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1. INTRODUÇÃO
O conceito de espaço vem sendo abordado pela Geografia sob diferentes
abordagens nas suas correntes de pensamento, desde a geografia tradicional até as
mais recentes como a geografia humanista e cultural.
Nas palavras de Correa (2003), a Geografia Humanista assenta-se na
subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na experiência e no simbolismo,
privilegiando o singular e não o particular ou o universal. Nesse contexto o lugar passa
a ser o conceito mais relevante, enquanto que o espaço adquire a conotação de espaço
vivido.
Tal vertente do pensamento geográfico encontra na fenomenologia seu
suporte filosófico, pois analisa a apreensão das essências através da experiência vivida
e adquirida, não considerando o mundo independente do ser humano. O sentimento de
pertença, a assimilação e a conseqüente incorporação da cultura local contribuem para
a formação da identidade dos lugares.
Portanto, essa concepção geográfica privilegia os significados e valores que
os homens atribuem ao espaço. Considera também pertinente o comprometimento do
pesquisador com o seu objeto de investigação, no momento em que ele passa a fazer
parte da pesquisa, adotando uma atitude de observador participante da realidade que
estuda. Por conseguinte, ocorre uma ruptura na oposição sujeito e objeto, bem como
entre ator e observador.
Dessa maneira, o espaço enquanto categoria de dimensão abstrata, deixa de
ser a referência central, pois o espaço vivido é a referência, aquele espaço que é
construído socialmente a partir da percepção das pessoas. Espaço vivido e interpretado
pelos indivíduos.
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O destaque ao espaço vivido coloca em referência o conceito de lugar. O
lugar, interpretado pela Geografia sob a concepção da fenomenologia, é considerado
mais do que o espaço. Ele é visualizado não como um lugar em si, um lugar objetivo,
mas como algo que transcende a sua materialidade, por ser repleto de significados.
Passa a ser o lugar concreto e único e que tem uma paisagem, mas uma paisagem não
apenas natural, mas cultural em sua essência.
Diante das proposições teóricas mencionadas, é importante destacar que o
desafio do presente trabalho consiste no interesse de sua autora em narrar alguns
aspectos do que foi experienciado no seu “mundo vivido”, na cidade onde nasceu. Sob
o seu olhar estão as particularidades do lugar enquanto espaço vivido. Por outro lado,
busca compreender o turismo enquanto um fenômeno que se realiza no espaço e
propõe algumas alternativas para que a sua ordenação espacial seja feita de uma
forma mais planejada.
O lugar investigado é a cidade de Poconé, localizada na porção centro sul
mato-grossense, na micro-região Alto Pantanal, que se encontra a uma distância de
104 km de Cuiabá, capital mato-grossense.
Quando se caminha pela cidade, percebe-se que a configuração do seu
espaço não difere dos demais núcleos que tiveram a sua ocupação no século XVIII.
Desde a entrada até o centro observam-se em suas ruas estreitas, praças e outros
elementos urbanísticos, alguns sinais de sua ocupação iniciada com a atividade
mineradora.
De todos os elementos urbanos da cidade de Poconé, este estudo privilegia
aqueles que ambientam os seus festejos religiosos e as suas manifestações folclóricas:
a praça, a rua, a igreja, o clube e outros representantes da sua paisagem cultural.
Com relação ao cenário econômico do município, destacam-se em sua
economia as seguintes fases: o ciclo do ouro por ocasião do seu processo de
ocupação, a atividade da pecuária que já o colocou entre os maiores produtores de
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bovinos do Estado e o ressurgimento, ainda que de forma desordenada, da mineração
aurífera.
Nos dias atuais o turismo surge como uma nova alternativa para o pecuarista
pantaneiro, que vê na atividade turística uma oportunidade de sobrevivência do seu
negócio já não mais viabilizado unicamente pela criação de gado.
Para uma melhor contextualização dos objetivos deste trabalho, é importante
mencionar que alguns aspectos já vinham sendo discutidos desde o ano de 1999,
durante o Curso de Graduação em Turismo. Os resultados auferidos no período 1999-
2001 constam na monografia intitulada Um olhar sobre o legado cultural de Poconé-MT:
um diferencial à atividade turística do município.
A indagação inicial, considerada o grande eixo norteador do estudo
mencionado, advém da contribuição de Pimentel et al (1998) que, através de uma
pesquisa efetuada na cidade, constatou que a maioria dos turistas quando se dirigiam
para o Pantanal, atração-âncora do município, não percebiam a cidade. Portanto, ela
funcionava apenas como “ponto de passagem" para o Pantanal, porém o homem
pantaneiro com as suas crenças e tradições que constituem a sua identidade, não era
percebido enquanto parte integrante do lugar.
Essa situação continua se configurando no presente, fato constatado na
Pesquisa de Demanda Turística, realizada no ano de 2005, nos municípios de Cuiabá,
Chapada dos Guimarães, Poconé e Várzea Grande, pelo Serviço de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas de Mato Grosso - SEBRAE-MT e o Centro Universitário Cândido
Rondon - UNIRONDON, demonstrando que, dentre os fatores motivadores da viagem
para o município de Poconé, os atrativos naturais foram os mais pontuados (72%),
vindo em seguida visitas a amigos e parentes (13,0%), atrativos histórico-culturais
(7,5%), manifestações populares (4,5%), estudo e pesquisa (2,0%) e eventos (1,0%).
Ainda que se entenda a evidência de ser o ecoturismo e o turismo rural os
dois segmentos turísticos que constituem a oferta mercadológica do município, é
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preciso que a cidade de Poconé, dentro desse contexto, seja percebida e interpretada
como um lugar onde ocorrem as representações culturais constitutivas da identidade do
homem pantaneiro.
Partindo-se da premissa de que a atividade turística propicia o contato entre
diferentes culturas, o que se propõe discutir é a importante e necessária relação que se
estabelece entre o turista e a cultura do lugar por ele visitado. Por outro lado, para a
comunidade, no momento em que se coloca aberta à visitação, que se expõe, se o
turismo for trabalhado de uma forma séria e responsável, rememorar as suas tradições,
o seu legado cultural, é uma atitude que contribui para fortalecer a sua identidade.
Nesse contexto, ao se lançar um olhar sobre as manifestações culturais que
ocorrem no espaço urbano poconeano, propõe-se identificá-las como uma alternativa
para que a comunidade possa oferecer aos visitantes a oportunidade de vivenciar
alguns componentes da sua cultura. Os tradicionais festejos religiosos de São Benedito
e do Senhor Divino, em seus componentes sagrados e profanos, constituem-se em uma
proposta de interpretação ao turista que se dirige ao Pantanal Mato-grossense.
O planejamento com base na interpretação, discutido em Murta e Goodey
(1995) e Murta e Albano (2005), é um caminho a ser trilhado por cidades que possuem
um conteúdo histórico e cultural rico em representações que, ao serem interpretadas,
além de possibilitarem ao visitante um olhar mais sensível em direção ao lugar que está
visitando, propiciam aos membros da comunidade o fortalecimento da sua identidade.
A primeira vez que a autora deste trabalho manteve contato com a
abordagem da interpretação foi durante os muitos estudos desenvolvidos durante a
graduação em Turismo, no período de 1998 a 2001, sobre a relação turismo e cultura.
Ao se defrontar com as inúmeras críticas feitas aos impactos produzidos pelo turismo
na cultura das comunidades locais, passou a se indagar sobre uma alternativa que
propiciasse a mediação dessa relação, às vezes conflituosa, entre o nativo e o turista.
Era preciso fazer com que esses dois olhares sobre o lugar se encontrassem. Foi
durante esses momentos de questionamentos acadêmicos, que se deparou, em
primeiro lugar, com a obra Interpretação do patrimônio para o turismo sustentado: um
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guia, de autoria de Stela Maris Murta e Brian Goodey, editado pelo Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais - SEBRAE-MG no ano de 1995.
Posteriormente, em 2005, amplia seus conhecimentos com a leitura de Interpretar o
patrimônio: um exercício do olhar, uma edição da editora da Universidade Federal de
Minas Gerais - UFMG, de autoria de Stela Maris Murta e Celina Albano.
Um outro aspecto importante de ser abordado é que, se por um lado, este
trabalho é um aprofundamento das indagações que resultaram na monografia de
conclusão do curso de graduação, por outro e mais especificamente, busca encontrar
na Geografia uma categoria conceitual que permita a leitura do espaço geográfico em
sua essência, nas vivências dos que lá habitam. Como já havia existido um contato com
o conceito de não-lugar, durante o transcorrer da graduação, tão discutido pelos
geógrafos que estudam o turismo e que provoca tantas indagações naqueles que têm
no turismo o seu principal objeto de estudo, constatou-se que era preciso conhecer e
apreender o conceito de lugar na base epistemológica da Geografia, para se tentar
construir uma relação mais humana nas relações do turismo com os lugares por ele
“apreendido”.
Definidos o objeto e os principais objetivos da pesquisa, é imprescindível
mencionar os procedimentos metodológicos adotados durante o processo de pesquisa.
Com o propósito de se fazer um exaustivo levantamento da bibliografia
existente que permitisse a sustentação teórica do tema, utilizou-se a pesquisa
bibliográfica notadamente no Capítulo I – As abordagens humanista e cultural na
Geografia, onde foram estabelecidas as principais linhas mestras da investigação,
através do conceito de lugar como espaço vivido e aportes teóricos da abordagem
cultural na Geografia, possibilitando estabelecer uma relação entre cultura e turismo,
fazendo-se uma leitura da cidade de Poconé enquanto lugar investigado.
Dentre os vários autores consultados durante o processo, privilegiou-se
aqueles que têm na Geografia sob a abordagem fenomenológica e cultural o seu objeto
de estudo. Para a compreensão do espaço enquanto lugar elegeu-se, em especial, as
obras Topofilia: Um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente e
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Espaço e lugar: a perspectiva da experiência de Yi-Fu Tuan, bem como artigos
elaborados por autores brasileiros como João Baptista Ferreira de Mello e Werther
Holzer. Com relação à geografia cultural, às manifestações da cultura no espaço, este
estudo prioriza a obra A Geografia Cultural de Paul Claval e trabalhos realizados por
pesquisadores brasileiros a partir da sua linha de abordagem. Foi importante também a
leitura de algumas obras relativas à Antropologia Cultural, levando-se em consideração
o caráter multidisciplinar do estudo do turismo, que tem na Antropologia assim como na
Geografia, ciências que contribuem sobremaneira para a formação teórica do
profissional da área.
Ainda, com relação à pesquisa bibliográfica efetuada que resultou no
capítulo abordado, é importante registrar a contribuição das obras editadas pelo Núcleo
de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura - NEPEC, do Departamento de
Geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, organizadas pelos
professores Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl, coordenadora do NEPEC, que
foram extremamente importantes no contexto. A participação no IV Simpósio Nacional
sobre Espaço e Cultura, realizado na UERJ, no período de 25 a 28 de outubro de 2004,
forneceu outros elementos indispensáveis a um contato maior com a base
epistemológica da Geografia.
A utilização da pesquisa bibliográfica foi importante não como uma simples
compilação de informações, mas porque possibilitou a compreensão de alguns
aspectos considerados fundamentais na epistemologia da Geografia, principalmente
para aqueles que não têm formação profissional na área. No caso deste trabalho, o
fundamental é a compreensão da categoria lugar em suas múltiplas abordagens,
possibilitando a leitura da cidade de Poconé enquanto lugar. Por outro lado, tentar
estabelecer na atividade turística um novo olhar do visitante sobre o lugar visitado, pois
para se ter uma relação mais intensa com um lugar é preciso vivenciá-lo.
O Capítulo II – A cidade de Poconé e suas particularidades, além de
caracterizar o lugar investigado em seus aspectos físicos e econômicos, evidencia
alguns fatos da sua trajetória histórica em seu processo de ocupação, contextualizando-
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os regionalmente. Ao evocar as particularidades da cidade, identifica componentes do
seu espaço urbano como as praças, as ruas, o clube e outros que, principalmente,
ambientam os festejos religiosos do Senhor Divino e de São Benedito.
As informações relatadas neste capítulo são fruto da utilização de duas
técnicas de pesquisa: a pesquisa bibliográfica e relatos orais. A pesquisa bibliográfica,
conforme relatado anteriormente, como suporte teórico. Quanto à história oral,
respaldada nos ensinamentos propostos em Haguette (1997).
Na pesquisa bibliográfica, a leitura de autores regionais permitiu a
contextualização da história local, complementada por depoimentos orais de alguns
entrevistados, além de relatos da própria autora. Das obras consultadas, destacam-se
as do memorialista J. Lúcidio N. Rondon, um dos primeiros autores locais a escrever
sobre o Pantanal e a cidade de Poconé. Buscou-se nas obras dos autores mais
contemporâneos, tais como nos poemas de Ângela Beatriz Moura da Silva Campos,
das dissertações de mestrado de Cristina Campos e Luiz Vicente da Silva Campos
Filho, além da história de vida de Antônio Dias de Moura narrada por Vera Maria Moura
Mendes e Clóvis Pereira Mendes Filho, apreender para que aspectos se dirigiam os
diferentes olhares sobre a cidade de Poconé.
A inserção das lembranças da autora e da sua família, quando são evocadas
as particularidades da cidade, encontram eco nas palavras do poeta pantaneiro Manoel
de Barros: “o que o olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê”. Respalda-se
também no que diz Tuan (1983) quando fala da cidade natal como um lugar íntimo, ou
quando define topofilia como um elo afetivo entre a pessoa e o lugar (Tuan, 1980).
Haguette (1997) quando discute as metodologias qualitativas de pesquisa,
menciona a observação participante como a técnica de captação de dados menos
estruturada das ciências sociais. Como esse tipo de pesquisa não supõe nenhum
instrumento específico para direcionar a observação, como um questionário ou um
roteiro de entrevista, o seu sucesso recai sobre os ombros do pesquisador. Portanto, se
o envolvimento afetivo pressupõe um comprometimento ainda maior quando se coloca
na posição de ator e observador, por outro lado, demanda uma preocupação de se
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isentar a pesquisa de digressões ufanistas causadas por um estreito sentimento de
afeição.
O conceito de cidade como a casa estendida do homem, possibilita a leitura
da cidade como lugar. É esta a concepção de cidade que norteia este estudo. Olhar
para a cidade não apenas como um espaço físico delimitado, mas como um espaço
percebido e vivido por pessoas que têm nas manifestações de sua cultura,
representações advindas, muitas vezes, de seus registros de memória, a oportunidade
não só de perpetuá-las, como também contribuir para a construção de sua identidade.
O Capítulo III, intitulado Os festejos religiosos do Senhor Divino e de São
Benedito, possibilita o contato com uma das mais significativas manifestações religiosas
e culturais do povo poconeano, considerado o eixo central da pesquisa. Dos autores
que possibilitaram a sua consistência teórica, destaca-se Zeny Rosendahl, além de
outros que possibilitaram outros olhares sobre a origem dos festejos em nível nacional e
regional.
Além da pesquisa bibliográfica, o fundamental para a sua contextualização
foi a utilização do método da observação participante durante a realização dos festejos,
não só pelo objetivo da pesquisa mas porque é tradição familiar participar nas festas, o
que facilitou a caminhada na trajetória a ser percorrida. Com relação aos relatos orais,
muitos deles constituíram-se em contribuições também de pessoas da família da autora
e outras ligadas ao universo pesquisado. Foi essencial ao se trabalhar com as
lembranças de pessoas idosas a leitura da obra Memória e sociedade: lembranças de
velhos, de autoria de Ecléa Bosi, já na primeira fase da pesquisa, nos anos de 1999 a
2001, quando se preparava a elaboração da monografia de conclusão do curso de
Turismo. Em um segundo momento, durante parte do ano de 2005, o amadurecimento
propiciado pelos novos conhecimentos adquiridos com o mestrado e com a pesquisa
bibliográfica pertinente ao tema, possibilitou uma nova leitura dos aspectos abordados
nas entrevistas efetuadas na primeira fase.
De todas as pessoas entrevistadas, destacam-se as contribuições da avó da
autora, na época com quase noventa anos, o que resultou em preciosos momentos de
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entrelaçamento. Foi nesses momentos em que a acompanhava, que a interpelava
procurando estabelecer associações entre os festejos de antigamente e os de hoje. A
melhor forma encontrada para entrevistá-la e colher os relatos de sua memória foi
participando, estando ao seu lado durante as festas nos anos de 1999 a 2001.
De acordo com Bosi (1987), o encontro com velhos parentes faz o passado
reviver com um frescor que não encontraríamos na evocação solitária. Mesmo porque
muitas recordações que incorporamos ao nosso passado não são nossas:
simplesmente nos foram relatadas por nossos parentes e depois lembradas por nós.
Contribui ainda a autora quando afirma que lembrar não é reviver, mas refazer,
reconstruir, repensar com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado.
Finaliza afirmando que a memória não é sonho é trabalho.
Uma outra técnica adotada na pesquisa foi a de utilizar antigas imagens
fotográficas do acervo da família, quando muitas delas permitiram a leitura de diversos
aspectos esclarecidos oralmente, mas não visualizados. Ressalta-se também que
houve uma preocupação por parte da autora com relação às imagens recentes: a
maioria é de sua autoria com a intenção de que fosse o seu olhar a ser dirigido para o
lugar investigado.
Finalmente, no Capítulo IV – Interpretação do Patrimônio Cultural e Turismo,
encontra-se nas obras de Murta e Goodey (1995) e Murta e Albano (2005), a proposta
da interpretação do patrimônio como uma alternativa de planejamento que possibilita
bem mais do que informar, mas revelar significados, provocar emoções, estimular a
curiosidade, além de entreter e inspirar novas atitudes no visitante.
Como a atividade turística é fortemente visual, o olhar do visitante procura
encontrar a singularidade do lugar, seus símbolos e significados mais marcantes. Os
ambientes, as cidades, devem ser vistos como um enigma a ser desvendado pela
exploração, como um texto a ser interpretado pelo explorador. A boa interpretação
marca a qualidade da descoberta, descortina significados e toca as emoções, ao invés
de apenas passar informações factuais.
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Nesse sentido, quando se lança um olhar sobre os festejos religiosos que
ocorrem no espaço urbano poconeano, propõe-se identificá-los como uma alternativa
para que a comunidade possa oferecer aos visitantes a oportunidade de vivenciar
alguns aspectos da sua cultura. Como Poconé recebe um considerável número de
turistas que “passam” por lá para se dirigir ao Pantanal e visualizar os seus atrativos
naturais, por que não possibilitar que os seus momentos de fruição sejam permeados
pelo contato com as manifestações culturais ambientadas na cidade?
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2 AS ABORDAGENS HUMANISTA E CULTURAL NA GEOGRAFIA
2.1 Os conceitos de espaço e lugar sob a abordagem fenomenológica
A categoria espaço vem sendo abordada pela Geografia sob diferentes
enfoques nas suas correntes de pensamento, desde a geografia tradicional até as mais
recentes como a geografia humanista e cultural.
Não é proposta deste estudo dissertar sobre as várias concepções do
conceito de espaço geográfico. O que se propõe é identificar o espaço enquanto
espaço vivido e percebido, consubstanciado no conceito de lugar, buscando aporte
teórico e metodológico, para a compreensão do turismo e suas relações com essas
categorias.
A caracterização do espaço sob esse enfoque advém do surgimento, na
década de 1970, da geografia humanista, acompanhada na década seguinte da
retomada da geografia cultural. Também em 1970, ocorre a constituição das bases
teóricas da geografia crítica fundamentada no materialismo histórico e na dialética.
Trata-se de um momento de revolução de conceitos que procura romper com a
geografia tradicional de um lado e, por outro, com a geografia teorética-quantitativa.
À semelhança da geografia crítica, a geografia humanista, respaldada nas
filosofias do significado, em especial, a fenomenologia e o existencialismo, é uma crítica
à geografia de cunho lógico-positivista. Dessa maneira, embora as duas correntes
possuam fundamentações filosóficas diferenciadas, têm em comum o fato de terem
surgido como uma reação ao positivismo vigente.
Nas palavras de Correa (2003), contrária à geografia crítica e teorética-
quantitativa, a geografia humanista assenta-se na subjetividade, na intuição, nos
sentimentos, na experiência e no simbolismo, privilegiando o singular e não o particular
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ou o universal. Nesse contexto o lugar passa a ser o conceito mais relevante, enquanto
que o espaço adquire a conotação de espaço vivido.
Tal vertente do pensamento geográfico encontra na fenomenologia seu
suporte filosófico, no momento em que analisa a apreensão das essências através da
experiência vivida e adquirida, não considerando o mundo independente do ser
humano. O sentimento de pertença, a assimilação e a conseqüente incorporação da
cultura local são alguns dos aspectos que contribuem para a formação da identidade
dos lugares.
Lencioni (2003), quando aborda a influência da fenomenologia no estudo
regional, contribui afirmando que a fenomenologia foi concebida por Edmund Husserl e
consiste numa corrente filosófica que considera os objetos como fenômenos que devem
ser analisados como aparecem na consciência. A fenomenologia prioriza a percepção e
não admite qualquer idéia prévia que se tenha sobre a natureza dos objetos.
Em Buttimer (1982, p.170), autora que discute a concepção fenomenológica,
entende-se que
[...] A noção fenomenológica de intencionalidade sugere que cada
indivíduo é o foco de seu próprio mundo, ainda que possa esquecer de
si próprio como o centro criativo daquele mundo. [...] a fenomenologia
poderia ser definida como um modo filosófico de reflexão a respeito da
experiência consciente e uma tentativa para explicar isso em termos de
significado e significância.
Tendo em vista que a consciência se constitui a partir das experiências
vividas, é pelo vivido que o indivíduo se põe em contato com o mundo dos objetos
exteriores. É através do percebido e não do concebido ou pré-concebido que o homem
se põe em contato com o que lhe é exterior.
A fenomenologia inspirou primeiramente a Psicologia na Escola
Comportamental. Na Geografia, a sua influência se fez presente no trabalho de Julian
Wolpert, em 1964, que, ao discutir o fenômeno da migração, incorporou, em sua
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análise, a dimensão subjetiva dos indivíduos estudados para compreender os motivos
que os levaram a migrar (LENCIONI, 2003).
A partir desse momento, diversos estudos na Geografia passam a privilegiar
a discussão sobre o comportamento do homem perante a natureza, a percepção da
natureza e da paisagem urbana, buscando incorporar à análise geográfica a dimensão
psicológica. Esta corrente da Geografia passou a ser denominada como geografia da
percepção e do comportamento, desdobrando-se em geografia humanista, voltada mais
para a análise da literatura, dos significados e dos símbolos. Dessa maneira, numa
postura crítica contrária à negação do vivido em função do concebido, são colocados
em cena elementos negados pelo positivismo.
[...] A Geografia de inspiração fenomenológica apresentou, no cenário
da disciplina, a discussão das representações que os homens fazem do
mundo. Isso porque, ao mesmo tempo que o espaço é vivido e
percebido de maneira diferente pelos indivíduos, uma das questões
decisivas na análise geográfica que se coloca diz respeito às
representações que os indivíduos fazem do espaço. Essa Geografia
procurou demonstrar que para o estudo geográfico é importante
conhecer a mente dos homens para saber o modo como se comportam
em relação ao espaço. (LENCIONI, op. cit., p.152)
Portanto, essa concepção geográfica privilegia os significados e valores que
os homens atribuem ao espaço. Considera também pertinente o comprometimento do
pesquisador com o seu objeto de análise, no momento em que passa a fazer parte da
pesquisa, adotando uma atitude de observador participante da realidade que estuda.
Por conseguinte, ocorre uma ruptura na oposição sujeito e objeto, bem como entre ator
e observador. Configura-se uma relação sinérgica entre esses papéis.
[...] A fenomenologia desafia cada indivíduo a examinar sua própria
existência, a tornar-se sujeito mais do que objeto de pesquisa e, então,
procurar por denominadores comuns na experiência dos outros.
Necessitamos de uma linguagem e de um conjunto de categorias que
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irão nos habilitar a investigar a experiência do mundo vivido e a
comunicarmos a seu respeito. (BUTTIMER, 1982, p.185)
Vislumbra-se com essa perspectiva fenomenológica uma visão
antropocêntrica do mundo e a recuperação do humanismo que a Nova Geografia havia
feito desaparecer com seus modelos teóricos. Além disso, o enfoque subjetivo da
realidade, a busca das representações que os homens fazem do mundo, a valorização
do mundo vivido e a sobreposição do lugar ao espaço, são características inerentes a
esse novo trilhar da Geografia.
Dessa maneira, o espaço enquanto categoria de dimensão abstrata, deixa de
ser a referência central. O espaço vivido é a referência, aquele espaço que é construído
socialmente a partir da percepção das pessoas. Espaço vivido e interpretado pelos
indivíduos (LENCIONI, op. cit.).
O destaque ao espaço vivido coloca em referência o conceito de lugar. O
lugar, interpretado pela Geografia sob a concepção da fenomenologia, é considerado
mais do que o espaço. Ele é visualizado não como um lugar em si, um lugar objetivo,
mas como algo que transcende sua materialidade, por ser repleto de significados.
Passa a ser o lugar concreto e único e que tem uma paisagem, mas uma paisagem não
apenas natural, mas cultural em sua essência.
Nas reflexões de Holzer (1999, p.70):
A preocupação dos geógrafos humanistas, seguindo os preceitos da
fenomenologia, foi de definir o lugar enquanto uma experiência que se
refere essencialmente, ao espaço como é vivenciado pelos seres
humanos. Um centro gerador de significados geográficos, que está em
relação dialética com o constructo abstrato que denominamos “espaço”.
Dentre os grandes expoentes pertinentes à interpretação da relação lugar e
experiência, além de Anne Buttimer, autora citada anteriormente, destacam-se Edward
Relph, Yi-Fu Tuan e J. N. Entrinkin. No Brasil, destacam-se, dentre outros, os trabalhos
de João Baptista Ferreira de Mello e Werther Holzer (LEITE, 1998).
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Privilegia-se neste estudo, Yi-Fu Tuan, notadamente as suas duas grandes
produções literárias: Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio
ambiente, editada no Brasil em 1980 e Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência,
editada em 1983. Não se trata de uma análise detalhada das obras mencionadas, mas
de algumas reflexões que surgiram a partir de alguns aspectos abordados pelo autor e
que possibilitaram sustentação teórica e metodológica à proposta do presente estudo.
O fato da autora deste trabalho não ter ainda um grande amadurecimento
nos estudos da base epistemológica da Geografia, notadamente da abordagem
fenomenológica, área em que pretende se aprofundar motivou-a a buscar num primeiro
momento nas contribuições de Mello, o suporte necessário para uma melhor
sistematização das leituras efetuadas das obras de Tuan.
Mello (2001) em sua análise sobre Topofilia afirma que nesta obra o autor
transita da geografia da percepção para o horizonte humanístico e desenvolve como
temática central o conceito “vívido” concernente aos laços topofílicos, ou seja, a todo
tipo de ligação afetiva entre os seres humanos e o meio ambiente.
