traÇo de uniÃo como vitrine - livros grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · traço...

249
TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE: EDUCAÇÃO FEMININA, IDEÁRIO CATÓLICO E PRÁTICAS ESCOLANOVISTAS NO PERIÓDICO DO COLÉGIO JACOBINA ANDREA CARUSO Orientadora: Profª Drª Ana Chrystina Venancio Mignot Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. Rio de Janeiro

Upload: others

Post on 04-Jul-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE:

EDUCAÇÃO FEMININA, IDEÁRIO CATÓLICO E PRÁTICAS ESCOLANOVISTAS

NO PERIÓDICO DO COLÉGIO JACOBINA

ANDREA CARUSO

Orientadora: Profª Drª Ana Chrystina Venancio Mignot

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Rio de Janeiro

Page 2: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE:

EDUCAÇÃO FEMININA, IDEÁRIO CATÓLICO E PRÁTICAS ESCOLANOVISTAS

NO PERIÓDICO DO COLÉGIO JACOBINA

ANDREA CARUSO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Ana Chrystina Venancio Mignot Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Profª Drª Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Profª Drª Libânia Nacif Xavier Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro 2006

Page 4: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

CARUSO, Andrea Soares

Traço de União como vitrine: educação feminina, ideário católico e práticas escolanovistas no periódico do Colégio Jacobina 231 fls. Dissertação (Mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Educação. Rio de Janeiro, 2006. Orientadora: Ana Chrystina Venancio Mignot 1. História da Educação. 2. Periódico escolar. 3. Educação feminina católica. 4. Escola Nova.

Page 5: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Dedicatória

À minha família: aos que aqui ainda se fazem presentes,

aos que daqui já partiram. A todos que foram autores na história dessa instituição de amor,

dedico essa suada conquista da minha trajetória.

Page 6: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

AGRADECIMENTOS

Imaginar a concretização de mais essa etapa da minha vida sem a existência da

minha família, não seria possível. Por isso, começo a agradecer em especial à Elizabeth

Soares Caruso, mãe e melhor amiga, que sempre sacrificou sua vida em detrimento da

minha; a João Caruso Filho, meu pai, por ter igualmente batalhado para que eu tivesse

sempre o melhor em minha trajetória, trazendo em seu exemplo de vida a lição de que

todo o esforço desprendido e o sucesso alcançado só valem à pena quando não

precisamos passar por cima de ninguém; a Marco Antonio Ortiz Vergara, companheiro

nas alegrias, tristezas e inseguranças desse processo, marido que, mesmo depois de

todas essas páginas escritas, ainda permanece casado comigo; e, a Marcelo Soares

Caruso, que mesmo me apelidando de irmã chata, fez-se presente nesse trabalho

ajudando, assim como meu marido, com as “complicações informáticas”.

À minha orientadora, a professora Ana Chrystina Venancio Mignot, que mesmo

à frente da equipe da revista Teias, da qual fiz parte, enxergou-me com olhos de

educadora, falando-me em um dia comum de trabalho: agora chegou a hora de você

cuidar da sua vida acadêmica. Foi a partir daí que, ao me debruçar sobre autobiografias

de mulheres professoras, pesquisa realizada por seu grupo de pesquisa do ProPEd, em

2001, apaixonei-me perdidamente por estudos de gênero. Por esse motivo, acima de

todos os outros, não poderia deixar de agradecer a quem me encontrou, antes mesmo de

eu tê-lo feito.

Não poderia esquecer-me de agradecer a todas as participantes da Costura e

Lactário Pró-Infância (CELPI), em especial à Maria Thereza Napoleão, conselheira

consultiva, que sempre me auxiliou e me acompanhou no trabalho com o arquivo da

instituição ao longo desse percurso; à Gilda Moreira Rodrigues, atual presidente da

entidade filantrópica, que me autorizou a explorar o acervo do Traço de União; à

Priscila Laginestra Tumiati, tesoureira, pelo fato de prestativamente me convidar a

aparecer na instituição, mesmo sem saber que os exemplares do periódico do Colégio

Jacobina, que há tempos eu já vinha buscando, encontravam-se naquele espaço

arquivados.

À Silvete Jacobina e à Maria Lina Jacobina, que mesmo não me conhecendo

previamente, dispuseram-se, após uma única conversa ao telefone, a estarem comigo na

difícil busca pela documentação utilizada nessa pesquisa. Sem elas, certamente não

Page 7: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

conseguiria dar prosseguimento à investigação desejada, o que me faz eternamente

grata.

À Marietta Luiza Lacombe (in memoriam) – uma das últimas responsáveis pelo

Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as

informações que ainda lembrava de seu tempo de atuação.

À Eunice Samy e à Rosenilda da Costa Magalhães, por terem me recebido na

sede da Organização Mundial para Educação Pré-escolar, sediada atualmente no

Colégio Bennett, disponibilizando seu tempo para procurar fontes que ajudariam a

traçar a trajetória de Laura Jacobina Lacombe; e à Dona Arlete Pinto de Oliveira e

Silva, que mesmo afastada da Associação Brasileira de Educação (ABE), dispôs-se a

procurar documentos que contribuiriam para essa pesquisa.

À Luana de Sousa Siqueira, minha grande amiga, que esteve ao meu lado nos

momentos de conquistas e também naqueles em que nada mais parecia fazer sentido. É

justamente por sempre me incentivar e oferecer palavras afetuosas, que deixo registrado

meu agradecimento impresso nessa página.

À Ana Amélia Borges de Magalhães Lopes, Gláucia Diniz Marques, Jussara

Pimenta dos Santos, Patrícia Coelho da Costa, Suzana Brunet Camacho, Inês Rocha,

Silmara de Fátima Cardoso, Rosa Maria Souza Braga, Larissa Frossard, Ameris Ribeiro,

Roberta Lopes, meu grupo de pesquisa, onde encontrei não só apoio intelectual, mas

também amigas para toda vida. A essas mulheres que fazem desse espaço uma

possibilidade de troca teórica e humana, agradeço pelo apreço que tiveram por mim e

por meu estudo.

À professora Ana Maria Magaldi, que, com profissionalismo e delicadeza, a

partir da leitura do meu projeto, contribuiu com pertinentes sugestões para o avanço

dessa investigação.

Para terminar, gostaria de fazer dois agradecimentos muito especiais: a Deus e

aos espíritos de luz que por Ele foram enviados para guiar as conquistas da minha vida,

entre as quais essa dissertação; e, à minha avó, essa mulher forte e determinada que

sempre ajudou e aplaudiu de pé as realizações de meus projetos de vida. Devido à dor e

à saudade deixadas por sua ausência, desde maio do ano passado, os agradecimentos

dessa dissertação quase não saíram nesse momento, mas isso seria algo que ela não

aprovaria. Por isso, deixo não só o meu agradecimento à Maria Freire Penna, como

também uma feliz homenagem aqui registrada, alicerçada sob a crença de que um dia

Page 8: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

voltaremos a nos encontrar. Obrigada por ter estado presente, até o momento que lhe foi

possível, para ajudar a escrever parte dessa história.

Page 9: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

RESUMO

Examinar como o Traço de União, periódico do Colégio Jacobina – que circulou entre

1908 e 1981 –, constituiu-se um espaço privilegiado para disseminação de um modelo

de educação feminina, do ideário católico e de práticas pedagógicas inovadoras é o

objetivo dessa dissertação. Trata-se de uma pesquisa que se inscreve nas preocupações

fundamentadas em estudos sobre Escola Nova, educação católica e imprensa periódica

escolar. Estruturada em três capítulos, aborda, inicialmente, as fases do periódico a

partir do mapeamento da sua periodicidade; traça a biografia das responsáveis pelo

mesmo, visando a compreender crenças e valores que perpassam o impresso; e, por fim,

analisa temas que, pautados nas representações que emergiram, desde o início do século

XX, relativas ao papel da mulher na construção da nação, foram tratados por ex-alunas,

oradores das cerimônias de formatura e colaboradoras da seção destinada ao Curso de

Educadoras da Infância. Pretende-se com essa investigação contribuir para ampliar a

compreensão sobre os periódicos editados por escolas católicas femininas numa

perspectiva histórica.

Page 10: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

ABSTRACT

The objective of this work is to examine how Jacobina School’s Traço de União –

journal that circulated from 1908 until 1981 – became a privileged space for spreading a

model of women’s education, the catholic ideology and innovative pedagogical

practices. This research involves issues arisen from studies on “Escola Nova”

educational concept, catholic education and school press. It is structured in three

chapters and, initially, it approaches the journal stages by mapping its regularity; it also

traces a biography of the people responsible for publishing the journal, in order to

understand beliefs and values that permeates the published subjects; and, finally, it

analyzes contents that, oriented by representations that have emerged since the

beginning of the twentieth century, related to the role of women in the building of the

nation, have been treated by former students, speakers of graduation ceremonies and co-

workers of the section made for the Course of Children Educators. The intention of this

inquiry is also to contribute for the understanding on journals published by catholic

schools for women, through a historical perspective.

Page 11: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO QUEM EMBALA O BERÇO, EMBALA O MUNDO?...........................

1

CAPÍTULO 1 FOLHEANDO O PERIÓDICO DAS ALUNAS DO COLÉGIO JACOBINA...............................................................................................

20

1.1. O manuscrito: nasce um jornal escrito por alunas......................................

22

1.2. Marcas impressas de uma instituição católica e renovadora......................

34

1.2.1. Família e escola em um projeto científico-pedagógico..............................

48

1.2.2. Propagandas, ciência e consumo modernos...............................................

53

1.3. A escrita jovem e o pacto com o catolicismo nas décadas de 30 e 40.......

61

1.4. A crise dos ideais da revista em meio ao novo cenário nacional da década de 50...............................................................................................

75

1.5. O ponto final da história: a despedida do Traço de União.........................

100

CAPÍTULO 2

AS RESPONSÁVEIS PELO TRAÇO DE UNIÃO.................................

106

2. As biografias das responsáveis pelo periódico...........................................

108

2.1. Isabel Jacobina Lacombe: a fundadora do Colégio Jacobina....................

112

2.2.

Laura Jacobina Lacombe: uma educadora a serviço da fé......................... 123

2.2.1. Viagens pedagógicas e legitimação no cenário educacional......................

125

2.2.2. Publicações da educadora católica.............................................................

135

2.2.3. Militância católica e formação de educadoras............................................

145

2.3. Marietta Luiza Lacombe: a discreta editora do periódico..........................

154

Page 12: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

CAPÍTULO 3 DISCURSOS PUBLICADOS SOBRE A MISSÃO DA MULHER NA SOCIEDADE.....................................................................................

161

3.1. Divulgando o Jacobina: lar das antigas, recanto das mães de família, berço das militantes católicas.....................................................................

165

3.2. “Ecos”: o papel social feminino nos discursos de formatura.....................

176

3.2.1. Direção, professores e alunas por uma nação católica............................... 179

3.3. Curso de Educadoras da Infância: elo entre preceitos católicos e renovadores.................................................................................................

201

CONSIDERAÇÕES FINAIS MULHERES, TRABALHAI PARA RECONSTRUÇÃO DE UM MUNDO DIFERENTE............................................................................

215

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................

224

Page 13: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

A MÃO QUE EMBALA O BERÇO, EMBALA O MUNDO?

Page 14: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

À primeira vista, não seria possível perceber a riqueza existente nas delicadas páginas do Traço de União amareladas pelo tempo. Escritos, inicialmente em 1908, em papel almaço e à caneta tinteiro, os jornaizinhos foram ganhando novas formas, ao longo do tempo, e se transformaram no órgão de comunicação oficial das alunas do Colégio Jacobina. Guardados no antigo armário do segundo andar de um velho casarão1, esses registros, em um primeiro encontro, causaram um misto de sensações que despertaram o desejo de dialogar com esse passado: Quem o escreveu? Em que circunstâncias o criou? A quem se destinava? Como se desenvolveu? Quanto tempo durou? Quais ideais influenciaram sua escrita?

Muitas seriam as formas de responder às inquietações que provocam uma pesquisadora que tem em suas mãos um documento valioso como esse. Para compreender os discursos que permeiam essa escrita, foi necessário entender primeiramente o funcionamento do jornal em diferentes momentos. Visando a descortinar o cenário da época em que o Traço de União foi escrito, buscou-se compreender também a educação feminina católica daquele tempo e a importância dessa escrita em um colégio religioso e inovador.

Apesar de ter sido uma iniciativa familiar, a fundação do Colégio Jacobina em 1902, acompanhou o mesmo projeto das instituições de ensino privado feminino que se instauravam no fim do século XIX e nos primeiros anos do século XX no Brasil. Sendo em sua maioria iniciativas de congregações religiosas, criadas com a finalidade de atender ao público feminino, essas instituições, de acordo com Chamon (2005), procuravam responder às demandas de uma sociedade que vinha se modernizando e fazendo novos apelos à educação da mulher burguesa. Preocupadas fundamentalmente com as filhas da boa sociedade, essas escolas visavam a preparar, sobretudo, para o universo doméstico familiar.

Quando não partiam das congregações religiosas, essas iniciativas educacionais apareciam retraidamente no âmbito doméstico, mas, geralmente, também sob alicerces religiosos, como foi o caso do Jacobina. Fundado a partir de uma experiência de ensino num casarão situado no bairro nobre de Laranjeiras, Isabel Jacobina Lacombe, carinhosamente chamada de D. Belinha, e sua irmã Francisca Jacobina Lacombe, a D. Chiquita, propuseram-se a criar uma instituição que se desenvolveu ao longo do século XX.

Eternizado sob a forma de registro escrito, esse colégio instituiu seu periódico, o Traço de União, que guardou, ao longo de quase setenta anos, versões femininas acerca da história de sua instituição católica de ensino de renome, que teve à sua frente mulheres que se destacaram por sua atuação e por seu investimento no cenário educacional brasileiro, como assinalou Lourenço Filho no Livro de visitas do colégio, merecendo, posteriormente, um espaço no periódico:

1 O velho casarão a que essa introdução se refere é a CELPI, instituição sobre a qual falaremos mais à frente.

Page 15: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Sou partidário de uma educação renovada; partidário convicto, embora talvez um pouco desorientado. A impressão que devia colher, pois, de uma visita às aulas do Curso Jacobina, não podia deixar de ser senão a de verdadeira maravilha. Esta obra é notabilíssima. Não lhe vejo só valor pedagógico, mas social relevantíssimo. A escola nova que se pretende levantar no Rio, em vista da Reforma Fernando de Azevedo, poderá em muitas cousas aqui inspirar-se para mais prompta adaptação dos novos princípios e práticas escolares que nos convenham. Felicito calorosamente às Exmas. Directoras e Professoras e agradeço de coração, o infinito prazer que me concederam, dando-me permissão para visitar as classes, onde se vê realmente a Educação funcional – Lourenço Filho. 2

Ainda que tenha se tornado a expressão de um grupo que se apropriava dessa

imprensa com objetivos específicos de divulgação, o periódico começou a ser

escrito a partir de uma iniciativa informal. Em Como Nasceu o Colégio

Jacobina, livro publicado em 1962, encontram-se as primeiras pistas que

permitem compreender o surgimento do jornal Traço de União em meio ao

desenvolvimento do curso. Recordando os primeiros anos da escola, Laura

Jacobina Lacombe, situou a importância que ele foi adquirindo no cotidiano

escolar, ao registrar que sua mãe Isabel Jacobina Lacombe, filha do Dr.

Antonio de Araújo Ferreira Jacobina3, recebeu, incentivada por seu pai, uma

educação que contemplava o que havia de mais moderno em educação no final

do século XIX. Retratado por Laura Jacobina Lacombe, como um homem de

vasto interesse em assuntos educacionais, que participou ativamente na

formação de sua filha junto à direção do Colégio Progresso, do qual era

conselheiro, Dr. Jacobina cuidou de sua instrução, para que ela tivesse um

conhecimento além do das mulheres daquela época. Isso porque, como

2 S/ a. “Noticiário”. Traço de União, n. 1, p. 9. 3 Segundo os estudos de Alves (1997), Dr. Jacobina após ter estudado em Coimbra, recebendo o grau de Doutor em Ciências Físicas e Matemática e ter concluído Filosofia em Paris, conheceu Paulo Barbosa, mordomo da Corte Imperial, em uma missão diplomática na Europa. Logo quando retornaram ao Brasil, Dr. Jacobina foi nomeado ajudante de mordomo da Casa Imperial, cargo que lhe fizera freqüentar os salões de frivolidade da Corte, onde tomou aversão ao ambiente em que tinha que conviver, exercendo uma crítica severa à precária moral a que tinha acesso na vida festiva da Corte Imperial, que se encontrava já em decadência no final do século XIX.

Page 16: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

mordomo da Corte, ele havia tomado aversão ao ambiente fútil em que tinha

que conviver e, acabou buscando, dessa forma, o caminho inverso para sua

filha. Em uma carta escrita quando se encontrava em Mogi-Guaçu, no ano de

1888, ele deixa claro à Isabel a intenção que tinha ao lhe proporcionar esse tipo

de educação:

Quando completares teus estudos, nesse dia compreendereis que a idéia de teu pai de te dar uma educação mais elevada não foi só fruto de rabugice, mas que representa para ti um capital e um gozo, porque as cousas com que se ocupam as mulheres são geralmente futilidades e espero que um dia te sentirás acima do comum e isto é, também, um prazer tanto mais que verás tanta cousa que o comum não vê: então te recordarás de teu velho pai...4

Dando continuidade a seu aprendizado, baseando-se nos métodos do Colégio Progresso no qual se formou e, posteriormente, iniciou o exercício do magistério, Isabel Jacobina Lacombe, após se casar com Domingo Lourenço Lacombe, percebeu que na capital republicana não existiam muitos estabelecimentos de ensino inovadores semelhantes ao Colégio Progresso e, em 1902, fundou consentida pelo marido5, um curso em sua casa, com intuito de dar a suas filhas uma educação de excelência como à que teve acesso no século XIX.

Em uma das férias dessa pequena instituição, no ano de 1908, as filhas de Isabel,

assim como as primeiras alunas desse Curso, tendo pela primeira vez autorização de

seus pais para viajarem sozinhas, foram para a casa de familiares na Fazenda Morro

Alto, localizada na cidade de Amparo, em São Paulo. Como gostariam de enviar

notícias para seus pais no Rio de Janeiro, criaram um jornalzinho manuscrito, cujo

nome escolhido foi O Traço de União. Foram escritos dois exemplares. 6

Alguns anos mais tarde, Laura Jacobina Lacombe, sua irmã Mabel Jacobina

Lacombe e mais três meninas moradoras do Curso, que ainda não tinha nome,

escreveram novo jornalzinho manuscrito para mandar notícias ao Padre Rezende,

4 Antonio Jacobina apud Lacombe, 1962, p. 62. 5 Segundo Moraes (2003) ainda em 1916, o Código Civil conferia à mulher um lugar subordinado ao homem na organização da família. Ao se casar, a mulher acabava por perder sua capacidade civil plena, cabendo ao marido dar a autorização para que ela pudesse trabalhar, realizar transações financeiras e fixar residência. 6 Essa informação foi obtida por meio do livro Como nasceu o Colégio Jacobina. No entanto, no acervo hoje existente na CELPI, não foram encontrados outros jornaizinhos desse período, além dos citados nesse texto, que seriam um exemplar de 1908 e dois exemplares de 1910.

Page 17: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

cônego que as orientava em sua formação religiosa e considerado por elas um grande

amigo, que fora transferido da paróquia localizada na zona sul do Rio de Janeiro,

próxima ao Curso, para outra na zona norte. A esse jornalzinho, elas também deram o

nome de Traço de União, nome este que permanecerá ao longo do tempo.

Passados muitos anos, já em 1924, ainda inspirada no jornalzinho Progresso,

periódico da instituição de mesmo nome, onde Isabel e Chiquita estudaram, Laura,

juntamente com sua mãe e sua tia, decidiu que o, agora, Curso Jacobina também deveria

ter uma publicação própria. Foi aí que nasceu o impresso que teria o mesmo nome

daquele criado em 1908: Traço de União. Em uma das “Croniquetas”, é possível

identificar os objetivos do periódico:

Essa pequena e tímida folha, organizada pelas alumnas do Curso Jacobina, que neste momento apparece como uma luz obscura no meio dos jornaes cariocas, vem solicitar a condescendência do público, para com as minúsculas e pouco desenvolvidas intelligencias que o formam, assim como, o apoio dos que, nelle vão escrever, para que, dentro em breve, possa se tornar um interessante jornal, retratando as aspirações e boas idéias de cada um de seus componentes. Havemos trabalhar bastante para que elle possa merecer a benevolência do público amigo e revelar aos olhos de todos que, possuímos algumas collaboradoras bastante intelligentes, que, talvez, venham a ser, para o futuro, hábeis e talentosas escritoras. Porém, para que isso se realize satisfactoriamente, contamos com o auxílio de nossos bons mestres, que como hábeis educadores e amigos, então venham de boa vontade, nos ajudar, bem como o valioso concurso das nossas ex-colegas, que assim terão occasião de entrar novamente em comunicação comnosco, ratificando assim o nome do jornal. (...). 7

Escrito predominantemente pelas alunas do Colégio, o Traço de União, então, é

oficializado no período compreendido entre 1924 e 1981, quando pretende, como

sugerido pelo próprio nome, ser o elo entre atuais e antigas alunas da instituição. Além

das novidades e do cotidiano do colégio, o periódico também divulgava as notícias

daqueles que faziam parte da histórica instituição que era assumidamente católica.

Desta forma, mantinha todos os interessados informados sobre a rotina escolar e

divulgava os métodos inovadores adotados pela instituição, que era tida como modelo

do que havia de mais recente em pedagogia, desde o início do século no Rio de Janeiro.

O periódico teve, na maioria dos números publicados, uma espécie de marca

distintiva no expediente, onde aparecia o seu nome sendo desenhado por crianças no

7 Fridoline. “Croniqueta”. Traço de União, 1924, n.1, p.1.

Page 18: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

início da primeira página. Acima do nome vinha o ano de publicação em algarismos

romanos, o mês junto ao ano e o número do periódico. Dentro desse espaço,

encontramos, também, de forma não regular, os nomes dos responsáveis pela

elaboração do Traço e o preço cobrado por sua assinatura.

Organizado em seções e artigos, a publicação que ora era chamada de Nosso

jornalzinho, ora de Revista do Colégio Jacobina,8 agrupava as notícias de acordo com a

série a que a aluna pertencia, gerando, ao longo das décadas, títulos como: “O 3º

Clássico escreve”, “Traço das Antigas”, “Tracinho” (espaço destinado ao primário),

“Traço das Educadoras” e etc, onde já se percebe a forte presença da religiosidade na

redação de grande parte dos textos, uma vez que a fundadora do colégio Isabel Jacobina

Lacombe e sua filha e sucessora na direção da instituição, Laura Jacobina Lacombe,

foram importantes militantes católicas.

Por suas páginas, eram contemplados assuntos como moda, literatura, esporte, história, cotidiano escolar, educação no país, passeios e excursões internacionais realizadas por alunas e direção, nascimentos, falecimentos, notícias das antigas alunas, arte, comemorações, entre outros. Porém, é possível inferir que, enquanto esses diversos assuntos transitaram ao longo dos anos de publicação, os assuntos ligados à religião foram, de fato, constantes e permanentes, ainda que em algumas fases tenham sido mais enfatizados do que em outras.

Católicas fervorosas, Isabel e Laura Jacobina Lacombe faziam questão de que celebrações religiosas, visitas de membros da Igreja ao colégio, missas de formaturas, mensagens de fé e de comportamento de boas cristãs, textos sobre virtudes, regras morais e o papel da educadora na sociedade estivessem presentes nas páginas do Traço de União. Na maioria das vezes, as próprias alunas expressavam tais crenças e produziam textos e imagens para perpetuação dos preceitos religiosos

8 É possível perceber que esse fato aconteceu em vários períodos da publicação, até mesmo quando o jornal passa a ser considerado revista.

Marca distintiva do periódico do Colégio Jacobina. Traço de União. Arquivo da CELPI.

Page 19: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

entre aqueles que eram considerados da família Jacobinense9, o que contribuía para criar um modelo de mulher dentro daquela instituição formadora.

Vitrine do cotidiano escolar do Colégio Jacobina, o jornal, que em 1929 se torna revista, era composto por textos e imagens que revelaram, ao longo de décadas, a diversidade que atravessava o campo educativo em meio à hetereogenidade de seus autores que, de forma singular e não neutra, contribuíram para o entendimento das práticas institucionais de uma época e, conseqüentemente, para a construção de uma memória coletiva: O ‘Traço de União’, além de ser um hyphen amistoso entre as antigas e as actuaes alumnas do Curso Jacobina, é, também, uma espécie de registro dos factos mais interessantes, passados entre as alumnas e professora.10

Apesar de ser possível encontrar a assinatura de alguns raros nomes masculinos,

pode-se afirmar que as maiores colaboradoras do Traço eram as próprias alunas que,

escrevendo e desenhando em suas páginas, traçavam as práticas escolares de seu tempo

dentro daquela instituição que era freqüentada por famílias de alto capital cultural e

econômico. Contudo, podemos perceber que, assim como anunciado nos expedientes

dos primeiros números publicados do jornal, os colaboradores englobavam Todos os

professores e todos os atuais e antigos alunos do Colégio Jacobina. A esses, se somava

a direção que geralmente tinha um lugar de destaque para que pudesse se comunicar,

por meio desse veículo, com alunas e ex-alunas.

Desenvolvido em um período no qual as mulheres tinham a possibilidade de sair dos bastidores para ocuparem lugares no cenário público, o Traço de União permite compreender o cotidiano feminino nas distintas épocas nas quais foi escrito: o modelo de educação recebido, intenção da instrução oferecida, dificuldades e aberturas de inserção social, valorização como profissional e mulher, modos de agir, pensar e atuar. Aliás, estas são algumas possibilidades de compreensão que esse tipo de estudo, por meio da imprensa, e da imprensa pedagógica, em especial, viabiliza, pois

A análise da imprensa permite apreender discursos que articulam práticas e teorias, que se situam no nível macro do sistema mas também no plano micro da experiência concreta, que exprimem desejos de futuro ao mesmo tempo que denunciam situações do presente. Trata-se, por isso, de um corpus essencial para a história da educação, mas também para criação de uma outra cultura pedagógica.11 Com as grandes mudanças ocorridas no âmbito político e econômico que se

aceleraram no século XX, a posição feminina na sociedade foi profundamente

modificada. A mulher da classe média que até então cumpria prioritariamente o papel

9 Essa expressão era utilizada em alguns textos do Traço de União correspondendo a alunas e ex-alunas, pais, professores, direção e colaboradores do Colégio Jacobina, religiosos ou não. 10 Selva. ‘Croniqueta’. Traço de União, 1924, p. 1. 11 Nóvoa, 2002, p. 11.

Page 20: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

de rainha do lar, agora transpunha os limites do doméstico e ingressa no mundo de

trabalho, já que fora convocada a cumprir um novo papel diante do que o sistema

econômico lhe exigia. Relacionado com as idéias de doação, não-obrigação, abnegação,

não-necessidade, o trabalho feminino foi inicialmente sinônimo de atividade voluntária.

Isso porque a preparação das filhas das camadas mais favorecidas da sociedade, nunca

deveria ser para sua profissionalização ou para qualquer outro tipo de trabalho que

estivesse ligado, de algum modo, à atividade remunerada (Chamon, 2005). Ainda que,

no começo, o ingresso das mulheres burguesas no universo público tivesse ocorrido de

forma desvalorizada, pode-se dizer que foi a partir dessa brecha que os alicerces do

antigo mundo feminino se modificaram, atingindo, dessa forma, as próprias bases da

sociedade como um todo.

A escrita feminina desse período, então, apresenta-se como um valioso meio de

entendimento das práticas de um tempo que foi decisivo para a emancipação do gênero.

Dentro desse contexto, percebe-se que as pesquisas sobre a mulher-de-ontem,12 a partir

da imprensa feminina, ganham maior interesse principalmente no que diz respeito ao

período do entre-séculos (segunda metade do séc. XIX e primeira década do séc. XX)

que é quando esse veículo de comunicação cresce e se desenvolve. Segundo Coelho

(2001), ter acesso à imprensa feminina desse período é bastante relevante porque mostra

o alto nível de conscientização alcançado pelas mulheres cultas daquele tempo e o

quanto elas contribuíram para a preparação dos caminhos de hoje.

Partindo desse entendimento, acredita-se que a trajetória da expansão do Colégio Jacobina e o desenvolvimento de seu impresso, desse modo, possibilitam compreender como as mulheres de classes privilegiadas foram, aos poucos, conseguindo modificar a sua história, já que as próprias fundadoras da instituição, embora se apropriando principalmente de uma justificativa maternal e doméstica, foram educando outras mulheres que deram continuidade à formação recebida e ampliaram seus espaços de atuação.

Sendo assim, essa pesquisa se apoiará, a partir dos discursos veiculados no

Traço de União, na tentativa de compreender as relações e tensões de uma dada

sociedade considerando, como nos sugere Chartier (2002), que não existe prática ou

estrutura que não seja produzida pelas representações, contraditórias e afrontadas,

pelas quais os indivíduos e os grupos dão sentido a seu mundo.13 Debruçar-se sobre as

páginas deste periódico significa entender que a sua própria existência deriva de uma

preocupação comum dos educadores que disseminaram novos métodos de ensino. A

12 Termo utilizado por Coelho (2001). 13 Chartier, 2002, p. 66.

Page 21: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

imprensa escolar para eles teve entre seus inspiradores Celestin Freinet, um dos artífices

da Escola Nova na Europa, que defendeu, de acordo com Elias (1997), que a educação

deveria permitir que cada aluno expressasse seus sentimentos e suas emoções,

impressões e reflexões. Criou para que isso se efetivasse, entre outros métodos, a

imprensa escolar, onde por meio de elaboração de jornais, os alunos pudessem

compartilhar leitura com os amigos e familiares. Desde aí, segundo o autor, a

linguagem e a escrita são vistas como meios expressivos não exclusivos do professor ou

de um manual. A criança pode falar livremente, escrever o que deseja. A imprensa

prolonga a expressão escrita, permitindo-lhe ver o que escreve para ser lido pelos

colegas e outros. 14

O fato do periódico ser percebido como um veículo de comunicação que

mesclou ideais foi o que impulsionou esse estudo. O Traço de União se por um lado se

mostrou como o maior divulgador dos métodos inovadores praticados no Colégio

Jacobina para instruir filhas de uma elite carioca, por outro se manteve preso até o fim

de suas edições a concepções tradicionais a respeito do papel feminino na sociedade.

Por isso, faz parte do horizonte desta investigação entender como esse periódico –

fundamentado nas representações acerca da idéia de mulher como construtora da nação

– propagou, a partir de uma ótica própria das suas responsáveis, discursos sobre

educação feminina renovadora e católica; mulher e trabalho; militância católica

feminina; e escola e família.

A idéia de mulher como construtora da nação é inspirada no estudo de Müller

(1998), no qual a autora se propõe a compreender como os ideais de construção da

nação brasileira que emergiram com a Primeira República produziram sua principal

artífice: a professora primária. Essa concepção que avançou até as primeiras décadas do

século XX, de acordo com a mesma, possibilitou que a mulher, ao assumir essa tarefa

de dar sentido à nação, à pátria, acabasse reinventando sua cidadania, justamente por

passar a ter possibilidade de sair da esfera privada para ocupar a pública, dando, dessa

maneira, sentido e legitimidade à sua inserção profissional.

Os discursos publicados no Traço de União apontam para o fato de que o

Colégio Jacobina se fundamentou nessa idéia de construtoras da nação para instruir suas

alunas, independente dessas optarem pelo magistério. Isso porque as suas dirigentes

consideravam que toda mulher era educadora por natureza devendo, por isso, atuar

14 Elias, 1997, p. 88.

Page 22: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

prioritariamente na educação dentro de seus lares e/ou nas escolas, como professoras,

quando assim o desejassem ou fossem permitidas. A partir da educação integral

oferecida por essa instituição renovadora e católica, defendia-se que a mulher estaria

preparada para instruir e formar a consciência dos futuros cidadãos, fosse no âmbito

privado ou no público, objetivando com isso tornar o país mais civilizado, caminhando

em direção ao progresso, pois a mão que embala o berço embala o mundo. 15

Dessa maneira, se no início do século XX, os discursos publicados se pautavam

na idéia de que no feminino se encontrava a essência para a construção de uma

verdadeira nação, ao longo das décadas, é possível ver que a tônica desse mesmo

discurso também passou a girar em torno de palavras como transformação e

reconstrução dessa nação. Contudo, esses ideais sobre a suposta missão da mulher na

sociedade, a partir da década de 50, passaram a não ser tão bem aceitos como antes

pelas alunas, colaboradoras do Traço de União, fato esse que acabou influenciando as

edições da revista.

Toma-se como ponto de partida os estudos de Nóvoa (2002) sobre imprensa escolar, em que se entende que o Traço de União, a exemplo de outros, é um lugar de afirmação do grupo e de uma permanente regulação coletiva, onde além de se ter uma melhor ilustração da riqueza trazida pela diversidade que atravessa o campo educativo, também é possível encontrar pistas para o estudo das mentalidades e práticas.

Chegar a esse entendimento, porém, exigiu bastante esforço, não só porque o

arquivo é complexo e extenso, como também pelo fato de o Traço de União não ter sido

facilmente encontrado. Inicialmente sabia-se de sua existência na Biblioteca Nacional,

localizada no centro do Rio de Janeiro. No entanto, a coleção se apresentava de modo

bastante incompleto não permitindo entender questões básicas referentes sequer à sua

morfologia.

Isso levou a uma quase desistência desse tema, já que as inúmeras andanças em

busca de pistas que fizessem obter informações mais concretas sobre o paradeiro da

coleção completa, em nada resultavam. A fonte mais certa dessa memória, devido a

problemas decorrentes de sua idade, já não mais teve condições de prestar testemunho

ou indicar caminhos. Trata-se de Mariettinha Luiza Lacombe, a última editora do

periódico, que há tempos com saúde debilitada, acabou falecendo no final de 2004. Foi

então que após diversas ligações feitas às famílias Lacombe e Jacobina que constavam

nas Páginas Amarelas, Maria Lina Jacobina se sensibilizou com a pesquisa se

15 Essa frase aparece no Traço de União em várias fases, entre as quais, no periódico de 1939, n.1, p.3.

Page 23: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

prontificou a ajudar, no sentido de reunir parentes para auxiliar nessa empreitada de

busca dos periódicos, que outrora ajudaram a construir parte da história e da identidade

dessa tradicional escola da família. Assim, após o contato com sua prima, Silvete

Jacobina, chegou-se a Priscila Laginestra Tumiati, Tesoureira da Costura e Lactário

Pró-Infância (CELPI), que prestativamente marcou uma ida a essa instituição.

A CELPI é uma instituição filantrópica não governamental fundada em 1925

pelo Monsenhor José Antônio Gonçalves de Rezende e por Maria Amélia Lacombe, ex-

aluna do Colégio Jacobina, com o intuito inicial de costurar para recém-nascidos da

Maternidade Escola, localizada em Laranjeiras. Nomeada, primeiramente, Grupo Sta.

Terezinha de Jesus, a instituição foi crescendo e atendendo outras maternidades, além

de se responsabilizar por outras novas atividades, como aulas de catecismo e

distribuição de brinquedos e roupas no Natal para as crianças do bairro. Pode-se

observar que o Traço de União sempre foi um grande estimulador dessa obra,

publicando os grandes feitos da instituição filantrópica e pedindo constantemente o

auxílio de pais e alunos durante as décadas em que foi escrito como impresso.

Funcionando até os dias atuais, atualmente com sede em Botafogo, ela é a referência

mais viva que sobrou do Colégio Jacobina, pois todas as terças-feiras algumas ex-alunas

da instituição educacional, principalmente as formadas entre as décadas de 1940 e 1950,

encontram-se para costurar para recém-nascidos de classes populares e para tomar o chá

da tarde juntas.

Logo ao chegar a essa instituição, foi possível sentir o acolhimento promissor

que faltava a essa pesquisa. Ainda não sabendo completamente o que esse lugar

reservava, inicialmente todas as ex-alunas se dispuseram a disponibilizar informações.

No entanto, entre todas, foi a bibliotecária do grupo, Dona Maria Thereza Napoleão

(Conselheira Consultiva), que já se dando conta da importância do material guardou-o

no segundo andar da casa, viabilizando a presente pesquisa. Assim, tanto ela quanto

Dona Gilda Moreira Rodrigues (atual Presidente), em especial, merecem ser aqui

destacadas, pois foram as responsáveis pela liberação da consulta dos exemplares do

Traço de União pertencentes ao arquivo dessa instituição.

Apesar de sempre quando solicitadas, elas se mostrarem prontas para dar suas

diversificadas versões, não foram adotados como fonte privilegiada os relatos orais. Isso

porque além de elas não terem participado do processo editorial, também o grande foco

desse estudo se situa no entendimento dos discursos publicados como produtos e

produtores de significados desse periódico.

Page 24: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Cabia, assim, à autora dessa proposta descobrir o que circundava todo aquele

universo de escrita. Em alguns momentos, essas ex-alunas foram solicitadas a esclarecer

alguns aspectos, como no caso do fim do primeiro Curso Normal que o Colégio

Jacobina tentou implantar. A falência desse curso foi simplesmente silenciada no Traço

de União, apenas percebia-se que as colaboradoras normalistas pararam de publicar no

periódico. Nesse sentido, uma ex-aluna ajudou a esclarecer que as normalistas pararam

de escrever, pois o curso durou poucos anos devido ao baixo número de matrículas,

sendo, por isso, o colégio obrigado a desistir desse investimento.

Outras questões como estas não puderam ser respondidas de modo mais oficial. A documentação do Colégio parece ter sido descartada, seguindo a legislação vigente,16 por sua última gestão e por isso, até mesmo o número de matrículas, ao longo dos anos, não foi possível conhecer para ter uma noção da tiragem da revista. Pelos dados levantados no próprio periódico, foi possível saber que a distribuição do impresso chegou a ser feita para mais de 1000 alunas que pelo colégio circularam, sendo enviado, inclusive, para aquelas ex-alunas que estavam fora do país. Porém, não foi possível saber a tiragem exata de exemplares do Traço de União em cada fase de sua publicação, pois esse é um dado que não aparece em nenhuma edição da publicação, e não há indicações em outros documentos que serviram como fontes ao longo dessa pesquisa: livros publicados por Laura Jacobina Lacombe, Como Nasceu o Colégio Jacobina, Moral cristã e educação, A escola e a vida; documentos pertencentes ao arquivo da OMEP; o Regimento do Curso Jacobina existente na Biblioteca Nacional; a moção expedida pela Deputada Yara Vargas em decorrência da morte de Laura; e a dissertação de mestrado de Luciana Pazito Alves, O Curso Jacobina: uma experiência de modernização em uma instituição católica (1920/30), que tendo por objetivo compreender a adoção do escolanovismo no cotidiano dessa instituição católica feminina, acabou deixando pistas importantes para meu estudo que procurou, diferentemente do anterior, examinar a importância do Traço de União na disseminação de preceitos católicos e de métodos inovadores que estavam alicerçados em determinado modelo de educação feminina defendida pelas dirigentes da escola e responsáveis maiores pelo periódico.

16 De acordo com as Normas do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, o Artigo n.1 da Deliberação nº. 239/99, que “Regulamenta o arquivamento de documentos escolares em instituições de educação básica do Sistema Estadual”, determina que “Arquivo escolar é o conjunto, rigorosamente organizado, de documentos e informações que comprovem, inequivocamente, a identidade e os fatos relativos à escolaridade de cada aluno e do conjunto de alunos da instituição escolar e evidenciem, ao mesmo tempo, os aspectos de organização e ação da escola referentes ao processo de educação e ensino vivenciado pelos alunos, ao longo de todo o período de funcionamento da instituição.” No entanto, quando um estabelecimento de ensino é fechado, como foi o caso do Colégio Jacobina, o Parágrafo único do Artigo n.3 dessa mesma Deliberação determina que “Cessadas as atividades da instituição de ensino, todos os seus arquivos serão arrolados pela mesma e, em seguida, conferidos e recolhidos ao órgão regional da Secretaria de Estado de Educação, por Comissão Especial para tal designada, passando a constituir acervo desta Secretaria, para fins de autenticação de documentos emitidos pela instituição extinta, ou de emissão de vias autenticadas ou de certidões, sempre que solicitadas pelos interessados, na forma definida pelo Órgão.” A esta documentação não tive acesso, pois a Coordenadoria de Inspeção Escolar da Secretaria Estadual de Educação (SEE/RJ) ainda está em processo de organização do arquivo.

Page 25: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Assim como a tiragem, a distribuição do impresso foi outra questão que não se

pôde precisar, apenas acredita-se que para que essa fosse efetivada, teriam variado, ao

longo dos tempos, as formas de cobrança. Nesse sentido, relatos orais das ex-alunas

jacobinenses, já referidas, conduziram a diferentes versões relacionadas à aquisição do

Traço de União. Algumas disseram que o valor da assinatura era descontado na

mensalidade do colégio e vendido para as ex-alunas. Outras, contrariamente,

defenderam que nunca foi cobrado valor algum para que as alunas obtivessem os

exemplares. Marietta Luiza Lacombe17, responsável pelo periódico durante vinte e três

anos, na última conversa telefônica que tivemos, afirmou que a revista era distribuída

gratuitamente entre as alunas, sendo somente cobrado um valor a pessoas externas à

instituição que viessem a se interessar pela publicação. O dinheiro arrecadado com a

venda ia para a CELPI que assistia a população carente. Disso tudo, a única coisa que se

pôde perceber com maior clareza foi que junto ao expediente apareciam valores em

cruzeiros para aquisição de um exemplar do periódico ou para sua assinatura anual.

Pode-se dizer, assim, que todas as dificuldades encontradas para obtenção de

outras fontes para essa pesquisa acabaram aguçando ainda mais o desejo de penetrar

nesse mundo, predominantemente traçado por mulheres.

Pautei-me nos estudos de historiadores da área de educação que atualmente têm partilhado da análise de novas fontes, buscando perceber as representações sociais apreendidas pelo discurso dentro de uma dada instituição e/ou grupo, e as diferentes apropriações que os sujeitos fazem a partir desse discurso. Trata-se, portanto, de buscar compreender as práticas, os valores, as normas de conduta que se tecem no cotidiano dos diferentes agentes escolares e deixam seus rastros em documentos institucionais como, por exemplo, os periódicos, fornecendo inúmeras possibilidades de leitura das dimensões da vida escolar principalmente no que consiste ao universo feminino.

No conjunto dos estudos sobre imprensa pedagógica, os estudos sobre imprensa periódica escolar, como os de Sousa (1997), Santos (2004) e Cunha (2002) apontam para fato de que outros jornais de instituições educacionais católicas existiam há tempos com a finalidade de veicular determinados discursos. Publicações como Auxílium, do colégio paulista Santa Inês; Patrocínio, órgão das alunas do Colégio Nossa Senhora do Patrocínio de Itu; e Pétalas, revista escolar da instituição catarinense Coração de Jesus surgiram nas décadas de 20 e 30 do século XX, com o intuito de veicular valores durante o processo de formação das educandas. Tais periódicos, como acontecia com o Traço de União, foram guiados principalmente por preceitos católicos.

O estudo de Sousa (op. cit.), defende que a partir da imprensa periódica educacional e do ensino é possível fazer o mapeamento da cultura escolar brasileira18. Analisando os textos da Revista Auxilium, publicada por 30 anos, desde junho de 1930, em uma instituição católica de ensino, essa autora se propõe a compreender a formação/educação, intra e extramuros escolares, dada às alunas e destacar as práticas, prescrições e representações de leitura.

A análise de o Patrocínio, objeto de estudo de Santos (op. cit.), permitiu compreender o ciclo de vida do periódico, a relação deste com sua instituição fundadora e as representações e práticas que emergem do cotidiano escolar em textos e imagens nele publicadas. Procurando entender como as permanências e mudanças se expressam pelos discursos, a autora conclui que na primeira fase da revista esses discursos acabavam girando em torno do sagrado, enquanto

17 Marietta Luiza Lacombe, apesar de mostrar grande cordialidade, já se encontrava com a saúde bastante debilitada no período que teve início esse estudo. Muito poucas foram as oportunidades de um diálogo mais extenso e frutífero para a aquisição de dados que viessem a contribuir para essa pesquisa. Ao falecer no fim de 2004, a educadora que era, até então, a última Responsável pelo periódico que ainda permanecia viva, deixou uma lacuna no que consiste ao entendimento mais aprofundado de algumas questões relativas à edição e ao funcionamento do Traço de União. 18 Sousa, 1997, p. 93.

Page 26: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

que, na segunda fase, devido a mudanças ocorridas no sistema de ensino e, conseqüentemente no colégio, os discursos acabam se direcionando menos ao sagrado, embora ainda conservem um certo respeito às freiras e à religiosidade. Nesse trabalho, a autora conclui que no período publicado19 entre 1924 e 1955, as representações e concepções do papel da mulher não sofreram grandes alterações, podendo ser percebido que a disciplina e o bom comportamento continuaram aparecendo nas páginas do periódico, ainda que em alguns momentos pudessem ser notadas determinadas transgressões às regras impostas pelo colégio.

Analisar as representações sociais do ser professora por meio dos discursos de formatura publicados na Revista Pétalas foi o objetivo do estudo de Cunha (op. cit.). Entendendo que esses discursos, proferidos pelas alunas do Curso Normal, no período de 1945 até 1960, tinham como finalidade dar visibilidade às atividades discentes relativas ao projeto educacional e religioso da sua instituição de ensino, a autora procurou compreender as práticas, valores e normas de conduta veiculadas por aquele grupo. A partir da análise proposta, Cunha (op. cit.) observa que tanto os discursos quanto os artigos publicados na revista Pétalas, veiculavam imagens de uma professora ideal, produzindo, assim, uma idéia harmoniosa e homogeneizadora da profissão docente, em que os conflitos aparecem silenciados.

Sendo assim, pode-se dizer que juntamente com os outros estudos relacionados a essa mesma perspectiva, objetiva-se com a pesquisa que será aqui desenvolvida contribuir para o enriquecimento das discussões sobre a imprensa educacional e formação feminina católica, pois, de acordo com os estudos de Caspard (2002), pode-se afirmar que a imprensa como fonte constitui um meio de comunicação muito mais interativo que os tratados ou os manuais e dessa maneira constitui um dos melhores observatórios do movimento social na obra da escola e da formação. 20

Citado por Nóvoa (2002), o autor defende, ainda, ser esse veículo de comunicação, o melhor meio para apreender a multiplicidade do campo educativo, pois revela as múltiplas facetas dos processos educativos, numa perspectiva interna ao sistema de ensino (cursos, programas, currículo, etc.), mas também no que diz respeito ao papel desempenhado pelas famílias e pelas diversas instâncias de socialização das crianças e dos jovens.21 A análise da imprensa nos permite, deste modo, compreender, ainda de acordo com o mesmo autor, as dificuldades de articulação entre teoria e prática a partir de um discurso educativo construído por diversos atores, como professores, alunos, pais, associações, instituições, entre outros. Na imprensa, cada criador está sempre a ser julgado, seja pelo público, seja por outras revistas, seja pelos seus próprios companheiros de geração.22 Regida pela justificativa de Ognier (1984, apud Catani; Bastos, 1997), de que diante da imprensa escolar temos um corpus documental de vastas dimensões para se pesquisar, pois esse é um bom observatório e um guia prático do cotidiano educacional e escolar, pretende-se com a análise da coleção do Traço de União, compreender as práticas, valores e, assim, as representações femininas de um determinado grupo social por meio dos discursos veiculados.

19 Apesar de a autora optar por esse recorte temporal, fica claro para o leitor que a revista foi criada em 1933. 20 Caspard, 2002, p. 46. 21 Nóvoa, 2002, p. 13. 22 Rocha, 1989, p. 9, apud Nóvoa, 2002, p. 13

Page 27: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Examinar como o periódico escolar do Colégio Jacobina – que circulou entre

1908 e 1981 – se constituiu um espaço privilegiado para a disseminação de um modelo

de educação feminina, do ideário católico e de práticas escolanovistas é o objetivo deste

estudo que está dividido em três capítulos: a análise das fases do periódico; a trajetória

de vida das responsáveis pelo mesmo; e os discursos que foram disseminados nas

páginas do Traço de União.

O primeiro objetiva fazer uma leitura preliminar e um mapeamento das fases das

publicações do Traço de União, em que não somente buscam compreender os aspectos

tipográficos do periódico - história, título, periodicidade, materialidade, formas de

financiamento - como também os ideais veiculados e principais destaques noticiados.

Sendo assim, o periódico no primeiro capítulo será analisado em fases, que vão

desde seu surgimento, como manuscrito, seguindo até o período em que se firmou como

revista. Sendo constituído por textos, fotos, desenhos e algumas propagandas23, no

longo percurso que teve, o Traço de União foi composto por 126 edições impressas, que

variam entre 6 e 64 páginas. Conforme o passar dos anos, transformou-se em um

veículo de divulgação que esteve a serviço de ideais católicos e renovadores que se

instituíram no cotidiano do Colégio Jacobina. Após uma leitura exaustiva dos

exemplares do periódico, atenta às dimensões materiais, isto é, aos títulos, imagens,

diagramação, seções, autores, foi possível delimitar cinco fases que o caracterizam em

diferentes momentos. Para tal classificação, o elemento fundamental que emergiu, como

critério definidor, foi o da periodicidade, ou seja, na primeira fase quando era

manuscrito e não tinha ainda uma produção regular; e nas fases seguintes apresentando

publicações de quatro, três, duas e, por fim, uma vez ao ano.

Definidas as fases do Traço de União, a partir de sua periodicidade, em cada

uma me detive naquilo que mais chamava a atenção ou que provocava, de certa forma,

um estranhamento. Uso de pseudônimos, propagandas, e questões referentes à

materialidade do suporte, como as capas - já que é preciso lembrar que não há texto

fora do suporte que lhe permite ser lido e que não há compreensão de um escrito,

qualquer que seja, que não dependa das formas pelas quais atinge o leitor 24 –,

exigiram, assim, uma leitura atenta. Desse modo, cada aspecto destes foi objeto de uma

23 Pode-se constatar a presença de propagandas nas últimas folhas de muitos periódicos, tais quais vão variando de produtos comerciais a confeitarias, editoras, lojas, papelarias, indicações de leituras, cursos e etc, que serão apresentadas na seqüência do primeiro capítulo. 24 Chartier, 1991, p. 182.

Page 28: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

análise que buscava compreender o significado do periódico no projeto educacional do

Colégio Jacobina.

Para entender como emergiram os ideais publicados, o segundo capítulo dessa

dissertação se volta para a história de vida das responsáveis pelo periódico, traçando,

então, a biografia de Isabel Jacobina Lacombe, principal fundadora do colégio em

questão, Laura Jacobina Lacombe, a educadora católica que esteve à frente das edições

da revista por mais tempo, e Marietta Luiza Lacombe, a discreta editora que entrou na

revista no momento em que novos modelos de mulher povoavam as mentes femininas.

Já não havia o mesmo entusiasmo de antes para escrever um periódico que ainda

buscava se fundar em antigas representações de mulher. Acompanhar suas trajetórias

possibilitará compreender, assim, como os seus ideais interferiram e refletiram na

escrita do Traço de União, já que este sempre esteve a serviço do que elas construíram

como verdade ao longo de suas vidas. Nessa perspectiva, estudos sobre biografia e

história – especialmente os de Carino (1999), Levi (1996), Bourdieu (1996), Grynszpan

(1990) – contribuíram para que se pudesse analisar como estas responsáveis se

legitimaram na escola e até mesmo no debate educacional.

Subjacente às biografias traçadas está a compreensão de que muito há ainda que

pesquisar sobre as vidas de educadoras. Exemplo disso é a 2º edição do Dicionário de

Educadores no Brasil: da colônia aos dias atuais,25 organizado por Maria de Lourdes

Albuquerque Fávero e Jader de Medeiros Britto, que traz a biografia de 144 educadores,

entre eles apenas 23 mulheres que dedicaram sua vida ao magistério, o que evidencia

que ainda há muito a pesquisar sobre educadoras, que, aliás, compõem atualmente a

imensa maioria daqueles que se dedicam ao exercício profissional na sala de aula e na

escola.

Dessa forma, a partir das trajetórias traçadas nessa pesquisa, procura-se, além

de contribuir para o enriquecimento dos estudos sobre o pensamento

educacional brasileiro, no caso específico da investigação aqui conduzida,

compreender as intenções subjacentes à produção do Traço de União,

entendendo que ele tem as marcas das dirigentes daquela instituição formadora:

25 Fávero, Maria de Lourdes Albuquerque; BRITTO, Jader de Medeiros (Orgs.). Dicionário de Educadores no Brasil. 2º Ed. aum. Rio de Janeiro. Editora UFRJ/ MEC-Inep-comped, 2002.

Page 29: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros (...) embora aspirem à universalidade são sempre determinados pelos interesses de grupos que o forjam (...) as lutas de representação tem tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção... valores... domínios.26 O terceiro capítulo tem como objetivo compreender como o periódico,

influenciado pela ótica de suas responsáveis, se pautou nas representações que

emergiram em fins do século XIX e início do XX, relativas ao papel social da mulher na

construção da nação, para disseminar discursos sobre educação feminina inovadora e

católica; mulher e trabalho; militância feminina; e escola e família. Cabe ressaltar que,

inicialmente, pensei em recortar o estudo em determinado período, privilegiando uma

das fases do periódico. Porém, na medida em que tive necessidade de compreender as

trajetórias das responsáveis pelo Traço de União, a década de 50 se colocou como

fundamental na vida de Laura Jacobina Lacombe, já que essa diretora passou a atuar

com maior visibilidade na educação no cenário internacional, abrindo,

conseqüentemente, espaço no periódico de sua instituição de ensino, para que,

estrategicamente, pudesse continuar a disseminar determinadas concepções acerca da

mulher no magistério, particularmente, na educação infantil. Assim, no último capítulo,

além de mapear os temas tratados pelas ex-alunas e pelos oradores nos rituais de

formatura, também procurei analisar as matérias, as cartas e as imagens relativas ao

Curso de Educadoras da Infância, que foi criado em 1953, servindo de laboratório para

iniciativas posteriores: Curso Normal e Faculdade de Educação.

A partir dessa investigação – que se pauta fundamentalmente em estudos sobre

imprensa periódica escolar, educação católica, gênero e Escola Nova –, pretende-se

contribuir para ampliar a compreensão acerca de periódicos produzidos e editados por

escolas católicas femininas no século XX, esforço este que vem sendo desenvolvido no

âmbito da História da Educação.

26 Chartier, 1989, p. 17.

Page 30: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações
Page 31: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

CAPÍTULO 1

Folheando o periódico das alunas do Colégio Jacobina

Page 32: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

O Traço de União, periódico do Colégio Jacobina, foi criado, na primeira década

do século XX, como manuscrito. Trata-se de sua primeira fase, que abriu caminho para

que, com o passar dos anos, a idéia amadurecesse e se desenvolvesse acompanhando a

própria história da instituição de ensino inspiradora de sua escrita.

Assim, logo na década de 20, quando abandona as folhas de papel almaço e

passa a ser impresso, o periódico apresenta, de acordo com sua periodicidade,

mais quatro fases, até 1981, quando, então, deixa de ser publicado. Ao longo

dessas, o reflexo de um tempo e as marcas do grupo social que atuava naquele

espaço parecem se evidenciar por artigos, capas, fotos e até mesmo

propagandas, que se distribuíram pelas diferentes décadas.

Divulgando como seu principal objetivo a necessidade de manter o elo entre

atuais e antigas alunas, o Traço de União como vitrine de sua instituição educacional

católica, tida como referência em métodos pedagógicos no Rio de Janeiro, deixa à

mostra de seus leitores os valores e as práticas escolares cotidianas que disseminavam

um modelo de educação feminina orientada às filhas da elite da capital da República.

Partindo desse entendimento, logo ao iniciar o mapeamento da coleção desse

periódico, algumas inquietações traduzem-se, então, em questões que buscarão

ser respondidas ao longo deste capítulo: Quem escrevia em suas edições? Como

suas seções e artigos foram estruturados? Como o cotidiano da instituição

educacional emergia em suas páginas? Quais práticas e ideais influenciaram

suas edições? Quem eram seus leitores? O que se destaca entre suas diferentes

fases?

A fim de respondê-las, os 3 jornais manuscritos e as 126 edições impressas do

Traço de União encontrados serão divididos em 5 fases estabelecidas a partir da

sua periodicidade, conforme resumido no quadro a seguir:

Page 33: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Quadro com as cinco fases do Traço de União

Fase do Traço de União Anos Total de periódicos publicados

Nº. de publicações anuais

1º - manuscrita 1908-1910 3 Sem periodicidade definida

2º - impressa 1924-1930 27 4

3º - impressa 1931-1948 53 3

4º - impressa 1949-1973 44 2

5º - impressa 1974-1981 2 1

Traço de União. Arquivo da CELPI.

1.1. O manuscrito: nasce um jornal escrito por alunas

Tanto quanto me agradam as viagens imaginárias pelas regiões alheias, tanto me desagradam as que pelas nessas regiões necessitam de trens (...) o terrível cheiro de carvão de pedra que fart mal au pour co nus dizem os francezes e que eu poderia traduzir ao pé da lettra em portuguez para meu uso. Pois a sensação que tenho participa das duas expressões. Só em dia de partida é que vem ao olfatoral odor, e dahi para o coração há pouco que andar.

Dizem que a passagem do coração da criança é feita pelo estômago... para o meu ir-se-há pelo nariz – sinto e a isso me servem nariz e coração...

Nestas condições foi feita a viagem do Rio para cá. 27

“Viagem” é o título que dá inicio à escrita dessa longa história feminina que foi

contada por setenta e três anos, a partir de 1908, quando o curso fundado por

Isabel Jacobina Lacombe entra de férias. Naquele tempo, a experiência

doméstica de ensino dessa educadora, que contava com o apoio de sua irmã

Francisca Jacobina Lacombe, se localizava em Laranjeiras, um bairro

proeminentemente urbano, que via seu espaço físico mudar cada vez mais em

decorrência da crescente industrialização. Nesse período, segundo Alves (1997),

ainda não havia nos códigos de valores das classes mais abastadas da sociedade

um sentido acentuado de isolamento em locais situados distantes do comércio e

27 Bib. Viagem. O Traço de União, 1908, p. 1-2.

Page 34: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

da vida agitada. No entanto, por causa de epidemias, mosquitos e problemas de

saneamento típicos de uma cidade que vinha se urbanizando, as pessoas com

maior poder aquisitivo acabavam alternando suas vidas entre residências

situadas em áreas rurais mais distantes e a permanência na cidade onde se

desenvolviam suas atividades cotidianas.

Sendo assim, contra a vida agitada da cidade, o campo aparecia sempre como

uma ótima oportunidade de se refugiar e, por isso, as primeiras alunas do curso, com a

autorização de seus responsáveis, viajaram de trem para a fazenda Morro Alto, de

familiares, aproveitando esse intervalo dos estudos. Laura e Mabel Jacobina Lacombe e

Maria Luísa de Aguiar Neves, filha adotiva de Isabel e Lalu Rios Bastos, que há tempos

já haviam aprendido as primeiras letras na pequena instituição educacional, uniram-se a

algumas primas que moravam na Morro Alto com a finalidade de eternizarem pela

escrita os agradáveis momentos passados nesse lugar afamado pelo clima agradável28.

Assim, ao conjunto de textos diários que surgiram dessa iniciativa, que tinha como

intuito enviar notícias para Isabel Jacobina Lacombe no Rio de Janeiro – suprimindo,

desse modo, as distâncias – foi dado o nome de O Traço de União.

Anunciado logo na parte de cima da primeira página como número único e

grátis, o primogênito de todos os que seriam escritos pelas alunas do Colégio Jacobina

apresenta uma diagramação de três colunas por página, improvisada à próprio punho, e

é destacado por suas autoras como Órgão Familiar e Quistoso.29 Iniciado em janeiro e

tendo como local de escrita a cidade de Amparo, o primeiro de todos os artigos fala

sobre as impressões da viagem e da fazenda onde se hospedaram as meninas.

28 Milú, O Traço de União, 1908, p. 3. 29 Quistoso significa querido, amado, benquisto.

Page 35: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Bib, Luar, Milú, Fiore Ete, Paulista são alguns dos pseudônimos que contam, ao

longo de quatro páginas, com tinta de cor verde, o dia-a-dia no campo caracterizado por

seu clima agradável. Inspiradas na prática de Isabel Jacobina Lacombe na época em que

escrevia em Progresso, jornalzinho da instituição de mesmo nome onde essa educadora

jacobinense se formou, essas autoras escreveram, em folha de papel almaço, de próprio

punho e com letras desenhadas, o manuscrito que inaugura a que aqui se considerou a

primeira fase do Traço de União.

De acordo com Laura Jacobina Lacombe foi em 1889 que o Colégio Progresso

publicou, impresso, um jornaizinho mensal. Nele, encontramos abundante colaboração

das alunas (...), algumas escrevem com pseudônimos e lamentamos não poder

identificá-las. 30 No tempo escolar de Isabel, muitas escritoras profissionais adotavam

pseudônimos para fugirem das críticas ou para não terem seus trabalhos menosprezados,

já que ao longo da história as mulheres foram consideradas intelectualmente inferiores

aos homens. Essa prática de adoção de outros nomes, que seguiu até início do século

XX, tinha a função, segundo Magalhães (1998), de proteger as autoras e suas famílias

de críticas mal intencionadas. No entanto, de acordo com Rocha (2003) os pseudônimos

vão saindo de cena, quando a condição social da mulher vai mudando e dando lugar a

30 Laura Jacobina Lacombe, 1962, p. 10.

Primeira página do Traço de União, escrita em janeiro de 1908. Arquivo da CELPI.

Page 36: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

um discurso hegemônico e socialmente aceito para a mulher, como a missão do

magistério, por exemplo. Naquele tempo, as únicas ocupações remuneradas viabilizadas

às mulheres de classe média eram a de enfermeira e a de professora que, segundo

Mignot (2002), não representavam ameaça à imagem de mães exemplares, donas de

casa dedicadas, esposas caridosas e religiosas. 31

Assim, seguindo as regras morais ditadas, entre outras instituições, pela Igreja

Católica, que impunha seus preceitos por meio das escolas e púlpitos,32 à mulher,

segundo Pinsky e Pedro (2003) devido a suas características supostamente naturais

como abnegação, sensibilidade e delicadeza, foi designada a missão de ser mãe

educadora de cidadãos dentro de uma sociedade que objetivava, em fins do século XIX

e início do XX, construir identidades nacionais, outorgando o mínimo de

homogeneidade à população. Como à escola primária foi dada a responsabilidade legal

e legítima de transmitir essa nova identidade, as mulheres que nesse espaço trabalharam

tiveram a possibilidade de ampliar sua área de atuação, sob a égide de que deveriam

tomar conta da sociedade, assim como faziam com seus lares33, sendo qualificadas

como uma espécie de construtoras da nação. Assim, como as mulheres passam a ser

aceitas cada vez mais no âmbito educacional, supõe-se que a escrita dessas poderia ser

instrutiva e, desse modo, vai sendo legitimada desde que não seja descaracterizada em

sua forma, que deveria ter como base a sensibilidade e delicadeza, o que limitava

socialmente a expressão feminina. No caso das alunas do Colégio Jacobina, a escrita

passou a preencher, ao longo dos anos, além desses requisitos, também fortemente,

desde seu início, um outro: a religiosidade, que embalou por muitas décadas as páginas

do jornal.

Essa prática do uso de pseudônimo, contudo, também terá continuidade nos

primeiros jornais da 2º fase do Traço de União, quando, para assinar os textos, algumas

alunas ainda utilizam pseudônimos, inclusive franceses e ingleses como: Elie’le,

Sumonimé, Maglot, Nanook, Ghyslaine. No entanto, de acordo com o que se pode

inferir, tais pseudônimos definitivamente já não são utilizados com a finalidade de

proteger a identidade das escritoras, visto que o que caracterizava e dava vida ao

impresso era justamente a escrita assumidamente feminina. Ao contrário do estudo de

Pessoa (2006) sobre o uso de pseudônimos no periódico Os Nossos Filhos, revista

31 Mignot, 2002, p. 132. 32 Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o púlpito é uma “Tribuna para pregadores, nos templos religiosos”. 33 Pinsky e Pedro, 2003, p. 274.

Page 37: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

editada no Estado Novo, em Portugal, as autoras do Traço de União que tiveram essa

prática, não objetivavam escapar da censura política ou escrever escondidas de suas

famílias. A idéia vai justamente no sentido oposto. Publicar no periódico do Colégio

Jacobina era motivo de orgulho para autoras, direção e familiares, já que os textos

selecionados pela instituição tinham como finalidade representar ideais daquele grupo

social. A linguagem delicada e sensível, a propagação dos princípios católicos e a

constatação de que a disciplina era essencial para as moças tementes a Deus, faziam dos

textos um emblema da instrução feminina jacobinense, que mostrava, acima de tudo, a

sensatez esperada para mulheres que se lançavam como escritoras, principalmente nas

primeiras décadas do século XX.

A continuidade na utilização de outros nomes para assinar artigos estava muito

mais relacionada a uma lógica estética, pois as assinaturas com pseudônimos europeus,

por exemplo, davam certo charme e elegância à escrita, já que tudo que vinha da Europa

era considerado, principalmente pela elite daquela época, mais avançado e refinado.

Além disso, a literatura estrangeira, de um modo geral, fazia parte do cotidiano das

alunas, que se apropriavam do nome de personagens literários para assinar os artigos.

Porém, de acordo com artigo publicado em 1933, esse tipo de prática é abandonada logo

nas primeiras edições publicadas ao longo da década de 20, por haver mais interesse em

conhecer as autoras dos diversos artigos. 34 Assim, a partir dessa versão, a pedido dos

próprios leitores, as alunas, e talvez algumas ex-alunas, resolveram se identificar com

seus nomes verdadeiros e com o ano escolar a que pertenceram no Jacobina,

sinalizando, por meio de uma escrita autorizada, quem eram as alunas que aquele

colégio católico instruía.

