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A fuga dos Balcãs 5 ANOS ATRÁS CASSIOPEIA VITT NÃO SABIA SE IAM MATÁ-LA AGORA OU MAIS TARDE. Mas eles iam matá-la, isso era certo. Ou ao menos tentariam. Isso significava que precisava fazer alguma coisa, mas as alternativas eram limitadas. Suas mãos estavam amarradas nas costas com nylon, seus pés acorrentados à parede de pedra que a cercava como um casulo escuro. Estava nas montanhas Rila, a mais de duzentos quilômetros ao sul da capital da Bulgária, Sofia, sozinha. Pior, ninguém sabia de sua localização e os vales profundos, picos agudos e morenas glaciais que a cercavam estavam entre os mais remotos dos Balcãs. Chegara no dia anterior, encontrando o acampamento na base de uma encosta com mata fechada. _____________________ Uma canção leve e melódica vinha de uma das tendas, e dois cabos pretos subiam pela montanha até um gerador. Ela estava prestes a seguir a trilha deles e entrar na A Tumba do Imperador ____________________________

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A fuga dos Balcãs

5 ANOS ATRÁS

CASSIOPEIA VITT NÃO SABIA SE IAM MATÁ-LA AGORA OU MAIS TARDE. Mas eles iam

matá-la, isso era certo.

Ou ao menos tentariam.

Isso significava que precisava fazer alguma coisa, mas as alternativas eram

limitadas. Suas mãos estavam amarradas nas costas com nylon, seus pés acorrentados à

parede de pedra que a cercava como um casulo escuro. Estava nas montanhas Rila, a mais

de duzentos quilômetros ao sul da capital da Bulgária, Sofia, sozinha. Pior, ninguém sabia

de sua localização e os vales profundos, picos agudos e morenas glaciais que a cercavam

estavam entre os mais remotos dos Balcãs.

Chegara no dia anterior, encontrando o acampamento na base de uma encosta com

mata fechada.

_____________________

Uma canção leve e melódica vinha de uma das tendas, e dois cabos pretos subiam

pela montanha até um gerador. Ela estava prestes a seguir a trilha deles e entrar na

A Tumba do Imperador ____________________________

caverna quando um homem apareceu na entrada. Ele era baixo, com ombros largos, pele

morena e tinha um bigode fino. Usava um macacão azul com manchas de suor embaixo

dos dois braços. A surpresa ficou estampada em seu rosto quando se deparou com a

visitante, mas rapidamente desapareceu.

Ele disse algo para ela em búlgaro. Línguas eslavas não eram seu forte, então ela

tentou inglês.

— Eu estava na vila, fiquei sabendo do acampamamento de vocês e resolvi vir dar

uma olhada.

Ele carregava uma picareta e uma pá, que deixou ao lado.

— Aqui não tem muita coisa, só arqueólogos procurando ossos.

O inglês era claro e fluente, apenas com um leve sotaque russo.

— Isso é incrível — disse ela, se lembrando da pessoa na cidade que lhe mostrara

o caminho dizendo que os homens dali se identificavam como apaixonados por pedras.

— É frio e sujo lá, e quase não tem ossos. — Ele se abaixou e descansou as pernas.

— É bem melhor aqui no ar livre. — Ele tirou um maço de cigarros do bolso e ofereceu a

ela, que recusou. Ele acendeu um com o insqueiro. O homem disse que seu nome era Petar

Varga.

— Há quanto tempo está aqui? — perguntou ela.

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— Tempo demais. Acho que é uma ideia ruim. Cavernas secas, não? — Ele estava

curtindo o cigarro.

— Alguma universidade está patrocinando a escavação?

Ele se levantou.

— Mais de uma. Mas é um projeto pequeno. Exploratório. Só vendo o que a terra

vai nos oferecer.

— Arqueologia sempre me fascinou — disse ela. — Acha que eu poderia ver o sítio

de escavação?

Ele coçou a cabeça e franziu a testa.

— Lá tem pouco espaço.

Ela abriu um sorriso.

— Não tenho medo de lugares escuros.

Ele jogou o cigarro no chão.

— Por que não? Venha, vou te mostrar.

_________________________

— Levante-se — ordenaram.

Vieram buscá-la.

Dois homens armados.

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Ela não estava acorrentada e tinha sido levada pelo mesmo túnel que Varga lhe

mostrara na véspera. No início estava estreito porém após quinze metros montanha adentro

o túnel abria quase dois metros de largura. Lâmpadas fracas de tempos em tempos

acabavam com a escuridão, revelando paredes chamuscadas, o solo uma mistura de areia e

cascalho. Ramificações dos túneis abriam para mais corredores escuros. O nível mudou

duas vezes e começou a subir constantemente. O ar era pesado e fétido, como um porão

inundado depois da tempestade.

À frente, a passagem acabava na mesma câmara retangular que vira no dia anterior,

com uns vinte metros de comprimento com teto baixo de rocha recortada, uma fraca luz

azulada vindo de lâmpadas de halogênio. No outro extremo, havia algo parecido com um

altar: uma prancha retangular de pedra escurecida apoiada sobre pilares redondos, a

estrutura elevada por uma plataforma rachada, fincada no solo.