[...] Por topofilia o geógrafo Yi-Fu Tuan (1974 e 1980) e o filósofo
Bachelard (1957 e 1978) entendem o sentimento despertado pelo
espaço apropriado, da convivência e da felicidade, que se contrapõe ao
espaço indiferente, abandonado à medida do geômetra. Os lugares
atraentemente vividos e do bem-estar são abrigos, aposentos e refúgios.
[...] (MELLO, op. cit., p. 88)
Em seus escritos sobre Espaço e Lugar, o autor menciona que Tuan explora
um conceito-chave que se confunde com a própria trajetória da perspectiva
humanística: o lugar e, por complementaridade e antagonismo, o conceito espaço.
“Espaço” é mais abstrato do que “lugar”. O que começa como espaço
indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos
melhor e o dotamos de valor. [...] As idéias de “espaço” e “lugar” não
podem ser definidas uma sem a outra. A partir da segurança e
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estabilidade do lugar, diz o autor, estamos cientes da amplidão, da
liberdade e da ameaça do espaço e vice-versa. (TUAN, 1983, p.7)
Para Mello (2001) o lugar, de acordo com Tuan, pode aflorar em diversas
escalas. A casa e o bairro são lugares experienciados diretamente, assim como a
cidade e a nação. O lar também é muito presente nos escritos de Tuan e ocupa uma
posição central em sua obra. Na Introdução de Espaço e Lugar, diz o autor:
“Espaço” e “lugar” são termos familiares que indicam experiências
comuns. Vivemos no espaço. Não há lugar para outro edifício no lote. As
Grandes Planícies dão a sensação de espaciosidade. O lugar é
segurança e o espaço é liberdade: estamos ligados ao primeiro e
desejamos o outro. Não há lugar como o lar. O que é o lar? É a velha
casa, o velho bairro, a velha cidade ou a pátria. (TUAN, op. cit., p.3)
Em outra parte do texto de Mello (op. cit., p. 94-95), em uma interessante
contribuição, Tuan reafirma o seu conceito de lar, traço marcante na sua obra.
[...] Em “A View of Geography”, artigo publicado em 1991, o autor
definiria o lugar ou lar como um conceito elástico e amplo. Lar “é a
chave, palavra unificadora para todas as principais subdivisões da
geografia”, seja na escala familiar da casa ou do planeta (1991, p.99).
Quando indagado, especificamente, “como você considera o que faz em
geografia?” ou, mais simplesmente, “o que é geografia?”, Tuan
responde, refletindo sua própria linha de trabalho e recorrendo a uma
conceituação popular ao final da década de 1940 e início dos anos 50:
“geografia é o estudo da Terra como o lar das pessoas”.
É expressiva na obra de Tuan (1983) a narrativa das experiências íntimas
que o indivíduo tem com o lugar. Segundo o autor as experiências íntimas encontram-
se enterradas na profundidade do ser, de modo que não apenas não se têm palavras
para dar-lhes forma, mas freqüentemente não se está sequer consciente delas.
Quando, por alguma razão, emergem na superfície da consciência, evidenciam uma
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emoção que os atos mais deliberados não podem igualar. As experiências íntimas são
difíceis de expressar.
Sobre os momentos íntimos, fala da passividade e da vulnerabilidade do ser
humano quando os mesmos acontecem. Com relação aos lugares íntimos, afirma que
“são lugares onde encontramos carinho, onde nossas necessidades fundamentais são
consideradas e merecem atenção sem espalhafato” (TUAN, op. cit., p.152). E, ainda,
sobre a intimidade da casa:
[...] A própria casa parece mais íntima no inverno do que no verão. O
inverno nos lembra de nossa vulnerabilidade e define o lar com refúgio.
Ao contrário, o verão transforma o mundo inteiro em éden, de modo que
nenhum canto é mais protetor do que o outro. (TUAN, id.)
Buttimer (1982), em seu Aprendendo o dinamismo do mundo vivido, ao
dissertar sobre o sentido do lugar, afirma que cada pessoa é vista como tendo um lugar
“natural”, que é considerado o “ponto zero do seu sistema pessoal de referência”.
Cada pessoa está rodeada por “camadas” concêntricas de espaço
vivido, da sala para o lar, para a vizinhança, cidade, região e para a
nação. Além disso, pode haver “lugares privilegiados”, qualitativamente
diferentes de todos os outros, tais como o “lugar de nascimento do
homem, ou as cenas do seu primeiro amor, ou certos lugares da
primeira cidade estrangeira que visitou quando jovem”. (BUTTIMER, op.
cit., p.179)
Sobre o lugar de nascimento referido pela autora, Tuan (1983) identifica-o
como a “terra natal” e menciona que as pessoas tendem a considerar a sua terra natal
como o “lugar central”, ou o centro do mundo. E, dentro dessa concepção de “centro do
mundo”, a cidade natal é um lugar íntimo, que propicia um retorno às origens, é uma
referência na busca de significados, é o ponto central das camadas concêntricas que
rodeiam o indivíduo em sua vida, em suas experiências.
32
E a experiência? Tuan (1983, p.9) considera-a como “um termo que abrange
as diferentes maneiras através das quais uma pessoa conhece e constrói a realidade”.
Para ele a experiência implica a “capacidade de aprender a partir da própria vivência”.
“Experienciar é aprender; significa atuar sobre o dado e criar a partir dele”.
Diante das proposições teóricas abordadas, é importante mencionar que o
desafio do presente trabalho consiste em discutir alguns aspectos do que foi
experienciado no “mundo vivido” da autora deste trabalho na cidade onde nasceu. Sob
o seu olhar estão, certamente, as particularidades do lugar enquanto espaço vivido. As
ruas, as praças, os caminhos, a religiosidade e as manifestações culturais da pequena
Poconé, evocam de um passado longínquo as suas lembranças e propiciam
estabelecer preciosas relações com o presente. Norteia a trajetória dos seus escritos
um sentimento de pertença, de identidade, de identificação com o lugar.
Nas palavras de Tuan “a consciência do passado é um elemento
importante no amor pelo lugar” (1989, p.114). As pessoas, convém
ressaltar, continuam com os “pés fincados no chão” de suas
experiências da infância ou de tempos atrás, mesmo após longos anos
de afastamento. Contudo, o mundo familiar de outrora nem sempre
confere quando cotejado em outra época. [...] Longínquo no tempo e, ao
mesmo tempo, próximo/interiorizado, o lugar do passado, altamente
significativo para o indivíduo ou para os grupos sociais, pode ser
desprovido de notoriedade para os outros, entretanto, para a pessoa
atada por laços topofílicos ao passado, persiste como símbolo de
identificação imorredoura. (Tuan apud MELLO, 2001, p.94)
Falar sobre a terra natal não é fácil, constitui realmente um desafio. Se
existe, por um lado, um envolvimento afetivo que pressupõe um comprometimento
ainda maior quando se coloca na posição de ator e observador, por outro lado, surge
uma preocupação de se isentar a pesquisa de digressões ufanistas causadas por um
estreito sentimento de afeição.
33
Parafraseando Tuan quando afirma que o espaço transforma-se em lugar
quando adquire definição e significado, a cidade de Poconé configura-se para a autora
não apenas como um locus de observação, mas como um lugar onde viveu parte de
sua trajetória de vida e que, ainda que atualmente não mais o habite1, constitui o seu
“lugar central”, o seu “centro de mundo”, que continua lhe oportunizando experienciar
novas apreensões sobre o mundo em que vive.
2.2 Percebendo a cidade sob a concepção de lugar
Propõe-se dar início a este tópico com uma indagação que viabilize reflexões
sobre a gênese do que identificamos como cidade. Mumford (2004, p.9) em seu
clássico A cidade na história: suas origens transformações e perspectivas, indaga: “Que
é a cidade? Como foi que começou a existir? Que processos promove? Que funções
desempenha? Que finalidades preenche?”
Mais adiante afirma o autor que antes da cidade, houve a pequena
povoação, o santuário e a aldeia; antes da aldeia, o acampamento, o esconderijo, a
caverna, o montão de pedras; e, antes de tudo isso, houve certa predisposição para a
vida social que o ser humano compartilha, evidentemente com diversas outras espécies
animais.
Nessa dinâmica engendrada pelo homem em suas relações, variadas são as
abordagens sobre a cidade. Ela vem sendo analisada pela antropologia, arquitetura,
geografia, história e demais áreas do conhecimento que vêm lançando os seus olhares
sobre o urbano e a sua dinâmica.
1 Para Buttimer (1982, p.166), “habitar implica mais do que morar, cultivar ou organizar o espaço. Significa viver de um modo pelo qual se está adaptado aos ritmos da natureza, ver a vida da pessoa como apoiada na história humana e direcionada para um futuro, construir um lar que é símbolo de um diálogo diário com o meio ambiente ecológico e social da pessoa”.
34
A cidade muda de feição em função de uma série de fatores como a latitude,
o clima e o meio ambiente, porque a prática e os instrumentos do homem variam
segundo as mutações do meio em que ele vive. Prédios, ruas, árvores, fazendas, festas
populares, uma figura local, caracterizam um conjunto de hábitos da vivência da
comunidade que, por sua vez, define a identidade da cidade.
Os valores locais constituem o patrimônio cultural da comunidade, seja o
fazer popular, seja a paisagem, seja o objeto construído. Trata-se de um patrimônio
comum, sem um proprietário específico e determinado. É propriedade de todos e
pertence, principalmente, àqueles que com ela convivem no dia a dia.
Considerando a cidade, sua história e seu povo, sua produção construída
através dos tempos, relatando as relações socioeconômicas e políticas, pode-se então
configurar seu patrimônio histórico, artístico e arquitetônico.
Do ponto de vista do seu patrimônio cultural, a cidade é um bem cultural
composto por uma quantidade infinita de artefatos relacionados entre si e que são
utilizados individual ou coletivamente. O núcleo urbano é o local onde se desenvolvem
várias atividades, exercidas através de produtos, dispostos no espaço conforme suas
funções ou atribuições (IPHAN, 1982).
Para Araújo (2000) a cidade assemelha-se a um cenário onde os atores
representam ações contínuas. Portanto, entende-se a paisagem urbana como resultado
da sua cultura. Nas palavras de Augé, citado pela autora, a cidade é um mundo, num
primeiro sentido porque é um lugar, um espaço simbolizado, com suas referências,
seus monumentos, seu poder de memória, tudo que compartilham aqueles que se
consideram desta cidade.
Entende a autora que a diversidade sociocultural é uma das características
dos núcleos urbanos cuja identidade passa pela identidade de cada morador. Cada
núcleo, que configura uma cidade, tem na sua história uma personalidade particular, a
qual lhe imprime estilo, contorno e ritmo próprios. A cidade é ao mesmo tempo plural,
35
constituída de diversos “mundos”, e singular, representada na imaginação de cada
pessoa que a habita e freqüenta.
Freire (1992), ao abordar o assunto, afirma que é através dos signos que se
tem uma imagem da cidade. Isto significa dizer que a idéia sobre a cidade não é feita
diretamente com o contato imediato com ela, mas com as abstrações construídas
através dos signos (uma praça, uma rua, um prédio etc.) e dos valores eleitos para
representá-la.
Em Carsalade (1998, p.15), também se encontram referências da
abordagem da cidade enquanto espaço vivido e percebido.
[...] a cidade é um território significante que confere ao seu morador a
noção de pertencer a um lugar que é único e a um povo que tem
identidade própria. É um organismo vivo, resultado da interação entre
diversos fatores de ordem física, social, econômica, cultural, política e
tecnológica, dentre outros [...].
Castrogiovanni (2000) vê a cidade como um mundo de representações.
Mesmo pequena ou uma metrópole; ela pulsa, vive, seduz, agride, transforma-se e
transforma aqueles que nela interagem. Ela tem limites ilimitados no tempo e muitas
vezes no espaço. A cidade é repleta de entornos e estabelece outros, alguns deles
fortes, expressivos, outros suaves, interativos com a comunidade espacial. A cidade é
viva, possui a sua própria identidade. Assim, ela apresenta um dinamismo de relações
que se alteram ao ritmo de diferentes circunstâncias, portanto sempre é possível a
renovação urbana.
Para o autor, o espaço deve ser visto como um fator da evolução social,
portanto, produzido e reproduzido constantemente. O movimento histórico é que
constrói o espaço. O espaço urbano é sempre dinâmico.
Olhar para as cidades é sempre um prazer especial, por mais comum
que possa parecer o panorama urbano. A cidade é uma construção
física e imaginária, compreende um lugar e faz parte do todo geográfico.
36
O tecido urbano é dinâmico e está inserido no processo histórico de uma
sociedade. O traçado de uma cidade é uma arte processual e representa
uma leitura temporal. A cada instante há mais do que os olhos podem
ver, do que o olfato pode sentir ou do que os ouvidos podem escutar.
Cada momento é repleto de sentimentos e associações a significados,
portanto, há uma constante construção de significações. A cidade é o
que é visto, mas mais ainda, o que pode ser sentido.
(CASTROGIOVANNI, op. cit., p. 25)
Rodrigues (2001, p.32), menciona aspectos interessantes da categoria lugar
em contraponto ao conceito de não-lugar presente no espaço globalizado.
O lugar, como categoria filosófica, não trata de uma construção objetiva,
mas de algo que só existe do ponto de vista do sujeito que o
experiencia. É dotado de concretude porque é particular, único, opondo-
se ao universal, de conteúdo abstrato, porque desprovido de essência.
Assim, o lugar é o referencial da experiência vivida, pleno de significado;
enquanto o espaço global é algo distante, de quem se tem notícia,
correspondendo a uma abstração.
O espaço pode transformar-se em lugar, à medida que adquire
personalidade, torna-se vivido. A percepção e o intelecto, por meio da
experiência vivida e compartilhada, constroem o lugar na subjetividade e
na intersubjetividade. A percepção corporal e a própria consciência
expressam o sentir além do próprio corpo. Assim, o corpo extrapola o
sentido físico, interagindo com os objetos e com as pessoas com que se
relaciona.
Carlos (1996a, p. 35), uma das autoras mais críticas com relação aos
espaços produzidos pela “indústria do turismo”, no texto O turismo e a produção do
não-lugar, também possibilita valiosas contribuições às reflexões propostas neste
trabalho, quando analisa a questão da mercantilização do espaço no mundo moderno.
Como indústria, o turismo não me parece criar perspectivas que se
abririam para o conhecimento do lugar ou para o lazer como atividade
com possibilidades de se impor num cotidiano fragmentado ou mesmo
37
alienado, como perspectiva de superação das alienações impostas pelo
cotidiano. Só a viagem, como descoberta, busca do novo não
pasteurizado, abre a perspectiva de novos lugares, novas paisagens que
se produzem em territórios diferenciados, como possibilidades de
recomposição do passo do flâneur, daquele que se perde e que, por
isso, observa.
Alerta ainda a autora sobre a necessidade da redefinição do conceito de
lugar frente ao esmagador processo de globalização que se realiza, hoje, de forma mais
acelerada do que em outros momentos da história. Indaga, ainda, se, nesse contexto, é
possível ainda pensar o lugar enquanto singularidade.
[...] Uma vez que cada sujeito se situa num espaço, o lugar permite
pensar o viver, o habitar, o trabalho, o lazer enquanto situações vividas,
revelando, no nível do cotidiano, os conflitos do mundo moderno. [...] O
lugar é o mundo vivido, é onde se formulam os problemas da produção
no sentido amplo, isto é, o modo como é produzida a existência social
dos seres humanos. (CARLOS, 1996b, p.26)
Para Braga e Carvalho (2005) o homem moderno não mora apenas em uma
casa, mas habita ambiências mais amplas, na medida em que precisa de mais espaços
para a realização de sua existência através de suas variadas atividades culturais,
produtos de seu processo civilizatório. Sob este enfoque, a cidade também pode ser
identificada como a casa estendida do homem. O homem vive em família e vive
também em espaços urbanos, notadamente nos públicos – a rua, o bairro, o centro
urbano, o setor urbano. Nesses espaços ele exerce a sua cidadania cívico-cultural e
política, relaciona-se com outros indivíduos e grupos sociais. Portanto, é pertinente
compreender a cidade como a casa maior de todos, na qual o homem se enriquece nas
relações sociais principalmente nas livremente escolhidas.
Este conceito de cidade como a casa estendida do homem, possibilita a
leitura da cidade como lugar. É esta a concepção de cidade que norteia este estudo.
Olhar para a cidade não apenas como um espaço físico delimitado, mas como um
espaço percebido e vivido por pessoas que têm nas manifestações de sua cultura,
38
representações advindas, muitas vezes, de seus registros de memória, elementos
constitutivos da sua identidade.
Dentre os autores que coadunam dessa acepção de lugar, Tuan (1983,
p.151) contribui afirmando que “o espaço transforma-se em lugar à medida que adquire
significação e significado”. Ao falar da cidade, ele diz que “a cidade é um lugar, um
centro de significados, por excelência. Possui muitos símbolos bem visíveis. Mais ainda,
a própria cidade é um símbolo”.
Para Relph, citado por Leite (1998), “lugar significa muito mais que o sentido
geográfico de localização. Não se refere a objetos e atributos das localizações, mas a
tipos de experiência e envolvimento com o mundo, a necessidade de raízes e
segurança”.
Na fala de Rondon2 (1981, p.17), percebe-se o sentimento que a permeia ao
evocar as lembranças de sua infância no Pantanal.
O alvorecer na terra poconeana, principalmente no Pantanal, é um
maravilhoso espetáculo que nos deixa extasiados diante da
grandiosidade que nos é proporcionada. Neste momento, em que
escrevo estas linhas, estou a rememorar a infância, com muita saudade
daquela época da qual me distancio há mais de meio século [...]
Naquele tempo, há mais de cinqüenta anos, os pantaneiros se
levantavam ao cantar dos 'arancuãs', tomavam o guaraná, uns se
dirigiam ao curral para ordenhar as vacas, outros pegavam os cavalos e
saíam em campeios, um ia trançar o laço, outro amolava o instrumento
de trabalho, velhos e crianças participavam ajudando nas mais variadas
2 Merece registro o fato de que J. Lucídio Rondon, foi um dos primeiros autores locais a escrever sobre o Pantanal e a cidade de Poconé, sendo os seus escritos baseados nos seus registros de memória e dos seus entrevistados. Trata-se de um memorialista que lutou muito para publicar os seus registros, a maioria feita com muita dificuldade. Em quase todas as suas publicações, percebe-se uma intensidade de sentimento ao se referir ao lugar onde nasceu, o seu vínculo afetivo com a sua terra e a sua gente, longe de querer ser ufanista, propicia uma leitura do espaço com envolvimento, exigindo um olhar mais perceptivo nas paisagens por ele evocadas.
39
formas e oportunidades, prazerosos todos se associavam no trabalho e
assistiam ao encantador alvorecer, ouvindo os cantos harmoniosos dos
inumeráveis pássaros, uns ainda pousados nos galhos das árvores e
uma enormidade em vôo, rumando para os diversos pontos onde
encontravam alimentos [...].
Ao relembrar a sua infância, o faz em uma narrativa repleta de elementos
simbólicos do universo pantaneiro. Propicia o contato com as diversas funções
exercidas pelo homem pantaneiro no início do dia, logo após o alvorecer, seus hábitos,
seus costumes, suas atividades dentro do espaço que ocupa. Descreve o autor a
paisagem onde tudo se desenrola, os pássaros, os seus cantos, mostrando que tudo
interage em um cenário que é único. Quando relata que o faz com saudade, deixa
explícito o sentimento que devota às suas origens, a sua terra natal.
Na obra Tipos e aspectos do Pantanal, Rondon (1972) angustia-se com as
modificações que ocorrem no lugar. Vê o avanço, o novo, o que ele chama “a chegada
da civilização” como algo que macula o ambiente em que viveu, que altera o significado
do lugar.
[...] tudo está desaparecendo com a chegada da civilização, e com ela
surgindo as casas modernas, campos-de-pouso, estradas, tratores,
automóveis, rádio e televisão; mais conforto, luxo é verdade, mas
pareceu-me muita tristeza, melancolia, não são alegres como as de
outrora porque desaparecera a passarada, os passarinhos, o gado
manso da porta e berrador, conjunto de coisas que dão mais vida e
encantamento às fazendas.
Os sertões estão desaparecendo, se transformando em áreas ocupadas
por civilizados que com suas máquinas modernas vão modificando as
paisagens, colocando concreto em substituição às madeiras e zinco no
lugar das palhas, o automóvel ao invés do cavalo e da canoa.
(RONDON, op. cit., p.89)
Nos versos da poconeana Ângela Beatriz Moura Silva Campos também se
percebe um certo saudosismo quando ela se defronta com a modernidade.
40
RECORDAR É VIVER
Gosto de sentar-me à sombra
de um lugar a qualquer hora,
e ao sopro do vento
fechar os olhos, ora tristonhos
e embalar-me nos sonhos,
querendo reencontrar a minha terra de outrora.
Aquela pequena cidade
Tão famosa pelo seu povo e sua fé,
Que conquistou com simplicidade
O coração de Mato Grosso
Ó querida Poconé!
Lembro-me do carro de boi,
Gemendo cedo, ao surgir cansado,
Entre poeira e chão.
E os cavaleiros minha gente?
Descalços, mais imponentes,
Na sua única condução!
As compras na caderneta
Nos bolichos e nas vendas.
Ali se encontrava de tudo,
Pra circo só faltavam as tendas.
A água do poço, a luz dos lampiões,
O fogão de lenha, o ferro de brasa,
Hoje são apenas doces recordações.
As reuniões dos vizinhos nas calçadas,
Unidos, sorridentes a conversar.
Todas as noites o violão seresteiro
Tocava nos braços do amante faceiro
Pra namorada que dormia de frente ao luar!
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Quanta alegria no mês de junho,
As famosas fogueiras na rua:
Santo Antônio, São João e São Pedro,
O fogaréu que parecia queimar a lua
E à noite os convidados com carinho
A saborear os bolos regados com licor e vinho.
Ah! Como era gostoso!
O bolo de arroz e de queijo saindo do forno,
Nas festas do Espírito Santo e São Benedito.
O chá das manhãs e café com leite bem morno.
No almoço, quanta fartura!
E a Iluminação, que beleza, que bonito!
São dessas coisas simples que hoje sinto saudade!
Do tempo que vivíamos ligados por um forte sentimento fraterno.
Vamos preservar as tradições da nossa cidade,
Poconé merece a nossa amizade.
Não deixemos o passado se perder diante das tentações do moderno.
(CAMPOS, 2006, p.43-44)
Já Campos Filho (2002)3 propicia um outro olhar ao fazer uma reflexão sobre
a natureza pantaneira na perspectiva da cultura tradicional, que veio se consolidando
desde o início do século XVIII.
É dele a contribuição dos conceitos de vista e lugar que, para a cultura
pantaneira podem ser entendidos como um enquadramento visual, uma unidade visual,
independente da escala.
A palavra paisagem, porém, não é utilizada pelas fontes orais
pantaneiras, que usam em seu lugar, o termo vista. Esta é entendida
3 Luiz Vicente da Silva Campos Filho é autor do livro Tradição e ruptura: cultura e ambiente pantaneiros,
fruto da sua dissertação no Mestrado em Ecologia pela Universidade Federal de Mato Grosso.
42
como um quadro que a gente vê, englobando enquadramentos amplos,
às vezes construídos por humanos.
No Pantanal, até hoje, existem propriedades chamadas Bela Vista, pelo
fato de, hoje ou no passado, terem amplas tomadas de visão, de que
gostam os pantaneiros. Uma destas é descrita por uma fonte oral: vista
bonita, tinha na Fazenda Baía, antigamente. Você saía do Retirinho, via
um pé de seputeiro desta alturinha. Andava meio dia a cavalo para
chegar nele. Era um mundo de pé de seputá. De lá você enxergava o
mato da beira do rio Paraguai. Até preto ... Lá. Era o resto do dia para
chegar na beira do rio. Estas vistas também podem ser referidas como
lugares.
O lugar, além do entendimento anterior, pode ser compreendido como o
local de um acontecimento ou de uma atividade particular, e também as
configurações dos espaços de vivência [...]. (CAMPOS FILHO, 2002,
p.77-78)
Quando a autora deste estudo se recorda das fazendas do seu avô no
Pantanal, da Fazenda Conceição, vem à lembrança a velha canoa onde os pássaros
iam se esbaldar ao entardecer. Em uma outra vivência na Fazenda Boa Vista, um outro
entardecer era por ela visualizado quando olhava para o imenso largo na frente da
casa, até onde os olhos podiam alcançar.
A intenção de se mencionar relatos pertinentes ao Pantanal enquanto
paisagem natural concomitantemente ao se falar da cidade de Poconé sob a concepção
de lugar, vai de encontro às interações de significados entre as denominações de ser
poconeano e de ser pantaneiro. Se poconeano é a atribuição designada àqueles que
nasceram em Poconé, a de pantaneiro vai um pouco mais além, pois pantaneiro pode
ser aquele que tem um compromisso com a região do Pantanal, o que denota um
sentimento de pertencimento ao lugar.
De acordo com Campos Filho (op. cit.), ainda hoje, principalmente entre os
que detêm pouca escolaridade, idosos, e muitos dos fazendeiros, a cultura é fonte de
“grande orgulho”, podendo ser visto o pantaneiro como algo que todo mundo quer ser.
43
Dessa maneira, entendendo o Pantanal como uma região cíclica, de estação
das águas e das secas, a cidade funciona como o espaço de convivência, de
manifestações da sua cultura, da realização dos seus festejos religiosos.
2.3 O conceito de cultura e a sua abordagem na geografia
Pretende-se com este tópico abordar alguns aspectos relevantes para o
entendimento do conceito de cultura e da sua abordagem na Geografia.
Posteriormente, menciona-se algumas contribuições antropológicas sobre o seu
significado, por entender ser também a Antropologia uma ciência que vem se
indagando sobre a cultura, em suas diversas acepções, no bojo de sua base
epistemológica através dos tempos.
De acordo com Gomes (1996), a raiz etimológica da palavra cultura provém
do verbo latino colo (eu habito, eu ocupo a terra) que originou as denominações de
colono, colonização, agrícola etc. A forma adjetiva do particípio passado cultus se
referia ao campo plantado e significava o atributo de uma terra destinada à lavoura. Na
forma substantiva, cultus foi também utilizado como denominação dos rituais que
envolviam as celebrações fúnebres.
Com a adição do sufixo urus ao radical, a palavra cultura em latim se referia,
em primeiro lugar, aos traços ligados à produção agrícola e, posteriormente, passou a
englobar todos os costumes, festas, cerimônias e hábitos relacionados às tradições
rurais. Do Renascimento ao século XVIII, a expressão ganha espaço, passando a
compor locuções como “cultura das artes”, “cultura das letras”, entre outras.
Posteriormente, a cultura passou a ser concebida como um conjunto de elementos do
mundo humano civilizado e, com sentido ambivalente, podendo ser utilizada para
designar um conjunto de práticas, valores e hábitos de uma dada população ou para
qualificar atributos relativos à instrução e aos conhecimentos de uma pessoa (Gomes,
op. cit.).
44
Como o presente estudo encontra-se pautado na concepção de cultura sob a
abordagem da geografia cultural, opta-se por um embasamento teórico
consubstanciado no conceito de cultura apresentado por Claval (2001, p.63).
A cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos
conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas
vidas e, em uma outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem
parte. A cultura é herança transmitida de uma geração a outra. Ela tem
raízes num passado longínquo [...] Não é portanto um conjunto fechado
e imutável de técnicas e comportamentos. Os contatos entre povos de
diferentes culturas são algumas vezes conflitantes, mas constituem uma
fonte de enriquecimento mútuo.
Quando o autor aborda a gênese e a evolução das interpretações culturais
no pensamento geográfico, menciona a presença de um componente cultural na
geografia humana desde as suas primeiras etapas. Entretanto, ela não adquire a
mesma forma na Alemanha, nos Estados Unidos e na França, países onde alcançou
progressos mais rápidos. Diante dessa assertiva, propõe-se no presente estudo
destacar as contribuições de alguns de seus maiores expoentes nos três países
mencionados.
Nos primeiros tempos da geografia cultural na Alemanha, destacam-se as
contribuições de Friedrich Ratzel e Otto Schlüter. A geografia sob a concepção de
Ratzel atribui um lugar importante aos fatos culturais, porém, esta cultura é analisada
sob os aspectos materiais, como um conjunto de artefatos utilizados pelo homem em
sua relação com o espaço. Schüter concebe a geografia humana à maneira pela qual
os grupos humanos modelam o espaço em que vivem. Contrapondo-se as idéias dos
dois autores, constata-se que para Ratzel o estudo geográfico da cultura confundia-se
com o estudo dos artefatos utilizados pelos homens para dominar o espaço, enquanto
que para Schlüter e a maioria dos geógrafos alemães das primeiras décadas do século
XX, é a marca que os homens impõem à paisagem que constitui o objeto fundamental
de todas as pesquisas (CLAVAL, op.cit.).
45
Com relação à geografia cultural americana, enquanto que a maioria dos
geógrafos alemães interessava-se, por intermédio de seus estudos sobre as paisagens,
pelas relações entre cultura e espaço, nos Estados Unidos a escola dominante de 1910
até a Segunda Guerra Mundial, ignorava-as totalmente. Dessa maneira, a geografia
cultural teria sido completamente negligenciada naquele país, se não tivesse sido
celebrizada em função dos trabalhos de Carl Ortwin Sauer e de seus seguidores da
escola de Berkeley, fundada por ele. Inicialmente, Sauer vê a cultura como o conjunto
de instrumentos e de artefatos que permite ao homem agir sobre o mundo exterior. Indo
mais longe, o autor afirma ser a cultura também composta de associações de plantas e
de animais que as sociedades aprenderam a utilizar para modificar o ambiente natural e
torná-lo mais produtivo. Em Sauer (2004, p. 59), entende-se que: “A paisagem cultural é
modelada a partir de uma paisagem natural por um grupo cultural. A cultura é o agente,
a área natural é o meio, a paisagem cultural, o resultado”.
De acordo com Claval (2001), a geografia ocupa há muito tempo um lugar
importante na ciência francesa, mas a modernização a que se submeteu no final do
século XIX deve-se às transformações que a disciplina teve na Alemanha. Em função
disso, os geógrafos franceses adotam como modelos Alexandre Von Humboldt, Carl
Ritter ou Friedrich Ratzel: é o caso de Paul Vidal de La Blache. Para La Blache a
cultura pertinente é aquela que se apreende através dos instrumentos que as
sociedades utilizam e das paisagens que modelam. No entanto, ele acreditava que
esses elementos não ganham sentido se não são compreendidos como componentes
dos gêneros de vida. O gênero de vida surgia como uma solução ao problema de
extrair do meio ambiente o que se necessitava para comer, vestir-se, proteger-se do
frio, do vento e para dispor de ferramentas diversas. O gênero de vida aparecia como
um conjunto de técnicas e hábitos. Para Claval (2003, p. 149), “Vidal de La Blache
nunca falou de cultura, mas a idéia de cultura tinha um lugar central na sua concepção
da disciplina”.
Em síntese, as palavras de Claval (op.cit., p.147) quando se reporta às
dificuldades de se abordar a contribuição francesa ao desenvolvimento da abordagem
cultural na geografia humana, longe de serem conclusivas, suscitam reflexões:
46
[...] para a maioria dos geógrafos culturais, a geografia cultural aparece
como um subcampo da geografia humana. Para eles, a sua natureza é
semelhante à da geografia econômica ou da geografia política. Para
uma minoria – eu faço parte dela – todos os fatos geográficos são de
natureza cultural. Esses geógrafos preferem falar de abordagem cultural
na geografia e não de geografia cultural.
Com o objetivo de contribuir com a temática proposta neste tópico, inserem-
se algumas contribuições advindas de autores da Antropologia Cultural, ciência que
motivou, em um primeiro momento, a aproximação da autora deste estudo com as
discussões pertinentes ao tema cultura.
Para a Antropologia, no entendimento de Santos (1996), a cultura é uma
dimensão do processo social, da vida de uma sociedade. É uma construção histórica,
seja como concepção, seja como dimensão do processo social. Não é algo natural, não
é uma decorrência de leis físicas ou biológicas. Ao contrário, a cultura é um produto
coletivo da vida humana.
Insiste o antropólogo na palavra “processo”, pois vê ser comum que a cultura
seja pensada como algo parado, estático. Menciona o exemplo dos eventos tradicionais
que, por serem tradicionais, podem ser considerados como imutáveis. Apesar de se
repetirem ao longo do tempo e em vários lugares, não se pode dizer que esses eventos
sejam a mesma coisa.
O fato de que as tradições de uma cultura possam ser identificáveis não
quer dizer que não se transformem, que não tenham sua dinâmica.
Nada do que é cultural pode ser estanque, porque a cultura faz parte de
uma realidade onde a mudança é um aspecto fundamental. (SANTOS,
op. cit., p. 47)
Quando conclui a sua conceituação de cultura o autor registra que
a cultura é a dimensão da sociedade que inclui todo o conhecimento
num sentido ampliado e todas as maneiras como esse conhecimento é
47
expresso. É uma dimensão dinâmica, criadora, ela mesma em processo,
uma dimensão fundamental das sociedades contemporâneas.
(SANTOS, op. cit., p. 50)
Em uma distinção mais didática e funcional, Mello citado por Campos (1997)
discute as principais acepções do termo cultura na Antropologia Cultural:
- Cultura Objetiva e Subjetiva:
- Cultura Objetiva – refere-se à exteriorização da cultura através dos
hábitos, aptidões, idéias, comportamento, artefatos, objetos de arte,
enfim, todo o conjunto da obra humana.
- Cultura Subjetiva - quando nos referimos ao conjunto de valores,
crenças, aptidões, qualidades, presentes em cada indivíduo.
- Cultura Material e Não Material:
- Cultura Material - corresponde à soma de artefatos resultantes da
habilidade humana de manipular e construir.
- Cultura Não Material - são as ações, hábitos, aptidões, significados,
crenças, conhecimentos. Mesmo que os atos e ações sejam
inconscientes no homem, possuem conteúdo e significado.
Diante do exposto, sob a concepção antropológica, entende-se por cultura
todo o arcabouço de crenças, valores, signos, artefatos, produzidos e vivenciados por
uma sociedade, resultado da relação que se estabelece entre os homens para produzir
a sua existência e a sua história. O conceito de cultura não presume uma abordagem
que a interprete como algo estático, mas sim em constante movimento. Esta idéia de
movimento é inerente ao processo histórico. Portanto, a cultura só pode ser concebida
como determinante e determinada pela história.
Para um melhor entendimento do que vem a ser folclore, é necessária a
compreensão de outras duas acepções da cultura: a cultura erudita e a cultura
espontânea. Por cultura erudita entende-se a que procede do ensinamento direto,
48
ministrado nas organizações intelectuais (escolas, academias, universidades etc.),
enquanto que a cultura espontânea é aquela aprendida indiretamente na vivência da
sociedade, na troca de experiências do homem com seu semelhante. Dessa maneira,
entende-se o folclore como uma manifestação da cultura espontânea (ARAÚJO, 1997).
[...] folclore é uma ciência que analisa o homem cultural, nas suas
expressões de cultura espontânea, do sentir, pensar, agir e reagir, e
também no contexto da sociedade em que vive, ou seja, como homem
social. (ARAÚJO, op. cit., p. 9)
Com relação à origem da denominação folclore, a palavra folk-lore, surgiu da
junção de dois vocábulos do inglês antigo, folk que significa povo e lore, que traduz
estudo, ciência, ou mais propriamente o que faz o povo. No Brasil foi aportuguesada
para folclore (ARAÚJO, op. cit.).
Cascudo (2001, p. 240), em sua obra Dicionário do Folclore Brasileiro, vê o
folclore como “a cultura do popular, tornada normativa pela tradição. Compreende
técnicas e processos utilitários, além da sua funcionalidade”.
2.4 A relação cultura e turismo
O fenômeno de deslocar e permanecer por um período transitório em outro
local, diferente daquele de permanente morada, provoca uma cadeia de ações que
resultam na atividade turística. Por abarcar uma enorme gama de variáveis:
econômicas, geográficas, sociais, culturais, sociológicas, urbanísticas, políticas,
antropológicas e outras, encontram-se diversas definições sobre o turismo, sendo que
poucas representam a multiplicidade e complexidade do fenômeno.
Entende-se por turismo o fenômeno social que gera uma série de efeitos
sobre o meio ambiente, de caráter econômico, social, cultural, ecológico e político.
49
Alguns autores optaram por trabalhar com elementos caracterizantes do turismo,
aproximando de uma definição através de seus elementos comuns ou semelhantes.
Beni (2000) destaca quatro elementos que qualificam o fenômeno: a viagem ou
deslocamento, a permanência fora do domicílio, a temporalidade e o objeto do turismo.
Em suma, o fato de o turismo encontrar-se ligado a quase todos os setores
da atividade social humana é a causa da diversidade de conceitos. Por isso, entende-se
que a sua conceituação não pode ficar limitada a esta ou aquela definição, pois ele
ocorre em distintos campos de estudos, em que é explicado conforme diversas
correntes de pensamento e verificado em vários contextos da realidade social.
Neste estudo privilegia-se a discussão da relação entre turismo e cultura,
enfocando como o patrimônio cultural de uma comunidade pode, através do turismo
cultural, se transformar em uma oportunidade para que o turista possa conhecer um
pouco mais da cultura local.
Dessa maneira, ao se dirigir um olhar sobre os festejos religiosos do Senhor
Divino e de São Benedito do lugar investigado - a cidade de Poconé – sugere-se à
atividade turística que vem sendo desenvolvida na região, que tem nos atrativos
naturais do Pantanal o seu principal produto turístico enquanto destinação para o
turismo ecológico, que entenda as manifestações da cultura do homem pantaneiro que
ocorrem na cidade como um aspecto primordial na leitura do lugar visitado.
Esse aspecto é ainda mais importante pelo fato de ser a cidade um dos
principais acessos ao Pantanal mato-grossense, o que significa receber considerável
número de turistas que “passam” por Poconé para se dirigir ao Pantanal e visualizar os
seus atrativos naturais4. Por que não possibilitar que os momentos de fruição dos
4 Em Pesquisa de Demanda Turística feita em parceria pelo Governo do Estado de Mato Grosso e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Mato Grosso – SEBRAE-MT e executada pelo Centro Universitário Cândido Rondon – UNIRONDON, no período de alta temporada (período da seca – entre abril e setembro) do ano de 2005, foi estimado um movimento de 13.716 turistas no município, sendo que 7.783 (56,74%) de origem nacional e 5.933 (43,26%) de origem estrangeira. Com relação ao fator motivador da viagem, os atrativos naturais pontuam 72,00% demonstrando que as belezas naturais do município constituem-se no maior interesse dos turistas que para lá se dirigem.
50
turistas no Pantanal, enquanto cenário de belezas naturais, sejam permeados pela
relação com as manifestações culturais que ocorrem na cidade?
Antes de se conceituar o turismo cultural que se pretende, é preciso analisar
a atividade turística em seu aspecto mercadológico. O critério da segmentação do
turismo é utilizado para identificar os vários segmentos disponibilizados no mercado,
tais como: o turismo ecológico, o cultural, o rural e outras denominações, assim
caracterizados pela ocorrência dos atrativos naturais, histórico-culturais, manifestações
tradicionais e populares, realizações técnicas e científicas contemporâneas e os
eventos, também denominados de acontecimentos programados. Sob essa ótica, o
turista irá fazer a opção em função do que lhe é disponibilizado no mercado, na maioria
das vezes com a utilização dos mais variados recursos de marketing, sob a
denominação de “produto turístico”. Dessa maneira, o turismo, enquanto atividade
econômica do setor terciário caracteriza-se por ser uma atividade que oferta no
mercado produtos turísticos a serem demandados pelos turistas.
Contudo, nem sempre a atividade turística vem se ordenando
satisfatoriamente no espaço, promovendo impactos nos lugares visitados, notadamente
os impactos culturais, na maioria das vezes em função da ausência de preocupação em
se desenvolver uma atividade planejada. Tendo a capacidade de ser aglutinador e
gerador de renda de um lugar, o turismo pode se tornar o grande “vilão”, degradando o
lugar e suas condições de vida.
Percebe-se que a grande tônica referente ao turismo com relação às suas
conseqüências desfavoráveis no ambiente, em especial o cultural, é com relação à
ânsia por retornos imediatos enquanto atividade econômica. Trata-se de uma visão
reducionista que não contempla a totalidade das relações que devem estar sob o seu
olhar, no contexto do caráter multidisciplinar de que é revestido.
Assim o vê Ruschmann (1999, p. 55):
[...] o turismo, considerado potencialmente uma excelente oportunidade
para o encontro entre os povos, não tem sido aproveitado de forma ideal
51
para esse fim. Em vez de promover a compreensão e os
relacionamentos humanos, ele favorece as relações econômicas, que
permitem apenas os contatos precários, favorecem o lucro e provocam a
dependência excessiva da atividade por parte da população das
destinações.
Quando a autora analisa os impactos socioculturais do turismo, menciona
que a experiência tem demonstrado que o interesse pela cultura da comunidade
visitada é pequeno. Segundo a autora, o contato do visitante com as pessoas, com
seus costumes e hábitos, é “periférico” (superficial) e externa-se na compra de objetos
típicos como souvenirs.
Dentre os impactos culturais desfavoráveis provocados pela atividade
turística quando não planejada, destacam-se: a descaracterização do artesanato, pela
produção voltada unicamente para o consumo dos turistas; a vulgarização das
manifestações tradicionais, quando os costumes tradicionais são transformados em
espetáculos, em shows; a arrogância cultural, pelo distanciamento dos visitantes dos
moradores locais em clubes e resorts, onde não se oportuniza o contato com as
pessoas e a cultura do local e a destruição do patrimônio histórico, quando o acesso
dos turistas em massa pode comprometer as estruturas de bens históricos
(RUSCHMANN, op. cit.).
Por outro lado, além dos impactos desfavoráveis do turismo provocados na
maioria das vezes por uma intensidade de fluxo (turismo de massa), a autora reconhece
na atividade turística, quando bem conduzida, impactos considerados favoráveis para a
revelação da cultura local: a valorização do artesanato, quando revitalizado pelo
interesse demonstrado pelos turistas; a valorização da herança cultural, quando
favorece às comunidades locais a valorização da sua identidade cultural; o orgulho
étnico, quando promovido pela valorização turística dos hábitos, dos costumes, de
diferentes etnias e a valorização e preservação do patrimônio histórico, quando passa a
receber as atenções dos governos e de instituições privadas na sua revitalização, em
função da atratividade turística.
52
Nas palavras de Barretto (2000, p.76), entende-se que o turismo cultural
pode ser benéfico para a comunidade quando a atividade for conduzida de uma forma
planejada.
Um dos graves problemas do turismo cultural e histórico tem sido a falta
de planejamento. Grandes operadoras internacionais, interessadas
apenas em maximizar seus lucros, começaram a vender determinados
atrativos culturais em diversas partes do mundo, ao sabor do próprio
mercado. Os núcleos receptores, também no afã de lucro, criaram e
recriaram produtos pseudoculturais, sem mediação de pesquisa, no
estilo hollywoodiano, e merecem as críticas de muito antropólogos. A
intervenção dos planejadores de turismo pode ser decisiva para que o
turismo cultural possa ser um produto realmente autêntico e trazer
benefícios não somente econômicos como também socioculturais aos
protagonistas.
Portanto, diante das contribuições abordadas, o turismo cultural que se
pretende é aquele que dê acesso ao patrimônio cultural, à história e ao modo de viver
de uma comunidade e que possibilite ao turista perceber de uma forma mais intensa a
cultura do lugar visitado. O planejador de turismo é a peça-chave que pode fazer esse
processo de conciliação.
[...] para os núcleos receptores, trabalhar a tradição como atrativo ajuda
a recuperar a memória e a identidade locais, o que, na atualidade,
constitui um imperativo para manter um equilíbrio saudável entre a
manutenção da cultura local e a incorporação dos avanços positivos da
cultura global. [...] para que patrimônio e turismo possam ter uma
convivência saudável, é necessário que haja planejamento, o que inclui
controle permanente e replanejamento. (BARRETTO, op. cit., p.75)
O que se discute não é apenas a caracterização do segmento em que o
principal atrativo é algum aspecto da cultura humana, mas sim a relação que se
estabelece entre o turista e a cultura do lugar por ele visitado.
53
Os lugares, ao serem escolhidos pelos turistas para serem visitados, geram
uma expectativa não só com relação ao que será visto, mas do que será sentido por
intermédio do que será visto.
Neste sentido, Tuan (1980) quando aborda a capacidade de percepção do
visitante sobre o lugar visitado, menciona que a visão do visitante é puramente estética,
é a visão de um estranho. O estranho julga pela aparência, por algum critério formal de
beleza. Diz ainda que é preciso um esforço especial para provocar empatia em relação
às vidas e valores dos habitantes.
Esse “esforço especial para provocar empatia” a que se refere Tuan é o que
se identifica como a necessidade de vivência. Somente a vivência possibilitará uma
relação mais intensa com a cultura do lugar visitado. Ainda que a passagem do turista
pelo lugar seja fugaz, não se propõe aqui creditar importância ao seu dimensionamento
no tempo, mas dimensionar a sua intensidade, estabelecer uma alternativa para que
essa “passagem pelo lugar” seja permeada por uma relação de troca, de aprendizado e
de respeito. A melhoria da qualidade da percepção pode significar uma melhoria nas
relações entre o turista e o nativo.
Por outro lado, para a comunidade, manter um contato mais direto com os
turistas, pode significar a oportunidade de um estreitamento com os vários aspectos da
sua cultura. O que a comunidade valoriza para si própria, o que ela deseja preservar, é
possivelmente o que ela vai querer compartilhar com os outros.
É possível a criação de um produto turístico cultural autêntico, que não seja
concebido apenas para atender aos anseios do mercado. Basta o entendimento de que
o produto não está dirigido apenas a uma platéia de curiosos forasteiros, mas também
aos próprios cidadãos locais, que seu objetivo pode e deve ser o de mostrar às novas
gerações qual foi o processo pelo qual a sua sociedade passou para chegar ao ponto
em se encontra.
A abordagem da interpretação do patrimônio cultural vem sendo considerada
como um dos caminhos que a atividade de planejamento utiliza na mediação da relação
54
turista/comunidade para o desenvolvimento do turismo em determinada região. Como
este será um assunto a ser tratado em capítulo específico, registram-se algumas
indagações, como forma de reflexão, feitas por Murta e Albano (2005, p.9) quando
introduzem o assunto na obra Interpretar o patrimônio: um exercício do olhar, que será
utilizada como um dos suportes teóricos do que será abordado.
O QUE BUSCA O OLHAR DO VISITANTE? O que valoriza sua visita? O
que o lugar tem a lhe oferecer? O que a comunidade quer lhe mostrar?
Como interpretar seus atrativos? Estas são questões de primeira ordem,
a serem respondidas sempre que um lugar se abre para receber
visitantes e turistas.
As indagações feitas pelas autoras quando estabelecem um contraponto
entre o que o visitante quer ver e o que a comunidade quer lhe mostrar, levam à
conclusão de que é necessária por parte dos planejadores do turismo uma
preocupação em otimizar a experiência da visita: estimular o olhar, provocar a
curiosidade e levar o turista a descobrir toda a magia do lugar.
Depreende-se que se faz necessário o turismo lançar um olhar menos
superficial e limitado sobre o mundo vivido das comunidades visitadas. O olhar do
turismo sobre as comunidades e seu arcabouço cultural, deve ser imbuído de uma
intencionalidade que privilegie o respeito à identidade local, caso contrário teremos um
olhar fragmentado.
Acredita-se que a percepção geográfica pode oferecer subsídios importantes
para os estudos do turismo, destacando o conhecimento das relações entre as pessoas
e os lugares visitados, o conhecimento do mundo real e da identidade dos lugares, as
preferências pelos lugares e a conduta das pessoas em relação às viagens.
55
3 A CIDADE DE POCONÉ E SUAS PARTICULARIDADES
3.1 História e memória
Propõe-se com este item contextualizar a gênese da cidade de Poconé. O
enfoque consiste na busca de registros pertinentes ao seu processo histórico de
ocupação, entendendo aqui a leitura do passado com uma das dimensões mais
importantes da singularidade.
Halbwachs apud Abreu (1998, p. 10) afirma que a memória coletiva é um
conjunto de lembranças construídas socialmente e referenciadas a um conjunto que
transcende o indivíduo. Ela envolve as memórias individuais, mas não se confunde com
elas.
[...] O que nos interessa aqui é discutir a memória como elemento
essencial da identidade de um lugar. [...] não é discutir a memória
individual, por definição subjetiva e única, mas a memória
compartilhada, a memória solidária. A memória de um lugar, a memória
de uma cidade, é, portanto, uma memória coletiva.
Quando o autor menciona as diferenças fundamentais entre memória e
história, diz que a memória seja ela individual ou coletiva, é sempre seletiva: só nos
lembramos daquilo que queremos lembrar. Já a história, como a memória, não é neutra,
busca a objetividade. O fato histórico não é dado: o contexto em que o pesquisador se
insere influi na forma como ele define e interpreta o fato histórico.
No entanto, a história de um lugar não pode se ater aos processos
puramente locais que aí tiveram efeito. Ela precisa relacioná-los a processos mais
gerais, que atuam em escalas mais amplas (regional, nacional) da ação humana. Isto
não pode ser feito, entretanto, às expensas da compreensão das singularidades locais
e da sua devida valorização (ABREU, 1998).
56
Ferreira e Silva (1998, p. 96) atribuem o significado etimológico de Poconé
ao termo bororo Beripoconé, nome dado ao povo indígena do lugar, posteriormente
simplificado para Poconé.
Já para Cardoso (1989, p. 226):
o nome primitivo da cidade era Beripoconé, ou Bari-Poconhé, então
habitada pelos índios Coroados, uma tribo da nação Bororo, assim
chamados porque usavam a cabeça raspada, em forma de coroa. O
cacique da tribo era chamado Paconhé e Bari, no idioma bororo,
significa chefe. Daí se dizer a aldeia de Bari Poconhé, depois
simplificado para Poconé.
Até que acontecesse a vinda dos sertanistas, a região era ocupada não só
pelos índios beripoconés, como também pelos guatós, ambos pertencentes à nação
Bororo, sendo que coube a estes últimos, hábeis canoeiros, o domínio do Pantanal
poconeano durante um longo período.
Rondon (1981, p. 43) identifica o homem beripoconé como "indivíduos de
boa aparência, alguns de lábios finos, nariz aprumado, traços visíveis de cruzamento de
homens do grupo com mulheres aprisionadas de outras tribos, fatos que confirmavam".
Os homens eram incumbidos de fazer o arco, as flechas, os tapetes de peles de
animais, particularmente o de couro de onça, que apreciavam muito, bem como as
redes de caça e pesca, pois a eles cabiam as caçadas, pescarias e a defesa do
território. Às mulheres eram destinados os afazeres domésticos, dentre os quais,
procurar lenha e preparar a comida cozida ou assada, cuidar da roça, confeccionar
louças de barro cozido (panelas, potes, fornos etc.) e esteiras das quais se utilizavam
para sentar e dormir. A mulher beripoconé era considerada boa dona de casa e mãe
carinhosa.
Já para os hábeis canoeiros e caçadores guatós, o Pantanal era o espaço
apropriado para se viver. Rondon (op. cit., p. 50) assim os caracteriza:
57
indivíduos de porte mediano; a pele, mesmo queimada pelo sol, era
menos bronzeada que dos outros aborígenes; nariz aquilino, robustos,
corpo bonito; as mulheres, principalmente, apresentavam traços de
beleza; os cabelos lisos e longos, somente os homens usavam
amarrados; pelo exercício do remo e da zinga, os músculos do tórax e
dos braços eram mais desenvolvidos que das pernas.
O autor credita a habilidade dos poconeanos (figura 1) de lidar com as
canoas, utilizando tanto o remo quanto a zinga5, ao aprendizado adquirido com os
índios guatós. Os primeiros sertanistas que chegaram àquela região e se
transformaram em pantaneiros, tiveram que se adaptar ao uso das canoas, o único
meio de transporte possível no período das cheias.
Figura 1 – O pantaneiro Bathilde Rosa de Moraes zingando na canoa Fonte: Acervo da família da autora - década de 1960
Os índios beripoconés e guatós constituíram, portanto, a população originária
do município, até que foram exterminados pelos colonos mineradores. Nos primórdios
do século XVIII, os primeiros sertanistas, ávidos pela fortuna, foram atraídos pela
riqueza da região: os índios, que eram capturados e comercializados a preços elevados
e utilizados como mão-de-obra, diante da falta de braços para o trabalho na época; e,
em seguida, o ouro, pela existência de lavras muito ricas.
5 A zinga, uma vara fina e comprida, é utilizada em águas de pouca profundidade, ao contrário do remo,
que é usado em águas profundas.
58
Portanto, foi o ouro que motivou a fixação, o surgimento dos primeiros
povoados no século XVIII que se transformaram em cidades, dentre elas Poconé. Com
a certificação de que se tratava de um metal precioso e comercializável por um bom
preço, foram instalados acampamentos para o exercício da mineração.
Dois registros igualmente importantes e que contextualizam o surgimento de
Poconé foram: o Tratado de Madrid (1750) e de Santo Ildefonso (1777), que definiam
os limites entre as terras portuguesas e espanholas. Ao capitão-general Luís de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres coube a missão de manter os territórios
ocupados pelos portugueses, segundo o princípio do uti-possidetis.
Nesse período foram fundadas uma série de cidades, vilas e fortalezas, que
assinalassem, de modo definitivo, o limite do deslocamento português no sentido oeste
e que impedissem qualquer avanço dos espanhóis em sentido contrário. (PÓVOAS,
1995)
Por outro lado, com o empobrecimento das lavras de Cuiabá e a providência
de aumentar os impostos, tomada por Rodrigo César de Menezes, ocorreu uma evasão
dos moradores da cidade. Alguns foram para Goiás, outros saíram em busca de novas
minas, sendo que alguns poucos retornaram à Vila de São Paulo.
O fato é que o ouro encontrado em Cuiabá e, posteriormente, em outras
regiões do Estado, foi considerado de aluvião, isto é, emergia à flor da terra, misturado
com areia dos leitos e margens dos rios. Esse tipo de ouro esgotava-se rapidamente e
não requeria sofisticados instrumentos de minerar (SIQUEIRA, COSTA e CARVALHO,
1990).
A descoberta das minas de ouro de Beripoconé deu-se em 1777, cinqüenta e
oito anos depois da descoberta das lavras do Coxipó, conforme destaca Rondon (1981,
p. 58):
Os primeiros sertanistas que pisaram a terra poconeana, com a
aquiescência dos valentes beripoconés, convenceram-se da existência
59
de lavras muito ricas, tão logo viram a enflorar à superfície grande
quantidade de grânulos de ouro, o metal precioso e raro que daria
origem ao povoado que se transformaria na nossa histórica Poconé.
As pepitas que afloravam no local foram catadas, a notícia da
descoberta se espalhou; de uns aos outros, chegou nos poucos
povoados de Cuiabá, Cocais e outros; todos tiveram as atenções
voltadas para as novas lavras dos beripoconés, como diziam. A
afluência de senhores de escravos e de garimpeiros aconteceu num
"piscar de olhos", forma como se referiam ao fato diante da rapidez.
Foram levantados os primeiros ranchos e, inclusive, pensão, para hospedar
as pessoas que chegavam ao local; em poucos meses já havia um povoado e logo
depois um arraial de grande importância, fato que levou Luís de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres, a decretar em 21 de janeiro de 1781, a elevação do povoado à
categoria de arraial, ao qual se deu o nome de Arraial de São Pedro d’El-Rey (figura 2),
em homenagem ao rei D. Pedro III, rejeitando-se o nome Beripoconé por ser de origem
indígena. Contudo, essa imposição não prevaleceu no decorrer do tempo (RONDON,
op. cit.).
Nesse mesmo período, foi efetuado o primeiro censo registrando-se 2.118
habitantes, número considerado expressivo na época, colocando o arraial em posição
de destaque em relação às demais povoações.
Somente depois de catarem os milhares de pepitas de ouro puro que
floresciam entre os pedregulhos nos lugares que se tornaram conhecidos,
principalmente das famosas lavras de Ana Vaz, que ganhou o nome de mulher; do
Tanque do Padre, cujo nome indicava a quem pertencia; do Cuietê, que ganhou o nome
da vasilha; do Tanque do Arinos, porque a ele pertencia; de Tereza Bota, pelo tipo de
calçado usado pela mulher que explorava a lavra; da Lavra do Meio, porque ficava
entre outras; e de diversas de menor importância, é que passaram a fazer escavações,
nas quais catavam os grânulos, pepitas, deixando na terra revolvida o ouro mais fino,
pois para pegá-lo seriam necessárias técnicas mais avançadas que, na época,
desconheciam.
60
Figura 2 - Plano do Arraial de S. Pedro D' El Rey Fonte: REIS, 2001
Em função de sua produção e população ocupando a terceira colocação
como uma das povoações de maior progresso, São Pedro d'El-Rey foi premiado com a
criação do município, por Decreto-Lei Provincial, de 25 de outubro de 1831, ocasião em
que recebeu a denominação de Poconé, em homenagem aos índios que habitavam a
região. Sua área foi desmembrada de Cuiabá, sendo o quarto município criado na
província de Mato Grosso. Ainda pela importância que representava na ocasião, nove
anos depois da criação do município, foi criada a Comarca de Poconé em 1840. Pela
Lei Provincial nº 9, de 28 de junho de 1850, foram determinados, com maior precisão,
os novos limites do município.
A mineração foi exercida como principal atividade econômica do município
por um período de oitenta e sete anos (1777-1864), das descobertas das lavras até a
Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (1864-1870). A guerra e a epidemia de
61
varíola contribuíram para que a população de Poconé se reduzisse em 50%. O primeiro
cemitério construído na cidade foi o cemitério dos bexiguentos, nas proximidades do
campo de aviação, hoje Aeroporto Municipal Inácio Tolentino de Barros.
Do número de pessoas que permaneceram no local, ficaram em maior
número mulheres, jovens, alguns velhos e poucos homens em condições de trabalhar.
Desapareceram os mineiros e os remanescentes dedicaram-se à lavoura de
subsistência e à criação de gado, atividade econômica que conduziu o município
durante grande período de tempo.
Na guerra contra o Paraguai, Poconé teve o relevante papel de fornecer
cavalos e gado para alimentação das tropas brasileiras. Destaca-se também a
participação do Tenente Antônio João Ribeiro, herói da Guarnição Militar de Dourados,
que era poconeano, sendo que uma das principais ruas da cidade leva o seu nome.
Com o final da guerra a cidade voltou à sua vida tranqüila, porém, com o
advento do regime republicano, os conflitos políticos entre monarquistas e republicanos
abalaram a sociedade poconeana de cunho eminentemente patriarcal. Após a
consolidação da República, que foi a responsável pela solução dos impasses criados
pelas contradições entre os poderes executivo e legislativo, resultou o predomínio em
três esferas do poder executivo: federal, estadual e municipal, em virtude da disputa
pelo poder pelas oligarquias locais.
Na década de 1930, Poconé, mais uma vez, destaca-se no cenário político-
social-religioso, pela luta do poder entre os constitucionalistas, que formavam o grupo
de oposição e os aliancistas, os da situação.
Esse conflito evidenciou-se na região denominada de Tanque Novo, no
município de Poconé. O local foi invadido em 1933, a mando de políticos influentes,
pois o governo provisório de Getúlio Vargas não permitia qualquer foco ou reduto que
não o apoiasse.
62
Residia nessa localidade a família Lacerda Cintra que, com os inúmeros
filhos, vivia modestamente da agricultura e da criação de animais. De acordo com
Siqueira, Costa e Carvalho (1990, p. 184).
A nona filha do casal, chamada Laurinda Lacerda Cintra, mais
conhecida como DONINHA, em 1931, aos vinte e dois anos de idade,
mãe de dois filhos e grávida de um terceiro, começou a ter visões de
uma Santa, inicialmente chamada de “MARIA DA VERDADE” e, que,
posteriormente, passou a se chamar “JESUS MARIA JOSÉ”. A partir
dessas aparições, Doninha começou a ser solicitada, uma vez que a
Santa, não só lhe aconselhava sobre doenças, mas também fazia
algumas previsões sobre o futuro.
Em função das inúmeras curas, ocasionando romarias até Tanque Novo, a
região sofreu modificações em seu perfil de arraial pacato para uma vila, relativamente
populosa, pois muitos daqueles que procuravam Doninha passaram a residir ali.
Em breve tempo, Tanque Novo tornou-se um povoado, arraial cheio de
famílias de forasteiros. É que as pessoas ali reunidas iam pouco a pouco
se fixando, umas comprando sítios, outras construindo casas, algumas
cultivando o solo e todas procurando no trabalho honrado do campo, no
pequeno comércio e nas artes e ofícios, uma vida útil e progressista.
(COSTA apud SIQUEIRA, COSTA e CARVALHO, op. cit., p. 184-185)
É incontestável que Doninha exercia uma liderança pois, em função dos seus
dons religiosos, aglutinava pessoas em volta de si. Representantes dos mais variados
segmentos sociais iam lhe procurar, inclusive aqueles pertencentes à sociedade
dominante da época. Além do que, o pacato arraial sobrevivia de doações feitas por
fazendeiros e comerciantes, simpatizantes de Doninha, ou que tinham interesses
políticos sobres os devotos, usando-os eleitoralmente.
Para conquistar o apoio de Tanque Novo, que cada dia via aumentada a
sua população, Ben Rondon [Prefeito de Poconé na época] auxiliava e
colaborava com o arraial, seja com mantimentos, seja com o resguardo
63
político. Foi nesse momento (1931/32) que foi construído um grande
barracão destinado a abrigar doentes atendidos pela Santa, assim como
foi construída, sob o sistema de mutirão, uma igreja dedicada à Jesus
Maria José. (SIQUEIRA, COSTA e CARVALHO, op. cit., p. 186)
Na realidade, os acontecimentos de Tanque Novo contextualizam-se com a
Revolução Constitucionalista de 1932, movimento que indicava a existência de um
grupo de oposição a Getúlio Vargas.
Os insurretos, ainda que derrotados pelas forças do governo, conseguiram
que Vargas acatasse o apelo constitucional. Ao final de 1932, foi retomada a abertura
do processo eleitoral, visando eleger, em cada estado do país, os representantes junto
à Assembléia Nacional Constituinte. Foi liberada a formação de partidos políticos sendo
que, em Mato Grosso, surgiram três: o Partido Liberal Mato-grossense que
representava a situação, o Partido Constitucionalista de Mato Grosso representante da
oposição e o Partido da Liga Eleitoral Católica.
Em função do cenário nacional, ocorreram mudanças em nível local. Em
Poconé, o coronel Manuel Nunes Rondon, conhecido por “Ben Rondon”, foi substituído
na prefeitura por Antônio Avelino Corrêa da Costa, o “Nhô Tico”.
Dessa maneira, com a saída de Ben Rondon, Tanque Novo ficou identificado
como um reduto oposicionista. O novo prefeito passou a perseguir os moradores do
arraial, já que a sua missão era desestabilizar as forças oposicionistas.
O momento que antecedeu às eleições (1933), foi de grande tensão para a
região poconeana e demais redutos partidários dos ideais constitucionalistas. Porém,
como muitos dos candidatos do Partido Constitucionalista foram impossibilitados de
concorrer às eleições, pois, à véspera do pleito, tiveram seus nomes indeferidos por
decreto presidencial, sob alegação de envolvimento na revolução constitucionalista, os
liberais tiveram a sua vitória garantida nas urnas. Além do Partido Constitucionalista,
também foi alvo de perseguição o Partido da Liga Eleitoral Católica, que também era
oposição à Aliança Liberal.
64
No entanto, as eleições foram anuladas; o Partido Constitucionalista entrou
com pedido de anulação, em função do grande número de votos nulos e em branco.
Em função do ocorrido o grupo da Aliança Liberal entendeu que deveria exterminar com
o reduto constitucionalista.
O reduto atacado foi, por razões óbvias, Tanque Novo, ou ainda, Doninha do
Tanque Novo. Porém, era preciso uma razão convincente, na verdade um pretexto que
justificasse a invasão. O pretexto encontrado foi o de que em Tanque Novo estavam
ocorrendo fatos escandalosos e de extrema violência, como o de que os seus
moradores haviam atentado contra uma fazenda próxima, tendo espancado o
proprietário e seu filho.
Esse foi o motivo para que, em julho de 1933, acontecesse o ataque. Uma
força policial saiu de Cuiabá na noite do dia 06 de julho e chegando em Poconé na
madrugada do dia 07, seguiram para Tanque Novo. Ainda que o ataque tenha ocorrido
de surpresa, os moradores do arraial receberam os invasores a balas.
Uma vez atacados, os habitantes de Tanque Novo invadiram Poconé, tendo
depois se embrenhado pelo Pantanal. Seguiu-se uma caça aos mesmos, com várias
prisões. Doninha, seu marido e filhos conseguiram escapar a prisão, o que só veio a
ocorrer três meses depois. A caça aos moradores de Tanque Novo durou cerca de vinte
dias, com um enorme aparato policial no seu encalço.
Uma fonte oral em entrevista a Campos (2004, p. 131) dá a sua versão sobre
o ocorrido:
[...] Foi acumulando o povo. Foi ... E aí se formou uma vila lá onde ela
morava, lá no sítio, né. Um vinha ficava. Vinha, ficava. Aí Nhô Tico
Correa da Costa, Ovídeo Correa da Costa, tinha fazenda que confinava.
Aí falou que estavam roubando o gado dele. Você sabe, aquele fuxico,
né? Não estava acontecendo, mas ele falava que estava. Aí ele foi, deu
parte em Cuiabá. E veio. O coronel comandou quatro policiais, né. Mas
um que escutou a conversa foi lá no Tanque Novo e avisou. Que eles
65
iam bater lá pra prender a Doninha. Armaram uma emboscada, uma
espera.
[...] Passaram aqui por Poconé, apanharam finado Ilo como prático da
estrada, pro pessoal que veio. E o povo lá. No que eles vinham de
caminhão. Quando é assim, pr’essas coisas não falta antena, né, num
certo ponto derrubaram um pau na estrada – tocaia – falaram:
- Pára! Tem um pau na estrada. Caiu um pau.
Nessa hora que desceram pra tirar o pau da estrada, foi a hora do
tiroteio. O Ilo morreu.
[...] passaram um telegrama pra Cuiabá pro comandante geral. Até o
Nhô Tico era prefeito [...]
Quando foi umas horas da noite, eles bateram; o povo lá de Tanque
Novo, mais ou menos uns cem homens. O Rondon deu cavalo, deu
arreio, deu tudo. Veio aqui pra bater na casa de Nhô Tico. [...] Já o povo
entrou, foi direto na delegacia, rasgando ... [...] Aí começou o tiroteio e
mataram dois: um tal do Antônio João e um tal do Unhequé que não
tinha nome, diz que era um baiano. E aí começou o tiroteio na cidade –
pá! pá! pá! pá! – a noite inteira. Aqui dentro da cidade. Foi até
madrugadinha, até quatro horas. Mas mataram só esses dois. Mas diz
que ficou mais atirado que ninguém não sabe falar. Falam que até
morreu por aí, mas esse não sei, não posso falar.
Ah, mas foi aquele susto essa Revolta do Tanque Novo. [...] Aí prende
fulano. Prenderam a mãe de Doninha. Prenderam a Doninha. Sofreram,
apanharam. Levaram pra Cuiabá. Botaram na cadeia pública. No Porto.
[...] Ficou presa, aí lutaram, tiraram ela, ela morou dois anos em
Cáceres, de lá ela voltou, aí ficou na Aliança, adoeceu e morreu.
Mas o povo falava que não era a Doninha. Ela nunca mandou fazer
nada de mau pra ninguém. Ela sempre orientava a pessoa ... O povo é
que fazia o inferno. Que falava assim:
- A Doninha falou isso. Doninha falou aquilo. – Você sabe que a língua
não tem osso, né.
Ela era uma mulher pacatooona, daquelas brancas de cabelo vermelho
preso. Ela nunca mandou ninguém fazer. Ela sempre dava bons
conselhos.
66
Ela falava assim:
- Vai chegar um tempo que vai ter muito chapéu e pouca cabeça. Vai
haver um tempo que vai ter muito pasto e pouco rastro.
O julgamento de Doninha foi polêmico, pois enquanto o seu advogado
considerava que o crime era de natureza política, devendo ser julgado pela Justiça
Federal, o juiz estadual considerava a ocorrência como crime comum, devendo o
processo ser julgado em Cuiabá.
Doninha aguardou o resultado do julgamento na prisão, o que ocorreu em
agosto de 1934, sendo libertados todos os outros indiciados. Ela foi considerada
inocente, porém isso só aconteceu depois que as novas eleições foram realizadas e o
Partido da Aliança Liberal sagrou-se vencedor.
Por ocasião da abertura do inventário do pai de Doninha, coube a ela, como
herança, uma parte de Tanque Novo, o qual foi batizado com o nome de Caeté. Nesse
local ela continuou recebendo as pessoas, porém sentia-se sempre discriminada e
ameaçada. Mudou-se, juntamente com sua família, para Cáceres, onde permaneceu
por pouco tempo, regressando então à Caeté e restabelecendo residência.
Um dos casos de cura por intermédio de Doninha nessa época (final da
década de 1930), ocorreu com uma pessoa muito próxima à família da autora deste
trabalho. Trata-se do Sr. Antônio Dias de Moura, chamado por Tóte Dias. O relato
encontra-se na publicação As aventuras de um Pracinha Pantaneiro, texto narrativo da
sua vida, de autoria de seu genro e uma de suas filhas.
A doença do meu pai aconteceu quando ele tinha dezoito anos de idade.
Tudo começou com uma pequena gripe e muita dor de cabeça, que
mais tarde foi se transformando em uma espécie de pneumonia,
levando-o a um enfraquecimento tão grande que o deixou impedido de
caminhar. Uma de suas pernas ficou encolhida e para a pequena
locomoção que fazia, contava com o auxílio de uma muleta, durante
nove meses.
67
O seu tio Sr. Antônio Dias da Silva [...] voltou à Poconé, onde ficou
trabalhando em uma fazenda próxima à região do Caeté, onde havia
uma comunidade comandada pela Sra. Laurinda Lacerda Cintra,
conhecida pelo apelido de Doninha do Tanque Novo e mais tarde
Doninha do Caeté.
[...] Como o senhor Antônio Dias da Silva era uma pessoa sempre ligada
ao misticismo, logo se viu protegido pela amizade com a Sra. Doninha,
sendo a própria que lhe contou sobre a enfermidade do seu sobrinho [...]
o qual não via desde a fuga do Mimoso. Doninha lhe disse que tinha tido
uma visão mística onde viu a cura para a doença do seu sobrinho, e que
seria a seguinte: o Sr. Antônio deveria tirar a medida da porta da já
destruída igreja de “Jesus Maria José” do Tanque Novo e levar ao
sobrinho enfermo, para que ele amarrasse em sua cintura, que ficaria
curado.
[...] Colocada a fita com a medida da porta da igreja após 3 dias
aconteceu um verdadeiro milagre, pois os movimentos das pernas
começaram a voltar, ele pôde colocar as pernas no chão e aos poucos
foi deixando o auxílio da muleta. Após a sua milagrosa cura, meu pai
pôde voltar as suas atividades normais e, mais tarde, pôde se
apresentar no Exército [...] sendo convocado como Pracinha nos
campos de batalha na Itália, durante a 2ª. Guerra Mundial [...].
Sem a interferência milagrosa de Doninha do Caeté, não havia
perspectiva destes fatos tão importantes acontecerem e mudarem o
rumo de sua vida, cujas conseqüências continuam a influenciar sua
história até a data de hoje. Depois de curado, meu pai foi pessoalmente
à comunidade de Caeté agradecer a graça recebida. (MENDES e
MENDES FILHO, 2004, p. 25-26)
Tanque Novo teve seu nome modificado, em 1954, para Aliança Brasil.
Doninha continuou as suas atividades até a sua morte natural ocorrida em 1973 e
encontra-se sepultada ao lado do seu marido, José Odário, no cemitério de Poconé.
É certo que o movimento social de Tanque Novo teve a sua
representatividade política no contexto histórico regional e local da época. No entanto, o
68
componente religioso também é significativo no universo dos aspectos devocionais do
poconeano, tendo em vista o grande número de narrativas sobre este ou aquele milagre
acontecido, bem como aconselhamentos feitos aos fazendeiros da região em seus
negócios e em sua vida pessoal.
Finaliza-se este item com o poema de Campos (2006, p.56), onde a autora
narra em versos os principais momentos da trajetória da vida de Doninha, tanto em
seus aspectos religiosos quanto políticos.
DONINHA DO CAETÉ
19 de março de 1904, o mistério consome
nesse dia eleito ao bondoso São José,
Laurinda de Lacerda e Cintra, era esse o nome
da menina que nasceu com uma dádiva em Poconé
Na adolescência descobriu virtude
que antes lhe era tão inocente.
Tinha visões, adivinhava, era letrada sendo rude,
a alma era benévola, pura e contente.
Sua primeira visão: Padre Bento,
depois viu um foco de luz azulada.
E uma linda moça qual Mãe do Rebento,
a jovem Laurinda ficou emocionada!
Na roça lhe alcançou um sinal da Senhora,
pedindo-lhe três dias de jejum e oração.
Ordenando-a para que dali fosse embora,
pois lhe picaria a mesma cobra de Eva e Adão.
1930. Conhecera então o nome da Santa:
Maria da Verdade Jesus Maria José.
69
A fama da doce Laurinda era tanta,
Passaram a chamá-la Doninha do Caeté.
Transformaram seu lar em romaria, esperança
para se obter cura e orientação.
Estendia a mão a todos sem cobrança,
apenas velas e fósforos para sua oblação.
1933. Getúlio golpeia Prestes: Ditadura
Doninha em oposição incomoda o coronelismo.
Ao lado dos oprimidos luta com bravura
Tudo é nada diante do grande idealismo.
A política trágica sua vida transfigura
Com linhas de fel trançam-lhe nova sorte,
Presa, derreada à imensa desventura!
Em Cáceres viu-se na injúria com o deporte.
1973. Última visão à mulher vidente.
Aos 69 anos parte deixando uma história:
Doninha não queria ser dona de gente,
Apenas serva da justiça e do amor à Glória!
3.2 Identificando o lugar em seus aspectos físicos e econômicos
O município de Poconé localiza-se na porção centro sul mato-grossense
(figura 3), a uma distância de 104 km da capital mato-grossense, na micro-região Alto
Pantanal, da qual também fazem parte os municípios de Barão de Melgaço, Cáceres e
Curvelândia. Encontra-se a uma altitude de 142 m e possui uma área de 17.260,86
Km².
70
Figura 3 – Localização do município de Poconé Fonte: MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral, 2004
71
Limita-se com os municípios de Cáceres, Nossa Senhora do Livramento,
Barão de Melgaço e Corumbá, no Estado de Mato Grosso do Sul.
O clima é tropical quente e úmido, com precipitação média anual de 1.500
mm, com intensidade máxima nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro. A
temperatura média anual é de 24°C, sendo a maior máxima de 42°C e a menor mínima
de 4°C.
Como grande extensão da área do município, aproximadamente 80%,
pertence ao Pantanal mato-grossense, conseqüentemente a sua cobertura vegetal
nada mais é do que um reflexo das condições ecológicas ali existentes; o restante de
sua área é terra firme, com vegetação típica de cerrado.
O Pantanal constitui-se em uma área de contato, resultado da
convergência de quatro grandes domínios: as Florestas Amazônica e
Atlântica, os Cerrados e o Chaco. A ocorrência de flora endêmica é
pequena, predominando um mosaico florístico que reflete a colonização
por espécies desses quatro domínios biogeográficos e uma
diversificação na paisagem, associada às inundações sazonais,
topografia, ao tipo de solo e aos fatores antrópicos, contribuindo para
uma grande diversidade biológica, contando com cerca de 1.700
espécies de plantas. (SCHWENK, 2005, p. 263)
O Pantanal de Poconé limita-se, ao norte com a própria cidade de Poconé,
zona mais alta de savana, ao sul com o rio São Lourenço, no limite com o Pantanal de
Paiaguás, a leste com o Pantanal de Barão de Melgaço e a oeste com o rio Paraguai
(WWF-BRASIL; MMA, 2004).
A população reconhece, no Pantanal de seu município, três sub-regiões:
o Pantanal alto, próximo às bordas da planície; o Pantanal do meio; e o
Pantanal baixo, nas regiões mais próximas dos rios Paraguai e Cuiabá.
(CAMPOS FILHO, 2002, p. 76)
72
Com relação à dinâmica populacional do município, ao se observar a
evolução da população residente (Tabela 1), constata-se que o maior acréscimo
populacional se deu na década de 1970 (31,60%), ainda que o município não tenha
recebido um significativo fluxo migratório em relação a outras áreas do Estado de Mato
Grosso, fruto das políticas e estratégias do governo federal para a expansão da
fronteira agropecuária nas regiões Centro Oeste e Amazônia.
Esse aspecto respalda-se nas análises de Moreno e Higa (2005), quando
mencionam que a distribuição da população migrante no Estado não é uniforme,
chegando a ser maioria em alguns municípios e quase inexistir em outros. Essa
população é ainda menos expressiva em áreas de ocupação antiga e não inseridas na
dinâmica produtiva em larga escala, como é o caso de Poconé.
TABELA 1
POCONÉ – TAXA DE CRESCIMENTO RELATIVO (TCR)
DA POPULAÇÃO, NO PERÍODO DE 1960 A 2000
Anos
População Total
TCR (%)
1960¹ 14.649 - 1970¹ 19.278 31,60 1980² 23.351 21,13 1991² 29.856 27,86 2000³ 30.773 3,07
Fontes:
1 - BRASIL. Ministério da Agricultura/Secretaria de Agricultura. Boletim Estatístico e Informativo do Acordo de Classificação no Estado de Mato Grosso (Governo José Fragelli 1971-1975).
2 - MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral, 2001. 3 - MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral, 2004. Org.: ABDALLA, Silvana Maria de Moraes, 2006.
É importante mencionar que no governo de José Manoel Fontanilhas
Fragelli, governador de Mato Grosso no período de 1971-1975, foi asfaltada a rodovia
73
Cuiabá-Poconé, bem como foi idealizada e iniciada a obra de construção da
Transpantaneira com recursos previstos no Programa Especial de Desenvolvimento do
Pantanal - Prodepan, criado em 1974 e inserido no II Plano Nacional de
Desenvolvimento (1975-1979).
O Prodepan estava voltado para obras de infra-estrutura e transporte
terrestre e fluvial, principalmente pela implantação de rodovias e aproveitamento da
rede hidrográfica. Previa a regularização dos cursos d’água, com vistas ao controle de
enchentes, saneamento básico, expansão da oferta de energia, melhoria nas
pastagens, introdução de tecnologias de manejo pecuário, defesa sanitária e estímulo
ao desenvolvimento industrial, sobretudo de carne (MORENO, 2005).
Campos Filho (2002, p. 159), ao analisar a proposta do Programa e a sua
repercussão na região, afirma que:
[...] Previa-se, nesse Programa, a domesticação do Pantanal para sua
inserção no sistema de produção integrado mundial, com ansiedade por
ganhos de produtividade, assim como controle dos processos naturais,
ordenando-lhes segundo os interesses mais imediatos. Nele, era
prevista a regularização das águas pantaneiras, com a construção de
obras, como barragem no alto rio Cuiabá e dragagem do rio Paraguai
para navegação. Apoiavam também o “zebuamento do gado”, com
abertura de linhas de crédito para a aquisição de reprodutores zebus e
introdução de forrageiras exóticas. Propunham ainda “polders” (diques)
que, em Poconé, têm como exemplos as fazendas da empresa Camargo
& Correa S.A e a Fazenda Pixaim, ambas de gente de fora.
