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1 Universidade de São Paulo - Departamento de História Fragmentos selecionados (Pequena antologia)-para uso exclusivo da disciplina Teoria da História -Seleção: Prof. Elias Thomé Saliba. Versão 2020 (Obs.: Quando não houver indicação do tradutor, a tradução foi feita livremente pelo professor) 1. Racionalismo/subjetivismo/fenomenologiadesdobramentos e variantes no século XX. 1.1.Edmund Husserl, Recherches Logiques,1931 1.2.Henri-Irénée Marrou, De la Conaissance Historique, 1954 1.3.Max Weber, The Methodology of the Social Sciences, 1928 1.4.Raymond Aron, Introduction à la Philosophie de l'Histoire,1961. 2. Desdobramentos e variantes da concepção empirista/pragmatismos e suas variantes: 2.1. H.Taine, As Origens da França Contemporânea, 1875. 2.2. H.Thomas Buckle, History of Civilization in England,1858. 2.3. G.Monod, "Do progresso dos estudos históricos em França. Manifesto inaugural da Revue Historique,1876 2.4. Charles S.Peirce, Case, love and logic, 1908. 3. Variantes, continuidades e desdobramentos da dialética hegeliana/ historismo/presentismo. 3.1. Jules Michelet.Histoire de la Revolution Française,1833 3.2. José Ortega Y Gasset, História como Sistema, 1941. 3.3. Benedetto Croce. História como História da Liberdade, 1938. 4. Variantes, continuidades, exemplos e desdobramentos do Materialismo. 4.1. P.Cabanis, Rapports du physique et du moral de l'Homme,1844. 4.2. Norbert Wiener, Cybernetica,1948. 4.3. David Brooks, The philosophy of data, New York Times, 2013 5. Variantes, re-interpretações, polêmicas e desdobramentos do marxismo ocidental. 5.1.E.P.Thompson,A Miséria da Teoria. 5.2.Jean-Paul Sartre, Questão de Método,1960. 5.3.Herbert Marcuse, Razão e Revolução; Hegel e o advento da teoria social. 1954. 5.4. Lucien Goldmann, Recherches Dialectiques.l959. 5.5. Idem, Ciências Humanas e Filosofia, 1962. 5.6. Maurice Merleau-Ponty, Les aventures de La Dialectique,1955 5.7.Terry Eagleton, A Ideologia da Estética, 1990. 6. Fragmentação dos ismos no século XX/Teoria do conhecimento como linguagem/Pós-estruturalismo/ Narratividade e Hermenêutica.

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    Universidade de São Paulo - Departamento de História

    Fragmentos selecionados (Pequena antologia)-para uso exclusivo da disciplina Teoria

    da História -Seleção: Prof. Elias Thomé Saliba. Versão 2020

    (Obs.: Quando não houver indicação do tradutor, a tradução foi feita livremente pelo

    professor)

    1. Racionalismo/subjetivismo/fenomenologia–desdobramentos e variantes no século

    XX.

    1.1.Edmund Husserl, Recherches Logiques,1931

    1.2.Henri-Irénée Marrou, De la Conaissance Historique, 1954

    1.3.Max Weber, The Methodology of the Social Sciences, 1928

    1.4.Raymond Aron, Introduction à la Philosophie de l'Histoire,1961.

    2. Desdobramentos e variantes da concepção empirista/pragmatismos e suas

    variantes:

    2.1. H.Taine, As Origens da França Contemporânea, 1875.

    2.2. H.Thomas Buckle, History of Civilization in England,1858.

    2.3. G.Monod, "Do progresso dos estudos históricos em França. Manifesto inaugural da

    Revue Historique,1876

    2.4. Charles S.Peirce, Case, love and logic, 1908.

    3. Variantes, continuidades e desdobramentos da dialética hegeliana/

    historismo/presentismo.

    3.1. Jules Michelet.Histoire de la Revolution Française,1833

    3.2. José Ortega Y Gasset, História como Sistema, 1941.

    3.3. Benedetto Croce. História como História da Liberdade, 1938.

    4. Variantes, continuidades, exemplos e desdobramentos do Materialismo.

    4.1. P.Cabanis, Rapports du physique et du moral de l'Homme,1844.

    4.2. Norbert Wiener, Cybernetica,1948.

    4.3. David Brooks, The philosophy of data, New York Times, 2013

    5. Variantes, re-interpretações, polêmicas e desdobramentos do marxismo ocidental.

    5.1.E.P.Thompson,A Miséria da Teoria.

    5.2.Jean-Paul Sartre, Questão de Método,1960.

    5.3.Herbert Marcuse, Razão e Revolução; Hegel e o advento da teoria social. 1954.

    5.4. Lucien Goldmann, Recherches Dialectiques.l959.

    5.5. Idem, Ciências Humanas e Filosofia, 1962.

    5.6. Maurice Merleau-Ponty, Les aventures de La Dialectique,1955

    5.7.Terry Eagleton, A Ideologia da Estética, 1990.

    6. Fragmentação dos ismos no século XX/Teoria do conhecimento como

    linguagem/Pós-estruturalismo/ Narratividade e Hermenêutica.

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    6.1.Roland Barthes, Le discourse de l´Histoire,1967.

    6.2.H.G.Gadamer,Verité et Méthode ,1960.

    6.3.Michel Foucault, La Verité et le pouvoir, 1978

    6.4.Terry Eagleton, The illusions of Postmodernism,1996

    6.5.Hayden White, The burden of History,1966.

    6.6.Roger Chartier, “A História hoje: dúvidas,desafios, propostas”, 1994.

    6.7.Josep Fontana, Historia: analisis del pasado y proyecto social, 1982.

    6.8.Carlo Ginzburg, Chaves do mistério: Morelli,Freud e Sherlock Holmes IN O signo

    de três,1979.

    6.9.Hayden White, The content of the form; narrative discourse and historical

    representation. 1989.

    6.10. F.R.Ankersmit, History and Tropology; the rise and fall of Metaphor, 1994.

    6.11. Carlo Ginzburg, O fio e os rastros; verdadeiro, falso, fictício. 2007

    1. Racionalismo/subjetivismo/fenomenologia–desdobramentos e variantes

    no século XX.

    1.1. “Na percepção algo é percebido, na imaginação algo é imaginado, na

    enunciação algo é enunciado, no amor algo é amado, no ódio algo é

    odiado, no desejo algo é desejado, etc. Brentano discerniu o caráter

    comum que pode encontrar-se em tais exemplos quando disse: ‘Todo

    fenômeno psíquico é caracterizado pelo que os escolásticos da Idade

    Média denominaram a existência intencional (ou ainda mental) de um

    objeto’, e o que poderíamos chamar, se bem que com expressões um

    pouco equívocas, a relação com um conteúdo, a orientação para um

    objeto(que não deve entender-se como uma realidade) ou a objetividade

    imanente.(...)

    O objeto da representação, da intenção, é e significa: o objeto

    representado, o objeto intencional. Que represente Deus ou um anjo, um

    ser inteligível em si ou uma coisa psíquica ou um quadrado circular, etc.,

    o que assim denominamos o transcendente é justamente o que é visado,

    logo é objeto intencional; pouco importa na emergência que tal objeto

    exista, seja fictício ou absurdo. Quando dizemos que o objeto é

    simplesmente intencional, não queremos naturalmente dizer: ele existe,

    ainda que apenas na intentio, portanto como componente real desta ou

    que exista nesta alguma sombra de objeto; mas queremos sim dizer: o que

    existe é a intenção, o visar de um objeto de tal maneira, mas não o objeto.

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    Se, pelo contrário, o objeto intencional existe, não é só a intenção ou o ato

    de visar que existe, mas também o que é visado.”

    (Edmund Husserl, Recherches Logiques,1931.)

    1.2. “Em suma, o historiador [segundo o erudito positivista] não constrói

    a história: reencontra-a; Collingwood, que não poupa sarcasmos a uma

    tal ‘concepção’ de conhecimento histórico pré-fabricado, que seria

    preciso apenas engolir para cuspir de volta’, chama a isso “a história feita

    com tesoura e cola”, scissors and paste. Ironia merecida, pois nada é

    menos exato do que uma análise desse tipo, que não leva em conta a

    maneira como realmente procedeu o espírito do historiador. Tal

    metodologia só poderia ter como resultado a degradação da história em

    erudição, e de fato foi a isso que ela conduziu aquele de seus teóricos que

    a levou a sério praticamente, Charles Victor Langlois, o qual, no fim de

    sua carreira, não mais ousava compor a história, contentando-se em

    oferecer a seus leitores uma montagem de textos...(...)

    Mas não, ‘não existe uma realidade histórica, completamente acabada

    antes da ciência que conviria simplesmente reproduzir com fidelidade’: a

    história é o resultado do esforço, num sentido criador, através do qual o

    historiador, o sujeito do conhecimento, estabelece essa relação entre o

    passado que ele evoca e o presente que é seu. (...) A teoria precede a

    história: a teoria, isto é, a posição, consciente ou inconsciente, assumida

    pelo historiador em relação ao passado: escolha e delimitação do assunto,

    questões levantadas, conceitos empregados, e, sobretudo, tipos de

    relações, sistemas de interpretação, valor relativo atribuído a cada um: é

    a filosofia pessoal do historiador que lhe dita a escolha do sistema de

    pensamento em função do qual vai reconstituir e, segundo crê, explicar o

    passado.”