Atrás do altar, havia afrescos desbotados.

Uma cena de caça em que um javali era atacado por um caçador à cavalo e um

homem nu carregando um machado duplo. Ela sabia que o machado duplo representava o

poder da realeza, enquanto o homem nu representava Zalmoxix, o deus trácio do sol. A

obra de arte denunciou Varga no dia anterior, quando incorretamente ele disse que se

tratavam de romanos. O erro dela foi não ter ido embora logo.

Outro homem a esperava perto do altar.

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Ele era alto, tinha ombros largos e quadril estreito. O pequeno nariz com uma leve

saliência se destacava no rosto arredondado, e tufos de cabelo preto saíam de suas orelhas.

Usava calça jeans e camisa de manga comprida.

— Sou Lev Sokolov — disse ele, em um inglês com forte sotaque russo —,

mandaram que a interrogasse.

— Quem mandou?

— Os russos. Eles mandam aqui.

— Até onde sei a Bulgária era um país independente.

Ele deu de ombros.

— Talvez. Mas os russos mandam aqui.

— E o que o lugar tem de tão especial?

— Por que você está aqui?

Ela não podia contar que Henrik Thorvaldsen tinha pedido que verificasse o local.

Seu amigo dinamarquês, fascinado por qualquer coisa que estivesse perdida e valesse vinte

vezes mais do que qualquer riqueza que ela sonhasse em ter, tinha encontrado por acaso a

possível localização de uma tumba trácia ainda não descoberta.

O que era raro.

Os trácios gostavam de guerra, um povo nômade que se acomodou na região central

dos Balcãs quase cino mil anos atrás. A primeira vez que eles são mencionados é na Ilíada

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como aliados dos troianos contra os gregos, e Heródoto cinicamente notou que eles vendem

os filhos e deixam suas esposas fazerem comércio com qualquer homem que queiram. Dois

milênios e meio depois, eles dominavam as montanhas do norte da Grécia e do que mais

tarde se tornaria o sul da Bulgária. Eles acabaram conquistados por Alexandre, o Grande,

depois re-conquistados pelos romanos, finalmente foram absorvidos pelos eslavos no

século VI. Eles não desenvolveram nenhuma escrita e não deixaram rastro de sua

existência, exceto tumbas recheadas de tesouros de ouro e prata. A maioria tinha sido

encontrada mais ao norte, na região central da Bulgária, local ficou conhecido como vale

dos Reis Trácios. Mas Thorvaldsen descobrira a localização de um sítio muito mais

obscuro, ao sul. Um lugar que fora vital para a antiga Trácia, onde as montanhas Rila, que

significa rio caudaloso, foram nomeadas por eles. A esperança dele era que o local ainda

estivesse virgem. Infelizmente, alguém chegou lá antes.

E não estavam atrás de tesouro.

— Estou de férias, nunca estive nessa parte da Bulgária — disse ela a Sokolov.

— Senhorita Vitt, você é uma pessoa importante. Dona de uma empresa

multibilionária que herdou de seu pai. Possui uma propriedade grandiosa no sul da França.

Mulheres como a senhorita, pessoas de muitos meios, não gostam de passar férias nessas

montanhas.

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Tinham confiscado seu passaporte ontem depois de prendê-la, e era óbvio que

alguém fizera uma boa pesquisa.

— Quais são seus planos? — perguntou ela. — Ficar comigo e pedir resgate?

— Eu só quero saber por que você está aqui?

Ela percebeu algo nos olhos de Sokolov, um pedido gentil que ela respondeu com

honestidade. Perguntou-se se os outros dois homens, que estavam parados do outro lado da

câmara, entendiam a conversa. Pelo comportamento deles, parecia que nem estavam

escutando.

— Esta é uma tumba trácia — disse ela, optando pela verdade.

— Já tinha me perguntado quem construíraiu isso — disse Sokolov. — Quantos

anos isso tem?

— Provavelmente entre os séculos III e V a.C.

— Encontramos este lugar acidentalmente. Uma demolição em outro túnel abriu

uma passagem para cá.

Estava vazio. Nenhum artefato.

— Já estava vazio?

Ele assentiu.

— A câmara estava exatamente assim quando a encontramos há cinco dias.

Pelo menos, o lugar existia. Thorvaldsen ficaria animado.

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É claro que para contar para ele, ela precisaria fugir.

Pelo menos, seu pressentimento estava certo. Pensou nisso a noite toda enquanto

estava acorrentada à parede. A Bulgária era rica em manganês, carvão, cobre, chumbo,

zinco e ouro. Talvez esses homens fossem geólogos. Mas se eram apenas uma equipe de

pesquisa, por que mantê-la presa? Por que as armas?

Só uma explicação fazia sentido.

Outro minério vinha dessas montanhas, um minério que a antiga União Soviética

explorava abertamente.

— O depósito de urânio que encotraram é muito grande? — perguntou ela.

Os olhos de Sokolov revelaram que suas supeitas estavam certas.

— O suficiente para que a senhorita não veja mais a luz do dia.

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A ameaça de Sokolov não parecia exatamente uma ameaça, era mais informativa,

como se para deixar claro que ela poderia estar metida em problemas, mas não

necessariamente com ele. Ele se aproximou de um dos homens armados e falou alguma

coisa em russo. Um deles pegou uma faca e cortou o fio de nylon que amarrava os braços

dela nas costas.

