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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU PROJETO “A VEZ DO MESTRE” O PSICOPEDAGOGO EM FACE À ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL EM ALUNOS COM DISTÚRBIOS DE CONDUTA por ALICE GOMES CAMPOS Professora Orientadora: Diva Nereida Marques M. Maranhão RIO DE JANEIRO Agosto/2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E

DESENVOLVIMENTO

INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

O PSICOPEDAGOGO EM FACE À ORIENTAÇÃO

EDUCACIONAL EM ALUNOS COM DISTÚRBIOS DE

CONDUTA

por

ALICE GOMES CAMPOS

Professora Orientadora: Diva Nereida Marques M.

Maranhão

RIO DE JANEIRO

Agosto/2002

1

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E

DESENVOLVIMENTO

INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

O PSICOPEDAGOGO EM FACE À ORIENTAÇÃO

EDUCACIONAL EM ALUNOS COM DISTÚRBIOS DE

CONDUTA

Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicopedagogia para disciplina de metodologia da Pesquisa. Por: Alice Gomes Campos. Professora Orientadora: Diva Nereida Marques M. Maranhão

RIO DE JANEIRO

Agosto/2002

2

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por mais essa

vitória alcançada.

3

DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia a minha mãe

e aos meus filhos, espíritos de luz

que iluminam minha vida.

4

RESUMO

Este trabalho aborda a Psicopedagogia nas instituições escolares baseado

na prática clínica e docente. Primeiramente, são apresentados elementos

fundamentais da Psicopedagogia, como um ligeiro quadro histórico e um

exame epistemológico desse saber. Definem-se o seu objeto de estudo, as

teorias que a embasam e o campo de atuação do profissional da área,

abordando a prática psicopedagógica na instituição escolar, destacando-se o

lugar do psicopedagogo e a complexidade desse papel em sua função ética,

terapêutica e educadora. Não obstante, apesar desses entraves, a

Psicopedagogia vem a cada dia atendendo a demanda que lhe deu origem e

constituindo-se numa prática eficiente.

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................ 06 CAPÍTULO I DEFININDO TRANSTORNOS DE CONDUTA...........................

08

1.1 Início na Infância........................................................................ 10 1.2 Início na Adolescência............................................................... 11 1.3 Níveis de Gravidade................................................................... 11 1.4 Curso e Prevalência.................................................................... 12 1.5 Diagnóstico................................................................................. 13 1.6 Causas......................................................................................... 14 1.7 Tratamento.................................................................................. 16 1.8 Classificação e características.................................................... 16 CAPÍTULO II SOBRE A TEORIA PSICOPEDAGÓGICA...................................

21

2.1 Os ensinamentos de Alicia Fernandez e Jorge Visca................. 21 2.2 O papel do psicopedagogo.......................................................... 29 2.3 A intervenção psicopedagógica nos casos de transtorno de conduta.............................................................................................

32

CAPÍTULO III

A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA EM AUXÍLIO À EDUCAÇÃO....................................................................................

39

CONCLUSÃO.................................................................................. 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................. 48

6

INTRODUÇÃO

Sabe-se que os transtornos de conduta são caracterizados por

padrões persistentes de conduta dissocial, agressiva ou desafiante. Tal

comportamento deve comportar grandes violações das expectativas sociais

próprias à idade da criança e do adolescente; deve haver mais do que as

travessuras infantis ou a rebeldia do adolescente e se trata de um padrão

duradouro de comportamento (seis meses ou mais).

O diagnóstico se baseia na presença de condutas do seguinte tipo:

manifestações excessivas de agressividade e de tirania; crueldade com

relação a outras pessoas ou a animais; destruição dos bens de outrem;

condutas incendiárias; roubos; mentiras repetidas; cabular aulas e fugir de

casa; crises de birra e de desobediência anormalmente freqüentes e graves.

Nesse contexto, justifica-se a presença do psicopedagogo no sentido de

orientar esses alunos buscando favorecer a sua integração individual e

social no ambiente escolar.

A orientação deve ser vista como uma atividade que promove as

condições para o pensar e o agir de alunos e professores, com vistas ao

crescimento e desenvolvimento do aluno sujeito-cidadão, que tenha

responsabilidade de aperfeiçoar-se para melhor compreender e "tocar" o

mundo em que vive.

Nesse contexto, a monografia apresentada busca analisar como se

daria a atuação do psicopedagogo frente à orientação educacional em

alunos com distúrbios de conduta, tendo como objetivo analisar a atuação

profissional do psicopedagogo no âmbito da orientação educacional

relacionado a alunos que apresentem distúrbios de conduta.

7

Ademais, a abordagem ao tema justifica-se pelo fato do

psicopedagogo poder atuar em parceria com os educadores no sentido de

promover algumas atividades que venham a favorecer a integração dos

alunos com distúrbios de conduta no ambiente escolar, tais como:

sistematizar o processo de acompanhamento dos alunos, com propósito de

auxiliá-los na solução de seus problemas de vida e de estudo; promover

ações que conduzam à integração harmônica da comunidade escolar; e,

propor ações voltadas ao engajamento da escola na vida da comunidade e

vice-versa

8

CAPÍTULO I

DEFININDO TRANSTORNOS DE CONDUTA

Para ser considerado Transtorno de Conduta, esse

comportamento deve alcançar violações importantes, além das expectativas

apropriadas à idade da pessoa e, portanto, de natureza mais grave que

travessuras infantis ou rebeldia normal de um adolescente.

Este tipo comportamento delinqüêncial parece preocupar muito

mais os outros do que a própria criança que sofre da perturbação. Ela pode

não ter consideração pelos sentimentos alheios, direitos e bem estar dos

outros, faltando-lhe um sentimento apropriado de culpa e remorso. Há,

normalmente uma demonstração de comportamento insensível, podendo ter

o hábito de acusar seus companheiros e tentar culpar qualquer outra pessoa

ou circunstância por suas eventuais más ações.

A pouca tolerância a frustrações em geral, favorece nessas

pessoas as crises de irritabilidade, explosões temperamentais e

agressividade exagerada. Essas crianças ou adolescentes costumam

apresentar precocemente um comportamento agressivo, reagindo

agressivamente a tudo e a todos. Elas podem também exibir um

comportamento de provocação, ameaça ou intimidação, podem iniciar lutas

corporais freqüentemente, inclusive com eventual uso de armas capazes de

causar sério dano físico, como por exemplo, tacos e bastões, tijolos,

garrafas quebradas, facas ou mesmo arma de fogo.

Outra característica no comportamento do portador de Transtorno

de Conduta é a crueldade com pessoas e/ou animais. Não é raro que a

violência física pode assumir a forma de estupro, agressão ou, em casos

raros, homicídio.

9

Como dissemos, o padrão de comportamento no Transtorno de

Conduta se caracteriza pela violação dos direitos básicos dos outros e das

normas ou regras sociais. Esse comportamento pode ser agrupado em 4

tipos principais:

1. conduta agressiva que causa ou ameaça danos a outras pessoas e/ou

animais;

2. conduta não-agressiva mas que causa perdas ou danos a

propriedades;

3. defraudação e/ou furto e;

4. violações costumazes de regras.

Essa perturbação do comportamento acaba por causar sérios

prejuízos no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional, favorecendo

uma espécie de círculo vicioso: transtornos de conduta, prejuízo sócio-

ocupacional, repressões sociais, rebeldia, transtorno de conduta.

O Transtorno da Conduta é um diagnóstico especialmente

infantil pois, depois dos 18 anos, persistindo os sintomas básicos, o

diagnóstico deve ser alterado para Transtorno da Personalidade Anti-

Social. Outra característica do Transtorno da Conduta é que esse padrão

sociopático de comportamento costuma estar presente numa variedade de

contextos e não apenas em algumas circunstâncias. O portador desse

transtorno causa mal estar e rebuliço em casa, na escola, na rua e na

comunidade.