Assim, se por um lado o primeiro jornalzinho dessa primeira fase35 foi inspirado

na prática de Isabel de assinar com pseudônimo no Progresso, o mesmo não pode ser

dito em relação às temáticas abordadas. O Traço de União, nesse momento, não

prestigiou as atividades e cotidiano do curso, justamente por ter sido produzido nas

férias. Somente a partir do segundo número é que alguns aspectos relacionados à rotina

jacobinense serão contemplados, aproximando-se mais do estilo do Progresso, que

tinha como objetivo registrar o universo das mulheres instruídas pelo Colégio de mesmo

nome, dirigido pela norte-americana e escolanovista Miss Eleanor Leslie Hentz.

34 S/n. ‘Pequeno histórico do Traço de União’. Traço de União, 1933, n. 3, p. 2. 35 Nessa fase, não é possível encontrar numeração descrita nas páginas do jornal. A numeração utilizada nesse capítulo para fazer citações, é baseada na ordem em que aparecem as páginas.

Page 38: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

O segundo dos jornaizinhos manuscritos desta primeira fase analisada, data de

maio de 1910 e se destacou ainda mais por sua escrita em forma de diário, uma vez que,

em quase todos os dias desse mês, as alunas do curso escreveram com o intuito de

manter contato com o Padre Rezende, amigo do curso desde os primeiros tempos, que

havia sido transferido para uma paróquia em outra região do Rio de Janeiro:

Sob a proteção de N. Senhora começamos hoje o nosso Traço de União no qual queremos conservar as nossas impressões diárias. Somos 5 amiguinhas, que prometemos proseguir36 sempre unidas na marcha quotidiana em busca de um ideal. Formamos para este fim uma sociedade, a qual chamamos ‘secreta mystica’. Hj domingo passamos um delicioso dia juntas trabalhando para o mesmo fim. Ninguém calcula com que prazer todas nós nos esforçamos fazendo umas balinhas para adoçar a boca de alguém q só diz palavras doces. Esse alguém, que com tanto carinho nos guia e aconselha acha se agora bem separado de nós, no Engenho Novo. É elle o nosso bom Padre Rezende. As balinhas foram acompanhadas de uma paródia do Padre Nosso, que foi a seguinte: Padre nosso, que estais no Engenho Novo lembrado é o vosso nome aqui no barracão37 como em toda a gloria, venha a nós às 5ªs feiras, seja feita a nossa vontade agora e sempre. Aceita as balinhas, que aqui, vão perdoai se não tiverem gostosas (...) Não nos deixeis aqui tão sós mas vende cá sempre matar as saudades – Assim seja.38

Somando vinte e duas páginas, repletas de saudosismos e preceitos religiosos, a

escrita das meninas, que se valiam de pseudônimos nas assinaturas, mantinha uma

relação de amizade com as folhas de papel almaço, onde confidenciavam e relatavam,

em tinta preta, seu dia-a-dia no curso, falavam sobre os maravilhosos feitos do Padre

Rezende no passado e no momento presente, anunciavam datas e celebrações religiosas,

faziam reclamações de situações corriqueiras, narravam sua relação com a religião

durante os dias, atualizavam notícias de pessoas próximas, contavam anedotas com

situações religiosas, escreviam receitas de doces, faziam reflexões, entre outras, que

visavam a perpetuar a forte ligação com o importante amigo e conselheiro religioso.

Quadro com a relação de exemplares manuscritos da 1º fase do Traço de União: 1908 - 1910

ANO MÊS DIAS NÚMERO DE

COLUNAS

NÚMERO DE PÁGINAS

1908

Janeiro Não especificado. 3 4

36 Observa-se que a grafia da palavra está incorreta no original. 37 Barracão era o nome dado à primeira casa onde se iniciou o Curso. Localizava-se na Rua Almirante Tamandaré, no Flamengo, e, segundo Lacombe (1962), era um grande casarão, com grandes salões nos quais cabiam muitas pessoas. 38 S/a. Traço de União, 1910, p.1.

Page 39: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

1910 Maio 1, 2, 3, 4, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31

2 22

1910 Junho 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15

2 12

Traço de União. Arquivo da CELPI.

Embora o entendimento da lógica da freqüência em que foi escrito o manuscrito,

no período em destaque, tenha sido dificultada pelo fato de três números do jornal

estarem juntos em uma só capa ilustrada, sabe-se que pelo menos um deles

possivelmente se perdeu no próprio local onde estão arquivados todos os documentos

existentes na CELPI. Contudo, entende-se que essa capa seria do segundo ou do terceiro

manuscrito, pois o nome já aparece como Traço de União ao invés de O Traço de

União, como surgiu em 1908.

O terceiro e último dos jornais manuscritos a que se pôde ter acesso, data de

junho de 1910, como se pode comprovar na próxima imagem à direita, e estampa, logo

em sua primeira página, a foto do Padre Rezende seguida de um texto de difícil leitura,

devido à letra quase incompreensível, que exalta a comemoração da realização da

primeira missa dita, realizada pelo sacerdote nove anos antes.

Page 40: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Escrito em doze páginas, o jornal segue o mesmo fio condutor do anterior em

relação aos textos que priorizam o cotidiano das primeiras alunas do Curso e de seus

envolvimentos com a religião católica. É possível perceber que a auto-regulação das

alunas se dava de forma bem expressiva na escrita, uma vez que nos três jornais, e mais

ainda nos dois últimos dirigidos ao Padre Rezende, a preocupação em mencionar os

preceitos religiosos aliados às atitudes diárias torna-se marca registrada de quase todos

os textos do amigo confidente Traço de União:

Não deveria ser meu o encargo de relatar os fatos, acontecimentos do dia de hoje porque não tenho facilidade bastante para transmitir os sentimentos. Esta data comemora a primeira missa dita do Pe. Rezende cujo retrato assim mostramos. Fazem hoje 9 anos, q pela primeira vez, cheia de santa emoção, fez descer, do alto do céu, em suas mãos de sacerdote, o rei dos reis, o senhor dos senhores, o bom Jesus, sacramentado. (...) Que felicidade inigualável, incomparável deve ter sentido neste momento, em tocar, receber em suas mãos, em seu coração, Jesus, o próprio Jesus que ainda hoje receberam minhas companheiras; o Jesus que para nos salvar e reunir, por nosso amor, morreu sobre uma cruz! Ah! Se pensássemos sempre nisto nunca haveríamos de cometer falta alguma que se quer desagradasse a Elle. (...) O reto do dia passou-se sobre esta doce impressão.39

Rompendo o silêncio sobre o mundo, as mulheres brasileiras que tiveram

oportunidade de aprender a ler e escrever, já buscavam refletir sobre a própria vida

desde o século XIX, como observam Mignot, Bastos e Cunha (2000). A partir de uma

escrita estimulada por educadores, familiares e confessores, que visavam a uma

educação dos sentimentos, elas passaram a registrar os acontecimentos mais importantes

do dia, por meio de diários e correspondências entre amigas.

Nesse sentido, a escrita do Traço de União, contemplando em seu início um

aspecto confessional, foi estimulada não somente por Isabel Jacobina Lacombe e outros

familiares que compunham o universo educacional daquelas meninas, mas também pelo

próprio cônego amigo da família Jacobina, o Padre Rezende que, mesmo após ter ido

para a paróquia do Engenho Novo, continuava recebendo com entusiasmo, além dos

diários-correspondências, também as doces balinhas de chocolate preparadas pelas

alunas desse curso:

39 Paulista. S/t. Traço de União, 1910, junho, p. 1.

Capa desenhada à mão de um dos primeiros números do Traço de União e, ao lado, a primeira página do jornal de junho de 1910. Arquivo da CELPI.

Page 41: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Sábado, 11 – 6 – 1910. Tenho a especialidade de fazer diário em grandes datas: 3 de maio, 11 de junho celebre batalha do Riachuelo, onde se distinguiram muitos bravos brasileiros. Depois de um combate de 8 horas os Paraguayanos foram derrotados e a esquadra em parte destruída o exercito brasileiro era comandado pelo Almirante Barroso. Tivemos feriado, foi muito bom, pois faltariam meninas (...) aproveitamos para fazer ballas de chocolate nem precisa dizer para quem... A noite foram todos ao theatro Theodoro e Cia. Nos ficamos em casa preparamos tudo q Guilhermina deverá levar amanhã pois ella vae ao Engenho Novo e vai muito cedo(...).40

Autores de diário, de acordo com Cunha (op. cit.), organizam seu cotidiano pela

escrita, situam-se no mundo tornando a escrita desse uma fonte preciosa para o

conhecimento das maneiras de viver, das idéias que circulam, dos signos e códigos de

comportamento que se impõem em determinado tempo. Assim, expondo dúvidas, mil

nadas, fragmentos da memória pessoal, familiar e grupal de seu tempo, o trabalho com

esse material torna possível dar visibilidade ao que estava destinado ao silêncio e ao

esquecimento.41

Os diários começaram a ser escritos em segredo, reservados ao privado, até quando, pouco a pouco, passaram a circular pelo meio familiar tomando a forma de textos vivos, fruto de uma memória familiar, tornando-se essa prática de escrita, resultado de uma crônica da vida provada, que afirmando-se no século XIX42, ‘faz do privado um lugar de felicidade imóvel, cujo palco é a casa, os atores, os membros da família, e as mulheres, testemunhas e cronistas... Na rememoração, as mulheres são, em suma, os porta-vozes da vida privada’. 43

Pode-se dizer que a escrita informal e familiar dos primeiros números do jornalzinho Traço de União objetivava mais do que uma educação dos sentimentos por meio do registro confessional. Também anunciava e promovia o propósito da educação recebida pelas primeiras alunas instruídas naquele espaço educacional, que apresentavam já nessa prática o reflexo dos ideais de suas educadoras responsáveis. O curso criado por Isabel foi desde seu início orientado sob os princípios católicos para educar suas alunas que, logo nos primeiros tempos, começaram a ser constituídas por filhas do seu círculo de famílias amigas da vizinhança que possuíam um elevado capital cultural44 e partilhavam de códigos de valores muito próximos, dentre os quais, o de oferecer às suas crianças uma educação moderna. Atendendo à demanda da sociedade, o Curso Jacobina tinha um projeto pedagógico voltado para uma

40 Paulista, S/t. Traço de União, 1910, junho, p. 9. 41 Cunha, 2000, p. 160. 42 Id. 43 Perrot, 1989, p. 14-17 apud Cunha, 2000, p. 161. 44 Segundo Lacombe (1962) na Rua Almirante Tamandaré, onde se localizava o Curso em sua fundação, habitavam famílias tradicionais, entre as quais encontravam-se os Aguiar, os Burque de Macedo, os Niemeyer, os Osórios de Almeida, os Rodrigues Peixoto, os Texeira, entre outros, cujo sobrenome traduzia a classe social pertencente.

Page 42: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

nova sociabilidade que esperava que a mulher fosse instruída não somente para educar filhos ou possivelmente alunos, mas também capaz de brilhar nos espaços sociais sendo prendada, capaz de agradar e conversar:45

Cantos, recitativos, merenda, recreio, orações, palavras de conselho, entremeavam as aulas de Linguagem, Redação, Caligrafia, Recitação, Geometria, Francês, Física, Calistenia, Botânica, Desenho, Geografia, História, Música e noções de Religião, que preparavam, mediante o estudo do catecismo, para a primeira comunhão. O horário, no entanto, não ousava ultrapassar as 16 horas para não perturbar os compromissos sociais das alunas: chás verpertinos e visitas familiares.

Aos sábados – jornada escolar menor - era a vez da ora do conto, recitação de poesias, monólogos e leituras em voz alta de textos em francês, encenação de peças de teatro.(...) As práticas antes reservadas aos salões, constituíam-se em ensinamento moral vivo, agradável, ocasiões para compartilhar (...).46

A fotografia do curso em seu início, abaixo, permite observar a presença de

crianças de famílias tradicionais como a Ruy Barbosa, Aguiar, Neves, Niemeyer, entre

outras, que ajudaram a dar nome e tradição ao colégio. Além da própria família

Lacombe e Jacobina, também outras apresentam mais de um membro da família na

instituição, como é o caso dos César, por exemplo. Ainda ao longo das fases do Traço

de União, percebe-se que várias gerações de uma mesma família, assim, estudaram

nesse curso ou, ainda, ao se formarem, passaram a fazer parte do corpo docente da

instituição. Isso aponta para a idéia inicial do Jacobina, que irá se prolongar ao longo

das décadas, de associar educação à família.

45 Segundo Mignot (2002), o Curso fundado pela família Jacobina tinha por finalidade, nessa época, preparar as mulheres para papéis que, socialmente aceitos numa cidade que estava se urbanizando, iam além dos trabalhos com agulha e cuidados com a casa e com os filhos, pois a estes trabalhos deveria se somar a organização de festas e reuniões, costumes da alta sociedade da época no Rio de Janeiro. 46 Mignot, 2002, p. 128.

Page 43: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Tomando como exemplo, o texto publicado no Traço de União de 1931, em que

uma aluna do primário descreve seu primeiro dia de aula após as férias, percebe-se

como isso é instituído dentro do colégio ao longo dos anos. Nesse relato a autora fala

que a primeira coisa que fez ao chegar à escola foi abraçar suas companheiras de turma

devido à grande saudade que lhes assomara nas férias e, logo em seguida, juntamente

com as demais, diz ter ido ao encontro da diretora D. Belinha que estava acompanhada

de Laura Jacobina Lacombe para proferir, acolhedoramente, palavras às suas alunas:

Fez-se silencio, D. Belinha entrou, acompanhada de D. Laura. D. Belinha começou a

falar, dizendo: Minhas filhas! Sim, minhas filhas, porque o Curso Jacobina é uma

grande família. É aqui que vocês fazem suas amizades por toda a vida(...) E

complementa seu texto citando a última fala da diretora que, embora fosse sempre

lembrada nos artigos por sua faceta de educadora carinhosa, também era representada

pela exigência da disciplina: Quero que dobrem o zelo e actividade e sobretudo o

comportamento. As antigas alumnas darão bom exemplo ás novas.47

Laura Jacobina Lacombe, por sua vez, assinalou em suas memórias que a

expansão da instituição se deu a partir dos ideais ligados não somente à família, mas

também à educação moderna, religião e disciplina e que devido a isso, ao passar dos

anos, o colégio viu multiplicar o seu número de matrículas, tendo que aumentar o

quadro de professores e ocupar espaços maiores. Assim, passou da casa de Isabel

Jacobina Lacombe localizada à rua Almirante Tamandaré, onde esteve até 1912, para a

rua Guanabara, onde o Curso se desenvolveu e fortaleceu seus ideais, gerando uma

identidade muito própria. E foi justamente nesse período em que passou a receber o

nome do pai de sua fundadora: Jacobina.

47 Dora Lucylia Guimarães Baptista, 5º ano primário. ‘1º dia de aula’. Traço de União, 1931, n.1, p.6

Primeira fotografia das alunas do Curso. Crianças da foto: Mabel Lacombe, Baby Ruy Barbosa, Luisa Texeira, Nair Paes, Noemi Caldas Brito, Maria Luiza Aguiar Neves, Luisa César, Maria César, Laura Lacombe, Heloisa Almeida, Domingos Octávio, Victor e Mario Lacombe, Emery Jacobina, Elza Caldas Brito, Guiomar Niemeyer, Branca Osório de Almeida. Fonte: LACOMBE, Laura Jacobina. Como Nasceu o Colégio Jacobina, 1962, p. 123.

Page 44: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Em 1916 o Curso passou a ter um caráter mais oficial partindo de um regimento

próprio, em que se mostrava claramente que o maior objetivo do Jacobina, além de um

ensino que viabilizasse a suas alunas o acesso ao que havia de mais moderno em

métodos educativos48 que eram trazidos do exterior, também era a formação de

professoras:

A organização do plano de estudos e dos métodos de ensino deste externato, foi colocada em suas linhas geraes pela das escolas americanas (elementary schools de Boston, Washington e, principalmente, de Nova Iorque.”(...) Tendo a recente Escola Normal adotado uma orientação de ensino que se aproxima da que vinha sendo seguida pelo Curso, e ao mesmo tempo, permitindo a admissão ao seu 5º ano, foram feitas algumas modificações no programa, de modo a que os 5º e 6º anos fiquem correspondendo ao 1º e 2º anos da Escola Normal. As alunas que terminarem o 6º ano, estarão assim habilitadas a prestar exame para serem admitidas ao 3º ano da Escola Normal49.

Organizado em curso primário, duração de três anos, e curso secundário50,

duração de seis anos, onde eram admitidos também meninos, a instituição já assumia

sua posição de ensino preparatório para futuros mestres, embora não fosse um Curso

Normal. No entanto, pode-se perceber, de acordo com a documentação encontrada na

Biblioteca Nacional e levantamento de textos publicados no Traço de União, que a

entrada de meninos no curso nunca foi estimulada. Inclusive, nesse período, é possível

notar que o número não ultrapassava um menino por turma, assim mesmo nas duas mais

adiantadas, o que legitima o caráter predominantemente feminino da instituição51. Em

1916 a composição do quadro de alunos era o seguinte:

1- Divisão de classes e turmas Classe A: 9 alunas Classe B: 13 alunas Classe C: 8 alunas 1º ano – 19 alunas

48 Essa persistência em contemplar no colégio Jacobina um ensino moderno para atender as demandas de seu público alvo, ganhará ainda mais notoriedade quando Laura Jacobina, juntamente com sua mãe Isabel Jacobina, atuarem fortemente na década de 20 e 30 no cenário político-educacional do país ao se filiarem a ABE e tentarem com o grupo de educadores denominado escolanovistas, lutar pela implantação de um ensino diferenciado nas escolas. Em relação a esse tema, será aprofundado especificamente mais à frente, ao percorrer as fases do Traço de União. 49 Regimento do Curso Jacobina, 1916, preâmbulo. 50 A documentação disponível levantada, não deixa clara a existência e o funcionamento de um Curso Normal nesse período dentro do Jacobina. O que parece acontecer é a aprovação jurídica e legal de alunas e alunos poderem passar , quando assim desejarem e após cumprimento de exames, do 6º ano do ensino secundário do Curso Jacobina direto para os dois últimos anos de qualquer Curso Normal. 51 Essa foi a única informação possível de ser coletada em relação ao número exato de alunos matriculados na instituição ao longo dos anos.

Page 45: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

2º ano – 1º divisão – 9 alunas 2º divisão – 13 alunas 3º ano – 16 alunas 4º ano- 15 alunas e 1 aluno 5º ano – 11 alunas 6º ano – 7 alunas e 1 aluno.52

Entre as inúmeras mudanças que constam nesse processo de estabelecimento e

desenvolvimento do Curso, começou Laura, filha mais nova de Isabel, já formada, a se

dedicar ao ensino da instituição, e anos mais tarde iria assumir sua direção, durante

décadas, e oficializar, junto à sua mãe e à sua tia Chiquinha, o jornal que guardaria, ao

longo dos anos, a história jacobinense e as práticas escolares daquelas que foram

educadas, inicialmente, para atuar, prioritariamente, como esposas, mães dedicadas e,

quando permitido pela família ou pelo marido, como professoras atuantes, assim como

as primeiras, em prol da nação.

1.2. Marcas impressas de uma instituição católica e renovadora

Conservar é transformar53 foi o lema em que se pautou o Traço de União para

escrever sobre o cotidiano do Curso Jacobina a partir dessa sua 2º fase. Retratando,

assim, pelo periódico, que a instituição uniu os métodos propostos pelo ideário

escolanovista a um currículo diversificado que se destacava pela excelência e

especificidade feminina nas disciplinas propostas, essa instituição educacional

apresentou um programa que abrangia literatura inglesa e francesa, recitais, botânica,

redação, física, ginástica, história, música, poesias e encenações de peças teatrais. Além

dessas, marcando fortemente a identidade do curso, eram ministradas noções de

religião, com intuito de preparar as alunas para a Primeira Comunhão, e Pedagogia,

ainda que não fosse um Curso Normal. Isso porque, segundo as suas diretoras, a

educação da mulher deveria contemplar tudo o que havia de mais moderno, guiada por

valores católicos, para que as formadas tivessem êxito ao cumprir sua função social que

consistia em educar e formar a consciência de cidadãos.

52 Regimento do Curso Jacobina, 1916, p.16. 53 Expressão utilizada por Laura Jacobina Lacombe para descrever o que era o Colégio Jacobina desde seu início.

Page 46: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Divulgando muito do projeto pedagógico do colégio que se adequava às

inovações educacionais do momento, as páginas dessa fase do Traço de União, por mais

que tivessem se proposto a tratar do seu ensino moderno, não ocultavam, assim, que a

instituição, acima de tudo, visava com seu currículo a preparar para o exercício de

papéis socialmente aceitos numa cidade que se urbanizava, cabendo à mulher além da

responsabilidade do lar, cuidado com os filhos e trabalhos de agulha, a organização de

festas e reuniões. (...) O objetivo consistia em formar mães de família zelosas, donas-

de-casa exemplares, senhoras de sociedade polidas.54

Assim como observou Santos (2004) em seu estudo sobre escrita na imprensa

feminina católica, pode-se dizer que o Traço de União além de ter sido uma forma de

regulação de práticas e discursos, também foi uma estratégia de divulgação da

instituição. Veiculando sempre o lado positivo do colégio e de seus preceitos, o

periódico chegou aos leitores, ao longo de todos os anos, na tentativa de fazê-los

reafirmar suas escolhas em relação ao ensino renovador e à religião.

Iniciada em 1924, quando o periódico sofre uma brusca mudança física passando

a ser impresso, essa fase, assim classificada por apresentar quatro edições ao ano até

dezembro de 1930, tem um número de páginas55 que varia entre 6 a 14 por exemplar,

sendo essas diagramadas em três colunas.

Quadro com a relação de periódicos publicados na 2º fase do Traço de União: 1924 - 193056

ANO DATA NÚMERO DO PERIÓDICO

NÚMERO DE PÁGINAS

I Maio de 1924 1 6 I Agosto de 1924 2 6 I Setembro de 1924 3 6 I Dezembro de 1924 4 8 II Junho de 1925 1 6 II Agosto de 1925 2 6 II ? de 1925 3 12 II Dezembro de 1925 4 6 III Maio de 1926 1 8 III Julho de 1926 2 8 III Setembro de 1926 3 8 III Dezembro de 1926 4 8 IV Junho de 1927 1 6 IV Agosto de 1927 2 8 IV Setembro e Novembro de 1927 3 e 4 31 V Maio de 1928 1 10

54 Mignot, 2002, p.127. 55 Somente em uma edição comemorativa o número de páginas foge a essa regra e chega a 31. 56 As páginas do Traço de União eram numeradas, na maioria das vezes, até a penúltima folha, não contendo numeração na última que, geralmente, era constituída por desenhos, fotos e propagandas.

Page 47: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

V Junho de 1928 2 8 V Agosto de 1928 3 10 V Dezembro de 1928 4 14 VI Maio de 1929 1 10 VI Julho de 1929 2 10 VI Setembro de 1929 3 10 VI Novembro de 1929 4 10 VII Maio de 1930 1 12 VII Julho de 1930 2 14 VII Setembro de 1930 3 14 VII Dezembro de 1930 4 8

Traço de União. Arquivo da CELPI.

Nessa fase o periódico, enquanto impresso, ainda não apresentava capa ilustrada

e nem possuía sumário, no entanto, duas seções já aparecem para ficar ao longo dos

séculos: “Croniqueta”, com o propósito de situar os acontecimentos escolares entre a

publicação anterior e a nova, além de também permitir que alunas formandas

comentassem seu último ano na instituição, e “Registros”, que tinha por objetivo

informar sobre nascimentos, casamentos, noivados57, aniversários e falecimentos

daqueles que, de alguma forma, tinham um vínculo com a instituição ou com a família

jacobinense.

A experiência adquirida com os primeiros anos de publicação fez com que o

Traço de União fosse se aperfeiçoando melhor em termos de organização até o fim

dessa fase. Os artigos, que inicialmente eram distribuídos sem critérios muito claros,

passaram, então, pela preocupação de inserção em seções específicas. Nesse contexto,

surgiu, em 1928, a “Trabalhos diversos”, seção que acompanhará o periódico durante as

décadas, para de modo mais organizado separar os textos que, até então, tematizando

assuntos variados e não se encaixando em nenhuma das seções já existentes, ficavam

perdidos no meio da publicação.

Ainda no fim dessa segunda fase do periódico, alguns sujeitos escolares

começam a sair do anonimato e passam a aparecer logo nas primeiras páginas da

publicação. Assim, além das formandas, que já tinham espaço reservado na

“Croniqueta”, começaram a assinar os textos os professores e a direção que,

anteriormente se limitavam prioritariamente a orientar a escrita das alunas. Por isso,

essa fase se caracteriza por incorporar os diferentes sujeitos que atuam no Jacobina.

Seus textos ocupam amplos espaços para tratar do cotidiano escolar vivenciado durante

o ano letivo e promover seus ideais pelos discursos. Os discursos das cerimônias

57 Percebe-se que, ao longo das décadas iniciais do século XX, o noivado entre um casal era noticiado pelos números do Traço de União da seguinte forma: “Contractaram noivado...”.

Page 48: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

formais de encerramento de fim do ano letivo do Curso Jacobina e das comemorações

de aniversário da instituição começaram também a ter espaço no periódico em 1928 em

uma nova sessão denominada “Echos”, ou seja, “Ecos”. O nome dessa seção foi dado

justamente por ela publicar, sempre na primeira edição de cada ano, o que se passou no

término do ano anterior, sendo de certo modo, um eco ou repetição daquilo que havia

sido dito anteriormente, mas não teve oportunidade de ser veiculado, em razão das

férias escolares. Versando, entre outras temáticas, sobre a formação feminina no colégio

e sua função dentro da família e da sociedade, os discursos de formatura publicados

nessa seção apareciam em destaque no periódico, onde ganhavam, somente uma vez por

ano, além das primeiras páginas, também um grande espaço nas edições do Traço de

União.

Também, somente no fim dessa etapa, confirmando o seu desenvolvimento,

ocorrem algumas mudanças visíveis nos créditos em destaque no expediente do

periódico, começando, na publicação de junho de 1928, a figurar uma diretoria

composta de alunas que ajudam na elaboração dos textos: Reunimo-nos outro dia para

combinar uma séria questão: a do ‘Traço de União’. Acabada a sessão, ficou decidido

conforme o programa organizado por Laura, que d’óra em diante o jornalzinho terá

uma directoria entregue ás meninas do 4º e 5º ano. Foram criados diversos cargos,

para mais perfeito andamento.58

Os cargos liderados pelas alunas, de acordo com essa mudança, destacam-se

como Diretora Geral, Tesoureira, Redatora e Secretária, e se observa um revezamento

entre as jovens no exercício dessas funções, ou seja, cada grupo ocupa esses cargos no

período de um ano, possibilitando, desse modo, uma divisão do trabalho e o estímulo

para que diferentes alunas participassem da escrita de seu cotidiano com

responsabilidade e organização. Com isso, Laura acreditava estar dando oportunidade

para que suas alunas descobrissem e desenvolvessem vocações a partir desse jornal que,

em 1929, passa a ser considerado uma revista, estimulando, principalmente em sua

terceira fase, uma identidade mais jovial em suas edições.

No entanto, ainda que ao longo dessa fase tenham ocorrido inúmeras mudanças

até o impresso ficar mais organizado e interessante, um espaço sempre esteve presente e

demarcado. Foi desde os primeiros números da edição que as ex-alunas iniciaram o

exercício da escrita em um espaço que mantiveram até o fim das edições. Enviando

58 Marilia Lustosa. ‘Noticiário’. Traço de União, n. 2, 1928, p. 7-8.

Page 49: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

cartas para a publicação, escrevendo para elucidar e propagar os trabalhos voluntários e

filantrópicos que assumiam, elas iam, ao longo dos anos, expressando suas opiniões e se

apropriando desse veículo de comunicação para que, juntamente com outros espaços de

escrita do periódico, pudessem divulgar suas atuações em torno dos ideais católicos.

Seus discursos, assim como o das alunas, partiam nitidamente do princípio de que a

mulher da elite deveria ser educada para atuar na sociedade, construindo uma verdadeira

nação, atuando nos lares como mães e esposas dedicadas, ajudando os pobres nos

trabalhos de caridade e nas escolas formando os futuros cidadãos. Sentindo-se

privilegiadas entre as demais mulheres no início do século, já que a educação feminina

ainda se limitava a atender um número reduzido, as formadas pelo Colégio Jacobina

defendiam através das edições que deveriam retribuir à sociedade a instrução recebida:

Ordenou-me D. Belinha que recordasse o curso, no seu início, há 25 anos (...) Era uma verdadeira família. (...) E tudo ali aprendemos. (...) Hoje o colégio progrediu, desenvolveu-se (...) No entanto, qualquer uma de nós, ao entrar no Curso Jacobina, onde nada resta do nosso tempo (...) Onde materialmente nenhuma coisa lembra o passado, sente-se em ‘seu’ collegio, onde estudou, onde viveu. É que, se a aparência é outra, o sentimento é o mesmo. Desde o seu primeiro dia, as diretoras tiveram como ideal, além de ensinar, ‘desenvolver o desejo de adquirir novos conhecimentos e a vontade de fazer alguma coisa’, esses são na opinião de Elles, os verdadeiros fins da educação e únicos capazes de nos elevar. Eu acrescentaria o que ouvi há dias: ‘Fazer alguma coisa de modo a procurar pagar à sociedade o que della recebemos’. Incutir no espírito de suas alunas esses princípios, foi sempre o ideal das diretoras do Curso Jacobina. 59

E nisso se fundou a instrução oferecida pelo Jacobina disseminada nas páginas

do Traço de União, ao longo dos anos. As diretoras Isabel e Francisca Jacobina

Lacombe e, posteriormente, Laura Jacobina Lacombe, esforçaram-se para preparar suas

alunas para atuarem em sua suposta missão na sociedade. Para isso, incutiam-lhes

valores arraigados ao catolicismo, procurando trabalhar, assim, o espírito das alunas.

Essa educação integral se destacou justamente por ter como base o escolanovismo, com

ênfase simultaneamente no desenvolvendo do caráter, da personalidade e do intelecto.

Desde quando foi fundado, o colégio procurou ser inovador em seus métodos: as

alunas representavam, cantavam em corais e recitavam influenciadas pela cultura

francesa. As inovações dentro do Jacobina, que se deram a partir da influência do

Colégio Progresso estabelecidas na educação de Isabel, fizeram desta instituição de

ensino, referência no Rio de Janeiro, pois foi a única escola católica de ensino do 59 Branca de Almeida Fialho. Chroniqueta. Traço de União, 1927, n. 1 e 2. p. 24-25.

Page 50: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Distrito Federal, segundo Alves (1997), a adotar a nova educação60 proposta nesse

período.

Apesar de considerar as perspectivas educacionais desde o seu início, foi

decisivamente, em 1925, que as mudanças metodológicas são consideradas

significativas, tendo grande repercussão no meio educacional e deixando suas marcas

no Traço de União:

Trouxe-nos D. Laura da Europa, algumas novidades e entre ellas, um novo systema afim de manter a disciplina, muito bem aceito por quase todas as classes. Consiste no seguinte: cada classe elege (uma vez por mez) uma menina para presidente, e outras que tem cargos diferentes com sejam: official de limpeza, da ordem, religião, secretaria, bibliothecaria, etc...Dirigido é facílima a manutenção da ordem em toda classe, que por sua vez reunidas formam um collegio disciplinado.61

O novo sistema de ensino trazido de Genebra por Laura Jacobina Lacombe, onde

esteve com a finalidade de cursar as aulas do Instituto Jean Jacques Rousseau, foi um

marco para professores e alunas que entendiam, de acordo com as publicações do Traço

de União, que a partir daquele momento os novos horizontes haviam se aberto para o

Curso Jacobina. Aluna de Édouard Claparède, artífice de muitas teorias da educação

moderna, Laura pôde ampliar seus conhecimentos e contatos, garantindo lugar de

destaque na Associação Brasileira de Educação (ABE), espaço onde se reuniam, desde

1924, renomados intelectuais escolanovistas do país.

Fundado na concepção de ordem social e democracia, os métodos trazidos dessa

viagem, buscavam habituar as meninas para que elas tenham responsabilidade (...)

mesmo na ausência da professora. 62 Isso, assim, era justificado, pois era fato sabido

que para um viver é necessário a ordem. 63 Tal inovação mostrou ser absorvida

rapidamente por professores, alunas e direção que logo atrelaram a Deus o sucesso do

processo: espero pois em Deus, que esta organização não pereça em nosso caro curso e

que D. Laura tenha o prazer de ver que as brasileiras também sabem fazer as cousas

bem feitas...Roma não se fez num dia e temos ainda muito que trabalhar afim de

chegarmos a uma perfeição relativa. 64

60 Nesse tempo, de acordo com Alves (1997), as únicas instituições de ensino que se dispuseram a adotar a Escola Nova no Distrito Federal, situado no Rio de Janeiro, foram os colégios protestantes que chegaram no país junto às suas missões de evangelização. 61 Nanook. “Croniqueta”. Traço de União, 1925, n. 2, p. 1. 62 Nanook. “Croniqueta”. Traço de União, 1925, n. 2, p. 1. 63 Id. 64 Id.

Page 51: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Claparède, ao longo dos tempos, passou a ser considerado um grande mestre e

amigo de Laura65, chegando inclusive a visitar, quando esteve no Brasil em 1930, as

instalações do Colégio Jacobina: Honrou-nos com sua visita o professor Édouard

Claparède, autoridade mundial em psycologia, mostrando-se interessado pelo ambiente

de família que caracteriza o nosso “curso”. Disse elle ao sair: “C’est mon école idéale,

une grand famille”.66

As impressões desse intelectual sobre o colégio, foram, assim, publicadas em

mais de uma edição do Traço de União, que soube trabalhar o lado positivo dessa

importante visita para o colégio que naqueles tempos impunha uma imagem de destaque

entre as outras instituições de ensino. Isabel Jacobina Lacombe ao proferir o discurso de

encerramento de fim de ano publicado na seção “Echos” do periódico, falou a alunas,

pais e professores sobre o prazer oriundo da visita de Claparède e, também da Suíça, de

Mme. Artus Perrelet a insigne e conhecida professora de desenho. A modéstia nos faz

calar os conceitos que d’esses mestres ouvimos sobre o nosso trabalho e nossa

organização.67

Nessa fase do periódico, nota-se que inúmeros foram os intelectuais, diretores de

colégios de outros estados do Brasil, educadores católicos e políticos que se

interessaram em pessoalmente verificar a implantação dos novos métodos no Colégio

Jacobina. Delgado de Carvalho, Lourenço Filho, o oficial de gabinete do Diretor da

Instrução Pública Álvaro de Souza Gomes, o Ministro da Educação Francisco Campos,

o professor da Academia Superior do Comércio Orlando Gáudio, a cientista francesa

Mme. Henri Píeron, entre muitos outros, constituem a lista de visitantes prestigiados nas

publicações do periódico entre 1924 e 1931.

Alguns desses visitantes não só fizeram elogios, como também deixaram

sugestões, como foi o caso de Delgado de Carvalho, geógrafo escolanovista que na

época em que esteve na instituição de ensino, em 1928, participava dos debates da

Associação Brasileira de Educação com as diretoras jacobinenses. Segundo Coelho

(2006), esse conceituado educador inovou o estudo de geografia no país, partindo, para

tanto, dos conceitos desenvolvidos pela escola francesa. Defendendo que a reforma do 65 Essa impressão foi concluída na edição comemorativa dos cinqüenta anos de Traço de União, onde Laura faz uma homenagem à Claparède e elucida a morte de seu filho, Jean Louis, fato que levou a educadora a consolá-lo por meio do envio de livros católicos, que abordavam a temática do sofrimento. O professor, por sua vez, agradeceu por meio de uma carta, onde manifestou, de acordo com o relato de Laura “toda emoção que lhe tinha causado essa lembrança, grato por ser acompanhado quando sentia esse vazio, que nunca poderia ser preenchido”. 66 S/n. Noticiário. Traço de União, 1930, n. 2, p. 14. 67 Isabel Jacobina Lacombe, “Echos de 1930”. Traço de União, 1931, n.1, p. 2.

Page 52: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

ensino proposta na ABE deveria passar pela transformação dos programas e da prática

dos professores, Delgado de Carvalho divulgou, através de seus livros, novas práticas de

ensino da geografia que, avessas à memorização, se pautavam em atividades como a

cartografia e a dissertação, orientando os professores a dar exemplos com base na

realidade brasileira e usar palavras simples que possam ser facilmente entendidas

pelos alunos. 68

Sendo assim, a partir da ida desse educador ao Jacobina, a sala de geografia foi

readaptada como conta a aluna Zélia Levy: Recebemos há dias a visita do Dr. Delgado

de Carvalho, que gentilmente, apresentou sugestões a respeito da “sala de Geografia”

prestes a se organizar. Será explendido quando tivermos uma sala só para o estudo

dessa maravilhosa matéria, que nos leva desde a hypóteses cosmogonicas até às

particularidades da geografia regional.69

Muitos foram os estudiosos escolanovistas que se interessaram por essa

instituição de ensino percebendo-a como referência no Brasil. O relato de Lourenço

Filho publicado em Como Nasceu o Colégio Jacobina nos permite compreender porque

esse colégio era tido como modelo naquele tempo: Não posso, por exemplo, esquecer

que já antes de 1930 suas classes primárias representavam das mais belas realizações

do sistema de ‘centros de interesses’ de Decroly, quando ainda êsse educador belga

lutava por implatar-lhe os princípios nas escolas de seu próprio país.70

Baseada nos métodos de Decroly, educador que Laura havia conhecido em

viagem realizada ao Congresso Internacional de Educação Moderna em Locarno,

quando representou os professores Brasileiros pela ABE, a diretora após fazer um

estágio na Ecole de l’ Ermitage, localizada em Uecle implantou os Centros de Interesse

no Colégio Jacobina.

Segundo Ferrari (2003), os Centros de Interesse são grupos de aprendizado

organizados segundo a faixa etária do aluno. Tais Centros, de acordo com o mesmo

autor, foram criados com base nas etapas da evolução neurológica infantil e, também,

na convicção de que as crianças quando entram na escola estão dotadas de condições

biológicas suficientes para buscar e desenvolver os conhecimentos de seu interesse.

Em um discurso de Isabel Jacobina Lacombe em 1929, é possível entender como

os professores do Jacobina, partindo dos acontecimentos cotidianos, aplicaram esse

68 Coelho (2006), em prelo. 69 Zélia Levy, “Croniqueta”. Traço de União, 1928, n. 2, p. 1. 70 Apresentação de Lourenço Filho. Como Nasceu o Colégio Jacobina, 1962, p. 1.

Page 53: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

método nas disciplinas. Ao relatar o afastamento da secretária do colégio, Ottilia

Barbosa de Oliveira, devido à ameaça de febre amarela que apavorou a população da

época, demorando-se as famílias longe da capital e atrazando assim a entrada das

alumnas do curso, Isabel diz ter sido esse assunto palpitante trabalhado pelo professor

de Hygiene com as alunas por meio de conferências sobre a prophylaxia da febre

amarela a explicação scientífica da ‘guerra dos mosquitos’. Segundo a diretora, tornou-

se esse assumpto um verdadeiro centro de interesse, de acordo com o methodo seguido

nas nossas aulas primárias, que estada todas as matérias em torno de uma idéia

central.

O método Decroly que fazia parte também do processo de alfabetização das

jacobinenses, inspirou a recusa de uma aprendizagem de memorização e repetição

dentro do colégio. Partindo do seu chamado método global, esse educador, que era

contrário à alfabetização a partir da união de letras e sílabas, teve, de acordo com Isabel

Jacobina Lacombe, seu methodo, adoptado desde o primeiro ano primário para o

ensino da leitura e da escripta (...) obtendo o colégio com isso ótimo resultado(...).

Apesar das inovações implantadas a partir de 1925 terem trazido grande

visibilidade para o colégio, principalmente por lançarem Laura Jacobina Lacombe em

espaços educacionais de referência, nacionais e internacionais, não seria possível

menosprezar o trabalho que já era realizado na instituição desde sua fundação sob

influência de educadores como Heitor Lyra da Silva, conforme é assinalado pelas

inúmeras publicações do Traço de União.

Heitor Lyra da Silva foi o grande responsável pela implantação de muitos

métodos trazidos da Europa na primeira década do século XX dentro do Colégio

Jacobina. De acordo com o Traço de União, foi sob a influência desse educador que os

programmas se orientaram e os méthodos modernos foram adoptados nesse

estabelecimento de ensino.71 Além de influente educador amigo e conselheiro das

diretoras do colégio, ele também foi o idealizador da Associação Brasileira de

Educação, como será visto no próximo capítulo. Como parte da história do colégio, esse

professor dedicado mostrou grande preocupação com a educação feminina católica de

seu tempo e, por isso, viajou em busca de novos métodos científicos que foram

implantados naquela instituição de ensino. Após a sua morte, seus feitos foram

eternizados pelo Traço de União, que publicava fotos e discursos do educador com a

71 S/n. “Dr. Heitor Lyra da Silva”. Traço de União, 1926, n. 4, p. 3.

Page 54: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

finalidade de elucidar as últimas manifestações lúcidas de sua culta intelligencia, em

pleno accordo com a firmesa de um caracter sem jaça, pois isto representaria bem um

ensinamento e um consolo para os catholicos.72 Em um dos discursos proferidos no

encerramento das aulas de 1911, que foi publicado em sua homenagem em 1926,

transparece a identidade instituída no curso:

O campo da instrucção feminina vem de longa data se ampliando continuamente. (...) somente os pessimistas não quererão que temos progredido, mas é necessário conhecer também como ainda estamos longe do ideal desejável. (...) Para resolver entretanto esse problema fundamental não há infelizmente que fazer novas descobertas e basta que nos inspiremos no exemplo norte-americano: dar maior valor ao raciocínio do que a memória, evitar fórmulas feitas, proceder mais por indução, dos fatos para as leis e para as regras mais do que por deducção, das leis e das regras previamente estabelecidas, para os factos collocar a prática antes da theoria, conduzir o espírito do alumno a fazer por si mesmo o caminho das descobertas scientíficas, pois assim elle ganhará confiança em seu próprio esforço e achará belleza nas noções adquiridas.73

Para o educador, a tendência de aperfeiçoamento da educação feminina

acentuava-se em toda parte à medida que a ciência ia progredindo e a civilização se

desenvolvendo, pois só com a cultura intellectual a Mulher poderá adquirir na

sociedade moderna o ascendente que a esta está sendo tão necessário, fazendo agir

como força sócia o sentimento guiado pela razão esclarecida.74

Entendendo que as mulheres deveriam receber uma educação de excelência,

baseada em métodos influenciados pela ciência tanto com base na psicologia, que

introduzia nos meios educacionais descobertas sobre o processo de ensino

aprendizagem, quanto na medicina-higienista, Heitor Lyra da Silva defendeu, assim

como as diretoras do Jacobina o faziam, que só a partir dessa perspectiva o sociedade

poderia progredir.

Assim, foi pautado no ideário escolanovista que o Colégio Jacobina promoveu,

por essa fase do Traço de União, a educação feminina reconhecida como pré-condição

de uma sociedade que desejava se desenvolver e civilizar como os países da Europa ou

os dos Estados Unidos. Por isso, todo método ou idéia nova eram trazidos para as

páginas do periódico, divulgando e dando sentido, assim, às inovações constantemente

72 Marilú. “Dr. Lyra”. Traço de União, 1926, n. 4, p.1. 73 Heitor Lyra da Silva “Discurso proferido pelo professor Dr. Heitor Lyra da Silva, por occasião do encerramento das aulas do ‘Curso Jacobina’, a 17 de dezembro de 1911”. Traço de União, 1926, n. 4, p. 1-3. 74 Id.

Page 55: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

implantadas. Pode-se dizer que foram as alunas, principalmente, que deram visibilidade

às atividades desenvolvidas, atividades essas inspiradas no método ativo como, por

exemplo, as inúmeras aulas práticas e aulas passeio, dentre as quais destacam-se visitas

a locais como o Frigorífico de Manguinhos, o Jardim Botânico, a Quinta da Boavista, o

Instituto Histórico Geográfico, o Instituto de Bacteriologia em Manguinhos, o Instituto

Benjamin Constant, o Museu Histórico Nacional, o Instituto Histórico Brasileiro, entre

outros que, em alguns números, mereceram, além de um texto ou relatório em que as

alunas comentavam sobre suas impressões, também fotos da turma em tais locais.

Nesta fase do periódico, a instituição se dá a ver como uma escola-laboratório75,

na qual havia estímulo à leitura em espaços como o Centro de Debates, o Clube, o

Cantinho da Leitura e o Grêmio, quando temas como geografia, história, ciências e

religião podiam ser selecionados pelas alunas que, a partir de suas escolhas, realizavam

trabalhos e faziam dramatizações evidenciando que, naquela escola, os alunos eram o

centro do processo ensino-aprendizagem:

Hoje cheguei ao colégio, não demos aula de observação, porque D.a Nair chegou tarde, e assim que ela chegou, nós fomos arrumar a sala para o grêmio, emquanto D.a Nair apromptava Vera, Wanda, Yedda e Dirce para dansarem. Quando D.a Nair acabou, nós começamos o grêmio.

75 Expressão utilizada por Alves (1997).

Visita feita a Manguinhos e passeio realizado à Quinta da Boavista pelas alunas do colégio. Traço de União, 1924, nº2, p. 2 e 1924, nº4, p. 7. Arquivo da CELPI.

Page 56: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

A primeira fui eu que fiz um pequeno discurso, que era assim: Rio, 1º de outubro de 1929. Meus senhores, senhoras e collegas. Não se assustem ao ver um papel tão comprido; não vim fazer um discurso, vim só pedir que ao menos por gentileza, nos dêm palmas, no final. Depois, Alice tocou piano. Eu não me lembro o que foi, mas, Rafaela, Bebel e Dora disseram uns versos sobre o Descobrimento do Brasil (...) Depois, Amélia recitou (...) Depois, Yedda, Dirce, Wanda e Vera dansaram três vezes o minueto e Helena tocou piano e fomos continuando a dar nossas aulas. 76

No entanto, entendendo a essência católica do Jacobina, pode-se dizer que

jamais o colégio teve a intenção de romper com os fundamentos de um ensino

tradicional. Padre Leonel Franca, um dos apoios teóricos e militantes da direção dessa

instituição educacional, defendia que era triste e mesquinha a concepção esta que faz a

ruptura com o passado a condição de vida para o presente e de salvação para o

porvir.77

Padre Franca, que deu sua contribuição ao Curso Jacobina em palestras

ministradas às alunas no início dos anos 30, era um importante referencial católico da

direção dessa instituição de ensino. Pautadas nos ideais de intelectuais católicos como

os do Padre Leonel Franca que, de acordo com Magaldi (2001), era afinado com o

pensamento da cúpula eclesiástica do período, pode-se dizer que a direção do Jacobina,

embora passasse os conteúdos das disciplinas de uma forma renovada, nunca permitiu

que a essência da formação clássica tradicionalmente adotada pelas escolas católicas

femininas desse tempo fosse negligenciada. Aliás, o próprio Padre Franca, ainda de

acordo com Magaldi (op. cit.), pregava que o compromisso com a tradição, de modo

algum representaria uma negação das inovações que emergiam no campo educacional.

Contudo, entre outros aspectos, ele entendia que nenhum método ou técnica poderiam

ser expressados de modo dissociado de uma concepção cristã de vida.

Nesse sentido, Magaldi (op. cit.) afirma que o Colégio Jacobina, um dos

precursores da renovação pedagógica no país, a partir desse contexto, mostrou como as

novidades da Escola Nova despertavam o interesse entre os católicos, e foram utilizadas

no seio de um processo de recatolização da sociedade brasileira que ocorreu nas décadas

de 20 e 30.

Ainda que a doutrina católica divergisse em alguns pontos filosóficos e

metodológicos do ideário educacional renovador que emergia, pode-se concluir que a

76 Stella Maria Barbosa de Oliveira. 3º anno primário. “Meu diário”. Traço de União, 1929, n.4, p.7. 77 Franca, 1954, p. 71 apud Magaldi, 2001, p. 140.

Page 57: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

direção do Jacobina soube dosar sua posição diante de ambos fazendo com que ambos

convivessem sem muitos problemas em sua instituição de ensino. Dessa forma, percebe-

se, por meio do que era publicado nessa segunda fase, que ao mesmo tempo em que o

Jacobina apostou nas novas idéias educacionais trazidas pelo escolanovismo, também se

manteve preso às tradições cristãs. Aliás, se há algo que fica claro, não só nessa fase,

como também na subseqüente, é que o colégio adaptou à modernidade os novos

métodos e os conteúdos sem denegrir, em momento algum, a sua imagem católica.

Para Alves (op. cit.), a novidade da proposta, o caráter pioneiro do Jacobina

entre os católicos e o experimentalismo de suas práticas geravam uma tensão inevitável

que fazia com que a instituição se posicionasse num lugar intermediário entre sua

doutrina e o ideário da Escola Nova. Para a autora, o argumento utilizado era de que a

proposta defendida pela nova educação não feria os ensinamentos do cristianismo.

Assim, unido à moderna forma de ensinar essa mulher que aguardava o futuro

promissor do casamento, a instituição não deixou de reforçar pelos textos publicados

que a religião era o que, de fato, alicerçava o seu projeto educacional desde 1902,

quando foi fundada. A obediência e a disciplina, que deveriam guiar o comportamento

das jovens, dentro e fora da escola, e a própria forma de pensar a função da educação

recebida, eram embasadas, sobretudo, na moral cristã que foi reforçada ainda mais em

encontros da Ação Católica promovidos pela instituição, principalmente, a partir da

década de 30.

A Igreja, que nesse período estava voltada para o projeto de Renovação

Espiritual Católica, via no avanço científico trazido pela modernidade uma

propensa instauração do caos, uma vez que já não existia elo entre a sociedade e

o Estado. Por outro lado, o projeto de implantação do ideário educacional

inovador, apropriava-se justamente dos avanços trazidos pela modernidade

para traçar seus discursos e metas entre o professorado e as instituições de

ensino.

A estratégia do Jacobina divulgada pelo Traço de União, nesse sentido, parece

ter sido bastante interessante e espelhada na própria ação da Igreja que, nesse mesmo

período, vendo o entusiasmo despertado pelas renovações pedagógicas entre o

professorado, teve que relativizar suas críticas, lançando mão igualmente de estratégias

Page 58: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

inovadoras. De acordo com Cunha e Costa (2000), a sobrevivência da Igreja ao longo

dos séculos se deve justamente por essa característica de adaptação às distintas

circunstâncias que se dão no curso da história. Segundo os autores, ela é uma instituição

permanentemente em busca do bem comum para a humanidade, capaz de sobreviver a

circunstâncias sociais diferentes adequando-se às diversas circunstâncias da

realidade78. Por isso, de acordo com Carvalho (1994), a Igreja foi catolicizando

aspectos relativos ao ideário escolanovista, partindo de uma apropriação do que seria

passível a uma cristianização e afastando o que era antagônico. Foi desta maneira que a

didática renovada passou a ser adaptada pela própria Igreja nas aulas de religião.

Nesse plano estratégico, entende-se que existiram dois lados: um deles composto

por católicos mais conservadores que atacavam de frente as concepções escolanovistas

tendo como finalidade negá-las na totalidade; e do outro lado, um grupo que buscava,

de acordo com Carvalho (1994), absorver alguns de seus princípios, dando-lhes feição

mais condizente com os ensinamentos cristãos. Por isso, não seria possível afirmar que

catolicismo e Escola Nova chegaram a ser ideários opostos. Até mesmo porque o grupo

de intelectuais conhecidos como escolanovistas atuantes na ABE era dividido em uma

ala católica e outra liberal e, por mais que esses apresentassem pontos de atritos,

moviam-se num mesmo terreno de debate: a educação escolar. Segundo Carvalho

(1986), esses dois grupos propunham a reforma educacional sob a ótica da formação da

nacionalidade e tinham como ideal a legitimação de uma educação que situasse o país

dentro dos ditames da Ordem e do Progresso.

Assim, embora os católicos, principalmente os mais conservadores e radicais,

discordassem das implantações pedagógicas que se opunham aos métodos tradicionais,

como aponta o estudo de Alves (1997), eles tinham pensamentos também aproximados

dos leigos escolanovistas em questões relevantes para o país naquele período, como por

exemplo, em relação à valorização da moral e do civismo. Ambos defendiam que o

sentimento cívico deveria ser alimentado como uma forma de chamar a atenção da

sociedade para as questões educacionais. Embora os católicos, renovadores ou não,

travassem essa discussão sob a ótica religiosa e preceitos de sua doutrina,

principalmente no que dizia respeito à moral do homem moderno, eles, assim como os

leigos escolanovistas, concordavam que existia, no início do século, certa crise que

acabaria resultando em um mal estar na sociedade. Crises provenientes, entre outras

78 Cunha; Costa, 2000, p. 132.

Page 59: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

coisas, dos efeitos decorrentes da Primeira Guerra Mundial e também do acelerado

processo de industrialização, apontavam para uma sociedade que, para além dos

aspectos positivos trazidos pela modernidade, precisava pensar em soluções para os

problemas decorrentes dessa mesma. Dessa forma, tanto para os católicos, quanto para

os leigos, somente uma educação que visasse a incutir o amor à pátria levando em

consideração as transformações dos novos tempos, poderia trazer consciência ao

homem para saber atuar e melhorar a sociedade nesse difícil momento que atravessava a

humanidade.

Para a Igreja, porém, essa educação deveria ter como base a elevação da

personalidade com a finalidade de haver uma união transcendental com Deus, assim,

todo esse ideal, segundo os católicos renovadores, só poderia ser alcançado, de acordo

com Carvalho (1986), por meio de uma política sintonizada com os princípios cristãos.

Para os educadores leigos, o ensino não deveria envolver religião.

Apesar disso, as páginas do Traço de União dessa fase evidenciam que as

dirigentes do Jacobina não foram obrigadas a tomar partido de um dos dois ideários

nesse momento, já que existia uma nítida interseção que facilitava e justificava a

aplicabilidade simultânea de ambos nas propostas pedagógicas do colégio. Portanto,

ainda que renovadores leigos e católicos tivessem motivações educacionais um pouco

diferentes, Isabel e Laura Jacobina Lacombe, que pertenciam à ala católica do grupo de

intelectuais da ABE, conseguiram trabalhar em sua instituição de ensino com muitos

métodos trazidos da Europa e dos Estados Unidos, que eram aplicados pelas educadoras

partindo de preceitos religiosos como solidariedade, perseverança, disciplina, respeito e

etc.

1.2.1. Família e escola em um projeto científico-pedagógico

Logo em seu início, o periódico também apresenta como alvo os responsáveis

pelas suas alunas. Como já foi possível perceber, o Colégio Jacobina procurou

implantar os métodos e as filosofias da Escola Nova em seu sistema de ensino desde sua

fundação. Várias foram as matérias que, além de figurarem na seção “Trabalhos

diversos” e “Ecos”, também apareciam em outros espaços do periódico jacobinense

com o intuito de divulgar as atividades que derivavam da renovação pedagógica.

Page 60: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Contemplando essa necessidade apresentada pelo periódico, começou a ser

reservado um espaço fixo e específico no Traço de União para criação, veiculação e

legitimação de um elo entre família e escola, que tinha como finalidade disseminar

ainda mais o ideário escolanovista adotado pela instituição de ensino. Assim, além dos

espaços ocupados no periódico para divulgar e construir a imagem da mulher formada

pelo colégio, a revista passou a investir, também, na publicação de imagens referentes a

um projeto científico-pedagógico, proposto pelos intelectuais escolanovistas, que

envolvia as famílias no processo educacional de suas filhas.

Exemplo disso é o periódico de 1925, que anuncia a criação das reuniões do

Círculo de Pais e Professores, inaugurada no Jacobina devido à participação de suas

dirigentes frente à Seção de Cooperação da Família da Associação Brasileira de

Educação (ABE). Tendo sido presidida pela ex-aluna do Colégio, Armanda Álvaro

Alberto, que naquele tempo era diretora da Escola Regional de Merity, as reuniões

começaram a ganhar as páginas do periódico com a finalidade de criar e propagar laços

entre o colégio e a família, com bases na medicina higienista e no projeto escolanovista.

Logo em seu primeiro ano, o jornal anunciava: Oxalá obtenham os outros collegios um

exito tão animador como o do Curso Jacobina.79

Tais reuniões eram anunciadas pelo periódico com o objetivo de tratar da

cooperação da família na educação, pois, segundo Laura Jacobina Lacombe, estaria nas

mãos desta o remodelamento do país, sendo necessária a união de todos para tratar das

questões da educação na família, levando em consideração os problemas de ordem

moral e higiênica. Isso porque acreditava que as famílias eram aliadas em potencial para

seu propósito de educar cientificamente as crianças de forma higiênica, sobretudo para

que pudesse se adequar a um modelo urbano que vinha se difundindo na sociedade

moderna. A liderança dos círculos era composta por professores e pais, visando à

promoção de um real diálogo entre escola e família. De acordo com a diretora do

Jacobina, seria preciso compreender, no entanto, que os professores não deveriam

insinuar-se na educação familiar, pois os paes regem seus lares e os professores na

Escola.80 Portanto, as reuniões eram baseadas em que paes e professores, cada qual a

partir do seu papel, de commum accôrdo, trabalhem para o progresso moral das

crianças brasileiras, não recuando diante da tarefa de preparar um grande país.81

79 S/n. ‘Círculo de Pais e Professores do Curso Jacobina’. Traço de União, 1925, n.2, p.1-2. 80 Id. 81 Id.

Page 61: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Subjacente à proposta da Seção de Cooperação da Família, estava uma

expectativa de sociedade futura mais civilizada, e, para tanto, médicos, psicólogos e

educadores passavam a se preocupar com a educação dada pela escola e pela família.

Assim, as reuniões tinham por objetivo determinar a responsabilidade dos pais nessa

empreitada e qualificar as educadoras para que essas pudessem se tornar profissionais

mais competentes, como aponta Mignot (2002), para interditar, autorizar e legitimar os

cuidados com as crianças. Tais reuniões difundiam e estimulavam práticas que se

inscreviam no projeto maior da ABE, que buscava promover a difusão e o

aperfeiçoamento da educação:

Modelos de condutas, padrões para os costumes, foram forjados numa perspectiva moralizadora. Em nome dos direitos das crianças, as educadoras ali reunidas, ampliaram a questão educacional para além da escola. Formularam propostas para as famílias, a cidade, tentando moldar o futuro do país. Assim, se legitimavam como interlocutoras no âmbito da própria entidade.82

Há de se considerar, também, que ao longo da década de 20, segundo Magaldi

(2001), houve manifestações de desapontamento, por parte de intelectuais e outras

vertentes variadas, a partir dos rumos tomados pela República. As críticas dessa

realidade apontavam, por meio de referenciais científicos, para a ausência de uma

sociedade organizada, onde se pudesse perceber uma identidade nacional. Nesse

contexto, a educação era referenciada pelos intelectuais nacionalistas como o caminho

correto para a superação dos problemas sociais e políticos da nação brasileira e sua

entrada na modernidade.

Examinando o Círculo de Mães de Família da Escola Regional de Merity, a

mesma autora observa que a instituição de ensino enfatizava a importância do

compromisso estabelecido entre as mães diante da instituição educacional ao demandar

a participação dessas mulheres por meio da presença ativa e crítica que, por outro lado,

eram alvo de prescrições acerca de comportamentos e atitudes. Para ela, o fato de

pertencer a esse círculo deveria ter como significado para cada integrante:

a adesão ao projeto civilizatório da escola e à tarefa de irradiá-lo em uma dupla direção: a de sua casa e de sua comunidade. (...) Investia-se com muita força na família e em especial, na mulher, de quem se esperava um envolvimento total e consciente. Desta maneira, ao serem educadas diretamente pela diretora da escola, ao receberem

82 Mignot, 2002, p. 205.

Page 62: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

lições sobre a melhor maneira de serem mães e de organizarem a sua vida doméstica, as mulheres erigiam-se em educadoras autorizadas a atuar junto às suas famílias e vizinhança, sendo ainda profundamente convencidas da importância de sua missão. 83

Dessa maneira, pode-se dizer que os encontros de pais que eram constantemente

divulgados pelo Traço de União, no caso do Jacobina, enquadravam-se em um projeto

nacionalista que visava, além de envolver professores, a também abrir espaço para que

as mães participassem do cotidiano escolar de seus filhos. A valorização da família

como instituição social, segundo Magaldi (op. cit.), foi uma posição compartilhada pelo

clero da época que considerava a mesma o viveiro da pátria.84 Tomando como exemplo

os discursos do Padre Leonel Franca, pode-se dizer que a mulher foi apontada como a

principal executora da missão educativa, sendo apontada também como a maior culpada

em caso de omissão. A centralidade no papel feminino na educação dos filhos foi assim

defendida por renovadores leigos e católicos que não cansavam de clamar pela

colaboração da família e, em especial da mãe, com a escola.85

Entende-se, assim, que os artigos publicados que falavam da participação dos

pais na educação de seus filhos revelam muito do pensamento social e educacional do

país, sendo mais constantes até a terceira fase da revista. Apesar da idéia da criação dos

círculos ter se estendido a escolas de elite – como foi o caso do Jacobina e do Bennett –,

ela apresentava preocupações muito voltadas para as populações menos abastadas da

sociedade. Segundo Alves (1997), uma proposta da entidade seria a de que as alunas,

fora do horário escolar, deveriam ser ocupadas com outras atividades para não ficarem

expostas às más influências. A argumentação para o preenchimento do tempo das

crianças de um modo geral, de acordo com Alves (op. cit.), residia nas condições

precárias de vida de suas famílias que exigia que os pais ficassem o dia inteiro ocupados

sem terem condições de acompanhar a educação de seus filhos.

No entanto, a realidade do Jacobina era outra, as mães de sua alunas, por

exemplo, não precisavam trabalhar fora para garantir o sustento da casa e as alunas

ocupavam seus tempos livres com festas, viagens, idas ao clube etc. Talvez tenha sido

por isso que Laura Jacobina Lacombe, em uma das edições do periódico, tenha admitido

que, embora aquela tentativa tivesse conseguido reunir discursos entusiásticos, não teve

continuidade enquanto associação. 83 Magaldi, 2001, p. 82. 84 Padre Leonel Franca, 1955 apud Magaldi, 2001, p. 129. 85 Magaldi, 2001, p. 133.

Page 63: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Ainda que tenha sido uma proposta de base escolanovista, Laura Jacobina

Lacombe não desistiu de implantá-la até o fim dos tempos na instituição. Sempre

reforçando a idéia de que era preciso corresponder às expectativas das famílias que

confiaram suas filhas à instituição e que as famílias também deveriam em contrapartida

acompanhar a formação de suas filhas, ela defendia a permanência de uma associação

direcionada à atuação e à interação das famílias no colégio. No Traço de União de

1939, uma das sócias chega a fazer um apelo aos pais das alunas do Colégio Jacobina

pedindo que resolvessem interessar-se pelos próprios filhos e diz estar contando com a

boa vontade das pessoas para que possam propagar a importância de tal projeto: eis a

razão por que, aproveitando a gentileza de D. Laura, sirvo-me do simpático Traço de

União para que desta vez realize de fato e praticamente sua função: que ele ligue todas

as famílias jacobinas com muitos e muitos traços de união em torno do núcleo central

da A. P.F. 86

Assim, vários foram os projetos disseminados nas páginas do Traço de União

que propiciaram a criação e a divulgação de uma imagem de família efetivamente

participativa na educação dos seus filhos dentro do Jacobina. Começando com o Círculo

de Pais de Família em 1925, que na terceira fase é retomado como Associação de Pais

de Família, a revista procurou promover, a partir de uma proposta escolanovista, um

primeiro diálogo entre essas duas instituições. Em 1940, formou-se um Círculo de

Mães, onde se organizaram conferências por pessoas de destaque, porém, ainda de

acordo com Laura Jacobina Lacombe, foi somente isso. Em 1950, foi iniciada a

Associação de Pais de Família, onde os casais ocupavam os postos conjuntamente, na

diretoria, e essa Associação se filiou à União Nacional de Associações Familiares

(UNAF). Em 1960, a Associação passou a ser novamente Associação de Pais e Mestres,

entrando, de acordo com Laura Jacobina, em uma nova fase de atividades. As diretoras

seriam eleitas por dois anos. Começaram, então, a ser promovidos cursos como a

colaboração com a Escola de Pais, do MEC, e o de Educação Sexual para Pais. Para as

alunas também havia cursos. Costura, cozinha, cinema e datilografia deveriam ocupar

seus tempos fora da sala de aula. Também foram organizadas viagens culturais pelo

Brasil para as alunas, sendo essas acompanhadas por professores. Ao longo da década

de 70, essa associação chegou a promover torneios esportivos, além de cursos de teatro

86 Ernestina Penna Franca. “Associação de Pais de Família”. Traço de União, 1939, n.3, p.13.

Page 64: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

e judô para a nova clientela do Jacobina que nesse momento passou a ser constituída

também por meninos.

Todo esse movimento apareceu muito pouco no Traço de União até seu último

número, por isso fica difícil afirmar qual a foi a dimensão desses encontros para as

famílias. No entanto, é possível inferir que eles nunca tiveram fim. Tudo que apareceu

nas edições serviu ao menos para apontar que as investidas da direção foram

incansáveis em relação a isso. Até 1974, ainda que os tempos fossem outros, seguia

Laura defendendo que junto com os pais a sua instituição procurava solucionar os

múltiplos problemas que surgem na sociedade de hoje, não só no nosso país, mas no

mundo todo.87 Em 1981, o primeiro artigo publicado menciona que o periódico ressurge

naquele ano por um esforço conjunto da Associação de Pais e da administração do

colégio com a finalidade de revitalizar as artérias de comunicação entre o colégio e as

alunas e suas famílias88.

