uma anÁlise da abordagem da fÓrmula poliedral … · 2017-06-05 · por todo amor e apoio. 6...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO TATIANA LEAL DA COSTA UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM DA FÓRMULA POLIEDRAL DE EULER EM LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA CUIABÁ-MT 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

TATIANA LEAL DA COSTA

UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM DA FÓRMULA

POLIEDRAL DE EULER EM LIVROS DIDÁTICOS DE

MATEMÁTICA

CUIABÁ-MT

2013

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

TATIANA LEAL DA COSTA

UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM DA FÓRMULA

POLIEDRAL DE EULER EM LIVROS DIDÁTICOS DE

MATEMÁTICA

Cuiabá-MT

2013

2

TATIANA LEAL DA COSTA

UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM DA FÓRMULA POLIEDRAL DE

EULER EM LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do título

de Mestre em Educação, na Área de Concentração

Educação, Linha de pesquisa Educação em Ciências e

Matemática.

Orientadora: Profa. Dra. Luzia Aparecida Palaro

Cuiabá-MT

2013

3

4

[Digite uma citação do documento

ou o resumo de uma questão

interessante. Você pode posicionar

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Ferramentas de Caixa de Texto para

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5

Dedicatória

A minha mãe, Maria Lúcia

Ao meu pai, Adauto

Ao meu irmão, Fábio

Por todo amor e apoio.

6

Agradecimentos

A Deus, por tudo que tenho conquistado.

A minha família pelo incentivo e apoio para que eu continuasse no prosseguimento dos meus

estudos: minha mãe, Maria Lúcia; meu pai, Adauto e meu irmão, Fábio.

A minha orientadora Professora Doutora Luzia Aparecida Palaro, por acreditar em mim e

possibilitar a concretização desta pesquisa.

À Banca Examinadora, Professor Doutor Saddo Ag Almouloud, Professora Doutora Gladys

Denise Wielewski, Professor Doutor Almir César Ferreira Cavalcanti, por terem aceitado

participar da banca e pelas contribuições que permitiram o aperfeiçoamento deste trabalho.

Aos colegas de turma e aos colegas que conheci durante esta etapa da minha vida no

Mestrado em Educação na linha de pesquisa em Educação em Ciências e Matemática:

Rosalina, Simone, Neuraídes, Heliete, Endrigo, Marfa, Lilian, Daniela, Elisangela, Handus,

Lysania, Anne, Célia, Willian, Sandro, Glória, Aloisio, Mychelle, Gresiela, Mirta e Dilson.

Aos professores e pessoal administrativo do Programa de Pós-Graduação em Educação.

À CAPES/REUNI pelo auxílio financeiro e à Universidade Federal de Mato Grosso por

possibilitar a formação de professores.

A todos que direta e indiretamente contribuíram para a realização desta pesquisa.

7

RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo geral analisar a abordagem do conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler em livros didáticos de matemática brasileiros, destinados ao ensino de nível

médio, publicados no período anterior, durante e posterior ao Movimento da Matemática

Moderna (MMM). Para isso, adotamos a pesquisa qualitativa em que realizamos um estudo

histórico, bibliográfico, documental e interpretativo para compreender a transposição didática

do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler em livros didáticos publicados em diferentes épocas

uma vez que, ao longo do tempo, este saber adquiriu diferentes nuances do “saber sábio”, até

ser, na atualidade, apresentado basicamente como uma curiosidade sobre o estudo de

Poliedros. Por essas modificações, adotamos como referenciais teóricos para a análise dos

livros, a Teoria da Transposição Didática e a Teoria Antropológica do Didático, ambas do

educador matemático francês Yves Chevallard, por fornecerem elementos para o estudo da

organização matemática e didática do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, nos livros

didáticos. Dos resultados da análise, percebemos que até o período do MMM, a Fórmula

Poliedral de Euler era abordada de forma muito próxima ao “saber sábio”. Porém, os livros

didáticos do período do MMM se distinguem dos anteriores, pois adotam a linguagem

matemática defendida por este Movimento. Já os livros didáticos posteriores ao MMM não

apresentam a Fórmula Poliedral de Euler próximo ao “saber sábio”, simplesmente buscam por

meio de representações figurais no texto e/ou exercícios, fazer com que o próprio aluno

consiga identificar a Fórmula e/ou que a aceite como verdadeira após a apresentação de

algumas representações figurais de poliedros convexos no livro. Notamos que ao longo dos

períodos investigados a apresentação do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler se distingue nos

livros, caracterizados pelo momento histórico de cada época.

Palavras-chave: Educação Matemática. Livro Didático. Fórmula Poliedral de Euler.

Teoria da Transposição Didática. Teoria Antropológica do Didático.

8

ABSTRACT

This research has the main objective to analyze the approach of content Formula

Polyedral of Euler for Brazilian mathematics textbooks, intended for middle-level education,

published in the period before, during and after to the Movement of Modern Mathematics

(MMM). For this, we adopted the qualitative research in that we conducted a study historical,

bibliographical, documentary and interpretive to understand the didactic transposition of the

content Formula Polyhedral of Euler in textbooks published at various times since, over time,

this knowledge has acquired different varieties of the "knowing wise" until to be, nowadays,

presented simply as a curiosity about the study of polyhedra. By these changes, we adopted as

reference analysis theoretical to the textbooks the Theory of Didactic Transposition and the

Anthropological Theory of Didactics, from the french mathematician educator Yves

Chevallard, by providing elements for the study of mathematics organization and didatic

organization the content Formula Polyhedral of Euler in textbooks. From the analysis results,

we noted that until the period of the MMM, the Formula Polyhedral of Euler was approached

very close to the "knowing wise”. However, the textbooks of the period MMM differ from the

textbooks of the period previous, because them adopt the language mathematic championed

by this movement. Already textbooks after the MMM do not present the Formula Polyhedral

of Euler close to the “knowing wise”, they just seek through figural representations in text

and/or exercises that the students themselves identify the formula and/or accept as true after

presentation of some figural representations of convex polyhedra in the textbook. We noted

that over the period investigated the presentation the content Formula Polyhedral of Euler

differ in the books, characterized by the historical moment of each period.

Keywords: Mathematics Education. Textbooks. Formula Polyhedral of Euler. Theory

of Didactic Transposition. Anthropological Theory of Didactics.

9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Os cinco poliedros regulares ou poliedros de Platão ................................................ 52

Figura 2: Poliedro usado por Euler na demonstração da Proposição I ..................................... 57

Figura 3: Poliedro dado por Sandifer ....................................................................................... 58

Figura 4: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD1 ................................................. 82

Figura 5: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD2 ................................................. 88

Figura 6: Resolução apresentada no LD2 para a tarefa resolvida ............................................ 89

Figura 7: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD3 ................................................. 94

Figura 8: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no capítulo 3 do LD4 (parte 1) ............. 99

Figura 9: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no capítulo 3 do LD4 (parte 2) ........... 100

Figura 10: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no capítulo 4 do LD4 ....................... 101

Figura 11: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD6 ............................................. 108

Figura 12: Resolução apresentada no LD6 para a tarefa resolvida 1 ..................................... 109

Figura 13: Resolução apresentada no LD6 para a tarefa resolvida 2 ..................................... 109

Figura 14: Resolução apresentada no LD6 para a tarefa resolvida 3 ..................................... 110

Figura 15: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD7 ............................................. 113

Figura 16: Resolução apresentada no LD7 para a tarefa resolvida ........................................ 114

Figura 17: Tarefa proposta 5 do LD7 ..................................................................................... 115

Figura 18: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD8 ............................................. 117

Figura 19: Resolução apresentada no LD8 para a tarefa resolvida 1 ..................................... 118

Figura 20: Resolução apresentada no LD8 para a tarefa resolvida 2 ..................................... 119

Figura 21: Resolução apresentada no LD8 para a tarefa resolvida 3 ..................................... 119

Figura 22: Resolução apresentada no LD8 para a tarefa resolvida 4 ..................................... 120

10

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Livros didáticos de matemática consultados por período e ano .............................. 26

Quadro 2: Livros didáticos de matemática selecionados por período e ano ............................ 28

Quadro 3: Número dos elementos (V, A e F) dos poliedros regulares ..................................... 54

Quadro 4: Comparação entre o programa de matemática da portaria ministerial n°177/1943

(área de geometria) e parte do sumário do LD1 ....................................................................... 84

Quadro 5: programa de matemática (portarias ministeriais nº 966 e nº 1045/1951) apresentado

no LD2 ...................................................................................................................................... 86

Quadro 6: Programa de matemática publicado no Diário Oficial de São Paulo em 1965 (2°

ciclo) ......................................................................................................................................... 92

Quadro 7: Conteúdos listados nos capítulos 3 e 4 do LD4 ....................................................... 97

Quadro 8: Síntese sobre a desincretização do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros 121

Quadro 9: Síntese sobre as noções matemáticas do saber Fórmula Poliedral de Euler nos

livros ....................................................................................................................................... 122

Quadro 10: Síntese sobre a programabilidade do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

................................................................................................................................................ 123

Quadro 11: Síntese sobre a dialética antigo/novo do saber Fórmula Poliedral de Euler nos

livros ....................................................................................................................................... 124

Quadro 12: Síntese sobre a publicidade do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros ..... 124

Quadro 13: Síntese sobre a despersonalização do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

................................................................................................................................................ 125

Quadro 14: Síntese sobre criações didáticas do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

................................................................................................................................................ 126

11

LISTA DE SIGLAS

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CIEM – Comissão Internacional do Ensino da Matemática

CNLD – Comissão Nacional do Livro Didático

COLTED – Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático

Enem – Exame Nacional do Ensino Médio

EJA – Educação de Jovens e Adultos

F.I.C – Frères de L’instruction Chrétienne

FENAME – Fundação Nacional de Matemática Escolar

FFLC – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

GEEM – Grupo de Estudo do Ensino da Matemática

GRUEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática

INL – Instituto Nacional do Livro

LD – Livro Didático

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério de Educação e Cultura

MEC/USAID – Ministério de Educação e Cultura/Agência Norte-Americana para o

Desenvolvimento Internacional

MMM – Movimento da Matemática Moderna

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PCN+ – Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais

PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio

PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático

PNLEM – Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio

PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

TAD – Teoria Antropológica do Didático

TTD – Teoria da Transposição Didática

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

UNIC – Universidade de Cuiabá

USP – Universidade de São Paulo

12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

1 METODOLOGIA DA PESQUISA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..... 17 1.1 A PESQUISA ..................................................................................................................... 17

1.1.1 Objetivos da pesquisa .................................................................................................... 19 1.2 PERCURSO DA PESQUISA ............................................................................................. 19 1.3 SELEÇÃO DOS LIVROS DIDÁTICOS ........................................................................... 27

2 PANORAMA HISTÓRICO DA MATEMÁTICA ESCOLAR DO ENSINO DE

NÍVEL MÉDIO E DO LIVRO DIDÁTICO NO PERÍODO ANTERIOR, DURANTE E

POSTERIOR AO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA .............................. 30 2.1 PRIMEIRO PERÍODO: ANTERIOR AO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA

MODERNA .............................................................................................................................. 30

2.2 SEGUNDO PERÍODO: DURANTE O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA

MODERNA .............................................................................................................................. 36 2.3 TERCEIRO PERÍODO: POSTERIOR AO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA

MODERNA .............................................................................................................................. 42

3 ALGUMAS ABORDAGENS DA FÓRMULA POLIEDRAL DE EULER NA ESFERA

DO “SABER SÁBIO” ............................................................................................................ 49

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA GEOMETRIA ................ 49 1.2 DOS POLIEDROS REGULARES À DESCOBERTA DA FÓRMULA POLIEDRAL DE

EULER... .................................................................................................................................. 51 1.3 BREVE HISTÓRIA SOBRE A VIDA EULER ................................................................ 54

3.3.1 Estudos de Euler ............................................................................................................ 55 1.4 BREVE HISTÓRIA SOBRE A VIDA DE LEGENDRE ................................................. 59 3.4.1 Estudos de Legendre ..................................................................................................... 59

1.5 BREVE HISTÓRIA SOBRE A VIDA DE CAUCHY ..................................................... 61 3.5.1 Estudos de Cauchy ........................................................................................................ 62

4 REFERENCIAIS TEÓRICOS ........................................................................................... 67

4.1 A TEORIA DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA ............................................................... 67 4.2 A TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO .......................................................... 74

5 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS ............................................................................ 80

5.1 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS PUBLICADOS NO PERÍODO ANTERIOR AO

MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA ................................................................. 81 5.1.1 LD1 ............................................................................................................................... 81 5.1.2 LD2 ............................................................................................................................... 85 5.2 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS PUBLICADOS DURANTE O PERÍODO DO

MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA ................................................................. 90 5.2.1 LD3 ............................................................................................................................... 91 5.2.2 LD4 ............................................................................................................................... 96 5.2.3 LD5 ............................................................................................................................. 103 5.2.4 LD6 ............................................................................................................................. 106 5.3 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS PUBLICADOS APÓS O PERÍODO DO

MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA ............................................................... 111

13

5.3.1 LD7 ............................................................................................................................. 111

5.3.2 LD8 ............................................................................................................................. 116 5.4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS LIVROS DIDÁTICOS PUBLICADOS NO

PERÍODO ANTERIOR, DURANTE E POSTERIOR AO MOVIMENTO DA

MATEMÁTICA MODERNA ................................................................................................ 121

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA ...................................................................... 127 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 133

14

INTRODUÇÃO

No ano de 2007 iniciei a graduação em Licenciatura Plena em Matemática na

Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá. No primeiro semestre do

curso fiz a disciplina Matemática para o Ensino, organizada em módulos, e no módulo de

geometria espacial estudei uma demonstração/prova para a Fórmula Poliedral de Euler

comumente anunciada da seguinte forma: para todo poliedro convexo que possui V número

de vértices, A número de arestas e F número de faces, vale a relação V – A + F = 2. Recordo-

me que durante o Ensino Médio (2003-2005) estudei a Fórmula Poliedral de Euler sem

demonstração. Naquela época, minha escola ainda não era contemplada com livros didáticos

de matemática nesse nível de ensino. Porém, adquirimos uma apostila, recomendada pelo

professor de matemática, que utilizamos durante os três anos do Ensino Médio.

Próximo a concluir a Licenciatura em Matemática, li o livro Meu professor de

matemática e outras histórias de autoria de Elon Lages Lima, publicado em 1991. Nos textos

“O teorema de Euler sobre poliedros”, “Demonstração do teorema de Euler para poliedros

convexos” e “Ainda sobre o teorema de Euler para poliedros convexos” da referida obra,

Lima apresenta três distintas demonstrações para a Fórmula Poliedral de Euler. No primeiro

texto, Lima discute a demonstração engendrada pelo matemático Augustin-Louis Cauchy,

(1789-1857), utilizando conceitos topológicos para que os argumentos usados por Cauchy

pudessem ser válidos. No segundo texto aborda a demonstração dada pelo matemático

Adrien-Marie Legendre, (1752-1833), que usa conceitos de geometria esférica e que, segundo

Lima, está correta. Por último, Lima apresenta a demonstração arquitetada pelo professor

Zoroastro Azambuja, uma adaptação da demonstração de Cauchy. Para Lima essa

demonstração é mais compreensível ao nível do ensino básico.

No meu trabalho de conclusão de curso inspirado nesses três textos de Lima e

defendido no primeiro semestre de 2011, realizei um estudo histórico sobre a demonstração

da Fórmula Poliedral de Euler dada por Cauchy a partir da observação de que os argumentos

empregados por ele não são observados na geometria euclidiana. Além disso, chamou minha

atenção o fato de Lima ter comentado em um dos textos que quando cursou o ensino

secundário estudou a Fórmula Poliedral de Euler com a demonstração de Cauchy e que, por

décadas, ela teria sido assim ensinada no curso colegial. No entanto, Lima diz que a

demonstração apresentada por Cauchy estava incompleta. Desse modo, por curiosidade,

apresentei no meu trabalho de conclusão de curso algumas abordagens da Fórmula Poliedral

de Euler presentes em livros didáticos de matemática, publicados entre os anos 30 e 60,

15

característico da época em que Lima teria concluído os seus estudos secundários, buscando

identificar como era essa abordagem da Fórmula Poliedral de Euler.

Ensejando aproximar-me do ensino da Educação Superior e ciente da existência no

Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFMT do Grupo de Estudos e

Pesquisas em Educação Matemática (GRUEPEM) que tem numa de suas linhas de pesquisa a

temática “Livros didáticos de matemática: conceitos, concepções e uso em sala de aula”, me

candidatei a uma vaga no Mestrado em Educação do referido programa, no qual ingressei no

ano de 2012. Ao tomar conhecimento do objetivo do projeto do grupo de pesquisa sobre livro

didático que é estudar livros didáticos de Matemática atuais e de diferentes décadas,

contemplando as séries iniciais, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e

Adultos (EJA) e o Ensino Superior, concentrando as discussões no desenvolvimento de

conceitos matemáticos, nas representações matemáticas utilizadas, na adequação dos mesmos

com as propostas/diretrizes nacionais, nas concepções de Matemática dos autores de livros

didáticos, na utilização dos livros em sala de aula, entre outros aspectos optei por estudar a

Fórmula Poliedral de Euler sob a ótica da análise de livros didáticos de matemática

publicados em diferentes épocas, a partir da década de 40 do século XX até a atualidade.

A partir dessas considerações formulamos o seguinte problema: Como o conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler é abordado em livros didáticos de matemática brasileiros

destinados ao ensino de nível médio, publicados no período anterior, durante e posterior ao

Movimento da Matemática Moderna (MMM)? Nesse sentido, a pesquisa tem como objetivo

geral analisar a abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler em livros didáticos de

matemática brasileiros destinados ao ensino de nível médio, publicados no período anterior ao

MMM, durante o período do MMM e posterior ao MMM. Como opção metodológica,

adotamos a pesquisa de abordagem qualitativa do tipo histórica, bibliográfica, documental e

interpretativa e, estruturamos o trabalho em cinco capítulos, conforme segue:

No Capítulo I – Metodologia da pesquisa e procedimentos metodológicos – expomos o

problema e os objetivos da pesquisa, descrevemos a metodologia adotada, bem como o

percurso de seu desenvolvimento, o qual inclui o levantamento bibliográfico e a seleção dos

livros didáticos analisados.

No Capítulo II – Panorama histórico da matemática escolar do ensino de nível médio e

do livro didático nos períodos anterior, durante e posterior ao movimento da matemática

moderna – discorremos sobre a matemática escolar e sobre o livro didático de matemática

brasileiro em paralelo com as reformas educacionais do período anterior, durante e posterior

ao Movimento da Matemática Moderna, por acreditarmos que acontecimentos promovidos

16

nesses períodos marcaram o ensino da matemática e possam ter influenciado as abordagens de

conteúdos matemáticos em livros didáticos.

No Capítulo III – Algumas abordagens da Fórmula Poliedral de Euler na esfera do

“saber sábio” – narramos sobre o desenvolvimento da geometria e de seus métodos, de modo

a situar as diferentes demonstrações da Fórmula Poliedral de Euler, (dadas pelo próprio Euler,

por Legendre e por Cauchy) como resultante do processo de evolução dos saberes dessa área e

para melhor compreender nosso objeto de pesquisa.

No Capítulo IV – Referenciais teóricos – apresentamos duas teorias: a Teoria da

Transposição Didática (TTD) e a Teoria Antropológica do Didático (TAD), as quais nos

fornecem elementos para estudar a organização matemática e didática do conteúdo, Fórmula

Poliedral de Euler, em livros didáticos.

No Capítulo V – Análise dos livros didáticos – apresentamos os resultados da análise

da organização matemática e didática do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler nos livros

didáticos de matemática selecionados nesta pesquisa.

Nas Considerações sobre a Pesquisa, apresentamos nossas reflexões, acerca dos

resultados da análise da abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, bem como sua

organização matemática e didática em livros didáticos destinados ao ensino de nível médio,

publicados no período anterior, durante e posterior ao MMM, por ser o livro didático portador

das mudanças históricas no ensino pelas quais passou o Brasil, testemunhando-as.

17

1 METODOLOGIA DA PESQUISA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Descrevemos, neste capítulo, o caminho percorrido para o desenvolvimento desta

pesquisa, bem como explicitamos a metodologia adotada, os livros didáticos selecionados

para nosso estudo e a escolha das opções teóricas para o desenvolvimento da análise dos

livros didáticos de matemática apresentada no capítulo 5.

1.1 A PESQUISA

Nesta pesquisa de mestrado apresentamos uma análise da abordagem do conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler em livros didáticos de matemática, publicados a partir da década

de 40 do século XX até a atualidade. Levando em consideração o intervalo de tempo

investigado, julgamos interessante dividi-lo em três períodos: anterior ao Movimento da

Matemática Moderna (MMM), durante o MMM e posterior ao MMM. O primeiro período

assiste à disciplinarização da matemática escolar do ensino de nível médio; o segundo período

testemunha o surgimento da Matemática Moderna como tendência pedagógica e o terceiro

período contempla o surgimento da Educação Matemática como campo de pesquisa e a

elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Neste sentido, nossa pesquisa

emerge da área da Educação Matemática tendo em vista que esta:

[...] caracteriza-se como uma práxis que envolve o domínio do conteúdo

específico (a matemática) e o domínio de ideias e processos pedagógicos relativos à

transmissão/assimilação e/ou à apropriação/construção do saber matemático escolar

(FIORENTINI; LORENZATO, 2009, p. 5).

Assim, definimos o problema desta investigação por meio da seguinte pergunta: Como

o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler é abordado em livros didáticos de matemática

brasileiros destinados ao ensino de nível médio, publicados no período anterior, durante e

posterior ao MMM? Para tentarmos responder a esta questão e aumentarmos nossa

dissertações, artigos e obras matemáticas. Desta forma, esta pesquisa classifica-se como

histórica, bibliográfica, documental e interpretativa, que se subdividem dentro da abordagem

qualitativa. Consideramos que:

[...] o adjetivo “qualitativa” estará adequado às pesquisas que reconhecem:

(a) a transitoriedade de seus resultados; (b) a impossibilidade de uma hipótese a

priori, cujo objetivo da pesquisa será comprovar ou refutar; (c) a não neutralidade

do pesquisador que, no processo interpretativo, se vale de suas perspectivas e filtros

vivenciais prévios dos quais não consegue se desvencilhar; (d) que a constituição de

suas compreensões dá-se não como resultado, mas numa trajetória em que essas

mesmas compreensões e também os meios de obtê-las podem ser (re)configurados;

18

(e) a impossibilidade de estabelecer regulamentações, em procedimentos

sistemáticos, prévios, estáticos e generalistas (BORBA; ARAÚJO, 2006, p. 88).

Nesta pesquisa, o livro didático de matemática é nossa fonte de análise e as demais

fontes nos fornecem informações adicionais para a compreensão da evolução histórica da

Fórmula Poliedral de Euler, do contexto da produção dos livros didáticos e das teorias que

dão suporte à análise dos livros. É importante colocar que o livro didático, geralmente, é o

principal instrumento utilizado no desenvolvimento das atividades relacionadas ao processo

de ensino e aprendizagem da disciplina, pois é prático o seu manuseio e acessível o seu uso,

tanto pelo professor quanto pelo aluno. Acreditando nisso, concebemos os livros didáticos

como documentos que possuem várias vantagens de uso, dentre elas, o fato de que:

[...] constituem uma fonte estável e rica. Persistindo ao longo do tempo, os

documentos podem ser consultados várias vezes e inclusive servir de base para

diferentes estudos, o que dá mais estabilidade aos resultados obtidos. Os

documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas

evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam

ainda uma fonte “natural” de informação. Não são apenas uma fonte de informação

contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações

sobre esse mesmo contexto (GUBA; LINCOLN, 1981 apud LÜDKE; ANDRÉ,

2011, p. 39).

Corrêa (2000) destaca a importância da utilização do livro escolar como fonte de

pesquisa em história da Educação. Segundo a autora, citando Chartier (1990), os livros

escolares, de modo geral, configuram um objeto em circulação veiculando ideias que

traduzem valores e comportamentos que se desejou que fossem ensinados e acrescenta que:

[...] a relação entre livro escolar e escolarização permitem pensar na

possibilidade de uma aproximação maior do ponto de vista histórico acerca da

circulação de ideias sobre o que a escola deveria transmitir/ensinar e, ao mesmo

tempo, saber qual concepção educativa estaria permeando a proposta de formação

dos sujeitos escolares. Nesse sentido, então, esse tipo de fonte pode servir como um

indicador de projeto de formação social desencadeado pela escola. Isso é permitido

por meio de interrogações que podem ser feitas, quer em termos de conteúdos, quer

de discurso, sem deixar de levar em consideração aspectos referentes a

temporalidade e espaço. O que, por sua vez, possibilita indagar sobre a que e a quem

serviu como um dos instrumentos da prática institucional escolar. Nesse aspecto em

particular, vincula-se à história das instituições escolares e, amplamente, às das

políticas educacionais. Do ponto de vista das instituições escolares, sua contribuição

está em, concomitantemente a outras fontes, possibilitar entender a instituição

escolar por dentro, já que esse tipo de material é portador de parte dos conteúdos do

currículo escolar naquilo que diz respeito ao conhecimento. Aliás, dependendo do

período histórico no qual for tomado como fonte, esse tipo de material pode ser

considerado como o portador supremo do currículo escolar no que tange aos

conhecimentos que eram transmitidos nas diferentes áreas, quando se constituiu em

única referência tanto para professores quanto para alunos (CORRÊA, 2000, p. 13).

19

Assim, temos ciência que o estudo empreendido nesta pesquisa se trata de um recorte

ou um olhar sobre o ensino da matemática no Brasil, por meio da abordagem do conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler em livros didáticos de matemática. Assentimos que pesquisas do

tipo são importantes para que o professor de matemática busque adquirir conhecimento sobre

a Educação no Brasil, especialmente, sobre a Educação Matemática, possibilitando-o vincular

ou criar raízes com a instituição didática a que pertence.

1.1.1 Objetivos da pesquisa

O objetivo geral desta pesquisa é:

Analisar a abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler em livros didáticos de

matemática brasileiros, destinados ao ensino de nível médio, publicados no período

anterior, durante e posterior ao MMM.

Para isso, delineamos os seguintes objetivos específicos:

Discorrer sobre textos históricos que abordam a origem e desenvolvimento da geometria

com ênfase em alguns estudos sobre a Fórmula Poliedral de Euler de modo que nos

permitam compreender como este saber adquiriu distintas configurações ao longo do

tempo.

Relatar a trajetória da matemática escolar brasileira por meio dos diferentes objetivos dos

livros didáticos de matemática em paralelo com as reformas educacionais ocorridas no

Brasil.

Estudar a Teoria da Transposição Didática (TTD) e a Teoria Antropológica do Didático

(TAD), apresentando como será conduzida a análise dos livros didáticos.

Analisar a organização matemática e didática do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler em

livros didáticos de matemática.

No decorrer da pesquisa, buscamos contemplar estes objetivos de modo a responder o

nosso problema.

1.2 PERCURSO DA PESQUISA

No primeiro momento, buscamos fontes bibliográficas e documentais para

discorrermos ao mesmo tempo sobre a história e política do livro didático de matemática e

sobre a matemática escolar brasileira nos três períodos históricos em estudo: até 1960 –

anterior ao MMM; de 1960 a 1980 – caracterizado pelo MMM e da década de 80 aos dias

20

atuais – posterior ao MMM. Diante disso, estudamos algumas reformas educacionais e

programas de ensino da matemática no Brasil que tomamos conhecimento por meio da leitura

de dissertações e teses relacionadas à área da Educação Matemática. Estes estudos nos

permitiram não somente compreender a trajetória do ensino da matemática escolar no Brasil,

como também identificar em quais livros didáticos (destinados a qual curso, série ou ano de

ensino) encontraríamos o estudo da Fórmula Poliedral de Euler, uma vez que, ao longo dos

períodos históricos investigados, a partir da década de trinta do século vinte o ensino

secundário foi recebendo outras denominações e/ou reorganizações.

No segundo momento, dedicamos ao estudo da Fórmula Poliedral de Euler em textos

matemáticos de Leonhard Euler (1707-1783), Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) e Adrien-

Marie Legendre (1752-1833). Complementamos a leitura e estudos desses textos acessando

fontes secundárias na pretensão de realizar um estudo histórico para fins didáticos.

No terceiro momento, fizemos a revisão bibliográfica sobre o tema e, depois, sobre a

teoria que fundamentaria a nossa análise, pois entendemos que para Borba e Araújo (2006, p.

41) a revisão bibliográfica “é importante não só para que ‘não se reinvente a roda’, refazendo

o que já está feito, mas também por que o exercício de encontrar lacunas em trabalhos

realizados ajuda na ‘focalização da lente’ do pesquisador”. Da revisão bibliográfica

relacionada ao tema e efetuada, em 2013, no banco de dados da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), encontramos 2770 dissertações e

teses relacionadas ao assunto “Educação Matemática”. A partir dos títulos das pesquisas,

localizamos aquelas relacionadas à expressão “Livro Didático” do qual contabilizamos 72.

Mas, nenhuma abordava o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler.

Então, ainda para as pesquisas relacionadas à “Educação Matemática”, ampliamos a

procura por aquelas que apresentavam no título a expressão “Geometria Espacial” já que o

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler é tópico integrante de estudo dessa área da matemática.

Com esta restrição encontramos 8 pesquisas. Destas, a partir da leitura dos resumos, apenas

uma desenvolve algum estudo sobre o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler em livros

didáticos, mas não se restringe a ela. A seguir a destacamos e fazemos algumas considerações

sobre a mesma.

CARVALHO, Luiz Carlos de. Análise da organização didática da geometria espacial

métrica nos livros didáticos. 164p. Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Ensino da

Matemática), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

21

Carvalho (2008), em sua pesquisa de mestrado, analisou três livros didáticos de

matemática, publicados em 2004 e destinados a 2ª série do Ensino Médio, em relação às

atividades propostas para o estudo da Geometria Espacial Métrica, buscando verificar se eles

proporcionavam a construção do conhecimento por parte dos alunos, propondo atividades

com uso de material concreto, construções com instrumentos, como régua e compasso ou

softwares que, para o autor, permitem facilitar a visualização e o desenvolvimento do

pensamento geométrico espacial do aluno.

Nesse sentido, o objetivo da pesquisa de Carvalho (2008) foi investigar qual a

organização que os livros didáticos de matemática destinados a 2ª série do Ensino Médio

fazem com relação ao tema Geometria Métrica Espacial, e se essa organização favorece a

construção do pensamento geométrico. Para tanto, o autor primeiramente pesquisou o tema na

literatura disponível, em documentos oficiais, dissertações e teses defendidas no Brasil e em

artigos de congressos nacionais e internacionais. Depois, analisou o tema nos livros didáticos

utilizando como referenciais teóricos a teoria dos registros de representação semiótica de

Raymundo Duval, as etapas do desenvolvimento do pensamento geométrico de Bernard

Parsysz e as quatro dimensões de análise dos conteúdos a ensinar de Aline Robert.

Como resultado da análise do tema nos livros didáticos, Carvalho (2008) concluiu que

eles atendiam parcialmente à construção do pensamento algébrico espacial, pois os autores

dos livros pouco exploravam atividades que desenvolvessem a visualização e não

estimulavam a representação de figuras espaciais no plano. Constatou-se um equilíbrio quanto

ao número de exercícios propostos que exigiam os níveis técnicos e mobilizáveis, mas

também se detectou uma discrepância com relação ao nível disponível e à falta de atividades

que pudessem ser desenvolvidas por software educacional.

Quanto ao conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, num dos livros didáticos o autor

verificou que ele “é apresentado utilizando uma abordagem direta à fórmula, não

proporcionando ao aluno uma participação para descobrir a relação existente entre os

elementos dos poliedros” (CARVALHO, 2008, p. 106). Em outro livro, são dispostos os

nomes dos poliedros e os elementos faces, vértices e faces numa tabela que possibilita ao

aluno verificar a Fórmula Poliedral de Euler. No terceiro livro, há referência à história da

Fórmula Poliedral de Euler, “usando o Registro Figural, que necessita da apreensão

perceptiva para identificação dos elementos inerentes” (Ibid, p. 130) a ela.

Em relação à teoria para analisar os livros didáticos, percebemos que a Teoria da

Transposição Didática (TTD) do educador francês Yves Chevallard seria pertinente, visto que

ela versa sobre as transformações pelas quais passam os saberes para se tornarem ensináveis

22

aos alunos. Definida a teoria, procuramos no site da CAPES pesquisas nas quais foram

utilizadas a TTD. Ao todo, encontramos 340. E, pela leitura dos resumos, verificamos que 22

tratavam exclusivamente de livro didático. Mas, apenas duas pesquisas, da área da química, se

assemelhavam com a proposta de pesquisa que pretendíamos neste estudo, isto é, utilizavam a

TTD e analisavam livros didáticos publicados em diferentes épocas. A seguir, apresentamos

uma síntese sobre os dois trabalhos encontrados:

MELZER, Ehrick Eduardo Martins. Do saber sábio ao saber a ensinar: a transposição

didática do conteúdo modelo atômico de livros de química (1931-2012). 198 p.

Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e em Matemática), Universidade Federal

do Paraná, Curitiba, 2012.

Na pesquisa de Melzer (2012), o autor buscou responder: “Como foram transpostos os

Modelos Atômicos criados pelos pesquisadores da teoria atômica (PTA) em livros didáticos

de química, no período de 1931 a 2012?” Para compreender as transposições didáticas em

livros didáticos de química, o autor usou como referencial teórico a TTD de Yves Chevallard,

que permitiu, com as categorias dos elementos da transposição didática, (despersonalização,

desincretização, descontextualização, publicidade, criações didáticas, contradição

antigo/novo, programabilidade de aquisição do saber, envelhecimento moral e biológico do

saber), desenvolver a análise dos livros.

Para levantar os dados da pesquisa, o autor utilizou a técnica de análise de conteúdo de

Bardin que possibilitou, por meio de leitura flutuante de 55 livros didáticos pesquisados,

selecionar 19 livros didáticos de química, sendo duas coleções para cada período de reforma

educacional ou programa do governo para o livro didático. O autor concluiu que os 19 livros

didáticos analisados apresentavam formas distintas de despersonalização, desincretização,

descontextualização, publicidade, criações didáticas, contradição antigo/novo,

programabilidade de aquisição do saber, envelhecimento moral e biológico do saber, levando-

o a concluir que os livros didáticos de química sofreram adaptações e modificações de suas

transposições didáticas, enquanto manteve-se a tradição com relação ao tratamento dos

Modelos Atômicos.

MENDES, Maricleide Pereira de Lima. O conceito de reação química no nível médio:

história, transposição didática e ensino. 213 p. Dissertação (Mestrado em Ensino,

Filosofia e História das Ciências), Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual

de Feira de Santana, Salvador, 2011.

23

Mendes (2011), em sua pesquisa de mestrado, investigou como o conceito de reação

química é abordado nos livros didáticos brasileiros de química para o Ensino Médio, no

período de 1930 a 2007, considerando os níveis do conhecimento químico: macroscópico,

microscópico e simbólico, e perpassando a essa análise a apresentação dos aspectos históricos

do mesmo. Como opção metodológica, adotou-se a pesquisa qualitativa que se constituiu num

estudo exploratório, sendo o acesso ao saber sábio realizado por meio da pesquisa histórica

em fontes secundárias que orientaram a análise de conteúdo dos livros selecionados.

Para discutir a transposição didática do conceito de reação química nos livros, Mendes

(2011) buscou apoio teórico nas dimensões e níveis do discurso químico (níveis

macroscópico, microscópico e representacional), nas esferas do saber (saber sábio, saber a

ensinar e saber ensinado) da teoria da transposição didática, na história do livro didático de

química e no desenvolvimento histórico do conceito de reação química, buscando identificar

se a transposição tem sido facilitadora para a abordagem e compreensão do conceito.

Os resultados da análise dos livros mostraram que, até a década de 60 eles priorizavam

os níveis macroscópico e simbólico na apresentação do conceito de reação química com uma

abordagem empirista. A partir dos anos 60 apareceram explicações que valorizavam o nível

microscópico através da utilização de modelos explicativos e uma maior tendência

racionalista na abordagem do conteúdo. De modo geral, os livros trazem uma superficialidade

ao tentar elaborar a apresentação do conceito de reação química sob um olhar histórico,

provavelmente, pela pouca importância atribuída a esta abordagem.

Após passarmos pela qualificação da pesquisa da banca de mestrado, fomos solicitadas

a incluir a Teoria Antropológica do Didático (TAD), também discutida por Yves Chevallard,

para agregar à análise dos livros didáticos. Em função disso, consultamos três dissertações,

defendidas na linha de pesquisa de Educação em Ciências e Matemática do Programa de Pós-

Graduação em Educação (PPGE) da UFMT, que utilizaram a TAD. A seguir, apresentamos o

teor dos conteúdos das três dissertações.

MARTINEZ, Michelle Cristine Pinto Tyszka. Um olhar para a abordagem do conteúdo de

divisão em livros didáticos de matemática dos anos iniciais do ensino fundamental. 108 p.

Dissertação (Mestrado em Educação) da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá,

2012.

Martinez (2012), em sua pesquisa de mestrado, investigou como os livros didáticos de

matemática, mais escolhidos pelas escolas públicas de Cuiabá – MT abordavam o conteúdo

de divisão de números naturais, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para isso, a autora

24

se valeu da pesquisa qualitativa e analisou duas coleções do 1º ao 5º ano do Ensino

Fundamental com relação à introdução do conteúdo de divisão e aos diferentes

exemplos/exercícios resolvidos apresentados em cada volume das coleções. Nesse sentido, a

autora adotou como referencial teórico a TAD, a qual permitiu analisar a organização

matemática do conteúdo de divisão nas duas coleções quanto aos tipos de tarefas e técnicas e

analisar a organização didática do conteúdo quanto ao objeto ostensivo imagem.

