teatro estúdio do salitre
DESCRIPTION
TeatroTRANSCRIPT
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Aluno!n!35558!!!!
!Teatro!Estdio!do!Salitre,!
um!teatro!improvvel!entre!a!arte!e!a!poltica.!!!!
Alexandre!Barros!de!Sousa!!
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Setembro,!2013!
!Dissertao!de!Mestrado!em!!Histria!Contempornea!
!!!!Orientador:!Professor!Dr.!Jos!Viegas!Neves! N
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Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do
grau de Mestre em Histria Contempornea realizada sob a orientao cientfica do
Professor Doutor Jos Neves
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! 2!
Agradecimentos
Aos meus professores de Mestrado, Dr. Fernando Rosas, Dr. Paulo Jorge Fernandes e,
em particular, ao Dr. Jos Viegas Neves, pela valiosa direo cientfica deste trabalho.
minha mulher Manuela Carlos, pela sua enorme pacincia.
minha filha Vanessa Barros, pelo seu inestimvel saber, na rea da Inteligncia
Cultural.
Ao Dr. Mrio Ivani, pela sua imprescindvel ajuda.
A todos os funcionrios da Biblioteca Nacional, pela gentileza e colaborao, em
particular pela ajuda na troca de correspondncia com Itlia, com vista obteno de
documentos fundamentais para esta pesquisa.
Aos funcionrios da biblioteca do Museu do Teatro, pelas muito teis indicaes
bibliogrficas.
Fundao Antnio Ferro e, em particular, Dr. Mafalda Ferro, pela sua colaborao.
A todos os que, por amizade, me ajudaram neste trabalho e em particular na reviso
final do texto.
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Resumo
Abstract
Teatro Estdio do Salitre
Um teatro improvvel, entre a arte e a poltica.
Teatro Estdio do Salitre
Un unlikely theater, between arts and politics.
Alexandre Barros de Sousa
PALAVRAS-CHAVE: Cultura, Literacia, Teatro, Eugenia, Fascismo.
KEYWORDS: Culture, Literacy, Theater, Eugenics, Fascism.
Pretende-se, com este estudo, perceber as motivaes essenciais que levaram,
em 1946, fundao do Teatro Estdio do Salitre, projeto que, durante quatro anos,
levou cena um nmero significativo de peas de teatro de autores nacionais e
estrangeiros, no Micro Teatro, do Instituto Italiano de Cultura de Lisboa, situado na
Rua do Salitre, muito perto do Largo do Rato.
Pretende-se tambm analisar as razes que levaram trs homens de teatro, Gino
Saviotti, Vasco de Mendona Alves e Lus Francisco Rebelo a associar-se,
considerando que, distncia de mais de sessenta anos, essa associao se afigura no
mnimo improvvel, dadas as suas claras diferenas, tanto ideolgicas, como culturais.
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Um objectivo parece no entanto aproxim-los, o de conseguir um teatro abrangendo um
pblico to vasto quanto possvel, embora com intuitos aparentemente bem
diferenciados: Rebelo, querendo oferecer a esse pblico um teatro de elevado nvel
intelectual e cnico, experimentando ... diversos recursos contemporneos da
linguagem teatral no sentido de uma crtica iluminada, quer pela obsesso existencial
da morte, quer pelo seu progressismo social...1; Saviotti, dando preferncia ao lado
espetacular, sem dar grande importncia ao texto e ao seu contedo, defensor de um
teatro prximo do teatro de boulevard, um teatro para o povo; Mendona Alves,
desejando, acima de tudo, divertir a audincia, optando pela ligeireza dos textos,
escrevendo dramas de moral burguesa e comdias de grande pblico.
Verificar-se-, concomitantemente, a coerncia entre os propsitos iniciais -
defendidos em vrios documentos, que sero estudados, em particular o Manifesto do
Essencialismo Teatral e o Paradoxo sobre o Teatro - e a prtica teatral, durante os anos
em que o Salitre existiu.
Far-se-, por ltimo, um breve historial das obras apresentadas, dos seus autores
e encenadores, bem como dos atores mais conhecidos.
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Purpose of this research is to understand the underlying motivations which, in
1946, lead to the creation of the Teatro Estudio do Salitre (Salitre Studio Theater),
which lasted 4 years and brought to stage a significant number of plays from national
and international authors. Such plays were performed in the Italian Cultural Institutes
Micro Theater, located in Salitre street near the Rato square.
We will analyze the reasons which brought together three very different theater
professionals, Gino Savatti, Vasco Mendonca and Luis Francisco Rebelo. Looking at it,
over 60 years later, the odds that such collaboration would have indeed ever taken place
between these three men, appear to be minimal due to their ideological and cultural
differences. They seem, however, to have all gravitated towards the same objective,
despite apparent very different approaches: to create a theatre that would gather the
largest possible audience. Rebelo wanted to offer his audience theatre of high
intellectual standards and experimental staging different contemporary means of
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!Saraiva,!A.!J.,!scar!Lopes,!Histria(da(Literatura(Portuguesa,!Porto,!Porto!Editora,!2000,!p.!1118.!
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theatrical language for an enlightened critic, either driven by the existential obsession
with death or by social progress2; Saviotti privileged a more spectacular approach
without giving much importance to the text nor its content: theatre closer to Theatre de
Boulevard, for the people; Mendonca, at last, above all wished to entertain the audience,
choosing light-hearted texts, writing dramas of bourgeois morals and other popular
comedies.
We will, concomitantly, verify the coherence between the initial visions and
statements which were promoted by each of these three men in various historical
documents and which we will analyze, and the work produced during Salitre Theaters
existence.
Finally we will do a brief historical presentation of the plays produced, their
respective authors and directors as well as the most famous actors involved.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!2!Id.!
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Indce
Antes de comear 7
Introduo 9
Um pas teatralmente analfabeto 13
Um pequeno hiato biogrfico 17
Uma imprudncia, ou talvez no 27
Um outro hiato biogrfico, mais complexo 35
Prolegmenos de um estdio de teatro 48
O Teatro Estdio do Salitre 1 Perodo
(O Manifesto do Essencialismo Teatral ) 52
O Teatro Estdio do Salitre - 2 Perodo 73
Concluso 82
Bibliografia e Fontes 92
Anexos
1. Antnio Gramsci (1999) - Gino Saviotti. 2. Aureliana Strulatto (1987) - Gino Saviotti. 3. Laura Barille (1980), LIndice : Ezra Pound e glianni 30 in una revista
genovese. 4. Waine Pound - A Dash of Barbarism: Ezra Pound and Gino Saviotti in the Indice,
1930-31.
Documentos
1. Carta de Rogrio Paulo a Csar Moreira Baptista. 2. Carta de Saviotti para Fernanda de Castro. 3. Cdula pessoal (scheda personale) do prof. Gino Saviotti. 4. Constituio X (XV), dos Bispados de vora de 1534. 5. Pedido de inscrio de Gino Saviotti na S.E.C.T.P. 6. Foto de Gino Saviotti com Camilo Pellizzi. 7. Certido de bito de Gino Saviotti.
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Antes de comear 3
O Teatro Estdio do Salitre foi fundado em 1946, fruto da reflexo de um grupo
de intelectuais que, aos Sbados noite, se reuniam no terceiro andar direito do nmero
175, da Rua do Salitre, em Lisboa, e que, j em 1944, viria a resultar na criao de um
Crculo de Cultura Teatral, com a finalidade de ...desenvolver o gosto pelo teatro como
inveno literria e espetacular, a cultura intelectual, o sentido artstico e as
faculdades criadoras pela poesia e o pensamento dramtico...4.
Referenciada em vrias Histrias do Teatro consultadas - Lon Moussinac, em
1957, Luciana Stegagno Picchio, em 1966, Lus Francisco Rebelo, em 1988, Jos
Oliveira Barata, em 1991 - a histria do Teatro Estdio do Salitre, mais abreviadamente
Teatro do Salitre ou Salitre e ainda Micro-teatro, como tambm ficou conhecido, foi
sendo objecto de vrios estudos universitrios, principalmente de mbito literrio. O
interesse despertado pelo Teatro do Salitre deve-se, sem dvida, ao facto de ser o
primeiro teatro experimental surgido no imediato ps Segunda Guerra Mundial, mas
tambm ao grande nmero de obras de escritores portugueses contemporneos escritas
propositadamente para a serem representadas, o que torna o Salitre um caso talvez
nico na histria do teatro portugus.
Para a anlise biogrfica dos trs principais intervenientes do processo de
formao do Teatro do Salitre, que recair sobre os anos anteriores a 1946, foi seguido
um percurso de investigao diferenciado, tendo como principais elementos de pesquisa
artigos de universitrios italianos referentes ao percurso de vida que antecede a vinda
para Portugal, em 1939, de Gino Saviotti, considerado habitualmente como o mentor e
principal figura do Salitre.
Como importantes fontes documentais para esta anlise, devem ser referidos o
livro de Mario Ivani5, que traz novos dados histricos sobre a vida de Saviotti, um
artigo de Waine Pound6 acerca da parceria entre Saviotti e Ezra Pound para a criao da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!3!Ttulo!da!pea!de!Almada!Negreiros!representado!no!dcimo!primeiro!espetculo!do!Teatro(Estdio(do(Salitre!no!dia!17!de!Junho!de!1949.!4!Vida!Mundial!Ilustrada,!25!de!Janeiro!de!1945.!5!IVANI,!Mario,!Esportare(il(fascismo.(Collaborazione(di(polizia(e(diplomazia(culturale(tra(Italia(fascista(e(Portogallo(di(Salazar((1928D1945),!Bologna,!CLUEB,!2008.!6!POUNDS,!Wayne,!A(Dash(of(Barbarism:(Ezra(Pound(and(Gino(Saviotti(in(the(Indice,(1930D31,!Academia.edu,!website.!
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revista LIndice de 1930-32, o estudo de Laura Barile7 sobre essa polmica publicao e
ainda um estudo da Aureliana Strulatto8 sobre a vida de Gino Saviotti, sem esquecer
uma crtica de Antnio Gramcsi9 referente ao futuro diretor do Instituto Italiano de
Cultura de Lisboa. A bibliografia de Saviotti anterior e posterior sua vinda para
Portugal servir, igualmente, como suporto do presente estudo.
Foram consultados os arquivos da Torre do Tombo, da Biblioteca do Museu do
Teatro, o arquivo da Biblioteca do Teatro Nacional D. Maria II e o da Fundao
Antnio Ferro.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!7!BARILE,!Laura,!LIndice,(Ezra(Pound(e(gli(anni(30(in(una(rivista(genovese,!in.!Studi!di!Filologia!e!Letteratura,!V,!Scrittori!e!riviste!in!Liguria!fra!800!e!900,!Gnova,!Universita!degli!studi!di!Genova,!Istituto!di!letteratura!italiana,!1980.!8!STRULATO,!Aureliana,!Gino(Saviotti,!in.!Studi!novecenteschi,!revista!semestrale!di!storia!della!letteratura,!!Pisa,!Giardini!ed.,!XIV,!n!33,!giugno!1987.!9!GRAMSCI,!Antonio,!Selection(from(cultural(writings,(32.(Gino(Saviotti,!London,!(elecbook)!David!Forgacs,!1999!(ed!.London,!Lawrence!&!Wishart,!1985).!
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Introduo10
O Teatro foi sempre em Portugal o espelho das variaes da liberdade e conscincia social do pas.
Joo Salgado11
Se se considerar o nvel de alfabetizao como um parmetro vlido para aferir
do desenvolvimento cultural de um povo, apercebemo-nos que esse nvel tem tido, em
Portugal, uma evoluo lenta. A acreditar nas concluses do recenseamento geral da
populao de 1930, a taxa de analfabetismo era ento de 60,2%. Dez anos decorridos,
esse nmero teria diminudo para 52,1%. Curiosamente, um relatrio dos servios de
informao italianos, datado de 1936, e tendo como objectivo determinar o tipo de
propaganda a ser usado junto da populao portuguesa, informava Roma de que a taxa
de analfabetismo em Portugal era calculada em 72%12, concluindo, por isso, ser a
fotografia o meio mais adequado para mostrar os benefcios, para o mundo, da poltica
seguida pelo regime fascista de Mussolini. Em Portugal, o teatro, o cinema e a rdio
...enfermavam de parca disseminao, vivendo fundamentalmente de um pblico
urbano num pas eminentemente ruralizado .13
J em 1912, este fenmeno da iliteracia era visto com enorme preocupao pelos
homens que estiveram na origem da criao da Universidade Livre de Lisboa, em cujo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!10!Esta!dissertao!teve!como!referncia!um!trabalho!apresentado!em!1995,!intitulado!Teatro(Estdio(do(Salitre((1946D1950),!na!Universidade!de!ParisfSorbonne!(Paris!IV),!no!quadro!de!uma!Matrise!em!estudos!portugueses!e!brasileiros,!cujo!diretor!de!investigao!foi!o!Professor!Dr.!Jos!da!Silva!Terra,!tendo!sido!avaliada!por!um!jri!composto!pelo!prprio!diretor!de!investigao!!e!pelo!Professor!Dr.!Jos!Augusto!Seabra,!professor!convidado!daquela!universidade.!!O!objetivo!daquela!investigao!centroufse!na!histria!do!Teatro(Estdio(do(Salitre,!na!consulta!e!anlise!de!todas!as!peas!a!apresentadas,!nos!seus!autores,!nos!encenadores!e!todos!os!atores!nelas!intervenientes,!bem!como!das!crticas!encontradas!na!imprensa!da!poca.!A!presente!dissertao!tem!objetivos!diferentes,!e!ter!porventura!concluses!diversas,!talvez!mesmo!contrrias!em!certos!aspetos,!atendendo!a!novos!documentos!encontrados!durante!a!pesquisa.!11!Joo!Salgado,!citado!por!Jos!Gamboa,!A(propsito(de(teatro,!Lisboa,!Ed.!do!autor,!1949,!p.!204.!12!Ivani,!Mario,!op.(cit,!p.!174.!13!Medeiros,!Nuno!Miguel!Ribeiro,!O(universo(editorial(nos(anos(trinta(e(quarenta:(a(dinmica(do(livro,(entre(persistncia(e(mudana,(in,!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,(1900D1950,!Coimbra,!CEIS20!Coimbra,!2008,!p.!116.!
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programa se afirmava que em Portugal, pas sui generis, [] o analfabetismo dos
que sabem ler, dos prprios diplomados, apavorante14.
A poltica seguida pelo Estado Novo no veio alterar fundamentalmente este
estado de coisas. Alguns intelectuais defendiam mesmo, claramente, a continuao
desse atraso civilizacional. Virgnia de Castro e Almeida (1874-1945), escritora e
produtora de cinema, que, paradoxalmente, ir encabear a lista do conselho pedaggico
da Universidade Popular dirigida por Bento de Jesus Caraa e, alguns anos depois,
desempenhar, em Genebra, o cargo de delegada do governo de Salazar na Sociedade
das Naes, colaborando simultaneamente com o Secretariado de Propaganda Nacional,
escrevendo pequenos livros de difuso histrica e de doutrinao dos valores e da viso
do Estado Novo, afirmar, com um lirismo muito prximo da tragdia, a arte mais
linda, mais forte e mais saudvel da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de
analfabetos15. Mas tambm no seu elitismo pedaggico fechado, Teixeira de Pascoaes
partilhava esta opo idlica para o povo, ...se a instruo que para a se d nas cidades,
houvesse atingido o Povo dos campos, nada restaria j de Portugal, alm da sua
paisagem [] felizmente por incria dos governos evitou-se to grande mal...16.
Com a Poltica do Esprito, que Antnio Ferro conseguir fazer aprovar por
Salazar, com a criao, em 1933, do Secretariado de Propaganda Nacional, e at finais
dos anos quarenta, em que Ferro cessa funes, a questo do analfabetismo da
populao no ser alterada na essncia, mas ir sofrer uma mudana de rumo. Em lugar
de aes tendentes alfabetizao da populao, ir ser desenvolvido um processo pelo
qual a escola, acompanhando aqui a proposta de Maria Filomena Mnica, ...ser
principalmente vista (embora no de forma exclusiva) como uma agncia de controlo
social de classe, quer dizer, no s como uma instituio atravs da qual se transmitem
conhecimentos e tcnicas, mas tambm como uma instituio atravs da qual se
impem valores e se formam atitudes e orientaes, de forma a que as relaes sociais
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!14!Neves,!Helena,!Originalidade(da(universidade(popular(portuguesa,!in,!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,!1900f1950,!Coimbra,!CEIS20!Coimbra,!2008,!pp.!11f35.!15!Augusto!J.!dos!Santos!Fitas,!Investigao(cientfica(e(cultura(cientfica,!in!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,(1900D1950,!Coimbra,!CEIS20!Coimbra,!2008,!p.!75.!16!Neves,!Helena,!Originalidade(da(universidade(popular(portuguesa,!citando,!Teixeira!de!Pascoaes,!O(Gnio(Portugus,!Porto,!1913,!p.!III.!in,!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,!1900f1950,!Coimbra,!CEIS,!2008,!pp.!11f35.!!
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! 11!
de produo vigentes possam ser preservadas e reproduzidas...17, tendo alm disso,
como objectivo, a criao de um homem novo, semelhana das prticas dos regimes
italiano e alemo, ...num estado que, nos anos 30, aspira a regenerar e formar os
espritos de acordo com as suas certezas indiscutveis, a pedagogia de inculcao
ideolgica, simultaneamente impositiva, formativa e repressiva, um dever inerente
prpria funo pblica, alis cuidadosamente saneada dos seus elementos
indesejveis...18.
No momento em que o curso da Guerra comeou a ter um pendor mais favorvel
para os Aliados, com a vitria do Exrcito Vermelho em Estalinegrado, com a invaso
da Siclia e a consequente demisso de Mussolini, primeiros sinais de que a vitria do
Eixo no estava assegurada, coincidindo com a primeira crise de regime com que
Salazar se vai confrontar, vrios sectores da sociedade portuguesa comeam a
movimentar-se para combater uma situao social cada vez mais opressiva ou para
tentar pr fim governao autoritria e conservadora, iniciada a 28 de Maio de 1926.
Lutando contra a poltica seguida pelo regime, com limitaes salariais,
racionamento de bens essenciais, d-se uma agitao social crescente que, desde 1941,
se fez sentir um pouco por todo o pas: incidente nas Minas da Panasqueira; assaltos a
herdades, em particular no Alentejo; greve na Carris de Lisboa e na Companhia dos
Telefones, em 1942; protestos nos centros industriais; movimentos grevistas, no outono
de 1942, que iro paralisar importantes empresas na margem sul, com greves nos
Estaleiros CUF, estivadores de Lisboa, CNN, Parry & son (Cacilhas), CUF (Barreiro );
greves que, em Julho de 1943, do origem ao Vero Quente e que coincidem com a
queda e priso de Mussolini, poucos dias antes; paralisaes na margem norte do Tejo,
em Maio de 1944, especialmente em Sacavm, Vila Franca e Alhandra e, em Lisboa, na
construo civil, em particular em obras da rua Antnio Augusto de Aguiar, Bairro das
Picoas e Avenida Almirante Reis.
No campo poltico, tambm se vai assistir a uma movimentao dos sectores de
oposio ao regime que, com o evoluir do conflito internacional, cada vez mais
favorvel aos Aliados, preveem que a derrota dos regimes totalitrios da Alemanha e da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!17!Mnica,!Maria!Filomena,!Educao(e(Sociedade(no(Portugal(de(Salazar((a(escola(primria(salazarista(1926D1939,!Lisboa,!Ed.!Presena,!1978,!p.31.!18!Rosas,!Fernando,!in!Histria!de!Portugal,!vol.!7,!p.!292.!
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! 12!
Itlia arrastar consigo a queda do governo de Salazar e, consequentemente, do Estado
Novo.
Organizados em movimentos de unidade nacional, MUNAF e MUD, ou em
organismos polticos autnomos, Partido Comunista Portugus, Partido Socialista,
Unio Socialista, Partido Republicano Portugus, e outros, vo delinear estratgias para
uma tomada do poder, ou por via de uma insurreio popular armada, ou por uma via
possvel de transio pacfica obtida atravs de uma evoluo legal e negociada do
regime, mediante eleies livres e democrticas. Nenhuma destas estratgias ter
sucesso, como se sabe, apesar dos esforos feitos para as eleies do outono de 1945,
com uma desistncia s urnas, e com o grande movimento unitrio em torno da
candidatura do General Norton de Matos Presidncia da Repblica, em 1949, que se
desagregar no rescaldo da campanha eleitoral.
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! 13!
Um pas teatralmente analfabeto
Sem liberdade no h nada e teatro tambm no Jorge de Sena19,
no contexto brevemente descrito e com o fim da Segunda Guerra Mundial,
aproveitando uma aparente abertura do regime, que surgem, tambm no meio
intelectual, tentativas de uma renovao considerada indispensvel para o progresso do
pas.
J em 1919, sob o impulso do matemtico Antnio Augusto Ferreira de Macedo
(1887-1959), surgiu a Universidade Popular Portuguesa, na qual iro participar um
grande nmero dos intelectuais mais progressistas, empenhados na cultura e na
educao. Dois anos depois, em 1921, Ferreira de Macedo estar igualmente ligado
fundao do movimento da Seara Nova, os seareiros, e da revista que lhe d o nome. S
que este esforo no convergente. Uns, de um elitismo profundamente fechado, como
Teixeira de Pascoaes, regozijam-se pela cultura das cidades no chegar ao povo, como
j foi visto. Os liberais republicanos, alguns maons e muitos dos que vo colaborar na
Seara Nova, defendem uma prtica educativa vertical e seletiva20. Outros ainda,
mais prximos do movimento sindical e operrio, ligados s correntes do positivismo e
do materialismo histrico, consideram a educao como fazendo parte integrante do
prprio conceito de democracia. Um dos maiores ativistas deste ltimo grupo ser o
matemtico Bento de Jesus Caraa (1901-1948) que, em 1928, ser eleito para a direo
da Universidade Popular Portuguesa. A partir dessa data, a Universidade Popular vai
ligar-se estreitamente ao movimento operrio e sindical, enveredando decisivamente
para um aprofundamento de uma alternativa educativa coerente com o ideal da
emancipao proletria21. A sede Central, considerada a seco principal, ser
instalada na Cooperativa A Padaria do Povo, em Lisboa. Em vez de convergirem nos
seus esforos a favor do desenvolvimento da cultura, alguns dos mais eminentes
intelectuais progressistas vo radicalizar posies em volta de questes aparentemente !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!19!Do(teatro(em(Portugal,(Lisboa,!Edies!70,!1988,(p.37(20!Id.,!p.!15.!!21!Neves,!Helena,!opus(cit.,!p.!19.!
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! 14!
subsidirias, mas para eles de primordial importncia: a partir de 1929 duas linhas
orientadoras; uma de Ferreira de Macedo, democratizao da cultura [] educao
popular como educao social e cvica, e a outra de Bento de Jesus Caraa,
socializao da cultura [] apropriao pelo proletariado do patrimnio cultural da
humanidade22. Igualmente aqui, como no campo poltico de oposio ao regime, a
unidade de esforos para a luta cultural vai ser barrada por pontos de vista
aparentemente inconciliveis. O militantismo pedaggico republicano assume uma
prtica educativa vertical e seletiva, fundamentada na ideia de elite23. esta noo
de elite, de raiz platnica, de que Antnio Srgio vai ser um dos representantes e que
particularmente ntida em muitos maons e na maioria dos seareiros, que Bento de Jesus
Caraa vai refutar. Para ele e para o movimento operrio e sindical, seguindo as ideias
expressas j no sculo XIX por Pierre-Joseph Proudhon, democracia demopedia,
vista como uma educao dispensada ao povo e inseparvel da democracia.
Esta divergncia a propsito da pedagogia popular ir transformar-se num
campo de batalha ideolgico, dando origem a polmicas insultuosas, de uma enorme
violncia verbal, entre alguns dos mais significativos representantes destas duas
correntes, como o caso da polmica surgida entre Abel Salazar e Antnio Srgio,
primeiro, e entre Antnio Srgio e Bento de Jesus Caraa, mais tarde.
A primeira ocorre, em 1938, entre o mdico e investigador portuense Abel
Salazar (1889-1946) e Antnio Srgio (1883-1969), filsofo e pedagogo democrtico e
liberal, tambm ele um dos mais ativos participantes na tentativa de melhorar o nvel
cultural do povo portugus, ex-Ministro da Instruo Publica, entre 1923-1924, no 2
Governo de lvaro de Castro (1878 1928). O ataque de Abel Salazar24 a Antnio
Srgio tem um carter genrico e tem a ver com as duas correntes mais fortes de
oposio ao regime: o confronto entre o idealismo racionalista25 sergiano e o
neopositivismo radical de Abel Salazar. Este confronto entre os dois intelectuais de
esquerda no passar despercebido s ideologias mais direita, tendo sido recuperado
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!22(Id.!P.!27.!23!Neves,!Helena,!Originalidade(da(universidade(popular(portuguesa,!in.!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,(1900D1950,!Coimbra,!CEIS20!Coimbra,!2008,!pp.!11f35.!24!Revista!Sol!Nascente,!1!de!Janeiro!de!1938.!25!Saraiva,!Antnio!Jos,!scar!Lopes,!Histria(da(Literatura(Portuguesa,!Porto,!Porto!Editora,!17!edio,!2000,!p.!1032,!
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! 15!
pelo semanrio Aco26, logo no ps-guerra, para claramente desacreditar Antnio
Srgio, numa altura em que as foras democrticas tentavam opor uma resistncia
organizada ao Estado Novo.
A segunda destas polmicas, em 1942, no menos violenta, surgiu aps a
publicao de Os conceitos fundamentais da matemtica27, de Bento de Jesus Caraa,
muito prximo do Partido Comunista Portugus, obra que Srgio ir questionar em
algumas das suas concepes, dando origem a uma srie de artigos, sados na Vrtice28,
nos quais vo esgrimir-se os dois intelectuais: Antnio Srgio, na defesa dos princpios
platnicos em que acredita, e Bento de Jesus Caraa, mais orientado por princpios
ideolgicos do materialismo histrico, de raiz marxista, em que estava empenhado.
Apesar destas lutas fratricidas, o desenvolvimento das ideias progressistas na
rea cultural continuar. Para alm das revistas de vanguarda, como a Seara Nova, a
Vrtice, Sol Nascente, entre muitas outras, nas quais participaram inmeros intelectuais
empenhados nesta renovao cultural, aparece na literatura, logo nos anos 30, a corrente
neorrealista, que ir ter grande influncia numa tomada de conscincia da real situao
do pas, encoberta pela propaganda organizada por Antnio Ferro, desde 1933, com o
seu Servio de Propaganda Nacional (SPN). Sero publicadas obras de Soeiro Pereira
Gomes e de Alves Redol entre outros.
Entretanto, o Teatro, uma das artes maiores, componente do desenvolvimento da
cultura em geral, acompanhou esse atraso, se bem que no obrigatoriamente dependente
do grau de alfabetizao.
Tefilo Braga foi talvez um dos primeiros a tentar descortinar as razes dessa
falta de dinamismo do teatro em Portugal: ...As criaes dramticas so a expresso do
carter de um povo e da sua liberdade; elas tm por critrio a natureza e a
simplicidade, e tornam-se por isso, como disse Shakspeare, the form and pressure of the
times...29. deste modo que Tefilo Braga inicia a sua Histria do Teatro Portugus,
para concluir quase de imediato;
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!26!Semanrio!Aco,!n!236,!de!25f10f1945.!27!Caraa,!Bento!de!Jesus,!Os(conceitos(fundamentais(da(matemtica,!2!V,!Lisboa,!Ed.!Cosmos,!1942,!pp.!121f122.!28!Vrtice,!Nov.!1945,!pp.!42f48,!Fev.!1946,!pp.!35f44,!Maro!1946,!pp.!42f6,!Maio!1946,!pp.!126f140.!29!Braga,!Tifilo,!Historia(do(Teatro(Portugus,!Porto,!Imprensa!Portuguesa!Editora,!1870.!
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! 16!
a arte dramtica entre ns, nada tem de nacional, porque circunstncias invencveis
no deixaram que o povo portugus conhecesse o teatro [] barraram-lhe todos os
meios de manifestao intelectual [] O povo portugus conheceu o teatro [] da
idade mdia, a que ainda hoje pelas aldeias se chama Auto, mas esse mesmo fraco
rudimento, que o seu gnio potico poderia desenvolver, foi-lhe proibido com
excomunhes nas Constituies dos Bispados30. Alguns poetas, como Gil Vicente,
tentaram a fundao do teatro nacional; deu-se este fenmeno no sculo XVI,
justamente quando se consolidava o cesarismo, e o [povo] caiu no ltimo grau de
atrofia. Por isso foram baldados todos os esforos; a obra de Gil Vicente morreu com
ele. A histria do nosso teatro a narrao deste esforo sublime, mas infelizmente
artificial e no continuado.31
Este esforo manter-se-, no entanto, porque a situao pouco ou nada se
alterou. E assim que, tambm no teatro, se vai notar a nsia de inovao que percorreu
o pas nos anos que se seguiram ao fim do conflito europeu. Em Lisboa, ser criado um
nmero significativo de grupos de teatro experimental - o Teatro Estdio do Salitre, o
Teatro dos Estudantes da Universidade de Lisboa, o Grupo de Teatro Experimental
(Pedro Bom) , o Teatro da Casa da Comdia (Fernando Amado), os Companheiros do
Ptio das Comdias (Antnio Pedro) - que viro fazer companhia ao j antigo TEUC,
Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, nascido a partir do Grupo Cnico
da Seco Fado Acadmico de Coimbra, com a direo artstica do professor Paulo
Quintela, em finais dos anos trinta (1938). Alguns anos depois, ir nascer aquele que
ser, porventura, um dos mais carismticos e marcantes teatros de estdio portugus, o
Teatro Experimental do Porto, dirigido e organizado por Antnio Pedro.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!30!Constituies(do(Bispado(Deuora(,(Das(Imunidades(das(igrejas,(Ttulo(XV,(Constituio(X,![Constituies!do!Bispado!de!vora].!EVORA.!Arquidiocese!f!Lixboa!:!por!Germam!Galharde,!22!Outubro!1534,!Biblioteca!Nacional!Digital,!(cota!RESf129fA).!Titulo!XV!f!Da!imunidade!das!igrejas.!Constituio!X!f!Que!no!comam!nem!bebam!nem!bailem!nem!faam!jogos!nem!representaes!nas!igrejas!nem!adros.![]!nem!se!faam!nas!ditas!igrejas!ou!adros![]!representaes!ainda!que!seja!da!paixo!de!nosso!senhor!Jesus!Cristo!ou!de!sua!ressurreio!ou!nascena!de!dia!nem!de!noite!sem!nossa!especial!licena!porque!dos!tais!autos!se!seguem!muitos!inconvenientes!e!muitas!vezes!trazem!escndalo!nos!coraes!daqueles!que!no!esto!muito!firmes!na!nossa!santa!f!catlica![].!31!Braga,!Tifilo,!opus(cit.!p.!3.!
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! 17!
Um pequeno hiato biogrfico Every man has a right to have his ideas examined one at a time. Men should be seen as
individuals not in imprecise abusive terms. Ezra Pound32
Quem, na primeira metade de 1943, lesse o Jornal O Sculo, ou a sua revista
mundana, Sculo Ilustrado, dois influentes meios de comunicao nacionais, teria
certamente a sensao de que a Alemanha e a Itlia iam de vitria em vitria, j que as
notcias da guerra eram evidentemente filtradas pela censura. Claro que, nos referidos
jornais, existiam notcias em grande nmero sobre os EUA e sobre a Inglaterra, mas a
clara supremacia blica estava do lado do Eixo.
Em Lisboa, no obstante a vida ser muito complicada para a grande maioria dos
menos favorecidos, como vimos mais atrs, os factos mundanos e os diversos
acontecimentos sociais constituem uma das principais referncias noticiosas. Portugal
o osis da Europa. Notcias a propsito de homenagens, a industriais e comerciantes de
sucesso, de festas dos grmios, de visitas de diplomatas do Eixo, alemes e italianos,
bem como de inmeros acontecimentos artsticos, polticos e desportivos, em
intercmbio com Espanha entre os quais saraus de ginstica luso-espanhis; noticias
sobre as viagens de Churchill, sobre a vida social dos reis e rainhas da Europa. A
abertura da Feira Popular de Lisboa ...foi um acontecimento de vulto na vida da
cidade... 33.
neste contexto que estreada, em Maro de 1943, a pea do Teatro Nacional
D. Maria II, Electra e os fantasmas. Anunciada como o grande acontecimento de arte
em Lisboa,34 no parece, contudo, ter feito unanimidade da crtica. A to discutida pea
do dramaturgo americano Eugnio ONeil, teve o condo de acordar, do sono em que
dormia, o teatro portugus.35
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!32!Pounds,!Wayne,!A(Dash(of(Barbarism:(Ezra(Pound(and(Gino(Saviotti(in(the(Indice,(1930D31,!Academia.edu,!website.!33!Sculo!Ilustrado,!19.06.1943.!!34!Id.!6.3.1943.!35!Id.!
-
! 18!
No Aco36 - um semanrio de consulta importante para o objectivo deste
trabalho, como veremos adiante - um dos seus assduos colaboradores, Lus Forjaz
Trigueiros37, na sua crtica ao espetculo do D Maria II, afirma, por entre um extenso
rol de consideraes no muito lisonjeiras, no poderia aquele teatro oficial ter
escolhido outra pea que no fosse como esta, um estendal j anacrnico dum
freudismo elementar e duma psicanlise fora de moda38.
Nas pginas da Seara Nova, Fernando Lopes-Graa, por seu lado, apesar de
alguns reparos, saiu do espetculo com a; impresso jubilosa de que uma data
memorvel acabava de ser escrita nos anais do nosso teatro, e que formulava [...]
ardentes votos por que ela marcasse, um ponto de partida para uma era nova do
primeiro teatro de declamao portugus39.
No nmero seguinte do semanrio Aco, Fernando Teixeira, outro dos mais
assduos colaboradores da revista, elogia os protagonistas40 e a prpria pea, mas faz, no
incio da crtica, um interessante retrato da realidade teatral: Num meio teatral pacato
como este nosso, onde as mais rduas tarefas crticas se resumem ao comentrio de
ms adaptaes de medocres pecinhas nacionais - sem contar, claro, com a
bordoada fcil nos revisteiros do Parque Mayer - num meio assim oscilante entre as
pararias semianalfabetas e os tradutores para quibundo41.
Talvez Fernando Teixeira queira referir-se a peas do gnero que, pela mesma
altura, esto em cartaz em Lisboa como por exemplo, a opereta Ribatejo, com Mirita
Casimiro e Vasco Santana, no teatro Apolo, A bicha de rabiar, (reposio de um xito !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!36!Aco!f!Semanrio!da!vida!portuguesa,!Dir.!Manuel!Mrias.!37!Jornalista,!ficcionista,!ensasta,!crtico!literrio!e!teatral,!Lus!Augusto!de!Sampaio!Forjaz!de!Ricaldes!Trigueiros!(1915f2000),!nasceu!e!morreu!em!Lisboa.!Estreoufse!na!fico!em!1936,!com!Caminho(Sem(Luz,!que!obteve!o!prmio!Fialho!de!Almeida,!e!na!atividade!jornalstica!em!1931,!no!Notcias(de(Alcobaa.!Colaborou,!entre!outros,!no!Bandarra,!de!que!foi!um!dos!fundadores,!no!Dirio(Popular,!desde!a!fundao,!em!1943,!tendo!sido!seu!diretor!de!1946!a!1953,!e!no!Dirio(de(Notcias!(1954f1974).!Foi!membro!do!Conselho(Fiscal(da(Editora(Bertrand,!de!1948!a!1951,!data!em!que!passou!a!administrador!(at!1974),!e!diretor!da!Editora(Nova(Fronteira!(Rio!de!Janeiro,!1975f1978).!Dirigiu!o!Centro(de(Estudos(Brasileiros(do(Instituto(Superior(de(Cincias(Sociais(e(Polticas(e!foi!agraciado!com!diversas!condecoraes.!A!coleo!(1!cx.)!integra!cartas!recebidas,!sobretudo!de!autores!representados!no!ACPC.!Adquirida!em!leilo!da!Livraria!Antiquria!do!Calhariz!em!Outubro!de!2004,!BNP,!Esp.!N36.!38(Id.!N!98,!4f3f1943,!p.!3.!39!Seara(Nova,!6f3f1943,!p.!257.!40!Mariana!Rey!Monteiro,!Joo!Villaret!e!Palmira!Bastos.!41!Aco!f!N99!f!11f3f1943,!p.!3.!
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! 19!
de Chaby Pinheiro), com Maria Matos e Assis Pacheco, no Variedades, e O sabo N
13, com Ribeirinho, rico Braga e Irene Isidro, no Trindade no h lixvia, no h
sabonete, no h preparado assptico que valha o sabo n 13....
No meio desta agitadssima vida cultural lisboeta, ao ler os jornais verifica-se
que, no dia 20 de Maro de 1943, tambm no teatro D Maria II, teve lugar uma
conferncia por Camilo Pellizzi, presidente dos Institutos Italianos de Cultura Fascista,
no mbito de uma exposio do livro italiano. A seu lado, numa fotografia, publicada no
Sculo Ilustrado42, est o Diretor do Instituto Italiano de Cultura de Lisboa, Gino
Saviotti,43 um homem com um percurso de vida complexo e que vir a ser um dos trs
fundadores e, claramente, o grande impulsionador do Teatro Estdio do Salitre.
Na sexta-feira, dia 9 de Abril de 1943, ainda no teatro D Maria II,
aproximadamente quinze dias passados sobre a exposio de livros italianos, na qual
encontramos Gino Saviotti, teve lugar uma rcita do Teatro do Centro Universitrio da
Mocidade Portuguesa, cuja importncia poltica pode deduzir-se pela presena de
Mrio de Figueiredo, Ministro da Educao, acompanhado do Subsecretrio de Estado,
do Comissrio Nacional da Mocidade Portuguesa Masculina, Marcelo Caetano, e da
Comissria Nacional da Mocidade Portuguesa Feminina, Maria Guardiola. As pesquisas
elaboradas permitem levantar a hiptese da presena de Gino Saviotti neste evento,
politicamente relevante, considerada a importncia para os esforos da Poltica do
Esprito desenvolvida por Antnio Ferro, desde 1933, na qual se enquadravam, de
forma essencial, todas as iniciativas da Mocidade Portuguesa. A presena do corpo
diplomtico, pelo menos daquele que ideologicamente se situava mais prximo do
regime, como era o caso do regime italiano, parece uma hiptese no despicienda.
A rcita tinha como principal objectivo a apresentao pblica do primeiro
espetculo do Teatro do Centro Universitrio de Lisboa da Mocidade Portuguesa. O
programa inclua um concerto pela Orquestra Sinfnica da Emissora Nacional, dirigida
pelo maestro Pedro de Freitas Branco, seguido de uma Explicao pelo Sr. Baltazar
Rebelo de Sousa, comandante do Centro Universitrio de Lisboa. Para fechar a rcita,
foi representada a pea, A lio do tempo, de Lus Francisco Rebelo, pea que tinha
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!42!O(Sculo(Ilustrado,!n!273,!27fMarof1943.!43!Strulato,!Aureliana.!Gino(Saviotti.,(in,(Studi(novencenteschi!xiv.33!(June!1987),!pp.!!7f51.!
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! 20!
ganho o primeiro prmio, alis o nico atribudo, do concurso de teatro da Mocidade
Portuguesa 1941-1942. Na altura do concurso, Rebello tinha 17 anos.
A lio do tempo uma parbola em verso: 1 ato, dividido em 3 quadros e 2
cortinas44. O jri que tinha selecionado as peas a concurso era composto por Maria
Lalande, Amlia Rey Colao, Robles Monteiro e Lus de Forjaz Trigueiros e presidido
por Marcelo Caetano.45
No se afigura necessrio fazer uma biografia de Lus Francisco Rebello, j que
o seu percurso de vida, bem como a sua bibliografia surgem em inmeros artigos, a seu
respeito. Limitar-nos-emos a alguns dados referentes a estes primeiros anos de atividade
artstica, que, de certa forma, fazem parte de uma como que zona de penumbra da sua
histria pessoal e que antecedem a criao do Teatro Estdio do Salitre.
No vero de 1942, Lus Francisco Rebello tinha j feito a sua primeira
experincia teatral, com um jogo dramtico Esse ideal que nos faz tudo vencer,
espetculo ao ar livre, ...no acampamento da Escola Central de Graduados da
Mocidade Portuguesa, em plena Serra da Arrbida. Teatro de mscaras, fantstico,
luz de fogueiras e de archotes...46.
O caso de Francisco Rebelo pode mesmo ser analisado como paradigmtico, se
visto luz de um processo de ensino escolar, cujos contornos e linhas de orientao
pedaggica nos podem fazer pensar, de certo modo, a uma tentativa de eugenia, visando
a criao de um homem novo, levada a cabo por um forte aparelho de induo
ideolgica em toda a populao, e muito particularmente, na juventude. A leitura de O
salazarismo e o homem novo, de Fernando Rosas nesse sentido esclarecedor: as
grandes bases do discurso ideolgico do Estado Novo nos anos 30 e 40 () exigiu e
criou um aparelho de inculcao ideolgica () com o propsito de criar esse
particular homem novo do salazarismo.[] alimentou e procurou executar,
[]um projeto totalizante de reeducao dos espritos, de criao de um novo tipo
de portuguesas e portugueses regenerados pelo iderio genuinamente nacional de que
o regime se considerava o portador. [], (e que) foi levado autoritariamente ao espao
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!44!O(Sculo,!9!de!Abril!de!1943,!p.2.!45!Semanrio!Aco,!n!104!de!15!de!Abril!de!1943.!46!Id.!N196,!de!18f01f1945,!p.3.!
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! 21!
e s sociabilidades privadas da massa, procurando modificar de raiz, e em extenso, os
comportamentos, as atitudes e as condies sociais e mentais da sua gestao... 47.
Lus Francisco Rebelo nasceu em Setembro de 1924, numa famlia
extremamente catlica. Os pais casaram na Igreja de Santa Isabel em Lisboa. Oriundos
da mdia burguesia lisboeta, o pai era engenheiro agrnomo e a me domstica48. Ainda
no tinha dois anos aquando do golpe de estado que deu origem ao regime do Estado
Novo, em 28 de Maio de 1926.
...Nasci num pas, vivi quase dois teros da minha vida noutro, acabarei os meus
dias num terceiro, sem que para isso houvesse de transpor nunca as suas fronteiras...49.
Tinha nove anos quando foi lanado por Salazar e Antnio Ferro, em 1933, o
Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) e a sua Poltica do Esprito.
Trs anos mais tarde, em 1936, foi criada, pelo Decreto-Lei n. 26 611, de 19 de
maio de 1936, a Mocidade Portuguesa de inscrio obrigatria para os alunos do
ensino primrio e secundrio e a quem vai ser entregue o monoplio de todas as
atividades desportivas e das iniciativas culturais ou recreativas circum-escolares. 50
Rebelo tinha doze anos51. Estava a meio do seu curso liceal quando Salazar
lanou o seu pedido aos mais eminentes vultos da cincia52, com particular relevncia
aos historiadores53, para uma convocao do passado e para uma, como que
reactualizao do mito da portugalidade. S esquecendo esta realidade se pode
estigmatizar um jovem por ter sido profundamente influenciado por este poderoso,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!47!Rosas,!Fernando,!O(salazarismo(e(o(homem(novo:(ensaio(sobre(o(Estado(Novo(e(a(questo(do(totalitarismo,!in!Anlise!Social,!n!157,!2001,!pp.!1031f32.!48!Lopes,!Victor!Sousa,!Luz(Francisco(Rebello,(uma(colectnea(de(vida,!Lisboa,!Fonte!da!Palavra,!2012,!p.13.!49!Rebello,!Luiz!Francisco,!O(passado(na(minha(frente,!Lisboa,!Parceria!A.M.!Pereira,!2004,!p.!14.!50(Rosas,!Fernando,!opus(cit.,!p.!1045.!51!Numa!curtssima!conversa!com!Jos!Augusto!Frana,!na!BNP,!durante!a!investigao!para!este!trabalho,!o!historiador!revelou!ter!sido!dos!muito!poucos!jovens,!seno!o!nico,!a!no!sofrer!desta!obrigatoriedade,!dado!existir!um!artigo!na!lei!que!permitia,!para!o!ensino!secundrio,!libertar!o!jovem!deste!dever,!mediante!pedido!expresso!do!encarregado!de!educao,!o!que!ter!sido!feito!pelo!seu!pai,!com!consequncias!no!muito!agradveis!para!o!ambiente!acadmico!do!aluno,!no!Liceu!Cames.!No!foi!possvel!confirmar!a!existncia!deste!artigo!da!lei,!por!questes!do!tempo!disponvel!para!a!concluso!desta!dissertao.!52!,!Jorge!Ramos!do,!Os(anos(de(Ferro,(O(dispositivo(cultural(durante(o(Poltica(do(Esprito(1933D1949,!Lisboa,!Editorial!Estampa,!1999,!p.74.!53!Sem!reservas!!os!historiadores,!231!historiadores!portugueses!e!121!estrangeiros,!!assinaram!as!peties!do!chefe!e!prontificaramfse!a!colaborar!nas!aventuras!que!ele!delineou,!Id.!p.!77.!!!
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! 22!
aparelho de coao, naturalmente destinado a separar a vontade de cada indivduo
de maneiras prprias e legtimas de fazer, de pensar e de ser...54.
Lus Francisco Rebelo, j no final da vida, declara com muito pragmatismo, ...
No incio da dcada de 40, aos 17 anos, era-se de esquerda se se houvesse crescido
numa famlia de oposio ao regime [] ou por reao deliberada contra o meio
familiar. Eu no me encontrava em nenhuma destas situaes, e da o meu alheamento
das questes polticas...55
Em 1942, o Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, por iniciativa de
Marcelo Caetano, abriu um concurso de peas de teatro. Rebelo concorreu a esse
primeiro concurso, o teatro foi () uma paixo dominante da minha vida56, e
ganhou o primeiro prmio.
Na sequncia desse concurso, nasceu o Teatro da Mocidade Portuguesa. ...
Inicialmente o Teatro da Mocidade foi, mesmo uma pessoa nica - e apenas ela: o Lus
Francisco Rebello... 57.
A pea de Rebelo, vencedora do primeiro prmio nacional de teatro da M.P., se
se considerar apenas a qualidade terica e tambm profissional dos elementos que
compunham o jri de seleo, deve ter sido consensualmente olhada como um texto
com reais qualidades poticas e dramticas.
Com efeito, A lio do tempo 58 um texto que veicula valores de moral
catlica, em heptasslabos regulares, escrito por algum que leu e estudou Gil Vicente, e
que o tenta imitar, mesmo que s superficialmente, percebida a tcnica do mestre,
fbula em forma de auto, com variadas cambiantes dramticas e cmicas.
O espetculo estreado no D Maria, em Abril de 1943, escrito pelo filiado59 Lus
Francisco Rebello, tem algumas caractersticas que o tornam interessante para a histria
do teatro em Portugal, pelos seus protagonistas, alguns dos quais sero grandes nomes !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!54!Id.!p.!33.!55!Rebello,!opus(cit.,!p.!58.!56!Id.!p.!15.!57!Aco,!n!196,!18f01f1945,!artigo!assinado!por!Sousa!Enes.!58!Rebello,!LuizfFrancisco,!A(lio(do(tempo,!Lisboa,!Teatro!do!Centro!Universitrio!de!Lisboa!da!Mocidade!Portugusa,1943.!59!Termo!que!designava!todos!os!jovens!que!faziam!parte!da!Mocidade!Portuguesa,!o!que!no!fundo!era!obrigatrio!para!os!jovens,!estudantes!ou!no,!dos!7!aos!14!anos,!mas!que!se!prolongava!tacitamente!at!ao!fim!do!liceu,!sendo!necessrio!um!requerimento!para!ficar!livre!das!suas!actividades.!
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! 23!
do teatro e da msica nacionais, e que iro participar, trs anos depois, em espetculos
do Teatro Estdio do Salitre. A Lio do tempo est dividida em trs quadros, A
desobedincia, A Lio e O Despertar. A pea foi encenada por Francisco Lopes
Ribeiro Ribeirinho60, cenrios do Inspetor Jos Amaro Jnior61, figurinos do filiado
Jlio Gil62 e msica original composta por Joly Braga Santos63, o qual tinha
sensivelmente os mesmos dezoito anos de Rebello. O protagonista era o pequeno
Henrique do Canto e Castro64, ento com catorze anos, contracenando com Eunice
Muoz65, aluna do Conservatrio Nacional de Teatro.
Lus de Forjaz Trigueiros escreve um apontamento a propsito da pea de
Rebello, com o ttulo Quando o teatro tambm poesia, que conclui dizendo, ...Como
indicao, como exemplo, como sintoma, a pea de Lus Francisco Rebello
extremamente representativa. Mas no o menos - como esperana....66
Aps este incio muito aplaudido como dramaturgo, de onde ressalta, em
particular, a crtica que dele fez Forjaz Trigueiros, na qualidade de crtico literrio e
colaborador assduo do semanrio Aco, Lus Francisco Rebelo foi convidado pelo seu
amigo Jorge de Faria a escrever para aquele semanrio, bem como para o Dirio da
Manh67.
De facto, logo em Setembro de 1943, comearo a ser publicados no Aco, com
uma certa regularidade, contos de Lus Francisco Rebello. A pesquisa feita mostra que
esta colaborao se manteve, de forma ininterrupta, at finais de 194568. Igualmente
parece plausvel que tenha sido entre 1942 e 1943 que Rebelo comeou a frequentar os
seres que, ao sbado, Gino Saviotti organizava em sua casa. Esses seres j existiriam
antes dessa data. essa, pelo menos, a impresso que fica pela informao que Rebelo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!60!Francisco!Carlos!Lopes!Ribeiro,!1911f1984.!61!Jos!Maria!Amaro!Jnior,!pintor!nascido!em!1907f?!62!Jlio!Coelho!da!Silva!Gil,!1924f2004,!ilustrador,!arquiteto,!pintor!e!escritor,!nascido!em!Lisboa.!63!Compositor,!1924f1988.!64!Ator,!1930f2005.!65!Atriz,!1928f!.!66!Aco,!n104,!15f4f1943,!p.3.!67!Rebello,!Luz!Francisco,!O(passado(na(minha(frente,!opus(cit.!p.!69.!68!Alguns!dos!contos!de!Lus!Francisco!Rebelo!publicados!no!Semanrio!Aco;!em!1943,!Recapitulao,!N!124,!2/9,(Jazz,!!N!127!f!23/9,!O(outro(lado(do(espelho,!!!N!134!f!11/11,!em!1944,!O(prestidigitador(e(o(novo(ano,!N!144!f!20/1,!Ser(sempre(assim,!N!157!f!20/4,!Histria(do(Soldado,!N!188!f!23/11,!Rosa(Enjeitada,!N!192!f!21/12,!Eu(e(tudo(mais,!N!181!f!5/10,!Choque,!N!175!f!24/8!e!em!1945,(Regresso,!N!220!f!5/7.!!!
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! 24!
deu a Miguel Falco, quando da preparao da sua tese de doutoramento sobre Alves
Redol e o teatro, quando refere que a participao de Redol naquela tertlia teria tido
incio antes de ele prprio frequentar a casa de Saviotti69.
Para esses seres dos Sbados, Saviotti convidava, um heterogneo grupo de
escritores e crticos de geraes, formao, tendncias estticas e opes ideolgicas e
polticas diversas, quando no mesmo opostas...70.
a partir destas reunies que vai ser constitudo, em 1945, o Grupo dos Amigos
do Teatro71, posteriormente rebatizado Crculo de Cultura Teatral,72e que, em 1946,
dar origem ao Teatro Estdio do Salitre.
A 12 de Maio de 1944, teve lugar um novo espetculo do Teatro do Centro
Universitrio da Mocidade Portuguesa, tambm no Teatro Nacional D Maria II. Do
programa fazia parte o entremez do sculo XVIII, de Rodrigues da Maia, O Doutor
Sovina, seguido do poema dramtico O oiro que Deus d, de Lus Francisco Rebello
que, com este texto, tinha obtido novamente o primeiro prmio do Segundo Concurso
de Teatro da Mocidade Portuguesa. Os cenrios eram de Antnio Sena da Silva.73
O terceiro e ltimo destes espetculos do Teatro do Centro Universitrio da
Mocidade Portuguesa74, com a participao de Rebelo, teve lugar no incio de Janeiro
de 1945, com a repetio de O Doutor Sovina, que j constava do programa do segundo
espetculo, seguido de nova pea de Rebello, Jogo para o Natal de Cristo, ...de elevada
emoo religiosa..., mais uma vez encenada por Ribeirinho, interpretada por Canto e
Castro, Jos Pisany Burnay, Lino Ferreira, Palma da Silva, Jos Dias Gabriel, Jos
Maria Teixeira e as alunas do Conservatrio, Slvia Velez, Olvia Castro e Maria Cello.
A msica, mais uma vez, foi composta por Jos Joly Braga Santos75.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!69!Falco,!Miguel,!Espelho(de(ver(por(dentro,(o(percurso(teatral(de(Alves(Redol,!Doutoramento!em!Estudos!Teatrais,!ULf!Faculdade!de!Letras,!2005,!p.208.!70!Rebello,!opus(cit.!p.!79.!71!Vida(Mundial(Ilustrada,!25!de!Janeiro!de!1945.!Um!primeiro!anncio!tinha!sado!j!na!mesma!revista!a!4(de(Janeiro.(72(Id.!Os!doze!scios!fundadores!do!Circulo!foram:!Antnio!Alves!Redol,!Antnio!Vitorino,!Arquimedes!da!Silva!Santos,!Eduardo!Scarlatti,!Gino!Saviotti,!Graziela!Saviotti,!Jorge!de!Faria,!Lus!Francisco!Rebelo,!Manuel!de!Carvalho,!Manuela!de!Azevedo!e!Vasco!de!Mendona!Alves.!73!Antnio!Sena!da!Silva!(1926f2001),!arquiteto!e!artista!plstico!e!polgrafo!portugus.!74!Aco,!n196,!18f01f1945.!75!Aco,(id.!
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! 25!
Em finais de 1944, Lus Francisco Rebello comeou a colaborar no Aco, como
crtico de teatro, em paralelo com Rodrigo de Melo76. A primeira dessas participaes
ter sido a crtica ao Othelo de Shakespeare, no incio de Fevereiro, que Rebello intitula
Othelo, o mouro de Veneza est no teatro D. Maria II, eu no aplaudi77. Esta
primeira crtica referenciada, extremamente documentada, foi muito negativa para o
espetculo e para as interpretaes. No final de uma outra crtica, publicada no ms de
Maro78, desta vez pea de Marcel Paol, Fanny, em cena no Teatro da Trindade,
Rebello insere um post scriptum. aludindo a afirmaes caluniosas, a ele dirigidas, por
um cronista radiofnico, que Rebello no releva, encolhendo os ombros (depreende-se
ser Rodrigo de Melo o cronista em questo). Segue-se uma violenta troca de acusaes
entre os dois, provocada talvez por Rebello ser muito custico e direto nas suas crticas,
talvez por causa da sua juventude, talvez ainda pelo nvel elevado das citaes eruditas
nas quais apoiar as suas opinies e, provavelmente por Rodrigo de Melo as ter visto
como oriundas de um jovem crtico concorrente, contra o qual dificilmente conseguiria
competir, apesar de ser um crtico muito considerado e de, mais tarde, vir a participar
como autor num dos primeiros espetculos do Salitre.
No incio de Abril79, num P.S. agora de Rodrigo de Melo, e respondendo s
observaes de Rebello, percebe-se que Melo acusa Rebello de ter plagiado uma crtica
de uma revista francesa para a redao da sua crtica sobre a obra de Shakespeare.
Igualmente acusa Francisco Rebello de se ter inspirado em Jeanne dArc au Bcher, de
Paul Claudel, para algumas sugestes cnicas, em particular uma mscara de porco, do
Jogo para o Natal de Cristo, que foi muito aplaudida pela crtica. No foi possvel
averiguar se eram ou no justas as acusaes feitas a Rebelo, mas, de qualquer modo, no
nmero seguinte do Aco, a 12 de Abril, Lus Francisco Rebello d uma lio de
histria do teatro, num artigo intitulado Histria Tragicmica de Dois Plgios,
desmontando toda a argumentao de Rodrigo de Melo. Termina o artigo com um P.S.
em que, entre outros tericos do teatro, cita Gino Saviotti.
A polmica entre os dois crticos aparentemente termina aqui, e tanto Rodrigo de
Melo como Rebello conservaro os seus lugares de colaboradores do semanrio,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!76!Rodrigo!de!Melo!(1911f1952),!poeta,!dramaturgo!e!crtico!teatral!portugus.!77!Aco,!n201,!22f2f1945.!78!Id.,!n!203,!8f3f1945.!79!Id.,!n!207,!5f4f1945.!
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! 26!
continuando Lus Francisco Rebello a publicar os seus contos, em simultneo com as
crticas de teatro, sempre muito bem documentadas e muitas vezes agrestes, para as
peas, autores, tradutores e at para os crticos teatrais.
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!!
! 27!
Uma imprudncia, ou talvez no.
Em cada portugus ntegro h um poeta lrico; e cada poeta lrico um dramaturgo que se ignora
Eduardo Scarlatti80
Em Agosto de 1944, foi publicado o Paradoxo sobre o teatro81, pequeno livro
que pretendia ser de teorizao teatral, assinado por Gino Saviotti e escrito em Maro
desse ano, conforme informao do autor. , porventura, o primeiro de um conjunto de
textos orientadores das intenes que levaram criao, em 1946, do Teatro Estdio do
Salitre.
Trata-se de um texto em forma de dilogo, colocando principalmente em
confronto, dois interlocutores e onde intervir, j no final do livro, uma jovem
interlocutora que, por ser senhora levantar a questo do guarda-roupa, considerado
um elemento muito importante da mise en scne que vocs, os homens, no consideram
como merecia...82.
Toda a obra remete para uma primazia da forma sobre o contedo do espetculo
de teatro, que no difere, no essencial, das ideias que Saviotti defendeu em Itlia, nos
anos 20 e 30, na qualidade de crtico literrio, em vrias revistas da especialidade,
referindo-se, na altura, literatura e no ainda ao espetculo teatral83.
Logo no incio do texto, o primeiro interlocutor utiliza algumas frases, no
referenciadas por Saviotti, textualmente retiradas de uma crtica84 de Joo Pedro de
Andrade85, sada em Fevereiro, sobre a pea Dulcineia ou a ltima aventura de D.
Quixote, de Carlos Selvagem. Este facto pode indiciar que Gino Saviotti possa ter
tomado a opinio do crtico como o paradigma de uma opinio mais alargada.
Conhecendo a obra de Lus Francisco Rebelo, tambm ele podia assumir esse papel,
alis mais prximo do adjetivo de jovem amigo. Rebelo era vinte anos mais novo que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!80!Scarlatti,!Eduardo,!A(Religio(do(Teatro,!Lisboa,!Ed.!tica,!1945,!p.!9.!81!Saviotti,!Gino,!Paradoxo(sobre(o(teatro,!Lisboa,!Editora!Argo,!Agosto!1944.!82!Id.!p.70.!83!Pound!(34)!Barille!(390).!84!Seara(Nova,!n!861!de!12!de!Fevereiro!de!1944.!85!Autor!dramtico,!ensasta,!crtico!literrio!1902f1974.!
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! 28!
Andrade. No Paradoxo e sob o pseudnimo de Srgio Vidor, Saviotti encarna o papel
de segundo interlocutor.
Joo Pedro Andrade ir demarcar-se de forma veemente desta eventual posio
de protagonista na crtica que, trs meses depois da sua publicao, far ao Paradoxo,
alis nica crtica encontrada a propsito do livro de Saviotti. 86
O mote para todo o dilogo dado logo nas primeiras pginas; est realmente
convencido que, para dar nova fora aos palcos portugueses, sejam precisas grandes
obras, repletas de elevao cultural? Creio antes o contrrio,87 e uma outra afirmao,
tambm ela recorrente no pensamento de Saviotti; ...Quem criou o teatro, nos tempos
remotos? () foi a multido mais humilde, sob o impulso de sentimento elementar por
excelncia, menos cultural, anti-intelectual - o da F88
Joo Pedro de Andrade89 considera serem opinies exageradas, prprias a dar ao
texto uma conflitualidade que o torne mais vivo e atraente. Pode, no entanto, colocar-se
a hiptese de estas ideias traduzirem, sem muito exagero, as reais opinies de Gino
Saviotti, j que foram encontradas afirmaes semelhantes em textos posteriores e aos
quais ser feita referncia. O dilogo entre os dois interlocutores continua; quem
eram os autores dos maiores dramas sacros? () Nada mais que frades franciscanos,
humildes ao mximo, e inimigos declarados da cultura...90 e logo a seguir, o
contedo ideal, cultural e de pensamento no tem importncia nenhuma...91.
Por outro lado, o conceito teatro, que se pretende definir, por si prprio
definido, tornado o discurso circular e sem grande nexo; o interesse primordial do
teatro est em si prprio, no facto de ser92. Para a noo de sentido do teatro, a que o
autor recorre com frequncia, no dada igualmente uma explicao clara, ficando
Saviotti por vagas abstraes, gosto da projeo cnica ou intuio lrica, por exemplo.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!86!Seara(Nova,!n!902,!de!25!de!Novembro!de!1944.!Saviotti!fala!de!uma!outra!referncia!ao!seu!livro,!feita!por!Joo!Gaspar!Simes,!mas!no!foi!possvel!localizfla.!87!Saviotti,!opus!cit,!p.!6.!88(Id.!p.!7.!89!Seara(Nova,(Id.!90!Saviotti,!opus(cit.!p.8.!91!Id.!p.!12!92!Id.!p.!9!
-
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! 29!
Como afirmar anos mais tarde Jorge de Sena, o brincar com coisas srias como o
convencionalismo teatral tem dado tintas progressistas a muito conformismo93.
Por fim, um pequeno fragmento do dilogo, esse sim, totalmente paradoxal, se
se tiver em considerao a futura criao do Micro Teatro;
Segundo Interlocutor - [] Num teatro particular - diz Diderot - em que o
espectador est quase ao nvel do ator, as verdadeiras personagens dramticas
pareceriam enormes, gigantescas [].
[]
Primeiro Interlocutor - Em suma para si os pequenos teatros no so teatros.
Segundo Interlocutor - Exatamente. E por isso mesmo, precisando criar-se a
iluso de s-lo, acabam por acolher as coisas mais extraordinrias [] para
enganar o espectador, atordoando-o, desnorteando-o94
Por mais paradoxal que isso possa parecer, dois anos aps este texto
programtico, Gino Saviotti fundar um teatro privado onde os espectadores estavam de
facto ao nvel dos atores.
Por outro lado, difcil imaginar, depois destas peremptrias afirmaes, acima
citadas, do Paradoxo sobre o teatro, como possa ter sido levado cena o Filipe
Segundo, de Vittorio Alfieri, exibido no terceiro espetculo, representado para uma
centena de pessoas, num palco de cerca de 20 metros quadrados, em cima de um estrado
com 50 centmetros de altura.
S por curiosidade, na sua alocuo introdutria ao segundo espetculo, Antnio
Pedro, que tinha 1,85 m, ficou com a cabea a roar a bambolina rgia, se pudermos
designar assim uma pequena prancha de madeira de 30 centmetros de altura que
delimitava a parte superior da boca de cena. No foi, de modo nenhum, um crime
teatral. Foi certamente uma imprudncia, ou uma inconscincia, que dever ser tomada
em conta na anlise deste projeto de estdio teatral.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!93!Sena,!Jorge!de,!7(Espetculo(essencialista,(Teatro(Estdio(do(Salitre,!Seara!Nova,!Ano!XXVII,!n!1091,!26f06f1948,!cf.!Do(Teatro(em(Portugal,!Lisboa,!Edies!70,!1988,!p.!125.!!94!Saviotti,!opus(cit.!p.63f4.!!
-
! 30!
O Paradoxo sobre o Teatro , de algum modo, a primeira verso, aqui e ali
modificada, das ideias mestras do Manifesto do Essencialismo Teatral, suporte terico
do Teatro Estdio do Salitre. Joo Pedro de Andrade, na sua crtica ao Paradoxo, ir
utilizar um tom condescendente e diplomtico nas consideraes que tece ao opsculo
de Gino Saviotti. Fica claro, na leitura da crtica, que Joo Pedro de Andrade no
partilha a opinio expressa por Saviotti, de que o contedo ideal, cultural e de
pensamento95, no seja a coisa mais importante duma obra teatral; ...Portugal no um
pas onde se possa menosprezar a inteligncia, e muito menos atac-la...96. Tambm na
mesma crtica pode ler-se, um pouco mais frente; ...se o teatro arte e espetculo, ele
cumulativamente, ou antes consequentemente, elemento cultural...97.
Joo Pedro de Andrade consegue afastar-se em absoluto das ideias expressas por
Gino Saviotti, com uma delicadeza e educao que lhe so caractersticas. Lembra, no
entanto, que ele prprio, em artigo de fundo sado na Seara Nova em 194098, intitulado
Sobre as possveis causas da crise mundial do teatro, tambm refletia sobre os excessos
de intelectualismo de alguns dos dramaturgos dos anos vinte e trinta, artigo esse que,
segundo Joo Pedro de Andrade, poderia responder tese preferida do diretor do
Instituto Italiano de Cultura sobre as razes de um possvel desinteresse das massas pelo
teatro.
Em 1943, Gino Saviotti tinha j publicado uma Pequena Histria da Esttica,
sem que se vislumbre claramente as razes de uma tal publicao. Pode colocar-se a
hiptese de Saviotti visar simplesmente uma possvel aceitao, pelo corpo
universitrio, do seu currculo para professor na Universidade. Aureliana Strulatto, no
seu artigo sobre Saviotti, j citado, afirma: formatosi negli anni precedenti la grande
guerra in scuole a indirizzo classico fino a laurearsi in lettere, dopo un approccio
troncato sul nascere presso una scuola tcnica, in seguito a una sospensione per motivi
dindisciplina99 Saviotti mantm sempre a verso de doutoramento e, em 1966, faz
referncia ao final do seu curso, juntamente com Luigi Russo, em que ser proclamado
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!95!Saviotti,!opus(cit,!p.!12.!96!Seara!Nova,!Id.!97!Id.!98!Id.!n!670,!de!15!de!Julho!de!1940.!99!Strulato,!Aureliana,!in.!Studi(novecenteschi,(revista(semestrale(di(storia(della(letteratura,!!Pisa,!Giardini!ed.,!XIV,!n!33,!giugno!1987,!p.!10.!
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! 31!
Dottori con pieni voti e lode100. Em Itlia como em Portugal, doutor um ttulo
genrico atribudo desde a licenciatura.
O pequeno livro, sobre histria da esttica, ser elogiado pelo professor Joaquim
de Carvalho, professor de Filosofia Moderna da Universidade de Coimbra, na curta
introduo que faz ao livrinho de Saviotti, em especial por este relembrar o pensamento
de Benedetto Croce.
Esta Pequena Histria da Esttica parece ser uma sequncia de consideraes
vagas e muito adjectivantes, opinies pessoais, sobre a histria das ideias e dos filsofos
que as produziram, com os dois ltimos captulos dedicados a Benedetto Croce, o qual
por outro lado, j em 1912 tinha escrito e publicado o seu Breviario di esttica. No
ter sido demasiado complexo para Saviotti falar sobre Croce, j que com ele conviveu
assiduamente, desde o fim da I Grande Guerra e at finais de 1919, e com o qual
continuou a manter contacto at 1937. justamente e sobretudo este aspecto da
evocao do filsofo italiano que o professor Joaquim de Carvalho ressalva com
interesse. A questo que se pode levantar, e que poderia ser interessante para o estudo
da sua personalidade, seria a da interpretao que Saviotti faz da obra e das ideias de
Croce, considerando que, para Saviotti, o filsofo italiano ter sido um dos autores que
mais influenciaram a sua maneira de pensar, como ele prprio confessa no seu Ricordo
di Benedetto Croce101, publicado em 1966, mas que no entanto no parece coincidir em
aspectos ideolgicos.
Depois deste opsculo de 1943, Gino Saviotti continuar a publicar pequenas
obras teorizantes sobre a Filosofia e a Esttica do Teatro. Em Agosto de 1944, como j
foi dito foi publicado o Paradoxo sobre o teatro.
Em Julho de 1945, j depois da sua admisso, a convite do governo portugus,
como professor do Conservatrio Nacional, Givo Saviotti editou nos Cadernos
Culturais da Editora Inqurito mais um opsculo, com o ttulo de Filosofia do Teatro102,
que mais no do que uma muito resumida histria do teatro, sem quaisquer datas ou
fontes, se exceptuarmos as breves referncias a Oscar de Pratt, Queiroz Veloso e Matos
Sequeira, no captulo dedicado a Gil Vicente, para alm de a pretender corrigir, de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!100!Saviotti,!Gino,!Ricordo(di(Benedetto(Croce,!in.!Estudos(Italianos(em(Portugal,!n27,!II,!1966,!p.7.!101!Id.!102!Saviotti,!Gino,!Filosofia(do(Teatro,!Lisboa,!Ed.!Inqurito,!1945.!
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! 32!
forma peremptria, algumas hipteses histricas sobre a obra do poeta e dramaturgo,
levantadas nomeadamente por Carolina Michalis, aqui tambm sem recurso ou
indicao de fontes.
A pequena obra, Filosofia do Teatro, precedida da transcrio da lio de
abertura do curso de Esttica Teatral e Filosofia do Teatro, dirigida Aos jovens atores e
atrizes portugueses103. Esta primeira lio toma a forma de um discurso erudito, por
vezes at de uma agressiva erudio, se se tiver em conta que era dirigida a jovens
recentemente sados do curso dos liceus, supondo que o mesmo era obrigatrio para o
ingresso no Conservatrio Nacional. Com uma tal plateia, parecem ser
pedagogicamente agressivas afirmaes do gnero; ...Quem no conhece o ditado
seiscentista em latim, acerca da comdia e do espetculo em geral, castigat ridendo
mores?.
No parece plausvel que, exceptuando Lus Francisco Rebelo que era
frequentador assduo do Conservatrio e que, por ser amigo de Saviotti, talvez estivesse
entre a assistncia, nessa primeira lio, qualquer dos alunos tivesse alguma vez ouvido
falar deste dito, da autoria do pedante e conservador Jean de Santeuil, em incios do
sculo XVIII.
Em 1949, Saviotti publicou uma Esttica do teatro104 em duas partes, a primeira
das quais uma cpia, ligeiramente alterada105, da sua Filosofia do teatro de 1945. Com
estas duas obras quase gmeas, ficariam preenchidos os requisitos bibliogrficos para a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!103!Esta!primeira!lio!comea!com!um!curioso!pargrafo:!Houve(pocas(em(que(os(atores(eram(ignorantes(e(grosseiros.(O(pblico(divertiaDse(com(as(suas(habilidades(cnicas,(mas(desprezavaDos(e(no(eram(admitidos(na(sociedade.(Quando(o(ator(morria,(a(Igreja(julgavaDos(indignos(at(de(sepultura(em(lugar(sagrado.(Foi(este(o(destino(de(Molire.!Certamente!Saviotti,!involuntariamente,!descorou!na!ambiguidade!do!pargrafo!no!seu!todo,!em!relao!a!Molire.!Por!outro!lado,!se!!verdade!que!em!Frana!no!sc.!XVII,!os!comediantes!como!excomungados,!no!eram!sepultados!em!lugar!sagrado,!no!caso!do!grande!dramaturgo,!ele!era!entusiasticamente!aplaudido!e!acarinhado!pelo!pblico,!razo!pela!qual!a!igreja!francesa!se!viu!na!obrigao!de!autorizar!que!JeanfBaptiste!Poquelin!fosse!sepultado!no!cemitrio!de!SaintfJoseph,!em!Paris,!pesem!embora!dvidas!histricas!se!a!sepultura!foi!de!facto!em!lugar!sagrado!ou!em!terrenos!adjacentes.!104!Saviotti,!Gino,!Esttica(do(Teatro,!Lisboa,!Portuglia!Ed.,!1949.!105!Semelhanas!entre!a!Filosofia(do(teatro!(FT)!e!a!Esttica(do(teatro!(ET);!Prefcios!idnticos,!com!a!lio!de!abertura!dirigida!aos!jovens!atores!e!atrizes!portugueses,!terminando!em!ET!no!penltimo!pargrafo,!desta!vez!sem!indicao!de!data.!I!Captulo!f!Reproduo!na!integra!com!nfimas!variantes!entre!FT!p.19!e!ET!p.!24!desde!Quero(dizer!at!ao!final!do!captulo!FT!p.!28,!ET!p.!32.!II!Captulo!em!FT!p.!33!e!ET!p.!33,!transcrio!do!texto!desde!Quanto(a(Roma!at!diferente(do(seu.!FT!p.34!e!ET!p.35!e!os!finais!dos!captulos!so!idnticos.!FT!pp!34!ET!pp!39.!Os!Captulos!de!III!a!VIII!so!rigorosamente!idnticos!em!Ft!e!ET,!com!a!ablao!do!ltimo!pargrafo!em!ET,!no!VIII!Captulo.!Em!ET!surge!uma!parte!segunda,!sobre!o!teatro!moderno,!que!no!existe!em!FT.!
-
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! 33!
disciplina de Esttica Teatral e Filosofia do Teatro, que leccionava na Seco de Teatro
do Conservatrio.
Saindo, mais uma vez fora, dos limites temporais do Teatro Estdio do Salitre,
talvez venha a propsito referir uma outra polmica jornalstica, alguns anos depois,
envolvendo Gino Saviotti e o ator Assis Pacheco, sobre a renovao do teatro
portugus, em Setembro de 1947. Tinham passado apenas trs meses aps a sada de
Lus Francisco Rebelo do Salitre, que ocorreu em Julho, pelas razes por ele prprio
confessadas; ...O rumo conformista que se anunciava, e que a maioria das funes
seguintes viria a confirmar, [], levou-me a dissociar-me, no sem mgoa, do projeto
que com tanto entusiasmo abraara.106
O episdio em referncia pode ajudar, de certo modo, a compreender um pouco
melhor o que se passava, de um ponto de vista terico, no teatro portugus dos anos
quarenta, e igualmente enquadrar a posio de Saviotti no meio teatral lisboeta,
aparentemente no totalmente consensual. Jorge de Sena ir, por seu lado e num outro
contexto, referir uma certa dificuldade de Saviotti em aceitar crticas menos favorveis
s suas iniciativas e, em particular, em relao aos espetculos do Teatro Estdio do
Salitre; ... Se, no Teatro do Salitre, a averso pela crtica livre to grande qual
apenas o amor pelo xito mundano, sem dvida que parte disso podemos atribuir a
alguns bacilos persistentes, na casa, de um regime epidmico, segundo uns, ou segundo
outros, endmico...107.
A polmica com Assis Pacheco teve incio aps ter sido publicado um artigo de
Gino Saviotti, em O Sculo108, no qual o autor se insurge contra algumas justificaes
que so avanadas como causadoras da crise do teatro em Portugal, em particular a ideia
de alguns que afirmavam ser necessria uma nova sociedade capaz de criar um novo
teatro. Saviotti considera esta ideia despicienda, no sendo mais que uma linda maneira
de justificar a inrcia. Voluntariamente ou por distrao, Gino Saviotti no vai ter em
conta, na sua anlise, a realidade portuguesa nesse a ano de 1947; a invaso policial da
Faculdade de Medicina e o saneamento poltico de vrios professores universitrios,
entre muitas outras aes repressivas. Em suma, no vai atribuir qualquer importncia a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!106!Rebello,!Luz!Francisco,!O(passado(na(minha(frente,!opus!cit.!p.!85.!107!Sena,!Jorge!de,!5!Espetculo(essencialista,!opus!cit.!p.!81.!!108!O(Sculo,!14!de!Setembro!de!1947.!
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! 34!
esta cada vez maior perda da liberdade da sociedade em geral e por arrastamento do
teatro.
O ator Assis Pacheco, numa irnica resposta a este artigo, publicada no jornal
Repblica109 da semana seguinte, acusa Saviotti de uma manifesta incompetncia, como
encenador, a coberto da to apregoada renovao teatral. Assis Pacheco conclui que;
...como o prof. Saviotti no pde, com certeza, auxiliar [] na renovao do Teatro na
sua terra, generosamente tenta faz-la entre ns.
Uns anos mais tarde, ser esta aparente incompetncia que levar Rogrio Paulo
a abandonar o Teatro de Sempre, no qual Gino Saviotti assumia a direo artstica110.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!109!Repblica,!19!de!Setembro!de!1947.!!110!Carta!endereada!por!Rogrio!Paulo!a!Csar!Moreira!Batista,!Secretrio!Nacional!da!Informao,!em!29!de!Maio!de!1959,!ref!arquivstica!PT/MNT/FT/79.!
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! 35!
Um outro hiato biogrfico, mais complexo.
a dash of barbarism in our excessive civilization: a fine restorative... 111
Na sequncia das informaes recolhidas sobre Gino Saviotti, uma pergunta
afigura-se necessrio para se entender melhor algumas possveis causas, da formao
em 1946, do Teatro Estdio do Salitre.
Quem era de facto Gino Saviotti, e qual a sua imagem pblica em Portugal no
perodo conturbado da Segunda Guerra Mundial e no imediato ps guerra?
Tentar-se- muito brevemente traar um possvel retrato, mesmo que provisrio,
do diretor do Instituto Italiano de Cultura de Lisboa.
Em 1943, Gino Saviotti era um muito respeitvel e respeitado diplomata italiano
de cinquenta anos, com uma esplndida imagem, muito bem vestido, usando
frequentemente fraque ou casaca, com um cantante sotaque caracterstico, um homem
alto, num Portugal de pequeninos, magro, nervoso e inteligente112, usando um pequeno
bigode quadrado no meio do lbio, muito em voga na poca, monculo e um cachimbo
sempre aceso113, deixando sua volta um aroma extico e agradvel de tabaco de
qualidade.
Com uma elocuo gil, fcil e encantadora, de homem do mundo, Saviotti tinha
sido em Itlia, desde finais da primeira guerra mundial e durante quase vinte anos,
crtico literrio em vrias revistas da especialidade. Habituado a conviver de perto com
as figuras mais destacadas do regime portugus e, portanto, sagaz conhecedor das suas
grandezas e misrias, no difcil acreditar que tivesse tido um muito bom acolhimento
na vida mundana e mesmo no meio intelectual, do Porto e de Lisboa, merc de um boa
aceitao social por parte da alta sociedade que, talvez por acreditar nas enormes
virtudes de um pas rural tambm ela sofria de um provincianismo europeiamente
suburbano.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!111!Waine!Pound,!opus(cit.!Vrias!vezes!citada,!esta!frase!foi!atribuda!nos!vrios!documentos!consultados,!por!vezes!a!Gino!Saviotti,!outras!vezes!a!Ezra!Pound.!O!assunto!ser!visto!posteriormente.!112!A.!Strulatto,!opus(cit.!113!Rebello,!Luz!Francisco,!O(passado(na(minha(frente,!opus(cit.!p.!79.!
-
! 36!
Nas pesquisas levadas a cabo, depara-se um quadro, no mnimo paradoxal, j
que foram encontrados textos claramente elogiosos a seu favor e, paralelamente, textos
altamente negativos quanto ao seu percurso profissional e poltico.
As primeiras informaes encontradas foram parcas e circunscritas referncia
que, a seu respeito, feita na Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura: Professor,
escritor, autor teatral, encenador [] doutorou-se em Letras e Filosofia pela
Universidade de Pisa. Desde 1939 que vive em Portugal, tendo sido encarregado pelo
governo italiano de dirigir em Lisboa o Instituto Italiano de Cultura. Seguia-se
informao sobre algumas das suas obras e sobre atividades ligadas ao teatro em
Portugal. Estas informaes so confirmadas pelas referncias a Saviotti feitas por Lus
Francisco Rebello, no s na sua Evocao de Gino Saviotti, de 1981114, como tambm
no seu livro de memrias, publicado em 2004, O passado na minha frente115.
No decorrer da investigao, foi possvel, no entanto, aceder a alguns artigos
publicados a partir de 1980, bem como um artigo anterior a esta data, referentes a
Saviotti. Estes documentos permitem conhecer um pouco melhor a sua histria e nela
delimitar dois perodos temporais bem distintos.
Um perodo muito extenso e aparentemente muito pouco conhecido, de perto de
cinquenta anos, desde o seu nascimento, em 1893, at Julho de 1943, data que coincide
com a priso de Benito Mussolini e o consequente incio da derrocada do regime
fascista italiano.
Um segundo perodo, de cerca de trinta e sete anos, entre 1943 e a data da sua
morte, em 1980, e que corresponde, grosso modo, referncia a seu respeito inserta na
Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura.
Se o segundo perodo por demais conhecido e, por isso, no parece ser
necessrio a ele fazer mais amplas referncias, o primeiro perodo da sua vida, pelo
contrrio, pela escassez de informaes nos arquivos portugueses e na memria dos que
com ele conviveram, merece algumas consideraes. Gino Saviotti, ... was a well known
figure in the world of the Italian literary reviews of the thirties and forties, but after
1939, when he moved permanently to Portugal, he began to pass from mens memories, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!114!Rebello,!Luz!Francisco,!Evocao(de(Gino(Saviotti,!in!Estudos!Italianos!em!Portugal,!Lisboa,!1981,!n.!43f44,!pp.!9f13.!115!Rebello,!opus(cit.!
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! 37!
at least in Italy...116. Desde muito jovem, foi habituado a frequentar as salas de
espetculo, contactar de perto com atores e msicos conhecidos do seu pai, como ele
prprio relata no seu, Conheci de perto Pietro Mascagni e Gicomo Puccini117. O teatro
era, em finais do sculo XIX, nas cidades italianas de provincial, quase o nico
divertimento publico118.
Enquanto estudante de Letras, interessou-se por poetas como Petrarca, Giacomo
Leopardi, Edgar Allan Poe, Baudelaire e scar Wilde119. Em 1916 publica um livro de
poesia, atividade que abandonar, a conselho de Benedetto Croce, para se dedicar em
exclusivo, a partir de 1920, carreira de crtico literrio, insurgindo-se, num dos seus
primeiros artigos, contra o charlatanismo de Gabriele DAnnunzio. Tornou-se editor de
revistas literrias, como Pagine critiche, em 1921, e, em 1930, comea a editar a
polmica revista LIndice, em parceria com o poeta e crtico americano Ezra Pound, o
qual confessamente se identificava com a ideologia fascista e que, por isso mesmo, ser
preso no fim da guerra pelas tropas norte-americanas, acusado de alta traio.
So contraditrias as opinies dos historiadores, a cujos artigos foi possvel
aceder, sobre as grandes linhas de orientao da revista LIndice, da qual Gino Saviotti
era o diretor e, por esse facto, o principal responsvel pelas grandes opes editoriais.
Saviotti citado por Antnio Gramsci120 como um dos muitos autores que
escreveram recorrentemente sobre o carter antipopular, ou pelo menos no popular, da
literatura italiana. Para esta sua opinio, Gramsci apoia-se, por um lado, num artigo da
revista LItalia Letteraria, no qual Saviotti faz um rasgado louvor a Giuseppe Parini,
poeta italiano do sc. XVIII, por este ter; ... feito uma transfuso nas suas ridas veias
(da poesia italiana), do seu bom sangue popular...121, e, por outro lado, no tema central
do romance de Saviotti, Mezzo Matto, com a qual obteve uma parte122 do prmio
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!116!Pounds,!Wayne,(opus(cit..!117!Saviotti,!Gino,!Conheci(de(perto(Pietro(Mascagni(e(Gicomo(Puccini,!in!pera,!Lisboa,!editorial!Polis,!n12,!Abril!de!1971,!pp.!2f5.!118!Id.(119!Id.!120!Gramsci,!Antonio,!Selection(from(cultural(writings,(32.(Gino(Saviotti,!London,!(elecbook)!David!Forgacs,!1999!(ed!.London,!Lawrence!&!Wishart,!1985).!121!Id.!122!Com!esta!observao!Gramci!parece!tentar!depreciar!a!atribuio!do!prmio.!Outros!autores!como!Rebello,!Tabucchi,!Strulato!e!Waine!Pound,!no!usam!o!mesmo!tipo!de!desvalorizao,!referindo!apenas!ter!sido!atribudo!a!Saviotti!o!prmio!Viareggio,!bem!como,!dois!anos!depois,!o!prmio!Fusinato,!com!um!outro!romance,!Il(fratello.!!
-
! 38!
Viareggio, em 1934, em que um homem do povo tenta tornar-se um intelectual
profissional, para no ser mais do povo, o que Gramci considera ser: essentially an
anti-popular subject in which caste is exalted as a model of superior life: the oldest
and stalest part of the Italian tradition123.
A opinio de Gramsci no consensual. No seu estudo sobre Gino Saviotti,
Aureliana Strulato124 sugere que talvez Gramsci no tenha lido o romance, mas apenas
uma recenso, e que, por isso, lhe tenha escapado que a escolha da arte, por Gialcanto, o
personagem principal e protagonista do romance, no era fruto de uma oportunista
ascenso social ou cultural...125, mas sim de uma permanente procura de amor e de
amizade, coisas que, para Strulatto, no se prestam a qualquer tipo de clculo. A
personagem de Gialcanto, merc da forma como vive os sentimentos, procura na arte o
nico meio de encontrar um equilbrio interior, bem como de dar forma aos seus sonhos
e fantasias126.
Um olhar mais atento, entre outros, aos trabalhos de Wayne Pounds sobre a
relao de Saviotti e Ezra Pound, ao estudo de Laura Barile sobre a revista LIndice e ao
estudo de Aureliana Strulato sobre a vida e obra de Gino Saviotti, j anteriormente
citados, podem ser de alguma ajuda, muito particularmente para compreender as
motivaes profundas, e as ideias de Saviotti, as razes da associao editorial e da
amizade que o ligaram a Ezra Pound desde o lanamento da revista LIndice, em 1930,
e, j depois da sua chegada a Portugal, a constituio da improvvel parceria que, em
1946, ir fazer com Lus Francisco Rebello e com Vasco de Mendona Alves para a
criao do Teatro Estdio do Salitre.
Sem alongar demasiado, torna-se evidente nos referidos artigos, que tanto
Gramsci como Barile acusam claramente Saviotti de uma aproximao aos ideais do
Partido Nacional Fascista. Barile classifica a revista LIndice como uma folha
provinciana, fechada, empenhada a defender a sanidade moral italiana contra a
experimentao afrancesada. Cita Angioletti127, o qual, aps a revista de Saviotti
concentrar ...toda a sua energia na mesquinha e encarniada disputa com a Itlia
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!123!Id.!124!A.!Strulato,!opus.(cit..!125!Id.!p.!38!126(Id.(127!Giovanni!Battista!Angioletti!(1896f1961),!jornalista!e!escritor!italiano,!director!da!revista!L'Italia!letteraria,!entre!1929f1932.!!
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Literria...128, responde acusando os membros do LIndice de serem ...um bando de
medocres e desgostosos hipcritas moralistas, presunosos e arrivistas, que gostariam
de impor a toda a Itlia ideais de sabedoria rural, qualificando Saviotti de
...pequeno professor intrigante e vaidoso, crtico sem gosto e escritor medocre....129
A estas opinies radicais de Gramsci e Barrile, contrapem-se as de outros
historiadores que apontam em sentido bem diferente. A. Strulato, por exemplo, afirma
que Saviotti atravs de uma produo variada, de crtica, romance e teatro, sempre
tentou dar dignidade e valor aos ...ideais de liberdade de esprito e ao amor individual e
coletivo...130. Waine Pound, por seu lado, peremptrio ao afirmar que apesar do nfase
dado por Saviotti clareza e honestidade da literatura, e apesar da sua oposio a uma
linguagem decorativa, opinies porventura semelhantes retrica do regime de
Mussolini, s isso dificilmente faz dele um fascista, tanto mais que, segundo Pound,
toda a sua carreira como editor foi caracterizada por uma permanente frico com o
poder institudo, desde as publicaes das Pagine Critiche, de Parma, em que era
financiado por vrios antifascistas, at s investigaes policiais feitas nos locais
frequentados por Saviotti, tentando encontrar material comprometedor131.
No decorrer da investigao para esta dissertao foram sendo encontrados,
muitas vezes de forma imprevista, textos que, saindo aparentemente fora do seu mbito
podem, pela forma e pelo contedo, ajudar a esclarecer alguns aspectos da
personalidade e do pensamento de Gino Saviotti e, assim, ajudar a responder aos
objectivos desta dissertao. Por outro lado, podendo tratar-se de dados, at certo ponto
inditos, para o estudo das origens do Teatro do Salitre, foram sendo referenciados nos
diversos contextos.
o caso do contedo e da forma do ltimo captulo da sua Storia della
letteratura italiana 132, publicada em 1939, ano da vinda de Saviotti para Portugal. De
facto, as ideias expressas neste ltimo captulo, parecem no deixar margem para
dvidas sobre as orientaes ideolgicas de Gino Saviotti no incio da segunda guerra
mundial, na qual a Itlia ter um papel de primeiro plano. No s contradizem, em
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!128!L.!Barile,!opus.(cit.!p.!402.!129!Id.!130!A.!Strulato,!opus.(cit.,!p.!10.!131!Waine!Pound,!opus.(cit.!132!Saviotti,!Gino,!Storia(della(letteratura(italiana,!Milano,!Ed.!Est,!1939.!
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grande parte, as concluses a que Waine Pound e Aureliana Strulatto sobre ele
chegaram, j anteriormente expressas, como parecem ser importantes para se
compreender alguns aspectos da forma como Saviotti via a literatura e a arte.
O captulo a que se faz aluso tem, como todos os outros captulos do livro, o
nome do autor de que se falar, e foi esse aspecto, numa obra sobre a literatura italiana,
que mais chamou ateno. Este ltimo captulo dedicado ao contributo inovador
dado por Benito Mussolini literatura italiana contempornea. (Como noutros casos em
que a traduo para portugus foi manifestamente complexa, o sentido geral do excerto
no original parece claro, pelo que se optou pela transcrio do texto original):
...Quel che Crispi ed Oriani sognarano per attuarlo - maturatisi i tempi e
rinvigorita con la grande guerra vitoriosa lanima del popolo italiano - Benito
Mussolini. [] Tutto il movimento ideale che abbiamo visto formarsi agli albori del
Risorgimento133, e via via svilupparsi, dando origine ad opere non propriamente
letterarie eppure belle per la naturale fusione del sentimento e dellespressione da cui
reso in modo plastici; quel movimento trova il suo punto di arrivo in lui, sai come uomo
dazione che come scrittore. Mussolini soprattuto oratore, e come tale ha dado alla
letteratura italiana contempornea uno stile nuovo, tipicamente novecentesco
O ltimo encontro entre Saviotti e Ezra Pound deu-se em 1959. Pound foi preso
em Itlia, em 1945, e