O diagnóstico de Transtorno de Conduta deve ser feito muito

cuidadosamente, tendo em vista a possibilidade dos sintomas serem indício

de alguma outra patologia, como por exemplo, o Retardo Mental, Episódios

Maníacos do Transtorno Afetivo Bipolar e mesmo a Esquizofrenia. Devido

à tendência dessas pessoas em manipular o ambiente e a minimizar seus

10

comportamentos, o psiquiatra precisa recorrer a informantes para avaliar

com mais precisão o quadro clínico.

Também a destruição deliberada da propriedade alheia é um

aspecto característico deste Transtorno de Conduta, podendo incluir a

provocação deliberada de incêndios com a intenção de causar sérios danos

ou destruição de propriedade de outras maneiras, como por exemplo,

quebrar vidros de automóveis, praticar vandalismo na escola, etc.

Atualmente a psiquiatria tende a considerar dois subtipos de

Transtorno da Conduta, com base na idade de início, isto é, o Tipo com

Início na Infância e Tipo com Início na Adolescência. Ambos os subtipos

podem ocorrer de 3 formas: leve, moderada ou severa.

1.1 Início na Infância

Neste tipo de Transtorno da Conduta um dos critérios de

diagnóstico (veja adiante) aparece antes dos 10 anos. Os portadores desse

tipo são, em geral, do sexo masculino, freqüentemente demonstram

agressividade física para com outros, têm relacionamentos perturbados com

seus pais, irmãos e colegas, podem ter concomitantemente um Transtorno

Desafiador Opositivo e geralmente apresentam sintomas que satisfazem

todos os critérios para Transtorno da Conduta antes da puberdade. Esses

indivíduos estão mais propensos a desenvolverem o Transtorno da

Personalidade Anti-Social na idade adulta.

11

1.2 Início na Adolescência

Este tipo, ao contrário do anterior, se caracteriza pela ausência de

sinais característicos do Transtorno da Conduta antes dos 10 anos de idade.

Em comparação com o Início na Infância, esses indivíduos estão menos

propensos a apresentar comportamentos agressivos e tendem a ter

relacionamentos mais normais com seus familiares e colegas. Eles também

estão menos propensos a desenvolverem um Transtorno da Personalidade

Anti-Social na idade adulta. Aqui a incidência entre homens e mulheres é

quase o mesmo.

1.3 Níveis de Gravidade

Leve

No nível leve há poucos problemas de conduta, e tais problemas

causam danos relativamente pequenos a outros, tais como, por exemplo,

mentiras, gazetas à escola, permanência na rua à noite sem permissão.

Moderado

O número de problemas de conduta e o efeito sobre os outros são

intermediários entre "leves" e "severos", onde já pode haver furtos sem

confronto com a vítima, vandalismo, uso de fumo e/ou outra droga.

Severo

Muitos problemas de conduta estão presentes, problemas que

causam danos consideráveis a outros, tais como, sexo forçado, crueldade

12

física, uso de arma, roubo com confronto com a vítima, arrombamento e

invasão.

1.4 Curso e Prevalência

O Transtorno de Conduta é importante, tendo em vista o grande

número de encaminhamentos psiquiátricos motivados por comportamentos

anti-sociais e agressivos, notadamente depois da criação do estatuto do

menor e do adolescente. Boa parte dessa importância está no fato de, muito

freqüentemente, o Transtorno de Conduta ser um precursor do Transtorno

Anti-social no adulto. De modo geral, é muito incomum encontrar o

Transtorno Anti-social no adulto na ausência de uma história pregressa

Transtorno de Conduta na infância ou adolescência.

Apesar dos modismos atrelados ao comportamento

inconseqüente e irrequieto da juventude, as estatísticas sobre a delinqüência

refletem o fato de que, embora algum tipo de comportamento delinqüente

seja relativamente comum na adolescência, apenas um pequeno percentual

de jovens torna-se infrator crônico ou anti-social depois de adulto.

O Transtorno de Conduta é mais freqüente nas classes sociais mais baixas,

notadamente em famílias que apresentem concomitantemente instabilidade

familiar, desorganização social, alta mortalidade infantil e uma quantidade

desproporcional de doenças mentais graves.

A prevalência do Transtorno da Conduta tem aumentado nas

últimas décadas, podendo ser superior em circunstâncias urbanas, em

comparação com a rural. As taxas variam amplamente, mas têm sido

registradas, para os homens com menos de 18 anos, taxas que variam de 6 a

16%; para as mulheres, as taxas vão de 2 a 9%.

13

O Transtorno da Conduta pode iniciar já aos 5 ou 6 anos de

idade, mas habitualmente aparece ao final da infância ou início da

adolescência. O início após os 16 anos é raro. Felizmente, na maioria dos

portadores o Transtorno de Conduta apresenta remissão na idade adulta

mas, uma proporção substancial de pessoas continua apresentando, na

idade adulta, comportamentos próprios do Transtorno Anti-Social da

Personalidade.

Muitos indivíduos com Transtorno da Conduta, particularmente

aqueles com Início na Adolescência e aqueles com sintomas mais leves e

em menor número, conseguem um ajustamento social e profissional na

idade adulta. O início muito precoce indica um pior prognóstico e um risco

aumentado de Transtorno Anti-Social da Personalidade e/ou Transtornos

Relacionados a Substâncias na vida adulta.

1.5 Diagnóstico

O diagnóstico de Distúrbio de Conduta deve ser feito somente se

o comportamento anti-social continuar por um período de pelo menos seis

meses, e assim representar um padrão repetitivo e persistente. Devem estar

presentes algumas características importantes para o diagnóstico:

1. Roubo sem confrontação com a vítima em mais de uma ocasião

(incluindo falsificação).

2. Fuga de casa durante a noite, pelo menos duas vezes enquanto

vivendo na casa dos pais (ou em um lar adotivo) ou uma vez sem

retornar.

3. Mentira freqüente (por motivo que não para evitar abuso físico ou

sexual).

14

4. Envolvimento deliberadamente em provocações de incêndio.

5. Gazetas freqüentemente na escola (para pessoa mais velha, ausência

ao trabalho).

6. Violação de casa, edifício ou carro de uma outra pessoa.

7. Destruição deliberadamente de propriedade alheia (que não por

provocação de incêndio).

8. Crueldade física com animais.

9. Forçar alguma atividade sexual com ele ou ela.

10. Uso de arma em mais de uma briga.

11. Freqüentemente inicia lutas físicas.

12. Roubo com confrontação da vítima (por exemplo: assalto, roubo de

carteira, extorsão, roubo à mão armada).

13. Crueldade física com pessoas.

1.6 Causas

Não está estabelecido ainda uma causa única para o Transtorno

de Conduta. Uma multiplicidade de diferentes tipos de estressores sociais e

a vulnerabilidade de personalidade parece associado com esses

comportamentos anti-sociais.

Durante muitos anos, as teorias sobre comportamentos eram de

natureza sociológica. O princípio básico desta tendência afirmativa era que

jovens socialmente e economicamente desprivilegiados, incapazes de

adquirirem sucesso através de meios legítimos e socialmente aceitos, se

voltariam para o crime. Atualmente os sociólogos têm se mostrado mais

dispostos a considerar como fatores causais a integração entre

características individuais e forças ambientais.

15

Certamente devem influenciar as atitudes e comportamentos as

atitudes familiares, podendo, não obstante, favorecer o desenvolvimento de

comportamentos mal-adaptativos das crianças. De qualquer forma essas

tentativas de explicações causais são sempre muito vagas e imprecisas. É

difícil estabelecer claras relações causais entre condições familiares

adversas e caóticas com delinqüência pois, como se exige em medicina,

não se observa constância satisfatória dessa regra e, muitas vezes, jovens

provenientes de famílias conturbadas ou mesmo sem famílias não

desenvolvem a delinqüência.

