diversas medidas (M3) Noacutes deveriacuteamos fazer eacute uma mudanccedila de haacutebito (M2)

O mercado de alimentos apresenta-se como entidade soberana e autoregulaacutevel

desencadeando continuamente inventos para alavancar a produccedilatildeo e acumulaccedilatildeo de

capital Organiza seus projetos de inovaccedilatildeo de produtos com o foco na racionalizaccedilatildeo de

recursos e no aumento de lucros e para que se tornem mais viaacuteveis nas uacuteltimas deacutecadas

ele tem negligenciado alguns requisitos de qualidade no caso os paracircmetros nutricionais

Mesmo apoacutes os efeitos negativos eclodirem e se tornarem visiacuteveis coletivamente o

mercado segue dissipando haacutebitos alimentares impondo as marcas de produtos

beneficiando-se dos ecircxitos comerciais e contribuindo para doenccedilas Quando os riscos e as

doenccedilas relacionadas a essas alteraccedilotildees na qualidade nutricional dos alimentos comeccedilam a

184

assolar a populaccedilatildeo esse ideaacuterio neoliberal de independecircncia plena desmorona e o Estado

eacute convocado e pressionado a intervir em defesa da sociedade Quanto a essa intervenccedilatildeo os

discursos dos sujeitos do mercado sugerem que eacute sensatez do governo dialogar com as

induacutestrias para que estas corrijam paulatinamente as falhas silenciando-se quanto aos

impactos econocircmicos (no nosso entender justificaacuteveis) que poderiam advir de uma

imposiccedilatildeo legal

A experiecircncia eacute o seguinte noacutes achamos que existe uma maneira de educar de fazer as coisas acontecerem Eacute fazer em conjunto o esforccedilo para fazer diminuir retirar os alimentos retirar esses ingredientes [] Entatildeo o radicalismo uma regulamentaccedilatildeo ela fecha e natildeo daacute a flexibilidade que o Acordo faz O Acordo eacute uma coisa de compreensatildeo porque vocecirc natildeo pode de uma hora para outra mudar uma foacutermula A regulamentaccedilatildeo tem que ter plena consciecircncia (M1)

Frente agrave necessidade premente de reformular a composiccedilatildeo dos produtos

alimentiacutecios para aproximaacute-los de um perfil nutricional saudaacutevel e controlar as DCNT o

governo decidiu instituir pactos formais com metas estabelecidas conjuntamente flexiacuteveis

e de longo prazo sob a forma de acordos Na leitura dos sujeitos do mercado tal conduta

governamental eacute uma demonstraccedilatildeo de entendimento entre as partes devido agrave

complexidade que envolve a substituiccedilatildeo das foacutermulas desses produtos Para eles

regulamentar para sanar falhas em curto tempo seria uma atitude inconveniente do

governo Isso porque implicaria a imposiccedilatildeo de regras aliadas ao estabelecimento de

sanccedilotildees pelo seu descumprimento Poreacutem como o panorama epidemioloacutegico atual exige

pressa na intervenccedilatildeo - e as induacutestrias satildeo as principais responsaacuteveis pela deformaccedilatildeo dos

produtos alimentiacutecios - a aplicaccedilatildeo de regras com sanccedilotildees eacute apropriada

Quanto a esse uacuteltimo destaque um dos sujeitos do mercado assume de modo sutil e

ponderado o comprometimento da induacutestria com os produtos natildeo saudaacuteveis Eu acho que haacute

um aumento muito grande da oferta de produtos com caracteriacutesticas ou de agraves vezes ainda ndash natildeo estou

dizendo agora mas ateacute recentemente produtos com mais accediluacutecar produtos com excesso de gordura [] natildeo

existia uma preocupaccedilatildeo com essas caracteriacutesticas [] (M3)

O Ministeacuterio da Sauacutede ao assumir as funccedilotildees da entidade reguladora (Anvisa) foi

decisivo para o desenrolar dos acordos A Anvisa natildeo teve predisposiccedilatildeo para ousar

controlar os riscos de nutrientes dos produtos alimentiacutecios mesmo estes afetando a sauacutede

185

da populaccedilatildeo Esse assunto escapa completamente do seu trabalho tradicional de controle

dos riscos agrave sauacutede concentrado nos contaminantes de origem alimentar A rigidez das

praacuteticas das instacircncias de controle sanitaacuterio focadas em um grupo especiacutefico de riscos eacute

outro elemento de dificuldade pois natildeo permite acompanhar na velocidade necessaacuteria os

riscos agrave sauacutede que brotam das tecnologias de produccedilatildeo de alimentos Isso exigiria

articulaccedilatildeo com os interessados ajustamento dos seus regulamentos e procedimentos para

dar respostas efetivas de proteccedilatildeo agrave sociedade em tempo oportuno Esse distanciamento

institucional dos riscos emergentes agrave sauacutede portanto impedem a entidade reguladora de

agir para salvaguardar a sauacutede da populaccedilatildeo dos malefiacutecios dos produtos alimentiacutecios natildeo

saudaacuteveis

Regulaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo satildeo referidos como sinocircnimos na fala de certos sujeitos

Ele tem que obrigar [] Ele tem que regular (S3) Quando eu falei regular eu estou entendendo que eacute preciso

normatizar que eacute preciso haver regras claras e inclusive sanccedilotildees (S2) Conforme jaacute definido neste

trabalho regulaccedilatildeo envolve um elenco de medidas de controle legais e compulsoacuterias

teacutecnicas e administrativas que a instituiccedilatildeo dispotildee para proteger a sauacutede da populaccedilatildeo

contra os riscos agrave sauacutede provenientes do sistema de produccedilatildeo de alimentos entre as quais

estaacute regulamentaccedilatildeo E no caso da sauacutede regulamentaccedilatildeo eacute entendida como a elaboraccedilatildeo

de um conjunto de disposiccedilotildees legais e obrigatoacuterias que a administraccedilatildeo puacuteblica impotildee a

terceiros para preservar a sauacutede da populaccedilatildeo entre elas as sanccedilotildees

A construccedilatildeo do consenso entre o governo e as entidades de mercado formalizada

no Acordo de Parceria Puacuteblico-Privada no campo da sauacutede pode refletir concessotildees

equilibradas ou prejuiacutezos para uma das partes A opccedilatildeo do governo em natildeo regulamentar

ou melhor dispensar o uso dessa prerrogativa em favor do Acordo de parceria sinaliza um

recuo do governo em prol do mercado uma vez que alternativamente poderia ter sido

elaborado um regulamento mediante um processo de construccedilatildeo de participativa

dialoacutegica e democraacutetica entre todos os interessados com prazo legal negociado Essa eacute a

impressatildeo de um dos sujeitos da sociedade civil Eu acho que tem essa visatildeo hoje - parceria

puacuteblico-privada ndash que na verdade [] eu percebo que tem um risco [] de uma privatizaccedilatildeo de conceder um

poder como se o mercado pudesse regular(S2)

186

As consideraccedilotildees emitidas pelos sujeitos do mercado sobre as medidas (acordo e

regulamentaccedilatildeo) satildeo amplas Ao fazerem comparaccedilotildees paralelas constata-se uma niacutetida

oposiccedilatildeo no quadro de qualificaccedilotildees atribuiacutedas a cada uma delas A primeira eacute vista como

siacutembolo de compreensatildeo diaacutelogo bem comum consenso racional e educativa enfim

protetora do mercado Jaacute a regulamentaccedilatildeo representa radicalismo controle

autoritarismo ineficaacutecia e inflexibilidade Eacute impressionante como uma praacutetica regulatoacuteria

instituiacuteda haacute deacutecadas e que tem a funccedilatildeo de regular o mercado para proteger os interesses

coletivos de sauacutede e de tornar justa a competiccedilatildeo entre as empresas converte-se em um

instrumento de polecircmica na visatildeo dos sujeitos do mercado Isso ocorre mesmo diante da

comprovada incapacidade do mercado em se autogerir para ofertar produtos de qualidade

agrave populaccedilatildeo [] eu fico meio arrepiado quando algueacutem comeccedila a falar que os alimentos industrializados

tem que ser regulamentados eu sou contra esses controles Noacutes temos a plena consciecircncia que as induacutestrias

aqui sediadas tem plena consciecircncia do que eacute controle (M1)

Destaca-se ainda o uso do pronome ldquonoacutesrdquo que assume um valor que natildeo abrange o

mundo industrial e tatildeo pouco o povo brasileiro mas se circunscreve ao grupo que o sujeito

representa

O discurso desse mesmo sujeito em continuaccedilatildeo ressalta que no esforccedilo de atualizar

a capacidade produtiva as empresas investem em tecnologias que valorizam os aspectos

comerciais e o controle de qualidade dos paracircmetros de riscos que julgam afetar o

desempenho de sua atividade econocircmica

[] a tecnologia com o modernismo para apresentaacute-lo ao consumidor numa maneira mais adequada [] para ser consumido com saudabilidade e com garantia de que aquilo natildeo lhe faria mal [] elas tecircm laboratoacuterios absolutamente completos muitas vezes superiores aos laboratoacuterios de agentes de controle governamentais Portanto a resposta agrave qualidade que elas datildeo eacute muito mais apurada muito mais exata do que qualquer laboratoacuterio de qualquer lugar de qualquer universidade (M1)

Poreacutem haacute de se considerar que as empresas elegem e monitoram os paracircmetros

analiacuteticos sanitaacuterios e outros que possam comprometer o comeacutercio dos seus produtos Eacute

evidente que no elenco de seus controles estatildeo excluiacutedos os paracircmetros nutricionais

porque ainda natildeo satildeo reconhecidos como de risco agrave sauacutede tanto pelas proacuteprias empresas

187

como pelo governo No momento atual esses paracircmetros ainda permanecem dispensaacuteveis

na perspectiva do mercado

Antes de ter a funccedilatildeo de modernizar os produtos essas tecnologias tecircm

necessariamente que se reverter em vantagens e lucros mesmo que paradoxalmente

possam tambeacutem ocasionar efeitos imprevisiacuteveis que resultem em adversidades e riscos agrave

sauacutede E em geral se esses efeitos negativos natildeo afetam a rentabilidade do capital somente

satildeo reconhecidos pelo mercado quando elucidados em investigaccedilotildees realizadas por centros

puacuteblicos de pesquisa E mesmo assim os resultados dessas pesquisas tendem sempre a ser

minimizados ou expostos a controveacutersias quando requerem mudanccedila no modelo de

produccedilatildeo - caso dos produtos alimentiacutecios com perfil natildeo saudaacutevel A presenccedila do

neologismo ldquosaudabilidaderdquo nesse enunciado se desloca sutilmente do produto para o

gesto de consumir ou seja para as condiccedilotildees de como o consumo eacute efetuado para retirar

qualquer polecircmica em torno do produto

A polecircmica do controle dos efeitos crocircnicos agrave sauacutede causados pelos produtos

alimentiacutecios natildeo saudaacuteveis encaixa-se com pertinecircncia no comentaacuterio a seguir Ameaccedilas

desta natureza - de cunho extensivo de longa duraccedilatildeo imperceptiacutevel ao leigo nos estaacutegios

iniciais de consequecircncias graves e de alto custo para sociedade - somente o Estado eacute capaz

de transformaacute-las em questatildeo social face agrave sua responsabilidade conformando-as em

poliacutetica de regulaccedilatildeo do mercado no acircmbito da sauacutede

Ningueacutem pode esperar que o mercado seja compatiacutevel espontaneamente com os direitos sociais em especial da sauacutede porque ele eacute vocacionado para o lucro Entatildeo precisa estar sempre regulado controlado socialmente e com o Estado sendo seu componente maiorrdquo (P5)

A competitividade que rege o mercado de alimentos reflete de certo modo a falta de

coesatildeo e a existecircncia de um sistema de estratificaccedilatildeo entre as empresas Haacute uma hierarquia

de poder entre as corporaccedilotildees de induacutestrias que sujeitam as induacutestrias de menor porte e

ou ligadas a entidades politicamente menos expressivas a quase obrigatoriamente de

seguir uma conduta ou adotar procedimentos das induacutestrias de primeira linha para se

manterem no mercado

188

Noacutes somos a grande maioria ndash [] as duzentas primeiras empresas do paiacutes em produccedilatildeo Se noacutes fizermos o produto baixar as demais vatildeo ter que acompanhar senatildeo elas perdem mercado As nossas empresas jaacute saem na frente e para dar o exemplo a gente ofereceu isso ndash vamos trabalhar juntos neste negoacutecio porque sozinho natildeo vai dar para vocecirc (M1)

Assim sendo o perfil de entidades escolhidas pelo governo para empreender

iniciativas de fomentar a adequaccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios agregou induacutestrias de alto

poder econocircmico e detentoras de produtos de ampla circulaccedilatildeo nacional e internacional

Portanto um segmento estrateacutegico para o Acordo

Com as atuais caracteriacutesticas na composiccedilatildeo dos produtos alimentiacutecios natildeo se pode

dizer que essas entidades do setor produtivo satildeo exemplares quanto aos compromissos

eacutetico e social Apenas se pode afirmar que elas definem um padratildeo de consumo de produtos

natildeo saudaacuteveis para a sociedade Poreacutem em virtude da presenccedila econocircmica que ocupam no

mercado quando elas decidem reduzir o teor daqueles nutrientes considerados

prejudiciais agrave sauacutede as demais induacutestrias podem ser forccediladas a aplicar essa medida em

seus respectivos produtos por motivo de concorrecircncia

Conforme exposto anteriormente o debate que antecedeu a construccedilatildeo do Acordo do

governo com as entidades se restringiu ao acircmbito do setor produtivo e os sujeitos da

sociedade civil organizada criticam essa iniciativa [] a sociedade natildeo foi convocada e nem a

academia [] Quem tomou parte desse Acordo foi o Ministeacuterio da Sauacutede e as induacutestrias com o apoio da

Anvisa (S1) No entanto para o poder puacuteblico Fazer poliacutetica eacute dialogar porque democracia se faz a

partir disto Isto natildeo significa alinhamento Isso significa diaacutelogo busca de agendas convergentes e o diaacutelogo

com a induacutestria de alimentos (P2) Desses argumentos brotam um niacutetido confronto entre o

ldquoexerciacutecio da democraciardquo e a ldquoextensatildeo da representaccedilatildeordquo Alargar a praacutetica democraacutetica

nos espaccedilos puacuteblicos requer necessariamente a participaccedilatildeo de todos os interessados nas

deliberaccedilotildees de um corpo coletivo (BOBBIO 2005) E no caso a ausecircncia da sociedade civil

nesse diaacutelogo institucional compromete tanto a legitimidade das deliberaccedilotildees adotadas

como demonstra um retrocesso na gestatildeo participativa

189

Um dos sujeitos vinculados agrave sociedade civil comenta Esses Acordos satildeo necessaacuterios

mas insuficientes e tiacutemidos no que diz respeito agraves suas metas Primeiro que satildeo Acordos que soacute

dizem respeito ao soacutedio enquanto a gente jaacute sabe que o problema natildeo estaacute limitado ao soacutedio []

satildeo metas fracas e que natildeo exigem nenhum esforccedilo da induacutestria ou muito pouco (S1)

Conforme jaacute abordado neste estudo os nutrientes-chave de interesse para a sauacutede a

serem reduzidos nos produtos alimentiacutecios satildeo gorduras accediluacutecares e sal poreacutem a

negociaccedilatildeo limitou-se ao teor de soacutedio (sal) ficando os demais nutrientes para serem

discutidos a posteriori em uma nova rodada de negociaccedilatildeo Isso demonstra as dificuldades

poliacuteticas de pautar a revisatildeo dos nutrientes em bloco

Essa iniciativa ndash a de proceder Acordos - rompe com a tradiccedilatildeo institucional

brasileira no campo da regulaccedilatildeo de alimentos que natildeo contemplava em seus dispositivos

praacuteticos o monitoramento dos resultados de Acordos com caraacuteter voluntaacuterio

formalizados com as induacutestrias 36 A lei e seus regulamentos complementares

instrumentos com caraacuteter compulsoacuterio e com previsatildeo de sanccedilotildees sempre foram usados

na praacutetica regular da instacircncia de controle sanitaacuterio para disciplinar o comportamento das

induacutestrias de alimentos Essa mudanccedila de estrateacutegia de intervenccedilatildeo foi beneacutefica para as

induacutestrias em duplo sentido a) permitiu prolongar o tempo para adequaccedilatildeo dos seus

produtos e b) evitou sujeitaacute-las a puniccedilotildees por natildeo cumprimento do Acordo Eacute assim que

se expressam as vozes da sociedade civil [] a atividade do governo hoje ela eacute mais no sentido de

relaxar do que de apertar a regulaccedilatildeo (S1) Agora natildeo passa pelo Acordo [] tem que passar pela exigecircncia Eacute

uma medida adequada mas muito tecircnue [] porque o que estaacute em jogo eacute a sauacutede da populaccedilatildeo (S3)

A explicaccedilatildeo para tal atitude eacute de cunho meramente poliacutetico pois a gravidade

refletida pelo padratildeo brasileiro de morbimortalidade e a sua interrelaccedilatildeo com os produtos

alimentiacutecios comprovadas por estudos cientiacuteficos e pelos organismos supranacionais

justifica a implementaccedilatildeo de uma medida incisiva por parte do governo Contudo a falta de

disposiccedilatildeo poliacutetica interna para enfrentar as pressotildees das induacutestrias contraacuterias a esse tipo

36 As instacircncias de vigilacircncia sanitaacuteria estaduais e os laboratoacuterios centrais de sauacutede puacuteblica- LACEN participam do monitoramento dos alimentos envolvidos no acordo com fins de averiguar o cumprimento das metas estabelecidas

190

de medida e a ausecircncia do contraponto efetivo da sociedade fez o governo recuar e optar

por alcanccedilar lentamente os objetivos pretendidos para os produtos alimentiacutecios

