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TRABALHO INFANTIL: UM COMPARATIVO ENTRE A REVOLUÇÃO
INDUSTRIAL E OS DIAS ATUAIS.
Marisa Aparecida Cestari.1
Ricardo Marques de Mello.2
RESUMO Este artigo apresenta os resultados de uma intervenção pedagógica a respeito de um dos mais graves problemas do mundo contemporâneo: o trabalho infantil. A fim de refletir sobre o tema e articulá-lo ao conteúdo programático da disciplina história, propusemos realizar um trabalho comparativo entre a exploração do trabalho infantil na Revolução Industrial (iniciada no século XVIII) e aquela praticada nos dias atuais (no Brasil e, especificamente, em Iporã - PR), identificando semelhanças e diferenças entre os dois contextos. Para realizar essa intervenção, usamos os seguintes recursos pedagógicos: 1) aulas expositivas, diálogos e interações teóricas sobre a temática, no intuito de desnaturar as condições históricas da exploração do trabalho infantil, relacionando a sua emergência e permanência a determinados interesses econômicos que foram e são sobrepostos à dignidade e direitos, que hoje estão legalmente instituídos; 2) pesquisas orientadas; 3) confecção de cartazes; 4) análise do Estatuto da Criança e do Adolescente; 5) elaboração e encenação de peça teatral. O cumprimento dessas etapas sequenciais teve como objetivo abordar a questão de modo mais gradativo e compreensível, despertando nos educandos o interesse e acesso a conceitos relacionados ao tema e a situações vivenciadas por eles, de maneira que o conhecimento produzido em sala de aula seja significativo e transformador da sua própria realidade, fazendo da escola um espaço que efetiva o processo de ensino-aprendizagem. Os resultados foram positivos, tanto no desenvolvimento das atividades quanto na interação e participação de todos os envolvidos. Ressaltamos que a ideia geral desenvolvida nesta atividade pode ser adequada a outras situações educacionais, funcionando, portanto, como parâmetro para outras escolas e contextos.
PALAVRAS CHAVES: Trabalho Infantil; Revolução Industrial; Exploração.
Introdução
O trabalho infantil, por muito tempo, foi considerado uma prática natural
como parte do processo de socialização das crianças e adolescentes, além de ser
visto como uma alternativa à miséria e à criminalidade. Contudo, a partir da
década de 1990, essa visão passou a ser reconsiderada mundialmente,
disseminando-se a ideia de que o lugar da criança é na escola. Tornou-se um
problema de extrema relevância social, que requer urgência em seu estudo e
busca por soluções, uma vez que compromete grande parcela da população.
1 Professora de História da Escola Estadual Dr. Antenor Pâmphilo dos Santos-EF. Integrante do
Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná (PDE), turma de 2016. 2 Orientador do PDE da Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão.
A exploração da mão-de-obra infantil é, na verdade, um problema muito
antigo, um mal de profundas raízes históricas, sempre presente e difícil de ser
eliminado. O trabalho infantil, ainda hoje, é uma realidade e causa de
preocupação internacional, pois é uma das consequências que reduz a dignidade
de crianças e adolescentes e diminui as condições mínimas de ingresso e
permanência escolar.
Com mudanças históricas, atualmente a criança é, em tese, reconhecida
como sujeito e deve ter seus direitos assegurados. Por isso, a exploração do
trabalho infantil é um problema que deve ser analisado por uma ótica ampla,
enfocando a responsabilidade de todos os segmentos governamentais, privados
e, principalmente, da sociedade, colocando como prioridade medidas especiais
com a finalidade dar um novo impulso à erradicação do trabalho de menores.
Entre as medidas que contribuem para o combate do trabalho infantil, há
aquelas de caráter legal e econômico. Além dessas, é possível, e desejável, criar
estratégias educacionais de esclarecimento, conscientização e ação direcionada
às atividades que exploram ou propiciam a exploração de crianças e
adolescentes.