Observa-se, variavelmente, que muitos pais de delinqüentes

sofrem de psicopatologias‚ assim como também uma incidência variável de

abuso físico desses pais para com os filhos ou mesmo entre o casal. As

histórias de crianças com perturbações comportamentais graves revelam,

muitas vezes, um quadro de abuso físico e/ou sexual por adultos,

geralmente os pais e padrastos.

Existem estudos mostrando relações entre certos tipos de

violência episódica e transtornos do SNC (veja Violência e Psiquiatria),

particularmente do sistema límbico. Alguns portadores de Transtornos de

Conduta podem revelar, no exame clínico, sinais e sintomas indicativos de

algum tipo de disfunção cerebral. É comum encontrar portadores de

Transtornos de Conduta que ao longo dos anos receberam diagnósticos

neuropsiquiátricos diferentes.

Uma das ocorrências neuropsiquiátricas mais comumente

encontradas nos Transtornos de Conduta é o de Hiperatividade com Déficit

de Atenção, outras vezes como componente atípico de uma depressão

moderada ou grave. Parece haver também alguma evidência de portadores

de Transtornos de Conduta tenderem a escores mais baixos em testes de

inteligência.

16

1.7 Tratamento

Um dos fatores que mais desanimam a psiquiatria em relação aos

portadores de Transtornos de Conduta é o fato de não haver nenhum

tratamento efetivo e reconhecido especificamente para esse estado. Este é

um fator que contribui, significativamente, para alguns autores não

considerarem este modo de reagir à vida como doença. Tratar-se-ia de uma

alteração qualitativa do caráter que caracterizaria uma maneira de ser, não

exatamente um processo ou desenvolvimento patológico.

Evidentemente quando esse Transtorno de Conduta reflete uma

depressão subjacente ou uma Hiperatividade o tratamento é dirigido para

esses estados patológicos de base e, é claro, o prognóstico é

substancialmente melhor.

Outros programas têm tentado lidar com o comportamento

disruptivo dessas crianças com fármacos, tais como o carbonato de lítio, a

carbamazepina ou antidepressivos, conforme o caso. O sucesso até tem

superado as expectativas.

1.8 Classificação e características

F91 - Distúrbios de Conduta

Os transtornos de conduta são caracterizados por padrões

persistentes de conduta dissocial, agressiva ou desafiante. Tal

comportamento deve comportar grandes violações das expectativas sociais

próprias à idade da criança; deve haver mais do que as travessuras infantis

ou a rebeldia do adolescente e se trata de um padrão duradouro de

comportamento (seis meses ou mais). Quando as características de um

17

transtorno de conduta são sintomáticos de uma outra afecção psiquiátrica, é

este último diagnóstico o que deve ser codificado.

O diagnóstico se baseia na presença de condutas do seguinte tipo:

manifestações excessivas de agressividade e de tirania; crueldade com

relação a outras pessoas ou a animais; destruição dos bens de outrem;

condutas incendiárias; roubos; mentiras repetidas; cabular aulas e fugir de

casa; crises de birra e de desobediência anormalmente freqüentes e graves.

A presença de manifestações nítidas de um dos grupos de conduta

precedentes é suficiente para o diagnóstico mas atos dissociais isolados não

o são.

Exclui: esquizofrenia (F20.-)

Transtorno(s) (do):

· globais do desenvolvimento (F84.-)

· humor [afetivos] (F30-F39)

Quando associado com transtornos:

· emocionais (F92.-)

· hipercinéticos (F90.1)

F91.0 Distúrbio de conduta restrito ao contexto familiar

Transtorno de conduta caracterizado pela presença de um

comportamento dissocial e agressivo (não lembrado a um comportamento

de oposição, provocador ou pertubador), manifestando-se exclusiva ou

quase exclusivamente em casa e nas relações com os membros da família

nuclear ou as pessoas que habitam sob o mesmo teto. Para que um

diagnóstico positivo possa ser feito, o transtorno deve responder, além

disso, aos critérios gerais citados em F91.-; a presença de uma perturbação,

mesmo grave, das relações pais-filhos não é por isso só suficiente para este

diagnóstico.

18

F91.1 Distúrbio de conduta não-socializado

Transtorno de conduta caracterizado pela presença de um

comportamento dissocial ou agressivo persistente (que responde aos

critérios gerais citados em F91.- e não limitado a um comportamento de

oposição, provocador ou perturbador), associado a uma alteração

significativa e global das relações com as outras crianças.

Distúrbio (de):

· agressivo, não-socializado

· conduta, tipo solitário-agressivo

F91.2 Distúrbio de conduta do tipo socializado

Transtorno de conduta caracterizado pela presença de um

comportamento dissocial ou agressivo (que responde aos critérios gerais

citados em F91.- e não limitado a um comportamento de oposição,

provocador ou perturbador) manifestando-se em indivíduos habitualmente

bem integrados com seus companheiros.

• Cabular aulas

• Delinqüência "de grupo".

• Delitos cometidos num contexto de grupo

• Roubos em grupo

• Transtorno de condutas tipo "em grupo"

F91.3 Distúrbio desafiador e de oposição

Transtorno de conduta manifestando-se habitualmente em

crianças jovens, caracterizado essencialmente por um comportamento

provocador, desobediente ou perturbador e não acompanhado de

comportamentos delituosos ou de condutas agressivas ou dissociais graves.

19

Para que um diagnóstico positivo possa ser feito, o transtorno deve

responder aos critérios gerais citados em F91.-; mesmo a ocorrência de

travessuras ou de desobediência sérias não justifica, por si próprio, este

diagnóstico. Esta categoria deve ser utilizada com prudência, em particular

nas crianças com mais idade, dado que os transtornos de conduta que

apresentam uma significação clínica se acompanham habitualmente de

comportamentos dissociais ou agressivos que ultrapassam o quadro de um

comportamento provocador, desobediente ou perturbador.

F92 - Transtornos de Conduta e das Emoções

Grupo de transtornos caracterizados pela presença de um

comportamento agressivo, dissocial ou provocador, associado a sinais

patentes e marcantes de depressão, ansiedade ou de outros transtornos

emocionais. Para um diagnóstico positivo, o transtorno deve responder ao

mesmo tempo aos critérios de um transtorno de conduta da infância (F91.-)

e de um transtorno emocional da infância (F93.-) ou de um transtorno

neurótico do adulto (F40-F48) ou de um transtorno do humor do adulto

(F30-F39).

F92.0 Distúrbio depressivo de conduta

Transtorno caracterizado pela presença de um transtorno de

conduta (F91.-) associado a um humor depressivo marcante e persistente

(F32.-), traduzindo-se por sintomas tais como tristeza profunda, perda de

interesse e de prazer para as atividades usuais, sentimento de culpa e perda

da esperança. O transtorno pode se acompanhar de uma perturbação do

sono ou do apetite.

20

F92.8 Outros transtornos mistos da conduta e das emoções

Grupo de transtornos caracterizados pela presença de um

transtorno de conduta (F91.-) associado a perturbações emocionais

persistentes e marcantes, por exemplo, ansiedade, medo, obsessões ou

compulsões, despersonalização ou desrealização, fobias ou hipocondria.

21

CAPÍTULO II

SOBRE A TEORIA PSICOPEDAGÓGICA

2.1 Os ensinamentos de Alicia Fernandez e Jorge Visca

Fernández faz referência à dicotomia feita ao ser humano,

principalmente no que tange à aprendizagem, que segundo ela é tida apenas

“como um processo consciente e produto da inteligência, deixando o corpo

e os afetos fora” (1990, p. 47).

Com base nessa visão segmentada do ser humano, Fernández nos

apresenta uma postura diferente frente à aprendizagem, onde dois

“personagens” e o vínculo estabelecido entre eles são de suma importância.

São eles o ensinante e o aprendente.