Se fosse uma regra compulsoacuteria de abrangecircncia nacional sobre controle de alimentos

o efeito produzido abarcaria a totalidade de induacutestrias forccedilando-as a reduzir os teores dos

nutrientes natildeo saudaacuteveis em prazo especificado Com isso qualquer induacutestria

independentemente da sua vontade estaria sujeita a reduzir os teores desses nutrientes ou

sofreria as sanccedilotildees legais Portanto essa regra suplantaria o alcance do ato administrativo

do Acordo que se restringe somente agravequelas induacutestrias vinculadas agraves entidades que

ratificaram o documento em questatildeo Contudo a opccedilatildeo do governo foi a de envolver poucas

entidades representativas do setor produtivo alimentar mas constituindo um

conglomerado relevante de induacutestrias tanto em termos econocircmicos como de penetraccedilatildeo

de seus produtos no mercado Desse modo ao ser abordado sobre o Acordo um dos

sujeitos da sociedade civil replica Qual eacute o uacutenico valor desses Acordos hoje do ponto de vista eu diria

simboacutelico [] eacute trazer essa questatildeo para a opiniatildeo puacuteblica mas efetivamente em termos de sauacutede A questatildeo

do soacutedio realmente chegou aos ouvidos de todo mundo Entatildeo todo mundo estaacute mais ou menos sensibilizado

com isso (S1)

As empresas globais por meio de seus interlocutores e com a intenccedilatildeo de preservar

os seus interesses mantecircm um canal ativo de articulaccedilatildeo internacional com as unidades de

suas redes de induacutestrias de alimentos Entre as suas tarefas estatildeo dar ciecircncia agraves entidades

vinculadas sobre as criacuteticas pressotildees e mobilizaccedilatildeo no acircmbito internacional dos paiacuteses

das entidades da sociedade civil e dos organismos internacionais com relaccedilatildeo aos produtos

alimentiacutecios e orientar as entidades como melhor se defender nesses episoacutedios O

movimento para alteraccedilatildeo no perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios natildeo eacute uma

iniciativa local mas eacute uma tendecircncia internacional com o respaldo da OMS e FAO que

estatildeo atentos agraves DCNT Isso jaacute despertou a atenccedilatildeo das entidades corporativas do mercado

compelindo-as a comunicar aos seus membros sobre a necessidade de repensar as suas

foacutermulas a fim de anteciparem-se a uma possiacutevel accedilatildeo incisiva dos governos nesse campo

191

[] as multinacionais trouxeram esta ideia porque quando elas fazem uma aplicaccedilatildeo em determinado momento elas estendem isto para o resto do mundo Entatildeo elas receberam a instruccedilatildeo que em um determinado momento teriam que comeccedilar a pensar [] Por laacute jaacute se estudaram as foacutermulas para ver quais eram as alternativas qual o substituto etc Entatildeo noacutes comeccedilamos muito antes do governo acordar para o problema (M1)

Observa-se que a articulaccedilatildeo entre as empresas nacionais e internacionais resultou

somente em intercacircmbio de informaccedilotildees Nenhuma accedilatildeo foi tomada ateacute a manifestaccedilatildeo do

governo Preocupaccedilotildees eacuteticas com determinados riscos dos produtos alimentiacutecios e o seu

envolvimento com as DCNT excluem-se do acircmbito de interesse do mercado global Para

lidar com este assunto as induacutestrias agem somente a partir de pressatildeo poliacutetica

A ingerecircncia das decisotildees das instacircncias intergovernamentais de regulaccedilatildeo de

alimentos no funcionamento interno do paiacutes eacute evidenciada tanto por parte do poder

puacuteblico como do mercado Em um discurso do poder puacuteblico a referecircncia denota uma

mescla de dependecircncia e impotecircncia implicando perda parcial de soberania nacional para

confeccionar suas proacuteprias regras mesmo diante de justificativas consideradas relevantes

para a sauacutede

O processo de se pactuar uma medida regulatoacuteria envolve em especial na aacuterea de alimentos um Acordo internacional porque se trata do Mercosul [] O avanccedilo da agenda regulatoacuteria (componentes nutricionais) dependeraacute primeiro de um tensionamento internacional observado em outras agendas e da construccedilatildeo de uma corrente de apoio ao MS [] e obviamente uma concertaccedilatildeo um apoio da sociedade [] (P4)

Apesar dos compromissos externos no trecho final desse discurso torna-se claro que o

governo depende do poder da sociedade sendo este relevante e estrateacutegico na definiccedilatildeo do

rumo das decisotildees para lidar inclusive com temas polecircmicos como a regulamentaccedilatildeo dos

componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios o que pode levaacute-lo a avanccedilar em suas

propostas para aleacutem do acordado nos pactos internacionais

192

Jaacute do lado do mercado a relaccedilatildeo estabelecida com as instacircncias supranacional e

intragovernamental eacute vista como um meio de expressar suas intenccedilotildees e de exercer suas

influecircncias no rumo das decisotildees apesar de relatar uma atuaccedilatildeo aparentemente limitada

[] a gente acaba participando tambeacutem na discussatildeo dentro do Brasil e depois indiretamente ateacute agraves vezes como observadora no Codex [] Para posicionamento natildeo voto nem veto mas de posicionamento perante o Codex E no Mercosul a gente acaba participando das diferentes comissotildees por meio da Anvisa (M3)

Quando conveniente tais instacircncias satildeo reportadas e reconhecidas como portadoras de

status superior ao do Estado por exemplo quando um sujeito do mercado faz menccedilatildeo agrave

elasticidade do prazo para adequaccedilatildeo das foacutermulas dos produtos alimentiacutecios quanto ao

teor de soacutedio Nas nossas foacutermulas noacutes chegaremos ateacute 2020 conforme preconiza a Organizaccedilatildeo Mundial

[] (M1)

No acircmbito do grupo do poder puacuteblico e da sociedade civil as falas natildeo seguem uma

uniformidade nas posiccedilotildees para tratar da temaacutetica do Acordo Haacute trecircs posiccedilotildees claramente

definidas sobre os Acordos formalizados entre o governo e as induacutestrias a saber a)

favoraacutevel e cabe ao governo contornar as divergecircncias de interesses com as induacutestrias []

o governo precisa ser parceiro das nossas induacutestrias (P4) Eacute uma medida de governanccedila combinada com o

segmento industrial (P3) b) condicionada agrave preservaccedilatildeo da supremacia do interesse puacuteblico e

de outras prerrogativas inerentes ao Estado Eu natildeo vejo problemas em firmar acordos desde que

natildeo tenham contrapartidas que firam o Estado (P1) e c) contraacuteria pois o conteuacutedo negociado eacute de

relevacircncia da sauacutede puacuteblica aleacutem de ser factiacutevel de ser concretizado sob a forma legal Eu

sou totalmente favoraacutevel que o que pode ser legislado sem atropelo e para o bem da populaccedilatildeo deve ser

legislado Eu sou favoraacutevel que haja regulamentaccedilatildeo a natildeo ser que se estabeleccedila um prazo para cumprimento

das regras (P5)

O Acordo transparece a clara intenccedilatildeo do MS e Anvisa enquanto instacircncias

governamentais de escolher uma estrateacutegia de intervenccedilatildeo que produz o menor desgaste

poliacutetico para o governo e impacto econocircmico para o mercado primeiro deveria ter sido feito uma

regra como natildeo foi possiacutevel fez-se um Acordo pois havia o interesse em natildeo prejudicar a induacutestria nacional

(P6) O Acordo entatildeo foi desenhado para amenizar os conflitos evitar turbulecircncias no

campo econocircmico evitar embates diretos com a sociedade civil organizada e enfim

193

adequar paulatinamente a qualidade dos produtos alimentiacutecios apesar do quadro

epidemioloacutegico que eles provocam

O discurso do mercado apresenta-se como salvador da economia e do proacuteprio

Estado pelos seus aportes de emprego pela importacircncia na balanccedila comercial e pelos

tributos que transfere e que garantem o funcionamento da maacutequina estatal [] soacute que noacutes

produzimos noacutes empregamos noacutes pagamos impostos noacutes exportamos noacutes estamos aiacute haacute 150 anos (M1)

Discurso que demonstra simultaneamente forccedila econocircmica e poliacutetica e que intimida de

modo impliacutecito o poder puacuteblico compelindo-o a recuar de fazer arranjos poliacuteticos mais

consistentes para se poupar de possiacuteveis ameaccedilas e retaliaccedilotildees

Acrescenta-se que a Parceria Puacuteblico-Privada em questatildeo altera a rotina

normatizada no governo e muda as feiccedilotildees do fazer no controle de alimentos podendo ter

consequecircncias preocupantes tais como a) o expressivo efeito ideoloacutegico resultante que

encobre os conflitos e leva a uma falsa neutralizaccedilatildeo das diferenccedilas entre os propoacutesitos do

governo e do privado criando a falsa ilusatildeo na sociedade de avanccedilos substanciais em prol

do interesse puacuteblico b) enfraquecimento do caraacuteter legal e legiacutetimo da autoridade do

poder puacuteblico para impor obrigaccedilotildees ao privado funccedilatildeo esta agora intitulada pelo mercado

como autoritarismo e c) criaccedilatildeo de precedentes para o mercado pressionar por uma

relaccedilatildeo interativa pautada em compreensatildeo e parceria em lugar de regras compulsoacuterias

quando do enfrentamento e na defesa de questotildees de interesse puacuteblico

Nesse sentido um dos discursos dos sujeitos do poder puacuteblico eacute ilustrativo em

enaltecer essa flexibilizaccedilatildeo no agir do poder puacuteblico perante o mercado

[] natildeo daacute mais para fazer aquela vigilacircncia de chegar autuar apreender aquela que a gente fazia antigamente quando foi criada a vigilacircncia sanitaacuteria Hoje a vigilacircncia sanitaacuteria moderna se trabalha com o stakeholders com parcerias e eu acho que esse eacute um movimento contemporacircneo Eacute vocecirc trazer a induacutestria para a responsabilidade mostrar para ela a importacircncia e voluntariedade e ela fazer esse movimento de mudanccedila mas isto tem prazo determinado (P4)

194

Atos administrativos reconhecidamente legais e necessaacuterios de serem aplicados em

situaccedilotildees de riscos agrave sauacutede em favor do coletivo convertem-se em uma imagem

depreciativa antiquada e inoportuna no contexto contemporacircneo para aqueles que se

orientam pelo lema ldquomercado tudo poderdquo Salienta-se que essa posiccedilatildeo natildeo eacute hegemocircnica

dentro do grupo do poder puacuteblico conforme trechos de falas antes mencionados e o

discurso que segue Eu acho que a Anvisa natildeo pode fugir dessa responsabilidade porque ela tem que

normatizar e natildeo pode ficar a reboque do mercado Satildeo dificuldades de uma legislaccedilatildeo mais forte para atuar

(P5) A divergecircncia deste discurso em relaccedilatildeo ao anterior reside na interpretaccedilatildeo de que a

interaccedilatildeo puacuteblico-privada e a dispensa do uso da legislaccedilatildeo satildeo um comportamento

acanhado e subserviente do poder puacuteblico perante o mercado Portanto incompatiacutevel com

a relevacircncia social e inapropriado para tratar dos negoacutecios da coletividade

Ao se reportar agrave concepccedilatildeo de Bourdieu (2009) verifica-se que a regulaccedilatildeo de

alimentos enquadra-se perfeitamente como um campo de produccedilatildeo simboacutelica

constituindo-se um espaccedilo de relaccedilotildees de forccedilas sociais onde se confrontam verdades e se

conflitam interesses Os efeitos sociais se modelam a partir dos consensos ou das

divergecircncias originaacuterios do comportamento e das intenccedilotildees dos agentes envolvidos e que

culminam em imposiccedilotildees que se definem e se redefinem ao longo do contiacutenuo trajeto da

luta poliacutetica No momento prevalece o Acordo no amanhatilde poderaacute vigorar a Regulaccedilatildeo

Para ter uma visatildeo sinteacutetica sobre os enunciados matriz postulados e realizaccedilotildees

discursivas que foram abordados eacute apresentado a seguir o Quadro 4

195

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES COMENTAacuteRIOS

Essencialidade do

alimento

O alimento eacute vida por essecircncia A identidade do alimento eacute intocaacutevel e as interferecircncias satildeo incapazes de destituiacute-lo de sua pureza miacutetica O equiliacutebrio do consumo alimentar traduz-se em sauacutede e vida

[] o alimento eacute uma das coisas

fundamentais na vida humana (M1)

O alimento influencia a sauacutede sob vaacuterios aspectos [] (P4) Essa loacutegica consumista que leva agrave obesidade [] (P1)

A adoccedilatildeo desses alimentos sem duacutevida estaacute muito ligada aos prejuiacutezos que a sauacutede tem hoje ndash a quantidade de accediluacutecar sal (P5)

Embora o alimento seja mitificado como fonte de energia e vida para a humanidade e o processamento industrial usado para resgatar as suas propriedades vitais e aumentar o seu tempo de preservaccedilatildeo nos uacuteltimos tempos houve a deformaccedilatildeo do caraacuteter essencial do produto alimentiacutecio deslocando-o da nutriccedilatildeo A mudanccedila na composiccedilatildeo do alimento e os artifiacutecios mercadoloacutegicos utilizados para estimular o consumo associados ao estilo de vida urbano tecircm causado efeitos nocivos agrave sauacutede da populaccedilatildeo

196

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Irreversibilidade do

produto

industrializado

Discute a loacutegica econocircmica de produccedilatildeo de alimentos (com fins exclusivos de lucro e ou de benefiacutecios agrave sauacutede) e o produto alimentiacutecio resultante de um processo tecnoloacutegico comparando-o com a autenticidade (real ou imaginada) do alimento extraiacutedo da natureza

O alimento industrializado ele eacute uma necessidade [] (M2)

Os alimentos industrializados estatildeo imbricados na vida moderna [] (P6)

A pandemia de obesidade estaacute associada ao mercado [] tem alimentos que satildeo viciantes ndash os refrigerantes satildeo viciantes o accediluacutecar vicia (P1)

A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo melhor Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso (M2)

[] natildeo adianta diminuir o nosso produto Ele natildeo engorda com o nosso produto ele vai engordar com o resto com tudo (M1)

A gordura e o accediluacutecar trazem sabor aos alimentos Entatildeo se vocecirc quer cativar um puacuteblico para que ele consuma aquele alimento o lado daquele que estaacute concebendo o alimento vai dizer carregue em sal carregue em accediluacutecar e carregue em gordura (S1)

O produto alimentiacutecio atende agraves expectativas da urbanidade pela sua versatilidade de ser praacutetico acessiacutevel e de ter embalagem descartaacutevel Aleacutem disso dinamiza a economia de consumo pela constante inovaccedilatildeo e substituiccedilatildeo de produtos A tecnologia usada na produccedilatildeo de alimentos assume um caraacuteter contraditoacuterio pois ao mesmo tempo que proporciona certos requisitos de qualidade ao produto causa impactos negativos devastadores desestrutura a cultura alimentar cria dependecircncia fiacutesica e gera diferentes modalidades de doenccedilas Entretanto salienta-se que a qualidade do produto atua como um marcador social e conforma dois grupos os considerados com um perfil nutricional melhor e mais caro e agravequeles que satildeo menos saudaacuteveis de maior risco agrave sauacutede e de custo mais baixo que satildeo consumidos pelas parcelas mais pobres da populaccedilatildeo Nesse ponto alguns sujeitos do mercado estatildeo mais inclinados a concordar com a necessidade de reformular os produtos para atender aos preceitos da nutriccedilatildeo e da sauacutede

197

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Implicaccedilatildeo do

consumidor

O indiviacuteduo sob o prisma neoliberal eacute autocircnomo para fazer as suas escolhas alimentares e portador de saber e de experiecircncias que lhe habilitam a responsabilizar-se pela proteccedilatildeo dos riscos que afetam a sua proacutepria sauacutede

[] o aumento do sedentarismo [] as

pessoas cada vez mais acomodadas [] se exercitam ou fazem menos atividades fiacutesicas Natildeo eacute soacute o alimento (M2)

[] quem eacute o culpado pelos excessos alimentares e as suas consequecircncias eacute o proacuteprio consumidor - eacute o proacuteprio quem consome - eacute o ser humano que na ganacircncia voluacutepia na gula ele exagera naquilo que faz ou natildeo se prepara adequadamente que eacute o proacuteprio culpado (M1)

[] mas a populaccedilatildeo teve um grande incentivo e uma tomada de consciecircncia embora natildeo atingindo o desejaacutevel [] da importacircncia da alimentaccedilatildeo na vida da pessoa (S3)

Haacute uma amostra razoaacutevel que tem mais acesso agraves informaccedilotildees e estatildeo mais sensiacuteveis mas nem sempre agem na praacutetica (P5)

O indiviacuteduo que estaacute inserido na sociedade contemporacircnea regida pelo espiacuterito neoliberal eacute doutrinado a criar mecanismos de autoproteccedilatildeo contra os riscos como praticar o autocuidado almejar a integridade de sua sauacutede e manter seu corpo regulado Em caso contraacuterio ele pode cometer desvios dessa ordem estabelecida No caso dos riscos dos alimentos o consumidor pode assumir duas posiccedilotildees culpado ou viacutetima Do ponto de vista do mercado ele eacute culpado por comer em excesso natildeo ler a rotulagem dos produtos e ter uma vida sedentaacuteria do lado do poder puacuteblico e da sociedade civil ele tende a ser viacutetima por se submeter agraves pressotildees mercadoloacutegicas e pela falta de informaccedilatildeo adequada sobre a alimentaccedilatildeo

198

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

Consumidor para trans (formar)

A capacidade de autodefesa do consumidor estaacute nas informaccedilotildees transmitidas que atuam como motor de transformaccedilatildeo da sua consciecircncia e conduta

O governo estaacute cometendo o maior erro da histoacuteria olhando soacute o industrializado e natildeo estaacute focando o resto e noacutes natildeo somos o todo noacutes somos uma parte O governo tem que educar (M1)

O papel do Estado natildeo eacute o de substituir a organizaccedilatildeo popular [] mas fomentar isso de elevar o niacutevel de consciecircncia de elevar o niacutevel de informaccedilatildeo (P1)

[] eacute importante que essa temaacutetica da alimentaccedilatildeo natildeo se concentre no espaccedilo soacute da sociedade civil organizada o cidadatildeo precisa dar conta dessa reflexatildeo pois eu acho que a gente natildeo tem forccedila necessaacuteria para mover essa agenda (P2)

A educaccedilatildeo eacute apresentada como o uacutenico meio capaz de transformar a conduta do indiviacuteduo e da populaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave praacutetica do consumo de alimentos para permitir o controle dos riscos dela derivados A informaccedilatildeo deve ser utilizada para empoderar a populaccedilatildeo mas sem eximir o Estado do seu dever de refrear os excessos cometidos pelo mercado que repercute na vida social Ressalta-se ainda que face agrave debilidade histoacuterica dos movimentos sociais e o seu distanciamento quanto agraves questotildees da alimentaccedilatildeo fica o Estado incumbido de disseminar as informaccedilotildees para que a populaccedilatildeo eleve a sua consciecircncia e adquira autonomia para gerenciar o seu consumo alimentar