Nesse sentido, o trabalho que desenvolvemos objetiva, por meio de um
estudo comparativo entre o trabalho infantil na época da revolução industrial e
aquele dos dias atuais frente às legislações existentes e principalmente ao
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), suscitar reflexões, comportamentos
e atitudes que redundem em uma diminuição desse fenômeno na nossa região,
urbana e rural.
A ideia de efetivar um comparativo do trabalho infantil na época da
revolução industrial com os dias atuais nesse projeto surgiu frente a alguns fatos
que vem sendo observados com alunos da Escola Estadual Dr. Antenor Pâmphilo
dos Santos, situada no município de Iporã, Paraná. Nessa instituição, é frequente
a ausência de estudantes, os quais alegam que ficam em casa cuidando do irmão
menor que está doente, já que a mãe precisa trabalhar, ou que necessitam ajudar
aos pais em colheitas específicas.
Ao iniciarmos um estudo mais profundo do tema, observamos que, na
maioria dos casos, essa exploração acontece devido à necessidade de ajudar
financeiramente a família que, amiúde, possui um perfil de pobreza e grande
quantidade de filhos. Além disso, geralmente são crianças que têm entre 5 e 14
anos, e que são exploradas em diversas modalidades de emprego: no campo, na
cidade, no lar, na rua, em artesanatos, no comércio, em plantações, minas e
fábricas.
Na maioria dos casos, o abandono da escola e o trabalho infantil são
condições que andam juntos. Os pais não se encontram estimulados a manter
seus filhos na escola, em vista dos atrativos que o mercado de trabalho possui, e
geralmente esse é o fator determinante para os altos índices de trabalho infantil.
Diante dessa problemática, decidimos desenvolver um estudo de cunho
histórico, que oportunizará uma comparação das condições por meio das quais o
trabalho infantil se consolidou na primeira revolução industrial e como ele se
materializa atualmente, com ênfase para a nossa região.
Além de pesquisas historiográficas que embasam essa intervenção
pedagógica, usamos também a legislação brasileira sobre o assunto e as
Convenções internacionais ratificadas pelo Brasil na busca pela erradicação da
exploração infantil, pela defesa dos direitos fundamentais das crianças e dos
adolescentes, pelo direcionamento das políticas públicas, pela conscientização da
população de seu papel social, bem como pela necessidade de sensibilizar a
comunidade escolar sobre o cuidado e a proteção das crianças e adolescentes.
Dessa forma, proporcionamos reflexões e ações sobre o tema dos direitos
fundamentais de crianças e adolescentes, contribuindo, na medida do possível,
para a erradicação do trabalho infantil.
1) Fundamentação Teórica
A exploração da mão-de-obra infantil é, na verdade, um problema muito
antigo, que tem acompanhado a Humanidade em sua evolução e em seus
progressos, um mal de profundas raízes históricas, sempre presente e difícil de
eliminar.
Afirma Minharro, que há relatos do uso de crianças em trabalho, de
precedentes muito remotos.
Narra-se que mesmo antes de Cristo verificava-se a existência de proteção às crianças e aos adolescentes que trabalhavam como
aprendizes. Infere-se assim, que desde épocas as mais remotas já havia a utilização da mão-de-obra infantil (2003, p.15).
Antes da Revolução Industrial, crianças também trabalhavam, mas não
eram exploradas. Ajudavam na economia da própria família, sem se preocupar
com obrigações, tempo e disciplina. Meninos executavam, com frequência,
tarefas como semeadura, ordenha de vacas e alimentação de animais. As
meninas ajudavam as mães, geralmente nas tarefas da casa.
Na verdade, o trabalho infantil vem através dos séculos, e em todas as
culturas, sendo explorada indistintamente, mas somente se tornou um problema
social a partir da Revolução Industrial.
