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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS Departamento de Estudos Românicos Maria Filomena Barradas Da literatura alimentar ao romance das páginas de espelhos - Uma leitura de Livro de Crónicas de António Lobo Antunes Tese submetida ao grau de Mestre em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea, sob orientação da Professora Doutora Maria Lúcia Lepecki e apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa FLUL/ Setembro de 2002

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

Departamento de Estudos Românicos

Maria Filomena Barradas

Da literatura alimentar ao romance das páginas

de espelhos - Uma leitura de Livro de Crónicas

de António Lobo Antunes

Tese submetida ao grau de Mestre em Literatura Portuguesa Moderna e

Contemporânea, sob orientação da Professora Doutora Maria Lúcia Lepecki e

apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

FLUL/ Setembro de 2002

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Maria Filomena da Silva Barradas

Da literatura alimentar ao romance das páginas

de espelhos - Uma leitura de Livro de Crónicas

de António Lobo Antunes

Tese submetida ao grau de Mestre em

Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea

FLUL/ Setembro de 2002

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Aos meus pais e a todos os meus

amigos, que me apoiaram e puxaram as

orelhas sempre que foi necessário.

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Índice

Introdução .......................................................................................................... 7

1. A crónica do Livro de Crónicas ................................................................... 9

1.1. De Garrett a Lobo Antunes−−−− algumas coordenadas para compreender

a crónica como género literário ....................................................................... 9

1.2. Das páginas do jornal às páginas do livro ........................................... 20

1.2.1. A cronologia das crónicas ............................................................. 20

1.2.2. Efemeridade/ Posteridade ............................................................ 25

2. O livro das páginas de espelhos ............................................................... 28

2.1. O programa literário de Lobo Antunes ................................................ 28

2.2. Espelho meu, espelho teu ................................................................... 34

3. Os espelhos mágicos ................................................................................ 39

3.1. O homem por detrás do espelho ......................................................... 39

3.2. O nosso rosto no espelho ................................................................... 53

Conclusão ........................................................................................................ 65

Bibliografia........................................................................................................ 67

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Introdução

Porquê escrever uma dissertação de mestrado sobre a produção

cronística de António Lobo Antunes?

Os seus romances agradavam-me porque me obrigavam a descobrir

outra língua em que tudo se harmonizava caoticamente; mas foi o contacto

com as “prosinhas” que fez a diferença. Quinzenalmente, fielmente comecei a

seguir o rasto das crónicas na Pública. Como era possível que aquele autor,

que tinha habituado o leitor aos delírios excessivos dos romances, fosse capaz

de uma depuração e de uma simplicidade co-moventes, em que o sugerido

tinha mais força que o dito? Ignorar esses textos era impossível.

A reunião dos textos em volume veio permitir o acesso a quase todas as

crónicas produzidas em colaboração com o PÚBLICO, e contrariar o

esquecimento a que estariam votadas se não fossem ressuscitadas do espaço

do jornal.

Ao escolher Livro de Crónicas para trabalhar na minha dissertação de

mestrado, fi-lo com o intuito de contrariar a ideia de que as crónicas são textos

apenas valorizados por leitores preguiçosos. É certo que são curtas, é certo

que foram escritas para distrair; mas também é certo que a sua mundividência

anda muito próxima daquela que estamos habituados a encontrar nos

romances do autor e que na sua capacidade de conformação de distintos

temas, encontramos pistas para a decifração do fazer literário de António Lobo

Antunes.

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Ao tentar definir as coordenadas para a compreensão da crónica como

género literário, o meu trabalho tenta desfazer a ideia de que se trata de um

género literário menor. Foi nas crónicas que Lobo Antunes encontrou a

possibilidade de expressar os princípios que orientam o seu labor literário.

Como escritor, o seu desejo máximo é escrever uma obra de tal forma perfeita

que seja capaz de abarcar a totalidade– o romance das páginas de espelhos.

Os seus romances parecem sujeitos a esta dinâmica, pois exibem um discurso

fragmentado, que é preciso reconstruir, e de que vão emergindo imagens

complexas e esfaceladas da realidade, de acordo com o ponto de vista

adoptado.

Ora, aquilo que procurarei aqui é demonstrar a validade deste princípio

em Livro de Crónicas, que reunindo textos curtos e autónomos, nos dá uma via

de acesso a imagens múltiplas e deformadas, quer do próprio autor, quer de

diferentes EUS a quem ele empresta a voz, exigindo-se do leitor o esforço de

se reconhecer nessas figuras e de admitir a possibilidade de agir na sua

realidade, de forma a corrigir aquilo que o texto diagnostica como deficiência

desumanizante.

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1. A crónica do Livro de Crónicas

1.1. De Garrett a Lobo Antunes −−−− algumas coordenadas para

compreender a crónica como género literário

Na abertura de Viagens na Minha Terra, afirma o autor: “Vou nada

menos do que a Santarém: e protesto de quanto vir e ouvir, de quanto eu

pensar e sentir se há-de fazer crónica”1.

O ideário romântico tinha conferido especial importância às questões do

nacional e do histórico; pela Europa crescia o interesse pelos acontecimentos

que tinham moldado a face das nações, pelos documentos que

testemunhavam essas mudanças e pelas tradições seculares das populações,

que eram os sinais vivos dos tempos passados.

Sabendo que crónica deriva do grego chronos (“tempo”) e que é

etimologicamente “escrita do tempo”, seria fácil ceder à tentação de pensar que

Garrett ao empregar o termo “crónica” desejava oferecer-nos um relato de

conteúdo histórico, decalque da narrativa medieval homónima. É certo que as

Viagens testemunham o tempo de mudança que foi a primeira metade do

século XIX, mas o escritor-cronista é contemporâneo dos acontecimentos e,

por isso, não nos apresenta uma compilação de relatos anteriores, como faria

um cronista medieval, mas, a partir dos eventos que testemunha, em que é

participante ou que afectam de algum modo a vida da comunidade, dá-nos um

relato em que as impressões colhidas ou as perspectivas pessoais assumem

especial relevância. A sua “crónica”, ainda que sendo subsidiária da forma

1 CARVALHO, Alberto (apresentação crítica, notas e sugestões para análise literária de), Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett, 4ª ed., Lisboa, Editorial Comunicação, 1991, p. 86

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medieval− porque está relacionada com a observação dos eventos que

modificaram ou moldaram a história da nação−, acaba por escapar à noção de

relato histórico: o escritor torna-se um espectador reflexivo do mundo e para o

seu texto convoca elementos múltiplos, aparentemente desgarrados, com que

constrói um discurso que visa despertar a consciência crítica do leitor,

tornando-o também num agente de reflexividade sobre o momento histórico

que um e outro partilham.

Em 1867, Eça de Queirós, nas páginas do Distrito d’ Évora apresentava

a sua definição de crónica:

A crónica é como que a conversa íntima, indolente, desleixada, do jornal com os que o

lêem: conta mil coisas, sem sistema, sem nexo; espalha-se livremente pela natureza, pela vida,

pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, dos enfeites, fala em tudo,

baixinho, como se faz ao serão, ao braseiro, ou ainda de Verão, no campo, quando o ar está

triste.2

Se Garrett inaugurava já a atitude de cronista espectador--crítico do seu

tempo, Eça, chamando a atenção para a multiplicidade de temas de que se

enamora a crónica, define o jornal como seu meio de difusão e, como seu

propósito, a procura de intimidade com o leitor.

O texto cronístico, tal como o entendemos hoje, tem a sua génese no

jornal; será, por isso, impossível pensar as suas peculiaridades sem pensar no

modo como a sua natureza periodística o molda.

A crónica só pode nascer quando a imprensa periódica floresce e se

afirma como meio de difusão de ideias e de opiniões. A secção de que

2 Citado por Annabela Rita, Eça de Queirós Cronista− do “Distrito de Évora”(1867) às ”Farpas” (1871-72), p. 37

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emergirá este género literário é chamada primitivamente de “folhetim”,

adaptação da forma francesa feuilleton; destinada a ser uma secção ligeira,

que se ocupa de assuntos mundanos, nela coexistem materiais muito diversos,

incluindo não só aquilo que hoje entendemos por crónica, como também

contos, poemas, romances e novelas.

Ao passo que o folhetim fica associado à publicação de formas

tipicamente literárias3, a crónica alia-se aos géneros de feição jornalística,

ocupando-se em comentar os acontecimentos pertinentes no seio de uma

comunidade, buscando “captar essa coisa inefável a que chamamos ‘espírito

do tempo’ (...)”4.

Tal como acontece com a notícia, a reportagem ou a entrevista, aquilo

que parece motivar a crónica é a ligação ao quotidiano e ao acontecimento

historicamente localizável. Porém, o seu objectivo não é informar no sentido

mais usual do termo. Quem a escreve não age como um jornalista que,

distanciadamente, relata ou divulga um acontecimento, mas como um narrador-

observador que, dando a conhecer um evento, exprime os seus pontos de vista

e deseja, pela manipulação dos afectos, ganhar a adesão do leitor,

despertando o seu raciocínio e o seu juízo crítico. O leitor não a procura para

se informar acerca do que se passa em seu redor ou para seguir as peripécias

relativas a um herói ou uma heroína, mas antes para aceder à perspectiva de

um observador acerca daquilo que marca a comunidade em que um e outro se

integram.

3 A título de exemplo, O Mistério da Estrada de Sintra e Uma Família Inglesa foram publicados em folhetim, respectivamente,no Diário de Notícias (1870) e no Jornal do Porto (1867). 4 PEDROSA, Inês, “O esplendor do Portugal dos Pequeninos”, Expresso-Cartaz, 22/05/99

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A mais de um século de distância, a obra de António Lobo Antunes

assume-se como continuadora desta atitude de atenção crítica aos momentos

que marcaram ou marcam a vida nacional. Se nos romances a História surge

como pano de fundo para a narrativa, nas crónicas será sobretudo o quotidiano

anónimo que serve de enquadramento aos relatos. Quer num caso, quer

noutro, aquilo com que ficamos é com um testemunho da “agitada, contraditória

e por vezes tragicómica vida portuguesa”5.

Lobo Antunes considera que as crónicas têm sido valorizadas por

“leitores preguiçosos”6 e que são “uma coisa menor e lateral na [sua] vida”7.

Embora a sua estreia como cronista tenha ocorrido ainda durante a década de

80, nas páginas d’ O JORNAL, será só a partir de 1993, com a colaboração

com o PÚBLICO, porque “precisav[a] do dinheiro”8, que essa face da sua

carreira literária ganha expressividade.

Ao contrário do que aconteceu com Eça de Queirós que necessitava de

esclarecer o seu leitor quanto à nova forma literária surgida nas páginas do

Distrito d’ Évora, Lobo Antunes, escrevendo num tempo em que o jornal é um

meio de comunicação a que todos têm acesso, com regras de funcionamento

bem definidas e interiorizadas, só muito tardiamente publica textos auto-

reflexivos sobre a forma literária que produz especificamente para o periódico:

Que me lembre, este é o quinto ano que gatafunho prosinhas no PÚBLICO (...).

Conversas que alinhavo à pressa dado pagarem-me por elas, alimentares e de circunstância

portanto, para serem lidas no domingo por quem tiver paciência para as ler e esquecidas logo

5 REIS, Carlos, “A arte da crónica”, JL, nº 742, 10/03/99

6 SILVA, Rodrigues da, “António Lobo Antunes− Mais perto de Deus”, JL, nº 757, 6/10/99

7 Idem, ibidem

8 SILVA, Rodrigues da, “António Lobo Antunes− Mais perto de Deus”, JL, nº 757, 6/10/99

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depois. Pela minha parte esqueço-as assim que lhes coloco o ponto final: a minha vida joga-se

nos romances, por eles me julgo e serei julgado− e tudo mais vem a seguir e nenhuma

importância tem. 9

Ainda que o léxico usado nesta passagem contribua para a construção

de uma imagem negativa da crónica, que não é mais do que “prosinha”, que o

autor “gatafunh[a]” ao invés de escrever, que “alinhav[a] à pressa”, em

contraste com o trabalho lento e burilado do romance, que “exige que se passe

todo o tempo com ele, sobretudo para corrigir que demora mais do que

escrever”10, António Lobo Antunes revela-se consciente dos mecanismos que

regem esta forma literária, enfatizando as características que decorrem da

ligação que o género estabelece com o quotidiano, não só no que concerne à

escolha dos motivos que preferencialmente constituirão a sua matéria

discursiva mas, sobretudo, no que se refere ao facto de o circuito de vida da

crónica estar dominado por uma relação económica, ocupando o texto o lugar

central nessa cadeia de trocas− produzida pelo autor que é pago para a

escrever, a crónica encontra no jornal um intermediário para chegar ao leitor

que, para a consumir, terá de comprar a edição de domingo do diário. Assim, a

dependência pecuniária do autor em relação ao jornal e a efemeridade que

envolve o processo de produção-consumo do texto serão as faces externas da

crónica.

Por serem “alimentares e de circunstância” se ligam as crónicas ao

quotidiano de quem as escreve, que mais não é do que um indivíduo com

9 “Conselho de Amigo”, P 36

10 SILVA, Rodrigues da, “António Lobo Antunes− Génesis de um romance”, JL, nº 783, 4 de Outubro de 2000. A este propósito veja-se também a crónica «Emília e uma noites» (PM, 267; 10/9/95; LC, pp. 183-185): “(...) eu que faço tudo devagar, principalmente desenhar palavras (...)”.

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compromissos diários idênticos a todos os outros indivíduos e que encontra no

periódico um meio de sustento.

O jornal tira proveito ao poder contar nas suas páginas com a

colaboração de um autor reconhecido pela crítica e pelo público− daí lhe advirá

prestígio e, porventura, um aumento do volume de vendas, pois certamente

existirão leitores que passarão a comprar o jornal com o intuito de ler a secção

produzida por aquele autor; mas entre jornal e escritor há uma relação laboral:

aquilo que o escritor produz e por que é pago tem de obedecer a regras no que

diz respeito ao cumprimento dos prazos e dos limites espaciais que o texto

deverá ocupar. Assim, os romances são abandonados “de quinze em quinze

dias para redigir uma página de revista”11. Satisfazendo o assumido com o

periódico, o cronista não só obtém rendimentos, como também tem ao seu

dispor um veículo privilegiado para a divulgação daquilo que escreve.

