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Filosofia na Idade Média Para podermos compreender bem o que foi a Idade Média (476 a 1453) é necessário conhecer como a Igreja católica se desenvolveu nesse período. Foi durante os 10 séculos que se costuma chamar de "Idade Média" que o poder dessa instituição religiosa, juntamente com a fé cristã, cresceu e expandiu- se de maneira colossal. A Igreja católica se baseia no cristianismo, a crença em Jesus Cristo, um homem que afirmava ser enviado pelo criador do mundo, Deus, para falar à humanidade. Essa seita surgiu no século 1 da nossa era, sendo o calendário cristão definido pelo ano que se supõe ser o nascimento de Jesus. O calendário oficial de todo o mundo ocidental até os nossos dias é o calendário cristão. Os contemporâneos de Jesus Cristo, que acreditaram nas suas palavras, passaram a espalhar essas ideias, contando os fatos de sua vida. Eles angariaram seguidores, cujo número foi crescendo ao longo dos séculos seguintes. Conquistando cada vez mais adeptos à sua crença, os cristãos foram barbaramente perseguidos durante 300 anos. No entanto, a uma certa altura, foram aceitos pelo Império Romano, até então seu maior inimigo. Já nas últimas décadas antes do seu fim, este Império tornou o cristianismo a religião oficial dos romanos, proibindo outras crenças e rituais de serem praticados. Igreja católica apostólica romana A partir do século IV, com o Imperador Constantino, começaram a ser definidos os ritos cristãos pelos líderes dessa igreja. Havia cinco patriarcas ou bispos espalhados nas principais cidades do Império Romano. Esses patriarcas diziam-se herdeiros dos apóstolos de Cristo e, a partir do século seguinte, definiu-se que o bispo de Roma seria o mais importante deles, chamado de Papa, o vigário de Deus na Terra, pai de todos os cristãos. Assim, com o estabelecimento das normas da religião cristã, passou a se afirmar essa Igreja como católica (que significa universal, devendo ser expandida para todos), apostólica e romana. É interessante constatarmos que a Igreja católica se constituiu como uma instituição no Império Romano. Mas, ainda que tenha sido fortalecida pelos últimos imperadores de Roma, sobreviveu à sua queda, em 476, e foi adquirindo cada vez mais poder e prestígio durante a Idade Média. Esse poder continuou ganhando força ao longo dos séculos e alguns fatores ajudam a explicá-lo. Primeiramente, durante o Império Carolíngeo (séculos VIII e IX), a Igreja católica foi privilegiada com a concessão de um amplo território. O Império Carolíngeo iniciou-se com o domínio do norte da Europa pelos francos, numa política expansionista em direção a todo o continente europeu. Pepino, o Breve, que iniciou a dinastia Carolíngea, derrotando a dinastia anterior (Merovíngia - séculos 6 a 8), conquistou terras na Península Itálica e doou-as para o Papa, constituindo-se, assim, os Estados papais. Poder e riqueza da Igreja Católica A partir do século X, com a desagregação política que caracterizou a Idade Média, sem um poder centralizador no continente europeu que comandasse os diversos povos que nele viviam, a Igreja Católica obteve espaço para ir

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Filosofia na Idade Média

Para podermos compreender bem o que foi a Idade Média (476 a 1453) é necessário conhecer como a Igreja católica se desenvolveu nesse período. Foi durante os 10 séculos que se costuma chamar de "Idade Média" que o poder dessa instituição religiosa, juntamente com a fé cristã, cresceu e expandiu-se de maneira colossal.A Igreja católica se baseia no cristianismo, a crença em Jesus Cristo, um homem que afirmava ser enviado pelo criador do mundo, Deus, para falar à humanidade. Essa seita surgiu no século 1 da nossa era, sendo o calendário cristão definido pelo ano que se supõe ser o nascimento de Jesus. O calendário oficial de todo o mundo ocidental até os nossos dias é o calendário cristão. Os contemporâneos de Jesus Cristo, que acreditaram nas suas palavras, passaram a espalhar essas ideias, contando os fatos de sua vida. Eles angariaram seguidores, cujo número foi crescendo ao longo dos séculos seguintes.Conquistando cada vez mais adeptos à sua crença, os cristãos foram barbaramente perseguidos durante 300 anos. No entanto, a uma certa altura, foram aceitos pelo Império Romano, até então seu maior inimigo. Já nas últimas décadas antes do seu fim, este Império tornou o cristianismo a religião oficial dos romanos, proibindo outras crenças e rituais de serem praticados.

Igreja católica apostólica romanaA partir do século IV, com o Imperador Constantino, começaram a ser definidos os ritos cristãos pelos líderes dessa igreja. Havia cinco patriarcas ou bispos espalhados nas principais cidades do Império Romano. Esses patriarcas diziam-se herdeiros dos apóstolos de Cristo e, a partir do século seguinte, definiu-se que o bispo de Roma seria o mais importante deles, chamado de Papa, o vigário de Deus na Terra, pai de todos os cristãos. Assim, com o estabelecimento das normas da religião cristã, passou a se afirmar essa Igreja como católica (que significa universal, devendo ser expandida para todos), apostólica e romana.É interessante constatarmos que a Igreja católica se constituiu como uma instituição no Império Romano. Mas, ainda que tenha sido fortalecida pelos últimos imperadores de Roma, sobreviveu à sua queda, em 476, e foi adquirindo cada vez mais poder e prestígio durante a Idade Média.Esse poder continuou ganhando força ao longo dos séculos e alguns fatores ajudam a explicá-lo. Primeiramente, durante o Império Carolíngeo (séculos VIII e IX), a Igreja católica foi privilegiada com a concessão de um amplo território. O Império Carolíngeo iniciou-se com o domínio do norte da Europa pelos francos, numa política expansionista em direção a todo o continente europeu. Pepino, o Breve, que iniciou a dinastia Carolíngea, derrotando a dinastia anterior (Merovíngia - séculos 6 a 8), conquistou terras na Península Itálica e doou-as para o Papa, constituindo-se, assim, os Estados papais.

Poder e riqueza da Igreja CatólicaA partir do século X, com a desagregação política que caracterizou a Idade Média, sem um poder centralizador no continente europeu que comandasse os diversos povos que nele viviam, a Igreja Católica obteve espaço para ir expandindo cada vez seu "império da fé". Assim, acreditar em Cristo pressupunha uma série de regras que todo indivíduo deveria seguir para merecer um lugar após a sua morte no Paraíso celeste, ao lado de Deus.Objetivando fazer os povos merecerem esse lugar no Paraíso, a Igreja instruía os fieis a não pecarem, obedecendo aos mandamentos divinos e fazendo caridade. Essa caridade, por sua vez, além da ajuda ao próximo, também estavam diretamente relacionadas à doação de bens para a Igreja Católica, a fim de ajudá-la a prosseguir em sua missão.Os nobres, então, como forma de se livrarem do que a religião considerava seus pecados terrenos, deveriam doar à Igreja bens materiais, como dinheiro, terras e riquezas. Portanto, o crescimento do poder dessa instituição e o tamanho de sua fortuna estão diretamente relacionados com a capacidade que a Igreja tinha de fazer com que os fiéis acreditassem nas verdades que ela pregava. Mais do que acreditar nelas, os fiéis deveriam temer a ira divina e o risco de queimarem no fogo do Inferno após a morte.Mas como a Igreja fazia os povos acreditarem nisso e a obedecerem? Em primeiro lugar, não foi fácil o processo de definição sobre quais práticas cristãs eram certas ou erradas. Desde o século IV, sob o Imperador romano Constantino, começaram a definir-se os dogmas, com o Concílio de Nicéa, realizado em 325. Os dogmas são as verdades inquestionáveis que norteiam os católicos. No decorrer dos séculos, outros dogmas foram sendo criados, alguns foram reafirmados, outros negados.

Separação e perseguição: A Igreja OrtodoxaContudo, nesse processo, ainda no século XI, as discordâncias entre o clero estavam longe de ter fim. Foi isso que motivou o Cisma do Oriente em 1054, ou seja, a separação entre a Igreja católica de Roma e a Igreja católica do Oriente, que abrangia Constantinopla, Grécia e Ásia Menor. Discordando da

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adoração de imagens de santos e figuras divinas, a ala oriental da Igreja Católica fundou uma nova prática cristã com a Igreja católica ortodoxa grega. Essa é uma religião existente até hoje, com algumas crenças e rituais diferentes da Igreja católica romana.

Assim, ao irem se definindo as crenças e práticas que os cristãos deveriam obedecer, a Igreja romana passou a perseguir os que não compartilhavam dessa postura. A tentativa de controlar as mentes das populações sob seu domínio, aumentando seu poder de influência e sua riqueza, fez com que a Igreja Católica usasse de todos os meios para se impor.

Um desses meios foi a própria doutrinação religiosa. Como as pessoas eram proibidas de terem outras religiões que não a católica, frequentar os cultos nas igrejas e praticar os ritos católicos eram as únicas manifestações culturais permitidas. As igrejas, como templos de Deus, funcionavam como um meio das pessoas serem instruídas na fé e temerem a ira divina sobre aqueles que pecavam.

Filosofia patrística (do século I ao século VIII)

Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho de São João e termina no século VIII, quando teve início a Filosofia medieval. A patrística resultou do esforço feito pelos dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres da Igreja para conciliar a nova religião – o Cristianismo – com o pensamento filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A Filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos.

Divide-se em patrística grega (ligada à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de Roma) e seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras, Orígenes, Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Boécio.

A patrística foi obrigada a introduzir ideias desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a ideia de criação do mundo, de pecado original, de Deus como trindade una, de encarnação e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos, etc. Precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo Agostinho e Boécio, a ideia de “homem interior”, isto é, da consciência moral e do livre-arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela existência do mal no mundo.

Para impor as ideias cristãs, os Padres da Igreja as transformaram em verdades reveladas por Deus (através da Bíblia e dos santos) que, por serem decretos divinos, seriam dogmas, isto é, irrefutáveis e inquestionáveis. Com isso, surge uma distinção, desconhecida pelos antigos, entre verdades reveladas ou da fé e verdades da razão ou humanas, isto é, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, as primeiras introduzindo a noção de conhecimento recebido por uma graça divina, superior ao simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande tema de toda a Filosofia patrística é o da possibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse respeito, havia três posições principais:

1. Os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a fé superior à razão. (diziam eles: “Creio porque absurdo”).

2. Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé. (diziam eles: “Creio para compreender”).

3. Os que julgavam razão e fé irreconciliáveis, mas afirmavam que cada uma delas tem seu campo próprio de conhecimento e não devem misturar-se (a razão se refere a tudo o que concerne à vida temporal dos homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à salvação da alma e à vida eterna futura).

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Santo Agostinho (354-430).