As crianças compartilhavam com seus pais no trabalho no campo, no mercado, e ao redor da casa logo que tinham idade suficiente para realizar alguma tarefa. [...] O uso de crianças no trabalho não era visto como problema social até a introdução do sistema fabril (GRUNSPUN, 2000, p.14).
De acordo com Thompson (1987), a criança era uma parte inerente da
economia industrial e agrícola antes mesmo antes de 1780 e, como tal,
permaneceu nessas condições até ser incorporada pelo sistema educacional.
Porém, é com o processo de produção industrial que a intensidade e as formas de
exploração do trabalho infantil assumiram proporções sem precedentes na
história.
O início da Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra no século XVIII,
aproximadamente em 1780 até aproximadamente meados do século XIX. No
campo estava acontecendo os cercamentos, que consistia, basicamente, na
transformação das terras comuns em pastos para a criação de ovelhas e,
consequentemente, para a produção de lã. Essa mudança levou um número
considerável de pessoas a migrarem para as cidades, aumentando a população
das regiões habitadas.
[...] O êxodo rural provocado pelos cercamentos permitiu que grandes empresários e nobres – robber barons (os barões salteadores) – se apossassem de pequenas propriedades agrícolas por compra ou processos judiciais. Paralelamente, as levas de camponeses que se transferiram para as cidades formaram um grande contingente de mão de obra disponível – o chamado exército industrial de reserva –, essencial para a Revolução Industrial (VICENTINO, 1997, p. 289).
Vigário aponta que um dos problemas mais difíceis que os patrões da fase
inicial da Revolução Industrial enfrentavam era o de efetivar seleção de homens
capazes de aprender as novas técnicas e que fossem passíveis a se submeterem
à disciplina imposta pelo processo produtivo da indústria. Diante desse difícil
contexto de recrutamento de trabalhadores, as crianças figuraram como opções
viáveis.
No que se refere à indústria têxtil, as primeiras tentativas de recrutamento de mão-de-obra adulta revelaram-se inúteis. Uma vez que as primeiras fábricas estavam dependentes da energia hídrica, situavam-se junto a pequenas correntes em áreas isoladas e pouco populosas, onde o número de trabalhadores não era suficiente. Além disso, os habitantes locais demonstravam alguma relutância em entrar nestas estruturas desconhecidas que mais lhes pareciam penitenciárias e workhouses do que locais de trabalho. De modo a recrutarem mão-de-obra, foi necessário recorrer à importação de trabalhadores. As crianças foram consideradas perfeitas para o efeito, dado constituírem mão-de-obra barata e serem sociáveis e afáveis, para além de terem dedos ágeis capazes de desempenhar as tarefas simples exigidas (2004, p. 45).
De acordo com Bonifazi e Dellamonica (2002), o início da Revolução
Industrial foi marcado pela exploração do trabalho de crianças, chamadas
aprendizes, a partir de seis anos de idade, as quais eram obrigadas a trabalhar,
às vezes até catorze horas por dia, a semana inteira.
Para Alvim (1994), o trabalho infantil foi uma das características mais
marcantes da Revolução Industrial. A visão era de que as crianças pobres
deveriam trabalhar, porque o trabalho protegeria do crime e da marginalidade,
uma vez que o espaço fabril era compreendido em oposição ao espaço de rua,
considerado desorganizado, desregrado e propício a infrações variadas. Além
disso, o trabalho das crianças permitiria um aumento da renda familiar, ao mesmo
tempo em que poderia ser concebido como uma escola, a “escola do trabalho”. O
trabalho das crianças era usado nas fábricas e nas minas de carvão, sendo que
muitas morriam devido à quantidade exagerada de horas trabalhadas, por conta
da insalubridade do ambiente e pela consequente desnutrição.