Assim, o que havia sido plantado de acordo com os ideais escolanovistas do

início do século, apareceu por muitos anos no periódico assinalando a importância do

trabalho conjunto com as famílias na instrução de suas filhas. Porém, essa participação

não se limitou aos aspectos pedagógicos e científicos e, de modo muito próprio, o Traço

de União divulgava que a participação das famílias deveria se dar, também, na

formação do caráter feminino. Temática abordada muito mais eficazmente por Laura na

seção “Ecos”, onde a diretora deixava claro que tanto a instrução quanto a vigilância

que determinariam o caráter das alunas, deveriam ser acompanhadas por mais outra

instituição além da família e da escola: a Igreja.

1.2.2. Propagandas, ciência e consumo modernos

Por entender que o periódico do Colégio Jacobina não tinha como leitores

apenas a direção, os professores, as alunas e as ex-alunas, como também, as famílias,

que faziam parte de um projeto de disseminação dos papéis que deveriam ser

desempenhados por cada sujeito escolar dentro do colégio e da sociedade, os

comerciantes passaram a utilizar o impresso para vender seus produtos, como pode ser

observado no quadro abaixo:

87 Laura Jacobina Lacombe. “Depoimento”. Traço de União, 1974, p. 27. 88 S/n. “Mensagem da Associação de Pais do Colégio Jacobina”. Traço de União, 1981, p. 3.

Page 65: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

As propagandas publicadas ao longo dos anos no Traço de União (1927 – 1969)

ANO DATA NÚMERO DO PERIÓDICO

NÚMERO DE PÁGINAS

ANUNCIANTES TIPO DE PROPAGANDA

IV Setembro e Novembro de

1927

3 e 4 32 2

Final da página 31 1º) Gráfica Mendonça e Machado Página 32 completa 2º) Curso Jacobina

VII Maio de 1930 1 12 7 Página 11 1º) Relógio CYMA 2º) Chapéus ARBITER 3º) Joalheria La Royale Página 12 4º) Curso feminino de Artes decorativas “A Artisana Decorativas Limitada” – Mabel e mais duas ex-alunas com diploma de Paris. 5º) Ótica/ oftamologistas – “Lutz, Ferrano & Co Ltda” 6º) Engenharia/ construção - “Cia de Viação e Saneamento”. 7º) Artigos religiosos – “Casa Coração de Jesus”

X Novembro de 1933

3 21 1 Página 21 completa 1º) Curso feminino de Artes decorativas

XI Setembro de 1934 2 14 2 Página 7 – anúncio pequeno no canto esquerdo da página, no fim dos artigos 1º) “Salão Antunes” Página 13 – anúncio único localizado no centro da página 2º) “Toddy” Página 14 – anúncio único localizado no centro da página 3º) “Papelaria União”

XI Dezembro de 1934 3 14 2 Página 14 1º) Carnet-Crediário da “A Exposição” 2º) Cabeleleiro – “Salão Antunes”

XII Maio de 1935 1 14 3 Página 13 – anúncio único localizado no centro da página 1º) “Toddy” Página 14 – anúncio único localizado no centro da página 2º) “Papelaria Modelo”

XII Agosto de 1935 2 16 3 Página 15 1º) Artigos para presentes – “Casa Daniel” 2º) Fábrica de Balas – “Aurora” Página 16 completa 3º) Fábrica de Chapéus – “Botafogo”

XII Novembro de 1935

3 14 2 Página 13 completa 1º) “Padaria e Confeitaria Viriato”. Página 14 completa 2º) Alta costura – “Mme. Soares”.

XIII Maio de 1936 1 10 2 Página 10 1º) “Armazém Fidalgo”

Page 66: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

2º) Artigos para presentes – “Casa Daniel” XIII Agosto de 1936 2 13 1 Página 13 completa

1º) “Moral Cristã e Educação” – Livro de Laura Jacobina

XV Agosto de 1938 2 14 2 Página 14 1º) Typografia – “Baptista de Souza” 2º) “Casa Cruz”

XVI Novembro de 1939

3 17 1 Página 16 completa 1º)Prelo da 2º edição de “Moral Cristã e Educação” - Livro de Laura Jacobina

XVIII Novembro de 1941

3 18 1 Página 17 completa 1º) Prelo de “A Escola e a Vida” - Livro de Laura Jacobina

XLVI 1969 1 50 2 Página 49 completa 1º) “Sardinhas Jangada” Página 50 – anúncio único localizado no centro da página 2º) “Arroz Citusa”

Começando a surgir no fim dessa segunda fase do periódico, a partir de 1927

mais precisamente, as primeiras propagandas89 do Traço de União falam sobre o

próprio Curso Jacobina e buscam estimular o consumo de produtos e serviços que

atenderiam ao específico público da instituição, que era representado por famílias da

boa sociedade, católicas e modernas. Como se vê no quadro anterior, relógios, chapéus,

jóias, alimentos, construtoras civis, cursos de artes decorativas, loja de artigos religiosos

e consultórios médicos, são os anúncios que passam a ser estampados, geralmente, nas

últimas páginas do periódico escolar.

89 Segundo Negreiros (2004), o termo propaganda foi utilizado pela primeira vez, pelo menos conscientemente, pela Igreja Católica, como forma de levar seus ensinamentos e salvar os outros povos de cultura diferente, que estariam por se descobrir nos diferentes continentes. Nesse contexto, o termo propaganda tem seu significado vinculado ao latino "propagare" - "ato de espalhar sementes pela terra para fazer nascer novas plantas".

Page 67: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Propaganda do Colégio Jacobina

Ainda que não tenha sido nessa segunda fase que o Traço de União apresentou

um maior número de anúncios, foi ela quem abriu caminho para que a revista ganhasse

visibilidade e credibilidade para que os anunciantes, de acordo com o público alvo do

periódico, conseguissem vender seus produtos.

Revelando o que o grupo social daquela época e daquele espaço se interessaria

em consumir, as propagandas aumentaram, então, na terceira fase do periódico quando

esse se filiou à Associação dos Jornalistas Católicos, que tinha justamente a finalidade

de angariar fundos para a revista. Anúncios específicos de confeitarias e padarias,

editoras, artigos femininos, salões de beleza, armazéns, alta costura, fábrica de balas,

papelarias, artigos religiosos, livros, tipografias, cursos próprios para mulheres da elite,

entre outros, passaram a preencher, geralmente, as últimas páginas de um número

expressivo de edições do periódico.

Segundo Brandão (2006), todo anúncio tem caráter documental, pois eles

retratam, pelas informações que fazem circular, pelas ofertas e procuras de produtos e

serviços, o universo dos objetos e das preocupações presentes num determinado grupo

social de uma dada época. Segundo a autora, por fazer parte do discurso cotidiano do

cidadão e, também por se fazer presente desde os primeiros jornais impressos que

começaram a circular, esse tipo de discurso se torna um objeto interessante para

apreender aspectos da língua e da vida social e cultural de uma determinada

comunidade discursiva. 90

90 Brandão, 2006, p. 1.

Propaganda do Curso Jacobina e de lojas e produtos variados de consumo. Traço de União, 1927, nº3 e nº4, p. 32 e 1930, nº1, p.11. Arquivo da CELPI.

Page 68: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Direcionadas às alunas jacobinenses pelo ao alto poder aquisitivo, os enunciados

das propagandas se apropriavam de frases atrativas como: Quem tiver que ir a uma

festa, lembre-se do Salão Antunes (imagem anterior) e Não escrevam para o Papae

Noel, porque não adianta. O que adianta é pedirem aos seus Paes, pelo Natal, um

Carnet-Crediário(...) porque com ele, se adquire o que deseja.91

Isso, de certa forma, sinaliza para o fato de que os anúncios tinham como

intenção atingir prioritariamente as famílias, pressupondo, dessa maneira, que o

periódico chegava aos lares das alunas e era lido por seus pais: Toddy é o alimento do

lar por exellencia. Seu uso continuado tráz saúde e alegria aos paes e aos filhos.92

Segundo Gouvêa e Paixão (2004), as propagandas nas décadas de 30 e 40 objetivavam

atingir mais precisamente a figura materna das classes médias.

91 Propaganda. Traço de União, 1934, n.3, p. 14. 92 Propaganda. Traço de União, 1934, n. 2, p. 13

Propaganda dirigida às alunas e mães no Traço de União, 1934, n.3, p. 14. Arquivo da CELPI.

Page 69: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Assim, além de serem produtos que atendiam à classe social das alunas, os

anúncios visavam também a atingir, por meio de discursos sociais vigentes, os núcleos

familiares a partir da preocupação com a alimentação de seus filhos. Brites (2000)

argumenta que as propagandas que se estabeleceram na primeira metade do século XX

eram resultado da sociedade moderna que assistia ao desenvolvimento de indústrias e a

uma crescente urbanização, o que acabava por incluir em seu slogan um plano de

consumo baseado, entre outras coisas, nos discursos médicos voltados para a saúde da

criança.

Estava presente no cenário social brasileiro ao longo desse período, de acordo

com Gouvêa e Paixão (op. cit.), um ideário psicopedagógico escolanovista e médico-

higienista que se traduzia nas propagandas como difusão da necessidade de aquisição de

produtos de consumo que se voltassem para a saúde física e mental da criança. Dessa

maneira, pode-se dizer que as propagandas não estiveram alheias às discussões sobre

infância que ocorriam em distintos espaços do governo e da sociedade civil.

Assim, nesse período, a propaganda existiu articulada a um setor industrial em

expansão que investia no crescimento de seu mercado, construindo desse modo o

espetáculo da produção e do consumo sem limites. Segundo Brites (op. cit.), o material

publicitário brasileiro confirma, nesse momento, a importância da indústria alimentícia

como anunciante: As propagandas em que a criança apareceu como alvo e justificativa

do consumo colocavam a alimentação enquanto fonte de saúde, destacando

crescimento e robustez como elementos fundamentais para a infância.93

Guiada pelas teorias psicogenéticas que emergiam no século XX, a criança, de

acordo com Gouvêa e Paixão (op. cit.), seria diferenciada em períodos distintos de

acordo com o seu desenvolvimento cronológico, ou seja, cada fase de sua maturação

biológica apresentaria especificidades que demandariam diferentes projetos de

intervenção pedagógica. A psicologia apareceria para descrever cientificamente as

especificidades infantis e os parâmetros que conduziriam os projetos pedagógicos no

interior das escolas. Dentro desse mesmo quadro, a medicina higienista voltaria sua

produção, a partir de um diálogo com a produção vigente da psicologia, na promoção da

93 Brites, 2000, p. 252.

Propagandas de alimentos e acessórios no Traço de União, 1934, n. 2, p. 13 e 1935, n.2, p. 15. Arquivo da CELPI.

Page 70: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

saúde infantil como estratégia regeneradora da nação, que via na família nuclear

burguesa e na escola meios propícios para a difusão e a execução de seus ideais.

Família, saúde e escola se viam, desse modo, envolvidas em meio a um projeto

de educação da infância brasileira. No entanto, a família transferiu a responsabilidade

sobre o projeto de instrução e formação à escola. Em contrapartida, a escola, que irá se

reafirmar como espaço natural da infância, nortear-se-á por uma pedagogia dirigida à

família, buscando educá-la com intuito de que essa exerça um papel complementar no

trabalho escolar nessa escola cientificizada. Voltando a atenção para um texto

publicitário que assume uma forma impositória, propositiva e persuasiva embasada no

momento sócio-histórico, as propagandas lançam discursos que devem sensibilizar a

família, em especial as mães que redefiniam, nesse período, seu papel e

responsabilidade na educação e bem estar dos filhos.

Para irradiação dos ideários escolanovista e da medicina higienista, foram

utilizados nessa época vários meios de comunicação, incluindo periódicos. Segundo

Gouvêa e Paixão (op. cit.), a imprensa pedagógica foi utilizada amplamente para esse

fim. Inserindo-se nesse contexto, as propagandas não se limitaram apenas à promoção

da saúde, mas também às demandas escolares: A família deveria incorporar não apenas

novos tempos e espaços escolares coerentes com os tempos e espaços escolares, mas

também novas materialidades, capazes de potencializar e tornar possível o trabalho

escolar.94

Por isso, de acordo com essas mesmas autoras, produtos que atendessem aos

estudantes, também eram propagados de modo a se fazerem presentes no ambiente

doméstico em consonância com o ideário da Escola Nova. O interesse infantil foi

colocado como fator de aprendizagem, por isso papelarias lançam mão de atrativos

objetos escolares para persuadirem seus principais consumidores: os estudantes.

Anunciada pelo Traço de União, como A maior papelaria da cidade, a Casa Cruz que

não só se limitava, de acordo com Mignot (2005), a suportes e utensílios da escrita,

vendendo também materiais religiosos, buscava incutir a idéia de que era a maior

fornecedora dos colégios do Rio de Janeiro e dos institutos de todo o país. Sua investida

em propagandas, de acordo com a mesma autora, garantia que os pais, em cada início de

ano escolar, procurassem-na em busca de seus diversificados e, por isso, convidativos

materiais e artigos.

94 Gouvêa e Paixão, 2004, p. 359.

Page 71: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

No entanto, não somente esses tipos de comerciantes se valeram dos discursos

vigentes nessa sociedade. Para De Luca (2000), os jornais apareciam, nesse momento,

como principal mercadoria da nascente indústria cultural, onde ditariam, não só por

meio da escrita, como também da imagem, modas e estilo. Por isso, além dos produtos

voltados para a saúde infantil e para as necessidades materiais escolares, os anunciantes

do Traço de União, também eram comerciantes de chapéus, artigos para presentes e

proprietários de salão de beleza e ateliês de alta costura, ou seja, tudo o que mexia com

a vaidade feminina de um modo geral, mas que certamente só poderia ter como

consumidor alvo, as moças da classe média.

Entre vestimentas, materiais escolares, alimentos que iam desde doces a bebidas

caracterizadas nutritivas, encontrava-se também o alvo prioritário do Colégio Jacobina:

o catolicismo que, além de representado por artigos religiosos vendidos na Casa Cruz,

na Casa Coração de Jesus e em outras papelarias, também era divulgado em anúncios de

livros.

Assim, acompanhando o cenário social brasileiro da década de 30 que foi

marcado pelas disputas entre escolanovistas e católicos, a família Jacobina também

mostrou ter espaço reservado para anúncios nas páginas do Traço de União.

Como de costume, valorizando os seus ideais e preceitos católicos, Laura

Jacobina Lacombe indicou, em mais de uma edição, a leitura de seu livro Moral Cristã

e Educação que, entre outras coisas, tinha como preocupação alertar os jovens e suas

famílias sobre os perigos trazidos pela modernidade.

Propaganda de papelaria no Traço de União, 1938, n.2, p. 14. Arquivo da CELPI.

Page 72: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Mabel Jacobina Lacombe, irmã de Laura que não se envolvia como ela na

militância católica, também foi outra a utilizar as páginas do periódico com a finalidade

de fazer a propaganda de seu Curso de Arte Decorativa. Ambas, apesar de anunciarem

coisas completamente distintas, juntamente com outros comerciantes, sabiam que o

periódico era o local ideal para atingir um mesmo público específico que era

constituído, de acordo com as imagens veiculadas pela revista, essencialmente, por

famílias católicas, cultas e modernas pertencentes a uma elite urbana que vinha

crescentemente se estabelecendo no Rio de Janeiro. Ou seja, as propagandas, sem a

intenção de fazê-lo, acabavam legitimando a identidade das mulheres que no Jacobina

se formavam e atribuindo papéis às famílias que, por sua vez, deveriam acompanhar a

instrução de suas filhas, a partir de um projeto médico-pedagógico defendido por essa

instituição católica de ensino.

Enfim, o que marca essa fase impressa inicial do periódico, seja por meio de

propagandas ou artigos, é sem dúvida o fato de que, apesar de se destacar entre as

instituições femininas católicas de ensino devido à implantação pioneira dos novos

métodos, o Colégio Jacobina não fugia totalmente à regra. Ter permitido a entrada de

influências pedagógicas que emergiram naquele período no país, sabendo balancear

com os ideais da doutrina católica, fê-lo referência no Rio de Janeiro e até mesmo em

Propagandas de cursos e livros no Traço de União, 1933, n.3, p. 21 e 1936, n.2, p. 13. Arquivo da CELPI.

Page 73: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

todo país, justamente por se distinguir no que dizia respeito à formação cultural e

intelectual de suas alunas que, ainda naquele tempo, sentiam, como toda mulher, a

limitação da instrução oferecida. No entanto, pode-se dizer que por mais que valorizasse

o desenvolvimento intelectual de suas alunas e apostasse a esse ponto na educação

feminina, tal como aparecia divulgado no Traço de União, a instituição não chegou a

propor nenhuma revolução em relação aos costumes que subalternizavam o papel social

estabelecido para as mulheres. Essas, na concepção do colégio, deveriam ser preparadas

prioritariamente para educar alunos, filhos e, também, para ampararem seus maridos,

como consta na base dos discursos publicados no periódico jacobinense que declaram

eleger em suas práticas um estímulo à conservação dos ideais que creditavam o

progresso da nação à influência feminina.

1.3. A escrita jovem e o pacto com o catolicismo nas décadas de 30 e 40

Duas grandes mudanças marcaram a terceira fase do Traço de União: a

transformação do jornal em revista e a filiação do periódico à Associação dos

Jornalistas Católicos. Completando dez anos de publicação, o Traço de União que,

segundo artigo publicado em 1933, mantinha nesse período a significação de seu nome,

tendo já sua tradição95 é delineado pelo seu notório amadurecimento estrutural, assim

como pela declarada postura editorial de se deter prioritariamente nas questões

defendidas pelo catolicismo nesse momento histórico.

Indo de agosto de 1931 a novembro de 1948, essa terceira fase do Traço de

União se caracteriza por ter três publicações anuais. Variando entre 8 e 22 páginas e

permanecendo com diagramação de três colunas por página, a revista revela, por meio

de textos e imagens, grandes mudanças, tanto para a instituição quanto para o

periódico.

Quadro com a relação de periódicos publicados na 3º fase do Traço de União: 1931 - 1948

ANO DATA NÚMERO DO PERIÓDICO

NUMERO DE PÁGINAS

VIII Junho de 1931 1 8 VIII Agosto de 1931 2 10 VIII Novembro de 1931 3 10 IX Junho de 1932 1 88888888 8 IX Agosto de 1932 2 10

95 S/n. ‘Pequeno histórico do Traço de União’. Traço de União, 1933, n. 3, p. 2.

Page 74: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

IX Novembro de 1932 3 8 X Julho de 1933 1 8 X Julho de 1933 2 8 X Novembro de 1933 3 21 XI Junho de 1934 1 10 XI Setembro de 1934 2 12 XI Dezembro de 1934 3 13 XII Maio de 1935 1 12 XII Agosto de 1935 2 14 XII Novembro de 1935 3 12 XIII Maio de 1936 1 9 XIII Agosto de 1936 2 12 XIII Novembro de 1936 3 14 XIV Maio de 1937 1 14 XIV Agosto de 1937 2 12 XIV Novembro de 1937 3 15 XV Maio de 1938 1 12 XV Agosto de 1938 2 12 XV Novembro de 1938 3 14 XVI Maio de 1939 1 12 XVI Agosto de 1939 2 10 XVI Novembro de 1939 3 16 XVII Maio de 1940 1 14 XVII Setembro de 1940 2 14 XVII Novembro de 1940 3 10 XVIII Maio de 1941 1 10 XVIII Agosto de 1941 2 16 XVIII Novembro de 1941 3 16 XIX Maio de 1942 1 12 XIX Agosto de 1942 2 12 XIX Novembro de 1942 3 22 XX Junho de 1943 1 14 XX Setembro de 1943 2 12 XX Novembro de 1943 3 8 XXI Junho de 1944 1 12 XXI Setembro de 1944 2 16 XXI Dezembro de 1944 3 13 XXII Junho de 1945 1 13 XXII Setembro de 1945 2 12 XXII Dezembro de 1945 3 18 XXIII Junho de 1946 1 12 XXIII Setembro de 1946 2 16 XXIII Novembro de 1946 3 10 XXIV Junho de 1947 1 12 XXIV Setembro de 1947 2 10 XXIV Dezembro de 1947 3 10 XXV Junho de 1948 1 12 XXV Novembro de 1948 2 – 3 14

Traço de União. Arquivo da CELPI.

A partir da terceira fase os leitores já perceberam, de fato, as mudanças que

ocorreram ao se transferir o Traço de União de jornal para revista. Na década de 30, foi

o momento em que surgiram, de acordo com De Luca (2000), as chamadas revistas

ilustradas ou magazines de variedades. Aparecendo como um refinado e típico produto

Page 75: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

de mercado de bens culturais, este tipo de periódico recorria, segundo o mesmo autor,

em larga escala a artifícios como imagens, fotos e ilustrações, abordando assuntos

variados como crônica policial e humor, moda, crítica teatral e de arte, reportagens,

poesias, contos, romances, charges, caricaturas, variedades. Para o autor, os magazines

procuravam veicular os produtos culturais, os hábitos e valores necessários para que o

leitor de extratos médios da sociedade pudesse se familiarizar, por um lado, com os

padrões de elegância das classes abastadas e, por outro, com os códigos da

modernidade urbana.96

Acompanhando o mercado editorial no qual emergiam as revistas ilustradas e os

magazines de variedade, o Traço de União, apresentou, logo no início dessa fase, um

modelo muito próximo das grandes revistas que impressionavam os centros urbanos

brasileiros. Além das charges, ilustrações, caricaturas e as fotos que, desde a fase

anterior já eram impressas no jornal, o periódico no novo formato de revista se dedicou

na parte dos artigos a tratar de crônicas policiais e de humor, romances, poesias e, entre

outros, a dicas de moda, em que ditava uma tendência a partir de parâmetros

condizentes com seu público-alvo, pertencente às classes abastadas da sociedade. Dicas

de uso de chapéu e vestido de formatura adequado se apropriavam das matérias, criando

códigos de valores próprios da classe social que freqüentava o Colégio Jacobina.

Muitas dessas tendências que se refletiam no periódico, também representavam

viagens realizadas pelas alunas ao redor do mundo. A Europa continuava sendo ponto

refinado de referências. A idéia de civilização que inspirara as cidades urbanas

brasileiras no início do século, veio de países como França e, por isso, a questão da

modernidade e da sofisticação ainda estavam, naquele momento, bastante associadas a

esse local. As alunas que de lá voltavam, por isso, eram geralmente as que ditavam

moda no periódico.

E é dentro desse contexto de inovações aliado ao estilo Jacobina que surge, em

1945, a criativa seção “A Traça – jornal das Troças”, que fazia com que tudo que

permeasse o cotidiano juvenil, como situações ocorridas em sala de aula, os professores

do colégio, os recreios, o perfil das alunas, os estudos das matérias escolares

específicas, entre outros, fossem objeto de humor. Também aí encontramos

cruzadinhas, charadas, e piadas referentes a momentos femininos, por exemplo. Uma

das piadas que se destacam na caricatura abaixo retrata muito da realidade das moças

96 De Luca, 2000, p. 56.

Page 76: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

jacobinenses: uma aluna quer sair de casa vestida de noiva; quando a mãe tenta

interferir, ela argumenta Mas mamãe, este é o único vestido que ele não conhece!!!

No entanto, em nota em uma das edições do periódico, percebe-se que nem todas

as alunas estiveram a favor dessa seção que declara nitidamente seu simples objetivo: as

nossas rivais do Traço querem por fôrça acabar com a publicação da Traça dizendo

que é mais nociva que a sua chará, “habituée” das estantes... Calúnias! Nós queremos

(ui! Que é isso-) que as jacobinas só riam “pocachinho”...97

É fácil encontrar entre as páginas de grande parte dos exemplares da revista,

apelos e pedidos também de auxílio financeiro para ajudar no custo da impressão e na

manutenção da publicação para que, com os recursos arrecadados, houvesse a

possibilidade de contribuir com as obras sociais. Porém, é na edição nº 2 de 1939 que

encontramos, logo abaixo do sumário, um tipo de apelo inédito e bem diferente do

habitual, dizendo respeito às normas que devem ser observadas por aquelas que

pretendam colaborar no impresso, especialmente, as regras gramaticais:

97 S/n. ‘Nota’. Traço de União, 1945, n.2, p. 11.

Humor no Traço de União, 1947, n. 1, p. 11. Arquivo da CELPI.

Page 77: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

As alterações gráficas foram acompanhadas de mudanças na equipe responsável

pela publicação. Aos cargos já existentes, somou-se o de Chefe de Propaganda, que

permaneceu somente no ano de 1931. O cargo de Secretária se subdividiu em 1º e 2º, de

1935 a 1937 e, a partir de 1939, eles foram reduzidos a Diretora Geral e Tesoureira

permanecendo assim até 1943.

Em 1944, o cargo de Diretora Geral é subdividido em Diretora-Redatora e

Diretora-Administrativa. Começa, nesse mesmo ano, a aparecer o nome de Laura

Jacobina Lacombe na página nº 1 como Responsável pelo periódico. A partir de 1945,

além dela e da Diretora-Redatora (que como todos os outros cargos sofria revezamento),

surge a Equipe do Traço que passará a colocar o nome de várias colaboradoras juntas,

sem cargos específicos. A partir desse momento, começaram a aparecer, também,

nomes de colaboradoras que desempenhavam funções como a de desenhistas e

redatoras, que eram fundamentais para o periódico e que, no entanto, perdiam a

visibilidade diante dos cargos hierárquicos que se destacavam.

A “Noticiário” que iniciou como seção somente no fim da fase anterior, passou a

ser, nessa 3º fase, definitiva para o Traço de União, divulgando em todas as edições os

eventos como congressos, reunião de ex-alunas casadas, encontros e datas religiosas nas

quais se reuniram alunas e ex-alunas, visitas ilustres ao colégio, as viagens de Laura

Jacobina Lacombe, por exemplo. A seção também retratava e destacava as noticias dos

Normas para a publicação no periódico Traço de União, 1939, n. 2, contracapa. Arquivo da CELPI.

Page 78: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

que faziam parte da família jacobinense; sempre exaltando os feitos daquelas que se

destacavam nos meios sociais, seja pelos trabalhos filantrópicos, viagens pelo mundo ou

por atividades profissionais, como a arte. Muitas vezes, podemos ver essa seção sendo

contemplada por fotos de algum evento que tenha sido mencionado em páginas

anteriores ou até mesmo em outra edição.

Pelo que se pode ler no Traço de União, 1934 foi um ano movimentado.

Observado na publicação número dois desse ano, o periódico deixou de ser anunciado

como Órgão das alunas do Curso Jacobina passando a ser Órgão das alunas do

Colégio Jacobina. Isso ocorreu porque a instituição teve um aumento em seu número de

estudantes e se transfere para a rua Machado de Assis, em Botafogo, sendo, então,

considerado um colégio que, de acordo com os regulamentos governamentais, passou a

ser inspecionado pelo Ministério da Educação. Outro marco foi o aparecimento do

sumário pela primeira vez na Revista de junho de 1934, permanecendo, na mesma, até

1943.

Em 1937 a revista que antes apresentava, embaixo de seu nome, a denominação

Órgão das Alunas do Colégio Jacobina, passou a Revista das alunas do Colégio

Jacobina. Como era de costume, o Traço noticiava os fatos mais importantes do

colégio. Entre estes, nessa 3º fase, está a outra mudança de endereço do Jacobina, que

passa para a rua São Clemente, noticiada no primeiro número de 1940 e, também, a

mudança curricular do curso ginasial que, em 1942, passou de cinco para quatro anos de

acordo com a reforma educacional ocorrida na época. Em uma “Croniqueta” escrita por

uma das alunas que se formaria pelo currículo anterior, essa alteração era ruim e lhe

causava pena das colegas que não mais freqüentarão este último ano, que embora

sendo cheio de espinhos também está carregado de rosas .98

Com os assuntos distribuídos de forma visivelmente mais organizada, o Traço

de União passou, na maior parte de suas edições, a ter a seguinte ordenação: Capa,

Sumário, “Croniqueta”, “Ecos”, “Grêmio”, “Trabalhos diversos”, “Colaboração das

Antigas”, “Tracinho”, “A Traça – Jornal das Troças”, “Noticiário”, “Registro” e, em

sua última página, as propagandas que aumentam ao longo desse período devido à

filiação do impresso aos Jornalistas Católicos, como já foi observado. Cabe ressaltar, no

entanto, que em determinados números percebe-se que alguma outra seção podia ser

acrescentada para falar de assuntos específicos, ou até mesmo podia deixar de existir em

98 Maria Luisa Guimarães. 5º série. ‘Croniqueta’. Traço de União, 1942, n.1, p.1.

Page 79: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

alguns números ou ser extinta definitivamente da Revista. Também algumas seções

foram criadas ao longo desse período. De qualquer forma, o fio condutor da distribuição

era basicamente o mencionado acima.

Um exemplo clássico do que vem sendo ressaltado em relação ao revezamento

de seções, pode ser ilustrado com as seções “Ecos” e “Grêmio”, que nunca estão

presentes em todas as edições, ainda que permaneçam por toda essa 3º fase.

A “Ecos”, seção mencionada anteriormente, agora é utilizada mais fortemente na

luta dos ideais católicos, onde Isabel e Laura Jacobina Lacombe, após assumirem a

direção do colégio, posicionam-se de modo mais claro em defesa de que a educação seja

renovadora porém embasada nos preceitos da Igreja Católica, sem os quais, segundo as

dirigentes, a instrução perderia seu valor.

Conforme pode ser ilustrado pela perpetuação da seção destinada aos Grêmios,

os métodos escolanovistas, assim, não foram abandonados pela instituição, mesmo após

o embate entre católicos e pioneiros. Tendo sido iniciada na fase anterior do Traço de

União, “Grêmios” passou, a partir dessa 3º fase, a ser mais desenvolvida e freqüente.

Isso porque, certamente, acompanhava o crescimento dessas reuniões dentro da própria

instituição, que passou a ter como objetivo mostrar aos papás e mamãs o progresso dos

filhos, substituindo aquelas grandes festas famosas no Curso Jacobina. 99

Apesar dessa seção não aparecer em todos os números publicados, percebe-se

que o que antes estava restrito a assuntos relacionados à História e à Literatura, se

ramifica em História Universal e Literatura Francesa, por exemplo, havendo, inclusive,

peças teatrais para representar os textos trabalhados nas reuniões do Grêmio no Colégio.

Apontando para uma satisfação das alunas em relação a tal atividade, o Traço de União

criou espaço em suas páginas para que os melhores textos desenvolvidos pelas alunas e

as fotos tiradas nas representações das peças fossem publicados.

99 Luzia Amoroso Teixeira de Castro. 6º ano. ‘Nossos Grêmios. Traço de União, 1933, n.3, p.5.

Page 80: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Complementando esse quadro, “Colaboração das Antigas” elencava as seções

que nem sempre apareciam de forma tão organizada e constante na revista. Muitas

vezes, a participação das ex-alunas se dava em textos que vinham soltos ao longo do

jornal, fosse por publicação de cartas recebidas, temas religiosos, pedidos de auxílio aos

pobres ou, até mesmo, pela escrita exclusiva em edições especiais de comemoração do

aniversário do colégio e do Traço de União. Ou seja, apesar de terem sempre um espaço

reservado nas publicações, a participação das ex-alunas na revista nem sempre vinha

acompanhada do título “Colaboração das Antigas”.

Em relação ao que não sofreu alteração significativa da fase anterior para essa,

podemos citar as seções “Croniqueta” e “Registros”, que mantiveram basicamente as

mesmas particularidades. Já a “Trabalhos diversos”, que surgiu também na 2º fase,

como uma forma mais evidente de organizar os textos soltos pela revista, passou a

conter somente textos das alunas do secundário, uma vez que o primário ganhou, em

1932, uma seção própria, passando a ter um espaço exclusivo para escrever e desenhar

nas publicações da revista: a “Tracinho”. Romances, historinhas com fins morais, cartas

de alunas que estiveram em viagem, reflexões sobre a vida e o cotidiano escolar,

excursões realizadas pela instituição, resumos de livros célebres, textos sobre figuras

importantes da história brasileira e universal, literatura, arte, percepções de aulas e

outras atividades escolares, encontros e pensamentos dos grupos de alunas Jecistas,

história do Brasil e do mundo, curiosidades, personagens católicos, celebrações

religiosas, ideal de vida, bairros da cidade do Rio de Janeiro, geografia, entre outros

assuntos, motivavam a escrita dos textos que, nesse momento, apresentavam-se com um

grau de maturidade mais homogêneo no espaço referente a “Trabalhos Diversos”.

Encenação das peças “Femmes Savantes” pelo 6º ano e “Fabíola”, pelos alunos do 4º ano secundário, nos Grêmios de Literatura e História Natural. Traço de União, 1933, n.3, p.2 e 3. Arquivo da CELPI.

Page 81: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Assim, enquanto a seção “Reminiscência” perdia seu espaço, nota-se que outras

mais apareciam, como foi o caso da “Tracinho” que em um dos seus pequenos textos

explicava o porquê desse espaço ter sido criado no periódico:

Com que prazer vamos todas escrever para esse traço que nos une tão sinceramente!(...) Com certeza perguntarão:

- “Que é o ‘Tracinho’?” - E eu lhes responderei: - É o suplemento que Flavita, professora do 4º ano primário conseguiu arranjar;

para que os nossos pequeninos trabalhos não fossem confundidos com os das grandes.100

Dessa forma, as próprias professoras estimulavam a escrita das mais jovens para

a publicação, sobre temas que abordavam o que as crianças pensavam da instituição,

brincadeiras infantis, historinhas, atividades realizadas em turma, grêmios do primário,

excursões, assuntos relacionados às diversas disciplinas da grade curricular, à família, a

atividades fora do universo escolar, à vivência religiosa e primeira comunhão que, entre

outros, eram explorados de modo bastante direcionado ao grau de instrução específico a

que cada pequeno escritor pertencia. Muitos textos, inclusive, retratavam propostas

realizadas em sala de aula.

Porém, o que de fato chama a atenção do leitor nessa fase do periódico é, sem

dúvida alguma, a inserção de ilustrações, caricaturas, piadas com situações cotidianas,

principalmente as escolares, e dicas de moda que passaram a dar uma pitada de humor e

identidade à revista que começava a ter um estilo muito mais leve, jovial e alegre. E

isso, não somente passou a ser prática da revista, como também foi estimulado pelas

próprias alunas que pediam, como podemos constatar ao fim de uma página constituída

por desenhos e curtas piadas escolares, que houvesse uma colaboração das colegas para

que esse tipo de humor, que muitas vezes trazia questões próprias da época e podia vir

100 Vera Maria Licinio Goycochêa. 5º ano primário. ‘10º aniversário do Traço de União’. ‘Tracinho’. Traço de União, 1933, n.3, p.15.

Marca distintiva do suplemento do curso primário, “O Tracinho”, que começou a ser publicado a partir do Traço de União de 1932. Arquivo da CELPI.

Page 82: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

em forma de crítica sutil, prosseguisse em outras edições: As alunas que tiverem

algumas respostas e informações no gênero destas que aqui vão, serão muito amáveis

se nos enviarem essa gentil colaboração.101

Entre as inúmeras conquistas visíveis da revista, que se deram devido à forte

participação da família jacobinense nos assuntos educacionais e religiosos do país e à

sua visibilidade dentro e fora da instituição, podemos destacar em 1934, o recebimento

do prêmio de um concurso de revistas escolares. Na seção “Noticiário” é possível ter

noção da proporção desse concurso, assim como do crescimento da produção de

periódicos escolares na época dentro do país:

Houve um grande concurso de jornais dos colégios 102promovido pela sociedade de amigos de Alberto Torres103, tendo entrado para esse fim 400 jornaes, sendo 60 de curso secundário e somente 9 premiados, entre eles o ‘Traço de União’. Recebeu como premio um volume oferecido ‘Memórias’, de Humberto de Campos, com a seguinte dedicatória: Aos seus jovens confrades do ‘Traço de união do Curso Jacobina, com um aperto de mão pela sua vitória e os votos mais vivos pela prosperidade’. Humberto104 de Campos .105 Um pacto oficializado, então, passou a ser, coincidentemente ou não, visível em

seu expediente, quando se observa que, no ano em que foi premiado, o Traço de União

se filiou à Associação dos Jornalistas Católicos (AJC), entidade que o ajudou a angariar

fundos para a efetivação de suas publicações até novembro de 1946, fazendo-o estreitar,

ainda mais, os laços com os temas religiosos: Comunicamos aos nossos leitores que o 101 S/n. S/t. Traço de União, 1948, n.1, p.14. 102 Não foi encontrada nenhuma documentação sobre esse concurso. 103 Alberto Torres era bacharel em direito e ingressou na carreira política, onde se elegeu primeiramente deputado estadual (1892-1893) e em seguida deputado federal (1893-1896) pelo Estado do Rio de Janeiro. Convidado por Prudente de Morais, acabou assumindo a pasta da Justiça em 1896, permanecendo no cargo até 1897. Em 1900 foi presidente do Estado do Rio. No ano consecutivo foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. Segundo dados levantados na Fundação Getúlio Vargas, ele foi um dos expoentes do pensamento ruralista brasileiro. Torres publicou em 1914 os livros O problema nacional brasileiro e A organização nacional e, em 1915, As fontes da vida no Brasil, nos quais concebia o Brasil como um país de natureza essencialmente agrária, onde se opõe ao desenvolvimento industrialista. De acordo com a mesma fonte, Alberto Torres era nacionalista, defendia o fortalecimento do Executivo, convocando os intelectuais a participarem da organização da sociedade. A nação deveria, para ele, organizar-se "como corpo social e econômico, não devendo copiar nem criar instituições, mas fazê-las surgir dos próprios materiais do país". Suas idéias repercutiram muito na década de 1930 com o movimento integralista, apesar de sua morte em 1917. Contudo, em homenagem ao intelectual, foi fundada a Sociedade dos Amigos de Alberto Torres em 1932 com a finalidade de promover estudos sobre o país. Fonte: http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_albertotorres.htm. 104 Humberto de Campos além de memorialista foi também jornalista, político, crítico, cronista, contista, poeta, biógrafo. Nesse livro que entregou no concurso de revistas ganho pelo Traço de União - considerado o mais célebre de sua obra - ele escreveu crônicas do começo de sua vida, episódios que lhe marcaram profundamente. Campos veio a falecer em dezembro do mesmo ano do concurso. 105 Humberto de Campos. ‘Noticiário’. Traço de União, 1934, nº1, p. 9.

Page 83: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Traço de União filiou-se à Associação Jornalística Católica, fundada em São Paulo por

Dom Xavier de Mattos. D’ ora em diante teremos intercambio com trinta revistas. Para

leitura destas será colocada uma mesa na biblioteca onde ficarão em exposição106.

Nesse momento de desenvolvimento da Ação Católica no Brasil, os católicos

mantinham uma postura aguerrida e de testemunho em torno de vários setores da vida

social. Dessa forma, segundo Gomes (1996), diante da onda positivista e laicizante do

Estado, eles afirmavam sua postura cristã na sociedade, fazendo emergir grupos como

os operários católicos, os professores católicos, os jornalistas católicos. Além disso, a

própria Ação Católica possuía ramificações que dividiam a juventude cristã em JUC,

JOC, JEC, por exemplo. Para esse mesmo autor, foi dentro desse contexto que foi criada

a Associação Católica de Jornalistas, que tinha uma atividade profundamente

apologética, de combate aos males do mundo e de defesa do cristianismo, da fé católica

e de sua submissão aos ditames da hierarquia eclesiástica.

A Associação dos Jornalistas Católicos, que primeiramente se chamava

Associação Jornalística Católica107, é de acordo com este autor, uma misteriosa

associação, já que pouco se pôde encontrar e saber dela. Com sede em São Paulo e,

posteriormente no Rio de Janeiro, a AJC foi fundada em 24 de maio de 1934 e, segundo

pôde ser levantado pelo mesmo autor, essa foi a segunda vez que jornalistas católicos

brasileiros tentavam se organizar numa associação108. A AJC pretendia utilizar os meios

de comunicação da época para lutar contra a perda de poder que a Igreja vinha sofrendo

ainda nesse período:

Graças à meticulosidade do relatório dessa organização de jornalistas católicos de S. Paulo, podemos dar aos nossos leitores a notícia, verdadeiramente auspiciosa e confortadora, de que o jornalismo católico brasileiro é hoje uma força ponderável, uma agremiação de classe votada inteiramente à grandeza da Pátria e à defesa da religião. Além da dedicação extremada que a organização dispensa à defesa dos interesses e direitos do jornalismo católico, realiza uma eficiente, desinteressada e bem orientada propaganda em torno das realizações da ACB109 e uma ativa propaganda de nossa imprensa católica que se esforça por auxiliar, quer angariando-lhe assinaturas e anúncios, quer fornecendo-lhe notícias de interesse geral e informações seguras para a sua orientação.

106 S/n. ‘Noticiário’. Traço de União, 1934, nº3, p. 13. 107 Esse dado foi observado pela autora da dissertação ao observar os expedientes do Traço de União ao longo dessa fase. 108 Esses dados foram levantados por Gomes (1996) a partir de uma entrevista concedida por Frei Romeu Dale em 1988, quando falou sobre a criação da União Cristã Brasileira de Comunicação Social (UCBC). Segundo o Frei, quanto à Associação de Jornalistas Católicos, não foi possível encontrar o mínimo de dados para expor. 109.Ação Católica Brasileira. Nota do autor.

Page 84: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Da AJC de São Paulo partiu a iniciativa da Organização Record, que mantém a Radio Católica Paulista, e à sua abnegada atividade se devem serviços de inapreciável alcance para a imprensa católica, como o seu departamento de noticiário, a exposição permanente de livros, departamento de publicidade, para angariar anúncios para os jornais católicos, e de assinaturas, para a mais ampla difusão de nossos jornais e revistas. Além dessas atividades, a AJC mantém um bem orientado curso de jornalismo, indispensável, para quem se pretende habilitar para o exercício da nobilitante profissão, um Centro de Estudos, sob a invocação de Santo Tomás de Aquino, com reuniões quinzenais, e uma comissão de crítica cinematográfica e teatral, que é o embrião da futura e indispensável Legião da Decência, tão fecunda em realizações nos Estados Unidos e tão insistentemente recomendada pelo Santo Padre para opor um freio à onda de corrupção que emana do cinema.

A organização jornalística paulista funciona à rua Líbero Badaró, no 10, 2o andar, e propõe-se a arregimentar em suas fileiras os jornalistas católicos de todo o Brasil, que precisam unir os seus esforços e coordenar a sua ação, para enfrentar, como uma falange aguerrida, a situação perigosa do momento e poder realizar com êxito a sua obra apostolar.110

Envolvidas nesse processo de tentativa de retomada do poder da Igreja, as

dirigentes do Jacobina, assim como outros (as) responsáveis por veículos de

comunicações que partilhavam dos mesmos ideais, conseguiram apoio da Associação

dos Jornalistas Católicos. O apoio dessa entidade se traduziu, no caso do Traço de

União, em uma grande contribuição para o aumento das propagandas, como já foi

possível ver, o que ajudou a sustentar sua publicação naquele momento.

O interesse dos católicos pelo periódico das alunas do Colégio Jacobina se torna

claro para quem tem acesso às suas edições, uma vez que os textos publicados giravam

em função dos preceitos cristãos, coisa que a imprensa católica precisava na sua luta

pela afirmação da fé e no combate à incredulidade. Alguns títulos exemplificam isso:

“As Jecistas”, “Relatório do Grupo Therezinha de Jesus”, “Mensagem de paz às

creanças da América”, “Santo Antonio” que, entre outros já apareciam na década de 30,

antes mesmo dessa filiação acontecer. Quando começou a figurar o nome da AJC na

parte superior das primeiras páginas do impresso, esses títulos de cunho religioso deram

margem a outros do mesmo estilo, tornando a revista fortemente ligada à Associação

dos Jornalistas Católicos.

Fora essa questão da escrita voltada para o catolicismo, a notoriedade de Isabel e

Laura Jacobina Lacombe é indiscutível, principalmente depois de abandonarem a

Associação Brasileira de Educação para ajudarem na fundação da Confederação

Católica Brasileira de Educação, entidade que se propunha a defender que a educação

fosse entregue nas mãos da Igreja, como será abordado no próximo capítulo.

110 Revista de Cultura Vozes, 1936, p.432 apud, Gomes, 1996, p.2.

Page 85: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Assim, se por um lado o periódico nessa fase se incorporou ainda mais às

temáticas religiosas, por outro, nota-se que ele foi impulsionado e teve a oportunidade

de se desenvolver ainda mais. Levanta-se aqui a hipótese de que um dos fatores que

auxiliaram esse desenvolvimento, pôde ser verificado pelo aumento no número de

propagandas que, embora não tenha ocorrido de modo excessivo, pôde ser

perfeitamente notado de modo significativo, após, principalmente a filiação da revista à

associação católica.

Enfim, pode-se concluir que essa fase do periódico é intensa, complexa e

multifacetada. Se por um lado estreita ainda mais seus laços com o catolicismo, pelo

fato de suas dirigentes terem se afastado dos chamados pioneiros no início de 30,

militando em prol da educação católica, por outro deixa evidências de que isso não

significou um afastamento completo dos métodos escolanovistas. Os métodos e formas

de pensar a educação foram sendo adaptados como poderá ser visto ao longo da

abordagem de outros temas nos capítulos posteriores.

Embora não seja possível perceber o nome de Celestin Freinet mencionado

como inspirador da prática de escrita de um periódico, no Traço de União, sabe-se que

o pensamento inovador trazido pelo tempo de atuação desse educador, foi o que de fato

inspirou tal prática em instituições educacionais inovadoras escolanovistas. Assim,

pode-se dizer que o Traço de União que foi criado na fase impressa nunca deixou de ser

influenciado por uma única linha ou estilo. Adicionou, ao longo dos anos, métodos

distintos, conteúdos, novas tecnologias de edição. No entanto, só misturou os elementos

que pudessem ser mesclados aos preceitos católicos. Tudo isso, para atrair leitores e

escritores que contribuíssem para que o periódico, dentro das perspectivas definidas

pelas suas responsáveis, trouxesse em seu sentido as representações condizentes com as

alunas que ali eram formadas. Vale ressaltar que ainda nesse tempo, a maioria das

mulheres recorria à instrução visando a um bom casamento e o catolicismo ainda era a

maior referência de atuação delas.

Completando as diversas facetas apresentadas por essa fase, pode-se dizer que

apesar de traçar um pacto com os ideais católicos, principalmente após a filiação com a

Associação dos Jornalistas Católicos em 1934, as alunas que nesse espaço escreveram,

apropriaram-se de táticas interessantes para que o jornal mantivesse seu humor e um

estilo que o identificasse como uma prática de escrita de jovens. No entanto, ainda que

tenha permitido que essa identidade aflorasse nesse momento conturbado, nunca foram

abertas brechas para que as escritas e imagens que construíam o sentido do periódico

Page 86: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

fugissem do que Isabel e Laura Jacobina Lacombe instituíram como verdade. Nesse

sentido, até essa fase, a revista continuou sendo caracterizada como um espaço marcado

por prescrições católicas e escolanovistas, no qual era mantido como objetivo principal,

divulgar e promover os ideais preconizados pelas dirigentes do conceituado Colégio

Jacobina.

1.4. A crise dos ideais da revista em meio ao novo cenário nacional da década de 50

O Traço de União, marcado muito mais pela falta de colaboração das alunas, do

que pela união em nome dessa publicação histórica, fará com que essa quarta fase seja

apresentada, nesse espaço, separada em duas etapas: a primeira indo de 1949 a 1955 e, a

segunda, indo de 1956 a 1973, quando o periódico passou a ser palco de problemas

internos que surtiram efeitos materiais, estruturais e, conseqüentemente, qualitativos

para as publicações. Ainda que seja possível perceber que a riqueza da revista

permanece até o fim de suas publicações em 1981, a falta nítida de entendimento e de

interesse entre as alunas colaboradoras acaba descaracterizando um pouco a revista. Se

o objetivo principal do periódico era manter o elo entre a chamada família jacobinense,

isso não conseguiu ser passado para os leitores que, por exemplo, somente tiveram a

oportunidade de acesso a esse momento das edições.

Caracterizada por sua semestralidade, essa penúltima fase apresentou

publicações bastante irregulares que, geralmente, saíram a partir do meio do ano.

Permanecendo com uma diagramação que contemplava um número de três colunas por

página até 1957, o periódico começou a apresentar, posteriormente, uma variação entre

uma, duas e três colunas que se distribuíam pelas páginas do mesmo, dando a esse uma

nova identidade que foi, de fato, em relação às fases anteriores, a que chegou a se

aproximar mais do estilo de uma revista nos moldes atuais. O número de páginas foi

aumentando gradualmente: de 17, chegou a 64, em uma edição na qual dois números,

em uma só revista, foram publicados.

Page 87: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

E, para completar as diferenças desse período, o sumário passa a ser algo

inconstante e marcado pelos desentendimentos entre alunas de diferentes graus de

estudo, como será possível ver a seguir.111

Quadro com a relação de periódicos publicados na 4º fase do Traço de União: 1949 - 1973

ANO DATA NÚMERO DO PERIÓDICO

NUMERO DE PÁGINAS

XXVI Junho de 1949 1 16 XXVI Outubro de 1949 2 16 XXVII Junho de 1950 1 20 XXVII Novembro de 1950 2 24 XXVIII Junho de 1951 1 22 XXVIII Novembro de 1951 2 20 XXIX Ano de 1952 1-2 38 XXX Julho de 1953 1 16 XXX Novembro de 1953 2 20 XXXI Junho de 1954 1 20 XXXI Dezembro de 1954 2 20 XXXII Julho de 1955 1 20 XXXII Novembro de 1955 2 22 XXXIII Junho de 1956 1 28 XXXIII Dezembro de 1956 2 52 XXXIV Julho de 1957 1 32 XXXIV Novembro de 1957 2 28 XXXV Setembro de 1958 1 36 Não é

especificado Não é especificado Não é especificado 56

XXXVI Agosto de 1959 1 56 XXXVI Dezembro de 1959 2 36 XXXVII Junho de 1960 1 51 XXXVII Dezembro de 1960 2 52 XXXVIII 1961 1 56 XXXVIII 1961 2 44 XXXIX 1962 1 44 XXXIX 1962 2 40

XL 1963 1-2 64 XLI 1964 1 48 XLI 1964 2 36 XLII 1965 1 48 XLII 1965 2 52 XLIII 1966 2 44

111 O sumário nessa fase aparece em alguns números a partir de dezembro de 1956, onde fica nítida a separação dos espaços ocupados pelas diferentes séries: nos anos de 1962 e 1963, por exemplo, o único sumário que vem no Traço de União é específico de textos produzidos pelo Clássico.

Page 88: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

XLIV 1967 1 40 XLIV 1967 2 33 XLV 1968 1 32 XLV 1968 2 38 XLVI 1969 1 48 XLVI 1969 2 40 XLVII 1970 1 24 XLVII 1970 2 28 XLVIII 1971 1 36 XLIX 1972 1 e 2 44

L 1973 1 e 2 40 Traço de União. Arquivo da CELPI.

Na que aqui foi denominada primeira etapa dessa fase, pode-se dizer que pouco

foi mudado em relação ao desenvolvimento que já vinha acontecendo nas duas fases

impressas anteriores. Seguindo uma organização semelhante, as seções da revista

continuam sendo “Croniqueta”, “Ecos”, “Trabalhos Diversos”, “Tracinho”, “A Traça”,

“Registro” e “Colaboração da Antigas”, podendo em alguma edição esse esquema

falhar. Repara-se, no entanto, que as seções “Noticiários” e “Grêmio” foram

praticamente extintas e, as fotos dos “Netinhos do Curso” passam a aparecer com bem

menos freqüência.

É possível notar que nessa fase como um todo, a edição da revista passou a

publicar muitas matérias sobre viagens de alunas e ex-alunas e sobre as curiosidades dos

vários países do mundo. Grandes espaços foram cedidos para descrições e impressões

dos passeios pelas cidades que acabaram se tornando mais atrativas por meio de fotos.

Apontando para o alto poder aquisitivo das pessoas que se envolviam com a instituição,

o Traço de União parece destacar com orgulho as viagens realizadas, em sua maioria,

pela Europa e pelos Estados Unidos. Ressalta-se que também tomaram proporções as

cartas de ex-alunas que moraram ou foram fazer cursos no exterior, sendo essas

publicadas no periódico na íntegra.

Page 89: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Uma outra seção que já existia antes, mas que passou ser ocupada de modo mais

extenso, é a relativa ao “Relatório de Costura e Lactário Pró-Infância”, que muitas vezes

chegou a ser uma seção onde era especificado exatamente tudo o que havia sido

realizado e arrecadado pela instituição filantrópica. Uma forma de prestação de contas

que ocupava em torno de três páginas, saindo nas edições, geralmente, uma vez ao ano.

As caricaturas, brincadeiras e piadas expostas na revista, ainda apareciam

constantemente nas duas etapas dessa fase do periódico. No entanto, não conseguiam

superar a fase anterior que foi fortemente marcada pela interferência jovial nas edições.

O que se percebe de diferente da fase anterior, nas duas etapas dessa fase, são as

caricaturas feitas sobre as próprias colegas de turma e, também, nas últimas páginas de

muitas revistas, caricaturas sobre o cotidiano dentro e fora da instituição e sobre temas

religiosos como, por exemplo, a História da Virgem Maria. Essa prática que se iniciou

na 3º fase, e foi feita, principalmente, nas últimas páginas das revistas da 1º etapa dessa

fase, passou a existir no espaço que era destinado às propagandas que começaram a

desaparecer a partir da década de 40.

Um novo espaço começou a ser ocupado em 1949, segundo solicitação feita na

revista nº1 desse ano:

Inicia-se, neste ano de 1949, o Curso Normal no nosso Colégio, como, aliás, em muitos outros. A maior parte das oito meninas que formam o seu primeiro ano, já está radicada no Jacobina, onde vêm ascendendo desde os primeiros degraus. Mas nós três, que viemos de fora, ainda não nos integramos nas tradições deste nosso novo Colégio. É que ainda não houve tempo.

Viagem realizada por alunas do Colégio à Europa. Traço de União, 1949, n.1, contracapa. Arquivo da CELPI.

Page 90: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Para umas e para outras, entretanto, eu venho pedir um cantinho de página, de vez em quando, no’ Traço de União’. Precisamos de uma tribuna para que vocês ouçam a voz do “normal”. 112

Contudo, assim como o pedido de publicação, a iniciativa do Colégio Jacobina

em inaugurar um Curso Normal foi em vão. Segundo relato de uma ex-aluna,

freqüentadora da CELPI, isso ocorreu porque o número de alunas era escasso e, após

formar a primeira turma, o curso deixou de existir na instituição.

Apesar dessa experiência não ter tido êxito, ela certamente abriu o caminho

para outra de semelhante objetivo que se faz destaque nessa fase. Em 1953 a instituição

fundou o Curso de Educadoras da Infância que, a partir daí, encontrou um espaço

específico no Traço de União. O curso foi um projeto da diretora Laura Jacobina

Lacombe que nesse mesmo ano de 1953 já havia, juntamente com outros educadores,

fundado a Organização Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP) 113 do Brasil, como

poderá ser visto posteriormente. Sendo notoriamente a realização do sonho da

educadora, esse curso passou a ganhar a seção “Traço das Educadoras”, onde, por meio

dos textos nesse espaço publicados, percebe-se que, seguindo o mesmo princípio do

ensino regular do colégio, visava a formar futuras mães educadoras que, católicas e com

um vasto conhecimento dado por uma boa educação, pudessem influenciar na formação

de seus filhos, alunos e também atuar em alguma instituição com fins filantrópicos.

A admissão de religiosas como alunas do Curso de Educadoras era freqüente,

uma vez que um dos objetivos do Colégio, ao fundar tal modalidade, era o de prestar

serviço às congregações religiosas para maior progresso das classes infantis nos

colégios católicos. Ao fim de 10 anos do curso, o Jacobina anuncia a importância dessa

formação em artigo publicado no Traço de União, ao mencionar que já havia diplomado

mais de vinte religiosas de doze congregações diferentes, as quais se encontravam

espalhadas por todo o país.

Uma outra novidade da instituição que passou a ter espaço nas páginas dessa

fase, foi a Associação das Antigas Alunas que, segundo artigo publicado na seção

Colaboração das Antigas, teve como objetivo realizar um antigo sonho de organizar um

grupo que reunisse as ex-alunas mais antigas do colégio: Na verdade, se o Colégio 112 Heloisa C. P. de Cordis. 1º ano normal. ‘O curso normal’. Traço de União, 1949, n.1, p.4. 113 Na época de atuação de Laura Jacobina Lacombe nessa entidade, conforme pode ser verificado por meio de documentações que se encontram em seu acervo, OMEP era Organização Mundial de Educação Pré-escolar. Atualmente é Organização Mundial para Educação Pré-escolar.

Page 91: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Jacobina vem formando sucessivas gerações de moças brasileiras, desde 1911, seria

interessante congregá-las tôdas, numa associação em que se procurasse manter,

aproximadamente, é claro, aquele mesmo agradável convívio dos tempos de escola.

Assim, sob um enfoque saudosista, acreditava-se que as mais antigas se

assemelhavam mais em relação aos ideais, que já nesse tempo, eram questionados pelas

mudanças modernas, cada vez mais aceleradas. A iniciativa havia sido do Colégio

Sacré-Coeur de Jesus que, de acordo com o mesmo artigo, já tinha uma sociedade bem

organizada e com alguns anos de atividade reunida para esse fim e, por isso, imaginou

atingir mais extensamente a tôdas as senhoras e moças da sociedade do Rio de Janeiro

que vêm sendo, há muitas gerações, formadas pelos colégios católicos desta cidade.

Para tanto, o Sacré-Coeur convidou representantes dos diferentes colégios católicos

femininos do Rio e começaram a trabalhar no sentido de ser fundada uma ‘Federação

das Associações de Antigas alunas dos Colégios Católicos do Rio de Janeiro’. Tudo

isso teve a finalidade de levar a tôdas as associadas a segurança dos princípios de

moral cristã que nos são incutidos no tempo de colégio o que, muitas vezes, são

esquecidos na vida do mundo, quem sabe se, em grande parte, pela falta de eco, a falta

de apoio, a falta de que seria quase uma ‘associação de classe’ das mulheres bem

formadas. 114

Entre os destaques dessa fase da Revista estão a morte de Isabel Jacobina

Lacombe em 1954, que teve dedicada a edição nº1 da revista em sua memória; e a

comemoração do Jubileu do Jacobina. O Jubileu de Ouro do Colégio em 1952 fez com

que fossem publicados os dois números do ano em uma só edição de 40 páginas, em que

alunas e ex-alunas escreveram carinhosamente sobre tempos passados e mais atuais da

instituição, citando-os de forma áurea e saudosista. A comemoração que aconteceu em

quatro momentos, foi publicada quase que na íntegra ao longo de textos e imagens

representativas115.

114 Lya Roquete Pinto. “Colaboração das Antigas”. Traço de União, 1949, n.2, p. 14. 115 A primeira comemoração ocorreu no dia 31 de agosto no cinema Art Palácio, localizado na Avenida Copacabana, onde as alunas e suas famílias assistiram à estréia do filme Como vivem as alunas do Colégio Jacobina. A segunda comemoração foi uma cerimônia mais formal no dia 6 de setembro dentro do Auditório do Ministério da Educação. A sessão foi presidida pelo ex-professor do Colégio Jacobina, D. Helder Câmara, que na época era bispo auxiliar do Rio de Janeiro e assistente da Associação de Educação Católica do Brasil. Tomaram parte da mesa, também, o representante do Presidente da República e do Ministério das Relações Exteriores, as diretoras fundadoras e a atual, além de representantes das famílias das alunas, dos professores, das ex-alunas e da Federação Nacional dos Sindicatos de Diretores de Estabelecimentos de Ensino que foram eleitos para saudarem o Colégio Jacobina. Os discursos da cerimônia aparecem transcritos no Traço de União e uma surpresa que foi distribuída ao longo da cerimônia também: o Hino do Colégio Jacobina, que foi feito pelo pai de duas

Page 92: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Entre as ex-alunas que escreveram para prestigiar a instituição nessa data,

Beatriz Mesquita, formada em 1931, deixa pistas sobre a identidade construída pela

instituição a partir de seu tempo. A autora, que destaca em sua fala a professora

Armanda Álvaro Alberto, professora que também era ex-aluna da instituição formada

no início do século XX, conta um pouco do método ativo, base do escolanovismo

aplicado no Jacobina. Lembra, assim, das excursões promovidas pela instituição e das

aulas de observação que ocorriam no jardim do curso:

Lembro-me bem das aulas no jardim do colégio. (...) aprendíamos sem fazer grandes esforços, tão vivas e tão coloridas eram as aulas de Mandinha, precursora da “Escola Ativa” que mais tarde tantos adeptos conquistou(...) Em casa, animadas pelo espírito da professora, possuíamos o nosso museu, plantávamos feijões, milho e criávamos lagartas para observarmos a metamorfose completa das borboletas. Tudo isso era feito com o método e seguido de pequenos relatórios anotados diariamente. Seria possível, embora vinte e tantos anos tenham decorrido, que varássemos da nossas memórias as melhores horas da nossa infância?116

Dessa maneira, mostra-se, acima de tudo, que o Colégio Jacobina inspirou a

atuação de novas educadoras, assim como o Colégio Progresso fez com Isabel Jacobina

Lacombe, que por meio da instrução oferecida, fundou, por sua vez, um colégio e

reinventou as formas de fazer, tal como Armanda Álvaro Alberto117, ex-aluna que se

tornou uma conceituada educadora em defesa da Escola Nova no país.

Foi por tudo que representou o Colégio Jacobina na instrução das mulheres –

que, mesmo formadas, à escola voltavam – que o pai de uma aluna resolveu presentear a

instituição de modo muito especial: com um hino de sua autoria.118 Nele, são

ressaltadas, de forma resumida, as principais preocupações da instituição ao longo das

décadas: a formação integral embasada na religião, na moral e no civismo. Escrito em

um momento que abrange um processo de redemocratização da sociedade brasileira que

começa com o fim da segunda guerra e se estende até a metade da década de 60, quando

os militares assumem o poder através de um golpe, o hino, que passou a ser cantado até alunas do ginásio. A terceira cerimônia aconteceu no dia 9 de setembro no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, onde se realizou um festival artístico no qual as alunas, após cantado o hino da instituição, recitaram e representaram peças francesas que, certamente, fizeram relembrar os primeiros tempos em que a instituição era apenas considerada um curso. O último evento ocorreu no dia 11 de setembro, sendo o ‘Garden-party’ do Colégio. Foi uma festa realizada em um sítio, onde os convidados chegavam embalados, primeiramente pelo hino do Colégio, e, logo em seguida, pelas músicas francesas que caracterizaram, principalmente, os tempos das antigas alunas. 116 Beatriz Mesquita. “Mandinha”. Traço de União, 1952, n. 1 e 2, p. 11. 117 Sobre a biografia da educadora e pioneira escolanovista Armada Álvaro Alberto, ver Mignot (2002). 118 O Hino, que passou a ser adotado oficialmente pela instituição, foi de Luiz Guimarães.

Page 93: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

o fim desta instituição na década de 80, ao falar do Jacobina retrata em sua letra o que

representou esse colégio ao longo das décadas, procurando sempre caminhar junto com

os ideais sociais que estiveram em jogo na sociedade brasileira:

Jacobina, Jacobina, o teu nome está em nossos corações Jacobina, Jacobina és o símbolo de muitas gerações Em muitos anos de existência Tu és escola de civismo, religião, moral e patriotismo Sempre soubes te impor por excelência Orgulho de todas as tuas alunas A ti nós todas somos gratas Dos colégios o primeiro entre mil E para nós o primeiro do Brasil Jacobina. 119

.

A participação de pais, professores, alunas e ex-alunas, representantes do alto

clero católico e amigos da instituição em geral – tanto na cerimônia transcrita pelo

Traço de União, quanto na escrita de textos específicos enviados e publicados nessa

edição do periódico – mostra a ligação entre os membros do presente e do passado que

ajudaram, e ainda ajudam, a construir e a registrar a história de um colégio que tentou,

ao longo de cinqüenta anos, ser, antes de tudo, uma grande família de vasta cultura

embasada na moral cristã.

Em relação às mudanças que se deram no corpo editorial, percebe-se, que nesta

fase Marietta Luiza Lacombe, a Dona Mariettinha, substituindo a ainda diretora do

Colégio, Laura Jacobina Lacombe, em junho de 1951, assume o cargo de Responsável

pela revista, onde vai permanecer até o penúltimo número publicado. Junto ao nome de

Mariettinha abre-se espaço para outros que vão mostrando as diferentes habilidades das

alunas jacobinenses. Surgem, assim, cargos para colaboradoras que ficam responsáveis

pelo desenho da capa, supervisão, revisão, paginação, ilustração, correção, fotografia,

correspondência na Europa, departamento fotográfico e artístico, entre outros que já

foram mencionados. Contudo, pode-se dizer que a mudança referida em relação ao

cargo de responsabilidade do Traço de União, não acarretou uma ruptura de propósitos

para a revista logo no início: seus fundamentos continuaram voltados para a defesa da

influência do catolicismo na educação feminina.

No entanto, principalmente a partir de meados da década de 50, o discurso

dirigido às mulheres que deveriam, segundo os ideais defendidos por Laura, ser

119 Traço de União, 1952, n.1-2, p.7.

Page 94: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

educadoras por natureza, já não atraía mais as alunas como antes. Outras profissões

apareciam na sociedade, principalmente após a 2º Guerra Mundial, e de forma mais

efetiva tornavam-se alvo do desejo das formandas que, assistiam, nesse momento, à

implantação de um maior número de universidades no país. Por isso, ainda que

Mariettinha estivesse empenhada em dar continuidade ao trabalho realizado ao longo

dos anos por Laura, isso parecia inviável. Assim, é possível concluir, que o motivo

gerador dos conflitos que serão apresentados a seguir, deu-se em virtude de as alunas já

não terem mais interesse em participar da revista como antes, o que acabou por

sobrecarregar aquelas que ainda se interessavam pelas publicações.

