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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP L EONOR P ANIAGO ROCHA E STUDO SOBRE A IMPLANTAÇÃO DO “P ROJETO E SCOLA I NCLUSIVA EM UMA E SCOLA DE E NSINO F UNDAMENTAL DO INTERIOR DE G OIÁS . ARARAQUARA S. P. 2007

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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

Faculdade de Cincias e Letras Campus de Araraquara - SP

LLEEOONNOORR PPAANNIIAAGGOO RROOCCHHAA

EESSTTUUDDOO SSOOBBRREE AA IIMMPPLLAANNTTAAOO DDOO PPRROOJJEETTOO

EESSCCOOLLAA IINNCCLLUUSSIIVVAA EEMM UUMMAA EESSCCOOLLAA DDEE EENNSSIINNOO

FFUUNNDDAAMMEENNTTAALL DDOO IINNTTEERRIIOORR DDEE GGOOIISS..

ARARAQUARA S. P. 2007

UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

Faculdade de Cincias e Letras Campus de Araraquara - SP

LLEEOONNOORR PPAANNIIAAGGOO RROOCCHHAA

EESSTTUUDDOO SSOOBBRREE AA IIMMPPLLAANNTTAAOO DDOO PPRROOJJEETTOO

EESSCCOOLLAA IINNCCLLUUSSIIVVAA EEMM UUMMAA EESSCCOOLLAA DDEE EENNSSIINNOO

FFUUNNDDAAMMEENNTTAALL DDOO IINNTTEERRIIOORR DDEE GGOOIISS..

Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Escolar da Faculdade de Cincias e Letras Julio de Mesquita Filho da Universidade Estadual Paulista - UNESP Campus de Araraquara, como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre em Educao Escolar.

Orientadora: Profa. Dra. Sueli Aparecida Itman Monteiro

ARARAQUARA S.P. 2007

UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

Faculdade de Cincias e Letras Campus de Araraquara - SP

LL EE OO NN OO RR PP AA NN II AA GG OO RR OO CC HH AA

EE SS TT UU DD OO SS OO BB RR EE AA II MM PP LL AA NN TT AA OO DD OO PP RR OO JJ EE TT OO EE SS CC OO LL AA II NN CC LL UU SS II VV AA EE MM

UU MM AA EE SS CC OO LL AA DD EE EE NN SS II NN OO FF UU NN DD AA MM EE NN TT AA LL DD OO II NN TT EE RR II OO RR DD EE GG OO II SS ..

Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Escolar da Faculdade de Cincias e Letras Julio de Mesquita Filho da Universidade Estadual Paulista - UNESP Campus de Araraquara, como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre em Educao Escolar.

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador: Profa. Dra. Sueli Aparecida Itman Monteiro

Faculdade de Cincias e Letras Julio de Mesquita Filho da Universidade Estadual Paulista - UNESP Campus de Araraquara

Membro Titular: Prof. Dr. Paulo Rennes Maral Ribeiro

Faculdade de Cincias e Letras Julio de Mesquita Filho da Universidade Estadual Paulista - UNESP Campus de Araraquara

Membro Titular: Profa. Dra. Ftima Elisabeth Denari

Universidade Federal de So Carlos UFSCar

So Carlos

Local: UNESP-Universidade Estadual Paulista Data de aprovao:

Quem olha apenas para o seu umbigo no v

Que o tempo passa

Na vida tudo por um triz

Quem fica parado no tempo

Um dia vai perceber tudo to claro,

O tempo no pra e vem mostrar o que voc

Deixou de viver

Quem nunca pra pra pensar que o outro

tambm pode

Ter acesso a uma vida bem melhor

Quem no sabe que num mundo onde se vive

assim

As coisas sempre vo de muito mal a bem

pior

Tanto dio, violncia, desavena, Deus!

Quanta decadncia

Tanta demncia

E nossa crena

Cada vez mais na des(crena) de um mundo

melhor

Ser

At quando que vai resistir

O existir da estupidez

E a iluso de ser superior

No h quem possa ser

(Itibiri S Burunga)

Ao Geovane e ao Bruno por se comportarem assim. Nem como inferiores, nem

superiores, apenas eles mesmos. Geovane e Bruno (Tudo de bom para mim)

AGRADECIMENTOS

Agradeo primeiramente a Deus, por sua companhia, iluminao e fora. Fora essa

que em determinados momentos achei que j no tivesse mais.

Agradeo minha famlia, por toda uma vida de apoio, compreenso e estmulos

incondicionais.

Prof Dr Sueli Aparecida Itman Monteiro, por no me deixar ser excluda de um

processo que eu lutei tanto para participar. Meu mais sincero obrigado pela orientao e

amizade que me foi dispensada

Patrcia Menk, minha amiga, minha companheira de estudos, minha coorientadora,

pela leitura e crtica especial que fez desse trabalho.

Agradeo a Prof Dr Ftima Elizabeth Denari e ao Prof Dr Paulo Rennes por terem

aceitado fazer parte de minha banca de defesa e pelas valiosas consideraes que fizeram.

Agradeo a Prof Dr Maria Jlia Canazza DallAcqua, pelo meu ingresso no

programa de ps-graduao e pelas inmeras coisas que me ensinou.

Prof Dr Dulce Barros de Almeida e ao Prof Dr Leandro Osni Zaniolo, pelas

valiosas contribuies durante o exame de qualificao.

Agradeo Lurdinha, minha Lurdia, por acreditar em mim, por ser minha

companheira nas horas difceis, por acreditar no ser humano, por ser algum que acredita

na Incluso.

Krita, minha amiga, por jamais ter medido esforos para me ajudar. E por ter me

ajudado tanto.

Aos meus amigos, por terem sido amigos, e cujos nomes no caberiam aqui nessa

folha. A amizade uma das maiores colaboraes que se pode receber.

minha Accia, por estar trazendo vida para a minha vida num momento em que eu

estava precisando tanto.

UNESP inteira, nas pessoas da Zuleika, da Flvia, da Rita, da Ana Cristina, do

Fernando por nos atenderem to bem.

Ao seu Bolo, por ter atendido to prontamente e de forma to amiga s nossas

solicitaes.

Araraquara, por este Sol, por esse cheiro de laranja, por ter sido minha Araraquara.

RESUMO

Este estudo procurou refletir sobre o cotidiano escolar de trs alunos com necessidades especiais de uma escola intitulada inclusiva, localizada em uma cidade do interior do Estado de Gois que adotou a proposta de Incluso da Superintendncia de Ensino Especial, implantada em 1999 pelo governo do Estado. Realizou-se uma pesquisa qualitativa, que procurou apreender a multiplicidade de sentidos presentes no campo educacional. A investigao, de cunho etnogrfico norteou-se pelo desejo de compreender como se encontra essa instituio de ensino, como professores, alunos e familiares a vivem. Objetivo-se tambm verificar qual a contribuio deste programa para o desenvolvimento de prticas educativas inclusivas nessa escola. Participaram deste estudo a professora da sala, a professora de apoio pedaggico, a coordenadora e a diretora, os trs alunos e seus familiares. Os dados foram obtidos por meio do registro em dirio de campo e entrevistas realizadas com todos. Os dados coletados mostraram que o discurso poltico sobre Incluso em Gois no vem se concretizando tal como se apresenta nos documentos normativos, pois, apesar da sensibilidade das professoras, coordenadora e diretora para com a Educao Inclusiva, constataram-se ausncia de capacitao para trabalhar com a Incluso, carncia de recursos materiais e humanos especializados, precariedade das orientaes dadas pelos especialistas, elevado nmero de alunos com necessidades especiais por sala, precria estrutura fsica da escola, ainda que no fosse inclusiva..

Palavras-chaves: Escola inclusiva. Polticas pblicas. Prticas educativas. Deficincia. Necessidades especiais.

ABSTRACT

This study attempted to reflect on the scholar routine of three children demanding special educational needs attending a so-called inclusive school, localized in a town in the countryside of Gois, which adopted the inclusion proposal of the Superintendncia de Ensino Especial, introduced in 1999 by the state governor. For that, it was carried out a qualitative research that tried to apprehend the multiplicity of meanings present in the educational field. The investigation of exploratory character was guided by the wish of understanding how this school is doing, how teachers, students and family live, as well as verifying what the contribution of this program is for the development of inclusive educational practices at this school. The classroom teacher, the aid-teacher, the coordinator, and the principal, the three students, and their families took part in this study. The data was obtained through the record of field diary and interviews with all the participants. The data collected showed that the Goiano discourse about inclusion has not been achieved as it appears in the normative papers, for, despite the teachers sensibility, the coordinators and the principals, it was attested the lack of training to work with inclusion; lack of specialized material and human resources in the regular school; precariousness of the orientations given by experts; large classes with students who need special attention; precarious facilities to deal with even though children with not special needs. However, parents seemed to be satisfied with the school, for this has showed an epitome of children taking-care (The data has revealed that, but I was in doubt how to state that)

Key words: Inclusive School. Public Politics. Practical Educative. Deficiency. Educative Necessities Special

Lista de Quadros

Quadro 1 - Estrutura organizacional da rede educacional de apoio Incluso, com perfis e atribuies de cada membro.

Quadro 2 - Dados da situao inicial em 1999.

Quadro 3 - Caracterizao da escola

Quadro 4 - Caracterizao dos alunos participantes da pesquisa.

Quadro 5 - Caracterizao das famlias.

Quadro 6 - Caracterizao da equipe pedaggica administrativa participante da pesquisa.

Quadro 7 - Temas que emergiram dos dados.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Vista do corredor e da porta de entrada que d acesso sala de aula observada

Figura 2 - Vista da sala de aula observada, no sentido da frente para o fundo

Figura 3 - Vista da sala de aula observada, no sentido do fundo para a porta de entrada

Figura 4 - Foto do ptio da escola onde se v a gua correndo fora dos canos do esgoto

Figura 5 -Foto de uma das ruas da cidade que d acesso a pontos importantes como escolas, faculdades, igrejas, mercado, praa, etc

Figura 6 - Foto do porto lateral da escola Figura 7- Calada de uma das ruas principais da cidade com seis diferentes nveis

(degraus)

Figura 8 - Entrada para as salas de aula da Escola

Figura 9 - Banca de revista localizada no setor central da Cidade

Figura 10 - Terminal Rodovirio todo cercado por elevao de at 25 cm de altura Figura 11 - Supermercado com produtos colocados na horizontal no permitindo o acesso

de todos a estes. Figura 12 - Banheiro destinado ao aluno com deficincia, com a porta e reboco caindo e

barras inadequadas. Figura 13 - Instalao eltrica da sala de observada. Figura 14 - Acesso do deficiente a Catedral da cidade. O mesmo possvel apenas pelo

caminho dos automveis. Figura 15 - Sanitrios de um dos banheiros da Escola.