199

QUADRO 4 Sinopse dos enunciados matriz sobre riscos e regulaccedilatildeo dos alimentos (Continuaccedilatildeo)

ENUNCIADOS

MATRIZ

POSTULADOS

REALIZACcedilOtildeES DISCURSIVAS

INTERPRETACcedilOtildeES

COMENTAacuteRIOS

ldquoRegulaccedilatildeo consentidardquo

O alcance do produto saudaacutevel natildeo se limita exclusivamente agraves disposiccedilotildees legais mas envolve uma governanccedila regulatoacuteria acordada entre as partes interessadas com a conciliaccedilatildeo de interesses do mercado e da sociedade

A experiecircncia eacute o seguinte noacutes achamos que existe uma maneira de educar de fazer as coisas acontecerem Eacute fazer em conjunto o esforccedilo para fazer diminuir retirar os alimentos retirar esses ingredientes [] Entatildeo o radicalismo uma regulamentaccedilatildeo ela fecha e natildeo daacute a flexibilidade que o Acordo faz O Acordo eacute uma coisa de compreensatildeo porque vocecirc natildeo pode de uma hora para outra mudar uma foacutermula A regulamentaccedilatildeo tem que ter plena consciecircncia (M1) Esses Acordos satildeo necessaacuterios mas insuficientes e tiacutemidos no que diz respeito agraves suas metas [] satildeo metas fracas e que natildeo exigem nenhum esforccedilo da induacutestria ou muito pouco (S1) Eu acho que a Anvisa natildeo pode fugir dessa responsabilidade porque ela tem que normatizar e natildeo pode ficar a reboque do mercado Satildeo dificuldades de uma legislaccedilatildeo mais forte para atuar (P5) Eu acho que tem essa visatildeo hoje - Parceria Puacuteblico-Privada ndash que na verdade [] eu percebo que tem um risco [] de uma privatizaccedilatildeo de conceder um poder como se o mercado pudesse regular (S2)

Os pactos formais instituiacutedos pelo governo com as induacutestrias para a reformulaccedilatildeo do perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios eacute objeto de controveacutersia nas leituras do mercado do poder puacuteblico e da sociedade civil Ao discutir o Acordo e a regulamentaccedilatildeo o mercado opina que o primeiro simboliza uma manifestaccedilatildeo de compreensatildeo e de flexibilidade enquanto o segundo representaria radicalismo e autoritarismo por parte do governo O poder puacuteblico e a sociedade civil exprimem diferentes pontos de vista sobre o assunto Uma parte admite a necessidade do Acordo poreacutem afirma a fragilidade das metas e avalia que o governo recuou perante agraves demandas da induacutestria diante da gravidade do panorama epidemioloacutegico para outra o fato do ente regulador se eximir de adotar a regulamentaccedilatildeo com previsatildeo de sanccedilatildeo significa colocar-se numa posiccedilatildeo de subserviecircncia perante o mercado o que revela fraqueza daquele que eacute responsaacutevel por promover o bem-estar de toda a coletividade

62 A ldquoAlimentaccedilatildeordquo e ldquoNutriccedilatildeordquo geraccedilatildeo e variaccedilotildees das posiccedilotildees discursivas

Com a exploraccedilatildeo dos enunciados matriz dois termos semacircnticos elementares

destacaram-se na construccedilatildeo dos discursos alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo a partir dos quais

surge um leque de significaccedilotildees com possibilidades de variaccedilotildees distintas que podem ser

expostas recorrendo agrave topologia do quadrado semioacutetico inicialmente elaborado por

Greimas (1970) para pensar a programaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo dos objetos de discurso e de seus

valores

A aplicaccedilatildeo do modelo Quadrado Semioacutetico nesta tese tem caraacuteter meramente

ilustrativo com a finalidade de suscitar a possibilidade de exploraccedilatildeo dos termos

semacircnticos da Nutriccedilatildeo por meio desse modelo Contudo ressalta-se que natildeo se pretende

aqui esgotar a discussatildeo sobre a sua aplicabilidade e validaccedilatildeo no campo da Nutriccedilatildeo

Considerando que a significaccedilatildeo eacute algo que se constroacutei o quadrado semioacutetico parte

do pressuposto de que todo o discurso segue um modelo de competecircncia que potildee em jogo

uma relaccedilatildeo entre quatro termos concebida como fundadora de sua estrutura significante

Tal quadrado remete a ideia de que qualquer narraccedilatildeo se embasa em uma relaccedilatildeo dual

entre a noccedilatildeo e o seu contraacuterio semacircntico (alimentaccedilatildeo versus nutriccedilatildeo) cada um desses

polos implicando o seu contraditoacuterio (natildeo alimentaccedilatildeo e natildeo nutriccedilatildeo) conforme

apresentado na Figura 1

Desse modo todo o discurso emana da realizaccedilatildeo de um percurso constante e

descontiacutenuo de uma posiccedilatildeo a outra nesses dois eixos (o eixo da contrariedade implicando

o da sub-contrariedade) Este percurso gera no seu desenvolvimento as suas significaccedilotildees

conforme o programa narrativo e figurativo projetado pela relaccedilatildeo quaternaacuteria

fundamental e variando de acordo com o universo de atuaccedilatildeo do seu enunciador Enfim o

quadrado representa de forma sinteacutetica como a produccedilatildeo de sentido em suas muacuteltiplas

variaccedilotildees circunscreve-se num dado campo semacircntico Segundo Barros (2005) essa

197

201

representaccedilatildeo visual demonstra por um lado como uma estrutura elementar intricada em

uma rede de relaccedilotildees se reduz a uma uacutenica relaccedilatildeo e por outro como a pureza da diferenccedila

inexiste e escapa da dinacircmica do mundo social

Nesse sentido a Figura 1 apresenta distintas possibilidades de significaccedilotildees que

circulam nesse campo semacircntico

- O eixo alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo Configura um discurso no qual o ser eacute visto

em sua integralidade dotado de liberdade e de autonomia para organizar o

seu modo de existecircncia Ser que eacute tambeacutem um cidadatildeo que usufrui de um

conjunto de direitos que lhe possibilita condiccedilotildees dignas para manter a vida

e portanto a integridade da sauacutede Desse modo um ser consciente e

qualificado para realizar um consumo equilibrado e que se beneficia de

produtos alimentiacutecios que atendem as suas necessidades nutricionais a sua

cultura alimentar aleacutem de lhe proporcionar prazer Como agente de um

processo democraacutetico a sua presenccedila no coletivo se volta para a defesa e luta

pelas demandas coletivas deixando como subordinadas as demais

Valorizamos muito a conquista que tivemos que incluir na Constituiccedilatildeo ndash o direito agrave

alimentaccedilatildeo adequada e saudaacutevel como parte do artigo 60 que fala dos direitos sociais (S2)

Eacute sob essa perspectiva que se desenha uma poliacutetica de seguranccedila alimentar e

nutricional integradora das diferentes faces do sistema produtivo de

alimentos e que permita a realizaccedilatildeo do direito de todos ao acesso regular

aos alimentos em termos de quantidade e qualidade compatiacuteveis com os

valores culturais e com uma produccedilatildeo enlaccedilada a uma poliacutetica econocircmica

social e ambientalmente sustentaacutevel

202

Figura 1 Quadrado semioacutetico da alimentaccedilatildeo amp nutriccedilatildeo

ALIMENTACcedilAtildeO NUTRICcedilAtildeO

NAtildeO ALIMENTACcedilAtildeO

NAtildeO NUTRICcedilAtildeO

POLIacuteTICA DE SEGURANCcedilA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Integraccedilatildeo do Ser

Pessoa Inteira

Sujeito Cidadatildeo de Direito

CONSUMO EQUILIBRADO- Eutrofia

Produtos que NUTREM Sociedade Tudo Pode

Equiconsumo Vitalismo

POLIacuteTICA DE PROTECcedilAtildeO

Coisificaccedilatildeo do Ser Pessoa Massificada

Sujeito Consumidor

CONSUMO EXCESSIVO-Obesidade

Produtos que NAtildeO NUTREM

Mercado Tudo Pode

Hiperconsumo Consumismo

POLIacuteTICA DE LIBERACcedilAtildeO

Terrorizaccedilatildeo do Ser

Pessoa Frugal

Sujeito Alienado

CONSUMO RESTRITIVO Anorexia

Produtos que NAtildeO ALIMENTAM

Indiviacuteduo Tudo Pode

Hipoconsumo Ascetismo

POLIacuteTICA DE REPARTICcedilAtildeO

Discriminaccedilatildeo do Ser Pessoa Marginalizada

Sujeito Faminto

CONSUMO REPRIMIDO Desnutriccedilatildeo

Produtos que FALTAM Sociedade Nada Pode

Hipoconsumo Mortalismo

203

- O eixo natildeo nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo Constitui o eixo oposto no qual o discurso se

inverte em seu conteuacutedo O ser fica reduzido a uma subcategoria do gecircnero humano

destituiacutedo dos meios imprescindiacuteveis para viabilizar a plenitude da vida e apenas o

instinto natural o faz resistir e sobreviver diante do desprezo da sociedade O

consumo limitado de alimentos natildeo sacia a fome e degrada a sauacutede produzindo

carecircncias e outras doenccedilas que apenas ajudam a acelerar o fim da existecircncia do

indiviacuteduo ou do coletivo [] natildeo eacute passando fome natildeo eacute com uma dieta que natildeo atenda as

necessidades daquela pessoa e sim num processo de mudanccedila de haacutebito (S3) Segundo Valente

(2003) com o seu direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada negado excluiacutedos da

cidadania e natildeo dignos para portar status de igualdade em uma sociedade

estratificada e segregadora esses seres quase-cidadatildeos dependem de uma poliacutetica

puacuteblica com caraacuteter distributivo e socialmente justa dirigida para garantir a todos o

acesso aos alimentos em termos quali-quantitativo para satisfazer as suas

necessidades nutricionais possibilitar a estabilidade da sauacutede ampliaccedilatildeo da

expectativa de vida e especialmente que os reconheccedila como cidadatildeos portadores de

direitos

- O eixo nutriccedilatildeo natildeo alimentaccedilatildeo O discurso que daqui deriva aponta para o

massacre do ser humano ao se guiar pelos valores da esteacutetica corporal que

conformam a ideologia dominante a qual define tambeacutem os criteacuterios de aceitaccedilatildeo

social e pessoal e concomitante guia as praacuteticas alimentares (CONTRERAS amp

GRACIA 2011) Ao indiviacuteduo entatildeo cabe privar-se ldquovoluntariamenterdquo do consumo

alimentar permitindo-se apenas obter o combustiacutevel miacutenimo necessaacuterio agrave vida Se

ele julgar que houve consumo de alimentos em excesso rapidamente os expelem

mantendo-se sob a ldquorigidez do controlerdquo A rejeiccedilatildeo dos alimentos natildeo acontece

isoladamente ela se conjuga agrave rejeiccedilatildeo do prazer e ambas comprometem a sauacutede

Esse quadro que termina por levar a um processo de desinteresse pela vida O

indiviacuteduo ser livre e autocircnomo se predispotildee a sujeitar-se agraves pressotildees sociais que

ditam o ideal do perfil corpoacutereo e ao se deparar com os insucessos encara-os como

questatildeo de fracasso moral Tal comportamento individual ao se multiplicar passa a

ser assumido como questatildeo social O movimento requerido vai em direccedilatildeo de

204

libertar os cidadatildeos dessa opressatildeo ideoloacutegica rediscutindo e reprimindo os meios e

as estrateacutegias utilizados especialmente pela miacutedia para disseminar esses valores

deformados de esteacutetica corporal

- O eixo alimentaccedilatildeonatildeo nutriccedilatildeo O discurso se inicia com a reduccedilatildeo do sujeito a

um objeto Segundo Bauman (2008) na sociedade atual o consumo eacute visto como

vocaccedilatildeo de cada indiviacuteduo ou seja como direito e dever humano universal Assim o

sujeito eacute capturado pelo mercado e passa a ser viacutetima da induccedilatildeo para a compra

compulsiva de bens no caso de produtos alimentiacutecios ao ponto de perder o seu

autocontrole e comprometer a sua proacutepria sauacutede Eacute preciso libertar o ser humano que tem

dentro de cada consumidor para que natildeo se apequene o ser humano e se agigante a condiccedilatildeo do

consumidor para que se tenha o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilatildeo sobre os alimentos que satildeo

fornecidos em espaccedilos puacuteblicos (P5)

No campo dos alimentos o consumismo se concretiza pela contiacutenua oferta

diversificada e socialmente diferenciada de produtos sempre em constante

renovaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo para despertar interesses e vontades nos consumidores Essa

loacutegica consumista que leva a obesidade natildeo apenas do corpo mas a obesidade do pensamento dos

sentidos O consumismo eacute uma expressatildeo dessa sociedade atual e que dialoga muito com a

drogadiccedilatildeo inclusive porque significa a busca de um prazer imediato e fulgaz (P1)

O mercado natildeo se democratiza mas se estratifica e passa a fornecer produtos

para usufruto dos grupos de consumidores mais pobres Satildeo produtos alimentiacutecios

com perfil diferenciado que portam certos atributos como qualidade nutricional

inferior baixo preccedilo alto poder gustativo e expressatildeo simboacutelica de status social

A induacutestria [] estaacute colocando no mercado produtos sob o aspecto nutritivo maior Agora depende da classe social que possa ter acesso a isso Quanto mais as pessoas tiverem condiccedilotildees mais elas vatildeo procurar este tipo de produto Entatildeo se vocecirc tivesse um volume maior de produccedilatildeo vocecirc conseguiria reduzir mas ele por si soacute jaacute eacute mais caro (M1)

Produtos alimentiacutecios que saciam a fome mas em compensaccedilatildeo natildeo nutrem

e geram problemas de inseguranccedila alimentar no consumidor Para conter os

desmandos do mercado satildeo necessaacuterias medidas de proteccedilatildeo - como as que regulem

205

a qualidade nutricional dos alimentos e a sua publicidade e promovam a alimentaccedilatildeo

saudaacutevel - para restabelecer praacuteticas alimentares promotoras de sauacutede Ningueacutem pode

esperar que o mercado seja compatiacutevel espontaneamente com os direitos sociais em especial da

sauacutede porque ele eacute vocacionado para o lucro Entatildeo precisa estar sempre regulado controlado

socialmente e com o Estado sendo seu componente maior (P5) O indiviacuteduo para ser

consumidor consciente precisa adquirir o status de cidadatildeo ou seja aquele que eacute

livre e autocircnomo para fazer escolhas e reflexivo antes da tomada de decisatildeo

Conforme apresentado no Quadrado Semioacutetico (Figura 1) o conjunto das posiccedilotildees

percorridas pelos discursos dos entrevistados (concentrado entre a dicotomia

alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo e a subcontraacuteria natildeo-alimentaccedilatildeonatildeo-nutriccedilatildeo) produz significaccedilotildees

diferentes segundo o papel temaacutetico que os enunciadores adotam e se reportam ao outro

como sujeitos e atores sociais Embora a representaccedilatildeo visual dos termos

alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo tenha possibilitado moldar diferentes tipos de discursos estudados

as posiccedilotildees polecircmicas localizaram-se essencialmente nos eixos alimentaccedilatildeonatildeo nutriccedilatildeo

(que discute a qualidade do alimento industrializado) e alimentaccedilatildeonutriccedilatildeo (que

questiona as alternativas para se alcanccedilar um equiliacutebrio da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo para

todos) Embora as temaacuteticas dos dois outros eixos (natildeo alimentaccedilatildeo natildeo nutriccedilatildeo e

nutriccedilatildeo natildeo alimentaccedilatildeo) natildeo estejam presentes no corpus analisado estas remetem a

potencialidades discursivas que podem aparecer ou natildeo segundo os contextos e os

protagonistas da enunciaccedilatildeo na forma de delineamentos de um contra-discurso cujos

efeitos jaacute estatildeo superados (a extrema miseacuteria alimentar e o sujeito faminto no caso do eixo

natildeo nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo) ou que natildeo tecircm expressividade que justifique uma accedilatildeo

sistemaacutetica do poder puacuteblico (transtornos do comportamento alimentar no eixo

nutriccedilatildeonatildeo alimentaccedilatildeo)

O esquema representa uma aproximaccedilatildeo incipiente da teoria narrativa e foi elaborado

com a intenccedilatildeo de demonstrar resumidamente de maneira clara e raacutepida - mas tambeacutem

resgatando a complexa interdependecircncia das representaccedilotildees em jogo - as evidecircncias

identificadas de conjunccedilotildees e disjunccedilotildees das reflexotildees e accedilotildees entre os discursos dos

206

distintos sujeitos pesquisados e vinculados a cada um destes loci de atuaccedilatildeo ndash mercado

poder puacuteblico ou sociedade civil

Face ao exposto essa esquematizaccedilatildeo assim como as interpretaccedilotildees e os comentaacuterios

dela derivados objetivam delimitar com precisatildeo mas sem esgotar a dialeacutetica dos

cruzamentos entre cada um o conjunto significante formado pelos discursos Tambeacutem

pretende traccedilar sob a nossa perspectiva como funcionam as loacutegicas de atuaccedilatildeo na

tentativa de responder a partir de quais representaccedilotildees (imaginaacuterias e pragmaacuteticas)

concordacircncias deslocamentos oposiccedilotildees e de que modo os sujeitos encaram a interligaccedilatildeo

geneacuterica e especiacutefica dos processos da alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo e as possiacuteveis

transformaccedilotildees considerando as forccedilas atrativas do mercado do poder poliacutetico e da

sociedade

63 Regulaccedilatildeo dos riscos dos alimentos ideologias interesses e poder

O conceito da ideologia de Thompson (THOMPSON 2000) conforme mencionado no

iniacutecio deste trabalho se refere agraves diferentes maneiras como as FS e o sentido por elas

mobilizados constroem a realidade social e servem para estabelecer e sustentar relaccedilotildees

de poder Satildeo duas accedilotildees centradas no ldquosentidordquo com finalidades especiacuteficas mas com

interdependecircncia cujo efeito conjunto norteia o processo de compreensatildeo e de realizaccedilatildeo

da ideologia A primeira demonstra como o sentido enquanto criaccedilatildeo ativa e contiacutenua

institui as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre grupos e pessoas e a segunda revela como o

sentido atua para manter e reproduzir as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo por meio de uma via

dinacircmica de produccedilatildeo e recepccedilatildeo de FS

A compreensatildeo das FS como ideoloacutegicas depende dessa relaccedilatildeo interativa de sentido

e poder a qual eacute indissociaacutevel do contexto socialmente estruturado onde se efetiva a sua

operacionalizaccedilatildeo Quanto a esse aspecto contextual o referido autor parte do pressuposto

de que a distribuiccedilatildeo e o acesso aos vaacuterios tipos de recursos natildeo eacute uniforme para as pessoas