Ela esfregou os pulsos doloridos.

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— Obrigada. Estava me apertando.

— Esses homens não são burros — avisou ele. — Estão aqui para fazer um trabalho

e vão fazer. Preciso saber por que a senhorita está aqui.

Ela refletiu se Sokolov não estava apenas querendo deixá-la à vontade, vulnerável,

para ganhar sua confiança. Havia algo nele de que ela gostava, não exibia a arrogância que

os russos sempre exibiam. Mais reservado. Simpático. Disse a si mesma que precisava ter

cuidado para não falar mais do que deveria.

Para ganhar tempo, ficou estudando a câmara.

A nobreza e os reis trácios eram enterrados em templos subterrâneos chamados

heroons. Costumavam ter várias câmaras retangulares, ou apenas uma única câmera com

teto abobadado. Eram lugares usados para cerimônias religiosas em honra dos mortos,

como funerais. Até o começo do século XX, a cultura inteira era praticamente

desconhecida , e quando Thorvaldsen lhe ofereceu a chance, ela ficara animada com a ideia

de visitar um santuário esquecido.

Mas era óbvio que a tumba tinha sida foi saqueada.

Não havia o que procurar.

E estava na hora de ela ir embora.

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Eram três túneis para sair. Um ficava nos fundos. Os outros dois se aprofundavam

mais na montanha. Mentalmente, ela calculou a distância entre si e a saída mais próxima.

Uns quinze passos. Linha reta. Nada no caminho.

Admirou os afrescos de novo e se espantou pela óbvia falta de influência grega. Os

trácios gozavam de uma cultura rica e, se não fosse a desunião, poderiam ter se

desenvolvido e transformado em uma civilização duradoura. Infelizmente, quando foram

helenizados, as barbas, tatuagens, mantos, botas e chapéus que os distinguiam

desapareceram de suas vidas e arte. As imagens aqui eram de uma época antes da

influência, mostrando-os como eram originalmente, não tinham olhos azuis nem cabelos

ruivos como um observador incorretamente descreveu, mas com cabelos escuros e traços

mais característicos aos europeus.

— A senhorita vai me contar por que está aqui? — perguntou Sokolov de novo.

— Por favor, fale logo — disse uma nova voz. — Quero muito saber essa resposta.

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Petar Varga entrou na câmara.

Ele estava usando roupas mais elegantes, nada de macacão sujo. Ele se aproximou

de onde ela e Sokolov estavam, cada passo esmagando cascalho embaixo das solas de seus

sapatos, sua postura era de um homem que estava com tudo.

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— Vai se foder — disse ela.

O braço de Varga levantou e a parte de trás de sua mão atingiu o rosto dela em

cheio. O golpe a fez perder o equilíbrio, mas assim que se recuperou e estava prestes a

retribuir, Varga sacou uma pistola.

— Você só tem coragem armado — disse ela —, como seria em uma briga?

Ele riu.

— Não muito bem. Gosto da minha vantagem pelo fato de você não saber o que eu

faço.

Ela esfregou o rosto e o maxilar doloridos. Ele se arrependeria de ter feito isso. E

ela só precisava de uma oportunidade.

— Espero que a noite passada tenha mostrado que não gostamos de ser ignorados

— esclareceu Varga. — Por que você está aqui?

Ela decidiu jogar com ele, já que nada que dissesse importaria.

— Vim encontrá-lo.

Varga fez uma careta.

— Para quem?

Ela se virou e se aproximou do altar onde pedras do tamanho de punhos estavam

espalhadas. A câmara era grande para uma tumba trácia. Uma pesquisa que fizera alguns

dias revelara que, geralmente, as câmaras mortuárias retangulares consistiam de três

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cômodos separados, todos ricamente ornamentados com colunas, frisos e cariátides. Esta

aqui, porém, só tinha afrescos.

Isso era estranho.

Ela imaginou se havia outros dois outros cômodos ou túneis. Impossível saber ao

certo. Cabos de força entravam pela escuridão. Infelizmente, ela não tinha como chegar à

saída que a levaria para o ar livre, os dois guardas armados estavam parados, um de cada

lado.

Ela pegou uma das pedras e avaliou seu peso.

Bem pesada.

— O que vai fazer? — perguntou Varga. — Jogar essa pedra em mim?

Ela deu mais uma olhada em volta e se orientou.

— Isso seria uma burrice. Mas...

Ela arremeçou a pedra no poste de luz.

Atingiu o centro do painel, as lâmpadas entrando em um frenesi de faíscas azuis e

brancas. A câmara mergulhou na escuridão e ela se jogou para trás do altar. Usando a fraca

luz que vinha das lâmpadas que ficavam depois das três saídas, ela mudou de posição, os

quinze passos que a levariamaté a saída. Não fazia ideia de onde chegaria, mas qualquer

coisa era melhor do que aquele lugar.

Os homens estavam gritando uns com os outros em russo.

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Ela continuou seu caminho e rezou para não bater em nenhum de seus

sequestradores nem em uma rocha.

Encontrou e túnel e seguiu em frente.