Mas, o que se escreve está condicionado não só por limites espaciais

(uma página) e pelo cumprimento de prazos (a colaboração faz-se

quinzenalmente, aos domingos), mas também pelo próprio conteúdo da

crónica. Ao ser publicada no suplemento de domingo de um jornal, a crónica

não terá como missão informar o leitor, nem moldar a sua opinião. Aquilo a que

se propõe a crónica de Lobo Antunes é distrair. Sendo um texto ligeiro, que

procura a intimidade com o leitor, as crónicas metaforizam-se em

“conversas”12, que são de “de circunstância”13, o que explica que só delas retire

11 “Última Crónica”, p.341 12 “Conselho de Amigo”, P 36 13 Idem, ibidem

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proveito “quem tiver paciência”14− afinal ninguém mantém uma conversa de

circunstância se esta lhe desagradar, pois a sua função é estritamente lúdica.

No texto “Última Crónica”, António Lobo Antunes apresenta uma

retrospectiva da sua colaboração com o PÚBLICO, enunciando aquilo que

podemos entender como a sua noção de crónica− nela, o ludismo, que é o

resultado do que o autor crê serem os gostos dos leitores, assume especial

relevância. O autor acredita que

os eventuais leitores de um suplemento de domingo gostariam de um trecho leve,

simples, agradável e fácil de escrever− o contrário do que pretend[e] nos livros.15

Não é de estranhar a insistência no facto de a crónica sair no

suplemento de domingo do PÚBLICO. O domingo é o dia tradicionalmente

consagrado ao descanso, pelo que o leitor procura o jornal não apenas com o

intuito de se informar, mas também com o intuito de se distrair. Porque é para

os “[s]eus leitores que escrev[e]”16, porque as crónicas são “conversas” é

natural que o leitor desenvolva uma empatia crescente por esses textos, o que

o leva a procurar, no jornal, o momento lúdico que é por eles proporcionado. O

leitor das crónicas de Lobo Antunes, vivendo num tempo em que o jornal é um

meio de comunicação acessível, não precisa ser esclarecido quanto ao que é a

crónica enquanto matéria discursiva, pois está habituado a conviver com esta

forma e é como se entre ele e o cronista se estabelecesse um acordo tácito.

Produtor e consumidor da crónica definem--na em termos dos modos

específicos como a produzem e como a ela acedem. Assume-se que ambos

14 Idem, ibidem 15 “Última Crónica”, P 77; LC, pp. 341-342 16 Idem, ibidem

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reconhecem a forma específica que é a crónica: um texto que, podendo

debruçar-se sobre uma infinidade de temas de forma ligeira ocupa, com

periodicidade regular, um espaço restrito e específico17 numa publicação

periódica. Mas a cumplicidade entre autor e leitor manifestar-se-á para além do

reconhecimento de meras características externas da crónica.

A consciência de que essa cumplicidade entre cronista e leitor existe

está bem patente no texto “Emília e Uma Noites”18: Neste texto, o cronista

experimenta o espanto da crónica-escrita se ter autonomizado da crónica-

-pensada. Escapando ao controlo efabulatório do cronista, o texto final não é

“como [os leitores] se habituaram a que seja, [nem] como apreciam que seja”19

porque, a partir do momento em que as memórias de Angola “[lhe vêm] com

toda a força ao corpo”20, o autor é obrigado a confrontar-se com o facto de que

não vai “ter humor nem ser inteligente nem subtil nem terno nem irónico”21− as

características por que se pauta a escrita das crónicas e que autor e leitor

reconhecem.

17 Ainda que frequentemente a secção em que ocorre o texto venha assinalada com o título de “Crónica”, nem sempre isso acontece. A secção pode receber outros títulos ou nem sequer receber título. No que diz respeito ao autor que me ocupa, as suas primeiras crónicas, nas páginas de O Jornal, surgem na secção “Sítios com Barcos”; as colunas que escreveu para O Jornal Ilustrado, Grande Reportagem e Público Magazine não receberam nenhum título. A designação “Crónica” só aparece na Pública e na Visão. Apesar das diferentes designações que a secção pode receber, o que é certo é que ela ocupa, fisicamente, tal como as restantes secções, número após número, o mesmo espaço no jornal, o que facilita o acesso a ela. 18 LC, pp. 183-185 19 Idem, ibidem 20 Idem, ibidem 21 Idem, ibidem

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Ao contrário do romance que “exige um leitor que o saiba ler”22 e o

escritor que o ensine a ler23, a crónica despreza esse trabalho, porque é

produzida e consumida de forma rápida; porém, ao reconhecer na estratégia

discursiva das crónicas o humor, a ternura, a inteligência, a subtileza e a ironia,

é o próprio Lobo Antunes que as aproxima do seu restante trabalho literário.

Porque “gost[a] de assistir às pessoas espantado”24, Lobo Antunes traz

para os seus romances casos anedóticos que presenciou ou que lhe contaram

e que são transformados em matéria ficcional25. Se isso se passa nos

romances, não será de desprezar a hipótese de as crónicas, pela sua conexão

com o quotidiano, partilharem a mesma génese e estarem dependentes do

mesmo processo de ficcionalização.

Ainda que as crónicas sejam textos curtos, isso não facilita a sua

redacção; o autor

22 SILVA, Rodrigues da, “António Lobo Antunes− Mais perto de Deus”, JL, nº 757, 6/10/99 23 Idem, ibidem 24 COELHO, Alexandra Lucas, “António Lobo Antunes depois da publicação de Exortação aos Crocodilos− ‘Agora só aprendo comigo’”, Pública, nº 192, 30/01/00

25 Citarei a esse propósito a explicações que são dadas pelo autor para explicar a génese de dois dos seus romances− Manual dos Inquisidores e Exortação aos Crocodilos. No primeiro caso, é a história contada pelo irmão, João Lobo Antunes, que desperta o romance, “porque, há uns três ou quatro anos, contou-me uma história de um senhor, um grande solteirão, ou viúvo, já não sei, que dizia, em relação às mulheres, «eu faço tudo o que elas querem, mas nunca tiro o chapéu da cabeça». Aquilo ficou-me cá dentro. Essa frase foi a primeira que tive do livro, é uma frase espantosa”. [Cf. VIEGAS, Francisco José, “António Lobo Antunes− ‘Nunca li um livro meu’”, Ler, nº 37, Inverno de 1997]. No segundo caso, o que motiva o romance é a história a um funcionário galego da D. Quixote: “Tinha-a ouvido a um galego chamado Xesus Franco que um dia foi trabalhar para a D. Quixote. A avó dele chamava-o e dizia-lhe: vou-te ensinar o segredo da coca-cola. Então misturava gasosa com café com açúcar. Esta história ficou dentro de mim uns meses largos. A pouco e pouco o livro foi-se construindo à volta dela”. [Cf. COELHO, Alexandra Lucas, “António Lobo Antunes, depois da Exortação aos Crocodilos: ‘Agora só aprendo comigo’”, Pública, nº 192, 30/01/00].

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Cheg[ava] a ficar horas diante do papel, à espera da primeira frase, com a sensação de

que o dinheiro que [lhe] pagavam não pagava o facto de abandonar um capítulo que [o] exigia

inteiro, a trabalhá-lo e a passá-lo.26

Aquilo que é convocado para o texto e que Lobo Antunes se ocupa em

narrar não é prioritariamente o evento historicamente localizável, mas é antes,

como diz Maria Alzira Seixo numa afirmação que, reportando-se a Exortação

aos Crocodilos, me parece ajustada às crónicas:

(...) a insignificância, (...) o facto anódino, as vozes que ninguém ouve (por surdez ou

por inacessibilidade subjectiva), os sonhos que se não manifestam pela própria incapacidade

da sua formulação, a maldade que é a expressão do bem inalcançável, o quotidiano

inenarrável de uma estupidez irremissível (...)27

Se optasse preferencialmente por tratar temas relacionados com o

historicamente localizável, a crónica perderia a sua eficácia, pois o seu tempo

de vida estaria condicionado pelo tempo em que na memória colectiva

subsistisse a memória do evento.

Socorrendo-se do “quotidiano inenarrável” e das suas memórias

pessoais, Lobo Antunes dá-nos crónicas que não são o registo de eventos,

mas antes o diagnóstico do tempo que ele e o seu leitor vivem. Na maior parte

delas, as memórias do autor, (con)fundem-se com as constantes evocações do

país real no qual facilmente o leitor se revê; um país marcado pela

suburbanidade, pela exclusão, pela angústia, pelo desamor que condena o

indivíduo a dramáticas situações de alienação e de solidão.

26 “Última Crónica”, LC, p. 341

27 SEIXO, Maria Alzira, “As fragilidades do mal− Exortação aos Crocodilos de António Lobo Antunes”, in Outros Erros− Ensaios de Literatura, Lisboa-Porto, Asa, 2001, p. 342

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Ao escolher a insignificância da condição humana como tema preferido,

a crónica de Lobo Antunes está a resgatar a dignidade que o quotidiano parece

ter perdido. É missão do cronista transformar o facto quotidiano em matéria que

exija a reflexão e o pensamento crítico do leitor, o que só é conseguido se o

texto se desprender do constrangimento de ser relato do tempo e ganhar a

liberdade de ser espelho do tempo, sendo que as próprias dimensões do

escrito determinam a potencialização dos sentidos evocados.

Ocupando um terreno de fronteiras fluidas, em que o género é definido

em termos de como decorre o circuito de produção-consumo do texto e não a

partir das características internas do texto, a crónica de Lobo Antunes

espalhar-se-á, roubando as palavras a Eça de Queirós, “pela vida, pela

literatura, pela cidade”, reflectindo o modo de se ser e de se sentir Portugal no

final de século XX.

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1.2. Das páginas do jornal às páginas do livro

1.2.1. A cronologia das crónicas

Neste trabalho, aquilo que me serviu como corpus-base foram as

crónicas saídas no jornal PÚBLICO entre 1993 e 1998 e reunidas em volume

no Livro de Crónicas [LC]. Porém, pareceu-me importante estabelecer algumas

coordenadas temporais no que concerne à produção cronística de Lobo

Antunes, pois se LC é, actualmente, a sua face mais visível não é a única.

Terminada a colaboração de Lobo Antunes com o PÚBLICO, o que é certo é

que as crónicas continuaram a sair nas páginas da VISÃO, com uma

periodicidade quinzenal. Ao estabelecer como corpus de trabalho LC tinha de

ter em conta o que estava para trás dele e, eventualmente, o que se lhe seguiu.

Por forma a balizar o meu trabalho, direi que sendo LC aquilo que me serviu de

base de progressão, apelei também a todos os textos não reunidos em volume,

anteriores à colaboração com o PÚBLICO ou que resultaram dessa

colaboração.

Não sei se já com preocupações alimentares se não, o facto é que

datam de 1984, cinco anos após a publicação de Memória de Elefante e de Os

Cus de Judas, as primeiras colaborações de António Lobo Antunes com a

imprensa. A estreia deu-se n’ O JORNAL a 27 de Julho de 1984, com uma

crónica intitulada “O sétimo irmão”.

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Entre 1984 e 1991, Lobo Antunes colaborou com O JORNAL28 (Julho a

Novembro de 1984), O JORNAL ILUSTRADO 29 (Abril de 1986) e GRANDE

REPORTAGEM30 (Janeiro de 1991 a Julho de 1992).

O percurso que deu origem a LC iniciou-se em 1993 e prolongou-se até

ao final de 1997, com a colaboração com o suplemento de domingo do

PÚBLICO31. Interrompida durante 1998, esta colaboração foi retomada em

1999, tendo cessado nesse mesmo ano. Em Março de 1995 foi publicada a

primeira reunião de textos cronísticos, num volume que recebeu o título de

Crónicas [C], obra que reuniu parte do material publicado pelo jornal até ao

final de 1994 e que entretanto foi retirada do mercado.

Na crónica “Conselho de Amigo” (P 36, 26/01/97), António Lobo Antunes

dizia o seguinte a respeito das crónicas e da sua reunião em volume:

“Que me lembre, este é o quinto ano que gatafunho prosinhas para o PÚBLICO− tão

prosinhas que a sua reunião em volume, precipitada e esgotada, não tornará a editar-se nem

outra reunião se fará.”

28 Da colaboração com O JORNAL resultou a publicação dos textos seguintes: “O sétimo irmão” (482, 27/07/84), “Condição marinha” (494, 10/08/84), “Carta ao amigo desconhecido” (498, 7/09/84), “Poluição sob controlo” (500, 21/09/84), “Lili” (502, 4/10/84) e “O banho” (507, 9/11/84). 29 Em O JORNAL ILUSTRADO só foram publicadas duas crónicas: “Louvor da noite e da amizade de José Cardoso Pires” (582, 18/04/86) e “O camponês de Paris” (583, 24/04/86). 30 As crónicas editadas em GRANDE REPORTAGEM foram: “Em que se inicia o relato das minhas tremendas proezas” (5, ano II, 2ª série, Jan-Mar de 91), “A minha filha mais velha tirou a carta” (6, ano II, 2ª série, Abr-Jun 91), “Carta para a Joana” (7, ano II, 2ª série, Jul-Set 91), “Um país chamado Pedro Tamen” (8, ano II, 2ª série, Nov 91), “Saudades de Porto” (10, ano III, 2ª série, Jan 92), “Isabel Maria, a Ericeira, o mar, a morte e os meus pais” (11, ano III, 2ª série, Fev. 92), “O camponês de Paris” (12, ano III, 2ª série, Mar. 92), “Os cavalos e eu” (15, ano III, 2ª série, Jul. 92).

“O camponês de Paris” corresponde ao texto publicado com o mesmo título no JORNAL ILUSTRADO. 31 Até 19 Maio de 1995 foi chamado Público Magazine [PM]; a partir dessa data assumiu a designação que actualmente lhe conhecemos: Pública [P].

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Porém, se de facto C não foi alvo de uma reedição, a recolha em volume

das crónicas voltou a fazer-se em 1998 com Livro de Crónicas. Várias são as

diferenças entre um e outro volume. Quer C, quer LC reúnem textos saídos no

PM (no primeiro caso) e no PM e P (no segundo caso). Tendo sido editado

posteriormente a C, LC não se limita apenas a ser a sua refundição ampliada,

pois existem mais diferenças para além do número de crónicas reunidas num e

noutro volume. As diferenças que aponto abaixo funcionam como

constatações, como linhas que orientaram a minha investigação inicial; não têm

qualquer carácter de crítica textual, não são propostas de solução para os

casos em que se verificou existirem textos que sofreram alterações, nem

procuram explicar ou aduzir razões para a inclusão ou exclusão de textos em

LC, visto que se trataram das opções pessoais do autor.

• Nem C, nem LC incluem crónicas não publicadas pelo PÚBLICO.

• Nem em C, nem em LC os textos aparecem de acordo com a ordem

cronológica de publicação.

• A organização das crónicas é distinta de C e em LC.