O cristianismo estava consolidado nessa época: embora tivesse apenas quatrocentos anos, era considerado a verdade irrefutável. Apesar disso, Santo Agostinho, que nasceu no norte da África, numa cidade chamada Tagaste, nem sempre foi cristão. Fez os primeiros estudos na cidade natal e, com a ajuda de um amigo, foi para Cartago, aos dezesseis anos, completar os estudos superiores. Não foi um bom aluno. Na juventude, detestava estudar grego. Interessou-se por filosofia ao ler uma obra de Cícero. Quando criança era cristão, mas depois passou por outras religiões, como a dos maniqueus, que formavam uma seita e dividiam o mundo entre o bem e o mal, trevas e luz, espírito e matéria. Acreditavam que com o seu espírito, o homem pode transcender a matéria. O maniqueísmo contém uma visão dualista radical, bem e mal são tomados como princípios absolutos.

Posteriormente, Agostinho combateu essa doutrina, que foi criada por Manes. De início ele recusava a ler a Bíblia, por considerá-la vulgar. Teve um caso de amor, envolto em paixões mundanas, e nasceu um filho, que falecido ainda adolescente. Com vinte anos, perdeu o pai e ficou sendo o responsável pelo sustento de duas famílias.

Foi professor de retórica em Cartago, mas depois mudou-se para Roma. Sua mãe foi contra a mudança e Agostinho teve de enganá-la na hora da viagem. De Roma foi para Milão, lecionar retórica. Muito influenciado pelos estóicos, por Platão e o neoplatonismo, também estava entre os adeptos do ceticismo. Abandonou o maniqueísmo, que critica. Converteu-se então à fé cristã, depois de conhecer a palavra do apóstolo Paulo, e batizou-se aos trinta e dois anos de idade. Desistiu do cargo de professor e voltou a Tagaste, onde fundou uma comunidade monástica, disposto a fundamentar racionalmente a fé, como foi comum na Idade Média. Tentava demonstrar que, sem a fé, a razão não é capaz de levar à felicidade. A razão, para Agostinho serve de auxiliar a fé, esclarecendo e tornando inteligível aquilo que intuímos. Ele tinha tomado contato com o pensamento neoplatônico onde a natureza humana contém parte da essência divina. Demonstrou que há limites para a racionalidade.

Virou vigário aos trinta e seis anos, praticando a vida ascética. Santo Agostinho escreveu Contra os Acadêmicos, direcionado à filosofia cética e expôs a teoria de que os sentidos dizem algo verdadeiro. O erro provém do juízo que fazemos das sensações, e não delas próprias. A sensação não é falsa, o que é falso é querer ver nelas uma verdade externa ao próprio sujeito. Virou Bispo de Hipona.

Agostinho ficou conhecido por “cristianizar” Platão, fazendo vários paralelos entre a parte espiritualista dele (que diz existir um mundo transcendente) e as Sagradas Escrituras. Faz a distinção entre o corpo, sujeito à sorte do mundo, e a alma, que é atemporal, e com a qual se pode conhecer Deus. Antes de Deus ter criado o mundo a partir do nada as Ideias eternas já existiam na sua mente. Deus é a bondade pura. Ele já conhece o que uma pessoa vai viver antes dela viver. Assim, apesar da humanidade ter sido amaldiçoada depois do pecado original, alguns alcançarão a verdade divina, a salvação. Isso depende do uso que fazemos do livre arbítrio, a faculdade que o indivíduo tem de determinar de acordo com a sua própria consciência a sua conduta, livre da Divina Providência, enquanto está vivo. Seria o ato livre de decisão, de opção. Durante um diálogo, Agostinho chega a conclusão que o mal não provém de Deus, mas sim do mau uso do livre arbítrio. Para ele não existe mal, apenas a ausência de Deus. (com isso ele refuta de vez a doutrina dos maniqueus). Essa teoria encontra-se no livro O livre arbítrio. Com uma vida errada, a alma fica presa ao corpo, porém a relação correta é a inversa. Os órgãos sensoriais sentem a ação dos elementos exteriores, a alma não. Deus é a fonte dos conhecimentos perfeitos e não o homem. A experiência mística leva à iluminação divina. Assim se chega às verdades eternas, e o intelecto então é capaz de pensar corretamente a ordem natural divina. A unidade divina é plena e viva, e guarda a multiplicidade. O amor de Deus é infinito. A graça e a liberdade complementam-se.

Na obra a Cidade de Deus, Agostinho faz oposição entre sensível e inteligível, alma e corpo, espírito e matéria, bem e mal e ser e não ser. Acrescenta a história à filosofia, interpretando a história da humanidade como o conflito entre a Cidade de Deus, inspirada no amor à Deus e nos valores que Cristo pregou, presentes na Igreja, e a Cidade humana, baseada nos valores imediatos e mundanos. Essas cidades estariam presentes na alma humana, e no final a Cidade de Deus triunfaria.

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Filosofia Escolástica

É uma corrente filosófica nascida na Europa da Idade Média, que dominou o pensamento cristão entre os séculos XI e XIV e teve como principal nome o teólogo italiano São Tomás de AquinoDepois de oito séculos marcados por uma filosofia voltada para a resignação, a intuição e a revelação divina, a Idade Média cristã chegou a um ponto de tensão ideológica que levou à inversão quase total desses princípios. O personagem-chave da reviravolta foi São Tomás de Aquino (1224/5-1274), o grande nome da filosofia escolástica, cujo pensamento privilegiou a atividade, a razão e a vontade humana. Numa época em que a Igreja ainda buscava em Santo Agostinho (354-430) e seus seguidores grande parte da sustentação doutrinária, Tomás de Aquino formulou um amplo sistema filosófico que conciliava a fé cristã com o pensamento do grego Aristóteles (384-332 a. C.) algo que parecia impossível, até herético, para boa parte dos teólogos da época. Não se tratava apenas de adotar princípios opostos aos dos agostinianos que se inspiravam no idealismo de Platão (427-347 a. C.) e não no realismo aristotélico mas de trazer para dentro da Igreja um pensador que não concebia um Deus criador nem a vida após a morte. A porção mais influente da obra de Aristóteles havia desaparecido das bibliotecas da Europa, embora tivesse sido preservada no Oriente Médio. Ela só começou a reparecer no século 12, principalmente por meio de comentadores árabes, conquistando grande repercussão nos círculos intelectuais. As ideias de Aristóteles respondiam melhor aos novos tempos do que o neoplatonismo. Vivia-se o período final da Idade Média e a transição de uma sociedade agrária para um modo de produção mais orientado para as cidades e a atividade comercial. Avanços tecnológicos começavam a influir na vida das pessoas comuns e os trabalhadores urbanos se organizavam em corporações.

Tomás de Aquino valorizou a matéria

Aristóteles, em sua obra, punha a razão e a investigação intelectual em primeiro plano. A realidade material era considerada a fonte primordial de conhecimento científico e mesmo de satisfação pessoal. "Tomás afirma que há no ser humano uma alma única, intrinsecamente unida ao corpo", diz Luiz Jean Lauand, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. "Era uma idéia revolucionária para uma época marcada pelo espiritualismo de Santo Agostinho, que trazia consigo certo desprezo pela matéria." Tomás de Aquino realizou um trabalho monumental numa vida relativamente curta. Sua obra mais importante, apesar de não concluída, é a Suma Teológica, na qual revê a teologia cristã sob a nova ótica, seguindo o princípio aristotélico de que cabe à razão ordenar e classificar o mundo para entendê-lo. Está aí o princípio operacional do pensamento tomista, adjetivo pelo qual passou para a história a filosofia inaugurada por Tomás de Aquino. A relação entre razão e fé está no centro dos interesses do filósofo. Para ele, embora esteja subordinada à fé, a razão funciona por si mesma, segundo as próprias leis. Ou seja, o conhecimento não depende da fé nem da presença de uma verdade divina no interior do indivíduo, mas é um instrumento para se aproximar de Deus. "Segundo Tomás, a inteligência é uma potência espiritual".Período exige abertura da Igreja para o mundo Tomás de Aquino é uma figura simbólica de seu tempo na medida em que representou como ninguém a tensão entre a tradição cristã medieval e a cultura que se formava no interior de uma nova sociedade. Uma das respostas da Igreja a uma necessidade crescente de abertura para o mundo real foi a criação das ordens mendicantes, que, sem bens, vivem da caridade, ao mesmo tempo que se voltam para o socorro dos doentes e miseráveis. As duas ordens mendicantes surgidas na época foram a dos franciscanos, fundada por São Francisco de Assis (1181/2-1226), e a dos dominicanos, por São Domingos de Gusmão (1170-1221). Tomás de Aquino se filiou aos dominicanos. Outra característica dessa fase histórica foi o nascimento das universidades, que se tornaram o centro das discussões teológico-filosóficas, em particular na Universidade de Paris, onde o pensador estudou e lecionou. O ensino nessas instituições se assentava na divisão de disciplinas entre trívio e quadrívio, sistema que remonta à Antiguidade clássica. O quadrívio, que corresponderia às atuais ciências exatas, agrupava aritmética, geometria, astronomia e música, e o trívio, aparentado à ideia de ciências humanas, reunia a gramática, a retórica e a dialética. As discussões do período, no entanto, em breve levariam a um questionamento dos conceitos científicos vigentes.Todos têm uma essência a desenvolver De acordo com o filósofo, há dois tipos de conhecimento: o sensível, captado pelos sentidos, e o intelectivo, que se alcança pela razão. Pelo primeiro tipo, só se pode conhecer a realidade com a qual se tem contato direto. Pelo segundo, pode-se abstrair, agrupar, fazer relações e, finalmente, alcançar a essência das coisas, que é o objeto da ciência. O processo de abstração que vai da realidade concreta até a essência universal das coisas é um exemplo da dualidade entre ato e potência, princípio fundamental tanto para Aristóteles quanto para a filosofia escolástica. Para extrair das coisas sua essência, é necessário transformar em ato algo que elas têm em potência. Disso se encarrega o que Tomás de Aquino chama de inteligência ativa em complementação a uma inteligência passiva, com a qual cada um pode formar os próprios conceitos. A ideia, transportada para a educação, introduz um princípio pedagógico moderno e revolucionário para seu tempo: o de que o conhecimento é construído pelo estudante e não simplesmente transmitido pelo professor. Tomás nos lega uma filosofia cuja característica principal é uma abertura para o conhecimento e para o aluno.

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Como o filósofo vê em todo ser a potência e o ato (apenas Deus está acima da dicotomia, sendo "ato puro"), a noção de transformação por meio do conhecimento é fundamental em sua teoria. Cada ser humano, segundo ele, tem uma essência particular, à espera de ser desenvolvida, e os instrumentos fundamentais para isso são a razão e a prudência esse, para Tomás de Aquino, era o caminho da felicidade e também da conduta eticamente correta. "A direção da vida é competência da pessoa e Tomás mostra que não há receitas para agir bem, porque a prudência versa sobre atos situados no aqui e agora".Cidades ganham importância e novas escolas Com sua teoria do conhecimento, que "convoca" a vontade e a iniciativa de cada um na direção do aperfeiçoamento, São Tomás de Aquino legou à educação sobretudo a ideia de autodisciplina. Foi essa a marca do ensino cristão, que alcançaria sua máxima eficiência, em termos de doutrinação, com os jesuítas, já no século 16. Embora a obra de Tomás de Aquino apontasse para o auto-aprendizado, a ideia não foi abraçada pelas rígidas hierarquias da Igreja Católica. No período em que o filósofo viveu, a religião seguia sendo a principal fonte de instrução, como em toda a Idade Média. Sobreviviam as escolas monásticas em mosteiros afastados da cidade, que inicialmente visavam a formação de monges, mas depois também de leigos das classes proprietárias. Com o surgimento da economia mercantil nas cidades, aparecem também as escolas episcopais, urbanas, destinadas a formar o clero secular (aquele que participava da vida social) e leigos.