207

e os grupos Haacute diferenciaccedilotildees sistemaacuteticas que permitem agraves pessoas e aos grupos em

virtude de seu posicionamento no contexto social e das qualificaccedilotildees (intelectuais e

econocircmicas) incorporadas se apropriarem de diferentes quantidades de recursos e de

distintos graus de acesso a eles

Esclarece ainda que esses recursos satildeo na verdade graus de poder entendidos

como uma capacidade que certas pessoas detecircm socialmente ou institucionalmente para

transformar a realidade dos fatos sociais influenciar decisotildees concretizar seus objetivos e

realizar seus interesses Salienta tambeacutem que o ldquopoderrdquo implica obrigatoriamente

relaccedilotildees sistematicamente assimeacutetricas Haacute grupos particulares que em comparaccedilatildeo aos

outros dispotildeem de um quantum diferenciado de poder de forma permanente e relevante

independentemente da situaccedilatildeo que estaacute sob questatildeo

Os discursos agrupados do mercado do governo e da sociedade civil quanto agrave

regulaccedilatildeo dos componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios para interferir no perfil

das DCNT compotildeem versotildees de um evento da realidade social construiacutedas coletivamente

com estilos enredos e argumentos proacuteprios de cada uma dessas representaccedilotildees Eacute a

ideologia o constituinte essencial desses discursos encarregando-se de mobilizar os

significados e de revelar como estes se entrecruzam com as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo

formatando e distinguindo os discursos bem como explicitando os conflitos e as

desigualdades de interesses

A ideologia dos discursos sobre a regulaccedilatildeo dos alimentos flui de maneira anaacuteloga a

um jogo de tabuleiro com trecircs peccedilas estrateacutegicas que ao se movimentarem fazem

transparecer a trama do poder a qual seraacute sintetizada a seguir Para o mercado o que lhe

interessa eacute a acumulaccedilatildeo do capital Eacute usufruir dos avanccedilos tecnoloacutegicos para aperfeiccediloar e

expandir a produccedilatildeo e a comercializaccedilatildeo de produtos alimentiacutecios com fins de inquietar

continuamente os consumidores com seus produtos diversificados Para isso utiliza-se do

seu poder econocircmico e poliacutetico para desfazer quaisquer obstaacuteculos que ameacem o sucesso

desse empreendimento O advento da globalizaccedilatildeo da economia apenas consagrou o seu

fortalecimento As empresas assumiram uma nova reconfiguraccedilatildeo no cenaacuterio mundial

208

formando corporaccedilotildees e tornando-se protagonistas do mapa econocircmico do mundo Essas

corporaccedilotildees transnacionais se desvinculam de um espaccedilo geograacutefico especiacutefico e se

qualificam para fazer a distribuiccedilatildeo planetaacuteria de seus produtos influenciar as decisotildees do

poder puacuteblico manter e viabilizar o seu negoacutecio inclusive para tornar justa a concorrecircncia

entre os seus pares Comeccedilam tambeacutem a interferir nas instituiccedilotildees de normatizaccedilatildeo do

comeacutercio de alimentos supranacionais e locais exercendo marcantes influecircncias nas

decisotildees proferidas nessas instacircncias Frente agrave emergecircncia de potencializar a intensificaccedilatildeo

dos lucros tais corporaccedilotildees reconfiguram o perfil nutricional dos produtos alimentiacutecios de

maneira uniforme com ingredientes baratos poucos nutritivos e de baixo custo em

seguida adotam estrateacutegias variadas para homogeneizar o padratildeo de consumo e dissolver o

caleidoscoacutepio de valores culturais e praacuteticas alimentares presentes nas sociedades Para o

mercado as ldquoidiossincrasiasrdquo relativas aos produtos alimentiacutecios advecircm do consumidor

que eacute inativo e consome em excesso Do resultado desse ldquoprogresso econocircmico globalrdquo

surgem aleacutem do exorbitante lucro privado os riscos agrave sauacutede (DCNT) que se expandem

continuamente pelo planeta

O poder puacuteblico eacute incitado cada vez mais para intervir e disciplinar o mercado diante

dos riscos dos alimentos que se complexificam com as sofisticadas tecnologias Mas antes

de agir aquele eacute obrigado a considerar os pactos internacionais e regional ndash Mercosul ndash que

limitam a liberdade e autonomia da sua proacutepria accedilatildeo - assim como aferir a sua capacidade

interna e as repercussotildees de uma potencial intervenccedilatildeo A estrutura fragilizada do poder

puacuteblico denuncia a dificuldade poliacutetica para contrapor aos interesses do mercado A soluccedilatildeo

para contornar as externalidades do mercado de produtos alimentiacutecios refletidas no campo

da sauacutede eacute amenizada com o uso de instrumentos natildeo usuais e deacutebeis (Acordos) quando

comparados agraves regras compulsoacuterias e punitivas para reduccedilatildeo dos componentes

nutricionais prejudiciais presentes nesses produtos Esse Acordo firmando entre o governo

e as entidades industriais aleacutem de representar um desvio da rotina institucionalizada foi

delineado em meio a uma governanccedila comprometida sem a presenccedila da sociedade civil

organizada A pressatildeo poderosa do mercado associada agrave fragilidade poliacutetica do poder

puacuteblico faz com que o primeiro determine que o atendimento dos interesses sociais seja

negociado gradualmente por acordos que impliquem reajustamentos miacutenimos ao mercado

209

Assim perante uma correlaccedilatildeo de forccedilas desigual entre os entes o Acordo foi a opccedilatildeo eleita

pelo poder puacuteblico para administrar os interesses divergentes entre o mercado e a

coletividade Todavia o impasse entre garantir agrave sauacutede ou interferir no ritmo acelerado de

acumulaccedilatildeo de capital ainda natildeo foi superado

A sociedade civil organizada embora atenta aos riscos dos alimentos e agrave

necessidade de regulaccedilatildeo reconhece a incipiente mobilizaccedilatildeo do coletivo e a importacircncia

de sensibilizar os grupos sociais para incluir esse tema nas pautas reivindicatoacuterias Seu

poder eacute limitados e reduzido para confrontar-se com os interesses do mercado e alcanccedilar

um sucesso imediato Contudo a falta de participaccedilatildeo ativa e sistemaacutetica da sociedade nos

processos decisoacuterios para conter os riscos dos alimentos compromete tanto a forma de

vocalizar os seus interesses de sauacutede quanto a sua capacidade de influenciar a accedilatildeo do

poder puacuteblico em prol de valorizar as demandas coletivas Dessa forma a aspiraccedilatildeo da

efetiva prevenccedilatildeo das doenccedilas que em parte derivam da conduta insalubre do mercado

fica protelada assim como a garantia do pleno direito agrave sauacutede

Considerando ainda essas trecircs seacuteries de discursos que abordam a validade da

regulaccedilatildeo do poder puacuteblico como estrateacutegia para controlar os riscos da composiccedilatildeo

nutricional dos produtos alimentiacutecios estabelecendo a sua extensatildeo e limitaccedilatildeo eacute possiacutevel

tambeacutem destacar o traccedilo dominante do discurso de cada grupo e em seguida classificaacute-lo

conforme a tipologia de Thompson (2000) sobre o modus operandi da ideologia

A primeira seacuterie de discursos oriunda do grupo do mercado fala a liacutengua dos

interesses econocircmicos na qual a qualidade intriacutenseca do alimento junto com a eficaacutecia do

livre funcionamento do mercado asseguram os progressos da produccedilatildeo possibilitando o

acesso aos produtos alimentiacutecios por todas as camadas da sociedade o que requer uma

intervenccedilatildeo limitada do poder puacuteblico Aqui a ideologia opera pela legitimaccedilatildeo mediante

o uso da estrateacutegia da universalizaccedilatildeo na qual os interesses de um grupo satildeo

apresentados como estando a serviccedilo do coletivo

210

A segunda seacuterie representadas pelos sujeitos do poder puacuteblico fala a liacutengua do

dever institucional de regulaccedilatildeo dos alimentos em favor da manutenccedilatildeo e do

aprimoramento do mercado por meio de leis ou acordos para que o mercado possa

satisfazer as necessidades de todos segundo os desejos da sociedade Nesse caso a

ideologia realiza-se pela legitimaccedilatildeo por meio da estrateacutegia da racionalizaccedilatildeo a qual

utiliza uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenio com apelo para a legalidade para defender ou

justificar uma praacutetica ou procedimento

A terceira seacuterie que congrega o grupo da sociedade civil fala a liacutengua dos direitos do

cidadatildeo o indiviacuteduo eacute portador de direitos amplos e extensivos como o de ter sauacutede

conquistados numa sociedade democraacutetica Esses direitos definem os limites do mercado e

igualmente os do Estado e aqueles natildeo devem ser ultrapassados pela accedilatildeo destes dois

atores O modo de operaccedilatildeo da ideologia eacute o da unificaccedilatildeo pela via da estrateacutegia da

padronizaccedilatildeo na qual se daacute ecircnfase agrave importacircncia da melhoria da qualidade nutricional dos

produtos alimentiacutecios em prol da sauacutede de todos Essa distinccedilatildeo se apoia em fundamentos

teacutecnico-poliacuteticos partilhados e aceitaacuteveis que servem para criar uma unidade coletiva entre

os grupos de cidadatildeos independente dos contextos diferenciados de consumo de alimentos

que eles partilhem

Apesar das marcas ideoloacutegicas especiacuteficas de cada grupo de sujeitos o que se

sobressai eacute um mundo regido pela ideologia neoliberal onde o mercado e a sociedade

seguem seus cursos dentro da normalidade quem destoa eacute o indiviacuteduo que natildeo estaacute apto

para ter uma relaccedilatildeo eficaz e saudaacutevel com a sua alimentaccedilatildeo ou seja consome produtos

alimentiacutecios em excesso e adota uma vida sedentaacuteria contrariando as expectativas que o

mercado e o poder puacuteblico tecircm sobre ele Doutrina essa pautada em um pensamento linear

reduzido agrave dimensatildeo econocircmica ancorado no mercado totalmente incompatiacutevel com uma

visatildeo de sociedade solidaacuteria e justa Mas por ora uma visatildeo ainda hegemocircnica

211

CONCLUSAtildeO

A sociedade contemporacircnea em geral quando inserida em um contexto de

globalizaccedilatildeo econocircmica e cultural perde o referencial do local e do global quando se trata

dos riscos emergentes dos alimentos As instituiccedilotildees representantes do Estado por sua vez

desfazem-se de parte da soberania local optando por agir de modo pactuado com os atores

supranacionais que normatizam o comeacutercio mundial de alimentos como a OMS FAO e OMC

Enquanto isso as corporaccedilotildees e os conglomerados transnacionais usufruem dos recursos

teacutecnicos e intelectuais para desenvolver novos produtos expandir mercados e potencializar

o capital global Esses satildeo os atores globais os que idealizam diversos tipos de cartografias

do mundo com fins econocircmicos e poliacuteticos para influenciar as decisotildees governamentais em

acircmbito nacional regional e internacional Eacute sob esse conjunto de influecircncias que a regulaccedilatildeo

do mercado pelo poder puacuteblico nacional se realiza

Com base nessas consideraccedilotildees regular os riscos emergentes dos alimentos constitui

uma tarefa desafiadora para os governos nacionais As prescriccedilotildees dos organismos

internacionais competentes estimulando e convocando os Estados a intervirem nos

produtos alimentiacutecios com altos teores de gorduras saturadas accediluacutecares e sal satildeo

insuficientes Ressalta-se que as elevadas prevalecircncias de obesidade e de outras DCNT e a

pressatildeo das induacutestrias transnacionais desinteressadas em modificar tais produtos que satildeo

importantes fontes lucrativas conformam um ambiente de conflitos e de tensotildees para

regular os alimentos Regulaccedilatildeo esta que tem por finalidade a prevenccedilatildeo de riscos agrave sauacutede

associados ao consumo desses produtos

Apesar da relaccedilatildeo direta dos produtos alimentiacutecios com a obesidade e as DCNT

esses componentes nutricionais em excesso natildeo satildeo necessariamente reconhecidos pelos

diferentes setores sociais como danosos agrave sauacutede e portanto deixam de ser tratados como

tal Contudo as instituiccedilotildees puacuteblicas de sauacutede assim os reconhecem e vecircm se empenhando

em estabelecer compromissos bilaterais com as induacutestrias de alimentos para a reduccedilatildeo de

nutrientes tais como gorduras saturadas accediluacutecares e sal Poreacutem a efetiva regulaccedilatildeo natildeo se

212

concretizou inclusive por dificuldades do proacuteprio governo brasileiro em confrontar

diretamente os interesses do mercado O governo entatildeo decidiu adotar a estrateacutegia de

formulaccedilatildeo de Acordos de Cooperaccedilatildeo entre as partes ou seja o Ministeacuterio da Sauacutede e um

grupo de entidades das induacutestrias Nas instituiccedilotildees puacuteblicas a governanccedila instituiacuteda parecia

firmar-se como um avanccedilo da praacutetica democraacutetica (consulta puacuteblica audiecircncia puacuteblica

agenda regulatoacuteria etc) mas logo retrocedeu com o advento dos Acordos Nesse processo de

negociaccedilatildeo natildeo houve a participaccedilatildeo da sociedade civil - justamente o segmento social mais

afetado abalando assim as bases que regem a boa governanccedila

A essecircncia desta tese concentrou-se nos discursos formulados por trecircs grupos dos

sujeitos investigados e vinculados a trecircs campos de atuaccedilatildeo distintos o mercado o poder

puacuteblico e a sociedade civil A partir de posiccedilatildeo divergente quanto aos riscos agrave sauacutede

relacionados a esses produtos eles traccedilaram rumos distintos para a regulaccedilatildeo dos riscos

dos alimentos Os sujeitos vinculados ao mercado defendem o Acordo como uma alternativa

justa e correta aqueles ligados ao poder puacuteblico dividem-se entre a defesa dos acordos e a

necessidade de regras compulsoacuterias e por fim os representantes da sociedade civil satildeo

unacircnimes na defesa da medida de regulamentaccedilatildeo (regras compulsoacuterias) Diante disso

observa-se que a hipoacutetese antes formulada37 foi confirmada em sua parte inicial Natildeo haacute

forccedilas poliacuteticas suficientes para impor agraves induacutestrias regras com caraacuteter compulsoacuterio para

reduzir os teores de nutrientes em prazos curtos e aplicar sanccedilotildees em caso de

descumprimento tendo por objetivo a reformulaccedilatildeo da composiccedilatildeo nutricional desses

produtos

No que se refere agrave parte complementar da hipoacutetese o modo de a induacutestria encarar o

problema da relaccedilatildeo entre os alimentos e as DCNT tambeacutem foi confirmado Para a induacutestria

o indiviacuteduo eacute o responsaacutevel pelo comportamento de risco por natildeo saber eleger

corretamente os alimentos e por consumi-los em excesso

37 Hipoacutetese norteadora da tese apesar de reconhecer que a regulaccedilatildeo puacuteblica dos alimentos eacute uma das estrateacutegias poliacutetico-operacionais necessaacuterias para intervir nos riscos emergentes dos alimentos as forccedilas poliacuteticas no Estado atual satildeo insuficientes para concretizaacute-las com efetividade em decorrecircncia do poder das induacutestrias - que reagem atribuindo a responsabilidade dos distuacuterbios nutricionais aos consumidores e minimizando as reivindicaccedilotildees da sociedade civil

213

O reconhecimento do indiviacuteduo enquanto viacutetima devido agraves pressotildees do ritmo

acelerado da vida cotidiana agraves induccedilotildees sistemaacuteticas impostas pelo mercado de alimentos

por diferentes mecanismos e agrave omissatildeo das instituiccedilotildees puacuteblicas de controle praticamente

ficou obscurecido Apenas um discurso do sujeito do mercado insinuava um

comportamento desviante do mercado Reaccedilatildeo contraacuteria ao que ocorreu com os sujeitos da

sociedade civil que enfatizaram a parcela de responsabilidade da induacutestria

Ao mesmo tempo em que os sujeitos do mercado negam a fragilidade do consumidor

diante do poderio do mercado enaltecem o produto alimentiacutecio enquanto fonte de vida

sauacutede e longevidade Para eles os possiacuteveis riscos que os produtos podem carrear

constituem situaccedilotildees raras diante do conjunto de medidas de controle implementadas

pelas proacuteprias induacutestrias

Com base nos resultados desta tese eacute possiacutevel afirmar que regular os riscos dos

alimentos constitui uma arena poliacutetica onde se pautam demandas puacuteblicas no seio de

disputas de interesses de grande envergadura Agrave medida que o pensamento neoliberal se

fortalece nas instituiccedilotildees do poder puacuteblico e o mercado se coloca num patamar de

superioridade a participaccedilatildeo ativa da sociedade civil organizada passa a ser estrateacutegica

para a defesa efetiva dos interesses de sauacutede Essa participaccedilatildeo da sociedade quando

legiacutetima faz o elo com o governo para fazecirc-lo cumprir a sua missatildeo na defesa das questotildees

puacuteblicas de sauacutede puacuteblica

O poder puacuteblico ao optar por disciplinar o mercado de alimentos contando apenas

com a participaccedilatildeo desse segmento reduziu o seu poder de barganha e tornou-se mais

vulneraacutevel aos pleitos do mercado A sociedade civil organizada se envolvida nesse

processo de negociaccedilatildeo e pactuaccedilatildeo atuaria como contraponto pois ela eacute

indubitavelmente o representante que em geral se identifica e se alia com os interesses e

necessidades do povo

A garantia de alimentos saudaacuteveis eacute um direito do cidadatildeo dever do mercado e objeto

de controle por parte do Estado Poreacutem transformar gente em cidadatildeos saudaacuteveis implica

reconhecer o acesso agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave sauacutede e agrave nutriccedilatildeo como direito