Ainda que o ritmo acelerado fosse percebido ao longo de toda essa fase, que

apresentou edições com um grande volume de páginas, é possível notar que o início do

fim se aproximava devido, possivelmente, a desentendimentos e desorganizações

internas. Inaugurando a segunda etapa dessa fase, em 1956 começaram a ocorrer

algumas mudanças tipográficas e editoriais que redefiniram, ao longo dos anos, o

padrão que a revista vinha seguindo até então. A primeira mudança visível está em não

aparecer mais o preço da assinatura da revista, cujo lucro se destinava à CELPI, e o

nome das colaboradoras que ficavam junto ao desenho das crianças na página nº1 das

edições. Além disso, o aspecto da revista mudou, passando a ter textos maiores, com

assuntos mais explorados e extinguindo a seção Croniqueta que acompanhava o

periódico desde 1924.

Contudo, foi na publicação nº2 de 1958 que a mudança mostrou-se maior: a

caricatura de crianças desenhando o nome da revista, marca que fazia parte da

identidade do Traço, não apareceu mais. Assim, principalmente a partir daí, ainda que

tentasse seguir uma organização próxima da etapa anterior, muitas mudanças já eram

perceptíveis. Após a capa e a primeira página, que geralmente era de responsabilidade

da edição da revista, apareciam textos soltos escritos pelo ginásio e pelo clássico, que

não mais apareceram sob o título “Trabalhos Diversos”. Logo em seguida, foram

cedidos espaços para as seções “Tracinho”, “Ecos”, “Relatório de Costura e Lactário

Pró-Infância”, “Traço das antigas”, “Associação das antigas”, “Traço das Educadoras”,

“Registro”. Porém, ainda que esses espaços continuassem existindo, sendo ocupados

com as mesmas finalidades e tivessem como grupo de escritoras as que sempre tiveram,

os títulos das seções passaram a ir sumindo e os textos não foram mais divididos, em

sua maioria, em colunas.

Page 95: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Percebe-se o início das divergências internas para a produção da revista no que

diz respeito à escrita e a ocupação dos espaços dessa escrita. Em 1960, por exemplo, é

possível ver que as escritoras do Clássico fazem questão de mostrar que têm um espaço

separado de todos os outros grupos que escrevem no Traço de União. É como se o

ginásio, primário, as educadoras e ex-alunas, por exemplo, pertencessem a uma segunda

edição dentro da mesma revista. Aparece, inclusive, um sumário próprio e único, que

vem logo após a capa para as alunas desse curso.

Assim, nas revistas do clássico, parte inovadora do Traço de União, ficou

definido que as seções organizariam os textos de acordo com o assunto tratado. Dessa

maneira, Ciência Política, Artes, Cinema, Crônicas, Literatura, entre outras, são

algumas das seções que geraram as matérias, pois, segundo as alunas do clássico, é mais

fácil partir de um assunto determinado para fazermos um artigo, uma reportagem ou

uma crônica. 120

A outra parte da revista, então, foi dividida, de forma não permanente e

constante, em seções tradicionais como: “Colaboração de terceiras e quartas séries

ginásio”, “Ginásio”, “Tracinho”, “Traço das Educadoras”, “Registro”, “Noticiário”,

“Associação de pais de família do Colégio Jacobina”, “Costura e Lactário Pró-

Infância”, “As Antigas Escrevem”, entre outras que também surgiram ou receberam

outros nomes ou foram extintas repentinamente.

Um exemplo disso é o “Traço das Educadoras” que, por vezes, aparecia sob

outro título de seção, ou tinha seus textos publicados sem ao menos vir sob qualquer

título. Isso fez com que, em alguns momentos, a escrita das educadoras só pudesse ser

identificada ou pelas assinaturas, que vinham acompanhadas por seu ano e curso, ou

pelas matérias direcionadas à temática da aprendizagem infantil.

Dessa forma, pode-se inferir que havia uma rivalidade hierárquica entre as

próprias escritoras que perceptivelmente, pela primeira vez, fizeram com que o Traço

de União fosse duas revistas em uma e, por isso, deixasse de representar o que ele

sempre tentou: a união dos membros que fazem ou fizeram parte da instituição.

A primeira e a segunda edição de 1959 apresentam as marcas desse difícil

momento. Assinando “a redação” logo nas primeiras páginas, o número 1 desse ano,

que pela lógica teve a participação muito mais efetiva das alunas do clássico, propôs-se

a chamar a atenção daquelas que não vinham colaborando com a publicação. Em

120 S/a. S/t. Traço de União,1961, n. 1, p.9.

Page 96: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

resposta às acusações da edição anterior, o ginásio respondeu de forma incisiva que se

elas não participaram, foi porque foram impedidas pelo clássico. E assim, começaram

os problemas de participação que Mariettinha teve que mediar para que as publicações

saíssem pelo menos uma vez ao ano, quando dois números eram publicados em uma só

edição, para justificar a semestralidade que caracterizava o periódico nessa fase.

As escritoras do Clássico, como foi possível ver anteriormente, começaram já

em 1958 a mudar o perfil da revista completamente. Até mesmo sua marca de

identificação com as crianças desenhadas na primeira página havia sido retirada. As

mudanças se refletiram nos novos tempos e geraram, dessa forma, embates que se

acirraram em 1959. Para mudar o perfil da revista, foi preciso algum grupo assumir a

Assinando “A Redação”, as alunas do Clássico e do Curso Ginasial provocam-se, por meio de envio de mensagens pelas edições, com o intuito de cobrar maior participação e colaboração para que a revista continuasse a ser publicada. Traço de União, 1959, n.1, p.1 e 1959, n.2, folha de rosto. Arquivo da CELPI.

Page 97: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

postura de resgatar o relacionamento amistoso entre as alunas. Quem parece ter dado o

primeiro passo nessa direção foram as alunas do clássico que tinham sido criticadas por

suas colegas do ginásio que se sentiram excluídas desse processo, como já foi

comentado. Uma vez que não passaram por cima de nenhum princípio moral do

cristianismo, essas mudanças foram permitidas pela Responsável do periódico,

Mariettinha. Contudo, a revista, até o fim dessa fase, acabou não tendo mais como fio

condutor o catolicismo e não apresentava mais como centralidade dos seus textos os

preceitos da Igreja que determinavam o papel da mulher na sociedade.

Esse cenário trouxe conseqüências para a materialidade da revista, entre as quais

se destacaram as capas ilustradas que, como a primeira apropriação de um leitor121,

passaram a deixar de lado, a partir de meados da década de 50, sua principal faceta

juvenil. Ou seja, se quando foi criada, nos anos 30, a capa ilustrada introduzia a

identidade da escrita que seguia no periódico, que era delineada muito mais por uma

perspectiva adolescente do que infantil ou adulta, esse quadro se inverteu no decorrer

dessa quarta fase, como será visto a seguir.

As capas com imagens impressas começaram a surgir no décimo ano de

publicação, mais precisamente em novembro de 1933, terceira fase do Traço de União,

tendo como característica principal, a forte presença das jovens alunas em sua

elaboração. Fotografias e ilustrações passaram, então, a revelar valores e práticas do

Colégio Jacobina e das mulheres que esta instituição acreditava estar formando.

Geradoras de identidade, as capas se apropriaram do universo jovem jacobinense, do

cotidiano escolar, da religião e de fatos que aconteceram no país e no mundo, para

traçarem verdadeiros legados artísticos, já que por trás das imagens pode-se notar o

registro de versões femininas e críticas moderadas de um tempo vivido. Como

embalagens do periódico, elas consagraram, ao longo dos anos, o que a coletividade

pensava ou era levada a pensar sobre um assunto a partir de um determinado espaço e

tempo social.

121 Idéia trabalhada por Chartier (1991).

Page 98: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Procurando expressar o cotidiano escolar, em muitas capas se utilizou a

caricatura. Sendo os tipos mais encontrados até começarem os embates internos, seus

temas abordavam as reformas do ensino, como aconteceu quando Gustavo Capanema

ocupava o Ministério da Educação; os aniversários do Traço de União e da instituição;

os rituais escolares (recreio, entrada, provas e etc.); a mudança de prédio e as obras do

colégio; os assuntos relacionados aos conteúdos dados nas disciplinas; o

comportamento das alunas nas aulas; a despedida das turmas dos últimos anos da

A ordem na hora da entrada e a bagunça do recreio. Traço de União, 1934, n. 1 e 1936, n. 3, capa. Arquivo da CELPI.

Capa temática sobre a Reforma Capanema em 1942, quando a aritmética começou a fazer parte do cotidiano das alunas e a mudança de prédio ocupado pelo colégio em 1939. Traço de União, 1942, n. 2 e 1939, n. 1. Arquivo da CELPI.

Page 99: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

instituição; e, entre outros, as leituras excessivas que foram a maior fonte de inspiração

das alunas até meados de 50.

Além dos espaços ocupados pelos Grêmios nas publicações, as alunas deixavam

transparecer, em várias capas, o quanto viviam rodeadas de livros. Isso era reforçado

pelos artigos, que mencionavam a literatura como algo que fazia parte do dia-a-dia de

todas as turmas do Colégio. Resumos de livros lidos, enquetes sobre os livros mais

freqüentemente lidos pelas alunas, resenhas, incentivo à leitura e assuntos relacionados

à Biblioteca Heitor Lyra da Silva da instituição ganhavam sempre as páginas da revista.

Entre as capas, as alunas destacaram o livro O inferno de Dante (primeira

imagem a seguir), na década de 40, em que a partir de preceitos e valores católicos,

buscava-se criar uma identidade feminina edificada pelo caminho do bem. Essa leitura,

assim como Pollyanna, de Eleonor Porter e com tradução de Monteiro Lobato e Helena,

de Machado de Assis, entre outras igualmente mencionadas, aparecem como

preferências literárias das alunas do Colégio Jacobina nesse período. De acordo com o

estudo de Camacho (2005) sobre leituras estimuladas dentro de instituições católicas de

Capas sobre a leitura de livros e a Biblioteca Heitor Lyra da Silva, referenciada com freqüência no Traço de União, 1935, n.1 e n. 2 capa. Arquivo da CELPI.

Page 100: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

ensino para moças, entende-se que muitos livros eram utilizados como mecanismos que

se destinavam a modelar a moral feminina. Segundo a mesma autora, as escolas

católicas privilegiaram uma literatura feminina com o objetivo de moldar as mulheres

de acordo com os padrões do cristianismo. Pollyanna, por exemplo, como leitura de

formação, destinava-se às meninas que deveriam ter sua conduta e seus valores

definidos, pois seriam mães, esposas e donas-de-casa.122

Apesar de essa história não falar diretamente sobre o casamento, já que conta sobre a

vida de uma menina de conduta exemplar que não mede esforços para ser solidária e

fazer as pessoas se sentirem felizes, ela elenca a iniciativa que Sousa (2002) denominou

de cruzada em prol das boas leituras, em que as instituições católicas de ensino

procuraram, por meio de historinhas de fundo moral, estimular a leitura verdadeira, ou

seja, aquela que seria válida para edificação do espírito.

122 Camacho, 2005, p. 115.

Aluna lendo “Inferno de Dante” e páginas do diário de uma aluna do Jacobina descolando com seus pensamentos. Traço de União, 1940, n. 2 e 1944, n. 2, capa. Arquivo da CELPI.

Page 101: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Helena, classificado pelas escritoras do Traço de União como romance

psicológico, trata de uma história singela de amores123, na qual a personagem principal

aparece como uma moça de sentimentos muito elevados querendo ela, no final do livro,

sacrificar a vida, pelo bom nome de Estácio. Já Eugênia, personagem secundária da

trama é considerada uma pequena frívola e cheia de vontade, sem saber o que quer124.

Assim, a tônica dos discursos que figuravam entre as leituras citadas pelas

alunas do Colégio Jacobina no Traço de União, designava-se a promover um modelo de

mulher e de comportamento feminino pautados em papéis que deveriam ser

desempenhados por elas na sociedade, e o amor ao próximo deveria ser colocado em

primeiro lugar. Dentro dessa instituição, isso se justifica, pois Laura Jacobina Lacombe,

assim como sua mãe, sempre procurou defender que a educação feminina era de grande

valia para sociedade, já que somente a mulher, devido a suas características

supostamente naturais, poderia consolidar o bem na humanidade.

Em uma proporção bastante inferior à da prática de leitura, é possível perceber

que o estímulo à escrita de diários também aparece nas capas do Traço de União

(imagem anterior à direita), nas quais as alunas mostram que seus interesses e suas

preocupações cotidianas giravam em torno de questões como provas parciais –

determinadas oficialmente desde as reformas educacionais estabelecidas no Governo de

Vargas –, passeios, namoro, casamento, religião, estudos e leituras, sendo, estes últimos,

como sempre, representados por imagens de alunas com livros. Pode-se inferir, no

entanto, que as leituras feitas pelas alunas apareciam em seus diários não somente

citadas, mas também como referenciais que configuravam os limites do comportamento

feminino, uma vez que as boas leituras que apareciam nas páginas do Traço de União,

visavam a edificar os mesmo valores que as alunas representavam nas capas. Assim, se

a escrita diária pôde ser percebida como alvo de disciplinarização e de mecanismos

quando associada a leituras que fizeram com que as próprias alunas passassem a julgar

as suas condutas125 a partir de parâmetros pré-estabelecidos, as capas seriam uma forma

de tradução da apreensão feita pelas alunas a partir desses ideais que estiveram em jogo

ao se estipularem tais parâmetros.

Diferentemente dos ideais impostos à mulher pela sociedade que ascendia no

primeiro semestre do século XX, o Colégio Jacobina investiu em uma educação que ia

123 Noemi Leal Ferreira, “Helena”. “Leituras”. Traço de União, 1940, n. 2. p. 2. 124 Elisabeth Jacobina Romagueira, “Helena”. “Leituras”. Traço de União, 1940, n. 2. p. 4. 125 Camacho, 2005.

Page 102: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

além dos afazeres domésticos, desde o seu início. Nesse sentido, as capas foram grandes

divulgadoras dos sentimentos e anseios daquele grupo de mulheres que, assim como os

homens, aprendiam matemática, física, geografia, química e, eram bastante cobradas

para que obtivessem um desempenho satisfatório, seja perante os pais ou perante as

dirigentes do colégio que eram consideradas como uma espécie de segunda mãe para as

alunas. Assim, muitas imagens tinham como finalidade representar a pressão das

matérias escolares sobre as alunas.

As capas também revelavam o sentimento feminino em relação a temas atuais

que envolviam o país e o mundo, como foi o caso das que representaram a Segunda

Guerra Mundial, em que as meninas homenageavam os soldados e simbolizavam,

também, por meio de ilustrações, o desejo de paz mundial. Dentro da revista, por sua

vez, esse simbolismo se traduzia, por meio dos artigos, em representações referentes ao

Caricatura das disciplinas correndo atrás das alunas dos diferentes graus de ensino e o estudo de línguas e matemática a partir das exigências da Reforma Capanema. Traço de União, 1949, n.1, capa. Arquivo da CELPI.

Page 103: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

papel social feminino dentro desse contexto de crise, já que a mulher era um ser

iluminado e, por isso, imprescindível na transformação da nação.

Também muitas foram as capas que expressavam as dúvidas, os anseios, os

desejos e as perspectivas do universo das jovens alunas. Entre as preocupações com as

guerras e o racionamento de alimentos que poderiam vir como conseqüência delas, os

estudos, e as diversões da época como o cinema, as roupas e compromissos sociais, são

alguns dos pensamentos que pareciam passar pela cabeça das jacobinenses que, também

transpareciam, por meio do que ilustravam nas capas, preocupações com relação a que

Ilustração pelo fim da II Guerra Mundial e capa em homenagem ao Soldado da Força Aérea Brasileira. Traço de União, 1946, n. 1 e 1945, n.1, capa. Arquivo da CELPI.

Page 104: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

futuro seguir. Ficar em dúvida sobre a seqüência de seus estudos, optar pela vocação

religiosa, viajar, seguir uma carreira artística ou formar uma família se dedicando

somente ao lar, marido e filhos, estabeleciam as escolhas possíveis às mulheres

modernas que pertenciam ao Colégio Jacobina, caricaturadas nas capas do seu

periódico.

Entende-se, porém, que, assim como acontece com a revista de um modo geral,

as capas, em grande maioria126, eram de autoria das alunas, mas só eram publicadas com

o aval da instituição. Sem a permissão e orientação da direção do colégio, essas capas

certamente não sairiam e isso se torna notório, devido à forte relação entre o que as

dirigentes tentam pregar e o que é transmitido pelas imagens. As mulheres retratadas

126 Diz-se em grande maioria, pois algumas capas apresentam fotos profissionais como, por exemplo, as que tinham as alunas representando santas ou outros simbolismos do imaginário católico.

Imagens que refletem o que se passa pela cabeça das alunas do Colégio Jacobina. Religião, casamento, guerra, vocação artística, entre outras, aparecem nesse imaginário desenhado. Traço de União, 1944, n.1 e 1947, n. 3, capa. Arquivo da CELPI.

Page 105: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

nas capas do Traço de União, por exemplo, representaram, muitas vezes, o principal

foco da formação católica que receberam para cuidarem da sociedade, pois a elas cabia

o futuro da nação. As capas, assim, unidas à escrita, criavam uma identidade feminina a

partir de ideais muito próprios da instituição, de suas dirigentes e da classe social a que

pertenciam as alunas:

Deus antes de ninguém, Deus que dirige o destino dos povos, dirigiu nossos destinos e nos fez o que somos hoje. Antes crianças inocentes, não compreendíamos a grandeza e a sublimidade do divino. Agora, moças, vemos e sentimos o Seu valor.(...) Que cada uma de nós saiba compreender a verdadeira missão da mulher no mundo. Que cada uma de nós seja um exemplo para sociedade moderna tão corrompida. Porém, minhas colegas, não nos esqueçamos da pátria, do nosso querido Brasil. Cabe-nos engrandecê-lo, fazê-lo amado e respeitado. “A mão que embala o berço embala o mundo” disse um poeta. Portanto é imensa a nossa responsabilidade, mas é sublime o nosso dever. Eis a missão da mulher: Educar. Educar verdadeiros cristãos. Educar os homens do futuro. Educar uma nova geração, que formará um novo Brasil, unido, forte e feliz.(...).127

Sendo assim, a marca da religião nas imagens das capas até fins da década de 50

aparece representada por fotos ou ilustrações que poderiam vir acompanhadas de

palavras ou frases que ajudavam a dar sentido à escolha dessas na publicação. No

entanto, em relação às fotografias, que em sua maioria eram profissionais, acredita-se

que tenham sido selecionadas pela direção que mostra, assim, sua significativa

contribuição para dar sentido às representações femininas que se fincaram até esse

período explanado.

127 Lina Penna Sattamini. ‘Encerramento das Aulas’. Traço de União, 1939, n.1, p.3.

Page 106: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Percebe-se desse modo que, embora algumas capas estivessem direcionadas a

abordar outro tema principal como, por exemplo, a comemoração do aniversário do

colégio ou da revista, o tema religião poderia estar trançado de algum modo dentro do

contexto principal, como aconteceu no caso da imagem anterior: a Nossa Senhora da

Paz foi utilizada como símbolo de proteção na capa do 15º aniversário do Traço de

União.

Variadas e repletas de intencionalidade, as capas apresentavam os assuntos em

um ciclo, pois a abordagem delas, até o período em que as alunas aceitaram tal

condição, giraram sempre em torno de uma mulher que era educadora por natureza,

cristã se estiver do lado do bem, mãe e esposa por excelência, culta para atender as

necessidades de sua classe social e caridosa, como a religião católica defendia para

justificar a educação feminina. Sendo assim, é possível perceber que ligada à

necessidade de passar, por meio das capas, esse ideal feminino, também se buscava, por

meio dos textos, difundir os métodos da educação pretendida para formar a mulher

jacobinense para que essa atuasse no seio da família e da sociedade.

No entanto, a incidência das fotografias no desenrolar da década de 50 marca o

período de mudanças que ocorria devido à visível falta de interesse das alunas pela

publicação que, ainda naquele momento, insistia em manter como imagem principal do

periódico a mulher culta formada sob preceitos católicos para atuar como educadora.

Por isso, as criativas caricaturas juvenis que ilustravam as páginas do Traço de União

foram dando lugar às fotografias encomendadas pela direção.

Uma aluna vestida de Nossa Senhora e a imagem de Nossa Senhora da Paz na capa de comemoração de quinze anos de publicação. Traço de União, 1950, n.1 e 1938, n. 3, capa. Arquivo da CELPI.

Page 107: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

As capas passam a ser determinadas também por desenhos infantis, não mais

refletindo, como antes, o complexo universo das alunas adolescentes. Parecia ser mais

fácil, nesse momento, conseguir a colaboração das crianças do que a das alunas de

séries mais avançadas.

Em 1957, por exemplo, a capa foi resultado de um concurso, através do qual

Mariettinha tentava estimular a participação das alunas na publicação: No mês de maio,

foi promovido no colégio, um concurso de pintura a fim de ser escolhida uma capa

Sombra da Cruz de Cristo – Símbolo utilizado pelo catolicismo e Foto de uma aluna no dia de sua Primeira Comunhão. Traço de União, 1954, n.2 e 1958, n. 2, capa. Arquivo da CELPI.

Ilustrações infantis que começaram a fazer parte das capas do periódico, sem que fosse mencionado o sentido das mesmas. Traço de União, 1960, n. 1 e 1959, n. 1, capa. Arquivo da CELPI.

Page 108: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

para o ‘Traço de União’, entre os melhores trabalhos. 128 No entanto, logo acima desse

pronunciamento, continuava a tentativa de alertar as alunas sobre a importância de

colaborar com os trabalhos referentes à publicação, já que o periódico seria uma fonte

viva do cotidiano daquele colégio:

A colaboração deve ser viva; é preciso que haja uma grande equipe, do tamanho do nosso colégio, toda unida, toda ativa. Não está certo que a revista seja movimentada por poucas meninas do clássico: são as alunas do Primário e do Ginásio as futuras organizadoras do ‘Traço de União’. Por que futuras e não atuais? O rendimento do trabalho de todas juntas, do Primário, do Ginásio, do Curso de Educadores e do Clássico seria evidentemente grande e muito mais completo no sentido de que o ‘Traço de União’ é uma imagem viva do que se passa no colégio. Tudo o que aqui acontece é uma fonte de assuntos a ser explorados. Não poderemos ver o valor de certos fatos que nós como atuais alunas achamos simplesmente corriqueiros e, no entanto, trazem tanta saudade e encanto às antigas? (...) Façamos portanto uma revista viva, mostrando o que existe no colégio para nós mesmas e para os que não podem estar mais conosco constantemente, a fim de que todos saibam que há espírito de colaboração no Jacobina.

As capas que deixaram de representar, em sua maioria, os ideais daquelas alunas

adolescentes, juntamente com os inúmeros apelos – apesar de não terem nome, tudo

leva a crer que eram de Mariettinha – contextualizavam o cenário de dificuldades

enfrentadas para que as edições saíssem nos moldes de uma revista, que deveria,

minimamente, apresentar capa e artigos. Mariettinha parecia enxergar o Traço de União

como uma fonte histórica, pois apesar de não utilizar exatamente essa expressão em

seus apelos, conduzia seu discurso nesse sentido para que as alunas percebessem a

importância de não deixar morrer, por meio da escrita, o dia-a-dia que constituía aquela

instituição formadora.

Contudo, não se pode afirmar que as capas deixaram de expressar,

definitivamente, a criatividade na qual se pautava o imaginário das alunas. A freqüência

com que elas deram voz às jovens para que retratassem o universo que as cercava na

década de 60 e 70, por exemplo, foi bem inferior a de décadas passadas. As imagens dos

aniversários do colégio e do Traço de União, que em outros tempos estimularam

interessantes ilustrações das adolescentes, aparecem, agora, sem a energia contagiante

das mesmas que não mais se empenhavam para fazer o melhor na revista que parecia

não ser mais de todas. Levanta-se a hipótese de que o fato de as alunas não se verem

mais escrevendo a partir de ideais que viam a mulher desse novo tempo, como a

128 S/n. Nossa capa. Traço de União, 1957, n.1, p. 1.

Page 109: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

imagem e semelhança daquela de décadas passadas, levou-as a não mais se

identificarem com a revista.

Apesar de todos os problemas, pode-se dizer que o Traço de União em seu

conjunto e, com o incansável esforço de Mariettinha, continuou mostrando muito do

cotidiano da instituição. Embora as capas em sua totalidade tenham deixado de ser a

expressão máxima das alunas adolescentes e, por isso, não representassem mais tão

claramente a identidade da mulher formada por aquela instituição de ensino, ainda foi

possível encontrar algumas que procuraram passar para o leitor imagens e pensamentos

do tempo vivido. Isso aconteceu em 1969, quando alunas mostrando estar antenadas

com os acontecimentos mundiais ilustram a chegada do homem à Lua, o que mereceu

artigos e desenhos no interior da publicação. Também em 1974, penúltima revista

publicada pelo Colégio Jacobina, na qual às palavras com significados já conhecidos

pelas jovens do início do século, misturam-se aquelas que permeiam, de modo bastante

atual, o universo jacobinense: sexo, seqüestro, exorcismo, religião, tecnologia,

consumo, racismo, esperança, tóxico e, entre outras, Cristo. Isso acontece a fim de

anunciar a aceitação, por parte do colégio, de novos discursos que anunciam as novas

formas de atuação das mulheres na sociedade.

Capa com caricatura homenageando a chegada do homem à Lua e capa que sinaliza, por meio de palavras soltas, as preocupações com o mundo moderno. Traço de União, 1974, n.1 e 1969, n.2. Arquivo da CELPI.

Page 110: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Em relação aos conteúdos dos textos, pode-se dizer que continuaram sendo ricos

e ressaltando o vasto conhecimento das alunas que ali eram formadas. Do Clássico ao

Curso de Educadoras, todas tiveram oportunidade de mostrar seus trabalhos e contar um

pouco do que estavam aprendendo. Aliás, muito mais do que a contínua explanação das

práticas, dos métodos, dos preceitos católicos e do currículo vigente, o periódico foi,

como sempre, um divulgador do cotidiano das mulheres, que já a partir da década de 50,

passam a ter mais facilidade de acesso às universidades, expondo a lição mais

importante dada por essa fase: as novas formas de sociabilidade e direitos conquistados

recompensaram os desafios do passado.

O Traço de União de 1963 evidencia isso. Em uma das reuniões de antigas

alunas, que havia sido promovida pela instituição e fôra realizada no auditório do

Colégio Imaculada Conceição, as ex-jacobinenses ocuparam solenemente um microfone

para compartilhar, com todas as presentes, as escolhas e dificuldades das respectivas

carreiras que tiveram oportunidade de cursar em nível superior. Representantes das

áreas de engenharia, biologia, física, psicologia, história, jornalismo, arte, música,

direito, serviço social e magistério subiram ao palco do auditório para contar sobre suas

experiências profissionais. Os discursos, que foram nitidamente marcados por falas que

ilustravam um cenário de obstáculos que fizeram parte da trajetória feminina nesse

século, foram iniciados por uma engenheira que a partir de seu relato individual contou

a história de muitas mulheres pertencentes à sua classe social. Baseada em fatos de sua

vida que chegavam a ser engraçados, a engenheira disse que desde a época de Colégio

Jacobina foi orientada para não seguir a profissão que desejava. Cita Laura Jacobina

Lacombe, como uma das pessoas que tentou impedir que tomasse esse rumo na vida.

Confirmando essa decisão que ainda não era tão bem vista pelas instituições Igreja,

colégio e sociedade, a ex-aluna, a exemplo de outras mulheres desse tempo, mostrou

que já era mais possível se dedicar a outras profissões:

Não fosse uma obstinada teimosia que me fez vencer forte oposição, tanto em casa como no Colégio, e hoje não estaria aqui falando esta antiga aluna como Engenheira.(...) Quando na 4º série ginasial manifestei meu desejo de me formar em engenharia(...)D. Laura, não sei se está lembrada, gastou horas de seu precioso tempo tentando convencer-me que esta não era uma profissão em que a mulher pudesse se sentir realizada (...)Antigamente achavam que a inteligência da mulher não se adaptava a estes estudos.(...) Nunca notei qualquer diferença no sentido de inferioridade da inteligência feminina em relação a masculina. Acho que a mulher é capaz de seguir qualquer curso e exercer com sucesso qualquer profissão.(...) Terminado o curso trabalhei pouco tempo no escritório de Engenharia, pois casei-me logo depois e meu marido, que é médico, não concordou de forma alguma que eu

Page 111: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

continuasse a trabalhar. (...) Para não abandonar a profissão que tanto me fascinava e fascina, dediquei-me ao magistério com o que meu marido se resignou. Hoje, apesar de já com 3 filhos continuo a ensinar duas cadeiras da Escola de Engenharia(...). Sinto perfeitamente realizada com minha família e minha profissão. 129

Laura Jacobina Lacombe, assim como a Igreja Católica, mais uma vez teve que

se adaptar para não perder seu campo de atuação. Não podia desconsiderar os

acontecimentos sociais e nem o fato de que muitas alunas desejavam seguir caminhos

diferentes do que ela planejou para o grupo que formava. Por isso, apropriou-se das

brechas da estrutura vigente para conduzir um discurso pautado agora nas mães que

deveriam manter sua responsabilidade de guiar a infância, ainda que optassem por

carreiras que tomassem mais o seu tempo.

Em relação ao mal estar ocorrido entre as alunas para produção das revistas,

percebe-se que em fins da década de 60 o problema acabou sendo resolvido ou, pelo

menos, silenciado na escrita. Nem sumário do clássico, nem qualquer outro existe mais

a partir de 70: todas as leitoras e escritoras parecem ter se enquadrado ao novo perfil do

periódico sem se sentirem excluídas do processo. Não parou, no entanto, de ser

publicado o pedido de auxílio das colaboradoras para elaboração das edições, mas isso

passou a ser conduzido de forma mais delicada e, inclusive os textos com essa

finalidade, foram assinados pelo próprio Traço de União, evitando, assim, maiores

problemas entre as diferentes séries.

O número de páginas com o passar desse período ou diminuiu ou duas edições

acabaram se transformando em uma. Pelo que se pôde concluir, isso realmente ocorreu

pela falta de interesse e colaboração das alunas, que já não tinham mais o fôlego

produtivo de antes, pois ainda que muito se tenha permitido nas edições para

acompanhar os novos tempos que as mulheres viviam, o periódico ainda era

caracterizado pelo seu cunho retrógrado.

Muito se escuta, entre as histórias contadas por ex-alunas que ainda freqüentam

a CELPI, inclusive, comentários sobre a queda institucional nesse período. Quem sabe

então o declínio do Traço não tenha sido, além da falta de estímulo das alunas,

acarretado pelos problemas enfrentados pela instituição nesse período? Inúmeras podem

ser as possibilidades. No entanto, é fato que a queda no ritmo de produção da revista

dessa fase tem continuidade na seguinte, onde, infelizmente, ela deixa de ser publicada,

como veremos a seguir.

129 Maria Helena de Britto Rodrigues. ‘60 anos passaram’. Traço de União, 1963, n.1 e 2, p. 46.

Page 112: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

1.5. O ponto final: a despedida do Traço de União

Ressurge hoje o Traço de União, tradicional revista do Colégio Jacobina, que vinha hibernando desde 1974. Trata-se de um esforço conjunto da Associação de pais e da administração do Colégio no sentido de revitalizar as artérias de comunicação entre o colégio e os alunos e suas famílias. (...) Todavia não temos vivido apenas vitórias, as dificuldades são muitas.(...).130 Na quinta e última fase, percebemos o declínio da Revista em meio a uma crise

que dará fim às publicações e, dois anos depois, 131 ao Colégio Jacobina:

Quadro com a relação de periódicos publicados na 5º fase do Traço de União: 1974 - 1981

ANO DATA NÚMERO DO PERIÓDICO

NÚMERO DE PÁGINAS

LI 1974

1 32

Não é especificado

1981 1 16

Traço de União. Arquivo da CELPI.

Com uma enorme distância entre as suas duas últimas publicações, o periódico

aparece completamente descaracterizado. Tratando de assuntos como literatura, música,

teatro, curso normal na atualidade, religião, historinhas infantis com ilustrações

representativas, versos, passeio realizado pela instituição à exposição no Pavilhão de

São Cristóvão, textos sobre o ex-professor Américo Lourenço Jacobina Lacombe que

fora eleito para a Academia Brasileira de Letras, e uma entrevista com Laura Jacobina

Lacombe, a edição de 1974 termina suas 32 páginas com as duas únicas seções que

permaneceram das fases anteriores: “Noticiário” e “Registro”.

Como se fosse uma previsão da curta trajetória que lhe aguardava, o periódico

desse ano se destacou pela longa entrevista com Laura Jacobina Lacombe: aluna da 1º

turma da instituição, professora e, posteriormente, diretora da mesma desde 1936 e uma

das principais e fundamentais idealizadoras do Traço de União.

130 Texto escrito por Amélia M. Lacombe, última diretora do Colégio. Traço de União, 1981, p. 3 131 Não foram encontrados documentos que precisassem a data certa em que o Colégio Jacobina encerrou suas atividades. A informação de que a instituição tenha terminado em 1983 foi adquirida por meio de relatos orais.

Page 113: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

A Seção denominada “Depoimento” transcreveu na íntegra as respostas de

Laura, que falou sobre sua forte ligação com o Jacobina, relembrou seus tempos

enquanto estudante, as mudanças e reformas de ensino que influenciaram a vida da

instituição e seus ideais pedagógicos e religiosos, o que pensava a respeito da

participação dos pais na educação de seus filhos, as influências pedagógicas

estrangeiras sofridas pela instituição e sua participação dentro desse contexto, suas

importantes viagens para aprendizado e aplicação de novos métodos educacionais no

colégio, congressos e palestras de que participou e a fundação da OMEP (Organização

Mundial de Educação Pré-escolar) no Brasil.

Quando perguntada sobre o Traço de União declarou sua missão entre atuais e

antigas alunas e mostrou certeza em relação a seu longo e contínuo futuro, sem imaginar

que essa edição era praticamente uma despedida. Segundo Laura, o periódico cumpriu

ao longo das décadas a missão que lhe deu o título. Levando por meio século às

famílias de nossas alunas e ex-alunas, a notícia do que se passava no colégio. Para a

educadora, o Traço de União foi um espaço de formação, pois aí se manifestaram

muitas vocações de escritoras, pintoras, teatrólogas, etc.

Entendendo as exigências dos novos tempos, a entrevista se desenrola com

Laura mostrando concordância em relação às mudanças que tiveram que ocorrer na

revista e nas novas oportunidades de profissionalização feminina: Encadernamos o 10º

volume e agora vamos entrar em uma nova era, aproveitando os progressos e as novas

técnicas das gráficas e dando oportunidade a nossas alunas do Curso de Publicidade

de aplicarem seus novos conhecimentos na profissão que escolheram.132

No entanto, foi a revelação explícita de sua grande preocupação em relação à

formação feminina que, por mais que houvesse sido sinalizada por meio,

principalmente, da seção “Ecos” de quase todas as edições dos periódicos, acabou

sacramentando a que, de fato, se dedicaram as dirigentes do Colégio Jacobina durante

todos esses anos: Por motivos providenciais, o Colégio Jacobina tem vindo crescendo

num sentido que, apesar de não ter sido manifestado, desde o início, sempre foi, no

íntimo, sua vocação: a preparação de professores.(...) 133 E completa sua fala

elucidando que foi o Colégio Progresso que cultivou essa necessidade de preparar

educadores, o que acabou contagiando todos os colaboradores do Colégio Jacobina,

desde sua fundação.

132 Laura Jacobina Lacombe. ‘Depoimento’. Traço de União, 1974, n.1, p.26. 133 Ibid., p.29.

Page 114: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Com uma diagramação que alternava duas e três colunas pelas páginas das

edições, verificamos que as publicações de 1974 e 1981134 apresentaram em seus dois

únicos números a perseverança e o pedido de colaboração não somente dos alunos,

como, também, dos pais:

Neste ano de 1974, uma equipe do 2º grau decidiu se responsabilizar pela edição do Traço de União. É esta equipe que vem agora dizer os seus propósitos, esclarecer suas intenções, levar ao conhecimento de todos a sua vontade de criar uma revista viva. (...) é nossa intenção publicar outro número proximamente. Para isso, precisamos de sua colaboração. Sem ela, o Traço deixa de ser União. (...)135

O Traço de União volta a ser publicado no ano em que o Colégio inicia a comemoração de seus 80 anos. Esta coincidência de datas tem para nós - Associação de Pais e Direção do Colégio - um significado importante: a retomada de uma ligação com os antigos alunos, a união de passado e presente. Gostaríamos que o Traço viesse a ser um caminho de mão dupla pelo qual circulasse não apenas aquilo que queiramos divulgar mas também as impressões, comentários e sugestões dos membros da Comunidade.136

Com exceção da revista de 1981, quem continuou ditando os rumos efetivos do

colégio e de seu periódico foi Laura, que mesmo na ausência causada pelas inúmeras

viagens que realizava, sempre aparecia moralmente, afetivamente e metodologicamente

nos textos de suas alunas e também nas reportagens e comemorações de início, meio e

fim do ano letivo do Colégio Jacobina. Estruturalmente, Mariettinha foi responsável e,

por isso, editora principal do Traço de União nas últimas fases. Porém, o conjunto das

idéias divulgadas e silenciadas no periódico derivava, ainda, sem dúvida alguma, das

verdades que eram fruto de uma trajetória educacional e religiosa experiente como a de

Laura Jacobina Lacombe.

Continuando, até seu último número, com capa, mas sem sumário, essas edições

fazem acreditar que a pretensão em 1974 era prosseguir com a semestralidade de suas

publicações. No entanto, após ter saído o Traço número 1 deste mesmo ano, somente

em 1981 vai aparecer outra revista que traz em suas páginas muitos textos que entram

no clima da comemoração dos 80 anos do Colégio Jacobina.

134 O jornal de 1974 ainda tem como responsável Marietta Luisa Lacombe que em 1981 passou o cargo para a Diretora que substituiu Laura na instituição, Amélia M. Lacombe. 135 Editorial assinado por Marta Rocha e Silva de Senna, Maria Fernanda Martins Costa, Marília Arruda e Ana Cristina Ribeiro Carvalho. Traço de União, 1974, p. 1. 136 S/n. Traço de União, 1981, capa.

Page 115: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Como edição comemorativa, sob a responsabilidade de Maria M. C. Lacombe,

sobrinha de Laura, entende-se que não havia um desejo de pôr um fim na histórica

publicação do Colégio Jacobina. Deixando a mensagem de que a tradição e o novo

convivem137 esse Traço de União, em meio às atividades dos alunos dos anos 80,

mostrou o que os seus sujeitos escolares do passado cultivaram ao longo das décadas do

século XX:

Querido Presidente, É uma honra ter o Senhor visitando o nosso colégio. E é com muita alegria e felicidade que nós o recebemos. Agradecemos pelo Brasil que o Senhor nos tenta dar um Brasil bom e cheio de vida (...) O colégio está fazendo oitenta anos e a cada ano procura melhorar mais. E assim o colégio com seus estudantes fará com que o Brasil cresça cada vez mais. Porque cada um de nós daqui a pouco servirá o Brasil com seu trabalho.138

A presença do presidente João Figueiredo e de outras autoridades, entre os quais

se encontravam representantes da alta cúpula da Igreja católica, marcaram o prestígio

adquirido por aquela instituição de ensino que, ao mesmo tempo em que ergueu a

bandeira do catolicismo, foi pioneira e manteve sua característica renovadora no que diz

respeito à implantação de métodos pedagógicos. O discurso publicado na página 12 do

periódico – agradecendo ao passado edificador e mostrando que desse mesmo passado

se fazem presentes muitos ideais, como, por exemplo, aqueles descobertos pela

psicologia em que a individualidade da criança começou a ser respeitada – apresenta a

identidade do colégio que foi, até seus últimos anos, essa mescla de inovação,

catolicismo e patriotismo:

Senhor Presidente, a sinceridade do seu amor por crianças o trouxe hoje ao nosso colégio(...) Somos um colégio-menino. Porque sonhamos conquistas. Herdamos a ânsia das descobertas daqueles que nos formam, desde há 80 anos. E é precisamente este passado de lutas, de derrotas e de vitórias que nos conduz a querer o novo, o além. Os que nos formaram legaram-nos a bússola que aponta sempre o norte e ensinaram-nos a construir as naus para que possamos partir em busca da conquista de espaços, na multiplicidade dos possíveis. Ensinaram-nos a conhecer os ventos e os sinais, marcaram-nos com o querer descobrimentos. Aprendemos a admirar o passado (...) Aprendemos que o passado não é sombra, não tolhe nem escurece, porque é dele que vem a luz que se expande com a aragem de sonho no presente. (...) Nesta casa, Senhor Presidente, se educam constantemente jovens de 1 a 84 anos. Uns aprendendo com os outros, dispostos ao novo. A

137 S/a. “Colégio Jacobina Ano 80”. Traço de União, 1981, p. 5. 138 S/a. S/n. Traço de União, 1981, p. 12.

Page 116: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

individualidade de cada um é respeitada, criando condições para o crescimento e aparecimento de todos. (...) Temos respeito por nós mesmos e pelo outro. Acreditamos em Deus.139

Creditando os atuais sucessos do Colégio Jacobina aos feitos do passado, essa

edição, constituída em quase cinqüenta por cento por fotos e ilustrações, foi a última de

toda a coleção do Traço de União. O ponto final de uma longa história escrita a partir

da iniciativa de mulheres que estiveram à frente de seu tempo, no que consistia à

incessante busca pelo conhecimento, para, geralmente, cumprir e divulgar uma

importante missão: educar outras mulheres para que nessas florescesse a vontade de

continuar educando a nação a partir dos preceitos religiosos.

139 Ibid, p. 12-13.

Page 117: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

CAPÍTULO 2 As responsáveis pelo Traço de União

Page 118: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Em artigo publicado na edição comemorativa dos vinte anos de Traço de União,

a ex-aluna Stella Rodrigo Octavio Moutinho, que foi diretora do periódico na década de

30, deixou depoimento sobre o período e a sua atuação no mesmo. Segundo a autora,

todas as suas colegas que assumiram esse cargo ao longo dos anos, sabiam que a cada

linha lida no periódico, refletia-se a personalidade de Laura Jacobina Lacombe,

orientadora que dava vida e aspecto educacional à publicação jacobinense. Para ela, o

nome da educadora deveria figurar, junto ao título do Traço de União, como sua

Diretora de Honra, num direito que justamente lhe cabe, como colega – porque antiga

aluna, e como professora – porque sempre presente em todos os setores da vida

intelectual, social e moral do colégio.140

No ano seguinte, essa sugestão foi aceita. Acima do nome de todos os

colaboradores do Traço de União começou a aparecer, a partir de 1944, a função

Responsável pelo periódico. Desde aí, ficou oficialmente registrado o que todas as

alunas sempre, indireta ou diretamente deixaram claro em sua escrita: que quem sempre

autorizou, silenciou e determinou o que deveria ser publicado, foi a direção dessa

instituição de ensino, criadora do impresso. Ainda que só aparecesse o nome de Laura

Jacobina Lacombe nesse período, sabe-se que esse grupo foi constituído também por

Isabel e Francisca Jacobina Lacombe, tendo a primeira maior visibilidade que a

segunda. Dessa forma, pode-se inferir que o Traço de União, apesar de ser o veículo de

comunicação das alunas do Jacobina, não pode ser considerado uma produção exclusiva

delas.

Assim como todas as colaboradoras do passado que participaram do processo

editorial da revista, também um leitor mais atento de hoje consegue perceber que para

entender os discursos publicados sobre educação feminina católica; mulher e trabalho;

militância católica feminina; e escola e família, fundados nas representações acerca da

idéia de mulher como construtora da nação, é preciso primeiramente compreender um

pouco da história de vida das que incentivaram a produção e ficaram responsáveis pela

mesma nesses mais de cinqüenta anos de publicação e setenta e três de existência. Isso

porque suas trajetórias sempre influenciaram diretamente na forma de agir, pensar e

educar dentro da instituição de ensino e, conseqüentemente no Traço de União, que

enquanto periódico escolar servia como veículo de disseminação das propostas que

amalgamavam as educadoras ali reunidas.

140 Stella Rodrigo Octavio Moutinho. “1934”. Traço de União, 1943, n. 1, p. 3.

Page 119: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

2. As biografias das responsáveis pelo periódico

A opção de trabalhar com biografias, nesse momento, foi feita com a finalidade

de preencher as lacunas deixadas pela fonte principal da pesquisa que é o Traço

de União. A escrita publicada nesse impresso deixa explícita a ligação dos

discursos com ideais sacramentados pelas dirigentes do Colégio Jacobina. Desse

modo, com a finalidade de compreender como esses ideais entraram em jogo e o

que se propôs divulgar e fixar pelas páginas do Traço de União, deve-se

entender, primeiramente, a influência sofrida por aquelas que criaram e

orientaram esse impresso escolar. Traçar a biografia de Isabel Jacobina

Lacombe, Laura Jacobina Lacombe e Marietta Luiza Lacombe significa, assim,

apreender perspectivas sob as quais o periódico foi escrito. E isso é uma via de

mão dupla, pois ao mesmo tempo em que traçar a biografia dessas educadoras

nos possibilita entender sob que preceitos o jornal era orientado, também o

periódico nos permite, muitas vezes, compreender e acompanhar os passos

dados em suas trajetórias, ao longo das décadas.

Page 120: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Ainda que muitos registros femininos tenham sido silenciados e outros

destinados ao fogo ou ao esquecimento, sabe-se hoje que a mulher há muito tempo

escreveu sobre o mundo do qual ela participou como protagonista. Para além das tarefas

domésticas, compreende-se atualmente, que as mulheres atuaram na política e na

educação em busca da concretização de seus ideais através dos tempos.

Nesse sentido, alguns documentos, que cada vez mais se salvam da destruição e

do descaso com a memória, vão se constituir fontes inesgotáveis de exploração,

podendo ser analisadas de formas distintas por estudiosos de diferentes tradições

disciplinares. Para os historiadores contemporâneos, elas cumprem a importante função

de restaurar o papel dos indivíduos na construção dos laços sociais. 141 Aliás, Le Goff

lembra que o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado; é um

produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o

poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva

recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de

causa. 142

Sendo assim, de acordo com Mignot (2002), percebe-se que muitos

pesquisadores do campo da educação têm se esforçado para trabalhar com

vidas: dar vidas à história e considerar as histórias de vida. E quando os

documentos que nos são fornecidos, fontes primárias de um estudo, são de

cunho pessoal, possibilitam rastrear a biografia dos personagens buscando

acessar a conexão existente entre o indivíduo e o contexto histórico no qual

viveram. Com isso, entende-se que as biografias escritas por historiadores não

141 Chartier, 1994, p. 102. 142 Le Goff, 1996, p. 545.

Fotos de Isabel Jacobina Lacombe, Francisca Jacobina Lacombe, Laura Jacobina Lacombe (fundadoras e dirigentes do Curso) e Maria Luiza de Almeida Cunha (filha adotiva de Isabel, que inicialmente iria ocupar, no lugar de Laura, a vice-direção do Colégio Jacobina) Traço de União, 1927, nº 3 e 4, p. 1. Arquivo da CELPI.

Page 121: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

se esgotam em si mesmas, elas geralmente servem para revelar dimensões de

certos problemas de pesquisa que não são possíveis enxergar por meio de outras

vertentes, como é o caso desse estudo.

Dessa maneira, pode-se dizer que biografar sempre tem um sentido. Para Carino

(1999), a biografia tem finalidades precisas como: exaltar; criticar; demolir; descobrir;

renegar; apologizar; reabilitar; santificar; dessacralizar. E quando isso é feito ao encenar

trajetórias individuais, acabamos conseguindo iluminar questões e/ou contextos mais

amplos: o acontecimento, o indivíduo, e mesmo a reconstrução de algum estado de

espírito, o modo de pensar o passado, não são fins em si mesmos, mas constituem o

meio de esclarecer alguma questão mais abrangente, que vai muito além da estória

particular e seus personagens.143

A biografia para Levi (1996) se apresenta como um meio eficaz na construção

de uma narrativa que elucide elementos contraditórios que constituam a identidade de

um indivíduo e de suas diferentes representações sociais a partir dos distintos pontos de

vista nas diversas épocas. Assim, o autor defende a necessidade de levar em

consideração o período, o meio e a rede de sociabilidade para compreender a atmosfera

que explica a singularidade das trajetórias.

Por meio das biografias, encontramos além da lógica das estruturas, também os

dados sociais e culturais que reconstroem o contexto no qual as personagens principais

estão imersas. Juntando as peças do quebra-cabeça da vida, a fim de reconstituir parte

de suas trajetórias nos locais de formação, nos elos religiosos, políticos, intelectuais e

sociais, busca-se interpretar a identidade construída. Assim, biografar representa traçar

uma trajetória por meio de interpretação e reconstrução de caminhos percorridos ao

longo da vida. Uma das principais tarefas do gênero biográfico, nesse sentido, é

recuperar a tensão entre o individual e o social. Torna-se, assim, preocupação central

dos biógrafos da área de História, a necessidade de desvendar os múltiplos fios que

ligam um indivíduo ao seu contexto: A escolha do individual não é vista aqui como

contraditória à do social: ela deve tornar possível uma abordagem diferente deste, ao

acompanhar o fio de um destino particular – de um homem, de um grupo de homens –

143 Hobsbawm, 1991, p. 41.

Page 122: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

e, com ele, a multiplicidade dos espaços e dos tempos, a meada das relações nas quais

ele se inscreve.144

Traçar a biografia das dirigentes do Jacobina permitiu desvendar as trajetórias

profissionais experimentadas a partir de suas condições de mulher, branca, católica e

pertencente à boa sociedade e a um cenário político, religioso e educacional próprio de

uma época, pois para Carino (op. cit.) cada homem concreto, individual é, portanto, o

produto dessa simbiose entre sua época, o momento histórico em que vive e sua própria

consciência, ou seja, as condições interiores, espirituais, com as quais também convive.

O homem é, pois, objetividade do mundo e subjetividade da consciência.145

O estudo biográfico serve ainda para compreender o significado do trabalho

docente na vida dessas mulheres, que não o viam como uma obrigação ou fonte

de sustentação financeira, mas como uma missão social, uma vez que desde sua

fundação, o Colégio Jacobina não tinha, segundo relato das educadoras, fins

lucrativos e sim o objetivo de formar futuras mães e educadoras para uma

nação que se percebia caminhando em direção ao progresso. Com isso, emergem

as representações de ser educadora, dentro da sociedade que elas influenciaram

e da qual sofreram influência.

Entre essas várias condições que contribuíram para formar os modos de pensar e

de agir de Isabel, Laura e Mariettinha, a religiosidade certamente foi a que mais deu

sentido a muitas de suas escolhas, influenciando diretamente suas atuações no campo

educativo. Dogmas da Igreja Católica serviram para guiar as decisões ao longo de suas

vidas como mulheres e educadoras.

Ao buscar no traçado das vidas das três educadoras a singularidade de seus

legados, serão consideradas as condições sociais e culturais de seu tempo e do grupo a

qual pertenciam, além dos modelos de mulher que vigoravam na época para,

conseqüentemente, conseguir compreender o significado da religião e do magistério em

suas vidas, refletidas no periódico da instituição que dirigiram. Assim, justifica-se a

importância de considerar suas redes de pertencimento como propõe Bourdieu (1996):

144 Jacques Revel, 1998. 145 Carino (1999).

Page 123: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Não podemos compreender uma trajetória (...) sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado ao conjunto de outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.146

Nesse mesmo sentido, Grynszpan (1990) afirma que o exame de trajetórias

individuais nos permite avaliar estratégias e ações de atores em diferentes situações e

posições sociais, seus movimentos, seus recursos, as formas como os utilizam ou

procuram maximizá-los, suas redes de relações, como se estrutura, como as acionam,

nelas se locomovem ou abandonam. 147

Nas trajetórias das educadoras é possível captar os códigos religiosos e sociais

aos quais estavam submetidas e que foram aceitos e desejáveis para os grupos

que as envolvia. Dessa forma, suas trajetórias contribuíram para significar, em

alguma medida, a educação feminina para seus interlocutores de suas redes de

sociabilidade.

Assim, considerar a rede de pertencimento delas também se faz importante para

entender que essas educadoras não se construíram isoladas da sociedade da qual faziam

parte. Sempre, de algum modo, estiveram ligadas a grupos que as legitimavam e

tomavam-nas com referências para escrever e pensar o mundo em que viviam. Fato que

é percebido ao se confrontarem os discursos de professores, pais, ex-alunas e alunas

com os da direção do Jacobina, para ver emergir, pela narrativa cotidiana dos sujeitos

singulares, a presença daquele coletivo.

Como tiveram início as suas atuações profissionais? Como as educadoras se

moveram no cenário público brasileiro? Quais foram as estratégias de acessos que

permitiram o ingresso das mesmas nas entidades de renome na educação do século XX?

Quais eram os ideais que defendiam? Quais foram seus interlocutores nesse percurso?

Em que medida esses percursos foram elucidados no Traço de União? São algumas das

indagações que buscarão ser respondidas a partir das biografias de Isabel Jacobina

Lacombe, Laura Jacobina Lacombe e Marietta Luiza Lacombe, para que, no próximo

capítulo, seja possível compreender as imagens construídas e divulgadas do Colégio

146 Bourdieu, 1996, p. 190. 147 Grynszpan, 1990, p. 74-75.

Page 124: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Jacobina e da mulher formada nesse espaço por meio do Traço de União. Para tanto,

serão utilizados, nesse momento, variadas fontes documentais disponibilizadas pela

Costura e Lactário Pró-Infância e pela Organização Mundial de Educação Pré-escolar,

além dos números do Traço de União e de alguns livros publicados por Laura Jacobina

Lacombe, especialmente o Como nasceu o Colégio Jacobina.

2.1. Isabel Jacobina Lacombe: a fundadora do Colégio Jacobina

Se conheces o que não podes fazer, deves compreender como é triste a condição da mulher, a quem Deus deu inteligência igual à do homem, mas, que um sistema acanhado de educação esteriliza a ponto de não conhecer os seus próprios interêsses, aguardando o marido, podendo firma-lhe o passo e discernir o verdadeiro caminho. Vês, pois que a mulher ocupando-se de futilidades perde sua importância como membro da sociedade, para só tornar-se um objeto de divertimento para os ricos e de pêso para os remediados. Se a mulher pudesse ser o braço direito do marido, assegurava seu futuro e o da família. Mas isso é inútil pregar: a moda e a falta de senso tem mais valor.148

A carta do Dr. Jacobina, escrita em 8 de outubro de 1889, à sua filha Isabel,

representa os ideais cultivados na educação da fundadora do Colégio Jacobina.

Isabel Jacobina Lacombe, a Dona Belinha149, que nasceu em 17 de fevereiro de

1869, influenciada por referenciais de instrução ainda não preponderantes entre

mulheres da época, constituiu-se uma educadora respeitada não somente dentro

do Colégio Jacobina, onde permaneceu como diretora por muitos anos, como

também no âmbito educacional em geral.

Sua primeira experiência em uma instituição de ensino como aluna foi aos onze

anos em um pensionato na Europa, país onde seu pai estava sendo submetido a

um tratamento médico. Filha primogênita, ela foi formada, ao longo de sua

vida, por preceitos educacionais rígidos e conceituados.

148 Lacombe, 1962, p. 65. 149 Isabel Jacobina Lacombe morreu em janeiro de 1961.

Page 125: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Naquele tempo, segundo Pinky e Pedro (2003), poucas eram as mulheres que

tinham a possibilidade de participar no campo social com trabalhos educativos

e/ou filantrópicos. Visando a cumprir mais adequadamente a missão feminina

na melhoria da sociedade, muitas mulheres, principalmente na segunda metade

do século XIX, passaram a reclamar por uma melhor educação para si e suas

filhas, confiando a mesma a preceptores ou a colégios particulares, geralmente

de origem estrangeira, como observou Chamon (2005).

A mãe de Isabel, que também colaborou nos primeiros anos do Curso Jacobina,

a Vovozinha, foi uma dessas raras mulheres de seu tempo que recebeu uma boa

instrução e, por isso, defendeu, ao lado de seu marido, a sua necessidade para a

filha. Francisca Idília Barbosa de Oliveira Jacobina, formada por um dos

colégios franceses que se estabeleceram no Rio de Janeiro no século XIX, o

Leuzinger150, era uma mulher culta e viajada que influenciou, por isso, o gosto

de Isabel pela língua francesa, embora, segundo Laura Jacobina Lacombe

(1962), também soubesse inglês, italiano e alemão.

Poucas foram as instituições de ensino privado que se destinaram a instruir

mulheres no século XIX. Segundo os estudos de Guido (1992), desde a chegada

da Missão Francesa, em 1816, e, fundamentalmente, após a Independência,

algumas poucas mulheres já reivindicavam o acesso à educação como via de sua

integração no processo de civilização da nação brasileira. No entanto, as

iniciativas pioneiras de ensino feminino que se instauraram no país na primeira

metade do século – entre as quais se encontrava, em 1938, a de Nísia Floresta,

que fundou na Corte o Colégio Augusto sob moldes clássicos e humanísticos –

150 O nome do colégio segundo Lacombe (1962) é Leuzinger, porém no Traço de União de 1974, Laura Jacobina Lacombe diz ser Masset o nome da instituição que Francisca Idília Barbosa de Oliveira Jacobina, sua avó, estudou. Como as famílias responsáveis pelo colégio eram justamente a Masset e Leuzinger, pode ter ocorrido alguma confusão em relação a seu nome original.

Page 126: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

dificilmente conseguiram vingar. Somente a partir da segunda metade desse

século, observou a autora, a situação começou a mudar, lentamente,

acompanhando as transformações sociais. Por meio de iniciativas particulares

foram surgindo os primeiros colégios religiosos e as pequenas escolas leigas, que

eram freqüentados pelas classes abastadas da sociedade.

Assim, com um pai que era defensor da emancipação feminina e com uma mãe

considerada uma mulher de formação intelectual privilegiada para sua época, a

educação de Isabel foi bastante orientada e impulsionada. Logo que retornou ao

Brasil da viagem à Europa, ingressou no Colégio Progresso, uma das mais

renomadas instituições de ensino para moças da elite carioca daquele tempo,

dirigida pela norte americana Miss Eleanor Leslie Hentz.

Segundo Laura Jacobina Lacombe (1962), Isabel se destacava como a primeira

da classe e em papéis principais nas representações que aconteciam nas festas

escolares, fato do qual seu pai parecia se orgulhar. A diretora do Colégio

Progresso era escolanovista e, segundo Alves (1997), isso fez com que Isabel

assimilasse esse ideário ao mesmo tempo em que sofria influência de uma

formação cultural francesa que, como vimos, era muito própria de algumas

escolas femininas freqüentadas pela boa sociedade daquela época.

Em relação à religião, pode-se afirmar que, embora o Colégio Progresso fosse

dirigido por uma mulher protestante, houve a entrada do ensino católico, uma

vez que, na sociedade brasileira, prevalecia a cultura católica. Isso porque, para

as elites republicanas que se ocuparam de impor à sociedade de seu tempo o

princípio da ordem, o modelo hierárquico e pluralista proposto pela Igreja

Católica, de acordo com Guido (1992), era percebido como mais adequado que o

assimilacionismo protestante. Dessa maneira, segundo a mesma autora, somente

Page 127: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

em 1908 foi introduzido o protestantismo no sistema educativo com a fundação

do Colégio Batista, que era direcionado ao público masculino. Para o sexo

feminino, em 1920, foi fundado o Colégio Bennett.

Assim, a instituição fundada por Miss Eleanor Leslie Hentz, sem a intenção de

se confrontar com as práticas católicas predominantes na população brasileira,

entrou na vida de Isabel como uma instituição modelo, primeira a introduzir

aqui os métodos americanos. Sendo a família da diretora protestante, não cogitou

nunca de propaganda religiosa; pelo contrário, entregou a um sacerdote

conceituado o ensino da religião católica, preparando turmas para a Primeira

Comunhão. Dentre as antigas alunas, existem brasileiras, diretoras de colégios e

perfeitas católicas. 151

Dr. Jacobina apesar de ser agnóstico, não se opôs ao fato de Isabel se render ao

catolicismo. Nem mesmo o fato de Miss Eleanor Leslie Hentz ter sido uma

referência feminina de base protestante determinou sua escolha religiosa. De

certo, que pelas cartas trocadas entre Isabel e seu pai, publicadas por Laura

Jacobina Lacombe (1962), percebe-se que isso dificultou a formação religiosa

que almejava, no entanto, ainda que tardiamente, fez sua primeira comunhão

aos dezoito anos.

Assim, pode-se dizer que a orientação intelectual dada por seu pai e por sua

diretora, não se deu igualmente no que consistia à sua formação religiosa. Porém, ao

longo de seu percurso, encontrou o Padre Rezende a quem considerou um grande amigo

que lhe deu apoio espiritual até a morte. Esse sacerdote, já mencionado no capítulo

anterior, foi responsável em grande parte pela formação religiosa de várias alunas do

Curso Jacobina, onde encontrou um campo fecundo para disseminar os ideais católicos

que se tornariam a base da instituição. Foi ele quem ajudou, inclusive, a instaurar retiros

151 Lacombe, 1962, p.8.

Page 128: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

espirituais e reuniões filantrópicas que serviram de justificativa para que muitas

mulheres não se restringissem ao espaço doméstico.

De acordo com Giorgio (1991), sendo excluídas geralmente da cena política

oficial, as mulheres católicas do século XIX e das primeiras décadas do XX encontram

na benemerência seu campo de ação, onde poderiam desenvolver intensamente uma

atividade sem que fossem censuradas pelos homens.

Apropriando-se, então, dos ideais da cultura católica que viam na mulher da elite

um precioso instrumento para sua luta renovadora da Igreja, Padre Rezende atuou com

grupos diversificados dentro do Jacobina:

(...) Um grupo de moças, antigas alunas e suas amigas, unidas em amistosas reuniões uma vez por semana, longe da vida mundana, cuidando de divertimentos mais puros, diferentes destes que nos proporciona actual sociedade, ao mesmo tempo em que incubindo de uma obra de caridade nas ditas reuniões, foi a maravilhosa idéia que teve o Padre Rezende, o nosso amigo de tantos anos, e de todos os dias (...) sempre disposto a unir em estreitos laços de amizade, as suas meninas do Curso Jacobina.(...) E assim passamos o resto do anno. Inauguramos a nossa sala no edifício novo do internato, que foi benta por Padre Rezende juntamente com a imagem da nossa santinha. (...) Em outubro, presidindo uma das nossas reuniões, Padre Rezende lançou a idéia enthusiasticamente aceita e logo executada, de um retiro exclusivamente para as antigas alumnas. E assim terminou o ano (...). 152

Estando sempre à frente de seu tempo, já que teve acesso a uma formação

esmerada para os padrões da época e nem sempre autorizada para mulheres,

Isabel assinando com o pseudônimo de Myself foi uma das fundadoras de um

jornalzinho escolar chamado O Progresso no qual, seguindo a mesma forma de

pensar e agir do pai, chegou a fazer críticas ao governo. Em uma outra carta

enviada ao Dr. Jacobina na Corte, é possível ter noção de como isso repercutiu,

uma vez que essa atitude era socialmente inaceitável para mulheres da época: O

nosso jornalzinho teve um sucesso esplêndido, já tem mais de 100 assinantes e

cinco fôlhas deram notícias do seu aparecimento, tecendo-lhe elogios e ao Colégio.

Só a Gazeta pareceu criticar um pouco as alfinetadas que as meninas deram no

152 Letizia Mattos. ‘Notícia Histórica do Grupo Therezinha de Jesus’. Traço de União, 1927, nº 3 e 4, p.19.

Page 129: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

governo, pelo que as meninas se aborreceram. Para mim isso não tem

importância, pois ‘Novidades’ e a ‘Tribuna’ acharam nisso o sal do jornal.153

Apesar de se considerar crítica e determinada, Isabel não seguiu a carreira de

medicina, como desejava seu pai, nem se dedicou ao teatro, como Dr. Jacobina

chegou a incentivar porque achava que ela deveria ter um destino diferente do

usual. Nesse sentido ela não transgrediu as regras sociais que limitavam o

espaço de atuação feminina, e acabou optando pelo magistério e se casando com

Domingos Lacombe, motivo pelo qual abandonou sua carreira docente no

Colégio Progresso.

153 Isabel Jacobina, 10 de abril de 1889 apud Lacombe, 1962, p. 82.

Isabel e Domingos Lacombe. Traço de União, 1944, n. 1, contracapa. Arquivo da CELPI.

Page 130: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Com ele viveu até sua morte, em 1944, e teve oito filhos: Helena, Mabel, Laura,

Mario, Domingos Octavio, Vitor, Maria Amélia e Américo. Assim como sua mãe

Francisca Idília, Helena, a filha mais velha do casal, morrera de febre amarela,

doença muito temida até então pela sociedade. Aos filhos de sangue se somou a

filha adotiva Maria Luisa de Almeida Cunha a quem Isabel igualmente cuidou e

instruiu. Entre todos estes, pode-se dizer que Américo e Laura foram os que

mais se destacaram por suas atuações enquanto educadores no âmbito nacional.

Américo Lacombe, além de conceituado professor, também teve êxito como

historiador, biógrafo e ensaísta, ocupando cargos importantes como o de

presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o de Secretário do

Conselho Nacional de Educação e o de diretor da Casa de Rui Barbosa. Laura,

conforme relato de sua irmã Maria Luisa, foi à filha a qual Isabel passou o

bastão para dirigir sua obra154. Além de católica como todos os seus irmãos, ela

deu seqüência ao grande legado de sua mãe dedicando sua vida ao Colégio

Jacobina e aos propósitos educacionais e religiosos. Importante personalidade

nos debates educacionais nas décadas de 20 e 30, destacou-se especialmente

quando ao lado de sua mãe atuou na Associação Brasileira de Educação, onde

ambas permaneceram até início da década de 30, quando por divergências

políticas e religiosas saíram e militaram, guiadas pelos preceitos do catolicismo,

em prol do que acreditavam ser melhor para o sistema educacional do país.

Após o falecimento de seus dois importantes orientadores educacionais, seu pai

e a diretora da instituição de ensino onde se formou, Isabel começou a organizar

um pequenino esboço de escola – uma aula – em sua casa, por volta de 1902, que

terminou se transformando no Colégio Jacobina.