A palavra latina schola ganhou, nessa época, o significado de centro de encontro e de estudos. Vem daí o adjetivo escolástico, relativo à filosofia da época.

Homem, alma e conhecimentoPara Tomás de Aquino, o homem é corpo e alma inteligente, incorpórea (ou imaterial), e se encontra, no universo, entre os anjos e os animais. Princípio vital, a alma é o ato do corpo organizado que tem a vida em potência.Contestando o platonismo e a tese das ideias inatas, Tomás de Aquino observa que se a alma tivesse um conhecimento inato, não poderia esquecê-lo, e, sendo natural que esteja unida a um corpo, não se explica porque seja o corpo a causa desse esquecimento.Conhecer, para Tomás de Aquino, não é lembrar-se, como pretendia Platão, mas extrair, por meio do intelecto agente, a forma universal que se acha contida nos objetos sensíveis e particulares. Do conhecimento depende o apetite, ou o desejo, inclinação da alma pelo bem.O homem, segundo Tomás de Aquino, só pode desejar o que conhece, razão pela qual há duas espécies de apetites ou desejos: os sensíveis e os intelectuais. Os primeiros, relativos aos objetos sensíveis, produzem as paixões, cuja raiz é o amor. Quanto aos segundos, produzem a vontade, apetite da alma em relação a um bem que lhe é apresentado pela inteligência como tal.

 Provas da existência de DeusA primeira questão de que se ocupa Tomás de Aquino - na Suma Teológica, sua obra máxima - é a das relações entre a ciência e a fé, a filosofia e a teologia. Fundada na revelação, a teologia é a ciência suprema, da qual a filosofia é serva ou auxiliar. À filosofia, procedendo de acordo com a razão, cabe demonstrar a existência e a natureza de Deus.

Profundamente influenciado por Aristóteles, Tomás de Aquino sustenta que nada está na inteligência que não tenha estado antes nos sentidos, razão pela qual não podemos ter de Deus, imediatamente, uma ideia clara e distinta.

Assim, para provar a existência de Deus, o filósofo procede a posteriori, partindo não da ideia de Deus, mas dos efeitos por ele produzidos, formulando cinco argumentos, cinco vias:

1) o movimento existe e é uma evidência para os nossos sentidos; ora, tudo o que se move é movido por outro motor; se esse motor, por sua vez, é movido, precisará de um motor que o mova, e, assim, indefinidamente, o que é impossível, se não houver um primeiro motor imóvel, que move sem ser movido, que é Deus;

2) há uma série de causas eficientes, causas e efeitos, ao mesmo tempo; ora, não é possível remontar indefinidamente na série das causas; logo, há uma causa primeira, não causada, que é Deus;

3) todos os seres que conhecemos são finitos e contingentes, pois não têm em si próprios a razão de sua existência - são e deixam de ser; ora, se são todos contingentes, em determinado tempo deixariam todos de ser e nada existiria, o que é absurdo; logo, os seres contingentes implicam o ser necessário, ou Deus;

4) os seres finitos realizam todos determinados graus de perfeição, mas nenhum é a perfeição absoluta; logo, há um ser sumamente perfeito, causa de todas as perfeições, que é Deus;

5) a ordem do mundo implica em que os seres tendam todos para um fim, não em virtude de um acaso, mas da inteligência que os dirige; logo, há um ser inteligente que os dirige; logo, há um ser inteligente que ordena a natureza e a encaminha para seu fim; esse ser inteligente é Deus.

 

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Filosofia moderna

O pensamento de São Tomás de Aquino permite uma revalorização máxima, dentro dos limites da perspectiva cristã, da capacidade racional humana. O ser humano é visto como capaz de decidir e realizar coisas boas, desde que agindo sob inspiração de sua razão. Seus atos racionais confirmam a fé, levando a Deus.Uma valorização ainda maior do ser humano, todavia, estava por se iniciar com a inauguração do pensamento moderno. Se podemos representar o pensamento antigo sob o prisma de três esferas (universo, natureza e cidade – cosmologia) e o pensamento cristão acrescentando uma quarta esfera (Deus – teologia), a filosofia moderna subverterá essa perspectiva, colocando o ser humano individual em seu ponto de partida. A esse fenômeno chamamos “antropologização” da filosofia.Enquanto os antigos, por exemplo, partem das leis universais para explicar a natureza e, então, delimitar o espaço do ser humano em suas cidades, e os cristãos partem, por seu lado, de Deus, os pensadores modernos adotarão o indivíduo como cerne de suas reflexões. Assim, por exemplo, o direito natural antigo derivará da natureza (física), o direito natural cristão derivará do direito divino e o direito natural moderno derivará de outra natureza, a individual. Para os antigos, o homem é um ser natural, dotado de um espaço próprio na natureza; para os cristão, o homem é uma criatura de Deus, devendo descobrir suas leis e viver conforme as mesmas; já para os modernos, porém, o homem é um ser dotado de vontade, que deve construir sua sociedade para sair da natureza, respeitando os direitos dos demais, que derivam da mera essência humana de cada um.Três movimentos somam-se na transformação do pensamento, permitindo um rompimento com a teologia cristã e a instauração de uma filosofia antropológica: Renascimento, Absolutismo e Iluminismo.A palavra renascimento indica o ressurgimento de algo que já existira. No caso dos movimentos que recebem esse nome, renasce a cultura clássica (grega e romana), por algumas razões considerada superior à cultura medieval, associada às trevas.Durante a história, podemos constatar a existência de vários “renascimentos”:

1. No século VIII, Carlos Magno busca restaurar o Império Romano, retomando valores da cultura clássica, implementando uma reforma educacional que leva à proliferação das escolas dos mosteiros e ao ressurgimento da arte romana;

2. Alguns movimentos no século XII recebem o nome de Renascimento: ressurgimento das cidades, do comércio e da cultura clássica. Relativamente a este último aspecto, destacamos as universidades, formadas no período, que retomam estudos científicos da antiguidade, entre os quais o estudo do direito romano;

3. O movimento filosófico cristão do século XIII pode ser visto como outro Renascimento, propiciando o ressurgimento de Aristóteles e sua filosofia, especialmente graças a São Tomás;

4. O Pré-Renascimento do século XIV, marcado pelas obras de Dante Alighieri, Boccaccio e Petrarca, retomando modelos artísticos latinos e concebendo a Antiguidade como uma civilização autônoma.

Nos séculos XV e XVI o resgate da cultura antiga atinge seu ápice, considerando-se seus agentes não apenas seus reprodutores, mas verdadeiros continuadores de seus ideais. Esse é o último grande Renascimento e talvez aquele mais destacado pela história. É o momento de consagração de três ícones da arte mundial, Leonardo da Vinci, Rafael e Michelângelo e de expansão do movimento, inicialmente restrito à Itália, pela Europa.Esse movimento leva a e reforça outro, chamado humanismo. Consiste na exaltação do ser humano enquanto indivíduo, desconectado de laços naturais ou transcendentais. O indivíduo não é visto como apenas mais um ser da natureza ou como mais uma das criaturas de Deus; agora, torna-se o único ser natural livre, capaz de alterar os condicionamentos da natureza, ou a mais perfeita criação divina, feita a sua imagem e semelhança.Há uma alteração fundamental na postura do ser humano em relação ao mundo e à natureza. Se o homem antigo busca compreender as leis naturais para encontrar seu espaço, entrando em profunda harmonia com elas, e o cristão espera encontrá-lo a partir da vontade divina, o indivíduo moderno, livre, espera construir esse espaço, modificando e aperfeiçoando a natureza. A grande ambição humana da modernidade é libertar-se dos determinismos naturais e não simplesmente construir um espaço que prolongue a natureza.Podemos dizer, assim, que o homem antigo e o cristão são meros espectadores contemplativos do mundo físico e universal, buscam a compreensão de suas leis para construir as leis humanas em consonância com elas. Já o homem moderno, porém, deseja decifrar as leis físicas e universais para controlar essas esferas, para emancipar-se e organizar sua sociedade, a civilização.Essa busca de controle pode ser detectada na disseminação do relógio, que modifica a visão das pessoas a respeito do tempo. O tempo da modernidade deixa de relacionar-se a divindades e a fenômenos naturais, como a alternância dia-noite, estações do ano, fases da lua. O tempo moderno esvazia-se, transformando-se na mera sucessão abstrata dos segundos, materializada nos ponteiros do relógio. Em si, deixa de ter qualquer significado. Porém, por outro lado, esse tempo desconectado pode ser controlado e manipulado pelos seres humanos, conforme sua vontade.Também podemos vislumbrar essa postura ativa noutros aspectos, como a descoberta da perspectiva, permitindo aos arquitetos e aos artistas representarem o infinito, propiciando um controle maior sobre o espaço, e a disseminação das fórmulas matemáticas em ramos científicos como a astronomia e a física teórica, propiciando uma previsibilidade total de fenômenos.Do ponto de vista humano, o humanismo leva à constatação de que a vontade do indivíduo isolado é a fonte de todo poder social. Assim, todas as pessoas possuem poder, podendo aumentá-lo ou perdê-lo conforme seus méritos ou a falta desses. Abre-se espaço para uma fundamentação moderna da política.