• LC, ainda que recolha quase todos os textos presentes em C, não inclui a

crónica “As papoilas saltitantes”32.

• LC recupera textos que não estão presentes em C, ainda que a data de

publicação corresponda aos seus limites: “A velhice”33, “O coração do

32 PM 184; C, pp. 127-129 33 PM 178; LC, pp. 39-40

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coração”34, “A existência de Deus”35, “Uma coisa assim”, “O amor dos

animais”36, “O grande e horrível crime”37 e “Onde o artista se despede do

respeitável público”38.

• Existem crónicas que tendo saído no jornal antes da publicação de C, não

surgem nem aí, nem em LC: “Tocata para dois clarins”39 e “Esta que se

acina Gabriela”40. Não deixa de ser curioso que “Tocata para dois clarins”

não seja incluída nem em C, nem em LC− é a primeira crónica escrita para o

PM por Lobo Antunes e tem a particularidade de ser uma crítica à obra

homónima de Mário Cláudio. Quanto a “Esta que se acina Gabriela”

considero-o um belíssimo exemplo da capacidade de ficcionalização do

autor. Mimetizando uma carta, o autor cria uma personagem suburbana, cuja

caracterização passa pela imitação das dificuldades de escrita de quem não

domina a norma de uma língua. O efeito é de humor.

• LC não reúne todas as crónicas saídas no PÚBLICO até 1998. Para além

dos casos supra-referidos, não estão presentes os seguintes textos: “Quero

ser filho da puta”41, “Crónica do menino ruivo e dos cavalos de plástico”42, “E

tudo o vento levou”43, “Big Show Sic”44, “Como expliquei à minha filha o

34 PM 182; LC, pp. 45-47 35 PM 191; LC, pp. 85-88 36 PM 240; LC, pp. 173-175 37 PM 245; LC, pp. 123-125 38 PM 248, com o título “Onde o artista se despede dos preciosos ridículos”; LC, pp. 131-132 39 PM 148 40 PM 241 41 PM 289 42 PM 299 43 P 12

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sinistro caso do Dantas”45, “Conselho de amigo”46, “O Algarve”47 e “Américo,

o Homem-Bomba”48.

• Na passagem das páginas do jornal para as páginas do livro, alguns textos

viram os seus títulos sofrerem alterações. Isso aconteceu nas seguintes

crónicas: “A minha modesta existência”49 e “Onde o artista se despede dos

preciosos ridículos”50, que foram editadas, respectivamente, com os títulos

“Ma petite existence”51 e “Onde o artista se despede do respeitável

público”52. No primeiro caso a mudança verificou-se logo em C; no segundo

caso tal só aconteceu em LC, o que se justifica pelo facto de esta ser uma

das crónicas que foi recuperada em 1998, não tendo sido incluída na versão

de 1995.

• A crónica “Dormir acompanhados”53 manteve o seu título em C, mas viu-o

alterado para “Dormir acompanhado” em LC.

• O texto “No fundo do sofrimento uma janela”54 viu o título alterar-se para

“No fundo do sofrimento uma janela aberta”.

44 P 15 45 P 21 46 P 36 47 P 54 48 P 60 49 PM 199 50 PM 248 51 C, pp. 27-29; LC, pp.61-63 52 LC, pp. 131-132 53 PM 222; C, pp.83-85; LC, pp. 161-163 54 PM 305; LC, pp.283-285

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• Aqueles a quem são dedicados os volumes são também figuras distintas.

Em C, as crónicas são dedicadas a José Cardoso Pires (amigo de Lobo

Antunes e colaborador também do PÚBLICO) e a Vicente Jorge Silva,

director do diário, “sem cuja afectuosa insistência estas crónicas não teriam

sido escritas”. Já LC evoca o avô paterno do autor: “À memória do meu avô

António Lobo Antunes (1889-1960) de quem tenho tantas saudades”.

1.2.2. Efemeridade/ Posteridade

Mas o que motivou a reunião em volume das “prosinhas”, quando o seu

autor as considera um género menor face ao romance? A explicação parece

ser dada pelo grau de sucesso que as crónicas obtiveram junto dos leitores,

como testemunha “Última Crónica”:

As crónicas, tão desprentenciosas, foram no entanto uma imensa surpresa para mim.

Recebi centenas de cartas de leitores, a maior parte entusiásticas e amigas, algumas de

desacordo e de censura, outras ainda agressivas e violentas. Os que me censuram tinham

decerto razão− e estou-lhes tão reconhecido quanto àqueles que me deram estímulo e

amizade. É para os meus leitores que escrevo (...)55

Porque o género “alimentar” parece agradar superiormente aos leitores,

antologizar esses textos será ir ao encontro de um gosto manifestado pelo

público, mas que não corresponde ao gosto do autor, como mostram as

55 “Última Crónica”, P 77; LC, pp. 341-342

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palavras do próprio a propósito da edição de C, na crónica “Conselho de

Amigo”:

Que me lembre, este é o quinto ano que gatafunho prosinhas no PÚBLICO− tão

prosinhas que a sua reunião em livro, precipitada e esgotada, não tornará a editar-se nem

outra reunião se fará.56

Apesar da intenção de Lobo Antunes de não haver uma nova recolha

das crónicas, pouco tempo depois saía do prelo Livro de Crónicas.

Como já foi dito, as crónicas presentes em LC não só não correspondem

à totalidade de crónicas editadas em PM e em P, como também alguns desses

textos sofreram alterações na passagem das páginas do suplemento para as

páginas do livro. Não tentarei averiguar as razões que levaram Lobo Antunes a

preferir ou a preterir textos ou os motivos que o orientaram nas modificações

introduzidas. Mas, parece-me útil voltar a sublinhar que a crónica tem, na sua

génese, um forte vínculo ao quotidiano− é um texto produzido especificamente

para um periódico, por um indivíduo que é pago para a escrever; é lida

(descontraidamente) ao domingo por alguém que compra o jornal e, como

matéria discursiva opta também por tratar temas do quotidiano. Para Lobo

Antunes, a crónica e as circunstâncias que a envolvem condenam-na a uma

existência muito curta e precária, opondo-a ao romance que aspira à

durabilidade e à permanência por configurar problemas de amplitude universal.

Se a antologização das crónicas obedeceu a motivos editoriais− havia o

desejo de suprir uma necessidade manifestada pelos leitores−, ela resultou

também do reconhecimento de que esses textos tinham a capacidade de

56 “Conselho de Amigo”, P 36

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transcender o circunstancial, pois o evocado encerrava potencialidades de

universalização equiparáveis às potencialidades encerradas pelo romance. A

propósito da reunião em volume das crónicas de Lobo Antunes, Carlos Reis

sugere que, porque pendem para o registo ficcional e porque ultrapassam o

mero relato factual, as crónicas podem ser lidas como contos57. Do meu ponto

de vista, porém, uma definição do género cronístico tem de ter em conta o

contexto específico em que é produzido o texto. O registo ficcional é, creio eu,

intrínseco à natureza da crónica − ficcionalizando o quotidiano, ela resgata-o ao

efémero; elevando-o ao estatuto da literatura, ela projecta-o na eternidade.

Reunir as crónicas em livro é não só garantir que esses textos não

sejam esquecidos e que possam ser sempre revisitados, como também é abrir

a possibilidade a que eles se configurem como exemplo daquilo que é o desejo

máximo de António Lobo Antunes como escritor: a criação de um livro de tal

forma completo que as páginas reflictam a complexidade das relações que os

indivíduos estabelecem com o mundo.

Retomo as palavras de Eça de Queirós: contando “mil coisas”, fluindo

“livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade”, a crónica− e

neste caso específico, a crónica de Lobo Antunes− porque desde a sua génese

esteve ligada ao prosaico, ao mesquinho, ao quotidiano, dele se conseguiu

autonomizar porque, aos olhos do cronista e do leitor, se apresenta como o

espelho onde se podem ver reflectidos.

57 REIS, Carlos, “A arte da crónica”, JL, nº 742, 10/03/99

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2. O livro das páginas de espelhos

2.1. O programa literário de Lobo Antunes

Ao contrário daquilo que se passou nos primeiros romances, em que

havia uma constante reflexão em torno da experiência nova do psiquiatra

tornado escritor58, nos romances mais recentes, porque a voz do escritor-

-psiquiatra-narrador-personagem deu lugar a outras vozes para fazer “do livro

uma peça sinfónica”59, essa reflexão tem tido lugar sobretudo nas entrevistas

que o autor tem dado aos jornais. Porém, será a crónica, pela sua brevidade,

concisão e fluidez temática, o lugar onde, privilegiadamente, Lobo Antunes

procederá ao questionamento, à reflexão e ao esclarecimento daquilo que é a

sua arte literária. Nas crónicas relacionadas com o fenómeno literário, o autor

relembra como começou a escrever, debruça-se sobre o modo como os

leitores aceitam o que escreve, reflecte sobre as relações (conflituosas) que

existem entre a crítica e a literatura, é ele mesmo o crítico literário e enuncia os

princípios que presidem ao seu labor literário60.

58 Disso são exemplo as seguinte passagens extraídas de Memória de Elefante:

“O amigo roçou a barba loira no ombro do médico: (...)

− Tens escrito?, interrogou.

De mês a mês defechava de súbito esta pergunta aterradora, porque para o psiquiatra o manuseio das palavras constituía uma espécie de vergonha secreta, obsessão eternamente adiada.” (p. 67)

“− Estava cá a magicar que escrever é um bocado fazer a respiração artificial do dicionário de Moraes, à gramática da 4ª classe e aos restantes jazigos de palavras defuntas, e eu ora cheio ora vazio de oxigénio, aparvalhado de dúvidas.” (p. 71)

59 SILVA, Rodrigues da, “António Lobo Antunes− Mais perto de Deus”, JL, nº 757, 6/10/99

60 “A Feira do Livro” exemplifica a relação que o autor entabula com o seu público; “Os sonetos a Cristo” explicam que foram necessidades materiais que impeliram o jovem António Lobo Antunes, aos treze anos, a compor poemas sobre a vida de Jesus, que eram recompensados

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Nessa medida, “O coração do coração”61 é uma crónica que poderá ser

vista como uma verdadeira arte poética, pois nela Lobo Antunes desvenda as

linhas fundamentais daquilo que concebe como o seu fazer literário, abrindo

perspectivas para compreender tanto da arquitectura dos seus romances,

quanto da arquitectura subjacente à reunião das crónicas em volume.

O romance que gostava de escrever era o livro no qual, tal como no último estádio de

sabedoria dos chineses, todas as páginas fossem espelhos e o leitor visse, não apenas ele

próprio e o presente em que mora mas também o futuro e o passado, sonhos, catástrofes,

desejos, recordações. Uma história em que eu, folheando-a no intuito de a corrigir, armado de

um lápis vermelho destinado a uma carnificina de emendas, encontrasse de súbito, a acenar-

me alegremente sentado num parágrafo como no muro da quinta do meu avô, o filho do

caseiro (...)

Como as páginas são espelhos se me aproximasse mais do livro toparia atrás dos meus

avós, de Sandokan, de Flash Gordon, da rapariga do presépio, da minha mãe de mão em

concha na orelha e do adolescente que deixei de ser, afogueado de timidez e borbulhas, um

homem aflito a penar o seu romance palavra a palavra até o entregar ao editor que do outro

lado da secretária o recebe como um dignitário eclesiástico aceita com benevolência pastoral a

oferta de um crente. Deposito-lhe reverentemente um maço de folhas no tampo da mesa, ele

abençoa-me com o báculo de uma caneta de prata e ao alcançar a rua dou-me conta de que

perdido o romance perdi uma parte essencial da minha identidade de modo que em casa

principio de imediato a preparar os blocos para a história seguinte na pressa de me reflectir de

novo no papel (...)62

A viagem que Lobo Antunes nos (e se) propõe é de certo modo

semelhante àquela que Alice empreende quando atravessa o espelho.

Aparentemente, o que está no espelho é em tudo semelhante ao que está na

sala nele reflectida, “only the things go the other way”63. No momento em que

Alice chega ao outro lado do espelho constata que “what could be seen from pela avó; “Tocata para Dois Clarins” é uma crítica literária à obra homónima de Mário Cláudio; “Onde o Artista Se Despede do Respeitável Público” é uma reflexão em torno da instituição literária. 61 LC, pp. 45-47 62 “O coração do coração”, PM 182, 29/08/93; LC, pp. 45-47 63 CARROL, Lewis, Through the Looking Glass, London, Penguin Books, 1994, p. 19

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the old room was quite common and uniteresting, but that all the rest was as

different as possible.”64

Após ter atravessado o espelho, a heroína de Carrol verifica que existe

uma certa consonância entre os objectos da sala que deixou para trás (a sala

verdadeira) e os objectos reflectidos; porém, em tudo o resto, o espelho é

diferente.

Em termos da Física, o reflexo é o desvio ou o retrocesso dos raios

luminosos provocado por uma superfície que lhes trava a progressão e os

transforma em imagem. Qualquer superfície que pelas suas propriedades seja

capaz de receber os raios luminosos, transformando-os em imagem será

entendida como espelho. Ainda que sejamos tentados a identificar o reflexo

com o reflectido, somos obrigados a reconhecer que se tratam de duas

realidades que, complementando-se, são distintas− o espelho é a superfície

que aprisiona a imagem do objecto, mas que não se confunde com ele. Se

pensarmos no nosso corpo, verificamos que percepcionamos o corpo e o seu

reflexo de forma distinta− ao mesmo tempo que o reflexo inverte os lados do

corpo (o braço direito fica à esquerda no reflexo, por exemplo), falta-lhe a

densidade, a espessura e a profundidade que caracterizam o reflectido.

Existem, porém, modos de ampliar o reflexo, criando a ilusão de que ele

tem a densidade, a espessura e a profundidade do objecto. Em termos ópticos,

tal é conseguido pela existência de diferentes tipos de superfícies espelhadas

(côncavas, convexas ou simultaneamente côncavas e convexas) que se

poderão conjugar com prismas e cones de vidro, que criam novas perspectivas

64 Idem, p. 22

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do objecto, o distorcem ou que permitem distinguir uma imagem onde antes

havia apenas linhas confusas. Quanto mais apurado for este jogo, mais

complexo e mais desafiador ele se tornará, visto que será exigido mais a quem

observa, pois é mais difícil distinguir o objecto das suas projecções.