Como resultado da análise dos livros, Martinez (2012) concluiu que o conteúdo de

divisão é introduzido a partir de situações problema, geralmente acompanhado do objeto

ostensivo imagem. Em relação à organização matemática, a autora constatou que os tipos de

tarefas correspondem à divisão em partes iguais e a de medida. Das doze técnicas elencadas

pela autora, todas foram aplicadas na coleção A e duas técnicas estavam ausentes na coleção

B. Na coleção A, constatou-se algum exagero quanto à sistematização do conteúdo nos livros

do 2º e 3º anos. Na coleção B, verificou-se que o conteúdo de divisão foi abordado

gradualmente, sendo efetivamente sistematizado nos livros do 4º e 5º anos. E, em ambas as

coleções, o 4º volume foi o que mais enfatizou o conteúdo de divisão de números naturais nas

aplicações das diferentes técnicas.

ALMEIDA, Eliane Aparecida Martins de. Progressões aritméticas e geométricas:

praxeologias em livros didáticos de matemática. 131 p. Dissertação (Mestrado) da

Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2012.

Almeida, E. (2012), em sua pesquisa de mestrado, investigou como os livros didáticos

de matemática propõem o estudo das progressões aritméticas e geométricas no primeiro ano

do Ensino Médio. Com este objetivo a autora selecionou quatro livros didáticos que

compunham o catálogo do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio

(PNLDEM) e que eram utilizados pelas escolas estaduais do município de Cuiabá. A

metodologia de pesquisa se constituiu numa abordagem qualitativa com ênfase na análise

documental.

Para analisar os documentos (livros didáticos), Almeida, E. (2012) adotou como

referenciais teóricos a TAD, de Chevallard e a teoria dos jogos de quadros, de Douady, que

permitiram à autora, identificar nos livros didáticos as tarefas, as técnicas, o discurso

tecnológico-teórico e os quadros numérico, geométrico e algébrico em relação aos aspectos

históricos referentes às progressões, à parte conceitual, às tarefas resolvidas pelos autores dos

livros e às tarefas propostas aos alunos.

25

Os resultados da análise evidenciaram que dois livros não explicitavam a estreita

relação entre progressões e funções e que tal relação, é uma das recomendações dos

documentos oficiais. Porém, essa articulação foi contemplada em outros dois livros, na parte

conceitual, mesmo não sendo mencionada nas intencionalidades dos autores expostas nos

manuais. Embora a generalização de padrões, recomendada nos documentos oficiais por

possibilitar o desenvolvimento do pensamento algébrico, estava explícita como

intencionalidade dos autores dos quatro livros didáticos analisados por Almeida, E. (2012),

ela notou que não se propunham com frequência tarefas que a estimulasse, predominando

tarefas dos gêneros, calcular e determinar, os quais se constituem em tarefas de imitação e que

podem conduzir à rotinização da técnica.

A autora também identificou um número reduzido de tarefas que possibilitam a

articulação dos quadros numérico, algébrico e geométrico propostos por Douady, sendo na

maioria das vezes priorizado o quadro algébrico. Para a autora, nenhum dos livros analisados

é “completo” de forma a contribuir efetivamente para o desenvolvimento do pensamento

algébrico nos estudos das progressões.

ALMEIDA, Gladiston dos Anjos. Polígonos regulares inscritos no círculo: uma

abordagem histórico-praxeológica em livros didáticos de matemática do 9º ano do

ensino fundamental. 175 p. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal

de Mato Grosso, Cuiabá, 2012.

Almeida, G. (2012), em sua pesquisa de mestrado, analisou a abordagem do conteúdo

de polígonos regulares inscritos na circunferência em seis livros didáticos de matemática do

9º ano do Ensino Fundamental, avaliados e catalogados pelo Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD) de 2011, buscando responder “como se articulam as organizações

matemáticas e as organizações didáticas na abordagem do conteúdo de polígonos regulares

inscritos na circunferência contido em livros didáticos de matemática do 9º ano do Ensino

Fundamental?”. Nesse sentido, o autor utilizou como referencial teórico a TAD para analisar a

organização didática e matemática dos livros.

Como opção metodológica, adotou-se a pesquisa qualitativa com abordagem da

fenomenologia que, conforme Almeida, G. (2012), é um processo de reflexão de métodos e

técnicas para a compreensão detalhada do fenômeno a ser investigado. Na análise dos livros,

o autor verificou que eles exploram o objeto de pesquisa com aplicação de diferentes tipos de

tarefas e para resolvê-las é preciso articular as organizações matemáticas e didáticas,

compostas pelos blocos: o bloco prático-técnico (saber-fazer) [T/], constituído pelos tipos de

26

tarefas (T) e pelas técnicas (), e o bloco tecnológico-teórico (saber) [/], constituído pelas

tecnologias () e teorias (). Para o autor, essa articulação dos dois blocos compõem as

diferentes praxeologias pontuais, caracterizadas por um quatérnio denotado por [T///], e

que na pesquisa mostraram como foi organizado e apresentado o estudo do conteúdo de

polígonos regulares inscritos na circunferência, contido em livros didáticos.

O quarto momento da nossa pesquisa foi destinado à procura de livros didáticos de

matemática que poderiam compor o corpus de análise de nossa pesquisa. A seguir, no quadro

1, apresentamos a lista dos livros didáticos de matemática consultados por períodos (anterior,

durante e posterior ao MMM) e por ano de publicação.

Perí

od

o

An

o

LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA CONSULTADOS

An

teri

or

ao

MM

M 1949

ALMEIDA, Furquim;CASTANHO, João B; FARAH, Edson; CASTRUCCI, Benedito. Matemática. 1ª

série, cursos clássicos e científicos. Editora do Brasil S/A.

1958 QUINTELLA, Ary. Matemática. 1° ano, colegial. Companhia Editora Nacional.

1958 MAEDER, Algacyr M. Curso de Matemática. 1° livro - ciclo colegial, 12ª edição. Edições

Melhoramentos

Du

ran

te o

MM

M

1968 ROCHA, Luiz M.; BARBOSA, Ruy M.; NETO, Scipione de P. Matemática. Curso Colegial Moderno.

vol. 2. Editora IBEP

1971

CATUNDA, Omar; DANTAS, Martha M. S; NOGUEIRA, Eliana C; ARAÚJO, Norma C;

GUIMARÃES, Eunice C; PINHO E SOUZA, Neide C. Matemática. Segundo Ciclo. Ensino

Atualizado.

Editora Ao Livro Técnico S/A

1973 NETTO, Scipione di P.; GOÉS, Célia G. Matemática na escola renovada. 2ª série do 2° grau. 2ª

edição. Editora Saraiva.

1973 BRUNELLI, Remo I. Matemática 2. 2° grau e vestibular. Edições Loyola.

1976 CASTRUCCI, Benedito. Geometria curso moderno. vol. 2. 3ª edição. Editora Livraria Nobel.

1980 BEZERRA, Manoel J. Curso de Matemática para os cursos de 2° grau (antigos cursos Clássicos e

Científicos). 35ª edição. Volume único. Companhia Editora Nacional.

1980

IEZZI, Gelson; DOLCE, Osvaldo; TEIXEIRA, José C.; MACHADO, Nilson J; GOULART, Márcio C.;

CASTRO, Luiz R. S; MACHADO, Antonio S.. Matemática. 2° grau. 2ª série. 7ª edição revisada.

Editora Atual.

Post

erio

r ao

MM

M

1983 NERY, Chico; TROTTA, Fernando. Matemática: Curso Completo. 1ª edição. Volume único. Editora

Moderna.

1991 FERNANDEZ, Vicente P.; YOUSSEF, Antonio N. Matemática para o 2° grau curso completo.

Volume único. Editora Scipione

1994 GIOVANNI, José R. et al. Matemática Fundamental, 2º grau. Volume único. Editora FTD.

1998 BIANCHINI, Edwaldo; PACCOLA, Herval. Curso de Matemática. 2ª edição. Volume único. Editora

Moderna.

1998 BEZERRA, Roberto Z. Matemática no Ensino Médio. Vol. 2.

Editora Ao Livro Técnico.

1998 DOS SANTOS, Carlos A. M.; GENTIL, Nelson; GRECO, Sérgio Emílio. Matemática para o ensino

médio. Volume único. Editora Ática.

1999 DANTE, Luiz R. Matemática: Contexto e Aplicações. Ensino Médio. V. 2. Editora Ática.

2003 GUELLI, Oscar. Matemática. Série Brasil. Ensino Médio. 1ª edição. Volume único. Editora Ática.

2004 IEZZI, Gelson et al. Matemática: Ciência e Aplicações. 2ª série. 2ª edição. Editora Atual

2005 GIOVANNI, José R.; BONJORNO, José R. Matemática Completa. 2ª série. 2ª edição renov. Editora

FTD.

2005 SILVA, Claudio X.; FILHO, Benigno B. Matemática Aula por Aula. 2ª série. 2ª edição renov. Editora

FTD.

Quadro 1: Livros didáticos de matemática consultados por período e ano

Fonte: organização nossa

27

Para compor esta lista de livros didáticos de matemática consultados, fizemos uma

busca dos livros nos seguintes espaços, situados na cidade de Cuiabá: Biblioteca da

Universidade Federal de Mato Grosso; Biblioteca Estadual Estevão de Mendonça; Biblioteca

da Escola Estadual Nilo Póvoas – por esta possuir ainda, em seus arquivos, alguns livros

escolares antigos; Biblioteca da Escola Estadual Leônidas de Matos e Biblioteca da

Universidade de Cuiabá (UNIC). Outros livros, compramos por meio do site Estante Virtual1

e outros ainda foram disponibilizados por colegas e professores.

Esta etapa da pesquisa foi executada ao longo do desenvolvimento da mesma e teve

como critérios para a busca dos livros didáticos de matemática: conter o conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler, ser ou ter sido destinado ao ensino de nível médio e pertencer aos períodos

(anterior, durante e posterior ao MMM) de nosso estudo.

1.3 SELEÇÃO DOS LIVROS DIDÁTICOS

Por conveniência diminuímos o universo dos livros didáticos de matemática

consultados após empreendermos a análise do conteúdo dos livros, principalmente no que se

refere à abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler. Segundo Krippendorff (1980

apud LÜDKE; ANDRÉ, 2011, p. 41), a metodologia da análise de conteúdo “pode

caracterizar-se como um método de investigação do conteúdo simbólico das mensagens”.

Nesse sentido, a metodologia de análise de conteúdo nos permitiu, a partir do nosso

arcabouço teórico, perceber certas semelhanças e diferenças entre as abordagens da Fórmula

Poliedral de Euler nos livros que possibilitaram criar categorias para a seleção dos livros

didáticos, tendo em vista o que Lüdke e André (2011, p. 42) afirmam:

Depois de organizar os dados, num processo de inúmeras leituras e

releituras, o pesquisador pode voltar a examiná-los para tentar detectar temas e

temáticas mais frequentes. Esse procedimento, essencialmente indutivo, vai

culminar na construção de categorias ou tipologias.

Para os livros didáticos pertencentes ao período anterior ao MMM, percebemos que a

abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no livro de Almeida, Farah e Castrucci (1949) e no

livro de Maeder (1958), eram semelhantes e, ao mesmo tempo diferentes, em relação ao livro

de Quintella (1958). Por isso, considerando as diferenças nas abordagens da Fórmula

Poliedral de Euler e a antiguidade do livro didático, selecionamos os livros de Almeida et al.

(1949) e de Quintella (1958), ou seja, dois livros didáticos para representar os livros do

período anterior ao MMM.

1 http://www.estantevirtual.com.br/

28

Quanto aos livros didáticos pertencentes ao período do MMM, notamos que os de

Rocha, Barbosa e Neto (1968), Netto e Goés (1973), Brunelli (1973), Bezerra (1980)

abordavam de forma semelhantes a Fórmula Poliedral de Euler, entre si. Enquanto que os

livros de Catunda et al. (1971), Castrucci (1976) e Iezzi et al. (1980), abordavam de forma

distinta entre si e em relação aos outros três autores anteriormente citados. Desse modo,

considerando as diferenças entre as abordagens deste conteúdo e a antiguidade dos livros,

selecionamos os livros de Rocha, Barbosa e Neto (1968), Catunda et al. (1971), Castrucci

(1976) e Iezzi et al. (1980). Ao todo, selecionamos quatro livros para representar os livros

didáticos do período do MMM.

Notamos pouca diferença entre as abordagens da Fórmula Poliedral de Euler nos livros

didáticos consultados do período posterior ao MMM. Para melhor comparar as mudanças na

abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, nos livros desse período com os livros

didáticos do período anterior e durante o MMM – que eram destinados a uma determinada

série – optamos por aqueles que não fossem volume único e a partir da análise deste conteúdo,

tanto à parte teórica quanto aos exercícios propostos relacionados, nos restringimos à análise

de dois livros didáticos publicados no período posterior ao MMM: Dante (1999) e Giovanni e

Bonjorno (2005). No quadro 2 destacamos os livros didáticos de matemática selecionados

para serem submetidos à análise desta pesquisa.

Per

íod

o

An

o

LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA SELECIONADOS

An

teri

or

ao

MM

M 1949

ALMEIDA, Furquim;CASTANHO, João B; FARAH, Edson; CASTRUCCI, Benedito.

Matemática. 1ª série, cursos clássicos e científicos. Editora do Brasil S/A.

1958 QUINTELLA, Ary. Matemática. 1° ano, colegial. Companhia Editora Nacional.

Du

ran

te o

MM

M

1968 ROCHA, Luiz M.; BARBOSA, Ruy M.; NETO, Scipione de P. Matemática. Curso

Colegial Moderno. vol. 2. Editora IBEP

1971

CATUNDA, Omar; DANTAS, Martha M. S; NOGUEIRA, Eliana C; ARAÚJO, Norma C;

GUIMARÃES, Eunice C; PINHO E SOUZA, Neide C. Matemática. Segundo Ciclo.

Ensino Atualizado. Editora Ao Livro Técnico S/A.

1976 CASTRUCCI, Benedito. Geometria curso moderno. vol. 2. 3ª edição. Editora Livraria

Nobel.

1980

IEZZI, Gelson; DOLCE, Osvaldo; TEIXEIRA, José C.; MACHADO, Nilson J;

GOULART, Márcio C.; CASTRO, Luiz R. S; MACHADO, Antonio S.. Matemática. 2°

grau. 2ª série. 7ª edição revisada. Editora Atual.

Po

ster

ior

ao M

MM

1999 DANTE, Luiz R. Matemática: Contexto e Aplicações. Ensino Médio. V. 2. Editora Ática.

2005 GIOVANNI, José R.; BONJORNO, José R. Matemática Completa. 2ª série. 2ª edição

renov. Editora FTD.

Quadro 2: Livros didáticos de matemática selecionados por período e ano

Fonte: organização nossa

29

Portanto, as categorias que nos permitiram restringir o universo dos livros didáticos de

cada período (anterior, durante e pós-MMM) estudados, foram: abordar a Fórmula Poliedral

de Euler em cada livro de forma distinta entre si e, quando houvesse semelhanças, ser o mais

antigo e não terem o mesmo ano de publicação.

Como se percebe, o percurso metodológico perpassou pelos aportes teóricos enfocados

nesta pesquisa, os quais nos forneceram elementos que serão vistos no capítulo 4, para a

análise da abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, nos livros didáticos

selecionados. Apresentaremos os resultados obtidos no capítulo 5 desta pesquisa, levando em

conta os aspectos históricos do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, o contexto de produção

de livros didáticos e o contexto educacional de cada período investigado.

30

2 PANORAMA HISTÓRICO DA MATEMÁTICA ESCOLAR DO ENSINO DE

NÍVEL MÉDIO E DO LIVRO DIDÁTICO NO PERÍODO ANTERIOR,

DURANTE E POSTERIOR AO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA

Neste capítulo discorremos sobre a história do livro didático de matemática em

paralelo ao processo de mudança do ensino da matemática escolar e da educação no Brasil,

cujas reformas de ensino, fundamentadas em concepções ou filosofias nos permitem percorrer

esta história. Por isso, o livro didático vem a ser para nós “matéria-prima para uma reflexão

não apenas sobre o conteúdo e evolução das técnicas e métodos de ensino, mas também sobre

a realidade da educação em seus aspectos mais gerais” (NETTO; ROSAMILHA; DIB, 1974,

p. 25). Dividimos este estudo evidenciando três períodos da Educação Matemática no Brasil:

anterior ao MMM, durante o MMM e posterior ao MMM, pois acreditamos que os eventos

ocorridos nesses períodos marcaram o ensino da matemática escolar e possam ter influenciado

a forma como os livros didáticos de matemática abordavam os conteúdos.

2.1 PRIMEIRO PERÍODO: ANTERIOR AO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA

MODERNA

De acordo com Netto, Rosamilha e Dib (1974), o século XVI é de particular interesse

para a história do livro escolar de matemática, devido a três acontecimentos:

Primeiro, graças à invenção da imprensa, no século anterior, Portugal e a

Europa em geral passam a contar com um meio cada vez eficiente de multiplicação

de cópias de textos, deixando, assim, de depender das laboriosas e custosas obras

manuscritas. Em segundo lugar, a disseminação da imprensa concorre fortemente

para o uso do idioma nacional nos livros, em substituição ao latim, veículo de

comunicação comum na Idade Média. O português moderno se consolida, torna-se

mais elegante e claro, livra-se de arcaísmos, ajusta-se a língua falada corretamente.

Finalmente, as transformações econômicas e sociais favorecem o aparecimento de

textos matemáticos necessários para o comércio, as viagens, a obra colonizadora dos

portugueses (NETTO; ROSAMILHA; DIB, 1974, p. 73).

Essas transformações acabariam influenciando no aparecimento dos primeiros livros

brasileiros destinados ao ensino. Valente (2008a), em seus estudos sobre como utilizar o livro

didático para investigar o trajeto histórico da Educação Matemática, descreve que durante o

ano de 1699, Portugal enviou oficiais militares para proteger o território luso-brasileiro das

invasões estrangeiras. Entretanto, como os militares não tinham formação adequada para

manusear equipamentos de artilharia e de construção de fortes, o governo autorizou a criação

de Aulas de Fortificações. Porém, até 1710 as aulas não haviam sido iniciadas por falta de

livros adequados ao curso.

31

Em 1738, o governo central estabeleceu que só haveria promoção e nomeação de todo

oficial militar que obtivesse aprovação nas Aulas de Artilharia e Fortificações. No mesmo ano

enviou-se ao Brasil o militar português José Fernandes Alpoim (1700-1765), que passou a

ministrar as aulas de Artilharia e Fortificações. Ao que tudo indica, Alpoim seria o

responsável pela elaboração dos primeiros livros didáticos de matemática, Exame de

Artilheiros (1744) e Exame de Bombeiros (1748). Moraes (1969 apud NETTO;

ROSAMILHA; DIB, 1971) indica que esses dois livros estiveram ligados ao movimento de

renascimento dos estudos de matemáticas e engenharia em Portugal, durante o reinado de D.

João V, visando a reconquistar os estudos em matéria de astronomia, náutica, cartografia e

matemáticas.

No ano de 1809, iniciaram-se as primeiras traduções impressas de livros de

matemática europeus no Brasil graças à transferência da Família Real que trouxe nos porões

de seus navios o material gráfico. Dentre os primeiros livros de matemática impressos no país,

podemos destacar os Elementos de Álgebra do suiço Leonhard Euler (1707-1783) e os

Elementos de Geometria e Tratado de Trigonometria do francês Adrien-Marie Legendre

(1752-1833). Durante o Império brasileiro, “os textos escolares de matemática, originais ou

traduzidos, destinados ao ensino elementar e médio” (NETTO; ROSAMILHA; DIB, 1974, p.

75) multiplicaram-se e boa parte deles continuaram sendo utilizados no início da República.

D’Ambrosio (2011) comenta que o século XIX é considerado, por muitos, “O Século

de Ouro da Matemática” em que se consolidou a Matemática Ocidental, desenvolvida desde a

Antiguidade, intensificando a pesquisa matemática e o deslocamento de matemáticos

europeus com facilidade. Mas, é no final do século XIX que emergem reflexões teóricas sobre

o ensino da matemática. Entre o final do século XIX e início do século XX, segundo Werneck

(2003), as reformas do ensino da matemática, desencadeadas em vários países europeus e nos

Estados Unidos, repercutiriam no ensino da matemática no Brasil.

Em 1908, realizou-se na cidade de Roma, o IV Congresso Internacional de

Matemática em que foi criada a Comissão Internacional do Ensino da Matemática2 (CIEM)

para discutir as reformas do ensino da matemática e a qual combinou de se encontrar e

apresentar “relatórios sobre o estado da Matemática nos estabelecimentos de ensino

secundários” (WERNECK, 2003, p. 31), no V Congresso Internacional de Matemática, em

Cambridge, em 1912. A partir da fundação dessa comissão, dá-se a “consolidação da

2 Esta comissão foi coordenada pelo matemático alemão Félix Klein (1849-1925) (SILVA, 2008, p. 34).

32

Educação Matemática como uma subárea da matemática e da educação, de natureza

interdisciplinar” (D’AMBROSIO, 2011, p. 64).

Embora o professor Raja Gabaglia do Colégio Pedro II tenha sido o único

representante brasileiro no V Congresso, os programas de ensino de matemática daquele

colégio permaneceram os mesmos entre os anos de 1895 a 1922 em que os ensinos de

Aritmética, Álgebra e Geometria/Trigonometria eram realizados de forma separada com

tradicionais livros (traduzidos por Gabaglia) correspondente para cada uma delas: “para a

Aritmética, os Elementos de Aritmética por F.I.C (Frères de l’Instruction Chrétienne3); para a

Álgebra, os Elementos de Álgebra por F.I.C e, do mesmo modo, para

Geometria/Trigonometria” (VALENTE, 2003, apud WERNECK, 2003, p. 38, grifos da

autora). Entretanto, as décadas de 20 e 30 do século XX representaram um período de

transição importante na educação e no livro didático brasileiro com o surgimento de obras

inovadoras – correspondendo às modificações dos programas e currículos, dentre as quais se

destaca as obras de Euclides Roxo4 (1890-1950) (NETTO; ROSAMILHA; DIB, 1974).

Em 1923, Roxo publicou o livro Lições de Aritmética – apropriando-se das ideias do

livro francês Leçons d’artimetique (1894), de Jules Tannery (1848-1950) – provocando uma

pequena alteração no ensino da Aritmética. Em 1927, como diretor do Colégio Pedro II, Roxo

propôs um programa de ensino da matemática à Congregação do Colégio, defendendo a

unificação da Aritmética, Álgebra e Geometria/Trigonometria, sob a denominação de

Matemática, que foi aprovado em 1929. Segundo Werneck (2003), o programa de ensino de

matemática do Colégio Pedro II, desenvolvido concomitantemente ao livro Curso de

Mathematica Elementar5, comportando todo o programa, deveria ser introduzido de maneira

gradual, neste colégio.

Em decorrência do Golpe de 1930, no Brasil, Getúlio Vargas assumiu o Governo

Provisório estabelecendo algumas medidas na área da educação, como a criação, pela

primeira vez, do Ministério de Educação e Saúde Pública. Nessa época, a educação assume

um novo papel em virtude da formação de uma classe econômica urbana e da crescente

3 Irmãos da Instrução Cristã.

4 Euclides Roxo foi diretor do Colégio Pedro II entre o período de 1925-1935, e segundo Di Giorgi (1989, p. 24 apud CARVALHO et al., 2000, p. 417) Roxo defendeu ideias escolanovistas: descentrando-se “o ensino do professor para centrá-lo no aluno” e atribuindo-se “importância central à atividade da criança, às suas necessidades e, principalmente, aos seus interesses: todo aprendizado deve partir do interesse da criança”.

5 O livro Curso de Mathematica Elementar é o primeiro programa de ensino da matemática no Brasil e resultou da apropriação do Movimento Internacional da Matemática e de livros de vários autores, de diferentes países. (WERNECK, 2003).

33

industrialização. Por meio da Lei n° 19.890/1931, denominada de Reforma Francisco

Campos, foram conferidas uma série de medidas para o ensino secundário brasileiro como:

[...] o aumento do número de anos do curso secundário e sua divisão em

dois ciclos, a seriação do currículo, a frequência obrigatória dos alunos às aulas, a

imposição de um detalhado e regular sistema de avaliação discente e a

reestruturação do sistema de inspeção federal. Essas medidas procuravam produzir

estudantes secundaristas autorregulados e produtivos, em sintonia com a sociedade

disciplinar e capitalista que se consolidava, no Brasil, nos anos de 1930

(DALLABRIDA, 2009, p. 185).

Dessa forma, o ensino secundário rompe com as estruturas seculares que existiam no

período anterior a década de 30: aprendizado avulso dos regimes de cursos preparatórios,

exames parcelados e frequência não obrigatória às aulas. Através do convite do ministro da

Educação Francisco Campos, para elaborar o programa de ensino da Matemática, Euclides

Roxo não perdeu a chance de implantar o programa que vinha sendo praticado, desde 1929,

no Colégio Pedro II, contrapondo-se:

[...] à orientação geral do ensino de Matemática da época, caracterizado por

uma apresentação seca, abstrata e lógica, uma proposta pedagógica que leva em

conta os interesses do aluno e seu estágio de desenvolvimento cognitivo e enfatiza a

intuição, além de contextualizar a Matemática, deixando o tratamento rigoroso do

assunto para níveis mais avançados da aprendizagem (CARVALHO et al., 2000, p.

415).

Para Fiorentini (1995), sociopoliticamente, a unificação da Matemática acentuou a

dualidade entre o ensino racional e rigoroso, destinado à classe dominante, e o ensino que

privilegiava o cálculo, o mecanicismo e o pragmatismo, destinado às classes menos

favorecidas, em especial aos alunos das escolas técnicas. Nesse sentido, os livros didáticos

começaram a apresentar uma abordagem mais pragmática, sem muito esclarecimento dos

conceitos, fórmulas e regras e, até o final da década de 50 o ensino da disciplina, “salvo raras

exceções, caracterizava-se pela ênfase às ideias e formas da Matemática clássica, sobretudo

ao modelo euclidiano e à concepção platônica de Matemática” (Ibid, p. 5).

Na vigência da Reforma Campos, o ensino secundário brasileiro estava estruturado em

dois ciclos: curso fundamental (de 5 anos de duração – de formação geral) e curso

complementar (de 2 anos de duração), admitindo este último três modalidades: curso pré-

jurídico, curso pré-médico e o curso pré-politécnico, correspondendo ao atual Ensino Médio.

O curso complementar tinha como finalidade a preparação para os cursos superiores e,

por isso, era ministrado em anexo às faculdades para os quais eram destinados (SILVA, 2006

apud RIBEIRO, 2006); em razão disso, o ensino da matemática (álgebra, geometria,

geometria analítica, trigonometria, aritmética teórica e cálculo vetorial) era organizado de

34

modo “solto” para atender às especificidades de cada uma das modalidades do curso

complementar.

Segundo Dallabrida (2009, p. 186) o ensino secundário “tratava-se de um longo ciclo

de escolarização entre a escola primária e o ensino superior, que, grosso modo, era dirigido às

elites e partes das classes médias” diferenciando-se dos cursos técnicos profissionalizantes e

normais.

Do Golpe Militar de 30 ao fim do Estado Novo (1937-1945) no Brasil, o modelo

econômico brasileiro caracterizou-se pela substituição das importações e pelo fortalecimento

da produção industrial brasileira (FREITAG, 1986). Em consequência disso, Guy de Holanda

(1957) citado por Oliveira et al. (1984) destaca que o livro didático nacional passou a ser

valorizado com a queda da moeda brasileira e com o encarecimento do livro estrangeiro.

Através do Decreto-lei n° 1006 de 30-12-1938, legitimou-se o livro didático como aquele

adotado pela escola para uso e ensino em sala de aula e instituiu-se a Comissão Nacional do

Livro Didático (CNLD) para examinar e fazer a publicação da lista dos livros didáticos

autorizados para uso nas escolas.

Com a implementação da Reforma Capanema6, em 1942, o ensino secundário foi

reorganizado, passando o antigo curso fundamental a denominar-se de ciclo ginasial (4 anos

de estudos) e o antigo curso complementar de ciclo colegial (3 anos de estudos). Portanto, o

ciclo colegial correspondia ao nosso atual Ensino Médio.

Este ciclo compreendia dois cursos paralelos: o curso clássico, com ênfase na

formação humanística e o curso científico, com ênfase nos estudos das ciências, e se

pretendiam conceder nesses cursos “um caráter eminentemente educativo, e não mais um

instrumento pelo qual o jovem adquirisse os conceitos essenciais aos exames aos cursos

superiores, fazendo destes mesmos exames, a finalidade em si do Ensino Secundário”

(RIBEIRO, 2006, p. 29).

No ciclo colegial, com a expedição do programa7 de matemática de 1943, o ensino da

matemática deixa de ser uma lista de conteúdos “soltos” para formarem uma unidade

interligada sob a denominação de Matemática - 2° ciclo, onde os alunos estudavam

Aritmética Teórica, Álgebra e Geometria. Assim, os conteúdos dos cursos clássicos e

científicos começaram a ser padronizados apesar de serem aprofundados no curso científico.

6 Decreto n° 4.073, de 04 de abril de 1942.

7 Portaria ministerial n° 177 de 16 de março de 1943.

35

Entre 1936 e 1951, vários autores de livros didáticos, renomados pelo número de

publicações didáticas e pela posição política e profissional, participaram do processo de

disciplinarização da Matemática no primeiro ciclo do Ensino Secundário das Reformas

Campos e Capanema. E, pelo menos, a maioria deles que publicaram livros didáticos para os

cursos complementares (da reforma de Francisco Campos) também o fizeram para o ciclo

colegial (da Reforma Capanema), adequando-os aos novos programas de matemática dos

cursos clássicos e científicos (RIBEIRO, 2006).

Em 1951, promulgou-se os Programas Mínimos8 “que visavam à simplificação dos

programas de ensino e a flexibilização dos currículos, em vista ao aumento considerável, em

relação aos anos de 1930 do número de estudantes na rede escolar” (SANTOS, 2008, p. 42).

Na análise de alguns livros didáticos de matemática realizada por Ribeiro (2011), constatou-se

que alguns livros publicados entre os anos de 1943 a 1951 e os mesmos publicados entre 1951

a 1961 apresentavam poucas diferenças. Eles se diferenciavam quanto à “presença de

exercícios relacionados às questões solicitadas nos concursos de habilitação às escolas

superiores e a menor utilização da História da Matemática” (RIBEIRO, 2011, p. 219).

Para dar impulso ao projeto nacional desenvolvimentista brasileiro em decorrência do

fim da II Guerra Mundial, entre os anos de 1945 a 1964, reestabeleceram-se a dependência ao

mercado externo através do capital estrangeiro. Nesse cenário, a educação foi reorganizada

em função da nova situação econômica nacional e internacional, pois estava prevista pela

Constituição de 1946 uma lei9 de diretrizes para o ensino nacional (FREITAG, 1986). Esta lei,

consolidada em 1961, reestruturou o ensino nacional estabelecendo a educação pré-primária

(a educação destinada a crianças menores de sete anos), a educação primária (a educação

destinada a crianças de 7 a 10 anos de idade) e a educação média (a educação destinada a

adolescentes de 11 a 17 anos de idade); este último ministrado em dois ciclos de estudos:

Ginasial (4 séries anuais) e Colegial (3 séries anuais).

Além dos ciclos ginasial e colegial, conforme Brasil (1961), o ensino de nível médio

abrangeria os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino

primário e pré-primário e possibilitava ao educando, mediante adaptação, a transferência de

um curso de nível médio para outro. Neste último aspecto, Freitag (1986, p. 58) profere que a

lei dissolveu formalmente a dualidade do ensino anterior entre “cursos propedêuticos para as

classes dominantes e profissionalizantes para as classes dominadas”. Mas, nem por isso

8 Portaria nº 1045 de 14 de dezembro de 1951.

9 Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961 – Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L.D.B).

36

deixou de ser elitista, pois a criança pobre não conseguiria prosseguir os estudos em virtude

da dificuldade em pagar as taxas escolares cobradas pelas redes de ensino.

2.2 SEGUNDO PERÍODO: DURANTE O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA

MODERNA

Após a II Guerra Mundial um novo movimento internacional de renovação do ensino

da matemática, conhecido por Movimento da Matemática Moderna – MMM ganharia impulso

e repercutiria no ensino da matemática no Brasil. Este movimento surgiu nos Estados Unidos,

antes mesmo da década de cinquenta, ao perceberem que havia aversão generalizada em

relação à matemática, ficando mais evidente esta situação quando da entrada do país na guerra

ao constatar que os soldados mal sabiam realizar operações básicas.

No outono de 1957, os russos lançaram seu primeiro Sputnik. Esse

conhecimento convenceu o governo norte-americano e o país de que deviam estar

atrás dos russos em matemática e ciência, e teve o efeito de afrouxar os cordéis das

bolsas das agências governamentais e funções. Talvez seja coincidência, mas nessa

ocasião muitos outros grupos decidiram entrar no negócio de criar um novo

currículo (KLINE, 1976, p. 33).

A partir disso, as propostas de reformulação curricular do ensino secundário que já

vinham sendo discutidas nos congressos internacionais no início do século XX ganham força.

O conceito de “Moderno” do MMM se desprendia das estruturas tradicionais da educação,

pois o movimento recomendava o abandono da matéria tradicional e a introdução de campos:

[...] novos como o da álgebra abstrata, o da topologia, o da lógica

simbólica, o da teoria estabelecida e a álgebra de Boole. O “slogan” da reforma

passou a ser “matemática moderna”. Resultou que a reforma oferecia tanto uma

nova abordagem do currículo tradicional quanto novo conteúdo, e alguns grupos

enfatizaram este fato. Por conseguinte, o termo matemática moderna não constituiu

realmente uma descrição apropriada dos novos currículos (KLINE, 1976, p. 35).

Este movimento buscou aproximar a matemática do ensino secundário com aquela

desenvolvida no ensino superior e, segundo Valente (2008b, p. 590), “essa questão didático-

epistemológica ganha cientificidade por meio dos estudos de Jean Piaget e o paralelismo das

estruturas cognitivas com as estruturas matemáticas”.

No Brasil, matemáticos de renome adeririam às novas propostas de renovação do

ensino da matemática. Antes, porém, aflorariam discussões referentes à matemática moderna

em alguns dos cinco Congressos Brasileiros sobre o Ensino da Matemática realizados nas

décadas de 50 e 60: I Congresso, no estado da Bahia, em 1955; II Congresso, no estado do

Rio Grande do Sul, em 1957; III Congresso, no estado do Rio de Janeiro, em 1959; IV

Congresso, no estado do Pará, em 1962; e o V Congresso, no estado de São Paulo, em 1966.

37

Para o I Congresso não há evidências da introdução de tópicos da Matemática

Moderna, mas discutiram-se a legislação educacional, em particular a Portaria Ministerial n°

966, de 2 de outubro de 1951, que instituiu um programa mínimo de matemática para o ensino

secundário (SILVA, 2008).

No II Congresso surgem as primeiras argumentações sobre a Matemática Moderna.

Neste Congresso, em relação ao ensino de geometria, Ubiratan D’Ambrosio propôs para o

ensino secundário “a introdução do estudo de propriedades de diferentes conjuntos numéricos

e de estruturas algébricas de operações, assim como das estruturas que podem ser observadas

nas transformações geométricas”, visto que o estudo da geometria via transformações

geométricas possibilitava o tratamento da geometria pelas estruturas algébricas, consideradas

pelo MMM como elemento unificador da matemática (D’AMBROSIO, 1987 apud DUARTE;

SILVA, 2006, p. 90).

No III Congresso, discutiram-se os problemas do ensino da matemática nos cursos

secundários, comercial, industrial, normal e primário, em que se estabeleceram a realização de

“cursos de aperfeiçoamento de professores, com o intuito de prepará-los ao ensino da

Matemática Moderna, à realização de experiências no Ensino Secundário” (SILVA, 2008, p.

43).

Nessa época, o professor de matemática Osvaldo Sangiorgi que também tinha

participado dos Congressos anteriormente citados e, em 1961, após retorno de um curso de

verão na Universidade de Kansas, instituiu um curso de aperfeiçoamento de professores e

fundou o Grupo de Estudo do Ensino da Matemática (GEEM) que se tornou responsável pela

divulgação das ideias da Matemática Moderna no Brasil. Muitos membros do GEEM

participaram de cursos e encontros realizados em outros países e, desse contato, houve o

esforço em dar à geometria um tratamento axiomático como recurso às estruturas algébricas e

à teoria dos conjuntos (BURIGO, 1989 apud DUARTE; SILVA, 2006, p. 90).

Logo após a criação do GEEM, as atividades com professores, com a

divulgação da matemática moderna são intensas. Mais frequentes são, ainda, as

reuniões do Grupo para o estabelecimento do que passam a denominar “assuntos

mínimos para um programa de matemática moderna para o ginásio”, [...]. Nessas

reuniões são debatidas experiências de professores do Grupo com a matemática

moderna no ensino secundário. Esses encontros acabam fornecendo subsídios para a

elaboração dos “assuntos mínimos”, provavelmente organizados por Sangiorgi. As

notícias dos encontros e reuniões do GEEM indicam, ainda, que eles servem para

que o Grupo se prepare para levar uma proposta de São Paulo, de um programa de

matemática moderna para o ginásio, no IV Congresso Brasileiro do Ensino da

Matemática [...] (VALENTE, 2008b, p. 598-599).