LISTA DE ANEXOS

Anexo A - Equipe Educacional de Apoio Incluso Existente na Escola Pesquisada. Anexo B - Demonstrativo dos cursos do Programa Estadual de Incluso (1999-2003). Anexo C - Demonstrativo dos resultados do Programa Estadual de Incluso (1999-2003). Anexo D - Relao dos alunos com Necessidades Especiais na sala de aula.

LISTA DE APNDICES

Apndice A - Roteiro de entrevista com a equipe administrativa. (diretora e coordenadora).

Apndice B - Roteiro de entrevista com a professora da sala.

Apndice C - Roteiro de entrevista com a professora de apoio da sala.

Apndice D - Roteiro de entrevista com os alunos.

Apndice E - Roteiro de entrevista com os responsveis pelos alunos.

Apndice F - Termo de Consentimento da equipe pedaggica (diretora, coordenadora, professora da sala e professora de apoio).

Apndice G - Termo de Consentimento dos pais.

SUMRIO

PREMBULO VIVNCIAS E INQUIETAES LEVANDO AO QUESTIONAMENTO DE UMA REALIDADE ....................................................................................................13 1 INTRODUO...............................................................................................................18 2 A TRAJETRIA DA EDUCAO ESPECIAL E O PROCESSO

HISTRICO DO MOVIMENTO SOCIAL PELA INCLUSO......................................................................................................................23

2.1 A Educao Inclusiva no Contexto das Polticas Pblicas ......................................33

2.2 A Legislao para o Atendimento s Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais no Estado de Gois......................................................................................41

2.3 O Programa Estadual de Educao Para a Diversidade Numa Perspectiva

Inclusiva ..........................................................................................................................60

3 CAMINHOS PERCORRIDOS NO UNIVERSO DA INCLUSO DE UMA ESCOLA EM GOIS.....................................................................................................73

4 CONSIDERAES FINAIS........................................................................................126

REFERNCIAS ..............................................................................................................136

BIBLIOGAFIA CONSULTADA ...................................................................................142

ANEXOS...........................................................................................................................143

APNDICES ....................................................................................................................151

13

PREMBULO

VIVNCIAS E INQUIETAES LEVANDO AO QUESTIONAMENTO DE UMA REALIDADE

Identificar a origem do meu interesse pela investigao dos mecanismos de excluso

escolar uma tarefa bastante complexa, pois esse anseio foi se construindo ao longo de minha

trajetria pessoal e profissional.

Oriunda de famlia de poucas rendas, conheci bastante cedo, as diferenas entre o ter e o

no ter dentro da escola e, aos poucos, fui entendendo que a escola, por ser uma instituio que

abriga no seu interior diferentes classes sociais, a exemplo da sociedade classista que ela espelha,

inclui umas pessoas com mais facilidade, enquanto outras so, sumariamente, excludas.

No ano de 1991 comecei a cursar Pedagogia na Universidade Federal de Gois - Campus

Jata. Assim que conclui esse curso, fui exercer a profisso de professora e tive a oportunidade de

trabalhar na rede pblica e privada. Conseqentemente, convivi com alunos pobres e ricos. Os

primeiros, na maioria das vezes, eram desprovidos de quaisquer recursos tecnolgicos, enquanto

os segundos dispunham de computadores e acesso internet. Contudo, nessa relao de

disparidade, percebi que o processo ensino-aprendizagem transcende aos recursos financeiros,

pois tanto num contexto rico como no pobre a mgica da aprendizagem acontecia

independentemente da disponibilidade de recursos. Eu os eduquei, ou melhor, educamo-nos. E

descobri tambm que, como educadora, eu no poderia ficar alheia aos recursos tecnolgicos e,

principalmente, pesquisa.

Entre os anos de 1995 a 1999, fui identificando os mecanismos por meio dos quais uma

parte da sociedade, tida como normal, mantm a excluso de pessoas vistas como estando

margem dessa mesma sociedade. Entre os excludos esto os viciados em drogas, os ex-viciados

e criminosos, os homossexuais, os deficientes fsicos e mentais e os negros e ndios, dentre

outros.

A minha atuao profissional, desde 1995, deu-se em duas escolas. A primeira era pblica

e extremamente carente; e a outra era privada, e atendia uma populao de alto poder

aquisitivo. Nesses contextos, pude me defrontar com um tipo bem especfico de excluso a

excluso dos pobres. Tive, por vrios anos, na escola privada, alunos filhos de funcionrios de

servios gerais da instituio, que reclamavam de discriminao.

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Em 1999, fiz especializao em Educao Infantil e debrucei-me sobre o estudo das

prticas educativas em salas de pr-alfabetizao, mais especificamente sobre o uso da lngua

portuguesa em sala de aula, no ensino da leitura e da escrita. O resultado da pesquisa revelou

que, diante de sua inabilidade em alfabetizar, o docente rotula, estigmatiza e exclui o aluno.

Este primeiro trabalho de pesquisa foi, sem dvida, fundamental para me fazer

compreender o que a atividade de investigao, potencialmente, significava para complementar

minha atuao enquanto docente. Certamente tal constatao, mesmo que ainda no muito

consciente, veio somar-se aos demais fatores que me levaram a desejar desenvolver pesquisa e

cursar ps-graduao.

Assim, seguindo no exerccio da docncia, ainda nos primeiros anos de atuao, uma outra

experincia foi tambm bastante marcante para definir caminhos que vim a trilhar

posteriormente. Uma de minhas alunas faleceu inesperadamente. A vida, ento, me levou a,

durante o Curso de Especializao em Educao Infantil, transformar em literatura toda dor que

aquela perda me causou. Usando meu gosto e inclinao pela poesia, publiquei Gabi (ROCHA,

2000), uma pequena obra sobre a temtica da morte, que se encontra hoje entre os ttulos da

literatura infantil goiana.

Depois da publicao desta obra e da realizao de dois trabalhos de pesquisa, percebi que

a docncia nos empurra para afazeres mais amplos do que o de lecionar. Acredito que o homem

para quem eu leciono um ser com o qual eu interajo e aprendo e, se no interajo e no aprendo,

muito pouco consigo ensin-lo. O ensinar envolve sentimentos e aes muito alm daquelas que

pensamos existir. Como trabalhar com crianas que perderam um colega? Como prosseguir com

o trabalho na falta de uma das crianas, falecida inesperadamente? Como trabalhar em uma

escola inclusiva sem conhecer a deficincia? Como? Como? Era tudo o que havia em mim.

A aluna que se foi e o sentido de perda, com o tempo, se esvaiu, mas o incmodo de

realizar um trabalho que eu sentia mal feito, realizado numa escola intitulada inclusiva, mas a

meu ver to excludente, era algo que incomodava cada vez mais. Sabia que no me acostumaria

jamais com as perdas. Mas, tambm, no me acostumaria com fazer algo mal feito,

principalmente se essa deficincia estivesse relacionada com falta de conhecimento. H

realidades que podem ser alteradas e, talvez com o tempo, at melhoradas, mas, para isso,

preciso que haja pessoas que realmente entendam do assunto para trabalhar em prol destas

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mudanas, e eu no tinha um conhecimento mais profundo sobre deficincia e sobre os processos

de excluso, mas me incomodava muito tudo isso.

Ainda no decorrer do ano de 2000, preocupada com o alto ndice de analfabetismo entre os

familiares de alunos da escola pblica em que atuava, elaborei, juntamente com outra

alfabetizadora, um projeto que objetivava a alfabetizao de jovens e adultos trabalhadores.

Percebi, entretanto, que jamais poderia afirmar coisa alguma sobre nenhuma das questes que

me inquietavam, antes de pesquisar. Sem uma investigao prvia, a interveno poderia cair no

erro e no achismo.

Com a realizao dessa pesquisa, foi possvel afirmar que muitos daqueles alunos no

haviam ficado todos aqueles anos de vida sem procurar aprender ler e escrever. Muitos j haviam

tentado ajuda para resolverem o problema e at freqentado a escola, mas a abandonaram por se

sentirem excludos por ela. Eles possuam idade avanada, no se adaptavam em salas com

adolescentes e crianas e reclamavam da metodologia utilizada para o ensino da lngua escrita, o

que nos faz pensar que os programas padronizados no devem ser to eficientes como se

imaginava e que, em seu lugar, deveriam surgir programas alternativos, atendendo diferentes

realidades e diferentes necessidades.

J os alunos idosos, no ensino regular, no se adaptavam ao ritmo do ensino reclamavam

que o mtodo exigia muito deles. Em relao a projetos como Alfabetizao Solidria,

reclamavam dos textos, pois os julgavam desinteressantes, as atividades descontextualizadas e as

aulas muito espaadas, o que fazia com que esquecessem tudo at a outra aula. Dizia-se que

bastavam duas ou duas horas e meia de aula durante dois ou trs dias da semana para alfabetiz-

los, assim como tambm se dizia que a verba destinada a essa modalidade, era suficiente. Porm

a dvida permanece: por que a Educao de Jovens e Adultos estaria recebendo menos ateno

do que a Educao Infantil?

De acordo com a Constituio Federal 19881 a Alfabetizao de Adultos deve ser garantida

para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria. , portanto, obrigao

governamental como qualquer outra modalidade de ensino. Desta forma, entende-se que no se

pode deix-la merc da filantropia. A alfabetizao uma das instncias mais difceis do

ensino e, por isso mesmo, exige do professor formao para tal exerccio. Alm do mais, aulas

em dias alternados, ou apenas poucas horas em alguns dias da semana no permitem que o aluno

1 BRASIL, 1988.

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crie vnculo com a escola. No d a ele o prazer de se sentir estudante. Tais observaes foram

feitas e anotadas durante o tempo em que ocorreu o projeto de alfabetizao. Embora no se

tenha realizado uma pesquisa com absoluto rigor cientifico, foi possvel constatar a importncia

e o prazer em realiz-la, com o objetivo de desvelar ou intervir em uma dada realidade.

Alm disso, h vrios anos venho empreendendo, tambm, trabalhos na rea da Incluso

social. Com a graduao e o incio do exerccio da docncia em escolas pblicas e privadas em

Jata no Estado de Gois, fui reafirmando, em minhas impresses pessoais que, tal como o que j

se discutiu na literatura especializada a sociedade em geral e a nossa em particular , realmente,

excludente.