A metáfora do “livro das páginas de espelhos” deseja dar conta de um

modus faciendi literário que valoriza o ludismo. Esse livro será como entrar

dentro de uma casa cujas paredes estejam cobertas por diferentes tipos de

espelhos, que se combinam para dar imagens mais ou menos deformadas dos

objectos. O propósito é brincar com as infinitas possibilidades de reflexos para

um objecto, cabendo àquele que entra na casa (ou que lê o livro) decidir qual a

perspectiva que mais lhe convém e recusar ou procurar corrigir os reflexos que

considera deformados, construindo-se por esse processo de selecção e

correcção o caminho de acesso à sabedoria.

Mas um livro é, por definição, discurso. Como o livro das páginas de

espelhos é “o romance que [Lobo Antunes] gostava de escrever”, tudo o que

seja passível de se reflectir nessas páginas terá de passar por um trabalho de

codificação linguística. É porque estão sujeitos a esta dinâmica do

espelhamento que os romances do autor parecem tão desorganizados. Aquilo

que o autor faz é convocar continuamente memórias, fragmentos,

fantasmagorias que dificultam ao leitor a construção de quadros de referência

pela constante mudança dos horizontes,chamando a atenção para a própria

complexidade do real. O livro das páginas de espelhos confronta-nos como o

facto de que− a ser possível− representar a totalidade, tal ter de passar por

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uma forma de contar que dê conta dos múltiplos fragmentos que compõem

essa totalidade.

A metáfora do espelho, recorrente na escrita de Lobo Antunes, ilustra as

ligações complexas que o indivíduo estabelece com o mundo, problematizando

a própria dificuldade de apreensão da realidade e da sua codificação na

escrita. O discurso estilhaçado dos romances decorre de um modo de contar

que procede a sucessivos avanços e recuos, a deslizes de sentido, a

evocações constantes que atiram para segundo plano aquilo que deveria

ocupar centralmente a narrativa. O romance, formando e deformando as

imagens, pede ao leitor capacidade máxima de decifração, pelo confronto com

uma narrativa elástica, densa, que repudia a linearidade, porque quem tem a

contar tem consciência de quão difícil é exprimir a complexidade do mundo e

reconhece que essa complexidade é consubstancial à condição humana, ou

seja, depende em larga medida do input pessoal e íntimo que transferimos para

aquilo que nos cerca.

Na sua ânsia de criar um livro perfeito e total, o escritor deseja co-

-mover o leitor, ou seja, fazer com que o leitor adira totalmente ao contado, pois

um bom livro é “um livro que eu tenho a sensação de que foi escrito só para

mim, de que os outros exemplares dizem outras coisas”65. Desejar escrever um

livro no qual o leitor se veja “a [si] próprio e o presente em que mora mas

também o futuro e o passado” é reconhecer a importância que tem aquele a

quem se destina o escrito e de quem não se espera uma atitude passiva. Se

quem escreve tem de ser capaz de tornar o livro espelho, quem lê deve tornar

65 COELHO, Alexandra Lucas, “António Lobo Antunes depois da publicação de Exortação aos Crocodilos− “Agora só aprendo comigo””, Pública, nº 192, 30/01/00

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esse reflexo ainda mais fértil, ou seja, pede-se-lhe uma fruição empenhada− o

leitor recebe as imagens retidas nas páginas e aproveita-as para projectar aí os

seus “sonhos, catástrofes, desejos, recordações”, afinal aquilo que é o

combustível da imaginação66. Porque desperta a imaginação do leitor, o

escritor consegue manipular os seus afectos, sendo que uma das soluções

mais bem conseguidas nesse aspecto tem a ver com a adopção, quer nos

romances, quer nas crónicas, de um discurso que usa quase exclusivamente a

primeira pessoa verbal.

O homem aflito a penar o seu romance palavra a palavra, detentor

daquilo a (in)screver nas páginas, está fora do texto; é distinto daquele que o

intui e que “se [se] aproximasse mais (...) [o] toparia”. Sabemos que quer o EU

que se exprime em “O coração do coração”, quer o homem aflito podem ser

colados à figura civil de Lobo Antunes, mas aquilo que desejo enfatizar é o

facto de o escritor ter consciência que escrever é codificar, ou seja, a figura civil

que escreve, a partir do momento em que se (trasn)screve para o papel

prescinde da sua identidade e transforma-se, com o auxílio das memórias

pessoais, em reflexo.

A busca da identidade é o motor da escrita e continuar a produzir

romances é o modo que o escritor encontra para “[se] reflectir de novo no

papel”, pois, a partir do momento em que o livro entra no circuito comercial, o

66 A este propósito atente-se nas palavras de Lobo Antunes numa entrevista concedida ao Diário de Notícias (10/12/97): “(...)Porém, onde termina a memória e começa a imaginação? A nossa capacidade de imaginar coincide com as nossas memórias. Sem memória não há fantasia. Quem perde a memória também não é capaz de criar fantasia. A fantasia é a forma de expressarmos a vida e as experiências.”

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autor “perd[e] uma parte essencial da sua identidade”, visto que o romance

deixa de ser o seu espelho para passar a ser o espelho dos leitores.

Se as páginas são espelhos é possível que o autor se metamorfoseie

em distintos EUS, uns mais próximos da figura civil, outros mais distantes, para

os quais é possível definir diferentes quadros sociais, afectivos, culturais,

profissionais ou actanciais, mas que conservarão algo desse que os instituiu

como reflexo simultaneamente pessoal e alheio. É graças a essa capacidade

de ser Outros que o autor consegue que as páginas-espelhos, a partir do

momento em que o escrito deixa de ser um mero “maço de folhas” e passa a

ser um “romance” editado, comprado e lido, não seja um relato biográfico e

seja, efectivamente, uma superfície discursiva apta a absorver as projecções

dos leitores a que se dirige.

Não é aleatório que a crónica que ilumina o fazer literário de Lobo

Antunes se intitule “O coração do coração”– nela se explica o que de mais

íntimo faz pulsar a escrita dos romances. E não será essa explicação

extensível às crónicas?

2.2. Espelho meu, espelho teu

“O coração do coração” foi escrito a pensar nos romances, que Lobo

Antunes considera ser o seu verdadeiro trabalho. Porém, creio que os

princípios aí enunciados e que tentei explicitar acima, podem ajustar-se

perfeitamente às crónicas e, sobretudo, à reunião das crónicas em volume.

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Não será por acaso que a reunião destes textos recebeu o título de Livro de

Crónicas: de facto, ao introduzir-se a palavra “livro” no título (o que não

aconteceu na antologia de 1995 intitulada Crónicas) é como se se

reconhecesse que nestes textos há um potencial que as resgata do destino

efémero a que estavam condenadas nas páginas de um jornal. Porém, a

ligação ao quotidiano não se dilui− é um “livro”, mas um livro especial, visto

que os textos que contém são “crónicas”, isto é, textos lcurtos, ligados ao

domínio temporal, que abordam vários temas e que foram criados

especificamente para o periódico.

Se os romances são construídos sob a égide do reflexo, possibilitando

que quem os escreve ou quem os lê se reflicta nessas páginas, as crónicas

acabam por estar sujeitas ao mesmo princípio e, se na sua existência

enquanto texto do e no jornal parecem evitar esse destino, a partir do

momento em que são levadas para dentro do livro é como se essa natureza

fosse potenciada, o que determina que, roubando as palavras a Inês

Pedrosa, as crónicas “comp[onham] (...) o mais poderoso e belo dos

romances de António Lobo Antunes”67. De facto, o imaginário das crónicas

não anda longe do que é evocado pelos romances: o mesmo desencanto, a

mesma solidão, os mesmos cenários, os mesmos modos de agir, por vezes

as mesmas personagens68 aproximam o espaço do romance e da crónica,

de tal forma que por vezes se fica com a sensação de que estes textos

poderiam constituir o núcleo de um romance.

67 PEDROSA, Inês, “O esplendor do Portugal dos Pequeninos”, Expresso-Cartaz, 22/05/99 68 A título de exemplo, a figura do filho do caseiro que é evocada em “O coração do coração” é um dos protagonistas de Tratado das Paixões da Alma.

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Porém, a crónica exige condensação e concentração discursiva. As

digressões que são possibilitadas pelo romance não podem ter nela lugar.

Então, em que medida, afirmo que o princípio do livro das páginas de

espelhos é válido também para as crónicas?

Na minha perspectiva, creio que tal é defensável se pensarmos que

cada uma das crónicas deseja ser o reflexo do quotidiano. Elas obrigam o

leitor de domingo a confrontar-se com um mundo onde prevalecem a

desesperança, a solidão, o consumismo, o desamor, as dificuldades de

comunicação. Elas levam o reflexo do autor até ao leitor e são responsáveis

pela aproximação dos seus universos pessoais– de um lado e de outro,

serão evocadas memórias, afectos, reflexões que o espaço da crónica

compatibiliza. Devido aos constrangimentos impostos pela existência no

jornal, a crónica tem a dimensão exacta para poder ser suficientemente

fluida para problematizar aspectos diversificados do quotidiano. O romance,

ainda que longo, não permite uma abordagem tão sistemática ao devir

diário, visto que nele há um núcleo que agrega todas as digressões

passíveis e possíveis de serem feitas.

Sob a capa da simplicidade e do desejo de proporcionar um “trecho

leve, simples, agradável”69 aos leitores de domingo, as crónicas acabam por

obrigá-los à introspecção, ao questionamento, porque os confrontam com

situações de tal forma próximas e familiares que permanecem

inquestionadas na maior parte dos casos. As crónicas, evocando mundos

bastante próximos daqueles que encontramos nos romances, por terem uma

69 “Última Crónica”, LC, p. 341

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dimensão reduzida, são ideais para se apresentar ao leitor como pequenos

espelhos que reflectem diferentes aspectos de um quotidiano que, por estar

já demasiado próximo, exige estranhamento. O texto cronístico será, por

isso, um enunciado irónico que pede ao leitor esforço de decifração e,

consequentemente, de reflexão crítica.

Porém, para além de evocarem um universo semelhante àquele que

encontramos nos romances, elas partilham com eles a existência de um EU

como instância de enunciação. Esse EU, vimo-lo atrás, é o detentor daquilo

a (in)screver nas páginas-espelhos e, porque o seu desejo é rever-se e fazer

com que o seu leitor se reveja nessas páginas, não cessa de se

metamorfosear em distintos EUS, para os quais é possível definir diferentes

quadros sociais, culturais, afectivos ou actanciais.

Em termos simplistas, o enunciado irónico diz uma coisa pelo seu

contrário. Se chegar junto de alguém, num dia de chuva diluviana, comentando

o belo dia que faz, certamente o meu interlocutor entenderá o meu enunciado

como irónico. O facto é que entre aquilo que disse, aquilo que eu penso, aquilo

que o meu interlocutor ouve e aquilo que ele interpreta, se vão criando

omissões ou lacunas de sentido que têm de ser preenchidas pelo valor em

falta, por forma a que o enunciado seja correctamente compreendido. Quem

ironiza fá-lo conscientemente, pois em si mesmas as experiências e os eventos

não têm qualquer tipo de valoração. O ironizador detém o lugar de um

observador privilegiado, que procede a sucessivas aproximações e recuos em

relação ao que observa e que deseja codificar discursivamente. Ao codificar

uma situação como irónica isso acontece porque lhe reconheceu lacunas e crê

que é necessário corrigi-las. Ele é o detentor de um saber que deseja partilhar,

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mas de forma não explícita, isto é, o destinatário da ironia tem de ser

suficientemente competente para a reconhecer, para a decifrar e para lhe

completar o sentido, por forma a corrigir-se a situação deficitária presente no

enunciado irónico.

Aquela que me parece ser a estratégica irónica de base para as crónicas

de António Lobo Antunes relaciona-se com a adopção– em todos os textos

cronísticos– de uma primeira pessoa como instância de enunciação. Este

deslizamento de EU-em-EU (ou de EU-em-TU? Ou de TU--em-EU?) pode ser

submetido ao princípio do livro das páginas de espelhos, como expliquei acima.

O leitor de LC sabe que aqueles textos tiveram uma génese particular; mas,

reunidas em volume, as crónicas ganham uma unidade significante que não

poderiam possuir nas páginas da revista de domingo do PÚBLICO. Em LC elas

como que formam uma galeria em que o cronista e o leitor entram para se

buscar entre os múltiplos reflexos a que é possível aceder.

Lembremo-lo: “espelhar” e “especular” derivam do mesmo étimo,

SPECULARE: por isso, as crónicas de António Lobo Antunes, pela sua

concentração discursiva obrigam-nos a olhar fundo dentro daquilo que existe

em nós de profundamente humano, contraditório e imperfeito e exortam-nos

não só a questionar o nosso relacionamento com o momento histórico que

vivemos, como também a redireccionar esse relacionamento, pela correcção

das deformações exibidas pelo reflexo por elas captado.

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3. Os espelhos mágicos

Ao afirmar que em Livro de Crónicas se actualiza o princípio do livro de

páginas de espelhos, enunciado na crónica “O coração do coração”, tenho de

estar apta a delinear quais as imagens que o autor projecta nas suas crónicas-

espelhos. Considero que essas imagens podem agrupar-se em duas áreas

distintas, mas que se interseccionam e se complementam: de um lado estão as

projecções de cariz biográfico que de si mesmo faz o homem que pena o que

escreve palavra a palavra; de outro, aquelas em que a voz biográfica se cala

para dar lugar a outras vozes. Quer num caso, quer noutro, as crónicas não se

limitam a ser relatos pessoais: são o reflexo do tempo e do quotidiano

português na última metade do século XX.

3.1. O homem por detrás do espelho

O impulso biográfico explica-se pela necessidade que o autor sente de

“reflectir no papel”70 aquilo que é a sua identidade:

Como as páginas são espelhos lá estaria o meu rosto de agora e todos os rostos que

tive até ao rosto de agora revisitados no Álbum do Bebé que ainda conserva, mumificado como

a trança de um santo, um feixezinho de cabelos da criança, hoje morta que fui, a olhar-me

através dos séculos numa desconfiança acusadora, cabelos que evito tocar no receio que se

desfaçam em pó à maneira das flores de laranjeira das noivas antigas e que ao desfazerem-se

desapareça o que fui e as pessoas que amei com uma paixão sem igual (...)71

70 “O coração do coração”, p. 47 71 Idem, p. 46

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É para evitar a dissolução do que foi e daqueles que amou que se

escreve. A brevidade do texto cronístico acaba por ser o melhor dos suportes à

sua busca de identidade – cada crónica funcionará como uma peça de um

puzzle em que se inscrevem as memórias pessoais do cronista, sendo

imprescindível agregar os fragmentos, de forma a que a identidade daquele

que escreve se revele. Fazendo emergir os diferentes estilhaços que compõem

a sua identidade, António Lobo Antunes mais não faz do que sublinhar que

aquilo definimos como identidade resulta da conjugação de elementos

heterogéneos. Partilhando a intimidade com o leitor, o escritor aproxima-se

dele, mostra as suas fragilidades, os seus afectos, os seus anseios e torna-o

testemunha da sua humanidade.