38

Valente (2008b) comenta que antes mesmo da apresentação do programa no IV

Congresso, Sangiorgi o apresentou na XIV Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o

Progresso da Ciência e o programa foi ainda divulgado na imprensa, por meio do boletim

“Notícias do IBECC” de julho de 1962, em que na advertência do programa moderno obtém-

se o seguinte:

Quando se fala na introdução da Matemática Moderna no ensino

secundário, não se deve pensar que se pretende ensinar um programa completamente

diferente dos programas já conhecidos. O que se deseja essencialmente com

Modernos Programas de Matemática (e esta seria a expressão aconselhada) é estudar

os mesmos assuntos da Matemática, conhecidos como essenciais na formação do

jovem ginasiano, usando, porém, uma linguagem moderna (grifo do texto) que seja

mais atraente às novas gerações. Essa linguagem moderna envolve substancialmente

o conceito de conjunto (grifo do texto), e deve atender à formação das estruturas

matemáticas (grifo do texto), que permitam, com menos esforço, melhor

aproveitamento das estruturas mentais já existentes no aluno, e dão ênfase ao caráter

da Matemática atual (IBECC, 1962 apud VALENTE, 2008b – grifos do autor).

Silva (2008) destaca o IV Congresso como um dos mais importantes para colocar em

prática as propostas do MMM e a não publicação de Anais do evento levou o GEEM a

publicar, em 1962, o livro Matemática Moderna para o Ensino Secundário objetivando

angariar contribuições dos professores para a publicação das Sugestões para um roteiro de

Programa para a cadeira de Matemática. Em 1965, o grupo divulgaria a segunda edição do

livro em que passaria a constar as Sugestões que também foram publicadas sob o comunicado

n° 17 no Diário Oficial de São Paulo, em 13 de janeiro de 1965.

Em 1963, Osvaldo Sangiorgi lança um livro didático de matemática, destinado ao

ensino ginasial, que passava a constar as ideias da Matemática Moderna. De acordo com

Valente (2008a), seus livros para este nível de ensino fizeram escola já que:

Osvaldo Sangiorgi agiu como exímio articulador entre todas as instâncias

que influenciavam o processo educacional em seu tempo. Sangiorgi tinha trânsito

fácil na esfera pública; era reconhecido pelas elites como excelente professor e

acadêmico, por sua formação na Universidade de São Paulo; teve, por circunstâncias

do contexto político-econômico dos anos de 1960 e, também por relações pessoais

com editores de jornais, franco acesso à mídia impressa; usou a mídia televisiva

para, de modo inédito, promover cursos pela TV; constituiu-se autor didático em

tempos em que as editoras brasileiras e, em particular a Companhia Editora

Nacional transformar-se-iam em grandes empresas, a partir de São Paulo. A

articulação dessas diferentes instâncias, feitas por um personagem carismático,

preparou devidamente o cotidiano escolar para a aceitação da grande novidade

didática do início dos anos 1960: a matemática moderna (VALENTE, 2008a, p.

150).

Assim, além do GEEM, os livros didáticos de matemática e a imprensa

desempenharam um papel importante na divulgação das ideias da Matemática Moderna,

principalmente no estado de São Paulo (SILVA, 2008). Vale lembrar que até os anos 70 o

39

professor era o próprio escritor de livro didático. Eles os elaboravam com base em suas

experiências pedagógicas e os entregavam ao editor para que providenciasse a impressão e

distribuição às livrarias. Entretanto, após esta década são as próprias:

[...] editoras que contratam escritores ou grupos de escritores para a

elaboração de um livro específico. Fornecem, assessores e pessoal auxiliar aos

autores durante a elaboração da obra, e, em muitos casos, o texto acaba sendo

reescrito de acordo com os padrões de inteligibilidade, extensão e organização dos

capítulos, associação texto-ilustrações, etc... Finalmente é utilizado (muitas vezes

desde o planejamento inicial da obra) o serviço de vários especialistas – ilustradores,

pesquisadores, pesquisadores de material iconográfico, diagramadores e outros – na

preparação da obra (NETTO; ROSAMILHA; DIB, 1974, p. 228)

Em 1966, Sangiorgi coordenou o V Congresso Brasileiro sobre o Ensino da

Matemática que, segundo Silva (2008), teve como temário “Matemática Moderna na Escola

Secundária; articulações com o Ensino Primário e com o Ensino Universitário”. Um ano

depois, os autores de livros didáticos Scipione Di Pierro Neto, Luiz Mauro Rocha e Ruy

Madsen Barbosa lançaram a coleção Matemática – Curso Colegial Moderno que inovou “nas

apresentações dos conteúdos relacionando com as novas tendências tecnológicas, a

computação e as aplicações em outras ciências como a Física e a Biologia” (SILVA, 2008, p.

130), se tornando pioneira no ensino da Matemática Moderna do colégio com conteúdos

sugeridos pelo GEEM, de modo a orientar os professores nesse nível de ensino.

Entretanto, a Matemática Moderna foi alvo de críticas. No livro O Fracasso da

Matemática Moderna, publicado pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1973, e depois no

Brasil, em 1976, o matemático Kline profere que os textos modernos adotaram problemas

artificiais, desligados do mundo real, mesmo que tenham existido muitas aplicações da

matemática em campos “como a exploração do espaço, ciência nuclear, ciências sociais,

psicologia, comércio e indústria [...] não se incluiu nenhuma de tais aplicações, sem

mencionar o que tange às aplicações antigas nas ciências físicas” (KLINE, 1976, p. 101), pois

os professores que elaboraram os novos currículos eram apenas matemáticos, ou seja, não

tinham nenhuma experiência em ciência.

Kline (1976) aponta que os seguintes aspectos levariam ao fracasso da Matemática

Moderna:

A abordagem lógica dos conteúdos, isto é, provando-se dedutivamente os teoremas assim

como na geometria, ampliando essa abordagem para conteúdos – Aritmética, Álgebra e

Trigonometria – que até então não eram tratadas dedutivamente;

O desenvolvimento rigoroso dos conteúdos, demonstrando-se qualquer asserção

matemática mesmo que óbvia, diferentemente do que ocorria na geometria euclidiana;

40

A adoção da linguagem dos conjuntos de modo a resolver o problema da imprecisão da

linguagem matemática do currículo tradicional;

A consideração da matemática como autossuficiente ou autocriadora como, por exemplo,

ao produzir novos conceitos matemáticos por meio de pergunta. Neste caso:

[...] para introduzir números negativos alguns textos modernos perguntam,

“Qual o número que somado a 2 dá 0?” Eles então apresentam - 2 como o número

que se requer. Como o dizem alguns textos, - 2 é o único inverso aditivo para 2. Mas

esta introdução de - 2 não dá mais compreensão que a declaração, “Antimatéria é

aquela substância que adicionada à matéria produz um vácuo”, dá qualquer

compreensão de antimatéria (KLINE, 1976, p. 99).

No Brasil, com relação ao enfoque dado a geometria durante a Matemática Moderna,

D’Ambrosio (1987, p. 221 apud DUARTE; SILVA, 2006, p. 90) afirma que ela foi relegada

para a última parte dos livros didáticos e que os tópicos de geometria propostos na década de

60, como as transformações geométricas, nunca integraram o currículo. Soares (2001 apud

DUARTE; SILVA, 2006, p. 91), por sua vez, dizem que esse “enfoque dado à Matemática

alterou o equilíbrio enciclopédico entre seus diversos campos e, com isso, houve certo

desequilíbrio entre a atenção dada à álgebra e à geometria”, concluindo que o ensino desta por

meio do estudo das transformações lineares e espaços vetoriais não teve lugar na prática.

Dessa forma, Duarte e Silva (2006) frisam a questão do despreparo dos professores para

ensinar geometria numa abordagem diferente da euclidiana.

Quando da presença da Matemática Moderna no Brasil, o país vivenciou o regime

militar (1964-1985). Durante este governo, para dar continuidade ao projeto nacional

desenvolvimentista, firmou-se através do Decreto n° 59.355 de 04-10-1966 o convênio

MEC/USAID (Ministério de Educação e Cultura/Agência Norte-Americana para o

Desenvolvimento Internacional) entre os governos brasileiro e americano que criou a

Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED) para “incentivar, orientar,

coordenar e executar as atividades do Ministério da Educação e Cultura relacionadas à

produção, à edição, ao aprimoramento e à distribuição de livros técnicos e de livros didáticos”

(OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984, p. 53).

Da relação, Brasil e Estados Unidos, surgiu nos anos pós-64 a corrente pedagógica

tecnicista de origem norte americana, buscando assentar a escola ao modelo de racionalização

capitalista. Segundo Fiorentini (1995, p. 17), esta corrente centrava-se “nos objetivos

instrucionais, nos recursos (materiais instrucionais, calculadoras, etc.) e nas técnicas de ensino

que garantiriam o alcance dos mesmos”. E, a existência nesse período, da Matemática

Moderna e da Pedagogia Tecnicista, fez aparecer a combinação tecnicista formalista, nas

41

décadas de 60 e 70, que concebeu a matemática pela matemática, sua estrutura em detrimento

da essência dos conceitos e a organização do processo ensino-aprendizagem de forma técnica.

Alguns livros didáticos de matemática, por exemplo, passaram a priorizar:

[...] objetivos que se restringem ao treino/desenvolvimento de habilidades

estritamente técnicas. Os conteúdos, sob esse enfoque, aparecem em passos

sequenciais em forma de instrução programada onde o aluno deve realizar uma série

de exercícios do tipo: “resolva os exercícios abaixo, seguindo o seguinte modelo...”

(FIORENTINI, 1995, p. 16).

Conforme o autor houve também, aqueles que, se contrapondo ao formalismo

estrutural da Matemática Moderna, deram ao ensino da Matemática um caráter técnico

mecanicista.

Em 1971, a COLTED foi extinta e seu pessoal, acervo e recursos financeiros foram

transferidos para o Instituto Nacional do Livro10

(INL), que assumiu a responsabilidade sobre

a produção e controle do Programa do Livro Didático (OLIVEIRA; GUIMARÃES;

BOMÉNY, 1984). Além disso, as Unidades da Federação passaram a contribuir

financeiramente com o Fundo do Livro Didático (FNDE, 2012) e é aprovada a Lei n°

5.692/1971 (reforma dos ensinos de 1° e 2° graus) decorrente da necessária reformulação do

Ensino Superior e das inadequações do sistema de Ensino Médio da reforma de 1961, pois

“não estava ocorrendo uma profissionalização de nível médio, mas uma corrida geral para a

universidade” (FREITAG, 1986, p. 93). A Lei n° 5.692/1971, traz as seguintes inovações:

1. Extensão definitiva do ensino primário obrigatório de 4 a 8 anos (Art.

18), gratuito em escolas públicas (Art. 20) e consequente redução do ensino médio

de 7 para 3 a 4 anos (Art. 22). O 1° ciclo ginasial fica, portanto, absorvido pelo

ensino primário, tornando-se obrigatório para todos. 2. Profissionalização do ensino

médio (antigo 2° ciclo do ensino médio) (Art. 4, §§ 1a5, a art. 10) garantindo ao

mesmo tempo continuidade e terminalidade dos estudos. 3. Reestruturação do

funcionamento do ensino no modelo da escola integrada, definindo-se um núcleo

comum de matérias obrigatórias e uma multiplicidade de matérias optativas de

escolha do aluno (FREITAG, 1986, p. 94).

Em consequência do terceiro tópico acima, Oliveira, Guimarães e Bomény (1984, p.

70-72) indicam duas características na concepção e confecção do livro didático no mercado

editorial brasileiro da época: a generalidade das diretrizes (expressa na forma de programas de

ensino, “grades” e propostas), tendo em vista que, na esfera federal, o “núcleo comum” não

passou de uma lista de matérias sem detalhes do que ensinar em cada disciplina; e as

discrepâncias entre os estados, em relação à parte diversificada do currículo que

10 Este instituto foi criado, em 1929, para dar legitimação ao livro didático nacional e incrementar a sua produção (FNDE, 2012).

42

frequentemente não passavam de reprodução de modelos, feitos a nível central ou em estados

mais desenvolvidos. Sendo assim, os livros aceitáveis e vendáveis eram aqueles que seguiam

o modelo de livros padrões compatíveis com as generalidades dos programas-guias.

Seis anos após a promulgação da reforma de 1971, a Fundação Nacional de Material

Escolar (FENAME) passou a executar o programa do livro didático com recursos do Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e com contrapartidas mínimas de

participação estabelecidas aos estados brasileiros (FNDE, 2012).

2.3 TERCEIRO PERÍODO: POSTERIOR AO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA

MODERNA

Em documento para discussão sobre os problemas da renovação do currículo de

Matemática dos ensinos básico e secundário de Portugal, organizado pela Associação de

Professores de Matemática (1988), é relatado que o fracasso da Matemática Moderna deveu-

se a sua incapacidade de responder problemas novos e complexos como a explosão escolar, a

democratização do ensino, a necessidade de promover uma formação matemática para todos e

as semelhanças mais do que as diferenças entre a orientação mecanicista (da matemática

tradicional) e a formalista (da matemática moderna), por considerarem o processo de ensino e

aprendizagem, respectivamente, por transmissão e absorção e não por construção. Nesse

contexto:

[...] uma comunidade nascente de professores e investigadores, ligados à

nova área da Educação Matemática, procurava chamar a atenção para a necessidade

de se terem em consideração os vários e complexos fatores em jogo e começavam a

apontar novas direções (Ibid, p. 6).

Entre os anos de 1979 e 1983, no Brasil, pesquisas realizadas em cursos de pós-

graduação em Educação e Psicologia contribuiriam para o aumento dos estudos em Educação

Matemática envolvendo “não somente questões pedagógicas e/ou psicológicas, mas também

ideológicas, sociopolíticos e culturais” (Ibid, p. 50), como explicações para o fracasso da

matemática escolar.

Para D’Ambrosio (1986, p. 15) a Matemática Moderna era aristocrática ao recrutar

“elites científicas entre as camadas mais abastadas da população”. Por isso, esta matemática

não era para todos e marginalizava os conhecimentos dos países periféricos pelos países

centrais, impondo a aqueles uma cultura que não condizia com as suas realidades. A

matemática por ser uma linguagem que permite ao homem comunicar sobre os fenômenos

43

naturais está presente no desenvolver da história da humanidade desde os primeiros “sons”.

Por este ponto de vista, segundo o autor, somos conduzidos:

[...] a atribuir à Matemática o caráter de uma atividade inerente ao ser

humano, praticada com plena espontaneidade, resultante de seu ambiente

sociocultural e consequentemente determinada pela realidade material na qual o

indivíduo está inserido. Portanto, a Educação Matemática é uma atividade social

muito específica, visando o aprimoramento dessa atividade (D’AMBROSIO, 1986,

p. 36).

Todavia, as tendências pedagógicas que marcaram a tradição educacional brasileira

trouxeram:

[...] de maneira diferente, contribuições para uma proposta atual que busque

recuperar aspectos positivos das práticas anteriores em relação ao desenvolvimento e

à aprendizagem, realizando uma releitura dessas práticas à luz dos avanços ocorridos

nas produções teóricas, nas investigações e em fatos que se tornaram observáveis

nas experiências educativas mais recentes realizadas em diferentes Estados e

Municípios do Brasil. No final dos anos 70, pode-se dizer que havia no Brasil, entre

as tendências didáticas de vanguarda, aquelas que tinham um viés mais psicológico

e outras cujo viés era mais sociológico e político; a partir dos anos 80 surge com

maior evidência um movimento que pretende a integração entre essas abordagens

(BRASIL, 1997, p. 32).

Ao estudar a transição entre o MMM e o movimento pós-Matemática Moderna no

Brasil, Silva (2009) detectou como propostas para a Educação Matemática a Ciência

Integrada, a Modelagem Matemática e a Etnomatemática.

Na Ciência Integrada era sugerido trabalhar com aspectos do cotidiano, com

aplicações da matemática à realidade e com o uso de soluções de problemas de outras

disciplinas ou da experiência concreta. Enquanto a Modelagem Matemática buscava fazer a

ligação da matemática com o cotidiano por meio de investigação de uma situação-problema,

formulando-o em linguagem convencionada, isto é, em linguagem matemática, os alunos

deveriam perceber a importância da linguagem matemática para a compreensão de aspectos

da situação real que passariam despercebidos numa linguagem natural. Por sua vez, a

Etnomatemática considerava o meio social em que o aluno está inserido e os conhecimentos

que ele traz desse meio (SILVA, 2009). Dessa forma, Santos (2008, p. 51) relata que cabia ao

educador “ficar atento às diferentes formas de ensinar e à contextualização histórica dos

conteúdos matemáticos, tendo em vista a diversidade cultural de seus alunos”.

Em meados dos anos 70 e no decorrer dos anos 80, em oposição ao regime militar, “os

educadores se movimentaram por meio da criação de associações e da participação em

debates” (Ibid, p. 49) para discutir a responsabilização do Estado e a mudança na Legislação

Educacional; sendo esta última possível somente com a promulgação da Constituição de

44

1988. Com a abertura democrática nos anos 80, as Secretarias Estaduais e Municipais se

organizariam para elaborar os novos currículos de ensino da Matemática.

Nessa época, a Associação dos Professores de Matemática (1988) de Portugal, propôs

a discussão dos seguintes aspectos: a não consideração das necessidades dos alunos; os

objetivos/orientações de ensino da Matemática voltados à preparação para os estudos

posteriores; os currículos e programas que consideravam a Matemática como uma disciplina

universal não levando em conta as motivações e experiências de natureza social e cultural no

processo de aprendizagem; a mudança dos conteúdos dos programas, tendiam a perdurar mais

do que o nível da abordagem da matemática; a consideração da relação do conhecimento entre

o professor e o aluno processar-se, respectivamente, por transmissão e recepção; a medição do

sucesso ou insucesso escolar dos alunos por meio de prova escrita e a sustentação das

reformas apoiadas nas necessidades da sociedade (notadamente econômica) e/ou nas

necessidades da Matemática enquanto ciência.

Na década de 90, aprovou-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN), Lei n° 9.394/1996, que apoiou o ensino nacional sobre os princípios:

da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o

saber;

do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas;

do respeito à liberdade e apreço à tolerância;

da coexistência de instituições públicas e privadas;

da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

da valorização do profissional da educação escolar;

da gestão democrática do ensino público;

da garantia do padrão de qualidade;

da valorização da experiência extraescolar;

da vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (BRASIL, 1996).

A LDBEN incumbiu a União em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios estabelecerem para a Educação Básica11

competências e diretrizes de modo a

assegurar a formação básica comum, permitindo dar início ao processo de elaboração dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). O termo “parâmetro” vem comunicar a ideia de

respeito às diversidades regionais, políticas e culturais brasileiras e construir referências

11 Composta pela Educação Infantil, Ensino Fundamental (com duração mínima de oito) e o Ensino Médio (com duração mínima de três anos).

45

nacionais a partir dos “pontos comuns” que caracterizam a educação em suas diversas regiões

enquanto que o termo “currículo” passa a significar a “expressão de princípios e metas do

projeto educativo, que precisam ser flexíveis para promover discussões e reelaborações

quando realizado em sala de aula” (BRASIL, 1998, p. 49).

Um estudo das propostas curriculares das regiões brasileiras, realizado pela Fundação

Carlos Chagas, em 1996, revelou divergências sobre o que se ensinava de Matemática com a

flexibilização curricular estabelecida após a substituição dos programas nacionais obrigatórios

das reformas Campos e Capanema, pelos Guias/Propostas não obrigatórios, elaborados pelas

Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. A partir deste estudo, realizaram-se os

primeiros debates sobre os PCN, destinados às diversas modalidades de ensino e a sua

elaboração entre os anos 1995 e 2002 (PIRES, 2008).

De acordo com a LDBEN, o Ensino Médio, considerado a última etapa da Educação

Básica, tem por finalidade: o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos pelo educando

no ensino fundamental; a preparação básica para o trabalho; o desenvolvimento da autonomia

intelectual e do pensamento crítico; e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos

dos processos produtivos (BRASIL, 1996). Nesse contexto, os Parâmetros Curriculares

Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), colocam como objetivos a serem alcançados pelos

alunos em Matemática:

Compreender os conceitos, procedimentos e estratégias matemáticas que permitam

a ele desenvolver estudos posteriores e adquirir uma formação científica geral;

Aplicar seus conhecimentos matemáticos a situações diversas, utilizando-os na

interpretação da ciência, na atividade tecnológica e nas atividades cotidianas;

Analisar e valorizar informações provenientes de diferentes fontes, utilizando

ferramentas matemáticas para formar uma opinião própria que lhe permita

expressar-se criticamente sobre problemas da Matemática, das outras áreas do

conhecimento e da atualidade;

Desenvolver as capacidades de raciocínio e resolução de problemas, de

comunicação, bem como o espírito crítico e criativo;

Utilizar com confiança procedimentos de resolução de problemas para desenvolver

a compreensão dos conceitos matemáticos;

Expressar-se oral, escrita e graficamente em situações matemáticas e valorizar a

precisão da linguagem e as demonstrações em Matemática;

Estabelecer conexões entre diferentes temas matemáticos e entre esses temas e o

conhecimento de outras áreas do currículo;

Reconhecer representações equivalentes de um mesmo conceito, relacionando

procedimentos associados às diferentes representações;

Promover a realização pessoal mediante o sentimento de segurança em relação às

suas capacidades matemáticas, o desenvolvimento de atitudes de autonomia e

cooperação (BRASIL, 2000b, p. 42).

Em relação ao estudo da geometria o documento publica que o aluno deve desenvolver

as “habilidades de visualização, desenho, argumentação lógica e de aplicação na busca de

soluções para problemas” por serem elas importantes para a “compreensão e ampliação da

46

percepção de espaço e construção de modelos para interpretar questões da Matemática e de

outras áreas do conhecimento” (BRASIL, 2000b, p. 44). Em complementação aos PCNEM, é

explicitada nas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN+) a articulação que se deseja promover com os conhecimentos disciplinares

(Biologia, Química, Física e Matemática), pelas competências: Representação e

Comunicação, Investigação e Compreensão e a Contextualização Sociocultural, de modo a

facilitar a organização do trabalho escolar (BRASIL, 2000a).

Na Matemática, a Representação e Comunicação envolvem a leitura, a interpretação e

a produção de textos nas diversas linguagens e formas textuais característica dessa área do

conhecimento; a Investigação e Compreensão são marcadas pela capacidade de enfrentamento

e resolução de situações problema que se utilizam dos conceitos e procedimentos peculiares

do fazer e pensar das ciências; a Contextualização Sociocultural das ciências é uma forma de

análise crítica das ideias e dos recursos da área e das questões do mundo, que podem ser

respondidas ou transformadas por meio do pensar e do conhecimento científico. Os PCN+

sugerem práticas educativas e organização dos currículos coerentes a tal articulação, de modo

a estabelecer temas estruturadores do ensino disciplinar da área das Ciências da Natureza,

Matemática e suas Tecnologias (BRASIL, 2000a).

No documento são sistematizados três eixos ou temas estruturadores que devem ser

desenvolvidos, concomitantemente, nas três séries do Ensino Médio: 1. Álgebra: números e

funções, 2. Geometria e Medidas e 3. Análise de dados. Em Geometria e Medidas são

abordadas as formas planas e tridimensionais e suas representações em desenhos,

planificações, modelos e objetos do mundo concreto em que, para o desenvolvimento do

tema, propõem-se quatro unidades temáticas: geometria plana, espacial, métrica e analítica.

Quanto à unidade temática geometria espacial, a qual situa nosso objeto de pesquisa, isto é, a

Fórmula Poliedral de Euler, coloca-se como conteúdos a ensinar: elementos dos poliedros, sua

classificação e representação; sólidos redondos; propriedades relativas à posição (intersecção,

paralelismo e perpendicularismo); inscrição e circunscrição de sólidos e apresenta as

seguintes habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos:

Usar formas geométricas espaciais para representar ou visualizar partes do mundo

real, como peças mecânicas, embalagens e construções.

Interpretar e associar objetos sólidos a suas diferentes representações

bidimensionais, como projeções, planificações, cortes e desenhos.

Utilizar o conhecimento geométrico para leitura, compreensão e ação sobre a

realidade.

Compreender o significado de postulados ou axiomas e teoremas e reconhecer o

valor de demonstrações para perceber a Matemática como ciência com forma

específica para validar resultados (BRASIL, 2000a, p. 125).

47

Um aspecto distintivo dos PCNEM “é a opção feita no sentido de indicar

competências e habilidades a serem desenvolvidas em Matemática, ao invés de indicar

conteúdos mínimos ou conteúdos básicos a serem trabalhados” (PIRES, 2008, p. 35), uma vez

que:

No âmbito de cada disciplina – Biologia, Física, Química e Matemática –,

os temas com os quais se pode organizar ou estruturar o ensino, constituem uma

composição de elementos curriculares com competências e habilidades, no sentido

em que esses termos são utilizados nos Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Médio (PCNEM), ou no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)

(BRASIL, 2000a, p. 13).

De tal sorte, atualmente, os livros didáticos para serem adquiridos e distribuídos pelo

governo às escolas públicas devem se adequar as orientações dos PCNEM, pois existe uma

equipe do Programa Nacional do Livro Didático12

(PNLD) que avalia pedagogicamente os

livros submetidos a ela. Coerentemente, as editoras para não terem suas obras didáticas

excluídas do Guia dos Livros Didáticos13

devem se orientar pelos requisitos exigidos na

avaliação de livros didáticos, como estabelecido pelo PNLD 2012, para todos os componentes

curriculares:

I. Respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino

médio; II. Observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e

ao convívio social republicano; III. Coerência e adequação da abordagem teórico-

metodológica assumida pela obra no que diz respeito à proposta didático-pedagógica

explicitada e aos objetivos visados; IV. Correção e atualização de conceitos,

informações e procedimentos; V. observância das características e finalidades

específicas do manual do professor e adequação da obra à linha pedagógica nela

apresentada; VI. Adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos

didáticos pedagógicos da obra (BRASIL, 2011, p. 14).

Para a componente curricular Matemática são considerados os seguintes requisitos na

avaliação de livros didáticos:

1. Incluir todos os campos da Matemática escolar, a saber, números e

operações, funções, equações algébricas, geometria analítica, geometria, estatística e

probabilidades. 2. Privilegiar a exploração dos conceitos matemáticos e de sua

utilidade para resolver problemas. 3. Apresentar os conceitos com encadeamento

lógico, evitando: recorrer a conceitos ainda não definidos para introduzir outro

conceito, utilizar-se de definições circulares, confundir tese com hipótese em

demonstrações matemáticas, entre outros. 4. Propiciar o desenvolvimento, pelo

aluno, de competências cognitivas básicas, como: observação, compreensão,

12 Este programa subsidia o trabalho pedagógico dos professores ao distribuir coleções de livros didáticos aos alunos da Educação Básica.

13 Livro, composto de resenhas das coleções de livros didáticos considerados aprovados, publicado pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) e encaminhado às escolas para que escolham, entre os títulos disponíveis, aqueles que melhor atendem ao seu projeto político pedagógico.

48

argumentação, organização, análise, síntese, comunicação de ideias matemáticas,

memorização (BRASIL, 2011, p. 17).

Os requisitos anteriormente citados estão em consonância com os objetivos

pretendidos pelos PCNEM que destacam, como principal, a contextualização e a

interdisciplinaridade para o desenvolvimento das atitudes e habilidades dos alunos e que os

temas abordados possam permitir a articulação entre os conceitos matemáticos e as distintas

formas de pensamento.

Essas mudanças, presenciadas na forma de ver e conceber a Educação e a Educação

Matemática no Brasil, mudam o rumo da política de execução e controle do livro didático. Em

1997, o FNDE passou a assumir a política de execução do PNLD. A partir de 2004,

iniciaram-se a distribuição gradual de livros didáticos ofertados pelo governo aos alunos do

Ensino Médio. Atualmente, todos os alunos desse nível de ensino são contemplados com

obras didáticas de todas as componentes curriculares da Educação Básica (FNDE, 2012).

Vimos até aqui o reposicionamento da Educação Matemática e o ajustamento do livro

didático em relação às transformações sociais ocorridas no Brasil em diferentes períodos de

tempo. Estas explanações sobre o livro didático e a matemática escolar no Brasil, nos três

períodos delimitados, são importantes para a compreensão das mudanças e permanências no

ensino do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler em livros didáticos de matemática brasileiros.

No capítulo seguinte apresentaremos um pouco sobre a história deste conteúdo.

49

3 ALGUMAS ABORDAGENS DA FÓRMULA POLIEDRAL DE EULER NA

ESFERA DO “SABER SÁBIO”

Neste capítulo apresentamos um estudo histórico da Fórmula Poliedral de Euler

fazendo uma breve incursão na história da Geometria, suas origens e seus métodos. Dessa

forma, destacamos três abordagens da Fórmula Poliedral de Euler na esfera do “saber sábio”

14 a partir dos estudos dos matemáticos Leonhard Euler (1707-1783), Adrien-Marie Legendre

(1752-1833) e Augustin-Louis Cauchy (1789-1857), como portadoras da evolução dos

saberes dessa área da matemática, a Geometria.

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA GEOMETRIA

Segundo Eves (1992), as primeiras noções geométricas “subconscientes” (a reta, a

distância, o triângulo, etc.) no homem, surgiram a partir de observações simples do cotidiano

quando se compara as configurações “físicas que têm uma característica ordenada, em

contraste com as formas causais e desorganizadas da maioria dos corpos” (Ibid, p. 2).

Inicialmente, conforme o autor, tais noções não possuíam relações entre si.

Porém, mais tarde, com o desenvolvimento da capacidade intelectual humana, o

homem pode estabelecer essas relações a partir de problemas geométricos concretos extraindo

delas por meio da indução, do erro e dos procedimentos empíricos, propriedades gerais que

facilitaram a resolução de um conjunto de problemas práticos por um mesmo procedimento

geral. Nesse estágio, a geometria poderia ser denominada de “geometria científica”. Ela,

provavelmente se originou das práticas de agrimensura ao longo do vale do rio Nilo, no Egito.

Mas, indícios históricos apontam que semelhante avanço também ocorreu ao longo dos rios

Tigre e Eufrates na Mesopotâmia, no Indo e no Ganges no centro-sul da Ásia e no Hwang Ho

e Yangtzé na Ásia Oriental.

Todavia, com a redução do poder egípcio e babilônico, após as transformações

políticas e econômicas nos finais dos últimos séculos dos 2000 a.C, os gregos desenvolveram

uma geometria diferentemente da dos seus predecessores. Conforme retrata Eves:

Os gregos insistiram em que os fatos geométricos deviam ser estabelecidos,

não por procedimentos empíricos, mas por raciocínios dedutivos; as verdades

geométricas deviam ser obtidas no gabinete dos estudos, e não no laboratório. Em

suma, os gregos transformaram a geometria empírica, ou científica, dos egípcios e

babilônios antigos no que poderíamos chamar de geometria “sistemática” ou

“demonstrativa” (EVES, 1992, p. 7).

14 Saber sábio: é o saber de referência, produzido pelos especialistas da disciplina.

50

Esclarecemos que a principal fonte de informação sobre a geometria grega primitiva é

o Sumário eudemio de Próclus (século V d.C), que apresenta um esboço do desenvolvimento

da geometria grega até os tempos de Euclides (século III a. C). De acordo com o sumário,

Tales de Mileto (século VI a.C) foi o fundador da geometria demonstrativa por ter aplicado à

geometria:

[...] procedimentos dedutivos da filosofia grega. São creditados a ele alguns

resultados geométricos muito elementares, cujo valor não deve ser medido pelo seu

conteúdo, mas pelo fato de que ele os baseava em raciocínios lógicos e não em

intuição e experimentação. Pela primeira vez um estudioso da geometria se

comprometeu com uma forma de raciocínio dedutivo, por mais parcial e incompleto

que fosse. Além do mais, o fato de o primeiro pensamento dedutivo ocorrer no

campo da geometria (e não do da álgebra, por exemplo) inaugurou uma tradição em

matemática que se manteve até tempos muito recentes (EVES, 1992, p. 7-8).

O outro matemático grego que utilizou o método dedutivo foi Euclides, mais

conhecido como Euclides de Alexandria. Segundo Boyer (1996), ele pertenceu à escola ou

instituto denominado Museu, na cidade de Alexandria, no Egito. Nesse instituto Euclides teria

liderado um grupo de pesquisa em Matemática e escrito a sua obra de maior sucesso Os

elementos (um compêndio da matemática grega elementar, composto por treze volumes, em

que boa parte dos resultados já era conhecida na época) e, é “possível que os trabalhos

atribuídos a ele na verdade tenham sido redigidos por vários membros do grupo que Euclides

liderava” (TOMEI, 2003, p. 18).

Desse modo, nenhuma descoberta nova é atribuída a Euclides. Entretanto, o sucesso

da obra se deveu a sua habilidade em expor os assuntos matemáticos em ordem lógica, isto é,

dos resultados mais simples aos mais complexos, de modo convincente. Destaca-se que:

No modelo dedutivo utilizado por Euclides, possivelmente inspirado em

Aristóteles, não há conceitos primitivos. Todos os objetos geométricos estudados,

mesmo os mais intuitivos, são explicitamente definidos. Numa proposta dessa

natureza, obviamente, as primeiras definições têm de ser dadas em termos de

conceitos não apresentados antes. (Por exemplo, Euclides definia ponto como

“aquilo que não tem partes”.) Efetivamente, o objetivo de Euclides não era apenas

apresentar formalmente os objetos iniciais de seu discurso, mas também garantir que

eles correspondiam a uma realidade ligada à experiência e expectativa do leitor. Os

postulados que se seguiam, por sua vez, tinham um caráter de auto-evidência (salvo

uma notável exceção). Por essas razões, as axiomáticas como a usada por Euclides

nos Elementos, calcadas de alguma maneira na evidência e na experiência, vieram a

ser conhecida como axiomáticas materiais (DOMINGUES, 2002, p. 49, grifos do

autor).

Dentro do método axiomático, a “demonstração” é uma cadeia de argumentos

formados a partir dos axiomas, ou postulados, como denominou Euclides. Os postulados de

Euclides são cinco, a saber: é possível construir uma reta ligando dois pontos quaisquer; um

51

segmento retilíneo pertence a uma mesma reta; é possível construir um círculo com qualquer

centro e qualquer raio; todos os ângulos retos são iguais; por um ponto P fora de uma reta r é

possível traçar uma única reta que não toca r (postulado das retas paralelas); o último

postulado é o que mais gerou reflexão em toda a história (TOMEI, 2003). Eves (1992) explica

o porquê, dizendo:

Esse postulado não tem a concisão dos outros postulados de Euclides, e

parece não ter a qualidade, exigida pela axiomática material grega, da obviedade ou

da pronta aceitabilidade por parte do leitor [...] As tentativas de deduzir o postulado

das paralelas dos demais postulados dos Elementos de Euclides ocuparam geômetras

por mais de dois milênios e culminaram em alguns dos desenvolvimentos de maior

alcance da matemática moderna. Muitas “provas” do postulado foram dadas, mas,

mais cedo ou mais tarde, mostrou-se que todas se apoiavam numa suposição tácita

equivalente ao próprio postulado. [...] A real independência do postulado das

paralelas com relação aos outros postulados de geometria euclidiana só foi

inquestionavelmente estabelecida quando se obtiveram provas da consistência da

geometria não euclidiana (p. 20-21).

A geometria não euclidiana é a que melhor representa o nosso mundo físico, pois lida

com “curvas e superfícies mais complexas, tanto planares quanto espaciais” (TOMEI, 2003,

p. 106), tal como a rota de um navio que sobre o mar cobre uma superfície esférica. Nessa

situação, a geometria mais adequada não pode ser aquela, descrita por Euclides na obra Os

elementos, que se concentram nas propriedades das figuras retilíneas como na medição da

área de um terreno plano.

1.2 DOS POLIEDROS REGULARES À DESCOBERTA DA FÓRMULA POLIEDRAL DE

EULER

O último volume da obra Os elementos é totalmente dedicado às propriedades dos

poliedros regulares. Neste volume Euclides demonstrou, apoiando-se em resultados de

Teeteto (414-369 a.C), que existem apenas cinco poliedros regulares (tetraedro, octaedro,

hexaedro, dodecaedro e icosaedro), os quais fascinaram os gregos, tais como Platão15

(428-

347 a.C) e Aristóteles16

(384-322 a.C), devido as suas simetrias: as faces de cada um dos

poliedros são formadas por polígonos regulares e em cada vértice se encontram o mesmo

número de arestas (TOMEI, 2003).

15 Filosofo e matemático grego que viveu, provavelmente, entre o período de 427-347 a.C. Platão associou os elementos água, terra, fogo e ar (que por combinações davam origem a todos os corpos) respectivamente, ao icosaedro, cubo, tetraedro e octaedro, pois Platão acreditava que “as propriedades físicas da matéria eram consequência das propriedades geométricas de suas partículas constituintes” (TOMEI, 2003, p. 79).

16 Filósofo grego que viveu em torno de 384-322 a. C. Aristóteles “acreditava que o fogo era uma região do espaço ocupada por tetraedros justapostos face a face, de forma muito parecida com a nossa interpretação visual de cristais, onde moléculas seguem de maneira regular” (TOMEI, 2003, p. 79).

52

Na figura 1 apresentamos os cinco poliedros regulares, também conhecidos como

poliedros de Platão, em homenagem a este filósofo.