Dois tiros soaram por trás.

Havia mais escuridão do que luz, as lâmpadas eram poucas e ficavam umas

afastadas das outras. Ela diminuiu o ritmo. Suas botas pisaram em cascalho solto, e ela

esticou um braço, tateando o ar à sua frente.

Chegou a um ponto em que o túnel virava à direita. Uma luz apareceu atrás dela

quando fez a curva. Lanternas vinham atrás dela. Continuou andando, um braço esticado na

frente, o outro tateando a parede do túnel.

Em um momento, estava andando em terra firme, no seguinte, estava caindo.

Sentiu o estômago na garganta.

Ficou sem chão por alguns segundos.

Então, bateu no solo firme e perdeu a consciência.

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Ela abriu os olhos, mas uma cascata de água fez com que os fechasse de novo. O

líquido gelado batia em seu rosto com a força de uma cachoeira. Ela se esforçou para ficar

de pé em cima de uma pedra, enxugando os olhos com a manga. A escuridão a envolvia,

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com exceção de um buraco no teto dez metros acima. Sua visão estava embaçada, mas

lentamente conseguiu ver Varga e Sokolov, cada um segurando uma lanterna, fitando-a

através da abertura.

— Achei que água pudesse ajudar — gritou Varga.

As pernas dela estavam doloridas e suas costas incomodavam, mas não pareciam

fraturas. Seu cabelo e suas roupas estavam ensopados e um arrepio começou a tomar conta

de sua pele.

— Que bom que você mesma encontrou o buraco — disse Varga —, me poupou o

trabalho de jogá-la aí. Não podem dizer que não sou um homem justo. — Ele jogou a

lanterna para baixo, e ela pegou. — Pelo menos, você não vai ficar no escuro. Enquanto a

pilha durar.

Então, Varga desapareceu, aparentemente indo embora.

Só o rosto de Sokolov continuava ali.

— Vá para a esquerda — sussurrou ele.

Depois, desapareceu também.

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A luz que vinha de cima sumiu e a escuridão a envolveu.

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Ela acendeu a lanterna e foi para a direita, propositalmente ignorando a instrução de

Sokolov.

As paredes estavam secas e o caminho à frente seguia em curva. Contornando a

curva, ela viu algo no chão, uma luz vermelha piscando como se fosse um holofote em

miniatura. Aproximou-se e sua lanterna lhe mostrou um timer digital preso a um feixe de

material rosado.

Os números estavam decrescendo.

Ela reconheceu na hora.

Uma bomba.

O timer marcava quinze segundos.

Quatorze. Treze. Doze.

Ela correu na direção oposta, saltando para frente no momento em que a bomba

explodiu.

O impacto fez a montanha estremecer e pedras rolarem em uma avalanche que

rapidamente bloqueou o túnel atrás dela. Quando o teto começou a cair, ela correu, a

abertura por onde vira Varga e Sokolov alguns momentos atrás tinha sumido.

Foi para o outro canto.

As paredes do túnel atrás dela estavam implodindo, pedra batendo em pedra, poeira

subindo formando uma densa nuvem, o ar logo era substituído por uma mortalha

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asfixiante. Olhou para frente e viu o final do túnel dez metros à frente. Pior ainda, outra luz

vermelha piscava na base de uma barricada de pedra. Ela correu e viu outro timer amarrado

ao explosivo, desta vez marcando trinta segundos.

Ir para a esquerda?

Era essa a ideia que Sokolov fazia de ajuda?

A primeira explosão tinha aniquilado o túnel atrás dela, bloqueando qualquer fuga

naquela direção, e havia uma bomba nos seus pés, a menos de vinte segundos de explodir.

Correu para trás até o canto e acendeu a lanterna. O primeiro túnel estava

desmoronando. Um estalo alto cruzou o ar quando uma bola do tamanho de um sedan

desceu, se desintegrando em pedras menores.

Cobriu os olhos, depois olhou através da nuvem de poeira.

A mente dela estava contando. Provavelmente menos de dez segundos. Iluminou à

esquerda, depois à direita e viu que o sorriso que se formava na parede que restava estava

se expandindo em um bocejo.

Tomou uma decisão e saltou.

Mais uma explosão estremeceu a montanha.

Atrás dela, o túnel inteiro desapareceu, mas a imagem de pedra batendo em pedra

foi mascarada por uma barreira de cascalho, fechando o buraco que existia momentos atrás.

Continuou escutando os ruídos surdos por mais um minuto, depois parou.

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Ficou deitada de barriga no chão e prendeu a respiração.

Reinava a mais absoluta escuridão.

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Ela expirou e tentou acender a lanterna.

Ainda funcionava.

Observou a sua prisão. A câmara não era alta o suficiente para que ficasse de pé,

talvez um metro e meio, o teto e o piso inclinados. Para seu desespero, estava presa dentro

uma caixa estreita e longa fechada nas duas extremidadas. Suas roupas molhadas estavam

cobertas de poeira, assim como seu rosto e cabelo.

Soprou para tirar a sujeira dos lábios.

Era possível respirar, mas a poeira pairava como se fosse uma nevasca.