A existncia de um grande nmero de instituies que objetivam recuperar e devolver

sociedade os indivduos excludos indica, por si s que so muitos aqueles a serem includos.

sabido que h no Brasil afora, um conjunto de organizaes, dentre as quais se destacam os

Alcolicos Annimos, o Amor Exigente e muitas outras, cuja inteno, no geral, colaborar

com pessoas, num certo momento da vida, vtimas de problemas para, ao final do processo,

possibilitar o retorno delas sociedade. Se, por um lado, esse um aspecto extremamente

positivo; por outro, mostra que, em primeira instncia, elas haviam sido excludas dessa mesma

sociedade e para a qual retornam aps um perodo de excluso.

Em 2003, comecei a trabalhar como coordenadora pedaggica, numa escola pblica que,

pela poltica educacional do Estado de Gois, tornou-se, h mais ou menos trs anos,

oficialmente inclusiva. Nessa realidade, tive maior contato com o que era vivido por um grande

nmero de pessoas com deficincias fsica e mental que, por fora da lei, passaram a integrar o

quadro discente de escolas comuns.

Tive alunos negros e alunos com caractersticas homossexuais que tambm sofriam

discriminao. E, na escola pblica, presenciei muitas vezes uma discriminao cruel realizada

pelo prprio professor com relao ao aluno pobre, maltrapilho, analfabeto, faminto...

Percebi que, alm de no possuirmos uma cultura de Incluso, ainda muito pouco sabamos

sobre as polticas pertinentes a esse assunto que comeavam a surgir em nosso pas. As grades

curriculares de nossas universidades geralmente no contemplavam nenhuma disciplina sobre

esse tema. Assim, em cursos de graduao em Pedagogia, muito pouco se estudava sobre

Educao Especial. Eu mesma no tive nenhuma disciplina sobre isso na universidade, foi

apenas a atuao docente que me revelou o quanto no tinha informao sobre esse assunto.

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Embora tenha vivido tais experincias que me fizeram sentir a necessidade pungente de

discutir o processo de Incluso tanto como ao integrada quanto como poltica educacional -

no encontrei no seio do estado de Gois, amparo para estudar, discutir ou discorrer sobre tal

assunto. Afirmo isso, sobretudo, pela dificuldade de encontrar interlocutores e amparo

acadmico nas Universidades e Faculdades de minha regio, pois essas instituies no

ofereciam, nem na graduao em Pedagogia nem nos Programas de Ps-Graduao em

Educao, disciplinas especficas sobre a questo da Incluso.

Assim, percebi que seria necessrio deslocar-me para uma instituio em que a Incluso

fosse, de fato, encarada como contedo indispensvel no currculo do profissional da educao,

onde encontrasse alguma forma de dilogo ou discusso para alm da exigncia posta pela

legislao.

Isso no significa o desejo de distanciar-me da realidade que me impulsionou para esta

reflexo, pois creio que a pior forma de excluso a omisso dos fatos que j so concretos no

cotidiano. Mesmo tendo buscado interlocuo e embasamento terico em outro Estado, em outra

instituio, no meu desejo furtar-me responsabilidade de investigar a realidade da Incluso

na cidade em que vivo, para que isso possa contribuir com o aparecimento de novas propostas de

trabalho que visem promoo do exerccio da cidadania por parte da pessoa com necessidades

educacionais especiais, de forma inclusiva e integral sociedade como um todo, em particular na

escola.

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1 INTRODUO

Sendo a excluso legitimada histrica e socialmente, e discutida principalmente na rea

pedaggica e nas polticas pblicas (MELLO, 2004), julga-se pelo seu grau de importncia que

esta precisa ser melhor estudada e analisada, com o objetivo de possibilitar uma maior

compreenso a respeito das conseqncias advindas dessa situao.

Embora haja uma vasta bibliografia abordando a questo da excluso em diferentes

contextos, ainda assim acredita-se haver uma carncia de estudos, pesquisas in loco, detalhados

em escolas regulares, por essa ser uma realidade nova, ainda pouco estudada, visto que a poltica

de Incluso recente. Assim, este trabalho se prope a analisar a realidade da escola denominada

de inclusiva, identificando os mecanismos de Incluso que utiliza.

Uma situao vivenciada pela pesquisadora em um dos perodos de sua atividade

profissional, foi determinante para a escolha do objeto de pesquisa: a pesquisadora teve, logo nos

primeiros dias de trabalho em uma escola intitulada inclusiva, contato com um rapaz surdo que a

visitou, possivelmente procurando uma vaga na escola. O rapaz tentou estabelecer um contato,

porm no conseguiu efetivar a comunicao por meio dos sinais. Para estabelecer o dilogo, a

pesquisadora empregou a escrita, j que seus gestos eram totalmente desarticulados porque,

apesar de trabalhar numa escola dita inclusiva, no sabia usar a lngua brasileira de sinais

(Libras). Outros funcionrios que estavam no momento na escola foram procurados, mas

nenhum deles sabia comunicar-se dessa maneira. Frustrado, o rapaz foi embora sem se fazer

entender. E os funcionrios ficaram ali, se sentindo analfabetos e impotentes diante daquela

situao.

Esse acontecimento mostrou, claramente, a evidncia de que apenas boa vontade no

suficiente nas aes de Incluso; ou seja, no possvel realizar uma ao inclusiva numa

conversa simples que seja sem que a sociedade como um todo, principalmente quem se prope

a realizar tal trabalho, seja preparado e instrumentalizado para faz-lo, uma vez que no faz parte

da cultura atual compreender e interagir com a diferena.

Depois que aquele rapaz foi embora, restou um sentimento de incapacidade muito grande,

pois a escola estava, sem dvida, deficiente no que se propunha a realizar.

19

Ento, passou-se a olhar essa escola com outros olhos. Percebeu-se que,

arquitetonicamente, talvez aquela escola estivesse preparada para receber alunos com as mais

diferentes necessidades, mas os funcionrios, por sua vez, ainda estavam longe de poder atend-

los com eficincia. S alguns professores, dessa escola, dominavam a lngua de sinais, alm de

terem desenvolvido outras habilidades necessrias para ensinar pessoas com deficincias fsica

ou mental.

Percebeu-se que a maioria das pessoas que ali trabalhava, desenvolvia esse trabalho

entendendo-o como caridade e no como responsabilidade social. Acreditava que aqueles

funcionrios sequer reconheciam o direito cidadania das pessoas com necessidades especiais.

Parece que essa escola no v a Incluso como uma necessidade incondicional, como nos alerta

Sassaki (1999).

Outro fato que tambm chamou ateno na mesma ocasio, foi o caso de um aluno que

utilizava cadeira de rodas. Esse aluno, que contava, quela poca, com vinte anos, vinha

freqentando a escola h apenas um ano, j que antes no conseguia encontrar vaga em escolas

pblicas em funo de sua deficincia. Ele, como muitos em sua condio, teve que recorrer a

medidas alternativas para conseguir estudar. Ele foi alfabetizado pela irm, que fez Magistrio e

Pedagogia justamente para poder ensin-lo, pois ele j havia tido a matrcula recusada em vrias

escolas, inclusive nessa por duas vezes e s conseguiu vaga depois que a escola tornou-se

inclusiva.

Este aluno relatou que a escola no o recebia argumentando que ele precisaria de ajuda para

se locomover e os professores no tinham disponibilidade para ajud-lo. Com isso, os seus pais

economizaram recursos financeiros at conseguir comprar-lhe uma cadeira de rodas motorizada,

o que acabou acontecendo somente depois de vrios anos.

H tambm outros aspectos que intrigam bastante quem observa o processo de Incluso,

tanto na escola pesquisada, quanto em escolas que aderiram poltica de Incluso. Um deles

refere-se ao fato de a cidade possuir quatorze escolas estaduais, e at o final da coleta de dados

dessa pesquisa apenas duas delas terem adotado o projeto Escola Inclusiva. Essas escolas

localizam-se, mais especificamente, em uma cidade com cerca de 80 mil habitantes localizada no

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sudoeste do Estado de Gois. A cidade conta com apenas duas escolas consideradas inclusivas e

uma unidade de referncia2, dentre as catorze escolas estaduais existentes.

Observando a arquitetura, as edificaes e atitudes das pessoas que residem nessa cidade,

pode-se perceber que tambm dentre estas, poucas demonstram conhecer a Incluso social ou

escolar, pois parece no fazer parte do contexto social e cultural dessas pessoas identificarem

necessidades especiais, embora estas estejam em toda parte.

Uma imagem que evidencia essa cultura o fato de as rampas de acesso para deficientes

fsicos serem rarssimas, quase que inexistem at mesmo em rgos pblicos, onde, por lei,

seriam obrigatrias. Percebe-se, neste quadro, o triste hbito de nossa sociedade de promover a

excluso.

Dos doze projetos da Superintendncia de Ensino Especial3 da Secretaria de Educao do

Estado de Gois, relativos Incluso s um o da Escola Inclusiva - desenvolve-se nessa cidade

e muitos desses s so implementados na capital, Goinia.

No Brasil h 24,5 milhes de pessoas com algum tipo de deficincia 716 mil s em Gois

(14,3% da populao do Estado) tendo estes desvantagens principalmente em dois setores: renda

e escolaridade. Atualmente o Estado de Gois possui nove mil alunos com deficincia nas

escolas especiais e doze mil nas escolas comuns, num total de 21 mil alunos freqentando algum

tipo de escolaridade (BRASIL, 2007). Desconhecendo-se a porcentagem de alunos especiais em

idade escolar em relao totalidade, fica difcil tentar avaliar se esse montante de 21 mil alunos

com deficincias no universo dos demais , quantitativamente, significativo.