    (Henri-Irénée Marrou, De la Conaissance Historique, 1954.pp.47e

    98.)

    1.3."Os problemas das disciplinas empíricas devem, sem dúvida, ser

    solucionados de forma ‘não-avaliativa’. Não são problemas de avaliação.

    Os problemas das ciências sociais são selecionados, porém, pela

    relevância a valores (com referência a valores) dos fenômenos tratados.

    (...) A qualidade de um evento como 'socioeconômico' não é algo que ele

    possui objetivamente. É, antes, condicionada pela orientação de nosso

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    interesse cognitivo, provindo da específica significação cultural que

    atribuímos ao evento particular num dado caso... Não são as

    interconexões de fato das 'coisas, mas as interconexões conceituais de

    problemas que definem o campo das várias ciências.(...)Em outras

    palavras, a escolha do objeto de investigação e a extensão ou

    profundidade com que a investigação procura penetrar na infinita teia

    causal são determinadas pelas ideias avaliativas que dominam o

    investigador e sua época. No método de investigação, o 'ponto de vista'

    orientador é de grande importância para a construção do esquema

    conceitual que será utilizado na investigação.(...)A história das ciências

    sociais é e será um processo continuo de esforço de ordenar a realidade

    analiticamente através da construção de conceitos; de dissolução das

    construções analíticas assim elaboradas, através da expansão e alteração

    do horizonte científico; e novamente de reformulação de conceitos sobre

    bases assim transformadas." `

    (Max Weber, The Methodology of the Social Sciences, 1928. pp.23-

    31).

    1.4. "O historiador pertence ao devir que descreve. Está situado após os

    acontecimentos, mas na mesma evolução. A ciência histórica é uma forma

    da consciência que uma comunidade toma de si mesma, um elemento da

    vida coletiva, como o conhecimento de si um aspecto da consciência

    pessoal, um dos fatores do destino individual. Não é ele função

    simultaneamente da situação atual, que por definição muda com o tempo,

    e da vontade que anima o sábio, incapaz de se destacar de si mesmo e do

    seu objeto? Mas, por outro lado, ao contrário, o historiador busca

    penetrar a consciência de outrem. É, em relação ao ser histórico, o outro.

    Psicólogo, estrategista ou filósofo, observa sempre do exterior. Não pode

    nem pensar o seu herói, como este se pensa a si mesmo, nem ver a batalha

    como o general a viu ou viveu, nem compreender uma doutrina do mesmo

    modo que o criador. (...) Julgamos nós que uma ideia fundamental se

    destaca das análises precedentes: a dissolução do objeto. não existe uma

    realidade histórica, já feita antes da ciência, que conviesse simplesmente

    reproduzir com fidelidade. A realidade histórica, por ser humana, é

    equívoca e inesgotável. São equívocas a pluralidade dos universos

    espirituais através dos quais se desenrola a existência humana, a

    diversidade dos conjuntos nos quais vêm situar-se as ideias e os atos

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    elementares. É inesgotável a significação do homem para o homem, da

    obra para os intérpretes, do passado para os presentes sucessivos."

    Raymond Aron, Introduction à la Philosophie de l'Histoire, pp.88-120.

    2. Desdobramentos e variantes da concepção empirista/pragmatismos e

    desdobramentos.

    2.1. “O que é a França contemporânea? Para responder a esta questão

    é necessário saber como esta França formou-se ou, melhor ainda, seria

    necessário assistir, como um espectador, à sua formação. No fim do século

    passado, à maneira de um inseto, a França passou por uma autêntica

    metamorfose. Sua antiga organização sofre uma atrofia; ela parece

    dilacerar, em si mesma, os tecidos mais preciosos e acaba por mergulhar

    em convulsões quase letais. Depois, através de sucessivas crispações e

    uma penosa letargia, seu organismo se ratifica e se endireita. Contudo,

    sua organização deixa de ser a mesma: por um silencioso trabalho

    interior, um ente novo substitui o antigo. Em 1808 todos os seus grandes

    traços estão determinados e definitivos: departamentos, distritos e

    vilas; nada mudou, desde então, em suas divisões e cortes exteriores:

    Concordata, Códigos, Tribunais, Universidade, Instituto, Prefeitos,

    Conselho de Estado, impostos, preceptores, Conselho de Finanças,

    administração uniforme e centralizada; seus principais órgãos são ainda

    os mesmos: nobreza, burguesia, operários, camponeses – cada classe

    passa a ter, desde então, a situação, os interesses, os sentimentos e as

    tradições, tais como as vemos hoje. Desta maneira, a nova criatura

    parece, ao mesmo tempo, estável e completa; portanto, sua estrutura, seus

    instintos e suas faculdades demarcam, desde então, o círculo no qual vão

    se agitar os seus pensamentos e suas ações.”

    H.Taine, As Origens da França Contemporânea( 1875), trecho do

    prefácio.

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    2.2. "Sendo tão imperfeito o nosso conhecimento da história e, por

    outro lado, tão numerosos os materiais de que dispomos, parece

    que seria de desejar que alguma coisa se fizesse, em proporções

    maiores que as tentadas até agora, e que se fizesse um esforço

    enérgico para elevar este importante ramo da investigação ao nível

    dos outros, afim de assim mantermos o equilíbrio e a harmonia do

    nosso conhecimento. Foi este o espírito que presidiu à concepção da

    presente obra. Realizá-lo completamente, é impossível; espero, no

    entanto conseguir para a história do homem algo equivalente, ou pelo

    menos análogo, ao que outros investigadores vêm realizando nos

    diferente ramos das ciências naturais. No que diz respeito à natureza

    têm-se explicado fenômenos aparentemente mais irregulares e

    caprichosos e tem-se provado que eles estão de acordo com certas leis

    fixas e universais. Tudo isto porque homens competentes, e homens,

    sobretudo, de espírito paciente e incansável têm estudado os fenômenos

    naturais com o intuito de lhes descobrir a regularidade. Se os

    fenômenos humanos foram submetidos a um processo semelhante,

    teremos todo o direito de esperar resultados semelhantes."

    (H.Thomas Buckle, History of Civilization in England(1858), trecho do

    prefácio )

    2.3. "Pretendemos permanecer independentes de qualquer opinião

    política e religiosa, e a lista dos homens eminentes que quiseram conceder

    o seu patrocínio à Revista prova que julgam este programa realizável.

    Estão longe de professar todos as mesmas doutrinas em política e em

    religião, mas pensam conosco que a história pode ser estudada em si

    mesma, e sem se preocupar com as conclusões que podem ser tiradas a

    favor ou contra esta ou aquela crença. Sem dúvida as opiniões

    particulares influenciam sempre numa determinada medida a maneira

    como se estuda, como se vê e como se julgam os fatos ou os homens. Mas

    devemos esforçar-nos por afastar estas causas de prevenção e de erro

    para só julgarmos os acontecimentos e os personagens em si mesmos.

    Admitiremos aliás opiniões e apreciações divergentes, com a condição de

    que sejam apoiadas em provas seriamente discutidas e em fatos, e que não

    sejam simples afirmações. (...) Portanto, não teremos nenhuma bandeira;

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    não professaremos nenhum credo dogmático; não nos alistaremos sob as

    ordens de nenhum partido; o que não quer dizer que a nossa Revista seja

    uma 'Babel onde todas as opiniões virão manifestar-se. O ponto de vista

    estritamente científico onde nos colocamos bastará para dar à nossa

    coletânea a unidade de tom e de caráter. Todos aqueles que se colocam

    neste ponto de vista têm em relação ao passado um mesmo sentimento:

    uma simpatia respeitosa, mas independente. (...) Ao mesmo tempo, o

    historiador conserva, todavia, a perfeita independência do seu espírito e

    em nada abandona os seus direitos de crítico e juiz. As tradições antigas

    dos elementos mais diversos, são o fruto de uma sucessão de períodos

    diferentes, mesmo de revoluções, que, cada uma no seu tempo e por sua

    vez, tiveram todas a sua legitimidade e utilidade relativas. O historiador

    não é o defensor de umas contra as outras; não pretende suprimir umas

    da memória dos homens para dar às outras um lugar imerecido. Esforça-

    se por discernir as suas causas, definir o seu caráter, determinar os seus

    resultados no desenvolvimento geral da história. (...)

    É assim que a história, sem se propor outro fim e outro objetivo a não ser

    o lucro que se tira da verdade, trabalha de uma maneira secreta e segura

    para a grandeza da Pátria, ao mesmo tempo que para o progresso do

    gênero humano."

    (G.Monod, "Do progresso dos estudos históricos em França", Ma-

    nifesto inaugural da Revue Historique,1876.)

    2.4. “O método pragmatista permite antes de tudo resolver

    controvérsias metafísicas que, do contrário, poderiam ser intermináveis.

    O mundo é único ou múltiplo? Admite a fatalidade ou a liberdade? É

    material ou espiritual? Eis alguns conceitos dentre os quais um ou outro

    poderia ser considerado não verdadeiro; logo, as discussões acerca deles

    permaneceriam sempre abertas. Nesse caso, o método pragmatista

    consiste em tentar interpretar todo conceito pelas suas consequências

    práticas. Eis como ele coloca o problema: admitindo que um determinado

    conceito seja verdadeiro e o outro não, que diferença resultaria

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    praticamente de cada um? Se não conseguirmos encontrar nenhuma

    diferença prática, concluiremos que as duas alternativas são equivalentes

    e que toda discussão é inútil. Para que uma controvérsia seja séria, é

    preciso poder demonstrar qual consequência resulta necessariamente do

    fato de que somente esta alternativa é a verdadeira. Logo, com o escopo

    de alcançar a perfeita clareza acerca das ideias relativas a um objeto,

    devemos considerar unicamente os efeitos de caráter prático que ele, a

    nosso juízo, é capaz de determinar, as impressões que devemos esperar

    dele, as reações para as quais devemos estar preparados. (...)