Figura 1: Os cinco poliedros regulares ou poliedros de Platão

Fonte: http://blogdematemticapoliedros.blogspot.com.br/

Ainda tratando sobre os poliedros regulares, Euclides obteve, por exemplo, as relações

entre os lados dos poliedros regulares e os raios das esferas inscritas e circunscritas a cada um

deles; apesar disso, “os antigos não perceberam a chamada fórmula poliedral enunciada por

Euler no século dezoito” (BOYER, 1996, p. 82). Desse resultado, em 1595, o astrônomo e

matemático alemão Johann Kepler (1571-1630) formulou a hipótese de que existia uma

conexão entre esses poliedros e “as órbitas regulares dos seis planetas conhecidos em seu

tempo (Netuno, Urano e Plutão ainda estavam por ser descobertos)” (ACZEL, 2007, p. 181).

Kepler descreveu uma teoria em que associava os raios das órbitas de vários planetas

aos raios de esferas circunscritas a poliedros regulares, podendo estes ser encaixados um

dentro do outro, numa sequência particular, o qual identificava cada poliedro a um planeta

(TOMEI, 2003). O estudo de Kepler sobre os poliedros regulares também despertou o

interesse do francês René Descartes (1596-1650), famoso por seus trabalhos em matemática,

em física e, sobretudo em filosofia.

Segundo Aczel (2007), Descartes, provavelmente entrou em contato com Kepler e

obteve acesso aos seus papéis. Ao apreender as propriedades numéricas dos poliedros

regulares, em 1620, Descartes encontrou a fórmula que descreve não apenas esses tipos de

poliedros, mas quase todos os poliedros não regulares. Esta descoberta que está contida no

caderno De solidorum elementis, composto de dezesseis páginas, foi mantida por ele em

segredo, pois Descartes tinha medo de ser acusado de heresia pela igreja católica. Aczel

(2007) afirma que:

Descartes compreendeu que a conexão direta entre os sólidos regulares da

antiga geometria grega e do modelo kleperiano do Universo fariam com que seu

trabalho sobre esses sólidos fosse visto como um apoio à proibida teoria

copernicana. Teve de esconder seu trabalho por medo da Inquisição (p. 183).

53

Apesar de ter sido cauteloso para não ter problemas com a Igreja, em 1663, os escritos

de Descartes foram colocados no Index de Livros Proibidos. E, em 1685, a filosofia cartesiana

foi proibida pelo rei da França. No século XVIII, a filosofia de Descartes estava quase

esquecida (ACZEL, 2007).

O alemão Gottfried Wilhelm Leibniz17

(1646-1716), após cursar filosofia na

Universidade de Leipzig e ter estudado as ideias de Descartes, passou a procurar os

manuscritos do filósofo. Em 1676, Leibniz localizou o De solidorum elementis. Não se sabe

as restrições impostas para acesso ao manuscrito, mas Leibniz conseguiu copiar-lhe uma

página e meia. Apesar de ter copiado poucas páginas, Leibniz compreendeu o conteúdo do

caderno, acrescentando-lhe apenas algumas notas em suas margens. Duas décadas depois das

páginas terem sido copiadas, o caderno original de Descartes desapareceu. Após a morte de

Leibniz, seus escritos foram doados à Biblioteca Real de Hanôver, (atualmente Biblioteca

Gottfried Wilhelm Leibniz), na Alemanha. Por quase dois séculos a cópia do caderno feita por

Leibniz ficou esquecida devido à imensa quantidade de seus papéis (ACZEL, 2007).

Em 1860, a cópia do De solidorum elementis foi encontrada. Desde então, tentou-se

decifrar o caderno, mas as tentativas foram em vão. Somente, em 1987, através do sacerdote

matemático Pierre Costabel, após análise cuidadosa das anotações feitas por Leibniz, na

margem do caderno, que esse feito foi possível. No manuscrito haviam figuras densamente

desenhadas (os cincos poliedros regulares), sequências numéricas e símbolos estranhos.

Leibniz percebeu que das duas sequências numéricas 4 6 8 12 20 e 4 8 6 20 12, a primeira

referia-se ao número de faces e a segunda ao número de vértices, respectivamente, dos

poliedros regulares: tetraedro, cubo, octaedro, dodecaedro e icosaedro.

Ao dispô-las uma abaixo da outra e depois de ter contado as arestas dos poliedros

regulares, Descartes teria comparado a soma dos valores das duas primeiras linhas com o

valor da terceira linha (ACZEL, 2007). Pode-se, daí, facilmente descobrir a fórmula que

descreve os poliedros regulares a partir da análise das sequências numéricas do número de

faces, vértices e arestas.

No próximo quadro, representamos as sequências correspondentes ao número de faces

(F), ao número de vértices (V) e ao número de arestas (A) dos cinco poliedros regulares.

17 Liebniz estudou teologia, direito, filosofia e matemática na Universidade de Leipzig. Aos dezessete anos, obteve o grau de bacharel. Aos vinte anos, estava preparado para o grau de doutor em Direito, mas o grau foi-lhe recusado devido a pouca idade. Leibniz é às vezes “considerado o último sábio a conseguir conhecimento universal” (BOYER, 1996, p. 275).

54

Número Tetraedro Cubo Octaedro Dodecaedro Icosaedro

Faces (F) 4 6 8 12 20

Vértices (V) 4 8 6 20 12

Arestas (A) 6 12 12 30 30

Quadro 3: Número dos elementos (V, A e F) dos poliedros regulares

Fonte: organização nossa

Observamos que, para o tetraedro, a soma do número de faces, mais o número de

vértices é igual ao número de arestas, mais dois, ou seja, 4 + 4 = 6 + 2; e de modo semelhante,

para o cubo temos que 6 + 8 = 12 + 2; para o octaedro temos que 8 + 6 = 12 + 2; para o

dodecaedro temos que 12 + 20 = 30 + 2; e finalmente, para o icosaedro, 20 + 12 = 30 + 2. De

modo geral, podemos representar essas relações numéricas como sendo o número de faces

que adicionado ao número de vértices é igual ao número de arestas mais dois, isto é, F + V =

A + 2 ou V – A + F = 2. Essa fórmula acabou sendo atribuída ao suíço Euler, visto que

Descartes não revelou a sua descoberta.

1.3 BREVE HISTÓRIA SOBRE A VIDA EULER

Leonhard Euler foi um matemático e físico que nasceu em 1707, na cidade da

Basiléia, localizada na Suíça. O pai de Euler, um ministro religioso fervoroso, queria que o

filho seguisse a mesma carreira. Todavia, através do contato com a família Bernoulli, Euler

descobriu sua vocação para a matemática. Além do estudo da matemática, Euler estudou

teologia, medicina, astronomia, física e línguas orientais. Por recomendação dos irmãos

Nicolaus Bernoulli (1695-1726) e Daniel Bernoulli (1700-1782), professores de matemática

da Academia de São Petersburgo, Euler se vinculou a esta Academia.

Quando partiu da Basiléia a caminho de São Petersburgo em 1730, para

assumir a cátedra de ciências naturais na Academia de São Petersburgo, Euler

passou por Hanôver, na Alemanha. Sabe-se que permaneceu alguns dias lá, lendo os

manuscritos de Leibniz, nos arquivos de Hanôver. Não se sabe se examinou ou não a

cópia que Leibniz fizera do caderno de Descartes. O que foi conhecido como

teorema de Euler e fórmula de Euler por mais de dois séculos e meio está sendo

agora chamado cada vez mais – após a decifração do caderno secreto de Descartes

por Pierre Costabel, em 1987 – o teorema de Descartes-Euler e a fórmula de

Descartes-Euler. Essa prática não é universalmente seguida, e muitos matemáticos

ainda se referem à importante propriedade, formulada como um teorema ou uma

fórmula, como pertencente à Euler (ACZEL, 2007, p. 187).

Em 1750, Euler passou a estudar as propriedades dos sólidos, uma matéria que ele

chamou de Estereometria. O resultado foi sua primeira carta, sobre a matéria, intitulada

Elementa doctrinae solidorum e depois a segunda carta Demostratio nonnullarum insignium

proprietatum, quibus solida hedris planis inclusis sunt praedita. Estas foram publicadas,

55

respectivamente, em 1752 e 1753, no jornal científico Novi commentarii da Academia de São

Petersburgo. Por outro lado, elas só apareceram na imprensa em 1758 (SANDIFER, 2004a).

Em 1733, Euler se casou e do relacionamento teve treze filhos. Em 1766, Euler começou a

perder a visão e mesmo depois de se submeter a uma operação cirúrgica, acabou ficando cego.

Apesar da doença (catarata), continuou a produzir suas pesquisas passando a “escrever com

giz numa grande lousa e ditando para os seus filhos” (BOYER, 1996, p. 304).

Considerado um dos maiores matemáticos de seu tempo, Euler deu grandes

contribuições à matemática moderna em diversas áreas. Suas pesquisas, quando vivo,

somavam mais de quinhentas e, após sua morte, outras foram publicadas na revista

Commentarii Academiae Scientiarum Imperialis Petropolitanae, mantida pela Academia de

São Petersburgo, na Rússia. Em 1783, na cidade de São Petersburgo, Euler morreu

subitamente.

3.3.1 Estudos de Euler

Na introdução da primeira carta, Euler escreveu sobre a intenção de colocar a

geometria dos sólidos sobre a mesma base elegante, como fez Euclides, da geometria do

plano. Por analogia com os polígonos, os quais consistem de pontos e linhas, Euler diz que os

sólidos que ele quer estudar consistem de pontos, linhas e planos. Os pontos são cada ângulo

sólido formado por três ou mais planos (juntos), denominado por ele de angulli solidi, e

denotado por S, atualmente conhecemos por vértice. As faces, Euler chamou de hedra e as

denotou por H. As linhas, para Euler, não tinha um nome próprio, então, decidiu chamá-las de

acies, hoje a denominamos de arestas. Para contá-las, Euler usou a letra A. Ainda, na carta,

Euler apresentou o que considerou os seus dois principais resultados (SANDIFER, 2004a).

O primeiro resultado, proposição IV, diz que “Em todo sólido limitado por faces

planas, o número de ângulos sólidos, juntamente com o número de faces, excede o número de

arestas por dois” (MARTINES, 2009, p. 58, grifos da autora) que pode ser expressa em

fórmula como H + S = A + 2, ou equivalentemente, S – A + H = 2, mas Euler nunca a

escreveu desse modo (SANDIFER, 2004a).

O segundo resultado é a proposição IX que diz que “Em todo sólido limitado por faces

planas, a soma de todos os ângulos planos que formam o ângulo sólido é igual ao número de

ângulos retos que é oito unidades inferior a quatro vezes o número de ângulos sólidos”

(MARTINES, 2009, p. 58, grifos da autora); em fórmula ela é representada por P = 4A – 8 ou

P = 4(A – 2) ou ainda como P = 360°(A – 2), onde P é a soma de todos os ângulos planos.

Sandifer (2004b) comenta que ambas as propriedades tinham igual importância para Euler e

56

Martines (2009) relata que, para Euler, estas duas propriedades estavam interligadas a tal

ponto que se uma fosse provada a outra também seria.

Parecia que, na primeira carta, Euler daria uma demonstração para a proposição IV.

Entretanto, iniciou com uma apologia: “Eu não estou apto para encontrar uma prova rigorosa

para este teorema”18

(SANDIFER, 2004a, tradução nossa). Ao invés disso, ele trabalhou com

uma série de exemplos, progressivamente mais complicados e gerais, finalizando com uma

checagem dos cinco sólidos platônicos (poliedros regulares). E, por mais convincentes que

pudessem ser os exemplos estudados por Euler, ele admitiu não ter uma demonstração

satisfatória.

Na segunda carta, Euler apresentou uma demonstração para a fórmula H + S = A + 2,

procedendo analogamente à prova usualmente dada para proposições da geometria euclidiana.

Euler partiu da ideia de que:

Na Geometria, qualquer figura retilínea, em última análise, pode ser

reduzida a um triângulo por sucessivas divisões de ângulos. Da mesma forma, dado

um sólido qualquer delimitado por faces planas, observou que os ângulos sólidos

podem ser continuamente divididos até que, finalmente, sobre apenas uma pirâmide

triangular (MARTINES, 2009, p. 58).

Martines (2009) observa que, assim como o triângulo é a figura mais simples entre as

figuras retilíneas, a pirâmide triangular é a figura mais simples entre os sólidos. De acordo

com Sandifer (2004b), Euler tentou primeiro decompor o poliedro escolhendo um ponto em

seu interior e estendendo arestas a partir desse ponto até os seus vértices. Nesse processo, as

pirâmides triangulares têm como base as faces do poliedro original. Porém, Euler abandonou

este tipo de decomposição dizendo que ela não funcionava, sem se justificar. Pensando que

deste modo não dava certo, Euler decidiu então remover ângulos sólidos (vértices).

Em relação a esta técnica, Euler apresentou a proposição I (2ª carta): “Dado um sólido

fechado em todos os lados por faces planas, cortando um ângulo sólido do sólido, o número

de ângulos sólidos no sólido resultante será menor por uma unidade” (MARTINES, 2009, p.

59, grifos da autora). A partir do poliedro utilizado por Euler, que apresentamos na figura 2 a

seguir, explicamos como ele procedeu na demonstração da proposição I.

18“ I have not been able to find a firm proof of this theorem” (SANDIFER, 2004a).

57

Figura 2: Poliedro usado por Euler na demonstração da Proposição I

Fonte: Sandifer (2004b)

No poliedro temos o ângulo sólido O, conectado aos ângulos sólidos A, B, C, D, E e F

através das arestas OA, OB, OC, OD, OE e OF, constituído pelos ângulos planos AOB, BOC,

COD, DOE, EOF e FOA. Euler decompõe o poliedro triangulando o polígono ABCDEF, ou

seja, traçando as diagonais AC, CF e FD. Ao fazer isso, o poliedro original19

é decomposto

nas pirâmides triangulares OABC, OACF, OCDF e ODEF. Removendo-se os ângulos sólidos

situados na base do sólido, isto é, por sucessivos cortes do vértice O, até sobrar quatro

vértices; o sólido será reduzido a uma pirâmide triangular, pois cada parte removida é uma

pirâmide triangular. Assim, Euler conclui que a cada remoção de vértices, no sólido restante

(pirâmide triangular), o número de vértices é diminuído por um.

Euler também constatou que a diferença entre o número de faces e o número de arestas

que no poliedro original era A – H, após a remoção de um ângulo sólido é reduzido de uma

unidade, ou seja, A – H – 1. Com estas observações, destacamos adiante a demonstração da

proposição IV, referente à fórmula S + F = A + 2, dada pelo matemático Euler.

Em um sólido qualquer:

Número de ângulos sólidos = S,

Número de faces ............... = H,

Número de arestas ............ = A.

Vimos anteriormente, removendo-se um ângulo sólido o número S diminui uma

unidade, isto é S – 1, então a diferença entre o número de arestas e o número de

faces será = A – H – 1. Continuando a remoção:

Número de ângulos sólidos Excedente do número de arestas

S A – H

S – 1 A – H – 1

S – 2 A – H – 2

S – 3 A – H – 3

: :

: :

S – n A – H – n

Quando deste modo a pirâmide triangular torna-se, em que o número de ângulos

sólidos é = 4, o número de faces = 4, e o número de arestas = 6, de modo que o

excedente do número de arestas é = 2; É claro que, se S – n = 4, então A – H – n = 2.

Então n = S – 4, em seguida n = A – H – 2. Assim, S – 4 = A – H – 2 ou, H + S = A

19 É importante notar que os pontos P e Q não são usados na demonstração da proposição I.

58

+ 2; Sobre o qual eles, em todo sólido de faces planas, incluso número de faces H,

juntamente com o número de ângulos sólidos S, excede por dois, o número de

arestas.20

(EULER, 1758, p. 156-157).

Sandifer (2004b) diz que esta poderia ser uma bela demonstração da Fórmula Poliedral

de Euler, mas diz que ela apresenta um defeito, justificando a partir do poliedro destacado, a

seguir, na figura 3.

Figura 3: Poliedro dado por Sandifer

Fonte: Sandifer (2004b)

Este poliedro é “limitado por planos”, como anunciado na proposição IV, mas

Sandifer (2004b) comenta que se removermos o vértice O, o poliedro restante não será

necessariamente limitado por planos, pois teríamos dois tetraedros AEBD e CFBD conectados

por uma aresta comum, BD. E, um poliedro deste tipo não era considerado por Euler.

Na próxima seção, expomos uma demonstração da Fórmula Poliedral de Euler

apresentada por Adrien-Marie Legendre na obra Eleménts de Geométrie, publicada pela

primeira vez em 1794, uma vez que o método “indutivo” usado por Euler nem sempre

funciona.

20Sit in folido quocunqué propofito: numerus angulorum folidorum = S numerus hedrarum ................ = H numerus acierum ................... = A atque ante vidimus, fi refectione vnius anguli folidi numerus S vnitate minuatur, vt fit S – 1, tum differentiam inter numerum acierum et numerum hedrarum futuram effe = A – H – 1. Continuata ergo hac mutilatione,

fi numerus angulorum folidorum fit Ecceffus numeri acierum fuper numerum

hedrarum

S A – H

S – 1 A – H – 1

S – 2 A – H – 2

S – 3 A – H – 3

: :

: :

S – n A – H – n

quando ergo hoc modo ad pyramidem triangularem deuenietur, in qua numerus angulorum folidorum eft = 4, numerus hedrarum = 4, et numerus acierum = 6, ita vt exceftus numeri acierum fupra numerum hedrarum futurus fit = 2; euidens eft, fi fiat S - n = 4, fore A – H - n = 2. Inde ergo eft n = S - 4, hinc vero n = A – H - 2; ficque habetur S - 4 = A – H - 2, feu H + S = A + 2; vedu conftat, in omni folido hedris planis inclufo numerum hedrarum H vna cum numero angulorum folidorum S binario fuperare numerum acierum A. Q.E.D. (EULER, 1758, p. 156-157).

59

1.4 BREVE HISTÓRIA SOBRE A VIDA DE LEGENDRE

Adrien-Marie Legendre nasceu na cidade de Paris, em 18 de setembro de 1752. Filho

de família de posses, mas não pertencente à nobreza. Estudou no Colégio Mazarin, antigo

Colégio Quatro Nações, em Paris, uma das escolas mais avançadas do século XVII. Neste

lugar Legendre se interessou por literatura antiga e por livros antigos, especialmente, os de

matemática. Revelou seu talento cedo, com apenas 18 anos defendeu uma tese, em

Matemática e em Física. Neste colégio concluiu seus estudos.

De 1775 a 1780, Legendre foi professor da escola militar de Paris. Em 1782, recebeu o

Grande Prêmio da Academia de Ciências de Berlim pelo seu trabalho Trajetórias de Projéteis

em Meios Resistentes. No ano seguinte, se tornou membro adjunto (colaborador) da Academia

de Ciências de Paris. Durante sua permanência na academia, publicou importantes resultados

tanto na Matemática quanto na Física.

Em 1785, Legendre e outros foram designados para realizar medidas geodésicas de

Greenwich à Paris, cujo trabalho foi iniciado em 1787. Devido a este trabalho, em 1788, foi

eleito membro da Sociedade Real de Londres e, em 1789, tornou-se membro da Academia de

Ciências londrina. Nesta época, instaura-se a Revolução Francesa (1789-1799), na qual a

sociedade feudal francesa entrou em decadência. Legendre não desempenhou nenhum papel

político, “sua atenção foi voltada para ocupar postos públicos como, conselheiro na

universidade, professor da escola Normal, examinador da Escola Politécnica, cujos salários

lhe proporcionaram o necessário para viver” (SILVA, 2010, p. 27).

Em 1792, Legendre se casou com Marguerite-Claudine Couhin. Porém, não deixou

herdeiros. Durante a revolução francesa, Legendre perdeu suas finanças. Não se sabe como,

mas sua esposa o ajudou a recuperá-las. Em 1793, a Academia de Ciências de Paris foi

fechada. Em 1794, a obra Éléments de Géometrie, de Legendre, foi publicada pela primeira

vez (LIMA, 1991b). Um ano depois, criou-se o Instituto Nacional das Ciências e das Artes, e

Legendre se tornou professor deste instituto na seção de Ciências Físicas e Matemáticas.

Em 1803, Legendre ocupou a seção de geometria. Em virtude da morte de Joseph-

Louis Lagrange (1736-1813), em 1813, Legendre assumiu a vaga no Bureau de Longitudes,

ficando aí até sua morte na data de 10 de janeiro de 1833, em Paris.

3.4.1 Estudos de Legendre

Na obra Eleménts de Geométrie, livro VII (A Esfera), publicada em 1817, Legendre

define alguns termos. Para Legendre, a esfera é “um sólido determinado por uma superfície

60

coberta, do qual todos os pontos são igualmente distantes de um ponto interior que

denominamos centro” e o raio da esfera “é uma linha reta traçada do centro a um ponto da

superfície”. Legendre diz que toda secção da esfera, feita por um plano, é um círculo.

Colocado isto, afirma que quando a secção passa pelo centro, o círculo formado denomina-se

grande círculo; caso contrário, denomina-se pequeno círculo. O diâmetro, Legendre define

como “uma linha passando pelo centro” e ainda, segundo ele, “um plano é tangente à esfera

quando ele não tem mais que um ponto comum sobre a superfície”.

Legendre define o polo de um círculo da esfera como um ponto da superfície

igualmente afastado de todos os pontos da circunferência deste círculo; o triângulo esférico

como uma parte da superfície da esfera compreendida por três arcos de grandes círculos. Estes

arcos que se chamam as arestas do triângulo são sempre supostamente menores que a

semicircunferência. Os ângulos que seus planos fazem entre eles são os ângulos do triângulo.

O polígono esférico Legendre define como uma parte da superfície da esfera determinado por

vários arcos de grandes círculos; o fuso como a parte da superfície da esfera compreendida

entre dois semi-grandes círculos que se determinam a um diâmetro comum; a zona, como a

parte da superfície da esfera compreendida entre dois planos paralelos que são as bases; um

segmento esférico, como a porção do sólido da esfera compreendida entre dois planos

paralelos que são as bases.

E, por meio da proposição XXV, Legendre anunciou a Fórmula Poliedral de Euler da

seguinte forma: “Seja S o número de ângulos sólidos de um poliedro, H o número de suas

faces, A o número de suas arestas; eu digo que teremos sempre S + H = A + 2” (LEGENDRE,

1817, p. 228, tradução nossa). Em seguida, Legendre expõe a demonstração da Fórmula

Poliedral de Euler:

Tome no interior de um poliedro um ponto de onde você leve as linhas retas

aos vértices de todos seus ângulos; imagine então que do mesmo ponto, como

centro, descrevemos uma superfície esférica que seja encontrada por estas linhas em

todos os pontos; junte estes pontos por arcos de grandes círculos, de maneira a

formar sobre a superfície da esfera polígonos correspondente e o mesmo número de

faces do poliedro; Seja ABCDE um de seus polígonos e seja n o número de seus

lados; sua superfície será s – 2n + 4, s será a soma dos ângulos A, B, C, D, E. Se

avaliarmos similarmente a superfície de cada um dos outros polígonos esféricos, e

que adicionados todos juntos, concluímos que sua soma na superfície da esfera

representada por 8, é igual a soma de todos os ângulos dos polígonos menos duas

vezes o número de seus lados mais quatro tomado de vezes que ele tem de faces. Ou,

como todos os ângulos que se ajustam em torno de um mesmo ponto A vale quatro

ângulos retos, a soma de todos os ângulos do polígono é igual a 4 tomados como de

vezes que ele tem de ângulos sólidos; ela é feita a 4S. Então o dobro do número de

lados AB, BC, CD, etc. é igual ao quádruplo do número de arestas ou = 4A, porque

a mesma aresta é lado de duas faces: portanto teremos 8 = 4S – 4A + 4H; onde

61

tomando um quarto de cada membro, 2 = S – A + H; portanto S + H = A + 2.21

(LEGENDRE, 1817, p. 228-229, tradução nossa).

A demonstração dada por Legendre, segundo Lima (1991b), é a primeira

demonstração correta para a proposição IV, anunciada por Euler, para o caso dos poliedros

convexos. Na seção a seguir, apresentaremos um estudo sobre a Fórmula Poliedral de Euler

realizado pelo matemático Augustin-Louis Cauchy.

1.5 BREVE HISTÓRIA SOBRE A VIDA DE CAUCHY

Na época da Revolução Francesa, na cidade de Paris, nasceu Augustin-Louis Cauchy,

em 21 de agosto de 1789. Aos quatro anos de idade, Cauchy e sua família se mudaram para

Arcueil devido aos eventos relativos à guerra. Mais tarde, de volta à Paris, Lagrange e Pierre-

Simon Laplace (1749-1827) passaram a visitá-lo regularmente.

Quando criança, Cauchy recebeu instrução do pai. Mas, Lagrange e Laplace também

tinham interesse na formação matemática do menino, especialmente, o primeiro; tanto é que

Cauchy “seguiu a tradição de Lagrange em sua preferência por matemática pura em forma

elegante, com a devida atenção a provas rigorosas” (BOYER, 1996, p. 353). No entanto,

Lagrange aconselhou Cauchy a aprender línguas clássicas antes de iniciar os estudos em

matemática. Assim, aos quinze anos de idade, Cauchy completou estes estudos na École

Centrale Du Panthéon.

Em 1805, Cauchy ingressou na École Polytechnique. Dois anos depois, graduou e

matriculou-se na escola de engenharia École des Ponts et Chaussées. Em 1810, conquistou o

primeiro emprego como engenheiro no porto de Cherbourg, trabalhando para a frota de

invasão inglesa de Napoleão Bonaparte. Apesar do intenso trabalho no porto, Cauchy se

dedicou à pesquisa matemática. Até então, já havia resolvido vários problemas de interesse

matemático. Dentre eles, em 1811, apesar de não se sentir muito atraído pela geometria em

21 Prenez au-dedans du polyèdre un point d’où vous menerez des lignes droites aux sommets de tous ses angles; imaginez ensuite que du même point comme centre on décrive une surface sphérique qui soit rencontrée par toutes ces lignes en autant de points; joignes ces points par des arcs de grands cercles, de maniere à former sur la surface de la sphere des polygones correspondants et en même nombre avec les faces du polyèdre. Soit ABCDE un des ces polygones et soit n le nombre de ses côtes; sa surface sera s – 2n + 4, s étant la somme des angles A, B, C, D, E. Si on évalue semblablement la surface de chacun des autres polygones sphériques, et qu’on les ajoute toutes ensemble, on en conclura que leur somme, ou la surface de la sphere représentée par 8, est égale à la somme de tous les angles des polygones, moins deux fois le nombre de leurs côtes, plus 4 pris autant de fois qu’il y a de faces. Or, comme tous les angles qui s’ajustent autour d’un même point A valent quatre angles droits, la somme de tous les angles des polygones est égale à 4 pris autant de fois qu’il y a d’angles solides; elle est done égale à 4S. Ensuite le double du nombre des côtes AB, BC, CD, etc. est égal au quadruple du nombre des arêtes ou = 4A, puisque la même arête sert de côté à deux faces: donc on aura 8 = 4S – 4A + 4H; ou, en prenant le quart de chaque membre, 2 = S – A + H; donc S + H = A + 2 (LEGENDRE, 1817, p. 228-229).

62

suas diversas formas, Cauchy “em um de seus primeiros artigos, apresentou uma

generalização da fórmula poliedral de Descartes-Euler” (BOYER, 1996, p. 358).

De volta à Paris, em 1813, Cauchy busca seguir carreira acadêmica. Porém, somente

conseguiu uma vaga como professor assistente na École Polytechnique em 1815, pois em

outras ocasiões seus pedidos para trabalhar em academias foram recusados ou destinados a

outros matemáticos. Mais tarde, graças à ajuda política, Cauchy adquiriu um posto na

Academia de Ciências.

Em 1817, substituiu Jean-Baptiste Biot (1774-1862) no Collège de France e, no ano

seguinte, se casou. Em 1830, Cauchy se exilou da França ao recusar a prestação do juramento

de fidelidade ao rei francês Luís Felipe. Em 1838, retornou às atividades na Academia de

Ciências, quando não era mais exigido o juramento. Entretanto, apenas voltou a ensinar, em

1848, quando o juramento já não existia. De acordo com Boyer (1996), Cauchy foi um dos

principais matemáticos de seu tempo e suas pesquisas cobriram uma larga área da

matemática, e tornou-se famoso por seus cursos na École Polytechnique. Em 22 de maio de

1857, Cauchy morreu na cidade de Sceaux, próximo a Paris.

3.5.1 Estudos de Cauchy

No texto Recherches Sur Les Polyedres, parte II, da obra Oeuvres, publicada em 1813,

Cauchy relata que Euler determinou primeiro em Mémories de Pétersbourg, no ano de 1758,

a relação existente entre os diferentes elementos que compõem a superfície de um poliedro e

que Legendre, na obra Éléments de Géometrie, demonstrou de modo mais simples o teorema

de Euler ao considerar os polígonos esféricos. A partir destas pesquisas, Cauchy diz que foi

conduzido a uma nova demonstração do teorema.

Para isso, Cauchy anuncia um teorema mais geral que o teorema dado por Euler, o

qual diz que podemos decompor um poliedro em tantos outros, de forma a obter novos

vértices em seu interior, chamando de P o número de poliedros novos assim formados, por S o

número total de vértices, incluindo os do poliedro original, por F o número total de faces e por

A o número total de arestas, então: S + F = A + P + 1 (I). Segundo ele, se assumirmos que

todo poliedro pode ser reduzido a um único, fica fácil ver que o teorema de Euler é um caso

particular do teorema precedente, pois ao fazermos P = 1 na equação (I), obtemos a relação de

Euler: S + F = A + 2 (II).

Da equação geral, S + F = A + P + 1 (I), Cauchy deduz um segundo teorema relativo à

Geometria Plana: Se assumir que todo poliedro pode ser reduzido a um único, removemos

uma das faces do poliedro. Supondo que a superfície restante do poliedro seja flexível,

63

esticamo-la sobre o plano. Desse modo, obtemos uma figura plana composta por vários

polígonos contidos dentro de um dado contorno. Neste processo, os números de vértices,

faces e arestas da superfície não se alteram. Seja F o número de faces (polígonos), A o

número de “arestas” (linhas retas) e S o número de vértices da figura, obtém-se a seguinte

relação existente entre esses três números, quando P = 0 na equação (I): S + F = A + 1 (III).

Para Cauchy, este último teorema é, na geometria plana, equivalente ao teorema geral da

geometria dos poliedros.

Cauchy pontua que podemos demonstrar imediatamente o teorema geral, contido na

equação (I), e deduzir como corolários22

os dois outros teoremas. Mas, a fim de fazer melhor

conhecer o espírito desta demonstração, começa pelo teorema contido na equação (III). Antes

disso, porém, Cauchy discute alguns casos particulares de aplicação desta equação:

1. Primeiramente supõe o caso em que o contorno dado seja o perímetro de um triângulo.

Traçam-se retas a partir de um ponto dado no interior desse contorno, até aos vértices do

triângulo, resultando em três triângulos (F = 3) dentro do mesmo contorno, quatro vértices

(S = 4) e seis arestas (A = 6) o que verifica o teorema 4 + 3 = 6 + 1.

2. Aplicando o mesmo procedimento para o contorno delimitado pelo perímetro de um

quadrilátero, formar-se-ão quatro triângulos (F = 4), cinco vértices (S = 5) e oito arestas (A

= 8), os quais também verificam o teorema: 5 + 4 = 8 + 1.

3. Para o caso em que o contorno dado é um polígono de n arestas, formar-se-ão n triângulos,

n + 1 vértices e 2n arestas que verificam o teorema: n + (n + 1) = 2n + 1. Agora, para o

caso geral, Cauchy procede da seguinte forma:

[...] suponhamos um número F de polígonos, contido num contorno dado.

Seja S o número de vértices destes polígonos, e A o número de linhas retas que

formam seus lados. Decomponhamos cada polígono em triângulos, traçando de cada

um de seus vértices aos vértices não adjacentes diagonais. Se n é o número de

diagonais traçadas nos diferentes polígonos, F + n será o número de triângulos

resultantes na decomposição dos polígonos e A+n será o número de lados destes

triângulos. O número de seus vértices será o mesmo que o número de vértices do

polígono, ou S. Suponhamos agora que removendo sucessivamente os diferentes

triângulos de modo a sobrar apenas um, começando por aquele que é vizinho ao

contorno externo, e retirando em série aqueles com um ou dois lados terão sido

reduzidas, pelas supressões anteriores, a fazer parte do mesmo contorno. Seja h’ o

número de triângulos que tem um lado comum com o contorno externo no momento

que serão removidos, e h” o número de triângulos que tem então dois lados comuns

com o mesmo contorno. A destruição de cada triângulo será seguida, no primeiro

caso, da destruição de um lado, e, no segundo caso, da destruição de dois lados e de

um vértice. E continuando até o momento onde serão destruídos todos os triângulos,

a exceção de um somente, o número de triângulos destruídos será

h' + h’’.

O número de lados destruídos será

22 É uma verdade que resulta de um ou mais teoremas já demonstrados.

64

h’ + 2h”

e o número de vértices destruídos será

h”.

O número de triângulos restantes será, portanto,

F + n − (h’ + h”) = 1 (1)

o número de lados restantes será

A + n − (h’ + 2h”) = 3 (2)

e o número de vértices restantes

S – h” = 3 (3).

Se acrescentarmos à primeira equação a terceira e subtrairmos a segunda, teremos

S + F − A = 1

ou:

S + F = A + 1

o qual fica demonstrado.23

(CAUCHY, 1813, p. 17-18, – grifos do autor, tradução

nossa).

No texto “O teorema de Euler sobre poliedros”, Lima (1991) comenta que esta

demonstração estava incompleta e, por isso, ele apresenta algumas condições para que os

argumentos utilizados por Cauchy sejam válidos. De acordo com Lima, uma das deficiências

desta demonstração se deve ao fato de que há outras possibilidades de remoção (destruição)

dos triângulos. Cauchy, em sua obra, ainda segue relatando que podemos chegar à equação

(III) sem necessariamente empregar a decomposição de polígonos em triângulos, como

apresentamos a seguir:

23 [...] supposons un nombre F de polygones renfermés dans un contour donné. Soient S le nombre des sommets de ces polygones, et A le nombre des droites qui forment leurs còtés. Décomposons chacun des polygones en triangles, en menant d’un de ses sommets aux sommets non voisins des diagonales. Soit n le nombre des triangles résultants de la décomposition des polygones, et A+n sera le nombre des còtés de ces triangles. Le nombre de leurs sommets sera le mème que celui des sommets des polygones, ou S. Supposons maintenant que l’on enlève sucessivement les differénts triangles, de manière à n’en laisser subsister à la fin qu’un seul, en commençant par ceux qui avoisinent le contour extérieur, et n’enlevant dans la suite que ceux dont un ou deux còtés auront été réduits, par les suppressions antérieures, à faire partie du même contour. Soient h’ le nombre des triangles qui ont un còté compris dans le contour extérieur au moment où on les enlève, et h’’ le nombre des triangles qui ont alors deux còtés compris dans le même contour. La destruction de chaque triangle sera suive, dans le primier cas, de la destruction d’un còté, et, dans le second cas, de la destruction de deux còtés et d’un sommet. Il suit de là qu’au moment où l’on aura détruit tous les triangles, à l’exception d’un seul, le nombre des triangles détruits étant

h’ + h’’, celui des còtés détruits sera

h’ + 2h’’, et celui des sommets détruits

h’’. Le nombre des triangles restants sera done alors

F + n - (h’ + h’’) = 1, Celui des còtés restants

A + n - (h’ + 2h’’) = 3, Et celui des sommets restants

S + h’’ = 3. Si l’on ajoute la primière équation à la troisième et qu’on retranche la seconde, on aura

S + F – A = 1 Ou

S + F = A + 1 ce qu’il fallait démontrer (CAUCHY, 1813, p. 117-18).

65

[...] suponha os diversos polígonos reunidos sucessivamente em torno de

um dentre eles tomado à vontade.

Sejam:

a e s os números de arestas e vértices do primeiro polígono;

a’ e s’ os números de arestas e vértices do segundo polígono que não são comuns

com o primeiro;

a’’ e s’’ os números de arestas e vértices do terceiro polígono que não são comuns

com os dois primeiros etc.;

teremos as equações seguintes:

a = s

a’ = s’+1

a’’ = s’’+1

. . . . . .

Somando todas estas equações que são em número igual a F, e observando que

a + a’ + a’’ + ... = A, s + s’ + s’’ + ... = S

teremos a equação A = S + F – 1, equivalente ao observado acima.24

(CAUCHY,

1813, p. 19, grifos do autor – tradução nossa).

Dito isto, Cauchy mostra que o teorema de Euler (S + F = A + 2) é uma consequência

imediata do teorema contido na equação S + F = A + 1.

Com efeito, suponhamos que F representa o número de faces que compõe a

superfície convexa de um poliedro e que S e A sejam os números de vértices e

arestas contidas na mesma superfície. Se na superfície do poliedro suprimirmos uma

das faces, as faces restantes, do qual o seu número será F – 1, poderá ser considerada

como formando uma série de polígonos contidos no contorno da face suprimida; e,

portanto, os números S, A e F – 1 devem satisfazer o teorema demonstrado. Com

efeito, seja que os polígonos estejam incluídos dentro de um somente e no mesmo

plano, ou em planos diferentes, o teorema não existe menos, uma vez que apenas

depende do número de polígonos e do número de seus elementos. Teremos por isso,

considerando a superfície de um poliedro,

S + (F – 1) = A + 1

onde

S + F = A + 2

essa que contém o teorema de Euler.25

(CAUCHY, 1813, p. 20, grifos do autor -

tradução nossa).