No ano de 1989, a lei federal de nmero 7.853/894, que dispe sobre o apoio s pessoas

portadoras de deficincia e sua integrao social, define a obrigatoriedade da Educao Especial

em todos os nveis de escolaridade e, havendo Educao Especial, se o aluno puder ser includo,

no se pode negar a sua matrcula nas escolas pblicas prevendo recluso de at quatro anos de

priso e multa para quem cancelar ou procrastinar, sem justa causa, a inscrio de aluno de

2 Escola que oferece apoio s escolas inclusivas dando suporte tcnico e instrucional aos profissionais, orientando-os na elaborao de materiais didticos e recursos inerentes s especificidades dos educandos; tem tambm como atribuio monitorar, acompanhar e avaliar o trabalho pedaggico com o objetivo de verificar a efetividade das aes realizadas, bem como executar aes de preveno, habilitao/reabilitao no-hospitalar e outras em interface com os rgos das reas de sade, assistncia social, previdncia e trabalho (GOIS, 2004, p.13). 3 rgo vinculado diretamente Secretaria de Educao que, conforme o documento Educao Especial em Gois (GOIS, 1995) tinha como finalidade direcionar o ensino especial em todo o Estado de Gois, com competncia para elaborar e fazer cumprir diretrizes, planejar, coordenar, supervisionar, assessorar e executar os programas de Educao Especial em nvel de pr escola, 1 , 2 e 3 graus (ALMEIDA, 2003, p.20). 4 BRASIL, 1989.

21

qualquer curso ou grau em estabelecimento de ensino pblico ou privado. Somente dez anos

mais tarde essa lei foi regulamentada por meio do decreto 3298/99 de 20/12/995, que dispe

sobre a poltica nacional para a integrao da pessoa com deficincia.

A Organizao das Naes Unidas (ONU) pretende, at o ano 2010, pela resoluo

45.1916, tornar as sociedades inclusivas, transferindo o foco de seu programa da conscientizao

para a ao.

Para atender e adequar-se s novas diretrizes de atendimento s diferenas, que

resultaram em indicaes, orientaes e mesmo legislaes, no Brasil, passou-se tentativa de

comear a construir uma forma de atendimento que, rompendo com o passado da

institucionalizao, propiciasse uma Incluso nas escolas regulares. Gois, numa primeira

abordagem, surge no cenrio nacional como sendo um Estado perfeitamente em consonncia

com os ideais e objetivos da Incluso, dada quantidade de projetos que foram criados. Nesse

sentido, Gois conseguiria dar a impresso de que saiu na frente, rumo ao cumprimento das

novas orientaes, expressas ou no por meio de legislaes. E talvez tambm no tenha sido por

acaso que aquele aluno que, por anos tivera sua matrcula recusada, s ento tenha sido acolhido

na escola intitulada, atualmente, Escola Inclusiva.

Por meio destas informaes, possvel perceber que a maioria das pessoas normais

podem at considerar que entendem os problemas pelos quais passam as pessoas com

deficincia; no entanto, a realidade mostra que somente as pessoas que necessitam de condies

especiais de educao podem dizer, de fato, como anda a escola inclusiva ou quanto se

caminhou nesses ltimos tempos rumo Incluso.

Estas so questes que apenas podem ser respondidas pela voz daqueles que vivem

diretamente a condio de deficincia, a excluso escolar e social, pois so eles que a vivenciam

e, conhecer, bem diferente de vivenciar algo.

No contexto da Educao Especial, encontram-se alguns estudos como os de Almeida

(2003), Camelo (1999), Cordeiro (2003), Xavier (2003), referentes s prticas educacionais em

que os alunos com deficincia partilham seu cotidiano com seus pares no deficientes em escolas

comuns; s polticas pblicas na rea da integrao/Incluso escolar; forma de

encaminhamento de alunos no ensino fundamental entre as classes especiais e comuns; bem

5 BRASIL, 1999. 6 ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS, 1990.: Resoluo que trata da quebra da segregao e da promoo da Incluso.

22

como s percepes de professores e especialistas sobre a problemtica educacional da Incluso;

e pouqussimos estudos enfocando as percepes dos alunos com deficincia a respeito desta

Incluso.

Muitos se propem a dar voz pessoa com deficincia, entretanto muito pouco feito. E

isso ocorre porque, com certeza, o prprio pesquisador acaba por envolver-se como agente

social, em uma prtica excludente, vivenciada e legitimada cultural e socialmente, acabando

por subestimar a pessoa com necessidades especiais, recorrendo sempre a outras vozes, que

sejam capazes de apresentar uma verso melhor da realidade ali vivida.

Muitas instituies fazem pesquisa junto clientela antes de implementarem um novo

produto ou servio. Na escola, entretanto, isso no ocorre. Constantemente respondemos

pesquisas sobre nossos anseios em relao a instituies financeiras e comerciais. Mas ningum

pergunta pessoa com deficincia quais so seus anseios e necessidades.

Diante do exposto possvel afirmar que ainda h muito que fazer para oferecer um ensino

de qualidade aos alunos especiais, tanto na parte de qualificao humana, como em relao

tcnica e ambiental. Vale ressaltar, ainda, que segundo as convices da pesquisadora, alm das

questes humanas e estruturais, o professor deve estar sensvel a esta causa e abraar o ensino

inclusivo para que, de fato, ele acontea.

23

2 A TRAJETRIA DA EDUCAO ESPECIAL E O PROCESSO HISTRICO DO MOVIMENTO SOCIAL PELA INCLUSO

O processo educativo torna-se meio de perpetuar padres culturais, que so ncoras da pouca segurana que a existncia possa providenciar ao indivduo. O jovem moldado conforme os padres predeterminados, para poder ajudar na manuteno de situao vigente. (GILES ,1987, p.5).

A escolha de iniciar o captulo abordando a histria da Educao Especial prende-se ao fato

de que a mesma deveria ser revista no apenas a ttulo de conhecimento, mas para que, por meio

dela, fosse possvel levantar questionamentos e refletir sobre as leis de Incluso e a segregao,

bem como compreender os mecanismos desta cultura ao longo da histria.

Ao abordar o tema Escola Inclusiva, faz-se necessrio refletir e compreender a trajetria da

Educao Especial lembrando que ela sofre, em diferentes pocas, mudanas possivelmente

motivadas pelo desejo de alterar as relaes estabelecidas com sua clientela.

Historicamente essa modalidade de educao tem sido apresentada como um modelo de

educao que visa promoo de acesso escola. No entanto, deixa mostra suas tendncias

econmicas, polticas e sociais por meio de suas propostas educacionais.

H uma tendncia atual em justificar a Educao Especial como uma forma de a sociedade

oferecer oportunidades educacionais s pessoas com deficincia. Dessa forma, ela

compreendida como um projeto social para promoo de igualdade de direitos, que subsidiariam

uma relao mais humana entre as pessoas com deficincia e as socialmente reconhecidas como

normais. Percebe-se que as mudanas nessa modalidade de educao esto diretamente ligadas

forma como se concebe a deficincia e isso que legitima e justifica o modelo de atendimento

oferecido s pessoas com deficincia na atualidade.

Saber como se chegou a esse ponto fundamental para que se possa planejar um futuro no

qual a pessoa com deficincia realmente seja aceita como um igual.

Desde a Antigidade a sociedade demonstra ter dificuldades para aceitar as pessoas com

deficincia, a ponto de fazer do infanticdio uma prtica. Deste perodo at os dias atuais, a

forma de aceitar esses indivduos foi se modificando ao ponto de inquietar grupos e surgir leis

oficiais abordando o direito de educao para todos.

24

Como anda essa discusso na sociedade atual, em que tantos tericos e pensadores,

polticos e intelectuais enfatizam a importncia de cuidar melhor das crianas com deficincia?

Como a humanidade saiu de uma era de indiferena e ingressou numa era de preocupao com

os diferentes?

A concepo que se tinha sobre a criana no passado extremamente significativa para que

se compreenda a viso e o tratamento que se tem dado a ela na atualidade. Viver no sculo XXI,

estudando o passado, d autoridade a qualquer pesquisador de afirmar que a histria da

humanidade de excluso.

Enquanto se faz esta retrospectiva, partindo da poca atual, imagina-se estar se

aproximando de um perodo cada vez mais afastado de um homem excludente, todavia isso no

ocorre.

Com o surgimento da propriedade privada e tambm da agricultura e da metalurgia o

homem passa a manter, sob seu domnio exclusivo, a terra em que trabalha e os frutos de seu

trabalho, e por eles trava combates, mata e morre. Ele deixa de ser o homem natural e se

transforma em homem civilizado. Conforme Mazzotta (2003), a histria de excluso parece ter

surgido com o nascimento da humanidade e por certo se intensificou com o surgimento da

propriedade privada.

Rousseau, em vrias de suas obras, critica essa civilizao. Segundo ele7:

ela aumenta as desigualdades, corrompe as paixes primitivas e faz surgir uma outra paixo: o amor-prprio, que leva o homem civilizado a valorizar, sobretudo as honrarias, a reputao e a opinio alheia, que o alienam. (ROUSSEAU, 1952:28)

Acredita-se que alienado que o homem de hoje ainda se encontra. To alienado que faz

das diferenas fsicas, de gnero e de idades uma desvantagem8. As pessoas com deficincia, as

mulheres e as crianas possuem uma histria de luta pela conquista de seus direitos e por

reconhecimento social sendo que muitas dessas conquistas e direitos ainda esto por alcanar.

7 ROUSSEAU, 1952. 8 De acordo com a OMS (ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE, 1989) desvantagem diz respeito aos prejuzos que o indivduo experimenta devido sua deficincia e incapacidade. Representa a expresso social de uma deficincia ou incapacidade e como tal reflete a adaptao do indivduo e a interao dele com o meio.

25

Destes trs, somente as mulheres parecem estar mais prximas de uma maior parte de suas

conquistas. As crianas, e principalmente a criana com deficincia, ainda no tm seu espao

social conquistado. O chavo de que lugar de criana na escola, tem presena garantida na

mdia, mas a criana ainda est ausente dos bancos escolares. Bancos que, quando existem, no

acolhem a criana com deficincia.

H uma compreenso que antecede o estudo da Incluso escolar das crianas deficientes na

atualidade: a compreenso de que a infncia um fenmeno histrico.

Foi somente a partir do sculo XIII, com a difuso dos colgios, que se desenvolve o

sentimento de infncia. No sculo XIV, no se tinha nem mesmo a preocupao de separar as

crianas dos adultos em salas de aulas conforme suas idades; no se dava importncia a suas

peculiaridades, dava-se ateno apenas ao contedo ensinado. Em seu livro Histria Social da

Famlia e da Criana, Philippe ries (1981) mostra que, durante sculos, o sentimento de que

crianas vivem um perodo denominado infncia parecia nem mesmo existir. A partir do sculo

XVI, j se percebe que a sociedade parece ver a criana com outros olhos; j se vem pinturas

retratando-as. No sculo seguinte, a ao dos colgios era a de evitar a insero das crianas no

mundo dos mais velhos; os brinquedos delas eram escolhidos segundos os critrios dos adultos

de bom ou ruim. At o fim deste sculo pouco se fazia para conservar ou salvar as crianas e

ainda persistia o infanticdio tolerado (um crime severamente punido, mas praticado em segredo,

camuflado sob a forma de acidente).