    Nos meus cursos universitários tenho o hábito de apresentar os problemas

    da seguinte forma: em que o mundo seria diferente, se fosse verdadeira

    esta ou aquela alternativa? Quando não posso descobrir nenhuma

    diversidade, julgo que a oposição entre as duas ideias não tem qualquer

    significado. Em outras palavras, o significado prático dos conceitos, num

    caso desse tipo, é o mesmo: ora, para nós, uma ideia não tem outro sig-

    nificado exceto esse caráter prático.

    Ficamos maravilhados ao ver quantas discussões filosóficas pareceriam

    destituídas de qualquer significado se fossem submetidas a essa prova de

    procurar a sua consequência concreta. (...)

    A postura do Pragmatismo já é conhecida há muito tempo porque é a

    mesma do Empirismo, embora o apresente, pelo que me parece, de forma

    mais radical; no entanto, provoca menores contestações do que qualquer

    uma das formas assumidas até agora pelo Empirismo.

    O Pragmatismo dá as costas decididamente, e de uma vez por todas, a

    uma multidão de hábitos inveterados caros aos filósofos profissionais. Dá

    as costas à abstração; a tudo o que torna o pensamento inadequado, ou

    seja, às soluções puramente verbais, às más razões a priori, aos sistemas

    fechados; a tudo o que pretende ser um absoluto ou um princípio; para

    encaminhar-se em direção a um pensamento concreto e adequado, em

    direção aos fatos, em direção à ação eficaz. Ao mesmo tempo, o

    pragmatismo não se alinha com nenhuma solução particular. Ele é

    somente um método. Mas o triunfo universal desse método determinaria

    uma considerável mudança no que denominei de temperamento filosófico.

    (...)Assim, o mundo sempre se apresentou como uma espécie de enigma,

    cuja chave deveria ser buscada e encontrada sob forma de uma palavra,

    de um nome que esclareceria completamente ou conferiria todo o poder

    desejado. Essa palavra designa o princípio do mundo e possuí-la, de certo

    modo, equivale a possuir o próprio mundo. Deus, a matéria, a Razão, o

    Absoluto, a Energia: eis os nomes que são outras tantas soluções. Uma vez

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    de posse desses nomes, nada mais vos resta a fazer: tereis chegado ao fim

    da vossa busca metafísica.

    Seguis, ao contrário, o método pragmatista? Então vos é impossível

    considerar essas palavras como o fim da vossa investigação. É preciso que

    dispais todas as palavras do valor que podem ter no seu uso comum e

    façais com que desempenhem uma função no próprio campo da vossa

    experiência. Então, mais que uma solução, vemos nelas o programa de um

    novo trabalho a ser iniciado; e, mais particularmente, vemos nelas uma

    orientação sobre os diversos modos pelos quais é possível modificar as

    realidades existentes. Logo, com o Pragmatismo, as teorias tornam-se

    instrumento de investigação, em vez de serem a resposta de um enigma e

    o final de toda investigação. Elas não nos servem para descansar, mas

    para seguir adiante; e, se necessário, permitem-nos reconstruir o mundo.

    Todas as nossas teorias estavam cristalizadas: o pragmatismo deu-lhes

    uma elasticidade que nunca teriam e as colocou em movimento.”

    (Charles S.Peirce, Case, love and logic, 1908)

    3. Variantes, continuidades e desdobramentos da dialética hegeliana/

    historismo/presentismo.

    3.1 “A Bastilha, ainda que fosse uma velha fortaleza, não era menos

    inexpugnável, bastando que se dedicassem a atacá-la vários dias, com

    uma grande artilharia. Naquela crise, o povo não tinha nem tempo e nem

    meios de organizar um ataque regular e, mesmo que tivesse, a Bastilha

    não tinha nada a temer, pois dispunha não só de víveres suficientes para

    esperar por um socorro próximo, como também de uma grande

    artilharia de guerra. Seus muros, de dez pés de espessura no cume, e

    suas torres, de trinta ou quarenta metros na base, podiam rir-se,

    durante muito tempo, e os canhoneios, suas baterias, cujo fogo estava,

    dirigido à Paris, poderia demolir todo o Marais e todo o subúrbio de

    Saint-Antoine. Suas torres, armadas estrategicamente, com janelas

    minúsculas e grades duplas e triplas, permitiria à guarnição militar,

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    impingir um verdadeiro massacre aos assaltantes. A tomada da Bastilha

    não foi, de modo algum, racional. Foi um ato de fé.

    Ninguém o propôs mas, todos acreditaram e todos agiram.

    Ao longo das ruas, das pontes, a multidão gritava à multidão: "À Bastilha

    ! À Bastilha!" E, em meio dos toques de alarma, todos ouviam: "À

    Bastilha!" Ninguém, repito, deu a ordem. (...)

    O que acontece nesta curta noite, na qual ninguém dorme

    para que, na manhã seguinte, todo discussão e toda incerteza

    desapareçam com as sombras e os homens passem a ter os mesmos

    pensamentos? Naquela noite, cada um realizou interiormente, o juízo

    final do passado; cada um, com o objetivo de destruir, condenou um

    pretérito sem remissão; naquela noite, a história se converteu numa longa

    história de sofrimentos num instinto de vingança do povo. A alma dos

    pais, que durante séculos sofreram e morreram em silencio, retornou aos

    filhos e começou a gritar... Homens fortes e pacientes, até então

    extremamente pacíficos, descobriram, finalmente, que havia chegado o

    seu grande dia, o grande dia da Providência. A contemplação dos seus

    familiares, sem outros recursos a não ser eles próprios - também não

    acalmou o coração destes homens. Longe disto, olhando ainda uma vez

    para os seus filhos adormecidos - estes filhos cujo destino seria traçado

    neste dia - o pensamento destes homens parecia abraçar todas as gerações

    livres que se levantariam do seu berço e sentiu, nesta jornada, todo o

    combate do futuro. O futuro e o passado deram, os dois, idêntica

    resposta; ambos disseram: "Adiante". E aquilo que está fora do tempo,

    fora do futuro e do passado, o imutável Direito, repetiu a mesma ordem.

    O imortal sentimento de justiça apaziguou o coração atormentado do

    homem, dizendo-lhe: 'Vá tranquilo. Não importa o que possa suceder-

    te. Morto ou vencedor, eu estou contigo..."(...)

    A Bastilha não foi tomada, há que reconhecê-lo; ela se

    entregou. Sua má consciência o atordoou, enlouquecendo-a e fazendo

    com que perdesse todo o vigor.”

    (Jules Michelet.Histoire de la Revolution Française,1833,IV,p. 302)

    3.2. "O Espírito (hegeliano), na sua caminhada para a liberdade, pode

    ser comparada a um personagem a que acontece perder-se em si mesmo,

    na selva magnífica de si próprio, e se afana heroicamente por se

  • 11

    encontrar. Para tanto, precisa de cair na conta de que existe e tudo o resto

    - pedra, astro, ave, homem - não passa de secreção sua, ensaios que vai

    realizando para chegar a se tornar consciência de que é e é tudo.(...)

    Quando Heine, sem dúvida, ao sair de uma lição de Hegel, perguntava ao

    seu cocheiro: 'O que são as Idéias?1, este respondia: 'As ideias?...as ideias

    são as coisas que se nos metem na cabeça." Porém o caso é que podemos

    mais formalmente dizer que as coisas são as ideias que saem fora da

    cabeça e são tomadas por nós como realidades. (...)

    (...) O homem não é coisa alguma, mas um drama - sua vida é um puro e

    universal acontecimento, que acontece a cada um, e no qual cada um não

    é, por sua vez, senão acontecimento. Todas as coisas, sejam quais forem,

    são meras interpretações que se esforçam em dar o que encontram. O

    homem não encontra coisas, senão que as põe ou as supõe. O que ele

    encontra são puras dificuldades e puras facilidades para existir. O

    próprio existir não lhe é dado já feito e presenteado como à pedra, mas,

    diremos que ao encontrar-se com que existe, ao acontecer-lhe existir, o

    único" que encontra ou lhe acontece é não ter outro remédio a não ser

    fazer alguma coisa para não deixar de existir. Isso mostra que o modo de

    ser da vida, nem sequer como simples existência, é ser já, posto que o

    único que nos é dado e que existe quando existe vida humana é o ter que

    se virar cada um com a sua. (...)

