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CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 1 Cadernos de Semiótica Aplicada Vol. 8.n.2, dezembro de 2010 O EU E O OUTRO EM “O ESPELHO”, DE JOÃO GUIMARÃES ROSA ME AND THE OTHER IN “THE MIRROR” BY JOÃO GUIMARÃES ROSA Vera Lucia Rodella ABRIATA UNIFRAN Universidade de Franca RESUMO: Ignacio Assis Silva, em sua obra Figurativização e Metamorfose: o mito de Narciso (1995), reflete sobre a relação entre o mito de Narciso e a construção do sujeito em Jacques Lacan. Segundo o autor, Freud e Lacan leem o Narciso ovidiano não como lenda, tal qual o liam os gregos e os romanos, mas como mito: como figurativização da antropogênese do sujeito. Com base nas observações de Silva, estabelecemos uma leitura semiótica para o conto “O espelho” de João Guimarães Rosa, objetivando analisar como o enunciador constrói de forma mitopoética o ator protagonista do texto, lendo-o também como figurativização da antropogênese do sujeito em sua relação com o outro. PALAVRAS-CHAVE: Semiótica Francesa; Ator; Mito; Antropogênese do Sujeito. ABSTRACT: Ignacio Assis Silva, in Figurativização e Metamorfose : o mito de Narciso (1995), reflects about the relation between Narcissus myth and the construction of the subject in Jacques Lacan. According to the author, Freud and Lacan read the Ovidian Narcissus “no more as a legend (as it seemed to be for the Greek and Romans), but as a myth: as a figurativization of the anthropogenesis of the subject. Based on Silva’s observation, we established a semiotics reading to the short story “The mirror”, by João Guimarães Rosa, aiming at analysing how the enunciator constructs in a myth poetic way the protagonist actor of the text, reading him also as a figurativization of the anthropogenesis of the subject his relation with the other. KEYWORDS: French Semiotics; Actor; Myth; Anthropogenesis of the Subject. A enunciação enunciada: a proposição de contrato com o narratário Na sequência inicial do texto rosiano “O Espelho”, há a projeção de um narrador, no presente da enunciação, por meio de uma debreagem enunciativa, que dialoga com um narratário, propondo-lhe narrar sua experiência com espelhos. Nesse diálogo, o eu revela-se detentor de um conhecimento sobre espelhos que o aparta do restante dos homens, inclusive do narratário, cujos conhecimentos científicos sobre o assunto ele reconhece, mas faz questão de frisar que seu /saber/ é diferenciado, pois se associa ao transcendental: Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência a que me induziram alternadamente, série de raciocínios e intuições [...] O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja na verdade um espelho? Demais, decerto, das noções da física com que se

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CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 1 Cadernos de Semitica Aplicada Vol. 8.n.2, dezembro de 2010 O EU E O OUTRO EM O ESPELHO, DE JOO GUIMARES ROSA ME AND THE OTHER IN THE MIRROR BYJOO GUIMARES ROSA Vera Lucia Rodella ABRIATA UNIFRAN Universidade de Franca RESUMO:IgnacioAssisSilva,emsuaobraFigurativizaoeMetamorfose:omitodeNarciso (1995),refletesobrearelaoentreomitodeNarcisoeaconstruodosujeitoemJacquesLacan. Segundo o autor, Freud e Lacan leem o Narciso ovidiano no como lenda, tal qual o liam os gregos e osromanos,mascomomito:comofigurativizaodaantropognesedosujeito.Combasenas observaesdeSilva,estabelecemosumaleiturasemiticaparaocontoOespelhodeJoo GuimaresRosa,objetivandoanalisarcomooenunciadorconstrideformamitopoticaoator protagonistadotexto,lendo-otambmcomofigurativizaodaantropognesedosujeitoemsua relao com o outro. PALAVRAS-CHAVE: Semitica Francesa; Ator; Mito; Antropognese do Sujeito. ABSTRACT:IgnacioAssisSilva,inFigurativizaoeMetamorfose:omitodeNarciso(1995), reflectsabouttherelationbetweenNarcissusmythandtheconstructionofthesubjectinJacques Lacan. According to the author, Freud and Lacan read the Ovidian Narcissus no more as a legend (as it seemed to be for the Greek and Romans), but as a myth: as a figurativization of the anthropogenesis ofthesubject.BasedonSilvasobservation,weestablishedasemiotics readingtotheshortstory The