At o sculo XVIII s havia uma palavra para designar infncia (enfance) e s se saa dela

quando se conquistava a independncia econmica. Este era o quesito que os diferenciavam dos

adultos. Suas vestes, por exemplo, s se distinguiam das dos pais em tamanho. Nesse mesmo

sculo, na Frana j se vem quadros de crianas, filhas de nobres, retratadas com trajes

adequados sua condio e novos padres de conduta so estabelecidos visando ao

desenvolvimento de um ambiente infantil tais como: formao moral, sade e educao. Novos

paradigmas se estabelecem acerca da viso da infncia pela sociedade, legitima-se a pureza, a

fragilidade e a inocncia infantil.

Com a chegada do sculo XIX, um esprito familiar sentimental percebido e o olhar sobre

a criana visivelmente modificado, admite-se a existncia de uma grande diferena entre o

mundo do adulto e o mundo da criana e se estabelecem espaos de atuao privilegiada para

elas, e cada vez se faz mais crescente o hbito de educar as crianas na escola. A

26

contemporaneidade traz tambm a percepo da adolescncia, com suas especificidades e

peculiaridades que acabam por trazer tona a questo do direito dos adolescentes.

Este breve histrico sobre a legitimao da infncia permite compreender a viso de

criana que se tem hoje e ajuda a pensar sobre a questo da Incluso de crianas com

deficincias nas escolas no sculo atual.

O que se tem atualmente a legitimao da infncia, mas o infante diferente ainda no tem

espao no mundo moderno, no reconhecido socialmente. Uma diferena marcante entre a

histria da criana na sociedade e a histria da criana deficiente est no fato de que esta ltima

foi vtima at mesmo de infanticdio, que muitas vezes nem era feito em segredo. Do

infanticdio, passando pelo abandono, exlio, assistencialismo, paternalismo, internao at a

solicitao da participao social, porm sem as reais condies que permitem a Incluso

(AKASHI; DAKUZAKU, 2001), a criana com deficincia e suas famlias sofreram e ainda

sofrem hoje com a discriminao.

Foucault (1992) revela que do sculo XIV ao XVII, a excluso das pessoas indesejadas

pela sociedade foi uma prtica constante, seja encarcerando-os em celas, asilos, hospitais e ou at

mesmo em calabouos e afirma ser a Incluso uma tarefa bem mais grandiosa do que se pensa,

pois a Incluso e a excluso devem ser entendidas a partir de diferentes campos no interior de

uma determinada relao de poder. preciso aqui, deixar claro que, para esse filsofo, o poder

no sempre negativo, j que pode produzir muitas coisas, inclusive uma sociedade inclusiva.

As mudanas, sofridas ao longo dos sculos, fizeram com que surgisse um novo olhar

tambm sobre a criana com deficincia. Afastamo-nos do infanticdio, da excluso total desta

criana para a solicitao de participao social, entretanto ainda nos encontramos longe demais

dessa verdadeira participao, porque esta est atrelada aceitao do indivduo diferente pela

sociedade.

Jean Jacques Rousseau, um dos maiores pensadores do sculo XVIII, com uma inteligncia

voltada para a filosofia, as artes, poltica e literatura, produziu obras enfocando a natureza

humana e sua relao com a vida em sociedade. Suas idias ressaltam a experincia pessoal, a

individualidade, os sentimentos, assim como a bondade e liberdade naturais ao ser humano e

dele tambm a idia amplamente difundida de que o homem se encontra livre apenas ao nascer.

Em Emlio ou Da Educao, livro I, Rousseau (1995) deixa claro o ideal de criana que se

tinha no sculo XVIII. Analisou as procedncias do mal social por meio de uma crtica da

27

organizao da vida em sociedade e do uso excessivo dos artifcios que distanciam os homens da

natureza. Ele prega uma natureza humana caracterizada pelo instinto de sobrevivncia, pela

liberdade e piedade e revela um profundo amor pelas crianas. Uma anlise de sua obra permite

fazer uma leitura da mentalidade do sculo XVIII. Por ele se percebe a forma como eram vistas

as diferenas, em sua poca. No livro anteriormente citado Rousseau afirma que a sociedade

exibe, num mesmo lugar a imagem destas diferenas entre os pobres e os ricos: os primeiros

ocupam uma terra ingrata e os outros, a regio frtil.

Emlio era um ser perfeito, rico, bem nascido, bem educado, com mente e fsico perfeitos.

Rousseau dizia no se interessar pela educao de uma criana doente, intil para si mesma e

para os outros e preocupada apenas com sua auto-preservao:

Eu no me encarregaria de uma criana doentia e caqutica, ainda que devesse viver oitenta anos. No quero saber de um aluno sempre intil a si mesmo e aos outros, que s se ocupe com se conservar e cujo corpo prejudique a educao da alma. Que faria prodigalizando-lhe em vo meus cuidados seno dobrar o prejuzo da sociedade, arrancando-lhe dois homens ao invs de um s? Que outro em meu lugar se encarregue desse enfermo, concordo e aprovo sua caridade; mas meu ofcio no esse: no sei ensinar a viver a quem no pensa seno em no morrer. (ROUSSEAU, 1995, p.31).

A concluso a que se chega que a mentalidade do homem, em alguns aspectos, pouco

mudou desde que se instituiu a propriedade privada. O passar dos sculos parece no ter

interferido na forma do homem olhar o outro. A preocupao em conservar o que lhe pertence, o

desejo de acumulao de bens e a competitividade ainda so o que o orienta. As desigualdades

progrediram simultnea e correlativamente aos progressos da vida em sociedade. Autorizou-se o

Estado de rico e de pobre; de senhor e escravo; de patro e empregado, o normal e o anormal.

Essa retrospectiva mostra que o longo processo de evoluo que foi vivido desde o perodo

primitivo at o perodo atual, nada mais do que a gnese de vcios e males. O conhecimento da

histria pode ter, potencialmente, a possibilidade de tornar as pessoas mais pessimistas, pois

conclui-se que o homem faz mau uso da liberdade humana no convvio com outros humanos, que

ele j no se percebe mais como semelhante, dado que sua idia de semelhana outra e nela h

uma diferena clara entre rico e pobre; entre brancos, negros e ndios; entre pessoas normais e

pessoas com deficincia.

28

Rousseau (1952), em O Contrato Social, por sua vez, oferece alguma esperana em uma

sociedade diferente, com outras instituies sociais, outras leis, outras relaes de produo e

outras formas de governo tudo, teoricamente, bem mais justo e menos desigual do que sempre

se teve.

Foucault (1992) tambm oferece auxilio na compreenso da histria da excluso da

diferena e no surgimento das escolas especiais. Segundo este autor, nos sculos XVI e XVII, a

anlise das semelhanas era a nica maneira de se conhecer o mundo. A ordenao e a

classificao eram base da cincia da estruturao social em que se diferenciavam os indivduos.

Os sculos XVII e XVIII apresentam uma matriz comum de organizao dando espao para o

surgimento de instituies reguladoras, como os manicmios, as prises, os conventos e por que

no dizer a escola e mais especificamente a Escola Especial que tambm tinha como finalidade

legitimar a excluso. Ela possua muito mais do que um propsito educativo, ela era a garantia de

isolamento do inconveniente.

Ao mesmo tempo em que a histria revela um lado pessimista e desencorajador, ela

tambm deixa mostra indcios de mudanas, que surgem de forma acanhada no sculo XIX e

vai aos poucos levando o homem a acreditar na construo de uma Escola Inclusiva.

Suspeita-se estar caminhando para esse ensino inclusivo quando so constatadas mudanas

na forma de se conceber socialmente a deficincia e na forma de lidar com os indivduos com

deficincia. Pode-se ainda ser preconceituoso e excludente, mas com certeza, no se tem mais o

mesmo homem do passado. Os conceitos, percepes, prticas e valores sofreram mudanas de

acordo com os acontecimentos histricos e as necessidades sociais trazidas por estes.

A verdade que se tem uma longa histria desde a excluso clara do deficiente na

sociedade at as tentativas de Incluso que se vive hoje. Por certo se afasta de um tipo de

excluso e, pelo menos, se sonha com um modelo de Incluso e isso extremamente positivo. O

que revela o caminhar para um tempo mais inclusivo a existncia atual de uma tica ou moral

que impede que as pessoas com necessidades especiais sejam entregues ao total abandono.

Na histria da humanidade, a viso e a conseqente compreenso que diferentes sociedades tiveram sobre a deficincia foram modificando-se ao longo do tempo. A relao deficincia/sociedade deve ser compreendida tendo como referncia os aspectos econmicos, polticos e sociais, incluindo tambm as concepes vigentes de homem, de educao e at mesmo com relao ao conceito de deficincia de cada perodo histrico. Nem sempre a sociedade teve preocupao com a vida, com o destino e, muito menos, com a

29

escolarizao de pessoas com deficincia. Ao contrrio, nota-se que, historicamente, elas foram desrespeitadas e excludas totalmente do convvio social, principalmente do contexto educacional, quando este passou a ser acessvel a um conjunto maior de pessoas da sociedade. (MOREIRA, 2006, p.25).

O passar dos sculos traz mudanas que chegam tambm questo da excepcionalidade,

como mostra Moreira (2006, p.31)

possvel notar que houve uma alterao na concepo e compreenso das deficincias, fortalecendo a tese da organicidade que defendia que as deficincias so causadas por fatores naturais e no espirituais, ou transcendentais, como se acreditava anteriormente. Esta passagem do conceito de deficincia do mbito transcendental ou espiritual para um conceito mais real colocou-se como um fator natural, ou seja, orgnico, possibilitando a ampliao dos estudos sobre o tema, longe da religiosidade e abrindo espao para os estudos no campo da medicina.

Registra-se na histria o atendimento ao excepcional e se v surgir a Educao Especial.

De acordo com Ferreira (1995), a literatura de Educao Especial registra a histria do

atendimento ao excepcional com dados mais precisos, ainda a partir de meados do sculo XVIII,

em alguns pases europeus e principalmente nos Estados Unidos.