    Sobre essas possibilidades de ser, é importante dizer o que se

    segue: a) que também não nos são presenteadas, senão que temos de

    inventá-las, seja originalmente, ou por recepção dos demais homens,

    inclusive no âmbito de nossas vidas. Cada um inventa projetos de fazer e

    de ser, tendo em vista as circunstâncias. É só isso que encontramos e que

    nos é dado: a circunstância. Esquecemos excessivamente que o homem é

    impossível sem imaginação, sem a capacidade de inventar para si uma fi-

    gura de vida, de idear a personagem que vai ser. O homem é o romancista

    de si mesmo, original ou plagiário, b) Entre essas possibilidades, temos

    que escolher; logo somos livres. Porém, entenda-se bem, livres à força,

    tanto se o desejarmos como no caso contrário. A liberdade não e uma

    atividade exercida por um ente, o qual além e antes de exercitá-la, possui

    um ser fixo. Ser livre quer dizer carecer de identidade consecutiva, não

    estar adstrito a um ser determinado, poder ser outro do que era, e não

    poder se instalar de uma vez e para sempre em qualquer ser deter-

    minado. A única que tem que ser fixa e estável no ser livre é a sua

    instabilidade constitutiva. (...)

    (José Ortega Y Gasset, História como Sistema, 1941.p.41 e segtes.

  • 12

    3.3. “As exigências práticas que subjazem a todo juízo histórico dão a

    toda história o caráter de ´história contemporânea´, porque, por mais

    remotos no tempo que possam parecer os acontecimentos aí relatados, a

    história na realidade se refere às necessidades presentes e às situações

    presentes em que esses acontecimentos vibram. Suponha-se que eu tenha

    de escolher entre realizar ou evitar um ato de expiação e que volte meus

    pensamentos para a compreensão do que é ´expiação´, que formas e

    transformações sofreu – esse instituto ou sentimento – antes de atingir

    uma significação puramente moral. Mesmo o bode expiatório dos hebreus

    e todos os numerosos ritos mágicos dos povos primitivos fazem parte do

    drama de minha mente nessa ocasião e, na medida em que examino sua

    história em minha mente, componho a história da situação em que eu

    próprio estou.

    De modo semelhante, o estado presente de minha mente constitui o

    material e consequentemente a documentação para um juízo histórico, a

    documentação viva que carrego em mim. O que usualmente é chamado,

    num sentido histórico, documentação, quer escrita, esculpida ou

    retratada ou aprisionada em registros de gramofone, ou talvez existente

    em objetos naturais, esqueletos ou fósseis, essas coisas não são de fato

    documentação, a menos que estimulem e mantenham firme em mim a

    lembrança de estado de espíritos que são meus. Para todos os outros

    propósitos, permanecem como tintas coloridas, papel, pedra, discos de

    metal ou cera e coisas do tipo, sem nenhuma eficácia psíquica. Se não

    tenho sentimentos (por mais que sejam inativos) de amor cristão, de

    salvação pela fé, de honra cavalheiresca, de radicalismo jacobino ou de

    reverência por tradição antiga, em vão percorrerei as páginas dos

    evangelhos, ou das epístolas paulinas, ou as epopeias carolíngias, ou os

    discursos feitos na Convenção Nacional, ou os poemas, as peças teatrais e

    os romances que o século XIX registrou sua nostalgia pela Idade Média.

    Os documentos conhecidos especificamente como tais por pesquisadores

    parecerão muito pequenos na massa total de documentos, se tivermos em

    mente todos os outros documentos em que continuamente nos apoiamos,

    como a língua que falamos, os costumes que nos são familiares, a intuição

    e o raciocínio que usamos quase por instinto, as experiências que

    trazemos como se estivessem em nosso corpo.

    (Benedetto Croce. História como História da Liberdade, 1938, capitulo II,

    pp.29-30.)

  • 13

    4. Variantes, continuidades, exemplos e desdobramentos do Materialismo.

    4.1. 'Para termos uma ideia justa das operações de que resulta o

    pensamento, devemos considerar o cérebro como um órgão particular,

    destinado especialmente a produzi-lo, tal como o estômago e os intestinos

    se dedicara a operar a digestão, o fígado a filtrar a bile, as parótidas e as

    glândulas maxilares e sublinguais a preparar os sucos salivares. As

    impressões, ao chegarem ao cérebro, fazem-no entrar em atividade, como

    os alimentos, ao caírem no estômago, o excitam à secreção mais

    abundante do suco gástrico e aos movimentos que favorecem a sua pró-

    pria dissolução. A função própria de um é perceber cada impressão

    particular, vincular-lhe símbolos, combinar as diferentes impressões,

    compará-las entre si, e daí extrair juízos e decisões; como a função do

    outro é agir sobre as substâncias nutritivas, cuja presença o estimula,

    dissolvê-las, assimilar os seus sucos à nossa natureza. (...). Nós vemos as

    impressões chegarem ao cérebro por intermédio dos nervos: elas

    apresentam-se então isoladas e incoerentes. A víscera entra em ação; age

    sobre elas: e logo as devolve metamorfoseadas em ideias, que a linguagem

    da fisionomia e do gesto ou os sinais da palavra e da escrita manifestaram

    exteriormente. Concluímos com a mesma certeza que o cérebro digere de

    algum modo as impressões e que realiza organicamente a secreção do

    pensamento."

    (P.Cabanis, Rapports du physique et du moral de l'Homme,1844.pp.137-

    138) .

    4.2. " Em todas as épocas da técnica, desde Dédalo ou Hieron de

    Alexandria, o homem tem se preocupado com o fato de o engenheiro ser

    capaz de apresentar um simulacro operatório de um organismo vivo. Tal

    desejo de fabricar e de estudar autômatos foi sempre expresso nos termos

    da técnica viva da época. (...) No tempo de Newton, o autômato

    transformou-se na caixa de música com movimento de relojoaria, com

    pequenas personagens que faziam grotescas piruetas na tampa. No século

    XIX o autômato é uma máquina 'térmica aperfeiçoada, que queima

    combustível em vez de queimar a glicose dos músculos humanos. Por fim,

    o autômato atual abre as portas por meio de células fotoelétricas, ou

    aponta um canhão para o local onde o radar referenciou um avião, ou

    calcula a solução de uma equação diferencial. (...)

  • 14

    Os numerosos autômatos do século atual estão adaptados ao mundo

    externo, quer pela recepção das impressões, quer pela realização de

    tarefas. Contém órgãos sensoriais, efetivadores e o equivalente a um

    sistema nervoso capaz de integrar a transferência de informações de uns

    para outros. Prestam-se muito bem à descrição em termos de fisiologia. Ë

    quase miraculoso que os possamos reunir numa única teoria

    simultaneamente com os mecanismos fisiológicos. (...) O autômato

    moderno existe na mesma espécie de tempo bergsoniano que o organismo

    vivo, e, por consequência, não há nenhuma razão para que o modo

    essencial de funcionamento do organismo vivo não seja o mesmo do de

    um autômato desse tipo. O vitalismo é vitorioso na medida em que mesmo

    os mecanismos correspondam à estrutura temporal do vitalismo; mas

    dissemos que a sua vitória significa derrota completa porque, em tudo

    quanto tenha relação com a moralidade ou a religião, a nova mecânica é

    tão mecânica como a antiga. Chamar ou não materialismo a este ponto de

    vista é uma questão de palavras: a ascendência da matéria caracteriza

    uma fase da física do século XIX, muito mais da época atual, e o termo

    materialismo chegou a não ser mais do que um sinônimo aproximado de

    mecanicismo. Com efeito, toda a controvérsia mecanicista-vitalista foi

    relegada para o limbo das questões mal postas."

    (Norbert Wiener, Cybernetica,1948, trad.por J. Davall).

    4.3. “Se você me pedisse para descrever a filosofia que está na ordem do

    dia, eu diria que é o dataísmo. Agora temos a capacidade de reunir

    enorme quantidade de dados. Essa capacidade acarreta um certo

    pressuposto cultural – que tudo o que é mensurável deve ser medido;

    que os dados são lentes transparentes e confiáveis que nos permitem

    filtrar todo o emocionalismo e a ideologia; que os dados vão nos ajudarão

    a fazer coisas importantes, como prever o futuro.(...) A revolução dos

    dados nos oferece formidáveis vias de acesso à compreensão do presente e

    do passado. Como escreveu Chris Anderson, ’podemos dizer adeus à toda

    teoria do comportamento humano, da linguística à sociologia. Podemos

    esquecer a taxonomia, a ontologia e a psicologia. Quem sabe por que as

    pessoas fazem o que fazem? A questão é que fazem, e podemos rastrear e

    medir isso com uma fidelidade sem precedentes. Com dados suficientes,

    os números falam por si mesmos.’

    (David Brooks, The philosophy of data, New York Times, 2013)

  • 15

    5. Variantes, re-interpretações, polêmicas e desdobramentos do

    marxismo.

    5.1. "A investigação da história como processo, como sucessão de

    acontecimentos ou "desordem racional", acarreta noções de causalidade,

    de contradição, de mediação e da organização (por vezes estruturação) da

    vida social, política, econômica e intelectual. Essas elaboradas noções

    "pertencem" à teoria histórica, são refinadas dentro dos procedimentos

    desta teoria, são pensadas dentro do pensamento. Mas não é verdade que

    a teoria pertença apenas à esfera da teoria, (...)Na medida em que uma

    noção e endossada pelas evidências, temos então todo o direito de dizer

    que ela "existe lá fora", na história real. É claro que não existe realmente,

    como um plasma que adere aos fatos, ou como um caroço invisível dentro

    da casca das aparências. O que estamos dizendo é que a noção foi posta

    em diálogo disciplinado com as evidências, e mostrou-se operacional; isto

    é, não foi desconfirmada por evidências contrárias, e que organiza com

    êxito, ou "explica", evidências até então inexplicáveis. (...)Não considero a

    historiografia marxista como dependente de um corpo geral de

    marxismo-como-teoria, localizado em alguma outra parte. Questiono a

    noção de que se trate de uma Teoria, que tenha uma Sede, independente

    destas práticas: uma Sede textual auto-confirmadora, ou uma Sede na

    sabedoria de algum partido marxista, ou numa prática teórica

    purificada.(...) Pelo contrário, se há um terreno comum para todas as

    praticas marxistas, então ela deve estar onde o próprio Marx o situou, no

    materialismo histórico. É este o terreno do qual surge toda a teoria

    marxista, e ao qual ela deve, no fim, retornar."