Segundo Fernández (1990), para aprender o ser humano deve

colocar em jogo:

“- o organismo individual herdado, - seu corpo construído especularmente, - sua inteligência autoconstruída interacionalmente e - a arquitetura do desejo, desejo que é sempre desejo do desejo de outro.” (p. 47 e 48)

A partir desta visão sobre a aprendizagem, Fernández nos aponta

que esta perpassa a estrutura do ser humano em sua integridade. Não

devendo, portanto, haver ênfase ou negação de qualquer um dos fatores

acima citados e sim a interação entre eles.

“A aprendizagem é um processo cuja matriz é vincular e lúdica”

(FERNÁNDEZ, 1990, p. 48). Ou seja, a aprendizagem se constrói a partir

22

do vínculo estabelecido entre a criança, sua mãe, seu pai e irmão(ãos) e

através do caráter lúdico, do jogo, do brincar e do prazer relacionado a

estes.

Para Piaget, nas atividades lúdicas ocorre “(...) uma assimilação

funcional ou exercício no vazio, acompanhados do prazer de ser causa ou

de um sentimento de poderio” (in FARIA, 1989, p. 95).

Entretanto, sabemos que mesmo tendo os fatores já mencionados

postos em jogo, havendo o vínculo estabelecido e o lúdico presente, mesmo

diante de todo esse esquema, há “fraturas no aprender”.

Tomando novamente a citação acima, “A aprendizagem é um

processo cuja matriz é vincular e lúdica” (FERNÁNDEZ, 1990, p. 48),

vemos a referência que a autora faz ao processo.

Para que entendamos as “fraturas no aprender”, precisamos

atentar aos processos e não à forma final. Precisamos tentar entender como

a criança ou o indivíduo aprende e não nos determos somente em o quê

(produto) ela/ele aprende.

Essa visão do como nos leva a perceber a individualidade de cada

ser; que caminhos cada um percorre para aprender, ou não aprender. Em

cada indivíduo descobriremos um novo caminho, traçado de acordo com

sua subjetividade. E é exatamente essa variedade de caminhos que

podemos ter ao olharmos de perto o processo de aprendizagem de cada um,

que nos leva cada vez mais à certeza de que a aprendizagem não pode ser

tida como um produto pronto e sim a ser construído.

Ao atentarmos ao processo de aprendizagem, percebemos, à luz

de Alícia Fernández, alguns fatores relevantes para a construção do

aprender.

23

A autora sugere que o fracasso no aprender se situa na trama

vincular de seu grupo familiar e que por vezes é mantido pela instituição

educativa.

Pode haver uma identificação por parte da criança do medo de

conhecer e de saber da família. A criança passa a ser a que detém o sintoma

da sua família.

Questiona-se, no entanto, “o que sucede na estrutura individual

desse sujeito para que seja ele e não outro membro da família que se

ofereça como vítima” (FERNÁNDEZ, 1990, p. 48).

A terapia familiar nos traz uma grande contribuição diante de tal

identificação do sujeito. Diversos terapeutas têm considerado útil

denominar o membro que apresenta os sintomas como ‘Paciente

Identificado’ ou ‘P.I.’, evitando fazer coro com a família, que o chamaria

de ‘o doente’, ‘o diferente’ ou ‘o culpado’. (SATIR, 1993, p. 21).

“Isto acontece porque o terapeuta encara os sintomas do Paciente

Identificado como tendo uma função familiar bem como uma função

individual” (Idem).

Embora com enfoques diferentes, SATIR e FERNÁNDEZ

parecem concordar que haja uma implicação particular e outra social na

aceitação desse papel de detentor do sintoma, que no caso caracteriza-se

pelo fracasso no aprender.

“A resposta a esta interrogação encontra-se na relação particular

entre o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo desse sujeito,

transversalizados por uma particular situação vincular e social”

(FERNÁNDEZ, 1990, p. 48).

A aprendizagem é encarada por Fernández como um processo e

uma função. Segundo a autora, a aprendizagem implica no sujeito que

aprende e no personagem que ensina. “Um pólo onde está o portador do

24

conhecimento e outro pólo que é o lugar onde alguém vai tornar-se um

sujeito. Quer dizer que não é sujeito antes da aprendizagem, mas que vai

chegar a ser sujeito porque aprende” (1990, p. 51).

Certamente, a visão da psicopedagogia é de entender os

processos do sujeito (ensinante e aprendente) considerando tanto seu nível

lógico quanto o simbólico, sem este preponderar sobre aquele ou vice-

versa.

Visca concebe a psicopedagogia de acordo com a epistemologia

convergente, “uma conceituação da aprendizagem e suas dificuldades em

função da integração - por assimilação recíproca - das contribuições das

escolas psicanalítica, piagetiana e da psicologia social de Enrique Pichon

Rivière” (FASCE, in VISCA, 1987, p. 07). A partir dessa conceituação, a

aprendizagem é influenciada pelos aspectos afetivos, cognitivos e do meio,

havendo, como na teoria de Alícia Fernández, uma visão integrada do ser

humano.

Segundo Visca,

“o tratamento psicopedagógico é um processo de aprendizagem controlado em função do método clínico, o que requer uma série de constantes. Isso permite observar as modificações da variável aprendizagem tanto no ‘sujeito individual’ como no ‘sujeito coletivo’” (VISCA, 1987, p. 10).

Em sua utilização do método clínico, Visca integra as

contribuições psicanalíticas e piagetianas.

Quando faz alusão à psicopedagogia clínica, o autor enfatiza que

o objetivo desta é a aprendizagem e não uma corrente teórica ou escola.

25

Visca realizou a instrumentação do método clínico em

psicopedagogia em duas etapas: assistência individual e assistência em

grupo.

Em seu livro Clínica Psicopedagógica: epistemologia

convergente (1987) o autor dedica um capítulo específico para o

enquadramento, fundamental em seu trabalho. O enquadramento consiste

no estabelecimento de normas e limites, no ajustamento, em como irá

proceder o atendimento psicopedagógico, como horário, qual o papel do

psicopedagogo, como o espaço será utilizado, etc.

Muitos conceitos da teoria de Pichon Rivière são utilizados por

Visca no enquadramento. Dentre eles estão a Logística, a Estratégia, a

Tática e a Técnica.

A Logística “se refere ao movimento, transporte e

avitualhamento” (VISCA, 1987,p. 18). Na logística é de considerável

importância o psicopedagogo, sua formação pessoal e profissional pois o

indivíduo ou grupo apresentará facilidades ou dificuldades em função das

aptidões do psicopedagogo.

A Estratégia, “Arte de dirigir as operações” (IDEM). Consiste na

utilização do tempo, lugar, freqüência e duração das sessões, caixa de

trabalho, etc - categorias conceituais utilizadas por Visca - no momento

indicado.

A Tática seria “a disposição e emprego dos recursos na ação

concreta” (IDEM). É o colocar em prática.

A Técnica é o “conjunto de procedimentos assim como a

habilidade para usá-los” (IDEM). A técnica relaciona-se à forma peculiar

que cada um de nós operamos.

26

Tendo em mente a idéia de flexibilidade operativa, Visca conclui

que embora em sua diversidade pessoal e operacional, os psicopedagogos

podem chegar a resultados iguais.

Visca resume o enquadramento como sendo o “esquema”,

“conceitual” e “referencial” com que cada um vai “operar” (IDEM). Os

termos utilizados pelo autor configuram uma idéia de Richon Rivière, cuja

sigla é “E.C.R.O.”

O E.C.R.O. é um processo dialético, cujo caráter instrumental

não se resolve num círculo fechado, mas em contínua realimentação entre

teoria, e prática entre o homem e o meio.

Rivière refere-se a dois aspectos do E.C.R.O.: relação dialética

infra-estrutural (realidade concreta) e relação dialética super-estrutural

(sistema teórico).

Após o enquadramento, Visca realiza o diagnóstico

psicopedagógico que ele aborda em função de um instrumento conceitual

(ao qual refere-se como matriz de pensamento diagnóstico) e do processo

diagnóstico, que consiste num manual de instruções de acordo como ele

opera.