Além disso, conforme explicam Gomes e Gottschalk, o trabalho infantil nas
fábricas implicava em uma grande redução de custos:
O emprego de [...] crianças na indústria nascente representava uma sensível redução de custo de produção, a absorção de mão-de-obra
barata, em suma, um meio eficiente e simples para enfrentar a concorrência. Nenhum preceito moral ou jurídico impedia o patrão de empregar em larga escala a mão-de-obra feminina e infantil (2006, p. 420).
As vantagens eram significativas, pois as crianças obedeciam facilmente as
ordens que um adulto dificilmente obedeceria, podendo, assim, ser controladas
com facilidade, custando menos, pois recebiam salários menores, que, em muitos
casos, eram pagos somente com alojamento e alimentação.
No que se refere ao Brasil, a história do trabalho infantil acompanhou o
processo de ocupação e colonização do território, com o uso de mão de obra
infantil indígena e negra, sobretudo nas fazendas.
Ao longo do tempo, modificaram as atividades laborais, mas a exploração
do trabalho precoce ainda atingia números excessivos.
Desde a época da Colônia e do Império as crianças indígenas e escravas eram incorporadas às atividades das fazendas, das casas-grandes e engenhos como força produtiva e mão-de-obra barata, vivenciando já bem novos a realidade do trabalho. E mesmo com a abolição da escravatura a realidade das outrora escravas não mudou muito, visto que novas estratégias foram criadas pelos senhores de engenho para preservar as relações sociais de trabalho e dar continuidade à exploração da mão-de-obra infantil existentes na época (DEL PRIORE, 1999, p. 20).
No início do século XIX, começaram a surgir algumas tentativas normativas
de proteção à infância, como é o caso do projeto apresentado por José Bonifácio,
na Constituinte de 1823, que visava à proteção dos filhos de escravos, dispondo
que “[...] a escrava, durante a prenhez e passado o terceiro mês, não será
ocupada em casa, depois do parto terá um mês de convalescença e, passado
este, durante o ano não trabalhará longe da cria” (VERONESE, 1999, p. 11).
Entretanto, as Constituições de 1824 e 1891, a do Império e a primeira da
República, respectivamente, foram omissas com relação à infância. Nascimento
(2003) cita que a primeira lei a proteger a infância no Brasil foi editada pelo
Decreto n.º 1.313, de 17 de janeiro de 1891, ou seja, após a abolição da
escravatura. Pelo decreto sobredito, o legislativo brasileiro buscou um
ajustamento da política brasileira às políticas adotadas por países estrangeiros
em relação ao trabalho infantil.
Apesar das várias tentativas de regulamentar o trabalho infantil, o que
ocorria no Brasil, no começo do século XX, com o primeiro surto da
industrialização brasileira, era um grande número de crianças e adolescentes
trabalhando na área industrial, que se sujeitavam às longas jornadas de trabalho
em condições máximas de exploração, já que inexistiam leis ou organismos que
fiscalizassem com eficiência tais empresas (VERONESE, 1999).
Já na Constituição de 1988, foi restabelecida a idade mínima de 14 anos
de idade para o ingresso no mercado de trabalho, salvo na condição de aprendiz
a partir dos 12 anos, e também foi eliminada qualquer possibilidade de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre, aos menores de 18 anos (BRASIL, 2006).
Dois anos após a promulgação da Constituição de 1988, foi publicada a Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), especificamente voltado para ordenar juridicamente matérias
relativas à proteção de crianças e adolescentes em várias áreas.
Todo o aparato legal visa a atender a uma concepção, que se intensificou
na segunda metade do século XX e, no Brasil, se materializou no ECA, de que
lugar de criança é na escola, e que cabe ao Estado combater formas veladas ou
explícitas de exploração de mão de obra infantil, agindo, simultaneamente, a favor
da educação e do futuro de crianças e adolescentes.
2) Procedimentos Metodológicos
O projeto de intervenção pedagógica foi colocado em prática no primeiro
semestre de 2017, com alunos do 8° ano do Ensino Fundamental, na Escola
Estadual Dr. Antenor Pâmphilo dos Santos- EF, no município de Iporã/PR. As
atividades foram dispostas em cinco etapas, totalizando uma carga horária de 32
horas.