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Nicolau Maquiavel (1469-1527) costuma ser apontado como o responsável por trazer, pela primeira vez, essa fundamentação. Ao escrever seu célebre livro O Príncipe (ou “O Governante”), registra logo no início que toda sociedade possui homens que querem mandar e homens que não querem obedecer. Ora, se compararmos com Aristóteles, por exemplo, o fundamento do poder modificou-se completamente: para o filósofo grego, os homens nascem para mandar ou para obedecer. Note-se: o fundamento do poder está num fato natural, o mero nascimento; portanto, o poder deriva de uma causa natural. São Tomás escreve que Deus criou o ser humano para viver em sociedade e respeitar as autoridades. Aqui, o fundamento da política deriva de Deus.Ao afirmar que os homens querem mandar e não querem obedecer, Maquiavel funda o poder em atos voluntários humanos. A política passa a ser apenas a aquisição do poder e sua manutenção. O bom político não é aquele que realiza valores superiores como a Justiça ou o Bem Comum, mas aquele que mantém o poder em suas mãos por longo tempo. Para conquistar o poder e mantê-lo, todos os meios podem ser úteis e são justificáveis (os fins justificam os meios).Maquiavel desmascara a política e deixa claro seu objeto exclusivo: o poder. Um bom governante deve ter em mente que se deparará com homens que não querem obedecer. Conforme seus méritos, deverá convencê-los a obedecer. Esse convencimento pode dar-se pela prática de atos bons ou maus, conforme as circunstâncias. Se for necessário realizar obras públicas para convencer as pessoas à obediência, que sejam realizadas; se for necessário praticar atos de violência, que sejam praticados.Num sentido quase oposto, podemos citar Thomas Morus (1478-1535), que escreve seu famoso livro Utopia, descrevendo uma ilha imaginária na qual predomina a igualdade entre os homens, a política é racional e não existe a propriedade privada. Note-se que u-topia, do grego, significa “sem-lugar”, ou seja, a ilha não possui um lugar no mundo real, apenas no imaginário. A obra de Morus transforma-se numa crítica ao contexto político da Inglaterra e do restante da Europa e a palavra dissemina-se como sinônimo de um novo mundo e de novas esperanças de construção de uma sociedade melhor. O ser humano, individual, pode aperfeiçoar sua sociedade, desde que assim o deseje e dê um lugar concreto para a ilha imaginária.Outro aspecto importante na transição para a modernidade é o rompimento da unidade cristã. Durante séculos a igreja católica monopolizou o imaginário cristão, determinando sua leitura da bíblia e seus dogmas a respeito de Deus. No contexto dos séculos XV e XVI surgem algumas contestações que abalam esse monopólio e culminam no surgimento de seitas cristãs não católicas.Um movimento que poderia parecer desconectado de implicações mais profundas termina por trazer sérios abalos à ordem católica: o heliocentrismo, ou a defesa de que o sol é o centro do sistema planetário. Sob o ponto de vista católico, a Terra fora criada por Deus para ocupar o centro do universo, estando nela Suas criaturas mais importantes. Ao redor da Terra girariam os astros do céu, presos em esferas que se movimentariam como uma grande máquina.Copérnico (1473-1543), Johannes Kepler (1571-1630) e Galileu Galilei (1564-1642) desenvolvem teorias que fundamentam uma nova visão da disposição do sol e dos planetas, defendendo que a estrela solar está no centro do sistema, e os planetas orbitam em torno dela. Essa visão deslegitima a tese de que a Terra é a criação mais importante de Deus, pois trata-se apenas do terceiro planeta do sistema solar, de tamanho médio a pequeno.As repercussões dessas teses foram as mais diversas. O grande fundamento para as desigualdades sociais era religioso: Deus criara ordens na sociedade para serem ocupadas por diferentes tipos de homens: trabalhadores (servos), guerreiros (nobres) e religiosos (clérigos). O nascimento de uma pessoa em uma dessas ordens era escolha do Criador, determinando todos os aspectos da vida do indivíduo. Assim, as desigualdades e as injustiças terrenas derivam da vontade divina, não podendo ser questionadas pelos homens. Depois da vida terrena, Deus, que observava atentamente sua grande criação, recompensaria aqueles que aceitaram e cumpriram seus papéis.Por outro lado, a partir do momento em que a Terra é deslocada para uma zona periférica e insignificante do universo, não é possível defender a tese de que tenha sido uma criação especial de Deus. Trata-se apenas de mais um planeta, em nada diferente dos demais. Talvez as injustiças que ocorram em seu interior não derivem da vontade divina, que sequer prestaria sua atenção a planeta tão reles. Eclodem revoltas sociais. A Igreja passa a perseguir os adeptos do heliocentrismo.Tais ideias resultam no pensamento de Giordano Bruno (1548-1600), que defende a tese de que o universo é infinito e repleto de astros como o Sol e os planetas. Além disso, sua tese mais polêmica para a época foi a da imanência de Deus, ou seja, o ser divino não existe fora do universo, mas é a soma de tudo o que existe. Em virtude dessas ideias, foi condenado pela Igreja Católica e morreu queimado na fogueira da Inquisição.Em termos religiosos, devemos destacar a Reforma, assim denominada uma série de revoltas religiosas que terminam com a fundação de novas igrejas protestantes. Na Inglaterra, o resultado dessas insatisfações reflete em Henrique VIII, que cria a Igreja Anglicana em 1534. Na Alemanha, podemos citar os protestos de Lutero (1517), que funda sua seita, e de Thomas Münzer (1489-1525), resultando em alguns movimentos sociais. Na Suíça, Calvino (1509-1564) estabelece os dogmas de sua fé, criando também sua igreja.Todos esses protestos contribuem para uma crise inigualável na Igreja Católica. Como reação, seus dogmas são reforçados pelo Concílio de Trento (1545). Recorrendo à força, os católicos tentam recuperar o poderio perdido criando o Tribunal do Santo Ofício (a Inquisição) e declarando o Índice dos livros proibidos.Não obstante a reação católica, o mundo religioso da Idade Média está definitivamente desmoronado. Associando a essa ruína o movimento humanista, podemos compreender algumas condições culturais que propiciaram a consolidação da modernidade.Ao mesmo tempo, os estados nacionais estão se unificando na Europa. O poder dos reis aumenta gradativamente, até chegarmos ao Absolutismo. Num primeiro momento, graças a Jean Bodin, no século XVI, volta-se a justificar o poder político na vontade de Deus.

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O pensador francês defendeu a tese de que o poder dos reis deriva diretamente de Deus, sendo seu reflexo no mundo terreno. Ora, se o poder real deriva da vontade divina, torna-se superior ao poder de qualquer ser humano, derivado apenas da vontade individual. Os atos do rei legitimam-se pela origem divina, não se submetendo a juízos de valor feitos pelos homens.Convém destacar que essa fundamentação divina do poder real não significou um fortalecimento da Igreja Católica. O próprio Jean Bodin foi acusado de ser protestante e perseguido na França. Muitos reis julgaram que seu poder divino fosse idêntico ou superior ao do papa, opondo-se a sua vontade e entrando em conflitos com ele.Nos séculos XVII e XVIII forma-se um movimento que ainda mais contribui para o delineamento da modernidade: o Iluminismo. Podemos catalogar sob essa conceituação pensadores muito diversos, unidos pela preocupação de recolocar a razão no centro do pensamento ocidental.Afirmando que as crenças religiosas (a fé), as tradições costumeiras e os preconceitos levavam a humanidade às trevas e à escuridão da ignorância, propõem-se a iluminar a sabedoria da humanidade com as luzes da razão. Assim, consideram que a razão é universal, imutável e única fonte do verdadeiro conhecimento.Consolidando essa perspectiva, Isaac Newton (1642-1727) desenvolve teorias que explicam o movimento de corpos em qualquer lugar do universo. Ora, tais teorias são racionais, demonstrando que a razão é inerente à matéria, estando presente em todos os corpos. Sua teoria da gravitação universal explica a atração dos corpos e as três leis do movimento explicam o comportamento desses. São essas leis a lei da inércia, da mudança do movimento e da ação e reação.Na vertente puramente filosófica, os iluministas franceses (Les Philosophes), como Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784) e Montesquieu (1689-1755) destacam-se, criando condições intelectuais que levarão à Revolução Francesa.Uma postura típica do iluminismo é a de conceber o universo como uma grande máquina, repleta de mecanismos e engrenagens que explicariam todas as coisas. O homem poderia identificar, racionalmente, o modo pelo qual essa máquina funciona e passar a operá-la conforme sua vontade. Assim, o ser humano seria capaz de modificar seu destino e imprimir a ele o curso de sua vontade. Em termos sociais, isso significaria a criação de leis racionais que governassem os estados.Devemos considerar, por fim, que esses movimentos conduzem a filosofia a novos paradigmas: seu ponto de partida é o indivíduo, a fé é desvalorizada e a razão volta a reinar soberana. A vontade individual a nada se submete e tudo pode transformar.

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Teoria do Conhecimento

RACIONALISMO X EMPIRISMO

Desde as origens da filosofia o problema do conhecimento sempre ocupou a maioria dos filósofos. O tema já era tratado pelos pensadores pré-socráticos, os quais, dada a maneira como abordavam o assunto, se dividiam entre racionalistas e empiristas. O racionalismo e o empirismo representam visões opostas na maneira de explicar como o homem adquire conhecimentos. A classificação em correntes de pensamento, evidentemente, foi realizada pelos pensadores posteriores, já que nem os gregos ou os medievais tinham clara a separação entre as duas tendências. Parmênides (cerca de 530 a.C. -460 a.C.) e os pitagóricos (século VI a.C.) concordam que além do conhecimento empírico existe também o racional, e é somente este último que efetivamente tem valor absoluto. Por outro lado, os sofistas Protágoras (480 a.C. -410 a.C.) e Górgias (480 a.C.375 a.C.) reconhecem somente o conhecimento sensível. Assim, como sabiam que as experiências eram falhas e que não eram as mesmas para todo e qualquer indivíduo, os sofistas concluíram pela relatividade do conhecimento, o que os permitiu afirmar que “o homem é a medida de todas as coisas”, negando qualquer conhecimento necessário e universal.

Avançando mais no tempo, encontramos a filosofia de Platão (427 a. C.- 347 a. C.), cujo pensamento é classificado como racionalista. O grande filósofo, afirmava que para chegar à verdade era preciso ultrapassar os dados da experiência, falhos e mutáveis, e alcançar o mundo da Ideias, princípios eternos e perfeitos. O grande filósofo ateniense afirmava que antes de viver neste mundo as almas humanas habitavam o mundo das Ideias e ali conheciam o Bem, o Belo, as Proporções e muitas outras. Ao nascerem em corpos humanos, as almas esqueciam o que haviam vislumbrado neste mundo superior. Somente através de uma ascese e da atividade filosófica é que as Ideias poderiam ser relembradas. O exemplo clássico desta crença é o Mito da Caverna, descrito no livro “A República”. A base de todo o mito é o argumento de Platão, depois incorporado de diversas formas à filosofia pelos pensadores racionalistas, de que existem conceitos que são inatos ao ser humano (como a Razão, o Bem, a Justiça, etc.), os quais precisamos apenas recordar. Um dos grandes argumentos apresentados ao longo da história em favor do inatismo (o fato destes conceitos serem inatos, de já nascermos com eles) era a capacidade de realizarmos operações matemáticas. Segundo os racionalistas, não havia como aprender conceitos e raciocínios matemáticos pela experiência; estes deveriam ser inatos. O mais famoso exemplo desta argumentação é apresentado em um dos diálogos de Platão, no “Menon”. Neste diálogo, Sócrates inicia uma conversa com um jovem escravo, que passava pelo local onde o filósofo confabulava com alguns amigos. Fazendo uma série de perguntas dirigidas, Sócrates consegue que o escravo realize diversos raciocínios matemáticos e geométricos, sem que nunca antes tivesse estudado estas ciências. A historicidade do ocorrido narrado por Platão nunca pôde ser provada. Fato é que com aquela história Platão queria provar que certas ideias matemáticas eram inatas, já que com elas tínhamos tido contato no mundo das Ideias.