Na matriz de pensamento diagnóstico, estão inseridos o

diagnóstico propriamente dito, o prognóstico e as indicações. Consiste em

uma análise dos aspectos que se encontram “vinculados ao sujeito

patogênica e patologicamente; em outros termos, aqueles que possuem em

diferentes graus a capacidade de debilitar sua aprendizagem” (VISCA,

1987, p. 51).

É importante diferenciar quem é o sujeito e qual é o meio. Sujeito

é quem está apresentando dificuldade de aprendizagem, seja criança,

adolescente ou adulto. O meio é o lugar onde essa dificuldade irá

apresentar-se.

27

Em sua análise às dificuldades de aprendizagem, Visca afirma

haver três causas patológicas a-históricas: obstáculo epistêmico - nome

tomado pelo autor do conceito de sujeito epistêmico denominado por

Piaget - ; o obstáculo epistemofílico - cunhado pela psicanálise -; o

obstáculo funcional.

“(...) O obstáculo epistêmico é aquele que deriva do nível de

operatividade da estrutura cognoscitiva alcançada. Ninguém pode aprender

além do que sua estrutura cognoscitiva o permite” (VISCA, 1987, p. 58).

O obstáculo epistemofílico está relacionado com o vínculo

afetivo estabelecido pelo sujeito com os objetos e situações de

aprendizagem. Se esse vínculo é estabelecido inadequadamente, certamente

influenciará negativamente na aprendizagem, dificultando-a e até mesmo

impedindo-a.

“O obstáculo epistemofílico pode adotar diferentes configurações: - ansiedade confusional - ansiedade esquizo-paranóide - ansiedade depressiva” (Idem)

Configurações essas que “podem se apresentar predominante,

alternada e coexistentemente” (VISCA, 1987, p. 59).

Já o obstáculo funcional compreende dois momentos: o primeiro

como uma hipótese auxiliar onde se tenta, a partir desta, resolver situações

como a ausência de juízo da teoria piagetiana e psicanalítica sobre um

determinado problema (ou aspecto) ou quando mesmo na presença de juízo

não há instrumento de avaliação para tal problema.

O segundo momento consiste na descoberta por Barbel Inhelder -

e outros autores - de particularidades no funcionamento cognitivo de certas

28

patologias, como desigualdade entre os aspectos figurativo e operativo,

impossibilidade de usar certas justificações, etc.

“O diagnóstico começa com a consulta inicial (dos pais ou do

próprio paciente) e termina com a devolução” (VISCA, 1987, p. 69).

Com base na epistemologia convergente, Visca propõe uma

seqüência para desenvolver o processo diagnóstico. Seqüência esta que tem

início com a EOCA (entrevista operativa centrada na aprendizagem), ao

invés de iniciar com a anamnese, conforme a modalidade tradicional.

Essa proposta se dá ao fato de que muitas vezes o profissional

pode se “contaminar”, ou seja, se deixar influenciar pela opinião dos

familiares que realizam a anamnese. Sendo assim, o profissional pode

aproximar-se do cliente impregnado pela forma como os familiares o vêem

ou como estabelecem relações com ele. Não estando livre de conceituações

e/ou impressão, não estando sem “a prioris”, que é fundamental para que o

profissional estabeleça um real contato com o indivíduo/cliente como ele se

apresenta, percebendo-o no aqui e agora.

A visão de Visca nos remete à teoria da Gestalt-Terapia e ao

conceito de aqui e agora, revistos por Jorge Ponciano Ribeiro:

“Não só o cliente, mas também o psicoterapeuta deve ter confiança nesta força transformadora do aqui e agora. Aqui e agora par ambos significa que a situação presente encerra tudo aquilo de que eles precisam para se guiarem na reestruturação e fortalecimento do campo perceptivo-existencial” (1985, p. 80 e 81).

Críticas foram feitas a essa visão de Visca. Uma delas diz que o

profissional não se contamina, não se deixa influenciar pela opinião dos

pais. A outra refere-se à importância de que o profissional perceba como se

29

dá a relação familiar e a percepção do espaço que o cliente ocupa naquela

família.

Visca refuta essas críticas ratificando sua idéia inicial de que

mesmo tentando abster-se da contaminação da opinião dos pais, a

percepção que o psicopedagogo terá de seu cliente já não será tão pura

quanto seria sem informações e opiniões sobre o cliente.

A seqüência proposta por Visca para o desenvolvimento do

processo diagnóstico consiste em:

“1 - Entrevista operativa centrada na aprendizagem 2 - Testes (segundo linhas de investigação) 3 - Anamnese (aberta, situacional e segundo linha de investigação) 4 - Elaboração de informe (1º como imagem do sujeito, 2º como formulação escrita de uma hipótese a comprovar) 5 - Devolução da informação aos pais e/ou ao paciente” (VISCA, 1987, p. 70).

2.2 O papel do psicopedagogo

O amplo conjunto de tarefas e funções realizadas pelos

profissionais que prestam assessoramento psicopedagógico às escolas,

apesar de sua diversidade, pode ser organizado em torno de quatro eixos

(Coll, 1989). O primeiro relativo à natureza dos objetivos da

intervenção, cujos pólos caracterizam respectivamente as tarefas que se

centram, prioritariamente no sujeito e aquelas que têm como finalidade

incidir no contexto educacional. Assim, as tarefas incluídas são tanto as que

têm como objetivo prioritário o atendimento a um aluno, quanto as que

30

aprecem vinculadas a aspectos curriculares e organizacionais.

O segundo eixo afeta as modalidades de intervenção, que

podem ser consideradas como corretivas, ou preventivas e enriquecedoras.

Qualquer intervenção realizada na escola pode ser caracterizada, em um

determinado momento, embora, em um momento posterior, sua

consideração se modifique.

Outro eixo também diferencia modelos de intervenção, embora

tenha como objetivo final o aluno, pode ter diferenças consideráveis:

enquanto alguns psicopedagogos trabalham diretamente com o aluno,

orientam-no e, inclusive, manejam tratamentos educacionais

individualizados, outros combinam momentos de intervenção direta com

intervenções indiretas, ( por exemplo, no caso de uma avaliação

psicopedagógica), centradas nos agentes educacionais que interagem com

ele (no próprio processo de avaliação psicopedagógica, na tomada de

decisões sobre o plano de trabalho mais adequado para esse aluno). São

freqüentes as consultas formuladas por um professor ao psicopedagogo em

relação a um aluno que não vai manter nenhum contato direto com esse

profissional.

O último eixo, Coll (1989) indica o lugar preferencial de

intervenção, que entendemos como a diversidade de níveis e contextos,

inclusive quando circunscrita ao marco educacional escolar. Este eixo

inclui tanto as tarefas localizadas no nível de sala de aula, em algum

subsistema dentro da escola, na instituição em seu conjunto, ano, série,

assim como aquelas que se dirigem ao sistema familiar, à zona de

influência, etc.

O fato que se deve considerar é que as tarefas que aparecem

englobadas nos eixos precedentes são objeto da intervenção

psicopedagógica, não significa que todos os psicopedagogos as executem

31

em seu conjunto e, obviamente, não significa que as realizem da mesma

forma.

O desempenho profissional de um psicopedagogo ou de uma

equipe é influenciado também pela tradição e pela formação recebida. Com

relação à tradição, aquilo que se fez sempre, aquilo que responde à

percepção social sobre o papel profissional, possui uma influência direta

inegável nas próprias crenças do psicopedagogo, em sua autopercepção

profissional e, conseqüentemente, no que faz; indiretamente, influi também

por meio das expectativas geradas por sua tarefa e pelas demandas que lhe

são formuladas.