154 Maria Luisa de Almeida Cunha. ‘O Centenário de Dona Belinha’. Traço de União, 1969, n.1, p. 42.

Page 131: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Coincidentemente, foi nesse mesmo ano que outras novas perspectivas de ensino

emergiram para as mulheres da boa sociedade do país. Segundo Guido (1992),

em 1902 o Primeiro Ministro da França, Émile Combés, investia

fulminantemente, no fechamento de todos os estabelecimentos de ensino

religiosos, expulsando-os, por fim, de seu país. Tal fato, que acarretou a vinda

de religiosas de congregações, como a do Sacré-Coeur, para o Brasil, deu-se no

momento em que o nosso país acabava de se transformar em uma República

Laica, como a França, sentindo, por isso, a necessidade de civilizar seu povo.

Desse modo, ainda de acordo com Guido (op. cit.), o aristocrático modelo

educativo católico francês, embasado nos valores e na moral cristã e, também na

formação integral do caráter, aparentava ser o mais adequado para civilizar as

mulheres pertencentes à boa sociedade urbana brasileira, já que essa nação via

na França um modelo de civilidade.

Assim, entre os colégios católicos que passaram a ser ocupados pela elite feminina no início do século XX, estavam o Sacré-Coeur de Jesus, o Sacré-Coeur de Marie e o Jacobina que, segundo a autora, eram moldados pela cultura francesa. Pode-se dizer, deste modo, que a formação recebida por Isabel no Colégio Progresso e a orientação de seus pais, influenciaram diretamente na identidade jacobinense, uma vez que ela aplicou metodologias escolanovistas e disseminou muito das culturas francesa e norte americana na instituição.

Ainda que o Colégio Jacobina não seguisse rigidamente a filosofia da Escola Nova, para Alves (1997), as novas questões educacionais trazidas por esse movimento, ajudaram a expandir o horizonte feminino dentro da instituição. Transmitir às alunas conhecimentos que estivessem além dos bordados possibilitava que as mulheres que ali eram formadas, ultrapassassem as fronteiras do seu universo tradicional do início do século XX.

Em seus discursos publicados no Traço de União, Isabel além da preocupação

com a educação moderna, também assinalava que deveria ser levada em

consideração a formação do caráter, principalmente por meio dos hábitos

difundidos pela educação moral e religiosa. Enquanto professora e,

posteriormente, diretora do Colégio Jacobina, teve uma vida intensa, atuando

Page 132: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

para além dos muros de sua instituição. Após a emancipação do colégio em

1919, Isabel pensou em organizar uma série de conferências em função da data

histórica que seria o Centenário da Independência. Durando três anos seguidos,

de 1920 a 1922, essas conferências destinadas em especial ao público feminino,

contaram com a presença e a participação dos mais reconhecidos intelectuais

desse tempo, sendo as primeiras desse gênero a acontecer no Rio de Janeiro.

Nesse momento, a educação feminina no espaço escolar ainda se estruturava no

Rio de Janeiro, como observou Américo Lacombe em artigo publicado no Traço

de União de 1969. As iniciativas haviam sido desprezíveis a ponto de deixar

lacunas culturais nessa sociedade que se pretendia culta e emparelhada com as

européias e na qual faltavam real e fundamentalmente educação feminina.155

Dessa maneira, a série de conferências destinadas ao público feminino

realizadas por Isabel foi precursora na tentativa de levar às mulheres um estudo

sistematizado em torno de problemas brasileiros, a partir de especialistas.

Segundo relatado no Traço de União, a preocupação em fundar esse tipo de

evento, vinha de longa data. Assim que o Curso Jacobina já apresentava um

número considerável de alunas que haviam se formado, pensou-se em um órgão

que congregasse as ex-alunas que continuassem a se interessar pelas temáticas

relacionadas ao ensino, como um centro de conferências. O que se apresentava

como referencial na época era o da Université des Annales, em Paris, que tinha

um jornal que era regularmente recebido no Rio de Janeiro. Heitor Lyra da

Silva, um dos principais conselheiros do Colégio Jacobina, em correspondência

enviada para Isabel, fala de sua experiência ao visitar esse local:

155 Américo Jacobina Lacombe. “O centenário de D. Belinha”. Traço de União, 1969, n. 1, p. 44.

Page 133: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Paris – 14 de feveiro

D. Belinha

Não estranhará que lhe diga que pensei muito na senhora nos últimos dias, se eu acrescentar que na semana que findou, de 7 a 14, a segunda que passei em Paris, não perdi uma só das conferências de 5 às 6, da Université des Annales.

Imagino que possui o respectivo programa, de sorte que não lhe adiantarei grande coisa dizendo que nos cinco dias da semana, consagrados às conferências, ouvi sucessivamente falar sobre fotografia a cores, Maria Luísa, La Bruyère, arte russa e o drama musical. (...) Será lícito pensar que em um dia, não muito remoto, se possa organizar entre nós alguma coisa de análogo? Eu acredito que sim, julgo que os elementos que possuímos, seriam suficientes para isso (...) Recomendo-lhe vivamente a conferência de Edmundo d’Ocagne, sobre as mulheres e a ciência, em cuja parte final há tanto das minhas, quase ousaria dizer, das nossas idéias”.156

Apesar de ser retratada muito mais como um centro social do que científico, a

Université des Annales impressionou Heitor Lyra da Silva pela sua preocupação

com a necessidade de cultura científica para as mulheres. Sendo assim, com seu

retorno da Europa, a idéia de criar um curso sistemático de conferências foi

ainda mais cultivada pelos orientadores do Colégio Jacobina.

156 Heitor Lyra da Silva apud Américo Lacombe. ‘O centenário de D. Belinha’. Traço de União, 1969, n.1, p. 44.

Page 134: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Em um discurso do encerramento das aulas do Curso Jacobina em 1911, Heitor

Lyra da Silva, recordado por Américo Lacombe no Traço de União de 1969,

mencionou que além das conferências que visavam à preocupação com a

Heitor Lyra da Silva e Everardo Backheuser, os principais orientadores de Isabel em relação aos trabalhos do Curso Jacobina. Foto publicada em vários números do Traço de União em homenagem aos amigos e educadores da instituição de ensino, como por exemplo, os números 3 e 4 de 1927. Arquivo da CELPI.

Page 135: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

educação feminina, uma outra idéia já norteava seu pensamento: a criação da

ABE. O educador discursou:

A tendência para o aperfeiçoamento da educação feminina, a medida que a ciência progride a civilização se apura, acentua-se por toda a parte. Pode-se assinalar que a Alemanha acaba de fundar, em Leipzig, a sua primeira universidade feminina e que Paris possui, há cinco anos, a tão simpática Université des Annales, cuja organização eu faço votos para que seja, em breve, adaptada em nosso país (...) acima de tudo é preciso insistir nos exemplos fecundos da América do Norte, da Suíça, da Bélgica, onde se cuida seriamente destas coisas e onde a educação, simultaneamente intelectual e prática, não é a arte estéril e pueril de fazer exames, e sim um verdadeiro aprendizado para vida. 157

Assim como a ABE, as conferências idealizadas pelos colaboradores158 do

Colégio Jacobina passaram para a etapa de concretização. Foi justamente no

período em que os ânimos fervilhavam em decorrência da proximidade das

comemorações do Centenário da Independência, quando se realizaram as

primeiras conferências no salão do159 Jornal do Comércio, descrito por Américo

como o melhor salão de conferências do Rio de Janeiro. Com o intuito de criar

um ambiente mais intelectual do que social, as conferências – que eram pagas,

sendo seus oradores retribuídos – foram ministradas por intelectuais como

157 Ibid., p.45. 158 Entre estes estavam nomes como Dr. Everardo Backheuser, Heitor Lyra da Silva, Thomé Cavalcanti e Adhemar Costa que ajudavam a orientar o curso de D. Isabel. 159 Segundo Américo Lacombe, o primeiro dia dessas conferências, 8 de julho de 1920, foi ilustrado com recitativos de poemas patrióticos, terminando com aclamações a Rui Barbosa, que se encontrava presente no dia. Em 15 de julho do mesmo ano, a segunda conferência foi de Backheuser, que acabou sendo impressa na Revista do Brasil em outubro de 1920. A 3º conferência não apresenta data na fonte, mas se sabe que foi de Paulo de Frontin, merecendo publicação na Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1960, em ocasião do centenário desse orador. Essa terceira conferência terminou com declamações de poesias de Castro Alves e de Luís Carlos da Fonseca. Dessas, outras conferências seguiram, como a do Geógrafo Fernando Raja Gabaglia, sobre as linhas de penetração da civilização no Brasil, merecendo igualmente uma posterior publicação, que ocorreu logo em janeiro de 1921, na Revista do Brasil. As conferências do mês de agosto se encerraram com o palestrante Miguel Osório de Almeida, que falou sobre A mentalidade científica no Brasil, sendo essa também contemplada por uma publicação, só que no livro Homens e coisas da ciência, de Monteiro Lobato, 1925. Assim, devido à importância desse evento destinado a mulheres, outras foram as palestras alvo de publicações como pode ser conferido no Traço de União, 1969, n.1.

Page 136: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Coelho Neto, que trabalhou com a idéia de pátria; Dr. Backheuser, sob o título

Brasil surgindo das ondas, ou a história do Brasil antes do Brasil ter história;

Paulo de Frontin, As nossas riquezas latentes acompanhadas de filmes sobre

nossas grandes quedas d´água; entre outros, que contaram também com o apoio

da imprensa. Em 1921, aconteceria a segunda série de conferências160 que

passaram a ser realizadas no salão da Biblioteca Nacional onde nomes como

Bertha Lutz, bióloga e feminista, que falou sobre a fauna do país e Roquette

Pinto, que escandalizou muita gente fazendo elogios à mestiçagem e falando de

confiança no futuro da raça brasileira, destacaram-se161. A terceira série de

conferências aconteceu primeiramente na Associação dos Empregados do

Comércio e, posteriormente no salão do Círculo Católico, um lugar que

acomodava melhor o público que começava a minguar. Temas como Música no

Brasil, obras primas da pintura e monumentos da escultura nacional,

microbiologia a partir de Osvaldo Cruz, a arte de ser mãe, entre outros, foram

ministrados respectivamente por Augusto de Lima, Laudelino Freire, Dr.

Hildegardo de Noranha e Dr. J. P. Fontenelle. Assim, a tentativa de promover

esse tipo de evento, que convocou intelectuais de diferentes correntes e ramos de

atividades, mais uma vez destacou Isabel por seu pioneirismo na tentativa de

levar, cada vez mais intensamente, a instrução às mulheres brasileiras. 160 Dessa segunda série de 1921, constam 12 conferências, em que além das já citadas, encontram-se a de Agenor de Roure, sobre o governo de Dom João VI, que de acordo com Américo Lacombe, foi publicada logo em seguida no Jornal do Comércio. Também Rodrigo Otávio, sobre a Independência, Daltro dos Santos, professor do Colégio Militar, que falou sobre o Segundo Reinado e o diretor do Observatório, Henrique Morize, dissertando sobre o tema nosso céu tem mais estrelas. Entre estes, voltou a palestrar o professor Backheuser, e a seguir Armando Frazão, que falou sobre a Flora brasileira, sob o título Nossos Campos têm mais flores. O mês de setembro se dedicou à literatura, onde Alfredo Pu Jol foi um dos oradores que inaugurou a proposta falando sobre Machado de Assis e os prosadores brasileiros. 161 Para encerrar a segunda série de conferências, havia sido convidado Rui Barbosa, que até então vinha acompanhando de perto o evento. Porém, esse orador que falaria sobre Eloqüência no Brasil, por motivo de doença não pôde escrever seu trabalho e, por isso, de acordo com a sugestão de Coelho Neto, a sessão se converteu em uma homenagem à eloqüência de Rui Barbosa contando, de acordo com Américo Lacombe, com a presença do próprio homenageado à sessão, ainda que convalescente, sendo ele recebido por uma comissão de acadêmicos constituída por Alberto de Oliveira, Luís Murat, Coelho Neto, Félix Pacheco e Afonso Celso.

Page 137: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Pode-se dizer que a mesma ambigüidade que marca a trajetória de Isabel no

tempo de Colégio Progresso, acaba acompanhando e se confundindo com o seu

próprio percurso no Colégio Jacobina. Ao mesmo tempo em que defendia a

formação intelectual das mulheres em seus discursos e práticas, as tradições

retóricas relacionadas à religião e ao papel social feminino eram rigorosamente

estimuladas pela educadora. E isso é, sem dúvida, o que marca e dá vida ao

cotidiano do Colégio Jacobina que era publicado no Traço de União.

Aos noventa e dois anos, morreu Isabel, tendo sido lembrada durante anos pelas

leitoras e escritoras jacobinenses que recordavam em seus textos a mulher e

educadora que, mesmo após ter deixado oficialmente o Colégio Jacobina nas

mãos de sua filha Laura, sentia-se feliz em observar da varanda de sua

residência as alunas na hora do recreio, em aparecer na obra social formada

pelo grupo de ex-alunas, em assistir às aulas de música e, entre outras coisas, em

conhecer os filhos e netos de suas ex-alunas. Uma ex-aluna assim se referiu à

fundadora do Colégio Jacobina:

(...) Foi essa querida mestra, a meu ver, a pioneira da instrução feminina no Brasil. (...) D. Belinha não só zelava por nosso preparo nas ciências, nas artes e nas letras, dirigia também nossa educação moral e religiosa. E com todo carinho nos eram passados aqueles pitinhos às vezes tão necessários. (...) D. Belinha foi sempre desenvolvendo nosso preparo religioso. Essa educação moral e religiosa que dela recebemos é que tem sido para nós o esteio na nossa luta desta vida. (..) Com esse mesmo carinho e entusiasmo que ela acompanhava as nossas filhas as nossas netas e depois de mais fraquinha quando não podia ir ao colégio, da varanda de seu apartamento seguia o movimento do recreio. E até o fim de sua vida ela acompanhou a minha vida e de todas nós suas meninas (...). 162

2.2. Laura Jacobina Lacombe: uma educadora a serviço da fé

162 Anna Mª Soares Brandão de Queirós Mattoso. “Isabel Jacobina Lacombe”. Traço de União, 1961, n. 1, p. 4.

Page 138: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Formada na primeira turma do Curso Jacobina, Laura Jacobina Lacombe ao

longo de sua vida profissional costumava mencionar o início de sua educação nas

páginas do Traço de União. Descrita por sua mãe, em seu livro sobre a criação do

colégio, como uma criança precoce que desejava desde muito cedo aprender as

primeiras letras, a educadora é lembrada nos primeiros tempos de Jacobina:

A minha Mabel já requeria cuidados para direção do espírito que acordava ao sair da primeira infância; tratei pois de lhe formar um grupo de colegas, tornando assim ameno o estudo das primeiras letras. Foram convidadas, além de algumas meninas da família, as amiguinhas da vizinhança com quem já tínhamos relações. A minha Laura, mais nova, mas com um desenvolvimento precoce, não admitiu fôsse concedido à irmã o privilégio dos estudos e forçando a porta da sala de aula, se impôs à nova assembléia... ficou assim formado o núcleo do Curso Jacobina.163

Em 1911, o Curso Jacobina formava seu primeiro grupo de alunas. Cada uma

delas seguiu um caminho diferente: enquanto algumas optaram pela profissão

163 Isabel Jacobina apud Lacombe, 1962, p. 122.

Laura Jacobina Lacombe no Colégio Jacobina. Acervo da OMEP.

Page 139: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

docente, outras se casaram e se dedicaram ao lar e à família. Laura, Mabel e a

filha adotiva de Isabel, Maria Luisa, começaram a lecionar e se especializar

ainda mais em algumas disciplinas juntamente com outras meninas. Segundo

Lacombe (1962), além do Curso Jacobina, as irmãs de Laura também davam

aulas particulares, mas ela não pôde fazer o mesmo pois, de acordo com seu

próprio relato, ainda com quinze anos não inspirava tanta confiança em sair

sozinha: naquele tempo, era raro uma môça sair só, ainda mais uma menina,

como eu, que representava ainda menos uns dous ou três anos do que tinha!164

164 Ibid., p. 194

Page 140: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Laura, então, que passava mais tempo do que as outras meninas dentro do curso,

começou a se dedicar intensamente a esse, quando assumiu, inicialmente, uma turma

com quatro crianças que tinham entre 5 e 6 anos. Também aceitou ser assistente de dois

professores, entre os quais estava Heitor Lyra da Silva, que na época ministrava

geometria no curso. Com o passar do tempo, Mabel e Maria Luiza se casaram e, pelo

que se pode inferir a partir da documentação encontrada, Laura foi a única filha que

quis dar continuidade aos passos da mãe: a mais môça, a que chamavam de criancinha,

foi a que Deus reservou o encargo de dirigir o Colégio, que se iniciara naqueles bons

tempos165!. Isso aconteceu no período em que Isabel se desdobrava para organizar as

conferências em ocasião do Centenário da Independência, evento que, segundo a

mesma, deixou-a bastante cansada. Assim, a diretora do Jacobina começou a pensar em

ter uma auxiliar que a substituísse, chegando à conclusão de que sua filha adotiva,

Maria Luiza, poderia ocupar o cargo. Maria Luiza, carinhosamente chamada de Marilu,

era descrita por Laura e Isabel como uma mulher estudiosa e ajuizada que certamente

poderia ocupar no colégio o posto proposto na década de 20. No entanto, nesse mesmo

período decidiu se casar e formar uma família que, segundo Laura, foi composta por

uma numerosa prole.

Naquele período, como observou Lopes (1997), toda e qualquer atividade fora

do espaço privado poderia representar risco. A mulher, percebida como um ser frágil,

precisava ser protegida e controlada. O trabalho não deveria ser exercido de modo a

afastá-la da sua principal função na vida familiar, constituída pelos deveres domésticos,

pela alegria maternal e pela pureza do lar. As jovens que optassem pelo magistério,

seriam igualmente cerceadas pelas restrições e cuidados com a finalidade de que a sua

profissionalização não se chocasse com sua essência. Assim, partindo desse quadro,

construiu-se para a mulher uma concepção do trabalho fora do espaço doméstico como

ocupação transitória, devendo ser abandonado sempre que emergisse a verdadeira

missão feminina de mãe e esposa. O trabalho, dessa maneira, segundo a mesma autora,

seria aceitável para as moças solteiras até o momento em que essas casassem, ou para

aquelas que ficassem solteironas e viúvas.166

165 Ibid., p.189. 166 Lopes, 1997, p. 453.

Primeira turma a se formar no Curso Jacobina, 1911. Fonte: Lacombe, 1962, p. 191.

Page 141: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

A partir dessa concepção, as filhas mais velhas de Isabel, conforme foram

casando, aos poucos abandonavam o magistério no Jacobina e passavam a priorizar seus

lares. Com isso, a educadora começou a ficar sem opção na escolha de quem indicar

para trabalhar ao seu lado na direção. O problema continuava e, diante da situação,

alguns membros da família sugeriram que Laura, a filha que ainda estava solteira,

ficasse ao lado de sua mãe a fim de auxiliá-la na instituição. Em 1921, aos vinte e

quatro anos de idade, ela aceitou ajudar Isabel, sem imaginar que na década de 30, já

estaria preparada para assumir sozinha o cargo que outrora fora dividido por sua mãe e

sua tia.

2.2.1. Viagens pedagógicas e legitimação no cenário educacional

Excelentes resultados, já prevejo, a nossa Diretora tirará dessa viagem, pois dotada de inteligência robusta e de modo fácil de raciocinar, descobrirá aí valiosos elementos para mais desenvolver o seu curso de estudos(...) e por conseguinte, para transmitir-nos uma instrução ao nível dos melhores estabelecimentos pedagógicos da Europa.(...)dali poderá a nossa mestra observar as maravilhas da civilização e, lembrando-se de nós, guardará essas impressões deliciosas para no-las reproduzir(...).167

Se não fosse pela indicação bibliográfica, de certo que uma aluna do Colégio

Jacobina diria que esse texto pertencia ao Traço de União e que a diretora referenciada

era Laura Jacobina Lacombe. No entanto, a citação acima faz parte do jornalzinho

Progresso número 5, no qual uma das alunas do colégio de mesmo nome dessa

publicação, em fins do século XIX, escreveu sobre a importância da viagem feita por

sua diretora Miss Eleanor Leslie Hentz à Europa.

A confusão de uma leitora menos atenta, dar-se-ia justamente pela forma muito

parecida de pensar a educação de Laura Jacobina Lacombe e Eleanor Leslie Hentz no

que diz respeito à busca e aplicação de inovações pedagógicas na instrução feminina.

Como já havia sido mencionado anteriormente, a diretora do Colégio Progresso,

instituição onde Isabel Jacobina Lacombe estudou, era protestante, estrangeira e

acreditava na eficácia dos métodos escolanovistas que orientavam as práticas

pedagógicas na sua instituição de ensino.

167 S/n, Progresso, n.5 apud Lacombe, 1962, p 14.

Page 142: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Para se manter atualizada, Miss Eleanor Leslie Hentz, como poucas mulheres de

sua época, viajava para ter acesso às inovações disponibilizadas pelos grandes centros

de referência fora do Brasil. Eram poucas as mulheres que nesse período viajavam sem

a presença de familiares e/ou sem o intuito principal de passear. A história das viajantes

femininas em busca de conhecimento, ainda era recente naquele tempo. Podemos

destacar Nísia Floresta Brasileira Augusta como uma das primeiras mulheres brasileiras

a ir para a Europa em 1849, rompendo, de acordo com Duarte (1999), com os limites do

espaço privado.

Assim, foi a partir de uma iniciativa particular e pouco ortodoxa para mulheres

da época que a diretora do Colégio Progresso foi em busca de novos métodos. Suas

alunas, como vimos pelo artigo acima citado, sentiam imenso orgulho dela, a ponto de

não só escreverem enaltecendo suas atitudes inovadoras, como também, após formadas,

pautarem-se em sua atuação para edificarem suas vidas profissionais o que pode ser

visto na trajetória de Emília Meira, fundadora do Colégio Progresso Campineiro e do de

Araraquara, Isabella Robinson Andrews, fundadora do Colégio Andrews, Luísa Ribeiro

Faro, fundadora do Colégio Progresso masculino e da própria Isabel e de Francisca

Jacobina, fundadoras e diretoras do Colégio Jacobina. Todas estas mulheres inspiradas

na educadora que as orientou no Colégio Progresso, foram em busca de uma inserção no

campo educacional.

Dentro do Colégio Jacobina, as marcas deixadas por Miss Eleanor Leslie Hentz

são nítidas, tanto pelos métodos e conteúdos diferenciados dos corriqueiros aplicados na

formação feminina da época, como também pelo modo como os acessos foram

possibilitados a partir da década de 20, quando Laura iniciou suas atividades ao lado de

sua mãe. Se por um lado Isabel se assemelhou à diretora do Colégio Progresso no que

diz respeito ao currículo e às atividades propostas no cotidiano escolar do Jacobina, o

mesmo não poderia ser dito em relação às atualizações buscadas em outros países, parte

que acabou ficando sob responsabilidade de sua filha. Inspirada, assim, possivelmente

naquela diretora, Isabel incentivou Laura a fazer inúmeras visitas ao exterior, valendo-

se também do impresso da sua instituição, para dar visibilidade a essas viagens junto às

alunas, ex-alunas, pais, professores jacobinenses e educadores brasileiros e estrangeiros,

leigos e religiosos que fizeram parte dos debates educacionais mais importantes do país.

Dessa maneira, Laura, impulsionada por sua mãe, teve acesso aos maiores centros de

inovação educacional que existiam na Europa e nos Estados Unidos.

Page 143: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Nascida em 1897, Laura Jacobina Lacombe, filha de Domingos Lacombe e

Isabel Jacobina Lacombe, além de diretora do Colégio Jacobina e Responsável pelo

Traço de União, foi influente militante católica, escritora de livros e educadora de

destaque em entidades como a Associação Brasileira de Educadores (ABE), a

Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal (APC) e a Organização

Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP).

Suas viagens com fins pedagógicos iniciaram-se quando ela teve que auxiliar sua

mãe na direção do Curso Jacobina na década de 20. A família Jacobina, tendo

consciência de que a jovem Laura ainda não estava preparada para substituir sua mãe no

ofício de maior responsabilidade dentro da instituição educacional, começou a pensar

em uma solução plausível para que Isabel pudesse descansar dessa função que tomava

tanto seu tempo, principalmente a partir do crescimento do colégio nos últimos anos.

Por isso, em 1924, Isabel Jacobina Lacombe cogitou trazer uma professora da Europa

para tomar conta do colégio, mas o amigo Carneiro Leão, diretor da Instrução Pública

na época, sugeriu que ao invés de ela mandar vir alguém de fora, que mandasse Laura à

Europa.

Foi em dezembro de 1924 que ela partiu pela primeira vez para esse continente

em busca de novos métodos de ensino. Nessa época, a Europa tinha os maiores centros

escolanovistas e, como o ideário da Escola Nova trazia em sua proposta tudo o que

havia de mais moderno em métodos educacionais, as dirigentes do Colégio não só o

aplicaram dentro da instituição, como ajudaram a impulsionar tal ideário no cenário

educacional brasileiro. Para apoiarem mais amplamente o que era proposto pelo

movimento, elas integraram o grupo que se reunia na Associação Brasileira de

Educadores (ABE) com a finalidade de discutir a implantação da educação renovada

nas instituições de ensino do país.

Ao lado de Heitor Lyra da Silva, orientador inconteste da direção do Jacobina,

Isabel Jacobina Lacombe, Fernando Laboriau, Dulcídio Pereira, Amoroso Costa, Bertha

Lutz, Alice Carvalho de Mendonça, Armanda Álvaro Alberto, Amaury de Medeiros e

José Augusto fundaram a Associação Brasileira de Educadores. A esses se somaram

engenheiros, arquitetos e físicos, entre os quais estavam Everardo Backeuser, Paulo

Carneiro, Edgar Sussekindde Mendonça, Francisco Venâncio Filho, Álvaro Alberto,

Menezes de Oliveira. Entre outros, integraram-se também médicos representados por

nomes como Fernando de Magalhães, Roquette Pinto, Artur Moses, Gustavo Lessa,

Carlos Sá, Miguel Couto. Unindo-se a esse quadro, Anísio Teixeira, Lourenço Filho,

Page 144: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Fernando de Azevedo, Consuelo Pinheiro, Paschoal Lemme, Juracy Silveira, Franklin

Botelho de Magalhães, Basílio de Magalhães, entre centenas de outros professores de

todos os graus e níveis de ensino, estavam nas dependências da instituição que foi palco

de importantes discussões que objetivaram elevar a cultura e a dignidade da missão de

educar.168

A ABE, que fora criada em outubro de 1924, contava, assim, com a participação

de educadores, médicos, engenheiros, advogados e demais interessados nas questões

educacionais do país. Ocupando lugar de destaque entre as associações devido à sua

importante contribuição ao processo de transformação do campo educacional, atuava

promovendo a discussão de temas relacionados à educação em cursos, pesquisas,

conferências, congressos e publicações. A visibilidade da entidade, principalmente no

período entre as década de 20 e 30 do século XX, tornava-se cada vez maior,

aglutinando intelectuais que ajudaram a impulsionar o movimento renovador da

educação no Brasil.

Partilhando na década de 20 das mesmas perspectivas dos idealizadores da

Escola Nova, as dirigentes do Jacobina se apropriaram e se basearam em métodos que

buscavam desenvolver a individualidade, autonomia, disciplina e autocrítica das alunas

no colégio. Laura, que ocupava a função de vice-diretora do Curso Jacobina nesse

período, após a viagem de 1924 começou a fazer várias outras visitas aos países do

chamado primeiro mundo, para ter acesso aos melhores centros de ensino e, assim,

poder contribuir para a expansão dessa moderna forma de conceber a educação. Com

isso, garante um lugar na ABE e começa a ampliar sua participação no debate

educacional.

Ao se renderem a esse espaço que congregava setores da intelectualidade, Laura

e Isabel conquistaram maior visibilidade e compartilharam de uma visão de mundo

semelhante à de seus interlocutores que experimentavam grande prestígio naquele

momento da ABE. Com isso, partilhavam no que Carvalho (1986) denominou rituais de

intrapares, em que segundo a autora uma elite letrada exibe suas credenciais oratórias

de pertença a um grupo, e coloca-se a serviço da pedagogia, transformando-se em

espetáculos educativos oferecidos à cidade. No espetáculo, são constituídas e exibidas

168 Associação Brasileira de Educação. A.B.E - Conferência de Miguel Couto, 1927: " No Brasil só há um problema Nacional a Educação do povo ".

Page 145: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

as condições de inclusão na ‘boa’ sociedade.(...) Nessa práticas, dotes de oratória e

regras de etiquetas põem-se a serviço da pedagogia. 169

Em uma edição comemorativa do Traço de União de 1927, a seção Notícias

Históricas do Curso Jacobina, ao recapitular os grandes acontecimentos vividos pela

instituição ao longo dos anos, recorta o seguinte episódio para destacar que em

dezembro de 1924 partiu a vice–directora para a Suissa onde foi cursar as aulas do

Instituto Jean Jacques Rousseau de Genéve. Desse foco de sciencias pedagógicas,

trouxe ella inúmeras idéias modernas, que expoz numa conferência da Associação

Brasileira de Educação, ao mesmo tempo em que iniciou suas adaptações no Curso

Jacobina.170

A trajetória da vice-diretora do Jacobina começa, a partir daí, a ser ainda mais

contemplada nas páginas do Traço de União. Registrando não só a dedicação de Laura

Jacobina Lacombe ao colégio, mas também ao sistema educacional de um modo geral, o

periódico começa a mostrar o quanto as alunas e ex-alunas respeitam e admiram a sua

dirigente, já que, por meio dos textos, fazem referências a seu nome e, também,

parecem se referenciar diante dos valores e métodos institucionais que mesclavam o

ensino inovador com a religião. Assim, de um modo muito parecido com o que

acontecia no Colégio Progresso, espaço comprovadamente inspirador das atuações das

dirigentes e das alunas jacobinenses, os artigos e as imagens buscavam transparecer um

ambiente harmonioso e familiar dirigido por mulheres determinadas que pretendiam

transmitir características maternas de toda suposta boa educadora feminina.

169 Carvalho, 1986, p.129. 170 Traço de União, 1927, n.3-4, p.15.

Page 146: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Acompanhando o desenvolvimento gráfico e tecnológico desse período, o Traço

de União se preocupou em mostrar que, a exemplo de outras publicações da época,

tinha condições de utilizar o sofisticado recurso da fotografia impressa que, de acordo

com os estudos de Kossoy (2001), vinha se desenvolvendo e possibilitando que jornais

e revistas transmitissem as imagens encomendadas dos fatos da história cotidiana do

século XX (p.136). Agradecendo e demonstrando estar aguardando, ansiosamente, a

chegada da vice-diretora que daquele momento em diante passou a seguir rumo a

diversas viagens com a finalidade de se especializar em outros países, no Traço de

União as alunas teciam comentários e publicavam imagens, muitas vezes de forma

carinhosa, com a finalidade de exaltar, noticiar e fixar, por meio do veículo de

comunicação da instituição, a importância dessas viagens para o acesso aos novos

conceitos pedagógicos que formariam a mulher jacobinense que deveria ser, antes de

tudo, disciplinada:

(...) Mas apezar das novidades, D. Laura... não chegava; pensamos mesmo, que ella nos tivesse esquecido na ‘cidade da luz’ segundo dizem os francezes; porém, nisto rompeu aqui a notícia de que a nossa mestra, já vinha em rumo a ‘cidade luminosa’ segundo o parecer dos cariocas. Chegou finalmente! Foi-nos ella entregue, entre risos e palmas, pelo Meduana. No dia que compareceu ao collegio para retomar seu precioso logar foi alvo das mais calorosas manifestações de todas as classes, que lhe agradeceram o interesse que nos demonstrou e lhe prometeram obediência, desejando-lhe ao mesmo tempo, a realização de seu ideal; D. Laura agradeceu muito estes protestos, mas eu acho que ella é da opinião de que o que vale não é só a intenção mas sim a pratica das promessas.171

Pode-se dizer que essa viagem legitimou Laura não somente no Colégio

Jacobina, onde ganhava cada vez mais a admiração de suas alunas e a confiança dos

pais, mas também porque passou a ser reconhecida em outros espaços de atuação. Essa

viagem associada à sua atividade na ABE alavancou inicialmente sua vida profissional e

confirmou ainda mais sua paixão e devoção pela educação. Tendo sido aluna de

Claparède e Jean Piaget, artífices de muitas teorias da educação moderna, Laura 171 Elpe. ‘Croniqueta’. Traço de União, 1925, nº1, p.1

Foto da recepção das alunas à Laura Jacobina Lacombe, que chegou de sua viagem feita à Suíça, onde foi conhecer os aperfeiçoamentos pedagógicos para aplicar no Colégio Jacobina. Traço de União, 1925, nº1, p. 1. Arquivo da CELPI.

Page 147: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

ampliou seus horizontes de conhecimento e de contatos. No álbum de viagens

encontrado no acervo da Organização Mundial de Educação Pré-escolar, estão

registrados muitos lugares e pessoas que teve a oportunidade de conhecer na Europa, a

década de vinte. Na primeira página, pistas que comprovam as amizades que foram

feitas no outro continente: À Laura. Lembrança de um muito ‘grande amigo’. Florença,

22 de março de 1927.

Parecendo ser um presente, o álbum é constituído por muitas fotos de sua

viagem e por dedicatórias que deixam clara a presença da educadora na Universidade de

Genebra, onde aparecem registrados, pela escrita e pela imagem, a escola de atividades

manuais, o local onde se hospedavam estudantes, a sua mesa de trabalho e intelectuais

com os quais conviveu como companheiros de estudos e o próprio Claparède. Além

disso, o álbum foi uma forma de eternizar os lugares por onde Laura passou, como

Paris, Lisboa, St. Germain, Versalles, entre outros, que mostram o quanto essa viagem

foi culturalmente importante para a educadora.

Álbum de viagem de Laura. Acervo da OMEP.

Page 148: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Em 1927, Laura parte para sua segunda viagem à Europa, onde vai representar

oficialmente o Brasil no Congresso Internacional de Educação Moderna, que aconteceu

em Locarno. Para essa viagem foram escolhidos pela ABE dez educadores a fim de

representar os professores brasileiros nesse importante evento internacional. Em um

discurso manuscrito encontrado no arquivo da ABE, é possível compreender o

significado desse congresso para Laura que, graças ao evento, teve acesso aos melhores

educadores da época:

Tendo sido confiada a mim a honrosa missão de representar a Associação Brasileira de Educação no Congresso Internacional de Educação Moderna realizado em Locarno, procurei desempenhar bem o meu encargo para corresponder à confiança que em mim depositaram os diretores dessa Associação. Como disse no Congresso, não sou eu a pessoa mais competente para representar o professorado brasileiro, porém sou uma d’ aquellas que mais desejo tem de acertar e acredita ser aquelle núcleo de sábios o detentor da verdade, no que diz respeito à ‘educação. Aquelle é o foco luminoso que esclarece nas cinco partes do mundo os que dedicam sua vida à causa mais nobre que existe. (...) Quarenta paises, de todos os continentes, estavam representados. 172 Ainda nesse discurso, Laura sugeriu que a ABE mantivesse contato com uma

instituição dos Estados Unidos para que fossem conjugados os esforços de ambas em

prol da educação. Os Estados Unidos também eram respeitados por seus centros de

referência escolanovistas, já que, assim como na Europa, após a Primeira Guerra,

passou por diversas modificações sociais que influenciaram o pensamento de seus

educadores e os levaram a propor novas posturas filosóficas fundadas na crítica aos

processos educacionais vigentes, o que se justificava em decorrência do avanço de

ciências como Sociologia, Psicologia, Biologia e Pedagogia (Ferreira; Perim, 2003). No

entanto, foi somente em 1930 que Laura, por outra iniciativa da ABE foi buscar novos

conhecimentos no território norte-americano. Em um discurso de Isabel publicado no

Traço de União, em ocasião do encerramento das aulas de 1929, foi possível verificar

que entre os assuntos relacionados à moral cristã tão exigida das alunas do Jacobina,

estava a elucidação dessa viagem:

172 Laura Jacobina Lacombe, 1º de novembro de 1927.

Page 149: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Está longe de nós, imaginar ter attingido a perfeição, pelo contrário, procuramos sempre melhorar, insitando os exemplos dos grandes centros de cultura, estudando as modificações do ensino moderno. É nesse intento que a 1º de janeiro deve partir para os Estados Unidos a nossa jovem e intrépida vice-directora Laura Lacombe, aproveitando a feliz iniciativa da Associação Brasileira de Educação, que promoveu e felicitou essa proveitosa viagem a um grupo de dez professores brasileiros. Vae ella fazer um estágio no Teacher’s College em Nova York, em busca da moderna orientação americana e de novas luzes que venham enriquecer o thesouro intelectual do Curso Jacobina. 173

Assim como em todas as outras, essa viagem igualmente mereceu uma

conferência na Associação Brasileira de Educação, onde Laura discursou não somente

para os educadores como também para suas alunas do 4º, 5º e 6º anos do Clássico.

Novamente as páginas do Traço de União registraram o acontecimento propagando a

vida profissional daquela que estava prestes a ser sucessora de Isabel.

Essa ida ao Congresso Internacional de Educação Moderna também permitiu a

Laura conhecer o Professor Decroly que a convidou para ir a Bruxelas, onde teve

oportunidade de fazer um estágio na Ecole de l’ Ermitage, localizada em Uecle e

dirigida pelo próprio educador. Quando voltou fez reformas no seu curso primário de

acordo com o método Decroly, como a adoção dos Centros de Interesse no Colégio

Jacobina.

Após seu afastamento da ABE no início da década de 30, devido aos embates

religiosos ocorridos entre renovadores leigos e católicos, a diretora do Jacobina

diplomou-se pela Universidade de Louvain, na Bélgica, onde esteve em 1933.

Aceitando a sugestão de Christine de Hemptinne, presidente mundial da Juventude

Feminina de Estudantes Católicas, e da senhora Loneux, diretora de Escola Normal em

Bruxelas, além de incentivada pelo Padre Leonel Franca, Laura deixou o Brasil para

aprimorar seus conhecimentos acerca dos princípios católicos de educação. Diz ela em

uma edição do Traço de União, ter lucrado muito para o fim a que se destinava, uma

vez que para além do que pôde melhorar no Jacobina, também colaborou com o núcleo

de boa vontade da Associação de Professores Católicos do Rio de Janeiro, escrevendo

artigos para jornais como o Jornal do Brasil.

Pelo seu envolvimento com a Associação de Educação Católica do Brasil,

Laura, mesmo após deixar o cargo que ocupou na entidade por quase 10 anos, a partir

da década de 40, manteve-se presente em congressos, palestras e reuniões que 173 Isabel Jacobina. ‘Echos de 1929’. Traço de União, 1930, n.1, p. 2-3.

Page 150: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

envolvessem os problemas relativos à educação e ao catolicismo. Participou dos

Congressos da Union Internationale pour la Liberté de L´Enseignement (U.I.L.E.) e

trabalhou em dois congressos do Bureau International Catholique de l´Infance

(B.I.C.E.), um em Veneza e outro em Paris no qual foi coordenadora do grupo de língua

portuguesa. Também esteve em Bogotá, na Colômbia, juntamente com um grupo de

reitores de colégios católicos e o Assistente Geral dos Maristas, em ocasião da fundação

da Confederação Interamericana de Educação Católica, em 1945. Presidiu uma

comissão de estudos em um congresso em La Paz, capital da Bolívia, em 1948 e voltou

a Bogotá, posteriormente, para o Seminário Regional das Organizações não

Governamentais promovido pela ONU, onde representou a Associação de Educadores

Católicos do Brasil. Além disso, entre outros eventos, representou a D.I.C.E. em um

congresso das Organizações Internacionais Católicas (O.I.C.), em Strasburgo, em 1961.

Na década de 50, Laura se mantinha na direção do Jacobina, onde permaneceu

com o ensino regular, além do Curso de Educadoras da Infância, ao mesmo tempo em

que ocupava a presidência da OMEP, cargo que exigiu inúmeras viagens internacionais.

Além de ter que passar a freqüentar a Europa de dois em dois anos a partir de 1956,

Laura participava das Assembléias Mundiais que ocorreram em lugares como Atenas,

Bruxelas, Zagreb, Londres, Estolcomo, Paris, Washington, Alemanha. Para alguns

países pôde levar grupos de alunas durante esse período. Como veículo de comunicação

e, acima de tudo de divulgação, continuava a educadora investindo no Traço de União

que apesar de nesse período estar sob a responsabilidade de Marietinha Lacombe, tinha

a marca evidente do pensamento de Laura e dos iniciais ideais lançados por Isabel e

Francisca Jacobina Lacombe, cuja bandeira continuava sendo a educação feminina

católica como único meio de instruir adequadamente a mulher moderna para que essa

cumprisse sua missão social. As edições do Traço de União já não eram, entretanto, há

algum tempo, suficientes para divulgar a forma de Laura pensar a educação. Era

necessário expandir mais ainda por meio impresso os preceitos católicos,

principalmente no que concernia à educação, para que a sociedade que se via como

progressista caminhasse rumo ao que imaginava ser o bem. Por isso, para além do

periódico do Jacobina, a diretora começou a publicar livros, que se constituíram um

meio para ampliar e defender o que tinha como verdade, principalmente na disputa

travada entre católicos e pioneiros para ocupação do sistema educacional no país.

Page 151: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

2.2.2. Publicações da educadora católica

Em meados da década de 30 o percurso de Laura parecia apenas começar. Em

1936, a educadora assumiu a direção do Colégio Jacobina. A sua administração seguiu o

mesmo ideário cultivado anteriormente por Isabel Jacobina, mesclando o catolicismo ao

ensino inovador. Outra característica que equiparou a gestão de Laura à de sua mãe foi,

sem dúvida, o forte incentivo à formação de educadoras dentro do colégio que, apesar

de ter um ensino regular, procurava orientar as alunas para que essas optassem por atuar

na missão que cabia, por natureza, a toda mulher: a de educadora, mãe e esposa. No

entanto, ao mesmo tempo em que Laura pode ser considerada de certo modo a

continuidade de Isabel, compreende-se que ela ultrapassou os limites de sua mãe e

ocupou inúmeros cargos importantes na área de Educação, tornando-se com isso uma

referência, cujo nome repercutia cada vez em maior escala nos cenários públicos.

Nesse mesmo período, a educadora resolveu organizar melhor suas idéias em

um livro próprio que orientasse pais, alunas e professoras em torno das questões

relativas à educação de crianças e jovens. Por meio da seção “Ecos” do Traço de União,

a educadora já vinha se propondo a discutir bastante essas questões sob enfoques

católicos, como veremos no próximo capítulo. No entanto, para ela que vivia a euforia

do reconhecimento por ter participado ativamente na ABE e, agora como uma

importante militante católica na Confederação Católica Brasileira de Educação, isso não

bastava. Como muitos educadores católicos desse momento, Laura Jacobina Lacombe

transformou a escrita em uma arma poderosa em defesa das posições da Igreja em

relação à instrução feminina.

Assim foi lançado em 1936, sob a direção de Alceu Amoroso Lima, Moral

Cristã e Educação, pela Empresa Editora ABC Limitada. Composto por 155 páginas, o

livro reflete o pensamento de Laura em instituições de ensino, mostrando a autora, de

forma didática que, diferentemente dos radicais católicos, ela acreditava que estar aberto

às inovações e aos avanços científicos se fazia necessário na sociedade que vinha se

desenvolvendo. Isso, porém, deveria ser feito sempre buscando adaptá-los aos preceitos

religiosos a partir do senso de responsabilidade do cristão. Responsabilidade essa que,

segundo a autora, deveria estar associada ao exemplo dos discípulos de Jesus Cristo,

que foram observados, apontados, imitados e muitas vezes criticados por o estarem

seguindo. O educador católico, de acordo com ela, deveria ter um conhecimento

profundo da sua doutrina, pois só assim poderia defendê-la dos ataques ou propagá-las

Page 152: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

em torno de nós. Porém, isso não significaria renegar as novas descobertas da ciência:

Não sejamos rebarbativos quanto ao que nos trás o progresso. Estudemos as novas

teorias, sejamos com ponderação o que nela se encontra de útil ao nosso trabalho,

saibamos separar o joio do trigo.174

Nesse livro, ela deixou clara sua posição em relação aos métodos escolanovistas

e a todos os métodos que visavam a contribuir para uma educação de qualidade, onde

propõe, em oposição aos chamados pioneiros da Escola Nova, que os educadores sejam

pioneiros na união das concepções modernas de ensino com a religião, sendo

intransigentes nos nossos princípios. Com isso, Laura sugere que os educadores

católicos se apropriem dos novos meios educacionais para lutar em um novo ambiente.

A educadora que nesse momento encontrava-se na militância católica contra o ensino

laico, expôs sua oposição aos escolanovistas liberais, explicitando que não estava contra

as renovações pedagógicas, até mesmo porque, segundo ela, as renovações não eram

incompatíveis com o ideal do educador católico. O problema estava na interpretação,

pois para Laura o ensino da chamada Escola Nova estava associado a uma educação

integral e, por isso, ao contrário do que os chamados pioneiros defendiam, essa não

poderia ser dada fora da Igreja Católica, pois só essa pode dar educação intelectual,

moral e espiritual na verdadeira acepção.175

Baseando-se geralmente em autores católicos para justificar sua argumentação,

Laura dissertou sobre o significado real de educação, colocando a importância de essa

ser integral, uma vez que instruir o educando tanto para atuar em suas funções sociais,

assim como preparar para a vida espiritual no presente sendo, por isso, um exercício do

bem na Terra eram suas finalidades. Sendo assim, baseada em Monsenhor Du Panloup,

a educadora afirmou que educação significava cultivar, executar, desenvolver, fortificar

e polir todas as faculdades físicas, intelectuais, morais e religiosa que constituem na

criança a natureza e a dignidade humanas: dar a essas faculdades a perfeita

integridade; estabelecê-las na plenitude do poder de ação.

Esse autor católico diz ser a partir disso que se prepara o homem para servir a

pátria em diversas funções sociais que terá que preencher um dia, ao longo de sua vida

na Terra. Para ele, a primeira finalidade da educação é a moral, estando a essa dimensão

subordinadas todas as outras. Sem essa concepção, a instrução não teria nenhum valor,

podendo inclusive se tornar uma arma voltada para o mal. Assim, disparando contra

174 Lacombe, 1936, p. 35. 175 Ibid., p. 37.

Page 153: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

toda e qualquer educação pensada fora dos preceitos católicos, o livro objetivava

elucidar que a instrução é uma ação em conjunto, na qual os católicos contariam com a

ação benéfica da graça de Deus que completa e côroa os esforços humanos e sem o

qual não é possível alcançar um alto gráu de processo espiritual.(...).176

Lançando mão de conceitos como patriotismo e nacionalismo, o livro

disseminou algumas estratégias de conquista do leitor muito parecidas com as do Traço

de União, em que os discursos se atrelavam aos apelos sociais vigentes que não

poderiam ser pensados sem a inserção dos ideais católicos:

(...) Toda cultura pois que deseja a ciência pela ciência está fora da ordem cristã. A escola deve, além do mais, preparar as crianças e os adolescentes que lhes são confiados para preencherem a sua função social com maior eficiência. (...) O nacionalismo é um sentimento coletivo de orgulho que se apresenta como espírito messiânico de um povo. Patriotismo não deve ser orgulho cultivado: deve ser a noção da responsabilidade que temos, cada um de nós, de preencher a nossa parte, por modesta que seja na obra de engrandecimento da nossa pátria.177

Esse primeiro livro de Laura foi adotado em várias instituições e bibliotecas que

buscavam seguir na cruzada em prol das boas leituras 178. Nesse sentido, a fim de

orientar as leituras femininas, pode-se citar o caso da Revista Auxílium do Colégio Santa

Inês estudada por Sousa (2002). Segundo a autora, o periódico, com o intuito de

determinar o que podia e devia ser lido, inaugurou a seção Biblioteca Domingos Sávio,

em que publicou uma lista de livros de formação de autores portugueses e brasileiros,

entrando para essa lista o Moral Cristã e Educação. A exata proporção de leitura e

adoção alcançadas por esse livro não foi possível saber. No entanto, sabe-se, conforme

propagandas espalhadas pelo Traço de União, que ele teve pelo menos duas edições à

venda.

Em 1942, Laura Jacobina Lacombe lança seu segundo livro, A escola e a vida,

em que logo na “Introdução” expõe os objetivos dessa nova publicação de mesmo fim

religioso da anterior:

176 Ibid., p. 13-14. 177 Ibid., p.15-21. 178 Sousa, 2002, 107.

Page 154: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Não teve este livro um plano lógico preconcebido. Fruto de nossas leituras e estudo, resolvemos publicá-lo a-fim-de que aqueles que se dedicam, como nós, á educação católica da juventude possam aproveitar o nosso labor. Muitos nos animaram para isso as bondosas palavras dos que nos leram o primeiro trabalho, ‘Moral Cristã e Educação’. Esperamos que neste volume também possa prestar algum serviço aos que trabalham conosco na Seara do senhor.179 Assim, como continuação do livro anterior, pode-se dizer que em A escola e a

vida os preceitos difundidos são exatamente os mesmos do livro de 1936, só que

escritos de modo mais filosófico e menos didático. Um trabalho de reflexão sobre o ser

humano, sua formação e seu trabalho na vida moderna, de modo a ser envolvido nos

preceitos católicos. Fazendo uma crítica severa à educação leiga, a autora lança luzes

sobre a finalidade da educação cristã feminina perante a sociedade. Nesse sentido, ela

defende que para se consiguir ter um país melhor, a partir de um povo mais forte tanto

moral quanto fisicamente, seria preciso investir numa educação que provesse as

necessidades de uma boa educação feminina. Para a educadora, a mocidade feminina

estava profundamente prejudicada, apesar de parecer que algumas mudanças

educacionais estivessem vinculadas ao progresso social. Ainda que não negasse a

existência de um avanço alcançado em relação ao aspecto inteletual, Laura acreditava

que esse benefício era obtido em prejuízo de outro: o verdadeiro papel da mulher no lar.

Para ela o entusiasmo em torno dos sucessos femininos que se envergavam para o

terreno das letras, matemáticas e ciências eram ilusórios, pois não eram compensados

pelo abandono e pelo desinteresse das atividades efetivamente femininas e direcionadas

pelos misteres caseiros. 180

Fazendo uma crítica às mudanças educacionais que ocorreram no período

autoritário de Vargas nas décadas de 30 e 40, Laura, que já vinha recuando lentamente

sobre alguns métodos aplicados no Colégio Jacobina desde os embates ocorridos entre

católicos e pioneiros, colocou-se contra as exigências oficiais do período defendendo

que a educação feminina deveria ser pensada sob uma orientação especial. Para a

diretora, quem lidava com alunas em especial e entrava em contato direto com a

personalidade adolescente delas sabia que cada uma constituía um problema a resolver,

e por isso deveria compreender que elas eram mais do que um cérebro a encher de

ciencia, pois há um coração feminino que pulsa e que busca uma finalidade na sua

179 Lacombe, 1942, Introdução. 180 Ibid., p.63.

Page 155: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

formação; há uma alma de mulher com seu instinto materno que anseia por se dedicar.

Para a educadora, os novos programas direcionados para a obtenção de uma diploma

representavam a desilusão dos ideais femininos. Laura, sempre muito preocupada com a

educação das jovens reivindica, a partir de seu livro, uma orientação voltada para a

cultura da mulher, sobre tudo na adolenscencia, já que é nessa idade que ela necessita

de uma orientação toda especial, de acordo com siu psicologia e atendendo à sua

finalidade na família e na sociedade.181

A reforma desse período, como observaram Schwarzman; Bomeny e Costa

(2000), consistiu na elaboração de um grande painel de regulamentos, normas e projetos

com a finalidade de reformular totalmente o sistema educacional do país. Em 1935,

quando Francisco Campos tomou posse do cargo de Secretário de Educação e Cultura

do Distrito Federal, no lugar de Anísio Teixeira, já deixava clara sua crença na

educação como poderoso instrumento de transmissão de valores que favorecia o

disciplinamento e homogeinização dos homens da sociedade.

Como resultado dessa forma de pensar que caracterizou o Governo de Vargas,

algumas medidas foram tomadas, entre as quais, o Plano Nacional de Educação que, de

acordo com os mesmos autores, em 1937 tem o texto final encaminhado para Gustavo

Capanema. Assim, a primeira parte do documento visava a definir o que era o plano:

um código da educação nacional destinado a servir de base ao funcionamento de

instituições educativas escolares e extra-escolares, públicas e privadas, em todo país.

Também visava a definir os princípios gerais da educação nacional, regulamentava a

liberdade de cátedra, o ensino da religião, da educação moral e cívica, a educação

física.182 Já a segunda parte do plano, inscrevia-se na preocupação com os institutos

educativos, desenhando o grande mapa segundo o qual a educação nacional deveria

ser organizada,183 havendo, nesse sentido, um ensino comum, do pré-primário ao

secundário.

O ensino primário, assim, ficou como atribuição dos estados, podendo haver

padrões diferentes nos distintos estados. A união teria apenas participação supletiva e

regulamentadora e passou a ser exigido que os diretores de escolas particulares sempre

fossem brasileiros, igualmente a metade dos professores. Em relação ao ensino

secundário, o plano mantinha a divisão de dois ciclos: um fundamental, que deveria ser

181 Ibid., p.64. 182 Schwarzman; Bomeny e Costa, 2000, p. 198. 183 Ibid., p. 200.

Page 156: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

concluído em cinco anos, e outro complementar, em dois anos em que, segundo

Schwarzman; Bomeny e Costa (op. cit.), além da ênfase no ensino das línguas como

português, francês e o latim, também passou a ser estipulado o número de horas

semanais para o ensino de cada matéria ao longo dos sete anos.

Na última parte do plano, entre outras coisas, estão as condições para que o

ensino sencudário seja reconhecido, ficando responsável a União pela fiscalização das

instituições. Para o regime didático ficou previsto o exame de admissão em todos os

níveis, freqüencia obrigatória, regime de provas e reprovações, obrigatoriedade do

ensino do canto orfeônico e separação dos sexos entre os alunos. 184

Apesar desse plano não chegar a ser aprovado em sua última instância, o

ministério de Gustavo Capanema não abandonou os ideais intrínsicos a este,

principalmente ao que se referia à educação secundária, onde o ministro imprimiu sua

marca mais profunda. Assim, a

prioridade dada à reforma do ensino secundário no início de 1940 seria uma ocasião propícia para reafirmação dos princípios mais gerais da concepção educacional do ministério de Capanema. Os documentos e anotações datados dessa época revelam cuidadoso trabalho de recuperação das propostas que tinham sido desenvolvidadas durante a década anterior. O sistema educacional deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades de acordo com os diversos papéis atribuídos ás diversas classes ou categorias sociais. Teríamos, assim, a educação superior, a educação secundária, a educação primária a educação profissional e a educação feminina; uma educação destinada à elite da elite, outra educação para a elite urbana, uma outra para jovens que comporiam o grande exército de trabalhadores necessários à utilização da riqueza potencial da nação e outra ainda para as mulheres. A educação deveria estar, antes de tudo, a serviço da nação, ‘realidade moral, política e econômica’ a ser constituída.185 O ensino secundário se distinguia, dessa maneira, das outras formas de ensino

médio, pois deveria estar embasado em um conteúdo essencialmente humanístico, além

de sujeito a procedimentos de controle de qualidade bastante rígidos, sendo o único que

possibilitava acesso às universidades. O seu currículo foi apresentado de forma bastante

restrita, e orientado para a formação cultural e de elite. Criava, por outro lado, uma

estrutura burocrática de inspeção e reconhecimento, garantindo que o ensino estipulado

pelo governo estivesse sendo realmente dado pelos colégios. Assim, a instituição de

ensino que desejasse se equiparar às normas, deveria requerer inspeção ao ministério

que, ainda segundo Schwarzman; Bomeny e Costa (op. cit.), deveria acompanhar ao

184 Ibid., p. 203. 185 Ibid., p. 205.

Page 157: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

menos por dois anos as atividades de um colégio para que essas fossem reconhecidas

pelo padrão nacional, representado na época pelo Colégio Pedro II. Detendo-se

particularmente ao controle dos exames parciais e finais, a inspeção teve sua concepção

mantida na Reforma de 1942, que consagrou a divisão entre o ginásio, que passou para

quatro anos, e um ciclo de três anos, subdividido em duas opções: o clássico e o

científico. Dentro desse contexto, as instituições de ensino não teriam autonomia sobre

seus programas, não tendo também como incrementar muita coisa ou se diferenciar

muito da instituição modelo, o Pedro II, a qual todos deveriam copiar.

Nesse sentido, não havia mais a possibilidade de se estudar como e o que se

quisesse, pois no fim das contas as escolas deveriam submeter seus alunos a provas

oficiais. Segundo relato de Laura Jacobina Lacombe, na entrevista dada ao Traço de

União de 1974, percebe-se que as mudanças desse momento foram dolorosas e

mexeram com os princípios básicos da metodologia educacional aplicada na instituição

até então. Porém, aderir à reforma foi o meio encontrado para que os pais não retirassem

seus filhos do colégio. Segundo Laura, a partir de meados da década de 30, muitos pais

começaram a colocar suas filhas para prestar exames no Colégio Pedro II, instituição

pública e referencial do governo. A educadora confessava ter ficado decepcionada, uma

vez que acreditava ser o currículo e o diploma do Colégio Jacobina, devido ao caráter

inovador da escola, muito superior ao de muitas outras instituições. Mas os tempos eram

outros, e um diploma oficial era fundamental para aquelas que começavam a pensar em

ser educadas não somente para cumprir atribuições no âmbito doméstico ou no

magistério, principalmente na década de 40. O diploma reconhecido passou a ser

exigido pela elite, e Laura não teve outra escolha senão ceder, já que perderia suas

alunas se assim não o fizesse. Isso representou o abandono dos programas elaborados

desde o início do século baseados em uma cultura francesa e mais tarde mesclados com

modelos inovadores norte-americanos. Dentro desse contexto, que tivera início com o

Governo Vargas, o Colégio Jacobina teve que migrar para uma sede própria, onde

instalou laboratórios, sala de desenho, auditório e salas de aula de acordo com as

exigências oficiais, significando um sofrimento profundo para a educadora que edificou

tudo aquilo com tanto sacrifício e devoção: Foram-se os nossos programas, os nossos

métodos! Como eram interessantes(...) Que tortura ver desmoronar o que havia sido um

verdadeiro laboratório pedagógico: sempre preocupados em aprimorar os métodos

Page 158: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

desde os primeiros tempos, tivemos que aceitar então o que os franceses chamavam de

‘bourrage de crâne’. 186

As exigências que se iniciaram com Francisco Campos187, tiveram seguimento

com Gustavo Capanema que, embora visasse a estabelecer um currículo de conteúdos

meticulosos e específicos que objetivavam criar uma cultura nacional comum –

disciplinando as diferentes gerações como garantia de continuidade da pátria – ao longo

de seu governo, pautou-se em medidas retrógradas em relação à formação feminina,

como por exemplo, a restrição da co-educação e a orientação metodológica de seus

programas. Assim, considerando a suposta natureza da personalidade feminina e sua

missão dentro do lar, incluiu no currículo para mulheres a disciplina de economia

doméstica. O ensino secundário feminino, desse modo, deveria se dar em

estabelecimentos exclusivamente para mulheres. Quando isso não era possível,

dependendo da autorização expressa do Ministério da Educação e Saúde, as mulheres

seriam educadas em classes exclusivamente femininas dos colégios mistos.

Discordando tanto da existência de colégios mistos como dos programas oficiais

que buscavam homogeinizar, em grande parte, o cotidiano escolar de homens e

mulheres, Laura Jacobina Lacombe defendeu que a alma feminina deveria ser formada

por um currículo que, diferentemente do do homem, visasse a preparar para as

atribuições maternas e matrimoniais que asseguravam o ambiente propício de um lar

equilibrado e guiado por Deus. A mulher deveria levar a doutrina cristã para casa a fim

de combater os males trazidos não só pela modernidade de um modo geral, mas também

pelas perturbações do mundo do trabalho pelo qual o marido deveria ficar com total

responsabilidade. Pelo menos no caso das mulheres da boa sociedade foi assim, até

186 Laura Jacobina. ‘Depoimentos’. Traço de União, 1974, n.1, p. 25-26. 187 Segundo Saviani (1999), foi após a Revolução de 30, quando foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, que o Ministro Francisco Campos aprovou, em 1931, uma Reforma Educacional através da qual, buscava-se organizar a educação brasileira com caráter de sistema. Com o "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", em 1932, foi lançada, de acordo com o mesmo autor, a idéia de plano de educação como um instrumento de introdução da racionalidade na educação, em que se teve o objetivo de a essa dar organicidade, ou seja, organizando-a na forma de sistema. Dessa maneira, enquanto no período pós-30, procurava-se modernizar o país por vias da modernização da educação, os "pioneiros" formularam essa idéia de plano, entendendo-o como um instrumento de introdução da racionalidade científica na educação, em que a ciência apresentava-se, no ideário da Escola Nova, como o elemento modernizador por excelência. Com o golpe do Estado Novo (1937-1945), ao se instaurar um regime autoritário, o Ministério, com Gustavo Capanema, absorve a idéia de plano, ainda de acordo com Saviani (op. cit.), como instrumento de modernização oriunda dos pioneiros revestindo-a, contudo, do caráter de instrumento de controle político-ideológico, o que acabou por deixar marcada a política educacional desse período.

Page 159: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

mesmo porque o trabalho feminino era assimilado como obrigação, quando doméstico,

e filantrópico, quando público.

Pelas páginas do Traço de União, percebe-se que a diretora do Colégio Jacobina

não aboliu completamente os métodos escolanovistas logo a princípio, ainda que tenha

sido obrigada a cumprir normas como provas quatro vezes ao ano que destruíam sua

forma de pensar a aprendizagem com mais liberdade. Abdicar do pensamento

pedagógico que havia edificado ao longo de sua trajetória até então, foi um processo

sofrido e, por isso, efetivado com muita cautela. O governo Vargas se por um lado foi

satisfatório para Laura Jacobina Lacombe e todos os outros educadores católicos, já que

representou, principalmente devido ao apoio de Francisco Campos, a viabilização da

entrada da Igreja no campo educacional, por outro representou a renúncia parcial de sua

forma de conceber a relação entre as alunas e os conteúdos e métodos aplicados no

colégio. O ensino que mesclava escolanovismo com catolicismo teve que ter grandes

ressalvas a partir de normas equiparadas com as determinações do governo, sendo

inspecionadas oficialmente pelo mesmo, o que se traduzia em um sacrifício para as

alunas. E as quatro provas parciais por ano, e as inspetoras ou inspetores para

examinar todos os detalhes, ao que eu chamava de ‘catar pulgas’.188 Caso as medidas

não se enquadrassem com essas exigências, o diploma não seria reconhecido para o

nível superior ou para cursos técnicos.

Embora a universidade ainda não fosse uma opção da maioria das mulheres

daquela época, até mesmo porque no Brasil essas instituições ainda existiam em número

escasso, ter um diploma oficial representava legitimidade e reconhecimento social de

algo que os pais se propuseram a proporcionar a suas filhas. Além disso, algumas alunas

tinham a possibilidade de cursar o nível superior em países mais desenvolvidos ou já

preconizavam o limiar de um novo tempo de mudanças sociais que se acelerariam com

o desenvolvimento econômico prometido e defendido por Vargas.

Contudo, Laura continuava escrevendo sobre a importância da educação cristã

para as moças, não só em livros, mas também em vários jornais que ajudavam na

militância católica que se estabelecera ao longo do século XX, como foi o caso do A

Ordem, que tinha como objetivo recatolizar o país, a partir da manutenção da ordem

simbólica religiosa. O periódico se estabeleceu contribuindo também para a manutenção

da ordem política, algo que, de acordo com Rodrigues (2006), era bastante interessante

188 Ibid.

Page 160: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

para um governo como o de Vargas. Escrevendo alguns artigos, Laura colaborou para a

discussão proposta pelo periódico, que se colocava, principalmente a partir de meados

da década de 1930, de maneira mais enfática, abordando temas como educação, ação

católica, combate ao comunismo e condenação do liberalismo, cujo erro fundamental,

segundo os católicos, estaria na recusa da unidade espiritual, tida como base de todas as

outras unidades.189

Porém, em 1962, em Como Nasceu o Colégio Jacobina, livro por várias vezes já

citado nesse trabalho, Laura Jacobina Lacombe não abordou a educação feminina

religiosa como assunto principal. Esse último livro publicado por ela, não é um livro de

fins pedagógicos para especialistas, é, segundo a autora, a história de uma grande

família, que festeja seus sessenta anos de existência.190

O livro que, de acordo com Laura, era destinado às atuais e antigas alunas do

Colégio Jacobina, tentou elucidar as questões relativas à fundação da instituição de

ensino e contar um pouco dos personagens que ajudaram na construção dessa história, a

fim de que as alunas compreendessem melhor o espírito que cerceava a casa onde se

educam.191 Dividindo o livro em duas partes, a autora trabalha com A Pré-História, na

qual além do Colégio Progresso, também conta sobre o Dr. Jacobina, sua esposa e

filhas, e Começa a História, que situa o leitor nos primeiros tempos de colégio, falando

sobre as primeiras turmas, as disciplinas dadas, os professores e colaboradores como o

Padre Rezende que ajudaram a introduzir os ideais católicos, fundamento prioritário

dentro da instituição de Isabel e Laura. A apresentação desse livro coube a Lourenço

Filho, renomado educador e um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova, que destacou:

Logo no primeiro contato, o que nele mais me deveria impressionar não era o fato de haver constituído como centro de renovação técnico-pedagógica, como realmente era e continuou a ser. (...) A renovação técnica é certamente de maior importância na vida de uma instituição de ensino. Mas o que mais me fazia distinguir o Jacobina de outras escolas era o ambiente, que ali criara, de um cálido sentimento de simpatia humana, daquilo que com simplicidade podemos chamar de ar de grande família. (...) Esse sentimento de comunidade, fundido na influência de várias culturas (...) com uma só e mesma inspiração, a de servir à família brasileira sob a inspiração comum de sentimentos cristãos, é que, como síntese, pode explicar a inigualável atmosfera desde o início estabelecida no Jacobina.192

189 Para um aprofundamento das questões que norteavam a publicação A Ordem, ver Rodrigues (2006). 190 Lacombe, 1962, prefácio. 191 Ibid. 192 Lourenço Filho, Apresentação In: Laura Jacobina Lacombe. Como nasceu o Colégio Jacobina, 1962.