mirror, byJoo Guimares Rosa, aiming at analysing how the enunciator constructs in a myth poeticwaytheprotagonistactorofthetext,readinghimalsoasafigurativizationofthe anthropogenesis of the subjecthis relation with the other. KEYWORDS: French Semiotics; Actor; Myth; Anthropogenesis of the Subject. A enunciao enunciada: a proposio de contrato com o narratrio NasequnciainicialdotextorosianoOEspelho,haprojeodeum narrador,nopresentedaenunciao,pormeiodeumadebreagemenunciativa,quedialoga comumnarratrio,propondo-lhenarrarsuaexperinciacomespelhos.Nessedilogo,oeu revela-sedetentordeumconhecimentosobreespelhosqueoapartadorestantedoshomens, inclusivedonarratrio,cujosconhecimentoscientficossobreoassuntoelereconhece,mas faz questo de frisar que seu /saber/ diferenciado, pois se associa ao transcendental: Se quer seguir-me, narro-lhe; no uma aventura, mas experincia a que me induziram alternadamente, srie de raciocnios e intuies [...] O senhor, por exemplo,quesabeeestuda,suponhonemtenhaideiadoquesejana verdadeumespelho?Demais,decerto,dasnoesdafsicacomquese CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 2 familiarizou, as leis da ptica. Reporto-me ao transcendente. (ROSA, 1977, p. 61). O narrador se revela, portanto, um sujeito cognitivo, conjunto com um /saber/ secreto sobre espelhos e intenta manipular o narratrio a /querer-fazer/, ou seja, entrar tambm emconjunocomesseobjetomodal.Assim,inicialmenteconstriumaimagempositivaa seu respeito o senhor que sabe e estuda para, em seguida, avaliar veridictoriamente esse /saber/comoprecrio,ilusrio,poisestariarelacionadosomentecinciafsicaeno metafsica.Dessemodo,objetivamanipul-locomaintenodelev-loaentrarem conjuno com o /saber/ secreto, de carter transcendental, que afirma deter sobre o assunto, e que se prope revelar-lhe por meio do contar. O processo de transmisso do /saber/ do narrador para o narratrio se realiza de formagradual,pormeiodeumrelatoemqueaqueleentretecereflexessobreoator espelho, questionando sua natureza: O espelho, so muitos, captando-lhe as feies; todos refletem-lhe o rosto, e osenhorcr-secomaspectoprprioepraticamenteimudado,doquallhe doimagemfiel.Masqueespelho?H-osbonsemaus,osque favorecem e os que detraem; e os que so apenas honestos, pois no. E onde situar o nvel eo ponto dessahonestidade ou fidedignidade? Como queo senhor, eu, os restantes prximos, somos, no visvel? (ROSA, 197, p.61). Onarradorinvesteoatorespelhodopapelactancialdeumsujeito Destinadormanipuladorcujofazerpersuasivoseriaodetecerimagensacercadeumoutro sujeito, o ser humano, a figurativizado por o senhor, ns, os restantes prximos.O ator espelho definido, por sua vez, por meio de figurasgeneralizantes e indefinidascomomuitosetodos.Logoonarradormantmemestadodesegredo,de mistrio o conhecimento que detm sobre o assunto. No entanto propicia-nos estabelecer uma correlaometafricaentreoespelhoediversasoutrasfigurasquesemanifestamnotexto, taiscomofotografias,retratos,lentesdasmquinas,dadosiconogrficos,olhos. Elas corresponderiamadiferentesrevestimentosfigurativos para um mesmo papel actancial: odeumsujeitoDestinadormanipulador,cujopapelseriaodedotaroserhumanodeuma competnciailusriaum/saber/sobreseuserque,porserbaseadoemimagens,seria enganoso,daordemdo/parecer/,mas/no-ser/.Porconseguinte,oserhumano,namedida em que se deixasse manipular por imagens aceitando aquelas que o favoreceriam ou aquelas que o detrairiam estaria mergulhado numa iluso cognitiva, sobremodalizado por um /crer: saber-ser/. Enfatizandoaisotopiafigurativarelacionadaimagemilusria,o questionamentodonarradornoenunciadocomoqueosenhor,eu,osrestantesprximos somos, no visvel? recobre um dos temas implicitados no texto o do autoconhecimento do serhumanoqueseriaenganososebaseadoemimagensespeculares,advindasdooutro,seu espelho. Emoutromomentodotexto,comomesmoobjetivo,onarradordestacaa figura dos olhos: Eosprpriosolhos,decadaumdens,padecemviciaodeorigem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. [...] Os olhos, porenquanto,soaportadoengano;duvidedeles,dosseus,nodemim. (ROSA, 1977, p. 62). CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 3 Destaca-se a, a mxima Os olhos so a porta do engano, mediantea qual o