Iluminou à sua volta e expulsou qualquer negativismo de sua mente. A poeira

suspensa refletia a luz como se fossem estrelas minúsculas. Ela procurou um lugar onde o

ar estivesse mais limpo e pudesse respirar.

E notou algo.

Esticou a mão e, lentamente, direcionou a luz.

Não, não era sua imaginação.

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As partículas estavam se movendo – lentamente, de forma quase imperceptível,

mas com certeza estavam indo para a direita.

Rastejou para frente.

O chão se inclinava na direção do teto. No final da câmara, o chão cedeu e, alguns

centímetros para dentro da escuridão, ela viu uma fenda, que devia ter um metro de

comprimento e um terço disso de altura. Pedras enchiam o espaço, mas não estava

apertado. Contorceu seu torso e olhou pela abertura. Tudo escuro, mas parecia um espaço

grande o suficiente para ela rastejar.

Sentiu o ar se movimentar e isso a estimulou.

Tentou tirar as pedras, que pareciam soltas, mas permaneciam firmes. Virou-se para

que as pernas ficassem esticadas para frente e bateu com as solas de sua bota nas pedras.

Três chutes e a pedra cedeu.

Limpou o caminho e viu que era possível percorrer o espaço. O que mais a

encorajou foi perceber que o ar estava mais fresco. Estava orgulhosa de si mesma por

manter-se calma. Lugares apertados nunca tinham sido um problema. Altura,

principalmente de aviões e helicópteros, a deixavam perturbada. Ela tinha uma regra. Se

não pudesse dar uma volta ao redor do veículo, não voava nele. Infelizmente, essa regra

vinha sendo constantamente violada nos últimos tempos. Os problemas não a

abandonavam. Um atrás do outro. Hoje parecia um exemplo perfeito.

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Engatinhou sobre os cotovelos e rastejou em um espaço ainda mais apertado. Sua

lanterna revelou outro caminho retangular, menos de um metro quadrado, que terminava

alguns metros à frente. No chão, do outro lado, ela viu uma outra abertura.

Continuou rastejando da mesma maneira, olhou para baixo e viu uma descida, que

parecia o túnel para jogar roupa suja que existia na casa onde morou em sua infância. O

túnel parecia subir de novo em determinado ponto, fazendo uma protuberância, e ela

percebeu que a poeira estava seguindo naquela direção.

Será que conseguiria passar?

Ficar presa não lhe parecia nada agradável.

Continuou rastejando até a protuberância. O espaço parecia ser suficiente, então ela

passou e apontou a lanterna para baixo, iluminando um chão de pedra, a uns dois metros de

distância, coberto de líquen.

Liberdade?

Passou pela protuberância e escorregou, com a cabeça na frente, as mãos

estendidas.

Seu corpo se livrou da rocha.

Ficou de pé no que parecia ser um túnel — espaçoso, comprido, estendendo-se nas

duas direções — e passou a mãos em suas roupas para tirar a poeira.

Respirou fundo algumas vezes.

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Uma luz surgiu à sua direita e ficou mais intensa. Viu Lev Sokolov.

Fechou a mão em um punho.

Mas logo abriu quando viu que o russo tinha uma arma na mão.

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— Não sou seu inimigo — disse Sokolov.

— Ir para a esquerda. Foi o que você me mandou fazer.

Ele assentiu.

— Tinha uma bomba à direita.

— E à esquerda também.

Ele ficou surpreso.

— Achei que só tivesse uma. Desculpe.

Ela queria dar um soco nele, mas tinha a questão da arma, então preferiu perguntar:

— O que você está fazendo aqui?

— Vim atrás de você. Estava torcendo para que tivesse conseguido chegar até aqui.

Estamos vinte metros abaixo da câmara onde conversamos mais cedo. Esta montanha é um

enorme labirinto.

— Onde estão seus comparsas?

Ele apontou para trás dela.

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— Varga e os outros dois? Eu me perdi deles. Mas você nunca vai conseguir passar

por eles. Eles estão para lá, atrás de mim. Não é um bom caminho para fora — ele entregou

a arma para ela —, não sou um deles. Sou cientista. Odeio os soviéticos. Odeio os russos.

Ao pegar a arma, verificou o pente e, satisfeita ao ver que estava carregado,

colocou o dedo no gatilho.

— Você é russo — disse ela, com a arma na mão.

— Odeio o país e tudo que ele é. Quero ir embora.

— Vá até uma embaixada.

Ela passou por ele.

Sokolov a segurou pelo braço.

— Não vou voltar para a Rússia.

Com a ajuda da fraca luz da lanterna, ela viu o desespero nos olhos dele. O russo

estava falando sério.

— Então, vá embora. A Guerra Fria já acabou.

— Para mim, não. Os russos vão me obrigar a ficar.

Não havia nada que ela pudesse fazer.

— Isso não é problema meu.

— Eu salvei a sua vida — disse ele, como se ela estivesse em dívida com ele.

Ela o fitou bem dentro dos olhos.

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— Como você me salvou?

— Posso te mostrar.

O que daria a ela tempo para pensar e tomar uma decisão sábia.

Além disso, ela estava com a arma.

— Ok. Me mostre.

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Ela fitou a cena espetacular.