Quanto à formação, a intervenção psicopedagógica foi assumida,

fundamentalmente, por pedagogos, e psicólogos, e, mais recentemente por

psicopedagogos. Estes profissionais foram formados em tradições

disciplinares diferentes (psicologia escolar, psicologia clínica, psicologia

social, pedagogia, terapêutica, organização escolar, orientação profissional,

etc) e em diferentes escolas de pensamento psicológico que, com

freqüência, fazem alusão a modelos de funcionamento do psiquismo

humano abertamente discrepantes.

Por se tratar de uma atividade relacionada as dificuldades

escolares, a primeira vista, pensam que o psicopedagogo deva trabalhar na

escola, lugar onde são produzidos a maioria dos problemas escolares, mas

são vários os campos de atuação psicopedagógica; como clínica, escola,

instituição de saúde ou mesmo em empresas.

A atuação do psicopedagogo não se refere apenas ao espaço

físico onde ele vai atuar, mas também ao modo dele pensar a

Psicopedagogia e ao conhecimento que ele tem da área, ou seja da sua

atitude psicopedagógica.

32

A Psicopedagogia Educacional tem como objetivo, fazer com

que os professores, diretores e coordenadores educacionais repensem o

papel da escola frente as dificuldades de aprendizagem da criança. Por

outro lado, mesmo que a escola passe a se preocupar com os problemas de

aprendizagem, nunca conseguiria abarcá-los na sua totalidade, algumas

crianças com problemas escolares apresentam um padrão de

comportamento mais comprometido e necessitam de um atendimento

psicopedagógico mais especializado em clínicas. Sendo assim, surge a

necessidade de diferentes modalidades de atuação psicopedagógica; uma

mais preventiva com o objetivo de estar atenuando ou evitando os

problemas de aprendizagem dentro da escola e outra a clínico-terapêutica,

onde seria encaminhadas apenas as crianças com maiores

comprometimentos, que não pudessem ser resolvidos na escola.

2.3 A intervenção psicopedagógica nos casos de transtorno de conduta

Desenvolvimento Normal

O conhecimento das formas de conduta típicas de cada idade é

imprescindível para poder identificar a natureza dos transtornos.

Destacamos a seguir alguns pontos críticos no desenvolvimento da criança:

1º ano: Desmame, aquisição de autonomia, relacionamento

primário com a mãe como base do futuro relacionamento social.

2º ano: Andar, aprender a falar, jogar com os próprios

excrementos. 2º semestre: Frases formadas por várias palavras. Final-

controle dos esfíncteres.

3º ano: Fase de excitação infantil, período de crise, cheio de

desejos e temores, onde com facilidade aparecem transtornos neuróticos. A

33

chamada idade da resistência- durante meses continua a inclinação para as

cenas de furor e cólera. Fase das perguntas e fantasias mágicas.

Masturbação.

5º ao 6º ano: Tranqüilização geral, conduta mais compreensível,

período de latência sexual.

Escolar: A princípio, dificuldade de adaptação às exigências de

rendimento escolar. Todavia, fixação positiva ingênua dos pais e mestres.

Pré-puberdade: Começa a oposição às autoridades. Idade de

leituras, fantasias. Os sexos se distanciam (os meninos se afastam com

orgulho das meninas). Ao iniciar-se o desenvolvimento sexual, há com

freqüência , masturbação.

Puberdade: Em geral, a maturidade corporal precede a

psicosexual. A insegurança interna pode produzir crises.

Ante um transtorno de conduta da criança, é preciso sempre

indagar a existência de causas ambientais (como norma, pode-se dizer que

a necessidade de psicoterapia da criança é a de seus pais). Não se pode dar

uma fórmula geral para a educação correta, um bom exemplo, o acordo

entre os pais, amor sem mimo, seriam premissas adequadas de uma correta

educação. Mais fácil é dizer o que ela não deve ser despótica, dogmática,

em excesso exigente, angustiante, egoísta, irregular, etc.

Como transtorno grave temos também o diagnóstico de psicose

na infância que deve ser suspeitada quando a criança se comporta de

maneira chamativa e totalmente distinta do que se esperaria para sua idade

e meio ambiente. Tratamento: Psicoterapia associada à administração de

tranqüilizantes ou estimulantes, segundo o caso.

Na criança com sentidos íntegros e inteligência normal uma das

principais causas de distúrbio do aprendizado é a disfunção cerebral

mínima, que é observada constitucionalmente no menino de

34

desenvolvimento tardio ou é conseqüência de inibição por ações nocivas do

ambiente (abandono, mimo excessivo, neurose). Tratamento: Estas crianças

imaturas receberão estimulação adequada durante 1 ano, seja em escolas

especiais ou adequação do ambiente. Nos casos de perturbação neurótica,

tratar-se-á a causa.

Os ataques de furor e ansiedade são reações normais nos

primeiros anos de vida, mas a partir da idade escolar só se apresentam em

situações especiais e casos patológicos.

As depressões reativas no lactente e na criança pequena, quase

sempre se devem a um transtorno na relação com a mãe, mais tarde se

referem também a outros membros da família. Sintomas de depressão

podem ser: aspecto envelhecido e triste do rosto, apatia, irritabilidade,

anorexia, regressões.

São freqüentes os transtornos somáticos de origem psíquica

(reações de conversão), os quais expressam a tendência do tipo histérico e

demonstram o desejo de obter ajuda e atenção dos adultos. De maneira

geral, o sintoma vem facilitado por uma enfermidade somática sofrida

anteriormente – uma tosse ferina dá lugar a um acesso de tosse, falta de

mastigação que representa um medo da deglutição, vômitos (no menino

pequeno, na hora de comer, dirigidos contra a mãe, e na idade escolar, pela

manhã, devido ao medo da escola), etc.

A neurose de rebeldia se dirige contra os educadores, que cortam

a autonomia da criança. A rebeldia ativa se manifesta na forma de

agressividade e de fazer exatamente o contrário do que é ordenado. A

passiva, na forma de hermetismo e evasão. A criança passiva e apática

muitas vezes é considerada boazinha, e assim, pode passar despercebida.

Condutas anti-sociais (mentiras, furtos) podem ser devidas à neurose de

rebeldia.

35

Os fatores sociais desfavoráveis também estão implicados na

gênese de dificuldades escolares, sendo a família e o ambiente escolar os

principais componentes destes fatores.

1. Na escola

• Motivação e capacitação do professor, do supervisor e orientador

educacional;

• A interação professor-aluno é essencial, não pode haver

discriminação quanto a cor, de condições financeiras baixas;

• Organização da escola: é fundamental que a escola conheça o seu

aluno, porque a heterogeneidade sócio-econômica de nossa

população é muito grande, o que provoca diferenças no perfil da

criança. Esta estruturação pode tornar o processo escolar mais

racional e eficiente na medida em que a metodologia , o conteúdo, o

número de alunos per sola, a alocação do professor leve em

consideração as características do aluno.

• O grau de exigência da escola: preocupada com a competitividade,

não cria espaço para as crianças, que embora estejam dentro de faixa

de normalidade, não conseguem adaptar-se ao ritmo da escola.

• Participação da família e do educando nas decisões da escola;

• Capacidade de trabalho em grupo da equipe de educação;

• Remuneração do educador.

• Para evitar a formação de salas tão heterogêneas tem-se defendido o

conhecimento da criança, anterior à sua entrada na escola. A

elaboração prévia de um perfil diagnóstico do aluno poderia permitir

a formação de salas mais homogêneas e a adequação metodológica

seria iniciada mais precocemente.

36

2. Na família

• Retardo mental leve está associado a ambiente de pobreza e baixo

nível educacional dos pais;

• Nível de exigência muito alto da família, supervalorizando o

rendimento escolar e desconhecendo o que a criança pode oferecer;

• Confusão de métodos: conflito entre o que os pais pensam e a

metodologia educacional;

• A negação da dificuldade escolar em famílias de maior nível

intelectual;

• Pais obsessivamente preocupados com o filho e que, ao menor sinal

de dificuldade, deixam-se envolver por uma grande ansiedade;

• Participação de criança no sistema de produção para melhorar o

rendimento da família, como na zona rural em época de colheita, ou

na cidade como pedinte, vendedor ambulante e lavador de carro.