214

fundamental de cada pessoa Para tanto satildeo necessaacuterios o respeito a praacuteticas e haacutebitos

alimentares e a valorizaccedilatildeo da sauacutede das pessoas entre outros aspectos para que todos

possam exercer plenamente a sua cidadania

Face ao exposto destaca-se que em estudos dessa natureza envolvendo um objeto de

investigaccedilatildeo complexo e multidimensional situando-se na fronteira de intersecccedilatildeo entre o

scio-histoacutericosoacutecio atual o nacionalinternacional o institucional particular o

poliacuteticoteacutecnico e o fisioloacutegicosimboacutelico permeado por uma constelaccedilatildeo temaacutetica e de

valores sempre haacute limitaccedilotildees Aleacutem disso tais estudos sempre envolvem um nuacutemero

reduzido de sujeitos e de instituiccedilotildees-alvo o que faz com que os resultados representem

apenas uma versatildeo da realidade investigada Ao reconhecer o impacto de todas essas

articulaccedilotildees foi escolhido neste trabalho privilegiar as interaccedilotildees (acordos e desacordos

reivindicaccedilotildees e consentimentos) das vias institucionais e dos interesses particulares que

envolvem a regulaccedilatildeo do mercado de alimentos para conformaacute-lo a um padratildeo nutritivo e

mais saudaacutevel para todos

Enfim diante dos resultados desta tese as perspectivas conceituais e estrateacutegicas que

se desenham para o futuro poderiam ser as seguintes

- Desenvolver estudos que avaliem o impacto dos Acordos formalizados entre

esse grupo de entidades de induacutestrias e o Ministeacuterio da Sauacutede visando agrave

reduccedilatildeo dos teores dos nutrientes no caso soacutedio sobre os produtos

alimentiacutecios fabricados por empresas que natildeo participaram do Acordo A

alternativa para ldquogarantirrdquo que as inuacutemeras induacutestrias de alimentos de

pequeno e meacutedio portes natildeo participantes das negociaccedilotildees faccedilam adesatildeo agrave

proposta de adequaccedilatildeo do perfil nutricional de alimentos seria a de

estabelecer acordos de parcerias ou regulamentaccedilatildeo No entanto como a

expectativa do Ministeacuterio da Sauacutede eacute de que haja um efeito ldquocascatardquo poacutes-

Acordo que desencadeie iniciativas voluntaacuterias para reduzir os teores de

soacutedio dos alimentos seria oportuno comprovar tal efeito caberia em estudos

especiacuteficos

215

- Explorar as bases conceituais e praacuteticas das inciativas de Parcerias Puacuteblico-

Privadas no campo da nutriccedilatildeo desenvolvidas no Paiacutes considerando os

conflitos de interesses a possibilidade de cooptaccedilatildeo e intimidaccedilatildeo dos

membros do governo a desmobilizaccedilatildeo para viabilizar regras compulsoacuterias

entre outros aspectos que podem afluir dessas parcerias E tambeacutem averiguar

sob o olhar dos agentes puacuteblicos do campo da regulaccedilatildeo o impacto da

iniciativa de formulaccedilatildeo de Acordos sobre as proposiccedilotildees regulatoacuterias

vigentes

- Avaliar as iniciativas e estrateacutegias de informaccedilatildeo nutricional em particular agraves

aplicadas nos roacutetulos dos alimentos em implementaccedilatildeo em diferentes paiacuteses

Em seguida eleger agrave luz da realidade socioeconocircmica e cultural nacional

aquelas iniciativas que apresentem aplicaccedilatildeo mais adequada ao contexto

brasileiro e

- Ampliar a divulgaccedilatildeo dos riscos dos alimentos e as doenccedilas a eles

correlacionadas em espaccedilos como universidades escolas associaccedilotildees

entidades de classe sindicatos entre outros como forma de disseminar a

informaccedilatildeo democratizar o debate e formar uma base social de apoio capaz de

se contrapor agraves regras impostas pelo mercado no que tange agrave qualidade

nutricional dos alimentos e dos produtos alimentiacutecios colocados no mercado

Por fim a populaccedilatildeo brasileira natildeo pode continuar a ser penalizada em sua sauacutede e

nutriccedilatildeo em decorrecircncia de compromissos limitados firmados entre as instituiccedilotildees

puacuteblicas e o mercado Agrave sombra dessa penalizaccedilatildeo haacute um dispositivo de regulaccedilatildeo que

permanece em aberto no campo dos riscos dos alimentos Eacute este o principal resultado

esperado deste estudo o de evidenciar que regular natildeo significa somente enquadrar os

riscos ou os componentes nutricionais dos produtos alimentiacutecios Envolve os conflitos de

216

interesses ligados agrave produccedilatildeo e agrave comercializaccedilatildeo desses produtos a incorporaccedilatildeo

subjetiva das regras e o gerenciamento das resistecircncias aos poderes que as impotildeem

Nunca haacute regulaccedilatildeo encerrada mas sempre regulaccedilatildeo em andamento em um contexto

dinacircmico dos riscos dos alimentos De maneira similar natildeo haacute regulaccedilatildeo sem lei nem lei

sem regulaccedilatildeo no campo do controle de alimentos Lei e regulaccedilatildeo satildeo assim uma dupla

indispensaacutevel Contudo a regulaccedilatildeo natildeo reside na lei mas antecede uma necessidade e um

apoio muacutetuo em um processo regulatoacuterio Eacute produto de uma invenccedilatildeo coletiva que atualiza

regras e condutas propensas a dar outra racionalidade agrave praacutetica de controle dos alimentos

Nas instituiccedilotildees brasileiras o processo regulatoacuterio tem sido estabelecido de modo

cooperativo e democraacutetico exceto quando natildeo haacute atropelos internos que desviam tais

preceitos

Nesse sentido o que se almeja ao fazer a exploraccedilatildeo dos meandros poliacuteticos

econocircmicos e subjetivos da regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos eacute promover a

regulaccedilatildeo justa Ou seja aquela que cria simultacircnea e permanentemente as condiccedilotildees do

trabalho cooperativo que implica a presenccedila dos trecircs parceiros-chave identificados (o

mercado o poder puacuteblico e a sociedade civil) particularmente em uma esfera cultural e

simbolicamente tatildeo sensiacutevel como eacute a deste campo de atuaccedilatildeo Uma concepccedilatildeo da

regulaccedilatildeo que descarte qualquer instrumentalizaccedilatildeo do processo com benefiacutecios estritos

aos interesses do mercado para legitimaacute-lo mas que se dirige para uma conduta justa a

serviccedilo da sociedade inteira O consentimento em torno de tais regras de conduta justa

sinaliza a efetividade colaborativa e delimita os direitos e os deveres correspondentes aos

trecircs parceiros no campo em questatildeo

217

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS ALMEIDA SS NASCIMENTO PCBD QUAIOTI TCB Quantidade e qualidade de produtos alimentiacutecios anunciados na televisatildeo brasileira Revista de Sauacutede Puacuteblica v36 n3 p353-5 2002

AMIGO Hugo Obesidad en el nintildeo en Ameacuterica latina situacioacuten criterios de diagnoacutestico y desafiacuteos Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS163-S170 2003 ALTEKRUSE SF SWERDLOW DL The changing epidemiology of foodborne diseases American Journal of the Medical Sciences v311 n1 p23-29 jan 1996 ANDRIEU E DARMON N DREWNOWSKI A Low-cost diets more energy fewer nutrients European Journal of Clinical Nutrition v60 p434ndash436 2006

ARMSTRONG GL HOLLINGSWORTH J GLENN MORRIS J Emerging Foodborne Pathogens Escherichia coli O157H7 as a Model of Entry of a New Pathogen into the Food Supply of the Developed World Epidemiologic Reviews v 8 n1 p29-51 1996 BAKSHI Anita Potential adverse health Effects of genetically modified crops Journal of Toxicology and Environmental Health Part B v6 p211ndash225 2003

BARBOSA AO COSTA EA Os sentidos de seguranccedila sanitaacuteria no discurso da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 15 n Supl 3 p3361-3370 2010

BARDAL PAP et al Questotildees atuais sobre a vigilacircncia sanitaacuteria das concentraccedilotildees de fluacuteor em alimentos Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v28 n3 p573-582 mar 2012

BARROS Diana Luz Pessoa de Teoria Semioacutetica do Texto 4 ed 6 imp Impresso nas oficinas da Editora Parma Ltda 2005 Disponiacutevel em lthttpcopyfightmeAcervolivrosBARROS20Diana20Luz20Pessoa20de20-20Teoria20Semiotica20do20Textopdf gt Acesso em 15 jun 2014 BARROS MBA et al Tendecircncias das desigualdades sociais e demograacuteficas na prevalecircncia de doenccedilas crocircnicas no Brasil PNAD 2003- 2008 Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v16 n9 p3755-3768 2011

BATISTA FILHO M RISSIN A A transiccedilatildeo nutricional no Brasil tendecircncias regionais e temporais Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v19 sup 1 pS181-S191 2003 BAUMAN Zygmunt Globalizaccedilatildeo as consequumlecircncias humanas Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1999 145p

218

__________ Vida para consumo a transformaccedilatildeo das pessoas em mercadoria Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008 199p BEATON GH MCHENRY EW (eds) Volume 3 Nutrition a comprehensive treatise New York Academic Press Inc 1966 BECK Ulrich La sociedad del riesgo hacia uma nueva modernidad EspantildeaPAIDOacuteS 2002

__________ O que eacute globalizaccedilatildeo Equiacutevocos do globalismo resposta agrave globalizaccedilatildeo Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 282p BEGHIN JC JENSEN HH Farm policies and added sugar in Us diets Food Policy v33 p480-488 2008

BERGER P L LUCKMANN T A construccedilatildeo social da realidade 31 ed Petroacutepolis RJVozes Ltda 2009 BERMUDEZ O I TUCKER K L Trends in dietary patterns of Latin American populations Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v19 sup 1 pS87-S99 2003

BEZERRA I N et al Consumo de alimentos fora do domiciacutelio no Brasil Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 47 Supl 1 p200S-11S 2013 Disponiacutevel em ltwwscielobrpdfrspv47s106pdfgt Acesso em 26 nov 2014 BLEIL Suzana Inez O Padratildeo Alimentar Ocidental consideraccedilotildees sobre a mudanccedila de haacutebitos no Brasil UNICAMP Revista Cadernos de Debate v 6 p1-25 1998 BOBBIO Norberto Estado governo e sociedade para uma teoria geral da poliacutetica 12 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2005 BODSTEIN Regina Cele de Andrade complexidade da ordem social contemporacircnea e a redefiniccedilatildeo da responsabilidade puacuteblica In Rozenfeld S (org) Fundamentos da Vigilacircncia sanitaacuteria Rio de Janeiro Ed Fiocruz p63-97 2000 BORCH A ROOS G Public Private Partnerships fighting obesity in Europe raquo Anthropology of food [Online] S7 | 2012 Disponiacutevel em ltURL lthttpaofrevuesorg7286gt Acesso em 26 jun 2014 BOUCHRIF B et al Prevalence and antibiotic-resistance of Salmonella isolated from food in Morocco The Journal of Infection in Developing Countries v3 n1 p35-40 2009

BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Rio de JaneiroBertrand Brasil 2009 __________ Contrafogos por um movimento social europeu Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2001 115p

219

BRANCA F NIKOGOSIAN H LOBSTEIN T (ed) The challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response summary Copenhagen Denmark WHO Library Cataloguing in Publication Data 2007 BRASIL Decreto-Lei nordm 986 de 21 de outubro de 1969 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnect836d7c804745761d8415d43fbc4c6735dec_lei_986pdfMOD=AJPERESgt Acesso em 15 abr 2014

__________ Lei n 9782 de 26 de janeiro de 1999 Define o Sistema Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria cria a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leisl9782htmgt Acesso em 23 fev 2014

__________ Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 28 de 28 de marccedilo de 2000 Dispotildee sobre os procedimentos baacutesicos de Boas Praacuteticas de Fabricaccedilatildeo em estabelecimentos beneficiadores de sal destinado ao consumo humano e o roteiro de inspeccedilatildeo sanitaacuteria em induacutestrias beneficiadoras de sal Disponiacutevel em lthttp18928128100nutricaodocslegislacaoresolucaordc_28pdf gt Acesso em 25 abr 2014 __________ Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 40 de 21 de marccedilo de 2001 Aprovar o Regulamento Teacutecnico para Rotulagem Nutricional Obrigatoacuteria de Alimentos e Bebidas Embalados constante do anexo desta Resoluccedilatildeo

__________ Resoluccedilatildeo - RDC Nordm 344 de 13 de dezembro de 2002 Aprovar o Regulamento Teacutecnico para a Fortificaccedilatildeo das Farinhas de Trigo e das Farinhas de Milho com Ferro e Aacutecido Foacutelico constante do anexo desta Resoluccedilatildeo Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Poder Executivo de 18 dezembro de 2002 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectf851a500474580668c83dc3fbc4c6735RDC_344_2002pdfMOD=AJPERESgt Acesso em 25 abr 2014 __________ Controle da adiccedilatildeo de iodo no sal reduz casos de boacutecio Boletim Informativo n41 p 4-5 mar 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwanvisagovbrdivulgapublicboletim41_04pdfgt Acesso em 20 abr 2014 __________ Conselho Consultivo 2005 () AgecircnciaPublicaccedilatildeo Agecircncia Portal da Anvisa Disponiacutevel emlt httpsanvisagovbrwpssr9xdgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Portaria nordm 354 de 11 de agosto de 2006a (Republicada no DOU de 210806 e retificada no DOU de 290806) Aprova e promulga o Regimento Interno da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria ndash ANVISA e da outras providecircncias

__________ Consulta Puacuteblica nordm 71 de 10 de novembro de 2006b DOU de 13 de novembro de 2006 Aprovar o regulamento sobre oferta propaganda publicidade informaccedilatildeo e outras praacuteticas correlatas cujo objeto seja a divulgaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de alimentos considerados com quantidades elevadas de accediluacutecar de gordura saturada de gordura trans de soacutedio e de bebidas com baixo teor nutricional Disponiacutevel em

220

lthttpwwwanvisagovbrpropagandaminuta_consulta71_2006pdfgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Gestatildeo 2005-2010 principais realizaccedilotildees Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Brasiacutelia Anvisa 2010a

__________ Resoluccedilatildeo-RDC nordm 24 de 15 de junho de 2010b Dispotildee sobre a oferta propaganda publicidade informaccedilatildeo e outras praacuteticas correlatas cujo objetivo seja a divulgaccedilatildeo e a promoccedilatildeo comercial de alimentos considerados com quantidades elevadas de accediluacutecar de gordura saturada de gordura trans de soacutedio e de bebidas com baixo teor nutricional nos termos desta Resoluccedilatildeo e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lt httpportalanvisagovbrwpswcmconnect34565380474597549fd4df3fbc4c6735RDC24_10_Publicidade+de+alimentospdfMOD=AJPERESgt Acesso em 28 abr 2014

__________ Perfil nutricional dos alimentos processados Informe Teacutecnico nordm 422010c Disponiacutevel em ltwwwanvisagovbrwpmconnect1011330044bbafc3b1f6b10377ff0da5Perfil+NutricionalpdfMOD=AJPERESgt Acesso em 22 nov 2010

__________ Programa de Anaacutelise de Resiacuteduos de Agrotoacutexicos em Alimentos (PARA) Relatoacuterio de Atividades de 2010 Gerecircncia Geral de Toxicologia Brasiacutelia 05 de dezembro de 2011 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectb380fe004965d38ab6abf74ed75891aeRelatC3B3rio+PARA+2010+-+VersC3A3o+FinalpdfMOD=AJPERESgt Acesso em04 nov 2013

__________ Documento orientador Agenda regulatoacuteria Ciclo quadrienal 2013-2016 Programa de Boas Praacuteticas Regulatoacuterias da Anvisa BrasiacuteliaAnvisa 2012 Disponiacutevel em ltfileUsersanavirginiafigueiredoDocumentsATESECAPITULOS20DA20TESEREGULACAOAgenda_Regulatoria_Quadrienal_final_baixapdfgt Acesso em 27 abr 2014 __________ Temas da Agenda regulatoacuteria BIEcircNIO 2013-2014 Lista Completa e andamento dos Temas marccedilo 2014 Agenda Regulatoacuteria Ciclo Quadrienal 2013-2016 Disponiacutevel em lthttpportalanvisagovbrwpswcmconnectc4a4840043684e988946ed74bfb02411Proposta_Completa_Temas_30_setembropdfMOD=AJPERESgt Acesso em 27 abr 2014 __________ Casa Civil Cacircmara de Infra Estrutura ndash Cacircmara de Poliacutetica Econocircmica Relatoacuterio

do Grupo de Trabalho Interministerial Anaacutelise e Avaliaccedilatildeo Do Papel das Agecircncias

Reguladoras no Atual Arranjo Institucional Brasileiro Relatoacuterio do Grupo de Trabalho

Interministerial Brasiacutelia setembro de 2003 Disponiacutevel em

lthttpwwwbresserpereiraorgbrDocumentsMAREAgenciasavaliacao_das_agencias_r

eguladoras_-_casa_civilpdfgt Acesso em 20 fev 2014

221

__________Cacircmara dos Deputados Regimento interno da Cacircmara dos Deputados 11 ed

Brasiacutelia 2013 Disponiacutevel em

ltfileUsersanavirginiafigueiredoDownloadsregimento_interno_11edpdfgt Acesso

em 15 Mai 2014

__________ Conselho Nacional de Secretaacuterios de Sauacutede Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 In __________ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p22-37 2003a ___________ Constituiccedilatildeo Federal 1988 Tiacutetulo VIII Da Ordem Social Seccedilatildeo II Da Sauacutede In_______ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p20-21 2003b __________ Lei nordm 9782 de 26 de janeiro de 1999 Define o Sistema Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria cria a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria e daacute outras providecircncias In__________ Legislaccedilatildeo do SUS BrasiacuteliaCONASS p169-181 2003c __________ Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional GT - Alimentaccedilatildeo Adequada e Saudaacutevel Relatoacuterio Final Marccedilo de 2007 Disponiacutevel em lthttpwww4planaltogovbrconseadocumentosalimenatacao-adequada-e-saudaveldocumento-final-alimentacao-adequada-e-saudavelgt Acesso em 15 mar 2012 _________ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 Antropometria e Estado Nutricional de Crianccedilas Adolescentes e Adultos no Brasil Rio de Janeiro 2010 Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpof_2008_2009_encaapdf Acesso em 11 mar 2012 __________ Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 Anaacutelise do Consumo Alimentar no Brasil Rio de JaneiroIBGE 2011 __________ Instituto Nacional De Metrologia Qualidade E Tecnologia Comitecirc Codex Alimentarius do Brasil ndash CCAB Histoacuterico do Comitecirc Codex Alimentarius do Brasil ndash CCAB Paacutegina web httpwwwinmetrogovbrindexasp Disponiacutevel em lthttpwwwinmetrogovbrqualidadecomitescodex_ccabaspgt Acesso em 16 abr 2014 __________ Ministeacuterio do Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome Secretaria-Executiva da Cacircmara Interministerial de Seguranccedila Alimentar e Nutricional- CAISAN Plano Intersetorial de Prevenccedilatildeo e Controle da Obesidade Nota para Imprensa Ano estimado 2012a Disponiacutevel em lthttpwww4planaltogovbrconseanoticiasdocumentosplanalto-intersetorial-de-prevenccedilatildeo-e-controle-da-obesidadegt Acesso em 28 abr 2014 __________ Marco de Referecircncia de Educaccedilatildeo Alimentar e Nutricional para as Poliacuteticas Puacuteblicas Brasiacutelia DFMDS Secretaria Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2012b