Com relação à rodovia Transpantaneira, de acordo com o autor, existia a
adesão de alguns fazendeiros, que acreditavam nas melhorias que poderiam advir da
construção e outros que eram opositores à obra em função de prováveis transtornos
provocados pelas alterações ambientais. No entanto, a estrada trouxe facilidades para
o transporte pessoal, de mantimentos, e ao escoamento da produção, bem como
provocou um reordenamento na vida das fazendas, a mudança dos proprietários para a
74
cidade e, ainda, aumento nos padrões de vida e consumo. Em função da repetição de
grandes enchentes, a partir de 1974, quando os prejuízos por morte de bovinos foram
grandemente acentuados, com a ausência do proprietário na fazenda o que geralmente
agravava as perdas, ocorreu a diminuição da importância da rodovia enquanto
instrumento de desenvolvimento regional.
A pecuária pantaneira, nas palavras de Pasca apud Campos Filho (2002), foi
a viga mestra da economia poconeana até o início dos anos 80. A crise que se
instaurou provocou o endividamento de muitos fazendeiros em função de inúmeros
fatores tais como: repetição das grandes enchentes, o que aumentou a mortalidade no
rebanho, diminuiu a fertilidade das fêmeas e o crescimento dos bezerros; entrada de
novas doenças e animais com genética inadaptada; aumento nos custos de produção,
dentre outros.
Por outro lado, o sistema adotado pelos pecuaristas pantaneiros não mudou
face às exigências da modernização, pelas limitações ambientais, mas, principalmente,
por entrar em choque com os procedimentos costumeiros da cultura local, dos quais a
maioria não queria abdicar e não visualizava o processo de mudanças econômicas já
em andamento.
A partir deste momento, muitos passam a utilizar alternativas econômicas
como forma de evitar o “empobrecimento”, tornando-se aliados de representantes de
fluxos migratórios interessados em outras atividades, como a mineração do ouro, que
traz mais riscos no longo prazo do que benefícios sociais.
A atividade de mineração aurífera ressurgiu no ano de 1982, com a retomada
de antigas jazidas trabalhadas no século XVIII. A atividade evoluiu rápida e
desordenadamente, sem nenhum tipo de intervenção dos órgãos de fiscalização, entre
os anos de 1982 e 1988. Em 1988 existiam 75 garimpos que geravam cerca de 2.000
empregos diretos, com uma produção de ouro estimada na ordem de 75 kg de
ouro/mês (FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE, 2003).
75
No ano de 1995 teve o início do processo que culminou com a regularização
desta atividade. Existiam, na época, 52 garimpos em funcionamento no município de
Poconé, com cerca de 3.000 pessoas trabalhando diretamente na produção do ouro,
com uma produção estimada de 2,0 t/ano. A atividade garimpeira gerou emprego e
renda, aqueceu o comércio, incrementou a economia local, mas provocou um
acentuado processo de degradação ambiental.
[...] O solo de Poconé, hoje, lembra uma superfície lunática, por causa
das grandes perfurações em busca do ouro [...]. Além do inchaço
urbano, a situação ambiental é igualmente grave. O abandono das áreas
de exploração do ouro deixou crateras e micro-bacias contaminadas
pelo esgoto. (JORGE, 2005, p. 12)
Com a reordenação da atividade, muitos que para lá tinham se dirigido em
função do enriquecimento fácil e efêmero, deixaram a cidade, ficando apenas aqueles
que conseguiram se estabelecer dentro do processo de regularização que se iniciava,
com a emissão de licença de operação pelo órgão ambiental responsável somente a
garimpos considerados com nível aceitável de controle ambiental. No entanto, a
atratividade que a atividade garimpeira controlada despertava não era intensa, o que se
pode verificar no tímido índice de 3,07% no incremento da população residente no ano
de 2000, demonstrado na Tabela 01, o mais baixo verificado em relação aos anos
anteriores.
O passivo ambiental deixado pelo garimpo foi significativo, o que motivou o
desenvolvimento pela Fundação Estadual do Meio Ambiente - FEMA6, do Projeto de
Desenvolvimento de Medidas para Reabilitar Terras Degradadas pela Atividade
Mineradora no Município de Poconé, com a parceria da Agência Nacional de Águas -
ANA, do Fundo para o Meio Ambiente Mundial - GEF, do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente - PNUMA e da Organização dos Estados Americanos - OEA.
O objetivo principal deste projeto é desenvolver metodologias e
procedimentos operacionais para a recomposição do meio ambiente degradado por
6 Atual Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA.
76
atividades mineradoras. Buscou recuperar as áreas degradadas inseridas na área
urbana de Poconé, contribuindo com a melhoria da paisagem urbana, minimizando
riscos à população e encontrando soluções técnicas para melhor ordenar o uso do solo
(FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE, 2003).
Em decorrência dos trabalhos desenvolvidos, foi implantado, no final do ano
de 2005, um parque temático, denominado Parque Temático de Mineração Beripoconé
em uma área intensamente degradada, visando melhorias na qualidade de vida da
população local, transformando uma situação problema em locais úteis à comunidade,
com a criação de áreas de lazer, esporte, turismo e outros fins comunitários. Uma das
maiores contribuições deste projeto foi o fortalecimento de parcerias entre a Secretaria
de Estado de Meio Ambiente - SEMA, garimpeiros e a comunidade no processo de
recuperação de áreas degradadas.
Diante da breve análise do cenário econômico do município, conclui-se que
Poconé viveu as seguintes fases em sua economia: o ciclo do ouro por ocasião do seu
processo de ocupação, a atividade da pecuária que já o colocou entre os maiores
produtores de bovinos do Estado e o ressurgimento, ainda que de forma desordenada,
da mineração aurífera.
Atualmente, surge o turismo como uma nova alternativa. O grande número
de pousadas e hotéis-fazenda no entorno da rodovia Transpantaneira, denota que o
fazendeiro poconeano está buscando, através da atividade turística, uma oportunidade
de sobrevivência do seu empreendimento; já não mais viabilizado unicamente pela
criação de gado. No entanto, esta atividade ainda não se encontra devidamente
organizada.
Para Schwenk (2005), embora a atividade tenha uma importância econômica
indiscutível, tem contribuído para o agravamento de alguns problemas ambientais,
como a perturbação dos ninhais e outras áreas de reprodução animal, o aumento da
pesca predatória, bem como a caça e o aumento do despejo de lixo, muitas vezes
jogado em locais não apropriados.
77
No entanto, conforme conclui a autora, esses problemas podem ser
solucionados através de um sistema de planejamento e gestão que viabilize o
ordenamento da atividade.
3.3 Evocando particularidades da cidade: o que “o olho vê, a lembrança revê, e a
imaginação transvê”7.
É uma cidade igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode
ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra-
cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um medo. As
cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda
que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras
sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas
escondam uma outra coisa. [...] De uma cidade, não aproveitamos as
suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às
nossas perguntas. (CALVINO, 2004, p. 44)
O caminhar por uma cidade pode nos surpreender a qualquer momento,
desde que esse caminhar possa estar aberto para o inesperado. Ruas, esquinas, largos
e praças, não são espaços abstratos, concentram memórias e sentimentos. Uma cidade
não se faz com espaços, ela é a desordem espacial, a cidade é a desordem das
lembranças (PEIXOTO, 2005).
Quando se caminha por Poconé, percebe-se que a configuração do seu
espaço não difere dos demais núcleos que tiveram a sua ocupação no século XVIII.
Quando se lança um olhar para a cidade, desde a sua entrada até o centro, percebe-se
em suas ruas estreitas, praças e outros elementos urbanísticos, alguns sinais de sua
7 Manoel de Barros, poeta pantaneiro.
78
ocupação iniciada com a atividade mineradora. Existem também alguns espaços
diferenciados, resultantes de intervenções mais recentes.
De todos os elementos urbanos da cidade de Poconé, este estudo privilegia
aqueles que ambientam os seus festejos religiosos e as suas manifestações folclóricas:
a praça, a rua, a igreja, o clube e outros representantes da sua paisagem cultural.
A praça central da cidade é a Praça da Matriz que, antigamente, era um
largo pátio coberto por uma laje de pedra-canga, hoje substituída pelo cimento e
asfalto. Bruno apud Campos Filho (2002, p. 37) conta que Moutinho, um português que
passou no local em meados do século XIX, afirmou que “Poconé mostrava de
interessante o largo da matriz, pavimentado com uma laje só [...] obra admirável da
natureza”.
É nesta praça em que está localizada no seu ponto central a Igreja Matriz de
Nossa Senhora do Rosário (figura 4), a padroeira da cidade. Esta igreja e o seu adro
ambientam o cenário onde os atores locais vivenciam a sua fé religiosa, onde o povo se
reúne para louvar São Benedito e Senhor Divino.
Figura 4 - Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla - 2001
79
A devoção a Nossa Senhora do Rosário, cuja data comemorativa dá-se em
07 de outubro, também é muito presente na crença do povo poconeano, o que inspirou
Campos (2006, p.35) a proclamá-la em versos.
A PADROEIRA
Querida Nossa Senhora do Rosário
Em tuas contas somos todos os filhos
Unindo-nos ao outro, o nosso Salvador.
Embala-nos e nos guarda em teu manto
No imaculado enlevo do teu acalanto
Em todos momentos de teu esplendor.
Dás vidas aos nossos campos verdejantes
Olhas com carinho o nosso pantanal.
Banhas de ternura o pratear de nossos rios
Que reluzem nos pântanos quais diamantes
Refletindo em suas águas teu cuidado maternal.
Teu doce olhar suaviza nossas dores
Tuas mãos benditas os nossos prantos
Glorificas nossas almas de encantos
Pacifica-os em todos os desenganos,
És a rainha e padroeira dos poconeanos.
A Matriz é teu lar e lá te veneramos.
O pequenino que trazes nos teus braços
É cada filho que amas do jeito que ele é.
Desde os primórdios até nossos dias,
És um bálsamo de graça cheio de alegrias
És a maior benção de Deus pra Poconé!
Robba e Macedo (2003) quando abordam a gênese da praça na cidade
colonial brasileira, afirmam que a mesma, até esse momento, chamada de largo,
terreiro e rossio, era o espaço de interação de todos os elementos da sociedade,
80
abarcando os vários estratos sociais. Era nesse local que a população da cidade
colonial manifestava a sua territorialidade, os fiéis demonstravam a sua fé, os
poderosos, seu poder, e os pobres, sua pobreza. Era um espaço polivalente, palco de
muitas manifestações dos costumes e hábitos da população.
Mencionam ainda esses autores que, em volta da capela, embrião das
nossas cidades, foram construídos paulatinamente o casario e as edificações que
compunham um arraial ou vila. Tal estrutura também gerou os primeiros espaços livres
públicos brasileiros: os adros das igrejas. O espaço deixado em frente ao templo é o
espaço de formação da praça. Conforme a povoação cresce, o adro da igreja se
consolida como um elo entre a comunidade e a paróquia, o mais importante pólo da vila
ou arraial e o centro da vida sacra e mundana, pois atrai para o seu entorno as
residências mais abastadas, os mais importantes prédios públicos e o melhor comércio.
Na Praça da Matriz em Poconé, além do templo religioso, também estão
presentes outros elementos espaciais com funções diferenciadas. Convivem
harmoniosamente: a Igreja, as residências, a Prefeitura (figura 5), o Forum, o Clube
Sociedade Recreativa Poconeana (figura 6) e até bares e lanchonetes representantes
típicos da modernidade. Acontecem também no local, além dos festejos religiosos de
tradição mais antiga, outros tipos de festas e eventos mais contemporâneos. Infere-se
que a Praça da Matriz funciona como o ponto de convergência da cidade, como um
elemento aglutinador.
Figura 5 – Prefeitura Municipal de Poconé Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla - 2001
81
Figura 6 – Sociedade Recreativa Poconeana – Casa das Festas Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla – 2001
Silva (2000, p. 13) quando analisa a cultura e a territorialidade urbanas sob a
abordagem da pequena cidade, menciona aspectos relativos à funcionalidade da praça
central.
Na praça central de uma pequena cidade “onde tudo acontece” (na visão
dos seus habitantes), estão localizadas as residências da elite local,
onde formam “redes de prestígio” com integrantes de um determinado
estrato social que não necessariamente possuem poder econômico, mas
concentram as famílias tradicionais. Esse mesmo local pode servir de
espaços de socialização de jovens no domingo à noite, ou ainda a
realização das festas religiosas congregando várias classes de renda,
unidas pela crença religiosa. Assim, a apropriação do espaço é
determinada pelas relações que se estabelecem entre seus membros,
pelo manejo de símbolos e códigos comuns.
Uma edificação localizada próxima à praça e que está dentro do contexto por
ocasião da realização das festas, é o Clube Sociedade Recreativa Poconeana - a Casa
das Festas. Segundo fonte oral8, ela foi construída pela iniciativa de alguns moradores,
que saíram pela cidade angariando fundos, com o objetivo de ter um espaço onde se
reunirem. Neste local, funcionou no século XIX, a antiga Cadeia de Poconé.
8 Waldez Abdalla, pai da autora, um mineiro que chegou em Poconé em 1955.
82
Outra praça que merece registro é a Barão do Rio Branco, localizada entre
as ruas Antônio João Ribeiro e Salvador Marques, à direita de quem sobe. Embora um
pouco descaracterizada, conserva ainda o antigo coreto, bancos de cimento doados na
época de sua construção por moradores e entidades locais, inclusive um deles doado
por Bathilde Rosa de Moraes9, cuja residência era ao lado da praça.
Neste local, que Liney Rosa de Moraes Abdalla10 quando o remete a sua
memória identifica-o como jardim, aconteciam os passeios, as reuniões. Quando
interpelada para saber se os footings dos poconeanos eram semelhantes aos dos
cuiabanos no Jardim Alencastro, ela disse: “eram parecidos, só que existia um serviço
de alto-falantes em que as pessoas ofereciam músicas umas para as outras,
principalmente entre moças e rapazes”.
Robba e Macedo (2003, p. 28) quando falam das transformações ocorridas
no espaço público brasileiro no final do século XIX e começo do século XX, comentam:
O surgimento da praça ajardinada é um marco na história dos espaços
livres urbanos brasileiros, pois altera a função da praça na cidade. [...] A
praça agora é um belo cenário ajardinado destinado às atividades de
recreação e voltado para o lazer contemplativo, a convivência da
população e o passeio.
O coreto da Praça Barão do Rio Branco, denominada pelo poconeano de
Jardim, também já serviu de palco para discursos de políticos em campanha eleitoral.
Registros de memória da autora deste trabalho trazem à tona os tempos inflamados da
UDN (União Democrática Nacional) e PSD (Partido Social Democrata), quando o
empresário Lúdio Coelho (UDN) concorreu com o Engº. Pedro Pedrossian (coligação
PSD-PTB) ao governo de Mato Grosso, saindo vitorioso este último. Era também um
espaço de lazer, onde costumava passear nos finais de tarde trajando o “terrível”
vestido de organdi, insuportável em tardes mais acaloradas.
9 Avô materno da autora. 10 Mãe da autora.
83
Ainda caminhando pela Rua Antônio João, do lado esquerdo, no cruzamento
com a Rua Salvador Marques, em frente à antiga loja do Sr. Beijo, ou Loja de Beijo,
localiza-se a esquina do pecado que assim era cognominada por ser o ponto de
encontro para conversas e troca de idéias dos homens da comunidade local. Era um
espaço caracteristicamente masculino.
São interessantes as palavras de Souza (2001, p. 137), quando aborda o
sentido das palavras nas ruas da cidade.
A humanidade sempre procurou marcar os lugares por onde circulou
com elementos diferenciados, como construções especiais e até dando-
lhes nomes ou apelidos, que serviram de referenciais para si própria.
Tornar um ambiente diferente do outro para não se confundir
espacialmente é sempre uma imposição para se estabelecer a própria
identidade.
Ainda que essa denominação não seja mais utilizada atualmente, em função
da própria dinâmica urbana, no sentido de acompanhar uma nova época, um novo
tempo, um novo fato ou um novo mito, tem a sua representatividade na memória
urbana da cidade.
Um outro espaço tipicamente masculino era o bar do Sr. Juvenal, sendo
relatada a sua funcionalidade nas lembranças de Mendes e Mendes Filho (2004, p.
177):
Em Poconé a vida era muito divertida para todos nós e como meu pai
sempre gostou de também usar suas horas de lazer jogando canastra e
truco espanhol, logo formou uma turma de amigos para jogarem no bar
do Sr. Juvenal, à noite sempre no horário das 19 às 21 horas, pois o
fornecimento da luz elétrica terminava nesse horário [...].
De todas as ruas de Poconé, sem dúvida, a Antônio João é a mais presente
nas lembranças da autora deste trabalho. Era lá que morava com a sua família, em uma
casa simples, com um grande quintal repleto de árvores; era onde se localizava o Asilo
84
Imaculada Conceição, onde aprendeu as primeiras letras; também era o local do
Jardim, da esquina do pecado, da loja do Sr. Beijo, do bar do Sr. Juvenal, do antigo
cinema, até se chegar ao largo pátio, hoje Praça da Matriz.
Com relação ao antigo cinema, é rememorado nos versos de Campos (2006,
p.51) no poema Ícones de Poconé.
[...] Hoje tem cinema? Tem sim sinhô!
Gritava o Manoel Mistura no alto-falante.
O som explodia na voz desse andarilho,
despertando a alma do povo com seu estribilho
misturava o sonho à realidade, esse viril andante.[...]
Em outros trechos do aludido poema, a autora descreve outros personagens
populares, pessoas simples, comuns, porém atores que produziram marcas em uma
época e evocam lembranças no imaginário da cidade.
[...] Num devaneio também bailava Georgina
todas as noites na praça sempre a cantar
Sobre efeito a cabeça rodava mais do que a saia
sem importar-se com aplauso ou vaia
Georgina queria apenas seus males espantar!
Certa de sua pureza passava Maria Leoné
toda de branco rumo à igreja rezar.
Mas a caminho tentava dizer com imaginação
o solicitado poema Bolhas de Sabão
Um sonho que nunca chegou a realizar.
De madrugada a pedir abrigo na janela de casa
Ouvia-se um gemido ora de frio, ora de dor.
Mariano Bobo, chapéus na cabeça, um saco de chão
tão pesado no corpo como a imensa solidão
à vista das roupas rasgadas, destroços de um sofredor.
85
Maria dos Santos e o enorme papo no pescoço,
Com esmero a roupa dos fregueses engomava
Valarino que os chinelões nos pés arrastava
Virgínia com “Chulinho” seus delírios encenava,
Heróis de um pungente destino, nada os intimidava.
Laura Caminhão, o que carregava?
Raquel Rachô, o que esta rachava?
João Cupi, Pixita, Dita Muda, Pepé Nhapó, Curninho
e sua estridente risada quais os fogos do Tótinho,
um mistério em cada um que ninguém desvendava. [...] (CAMPOS, op.
cit., p. 51-52)
A autora do presente trabalho acrescentaria a essa relação de ícones o Sr.
João Pastel, que passava vendendo carne na porta de sua casa e que simplesmente
detestava a alcunha “Pastel”, quando ela sorrateiramente assim o chamava.
Certamente que muitas indagações podem surgir quanto à importância da
narração de lembranças pessoais, opta-se por consubstanciá-la na contribuição de Bosi
(1987, p. 43): “[...] A arte da narração não está confinada nos livros, seu veio épico é
oral. O narrador tira o que narra da própria experiência e a transforma em experiência
dos que o escutam [...]”.
Em uma outra praça, denominada Praça do Menino Jesus, localiza-se a
Igreja do Menino Jesus (figura 7). Esta igreja, na realidade, foi construída para São
Benedito, porém como não conseguiram encontrar em Poconé e nem em Cuiabá uma
imagem do santo, resolveram colocar em seu altar a imagem do Senhor Menino por
ocasião da primeira missa e festa inaugural. Ficou conhecida como Igrejinha do Senhor
Menino.
86
Figura 7 – Igreja do Menino Jesus Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla - 2000
Segundo Rondon (1981, p. 74-75) a sua construção está associada à peste
da cadeira que vitimou, por volta do ano de 1854, diversos cavalos no pantanal,
deixando os fazendeiros preocupados:
[...] os fazendeiros atormentados pelo que viam, resolveram recorrer ao
Santo mui querido, e saíram com a bandeira do Santo [...] milagroso, a
visitar os sítios e fazendas, de casa em casa, rezavam, improvisavam
cânticos, formulavam os pedidos, principalmente para defender os seus
rebanhos, para fazer desaparecer aquela peste que estava devassando
a espécie cavalar, deixando-os a pé. Quando a peregrinação chegou na
sede da fazenda São João, na época propriedade de João Epiphaneo
da Costa Marques, a sua esposa, Dª. Maria Cassiana Nunes Rondon
Costa Marques, durante as orações, suplicou ao Santo prometendo
edificar uma igreja para Ele se atendesse a sua rogativa, que era a de
fazer que a peste desaparecesse. Prometera também que colocaria a
imagem do Santo naquela igreja.
87
Como soe acontecer, o Santo milagroso não vacilou, atendeu de
imediato, não adoeceram mais animais e os doentes melhoraram,
reconquistaram boa saúde.
A conclusão da obra deu-se em 1922. No entanto, em 1928, desabou a torre,
provocando a queda do telhado. Mesmo assim, permaneceu a imagem do Menino
Jesus, que havia sido colocada em substituição a de São Benedito.
Com a morte de João Epiphaneo, seus herdeiros resolveram doá-la a
Maestra Felicidade Rondon, pessoa dedicada e devota do Senhor Menino, que
promovia festas e missas em sua homenagem. Coube a Maestra, ou Nhá Fili, como era
conhecida em Poconé, a incumbência de reconstruir a igreja.
A sua primeira providência para conseguir o dinheiro indispensável à
reconstrução foi pôr a sua bandinha de música para tocar, nas noites de
sábados e domingos, ali em frente à igrejinha, durante três, quatro
horas, e suas sobrinhas vendiam caramelos, bolos e refrescos às
pessoas que ali se aglomeravam. (RONDON, op. cit., p. 77)
É evidente que a Maestra não conseguiu o dinheiro suficiente apenas dessa
maneira, recorreu ao povo poconeano e aos descendentes de João Epiphaneo que
prontamente a atenderam.
Durante o processo de reconstrução, Nhá Fili pensou também que deveria
providenciar um altar para a imagem de São Benedito, cumprindo a promessa da
mulher do fazendeiro. Foi assim que, na segunda inauguração, também adentrou ao
local a imagem de São Benedito, doada pelo Dr. João da Costa Marques. Atualmente, a
Igreja de São Benedito localiza-se na Avenida Porto Alegre.
No que diz respeito às igrejas existe ainda uma que merece ser mencionada:
a Capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Esta capela pertence ao antigo
Asilo da Imaculada Conceição, hoje Escola Madre Luiza Bertrand, onde muitos
poconeanos iniciaram os seus estudos.
88
Quando se olha para a paisagem urbana poconeana, o que se percebe é
que a praça, a rua, o templo religioso, o clube, são elementos significativos no contexto
do exercício de sua religiosidade. São elementos que congregam a comunidade, seja
com a participação em uma missa, em uma novena, procissão, ou ainda assistindo à
dança dos Mascarados.
[...] a personalidade do lugar se apoia num amplo conjunto de
identidades - história; costumes; arquitetura; urbanismo com suas ruas,
barrancos e bocas malditas; detalhes e adornos; tipos humanos e suas
relações com o meio e a região; pertença; formas lingüísticas; mitos;
fantasmas e aparições da santa; esconderijos; sons específicos; astral;
segredos e todos diferenciais próprios do meio ambiente (relevo,
hidrografia, fauna, flora, clima, luminosidade etc.). Ainda que dois
lugares possam ter os mesmos ingredientes, a disposição de suas
formas pela comunidade produz algo necessariamente diferente. É
quando a ordem dos fatores altera o produto. Homem apaixonado pelo
meio cria a alma do lugar [...]. (YÁZIGI, 2001, p. 45).
Com respaldo nas palavras do autor citado, depreende-se que a alma da
cidade de Poconé reveste-se das suas particularidades. É na paisagem e pela
paisagem, que o poconeano se identifica e perpetua os componentes de sua cultura. É
o conjunto das especificidades de seus elementos culturais que caracteriza a sua
identidade.
4. OS FESTEJOS RELIGIOSOS DO SENHOR DIVINO E DE SÃO BENEDITO
O vernáculo da paisagem é expresso também pelas manifestações
culturais (festas, rituais, feiras etc.). [...] As festas do padroado, por
exemplo, com suas cores, seus ruídos e símbolos, produzem ao mesmo
tempo uma paisagem material e imaterial. Material quando apresenta o
cenário da festa, parado ou em movimento, percebido através dos
89
sentidos. Já sua imaterialidade comporta a memória que foi construída e
transmitida através das interpretações do passado. (COSTA, 2003, p.
38)
4.1 Notas históricas e algumas características dos festejos religiosos brasileiros
As festas, sobretudo as devocionais, ocupam um espaço privilegiado na
cultura brasileira adquirindo significados particulares nos lugares onde ocorram. Por ser
o Brasil um país formado por grande diversidade cultural, o tema festa, inevitavelmente,
remete-nos à sua gênese, no período colonial, como festa de caráter singular,
composta por contribuições negras e indígenas que se somaram ao modelo de festa
religiosa que os colonizadores portugueses implantaram como uma maneira de mediar
as relações entre a Coroa e os novos, e extremamente diferentes, súditos.
Desde o princípio da colonização brasileira as festas serviram como
“modo de ação”, seja para catequizar índios, seja para tornar
suportáveis, aos portugueses e demais estrangeiros, as agruras da
experiência do enfrentamento de uma natureza desconhecida e
selvagem, com povo, clima, plantas e animais estranhos. Ela foi
importante mediação simbólica, constituindo uma linguagem em que
diferentes povos podiam se comunicar. (AMARAL, 1998, p. 59)
Rosendahl (1999a), acrescenta que os portugueses quando introduziram os
mistérios da fé cristã não o fizeram apenas pela intervenção estatal, mas também pelas
ordens religiosas. Em função do processo de ocupação do espaço brasileiro ter sido
feito em etapas e valorizando áreas em momentos distintos, permitiu que o catolicismo
no Brasil assumisse características próprias, distintas do catolicismo europeu.
Já Moura (2001) evidencia que as festas além de propiciarem uma liberação
momentânea, apresentam um caráter ideológico. Comemorar é, antes de tudo,
conservar algo que ficou na memória coletiva. A dramatização dos símbolos e das
90
alegorias no interior da festa tende a justificar ou explicar uma doutrina. Há sempre uma
crença a ser defendida. Toda festa tem uma longa história que aponta uma enorme
quantidade de interesses espirituais e materiais, constantemente alterados no decorrer
de sua existência.
No que concerne aos seus componentes estruturais, são caracterizados pelo
autor da seguinte maneira:
- Religiosos - ministrados por sacerdotes ou por pessoas autorizadas pela
Igreja, como missa, procissão, bênção, novena e reza.
- Profano-religiosos - ministrados por leigos com aprovação do sacerdote,
homenageando as figuras sacras, de modo alegre e festivo: levantamento
de mastro, bailados como congados, folia de reis, Império do Divino,
Reinado do Rosário, Pastorinhas.
- Profanos - têm caráter de diversão. Visam segurar os visitantes mais
tempo nas festas: leilões, danças, comidas, barraquinhas e folguedos
como malhação do Judas, bumba-meu-boi, pau-de-sebo, cavalhada e
outros.
Dentro dos acontecimentos que ocorrem durante as festas observam-se
vários momentos que possuem características chamadas de sagradas e profanas como
a missa, a procissão, a novena, a visita das bandeiras, as manifestações folclóricas etc.
No entanto, essas características são singulares, ou seja, as que se fazem presentes
em um determinado festejo, podem não se fazer presentes em outro. Cada festa tem
suas próprias características que podem ser tanto sagradas como profanas.
As atividades religiosas imprimem no espaço transformações que estão
fortemente relacionadas com os aspectos culturais da comunidade, de
tal modo que o espaço pode ser percebido de acordo com os valores
simbólicos ali representados [...]. (ROSENDAHL, 1999b, p. 236)
Neste estudo, os conceitos de sagrado e profano com relação a
espacialidade das festas religiosas, são os elaborados por Rosendahl (2002). Para a
91
autora o sagrado e o profano se opõem e, ao mesmo tempo se atraem. Jamais, porém,
se misturam.
O espaço sagrado é um campo de forças e de valores que eleva o
homem religioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio
distinto daquele no qual transcorre sua existência. É por meio dos
símbolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado exerce sua função de
mediação entre o homem e a divindade. (ROSENDAHL, op. cit., p. 30)
Já o espaço profano é definido como o espaço desprovido de sacralidade,
estrategicamente ao “redor” e “em frente” do espaço sagrado. Os elementos
constitutivos do espaço profano organizam-se segundo sua própria lógica, são
decorrentes de sua articulação com o sagrado.
Um outro aspecto das festas a ser mencionado é o caráter cíclico das
comemorações da Igreja Católica, distribuídos conforme sua importância, freqüência e
funcionalidade para o próprio povo. Assim, temos o Ciclo Natalino, o Carnaval, a
Semana Santa, o Divino Espírito Santo, o Ciclo Junino (festas em homenagem a São
João, São Pedro e Santo Antônio), Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Ainda
que todos esses ciclos tenham uma representatividade de cunho religioso inerente ao
catolicismo, a sua ocorrência e ambiência no espaço possuem características
peculiares à região onde aconteçam. É a cultura local que irá refletir o nível de
sacralidade nas práticas de rezas e promessas. Estas práticas tomam a forma
simbólico-religiosa centralizada nos santos. E é em torno deles que gira todo o
catolicismo popular.
Com relação ao período de ocorrência, o calendário dessas festas obedece
ao civil (janeiro a dezembro), no entanto não é estabelecido rigorosamente em função
das diferenças regionais brasileiras. Além disso, o calendário litúrgico, fator
determinante para o estabelecimento das datas para as festas religiosas, mantém certa
autonomia em relação ao calendário civil.
92
4.2 Os festejos do Senhor Divino e de São Benedito – algumas características e a
sua gênese no Brasil e em Mato Grosso
Das comemorações da Igreja Católica mencionadas anteriormente, os
festejos em louvor ao Divino Espírito e a São Benedito são objeto de estudo deste
trabalho.
Cascudo (2001) define a Festa do Divino Espírito Santo como uma festa
religiosa em Portugal, estabelecida nas primeiras décadas do século XIV pela Rainha
Dona Isabel. Começou pela construção da Igreja do Espírito Santo em Alenquer. Foi
trazida para o Brasil no século XVI.
Nas palavras de Moura (2001), a festa era uma forma de exaltar o poder do
rei como agente de Deus na Terra. Os imperadores europeus, pela graça do Divino
Espírito Santo, são representados como justos, caridosos, inteligentes e ricos. Daí as
cavalhadas de mouros e cristãos; o cortejo do império, a alegria e a farta distribuição de
comidas e bebidas; diversas formas de bailados; queima de fogos. Nas épocas colonial
e imperial, durante a festa, armava-se um trono para o imperador do Divino que, na
Bahia e no Rio de Janeiro, era uma criança. O imperador eleito para realizar a festa era
investido de um poder invejável, pois bastava um simples gesto seu para que fossem
libertos presos comuns.
De acordo com Amaral (1998), a sua realização parece adquirir maior
relevância em regiões de colonização mais recente, como é o caso do Centro-Oeste
brasileiro onde, dentre outras, é a mais constante nos calendários das cidades. A
crença no Espírito Santo é reconhecida como um dos principais focos das formas de
religiosidade popular nessa região e está intimamente ligada ao período da mineração
de ouro, sendo rara e pouco solene nas cidades fundadas após o ciclo do ouro.
93
Realiza-se no Domingo de Pentecostes, festa móvel católica que acontece
cinqüenta dias depois da Páscoa, em comemoração à vinda do Espírito Santo sobre os
apóstolos de Jesus Cristo.
Brandão apud Amaral (1998, p. 202) afirma que
[...] as pessoas recorrem ao Divino em busca dos mesmos milagres
esperados dos santos (o grifo é nosso) da igreja católica fazendo,
inclusive, promessas. Ele não tem atributos específicos, ou seja, não
tem um dom específico de cura ou proteção, como é o caso de São Brás
que protege a garganta, ou Santo Antônio, que protege os namorados.
Por esta razão, ao Divino tudo se pede, embora ele perca em
quantidade de promessas e votos para São Benedito. Finalmente, o
Divino Espírito Santo não tem culto institucionalizado por parte de algum
segmento social, seja classe, profissão ou etnia.
Quando se menciona a palavra “santos” fala-se das representações
fundamentais do catolicismo popular, seres pessoais e espirituais dotados de poderes
sobrenaturais que podem intervir junto a Deus em favor dos homens. Eles se fazem
presentes na terra por meio de sua imagem. É a imagem o objeto de culto e, de algum
modo, o santo se identifica com a sua imagem (ROSENDAHL, 2002).
Com relação a São Benedito, Cascudo (2001) identifica-o como um santo
popular na Sicília, nascido em Sanfratello e falecido em Palermo em 4 de abril de 1589,
com 65 anos de idade. Preto e humilde, não aprendeu a ler e chegou a ser guardião do
seu convento. Profeta e taumaturgo, era venerado em toda a ilha, e sua imagem foi
divulgada antes da canonização. Com ele se verificou o milagre das rosas: “Certa vez o
santo trazia o lixo dos dormitórios do convento numa aba do hábito, quando o Vice-Rei
da Sicília, encontrando-o, quis ver o que levava. São Benedito mostrou-lhe a aba cheia
de flores” (CASCUDO, op. cit., p. 62).
Sua cor popularizou-o entre os negros. Os africanos consideravam São
Benedito como seu patrono, talvez pela particularidade de ser santo de cor negra, e em
seu louvor celebravam festas religiosas em que se exibiam diversões profanas, uma
94
reminiscência dos costumes pátrios, sendo a representação dos congos e congados,
principalmente, uma dessas diversões.
O seu culto no Brasil foi oficializado em 1743, mas, desde 1686, na Bahia, o
santo negro já era festejado e, nesse mesmo ano, foram aprovados pelo bispo da
Bahia, os estatutos da Irmandade do Bem Aventurado Benedito de Palermo,
constituindo-se o início da preservação do culto que faz parte da nossa tradição
(SOUZA et al., 2004).
Assim como os festejos do Divino, os de São Benedito encontra
representantes nos calendários de diversas cidades do Brasil, com particularidades
regionais em suas manifestações folclóricas.
No Brasil, a presença da Igreja Católica se manteve durante os 300
anos de colonização. Em todos os arraiais, vilas e cidades, uma das
primeiras construções era uma capela que, mais tarde, se transformava
em igreja, sob a invocação dos santos de predileção lusitana.
(SIQUEIRA, 2002, p. 70)
Nascido sob o signo da religião católica, Mato Grosso, como todo o Brasil,
tem quase todo o seu folclore ligado às festas religiosas. As mais conhecidas festas
populares do Estado estão ligadas ao culto de entidades católicas como Senhor Divino,
os santos juninos (São João, Santo Antônio e São Pedro), São Gonçalo e São
Benedito.
Especificamente em Cuiabá, é interessante registrar trechos do relato de
Mendonça (1975, p. 88) sobre a festa do Espírito Santo:
Na Igreja da Matriz é que se realizavam as festas do Espírito Santo,
como são popularmente conhecidas em Cuiabá.
Para essa festa, anualmente, era eleito um festeiro, chamado Imperador.
[...] As esmolas saíam, como ainda hoje saem com as insígnias que se
compõem de uma coroa de prata, um cetro, bandeira, bandejas e
sacolas, onde se recolhem os donativos. Durante os três dias de
95
esmolas o festeiro era obrigado a oferecer almoço e jantar em sua
residência às pessoas que levavam as insígnias e ao povo que
acompanha o cortejo, sem contar com o banquete do dia da festa.
As esmolas terminavam na Quarta-feira, quando então se iniciavam as
missas de madrugadas, que também eram realizadas durante três
manhãs, e se encerravam no Sábado, véspera do dia da festa.
Na noite de Sábado havia iluminação [...] Geralmente construíam um
castelo de fogos de artifício e quando às 22 horas, ao terminar a
iluminação o acendiam e, começava a arder até a aparecer a pomba,
significativa do Espírito Santo. Então a banda de música tocava o Hino
do Senhor Divino.
Já com relação a São Benedito, o culto remonta praticamente desde a data
da fundação da cidade. Em 1722, segundo Barboza de Sá, apud Conte e Freire (2005,
p. 32): “levantarao os pretos huma capellinha a San Benedito junto ao lugar chamado
despois rua do cebo, que dahy a poucos annos cahio e não se levantou mais”. A festa
continua acontecendo todos os anos nas imediações da Igreja de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito. Uma outra cidade em Mato Grosso em que São Benedito é
cultuado por seus devotos é Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital do
Estado. Por se tratar de uma região com forte influência da cultura africana, cultua os
santos negros através da dança do Congo, da dança do Chorado e outras.
4.3 Os festejos do Senhor Divino e de São Benedito em Poconé
4.3.1 Notas iniciais
Antes de se adentrar ao tema propriamente dito, é importante mencionar que
a maioria dos relatos de memória constantes no texto consiste em depoimentos de
pessoas da família da autora, bem como registros feitos a partir de sua observação
presencial durante a realização das festas. Nascida em Poconé e hoje residindo em
96
Cuiabá, filha de um mineiro e de uma poconeana, são razões carregadas de significado
que motivaram a indagação.
É como afirma Bergson apud Bosi (1987, p. 10): "é do presente que parte o
chamado ao qual a lembrança responde". Mais adiante, ao tratar da memória e
interação, a autora afirma:
O encontro com velhos parentes faz o passado reviver com um frescor
que não encontraríamos na evocação solitária. Mesmo porque muitas
recordações que incorporamos ao nosso passado não são nossas:
simplesmente nos foram relatadas por nossos parentes e depois
lembradas por nós (BOSI, op. cit., p. 331).
Com relação à organização dos festejos e descrição dos seus componentes,
optou-se pela descrição conjunta, em função das semelhanças existentes entre a festa
do Divino e a de São Benedito.
Nas lembranças da Sra. Nina de Figueiredo Moraes11, a maneira como as
duas festas são realizadas hoje em Poconé difere apenas na forma como o processo
de organização é conduzido, porém, a sua essência vem conseguindo ser mantida
através dos tempos.
Ainda que residindo em Cuiabá há mais de trinta anos, enquanto sua saúde
permitiu, ela fez questão de ir até a cidade e participar de pelo menos parte da
programação da festa, principalmente a missa, a iluminação e o leilão, seja do Senhor
Divino ou de São Benedito. A última em que participou foi em 2004, aos 90 anos,
quando concedeu entrevista a uma emissora de televisão de Cuiabá sobre a
Cavalhada. Para isso teve um forte motivo: seu marido, já falecido, Bathilde Rosa de
Moraes, foi mantenedor mouro em 1954.
Foi nesses momentos em que a acompanhava, que a interpelava
procurando estabelecer associações entre os festejos de antigamente e os de hoje. A
11 Avó materna da autora.
97
melhor forma encontrada para entrevistá-la e colher os relatos de sua memória foi
participando, estando presente, o que na verdade é hábito familiar retornar a Poconé
durante a realização de pelo menos um dos festejos.
Nesse sentido Maia (2001, p.183) contribui: “[...] o migrante, à medida que
caminha para a festa, faz do próprio caminhar uma festa”. Ir até a terra natal por
ocasião de uma festa faz parte de um ritual, não é um simples deslocamento cotidiano.
A relação estreita com a terra natal leva ao que Machado (1994)
denomina de “sentimento de pertencimento”. Isto é ilustrado por Rondon
(1972), quando conta que o povo do Pantanal “é como o gado, quando
troveja longe sente ‘sodade’ do pasto, da terra onde nasceu”. (CAMPOS
FILHO, 2002, p. 50)
Esse “sentimento de pertencimento” vem de encontro ao que diz Tuan (1983)
quando aborda a discussão das experiências íntimas com o lugar. Para o autor a
cidade natal é um lugar íntimo. Pode ser simples, carecer de uma arquitetura
expressiva ou de encanto histórico, mas, no entanto, soa como uma ofensa quando um
estranho a critica. O espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e
significado. Essa definição e esse significado são elaborações da vivência, do olhar, do
sentir e do perceber.
4.3.2 Os preparativos - a organização de uma festa do Senhor Divino e de São
Benedito em Poconé já é uma festa!
As vésperas das festas são instantes de “vigia” e “preparo” marcados
pela extrema expectativa. Desse modo, as vésperas, embora sejam o
intervalo de tempo real mais próximo do acontecimento, são vivenciadas
como o mais “demorado”, posto que a relação “mágico-temporal” com o
tempo impera sobre a “psíquico-racional”. (MAIA, 1999, p. 202)
98
A preparação de um festejo seja do Senhor Divino ou de São Benedito inicia-
se com um longo tempo de antecedência, normalmente até um ano, para que tudo
aconteça dentro do previsto durante a realização da festa em si.
Quanto à época em que ocorre, a festa do Divino Espírito Santo acontece
primeiro, geralmente no mês de maio e a de São Benedito no mês de junho. A
programação estende-se por quase todo o mês.
De acordo com Campos Filho (2002), as festas do Divino e de São Benedito
em Poconé marcavam no calendário o fim da fase urbana do homem pantaneiro e a
sua volta ao Pantanal, de onde subia novamente antes ou no início das cheias.
Além dos festeiros (imperador, imperatriz e capitão-do-mastro), contribuem
na organização dos festejos duas irmandades religiosas: a Irmandade do Divino
Espírito Santo e a Irmandade de São Benedito. O componente – irmandade - tem uma
representatividade histórica no período colonial brasileiro, por representar um espaço
de reunião e agremiação dos colonos em torno de um santo de sua devoção, ocasião
em que trocavam idéias, desenvolviam atividades, dividindo essas atribuições com a
Igreja Católica. Hoje, tudo começa com uma reunião da Irmandade em um dos últimos
dias da festa para sorteio dos festeiros do próximo ano. Participam do sorteio,
geralmente, as pessoas que são integrantes de uma das duas agremiações.
Os festeiros se reúnem e começam a planejar e pensar no tipo de
providências que terão que tomar, desde os elementos religiosos até o meio de
angariar recursos, a quantidade de alimentos e bebidas que serão servidos, possíveis
reparos a serem feitos na Casa das Festas, a organização da Cavalhada, a distribuição
dos convites, a decoração e outros detalhes pertinentes.
É importante mencionar que uma festa como essa demanda uma
considerável soma de recursos, pois tudo que é servido, seja nos "chá-com-bolo",
bailes, leilões, é oferecido gratuitamente aos participantes. Durante a realização das
novenas e visitas das bandeiras nos bairros, costuma-se proporcionar almoços aos
moradores dessas comunidades.
99
Um local interessante de se visitar é a cozinha da Casa das Festas, onde
são preparados em grandes quantidades os mais variados tipos de bolos, biscoitos,
doces, os almoços, envolvendo um grande número de pessoas que se dispõem a fazer
esse tipo de trabalho em louvor ao santo. Tudo é feito reverenciando o Senhor Divino e
São Benedito, o compromisso é com o sagrado.
Com relação à decoração do clube quando da realização dos bailes e
leilões, é elaborada com zelo, o que torna agradável estar presente no local. Pelo que
se tem observado nos últimos anos, o motivo é regional, com a presença de elementos
do seu artesanato como a cerâmica, a fibra e outros.
Sobre as mesas, sempre cobertas com toalhas comuns ou artesanais,
dependendo do motivo da decoração elaborada, encontram-se as mais variadas
lembranças (castiçais de barro, andores com imagens de São Benedito, dentre outras).
A lembrança, um pequeno agrado, geralmente varia em cada noite da festa, se um
baile ou leilão (figura 8).
Figura 08 – Detalhe de decoração artesanal em leilão na Casa das Festas
Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla – 2000
Quando se adentra ao clube, os festeiros estão junto à entrada recebendo os
convidados. Logo à direita visualizamos o altar onde ficam colocadas as insígnias
(bandeiras, coroas, o cetro) e a imagem de São Benedito ou a pomba, símbolo do
Divino Espírito Santo sob a luz de velas. Todos os que entram, param para fazer as
suas orações, render os seus louvores aos homenageados (figuras 09, 10 e 11).
100
Figura 09 – Altar na Casa das Festas com a imagem de São Benedito e as insígnias Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla - 1999
Figura 10 – Imagem de São Benedito na Casa das Festas Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla - 2000
Figura 11 – Detalhe do altar com as insígnias Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla – 2000
101
Com relação às partes da programação realizada em espaços abertos como
a Iluminação na Praça da Matriz ou a Cavalhada na arena do Clube Cidade Rosa,
também exigem preparativos antecipados.
Na Iluminação é erguido um arco em bambu, ou taquara como se diz na
região, que reproduz a fachada da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, com
centenas de luminárias de barro acesas na noite de sábado. A sua confecção é narrada
por uma fonte oral que participa da preparação, em entrevista a Campos (2004, p. 121):
N: Uso 5 arrobas de algodão e 8 latas de querosene de graxa (sebo).
Reúno bastantes mulheres (dez) num só dia, faço muxirum, enchemos
num dia só. Os festeiros mandam comida aqui pra mim, dou de comer
às mulheres.
C: E a cerâmica, manda fazer com ceramista?
N: Manda. Três mil pra um santo e três mil pra outro. Duas festas, tudo
igual [...]
C: E essas luminárias, colocam aonde?
N: Na porta da igreja. Na casa da festa, tudo é feito lá. As luminárias
colocam todas na porta da igreja, mas faz uma arrumação ... é só vendo.
Venha! Negócio de bananeira, aquelas bananeiras, pra cá, pra lá, pra
fazer aquela arrumação; faz com cruz, põe uma panelinha.
C: Que dia que é?
N: Sábado, mês de maio. Pentecostes, dia 18 de maio, e a iluminação
tem que ser no dia 17, à noite. Isso mais ou menos de sete às noves
horas da noite. Tem o mascarado, que dança. Aí acaba o mascarado, aí
vai pra casa da festa, lá acaba a festa.
Na organização da Cavalhada incluem-se desde as vestimentas utilizadas
pelos cavaleiros e pajens até os cuidados com os cavalos. Estes também recebem
adornos em seu arreamento. Se necessário, são realizados ensaios para que tudo
corra bem no dia da encenação do folguedo.
102
Outra fonte entrevistada por Campos (op. cit., p.123) conta, com
saudosismo, como eram os ensaios da Cavalhada antigamente:
C: E tinha a Cavalhada?
G: Tinha a Cavalhada, né, pois é, eram dois dias.
C: Como que era?
G: Hoje até esse acabou. Agora é só um dia, só meio-dia, né. O ensaio
da Cavalhada era lá no Beco do Retiro. Dois cavaleiros, lá no Beco do
Retiro. Hoje é cemitério lá. Mas era assim. Olha, eu ganhei muito
dinheiro quando eu era rapaz, né, porque assim essas donas ... que
nesse tempo não tinha carro, era tudo a pé, né, ia de casa longe, não
tinha criança, eu ganhava às vezes ... de colocar a criança na cintura pra
ir. Mãe com pai vão, aí eu também ia.
C: O senhor carregava a criançada.
G: É, ensaio, né? Ensaio. Assim que era. [...]
C: Pra ver o ensaio da Cavalhada.
G: Ver o ensaio. Ensaiava aí um mês, às vezes mais de meses no
ensaio. Agora, vai no te-te-té, te-te-té, te-te-té. Abão, noutro dia já cavalo
e os cavaleiros todos já prontos. Então preparava, né, aqueles cavalos
de flor de papel, aquelas malacachetas, né.
Ainda que existam alterações em relação aos preparativos de outros tempos,
acredita-se terem ocorrido adequações necessárias em função da realidade atual, fruto
do próprio processo histórico de mudanças ocorridas no espaço. Entretanto, permanece
a devoção, a crença que move o poconeano a realizar os festejos de tamanha
envergadura: a fé em São Benedito e no Senhor Divino.
Em Maia (2001, p. 190), uma interessante contribuição sobre este aspecto:
[...] ao se trabalhar com festas populares, verifica-se claramente que
tradição e modernidade (ou pós-modernidade) não são realidades
excludentes, pois, conforme observa García Canclini, “[...] nem a
modernização exige abolir as tradições, nem o destino fatal dos grupos
tradicionais é ficar fora da modernidade”.
103
Cunha (2001) coloca a necessidade de se repensar o tradicional como algo
imóvel, parado no tempo, congelado no passado. Para a autora os povos da tradição
não podem ser vistos como estagnados, mas imersos em outros ritmos temporais,
mesmo no encontro/confronto com a modernidade.
4.3.3 A realização da festa - os componentes sagrados e profanos
Em primeiro lugar acontecem as novenas, rituais compostos de orações
durante nove dias do mês, o que Rosendahl (1999a) caracteriza como o contrato em
que o fiel cumpre a sua parte antes de o santo cumprir a sua, o ato de culto repetido
nove vezes. Ao final da novena o santo fica na posição de devedor, até que a graça
seja alcançada.
Acontecem também as visitas das bandeiras às residências das famílias. A
“bandeira" consiste em um grupo de pessoas carregando um estandarte com uma
bandeira do santo e as demais insígnias, além de uma banda tocando músicas, que
percorre os bairros angariando donativos. A bandeira do Divino é de coloração
vermelha com uma pomba estampada, símbolo do Divino Espírito Santo, e a de São
Benedito é em um tom de azul claro com a imagem do Santo reproduzida. Diz-se que
se em casa de moça solteira a "bandeira" parar na porta e logo começar a tocar o Hino
do Espírito Santo, é certo o seu casamento para aquele ano.
O levantamento do mastro é uma solenidade que marca o início da festa
propriamente dita, sob a responsabilidade do capitão-do-mastro, conforme narração de
uma fonte oral:
N: [...] Primeiro, é levantamento do mastro. Início da festa. Aí vem dois
dias de missa, faz a missa de madrugada, é cinco e meia, seis horas,
né. Aí vem o festeiro com a festeira, vêm lá do salão de festa, lá do
clube. Vêm com o santo, no quadro assim, vêm o festeiro e a festeira. O
104
festeiro carregando a coroa e a festeira o cetro, e aí o povo
acompanhando e a música tocando. Aí o padre reza a missa, benze os
pãezinhos, na Festa do Divino. De São Benedito, não têm os pãezinhos.
Acaba a missa, aí o festeiro convida pra ir na casa tomar chá. Porta
aberta. É mate, é leite, apanha bolo, come bolo, enche a pança à
vontade. Haja! Criançada fica assim. Aí sai a bandeira. Quatro
bandeiras. Um pra cá, outro pra cá. Música tocando. Aí marca um ponto
certo de encontro pro lanche. Às dez horas, dez e meia, os festeiros
mandam uma caminhonete com bastante bolo, salgado, pro povo que
está com a bandeira, músico, né, comer. Aí três e meia, quatro horas,
recolhe.
- Recolheu a bandeira! Aí conta o dinheiro, quanto fez. Outro dia a
mesma coisa: missa, a mesma coisa. À noite, retreta. Retreta é um baile
assim que começa oito horas, oito e meia, nove horas, termina onze
horas, por aí.
C: Isso na casa da festa.
N: É. Tudo é feito lá. (CAMPOS, op. cit., p. 121)
As missas geralmente são realizadas no meio da semana (quarta e quinta-
feira), nas primeiras horas da manhã, por volta das 5:00 ou 6:00 horas e a missa solene
de encerramento no domingo após a procissão, podendo acontecer pela manhã ou no
final da tarde.
Os bailes também são realizados na quarta e quinta-feira, acontecendo por
volta das 21:00 ou 22:00 horas. Os festeiros de São Benedito costumam promover o
"Baile dos Cavaleiros" quando ocorre a diplomação de novos cavaleiros que
participaram da cavalhada no domingo anterior, outorgada pela "Ordem dos Cavaleiros
de São Benedito".
105
Um baile interessante que aconteceu durante os festejos de 1999, foi o
"Baile das Cozinheiras", quando foram diplomadas as "cozinheiras de São Benedito",
senhoras idosas que, no passado, deram a sua parcela de contribuição durante a
preparação dos "chá com bolo" e almoços servidos na Casa das Festas (figura 12).
Figura 12 – Sra. Nina Figueiredo Moraes recebendo o título de Cozinheira de São Benedito Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla - 1999 Quanto ao leilão de prendas, "o ponto alto da festa", segundo algumas
fontes orais; acontece sempre na sexta-feira a partir das 20:00 horas. Para quem
participa pela primeira vez estranha ao ver o enorme número de prendas que são
doadas, desde brinquedos, objetos de decoração, de utilidades domésticas, jóias, obras
de arte e até leitões assados que são arrematados para serem degustados no dia
seguinte.
A primeira prenda que sai no leilão conduzida por um dos leiloeiros,
geralmente homens pertencentes à Irmandade, é arrematada pelo festeiro (imperador)
e ofertada à festeira (imperatriz), tendo sido doada pela própria. Conforme afiançou a
Sra. Nina de Figueiredo Moraes, esse gesto foi introduzido por ela quando festeira do
Divino há anos atrás e vem persistindo até hoje.
106
Após a saída da primeira prenda começam a circular as outras e o leilão
realmente começa com uma verdadeira profusão de gritos dos leiloeiros circulando pelo
salão tentando alcançar os melhores lances. Quando uma prenda é arrematada a
banda de música do já falecido "Popô" toca registrando o fato, aliás, falar da "Banda de
Popô" em Poconé é falar de outro componente importante de sua história (figura 13).
Figura 13 – Popô (no centro, tocando saxofone) e sua Banda Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla - 1999
Outro aspecto que “aqueles que vêm de fora” podem não entender é o valor,
às vezes alto, pelo qual a prenda está sendo arrematada em relação ao seu valor real.