    (E.P.Thompson,A Miséria da Teoria, 1978)

    5.2. “Se a Filosofia deve ser, ao mesmo tempo, totalização do saber,

    método, Ideia reguladora, arma ofensiva e comunidade de linguagem; se

    esta 'visão de mundo´ é também um instrumento que trabalha as socieda-

    des carcomidas, se esta concepção singular de um homem ou de um grupo

  • 16

    de homens torna-se a cultura e, por vezes, a natureza de toda uma classe,

    fica bem claro que as épocas de criação filosófica são raras. Entre o

    século XVII e "o século XX, vejo três que designarei por nomes célebres:

    há o "momento1 de Descartes e de Locke, o de Kant e de Hegel' e,

    finalmente, o de Marx. Estas três filosofias tornam-se, cada uma por sua

    vez, o humo de todo o pensamento particular e o horizonte de toda

    cultura, elas são insuperáveis enquanto o momento histórico de que são

    expressão não tiver sido superado, já o verifiquei amiúde: um argumento

    'antimarxista´ não passa do rejuvenescimento aparente de uma ideia pré-

    marxista. Uma pretensa superação'do marxismo será, no pior dos casos,

    apenas uma volta ao pré-marxismo e, no melhor, apenas a redescoberta

    de um pensamento já contido na filosofia que se acreditou superar.

    Quanto ao ´revisionismo', ele é um truísmo ou um absurdo: não tem

    sentido readaptar uma filosofia viva ao curso do mundo; ela se lhe adapta

    por si mesma através de mil iniciativas, mil pesquisas particulares, pois

    não se dissocia do movimento da sociedade. (,..)bSe este movimento da

    filosofia não existe mais, das duas uma: ou está morta ou esta 'em crise'.

    No primeiro caso, não se trata de revisar mas de lançar por terra um

    edifício apodrecido; no segundo caso, a 'crise filosófica' é a expressão

    particular de uma crise social e seu imobilismo é condicionado pelas

    contradições que dilaceram a sociedade: uma pretensa 'revisão’ efetuada

    por 'especialistas’ não passaria, pois, de uma mistificação idealista sem

    alcance real; é o próprio movimento da Historia, e a luta dos homens em

    todos os planos e em todos os níveis da atividade humana que libertarão o

    pensamento cativo e lhe permitirão atingir o seu pleno desenvolvimento."

    (Jean-Paul Sartre,Questão de Método,p.11-12)

    5.3 "(...)Segundo Marx, a teoria correta é a consciência de uma prática

    que visa a mudar o mundo. O conceito de verdade de Marx, está, porém,

    longe do relativismo. Há uma só verdade e uma só prática capazes de

    realizá-lo. A teoria demonstrou as tendências que trabalham pela

    consecução de uma ordem racional de vida, as condições para a criação

    desta ordem, e os passos iniciais que devem ser dados. A meta final desta

    nova prática social foi formulada: a abolição do trabalho, o emprego de

    meios socializados de produção para o livre desenvolvimento de todos os

    indivíduos. O resto é tarefa da atividade livre do próprio homem. A teoria

  • 17

    segue a prática a todo o momento, analisando a situação que se

    transforma e formulando seus conceitos de acordo com ela. As condições

    concretas de realização da verdade podem variar, mas a verdade

    continua a ser a mesma - e a teoria continua a ser sua guardiã última. A

    teoria preserva a verdade mesmo se a prática revolucionária se desvia do

    seu caminho próprio. A prática segue a verdade, e não a verdade a

    prática. Este absolutismo da verdade completa a herança filosófica da

    teoria marxista e, de uma vez por todas, separa a teoria dialética das

    formas subsequentes de positivismo e relativismo.”

    (Herbert Marcuse, Razão e Revolução; Hegel e o advento da teoria social,

    trad. Marília Barroso, Rio, Paz e Terra(1978). pp.293.)

    5.4. "Enfim, todas estas considerações, nos explicam também porque as

    duas concepções filosóficas unilaterais, que são o subjetivismo e o

    objetivismo, encontram-se sempre, com suas consequências práticas, não

    apenas entre os pensadores burgueses, mas também entre os teóricos e os

    militantes do proletariado, onde elas se exprimem, sobretudo, por dois

    grandes grupos de correntes políticas: a) o blanquismo, o anarquismo, o

    trotskismo, que são a forma operária do subjetivismo idealista da

    superestimação do homem e da subestimação das condições objetivas;

    b)o stalinismo, o reformismo, o economicismo, as teorias da

    espontaneidade, que são a expressão operária do materialismo objetivista

    da superestimação das condições objetivas e da subestimação do homem.

    E poder-se-ia acrescentar que são os intelectuais e certas camadas

    operárias radicalizadas que favorecem o primeiro, e que são as

    burocracias dos grandes organismos operários, partidos, sindicatos,

    organismos de Estado na U.R.S.S. ou a participação operária nos Estados

    capitalistas que, ao contrário, favorecem o segundo. Eis porque, na vida e

    na obra de todos os grandes teóricos e chefes políticos do proletariado,

    desde Marx até Lenin e o jovem Lukács, encontramos esta luta em duas

    frentes: contra as ilusões de esquerda e os oportunismos de direita,

    através da qual eles se esforçam por estabelecer, cada vez de novo, o

    pensamento dialético... "

    Lucien Goldmann, Recherches Dialectiques[l959], Paris, Éditions

    Gallimard, (1980), pp.100-101.

  • 18

    5.5. "O fundamento da história é a relação do homem com os outros

    homens, o fato de que o eu individual só existe como pano de fundo da

    comunidade. O que procuramos no conhecimento do passado e a mesma

    coisa que procuramos no conhecimento dos homens contemporâneos.

    Primeiro, as atitudes fundamentais dos indivíduos e dos grupos humanos

    em face dos valores, da comunidade e do universo. Se o conhecimento da

    história nos apresenta uma importância prática, é porque nela

    aprendemos a conhecer os homens que, em condições diferentes e com

    meios diferentes, no mais das vezes inaplicáveis à nossa época, lutaram

    por valores e ideais, análogos, idênticos ou opostos aos que possuímos

    hoje; o que nos dá consciência de fazer parte dum todo que nos

    transcende, a que no presente damos continuidade, e que os homens

    vindos depois de nós continuarão no porvir. A consciência histórica existe

    apenas para uma atitude que ultrapassa o eu individualista, ela é

    precisamente um dos principais meios para realizar esta superação. Para

    o racionalismo, o passado não é senão um erro cujo conhecimento é útil

    para iluminar o progresso da razão; para o empirismo, o passado consiste

    numa massa de fatos reais que são, como tais, exatos em relação a um

    futuro conjetural; só a atitude dialética pode realizar a síntese,

    compreendendo o passado como etapa e caminho necessário e válido para

    a ação comum dos homens duma mesma classe no presente, a fim de

    realizar uma comunidade humana autêntica e universal no futuro.(...)”

    (Lucien Goldmann, Ciências Humanas e Filosofia, 1962) trad. De Lupe

    C.Garaude e José Arthur Gianotti.)

    5.6. "A conclusão destas aventuras seria, portanto, que a dialética é um

    mito? Mas a ilusão foi apenas de precipitar num único evento histórico - o

    nascimento e o crescimento do proletariado - a. significação total da

    história; de acreditar que a história organizava por si mesma a sua

    própria recuperação e que o poder do proletariado estaria na sua própria

    supressão - a negação da negação. A ilusão foi de acreditar que o

    proletariado portava, em si mesmo, a dialética e que a missão de guindá-

    lo ao poder implicava na suspensão provisória de toda apreciação

    dialética, paradoxalmente... para colocar a dialética no poder. Foi a ilusão

    de fazer o jogo duplo da verdade e da prática autoritária, jogo no qual a

    vontade acabou por perder a consciência de sua tarefa revolucionária, e a

    verdade parou de controlar as finalidades. Hoje, como há cem anos e

    como há trinta e oito anos, continua a ser verdade que ninguém é sujeito e

  • 19

    ninguém é livre sozinho, que as liberdades se contrariam e se exigem uma

    à outra, que a história é a história do seu debate, que se inscreve e que é

    visível nas instituições, nas civilizações, na esteira das grandes ações

    históricas, que há possibilidade de as compreender, de as situar, senão

    num sistema com uma hierarquia exata e definitiva e na perspectiva de

    uma sociedade "verdadeira', homogênea, final, ao menos como diferentes

    episódios duma única vida, cada um dos quais é uma experiência e pode

    passar aos seguintes...0 que envelheceu, portanto, não foi a dialética mas,

    a pretensão de encerrá-la num fim da história, ou numa revolução

    permanente, num regime que, definindo-se como a contestação de si

    mesmo, não tem mais necessidade de ser contestado

    externamente...(...)Eis a verdadeira questão: a revolução é um caso limite

    do governo ou o fim do governo?(...) Concebe-se no segundo sentido e

    pratica-se no primeiro sentido. As revoluções são verdadeiras como

    movimentos e falsas como regimes."