É a consciência da inexorável passagem do tempo que aflige o cronista,

que “continu[a] à janela à espera que os anos de outrora lhe regressem à

palma da mão como boomerangs fiéis”72 e que, por isso, se socorre da

memória como veículo de acesso ao passado. A inquietação face a um tempo

que não pode voltar para trás é pressentida de maneiras distintas: ela pode

nascer do facto de “De há três ou quatro anos para cá as pessoas começa[rem]

a interessar-se pela [sua] barriga”73, ou do facto de “observar no espelho

matinal desabamentos, rugas imprevistas, a boca entre parêntesis cada vez

mais fundos”74.

O tempo é vivido de forma dolorosa e melancólica por alguém que

precisa constantemente de revisitar o passado. Creio que a tónica na memória,

72 “Dormir acompanhado”, p. 162 73 “A barriga”, p. 321 74 “A velhice”, p. 39

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na infância e no passado não representam uma recusa em progredir;

representam, isso sim, a necessidade de compreensão do presente e de

perspectivação do futuro, pois só é possível um indivíduo definir-se como

pessoa se se conceber em trânsito pelo tempo.

O passado não corresponde unicamente à infância, tempo em que foi

“indecentemente feliz”75. Existe um passado ainda mais remoto, que a criança

que o autor foi adivinha nas fotografias ou nos objectos que, por exemplo,

existiam nas casas das tias do Brasil, elas mesmas relíquias de um tempo

passado, e que levam a criança a suspeitar que “o mundo não começara

[consigo]”76:

(...) banheiras com patas de leão ferrugentas de reumático, esquentadores pré-

-históricos em que o gás soluçava desgostos de bebé antigo (...). Havia um retrato delas e da

minha bisavó numa cómoda, quatro criaturas pestanudas em Belém do Pará (...)77

Mas nem só o ambiente das casas das tias favorece o acesso àquilo que

antecede a vida do EU e que o identifica como membro de um grupo; também

os álbuns de fotografias lhe trazem o passado:

Os álbuns de fotografias sempre me pareceram cisternas onde corro o risco de me

despenhar, esbracejando, afogado em limos de bandós, de suíças, dos fatos de marujo e do

cabelo em canudos do meu tio, de condecorações militares, de bicicleta com a roda da frente

enorme e a roda de trás pequenina, de olhos azuis à deriva num nevoeiro de rendas.78

Sendo um elo na cadeia do tempo, esta pessoa reconhece-se nas

semelhanças físicas captadas nas fotografias das bisavós “que escond[iam]

75 “Elogio do subúrbio”, p. 14 76 Idem, ibidem 77 “O Brasil”, p. 305 78 “As veias dos búzios”, p. 179

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sob o balão da saia a criança que (...) lhes prolonga o nariz e a boca”79, nas

semelhanças físicas perpetuadas por uma das filhas, “cujo sorriso se

assemelha tanto ao [seu] que [se] julga há muitos anos atrás, a examinar--[se]

ao espelho”80, na herança do nome do avô paterno81 e da surdez do avô

materno82.

O reconhecimento de que se é membro de uma estrutura familiar que

vem do passado e se projecta no futuro é o primeiro passo para o delinear da

identidade desta figura, que encontra na infância o tempo de maior felicidade

da sua vida.

De cada visita à casa dos pais, o cronista “[sai] (...) com a infância

atravessada”83, espantado com as mudanças decorrentes da passagem do

tempo e incapaz de aderir ao que se modificou:

(...) Benfica mudou, a minha mãe deixou de ter 30 anos, posso fumar sem que

ninguém me proíba, quando vem a travessa para a mesa nunca são fatias recheadas, não

encontro os meus irmãos de pijama, com os cabelos loiros molhados do banho.84

Qualquer regresso a Benfica e à casa dos pais representa a

possibilidade de regressar a uma infância vivida em extrema felicidade; porém,

é o próprio cronista que reconhece a impossibilidade de retroceder até esse

paraíso– irremediavelmente perdido:

79 Idem, ibidem 80 “A crisálida e eu”, p. 170 81 Cf. “Crónica de Natal”, p. 195 82 Cf. “O surdo”, p.74 83 “António João Pedro Miguel Nuno Manuel”, p. 233 84 Idem, ibidem

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(...) de modo que depois do jantar fico no automóvel a ver o muro, o portão com um

ananás de cada lado, as janelas trancadas, a copa escura da acácia porque é noite. Se calhar

é sempre noite quando a gente cresce. Fico no automóvel à espera que a minha mãe me

chame e sabendo que não me chama porque julga que me fui embora. Realmente fui-me

embora. Para sempre.85

Tal como os álbuns de fotografias e as visitas às casas das tias

proporcionavam o acesso ao tempo em que o cronista ainda não era gente, há

ainda em Benfica elementos que permitem a fusão entre o tempo de agora e o

tempo da infância. A acácia, sob a qual o cronista se revê num “berço no verão

de 43”86, é a árvore da vida, é o eixo que liga e funde passado e presente:

(...) Não há pavões nem cegonhas e contudo a acácia dos meus pais, teimosa, resiste.

Talvez que só a acácia resista, que só ela sobeje desse tempo como o mastro, furando as

ondas, de um navio submerso. A acácia basta-me. (...) E sei que junto do seu tronco, se fechar

os olhos e encostar a orelha ao seu tronco, hei-de ouvir a voz da minha mãe chamar:

– Antóóóóóóóónio

e um miúdo ruço atravessará o quintal, com um saco de berlindes na algibeira, passará

por mim sem me ver e sumir-se-á (...)87

Benfica, então “subúrbios de Lisboa (...) quintinhas, travessas, casas

baixas (...)”88, era um espaço social dúplice, o que podemos ver simbolizado

nas duas pastelarias: a Adega dos Ossos “frequentada pelo proletariado do

bagaço”89 e a pastelaria Paraíso de Benfica que “era frequentada a seguir à

missa por senhoras de devoção inoxidável (...) como as minhas avós e as

minhas tias”90.

85 Idem, p. 234 86 “As veias dos búzios”, p. 181 87 “O elogio do subúrbio”, p. 15 88 Idem, p. 13 89 “O Paraíso”, p. 29 90 Idem, ibidem

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Mas, para a criança que o cronista foi, esta diversidade social não

representa qualquer tipo de ameaça; é antes uma mais-valia. Exemplo disso é

a relação de amizade com Pedro (que subsiste na idade adulta até ao suicídio

deste) apesar do destino diferente “consequente do facto de [Lobo Antunes] ter

doze assoalhadas e [Pedro] apenas duas”91. É pelo constante contacto com

aqueles que são economicamente mais desfavorecidos, que a criança começa

a questionar o status quo e as normas sociais vigentes no período salazarista.

Originário de uma família burguesa, foi porque conviveu com indivíduos mais

desfavorecidos que a criança começou a consciencializar-se socialmente e a

moldar as suas escolhas para a vida adulta.

Sob a capa do paternalismo e da beatice, o Estado Novo promove a

ignorância e nada faz para criar melhores condições de vida às populações.

Face a Salazar há, na família de Lobo Antunes, um certo orgulho de casta que

determina que o Presidente do Conselho seja visto complacentemente como

um outro-social:

(...) Monárquicos por tradição coabitávamos com Salazar como com um caseiro de

relativa competência na prosperidade das nabiças, e o seu sotaque da Beira tranquilizava as

minhas tias que o tomavam por um seminarista perpétuo (...)92

Vivendo paredes meias com a exclusão daqueles que habitam “um

bairro de casas de madeira da periferia de Benfica, nas Pedralvas e junto à

estrada militar”93, a criança que o autor foi assiste às manifestações de

caridade levadas a cabo pelos adultos, tomando consciência de que com essas

91 “Ontem às três da tarde”, p.23 92 “Sombras de reis barbudos”, p. 97 93 “Os pobrezinhos”, p. 81

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atitudes não se procura alterar, mas sim manter, as condições de vida das

pessoas – entendidas como animais de estimação:

No Natal e na Páscoa as tias reuniam-se em bando armadas de fatias de bolo-rei,

saquinhos de amêndoas e outras delícias equivalentes e deslocavam-se piedosamente ao sítio

em que os seus animais domésticos habitavam (...) a fim de distribuírem numa pompa de reis

magos peúgas de lã, cuecas, sandálias que não serviam a ninguém, pagelas de Nossa

Senhora de Fátima e outras maravilhas de igual calibre.94

“Os filhos dos pobres definiam-se por não irem à escola, serem

magrinhos e morrerem muito”95, o que causa perplexidade à criança a quem é

explicado que “esta gente é assim”96– mais do que o desfavorecimento em que

as pessoas vivem, aquilo que é sublinhado é que essa situação não tem

alteração possível. É como se ser pobre fosse uma condição intrínseca ao

indivíduo e “mais do que um destino [fosse] uma espécie de vocação como ter

jeito para jogar bridge ou tocar piano”97, actividades próprias dos favorecidos.

A Igreja era cúmplice desta estrutura social que, em vez de combater a

exclusão, a promovia. “Deus amava os pobres”98 e, por isso, a criança, que

imaginava o Céu “cheio de caramelos e automóveis de pedais”99, invejava-os

pelas guloseimas e divertimentos que os esperavam, enquanto ela “penava

num espeto que sujeitos de pé de cabra faziam girar”100. Mas, se depois da

morte, o Paraíso esperava os pobres, o que é certo é que isso “não impedia

94 Idem, ibidem 95 Idem, ibidem 96 Idem, ibidem 97 Idem, ibidem

98 “A existência de Deus”, p. 85 99 Idem, ibidem 100 Idem, ibidem

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que em vida [Deus] não lhes ligasse grandemente”101. Exemplo disso é a

segregação que ocorre nas missas:

(...) nunca compreendi muito bem esta segregação social que o chefe da repartição de

Deus, o prior, aumentava ao promover aos domingos uma missa às sete da manhã para as

criadas e outra ao meio-dia para os patrões.102

A simpatia pelos “pobrezinhos” é crescente, sobretudo porque há nessas

pessoas um outro entendimento do mundo que seduz a criança. A Quaresma,

que é escrupulosamente cumprida pela família, é entendida pelo cronista-

criança como um período de tédio e aborrecimento, tutelado pela Virgem Maria

e por Salazar. O incumprimento das normas é visto com admiração pela

criança, que pressente aí um comportamento salutar:

(...) Se eu por exemplo me atrevesse, na Quaresma, a fazer um puzzle na mesa da

sala de jantar ofendia simultaneamente a Virgem Maria e o Presidente do Conselho que me

apresentavam sempre como amigos íntimos entreajudando-se um ao outro para me tornarem

obediente e casto (...)

Foi mais ou menos por essa altura, aliás, que comecei a invejar o jardineiro, criatura

borrifando-se na Mocidade Portuguesa e na Quaresma, a cantarolar enquanto regava as flores,

a comer com descaro sanduíches de paio à sexta-feira e, alheio às mortificações da carne, a

namorar (...) Durante a palidez geral da semana santa as suas boas cores triunfavam (...)103

O contacto com pessoas que tinham valores distintos daqueles que

vigoravam no seu universo familiar, possibilitado pelo ambiente socialmente

diversificado de Benfica, determinou as opções sociais e políticas do cronista-

adulto, que, tendo aderido aos valores do socialismo é, no entanto incapaz de

recusar liminarmente os valores conservadores, que presidiram à sua infância.

A passagem seguinte mostra a dupla filiação social de Lobo Antunes, dividido

101 Idem, ibidem 102 Idem, ibidem 103 “Crónica da Quaresma”, pp. 294-295

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entre o universo dos “bambis cromados” e das loiças Companhia das Índias,

suspeitando que a felicidade consiste, de facto, na indecisão face a uma ou a

outra opção.

Talvez a minha família achasse que eu me sentiria bem no meio de naperons,

fotografias de bombeiros e bambis cromados, e que gostaria de ter o nome de Edgar. Não é

inteiramente verdade mas as terrinas da Companhia das Índias nunca me disseram grande

coisa e as meninas com quem me obrigavam a brincar transformaram-se numas chatas

pavorosas. E assim hoje, entre o Céu e o Inferno, hesito na escolha. Começo a suspeitar que a

solução é não cair na asneira de morrer.104

É nos seguintes termos que Lobo Antunes justifica a sua opção pela

escrita:

Julgo que me tornei escritor porque em criança o meu pai me curava gripes com

sonetos em lugar de aspirinas105

A família é pois responsável pela formação cultural do jovem,

possibilitando-lhe o acesso a bens culturais como livros ou idas a museus,

como aquelas que ocorreram durante a viagem a Pádua, quando foi fazer a

Primeira Comunhão106. A decisão de se tornar escritor foi tomada “por volta dos

oito anos de idade”107, quando “escrevia versos nos intervalos do hóquei”108;

mas a carreira de escritor iniciou-se “aos 13 anos devido a dolorosas

necessidades materiais”109, que o levaram a compor os “Sonetos a Cristo

104 “A existência de Deus”, p.88 105 “Isto”, P 145, 28/02/99 106 Cf. “Crónica de Natal”, p. 195 107 “Retrato do artista quando jovem”, p. 203 108 “Elogio do Subúrbio”, p. 14 109 “Os sonetos a Cristo”, p. 41

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elaborados à média de um por semana”110, com que conquistava as boas

graças da avó, que depois de ouvir a declamação do poema, temendo

(...) que o neto prepara[sse] uma carreira de arcebispo, abria o cofre (...) e premiava-

[lhe] a devoção com o equivalente a uma lateral no Estádio da Luz e um bagaço clandestino na

Adega dos Ossos bebido virilmente entre engasgos e espirros.111

Para o jovem António Lobo Antunes, ser escritor equivalia a ser um

herói, pois “imaginava que todos os escritores sem excepção se pareciam com

Sandokan soberano da Malásia”112 e o seu desejo era fundir-se nessa imagem

idealizada. À medida que cresce, o jovem vai contactando com autores reais;

mas, ainda assim, aquilo que sente é marcado pela idealização– o autor era

sempre uma figura distante, divina, etérea. Os esforços que são feitos para se

(con)fundir com as figuras de José Blanc de Portugal, Vergílio Ferreira ou

Byron causam consternação na família:

– O menino é parvo ou faz-se?

eu respondi com firmeza

– Os escritores são assim

mandaram-me ter juízo (...)113

Mas, o destino como escritor havia de se cumprir:

Soube que era um génio quando comecei a encontrar o romance nas montras das

livrarias; quando o retrato principiou a aparecer nos jornais; quando dei a primeira entrevista à

televisão (...).114.