Por outro lado sabemos por dados históricos e arqueológicos que a álgebra e a geometria sofreram um lento desenvolvimento, desde a contagem de dias, registrados em ossos há mais de 15.000 anos, até as técnicas desenvolvidas para observação dos astros, construção de canais, medição de terras, construção de templos e comércio, pelas grandes civilizações do Oriente Médio, Ásia e Mesoamérica. Tudo isto – podemos acompanhá-lo por diversos documentos históricos – foi o resultado de um lento aprimoramento de certos conceitos e práticas por força das necessidades econômicas, a princípio bastante simples e elementares.

Aristóteles (384 a.C.-322 a. C) discípulo de Platão, tinha uma posição diferente de seu mestre. Defendia que a observação era a atividade básica para poder entender o mundo. Em outras palavras, dizia que dos dados empíricos podiam-se tirar conclusões e destas criar regras que explicassem o funcionamento da Natureza. Com esta maneira de interpretar os dados da experiência, Aristóteles tornou-se o fundador de diversas ciências e um dos maiores representantes do empirismo (na realidade, chamado de realismo).

Após Aristóteles, a maioria dos filósofos do período helênico seguiria a orientação empirista. Mesmo porque, estas correntes filosóficas eram voltadas para temas práticos, como a ética e a física e pouco para o desenvolvimento de um pensamento mais sutil, como a metafísica. A escola cirenaica, fundada por Aristipo de Cirene (435 a.C. -356 a.C.), afirmava que só as sensações eram critério de conhecimento. O mesmo ocorria com pequenas variações com os cínicos, escola fundada por Antístenes (444 a.C. -365 a.C.), e com os estóicos, que tinham em Zenon de Cítium (334 a.C. -262 a.C.) seu iniciador. Esta última escola filosófica antecipou-se ao pensador inglês John Locke (do qual falaremos adiante) em quase dois mil anos, afirmando que a alma humana não continha qualquer tipo de idéia inata no nascimento, e que todo desenvolvimento posterior era resultado da experiência através dos sentidos. Outra corrente bastante importante e com uma orientação empirista foi o epicurismo, fundado por Epicuro de Samos (341 a.C.271 a.C.), para quem todo o conhecimento provinha das sensações, causadas pelos átomos. A última escola de pensamento empirista da Antiguidade foi o ceticismo, fundado por Pirro de Elis (360 a.C. -c. 270 a.C.). O último grande representante desta escola foi Sexto, cognominado de “O Empírico” (que também quer dizer médico). Os céticos partiam do pressuposto de que a base do conhecimento eram os sentidos, que, no entanto, não eram dignos de confiança. Sendo assim, afirmavam que nada se poderia conhecer verdadeiramente e que a cada afirmação era possível contrapor uma afirmação contrária.

Durante grande parte da Idade Média, pelo menos até o século XIII, a filosofia dominante teve uma orientação racionalista. Isto se deve principalmente à grande influência exercida pela filosofia neoplatonica (século III d.C.), de Amônio Sacas (175 242) e Plotino (205 -270), sobre vários pensadores dos primeiros séculos da nossa era. Dentre estes filósofos estava Santo Agostinho (354 -431), que com sua obra moldaria toda a teologia e

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filosofia medieval até o aparecimento de São Tomás de Aquino (1225 -1274). Os conceitos de Ideias, elaboradas por Platão, foram substituídas por conceitos como Deus, Alma e Bem, conceitos que segundo Agostinho, Deus já tinha impregnado na alma do homem e que este descobria ao seguir o cristianismo.

A partir do século XII, com os frequentes contatos com a cultura árabe, o ocidente cristão toma conhecimento das obras de Aristóteles. Os escritos do filósofo grego, desaparecidos da cultura ocidental por longo tempo, passariam a exercer uma grande influência sobre os teólogos da Igreja. Todavia, chegaram a ser proibidos, para depois adquirirem plena aceitação após terem sido incorporados á filosofia cristã por São Tomás de Aquino. Este pensador não era empirista, mas acreditava que esta tendência filosófica não excluiria a fé. Através dos dados dos sentidos, segundo Tomás, o conhecimento pode abstrair de cada objeto individual a sua essência, sua forma universal. Deus, para Aquino, é cognoscível(pode ser conhecido) por meios sensíveis e racionais, Com base nisso, o filósofo propõe as “Cinco Vias”, as cinco sentenças que tenta provar a existência de Deus, baseadas em parte no empirismo e no racionalismo.

A síntese medieval culminou com o sistema abrangente de Tomás de Aquino. O racionalismo escolástico estava unido ao misticismo cristão e o conhecimento dos gregos estava amoldado aos ensinamentos da Igreja, formando uma imagem do universo. As causas finais estavam por trás de cada processo da natureza. Uma inteligência divina permeava tudo. E a vontade de Deus, apesar de incompreensível em seus detalhes, proporcionava racionalidade e sentido a todas as coisas.

Todavia, o Renascimento inauguraria uma nova mentalidade, uma maneira diferente de enxergar o universo, já bastante influenciada pelo princípio de desenvolvimento das ciências naturais. Um dos primeiros cientistas-filósofos da época (ainda não havia clara distinção entre ambas as ciências), Bernardino Telésio, é um típico representante da nova mentalidade empírico-científica da época. Segundo Höffding, Telésio considerava que mesmo o mais alto e mais perfeito conhecimento simplesmente consistia na habilidade de descobrir atributos e condições desconhecidas do fenômeno, através de suas similaridades com outros casos conhecidos. Ou seja, novas descobertas devem ser feitas empiricamente, baseadas na observação dos fenômenos da natureza, como já ensinava Aristóteles.

É neste ambiente cultural que o empirismo e o racionalismo moderno se desenvolvem. Um dos grandes precursores do empirismo – e por sinal também um dos ideólogos do moderno método científico – foi Francis Bacon (1561-1626). Dizia ele que todo conhecimento tinha que ser baseado em dados da experiência. As informações, no entanto, deveriam ser reunidas e utilizadas de acordo com um método, de modo a possibilitar fazer inferências cientificamente aproveitáveis.

Os sucessores intelectuais de Bacon foram os empiristas ingleses, dos quais os principais representantes eram Thomas Hobbes (1588-1674), John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776). O ponto de partida das investigações destes filósofos não foram os problemas do ser, mas do conhecer. No entanto, enquanto filósofos continentais (os racionalistas) encaram o problema do conhecimento a partir das ciências exatas, os empiristas voltam-se para as ciências experimentais. O próprio ambiente cultural e sócio-econômico da Inglaterra da época coopera para tanto, já que ocorria um grande florescimento das ciências experimentais – botânica, astronomia, química, mecânica, etc. Seguindo a linha de raciocínio das ciências experimentais, o empirismo parte de fatos, eventos constatados pela experiência. Agindo assim, chega à seguinte problemática epistemológica: como, partindo da experiência sensível, é possível chegar às leis universais? A solução encontrada pelos filósofos foi a de que partindo do pressuposto de que todo o conhecimento é originário da experiência, conclui-se que mesmo as ideias abstratas e as leis científicas têm a mesma incerteza, instabilidade e particularidade do conhecimento empírico. A alma (a mente) não possui ideias inatas, como afirmava o racionalista Platão. As impressões, obtidas pela experiência, isto é, pela sensação, percepção e pelo hábito, são direcionadas à memória e desta – através de um processo de associação de ideias, segundo o filósofo Hume – formam-se os pensamentos. O próprio hábito de associar ideias, pela diferenças ou semelhanças, forma a razão, ainda segundo Hume. A mais famosa tese do empirismo, desenvolvida por John Locke, é a da tabula rasa. Com este conceito o filósofo queria dizer que ao nascermos não temos nenhum princípio ou ideia inata e tudo que aprendemos e processamos em nossa mente provêm das experiências feitas durante a vida.

A escola racionalista, inaugurada por René Descartes (1596-1650), tem um posicionamento diferente em relação à maneira como é adquirido o conhecimento. Vivendo em um ambiente diferente dos empiristas, assolado por guerras (Guerra dos 30 anos de 1618 a 1648) e perseguições religiosas (Massacre de São Bartolomeu em 1572), os filósofos racionalistas foram mais apegados a conceitos imutáveis, como os das ciências teóricas (matemática e geometria). Para os filósofos racionalistas, cujos representantes principais foram Descartes, Nicolas Malebranche (1638-1715), Baruch Espinosa (1632-1677) e Leibniz (1646-1716), é necessário descobrir uma metodologia de investigação filosófica sobre a qual se pudesse construir todo o conhecimento. A resposta a esta questão, encontrada por Descartes, foi que o conhecimento válido não provém da experiência, mas encontra-se inato na alma. Em relação ao método para atingir este conhecimento, o filósofo francês propõe colocar em dúvida qualquer conhecimento que não seja claro e distinto. Este conhecimento pode ser obtido através da análise racional, com a qual é possível apreender a natureza verdadeira e imutável das coisas. Trata-se, de certa forma, de uma reedição do platonismo, possibilitando a metafísica e a aceitação de uma moral baseada em princípios tidos como racionais e universalmente válidos.

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A solução de Kant A dicotomia entre racionalismo e empirismo perpassa toda a filosofia dos séculos XVII e XVIII. A

possibilidade do conhecimento efetivo e absoluto, afirmado pelos racionalistas e negado pelos empiristas é estudada detalhadamente pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804). Este teve sua atenção despertada para o problema do conhecimento após ler a obra do empirista Hume, que, segundo o próprio Kant, o acordou do “sonho dogmático”. A solução para a oposição entre o racionalismo e o empirismo foi chamada por ele mesmo de “Revolução copernicana da filosofia”, numa referência à revolução paradigmática feita por Copérnico na astronomia, que mudou nossa visão do mundo e de sua posição no universo.

De certo modo, Kant tentou provar que tanto os inatistas (os racionalistas, que consideravam certas ideias inatas na alma) quanto os empiristas estavam errados. Ou seja, os conteúdos do conhecimento não eram inatos nem eram adquiridos pela experiência. Kant postula que a razão é inata, mas é uma estrutura vazia e sem conteúdo, que não depende da experiência para existir. A razão fornece a forma do conhecimento e a matéria é fornecida pelo conhecimento. Desta maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto os conteúdos são empíricos, obtidos pela experiência. Baseado nestes pressupostos, Kant afirma que o conhecimento é racional e verdadeiro.

Todavia, segundo o filósofo, não podemos conhecer a realidade das coisas e do mundo, o que ele chamou de noumeno, “a coisa em si”. A razão humana só pode conhecer aquilo que recebeu as formas (cor, tamanho, etc.) e as categorias (elementos que organizam o conhecimento) do sujeito do conhecimento, isto é, de cada um de nós. A realidade, portanto, não está nas coisas (já que não as podemos conhecer em última análise), mas em nós. Assim, vemos o mundo “filtrado e processado” pela nossa razão, depois que as percepções passaram pelas categorias.