2.1. Primeira etapa: introdução ao tema
Nessa primeira etapa foi apresentada a todos os alunos a intenção da
pesquisa, juntamente com o material e o objetivo pretendido, visando, com isso,
explicar a ideia que nortearia a atividade e as práticas que seriam desenvolvidas
nesse sentido. Essa primeira etapa foi dividida em duas partes.
Na primeira, realizamos uma roda de conversa com os alunos, de
maneira informal sobre o tema “Trabalho Infantil”. Iniciamos com a história da
Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, aprofundando o debate sobre a
situação da classe trabalhadora daquela época, ressaltando como as mudanças
na zona rural e o surgimento das fábricas alterou o modo de vida das famílias dos
trabalhadores, expulsando-as do campo em direção às cidades. Além disso,
destacamos que, com uma nova configuração social, a vida das crianças também
se modificou sobremaneira. Boa parte delas, por exemplo, começou a trabalhar
nas fábricas mediante condições precárias e desiguais.
Nessa primeira parte, portanto, o foco foi fazer uma introdução ao tema
Revolução Industrial de forma ampla e mais específica em relação às mudanças
relativas à vida de crianças e adolescentes.
Posteriormente, o objetivo principal se voltou às diversas formas de
trabalho infantil nos dias atuais, tendo como foco o Brasil e mais especificamente
o Município de Iporã. A exemplo do que já havia sido realizado na primeira parte,
fizemos uma retomada histórica das formas de exploração do trabalho infantil
desde o Brasil colônia até o presente. Nessa parte da primeira etapa, a exposição
oral foi combinada a um diálogo com os estudantes a fim de que fosse possível
diagnosticar o grau de conhecimento prévio que eles tinham sobre o assunto.
As duas partes da primeira etapa, por conseguinte, funcionaram como uma
introdução sobre o tema e, também, para demonstrar como o assunto “trabalho
infantil” está mais presente no dia a dia do que frequentemente percebemos.
2.2. Segunda etapa: aprofundamento com atividades práticas
Na segunda etapa, reproduzimos e distribuímos alguns textos escritos,
para que cada aluno pudesse aprofundar e reforçar sua aprendizagem sobre
aspectos do trabalho infantil no passado, as mudanças ao longo do tempo e suas
características contemporâneas, além de ressaltar os prejuízos causados por ele.
Após o desenvolvimento do estudo da parte teórica, realizamos atividades
práticas para aumentar o entendimento do que foi apresentado. Entre elas, os
estudantes confeccionaram cartazes, produziram desenhos e montaram, no pátio
da escola, um painel que representava o universo do trabalho infantil.
Outra atividade desenvolvida pelos educandos foi escrever, em cartões,
palavras que representavam o tema em discussão. Os alunos colaram os cartões
escritos em uma árvore previamente desenhada pelo professor em papel craft,
com raiz, caule, folhas e frutos. Cada grupo, após colarem seus cartões, explicou
ao restante da turma o significado das palavras escolhidas que foram colocadas
em cada parte da árvore.
2.3. Terceira etapa: sessão cinema
Nessa terceira etapa, mediante o uso do Projetor, foram projetados vídeos
e documentários3. Em seguida, solicitamos aos alunos que produzissem uma
síntese por meio de textos e/ou desenhos, nas quais realizassem comparações
entre a própria realidade e aquelas mostradas nos vídeos e que expressassem o
que sentiam e pensavam em relação ao que foi discutido e assistido.
Posteriormente, os alunos socializaram entre si suas produções e organizaram
um painel intitulado: “Exploração do trabalho infantil: dura realidade”.