Tinham saído do túnel e estavam parados na base de um cone invertido de uma

rocha alta. O funil subia uns cinquenta metros ou mais até uma abertura que revelava um

céu cheio de vento.

Uma chuva fina caía.

As laterais da escarpa estavam manchadas de preto: musgo e líquens. Uma piscina

irregular se formara no chão abaixo da abertura no alto, a água era avermelhada. Mil gotas

agitavam sua superfície.

Ela deu um passo à frente e colocou a mão na água.

Quente. Vermelha por causa do ferro.

Ela olhou de novo para cima.

— O que eu não daria por uma corda, alguns grampos e uma furadeira.

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Ela deu um passo atrás, ficando em um lugar em que a rocha não deixava a chuva

passar, e olhou no relógio. 8h20. Era ircrível que ele ainda funcionasse. Viu mais duas

nuvens de poeira passarem, levadas pelo ar que só conseguia escutar.

— Este abismo está aqui há milhões de anos — disse Sokolov —, foi formado junto

com a montanha.

— Qual é a sua história?

— Sou geólogo. Minha especialidade é pesquisa de petróleo, mas os russos não dão

a mínima. Eles precisam de um especialista em rochas.Você está certa. Eles querem urânio.

Vim apenas para confirmar a descoberta.

A situação definitivamente estava melhor do que alguns minutos atrás, mas ela

ainda estava presa. Deveria estar na França, em casa, trabalhando em seu castelo. Tijolo a

tijolo, ela estava recriando as paredes usando as mesmas ferramentas e materiais de

setecentos anos atrás. Arquitetura medieval era sua paixão. E, como Sokolov corretamente

havia comentado mais cedo, ela podia se dar a esse luxo. Ainda assim, aqui estava ela, no

sul da Bulgária, presa dentro de uma montanha com um homem que não sabia se devia

gostar ou odiar.

— Para lá — disse Sokolov, apontando.

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Ela ficou para trás, arma peparada; e o seguiu até o outro lado, onde o piso

declinava cinco metros. A lanterna revelou uma fachada esculpida na pedra, tijolos subindo

pelos dois lados e se encontrando no topo.

— Um portal — disse ela.

— Foi atrás disso que você veio.

Ela sabia que os trácios sempre emolduravam as entradas de suas tumbas de

maneiras elaboradas.

— Encontrei há dois dias — disse Sokolov. — Esta é uma tumba real. A outra é

uma espécie de antecâmara.

— Não contou aos outros sobre esse lugar?

Ele balançou a cabeça.

— Nem uma palavra.

— Por quê?

— Entre e verá.

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— Que tal nós dois entrarmos? — disse ela.

Ele desceu primeiro, usando as pedras como degraus. Ela seguiu, o dedo no gatilho,

pronta para uma reação instantânea. Seria este o plano dele? Atraí-la lá para baixo. Os

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outros estariam esperando lá dentro? Se fosse isso, por que ele lhe daria uma arma

carregada?

No fundo, ela examinou o portal mais de perto.

— Tem mais um nível — disse ele para ela —, embaixo de onde estamos. Talvez

tenha sido formado por lava de muito tempo atrás. Não é raro. Cria cavernas.

Enquanto ele falava, ela examinou o portal. Definitivamente, tinha sido feito por

homens. Pedras estavam empilhadas na frente. Vestígios de uma porta de mármore

detonada.

— Eu fiz isso — disse Sokolov. — Queria ver o que tinha dentro.

Ela examinou os pedaços e percebeu que a porta tinha sido um artefato precioso.

— Já esteve lá dentro?

— Duas vezes.

Ela acenou com a lanterna e ele desapareceu na escuridão. Ela seguiu e encontrou

uma parede de ar úmido e mofado. A pouca luz do dia que entrava permitia que ela visse

uma sala circular com uns vinte metros de diâmetro. Rapidamente apontou a lanterna para

o extremo oposto e encontrou paredes de calcário, ainda presas por tábuas de madeira

antigas. Ela apontou a luz para cima e viu a arquitetura trácia em forma de colmeia que

esperava, formando um domo. A câmara mortuária central continha a imagem de um

cavaleiro recebendo a coroa de uma deusa, o colorido castanho avermelhado dos afrescos

A Tumba do Imperador ____________________________

ainda eram vibrantes. Estátuas de pedra em alto relevo — mulheres vestidas — cercavam a

câmara mortuária. Partes das paredes tinham caído, pedras empilhadas no chão. Apontou a

luz para o chão e notou que estava coberto de escombros. Um brilho aqui e outro lá

alertavam-na que aquilo não era insignificante.

Objetos de ouro, prata, bronze e barro estavam espalhados no meio das pedras.

— Terremotos fazem estragos — disse ele —, mas esta tumba é excepcional.

Ele estava certo. Talvez o mais intacto santuário trácio já descoberto.

No centro, estava o leito de morte, feito de pedra, parecido com o altar na outra

câmara. Restos de um esqueleto estavam deitados sobre a pedra. Só restavam ossos,

arrumados anatomicamente, como se tivessem sido soltos da carne e dos músculos. O

crânio era grande e tinha um talho do lado direito.

— O ferimento na cabeça foi a causa da morte — sussurou ele.