222

____________________Ministeacuterio da Sauacutede Avaliaccedilatildeo da evoluccedilatildeo temporal do estado nutricional das crianccedilas de 0 a 5 anos beneficiaacuterias do Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) acompanhadas nas condicionalidades de sauacutede Sumaacuterio Executivo Brasiacutelia abril 2014 Disponiacutevel em lthttpaplicacoesmdsgovbrsagirmpssimulacaosum_executivopdfsumario_138pdfgt Acesso em 18 jun 2014

________ Ministeacuterio da Sauacutede 8a Conferecircncia Nacional de Sauacutede Brasiacutelia-DF 17 a 21 de

marccedilo de 1986 Disponiacutevel em

lthttpbvsmssaudegovbrbvspublicacoes8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final

pdfgt Acesso em17 mar 2014

__________ Portaria nordm 710 de 10 de junho de 1999 Aprova a Poliacutetica Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo cuja iacutentegra consta do anexo desta portaria e dela eacute integrante Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Poder Executivo de 15 de junho de 1999 __________ A Sauacutede no Mercosul ndash 2 ed rev e ampl 1ordf reimpressatildeo ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2003 24 p il - (Seacuterie B Textos Baacutesicos de Sauacutede) Disponiacutevel em lthttpdtr2001saudegovbreditoraprodutoslivrospdf03_0401_Mpdfgt Acesso em 10 dez 2013 __________ Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede Departamento de Gestatildeo e da Regulaccedilatildeo do Trabalho em Sauacutede Foacuterum permanente Mercosul para o trabalho em sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2007a (Seacuterie D Reuniotildees e Conferecircncias) Disponiacutevel em lthttpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesforum_permanente_mercosul_trabalho_saudepdfgt Acesso em 10 dez 2013 __________ Portaria nordm 3092 de 04 de dezembro de 2007b Institui Grupo Teacutecnico com o objetivo de discutir e propor accedilotildees conjuntas a serem implementadas para a melhoria da oferta de produtos alimentiacutecios e promoccedilatildeo da alimentaccedilatildeo saudaacutevel Disponiacutevel em lthttpdtr2001saudegovbrsasPORTARIASPort2007GMGM-3092htmgt Acesso em 28 abr 2014

___________ Trata sobre o Acordo do Ministeacuterio da Sauacutede com a Associaccedilatildeo Brasileira de Induacutestrias de Alimentos para reduccedilatildeo dos teores de soacutedio gorduras e accediluacutecares dos alimentos Ano estimado 2007c Disponiacutevel em http18928128100nutricaodocsgeralacordo_social_reducao_teores_sodio_acucar_gorduraspdf Acesso em 15 mar 2012 __________ Plano de Accedilotildees Estrateacutegicas para o Enfrentamento das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Transmissiacuteveis (DCNT) no Brasil ndash 2011-2022 Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede Departamento de Anaacutelise de Situaccedilatildeo de Sauacutede BrasiacuteliaMinisteacuterio da Sauacutede 2011 148p (Seacuterie B Textos Baacutesicos de Sauacutede)

223

__________ Poliacutetica nacional de alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo Versatildeo preliminar 2012a Disponiacutevel em http18928128100nutricaodocsgeralpnan2011pdf Acesso em 25 marccedilo 2012 __________ Vigitel Brasil 2011 Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2011 Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012b (Seacuterie G Estatiacutestica e Informaccedilatildeo em Sauacutede)

__________ Construccedilatildeo da agenda de reformulaccedilatildeo de alimentos processados com as induacutestrias de alimentaccedilatildeo 30 abr 2012c Disponiacutevel httpnutricaosaudegovbrsodio_reformulacaophpgt Acesso em 24 jun 2014 __________ Vigitel Brasil 2012Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2012 BrasiacuteliaMinisteacuterio Da Sauacutede 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwsbptorgbrdownloadsarquivosvigitel_2012pdf gt Acesso em 01 mar2014 __________ Vigitel Brasil 2013 Vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnico Estimativas sobre frequecircncia e distribuiccedilatildeo sociodemograacutefica de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2013 Brasiacutelia-DFMinisteacuterio Da Sauacutede 2014a Disponiacutevel emlt httpbiavatifileswordpresscom201405vigitel-2013pdfgt Acesso em15 jun 2014 __________ Reduccedilatildeo de Soacutedio Accediluacutecar e Gordura Trans Promoccedilatildeo da Sauacutede e da

Alimentaccedilatildeo Adequada e Saudaacutevel 2014b Disponiacutevel em

lthttpdabsaudegovbrportaldabape_promocao_da_saudephpconteudo=reducaogt

Acesso em 23 jun2014

__________ Presidecircncia da Repuacuteblica Emenda Constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoEmendasEmcemc64htmgt Acesso em 10 ago2014 BAUM Fran Health equity justice and globalisation some lessons from the Peoplersquos Health Assembly Journal of Epidemiology amp Community Health v55 p613ndash616 2001 BRESSER PEREIRA Luis Carlos G Reflexotildees sobre a reforma gerencial brasileira de 1995 Revista do Serviccedilo Puacuteblico ano 50 n4 out-dez p5-29 1999

224

__________ O modelo estrutural de gerecircncia puacuteblica Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v42 n2 p391-410 marabr 2008 BUCHLER S SMITH K LAWRENCE G Food risks old and new demographic characteristics and perceptions of food additives regulation and contamination in AustraliaJournal of Sociology The Australian Sociological Association v46 n4 p353ndash374 2010

BURBANO J C FORNASINI M ACOSTA M Prevalencia y factores de sobrepeso em colegialas de 12 a 19 antildeos en uma regioacuten semiurbana del Ecuador Revista Panamericana de Salud Publica v13 n5 p227-284 2003

CABALLERO Benjamin The global epidemic of obesity an overview Epidemiologic Reviews v29 n1 p1-5 2007 CANESQUI AM GARCIA RMD Uma introduccedilatildeo agrave reflexatildeo sobre a abordagem sociocultural da alimentaccedilatildeo In ___________ (orgs) Antropologia e nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ p9-19 2005

CARAPINHEIRO Graccedila A globalizaccedilatildeo do risco social In SANTOS B DE S (org) A globalizaccedilatildeo e as ciecircncias sociais 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez cap 5 p197-228 2002 CARVALHEIRO Joseacute da Rocha Desafios da Vigilacircncia Sanitaacuteria e a Funccedilatildeo Regulatoacuteria In BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede I Conferecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Cadernos de Textos Brasiacutelia Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria p25-36 2001 CASTEL Robert From dangerousness to risk In BURCHELL G GRAHAM C MILLER P (eds) The Foucault effect studies in governmentality Chicago The University of Chicago Press p281-299 1991

CHANDON P WANSINK B Does food marketing need to make us fat A review and solutions Nutrition Reviews v70 n10 p571ndash593 2012 Disponiacutevel em ltfileUsersanavirginiafigueiredoDocumentsATESECAPITULOS20DA20TESEDIETA_CONSUMOnational_capacity_prevention_ncdspdfgt Acesso em 06 mar2014

CHAVES Nelson Nutriccedilatildeo baacutesica e aplicada Rio de Janeiro Editora Guanabara Koogan SA 1978 344p CHOPRA Mickey Globalization and food implications for the promotion of ldquohealthyrdquo diets In WORLD HEALTH ORGANIZATION Globalization diets and noncommunicable diseases Switzerland WHO Library p1-16 2002 CHOPRA M GALBRAITH S amp DARNTON-HILL I A global response to a global problem the epidemic of overnutrition Bulletin of the World Health Organization v80 p12 p952-958 2002

225

CONTRERAS Jesuacutes Hernaacutendez La modernidad alimentaria entre la sobreabundancia y la inseguridad Revista Internacional de Sociologiacutea Tercera Epoca n40 p 109-132 eneabr 2005

__________ GRACIA M Alimentaccedilatildeo sociedade e cultura Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2011 COSTA Edinaacute Alves Vigilacircncia Sanitaacuteria proteccedilatildeo e defesa da sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1999 460p

__________ Regulaccedilatildeo e vigilacircncia sanitaacuteria para a proteccedilatildeo da sauacutede In Vieira F P

REDIGUIERI C F REDIGUIERI CF (orgs) A Regulaccedilatildeo de Medicamentos no Brasil

Porto Alegre Editora ARTMED p21-37 2013

COSTA NR et al O desenho institucional da reforma regulatoacuteria e as falhas de mercado no

setor sauacutede Revista da Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v 35 n2 p193228

marabr 2001

COSTA RF CINTRA IP FISBERG M Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em escolares da cidade de Santos SP Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia v50 n1 p60-67 fev 2006 COUTINHO JG GENTIL PC TORAL NA desnutriccedilatildeo e obesidade no Brasil o enfrentamento com base na agenda uacutenica de nutriccedilatildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v24 sup 2 pS332-S340 2008 CRESWELL John W Projeto de pesquisa meacutetodos qualitativo quantitativo e misto 3 ed Porto AlegreArtmed 2010 CRUZ Verocircnica Estado e regulaccedilatildeo fundamentos teoacutericos In RAMALHO PIS (org)

Regulaccedilatildeo e agecircncias reguladoras governanccedila e anaacutelise do impacto regulatoacuterio 1a

ed Brasiacutela Anvisa p 53-86 2009

DEL GROSSI MD Poverty reduction From 44 million to 296 million People In GRAZIANO DA SILVA J DEL GROSSI M E FRANCcedilA C G (orgs) The Fome Zero (Zero Hunger) Program The Brazilian experience Brasiacutelia MDA 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep016i3023ei3023epdfgt Acesso em 18 out 2013 DIETZ William H Critical periods in childhood for the developement of obesity American Journal Clinical Nutrition v59 n5 p955-59 may 1994 DAHLET Patrick A produccedilatildeo escrita abordagens cognitivas e textuais Trabalhos linguiacutesticos aplicados IEL UnicampCampinas v 23 p79-95 janjul 1994

226

_________ Apagar as divisotildees celebrar o consenso a governanccedila discursiva na era neoliberal

Todas as letras w Satildeo Paulo v16 n1 p125-138 mai 2014 Disponiacutevel em

lthttpdxdoiorg101552919806914letrasv16n1p125-138gt Acesso em 22 jul 2014

DELORMIER T FROHLICH K L POTVIN L Food and eating as social practice ndash understanding eating patterns as social phenomena and implications for public health Sociology of Health amp Illness v 31 n 2 p 215ndash228 2009

DOAK CM et al Overweight and underweight coexist within households in Brazil China and Russia Journal of Nutrition v130 n12 p2965-2971 dec 2000 DREWNOWSKI Adam Fat and sugar an economic analysis Journal of Nutrition v133 n3 p838S-840S mar 1 2003 __________ Intense sweeteners and energy density of foods implications for weight control European Journal of Clinical Nutrition v53 p757-763 1999

__________ Obesity diets and social inequalities Nutrition Reviews v 67 sup 1 pS36-S39 2009

__________ The cost of US foods as related to their nutritive value American Journal of Clinical Nutrition v92 p1181ndash8 2010

__________ et al Dietary Energy Density and Body Weight Is There a Relationship Nutrition Reviews v 62 n 11 p 403ndash413 nov 2004

__________ POPKIN BM The Nutrition Transition New Trends in the Global Diet Nutrition Reviews v 55 n 2 p31-43 feb 1997

__________ SPECTER SE Poverty and obesity the role of energy density and energy costs American Journal of Clinical Nutrition v79 n1 p6-16 jan 2004 EVANS M et al Globalization diet and health an example from Tonga Bulletin of the World Health Organization v79 n9 p 856ndash862 2001

EWALD Franccedilois Insurance and risk In BURCHELL G GRAHAM C MILLER P (eds) The Foucault effect studies in governmentality Chicago The University of Chicago Press p197-210 1991

EGGER G SWINBURN B An ldquoecologicalrdquo approach to the obesity pandemic British Medical Journal v315 n 23 aug 1997 Disponiacutevel em lthttpwwwncbinlmnihgovpmcarticlesPMC2127317pdf9284671pdfgt Acesso em 26 nov 2014

227

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF UNITED NATIONS Report of The eighteenth session of The Committee on agriculture Rome 9-10 february 2004 FAOrsquos Proposed Follow-up to the Report of Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases 2004

__________ Aplicacion Del analisis de riesgos a cuestiones de normas alimentarias informe de la consulta mixta FAOOMS de expertos Ginebra Suiza 13-17 de marzo de 1995 WHOFNUFOS953 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-x1271spdfgt Acesso em 07 mar 2013 __________ Globalization of food systems in developing countries impact on food security and nutrition FAO Food Nutrition Paper 83 2004 Reprinted 2006 __________ Responding to the food crisis synthesis of medium-term measures proposed in inter-agency assessments ROME 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadISFPSR_Webpdfgt Acesso em 21 mar 2012 __________ Disminuye el hambre mundial pero sigue inaceptablemente alta Los objetivos de la comunidad internacional en la reduccioacuten del hambre son difiacuteciles de alcanzar Departamento Econoacutemico y Social Septiembre de 2010 _________ FAO in the 21st century ensuring food security in a changing world FAORome 2011a __________ The state of food insecurity in the world How does international price volatility affect domestic economies and food security FAORome 2011b _________ Sustainable nutrition security Restoring the bridge between agriculture and health RomeFAO sept 2012 ___________ Fao statistical yearbook 2013 World Food and Agriculture RomeFAO 2013a Disponiacutevel em httpwwwfaoorgdocrep018i3107ei3107ePDFgt Acesso em 17 nov 2014

_________ The state of food and agriculture food systems for better nutrition Rome 2013b

__________ ORGANIZACIOacuteN MUNDIAL DE LA SALUD Comisioacuten del Codex Alimentarius Manual de Procedimiento Programa Conjunto FAOOMS sobre Normas Alimentarias 14ordf ed Roma 2005 FAO WHO Request for comments on draft action plan for implementation of the global strategy on diet physical activity and health CL 200644-CACSeptember 2006a Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexCircular_LettersCxCL2006cl06_44epdf gt Acesso em 03 jun 2014

228

_________ Undestanding Codex Alimentarius Third edition Issued by the Secretariat of the Joint FAOWHO Food Standards Programme FAO Rome 2006b Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexPublicationsunderstandingUnderstanding_ENpdfgt Acesso em 13 nov 2013

__________ Joint FaoWho Food Standards Programme Codex Alimentarius Commission Thirty Fifth Session Rome Italy 2-7 July 2012 Report of the fortieth session of the Codex Committee on food labelling Ottawa Canada 15 ndash 18 May 2012 Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexReportsReports_2012REP12_FLepdfgt Acesso em 03 jul 2014

__________ Agenda Item 2(A) CxNfsdu 13352 Joint FaoWho Food Standards Programme Codex Committee on Nutrition and Foods for Special Dietary Uses Thirty-fifth Session Bad Soden am Taunus Germany 4 ndash 8 November 2013 Matters Referred to the Committee by the Codex Alimentarius Commission andor Other Codex Committees Disponiacutevel em ltftpftpfaoorgcodexMeetingsccnfsduccnfsdu35nf35_02epdf gt Acesso em 03 jul 2014

FERNAacuteNDEZ SAN JUAN PM Dietary habits and nutritional status of school aged children in Spain Nutricioacuten Hospitalaria v21 n3 p374-378 2006

FERREIRA VA et al Desigualdade pobreza e obesidade Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v15 supl 1 p1423-1432 2010

FIGUEIREDO AVA MIRANDA MS Anaacutelise de Risco aplicada aos alimentos no Brasil perspectivas e desafios Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v16 n4 p2251-2262 2011

FISCHLER Claude Food Self and Identity Social Science Information v27 p275-2931988

FLICK Uwe Introduccedilatildeo agrave pesquisa qualitativa 3 ed Porto AlegreEd Artmed 2009

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 3ed Rio de JaneiroEdiccedilotildees Graal Ltda 1982 295p

__________ A ordem do discurso 5ed Satildeo PauloEdiccedilotildees Loyola 1999 79p

__________ Arqueologia do saber 7 ed Rio de janeiroForense universitaacuteria 2008 236p

FREIRE Paulo Educaccedilatildeo como praacutetica da liberdade Rio de JaneiroPaz e Terra 2010

GARCIA Rosa Wanda Diez Reflexos da globalizaccedilatildeo na cultura alimentar consideraccedilotildees sobre as mudanccedilas na alimentaccedilatildeo urbana Revista de Nutriccedilatildeo Campinas 16(4)483-492 outdez 2003 GRACIA Maria Arnaiz Em direccedilatildeo a uma Nova Ordem Alimentar In CANESQUI AM GARCIA RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p147-164

229

__________ Comer bien comer mal la medicalizacioacuten del comportamiento alimentario Salud Puacuteblica Meacutexico n49 v3 p236-242mayjun 2007 GIDDENS Anthony As consequecircncias da modernidade Traduccedilatildeo de Raul Fiker Satildeo PauloEd UNESP 1991

__________ Sociologia 6ordf ed LisboaFundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2008 __________ O mundo na era da globalizaccedilatildeo LisboaEditorial Presenccedila 7 ed 2010 GOMES Eduardo Granha Magalhatildees As agecircncias reguladoras independentes e o TCU

conflito de jurisdiccedilotildees Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica v40 n4 p615-30 julago