Porém, Lobo Antunes apressa-se a desconstruir a ideia de ser uma

figura de excepção, ao submeter-se à sua própria auto-ironia. Aquele que

110 Idem, ibidem 111 Idem, ibidem

112 “Retrato do artista quando jovem”, p. 203 113 Idem, pp. 204-205 114 O grande homem”, p. 141

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estava “Convicto da [sua] fama e da admiração dos contemporâneos”115 dá-se

conta de que o facto de lhe ter sido franqueada a entrada no circuito literário

não corresponde directamente ao reconhecimento do público. Na Praia das

Maçãs, lugar onde eram passadas as férias de infância, é a recepção no

restaurante do Augusto que faz com que de imediato o “génio" desça à sua

condição humana, por lhe lembrar quer a infância, quer a sua própria

fisicalidade, contrariando a ideia do autor como figura etérea, divina, acima da

condição humana.

– Olha o Antoninho! Dei tanto pontapé no cu daquele gajo!116

Por ocasião da Feira do Livro, propicia-se a humanização do escritor

pelo contacto directo com o público. António Lobo Antunes distribui autógrafos

aos compradores de livros, “um pouco com a sensação de vender bijuterias

marroquinas nos túneis do metropolitano do Marquês ou fatos de treino

fosforescentes na Feira do Relógio”117. A comparação dos livros com bens

populares e de grande consumo mostra como o circuito comercial aniquila, em

parte, a individualidade de qualquer obra de arte; por isso o suspiro do autor,

que desejaria que os seus livros fossem entendidos como peças de alta-

costura:

(Deus sabe o que me apetece às vezes assinar Hermès ou Valentino)118

Reconhecendo que muitos daqueles que compram os livros não os vão

efectivamente ler, o autor sabe que existem os leitores fiéis para os quais vale 115 Idem, ibidem 116 Idem, ibidem 117 “A feira do livro”, p. 35 118 Idem, ibidem

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a pena escrever, legitimando a sua actividade literária e justificando a ida à

Feira:

(...) gosto das pessoas, gosto que me leiam, gosto sobretudo de conhecer as pessoas

que me lêem e me ajudam a sentir que não lanço ao acaso do mar garrafas com mensagens

corsárias que não se sabe onde vão ter, e gosto dos romances que escrevi.119

A participação na Feira do Livro marca o encontro do escritor com o seu

público e põe Lobo Antunes no centro do fenómeno literário, ainda que ele se

apresente frequentemente como um rebelde face à instituição literária, que lhe

merecerá uma crítica feroz na crónica “Onde o artista se despede do

respeitável público”:

O problema de certa crítica portuguesa em relação a mim

(para além da estupidez, da ignorância e da desonestidade que são as formas mais

doentias de má-fé)

nasce da incompreensão fundamental de que as gerações (...), acabam por se

reconhecer, paradoxalmente, através dos seres em ruptura que exprimiram a sua época

opondo-se a ela (...)

o que os intelectuais, conservadores por definição e natureza demoram tempo a

entender (...) 120

O alvo da censura é uma “certa crítica” literária portuguesa que é

dominada por uma incompreensão endêmica, motivada quer pelo seu

conservadorismo, quer pela relação que existe entre ela e alguns escritores: é

que essa crítica, ao invés de julgar, tutela; por isso, gora-se tudo o que nela

poderia existir de positivo e de potenciador dos sentidos.

119 Idem, ibidem 120 “Onde o artista se despede do respeitável público”, p. 131

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O escritor que aqui se define está já distante daquele que humanamente

contacta com os leitores no ambiente promíscuo da Feira do Livro. Este autor

define-se como um ser em ruptura; a sua vocação é divina, pois ele é a “sarça

ardente”121, o poeta-criador que “não [faz] literatura, [faz] mitologia”122. Aquilo

que Lobo Antunes deseja como escritor é tocar no mais íntimo e secreto do

imaginário, de maneira a que o escrito adquira a perfeição do mito123– uma

forma que afinal nega a cristalização e a atemporalidade, porque configurando

questões de validade universal que poderão ser constantemente

reinterpretadas.

O desagrado em relação aos literatos, a “vocação de sarça ardente”, a

negação da genialidade, são as faces de um escritor que deseja mostrar--se

livre das influências e das honrarias literárias, que nega a imagem

estereotipada do escritor, almejada na juventude:

(...) não uso óculos nem barba, não janto nos restaurantes de génios do Bairro Alto,

não cheiro mal da boca, não bebo álcool e estou-me completamente nas tintas para os êxitos

ou fracassos dos outros que não me alegram nem me entristecem peva excepto no que diz

respeito aos dois ou três amigos que admiro. Felizmente que é assim para não correr o risco de

uma voz interior me perguntar indignada e sardônica

– O menino é parvo ou faz-se?

se eu resolvesse armar em intelectual português como outrora tentava armar em

Sandokan a pintar a franja com graxa de sapatos124

Algumas crónicas farão ainda eco da admiração sentida em relação a

escritores que ou influenciaram o seu trabalho literário ou que, sendo seus

121 Idem, ibidem 122 Idem, ibidem

123 Entendo “mito” como “mythos, plot, narrative, or in general the sequential ordering of words” (Northrop Frye, The Great Code, p. 31). 124 “Retrato do artista quando jovem”, p. 206

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contemporâneos e portugueses, são merecedores da sua atenção125. Em Livro

de Crónicas ainda que haja muitas referências dispersas a escritores, é o texto

“Alguma vez te menti?” que melhor exemplifica a admiração que se sente por

um autor, neste caso Manuel da Fonseca, figura injustiçada por não ter

(...) o reconhecimento que neste país de oportunidades e de modas ofereciam a outros

que não tinham o talento de começar uma história com a frase soberba Antigamente o largo

era o centro do mundo oito palavras sábias e mágicas que valem centenas de páginas que

para aí se publicam.126

Lobo Antunes veste a pele de crítico literário, em textos que LC não

reúne, mas que resultaram da colaboração com PÚBLICO; detiveram a sua

atenção Mário Cláudio e a sua Tocata Para Dois Clarins127, assunto da primeira

crónica para o suplemento de domingo do diário e António Franco Alexandre,

considerado um “escritor de categoria pela segurança da mão, o rigor, a

firmeza da frase, a economia afectiva, o ondular da música” 128.

125 Logo que começou a sua, nessa altura, pontual carreira cronística, Lobo Antunes dedicou algumas crónicas aos escritores que lhe pareceram ser merecedores de atenção: Dinis Machado foi o assunto de “O sétimo irmão” (O Jornal, nº 482, 27/07/84); Lídia Jorge de “Lili” (O Jornal, nº 502, 4/10/84); José Cardoso Pires é o protagonista de “Louvor da noite e da amizade de José Cardoso Pires” (O Jornal Ilustrado, nº 582, 18/040/86) de Pedro Tamen e da sua Tábua de Matérias ocupou-se “Um país chamado Pedro Tamen” (Grande Reportagem, nº 8, Nov. de 1991). 126 “Alguma vez te menti?”, p. 75 127 PM, 148 128 Cf. “Conselho de Amigo”

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3.2. O nosso rosto no espelho

Para além de ir compondo através de pequenos mosaicos-crónica um

painel que permite constituir a sua imagem global como Homem, António Lobo

Antunes procura nas crónicas não auto-biográficas (aquelas em que dará voz a

outras figuras) confrontar-nos, enquanto leitores e enquanto membros de uma

comunidade, com a imagem do que somos.

Tematizando o quotidiano, os factos anónimos e sem história, ao invés

de se debruçarem sobre os grandes acontecimentos históricos que marcaram a

vida da comunidade, estas crónicas acabam por funcionar como o espelho

íntimo da sociedade e da mentalidade portuguesa no final do século XX. Muito

do que encontramos aí é já preocupação dos textos que entendi como

biográficos: a passagem do tempo, a nostalgia da infância, o espaço

suburbano, a perda dos entes queridos (motivada pela morte ou pelo

afastamento) são faces que também aqui se mostram. Não é de estranhar:

afinal não nos esqueçamos de que todos os textos foram escritos pelo “homem

atrás do espelho”, que é a entidade responsável pela escolha dos objectos a

reflectir.

Trazendo para estes textos o quotidiano, Lobo Antunes aproveita e

subverte a ideia enunciada em “Assobiar no escuro” de que “toda a epopeia

tem um colorido doméstico”129. Trazer o quotidiano e a domesticidade para o

espaço da crónica e do jornal equivale à operação inversa: ao invés de se

reduzir a epopeia a um episódio doméstico (o que se poderá conseguir se se

129 “Assobiar no escuro”, P 143

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resumir, como sugere o cronista, a Odisseia à frase “–Tenho a minha mulher à

espera”130) eleva-se o incidente doméstico a um caso paradigmático. Nesta

medida, as palavras do autor em “Onde o artista se despede do respeitável

público” ganham um novo sentido. Fazendo mitologia e não literatura, aquilo

que cada um dos espelhos-crónica nos oferece é a possibilidade de ser lido

como uma estrutura que, apesar da sua extrema brevidade, tem a possibilidade

de projectar questões de validade universal.

Eduardo Lourenço considera o conjunto da obra de Lobo Antunes “um

exorcismo de um mundo que não pode, nem quer ser exorcizado”131. Uma vez

que penso que a produção cronística tem de ser lida em conjunto com a

restante obra do autor, é natural que o esforço de exorcização seja também

nela levado a cabo. O país que as crónicas vão delineando rendeu-se aos

valores materiais, imaginando que eles garantiriam a felicidade; instalou-se na

periferia de Lisboa, que deixou de ser o subúrbio delimitado pela “drogaria do

senhor Jardim, a mercearia do Careca, a pastelaria do senhor Madureira e a

capelista Havaneza do senhor Silvino”132, prolongamento epifânico do campo

na cidade, como era essa Benfica de outrora, para ser prédios, degradação e

gente anónima (que, como nós, se chamará Filomena, Fernanda, Antunes ou

Edgar), levando uma existência de solidão e, não raras vezes, de alienação de

que se tenta escapar pela palavra.

É a existência destes seres-em-despersonalização– dos quais estamos

muito próximos– que é preciso exorcizar. A crónica é um espelho que

130 Idem 131 LOURENÇO, Eduardo, “O imaginário português neste fim de século”, JL, nº 763, 29/12/99 132 “O elogio do subúrbio”, p. 13

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apresenta ao leitor uma imagem deformada– porque ficcionalizada– da

realidade, e o exorta a detectar e a corrigir– a exorcizar– aquilo que o escrito

diagnostica como deficiência na origem.

A configuração do subúrbio faz-se quer pelas referências geográficas a

lugares concretos que ficam na cintura urbana de Lisboa– Almada, Alverca,

Prior Velho, Cacém,...– quer pela criação de retratos das figuras que habitam

esse espaço, seja pela indumentária, seja pelo modo como falam, seja pelos

comportamentos adoptados. Uma passagem que me parece funcionar como

exemplo-síntese do que acabo de afirmar é a que abre a crónica “Os meus

domingos”:

Aos domingos a seguir ao almoço visto o fato de treino roxo e verde e os sapatos de

ténis azuis, a Fernanda veste o fato de treino roxo e verde e os sapatos de salto alto do

casamento, subo o fecho éclair até ao pescoço e ponho o fio de ouro com a medalha por fora,

a Fernanda sobe o fecho éclair até ao pescoço e põe os dois fios de ouro com a medalha e o

colar da madrinha por fora, tiramos o Roberto Carlos do berço, metemos-lhe o laço de cetim

branco na cabeça, saímos de Alverca, apanhamos os meus sogros em Santa Iria de Azóia e

passamos o domingo no Centro Comercial.133

Evidentemente aquilo com que somos confrontados nesta passagem

tem o traço grosso da caricatura, essa forma máxima de distanciamento

irónico, que nos obriga a ver que a suburbanidade não resulta do facto de se

viver em Alverca ou em Santa Iria, mas da forma grotesca que o EU e a esposa

escolhem para se apresentar (a descontracção do fato de treino, contrastando

com a ostentação dos fios de ouro), do nome que o filho tem (decalcado do

nome de um cantor popular brasileiro), das semelhanças de comportamento

indiciadas logo pelo título, e que vão sendo sistematicamente retomadas ao

133 “Os meus domingos”, p. 59

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longo do texto, empenhado em mostrar ao leitor seres que se tornaram

indistintos tal é o nível de uniformização de comportamentos a que estão

sujeitos. A seguinte passagem, onde assumem particular importância as

repetições de “todos” e de “a mesma” ou “o mesmo”, enfatiza essa

indistinguibilidade dos indivíduos que passam sistematicamente o domingo no

centro comercial:

(...) todos os automóveis do parque são Seat Ibiza, todos têm mantas alentejanas nos

bancos, todos apresentam um autocolante no vidro que diz Não Me Siga Que Eu Ando

Perdido, todos possuem uma rodela Vida Curta na [sic] guarda--lamas direito e uma rodela

Vida Longa no guarda-lamas esquerdo, de todos os espelhos retrovisores se pendura o mesmo

boneco de peluche, todos exibem junto à matrícula com o círculo de estrelinhas de Europa a

mesma rapariga de Stetson e cabelo comprido, todos trouxeram o Record, os sogros e o filho,

todos devem habitar Alverca e todos circulam a tarde inteira no Centro, de forma idêntica à

nossa (...)134

Tudo parece sujeito aos imperativos da standardização, que

despersonaliza os indivíduos, coisificando-os, transformando-os em invólucros

em tudo idênticos, reduzindo-os a uma massa anónima, em que a distinção é

improvável. É essa indistinção entre os seres, proporcionada por uma

sociedade e por um momento histórico que fazem tábua rasa do ser humano,

que justifica o comportamento aberrante do EU de “Os meus domingos”, que

confunde e troca a esposa, a sogra e o filho “por outra sogra acrílica, outra

mulher roxa e verde e outra criança de laço (...) sem dar pela diferença (...)”135,

acabando por se desfazer o equívoco quando se verifica que “a [sua] Última

Ceia é de estanho e a dela [da esposa trazida por engano] de bronze”136

134 Idem, ibidem; sublinhados meus. 135 Idem, p. 60 136 Idem, ibidem

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Os objectos que povoam o mundo suburbano são de extrema

importância, pois demonstram como a ideia de aquisição de mais e mais bens

testemunha a progressão económica e o bem estar social e afectivo. Da

mesma forma que se planeiam as “prestações de um microondas e de um

frigorífico novo”137, também Bé e a prima sonham com o blazer Escada que

observam na montra da Loja das Meias138, Filomena, esposa de Alfredo,

deseja comprar um microondas com o subsídio de Natal139 e Antunes pensa

que ter o empréstimo da casa pago, a marquise fechada, o soalho substituído e

as prestações do carro no fim são a prova de que é feliz140.