Ainda nessa etapa, foi projetado um filme na íntegra. Trata-se de uma
sessão de cinema, com o filme Oliver Twist,4 baseado na novela de 1838 de
mesmo título, produzida por Charles Dickens, que retrata como as crianças eram
tratadas na Inglaterra, inclusive julgadas com penas severas pelas atividades
irregulares que cometiam. Esta atividade foi realizada fora do ambiente escolar,
no formato de uma sessão de cinema na Casa da Cultura do Município de Iporã.
3 ZONTA, Mariana. Os problemas do trabalho infantil. Publicado em 25 de março de 2012.
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=iEyhy7MkwjM>. Acesso em 13 de novembro de 2016.
Secretaria de direitos humanos e o ministério público do trabalho. Meia infância - O trabalho infantil no Brasil hoje. Publicado em 12 de junho de 2015. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=_oeYCEYpaRo. Acesso em 13 de novembro de 2016.
GLOBO REPORTER. Trabalho Infantil no Brasil. Publicado em 10 de agosto de 2013. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=4eOj3pskd6c>. Acesso em 14 de novembro de 2016. 4 OLIVER TWIST. Direção: Roman Polanski, Inglaterra, 2005.
2.4. Quarta etapa: o Estatuto da Criança e do Adolescente
Nesta etapa do trabalho, o objetivo foi apresentar e estimular o
conhecimento sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Para isso,
realizamos atividades de vídeos educativos e de reportagens sobre o ECA5. Após
assistir aos vídeos, solicitamos aos educandos que respondessem por escrito as
seguintes questões:
Sobre qual assunto tratam os vídeos? São assuntos em comum?
Por que será que no caso mostrado na reportagem, o Capítulo V do ECA
não está sendo colocado em prática?
Quais tipos de trabalho infantil você conhece?
Como você acha que é a vida das crianças que precisam trabalhar?
Como será o futuro dessas crianças se continuarem trabalhando agora?
Quem pode ajudar essas crianças e de que forma ocorre a ajuda?
Em sua opinião, quem está agindo de maneira errada nas situações
mostradas: as crianças, a família ou o Estado por não fiscalizar o direito
das crianças? Justifique sua resposta.
Para encerrar esta etapa, realizamos uma breve aula expositiva,
sintetizando as ideias centrais dos vídeos recém-assistidos e abrindo espaço a
comentários e questionamentos dos alunos.
2.5. Quinta etapa: o teatro
Na quinta e última etapa do trabalho, foi efetivada a encenação de uma
peça teatral sobre a temática: a exploração do trabalho infantil em nossa cidade,
nos tempos atuais, tendo como título: “Trabalho? Eu topo, mas só se for escolar!”.
5 JORNAL DA GLOBO. Matéria sobre denúncia de trabalho infantil em Santa Catarina. Publicado
em 29 de julho de 2006. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=J3J2Ilala7g&feature=related>. Acesso em 14 de novembro de 2016.
CENTRO INTEGRADO DE APRENDIZAGEM EM REDE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=y5r6vThH_XU>. Acesso em: 24 out 2016.
Coordenamos a produção da peça com auxílio do Professor Silas Ferreira,
responsável pela disciplina de Artes no Colégio Estadual de Iporã.
A peça de teatro foi apresentada no ambiente externo da escola, a quadra
de esportes, para todos os alunos das outras turmas, professores e funcionários
da escola.
3. Análise e Resultados
Os resultados obtidos após a aplicação desse projeto de intervenção
pedagógica serão aqui apresentados seguindo as etapas já descritas. Na primeira
etapa, sobretudo quando interagimos com os estudantes, surgiram muitos
questionamentos e afirmações de alguns alunos sobre fatos que ocorrem perto de
suas casas ou com pessoas conhecidas. Abaixo transcrevemos alguns desses
depoimentos.