    (Maurice Merleau-Ponty,Les aventures de Ia Dialectique,1955,pp.300-

    302)

    5.7 "A ciência reconstrutiva pela qual Habermas tentará desnudar a

    lógica interna do mundo-da-vida e da história será uma pragmática

    universal, cujo objetivo é reconstruir as estruturas invariáveis de

    qualquer situação de conversação concebível. A crença de Habermas é a

    de que a linguagem, não importa quão distorcida ou manipuladora, tem

    sempre o consenso ou o entendimento como seu telos interno. Falamos

    com os outros para ser entendidos, mesmo quando o conteúdo de nossa

    enunciação for imperioso ou ofensivo; e se não fosse assim, não nos

    daríamos ao trabalho de falar. Em qualquer ato de fala, não importa

    quão degradado seja, alguns critérios de validade são implicitamente

    colocados e reconhecidos reciprocamente: critérios de verdade, de

    inteligibilidade, de sinceridade e de propriedade performativa.(...)

    Mas, não estariam estas propostas num nível tão rarefeito de abstração

    que perdem qualquer valor efetivo? Será que se pode realmente projetar

    ideais políticos a partir de supostas invariáveis e universais estruturas

    profundas da conversação?(...) Em Modern Tragedy, Raymond Williams

    cita Albert Camus, dizendo que "se o desespero move a fala ou o

    pensamento, e acima de tudo, se ele resulta numa obra literária, a

    fraternidade se estabelece, objetos naturais são justificados e o amor

  • 20

    nasce" O pior não acontece, como diz Edgar em King Lear, enquanto

    somos capazes de dizer: " aconteceu o pior". De acordo com esta hipótese,

    o próprio ato da fala ou do diálogo, não importa quão brutal ou estéril,

    carrega consigo um compromisso tácito com a razão, a verdade e o valor,

    estabelecendo uma reciprocidade, mesmo a mais terrivelmente desigual,

    na qual poderemos vislumbrar a possibilidade da reciprocidade humana

    mais completa, e assim as linhas fugazes de uma forma de sociedade

    alternativa.(...)

    A verdade para Habermas é aquele tipo de proposição que, se as

    condições discursivas o permitissem, implicaria um consentimento livre

    de qualquer um que entrasse, sem nenhuma espécie de constrangimento,

    na discussão; e nesse sentido, a verdade é algo a ser antecipado e que não

    pode ser inteiramente assegurado no presente. Só no contexto da

    democracia radical, em que as instituições sociais tenham sido

    transformadas para assegurar, em princípio, a participação igualitária e

    completa de todos na definição dos significados e valores, pode haver

    propriamente verdade; e qualquer verdade que cheguemos a negociar

    agora, num estado de comunicação desigual, dominadora e

    sistematicamente distorcida, se referirá, de algum modo, a esta condição

    futura idealizada. Se quisermos conhecer a verdade, temos que mudar

    nossa maneira de viver."

    Terry Eagleton,A Ideologia da Estética, 1990, trad.Mauro Rego Costa.)

    6. Fragmentação dos ismos no século XX/Teoria do conhecimento como

    linguagem/Pós-estruturalismo/ Narratividade e Hermenêutica.

    6.1. (...)“Como se vê, por sua própria estrutura e sem que haja

    necessidade de fazer apelo à substância do conteúdo, o discurso histórico

    é essencialmente elaboração ideológica, ou, para ser mais preciso,

    imaginário, se é verdade que o imaginário é a linguagem pela qual o

    enunciante de um discurso (entidade puramente linguística) ‘preenche’ o

    sujeito da enunciação(entidade psicológica ou ideológica). Compreende-se

    daí que a noção de fato histórico tenha muitas vezes suscitado, aqui e ali,

    certa desconfiança. Já dizia Nietzsche: ‘Não existe fato em si. É sempre

    preciso começar por introduzir um sentido para que haja um fato’. A

    partir do momento em que a linguagem intervém(e quando não

  • 21

    interviria?), o fato só pode ser definido de maneira tautológica: o notado

    precede do notável, mas o notável não é - desde Heródoto, quando a

    palavra perdeu sua acepção mítica - senão aquilo que é digno de

    memória, isto é, digno de ser notado. Chega-se assim a esse paradoxo que

    pauta toda a pertinência do discurso histórico: o fato nunca tem mais do

    que uma existência linguística e, no entanto, tudo se passa como essa

    existência não fosse senão a ‘cópia’ pura e simples de uma outra

    existência, situada num campo extraestrutural, o ‘real’.”

    (Roland Barthes,Le discourse de l´Histoire.,1967)

    6.2.

    “Como se faz a experiência do mundo? Não é sempre através da

    linguagem que nos aproximamos dos fatos e não é a linguagem que pré-

    forma todas as possibilidades de interpretar os resultados de nossas

    observações? Se é verdade que a linguagem é tão decisiva em nossa

    abordagem das coisas, talvez se ache que isso coloca em perigo o valor de

    nosso conhecimento do mundo. Mas eu acho que se subestimam nesse

    caso as possibilidades da linguagem; o relativismo de que se suspeita ao se

    considerar a variedade e a multiplicidade das línguas parece algo muito

    fictício. Existe o fenômeno da tradução, sabe-se aprender uma língua

    estrangeira, utilizá-la e empregar vários esquematismos linguísticos, e não

    se pensa de forma alguma em perder algo ao se mergulhar numa nova

    língua. Ao contrário, percebe-se que tudo se torna mais vasto, mais

    amplo, que tudo é novo e é por isso que é interessante e instrutivo. A

    teoria que permite descrever este resultado é a teoria da hermenêutica.

    Isso significa que cada língua oferece a possibilidade de dizer tudo. E é

    por isso que cada língua não é absolutamente uma limitação de nossa

    experiência e é apenas um intermediário que nos aproxima das coisas.

    Decerto é sempre uma aproximação um tanto limitada, mas é possível

    mudar de perspectiva, é possível nos aproximarmos de um outro ponto de

    vista numa outra língua etc. Por isso o caso da hermenêutica é

    fundamental e não se limita a uma questão de metodologia das ciências

    humanas. Pois aproximar-se do mundo pela linguagem não é típico das

    ciências humanas, mas da situação humana em geral.”

    H.G.Gadamer,Verité et Méthode (1960).

  • 22

    6.3. “A história não está fora do âmbito do poder(...) é produzida apenas

    em virtude de múltiplas formas de repressão. Cada sociedade tem (...) sua

    ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz

    funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem

    distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos; a maneira como se

    sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados

    para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de

    dizer o que funciona como verdadeiro. (...) Por ‘verdade’ não quero dizer

    ‘o conjunto das coisas verdadeiras segundo os quais se distingue o

    verdadeiro do falso e das regras se atribui ao verdadeiro efeitos

    específicos de poder’, entendendo-se também que não se trata de um

    combate ‘em prol’ da verdade, mas em torno do estatuto da verdade e do

    papel econômico e político que ele desempenha.

    A ‘verdade’ deve ser entendida como um conjunto de procedimentos

    regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o

    funcionamento dos enunciados. A ‘verdade’ está ligada a sistemas de

    poder, que a produzem e a sustentam. (...) Um ‘Regime de Verdade”.

    (Michel Foucault, La Verité et le pouvoir, 1978)

    6.4.“A palavra pós-modernismo refere-se em geral a uma forma de

    cultura contemporânea, enquanto o termo pós-modernidade alude a um

    período histórico específico. Pós-modernidade é uma linha de pensamento

    que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e

    objetividade, a ideia de progresso ou emancipação universal, os sistemas

    únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de

    explicação. Contrariando essas normas do iluminismo, vê o mundo com

    contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de

    culturas ou interpretações desunificadas gerando um certo grau de

    ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das normas,

    em relação às idiossincrasias e a coerência das identidades. Essa maneira

    de ver, como sustentam alguns, baseia-se em circunstâncias concretas: ela

    emerge da mudança histórica ocorrida no Ocidente para uma nova forma

  • 23

    de capitalismo - para o mundo efêmero e descentralizado da tecnologia,

    do consumismo e da indústria cultural, no qual as indústrias de serviços,

    finanças e informação triunfam sobre a produção tradicional, e a política

    clássica de classes cede terreno a uma série difusa de ‘políticas de

    identidade’. Pós-modernismo é um estilo de cultura que reflete um pouco

    essa mudança memorável por meio de uma arte superficial, descentrada,

    infundada, auto-reflexiva, divertida, caudatária, eclética e pluralista, que

    obscurece as fronteiras entre a cultura ‘elitista’ e a cultura ‘popular’,

    bem como entre a arte e a experiência cotidiana. O quão dominante ou

    disseminada se mostra essa cultura - se tem acolhimento geral ou

    constitui apenas uma campo restrito da vida contemporânea - é objeto de

    controvérsia. (...) Com a devida vênia a Hegel, pareceria agora que o real

    é irracional, e o racional, irreal.”