24 [...] supposons les divers polygones réunis successivement autour de l’un d’entre eux pris à volonté. Soint: a et s les nombres de còtés et de sommets du premier polygone; a’ et s’ les nombres de còtés et de sommets du second polygone qui ne lui sont pas communs avec le premier; a’’ et s’’ les nombres de còtés et de sommets du troisième polygone qui ne lui sont pas communs avec les deux premiers, etc.; Vous aurez les équations suivantes: a = s, a’ = s’ + 1 a’’ = s’’ + 1 . . . . . . . . En ajoutant toutes ces équations qui sont en nombre égale à F, et observant que

a + a’ + a’’ + ... = A, s + s’ + s’’ + ... = S, on aura l’équation

A = S + F – 1, équivalente à celle qui a eté trouvée ci-dessus (CAUCHY, 1813, p. 19). 25 En effet, supposons que F represésente le nombre des faces qui composent la surface convexe d’un polyèdre et que S et A soient les nombres de sommets et d’arêtes renfermés dans cette même surface. Si, dans la du polyèdre, on supprime une des faces, les faces restantes, dont le nombre sera F – 1, pourront être considérées comme formant une suite de polygones renfermés dans le contour de la face supprimée; et, par suite, les nonbres S, A et F – 1 devront satisfaire au théorème

66

Em seguida, Cauchy retoma o teorema geral e o demonstra empregando a

decomposição do poliedro em pirâmides triangulares. Depois, também demonstra o teorema

geral sem empregar a decomposição do poliedro em pirâmides triangulares. No entanto, não

abordaremos a demonstração do teorema geral aqui.

Finalizamos este capítulo ressaltando que outros estudos sobre a Fórmula Poliedral de

Euler apareceram em trabalhos de Simon-Antoine Jean L’huilier (1750-1840), Louis Poinsot

(1777-1859), entre outros. Porém, restringimo-nos aos matemáticos que nos motivaram à

iniciação desta pesquisa. A partir deste estudo, percebemos que a Fórmula Poliedral de Euler

gerou reflexões na história da matemática, mostrando que os saberes matemáticos são frutos

de tentativas e erros e, portanto, são portadores de história, que nos permite compreender

melhor nosso objeto de pesquisa e a sua abordagem em livros didáticos.

No próximo capítulo, apresentamos as teorias que nos fornecem elementos para

analisar o conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, nos livros didáticos de matemática

selecionados para esta pesquisa.

démontré. En effet, soit que les polygones soient compris dans un seul et même plan, ou dans des plans différents, le théorème n’en existe pas moins, puisqu’il ne dépend que du nombre des polygones et du nombre de leurs élements. On aura donc, en considérant la surface d’un polyèdre,

S + (F – 1) = A + 1 ou

S + F = A + 2 ce qui renferme le théorème d’Euler (CAUCHY, 1813, p. 20).

67

4 REFERENCIAIS TEÓRICOS

Neste capítulo apresentamos duas teorias: a Teoria da Transposição Didática (TTD) e

a Teoria Antropológica do Didático (TAD), ambas discutidas pelo educador matemático

francês Yves Chevallard. A TTD versa sobre as transformações pelas quais passam os saberes

para se tornarem ensináveis aos alunos. E a TAD, segundo Almouloud (2007), além de ser

uma evolução do conceito da transposição didática, inserindo a didática no campo da

antropologia, focaliza o estudo das organizações praxeológicas didáticas pensadas para o

ensino e a aprendizagem de organizações matemáticas.

Estes referenciais teóricos nos fornecem elementos para analisar a abordagem do

conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, em livros didáticos de matemática brasileiros

destinados ao ensino de nível médio, publicados no período anterior, durante e posterior ao

MMM.

4.1 A TEORIA DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

A noção de transposição didática foi utilizada pela primeira vez pelo sociólogo Michel

Verret, em 1975. Mas, foi a partir do trabalho do educador matemático francês Yves

Chevallard, no campo da didática das matemáticas, sobre a problemática das transformações

pelas quais passam os saberes para serem escolarizáveis, que associaram seu nome à TTD. Na

década de oitenta, Chevallard ampliou esta noção ao considerá-la dentro do sistema didático

(representado por seus três lugares: o docente, os alunos e o saber matemático), composta por

três partes distintas e interligadas:

[...] o savoir savant (saber sábio), que no caso é o saber elaborado pelos

cientistas; o savoir a ensigner (saber a ensinar) que no caso é a parte específica aos

professores e que está diretamente relacionada à didática e à prática de condução de

sala de aula; e por último o savoir ensigné (saber ensinado), aquele que foi

absorvido pelo aluno mediante as adaptações e as transposições feitas pelos

cientistas e pelos professores (ALMEIDA, 2011, p. 10, grifos do autor).

No primeiro caso, caracteriza-se o saber apresentado à comunidade científica por

intermédio de artigos, teses, livros especializados e relatórios (PAIS, 2010).

No segundo, limitam-se sempre aos livros didáticos, programas e outros materiais de

apoio, em decorrência do fato de que “todo projeto de ensino e de aprendizagem se constitui

dialeticamente com a identificação e a designação de conteúdos de saberes como conteúdos a

68

ensinar”26

(CHEVALLARD, 2005, p. 45, tradução nossa), quando estes são explicitados pelos

programas de ensino ou quando eles são incorporados implicitamente pela tradição/evolução,

da interpretação dos programas.

Por sua vez, o saber ensinado nem sempre poderá coincidir com as intenções previstas

nos objetivos do nível do saber a ensinar, já que ele está diretamente sob o controle do

contrato didático que rege as relações entre o professor, o aluno e o saber (PAIS, 2010).

Assim, podemos constatar que:

O saber que produz a transposição didática será, portanto, um saber exilado

de suas origens e separado de sua produção histórica na esfera do saber sábio,

legitimando-se, enquanto saber ensinado, como algo que não é de nenhum tempo

nem de nenhum lugar, e não legitimada mediante o recurso à autoridade de um

produtor, qualquer que seja.27

(CHEVALLARD, 2005, p. 18, tradução nossa).

Para Leite (2007, p. 48), a TTD “vem corrigir um equívoco tradicional da reflexão

pedagógica: a secundarização das discussões dos saberes escolares” em que seu processo

evolutivo é objeto de estudo da Educação Matemática. Esta é uma área de pesquisa

relativamente recente que busca a compreensão, a interpretação e a descrição dos fenômenos

relativos ao ensino e à aprendizagem da matemática, tanto na teoria como na prática, nos

vários níveis de escolaridade no qual a didática da matemática é uma de suas tendências que

busca elaborar conceitos e teorias compatíveis com a especificidade educacional do saber

escolar matemático (PAIS, 2011).

Nessa perspectiva, Chevallard, Bosch e Gascón (2001) exprimem que a matemática

escolar possui características próprias que as diferem muito das obras matemáticas originais,

isto porque os saberes de referência devem ser recriados para serem ensináveis, sendo que:

[..] essa reconstrução escolar da matemática é imprescindível. De fato,

para que uma obra matemática possa ser estudada no interior de uma instituição

didática, essa deverá necessariamente sofrer transformações que a tornarão apta a ser

estudada pelos sujeitos dessa instituição. Uma das razões dessa transformação se

apóia no fato de que geralmente, o tipo de questões que estão historicamente na

origem da obra matemática nem sempre é adequado para reconstruí-la no contexto

escolar moderno (CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 2001, p. 136, grifos dos

autores).

26 Todo proyeto social de enseñanza y de aprendizaje se constituye dialécticamente con la identificación y la designación de contenidos de saberes como contenidos a enseñar (CHEVALLARD, 2005, p. 45, grifos dos autores).

27 El saber que produce la transposición didáctica será por lo tanto un saber exilado de sus orígenes y separado de su producción histórica en la esfera del saber sabio, legitimandose, en tanto saber enseñado, como algo que no es de ningún tiempo ni de ningún lugar, y no legitimándose mediante el recurso a la autoridad de un productor, cualquiera que fuere (CHEVALLARD, 2005, p. 18).

69

À recriação dos saberes de referência, Chevallard chama de Transposição Didática,

definindo-a como segue:

Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar,

sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a

tomar lugar entre os objetos de ensino. O trabalho que, de um objeto de saber a

ensinar faz um objeto de ensino, é chamado de transposição didática

(CHEVALLARD, 1991, apud PAIS, 2011, p. 19).

Segundo Chevallard (2005), se deve incluir na categoria de objeto de saber:

As noções matemáticas, que são objetos de estudos em si mesmos, além de serem

ferramentas úteis para estudar outros objetos matemáticos. Exemplos: noção de adição,

noção de círculo, noção de número, noção de derivação.

As noções paramatemáticas, que são ferramentas da atividade matemática utilizadas para

descrever e estudar outros objetos matemáticos. Elas não constituem objetos de ensino,

mas são necessárias para o ensino e aprendizagem dos objetos matemáticos. Destacam-se,

por exemplo, as noções de parâmetro, demonstração, entre outras.

As noções protomatemáticas, que são “competências que antecedem o próprio

conhecimento matemático, tais como habilidade de raciocínio, percepção de modelos,

identificação e formulação de questões, entre vários outros” (PAIS, 2010, p. 37). Por isso,

as noções protomatemáticas não são textualizáveis.

As três noções acima citadas se relacionam a tal ponto que:

[...] constituem estratos cada vez mais profundos do funcionamento

didático do saber. Sua consideração diferencial é necessária para a análise

didática: por isso a análise da transposição didática de qualquer noção matemática

(por exemplo, a identidade a2 – b

2 = (a+b)(a-b)) supõe a consideração de noções

paramatemáticas (por exemplo, as noções de fatoração e de simplificação), que por

sua vez devem ser consideradas a luz de certas noções protomatemáticas (a noção de

“padrão”, de “simplicidade”, etc.).28

(CHEVALLARD, 2005, p. 65 – grifos do autor,

tradução nossa)

O professor de matemática ou educador matemático deve ficar atento quanto aos três

tipos de noções citadas para que possa melhor definir os seus objetos de trabalho.

Numa transmissão escolar burocrática, os saberes ensináveis (e ensinados) passam por

transformações radicais que, de acordo com Verret (1975 apud CHEVALLARD, 2005, p. 67-

68), são cinco:

28 [...] constituyen estratos cada vez más profundos del funcionamiento didáctico del saber. Su consideración diferencial es necesaria para el análisis didáctico: por eso el análisis de la transposición didáctica del cualquier noción matemática (por ejemplo la identidad a2 – b2 = (a+b)(a - b)) supone la consideración de nociones paramatemáticas (por ejemplo, las nociones de factorización y de simplificación), las que a su vez deben ser consideradas a la luz de ciertas nociones protomatemáticas (la noción de “patrón”, de simplicidad, etc.) (CHEVALLARD, 2005, p. 65).

70

A desincretização do saber, isto é, quando a divisão da prática teórica em campos

delimitados dão lugar às práticas de aprendizagem especializadas. Ela é, portanto, uma

regra considerada no processo de preparação prévia do saber ou processo de textualização

do saber, visando estruturá-lo numa forma didática, pois “[...] pela exigência de

explicitação discursiva, a “textualização” do saber conduz primeiramente à delimitação

de saberes “parciais”, cada um dos quais se expressa em um discurso (ficticiamente)

autônomo”29

(CHEVALLARD, 2005, p. 69 – grifos do autor, tradução nossa). Esta

operação sobre os saberes é responsável pela sua descontextualização. Por outro lado,

segundo Neves (2009 apud MELZER, 2012), a desincretização facilita a delimitação dos

conceitos, das ferramentas matemáticas e das relações do saber com os outros saberes. A

partir do elemento desincretização, se pode levantar como livros didáticos distribuem um

determinado saber a ensinar, para formar unidades.

A programabilidade de aquisição do saber que consiste na programação das

aprendizagens e dos controles, segundo sequências racionais, que permitam uma aquisição

progressiva dos conhecimentos, para Chevallard (2005, p. 74 – grifos do autor, tradução

nossa):

A fortiori, é muito necessário que o processo de aprendizagem seja

sequencial mesmo que a ordem de aprendizagem não seja isomorfa em relação à

ordem de exposição do saber visto que a aprendizagem do saber não é a cópia do

texto do saber. 30

À vista disso, Chevallard (1991 apud PAIS, 2010) destacam duas variáveis na

programação do ensino: o tempo didático e o tempo de aprendizagem. O tempo didático

como sendo o tempo exigido por meio dos programas escolares e livros didáticos, em que

há forte crença de que o processo ensino-aprendizagem possa ser organizado por uma

sequência linear de conteúdos. Enquanto que o tempo de aprendizagem é o tempo

necessário para que o aluno supere os seus bloqueios e atinja uma nova posição de

equilíbrio. Trata-se, portanto, de um tempo que não é sequencial e nem pode ser linear.

29 [...] por la exigencia de explicitación discursiva, la “textualização” del saber conduce primeramente a la delimitación de saberes “parciales”, cada uno de los cuales se expresa en un discurso (ficticiamente) autónomo (CHEVALLARD, 2005, p. 69).

30 A fortiori, es muy necesario que el proceso de aprendizaje sea secuencial: pero el orden de aprendizaje no es isomorfo en relación con el orden de exposición del saber; el aprendizaje del saber no es el calco del texto del saber (CHEVALLARD, 2005, p. 74).

71

A despersonalização do saber que ocorre quando há a separação do saber de qualquer

contexto pessoal de seu criador. Para Chevallard (1978 apud CHEVALLARD, 2005) a

despersonalização do saber promove uma concepção positiva de aprendizagem quando,

por exemplo,

[...] a produção do erro por parte do sujeito não é um ato positivo que

remete a esquemas ou representações devidamente construídas e talvez, tenazes – e

que as estratégias do docente deveriam procurar desestabilizar e destruir. O erro (...)

aparece como uma falta, uma lacuna do conhecimento. Por isso, o sujeito é negado e

suas produções devolvidas ao nada do “presaber”31

(CHEVALLARD, 2005, p. 72 –

tradução nossa).

Chevallard (2005) acrescenta que todo saber está vinculado a seu produtor, mas quando

compartilhado no interior de uma comunidade acadêmica, supõe-se certo grau de

despersonalização, que é requisito para a publicidade do saber.

A publicidade do saber é outra regra levada em consideração na textualização do saber,

pode-se dizer que ela consiste na definição explícita, em compreensão e extensão, do saber

transmitir “[...] que ali se representa (como oposto ao caráter “privado” dos saberes

pessoais, adquiridos por mimetismo, ou esotéricos, adquiridos por iniciação, etc.)” 32

(CHEVALLARD, 2005, p. 73, tradução nossa). Para Melzer (2012), este elemento da

transposição didática aparece quando o saber é explicado ou quando se discorre sobre sua

necessidade, aplicação ou a forma de seu estudo ao longo de uma unidade. Além disso,

segundo Neves (2009), citado por Melzer (2012), os prefácios impressos em obras são uma

forma de publicizar o saber, pois por meio deles, se podem conhecer as finalidades dos

assuntos textualizados.

O controle social das aprendizagens se dá segundo procedimentos de verificação que

autorizem a certificação dos conhecimentos. Nesse sentido, a publicidade do saber “[...]

possibilita o controle social das aprendizagens, em virtude de uma concepção do que

significa “saber”, concepção fundada (ou legitimada, ao menos) pela textualização” 33

(CHEVALLARD, 2005, p. 73 – grifos do autor, tradução nossa).

31 [...] la producción del erro por parte del sujeto no es un acto positivo que remita a esquemas o representaciones debidamente construídos y, quizás, tenaces – y que las estratégias didácticas del docente deberían procurar desestabilizar y destruir. El erro (...) aparece como una simple falta, una lacuna del conocimiento. Po ello, el sujeto es negado y sus producciones devueltas a la nada del “presaber” (CHEVALLARD, 1978 apud CHEVALLARD, 2005, p. 72)

32 [...] que allí se representa (como opuesto al carácter “privado” de los saberes personales, adquiridos por mimetismo, o esotéricos, adquiridos por iniciación, etc.). (CHEVALLARD, 2005, p. 73).

33 [...] posibilita el control social de los aprendizajes, en virtud de una cierta concepción de qué signfica “saber”, concepción fundada (o legitimada, al menos) por la textualización (Ibid, p. 73, grifos do autor).

72

Uma das fontes de seleção dos conteúdos do saber escolar é a própria história da

ciência que, por sucessivas transformações, propiciam parte essencial do conteúdo curricular.

Esta seleção está imbricada por uma extensa rede de influências que envolvem segmentos do

sistema educacional, às quais se destacam as práticas realizadas pelos professores, os

programas escolares e os livros didáticos, mesmo que muitas dessas fontes sejam

preexistentes em relação à escolha docente.

Para Chevallard (2001 apud PAIS, 2010, p. 17), alguns recursos e conteúdos indicados

ao ensino são verdadeiras criações didáticas incorporadas à lista oficial dos conteúdos

avalizados pela instituição escolar, uma vez que:

Podemos considerar a existência de uma transposição didática, como

processo de conjunto, como situações de criações didáticas de objetos (de saber e de

ensino ao mesmo tempo) que se fazem “necessárias” pelas exigências do

funcionamento didático.34

(CHEVALLARD, 2005, p. 47 – grifos do autor, tradução

nossa).

Os “diagramas de Venn” são exemplos de criações didáticas que surgiram pela

exigência da transposição didática, quando da passagem da teoria dos conjuntos dos

matemáticos à teoria dos conjuntos da escola primária. Desse modo, trata-se de um objeto que

busca auxiliar a compreensão de um conceito. Mas, Pais (2011) escreve que o professor deve

ficar atento quanto ao uso desse tipo de recurso para que não seja ensinado com um fim em si

mesmo, destituído de um contexto significativo e desvinculado da finalidade para a qual foi

criado.

Chevallard (apud PAIS, 2010) denominou de noosfera o conjunto dessas fontes que

atuam na seleção dos conteúdos que comporão os programas escolares e que determinarão o

funcionamento de todo processo didático, participando da noosfera os cientistas, especialistas,

autores de livros didáticos, políticos entre outros agentes da educação. As influências que o

saber escolar recebe das diversas fontes “moldam não só o aspecto conceitual, como também

o didático, em consequência da defesa do pressuposto de que as praxeologias matemáticas e

didáticas são indissociáveis” (PAIS, 2010, p. 16). Logo, a existência do sistema de ensino

depende de sua compatibilidade com seu entorno (CHEVALLARD, 2005).

Em relação ao saber, esta compatibilidade ocorre sob duas condições: o saber ensinado

deve estar suficientemente cercado pelo saber sábio para que não provoque a desautorização

dos matemáticos e deve aparecer suficientemente distante do saber dos “pais”. Com o tempo,

34 Podemos considerar la existencia de una transposición didáctica, como proceso de conjunto, como situaciones de creaciones didácticas de objetos (de saber y de enseñanza a la vez) que se hacen “necesarias” por las exigencias del funcionamiento didáctico (CHEVALLARD, 2005, p. 47)

73

a distância adequada que o saber ensinado deve guardar em relação ao saber sábio e ao saber

dos pais, ou seja, o saber banalizado se desgasta e coloca em risco a legitimidade do projeto

social de ensino.

Uma forma de desgaste do saber ocorre quando o saber ensinado se “[...] declara em

desacordo com o desenvolvimento do saber correspondente em suas formas livres (não

escolarizadas)” 35

(CHEVALLARD, 2205, p. 30, tradução nossa), isto é, quando elementos

como conceitos, definições etc. que tratados de forma científica por uma comunidade

científica se tornam ultrapassadas. Mas, paralelamente ocorre um desgaste natural do saber

por sê-lo vítima do tempo didático, o que pressupõe sua renovação no curso de um ciclo de

estudos.

Para evitar o desgaste do saber, uma opção é aprimorar a dialética antigo/novo do

saber, quando da introdução de um objeto do saber num momento de duração didática para

integrar-se como objeto de ensino. Nesse aspecto, Chevallard (2005) afirma que o objeto de

saber deve aparecer com duas “caras”, contraditórias entre si.

Por um lado (é o primeiro “momento”, a primeira “cara”) deve aparecer

como algo novo, que produz uma abertura nas fronteiras do universo dos

conhecimentos já explorados; sua novidade permite que se estabeleça o respeito,

entre professores e alunos o contrato didático: pode constituir-se em objeto de um

ensino e campo de uma aprendizagem. Mas por outro lado, em um segundo

momento da dialética do ensino, deve aparecer como um objeto antigo, ou seja, que

possibilita uma identificação (por parte dos alunos) que o inscreve na perspectiva do

universo dos conhecimentos anteriores. Em certo sentido, esse reconhecimento se

encontra necessariamente mistificado (caso contrário, o objeto não tenderia ao

caráter de novidade): é a expressão subjetiva da contradição objetiva cujo suporte é

o objeto introduzido.36

(CHEVALLARD, 2005, p. 77 – grifos do autor, tradução

nossa).

Trata-se, portanto, de apresentar o objeto de saber primeiramente como algo novo e,

em seguida, torná-lo antigo com a inserção de novos saberes. Mas, ao introduzir saberes

novos, saberes antigos são introduzidos durante o processo de ensino, para que o aluno

consiga associar os saberes novos com o universo dos saberes antigos formados.

35 [...] declara en desacuerdo con el desarrollo del saber correspondiente en sus formas libres (no escolarizadas) (CHEVALLARD, 2005, p. 30).

36 Por una parte (es el primer “momento”, la primera “cara”) debe aparecer como algo nuevo, que produce una apertura en las fronteras del universo de los conocimientos ya explorado; su novedad permite que se establezca, al respecto, entre enseñante y enseñados el contrato didáctico: puede constituirse en objeto de una enseñanza y campo de un aprendizaje. Pero por otro lado, en un segundo momento de la dialéctica de la enseñanza, debe aparecer como un objeto antiguo, es decir, que posibilita una identificación (por parte de los alumnos) que lo inscribe en la perspectiva del universo de conocimientos anteriores. En un sentido, ese reconocimiento se halla necesariamente mistificado (en caso contrario, el objeto no tendría el carácter de novedad): es la expresión subjetiva de la contradicción objetiva cuyo soporte es el objeto introducido (Ibid, p. 77).

74

Na acepção de Almouloud (2007), a TTD realiza uma análise epistemológica do saber,

sob o ponto de vista didático, essencialmente, a partir da categorização dos objetos de saber

em noções matemáticas, paramatemáticas e protomatemáticas. Todavia, a insuficiência dessa

classificação levou Chevallard a desenvolver a TAD que apresentamos adiante.

4.2 A TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO

Com a designação do termo “antropológico”, “[...] a TAD situa a atividade

matemática, e por isso a atividade de estudo em matemática, no conjunto das atividades

humanas e das instituições sociais” 37

(CHEVALLARD, 1998, p. 1 – grifos do autor,

tradução nossa), estudando assim as condições de possibilidade e funcionamento dos sistemas

didáticos, entendidos como a relação entre sujeito-instituição-saber em referência ao sistema

didático (aluno-professor-saber), tratado por Brousseau (ALMOULOUD, 2007).

Chevallard, Bosch e Gascón (2001, p. 46) descrevem que o didático se identifica com

tudo aquilo que está relacionado ao estudo e/ou com a ajuda para o estudo da matemática, de

modo que o adjetivo “didático” é associado ao substantivo “estudo”.

Embora, nas instituições didáticas38

(escolas, universidades, institutos, etc.), ocorra

uma forma particular do processo de estudo, isto é, os processos de ensino/aprendizagem do

tipo esquema professor/aluno, elas não são os únicos lugares destinados ao estudo da

matemática, uma vez que, os processos didáticos, aí iniciados, continuam vivos fora delas.

Diferentemente do que ocorre no âmbito escolar, em que o professor é o líder ou o

coordenador do estudo, nos estudos individuais ou em grupo, a pessoa que estuda é o seu

próprio coordenador, pois quando:

[...] um grupo de alunos que trabalham juntos sobre algo que o professor

lhes pediu, poderá haver alguns alunos que “tomem a frente” e impulsionem o

processo de estudo, sem que ninguém assuma a função de professor. E,

evidentemente, sem que haja ensino. [...]. Nesse caso não haverá aula, nem

professor, mas sim processo didático (CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 2001,

p. 39).

Portanto, num processo didático há sempre uma comunidade em que membros

desempenham papéis mais ou menos diferenciados, sendo os estudos individuais ou em grupo

37 [...] la TAD situe l’activité mathématique, et donc l’activité d’étude en mathématiques, dans l’ ensemble des activités humaines et des institutions sociales (CHEVALLARD, 1998, p. 1 – grifos do autor).

38 “A função principal dessas instituições é reunir os meios necessários para que certos processos didáticos possam ser realizados. [...]. São instituições nas quais são ministradas aulas e cursos de diferentes tipos, nas quais há bibliotecas (e, às vezes, laboratórios), salas de aula, salas de estudo e espaços de recreio, nas quais trabalham professores para ministrar ensinos e realizar outras tarefas de organização do estudo (tutorias, avaliação, etc.)” (CHEVALLARD et al., 2001, p. 57-58).

75

de grande importância para o funcionamento de uma aula. Assim, Chevallard, Bosch e

Gascón (2001, p. 45) definem a didática da matemática como a ciência do estudo da

matemática. Na TAD, é proposta a elaboração de uma antropologia do didático, em que o seu

objeto de estudo é o didático (CHEVALLARD, 1996 apud ALMEIDA, G., 2012) e entende-

se que:

[...] o objeto de estudo que permite caracterizar a didática da Matemática

como ciência não está centralizada no estudo do aluno, nem do professor, mas do

saber matemático que eles pretendem trabalhar em conjunto, isto é, a partir de uma

análise detalhada deste saber, é possível estabelecer um projeto comum de

atividades a realizar (CHEVALLARD; BOSCH, 1999 apud ALMEIDA, E., 2012, p.

63).

Nesta teoria, qualquer coisa pode ser considerada objeto, identificando particularmente

as instituições, as pessoas e o saber. O conhecimento – e o saber, considerado como uma

forma de organização de conhecimentos entende que um objeto existe se houver o

reconhecimento e o relacionamento de pelo menos uma pessoa ou instituição, com esse objeto

(ALMOULOUD, 2007). Por conseguinte, Almeida, E. (2012, p. 63) afirma que:

[...] os objetos matemáticos são considerados como entidades que surgem

de sistemas de práticas que existem nas instituições. Entretanto, quando nos

referimos a uma prática devemos observar em que instituição está atrelada, perante a

esta vinculação existe a necessidade de um discurso que justifica a prática ali

desempenhada.

A palavra instituição tem um significado mais amplo que o uso corrente, ela pode ser

uma escola, uma sala de aula, um livro, a instituição “curso”, a instituição “família”, etc.

(CHEVALLARD, 1992 apud MARTINEZ, 2012). De acordo com Almouloud (2007). A

partir das noções de (tipo de) tarefa, (tipo de) técnica, tecnologia e teoria, é possível modelar

as práticas sociais em geral e, em particular, a atividade matemática, visto que “toda atividade

humana regularmente realizada pode ser submetida a um modelo único, que se resume aqui,

na palavra praxeologia” 39

(CHEVALLARD, 1998, p. 1 – grifos do autor, tradução nossa).

Esta palavra origina-se da “práxis” ou prática matemática, que consta em qualquer

prática institucional e que pode ser traduzida sob a forma de tarefas e, cuja realização desta

ocorre por meio de técnicas; juntamente com o “logos” ou discurso fundamentado sobre essa

prática, que se constitui pela justificativa das técnicas, sob a forma de tecnologias e as quais

são defendidas pela teoria.

Desse modo, Chevallard (1998) conta que a raiz da noção da praxeologia é a noção de

tarefas, t, e de tipos de tarefas, T. Quando uma tarefa t faz parte de um tipo de tarefa T, 39 [...] toute activité humaine régulièrement accomplie peut être subsumée sous un modèle unique, que résume ici le mot de praxéologie (CHEVALLARD, 1998, p. 1 – grifos do autor).

76

escrevemos que t ∈ T. Na maioria dos casos, um tipo de tarefa se exprime por um verbo,

como exemplos se podem destacar: dividir um inteiro por outro, cumprimentar um vizinho,

integrar a função x → xlnx entre x = 1 e x = 2, ler um manual de trabalho, etc. Então, a noção

de tarefa, ou melhor, de tipo de tarefas, supõe um objeto relativamente preciso. Subir uma

escada é um tipo de tarefa, mas apenas subir não é considerado um tipo de tarefa, mas um

gênero de tarefa. Chevallard diz que:

[...] tarefas, tipos de tarefas, gêneros de tarefas não são dados na natureza:

estes são «artefatos», «obras», construções institucionais cuja reconstrução em tais

instituições, por exemplo, em sala de aula, é em si um problema, que é objeto

mesmo da didática.40

(CHEVALLARD, 1998, p. 2 – grifos do autor, tradução

nossa).

Dado um tipo de tarefa, T, uma praxeologia relativa à T precisa (em princípio) de uma

maneira de realizar as tarefas t ∈ T. A técnica, , (do grego tekhnê, saber-fazer) é a maneira de

fazer as tarefas, não sendo necessariamente de natureza algorítmica, pois “[...] pintar uma

paisagem, começar uma família, são assim, tipos de tarefas para os quais não existe técnica

algorítmica... Mas é verdade que parece existir uma tendência suficiente geral de

algoritmização” 41

(CHEVALLARD, 1998, p. 3, tradução nossa).

Tem-se que uma técnica pode ser superior a outra, senão sobre toda a T pelo menos

sobre uma parte da T, isto é, uma técnica pode não ser suficiente para realizar as tarefas.

Almouloud (2007, p. 115) destaca que:

Para uma determinada tarefa, geralmente, existe uma técnica ou um número

limitado de técnicas reconhecidas na instituição que problematizou essa tarefa,

embora possam existir técnicas alternativas em outras instituições. A maioria das

tarefas institucionais torna-se rotineira quando deixa de apresentar problemas em sua

realização. Isso quer dizer que, para produzir técnicas é necessário que se tenha uma

tarefa, efetivamente problemática, que estimule o desenvolvimento de pelo menos

uma técnica para responder às questões colocadas pela tarefa. As técnicas assim

produzidas são então organizadas para que funcionem regularmente na instituição.

Já a tecnologia, , é o discurso racional (logos) sobre as técnicas, , sendo constituídas

por proposições, definições, teoremas, etc. (CHEVALLARD, 1999 apud MARTINEZ, 2012).

Este discurso, segundo Chevallard (1998), tem como objetivo principal justificar

40 [...] tâches, types de tâches, genres de tâches ne sont pas des donnés de la nature: ce sont des «artefacts», des «oeuvres», des construits institutionnels, dont la reconstruction en telle institution, par exemple en telle classe, est un problème à part entière, qui est l’objet même de la didactique (CHEVALLARD, 1998, p. 2, grifos do autor).

41 [...] peindre un paysage, fonder une famille sont ainsi des types de tâches pour lesquelles il n’existe guère de techinique algorithmique ... Mais il est vrai qu’il semble exister une tendance assez générale à algorithmisation [...] (CHEVALLARD, 1998, p. 3).

77

racionalmente a técnica, , garantindo que possamos realizar bem as tarefas do tipo T, isto é,

realizar o que é pretendido.

Entretanto, para o autor, este estilo de racionalidade varia conforme a instituição dada

em vista à história da instituição e complementa com três observações sobre as tecnologias, :

- dentro de uma instituição I, qualquer que seja o tipo de tarefa T, a técnica, , relativa a T é

sempre acompanhada de um vestígio de tecnologia, ;

- a tecnologia tem a função de explicar, tornar inteligível, esclarecer a técnica, isto é, expor

porque ela funciona bem;

- a tecnologia possui ainda a função que corresponde ao emprego mais atual do termo: a

função de produção de técnicas. Ou seja, existem:

[...] tecnologias potenciais à espera de técnicas, que não são tecnologias de

nenhuma técnica ou de poucas técnicas. A este respeito, sublinhamos o fenômeno da

sob-operação das tecnologias disponíveis, tanto do ponto de vista da justificação ou

explicação quanto da produção.42

(CHEVALLARD, 1998, p. 4 – grifos do autor,

tradução nossa).

O autor afirma que o discurso, a tecnologia, contém afirmações mais ou menos

explícitas do qual podemos perguntar a razão. Nesse sentido, estamos no “[...] nível superior

de justificação-explicação-produção da teoria, , que retoma, em relação à tecnologia, o

papel que este último tem em relação à técnica” 43

(CHEVALLARD, 1998, p. 4 – grifos do

autor, tradução nossa). Portanto, a teoria é o discurso suficientemente amplo que serve para

interpretar e justificar a tecnologia, sendo o fundamento último da atividade que vai além do

óbvio e natural, sem necessidade de nenhuma justificativa (ALMEIDA, G., 2012).

No estudo da TAD, Chevallard introduziu alguns termos do contexto da ecologia44

para explicar as relações entre os objetos e no estudo do objeto em si mesmo, pois:

A problemática ecológica amplia o campo de análise e permite abordar os

problemas que se criam entre os diferentes objetos do saber a ensinar. Nesta visão,

os objetos têm inter-relações hierárquicas que permitem identificar e analisar as

estruturas ecológicas dos objetos (ALMOULOUD, 2007, p. 112 – grifos do autor).

42 [...] tecnologies potentielles, en attente de tecniques, qui ne sont encore technologies d’aucune technique ou de très peu techniques. À cet égard, on soulignera le phénomene de sous-exploitation des technologies disponibles, tant du point de vue de la justification ou de l’explication que de la production (CHEVALLARD, 1998, p. 4 – grifos do autor).

43 [...] niveau supérieur de justification-explication-production, celui de la théorie, , laquelle reprend, par rapport à la technologie, le rôle que cette dernière tient par rapport à la technique (CHEVALLARD, 1998, p. 4 – grifos do autor).

44 área específica do conhecimento humano que trata do estudo das relações dos organismos uns com os outros e com todos os fatores naturais e sociais que compreendem seu ambiente (ALMOULOUD, 2007, p. 112).

78

De acordo com Almouloud (2007), o termo habitat ou lugar em que vive um

organismo, Chevallard entende ser o tipo de instituição onde se encontra o saber relacionado

ao objeto de estudo e o termo nicho ou a função desempenhada por um organismo no

ecossistema45

, a função desempenhada pelo saber. O termo ecossistema, Chevallard (1991

apud ALMEIDA, 2010) utiliza para indicar um conjunto de saberes que ali vivem e

evidenciar como esses saberes interagem entre si.

Assim, a existência de um objeto matemático enquanto objeto de ensino sugere a

existência de saberes outros, presentes ou não na matemática ensinada, sendo este

encadeamento de saberes denominado por Chevallard de ecologia didática dos objetos

matemáticos (ALMEIDA, 2010). Nesse sentido, postula-se que na TAD:

[...] a ecologia das tarefas e técnicas são as condições e necessidades que

permitem a produção e utilização destas nas instituições e supõe-se que, para poder

existir em uma instituição, uma técnica deve ser compreensível, legível e justificada

[...] essa necessidade ecológica implica a existência de um discurso descritivo e

justificativo das tarefas e técnicas que chamamos de tecnologia da técnica. O

postulado anunciado implica também que toda tecnologia tem necessidade de uma

justificativa que chamamos de teoria da técnica e que constitui o fundamento último

(BOSCH; CHEVALLARD, 1999, p. 85-86 apud ALMOULOUD, 2007, p. 116).

A partir dos elementos tarefas, técnicas, tecnologias e teorias, Chevallard (1998)

preceitua que a praxeologia é constituída por dois blocos: o bloco [T, ], denominado bloco

prático-técnico em que se situam os tipos de tarefas, T, e as técnicas, , que correspondem ao

saber-fazer e o bloco [, ], denominado bloco tecnológico-teórico, em que se situam as

tecnologias, , e as teorias, , que correspondem ao saber.

Dado um tema de estudo, Chevallard (1999 apud MARTINEZ, 2012) destaca que

devem ser consideradas as praxeologias matemáticas ou organizações matemáticas e as

praxeologias didáticas ou organizações didáticas. A primeira refere-se à realidade

matemática, que pode ser construída e, a segunda, à maneira pela qual essa realidade pode ser

estudada. Portanto, as organizações didáticas são as situações presentes no decorrer do

trabalho didático realizado em torno de uma dada organização matemática, enquanto a

organização matemática considera como é direcionado o conteúdo com relação ao enfoque

matemático.

Como já havíamos anunciado no início deste capítulo, a TTD e a TAD de Yves

Chevallard é que nos forneceram elementos para analisarmos a abordagem do conteúdo,

Fórmula Poliedral de Euler, por meio de sua organização matemática e didática nos livros

45 Ecossistema representa o conjunto de elementos bióticos (animais, plantas e microorganismos) e abióticos (luz, água, nutrientes e o meio ambiente) que se interrelacionam.

79

didáticos de matemática brasileiros, destinados ao ensino de nível médio, publicados no

período anterior, durante e posterior ao MMM. Para a análise dos livros apresentada no

próximo capítulo, nos orientamos pelos seguintes elementos discutidos: as criações didáticas;

as noções matemáticas, paramatemáticas e protomatemáticas do saber; a desincretização do

saber; a publicidade do saber; a programabilidade do saber; a dialética antigo/novo do

saber; as tarefas, técnicas e o discurso tecnológico-teórico.