Aluno 1: “Tenho um vizinho, meu colega, que tem só doze anos e estuda a tarde, só que, na maioria das vezes, ele falta na escola pois ajuda seu pai como bóia fria, levantando bem cedinho e indo para a roça. Chega a noitinha bem cansado e não consegue nem brincar um pouco com a gente lá da vizinhança”. Aluno 2: “ Será que ser babá no período que não estuda é trabalho infantil? Minha amiga tira linha de roupas de uma fábrica de costura, é também trabalho infantil?
Nesses depoimentos, e em muitos outros, os alunos deixaram bastante
claro a quantidade de casos sobre a temática em questão, percebendo como o
trabalho infantil ocorre a sua volta e em seu dia a dia e compreendendo o quanto
essa atividade pode prejudicar os estudos, seja pela falta de tempo ou pelo
cansaço físico, citando-o também como a principal causa do abandono escolar.
Na segunda etapa, observamos que os alunos gostaram muito de terem
aprofundado o conhecimento acerca do tema, pois aprenderam várias formas
históricas de trabalho infantil que ocorrem no Brasil, e que ainda ocorrem, e como
essas atividades dificultam o rendimento escolar de crianças e adolescentes, em
comparação ao dos alunos que apenas estudam. Essa foi a inferência de um dos
estudantes, expressa no comentário transcrito abaixo:
Aluno 3: “Então professora é por isso que meu amigo quase não consegue aprender as coisas na escola e nem tirar nota. Ele dorme
durante as aulas. Acho que tudo isso porque trabalha lavando carros no período que não estuda”.
Nesse depoimento pode-se perceber que nossos alunos vivenciam uma
rotina de trabalho nos horários em que não estão na escola, e que apesar do
aluno ter o horário de frequentar um ambiente escolar, fica evidente que o
cansaço ocasionado pelo trabalho prejudica o seu desempenho.
Na sequência, os alunos confeccionaram cartazes com desenhos, frases e
gravuras sobre o estudo. Foi uma atividade bastante prazerosa, pois os alunos
escolheram seus próprios grupos, de acordo com suas afinidades, saindo da
rotina. Foi um trabalho diferenciado e com bastante interação entre os alunos e a
Professora. Os cartazes foram expostos no mural da escola.
A seguir, apresentamos imagens de alguns cartazes confeccionados pelos
alunos.
Imagem 1: Cartaz 1. Marisa Cestari. Acervo pessoal, 2017.
Imagem 2: Cartaz 2. Marisa Cestari. Acervo pessoal, 2017.
Após a exposição dos cartazes, ainda nessa etapa foi desenvolvida a
atividade da árvore desenhada em papel craft, a qual também despertou bastante
o interesse dos alunos. Nela reuniram-se novamente em grupos para a confecção
dos cartões coloridos com palavras que ressaltavam o tema em discussão.
Imagem 3: Árvorei. Acervo pessoal, 2017.
Na terceira etapa, após a reprodução dos vídeos e documentários, houve
grande interação dos alunos, questionamentos ressaltando pontos positivos e
negativos dos vídeos. Posteriormente foram produzidas sínteses, as quais foram
socializadas entre si, gerando um painel, disponível a toda a comunidade escolar,
intitulado: “Exploração do trabalho infantil: dura realidade”.
Imagem 4: Mural. Marisa Cestari. Acervo pessoal, 2017.
Ainda nessa etapa, a sessão de cinema com o filme Oliver Twist foi,
aparentemente, a atividade que os alunos mais gostaram, pois foi realizada fora
do ambiente escolar, na Casa da Cultura. Os educandos relataram que a
consideraram muito especial e diferente por ser algo que não é comum no seu
cotidiano. Houve muita empolgação e concentração durante o filme. Entre os
muitos depoimentos, selecionamos o que segue:
Aluno 3: “Nossa, professora, me senti num cinema de verdade. Aquela telona grande, é bem diferente da televisão que tem lá em casa. Sem contar que esse filme é muito interessante e faz a gente aprender mais sobre o que estamos estudando”.