2006

GONCcedilALVES Alcindo O conceito de governanccedila In CONPEDI VIV 2005 Fortaleza Encontro Nacional de Conselho Nacional de Pesquisa e Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito ndash CONPEDI Fortaleza Fundaccedilatildeo Boiteux 2005 Disponiacutevel em lthttpconpediorgbrmanausarquivosanaisXIVCongresso078pdfgt Acesso em 27 mar 2014 GREIMAS Algirdas Julien Du Sens Ed Le Seuil 1970 GUTIEacuteRREZ-FISAC JL et al La epidemia de obesidad y sus factores relacionados el caso de Espantildea Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro 19(Sup 1)S101-S110 2003

HALKIER Bente Risk and food environmental concerns and consumer practices International Journal of Food Science and Technology v36 p801-812 2001

HALL GV DrsquoSOUZA RM KIRK MD Foodborne disease in the new millennium out of the frying pan and into the fire Medical Journal of Australia v177 n 216 p614-618 dec 2002 HARRIS JL et al A crisis in the marketplace How food marketing contribute to childhood obesity and what can be done Annual Review of Public Health v30 p211-25 2009 HASTINGS G et al Review of research on the effects of food promotion to children Final Report 22nd September 2003 Executive Summary The University of Strathclyde Disponiacutevel em lthttpwwwfoodgovukmultimedia pdfspromofoodchildrenexecpdfgt Acesso em 28 mar2010 __________ The extent nature and effects of food promotion to children A review of the evidence In Marketing of food and non-alcoholic beverages to children report of a WHO forum and technical meeting Oslo Norway 2-5 May 2006 Geneva Switzerland WHO Press

230

HAWKES Corinna Marketing Activities of Global Soft Drink and Fast Food Companies in Emerging Markets a Review IN WHO Globalization Diets and Noncommunicable Diseases GenevaSwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2002

__________ Marketing de alimentos para crianccedilas o cenaacuterio global das regulamentaccedilotildees BrasiacuteliaOrganizaccedilatildeo Pan-America da Sauacutede Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria 2006 __________ Regulation food marketing to young people worldwide trends and policy drives American Journal of Public Health v97 n11 p1962ndash1973 2007

__________ Dietary Implications of Supermarket Development A Global Perspective Development Policy Review v26 n6 p657-69 2008a

__________ High Level Group Working Paper on Public Private Partnerships for Health 2008b Disponiacutevel em lteceuropaeuhealthph_determinantslife_stylenutritiondocumentsev20081028_wp_enpdfgt Acesso em 23 jul 2014

__________ Public health sector and food industry interaction itrsquos time to clarify the term

lsquopatnershiprsquoand be honest about underlying interests European Journal of Public Health

v21 n4 400-403 2011 Disponiacutevel em lthttpeurpuboxfordjournalsorggt Acesso em 11

nov 2013

HENDERSON J et al What are the important issues around food safety and nutrition Findings from a media analysis and qualitative study of consumer trust Australasian Medical Journal v1 n2 164-169 2010

HESPANHA Pedro Mal-estar e risco social num mundo globalizado novos problemas e novos desafios para a teoria social In SANTOS BS (org) A globalizaccedilatildeo e as ciecircncias sociais 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez cap4 p161-196 2002 HUTIN YJF et al A Multistate Foodborne outbreak of Hepatitis A The New England Journal of Medicine v340 n 8 p 595-602 feb 1999

INSTITUTO BRASILEIRO DE ANAacuteLISES SOCIAIS E ECONOcircMICAS Repercussotildees do Programa Bolsa Famiacutelia na seguranccedila alimentar e nutricional relatoacuterio siacutentese Rio de Janeiro IBASE 2008 IANNI Octavio A era da globalizaccedilatildeo 9ordf ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2007 252p KAIN J VIO F ALBALA C Obesity trends and determinant factors in Latin America Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS77-S86 2003

231

KAumlFERSTEIN FK MOTARJEMI Y amp BETTCHER DW Foodborne Disease Control A Transnational Challenge Emerging Infectious Diseases v 3 n 4 p503-10 octdec 1997 KATZ D et al Cyclosporiasis associated with imported raspberries Florida 1996 Public Health Reports v114427-38 sepoct 1999 KENNEDY G NANTEL G SHETTY P Globalization of food systems in developing countries a synthesis of country case studies 1 FAO Food and Nutrition paper n 83 RomeFAO 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-y5736egt Acesso em 15 mai2014

KING LA et al Community-wide outbreak of Escherichia coli O157H7 associated with consumption of frozen beef burgers Epidemiology and Infection p889ndash896 2009 KIRK MD et al An outbreak due to peanuts in their shell caused by Salmonella enterica serotypes Stanley and Newport ndash sharing molecular information to solve international outbreaks Epidemiology amp Infection v132 p571ndash577 2004

LABONTEacute R MOHINDRA K amp LECUCHA R Framing international trade and chronic disease Globalization and Health v7 n21 p1-15 2011 LANG TimThe complexities of globalization The UK as a case study of tensions within the food system and the challenge to food policy Agriculture and Human Values v16 p169ndash185 1999

LUCCHESE Geraldo A internacionalizaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo sanitaacuteria Ciecircncias e sauacutede coletiva v8 n2 p537-555 2003 __________ Globalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo sanitaacuteria os rumos da vigilacircncia sanitaacuteria no Brasil BrasiacuteliaAnvisa 2008 LUHMANN Niklas Risk a sociological theory New York Wlater de Gruyter Inc 1993 LUPTON Deborah A Lay discourses and beliefs related to food risks an Australian perspective Sociology of Health amp Illness v27 No 4 p 448ndash467 2005

MACIEL Maria Eunice Identidade Cultural e Alimentaccedilatildeo In CANESQUI AM GARCIA RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p49-55 MAJONE Giandomenico Do estado positivo ao estado regulador causas e consequecircncias da mudanccedila no modo de governance Regulaccedilatildeo Econocircmica e Democracia O debate europeu Satildeo PauloEditora Singular 2006 Disponiacutevel em lthttpacademicodireito-riofgvbrccmwimages008Majonepdfgt Acesso em 10 mar2014

232

MALUF Renato Seguranccedila Alimentar e Nutricional PetroacutepolisEditora Vozes 2007 __________ MENEZES F VALENTE FL Contribuiccedilatildeo ao tema da seguranccedila alimentar do Brasil Cadernos de Debate p466-88 1996

MARINHO S P et al Obesidade em adultos de segmentos pauperizados Revista de Nutriccedilatildeo v16 n2 p195-201 abrjun 2003

MARTINS I S et al Pobreza desnutriccedilatildeo e obesidade inter-relaccedilatildeo de estados nutricionais de indiviacuteduos de uma mesma famiacutelia Ciecircncia e sauacutede coletiva v12 n6 p1553-1565 novdez 2007

MAZZOCCHI M SHANKAR B TRAILL B The development of global diets since icn 1992 influences of agri-food sector trends and policies Food Commodity and Trade Policy Research Working Paper n 34 RomeFAO october 2012

MCDERMOTT L STEAD M HASTINGS G A marketing strategy to review the effects of food promotion to children Case Study 4 30 mar 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwstiracukmediaschoolsmanagementdocumentsCase-4-Food-Promotion-to-Childrenpdfgt Acesso em 28 fev 2013

MCKEE Martin Trust me Im an expert Why expert advisory groups must change Editor in Chief European Journal Of Public Health v9 n3 1999

MEERMAN J CARISMA B THOMPSON B Global regional and subregional trends in undernourishment and malnutrition June 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadagnpdfSOFA_2013globalregionalsubregionaltrendspdfgt Acesso em 9 dez 2013

MINAYO Ceciacutelia O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em sauacutede 9 Ed revista e aprimorada Satildeo PauloHucitec 2006

MITCHELL H S et al Nutriccedilatildeo 1ed Rio de Janeiro Ed Interamericana Ltda 1978 MITCHELL Marc An overview of public private partnerships in health BostonHarvard School of Public Health 2008 Disponiacutevel em lthttpswwwhsphharvardeduihsgpublicationspdfPPP-final-MDMpdfgt Acesso em 02 abr 2014

MOKHTAR N ELATI J CHABIR R et al Diet Culture and Obesity in Northern Africa Journal of Nutrition 131 887Sndash892S 2001 Disponiacutevel em jnnutritionorg Acesso em 20 ago 2009

MONDINI L MONTEIRO C Relevacircncia epidemioloacutegica da desnutriccedilatildeo e da obesidade em distintas classes sociais meacutetodos de estudo e aplicaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo brasileira Revista Brasileira de Epidemiologia v2 n1 p28-39 1998

233

MONTEIRO CA et al Endef e Pnsn para onde caminha o crescimento fiacutesico da crianccedila brasileira Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v9 supl1 p85-95 1993 ___________ Nutrition and health the issue is not food nor nutrientes so much as processing Public Health Nutrition v12 n5 p729-31 2009 __________ The big issue is ultra-processing [Commentary] World Nutrition v1 n6 237-259 nov 2010 Disponiacutevel em wwwwphnaorg Acesso em12 jul 2011 __________ CANNON GThe Impact of Transnational lsquolsquoBig Foodrsquorsquo Companies on the South a view from Brazil PLoS Medicine v9 n7 jul 2012 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwplosmedicineorgarticlefetchObjectactionuri=info3Adoi2F1013712Fjournalpmed1001252amprepresentation=PDFgt Acesso em 15 jun 2013

__________ CONDE WL DE CASTRO IRR A tendecircncia cambiante da relaccedilatildeo entre escolaridade e risco de obesidade no Brasil (1975-1997) Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v19 sup1 pS67-S75 2003 MONTEIRO C A et al Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system Obesity Reviews v 14 sup 2 p21-18 2013 Disponiacutevel em lthttponlinelibrarywileycomstore101111obr12107assetobr12107pdfv=1ampt=i2ltdoo7amps=6129299271a6bb8948f5e1b76f8b18fb97fd5fcfgt Acesso em17 nov 2014

MOODIE R et al Profits and pandemicsprevention of harmful effects of tabacco alcohol and ultra-processed food and drink industries The Lancet v 381 n 9867 p670 - 679 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwthelancetcomjournalslancetarticlePIIS0140-6736(12)62089-3abstractgt Acesso em 12 dez 2013 MUST Aviva Morbidity and mortality associated with elevated body weight in children and adolescents American Journal Clinical Nutrition v63 n3 p445S-447S mar 1996 NARDOCCI Adelaide Caacutessia Gerenciamento Social de Riscos Revista de Direito Sanitaacuterio v 3 n1 p64-78 mar 2002 NESTLE Marion Food Marketing and Childhood Obesity a matter of policy N Engl J Med v354 n24 p 2527-2529 2006 Disponiacutevel em ltwwwnejmorg june 15gt Acesso em 31 mar 2014

NEWELL DG et al Food-borne diseases- the challenges of 20 years ago still persist while new ones continue to emerge International Journal of Food Microbiology v30 n139 suppl 1 pS3-15 may 2010 NOBRE M R et al Prevalecircncias de sobrepeso obesidade e haacutebitos de vida associados ao risco cardiovascular em alunos em alunos do ensino fundamental Revista da Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira Satildeo Paulo v52 n2 p118-124 2006

234

NILSON EAF JAIME PC RESENDE DO Iniciativas desenvolvidas no Brasil para a reduccedilatildeo do teor de soacutedio em alimentos processados Revista Panamericana Salud Publica v32 n4 p287-92 2012

ORLANDI Eni Puccinelli Anaacutelise de discurso princiacutepios e procedimentos 9 Ed Campinas SP Pontes Editores 2010 OLIVEIRA R O ELIAS P E M Conceitos de regulaccedilatildeo em sauacutede no Brasil Revista de Sauacutede Puacuteblica v46 n3 p571-576 2012 OLIVEIRA-CAMPOS M RODRIGUES-NETO JF SILVEIRA MF NEVES DMR et al Impacto dos fatores de risco para doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis na qualidade de vida Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v18 n3 p873-882 2013

PECI Alketa Novo marco regulatoacuterio para o Brasil da poacutes-privatizaccedilatildeo o papel das

agecircncias reguladoras em questatildeo Programa de Estudos e Pesquisas em Reforma do Estado

e Governanccedila Revista de Administraccedilatildeo Puacuteblica Rio de Janeiro v33 n4 p12135

julago 1999

PEcircCHEUX Michel O Discurso estrutura ou acontecimento 5a Ed Campinas SP Pontes Editores 2008 PETERSON A LUPTON D The new public health health and self in the age of risk London SAGE Publication Ltda 2000

PETKANTCHIN Valentin Nutrition taxes the costs of Denmarks fat tax IEMrsquos Economic Note bullmay 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwinstitutmolinariorgIMGpdfnote0513_enpdf gt Acesso em 26 jun 2014

PHILIPPI Socircnia Tucunduva Guia alimentar para o ano 2000 In DE ANGELIS R C Fome oculta bases fisioloacutegicas para reduzir seu risco atraveacutes da alimentaccedilatildeo saudaacutevel Satildeo Paulo Editora Atheneu cap 9 2000 p160-176 PHILLIPS Lynne Food and globalization Annual Review of Anthropology p3537-57 2006

PINGALI P KHWAJA Y Globalisation of Indian Diets and the Transformation of Food Supply Systems ESA Working Paper No 04-05 February 2004 Inaugural Keynote Address 17th Annual Conference Indian Society of Agricultural Marketing Hyderabad 5-7 February 2004 Agricultural and Development Economics Division The Food and Agriculture Organization of the United Nations Disponiacutevel em lthttpageconsearchumnedubitstream237961wp040005pdfgt Acesso em 23 nov2013 PINHEIRO ARO FREITAS SFT CORSO ACT Uma abordagem epidemioloacutegica da obesidade Revista de Nutriccedilatildeo v17 n4 p523-533 outdez 2004

235

PINTO A R et al Manual de normalizaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos 2 ed rev e atual Viccedilosa MG As Autoras 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwbbtufvbrdocsManualtrabalhosAcademicosLinkspdfgt Acesso 15 mar 2013

PONS Siacutelvia Carrasco Pontos de Partida Teoacuterico-metodoloacutegicos para o Estudo Sociocultural da Alimentaccedilatildeo em um Contexto de Transformaccedilatildeo In Canesqui AM amp Garcia RWD (orgs) Antropologia e Nutriccedilatildeo um diaacutelogo possiacutevel Rio de Janeiro Editora Fiocruz p101-126 2005 POPKIN Barry M The nutrition transition and obesity in the developing world Symposium obesity in developing countries biological and ecological factors The Journal of Nutrition v131 n3 p 871S-873S mar 2001 __________ The Shift in Stages of the Nutrition Transition in the Developing World Differs from Past ExperiencesMalaysian Journal of Nutrition v 8 n1 p109-124 2002

__________ Global nutrition dynamics the world is shifting rapidly toward a diet linked with noncommunicable diseases American Journal of Clinical Nutrition n84 p289ndash98 2006 __________ GORDON-LARSEN P The nutrition transition worldwide obesity dynamics and their determinants International Journal of Obesity n28 pS2ndashS9 2004 PRADO JR Caio Histoacuteria econocircmica do Brasil Satildeo PauloEditora Brasiliense 36a ed

1988

PRENTICE Andrew M The emerging epidemic of obesity in developing countries International Journal of Epidemiology v35 p93-99 2005 PUSKA Pekka Successful strategies to influence national diets the Finnish experience Zdrav Varv v43 p191-196 2004

QUEIROZ LG GIOVANELLA L Agenda regional da sauacutede no Mercosul arquitetura e temas Revista Panamericana de Salud Publica v30 n2 p182-188 2011

RAYNER G HAWKES C LANG T amp BELLO W Trade liberalization and diet transition a public health response Health Promotion International v21 nS1 p67-74 2007 Disponiacutevel em lthttpheaprooxfordjournalsorggt Acesso em 16 nov 2013

RECINE E MORTOZA A S Consenso sobre habilidades e competecircncias do nutricionista no acircmbito da sauacutede coletiva Brasiacutelia Observatoacuterio de Poliacuteticas de Seguranccedila e Nutriccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwcrn2orgbrdownload12_12_2013_17_32_43_consensopdfgt Acesso em 15 jun 2014

236

REGMI A amp GEHLHAR M Processed Food Trade Pressured by Evolving Global Supply Chains Economic Research SERVICEUSDA Amber Waves 12 v3 n1 feb 2005 Disponiacutevel em ltwwwersusdagovamberwavesgt Acesso em 28 nov2013

RIBEIRO JM COSTA NR SILVA PLB Poliacutetica de Sauacutede no Brasil e estrateacutegias

regulatoacuterias em ambiente de mudanccedilas tecnoloacutegicas Interface - Comunicaccedilatildeo Sauacutede

Educaccedilatildeo v4 n6 p 61-84 2000

ROBERTSON Aileen Social inequalities and the burden of food-related ill-health Public Health Nutrition v4 n6 p1371-1373 2001 ROBINSON TN et al Effects of fast food branding on young childrenrsquos taste preferences Archives of Pediatrics amp Adolescent Medicine v161 n8 p792-797 2007

RODRIGUES EM TADDEI JAAC SIGULEM DM Overweight and obesity among mothers of malnourished children - Brazil - PNSN - 1989 Satildeo Paulo Medical Journal v 116 n4 p1766-1773 jul 1998 RONQUE E R et al Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em escolares de alto niacutevel socioeconocircmico em Londrina Paranaacute Brasil Revista de Nutriccedilatildeo Campinas v18 n6 p709-717 novdez 2005

ROSAS Erick Jenner Os inimigos da reforma sanitaacuteria se mobilizam Sauacutede em Debate v22 p13-18 out 1988

SANTOS Andreacuteia Mendes Sociedade do Consumo crianccedila e propaganda uma relaccedilatildeo que daacute peso Porto AlegreEDIPUCRS 2009

SANTOS Boaventura de Sousa A criacutetica da governaccedilatildeo neoliberal O Foacuterum Social Mundial como poliacutetica e legalidade cosmopolita subalterna Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais v72 p7-44 out 2005

SAVE THE CHILDREN A life free from hunger tackling child malnutrition London Save The Children 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwsavethechildrenorguksitesdefaultfilesimagesA_Life_Free_From_Hungerpdfgt Acesso em 18 set 2013 SCALLAN Elaine Activities Achievements and Lessons Learned during the First 10 Years of the Foodborne Diseases Active Surveillance Network 1996ndash2005 Clinical Infectious Diseases n44 n7 p18ndash25 2007 SCHAFER KS KEGLEY SE Persistent toxic chemicals in the US food supply Journal of Epidemiology and Community Health v56 p813ndash817 2002