Page 161: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

2.2.3. Militância católica e formação de educadoras

A escolha de Lourenço Filho para prefaciar Como Nasceu o Colégio Jacobina exige compreender que a direção do Colégio Jacobina, segundo Alves (1997), adotou uma didática renovada ao aceitar ministrar uma educação segundo os moldes de Escola Nova européia e norte-americana em sua instituição ao mesmo tempo em que se guiou pelos preceitos católicos, até fins da década de 20. No entanto, quando os debates entre católicos e escolanovistas se multiplicavam nos anos 30, Laura e Isabel Jacobina Lacombe foram obrigadas a tomar partido de um dos lados, já que esses se mostravam cada vez mais antagônicos. Com isso, incisivamente as duas educadoras optaram por se deslocarem para o campo religioso.

Ao freqüentarem a Associação Brasileira de Educadores, lócus privilegiado de

debates referentes à implantação da Escola Nova nas instituições de ensino brasileiras,

viam-se em meio a um grupo de educadores constituído de modo bastante heterogêneo.

Leigos, católicos e protestantes se reuniam nesse espaço em favor de uma mesma causa,

tentando não deixar que suas crenças particulares inviabilizassem, na década de 20, as

decisões e medidas nesse espaço propostas. A proposta inicial da ABE era justamente

ser uma entidade capaz de abrigar, segundo Mignot (2002), diferentes correntes de

opinião em prol da educação na causa cívica de combate à indiferença das elites. A

entidade buscou não somente auxiliar em programas básicos de instrução que reduziam

as instituições de ensino a espaço de alfabetização, mas também tentou incutir nas

escolas um espírito de preparação para a vida. Os renovadores, ainda segundo Mignot

(op. cit.), defendiam que a escola deveria ter uma proposta de educação mais ampla,

sendo utilizada como um importante instrumento de preparação para as mudanças

tecnológicas, divulgando, para uma vida em comunidade, valores democráticos e

relativos à paz. E esse era o ponto de interseção daquele grupo heterogêneo que se

reunia na ABE.

No entanto, com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,

ocorrida em 1932, que se deu logo após a IV Conferência Nacional de Educação

realizada no ano anterior, os ânimos se exaltaram, dando margem a um sério conflito

entre educadores católicos e liberais que, de acordo com Valdemarin (2000), há tempos

já havia sido iniciado. O documento que defendia uma escola pública laica, regida pelos

princípios de obrigatoriedade, gratuidade e co-educação foi o pomo da discórdia da

árdua disputa teórica e política em que os dois grupos buscaram exibir legitimidade e

Page 162: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

competência buscando conduzir, como assinala Cunha (2000), o aparelho educacional

em busca de um novo país.

Nesse cenário de disputa que seguiu pelas décadas subseqüentes, o grupo de

intelectuais católicos do qual Isabel e Laura faziam parte, deu início a uma ampla

campanha de divulgação de sua política educacional, apropriando-se de aspectos

abordados pelos escolanovistas, para adaptar aos seus, como vimos acontecer nas

publicações dos anos 30 e 40 de Laura. Para Cury (1998), o momento da publicação do

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi estratégico para os católicos que, ao

perceberem na redação desse documento as frestas existentes que deixavam entrever as

oposições internas, passaram para o ataque acusando o texto de socialista e

comunizante.193

Foi devido a isso que Isabel e Laura lideraram juntamente com Maria Amélia

Lacombe, Américo Lacombe, Amélia de Rezende, Eliza Rezende, Décio Lyra, entre

outros, o grupo católico que discordava dos pioneiros no que dizia respeito ao poder

público passar a assumir e assegurar o direito à educação de todos, pois defendiam que

a Igreja e a família não deveriam se submeter ao Estado. Segundo Mignot (2002), os

católicos também divergiam em relação à co-educação, já que consideravam que essa

poderia ser prejudicial à identidade sexual. Porém, de acordo com a mesma autora, o

principal ponto de discórdia residia na questão do ensino religioso que, enquanto os

pioneiros se opunham a ele, os católicos apoiavam a idéia alegando que a pedagogia

cristã havia sido formadora da nacionalidade.

No cenário de disputa pela ocupação do sistema educacional brasileiro, a Igreja, que tinha sido colocada de lado desde a Proclamação da República, aproveitou a crise194 política, econômica e social que o Brasil estava vivendo nos anos 20 e 30, para entrar em cena com um novo discurso e retomar, entre outras coisas, seu lugar na educação do país (Horta, 1994). Para tanto, contou com a elite para difundir seus ideários na sociedade e, entre essa, encontrava-se a comunidade do Colégio Jacobina que militou em defesa dos novos objetivos da Igreja:

193 Cury, 1988, p. 23. 194 Ressalta-se que pioneiros e católicos concordavam que o mundo via-se em crise nesse momento. Crise social, moral, intelectual e de valores que, segundo Xavier (2004), seria reflexo de uma civilização em movimento e em mudança (p. 31). De acordo com essa autora, esses dois grupos acreditavam que essa crise seria resolvida a partir da intervenção das elites. Porém, era no caráter dessa intervenção que pioneiros e católicos divergiam. Para os primeiros, estava na ciência a chave do progresso da humanidade, e para os católicos, a religião que se constituía em fator de progresso e viga mestra da civilização. (Id).

Page 163: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

No final da década de 20, a situação estará mudada. O Estado oligárquico liberal entrará em crise e a Igreja apresentar-se-á como um apoio válido. (...) Como a Revolução não tinha sido obra dos governos nefastos nem das oposições extremadas, mas sim obra da Constituição sem Deus, da Escola sem Deus, da consciência sem Deus, era preciso restituir a lei de Deus, de Cristo e da Igreja, à Constituição, à Escola, à Família e às Consciências. Em suma: era preciso trabalhar para que os princípios básicos da ordem cristã voltassem a orientar a Constituição política do país. 195

A trajetória de Laura Jacobina foi muitas vezes inspirada nas tendências

católicas européias, em especial francesas, que passaram a construir um novo sentido na

identidade das mulheres brasileiras. No início do século XX, com intuito de afrontar o

feminismo e as suas práticas laicas de intervenção social, os católicos renovaram os

valores e as capacidades sobre os quais poderiam construir um novo sentido de

identidade das mulheres. Tomando o lugar da dama beneficente, entrou em cena a

militante, que atuaria na Ação Católica. Emerge desse momento uma nova mulher,

aquela que é impulsionada pela ação, como observa Giorgio (1991), sem, no entanto, ter

características semi-viris, como as feministas caricaturadas pelos católicos.

Foi baseada nesses referenciais femininos que Laura Jacobina Lacombe

conduziu os trabalhos de suas alunas e ex-alunas na luta cristã no início do século XX, e

também os seus não só para defender os preceitos católicos diante das perspectivas

feministas que reivindicavam novos direitos civis e políticos para as mulheres, como

também entre os educadores que proferiam o afastamento da religião do meio

educacional na década de 30.

A instabilidade gerada pela Revolução de 1930 fez da Igreja Católica uma

instituição possuidora de um aparato respeitável. Ela passou a ser vista como uma força

social absolutamente indispensável para o processo político que estava se desenrolando

no período, como analisado por Carvalho (1998):

Com a revolução de 1930, o campo de consenso constituído em torno do programa de “organização nacional através da cultura” é implodido. As Plataformas Políticas de Vargas incorporam tópicos centrais dos discursos dos entusiastas da educação nos anos vinte, produzindo a expectativa de que era chegado o momento para tornar realidade esse programa. A criação do Ministério da Educação e Saúde inaugura espaços de poder e importância estratégica na configuração e no controle, técnico e doutrinário, do aparelho escolar. Com isso, o consenso em torno da “causa educacional” transmuda-se em disputa pela implementação de programas político-pedagógicos concorrentes. Nessa

195 Horta, 1994, p.97-98.

Page 164: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

disputa, dois grupos se constituem, antagonizando-se a partir de propostas rivais de controle técnico e doutrinário das escolas: os ‘católicos’ e os ‘pioneiros’. 196

Laura, ao lado de sua mãe, envolveu-se nesse processo, militando contra a

difusão do ensino laico e se dissociou da ABE para alavancar os trabalhos realizados

pela Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal, fato este que pode ser

considerado um marco em seu percurso enquanto educadora e formadora de outras

educadoras, como pode ser constatado no Traço de União, que a partir desse momento

passa a ter um perfil acentuadamente religioso, passando inclusive a se filiar à

Associação dos Jornalistas Católicos.

As atividades da Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal

tiveram início em fins de 1931, sob a direção de Everardo Backhauser197 e do Padre

Leonel Franca, aglutinando professores cariocas com o propósito de discutir problemas

pedagógicos e formular propostas de ação. Laura atuou como secretária de Backhauser

na APC e, em 1933, quando a entidade cresceu e passou a ser organizada

nacionalmente, sendo criada a Confederação Católica Brasileira de Educação, a vice-

diretora jacobinense continuou, nessa nova entidade, com o mesmo cargo auxiliando o

educador. Em 1934, secretariou uma comissão no 1º Congresso de Educação Católica,

no qual foram reunidos todos os colégios católicos e associações de professores

católicos dos estados do Brasil.

A Confederação promovia, de acordo com os estudos de Salem (1982), cursos e

congressos com a finalidade de formular uma política educacional com base na doutrina

cristã. Segundo a mesma autora, essas duas entidades, que foram constituídas em

contrapartida à Associação Brasileira de Educação, tiveram uma atuação bastante

medíocre, e os congressos nacionais promovidos pelos católicos possuíam um nível

bastante inferior aos dos pioneiros escolanovistas.

No entanto, ainda que enfrentassem dificuldades, as dirigentes do Jacobina

continuaram partilhando dos ideais desse grupo católico e defendiam a instituição

escola como um espaço que deveria ser responsável pela transmissão de valores e

verdades embasados na doutrina da Igreja, fato que se refletiu mais ainda nos discursos

publicados no periódico do Jacobina ao longo da década de 30: deixou-se, assim, de se

196 Carvalho, 1998, p.60-61. 197 Segundo Lacombe (1962), o Educador Everardo Backhauser era agnóstico. Somente após uma de suas viagens feitas à Europa, ele voltou convertido e passou a se dedicar à causa da educação católica.

Page 165: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

mencionar a ABE nos textos do Traço de União e nota-se que cada vez mais a moral e a

educação cristã são defendidas pelos discursos escritos pelas dirigentes do Jacobina e

pelas alunas. Estratégias são montadas para que o periódico envolvesse todos os seus

colaboradores em prol dessa causa. Alunas, ex-alunas, pais e professores sinalizaram a

concordância com um ambiente educacional que fosse guiado pelo catolicismo e

transformaram o periódico do Jacobina em um terreno fecundo de difusão desses ideais,

como veremos no próximo capítulo ao analisar as imagens construídas e divulgadas nos

diferentes espaços da publicação Traço de União.

Seguindo sua linha de ideais e atuações, em 1945, com a fundação da

Associação de Educação Católica do Brasil, Laura foi convidada para ser Secretária

Geral do primeiro presidente da entidade que era o Padre Arthur Alonso. A entidade

surgiu em ocasião do I Congresso Nacional de Estabelecimentos Particulares de

Ensino, realizado em 1944 no Rio de Janeiro e sua primeira sede ocupou uma das salas

do próprio Colégio Jacobina que, nessa época, se localizava na Rua São Clemente.

Em 1953, Laura Jacobina envolveu-se em outro grandioso projeto educacional: a fundação da Organização Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP)198 no Brasil. A educadora, influenciada pelo padre Arthur Alonso, de quem ainda era secretária, une-se aos educadores Nise Cardoso, Everardo Backheuser, Madre M. S. Luis Gonzaga Cintra OSU, Madre Maria de Jesus Medeiros SCM, Lourenço Filho, Sara Dawsey e Madre Mikéal, sob a orientação de Mme. Herbenière Lebert, presidente da OMEP da França, para levar adiante o que, segundo Ferreira e Perim(2003), era o sonho de Padre Alonso. Por uma iniciativa desses pioneiros que também contavam com a participação de Fernando Azevedo, Anísio Teixeira, Francisco Venâncio Filho entre outros educadores, a OMEP foi a primeira a fazer o levantamento da situação da Pré-escola no Brasil.

O Colégio Bennet, instituição metodista, foi a primeira sede da Organização

como anunciado pelo próprio Traço de União, pois esse era o único que já possuía um

Instituto Técnico voltado para a formação de professores pré-primários. Posteriormente,

o Colégio Jacobina criou o curso para Educadoras da Infância, incluindo em seu

currículo o estudo do desenvolvimento da criança como base da Educação Infantil199.

Em 1955, Laura, que já havia deixado de ser secretária de Padre Alonso, assumiu a

presidência da OMEP, onde permaneceria por 25 anos, e transferiu a sede da

Organização para o Colégio Jacobina:

198 A OMEP foi originalmente fundada em Praga em 1948, sendo que somente em 1952 educadores brasileiros que participaram do congresso no México trouxeram a idéia para o Brasil. 199 Para saber mais sobre a OMEP viste o site: http://www.omep.org.br/historia.htm.

Page 166: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

(...) Quando recebi o encargo de me interessar pela fundação do Comitê Nacional Brasileiro da OMEP, eu era secretária da Associação de educação católica do Brasil, associação que teve sua sede no Jacobina desde a sua fundação, em 1945 (e mesmo desde o seu período preparatório até 1953.

O môdelo de Estatutos que recebemos para fundar o comitê, exigia a existência de associações pré-primárias como membros. O presidente da A.E.C., padre A.Alonso, oficiou aos colégios associados, que aderissem ao movimento.

Dezessete Congregações prontamente o fizeram e, animados com essa rápida resposta ao nosso apelo, fizemos a Assembléia da fundação, contando também com a adesão do Colégio Bennett, que fundou uma associação e do Colégio Jacobina que se associou a um jardim de infância em Friburgo.

O primeiro presidente foi o Dr. A. Sabóia Lima, então Juiz de menores.

A Secretária foi D. Nize Cardozo, do Colégio Bennett. A ela coube todo trabalho, pois Dr. Sabóia Lima adoeceu gravemente (...) Quando levaram o meu nome para presidente, aceitei o encargo e propus que a secretaria viesse do Bennett para o Jacobina, a fim de lhe poder dar maior assistência. (...) Propunha-me dar, à OMEP, a acolhida que havia dado, durante tantos anos a A.E.C.(...). 200

A OMEP permitiu a Laura Jacobina ampliar ainda mais sua presença nos

debates sobre educação infantil e propiciou que levasse às alunas do Curso de

Educadoras de sua instituição tudo o que havia de mais recente em Psicologia e

Pedagogia, criando, inclusive, em 1954, a Associação de Educação Pré-Primária

Jacobina, que era ligada ao Comitê Nacional de Educação Pré-Primária, e da qual

faziam parte professores e alunas do Curso de Educadoras da Infância.201 Logo que

criado, o curso foi reconhecido pelas autoridades Federais e pouco mais tarde pela

Secretaria de Educação. Após doze anos esse mesmo curso passou a ser denominado

Curso Normal e, mais tarde, com a concessão do nome do Instituto de Educação,

manteve duas especializações: a Administradores e Orientadores de Estabelecimentos

de primeiro grau e a de Especialização para Jardim de Infância.202

A partir da OMEP, Laura conseguiu estreitar mais ainda seus laços com

instituições católicas de ensino de todo o Brasil, impulsionando os ideais pelos quais

sempre lutou. Nessa tentativa de defender e impulsionar a educação brasileira sob a

vertente religiosa, a educadora manteve, nessa época, correspondência com

representantes religiosos de outros estados. Essas correspondências, que foram

200 Laura Jacobina Lacombe, 1970 (?), acervo da OMEP. 201 Essa informação foi retirada do Traço de União de 1964, nº1 na matéria “A Associação Pré-Primária Jacobina”. No entanto, em nenhuma outra matéria constam as atividades ou qualquer outra informação sobre essa Associação. 202 Traço de União, 1972, n.1 e 2, p.1

Page 167: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

encontradas no acervo da OMEP, tinham como objetivo promover o curso e incentivar a

vinda de irmãs católicas para o Rio de Janeiro a fim de que essas estudassem no Curso

de Educadoras da Infância do Colégio Jacobina.

Pelo que pode ser inferido pelo Traço de União desse período, as investidas de

Laura tiveram êxito e a instituição teve a presença de muitas religiosas que encontravam

no Jacobina o que ainda não era possível encontrar em outra instituição naquele

momento: um estudo que priorizasse o entendimento do universo da primeira infância,

embasado em princípios católicos e inovações pedagógicas para formar professoras do

jardim de infância e da escola maternal.

Justamente situado em um momento em que havia uma preocupação com os

novos rumos da educação no país, já que se deu na fase considerada por muitos

historiadores como 1º período democrático da República (1945-1964), 203 o Curso de

Educadoras do Jacobina se lançou na formação de muitas moças que saíram pelo Brasil

afora divulgando a importância de se instruir como cristã a criança desde cedo.

Aplicando a psicologia com a finalidade de penetrar no universo das crianças e se

apropriando de um novo conceito de pedagogia que fixava a necessidade do estudo

contínuo, as educadoras mergulhavam na profissão que deveria guiar a criança com

amor, carinho e devoção para que essa não somente fosse instruída, mas que também

fosse educada.

Esse momento de desenvolvimento do Curso de Educadoras no Jacobina se

passou nos chamados Anos Dourados da Formação Docente quando, segundo Martins

(2000), para os professores, caracterizou-se como um período de consolidação de uma

‘cultura pedagógica’ que cunhou o professor como um ‘ser especial’, detentor de um

saber imprescindível e necessário, portador de uma missão: salvar as crianças da

ignorância.204 Tal momento mescla antigas concepções de mestre ideal, sinônimo de

segunda mãe, e as novas concepções que surgiram da necessidade de o professor

auxiliar a pátria educando para o bem estar social diante de um projeto

desenvolvimentista norteado por princípios democráticos e de formação científica.

Laura também foi secretária e depois presidente da Comissão de Educação e

Cultura da Organização das Entidades não Governamentais do Brasil (OENG), onde

203 De acordo com Ferreira e Perim (2003), essa fase foi movimentada e marcada pelas eleições de 1945, quando o General Eurico Gaspar Dutra venceu e assumiu o comando do governo; pela constituinte e promulgação da constituição de 1946; pelo governo Getúlio Vargas a partir de 1951 e de sua queda em 1954; pela eleição de Juscelino Kubischek; pela eleição e renúncia de Jânio Quadros; e pelo governo de João Goulart. 204 Martins, 2000, p. 64.

Page 168: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

permaneceu por dez anos. Em 1958 o Jacobina, sob sua direção, foi a primeiro Colégio

no Brasil a ser associado à UNESCO para dar ensino sobre compreensão internacional.

Por isso, chegou a receber o diploma e a medalha comemorativa dos vinte e cinco anos

em que participou dessa entidade. A educadora se manteve ativa nos Encontros de

Escolas Associadas à Unesco, sendo o primeiro em Sèvres e o segundo no Canadá.

A iniciativa da UNESCO estava pautada em levar alguns colégios de diversos

países para ministrar o ensino sobre as Nações Unidas ou sobre alguns pontos relativos

à Declaração dos Direitos Humanos. Tendo entrado em contato com Paulo Carneiro,

que segundo artigo publicado no Traço de União era representante da entidade no

Brasil, o Colégio Jacobina resolveu se dedicar ao estudo, no correr do seu curso

clássico, da mulher nos diferentes países e nas diferentes épocas da história. Para tanto,

envolveu seu corpo docente no projeto, solicitando que esse incluísse em seu programa

pesquisas referentes aos direitos femininos. No entanto, essa aliança não tratou, como se

pôde perceber, de fazer um estudo crítico sob o aspecto jurídico e se desenrolou de

forma a atrelar ainda mais a questão da educação feminina à religião.

Em 1973, já com seus setenta e cinco anos, Laura conquista a sua última valiosa

vitória no campo educacional: o decreto que criava a Faculdade de Educação Jacobina

foi assinado em Brasília. Essa faculdade vinha completar o desejo que sempre tivera na

vida de formar professoras em um último grau de ensino sob uma ótica católica. Assim,

diante de um currículo que abrangia a cadeira de Teologia, a educadora, de acordo com

sua última entrevista concedida ao Traço de União explicitou, ao falar do curso de nível

superior, que como todos sabem, o Jacobina é um colégio católico, que sempre se

preocupou em dar uma formação cristã às suas alunas. 205

Desde o início de seu percurso, a educadora, juntamente com sua mãe, buscava

formar mulheres para que essas educassem nos lares e/ou nas escolas. Preparavam

intelectualmente para que essas assumissem sua missão frente à nação. A primeira

tentativa de estabelecer um curso próprio para essa vocação, que era considerada natural

do sexo feminino, foi desmoronada com a baixa freqüência no início da década de

cinqüenta. Porém, a criação seguida do Curso de Educadoras da Infância concretizou a

realização de seu sonho e abriu as portas para que a formação dada pelo Colégio

Jacobina fosse reconhecida a ponto de poder chegar a ter a sua Faculdade de Educação.

205 Laura Jacobina, “Depoimentos”. Traço de União, 1974, n. 1, p. 30.

Page 169: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Ao morrer, em 1990, Laura Jacobina Lacombe mereceu uma moção emitida pela

Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, assinada pela deputada Yára

Vargas, em que, em duas páginas datilografadas, são citados alguns dos grandes cargos

e atividades exercidas ao longo da sua vida. Infelizmente nesse momento, o Traço de

União já não existia mais e, portanto, sua partida não pôde ser registrada também nas

páginas do periódico das alunas e discípulas de Laura Jacobina. É possível ver, porém,

que, apesar de sua morte não ter sido registrada nesse espaço que orientou, seus feitos

foram eternizados e divulgados. Laura dedicou a sua vida ao colégio e à defesa de seus

ideais religiosos e educacionais, o que lhe trouxe, ao longo dos anos, respeito,

admiração por parte de professores, famílias, alunas do Colégio Jacobina e também de

muitos religiosos e intelectuais que se cruzaram nas diferentes fases da sua vida e no

período em questão.

Tudo leva a acreditar que a missão desejada, que partilhava de ideais muito

próximos aos de sua mãe, foi cumprida. Foi educadora e, apesar de não ter casado e não

ter tido filhos consangüíneos, satisfez-se por ter tido o que intelectuais e religiosos

consideravam em fins do século XIX como filhas espirituais206. Mulheres que, embora

não tenham mais o Traço de União para expressar seus sentimentos, fazem-se, ainda

hoje, valer de outros meios, como, por exemplo, a internet, para eternizar as lembranças

daquela que viveu para instruir educadoras com a finalidade de se alcançar uma Nação

Católica. Ainda nos últimos tempos, já com os cabelos brancos, a Dona Laura – pois é

assim que todas a conhecem até hoje em dia – é recordada, contraditoriamente, como a

doce lembrança do tradicional colégio que dirigiu até quando lhe foi possível:

estudei no colegio jacobina de 1966 até 1970. era um colegio extremamente tradicional, aonde so estudavam meninas, e tinha um uniforme tao formal, que usava-se ate gravata. Nao deu para encarar, e fui convidada a me retirar. mas tinham coisas muito legais, como por exemplo, visitar a diretora - D. Laura Jacobina Lacombe - na hora do recreio: a gente subia ate a sala dela, naquele elevador antiguinho e esperavamos o sinal verde para adentrar em sua sala. ela era um amor, e sempre nos recebia com balinhas de leite da kopenhagen.207

2.3. Marietta Luiza Lacombe: a discreta editora do periódico 206 Essa expressão é utilizada por Louro (1997) para explicitar que o magistério feminino quando foi defendido por intelectuais e religiosos em fins da década do século XIX, era visto como extensão da maternidade, em que, por natureza as mulheres eram vistas como mães educadoras e seus alunos ‘filhos espirituais’. 207 Charmaine Marie. Orkut, comunidade das ex-alunas do Colégio Jacobina em: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=479582. Acessado em abril de 2006.

Page 170: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Apesar de Isabel e Laura Jacobina Lacombe terem se lançado mais

expostamente pela vida pública e, também em busca de seus ideais que se propagaram

pelo Colégio Jacobina e pelo Traço de União, não haveria como entender o

funcionamento dos mesmos, se não falássemos de Marietta Luiza Lacombe, a filha de

Francisca Jacobina Lacombe que assumiu a responsabilidade do periódico nas suas

últimas etapas de vida.

Carinhosamente chamada de Mariettinha, a educadora diplomou-se, assim como

sua prima Laura Jacobina Lacombe, só que em tempos diferentes, pelo Colégio

Jacobina, onde cresceu a partir dos mesmos preceitos religiosos em que se fundamentou

sua família. Parecendo ter se espelhado na trajetória educacional de sua mãe dentro da

instituição educacional para seguir com a sua, pode-se dizer que Mariettinha, a discreta

editora do Traço de União, atuou nos bastidores do Jacobina e de seu periódico.

Francisca Jacobina Lacombe, que era carinhosamente conhecida como tia

Chiquita, nasceu oito anos após Isabel Jacobina Lacombe, a Dona Belinha, sua irmã

mais velha. Talvez sua característica mais marcante tenha sido a rigidez em relação à

disciplina, pois suas ex-alunas unanimemente a descreviam deste modo:

D. Chiquita sempre me pareceu uma professora de vocação perfeita. Desde que a conheci, admirei seu modo de dirigir as alunas. Irradiava atitude e mal as alunas pressentiam sua aproximação, aprumavam-se nas carteiras, sentando-se de modo correto (...) Dicção clara e entonação adequada eram condições imprescindíveis à apresentação de qualquer leitura, informação ou simples recado.208

As recordações de D. Chiquita estão unidas à minha infância como as de minha mãe, sempre atenta, pronta a ralhar, corrigir, orientar e premiar. (...) Daquelas meninas do primário entregues á sua orientação, tudo sabia, nada lhe escapava. Como nos eram familiares as suas ordens: - “Maria, tesinha, ombros para trás! – Teresa, arruma a gaveta de sapateiro! – Vamos! Meninas, chega de patuscada. – Faça o exame e vamos, você estudos sabe. Assim ia levando as suas meninas um pouco suas filhas. Como sabia animar as tímidas e reprimir as vivas!”(...) Foi edificante o seu fim aqui na terra. Pediu a Extrema Unção respondendo ás orações e oferecendo as mãos para receber os Santos Óleos (...).209

Chiquita casou-se em 1912 com o professor Henrique Lacombe, irmão do

marido de Isabel, que a deixou viúva logo em 1923, com dois filhos pequenos, sendo

208 Zumira de Queiroz Breiner. ‘Recordação’. Traço deUnião, 1953, n.2, p. 3. 209 Diva Sampaio Sant’Anna. D. Chiquinha. Traço deUnião, 1953, n.2, p. 3.

Page 171: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

um deles Mariettinha. Assim como Isabel, cursou o Colégio Progresso, lugar que a

preparou para auxiliar nos trabalhos do ainda Curso Jacobina, sendo, conforme

mencionado por Laura Jacobina Lacombe (1962), o braço direito da instituição que se

iniciava. Em um único e pequeno discurso que proferiu em ocasião do 33º aniversário

do Colégio Jacobina, é possível ver se expressar, pela primeira vez no Traço de União:

Desde menina habituei-me a considerar minha irmã Belinha como exemplo e modelo de família, é portanto muito natural que aos 33 anos em que juntas trabalhamos, eu continue a apreciar-lhe a calma, a diplomacia e o bom senso, na nossa vida trabalhosa. Conservando-me sempre calada em todas as ocasiões solenes fazia minhas as suas palavras. Hoje, porém, sinto necessidade de romper esta norma e dar extensão ao meu sentimento. É que, se os anos passam e as rugas surgem, meu coração continúa a sentir a mesma veemência que vocês conheceram e conhecem. Veemência na zanga, veemência no afecto, veemência no sentir.(...) 210

Além da disciplina, a ela ficou incumbida a responsabilidade financeira e

administrativa quando essa começou a existir no colégio. Foi professora de botânica,

caligrafia e recitação da instituição. Nos primeiros anos do curso, chegou a organizar

um jardim de infância, tendo seguido para São Paulo com a finalidade de se preparar

para essa responsabilidade. Foi nos primeiros anos do século XX que foi a esse Estado

para realizar entrevista com Oscar Thompson, educador renomado que por muitos anos

foi diretor da Escola Normal da Capital de São Paulo e Diretor Geral da Educação

Pública, que a partir de métodos inovadores contribuiu significativamente para a

educação pública paulistana. Francisca, orientada pelo educador, conduziu o Jardim de

Infância do Jacobina, assim que voltou para o Rio de Janeiro. Ao se casar, ainda se

propôs a ajudar com os trabalhos do Jacobina como havia prometido inicialmente, no

entanto, sua trajetória profissional não foi estimulada, pois viagens significariam,

naquele período, abandono do lar.

Apesar de não ter viajado constantemente em busca de novos métodos

pedagógicos, em 1926, dirigiu um pequeno internato que o Jacobina tentou implantar,

mas esse teve, assim como o Jardim de Infância, vida curta e terminou quando o colégio

se mudou para a Rua Machado de Assis. Sua participação apesar de ter se dado sob o

comando de Isabel, não pode, dessa forma, ser desconsiderada ao se estudar a história

210 Francisa Jacobina Lacombe. ‘Ecos de 1935’. Traço de União, 1936, n.1, p.2.

Page 172: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

do Jacobina, uma vez que levou a essa instituição de ensino, contribuições pedagógicas,

disciplinares e religiosas.

Enquanto mulher devotada aos preceitos católicos, Chiquita seguiu os passos da

irmã a quem acompanhou na instituição até a década de 20. Já nos tempos em que o

colégio era percebido por seu crescimento e desenvolvimento – tendo um quadro

numérico de alunas e professoras que ia muito além do imaginado – ela resolveu deixar

suas atividades profissionais. No entanto, pelos relatos encontrados, pode-se constatar

que, de fato, ela nunca abandonou totalmente o Jacobina: sempre aparecia em

comemorações e eventos religiosos.

Marietta Luiza Lacombe, por sua vez, ficou responsável, igualmente a sua mãe,

pela parte administrativa, ocupando o cargo de Secretária Geral do Colégio Jacobina.

Em 1951, aceitou a responsabilidade de assumir o Traço de União. Contudo, percebe-se

que, assim como sua mãe deixou sua orientação profissional nas mãos de Isabel,

também Mariettinha o fez, só que entregando-a nas mãos de Laura.

Pode-se dizer, assim, que o seu trabalho foi silencioso e se caracterizou por

buscar dar seqüência ao de Laura, principalmente até meados da década de 50, quando

os ideais católicos associados a representações de mulher e de educadora, que foram

difundidos desde o início do século, ainda encontravam um campo fértil no Traço de

União.

Assim como sua mãe, a responsável pelo Traço de União em suas últimas fases

era discreta e pouco gostava de se sobressair nos eventos promovidos pelo colégio.

Deixava essa parte para Laura dando sempre ênfase, por meio das edições, aos seus

feitos. Assim, seu nome, a não ser pelo expediente do periódico, quase nunca apareceu

publicado no Traço de União. Não discursava nas formaturas e seu nome só pôde ser

notado uma vez no impresso, quando algumas alunas da 4º série a entrevistaram em

decorrência do aniversário de cinqüenta anos de publicação do periódico. Perguntas

como de quem foi a idéia de fundar o Traço de União apareciam em forma de

curiosidade por parte dessa geração de 1973, que mostrava desconhecer a história da

revista. Mariettinha, sem muitos detalhes diz: da própria Laura. Outra aluna seguiu:

Quem escolheu o nome Traço de União? Mariettinha responde: Foi também D. Laura,

aproveitando o nome de dois jornaizinhos manuscritos nos quais ela colaborava em

menina.

No entanto, quando perguntada sobre a periodização, a parte gráfica e os

trabalhos publicados da revista, a educadora se deteve mais nas respostas. Argumentou,

Page 173: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

por exemplo, que as edições só conseguiam sair duas vezes ao ano, porque tanto a

elaboração dos trabalhos quanto a confecção do periódico eram demoradas. Em relação

à parte gráfica, disse Mariettinha que a impressão colorida era muito cara e, por isso,

nem sempre era possível publicar capas coloridas. Sobre a redação das alunas, a

entrevistadora Maria perguntou: A senhora sente muita diferença entre os trabalhos de

agora e os das alunas de muitos anos atrás? Mariettinha reconheceu que os trabalhos

são muito diferentes, justamente porque as alunas mudaram, até mesmo o modo de

escrever mudou, como também mudaram os estilos de desenhos e outros trabalhos. 211

Contudo, pelo que se pode dizer, Mariettinha teve sensibilidade e competência

para lidar com as mudanças que apareceram ao longo de sua atuação na revista. A

responsabilidade do Traço de União lhe foi dada em um período bastante conturbado no

colégio, pois a década de 50 foi marcada, entre outras coisas, pela participação feminina

no mercado de trabalho. Segundo Bassanezi (2003), novas oportunidades de emprego

despontavam nesse momento, especialmente no setor de serviços de consumo coletivo,

em serviços públicos, escritório e comércio. Uma nova qualificação foi exigida da

mulher, o que exigiu também maior escolaridade provocando, de acordo com a mesma

autora, uma mudança no papel social da mulher.

Como fase de transição, essa se deu de modo muito complexo para a mulher

que, sendo ainda vista, prioritariamente, na ocupação de esposa, mãe e dona de casa,

enfrentou preconceitos sociais referentes ao trabalho em outros campos de atuação que

não estivessem relacionados à maternidade como no caso da educação.

Dentro do Colégio Jacobina, isso não foi diferente. As alunas, que se destacavam

entre a maioria das mulheres no Rio de Janeiro pela instrução que receberam no

colégio, viam nesse cenário traçado em meado do século XX, uma possibilidade mais

efetiva de cursar o ensino superior seguindo carreiras distintas do magistério. Laura, por

sua vez, inicialmente foi contra justamente por achar que essa nova opção de vida

acarretaria um abandono do que deveria ser a principal preocupação feminina: a família,

o lar e a educação que possibilitaria a construção de uma verdadeira nação, onde o bem

prevaleceria.

As alunas jacobinenses, que sempre expressaram seu universo por meio do

Traço de União, começaram a se desinteressar pela publicação no final dessa década,

dando margem aos problemas que verificamos no capítulo anterior. Mariettinha que não

211 Marietta Luiza Lacombe. “Entrevistas”. Traço de União, 1973, n. 1 e 2., p. 8.

Page 174: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

expunha sua versão relativa aos fatos, apenas deixava que Laura continuasse se

expressando, por meio dos discursos publicados nas edições do periódico, diante dessa

conturbada situação.

Na década de 60, é possível ver que a revista mudou seu perfil e se sintonizou

mais com o momento daquelas jovens. Laura já parecia aceitar melhor os fatos e

adaptava seus discursos que, embora ainda tivessem visivelmente um cunho religioso,

não mais condenavam as que decidissem dar continuidade à sua formação por meio de

profissões diferentes do magistério. As colaboradoras da revista foram autorizadas por

Mariettinha, então, a publicar textos mais condizentes com seus novos interesses. Em

uma das edições desse período, uma das páginas está dedicada a fazer o seguinte teste:

Você está preparada para o casamento?

Com a finalidade de verificar se as alunas jacobinenses já estavam prontas para

algo tão sério, várias indagações, então, foram sequëncialmente feitas. A família do

noivo, os trabalhos domésticos, a benevolência e o ciúme na relação, as recordações

passadas do noivo, apareciam entre os condicionantes da felicidade matrimonial. Novas

preocupações das moças da época apontavam para o fato de que a sociedade havia

mudado e o casamento não era mais a única coisa que importava para as meninas que se

dedicavam à instrução. Aliás, dependendo do momento da vida em que as estudantes

estivessem atravessando, o casamento poderia até atrapalhar. Porém, ao mesmo tempo

em que a revista se dedicou a essas questões que surgiam no horizonte feminino, não

deixou de publicar textos relativos à religião como “Maria Madalena” e “Salmos”, que

constavam das matérias dessa mesma edição e colocavam em dúvida a procedência de

um bom casamento.

Não deve ter sido fácil conduzir as questões que nortearam, assim, esse período.

Selecionar e editar textos certamente foi um trabalho árduo. Mas Mariettinha parece tê-

lo feito com muita propriedade. Mesmo em meio ao desinteresse das alunas, trabalhou

para que a revista ficasse mais volumosa, bonita e interessante, embora as próprias

capas tivessem perdido um pouco da identidade feminina de outros tempos. Não

conseguiu, no entanto, colocar freios no processo que deu fim ao Traço de União. Isso

parecia estar além do seu esforço. Apesar de não assinar com seu nome, é possível que

tenha chegado a fazer inúmeros apelos para que as alunas enviassem suas colaborações:

Minhas meninas, Foi preciso que um semestre se passasse para que pudéssemos estar novamente juntos.

Page 175: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Infelizmente este nosso encontro de agora, que deveria ser motivo de alegria e prazer para ambas as partes, representa tristeza para mim, pois pude verificar que vocês me esqueceram, não me fazendo interessante e repleto de artigos vivos e palpitantes. Quantas pessoas estão esperando por mim com ansiedade, inclusive em lugares distantes como na África, onde moram ex-alunas, e eis que muito acabrunhado lá vou chegar sem grandes novidades, e outros artigos de real interesse. E por quê? Porque vocês nada fizeram por mim. É preciso entender que sou de vocês e para vocês, incluindo o presente e o passado do colégio. 212 Em seu papel de Responsável, que era muito mais próximo de uma editora,

Mariettinha buscou provocar o lado emocional das escritoras para que contribuíssem

com o periódico, a fim de que este não deixasse de existir. Por outro lado, agradecia as

poucas que se interessavam pelas edições, com o intuito de que não abandonassem a

produção: Não posso alegrar-me com algumas que me escreveram, e a elas agradeço

de coração, se é que revista tem coração. Chegou a deixar claro que estava aberta a

novas idéias que provocassem mudanças no periódico. Queria chamar a atenção das

alunas a todo preço: mas o segundo número vem aí, e conto com vocês para

revolucionar-me. E olhem que vontade de sair diferente e espetacular não me falta, mas

como eu não posso me escrever, fico à espera de vocês para isso e tenho certeza de que

não me deixarão decepcionado. Despedindo-se como se fosse a própria revista que

tivesse escrito, o apelo termina com a finalidade ainda de sensibilizar as colaboradoras:

Até a próxima vez!...O amigo esquecido, Traço de União. 213

Em 1958, com o intuito de atrair a colaboração das alunas, Mariettinha

promoveu um concurso de contos infantis dirigidos para o ginásio e para o clássico:

inscrevam-se com Mariettinha (...) Haverá prêmios para os 3 primeiros colocados. Os

cinco primeiros lugares terão seus contos publicados no ‘Traço de União’, em lugar de

honra. 214 Estratégias, apelos, mudanças editoriais caracterizaram o período de

permanência de Mariettinha que, em 1962, chegou a implorar por contribuição

recorrendo à consciência das alunas, já que o trabalho no Traço não era obrigatório

dentro do colégio, a fim de que elas se oferecessem livremente para que a publicação

conseguisse sair:

aparece um novo Traço. Você sabia que ele pertence às alunas do Colégio Jacobina e por elas deveria ser feito? No entanto é preciso implorar contribuição, senão ele não sai.

212 Traço de União, 1968, n. 1, p. 1. 213 Id. 214 S/n. “Sensacional concursos de contos infantis”. Traço de União. 1958, n.1, contracapa.

Page 176: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Onde está a colaboração de que tanto necessitamos? Isto é, espontânea. Não é dever de casa. Muito menos de aula. Daqui a seis meses teremos um outro. Estamos esperando. 215

Se Laura cuidava da política editorial, coube a Mariettinha imprimir algumas

mudanças significativas do ponto de vista gráfico da Revista. Os pedidos de

contribuições de escrita nas últimas fases do Traço de União, que embora não tivessem

muitas vezes assinatura, eram, provavelmente, de Mariettinha que, vendo-se em meio às

transições temporais, teve de aprender a mediar as publicações entre os ideais de Laura

e o das alunas. A revista começou a enfocar os artigos a partir das novas temáticas

modernas que chamavam a atenção do universo feminino do período. O Traço de União

mudou nas décadas de 60 e 70, já não podia mais ser fundamentalmente norteado pelos

mesmos preceitos de antes.

Ressalta-se, contudo, que jamais o periódico chegou a perder definitivamente

seus referenciais tradicionais que o fundaram no início do século. Adaptou sim, seu

conteúdo e sua forma aos ideais que ainda permaneciam os mesmos. A referência

educacional pela escrita das alunas, ainda nessa fase de Mariettinha, continuou sendo

Laura, até o fim dos tempos de publicação. Assuntos variados eram tratados nas fases

finais da revista. Havia matéria para todos os gostos, mas dentro de certos limites. Para

expressar o lado religioso associado ao pedagógico no periódico, no entanto, espaços

mais restritos passaram a ser utilizados, como a seção reservada às alunas do Curso de

Educadoras da Infância, por exemplo, que era claramente o reflexo dos ideais

defendidos por Laura que, ainda naquele momento, acreditava na força da educação

feminina para construção, reconstrução e transformação da nação brasileira.

215 S/n. Traço de União, 1962, n. 1, p. 1.

Page 177: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

CAPÍTULO 3

Discursos publicados sobre a missão da mulher na sociedade

Page 178: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

As trajetórias de vida das principais educadoras do Colégio Jacobina refletiram

diretamente nas imagens construídas e veiculadas pelo Traço de União. As escolhas

feitas ao longo de seus percursos orientaram as edições produzidas nesse periódico, no

que um dos propósitos da escrita era tornar pública, por meio dos diferentes sujeitos

escolares, a opinião daquele grupo. Impulsionando e dando propósito a seus ideais,

Isabel e Laura Jacobina Lacombe, apesar de terem assinado poucos textos, fizeram-se

presentes na legitimação da escrita do periódico que se alicerçou nos preceitos católicos

e renovadores para se estabelecer e criar tradição. Valendo-se de estratégias

diversificadas, as educadoras assumiram a responsabilidade do impresso escolar

impondo certas restrições aos colaboradores, fazendo com que a opinião do grupo fosse

veiculada de modo homogêneo.

O papel das responsáveis pelo periódico, assim, merece atenção, pois elas

tiveram o poder das edições em suas mãos e por isso não só difundiram idéias, mas

também definiram o que podia e deveria ser lido. Elas sabiam, como nos salienta Dutra

(2004) em relação ao papel de um editor, provocar diferentes sensações no contato com

a escrita, escolher os suportes materiais de leitura e induzir, assim, determinados efeitos

dessa mesma leitura no pensamento e nas sensibilidades do público alvo. Dentro dessa

perspectiva, pode-se constatar que as educadoras do Jacobina tiveram a intenção de

controlar, a seu modo, a recepção do que era transmitido no Traço de União.

Desse modo, o periódico foi um meio privilegiado de influência dos seus

escritores e sobre seus leitores, e ao longo dos anos legitimou imagens da mulher

formada por sua instituição de ensino a partir de ideários católicos, renovadores e

nacionalistas que deveriam ser seguidos por professores, alunas e familiares.

Vários foram os colaboradores que de forma direta e/ou indireta contribuíram

para dar sentido a essas imagens veiculadas nas publicações. Os colaboradores diretos

assinavam textos e escreviam com a intenção de tornar públicas suas idéias. Eram

autores, geralmente alunas de todas as séries, ex-alunas formadas pelo colégio em

turmas de vários períodos do século XX e alguns raros pais. Ao longo dos tempos, esse

grupo foi reforçado pelos professores e pela direção, que ao menos uma vez ao ano,

discursavam pela seção “Ecos” logo nas primeiras páginas, como veremos mais adiante.

Ao longo das edições, também é possível ver cargos específicos de desenhistas,

fotógrafas, editoras, redatoras, chefe de propagandas, secretárias, entre outros, sendo

distribuídos prioritariamente entre as alunas, que eram designadas a ocupar funções

Page 179: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

específicas de acordo com suas aptidões, como acontecia com aquelas que se revelavam

nas ilustrações das capas. As escolhas eram resultado de uma seleção feita por Laura

Jacobina Lacombe que decidiu, em 1928, que antes dos textos chegarem a suas mãos,

deveriam passar pelo crivo das próprias alunas envolvidas no processo editorial. 216

Em relação aos colaboradores indiretos, levanta-se a hipótese de que os mais

importantes foram a própria direção, que somente após muito tempo passou a ser

identificada com o título de Responsável no expediente do periódico situado em sua

primeira página, e também os professores, que muitas vezes cobravam que seus alunos

escrevessem sobre determinado tema e selecionavam os melhores textos para

publicação. Homenagem à Nossa Senhora, o Natal, o retiro espiritual, o primeiro dia de

aula, por exemplo, foram motivos de inspiração de redações impressas nas páginas do

periódico.

Em alguns períodos, temas em evidência, consolidaram nas edições a opinião

daquele grupo. Como parecia existir uma concordância de opiniões nos diferentes

textos que abordavam os mesmos temas, entende-se que os professores selecionavam

somente os trabalhos que, além de melhor escritos, também representassem mais

especificamente os ideais daquele grupo social. Na edição número 1 de 1945, por

exemplo, pela capa já é possível saber que as páginas do Traço de União estavam

prontas para dar sua versão e opinião sobre o fim da II Guerra Mundial. “Pátria”, “Paz”,

“O fim da Guerra”, “Homenagem a um aviador da F.A.B. que morreu na guerra” e,

entre outros, “A mulher no mundo no após guerra”, discutiam o acontecimento a partir

do depoimento daquelas mulheres que eram instruídas para levar a paz ao coração dos

homens. Em um dos textos a autora diz que o caos reinará na Europa: pessoas famintas,

lares e famílias destruídos e falta de remédio. No entanto, segundo a mesma, aí entraria

o papel da mulher, que deveria auxiliar espiritualmente e materialmente os

necessitados: Mulheres, trabalhai para reconstrução de um mundo diferente, em que se

pense em paz, trabalho e progresso (...) Mulheres, rogai à Deus por um mundo

melhor...E quando chegar a hora de formar alguma consciência, ó mães, ó professoras,

ó esposas, pregai a paz. Determinando e limitando as funções que deveriam caber às

mulheres para atuarem nesse difícil cenário, o discurso segue com as últimas instruções

216 Ver Marilia Lustosa. ‘Noticiário’. Traço de União, n. 2, 1928, p. 7-8.

Page 180: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

para pregação dessa paz que estaria nas mãos femininas: Mas... uma paz que repouse

sobre consciências bem formadas, por um modelo perfeito de Cristo. 217

É interessante observar como as mulheres do Colégio Jacobina percebiam-se

claramente como um grupo reduzido de instrução privilegiada que deveria, por isso,

irradiar o bem na humanidade. Enquanto elite econômica e intelectual, elas

incorporaram aos seus discursos o potencial e a obrigação que, supostamente, deveriam

ser característicos de todas as mulheres católicas frente aos problemas da sociedade,

pois uma mulher que pense e aja bem tem imensa influência sobre os homens que a

cercam, como esposa, e sobretudo como mãe. 218

Entende-se que cada época e cada grupo apresentam discursos que refletem e

expressam o cotidiano das relações sociais que acontecem a partir de um determinado

espaço. Pertencente a um grupo social inscrito na instituição Colégio Jacobina, a escrita

do Traço de União é carregada de valores e concepções intrínsecas a imagens que se

propagam e firmam dentro de um campo de possibilidades institucionais. Pode-se dizer,

assim, que o mundo que chega até os leitores, que esses conhecem e a partir do qual

refletem, de acordo com Baccega (1994), é um mundo que já chega editado, sendo ele

redesenhado num trajeto que passa por inúmeros filtros. Segundo a mesma autora, tais

filtros, que são representados por instituições e pessoas, selecionam o que vai ser lido e

visto, montando, assim, o mundo que aquele grupo conhece.

Ao examinar o Traço de União, consegue-se perceber as tramas sociais que

envolvem desde a sua criação ao modo como alguns leitores interpretam os assuntos. Os

textos e imagens que chegavam às mãos das responsáveis pelo periódico, então, já

vinham filtrados por professores e alunas, quando, certamente, passavam pela última

clivagem: Isabel, principalmente nos primeiros anos de publicação, e Laura, até o

momento que permaneceu na direção do colégio. Muitos temas que apareciam

impressos nas edições já eram abordados na própria sala de aula sob uma ótica muito

própria das dirigentes do colégio. Professores e alunas reproduziam ideais que eram

resultado da educação que acreditava-se ser própria para mulheres católicas que

freqüentavam aquela instituição.

Assim, por vezes como colaboradores diretos e em outros momentos como

indiretos, os diferentes sujeitos escolares ajudaram a escrever essa história que,

217 Anna M. de Souza Leão Braga. 1º ano científico. “A mulher no mundo após guerra”. Traço de União, 1945, n. 1, p. 6. 218 Ibid.

Page 181: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

fundamentada nas representações acerca da idéia de mulher como construtora da nação,

utilizou a imprensa para disseminar discursos sobre educação feminina católica; mulher

e trabalho; militância feminina; e escola e família; pautando-se, para isso, em uma visão

própria das dirigentes jacobinenses. Em que se focavam os discursos dos diferentes

colaboradores? Qual a imagem de mulher que eles constroem? Como elementos e ideais

católicos e/ou renovadores, pilares da instituição de ensino em questão, manifestavam-

se nessas imagens construídas? Quais são seus objetivos de veiculação? São algumas

das questões que buscarão ser respondidas a partir da análise dos espaços reservados às

ex-alunas, à seção “Ecos” e ao Curso de Educadoras da Infância que, além de

contemplarem os principais colaboradores da revista, também, por serem fixos e

específicos de determinado grupo, mostram-se mais expressivos no entendimento das

questões postas.

3.1. Divulgando o Jacobina: lar das antigas, recanto das mães de família, berço das militantes católicas

Quem foi que disse que o educador semeia para que outros, mais tarde lhe venham colher os frutos? Puro engano! Se alguma semente caiu em terreno sáfaro, será excepção que virá confirmar a regra. As minhas antigas nunca se desligaram do novo lar que encontraram no Curso Jacobina. Trabalham umas nesta seara amiga, outras nos entregam as filhinhas, netinhas queridas do Curso, algumas se reúnem no Colégio para a costura dos pobres e muitas voltam para fazer parte da nossa Pia União. Haverá maior ventura para uma alma de educadora? 219

O discurso de Isabel Jacobina Lacombe representa o vínculo que a educadora,

desde as primeiras décadas do século XX, dando sentido maternal a sua profissão,

buscou manter com as ex-alunas. É fato que, assim como as dirigentes do colégio, cada

colaborador, independente do espaço que recebeu nas páginas do periódico, partiu das

representações sociais acerca do papel que deveria ser desempenhado pela mulher na

sociedade para dar sentido aos seus discursos publicados. No caso das ex-alunas do

ensino regular, vários foram os espaços a elas reservados, ao longo dos anos, onde elas

se representavam como mães zelosas, mulheres inteligentes, modernas, caridosas e

219 Lacombe, 1962, p.123-124.

Page 182: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

devotadas que se reuniam em seu segundo lar, o Colégio Jacobina, com a finalidade

principal de erradicar o mal da sociedade, construindo uma nação melhor.

A participação das ex-alunas buscou confirmar um elo eterno com a instituição,

apontando para o fato de que a escola seria uma grande família, recanto das formadas,

que se reuniam para cultivar valores e preceitos católicos e defender os interesses da

Igreja nas propostas estabelecidas pela Renovação Católica. E, nesse sentido, os

discursos, principalmente sobre militância feminina e escola e família emergiram, como

forma de estímulo à prática militante cristã entre as leitoras.

Desse modo, a fim de compreender os discursos que derivaram dessas

representações de mulheres e suas construções ao longo das fases do Traço de União,

recorre-se aos estudos de Chartier (2002). Para o autor:

Trabalhando sobre as lutas de representações, cujo objetivo é a ordenação da própria estrutura social, a história cultural afasta-se sem dúvida de uma dependência demasiado estrita em relação a uma história social fadada apenas ao estudo das lutas econômicas, mas também faz retorno útil sobre o social, já que dedica atenção às estratégias simbólicas que determinam posições e relações e que constroem, para cada classe, grupo ou meio, um ‘ser percebido’ constitutivo de sua identidade. 220

Levando-se em consideração as práticas e as representações significadas e

construídas nas divisões do mundo social, Chartier (op. cit.) diz que não se pode pensar

a realidade como uma referência objetiva, externa ao discurso. Exemplificando com a

questão histórica do papel social da mulher, o autor afirma que a diferença entre sexos,

inscrita nas práticas e nos fatos, é sempre construída pelos discursos que a legitimam e a

fundam, e estes mesmos discursos se enraízam em posições e interesses sociais que, no

caso, devem garantir o assujeitamento de umas e a dominação de outros. 221

Também contribuindo para o entendimento das representações no universo

feminino, Cunha (2002) trabalha com esse conceito a partir dos estudos sobre imprensa

educacional e formação de professores. Segundo a autora o que se escreve, diz, produz e

constrói é manifestação da ação humana; representações da realidade e não a realidade

em si. Como essa realidade não é dada, cabe ao pesquisador relacionar-se com as

representações produzidas dessa realidade, para que essas sejam trabalhadas e

220Chartier, 2002, p. 73. 221 Ibid., p. 97.

Page 183: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

entendidas como uma forma de construção social da realidade cuja mediação atravessa

e constitui as práticas através das quais se expressam. 222

É entendendo a história feminina no país que se compreendem as configurações

da representações acerca da idéia de mulher como construtora, reconstrutora e

transformadora da nação. Rompendo barreiras, permeando as brechas sociais e

desafiando a estrutura vigente, as mulheres de classes sociais privilegiadas foram

encontrando, no final do século XIX e início do XX, terrenos fecundos para irem aos

poucos ocupando os espaços públicos, redesenhando, assim, novas formas de

sociabilidades e direitos. Cenário de mudanças profundas no país que ocorreram devido

à implantação do regime republicano, à crescente urbanização, às guerras, ao processo

de industrialização e aos novos meios de comunicação, esse período, segundo Almeida

(1998), assistiu, simultaneamente a esses acontecimentos, ao desenvolvimento das

primeiras reivindicações do feminismo que chamavam a atenção para a questão da

opressão e da desigualdade social a que as mulheres se submeteram até aquele

momento.

A educação da mulher, que fora negada sob o preceito de que conhecimento e

saber eram desnecessários e prejudiciais à delicada constituição física e intelectual do

gênero, passa a ser de suma importância a partir do momento em que, dentro do quadro

sócio-econômico, a figura feminina é convocada a assumir um papel fundamental a

partir dos novos paradigmas sociais vigentes:

(...) mantenedora da família e da pátria (...) Do princípio até a metade do século, a vida social, as expectativas sobre a conduta feminina, as doutrinações religiosas da Igreja Católica, as implicações na sexualidade, o controle da feminilidade e as normatizações sociais, aliadas às exigências de casamento religioso, batismo dos filhos e a confissão dos pecados, significavam uma exarcebada vigilância do corpo e da alma das mulheres. A necessidade de instruir-se e educar-se constituía um dos principais anseios para sua libertação e uma forma de alterar um destino imposto pela sociedade moralizadora que se erigia nos padrões de uma época resultante de um acelerado processo de urbanização. 223

As mulheres dos grupos privilegiados da sociedade nesse período, segundo os

estudos de Pinsky e Pedro (2003), conquistaram poderes relacionados ao papel de mãe

que, acrescido da nova função de formar homens, seriam utilizados como justificativa

222 Cunha, 2002, 223 Almeida, 1998, p. 33, p. 78.

Page 184: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

para lutas por direitos e por novas inserções e atuações sociais. Assim, a partir da

valorização de virtudes e papéis tidos como femininos (abnegação, afetividade,

docilidade, responsabilidade de zelar pela moral, paciência, entre outros), as mulheres

ampliaram seus espaços de atuação, sob a égide de que deveriam tomar conta da

sociedade, assim como faziam com seus lares. 224

Esse quadro de ocupação da esfera pública foi ganhando espaço na imprensa educacional e feminina desenvolvida em fins do século XIX e ao longo das primeiras décadas do século XX no Brasil, representando, segundo Almeida (op. cit.), um modo de veicular idéias e costumes no país. Servindo para possibilitar expandir os sentimentos femininos sufocados, a imprensa aparece como uma oportunidade de decifrar o cotidiano das mulheres e divulgar as novas formas de sociabilidade das mesmas.

Entende-se, contudo, que os discursos analisados na imprensa educacional, vistos como práticas, configuram-se em construções de determinados grupos sociais atendendo, de acordo com Cunha (op. cit.), a interesses igualmente determinados e, por isso, não podem ser entendidos como neutros ou universais. Dado às limitações, é nesse sentido que o Traço de União, assim como outros impressos, mostra-se relevante para o tipo de pesquisa aqui proposta, uma vez que é suporte de uma escrita que delineia e enfatiza, a partir de um enfoque local, a mulher representada pelo mundo do qual fez parte, contribuindo, dessa maneira, para o enriquecimento dos estudos de gênero e de História da Educação na medida em que fornece, em especial, mais uma versão da cultura escolar, numa instituição feminina.

Atrelando o conhecimento feminino à administração da casa e à criação dos

filhos, as mulheres do fim do século XIX e início do XX, tiveram ingresso no mundo

público, de acordo com Müller (1998), devido à sua suposta competência doméstica.

Segundo positivistas e higienistas, ao educá-las, elas poderiam influenciar

positivamente, no seio da família os destinos da sociedade. Tratava-se de um projeto

civilizatório das família da elite, no qual a mulher teria importante papel na sociedade.

A idéia que emerge com a Proclamação da República é de que não existia um povo,

precisava-se, assim, formá-lo. A escola, então, acabou sendo o espaço público

privilegiado para a construção de uma identidade nacional e também para conformação

da mentalidade popular, sendo a mulher designada a dar vida a todos esses processos:

posta no papel de protagonista dessa epopéia, verdadeira construtora da civilização

brasileira, a professora primária submeteu-se aos processos disciplinadores, adequou-

se ao modelo, transvestiu-se de vestal da pátria. Simbolizou e deu sentido à idéia de

pátria. 225

Apesar de a autora direcionar essa idéia de que a mulher deveria ser responsável

pela construção da nação226 àquelas que atuaram como professoras primárias, no estudo

aqui desenvolvido, parte-se do princípio de que as construtoras da nação eram formadas

pelo Colégio Jacobina não somente para atuarem nos espaços escolares, mas também

nos lares e na benemerência, com a finalidade de formar a consciência dos futuros

cidadãos. E foi nisso que se fundamentou a instrução feminina dada pela instituição,

224 Pinsky e Pedro, 2003, p. 274. 225 Müller, 1998, p. 172. 226 Essa idéia é baseada na tese de doutorado As construtoras da nação de Maria Lúcia Rodrigues Müller, 1998.

Page 185: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

inicialmente pelas mãos de Isabel Jacobina Lacombe e, posteriormente pelas de Laura

Jacobina Lacombe que, ainda na década de 50, defendia essa questão com a mesma

convicção de sua mãe na década de 20 e 30. Entre os projetos de disseminação desse

ideário, estavam os espaços destinados às ex-alunas nas publicações do Traço de União,

que procuravam definir através dos discursos a imagem de mulher que deveria não só

construir, mas, com o passar das décadas, transformar e reconstruir a nação brasileira.

Ao longo dos anos, diversas formas de participação efetiva das ex-alunas no

periódico foram incentivadas pelas dirigentes. Inicialmente, e mais precisamente nos

primeiros jornais da segunda fase, essa tentativa de elo pareceu se dar por objetivos

despretensiosos. Práticas de relatos das viagens e envio de notícias entre as ex-alunas

que saíam do Rio de Janeiro, fosse para passar férias ou morar, passaram a ser

estimuladas, aparentemente, sem nenhuma intenção política. Muitos textos e cartas são

produzidos e enviados para publicação, descrevendo os lugares por todo o Brasil e pelo

exterior, comentando sobre hábitos de seus povos e o dia-a-dia das viajantes. Em um

dos periódicos, inclusive, foi possível ver que em um cantinho pequeno do Traço de

União havia um desses pedidos direcionados a ex-alunas que se encontravam fora do

país: Pedimos às ex-alunas do curso, que acham no extrangeiro, que nos mandem

notícias acerca dos paízes que estão viajando. Como será interessante sabermos sobre

as impressões das collegas e costumes dos paízes extrangeiros. O Traço de União tem

leitoras na Hollanda, Itália, na Suissa e no Uruguay. 227

É comum, principalmente nos primeiros números impressos, encontrarmos,

diversas formas de perpetuação do elo de ex-alunas com a instituição nesse sentido.

Seções como “Reminiscências”, nas quais as ex-alunas escrevem textos saudosistas e

descritivos da sua época de colégio, e “Correspondência” e “Cartas”, em que tanto

alunas bem mais antigas quanto as que estão afastadas do curso temporariamente, por

motivos de viagens ou doença, correspondem-se com as colegas, professores e direção,

publicamente, são constantes nas edições da segunda fase.

Além disso, também são encontradas publicações de fotos dos chamados “Os

netinhos do curso” que incentivavam as antigas alunas, que já eram mães, a enviarem

retratos de seus filhos a fim de que a grande família do Curso continue sempre unida.228

Essa seção, que era composta geralmente por imagens que vinham com legendas

explicitando o nome dos pais das crianças que eram ligados ao colégio, representavam

227 S/n. ‘Um apello’. Traço de União, 1925, nº 3, p. 6. 228 S/n. ‘Netinhos do curso’. Traço de União, 1926, nº1, p. 3.

Page 186: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

os laços de parentesco que a instituição insistiu em reforçar ao longo das fases da

publicação.

Nesse primeiro momento do impresso, já se nota que variadas fotos são enviadas

para publicação. As leitoras e colaboradoras do periódico institucional mostram-se, a

partir dessa seção, cada vez mais numerosas com o passar dos anos. Ao longo das fases,

essa prática se perpetua e vai criando novos espaços, formas e títulos na diagramação da

revista. Surgem, assim, principalmente a partir da 3º fase do periódico, espaços para a

publicação de fotos de “Os Netinhos Gêmeos do Colégio Jacobina”.

No entanto, toda essa preocupação em retratar o colégio como uma grande

família que nunca se esquecia ou rompia com os antigos laços, na verdade, era uma

forma de promover e fazer perpetuar pelos discursos publicados um modelo de

instituição que educava mulheres para um compromisso social a partir do casamento e

da maternidade, de acordo com o modelo francês católico, no qual o Jacobina pretendeu

se inspirar até o fim da direção de Laura Jacobina Lacombe. Responsabilizada pela

educação de várias gerações de uma mesma família, a instituição fundada por Isabel e

Francisca mostrou-se, assim, comprometida com os valores católicos fundamentados na

Fotos dos filhos das ex-alunas enviadas para edição da revista. Traço de União, 1943, n. 1, p Arquivo da CELPI.

Page 187: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

mãe de família bem educada que fora instruída para contribuir para uma sociedade

melhor.

No período em que teve início o Traço de União como impresso, na década de

20, a preservação e a expansão do catolicismo passava necessariamente pela retomada

de sua posição como guia oficial da espiritualidade das elites e do povo. Dessa forma,

com o objetivo de tornar legitíma sua posição, a Igreja, por intermédio dos intelectuais

católicos, apropriou-se dos diferentes mecanismos para difundir sua concepção cristã

nos meios educacionais. Isabel e Laura Jacobina Lacombe, que já se envolviam na

década de 20 com essas questões e defendiam a educação católica na formação

feminina, começaram a pensar em formas efetivas para atender aos pedidos de difusão

dos ideais da Igreja.

Para tanto, precisariam de novos voluntários para seguir na grande cruzada

religiosa contra os males sociais. Por isso, entende-se que o Colégio Jacobina não se

dava por satisfeito em manter o contato com as ex-alunas indiretamente, como acontecia

por meio do envio e da publicação de cartas, fotos ou textos saudosistas vistos nas

primeiras edições. A instituição, representada aqui por sua direção, na verdade, não

somente desejava como também precisava divulgar pelos espaços da publicação o

contato direto com as que já haviam se formado, principalmente na década de 30.

Assim, se logo nos primeiros números do periódico, as ex-alunas colaboravam

prioritariamente com uma escrita literária, saudosista ou narrativa, pode-se dizer que em

fins da década de 20, esse quadro se inverteu e a suposta participação despretensiosa

dessas nas publicações passou a ser demandada por objetivos mais precisos. Três

propostas emergiram nesse momento diluídas nas páginas das edições do Traço de

União com a finalidade de disseminar, entre os leitores, discursos pautados nas

representações acerca das ex-alunas que, de acordo com seus compromissos e sua

missão na sociedade, sentiam-se motivadas a retornar à sua segunda casa, mantendo a

família do colégio sempre unida. São elas: reuniões e retiros para antigas alunas, curso

de aperfeiçoamento e trabalhos filantrópicos.

Dentro desse contexto, além de mães zelosas, as ex-alunas começaram a ser

representadas, a partir das edições da revista, por outra imagem associada também ao

catolicismo: a da militante católica.

Foi partindo do contexto de retomada do poder católico que o Colégio Jacobina

convocou as ex-alunas e demais membros da família jacobinense para participarem

dessa ação que visava a recatolizar e conduzir o povo conscientizando-o dos ideais a

Page 188: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

serem veiculados a partir dos novos objetivos da Igreja. Se no início isso não foi a

prioridade, logo foi possível ver muitas citações no Traço de União sobre grupos como,

por exemplo, as jecistas e as missionárias da Ação Católica229, que segundo Alves

(1997), seriam uma espécie de soldados de Cristo, que buscavam erradicar o mal a

partir do discurso católico difundido na época.