O Transtorno de Conduta pode ser suspeitado quando o

comportamento do adolescente é caracterizado por violação dos direitos

dos outros, furtos, precocidade sexual, brigas freqüentes, vandalismo e

irresponsabilidade.

Quando existe Transtorno de Conduta há uma chance maior da

criança ou adolescente ingressarem na vida adulta com um sério distúrbio

da personalidade, algo bem mais difícil de ser tratado.

O Transtorno Opositivo-Desafiador também é bastante

problemático e corresponde a uma alteração comportamental mais branda

que o transtorno de conduta. Ele se caracteriza por recusa em obedecer

ordens, um comportamento desafiador e irritável, principalmente com pais

e professores.

37

Um dos grandes desafios na questão da abordagem é o

desenvolvimento da capacidade de trabalho conjunto da saúde e da

educação. Este distanciamento provavelmente tem contribuído também

pata manter as altas taxas de repetência e evasão escolar, uma vez que

principalmente as crianças carentes têm recebido um tratamento

massificado e indiferenciado. Com certeza, uma equipe multidisciplinar se

encarregaria de fazer a diferenciação dos problemas e como conseqüência

abriria uma perspectiva para ocorrer o desenvolvimento da criança no

contexto escolar.

Assim, por exemplo, em contextos nos quais o professor esteja

enfrentando problemas de indisciplina ou agressão, seria relevante que o

psicólogo ou o psicopedagogo escolar fornecesse suporte para que o

professor descobrisse de que forma sua relação com os alunos pode estar

alimentando um mal investimento pulsional. Deveria ser evitada a busca de

culpados, a patologização do aluno ou do professor, afinal o aluno não se

torna agressivo por si; ele investe a agressividade sobre sua relação com o

professor e deveria ser sobre esta relação o foco do suporte psicológico ou

psicopedagógico.

Um aspecto que deve ser ressaltado é a necessidade de que os

membros da equipe interdisciplinar não tentem doutrinar, ou muito menos

convencer os professores a adotar uma determinada teoria ou metodologia

de ação de modo acrítico. É necessário, sem dúvida, dar ao professor a

oportunidade de conhecer qualquer paradigma teórico que possa ser

relevante a sua prática, mas também deve-se dar a ele a possibilidade de

dialogar criticamente com tal paradigma.

Em resumo, é este o momento de permitir ao professor resgatar a

sua autoridade, a qual foi perdida no curso da história pela influência de

fatores diversos e substituída por ideários ou modelos mentais que se

38

alimentam de uma postura de passividade acrítica. O cuidado que se deve

ter, portanto, é de não deixar que o fazer docente se submeta aos fazeres de

outros profissionais atualmente envolvidos direta ou indiretamente com o

contexto escolar

39

CAPÍTULO III

A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA EM AUXÍLIO À

EDUCAÇÃO

Historicamente, a intervenção psicopedagógica vem ocorrendo

na assistência às pessoas que apresentam dificuldades de aprendizagem,

através do diagnóstico e da terapêutica. Diante do baixo desempenho

acadêmico, alunos são encaminhados pelas escolas que freqüentam, com o

objetivo de elucidar a causa de suas dificuldades.

A questão fica, desde o princípio, centrada em quem aprende, ou

melhor, em quem não aprende. Diferente de estar com dificuldade, o aluno

manifesta dificuldades, revelando uma situação mais ampla, onde também

se inscreve a escola, parceira que é no processo da aprendizagem. Portanto,

analisar a dificuldade de aprender inclui, necessariamente, o projeto

pedagógico escolar, nas suas propostas de ensino, no que é valorizado

como aprendizagem. A ampliação desta leitura através do aluno permite ao

psicopedagogo abrir espaços para que se disponibilize recursos que façam

frente aos desafios, isto é, na direção da efetivação da aprendizagem.

No entanto, apesar do esforço que as escolas tradicionalmente

despendem na solução dos problemas de aprendizagem, os resultados do

estudo psicopedagógico têm servido, muitas vezes, para diferentes fins,

sobretudo quando a escola não se dispõe a alterar o seu sistema de ensino e

acolher o aluno nas suas necessidades. Assim, se a instituição consagra o

armazenamento do conteúdo como fator de soberania, os resultados do

estudo correm o risco de serem compreendidos como a confirmação das

incapacidades do aluno de fazer frente às exigências, acabando por

referendar o processo de exclusão.

40

Escolas conteudistas, porém menos "exigentes", recebem os

resultados do estudo como uma necessidade de maior acolhimento afetivo

do aluno. Tornam-se mais compreensivas, mais tolerantes com o baixo

rendimento, sem, contudo, alterar seu projeto pedagógico. Mantém, assim,

o distanciamento entre o aluno e o conhecimento. Nelas também ocorre o

processo de exclusão.

O estudo psicopedagógico atinge plenamente seus objetivos

quando, ampliando a compreensão sobre as características e necessidades

de aprendizagem daquele aluno, abre espaço para que a escola viabilize

recursos para atender as necessidades de aprendizagem. Desta forma, o

fazer pedagógico se transforma, podendo se tornar uma ferramenta

poderosa no projeto terapêutico.

No entanto, mudanças vem ocorrendo, sobretudo nos últimos

anos. A ótica que privilegia a divisão acadêmica, que categoriza os alunos,

que valoriza o homogêneo, que considera o conteúdo como um fim,

começa a sofrer um esvaziamento. Realoca-se o conceito de aprender, a

função do ensinar. Dar conta da diversidade, do heterogêneo, possibilita o

aprender coletivo, a riqueza da troca, o aprender com o outro. O professor

deixa de ser apenas o difusor do conhecimento e vive o fazer pedagógico

como o espaço para a estimulação da aprendizagem.

E, é no desdobramento desta nova condição do professor, que o

estudo psicopedagógico (eu prefiro usar a palavra estudo no lugar de

diagnóstico, dadas as implicações daí decorrentes) pode adquirir um novo

recorte, ampliando sua função, que não se finaliza mais no aluno. De

objetivo, o aluno passa a ser um meio. De problema, ele se transforma

numa oportunidade. Oportunidade de aprendizagem para o professor.

Refletindo acerca dos resultados, numa ação conjunta com o

41

psicopedagogo, o professor se sente desafiado a repensar a prática

pedagógica, inscrevendo a possibilidade de novos procedimentos.

Para o psicopedagogo, a experiência de intervenção junto ao

professor, num processo de parceria, possibilita uma aprendizagem muito

importante e enriquecedora, sobretudo quando os professores são

especialistas nas suas disciplinas.

Ana Silva Figueiral, em seu artigo “A intervenção

psicopedagógica na parceria com os professores”, demonstra essa parceria

através do exemplo a seguir.

A escola encaminhou a família de A. para o estudo

psicopedagógico. Os testes de avaliação adotados à ocasião da matrícula

nem puderam ser considerados, devido ao aparente desinteresse de A. em

participar. Acostumada aos desafios com alunos portadores de dificuldades,

a escola condicionou a possibilidade de aceitá-lo, aos resultados do estudo,

desde que realizado por uma profissional que estivesse familiarizada com

as propostas de ensino da instituição. Visava, desta forma, avaliar a

adequação entre suas possibilidades e as condições de aprendizagem

daquele aluno. Como era de se esperar, os pais vieram muito ansiosos em

busca de auxílio. Cansados de tantas mudanças, referiram ser aquela a

sétima escola que o filho iria freqüentar. Concluído o estudo, a matrícula

foi confirmada na 7a.série. Os resultados obtidos revelavam um quadro

importante de dificuldades na aprendizagem, com indicação para terapia

psicopedagógica.