Resumindo:

- Racionalismo argumenta que a obtenção do conhecimento científico se dá pelas ideias inatas, que seriam pensamentos existentes no homem desde sua origem que o tornariam capazes de intuir (deduzir) as demais coisas do mundo. Tais ideias inatas seriam o fundamento da Ciência.

- Empirismo, a Experiência é a base do conhecimento científico, ou seja, adquire-se a Sabedoria através da percepção do Mundo externo, ou então do exame da atividade da nossa mente, que abstrai a Realidade que nos é exterior e as modifica internamente. Daí ser o Empirismo de caráter individualista, pois tal conhecimento varia da percepção, que é diferente de um indivíduo para o outro.

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Immanuel Kant

Immanuel Kant (1724-1804) nasceu e morreu em Köenigsberg, na Alemanha. Passou praticamente toda sua vida nessa pequena cidade, sendo professor da Universidade local. Seu trabalho, contínuo e crescente, atinge o ponto máximo no momento de sua maturidade pessoal, especialmente com a publicação das três “críticas”: da Razão Pura, da Razão Prática e do Juízo. Com elas, reformula a filosofia, esgotando, segundo alguns teóricos, o paradigma moderno.Na Crítica da Razão Pura (1781) enfrenta, de modo único, o grande problema teórico do fundamento para o verdadeiro conhecimento: a experiência (sensibilidade) ou o intelecto (racionalidade)? Sua solução mesclará o materialismo e o idealismo, revelando a forma pura do conhecimento.

Kant admite que as coisas têm existência material, independentemente dos sujeitos e de sua racionalidade. Essa existência material é percebida pelas pessoas por meio da sensibilidade (audição, olfato, paladar, tato e visão).

Ocorre que nós não conseguimos, todavia, captar toda a existência do objeto por meio dos sentidos. A parte do objeto que captamos chama-se fenômeno (aparição); a totalidade do objeto, sua essência, não apreensível pelos sentidos, chama-se noúmeno (coisa em si)

O fenômeno é percebido pelos sentidos, como dito. Cada um de nós percebe o fenômeno de um modo muito particular, que depende de nossas experiências pessoais. Por exemplo: uma pessoa sente que algo é quente enquanto outra não o reputa assim; uma pessoa acha que o ambiente está claro e outra acha que está escuro.

Seu entendimento, porém, exige um esforço intelectual do sujeito, que recorre a “ferramentas” racionais: as formas da sensibilidade. Essas ferramentas são as mesmas para todas as pessoas e, graças a elas, podemos comunicar, compartilhar, nossa percepção.

Em outras palavras, as informações do objeto penetram em nossa mente por meio dos órgãos dos sentidos. Elas causam sensações muito subjetivas em cada um de nós. Tais informações, porém, são organizadas de uma forma muito parecida em nosso cérebro, graças às formas da sensibilidade que são comuns à humanidade. Quando as organizamos, entendemos o fenômeno e podemos comunicá-lo.

As duas formas da sensibilidade mais importantes são o espaço e o tempo. Assim, todas nossas sensações dos objetos são apreendidas de forma espacial e temporal. Nós recebemos, por exemplo, pela visão, as informações de uma coisa; graças à noção espacial, podemos organizá-las em relação de altura, largura e profundidade, estabelecendo um entendimento espacial do fenômeno; graças à noção temporal, podemos perceber o fenômeno enquanto duração, verificando sua persistência no tempo.

Devemos ressaltar, pois, que o entendimento de um fenômeno, na perspectiva kantiana, já congrega elementos do materialismo e do idealismo puros, exigindo uma simultânea participação dos órgãos do sentido, por um lado, e da capacidade intelectual humana, por outro. A soma desses dois elementos, sensoriais e racionais, permite uma primeira compreensão do fenômeno.

A questão kantiana, contudo, vai mais além. Ele deseja desvendar a forma não apenas do entendimento, mas do conhecimento verdadeiro. Como é o verdadeiro conhecimento? Ora, o mero entendimento ainda não seria esse conhecimento.

Para conhecer verdadeiramente algo, o ser humano deve fazer um julgamento sobre os fenômenos entendidos. Pensar, assim, é realizar julgamentos. Julgar, por seu turno, significa aplicar uma categoria a algo. Pois as pessoas, além das formas da sensibilidade, já nasceriam dotadas de categorias apriorísticas(suposição). O verdadeiro conhecimento, portanto, une a percepção sensorial transformada em entendimento à aplicação dessas categorias.Doze são as categorias apriorísticas, divididas em quatro classes:

1. Quantidade – unidade, pluralidade, totalidade;2. Qualidade – afirmação, negação, limitação;3. Relação – substância, causalidade, ação mútua;4. Modalidade – possibilidade/impossibilidade, existência/inexistência, necessidade/contingência.Podemos sintetizar novamente a forma do conhecimento verdadeiro para Kant: primeiro, ocorre a percepção

do fenômeno, que é entendido por meio das formas espaço e tempo; depois, o sujeito recorre às categorias apriorísticas e as aplica ao fenômeno. O resultado é um juízo sintético apriorístico, ou um pensamento verdadeiro. Note-se que tal pensamento pode ser demonstrado faticamente, pois requer a participação dos sentidos e pressupõe a existência fenomênica da coisa.

Mas, e o noúmeno em si, pode ser verdadeiramente conhecido? A resposta de Kant é desconcertante para a filosofia: não. Se o noúmeno não é assimilável pelos sentidos, não pode ser entendido, logo, nunca poderá ser objeto de um verdadeiro conhecimento. O estudo do noúmeno é reservado à metafísica, ramo especial da filosofia; o resultado desse estudo limita-se ao campo teórico, não podendo ser demonstrado cientificamente. O filósofo somente pode formular hipóteses sobre o noúmeno, nunca verdades definitivas.

Deus é um exemplo de objeto que não possui existência fenomênica, apenas noumênica. Nunca as pessoas conseguirão demonstrar que Deus existe, nem demonstrar sua forma ou sua aparência. Os pensamentos humanos sobre Deus são apenas aplicações de categorias sobre suposições, não sobre fenômenos. Portanto, o conhecimento sobre Deus será sempre hipotético, nunca verdadeiro.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado para o estudo da Alma humana e todos os demais objetos que não se manifestam fenomenicamente. Kant, portanto, não apenas desvenda aquela que reputa ser a forma do verdadeiro conhecimento como mostra quais os seus limites, evidenciando que existem objetos que escapam dos sentidos e não podem ser efetivamente conhecidos.

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Em 1788, o filósofo publica outra obra inigualável: Crítica da Razão Prática. Se inicialmente desvendou o segredo do conhecimento, agora busca encontrar a forma pura da ação. Existe uma ação que, pela sua forma, será necessariamente livre, ética e desejável? Vejamos a abordagem kantiana à questão.

O ser humano é, ao mesmo tempo, noúmeno, em sua existência espiritual, e fenômeno, em sua existência sensorial. Enquanto fenômeno, o ser humano está condicionado a uma existência regida pela causalidade: os fenômenos determinam os limites físicos das pessoas. Enquanto noúmeno, porém, o ser humano transcende os fenômenos e pode ser livre, não havendo condicionantes sobre sua essência espiritual.

A ação concreta humana, para libertar-se do determinismo dos fenômenos, deve ser regida exclusivamente por sua alma, independente enquanto noúmeno. A forma da boa ação, assim, será dada por essa liberdade espiritual. Nenhuma outra força, estranha ao querer interno da alma do sujeito, pode interferir nela.

Como garantir que a ação não seja determinada por fenômenos? Primeiro, o sujeito deve agir motivado apenas por seu próprio desejo, por sua vontade absoluta. Isso significa descartar interesses externos ao querer puro, como, por exemplo, o intuito de agradar a alguém ou o intuito de obter vantagens (pois essas significam submissão às coisas).

Em segundo lugar, a ação deve ser praticada de boa vontade, ou seja, as pessoas devem realmente desejar fazer aquilo o que fazem ou farão. Uma ação praticada de má vontade não é sincera, pois não obedece ao íntimo desejo do sujeito. Logo, não seria livre pois sofreria a determinação de fatores externos ao próprio querer.

Por fim, a ação deve buscar, sempre, concretizar o imperativo categórico. Trata-se de uma máxima universal que, se respeitada, funciona como uma garantia de que a ação foi praticada de modo puro e, portanto, livre. A regra é: agir somente de um modo que possa ser universalizável.

Em outras palavras, antes de agir a pessoa precisa pensar: será que meu ato poderia ser praticado por todas as demais pessoas? Seria desejável essa universalização? Se a resposta for positiva, o ato pode ser praticado, pois o imperativo categórico será respeitado. Se a resposta for negativa, isso significa que a vontade que norteia o ato não é plenamente livre, pois não pode ser transformada em regra geral de conduta.

Podemos pensar num exemplo: uma pessoa questiona se deve mentir numa ocasião. Para saber a resposta, deve investigar a natureza de sua vontade. Para ter a certeza de que ela é pura, deve submetê-la ao imperativo categórico: seria desejável que todas as pessoas mentissem na sociedade? Seria desejável que alguém mentisse para si? A resposta é não. Logo, uma pessoa nunca deve mentir. Se mentir, estará agindo contrariamente a sua vontade pura, determinada pelas circunstâncias fenomênicas.

A vida moral, na perspectiva kantiana, seria plena a partir do momento em que as pessoas fossem livres e somente agissem respeitando essa liberdade. Um ser humano jamais encararia outro como um meio para concretizar seus anseios, pois não desejaria que essa conduta se tornasse universal, sendo simples meio da vontade de outro. Todavia, o estágio evolutivo da humanidade ainda não permitiria esse grau de maturidade na ação coletiva, havendo a necessidade de imposição de regras jurídicas para conduzir externamente as pessoas.

Kant parte da constatação que o imperativo categórico permite criar algumas regras que devem ser universalizadas. Essas regras correspondem a sua visão de direito natural. É interessante notar que ele descobre tais regras sem recorrer a uma natureza humana, sem partir da noção de indivíduo, comum a outros pensadores modernos. Sua perspectiva rompe com o raciocínio antropológico ao encarar o direito natural como uma abstração racional que deriva do imperativo categórico, não da essência individual humana.

Além disso, o direito natural não corresponde a uma situação anterior à sociedade, na qual os seres humanos viviam isolados e sem a presença do Estado. Essa análise é irrelevante para a perspectiva kantiana. A ele, interessa que os Estados existentes aperfeiçoem-se ao positivar as regras racionalmente descobertas pelo direito natural, derivadas do imperativo categórico. O direito natural é apenas um guia para o Estado e serve para julgar suas leis (nesse sentido, há uma semelhança com Locke e Rousseau, mas os dois ainda falam em  estado de natureza).Ao pensar o direito, Kant constata que a forma pura do contrato é a manifestação de uma promessa recíproca: uma pessoa promete cumprir o contrato porque outra também o fez. Graças a essa reciprocidade pura, o contrato é possível em suas diversas manifestações fenomênicas e independentemente delas. Qualquer contrato será cumprido enquanto a promessa recíproca for mantida.