No fundo, o que todas estas figuras procuram é a felicidade, que se

tornou cada vez mais inacessível por não ser comprável. O subúrbio, a vida no

prédio, a massificação dos comportamentos despersonalizaram de tal modo os

seres, que é impossível reconhecer-lhes características individualizadoras.

Todos pertencem à mesma desirmandade. Reduzido ao prédio, à cintura

urbana, aos centros comerciais, a um emprego de repartição, às tarefas

repetidas, a pessoa deixou de ser participante naquilo que a tornava humana,

pois tudo concorre para a sua desumanização pela solidão.

Mal chega a época natalícia, o tenente-coronel tentar proteger-se das

mensagens que fazem eco do Natal como tempo de harmonia, felicidade e

convívio familiar, que só lhe agudizam a solidão:

137 Idem, ibidem

138 “A solidão das mulheres divorciadas”, p. 127 139 “Teoria e prática dos domingos”, p. 120 140 “A propósito de ti”, p. 153

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(...) a verdade é que não gosto do Natal, detesto o Natal, detesto as ruas iluminadas,

as lâmpadas das árvores, a agitação das lojas, os embrulhos, os laçarotes, as fitas, o

espumante, detesto bolo-rei, sobretudo bolo-rei comido sozinho, numa sala sem pinheiro nem

qualquer mão por baixo para aparar as migalhas (...)141

A solidão que o tenente-coronel sente poderia ser minorada se acedesse

ao convite que lhe é formulado pelo “engenheiro do terceiro esquerdo”142, mas

ficando a imaginar como seria o serão em casa do vizinho, na companhia

deste, da esposa e da cunhada, com quem sonha um hipotético romance que

(jamais) se concretizará, deixa fugir essa hipótese de convívio e condena-se ao

estatuto de alienado, por não ser capaz de aderir a uma sugestão simples e

que seria a sua redenção. Tal como o tenente coronel, também ao senhor

Adérito, o Natal agudiza a sensação de solidão:

Dantes o Natal era levarem-me ao circo. Mais tarde era eu levar outras pessoas ao

circo. Agora que já não há ninguém que me leve ou para eu levar ao circo, o Natal são as boas

festas das gerências nos vidros das montras e as iluminações da Câmara penduradas das

árvores (...)143

De maneira a obviar à sua solidão, o senhor Adérito pensa convidar a

sua senhoria, a dona Berta, para ir ao circo. Mas, como é mais fácil calar do

que dizer, a solidão manter-se-á como aquilo que tem de se superar,

resultando, neste caso, da incomunicabilidade em que existem os indivíduos.

(...) Talvez a Dona Berta, apesar da idade, não seja muito diferente de mim. Talvez em

pequena a levassem ao circo, talvez mais tarde levasse a filha ao circo. Talvez de tempos a

tempos, se sinta sozinha como eu.

(...) Não me atrevi a dizer-lhe. Não me atrevi a falar do circo, e ao fim de um bocado à

espera ela acabou por perguntar, de sobrancelha espetada

– Queria alguma coisa, senhor Adérito?

141 “O tenente-coronel e o Natal”, p. 201 142 Idem, p. 199 143 “Ma petite existence”, p. 61

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e eu respondi, aflitíssimo, a atropelar as palavras

– Tem um restinho de sabonete que me empreste Dona Berta? (...)144

Incapaz de confessar a sua sede por uma companhia, neste tempo de

comunhão com o outro que é o Natal, o destino de Adérito é em tudo

semelhante ao do tenente-coronel– a solidão que não se ultrapassa por medo

de ir ao encontro do Outro.

A maior parte dos EUS a que Lobo Antunes dá voz nas crónicas não

tem a consciência ou desconhecem a via a seguir de forma a anular o peso da

solidão que os condena, quase sempre, a um estado de alienação de que não

consegue sair. A necessidade de encontrar uma voz é o primeiro passo para o

esforço desalienante. É porque falo que torno a minha voz audível e vou ao

encontro do Outro, ansiando pela libertação daquilo que me tolhe.

Ao fazer representar nas suas crónicas indivíduos que não estarão

dotados de voz– são figuras anónimas– Lobo Antunes está já a abrir a

possibilidade de salvar desse estatuto as personagens. Mas vai ainda mais

longe, na medida que muitas crónicas terão internamente um Outro a quem se

dirigem, numa formulação dialogal.

Em “Uma carta para Campo de Ourique” encena-se um problema de

comunicação, que não sabemos até que ponto será resolvido. Ainda que

formalmente esta carta pouco tenha daquilo que consideramos formalmente

como exemplo do género epistolar, a escolha deste género, assumido pelo

título, não deixa de ser interessante e pertinente, especialmente se nos

lembrarmos de que a carta liga intimamente dois seres separados. Porque já

144 Idem, p. 62

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“[não se vêem] há tanto tempo, [deixaram] de falar há tanto tempo”145, a carta

impõe-se como meio de comunicação entre dois seres distanciados: aquele

que escreve e que se exprime na primeira pessoa verbal e aquela a quem se

dirige a missiva, nomeada logo na abertura do texto e que mais não é do que

uma ausência entre outras tantas ausências, resultantes da inexorável

passagem do tempo. Ana é o objecto mais precioso do tempo da juventude e

o único que é ainda possível recuperar (dado que tudo o mais se alterou) e

que, fundindo o tempo do passado e do presente, permite que o EU se furte

ao estatuto de alienação que o condena a procurar refúgio nas memórias–

simbolizadas pelos regressos sistemáticos ao lugar, em Campo de Ourique,

onde se erguia a casa familiar e que deu lugar a um minimercado– e encontre,

finalmente, no presente condições para a sua progressão. Mas não sabemos

até que ponto se poderá cumprir esse desejo, uma vez que a carta é um

projecto e a hipótese de chegar ao destinatário fica em aberto:

(...) e regressarei ao apartamento em que moro a fim de terminar esta carta, a colocar

no envelope, e permanecer a olhar a parede fronteira séculos a fio, como sem que você se

desse conta olhava o seu perfil ao meu lado na tarde em que fomos ao teatro e quis dizer que

gostava de si e nunca fui capaz. 146

O desencontro amoroso, potenciador da solidão e da alienação, tal

como aquele que é aqui sugerido, será amplamente glosado pelas crónicas.

Em “Edgar, meu amor”, Deolinda dirige-se na primeira pessoa a Edgar logo na

frase de abertura do texto:

145 “Uma carta para Campo de Ourique”, p. 77 146 Idem, p. 79

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Por favor Edgar não me deixes assim, o que se passa entre nós, porque não

telefonaste?147

O texto está repleto de interpelações a um TU ausente, com quem se

manteve um relacionamento amoroso, enunciado logo no título. O imperativo

comunicacional decorre de o facto de Edgar, depois de não ter conseguido

consumar o acto sexual, ter abandonado Deolinda, contrariando o impulso

que ela sente de permanecer ao lado dele, ainda que ele “[ficasse] cansado

para sempre”148. Embora Deolinda tente fazer ouvir a sua voz, ela e Edgar

partilharão o estatuto de alienado– ela porque quer fazer ouvir a sua voz e

não tem quem a oiça; ele porque se recusou a ouvir e a superar a situação

que, subitamente, os afastou:

e nem sequer te voltaste, nem sequer adeus, nem sequer um sorriso, nem sequer um

telefonema, queria dizer-te Não te apoquentes, queria dizer-te Não tem importância, gosto de ti

à mesma, hoje tentamos mais uma vez, eu não conto a ninguém Edgar, juro que não conto a

ninguém, não vão troçar-te no emprego, não vão troçar-te no café, podíamos morar os dois no

Laranjeiro ainda que ficasses cansado para sempre, eu não me importo (...)149

Exemplo paradigmático do desencontro amoroso é aquele que

encontramos no texto “A propósito de ti”, que se inicia com a afirmação taxativa

de que “Somos felizes”, que irá sendo desconstruída ao longo da crónica:

Somos felizes. Acabámos de pagar a casa em outubro, fechamos a marquise,

substituímos a alcatifa por tacos, nenhum de nós foi despedido, as prestações do Opel estão

no fim. Somos felizes: preferimos a mesma novela, nunca discutimos por causa do comando

(...)150

147 “Edgar, meu amor”, p. 111 148 Idem, p. 113 149 Idem, p.113 150 “A propósito de ti”, p. 153

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As condições para a felicidade passam pelo bem-estar económico e

pelas afinidades de gosto, pelo cumprimento de ritos como a ida a casa dos

sogros ao domingo, que criam um cenário de harmonia, repentinamente

quebrado, sem que o EU reconheça (ou queira reconhecer) a estranheza do

acto praticado pela esposa. Como a felicidade era entendida como

dependendo da satisfação de condições materiais e estas estavam

asseguradas, nada fazia prever a fuga da esposa, a tal ponto que o EU nega

essa evidência pela sistemática repetição do “Somos felizes”:

(...) Porque tenho a certeza de que não te foste embora visto sermos felizes. Tão

felizes que um dia destes vou comprar um microondas para, se chegares a casa, teres comida

quente à tua espera”.151

Mas o mundo que o EU via como cheio de certezas dissolveu-se; quem

fala poderá enganar-se quanto quiser, mas a sua consciência obriga-o a

reconhecer que houve uma fuga real e que o regresso da esposa é apenas

hipotético: “se [chegar] a casa” esta mulher terá à sua espera uma nova

promessa de felicidade– um microondas para aquecer a comida, visto que não

há electrodoméstico que aqueça o amor.

A lição a tirar é a de que a felicidade não depende da pseudo--satisfação

de condições materiais, mas do empenhamento pessoal e íntimo, como aquele

que testemunhamos na crónica “Qualquer luz é melhor que a noite escura”.

Ainda que EU que aí se exprime se sinta em estado de alienação, observando

na cozinha os electrodomésticos que “parecem tornar-se mais úteis no

escuro”152 e que o fascinam ao ponto de desejar ligar um deles como forma de

151 Idem, p. 154 152 “Qualquer luz é melhor que a noite escura”, p. 337

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entretenimento. Mas, só o facto de esta figura se questionar a livra do estigma

da alienação:

Por que motivo continuo aqui? Há o meu filho, há a minha mulher. Será isso?

Perguntas e perguntas sem qualquer resposta. A minha cabeça anda cheia de perguntas. Não

dúvidas. Não inquietações. Perguntas. A minha mãe costumava dizer-me Quando fores velho

hás-de compreender. Não devo ter envelhecido seja o que for dado que não compreendo

nada.153

Creio que é porque se interroga, que é porque faz um esforço de

compreensão relativamente às circunstâncias que o envolvem que é possível

a este EU desalienar-se. Não é por acaso que a expressão que dá título à

crónica se vai repetindo, à laia de um refrão, por todo o texto– é a réstia de

esperança por que se deve batalhar. Daí que aquilo que noutros textos surge

como símbolo de alienação aqui tenha o estatuto inverso: os objectos deixam

de denotar a vacuidade para passarem a ser “coisas reais. Agradáveis.

Verdadeiras”154, que proporcionam um bem-estar íntimo. São uma epifania da

quotidianidade que urge preservar. É porque compreende o que de bom pode

existir nessa vida segura que o EU conclui que

“Mesmo que apareça uma rapariga muito bonita não hei-de abandonar a minha

vida.”155

Dando voz àqueles que habitualmente estão dela privados, nomeando

cada um destes seres, expondo a sua solidão e as suas dores pessoais,

António Lobo Antunes apresenta-nos o reflexo do nosso próprio quotidiano. É

certo que algumas das crónicas nos apresentam casos bizarros– lembremo-

nos da troca das esposas em “Os meus domingos”– mas isso sublinha a 153 Idem, p. 338 154 Idem, ibidem 155 Idem, p. 339

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dimensão de bizarria que existe, actualmente, na vida do ser humano. Dando

voz a tão distintos EUS, mas de problemas, afinal, tão semelhantes, António

Lobo Antunes pede que nos revejamos no espelho--crónica que nos apresenta.

Não é por acaso que tantas crónicas fazem referência ao domingo: o domingo

que se passa no centro comercial, o domingo longo e interminável em que se

cumprem uma série de ritos, o domingo em que, por fim, se lê o jornal e nos

reconhecemos na imagem que cada uma das crónicas-espelho configura

perante os nossos olhos e que nos exorta a uma intervenção no nosso próprio

quotidiano, de forma a agir para alterar as deformações detectadas pelo

reflexo. Possibilitando aos leitores o acesso a vozes em tudo idênticas às suas,

Lobo Antunes pede que o seu leitor se desaliene ao mesmo que desaliena as

personagens a quem empresta a voz.

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Conclusão

Literatura alimentar? Romance das páginas de espelhos?

Repudiadas por quem as escreveu, que sempre as considerou textos

menores, literatura alimentar feita para proporcionar rendimento e distrair os

leitores de domingo, as crónicas de Lobo Antunes foram aplaudidas pelo

público e pela crítica. A sua reunião em volume fez-se uma vez para não mais

se fazer, disse o autor. Fez-se de novo e Livro de Crónicas é a prova da

intrínseca qualidade literária desses textos e de que é impossível continuar não

pensá-los como mais uma das faces da escrita antuniana.

Livro de Crónicas não é, nem pretende ser, um romance. Os textos que

aí se reúnem definem-se pela brevidade, por terem sido produzidos

especificamente para a revista de domingo do jornal PÚBLICO. A sua reunião

em volume salvou-os a um destino de esquecimento, mantendo-lhes a

autonomia e permitindo que a eles acedamos sempre que nos aprouver.

Visto que a proposta de LC é lúdica, o volume poderá ser lido a partir de

qualquer ponto, saltando páginas, avançando, retrocedendo, o que favorecerá

a organização dos fragmentos em imagens cada vez mais complexas.

Devido à promiscuidade do género cronístico, que se define pela

possibilidade de abordar distintos temas, optei nesta dissertação por focar a

poética do romance das páginas de espelhos, enunciada na crónica “O coração

do coração” e que adquire validade no contexto específico do volume que

reúne as crónicas. Poder-se-á obstar que LC não é um romance; mas o meu

desejo foi evidenciar como esse princípio age nas suas peculiares páginas:

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crónicas onde surge a complexa figura do autor, que se vai modalizando

reflexivamente: ele é autor; ele foi criança; ele amou; ele sentiu as mesmas

necessidades de toda a gente– ele é Homem. Expondo a sua biografia, Lobo

Antunes descontrói-se como génio da literatura, humaniza-se e vai ao encontro

do seu leitor, indigitado como testemunha e confidente.