    (Terry Eagleton,The illusions of Postmodernism,1996)

    6.5. “Atualmente, a História tem uma oportunidade de se valer das novas

    perspectivas sobre o mundo oferecidas por uma ciência dinâmica e por

    uma arte igualmente dinâmica. Tanto a ciência como a arte

    transcenderam as concepções mais antigas e estáveis do mundo que

    exigiam que elas expressassem uma cópia literal de uma realidade

    presumivelmente estática. E ambas descobriram o caráter essencialmente

    provisório das construções metafóricas de que se valem para

    compreender um universo dinâmico. Por isso, afirma implicitamente a

    verdade proclamada por Camus quando escreveu: ‘Antes, tratava-se de

    descobrir se a vida devia ou não ter um sentido para ser vivida. Agora se

    torna claro, pelo contrário, que ela será mais bem vivida se não tiver

    nenhum sentido.’ Poderíamos retificar a afirmação para ler: ela será mais

    bem vivida se não tiver um sentido único, mas muitos sentidos diferentes.

    (...)

    O historiador não presta nenhum bom serviço quando elabora uma

    continuidade especiosa entre o mundo atual e o mundo que o antecedeu.

    Ao contrário, precisamos de uma História que nos eduque para a

    descontinuidade de um modo como nunca se fez antes; pois a

    descontinuidade, a ruptura e o caos são o nosso destino. Se, como disse

    Nietzsche, ‘temos a arte para não precisar morrer de verdade’, temos

    também a verdade para escapar à sedução de um mundo que não passa

    de uma criação dos nossos meios. A História é capaz de prover uma base

  • 24

    em que possamos buscar aquela ‘transparência impossível’ que Camus

    exige para a humanidade ensandecida de sua época. Só uma consciência

    histórica pura pode de fato desafiar o mundo a cada segundo, pois

    somente a história serve de mediadora entre o que é e o que os homens

    acham que deveria ser, exercendo um efeito verdadeiramente

    humanizador. Mas a história só pode servir para humanizar a

    experiência se permanecer sensível ao mundo mais geral do pensamento e

    da ação do qual procede e ao qual retorna. E, enquanto se recusar a usar

    os olhos que tanto a arte moderna quanto a ciência moderna lhe podem

    dar, ela haverá de permanecer cega - cidadã de um mundo em que ‘as

    pálidas sombras da memória em vão se debatem com a vida e com a

    liberdade do tempo presente.”

    (Hayden White,The burden of History, History and Theory,1966)

    6.6. “A partir da afirmação, absolutamente fundamentada, de que toda

    história, qualquer que seja ela, é sempre uma narrativa organizada com

    base em figuras e fórmulas que as narrações imaginárias mobilizam,

    alguns concluíram pela anulação de qualquer distinção possível entre

    ficção e história, já que esta é, e não passa de, uma ‘fiction-making

    operation’, segundo a expressão de Hayden White. A história não traz

    mais (nem menos) um conhecimento verdadeiro do real do que o faz um

    romance, é absolutamente ilusório querer classificar e hierarquizar as

    obras dos historiadores em função de critérios epistemológicos indicando

    sua maior ou menor pertinência para dar conta da realidade passada que

    é seu objeto.(...) Contra uma tal abordagem ou um tal desvio, é preciso

    lembrar que a ambição de conhecimento é constitutiva da própria

    intencionalidade histórica. Ela funda as operações específicas da

    disciplina: construção e tratamento dos dados, produção de hipóteses,

    crítica e verificação de resultados, validação da adequação entre o

    discurso do conhecimento e seu objeto. (...)Entretanto, não é, ou não é

    mais, possível pensar o conhecimento histórico, instalado na ordem do

    verdadeiro, nas categorias do ‘paradigma galileano’, matemático e

    dedutivo. O caminho é forçosamente estreito para quem pretende

    recusar, ao mesmo tempo, a redução da história a uma atividade literária

    de simples curiosidade, livre e aleatória, e a definição de sua cientificidade

    a partir unicamente do modelo de conhecimento do mundo físico. (...) [A

    História] é uma prática científica, produtora de conhecimentos, mas uma

  • 25

    prática cujas modalidades dependem das variações dos seus

    procedimentos técnicos, dos constrangimentos que lhe impõem o lugar

    social e a instituição de saber onde ela é exercida, ou ainda das regras que

    necessariamente comandam a sua escrita. O que também pode ser dito de

    maneira inversa: a História é um discurso que aciona construções,

    composições e figuras que são as mesmas da escrita narrativa, portanto

    da ficção, mas é um discurso que, ao mesmo tempo, produz um corpo de

    enunciados científicos, se entendemos por isso, com Michel de Certeau, ‘a

    possibilidade de estabelecer um conjunto de regras que permitem

    controlar operações proporcionais à produção de objetos determinados’.”

    (Roger Chartier, “A História hoje:dúvidas,desafios, propostas”, 1994)

    6.7 (...) “Nosso objetivo dificilmente pode ser o de converter a história em

    uma ‘ciência’ - em um corpo de conhecimentos e métodos, cerrado e auto-

    suficiente, que se cultiva para si mesmo - mas, sim, pelo contrário, o de

    arrancá-la à fossilização cientificista para voltar à convertê-la numa

    ‘técnica’: num instrumento para a tarefa da mudança social. (...) É

    necessário re-politizar nosso exame do presente...(...)É necessário

    reconstruir a imagem global da sociedade, como propôs um dia o

    materialismo histórico, porém não para fabricar um caleidoscópio de

    aspectos diversos, mas sim para centrar toda essa diversidade em torno

    do que é fundamental: os mecanismos que asseguram a exploração de uns

    homens por outros, e que não só atuam através de regulamentações do

    trabalho ou do salário, nem se fundamentam só em elementos coercitivos

    físicos, mas que impregnam toda a nossa vida, nossas formas de

    compreender a sociedade, a família, o homem e a cultura. E também,

    logicamente, nossa forma de pensar a história, inclusive a supostamente

    ‘progressista’.(...) A superação da crise não pode basear-se na negação

    global do anterior e a sua apressada substituição por achados pontuais,

    que só respondem a uma pequena parte dos nossos problemas como

    historiadores, mas sim que exige um esforço sério para recuperar, ao

    mesmo tempo, alguns fundamentos teóricos e metodológicos sólidos, e,

    sobretudo, o contato com os problemas reais dos homens e mulheres do

    nosso tempo, dos quais as tendências pós-modernas nos

    distanciaram.(...)Isso explica também a preocupação para convencer-nos

    hoje de que não há mais futuros a explorar, porque estamos no fim da

  • 26

    história. O que não é verdade. Porque nunca é o fim da história, somente

    que sempre nos encontramos no fim de uma história e no começo de outra

    ou de outras cujo curso não podemos predizer com nenhum método, por

    refinado e científico que seja, não só pela complexidade da previsão, como

    também porque a trajetória do porvir dependerá do que entre todos nós

    queiramos e saibamos fazer. Esse caráter imprevisível do futuro tem sido,

    como já disse, a origem de boa parte de nosso desânimo e do nosso

    desconserto. Não deve ser assim, mas sim que temos de aprender a

    construir com ele uma esperança que nos anime, neste tempo em que se

    generalizou uma nova série de profecias, negativas e sombrias, com o

    objetivo de recobrar a confiança em que, como disse uma poeta da minha

    terra, ‘tudo está por fazer e tudo é possível’.”

    (Josep Fontana, Historia: analisis del pasado y pryecto social, 1982,epílogo}

    6.8. (...) “Ora, é claro que o grupo de disciplinas que chamamos de

    indiciárias não entra absolutamente nos critérios de cientificidade

    dedutíveis do paradigma galileano. Trata-se, de fato, de disciplinas

    eminentemente qualitativas, que têm por objeto casos, situações e

    documentos individuais, enquanto individuais, e justamente por isso

    alcançam resultados que têm uma margem não eliminável de

    casualidade: basta pensar no peso das conjecturas( o próprio termo é de

    origem latina adivinhação) na medicina ou na filologia, além da própria

    arte adivinhatória. A ciência galileana tinha uma natureza totalmente

    diversa, que poderia adotar o lema escolástico individuum est ineffabile,

    do que é individual não se pode falar. O emprego da matemática e o

    método experimental, de fato, implicavam respectivamente a

    quantificação e a repetibilidade dos fenômenos, enquanto a perspectiva

    individualizante excluía por definição a segunda, e admitia a primeira

    apenas em funções auxiliares. Tudo isso explica por que a História nunca

    conseguiu se tornar uma ciência galileana.(...) Esse ponto de partida

    permaneceu inalterado, não obstante as relações sempre mais estreitas

    que ligam a história às ciências sociais. A história se manteve como uma

    ciência social sui generis, irremediavelmente ligada ao concreto. Mesmo

    que o historiador não possa deixar de se referir, explícita ou

    implicitamente, a séries de fenômenos comparáveis, a sua estratégia

    cognoscitiva assim como os seus códigos expressivos permanecem

    intrinsecamente individualizantes (mesmo que o indivíduo seja talvez um

    grupo social ou uma sociedade inteira). Nesse sentido, a História é como a

  • 27

    medicina, que usa as classificações de doenças para analisar, por indícios,

    a enfermidade de um determinado paciente. E como o do médico, o

    conhecimento histórico é indireto, baseado em signos e fragmentos de

    evidências, indiciário, conjectural.”