Na quarta etapa, ao tomarem conhecimento do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), por meio de atividades de vídeos educativos e de
reportagens, os educandos acharam bem interessante aprender com mais
detalhes a lei que os representa. Muitos deles nem sabiam que havia tantos
direitos que os amparam nessa idade. Foi uma atividade bastante esclarecedora
com grande envolvimento dos alunos.
Na quinta e última etapa, realizamos a peça teatral, tendo como título:
“Trabalho? Eu topo, mas só se for escolar!”. Esta encenação foi desenvolvida
para toda a comunidade escolar no ambiente da quadra de esporte da escola. Foi
uma atividade que apresentou dificuldade ao ser desenvolvida, pois necessitava
da participação de todos, mas devido à timidez de muitos estudantes, boa parte
deles queria apenas participar como figurantes e não contribuir com as falas.
Porém, com bastante paciência e dedicação fomos explicando a cada um
sobre a importância da participação e realização da atividade, pois ajudaria na
socialização dos conhecimentos aos demais, e, ainda, os auxiliaria na superação
dos obstáculos e a trabalhar em equipe. Ao final, a apresentação foi bem
desenvolvida: conseguiram transmitir a mensagem desejada, recebendo elogios
de boa parte da nossa comunidade escolar.
Considerações finais
Este trabalho apresentou um estudo da exploração do trabalho infantil,
universo das crianças e adolescentes trabalhadores, evidenciando que o trabalho
precoce é algo que prejudica o desenvolvimento dessas crianças e adolescentes
e que de certa forma muitas ficam alienadas com obrigações que cabe somente a
um adulto.
Ao realizar as ações do PDE, tive a oportunidade de aperfeiçoar meus
estudos e conhecimentos na disciplina de História, bem como rever conceitos
sobre direitos da criança e do adolescente no Brasil, mais especificamente sobre
Trabalho Infantil, assunto que considero relevante a todos os segmentos
responsáveis pela formação das nossas crianças e adolescentes.
Tive a oportunidade também, de constatar como este assunto necessita ser
mais bem trabalhado em nossos estabelecimentos de ensino como forma de
oportunizar aos nossos estudantes conhecimentos acerca de seus direitos e
deveres, e com isso serem cidadãos mais conscientes e atuantes em nossa
sociedade.
Observamos que durante a implementação do projeto, a abordagem sobre
o tema do trabalho infantil é encarado ainda com certa falta de consciência sobre
os malefícios decorrentes dessa prática. Em relação à interferência negativa que
o trabalho infantil provoca no desempenho escolar, verificamos que só são
percebidas pela minoria dos alunos e que, para muitos, o trabalho é mais
importante do que os estudos.
Quanto ao desenvolvimento das atividades práticas, no inicio houve certa
dificuldade e resistência na participação efetiva de todos, porém com o decorrer
das aulas e após muito diálogo tudo transcorreu como imaginado.
Ao evidenciarmos a incorporação de instrumentos de proteção contra a
exploração do trabalho infantil, podemos contribuir com mudanças importantes,
produzindo uma nova cultura de eliminação do trabalho precoce, e
consequentemente de proteção aos direitos humanos no Brasil. Em muitas
situações, precisamos ressaltar que a efetiva participação de todos na
fiscalização, execução e controle das políticas públicas realizadas pelo estado é
indispensável para que, assim, possamos concretizar todos os direitos das
crianças e adolescentes.
Concluímos que o trabalho infantil é um fenômeno social muito vasto,
determinado pelo modelo econômico seguido pelo país, condicionado socialmente
e influenciado, ainda, por fatores culturais. E que só acontecerão mudanças se
cada um fizer a sua parte para que a história dessas crianças e adolescentes se
transforme, e que a escola é um espaço privilegiado e ideal para que possamos
refletir e dialogar sobre valores já bem enraizados em nossa cultura, que vêm
sendo transmitidos através das gerações e agravados pela lógica do sistema
capitalista.
Referências
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