Em carta publicada, uma ex-aluna dissertou sobre a intervenção da Igreja na

visão social ocorrida em relação à mulher moderna. Segundo a autora, foi o catolicismo

que abriu os horizontes femininos, defendendo que a alma da mulher é igual à do

homem. Para ela, essa nova concepção trazida pelo catolicismo animava as mulheres a

exercerem por meio de suas luzes intelectuais, e também pelo coração, seu papel sobre

os governos, sobre o povo, sobre a vida de família e sobre a vida religiosa. De acordo

com a mesma autora, enquanto os antigos condenavam a mulher à escravidão, os

modernos incutiam-lhe orgulho, e somente o catolicismo lhe confere a justa medida

nesse grande organismo social.230

Decididas, como todas as militantes católicas encorajadas pelo cristianismo que

povoava as mentes femininas intelectuais do país, as ex-alunas do Colégio Jacobina,

comandadas por Isabel e Laura, fizeram-se, por meio do Traço de União, presentes na

difusão desse ideário que fazia uma crítica feroz às acusações racionalistas contra a

Igreja.

Segundo, Giorgio (1991), a Igreja Católica do século XIX escreve-se no

feminino, pois começa a perceber que a prática religiosa das mulheres é mais intensa e

regular que a dos homens. Formalizando, dessa maneira, o papel feminino na sociedade

que vinha decretando falência à sua força, o catolicismo renovou os valores sobre os

quais construiu um novo sentido de identidade das mulheres. Reservadas anteriormente

aos domínios privados, as mulheres começaram a ocupar as esferas públicas para

defender os interesses católicos que, a priori, emergiram na França, tocando,

posteriormente, outros países católicos com tempos e intensidades diferentes.

Essa sensação de emancipação dada pelo catolicismo transformou as mulheres

do Jacobina em militantes católicas que executavam, assim como muitas mulheres de

outras partes do mundo, seus trabalhos idealistas de vários modos. Nesse sentido, as

páginas do Traço de União, apareciam como um excelente meio de divulgação e

construção dessa força feminina que surgiu a partir de propostas feitas por esse colégio

229 Tais grupos trabalhavam ações transformadoras a partir do Novo Testamento. 230 Marilu. ‘Cartas de Letizia’. Traço de União, 1926, nº 3, p.8.

Page 189: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

religioso. Acreditava-se que só essa mulher formada de modo integral – espírito, caráter

e intelecto - poderia ser capaz de tornar os países lugares melhores para se habitar.

Desse modo, uma primeira proposta do periódico para disseminar os discursos

baseados nessa mulher construída pelo imaginário jacobinense, está nas reuniões e

retiros das antigas alunas promovidos pelo colégio, em que são discutidos temas como a

necessidade da educação feminina para a família e o papel da religião nesse contexto e

no âmbito social. Pia União das Filhas de Maria, por exemplo, enquadrou-se nesse tipo

de encontro que foi divulgado e promovido pelo periódico escolar, principalmente nas

suas 2º e 3º fases de publicação. Precedidas de missas, a Pia União das Filhas de Maria

eram reuniões, nas quais as ex-alunas tratavam de assuntos como a Ação Católica que,

segundo Alves (1997), tinha como objetivo, na primeira metade do século, pleitear e

defender uma teologia mantenedora dos alicerces que estruturavam a sociedade a partir

da idéia de pátria, da constituição da família, do respeito às autoridades e aos

antepassados. Em uma passagem do terceiro número de 1933 do Traço de União é

possível entender a significação dessas reuniões para as mulheres do Jacobina: Ser

apostolo, ser sucessor daquelles discípulos de Jesus que viram e viveram com Ele,

continuar, portanto, uma obra de antepassados tão nobres, é a missão de todo aquele

que se inscreve na Ação Católica. (...) é uma ação própria de leigos tendo por fim a

salvação das almas e a propagação do reino de Cristo. 231

Entre os ideais difundidos nesses eventos, que ganhavam sempre uma matéria no

periódico, reforçava-se a idéia de que a mulher formada pelo Jacobina deveria sair da

instituição preparada para conduzir com amor suas próprias famílias, sendo sua

obrigação acompanhar e compreender os maridos formando-lhes os dotes do

coração232. Na palestra que inaugurou as reuniões mensais das antigas alunas em 1925,

a professora Maroquinha Rabello, uma das irmãs de Isabel Jacobina Lacombe, conduziu

o encontro se apropriando de interpretações bíblicas que estipulavam as virtudes que

determinavam quem deveria seguir para o inferno ou para o paraíso. Com esse discurso,

aproveitava-se para fundamentar as representações femininas vigentes e decretar o

papel da mulher na sociedade:

Nós, mulheres que temos pyra no peito a arder ao fogo o amor sujeito, nós que temos alma que suspira,

231 Maria Helena Amoroso Castro. ‘Ação Católica’. Traço de União, 1933, n. 3, p. 11. 232 Isabel Jacobina Lacombe. ‘Echos de 1929’. Traço de União, 1930, nº1, p.2-3.

Page 190: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

e um coração ao sacrifício affeito... Nós, que sabemos dedilhar a Lyra Para cantar o amor puro e perfeito, Devemos para quando o mal nos fira, Ter o escudo da fé de encontro no peito (...) E bemdirá o mundo o nosso sizo, se cada uma de nós salvar um homem e leva-lo comsigo ao paraizo! 233

Esses versos que, segundo o Traço de União, encerraram a palestra,

sacramentaram esses ideais católicos e ficou claro que tanto para o bem, quanto para o

mal, a influência feminina, de acordo com tal concepção, passou a ser considerada

determinante. Assim, os encontros das ex-alunas dentro do colégio faziam parte de um

projeto maior de difusão e irradiação dos ideais renovadores católicos que acabavam

ganhando espaços nas publicações do Traço de União, que era lido por alunas, ex-

alunas e familiares.

Fora esses encontros, o Curso de Aperfeiçoamento que, conforme anunciado em

1926, fez o Colégio Jacobina ter a satisfação de ver voltar para esses novos cursos,

diversas antigas alumnas que comprehenderam a necessidade de completar sua

instrucção234, seria uma segunda proposta de disseminação de discursos sob o modelo

feminino que o Jacobina pretendia configurar para atuar na sociedade. A partir de aulas

de português, literatura, hygiene, trabalhos manuais, datilografia e estenografia, as ex-

alunas mantinham, além do vínculo com o colégio e com o universo que o norteava,

também uma educação continuada para que ocupassem seu tempo se aperfeiçoando de

modo útil, como a Igreja defendia que fosse.

Segundo os estudos de Camacho (2005), o catolicismo propagava que as

mulheres não deveriam ficar presas às futilidades da vida material. Não deveriam ser

bonecas enfeitadas, mas sim virtuosas e religiosas. 235 De acordo com a mesma autora,

a Igreja condenava a vaidade e defendia que essa deveria ser substituída pela dedicação

e pelo amor ao próximo.

Assim, uma terceira e última proposta de disseminação de discursos percebida,

estaria relacionada aos trabalhos filantrópicos constantes que se fundamentavam,

principalmente, no auxílio à maternidade, quando as ex-alunas entregavam enxovais

233 Mariquinha Rabello. ‘As Heroínas de Dante’. Traço de União, 1925, n.2, p.1. 234 S/a. Traço de União, 1926, n. 1, p. 6. 235 Camacho, 2005, p. 131.

Page 191: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

produzidos por elas mesmas no grupo que elas nomearam “Theresinha do Menino

Jesus”.

O campo da filantropia possibilitou que as mulheres da boa sociedade

ampliassem sua vida social e pública, sem que fosse provocada uma ruptura com seu

ambiente natural que deveria ser, de acordo com Guido (1992), a família. Estimuladas

pela cultura católica, as mulheres do Colégio Jacobina se doavam fundamentadas em

um modelo feminino de virtude, amor e devoção ao próximo que justificava a sua

missão na terra.

As mulheres nesse sentido apareciam como poderosas e influentes e, por mais

que sua participação no mundo público fosse incentivado por meio de ideais fundados

em princípios discriminatórios, a possibilidade de sair do âmbito privado defendida pela

Igreja as fez servas, missionárias e militantes prontas a seguirem na cruzada da fé. Se a

Proclamação da República fez com que Estado e Igreja rompessem, gerando um clima

laicizante, às mulheres da elite foi dado o poder de combater – de modo a se sentirem

úteis, juntamente com os demais religiosos – a incredulidade, a fim de que o catolicismo

ocupasse efetivamente o terreno da educação.

Baseadas nisso, as ex-alunas, que sempre tiveram espaço reservado nas páginas

do Traço de União, escreviam, na maioria das vezes, pedindo auxílio aos leitores do

periódico e deixando mensagens baseadas em sua fé cristã; tão aplicada na formação

dada pelo Colégio Jacobina que reforçava a necessidade da caridade e do amor ao

Fotos tiradas no retiro espiritual das antigas alunas com Padre Rezende e na entrega de enxovais à maternidade. Traço de União, 1929, nº4, p.3 e 1926, nº4, p.7. Arquivo da CELPI.

Page 192: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

próximo, já que quem dá aos pobres empresta à Deus.236 E foi, sob essa justificativa,

que a participação delas sempre foi bastante presente e ativa não só nas primeiras fases

da revista, como também nas posteriores, nas quais se manteve, igualmente, o propósito

principal de mostrar e construir elos por meio de discursos sobre o papel da mulher na

militância católica, na família e na sociedade a partir de ideais intimamente relacionados

à filantropia e à religião: Vemos portanto que as nossas alunas não se dispersaram,

estão agindo, estão no apostolado.237 “Retiros das antigas”, “Ação Católica”, “Costura

dos pobres”, “Relatório do Grupo Therezinha do Menino Jesus”, “O Congresso

Eucarístico”, “Relatório dos trabalhos da Pia União das Filhas de Maria”, são alguns

dos títulos que, nomeiam constantemente, os textos explorados pelas ex-alunas ao longo

dos anos de publicação, com exceção das edições que saíram a partir do fim da 4º fase,

quando os tempos eram outros e as alunas criavam, mais freqüentemente, perspectivas

de vida que iam além do casamento, da maternidade, dos eventos sociais e da

filantropia. Não que as ex-alunas tenham perdido seu espaço completamente, mas, por

fim, esse, enquanto estratégia de disseminação de imagens femininas atreladas à

construção, reconstrução e transformação da nação, passou a ser suprimido em razão

das novas demandas sociais do gênero como veremos melhor ao analisar os discursos

publicados na seção “Ecos”.

3.2. “Ecos”: o papel social feminino nos discursos de formatura

Se por um lado os espaços reservados às ex-alunas se fundaram na disseminação

de discursos focados mais precisamente na militância feminina católica e na relação

entre escola e família, por outro, os discursos publicados na seção “Ecos”, para além

desses, pautam-se, também, nas discussões sobre mulher e trabalho e educação feminina

católica, enredados na justificativa de que o progresso da nação dependia da atuação

social feminina.

Destinada às formandas, aos paraninfos e à direção para que esses expusessem,

por meio da transcrição dos discursos, os idealismos contidos nos textos formais

proferidos na cerimônia de formatura, a “Ecos” será o segundo espaço aqui analisado.

Caracterizada, mais do que qualquer outra coisa, por sua comunicação direta entre

236 Lílian Fortunato de Britto. ‘Um modo de ajudar as creanças pobres’.Traço de União, 1929, nº3, p. 6. 237 S/n. ‘Pequeno histórico do Traço de União’. Traço de União, 1933, n. 3, p. 2.

Page 193: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

direção e leitores, ela se apresenta como a seção mais expressiva do Traço de União.

Buscando construir imagens referentes à instituição de ensino e as alunas que essa

formava, os colaboradores que nesse espaço assinavam, procuraram passar para o leitor

que o Jacobina estava entre os colégios mais conceituados do país, justamente por se

empenhar na formação de mães educadoras cristãs, a partir de métodos modernos, com

a finalidade de que essas exercessem suas supostas funções sociais.

De acordo com o estudo de Cunha (2002), compreende-se que os discursos de

formatura são importantes para fornecer as representações circulantes no imaginário

social de um período, além do instrumental simbólico de uma época e dos papéis sociais

esperados dos sujeitos escolares envolvidos. Os discursos seriam, segundo essa autora,

produções simbólicas de mulheres do seu tempo que, como atores sociais, davam

sentido, pelos discursos, a suas práticas.

Reunindo as falas dos mais hierarquicamente conceituados sujeitos desse colégio

– Isabel Jacobina Lacombe, Laura Jacobina Lacombe, professores e alunas jacobinenses

do último grau de estudo da instituição –, essa seção apareceu no periódico para

legitimar as representações sociais acerca dos ideais de mulher e educadora vigentes,

propagando, no imaginário do leitor, a idéia de colégio ideal.

Além disso, por meio dela também é possível acompanhar as rupturas e

continuidades do processo e do pensamento educacional que se desenrolavam no país a

partir do fim da década de 20 e, também, o que era instituído no colégio a partir desse

cenário. Acima de tudo, os discursos expostos na “Ecos” revelam como Isabel e Laura

Jacobina Lacombe se posicionaram diante dos ideais que emergiram dos momentos

vivenciados socialmente, repercutindo assim diretamente no instituído dentro do

Jacobina e, conseqüentemente, no que foi publicado nas páginas do Traço de União.

Sempre publicado na edição número um de todas as edições do periódico, pode-

se concluir que esse espaço acabava permitindo que os leitores do Traço de União,

começassem o ano letivo com diferentes testemunhos orientados sob visões de mundo e

educação semelhante à de seus pares.

Acredita-se que o nome dado a essa seção, que começa a aparecer em 1928,

deve-se justamente por ela publicar, sempre na primeira edição do ano, o que se passou

no término do ano anterior, sendo de certo modo, um eco ou uma repetição daquilo que

fora dito há um tempo, mas que não teve oportunidade de ser veiculado antes, já que as

alunas entraram de férias nesse intervalo de tempo. Apresentava-se, portanto, muito

Page 194: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

mais viável publicá-los no início do outro ano, pois os pais das alunas que entravam na

instituição, também poderiam ler e ter acesso ao universo que nortearia suas filhas.

A formatura escolar, de acordo com Cunha (2002), é um dos rituais que

representam momentos especiais construídos pelas sociedades e, geralmente, regulados

pelas instituições que as promovem. Assim, aproveitando que os diplomas eram

entregues na mesma cerimônia de encerramento de fim das aulas, quando compareciam

as alunas de todas as séries e seus familiares, as dirigentes do Jacobina faziam discursos

mais amplos, nos quais falavam sobre o cotidiano do colégio e os ideais que visavam a

contribuir para a formação integral de suas alunas. Ao delas, nesse mesmo dia, juntava-

se o das oradoras e os dos professores, sendo os melhores discursos desse evento

selecionados para publicação. Mas quais eram considerados os melhores?

Para Vaz (1998), o processo de produção de um periódico é resultado de uma

série de filtros que acabam envolvendo a seleção do que é ou não publicado,

transformam o conteúdo em uma representação do real, ou seja, passa a não ser

mais a realidade que está ali presente e sim uma interpretação que se tem dela.

Baseada nisso, pode-se inferir que com a finalidade de transformar as verdades

instituídas pelo colégio, na única possível, as responsáveis pelo periódico

direcionavam e selecionavam o que deveria ser lido para criar uma espécie de

ser percebido, uma representação, que deveria constituir a identidade daquele

grupo ou meio.238

Assim, tendo sido feita a opção de trabalhar com os periódicos publicados até o

final da década de 50, pois foi o período em que a seção em destaque parou de ser

publicada, esse estudo defende que o Traço de União, ao divulgar os discursos de

formatura, além de se apresentar como o melhor porta-voz dos ideais semeados pelas

dirigentes e pelos professores dentro do colégio, também passa a ser vitrine do que

havia sido apropriado pelas alunas durante o percurso de formação.

3.2.1. Direção, professores e alunas por uma nação católica

238 Idéia construída a partir dos estudos de Chartier, 2002.

Page 195: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

No momento em que foi sugerida a publicação de um espaço específico

destinado ao que era proferido nas formaturas do Colégio Jacobina, o país vinha

atrelando seu progresso à educação. O desenvolvimento industrial em expansão, aliado

ao processo de urbanização das capitais, acabou por entregar à escola a responsabilidade

de contribuir tanto na produção como também na reprodução social, com a finalidade de

legitimar e fortalecer as práticas urbanas que interessavam às elites. De acordo com

Chamon (2005), foi em fins do século XIX e nas primeiras décadas do XX que as

mulheres entraram em cena, sendo chamadas a cumprir a nova missão de reprodutoras

de valores sociais. Consideradas, virtuosas, sensíveis, amorosas, abnegadas, elas foram

eleitas para ficar responsáveis pelo trabalho de preparação de mentes e comportamentos

que consolidavam os interesses da pátria.

Essa missão civilizatória foi entregue às mulheres apoiada por ideais positivistas

e católicos, que objetivavam reconfigurar a sociedade que se via como progressista e

esclarecida, sentindo, por isso, a necessidade de uma regeneração em âmbito nacional.

A partir disso, segundo Almeida (2004), desenvolveu-se a crença numa visão de escola

que cuida, ampara, ama, educa e domestica. Essa crença, que segundo a mesma autora,

seguiu ao longo das décadas do século XX, apoiou-se na figura feminina construída

pela imaginética social e lhe atribuiu o papel de guiar a infância, moralizar os costumes

e reformar a pátria. Assim, a figura da mulher atuante na escola-mãe que redime e

encaminha para uma vida de utilidade e sucesso é esculpida em prosa e verso. 239

Inúmeros apelos foram feitos para a participação da mulher brasileira se efetivar

na ação civilizatória. Pelos discursos, aparecia a importância do papel feminino em

vários setores da vida da sociedade, onde era sinalizada como indispensável sua atuação

para o futuro da nação. Sedutoras justificativas lhes colocavam de forma entusiástica

essa causa social. Exemplos dessas justificativas eram a continuação do trabalho no lar;

a preparação maternal e doméstica, o amor à pátria, a devoção, a missão, a vocação que,

entre outras, esbarravam no orgulho de suas famílias que, muitas vezes, sentiam-se

honradas em ter uma filha missionária a serviço do bem estar social.

Nesse sentido, intelectuais, educadores e políticos se uniram com a finalidade de

intensificar os apelos que defendiam ser o exemplo feminino fundamental para a

recriação dessa almejada pátria brasileira, onde a moralidade era vista como base da

239 Almeida, 2004, p.1.

Page 196: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

civilização. Contribuindo também para essas configurações, os discursos veiculados em

manuais e revistas sobre educação, assim como as mensagens expressas nas teorias

pedagógicas e em outros meios de comunicação, apresentaram-se como um

fundamental maquinário simbólico na construção de imagens de mulher e de educadora.

Partilhando desse ideário, pode-se dizer que o Traço de União foi um dos maquinários da época que alimentava no bojo de seu discurso a educação da mulher a fim de orientá-la em sua nobre missão dentro da família e da sociedade. Para isso, divulgou, de um modo muito particular, que somente sobre a moral católica, com base nas leis de Deus isso poderia ser feito de forma eficaz.

Segundo Magaldi (2001), o movimento católico – que surgiu na década de 1910 devido à necessidade de combater o clima laicista instaurado na República pelo rompimento dos laços entre Igreja e Estado – foi conduzido por meio de instâncias e estratégias variadas. Destaca-se, entre estas, o Centro D. Vital que, criado em 1922, instituiu-se como um imponente espaço de reflexão que, de acordo com a mesma autora, era integrado por intelectuais sensíveis a um cenário social de crise. Esse grupo, que partilhava das preocupações de outros segmentos da intelectualidade brasileira, daquele tempo, no que consistia à temática da identidade nacional, diferenciava-se justamente por ter, no núcleo comum de seu discurso, a defesa da religião católica como referencial básico para a construção da nação.240

Nesse sentido, pela defesa de uma nação católica,241 a educação foi utilizada fortemente pela Igreja que, por meio do ensino religioso, conseguia disseminar seus ideais em jogo nesse período. O Colégio Jacobina, assim, consolidou essa idéia em sua prática, entendendo que ninguém melhor do que a mulher naquele espaço formada, para ajudar a construir essa nação católica.

O que diferenciava o Jacobina de outras instituições formadoras femininas católicas desse período, é que esse, apesar de preservar os preceitos cristãos, foi precursor na idéia de proporcionar a suas alunas, tudo o que havia de mais recente em métodos educacionais propostos pelo escolanovismo: O Curso Jacobina procura constantemente modificar seus programas, melhorar e modernizar os seus métodos, adaptando-os a vida moderna, que se vai também transformando(...) Professores de hoje, procurai (... ) elevar cada vez mais alto o nome do curso Jacobina e para esse fim, peço a Deus que lá do alto nos lance sua benção. 242

Focados nas expectativas promissoras trazidas pela modernidade, os discursos da direção, que em um primeiro momento eram representados por Isabel Jacobina Lacombe, configuravam-se no imaginário social relativos ao papel das mulheres para justificar a educação dada pelo colégio: É espinhosa por vezes a nossa missão, mas qual neste mundo o caminho a trilhar sem tropeços... (...) entre as primeiras meninas que nos foram confiadas, descobrimos hoje com desvanecimento invejável, além das que adoram aos nossos salões, mães de família exemplares, guiando com inteligência e critério, os primeiros passos dos filhinhos queridos, nesta quadra difícil da nossa vida social. Além das mães de

240 Magaldi, 2001, p. 119. 241 Id.

242Isabel Jacobina Lacombe, Traço de União, “Echos”, 1928, n.1, p.1-2.

Page 197: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

família, o Jacobina também prestava acompanhamento, segundo a mesma autora, a um grupo que a vocação para o magistério atirou na mesma estrada que trilhamos. Com orgulho observamos a boa influencia que vão já exercendo sobre as discípulazinhas pelo caráter bem formado, pelos conhecimentos que vão armazenando metodologicamente no desejo de desempenhar esse apostolado sagrado, na família e na sociedade.

O Curso Jacobina, que assim como o Sacré-Coeur243 e outras instituições do

período que se empenhavam na educação formal, era visto como um importante espaço

de preparação de mães e esposas que deveriam seguir seus caminhos, guiadas pela

missão socialmente internalizada: a de iluminar mentes com a luz da verdade, instruir

pessoas e moldar as vontades com base no amor e a partir de suas virtudes.

Dessa maneira, ocupando as primeiras páginas do veículo de comunicação das alunas do colégio, as dirigentes faziam da seção “Ecos” a vitrine de suas idéias que eram, também, reapropriadas e difundidas por meio dos discursos de professores e alunas. Assim, selecionadas somente as falas de ideais semelhantes, é possível perceber que, ao longo dos anos, não costumavam ser publicados, no periódico, todos os discursos da mesma cerimônia de formatura que, conforme é possível inferir, sempre eram três: o da aluna escolhida como oradora, o do paraninfo, o da direção do colégio.

Escritor

Ano

Dirigente Aluna/ oradora Professor/ Paraninfo

1928 Isabel Jacobina - - 1929 - - José Piragipe 1930 Isabel Jacobina Zélia Levy Abel Pinto 1931 Isabel Jacobina S/ nome S/ nome 1932 Isabel Jacobina - - 1933 Isabel Jacobina Maria Helena Castro Christovam L. de

Castro 1934 - Lia Riedel - 1935 - Maria Virgínia Amaury

de Medeiros -

1936 Isabel Jacobina e Chiquinha Jacobina

- -

1937 Isabel Jacobina - Mario Faccini 1938 Laura Jacobina - - 1939 - Lina Penna Sattamini - 1940 Laura Jacobina Regina Neiva S/ nome 1941 Laura Jacobina - Padre

Emanuel D. Barbosa

1942 Laura Jacobina - Ariosto Espineira 1943 Laura Jacobina Marina Helena Lorenzo

Fernandez Ariosto Espineira

243 Para saber mais sobre essa instituição de ensino, ver Guido (1992).

Page 198: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

1944 S/ nome Heloisa Bevilacqua - 1945 S/ nome Anna Mª de Souza Leão

Braga -

1946 S/ nome Maria Teresa de Abreu Coutinho

-

1947 ? - - 1948 Laura Jacobina Maria Pompéia Rache

Leal Costa -

1949 Laura Jacobina - - 1950 Laura Jacobina Anna Luiza Cruz Lima

(3º colegial) J. Mattoso Câmara

Junior 1951 - S/ nome Álvaro Dutra de Araújo 1952 Laura Jacobina - - 1953 - Vilma Guimarães Rosa

-

1954 Laura Jacobina Vera Maria Pacheco Pereira

Dr. José Oiticica Filho

1955 Laura Jacobina Teresinha Loureiro Lima Dr. José Oiticica Filho

1956 ? Vera Guimarães (1º turma de educadoras

formadas)

1º da 4º série

Três paraninfos das séries

1957 Laura Jacobina

Vera C. Lacombe (Educ.)

e Antiga aluna

Emília Carneiro

Nos trinta anos de periódicos analisados, percebe-se que quem mais teve espaço nessa seção foi a própria direção, que publicou seus discursos em 24 anos das edições, sendo em maior número os discursos de Laura que em 1936 passa a ser diretora no lugar de sua mãe. No entanto, a mudança na direção não foi significativa, pois ambas, mãe e filha, tinham concepções semelhantes de mulher e educação, fato comprovado pela própria trajetória de suas vidas que, inicialmente transitavam entre a fé e a educação: o catolicismo e a Escola Nova. Em uma propaganda encontrada na revista da Associação Brasileira de Educação (ABE), é possível saber qual o objetivo da instrução oferecida pelo colégio naqueles tempos:

Finalidades:

1º - Formar a mãe de família capaz de orientar ou dirigir a educação de seus filhos.

2º - Desenvolver o raciocínio sem abuso da memória pela adaptação ao nosso meio dos novos méthodos americanos e europeus.

3º - Formar protagonistas dos sãos princípios de moral capazes de melhorar a sociedade e contribuir para o engrandecimento do Brasil. 244

244 Scholar – Revista da Associação Brasileira de Advocação. Departamento do Rio de Janeiro. N. 1-9, 1930, n.1, ano 1. ABE.

Page 199: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Na década de 20 e princípio da de 30, as dirigentes do Jacobina, ao mesmo tempo em que atuavam ao lado de educadores leigos no cenário educacional brasileiro, permaneciam convictas e militantes na causa da Renovação Católica. Com foi possível ver anteriormente, os ideários escolanovistas e católicos conviveram sem muitos problemas até 1931, quando então Laura e Isabel abandonaram a Associação Brasileira de Educadores e fundaram a Associação de Educadores Católicos (AEC) para continuar defendendo a presença do ensino religioso nos colégios do país.

Recebendo o apoio de Francisco Campos, Ministro da Educação do governo autoritário de Vargas, as entidades cristãs traçaram planos de ações para que a Igreja católica retomasse seu poder nas instituições educacionais em troca de um novo elo com o Estado. Assim, nesse mesmo ano de 1931, de acordo com Horta (1994), começou a ser introduzido o ensino religioso nas escolas brasileiras. Sob argumentos de caráter pedagógico e filosófico, o ministro desconsiderou a proposta de um ensino laico, proposto pelos pioneiros, e apostou no apoio da Igreja para consolidação do governo oriundo da Revolução de 30. Transferindo a responsabilidade da formação moral do cidadão para a Igreja, o governo atendeu às exigências dos educadores católicos que, até então, lutavam para que essa tarefa estivesse nas mãos da Igreja.

Por outro lado, pode-se constatar que o Estado utilizou a Igreja como um poderoso mecanismo para reforçar a disciplina e a autoridade na sociedade. Para Vargas, a revolução de 30 teria como objetivo o saneamento do ambiente moral da pátria para reorganizar a moral da República. Com isso, o governo desejava contar com todas as forças morais do país. Nesse sentido, segundo Francisco Campos, uma destas forças morais era sem dúvida a Igreja.

De acordo com Horta (1994), a Igreja ainda que reagindo à sua utilização como instrumento de mobilização política com fins pessoais, acabou assumindo sua parcela de responsabilidade de formação moral do cidadão e na defesa dos valores do autoritarismo, em troca do apoio governamental para suas obras e instituições e de uma ação repressiva contra aqueles que se apresentavam como um possível obstáculo à sua ação (...). 245

Acompanhando e apoiando a ação católica desse período, entende-se que esse

caminho escolhido por Laura e Isabel Jacobina Lacombe foi o que impulsionou suas

vidas de educadoras e deu sentido, assim, à formação de outras educadoras como pode

ser constatado no Traço de União que, a partir desse momento, passou a ter um perfil

ainda mais religioso do que antes. Compondo, dessa maneira, o grupo de impressos

utilizados como dispositivos de regulação e modelagem do discurso e da prática

pedagógica que estiveram presentes na disputa entre católicos e pioneiros, o periódico

do Colégio Jacobina foi um veículo estratégico de ação.

Segundo Carvalho (1998), os católicos se apropriaram do meio impresso como

um dispositivo que legitimava a autoridade para censurar os princípios da doutrina e da 245 Horta, 1994, p. 292.

Page 200: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

prática escolanovista de seus adversários. Defendiam, contudo, tanto pelos impressos

das escolas religiosas, quanto por revistas dirigidas ao professorado, um discurso

escolanovista católico. Tal fato, além de confirmado pelos discursos publicados no

Traço de União, também podem ser verificados nos livros publicados por Laura

Jacobina Lacombe, assim como em seus textos em A Ordem, que entre outros dessa

revista, tinham o objetivo de recatolizar o país.

Os impressos católicos, assim, justificavam uma pedagogia cristã alicerçada em

motivações apresentadas pelo Ministro da Educação que amalgamava em seu discurso

religião, Estado, ordem e pátria, como assinalou Horta (op. cit.):

Onde porém a sua doutrina do estado? (...) E aí está, ao alcance do estado, um grande pensamento, uma sólida doutrina, de ordem e paz (...) uma doutrina de hierarquia e de autoridade, não, portanto uma doutrina religiosa, mas uma doutrina de Estado. (...) Se a ordem nacional imposta aos patriotas, há de importar-lhes a Igreja Católica, a única que, sendo universal, não é antinacional. Se queremos portanto preservar o nosso caráter próprio, reagindo contra as doutrinas de dissolução cosmopolita, as doutrinas antipatrioticas e antinacionais, embebidas de radicalismo individualista e de suspeitas fraternidades, havemos de trabalhar pela Igreja Católica, senão pela religião, por patriotismo.246

Tentando naturalizar o catolicismo como religião universal, as instituições de

ensino buscavam incutir um discurso que mesclava interesses do Estado com o da

Igreja. O Traço de União não fugiu a essa regra. Com orientação de suas dirigentes, ele

transitou entre a fé e a ordem assumindo, juntamente com a Igreja, o compromisso

político estabelecido. Em um discurso de formatura de Isabel Jacobina Lacombe, é

possível compreender de que forma as educadoras faziam apologia aos preceitos

religiosos e nacionalistas, tentando envolver suas alunas nos trabalhos da Igreja que se

realizavam dentro do curso: Para coroar os trabalhos do ano tivemos a bela festa do

dia 08, dia de Nossa Senhora da Conceição, que reunimos a Pia União, vínculo

poderoso entre as nossas meninas de hoje e de ontem(...)Foram recebidas novas

aspirantes, novas Filhas de Maria, que ficarão ao mesmo tempo fazendo parte da

grande família do Curso Jacobina(...). Assim, os discursos que apareciam logo nas

primeiras páginas do periódico, buscavam a adesão dos leitores no combate à

incredulidade, por meio de artifícios como a utilização de imagens sagradas e apelos

nacionalistas: Assim velando à luz do Evangelho à moralidade, pela elevação do ideal

246 Francisco Campos apud Horta, 1994, p. 102

Page 201: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

cristão, pelo aperfeiçoamento dos nossos costumes, colaborando na edificação da

sociedade na nossa Pátria.247

Essa foi uma época em que o catolicismo permeou mais efetivamente não

apenas a escrita da “Ecos”, como também a maior parte dos artigos publicados na

revista. Todos tendo como propósito a divulgação de ideais e preceitos da doutrina,

objetivando garantir que suas alunas continuassem cooperando com os trabalhos da

Igreja desenvolvidos por grupos como a Pia União das Filhas de Maria que tinha uma

sede no Jacobina.

É nesse sentido que, juntamente com os outros espaços da publicação já

mencionados, a “Ecos” se apresentou como um campo cada vez mais fértil para a

difusão dos princípios disseminados pelo colégio, diferenciando-se entre os demais

somente pelo fato de suas responsáveis, por meio deste, promoverem diretamente aos

leitores as suas intenções em relação à educação renovadora oferecida pela sua

instituição.

O estudo de Camacho (2004) sobre uma instituição feminina católica permite

compreender que, a exemplo de outros, o Jacobina traçou como objetivo, nessa época,

preparar almas boas e fortes a partir do cultivo das virtudes cristãs que contribuíam para

a construção do caráter e do futuro de suas alunas. Dentro desse contexto, a educação

integral, que buscava instruir e formar o espírito cristão aparecia como uma

fundamental alternativa na educação feminina.

Era a partir da religião católica, segundo Almeida (2004), que eram

estabelecidas as relações de poder no nível simbólico e no imaginário. Dentro das

escolas, as moças seriam instruídas quanto à importância da castidade e da pureza; para

o padre, nas igrejas, deveria confessar qualquer pensamento impuro; dentro das

famílias, deveria ser impedida qualquer manifestação que se voltasse para a exploração

ou o exercício da sexualidade. No caso de qualquer transgressão apontada por uma

dessas três diferentes instituições que circundavam e completavam a vida das moças,

deveria haver punição.

Assim, partindo quase sempre de um apelo familiar, os discursos publicados

sugeriam que as alunas fossem instruídas não somente no colégio, que também dava o

aparato religioso, mas também em casa a fim de que elas não se expusessem aos perigos

morais da sociedade moderna: Senhoras mães, venho aqui fazer um apelo muito 247 Isabel Jacobina Lacombe, Traço de União, “Ecos de 1932”, 1933, n.1, p. 1-2.

Page 202: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

especial a respeito dos divertimentos. (...) não tenham pressa em proporcionar festas de

dança à suas filhinhas. Os prejuízos morais que daí decorrem são mais graves ainda do

que o desinteresse pelo estudo. (...). De acordo com Laura Jacobina Lacombe, o colégio

zelava acima de tudo pelo aperfeiçoamento moral de nossas alunas e procuramos

incutir os princípios morais da nossa santa religião católica, sem os quais não poderá

haver família estável, sociedade moralizada. Assim, a partir dos discursos lidos no dia

da formatura e posteriormente publicados na página principal do Traço de União, a

educadora fazia questão de deixar claro para os familiares que o colégio estava fazendo

sua parte e, dessa forma, instruindo integralmente suas alunas: Além das aulas regulares

de religião, têm as nossas alunas um retiro anual onde recebem do nosso dedicado

amigo Monsenhor Magalhães os conselhos necessários para se manterem cristãs no

meio de uma sociedade francamente pagã. Todo cuidado será pouco para salvaguardar

esse patrimônio religioso dos princípios. 248

Percebe-se, dessa maneira, que a formação do caráter a partir dos princípios

católicos era considerada prioridade para instituições que seguissem a doutrina. De

acordo com Garcia (2001, apud Camacho, 2004), a promoção do homem em sua

integridade dentro das instituições católicas é um reflexo da crença de que todos os

valores humanos encontram a sua realização plena no cristianismo.249

À altura da instrução recebida, até a década de 50, as alunas respondiam como

verdadeiras discípulas de Laura e Isabel que reconheciam na sua alma feminina, a

fortaleza e a abnegação exigidas da mulher da época. Dissertando sobre a base moral e

cristã cultivada pelo Jacobina, a oradora Regina Neiva reafirmou a importância da

instrução do colégio: Todos esses anos servem como prova de que devemos cultivar

nossa quase infantilidade; por termos vivido num gorgeio constante (...) isto não

representa a negação dos espíritos fortes, de acordo com a autora, contrariamente, isso

viria como afirmativa de almas femininamentes femininas, que num momento dado

podem dar exemplo, de uma candura ímpar, de uma grande abnegação, de dotes outros

inequívocos, apoiados firmemente sobre sólida base de moral cristã.

Igualmente ao que ocorria no espaço destinado às ex-alunas no periódico, a

“Ecos” buscava reafirmar através dos discursos que o Colégio Jacobina era um segundo

lar para todas as suas alunas que, dessa forma, eram vistas como filhas tanto para as

dirigentes quanto para os professores. Dentro desse contexto, as oradoras procuravam

248 Laura Jacobina Lacombe, Traço de União, “Ecos de 1939”, 1940, n.1, p.4. 249 Garcia, 2001 apud Camacho, 2004, p. 132.

Page 203: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

mostrar aos pais, professores, direção e outras alunas, o que haviam apreendido250 e

lançavam mão de discursos que reforçavam a importância da educação integral

oferecida pela instituição e tão útil para sociedade e família: A essa casa chegamos

algumas ávidas de curiosidade e encantamento, com o sorriso ainda da primeira idade,

e dela, todas nós apartamos hoje adolescentes, o espírito aberto a novas realizações e a

novos ideais, o coração formado para a nossa verdadeira missão na família e na

sociedade. (...). Para as alunas formadas nesse período, a escola deveria ser um espaço

que não só deveria se preocupar com a parte intelectual, mas também cultivar o

coração, fonte para a mulher de onde emana a única força milagrosa capaz de

governar humildemente o mundo através da bondade, da beleza e do amor.

Defendendo, assim como a direção do Jacobina sempre o fez, a utilização do

conhecimento científico perspectivado sob uma ótica religiosa, as alunas acreditavam

ter recebido, dessa maneira, uma formação completa: E se a ciências sob esse texto foi o

farto alimento do nosso espírito, também a fé religiosa, de que se encheram aqui nossas

almas, foi alimento essencial a pureza dos nossos sentimentos, à nobreza das nossas

ações, à consciência do nosso dever: enfim, à formação do nosso caráter(...).251

Portanto, fazendo alusão a esse ideário que mesclava educação moderna, religião e a histórica questão da mãe educadora, a instituição divulgava e reforçava, em todos os seus discursos, ao longo da década de 30, sua intenção de formar esposas e futuras mães que, católicas e com um capital cultural dado por uma boa educação, pudessem influenciar na formação dentro de casa com seus filhos e, quando permitido pelos maridos, também no espaço público, geralmente em alguma instituição de ensino primário. Em concordância com o cenário político, econômico e social daquele momento, a instituição defendia que a mulher era responsável pelo futuro da nação brasileira que, nesse período, vivenciava um patriotismo exacerbado que era estimulado, entre outros meios, por políticas públicas governamentais, como observa Horta:

(...) Para marcar o lançamento da candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da República, a educação aparece como um dos instrumentos apropriados para assegurar a “Valorização do homem” e melhorar a condição de vida dos brasileiros sob o ponto de vista moral, intelectual e econômico. (...) ao tomar posse na chefia do Governo Provisório, em novembro de 1930, Getúlio Vargas anuncia um programa de reconstrução nacional (...) A concepção da educação como problema nacional servirá para justificar a intervenção ênfase na educação moral do cidadão traduzir-se-á, inicialmente, pela introdução do ensino religioso nas escolas. (...) De acordo com Vargas, o Brasil transforma-se-ia em uma grande pátria somente quando tivesse educado seu povo.(...) Assim, ao lado da formação do cidadão capacitado para

250 Apreender nesse sentido quer dizer que além de aprender, as alunas internalizaram determinados ideais. 251 Helena Castro, Traço de União, “Ecos de 1932”, 1933, n.1, p.3.

Page 204: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

engrandecer a pátria com seu trabalho, Getúlio Vargas evoca a necessidade da preparação de uma raça forte, capaz de amar e merecer esta Pátria engrandecida.252

Nesse sentido, apesar dos professores e das alunas terem seus discursos

publicados em menor escala que as dirigentes nas décadas de 20 e 30, pode ser

observado que os ideais veiculados por esses diferentes sujeitos que atuaram na escola

eram muito próximos.

Todos eles buscavam, constantemente, atrelar as questões patrióticas nacionalistas à instrução feminina sob a justificativa de que nessa se localizava o ponto forte de uma sociedade que desejava progredir. Dessa forma, os discursos reafirmavam a vocação feminina que consistia em fazer os outros felizes por meio da prática do bem a partir das leis de Deus. Em um discurso de 1936, o professor Mario Faccini, diz às alunas que três deveriam ser os sentimentos que lhes acompanhariam por toda a vida: bondade, justiça, amor. Assim, em forma de oração, o paraninfo conduz o discurso: Deus! Tu que tiveste a infinita Bondade de nos fazer nascer sob este céu abençoado em que o cruzeiro cintila (...) dá a esta mocidade, que hoje transpõe o limiar da verdadeira vida (...) Conduze este punhado de moças, por entre os escolhos da existência, com a bússola inigualável de Teu infinito amor. Terminando sua fala, Mario Faccini, ainda em versos de oração, por meio de imagens femininas sacralizadas, pede que Deus ilumine as moças ali formadas para que elas consigam obter êxito na condução da felicidade de todos: Faze de cada uma delas verdadeira serva imorredouro Culto, afim de que todas possam trabalhar com êxito pela própria felicidade, pela felicidade do Brasil, pelo bem-estar da humanidade e por tua maior Glória! 253

Nesse período muito foi exigido da mulher. Para além do compromisso social, a atuação, a presença e a sensatez feminina eram também cobradas nos lares, antes mesmo do matrimônio. No entanto, antes de pensar no casamento, que era apontado como o destino provável das meninas da classe média da época, as alunas do Colégio Jacobina eram exigidas no estudo, já que só a partir desse poderiam desempenhar bem seu papel dentro de casa.

Segundo Isabel Jacobina Lacombe, todas as mulheres precisavam ter um ideal

em suas vidas e justamente por isso a finalidade do curso era formar educadoras e as

educadoras por saliência na sociedade, são as mães de família. De acordo com a

diretora, apenas uma insignificante porcentagem de mulheres se destinavam às

academias. Já em relação à constituição de uma família, a estatística nos mostra que o

casamento é o destino provável e natural de nossas educandas. Por isso, a preocupação

do curso se voltava para o aperfeiçoamento das qualidades intelectuais das futuras

252 Horta, op. cit., p. 147-146. 253 Mario Faccini, Traço de União, “Ecos de 1936”, 1937, n.1, p.1.

Page 205: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

esposas para que possam acompanhar e compreender os maridos e formar-lhes os

dotes do coração para que possam dirigir os filhos com a base sã e perfeita da nossa

moral católica.254

Contudo, o nacionalismo exarcebado que tomou os setores do imaginário social

a partir do golpe de 1937, que instituiu o Estado Novo, como observou Almeida (2004),

acabou alterando a estrutura educativa nacional a partir de uma política educacional

fundada nos interesses das elites: consolidou-se assim nesse período um novo dualismo

educacional: de um lado as elites nas escolas de elevado padrão educativo, de outro as

classes populares sendo preparadas para o trabalho pelo ensino profissionalizante. 255

Foi consagrada com a Reforma de 1942 a divisão entre o ginásio, que a partir de

então seria de quatro anos, e um segundo ciclo de três anos, com a opção entre o

clássico e o científico. Paralelamente, uma série de cursos profissionalizantes também

deveria existir no nível do segundo ciclo, com a finalidade de atender aqueles alunos

que não objetivassem ingressar nas universidades. Sendo assim, segundo Schwartzman;

Bomeny e Costa (2000), os cursos ginasiais, de acordo com as exigências de um

programa mínimo comum nacional, que era controlado pelo Ministério da Educação e

Saúde, também funcionariam como habilitação básica para os cursos profissionais de

nível médio.

O pensamento que conduziu a educação no Estado Novo tinha uma tendência

elitista que refletia uma nítida permanência na dicotomia entre as classes sociais.

Segundo Horta (1994), a inspetora escolar do Distrito Federal, Alba Canizeres

Nascimento, a exemplo disso, defendia que o ensino primário deveria se fixar na

formação elementar mental das massas humanas, e o ensino secundário deveria formar

uma classe superior de cultura, tendo como missão, assim, coordernar as massas de

motores humanos lançados pela necessidade ao trabalho braçal e aumentar assim a

produção dos braços conduzidos por cérebros apenas conscientes. 256

Embora o Colégio Jacobina fosse uma instituição que visasse a atender à elite,

não concordou em preparar suas meninas para comandar o mercado de trabalho, apesar

de ter sido obrigada a mudar seus programas, como vimos no capítulo anterior. Achava

sim que deveria educar suas alunas para que essas atuassem sobre as massas, mas não

visando à profissionalização dessas e, sim, guiando seus espíritos sob a doutrina católica

254 Isabel Jacobina, Traço de União, “Echos de 1929”, 1930, n.1, p. 2-3. 255 Almeida, 2004, p.86. 256 Horta, 1994, p.141

Page 206: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

para que elas disseminassem o bem pela humanidade. Isso poderia ocorrer ou através de

serviços filantrópicos ou de carreiras determinadas como femininas como a de

professora. Além disso, uma mulher bem educada poderia acompanhar melhor o marido

no sentido de lhe conferir a paz espiritual.

No entanto, se por um lado os planos educacionais estabelecidos nesse período

se voltaram para a profissionalização, pode-se dizer que, por outro só ajudaram a

reforçar as representações sociais femininas tradicionais. Para o Ministro da Educação,

Gustavo Capanema, os poderes públicos deveriam levar em consideração a diversidade

entre homens e mulheres, pois:

Mesmo reconhecendo que, ‘no mundo moderno, um e outro são chamados a mesma quantidade de esforços pela obra comum (...) a educação a ser dada à mulher deve diferir daquela dada ao homem, ‘na medida em que diferem os destinos que a Providência lhes deu’ (...) ‘se o homem deve ser preparado com a temperança militar, para os negócios e as lutas, a educação feminina terá outra finalidade, que é o preparo para vida do lar. (...) ‘é a mulher que funda e conserva a família, como é também por suas mãos que a família se destrói. Ora, ‘a família é a base da organização social’, estando por isso ‘colocada sob a proteção especial do estado’. A este compete preparar

Solenidade de formatura da 5º série de 1942. Traço de União, 1943, n.1, contracapa. Arquivo da CELPI.

Page 207: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

convenientemente a mulher na sua ‘grave missão’, através da educação que lhe é ministrada. 257

Com a Reforma Capanema, mais uma vez assistia-se à vitória da elite catolica

no campo educacional e à oficialização da separação dos sexos nos colégios, o que se

traduzia na permanência das mulheres em seus espaços tradicionais onde, de acordo

com Almeida (op. cit.), os meninos seriam preparados para ocupar o mundo público, e

as meninas instruídas para o seu papel materno.

Com frases fundadas na tradição do nacionalismo cultural, o trabalho editorial

do Traço de União foi por muitas vezes influenciado. Procurando se engajar na

formação de uma cultura brasileira e na educação do povo, buscavam-se salientar os

deveres das mulheres, na realidade política e nos projetos em curso no Brasil dos anos

30. O papel atribuído à mulher, nas diferentes décadas que até agora foram aqui

analisadas, pareciam, dessa forma, sempre os mesmos, por mais que as finalidades

políticas se redesenhassem para outros fins.

Entre os apelos sociais, que se baseavam em temáticas em evidência, na década

de 40, a II Guerra Mundial também tomou conta das publicações, que para além dos

discursos de formatura, igualmente recebeu solidariamente artigos e imagens de alunas,

como pudemos ver anteriormente. À frente das edições do período, discursos como o do

paraninfo Ariosto, professor do último ano, valendo-se da comoção que tomava a

sociedade da época, expõem o papel do feminino diante da crise vivenciada: (...) Em

meio à confusão dantesca que domina a Terra, porém, ainda não morreu a esperança

de se restabelecer o domínio da razão e do direito, da liberdade e da fraternidade

humana, da felicidade terrena. Para ele, a esperança estava na mulher que, como força

viva, moral e materialmente, lhe caberia no dia de amanhã um papel saliente na

reconstrução do mundo. Colaborando ativamente na salvação da Humanidade,

aceitando as missões que lhe foram impostas pela guerra total, a mulher conquista o

insofismável direito de tomar parte na recomposição do mundo de após a guerra. No

entanto, de acordo com o mesmo paraninfo, seria necessário que essa mulher estivesse

preparada para promover essa reforma moral na Humanidade, incutindo a dignidade no

homem. A educação, segundo essa concepção, deveria preparar as moças para saber

influenciar o homem pelo exemplo, pela bondade, pelo estímulo, pela resignação e,

257 Ibid., p.170

Page 208: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

sobretudo, pela dedicação; para conduzir pelo coração e pela inteligência; para

dominar pela abnegação e pelo sacrifício. Si vem cabendo aos homens, até hoje, as

transformações sociais e a mulher só tem exercido mediatamente a sua influencia, é a

ela, à sua aparente fraqueza que se há de dever a elevação moral da Humanidade.258

Seja qual tenha sido a forma, ou a estratégia utilizada, os discursos

representavam o pensamento daquele grupo que, em meio a todas as crises e mudanças

que envolviam o percurso da humanidade pelas épocas, buscava consolidar uma

imagem de mulher supostamente construída em função da proteção e projeção do

homem. Os ideais católicos contidos no Velho Testamento, apropriados pelo periódico,

reforçaram significativamente a visão social de mulher baseados na crença voltada para

sua fragilidade física e moral, ao mesmo tempo em que lhe designava o poder.

Assim, além de disseminar, por meio desses ideais, a condição de subordinação

do gênero feminino, contribuiu para definir o trabalho que deveria ser pelas mulheres

realizado, atrelando a esse, uma justificativa de obrigatoriedade:

A mulher, considerada frágil tanto física quanto moralmente (criatura inspirada a partir de uma costela de Adão), foi responsabilizada pela maldição imposta por Deus sobre Adão: a expulsão do paraíso e a busca da sobrevivência pelo suor de seu trabalho. Adão comeu da maçã proibida, mas foi Eva a causadora do Fracasso de Adão. Parte da punição que coube a Eva por seu pecado foi o dever da obediência a seu marido em todas as coisas. Os afazeres domésticos – tarefa infindável – deveriam ser justa retribuição pelo pecado cometido por Eva e, também, uma forma de manter a frágil mulher afastada das tentações. 259

Torna-se claro que os discursos de formatura publicados no período situado

entre 1920 e o início da década de 50, tinham dois apelos que acabavam se completando

e gerando a identidade da mulher pretendida por aquela instituição. De um lado levava

em consideração o contexto social que, ao mesmo tempo em que defendia que a mulher

era um ser sensível e frágil, deixava claro que ela era a figura mais capacitada para tirar

a sociedade das trevas e construir, transformar e reconstruir a nação por meio da

educação. Por outro lado, os preceitos cristãos católicos, fortemente arraigados às

verdades das dirigentes do Colégio Jacobina, pressupunham que a mulher só

conseguiria alcançar sua missão, se fosse guiada pela fé, de modo que seu caráter fosse

modelado a partir dos ensinamentos do Criador.

258 Prof. Ariosto Espinheira. ‘Ecos de 1942. Traço de União, 1943 p. 3. 259 Pinsky; Pedro, 2003, p.25.

Page 209: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Pode-se inferir dessa forma, que apesar das dirigentes do Colégio Jacobina

mostrarem um caráter renovador em relação aos métodos educacionais implantados

naquele período, chegando a ser referência devido a seu pioneirismo entre os colégio

católicos, percebe-se que a instituição não fugiu totalmente à realidade de outras

instituições educacionais daquele tempo. Ter defendido e implantado métodos de ensino

europeus e norte-americanos a fez, de fato, referência no Rio de Janeiro e no país,

principalmente por conciliar a doutrina religiosa vigente à sociedade da época. Aliás, foi

isso que a distinguiu das outras: a preocupação com a formação intelectual de suas

alunas que se sentiam valorizadas enquanto mulheres pertencentes a uma sociedade

Cerimônia de formatura das alunas do Curso Clássico, com a presença e a benção de D. Helder Câmara na mesa de entrega dos diplomas. Traço de União, 1956, n.1, contracapa. Arquivo da CELPI.

Page 210: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

ainda preconceituosa e excludente. No entanto, ainda que valorizasse a instrução de

suas alunas, a instituição não chegou a transgredir as regras e nem a propor uma

mudança drástica em relação aos costumes femininos, pois embora constatasse a

submissão do gênero, embasou suas práticas e discursos no estímulo à conservação do

mesmo.

Com a necessidade de tornar pública sua opinião em concordância com o que

apreenderam, as alunas se propuseram, até então, a agradecer a instrução recebida e a

confirmar o que aquele grupo pensava diante do ser mulher na sociedade em questão.

Representando as formandas e também sendo porta-voz dos ideais jacobinenses, a aluna

que se destacou em 1947 por ter tirado nota dez ao longo do ano letivo, proferiu seu

discurso, elucidando o fato de saber que é uma das poucas mulheres daquela sociedade

que teve o privilégio de ser instruída espiritual e moralmente por um colégio como o

Jacobina. Partilhando das mesmas significações dadas pela direção do colégio em

relação à participação da família na instrução feminina, a oradora ressaltou que a

educação eficiente resulta da colaboração íntima do lar e do colégio. No lar, pelo

ensinamento e exemplo dos nossos maiores, aprendemos e assimilamos as virtudes

quotidianas cujo conjunto integra a nossa personalidade. Para ela, as moças deveriam

receber primeiramente no âmbito privado as primeiras noções do dever, da disciplina e

da ordem; já que é nesse espaço que se aprende a obedecer, acatando os ditames de

nosso pais; ali é que hauridamos a compreensão dos deveres para com a pátria, a

família e a sociedade e a do princípio cristão da solidariedade humana. Sendo o

prolongamento do lar, o Jacobina, de acordo com a formanda, havia se colocado até

aquele momento, ao lado de outras instituições de ensino que souberam conservar sua

tradição e manter sua identidade, sabendo preparar mulheres para enfrentar os

problemas da sociedade, pois no mundo atual, conturbado e sofredor, no qual os

problemas mais variados e complexos surgem a cada momento desafiando soluções

justas, a colaboração da mulher se torna não somente exigível, mas imprescindível.

Representando o que as alunas jacobinenses pensavam de si e da aprendizagem

institucional, a oradora do discurso concluiu sua fala deixando claro que nenhuma das

que naquele espaço eram formadas, deveria perder de vista que, o fato de terem

recebido uma educação e cultura elevadas, tendo por isso chegado a um nível mental

Page 211: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

superior, tornava os seus deveres para com a pátria, a família e a sociedade (...) cada

vez mais numerosos e mais graves. 260

Contudo, até esse momento, os discursos publicados pareciam ser resultado de

uma naturalização dos papéis femininos impostos pela sociedade desse período.

261 Pelo menos dentro do Jacobina, isso apareceu pela imprensa escolar sem

grande resistência, até a década de 50, quando então essa história começou a

tomar outro rumo.

Na década de 50, as mulheres já não eram tão mal vistas pela sociedade ao se

lançarem em profissões diferentes do magistério. Ainda que a atuação dessas não fosse

estimulada declaradamente em ofícios diversificados, muitas se lançavam em outras

áreas, já provando igual capacidade do sexo oposto.

De acordo com Pinsky; Pedro (2003), a primeira metade do século XX passou a

recorrer à mão de obra feminina para ocupar o setor terciário. Assim, bancos, profissões

liberais e serviços públicos, especialmente no período entre guerras, foram os que mais

requisitaram as mulheres. Tal demanda, de acordo com os estudos das mesmas autoras,

foi facilitada por um maior acesso aos cursos secundários e superiores pelas mulheres

de classe média urbana que, encontraram apoio de suas famílias sob a justificativa de

que esses graus de estudos eram sucedâneos para os dotes de suas filhas. 262

Dentro do Jacobina, Laura não incentivava abertamente a iniciativa de suas

alunas que correspondiam às demandas de uma sociedade que se caracterizava,

principalmente após a II Guerra Mundial, pelo desenvolvimento do capitalismo social.

Nos anos de 1950/60 no país consolidaram-se

modelos de crescimento econômico pautados numa industrialização acelerada, centrada no poder executivo, que desencadeou a ampliação do setor público e diversificou suas atividades internas, buscando atender as exigências de uma sociedade urbano-industrial em expansão e em acelerado processo de transformação institucional (...) Ao longo desses anos, o ensino superior, particularmente, sofreu impacto das duas ideologias que se constituíram na base de sustentação dos governos que se sucederam até 1964. 263

260 Maria Pompéia Rache Leal Costa. ‘Ecos de 1947’. Traço de União, 1948, n.1, p.1-2. 261 Lembrando que cada grupo incorpora o ideário social a partir das vertentes que já foram atribuídas pelo próprio grupo. 262Pinsky; Pedro, 2003, p. 300. 263 Mendonça, 2003, p.505.

Page 212: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

O ensino superior acabou, nesse período, tendo um primeiro surto, em cujo

processo de expansão o número de universidades existentes no Brasil passou de 5 (até

1945) para 37 (em 1964). Por outro lado, de acordo com a mesma autora, o número de

escolas, nesse momento, não chegou a duplicar. 264

Na metade do século XX, assim, a velocidade das mudanças econômicas acabou

provocando um grande impacto sobre o antigo modelo familiar, no qual, segundo

Moraes (2003), as mulheres ingressavam cada vez em maior número no mercado de

trabalho. Com isso, de acordo com a mesma autora, as mulheres vão alcançando

autonomia financeira e rompendo aos poucos com um forte elo tradicional: a

subordinação econômica da esposa ao marido.

Acompanhando o processo de feminização nas universidades de países

desenvolvidos, algumas alunas do Colégio Jacobina já almejavam se lançar pelas mais

diversificadas profissões desde a década de 40, como explicita Laura Jacobina Lacombe

(1942) ao mencionar que embora elas quisessem se desvirtuar do caminho designado a

todas as mulheres, ainda faltava no Brasil ensino superior que atendesse a esse desejo.

No entanto, nos anos 50, isso se tornou diferente e, o que apenas era desejo, pôde se

tornar realidade.

Ricas, viajadas e com um vasto capital cultural e intelectual, as alunas do

Jacobina eram alvo certo dentro de uma sociedade que precisava de gente especializada

que acompanhasse o desenvolvimento de seu país naquele momento. Além do mais, os

referenciais de muitas moças que por esse colégio passaram, eram situados em países da

Europa e nos Estados Unidos, onde as mulheres já vinham freqüentando universidades

e naturalizando esse difícil processo.

Aqui no Brasil, o trabalho feminino nesse momento ainda enfrentava

preconceitos, pois como essas ainda eram vistas, primeiramente, como mães e donas de

casa, a vida profissional e o casamento apareciam socialmente como forças opostas. De

acordo com Bassannezi (1997), um dos principais argumentos para as ressalvas sobre o

trabalho feminino, embasava-se no fato de que trabalhando, as mulheres deixariam de

lado suas obrigações com maridos e filhos e os afazeres domésticos, o que poderia

acarretar a instabilidade matrimonial.

264 Ver estudo de Cunha (1983) citado por Mendonça ( 2003).

Page 213: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Sob essa mesma prerrogativa, Laura Jacobina Lacombe discordava desse novo

contexto, e continuava reforçando, pelos discursos publicados no Traço de União, que

as mulheres deveriam seguir eternamente sua suposta vocação. Assim, de acordo com a

diretora, as alunas tinham uma visão distorcida e ilusória da realidade que emergia : (...)

Hoje, tôdas têm seus projetos, seus sonhos e vêem, ‘la vie em rose’. Procuram sondar o

futuro, forçando prognósticos ingênuos que vocês imprimam na página de despedida do

‘Traço de União’. Para Laura, as alunas deveriam rever seus conceitos, pois na vida,

segundo a mesma, nada deveria se sobrepor ao destino feminino. Utilizando seu vasto

conhecimento, a diretora se apropriava de autores para legitimar ainda mais sua fala:

Disse Leon Bloy: ‘Plus une femme est sainte, plus elle et femme’.Meditem bem sôbre

essa afirmação e vocês sentirão como tantas mulheres, na sociedade de hoje, fogem ao

seu destino real, umas no ridículo da masculinização, outras, no extremo oposto, na

preocupação de atraírem, entregando-se ao culto de seus dotes físicos. Criticando a

presença feminina nas profissões que supostamente deveriam estar restritas aos homens,

a diretora, por fim se voltou, como sempre, para um apelo social: O mundo precisa de

influencia benéfica da mulher. Diz Gertrude Von lê Fort que ‘a mulher maternal tem

por privilégio essa função discreta e capital; saber esperar, saber calar, ser capaz,

diante de uma injustiça ou uma fraqueza, de fechar os olhos, perdoar, encobrir...’Só

essa influência befazeja será capaz de trazer a paz a esse mundo(...) Para terminar,

recorre à religião: E para que vocês possam sustentar com vigor essa luta que exigirá

de vocês muito esforço e sacrifício, vocês bem sabem quanto precisarão do apoio da

nossa Santa Religião, na qual procuramos formar a consciência de vocês.265

Naquele período, as profissões que se afastavam do magistério, ainda não eram

muito bem vistas pela direção do Colégio Jacobina, que se apropriava dos preceitos

religiosos para fundamentar suas falas contrárias às novas demandas sociais femininas.

Aceitava-se, no entanto, que além de professora, a mulher atuasse como assistente

social, artista, musicista que, entre outras, poderiam estar relacionadas à filantropia ou à

cultura, trabalhos que já estavam naturalizados há algum tempo entre as mulheres

pertencentes a classes mais abastadas da sociedade. Aliás, Laura Jacobina Lacombe,

que esteve presente até o fim das publicações do Traço de União, sempre utilizava as

mesmas estratégias para fundamentar seus discursos: apropriava-se de um apelo social

265 Laura Jacobina. ‘Écos de 1953’. Traço de União, 1954, n.1, p. 3.

Page 214: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

vigente, de um autor reconhecido, geralmente católico, e de preceitos e valores

disseminados pela Igreja.

Munida de uma visão própria da antiga tradição que dividia o mundo público

(masculino) e o privado (feminino), a educadora se preocupou, principalmente nos anos

40 e 50, em fazer uma crítica à atitude das que resolveram optar por outras profissões

que não correspondiam àquelas nas quais todas conseguem utilizar suas supostas

habilidades como paciência e compreensão, para atuar no papel de mãe amorosa e

esposa cuidadosa:

O ideal masculino era de alguém racional, agressivo, corajoso, capaz de tomar decisões lúcidas, empreendedor e dominador, apto à vida pública, enquanto a mulher deveria ser sentimental, passiva, casta, vulnerável, dependente e destinada ao lar. De certo modo, as próprias mudanças convenceram a muitos que as mulheres não deveriam deixar suas atribuições de mãe e esposa obediente, permanecendo definidas por sua relação com um homem. (...) O modelo de maternidade em desenvolvimento (mães devotadas, que amamentam, educam seus filhos nos primeiros anos de vida e administram a formação das moças), por sua vez, exigia mais tempo e energia. Trabalho e lar começaram a ser vistos como dois campos opostos e incompatíveis para a mulher da boa família. 266

Acredita-se, assim, que pelo fato dos ideais de Laura já não irem ao encontro do

das alunas, em 1956, os discursos de formatura passaram a não ocupar mais as

primeiras páginas como antes. Publicado somente a partir da página 21, o periódico

proclamou a falência de seus antigos preceitos e valores quando se apropriou de

questões que nortearam as mentes femininas para mostrar que as mulheres não

deveriam se prender aos lares, mas seguirem rumo a outros caminhos. Uma professora

do colégio, em 1955, dissertou sobre os ideais a serem seguidos para que depois não

houvesse uma desilusão na vida das formandas. No entanto, apesar de falar em

liberdade de escolha, ela acabou propondo a mesma discussão que colocou em

evidência o papel da mulher cristã na sociedade, buscando delimitar, assim, o campo de

ações das alunas: Os bens materiais devem ser naturalmente queridos, mas não como

finalidade. Assim, se nos falharem, saberemos ultrapassá-los, guiadas pelo ideal que

nos unifica, impedindo que fracassemos. (...) Abrindo o leque de opções femininas, a

professora afirmou que não é somente a perspectiva de um lar futuro que devemos

acolher, para julgar que nossa vida terá um sentido. Por outro lado ela diz que É certo

266 Pinsky; Pedro, 2003, 271.

Page 215: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

que poderemos recorrer outras estradas, a serviço da cultura e por dedicação aos

outros. A serviço da educação, em última análise, quaisquer que sejam as modalidades

que possam revestir: assistência social, magistério, secundário ou superior. (...) Por

fim, as intenções ficaram claras e o discurso que a priori parecia decretar liberdade de

escolha, confirmou sua real posição dizendo que para atingir o objetivo que decorre da

opção feminina, dever-se-ia empenhar então o que há de mais nosso, mesmo nossa

vida. Este nosso ideal prático e de vida deve evidentemente coincidir com o ideal

religioso, que nos sustentará sempre, apesar de todas as lutas e derrotas possíveis. 267

A adesão entre a classe docente ainda podia ser encontrada, até mesmo porque

fazia parte de uma geração que fora educada a partir dos antigos preceitos. Porém, entre

as jovens, já era mais difícil conciliar as verdades do passado com as do presente. No

último ano de publicação da seção aqui analisada, 1957, a revista já começou a ter outra

fisionomia. Desse momento em diante, alguns discursos de formatura que foram

escolhidos para publicação, não apareceram mais em destaque no periódico.

Começaram as grandes mudanças editoriais, sofrendo as capas o reflexo desse processo.

Dentre os discursos que mais se engajavam nos antigos ideais permeados por Laura

Jacobina Lacombe, encontravam-se os que se voltavam às alunas do Curso de

Educadoras da Infância: o novo investimento da dirigente para promoção da educação

católica no colégio e no país. Assim, recomeçou Laura novamente:

Minhas prezadas alunas e afilhadas. Chegaram vocês, ao fim deste curso onde se prepararam para educadoras! Já pensaram bem no que essa palavra significa? Já terão aprofundado o alcance dessa carreira? Não é, apenas, uma profissão que vocês abraçam, é uma vocação que as chama. (...) o nosso curso não visa apenas, forma-lhes a parte técnica. A sua finalidade é a de preparar educadoras católicas. Temos que preencher as fileiras de um grande exército que leva almas para o céu. Mas, como, a intuição e a instrução não são suficientes, vocês se preparam também, na formação católica. Quanta responsabilidade! É o desabrochar das almas, a tarefa que lhes cabe; é a primeira centella de uma chama que deve brilhar por toda vida. (...) Pensem bem, pois na responsabilidade que lhes cabe! Mas como vocês bem sabem, o nosso curso prende-se a um movimento internacional: a sua fundação visou preencher uma lacuna. A OMEP devia ter seu núcleo Brasil: faltavam nos elementos católicos para militarem nesse campo. (...) Hoje vocês pronunciaram o seu compromisso; que o façam conscientemente, tendo em vista a nobreza de sua significação (...). 268

267 Amélia Maria. ‘Ecos de 1955’. Traço de União, 1956, n.1, p.21. 268 Laura Jacobina Lacombe. “Ecos de 1956”. Traço de União, 1957, n.1, p. 27.