Segundo esse autor,

[...] na primeira metade do sculo XIX, as instituies se fundavam na perspectiva do tratamento moral ou medicina moral, na linha de treino psicomotor, com imposio de hbitos regulares e freqentes, como oposio anomalia fisiolgica. Experincias concretas, atividades sensoriais aliadas crena na capacidade para aprender. Edouard Sguin, (1812-1880), Jean M.G. Itard (1775-1838) e, mais tarde, Maria Montessori (1870-1952) deixaram idias que ainda hoje so bsicas em Educao Especial: instruo individualizada, seqenciao cuidadosa de tarefas, nfase na estimulao, preparao meticulosa do ambiente e treino em habilidades funcionais. (FERREIRA 1995, p.19, grifo nosso).

No sculo XIX, as instituies de Educao Especial sofrem alteraes substanciais em

suas caractersticas. Presencia-se uma mudana na populao atendida. Com a descrena na

recuperao, os grupos economicamente favorecidos, que acreditavam na cura, deixam as

instituies, dando lugar aos pobres, aos delinqentes, aos culturalmente diferentes e aos

deficientes mais graves. Assumia-se, desta forma, a proteo da sociedade contra os no aceitos

por ela.

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Na primeira metade do sculo XIX, as instituies de Ensino Especial assentam-se no

aspecto do tratamento moral, na linha de treino psicomotor, com imposio de hbitos regulares,

impondo-se anomalia fisiolgica.

No final do sculo XIX e inicio do sculo XX d-se, de forma mais intensa a segunda fase

da institucionalizao com o movimento eugnico que se fazia presente em grande parte da

Europa e Estados Unidos, chegando at o Brasil. A partir dos estudos genealgicos realizados

principalmente na Inglaterra e Estados Unidos, presume-se que a deficincia mental e outras

caractersticas socialmente indesejveis eram transmitidas hereditariamente resultando em

medidas como esterilizao, maior isolamento e institucionalizao.

Em meio a todo esse processo de excluso, surge na dcada de 60 a idia de integrao

trazendo como objetivo a extino da excluso social a que foram submetidas muitas pessoas

nesses ltimos sculos.

Presencia-se nessa poca uma grande difuso das escolas especiais e centros de

reabilitao. Esse movimento apresentava como princpio a normalizao da pessoa com

deficincia e, por isso, tinha, como afirma Sassaki (1999), o mrito de inserir a pessoa com

deficincia na sociedade desde que esta estivesse de alguma forma capacitada a superar as

barreiras fsicas e atitudinais nela existentes. A integrao escolar o processo tradicional de

ajustar os alunos s estruturas fsica, administrativa, curricular, pedaggica e poltica da escola.

Ela trabalha com o pressuposto de que os alunos precisam ser capazes de aprender de acordo

com certo critrio pr-estabelecido pelo sistema de ensino.

No caso de alunos com deficincia (mental, auditiva, visual, fsica ou mltipla), a escola

comum condicionava a sua aceitao a uma prontido, que somente as escolas especiais (e, em

muitos casos, as classes especiais) poderiam desenvolver. E mesmo aceitos sob esta condio,

estes alunos ficavam sujeitos a serem devolvidos s classes especiais ou escolas especiais se mais

tarde viessem a apresentar dificuldades de aprendizagem e/ou de relacionamento.

A Educao Especial sofre, ao longo dos anos, queda e ascenso, colaborando,

consequentemente, com o surgimento de novos paradigmas. Aranha (2000) mostra quais foram

essas mudanas de paradigmas. O primeiro deles o paradigma da institucionalizao ou

segregao, cuja idia principal era de que a pessoa com deficincia ficaria melhor protegida e

cuidada se fosse mantida em ambiente apartado da sociedade. Com base nesse paradigma foram

criados e mantidos os asilos e as instituies especializadas, onde esses indivduos eram deixados

31

por toda vida, livrando a sociedade de suas presenas. No Brasil, a existncia dessas instituies

percebida ainda no sculo XVIII, antes da chegada da famlia real ao pas.

Com o decorrer do tempo, essa prtica de segregao e, conseqentemente, este paradigma

foram desaparecendo, aniquilados pelas severas crticas recebidas, o que fez com que surgisse

um novo paradigma9, denominado de Servios ou de Integrao.

Neste novo paradigma, que surgiu na dcada de 1960, considerava-se a pessoa com

deficincia merecedora do convvio social apenas, e to somente, se viesse a se tornar

semelhante aos demais indivduos da sociedade. Como conseqncia desse novo

posicionamento, surgem as instituies, entidades e organizaes procurando prepar-las para

integrar-se sociedade.

No final da dcada de 1990, esse paradigma tambm comea a desaparecer, vtima das

denncias feitas por instituies sociais, organizaes de pessoas com deficincia e parte da

comunidade acadmica que afirmam ser a prtica de integrao social insuficiente para acabar

com o preconceito e a discriminao contra esse grupo, no propiciando assim a participao

deles na sociedade, de forma plena.

Assim, d-se incio a uma fase em que passou a vigorar um terceiro paradigma,

denominado Paradigma de Suporte, fundamentado nos conhecimentos tcnico-cientficos sobre

os ganhos, pessoais e sociais, advindos da convivncia com a diversidade. Este paradigma exigia

interveno, tanto junto s pessoas com deficincia, como junto sociedade para que esta

tambm se adaptasse diversidade. A sociedade deveria se adaptar para poder incluir as pessoas

com necessidades em seus sistemas gerais enquanto que essas simultaneamente se preparassem

para assumir papis dentro da sociedade.

Seguindo este ltimo modelo, surge o Paradigma da Incluso, que, segundo Mrech (2005),

parte de um movimento mundial denominado Incluso social que teve incio com a luta pelos

Direitos Humanos e passou a ser discutido, mais amplamente, a partir de 1990, quando houve a

realizao da Conferncia Mundial sobre Educao para Todos, em Jomtiem, na Tailndia, em

1990. Um marco importante desse movimento foi a realizao da Conferncia Mundial sobre

Necessidades Especiais: Acesso e Qualidade, realizada em Salamanca, na Espanha, em 1994,

9 Paradigma um modelo mental, uma forma de ver o mundo, um modelo de referncia, filtrando outras percepes, contedos determinados etc. Ele estabelece um modelo de pensamento e/ou de crenas atravs do qual o mundo pode ser interpretado (MRECH, 2005).

32

com a finalidade alcanar o objetivo dessa educao, bem como promover o debate sobre as

mudanas de poltica necessrias para a abordagem da Educao Inclusiva.

A difuso deste paradigma parece ter sido mais amplamente sentida a partir de 2000,

quando se intensificou as discusses sobre educao inclusiva trazidas pelo lanamento dos

Parmetros Curriculares Nacionais 199710, o lanamento dos Parmetros Curriculares Nacionais

da Educao Especial11, do Plano Nacional de Educao12 e das Diretrizes Nacionais da

Educao Especial na Educao Bsica13.

Segundo esse paradigma, necessrio entender e respeitar a diversidade humana, criando

condies para que qualquer pessoa, em qualquer instncia social tenha sua participao

garantida e que no haja tentativa de trazer a pessoa com necessidade especial para os sistemas

comuns de ensino, com inteno de normaliz-la.

A partir das conferncias em Jomtiem e em Salamanca, aumentam os debates e reflexes

sobre as mudanas educacionais necessrias para que a proposta de ensino inclusivo pudesse

efetivar-se na realidade educacional. Segundo S. Stainback e W. Stainback (1999), para que isso

acontea, a escola precisa ser modificada, a fim de possibilitar ao aluno as condies necessrias

para que desenvolva a aquisio de conhecimentos.

Ainda de acordo com esses autores, h trs componentes interdependentes no ensino

inclusivo que so: 1) a rede de apoio a coordenao de equipes e sujeitos que apiam uns aos

outros por meio de conexes formais e informais; 2) a consulta cooperativa e o trabalho em

equipe conjunto de vrios especialistas para planejar e implementar programas em ambientes

interligados para diferentes alunos; 3) a aprendizagem cooperativa criao de uma atmosfera

de aprendizagem em sala de aula, na qual indivduos com habilidades e interesses diferentes

consigam alcanar seu potencial. Alm disso, esses autores afirmam que os benefcios trazidos

pelo ensino inclusivo contemplam no apenas as pessoas com necessidades especiais, mas

tambm os outros alunos, professores e toda a sociedade.

A concluso a que se chega que a Incluso constitui um novo paradigma em que

predominam desejos e atitudes de incluir na sociedade todos os indivduos, ou seja, a partir desse

paradigma seria possvel uma sociedade onde a diferena fosse vista apenas como diversidade. O

10 BRASIL, 1997. 11 BRASIL, 1998a. 12 BRASIL, 2001a. 13 BRASIL, 2001b.

33

tema polmico, sem dvida. E as investigaes sobre a Incluso escolar, embora em expanso,

ainda so escassas. Por essa razo, no se pode definir, com preciso e exatido, se existem e de

que natureza so as propostas de Incluso escolar em nosso grande e diversificado pas.

Nossas escolas enquanto instituio social produtora de conhecimentos tem utilizado

processos de controle perversos preparando/treinando em definitivo os indivduos das camadas

populares para assumirem seus lugares de excludos da vida social e, em conseqncia,

vivenciarem a marginalizao cultural, econmica e poltica.

Ferraro (1987) afirma que de nada adianta incluir as crianas das camadas populares na

escola se a lgica que rege o funcionamento desta a lgica da excluso. Esse mesmo raciocnio

pode certamente, ser estendido para as pessoas com deficincia. Aprende-se que se tem que

transformar a escola e torn-la um espao de Incluso, no entanto se v que o espao escolar,

mesmo denominando-se inclusivo, acaba por excluir no somente os pobres, como tambm as

pessoas com deficincia.

A histria da excluso deve ser revista no apenas a ttulo de conhecimento, mas para que,

por meio dela, seja possvel levantar questionamentos e refletir sobre as leis de Incluso e a

segregao, bem como compreender os mecanismos desta cultura ao longo da histria.

2.1 A Educao Inclusiva no Contexto das Polticas Pblicas

A Educao Inclusiva no surgiu por acaso, ou do nada. Sua base talvez seja a Escola

Especial, apesar das inmeras crticas que se faz dela, hoje. De acordo com Mrech (2005), a

Escola Especial surge por volta de 1500, na Frana, ainda com movimentos acanhados de ensinar

a pessoa com deficincia. Entre 1760 e 1780, so criados institutos, contemplando a educao de

surdos e cegos.

Contudo, foi somente a partir do sculo XIX (1848), nos Estados Unidos, que as pessoas

com deficincia mental passam a receber ateno diferenciada e, apenas no final do sculo

XVIII, nos Estados Unidos e Canad, que os atendimentos s pessoas com outros tipos de

distrbios e deficincias comeam a ser registrados. As primeiras classes especiais passam a

existir a partir de 1900, dentro de escolas comuns.