Ela segurou a arma com mais força quando atravessaram o caminho que levava aos

restos mortais. Ela deu três passos atrás, aumentando a distância entre eles o suficiente para

que visse exatamente o que ele estava fazendo.

Pedaços de tecidos estavam espalhados entre os ossos, provavelmente, pensou ela,

as túnicas mortuárias já tinham se transformado em pó há muito tempo. Um colar de ouro

envolvia os ossos do pescoço. Broches e brincos de ouro estavam de um lado. Um

bracelete de ouro envolvia os pulsos. Ainda restavam alguns pedaços do cinto de couro

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entremeado em uma fivela de ouro. Uma adaga de ouro polida estava perto da mão direita.

Restos de sapatos adornados com ouro estavam do lado oposto ao crânio.

— Ele era importante — disse Sokolov.

Ela concordou. Apenas os líderes trácios possuíam tanta riqueza.

Ela examinava o resto da câmara mas, ao mesmo tempo, estava de olho no russo.

Sombras escuras mostravam que havia mais objetos. A lanterna cortava uma faixa na

escuridão. Do outro lado da câmera, à direita da entrada, havia uma carruagem de madeira

revestida de bronze. Incrivelmente, a madeira petrificada tinha resistido. Ela se aproximou

e notou que era ricamente ornamentada. Já havia lido sobre as carruagens, visto desenhos,

um pedaço aqui, outro ali. Mas nunca de uma carruagem inteira. Esta era uma importante

descoberta arqueológica. Ao lado da carruagem, havia objetos de madeira e couro que

pareciam ser arreios. Sabia que, em algum lugar por ali, encontraria os ossos dos cavalos,

que foram enviados para a outra vida junto com seu dono.

— Tenho uma esposa na China — disse Sokolov. — Nós nos conhecemos quando

estive lá no ano passado. Quero ficar com ela.

O tom de voz dele levava a crer que estava sendo sincero. Se estivesse mesmo, ela

invejava a convicção dele e se perguntou se já conhecera alguém em sua vida por quem

arriscaria tudo.

— Os russos não me deixam ir. Trabalho com petróleo e sei muitos segredos.

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— Então, por que está aqui? — perguntou ela. — Isso não envolve petróleo.

— Essa é a mesma pergunta que fiz a você, e que não me respondeu.

— Vim atrás da tumba. Só isso.

Ela percebeu que ele acreditou.

— Existem poucos geólogos russos. Um colega meu viria, mas ficou doente. Eles

me falaram que só vou ficar alguns dias na Bulgária, e que o camarada Varga vai me vigiar.

Ele é da segurança russa. Meu guardião. Não é uma pessoa fácil.

Ela ainda queria ter uma única oportunidade com ele.

— Eu decidi ir embora — disse Sokolov. — Quando você apareceu, eu vi que esta

era a hora.

Mas ela teve de dizer:

— Nós dois estamos presos — ela apontou à sua volta com a arma. — É claro,

temos um tesouro fabuloso.

Ao lado da carruagem, havia rítons, ânforas e frascos lindamente talhados, todos

banhados em ouro e gravados com cenas mitológicas.

Ela balançou a cabeça.

A descoberta era inestimável.

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Thorvaldsen lhe dissera que se encontrassem alguma coisa, financiaria uma

escavação no local. Isso era uma coisa que admirava em seu amigo, uma característica que

tinham em comum. Para ambos, história era muito mais importante do que riqueza.

— Se eu conseguir chegar à Grécia, de lá vou para a China — disse Sokolov.

Ela sabia que a fronteira ficava a menos de cinquenta quilômetros ao sul.

— Varga não quer que eu vá.

Ela olhou ao lado da carruagem para uma laje de pedra, onde havia mais braceletes

e enfeites de ouro. Apoiado sobre sua base, estava uma armadura de bronze com mais

deusas. Uma espada com detalhes em ouro. Embora os trácios tivessem sido guerreiros

ferozes e excelentes criadores de cavalos, eles também se destacavam como ourives.

E esta tumba era uma prova clara disso.

Ela se aproximou do leito de morte.

— Quero ficar com a minha esposa — disse ele. — Varga já percebeu que sumi. E

está me procurando.

Um detalhe que ele omitira antes.

— Confio em você — disse ele. — Você está com a minha arma.

— Camarada Sokolov — chamou uma voz do lado de fora.

Varga.

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— Acha que sou tão estúpido? — a voz sem corpo perguntou.

Ela fitou Sokolov.

— Ontem eu soube que você queria ajudá-la — disse Varga. — Seus olhos,

camarada. Eles te traem. Fui avisado para vigiá-lo de perto.

Ela olhou para a tumba. Apenas uma saída.

Será que Sokolov tinha recebido ordens para levá-la até ali?

— Você é um homem importante — disse Varga. — Mas eu não me importo. Nem

seus superiores. Eles me disseram para lidar com os problemas que você poderia criar da

forma que eu quisesse.

Algo caiu no chão, do lado de fora do portal.

Ela olhou imediatamente.

Outra bomba com timer.

40 segundos.

39.

38.

Sua pergunta sobre a lealdade de Sokolov tinha acabado de ser respondida.

O russo ignorou a bomba e correu para uma pilha de pedras.