Page 216: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Ao longo da década de 50, as leitoras e escritoras do ensino regular não tinham

mais o perfil daquelas do início do século e, por esse motivo, acredita-se que em 1958, a

seção destinada exclusivamente à publicação dos discursos de formatura tenha sido

extinta do Traço de União. Isso porque os temas que estimulavam a escrita das

colaboradoras, já não se inebriavam mais na religião e nem na concepção de mulher

como redentora da nação. Ainda havia, sim, uma perspectiva católica, mas nem mesmo

a edição das revistas conseguiu frear os maiores motivadores da escrita que passaram a

se inspirar em novos paradigmas femininos modernos.

A hipótese aqui levantada é a de que foi dentro desse contexto que teve início a

falta de interesse por parte das colaboradoras em relação à participação no Traço de

União. E isso foi o que certamente acabou gerando os conflitos que foram expostos

anteriormente, já que as poucas que efetivamente continuavam atuando nas publicações

ficaram sobrecarregadas. Talvez a revista tenha tido tantos problemas em suas últimas

fases, pelo fato de os ideais que sempre orientaram suas edições entre leitoras e

escritoras terem entrado em choque com ideais da época. Já não atraíam, por isso, as

alunas na mesma proporção de antes e não impactavam tanto em suas formas de agir e

atuar. A saída foi investir nas educadoras da infância.

3.3. Curso de Educadoras da Infância: elo entre preceitos católicos e renovadores

Nos primeiros anos de colégio, as famílias desejavam, para as filhas, um preparo intelectual, para freqüentarem a sociedade. Tinham apenas, como meta, o casamento. Esse preparo inicial era completado fora do Curso, pelas professoras de piano e declamação (...) Por motivos providenciais, o Colégio Jacobina tem vindo crescendo num sentido que apesar de não ter sido manifestado, desde o início, sempre foi, no íntimo, sua vocação: a preparação de professores. (...) Com a fundação do Curso de Educadoras da Infância, encontrou o colégio a estrada que lhe cabia com justiça: a formação para o magistério. O interesse das alunas do curso Normal pela sua profissão, levou-as a apresentar um abaixo assinado, a fim de que se criasse uma faculdade de Educação. Veio, pois, à luz esse sonho latente, e, depois de alguns anos de dificuldades e lutas, decorrentes sobretudo da ida da capital para Brasília, foi assinado, afinal, a 24 de abril de 1973, o decreto que criava a Faculdade de Educação Jacobina, curso de pedagogia. 269

269 Laura Jacobina. ‘Depoimentos’. Traço de União, 1974, n.1, p. 27-29.

Page 217: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Quando mais um espaço fixo surgiu no periódico na década de 50, ninguém

poderia imaginar que ele seria o último estrategicamente utilizado para disseminar

discursos pautados nas representações de mulher nas quais Isabel e Laura se alicerçaram

para erguer o Colégio Jacobina no início do século. Com adaptações do ideário

pedagógico renovador dos anos 20 e 30 e uma visão cristã de mulher e educadora

fundada no imaginário social enraizado em fins do século XIX, o Curso de Educadoras

da Infância, fundado em 1953, encontrou logo um espaço específico no Traço de União.

Em uma “Croniqueta”, é possível compreender a finalidade com que foi criado:

Aconteceu... Foi criado, êste ano, o Curso das Educadoras da Infância. Esta iniciativa

mereceu aplausos e simpatia, por ter como fim a preparação das educadoras em

formar a personalidade da criança dentro das responsabilidades e problemas que a

primeira infância apresenta, mas que os adultos esquecem. 270

O curso que tinha, segundo o artigo publicado, a grande vantagem de formar,

não somente professoras, mas também de preparar boas mães educadoras, era de três

anos e tinha um corpo docente composto por professores competentes e

especializados271 que se distribuíam, inicialmente, entre as disciplinas Biologia

Educacional, Trabalhos Manuais, Filosofia, Psicologia, Desenho, Metodologia e

Música.

Até aquele momento no Rio de Janeiro, de acordo com artigo do Traço de

União, eram poucas as instituições que preparavam mulheres para os cuidados com a

primeira infância: somente a Sociedade Pestalozzi tinha um curso de emergência, o

Instituto Técnico do Colégio Bennet, para formação de professoras do Jardim de

Infância e Escola Maternal, assim, resolveu o Colégio Jacobina preencher essa

lacuna.272

Como um projeto da diretora Laura Jacobina Lacombe, que nesse mesmo ano de

1953 já havia fundado a OMEP (Organização Mundial de Educação Pré-escolar) do

Brasil273, o Curso de Educadoras da Infância diferentemente do Curso Normal 274, que o

colégio havia tentado implantar no final da década de 40, cresceu e viu ao longo dos

anos o seu número de matrículas aumentar, tendo, inclusive, devido à procura, que 270 Lúcia Bartolicci Portugal. “Croniqueta”. Traço de União, 1953, nº1, p. 1. 271 id. 272 Traço de União, 1953, nº 2, p. 6. 273 A OMEP foi originalmente fundada em Praga em 1948, mas somente em 1952 educadores brasileiros que participaram do congresso no México trouxeram a idéia para o Brasil. 274 O Curso Normal do Colégio Jacobina era, segundo relato de ex-alunas, a paixão da Diretora D. Laura Jacobina. No entanto, segundo as mesmas ex-alunas, o Curso que era de apenas dois anos, teve somente uma turma formada na instituição, já que o número de matrículas foi muito baixo.

Page 218: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

passar a fazer uma prova de seleção, para escolher, conforme divulgado pela própria

Laura no seu periódico institucional, os melhores elementos.275

Várias representantes católicas começaram a assinar o Traço de União no espaço

reservado a esse curso. Isso porque, como foi possível ver anteriormente, Laura

estimulou por todo Brasil a freqüente admissão de religiosas como alunas, já que um

dos objetivos do Colégio ao fundar tal modalidade era o de prestar serviço às

congregações religiosas para maior progresso das classes infantis nos colégios católicos.

Ao fim de dez anos do curso, o Jacobina anunciou em artigo publicado no Traço de

União que havia diplomado vinte e seis religiosas de doze congregações diferentes, as

quais se encontravam espalhadas por todo o país:

Numa de suas parábolas Jesus fala da semente que caiu no bom terreno, e deu frutos cento por um. Podemos comparar essa semente com magnífica idéia que teve a D.

275 Laura Jacobina Lacombe. ‘O Curso para educadoras completou 10 anos’. Traço de União.

A diretora Laura Jacobina Lacombe com o grupo de Educadoras de 1962, entre as quais se encontram freiras das congregações religiosas de toda parte do Brasil. Traço de União, 1963, n. 1 e 2., p. 26. Arquivo de CELPI.

Page 219: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Laura de abrir um novo curso para formação de professoras pré-primárias, para que o problema dessa educação acompanhe sempre os progressos modernos. O bom terreno é o Colégio Jacobina que há mais de meio século tem se prestado para preparar jovens que saibam enfrentar as lutas da vida e dar bons frutos cento por um. 276

Nesse momento de ascensão do curso, o Traço de União vinha passando por

problemas complicados de comunicação, pois os ideais de Laura Jacobina Lacombe

frente à formação feminina, já não tinham mais a adesão completa das alunas. Como já

observado, o discurso baseado na instrução da mãe educadora não refletia mais a

realidade das alunas que cursavam o ensino regular da instituição. A participação das

alunas na revista teve, nesse período, que ser por inúmeras vezes solicitada, o que não

acontecera nas décadas anteriores. Por fim, o perfil da revista mudou e como ele os

discursos que, repletos de idealismos, sempre foram bem representados pela seção

“Ecos”, que logo nas primeiras páginas traduzia as verdades de um grupo que até

meados de 50 ainda tentava passar pelo Traço de União certa homogeneidade na forma

de pensar a educação institucional e feminina.

Um espaço para o Curso de educadoras no periódico aparecia, assim, como uma

última e ótima oportunidade de aliar os aspectos religiosos e renovadores à instrução da

mulher nos textos publicados, sem que para isso a edição da revista precisasse solicitar

incessantemente auxílio das colaboradoras. Naturalmente a escrita das alunas do Curso

de Educadoras já continha moral cristã na proporção devotada de Laura, o que deixou o

periódico com um aspecto mais religioso, embora de modo bem mais reduzido que o da

década de 30, quando o impresso se filiou à Associação dos Jornalistas Católicos. É

provável que, nessa perspectiva, a forte presença de Laura Jacobina Lacombe no âmbito

educacional e suas formas de ser, agir e pensar a partir disso, influenciassem nos

discursos dessas alunas no Traço de União e acabaram, de certa forma, fabricando

professoras277, dando significado e sentido ao que era exercer a profissão a partir da

formação dada pela instituição em questão.

Ainda que reservado a um espaço restrito no periódico, o idealismo frente à religião conseguia se mostrar de modo contínuo nos ensinamentos do Colégio Jacobina, onde alunas pareciam ter encontrado apoio para associarem o catolicismo com a profissão que, de forma romantizada, era transmitida pela escrita. Enquanto vitrine, o Traço de União elucidava, desse modo, que a certeza

276 Cecília de Aguiar. Traço de União. ‘O Curso de Educadores’. 1953, nº2, p. 6. 277 Expressão utilizada por Louro (1997).

Page 220: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

da opção pela educação das criancinhas representava a chave para a felicidade daquelas que deveriam, por obrigação, dar o máximo sem pensar em recompensa devendo ter presente em seu espírito o grande exemplo do Mestre, que nos deixou tão lindos ensinamentos e também nos deu o seu grande amor, sem nos pedir nada. 278 Assim, a intenção do Curso de Educadoras era formar jovens devotadas, guiadas pelo amor no exercício profissional, como se pode ver nesta carta escrita em 1963, por Irmã Filotéia:

Prezada D. Laura! Depois de um longo silêncio em que, contudo, não me esqueci do meu Colégio Jacobina, é que venho dar-lhe sinal de vida. E que vidinha feliz, entre a petizada do Jardim de Infância! Tenho oitenta crianças matriculadas, sendo que pela manhã vêm trinta do preliminar, de seis anos, e à tarde uma turma de vinte e seis, de cinco anos, e vinte e quatro, de quatro anos. A senhora, certamente, vai dizer que são demais, e eu também sei que o ideal é ter turmas menores, mas aqui é impossível por causa do grande número de crianças e do pequeno número de Jardins.(...) eu passo 7 horas e meia com as crianças; e quando saem ainda fico com pena (...) Como me tem ajudado e me ajudarão no futuro os conhecimentos de Psicologia Evolutiva e de Linguagem de Terezinha Russo, a Prática de Ensino, de Dona Marina(...) eu aproveito agora na prática, tudo que aprendi na teoria.(...) Com o tempo escreverei, contando minhas experiências na vida de Jardineira.279

Por meio de textos trazidos pela imprensa do colégio, é possível observar que

seguindo o mesmo princípio do seu ensino regular das décadas passadas, a instituição

visava, com o Curso de Educadoras, a formar futuras mães que, católicas e com o

capital cultural dado por uma boa educação, pudessem influenciar na formação de seus

filhos e também em alguma instituição com fins filantrópicos. Algumas ex-alunas

continuavam no Jacobina, onde após estagiarem, ficavam como educadoras no jardim

da instituição, podendo chegar a dar aulas para outras futuras educadoras que estudavam

no colégio.

Os discursos publicados das alunas do Jacobina continham ideais bastante

semelhantes aos das normalistas do Instituto de Educação, referência na preparação de

professoras primárias no Rio de Janeiro. Martins (2000) ao analisar os periódicos

Estrela azul, Normalistas e Tangará produzidos pelas alunas desse Instituto na década

de 40 e 50, fornece pistas para compreender as representações publicadas em textos

pelas futuras professoras. Segundo a autora, na visão das escritoras desses periódicos, a

278 Laura Jacobina Lacombe. ‘O curso para educadoras completou 10 anos’. Traço de União, 1963, nº 1 e 2, p. 26. 279 Publicada no Traço de União, 1963, nº 1 e 2, p. 28.

Page 221: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

carreira de professora exigia uma preparação acurada, formando pessoas devotadas

que tivessem condições de ensinar as crianças a viver uma vida melhor, desperta-lhes a

inteligência de modo que elas adquirissem o gosto pelo aprender; devia-se educar em

prol de um Brasil melhor. 280

As idéias atreladas à concepção de mulher como transformadora, construtora e

reconstrutora da nação parecem ter fundado os discursos dessas publicações do Instituto

de Educação, assim como acontecia no Traço de União a partir do espaço destinado às

educadoras jacobinenses, em que igualmente se concebdia à professora esse poder e

essa missão social: ser professora é sacrificar-se em prol da infância; é ter nas mãos o

destino da pátria, é instruir, é educar.281 As alunas desse instituto, então, percebiam-se

como seres detentores de uma chance rara no que consistia a formação da consciência e

na modelação do caráter da criança. Segundo Martins (op. cit.), associada à figura

materna, professores, deveriam ser do sexo feminino, já que as mulheres supostamente,

a partir desse ideário, teriam mais condições de conduzir com eficiência a educação da

infância, já que estariam sempre prontas para doar amor.

Foi partindo desse mesmo princípio que o Traço de União mostrou que o Colégio Jacobina, com a finalidade de moldar melhor seu currículo às exigências da formação das futuras mães educadoras, fundou um novo estágio que surgiu merecendo destaque no periódico: puericultura, tendo por objetivo instruir nos cuidados com os recém nascidos. Esse estágio para as alunas do Jacobina, que acontecia no Hospital Maternidade, abordava questões ligadas à puericultura, sendo incentivado não só para as próprias alunas do Curso de Educadoras, mas também para as jovens de um modo geral que, segundo os ideais veiculados, deveriam ser mães um dia e por isso precisariam de tais ensinamentos282: Falar da utilidade desse curso é desnecessário, pois todos conhecem sua finalidade. Todo serviço em prol da humanidade acarreta em satisfação. (...) O curso é esplêndido (...) O ambiente encontrado por nós nos hospitais em que estagiamos é magnífico. (...) Assim, a revista era utilizada para fazer apelo às jovens leitoras: que venham conhecer de perto esse curso, que para nós futuras mamães é e será de grande utilidade. Não tenham receio pois serão orientadas com todo amor e dedicação (...).283

Junto à matéria, uma imagem preparada para veiculação, em que uma possível instrutora segura a criança com a felicidade plena que a ocupação poderia vir a trazer.

280 Martins, 2000, p. 63. 281 Guaraciaba, 1948, p. 4 apud Martins 2000, p. 63. 282 Ver: Relatório dos Estágios de Puericultura feitos na Maternidade Escola de Anamaria Parkinson. Traço de União, 1960, nº2, p. 41. 283 Anamaria Ribeiro França. ‘Estágios de Puericultura’. Traço de União, 1960, nº2, p. 40.

Page 222: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

A repercussão desse Curso, que entrou para o currículo, foi alvo de algumas

matérias no periódico do Colégio Jacobina. Ressaltando a importância de tal

aprendizado, principalmente entre as ex-alunas já atuantes que deixavam muitos relatos

de experiências e frases de efeito registradas na revista jacobinense, os textos

publicados acabavam justificando o discurso de uma época que, aliado aos preceitos

religiosos difundidos pelo colégio, viam na criança o futuro da humanidade.

Nesse sentido, as educadoras defendiam ser indispensáveis as noções de

puericultura, bem como tudo que se relacione com nossa meta final: a criança.

Ensinando todos os cuidados que devem ser dispensados à crianças recém nascidas

para que cresçam felizes, pois elas são flores vivas pela sua beleza e candura, esse

curso se justificava entre as educadoras do Colégio Jacobina, acima de tudo, porque as

crianças eram consideradas o encanto e a esperança do gênero humano.“Quem embala

um berço, embala o mundo”. A infância é o maior e mais precioso tesouro desse

mundo. (...) São elas fruto genuíno do amor dos esposos. 284

Por meio de antigos discursos, o Traço de União, que já na década de 20

defendia que Quem embala o berço, embala o mundo, utilizou o espaço reservado para

reafirmar, ainda nesse tempo, a necessidade da instrução feminina para um mundo

284 Irmã Alécia e Maria Teresa Cotia. “Os dez anos do Curso para Educadoras: Puericultura”. Traço de União. 1965, nº2, p. 43.

Imagem de uma das instrutoras do estágio de puericultura segurando um recém nascido. Traço de União, 1960, n. 2, p. 40. Arquivo da CELPI.

Page 223: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

melhor. E mais uma vez, à mulher é dado o poder que, ao mesmo tempo em que a

legitima enquanto missionária da humanidade, também lhe incube as representações

profissionais de inferioridade em relação ao homem.

A música e o canto, apesar de serem assuntos menos abordados do que a

puericultura, também eram mostrados como parte da preocupação das educadoras que

diziam encontrar nesses dois elementos, meios de expressão da alma infantil e de

manifestação de sua vida afetiva, além de serem fatores importantes para o

desenvolvimento educacional da criança. Segundo o artigo “Música Canto na educação

das crianças”, publicado em 1954, além de aspectos ligados à religião e à psicologia, a

inserção e a integração social também aparecem no centro desse debate:

Visando ao aspecto físico, ressaltamos o valor das músicas que exigem gestos, corridas etc; emocional dando oportunidade à criança para descarregar as suas tensões nervosas ou positivá-las; social ou coletivizador, a criança se encontra no grupo como um membro que toma parte e precisa se integrar; religioso, proporcionando conhecimentos de religião por meio de versinhos cantados; cívico, desenvolvendo o sentimento de amor a Pátria à bandeira e finalmente científico dando conhecimentos vários que podemos transmitir às crianças através da música. Além dêsses benefícios, a música desenvolve a memória, o ouvido o ritmo e sabemos que “as atividades de nossa vida estão condicionadas a um determinado ritmo e o ritmo é a própria vida”. 285

Esse momento de desenvolvimento do Curso de Educadoras no Colégio

Jacobina, passou-se nos chamados anos dourados da formação docente. Momento que,

de acordo com Martins (2000), para os professores, caracterizou-se pela consolidação

de uma cultura pedagógica que enxergava o docente como um ser especial, possuidor de

um saber necessário e imprescindível, que tinha como missão a salvação das crianças da

ignorância.286 Tal momento mescla, assim, antigas concepções de mestre ideal –

sinônimo de segunda mãe – e as novas concepções que surgem da necessidade de o

professor “auxiliar à pátria” educando para o bem estar social diante de um projeto

desenvolvimentista, norteado por princípios democráticos e de formação científica.

Ressaltando questões relativas a esse período, o Traço de União foi conduzindo

o entendimento do leitor que, muitas vezes, por meio do currículo veiculado, deparou-se

com ideais de educadores e educação a partir de concepções retrógradas que

justificavam e davam sentido, ainda naquele período, à formação docente.

285 Sem autor. ‘Música canto na educação da criança’. Traço de União, ano XXXVI, 1959, nº1, p.9. 286 Martins, 2000, p. 64.

Page 224: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Foi partindo desse princípio que as duas mais antigas profissões permitidas à

mulher da classe média, encontram-se nas páginas do Traço de União. Apontando para

a valorização de práticas voltadas à enfermagem, que tornaram a estar em evidência

com a II Guerra Mundial, o texto Novidade no Curso de Educadores, escrito por duas

alunas do segundo ano de 1954 comunicava a abertura da disciplina Socorros de

Urgência. Nessa disciplina, segundo as escritoras, o entusiasmo com que todas as

alunas assistem a essas aulas revelou sua grande necessidade, já que, como no caso da

puericultura, o curso não visava a preparar só educadoras, como, também, futuras mães. 287

Com imagens que traziam a sala de aula para a revista, as alunas do Curso que,

como o próprio texto afirma, utilizariam os ensinamentos da disciplina tanto na

profissão como em casa na função de mães, revelavam as facetas do ser educadora ao

associar a sua atuação ao cuidado e à filantropia. 288 Nesse contexto, a profissão passou

a ser uma atitude de generosidade, que procurou tornar as alunas úteis para melhor

servir ao próximo e, por conseguinte à Pátria. 289

287 Traço de União, 1954, nº2, p. 21. ‘Novidades do Curso de Educadores’, Suzana Lacerda e Cecília Aguiar. 288 Para um maior aprofundamento na questão da filantropia e do cuidado na profissão docente, ver Carvalho (1999). 289 Suzana Lacerda e Cecília Aguiar. ‘Novidades do Curso de Educadores’. Traço de União, 1954, nº2, p. 21.

Imagens das aulas práticas da “Socorro de urgência”. “Novidades do Curso de Educadores”. Traço de União, 1954, n. 2, p. 21. Arquivo da CELPI.

Page 225: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Entre todos os destaques, assim como nas simples matérias ou notícias que

abriam espaço para os envolvidos com o curso de educadoras se comunicarem, é visível

a necessidade das alunas, da direção e das ex-alunas mostrarem somente os aspectos

positivos da profissão, até mesmo porque esses estavam acostumados a manifestar

somente o que podia ser lido. E o que podia ser lido era o instituído e o naturalizado.

Por isso, as alunas que colocavam a profissão como chave da felicidade, reforçavam nas

imagens e idéias impressas no Traço de União a possibilidade edificadora de se

construir na criança um adulto melhor preparado para a vida em suas múltiplas

exigências.

A educadora seria, dessa forma, a grande responsável pela felicidade do adulto

que enquanto criança passou por suas mãos e conhecimentos: Para a criança que

atingiu três anos e desenvolveu, harmonicamente as suas faculdades físicas e mentais,

não por acaso mas, de acordo com a orientação precisa, inicia-se, com alegria, o

período pré-escolar, período este que requer muitos conhecimentos da parte de quem

educa, em relação a este pequeno ser, como também sérios cuidado. Isso porque, de

acordo com a mesma autora, do educador dependerá mais tarde em grande escala, a

realização da vida desse sujeito. Não quero dizer que só a este fator esteja ligada uma

futura e feliz realização, todavia é um dos mais importantes pois temos provas cabais

dos reflexos de uma infância feliz ou infeliz na vida de um adulto.(...). 290 Levar em

consideração as diferentes etapas de aprendizagem da criança foi um dos objetivos da

pedagogia proposta por esse curso, que se espreitava não somente nos antigos ideais

referentes à mulher, mas também naqueles relacionados aos métodos, que vinham de

adaptações dos ideais desenvolvidos por artífices da Escola Nova nas décadas de 20 e

30.

Por tudo que representava em termos de permanência idealista, pode-se dizer

que o Curso de Educadoras foi ampliando e consolidando seu espaço ao longo dos anos

no Traço de União, e uma das formas de dar ainda mais visibilidade aos aspectos

relativos à profissão, nesse meio de comunicação, foi manter o princípio fundamental da

revista: semear o elo entre antigas e novas alunas. Para isso, incentivou o envio de carta,

como já o fazia com as ex-alunas do ensino regular: Pedimos que nos enviem notícias

290 Irmã M. Miquelina. ‘A criança na idade pré-escolar’. Traço de União, 1957, n. 1, p. 4.

Page 226: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

regularmente, pois, poderemos, pelo Traço de União, 291 transmitir a todas as colegas.

Para além dos relatos de cotidiano, a escrita dessas missivas acabava, a partir da edição

que se observa no Traço de União, criando modelos de educadoras que dali do Jacobina

deveriam sair para atuar e melhorar o mundo, seja lá em que lugar do Brasil fosse

trabalhar, pois a formação oferecida não era só intelectual, mas moral e espiritual,

envolvendo-as por inteiro.

Estudo de Vaz (1998) sobre cartas de leitores em jornais, mostra que essas são

um importante canal de comunicação que, para serem publicadas, resultam de uma série

de filtros que envolvem seleção do que é ou não publicado, acabando por transformar o

seu conteúdo em uma representação do real. 292

Por meio da publicação dessas correspondências, a revista passou a dar ênfase e,

conseqüentemente, a valorizar a escrita com as atividades profissionais das formadas,

refletindo ideais de um grupo que fez com que a profissão tivesse um significado único

para aqueles que fizeram parte daquela instituição. Longe de serem privadas293, essas

correspondências enviadas pelas ex-alunas da instituição tinham o objetivo de se

tornarem públicas viabilizando não só comunicar algo, enviar meras notícias, mas na

maioria das vezes servir de bom exemplo para os que dela tivessem acesso na revista.

Impregnadas de valores que conduziam à leitura dentro de um contexto de similaridade,

em que atuais alunas pudessem se esmerar e orgulhar das atuantes e já formadas

educadoras, o que era publicado dessas cartas pretendia ressaltar, de forma romantizada,

a vida profissional das remetentes, que demonstravam em sua escrita aplicar de forma

integral os ensinamentos do Colégio Jacobina.

Em uma das seções editadas, percebe-se como isso era feito: É com prazer que

temos conhecimento das atividades das nossas “Educadoras”. Temos recebido algumas

cartas que nos põem a par desses trabalhos. Da carta de uma das educadoras formadas,

foi publicado somente: Irmã Anilda: “Continúo sempre animada e feliz com meu

jardim”, –escreve-nos ela – e acrescenta: “Quando nossa província puder, mandará

mais duas fazerem o curso, pois, a nossa Madre acha o proveito 100%. No mesmo

artigo, a fala de outra religiosa foi reescrita pela edição da revista: Irmã Miquelina está

em Caió. Tem cinqüenta e duas alunas (em um jardim misto), divididas em dois turnos,

291 Sem autor. ‘Trabalhos das Educadoras: Notícias de algumas ex-alunas do Curso de Educadoras que nos escreveram sobre suas atividades’. Traço de União, 1958, n. 1, p.31. 292 Vaz,1998, p.3. 293 Segundo Castillo Gómez, In Sierra Blaz (2003) a carta privada não pode ter implícita uma intenção de publicação.

Page 227: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

pela idade. Diz-nos que ‘segue’ rigorosamente o método do nosso Jacobina, até mesmo

o horário etc. Porém em espaços menores de tempo, devido ao clima, não é possível

trabalhar nas horas mais quentes. Após a interpretação, segue a escrita da autora: Diz

ela: “Estou contente com o meu Jardim aproveitei muitos dos estágios(...) Vão abrir

outro Jardim em Caió, e a professora está fazendo estágio com a Irmã Miquelina!,

Escreve ela: “Veja quanta responsabilidade”.

Seguindo a interpretação da mesma carta, a edição da revista assinala que a

correspondente, quando começou a atuar passou a compreender a razão da cadeira

puericultura no nosso curso, e diz ter ajudado a muitas mães nesse assunto.

Continuando com a publicação das várias cartas recebidas, o mesmo artigo segue

falando das outras alunas formadas pelo curso: Constança Proença fundou o primeiro

Jardim de Infância em Corumbá. Está encantada com suas experiências e com as

crianças daquela cidade. Apesar de serem todas de temperamento diverso, que ela

procura estudar e compreender, ainda não encontrou crianças problemas! Já as

atuantes Silvia e Lívia Camardelli estão colaborando no Jacobina, com Suzana Lacerda

e Bebel Lacombe. 294

Buscando constantemente o apoio das mães de seus alunos nos assuntos

escolares, como sugerido pela Psicologia e Pedagogia moderna, e readaptando as regras

e horários diante de situações adversas, dos variados locais de atuação, as ex-alunas que

viam seus nomes e relatos de experiência destacados na revista, passavam uma imagem

de satisfação profissional. Assim, mesmo diante das dificuldades, a atuação docente

veiculada parecia repousar sobre características que, desde o início do século,

acompanhavam as educadoras dos primeiros anos escolares da criança: paciência,

abnegação, sensibilidade, compreensão. Tais características, entre outras, tratavam de

definir a profissão a partir de práticas relativas à atenção e à atuação do educador sobre

aspectos extra-cognitivos do desenvolvimento de seus alunos que, como nos diz

Carvalho (1999), estão relacionados à parte física, moral e emocional da criança,

exigindo do profissional da educação uma postura de envolvimento afetivo e

compromisso mediante o educando.

Enfatizando sempre o êxito tido com a opção feita pela referida profissão, as ex-alunas relatam seus desafios e conquistas, que iam desde as pequenas dificuldades em sala de aula até os concursos prestados para entrarem em alguma instituição educacional. Desse modo, como marco em seus testemunhos,

294 Laura Jacobina Lacombe. O que estão fazendo as ex-alunas do curso de educadoras da infância. Traço de União, 1959, nº1, P. 52

Page 228: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

as educadoras reforçavam sempre a qualidade e o resultado positivo do ensino que tiveram no Colégio Jacobina, como se esse fosse, além de inovador por seu currículo, uma chave para abrir todas as portas do sucesso, o que parecia render a propaganda e a recomendação do mesmo por parte das já formadas:

Querida Madrinha

Estou com muitas saudades. Apesar de gostar muito de Brasília, sinto muita falta de tudo que deixei aí.(...) O nosso curso tem feito grande sucesso, quase ninguém conhecia o currículo. Trouxe alguns daqueles folhetos e muita gente se interessou. O concurso foi formidável, muito difícil, mas graças à Deus passei com uma boa classificação. As provas foram mais ou menos tipo teste eram cinco ao todo (Português, História, Geografia, Conhecimentos Gerais e Pr. Psicológicos). Cada uma delas constava de cinco folhas. (...) A parte prática achei a melhor de todas. Sorteei o ponto de recreação, na minha opinião a mais fácil. Brinquei de roda, pulei, marchei de chapeuzinho de soldado, enfim virei uma verdadeira criança. (...) Só sei que no fim da prova a examinadora me deu os parabéns e disse que estava muito satisfeita. 295

Agradecimentos constantes, consolidação da idéia de família dentro da

instituição, experiências do cotidiano, saudosismo, conquistas, bons exemplos, entre

outros, estiveram contidos nas cartas de ex-alunas que eram publicadas no periódico do

Jacobina. À direção, representada ainda por Laura Jacobina Lacombe, o eterno

agradecimento com carinhosos relatos de atividades e vitórias que cruzaram os

caminhos tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos das educadoras formadas pela

instituição. Desde aquelas que permaneceram, depois de formadas, com suas atividades

no Colégio até as que saíram do Rio de Janeiro ou abriram seus próprios Jardins de

Infância para executar o que aprenderam no Jacobina, o Traço de União acolheu a

escrita para que as que se interessassem pela profissão tivessem acesso à teoria em uma

prática rodeada de representações. E assim, as ainda alunas viam nas páginas do

periódico um espelho que refletia uma imagem perfeita e ideal que incentivava os

estudos e ratificava sua escolha profissional.

Pode-se inferir, assim, que o espaço no Traço de União destinado a esse grupo

não foi somente um lugar de transmissão de conhecimento, mas também de produção

do mesmo, de configurações e permanência de modelos, sobre os quais imprimiu sua

identidade. Aplicando a Psicologia com a finalidade de penetrar no universo das

crianças e se apropriando de um conceito de Pedagogia que fixava a necessidade do

estudo contínuo, as educadoras mostravam querer guiar a criança com amor, carinho e

295 Ritinha. “Traço das Educadoras”. Traço de União, Ano XXXVIII, 1961, nº 1, p. 49.

Page 229: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

devoção para que essa não somente aprendesse, mas que também fosse educada a partir

de preceitos religiosos. Preceitos esses que agora, além de espelhados nos ideais de

Laura Jacobina Lacombe, também eram reforçados pelos das próprias alunas que, em

grande número, pertenciam a entidades católicas espalhadas por todo o país que

pretendiam, unidas ao Colégio Jacobina e com o apoio do Traço de União, formar

educadoras missionárias para melhorar o mundo em nome da fé.

Page 230: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Mulheres, trabalhai para reconstrução de um mundo diferente

Page 231: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

O Traço de União deixou à mostra para seus leitores os métodos pedagógicos

inovadores e o ideário católico adotados pelo Colégio Jacobina, com a finalidade de

disseminar, entre o grupo que a ele tinha acesso, imagens referentes a um modelo de

educação feminina que a instituição de ensino procurou legitimar em seu cotidiano. Esta

publicação, propagou, assim, que o objetivo da educação oferecida era possibilitar que

suas alunas tivessem condições de trabalhar para reconstrução de um mundo

diferente,296 pois acreditava-se que a elite feminina intelectual era a única capaz de

desempenhar essa missão, formando a consciência dos homens, seja no âmbito

educacional ou em seus lares entre filhos e marido.

Dessa maneira, com o objetivo de compreender como o periódico escolar

divulgou esse modelo de educação feminina, alicerçado em valores católicos e práticas

escolanovistas, o estudo voltou-se, inicialmente, para um mapeamento preliminar.

Tomando como referência a periodicidade do Traço de União, foram estabelecidas

cinco fases.

O periódico do Colégio Jacobina em sua primeira fase manuscrita, em 1908 e

1910, evidenciou que havia nascido caracterizado por uma escrita feminina em

forma de diário, em que elos católicos e familiares que o alicerçaram abriam

caminho para que, com o passar dos anos, essa idéia amadurecesse,

transformando-se em um órgão de comunicação oficial e impresso.

Assim, em sua segunda fase que vai de 1924 a 1930, o Traço de União

reapareceu de forma mais elaborada a fim de acompanhar o cotidiano do seu

colégio que havia, nesse tempo, crescido e criado uma tradição entre as demais

instituições educacionais femininas e católicas do Rio de Janeiro. Apresentando

quatro publicações ao ano, o periódico, nesse momento, mesclou métodos

escolanovistas com os ideais católicos, que apareceram disseminados por artigos

e imagens, de modo a traduzir para o leitor uma identidade muito própria da

296 Anna M. de Souza Leão Braga. 1º ano científico. “A mulher no mundo após guerra”. Traço de União, 1945, n. 1, p. 6.

Page 232: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

educação oferecida por essa instituição de ensino. Por esse periódico, enfatizou-

se a importância da formação feminina voltada para o desenvolvimento do país,

a partir de um modelo pautado em métodos pedagógicos, criados por

renomados educadores, e em preceitos religiosos fundados, entre outros, na

disciplina.

Em 1931, já como revista, o Traço de União inaugurou sua terceira fase ao

passar as publicações para três vezes ao ano, até 1948. Nesse período, ao mesmo

tempo em que muitas mudanças editoriais foram feitas possibilitando um perfil

mais jovial à revista, também o momento político e educacional vivido pelo país

e a filiação da revista à Associação dos Jornalistas Católicos apareceram como

fatores determinantes na configuração da escrita publicada, que passou a ser

ainda mais informada pelo ideário religioso.

Na quarta fase, que tem início, então, em 1949, a publicação do Traço de União

foi reduzida para duas vezes ao ano, contemplando essa periodicidade até 1973.

Se em suas primeiras edições a revista dessa fase parece se assemelhar à

anterior, o mesmo não pode ser dito quando, em meados da década de 50, os

ideais trazidos pelos novos tempos se confrontaram com ideais tradicionais

disseminados, até então, no impresso. Divergências escritas entre as alunas e a

descaracterização das propostas habituais das capas aparecem como marcas

emergentes nesse período que, em 1974 quando, inaugurada a quinta fase da

revista, passou a ter uma publicação por ano. Em 1981, após um intervalo de

tempo entre as publicações, foi colocado um ponto final nessa longa história.

Havia dificuldade de se manter a qualidade das edições, já que o fio condutor da

revista, a religião e a formação da mulher considerada educadora por natureza,

não atraíam como nas fases passadas suas colaboradoras. Apelos para auxílio

Page 233: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

na elaboração do periódico e mensagens escritas criticamente entre as alunas,

manifestaram-se deixando entrever a falta de interesse da maioria das alunas

dessa época pelo Traço de União.

Na análise feita do periódico, foi possível observar que o Colégio Jacobina

partiu da mesma justificativa de outras escolas católicas para poder educar suas alunas

que, em sua maioria, só tinham autorização da família para freqüentar um colégio, no

início do século, se esse tivesse como objetivo educar para o lar e a sociedade, a partir

de uma concepção cristã, pois para muitos a educação feminina não poderia ser

concebida sem uma sólida formação cristã, que seria a chave principal de qualquer

projeto educativo.297

Pode-se dizer, no entanto, que da mesma forma que as preocupações com a

formação cristã de suas alunas entraram em seu cotidiano, também a Escola

Nova, como já mencionado, impôs-se como projeto escolar privilegiado nas

primeiras fases do periódico. Ano após ano, década após década, os valores

católicos e as inovações pedagógicas mostraram-se ideais para educar filhas da

boa sociedade carioca que eram orientadas para terem um conhecimento

superior ao das mulheres de sua mesma época e classe social.

Pelo Traço de União foi possível observar que o currículo do Colégio Jacobina

ultrapassou os afazeres domésticos que as instituições educacionais do início do

século priorizavam e, indo além desse instituído, buscou ensinar geografia,

literatura, história, botânica, entre outras, que buscavam aguçar a visão crítica

nas mulheres. Isso se justificava, entre outras coisas, pois segundo Laura

Jacobina Lacombe (1936): (...) Devemos esclarecer o que consideramos formação

cívica. Não é em absoluto uma tendência muito brasileira em cantar as belesas do

nosso paiz e as suas belesas naturais, de nada adiantam, tão pouco a nosso ver, a

297 Louro, 1997, p. 447.

Page 234: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

enumeração dos deveres de cidadão. Para a diretora, seria preciso interessar as

alunas nos problemas do país assim que for possível. 298

Ainda que, para educar as alunas, as diretoras do Colégio Jacobina tenham se

apropriado muitas vezes de justificativas socialmente aceitas, pode-se dizer que essa

instituição de ensino formou de modo peculiar suas alunas, que saíam com um diploma

legitimado pela apreensão de um vasto conhecimento cultural. Por outro lado, os textos

publicados no periódico permitiram compreender que o colégio não propôs nenhuma

mudança radical e nem estimulou a crítica à situação de inferioridade das mulheres em

relação aos homens.

Entre todos esses ideais que apareceram em jogo ao se mapear preliminarmente

o periódico, destacaram-se nitidamente os nomes de Isabel e Laura Jacobina Lacombe

que, como dirigentes dessa instituição de ensino e responsáveis pelo Traço de União,

deixaram transparecer que os discursos publicados partiam de valores e crenças

construídas durante suas próprias trajetórias de vida. Dessa forma, traçar suas biografias

foi importante, pois a partir de suas histórias de vida foi possível compreender como

elas interferiram na escrita desse periódico.

Isabel Jacobina Lacombe, sob influência da educação que recebeu no Colégio

Progresso, declarou-se escolanovista, incorporando às reuniões na Associação Brasileira

de Educação (ABE) sua experiência como professora e diretora dessa importante

instituição que foi o Colégio Jacobina. Quando já não teve mais condições de seguir

sozinha na empreitada de formar mulheres a partir da educação moderna, incentivou sua

filha Laura a conduzir seu legado. A partir da década de 20, Laura Jacobina Lacombe

começou a trilhar seu caminho profissional pautada em perspectivas educacionais

semelhantes às de sua mãe. Militante católica, escritora de livros e educadora de

destaque em entidades como a Associação Brasileira de Educadores (ABE), a

Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal (APC) e a Organização

Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP), Laura, que assumiu a direção do Colégio

Jacobina em 1936, foi uma mulher que soube impor e promover idéias cristãs e

pedagógicas ao longo de sua vida.

Renovadoras e católicas, elas estiveram à frente desse colégio que se tornou

referência no Rio de Janeiro e, ao longo dos anos, também no Brasil. Isabel e Laura

298 Laura Jacobina Lacombe, 1936, p. 131.

Page 235: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Jacobina Lacombe diziam apenas querer educar para a vida. Um trabalho que tentava

ser rotulado como quase filantrópico, pois de acordo com os relatos de Laura Jacobina

Lacombe em várias edições do Traço de União, nunca teve fins lucrativos. Em suas

trajetórias reafirmaram e descartaram ideais e com eles formaram educadoras, a partir

do que consideravam certo, divulgando seus passos pelo seu maior aliado, o Traço de

União, que enquanto veículo de comunicação fiel das diretoras promoveu e ratificou as

normas e os valores, ao longo das décadas. Através do Traço de União, as responsáveis

deram visibilidade aos princípios que defendiam, transformando-o em vitrine

privilegiada para expor o modelo de educação feminina, o ideário católico e as práticas

escolanovistas nas quais acreditavam.

O que havia sido cultivado desde os primeiros anos do século XX na instituição,

consolidou-se e perdurou na maior parte das publicações. As diretoras do colégio,

pautadas em representações que emergiram em fins do século XIX, empenharam-se

para formar uma mulher que seria, supostamente, educadora por natureza. Investindo

nesse propósito, Isabel e Laura Jacobina Lacombe utilizaram o Traço de União para

veicular os discursos gerados por esse pensamento, no qual os espaços destinados aos

diferentes sujeitos mostravam que a intenção dessa instituição de ensino era formar

mulheres que devotadas e guiadas pelo amor ao próximo e à Deus, pudessem não só

construir a nação, mas também, ao longo das décadas, reconstruí-la e transformá-la, a

fim de que o mundo se recatolizasse, tornando-se, por isso, melhor para se viver.

Dessa forma, trazer esses discursos para o centro do debate, com o objetivo de

examinar como esses ideais foram tratados por ex-alunas, que sempre tiveram espaço

garantido no periódico; por professores, direção e alunas, a partir da seção “Ecos” que

era responsável pela transcrição dos discursos de formatura; e por colaboradoras do

Curso de Educadoras da Infância na difícil década de 50 foi objeto de análise também.

Militantes católicas, mães de famílias, educadoras dos futuros cidadãos, esposas

fiés e dedicadas expressaram um modelo de mulher que emergiu dos textos e imagens

publicados por esses diferentes sujeitos escolares no Traço de União, em que se tentou

mostrar que, a partir da educação recebida naquela instituição de ensino, as alunas

estavam aptas a mudar o mundo. Partindo da idéia de colégio como uma grande família

e embasando-se em uma imagética construída desde o fim do século XIX299, quando a

fé na escola carregou como emblema a destinação das mulheres para educar a nação, o

299 Idéia trabalhada por Almeida (2005).

Page 236: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Jacobina em estreitos laços com o pensamento social fez perpetuar um modelo feminino

e de formação, fixando que às mulheres deveria caber o controle dos homens e a

orientação dos filhos e filhas, afastando dos lares as perturbações e distúrbios gerados

pelo mundo exterior. 300

Pode-se concluir que os discursos publicados, então, apareciam como resultado

de uma naturalização dos papéis femininos impostos pela sociedade em um determinado

período.301 Embasada nas representações sociais de mulher como educadora, essa

instituição de ensino quis enfatizar, por meio de seu periódico, que formou ano a ano

cada vez em maior número, educadoras cristãs e se utilizou, prioritariamente, dos

discursos publicados para promover suas idéias entre o seu grupo de leitoras e

colaboradoras. Pelo menos dentro do Colégio Jacobina, isso transpareceu pela imprensa

sem grande resistência, até a década de 50, quando então essa história começou a tomar

outro rumo.

Nesse horizonte ilustrado pelas fases do periódico, em que o catolicismo, a

militância, a pedagogia moderna e civilização emergem como conceitos que marcaram

o modelo de educação da mulher jacobinense, foram deixadas pistas reveladoras das

trajetórias de conquistas sociais nada fáceis para as mulheres desse século. Fato que é

possível se perceber, principalmente, ao se revisitar o passado publicado no Traço de

União na década de 1950, quando o periódico passou a refletir mudanças e dificuldades

na elaboração.

O Colégio Jacobina não apoiava os novos rumos profissionais femininos nesta

década, pois suas dirigentes alegavam que isso prejudicaria a atuação primária nos lares

e nas escolas. Laura Jacobina Lacombe deixou à mostra, então, que não abriria mão da

visão de mulher que tinha. Para ela era fundamental formar educadoras na mesma

perspectiva de um discurso que começou a ser proclamado socialmente desde os

oitocentos. As novas moças que entravam no Colégio Jacobina, no entanto, almejavam

outras carreiras. Os discursos do início do século, com isso, já não tinham mais a adesão

das estudantes do ensino regular desses últimos tempos de colégio.

Muitas ainda eram as católicas fervorosas nesse tempo, mas o discurso religioso

sobre as novas conquistas femininas precisava ser mudado para que as alunas

continuassem a participar das edições. A elite intelectual formada pelo Colégio Jacobina

300 Lopes, 1997. 301 Lembrando que cada grupo incorpora o ideário social a partir das vertentes que já foram atribuídas pelo próprio grupo.

Page 237: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

queria estar a par das inovações não apenas para criticar, mas também para consumir.

Por isso, discursos críticos sobre os males trazidos pela sociedade moderna precisavam

ser tratados de outro modo para continuarem conquistando seus leitores e

colaboradores.

Nesse sentido, no período em que o magistério deixou de ser uma das profissões

mais almejadas pelas mulheres e elas passaram a ser impulsionadas por outros sentidos

a atuar em outras áreas, alguma saída teria que ser encontrada para que a diretora do

colégio continuasse propagando seus ideais que se fundavam na salvação da

humanidade. Não mais adiantava lançar livros, escrever sedutores artigos: a época era

outra e os novos modelos femininos do mundo moderno, sinalizados pelas dificuldades

e mudanças nas edições do periódico, povoaram as mentes das jovens que começaram a

ver em outras profissões, não somente mais um desejo, mas sim uma possibilidade.

Laura Jacobina Lacombe, como boa estrategista e educadora, preferiu suas

alunas por perto para continuar influenciando, ainda que minimamente, a sua formação

com bases tradicionais. No entanto, ao mesmo tempo em que pareceu se adaptar, ou

pelo menos parar de criticar severamente os novos apelos, para acompanhar suas alunas

do ensino regular, a diretora iniciou o Curso de Educadoras da Infância e passou a

destacar, por meio dos textos e das imagens publicadas, a atuação profissional para fixar

que era preciso mudar a base da sociedade em prol da nação. Apareceram inovadoras

abordagens da Pedagogia e da Psicologia, difundidas em uma seção reservada à escrita

das educadoras, mas que continuava tendo como leitores toda a família jacobinense.

Essas duas disciplinas, que ajudaram a sustentar o projeto educacional dessa instituição

de ensino, então, tiveram continuidade ainda no Curso de Educadoras da Infância na

década de 50.

Paralelamente ao seu ensino regular, Laura Jacobina Lacombe procurou, assim,

consolidar o primeiro Curso de Educadoras da Infância no Brasil, divulgando seus feitos

inovadores pelo Traço de União. Isso porque, a partir dele, percebeu que poderia seguir

formando educadoras cristãs que cultivassem, no caráter de seus alunos, os princípios

católicos. O Traço de União, nesse sentido, continuou a enfatizar a necessidade da

formação católica e de qualidade da mulher para que essa, por meio da educação

infantil, pudesse transformar a sociedade. A nova divulgação desse antigo modelo de

educação feminina justificou-se, mais uma vez, pela necessidade de a mulher atuar

como personagem principal na construção de uma verdadeira nação católica. Portanto,

Page 238: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

até meados da década de 60, continuou existindo um espaço no Traço de União, ainda

que de modo reduzido, para propagação desses ideais.

Pelo espaço destinado ao Curso de Educadoras, o Traço de União disseminou

que havia encontrado o colégio a estrada que lhe cabia302 com justiça: a formação para

o magistério. Esse curso, conforme anunciado pelo periódico jacobinense, acabou

abrindo caminho para outras investidas referentes à formação de professoras. Foi

fundado, assim, em 1966 o Curso Normal, no qual suas alunas apresentaram à Direção

Geral, um abaixo assinado, a fim de que se criasse uma Faculdade de Educação. Após

anos de dificuldades para a implantação dessa, Laura diz ter vindo à luz esse sonho

latente, pois em 1973 foi assinado o decreto que autorizava a criação da Faculdade de

Educação Jacobina, com o curso de Pedagogia. Mais uma vez, o Traço de União esteve

a serviço dessas verdades que atravessaram suas fases em busca da adesão dos leitores.

Dessa vez, porém, já não tinha muito poder de disseminação, uma vez que após o

número 1 de 1974, somente mais um edição, em 1981, foi publicada.

Por isso, a promoção dos ideais de Laura Jacobina Lacombe em relação a esse

novo investimento educacional foi limitada, no Traço de União, a uma entrevista

publicada no penúltimo número do periódico, quando a educadora ainda procurava

mostrar que uma verdadeira educação deveria voltar seu olhar para o futuro, por meio

de uma formação integral, entendendo que a mulher, supostamente educadora por sua

condição feminina, só poderia atuar a partir de uma concepção católica de magistério:

Uma escola ou uma Faculdade de Educação, não deve apenas, refletir as idéias da época, corresponder ao que dela espera a sociedade em que funciona. É preciso algo mais: é preciso prever também. Digo sempre aos professores: temos que preparar a criança para viver no ano 2000. Não podemos prever como será o mundo nessa era da história, porém, a verdadeira educação não é estática, a escola não deve preparar apenas para atender às exigências atuais, ela terá que preparar o indivíduo para resolver novos problemas, a se adaptar, quando necessário, as novas situações. Porém, o indivíduo também, deverá preparar-se, muitas vezes, para reagir, quando necessário e se tratar do bem comum. (...) Estamos, portanto, em nossa linha, formando professoras católicas.(...) 303

Ainda que em detrimento desse novo cenário tenham ocorrido algumas

mudanças no perfil do periódico, que também permitiu a publicação de matérias mais

ousadas nas décadas de 50 e 60, não se pode afirmar que houve um rompimento desse

com os fundamentos nos quais suas diretoras pautaram suas trajetórias no magistério.

302 Laura Jacobina Lacombe, 1974, n.1, 29. 303 Ibid, p. 30.

Page 239: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Houve, sim, a redução do espaço para disseminação desses ideais, que acabaram

reservados a um espaço próprio para alunas que decidissem ser educadoras, o que

permite considerar que não mais se defendia com veemência, nos últimos tempos de

publicação, a formação feminina somente para atuação na educação, como uma espécie

de prerrogativa do gênero.

Até o último momento, mesmo após a autorização da implantação de mais esse

espaço de formação de professoras, o periódico não abandonou os antigos ideais que

alicerçavam e justificavam o modelo de educação feminina veiculado nessa instituição

de ensino. Aliás, o Traço de União deixou pistas que levam a considerar que a própria

Faculdade de Educação parece ter sido idealizada justamente com base em tais ideais e,

possivelmente nos princípios e práticas escolanovistas dos quais Laura Jacobina

Lacombe parece não ter se afastado mesmo quando rompeu com a Associação

Brasileira de Educação (ABE), em 1932, fundando a Confederação Católica Brasileira

de Educação.

Em relação à trajetória da Faculdade de Educação Jacobina, apesar de não ter

chegado a ganhar um espaço exclusivo no Traço de União, sabe-se que ela foi efetivada

e, até mesmo, tornou-se referência no Rio de Janeiro. Quais terão sido de fato seus

ideais alicerçadores? Terá essa se destinado prioritariamente à formação de mulheres?

Haverá sido uma continuação do Curso de Educadoras da Infância? Que modelos

femininos vislumbrou formar? E ainda, de que modo preservou os ideais de Laura

Jacobina Lacombe, sua principal idealizadora?

Essas questões não mais poderão ser respondidas a partir da mesma vitrine eleita

para o desenvolvimento do estudo aqui proposto. No entanto, entendendo que elas

partem de um período mais recente, quem sabe outras fontes permitam que outras

pesquisas dêem seguimento a essa história de valores, métodos, crenças e práticas da

educação feminina do nosso país?

Page 240: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Referências Bibliográficas

ALVES, Luciana Pazito. O Curso Jacobina: uma experiência de modernização em uma instituição católica(1920/30). Rio de Janeiro: UFF, 1997. Dissertação de Mestrado. ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e educação: a paixão pelo possível. São Paulo: Editora UNESP, 1998.

Page 241: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

ALMEIDA, Jane Soares de. Mulheres na educação: missão, vocação e destino? A feminização do magistério ao longo do século XX. In: SAVIANI, Dermeval; ALMEIDA, Jane Soares de; SOUZA, Rosa Fátima de; VALDEMARIN, Vera Teresa. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, São Paulo: autores associados, 2004. p.59-108. BACCEGA, Maria Aparecida. Do mundo editado à construção do mundo. Revista Comunicação e Educação. São Paulo: Moderna, v. 1, nº 1, set./dez., 1994. BASSANNEZI, Carla. Mulheres dos anos dourados. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2003. p. 607-639.

BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA ; AMADO (Orgs). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996.

BRITES, Olga. Infância, higiene e saúde na propaganda (usos e abusos nos anos 30 a 50). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 39, p. 249-278, 2000. CAMACHO, Suzana Brunet. Cadernos de segredo: marcas da educação católica na escrita íntima. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ – Faculdade de Educação, 2005. CATANI, Denice Bárbara; BASTOS; Maria Helena Camara (Orgs). Educação em Revista – A imprensa periódica e a história da educação. São Paulo: Escrituras, 1997. CARINO, Jonaedson. A biografia e sua instrumentalidade educativa. Educação e Sociedade [online]. ago. 1999, vol.20, no.67 [citado 23 Febrero 2006], p.153-182. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73301999000200006&lng=es&nrm=iso>. ISSN 0101-7330. Acessado em fev. de 2006. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde Nacional e fôrma cívica: higiene e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). São Paulo. Tese de Doutorado; Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, USP, 1986. ______. A Escola Nova e o impresso: um estudo sobre estratégias editoriais de difusão do escolanovismo no Brasil. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes (Org.). Modos de ler formas de escrever: estudos de história da leitura e da escrita no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. p. 65- 86.

CASPARD, Pierre; CASPARD Penélope. Imprensa pedagógica e formação contínua de professres primários (1815-1939). In: CATANI, Denice Bárbara; BASTOS; Maria Helena Camara (Orgs). Educação em Revista – A imprensa periódica e a história da educação. São Paulo: Escrituras, 1997. p. 33-46.

CASTILLO GOMEZ, Antonio. Introdução. SIERRA BLAZ, Verónica. Aprender a escribir cartas: los manuales epistolares en la España contemporánea (1927-1945). Madrid: Ediciones Trea, SL, 2003.

Page 242: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869/1913). Tese de Doutorado. Belo Horizonte: UFMG, 2005. 338f. CHAMON, Magda. Trajetória de feminização do magistério: ambigüidades e conflitos. Belo Horizonte: Autêntica/ FCH-FUMEC, 2005. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1989. _____. História, dúvidas, desafios e propostas. Estudos históricos, v. 7, n.13, Rio de Janeiro; FGV – CPDOC, 1994. p. 97-113. _____. O mundo como representação. Estudos Avançados. São Paulo: v.11, n. 5; 1991. _____. A beira da falésia: a história entre certezas e as inquietudes. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2002. COELHO, Nelly Novaes. A emancipação da mulher e a imprensa feminina no entre-séculos (séc. XIX-XX). Linguagem Viva, São Paulo, n. 140, p. 04-05, 2001. COELHO, Patrícia. Uma escrita aos professores: prefácios dos livros de Delgado de Carvalho. In: VI Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, 2006. Uberlândia, Minas Gerais. CUNHA, Luiz Antonio. A universidade crítica: o ensino superior na República Populista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. CUNHA, Maria Teresa Santos. “Centelhas de idealismo” - o ser professora nos discursos de formatura do Curso Normal: A voz das oradoras. In: SCHEIBE, Leda; DAROS, Maria das Dores. Formação de professores em Santa Catarina. Florianópolis: NUP/CED, 2002. p. 71-91.

CUNHA, Maria Teresa Santos. Diários íntimos de professoras: letras que duram. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio, BASTOS, Maria Helena Camara e CUNHA, Maria Teresa Santos (orgs.). Refúgios do eu: educação, história, escrita autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000, pp. 159-180.

CUNHA, Marcus Vinicius da; COSTA, Viviane da. John Dewey, um comunista na Escola Nova brasileira: a versão dos católicos na década de 1930. História da Educação, Pelotas, n. 12, p. 119-142, set. 2002. CURY, Carlos R. Jamil. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo: Cortez, 1986. DE LUCA, Tania Regina. A revista do Brasil: um diagnóstico para nação. São Paulo: Unesp, 2000. DUARTE, Constância Lima. Narrativas de viagem de Nísia Floresta. Via Atlântica, n. 2, julho de 1999.

Page 243: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

DUTRA, Eliana de Freitas. Companhia Editora Nacional: Tradição editorial e cultura nacional no Brasil dos anos 30. In: I Seminário Brasileiro sobre Livro e História da Educação. Rio de Janeiro: Casa Ruy Barbosa, 2004. ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. ELIAS, M.D.C. Célestien Freinet: uma pedagogia de atividade e cooperação. Petrópolis: Vozes, 1997. FÁVERO, Maria de Lourdes Albuquerque; BRITTO, Jader de Medeiros (Orgs.). Dicionário de Educadores no Brasil: da colônia aos dias atuais. 2º Ed. aum. Rio de Janeiro. Editora UFRJ/ MEC-Inep-comped, 2002. FERRARI, Márcio. Grandes Pensadores. Ovide Decroly, um dos primeiros contestadores da escola tradicional do século 19. Nova Escola, ed. 168, dez de 2003. FERREIRA, Maria Olympia da Silveira; PERIM, Maria da Luz Fernandes (Orgs.). A História da OMEP no Brasil (1953-2003). Rio de Janeiro: Ravil Editora, 2003. FREIRE LESTÓN, Xosé Vicenzo. A prensa de mulleres en Galicia: 1841-1994. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, 1996. 179p. GIORGIO, Michela de. O modelo Católico. In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle (Orgs.). História das mulheres: o século XIX. Porto: Edições Afrontamento, Ltda., 1991. p.199-237. GOMES, Pedro Gilberto. Escola Superior de Jornalismo. In: XIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 1996. INTERCOM. Londrina. GOUVEIA, Maria Cristina Soares; Paixão, Cândida Gomide. Uma nova família para uma nova escola: a propaganda na produção de sensibilidades em relação à infância (1930-40). In: XAVIER, Maria do Carmo(Org.). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. 345-362. GUIDO, Maria Cristina. A mulher civiliza-se! Educação feminina católica e francesa no Brasil republicano: o Colégio Sacré-Coeur de Jesus. Dissertação de Mestrado. Departamento de História; PUC-RJ, 1992. GRYNSZPAN, Mario. Ação política e atores sociais: posseiros, grileiros e a luta pela terra na baixada. In: Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 33, n. 2, 1990. HORTA, José Silvério Baia. O hino, o sermão e a ordem do dia: regime autoritário e a educação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994. HOBSBAWM, Eric. O ressurgimento da narrativa. Alguns comentários. RH – Revista de História. Campinas, IFCH/Unicamp,1991, p. 39-46. KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2º ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

Page 244: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

YANNOULAS, Silvia Cristina. Educar: Una profesion de mujeres? La feminización Del normalismo y la docência Brasil y Argentina (1870-1930). Tese de Doutorado. Brasilia: FLASCO/ BRASIL, Faculdade Latinoamericana de Ciencias Sociales, 1994. LACOMBE, Laura Jacobina. Moral Cristã e Educação. São Paulo: Empresa Editora ABC Limitada, 1936. _____. A Escola e a Vida. São Paulo, Taubaté: Editora S. C. J., 1942. _____. Como nasceu o Colégio Jacobina. Rio de Janeiro: Soc. Gráfica Vida Doméstica, 1962. LE GOFF, Jacques. Documento/monumento. In: História e memória. Campinas: EDUNICAMP, 1996, pp. 535-553. LEVI, G. Usos da biografia. In: FERREIRA; AMADO (Orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 167-182. LEVILLAIN, P. Os protagonistas da biografia. In: RÉMOND, R. Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ / FGV, 1996. p. 141-184.

LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. 2º Ed. São Paulo: Contexto, 1997. p. 443-481.

MAGALHÃES, Maria do Socorro Rios. Literatura Piauiense. Horizontes de Leitura e Crítica Literária (1900 – 1930). Teresina: FCMC 1998. MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello. Lições de casa: discursos pedagógicos destinados à família no Brasil. Tese de Doutorado. Niterói: PPGH - UFF, 2001. MARTINS, Angela Maria de Souza. Os anos dourados e a formação do professor primário no Instituto de Educação do Rio de Janeiro. TEIAS: Revista da Faculdade de Educação da UERJ, nº 1, jun. 2000, p. 56-65. MENDONÇA, Ana Waleska P. C. de. A Universidade brasileira em questão: o debate sobre a Reforma Universitária no Brasil, nos anos 1950/1960. In: MAGALDI, Ana Maria; ALVES, Cláudia; GONDRA, José G (Orgs.). Educação no Brasil: História, Cultura e Política. Bragança Paulista: EDUSF, 2003. p.505-5024. MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: o legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. São Paulo, Bragança Paulista: EDUSF, 2002. _____; BASTOS, Maria Helena Camara; CUNHA, Maria Teresa Santos. Tecendo Educação, História, Escrita Autobiográfica. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio; BASTOS, Maria Helena Camara; CUNHA, Maria Teresa Santos (Orgs.). Refúgios do Eu: educação, história e escrita autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000. p.17-27.

Page 245: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

_____. Por trás do balcão: os cadernos da coleção cívica da Casa Cruz. In. Maria Stephanou; Maria Helena Camara Bastos (Orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Vol III. Petrópolis: Vozes, 2005, PP. 363-378. MORAES, Maria Lygia Quartim de. Brasileiras: cidadania no feminino. PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2003. p.494 – 515. MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues. As construtoras da nação (Professoras primárias na Primeira República). Tese de doutorado, Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, 1998. NEGREIROS, Davys Sleman de. O fetichismo da comunicação. São Paulo: Revista Autor, Setembro de 2004. Disponível em: <http://www.revistaautor.com.br/ensaios/39ext.htm>. Acessado em jan. 2006. NÓVOA, Antonio. A imprensa periódica de educação e ensino. In: BASTOS, Helena Camara; CATANI, Denice Bárbara (Orgs). Educação em Revista – A imprensa periódica e a história da educação. 2º ed. São Paulo: Escrituras, 2002. p. 11-31.

Organização Mundial de Ensino Pré–escolar. Disponível em: http://www.omep.org.br/historia.htm. Acessado em jan. 2005.

ORNIER, P. L’ Ideologie dês foundateurs et dês administrateurs de L´École Républicaine à travers de la Revue Pédagogique, de 1878 a 1900. Reveue Française de Pedagogie. Paris, (66): jan/fev/mars 1984. p. 7-14. PESSOA, Ana Maria Pires. A Educação das Mães e das Crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. Tese de Doutorado. Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, 2006. PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. Mulheres: Igualdade e especificidade. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2003. p. 264-309. REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escalada: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro; Fundação Getúlio Vargas, 1998. RODRIGUES, Candido Moreira. A Ordem: uma Revista de Intelectuais Católicos 1934-1945. São Paulo: Autêntica, 2006. ROCHA, Olívia Candeia Lima. Escritoras piauienses: pseudônimos, flores e espinhos. Mafuá - Revista de Literatura em Meio Digital, dez. 2003. Disponível em: <http://www.mafua.ufsc.br/oliviacandeia.html> Acessado em jan. 2006.

Page 246: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

SALEM, Tânia. Do Centro D. Vital à Universidade Católica. In: Universidades e Instituições Científicas no Rio de Janeiro, Brasília, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 1982, p.97-134.

SANTOS, Vera Lúcia dos. A revista do “Patrocínio”: textos e imagens de um periódico escolar dedicado à formação feminina (décadas de 20 e 30, século XX). Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP – Faculdade de Educação, 2004. SAVIANI, Dermeval. Sistemas de ensino e planos de educação: o âmbito dos municípios. Educação e Sociologia, Campinas, v. 20, n. 69, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73301999000400006&lng=pt&nrm=iso>. Acessado em jun. 2006. SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. 2º edição, Fundação Getúlio Vargas e Editora Paz e Terra, 2000. SOUSA, Cyntia Pereira de. A educação pelas leituras: registros de uma Revista Escolar (1930/1960). In: CATANI, Denice Bárbara; BASTOS; Maria Helena Camara (Orgs). Educação em Revista – A imprensa periódica e a história da educação. São Paulo: Escrituras, 1997. p. 93-110. VALDEMARIN, Vera Teresa. O liberalismo demiurgo: estudo sobre a reforma educacional projetada nos Pareceres de Rui Barbosa. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2000. VAZ, Elida Mattos. A encenação da Educação nas cartas dos leitores. Rio de Janeiro: PUC, 1998. Dissertação de mestrado. XAVIER, Libânia Nacif. O Manifesto dos pioneiros da educação nova como divisor de águas na história da educação brasileira. In: XAVIER, Maria do Carmo (Org.). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p.21-38. Documentos Consultados: Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Moção. Deputada Yára Vargas. Sala de Sessões, 20 de fevereiro de 1990. Arquivo da CELPI. BARRETO, Gilda Maria et. al. CELPI: 1925-1975. Cinqüentenário da Costura e Lactário Pró-Infância. Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, s/d. Arquivo da CELPI. Carta de Laura Jacobina Lacombe emitida às associadas do Comitê Nacional da OMEP sobre as modificações nos Estatutos do Comitê Nacional Brasileiro da OMEP. Arquivo da OMEP.

Page 247: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Cartas de Laura Jacobina Lacombe emitidas a congregações religiosas do país. Arquivo da OMEP. Discurso proferido na Associação Brasileira de Educação por Laura Jacobina Lacombe em 1º de novembro de 1927, em função do Congresso Internacional de Educação Moderna realizado em Locarno. Arquivo da ABE. Normas do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.cee.rj.gov.br/coletanea/del.htm. Acessado em agosto de 2006. TRAÇO DE UNIÃO, Rio de Janeiro, manuscrito de maio de 1908, maio e junho de 1910. Arquivo da CELPI. TRAÇO DE UNIÃO, Rio de Janeiro, ano I a LI, 1924 a 1981. Arquivo da CELPI. Regimento do Curso Jacobina. Referência II – 290, 3, 4n. 2 – Obras Gerais, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1916.

Page 248: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 249: TRAÇO DE UNIÃO COMO VITRINE - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp074859.pdf · Traço de União –, que apesar dos problemas de saúde, nunca se negou a passar as informações

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo