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  • 8/17/2019 Teofilo Fernando Tuberculos Internet

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    Tubérculos, Capitalismo, Esquizofrenia e a InternetSegundo Deleuze e Guattari

    Fernando Teófilo

    1998

    O que é que um tubérculo, a esquizofrenia,o capitalismo e a Internet têm em comum? Aresposta é: dois franceses. Gilles Deleuze eFelix Guattari. São eles os autores de "MillePlateaux", o segundo, e último, volume daobra "Capitalisme et Schizofrenie". O Tra-balho em conjunto desta dupla começou noinício da década de setenta com o propósitode elaborarem uma espécie de genealogia docapitalismo. Ironicamente, veremos mais à

    frente que eles não advogam qualquer tipode árvore, muito menos genealógica.

    Guattari, falecido em 1992, foi um psi-canalista, muito crítico de Freud, e tambémum activista político, nomeadamente no fi-nal dos anos sessenta. Deleuze, falecido em1995, é considerado um dos mais impor-tantes filósofos franceses depois da segundagrande guerra. Talvez não tenha recebido aatenção que mereceram outros contemporâ-

    neos, como Foucault e Derrida, porém pa-rece estar agora a recuperar. O seu nome écada vez mais citado, mesmo em áreas paraonde nem o próprio eventualmente sonhavadeslocar-se. Este texto é talvez um exemplodisso.

    No primeiro volume da genealogia queatrás referimos, que publicaram em 1972com o nome de "Anti-Édipo", era notória a

    presença das ideias políticas imanadas dosacontecimentos de Maio de 68 em França.Isso é patente no conceito de Inconscienteque apresentaram. Em vez do freudianoem que o inconsciente anda sempre a brin-car com a mamã, Deleuze e Guattari (DG)acham que este jogo pode ter estes dois in-tervenientes mas também outros como as ra-ças, os continentes, a História, a Geografia,enfim toda a moldura social que o envolve.

    O inconsciente de DG é também entendidocomo uma máquina de desejos instalada nummundo capitalista donde só a esquizofreniapode libertar-nos. A esquizofrenia é aqui en-carada, não como patológica, mas como mo-vimento de fuga criadora. Não há dúvida queo esquizofrénico de DG também sofre, masa sua condição é a de partida para uma novaforma de pensar, criadora e inventora de sipróprio.

    Oito anos depois, quando é publicadoo segundo volume, "Mille Plateaux", DGsubstituiem este processo esquizofrénico poraquilo a que chamaram de Nomadologia.

    É também aqui neste volume que DGintroduzem um tubérculo muito especial.Trata-se de um conceito inspirado na botâ-nica, transplantado para a filosofia e com se-melhanças no mundo electrónico. A este tu-

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    bérculo DG chamaram de Rizoma. Antes deir verificar ao dicionário aqui fica o que seencontra no Lello Universal:

    "Substantivo masculino, do Grego Rhi-

     zoma, i. e Raíz. Trata-se de um caule subter-

    râneo cujos rebentos se elevam para fora da

    terra durante a sua evolução completa. Este

    caule emite raízes adventícias pela parte in-

     ferior" .O Rizoma de DG é diferente mas com

    pontos em comum: Não existe nenhum cen-

    tro nem centros, é como um corpo semorgãos, nada está pré-definido, as ligaçõesfazem-se através de linhas que podem in-terligar qualquer ponto com qualquer ou-tro ponto, não respeitando nenhuma hierar-quia. No Rizoma não há uma unidade cen-tral, um eixo que conduza o crescimento deuma forma dicotómica ou genealógica. Assuas linhas não são ramificações de uma ár-vore, são apenas linhas que a qualquer mo-

    mento podem deixar de existir e dar lugar aoutras de natureza diferente. O que encon-tramos no Rizoma são multiplicidades semsujeito nem objecto. No Rizoma circulamapenas estados momentâneos sem qualquercontrolo ou codificação central de um qual-quer General ou autómato. Os pontos nãosão fixos, existem sem princípio e sem fim,apenas no meio. Estes "meios"são, para DG,"Plateaux". O conceito de Plateau, inspiradoem G. Bateson, traduz o "meio"onde toda amultiplicidade é conectável por outros cau-les subterrâneos que formam e desenvolvemo Rizoma. Agora percebe-se melhor o títulode "Mille Plateaux".

    Todos os Rizomas de DG regem-se poruma meia dúzia de princípios: Conexãoe Heterogeneidade, Multiplicidade, RupturaAssignificante, Cartografia eDecalcomania.

    De uma forma sucinta, os princípios deConexão e Heterogeneidade caracterizam oRizoma como sistema não hierárquico, aliásele é mesmo anti-hierarárquico. Nenhumponto é mais importante que outro mas todosos pontos devem estar conectados. As cone-xões são heterogéneas: uma ligação bioló-gica pode conduzir a outra política ou eco-nómica, etc.

    O princípio da Multiplicidade diz-nos queno Rizoma não há uma unidade, um eixo

    central, como existe por exemplo na árvore.O que temos são multiplicidades de dimen-são e natureza variável.

    A Ruptura Assignificante soluciona o pro-blema do rompimento das ligações. Qual-quer linha pode quebrar-se que logo outraocupará o seu lugar com outra dimensão eoutra natureza. Da quebra não resulta qual-quer significado. Trata-se apenas de um mo-vimento de desterritorialização e territoriali-

    zação do Rizoma.O Rizoma não pode ser decalcado de qual-quer outra estrutura, da árvore por exemplo.As suas formas e conteúdos não se alteramde um forma pré-estabelecida e quando sealteram fazem sempre diferente. A cartogra-fia parece ser a melhor solução para dese-nhar o mapa do Rizoma, mas só se aceitar-mos que tenha várias entradas e nunca defi-nitivas. Caso contrário estariamos a repre-sentar algo que existe definido. O rizomanão existe, está sempre existindo, sempre emconstrução.

    E a Internet o que é que tem a ver comtudo isto?

    A Internet concretiza no mundo real o sis-tema rizomático de DG. Também na Internetencontramos uma estrutura feita de linhas epontos que se podem ligar a quaisquer ou-tros, e todos estão ligados. Não existe uma

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    hierarquia que nos obrigue a passar por umponto específico, pelo menos a partir do mo-mento em que estamos ligados. Os conteú-dos que trocamos com outros pontos podemser de natureza diversa ou até podemos nãotrocar nada. Também na Internet o que existeé uma multiplicidade sem qualquer unidadeaxial que nos condicione as linhas de con-tacto ou de fuga. A ruptura não se traduz nofim de uma ligação mas na produção de ou-tra ligação, a procura de um novo endereço.

    Qualquer tentativa de cartografar a Internetrevela-se infrutífera. A sua constante muta-ção inviabiliza qualquer representação estác-tica. O acentralismo do Rizoma é verificávelna Internet. Apesar de algumas tentativas re-centes, não há ainda nenhum General que co-mande a estrutura e hierarquize as ligações.Se tal acontecesse estariamos na presença deuma Rizomatoze. A prevenção desta doençaque ataca os Rizomas deverá ser feita pela

    manutenção do nomadismo, preconizado porDG e que o individuo concretiza hoje em diana Internet.

    Todavia não deixa de ser irónico que to-das estas semelhanças entre a Internet e oconceito de Rizoma de DG só sejam possí-veis através de uma lógica binária de zerose uns, precisamente a lógica dicotómica, rí-gida e pré estabelecida que DG combateram.Não deixa de ser também irónico que sejao conservador capitalismo, através das suasnecessidades publicitárias, a tornar possívelo desenvolvimento de uma estrutura rizomá-tica como a internet.

    Ironias á parte, não deixa ser extrema-mente interessante uma abordagem da Inter-net através do estudo dos conceitos de Ri-zoma e Nomadologia de DG.

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