Mas a crónica é vinculação ao quotidiano: elas nascem dos imperativos

financeiros que a humanidade do autor lhe impõe.

Porque deseja não só reflectir-se, mas permitir que também o seu leitor se

reveja nas crónicas-espelhos, o cronista traz para o seu texto os problemas

com que habitualmente nos debatemos e que, por estarem demasiado

próximos, tendemos a ignorar. Confrontados com a superfície brilhante da

crónica, espantamo-nos. Aquilo somos nós. Aquilo é o nosso viver entre

repartições e centros comerciais, planeando prestações de carros e de casas,

sonhando a felicidade que o novo electrodoméstico nos proporcionará,

lamentando não haver quem nos oiça. Impondo-nos que interroguemos os

limites desta vivência, a proposta de Lobo Antunes tem um alcance ético:

porque nos reconhecemos no espelho que é o texto, em que alguém

semelhante a nós nos fala, porque nos revemos no reflexo da nossa realidade

deformada, sentimos o apelo moral de nos modificarmos e às nossas

circunstâncias, salvando a humanidade que nos resta.

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Bibliografia

1. Bibliografia Activa

1.1. Compilações das Crónicas

1.1.1. Obra em estudo

Livro de Crónicas, 2ª edição, Lisboa, D. Quixote, 1999, 375 pp

1.1.2. Outras compilações

Algumas Crónicas, Lisboa, D. Quixote, 2002, 188 pp

Crónicas, Lisboa, D. Quixote, 1995, 158 pp

1.2. Crónicas

1.2.1. O JORNAL

“O sétimo irmão”, nº 492, 27 de Julho de 1984

“Condição marinha”, nº 494, 10 de Agosto de 1984

“As férias”, nº 496, 24 de Agosto de 1984

“Carta ao amigo desconhecido”, nº 498, 7 de Setembro de 1984

“Poluição sob controlo”, nº 500, 21 de Setembro de 1984

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68

“Lili”, nº 502, 4 de Outubro de 1984

“O banho”, nº 507, 9 de Novembro de 1984

1.2.2. O JORNAL ILUSTRADO

“Louvor da noite e da amizade de José Cardoso Pires”, nº 582, 18 de Abril de

1986

“O camponês de Paris”, nº583, 24 de Abril de 1986

1.2.3. GRANDE REPORTAGEM

“Em que se inicia o relato das minhas tremendas proezas”, nº 5, Ano II, 2ª

série, Janeiro/ Março de 1991

“A minha filha mais velha tirou a carta”, nº 6, Ano II, 2ª série, Abril/ Junho de

1991

“Carta para a Joana”, nº 7, Ano II, 2ª série, Julho/ Setembro de 1991

“Um país chamado Pedro Tamen”, nº 8, Ano II, 2ª série, Novembro de 1991

“Saudades do Porto”, nº 10, Ano III, 2ª série, Janeiro de 1992

“Isabel Maria, a Ericeira, o mar, a morte e os meus pais”, nº 11, Ano III, 2ª

série, Fevereiro de 1992

“O camponês de Paris”, nº 12, Ano III, 2ª série, Março de 1992

“Os cavalos e eu”, nº 15, Ano III, 2ª série, Julho de 1992

1.2.4. PÚBLICO MAGAZINE

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69

“Tocata para dois clarins”, nº 148, 3 de Janeiro de 1993

“Elogio do subúrbio”, nº 150, 17 de Janeiro de 1993

“O grande Barrigana”, nº 152, 31 de Janeiro de 1993

“Recordações da Casa Amarela”, nº 154, 14 de Fevereiro de 1993

“Crónica escrita em voz alta como quem passeia ao acaso”, nº 156, 28 de

Fevereiro de 1993

“O surdo”, nº 158, 14 de Março de 1993

“Alguma vez te menti?”, nº 160, 4 de Abril de 1993

“A consequência dos semáforos”, nº 162, 11 de Abril de 1993

“Ontem, às três da tarde”, nº 164, 25 de Abril de 1993

“O campeão”, nº 166, 9 de Maio de 1993

“O Paraíso”, nº 168, 23 de Maio de 1993

“Uma carta para Campo de Ourique”, nº 171, 13 de Junho de 1993

“Os pobrezinhos”, nº 172, 20 de Junho de1993

“O nadador olímpico e o amendoim”, nº 174, 4 de Julho de 1993

“A Feira do Livro”, nº 176, 18 de Julho de 1993

“A velhice”, nº 178, 1 de Agosto de 1993

“Os sonetos a Cristo”, nº 180, 15 de Agosto de 1993

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70

“O coração do coração”, nº 182, 29 de Agosto de 1993

“As papoilas saltitantes”, nº 184, 12 de Setembro de 1993

“A minha morte”, nº 186, 26 de Setembro de 1993

“As pessoas crescidas”, nº 188, 10 de Outubro de 1993

“A existência de Deus”, nº 191, 31 de Outubro de 1993

“Carta aberta a Tarzan Taborda”, nº 192, 7 de Novembro de 1993

“Os meus domingos”, nº 194, 21 de Novembro de 1993

“A Praia das Maçãs”, nº 197, 12 de Dezembro de 1993

“A minha modesta existência”, nº 199, 26 de Dezembro de 1993

“Sou mais novo que o seu pai seis meses”, nº 201, 9 de Janeiro de 1994

“O grande homem”, nº 202, 16 de Janeiro de 1994

“Duas crónicas pequenas”, nº 204, 30 de Janeiro de 1994

“As noivas”, nº 205, 6 de Fevereiro de 1994

“Sandokan e a minhota”, nº 207, 20 de Fevereiro de 1994

“Chopin é um frango”, nº 210, 13 de Março de 1994

“Claro que te lembras de mim”, nº 212, 27 de Março de 1994

“Sinais interiores de riqueza”, nº 214, 10 de Abril de 1994

“A propósito de ti”, nº 216, 24 de Abril de 1994

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71

“A pradaria das caçadas eternas”, nº 218, 8 de Maio de 1994

“Reparação e elogio de Frutuoso França”, nº 219, 15 de Maio de 1994

“Dormir acompanhados”, nº 222, 5 de Junho de 1994

“Sombras de reis barbudos”, nº 224, 19 de Junho de 1994

“Uma coisa assim”, nº 226, 3 de Julho de 1994

“Manual de instruções”, nº 228, 17 de Julho de 1994

“Crónica do pobre amante”, nº 230, 31 de Julho de 1994

“O meu velho”, nº 232, 14 de Agosto de 1994

“Edgar, meu amor”, nº 234, 28 de Agosto de 1994

“O fim do mundo”, nº 236, 11 de Setembro de 1994

“A crisálida e eu”, nº 238, 25 de Setembro de 1994

“O amor dos animais”, nº 240, 9 de Outubro de 1994

“Esta que se acina Gabriela”, nº 241, 16 de Outubro de 1994

“Teoria e prática dos domingos”, nº 244, 6 de Novembro de 1994

“O grande e horrível crime”, nº 245, 20 de Novembro de 1994

“A solidão das mulheres divorciadas”, nº 246, 20 de Novembro de 1994

“Os computadores e eu”, nº 247, 27 de Novembro de 1994

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72

“Onde o artista se despede dos preciosos ridículos”, nº 248, 4 de Dezembro de

1994

“O grande amor da minha vida”, nº 250, 18 de Dezembro de 1994

“O tenente-coronel e o Natal”, nº 252, 8 de Janeiro de 1995

“Retrato do artista quando jovem”, nº 253, 15 de Janeiro de 1995

“As palavras cruzadas do jornal”, nº 256, 5 de Fevereiro de 1995

“Ó marreco, olha o sonoro”, nº 259, 26 de Fevereiro de 1995

“Da social-democracia como causa do divórcio”, nº 261, 12 de Março de 1995

“O Spitfire dos Olivais”, nº 264, 2 de Abril de 1995

“A véspera de eu morrer estrangulada”, nº 265, 9 de Abril de 1995

“Sem sombra de pecado”, nº 267, 23 de Abril de 1995

“As coisas da vida”, nº 269, 7 de Maio de 1995

“António João Pedro Miguel Nuno Manuel”, nº 271, 21 de Maio de 1995

“Está bem abelha”, nº 273, 4 de Junho de 1995

“O amor conjugal”, nº 275, 18 de Junho de 1995

“Velhas sombras fortuitas”, nº 277, 2 de Julho de 1995

“As veias dos búzios”, nº 279, 16 de Julho de 1995

“O último rei de Portugal”, nº 281, 30 de Julho de 1995

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73

“Depende do azul”, nº 283, 13 de Agosto de 1995

“Saudades de Ireneia”, nº 285, 27 de Agosto de 1995

“Emília e uma noites”, nº 287, 10 de Setembro de 1995

“Quero ser filho da puta”, nº 289, 24 de Setembro de 1995

“O primeiro encontro com a minha esposa”, nº 291, 8 de Outubro de 1995

“A terceira guerra mundial”, nº 294, 29 de Outubro de 1995

“A estrutura dos flocos de neve”, nº 295, 5 de Novembro de 1995

“A noite das misses”, nº 297, 19 de Novembro de 1995

“Crónica do menino ruivo e dos cavalos de plástico”, nº 299, 3 de Dezembro de

1995

“O último truque do meu pai”, nº 300, 10 de Dezembro de 1995

“Crónica de Natal”, nº 303, 31 de Dezembro de 1995

“No fundo do sofrimento uma janela”, nº 305, 14 de Janeiro de 1996

“Da viuvez”, nº 307, 28 de Janeiro de 1996

“Volto já”, nº 309, 11 de Fevereiro de 1996

“Crónica de Carnaval”, nº 311, 25 de Fevereiro de 1996

“Crónica da Quaresma”, nº 314, 17 de Março de 1996

“Hoje apetece-me falar dos meus pais”, nº 315, 24 de Março de 1996

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74

“As bilhas de gás e eu”, nº 317, 7 de Abril de 1996

“Crónica dedicada ao meu amigo Michel Audiard e escrita por nós dois”, nº

319, 21 de Abril de 1996

“Crónica escrita depois de ter bebido dois copos de vinho ao almoço”, nº 321, 6

de Maio de 1996

1.2.5. PÚBLICA

“Uma gota de chuva na cara”, nº 3, 9 de Junho de 1996

“Escrito a canivete”, nº 6, 30 de Junho de 1996

“A feira popular”, nº 9, 21 de Julho de 1996

“E tudo o vento levou”, nº 12, 11 de Agosto de 1996

“Big Show Sic”, nº 15, 1 de Setembro de 1996

“A barriga”, nº 18, 22 de Setembro de 1996

“Como expliquei à minha filha o sinistro caso do Dantas”, nº 21, 13 de Outubro

de 1996

“O Brasil”, nº 24, 3 de Novembro de 1996

“Mais vale sair de cabeça baixa do que com os pés para a frente”, nº 27, 24 de

Novembro de 1996

“Antes que anoiteça”, nº 30, 15 de Dezembro de 1996

“Descrição da infância”, nº 33, 5 de Janeiro de 1997

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75

“Conselho de amigo”, nº 36, 26 de Janeiro de 1997

“De cavalos, reis, padres & da tia Pureza”, nº 39, 16 de Fevereiro de 1997

“A vida, mais ou menos”, nº 42, 9 de Março de 1997

“Os museus”, nº 45, 30 de Março de 1997

“Os militares”, nº 48, 20 de Abril de 1997

“Homenagem a José Ribeiro”, nº 51, 11 de Maio de 1997

“O Algarve”, nº 54, 1 de Junho de 1997

“Não morras agora que estão a olhar para nós”, nº 57, 22 de Junho de 1997

“Américo, o Homem-Bomba”, nº 60, 13 de Julho de 1997

“Falando para as rosas”, nº 63, 3 de Agosto de 1997

“Alverca, 1970”, nº 66, 24 de Agosto de 1997

“Estrada de Benfica”, nº 69, 14 de Setembro de 1997

“Acabou-se o que era Dulce”, nº 72, 5 de Outubro de 1997

“Qualquer luz é melhor que a noite escura”, nº 74, 19 de Outubro de 1997

“Última crónica”, nº 77, 9 de Novembro de 1997

“Espero por ti no meio das gaivotas”, nº 138, 10 de Janeiro de 1999

“Para José Cardoso Pires, ao ouvido”, nº 140, 24 de Janeiro de 1999

“Assobiar no escuro”, nº 143, 14 de Fevereiro de 1999

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76

“Isto”, nº 145, 28 de Fevereiro de 1999

“António 56 ½”, nº 147, 14 de Março de 1999

“Esta noite não estou para ninguém”, nº 149, 28 de Março de 1999

“Os Lusíadas contados às crianças”, nº 151, 11 de Abril de 1999

“A compaixão do fogo”, nº 155, 9 de Maio de 1999

“Como se o orvalho te houvesse beijado”, nº 157, 23 de Maio de 1999

“Esta maneira de chorar dentro de uma palavra”, nº 160, 13 de Junho de 1999

“Texto para o livro do fotógrafo Eduardo Gageiro”, nº 162, 27 de Junho de 1999

“O anoitecer nas sardinheiras”, nº 164, 11 de Julho de 1999

“Uma sensação de para quê”, nº 166, 25 de Julho de 1999

“De Deus como apreciador de Jazz”, nº 168, 8 de Agosto de 1999

“O osso dos meus ossos”, nº 170, 22 de Agosto de 1999

“Novo ensaio sobre o entendimento”, nº 172, 12 de Setembro de 1999

“Não se desce vivo de uma cruz”, nº 174, 26 de Setembro de 1999

1.3. Romances

Memória de Elefante (1979), 17ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixote, 1997

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77

Os Cus de Judas (1979), 19ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixote, 1997

Conhecimento do Inferno (1980), 12ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixote,

1999

Explicação dos Pássaros (1981), 10 ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixote,

1997

Fado Alexandrino (1983), 9ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixote, 2000

Auto dos Danados (1985), 16ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixote, 1999

As Naus, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1988

Tratado das Paixões da Alma (1990), 3ª ed., Lisboa, Publicações D.

Quixote, 1994

A Ordem Natural das Coisas

A Morte de Carlos Gardel (1994), 3ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixote,

1994

Manual dos Inquisidores, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996

O Esplendor de Portugal (1997), 2ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixote,

1997

Exortação aos Crocodilos (1999), 2ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixote,

1999

Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura, Lisboa, Publicações D.

Quixote, 2000

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78

Que Farei Quando Tudo Arde?, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2001

2. BIBLIOGRAFIA PASSIVA

2.1. Artigos e Recensões

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