80

5 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS

Neste capítulo analisamos a abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler em

livros didáticos de matemática destinados ao ensino de nível médio, publicados no período

anterior, durante e posterior ao MMM. Para a referida análise, baseamo-nos em alguns

elementos apresentados na TTD e na TAD que são: as criações didáticas; as noções

matemáticas, paramatemáticas e protomatemáticas do saber; a desincretização do saber; a

publicidade do saber; a programabilidade do saber; a dialética antigo/novo do saber; as

tarefas, as técnicas e o discurso tecnológico-teórico. Estes elementos orientaram o estudo da

organização matemática e didática do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler nos livros

selecionados para esta pesquisa.

Consideramos criações didáticas do saber as representações figurais, mesmo que estas

sejam inerentes ao estudo de poliedros, que articulam com os conceitos presentes na

abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler.

Quanto às noções matemáticas (objetos de estudo em si mesmos), paramatemáticas (objetos

da atividade matemática) e protomatemáticas (habilidades requeridas pelo aluno durante o

estudo de um conteúdo) do saber, averiguamos se elas são abrangidas na abordagem do

conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler.

Em relação à desincretização do saber, identificamos em que unidade/capítulo é proposto o

conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, e se a distribuição deste, em relação aos demais

saberes presentes no livro, está em consonância com os documentos oficiais da época de sua

publicação.

A verificação da despersonalização do saber ocorreu a partir da associação ou não da

abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, presente no livro, aos matemáticos que

são considerados como seus “criadores”.

Para a publicidade do saber verificamos se os autores justificam a abordagem do conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler ou se apresentam como ele é estudado no livro, por meio do

Prefácio da obra ou na textualização do conteúdo no próprio capítulo.

Para a programabilidade do saber, averiguamos nos livros a indicação da série/ano de

estudo do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler e a sequência utilizada pelos autores para

introduzir os exercícios (resolvidos e propostos) a ele relacionados.

Verificamos a dialética antigo/novo do saber a partir da articulação do conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler com os demais saberes apresentados no capítulo dos livros em que o

conteúdo é estudado.

81

Analisamos a tarefa, apresentar o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, na parte teórica,

para a qual identificamos as técnicas mobilizadas e o discurso tecnológico-teórico que as

fundamentam nos livros didáticos e identificamos apenas os tipos de tarefas e técnicas

empregadas em exercícios resolvidos e propostos, relacionados ao conteúdo investigado por

constituir o discurso tecnológico-teórico por conceitos, definições, fórmulas, etc.

apresentados na parte teórica da análise dos livros.

5.1 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS PUBLICADOS NO PERÍODO ANTERIOR AO

MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA

Nesta seção apresentamos a análise de dois livros didáticos que denominamos de LD1

e LD2. O primeiro livro foi publicado em 1949 e escrito por Almeida, Castanho, Farah e

Castrucci; o segundo livro, publicado em 1958 e escrito por Ary Quintella. Ambos os livros

têm por título Matemática e foram editados durante a Reforma Gustavo Capanema, isto é,

anterior ao período do MMM.

5.1.1 LD1

O LD1, terceira edição, era destinado à primeira série do curso colegial dos cursos

clássicos e científicos (programabilidade do saber) e, em páginas anteriores às páginas do

sumário, os autores destacam os programas de cada um desses cursos (clássico e científico).

Em nota de rodapé, indicam a conformidade do livro com a portaria ministerial n° 177 de

março de 194346

. No Prefácio do LD1 que é o mesmo da segunda edição, comentam que a

obra apresenta “várias modificações, ditadas, principalmente por interesses didáticos”,

estando os saberes estruturados em Unidades distribuídas entre os autores da seguinte forma:

Unidades I e II – Fernando Furquim de Almeida47

Unidades III e IV – João Batista Castanho48

Unidade V – Edson Farah49

Unidades VI e VII – Benedito Castrucci50

46 Esta portaria determina que se executem os programas de matemática caracterizados por listagens de conteúdos de Aritmética Teórica, Álgebra e Geometria. Uma listagem para o curso clássico e outra para o curso científico.

47 Fernando Furquim de Almeida (1913-1981) obteve título de agrimensor pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Em 1936, licenciou-se em matemática pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), tornando-se mais tarde professor dessa instituição.

48 Não encontramos nenhum dado informativo sobre João Batista Castanho.

49 Em 1941, Edson Farah (1915-2006) graduou-se em Matemática pela FFCL. Em 1945, Farah “tornou-se Assistente de Análise Superior, trabalhando com o matemático francês André Weil, que durante três anos regeu a Cadeira” (MORAES, 2008, p. 60).

82

Na Unidade VII (Poliedros), escrita por Benedito Castrucci, constatamos o estudo do

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler o qual é denominado no LD1 de teorema de Euler. Esta

Unidade é dividida em sete seções (§) em que se estuda na 1º§ Prisma e Paralelepípedo; na

2º§ Pirâmides; na 3º§ Troncos; na 4º§ Superfícies poliédricas e Poliedro; na 5º§ Arcos do

prisma, pirâmide e troncos; na 6º§ Noção sobre equivalência dos poliedros, Volume do

prisma, pirâmide e troncos e na 7º§ Teorema de Euler e Poliedros regulares. Dessa forma,

notamos que o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler é apresentado após a abordagem dos

principais poliedros – prismas e pirâmides (desincretização do saber), conforme abordado na

figura 4.

Figura 4: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD1

Fonte: Almeida et al. (1949, p. 318-319)

50 Benedito Castrucci (1909-1995), bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e graduação em Matemática pela FFCL da USP (MORAES, 2008). Nos anos 40, Castrucci foi professor de Geometria Analítica, Projetiva e Descritiva dos departamentos de matemática da Escola Politécnica e da FFCL (D’AMBROSIO, 2011).

83

A introdução da 7°§ da Unidade VII, figura 4, é realizada com a tarefa apresentar o

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, que se utiliza como técnica o anúncio deste conteúdo

sob a forma de teorema acompanhado de demonstração por indução da fórmula V – A + F =

1, válida para qualquer superfície poliédrica aberta e, a partir desta, deduz a fórmula V – A +

F = 2 que é sempre válida para os poliedros convexos.

Nesta abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, o discurso tecnológico-

teórico que a valida tem as seguintes noções (matemáticas) mobilizadas no LD1: vértices,

arestas, faces, superfícies poliédricas aberta/fechada e contorno. Estes dois últimos são

conceituados a partir da definição de superfície poliédrica convexa, apresentada na Unidade

VI (4°§, p. 287), isto é, os saberes estudados na 7°§, interagem com saberes abordados em

outras Unidades ou §. Porém, são também envolvidas noções (paramatemáticas) como

definição, teorema, demonstração e indução completas, não submetidas a uma avaliação

direta no LD1. Nesse sentido, estes saberes não são reconhecidos no livro didático.

Como se pode observar não há nenhuma representação figural (criações didáticas)

durante a abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, mesmo que ela seja inerente ao

estudo de poliedros. A representação figural poderia facilitar o entendimento da demonstração

do teorema de Euler pelo aluno se a articulasse com os conceitos estudados. Ao invés disso, o

aluno precisaria desenvolver as noções (protomatemáticas) de imaginação da construção de

um poliedro qualquer durante as etapas da demonstração e a capacidade de memorização.

Ainda na 7º§, os conteúdos matemáticos são apresentados de forma rigorosa e

complexa, em que toda noção é definida e todo teorema, corolário ou propriedade

demonstrados. Posterior ao conteúdo Fórmula Poliedral de Euler são, respectivamente,

abordados: 1) a definição de poliedros eulerianos; 2) a definição de poliedros de Platão; 3) o

teorema que diz que “os poliedros de Platão são somente cinco”; 4) o teorema que diz que “a

soma dos ângulos de todas as faces de um poliedro Euleriano convexo é igual a 4(V – 2)

ângulos retos, designando com V, o número de vértices”; 5) a definição de poliedros regulares

e 6) o teorema que diz que “os poliedros regulares são poliedros de Platão e, portanto, são

somente cinco”. Na demonstração dos teoremas 3, 4 e 6 é utilizada a Fórmula Poliedral de

Euler. Assim, este conteúdo se articula com os demais saberes apresentados na § (dialética

antigo/novo do saber).

Porém, não encontramos nenhum exercício resolvido e os exercícios propostos, (ao

todo nove), somente são colocados ao final da § (programabilidade do saber). Dos nove

exercícios, apenas dois envolvem o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, dos quais

analisamos as tarefas e as possíveis técnicas empregadas por alunos.

84

Tarefa proposta 1: O número de vértices de um poliedro é igual ao número de faces. Dar a

expressão do número de faces ou de vértices em função do número de arestas. Demonstrar

que na questão acima, o número de arestas não pode ser ímpar.

Técnicas: aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; substituição de uma incógnita por outra

equivalente; representação algébrica de um número ímpar na forma algébrica; resolução de

equações.

Tarefa proposta 2: Achar o número de vértices de um poliedro que tem as faces de n lados, b

faces de m lados e c faces de r lados. Exame de possibilidades.

Técnicas: Aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações algébricas.

Para nos certificarmos de que a obra está em consonância com o programa de

matemática da portaria n° 177/1943, organizamos no quadro 3, os conteúdos de matemática

referentes à área da geometria elencados pela portaria e os conteúdos matemáticos listados no

sumário do LD1.

Parte do programa de matemática 1943 Parte do sumário do LD1

CURSO CLÁSSICO UNIDADE VI – O PLANO E A RETA NO

ESPAÇO

§ 1º Determinação de um plano

§ 2º Intersecção de dois planos

§ 3º Retas paralelas

§ 4º Reta e planos paralelos

§ 5º Planos paralelos

§ 6° Reta e planos perpendiculares

§ 7º Planos perpendiculares

§ 8° Projeção Integral. Distâncias

§ 9º Diedros

§ 10º Ângulos poliédricos. Triedos.

UNIDADE VII – OS POLIEDROS

§ 1º Prisma. Paralelepípedo

§ 2º Pirâmides

§ 3º Troncos

§ 4º Superfícies poliédricas. Poliedro.

§ 5º Arcos do prisma, pirâmide e troncos.

§ 6º Noção sobre equivalência dos poliedros.

Volume do prisma, pirâmide e troncos.

§ 7º Teorema de Euler. Poliedros regulares.

UNIDADE IV- O plano e a reta no espaço: 1.

Determinação de um plano. 2. Intersecção de planos e

retas. 3. Paralelismos de retas e planos. 4. Reta e plano

perpendiculares. 5. Perpendiculares e oblíquas de um

ponto a um plano. 6. Diedros; planos perpendiculares entre

si. 7. Noções sobre ângulos poliédricos.

UNIDADE V – Os poliedros: 1. Noções gerais. 2. Estudo

dos prismas e pirâmides e respectivos troncos; áreas e

volumes desses sólidos.

CURSO CIENTÍFICO

UNIDADE VI- O plano e a reta no espaço: 1.

Determinação de um plano. 2. Intersecção de planos e

retas. 3. Paralelismos de retas e planos. 4. Reta e plano

perpendiculares. 5. Perpendiculares e oblíquas de um

ponto a um plano. 6. Diedros; planos perpendiculares entre

si. 7. Ângulos poliédricos; estudo especial dos triedos.

UNIDADE VII – Os poliedros: 1. Noções gerais. 2. Estudo

dos prismas e pirâmides e respectivos troncos; áreas e

volumes desses sólidos. 3. Teorema de Euler; noções sobre

os poliedros regulares.

Quadro 4: Comparação entre o programa de matemática da portaria ministerial n°177/1943 (área de geometria) e

parte do sumário do LD1

Fonte: organização nossa

Pelo quadro 3, percebemos que os conteúdos indicados pela portaria para o curso

clássico se caracterizam por mera supressão de alguns poucos conteúdos indicados para o

curso científico e o LD1 versa sobre os conteúdos indicados pela portaria para o curso

85

científico, seguindo, até mesmo a sequência das unidades programadas. Ao fazer isso, o livro

atendia ambos os cursos do nível colegial (clássico e científico) cabendo ao professor checar

os conteúdos nele listados com aqueles indicados no documento e, a partir disso, suprimir o

ensino de alguns conteúdos no curso clássico.

Tanto na portaria, quanto no sumário do LD1, o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler

é denominado teorema de Euler e, no documento, figura como tópico de estudo somente no

curso científico. Conforme sugeria a portaria, (desincretização do saber), o conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler foi apresentado após a abordagem dos principais poliedros como prismas,

pirâmides e troncos, na Unidade VII do LD1.

Em nota de rodapé, da página 318 do LD1, em que o conteúdo Fórmula Poliedral de

Euler é abordado, os autores comentam a não consideração da convexidade do poliedro na

demonstração do teorema de Euler. Assim, os autores justificam como o conteúdo, Fórmula

Poliedral de Euler, é apresentado na § do LD1, ou seja, explicam como a demonstração do

referido teorema foi desenvolvida, (publicidade do saber).

Notamos que a demonstração presente no livro possui semelhanças com a

demonstração apresentada pelo matemático Cauchy, exibida na seção 3.5.1, do capítulo 3

desta pesquisa. Por isso, entendemos que ela é uma adaptação da demonstração de Cauchy.

No entanto, os autores do LD1 não fazem nenhuma menção à Cauchy e, apesar de enunciar na

textualização do teorema o nome deste matemático, não são fornecidas informações sobre ele.

O mesmo ocorre quando, em nota de rodapé da página 318, os autores apenas recomendam a

leitura da geometria de Jacques Hadamard51

(1865-1963). Desse modo, os autores não fazem

associação da abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, presente no livro, aos

matemáticos que o pesquisaram, (despersonalização do saber).

5.1.2 LD2

O LD2 do autor Ary Quintella52

era destinado à primeira série do curso colegial,

(programabilidade do saber). Numa de suas páginas, há indicado que a obra está de acordo

51 Hadamard foi um matemático francês que visitou o Brasil em 1924. Sua visita resultou dos impulsos de modernização da Escola de Engenharia do Rio de Janeiro, no início do século 20, quando jovens engenheiros “foram importantíssimos no surgimento de uma nova matemática, atualizada e integrada na pesquisa matemática europeia” (D’AMBROSIO, 2011, p. 64).

52 Segundo Valente (2008b, p. 154, apud THIENGO, 2001, pp. 111-114) Ary Norton de Murat Quintella nasceu em 1906, em

São Paulo, mas a partir do ensino secundário teve sua vida de estudante e profissional no Rio de Janeiro. Estudou no Colégio Pedro II, formou-se na escola militar e foi professor desde 1937 do Colégio Militar do Rio de Janeiro e também foi professor do Instituto de Educação no período de 1950-60. Participou da organização dos programas de Matemática para os cursos, comercial básico e técnico e, atuou em numerosas comissões e bancas de concurso de professores de matemática.

86

com os programas de matemática das portarias n° 966 e n° 1045 de 1951, anexadas ao livro,

sob a forma de uma lista de conteúdos, conforme destacamos no quadro 5.

PROGRAMA DE MATEMÁTICA (primeiro ano do curso colegial)

I) Noções sobre o cálculo aritmético aproximado: erros

1. Aproximação e erro. Valor por falta ou por excesso. Erro absoluto e erro relativo. Algarismos

exatos de um número aproximado. Erro de arredondamento.

2. Adição, subtração, multiplicação e divisão com números aproximados. O cálculo da

aproximação dos resultados e seu problema inverso; método dos erros absolutos.

II) Progressões

1. Progressões aritméticas; termo geral; soma dos termos. Interpolação aritmética.

2. Progressões geométricas; termo geral; soma dos produtos dos termos. Interpolação

geométrica.

III) Logaritmos

1. O cálculo logarítmico como operação inversa da potenciação. Propriedades gerais dos

logarítmos; mudança de base. Característica e mantissa. Cologaritmo.

2. Equações exponenciais simples; sua resolução com o emprego de logaritmos.

IV) Retas e Planos; Superfícies e Poliedros em geral; Corpos redondos usuais; definições e

propriedades; áreas e volumes.

1. Reta e plano; determinação; intersecção; paralelismo; distância; inclinação e

perpendicularismo. Diedros e triedros. Ângulos sólidos em geral.

2. Generalidades sobre poliedros em geral. Poliedros regulares; inclinações gerais.

3. Prismas; propriedades gerais e, em especial, dos poliedros; área lateral, área total; volume.

4. Pirâmides; propriedades gerais; área lateral; área total; volume. Troncos de prisma e troncos

de pirâmide.

5. Estudo sucinto das superfícies em geral. Superfícies retilíneas e superfícies curvilíneas.

Superfícies desenvolvíveis e superfícies reversas. Superfícies de revolução. Exemplos

elementares dos principais tipos de classificação de Monge.

6. Cilindros: propriedades gerais; área lateral; área total; volume. Troncos de cilindro.

7. Cones; propriedades gerais; área lateral; área total; volume. Tronco de cones de bases

paralelas.

8. Esfera; propriedades gerais. Área e volume da esfera e das suas diversas partes.

V) Secções cônicas. Definições e propriedades fundamentais

1. Elipse; definição e traçado; círculo principal e círculos diretores; excentricidade; tangente.

2. Hipérbole; definição e traçado; assíntotas; círculo principal e círculos diretores;

excentricidade, tangente.

3. Parábola; definição e traçado; diretriz; tangente.

4. As secções determinadas por um plano numa superfície cônica de revolução; teorema de

Dandelin.

Quadro 5: programa de matemática (portarias ministeriais nº 966 e nº 1045/1951) apresentado no LD2

Fonte: organização nossa

Com base nos conteúdos apontados no quadro 5, o LD2 organiza o estudo destes

conteúdos em Unidades que são:

Unidade I: Cálculo aproximado

Unidade II: Progressões

Unidade III: Logaritmos. Equações exponenciais

Unidade IV: Retas e planos; superfícies e poliedros em geral; corpos redondos usuais;

definições e propriedades; áreas e volumes.

Capítulo I: Reta e Plano. Diedros

87

Capítulo II: Poliedros

Capítulo III: Prisma

Capítulo IV: Pirâmide; Troncos

Capítulo V: Superfícies

Capítulo VI: Cilindro

Capítulo VII: Cone

Capítulo VIII: Esfera

Unidade V: Secções cônicas

Podemos notar que somente a Unidade IV é subdividida em capítulos (I a VIII). Em

cada capítulo da supracitada Unidade, o autor coloca os exercícios propostos somente após a

apresentação da teoria, isto é, no final do capítulo, com exceção do capítulo V, que expõe

apenas a teoria, (programabilidade do saber).

No capítulo II – Poliedros – o conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler é abordado no

livro, sendo denominado de teorema de Euler. Comparando os conteúdos indicados pela

portaria de 1951 e aqueles listados na organização dos conteúdos no LD2, concluímos que, o

conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, foi apresentado conforme sugeria o documento: após

retas e planos e anterior aos poliedros prisma e pirâmide, (desincretização do saber). Este

capítulo é iniciado, respectivamente, com a definição poliedro, faces, arestas, vértices,

diagonal; a classificação dos poliedros em convexos e não convexos e regulares e não

regulares; e a nomenclatura de alguns poliedros.

Em seguida, o autor faz a seguinte ponderação sobre os poliedros em estudo:

“Estudaremos, apenas os poliedros convexos; por esta razão, diremos simplesmente poliedros,

subtendendo-se tratar-se de convexos” (p. 146). Ao fazer isso, o autor informa como o

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler é estudado no LD2 (publicidade do saber), eximindo-se

de qualquer discussão sobre a existência de poliedros não convexos em que ainda pode

validar o teorema de Euler.

Desse modo, o autor introduz a tarefa apresentar o conteúdo Fórmula Poliedral de

Euler e como técnicas anuncia este conteúdo sob a forma de teorema procedido de

demonstração por indução, mostrada na figura 5 seguinte, em que são obtidas relações

matemáticas entre o número de vértices (V) e o número de arestas (A) de um poliedro,

conforme o acréscimo de uma a uma de faces (F) do mesmo. Por meio da manipulação

algébrica das relações matemáticas obtida, deduz-se a fórmula V – A + F = 2, isto é, a

Fórmula Poliedral de Euler que é sempre válida para os poliedros convexos.

88

Figura 5: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD2

Fonte: Quintella (1958, p. 146-147)

No LD2 o discurso tecnológico-teórico que justifica a abordagem do conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler se dá pelo inter-relacionamento entre as noções (matemáticas) de

poliedros, poliedros convexos, vértices, arestas e faces, mobilizadas anteriormente no capítulo

II. Também são empregadas noções (paramatemáticas), como teorema e demonstração, não

estudadas explicitamente no LD2. Por isso, estes saberes não são reconhecidos no livro.

Durante a demonstração, não é apresentada nenhuma representação figural (criações

didáticas), que poderia facilitar a compreensão do processo demonstrativo do teorema de

Euler pelo aluno, se ela permitisse a articulação com conceitos estudados. Mas, devido à

ausência de representação figural durante a abordagem da Fórmula Poliedral de Euler,

percebemos que o aluno precisaria desenvolver as noções (protomatemáticas) de associação

89

das etapas do processo demonstrativo com a “visualização” da construção de um poliedro

qualquer imaginário e a capacidade de memorização desse processo.

Mesmo que o autor tenha referenciado o nome do matemático Euler ao apresentar o

conteúdo, não é fornecida nenhuma informação sobre ele e nem se comenta a quem se deve a

demonstração do teorema de Euler presente no LD2 que, aliás, possui similaridades com a

demonstração dada por Cauchy. Todavia, o autor, nem ao menos citou este matemático.

Assim, no LD2 ocorre a despersonalização do saber, Fómula Poliedral de Euler.

Segue na apresentação do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, um exercício

resolvido, do qual analisamos o tipo de tarefa e as técnicas utilizadas na resolução do mesmo.

Tarefa resolvida: Um poliedro convexo tem três faces quadrangulares e quatro triangulares.

Calcular o número de vértices, de faces e de arestas.

Técnicas: Aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Resolução:

Figura 6: Resolução apresentada no LD2 para a tarefa resolvida

Fonte: Quintella (1958, p. 147-148)

Depois, o autor faz uma abordagem dos seguintes tópicos de conteúdos: 1) a

propriedade que diz que a soma dos ângulos internos de todas as faces de um poliedro

convexo vale tantas vezes quatro ângulos retos quantos são os vértices menos dois; 2) o

teorema fundamental sobre os poliedros regulares que diz que existem apenas cinco poliedros

convexos; 3) a determinação dos elementos dos cinco poliedros regulares; 4) a área dos

poliedros regulares em função da aresta; 5) a definição de poliedros conjugados. Desses

tópicos, a Fórmula Poliedral de Euler figura na abordagem de 1), 2) e 3). Portanto, ele se

articula com outros saberes apresentados no capítulo II, (dialética antigo/novo do saber).

Encontramos onze exercícios propostos relacionados ao conteúdo, Fórmula Poliedral

de Euler. Dentre eles, selecionamos três exercícios quanto aos tipos de tarefas, nos quais

identificamos as técnicas que poderiam ser empregadas por alunos na resolução dos mesmos.

90

Tarefa proposta 1: Um poliedro convexo tem cinco faces quadrangulares e duas faces

pentagonais. Calcular o número de arestas e de vértices.

Técnicas: Aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 2: A soma dos ângulos das faces de um poliedro é 1440°. Se o poliedro tiver

10 arestas, quantas serão as suas faces?

Técnicas: aplicação da fórmula da soma das medidas dos ângulos internos das faces de um

poliedro convexo; aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 3: Qual a soma dos ângulos das faces de um hexaedro que tem 9 arestas?

Técnicas: aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; aplicação da fórmula da soma das medidas

dos ângulos internos das faces de um poliedro convexo; resolução de equações.

5.2 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS PUBLICADOS DURANTE O PERÍODO DO

MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA

Nesta seção, analisamos quatro livros didáticos publicados no período do MMM. O

livro Matemática: curso colegial moderno escrito pelos autores Luiz Mauro Rocha53

, Ruy

Madsen Barbosa54

e Scipione di Pierro Netto55

, publicado em 1968, que denominamos de

LD3. O livro Matemática escrito por Omar Catunda56

, Martha Maria de Souza Dantas, Eliana

Costa Nogueira, Norma Coelho de Araújo, Eunice da Conceição Guimarães e Neide Clotilde

de Pinho e Souza, publicado em 1971, que denominamos de LD4.

O livro Geometria: curso moderno escrito por Benedito Castrucci, publicado em 1976,

que denominamos de LD5. O livro Matemática escrito pelos autores Gelson Iezzi57

, Osvaldo

53 Na época Rocha era professor de Cálculo Infinitesimal da FEI e da FFLC da Fundação Santo André, instrutor de Cálculo Infinitesimal da Escola Politécnica da USP e professor do Colégio Estadual de S. Paulo.

54 Na época Barbosa tinha doutorado pela Universidade Católica de Campinas e era livre-docente de Matemática da FFLC de Araraquara, e ainda professor do ensino secundário oficial do Estado de S. Paulo.

55 Na época Netto era professor titular de Matemática do Colégio de Aplicação da FFCL da USP, instrutor de Prática de Ensino da FFLC da USP e da FFLC de S. Bento da PUC/SP e professor do Colégio Rio Branco.

56 Na época Catunda era professor catedrático da Universidade de São Paulo e professor titular do Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia. As outras autoras do LD4 eram professoras da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e do Ensino Médio do Estado da Bahia.

57 Iezzi é engenheiro metalúrgico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e professor licenciado pelo Instituto de Matemática e Estatítica da USP. Dolce é engenheiro e ex-professor efetivo da escola pública de São Paulo. Antonio Machado é bacharel em Matemática pelo IME-USP. Teixeira (1939-2011) fez matemática e licenciou em alguns cursinhos depois de se formar, mas o grosso da carreira foi no Anglo Vestibulares. Nilson Machado é licenciado em Matemática e em Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo, onde é professor desde 1972. Atualmente, é titular nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação. Não encontramos dados biográficos sobre os autores Goulart e Castro.

91

Dolce, José Carlos Teixeira, Nilson José Machado, Marcio Cintra Goulart, Luiz Roberto da

Silveira Castro, Antonio dos Santos Machado, publicado em 1980, que denominamos de LD6.

5.2.1 LD3

O LD3 era indicado aos alunos do 2º ano do 2° ciclo58

do ensino secundário

(programabilidade do saber), sendo o segundo volume da coleção Curso Colegial Moderno.

Na Apresentação do LD3 os autores informam que procuraram abordar os conteúdos de

acordo com as propostas de renovação do ensino da matemática do MMM, pois afirmam:

“damos prosseguimento ao plano didático, de acordo com as modernas técnicas e tendências

observadas em países pioneiros na renovação no ensino da matemática” (ROCHA;

BARBOSA; NETO, 1968). Dessa forma, os autores esclarecem na Apresentação da obra

como os conteúdos são abordados (publicidade do saber).

Em cada capítulo do LD3 identificamos a apresentação dos seguintes conteúdos:

Capítulo I – Sequências e séries

Capítulo II – Progressões aritméticas

Capítulo III – Progressões geométricas

Capítulo IV – Logaritmos decimais

Capítulo V - Matrizes

Capítulo VI – Sistemas lineares

Capítulo VII – Sistemas não lineares

Capítulo VIII – Geometria

Capítulo IX – Superfícies

Capítulo X – Prismas e Pirâmides

Capítulo XI – Os corpos redondos

Capítulo XII – Poliedros

Na Sugestões para um Roteiro de Programa para a Cadeira de Matemática59

, foi

proposta a discussão dos conteúdos, apresentados no quadro 6, para compor o programa de

matemática do 2° ciclo do ensino secundário.

58 Este ciclo refere-se ao curso colegial que na época era constituído por três anos de estudos e, atualmente denominamos de ensino médio.

59 Documento que compõe o livro Matemática Moderna para o Ensino Secundário do GEEM e também publicado como comunicado n° 17 no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 13 de janeiro de 1965.

92

PRIMEIRO ANO COLEGIAL

1) Funções:

a) Noções gerais

b) Função linear, representação gráfica, estudo da reta

c) Função trinômio do 2° grau, variação, representação gráfica, inequações do 2° grau

d) Função exponencial e logarítmica, uso das tábuas

2) Sequências:

a) Exemplos de sequencias, princípios da indução

b) Progressões aritméticas e geométricas

3) Funções trigonométricas

a) Estudo das funções trigonométricas, periocidade, simetria, representação gráfica

b) Relações fundamentais, funções trigonométricas de a (mais ou menos) b, 2a, a/2, onde a e b

representam medidas de arcos

c) Transformação de sen a (mais ou menos) sen b, cós a (mais ou menos) cós b em produto

d) Equações trigonométricas elementares

e) Uso das tábuas trigonométricas e resolução de triângulos

4) Introdução Geometria do Espaço

a) Axiomas e teoremas fundamentais

b) Perpendicularismo e paralelismo; projeção e distância

c) Diedros

SEGUNDO ANO COLEGIAL

1) Análise combinatória e Binômio de Newton

a) Análise combinatória simples

b) Noção de probabilidade

c) Binômio de Newton

2) Sistemas de equações lineares

a) Matrizes e determinantes

b) Resolução de sistemas lineares

3) Ângulos poliédricos e poliedros

a) Triedros e ângulos poliédricos

b) Poliedros regulares

c) Prismas e pirâmides

4) Superfícies e sólidos redondos

a) Superfícies elementares: cilíndricas, cônicas e de rotação

b) Cilindro, cone e esfera

5) Áreas e volumes dos principais sólidos

TERCEIRO ANO COLEGIAL

1) Conjunto dos números complexos

a) Conceito, representação, operações, propriedades

b) Raízes da unidade, equações binomiais

2) Polinômios e equações algébricas

a) Polinômios, operações e propriedades

b) Resolução de equações algébricas

3) Geometria Analítica

a) Estudo da reta

b) Estudo da circunferência

c) Noções sobre cônicas

4) Introdução ao cálculo infinitesimal

a) Noção de limite e continuidade de funções reais de variável real

b) Derivada de funções racionais e trigonométricas

c) Propriedades das derivadas e aplicação no estudo da variação de funções

5) Transformações geométricas

a) Translação, rotação e simetria, propriedades

b) Semelhança, homotetia, propriedades

Quadro 6: Programa de matemática publicado no Diário Oficial de São Paulo em 1965 (2° ciclo)

Fonte: organização nossa

Comparando os conteúdos abordados nos capítulos do LD3 com aqueles propostos no

programa de matemática de 1965, os capítulos V, VI, IX, X, XI e XII, apresentam conteúdos

93

sugeridos para o 2° ano e os demais capítulos apresentam conteúdos sugeridos para os outros

anos do curso colegial. O conteúdo, Análise Combinatória e Binômio de Newton, apontado

no documento como tópico de estudo do 2° ano do curso colegial, não é apresentado no LD3.

Porém, na Apresentação do LD3 os autores informam que este conteúdo é abordado no

terceiro volume da coleção. Dessa forma, o LD3 contempla conteúdos propostos no programa

de matemática de 1965, mas não necessariamente seguindo a mesma sequência dos conteúdos

listados para os respectivos anos do curso colegial.

No capítulo XII (Poliedros), identificamos o estudo do conteúdo Fórmula Poliedral de

Euler, o qual os autores denominam de teorema de Descartes-Euler, (desincretização do

saber). No programa de matemática de 1965, este conteúdo não é explicitado como tópico de

estudo, mas fica nas entrelinhas a indicação deste ao sugerir a apresentação dos ângulos

poliédricos, poliedros e poliedros regulares antes do prisma, pirâmide, cilindro, cone e esfera

e, a partir dos tópicos listados nos capítulos 3 e 4 do LD3, verificamos que o conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler é apresentado após os prismas, pirâmides, cilindro, cone e esfera.

Para introduzir os capítulos do LD3 os autores, às vezes, indicam aplicações dos

conteúdos à realidade. No capítulo IV (Logaritmos Decimais), por exemplo, os autores

comentam:

[...] Você sabe que o progresso industrial e a crescente complexidade dos

problemas práticos do comércio, da indústria e mesmo da administração pública

vêm exigindo novas técnicas de cálculo numérico e que, por esse motivo, já

entramos na era da cibernética, isto é, dos COMPUTADORES ou “cérebros

eletrônicos”. Neste segundo livro, apoiados na linguagem e nos conceitos básicos

que você aprendeu, estamos dirigindo nosso CURSO MODERNO no sentido de

guiá-lo nos primeiros passos para a Matemática aplicada. Aprendendo a álgebra das

matrizes e a resolução de sistemas lineares, você está-se preparando para poder dar

ordens aos computadores. No estudo das sequências, você tomou um primeiro

contato com as séries numéricas e mais tarde irá aplicar a tudo isso nos programas

de computação. Mas... nem todos dispõem de um computador sempre à mão. E

mesmo que isso ocorresse, é claro que há problemas da atividade diária que o

bancário, o comerciante, o físico, o engenheiro ou o sociólogo pode e deve resolver

“na ponta do lápis” ou compulsando tabelas de juros, a Tabela Price, tábuas de

logaritmos ou usando réguas de cálculo. [...]. (ROCHA; BARBOSA; NETO, 1968,

p. 93, grifos dos autores).

Todavia, na introdução do capítulo XII (Poliedros) não identificamos algo semelhante

para indicar a aplicação do conteúdo à realidade, os autores o iniciam apresentando as

definições de polígonos consecutivos, arestas livres, superfície poliédricas, faces, arestas,

contorno, superfície poliédrica fechada e aberta, superfície poliédrica convexa, superfície

simples ou simplesmente conexa e multiplamente conexa e poliedros convexos e não

94

convexos. Em seguida, os autores anunciam e provam um lema, denominado Lema de

Descartes-Euler.

Dessa forma, introduzem a tarefa apresentar o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler

em que utilizam como técnica o anúncio deste conteúdo sob a forma de teorema procedido de

prova (demonstração), como mostra a figura 7.

Figura 7: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD3

Fonte: Rocha, Barbosa e Neto (1968, p. 292-293)

No LD3, o discurso tecnológico-teórico que justifica a abordagem do conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler é composto pelas noções (matemáticas) de lados, arestas livres,

arestas, faces, contorno, superfície poliédrica (fechada e aberta, convexa, simples ou

simplesmente conexa) e o Lema de Descartes-Euler. Alguns destes conceitos pertencem à

Topologia, área de estudo da Matemática, em que a sua inserção no ensino secundário era

uma das recomendações do MMM. A despeito da Topologia, os autores destacam em nota:

O estudo das figuras relacionado com as propriedades de conexão pertence

à TOPOLOGIA DOS CONJUNTOS (ou Topologia Combinatória) que estuda as

propriedades das figuras que se mantêm invariantes por deformações contínuas.

Assim, por exemplo, uma superfície poliédrica fechada permanece simples se

considerarmos um modelo da figura em borracha e a deformarmos até obtermos, por

exemplo, uma superfície esférica. Portanto, a conexão é uma característica

topológica da superfície fechada. Do mesmo modo, uma superfície aberta com um

só contorno é topologicamente equivalente a um círculo (ROCHA; BARBOSA;

NETO, 1968, p. 290-291, grifos dos autores).

95

Pela figura 7, notamos que os autores se utilizam de representação figural durante a

demonstração do teorema de Descartes-Euler. Mas, nos parece que ela não facilita a

compreensão deste processo por alunos, tendo em vista que não estabelece relações com os

conceitos apresentados na demonstração e, por isso, entendemos que não há criações

didáticas por não desempenhar esse papel. Nesse sentido, o aluno deveria desenvolver a

capacidade de memorização das etapas da demonstração (noção protomatemática). Nesta

abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler é evidente o uso das noções

(paramatemáticas) teorema e prova, subentendidos seus estudos no capítulo III (Sequências

Geométricas) do LD3, quando os autores afirmam:

Muitas das descobertas científicas foram obtidas pela intuição ou indução

dos pesquisadores, que depois foram sancionadas pela experiência ou teoricamente.

De onde a importância que o estudante deve dar à observação e comparação dos

fenômenos e fórmulas, formando o seu ‹‹espírito científico››. A demonstração tem

por escopo sancionar as conquistas da intuição (ROCHA; BARBOSA; NETO, 1968,

p. 69, grifos dos autores).

Embora os autores façam citação a Descartes e Euler ao apresentar o conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler como tópico de estudo no capítulo XII, não trazem nenhuma

informação sobre estes matemáticos (despersonalização do saber). E, pelo que constatamos, a

prova do Lema de Descartes-Euler juntamente com o teorema de Descartes-Euler é uma

adaptação da demonstração dada por Cauchy. No entanto, este matemático nem ao menos é

citado.

Após a abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, é apresentada como

exemplo, uma representação figural de poliedro não convexo em que são apontados os

números de seus vértices, faces e arestas que substituídos em V – A + F = 2 confirmam a

igualdade. Apesar do poliedro exemplificado no LD3 não ser convexo, ele pode se tornar

convexo por deformações contínuas, como subentendemos a partir da discussão topológica

apresentada no referido capítulo.

Em seguida, os autores apresentam as definições de poliedros platônicos e regulares e

o teorema dos poliedros platônicos que se anunciam como “somente são possíveis poliedros

platônicos com 4, 8, 20, 6 e 12 faces, os dois primeiros com faces triangulares, o quarto com

faces quadrangulares e o último com faces pentagonais”, finalizando-se a teoria abordada no

capítulo. No processo de demonstração do teorema dos poliedros platônicos a Fórmula

Poliedral de Euler é utilizada, revelando a articulação entre os saberes (dialética antigo/novo

do saber).

96

Cabe acrescentarmos que não detectamos nenhum exercício resolvido e os exercícios

propostos são colocados somente após o estudo de toda teoria abordada no capítulo

(programabilidade do saber), finalizando-o. Dos quinze exercícios propostos, apenas dois

envolvem o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, nos quais analisamos os tipos de tarefas e

técnicas que poderiam ser empregadas por alunos na resolução dos mesmos.