O que importa não é o valor monetário, cada um faz o que pode dentro das suas
possibilidades, o importante é reverenciar, louvar o santo.
A renda dos leilões é revertida em prol da realização da própria festa, pois
todas as comidas e bebidas oferecidas aos participantes são gratuitas, bem como as
inúmeras outras despesas pertinentes ao evento, que também são de responsabilidade
dos festeiros. A origem dos recursos varia, alguns festeiros fazem promoções no ano
anterior já se preparando, outros buscam através de parcerias e patrocínios e, em
alguns casos, entram com projeto para obter recursos via a Lei Estadual de Incentivo à
Cultura.
107
Dando prosseguimento à programação, no sábado pela manhã, em uma
atividade mais restrita, acontece o sorteio dos novos festeiros e um almoço de
confraternização entre os membros da Irmandade na Casa das Festas.
No sábado à noite acontece a Iluminação na Praça da Matriz. O santo
(Senhor Divino ou São Benedito) é conduzido pelos festeiros em um cortejo que
caminha em procissão da Casa das Festas até a praça, acompanhado de uma banda
de música, onde é recepcionado pelos Mascarados que dançam em sua reverência.
O efeito provocado pela Iluminação é o de um verdadeiro espetáculo com
múltiplas luzes, que hoje quase se confundem com o brilho provocado pelos modernos
fogos de artifício que estouram no céu poconeano e outras inovações que foram
surgindo como os bailes populares, mas que não ofuscam o seu significado.
Aliás, o grande brilhantismo dessa noite é que a praça funciona como o
elemento espacial integrador, que promove o congraçamento do povo poconeano. Para
lá se dirigem ricos e pobres, jovens e velhos, autoridades e pessoas comuns, naquele
momento o que existe é a materialização de elementos de sua cultura, o que os une é a
sua identidade.
O dia seguinte, o domingo, é o final da festa. É quando o santo e suas
insígnias são levados da Casa das Festas até a Igreja Matriz. É o dia da procissão
pelas ruas da cidade e da missa solene de encerramento.
Através da procissão, o sagrado entra de casa em casa, em busca da
humanidade, invertendo os termos de uma relação onde o que se dá é sempre o
contrário. Carregado num andor, no momento de sua passagem, o santo irmana os fiéis
a sua volta. A intenção é ligar-se ao santo.
[...] nas procissões, cabe aos fiéis seguir o sagrado, destacado em
andores ou sob pálios, em suas andanças pelas ruas das cidades. Nelas
é o sagrado que vai ao encontro do povo sacralizando ruas, casas e
seus habitantes. Contagiante, rompe barreiras e cria espaços
interessantes onde ele e o profano se amalgamam. Alaridos, salvas,
108
gritos, empurrões, pés descalços, risos, ombros curvados pelo peso dos
andores, velas, conversas, suspiros, crianças vestidas de anjo ou com o
hábito do padroeiro, pedintes, fitas e flores, tudo fica sacralizado pelo
sagrado que perambula. (VILHENA, 2003, p.21)
Domingo também é o dia do anúncio dos novos festeiros e recepção para o
povo na Casa das Festas, quando, mais uma vez, cumprindo um movimento cíclico já
começam a pensar nos festejos do próximo ano.
O que se percebe é que os festejos religiosos em Poconé não perderam o
seu brilhantismo em função do profundo significado religioso e cultural que possuem na
sua identidade coletiva. Ao se eleger uma imagem e em torno dela se organizar um
acontecimento capaz de modificar o tempo e o espaço, essa devoção é a mais clara
devoção da hierofania. Quando é época de festa a cidade se transforma: "Senhor
Divino e São Benedito ajudam", é o que o poconeano costuma dizer.
4.3.4 As danças e folguedos folclóricos
4.3.4.1 A dança dos Mascarados
A dança folclórica é uma manifestação com coreografia e música próprias,
sem texto dramático. É executada individualmente ou em grupos abertos ou fechados,
ou seja, que necessitem ou não de ensaios e de dirigente. Podem ter ou não
instrumentos musicais. É executada por recreação, divertimento e carrega seu
simbolismo na figuração coreográfica.
De acordo com Pellegrini Filho, apud Cascudo (2001), dança é a forma de
expressão tradicional popular que se baseia em movimentos rítmicos de corpo ou parte
dele, em geral acompanhados por música e canto, e aprendida de modo informal por
109
contatos interpessoais. A participação é sempre livre, como simples divertimento em
horas de lazer, mas também serve para manifestar sentimentos religiosos.
Já Della Mônica (1999, p. 33) quando classifica os fenômenos folclóricos,
conceitua dança como uma “manifestação que possui letra (texto literário - poesia),
música (melodia, instrumento musical) e coreografia (movimentos corporais de acordo
com o ritmo). Funcionalidade: divertimento ou religiosidade [...]”.
A dança dos Mascarados, elemento integrante dos festejos do Divino
Espírito Santo e de São Benedito, ocorre no sábado à noite, penúltimo dia da festa,
durante a Iluminação na Praça da Matriz, no adro da Igreja de Nossa Senhora do
Rosário.
Com relação a sua origem não existem registros concretos, alguns autores a
atribuem a uma mescla de contradança européia, danças indígenas e ritmos negros.
Outros consideram-na originária dos índios beripoconés que habitavam a região antes
de ser ocupada. Também não foi identificado similar em nenhuma parte do Brasil.
Sua maior peculiaridade é ser uma dança exclusiva de homens, que formam
de 8 a 14 pares, metade usando trajes masculinos (galãs) e a outra metade trajes
femininos (damas) e um marcante, cuja função é conduzir o grupo. Com relação ao fato
de ser dançada somente por homens, Siqueira (2002) menciona que, segundo uma
lenda popular, as mulheres de verdade dariam azar. Já para Campos (2006), por ser
uma dança que exige muita resistência física.
Além dos pares de dançarinos, há as figuras dos balizas, um deles carrega o
mastro contendo as fitas coloridas que serão utilizadas na parte do trança-fitas, outro
leva a bandeira de São Benedito que será exposta ao público num dado momento da
coreografia. De acordo com o depoimento do Sr. Wilson da Conceição, Mestre da
Banda Municipal, em Baptistella (1997, p. 30):
É o baliza que vai na frente quando começa a dança, quando termina.
Aí, eles são o guia do bando, como eles dizem. Vão os três juntos: o do
110
meio segura o mastro; outro, a bandeira de São Benedito. A função
deles é organizar.
Usam roupas de chitão estampado, sendo as cores predominantes o
vermelho e o amarelo, e chapéus que levam espelhos, fitas e plumas. O chapéu da
dama possui um espelho na lateral e do galã um espelho na frente. A máscara é
confeccionada em tela de arame que, depois de colocada em uma forma de madeira,
caracteriza um rosto para a modelagem final. São aplicadas por cima cerca de quatro a
cinco camadas de tinta para propiciar o efeito de aparência da pele, deixando o
dançarino bastante camuflado. A máscara dos galãs é pintada de preto e das damas de
rosa e vermelho. É importante mencionar que no Brasil, de modo geral, todos os grupos
indígenas possuíam danças com máscaras.
De acordo com Liney Rosa de Moraes Abdalla, uma das apreciadoras da
dança, antigamente as roupas femininas utilizadas eram doadas pelas mulheres da
cidade. Hoje, em função da expressividade que a dança vem conquistando, chegando o
grupo a se apresentar em outras cidades, foram confeccionadas indumentárias novas.
Credita-se esse fato a uma proposta de fortalecimento e divulgação dessa
manifestação folclórica, e não a uma uniformização e/ou padronização que colaborem
para a sua descaracterização.
A mudança de uma vestimenta, a substituição de um instrumento ou a
adaptação de um antigo costume são vistos como sintomas da
progressiva diluição das tradições populares. É, pois, uma visão estática
e “museológica”, que encerra a cultura como um acervo de produtos
acabados e cristalizados, alheios às mudanças das condições de vida
de seus portadores. [...] a cultura, mais que uma soma de produtos, é o
processo de sua constante recriação, num espaço socialmente
determinado. (MAGNANI, 2003, p. 26)
Nos relatos do Sr. Damião Ramos Martins (foi marcante do grupo durante
muitos anos) e de seu filho, Sr. Antônio José Martins, citados por Baptistella (1997,
111
p.32), encontram-se valorosas contribuições quanto aos ensaios e figurinos usados
antigamente:
[...] antigamente os ensaios eram secretos: ninguém sabia quem era
quem na dança. Cada um preparava a sua roupa; os que se vestiam de
mulher, pediam emprestado às moças e senhoras da cidade, vestidos e
adereços, mas trocavam entre si, para confundirem a platéia e não
serem reconhecidos.
Nos registros de Campos (2006) o primeiro marcante foi o Sr. Daniel Martins
Leão em 1915. Depois vieram outros como o Sr. Nemésio Quintino da Silva e, hoje, o
marcante é o Sr. João Benedito da Silva, presidente do grupo.
A apresentação divide-se em doze coreografias assim denominadas:
Entrada ou Cavalinho, porque os dançarinos entram saltando; Primeira e Segunda
Quadrilha, porque executam movimentos lembrando a quadrilha; Trança-fitas,
participam seis damas e seis galãs trançando fitas em um mastro; Joaquina, a que
requer mais resistência; Harpejada, coreografia com passos mais rápidos; Maxixe de
Humberto (criada pelo músico Humberto da Banda dos Mascarados), o galã bate
palmas, a dama dança e, batendo palmas, convida o galã para dançar; Lundu,
começam as mesuras entre galãs e damas; Carango, continuam os cumprimentos de
uma forma diferente; Vilão, Caradura, os pares chegam a se ajoelhar em atitude de
admiração ao companheiro e, finalmente, a Retirada quando cumprimentam o público
acenando com os lenços. A dança completa leva cerca de duas horas para que seja
apresentada. Para participar é necessário ser bom dançarino, pois se dança com o
"joelho", isto é, com muito molejo. O regente é o primeiro da fila, o marcante, que, com
o apito, avisa à banda e aos dançantes qual coreografia será realizada a cada momento
(figuras 14 e 15).
O relato do Sr. Wilson explica os instrumentos musicais utilizados e o ritmo
em cada momento:
112
[...] Cada parte da Dança é uma música; nossa Banda, temos 03
trompetes, 02 trombones, 01 sax tenor, 02 sax alto, 01 baixo tuba e a
pancadaria, que é o bombo, o prato, o tarol. Antigamente, não tinha a
Banda Municipal, então era: uns três prá fazer a melodia, o baixo e a
pancadaria: umas seis ou sete pessoas. Que eu lembro, era: 01 sax, 01
trombone, 01 piston, 01 baixo tuba, o bombo, tarol, surdo e o prato [...].
(BAPTISTELLA, 1997, p. 30)
Figura 14 – Mascarados dançando durante a Iluminação em frente à Igreja Matriz Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla - 2001
Figura 15 – Mascarados trançando fitas, um dos momentos da dança Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla – 2001
Durante a Festa de São Benedito de 2001, um fato interessante, e ao mesmo
tempo emocionante, foi a apresentação do Grupo dos Mascarados Mirins (figura 16).
113
Muitas crianças que integram o grupo são filhos dos dançantes adultos que se
preocupam em transmitir a dança para que a tradição não morra. Percebeu-se, através
da evolução nas coreografias, que não se tratava de um ensinamento fortuito fruto de
ensaios elaborados, mas de um processo de internalização de elementos de sua
cultura vividos e transmitidos por seus antepassados.
Mais uma vez, a fala do Sr. Wilson evidencia o que foi percebido na Praça da
Matriz:
[...] Antes, era só adulto, na Banda e na Dança. Agora, pegaram ensinar
as crianças, porque sentiram que 'tava acabando'; se não ensinasse, ia
acabar de uma vez; o pessoal fica velho, vai embora... Naquela época,
tinha velhos de mais de 60 anos que dançava e agora não tem mais.
(BAPTISTELLA, op. cit., p. 32)
Figura 16 – Mascarados mirins
Foto: Silvana Maria de Moraes Abdalla - 2001
4.3.4.2 A Cavalhada
A Cavalhada é uma tradição dos torneios da Idade Média, onde os
aristocratas exibiam em espetáculos públicos sua destreza e valentia. Na verdade, a
cavalhada representa a luta entre mouros e cristãos.
114
Durante a dinastia carolíngia, Carlos Magno, de religião cristã, lutou
bravamente contra os sarracenos, de religião islâmica, impedindo-os de invadir o centro
norte da Europa. O feito foi amplamente divulgado, como uma mostra de bravura e
lealdade cristã por trovadores que viajavam por toda a Europa.
Ficou conhecida como a Batalha de Carlos Magno e os Doze Pares da
França, um verdadeiro épico, cantado em trova, como forma de incentivar a população
cristã contra as investidas dos exércitos islâmicos que, apesar da derrota na batalha de
Carlos Magno, não abandonaram as investidas, principalmente ao sul da Europa,
vindos da Mauritânia.
Conhecidos como mouros, os muçulmanos da Mauritânia, invadiram no
século VIII o sul da Península Ibérica dominando a região de Granada (Espanha) de
onde foram expulsos somente em fins do século XV.
Foram quase 800 anos de ocupação moura por quase toda a península, o
que, inegavelmente, colaborou para o avanço tecnológico destas nações, uma vez que
os muçulmanos árabes, propagadores do Islamismo, eram mais evoluídos do ponto de
vista tecnológico, artístico e cultural do que os cristãos da época. Os reis que resistiram
a este avanço refugiaram-se ao norte da península e mantiveram intacta sua cultura,
vindo deles a iniciativa de expulsão da soberania moura na Península Ibérica.
Incorporada ao folclore, durante séculos, a história de Carlos Magno era
atração nas vozes dos trovadores e, somente em idos do século XIII, em Portugal, é
que a Rainha Isabel resolveu instituí-la como uma festividade, aos modos de uma
representação dramática, quase que como um jogo de xadrez, a fim de incentivar a
instituição cristã e o repúdio aos mouros.
A sua realização está ligada aos festejos do Divino Espírito Santo que tem
origem na tradição portuguesa e leva em conta o calendário da Igreja Católica (50 dias
após a Páscoa - dia de Pentecostes).
115
No Brasil esta representação dramática foi introduzida, sob a autorização da
Coroa, pelos jesuítas, com o objetivo de catequizar os gentios e escravos africanos
mostrando nisto o poder da fé cristã.
Della Monica (1999), quando conceitua folguedo, caracteriza-o como uma
manifestação folclórica que possui letra, música, coreografia e representação teatral. Ao
mencionar exemplos cita a Cavalhada, identificando-a como uma reminiscência dos
torneios medievais, que chegou ao nosso país no século XVI com características
portuguesas.
Em 1564, comenta Afrânio Peixoto, por ocasião do Jubileu do Espírito
Santo: [...] alguns senhores, para regozijarem mais a festa, depois
correram a argolinha na aldeia (uma das partes da Cavalhada). (DELLA
MONICA, op. cit., p.136)
Trata-se de uma tradição rememorada em várias regiões do Brasil, porém
com diferenças de um lugar para outro, possui um perfil próprio em cada estado, em
cada região. Portanto, não podemos dizer que a Cavalhada de Poconé é idêntica a de
Pirenópolis, em Goiás; a essência quanto aos elementos estruturais do folguedo é a
mesma, porém podemos encontrar traços diferenciadores na forma como ele é
encenado.
De acordo com Mendonça (1975), realizou-se em Cuiabá, a primeira
Cavalhada, em 20 de julho de 1769, comemorando a chegada de Luís Pinto de Souza
Coutinho, Capitão-General e 3º governador da Capitania de Mato Grosso.
Quando o autor discorre sobre o folguedo e as características de sua
realização em Cuiabá, descreve-o com base no relato do professor Firmo Rodrigues,
que presidiu o Instituto Histórico de Mato Grosso durante muitos anos.
Assim se denomina os torneios hípicos que outrora constituíam uma das
populares festas muito ao sabor do povo, em Mato Grosso notadamente
em Poconé (o grifo é nosso), São Luís de Cáceres; até há pouco tempo
116
era a cavalhada o remate das festas profanas que seguiam às religiosas
do Espírito Santo.
Entre nós tomaram a forma de representação campal da lendária guerra
de Tróia, confundida com as lutas religiosas das cruzadas
caracterizadas pelas guerras de mouros e cristãos.
Terminadas as festas religiosas do Divino, durante três dias
consecutivos, realizavam-se numa praça festivamente engalanadas
escaramuças e carreiras a cavalo.
Tinha o improvisado prado a forma de um retângulo cujos lados maiores
eram tomados de vistosos palanques; inscrito ao retângulo era traçada
uma circunferência a rastro de cal.
Por fora da praça viam-se inúmeras tendas ou botequins. A 1 hora da
tarde já os palanques repletos de espectadores, ostentando as famílias
um certo rigor no traje.
Por baixo dos palanques, aproveitando a sombra que projetavam
apinhava-se a massa popular que esperava ansiosa a chegada dos
cavaleiros.
Uma banda de música dava o sinal de iniciar o folguedo, executando
uma composição simples, ingênua, que se dizia o hino do Divino e
pouco depois entrava na praça os cavaleiros ao som de uma
entusiástica marcha. (MENDONÇA, 1975, p. 93)
Outra narrativa interessante com relação à Cavalhada em Cuiabá, é a de
José Barnabé de Mesquita, que foi membro do Instituto Histórico e da Academia Mato-
grossense de Letras.
Nó meio da praça, após as saudações do estilo, dividiu-se o séquito em
dois grupos, indo cada um delles ocupar um dos extremos da vasta área
circular. Dum lado ficavam os “portugueses”, doutro os “mouros”, os
quaes se distinguiam pelas vestes características de variadas cores e
ornatos. Á frente de cada grupo o “mantenedor” alardeava a sua natural
elegância, porte garboso e ares de commando, seguido cada um do seu
“embaixador” e seus doze “cavalleiros”, acompanhados dos pagens que,
a pé, conduziam as armas de combate. Os “Portugueses” usavam
117
casaca e calção de setim azul, peitilho carmezim em se insculpiam,
bordadas, as cinco quinas; á cabeça, largo capacete com plumas e os
pés calçados em meias de seda e sapatos de polimento com fivelas
prateadas. Traziam os “mouros” vestimenta vermelha, também de fino
setim, com o peito azul em que se via bordada a meia lua; á cabeça, o
turbante de velludo e o alfange semi-curvo pendente dos flancos.
Montavam uns e outros bellos e ardegos cavallos, ajaezados a primor,
trazendo as pistolas nos coldres e as espadas prezas ao arção da sella.
Os pagens, também vestidos a caracter, si bem que com mais
simplicidade, postados atrás dos cavalleiros, acompanhavam-lhes as
marchas e corridas, sempre promptos ao primeiro appello. (MESQUITA,
1927, p. 15-16)
Quanto ao número de cavaleiros, vinham sempre em número par (16 a 24).
O torneio iniciava-se com um assalto a um castelo feito de bambu e alvo morim (tipo de
tecido) armado a um canto da praça; de lá era retirada uma menina, que, em Poconé,
identificam-na como a "Rainha da Cavalhada" e o castelo era incendiado configurando
o rapto de Helena, a lenda descrita pelo cantor de Ilíada.
Do rapto de Helena, por um salto que só o teatro pode dar, como diz
Mendonça (1975) em sua narrativa, passava-se a uma luta entre cavaleiros mouros e
cristãos, que circulavam sobre a pista um a um, dois a dois, a trocar golpes de lanças,
espadas e disparos de pistolas que se tornavam reais sobre quatro cabeças de massas
espetadas em estacas simetricamente plantadas.
A estas escaramuças que se faziam ao ritmo de tambor e cornetas,
seguiam outros jogos, tais como o do limão, que constituíam em páreos
de dois cavaleiros que durante a vertiginosa carreira, alvejavam-se com
limões.
O clou do torneio era o jogo da argolinha, parte final do programa. No
extremo de uma raia, em linha reta, erguiam dois metros ligados por um
fio de arame à altura da ponta da lança de um cavaleiro. Do centro deste
fio pendia uma argola: cada cavaleiro devia tirá-la com a ponta da lança
ao passar em carreira rápida.
118
Os poucos que o conseguiam fazer, eram vistoriados pela assistência e
recebiam no palanque do festeiro, não louros, mas uma argolinha de
prata, atada à ponta de vistosa e longa fita de seda. (MENDONÇA, op.
cit., p. 94)
Os elementos constantes na Cavalhada encenada em Poconé não diferem
muito do que foi relatado por Rubens de Mendonça na cidade de Cuiabá. Também lá se
realizava por três dias, com palanques dispostos no largo pátio onde se localiza a Igreja
Matriz de Nossa Senhora do Rosário, hoje chamado Praça da Matriz (figura 17).
Figura 17 – Cavalhada no Pátio da Matriz, hoje Praça da Matriz Fonte: Acervo da família da autora – 1954
Não é precisa a data em que o folguedo iniciou-se na cidade (figura 18), no
entanto, registra-se que, antes da retomada em 1991, a última foi realizada por volta do
ano de 1954 (figura 19). Passaram-se, aproximadamente, 37 anos, até a sua
119
rememoração em junho de 199112, acontecendo no Parque de Exposições da cidade
durante os festejos de São Benedito. Este fato deveu-se ao empenho e aos registros de
memória dos cavaleiros do passado, que não mediram esforços ao auxiliarem os mais
novos no resgate dos elementos de uma tradição de simbologia tão significativa para
Poconé.
Figura 18 – Cavaleiro Mouro Bathilde Rosa de Moraes Fonte: Acervo da família da autora – década de 1940
12 Nesta oportunidade foram homenageados os cavaleiros do passado, dentre eles o Sr. Bathilde Rosa de Moraes, já falecido nessa data, que recebeu a homenagem através de sua esposa Nina de Figueiredo Moraes.
120
Figura 19 – Mantenedor Mouro Bathilde Rosa de Moraes e seu pajem Fonte: Acervo da família da autora – 1954
As palavras de Campos (2006, p. 47) dão ênfase a essa afirmação:
Junho de 1991. Festa de São Benedito em Poconé! O festeiro, Sr.
Benedito Afrânio da Silva Campos, a festeira Sra. Nilza Figueiredo e o
Capitão do Mastro, Sr. Jones de Arruda Falcão, fizeram ressurgir a
Cavalhada, amparada e sustentada pelos corações saudosos e
destemidos dos nossos cavaleiros. Eram pais ensinando filhos. Eram
orgulhosos avós saudando netos, pajens e cavaleiros usando espadas,
broches que pertenceram aos seus avôs e bisavôs, formando naquele
momento uma aliança entre o passado e o presente, a ressurreição da
memória pantaneira e de sua cultura num espetáculo de raríssima
beleza.
No registro do jornalista Onofre Ribeiro, assim aconteceu a retomada da
Cavalhada em Poconé.
121
No último sábado Poconé reviveu uma peça do seu folclore exibida pela
última vez na Festa de São Benedito de 1954. Desde então os velhos
festeiros e cavaleiros que participavam da Cavalhada foram se
distanciando da festa. Alguns porque morreram, outros pelo simples
esquecimento. Mas neste ano a Cavalhada foi retomada. No Parque de
Exposições da cidade duas dúzias de cavaleiros representando os
mouros e outra os cristãos, trouxeram a velha rixa medieval para os
anos 90.
Festa semelhante se realiza em Pirenópolis, em Goiás, com
extraordinário sucesso. A festa de Poconé reuniu cerca de mil pessoas,
a maioria pessoas da própria cidade. Mas quem viu a cavalhada neste
ano vai retornar em 1992 para revê-la, certamente muito mais
enriquecida e transformada em uma festa turística agregadora de
tradições pantaneiras. [...] (RIBEIRO, 1991, p.1)
Conforme previu o jornalista, o folguedo vem sendo realizado, sem
interrupção, no primeiro domingo antes do início da Festa de São Benedito e após o
encerramento dos festejos do Senhor Divino. É ambientado hoje na arena do Clube
Cidade Rosa, tendo como atores os filhos, netos, dos antigos cavaleiros (figura 20). A
cavalhada poconeana vem resistindo com força e procurando sempre se manter fiel aos
seus elementos tradicionais.
122
Figura 20 – Cavaleiro Cristão Osvaldo Luís da Silva Campos, neto de Bathilde Rosa de Moraes, e seu pajem. Foto: Ana Vicência da Silva Campos – década de 1990
No desenrolar de sua coreografia vemos hoje vinte e quatro cavaleiros,
sendo doze mouros e doze cristãos. Desses doze, um mantenedor, um embaixador e
dez soldados, que continuam usando lanças, espadas e pistolas, suas armas na
encenação da luta. Os mouros com as suas roupas em cetim vermelho e os cristãos em
cetim azul, ambos com seus chapéus com plumas, as belas capas de cetim dos
mantenedores bordadas com lantejoulas e outros ricos ornamentos. Os seus cavalos
também recebem um tratamento especial, sendo caprichosamente ornamentados,
inclusive com plumas, fitas de cetim e guizos.
Entre os cavaleiros existe a passagem de pai para filho. Caso o patriarca
não tenha filhos, são escolhidos sobrinhos ou familiares. Apenas se não houver
123
ninguém da família para dar continuidade à representação, é que são escolhidas outras
pessoas, mesmo assim integrantes da Irmandade de São Benedito.
Os cavaleiros tanto mouros quanto os cristãos, continuam tendo nos pajens
os seus auxiliares, crianças vestidas como se fossem pequenos soldados. Muitos dos
cavaleiros de hoje foram os pajens de ontem.
É no relato do Sr. Manoel do Rosário Corrêa da Costa, poconeano, que foi
pajem em 1954, por ocasião dos seus dez ou doze anos, que se percebe a importância
do papel desse pequeno auxiliar dos cavaleiros. Ao se rever em uma fotografia ao lado
do Sr. Bathilde, sua primeira expressão foi: "Êta... tempo bom". Ao se indagar sobre a
sua atribuição como pajem ele respondeu:
O pajem tem que acompanhar o cavaleiro segurando a lança com uma
mão e a outra no estribo do cavalo. Ele tem que acompanhar o trote do
cavalo. Era cansativo, mas era bom. Antigamente eram três dias de
cavalhada, hoje é só um.
Outros personagens presentes na Cavalhada são os cavaleiros mascarados.
Eles ficam ao redor e têm a função de proteger os espectadores, os pajens, os
cavaleiros. Durante o intervalo eles atuam brincando, imitando a batalha.
A exemplo do que ocorria no passado, são treze carreiras caracterizadas
pelos jogos encenados, como a carreira do limão e a da argola (já explicadas
anteriormente), a do judas (o cavaleiro retira a "cabeça" do boneco com a espada),
dentre outras. Tudo isto é feito ao ritmo de uma marcha executada por caixa de
percussão, que reproduz o som das patas dos cavalos no chão.