237

SCHMIDT MI et al Chronic non-communicable diseases in Brazil burden and current challenges Published online may 9 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwsbhorgbrpdflancet_collectionpdf gt Acesso em 16ago 2013

SEIPEL Michael M O Social Consequences of Malnutrition Social Work v44 n5 p416-425 sep1999 SINGER P Evoluccedilatildeo da Economia Brasileira 1955-1975 Estudos CEBRAP Satildeo Paulo n 17 p61-83 jul-set 1976 Disponiacutevel em ltwwwcebraporgbrv2filesuploadbiblioteca_virtualevolucao_da_economia_brasileirapdf gt Acesso em 22 jul2014

SOUTO Ana Cristina Sauacutede e Poliacutetica A vigilacircncia sanitaacuteria no Brasil 1976-1994 Satildeo

Paulo Sobravime 2004 227p

SKLAIR Leslie Democracy and the Transnational Capitalist Class ANNALS AAPSS n581 p144-157 may 2002

STUCKLER D NESTLE M Big food food systems and global health PLoS Medicine v9 n6 e1001242 jun 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwplosmedicineorgarticlefetchObjectactionuri=info3Adoi2F1013712Fjournalpmed1001242amprepresentation=PDFgt Acesso em 15 Set 2013 SWINBURN BA et al Diet nutrition and the prevention of excess weight gain and obesity Public Health Nutrition v7 n1A p123ndash146 2004

TANAKA K NAKANISHI T Obesity as a risk factor for various diseases necessity of lifestyle changes for healthy aging Applied Human Science v15 n4 p139-148 1996

TAORMINA PJ BEUCHAT LR SLUTSKER L Infections Associated with Eating Seed Sprouts An International Concern Emerging Infectious Diseases v 5 n 5 p626-634 sepoct 1999

TAUXE Robert V International investigation of outbreaks of foodborne disease Public health responds to the globalisation of food British Medical Journal v 313 n 2 p1093-1094 nov1996 __________ Emerging foodborne diseases an evolving public health challenge Emerging infectious diseases v3 n4 p425-434 octdec1997 TERRES NG et al Prevalecircncia e fatores associados ao sobrepeso e agrave obesidade em adolescentes Prevalecircncia e fatores associados ao sobrepeso e agrave obesidade em adolescentes Revista Sauacutede Puacuteblica v40 n4 p627-633 aug 2006 THOMPSON John B Ideologia e cultura moderna teoria social criacutetica na era dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 8 Ed Petroacutepolis RJ Vozes 2009

238

THOW AM HAWKES C The implications of trade liberalization for diet and health a case study from Central America Globalization and Health 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwglobalizationandhealthcomcontent515gt Acesso em 15 nov 2012

TORUN B CHEW F Desnutriccedilatildeo energeacutetico-proteacuteica In SHILS O SHIKE R (eds) Tratado de nutriccedilatildeo moderna na sauacutede e na doenccedila BarueriSP Ed Manole Ltda 1029-1056 2003 TULLAO Tereso S The Impact of Economic Globalization on Noncommunicable Diseases Opportunities and Threats In WHO Globalization diets and noncommunicable diseases SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2002

UNITED KINDOWN Food Standards Agency Front-of-pack traffic light signpost labeling Technical guidance n 2 November 2007 Disponiacutevel em lthttpmultimediafoodgovukmultimediapdfsfrontofpackguidance2pdfgt Acesso em 24 jun14

UNITED NATIONS International Covenant on Economic Social and Cultural Rights Adopted and opened for signature ratification and accession by General Assembly resolution 2200A (XXI) of 16 December 1966 Disponiacutevel em lthttpwwwohchrorgENProfessionalInterestPagescescraspxgt Acesso em 10 ago 2014

__________ World Population Prospects The 2012 Revision Disponiacutevel em httpesaunorgunpdwppExcel-Datapopulationhtm Acessado em 29 nov2013 __________ Political Declaration of the High-level Meeting of the General Assembly on the Prevention and Control of Non-communicable Diseases Resolution adopted by the General Assembly 24 jan 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwwhointnmheventsun_ncd_summit2011political_declaration_enpdfgt Acesso em 23 jun 2014 UUSITALLO U PIETINEN P PEKKA P Dietary transition in developing countries challenges for chronic disease prevention In WORLD HEALTH ORGANIZATION Globalization diets and noncommunicable diseases SwitzerlandWHO Library p1-25 2002 VALENTE Flaacutevio Luiz Shieck Fome desnutriccedilatildeo e cidadania inclusatildeo social e direitos humanos Sauacutede e Sociedade v12 n1 p51-60 jan-jun 2003 VASCONCELOS VL SILVA GAP Prevalecircncia de sobrepeso e obesidade em adolescentes masculinos no Nordeste do Brasil 1980 a 2000 Cadernos Sauacutede Puacuteblica v19 n5 p1445-1451 set-out 2003

239

VEPA Swarna Sadasivan Impact of globalization on the food consumption of urban India In Globalization of food systems in developing countries impact on food security and nutrition FAO Food Nutrition Paper 83 2004 Reprinted p 215-330 2006

VISSCHER TLS SEIDELL JC The public health impact of obesity Annual Review Public Health v22 p355ndash375 2001 WEBER R et al Dioxin- and POP-contaminated sitesmdashcontemporary and future relevance and challenges Overview on background aims and scope of the series Environmental Science and Pollution Research v15 p363ndash393 2008

WEISS AR MCMICHAEL AJ Social and environmental risk factors in the emergence of infectious diseases Nature Medicine Supplement v 10 n 12 p S70-S76dec 2004

WILLET Walter Nutritional epidemiology New YorkOxford University 1990 WORLD HEALTH ORGANIZATION The role food safety Report of Joint FAOWHO Expert Committee on Food Safety Geneve SwitzerlandWHO 1984 (WHO Technical Report series n 705) __________ Diet nutrition and the prevention of chronic diseases Report of a WHO study group Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 1990 (World Health Organization technical report series 797)

__________ The world health report 1998 Life in the 21st century a vision for all Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 1998 Acesso em 7122013 Disponiacutevel em httpwwwwhointwhr1998enwhr98_enpdf

__________ Report WHO Consultation on Diagnostic Procedures for Transmissible Spongiform Encephalopathies Need for Reference Reagents and Reference Panels Geneva Switzerland 22-23 March 1999 World Health Organization Blood Safety and Clinical Technology June 1999

__________ Turning the tide of malnutrition respond to the challenge of 21st century 2000 WHONHD007 Disponiacutevel em lt httpwhqlibdocwhointhq2000WHO_NHD_007pdfgt Acesso em 17 ago 2013 ___________ Reducing risks Promoting Healthy Life The world health report 2002 Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data 2002a

___________ Global surveillance of foodborne disease developing a strategy and its interaction with risk analysis Geneve Switzerland 26-29 november 2001 Report of WHO Consultation 2002b ___________ The present state of foodborne disease in OECD countries GeneveWHO Document Prodution Service 2003a Disponiacutevel em

240

lthttpwwwwhointfoodsafetypublicationsfoodborne_diseaseoecd_fbdpdfgt Acesso em 12 ago 2013 __________ Joint WHOFAO Expert Consultation on Diet Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases (2002 Geneva Switzerland) Diet nutrition and the prevention of chronic diseases report of a joint WHOFAO expert consultation Geneva 28 January -1 February 2002 2003b (WHO technical report series 916)

__________ Global Health todayrsquos challenges Chapter one p1-22 2003c Disponiacutevel em lthttpwwwwhointwhr2003enChapter1-enpdfua=1gt Acesso em 19 nov 2014 __________ Obesity preventing and managing the global epidemic Report of a WHO consultation Geneve Switzerland WHO Library Cataloguing in Publication Data (World Health Organization technical report series 894) 2000 Reprinted 2004a

__________ Global Strategy on Diet Physical Activity and Health Fifty Seventh World Health Assembly WHA5717 Agenda item 126 22 may France WHO 2004b

__________ Preventing chronic diseases a vital investment WHO global report Switzerland WHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2005

__________ The challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response European Ministerial Conference on Counteracting Obesity Instanbul Turkey 15-17 november 2006 __________ The global burden of foodborne disease taking stock and charting the way forward WHO Consultation to Develop a Strategy to Estimate the Global Burden of Foodborne Diseases Geneva 25-27 september 2006 Geneva WHO Press 2007 Disponiacutevel lthttpwwwwhointfoodsafetypublicationsfoodborne_diseaseburden_sept06en 2007gt Acesso em 12 ago 2013 __________ Initiative to estimate the global burden of foodborne diseases A summary document 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwwhointfoodsafetyfoodborne_diseaseSummary_Docpdfua=1gt Acesso em 08 mai 2012 __________ Infant and young child nutrition Sixty-third World Health Assembly A639 Provisional agenda item 116 1 april 2010 Report by the Secretariat Disponiacutevel em lthttpappswhointgbebwhapdf_filesWHA63A63_9-enpdfgt Acesso em 25 fev 2012 __________ World health statistics 2011 SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data Disponiacutevel em lthttpwwwwhointghopublicationsworld_health_statisticsEN_WHS2011_Fullpdfgt Acesso em 25 fev 2012

241

__________ Global nutrition policy review what does it take to scale up nutrition action Geneva SwitzerlandWHO Library Cataloguing-in-Publication Data 2013a Disponiacutevel em httpappswhointirisbitstream106658440819789241505529_engpdfua=1 Acesso em 14 fev 2014 __________ Draft comprehensive global monitoring framework and targets for the prevention and control of noncommunicable diseases Report by the Director-General Sixty-Sixth World Health Assembly A668 Provisional agenda item 131 15 March 2013b Acesso em 03 jul 2014 __________ Dioxins and their effects on human health Fact sheet Ndeg225 Updated June 2014 Disponiacutevel em httpwwwwhointmediacentrefactsheetsfs225engt Acesso em 18 nov 2014

WORLD TRADE ORGANIZATION World Trade Report 2008 Trading in a globalizing world Disponiacutevel lthttpwwwwtoorgenglishres_ebooksp_eanrep_eworld_tradea_report08_epdfgt Acesso em 13 nov 2013

__________ Understanding The WTO The Organization Members and Observers Home page 2013a Disponiacutevel em httpwwwwtoorgenglishthewto_ewhatis_etif_eorg6_ehtm Acesso em 13 nov 2013 __________ WTO II Merchandising Trade International Trade Statistics 2013 2013b Disponiacutevel em wwwwtoorgstatistics Acessado em 13 nov 2013

__________ List of tables II Merchandise trade by product World Trade Organization International Trade Statistics 2013c Disponiacutevel em wwwwtoorgstatistics Acesso em 13 nov 2013

ZIMMERMAN FJ BELL JF Associations of Television Content Type and Obesity in Children American Journal of Public Health v100 n 2 p 334-340 feb 2010

242

ANEXOS

243

ANEXO I Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO PROGRAMA DE POacuteS GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado(a)

O(a) senhor(a) estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoRiscos emergentes dos

alimentos a estrateacutegia de regulaccedilatildeo brasileira sob a perspectiva dos atores sociaisrdquo O objetivo

principal desta pesquisa eacute o de caracterizar o modo de compreensatildeo das diferentes atores

sociais quanto aos riscos emergentes dos alimentos que afetam a sauacutede coletiva As

informaccedilotildees obtidas seratildeo utilizadas exclusivamente para essa pesquisa sendo divulgadas de

forma consolidada (sem expor o nome dos participantes) sob a forma de tese de doutoramento

e artigo cientiacutefico Nenhum profissional teraacute seus dados divulgados individualmente sendo

garantido o anonimato e a preservaccedilatildeo das informaccedilotildees declaradas Informamos ainda que

natildeo haacute benefiacutecio direto eou individual para o participante e que natildeo seraacute executado nenhum

procedimento que lhe traga qualquer desconforto risco agrave sauacutede eou despesa de qualquer

natureza

A pesquisa consiste na realizaccedilatildeo de uma entrevista cujo tempo eacute de aproximadamente

uma hora Sua participaccedilatildeo eacute fundamental para a pesquisa Agradecemos desde jaacute a sua

contribuiccedilatildeo

Esta pesquisa corresponde a projeto para a elaboraccedilatildeo da tese de doutorado da

pesquisadora principal requisito exigido pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo

Humana tem o intuito de analisar as poliacuteticas puacuteblicas de regulaccedilatildeo dos alimentos dirigidas ao

controle dos riscos emergentes dos alimentos

O (a) senhor (a) teraacute acesso a qualquer tempo agraves informaccedilotildees sobre procedimentos

riscos e benefiacutecios relacionados agrave pesquisa inclusive para dirimir eventuais duacutevidas Aleacutem disso

teraacute liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e de deixar de participar do

244

estudo sem que isto traga qualquer prejuiacutezo bem como a recusar a responder questotildees que

lhe traga constrangimentos

O contato da pesquisadora responsaacutevel Aluna Ana Virgiacutenia de Almeida Figueiredo

Observatoacuterio de Poliacuteticas de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo Faculdade de Ciecircncias (61) 3034-6526 End

SQN 216 Bloco ldquoDrdquo apt 209 Asa Norte (61) 9964-9305 Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da

Faculdade de Ciecircncias da Sauacutede Campus Darcy Ribeiro Nuacutecleo de Nutriccedilatildeo sala 9 Asa Norte

Universidade de Brasiacutelia (61) 9964-9305 e (61) 3307-2508

DADOS DE IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA

1 Nome

2 Oacutergatildeo (federaldistrital)

3 Funccedilatildeo 4 Sexo M ( ) F ( )

5 Telefone para contato ( )

6 Gestor ( ) Conselheiro de Sauacutede ( ) Profissional de Sauacutede ( ) Usuaacuterio do SUS ( )

Brasiacutelia __________ de _____________________________ de 20___ _____________________________ ____________________________

Assinatura do Sujeito da Pesquisa Assinatura do Pesquisador (carimbo ou nome legiacutevel) (carimbo ou nome legiacutevel)

OBS As folhas seratildeo rubricadas pelo sujeito da pesquisa e pelo pesquisador responsaacutevel

245

ANEXO II Roteiro de Entrevista

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM NUTRICcedilAtildeO HUMANA DOUTORADO EM NUTRICcedilAtildeO

A) Quais as medidas que o (a) Sr (a) podem destacar para reduzir o impacto dos alimentos sobre o

excesso de peso

B) Na sua opiniatildeo como as instituiccedilotildees devem se organizar para controlar o excesso de peso

C) Qual o papel especiacutefico que a organizaccedilatildeoinstituiccedilatildeo que o (a) Sr (a) estaacute vinculado tem neste

contexto

D) Quais seriam as responsabilidades do governo e dos demais setores envolvidos no processo de

regulaccedilatildeo dos riscos emergentes dos alimentos relacionados ao excesso de peso

E) Como avalia a estrateacutegia de ampliaccedilatildeo da atividade de regulaccedilatildeo de alimentos pelo poder

puacuteblico para conter o excesso de peso

F) Como a vigilacircncia sanitaacuteria com foco nos alimentos pode atuar para interferir no excesso de

peso

G) Quais satildeo as facilidades e dificuldades existentes para intervir sobre os riscos dos alimentos

relacionados ao excesso de peso

H) Em sua opiniatildeo o processo de globalizaccedilatildeo da economia especificamente no campo dos

alimentos tem interferido na qualidade dos alimentos e na sauacutede da populaccedilatildeo

PERFIL DO ENTREVISTADO Identificaccedilatildeo________________________________________________________ Formaccedilatildeo Acadecircmica_________________________________________________ Instituiccedilatildeo__________________________________________________________ Cargo que ocupa____________________________________________________ Tempo de experiecircncia na instituiccedilatildeo____________________________________

1 Quais satildeo as atividades que o Sr (a) desenvolve relacionadas aos alimentos ou aos problemas deles decorrentes 2 Quanto tempo o Sr (a) exerce esta atividade 3 Em sua opiniatildeo qual eacute a relaccedilatildeo entre o excesso de peso e os alimentos

Page 5: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 6: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 7: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 8: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 9: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 10: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 11: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 12: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 13: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 14: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 15: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 16: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 17: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 18: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 19: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 20: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 21: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 22: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 23: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 24: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 25: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 26: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 27: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 28: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 29: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 30: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 31: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 32: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 33: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 34: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 35: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 36: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 37: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 38: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 39: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 40: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 41: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 42: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 43: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 44: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 45: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 46: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 47: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 48: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 49: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 50: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 51: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 52: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 53: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 54: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 55: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 56: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 57: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 58: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 59: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 60: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 61: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 62: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 63: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 64: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 65: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 66: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 67: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 68: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 69: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 70: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 71: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 72: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 73: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 74: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 75: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 76: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 77: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 78: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 79: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 80: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 81: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 82: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 83: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 84: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 85: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 86: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 87: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 88: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 89: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 90: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 91: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 92: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 93: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 94: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 95: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 96: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 97: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 98: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 99: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 100: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 101: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 102: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 103: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 104: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 105: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 106: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 107: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 108: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 109: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 110: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 111: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 112: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 113: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 114: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 115: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 116: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 117: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 118: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 119: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 120: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 121: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 122: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 123: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 124: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 125: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 126: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 127: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 128: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 129: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 130: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 131: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 132: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 133: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 134: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 135: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 136: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 137: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 138: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 139: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 140: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 141: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 142: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 143: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 144: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 145: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 146: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 147: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 148: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 149: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 150: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 151: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 152: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 153: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 154: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 155: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 156: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 157: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 158: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 159: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 160: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 161: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 162: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 163: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 164: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 165: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 166: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 167: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 168: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 169: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 170: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 171: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 172: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 173: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 174: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 175: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 176: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 177: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 178: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 179: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 180: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 181: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 182: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 183: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 184: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 185: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 186: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 187: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 188: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 189: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 190: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 191: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 192: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 193: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 194: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 195: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 196: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 197: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 198: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 199: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 200: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 201: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 202: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 203: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 204: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 205: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 206: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 207: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 208: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 209: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 210: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 211: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 212: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 213: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 214: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 215: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 216: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 217: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 218: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 219: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 220: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 221: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 222: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 223: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 224: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 225: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 226: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 227: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 228: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 229: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 230: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 231: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 232: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 233: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 234: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 235: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 236: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 237: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 238: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 239: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 240: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 241: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 242: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 243: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 244: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 245: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,
Page 246: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ...Secure Site repositorio.unb.br/bitstream/10482/17746/1/2014...Aos meus eternos amigos, que revigoraram a Vigilância Sanitária,