Tarefa proposta 1: Demonstrar, usando o teorema de Descartes-Euler, que num poliedro é

sempre par o número de faces que têm número ímpar de lados.

Técnicas: representação algébrica de um número ímpar; aplicação da relação entre o número

de arestas e faces de um poliedro; aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de

equações.

Tarefa proposta 2: A soma dos ângulos de todas as faces de um poliedro é 720°. Calcular o

número de faces, sabendo que é os 2/3 do número de arestas.

Técnicas: aplicação da fórmula da soma das medidas dos ângulos internos de um polígono;

aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da Fórmula

Poliedral de Euler; resolução de equações.

5.2.2 LD4

Na Introdução do LD4, os autores informam que o mesmo era destinado aos alunos do

1° ano do 2º ciclo60

do curso secundário, sendo o livro “o primeiro de uma série de três livros,

os quais desenvolvem um programa que procura atender às exigências do ensino atualizado da

Matemática, no 2° ciclo” (CATUNDA et al., 1971). Este está estruturado em cinco capítulos:

Capítulo 1 – Noções de lógica e conjuntos; relações; aplicações; estruturas

Capítulo 2 – Funções de 1° e 2° grau

Capítulo 3 – Geometria afim do espaço

Capítulo 4 – Geometria euclidiana

Capítulo 5 – Trigonometria

No Prefácio do LD4 os autores avisam que o acréscimo do capítulo 1, que trata de

noções básicas para a compreensão dos outros capítulos, se deve ao fato de que o LD4

procura “atender a muitos cursos de 2° ciclo, onde os estudantes não tiveram a preparação que

seria ideal para a completa eficiência do seu ensino” (CATUNDA et al., 1971) e justifica o

programa de matemática apresentado como parte de um plano para o ensino atualizado da

Matemática que:

60 Este ciclo se refere aos anos do atual Ensino Médio que naquela época era denominado de 2º grau.

97

[...] atendendo a recomendações de diversos Congressos e Conferências

Internacionais que propõem uma reforma geral do ensino básico da Matemática,

será, também, de grande utilidade para todo o âmbito do ensino médio – escolas

técnico-profissionalizantes, centros integrados e escolas normais, onde os futuros

professores de ensino primário poderão adquirir um pleno domínio dos novos

princípios da Matemática que estão sendo difundidos em todos os países, inclusive

na escola primária (CATUNDA et al., 1971).

Assim, os autores esclarecem como os conteúdos são abordados no LD4 (publicidade

do saber). Este, geralmente, apresenta os exercícios propostos entre as seções e no final dos

capítulos (programabilidade do saber). Nos capítulos 3 e 4 se estuda o conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler (desincretização do saber). Entretanto, nestes capítulos, não constatamos

nenhum exercício proposto relacionado ao conteúdo e os exercícios resolvidos não são

apresentados.

No quadro 7, organizamos a sequência dos tópicos de conteúdos abordados nos

capítulos 3 e 4. No capítulo 3, o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler é identificado pelo

título “Teorema de Euler” e no capítulo 4, pelo título “Poliedro convexo: nova demonstração

do Teorema de Euler”.

Capítulo 3 – Geometria Afim Espacial Capítulo 4 – Geometria Euclidiana do Espaço

1 – Translações

2 – Espaço vetorial e espaço afim de três

dimensões

3 – Vetores dependentes e independentes;

base

4 – Equação da reta

5 – Equação do plano

6 – Transformações no espaço afim

7 – Paralelismo de retas e planos

8 – Planos paralelos

9 – Retas concorrentes e reversas

10 – Semiespaço

11 – Geração do semiespaço

12 – Fatia

13 – Projeções

14 – Diedros

15 – Prisma

16 – Triedo e ângulos poliédricos

17 – Geração de uma pirâmide indefinida

18 – Cilindro e cone

19 – Poliedros

20 – Teorema de Euler

1 – Perpendicularidade no espaço

2 – Simetria no espaço

3 – Distância de um ponto P a um plano α

4 – Ângulo de duas semirretas qualquer

5 – Projeção ortogonal

6 – Medida de ângulo diedro

7 – Triedros

8 – Triedo polar

9 – Triedos particulares

10 – Sentido do triedo

11 – Triedos congruentes

12 – Casos de congruência de triedos

13 – Produto escalar

14 – Propriedades do produto escalar

15 – Base ortonormal do espaço vetorial euclidiano

16 – Sistema de referência

17 – Figuras simétricas

18 – Posições relativas de duas esferas

19 – Triângulo esférico

20 – Ângulo sólido

21 – Poliedro convexo: nova demonstração do Teorema de

Euler

22 – Poliedros regulares convexos

23 – Seções de uma superfície cônica de revolução

Quadro 7: Conteúdos listados nos capítulos 3 e 4 do LD4

Fonte: organização nossa

Embora o LD4 tenha sido indicado para o 1° ano do 2° ciclo, suprimem-se alguns

conteúdos sugeridos pelo programa de 1965 para o referido ciclo, por exemplo, o conteúdo de

98

Sequências. Mas, abrange alguns dos conteúdos propostos nos demais anos do 2° ciclo. No

documento, o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler não é explicitado, mas subentende-se a

sua indicação ao sugerir o estudo dos ângulos poliédricos, poliedros e poliedros regulares

antes de prisma, pirâmide, cilindro, cone e esfera.

Em comparação com o programa de matemática de 1965, a distribuição do conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler, conforme o quadro 7, é realizada de modo diferente no LD4: no

capítulo 3, ele é apresentado após o estudo dos prisma, pirâmide, cilindro e cone, e no

capítulo 4, após o estudo de algumas figuras simétricas particulares, dentre elas, o prisma, a

pirâmide, o cilindro, o cone e a esfera. Porém, ambos os capítulos abordam o conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler pelas transformações geométricas e pelo tratamento vetorial.

Nos capítulos 3 e 4, após a apresentação, respectivamente dos dezenove e vinte

tópicos listados no quadro 7, os autores introduzem a tarefa apresentar o conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler em que a técnica empregada é a exposição deste conteúdo sem enunciado,

sob a forma de texto corrido que se caracteriza por uma demonstração.

Esta, no capítulo 3, se trata de uma adaptação da demonstração dada por Cauchy e, no

capítulo 4, uma adaptação da demonstração dada por Legendre (1752-1833). No entanto, os

matemáticos Cauchy e Legendre não são associados às demonstrações da Fórmula Poliedral

de Euler fornecidas no LD4 (despersonalização do saber).

Para melhor entendimento de como as demonstrações dos matemáticos Cauchy e

Legendre foram transpostos no LD4, destacamos, primeiramente, nas figuras 8 e 9 seguintes a

abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler relativa à demonstração dada pelo

matemático Cauchy, presente no capítulo 3 da obra.

99

Figura 8: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no capítulo 3 do LD4 (parte 1)

Fonte: Catunda et al. (1971, p. 113-114)

100

Figura 9: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no capítulo 3 do LD4 (parte 2)

Fonte: Catunda et al. (1971, p. 114-115)

Esta abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler tem como discurso

tecnológico-teórico as noções (matemáticas) de poliedro convexo, semi-espaço, plano, planos

paralelos, ângulo poliédrico, homotetia, projeções, arestas, faces, vértices e polígonos. Além

disso, na abordagem do conteúdo investigado estão incluídas noções (paramatemáticas) como

teorema, demonstração e correspondência biunívoca, mesmo que a segunda não esteja

explicitada no capítulo 3. Por outro lado, estas noções, com exceção da terceira, são objetos

de estudo no capítulo 1 (Noções de lógica e conjuntos; relações; aplicações; estruturas) do

101

LD4. A seguir, na figura 10, apresentamos a abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de

Euler no capítulo 4 do LD4.

Figura 10: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no capítulo 4 do LD4

Fonte: Catunda et al. (1971, p.159-160)

Já, no capítulo, o discurso tecnológico-teórico que justifica a abordagem do conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler é constituído pelas noções (matemáticas) de poliedros convexos,

semirreta, esfera, projeção, arcos de círculo, arestas, vértices, faces, ângulo sólido, triângulos

102

esféricos e área da esfera. Também são utilizadas nesta abordagem as noções

(paramatemáticas) teorema e demonstração, que são objetos de estudo no capítulo 1 do LD4.

Em ambos os capítulos, são empregadas representações figurais, (criações didáticas),

durante a apresentação do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, que facilitam a compreensão

dos alunos em relacionar os conceitos apresentados na demonstração. Dessa forma, na

apresentação do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler são requeridos de alunos a interpretação

e associação das representações figurais com o texto do saber, (noções protomatemáticas).

No LD4, são mencionados os matemáticos Euler e Lagrange, ao apresentar o conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler. Todavia, no capítulo 3, os autores não dão nenhuma informação

sobre Euler e nem a quem se deve tal demonstração. No capítulo 4, os autores até citam que a

“nova demonstração do Teorema de Euler” é devida a Lagrange (1733-1813), mas também

sem fornecer informações sobre ele. Portanto, entendemos que no LD4 os autores não

associaram o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler aos matemáticos que o pesquisaram,

(despersonalização do saber).

Comentamos que no capítulo 3, o conteúdo Fórmula de Euler é apresentado na forma

de texto corrido, conforme as figuras 8 e 9. Mas, ainda fazem parte desse texto duas

consequências61

do teorema de Euler em que suas demonstrações utilizam a Fórmula

Poliedral de Euler, finalizando o estudo da teoria abordada no capítulo. Por sua vez, no

capítulo 4, após a apresentação do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler sob a forma de texto

corrido, os autores iniciam outro tópico de estudo “poliedros regulares convexos” em que

ressaltam:

Em capítulo anterior foi demonstrado, como consequência do Teorema de

Euler, que só existem cinco poliedros em que todas as faces são polígonos de

mesmo número de lados e de todos os vértices parte o mesmo número de arestas.

Surge, então, o problema de saber se entre esses poliedros existem poliedros em que

todas as faces são polígonos regulares e no qual todo vértice é vértice de um ângulo

poliédrico regular (CATUNDA et al., 1971, p. 160).

De acordo com os autores, este problema pode ser “resolvido” de uma maneira bem

simples, discutindo os cincos poliedros regulares convexos com base em noções de simetria

abordadas no capítulo. Depois, prosseguem-se com o tópico “seções de uma superfície cônica

de revolução”, finalizando a teoria apresentada no capítulo 4. A partir dessas considerações,

entendemos que o conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, se articula com saberes estudados

nos capítulos em que ele é apresentado, (dialética antigo/novo do saber).

61 1°) O número de faces triangulares mais o número de triedros do poliedro é, no mínimo, igual a oito (8). 2°) Só existem cinco poliedros em que todas as faces tem o mesmo número de arestas (CATUNDA et al., 1971, p. 115-116).

103

5.2.3 LD5

O LD5 é o segundo volume da coleção Geometria: Curso Moderno, publicado em

1976. Esta coleção, composta por três volumes, foi primeiro publicada em 1968. Verificamos

que o LD5 não apresenta Prefácio. Duarte (2007) em sua tese de doutorado intitulada

“Matemática e Educação Matemática: a dinâmica de suas relações ao tempo do Movimento

da Matemática Moderna no Brasil” informa em relação ao Prefácio do primeiro volume da

coleção que a obra tinha como público alvo os alunos do curso colegial e candidatos aos

exames vestibulares, permitindo Castrucci a usar uma linguagem mais formal,

(programabilidade do saber).

Castrucci (apud DUARTE, 2007), no Prefácio do primeiro volume, escrevem que a

obra acompanhava o movimento de renovação do ensino da matemática que naquela época se

encontrava em pleno andamento pelo Brasil e, por conveniência, não alterou a sequência dos

assuntos e teoremas da Geometria, buscando apenas tratá-los numa nova linguagem com base

na teoria dos conjuntos. Logo, o autor justifica como os conteúdos são apresentados na

coleção e, portanto, no LD5, (publicidade do saber).

De acordo com o Índice da obra, esta está organizada em três capítulos da seguinte

forma:

Capítulo II – Poliedros

§ 1° - Prismas

§ 2° - Pirâmides

§ 3° - Troncos

§ 4° - Superfícies Poliédricas. Poliedros

§ 5° - As pontes de Königsberg. O problema das quatro cores. Teorema de Descartes-Euler

§ 6° - Poliedros regulares

Capítulo III – Corpos redondos

§ 1° - Considerações intuitivas sobre geração e classificação das superfícies

§ 2° - Superfícies cilíndricas de rotação. Propriedades

§ 3° - Superfícies cônicas de rotação. Propriedades

§ 4° - Troncos de cilindro e de cone

§ 5° - Superfícies esféricas. Esfera

Capítulo IV – Secções cônicas

§ 1° - Elipse

§ 2° - Hipérbole

104

§ 3° - Parábola

No capítulo II, §5°, aborda-se o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, denominado no

LD5 de teorema de Descartes-Euler (desincretização do saber). Como vimos no quadro 5, o

programa de matemática de 1965 não explicita o estudo deste tópico de conteúdo. Porém, o

autor o apresenta após o estudo de prismas e pirâmides. Na §5° do referido capítulo são

apresentados, segundo o autor, alguns problemas interessantes de forma intuitiva e que estão

ligados a resultados invariantes por certas deformações (ramo de estudo da matemática

chamada de Topologia).

O autor introduz §5° com o anúncio do “problema das Pontes de Königsberg”,

destacando a solução dada pelo matemático Euler e expõe dois exercícios propostos. Depois,

comenta o “problema das quatro cores” dizendo que ele foi provado a partir do teorema de

Descartes-Euler, o qual se veria mais adiante e destaca um exercício proposto. Em seguida

anuncia o terceiro problema, o teorema de Descartes-Euler, fazendo algumas considerações,

relatando que a Fórmula Poliedral de Euler se trata de uma relação existente entre o número

de vértices, faces e arestas de uma superfície poliédrica convexa, mais conhecida como

Teorema de Euler e que foi apresentada por Descartes sem prova. O autor ressalta que embora

a convexidade da superfície apareça no enunciado do teorema, esta restrição não entra na

demonstração por se importar apenas com a conexão.

A partir disso, o autor conceitua talho ou corte62

para superfícies fechadas e abertas,

superfície de conexão 1 ou simplesmente conexa63

, e superfícies de conexão h64

. Em nota o

autor destaca que as superfícies fechadas convexas são de conexão 1, quando, intuitivamente,

são deformações da superfície esférica e que acrescentando ou suprimindo uma face à

superfície poliédrica, não se altera a conexão.

Assim, o autor introduz a tarefa apresentar o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler que

utiliza como técnicas o enunciado deste conteúdo sob a forma de teorema do seguinte modo:

“Se V é o número de vértices de uma superfície poliédrica fechada de conexão 1, A, o número

de arestas e F o número de faces, então, V – A + F = 2” (CASTRUCCI, 1976, p. 60), o qual é

acompanhado da demonstração a seguir.

62 “Quando uma superfície é fechada, talho ou corte é qualquer caminho (curva) fechado da superfície. Se a superfície é aberta, talho é um caminho aberto de extremidades no contorno ou num talho considerado” (CASTRUCCI, 1976, p. 58).

63 “Uma superfície é de conexão 1 ou simplesmente conexa, se qualquer que seja o talho, fica ela dividida em duas partes A e B tais que não é possível passar de um ponto de A a um ponto de B por uma linha contínua” (CASTRUCCI, 1976, p. 59).

64 “Uma superfície é de conexão h se: a) existem h-1 talhos convenientes que não a dividem em duas partes; b) qualquer talho depois de efetuados h-1 divide a superfície” (CASTRUCCI, 1976, p. 59).

105

Num polígono plano simples (sem entrelaçamentos), em particular

convexo, que é uma superfície poliédrica aberta de uma face de conexão 1, o

número V de vértices é igual ao número A de arestas e como F = 1, vem V – A + F

= 1. Suponhamos agora que a relação é seja verdadeira para uma superfície

poliédrica aberta de k–1 faces, (F = k–1) de conexão 1 com um só contorno de m

arestas e m vértices. Acrescentando a esta superfície uma nova face de n vértices e n

arestas e suponhamos que h arestas desta face coincidam com h arestas das m do

contorno. Teremos uma nova superfície poliédrica aberta de conexão 1, com k faces.

Designemos os números de faces, arestas e vértices da nova superfície por F’, A’,

V’. O número V de vértices da primeira superfície aumenta de n – (h + 1) = n – h –

1, pois se coincidem h arestas, o número de vértices coincidentes é h + 1. Daí, V’ =

V + n – h – 1. O número A de arestas aumenta de n – h, pois h coincidem. Daí, A’ =

A + n – h. É claro que V’ = F + 1. Calculemos V’ – A’ + F’. Temos, então: V’ – A’

+ F’ = V + n – h – 1 – (A + n – h) + F + 1 = V – A + F, que é igual a 1, pela hipótese

de indução. Considerando-se, agora, uma superfície poliédrica fechada de conexão 1

e suprimindo-se uma face, teremos uma superfície poliédrica aberta de conexão 1,

para a qual vale V – A + F = 1. Então, passando a fechada, recolocando a face, V e

A não se alteram e F aumenta de uma unidade, donde vale V – A + F = 2, como

queríamos provar (Ibid, p. 60-62).

Nesta abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral, o discurso tecnológico-teórico que a

valida, são as noções (matemáticas) de superfície poliédrica convexa, superfície poliédrica

convexa aberta/fechada, contorno, vértices, arestas, faces e conexão. São também utilizadas

noções (paramatemáticas) como teorema e demonstração, mas que não são estudadas de

forma explícita no LD5. Nesse aspecto, entendemos que estas noções não são reconhecidas no

LD5.

Mesmo que as representações figurais (criações didáticas) sejam inerentes ao estudo

de poliedros, durante a demonstração do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler elas não são

apresentadas. Entendemos que representações figuriais permitiriam estabelecer relações com

os conceitos abordados na demonstração e facilitariam a compreensão deste processo pelo

aluno. Porém, notamos que este deveria mobilizar as noções (protomatemáticas) como a

capacidade de memorização e imaginação da construção de um poliedro qualquer para que

possa compreender a demonstração.

O autor cita Descartes por ter enunciado o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler sem

provas, no entanto, não apresenta maiores esclarecimentos sobre ele. Também cita Euler

como um dos matemáticos que solucionou o problema das pontes de Königsberg, mas, ao

abordar o teorema de Descartes-Euler, não indica a quem se deve a demonstração deste

teorema, que notamos tratar-se de uma adaptação da demonstração dada pelo matemático

Cauchy. Assim, o autor não associa a abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler aos

seus “criadores” (despersonalização do saber).

Após a apresentação do teorema de Descartes-Euler, o autor destaca, em nota, a

fórmula generalizada de Euler para as superfícies fechadas de conexão h. Em seguida, define

106

superfícies poliédricas Eulerianas e de Platão e anuncia dois teoremas, o teorema que diz que

os poliedros de Platão são exatamente cinco e o teorema sobre a soma das medidas dos

ângulos das faces de um poliedro euleriano, que finalizam o estudo da teoria abordada na §5°.

Ambos os teoremas são procedidos de demonstração, os quais se valem da Fórmula Poliedral

de Euler. Por isso, este conteúdo se articula com saberes presentes no capítulo II, §5°, do LD5

(dialética antigo/novo do saber).

Em seguida, o autor apresenta doze exercícios propostos, sendo sete exercícios

relacionados ao conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler. Dentre os sete exercícios, analisamos

quatro, quanto aos tipos de tarefas e identificamos as técnicas que poderiam ser empregadas

por alunos na resolução dos mesmos.

Tarefa proposta 1: V = F num poliedro de Euler. Exprimir F ou V em função de A. Provar

que A é par.

Técnicas: aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; representação algébrica de um número

ímpar; resolução de equações.

Tarefa proposta 2: Um poliedro tem 16 faces. De um de seus vértices partem 5 arestas, de 5

outros vértices partem 4 arestas e, finalmente, de cada um dos vértices restantes partem 3

arestas. Calcule o número de arestas e vértices desse poliedro.

Técnicas: aplicação da relação entre o número de vértices e arestas de um poliedro; aplicação

da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 3: Quantos vértices tem um poliedro com 3 faces triangulares, 4 faces

quadrangulares e 5 faces pentagonais?

Técnicas: aplicação da relação entre o número de faces e arestas de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 4: Calcular o número de faces de um poliedro convexo de 20 vértices, no qual

as faces são triangulares e quadrangulares e o número das faces primeiras é o dobro do

número das últimas.

Técnicas: aplicação da relação entre o número de faces e arestas de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

5.2.4 LD6

O LD6 era destinado a 2ª série do 2º grau (programabilidade do saber). No Prefácio

da edição, os autores relatam que o volume dá continuidade ao trabalho iniciado com o livro

107

da 1ª série e trazem ao texto, uma linguagem acessível, reduzem ao mínimo necessário as

formalizações, introduzem conceitos novos por meio de exemplos, vinculam a Matemática

com outras ciências e com a realidade vivida pelo aluno, dividem a teoria em pequenas doses

acompanhadas de exercícios que devem ser considerados como parte integrante do texto.

Portanto, os autores esclarecem a partir do Prefácio, como conteúdos e exercícios são

abordados no LD6, (publicidade do saber).

Na obra, os conteúdos estão organizados nos capítulos: I) Progressões, II) Indução

Finita, III) Matrizes, IV) Sistemas Lineares, V) Combinatória, VI) Binômio de Newton, VII)

Probabilidades, VIII) Introdução a Geometria Espacial, IX) Paralelismo e Perpendicularismo

no espaço, X) Prisma e Pirâmide, XI) Cilindro, cone e esfera e XII) Poliedros. Notamos a

partir do quadro 6, anteriormente destacado, que a distribuição dos conteúdos no livro, foi

realizada de forma distinta em relação ao programa de matemática de 1965.

No Prefácio da obra, os autores comentam que os capítulos de VIII) a XII), são

dedicados ao estudo da Geometria do Espaço e explicam como estes capítulos foram

desenvolvidos:

Trata-se de um estudo intuitivo da Geometria Euclidiana. Não achamos

conveniente desenvolver este assunto de forma axiomática, fazendo dele um

exemplo elementar da teoria matemática. Preferimos um caminho menos árido, sem

muita preocupação nem com a ordem lógica nem em realizar todas as

demonstrações, principalmente de propriedades evidentes com provas artificiosas.

Esperamos desta forma, que os colegas professores, apesar da extensão do programa

e da exiguidade das aulas, consigam ter tempo de tratar, ainda que parcialmente, de

um assunto tão importante (IEZZI et al., 1980).

No capítulo XII (Poliedros), estuda-se o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler o qual

os autores denominam de Relação de Euler (desincretização do saber). Logo, este conteúdo é

apresentado após os prismas, pirâmides, cilindro, cone e esfera no LD6. O referido capítulo

apresenta os seguintes tópicos de conteúdos: a) Diedros (conceitos e elementos, secção,

congruência, diedros adjacentes – bissetor, medida), b) Triedros (conceito e elementos,

congruência, relações entre faces), c) ângulos poliédricos (conceito e elementos, congruência,

relações entre faces), d) Poliedros (poliedro convexo, Relação de Euler, poliedros de Platão,

poliedros regulares).

Iniciam o tópico d) do capítulo XII com a conceituação de poliedros convexos e seus

elementos (vértices, faces e arestas). Dessa forma, os autores introduzem a tarefa apresentar o

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, que utiliza como técnicas o anúncio deste conteúdo

seguido da verificação do número dos elementos (vértices, faces e arestas) de três, de

108

poliedros convexos representados no plano e que satisfazem a Relação de Euler, assim como

mostra a figura 11.

Figura 11: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD6

Fonte: Iezzi et al. (1980, p. 333)

O discurso tecnológico-teórico que justifica esta abordagem do conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler é constituído pelas noções (matemáticas) de poliedros convexos, faces,

vértices e arestas. Não percebemos o uso de noções paramatemáticas na apresentação do

conteúdo investigado. Mas, ela passa a enfatizar o uso de representações figurais (criações

didáticas) como uma forma de instigar o aluno a interpretar figuras bidimensionais e a

identificar os elementos (vértices, faces e arestas) de poliedros, (noções protomatemáticas).

Percebemos que no LD6 o saber a ensinar se afasta do saber sábio.

No entanto, os autores não discutem a validade da Fórmula Poliedral de Euler para

alguns casos de poliedros não convexos, por não apresentá-los no LD6. Além disso, ao

textualizá-lo, os autores citam Euler sem fornecer informações sobre este matemático,

mostrando que os autores não enfatizavam aspectos históricos do conteúdo, Fórmula Poliedral

de Euler (despersonalização do saber). Em seguida, colocam cinco exercícios resolvidos em

que três envolvem o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler que analisamos quanto aos tipos de

tarefas e para os quais identificamos as técnicas empregadas.

109

Tarefa resolvida 1: Um poliedro convexo de onze faces, tem seis faces triangulares, cinco

faces quadrangulares. Calcular o número de arestas e de vértices do poliedro.

Técnicas: aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Resolução:

Figura 12: Resolução apresentada no LD6 para a tarefa resolvida 1

Fonte: Iezzi et al. (1980, p. 334)

Tarefa resolvida 2: Um poliedro de sete vértices tem cinco ângulos tetraédricos e dois ângulos

pentaédricos. Quantas arestas e quantas faces tem o poliedro?

Técnicas: aplicação da relação entre o número de vértices e arestas de um poliedro; aplicação

da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Resolução:

Figura 13: Resolução apresentada no LD6 para a tarefa resolvida 2

Fonte: Iezzi et al. (1980, p. 334)

Tarefa resolvida 3: A soma dos ângulos de todas as faces de um poliedro convexo é S = (V –

2).4r onde V é o número de vértices e r é um ângulo reto.

Técnicas: aplicação da fórmula da soma das medidas dos ângulos de um polígono; aplicação

da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da Fórmula Poliedral

de Euler; resolução de equações.

Resolução:

110

Figura 14: Resolução apresentada no LD6 para a tarefa resolvida 3

Fonte: Iezzi et al. (1980, p. 334)

Em seguida, os autores destacam dez exercícios propostos, dos quais, selecionamos

cinco quanto aos tipos de tarefas mobilizadas e dos quais identificamos as técnicas que

poderiam ser utilizadas por alunos na resolução dos mesmos.

Tarefa proposta 1: Quantos vértices tem um poliedro convexo de dez faces, todas

triangulares?

Técnicas: aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 2: Quantas faces possui um poliedro convexo que tem oito ângulos

poliédricos, todos triedros?

Técnicas: aplicação da relação entre o número de vértices e arestas de um poliedro; aplicação

da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 3: Um poliedro convexo tem 15 faces triangulares, uma face quadrangular,

sete faces pentagonais e duas hexagonais. Quantas arestas e vértices possui o poliedro?

Técnicas: aplicação da relação entre o número de faces e arestas de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 4: Determinar o número de vértices, arestas e faces de um poliedro convexo

formado por cinco triedros, sete ângulos tetraédricos, nove ângulos pentaédricos e oito

ângulos hexaédricos?

111

Técnicas: aplicação da relação entre o número de vértices e arestas de um poliedro; aplicação

da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 5: Um poliedro convexo apresenta faces triangulares e quadrangulares, sendo

13 faces no total. Sabendo que o poliedro possui 11 vértices, quantas faces têm de cada tipo?

Técnicas: aplicação da relação entre o número de faces e arestas de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Por fim, os autores conceituam poliedros de Platão e demonstram a propriedade dos

poliedros platônicos, que diz: “existem cinco, e somente cinco, classes de poliedros de Platão”

(IEZZI et al., 1980, p. 337), utilizando a Fórmula Poliedral de Euler que revela a articulação

deste saber com saberes apresentados no tópico d) (dialética antigo/novo). Em seguida, os

autores conceituam poliedros regulares, demonstram a propriedade que diz: “existem cinco, e

somente cinco, tipos de poliedros regulares” (Ibid, p. 340) e apresentam alguns exercícios

resolvidos, seguido de exercícios propostos relacionados a esta propriedade.

5.3 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS PUBLICADOS APÓS O PERÍODO DO

MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA

Nesta seção analisamos dois livros didáticos do período posterior ao MMM: o livro

Matemática: contextos e aplicações do autor Luiz Roberto Dante65

, publicado em 1999, que

denominamos de LD7 e o livro Matemática Completa dos autores José Ruy Giovanni66

e José

Roberto Bonjorno, publicado em 2005, que denominamos de LD8.

5.3.1 LD7

O LD7 é o segundo volume de uma coleção de três livros destinados ao ensino de

nível médio (programabilidade do saber). Segundo o autor, na Apresentação do LD7, a obra

está de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de nível médio e a

coleção engloba todos os assuntos trabalhados nesse nível de ensino. Informa-se ainda, que se

procurou explorar todos os conceitos básicos, próprios do Ensino Médio, de maneira intuitiva

e compreensível, evitando as receitas prontas e o formalismo excessivo, porém mantendo o

rigor coerente com o nível para o qual a coleção foi proposta. Assim, o autor apresenta como

65 Dante é mestre em Matemática pela Universidade de São Paulo e doutor em Psicologia da Educação: Ensino da matemática, pela Pontifícia Católica de São Paulo (PUC/SP). Pesquisador em ensino e aprendizagem da matemática (Unesp – Rio Claro, SP). Ex-professor do ensino fundamental e médio da rede oficial do estado de São Paulo.

66 Giovanni é bacharel e licenciado em matemática pela PUC/SP e professor de matemática em escolas de ensino fundamental e médio desde 1960. Bonjorno é bacharel e licenciado em Física pela PUC/SP e professor de matemática e física em escolas do ensino fundamental e médio desde 1973.

112

os conteúdos são abordados no LD7, (publicidade do saber). Este contém dezesseis capítulos

assim ordenados:

Capítulo 1 – A trigonometria no triângulo retângulo

Capítulo 2 – O ciclo trigonométrico

Capítulo 3 – Seno, cosseno e tangente no ciclo trigonométrico

Capítulo 4 – As funções circulares

Capítulo 5 – Relações trigonométricas

Capítulo 6 – Transformações trigonométricas

Capítulo 7 – Resolução de triângulos quaisquer

Capítulo 8 – Estudo das matrizes

Capítulo 9 – Estudo dos determinantes

Capítulo 10 – Sistemas lineares

Capítulo 11 – Áreas – Medidas de superfícies

Capítulo 12 – Geometria espacial – Uma introdução intuitiva

Capítulo 13 – Poliedros

Capítulo 14 – Corpos redondos

Capítulo 15 – Análise combinatória

Capítulo 16 - Probabilidade

Ao longo de todo o livro, o autor expõe os exercícios resolvidos/propostos

intercalados com a teoria (programabilidade do saber). No final dos capítulos há sempre os

“exercícios de revisão” e, às vezes, apresenta-se na sequência um texto histórico sobre o

assunto, parte do texto que o autor denomina de “Leitura”. Ao longo do desenvolvimento da

teoria abordada nos capítulos, o autor coloca também alguns quadros denominados “Para

Refletir” que funcionam como lembretes da simbologia matemática adotada no texto, para

relembrar conceitos ou para estimular a realização de alguma atividade pelo aluno.

No capítulo 13, (Poliedros), se estuda o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler,

denominado “Relação de Euler” (desincretização do saber). Neste capítulo são exibidas as

seguintes seções de estudos: introdução; a noção de poliedros; poliedro convexo e poliedro

não-convexo; poliedros regulares; prismas e pirâmides; a ideia de volume; princípio de

Cavalieri; volume do prisma; as pirâmides. No referido capítulo, o conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler é apresentado antes dos prismas e pirâmides.

Na introdução do capítulo o autor destaca algumas representações figurais de

poliedros convexos, fazendo algumas considerações sobre as áreas e volumes de poliedros

exemplificados. Na seção “a noção de poliedros” o autor utiliza representações figurais de

113

poliedros convexos e não convexos e conceitua os elementos faces, vértices e arestas. Em

seguida, expõe um exercício proposto em que se pede para identificar o número de vértices,

faces e arestas e o tipo das regiões poligonais de cada face do poliedro representado no plano.

Desse modo, o autor prossegue com a introdução da seção “poliedros convexos e poliedros

não convexos” em que se estuda o conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler.

Nesta seção, o autor conceitua poliedros convexos e não convexos com o auxílio de

representações figurais. Em seguida, destaca um exercício proposto em que se pede para

classificar os poliedros em convexos ou não convexos e faz a seguinte observação: “o estudo

que será feito a partir daqui vai considerar apenas os poliedros convexos. Por isso, sempre que

aparecer a palavra poliedro, deve-se subentender que ele é convexo” (DANTE, 1999, p. 310).

Assim, o autor introduz a tarefa apresentar o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler em

que utiliza como técnicas a informação histórica sobre a existência de uma relação válida para

poliedros (convexos), descoberta pelo matemático Euler, eximindo-se de qualquer discussão

de poliedros não convexos em que continua válida a fórmula, o uso de representações figurais

(criações didáticas) de poliedros convexos, a identificação do número dos elementos (V, A e

F) de poliedros e solicita que se observe que para cada poliedro representado se verifica a

Fórmula Poliedral de Euler, conforme a figura 15.

Figura 15: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD7

Fonte: Dante (1999, p. 310-311)

114

O discurso tecnológico-teórico desta abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de

Euler é composto pelas noções (matemáticas) de arestas, vértices, faces e poliedro convexo

apresentados no capítulo 13. Notamos que o estudo do conteúdo em questão pelos alunos está

voltado à capacidade de visualização das representações figurais e à identificação dos

elementos (V, A e F) dos poliedros, (noções protomatemáticas), e esta abordagem da Fórmula

Poliedral de Euler não utiliza noções (paramatemáticas) como teorema e demonstração. Por

essas considerações, observamos que o texto do saber a ensinar se afasta do saber sábio.

Pela figura 14, notamos que no LD7 o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler é

associado ao matemático ao qual foi atribuída a descoberta. Ao fazer isso, entendemos que o

autor personalizou o saber por ter referenciado Euler apenas como descobridor e não por ter

apresentado o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler como presente no LD7. Assim, o autor

passa a enfatizar a história da matemática na apresentação de conteúdos que é uma das

tendências de ensino da Educação Matemática.

Na sequência, o autor apresenta um exercício resolvido e nove exercícios propostos

relacionados a este conteúdo. Analisamos o único exercício resolvido e escolhemos quatro

exercícios propostos, quanto aos tipos de tarefas, para os quais identificamos as técnicas que

poderiam ser utilizadas por alunos em suas resoluções.

Tarefa resolvida: Determine o número de arestas e o número de vértices de um poliedro com

seis faces quadrangulares e quatro faces triangulares.

Técnicas: aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Resolução:

Figura 16: Resolução apresentada no LD7 para a tarefa resolvida

Fonte: Dante (1999, p. 311)

Tarefa proposta 1: Determine o número de vértices de um poliedro que tem três faces

triangulares, uma face quadrangular, uma face pentagonal e duas faces hexagonais.

Técnicas: aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

115

Tarefa proposta 2: Em um poliedro o número de vértices corresponde a 2/3 do número de

arestas e o número de faces é três unidades menos que o de vértices. Descubra quantas são as

faces, os vértices e as arestas desse poliedro.

Técnicas: aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 3: Um poliedro convexo possui 6 faces triangulares e 4 hexagonais. Quantas

arestas e quantos vértices tem esse poliedro?

Técnicas: aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 4: Num poliedro, o número de vértices é 5 e o de arestas é 10. Qual é o

número de faces?

Técnicas: aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Em seguida é feita uma abordagem sobre poliedros regulares acompanhado de um

exercício proposto, como mostra a figura 17, articulando a Fórmula Poliedral de Euler ao

estudo dos poliedros regulares, (dialética antigo/novo do saber).

Figura 17: Tarefa proposta 5 do LD7

Fonte: Dante (1999, p. 314)

Para resolver este exercício proposto (tarefa) o aluno deveria empregar as seguintes

técnicas: escrever os nomes dos poliedros regulares que faltam na primeira coluna da tabela;

identificar os valores dos elementos (V, A e F) destes poliedros e escrevê-los em suas

respectivas colunas, e substituir os valores dos elementos obtidos para cada poliedro na

coluna que representa a Fórmula Poliedral de Euler. Com o referido exercício, finaliza-se o

estudo da seção “poliedros convexos e poliedros não convexos”.

116

5.3.2 LD8

O LD8 se destina à 2ª série do ensino de nível médio e faz parte de uma coleção de

três livros didáticos destinados a esse nível de ensino, (programabilidade do saber). Na

Apresentação da obra, os autores comentam que a:

[...] coleção foi criada pensando preparar o aluno para a prática da

cidadania, respeitando-o como um cidadão ativo, crítico e ético. Oferece textos

interdisciplinares interessantes, que aguçam a curiosidade do aluno e o levam refletir

sobre a realidade. Traz um grande número de exercícios, após cada conceito, na

intenção de ampliar, aprofundar e integrar os conhecimentos já adquiridos. [...]. Ao

longo de todos os volumes, algumas leituras foram sugeridas, na intenção de

alcançar os objetivos a que essa coleção se propõe (GIOVANNI; BONJORNO,

2005).

Portanto, os autores informam como os conteúdos são abordados e qual a sequência de

apresentação dos exercícios no LD8, (publicidade do saber). Este foi aprovado pelo PNLEM

(Programa Nacional do Livro Didático do Ensino Médio) para os anos de 2009-2011, estando

de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM). No LD8,

os conteúdos estão estruturados nos seguintes “blocos de conteúdos”:

- Retomando e aprofundando trigonometria

- Matrizes

- Determinantes

- Sistemas lineares

- Análise combinatória

- Probabilidade

- Geometria

- Noções de estatística

O bloco de Geometria se subdivide nos seguintes sub-blocos: 1) Retas e Planos no

espaço; 2) Tópicos de geometria plana; 3) Poliedros; 4) Prismas; 5) Pirâmides; 6) Cilindros;

7) Cone; 8) Esferas. No sub-bloco Poliedros, é apresentado o conteúdo Fórmula Poliedral de

Euler, denominado de Relação de Euler, (desincretização do saber). Assim, o estudo deste

conteúdo é apresentado antes de prisma, pirâmide, cilindro, cone e esfera no bloco Geometria.