34

Foi a partir da Declarao Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948 pela

Organizao das Naes Unidas, que se percebe mais visivelmente uma maior disseminao dos

movimentos dos diretos humanos, abrindo, conseqentemente, novos espaos para os

movimentos em busca de ateno, respeito e compromisso com o segmento constitudo pelas

pessoas com deficincia. E, a partir de 1950, comeam a ganhar fora os movimentos

organizados pelos pais das pessoas com deficincia em prol da educao destas. No Brasil, as

primeiras instituies surgem aps 1850 e voltaram-se ao atendimento das pessoas surdas e

cegas. Lentamente esses atendimentos foram sendo ampliados, at que, em 1957, a educao da

pessoa com deficincia passa a ser assumida, em nvel nacional, por cinqenta e quatro

APAEs14.

Depois dessa declarao, o que mais significativamente foi produzido neste setor foi a

Declarao dos Direitos das Pessoas Deficientes, promulgada em 1975, que apelava s naes

que assegurassem a utilizao deste documento como referncia para se cumprir os direitos das

pessoas com deficincia. Essa Declarao afirma que

[...] o direito, de todas as pessoas deficientes, sem qualquer discrio ou discriminao com base em raa, cor, sexo, lngua, religio, opinies pblicas ou outras, origem social ou nacional, estado de sade, nascimento, ou qualquer outra situao que diga respeito ao prprio deficiente ou a sua famlia (Art. 2) [...] ao respeito por sua dignidade humana (Art. 3) [...] a medidas que visem capacit-las a tornarem-se to autoconfiantes quanto possvel (Art. 5) [...] a tratamento mdico, psicolgico e funcional [...] a servios que lhe possibilitem o mximo desenvolvimento de sua capacidade e habilidades e que acelerem o processo de sua integrao social (Art. 6) [...] a segurana econmica e social e a um nvel de vida decente e, de acordo com suas capacidades, a obter e manter um emprego ou desenvolver atividades teis, produtivas e remuneradas e participar dos sindicatos (Art. 7) [...] de ter suas necessidades especiais levadas em considerao em todos os estgios de planejamento econmico e social (Art. 8) [...] de viver com suas famlias ou com pais adotivos e de participar de todas as atividades sociais, criativas e recreativas [...] se a permanncia de uma pessoa deficiente em um estabelecimento especializado for indispensvel, o ambiente e as condies de vida desse lugar devem ser, tanto quanto possvel, prximas da vida normal de pessoas de sua idade (Art. 9) [...] a proteo contra toda explorao, todos os regulamentos e tratamentos de natureza discriminatria, abusiva ou degradante (Art. 10), e a assistncia legal qualificada (Art. 11) (ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS, 1975).

14 APAE uma organizao social que atua no atendimento s pessoas com deficincia.

35

Ainda neste mesmo ano, por meio da Lei 94.14215 os Estados Unidos iniciam seus

programas e projetos em prol da Educao Inclusiva estabelecendo por meio dessa lei a

modificao dos currculos e a criao de uma rede de informao entre escolas, bibliotecas,

hospitais e clnicas.

O ano de 1981 foi consagradamente o Ano Internacional das Pessoas Deficientes e, em

1982, a ONU lanava no cenrio mundial, o Programa de Ao Mundial relativo s Pessoas com

Deficincia, consolidada pela Resoluo 37/52, de 03 de dezembro do mesmo ano16.

Em outras partes do mundo os movimentos de Educao Inclusiva tambm acontecem. De

Bristol, na Inglaterra partem importantes documentos a respeito da Educao Especial, como o

UN Convention on the Rights of the Child, em 1989.17

Em 1990 proclamada a Declarao Mundial sobre Educao para Todos, acompanhada

por um plano de ao para satisfazer as necessidades bsicas de aprendizagem, em que os pases

membros da Organizao das Naes Unidas manifestam compromisso com a universalizao

do acesso educao e a promoo da equidade, fazendo meno s pessoas com deficincia e

garantindo seu acesso educao (art. 3 item 5). 18

Em 1993, por meio da Resoluo 48/96, de 20 de dezembro, a Assemblia Geral da ONU

promulga o documento Normas sobre a equiparao de oportunidades para pessoas com

deficincia19, que define que o ensino nas escolas comuns dever pressupor a prestao de

servios de apoio e acessibilidade s pessoas com deficincia e, nas situaes em que o sistema

geral de ensino no demonstre condio de atender s necessidades de toda clientela, deve-se

considerar a possibilidade de estabelecer o ensino especial, que dever estar em perfeita sintonia

com o sistema geral de ensino, garantindo a todos a mesma qualidade de escolaridade.

Segundo Mazzotta (2003), o atendimento s pessoas com deficincia no Brasil deu-se no

sculo XIX, inspirado nas experincias norte-americanas e europias, por meio de iniciativas

oficiais e particulares isoladas de indivduos e grupos sociais. E, portanto, muito recente a defesa

do direito educao das pessoas com deficincia nessa sociedade. Esses direitos so vistos mais

claramente na atualidade com a promulgao da nova LDB20 e da Constituio Federal, que

15 Cf. MRECH, 2005. 16 BRASIL, 2004. 17 UNITED NATIONS GENERAL, 1989. 18 ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS, 1990. 19 ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS, 1993. 20 BRASIL, 1996.

36

assegura, no seu Art. 5, que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito

vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade. (BRASIL, 1988).

Mas o que se percebe que h uma contradio entre a nova LDB (1996) e a Constituio,

pois, enquanto a primeira explicita a Educao Especial como uma modalidade de ensino

separado da modalidade regular, a segunda refere-se ao atendimento educacional especializado,

afirmando que este deve ser oferecido de forma complementar para melhor atender s

especificidades dos indivduos com deficincia.

A Lei n. 4024/61 dedicou os artigos 8 e 921 educao das pessoas com deficincia e/ou

superdotadas naquela poca chamadas de excepcionais recomendando o atendimento

especializado, o que levou criao dos Servios de Educao Especial nos mbitos Federal,

Estadual e Municipal.

Segundo Bueno (1993), presenciou-se nessa poca a uma grande expanso dos

atendimentos da Educao Especial foi, de fato,significativa, a influncia das escolas comuns e

especializadas nas polticas de Educao Especial no Brasil.

Em 1971, nova Lei promulgada, prevendo de forma clara o tratamento especializado aos

alunos com deficincia, aos que apresentassem defasagem idade/srie e aos superdotados, sendo

os Conselhos de Educao Federal, Estaduais e Municipais responsveis pela fixao das normas

de funcionamento desse tratamento. A Lei n 5.692 de 11 de agosto de 197122, tratou da

necessidade de profissionalizar a pessoa com deficincia e foi alterada em 18 de outubro de

1982, transformando-se na Lei n 7044, no contendo nenhuma modificao referente

Educao Especial.

Em 1994, a partir da Declarao de Salamanca, na Espanha, as idias de Incluso

difundem-se por vrios pases do mundo, inclusive pelo Brasil e passam a orientar legislaes

que, at ento, previam a Educao Especial.

Carvalho (2000) nos permite conhecer e compreender melhor o panorama desta poca.

Segundo essa autora, constata-se, no nono artigo dessa lei que os cegos e os surdos (deficientes

sensoriais) encontram-se englobados na lei como deficientes fsicos. Percebe-se tambm que h

um indevido encaminhamento dos alunos com defasagem idade/srie para as classes especiais, o

21 BRASIL, 1961. 22 BRASIL, 1971.

37

que pode leva-los a abandonar a escola ao se tornarem repetentes crnicos, o que injusto, pois a

defasagem idade/srie pode no estar ligada a distrbios de aprendizagem.

Com a promulgao da Constituio de 1988 (BRASIL, 1988), pequenas modificaes

foram sendo percebidas nas escolas, edifcios e espaos urbanos. Essa Constituio elege, como

fundamentos principais de nossa Repblica, a dignidade e a cidadania da pessoa humana, como

fica claro no Art. 1 incisos II e III:

Art. 1 - A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: II- A cidadania; III- A dignidade da pessoa humana.

E tem como um de seus principais objetivos a promoo do bem de todos, sem

preconceitos de origem, sexo, cor, raa, idade e quaisquer outras formas de discriminao:

Art. 3 - Inciso IV: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminao.

Em 20 de dezembro de 1996, aps oito anos de inmeras discusses no Congresso

Nacional Brasileiro, sancionada uma nova LDB, n 939423, constando nesta apenas um nico

captulo sobre a Educao Especial, o Captulo V, que diz entender a Educao Especial como

uma modalidade de educao escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino,

aos portadores (termo utilizado na poca) de necessidades especiais (art. 58) especificando em

seus pargrafos que:

1 - Haver, quando necessrio, servios de apoio especializado, na escola regular, para atender s peculiaridades da clientela de Educao Especial. 2 - O atendimento educacional ser feito em classes, escolas ou servios especializados, sempre que, em condies especficas dos alunos, no for possvel a sua integrao nas classes comuns de ensino regular. 3 - A oferta de Educao Especial, dever constitucional do Estado, tem incio na faixa etria de zero a seis anos, durante a educao.

Seu Artigo 59 assegura atendimento aos educandos com necessidades especiais por meio de:

I- Currculos, mtodos, tcnicas, recursos educativos e organizao especfica, para atender s suas necessidades especiais;

23 BRASIL, 1996.

38

II- Terminalidade especfica24 para aqueles que no puderem atingir o nvel exigido para a concluso do Ensino Fundamental, em virtude de suas deficincias, e acelerao para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III- Professores com especializao adequada em nvel mdio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integrao desses educandos nas classes comuns; IV- Educao Especial para o trabalho, visando a sua efetiva integrao na vida em sociedade, inclusive condies adequadas para os que no revelarem capacidade de insero no trabalho competitivo, mediante articulao com os rgos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas reas artstica, intelectual ou psicomotora; V- Acesso igualitrio aos benefcios dos programas sociais suplementares disponveis para o respectivo nvel do ensino regular.

Seu artigo 60 estabelece (a fim de obteno de apoio tcnico e financeiro do Poder Pblico)

critrios de caracterizao das instituies privadas, especializadas e com atuao exclusiva em

Educao Especial (SAVIANI, 1997).