A partir da essência numênica do contrato, o filósofo reconfigura o contrato social: consiste na promessa recíproca que as pessoas fazem de viver em sociedade e respeitarem-se mutuamente. Não há um contrato social histórico, celebrado por pessoas que abandonam o estado de natureza. Trata-se de uma noção meramente conceitual, sem a qual tornar-se-ia impossível explicar a vida em sociedade: viver junto é viver com o outro, respeitando-o, pois essa é a condição para se ser respeitado.

Em virtude dessa promessa social, admite-se a existência fenomênica de um Estado, cuja responsabilidade é delimitar as vontades individuais por meio das leis, disseminando o respeito ao imperativo categórico, em sintonia com a ideia fundamental de contrato social. E qual a forma pura do direito legal ou estatal?

O direito é necessário apenas porque a maioria das pessoas não é capaz de escolher corretamente a melhor ação, respeitando-se mutuamente. Seu objeto é o comportamento externo dos seres humanos, independentemente de sua vontade interna (objeto da moral). Dada essa faceta externa, Kant conclui que a forma do direito legal é a publicação. Uma norma moral rege o interior de um indivíduo; ele cria a norma para si mesmo, não a divulgando. Uma norma jurídica, porém, rege o comportamento externo das pessoas; o Estado a cria para os cidadãos, devendo ser publicada.

Para uma norma ser jurídica, deve estabelecer entre as pessoas relações universalizáveis. Jamais uma norma que não possa ser universalizada seria jurídica, pois não derivaria da liberdade numênica dos seres humanos. Somente normas publicadas que estabeleçam relações livres e iguais podem ser universalizadas; jamais

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uma norma que estabeleça relações subordinadas e desiguais poderia ser universalizada, pois ninguém desejaria estar na condição de inferioridade.

Desse modo, Kant desvenda a forma pura do direito legal: normas públicas que estabelecem relações livres e iguais. Qualquer conteúdo pode ser disseminado por tais normas pois, por respeitar a liberdade e a igualdade das pessoas, seria jurídico, respeitando o direito natural (e o imperativo categórico).

Ao agir, uma pessoa deve pensar e buscar a forma pura da ação. Ao fazê-lo, concluirá que essa ação corresponde ao previsto nas leis. Nem todos, todavia, possuem tal capacidade, agindo de modo contrário ao direito e exigindo que o Estado se imponha mediante recurso à força. Tal situação estabelece limites à liberdade de certas pessoas que não agem motivadas pelo imperativo categórico.

Esse problema seria resolvido quando a humanidade atingisse um grau máximo de maturidade, havendo a coincidência generalizada entre as normas jurídicas e as ações dos indivíduos. Assim, todos seriam livres, pois sempre escolheriam praticar atos em conformidade com as leis.

Enquanto isso não ocorre, a lei é fundamental e resolve o problema internamente. As pessoas, seja por livre escolha moral, seja por imposição estatal, respeitam-se. Porém, e externamente? Se a paz é mantida no interior de um território, nada garante que um Estado não declarará guerra a outro.

De modo comparativo, Kant considera, em 1795, no Projeto à Paz Perpétua, que entre Estados haveria um “estado de natureza”, numa guerra de todos contra todos. Sua proposta é o respeito a três regras básicas: 1. os Estados devem ser republicanos; 2. o direito internacional deve fundar-se em uma federação de Estados livres; 3. todos os Estados devem respeitar a hospitalidade universal.

Podemos dizer que o filósofo cria uma espécie de imperativo categórico internacional, ao sugerir que os Estados tratem-se e aos cidadãos alheios como se fossem seus hospedeiros. Com isso, jamais agiriam de modo intolerante, nem declarariam guerra, pois estariam respaldados pela promessa recíproca de se respeitarem. Sua perspectiva, embora um tanto otimista, não deixa de ser extraordinária, sugerindo uma existência universalmente harmoniosa e pacífica.

Vimos, assim, a grandeza de Kant. Sem sair de sua pequena cidade natal, reformulou a filosofia e ainda sugeriu um ambiente de paz mundial que viria, em 1945, a inspirar a criação da ONU e suas linhas mestras de atuação. Notamos que ele busca a forma pura do verdadeiro conhecimento, da ação, do contrato, do direito legal e das relações internacionais. Após suas reflexões, a filosofia precisaria reinventar-se. (texto escrito por Adriano Ferreira)

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Filosofia do Direito

Definição de Filosofia: é o resultado da atitude de pensar, crítica e metodicamente o “Ser”. A Filosofia entende o Ser como sendo algo para o qual o homem se volta tentando apreende-lo. Nesse sentido o Ser é o Objeto da investigação filosófica.

Definição de Filosofia do Direito: é o resultado da atitude de pensar, crítica e metodicamente, o Direito. Nesse sentido o Ser, aqui, é o Direito.

Direito Natural (Jusnaturalismo)

Considera-se como sendo jusnaturalismo a escola jusfilosófica que defende e estuda a existência de um sistema

de valores e princípios jurídicos anteriores e superiores ao Estado e Direito Positivo, absolutos no tempo e espaço,

para os quais seriam fontes Deus, a Razão, ou a Natureza.A corrente jusnaturalista não se tem apresentado, no curso da história, com uniformidade de pensamento. Há

diversas matizes que implicam a existência de correntes distintas, mas que guardam entre si um denominador

comum de pensamento: a convicção de que, além do direito escrito, há uma ordem superior àquela, e que é a

expressão do direito justo. Traz a ideia do direito perfeito e por isso deve servir de modelo para o legislador. É o

direito ideal, mas ideal não no sentido utópico, mas um ideal alcançável. É importante lembrar que a maior

divergência na conceituação do direito natural está centralizada na origem e fundamentação desse direito.

Na antiguidade, defendia-se a existência de uma “lei verdadeira” (direito natural), conforme a razão, universal e imutável, que não muda com os países e com o tempo, estabelecendo o que é bom e fundando-se num critério moral, e uma lei civil (direito positivo) particular e que estabelece aquilo que é útil, baseando-se em um critério econômico e utilitário.

Na Idade Média, o jusnaturalismo adquiriu cunho teológico, com fundamentos na inteligência e na vontade divina. As normas eram emanadas e reveladas por Deus prevalecendo, assim, a concepção do direito natural, que os escolásticos concebiam como um conjunto de normas ou princípios morais que são imutáveis, consagrados ou não na legislação da sociedade, visto que resultam da natureza das coisas e do homem, sendo por isso apreendidos imediatamente pela inteligência humana como verdadeiros. São Tomás de Aquino entendeu como a “lei natural” àquela fração da ordem imposta pela mente de Deus, que encontra presente na razão do homem, uma norma, portanto, racional.

No início da Modernidade, o jusnaturalismo passou a se manifestar com fundo antropológico. Surge, então, Hugo Grócio (ou Hugo Grotius) que dividiu o direito em duas categorias: jus voluntarium, que decorre da vontade divina ou humana, e o jus naturale, oriundo da natureza do homem devido a sua tendência inata de viver em sociedade. Para Hugo Grócio o direito natural seria o ditame da razão, indicando a necessidade ou repugnância moral inerente a um ato por causa de sua conveniência ou inconveniência à natureza racional e social do homem. Hugo Grócio libertou a ciência do direito de fundamentos teológicos, cedendo às tendências sociológicas de seu tempo, e intuiu que o senso social é fonte do direito.   

O homem sempre seguiu regras, seja social, moral ou jurídica, ele sempre se guiou através de regras de

condutas.

       A corrente do jusnaturalismo defende que o direito é independente da vontade humana, ele existe antes

mesmo do homem e acima das leis do homem, para os jusnaturalistas o direito é algo natural e tem como

pressupostos os valores do ser humano, e busca sempre um ideal de justiça.       O direito natural é universal, imutável e inviolável, é a lei imposta pela natureza a todos aqueles que se

encontram em um estado de natureza.

Como uma bússola, o Direito Natural conduziria o Direito Positivo ao objetivo final, o bem comum, o ideal de

justiça. O Direito Natural deixa de ser antagônico ao Direito Positivo passando a ser seu norteador.

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Conclusão

 O Direito Natural surge pela primeira vez na história do pensamento com os gregos. Desta feita, sua grande contribuição é mostrar a ligação do Direito com as forças e as leis da natureza. Na segunda oportunidade que vem à tona, no século XVII, o Direito Natural aparece como reação racionalista à situação teocêntrica na qual o Direito fora colocado durante o medievo.

Deus deixa de ser visto como emanador das normas jurídicas, ou como última justificação para a existência das mesmas, e a natureza passa a ocupar esse lugar. Trata-se da acentuada passagem do pensamento teocêntrico ao antropocêntrico. Ora, com um detalhe: a natureza não dá aos homens esse entendimento; é ele mesmo, por meio de uso da razão, que apreende esse conhecimento e o coloca em prática na sociedade.

Este novo pensamento prepara as bases intelectuais da Revolução Francesa (1789), que rompe, de modo definitivo e prático, com a teocracia e afirma, categoricamente, os direitos naturais. Rousseau, o próximo pensador a ser analisado, aprofunda e explicita a idéia do novo consenso realizado por meio dos contratos.

 Positivismo Jurídico (Juspositivismo)

O Positivismo Jurídico é uma doutrina do Direito que considera que somente é Direito aquilo que é posto pelo

Estado. Sua tese básica é a de que o direito constitui produto da ação e vontade humana (Direito posto pelo

Estado = Direito Positivo) e não mais o direito da imposição divina, da natureza ou da razão como afirma o

Jusnaturalismo. Boa parte dos autores, partidários do positivismo jurídico defende também que não existe

necessariamente uma relação necessária entre o Direito, a moral e a justiça, visto que as noções de justiça e

moral são relativas, mutáveis no tempo, no espaço e sem força política para se impor contra a vontade de quem

cria as novas jurídicas. Muitos filósofos e teóricos do Direito adotaram o positivismo jurídico. Entre os principais

desses autores, se destacaram, no século XX; Hans Kelsen, autor da "Teoria Pura do Direito", principal obra sobre

o Positivismo Jurídico e Herbert Hart, autor de "O Conceito de Direito". Atualmente, deparamos com um vasto

debate e uma vasta literatura sobre o Positivismo Jurídico, representada por correntes positivistas e correntes

adeptos do jusnaturalismo, os quais são críticos do Positivismo.

Direito Positivo é o ordenamento jurídico em vigor num determinado país e numa determinada época, ou seja, o

direito positivo é o conjunto de normas jurídicas ou modelos jurídicos reconhecidos pelo Estado, também

denominado de Ordenamento Jurídico.

Os positivistas negam a existência e validade do Direito Natural por considerá-lo um ideal de justiça a ser

atingido pelo homem. Para eles, só existe o Direito Positivo, imposto pelo Estado, reconhecido pelo corpo social e

pelos magistrados.