Ressaltamos que, o sub-bloco Poliedros é subdividido nos seguintes tópicos: “definição”;

“poliedros regulares”; “uma propriedade importante dos poliedros convexos” e “soma das

medidas dos ângulos das faces de um poliedro convexo”.

Os autores iniciam o sub-bloco Poliedros a partir das definições de poliedros, faces,

vértices e arestas utilizando, para isso, representações figurais de poliedros convexos. Em

117

seguida, comentam que assim como os polígonos podem ser nomeados pelo número de lados,

os poliedros podem ser nomeados pelo número de faces, quando possuem 4, 5, 6, 7, 8, 12 ou

20 faces. Definem poliedros convexos e não convexos, enfatizando que a maioria dos

poliedros que serão estudados, são os poliedros convexos, eximindo-se de qualquer discussão

sobre a existência de poliedros não convexos em que continua válida a Fórmula Poliedral de

Euler.

Também definem os poliedros regulares e afirmam que são somente cinco sem

apresentar nenhuma prova, ou ao menos uma justificativa. No entanto, os autores sugerem

que se pesquise o assunto. Depois, colocam representações figurais de poliedros regulares e

suas planificações, identificando o número de suas faces, vértices e arestas. Feito isto,

introduzem a tarefa apresentar o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler, que utiliza como

técnicas, a exposição do mesmo, pelo tópico “uma propriedade importante dos poliedros

convexos” e por intermédio de uma tabela preenchida com os valores numéricos das faces (F),

vértices (V), arestas (A) e da expressão V – A + F para quatro poliedros convexos (prisma

triangular, cubo, octaedro e pirâmide hexagonal) pedem para que se observe que o valor V –

A + F se mantém constante. Logo, anunciam a Fórmula Poliedral de Euler, como na figura 18.

Figura 18: Abordagem da Fórmula Poliedral de Euler no LD8

Fonte: Giovanni e Bonjorno (2005, p. 251)

118

Como podemos identificar, o discurso tecnológico-teórico desta abordagem do

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler é constituído pelas noções (matemáticas) de vértices,

faces, arestas e poliedros convexos que validam tal apresentação no LD8. São ainda

empregadas representações figurais (criações didáticas) e tabelas que possuem relações com

conceitos estudados e podem auxiliar na compreensão do conteúdo por alunos, requerendo

por parte destes a interpretação de figuras, (noção protomatemáticas). Entendemos que a

textualização do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler no LD8 se afasta do saber sábio por

não usar noções paramatemáticas como teorema e demonstração, que são objetos da atividade

matemática.

A partir da figura 18, notamos que os autores comentam que a Fórmula Poliedral de

Euler é conhecida como Relação de Euler por ser em homenagem ao matemático suíço Euler

e não por tê-lo apresentado como abordado no livro. Por isso, entendemos que os autores do

LD8 personalizam este saber, aproximando-o de sua história. Em seguida, os autores

apresentam três exercícios resolvidos e seis exercícios propostos. Analisamos os três

exercícios resolvidos e selecionamos três exercícios propostos, quanto aos tipos de tarefas,

para os quais identificamos as técnicas utilizadas e as técnicas que poderiam ser empregadas

por alunos na resolução dos mesmos.

Tarefa Resolvida 1: Num poliedro convexo, o número de faces é 8 e o número de vértices é

12. Calcular o número de arestas.

Técnicas: aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Resolução:

Figura 19: Resolução apresentada no LD8 para a tarefa resolvida 1

Fonte: Giovanni e Bonjorno (2005, p. 252)

Tarefa resolvida 2: Um poliedro convexo possui seis faces quadrangulares e duas hexagonais.

Calcular o número de vértices desse poliedro.

Técnicas: aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Resolução:

119

Figura 20: Resolução apresentada no LD8 para a tarefa resolvida 2

Fonte: Giovanni e Bonjorno (2005, p. 252)

Tarefa Resolvida 3: Numa publicação científica de 1965, foi descoberta a molécula

tridimensional do carbono, na qual os átomos ocupam os vértices de um poliedro convexo

cujas faces são 12 pentágonos e 20 hexágonos regulares. Em homenagem ao arquiteto norte-

americano Buckminster Fuller, a molécula foi denominada fulereno. Determine o número de

átomos de carbono nessa molécula e o número de ligações entre eles.

Técnicas: aplicação da relação entre o número de arestas (ligações) e faces (átomos) de um

poliedro; aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Resolução:

Figura 21: Resolução apresentada no LD8 para a tarefa resolvida 3

Fonte: Giovanni e Bonjorno (2005, p. 252)

Tarefa proposta 1: Qual o número de lados das faces de um poliedro regular com 20 vértices e

30 arestas?

Técnicas: aplicação da Fórmula Poliedral de Euler; aplicação da relação entre o número de

arestas e faces de um poliedro; resolução de equações.

Tarefa proposta 2: Um poliedro convexo possui cinco faces quadrangulares e duas faces

pentagonais. Determine o número de arestas e o número de vértices.

Técnicas: aplicação da relação entre o número de arestas e faces de um poliedro; aplicação da

Fórmula Poliedral de Euler; resolução de equações.

Tarefa proposta 3: O poliedro que inspirou a bola de futebol é formado de faces regulares

pentagonais e hexagonais. O número total de vértices é 60, e o número de arestas é 90.

Quantas são as faces hexagonais?

120

Técnicas: aplicação da Fórmula Poliedral de Euler, aplicação da relação entre o número de

arestas e faces de um poliedro; resolução de equações.

Pelos exercícios anteriores, constatamos que os autores buscaram contextualizar o

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler ao utilizar elementos ligados ao cotidiano de alunos,

como a bola de futebol, e ao procurarem associá-lo a área das ciências, como a química, de

modo a apresentar aplicações do conteúdo. Percebemos que a contextualização de conteúdos

matemáticos é preconizada pelos PCNEM.

Posterior aos exercícios relacionados ao tópico “uma propriedade importante dos

poliedros convexos”, os autores apresentam o tópico “soma das medidas dos ângulos das

faces de um poliedro convexo” indicando apenas a fórmula e destacam dois exercícios

resolvidos e cinco exercícios propostos relacionados ao tópico. Destes, identificamos um

exercício resolvido e dois exercícios propostos que utilizam a Fórmula Poliedral de Euler os

quais selecionamos quanto aos tipos de tarefas e para os quais identificamos as técnicas

empregadas e as que poderiam ser utilizadas por alunos na resolução dos mesmos.

Tarefa resolvida 4: Determinar a soma das medidas dos ângulos das faces de um prisma cuja

base é um hexágono.

Técnicas: identificação do número de faces e arestas do poliedro; aplicação da relação de

Euler; aplicação da fórmula da soma das medidas dos ângulos das faces de um poliedro

convexo; resolução de equações.

Resolução:

Figura 22: Resolução apresentada no LD8 para a tarefa resolvida 4

Fonte: Giovanni e Bonjorno (2005, p. 253)

Tarefa proposta 4: Em um poliedro convexo de 20 arestas, o número de faces é igual ao

número de vértices. Calcule a soma das medidas dos ângulos das faces desse poliedro.

Técnicas: aplicação da relação de Euler; aplicação da fórmula da soma das medidas dos

ângulos das faces de um poliedro convexo; resolução de equações.

121

Tarefa proposta 5: A soma das medidas dos ângulos das faces de um poliedro convexo é

1080°. Determine o número de faces, sabendo que o poliedro tem 8 arestas.

Técnicas: aplicação da fórmula da soma das medidas dos ângulos das faces de um poliedro

convexo; aplicação da relação de Euler; resolução de equações.

Desse modo, verificamos que o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler se articula com o

saber “soma das medidas dos ângulos das faces de um poliedro convexo” (dialética

antigo/novo do saber) por meio destes exercícios propostos, finalizando o estudo do sub-

bloco Poliedros.

5.4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS LIVROS DIDÁTICOS PUBLICADOS NO

PERÍODO ANTERIOR, DURANTE E POSTERIOR AO MOVIMENTO DA

MATEMÁTICA MODERNA

A partir da análise da desincretização do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

didáticos selecionados, isto é, a parte do livro (capítulo/unidade/bloco) em que este conteúdo

foi apresentado, elaboramos o quadro 8.

DESINCRETIZAÇÃO DO SABER

An

teri

or

ao

MM

M LD1 (1949) Unidade VII - Poliedros

LD2 (1958) Unidade IV: capítulo II - Poliedros

Du

ran

te o

MM

M LD3 (1968) Capítulo XII – Poliedros

LD4 (1971) Capítulo 3 - Geometria Afim Espacial e Capítulo 4 - Geometria Euclidiana do Espaço

LD5 (1976) Capítulo II – Poliedros

LD6 (1980) Capítulo XII - Poliedros

Po

ster

ior

ao M

MM

LD7 (1999) Capítulo XIII - Poliedros

LD8 (2005) Geometria (Poliedros)

Quadro 8: Síntese sobre a desincretização do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

Fonte: organização nossa

Notamos que a maioria dos livros didáticos ao longo dos períodos investigados,

abordaram o conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, em uma Unidade, Capítulo ou bloco,

denominado Poliedros, com exceção do LD4, que o apresentou em capítulos distintos.

Conforme a análise dos livros, vimos que eles estão em consonância com os programas de

matemática vigentes na época de suas publicações e/ou com movimentos de renovação do

ensino da matemática como o MMM e o movimento da Educação Matemática.

Dessa forma, ao longo dos períodos investigados, os livros didáticos apresentaram

diferentes abordagens do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler. No período anterior e durante

o MMM os livros apresentaram este conteúdo próximo ao saber sábio, valendo-se

principalmente de noções paramatemáticas como, teorema e demonstração. Mas, no final da

122

década de setenta percebemos uma mudança brusca na apresentação do conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler, tendo em vista que o LD6 deixou de usar estas noções paramatemáticas.

Deste momento em diante, os livros didáticos publicados posteriormente ao MMM, deixaram

de usá-las também.

Além disso, ao longo dos períodos investigados, os livros utilizaram, ora mais, ora

menos, noções matemáticas na abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler que

justificam a apresentação do mesmo e que permite este conteúdo “viver” nos livros como um

saber a ensinar. No quadro 9, destacamos as noções matemáticas empregadas na

apresentação do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler.

NOÇÕES MATEMÁTICAS DO SABER

An

teri

or

ao M

MM

LD1(1949) vértices, arestas, faces, superfície poliédrica aberta/fechada e contorno.

LD2(1958) poliedros, poliedros convexos, vértices, arestas e faces.

Du

ran

te o

MM

M LD3(1968)

lados, arestas livres, arestas, faces, contorno, superfície poliédrica (fechada e aberta, convexa,

simples ou simplesmente conexa) e o lema de Descartes-Euler.

LD4(1971)

Cap 3. (poliedro convexo, semi-espaço, plano, planos paralelos, ângulo poliédrico, homotetia,

projeções, arestas, faces, vértices e polígonos). Cap. 4 (poliedros convexos, semirreta, esfera,

projeção, arcos de círculo, aresta, vértice, face, ângulo sólido, triângulos esféricos e área da

esfera).

LD5(1976) superfície poliédrica convexa, superfície poliédrica convexa aberta/fechada, contorno, arestas,

faces, vértices e conexão.

LD6(1980) faces, vértices, arestas, poliedro convexo.

Po

ster

ior

ao M

MM

LD7(1999) arestas, vértices, faces e poliedro convexo.

LD8(2005) vértices, faces, arestas e poliedro convexo.

Quadro 9: Síntese sobre as noções matemáticas do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

Fonte: organização nossa

Pelo quadro acima, verificamos que as noções matemáticas envolvidas na

apresentação do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler no período anterior e durante o MMM

estavam ligados, em comum, à noção matemática de superfície poliédrica. No entanto, as

noções matemáticas utilizadas na maioria dos livros didáticos pertencentes ao período do

MMM, diferem-se dos livros do período anterior ao MMM, por utilizarem a linguagem

matemática defendida pelo MMM na abordagem da geometria, que eram as transformações

geométricas e a topologia.

Em relação à programabilidade do saber Fórmula Poliedral de Euler, isto é, a

indicação da série/ano de estudo deste conteúdo e a sequência de apresentação dos exercícios

propostos nos livros didáticos, organizamos os dados da análise deste elemento no quadro 10.

123

PROGRAMABILIDADE

DO SABER

Anterior ao

MMM Durante o MMM

Posterior ao

MMM

LD1

(1949)

LD2

(1958)

LD3

(1968)

LD4

(1971)

LD5

(1976)

LD6

(1980)

LD7

(1999)

LD8

(2005)

Série/Ano de estudo 1ª 1ª 2ª 1ª 2ª 2ª 2ª 2ª

Ex

ercí

cio

s

pro

po

sto

s Final do capítulo X X X

Após o conteúdo X X X X

Não insere X

Quadro 10: Síntese sobre a programabilidade do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

Fonte: organização nossa

No quadro acima averiguamos que os livros publicados no período anterior ao MMM

que apresentam o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler eram destinados aos alunos do 1° ano

do ensino de nível médio. A partir do MMM os livros didáticos que apresentam este conteúdo

são destinados ao 2° ano do ensino de nível médio, com exceção do LD4 que continuou a

apresentá-lo no 1° ano do ensino de nível médio.

Em relação aos exercícios propostos relacionados ao conteúdo investigado, notamos

que até o início do MMM, os autores os colocavam somente no final da Unidade/Capítulo. Da

análise desses livros, constatamos que o LD1 apresentava poucos exercícios e todos exigiam

resolução algébrica, o LD2 tinha uma quantidade maior de exercícios em relação ao LD1,

sendo a maioria deles do tipo “calcule”, e o LD3 possuía poucos exercícios, os quais tinham

por gênero de tarefas os verbos “demonstrar” e “examinar”, enfatizando-se os processos

algébricos na resolução dos mesmos.

A partir do MMM os livros didáticos passaram a apresentar os exercícios propostos,

logo após a abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, cuja sequência de

apresentação dos exercícios perdurou até os dias mais atuais (posterior ao MMM). Mas, ainda

no final dos anos setenta os LD5 e LD6 continuaram a apresentar exercícios propostos com

gênero de tarefas “provar” e “calcular”, para os quais as técnicas que poderiam ser

empregadas eram praticamente as mesmas dos LD1, LD2, LD3, sendo nos exercícios de

“prova” enfatizados os processos algébricos e nos exercícios de “cálculo” os processos

numéricos. Após o MMM os livros destacaram os exercícios de gênero de tarefas “calcular” e

para os quais as técnicas de resolução eram semelhantes às aplicadas nos livros do período

anterior e durante o MMM. Porém, no LD8 procurou-se fazer a contextualização de alguns

dos exercícios.

Em relação à dialética antigo/novo do saber, verificamos se o conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler se articula com outros saberes presentes no capítulo dos livros em que foi

apresentado. No próximo quadro, sintetizamos os resultados da análise deste elemento.

124

DIALÉTICA

ANTIGO/NOVO DO

SABER

Anterior ao

MMM Durante o MMM Posterior ao MMM

LD1

(1949)

LD2

(1958)

LD3

(1968)

LD4

(1971)

LD5

(1976)

LD6

(1980)

LD7

(1999) LD8 (2005)

Sim Aplicado na demonstração de

teoremas/propriedades/consequências Exercício

Quadro 11: Síntese sobre a dialética antigo/novo do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

Fonte: organização nossa

Podemos constatar que o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler nos livros didáticos

publicados no período anterior e durante o MMM aplicaram a fórmula durante a

demonstração de outros teoremas, propriedades, consequências etc., sendo ele pré-requisito

para o estudo de propriedades relacionadas aos poliedros regulares e para a determinação da

soma da medida dos ângulos das faces de poliedros convexos.

O LD6 apresentou uma demonstração sobre a soma da medida dos ângulos das faces

de poliedros convexos, dada como exercício resolvido, na qual é aplicada a Fórmula Poliedral

de Euler. Assim, verificamos que este conteúdo, mesmo não tendo sido apresentado como

teorema, seguido de demonstração, os autores exibiram demonstrações de alguns outros

conteúdos, o que nos leva a perceber uma considerável mudança na apresentação de

conteúdos no final do período do MMM. A partir dessa época, os livros didáticos analisados

estabeleceram a articulação do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler com outros saberes

presentes no capítulo, por meio de exercícios resolvidos ou propostos.

No quadro 12 adiante, destacamos os dados da análise da publicidade do saber

Fórmula Poliedral de Euler que objetivou identificar se os autores dos livros justificaram o

estudo deste conteúdo ou se apresentaram como ele seria estudado a partir de Prefácio ou

ainda no capítulo em que tal conteúdo foi abordado.

PUBLICIDADE

DO SABER

Anterior ao

MMM Durate o MMM

Posterior ao

MMM

LD1

(1949)

LD2

(1958)

LD3

(1968)

LD4

(1971)

LD5

(1976)

LD6

(1980)

LD7

(1999)

LD8

(2005)

Capítulo X X X X X X X X

Prefácio X X X X X X

Quadro 12: Síntese sobre a publicidade do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

Fonte: organização nossa

Conforme o quadro 12, os livros didáticos publicados no período anterior ao MMM

não realizaram a publicidade do saber a partir de Prefácio. Mas, na unidade, capítulo ou bloco

em que o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler foi apresentado, os autores esclareceram ou

justificaram a sua abordagem por meio de nota de rodapé ou na textualização do conteúdo

quando restringiram o seu estudo aos poliedros convexos. Ressaltamos que, os livros

125

anteriores ao MMM traziam na contracapa da obra os programas de ensino da matemática, os

quais orientaram os autores dos livros didáticos, para elaborar os mesmos.

Os livros publicados durante o MMM informaram por meio de Prefácio a adequação

dos conteúdos às orientações de ensino da matemática promovidas pelo MMM e

apresentaram como o conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler seria estudado no capítulo dos

livros. No Prefácio do LD6, dentre os demais livros do período, transpareceram as próprias

concepções de ensino da matemática dos autores ao comentarem a abordagem dos conteúdos,

sendo algumas demonstrações, consideradas artificiosas pelos autores, suprimidas. Após o

MMM, os livros didáticos deste período também esclareceram como os conteúdos foram

abordados, buscando adequá-los às diretrizes nacionais do ensino médio ou aos PCN. Além

disso, todos os livros didáticos publicados durante e posterior ao período do MMM,

apresentaram como o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler seria abordado.

Quanto ao elemento despersonalização do saber, verificamos se os autores dos livros

didáticos desconsideraram na abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler os seus

pesquisadores, visto que os saberes matemáticos passam por esta operação para que sejam

submetidos à avaliação de outros pesquisadores. Entretanto, no contexto da Educação

Matemática, recomenda-se a valorização da história da Matemática para que assim possa

despertar em alunos o interesse pela disciplina. No quadro 13, apresentamos os dados da

análise da despersonalização do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros didáticos

publicados no período anterior, durante e posterior ao MMM.

DESPERSONALIZAÇÃO

DO SABER

Anterior ao MMM Durante o MMM Posterior ao MMM

LD1

(1949)

LD2

(1958)

LD3

(1968)

LD4

(1971)

LD5

(1976)

LD6

(1980)

LD7

(1999)

LD8

(2005)

Sim X X X X X X

Não X X

Quadro 13: Síntese sobre a despersonalização do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

Fonte: organização nossa

O quadro 13 mostra que os livros didáticos publicados no período anterior e durante o

MMM despersonalizaram o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler. Da análise desses livros,

vimos que a maioria deles apresentaram demonstrações dos matemáticos Cauchy e/ou

Legendre e todos citaram Euler. Porém, em nenhum momento forneceram informações sobre

estes matemáticos. Já após o MMM, os livros deste período realizaram a personalização do

saber, provavelmente, em virtude das discussões promovidas na área da Educação Matemática

que se efetivaram com a elaboração dos PCN, no final da década de noventa.

126

Para o elemento criações didáticas do saber, verificamos se na abordagem do

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler foram utilizadas representações figurais que se articulem

com conceitos presentes na apresentação do mesmo. No quadro 14, apresentamos os dados da

análise deste elemento nos livros didáticos.

CRIAÇÕES

DIDÁTICAS

Anterior ao MMM Durante o MMM Posterior ao MMM

LD1

(1949)

LD2

(1958)

LD3

(1968)

LD4

(1971)

LD5

(1976)

LD6

(1980)

LD7

(1999)

LD8

(2005)

Sim X X X X

Não X X X X

Quadro 14: Síntese sobre criações didáticas do saber Fórmula Poliedral de Euler nos livros

Fonte: organização nossa

Conforme o quadro acima, podemos constatar que os livros didáticos publicados no

período anterior ao MMM não utilizaram de criações didáticas, isto é, de representações

figurais que se articulassem com conceitos presentes na abordagem do conteúdo, Fórmula

Poliedral de Euler e assim pudessem auxiliar na compreensão do mesmo por alunos.

A partir do período do MMM, os livros didáticos passaram a apresentar criações

didáticas, com exceção do LD5. E, apesar do LD3 ter utilizado representações figurais, elas

não se articularam com conceitos adotados na apresentação do conteúdo, Fórmula Poliedral

de Euler. Por isso, no quadro 14 destacamos que o LD3 não apresentou criações didáticas.

Enfatizamos que, após o período do MMM, os livros didáticos, além de se utilizarem de

representações figurais de poliedros na abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler,

exploraram o uso de tabelas, as quais, podemos considerar ainda, como criações didáticas.

Levando em consideração o elemento criações didáticas, os livros publicados no

período anterior ao MMM abordavam o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler com ênfase nos

processos algébricos. Nesse sentido, as noções protomatemáticas que deveriam ser

mobilizadas no estudo deste conteúdo por alunos são a capacidade de imaginar a construção

de um poliedro qualquer durante as etapas da demonstração do teorema de Euler e a sua

memorização. O mesmo se pode dizer para os LD3 e LD5, publicados no período do MMM.

Já nos LD4 e LD6 as noções protomatemáticas estão relacionadas à capacidade de

interpretação de representações figurais, associando-o ao discurso do texto. O LD7 e os livros

publicados no período posterior ao MMM procuraram instigar alunos à interpretação de

representações figurais e/ou tabelas para facilitar a apresentação da Fórmula Poliedral de

Euler e confirmá-la como uma relação válida para poliedros convexos.

127

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA

Nas considerações sobre a pesquisa retomamos alguns pontos abordados nos capítulos

anteriores deste trabalho e apresentamos novas perspectivas de estudo. Ressaltamos que esta

pesquisa teve por objetivo analisar como é abordado o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler

em livros didáticos de matemática brasileiros, destinados ao ensino de nível médio,

publicados no período anterior, durante e posterior ao Movimento da Matemática Moderna

(MMM), e ela se constituiu numa pesquisa qualitativa que se baseou num estudo histórico,

bibliográfico, documental e interpretativo, na qual, foram analisados oito livros didáticos,

(dois livros publicados anteriormente ao MMM, a partir da década de 40, do século XX,

quatro livros publicados durante o MMM e dois livros publicados após o MMM).

Nos estudos sobre a história do saber Fórmula Poliedral de Euler, apresentamos três

distintas abordagens deste saber. Uma dada pelo próprio matemático Euler, outra pelo

matemático Legendre e outra ainda pelo matemático Cauchy, todas apresentadas entre o

século XVIII e início do século XIX. Notamos que Euler considerou a Fórmula Poliedral

como verdadeira para os “sólidos limitados por planos”, após tê-la checado para vários casos

gerais de sólidos (poliedros convexos). Porém, não definiu os “sólidos limitados por planos”.

Mesmo assim apresentou uma demonstração por indução em que se removiam vértices de

“sólidos limitados por planos”, isto é, retiravam-se pirâmides triangulares. Mas, este

procedimento de demonstração tinha um defeito, pois existem “sólidos limitados por planos”

em que tal procedimento nem sempre se verifica. Por outro lado, Legendre apresentou uma

demonstração correta para a Fórmula Poliedral de Euler, no caso dos poliedros convexos com

base em conceitos utilizados na geometria esférica – uma representante da geometria não

euclidiana. Enquanto que Cauchy apresentou uma generalização da Fórmula Poliedral de

Euler, fornecendo dois teoremas. No entanto, a demonstração de um dos teoremas estaria

incompleta, no qual se apoia Cauchy para deduzir a Fórmula Poliedral de Euler.

Em relação à história do livro didático de matemática e o ensino da matemática do

nível médio, notamos que estes acompanharam, de modo muito próximo, a evolução da

educação básica no Brasil por meio das reformas e/ou programas de ensino da matemática

expedidos no período anterior, durante e posterior ao MMM.

No primeiro período (até 1960) vimos a disciplinarização da matemática do ensino de

nível médio, sob a denominação de Matemática, quando da promulgação da reforma Gustavo

Capanema em 1942, em que os autores de livros didáticos passaram a publicar livros

destinados a este nível de ensino de acordo com os programas de matemática vigentes na

128

época. De acordo com o professor Gelson Iezzi, em entrevista concedida a Santos (2008), até

a década de 50 do século XX os professores eram poucos, concursados, bem remunerados,

formados em Universidade e praticavam um ensino com forte enfoque acadêmico e o ensino

básico também tinha essa marca: conteúdo sofisticado, conteúdo voltado para dentro da

matemática (sem preocupação com suas aplicações), rigor lógico formal (ênfase nas

nomenclaturas e teoremas) e quase todos os livros didáticos de matemática eram escritos por

professores universitários com nenhuma experiência de ensino básico.

No segundo período (1960-1980), assistimos a introdução das ideias do MMM no

Brasil por meio das discussões promovidas pelo Grupo de Estudo do Ensino da Matemática

(GEEM), liderado pelo professor Osvaldo Sangiorgi. Este Movimento buscou aproximar a

matemática ensinada na educação básica à matemática ensinada nos centros acadêmicos. Para

tanto, recomendava uma nova abordagem dos conteúdos por meio das estruturas algébricas e

pela teoria dos conjuntos, tornando o ensino da matemática mais rigoroso e formal. Para a

abordagem da geometria por meio das estruturas algébricas, as sugestões foram pelas

transformações geométricas e pelo tratamento vetorial. Mas, estas não integraram o currículo

na prática, devido ao despreparo de professores. A partir da década de 70, vimos que os livros

didáticos passaram a ser elaborados por vários especialistas e houve uma expansão na

produção de livros didáticos com a criação da Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático

(COLTED), através de um convênio firmado entre o governo brasileiro e o norte-americano.

No final da década de 70 o MMM passou a ser questionado e a partir da década de 80

pesquisas realizadas em cursos de pós-graduação começaram a discutir o fracasso da

matemática escolar, buscando explicações não somente psicológicas e/ou pedagógicas, mas

também ideológicas, políticas e culturais, visto que a Matemática Moderna, oriunda de países

centrais, impôs uma matemática que não condizia com a realidade dos países periféricos

como o Brasil, recrutando elites entre as camadas mais abastadas da população. No período de

transição do MMM para o pós-MMM foram propostas para a Educação Matemática a Ciência

Integrada, a Modelagem Matemática e a Etnomatemática, cujas tendências de pesquisa tinham

em comum a recomendação de se trabalhar com aspectos do cotidiano. Soma-se que, em

oposição ao regime militar, os educadores se articularam para requerer a mudança na

legislação educacional e, com a abertura democrática, as Secretarias de Educação se

mobilizaram para elaborar novos currículos de ensino da matemática. Dessa forma, na década

de 90 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996 e elaborado os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Este último, ao invés de indicarem conteúdos

mínimos a ensinar, estabeleceram habilidades e competências a serem desenvolvidas em

129

Matemática pelo aluno, em que as habilidades relacionadas ao tema, Geometria Espacial, por

exemplo, estão voltadas à interpretação e associação de objetos sólidos as suas representações

bidimensionais; a utilização de formas geométricas para visualizar ou representar partes do

mundo real; a utilização dos conhecimentos geométricos para leitura, compreensão e ação

sobre a realidade; a compreensão do significado de postulados e teoremas e reconhecer o

valor das demonstrações para reconhecer a matemática como ciência, como forma específica

para validar resultados. Na década de 90 também surgiram os Guias de Livros Didáticos e,

atualmente, as escolas públicas somente recebem livros didáticos que satisfaçam os critérios

considerados na avaliação de livros estabelecidos pelos Guias que têm como base os PCN.

Em função do objetivo geral da pesquisa as teorias que nos deram suporte para a

análise dos livros didáticos foram a Teoria da Transposição Didática (TTD) e a Teoria

Antropológica do Didático (TAD) de Chevallard. Vimos que a primeira trata sobre as

transformações pelos quais passam os saberes para se tornarem ensináveis aos alunos e, a

segunda, focaliza o estudo das organizações didáticas e matemáticas de um tema, isto é, o que

se ensina e como se ensina de determinado tema. Assim, a partir da TTD utilizamos as

criações didáticas do saber; as noções matemáticas, paramatemáticas e protomatemáticas do

saber; a desincretização do saber; a despersonalização do saber; a publicidade do saber; a

dialética antigo/novo do saber e a programabilidade do saber para análise do conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler. Da TAD empregamos as noções de tarefas, técnicas e discurso

tecnológico-teórico na análise da parte teórica relacionada à apresentação do conteúdo

Fórmula Poliedral de Euler e empregamos apenas as tarefas e técnicas na análise de

exercícios, resolvidos e propostos, relacionados a este conteúdo.

De modo geral, quanto à desincretização do saber em que verificamos qual capítulo o

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler foi proposto e se a sua distribuição em relação aos

demais saberes presentes nos livros estavam de acordo com os programas de ensino da

matemática vigentes na época, percebemos que a maioria dos livros, desenvolveram o

conteúdo num capítulo, unidade ou bloco específico denominado Poliedros, com exceção o

LD4. Notamos que os LD2, LD7 e LD8 apresentaram o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler

antes dos poliedros, prisma e pirâmide; os LD1, LD5 e LD6 apresentaram após estes

poliedros e, os LD3 e LD4 somente após a apresentação dos seguintes sólidos geométricos:

prisma, pirâmide, cilindro, cone e esfera. Assim, estes livros apresentaram conteúdos

sugeridos pelos programas e tendências de ensino da época, mas nem sempre seguindo a

mesma sequência de apresentação dos conteúdos recomendados.

130

Da análise da programabilidade do saber em que identificamos a indicação da

série/ano de ensino do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler e a sequência de apresentação dos

exercícios resolvidos e propostos a ele relacionados, verificamos que este sofreu modificações

a partir do período do MMM, sendo que antes o conteúdo era indicado ao 1º ano do ensino de

nível médio e, após esse período, passou a ser indicado ao 2° ano, com exceção do LD4. A

sequência de apresentação dos exercícios também teve mudanças ao longo dos períodos em

estudo, os LD1, LD2 e LD3 os colocaram no final do capítulo; o LD4 não apresentou

exercícios e os LD5, LD6, LD7 e LD8 os apresentaram após a apresentação do conteúdo.

Em relação às tarefas e técnicas identificadas em exercícios resolvidos e propostos,

notamos que, anterior e durante o MMM eles tinham por gênero de tarefas os verbos

“demonstrar” e/ou “calcular”. Mas, nesses dois períodos as técnicas de resolução das tarefas

de “demonstrar” em relação às técnicas das tarefas de “calcular” são praticamente as mesmas,

sendo apenas no primeiro caso enfatizados os processos algébricos. Já os livros didáticos do

período posterior ao MMM apresentaram exercícios que requerem por parte do aluno a

interpretação de tabelas e de representações figurais e o LD8 ainda contextualizou alguns dos

exercícios. No entanto, os dois livros didáticos selecionados deste período LD7 continuaram

apresentando exercícios de “calcular” em que as técnicas de resolução aplicadas praticamente

não se diferenciam daquelas verificadas nos livros publicados nos períodos anteriores.

De acordo com a publicidade do saber, isto é, a justificativa ou apresentação de como

é abordado o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler nos livros, verificamos que no período

anterior ao MMM ela foi apresentada quando da textualização deste conteúdo no capítulo. A

partir do MMM, além de comentar como o conteúdo Fórmula Poliedral é apresentado no

capítulo dos livros, os autores informaram por meio de Prefácios ou Apresentação da obra a

adequação desta, às orientações preconizadas em documentos oficiais ou tendências de ensino

da matemática vigentes na época.

Nos três períodos a abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler possui

características próprias nos livros pertencentes ao período anterior, durante e posterior ao

MMM. Nos dois primeiros períodos, a maioria dos livros realizava a tarefa apresentar o

conteúdo Fórmula Poliedral de Euler utilizando como técnicas o anúncio deste sob a forma de

teorema procedido de demonstração, isto é, valendo-se das noções paramatemáticas (objetos

da atividade matemática) de teorema e demonstração, em que esta última era adaptação de

demonstrações produzidas na esfera do saber sábio, o que aproximava o saber a ensinar do

saber sábio. Ao longo das demonstrações apresentadas nos livros, apenas os LD1, LD2 e LD5

não inseriram representações figurais (criações didáticas) que se articulassem com conceitos

131

utilizados na abordagem do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler e assim, pudessem facilitar a

compreensão por alunos. Nesse aspecto, as noções protomatemáticas (habilidades requeridas

no estudo do conteúdo por alunos) estavam voltadas à memorização e à imaginação da

construção de um poliedro qualquer durante as etapas da demonstração. Todavia, as

abordagens do conteúdo Fórmula Poliedral nos livros didáticos do período anterior e durante

o MMM possuem algumas diferenças quanto ao discurso tecnológico-teórico, que no período

do MMM, adquiriram uma nova “roupagem” ao constituir de noções matemáticas (objetos de

estudo em si mesmos) pertencentes à topologia ou estudadas em transformações geométricas

e/ou espaço vetorial.

Apenas o LD6, publicado no período do MMM, e os livros didáticos publicados após

o MMM passaram a realizar a tarefa apresentar o conteúdo Fórmula Poliedral de Euler e

utilizam como técnicas o anúncio deste como uma Relação, seguido de exemplos de poliedros

convexos que satisfaçam a Relação ou por meio de tabelas, deixando de apresentar noções

paramatemáticas como teorema e demonstração. Dessa forma, identificamos o uso de

representações figurais (criações didáticas) que permitem a articulação com conceitos

empregados na abordagem do conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler, que instigam o aluno a

desenvolver as noções protomatemáticas de interpretação dos elementos vértices, faces e

arestas de poliedros convexos. Estes livros estavam se encaminhando ou já estavam em

consonância com os PCN por propiciar aos alunos as habilidades de interpretação e

visualização de figuras tridimensionais no plano. Por estas abordagens do conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler, verificamos que o discurso tecnológico-teórico que as justificam são

simplesmente as noções matemáticas de vértices, faces, arestas e poliedros convexos.

Do elemento dialética antigo/novo do saber em que verificamos a articulação do

conteúdo, Fórmula Poliedral de Euler com demais saberes presentes no capítulo dos livros em

que ele foi abordado, constatamos que, anterior e durante o MMM, os livros estabeleceram

esta articulação quando desenvolveram a demonstração matemática de outros saberes

abordados no capítulo. Posterior ao MMM, os livros a realizaram, ao apresentar exercícios

resolvidos e/ou propostos, em que as resoluções requerem a aplicação da Fórmula Poliedral

de Euler.

A análise da despersonalização do saber, ou seja, a associação ou não das abordagens

do conteúdo Fórmula Poliedral de Euler aos matemáticos que são apontados como seus

criadores, mostrou que, anterior e durante o MMM a maioria dos livros didáticos

apresentavam adaptações da demonstração dada por Cauchy, um apresentou uma adaptação

da demonstração de Legendre (LD4) e outro não apresentou demonstração (LD6). Os livros

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didáticos dos dois períodos não citaram estes matemáticos e todos citaram Euler sem, no

entanto, fornecer informações sobre ele. Por isso, nestes livros, o saber Fórmula Poliedral de

Euler é despersonalizado. Posterior ao MMM, os livros personalizaram o saber ao associar o

matemático Euler à Fórmula Poliedral de Euler, por ele tê-la descoberto ou por sê-la

conhecida como Relação de Euler em homenagem a este matemático e não por apresentar o

conteúdo, distante do saber sábio, como presente nos livros. Essa mudança é consequente das

pesquisas em Educação Matemática que preconiza os aspectos históricos de conteúdos.

Por estes apontamentos, concluímos que, ao longo dos períodos históricos

investigados, os livros didáticos apresentaram distintas abordagens do conteúdo Fórmula

Poliedral de Euler, adequando-os aos documentos oficiais e/ou tendências de ensino da

matemática da época. Assim, o livro didático, como uma fonte de análise, nos permitiu refletir

sobre a matemática escolar de nível médio e sobre as questões que influenciaram a produção e

escrita de livros no Brasil. Por outro lado, mais aspectos precisam ser aprofundados tais

como: os cursinhos pré-vestibulares e a participação de professores destes cursinhos na

produção de livros didáticos; os critérios de seleção de livros didáticos, aprovados nos Guias

de Livros Didáticos, por professores de matemática; os tipos de praxeologias presente em

livros didáticos de matemática produzidos por vários autores e distribuídos em unidades

temáticas entre eles. Esperamos que a leitura deste trabalho gere outras reflexões sobre a

matemática escolar do ensino médio brasileiro.

133

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