A Cavalhada, assim como a dança dos Mascarados, é um evento que
aglutina o povo de Poconé. A única diferença é quanto ao espaço em que se ambienta,
a Cavalhada na arena do Clube Cidade Rosa e a dança na Praça da Matriz. Nas
arquibancadas o público participa torcendo, ou por mouros, ou por cristãos. Cada ponto
marcado por uma das equipes é comemorado ao som do rasqueado, marchinhas de
carnaval e outros ritmos que são tocados por uma banda musical.
124
Ao final os cristãos, independentemente do número de pontos obtidos, saem
vencedores, assim como no épico Batalha de Carlos Magno e os Doze Pares da
França. Os mantenedores mouro e cristão carregam a bandeira de São Benedito,
padroeiro da festa, e percorrem o local da batalha exibindo-a ao público espectador. É
também fincada no meio da arena uma bandeira branca como símbolo da paz ao toque
do hino de São Benedito.
Ribeiro (1991), acredita que a retomada da Cavalhada poconeana
representa muito mais a retomada da cidadania. Afirma ainda o autor que pessoas
movendo a torcida por cavaleiros, por cavalos, por amigos, por famílias, sem qualquer
vinculação política, têm um significado poderoso. Em cada arrancada dos cavaleiros
mouros ou cristãos na direção de um objetivo simbólico de luta, estava em jogo o
inconsciente coletivo de preservação do grupo, da cultura e da cidadania de Poconé.
Os cavaleiros mantenedores dos mouros e dos cristãos de Poconé,
Zelito Dorileo e Moacir da Silva Campos, sob o compasso da bateria da
cavalaria do velho Vicente Patrício, o Vicente Caixeiro, de 78 anos,
marcaram ali o ritmo da cidadania. (RIBEIRO, op. cit., p.2)
Na realidade, quem vence é o povo poconeano. Vence porque conseguiu
representar os elementos integradores do seu legado cultural, manter viva a chama de
uma tradição que lhe confere a singularidade de sua identidade. Perpetuar a memória e
a identidade locais é, antes de tudo, procurar manter um equilíbrio saudável entre a
cultura do local e a incorporação dos avanços da cultura global.
125
5. INTERPRETAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E TURISMO
5.1 Conceito, objetivo e trajetória histórica da Interpretação
Levando-se em consideração que o turismo é uma experiência fortemente
visual, o olhar do visitante procura encontrar a singularidade do lugar, seus símbolos e
significados mais marcantes. Os ambientes, sobretudo as cidades, devem ser vistos
como um enigma a ser desvendado pela exploração, como um texto a ser interpretado
pelo explorador.
Nesse sentido, a abordagem da interpretação proposta em Murta e Albano
(2005) busca destacar lugares de memória, desenhar no espaço uma rede de
descobertas, de modo a revelar a identidade do lugar e ajudar o visitante a captar a sua
essência. A boa interpretação marca a qualidade da descoberta, descortina significados
e toca as emoções, ao invés de apenas passar informações factuais.
Entende-se que interpretar o patrimônio é o processo de acrescentar valor à
experiência do visitante, por intermédio do fornecimento de informações e
representações que realcem a história e as características culturais e ambientais de um
lugar. Interpretar é bem mais do que informar, é revelar significados, é provocar
emoções, é um estímulo à curiosidade, além de entreter, é inspirar novas atitudes no
visitante.
Com relação ao objetivo geral da interpretação, de acordo com Murta e
Goodey (1995, p.20), é “aumentar a compreensão pública do tema ou do ambiente,
induzindo a atitudes de respeito e proteção”.
Quando se percorre a trajetória histórica da interpretação, constata-se que
essa prática foi, inicialmente, estabelecida nos Estados Unidos, pelo Serviço Nacional
de Parques daquele país, no final da década de 1950. Freeman Tilden foi quem
126
escreveu o primeiro livro sobre o assunto e trabalhava na conscientização dos visitantes
dos Parques de Yosemite e do Grand Canyon, ressaltando a importância da
preservação desses espaços naturais. É de Tilden, citado por Murta e Goodey (2005,
p.14), a afirmação: “através da interpretação, a compreensão; através da compreensão,
a apreciação, e através da apreciação, a proteção”.
Já na Grã-Bretanha, os conceitos de interpretação ambiental foram utilizados
nos trabalhos do National Countryside Commission na década de 1960, visando
valorizar as áreas rurais, parques e reservas naturais. A partir de 1970, evoluiu para
edifícios, monumentos e sítios históricos, chegando às vilas e cidades, passando a
incluir as áreas mais significativas do ambiente urbano. Neste momento, o
planejamento interpretativo passa a ser a ferramenta utilizada para revitalizar e
promover o patrimônio ambiental urbano e áreas rurais adjacentes.
Em decorrência da preservação e da interpretação do patrimônio ambiental
urbano, são sensibilizados e engajados numerosos segmentos da população britânica e
o patrimônio cultural passa a ser considerado como principal recurso para o turismo.
A partir da década de 1980, passam a ser criadas várias atrações históricas
e culturais para um mercado desejoso por consumi-las. Surgem vários tipos de museus,
centros culturais e outras atrações, na maioria das vezes provenientes de investimento
da iniciativa privada.
No entanto, de acordo com análise de Murta e Goodey (2005), essa
proliferação de atrações, fruto do trabalho de restauração, interpretação e apresentação
do patrimônio, bem como a diversificação de atrativos turísticos, executados no afã de
promover cidades e regiões turísticas, foram cometidos erros que passaram a ser
notados a partir dos anos noventa. Com relação a esses erros, um dos mais
destacados pelos autores é a exclusão da população local do processo de
planejamento.
Em decorrência do que foi relatado, quando surge na década de 1990 uma
preocupação mais efetiva com a questão ambiental, o conceito de sustentabilidade
127
ganha força nas mais diversas áreas, notadamente na do turismo, por ser uma
atividade que tem no espaço o seu objeto de trabalho.
[...] Se bem planejado dentro dos princípios de sustentabilidade, o
turismo pode ter um impacto positivo e ser um catalisador da
restauração, conservação e revitalização de ambientes naturais e
culturais, reforçando a cultura local e contribuindo para a geração de
empregos e renda nas comunidades. [...] o planejamento sustentável
deve adotar uma abordagem que trabalhe a mentalidade da população
nativa e os hábitos das organizações turísticas locais. Ou seja, levar em
conta os medos, desejos e necessidades da população local tornou-se
hoje essencial no planejamento turístico. Assim, num contexto de rápido
crescimento do turismo cultural e de natureza, em suas várias formas, a
interpretação, enquanto veículo de comunicação, tornou-se ainda mais
crucial para despertar atitudes preservacionistas entre comunidades
receptoras, visitantes, e empreendedores turísticos. (MURTA e
GOODEY, op. cit., p.16-17)
Assim, diversos eventos internacionais foram e continuam sendo realizados
não só para a avaliação da prática corrente da interpretação, bem como propor novas
trajetórias, tais como a Conferência Internacional Apresentação e Interpretação do
Patrimônio na Europa realizada em julho de 1999, na Universidade de Bournemouth, na
Inglaterra. Foi também criada a Rede Européia para a Interpretação do Patrimônio,
instituída em outubro de 2000 em um congresso na Alemanha.
Uma outra entidade importante de ser mencionada, é a Asociacón para la
Interpretación del Patrimônio - AIP, fundada na Espanha em 1995, durante o IV
Congresso Mundial de Interpretação do Patrimônio, realizado em Barcelona.
No Brasil, a prática da interpretação do patrimônio ambiental natural e
cultural vem sendo divulgada desde os anos noventa e já existem alguns casos de sua
aplicação no país. O Museu Aberto do Descobrimento – MADE, reconhecido pela
Unesco como Patrimônio Cultural Natural da Humanidade, que ocupa uma área de 78
km, ao longo dos municípios de Porto Seguro, Santa Cruz de Cabrália e Prado, na
128
costa sul da Bahia, foi objeto de interpretação e valorização, em trabalho desenvolvido
por Murta e Albano, através da execução do projeto Interpretação e valorização de
sítios históricos do Museu Aberto do Descobrimento. Também foram desenvolvidos
trabalhos em várias cidades do Estado de Minas Gerais, como Diamantina, São João
Del Rei, Serro, Conceição do Mato Dentro e outras.
Ainda que não seja intenção do presente estudo estabelecer um plano
interpretativo dos atrativos históricos e culturais da cidade de Poconé, julga-se
pertinente enfatizar a importância da abordagem da atividade de interpretação como um
caminho a ser trilhado por cidades que possuam um conteúdo histórico e cultural rico
em representações que, ao serem interpretadas, além de possibilitar ao visitante um
olhar mais sensível em direção ao lugar que está visitando, oportuniza aos membros da
comunidade o fortalecimento da sua identidade.
5.2 Os princípios da Interpretação
No entendimento de Murta e Goodey (2005), a interpretação de lugares, de
saberes e fazeres culturais, é um instrumento de comunicação com o visitante e o
morador da comunidade. A interpretação funcionaria como um canal facilitador para a
internalização dos elementos da cultura local, em primeiro lugar, pelo nativo, para que
possa transmiti-los ao visitante em seus momentos de fruição por ocasião da visita.
Nesse sentido, interpretar é muito mais do que simplesmente dar
informações, mas, principalmente, propiciar ao visitante que durante a sua permanência
no lugar possa fazer a sua leitura do que está sob o seu olhar.
É importante mencionar os princípios estabelecidos por Tilden, considerado
“o pai da interpretação”, e outros acrescidos por Murta e Goodey (op. cit.), por
entenderem o desenvolvimento ocorrido com a interpretação desde a época em que os
129
primeiros princípios foram estabelecidos. Propõe-se estabelecer algumas conexões
com o objeto de pesquisa deste trabalho.
- “Sempre focalizar os sentidos do visitante, de forma a estabelecer a conscientização
pessoal sobre determinadas características do ambiente”.
Os aromas, sabores, ruídos, podem ser estimulados para que o visitante sinta-se
parte do lugar. O silêncio tão necessário quando da observação de aves em uma
determinada área do pantanal é o mesmo quando da participação em uma
procissão; são momentos contemplativos.
- “Revelar sentidos com base na informação e não apenas informar”.
Utilizar a informação como um instrumento para despertar no visitante o desejo de
conhecer mais, de apreender. A informação por si só pode se diluir, mas quando ela
propicia conhecimento pelo estímulo da percepção isso não acontece.
- “Utilizar muitas artes visuais e de animação, seja o material apresentado científico,
histórico ou arquitetônico”.
Esse princípio é muito característico quando da interpretação de patrimônios
arquitetônicos revitalizados, possibilitando ao visitante um melhor entendimento do
que está visitando.
- “Não apenas instruir, mas provocar, estimulando a curiosidade do visitante,
encorajando a exploração mais aprofundada do que está sendo interpretado”.
Talvez este seja um dos princípios mais importantes para a atividade turística, por
sugerir a possibilidade da interação do visitante com o lugar de uma forma
espontânea. A viagem muito mais do que um roteiro pré-estabelecido é um
momento de descobertas.
- “Apresentar a história completa, em vez de parte desta; dirigir-se à pessoa inteira”.
130
Conteúdos fragmentados de interpretação geram interpretações fragmentadas. Daí
a proposta de que o visitante quando passar por Poconé em direção ao Pantanal
conheça um pouco mais a cidade, sua história, suas particularidades, suas
representações. Os festejos do Divino e de São Benedito em seus componentes
sagrados e profanos são uma excelente oportunidade para isso. O Pantanal
enquanto atrativo turístico natural não pode ser dissociado da cultura do homem
pantaneiro.
- “Ser acessível a um público o mais amplo possível, levando em consideração
necessidades especiais”.
O turismo tem condições de ser uma atividade que proporcione a inclusão social.
Atualmente, diversas segmentações têm surgido em função do desejo de viajar de
pessoas idosas, deficientes das mais variadas categorias e outras especificidades
de demanda. É necessária a preocupação quando se interpreta um determinado
patrimônio, com todo tipo de público que possa vir a sentir o desejo de conhecer o
lugar. O que está sendo interpretado deve estar disponível a um público
diferenciado.
- “Iniciar a interpretação em parceria com a comunidade, estimulando a troca de
conhecimentos e recursos”.
A comunidade local ou comunidade receptora, designação mais freqüentemente
utilizada na atividade turística, precisa ter uma participação legítima no processo de
planejamento e de execução da atividade de interpretação. Muitas cidades históricas
em nosso país são ricas na oralidade e este é um tipo de recurso que contribui muito
para a construção do legado cultural do local. A recondução da Cavalhada em
Poconé na década de 1990, só foi possível graças aos diálogos mantidos entre os
novos cavaleiros e os antigos. A dança dos Mascarados também foi e continua
sendo transmitida via oralidade.
131
- “Adotar uma abordagem abrangente, ligando os temas do passado, do presente e
do futuro, realçando a dimensão socioeconômica, ao lado das dimensões histórica,
ecológica e arquitetônica”.
É preciso que o objeto de interpretação seja configurado de uma forma abrangente
para evitar entendimentos enviesados. Algumas das modificações ocorridas na
organização e realização dos festejos religiosos em Poconé são decorrência de
aspectos socioeconômicos inerentes ao processo histórico da economia local e as
influências do global. Ao se elaborar um trabalho de interpretação desses festejos, é
importante que a sua trajetória seja explicitada dentro dos variados momentos
históricos, econômicos e sociais da cidade.
- “Não tentar vender uma verdade universal, mas destacar a diversidade e a
pluralidade culturais. Sua interpretação deve fomentar a aceitação e a tolerância
como valores democráticos”.
A diversidade e a pluralidade culturais devem ser aceitas como uma oportunidade de
troca e de conhecimento. Em especial, no turismo, deve existir uma preocupação no
contato entre o visitante e o nativo, para que essa relação seja permeada pelo
respeito às culturas envolvidas. Existem variados exemplos e estudos em que é
demonstrado que a atividade, quando não planejada, provoca conseqüências
drásticas na comunidade visitada.
- “Levar sempre em consideração o atendimento ao cliente, indicando ou provendo
instalações básicas como sanitários, segurança, pontos de descanso e
estacionamento, elementos essenciais a uma experiência prazerosa do lugar”.
Este princípio é um alerta à preocupação com o bem-estar do visitante. Nos casos
em que são construídos trilhas e roteiros interpretativos, é fundamental oferecer as
condições mínimas para um melhor atendimento ao cliente.
Diante do que foi exposto, considera-se a interpretação dos patrimônios
natural e cultural um instrumento valioso para o planejamento da atividade turística. É
132
preciso que os profissionais do turismo percebam o espaço enquanto espaço vivido,
enquanto espaço das representações, das manifestações culturais, categorias que
configuram a identidade de uma comunidade.
Goodey (2005) quando fala do turismo cultural, dos novos viajantes e das
novas descobertas, é enfático ao constatar que a nossa compreensão sobre as viagens
e lugares, bem como a maneira como os experienciamos, vem sendo afetada pela
mercantilização e pela hiper-realidade da mídia, que tudo altera com estratégias de
publicidade e marketing. Para o autor, no mundo contemporâneo, com a linguagem
fragmentada do e-mail e do telefone celular, nossa habilidade de observar, considerar e
observar os detalhes de lugares está se perdendo rapidamente.
O lugar, com sua localização geográfica particular, como um conjunto
único de qualidades espaciais, históricas e sociais, continua sendo o
fundamento da viagem contemporânea. No entanto, a capacidade de
apreender um lugar é hoje uma qualidade em extinção na experiência do
visitante. (GOODEY, op. cit., p.131-132)
Mais adiante, quando estabelece uma comparação entre os antigos e os
novos viajantes, menciona que o processo de descoberta dos primeiros envolvia a
observação e a descrição através das técnicas então disponíveis. Eram essencialmente
técnicas cartográficas, gráficas e de escrita. Hoje, quando examinamos esses antigos
relatórios, estamos menos atentos ao texto enquanto descrição de um lugar, do que
aos valores implícitos nas formas da narrativa. No entanto, aqueles viajantes de fato
observaram, vivenciaram e descreveram diretamente os lugares.
A palavra de ordem hoje é no sentido de que um maior número de
pessoas viaje mais depressa, para um maior número de lugares;
reunindo mais experiências, ainda que mais breves; recebendo
mensagens curtas sobre o significado dos ambientes.
A única esperança do turismo cultural e ecológico é que ele ofereça
exatamente o contrário, em todos os níveis: menos gente, visitando
menos lugares, mais devagar; reunindo menor número de experiências,
133
com maior qualidade; recebendo mensagens mais detalhadas sobre o
significado de lugares e manifestações. (GOODEY, 2005, p.136)
Meneses (2004, p.105), em sábias palavras sobre a experiência
interpretativa e o turismo sustentável, sintetiza:
[...] A experiência turística, mesmo que permeada de informações
prévias, é única e é surpreendentemente construída na viagem. O turista
não deve abrir mão dessa surpresa, mas o planejador do turismo deve
projetar a sua possibilidade com cuidado.
A rota deve ser construída culturalmente. Deve-se dar a ela significados
históricos e preservar-lhe a memória. Deve-se propiciar ao turista
informações e estrutura para que seja possível a experiência turística,
para que ele tenha um acentuado apreço ao ambiente natural, à vida
material e aos costumes de homens e mulheres que vivem nesse
espaço.
Dessa maneira, acredita-se ser o planejamento com base na interpretação
uma alternativa que possibilita à viagem tornar-se um momento de descobertas para o
turista. Ele é importante para o desenvolvimento do turismo na medida em que pode
incrementar a experiência do visitante e gerenciar seus impactos na localidade.
5.3 Turismo, religiosidade e patrimônio cultural na cidade de Poconé
As festas sempre tiveram importância para a sociedade brasileira por se
constituírem em elementos de integração. Desde a colonização do Brasil os indígenas,
africanos e portugueses criaram festas nas quais os costumes, crenças e práticas
religiosas se misturavam. Essas festas integram o patrimônio cultural brasileiro e hoje
também são responsáveis pelo incremento do turismo.
134
As festas, costumes, danças, folguedos, histórias orais podem servir
para atrair a atenção e interesse de muitas pessoas para conhecerem
um pouco mais do lugar e desses costumes, muitas vezes, inclusive,
despertando nelas um desejo íntimo de vivenciarem a festa junto com a
própria comunidade. Isto é possível quando uma cidade, consciente de
seu potencial, resolve, com organização e parceria, transformar essas
manifestações culturais em atrativo turístico, possibilitando, assim,
oportunidades de negócio e empregos, além da valorização da arte e da
identidade cultural. (MACENA apud AUGUSTI; BOSCHIERO; RUY,
2005, p.18)
Considerando o papel socializador da atividade turística ao possibilitar o
encontro entre pessoas de diferentes culturas, as festas religiosas podem se
transformar em um atrativo que oportuniza aos turistas o contato com os valores da
cultura local e à comunidade, além da vivência do compromisso com o sagrado, a
valorização do seu patrimônio cultural.
Dentre os vários segmentos do mercado turístico, o turismo religioso é
considerado por Dias (2003, p.17) como
aquele empreendido por pessoas que se deslocam por motivações
religiosas e/ou para participação em eventos de caráter religioso.
Compreende romarias, peregrinações e visitação a espaços, festas,
espetáculos e atividades religiosas.
Ainda, de acordo com o autor, o turismo religioso apresenta determinadas
características que o aproximam do turismo cultural, devido à visita que ocorre num
entorno considerado como patrimônio cultural. As festas religiosas constituem-se em
expressões culturais de determinados grupos sociais ou expressam uma realidade
histórico-cultural significativa e representativa de determinada região.
Ao abordar os atrativos turístico-religiosos considerando a área de destino
como objetivo final da viagem, Dias (op. cit.) estabelece algumas distinções básicas
entre eles, classificando-os em seis tipos diferentes: santuários de peregrinação,
135
espaços religiosos de grande significado histórico-cultural, encontros e celebrações de
caráter religioso, festas e comemorações em dias específicos, espetáculos artísticos de
cunho religioso e roteiros de fé.
Dentre os tipos mencionados, vem de encontro ao objeto de pesquisa deste
trabalho, as festas e comemorações em dias específicos identificadas pelo autor como
aquelas dedicadas a figuras sagradas e/ou reverenciadas na religião. Incluem-se aqui
as festas religiosas, desde procissões, festas periódicas previstas no calendário litúrgico
ou manifestações de devoção popular.
Ressalta-se que tais cerimônias não podem ser compreendidas somente por
suas correlações com a tradição e a história, mas deve-se atentar que o seu elemento
definidor é a experiência religiosa e é o que sustenta o processo ritual, sendo o motivo
da sua realização. Sem considerar a experiência do sagrado que os domina, estes
rituais e festas não poderiam ser compreendidos, uma vez que, sem ela, não se
realizariam.
Giovannini Júnior (2003), quando disserta sobre as celebrações da Semana
Santa na cidade de Tiradentes, no Estado de Minas Gerais, menciona que na relação
entre patrimônio cultural e turismo, presentes dentro de um contexto religioso, uma
interpretação adequada permite que as pessoas se insiram melhor no ambiente cultural
e físico para onde se dirijam.
A música dos corais, bandas e orquestras, que executam peças dentro e
fora dos templos, compondo o ambiente religioso das festas, bem como
silêncio e dobres comunicativos dos sinos, também são parte do
patrimônio cultural, um patrimônio sonoro. Enfim, ao observar um
patrimônio cultural ou evento turístico, deve-se considerar seus
significados mais profundos, sem os quais festas, ritos e saberes
perdem o sentido e o que têm de mais vivo e pulsante. (GIOVANNINI
JÚNIOR, op. cit, p. 147)
Nesse contexto, os festejos religiosos do Senhor Divino e de São Benedito
na cidade de Poconé em seus componentes sagrados e profanos, podem ser
136
estimulados a uma observação participante pelo turista que se dirige ao Pantanal mato-
grossense e ser interpretados como elementos integradores da identidade local.
Ainda que os atrativos histórico-culturais e as manifestações populares não
se constituam hoje na motivação principal do turista em relação ao lugar, podem ser
contextualizados dentro dos roteiros comercializados no mercado13 que têm nos
atrativos naturais a sua atração-âncora.
Propõe-se, através do planejamento com ênfase na interpretação, dirigir um
olhar para a cidade, seu patrimônio histórico representado pelo casario, ruas e praças,
bem como para as suas manifestações culturais, e propiciar ao turista um maior contato
perceptivo com o lugar.
Levar o turista a participar dos festejos religiosos, da dança dos Mascarados
e da Cavalhada, muito mais do uma proposta mercadológica de incremento dos
segmentos de turismo religioso e/ou turismo cultural do local, é oferecer uma
oportunidade de fruição, de convivência com a religiosidade e cultura do homem
poconeano e, por outro lado, propiciar aos residentes a perpetuação de sua memória e
de sua identidade.
Entende-se, no entanto, que uma proposta de plano interpretativo demanda
uma série de aspectos e procedimentos a serem considerados, dentre eles a adoção de
uma política pública que privilegie a sua implantação. Este estudo não tem a pretensão
de esgotar a temática abordada, mas, apenas, num primeiro momento, sinalizar com
uma alternativa para que as manifestações culturais e a própria cidade de Poconé
possam ser percebidas pelos turistas quando se dirigem ao Pantanal.
13 O município de Poconé encontra-se inserido no Pólo Turístico do Pantanal e tem na Rota dos Pousos Pantaneiros seu principal produto turístico. Essa rota compreende os percursos Poconé – Porto Jofre (Rodovia Transpantaneira) e Poconé – Porto Cercado (Estrada-Parque Porto Cercado) que têm no seu entorno inúmeras pousadas que propiciam diversas atividades ecoturísticas em função dos variados atrativos naturais.
137
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de elaboração deste trabalho, desde a fase inicial da pesquisa
até a consolidação dos resultados, propiciou a sua autora agregar valorosos
conhecimentos, tanto os adquiridos com a pesquisa bibliográfica que possibilitou um
contato maior com a base epistemológica da Geografia, quanto aqueles advindos da
oportunidade de se traduzir registros de memória dos momentos vividos na terra natal.
Entende-se o conhecimento como um processo. A sua gênese advém de
uma indagação que induz à busca de uma resposta e que, por sua vez, cede lugar a
diversas outras indagações. O conhecer não se consubstancia apenas em elaborações
teóricas, ao contrário, envolve, acima de tudo, o viver, o perceber, o sentir. Teorizar em
cima de uma determinada realidade pode até ser muito fácil, mas elaborar vivências e
traduzir emoções de histórias de vida, com certeza, constitui-se em um desafio. E esse
foi o grande desafio do presente estudo.
A categoria lugar entendida sob a abordagem fenomenológica como o
espaço vivido e percebido, possibilitou efetuar uma leitura das particularidades da
cidade de Poconé, privilegiando os festejos religiosos do Senhor Divino e de São
Benedito, duas significativas manifestações de sua cultura.
Falar da cultura de uma comunidade é falar da vida das pessoas que vivem
ou viveram nessa comunidade. É lidar com emoções, com sentimentos, é uma
investigação dos elementos de sua identidade e, conseqüentemente, da identidade
coletiva.
A proposta de se fazer uma leitura do legado cultural de Poconé, muito mais
do que sinalizá-lo como uma alternativa mercadológica para a atividade turística da
região, é demonstrar que a cidade existe, que ela pulsa. Pulsa através da sua história,
dos componentes do seu espaço urbano, dos seus atrativos naturais, mas, acima de
138
tudo, ela pulsa através dos elementos integradores de sua cultura, da sua memória, da
memória do homem pantaneiro, do homem poconeano.
Quando os mascarados dançam na Praça da Matriz, quando os cavaleiros
mouros e cristãos se "enfrentam" na arena do Clube Cidade Rosa, quando os bailes e
leilões acontecem na Casa das Festas, e, mais ainda, quando nas procissões e missas
reverenciam o Senhor Divino e São Benedito, os poconeanos estão dando
manifestações de sua existência.
Durante diversas vezes em que estivemos na cidade, participando deste ou
daquele festejo, sentiu-se o peso da nossa responsabilidade, justamente porque quem
estava ali não era apenas a pesquisadora, mas a neta de Nina e Bathilde e a filha de
Liney e Waldez. Foi difícil manter a imparcialidade de julgamentos para não prejudicar a
validação científica das variáveis envolvidas na pesquisa. Mas, por outro lado, existia
um "grito" encolhido na garganta desta poconeana desde 1998. E ele precisava sair.
Ela precisava dizer que Poconé tem história, tem cultura, tem memória, não é um
simples ponto de passagem para o Pantanal!
Que a realização dos festejos do Senhor Divino e de São Benedito são as
manifestações mais representativas de sua cultura já é um fato. Urge a necessidade de
se conceber o seu aproveitamento como produto turístico para o município. Para isso é
necessário o envolvimento, além das autoridades constituídas, da própria comunidade.
As Irmandades do Senhor Divino e de São Benedito podem e devem buscar esse
caminho, mas buscar com sintonia, com foco naquilo que os une: a sua identidade.
O fomento ao turismo com base no legado cultural da cidade de Poconé,
muito mais do que um caminho alternativo para incrementar a sua economia, é uma
oportunidade para a perpetuação de sua memória e de sua identidade.
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