Hans Kelsen

Jurista austro-americano, um dos mais importantes e influentes do século XX.Foi um dos produtores literários mais profícuos de seu tempo, tendo publicado cerca de quatrocentos livros e artigos, destacando-se a Teoria Pura do Direito pela difusão e influência alcançada.É considerado o principal representante da chamada Escola Positivista do Direito.Kelsen dá valor apenas ao conteúdo normativo. A função da ciência jurídica teoriza, “é descrever a ordem jurídica, não legitimá-la”.É Direito, em última instância, Direito posto, positivado. Quer seja pela vontade humana (positivismo), quer seja por uma vontade transcendente, supra-humana (jus-naturalismo). Assim, desenvolve uma metodologia voltada exclusivamente para a norma posta.Kelsen enumera três requisitos necessários para validar a norma:a. Competência da autoridade proponente da norma;b. Mínimo de eficácia;c. Eficácia do ordenamento do qual a norma é componente;

A Sanção, para o jurista, é consequência normativa da violação de um preceito primário. O Direito passa a desempenhar o papel de ordem social coativa, impositiva na aplicação da sanção. Em assim sendo, a sanção torna-se um elemento “intra corpore” do Direito, pois sem a sanção a norma jurídica correria o risco de ser

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transformada em norma moral, servindo como mera aprovadora de conduta, não exigindo que a sociedade a cumprisse.Judeu, Hans Kelsen foi perseguido pelo nazismo e emigrou para os Estados Unidos da América, onde viveu até seus últimos dias e onde exerceu o magistério na Universidade de Berkeley, vindo a falecer nesta mesma cidade californiana.A perseguição intelectual sofrida pelo jurista não foi restrita dos adeptos do fascismo, ele também sofreu severas críticas, todas com fundo ideológico, daqueles militantes da doutrina comunista. Vê-se, pois, que o pensamento de Kelsen não fazia unanimidade. Apesar disso, os princípios fundantes de seu raciocínio jurídico-científico prevaleceram e hoje são respeitados e amplamente acatados, servindo de base para muitas das instituições jurídicas que sustentam o Estado Democrático de Direito.No campo teórico, o Jurista procurou lançar as bases de uma Ciência do direito, excluindo do conceito de seu objeto (o próprio Direito) quaisquer referências estranhas, especialmente aquelas de cunho sociológico e axiológico (os valores), que considerou, por princípio, como sendo matéria de estudo de outros ramos da Ciência, tais como da Sociologia e da Filosofia. Assim, Kelsen, por meio de uma linguagem precisa e rigidamente lógica, abstraiu do conceito do Direito a ideia de justiça, porque esta, a justiça, está sempre e invariavelmente imbricada com os valores (sempre variáveis) adotados por aquele que a invoca, não cabendo, portanto, pela imprecisão e fluidez de significado, num conceito de Direito universalmente válido.Uma de suas concepções teóricas de maior alcance prático é a ideia de ordenamento jurídico como sendo um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide abstrata, cuja norma mais importante, que subordina as demais normas jurídicas de hierarquia inferior, é a denominada norma hipotética fundamental, da qual as demais retiram seu fundamento de validade.

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REGRAS MORAIS E REGRAS JURÍDICAS: O CIRCUITO DO DEVER-SER

 As regras jurídicas não estão isoladas na constituição do espaço do dever-ser social. Há discursos fundantes de práticas determinadoras de comportamento, dos quais temos a religião como dispersora de modos de ação (corretos, bons, adequados, virtuosos...), a moral como constitutiva de um grupo de valores predominantes para um grupo ou para uma sociedade (e suas derivações, como, por exemplo, a moral dos justos, a moral dos vencedores, a moral do “morro”, a moral da prisão...), as regras do agir no trabalho constitutivas de ordem e imperativos de eficácia e organização funcional (sem que necessariamente sejam regras jurídico-trabalhistas), entre os quais aparece o discurso jurídico-normativo. A norma jurídica é mais uma das possíveis formas de constituição de mecanismos de subjetivação dos indivíduos, pertencendo à ordem das regras imperativas, politicamente determinadas, objetivamente apresentadas, das quais, sob nenhuma excusa (salvo as previstas em lei), se pode deixar de cumprir. Assim, o grande grupamento da deontologia, o estudo das regras de dever ser, coloca a experiência moral ao lado da experiência religiosa e da experiência jurídico-política. O que há que se questionar agora é qual a relação mantida entre Direito e moral, visto que foram analisados os principais aspectos que caracterizam cada qual dos ramos normativos. E, nesse sentido, só se pode afirmar que o Direito se alimenta da moral, tem seu surgimento a partir da moral, e convive com a moral continuamente, enviando-lhe novos conceitos e normas, e recebendo novos conceitos e normas. A moral é, e deve sempre ser, o fim do Direito.

 

Com isso, pode-se chegar a conclusão de que Direito sem moral, ou Direito contrário às aspirações morais de uma comunidade, é puro arbítrio, e não Direito.

 

Conclusões          A ordem moral, por ser espontânea, informal e não coercitiva, distingue-se da ordem jurídica. No entanto, ambas não se distanciam, mas se complementam na orientação do comportamento humano. A axiologia é, portanto, capítulo de fundamental importância para os estudos jurídicos, visto que dá cristalização reiterada e universal por meio dos costumes diante do surgimento de exigências normativas jurídicas.         Apesar dos esforços teóricos-didáticos no sentido de diferenciar Direito e Moral, não se pode perceber senão uma profunda imbricação entre o exercício do juízo jurídico e o exercício do juízo mora; pode-se até mesmo perceber esta inter-relação no ato decisório do juiz, sempre sobrecarregado pelas inflexões pessoais, costumeiras, axiológicas, contextuais e socioeconômicas que circundam o caso sub judice. 

 Direito e Justiça

É importante perceber aqui que na ciência do Direito não há espaço pra a justiça, pois essa não é objeto de conhecimento do jurista e sim objeto de estudo da ética. O Direito pode ser moral e amoral, justo ou injusto, mas isso não retira a validade de determinado sistema jurídico. Exige-se aqui uma separação entre Direito e Moral, direito e Justiça, significa dizer que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente dos critérios morais e justos, elas devem sim obedecer a hierarquia de normas.Kelsen critica as construções teóricas acerca da justiça feitas até então, a posição kelsiana é cética, negando a preponderância a uma ou a outra. São muitas as formas de se entender a justiça, ficando a questão em aberto. Assim sendo, a justiça deve ser algo de valor inconstante, relativa e mutável. É nisso que resume a concepção Kelsiana sobre o fenômeno. Fica a sensação de um vazio, ele destrói as formulações teóricas feitas até então sobre a justiça e não coloca nenhuma no seu lugar, relativizando totalmente a questão.Disso tiramos que: Justiça e injustiça nada têm a ver com a validade de determinado direito positivo; é essa nota distintiva entre Direito e ética. A norma fundamental basta para a clausura do ordenamento jurídico. Desvincular validade de justiça, norma fundamental de Justiça é a tarefa do positivismo kelsiano.

A questão da justiça, quando vista como elemento fundante do ornamento jurídico, pode ser considerada como algo relacionado com a doação do sentido. Isso porque, desde a Antiguidade, a justiça sempre representou o preenchimento das práticas do Direito, que acabou por se transformar em um mero proceder técnico, vazio, sem conteúdo preciso, objeto de labor, na Modernidade.

A própria história da humanidade, de suas ideologias, bem como de suas tendências político-econômicas, tornou o Direito frágil, suscetível e vassalo aos desmandos do poder político e econômico. O Direito, muitas vezes, arcabouço coercitivo da conduta humana social, se desprovido de essência e finalidade, serve a qualquer

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finalidade, independentemente de qualquer valor, podendo ser importante de utilidade para a dominação e o interesse de minorias.

No entanto, deve-se resgatar a ideia de que o preenchimento semântico do Direito pela ideia de justiça tem a ver m a teleologia do movimento do que é jurídico em direção ao que não é jurídico, mas é valorativo, e deve ser a axiologia a se realizar: a justiça.

 A justiça, porém, só se realiza se pensada como igualdade (aspecto material da justiça). Ela acontece, ela opera, ela se dá nas relações, ou seja, ela está presente nas relações humanas e corporifica-se como igualdade, que pode ser aritmética ou geométrica (aspecto formal da justiça), conforme se tenha em vista a igualdade absoluta ou a igualdade proporcional. A opção pela adoção da justiça geométrica, que tem em consideração a proporcionalidade (distribuição de deveres e direitos, permitindo a existência de desigualdades) ou a da aritmética (igualitarismo levado ao extremo) dependerá de códigos forte e fraco prevalecentes axiologicamente na sociedade.

 De qualquer forma, o que se percebe é que Direito e justiça são conceitos diferentes, que às vezes andam em sintonia, às vezes em dissintonia. Há que se ressaltar, no entanto, que se nem sempre o Direito caminha pari passu com a justiça, ainda assim ele a busca, ele nela deposita sua finalidade de existir e operar na vida social. O Direito deve ser o veículo para a realização da justiça. Em outras palavras, a justiça deve ser a meta do Direito.

 Ademais, a justiça não é coercível, é autônoma, correspondendo a uma norma moral, e não a uma norma jurídica. Normas jurídicas absorvem conteúdos de normas de justiça, funcionam como forma de compelir coercitivamente comportamentos injustos, de proscrevê-los socialmente, mas não há que se negar a natureza da justiça como norma moral, e não jurídica.

 Vistos estes aspectos do problema, deve-se admitir que, com essas características, a justiça, em face do Direito, está a desempenhar um tríplice papel, a saber: (1) Serve como meta do Direito, dotando-o de sentido, de existência justificada, bem como de finalidade ; (2) serve como critério para o seu julgamento, para sua avaliação, para que se possam aferir os graus de concordância ou discordância com suas decisões e práticas coercitivas; (3) serve como fundamento histórico para sua ocorrência, explicando-se por meio de suas imperfeições os usos humanos que podem ocorrer de valores muitas vezes razoáveis.

Conclusões

 A justiça funciona, enquanto valor que norteia a construção histórico-dialética dos direitos, como fim e como fundamento para expectativas sociais em torno do Direito. Apesar de a justiça ser valor de difícil contorno conceitual, ainda assim pode ser dita um valor essencialmente humano e profundamente necessário para as realizações do convívio humano, pois nela mora a semente da igualdade.  

Contrariando frontalmente o raciocínio positivista, é de se admitir que entre as tarefas do jurista se encontra propriamente esta, a de discutir o valor da justiça. Neste caminho, o importante não é nem mesmo a solução que se possa encontrar par o dilema, mas a aquisição de consciência a propósito de sua dimensão.

O direito pode ser dito um fenômeno sem sentido, com Tercio Sampaio, se divorciado da dimensão da justiça, à medida que sua função técnico-instrumental sirva às causas que garantem o convívio social justo e equilibrado.

Referências:BILLIER, Jean-Cassier e MARYIOLI, Aglaé. História da Filosofia do Direito. Barueri: Manole, 2005, cap. 5 – pp. 151-166.MASCARO, Alyson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2009, cap. 9, pp. 207-236.THONNARD, A. A. F.-J. Compêndio de História de Filosofia. Paris, Tournai, Roma: Desclée e Cña, 1953, pp. 622-670.