    (Carlo Ginzburg,Chaves do mistério: Morelli,Freud e Sherlock Holmes IN

    O signo de três,1979)

    6.9. “O fardo da história pesa sobre os historiadores porque estes, no

    fundo, se recusam a admitir a franqueza, a desordem e a natureza

    incontrolável do passado.(...) Os historiadores despojaram a história do

    tipo de falta de significação que pode provocar os seres humanos

    contemporâneos a tornar sua vida diferente para si mesmos e seus filhos,

    ou seja, dotar a própria vida de um significado pelo qual, eles sozinhos,

    tenha inteira responsabilidade. Ninguém jamais pode mudar com alguma

    convicção politicamente eficaz da apreensão da ´forma como as coisas de

    fato são ou foram´ para o tipo de insistência moral de que ´deveria ser o

    contrário´- sem passar por um sentimento de repugnância ou um

    julgamento negativo a respeito da situação que deve ser suplantada. E

    precisamente porque a reflexão histórica é educada para compreender a

    história de tal maneira que possa perdoar qualquer coisa ou, na melhor

    das hipóteses, praticar um tipo de ´interesse desinteressado´ (...) ela está

    afastada de qualquer conexão com uma política visionária e consignada a

    uma atividade que sempre será antiutópica por natureza.(...) Mesmo o

    marxismo é antiutópico, pois admite que a história é totalmente

    compreensível. (...) Hoje, por exemplo, ninguém se satisfaz com enfoques

    convencionais sobre o Holocausto e as modernas reivindicações sionistas

    ou palestinas. Necessitamos de uma historiografia na qual sejamos

    confrontados com o horror e o caos do passado. Isso fará com que nós nos

    determinemos a tornar a vida diferente para nós mesmos e para as

    gerações futuras. Talvez esta seja a única maneira de nos libertarmo-nos

    do fardo da história.”

    (Hayden White, The polítics of historical interpretation IN The content of

    the form; narrative discourse and historical representation. 1989, pp.72-

    80. )

  • 28

    6.10. “Gostaríamos de explicar o movimento da consciência histórica que

    anteriormente mencionamos, através de uma imagem. Comparemos a

    história com uma árvore. Na tradição essencialista da historiografia

    ocidental, os historiadores centraram sua atenção para o tronco da

    árvore. Supostamente, este foi o caso dos sistemas especulativos: eles

    definiram, por assim dizer, a forma e a natureza do tronco. O historismo

    e as formas científicas da historiografia moderna - com suas ênfases

    elogiáveis naquilo que de fato aconteceu no passado e sua pouca

    receptividade aos esquemas apriorísticos – estariam situados nos galhos e

    ramos da árvore - embora sua atenção estivesse também centrada no

    tronco. Da mesma maneira que os seus predecessores especulativos, tanto

    os historistas quanto os defensores do escrito histórico científico sempre

    acalentaram a esperança e a pretensão de, em última instância, ainda

    dizer algo a respeito do tronco. Neste aspecto, são significativos os

    estreitos laços entre a chamada história social cientifica e o marxismo. De

    qualquer forma, seja no plano ontológico, epistemológico ou metodológico

    – desde o historismo, a historiografia sempre se aplicou em reconstruir a

    linha essencialista que corre através do passado. Pela primeira vez, a

    vertente historiográfica pós-moderna pretende romper com esta tradição

    secular de essencialismo. A escolha já não recai no tronco, nem nos galhos

    – e, sim, nas folhas da árvore. Segundo a visão pós-moderna, o objetivo já

    não é mais a integração, síntese ou totalidade do passado, mas a busca dos

    fragmentos históricos que sobreviveram. (...)Como sugeri, tenho razões

    para supor que nossa relação com o passado (e nossa compreensão do

    mesmo) terá, no futuro, uma natureza mais metafórica do que literal. O

    que quero dizer é o seguinte: a frase literal – “esta mesa tem um

    comprimento de dois metros” – dirige nossa atenção a uma situação

    particular, fora daquilo que a própria linguagem exprime. Já numa

    expressão metafórica como “a história é uma árvore sem tronco”, nossa

    atenção se desloca para aquilo que acontece entre as meras palavras

    história e arvore sem tronco. Segundo a visão pós-moderna, o centro de

    atenção já não é para o passado em si mesmo, mas para a incongruência

    entre presente e passado, entre a linguagem que empregamos agora para

    falar acerca do passado e o passado mesmo. Já não há uma linha que

    corre através da história que seja capaz de neutralizar tal incongruência.

    Isto explica a atenção ao detalhe de aparência incongruente,

    surpreendente ou perturbador que Freud, em seu ensaio sobre o

    “ominoso”, definiu como “tudo aquilo que foi destinado a permanecer

    oculto, em segredo e veio à luz”: em síntese, atenção a tudo aquilo que não

  • 29

    tinha importância ou significado para a historiografia com pretensões

    científicas.” (...)

    Se estamos de acordo com a aplicabilidade do insight pós-

    modernista na historiografia, eu gostaria de esboçar certas conclusões.

    Para o modernista, dentro de uma perspectiva científica, dentro de uma

    visão de história que nós inicialmente aceitamos, a evidência é, em

    essência, a evidência de que alguma coisa aconteceu no passado. O

    historiador modernista segue uma linha de raciocínio a partir de suas

    fontes e evidências até uma realidade escondida por trás das fontes. Por

    outro lado, na visão pós-modernista, a evidência não aponta para o

    passado, mas para outras interpretações do passado; para isso é que nós,

    de fato, usamos a evidência. Para expressar isto através de uma imagem:

    para o modernista, a evidência é uma lajota que ele pega para ver o que

    está embaixo dela; para o pós-modernista, por outro lado, é uma lajota na

    qual ele pisa para se deslocar para outras lajotas: horizontalidade ao

    invés de verticalidade”

    F.R.Ankersmit, History and Tropology; the rise and fall of Metaphor,

    1994.

    6.11. “Num ensaio publicado em History and Theory, F.R. Ankersmit,

    estudioso holandês de teoria da historiografia, sustentou a que a

    tendência a concentrar a atenção nos fragmentos, em vez de em conjuntos

    mais vastos, é a expressão típica da “historiografia pós-moderna”. Para

    esclarecer seu ponto de vista, Ankersmit serviu-se de uma metáfora

    vegetal (que, na verdade remonta à Namier e, talvez, a Tólstoi). No

    passado, os historiadores se ocupavam do tronco da árvore ou dos galhos;

    seus sucessores pós-modernos se ocupam apenas das folhas, ou seja, de

    fragmentos minúsculos do passado que investigam de maneira isolada,

    independentemente do contexto mais ou menos amplo (os galhos, o

    tronco) de que faziam parte. Ankersmit, que adere às posições céticas

    formuladas por Hayden White no início dos anos 70, vê com muita

    simpatia essa virada na direção do fragmento. Ela exprime, a seu ver,

    uma atitude antiessencialista ou antifundacionalista que traz à luz a

    natureza “essencialmente pós-moderna da historiografia”: uma atividade

    de tipo artístico, que produz narrações incomensuráveis entre si. A

    ambição de conhecer o passado está superada: o significado dos

  • 30

    fragmentos é buscado no presente, no mundo ´em que a sua configuração

    pode ser adaptada a formas de civilidade existentes no dia de hoje.´ (...)

    Na última década, Giovanni Levi e eu polemizamos repetidas vezes contra

    as posições relativistas, dentre elas a que reduz a historiografia a uma

    dimensão textual, privando-a de qualquer valor cognitivo, e que

    Ankersmit faz sua calorosamente. (...) A atitude experimental que

    aglutinou, no fim dos anos 70, o grupo de estudiosos italianos de micro-

    história baseava-se na aguda consciência de que todas as fases que

    marcam as pesquisas são construídas e não dadas. Todas: a identificação

    do objeto e da sua relevância; a elaboração das categorias pelas quais ele

    é analisado; os critérios de evidência; os modelos estilísticos e narrativos

    por meio dos quais os resultados são transmitidos ao leitor. Mas essa

    acentuação do momento construtivo inerente à pesquisa se unia a uma

    rejeição explícita das implicações céticas (pós-modernas, se quiserem) tão

    largamente presentes na historiografia europeia e americana dos anos 80

    e início dos 90. (...) O que unifica programaticamente todas essas

    pesquisas é a insistência no contexto, ou seja, exatamente o contrário da

    contemplação isolada do fragmento, elogiada por Ankersmit. (..) Um

    objeto histórico pode ser escolhido por ser típico ou por ser repetitivo e,

    por isso, serializável. As pesquisas micro-históricas italianas enfrentaram

    a questão da comparação de uma forma diferente e, em certo sentido,

    oposta: através da anomalia e não através da analogia. Antes de tudo,

    supondo como potencialmente mais rica a documentação mais

    improvável: a exceção normal evocada por Edoardo Grendi como essa

    expressão que se tornou merecidamente famosa. Em segundo lugar,

    mostrando que toda configuração social é o resultado da interação de

    incontáveis estratégias individuais: um emaranhado que somente a

    observação próxima possibilita reconstituir. (...) Hoje a insistência na

    dimensão narrativa da historiografia se faz acompanhar de atitudes

    relativistas, que tendem a anular de fato qualquer distinção entre ficção e

    história, entre narrações fantásticas e narrações com pretensões de

    verdade. Contra essas tendências, ressalte-se, ao contrário, que uma

    maior consciência da dimensão narrativa não implica uma acentuação

    das possibilidades cognitivas da historiografia, mas, ao contrário, a sua

    intensificação. É precisamente a partir daqui, portanto, que deverá

    começar uma crítica radical da linguagem historiográfica de que, por ora,

    só temos algumas referências.”

    Carlo Ginzburg, O fio e os rastros; verdadeiro, falso, fictício. 2007,

    excertos das pp. 274-278 e 329.

    *****************