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Universidade Federal da Bahia
LOUREIRO, I. Luzes e sombras. Freud e o advento da psicanálise. – Cap. 23
Resumo: Luzes e sombras. Freud e o advento da psicanálise
Falar da psicanálise requer indispensavelmente mencionar a biografia de seu criador Sigmund Freud (1856-1939), que denomina material de elaboração psíquica e reflexão teórica suas próprias experiências pessoais. Para compreender os fenômenos psíquicos que povoam a clínica e a vida quotidiana Freud utiliza a metapsicologia, abordada simultaneamente sob três pontos de vista: a dimensão tópica (lugar); a dinâmica (forças em conflito); e a econômica (quantidade de energia psíquica em circulação no aparelho).
Freud costumava observar tais fenômenos em seus pacientes, amigos, familiares e também em si mesmo, para chegar a seus conceitos. Como exemplo temos sua correspondência com Wilhelm Fliess (1858-1928), em que relatava sua dedicação à observação de seus sonhos, lembranças infantis, variações de humor, entre outros. Por este motivo, a formação da psicanálise está estreitamente ligada à biografia de seu criador.
Freud, em sua formação intelectual e profissional, obteve fatores que influenciaram sua crença e seus conceitos de forma decisiva, tais como: o fato de ser judeu, que lhe conferia algumas disposições psíquicas (como a tendência à crítica e à independência intelectual); o início aos estudos de humanidades no período de Liceu (história e mitologia); sua paixão por literatura, que mais tarde lhe renderá um estilo especial de escrita e argumentação; a influência, de seus mestres, da ciência experimental e positivista quando ingressa na Faculdade de Medicina, permitindo-lhe acreditar no método científico e na verdade absoluta somente por meio dele; a experiência em Paris, estudando com Jean Martin Charcot (1825-1893), expoente maior da psiquiatra dinâmica francesa, que lhe despertou o interesse para a “medicina da alma”, que utilizando inicialmente a hipnose e mais tarde criando seus próprios métodos para os tratamentos.
Com todos os conhecimentos e experiências adquiridas, no final do séc. XIX Freud constituiu os alicerces fundamentais da psicanálise: inconsciente, sexualidade infantil, repressão, relação entre sintomas neuróticos, fenômenos da vida psíquica “normal” e diretrizes básicas do tratamento psicanalítico. Nessa mesma época, juntamente com Joseph Breuer, Freud aplicava o “método catártico” nas pessoas, que consistia na hipnose, em que o individuo lembrava-se de algum episódio que lhe foi traumático, o que o levava a ab-reação, que seria o fato de externalizar e descarregar afetos não manifestados por ocasião do trauma. Porém, mais tarde Freud conclui que
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o método catártico não é tão eficiente quanto o esperado, uma vez que a descarga emocional não garantia a extinção definitiva dos sintomas.
Como a hipnose somente encobria a existência de uma força/barreira que impede o acesso aos conteúdos reprimidos, Freud precisou recorrer a um método que permitisse a dissolução gradual das resistências, para que o conteúdo uma vez reprimido volte ao consciente sem provocar o mesmo desprazer que motivou sua repressão. Ele passa então a empregar o método da associação livre, considerado a regra fundamental do tratamento psicanalítico, que consiste em permitir que o indivíduo, deitado de costas para o psicanalista, fale sobre tudo que vier a mente, para que posteriormente uma conexão possa ser traçada com os pensamentos soltos.
Freud observa que há o consciente/pré-consciente e o inconsciente, entre eles existe uma barreira (censura) que exerce uma força de repressão no sentido de expulsar certas representações do sistema pré-consciente para o inconsciente. Este conflito resulta nas formações do inconsciente, que tem como sintomas os sonhos, lapsos e chistes. Para desfazer a deformação a que foram submetidas os conteúdos reprimidos é necessária uma interpretação, que só pode ser formulada tão somente através dos sintomas já citados anteriormente.
Entretanto, Freud não para por aqui, através de suas análises chegara à conclusão de que o material reprimido tende a ser de caráter sexual e infantil. Mas não uma sexualidade restrita a genitalidade e à procriação, e sim uma sexualidade talvez um tanto infantil também, que remete desde a genitalidade para o corpo em geral, do adulto para a criança, até o registro da necessidade para o registro do prazer. Contudo, para compreender a sexualidade humana, Freud atribui os conceitos de impulso e pulsão, que se desdobram em: fonte (corpo); pressão (força); alvo (ação para suprimir a excitação) e objeto (onde a pulsão atinge seu alvo). De acordo a teoria das fases, de Freud, a libido (desejo) acompanha o ser desde sua infância, tomando como referência o complexo de Édipo, até as demais etapas de vida do ser humano.
A partir da tentativa de organização de suas teorias e da criação de suas obras, Freud se ver diante de novas reformulações, como o estudo do narcisismo que interroga a distinção entre pulsões de autoconservação e pulsões sexuais. Depara-se também com uma nova teoria, a segunda tópica, constituída por ID (isso), EGO (eu) e SUPEREGO (“supereu”); Dedica-se, mesmo com resistência, ao campo da clínica psicanalítica em que destaca a importância fundamental do vínculo paciente-psicanalista para a eficiência do tratamento, porém, sem se iludir sobre os alcances e limites deste processo. Além de preocupar-se em conciliar a vida psíquica individual com a vida social, tendo em vista os limites impostos por ela e as divergências sugeridas pela diversidade de culturas.
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Podemos observar que Freud reformulava seus conceitos continuamente na medida em que suas análises evoluíam, contudo, referindo-se ao inconsciente, a conclusão a que chegara é que nada sabemos sobre suas representações e afetos, por mais que soframos seus efeitos. Uma frase interessantíssima de Freud resume esta concepção: “ela (a psicanálise) fere a autoestima humana ao mostrar que o “eu” não é senhor nem mesmo em sua própria casa”.
Entretanto notam-se os diversos interesses de Freud e sua preocupação em compreender aspectos diferentes, isso se dá justamente por ele ter uma formação intelectual de caráter híbrido, daí a dificuldade de categorizar ou reduzir seus pensamentos ao ponto de se encaixar em uma única tradição. Devido esse caráter hibrido em suas formulações e estudos atribuídos, Freud é considerado um legítimo representante do “Iluminismo sombrio”. Portanto, luzes e sombras nas raízes e, também, na própria natureza do saber psicanalítico.