Em virtude de outros atendimentos a que se submetia, não havia

nenhuma possibilidade de se introduzir uma nova terapia. A solução

encontrada foi intervir junto aos professores que iam atuar em sala de aula,

sob forma de orientação psicopedagógica. Este também seria o elo que

vincularia todos os informes profissionais disponíveis sobre o aluno com as

42

observações de classe feitas pelos professores. Visávamos favorecer a

sustentação da parceria professor-aluno.

A orientação psicopedagógica para os professores ocorreu

através de reuniões mensais. Algumas condições foram consideradas

fundamentais para o trabalho de orientação. As reuniões não deveriam ser

individuais, mas com o grupo, favorecendo a troca de informações e

possibilitando uma maior compreensão. O apoio dado não deveria ocorrer

através da descrição das patologias que A. apresentava. Os nomes das

dificuldades não ajudariam em nada. Do contrário, serviriam de rótulo,

desestimulando os professores e o nosso objetivo era o oposto. Desafiá-los

na descoberta das características específicas daquele aluno, sobretudo nas

possibilidades preservadas para a aprendizagem. A fala dos professores

representava, também, a possibilidade de ampliar a nossa compreensão,

como especialistas, sobre o caso, permitindo uma intervenção mais

eficiente.

Iniciou-se o trabalho pela escuta. Todos tinham o que dizer

daquele aluno tão fora do padrão do grupo, apesar da escola ter grande

experiência no atendimento de alunos com dificuldades de aprendizagem e

dos professores passarem, freqüentemente, por reciclagem. Nos relatos,

havia pontos em comum: o aluno nada produzia, não fazia as lições, não se

mobilizava para nada e, para ter algum rendimento, precisava ser

estimulado individualmente. Além da dificuldade na compreensão da

leitura, seus colegas não entendiam o que ele dizia, em função de

problemas na fala.

Associada a estas queixas, a defasagem no conteúdo era

constatada em todas as áreas. Assim, sugeriu-se a introdução de uma

professora de apoio, que o auxiliaria fora do período escolar, mas no

ambiente da escola. Este procedimento também atenderia a preservação da

43

relação mãe-filho, desgastada sobretudo pelas questões escolares. Por isto,

A. foi mantido em período integral na escola, voltando para casa com todas

as tarefas cumpridas.

Poder reconhecer e falar dos conflitos no lidar com a diferença,

permitiu aos professores caminhar numa nova direção, na direção das

possibilidades daquele aluno. Assim, no final da primeira reunião, diante de

tantos nãos, combinamos relacionar, para o encontro seguinte, apenas os

pontos positivos, isto é, os aspectos preservados no desempenho de A.

Na reunião que se seguiu, todos os professores se mostraram

muito ansiosos por falar. Além do reconhecimento de pontos positivos, eles

tinham podido lidar com as diferenças no grupo de alunos, como eles

próprios tinham vivido na reunião. Alguns já tinham desenvolvido novas

estratégias de trabalho com sucesso. Analisando estas propostas, extraiu-se

o que havia em comum em todas elas e isto alavancou, durante a reunião,

novos projetos.

Alguns professores relataram contatos estabelecidos com o aluno

que tinham se processado de diferentes maneiras. Concluímos que estes

vínculos seriam diferentes porque envolviam diferentes pessoas, de

diferentes disciplinas. Empolgados com a análise e com as possibilidades

de intervenção em classe, os professores se sentiram estimulados na direção

das possibilidades de aprendizagem daquele aluno.

Assim, a cada encontro eram relatadas novas conquistas até que,

entre os professores, instalou-se a necessidade de um maior entendimento

acerca do que explicava aquelas características tão particulares do

aprendizado, que eles agora conheciam melhor. Visavam, desta maneira,

reconhecer o significado da dificuldade no processo da aprendizagem. Este

era o ponto, que pode ser delimitado pela análise do desempenho do aluno,

valorizando as habilidades que poderiam estar por detrás de cada situação

44

bem sucedida. Ampliando o nível de compreensão entre tarefas e

habilidades implicadas, os professores puderam associar sua experiência e

criatividade com as necessidades de A.

Percebe-se, através do caso relatado que foi realizado um

trabalho coletivo de criação. Como no processo de inclusão, o aprendizado

era coletivo e o desafio, inscrito na diversidade. Um aprendia com o outro.

Ninguém ficou confinado na sua disciplina e as propostas tinham uma

característica comum: não eram as rotineiras. Através deste exercício, todos

saíram da reunião dispostos a fazer novas experiências em sala de aula para

relatar na reunião seguinte.

Paralelamente ao trabalho de orientação, a intervenção

psicopedagógica também se propunha a incluir os pais no processo, através

de reuniões, possibilitando o acompanhamento do trabalho realizado junto

aos professores. Assegurada uma maior compreensão, os pais ocuparam um

novo espaço no contexto do trabalho. Abandonando o papel de

espectadores, assumiram a posição de parceiros, participando, opinando e

cobrando. Incorporados ao trabalho de equipe, eles também tinham função

e responsabilidades bem definidas. Decididamente, eles sabiam a quem

recorrer em caso de necessidade. Ficaram menos ansiosos.

Na etapa que se seguiu com os professores, deu-se continuidade

ao trabalho de ampliação da compreensão dos sucessos, compondo,

também, estratégias que pudessem diminuir o impacto das dificuldades

instrumentais, mais especificamente na leitura e na escrita. Estavam, todos

eles, francamente mobilizados para o ensino e, conseqüentemente, para a

aprendizagem daquele aluno. Os insucessos eram pontuados sem

necessidade de serem descritos. O problema não residia ali. O desafio era

como conseguir. Houve um interesse genuíno de todos, porque ninguém

quis procurar nas dificuldades, a justificativa para o insucesso.

45

Dessa forma, percebe-se que descentralizado do aluno e

deslocado para os professores, o trabalho psicopedagógico amplia a

possibilidade de intervenção junto a quem ensina. Pais, professores,

especialista uniram esforços na busca de soluções. Somando

conhecimentos e experiências todos aprendem.

46

CONCLUSÃO

A Psicopedagogia tem se apresentado multifacetada, sob a

influência da Psicologia e da Pedagogia. Tem como identidade própria área

de conhecimento, linha de pesquisa em educação e em psicologia, e

atividade terapêutica ou preventiva. Esta área de atuação também permite

aos profissionais a análise do processo de aprendizagem do ponto de vista

do sujeito que aprende e da instituição que ensina, no que tange a seu

decurso normal ou com dificuldades.

Contribuir para o crescimento dos processos da aprendizagem e

auxiliar no que diz respeito a qualquer dificuldade em relação ao

rendimento escolar, também é do âmbito da psicopedagogia, bem como de

educadores em geral. Ter conhecimento de como o aluno constrói seu

conhecimento, compreender as dimensões das relações com a escola, com

os professores, com o conteúdo e relacioná-los aos aspectos afetivos e

cognitivos, permite uma atuação mais segura e eficiente. Reflitamos a

respeito do ser global que está perante um movimento de aprendizagem.

Devemos considerar que o desenvolvimento deste ser se dá

harmoniosamente e equilibradamente nas diferentes condições orgânica,

emocional, cognitiva e social.

Com relação a intervenção psicopedagógica na orientação

educacional à alunos com distúrbios de conduta, estes adolescentes têm em

comum na personalidade, uma dinâmica de respostas agressivas ao

ambiente hostil e ameaçador em que vivem.. Suas famílias não permitem

que eles cresçam emocionalmente nem cognitivamente. Eles se percebem

como “coisas ruins”, buscando nas “coisas ruins” do mundo a reafirmação

de sua identidade.

47

É necessário atendimento psicológico, psiquiátrico e de agentes

de saúde, às famílias, para orientar o desenvolvimento emocional de todos;

em programas preventivos, desenvolvidos na comunidade, que permitam a

expressão das necessidades dos adolescentes de maneiras socialmente

aceitas.

48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Psicopedagógico, traduzido por Beatriz Affonso Neves, Editora Artes

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