— Ajude-me — disse ele, ao começar a tirar as pedras.

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Ela o ajudou na mesma hora.

Enquanto trabalhavam, ela viu uma abertura em forma de arco aparecer no corredor

circular. Apertado, mas o suficiente para engatinhar. Agora, ela entendia por que ele a

trouxera para cá.

Olhou para trás.

23 segundos.

22.

— Vá — disse ele. — Rápido.

Engatinhando, ainda segurando a arma e a lanterna, ela entrou no túnel, Sokolov

logo atrás.

— Encontrei esse túnel quando estava lá dentro — disse Sokolov enquanto eles

continuavam engatinhando —, apareceu quando explodi a porta. Eu escondi. É a nossa

saída.

A mente dela ainda estava contando.

Menos de 10 segundos.

A luz de sua lanterna mostrava que faltavam cinco metros à sua frente, então

acelerou o ritmo, saindo e deixando o caminho livre para Sokolov, que pulou para fora no

mesmo momento em que a bomba explodiu, levantando poeira e pedras.

Ela se jogou no chão, braços cobrindo a cabeça, olhos fechados.

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A rajada de vento acalmou.

Os escombros assentaram.

Ela levantou a cabeça, Sokolov também.

— Onde estamos? — disse ela.

Ele se levantou.

— Um bom lugar. — O tom de voz dele mudou. Mais exuberante. — Venha.

Ela o seguiu por um túnel, correndo. Duas curvas e cinquenta metros depois, eles

saíram para a garoa.

— Aqui é o outro lado da montanha — disse ele. — Bem longe do acampamento.

Ela estava feliz por estar ali fora.

— Agora os russos acham que estou morto. Posso ir embora e ninguém vai se

importar.

— Achei que você fosse importante para eles.

— Isso é uma coisa sobre os russos. Nada é realmente importante. Essa crença

ainda vai acabar com eles um dia.

— Você é sempre tão depressivo?

Ele balançou a cabeça.

— Agora não sou mais. Estou livre. Soube que você era uma mulher capaz no

momento em que a vi. Fico feliz que não tenha atirado em mim lá dentro.

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— Como sabe que pensei em atirar?

— Não é difícil perceber. Mas você é uma boa pessoa. Não puxa o gatilho, a não

ser que seja realmente necessário.

— Como pode saber disso?

Ele apontou para o rosto dela.

— Está escrito no seu rosto. Assumi um risco com você. Melhor do que confiar nos

russos.

Ela sorriu.

— Vou levar isso como um elogio.

Ele fez uma leve reverência.

— Com todo respeito.

Este homem tinha salvado sua vida. Devia isso a ele.

— Obrigada — disse ela —, por tudo.

Ele apontou para a direção que ela acreditava ser o oeste.

— A aldeia não fica longe daqui. Você consegue ir a pé e, de lá, segue para Sofia.

Vou por aqui — ele apontou para o sul —, minha esposa me espera.

— Você deve amá-la muito mesmo.

— Amo sim. Ela está esperando um bebê. Meu filho. Espero que seja um menino.

Ele estendeu a mão, e ela o cumprimentou.

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— Uma pena — disse ele —, a tumba deve estar destruída.

Ela deu de ombros.

— Não necessariamente. Está ali há tanto tempo. Vamos voltar e escavar.

Ele assentiu.

— Adeus. Cuide-se.

Ela observou enquanto ele se encaminhava para o bosque. Não podia deixá-lo ir

embora.

— Camarada Sokolov.

Ele parou e se virou.

— Posso tirá-lo do país — disse ela. — Vai precisar de dinheiro. Posso facilitar as

coisas.

Ele balançou a cabeça.

— Fugir daqueles homens dentro da montanha. Era para isso que eu precisava da

sua ajuda. Estou bem. Nós dois conseguimos o que queríamos.

Isso era verdade.

— Cuide-se você também — disse ela.

Ele sorriu.

— Quem sabe? Talvez um dia você retribua o favor.

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Talvez sim, pensou ela.

NOTA DO AUTOR

A Bulgária sempre me interessou. É um país fascinante, às margens do Mar Negro,

nos Balcãs. Visitei o país em 2007, e decidi que algum dia, apareceria em alguma história.

Embora sua estreia tenha acontecido em um pequeno conto, o local certamente voltará em

um livro futuro.

Os trácios são intrigantes. A cultura existiu, como descrito na história. Ela

ascendeu, prosperou, depois foi absorvida pelos conquistadores. Infelizmente, os trácios

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não desenvolveram nenhuma linguagem escrita e deixaram apenas suas tumbas como

lembranças de sua existência. Centenas dessas tumbas foram localizadas, muitas contendo

uma grande variedade de objetos de ouro e prata. O vale dos Reis Trácios, na região central

da Bulgária, é real e digna de uma visita. Esta tumba, ao sul das montanhas Rila, foi

invenção minha. Mas foi descrita com precisão, assim como a geografia local.

Esta história é um prólogo.

Quando Lev Sokolov vai embora após Cassiopeia Vitt lhe agradecer por salvar sua

vida, o comentário final dele é profético.

Cinco anos depois, eles vão se encontrar de novo.

Essa história é contada em A tumba do imperador.

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