Segundo Sassaki (1997), a Declarao de Salamanca o mais completo documento, j

normatizado, sobre Incluso na educao. Esta foi aclamada por mais 300 participantes

representando 92 pases e 25 organizaes internacionais, presentes na Conferncia Mundial

sobre Educao de Pessoas com Necessidades Especiais: Acesso e Qualidade, realizada em julho

de 1994, em Salamanca, na Espanha, promovida pelo governo espanhol e pela UNESCO.

Neste documento fica evidenciado que a Educao Inclusiva no se destina apenas s

pessoas com deficincia e sim a todas as pessoas que tenham necessidades educacionais

especiais em carter permanente, intermitente ou temporrio.

Em 2001, com a resoluo n 2/2001, que instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educao

Especial na Educao Bsica (BRASIL, 2001b), percebe-se um avano na perspectiva da ateno

diversidade humana. O ento presidente Fernando Henrique Cardoso promulga, por meio do

decreto n 3.956 de outubro25 deste mesmo ano, a Conveno Interamericana para a Eliminao

24 Entenda-se por Terminalidade Especfica um documento comprobatrio de escolaridade especifica (1. 4. srie), expedido mediante constatao de dficit cognitivo do educando, que comprometa a aprendizagem integral dos contedos estabelecidos pelos PCNs e aps desenvolvimento de atividades de adaptaes curriculares nos nveis do projeto pedaggico, do currculo e plano individualizado (Resoluo 02 de 11/09/2001, art. 16, Cf. BRASIL, 2001d).

25 BRASIL, 2001c.

39

de Todas as Formas de Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia, realizada na

Guatemala. Em seu artigo. 1, inciso II, alinea a encontra-se a definio clara do que esta

conveno considera discriminao:

Toda diferenciao, excluso ou restrio baseada em deficincia, antecedente de deficincia, conseqncia anterior ou percepo de deficincia presente ou passada, que tenha o efeito ou propsito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exerccio por parte das pessoas portadoras de deficincia de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

Alm de explicitar com clareza no artigo I, inciso II, alinea b, o que no considera

discriminao:

No constitui discriminao a diferenciao ou preferncia adotada pelo Estado, parte para promover a integrao social ou desenvolvimento pessoal dos portadores de deficincia, desde que a diferenciao ou preferncia no limite em si mesma o direito igualdade dessas pessoas e que elas no sejam obrigadas a aceitar tal diferenciao ou preferncia .

Segundo Mrech (1998), h programas de educao inclusiva na maioria dos pases do

mundo como: Itlia, Mxico, Canad, Frana, Inglaterra, Alemanha e muitos outros. Ainda de

acordo com esta autora, um dos mais importantes documentos que se tem atualmente o

Provision for Children with Special Educacional Needs in the Asia Region, que inclui pases

como: Brunei, China, Hong Kong, Bangladesh, ndia, Tailndia, Indonsia, Japo, Coria,

Filipinas, Paquisto, Malsia, Nepal, Singapura e Sri Lanka. Nos Estados Unidos, vrios estados

tambm esto aplicando a Educao Inclusiva entre eles esto os estados de: New York,

Massachussets, Minnesota, Virgnia dentre outros.

No Brasil, a preocupao com a Incluso tambm tem se difundido pelas diversas regies

do pas. Em 2002, na 25 Reunio Anual da ANPED, o GT da Educao Especial colocou como

uma de suas prioridades temticas a avaliao das polticas pblicas na rea, que resultou na

demonstrao das polticas regionais de Educao Especial no Brasil apresentando,

conseqentemente, um panorama de Incluso nas cinco regies do pas.

De acordo com essa pesquisa, realizada pelos coordenadores regionais da ANPED26, o

Estado de Gois possui uma compreenso diferenciada das modalidades de ensino a serem

26 ASSOCIAO NACIONAL DE PS GRADUAO E PESQUISA EM EDUCAO, 2003.

40

oferecidas. Segundo os documentos enviados a essa coordenao, a Educao Especial, em

Gois, dever ser oferecida segundo as diferentes modalidades previstas que so: Escolas

Inclusivas (unidades da rede pblica ou privada preocupadas em valorizar a diversidade

humana), com o apoio de servios especializados de natureza pedaggica e/ou de reabilitao. A

Educao Inclusiva ser viabilizada por meio dos programas realizados em hospitais, clnicas ou

domiclio; atendimento s pessoas com sndrome do autismo e outros atrasos do

desenvolvimento; atendimento aos alunos com indcios de altas habilidades; estimulao

precoce; centros de Educao Especial; programa de educao profissional, oficinas

pedaggicas, cooperativas de trabalho, ncleo cooperativo e ncleo ocupacional; programa de

comunicao de surdos; programa de preveno e deteco de deficincias; programa de apoio

famlia de pessoas com deficincia.

O Programa Estadual de Educao para a Diversidade (GOIS, 2004) numa Perspectiva

Inclusiva adotado no Estado recomenda ainda a no criao de novos Centros de Educao

Especial e a no implantao de classes especiais e salas de recursos de apoio pedaggico.

Dando continuidade ao trabalho anteriormente iniciado, na 26 reunio anual da ANPED,

realizada em 2003, nova pesquisa acerca da Incluso27 no Brasil foi realizada. Desta vez a

investigao teve como meta a descrio e anlise de polticas de Incluso escolar em cinco

diferentes municpios de diferentes regies brasileiras. Este trabalho mobilizou cinco equipes nos

municpios de Porto Alegre, Belm, Natal, Campo Grande e Diadema que receberam apoio de

outros colegas de universidades e de redes de ensino das cidades citadas. O objetivo era conhecer

a operacionalizao e o cotidiano de polticas educacionais que apresentam sintonia com os

pressupostos da Incluso escolar. Os relatrios dessa pesquisa revelaram que o processo de

Incluso escolar anda a passos lentos e com muito esforo, tem se tornado articulado.

2.2 A Legislao para o Atendimento s Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais no Estado de Gois

Nos ltimos dois anos da dcada de 70 e, mais especificamente a partir de 1980,

dispositivos legais como a Lei n. 8.780/8028, a Portaria n. 1.674/82, a Lei n 10.160/87, a

27 ASSOCIAO NACIONAL DE PS GRADUAO E PESQUISA EM EDUCAO, 2004. 28 GOIS, 1980.

41

Resoluo n. 121/91, a Resoluo n. 727/9329 propiciaram condies para gerar a estrutura do

rgo que assumiu a coordenao das aes de Educao Especial no Estado de Gois e que, a

partir de 1987, por meio da Lei n 10.160, de 9/4/87, passou a chamar-se Superintendncia de

Ensino Especial, vinculada Secretaria Estadual de Educao.

Esta Superintendncia, inicialmente identificada pela sigla Supee (hoje Suee), tinha como

objetivo, desde o princpio, elaborar e fazer cumprir polticas, planejar, coordenar, supervisionar,

assessorar e executar os programas de Educao Especial nos nveis de pr-escola, 1, 2 e 3

graus, baseando-se nos princpios de integrao, normalizao, individualizao e

descentralizao regional, em conformidade com as legislaes nacionais que pautaram as

atuaes e estruturas de servios nos diferentes Estados brasileiros (Leis de Diretrizes e Bases da

Educao Nacional LDBEN - n 4.024/6130, n 5.692/7131 e n 9.394/9632).

Contudo, para que se possa compreender a cronologia da organizao do atendimento em

Educao Especial no mbito do Estado, faz-se necessrio identificar tambm o papel do

contexto social mais amplo que gerou iniciativas no seio da sociedade voltadas para essa

populao.

De acordo com Almeida (2003), foi somente em 1952 com a criao da Vila So

Cotolengo, em Trindade/GO, que tem incio o atendimento de carter privado s pessoas com

deficincia em Gois. Antes disso no h nenhuma informao oficial sobre o atendimento a

essas pessoas no mbito do Estado, seja em nvel de organizao da sociedade civl, seja como

resultado de metas e aes governamentais.

Em 1953, por meio da lei n 92633, cria-se o Instituto Pestalozzi em Goinia e, vinte anos

depois, a Seo de Ensino Especial em Goinia que passa, em 1976, a funcionar como Diviso

de Ensino Especial na Unidade de Ensino de 1 grau, permanecendo assim at 1982 quando se

extingue a Diviso de Ensino Especial e cria-se, com a portaria n 1674, a Unidade de Ensino

Especial, vinculada Superintendncia de Assuntos Educacionais da Secretaria Estadual de

Educao.

Em 1979, o Conselho Estadual de Educao do Estado, por meio das Resolues n 255 e

256, baixa normas sobre o funcionamento dos estabelecimentos de Educao Especial no Estado.

29 GOIS, 1993. 30 BRASIL, 1961. 31 BRASIL, 1971. 32 BRASIL, 1996. 33 GOIS, 2004.

42

No entanto, a referida Lei n 8.780 de 23 de janeiro de 198034, que dispunha sobre o Sistema

Estadual de Ensino de Gois, s foi promulgada uma dcada aps a promulgao da Lei de

Diretrizes e Bases de 1971, ainda no contemplando as pessoas com deficincia fsica e

sensorial. Apenas em 1987 que a Educao Especial passa a ocupar um lugar significativo na

estrutura organizacional do Estado com a criao da Superintendncia de Ensino Especial, por

meio da Lei n 10160 de 09 de abril, art. 13, inciso XIII, alnea d35, estando a partir de ento

vinculada diretamente Secretaria de Educao, antes disso o que se tinha era uma Unidade de

Ensino Especial.

Desde a criao da Superintendncia do Ensino Especial, a Educao Especial ficou

vinculada diretamente Secretaria da Educao do Estado, tornando os programas especiais

menos burocrticas e, portanto mais geis. Abrem-se novas escolas especiais na rede estadual,

classes especiais, salas de recursos e de apoio, na capital e tambm em cidades do interior do

Estado. As Subsecretarias Regionais de Ensino realizam cursos de capacitao de docentes e

firmam convnios com instituies particulares.

Somente em 1995, oito anos depois da criao dessa Superintendncia, que a mesma

define o conceito, o objetivo e a clientela do Ensino Especial que, segundo o documento

Educao Especial em Gois (GOIS, 1995) foi definido como sendo um processo cujo objetivo

era o de promover o desenvolvimento das potencialidades das pessoas com deficincia, (ou

portadoras de deficincia, como eram chamadas na poca), condutas tpicas ou altas habilidades

abrangendo diferentes graus e nveis de ensino: Escola Especial Classe Especial, Classe Comum,

Classe Integradora, Sala de Recursos, Classe Comum com Apoio Especializado, Oficina

Pedaggica, Sala de Estimulao Essencial e Atendimento