narradoraludeaoenganoemqueincorreoserhumanoqueseidentificacomasimagens ilusrias.Assim,insinuaqueoserhumano,aomoldar-seaumavisosuapreestabelecida pelooutro,osmuitosespelhos,estariadotadodeumautoconhecimentomentiroso,deuma imagemsuaqueseriadaordemdo/parecer/,masdo/no-ser/,semrelaode correspondncia, por conseguinte, com a verdade.Aofinaldoprimeirosegmento,onarradorrevelaotemorquesempreo acometeu de enfrentar sua imagem no espelho temor que o acompanhara desde a infncia e o atribui superstio do homem do interior com quem se identifica: Sou do interior, o senhor tambm; nanossaterra,diz-se quenunca se deve olharemespelhoshorasmortasdanoite,estando-sesozinho.Porque, neles,svezes,emlugardenossaimagem,assombra-nosalgumaoutra medonha viso. Sou, porm, positivo, um racional, piso o cho a ps e patas. Satisfazer-mecomfantsticasno-explicaes?jamais.Que amedrontadora viso seria ento aquela? Quem o Monstro? (ROSA, 1977, p. 63). Recusando-se a crer no /saber/ da ordem do misticismo arcaico-popular sobre a naturezadaimagemmedonhafornecidapelosujeitoespelho,onarradordeclaranomais deixar-se manipular por ela. Entretanto, ao situar a incoatividade do estado tenso-disfrico de medo dos espelhos em sua infncia, o narrador aponta para a influncia inegvel que recebeu da cultura mstica do interior, espao de onde proveio, influncia que perdura at o presente. O efeito passional de medo, relacionado credulidade popular, por outro lado, teriaimpelidooeupretritoaumasobremodalizaopelo/dever-saber/,levando-oa automanipular-se para entender a causa desse temor.Nesse sentido, outra figura do texto a superstio fecundo ponto de partida para a pesquisa pode ser considerada uma catfora que prenuncia, em nvel de enunciao, a origem do programa narrativo por meio do qual o eu passouasemobilizar,nopretrito,paraaaquisiodeum/saber/sobreanaturezada medonhavisoe,somenteaoadquirirtalconhecimento,quepdejulgaressasimagens detratoras ilusrias, fantsticas no explicaes.Onarradorvai-sedesvelando,porconseguinte,umserconstitutivamente heterogneo,influenciadotantopelaculturaarcaico-popular,quantopeloconhecimentoda ordem da cincia.Afacetacultadonarradormanifesta-seconstantementenorelato,como podemos verificar, se nos reportarmos, por exemplo, referncia ao mito de Narciso que ele j explicitara em: Tirsias havia predito ao belo Narciso que ele viveria apenas enquanto a si mesmo no se visse ... Sim, so para se ter medo, os espelhos.(ROSA, 1977, p. 62). AoaludirsprediesdeTirsiasacercadopercursodevidadeNarciso,o narrador antecipa que tratar do tema do autoconhecimento do ser humano, fazendo aluso s implicaes narcsicas a ele relacionadas. Logo, ao levar o enunciatrio a refletir sobre os temas de sua histria pretrita, onarradorvaialongandoatemporalidadedaenunciao,oqueeleexplicita,pormeioda utilizaodometadiscurso.Convmnotar,nessesentido,aimportnciadesuaalusoao processonarrativoquesecorporificanoenunciadoAlongo-me,porm.Contava-lhe....Essaaviaqueeleencontrapararetardaraprojeodoenunciadoenunciadoemquesitua sua histria pretrita, o que ocorre na segunda sequncia do texto. CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 4 Metamorfoses do eu pretrito: a busca da vera forma Esta sequencia inicia-se por uma debreagem temporal enunciativa em que h a revelaodonarradoracercadotemorqueoacometeuumdia,aosedarcontadesua alteridade, quando visualizou sua figura em dois espelhos: Foinumlavatriodeedifciopblico,poracaso.Eueramoo,comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei... Explico-lhe: dois espelhos um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ngulo propcio faziam jogo. E o queenxerguei, por instante, foi umafigura,perfil humano,desagradvel ao derradeirograu,repulsivo,senohediondo.Deu-menuseaaquelehomem, causava-medioesusto,eriamento,espavor.Eeralogodescobri...era eu, mesmo! [...] Desdea,comeceiaprocurar-meaoeupordetrsdomimtonados espelhos, em sua lisa, funda lmina, em seu lume frio. (ROSA, 1977, p. 63). Anusea,odio,osusto,oeriamento,oespavorsofigurasque manifestamosestadospassionaisdemedoedeangstiadosujeitoeu,responsveispela instaurao de uma crise interna em que ele se enredou, ao vislumbrar sua figura monstruosa no espelho. Nota-se,apartirda,arevelaodoprogramanarrativodebasedoeu,como actantedoenunciadooinciodeseupercursoembuscadoobjeto-valoridentidade manifestado em e Comecei a procurar-me ao eu por detrs do mim. Inconformado com a cisointernaqueelenoqueriaaceitareentender(/noquerer-ser/),oeucomeaarealizar vrios programas narrativos de uso, desejando libertar-se inicialmente dos aspectos que em si mesmo ele abominava e que a imagem no espelho refletia. Aumestadonarcsicodevaidadeedeconformidadeanteriorescomsua imagemsucedeu-se,pois,umestadodeinconformismodoeuperanteafiguradooutro,o desconhecido com o qual ele abruptamente se defrontou e que ele no pde aceitar. AssisSilva(1995,p.187,grifodoautor)observaquenafasedoespelhoda teoria lacaniana, o objetivo de Narciso de identificar-se com a imagem cuja beleza o fascina e imobiliza realiza uma alienao do desejo num objeto que est signado por uma valorizao que depende dos cnones estticos que o Outro (im)pe. Seria,pois,esseobjetivonarcisistaqueterialevadoosujeitoeuabuscaro eupordetrsdomimtonadosespelhos,atrsdaimagemperdidaqueoenvaidecia.O espelho, por sua vez, representando o outro, teria a funo de revelar ao sujeito que esse outro buscado seria um objeto faltante, evanescente, como afirma Silva (1985, p. 189). Conforme Laplanche e Pontalis (1998, p. 177), importante lembrar que a fase do espelho, na teoria lacaniana, relaciona-se constituio do primeiro esboo do ego. Nessa fase, a criana percebe na imagem do semelhante ou na prpria imagem especular, uma forma em que antecipa uma unidade corporal que objetivamente lhe falta, identificando-se com essa imagem.Afasedoespelhoquefariasurgirretroativamenteafantasiadocorpo fragmentado.Notratamentopsicanaltico,segundoosautores,v-se,porvezes,aparecera angstia de fragmentao por perda da identificao narcsica, e vice-versa. Seria, portanto, essa perda de identificao narcsica que teria passado a ocorrer com o eu pretrito.CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 5 Voltandotemporalidadedaenunciao,onarradorrefere-senovamenteao temadoautoconhecimento,dabuscadaidentidade,queestaria,noentanto,legadaao fracasso, na medida em que regida por um modelo que se associa ao ego ideal 1: Quem se olha em espelho, o faz partindo de preconceito afetivo, de um mais oumenosfalazpressuposto:ningumseachanaverdadefeio:quando muito,emcertosmomentos,desgostamo-nosporprovisoriamente discrepantes de um ideal esttico j aceito. Sou claro? O que se busca, ento, verificar,acertar,trabalharummodelosubjetivopreexistente;enfim, ampliar o ilusrio, mediante sucessivas novas capas de iluso. (ROSA, 1977, p. 64, grifo do autor). Desse modo, o narrador vai levando o narratrio a perceber os enganos em que se enredou oeu no pretrito em busca de suavera forma. Antecipa, assim, um /saber/ que ele demoraria muito tempo para adquirir: o saber sobre suas tentativas de resgatar aimagem narcsica que o envaidecia, relacionada ao ego ideal. Nesse sentido, sobremodalizado pelo /querer-saber/,osujeitoeuapoiou-seinicialmentenoDestinadormanipuladorcincia para a aquisio de sua vera forma: Eu,porm,eraumperquiridorimparcial,neutroabsolutamente.Ocaador domeuprprioaspectoformal,movidoporcuriosidade,quandono impessoal, desinteressada, para no dizer o urgir cientfico. Levei meses.Sim, instrutivos. (ROSA, 1977, p. 64). O narrador, entretanto, j declarara que seria intil buscar no outro as respostas paraoautoconhecimento.Seriaampliaroilusriomediantesucessivas,novascapasde iluso (ROSA, 1977, p. 64), de acordo com sua avaliao veridictria.Poroutrolado,valedestacarafiguraeueraumperquiridorimparcial, neutro absolutamente, que, aliada do urgir cientfico, delineia o percurso figurativo de buscadoautoconhecimento,porpartedoeu.Essepercursoseassocia,nonvelnarrativodo texto, s performances do sujeito eu, que iniciou um lento e gradativo processo de busca da modalidadedo/saber/sobreseuserpormeiodaobservaoedoenfrentamentodesuas imagensqueelepassouaperscrutarnosespelhos,objetivandoentend-lascombase inicialmente no conhecimento cientfico: Operavacomtodasortedeastcias:orapidssimorelance,osgolpesde esguelha,alongaobliquidadeapurada,ascontra-surpresas,afintade plpebras,atocaiacomaluzderepenteacesa,osngulosvariados incessantemente.Sobretudoumainembotvelpacincia.Mirava-me, tambm,emmarcadosmomentosdeira,medo,orgulhoabatidoou dilatado,extremaalegriaoutristeza.Sobreabriam-se-meenigmas.Se,por exemplo, em estado de dio, o senhor enfrenta objetivamente a sua imagem, odiorefluierecrudesce,emtremendasmultiplicaes:eosenhorv, ento, que, de fato, s se odeia a si mesmo. Olhos contra os olhos. Soube-o:osolhosdagentenotmfim.Selespairavamimutveisnocentro do 1 Laplanche e Pontalis (1998, p. 139) afirmam que o ego ideal, na teoria lacaniana, corresponde a uma formao essencialmentenarcsicaquetemsuaorigemnafasedoespelhoequepertenceaoregistrodoimaginrio.O texto em queFreud introduzo termo, segundo os autores,situa na origem da formao das instncias ideais da personalidadeoprocessodeidealizaopeloqualoindivduotemcomoobjetivoareconquistadoestadode onipotncia do narcisismo infantil. CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 6 segredo. Se que de mim no zombassem, para l de uma mscara. Porque, o resto, o rosto, mudava permanentemente. (ROSA, 1977, p. 64). Nota-se, entretanto, que o aprender a no ver do sujeito eu relacionou-se paixodomedoqueoacometeueasuaincompetnciapara/poder-fazer/,ouseja,poder aceitar as componentes que herdara da natureza animal e, ao mesmo tempo, aprendera na sua relao com o outro. Onarradorrelataqueeleobtinhasucessonaempreitadadelibertar-seda facetaqueoabominava,eossujeitosdestinadoresdacompetnciado/saber-fazer/para tanto, foram, alm dos postulados da cincia, os oriundos da religio e da filosofia, em cujos mtodos ele tambm se apoiou: Mas, era principalmente nomodus de focar, na viso parcialmente alheada, que eu tinha de agilitar-me: olhar no-vendo. Sem ver o que em meu rosto, no passava de reliquat bestial. [...]Edigo-lhequenessaoperaofaziareaisprogressos.Poucoapouco,no campo-de-vistadoespelho,minhafigurareproduzia-se-melacunar,com atenuadas,quaseapagadasdetodo,aquelaspartesexcrescentes.Prossegui. J a, porm, decidindo-me a tratar simultaneamente as outras componentes, contingenteseilusivas.Assim,oelementohereditrioasparecenascom ospaiseavsquesotambm,nosnossosrostos,umlastroevolutivo residual.[...]E,emseguida,oquesedeveriaaocontgiodaspaixes, manifestadasoulatentes,oqueressaltavadasdesordenadaspresses psicolgicas transitrias. E, ainda, o que, em nossas caras, materializa ideias esugestesdeoutrem;eosefmerosinteresses,semsequncianem antecedncia,semconexesnemfundura.(ROSA,1977,p.65,grifosdo autor). Assim,oeumobilizou-separaumasucessodefazeresqueolevaramauma gradual desreferencializao fsica, e da figura monstruosa inicial que ele vislumbrara no jogo deespelhos,suaimagemfoisetransformandoatqueelesedeparoucomsuafigura lacunar. Essas metamorfoses podem ser associadas ao tema da desumanizao, visto que aos poucos elefoi aprendendo a negartudo que emseu perfil lembravaa referncia aoanimal e ao humano.Nesse momento, novamente dominado pela paixo do medo, j que os fazeres quetinhamcomoobjetivolibert-lodooutroladodeseueuolevaramaadoecer,osujeito eu, manipulado por intimidao, resolveu abandonar por algum tempo o programa narrativo de anulao das partes excrescentes, o que se torna perceptvel no excerto: medidaquetrabalhavacommaiormestria,noexcluir,abstraireabstrar, meuesquemaperspectivoclivava-se,emformamendrica,amodosde couve-flor ou bucho de boi, e em mosaicos, e francamente cavernoso, como umaesponja.E escurecia-se. Por a, noobstanteoscuidados com asade, comecei a sofrer dores de cabea. Ser que me acovardei, sem menos? [...]. Degolpeabandoneiainvestigao.Deixei,pormeses,deolhar-meem qualquer espelho. (ROSA, 1977, p. 66). A deciso do sujeitoeu de abandonaros experimentos com espelhos ocorre ao final da segunda sequncia do texto, e o narrador, no presente da enunciao, manifesta a CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 7 dvida sobre o estado patmico de medo, de covardia em que se encontrou naquele momento passado em relao a tais experimentos. A assuno do eu heterogneo A terceira sequncia abre-se com uma reflexo do narrador acerca do papel do tempo.Depoisdemesesemquedesistiradeperseguiraveraforma,assustadocomo despojamentogradualdoscaracteresfsicos,queforaseoperandoemsuafigura,oeu, novamentesobremodalizadopelo/querer-saber/,voltouaolhar-senoespelhoedeparou-se com a total desfigura. Essatransformaodeestado,todavia,nofoiumaperformanceporele realizada, mas foi se processando sua revelia, com o passar do tempo: Mas com o comum correr cotidiano, a gente se aquieta, esquece-se de muito. O tempo, em longo trecho, sempretranquilo. E podeser, no menos, que encoberta curiosidade me picasse. Um dia... Desculpe-me, no viso a efeitos deficcionista,inflectindodepropsito,emagudo,assituaes.Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e no me vi. No vi nada. S o campo, liso, s vcuas aberto como o sol, gua limpssima, disperso da luz, tapadamente tudo. Eu no tinha formas, rosto? Apalpei-me em muito. Mas,oinvisto.Oficto.Osemevidnciafsica.Eueraotransparente contemplador?... [...] Comque,ento,duranteaquelesmesesderepouso,afaculdade,antes buscada, por si, em mim se exercitara! Para sempre? [...] Tantoditoque,partindoparaumafiguragradualmentesimplificada, despojara-meaotermo,attotaldesfigura.Eaterrvelconcluso:no haveriaemmimumaexistnciacentral,pessoal,autnoma?Seriaeuum... des-almado? (ROSA, 1977, p. 66). Evidencia-seainda,nesseexcertodotexto,oinciodaaquisioda competnciaparaoautoconhecimentoporpartedoeu/saber-ser/queserelacionaaseu processo de conscientizao sobre a vacuidade existencial do ser humano, quando este deixa de considerar a importncia do outro na constituio de sua identidade. Para Lacan (1986, p.197-198): [...]nummovimentodebscula,detrocacomooutroqueohomemse apreendecomocorpo,formavaziadocorpo.Damesmaforma,tudooque estnelenoestadodepurodesejo,desejooriginrio,inconstitudoe confuso,oqueseexprimenovagidodacrianainvertidonooutroque eleaprenderareconhec-lo.Aprender,porquenoaprendeuainda, enquanto no colocamos em jogo a comunicao. [...] Antes que o desejo aprenda a se reconhecer [...] pelo smbolo, ele s visto no outro. Naorigem,antesdalinguagemodesejosexistenoplanodarelao imaginriadoestadoespecular,projetado,alienadonooutro.Atensoque ele provoca ento desprovida de sada. Quer dizer, no tem outra sada [...] seno a destruio do outro. Segundo o psicanalista francs (LACAN, 1986, p. 198), o desejo do sujeito s pode,nessarelao,confirmar-seatravsdeumaconcorrncia,deumarivalidadeabsoluta comooutro,quantoaoobjetoparaoqualtende:Ecadavezquenosaproximamos,num CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 8 sujeito,dessaalienaoprimordial,seengendraamaisradicalagressividadeodesejode desaparecimento do outro enquanto suporte de desejo do sujeito.Logo, o fazer a que se voltou o sujeito eu pode ser homologado a esse desejo dedesaparecimentodooutro.Todavia,aoeliminaroqueadveiodooutro,elesofreu metamorfoses que o levaram da figura, que ele inicialmente percebera monstruosa no espelho, para a total desfigura. O eu: uma nebulosa Naltimasequnciadotexto,ocorremoutrasmetamorfosescomoeuque tambm se relacionam ao processo de passagem do tempo: Poisfoique,maistardeanos,aofimdeumaocasiodesofrimentos grandes,denovomedefronteinorostoarosto.Oespelhomostrou-me. Oua.Porumcertotempo,nadaenxerguei.Sento,sdepois:otnue comeo de um quanto como uma luz, que se nublava, aos poucos tentando-seemdbilcintilao,radincia.[...]Queluzinha,aquela,quedemimse emitia, para deter-se acol, refletida, surpresa? [...] Pora,perdoe-meodetalhe,eujamava-japrendendo,istoseja,a conformidade eaalegria. E...Sim,vi,amimmesmo,denovo,meurosto, um rosto; no este que o senhor razoavelmente me atribui. Mas o ainda-nem-rosto-quasedelineado,apenasmalemergindo,qualumaflorpelgica,de nascimento abissal... E era no mais que: rostinho de menino, de menos-que-menino,s.S.Serqueosenhornuncacompreender?(ROSA,1977,p. 68). Otrminodosofrimentodoeu,comosepodeobservarnoexcertoacima, deveu-seaquisiodecompetnciaparaamare,emconsequncia,para/poder-fazer/: aceitar-seheterogneo,oqueserevelaemOespelhomostrou-me.Queespelhoseriaesse seno o outro, que ele pde comear a aceitar e a amar?Assim,afiguradaluzinhaquedeleseemitiupodeserconsideradauma metfora que o narrador utiliza para revestir essa descoberta do sujeito. Ela se relaciona a sua percepo,depoisdemuitosofrimento,dequecomeara,enfim,areconhecer-sehomem humano (ROSA, 1976, p. 460).Portantoao/saber/ilusrio,associadoaumaautoimagemqueoeuimaginara positiva,homognea,predeterminadaequeserelacionava,pois,aseuegoideal 2 sobrepe-se a incoatividade do processo deaquisio do /saber/ verdadeiro sobre sua radical heterogeneidade. Logo, ao procurar um modelo subjetivo preexistente, o eu partiu da figura monstruosa que vislumbrara no espelho e, com seus programas narrativos relacionados aseu ladoracional,chegoutotaldesfigura.Poroutrolado,somenteaoadquiriracompetncia paraamarasimesmocomosujeitoextremamenteheterogneoe,portanto,paraaceitar 2LaplancheePontalis(1998,p.139,grifonosso)observamqueaexpressoegoideal,segundoLacan, pertence ao registro do imaginrio ese distinguedaexpresso ideal do ego, quecorresponde instnciada personalidaderesultantedaconvergnciadonarcisismo(idealizaodoego)edasidentificaescomospais, comseussubstitutosecomosideaiscoletivos.Enquantoinstnciadiferenciada,oidealdoegoconstituium modelo a que o indivduo procura conformar-se. CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 9 tambmosoutrossereshumanosemsuaradicalheterogeneidade,mistrioeimperfeio que o eu pde ver-se novamente.Nessemomento,outrametamorfosequesofreuoeupretrito,equese manifestanotextopelafiguradorostinhodemeninoqueelevislumbrounoespelho, corresponde ao incio do processo de sua humanizao. importanteobservar,deacordocomLacan(1986,p.198),queos sofrimentos com os quais se defrontou o eu se relacionaram a seu desejo de fazer desaparecer ooutro,suportedeseudesejo.Masopsicanalistafrancsafirmaque,comoosujeitoest imerso no mundo do smbolo, num mundo de outros que falam, seu desejo suscetvel da mediaodoreconhecimento.ConvmaquicitarLacan(1986,p.198)novamente,para apreendermosarelaoqueseestabeleceentresuasreflexeseomomentoemqueoeuse reconhece outro e no outro: [...]Inversamente,cadavezque,nofenmenodooutro,algoapareceque permite ao sujeito reprojetar, recompletar, nutrir, como diz Freud em algum lugar, a imagem do Ideal-Ich, cada vez que se refaz de maneira analgica a assuno jubilatria do estdio do espelho, cada vez que o sujeito cativado porumdeseussemelhantes,odesejovoltanosujeito.Masvolta verbalizado. (LACAN, 1986, p. 198, grifo do autor). Nesse aspecto, que, para Lacan (1986, p. 166), o amor reabre aporta [...] perfeio. interessante enfatizar, ainda em relao ao excerto supracitado, a explicitao dotemadaradicalheterogeneidadedoserhumano.Onarradordirige-seaonarratrio, observando que ele, como sujeito da instncia da enunciao, j era um outro, que comeou a nascer,aconstruir-se,aperceber-sehumanonummomentopretrito,nomomentoemque pdeconformar-secomsuadiversidade,enfim,comseuinsondvelmistrio.Nopresente, porconseguinte,elejsesabeoutro.Daaimportnciadamenoquefazimagemdo meninonoespelho,explicandoaonarratrioqueelanomaiscorrespondiaasuaimagem presente.Evidencia-se,portanto,que,desuaperspectiva,oautoconhecimentoseriaum objeto-valorevanescente3,aserperseguidocontinuamenteaolongodatravessiadavidae nuncasemoldariasimagensideais,preconcebidas,oriundasunicamentedeum/saber/de ordem racional. Pelocontrrio, talconhecimentode nada lhe valeria se, paralelamente a ele, nohouvesseaaquisiodeoutracompetnciaconstrudainterna,progressivae continuamenteaolongodopercursoexistencial:acapacidadeparaamar-seeaceitar-se heterogneo,contraditrioe,apartirda,/poder-fazer/,ouseja,amareaceitarooutrocomo seu espelho igualmente heterogneo. Nesse sentido, vale ressaltar que, ao trmino do relato, o narrador volta-se para onarratrio,dirigindo-lhequestionamentossobreomistriodapersonalidadehumana,por meiodeenunciadosinterrogativoscomosquaisfinalizaosquatroltimospargrafosdo texto. Isso nos remete, enquanto enunciatrios, ao incio do texto. Ali o narrador se propusera narrarum/saber/decartertranscendentalacercadanaturezadosespelhos.Afinal,pode-se concluirqueesse/saber/relaciona-seconscientizaodoserhumano,acercadaradical 3AplicandoateorialacanianadafasedoespelhonaanlisequefazdomitodeNarciso,Silva(1995,p.195) observa,apartirdasreflexesdeVallejo,queOjequementaementeosujeitonegacomsuailusria unidade o lugar de uma ciso; funciona como mero suporte de uma carncia. Assim, como nas aulas de anatomia seobtm,pelasobreposiodetransparncias,umailusriaunidadedocorpohumano,asobreposiodos registros real, simblico e imaginrio produz esse efeito de integrao que a ilusria unidade do eu (je). CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 10 heterogeneidadeemistrioqueconstituiriamaessnciadeseuser,enfim,dequeoeu constitudodooutro,seuespelho.Explicita-se,dessaforma,aoenunciatrioqueavera forma,arduamentebuscadapeloeupretrito,aolongodeseupercursoexistencial, permaneceria uma nebulosa4. Convm mencionar aqui, conformeLacan (1986,p. 164), que o transcendente relaciona-se ligao simblica entre os seres humanos: O que a ligao simblica? [...] que socialmente ns nos definimos por intermdiodalei.datrocadesmbolosquenssituamosunsemrelao aos outros nossos diferentes eus [...]. Emoutrostermos,arelaosimblicaquedefineaposiodosujeito como aquele que v. a palavra, a funo simblica que define o maior ou menor grau de perfeio, de completude, de aproximao ao imaginrio. Dessaperspectiva,outro/saber/secreto,decartertranscendental,queo enunciadornospossibilitoudesvendarnoespelholingusticodeseutexto,relaciona-se relao especular que estabelece no texto com o mito.Observa-sequeoenunciador,emOespelho,simulaconstruiromito,no sentido em que o entendem Freud e Lacan, ou seja, como figurativizao da antropognese do sujeito.Naverdade,porm,oatoreufrutodalinguagemliterriaque,porsuavez, dialogatantocomanarrativadeOvdio5,quantocomoconceitodemitonosentido psicanaltico.Nessesentido,porconseguinte,queentendemosotextorosianocomo mitopotico. interessanteressaltaraobservaodeLacan(1986,p.164),quandoreflete sobreafunosimblicadapalavra,queimprimeaelaumcartertranscendental.Parao psicanalistafrancs,seriaessaafunoresponsvelpelomaiorgraudeperfeio,de completude,deaproximaodoimaginrioaquepoderamoschegar.Podemosassoci-laa uma tentativa de resposta a um questionamento do narrador, quando o eu pretrito se d conta de que sua identidade se constitua da alteridade: Ento,oquesemefingiadeumsupostoeu,noeramaisque,sobrea persistnciadoanimal,umpoucodeherana,desoltosinstintos,energia passionalestranha,umentrecruzar-sedeinfluncias,etudoomaisquena impermannciaseindefine?Diziam-meissoosraiosluminososeaface vazianoespelhocomrigorosainfidelidade.Eseriaassimcomtodos? Seramos no muito mais que as crianas o esprito do viver no passando dempetosespasmdicos,relampejadosentremiragens:aesperanaea memria. (ROSA, 1977, p. 67, grifo do autor). 4Umaretroleituradotextopossibilita-nosobservarqueonarradoranteciparatambmesse/saber/deforma cifrada ao narratrio, quando, ao referir-se quele que seria o programa narrativo de base do eu pretrito, utiliza-se do ditico essa no enunciado Sendo assim, necessitava eu de transverberar o embuo, a travisagem daquela mscara, afito dedevassar o ncleodessanebulosaaminhaveraforma. (ROSA, 1977, p. 64, grifo nosso). Ao aludir, no presente da enunciao, sua vera forma como uma nebulosa, ele antecipa ao narratrio, mais uma vez, um /saber/ que o eu, como sujeito do enunciado, demoraria para adquirir. 5 Nota-sequeo dilogo com a narrativa ovidiana seprocessa, no texto OEspelho, por meio deumarelao polmica, uma vez que o percurso do eu deste conto pode ser considerado um percurso narcsico s avessas. CASA, Vol.8 n.2, dezembro de 2010 http://seer.fclar.unesp.br/casa 11 Vale notaro encurtamento da distnciaque se processa nesse excerto entreo eu e o ns. angstiado eu quefigurativiza o ser humano frente conscincia da cisooriginria,memriainscritaemnossocorpo,reagimoscomaaspirao,aesperana deresgataracompletude,deacordocomateoriapsicanalticaquepareceressoarnasduas figuras em destaque. DeacordocomLacan,caberiapalavraconstruir,commaioroumenorgrau de perfeio, a ponte entre a esperana e a memria.A nosso ver, a palavra potica rosiana, namedidaemqueressemantizavaloresinscritosemdiscursosoutrosquepartilhamoscom nossa comunidade enunciativa, cumpre tal papel de modo radicalmente inovador. Referncias bibliogrficas LACAN, J. Os escritos tcnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. (O Seminrio, livro1). LAPLANCHE,J.;PONTALIS,J.B.Vocabulriodepsicanlise.7.ed. SoPaulo:Martins Fontes, 1998. ROSA, J. G. Grande serto: veredas. 10 ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1976. ______. Primeiras estrias. 10 ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1977. SILVA, I. A. Figurativizao e metamorfose: o mito de Narciso.So Paulo: UNESP, 1995.